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Direito e Economia Robert Cooter 2docx
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Bookman
Para o estudo racional do direito, o homem da letra gótica pode ser o homem do
presente, mas o homemdo futuro é o homem da estatística e o mestre da economia. [...]
Aprendemos que para termos qualquercoisa temos de abrir mão de alguma outra coisa
e aprendemos a contrapor a vantagem que ganhamos àoutra vantagem que
perdemos, e a saber o que estamos fazendo quando selecionamos. Oliver Wendell
Holmes, The
Path of the Law 1 0 HARV. L. REV. 457, 469, 474 (1897)1.
1Nosso estilo de citação é uma variante do estilo de citações jurídicas de uso mais comum nos Estados
Unidos. O sentido da citação é o seguinte: o autor do artigo do qual foi tirada a citação é Oliver Wendell
Holmes; o título do artigo é The Path of the Law ; e o artigo pode ser encontrado no volume 10 da Harvard
Law Review, publicado em 1897, com início na página 457. O material citado está nas páginas 469 e 474
desse artigo.
2Diz-se que o campo moderno teve início com a publicação de dois artigos que são tidos como marcos:
Ronald H. Coase, The Problem of Social Cost , 3 J. L. & ECON. 1 (1960) e Guido Calabresi, Some
Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts , 70 YALE L. J. 499 (1961).
1
A economia mudou a natureza da ciência jurídica, a compreensão comum de regrase
instituições jurídicas e até a prática do direito. Como prova disso, veja os
seguintesindicadores do impacto da economia sobre o direito. Em 1990, menos um
economistafazia parte do corpo docente de cada uma das principais faculdades de
direito na Américado Norte e de algumas da Europa ocidental. Programas de pós-
graduação em conjunto(Ph.D. em economia e J.D. em direito) existem em muitas
universidades proeminentes.As revistas de direito publicam muitos artigos que usam a
abordagem econômica e hádiversas revistas científicas dedicadas exclusivamente a
esse campo3. Recentemente, umestudo exaustivo constatou que os artigos que usam a
abordagem econômica são maiscitados nas principais revistas científicas norte-
americanas do que os artigos que usamqualquer outra abordagem 4. A maioria dos
cursos de direito nos Estados Unidos têm agoraao menos um breve resumo da análise
econômica do direito na maioria das cadeiras dasáreas substantivas. Algumas
faculdades têm um breve curso especial para todos os alunosdo primeiro ano com uma
introdução ao direito e à economia; e muitas áreas substantivasdo direito, como o direito
das sociedades por ações, são agora ensinadas principalmente apartir de uma
perspectiva da associação entre direito e economia 5.
O impacto do novo campo vai além das universidades, estendendo-se à prática dodireito
e à implementação de políticas públicas. A economia ofereceu os
fundamentosintelectuais para o movimento de desregulamentação na década de 1970,
que resultou emmudanças drásticas nos Estados Unidos, como, p. ex., a dissolução de
entidades regulatóriasque estabeleciam os preços e as rotas para aviões, caminhões e
ferrovias, e agora estáajudando a examinar a desregulamentação – anteriormente
inconcebível – da geração deenergia elétrica. A economia também constituiu a força
intelectual por trás da revoluçãoocorrida no direito antitruste dos Estados Unidos nos
anos 1970 e 1980, e atualmente estádesempenhando uma função semelhante na
revolução antitruste que está apenas começandona União Europeia. Numa outra área
de políticas públicas, uma comissão criadapelo Congresso norte-americano em 1984
para reformar as sentenças penais nos tribunais federais usou explicitamente os
resultados do direito e da economia para alcançar algunsde seus resultados.
3Por exemplo, a Journal of Law and Economics teve início em 1958; a Journal of Legal Studies em 1972; a
Research inLaw and Economics , International Review of Law and Economics e Journal of Law ,
Economics , and Organization nadécada de 1980; e a Journal of Empirical Legal Studies na de 2000.
4William M. Landes & Richard A. Posner, The Influence of Economics on Law : A Quantitative Study, 36 J.
Econômicas
em Memória deAlfred Nobel. O Banco Real da Suécia criou o Prêmio em 1968 para comemorar o 300º
aniversário do Banco. Veja nosso site,www.cooter-ulen.com, que contém uma lista completa dos
ganhadores do Prêmio Nobel e uma breve descrição de sua obra.
2
StephenBreyer, da Suprema Corte dos Estados Unidos; juiz-presidente Richard A.
Posner ejuiz Frank Easterbrook, do Tribunal de Apelação da Sétima Vara; juiz Guido
Calabresi,do Tribunal de Apelação da Segunda Vara; juiz Douglas Ginsburg e ex-juiz
Robert Bork,do Tribunal de Apelação da Vara do Distrito Federal; e juiz Alex Kozinski, do
Tribunal deApelação da Nona Vara.
