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ANÁLISE
ALEXANDRE CORDEIRO
ANA SOFIA CARDOSO MONTEIRO SIGNORELLI
Imagem: Pixabay
Resumo
Historicamente, crises econômicas tendem a forçar uma revisitação dos objetivos
originalmente perseguidos pelo direito antitruste, procurando ampliar seu escopo. A crise
da Covid-19 não tem se mostrado muito diferente. O debate usualmente disseminado
pelos chamados hipsters do antitruste vem ganhado novas vozes durante a pandemia.
Este artigo procura revisar como se deu a evolução do direito antitruste e debater, à luz de
desenvolvimentos doutrinários e lições aprendidas com crises anteriores, sobre as
consequências que a eventual adoção de novos rumos pode representar.
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1. Introdução
O termo antitruste remete ao combate iniciado nos Estados Unidos contra a utilização do
instituto do trust na qualidade de um instrumento de planejamento societário que
contribuía para o fomento de grandes monopólios durante o século XIX[2].
Ao passo em que o abuso do poder econômico pode, de fato, ser o objeto de análise
presente desde as origens do Direito Antitruste, coibir o abuso do poder econômico não
possui um fim em si mesmo.
O abuso do poder de mercado é apenas mais um dos fatores que impedem mercados
competitivos de atingir a eficiência – dentre outros fatores, pode-se também citar a
existência de informações imperfeitas e externalidades de produção, conforme aponta a
teoria microeconômica[4].
Dessa forma, pode-se dizer que a discussão sobre os objetivos do antitruste envolve um
importante questionamento sobre a finalidade que existe em reprimir a concentração de
poder, fazendo surgir uma polarização sobre o que deve ser combatido: as estruturas de
mercado, conforme passou a defender a Escola de Harvard[5] ou as condutas em si, de
acordo com o posicionamento defendido pela Escola de Chicago[6].
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Em que pese o fato de que a interdependência sugerida (não ineditamente) pelos autores
revela a importância da retomada das discussões sobre os objetivos do direito antitruste
em momentos de crise econômica, o presente artigo propõe-se a discutir como os
perversos efeitos da Covid-19 podem implicar em uma violenta movimentação do pêndulo
entre Chicago e Harvard, especialmente no contexto de países emergentes, como é o
peculiar caso brasileiro em matéria de política concorrencial.
Assim, este artigo objetiva refletir sobre as consequências da adoção de novos rumos para
os objetivos do direito antitruste brasileiro enquanto se discute os impactos econômico-
financeiros sofridos pela crise da Covid-19. Para tanto, ele se dividirá em três seções.
Na primeira seção, explica-se como se deu a evolução histórica dos objetivos antitruste a
partir de uma breve revisão sobre como este debate evoluiu no contexto dos Estados
Unidos e da União Europeia até chegar aos países emergentes – com destaque para as
peculiaridades da sua adoção no contexto dos emergentes.
Por fim, a terceira seção discute os efeitos da Covid-19 na retomada do debate sobre os
objetivos do direito antitruste, procurando explorar possíveis consequências ao definir
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A sociedade norte-americana então herdou, como fruto destes debates, (i) o entendimento
de que o objetivo das leis antitruste restringiam-se à proteção do bem-estar do
consumidor[10]; (ii) a clareza de que o que se estava procurando proteger era o instituto da
competição e não os competidores; e (iii) de que para fazê-lo, seria necessário desenvolver
todo um arcabouço metodológico capaz de auxiliar na execução do que estivesse
disposto em lei[11].
Enquanto isto, no continente europeu, o direito antitruste nascia junto à criação da União
Europeia (UE) e, por isso, desde sempre se confundia com seus próprios objetivos.
CHIRITA (2014, p. 286) explica que a primeira vez que a palavra “competição” é utilizada no
contexto da UE remete ao próprio tratado de Paris, assinado em 1951, que criou a
Comunidade Europeia do Carvão e Aço.
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O manifesto tornou bastante claro que o atual objetivo da França e da Alemanha é adequar
as regras concorrenciais de forma que a Comissão Europeia passe a considerar o sucesso
da política industrial do bloco como variável de análise nas suas decisões.
