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CAPÍTULO 1
SUMÁRIO
1.1– INTRODUÇÃO
Em vez de começar com uma longa e abstrata discussão sobre o que é política de
defesa da concorrência1, este capítulo tem por objetivo apresentar ao leitor questões sobre
concorrências por meio de uma abordagem histórica. A seção 1.2 descreve brevemente
os principais aspectos que a política de concorrência exibiram no passado, nos Estados
Unidos, na Europa e no Brasil. A revisão histórica também mostra que, na prática da
política de concorrência, numerosas considerações de políticas públicas e objetivos foram
(e ainda são) consideradas. A seção 1.3 rapidamente as discute e indica os possíveis
conflitos objetivos econômicos e não econômicos. Munidos por essa discussão, no fim
do Capítulo 1, teremos a definição de política de concorrência utilizada neste livro.
1
Política de concorrência, política de defesa da concorrência e política antitruste são expressões análogas
que fazem referência às jurisdições nas quais surgiram (respectivamente, Europa, Brasil e Estados Unidos)
e serão indistintamente utilizadas neste livro.
2
“O truste era, originalmente, um instrumento pelo qual várias corporações em uma mesma linha de
negócios poderiam combinar-se para obter vantagem mútua, buscando eliminar a concorrência destrutiva,
controlando a produção de mercadorias, regulando e mantendo preços, mas, ao mesmo tempo, preservando
sua existência individual, sem consolidação ou fusão. Esse estratagema implicava o estabelecimento de um
comitê central ou conselho, composto talvez por presidentes ou gerentes gerais das diferentes corporações,
e a transferência para eles da maioria das ações de cada uma das corporações a serem detidas pelo trust
para os vários acionistas, de modo a indicar a atribuição de suas participações. Os acionistas recebiam em
troca os trustees certificates (certificados de participação no truste), de acordo com os quais tinham direito
a receber dividendos por suas ações, embora seu poder de voto tenha sido atribuído aos curadores (trustees).
Este último aspecto permitia que os trustees ou comitês elegessem todos os diretores das corporações e, por
meio deles, os funcionários, exercendo controladora e absoluta influência sobre a política e a operação de
cada companhia, com os propósitos mencionados anteriormente.” (WEST GROUM, 1998)
3
Para escrever esta seção, foi consultada uma série de fontes que descrevem a legislação antitruste dos
Estados Unidos em perspectiva histórica, entre elas: Amato (1997), Comanor (1990), Fox (2002), Kovacic
e Shapiro (2000), Lin et al. (2000), Mueller (1996), Posner (2001: Capítulo 2), Scherer (1980) e Scherer
(1994). Ver também Salgado (1997: Introdução).
4
Economias de escala acontecem quando os custos unitários de produção caem com a quantidade total
produzida; economias de escopo, quando os custos unitários caem porque dois ou mais bens são produzidos
A última parte do século XIX foi caracterizada por preços baixos e instáveis,
devido a fatores macroeconômicos que provocaram recorrentes e persistentes crises
econômicas (1873-8 e 1883-6) e criaram instabilidade em vários setores, boa parte da
qual, contudo, devida aos mesmos fatores que levaram à criação de grandes oportunidades
de mercado. De fato, a queda dos custos em transportes e comunicações gerou não apenas
um único e amplo mercado integrado para muitas indústrias, mas também o crescimento
da competição, uma vez que muitas empresas eram, então, obrigadas a competir com
rivais mais distantes, localizadas em outros estados americanos e no exterior (os custos
de transportes marítimos e, por conseguinte, de importações, também foram
consideravelmente reduzidos nesse período).
conjuntamente.
5
Ver Chandler (1990), em particular o Capítulo 3, para um rico e fascinante relato das mudanças na
economia americana durante a segunda metade do século XIX.
de operar à plena capacidade para cobrir grandes custos fixos, as organizações serão
tentadas a reduzir preços, o que dará início a guerras de preços.
A Lei Sherman e sua aplicação inicial. Para nossos propósitos, as seções relevantes
da Lei Sherman são as 1 e 2. A seção 1 proíbe contratos e conspirações que restringem o
comércio e prescreve prisão e multa para violadores. A seção 2 proíbe tentativas ou
monopolização de fato de “qualquer parte do comércio entre vários estados ou entre
nações estrangeiras” (note, porém, que uma posição de monopólio por si não é ilegal). A
6
No entanto, guerras de preços podem ser apenas uma das fases de um cartel. Ver Green e Porter (1984) e
Porter (1983b). Ver uma discussão sobre esse assunto no Capítulo 4.
7
Note que “pequenos empresários” incluem não apenas industriais cuja pequena operação lhe dava
desvantagem de custo, mas também atacadistas, representantes de manufaturas e outros intermediários.
lei traz as próprias penalidades criminais, que podem incluir prisão de até três anos
(recentemente, sentenças de prisão tornaram-se mais comuns em casos de condenação
antitruste).
Durante a primeira década de vida, a aplicação da Lei Sherman não foi muito
rígida. Apenas em 1897, a Suprema Corte decidiu sobre um truste que envolvia 18
ferrovias e tinha fixado tarifas sobre o transporte de bens (Trans-Missouri Freight
Association), claramente estabelecendo que acordos de preços eram ilegais. De fato,
nessa decisão e em Addystom Pipe and Steel, os juízes recusaram argumentos em favor
da fixação de preços como forma de impedir a “concorrência predatória”. A Suprema
Corte adotou a visão de que, com a Lei Sherman, o Congresso intencionava banir
qualquer acordo de preços e que não caberia aos juízes decidir quais seriam ou não
razoáveis8. A proibição de acordos de preços entre concorrentes é um princípio muito
forte e ainda válido, com poucas exceções9.
Em Dr. Miles versus Park & Sons (1911), a Suprema Corte aplicou a proibição da
Lei Sherman a restrições de preços também em relações verticais. A Corte estabeleceu
que a cláusula de manutenção de preços no varejo, quando o fabricante obriga o
revendedor a vender acima do preço mínimo indicado por ele, era ilegal per se.10 Essa
proibição não foi revertida por muito tempo.11
Essa dura posição foi confirmada pelo julgamento contra dois dos mais
importantes trustes, Standard Oil Company (dividido em 34 companhias separadas em
1911) e American Tobacco.
8
Ver também Posner (2001: 35-6).
9
No entanto, exceções às regras antitruste nos Estados Unidos foram formalmente concedidas a vários
setores, como seguros, agricultura, pesca, ligas de beisebol profissional e organizações profissionais.
Também existe a doutrina da state action (referente a setores regulados por agências estaduais), que
representa outra exceção. Em particular, acordos horizontais (como fixação de preços), que, de outra forma,
seriam considerados anticompetitivos, são permitidos se autorizados por regulação estatal. Para uma
discussão sobre esse tema, ver Inman e Rubinfeld (1997).
10
Se uma prática de negócios é legal per se, nenhum julgamento pode justificá-la: é proibida sem exceções.
Se ao contrário a abordagem é de acordo com a razoabilidade, a empresa pode convencer a corte de que
sua prática de negócios não gera danos ao bem-estar naquelas circunstâncias particulares.
11
Essa proibição per se não é justificável em termos econômicos. Ver o Capítulo 6. Note que apenas em
1997 a Suprema Corte decidiu, em State Oil versus Kuhn, que uma empresa poderia impor um teto de
preços sobre seus revendedores.
A Lei Clayton e a Lei Federal Trade Commission. Note que a Lei Sherman
cobre fixação de preços e acordos de divisão de mercados entre empresas independentes,
assim como práticas de monopolização por companhias individuais, mas não fusões
(antes consideradas legais, a menos que formadas com a intenção de monopolizar o
mercado usando métodos desleais de competição). Consequentemente, empresas
dispostas a coordenar preços tinham a opção de fundir-se em uma única companhia e, ao
fazê-lo, colocavam-se fora do alcance da Lei Sherman. A Lei Clayton foi, então, posta
em vigor em 1914, para estender a legislação antitruste de modo a cobrir fusões capazes
de reduzir a competição; foi provavelmente a própria Lei Sherman que gerou forte
aumento no número de fusões nos Estados Unidos.
12
Ver o Capítulo 7 para uma breve discussão do caso no contexto de análise de preços predatórios.
13
Este caso é ainda mencionado hoje em discussões relacionadas com instalações essenciais e recusa de
contratar. Ver os Capítulos 6 e 7.
A Lei Federal Trade Commission que também data de 1914, criou a FTC, agência
independente para regular práticas desonestas de comércio, que passou a compartilhar
com o DoJ (Department of Justice), braço do governo, a responsabilidade de aplicar a lei
antitruste nos Estados Unidos em nível federal (no nível estadual, procuradores-gerais
podem agir em nome dos prejudicados por violações antitruste).14
O período entreguerras O período entre as duas guerras mundiais foi marcado por
uma aplicação mais branda da legislação antitruste. Durante a Primeira Guerra Mundial,
14
A divisão de trabalho entre as duas instituições, FTC e DoJ, não é determinada de forma precisa. Em
casos de fusões, dá-se tipicamente ao longo de linhas setoriais que podem mudar com o tempo. No entanto,
só o DoJ tem poder de ação em casos criminais.
15
Nos anos recentes, provisões contra preços predatórios vêm sendo utilizadas muito raramente.
foi a coalizão entre os negócios e a política que governou a economia, mais que as forças
de mercado, e esse modelo continuou a ter advogados mesmo depois de a guerra ter
terminado. A Grande Depressão de 1929 reforçou tais ideias e resultou em alguns
controles de preços e outras iniciativas regulatórias. A Lei Robson-Patman, cujo objetivo
era evitar a discriminação de preços, que poderia colocar pequenas lojas fora do negócio
em benefício de grandes redes, é um produto de tal ambiente.
16
A decisão do caso Board of Trade of Chicago (1918) pode parecer uma exceção à proibição per se à
fixação de preços, mas provavelmente não foi. O objeto da decisão era a regra que fixava preço para todas
as transações ocorridas após o expediente. A Corte decidiu que a regra per se não se aplicava aqui porque
o Chicago Board não tinha controle sobre os preços das transações e porque, para julgar uma restrição, a
especificidade da indústria, a natureza e os efeitos da restrição deveriam ser considerados. Parece que a
regra da razão foi introduzida para casos de fixação de preços, mas em US versus Trenton Potteries (1927),
a Corte deixou claro que acordos naked para estabelecer preços entre competidores deveriam ser proibidos
per se, com a regra de razoabilidade reservada a circunstâncias excepcionais.
17
O efeito anticompetitivo também foi mais ameno, já que existiam muitos outros produtores na indústria
que não faziam parte do acordo.
18
Em Interstate Circuit (1919) e American Tobacco (1911), a Suprema Corte assumiu a visão de que uma
conspiração poderia ser condenada mesmo com ausência de prova concreta: não havia evidência de acordo
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10
explícito ou de comunicação direta entre as empresas que seguiam um comportamento similar e cujo efeito
era elevar preços. No entanto, em Theatre Entreprises versus Paramount (1954), a Corte decidiu que o
paralelismo consciente, sem qualquer fator adicional, não seria prova de acordo ilegal. O Capítulo 4 discute
extensivamente a questão do padrão de prova em casos de colusão. Argumentamos que evidências
concretas de comunicação entre empresas deveriam ser necessárias para condená-las.
19
Ver Mueller (1996) e Kovacic e Shapiro (2000) para uma relação entre doutrinas econômicas e legislação
antitruste nos Estados Unidos ao longo do tempo. Ver também Salgado (1997: Capítulo 1).
20
Como veremos no Capítulo 6, proteção territorial exclusiva é geralmente uma prática eficiente que
encoraja os varejistas a prover serviços: incluí-las entre restrições verticais proibidas per se supõe uma
abordagem que desconfia de restrições e desconsidera razões de eficiência. Com relação à venda casada
(Capítulo 7), esta é uma prática que pode ser anticompetitiva em algumas circunstâncias, mas
frequentemente tem boas justificativas de eficiência.
21
Outras decisões de monopolização criticadas por não terem levado em consideração argumentos de
eficiência foram United Shoe (1953) e Utah Pie (1967).
Filadélfia era se o mercado deveria ser definido como área metropolitana da Filadélfia ou
região metropolitana Filadélfia-Nova York. A Corte optou pela definição mais estreita do
mercado e desautorizou a fusão, porque teria criado um mercado muito concentrado,
contra-argumentando que efeitos anticompetitivos em um mercado não poderiam ser
justificados por efeitos pró-competitivos em outro. Em Procter & Gamble (1967), a Corte
decidiu em favor da FTC, embora a fusão proposta fosse conglomerada (o que
acrescentava grande importância ao fato de que a P&G poderia ter entrado no mercado)
e a despeito de alegações de eficiência.
22
Para uma visão da chamada Escola de Chicago, ver Bork (1978) e Posner (1976).
23
Como resultado, importantes investigações conduzidas durante o governo anterior, como a contra a IBM,
foram abandonadas. Essa mudança de política também foi apoiada por novos desenvolvimentos teóricos,
como a “teoria dos mercados contestáveis”. Ver o Capítulo 2 para uma discussão mais detalhada (ver
também Salgado, 2007, Capítulo 1).
24
Ver, por exemplo, Jefferson Parish Hospital (1984), quando a Suprema Corte decidiu que não havia
evidências de que um arranjo casado (pacientes do hospital podiam obter serviços de anestesiologistas
apenas entre os providos por uma corporação médica em base de exclusividade) tivesse restringido os
negócios de forma não razoável.
25
Ver Viscusi et al. (1995) e Comanor (1990: 47-8).
26
O caso mais importante e visível dos últimos tempos foi, sem dúvida, o da Microsoft, iniciado na
administração democrata de Bill Clinton. Sob a gestão do Presidente George W. Bush, o Department of
Justice mudou de atitude completamente e procurou um acordo para encerrar o caso, o que finalmente foi
aprovado por um juiz em novembro de 2002.
27
Uma descrição dessas diferentes experiências pode ser encontrada em Salgado (1992 e 1997, anexo).
Apenas em 1923, uma lei de cartéis entrou em vigor, principalmente como reação
à hiperinflação, uma vez que se temia que acordos de preços pudessem contribuir para a
escalada de preços. Mas mesmo assim, a lei não proibia cartéis: meramente requeria seu
registro com uma nova agência encarregada de assegurar que eles não abusariam de seu
poder de mercado. Poucos abusos foram investigados, e a nova lei não teve muito impacto
sobre os cartéis, cujo número continuou a crescer. Novas condições econômicas logo
afastaram o desejo de limitar o poder dos cartéis e promoveram mudança na direção
oposta. Realmente, em 1930, sob o impacto da Grande Depressão e a falência de muitas
empresas, a participação em cartéis tornou-se compulsória e ainda mais extensiva sob o
regime nazista, com o objetivo de controlar a indústria nacional e fortalecer os setores
envolvidos no aparato de guerra, sob a alegação de que este seria mais forte se as empresas
fossem firmemente coordenadas.
28
Muitos dos comentários feitos aqui, referentes ao direito de concorrência alemão atual, também se
aplicam a outros países da Europa Central, como Áustria, República Tcheca, Suíça, Hungria e Holanda.
Em todos esses países, o direito de concorrência foi inspirado pelo princípio da liberdade econômica, o que
pode explicar o tratamento favorável a cartéis concedido no passado pela maioria dos países mencionados.
29
Ainda hoje, trata-se de uma ideia muito cara a segmentos da tecnoburocracia brasileira, em particular a
sediada em agências de fomento e bancos de desenvolvimento econômico. A tese, com variações, vem
sendo usada para justificar fusões, gerando extrema concentração de mercado, como no caso Sadia-
Perdigão (AC 8012.04422/2009-18).
30
A quebra e divisão da empresa química IG Farben em BASF, Bayer e Hoechst data desse período.
31
Ver Kühn (1997), também para uma discussão das decisões das Cortes, que privilegiam a liberdade
contratual dos agentes, em detrimento da eficiência econômica.
32
O direito de concorrência alemão tende a proteger pequenos concorrentes. Por exemplo, a prática de
grandes redes de supermercados venderem alguns produtos abaixo do custo é proibida porque isso poderia
prejudicar pequenos lojistas. Veja a decisão de 11 de novembro de 2002 da Suprema Corte alemã no caso
Walmart.
preços de revenda pelo fabricante é vista como uma restrição da liberdade dos varejistas
para estabelecer o próprio preço.33
Uma das primeiras leis introduzidas no Reino Unido para lidar com esse tema foi
a Profiteering Act (Lei de Exploração), em 1919, cuja principal preocupação era evitar
preços excessivos após a Primeira Guerra Mundial. Até o fim da Segunda Guerra
Mundial, a implementação de novas regras de defesa da concorrência foi discutida com
uma diferente preocupação; de fato, o desemprego era uma questão maior na época, e a
Monopolies and Restrictive Practices Inquiry and Control Act (Lei de Práticas Restritivas
e Monopólios), de 1948, pareceu ser motivada pela ideia de que a concorrência no
mercado ajudaria a atingir o pleno emprego. Desde então, uma série de mudanças foi
implementada, até a Competition Act, de 1998, que praticamente alinhou a legislação
britânica à da União Europeia.
33
O único setor isento de proibição de fixação de preços no varejo é o editorial.
34
Ver Utton (2000, p. 272-5) e Symeonidis (1998).
35
O Diretor-Geral do OFT podia solicitar informações à companhia ou requerer uma ordem judicial para
investigação, mas apenas na suspeita de acordo restritivo. Ver Whish (2001).
36
Outras críticas foram feitas sobre a qualidade de variabilidade das decisões tomadas. Tanto, Utton (2000)
como Symeonidis (1998) mencionam julgamentos contraditórios (que, incidentalmente, também tiveram o
efeito de não darem às empresas segurança jurídica sobre as ações que poderiam ser tomadas), assim como
decisões iniciais difíceis de entender hoje em dia. Particularmente curiosos são dois argumentos feitos pela
Corte em dois casos separados. O primeiro é que um cartel pode ser benéfico para os consumidores porque
lhes poupa tempo de procurar alternativas; o segundo é que o cartel reduz incerteza, e, por conseguinte, o
retorno do capital requerido pelas empresas em uma indústria, levando à queda de preços.
era, assim, preferível à organização centralizada dos mercados, mesmo que a Alta
Autoridade (o órgão encarregado) fosse autorizada a intervir em caso de ocorrência de
sério desequilíbrio no mercado.
Alguns dos pontos cruciais do direito de concorrência atual na Europa podem ser
rastreados até, pelo menos, seus traços básicos: os artigos que lidam com questões de
concorrência do Tratado de Paris. O Artigo 65 do Tratado proibia acordos e práticas
concertadas entre empresas ou associações que tendessem direta ou indiretamente a
impedir, restringir ou distorcer a concorrência normal dentro do Mercado Comum, e a
provisão é claramente o modelo a partir do qual o art. 81 do Tratado de Roma se baseia.37
O Artigo 66 (7) lidava com o abuso de posição dominante por empresas que usam tal
posição para perseguir objetivos contrários aos do Tratado de Roma e, assim, estão em
correspondência próxima com o art. 82 do Tratado de Roma.38
37
Previamente, art. 85. O Tratado de Amsterdã, que entrou em vigor em 1o de maio de 1999, renumerou
os artigos do Tratado de Roma. O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 10 de dezembro de 2009,
renumerou novamente os mesmos artigos, que passaram a vigorar sob os números 101 e 102.
38
Previamente, art. 86.
