INTRODUÇÃO
Constitui tema de grande relevância para actualidade, na medida em que com a liberalização do
comércio, quer ao âmbito nacional, regional assim como mundial regista-se o crescimento maior
da procura e oferta nos mercados, afigurando-se importante que os Estados adoptem normas que
defendam e protejam a concorrência com vista a torna-la leal, justa e eficaz. E é neste âmbito, em
virtude de Moçambique comportar uma lacuna legislativa e institucional que protege e defende a
concorrência que colocamos a nossa questão que se resume-se em procurar saber, quais os
problemas ou práticas anticoncorrenciais que daí resultam?
Portanto, terá como objectivo geral discutir a questão do regime jurídico da concorrência em
Moçambique a partir de doutrinas próprias, passando pela resenha histórica das constituições
económicas moçambicanas.
No que tange à metodologia usada, o trabalho tem por base a consulta de meios bibliográficos
entendidos como colecta de dados com base em material acessível ao público em geral,
constituído por Manuais; Leis, revistas, documentos oficiais publicados ou não, recorrendo
também ao material disponível na internet, entre outras fontes que se afigurarem relevantes para
a consulta e materialização do trabalho.
Evidentemente que a presente tese terminará com conclusões e recomendações e, pontos de vista
contributivos, no sentido de alcançar soluções melhoradas, para todos os problemas levantados e
todos os possíveis ulteriormente.
CAPÍTULO I
A concorrência entre os agentes económicos num certo mercado, ocorre desde as primeiras
trocas comerciais que se tem na memória. E essa concorrência é tão natural que sem ela, o
comércio perderia a sua essência. Contudo, o espírito da concorrência entre os agentes
económicos, nunca foi assimilado pacificamente, de maneiras que coube ao Estado adoptar
medidas tendentes a controlar as apetências dos vários agentes económicos.
Citam também uma curiosa decisão, tomada em Inglaterra em 1602 pelo " Court of King‟s
Bench", que recusou a protecção do monopólio da distribuição de cartas de jogos, com o
argumento de que ele era opressivo do ponto de vista económico, por prejudicar a redução dos
preços, o aumento da qualidade e a liberdade do comércio.3
Estas duas histórias e mais outras semelhantes servem aos autores para demonstrar as origens
remotas do sentimento de hostilidade em relação à utilização opressiva do poder económico. De
certa maneira, foi também em nome deste sentimento que o direito da concorrência, tal como
hoje se conhece, nasceu bastante mais tarde nos Estados Unidos da América.4
1
Sullivan e Grimes, citados por Maria Manuel Leitão Marques, um curso de direito da concorrência, Coimbra
editora, 2002.
2
MARQUES, M. Manuel Leitão, um curso de direito da concorrência, Coimbra editora, 2002, p. 19.
3
Idem, p. 19.
4
Certamente que a primeira Lei Antitrust foi a canadiana, de 1889, precedendo um ano o Sherman Act, de 1890,
(Marques, M. Manuel Leitão citando Doern e Wilks).
Na verdade, o direito da concorrência (antitrust law) não foi, como bem salienta Giuliano
Amato5, uma criação dos economistas ou uma descoberta dos especialistas em direito comercial.
Foi uma resposta assumidamente política para um problema crucial da economia de mercado: o
de equilíbrio entre a liberdade de iniciativa privada e respectivos corolários, como a liberdade
de organização e a autonomia contratual, e a necessidade de controlo do poder económico
privado, de modo a que este não constitua uma ameaça àquela liberdade.6
A maneira como este dilema tem sido resolvido, a favor de uma maior ou menor intensidade do
controlo sobre o poder económico privado, constitui uma opção política, mesmo que
fundamentada em sofisticadas teorias económicas ou complexas construções jurídicas.7
Entende – se concorrência, a competição entre vários agentes económicos com vista a atingirem
a supremacia no mercado em relação aos demais e caracteriza-se pela pluralidade de actuações
convergentes, na medida em que existe uma pluralidade indiscriminada de fornecedores de bens
e serviços que se dirigem a uma pluralidade indiscriminada de consumidores.8
Na economia usa-se o termo num sentido mais restrito, caracterizando as relações (económicas)
que se estabelecem entre os que num mercado oferecem e procuram mercadorias ou serviços.
económicas, que estão na base da própria criação da riqueza e realização pessoal no ponto de
vista económico.
Neste contexto, a ideia de concorrência surge intimamente ligada ao mercado e sobretudo à ideia
de " liberdade económica". Assim, a concorrência vai significar rivalidade aberta no mercado
entre compradores e vendedores de um bem ou serviço.9
O termo Direito é polissémico, ou seja, pode ser entendido em dois sentidos, quais sejam: o
sentido Objectivo e o Subjectivo.
O Direito em sentido Objectivo, pode ser entendido como um sistema de normas, “como uma
das ordens normativas que regulam a vida em sociedade”.10 Neste sentido, o Direito Objectivo
seria o conjunto de regras gerais que regem as relações numa dada sociedade. Regras essas
dotadas de características como sejam: generalidade, abstracção, necessidade, hipoteticidade e
coercibilidade.
9
Trata-se de um conceito clássico de concorrência que se pode retirar dos textos clássicos de Economia Politica,
por exemplo, Adam smith, em "A Riquezas das Nações". Para mais detalhes, Cfr. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, -
INSTITUTO DE DOCUMENTAÇÃO, ob. cit. P 234-ss.
10
EIRO, Pedro, Noções Elementares de Direito, Editorial verbo, 1999, p. 15.
11
SIMOES, Patrício, J., Direito Económico (Aspectos Gerais), publicações gradava, 1982, p. 46.
Ou num melhor entendimento, “ o Direito da Concorrência pode ser caracterizado como uma
parte do sistema legal, tendente à fixação de normas aplicáveis ao exercicico da actividade
económica através de regras relativas ao estabelecimento das empresas, à comercialização dos
seus produtos, às relações concorrenciais e a protecção do consumidor”.12
Já o Direito em sentido Subjectivo não pode ser tomado como um conjunto de normas, mas antes
é visto na perspectiva do Homem em relação a essas mesmas normas, tendo em conta a situação
que para ele é criada por elas.13 Neste entendimento, “ Direito Subjectivo corresponde ao poder
ou faculdade-provindos do Direito Objectivo de que dispõe uma pessoa, e que se destina a
realização de um interesse juridicamente relevante.14
Na sua acepção primitiva, a palavra mercado dizia respeito a um lugar determinado, onde os
agentes económicos realizavam transacções.15
Por tradição histórica, este conceito chegou até os dias actuais. O mercado permanece, por
tradição, como, um lugar definido, especialmente edificado, para o encontro de produtores e
consumidores, com o propósito de ajustarem a procura e oferta, através da formação dos preços.