Neste sentido, o documento justifica que adaptações como esta são, na verdade, uma
resposta à ausência de um playing field regulatório global, o que envolveria ainda outras
iniciativas, como uma maior flexibilidade na definição de mercados relevantes[18].
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Não é difícil perceber que, não obstante os anos que separam a gênese do antitruste nos
Estados Unidos e na União Europeia, em ambos os casos a consolidação da
jurisprudência foi um elemento-chave para a construção dos objetivos da política
antitruste local, seja no sentido de redirecionar caminhos ou de acalentar discussões.
A autora, que possui uma série de publicações sobre as políticas antitrustes adotadas por
emergentes[19], utiliza-se da enigmática frase do juiz americano Robert Bork que remete à
urgência na definição da finalidade da lei antitruste para destacar o equívoco dos países
que se limitam à importação de leis estrangeiras sem de fato refletir sobre que tipo de
objetivo pretendem alcançar a partir da sua adoção.
Neste sentido, é importante notar que o posicionamento de WAKED, mesmo sendo por
tantas vezes utilizado em defesa de uma “abordagem multidimensional” da matéria
antitruste[20], na verdade privilegia a autodefinição destes objetivos de acordo com “o que
cada país considere como importante”[21], o que nos remete à atual complexidade do
desenvolvimento dos debates sobre os objetivos do antitruste no contexto dos países
emergentes, fortalecendo um movimento que ficou conhecido como “hipster antitrust”,
cujo principal argumento remete à falha da welfare standard em proteger o mercado
contra comportamentos anticompetitivos, conforme exploraremos a seguir.
Neste sentido, autores como FRAZÃO (2017) e CASTRO (2017) realizam ginásticas
teóricas para construir uma ideia de imposição da adoção do welfare standard nos países
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em desenvolvimento.
Conforme pontuam WRIGHT ET AL (2018, p. 3), aqueles que advogam pelo hipster
antitruste ignoram o fato de que o direito antitruste já passou pela fase em que se
incumbia da promoção de outros objetivos sociopolíticos.
Assim, a existência de erros de tipo I e erros de tipo II, conforme se explicará a seguir,
inverte a estrutura de incentivos da norma antitruste e emite um sinal de ausência de
enforcement aos competidores. Para os autores, essas seriam as famosas falhas de
governo geradas por intervenções equivocadas.
Assim, ao passo em que existe evidência empírica, com base na experiência americana, de
que a propositiva abordagem multidimensional dos hipsters não apenas criou insegurança
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Outra presunção que tem ganhado bastante força nos últimos anos é a disseminada por
FOX (2012) de que um “antitruste inclusivo” preocupado em garantir oportunidade e
mobilidade econômica seria favorável ao desenvolvimento econômico de longo prazo,
uma vez que protegeria concorrentes menores.
Todas estas presunções têm sido sustentadas não apenas por suas respectivas
construções teóricas, as quais serão endereçadas individualmente a seguir, como também
a partir do pressuposto de que a relação positiva entre a efetividade da politica de defesa
da concorrência e o crescimento econômico é uma inverdade em alguns países em
desenvolvimento, como é o caso dos latino-americanos, conforme sustentam segundo
CASTRO (2017, p. 132) exemplifica ao citar a obra de PETRECOLLA et al (2015).
A obra de PETRECOLLA et al, contudo, possui uma análise muito mais ampla que conclui
pela necessidade de regras concorrenciais mais simples e de fácil aplicação, de forma que
seu enforcement seja facilitado.
Um dos argumentos mais frequentemente utilizados por aqueles que advogam a favor da
necessidade de uma adaptação da politica antitruste ao contexto dos países emergentes
diz respeito às falhas da Teoria dos Erros do Antitruste, originalmente concebida pelo juiz
americano (então professor), Frank Easterbrook, em 1984[24].
Estes erros são então descritos pelo autor como Erro Tipo I (descrito como uma “falsa
convicção”, na medida em que remete ao erro de condenar uma empresa por práticas que
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na verdade são pró-competitivas) e Erro Tipo II (identificado pelo autor como “falsa
absolvição”, no sentido de absolver uma empresa envolvida em práticas anticompetitivas).