39
Ver Goyder (1998: Capítulo 18 [1]). Isso não significa que outras considerações políticas nunca tenham
influência na política de fusões da União Europeia. Ver adiante os chamados “cartéis de crise”.
40
Esses objetivos permanecem sólidos e inalterados, como se vê pelos documentos e discursos publicados
pela CE (ver no site da CE).
41
Esta seção segue de perto Salgado (2003 e 2009).
42
Salgado (1997).
mais de duas décadas, os governos militares comandaram a economia, não havia espaço
para a atuação legítima de um órgão com as atribuições do CADE. Esse comando dos
militares era feito pela estimulação da concentração e acordos entre concorrentes –
sobretudo por meio do mecanismo de controle de preços, que impunha reajustes setoriais,
inviabilizando o funcionamento da concorrência.
“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que objetive o domínio dos mercados, a
eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros”. 44
Uma medida provisória, editada no início do governo Collor, em 1990, deu origem
à Lei 8.158/91, que regulamentou o novo dispositivo constitucional, reformulando a área
de defesa da concorrência e visando revitalizar essa política, no bojo de uma série de
reformas modernizadoras e liberalizantes da economia (destaque-se o fim de vários
controles administrativos de importações e o de controle de preços). Na época, o CADE
era considerado pouco eficaz; portanto, foi criada a SDE (Secretaria de Direito
Econômico), dentro da estrutura do Ministério da Justiça, e deu-se início à estreita
colaboração com o Ministério da Fazenda, cuja Secretaria (Secretaria Especial de
Acompanhamento Econômico) herdava a estrutura e expertise do antigo órgão de
controle de preços para a elaboração de pareceres econômicos sobre os casos investigados
pela SDE, auxiliando-a, assim, na análise dos efeitos de condutas restritivas sobre a
concorrência.
43
Cf. Capítulo IV, da Ordem Econômica, art. 170.
44
Cf. art. 143, §4°.
Um importante aspecto a destacar é que a lei não faz qualquer exceção expressa a
qualquer atividade econômica, mesmo àquelas em regime de monopólio legal.
Lembremos que, antes das emendas constitucionais mencionadas, vários serviços
públicos eram prestados de acordo com esses regimes (alguns continuam a ser, como o
45
Os membros do CADE são indicados pelo Presidente da República ao Senado Federal, que os sabatina
e, eventualmente, aprova seus nomes, entre brasileiros de mais de 30 anos, com notório saber econômico
ou jurídico e ilibada reputação. No exercício de seus mandatos, não podem ser afastados dos cargos, a
menos sob as hipóteses previstas em lei e unicamente pelo Senado Federal: condenação penal transitada em
julgado ou processo disciplinar administrativo.
Serviço de Correios e Telégrafos, para citar apenas um). Uma vez privatizados,
permaneceram sujeitos à Lei de Defesa da Concorrência. Assim, todos os setores
regulados da economia, como os serviços públicos, estão também sujeitos à legislação de
defesa da concorrência, o que requereu a articulação entre agências regulatórias e o
CADE na análise de atos de concentração (fusões) e práticas anticompetitivas ocorridas
em setores regulados.
46
Lei 10/149/2000, que alterou alguns dispositivos da Lei 8.884/94.
OCDE com política antitruste ativa: girando em torno de 2% a 3%, contra 5%, de forma
mais estável, naqueles países (Clark, 2000 e OCDE, 2009). A aparente liberalidade do
CADE encontra explicação na dificuldade de impor remédios estruturais sobre operações
já ocorridas, situação patente no curso da aplicação da lei e que levou aos esforços de
aperfeiçoamento da legislação.
Dez anos após a vigência da Lei 8.884/94, eram claros os obstáculos para o
exercício eficaz da defesa da concorrência no Brasil:47
47
Salgado (2009: 16-17).
48
Função que, vale dizer, é de altíssima importância em um país cujos custos associados ao cumprimento
de normas e cujas dificuldades para realização de negócios por conta da excessiva quantidade de normas e
regras são as principais barreiras apontadas pelas empresas para se investir e operar no Brasil, conforme
diversos estudos internacionais realizados todos os anos. Ver, por exemplo, World Economic Forum –
Global Competitiveness Report 2013-2012.
49
Que poderia ser motivada politicamente por pressões econômicas.
50
Medidas mais complexas de bem-estar podem levar em conta também externalidades, impostos pagos,
subsídios recebidos, rendas do governo e assim por diante. Alguns desses itens são mutuamente
excludentes. É também possível construir medidas de bem-estar que atribuam diferentes pesos ao excedente
do consumidor e do produtor.
51
A diferença entre consumidores e produtores como dois grupos diferentes de cidadãos não deve ser
exagerada. Em muitos países, os consumidores são também proprietários das empresas, seja diretamente
(como acionistas) ou pelos fundos de investimento ou de pensão.
52
Ver Tirole (1988: 7-12) para uma discussão das medidas de bem-estar excedente do consumidor. Em
particular, deve ser enfatizado que, no arcabouço de equilíbrio parcial, (ou seja, quando um setor é
considerado de forma isolada do resto da economia), tais medidas são válidas desde que os consumidores
estejam gastando nos produtos do setor apenas uma pequena fração de suas rendas totais. De outra forma,
efeitos de renda terão de ser levados em consideração, e medidas de excedente do consumidor não poderão
se basear na computação de aproximações do bem-estar.
53
No entanto, não há afirmações da Corte de Justiça Europeia que relatem textualmente essa questão, nem
decisões da Comissão ou da Corte que explicitamente tenham mencionado o apoio ao padrão. No Brasil,
ao contrário, a discussão tem sido bastante intensa sobre esse ponto, com algumas decisões iniciais que
implicaram a adoção de remédios estruturais, mencionando claramente esse ponto. Um exemplo
paradigmático foi a discussão sobre qual padrão deveria guiar a decisão, envolvendo terceiros e requerentes,
como no caso Nestlé-Garoto (AC 8012.001697.2002-89).
54
Ver Banett e Wellford (2008).
55
Uma questão diferente que pertence mais a políticos que a economistas, é se, caso um padrão de bem-
estar total seja escolhido, os lucros das empresas estrangeiras devem ou não ser incluídos na medida de
excedente do produtor e em qual proporção.
Embora esses argumentos possam ter algum mérito, não seria sensato para as
autoridades de concorrência adotar um objetivo de bem-estar do consumidor estrito por
várias razões. Em primeiro lugar, o bem-estar do consumidor, por definição, não leva em
conta os ganhos realizados pelas empresas. Contudo, nas economias avançadas, os
56
Ver Lyons (2002) para uma breve discussão sobre o mérito desses trabalhos, assim como outro modelo
econômico que indica que, sob certas circunstâncias, um padrão de bem-estar do consumidor pode ser
superior ao padrão de bem-estar total, quando se lida com fusões.
A defesa de pequenas empresas vem sendo uma das principais razões por trás da
adoção das leis de concorrência. O mais famoso exemplo são as leis antitruste
implementadas no final do século XIX nos Estados Unidos, inicialmente devidas às
queixas de agricultores e pequenas empresas contra os grandes trustes. Mas essa
57
E, caso se quisesse perseguir objetivos redistributivos, por exemplo, favorecendo o trabalho em oposição
ao capital, seria mais eficiente e menos distorcido usar políticas fiscais que políticas antitruste.
58
Ver o Capítulo 2 para uma discussão de poder de mercado e lucros como incentivos para investimentos
de empresas.
motivação provavelmente está por trás das restrições a preços discriminatórios por muitas
leis em várias jurisdições.
Como conclusão, faz sentido que as autoridades de concorrência não usem seus
escassos recursos para monitorar acordos e fusões que envolvam pequenas empresas,60
mas há uma pequena racionalidade por trás do sistemático uso da política de competição
para auxiliar as PME.
59
Pense na antiga questão sobre se grandes empresas são mais propensas a inovar que pequenas empresas.
A vasta literatura sobre esse tema está longe de ser conclusiva.
60
A prática de conferir exceção para pequenas empresas também é útil na medida em que não as obriga a
dispender recursos com questões administrativas ou preencher formulários para notificar acordos ou fusões.
61
Para a relação entre restrições ao comércio e à liberdade de contratação, ver Amato (1997).
62
Contudo, se os choques de preços não forem corretamente antecipados pelas empresas, ou seja, se a
inflação for altamente correlacionada com incerteza com relação a preços, é possível que as companhias
em colusão (capazes de se monitorar e compartilhar informação) imediatamente aumentem preços toda vez
que houver aumento dos preços dos insumos, enquanto as que não estiverem em colusão hesitarão mais a
adotar essa prática.
63
A Lei 8.884/94 também definia preços abusivos como uma das infrações à Lei de Defesa da
Concorrência. A disposição foi omitida na Lei 12.529/2011.
A segunda é que, embora a entrada possa ser livre no papel, na prática, o mercado
não funciona bem, porque o monopolista estabeleceu práticas que preservam ou reforçam
sua posição de monopólio. Contudo, nesse caso, seria preferível que as autoridades
interviessem para restaurar a competição no mercado (a causa do problema), em vez de
estabelecer um teto de preços (cujo alto nível é o efeito das práticas abusivas).
Isso nos leva ao próximo tema: justiça e equidade no mercado. Vamos primeiro
considerar um caso no qual uma interpretação particular do conceito de justiça colidiria
com o critério de bem-estar econômico. Pegue a sensível questão dos pequenos lojistas
versus as grandes redes de supermercados. Em muitos países, são frequentemente
externadas preocupações com o fato de que as redes de supermercados usam seus volumes
maiores como poder de barganha e compram dos fabricantes a preços muito mais baixos
que as pequenas lojas. Isso permite às redes vender a preços finais mais baixos. Como
resultado, as pequenas lojas têm dificuldades econômicas e podem ser forçadas a fechar.
Alguns argumentam ser injusto, e, por conseguinte, as pequenas lojas deveriam ser
protegidas.64 Duvidamos que essa reivindicação seja justificável do ponto de vista de
justiça. Certamente, tal raciocínio estaria em desacordo com os princípios básicos de
eficiência. Sempre que existirem economias de escala em um mercado, companhias
maiores terão custos menores e serão mais competitivas. Empresas de pequeno porte que
não conseguirem alcançar a escala eficiente mínima de produção (ou distribuição) terão
de se contentar com lucros menores ou sair do mercado. O processo de racionalização,
no qual só as empresas mais eficientes permanecem no mercado é benéfico para a
comunidade como um todo, na medida em que trará os preços para baixo, beneficiando
64
Uma lei italiana aprovada em 2001 (1.62, de 9/3/2001) proíbe as livrarias de darem descontos superiores
a 10% do preço de capa (a lei foi posteriormente modificada, proibindo descontos superiores a 15% e por
um período de um ano apenas) é um exemplo de lei que distorce a concorrência no mercado protegendo as
pequenas empresas (livrarias, no caso) da competição das maiores e mais eficientes (no caso,
supermercados, grandes cadeias e livrarias on-line).
65
Se, por qualquer razão, realmente se achar que as pequenas lojas têm de sobreviver, em vez de usar
política de concorrência, é melhor implementar esse objetivo por uma política redistributiva, por exemplo,
reduzindo impostos e taxas sobre pequenos lojistas.
66
É claro que nem sempre é fácil distinguir o comportamento predatório de baixos preços devido à maior
eficiência. Ver o Capítulo 7 sobre monopolização para uma análise sobre como as autoridades de
concorrência podem se portar em tais casos.
Pela mesma razão, os “cartéis de crise” às vezes são tolerados na UE. Embora a
perseguição de tais objetivos seja compreensível, não é claro que os meios usados atinjam
os propósitos. Um tratamento mais favorável para certas empresas em momentos ruins
pode ter consequências adversas sobre outros grupos já abatidos pela recessão, como
consumidores ou mesmo outras companhias que usem insumos ou bens intermediários.
Permitir acordos entre empresas em um setor declinante (frequentemente concentrado em
determinada área geográfica) pode gerar consequências perversas no médio e longo
prazos. Na verdade, pode permitir que companhias menos eficientes permaneçam no
mercado em detrimento das mais eficientes, que teriam sobrevivido de toda maneira. A
má alocação de recursos seria o resultado de tal política.67
67
Não significa, contudo, que as forças do mercado garantirão aleatoriamente a saída das empresas menos
eficientes antes das mais eficientes. Ver, por exemplo, Diericks et al. (1991). A existência de diferentes
situações financeiras pode explicar a permanência no mercado de empresas mais ineficientes.
É claro que sempre que a política de concorrência for usada para outros propósitos
que não a eficiência, deve-se conjecturar se se trata de uma solução ótima.69 Nesse caso
particular, os mesmos objetivos (ou mais avançados) podem ser atingidos por meio de
outras políticas públicas, como a imposição de taxas, que discriminam contra
equipamentos mais prejudiciais para o meio ambiente, ou mesmo pela imposição de um
padrão ambiental mínimo. Contudo, pode bem ser que tais instrumentos alternativos
68
Uma decisão de 2000 da CE envolveu o tema. Ver Martinez Lopez (2000a).
69
Ver também Martinez Lopez (2000b).
70
Agradecimentos a Mel Marquis pela discussão que segue.
71
A associação para exportação deve fazer relatórios de suas atividades à FTC. Seguindo a jurisprudência
americana, a associação é proibida de integrar um cartel internacional ou estabelecer uma subsidiária
estrangeira. Finalmente, não pode se juntar a não membros para restringir a concorrência e os preços. Se a
associação violar tais proibições, a FTC reportará ao DoJ para providências.
não utiliza método desleal de concorrência contra rivais no mercado de exportação; e (4)
não se engaja na venda e revenda de bens no mercado doméstico.
Definir política de concorrência (ou antitruste) não é tarefa fácil. Uma possível
definição pode ser: “O conjunto de políticas e leis que assegura que a concorrência no
mercado não seja restringida de maneira prejudicial para a sociedade.” A definição admite
a possibilidade de que algumas restrições podem não necessariamente ser prejudiciais,
72
Sobre antidumping, ver o Capítulo 7. Sobre a possibilidade de os instrumentos de política de concorrência
serem usados como dispositivo protecionista, ver Motta e Onida (1997).
73
Ver Gual (1995) sobre os conflitos entre políticas de concorrência, comércio e indústria na UE.
74
Ver o Capítulo 2 sobre o papel da concorrência para promover a eficiência produtiva.
como certos acordos entre fabricantes e revendedores, que limitam a concorrência por
outros revendedores, mas aumentam o bem-estar (ver o Capítulo 5). Mas a definição é
também vazia, a menos que se especifique o que significa “prejudicial para a sociedade”.
Por outro lado, pede-se uma especificação dos objetivos da política de concorrência.
Isso não implica que outras considerações de política pública não sejam
importantes, mas que, se o governo deseja atingi-las, não deve utilizar a política de
concorrência, mas recorrer a outros instrumentos políticos que distorçam a concorrência
o mínimo possível. Ademais, como economistas, nosso papel é assinalar quais medidas
estão alinhadas ou em conflito com o objetivo de aumentar o bem-estar econômico.
Caberá a outros, sejam políticos, juízes ou sociólogos, decidir se devem dar prioridade a
considerações econômicas ou não quando os conflitos surgirem.
Exercícios do Capítulo 1
Exercício 1.2 Em quais jurisdições legais que você conhece as autoridades de defesa da
concorrência podem intervir nos casos de preços excessivos cobrados por uma empresa?
Discuta brevemente o que pensa sobre esse tipo de intervenção.
Exercício 1.4 Grandes empresas, por vezes, apresentam vantagens sobre as pequenas,
por exemplo, por conta de economias de escopo, poder de barganha mais forte com os
ofertantes que permitem a elas adquirir insumos a preços menores, melhores recursos
financeiros e acesso a credito. Como consequência dessas vantagens, empresas grandes e
pequenas não estão em terreno competitivo equivalente. A política de concorrência deve
intervir? Em caso afirmativo, como intervir para reequilibrar essa assimetria?
Exercício 1.5 Que outras políticas a política de concorrência deve buscar? Quais são as
vantagens e desvantagens de se distorcer a política de concorrência de modo a se
atingirem outros fins?
CAPÍTULO 2
SUMÁRIO
As seções 2.3 e 2.4 mostram que, olhando-se apenas para a ineficiência alocativa,
pode-se, na verdade, subestimar a perda de bem-estar gerada pelo poder de mercado. Um
monopólio (mais genericamente, elevado poder de mercado) deve também resultar em
ineficiências produtivas e dinâmicas. Um monopolista não apenas cobra um preço muito
elevado, mas também tem custos muito elevados e inova muito pouco, desde que,
protegido da concorrência, não seja estimulado a adotar as tecnologias mais eficientes e
investir muito em P&D.
Embora exista uma relação inversa entre poder de mercado e bem-estar, sob uma
análise estática, não é claro que a mesma relação não ambígua exista quando ineficiências
produtivas e dinâmicas são consideradas. De todo modo, na seção 2.4, argumenta-se que
o poder de mercado não é um mal per se. Na realidade, a perspectiva de obter poder de
mercado e de desfrutar dos lucros é o principal incentivo para as companhias investirem
e inovarem. Se elas não pudessem se apropriar dos resultados de seus investimentos – em
propaganda, aumento de capacidade produtiva, P&D, despesas em geral –, não
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4
A seção 2.5 mostra que, com frequência, existe um trade-off entre considerações
ex post e ex ante. Se é tentador buscar eliminar o poder de mercado ex post (isto é,
considerando determinadas qualidades, variedades e tecnologias) de modo a reduzir
preços e elevar a eficiência alocativa, essa política ex ante já seria prejudicial, porque
eliminaria os incentivos para as companhias melhorarem a qualidade dos produtos e suas
tecnologias. Políticas públicas deveriam garantir às empresas algum poder de mercado, o
que significa apropriabilidade de seus investimentos e gastos em P&D, e a política de
concorrência deveria focar não em “destruir” monopólios ou, de forma geral, empesas
com poder de mercado, desde que estabelecidas sobre bases legítimas de práticas de
negócios. Uma empresa que usufrui de um monopólio por ter obtido sucesso no
investimento, inovação e lançamento de novos produtos deve receber recompensas por
suas atividades. A expectativa de que, se tudo der certo, haverá lucros é o incentivo que
estimula uma empresa a realizar um bom trabalho. Qualquer tentativa de eliminar poder
de mercado após o êxito de uma empresa em obtê-lo fornece uma sinalização de incentivo
errada para essa e todas as demais participantes do mercado. A política de concorrência,
portanto, não está preocupada com monopólios per se, apenas com os que distorcem o
processo competitivo.
Os argumentos prévios sugerem que a política de concorrência não deve ser muito
intervencionista. Algumas teorias vão além e insinuam que existem mecanismos de
mercado que impedem o monopolista de exercitar seu poder de mercado, reduzindo,
consequentemente, o escopo da política de concorrência. A seção 2.6 discute essas visões
e, em particular, como o argumento da livre-entrada age como restrição ao poder de
mercado de um monopolista. Embora seja verdade que entrantes potenciais possam
desempenhar o papel de disciplinar incumbentes, monopolistas em geral continuam
imperturbavelmente a cobrar preços elevados mesmo quando a entrada é possível por
certo número de razões, como a existência de custos afundados (sunk costs) custos de
transferência (switching costs) do consumidor e efeitos de rede (network effects), assim
como práticas de negócios estabelecidas pelas empresas incumbentes para excluir
entrantes potenciais (as quais serão analisadas no Capítulo 7).
A seção 2.7 finaliza o capítulo com algumas conclusões sobre política pública.