12
FERREIRA, Eduardo Paz, Direito Económico, AAFDL, Lisboa, 2001,p. 474.
13
EIRO, Pedro, ob.cit. P. 16.
14
PRATA, Ana, Dictionaries Juridical, 3ª edictal, Almeria, Coimbra, 1992, p. 354
15
ROSSETTI, José Paschoal, introdução á economia, 20ªed. Novo texto reestruturado e actualizado, São Paulo,
2009, p.395.
Assim, pode definir-se o mercado como o conjunto das ofertas e das procuras de um certo bem,
postas em contacto em determinado momento para gerar a troca na base de um preço.
Mas já na sua acepção económica mais ampla, o conceito do mercado está bem distante dessa
tradição da conotação geográfica. Mercado é agora “ um espaço abstracto onde se encontram a
procura e a oferta agregada dos agentes económicos, cujos objectivos contraditórios se
harmonizam, em cada momento, através dos preços de transacção entre eles”.16
Por exemplo hoje em dia é comum ouvir executivos de grandes empresas industriais ou do sector
financeiro falarem das dificuldades com que eles se defrontam no mercado. Nesse sentido eles
não se estão a referir a nenhum espaço geográfico, mas sim a uma abstracção económica.17
Embora vários conceitos do mercado sejam possíveis, o que enfatiza seus atributos económicos é
o fundamento nas tensões decorrentes de duas forças em princípio antagónicas - as da procura e
as da oferta.18
O mercado concorrencial pode caracterizar-se sob forma de quatro estruturas referenciais, quais
sejam20:
Concorrência perfeita;
Monopólio;
16
De SOUSA, e F. P. de Moura, citados por Santos, António Carlos dos, et al, Direito Económico, 5ª edição, Coimbra,
2004, p. 269.
17
Vg o mercado de automóveis, de seguros, trata-se de referência abstracta e não do lugar onde as transacções
desses bens e serviços ocorrem, mas sim às forças que defendem a oferta e a procura correspondentes.
18
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit. p.394.
19
MARQUES, M. Manuel Leitão, ob. cit., P. 9.
20
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit. p.400.
Oligopólios e
Concorrência monopolística.
Nestes termos, tomando o número dos agentes económicos como diferenciador, a concorrência
perfeita vai pressupor grande número dos participantes nos dois lados considerados, ou seja,
grande número de vendedores por um lado e consumidores por outro.
21
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit. p. 398.
22
Idem, p. 400-401.
23
Ibidem, P. 398.
24
Idem p. 401.
Diametralmente oposta à situação da concorrência perfeita, poderia ainda ser caracterizada outra
situação extrema, definida pelo monopólio bilateral, em que se defrontam no mercado apenas
um vendedor e apenas um comprador. Além destas, também existiriam as situações definidas
como de quase-monopolio e quase-monopsônio. Trata-se de situações em que o único
vendedor, ou único comprador se defrontaria, respectivamente, com um número pequeno de
compradores e de vendedores.
Entre estas estruturas do mercado, STACKELBERG definiu outras situações intermediárias, por
sinal as que mais se encontram no mundo real.
“Esta definição de oligopólio bilateral traz de certa forma uma confusão na medida em que
comportando este equilíbrio entre vendedores e consumidores parece assemelhar-se ao conceito
da concorrência perfeita que também pressupõe equilíbrio entre as duas forças -vendedores e
consumidores. A diferença está sim no pequeno ou grande número de compradores e
vendedores, mas a questão que se coloca é: Até que ponto, pode considerar-se estar diante de
pequeno ou grande número de compradores e vendedores enquanto não se tiver um
quantificador específico?”.
A concorrência monopolística
Trata-se de uma expressão que foi empregue pela primeira vez na década de 1930 por Edward E.
Chamberlin. Ele evidenciou que a realidade observada na maior parte dos mercados definia-se
por uma combinação de duas estruturas referenciais – o monopólio e a concorrência perfeita.25
Esta estrutura contém características que se encontram nas definições usuais de mercados
perfeitamente competitivos e monopolizados.
25
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit. p 405.
26
Verificando-se esta situação no mercado, estar-se-á face as características do monopólio como vg: domínio do
preço, obstáculos de novas entradas visto que o agente económico deseja dominar e manter o mercado. Daí a
terminologia concorrência monopolística, sinal de que algo de monopólio se assiste.
27
Já nesta ordem de ideias, havendo possibilidade de mais concorrentes e a liberdade de o consumidor escolher os
produtos, ocorrerá alguma concorrência, pese embora não se satisfazendo na íntegra devido à verificação de
outras características do monopólio, conforme nos referimos acima.
28
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit., p. 399.
Para que haja uma concorrência perfeita, como definiu MARCHAL, em seu clássico Le
mécanisme dês prix et la structure de l'économie, é preciso que a procura e a oferta sejam
atomizadas. Em todos os outros casos, se está diante de formas de concorrência imperfeita.29
Quando a oferta for monolítica e a procura atomizada, teremos monopólio. Quando a primeira é
molecular e a segunda atomizada, teremos, oligopólio. Quando a procura se torna monolítica,
continuando a oferta atomizada, há monopsônio, e quando ambas forem monolíticas, estaremos
diante do monopólio bilateral.
Mas a sua classificação não se limita a estas três qualificações, pois, mesmo nas estruturas em
que concorre grande número de compradores e vendedores, o mercado pode se apresentar sob
condições de Viscosidades ou de fluidez. A estrutura será fluida quando não ocorram quaisquer
obstáculos à livre actuação das forças de oferta e da procura30. Será viscosa, quando ocorrerem
situações ou comportamentos capazes de impedir a sinalização perfeita dos preços no mercado
de produtos.
Assim, ainda que subsista a atomização da oferta e da procura, faltarão outras condições que
realmente completam uma estrutura de mercado sob concorrência perfeita.
29
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit. p. 400.
30
Para que se diga que há fluidez é preciso a verificação de, pelo menos, quatro condições, quais sejam: i) perfeita
homogeneidade e padronização dos produtos ofertados, no sentido de que quaisquer possibilidades de diferenciação
tirará a fluidez do regime e conduzirá à formação de viscosidades, b) perfeita mobilidade empresarial, caracterizada
pela ausência de quaisquer obstáculos que possam dificultar o ingresso de novos produtores no mercado, c) perfeito
conhecimento de todas as condições do mercado por parte de todos os agentes que nele actuem, e d) inexistência de
qualquer tipo de preferência dos compradores com relação a qualquer das empresas que actuem no mercado
correspondente.
serviços
complementares.