Assim, a sistemática defendida pelo autor é de que as decisões possam ter como objetivo
minimizar o custo total da soma dos erros[26], o que consiste na literal aplicação do
conceito de welfare standard, ou seja, de que o resultado final da política antitruste deve
privilegiar a eficiência, maximizando o bem-estar social.
Há dois detalhes importantes que o autor inclui em seu artigo sobre como estes erros
devem ser interpretados. Em primeiro lugar, que sempre que as autoridades tentarem
enfrentar um deles, o outro se fortalece, ou seja, as probabilidades de ocorrência dos dois
erros somam 1.
A outra observação é de que, para o autor, o risco do Erro Tipo I é maior que o Erro Tipo II,
uma vez que os custos que a sociedade terá para consertá-lo são superiores (é possível
que uma falsa absolvição seja corrigida pelo próprio mercado, ao passo que a intervenção
errônea que resulte na condenação de um comportamento pró-competitivo pode não
apenas disseminar-se entre outros mercados, como também significar mais custos para
reverter esta decisão em instância superior)[27].
Assim, autores como FIRST E WALLER (2013, p. 1572) advertem que a combinação da
Teoria dos Erros com a Regra da Razão poderia levar à “redução da aplicação da
legislação antitruste a um conjunto quase nulo”, ao passo em que LAMBERT (2020, p. 10)
adverte que, para alguns mercados, como é o caso das plataformas digitais, é possível que
os danos gerados com os Erros de Tipo 2 possam vir a ser irreversíveis.
Ora, em que pese a eventual necessidade de adaptar a ponderação das probabilidades dos
erros, o método de análise adotado por EASTERBROOK (1984) não é em si o problema,
tendo LAMBERT (2020, p. 9) inclusive observado que, desde 1984, nem os
desenvolvimentos nas estruturas de mercado, nem a evolução do conhecimento
econômico, foram capazes de questionar a inevitável existência dos erros e custos
decisórios descritos por Easterbrook.
Assim, inexiste uma “inaplicação” da teoria, havendo que se pensar, conforme o caso,
sobre um sopesamento diferente dos erros, o que pode não depender simplesmente de
questões estruturais da economia nacional (conforme sugerem os defensores de uma
adaptação ao contexto dos emergentes).
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Essa visão não parece ser a mais adequada. Ao analisarmos o próprio caso da Teoria dos
Erros do Antitruste, o raciocínio do autor apenas sugere uma fórmula para sopesar a
aplicação da lei na interpretação dos comportamentos – o que não quer dizer que ela fique
em segundo plano.
ANDRADE (2014) é mais uma das vozes que, assim como CASTRO (2017), critica a
“importação” da teoria de Easterbrook ao cenário brasileiro, sem, contudo, propor uma
alternativa.
É interessante notar, inclusive, que ao mesmo tempo em que CASTRO (2017) defende um
direito antitruste adaptado à realidade de cada jurisdição, ele se utiliza de exemplos sobre
a economia americana para justificar o “obsoletismo” das premissas adotadas por
Easterbrook e os demais simpatizantes da Escola de Chicago, ao valer-se, por exemplo, de
CHU (2013) para explicar o entrincheiramento de posições dominantes no mercado
americano.
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Os mesmos exemplos nacionais utilizados por Fox são similarmente reverberados por
WAKED (2015) que os descreve como uma tentativa destes países de diminuir a
desigualdade competitiva entre as diferentes etnias que compõem suas populações.
Ao passo em que autores como CASTRO (2017, p. 49) alegam que o modelo da eficiência
econômica estaria alinhado a uma ideologia que remete à sua visão de mundo sobre o
papel do Estado e da Empresa na sociedade, não é difícil de observar que a alternativa
oferecida pelo movimento do hipster antitrust a esta alegada falta de neutralidade do
welfare standard deixa muito a desejar com relação à neutralidade.
Ora, é interessante notar que esta batalha para reduzir a utilização pouco criteriosa de
princípios como verdadeiros trunfos decisórios é hoje travada no âmbito do direito
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contratual brasileiro, desde que a promulgação do Código Civil de 2002 trouxe consigo
princípios como a boa-fé objetiva e a função social do contrato.