A seção 2.2.1 define poder de mercado. A seção 2.2.2 mostra que ele enseja uma
perda de bem-estar associada a preços muito elevados, denominada “ineficiência
alocativa”, e é tão mais elevada quanto mais o poder de mercado coincidir com o de
monopólio. A seção 2.2.3 sugere que a poder de bem-estar pode ser maior se as empresas
se engajarem em atividades improdutivas, de modo a obterem poder de mercado. Outras
razões pelas quais as perdas de bem-estar podem ser ainda maiores serão analisadas nas
seções 2.3 e 2.4.
1
Em um modelo em que as empresas vendem produtos idênticos, têm custo fixo zero e escolhem preços (o
chamado modelo de Bertrand), o preço é igual ao custo marginal no equilíbrio (ver o Capítulo 8, para uma
breve descrição). O mesmo resultado surge sob perfeita competição.
2
Uma definição alternativa seria estabelecer o poder de mercado não pela distância entre os preços e os
custos marginais, mas pela proximidade dos preços de monopólio. Conceitualmente, as duas definições são
muito similares. Operacionalmente, uma é muito mais fácil de estimar que a outra: a primeira requer a
estimação de custos marginais; a última, os preços de monopólio de uma indústria. Como a primeira
definição é mais amplamente utilizada, é a que adotamos aqui.
Vamos agora analisar por que o poder de monopólio reduz o bem-estar estático.
Focaremos aqui a eficiência alocativa, presumindo certo tipo de tecnologia e seus custos
e que a tecnologia utilizada seja a mais eficiente disponível (essa hipótese será relatada
em seções subsequentes). No que se segue, uma simples análise gráfica ilustra o principal
argumento: quando os preços estão acima do custo marginal, geram maior excedente do
produtor, mas não a ponto de compensar a diminuição do excedente do consumidor
causada pelo aumento dos preços.
3
Leis de Defesa da Concorrência podem definir, por exemplo, limiares mínimos de poder de mercado,
abaixo do qual algumas regras não se aplicam, sob a hipótese de que empresas com pequeno poder de
mercado não podem causar dano. Diferentes limiares podem ser adotados também para diferentes práticas,
como vários tipos de restrições verticais, que podem ter diferentes danos potenciais. O limiar de poder de
mercado usado para análises de fusões e para casos de abuso de posição dominante também não precisa
necessariamente ser o mesmo.
Uma análise gráfica simples. Para fins de simplificação, suponhamos que exista
uma demanda de mercado linear, descrita como a linha OO' na Figura 2.1, e uma
tecnologia com retornos constantes de escala, representada pela linha de custos marginais
constantes 𝑝𝑐 𝑐. Na situação mais competitiva, nosso caso de referência,4 o preço é 𝑝𝑐 =
𝑐, e a quantidade vendida aos consumidores é igual a 𝑞𝑐 . Considere, então, o caso
extremo, no qual o poder de mercado é máximo: a indústria é monopolizada por uma
única empresa, que cobra o preço de monopólio 𝑝𝑚 . A produção de equilíbrio é, então,
𝑞𝑚 .
4
O caso mais competitivo corresponde ao equilíbrio de Bertrand (ou equilíbrio perfeitamente competitivo).
5
O excedente do consumidor é a área que fica entre o segmento O e S na reta de demanda (que descreve a
disposição dos consumidores para pagar o bem que compram), e a reta 𝑝𝑐 𝑐 (que descreve o preço que de
fato pagam).
de eficiência líquida causada pelo monopólio e dada pelas diferenças entre as áreas 𝑂𝑝𝑐 𝑆
e 𝑂𝑝𝑐 𝑇𝑅, ou seja, pela área correspondente ao triângulo R, T, S, que é a perda de peso
morto, D, para a economia.6
Pode-se também verificar que, quanto mais alto 𝑝, maior será a perda de bem-
estar causada pelo poder de mercado (o triângulo que representa a perda torna-se cada
vez maior, à medida que p aproxima-se de 𝑝𝑚 ), sugerindo que o bem-estar decresce com
o poder de mercado.
Além disso, o exemplo gráfico também sugere que a perda de peso morto causada
pelo monopólio depende da elasticidade da demanda do mercado. Se a demanda fosse
perfeitamente elástica (OO' diagonal na Figura), o monopolista não poderia estabelecer
qualquer preço acima do nível de custo marginal (os consumidores não aceitariam
comprar o bem com qualquer aumento de preço, mesmo que ligeiro). Assim, a perda de
6
O monopolista não consegue se apropriar de todo o excedente do consumidor, perdido pelos
consumidores, cuja disposição para pagar é mais alta que os custos marginais. No entanto, se o monopolista
for capaz de estabelecer um preço diferenciado para cada consumidor (isto é, se puder perfeitamente
discriminar preços), os lucros serão iguais a toda a área do triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆. A perfeita discriminação de
preços é improvável de ocorrer, já que necessita que o monopolista disponha de perfeito conhecimento da
disposição de cada consumidor para pagar. Ver também o Capítulo 7.
7
Como visto no Capítulo 1, por conta da fragmentação de seus interesses, na prática, os consumidores não
organizam com frequência lobbies por mais competição, enquanto as companhias fortemente advogam por
menos concorrência.
peso morto seria nula nessa situação. Como a elasticidade de demanda de mercado
decresce, a habilidade do monopolista em cobrar preços mais elevados aumenta, e as
perdas de peso morto crescem.8
Posner (1975) argumenta que o custo social do monopólio deveria incluir uma
área tão grande quanto todo o lucro de monopólio que a companhia obtém (ou seja, toda
a área do retângulo 𝑝𝑚 𝑝𝑐 𝑇𝑅 da Figura 2.2). Isso porque as empresas desperdiçariam
recursos em atividades que não teriam qualquer valor social na tentativa de manter ou
adquirir poder de mercado. Um monopólio, seja privado ou constituído por regulação
pública, cria rendas. Agentes competiriam para se apropriar dessas rendas, subornando
8
Duas notas técnicas que podem ser desprezadas pelo leitor não interessado nesses detalhes: 1. Se a
demanda for perfeitamente elástica, a perda de peso morto desaparecerá. Considere o caso em que os
consumidores estão dispostos a pagar o preço V por uma unidade do bem: o monopolista estabelecerá
precisamente o preço V e – como na perfeita discriminação de preços – irá se apropriar de todo o excedente
dos consumidores. Como resultado, o poder de mercado será o mais alto possível, mas não haverá perda de
peso morto; 2. Tirole (1988: 68 e 88) mostra que a perda de bem-estar absoluta DWL não decresce
necessariamente com a elasticidade de demanda. Por exemplo, com uma função de demanda de elasticidade
constante 𝑝 = 𝑞 −𝜀 , existe uma relação não monotônica entre a perda de bem-estar do monopólio e a
elasticidade. No entanto, com essa função de demanda, o tamanho do mercado cresce com ε. Tirole mostra
que a perda de bem-estar relativa, DWL/W (em que W é o bem-estar), é, na verdade, decrescente com ε.
9
O argumento é familiar àqueles que tenham estudado a economia política da proteção. Por exemplo, ver
Krueger (1974).
10
Ver Fisher (1985) para uma crítica aos argumentos de Posner.
é questionável. Propaganda, por exemplo, tratada por Posner como uma atividade de
busca de renda, pode elevar a informação disponível aos consumidores, assim como sua
percepção de valor do bem.11
11
Mais genericamente, despesas para aumentar a probabilidade de obter rendas irão para agentes ativos em
outros segmentos da economia. Um arcabouço de equilíbrio parcial deixa de ser apropriado para tratar do
bem-estar.
12
Ver, por exemplo, Scherer e Ross (1990: 668-72). O primeiro trabalho que tentou estimar perdas de bem-
-estar advindas do monopólio (nos Estados Unidos) foi de Harberger (1954).
fato permanecendo com elas. Para tanto, discutiremos brevemente tanto a literatura
teórica quanto a empírica sobre esse tema.
Suponha que certas empresas operem em uma indústria mais competitiva com
custo marginal igual a c, enquanto um monopolista opera com custo mais elevado,
digamos 𝑐′ > 𝑐. Isso implica que a perda de bem-estar é maior que a área R, T, S,
identificada na Figura 2.1. A Figura 2.3 ilustra a ideia. Se um monopolista opera a um
custo mais alto 𝑐′, o bem-estar sob monopólio equivale à área 𝑂𝑅 ′ 𝑉𝑝𝑐′ . No equilíbrio
competitivo, as empresas operariam, contudo, ao custo 𝑐, e o bem-estar (Figura 2.1) seria
representado pela área 𝑂𝑆𝑝𝑐 . Assim, a perda de bem-estar causada pelo monopólio é a
soma das áreas 𝑅′𝑇′𝑆 e 𝑝𝑐′ 𝑉𝑇 ′ 𝑝𝑐 . Essa é claramente maior que o triângulo de perda de
peso morto R, T, S, que considerava apenas a ineficiência alocativa: as áreas
assombreadas na Figura 2.3 representam a perda de bem-estar adicional referente à
ineficiência produtiva.
13
Veja a seção 8.2.1 para um exemplo simples sobre quanto mais ineficiente o monopolista, mais elevado
o preço cobrado.
A ideia de que a pressão competitiva leva uma empresa a procurar a maneira mais
eficiente de organizar a produção e reduzir custos é muito antiga: remonta, pelo menos, a
Adam Smith e foi discutida também por John Hicks e Leibenstein (1966), que divulgou
o conceito de “ineficiência-X” para reapresentar a ideia de que o poder de monopólio – e
a consequente “vida tranquila” – conduz à ineficiência na gestão.
Para entender por que uma empresa pode escolher tecnologias ineficientes, deve-
se recorrer aos modelos conhecidos como principal-agente, segundo os quais o
“principal” – o proprietário da empresa – quer induzir o agente (o executivo) a adotar
14
Por exemplo, em Hart (1983), a competição aumenta os esforços dos executivos, mas Scharfstein (1988)
mostra que o resultado depende de uma hipótese forte sobre as preferências deles, isto é, do fato de que são
infinitamente avessos ao risco. Se a utilidade marginal da renda do executivo for estritamente positiva, a
competição reduzirá o esforço do executivo. Outros modelos que lidem com os efeitos da competição sobre
seus esforços incluem Hermalin (1992), Horn, Lang e Lundgren (1994) e Martin (1993).
15
Para uma discussão sobre os possíveis problemas associados ao uso de participação de mercado como
indicador de poder de mercado, ver Nickell (1996: 733-7).
medida pelo maior número de concorrentes ou pelo nível mais baixo de rendas), mais alto
o crescimento da produtividade total dos fatores.16
Acima de tudo, mesmo que a evidência empírica coletada até o presente não seja
conclusiva, parece que a concorrência afeta a produtividade, e, assim, o ambiente no qual
as empresas desfrutam de poder de monopólio deve ser caracterizado como de menor
eficiência produtiva.18
16
Hay e Liu (1997) observaram os componentes da eficiência de empresas em 19 setores do Reino Unido
e encontraram evidências de que a concorrência de fato desempenha importante papel na determinação da
eficiência e da participação de mercado dessas companhias.
17
Sobre a relação entre concorrência no mercado de produto, finanças corporativas e esforços de gestão (e
inovação), ver Aghion, Dewatripont e Rey (1988, 1999).
18
Há também alguma evidência de que a liberalização comercial (ou abertura comercial) – um indicador
de grau de competição que as empresas de um país enfrentam, resulta em níveis de eficiência mais elevados.
Ver Tybout (2000) para uma análise.
19
Ver Jovanovic (1982) para uma formalização da seleção de mercado.
20
Ver Olley e Pakes (1996: 1266-70) para uma descrição da indústria e estatísticas de entrada e saída no
período.
21
Olley e Parkes (1996: 1266).
22
Para os Estados Unidos, ver Foster, Haltiwanger e Krizan (1998). Em um trabalho anterior, Baily, Hulten
e Campbell (1992) observaram que, mais que entrada e saída, o crescimento da produtividade seria
principalmente atribuído à crescente participação na produção de plantas de alta produtividade e à
decrescente participação das de baixa produtividade. Para o Reino Unido, ver Barnes e Haskel (2000).
Efeitos de seleção (ou “externos”), isto é, o aumento da produtividade em razão da entrada ou crescimento
de plantas mais eficientes e da saída de menos eficientes, grosso modo, dariam conta de 30% a 60% do
aumento da produtividade, de acordo com diferentes dados e estudos. O restante seria devido ao
“crescimento interno”, ou seja, da produtividade no nível da planta.
23
Os autores argumentaram que existe um viés de seleção potencial na análise, assim como em Nickell
(1996), que olha para uma amostra de companhias sobreviventes (veja Disney et al. 2000: 22). Corrigir
para esse viés reduz, mas não elimina, o impacto da concorrência sobre a produtividade.
Esse trade-off entre eficiência alocativa e eficiência produtiva implica que uma
política que almeja maximizar o número de empresas de determinada indústria seria
inconsistente (muitas empresas aumentam a competição e deslocam os preços para baixo,
mas, ao mesmo tempo, envolvem uma perda de economias de escala). Um conflito com
critérios econômicos de bem-estar poderia ser gerado se uma autoridade tentasse não só
garantir a possibilidade de entrada em uma indústria, mas que todas as companhias
competissem em condições de igualdade e, além disso, usassem subsídios ou outros
instrumentos de política industrial para ativamente promover a entrada ou artificialmente
impedir a saída de empresas de um setor.24
2.3.4 – Conclusões
24
Essa conclusão é reforçada quando as companhias não são simétricas. Quando empresas produzem com
custos mais altos, sua saída da indústria traz ganhos adicionais de eficiência.
uma indústria monopolística seja uma medida geradora de bem-estar, mas é possível
também, em princípio, que o aumento da concorrência em um setor no qual a pressão
competitiva já seja muito intensa não eleve o bem-estar.
A seção 2.4.1 mostra que, de fato, o monopolista pode ter menores incentivos para
investir, adicionando, assim, ineficiências dinâmicas à lista de perdas de bem-estar criada
pelo monopólio. Contudo, a relação monotônica pode não existir entre poder de mercado
25
Estudos similares podem ser conduzidos mantendo-se fixo o número de empresas e verificando-se o
efeito de uma competição mais intensa no mercado de produtos sobre o bem-estar em uma situação em que
a entrada seja livre, situação analisada por d’Aspremont e Motta (2000). Uma vez que as empresas precisam
cobrir os custos fixos de entrada e antecipam lucros mais baixos quando a competição é mais intensa, existe
uma relação positiva entre a intensidade da competição e a concentração industrial. Como resultado,
mercados nos quais a concorrência é mais rígida não podem ser associados ao nível mais elevado de bem-
estar, porque menos empresas vão coexistir no equilíbrio. Ainda, a pior situação em termos de bem-estar é
aquela na qual os cartéis são permitidos (ou seja, um resultado de monopólio).
e inovação. A seção 2.4.2 mostra que as empresas não são susceptíveis de realizar
investimentos, a menos que esperem se apropriar deles. Isso implica que a expectativa de
poder de mercado desempenha importante papel, na medida em que proporciona
incentivos às empresas por meio de P&D, tema que será analisado na seção 2.5.
Considere agora a mesma decisão sobre adotar ou não uma nova tecnologia em
uma empresa que opere em ambiente competitivo. Com a tecnologia corrente envolvendo
o custo marginal 𝑐ℎ , com os quais todas as demais companhias arcam, elas cobram 𝑝 =
𝑐ℎ e realizam lucro zero: 𝛱ℎ′ = 0. Suponha agora que uma delas depare-se com a chance
de adotar a nova tecnologia, que lhe permita operar ao custo 𝑐𝑙 , enquanto todas as demais
empresas seguirão utilizando a antiga.26 Ao adotar a nova tecnologia, a empresa terá a
oportunidade de realizar um lucro de 𝛱𝑙 . Assim, ao operar em competição, inovará se 𝛱𝑙
e 𝛱ℎ > 𝐹, enquanto o monopolista só inovará se 𝛱𝑙 – 𝛱ℎ > 𝐹, condição muito mais estrita.
Assim, o monopolista terá muito menos incentivos para inovar, uma vez que considerará
o lucro adicional trazido pela nova tecnologia, enquanto a empresa em situação
competitiva considerará todo o lucro obtido pela mesma tecnologia.27
26
É o caso, por exemplo, quando a inovação é perfeitamente protegida por uma patente.
27
Para fins de simplificação, presumimos aqui que a empresa em concorrência de Bertrand (ou concorrência
perfeita) realiza o mesmo lucro 𝛱𝑙 que o monopolista, adotando a mesma tecnologia de baixo custo. Esse
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22
Esse exemplo não pode ser generalizado para se concluir que quanto mais
competição existir em um mercado, mais as companhias inovarão. Há um antigo debate
na literatura econômica, desde Schumpeter (1912), sobre a relação entre poder de
monopólio e inovações, que sugere que o poder de monopólio estimula os esforços em
pesquisa e desenvolvimento.
não é necessariamente o caso. Tecnicamente, presume-se que a inovação seja “radical”, mas os mesmos
resultados podem ser obtidos mesmo que a inovação seja incremental.
28
Outra razão pela qual monopolistas podem inovar menos está no argumento do relaxamento de gestão,
analisado anteriormente: a vida tranquila não fornece pressão suficiente para que um monopolista faça
melhor.
29
Aghion, Dewatripont e Rey (1999) analisam um modelo de crescimento no qual os empresários não têm
por objetivo maximizar lucros, mas são “conservadores”; eles querem evitar o custo privado de adotar
novas tecnologias e o farão desde que elas evitem que a empresa vá à falência. O trabalho mostra que, neste
cenário, a concorrência disciplina os empresários e leva à maior adoção de novas tecnologias e crescimento.
30
Ver Scherer e Ross (1990, Capítulo 17) para uma revisão.
Note, no entanto, que seria muito difícil utilizar esses resultados para objetivos de
política pública, por exemplo, para escolher o nível “correto” de concorrência. Diferentes
pressupostos sobre os parâmetros e sobre o jogo disputado pelas empresas determinariam
diferentes resultados, os níveis ótimos de competição em cada uma das circunstâncias de
mercado. Assim, intervir em determinada indústria para reduzir o nível de concorrência
(qualquer que fosse o mecanismo para obter esse resultado) com o objetivo de se
aproximar de algum nível teoricamente ótimo de competição, não poderia ser justificado
por qualquer teoria robusta. A única conclusão sólida e robusta que se pode retirar de
análises como essa é que o monopólio (ou um cartel) é pior que estruturas de mercado
competitivas, porque falha no estimulo à eficiência dinâmica.32 Nesse sentido, medidas
devem ser adotadas para restaurar a concorrência nos mercados nos quais ela encontra-se
ausente.
31
Aghion et al. (2002) apresentam um modelo de crescimento que sugere essa relação e conduz a um teste
empírico (sobre dados de painel do Reino Unido) dessa predição.
32
Exatamente a mesma interpretação deve ser aplicada ao resultado obtido por d’Aspremont e Motta
(2000).
Esta seção enfatiza a importância dos incentivos para a inovação (e, mais
genericamente, para o investimento) e argumenta que as políticas públicas devem manter
tais incentivos.