A economia proporcionou uma teoria científica para prever os efeitos das sanções legais
sobre o comportamento. Para os economistas, as sanções se assemelham aos
preços,e, presumivelmente, as pessoas reagem às sanções, em grande parte, da
mesma maneira que reagem aos preços. As pessoas reagem a preços mais altos
consumindo menos do produto mais caro; assim, supostamente, elas reagem a sanções
legais mais duras praticando menos da atividade sancionada. A economia tem teorias
matematicamente precisas (teoriado preço e teoria dos jogos) e métodos empiricamente
sólidos (estatística e econometria)de análise dos efeitos dos preços sobre o
comportamento.
Vejamos um exemplo. Suponhamos que um fabricante saiba que seu produto irá,
àsvezes, ferir os consumidores. Até que ponto esse fabricante tornará o produto seguro?
Para uma empresa que queira maximizar os lucros, a resposta depende de dois
custos:primeiro, dos custos efetivos para tornar o produto mais seguro, que, por sua vez,
dependemde fatos relativos ao projeto e à fabricação do produto e dos custos da
emissão deadvertências aos usuários; e do “preço implícito” de ferimentos causados aos
consumidorespor meio da responsabilidade jurídica do fabricante. A responsabilidade é
uma sançãoimposta por danos causados a outros. O produtor precisará da ajuda de
advogados parafazer uma estimativa desse preço implícito. Depois de obter as
informações necessárias,ele irá comparar o custo da segurança e o custo implícito de
acidentes. Para maximizar oslucros, o produtor irá ajustar a segurança até que o custo
efetivo da segurança adicionalseja igual ao preço implícito de acidentes adicionais.
Generalizando, podemos dizer que a economia fornece uma teoria comportamental para
prever como as pessoas reagem às leis. Essa teoria, baseada em como as pessoas
reagem a incentivos, suplanta a intuição da mesma maneira como a ciência suplanta o
bom senso. Um dos mais famosos ensaios sobre direito e economia tem o subtítulo
“Uma vista da catedral”7. A metáfora retrata a análise econômica como uma vista para
Guido Calabresi & Douglas Melamed, Property Rules , Liability Rules , and Inalienability : One View of the
7
Cathedral ,
85 HARV. L. REV. 1089 (1972).
3
olhar umobjeto grande, antigo, complexo, belo, misterioso, sacro. Oferecemos outra
metáfora. Asprevisões sempre orientam o direito, de modo que a ciência
comportamental se assemelhaà argamassa que se encontra entre as pedras da catedral,
estando em toda parte, assimcomo as pedras, e dando sustentação a cada uma delas.
Neste ponto da história da ciênciasocial, a economia é a parte da ciência
comportamental mais útil para o direito.
4
dasregulamentações permitem que as empresas evitem a maioria das discordâncias.
Quandoas partes não conseguem evitar discordâncias, resolvê-las com eficiência poupa
recursos.Uma análise da eficiência do litígio, que desenvolvemos neste livro, pode
ajudar uma empresaa economizar recursos na resolução de uma disputa hostil, assim
como um contratoeficiente pode aumentar os lucros numa transação amistosa.
(ECONOMIA DOS CONTRATOS SÃO INCOMPLETOS)
Além da eficiência e dos lucros, a economia prevê os efeitos das políticas sobre umoutro
valor importante: a distribuição de renda e riqueza. Uma das primeiras aplicaçõesda
economia à política pública consistiu em seu uso para prever quem realmente arca como
ônus de impostos alternativos. Os economistas entendem, mais do que outros
cientistassociais, como as leis afetam a distribuição de renda e riqueza entre classes e
grupos.Embora os economistas muitas vezes recomendem mudanças que aumentem a
eficiência,eles tentam não tomar partido em disputas a respeito de distribuição e, em
geral, deixamas recomendações sobre distribuição para os formuladores de políticas
públicas ou oseleitores.
Para dar uma ideia melhor do que implica a associação entre direito e economia,
apresentamosalguns exemplos baseados em clássicos da análise econômica do direito.
Primeiro,tentamos identificar o preço implícito criado pela regra jurídica em cada
exemplo. Emsegundo lugar, prevemos as consequências de variações nesse preço
implícito. Finalmente,avaliamos os efeitos em termos da eficiência e, onde isso é
possível, em termos dedistribuição.