Condições de Não há quaisquer Impossível. A Há consideráveis São
ingresso tipos de entrada de obstáculos, relativamente
obstáculos concorrentes geralmente fáceis.
implica o derivados de
desaparecimento escalas e de
do monopólio. tecnologias de
produção.
Informações Total Opacidade. Há visibilidade, Geralmente
transparência embora limitada amplas.
pela rivalidade
Em suma, a concorrência perfeita é descrita como o protótipo da eficácia social, isto porque
compatibiliza os interesses privados e os da sociedade como um todo. Porém, esta estrutura de
mercado dificilmente se verifica na realidade, justificado pelo facto de as condições requeridas
para a definição de mercado sob concorrência perfeita serem tão rigorosas, que dificilmente na
realidade encontre o preenchimento satisfatório.
Há casos que se aproximam, mas nenhum chega a satisfazer plenamente todas as condições
requeridas para a concorrência perfeita (atomização dos agentes, a homogeneidade dos produtos,
a perfeita mobilidade dos concorrentes, a total permeabilidade para ingresso e saída dos agentes
económicos, a plena transparência e apenas um preço, definido pelas forças da oferta e da
procura, ao qual todos se submetem).
Um mercado durante algum tempo pode funcionar sob condições próximas da abstracção ideal
da concorrência perfeita, mas ainda assim esse estará contaminado por imperfeições observadas
em outros mercados com os quais interage.
O monopólio é tido como a expressão menos desejável da estrutura do mercado, porque o poder
do mercado é concentrado num só vendedor no sentido de que os preços resultam de decisões
unilaterais; há restrição da oferta e desatenção para redução de custos.
É lamentável que em alguns sectores ainda hoje prevaleça a estrutura menos desejada do
mercado que é o monopólio. É menos desejável na medida em que constitui obstáculo para a
concorrência, pois, o poder do mercado é concentrado num só vendedor onde os preços
resultam de decisões unilaterais; há restrição da oferta e desatenção para redução de custos.
A defesa da concorrência, para além de se justificar, por razões económicas, maior crescimento e
mais racional distribuição, como já se viu, justifica-se de igual modo por motivos políticos e
sociológicos.31
Em boa verdade a concorrência permitindo ao consumidor que exerça a sua escolha sem ser para
tal pressionado pelo poder económico dos monopólios ou por comportamentos abusivos das
empresas, garante a racionalidade e o esclarecimento da decisão económica. Atribui ao mesmo
passo ao consumidor um poder de controlo sobre a vida económica, censurando através da sua
opção racional e livre as empresas que se afastarem das regras transparentes do mercado.
E, por fim, do ponto de vista político, a defesa da concorrência justifica-se pela obstrução ao
desenvolvimento do poder e influência dos grupos económicos mais poderosos na defesa dos
seus interesses particulares e sectoriais, garantindo do mesmo passo, um mínimo de circulação
dos grupos mais influentes. Defender a concorrência será sempre, nesta perspectiva, impedir que
o poder do Estado seja “tomado de assalto” por grupos de interesses homogéneos e colocado ao
seu serviço exclusivo ou preferencial.
Defender a concorrência, contribui pois também para a transparência da própria vida política.
Em gesto de conclusão, referir que na vida económica, diferente dos Estados Unidos da América,
a defesa da concorrência não constitui um fim em si mesmo: a concorrência é um meio de
organização da actividade económica para atingir outros fins da política económica.
31
DE MONCADA, Luís, S. Cabral, Direito Económico, 2ª ed, Coimbra, 1988, p. 316.
O direito comparado oferece várias modalidades da defesa da concorrência que podem reunir se
em sistemas típicos que exprimem as três grandes orientações do legislador quanto a esta
questão, por trás das quais estão, como é evidente, diversas opções de política económica
fundamentadas em diferentes entendimentos a estrutura dos mercados e em distintas valorações
do comportamento dos agentes económicos.
Em sede geral, pode dizer-se que existem dois grandes sistemas teóricos da defesa da
concorrência:
Em primeiro lugar temos os sistemas de proibição (ou da per se condemnation), aqueles que
proíbem as práticas restritivas da concorrência por produzirem um dano potencial na economia.
Estes sistemas tendem a privilegiar uma noção estrutural da concorrência e avaliar este como um
bem em si mesmo (teoria de concorrência-condição). Daí estabelecerem uma proibição genérica
e a priori de todos os acordos e práticas susceptíveis de atingirem a estrutura concorrencial do
mercado, combatendo por tanto a concentração através de proibição das práticas que a ela
possam conduzir.33
Este sistema abstrai dos resultados efectivos das restrições à concorrência para centrar a sua
atenção no perigo que estas, por si mesmas, representam.
Trata-se de um sistema, a título de exemplo, o da legislação dos Estados Unidos da América, que
defende que as leis da defesa da concorrência, devem proibir práticas consideradas lesivas da
concorrência pelo simples perigo (ainda que presumido) que estas representam.
32
STIGLER George, the organization of industry, Chicago University, Press, 1968, p.5.
33
MARTINS T., capitalismo e concorrência, Coimbra, 1973. P. 35-36.
Para este sistema, tende-se a privilegiar os comportamentos efectivos dos agentes económicos.
Nesta perspectiva, a concorrência, é um bem entre outros e não um bem em si mesmo (teoria de
concorrência-meio), como tal, pode, em certas circunstâncias ser afastada em nome da protecção
de outros bens ou realização de outros fins socialmente relevantes, daí que este sistema não
pretende, em abstracto, combater os acordos, oligopólios, monopólios, ou quaisquer outros
factores de domínio no mercado através dos quais concretamente se manifeste a concentração
económica.
No pólo oposto aos dois sistemas, temos os sistemas mistos da defesa da concorrência, que
congregam os aspectos dos dois sistemas acima mencionados, a título de exemplo, o francês,
alemão, inglês e também canadiano, onde os acordos restritivos da concorrência são sancionados
como ilícitos, embora com excepções, mas quanto às posições de domínio só o abuso é
reprimido.34
De maneira geral, as leis da defesa da concorrência tem por objecto acordos entre empresas
mantendo estas a sua autonomia, concentrações de empresas nas suas diversas formas e o
exercício de uma posição de domínio de mercado imputável a várias causas.
A opção por um dos sistemas de defesa da concorrência revela uma determinada concepção
económica. Na verdade, proibir acordos e práticas concertadas entre empresas revela a
concepção segundo a qual a concorrência é uma questão de comportamento, de conduta
34
SIMÕES, Patrício, J., direito da concorrência (aspectos gerais), gráfica imperial, Lda., 1982, p. 81.