33
Ver Tirole (1988: Capítulo 11) para referências.
uma inovação: caso contrário, concorrentes seriam desencorajadas a trazer inovações, que
estariam apenas vagamente relacionadas com a inovação patenteada. Por outro lado, a
proteção não pode ser muito estreita, pois uma concorrente poderia fazer uma pequena e
artificial inovação incremental e sair-se bem, infringindo a patente. O mesmo é verdade
para a duração da patente. Um período de proteção muito longo impossibilita as
concorrentes de desafiar o incumbente inovador com novas descobertas; mas um período
de proteção muito curto não daria apropriabilidade suficiente para o inovador. Em termos
práticos, no entanto, é difícil ir além do reconhecimento desse trade-off, e é muito árdua
a tarefa de identificar o escopo e a duração de proteção não arbitrários.
Além das leis de patente, existem outras legislações que auxiliam o governo a
resolver os problemas de compromisso de forma direta. Leis de direito autoral e marcas
asseguram que um produto bem-sucedido possa ser utilizado por outra empresa apenas
em acordo com a que detém seus direitos. Leis de segredos comerciais têm como objetivo
– entre outros – assegurar que empregados que tiveram acesso a segredos de negócios de
uma empresa não os revelem a uma concorrente que os contratem. Cláusulas de não
concorrência também ajudam as empresas a manterem seu know-how intacto, na medida
em que limitam a liberdade de funcionários de irem trabalhar na concorrência.34
Um problema similar acontece com respeito a preços. Suponha que uma empresa
apresente um novo produto ou construa uma forte imagem de marca de determinado
produto que os consumidores adorariam comprar mesmo a preços extremamente
elevados. Um governo poderia se ver tentado a intervir e impor tetos de preços para elevar
34
Ver Motta e Ronde (2002) para uma formalização dessas cláusulas.
Imagine, por exemplo, que uma companhia de navegação faça uma integração a
jusante, e construa novas instalações portuárias em uma Cidade A, localizada em seu país
de origem. Dada sua localização, usar a infraestrutura do porto dá à Empresa X a grande
vantagem de servir à rota marítima de seu país até outro país estrangeiro. A Empresa Y
agora requisita o uso do porto, e a Empresa X nega (recusa de contratar). Então, a Empresa
Y queixa-se às autoridades de concorrência de que ela deveria ter acesso (possivelmente
a um preço, desde que justo) às instalações do porto da Cidade A.
35
Em uma sequência de casos relacionados com o setor de transportes, a Comissão Europeia foi muito
rápida em encontrar instalações “essenciais” e abusos de posição dominante de empresas proprietárias de
tais instalações. A maior parte desses casos estava relacionada com a infraestrutura de portos.
Vejamos, por exemplo, o caso – comum na Europa – das companhias aéreas (flag
carriers), que recebiam dos governos, no tempo em que eram monopólios nacionais, o
direito de uso de muitos dos slots de aterrissagem e decolagem nos aeroportos domésticos.
A disponibilidade de slots de determinado aeroporto é um insumo essencial para muitas
rotas (outros aeroportos podem estar muito distantes para a maior parte dos usuários, por
exemplo), e, desde que se deu o movimento de desregulação, e a entrada no setor tornou-
se “livre”, ficou mais difícil argumentar que os slots deveriam ser mantidos com os
antigos monopolistas. Nesse caso, mesmo que o monopolista detenha um contrato que
lhe confira direitos de exclusividade para os slots, a concorrência requererá que os
concorrentes tenham acesso a alguns deles: não há que se falar em proteção ao
investimento de empresas aqui.
36
PA 08012.006504/1997-11.
37
Bens duráveis são mercadorias que resistem por determinado período, como automóveis, computadores,
geladeiras, fotocopiadoras etc.
Suponha, agora, que não haja dois grupos de consumidores, mas um número
extremamente grande deles, com avaliações sobre o mesmo bem durável, que vão do
custo marginal ao preço de monopólio (suponha também que cada período seja muito
curto, de modo que o ajustamento de tempo ocorre continuamente). O monopolista terá,
então, incentivo para, em cada período, reduzir o preço para vender aos que ainda não
compraram o produto. Uma vez que cada consumidor tenha a expectativa de que o
monopolista acabará reduzindo o preço até o custo marginal para vender ao último grupo
na escala de avaliação do bem, cada consumidor adiará a compra até que o preço se iguale
ao custo marginal. Teremos chegado ao paradoxo conjecturado por Coase, no qual o
monopolista perde todo seu poder de mercado porque os consumidores antecipam que ele
reduzirá os preços até o custo marginal no futuro.
A conjectura de Coase foi provada formalmente, mas repousa sobre hipóteses tão
“heroicas” que não pode ser considerada literalmente.38 No entanto, a percepção por trás
do resultado é válida, importante e se aplica a uma série de situações (veja, por exemplo,
o Capítulo 6, em que o princípio é aplicado na compreensão da lógica e dos efeitos das
restrições verticais). A questão crucial é que o monopolista é atingido por sua
flexibilidade para alterar preços em períodos futuros. Se ele pudesse se comprometer com
credibilidade a não reduzi-los, melhor. Suponha, por exemplo, que ele pudesse anunciar
publicamente um preço de monopólio para o bem durável e que não alterasse o preço
enquanto durante a venda. Suponha também que ele redigisse um contrato (a chamada
cláusula da nação mais favorecida), especificando que, se viesse a reduzir o preço em
algum momento, todos os consumidores que tivessem pagado preço superior teriam
direito ao reembolso da diferença. Assim, esse contrato (executável em tribunais)
permitiria o compromisso crível à precificação de monopólio, e o monopolista seria capaz
de restabelecer seu poder de mercado.
Note, no entanto, que somente o anúncio da intenção de não reduzir preços, sem
o compromisso explícito e executável, não seria suficiente para resolver o problema.
38
Notadamente, a pressuposição é que tanto o monopolista quanto os consumidores viverão eternamente,
que o bem também tem durabilidade infinita, que os consumidores têm demanda unitária e que o período
entre os sucessivos reajustamentos de preços tende a zero. Ver Tirole (1988: Capítulo 1.5) para referências,
formalização e discussão.
39
O problema da credibilidade intertemporal e compromisso pode ser encontrado em várias situações e em
diversos campos. Considere, por exemplo, um governo que queira estimular o investimento direto em um
país. Ele terá um incentivo para prometer isenção de impostos incidentes sobre empresas. Mas, uma vez
que elas tenham se estabelecido no país, o governo poderá se ver tentado a fazer as subsidiárias das empesas
estrangeiras pagar altos impostos. Questões similares também podem ser aplicadas a políticas monetárias
e macroeconômicas.
40
É claro que as cláusulas em si precisam ser críveis. Se, por exemplo, o preço não for publicamente
observável (como quando o bem vendido é intermediário, e os compradores são empresas), a cláusula da
nação mais favorecida pode ser de pouca utilidade, porque um comprador não saberá facilmente os preços
cobrados de outros compradores posteriormente. Nesse caso, o monopolista terá de encontrar outra solução
para o problema do compromisso.
Uma simples ilustração do argumento proposto pelos autores pode ser vista a
seguir. Considere uma indústria que produza um bem homogêneo por meio de uma
tecnologia igualmente acessível a um monopolista incumbente e a um entrante potencial.
Em particular, para produzir o bem, a empresa incorre em um custo fixo F mais um custo
variável cq. Suponha também que o mercado seja grande o suficiente para que o
monopolista recupere o custo fixo F.
41
Ver, por exemplo, Schmalensee (1982) e Ordover (1990).
Assim, preços iguais aos custos médios seriam o único resultado possível de
equilíbrio sob livre-entrada.
que antes. Se não há espaço para duas empresas a preços mais competitivos, nenhuma
entrada ocorrerá na indústria.
A teoria dos mercados contestáveis nos convida a pensar mais seriamente sobre a
relação entre monopólio (de forma mais geral, poder de mercado) e entrada. Recentes
modelos de oligopólio mostram que a livre-entrada não é suficiente para garantir que o
poder de mercado na indústria decresça. Nesta seção, vamos mostrar que uma indústria
altamente concentrada pode surgir sob livre-entrada mesmo quando as empresas são
idênticas ex ante; assim, há numerosas razões pelas quais seria difícil para entrantes
desafiar empresas incumbentes, mesmo não havendo barreiras jurídicas à entrada. É claro
que monopolistas também podem recorrer a práticas exclusionárias para impedir a
entrada.
42
Quanto mais branda a concorrência no mercado de produto, maior o número de empresas que entrarão
em equilíbrio. Ver d’Aspremont e Motta (2000) e Sutton (1991).
43
Para modelos com custos de transferência, ver Klemperer (1987a e 1987b). Para pesquisas sobre esse
tópico, ver Klemperer (1995) e Padilla (1991).
que cobram tarifas e oferecem serviços similares. No entanto, depois de ter aberto uma
conta em um banco particular, a existência de custos de transferência só faz valer a pena
trocar de banco, se o banco alternativo oferecer taxas de serviço muito melhores. Produtos
ex ante idênticos antes da compra tornam-se ex post diferenciados.
44
Contudo, custos de transferência podem, por vezes, tornar a empresa incumbente menos disposta a
combater a entrada e mais disposta e estabelecer preços elevados para explorar sua base de clientes. Em
outras palavras, os preços podem ser mais elevados em relação a uma situação na qual não haja custos de
transferência, o que, por sua vez, torna a entrada mais provável se as demais condições permanecerem
iguais.
45
Em algumas circunstâncias, por exemplo, quando a demanda futura é muito superior à presente, uma
demanda pode, ao contrário, sobreprecificar hoje, assumindo um compromisso mais agressivo no futuro.
Ver Klemperer (1987c) para uma análise do comportamento de detenção de entrada.
mais altos cobrados pelas empresas em um segundo período. Note que, quanto maior a
participação de mercado de uma empresa no primeiro período, maior o lucro obtido no
segundo.
46
Adicionalmente, deve-se esperar que, em muitas situações, os preços sejam “complementos estratégicos”
ao longo de períodos. Se uma empresa cobra altos preços hoje, o concorrente terá uma ampla base de
consumidores hoje. Assim, será mais provável cobrar altos preços amanhã, porque ela vai querer explorar
essa larga base de consumidores. Por outro lado, os preços do concorrente mais alto aumentarão os lucros
da empresa.
Conclusões. Embora não seja possível fazer uma proposição sem qualificá-la,
especialmente diante dos vários efeitos estratégicos levantados, os custos de transferência
são, de forma geral, negativos para o bem-estar, entre outros motivos porque dificultam
a entrada, e os mercados ficam menos competitivos. Após uma longa e detalhada revisão
dos custos de transferência e seus efeitos, Klemperer (1995) chega à conclusão de que:
Efeitos de rede são principalmente de dois tipos.47 O primeiro são as redes físicas,
de comunicação e outras. Nesse caso, a utilidade que o consumidor obtém de um bem
cresce diretamente com o número de outras pessoas consumindo o mesmo bem. O
exemplo típico é a rede de telefonia. Não é necessário entender sobre telecomunicações
para perceber que um telefone não valeria nada para um consumidor se outras pessoas
também não o tivessem, para que ele pudesse se comunicar com elas. Quanto maior o
número de pessoas em uma determinada linha de telefones, mais útil o serviço de
telefonia. Telefones fixos, celulares, fax, serviços de correio eletrônico e outras
mensagens eletrônicas claramente pertencem à mesma categoria.48 O segundo tipo são as
redes virtuais ou hardware-software. Nesse caso, a utilidade do consumidor cresce
indiretamente com o número de outros consumidores que adquirem o mesmo bem, por
conta dos efeitos da disponibilidade de um produto complementar. Pense, por exemplo,
na rede de um cartão de crédito. Como usuário de um cartão, minha utilidade não é
diretamente afetada pelo número de usuários com o mesmo tipo de cartão. No entanto,
quanto maior o número de usuários com o mesmo tipo de cartão de crédito, maior a
probabilidade de que os donos de estabelecimentos venham a aceitá-lo. Similarmente, a
utilidade de um consumidor de determinado hardware de computador (ou qualquer tipo
de bem durável, seja um automóvel, uma máquina de lavar, um smartphone) aumenta
com o crescimento do número de outros compradores do mesmo computador (ou bem
durável), na medida em que, provavelmente, mais softwares serão desenvolvidos para
esse computador (ou partes e peças suplementares, serviços pós-venda, programas e
conteúdos estarão disponíveis).
47
Os primeiros artigos sobre efeitos de rede são de Katz e Shapiro (1985) e Farrell e Saloner (1985). Para
uma pesquisa, ver, por exemplo, Katz e Shapiro (1994) e para uma simples introdução a esses tópicos, ver
Shy (2001).
48
Mas a comunicação pode não ser necessária para um aumento direto de utilidade. Pense, por exemplo,
em um produto de moda, em que o valor percebido de vestir certo tipo (ou marca) de sapato, jaqueta ou
relógio frequentemente depende de quantas pessoas também usam o mesmo produto.
Esses aspectos dos efeitos de rede explicam por que uma potencial entrante pode
achar muito difícil desafiar um incumbente nessas indústrias. Não é suficiente ter um
produto melhor ou provê-lo a um preço menor, uma vez que um componente essencial da
utilidade das pessoas é fornecido pelo seu número de usuários (correntes e futuros). Se o
novo produto não for compatível com o já estabelecido, a empresa terá de convencer
consumidores prospectivos que um número suficiente de consumidores comprará o novo
produto. Quanto maior o número de consumidores já presos ao padrão corrente, mais
difícil será sua tarefa. Quanto mais forte for a reputação do entrante e mais recursos ele
comprometer no novo produto, maiores as chances de ele ser bem-sucedido. Um número
de estratégias poderá ser usado nesse propósito, da introdução de ofertas de preços (ou
49
A telefonia móvel baseada em satélite não conseguiu atrair muitos consumidores, e a empresa que provia
esse serviço nos Estados Unidos e no Brasil, em meados dos anos 1990, entrou em falência. Os serviços de
GSM desenvolveram-se muito lentamente nos Estados Unidos (com relação à Europa), entre outras razões
por conta da incerteza sobre qual seria o padrão vencedor. A DIVX, tecnologia que oferecia um serviço
similar ao de DVD, mas baseada em padrão diferente, também fracassou em atrair consumidores diferentes
e acabou por desaparecer do mercado. No último caso, ver Dranove e Gandal (2000) para uma descrição
de como a incerteza dos consumidores sobre o padrão dominante pode afetar a evolução do mercado.
Visto que a entrada pode ser difícil sob padrões incompatíveis, outra rota que as
autoridades podem seguir para evitar esse problema é forçar a compatibilidade dentro da
indústria. Podem, por exemplo, impor a uma incumbente a interoperabilidade completa
com os produtos de uma entrante. No entanto, essa solução remete à discussão prévia
sobre patentes e instalações essenciais (já discutido). Ex post (ou seja, depois que um
padrão já é dominante), a imposição de interoperabilidade soa benéfica, porque permite
maior concorrência. No entanto, ex ante (isto é, antes de um produto aparecer no
mercado), tem um efeito adverso sob a inovação, uma vez que desencoraja as empresas
de apresentarem novos produtos e de lutar para se tornar o padrão na indústria. Assim,
tais medidas não parecem convincentes em geral.52
50
Produtos pré-anunciados podem afetar fortemente as expectativas dos consumidores, mas pode ser difícil
avaliar até que ponto são falsos, pois se referem a intenções e planos.
51
Para uma discussão sobre práticas anticompetitivas em indústrias de rede, ver também Rubinfeld (1998).
52
Para uma discussão mais ampla sobre políticas públicas sobre compatibilidade e seus possíveis efeitos
sobre inovação, ver Farrell e Katz (1998). Uma questão que os autores também discutem é que interfaces
que não envolvem muitas inovações não devem receber proteção. Por exemplo, impor a portabilidade
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45
Uma análise completa dos efeitos de bem-estar das indústrias com efeitos de rede
está além do escopo desta seção. Não obstante, é importante tratar – ainda que brevemente
– da ideia de que tais indústrias são particularmente inclinadas à dominância e, portanto,
estão naturalmente associadas à existência de monopólios. O conceito básico aqui é o de
inflexão do mercado, que se refere ao fato de que, quando há sistemas em competição e
um consegue ganhar certa vantagem na preferência do consumidor, ele tende a se tornar
mais e mais popular (lembre do papel das expectativas discutido anteriormente: uma vez
que o consumidor percebe que aquele produto ganha participação de mercado grande o
suficiente, passa a esperar que se torne o padrão da indústria), e os concorrentes passam
a fenecer.
numérica a companhias telefônicas corretamente assegura que a interface “número de telefone” não seja
protegida (atribuir números de telefones para consumidores certamente não é algo que mereça proteção).
53
Rey, Seabright e Tirole (2001) elaboraram um princípio “radical” de concorrência: quanto mais altos os
lucros a serem feitos em um mercado, mais forte a competição para obtê-los. Isso deveria valer para
indústrias de rede com efeitos de rede, custos de transferência, efeitos de lock-in, economias de escala e
geralmente todas as situações em que “o vencedor leva tudo”.
Como vimos, a livre-entrada não garante que a estrutura de uma indústria se torne
menos concentrada ao longo do tempo. Em mercados caracterizados por custos afundados
endógenos, custos de transferência dos consumidores ou efeitos de rede, entrantes com
frequência encontram dificuldades para desafiar de forma bem-sucedida as incumbentes,
mesmo que essas não ajam de maneira estratégica.
54
Isso nos lembra a análise da competitividade dos mercados com custos de transferências dos
consumidores. De fato, custos de transferências e externalidades de rede compartilham muitos aspectos
semelhantes, conforme salientado por Farrell e Klemperer (2001).
55
A hipótese de que o gerente sofre restrição de riqueza exclui a possibilidade de se atingir o resultado
ótimo (first-best) simplesmente vendendo a empresa para o gerente, que, então, escolheria o nível de esforço
de modo a maximizar o lucro.
56
Outra maneira de se descrever esses dois efeitos é como se segue: o primeiro efeito é o darwinista: mais
concorrência faz o gerente lutar por sobrevivência. O segundo efeito é o schumpeteriano: mais concorrência
diminui a expectativa de lucros futuros e, portanto, reduz os incentivos do proprietário a induzir maiores
esforços sobre o gerente.
57
Na versão de texto para discussão de seu modelo, Schmidt também analisou o caso da competição de
Cournot, encontrando a mesma relação não monotônica, mas com o esforço máximo para mais de duas
empresas no mercado. (Nesse resultado, não queremos chamar a atenção para o número corrente de
empresas sob o qual o esforço máximo é feito, mas para a existência de uma competição/esforço com função
não monotônica.)
58
Por exemplo, Caves e Barton (1990) olham para os dados dos Estados Unidos e notam que a eficiência é
mais alta em níveis intermediários de concentração (medida pela taxa de concentração C5). Green e Mayes
(1991) encontram resultado similar com os dados do Reino Unido.
Nesta seção técnica, apresentamos dois modelos simples: o primeiro ilustra como
a concorrência pode selecionar as empresas mais eficientes; o segundo analisa a relação
entre o número de empresas e o bem-estar.
−𝑞𝑗 + 1 − ∑ 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐ℎ = 0, (2.1)
𝑖∈𝐿 𝑗∈𝐻
−𝑞𝑗 + 1 − ∑ 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐𝑙 = 0. (2.2)
𝑖∈𝐿 𝑗∈𝐻
1 − 𝑐ℎ − (1 − 𝑘)𝑛𝑞𝑙 1 − 𝑐𝑙 − 𝑘𝑛𝑞ℎ
𝑞ℎ = ; 𝑞𝑙 = (2.3)
1 + 𝑘𝑛 1 + (1 − 𝑘)𝑛
1 − 𝑐𝑙 1 + 𝑛(1 − 𝑘)𝑐𝑙
𝑞𝑙∗∗ = ; 𝑝∗∗ = (2.6)
1 + 𝑛(1 − 𝑘) 1 + 𝑛(1 − 𝑘)
Pode-se facilmente verificar que 𝑝∗ > 𝑝∗∗ se [1 + 𝑛(1 − 𝑘)𝑐𝑙 ]/[1 + 𝑛(1 − 𝑘)].