Como conclusão, os autores apontam que sua análise sugere que os efeitos da
competição no crescimento econômico não limitam-se às variáveis amplamente
defendidas na literatura (CAVES E BARTON, 1990; GREEN E MAYES 1991; NICKEL, 1996;
HARRISON, 1994; LAPORTA E LOPEZ-DE-SILANES, 1999), como é o caso da liberalização
do comércio internacional, da qualidade institucional e de políticas concorrenciais
genericamente superiores.
Apesar de não ser mencionado no estudo de DUTZ E HAYRI (2016), anos antes VOIGT
(2005, p. 3-8) confirmava a hipótese explorada por eles, de que a eficiência na
implementação da política concorrencial pode ter um efeito positivo na produtividade total
dos fatores.
Para justificar esta decisão, o autor assume como premissa para o modelo a hipótese de
que quando as normas concorrenciais possuem outros propósitos que vão além da estrita
defesa da concorrência, somar estes “objetivos adicionais” importa na necessidade de que
a agência reguladora realize trade-offs, o que, consequentemente, diminuiria a efetividade
da defesa da concorrência nacional[32].
Quando adicionamos um fator exógeno à equação que define os efeitos que uma maior
eficiência na política concorrencial possui no crescimento econômico, como é o caso da
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O exemplo mais caricato para ilustrar de que forma uma legislação motivada por uma
aparente ampliação dos objetivos do antitruste americano acabou sendo prejudicial ao
próprio combate da crise foi o caso da National Industrial Recovery Act (NIRA).
Uma abrangente produção doutrinária[34] evidencia hoje que, mesmo antes de ser
considerada inconstitucional pela Suprema Corte Americana (cinco anos após entrar em
vigor)[35], a NIRA já produzia o que se entendia como uma espécie de “crise de compliance”
em função da mudança de expectativas dos agentes com relação ao enforcement da
regulação antitruste em vigor.
Conforme aponta IRONS (1982, p. 97), as flexibilizações normativas trazidas pelo NIRA
foram justificadas à época por Donald Richberg, que ocupava posição de liderança no
Conselho Geral da National Recovery Administration.
Neste sentido, Richberg explicava que a “proteção individual precisava dar lugar a um
esforço comum como sociedade” e que “milhares de empresários deveriam saber mais do
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que um pequeno grupo de advogados” – com relação que tipo de esforços comuns que
melhor estimulariam a recuperação econômica estadunidense.
O estudo publicado por TALBOT como livro é na verdade o resultado de sua tese de
doutorado, cujo crescimento no número de acessos foi bastante expressivo após o início
da pandemia[36].
Ao analisar o segundo cenário, o autor pôde concluir que o contexto econômico acabou
exercendo maior pressão no governo e nas cortes nacionais do que propriamente nas
autoridades reguladoras, o que provoca uma interessante reflexão sobre a habilidade das
autoridades reguladoras em resistir de pressões nacionais, industriais, regionais (no caso
da União Europeia) ou mesmo de “grupos populistas”, conforme menciona o autor[37].
A resiliência dos órgãos antitruste à qual TALBOT se refere claramente remete à discussão
sobre a necessidade ou não de alargar os objetivos do antitruste como instrumento de
combate aos efeitos da crise.
Ora, o raciocínio utilizado para retomar o debate dos objetivos antitruste em função de sua
relação com a eficiência da política concorrencial e, consequentemente também, com a
recuperação econômica parece de fato fazer sentido, conforme demonstraram VOIGT
(2005), DUTZ E HAYRI (2016) em seus respectivos estudos empíricos.
o caso da afirmação de que a promoção da competição pode não ser uma preocupação
central no momento pós-crise, diferentemente do que vinha acontecendo ao longo do
século XXI.
Contudo, é interessante notar que, assim que JENNY completa esta frase, ele a
complementa ressaltando a importância de revisar as lições aprendidas com a Grande
Depressão de 1929[39].