35
DE MONCADA, Luís S. Cabral, Direito Económico, Coimbra editora, 2000, p. 374.
empresarial, seja qual for o tipo concreto de mercado em que as empresas desenvolvem as suas
actividades.
Pelo contrário, proibir certos abusos de posições de domínio do mercado ou certas formas de
concentração empresarial, indica-nos que a concorrência decorre de uma certa estrutura do
mercado caracterizada por uma relativa dispersão das unidades produtivas, cada uma delas, se
tomada isoladamente, incapaz de alterar substancialmente as condições do mercado em seu
exclusivo benefício de tal sorte que daí decorreria o seu controlo tendencial do mercado ou pelo
menos de parte apreciável dele.36
Pode ser entendida sob ponto de vista subjectivo por um lado e sob ponto de vista objectivo por
outro.37
36
DE MONCADA, Luis S. Cabral, Direito Económico, Coimbra editora, 2000, p. 376.
37
OLAVO, Carlos, ob. cit. p. 10.
38
Idem, p. 10.
39
Idem p. 10.
40
Idem p. 11.
CAPITULO II
Em sentido formal, a constituição é a fonte ou conjunto de fontes que possuem uma característica
identificável, como a de pertença a um texto legal, com formalidades e requisitos particular de
aprovação ou modificação.42
41
CORDEIRO, António Meneses e FERREIRA Eduardo paz, citados pelo Teodoro Andrade Waty, Direito Económico,
Maputo, 2011, p. 90.
42
Eulisse e António Meneses Cordeiro, citados pelo Teodoro Andrade Waty, Direito Económico, Maputo, 2011, p.
94.
43
WATY, Teodoro Andrade, Direito Económico, Maputo, 2011, p. 94.
Constituição económica estatutária composta por um conjunto de normas que caracterizam uma
certa e determinada forma económica que a identificam e sem as quais não teríamos a indicação
do “estatuto” de matriz das relações de produção dominante.
A regulação da economia pela constituição demonstra-nos que esta não contém somente a
organização e actividade dos órgãos do poder político, o modo de ser das relações entre
indivíduos e Estado, mas também contém um princípio estrutural de todo de vida social, com
destaque para a economia, ainda que de forma implícita.
Depois da Segunda Guerra Mundial, várias outras constituições foram surgindo e já dedicavam
de forma clara alguns preceitos à conformação da vida económica.
44
Nome da constituição da Alemanha da cidade onde foi provada.
45
ROSSETTI, José Paschoal, ob. cit. p.33.
Assim, podemos concluir que os princípios do Direito da Concorrência podem ser encontrados
na Constituição Económica, sendo certo que, não abarcando toda a ordem jurídica da economia,
a Constituição vai conter apenas alguns dos princípios da concorrência.
A sua não regulamentação nos dias que correm é tida como um mal que pode enfermar o
mercado e até a economia numa perspectiva global. Isto significa que a protecção e defesa da
concorrência é uma opção fundamental do Estado e, como tal, deve estar plasmada na
Constituição entendida como a “mater legis”, “Lex fundamentalis” da organização do Estado.
Pois da sua desprotecção podem resultar graves violações dos direitos fundamentais dos
cidadãos, colocando assim em causa o Estado de Direito democrático que assenta no
reconhecimento e valorização daqueles e demais princípios ou valores fundamentais.
Tomando posicionamento sobre a discussão da corrente que tem defendido a existência de uma
Constituição Económica intercalar (correspondente ao período de 1984-1990), entendemos
conveniente incluir no nosso trabalho, no âmbito da resenha histórica a que nos propomos fazer
Cabia ao Estado promover a planificação da Economia47 (vide art. 9º da CRPM de 1975), decidir
sobre as três questões fundamentais da economia, quais sejam: o que produzir, como produzir e
para quem produzir?
O sector económico do Estado era dominante e determinante, pois que era o elemento dirigente e
impulsionador da economia nacional (vide art. 10º da CRPM de 1975).
Por esta razão, este sector gozava de protecção especial, sendo que todos os sectores
considerados como não estratégicos, poderiam estar sob o controlo de propriedade privada, que
na altura era tolerada, mas mediante condições que de certa forma desencorajavam-na.48
46
No mundo económico, existem dois sistemas económicos quais sejam: o sistema capitalista ou da economia do
mercado ou ainda da economia descentralizada e o sistema socialista ou centralmente planificada -vide a obra de
ALFREDO, Benjamim, noções gerais do direito económico, Maputo, 2010, p. 58.
47
É com o eclodir da primeira guerra mundial que se começa a verificar a quebra considerável de tradição do
liberalismo económico. Passando o Estado a intervir na produção de bens essenciais com vista dentre vários
aspectos a acabar com a inflação, o desemprego o custo de vida dos seus cidadãos.
48
A luz dos artigos 11º, 12º e 13º da CRPM, reconhece-se a propriedade pessoal embora sujeitando-a a orientação
do Estado e aos impostos progressivos consoante o seu nível de crescimento. E este factor foi muito determinante
para o tímido desenvolvimento do sector privado.
O Estado visava a construção de um mercado ideal em que os bens produzidos pelo sector estatal
seriam homogéneo haveria uma perfeita informação sobre os produtos e o preço dos mesmos
seria estabelecido em perfeita consonância entre as unidades produtivas e as necessidades do
mercado.
Portanto, nestes termos podemos afirmar seguramente que na CRPM de 1975 não se
encontravam consagradas normas de protecção e defesa da concorrência, sendo que não estavam
reunidos os pressupostos para se falar da concorrência:
49
Refere-se à cidade onde foi aprovada a primeira constituição da República Popular de Moçambique.
Em meados da década 80, Moçambique lançou um programa de ajuste estrutural com o apoio do
Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, denominado Programa de Reabilitação
Económica, doravante PRE.50 O PRE teria como objectivo debelar a grave crise económica e
social que o país atravessava, resultado do fracasso das estratégias de desenvolvimento
socialistas adoptadas após a independência e da guerra civil que também assolava o país até
então.
Fazendo jus a essa situação e consciente das falhas e o perigo que o centralismo económico
representava, o Estado moçambicano propôs uma reforma em todos os níveis.
Deste modo foi lançada a semente para a descentralização económica e, timidamente, para a
existência da concorrência. Portanto, entendemos nós, que o PRE constitui o marco inicial da
50
Ao 24 de Setembro de 1984, Moçambique filia-se às instituições da Bretton Woods, e implementa o PRE como
forma de emancipar e robustecer a sua economia uma vez que tinha sido severamente assolado por calamidades
naturais sucessivas, inundações de 1977/78, 1984-1985, secas de1981-1983. Excertos extraídos da palestra
proferida pelo DR. Eneas da Conceição Comiche, citado por WATY, Teodoro, ob. cit. P. 107.