Mas a última desigualdade é precisamente a mesma condição sob a qual as empresas de
59
Outra maneira de expressar a ideia de que a concorrência aumenta a eficiência poderia ser usar como
proxy de competição mais dura não um número maior de empresas, mas uma mudança de Cournot para
Bertrand, as empresas de alto custo sairiam imediatamente do mercado.
alto custo saem do setor. Portanto, a saída das empresas ineficientes melhora o bem-estar
pela redução dos preços de mercado.
П𝑖 = (1 − 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 ) 𝑞𝑖 − 𝑐𝑞𝑖 . (2.7)
𝑗≠𝑖
𝑞𝑖 = (1 − 𝑐 − ∑ 𝑞𝑗 ) /2. (2.8)
𝑗≠𝑖
1−𝑐
𝑞𝑐 = . (2.9)
𝑛+1
Por substituição, pode-se obter o preço de equilíbrio em função do número de empresas
que operam na indústria 𝑝𝑐 = (1 + 𝑛𝑐)/(𝑛 + 1). Observe que, quando o número de
empresas 𝑛 aumenta, os preços de mercado diminuem, e a produção agregada 𝑄 𝑐 = 𝑛𝑞 𝑐
aumenta; como consequência, o excedente do consumidor aumenta de forma inequívoca
com 𝑛. Com efeito, 𝜕𝐸𝐶 ⁄𝜕𝑛 > 0 já que
𝑛2 (1 − 𝑐)2
𝐸𝐶 = (1 − 𝑝𝑐 )𝑄 𝑐 ⁄2 = . (2.10)
2(𝑛 + 1)2
(1 − 𝑐)2
𝜋𝑐 = − 𝐹. (2.11)
(𝑛 + 1)2
Como resultado, o excedente do produtor na indústria é
𝑛(1 − 𝑐)2
𝐸𝑃 = − 𝑛𝐹, (2.12)
(𝑛 + 1)2
que decresce com 𝑛. Em particular, note que, conforme 𝑛 aumenta e vai tendendo para o
infinito, o bem-estar total se torna negativo e tende para – ∞.
𝑥
𝛥 ≡ П𝐼 − П = (𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ )) ≥ 𝐹. (2.13)
4
Duopólio. Considere, agora, o caso do duopólio. As duas empresas (que vendem um
bem homogêneo) deparam-se com a mesma demanda de mercado 𝑄 = 1 − 𝑝 como já
vimos. A empresa que cobrar o menor preço 𝑝 terá toda a demanda, e aquele com o preço
mais alto não terá qualquer demanda. Se ambas as empresas cobrarem o mesmo preço,
dividirão a demanda igualmente.
inovação de tal forma que П𝑛𝑑 ≥ 𝐹 > 𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, haverá uma inovação sob
duopólio, mas não sob monopólio. Para valores de custo fixo tal que 𝐹 ≤
𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, uma inovação irá ocorrer em ambas as estruturas de mercado. Para
𝐹 > П𝑛𝑑 , nenhuma inovação será adotada sob qualquer estrutura de mercado.
Esta análise confirma que o incentivo do monopolista para inovar deve, de fato,
ser mais baixo que o incentivo de empresas que enfrentam concorrentes.
𝑎 − 𝑐𝑖 + ∑𝑗≠𝑖(𝑐𝑗 − 𝑐𝑖 )
𝑞𝑖𝑐 = (2.14)
1+𝑛
e o lucro será dado por П𝑖 = (𝑞𝑖𝑐 )2. Na primeira fase do jogo, cada empresa terá a seguinte
função lucro:
2
𝑎 − (𝐶 − 𝑥𝑖 ) + ∑𝑗≠𝑖(𝑥𝑖 − 𝑥𝑗 ) 𝑔
𝜋𝑖 = ( ) − 𝑥𝑖2 . (2.15)
1+𝑛 2
Tomando a primeira derivada, obtemos a CPO para a i-nésima empresa:
2𝑛(𝑎 − 𝐶)
𝑥𝑐 = . (2.18)
𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛
𝜕𝑅 𝑐 2𝑛(𝑎 − 𝐶)(𝑔(1 + 𝑛) − 𝑛)
= > 0. (2.19)
𝜕𝑛 [𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]2
A última expressão nos diz que quanto mais empresas na indústria (ou seja, quanto mais
concorrência no mercado), maior a quantidade de P&D conduzida. No entanto, isso não
significa necessariamente que o bem-estar aumenta à medida que n aumenta. Pode ser
que exista muita P&D em relação ao ideal para a sociedade (isto é, que muitos recursos
são despendidos em P&D).
𝑐
(𝑎 − 𝐶)2 𝑔(𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛2 )
𝑐
𝐸𝑃 = 𝑛𝜋 = 𝑛 . (2.21)
[𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]2
Portanto, o bem-estar será dado por
Como mostra a Figura Q1, a função de bem-estar 𝑊 𝑐 (𝑛) aumenta até determinado
valor 𝑛𝑚 (𝑔) e, em seguida, diminui, com uma assíntota horizontal em 𝑊 = (𝑎 − 𝐶)2 /2.
Em outras palavras, um aumento da concorrência (no sentido de um aumento no número
de empresas no mercado), em relação a níveis iniciais baixos (quando a apropriabilidade
é alta), eleva o bem-estar; mas quando a concorrência é intensa o suficiente, um novo
aumento nela levaria à redução do bem-estar, já que um aumento no número de empresas
n não adiciona muito aos níveis de P&D (e, portanto, as quantidades vendidas no
mercado), mas reduz os lucros. Note que, quando n aumenta, haverá maior número de
empresas que terão de arcar com os custos de P&D, e tal duplicação de custos gera
ineficiência produtiva.
Duopólio sob concorrência por preços. Note que se pode imediatamente descartar o
equilíbrio quando ambas as empresas inovam, já que, pelo menos, uma não será capaz de
recuperar o custo fixo das despesas com P&D. No equilíbrio do jogo completo, apenas
uma inova. Em geral, há dois casos possíveis para considerar. (1) A inovação é drástica.
Nesse caso, o preço de monopólio da empresa inovadora é mais baixo que o custo da não
inovadora. Para que isso ocorra, a seguinte condição deve valer: (𝑎 + 𝑐 − 𝑥)⁄2 < 𝑐 −
𝑙𝑥, ou 𝑥 ≥ (𝑎 − 𝑐)⁄(1 − 2𝑙). (2) A inovação é não drástica. Nesse caso, 𝑥 <
(𝑎 − 𝑐)⁄(1 − 2𝑙). Focalizamos aqui inovações não drásticas (pode ser demonstrado que,
no equilíbrio desse modelo especifico, o nível ótimo da inovação corresponde ao não
drástico).
Vamos agora olhar para o estágio de P&D e encontrar o valor ideal de 𝑥. A função
lucro da empresa inovadora será dada por 𝜋𝑛𝑑 = 𝑥(1 − 𝑙)(𝑎 − 𝑐 + 𝑙𝑥) − 𝑥 2 . Note que
𝑥(1 − 𝑙) é a margem de lucro da inovadora: quanto maior o spillover l, menor seu poder
de mercado.
Conclusões. Neste simples modelo, uma patente melhora o bem-estar. Por conta dos
spillovers, P&D é um bem público. Já que as empresas não são capazes de se apropriar
de seus esforços de P&D, investirão menos nessa área do que o ideal para a sociedade. A
patente remove a externalidade negativa criada pelos spillovers e restaura os incentivos
para se realizar P&D.
Uma qualificação final: esse modelo simples não capta outro importante aspecto
das patentes, o fato de que uma empresa só obtém uma patente se revelar completamente
sua tecnologia a outras. O propósito dessa regra é compartilhar perfeitamente (pelo
menos, em princípio) a tecnologia com a empresa inovadora e permitir seu uso tão logo
o período da patente expire.
caso, a Empresa 2 obterá um ganho de −𝑓 < 0, situação pior que a de lucro zero associada
a decisão de não entrada. O desvio, nesse caso, também não é lucrativo. Assim, o par (E,
NE) é um equilíbrio. Uma vez que o par e perfeitamente simétrico, depreende-se que o
par (NE, E) é também um equilíbrio.
A nova entrante deve, então, poder entrar no mercado com um bem de qualidade
superior a 𝑢1 , mas, nesse caso, a incumbente deverá ser forcada a deixar o mercado. Do
ponto de vista do resultado final em termos de bem-estar, não fara qualquer diferença
qual das empresas ficará no mercado no equilíbrio. Contudo, é improvável que a entrante
seja capaz de substituir a incumbente, em função das vantagens do pioneiro.
𝑈𝑖 = 𝑟 + 𝑣𝑖 (𝑛) − 𝑝𝑖 , (2.23)
onde 𝑟 é o valor intrínseco do bem na ausência dos efeitos de rede, 𝑣𝑖 (𝑛) é a avaliação
do bem (n consumidores ligam-se a rede i) e 𝑝𝑖 é o preço que os consumidores devem
pagar para ligar-se a rede i. Por simplicidade, presuma que 𝑟 = 0, de forma que o bem de
rede tenha valor apenas para seu componente de rede.
Presuma que 𝑣𝑖 (𝑛) é não decrescente e côncava, mas depois de certo número de
consumidores 𝑧, a rede exaure suas externalidades positivas. Em outras palavras, 𝑣𝑖 (𝑧) =
𝑣𝑖 (𝑧 + 𝑗) para todo 𝑗 > 0. (A razão por trás dessa hipotese será explicada brevemente.)
Presuma também que 𝑣𝑖 (1) = 0: não há valor em se adquirir um bem de rede do qual se
é o único consumidor.
No mercado, para esse bem de rede, há uma incumbente I e uma potencial entrante
E. A entrante é mais eficiente e pode produzir ao custo 𝑐𝐸 < 𝑐𝐼 . As duas redes são
homogêneas no sentido de que têm o mesmo tamanho e criam as mesmas externalidades
para seus consumidores: 𝑣𝐼 (∙) = 𝑣𝐸 (∙) = 𝑣(∙). Presuma também que a entrante tenha um
custo fixo de entrada arbitrariamente pequeno, para enfatizar que as barreiras à entrada
advêm apenas dos efeitos de rede.
Dois tipos de equilíbrio. Existem dois tipos muito diferentes de equilíbrio no jogo.
O primeiro é um equilíbrio de “entrada”, em que a entrante chega ao mercado, e os novos
consumidores aderem à sua rede. O segundo é um equilíbrio ineficiente de “persistência
do monopólio”, em que os consumidores falham em se coordenar com relação ao
resultado mais eficiente. Vamos caracterizar e provar a existência de cada um dos
equilíbrios em seguida.
Assim vemos que para as empresas, nesse equilíbrio, I não tem incentivo para
alterar seu preço (ela obtém ganhos de monopólio), e 𝐸 não tem incentivo para se desviar,
pois, se entrasse, não seria capaz de recuperar seus gastos em custos fixos, mesmo que
pequenos.
Mas será lucrativo para a incumbente desviar e deter a entrada? Claramente, não
será lucrativo se ela tiver de ofertar um preço abaixo do custo para cada um dos
compradores. No entanto, sob discriminação, ela poderá oferecer preço abaixo do custo
para apenas um dos compradores, enquanto estabelece preço de monopólio para o outro.
Se as rendas totais forem superiores aos custos totais (𝑣(2) − 𝑝1 ≥ 2𝑐𝐼 ), o desvio poderá
ser lucrativo. Como supostamente 𝑣(2) + 𝑐𝐸 > 2𝑐𝐼 , se ambos os compradores decidirem
comprar de E, a incumbente poderá ter um incentivo para desviar, e o equilíbrio de entrada
poderá não existir.
Por sua vez, um equilíbrio com persistência de monopólio ainda existe. Já que 0 >
−𝑐𝐸 , nenhum consumidor tem incentivos para se desviar.
Exercícios do Capítulo 2
Exercício 2.1 *Um exemplo de conduta de busca de renda (rent seeking). Considere um
mercado no qual o lucro total П possa ser ganho pela empresa que obtiver direito de
monopólio de venda sobre o mercado. Suponha também que exista um número idêntico
de empresas n, que participam de uma concorrência para obter o direito de monopólio.
Cada Empresa i tem de simultaneamente decidir a quantia 𝑥𝑖 que deseja dispender,
conhecendo a probabilidade de ganhar a liderança, dada por 𝑥𝑖 ⁄∑𝑛𝑗=1 𝑥𝑗 . (a) Procure o
nível de equilíbrio simétrico de despesa e o lucro esperado para cada empresa. (b) Mostre
que, conforme n tende ao infinito, a despesa total das empresas é igual ao lucro total de
monopólio.
Exercício 2.2 Fazendo uso de gráficos, identifique a perda de bem-estar que ocorre no
mercado quando o preço é mais alto que o custo marginal de produção e, então, discuta
como essa perda pode ser maior em função da atividade de busca de renda e ineficiência
produtiva.
Exercício 2.3 Explique por que há uma possível tensão entre eficiência alocativa de um
lado e eficiência produtiva e dinâmica do outro lado.
Exercício 2.4 *A partir de d’Aspremont e Motta (1990), considere uma indústria de bem
homogêneo com duas empresas potenciais. A demanda de mercado e dada por 𝑄 =
𝑆(1– 𝑝), onde S e o tamanho de mercado, e Q e a produção da indústria. As empresas tem
custo marginal constante zero, mas incorrem em um custo fixo 𝑘 ∈ (0, 𝑆/9), caso sejam
ativas. O jogo é: primeiro, elas decidem se entram ou não. Em seguida, competem no
mercado de produto. Considere três diferentes casos de competição de produto: (1) as
empresas escolhem quantidades não cooperativamente (Cournot); (2) as empresas
escolhem preços não cooperativamente (Bertrand); (3) o cartel e estabelecido: as
empresas definem quantidades (ou preços, e equivalente) para maximizar conjuntamente
seus lucros (monopólio). Foque estratégias puras e encontre as quantidades, preços,
lucros, excedente e bem-estar de equilíbrio (em subjogos perfeitos de Nash) para cada um
dos três casos. Mostre que, para custos fixos baixos o suficiente, a competição de Cournot
dá ensejo a um bem-estar mais elevado que a de Bertrand, e que o monopólio sempre dá
ensejo ao menor nível de bem-estar em equilíbrio.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
72
Exercício 2.7 Por que se deve esperar uma relação de U invertido entre concorrência e
inovação?
**
Exercício 2.8 Considere uma indústria de um bem homogêneo com empresas
perfeitamente simétricas. Elas fazem o seguinte jogo: no primeiro estágio, decidem
simultaneamente se entram ou não na indústria. No segundo, elas simultaneamente
decidem qual quantidade levar para o mercado. Se elas entrarem, deverão incorrer em um
custo fixo de estabelecimento F. A produção ocorre ao custo fixo marginal c. A demanda
de mercado e caracterizada por 𝑝 = 1– 𝑄, p sendo o preço de mercado, e Q, o produto
agregado. (a) Encontre o número de empresas n que entrariam no subjogo perfeito em
equilíbrio de Nash. (Por simplicidade, considere n contínuo durante todo o exercício.) (b)
Considere, agora, o seguinte jogo: no primeiro estágio, um planejador social decide o
número de empresas (e paga seus custos fixos). Ele maximiza o bem-estar, indicado pela
soma do excedente do consumidor e do produtor menos os custos de entrada que tem de
pagar. No segundo estágio, o mesmo jogo de competição por quantidade é disputado.
Encontre o número ótimo de empresas escolhido pelo planejador social e compare com o
número que entraria em um subjogo perfeito em equilíbrio de Nash.
Exercício 2.11 Os modelos de organização industrial sugerem que – por conta própria –,
as forças de mercado resultarão em qualquer indústria em níveis de equilíbrio para
qualidade, variedade, inovação ou número de competidores diferentes dos níveis ótimos
para a sociedade (ou seja, diferentes dos níveis de qualidade, variedade, inovação ou
número de empresas que maximizariam o bem-estar econômico). Isso ocorre porque as
companhias tomam decisões com base em seus lucros, não levando em consideração as
externalidades que tais decisões exercem sobre competidores e consumidores. Quais são
as possíveis implicações praticas desse resultado? As autoridades de defesa da
concorrência podem tentar mover tal indústria em direção a um resultado ótimo?
Exercício 2.14 **Leasing/venda (De Tirole, 1988, seção 1.5.2.1). Considere um jogo em
dois períodos em que uma empresa busca vender seu bem durável, com vida útil de dois
períodos, depois dos quais se torna obsoleto. Não há depreciação do bem entre os dois
períodos. O fator de desconto 𝛿 é idêntico para todos os consumidores e para a empresa.
A demanda para a utilização do bem será dada por 𝑝 = 1– 𝑄 (Q sendo a quantidade
agregada). Presume-se que a produção não tenha custo. Existe um mercado de revenda:
os consumidores que compram o bem em um período podem querer revende-lo (ou aluga-
lo) no segundo período.
**
Exercício 2.16 (A partir de Klemperer, 1988: efeitos sobre bem-estar da entrada).
Considere o seguinte jogo em dois estágios entre uma empresa incumbente e uma entrante
potencial. No primeiro estágio, a entrante decide se entra ou não. A entrada e sem custo.
No segundo, as empresas existentes no mercado (simultaneamente) escolhem a
quantidade a ser vendida. Elas têm o mesmo custo unitário c. Os consumidores que
compram o produto da entrante terão de incorrer no custo de transferência s. (Por
simplicidade, presuma que não haja tal custo quando compram da incumbente.) Suponha
que haja uma demanda linear 𝑝 = 𝛼 − 𝛽𝑞 (em outras palavras, esse e o q-ésimo preço de
reserva do consumidor líquido de custos de transferência).
Exercício 2.18 *Monopólio ameaçado pela entrada (De Tirole, 1988, secao 10.1.4).
Considere o caso de duas empresas em um mercado de produto. Há também o caso de
uma terceira que não pode produzir nesse mercado de produto mas que gerou uma
inovação que pode reduzir o custo de produção de 𝑐̅ para 𝑐 < 𝑐̅ (inovação de processo).
Essa terceira empresa coloca sua inovação à venda para as duas produtoras, e a inovação
é protegida por uma patente de duração ilimitada. Antes do processo de leilão começar, a
Empresa 1 é monopolista e produz ao custo unitário 𝑐̅. O lucro da Empresa 1 nessa
estrutura de mercado e denotado por Πm (𝑐̅). A 2 é uma entrante potencial, cujo custo
unitário é infinito. Sejam П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) e П𝑑 (𝑐, 𝑐̅) os lucros da monopolista e da entrante,
respectivamente, caso a entrante sozinha adote a nova tecnologia com custo marginal 𝑐
e, consequentemente, o custo marginal da monopolista ainda seja 𝑐̅.
2. Mostre que П𝑚 (𝑐) ≥ П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) + П𝑑 (𝑐, 𝑐̅) é uma condicao suficiente para 𝑉1 ≥
𝑉2.
3. Considere o caso em que a inovação e drástica, 𝑝𝑚 (𝑐) < 𝑐̅. Se for o caso, qual
é o valor da inovação para as Empresas 1 e 2?