Ora, conforme foi possível verificar a partir da discussão sobre os perversos efeitos da
NIRA como medida emergencial adotada para combater os efeitos da crise de 1929, não é
difícil concluir que a flexibilização de regras antitruste para admitir condutas
anticompetitivas, com o objetivo de auxiliar na retomada da atividade econômica, pode ter
repercussões bastante negativas.
Ademais, a falta de precisão sobre a temporariedade destas medidas pode gerar novos
paradoxos, o que remete a um grau de insegurança jurídica indesejável cujos efeitos da
imprevisibilidade das decisões podem ser tão indesejáveis como em países de common
law, diferentemente do que alegam hipsters, como CASTRO (2017, p. 111).
Isto porque, mesmo sendo uma jurisdição civilista, os precedentes do Cade são de
extrema importância para nortear o comportamento dos agentes econômicos. Neste
sentido, há que se pontuar que o direito antitruste tem como características a
maleabilidade e a mutabilidade necessárias para o acompanhamento do dinamismo do
mercado.
Em função disto, apenas diretrizes gerais estão previstas em normas rígidas (como a Lei
12.529/2011), de forma que a maioria do seu regramento apresenta-se em normas
infralegais, tais como decretos, resoluções, portarias, jurisprudências, guias e manuais –
também chamados de soft laws.
Não obstante a análise pautar-se nas peculiaridades de cada caso concreto, este leading
case foi recebido pelo mercado como uma importante sinalização de que a
excepcionalidade da pandemia seria levada em conta pelo Cade no momento de avaliar as
condutas dos agentes, o que demonstra a importância da previsibilidade do raciocínio
decisório do órgão para o bom funcionamento do mercado.
Outra questão importante abordada por JENNY diz respeito à necessidade de conter os
efeitos indesejáveis de curto prazo, considerando que (i) a crise transforma o antigo
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Esses aspectos levantados por JENNY merecem uma reflexão mais cuidadosa. Em
momentos de crise, especialmente agudos como a pandemia da Covid-19, as condições
de mercados são alteradas radicalmente e em uma velocidade impossível de ser
acompanhada pelo mercado.
Nesse contexto é que deve a autoridade antitruste, na forma como afirma JENNY, conter
os efeitos indesejáveis de curto prazo, mas sem perder de vista o médio e o longo prazo.
Por fim, a afirmação do renomado professor não tem o sentido de ampliação dos objetivos
do direito antitruste, quando muito uma flexibilização dos padrões de análise da autoridade
concorrencial de forma pontual e específica para o caso concreto em um momento de
crise.
Assim, não obstante as críticas dos hipsters sobre a utilização da regra da razão
juntamente com a Teoria dos Custos, o que, segundo FIRST E WALLER (2013, p. 1572)
reduziria a aplicação da legislação antitruste a um conjunto quase nulo, a própria
existência das duas teorias é o que permite ao regulador sopesar a aplicação da lei no
caso concreto, fornecendo o caminho da “abordagem diferenciada”, conforme aconselha
JENNY sobre a atuação dos órgãos antitruste no período pandêmico.
Finalmente, JENNY pontua que políticas concorrenciais precisam ser melhor integradas
em um contexto mais amplo, que compreende politicas econômicas complementares.
Ora, este tipo de integração pode não necessariamente remeter aos objetivos perseguidos
pelo Direito Antitruste, mas sim ao desenho institucional nacional, o que poderia permitir
que as autoridades antitruste não precisassem realizar os trade-offs discutidos
anteriormente, deixando que outras instâncias, como, por exemplo, as cortes nacionais,
possam cuidar disso.
Mais uma vez, o head da divisão de concorrência da OCDE não amplia os objetivos do
direito antitruste, ao contrário, fala o óbvio – o que nunca é demais dizer – sobre políticas
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Neste sentido são as conclusões de KRONTHALER (2007, p. 9), ao estudar sobre o que
influenciaria o grau de efetividade da implementação do direito concorrencial, apontando
para a relevância da curva de aprendizagem institucional, ou seja, a capacidade que as
instituições nacionais possuem de construir experiências com base nas suas respectivas
leis antitruste, o que envolve, por exemplo, a capacitação do capital humano da autoridade
reguladora, bem como a experiência do judiciário na compreensão e aplicação da lei
antitruste.