Este período que vai desde os contactos primários com as instituições de Bretton Woods até a
aprovação da Constituição de 1990 é denominado por alguma doutrina51 como sendo A
Constituição Económica Intercalar de Moçambique, já que a mesma constitui uma mudança de
rumo no sentido de abandono da filosofia da Constituição de Tófo e o prelúdio de um novo
modelo económico, formalmente consagrado, anos depois na CRM de 1990.
O processo de transição iniciado em meados da década 80 teve a sua concretização nos anos 90
quando o povo moçambicano adoptou e proclamou uma nova constituição, designada
Constituição da República de Moçambique de 1990, volvidos 15 anos após a Independência e
Aprovação da primeira Constituição de Moçambique.
Assim, podemos firmemente dizer que o nosso legislador Constituinte de 1990, despertou para
uma necessidade de estabelecimento de um conjunto de normas constitucionais de organização
económica52 visando certos objectivos, considerados só alcançáveis no quadro institucional de
um mercado aberto na maior medida possível a todos os agentes económicos e consumidores,
tendo se apercebido que a concorrência não se desenvolve espontaneamente entre as empresas
participantes no mercado.
Reconhece-se a iniciativa privada (vide o nº 1 do art. 41º da CRM 1990) e o papel do Estado
como impulsionador da participação activa do empresário nacional no desenvolvimento
económico do país (vide art. 43º da CRM 1990).
51
Vg: WATY Teodoro.
52
Como se pode depreender, a Constituição de 1990, já dedicava um capítulo específico destinado a consagração
de normas para a regulamentação da vida económica do país. Falamos concretamente do capítulo IV, do Titulo I
da Constituição em referência.
Sintomaticamente, esta Constituição revelou algum desinteresse pelos direitos dos consumidores.
Não se pode incentivar a concorrência se esta não se reflectir no bem-estar dos consumidores.
Isto para evitar situações em que o consumidor em vez de ser mais beneficiado sai prejudicado
pela actuação de agentes económicos preocupados em lucros no lugar de prestar serviços com
boa qualidade.
A CRM de 2004 reforça abertura do mercado para a solidificação de uma economia livre, uma
economia do mercado, em que os agentes económicos são incentivados e respeitados nas suas
iniciativas.
O art. 9754 da CRM de 2004 assumiu-se como pedra angular sobre a consagração da
Concorrência.
Ela não ficou alheia à questão do Direito dos Consumidores (vide art. 92º da CRM de 2004).
Este facto vai revestir importância na medida em que ficam salvaguardados constitucionalmente
53
Usamos a expressão solidificada conscientemente ao invés de “criadas”, porque entendemos que a semente que
possibilitaria o despontar da concorrência em Moçambique, tinha sido lançada embora que timidamente – em
meados de década 80 com a implementação do PRE.
54
Nos termos deste artigo, a Organização Económica e Social de Moçambique assenta: a) na valorização do
trabalho, b) nas forças do mercado, c) na iniciativa dos agentes económicos, d) na coexistência do sector público,
do sector privado e do sector cooperativo e social, (….) g) na acção do Estado como regulador e promotor do
crescimento e desenvolvimento económico e social.
tais direitos impondo-se ao legislador ordinário a tarefa de concretiza-los através da lei da defesa
do consumidor, a qual já existe no ordenamento jurídico moçambicano.55
Para além do investimento estrangeiro ser reconhecido, ele passou a abarcar todas as áreas,
excepto aquela que o Estado reservou para si (vide art. 108º da CRM de 2004). É certo que por
motivos de elevado interesse público ou por questões ligadas à segurança e defesa do país, pode
o Estado determinar áreas que exclusivamente explorará, mas tal limitação será nociva à
concorrência se se estender desnecessariamente para outras áreas em que nenhum motivo o
justifica, a título de exemplo o que se passava na época da vigência da Constituição do Tófo em
que os sectores de telefonia, educação, banca, etc., estavam sobre a gestão estatal.
Trata-se, portanto, de um texto legal que melhor se aproxima às exigências que se impõem ao
Estado na construção do mercado concorrencial.
55
Sobre a defesa do consumidor temos a Lei nº 22/2009 de 28 de Setembro.
CAPITULO III
3. Problemas
Se preferirmos podemos afirmar que a concorrência tem dois tipos de limites: os limites
extrínsecos e os limites intrínsecos, constituindo os primeiros aquelas disposições que afastam a
liberdade de concorrência e reconduzindo-se os segundos às regras que disciplinam a própria
liberdade de concorrência.
56
OLAVO, Carlos, ob. cit. p. 143.
57
Idem p. 143.
58
Idem, p. 147.
Sobre este ponto, Moçambique ao que nos parece, revelou-se também primeiramente
preocupado com os problemas suscitados pela concorrência no sentido subjectivo, na medida
em que já dispõe duma legislação que tem normas que sancionam as infracções de concorrência
desleal, mas que para nós é também extremamente urgente legislar sobre protecção e defesa da
concorrência em sentido objectivo. Especificamente, encontra-se previsto o regime jurídico da
concorrência desleal, no art. 174º do Código da Propriedade Industrial.
Uma outra distinção que se deve fazer é aquela que se faz entre a concorrência desleal da
concorrência proibida ou ilícita.59
Em termos gerais, quando se fala de concorrência ilícita, fala-se de regras do direito penal
destinados a impedir ou restringir formas de concorrência particularmente intoleráveis. Trata-se
de actuações directamente proibidas.
59
Não é rigorosa terminologicamente esta distinção, visto a concorrência desleal traduzir-se sempre na prática de
actos ilícitos.
60
XAVIER, A. “subsídios para uma lei da defesa da concorrência” , Lisboa, 1970, p. 14.
Analisando as duas definições, podemos concluir que são figuras jurídicas ligadas na medida
em que ambas comportam a ilicitude e, portanto, trata-se de actuações proibidas.
3.2 Modalidades
Podemos afirmar, numa primeira definição, que o acto de concorrência desleal é aquele acto
susceptível de, no desenvolvimento de uma actividade económica, prejudicar um outro agente
económico que, por sua vez, exerce também uma actividade económica determinada, prejuízo
este que se consubstancia num desvio de clientela própria em benefício de um concorrente.61
Pressupondo este instituto uma situação de liberdade de concorrência, estão fora do seu âmbito
todas aquelas normas que excluem a própria existência de concorrência.