Exercício 2.4 (1) (Cournot) Para analisar o caso da competição por quantidade, primeiro
encontre a inversa da função de demanda, 𝑝 = 1 − 𝑄/𝑆. A Empresa i escolhe 𝑞𝑖 para
maximizar 𝜋𝑖 = [1 − 𝑞𝑖 + 𝑞𝑗 ⁄𝑆]𝑞𝑖 − 𝑘. As CPOs são 𝜕𝜋𝑖 ⁄𝜕𝑞𝑖 = 1 − 2𝑞𝑖 ⁄𝑆 − 𝑞𝑗 ⁄𝑆 =
0. No equilíbrio simétrico 𝑞𝑖 = 𝑞𝑗 = 𝑞 a solução será dada por 𝑞 𝐶 = 𝑆/3. Os preços de
equilíbrio e os lucros individuais serão 𝑝𝐶 = 1/3 e 𝜋 𝐶 = 𝑆⁄9 − 𝑘 > 0. É fácil encontrar
o excedente do consumidor e o bem-estar total como 𝐸𝐶 𝐶 = 2𝑆/9 e 𝑊 𝐶 = 4𝑆⁄9 − 2𝑘.
(2) (Bertrand) Dado que os produtos são homogêneos, a concorrência deve trazer
os lucros do curto prazo para zero, o que não permitirá que ambas as empresas cubram
seus custos fixos. Assim, no equilíbrio de longo prazo com estratégias puras, apenas uma
empresa estará ativa nesse mercado. Ela escolhera Q de modo a maximizar 𝜋 =
𝑄(1 − 𝑄 ⁄𝑆) − 𝑘. De 𝜕𝜋⁄𝜕𝑄 = 0, segue-se que o produto, preço e lucros de equilíbrio
serão 𝑄 𝐵 = 𝑆/2, 𝑝𝐵 = 1/2 e 𝜋 𝐵 = 𝑆⁄4 − 𝑘 > 0. O excedente do consumidor e o bem-
estar total serão 𝐸𝐶 𝐵 = 𝑆/8 e 𝑊 𝐵 = 3𝑆⁄8 − 𝑘.
Exercício 2.5 Presuma que 𝑥 > 1 − 𝑐 ℎ . Então, no último estágio do jogo (preço), será
melhor para a empresa inovadora cobrar preço de monopólio (1 + 𝑐 ℎ − 𝑥)⁄2 < 𝑐 ℎ . Ela
obterá o lucro bruto П𝑑 = (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 /4.
Ou a estrutura de mercado não faz diferença (a inovação ocorre ou não sob ambas
as estruturas de mercado) ou um equilíbrio com inovação ocorre sob duopólio, mas não
sob monopólio. Para entender por que, considere que П𝑑 > 𝛥 como (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 ⁄4 >
(1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 ⁄4 − (1 − 𝑐 ℎ )2 /4. Assim, para valores de custo fixo de inovação tais que
П𝑑 > 𝐹 > 𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, haverá inovação sob duopólio, mas não sob monopólio.
Para valores de custos fixos tais como 𝐹 ≤ 𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, uma inovação ocorrerá
(2) No caso do duopólio, a análise é similar a realizada aqui para níveis exógenos
de P&D. Em particular, há um único equilíbrio em que uma empresa inova e a outra não.
Contudo, aqui também temos de determinar se o investimento ótimo corresponde a uma
inovação drástica ou não. Por conseguinte, temos de contabilizar o lucro feito com a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
79
inovação drástica ótima e o lucro com a inovação drástica não ótima. Para uma inovação
drástica, o domínio é 𝑥 ∈ [1 − 𝑐 ℎ , 𝑐 ℎ ]. O problema é o mesmo que o do monopolista. A
função de lucro atinge um máximo em 𝑥 = (1 − 𝑐 ℎ )/3 e, então, decresce. Contudo, o
máximo não está no domínio; portanto, o máximo sob uma inovação drástica é obtido em
𝑥 = (1 − 𝑐 ℎ ). No caso de uma inovação não drástica, a quantidade ótima de P&D 𝑥𝑛𝑑 é
dada pela maximização da função de lucro П𝑛𝑑 = 𝑥(1 − 𝑐 ℎ ) − 𝑥 2 . Portanto 𝑥𝑛𝑑 =
(1 − 𝑐 ℎ )/2. É fácil verificar que uma inovação não drástica confere um lucro mais
elevado para a empresa inovadora e que o nível de equilíbrio de P&D sob duopólio é
maior que sob monopólio.
Exercício 2.8 (a) Dado que um equilíbrio deve ser encontrado por indução reversa,
primeiro resolva o último estágio do jogo, em que as empresas escolhem quantidades pelo
número das que entraram no mercado no estágio anterior. Esse problema já foi resolvido
na seção “Empresas demais no setor”.
Exercício 2.10 Vamos começar com o último estágio do jogo. O caso do cartel entre n
empresas e equivalente ao caso do monopólio, na medida em que as n empresas se
comportam como se fossem uma única. Nesse caso, a quantidade total vendida na
indústria é 𝑄 = (𝑎 − 𝐶 + 𝑥)/2, e o lucro conjunto é П = (𝑎 − 𝐶 + 𝑥)2 /4 − 𝑔𝑥 2 /2.
Exercício 2.14
Exercício 2.16
Exercício 2.17
Período 2 são dados por П𝐴2 = 𝑞𝐴1 𝑁(𝑅 − 𝑐) e П2𝐵 = 𝑞𝐵1 𝑁(𝑅 − 𝑐), onde 𝑞𝑖1 é a
quantidade vendida pela Empresa i no Período 1.
O que acontece no Período 1? Primeiro, repare que, no Período 2 em
equilíbrio, o consumidor sempre pagará até seu preço de reserva, R.
Consequentemente, considerações do segundo período não afetam, de forma
alguma, as decisões dos consumidores no Período 1. Um consumidor y preferirá
comprar da Empresa A que dá B caso a primeira lhe confira maior utilidade: 𝑟 −
𝑝𝐴1 − 𝑡𝑦 ≥ 𝑟 − 𝑝𝐵1 − 𝑡(1 − 𝑦), o que pode ser reescrito como 𝑦 ≤ 1⁄2 +
(𝑝𝐵1 − 𝑝𝐴1 )/2𝑡. Todos os consumidores cujos custos de aprendizado estejam
incluídos em [0, y] irão comprar de A, os demais, de B: 𝑞𝐴1 = 1⁄2 + (𝑝𝐵1 − 𝑝𝐴1 )/2𝑡
e 𝑞𝐵1 = 1⁄2 + (𝑝𝐴1 − 𝑝𝐵1 )/2𝑡. Portanto, os lucros totais após o desconto dos lucros
do segundo período são П𝐴2 = [1⁄2 + (𝑝𝐵1 − 𝑝𝐴1 )⁄2𝑡 ][𝑁(𝑝𝐴1 − 𝑐) + 𝑁(𝑅 − 𝑐)] e
П2𝐵 = [1⁄2 + (𝑝𝐴1 − 𝑝𝐵1 )⁄2𝑡 ][𝑁(𝑝𝐵1 − 𝑐) + 𝑁(𝑅 − 𝑐)]. As condições de primeira
ordem são 𝜕П2𝑖 ⁄𝜕𝑝𝑖1 = 𝑁[1⁄2 + (𝑝𝑗1 − 𝑝𝑖1 )⁄2𝑡 − (𝑝𝑗1 + 𝑅 − 2𝑐)⁄2𝑡 ] = 0 (para
i, j = 1, 2 e i ≠ j). Focando o equilíbrio simétrico, obtemos 𝑝𝐴1 = 𝑝𝐵1 = 𝑡 − 𝑅 + 2𝑐.
2. Se não houver custos de transferência no segundo período, as duas empresas
venderão produtos vistos por todos os consumidores como perfeitamente
homogêneos. No Período 2, portanto, o único equilíbrio possível é a solução usual
de Bertrand, em que cada uma cobra o custo marginal: 𝑝𝐴2 = 𝑝𝐵2 = 𝑐. No Período
1, as escolhas dos consumidores não dependerão do segundo período, já que elas
comprarão o bem ao custo marginal de qualquer maneira. Temos, então, o jogo-
padrão do tipo Hotelling sendo jogado no primeiro período. O lucro da empresa
será П2𝑖 = [1⁄2 + (𝑝𝑗1 − 𝑝𝑖1 )⁄2𝑡]𝑁(𝑝𝑖1 − 𝑐). As condições de primeira ordem são
𝜕П2𝑖 ⁄𝜕𝑝𝑖1 = 𝑁[1⁄2 + (𝑝𝑗1 − 𝑝𝑖1 )⁄2𝑡 − (𝑝𝑗1 − 𝑐)⁄2𝑡 ] = 0. Por simetria, teremos
𝑝𝐴1 = 𝑝𝐵1 = 𝑡 + 𝑐. Por conseguinte, em um mercado com custos de transferência,
haverá preços mais baixos no primeiro período e mais altos no segundo que em
um mercado sem custos de transferência.
Exercício 2.18
1. Para cada empresa, o valor da inovação é dado por diferenças entre os lucros que
a companhia espera obter se ganhar a licitação pela inovação e os que espera obter
CAPÍTULO 3
SUMÁRIO
3.1 – INTRODUÇÃO
1
Em casos de fusão e aquisição (ou abuso de posição dominante), é crucial determinar o poder de mercado
desfrutado pela empresa sob investigação. Mas uma avaliação do poder de mercado também é necessária
para se verificar a possibilidade de práticas verticais, como venda casada ou contratos de exclusividade,
afetarem negativamente o mercado. Os anexos da antiga Resolução 20 do CADE (a Resolução 20 foi
revogada pela Resolução 45, com exceção dos anexos) exercem a função de guia de orientação e instrução
para análise de práticas unilaterais e arranjos verticais de mercado.
ser uma boa ideia complementá-los com resultados obtidos de uma abordagem mais
tradicional, que avalia o poder de mercado das companhias a partir da análise dos
mercados em que atuam. Por sua vez, isso requer a definição de “mercado relevante”,
conjunto de produtos e áreas geográficas que podem criar restrições concorrenciais para
as empresas sob análise.
O teste que satisfaz a esse requisito e que deve guiar a análise da definição de
mercado tanto na dimensão produto quanto na geográfica é o chamado teste do
Imagine que a resposta a essa questão seja positiva, que o aumento desse preço
seja lucrativo. Isso significa que bananas não enfrentam significativa restrição
competitiva de outros produtos, ou seja, não existem outros bens substitutos adequados
para bananas a ponto de levar o monopolista a perder mercado quando aumenta o preço.
2
SSNPI (Small but Significant Non-Transitory Increase in Price – Pequeno Mas Significante Aumento de
Preços): teste desenvolvido pelas autoridades antitruste americanas, a Antitrust Division – Department of
Justice (Divisão Antitruste do Departamento de Justiça) e a FTC (Federal Trade Commission).
3
Em alguns casos que não os de concentração de mercado, o teste SSNIP apresenta algumas dificuldades
(relacionadas com a chamada “falácia do celofane”), como será discutido na seção 3.2.1.2.
4
Veja Horizontal Merger Guidelines Revised 1992; Commission Notice on the Definition of the Relevant
Market, OFT Market Defition Guidelines e as Resoluções do CADE n. 15, anexo I, de 19 de agosto de 1998
e n. 20, de 9 de junho de 1999, anexo II.
5
O DoJ refere-se a um aumento de 5%. Os guias da Comissão Europeia, do Reino Unido e a jurisprudência
brasileira fazem referência a um aumento de 5 a 10%.
uma licença para operar também o serviço correspondente à rota entre as Cidades A e B
e houver capacidade ociosa em outras rotas, essas companhias de ônibus exercerão
restrição competitiva e impedirão que o aumento de preços na rota A-B seja lucrativo.
Dessa forma, o mercado poderá ser definido de maneira mais ampla – serviços de ônibus
entre as Cidades A, B C e D – do que se levássemos em consideração apenas a
substituibilidade de demanda.
6
AC 08012.001383/2007-91.
fácil, rápida e factível. O produtor de outro bem já deve ter as habilidades e ativos para
produzir o bem em questão, não deverá incorrer em consideráveis custos afundados, e
qualquer barreira à entrada deve ser superável de forma rápida e relativamente barata.
Nos mercados de transporte ou logística em geral, os mercados relevantes são usualmente
definidos como rota ou par de cidades. A substituibilidade da oferta não pode ser utilizada
nesses casos para ampliar o mercado (digamos, Belo Horizonte – Brasília, Belo Horizonte
– São Paulo), porque muitos aeroportos são congestionados, e os slots de aterrissagem e
decolagem são recursos escassos, usualmente regulados. De forma similar, o mercado de
bebidas carbonatadas não pode ser ampliado pelo uso de argumentos de substituibilidade
de oferta: embora a tecnologia de produção de refrigerantes seja simples (plantas
engarrafadoras e redes de distribuição), campanhas de propaganda e marketing são
cruciais para determinar o sucesso de determinado refrigerante no mercado, o que implica
formidáveis custos afundados que tornam a entrada difícil e arriscada.
7
Art. 36 § 2o: Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de
alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% ou mais do
mercado relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo CADE a setores específicos da economia.
uma definição ampla de mercado relevante, em que deveriam ser incluídos todos os
possíveis materiais de embalagem. A decisão foi posteriormente criticada, considerando
que a presença dessa alta elasticidade de substituição era, por si, uma indicação do
elevado poder de mercado da du Pont. Durante o julgamento, foram apresentadas
evidências de que a empresa estava estabelecendo o preço do celofane tão alto que os
consumidores tinham de considerar utilizar outros produtos inferiores como substitutos.
O teste SSNIP prevê uma abordagem muito útil para a definição do mercado, mas
ainda temos de discutir como torná-la operacional. Realmente, a própria sustentação em
uma situação hipotética (o monopólio) significa que não existem dados que permitam
uma aplicação literal do teste. Vamos discutir as ferramentas que podem ser usadas para
implementá-lo. O mais importante a lembrar é que todos os dados e informações
disponíveis devem ser interpretados à luz do teste.
8
A elasticidade-preço própria 𝜀 é definida como: 𝜀 = − (𝑑 𝑄 ⁄𝑄 )⁄(𝑑 𝑃 ⁄𝑃 ) onde Q e P são quantidades e
preços do produto. Em termos discretos, seria 𝜀 =– (𝛥 𝑄/𝑄)/(𝛥 𝑃/𝑃), onde o operador Δ expressa a
diferença entre o nível da variável depois e antes da mudança. Uma vez que as quantidades demandadas
usualmente decresçam em resposta aos aumentos de preços, a fração é multiplicada por (-1), de modo a
definir a elasticidade como número positivo.
9
Chame 𝑅0 = 𝑃0 𝑄0 a receita antes da mudança, e 𝑅1 = 𝑃1 𝑄1 a receita depois da mudança. Pode-se, então,
escrever 𝛥𝑅 = 𝑅1 − 𝑅0 = 𝑃1 𝑄1 − 𝑃0 𝑄0 . Dividindo ambos os lados por 𝑅0 e rearranjando a equação,
obtém-se 𝛥𝑅 ⁄𝑅0 = (𝑃1 ⁄𝑃0 )(𝛥𝑄 ⁄𝑄0 ) + 𝛥𝑃/𝑃0 , que pode ser simplificado para se tornar 𝛥𝑅 ⁄𝑅0 =
(1 + 𝛥𝑃 ⁄𝑃0 )(𝛥𝑄 ⁄𝑄0 ) + 𝛥𝑃/𝑃0 . No exemplo, 𝛥𝑃 ⁄𝑃0 = 0,1 (ou seja, 10%) e 𝛥𝑄 ⁄𝑄0 = −0,02 (2%).
Assim, teremos 𝛥𝑅 ⁄𝑅0 = 0,078. Em outras palavras, a rentabilidade após o aumento de preços cresce
7,8%. É claro que, para determinar a rentabilidade, seria necessário considerar também a redução nos custos
totais que se seguiria a uma redução na produção. Nesse exemplo, nenhum decréscimo em custos se seguiu
ao aumento de lucratividade.
10
Elasticidade-preço cruzada entre os produtos A e B é então 𝜀𝐴𝐵 = (𝑑𝑄𝐵 ⁄𝑄𝐵 )⁄(𝑑𝑃𝐴 ⁄𝑃𝐴 ), ou em termos
discretos 𝜀𝐴𝐵 = (𝛥𝑄𝐵 ⁄𝑄𝐵 )/(𝛥𝑃𝐴 ⁄𝑃𝐴 ).
11
Um mecanismo similar pode ser identificado do lado da oferta também. Se existe substituibilidade de
oferta entre A e B, um choque que aumente o preço de A levará alguns produtores de B a alterarem sua
produção e vender A, causando assim um decréscimo na oferta de B e, portanto, um aumento do seu preço.
Adiante, o preço de A se moveria para baixo pelo ajustamento da oferta e ao final os preços relativos seriam
realinhados novamente.
12
O coeficiente de correlação entre a série de preços de A e B é dado por 𝜌 = 𝜎𝐴𝐵 ⁄(𝜎𝐴 𝜎𝐵 ), onde, 𝜎𝐴 , 𝜎𝐵
são os desvios-padrão das séries de preço de A e B, respectivamente, e 𝜎𝐴𝐵 é a covariância entre elas.
13
Vale-Socoimex (AC 08012.000614./2000-99), Vale-Samitri (AC 08012.001872/2000-76), Vale-Ferteco
(AC 08012.002838/2001-07), Vale-Mitsui (AC 08012-00962/2001-65), Vale-Belém (AC 08012-006472-
2001-31), Vale-Litel (AC 08012.005226/2000-88), Vale-Vicunha (AC 08012-005250/2000-77).
No entanto, usar diferenças de preços como critério para definir mercado relevante
não é seguro. Lembre que, em última instância, estamos interessados em até que ponto
um produto exerce uma restrição competitiva sobre outro (tal como expressa pelo teste
do monopolista hipotético), mas diferenças de preços não nos dão qualquer informação
sobre esse ponto. Pode muito bem ser que, por exemplo, o preço do Produto A seja o
dobro do preço do Produto B, mas que não seja lucrativo elevar o preço do Produto A,
mesmo que por uma pequena quantia, porque muitos daqueles que o adquirem passariam
a comprar B. Mercados que exibem diferenciais de qualidade são provavelmente um caso
a ser apontado. Bananas orgânicas podem impor um alto preço premium com relação a
bananas cultivadas em plantações que utilizam pesticidas, fato que se refletirá em preços
mais altos para as primeiras ao longo do tempo. No entanto, o aumento do preço das
bananas orgânicas (digamos, causado por uma fusão) não será lucrativo se houver uma
proporção considerável de consumidores menos entusiasmados pela comida orgânica e
pela mudança para bananas não orgânicas.
Assim, produtos na escala mais baixa de qualidade podem constranger o
comportamento de preços daqueles no topo da escala. Diferenças de preços não é um bom
indicador para o propósito de definição de mercado.
Características e uso de produtos e preferências do consumidor. Características
físicas dos produtos e seus usos podem dar alguma indicação do possível grau de
substituibilidade entre os produtos, mas apenas na medida em que a informação seja usada
no escopo do teste do monopolista hipotético. O fato de que tanto mate quanto refrigerante
são consumidos para matar a sede não significa que esses produtos devam ser incluídos
no mesmo mercado relevante. Reciprocamente, o fato de que dois produtos obviamente
diferem não significa que não podem ser incluídos no mesmo mercado: trens e ônibus
são, de fato, produtos diferentes, mas, na medida em que provêm serviços similares de
transporte para as pessoas entre a Cidade A e B, podem ser incluídos no mesmo mercado.