Exemplo 1: Foi nomeada uma comissão para examinar algumas reformas do direito
penal.A comissão identificou certos crimes de colarinho-branco (como, p. ex., apropriar-
seindevidamente de dinheiro do empregador) que são, geralmente, cometidos depois
dese fazer um cálculo racional do ganho em potencial e do risco de ser pego e
punido.Atualmente, as pessoas condenadas por esses crimes cumprem um período na
prisão.Depois de ouvir extensos depoimentos, muitos deles de economistas, a comissão
decideque uma multa em dinheiro, e não o encarceramento, é a punição apropriada para
essesdelitos penais. A comissão classifica cada delito penal de acordo com a gravidade
e determinaque o valor da multa deveria aumentar com a gravidade do crime; a questão,
porém,é: aumentar quanto?
Até aqui, descrevemos o preço implícito de uma sanção penal e previmos seu
efeitosobre o comportamento. Agora, avaliamos o efeito no tocante à eficiência
econômica.Quando uma diminuição na probabilidade da punição compensa um aumento
no tamanhoda pena, o custo esperado do crime permanece mais ou menos o
mesmo 5
para os criminosos.Mas os custos do crime para o sistema de justiça penal poderão
mudar. A probabilidade de ser pego e condenado depende, em grande parte, dos
recursos destinados à detençãoe ao processo de criminosos de colarinho-branco – por
exemplo, do número e da qualidadede auditores, fiscais de tributos e inspetores de
bancos, policiais, promotores públicose assim por diante. Esses recursos custam caro.
Em contraposição a isso, a administraçãode multas é relativamente barata.
Esses fatos implicam uma prescrição para manter o crime de colarinho-branco abaixode
qualquer nível especificado a um custo mínimo para o Estado: investir pouco
nadetenção e no processo dos delinquentes e multar severamente aqueles que são
detidos.Com efeito, pode-se mostrar que o delito penal mais grave deveria ser punido
com a multapecuniária máxima que o delinquente pode suportar. (O professor Gary
Becker derivouesse resultado num texto famoso citado pelo Comitê do Prêmio Nobel
quando de sua premiação.)Além disso, pode-se mostrar que encarcerar qualquer
criminoso – e não apenascriminosos de colarinho-branco – é ineficiente a menos que a
capacidade de pagar multastenha sido completamente esgotada. Assim, a comissão
poderia recomendar multas muitoelevadas em sua tabela de penas para crimes de
colarinho-branco. Examinaremos essesachados mais detalhadamente nos capítulos 11 e
12.
Para um economista que analisar esse caso, o aspecto crucial é que as partes
deixaramde alocar entre si o risco de uma contingência – neste caso, de uma guerra –
que surgiupara frustrar o cumprimento do contrato. A guerra é um risco que faz parte de
atividadescomerciais no Oriente Médio, um risco que precisa ser assumido por uma das
partes docontrato. Visto que o contrato é omisso quanto à alocação desse risco, o
tribunal precisaalocá-lo, e, dependendo de como o tribunal decidir o processo, uma ou
outra das partesterá de arcar com os custos desse risco.
9Para uma exposição completa dos casos em que esse exemplo se baseia, veja Richard Posner &
Andrew
Rosenfield, Impossibility and Related Doctrines in Contract Law , 6 J. LEGAL STUD. 88 (1977). 6
resultantes do não fornecimentodo petróleo. Por outro lado, se o tribunal considerar a
empresa petrolífera responsávelpor indenizar o fabricante europeu pelos lucros não
realizados por causa do nãofornecimento do petróleo, a empresa petrolífera arcará com
o prejuízo decorrente do fatode não ter fornecido o petróleo. Portanto, a maneira como o
tribunal decidir o processoacarretará um rateio dos prejuízos entre as duas partes.
Embora a associação entre direito e economia seja útil na primeira dessas tarefas –
nafunção de resolução de disputas, ela chama a atenção particularmente ao se expor o
aspectode criação de regras contido na forma como os tribunais e outros legisladores
decidemuma ação judicial ou controvérsia específica. Com efeito, esse será um tema
central domaterial que consta no restante deste livro: “Como a r egra articulada pelo
legislador pararesolver esta disputa específica irá afetar o comportamento de partes que
se encontremnuma situação semelhante no futuro? E esse comportamento é
desejável?”
A economia pode oferecer um método para que o tribunal decida que rateio é
melhortanto para estas partes em particular quanto para partes que estejam em situação
semelhanteno futuro? Do ponto de vista da eficiência econômica, o tribunal deveria
atribuir aresponsabilidade pelo prejuízo resultante do não fornecimento de tal modo que
torne maiseficiente o comportamento contratual futuro. Uma regra para fazer isso atribui
a responsabilidadepelas perdas à parte que poderia ter assumido o risco a um custo
menor1 0. Umaforma de tornar o risco mais suportável é precaver-se contra ele. A
empresa atuante noOriente Médio provavelmente está numa posição melhor do que um
fabricante europeupara avaliar o risco de guerra naquela região e precaver-se contra
ele. Por exemplo, a empresapetrolífera poderia ter providenciado rotas de navegação
alternativas que talvez nãofossem bloqueadas por uma guerra no Oriente Médio. Ela
também poderia ter se preparadopara comprar petróleo em outro lugar no caso de
ocorrer uma guerra na região.