Assenta, assim, em duas ideias fundamentais: a criação e expansão de uma clientela própria e a
idoneidade para reduzir ou mesmo suprimir a clientela alheia, real ou possível.62
Quando tal se verifica em termos contrários às normas e usos honestos de qualquer ramo de
actividade, dá-se um acto de concorrência desleal.
a) Actos de confusão
Os actos de confusão reconduzem-se, em primeira linha, àquele tipo de actuações que vem
referida na al. c) do nº 2 do art. 174º do Código da Propriedade Industrial, nos termos seguintes
“para efeitos do presente diploma comete infracção de concorrência desleal aquele que praticar
actos susceptíveis de criar confusão, de qualquer modo, com o estabelecimento, produtos,
serviços ou actividades industriais ou comerciais de um concorrente”.
61
Olavo Carlos, ob. cit. p. 145.
62
O acto de concorrência desleal é, antes de mais, um acto de concorrência, ou seja, um acto destinado à
obtenção ou desenvolvimento de uma clientela própria em prejuízo de uma clientela alheia, efectiva ou potencial.
Estamos, portanto, perante um tipo de actuação que tem como fim provocar no espírito do
público consumidor a confusão entre um determinado empresário, seu estabelecimento, produtos
ou serviços.
O critério para aferir essa confusão há-de radicar-se na reacção normal do consumidor médio, no
seu comportamento em face de uma dada actuação. Um determinado acto de um empresário
integrará o critério de concorrência desleal, se o consumidor médio não for capaz de distinguir
entre uma actividade e outra actividade comercial.63
Temos como exemplo de um acto deste tipo, entre muitos que aqui poderiam ser apontados o
caso de numa firma se incluir uma marca alheia bem conhecida pelo público, podendo induzir
em erro relativamente à actividade da entidade que se apresenta com aquela firma e à actividade
da empresa que explora e utiliza a marca.
Um caso desta natureza é susceptível de se integrar no âmbito da concorrência desleal desde que
tanto a sociedade titular da marca como aquela que adopta o sinal como firma se situem no
mesmo sector do mercado, condição “sine quan non”, como sabemos, para haver concorrência
desleal.
Note-se que sinais completamente distintos e lícitos na respectiva composição podem dar origem
a situações de concorrência desleal, se forem utilizados de forma a criar confusão entre as
actividades de vários comerciantes.
O risco de confusão pode ser entendido em sentido restrito, quando o consumidor médio não
distingue as actividades de uma e de outra empresa, ou em sentido amplo, quando o consumidor
médio, distinguindo as actividades das empresas em causa, as associa indevidamente.
63
Carlos Olavo, ob. cit. p. 162.
.
b) Actos de descréditos
Ao falarmos dos actos de descréditos, referimo-nos à situação que se tipifica como acto de
concorrência desleal e se traduz na actuação que visa desprestigiar a actividade de concorrentes,
isto é, quando o desvio de clientela alheia se radica na depreciação da actividade económica que
beneficia dessa clientela.
Pode apontar-se a título de exemplo, dentro dos actos de descrédito, o caso da publicidade
comparativa, ou seja, aquela publicidade que tem por objecto comparar os produtos anunciados
com outros alheios, imputando a estes últimos determinados defeitos que aqueles não têm ou
atribuindo aos produtos próprios certas qualidades que não caracterizam os outros.
Sobre este ponto, tem sido discutido se o reclame comparativo proibido abrange tão-somente
afirmações falsas ou também afirmações verídicas, isto é, se se poderá considerar concorrência
desleal o facto de determinado empresário atribuir aos produtos de um concorrente defeitos de
que estes efectivamente padeçam.64
Julgamos que uma actuação deste tipo não pode ser considerada como concorrência desleal.
A repressão da concorrência desleal visa regular o funcionamento do mercado. Ora, aquele tipo
de alusões, quando verídicas, ainda que venham prejudicar um dado concorrente, beneficiam o
regular funcionamento do mercado e nessa medida não são censuráveis.
64
Aula discutida e ministrada pelo Mestre Wanda Honwana, Docente da Cadeira de Direito da Concorrência e
propriedade Industrial da universidade são Tomás de Moçambique, material não editado e nem publicado.
c) Actos de apropriação
A concorrência desleal pode ter lugar, não propriamente através do desprestígio de terceiros, mas
pelo facto de o comerciante se apropriar de qualidades ou características que não tem.
Integram este tipo de actuações a invocação, como próprias, de qualidades ou características que,
ou não existem, ou pertencem a terceiro.
É que a apropriação de qualidades de terceiros, ainda que não se mostre danosa para este último,
irá sempre prejudicar os demais concorrentes do apropriante, que se abstêm de lançar mão dessa
natureza.
Aliás, esta é uma das diferenças entre actos de apropriação e actos de confusão, pois no que diz
respeito a estes últimos, existe sempre a intenção de confundir o público em relação a duas
actividades que têm de ser concorrentes, enquanto que, no tipo de actos ora em análise, há
sempre um determinado comerciante que se apossa de aspectos particulares da actividade de
outrem que pode não ser um comerciante.
Refira-se que, por outro lado, para se estar perante um acto de concorrência desleal, é
indispensável que a apropriação incida sobre bens susceptíveis de serem utilizados de uma forma
exclusiva, ainda que não constituam objecto de um direito privativo de propriedade industrial. Se
a apropriação incidir sobre bens insusceptíveis de serem utilizados de forma exclusiva, nenhum
acto ilícito nem desleal se verifica, uma vez que a utilização do bem é livre.
Assim, por exemplo, a al. g) do nº2 do art. 174º do CPI, diz que “as falsas indicações de
proveniência” constituem actos de concorrência desleal.
d) Actos de desorganização
Actos de desorganização são aqueles que visam afectar o normal funcionamento de uma
empresa concorrente.
Em todos esses casos, a ilicitude decorre do meio utilizado para desviar clientela, e que
constitui a perturbação do normal funcionamento da empresa.
e) Concorrência parasitária
Às quatro categorias de actos apontados, acrescenta-se por vezes uma quinta, a chamada
concorrência parasitária, cujo conceito tem vindo a ser elaborado pela jurisprudência e pela
doutrina.
Actuações parasitárias são os actos de um empresário que tiram ou tentam tirar partido da
reputação legitimamente adquirida por terceiro ou das realizações pessoais de outrem, mesmo
que não haja risco de confusão nem intenção de prejudicar este.65
A concorrência parasitária reconduz-se àquele tipo de actuações que vem referida na alínea d) do
nº 2 do art. 174º do Código da Propriedade Industrial, nos termos seguintes “ para efeitos do
presente diploma comete infracção de concorrência desleal aquele que invocar ou fazer
referências, a um nome comercial, insígnia de estabelecimento comercial ou marcas alheios sem
autorização do legítimo titular com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação dos mesmos”.