Pesquisas de mercado e pesquisas realizadas com consumidores podem também
contribuir para se entender as preferências dos consumidores e os graus de substituição
percebidos por eles entre os diferentes produtos.14
14
Essas pesquisas foram fundamentais para dirimir dúvidas na definição dos mercados relevantes em um
caso caracterizado por diferenciação de produto, como o da aquisição da Chocolates Garoto pela Nestlé no
Brasil (ver Capítulo 5).
15
Em Milão e Barcelona, como em outras cidades europeias, é comum haver um cardápio com preço fixo
em torno de €10 para o almoço e, no mesmo restaurante, uma refeição até três vezes mais cara no jantar.
No Rio de Janeiro, é comum restaurantes abrirem exclusivamente para o almoço no centro da cidade ou
redirecionarem sua atividade para outro “mercado relevante”, o de entretenimento, bar e show, no horário
noturno.
acordo com a natureza da investigação – isto é, dependendo se o teste começa com serviço
de transporte aéreo ou rodoviário.
Mercados secundários (after-markets). Uma questão importante que
frequentemente surge é como definir mercados quando existem produtos primários e
secundários (também chamados mercados pós-venda), como automóveis (mercados
primários) e peças de reposição (mercados secundários), ou máquinas de lavar roupas
(mercados primários) e assistência técnica (mercados secundários). Com muita
frequência, certa marca de automóveis requer faróis dianteiros especiais e nenhuma outra
marca se encaixa. Se o fabricante de automóveis também produz os faróis, definir o
mercado relevante como faróis para determinada marca de automóveis resultará na
posição dominante desse fabricante no mercado secundário, mesmo que ele tenha uma
posição fraca no mercado primário.
O arcabouço fornecido pelo teste SSNIP acaba por ser útil para tratar desse
problema. A questão relevante é se um monopolista hipotético (para continuar com o
exemplo), que venda peças de reposição para certa marca de automóveis será capaz de
elevar preços lucrativamente de forma significativa. Note que, se os consumidores
existentes já tiverem comprado aquela marca de automóvel, não poderão se voltar para
outra marca para peças de reposição (supondo que sejam incompatíveis). Mas
consumidores que estão considerando comprar ou não certa marca de automóvel podem
se voltar para outra marca, na medida em que tomem sua decisão de compra com base na
estimação do custo total estimado do tempo de vida do automóvel, o que inclui o preço
do automóvel e o custo esperado da reposição de peças (e dos custos dos serviços de
reparação incluídos). Se as peças de reparação em questão forem suficientemente
importantes para o custo esperado total do produto e se houver um número suficiente de
compradores que o leve em consideração, o monopolista hipotético não considerará útil
elevar preços de forma pequena, mas de forma significativa, e o mercado relevante deverá
ser definido como o mercado de automóveis e peças de reposição conjuntamente.
Na prática, a resposta para a questão sobre se os produtos secundários devem ser
definidos como um mercado separado depende das seguintes variáveis: primeiro, se o
preço do produto secundário em questão for uma proporção considerável ou não do preço
do produto primário: cinzeiros devem ser postos em mercados separados enquanto
motores não. Em segundo lugar, não apenas o preço da peça de reposição, mas também a
16
AP 0802/002673/2007-51.
17
A decisão do CADE foi pela abertura de processo administrativo para investigação das condutas das três
montadoras. Possivelmente, sua conclusão será de que se trata de um dos primeiros casos nacionais a
enfrentar a questão da litigância predatória (sham litigation).
Muitas das considerações feitas até aqui com respeito à definição de mercados de
produto servem bem para a definição de mercados geográficos. Em particular, o teste
SSNIP é ainda o arcabouço conceitual a ser utilizado e é à sua luz que os dados e
informações devem ser interpretados.
Elzinga e Hogarty (1973) propõe usar teste de carregamento para identificar áreas
de mercado geográficas. O teste tem dois componentes, o primeiro é estabelecer se é
18
De forma mais geral, uma autoridade antitruste não deve se sentir constrangida diante de uma decisão
ruim tomada no passado. Essa questão surgiu em investigações de fusões e aquisições da MTF (Merger
Task Force – Força-Tarefa de Fusões) na Comissão Europeia. A MTF teve de publicar decisões sob
condições muito estritas, e ocorreram casos de definições superficiais e análises apressadas de fusões, que,
na realidade, não criavam problemas concorrenciais. Seria errado exigir que se mantivesse a mesma
definição de mercado relevante, se uma investigação posterior mais cuidadosa revelasse que a definição era
incorreta. Do mesmo modo, o aprofundamento da análise concorrencial no Brasil pode levar à revisão de
definições de mercados relevantes de produtos até o presente, já definidos no conjunto de decisões em nossa
jurisdição.
“pequeno de fora” (as importações respondem por pequena parcela do consumo local) e
segundo se é “pequeno de dentro” (as exportações respondem por uma pequena parcela
da produção local). A ideia por trás do teste é que uma dada área geográfica é definida
como um mercado geográfico relevante se ambos os testes são satisfeitos, ou seja, se há
pouca movimentação de produto para dentro e para fora da área geográfica.
O teste pode fornecer informação útil, mas é possível que seja enviesado e seus
resultados devem ser interpretados com cuidado. Suponha que uma proporção
considerável do comércio foi observada entre uma região e outra. Isso seria uma clara
indicação de que os produtores dessas regiões estariam exercendo restrição competitiva
uns sobre os outros. Consequentemente, as duas regiões não poderiam ser definidas como
mercados em separado e o teste deveria ser realizado novamente em outras regiões.
Uma informação útil que pode suplementar outros testes é fornecida pela
importância dos custos de transportes com respeito aos preços de determinado produto.
Mesmo que nenhum embarque tenha ocorrido no passado entre uma região e outra, o fato
de que o custo de transporte seja baixo com relação aos preços implica que tais embarques
e que a restrição concorrencial impedirão que os preços na região aumentem.
Este ponto requer a abordagem de duas questões: primeira, que medida de poder
de mercado deve ser utilizada, e, segunda, que limiar de poder de mercado dever ser
19
AC 08012/03555/2002-56.
20
Algumas vezes, é definido como a habilidade de estabelecer preços acima do nível de preços
competitivos. Mas o preço competitivo nada mais é que o preço que a empresa cobraria sob concorrência
perfeita, ou seja, o custo marginal.
utilizado para indicar que uma empresa tem poder de mercado suficiente para chamar a
atenção das autoridades de concorrência. A segunda questão requer uma resposta, em
grande parte, arbitrária e resolvida de forma distinta pelas diferentes legislações antitruste
mundo afora ou até dentro do mesmo arcabouço legal. Vejamos primeiro a questão inicial.
Pode ser tentador aplicar diretamente o índice de Lerner para casos no mundo real.
No entanto, sua aplicação direta pode gerar problemas de diversas naturezas.21
Primeiramente, estimar o custo marginal de uma empresa não é tarefa fácil, por ser,
sobretudo, um conceito teórico. Determinar o impacto da mudança marginal na
quantidade produzida pela empresa no custo total de produção em geral é inviável, mesmo
com o melhor conhecimento das condições tecnológicas nas quais a companhia opera. Na
realidade, deve haver grandes diferenças nas estimativas de custo marginal mesmo dentro
da gestão da mesma empresa. Agências de defesa da concorrência com conhecimento
imperfeito do setor, da tecnologia e da própria empresa teriam, diante de si, uma tarefa
ainda mais difícil.22
Em segundo lugar, altos custos podem ser inerentes ao poder de mercado. Como
visto no Capítulo 2, deve-se esperar de um monopolista que ele seja caracterizado por
ineficiência produtiva. Paradoxalmente, ao aplicar o índice de Lerner, pode-se descobrir
que uma empresa não é dominante por ter, relativamente, altos custos e baixas margens,
a despeito de esses altos custos serem resultantes de seu poder de mercado.23,24
21
Veja também Landes e Posner (1981) e Neven et al. (1993, Capítulo 2) entre outras contribuições que
partem do índice de Lerner para discutir como mensurar poder de mercado.
22
Note que a empresa teria um incentivo para não revelar seus verdadeiros custos para as agências
antitruste. Ao contrário, procuraria tentar inflar os custos por meio da manipulação de seus livros contábeis.
23
Veja, por exemplo, Neven e Röller (1996), que relataram que companhias aéreas menos expostas à
concorrência compartilham rendas com os funcionários, consequentemente aumentando custos.
24
É claro que baixos preços também podem ser, em certas circunstâncias, resultado do poder de monopólio:
em casos de preços predatórios (ver o Capítulo 7), um preço muito próximo (ou inferior) ao custo marginal
não deve obviamente ser tomado como prova de que a empresa não detém poder de mercado.
Por conta das dificuldades associadas à aplicação direta do índice de Lerner, uma
abordagem alternativa deve ser baseada no fato de que o índice de Lerner de uma empresa
monopolista corresponde à inversa da elasticidade de demanda enfrentada por ela: 𝐿𝑖 =
1/𝜀1 . De fato, a estimação direta da elasticidade de demanda (residual) enfrentada pela
empresa é o núcleo de uma das técnicas econométricas modernas de avaliação de poder
de mercado.
25
Uma técnica quantitativa muito útil para avaliar o poder de mercado e efeitos de fusão foi desenvolvida
por Baker e Bresnahan (1985, 1988), baseada na estimação direta das elasticidades de demanda individual.
Outra técnica são os modelos logit (WERDEN & FROEB, 1994 e WERDEN, FROEB & TARDIFF, 1996),
derivados de modelos de escolha discreta do comportamento do consumidor, a partir de McFadden (1973),
mais utilizada nas simulações de efeitos de fusões.
Contudo, uma alta participação de mercado não é suficiente para concluir que uma
empresa seja dominante. Como discutiremos a seguir, ela não será capaz de aumentar
substancialmente os preços se a entrada na indústria for muito fácil ou se houver um forte
comprador pronto para utilizar seu poder de barganha e mover-se para ofertantes
alternativos (ou integrar-se verticalmente). Não obstante, é razoável começar pela medida
de participação de mercado como primeira etapa da análise de poder de mercado de uma
empresa.
Uma abordagem como essa seria útil para aumentar a segurança jurídica, na
medida em que se usem limiares de participações de mercado como mecanismos de
filtragem. É exatamente o que ocorre no Brasil, quando o legislador presume a ocorrência
de posição dominante a partir da participação de 20% de participação no mercado. É claro
que o limiar definido pela lei não é uma camisa de força para a autoridade de defesa da
concorrência e permite flexibilidade à luz da análise da estrutura do mercado e das
condições de concorrência. Na lei brasileira, logo após a definição do limiar, lê-se a
ressalva: “podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da
economia”. A ressalva existe para lembrar que o percentual de 20% é uma referência para
a filtragem, estando sujeito a uma avaliação das condições estruturais do mercado e da
dinâmica da inteiração das empresas.
Na aplicação prática, o limiar sempre foi útil para fornecer sinais aos agentes
econômicos, tanto sobre submissão à autoridade de fusões e aquisições, segundo a Lei
8.884/94, quanto sobre condutas anticompetitivas. Para a autoridade, também sempre foi
útil para filtrar as questões relevantes.
desejados de uma empresa e os dados da indústria, mas, mesmo assim, em geral, estão
prontamente disponíveis.
26
No caso Nestlé-Garoto, a distribuição de capacidades de produção de calda de chocolate foi um
importante item na discussão de poder de mercado (ver o Capítulo 5).
Além disso, não é apenas a existência de certo padrão, mas sua persistência ao
longo do tempo que deverá fornecer um forte indicador sobre a situação de uma indústria.
Se a participação de mercado de uma indústria for consistentemente acima de 50%
durante um período de 5 a 10 anos, poderá ser um indicador a mais de sua provável
dominância (outras coisas permanecendo constantes). Por sua vez, a distribuição de
participações de mercado entre os principais participantes da indústria, que varia
consideravelmente durante um período relativamente curto, pode ser sugestiva de uma
situação mais competitiva, na qual nenhuma empresa seja dominante.
Como comentário final, note que o nível agregado de poder de mercado (isto é,
até que ponto as empresas em uma indústria podem, em média, elevar preços acima de
seus custos marginais) aumenta com o grau de concentração, outras coisas permanecendo
constantes. Essa observação não é relevante para a análise do poder de mercado
individual, mas é muito importante quando fusões e aquisições são analisadas (ver o
Capítulo 5). De fato, medidas de concentração industrial são muito frequentemente
utilizadas como primeiro instrumento para filtrar fusões e aquisições que possam ter
algum efeito anticompetitivo.
Se uma empresa tenta elevar seus preços, os concorrentes atuais podem reagir
elevando sua capacidade. À medida que os concorrentes reagirem agressivamente, o
poder de mercado da empresa ficará limitado.
27
Veja Sutton (1991, 1998).
consumidores não tenham o incentivo correto para se voltar para outros ofertantes, mesmo
que esses tenham os produtos mais eficientes e/ou superiores.
28
Galbraith (1952) foi provavelmente o primeiro autor a argumentar que o poder de barganha dos
compradores pode constranger consideravelmente o poder dos vendedores.
29
Veja Scherer e Ross (1990, Capítulo 14) para discussão e exemplos.
mais eficiente que o monopolista. Como os compradores não coordenam suas decisões
sobre que vendedor selecionar, o monopolista acaba sendo o único ofertante. Assim, os
compradores lidam com contas muito mais altas do que se a entrada tivesse ocorrido. Se,
alternativamente, houvesse apenas um comprador (ou todos os compradores se
coordenassem), eles comprariam de um dos entrante, consequentemente possibilitando a
entrada.30
30
Para uma apresentação formal desse argumento, ver Fumagalli e Motta (2000).
31
Veja Scherer e Ross (1990: 533-5) para uma revisão dessa literatura, iniciada por Lustgarten (1975) em
um estudo com base em indústrias manufatureiras americanas, enquanto Connor, Rogers e Bhagavan
(1996) não encontraram evidências de poder de barganha na indústria alimentícia americana.
𝜋𝑖 = 𝑝(𝑄)𝑞𝑖 − 𝑐𝑖 𝑞𝑖 , (3.1)
onde 𝑄 = 𝑞𝑖 + ∑𝑗≠𝑖 𝑞𝑗 é o produto total da indústria, e 𝑞𝑖 e 𝑞𝑗 denotam,
respectivamente, o produto da Empresa i e o de qualquer das concorrentes j. A
maximização de seus lucros dada pelo produto das concorrentes leva à seguinte CPO:
𝑑𝜋𝑖 𝑑𝑝
= 𝑝(𝑄) + 𝑞 − 𝑐𝑖 = 0. (3.2)
𝑑𝑞𝑖 𝑑𝑞𝑖 𝑖
O preço de equilíbrio 𝑝∗ no mercado será definido pela solução das CPOs. A tal preço, a
CPO para a Empresa i pode ser reescrita como
𝑑𝑝 𝑑𝑄
𝑝∗ (𝑄) − 𝑐𝑖 = 𝑞, (3.3)
𝑑𝑄 𝑑𝑞𝑖 𝑖
Dividindo ambos os lados da equação por 𝑝∗ , multiplicando e dividindo por Q o lado
direito, e notando que, em um equilíbrio de Nash, as quantidades das rivais são dadas (de
modo que a produção de uma unidade adicional pela empresa corresponde a produção
adicional pela indústria como um todo: 𝑑𝑄 ⁄𝑑𝑞𝑖 = 1), temos
𝑝∗ − 𝑐𝑖 𝑑𝑝 𝑄 𝑞𝑖
= − , (3.4)
𝑝∗ 𝑑𝑄 𝑝∗ 𝑄
que se pode, finalmente, reescrever como
𝑚𝑖
𝐿𝑖 = , (3.5)
𝜀
onde 𝐿𝑖 é o índice de Lerner do poder de mercado da Empresa i, 𝑚𝑖 é sua participação de
mercado, e 𝜀 = − (𝑑𝑄 ⁄𝑄 )⁄(𝑑𝑝⁄𝑝) é a elasticidade da demanda de mercado com relação
ao preço. Note que, para o caso do monopólio, encontra-se a bem conhecida relação 𝐿𝑖 =
1⁄𝜀 .
𝑚𝑖2 𝐻𝐻𝐼
𝐿=∑ = , (3.6)
𝜀 𝜀
𝑖
A razão para a popularidade dessas duas técnicas é que ambas permitem reduzir a
dimensionalidade dos problemas quando lidamos com indústrias de produtos
diferenciados (modelos logit e métodos de elasticidade de demanda residual, por
conseguinte, proveem duas respostas alternativas para o mesmo problema). Suponha que
se queira estimar o poder de um mercado caracterizado por n produtos diferenciados.
Uma abordagem natural seria especificar um sistema de n equações de demanda, em que
a demanda de cada produto seria expressa como uma função dos preços de todos os
produtos do mercado. Mesmo com demandas lineares ou log-lineares, estimar tais
sistemas de equações implicaria estimar mais de 𝑛2 parâmetros, uma vez que cada uma
das n equações de demanda teria de conter os preços dos n produtos mais todas as outras
variáveis explicativas. É claro que conforme n cresce, o problema da dimensionalidade
se torna mais importante (mesmo que se imponha restrição ao modelo, como simetria).
Modelos de análise da demanda residual e logit oferecem duas maneiras de lidar com o
problema da dimensionalidade.
Uma análise completa desta e de outras técnicas está além do escopo deste livro,
mas as notas que se seguem, embora breves e incompletas, podem dar uma ideia da ajuda
que a moderna econometria e ferramentas de computação podem fornecer a casos
concretos do antitruste.
Uma técnica quantitativa muito útil para avaliar o poder de mercado e verificar os
efeitos de fusões deve-se a Baker e Bresnahan (1985, 1988) e tem base na estimação
direta das elasticidades de demanda residual. Recuperamos aqui brevemente os principais
aspectos dessa técnica.
A aplicação desse método para a análise de fusões é direta. Imagine que se esteja
interessado em saber o poder de mercado usufruído pela empresa que resulta da fusão de
A e B. Pode-se utilizar a técnica descrita anteriormente com ligeiras modificações,
computando duas elasticidades da demanda residual (parciais) para cada uma das
𝑝𝑟
empresas. Por exemplo, para a A, a primeira de suas elasticidades próprias, 𝜀𝐴𝐴 , que
estima a redução percentual na demanda percentual da Empresa A que se segue a um
𝑝𝑟
aumento de 1% no preço de A; a segunda e a elasticidade cruzada 𝜀𝐴𝐵 , que estima o
aumento percentual na demanda residual da Empresa A que se segue a um aumento de
1% do preço da Empresa B. Isso ajuda a entender como duas se restringem mutuamente
no mercado. Subtraindo as duas elasticidades estimadas obtidas, obtém-se o valor
𝑝𝑟 𝑝𝑟
(𝜀𝐴𝐴 − 𝜀𝐴𝐵 ), a avaliação do poder de mercado usufruído pela companhia em fusão. Essa
diferença expressa a ideia de que, quando os agentes coordenam suas ações e aumentam
seus preços simultaneamente, a Empresa A perde todos os consumidores, que migram
outras empresas, menos aqueles que teriam se dirigido a B se a fusão não tivesse ocorrido
(e ela tivesse, por conseguinte, precificado seu produto independentemente da A).