Ademais, conforme muito bem pontuado por ELZINGA (1977, p. 1194), a política antitruste
não precisaria preocupar-se diretamente em, por exemplo, aumentar o poder aquisitivos
dos pobres, porque ela atinge este objetivo indiretamente ao proibir cartéis e monopólios
focando unicamente na eficiência de mercado.
5. Considerações finais
O tema objetivos do antitruste vem sendo discutido há muito tempo no Brasil e no mundo.
No início, a visão era mais ampla envolvendo questões políticas e sociais e,
posteriormente, voltou-se para o consumidor especificamente.
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Esse arcabouço metodológico foi desenvolvido e vem sendo utilizado com rigor. Já os
críticos desse modelo, como de costume, apresentam suas inquietações, mas são
incapazes desenvolver e apresentar aos mercados metodologia substituta.
É perfeitamente compreensível que esse tema tenha se tornado um dos mais discutidos
nos últimos meses. Vive-se uma crise gravíssima e normalmente em momentos como
esse a vontade de achar soluções para problemas antigos levam os tomadores de decisão
a pensar com o sistema automático do cérebro (GREENE, 2018). É preciso calma e muita
reflexão. Ainda sequer se sabe as reais consequências da crise. Crises passam e efeitos
de decisões equivocadas tendem a se perpetuar.
Deve-se olhar para trás e aprender com os erros do passado. O National Industrial
Recovery Act implementado nos Estados Unidos na década de 30 é um bom exemplo.
Assim como ressaltou JENNY (2020), é importante revisar as lições aprendidas com a
Grande Depressão de 1929.
A proposta hipster parece sedutora, mas temos que lembrar que o direito concorrencial
não é a solução para todos os problemas.
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[1] BORK, Robert. The antitrust paradox: a policy at war with itself. Nova York: Editora The Free Press,
1993. p. 50.
[4] Sobre o tema, VARIAN (2012, p. 679-680) explica que uma externalidade de produção
Robert. Antitrust Law (1976; 2d ed. 2001); EASTERBROOK, Frank. Ignorance and Antitrust
119, in Antitrust, Innovation, and Competitiveness (T. Jorde & D. Teece, eds., 1992);
EASTERBROOK, Frank.The Limits of Antitrust, 63 Texas L. Rev. 1, 2 (1984); POSNER,
Richard. The Chicago School of Antitrust Analysis, 127 U.Pa.L.Rev. 925 (1979); BORK,
Robert. The Antitrust Paradox: a Policy at War with Itself (1978).
[9] Um dos textos que surgiram a partir destas discussões foi POSNER, Richard A.;
EASTERBROOK, Frank H. Antitrust: Cases, Economic Notes and Other Material, XVI, 2nd Ed,
1981.
[10] FTC v. Superior Court Trial Lawyers Ass’n, 493 U.S. 411, 423 (1990)
seções posteriores.
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[13] “… On peut, à cet égard, admettre que, comme c’est aujourd’hui le cas dans les marchés
nationaux, toutes les interventions des autorités publiques n’auront pas, comme telles, pour
conséquence de fausser le jeu de la concurrence”. Ob cit.
concentração que seria fruto desta fusão seria incompatível com o mercado interno e o
funcionamento do European Free Trade Association Agreement (Case M.8677
SIEMENS/ALSTOM), disponível em
<https://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m8677_9376_3.pdf>, acesso
em 26 de maio de 2020.
[16] “A Franco-German Manifesto for a European industrial policy fit for the 21st Century”.
Disponível em <https://www.bmwi.de/Redaktion/DE/Downloads/F/franco-german-
manifesto-for-a-european-industrial-policy.pdf?__blob=publicationFile&v=2>, acesso em
26de maio de 2020.
[17] Ob cit, p. 3.
[21] “To answer the question of “what the point of the law is,” develop- ing countries must
assess their own needs and tailor their competition law enforcement in a way that
particularly addresses what they consider important”. In WAKED, 2015 p. 947
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[23] Para ilustrar a utilização deste tipo de argumento no meio acadêmico, CASTRO (2017)
cita autores como DEVLIN E JACOBS (2010b, p. 98) e EVANS (2009, p. 181).