O parasitismo pode revestir duas modalidades, consoante vise a reputação de terceiros ou dos
seus produtos, ou mais concretamente os resultados do seu trabalho.66
65
OLAVO, Carlos, ob. cit. P. 168
66
Trata-se dos tipos de actos de parasita que se resumem em: aproveitar trabalho desenvolvido por outrem e
tomar partido da reputação. Aula também ministrada pelo Mestre Dra. Wanda Honwana, Docente da Cadeira de
Como é notório, todos esses casos constituem actos através dos quais um empresário tira ou tenta
tirar partido da reputação legitimamente adquirida por terceiro. Portanto, integram-se nos actos
de concorrência desleal.
De facto, confunde o consumidor, prejudica os outros produtores dos bens ou serviços em causa
e lesa a pessoa cujo sinais distintivos ou reputação são utilizados.
Assim, podemos concluir que o fundamento das normas repressivas da concorrência desleal, é a
protecção do interesse geral que a lei considera como melhor forma de prossecução da actividade
económica - o regular funcionamento do mercado e não propriamente nos interesses particulares
de cada empresário.67
A protecção aos concorrentes relativamente aos actos de concorrência desleal que os possam
ofender, de forma directa ou em termos colectivos, é também finalidade da lei.
Direito da Concorrência e Propriedade industrial da universidade São Tomas de Moçambique. Material não
editado e nem publicado.
67
OLAVO, Carlos, ob. cit. p. 153.
68
Idem p. 154.
Sempre que os agentes económicos, através das respectivas condutas, procuram falsear ou
adulterar o funcionamento dos mercados, pode estar-se perante práticas restritivas da
concorrência.
O Abuso de posição dominante é uma prática restritiva da concorrência que decorre da utilização
ilícita por parte de uma empresa (ou de um conjunto de empresas) do poder de que dispõe(m)
num determinado mercado.69
Um abuso de posição dominante, pressupõe a utilização indevida por uma empresa do poder que
dispõe no mercado, que consistirá, na exploração dos outros agentes económicos ou na exclusão
de concorrentes do mercado.70 Este abuso da posição dominante pode, revestir duas
modalidades.
69
www. Google.pt.co. Autoridade da Concorrência, consultado no dia 18/01/2012.
70
Aula ministrada pelo Mestre Wanda Honwana docente da cadeira do Direito da Concorrência e propriedade
Industrial da Universidade São Tomás de Moçambique. Material não editado e nem publicado.
Diz-se que uma empresa dispõe de posição dominante individual relativamente ao mercado de
determinado bem ou serviços quando essa empresa não sofra concorrência significativa ou
assume preponderância relativamente aos seus concorrentes, e colectiva, quando duas ou mais
empresas, desde que actuando concertadamente, não sofrem concorrência significativa, ou
assumem preponderância relativamente a terceiros, num determinado mercado relevante.71
Significa isto que não basta avaliar o poderio económico do conjunto das empresas que operam
num dado mercado, nomeadamente se a soma das suas quotas do mercado atinge ou não as
possíveis presunções que a lei possa estabelecer (que se pode exigir). Para se imputar uma
posição dominante colectiva é indispensável que essas empresas, objecto de avaliação tenham-se
envolvido numa actuação concertada com vista à prossecução de um interesse comum.
Assim, por exemplo, os oligopólios ou oligopsônios só poderão ser considerados como detendo
posição dominante colectiva, se for possível imputar aos mesmos um comportamento concertado
ou intencionalmente paralelo.
Assim, estabelece-se uma presunção de uma posição dominante individual quando uma empresa
detém uma quota igual ou superior a 30% no mercado de um determinado bem ou serviço.
No que respeita à posição dominante colectiva são estabelecidas presunções na base de quotas de
mercado iguais ou superiores a 50% no caso de três ou menos empresas e igual ou superiores a
65% no caso de cinco ou menos empresas.
Contudo, importa referir que, regra geral, a quota do mercado por si só, constitui um indicador
insuficiente para se concluir a existência ou não de uma posição dominante. É necessário
procurar critérios complementares que permitem determinar a sua existência, mediante a análise
da estrutura da oferta e da procura.
71
BANGY, Azeen R., defesa da concorrência em Portugal, 1998, p. 37.
O importante a reter no que concerne à figura do abuso da posição dominante é que a detenção
de uma posição dominante em si, não é proibida, ou seja, não constitui prática restritiva da
concorrência, mas sim, o que é proibido é o abuso.72
O abuso de estado de dependência económica decorre do uso ilícito do poder de mercado que
uma empresa detenha sobre outra que se encontre em estado de dependência, por não dispor de
alternativa equivalente para fornecimento de bens ou prestação dos serviços em causa.74
Portanto, a existência ou não de estado de dependência económica é avaliada em termos de
ausência ou não de uma alternativa equivalente ou suportável por parte de um dos parceiros.
Poder-se-á - se entender como não dispondo de alternativa equivalente quando o fornecimento
do bem ou serviço em causa for assegurado por um número restrito de empresas e a empresa
“vítima” não puder obter idênticas condições por parte de outros parceiros comerciais num prazo
razoável.
72
BANGY, Azeen R.,ob. cit. p. 40.
73
Www. Google.pt.co. Autoridade da Concorrência, consultado no dia 18/01/2012.
74
Como notas essenciais desta figura podemos destacar que i) o abuso de dependência apenas se pode verificar
numa relação comercial entre duas empresas; ii) a empresa “vítima” tem que se encontrar num estado de
dependência económica da empresa “dominante”, atendendo à inexistência de alternativas equivalents, iii) a
empresa dominante tem que ter adoptado comportamentos em relação à empresa “vítima” que, no âmbito
daquela relação de dependência, sejam considerados abusivos., e, finalmente, como já se referiu, iv) a exploração
abusiva da situação de dependência económica tem de ser susceptível de afectar o funcionamento do mercado ou
a estrutura da concorrência.
O abuso do estado da dependência económica pode consistir numa recusa de venda, imposição
de vendas geminadas, práticas de condições de vendas discriminatórias ou ainda, numa ruptura
de relações comerciais, pelo facto do parceiro dependente se recusar a submeter-se às condições
comerciais injustificadas impostas pela outra parte.75
O que se pretende sancionar neste tipo de práticas restritivas é o abuso de uma situação de
dependência e não comportamentos ditados por meras opções por melhores condições
comerciais.76
Não se pode obrigar ninguém a manter um fornecedor ou um cliente quando existem alternativas
mais favoráveis para a compra e venda do produto em causa. Doutro modo, por-se-ia em causa o
princípio fundamental de uma economia de mercado que assenta no pressuposto de autonomia
do agente económico na definição de sua política comercial e, por outro lado, eternizar-se-ia a
sobrevivência de empresas dependentes pela manutenção indefinida de contratos existentes,
impossibilitando-se assim a entrada de potenciais concorrentes no mercado.77
c) Práticas colectivas
75
BANGY, Azeen R.,ob. cit. p. 40.