Nesse exemplo, supomos que todo o prejuízo decorrente do não cumprimento deve ser atribuído a
10
uma
das partes pelo tribunal. Alternativamente, o tribunal poderia dividir o prejuízo entre as partes.
7
capítulos 6 e 7, examinaremos detalhadamente os princípios subjacentes a esse
exemplo.
9
ospobres11. “Consumidores” e “investidores” correspondem de modo imperfeito a
“pobres”e “ricos”. Os consumidores de automóveis Ferrari, férias para esquiar e óperas
tendem aser relativamente ricos. Muitas empresas pequenas estão organizadas como
sociedadespor ações. Além disso, os membros de sindicatos com bons planos de
aposentadoria sãoproprietários de investimentos significativos nas ações de grandes
empresas. Tributandoa renda, a lei distingue com mais precisão entre ricos e pobres do
que adotando a abordagemindireta de visar “consumidores” e “investidores”.
Além dessas três razões, há uma quarta: a redistribuição por meio do direito
privadodistorce a economia mais do que o faz a tributação progressiva. Por exemplo:
suponhaque uma lei feita para beneficiar os consumidores de tomates cause uma queda
no retornodesfrutado pelos investidores em propriedades agrícolas que produzem
tomates. Os investidoresvão reagir retirando recursos dessas propriedades agrícolas e
investindo em outrosnegócios. Consequentemente, a oferta de tomates será pequena
demais e os consumidorespagarão um preço alto por eles. Em geral, contar com
impostos de base ampla, e não emleis com foco estreito, reduz os efeitos distorcivos de
políticas redistributivas.
Os tribunais poderiam decidir sempre em favor do consumidor como indivíduo quando ele processa
11
uma
empresa em relação à responsabilidade por danos resultantes do uso de seus produtos.
10
cumprimentoprivado pode ser barato e eficaz, e a distorção nos incentivos pode ser
modesta.Projetar esse tipo de lei a fim de produzir resultados desejáveis, porém, exige
uma atençãomais cuidadosa da ciência econômica subjacente do que os reguladores
normalmentemostram.
NOTA NA INTERNET 1.1
Nota: Além da eficiência, que outros valores relativos à definição de políticas públicas
deveriam serimportantes ao se fazer e aplicar a lei? Num livro recente intitulado Fairness
Versus Welfare(2002), Louis Kaplow e Steven Shavell, da Faculdade de Direito de
Harvard, dizem: “Nenhum”.Outros discordam. Veja Chris Sanchirico, Deconstructing the
New Efficiency Rationale , 86 CornellL. Rev. 1005 (2001), e Daniel Farber, What (If
Anything) Can Economics Say About Equity?101 Mich L. Rev. 1791 (2003).Há uma
exposição mais completa dessa literatura sob o Capítulo 1 no site, www.cooter-
ulen.com, e links para outros sites de interesse.
Embora nosso foco principal seja o que a economia pode trazer para o direito,
tambémconstataremos que o direito traz algo para a economia. Muitas vezes, a análise
econômicapressupõe como algo óbvio instituições jurídicas como a propriedade e o
contrato,que afetam drasticamente a economia. Por exemplo, a ausência de propriedade
segura econtratos confiáveis costumava paralisar a economia de alguns países da
Europa orientale do terceiro mundo. Uma parte importante dos planos de
desenvolvimento econômicodesses países é a instituição de regimes jurídicos
previsíveis e estáveis. Outra ilustração:diferenças nas leis fazem com que os mercados
de capitais estejam organizados de maneiramuito distinta no Japão, na Alemanha e nos
Estados Unidos, e esses traços diferenciaispodem contribuir para produzir diferenças no
desempenho econômico desses países.
SUGESTÕES DE LEITURA
Ao final de cada capítulo, listaremos alguns dos mais importantes textos sobre o
assuntodiscutido. Essa lista não é completa; o campo da associação do direito e
economia estácrescendo tão rápido que acréscimos significativos à literatura ocorrem a
cada mês. Porfavor, consulte o site deste livro (www.cooter-ulen.com) para obter
subsídios adicionais.As publicações The Legal Periodical Index e Journal of Economic
Literature contêm índicesde todos os artigos publicados em revistas científicas de direito
e economia; amboscontêm os tópicos “Economia” e “Direito e economia”.
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