[25] EASTERBROOK, 1984, p. 4.
[26] “The legal system should be designed to minimize the total costs of (1) anticompetitive
practices that escape condemnation, (2) competitive practices that are condemned or
deterred, and (3) the system itself” In EASTERBROOK, 1984, p. 16.
[27] “A fundamental difficulty facing the court is the incommensurability of the stakes. If the
court errs by condemning a beneficial practice, the benefits may be lost for good. Any other
firm that uses the condemned practice faces sanctions in the name of stare decisis, no
matter the benefits. If the court errs by permitting a deleterious practice, though, the welfare
loss decreases over time. Monopoly is self-destructive. Monopoly prices eventually attract
entry. True, this long run may be a long time coming, with loss to society in the interim. The
central purpose of antitrust is to speed up the arrival of the long run. But this should not
obscure the point: judicial errors that tolerate baleful practices are self-correcting, while
erroneous condemnations are not”, in EASTERBROOK, 1984, p. 13.
[30] “The existence of wide swaths of ambiguity in the competition law could play into the
hands of state officials, who could be in- clined to discriminate in favor of their ‘own’ and
may have the freedom to do so without accounta- bility”. In FOX, 2000, p. 592.
[32] Ao explicar a premissa adotada no seu raciocínio, o autor se remete aos casos da
Tunísia, Filipinas, Marrocos, Malta, África do Sul e Zimbábue, todos eles exemplos de
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ordenamentos que decidiram adotar leis antitruste com objetivos bastante amplos. In
VOIGT, 2005, p. 10.
[34] Para referências a este respeito, é leitura obrigatória as obras de IRONS, Peter H. The
New Deal Lawyers. Princeton: Princeton University Press, 1982; BRAND, Donald.
Corporativism and the Rule of Law: A Study of the National Recovery Administration.
Ithaca: Cornell University Press, 1988; ALEXANDER, Barbara. The Impact of the National
Industries Under National Recovery Administration. Journal of Economic History 57, No. 2,
1997, p. 322-344.
[36] De acordo com o repositório da faculdade onde concluiu o seu programa de doutorado,
[37] “(…)When forced to make decisions that have political, economic and social
consequences the Commission is aware that its activities are under public scrutiny, so such
situations provide good insight into the robustness of the rules themselves as well as the
ability of the Commission to withstand pressure from national, regional, industrial and
populist groups”. In TALBOT, 2018, p. 8.
[39] Ob cit, p. 9.
[40] CADE (2018). “CADE autoriza cooperação logística entre distribuidoras para normalizar
[41] CADE (2020). “CADE avalia colaboração entre concorrentes devido à crise do novo
[42] FTC v. Superior Court Trial Lawyers Ass’n, 493 U.S. 411, 423 (1990).
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ALEXANDRE CORDEIRO – Presidente do Cade. Possui dupla graduação em Direito e em Economia, é doutorando
em Direito Econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto
Brasiliense de Direito Público e pós-graduado em Processo Administrativo Disciplinar pela Universidade de Brasília.
Visiting Scholar e International Fellow do Global Antitrust Institute da Antonin Scalia Law School - George Mason
University em Washington/DC. Auditor de carreira da Controladoria-Geral da União desde 2006, onde foi assessor e
chefe de gabinete do Corregedor-Geral da União. Foi secretário-executivo do Ministério das Cidades. É professor
de Direito Econômico e de Análise Econômica do Direito da Escola de Direito de Brasília/IDP. É professor convidado
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, do Ibmec e da Faculdade de Direito de Vitória. Organizador e autor do
livro Tópicos Especiais de Direito Concorrencial, Editora Cedes. Autor de vários artigos em livros, revistas e jornais.
ANA SOFIA CARDOSO MONTEIRO SIGNORELLI – Formada em Direito, Economia e Relações Internacionais.
Mestre em Administração. Doutoranda em Direito na USP e Chefe da Assessoria da Presidência do Cade
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