76
Idem, p. 40.
77
Idem, p. 40.
A doutrina dominante entende que “acordos” é aqui usado em sentido amplo de forma a abranger
quer os contratos, quaisquer que eles sejam, de onde derivam as obrigações juridicamente
vinculativas para as partes, quer simples acordos, mesmo que tácitos ou não assinados, de onde
derivam restrições, incluindo por meio de sanções morais ou económicas à liberdade de agir ou
decidir autonomamente de uma ou alguma das partes. Ficam assim incluídos os gentlemens
agreements, os cartéis ou uniões informais e mesmo os actos preparatórios de contratos futuros.79
Para que assumam relevância basta que expressem fielmente a vontade das empresas sobre o seu
comportamento comum no mercado.
Os acordos podem ser verticais – entre empresas em diferentes níveis da cadeia de produção ou
de distribuição (vg: os acordos entre o produtor de um determinado bem e os seus
distribuidores); ou horizontais (cartéis) – entre empresas concorrentes, isto é, no mesmo nível da
cadeia de produção ou de distribuição (vg: os acordos entre produtores de dois bens
concorrentes).
78
BANGY, Azeen R.ob cit. p. 40
79
Aula ministrada pelo Mestre Wanda Honwana, docente da Cadeira de Direito da Concorrência e propriedade
Industrial da Universidade São Tomás de Moçambique.
2) Práticas concertadas
Trata-se de uma noção difícil de precisar. Não se exige nenhum acordo ou decisão conjunta,
nenhuma manifestação de vontade no sentido de criar vínculo jurídico entre as partes, mas exige-
se algo mais do que uma conduta idêntica, mesmo se consciente, por parte dos agentes, algo mais
do que a existência de comportamentos paralelos num certo mercado destituídos de qualquer
vontade de agir em comum. Ou seja, o facto de uma grande empresa estar em condições de
impedir uma política de preços de menor dimensão e de estes seguirem o preço daquele, ou de,
num mercado oligopolista, as empresas que o integram acabarem racionalmente por uniformizar
comportamentos não significa, por si só, a existência de uma prática concertada. Este exige que o
comportamento paralelo resulte de uma cooperação/concertação interempresarial consciente.
As decisões de associação de empresa, por sua vez, representam actos formalmente unilaterais –
da associação –, mas que expressam uma orientação e vontade institucionais que traduzem o
entendimento dos membros/associados e que, por isso, se subsumem ao conceito de „conduta
colectiva‟. Para efeitos do direito da concorrência, deve considerar-se como “associação de
empresas” qualquer entidade que agregue várias pessoas singulares ou colectivas – elas próprias,
possivelmente, também empresas – e que, por regra, representa os interesses dos seus associados
(vg: Ordens Profissionais, Cooperativas, Associações patronais, etc.). Do mesmo modo, para
efeitos do direito da concorrência, deve considerar-se “decisão” de associação de empresas todas
as manifestações que reflictam a vontade de coordenação de comportamentos dos membros da
associação no mercado (vg: podem ser “decisões” neste sentido, os Estatutos da associação;
quaisquer decisões vinculativas, orientações não vinculativas, directrizes, circulares,
recomendações, etc.).
Assim sendo, cabendo ao Estado, através das leis, assegurar o funcionamento eficiente dos
mercados, com vista a garantir a concorrência equilibrada entre as empresas, e para acabar
com todas estas práticas consideradas restritivas da concorrência, entendemos necessário e
urgente, que o Estado moçambicano crie instituições (vg: o que se chama de Autoridade da
Concorrência, Conselho Nacional da Concorrência, Conselho Administrativo da defesa da
Concorrência, Conselho da Concorrência - competition comission em Portugal, Angola, Brasil e
África do Sul, respectivamente) e normas ordinárias que protegem e defendem a concorrência.
Pois, criadas as condições a que reclamamos, a concorrência entendida como pedra angular
para o crescimento dos mercados, e para o desenvolvimento da economia no âmbito geral e em
particular para a economia dos agentes económicos, será desenvolvida num ambiente leal, justo
e são, salvaguardando e satisfazendo, por outro lado, a liberdade de escolha dos consumidores.
CONCLUSÕES
A não protecção da concorrência é hoje tida como um mal que pode enfermar o mercado e até a
economia numa perspectiva global. Quer isto dizer que a defesa da concorrência é uma opção
fundamental do Estado e, como tal, deve estar plasmada a nível da constituição já que da sua
desprotecção podem resultar graves violações dos direitos fundamentais dos cidadãos. É com a
constituição económica que o Estado vai definir e assegurar uma equilibrada concorrência entre
os agentes económicos, cabendo ulteriormente ao legislador ordinário concretizar e estabelecer a
garantia desse direito.
Feita a resenha histórica, notabilizou-se que nem sempre o Estado moçambicano protegeu a
concorrência nas suas constituições. A CRPM de 1975, caracterizou-se pela consagração do
modelo económico socialista, onde o Estado detinha monopólio sobre quase todos sectores da
economia e a propriedade privada era limitadamente reconhecida. Estes monopólios são
contrários à ideia da liberdade da concorrência.
É com o PRE que foram lançadas as sementes que possibilitaram o despontar da concorrência
empresarial em Moçambique. Configurou-se como primeira evidência, ainda que precária, o
desenvolvimento do mercado comercial moçambicano.
É imprescindível defender a concorrência, não somente por razões económicas, mas também por
razões políticas e sociológicas, ou seja, a concorrência é indispensável numa sociedade que se
pretende democrática, onde haja uma liberdade de escolha dos consumidores e que a mesma não
seja viciada pela pressão de empresas e, onde o Estado exerce o seu poder de fiscalizador
imparcial da economia.
RECOMENDAÇÕES
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. DOUTRINAS
ALFREDO, Benjamim, Noções Gerais do Direito Económico, Maputo, 2010;
AMATO Giuliano, Antitrust and the Bounds of Power, Oxford: hart publishing 1997,
BANGY, Azeen, R, Defesa da Concorrência em Portugal, 1998;
3. OBRAS ELECTRÓNICAS
4. LEGISLAÇÃO
4.1.NACIONAL
4.2.INTERNACIONAL
Lei nº 18/2003, de 11 de Junho, aprova a Lei da Defesa da Concorrência em Portugal.