Dessa forma, com relativamente pouco requisitos de dados, é possível obter uma
estimativa dos prováveis efeitos de uma fusão. Essa técnica vem sendo crescentemente
usada por economistas especialistas em processos julgados em tribunais administrativos
ou judiciais, e, embora seja improvável que avaliação de fusões tenham base unicamente
nisso, a técnica certamente complementa outras informações coletadas e a análise do
mercado no qual a fusão ocorreu. A estimação da demanda residual pode também ser
usada para definir o mercado relevante em casos de fusão, como explicado por Scheffman
e Spiller (1987).
A demanda direta enfrentada por uma empresa i = 1, ..., n pode ser escrita como
𝑝𝑖 = 𝑅𝑖 (𝒑−𝑖 , 𝒚, 𝒘, 𝑐𝑖 ), (3.8)
onde w denota o vetor de tamanho L que contém as variáveis de custo específicas da
indústria, e 𝑐𝑖 denota o custo especifico da Empresa i. Da expressão anterior, pode-se
obter o vetor das funções de melhor resposta para todas as empresas, exceto a i, como
𝑆 𝐿
Note que os únicos dados no nível da empresa necessários para esse método são
os relativos a preço, quantidade e custos específicos da companhia, em cujo poder de
mercado estamos interessados.
ln 𝑞𝑖 = 𝛼1 + 𝛽𝑖𝑖 ln 𝑝𝑖 + 𝛽𝑖𝑗 ln 𝑝𝑗
𝑆 𝐿 𝑛
(3.13)
+ ∑ 𝛾𝑖𝑠 𝛾𝑠 + ∑ µ𝑖𝑙 + 𝑤𝑙 + ∑ 𝛿𝑖𝑘 𝑐𝑘 + 𝑣𝑖 , (𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗)
𝑠=1 𝑙=1 𝑘=3
exp(𝛼𝑗 − 𝛽𝑝𝑗 )
𝜋𝑗 = . (3.17)
∑𝑘∈𝐶 exp (𝛼𝑘 − 𝛽𝑝𝑘 )
Estimação dos modelos logit. Os parâmetros que se gostaria de estimar em um
modelo logit são aqueles pertencentes as funções de utilidade, quais sejam, 𝛼𝑗 𝑠 e 𝛽. Agora
que conhecemos a probabilidade 𝜋𝑗 , é dada a disponibilidade de dados da escolha
individual e de preços, o método de Máxima Verossimilhança pode ser utilizado para
estimar os parâmetros 𝛼𝑗 𝑠 e 𝛽. Para resolver o problema da indeterminação inerente ao
modelo logit, um dos 𝛼𝑗 deverá ser estabelecido como igual a um valor arbitrário, e o
enésimo produto será tomado como um bem externo, cujo preço presumivelmente será
zero. Chame de bens internos todos os bens, menos o enésimo.
A estimação dos modelos logit com dados de pessoas e das escolhas que fazem
apresenta problemas de endogeneidade, quando características das escolhas observadas
variam com características das escolhas não observadas. É o caso, por exemplo, quando
a qualidade não observada de um produto aumenta seu preço. (O estimador de Máxima
Verossimilhança pode sugerir que os consumidores estarão dispostos a comprar o produto
a preços mais elevados, enquanto e a variável de qualidade inobservável que os está
guiando.) O uso de estimação de variáveis instrumentais pode ajudar a resolver esse
problema.
Mas agora suponha que, ao mesmo consumidor, seja dada outra escolha, outro
jornal esportivo, digamos o Lance!, muito similar ao Jornal dos Sports. Agora, esse
consumidor seria indiferente entre comprar o jornal geral e um dos dois jornais esportivos
e, com a condição de comprar um jornal esportivo, entre o Jornal dos Sports ou o Lance!
Por conseguinte, a probabilidade de escolha entre os jornais seria Pr(𝐽. 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙) = 1/2 e
Pr(𝐽. 𝑑𝑜𝑠 𝑆𝑝𝑜𝑟𝑡𝑠) = Pr(𝐿𝑎𝑛𝑐𝑒!) = 1/4. Nesse exemplo, a propriedade da IAI nao vale,
porque a razão entre as probabilidades das duas escolhas não e independente da presença
ou da ausência de outras escolhas possíveis. Realmente, a razão entre as probabilidades
de se comprar o J. do Brasil e o J. dos Sports será 1 se o Lance! não for uma escolha
disponível para o consumidor, mas será 2, se o Lance! ficar disponível.
Se o teste econométrico indica que a IAI não e consistente com os dados, pode-se
adotar o modelo logit aninhado, em que se presumem escolhas em diferentes ordenações.
Com um único ninho, por exemplo, o conjunto C de todas as escolhas possíveis é dividido
em dois subconjuntos: um que agrupa todos os produtos incluídos no ninho, outro que
inclui todos os produtos remanescentes (para o exemplo anterior, pode-se colocar todos
os jornais esportivos em uma cesta). Existem, pois, expressões que fornecem
probabilidades não condicionadas da escolha por produtos que pertençam ao conjunto e
para os remanescentes, e, partindo dessas probabilidades, pode-se proceder em direção a
estimação do modelo.
Simulando os efeitos de uma fusão com modelos logit. Até agora, apresentamos o
modelo logit como usado para estimar com a máxima probabilidade as elasticidades de
demanda de certos produtos. O modelo logit, contudo, pensado como um modelo de
escolha do consumidor, pode também ser usado para simular os efeitos de uma fusão.
Essa abordagem diversa não é obtida por meio de estimativas econométricas, mas pela
previsão de preços pós-fusão a partir de dados disponíveis.
onde p é o vetor de preços de todos os bens internos, 𝑝 é algum preço médio ponderado
de referência, 𝜋𝐼 ≡ 1 − 𝜋𝑛 (𝒑) é a soma da probabilidades de escolha dos bens internos e
𝜆 é um escalar. As medidas de elasticidade da indústria determinam o aumento na
demanda de todos os bens internos quando todos os preços internos são aumentados pelo
fator 𝜆. Werden e Froeb (1994) e Werden et al. (1996) pegam um insumo do modelo. O
outro insumo é dado por participações de mercado individuais, ou seja, as probabilidades
de escolha dos bens internos condicionadas a que um deles seja escolhido. São dadas por
𝜋𝑗
𝑠𝑗 = . (3.21)
1 − 𝜀 ⁄(𝛽𝑝)
Substituindo 𝜋𝑗 = 𝑠𝑗 (1 − 𝜀 ⁄(𝛽𝑝)) nas equações (3.18) e (3.19) e rearranjando, obtém-se
as elasticidades-preço individuais próprias e cruzadas (usadas a seguir para inferir as
margens de preço-custo) como
𝑝𝑗
𝜀𝑗𝑗 = [𝛽𝑝(1 − 𝑠𝑗 ) + 𝜀𝑠𝑗 ]; (3.22)
𝑝
𝑝𝑘 𝑠𝑘
𝜀𝑗𝑘 = [𝛽𝑝 − 𝜀]. (3.23)
𝑝
Dados os preços e as participações de mercado, 𝛽 e 𝜀 (da indústria, não das empresas
individuais, variáveis que devem estar disponíveis de estudos prévios, podem ser
estimadas), as elasticidades-preço próprias e cruzadas de demanda podem ser
recuperadas.
𝜋𝑗 𝑒 𝛼𝑗−𝛽𝑝𝑗
ln ( ) = ln ( 𝛼 ) , (3.24)
𝜋𝑛 𝑒 𝑛
onde 𝑝𝑛 = 0 foi utilizado. Simplificando e rearranjando, temos
𝛽𝑝
𝛼𝑗 = 𝛼𝑛 + 𝛽𝑝𝑗 + ln 𝑠𝑗 + ln ( − 1) , 𝑗 = 1,2, … , 𝑛 − 1. (3.26)
𝜀
Essa equação nos diz que os 𝛼𝑗 podem ser encontrados analiticamente, dado que as
variáveis do lado direito da equação são conhecidas (e 𝛼𝑛 é um conjunto igual a uma
constante arbitraria): 𝛽 e 𝜀 são conhecidos; e preços e participações de mercado são dados
presumivelmente disponíveis.
Para completar o modelo, suponha que (1) antes da fusão, cada empresa produz
apenas um produto diferenciado; (2) cada uma não tem custo fixo, e o custo marginal é
constante e igual a 𝑐𝑗 ; (3) as empresas competem por preços; (4) todas as outras
características dos produtos são fixas (ou seja, a fusão não pode levar a entrada nem ao
reposicionamento de produto por parte das companhias existentes).
Sob tais pressupostos, sabemos que as CPOs para a maximização de lucro podem
ser reescritas como: (𝑝𝑗 − 𝑐𝑗 )⁄𝑝𝑗 = 1/𝜀𝑗𝑗 (nada mais é que o índice de Lerner). Usando
a equação (3.22), podemos obter a margem de cada empresa como
𝑝
𝑝𝑗 − 𝑐𝑗 = , 𝑗 = 1,2, … , 𝑛 − 1, (3.27)
𝛽𝑝(1 − 𝑠𝑗 ) + 𝜀𝑠𝑗
que implica que a margem de cada companhia aumenta com sua participação de mercado
(𝑠𝑗 ), cai com a substituibilidade entre si de produtos internos (𝛽) e cai com a
substituibilidade entre bens internos e externos (𝜀). A equação (3.27) nos permite
encontrar analiticamente o custo marginal de cada uma, já que ela expressa como uma
função de 𝑝𝑗 , 𝑝, 𝛽, 𝑠𝑗 e 𝜀, todos dados.
O próximo passo é ver o que ocorre sob a fusão. Sem perda de generalidade,
suponha que as Empresas 1 e 2 se fundam e chame m a empresa resultante. As CPOs de
maximização de preço da Empresa m implicam que
𝑝
𝑝1 − 𝑐1 = 𝑝2 − 𝑐2 = , (3.28)
𝛽𝑝(1 − 𝑠𝑚 ) + 𝜀𝑠𝑚
onde 𝑠𝑚 é a participação de mercado antes da fusão, e 𝑝 é o preço médio ponderado pela
participação antes da fusão. Como todos os parâmetros são conhecidos (os custos
marginais foram inferidos usando as CPOs e os preços correntes pré-fusão, conforme
explicado); substituindo-os na equação (3.28), obtemos os preços previstos pós-fusão. A
Exercícios do Capítulo 3
Exercício 3.2 A medida que uma empresa pode exercer seu poder de mercado está
limitada pela existência de entrantes potenciais ou, mais genericamente, por empresas que
possam começar ofertando um produto concorrente, atraída por preços mais altos no
mercado. Essas considerações devem ser levadas em conta quando se define o mercado
relevante para se avaliar o poder de mercado?
Exercício 3.3 Uma marca premium reconhecida de tênis e uma marca mais barata estão
considerando uma fusão, e você terá de determinar o mercado relevante. Uma informação
que você tem é o conjunto de preços de atacado dos produtores nos últimos cinco anos,
que mostra que os preços da marca premium são consistentemente o dobro dos da marca
mais popular. Você concluiria que esses dois produtos devam ou não ser colocados no
mesmo mercado?
Exercício 3.4 Que considerações devem ser levadas em conta quando se definem
mercados de produtos e avalia-se poder em mercados pós-venda e secundários (ou seja,
mercados para peças de reposição ou serviços de uma marca particular de um produto)?
CAPÍTULO 4
SUMÁRIO
4.2.2.1 – Quanto mais observáveis as ações das empresas, mais fácil a organização
dos cartéis ............................................................................................................... 20
4.1 – INTRODUÇÃO
Práticas colusivas permitem que as empresas exerçam poder de mercado que não
teriam de outra forma, restringindo artificialmente a concorrência, aumentando preços e,
assim, reduzindo o bem-estar.1 Consequentemente, são proibidas pela legislação
antitruste, e grande parte dos esforços das autoridades antitruste é dedicada a lutar contra
essas práticas. Contudo, embora qualquer autoridade antitruste séria certamente atacasse
um cartel ou um acordo explícito entre concorrentes para estabelecer preços ou dividir
mercados, pode haver divergências quanto ao padrão de prova requerido diante de
infringências menos ruidosas da lei, como no tratamento de casos em que as empresas
fazem manobras para manter preços elevados sem entrar abertamente em colusão.
1
Veja o Capítulo 2 para a relação entre poder de mercado e bem-estar.
O leitor deve, portanto, estar atento ao fato de que nas seções 4.1.1 e 4.2 usaremos
o termo “colusão” de forma que adere à teoria econômica, mas que pode ser um pouco
enganadora, na medida em que compreende tanto a colusão tácita quanto a explícita,
enquanto a lei deve punir apenas acordos explícitos (como argumentaremos na seção
4.4).2
2
Também se argumentava que as autoridades antitruste deveriam lidar com a colusão tácita, mas de forma
preventiva, buscando eliminar práticas de negócio que pudessem facilitar a colusão e pelo controle de
fusões e aquisições.
Quais são os principais ingredientes da colusão? Não é fácil para as empresas obter
um resultado colusivo, mesmo quando são livres para acordar sobre os preços que
desejam estabelecer. Em particular, toda empresa terá a tentação de se desviar da ação
colusiva, porque, ao fazê-lo, aumentará seus lucros.
3
Em termos técnicos, a referência é usualmente o preço de equilíbrio de um jogo em que empresas
encontram-se apenas uma vez no mercado (situação em que a colusão não ocorrerá). Por exemplo, em um
jogo de bens homogêneos, no qual as empresas escolhem preços, um resultado colusivo existiria sempre
que os preços estivessem mais altos que o nível de equilíbrio de Bertrand em uma rodada. Quando elas
escolhem quantidades, sempre estão mais baixas que as do equilíbrio de Cournot em uma rodada.
4
Veja Kühn (2001). Monopólio ou maximização conjunta de lucros são os preços que seriam estabelecidos
se todas as empresas de uma indústria estivessem filiadas a uma mesma companhia ou fossem gerenciadas
por um mesmo gestor.
unitária alta, mas venderá mais unidades: em resumo, terá mais lucros do que se vender
ao preço “colusivo” de $2.5
Para continuar com nosso exemplo, depois de verificar que o vendedor de frutas
está sujeito à tentação de cortar preços abaixo do nível colusivo de $2, vejamos em que
condições ele desviaria. Se a feira for pequena o suficiente e se os feirantes anunciarem
em cartazes os preços das frutas que vendem, a detecção do corte de preços será imediata.
Depois que o corte de preços for identificado, podemos apostar que o vendedor que até
agora manteve o preço de $2 vai retaliar imediatamente e passará a vendê-las a um preço
5
É claro que, para esse simples exemplo se sustentar, é necessário que o vendedor não venda todas as maçãs
que levou para o mercado ao preço colusivo de $2. De outra forma, não terá incentivo para cortar preços
de modo a aumentar vendas.
6
Detecção de desvios não é sempre fácil: em muitos mercados, os preços e a produção das empresas não
são diretamente verificáveis. Stigler (1964) foi provavelmente o primeiro a sublinhar esse problema e suas
consequências sobre a probabilidade de colusão.
7
Note que uma punição pode ser pensada como uma forma mais agressiva de comportamento de mercado,
não como punição monetária (ou física!) direta. Note também que a punição também afeta as empresas
punidoras, precisamente porque precisam se apoiar em mecanismos de mercado (preços baixos afetam o
lucro de todas as companhias). É crucial, portanto, que as empresas estejam dispostas a tomar parte da
punição.
8
Por sua vez, isso implica que a colusão pode ser sustentada apenas se as empresas encontram-se
repetidamente no mercado. De outra forma, a punição não poderá ocorrer. Por isso, a colusão precisa ser
modelada por jogos dinâmicos (repetidos).
mais baixo que $1,9 o quilo. O resultado será uma guerra de preços que reduzirá o lucro
de ambos. Um vendedor que contemple a possibilidade de desvio certamente considerará
a possibilidade de que o rival retaliará. Em outras palavras, a consciência de que o desvio
será facilmente detectado e de que, em seguida, haverá uma punição do mercado que
refreará cada vendedor de se desviar de uma conduta colusiva e tenderá a mantê-los
colados ao preço colusivo.
Que tipo de preço é colusivo? Uma dificuldade do exemplo anterior é que não é
claro como o “preço de colusão” é escolhido. Imagine que, por alguma razão, cada
vendedor pense que o outro vai estabelecer o preço de $1,5, não o de $2. Em seguida,
novamente uma situação colusiva pode ocorrer em equilíbrio, mas, dessa vez, com os
vendedores estabelecendo um preço mais baixo que o de monopólio. Em outras palavras,
o mecanismo colusivo descrito funciona para diferentes preços e resultados com empresas
obtendo níveis bastante diferentes de lucros.9
9
O “teorema popular” (folk theorem, Friedman, 1971) diz que, em jogos com horizontes infinitos de tempo,
as empresas podem ter qualquer lucro entre zero e o resultado totalmente colusivo no nível de equilíbrio
“colusivo”.
provável? Uma vez que as empresas têm interesse em coordenar seus resultados com os
preços mais altos possíveis, como podem fazê-lo?
Sob colusão explícita, por sua vez, as empresas podem conversar entre si e
coordenar seu equilíbrio preferido em conjunto, sem ter de fazer experimentações com o
mercado. Além do mais, se houver choques que alterem as condições de mercado, a
comunicação permitirá que as companhias mudem para um novo preço colusivo sem o
risco de disparar um período de punição.
10
Um agradecimento especial a Joe Harrington por ter enfatizado este ponto.
Há duas razões claras por trás do exercício conduzido nesta seção. Em primeiro
lugar, é importante identificar os fatores que facilitam a colusão para que as autoridades
antitruste possam intervir de forma a eliminá-los quando possível. Em segundo lugar, em
alguns casos, especialmente em análises de fusões e aquisições, deve-se avaliar se uma
indústria em particular é inclinada ou não a resultados colusivos. Estudar a indústria e
analisar se há fatores prováveis de levarem à colusão é crucial.
mercado, de modo que os ganhos obtidos com o desvio serão pequenos em relação aos
menores lucros por conta da punição que se segue.
11
Tal empresa deve ser chamada “dissidente” (maverick). Uma dissidente pode ser também
substancialmente diferente das rivais (porque tem, por exemplo, um fator de desconto menor, uma
utilização de capacidade diferente ou um portfólio de marcas menor). Veja a discussão sobre simetria e
colusão.
quebrando, desse modo, o equilíbrio colusivo. Antecipando que a entrada possa ocorrer,
as incumbentes serão forçadas a manter os preços baixos.
Em geral, por conseguinte, deve-se esperar que, quanto mais baixas as barreiras à
entrada (tal como determinado pelos custos fixos de entrada que as novas empresas terão
de “afundar” na indústria), mais difícil será sustentar a colusão. Não obstante, a existência
de entrantes potenciais não necessariamente quebra a colusão. Suponha que um entrante
espere que as incumbentes reajam muito agressivamente à entrada.12 Se a ameaça de forte
reação por parte das incumbentes for crível, as entrantes poderão optar por não entrar.13
12
Não há razão para crer, a priori, que as incumbentes vão sempre favorecer ou sempre combater a entrada.
Em um ótimo estudo empírico, Scott Morton (1997) analisou o cartel de cargas britânico na virada do século
XX e verificou que alguns entrantes eram aceitos e incorporados ao cartel, enquanto outros (os entrantes
fracos) eram combatidos.
13
Gilbert e Vives (1986) analisam o caso em que a predação conjunta ocorre sem a necessidade de os
predadores se coordenarem. Em Harrington (1989b), a entrada dispara a mesma (mais forte possível)
punição gerada por um desvio da conduta colusiva pelas incumbentes. Mas se as incumbentes tivessem se
coordenado, estariam infringindo os art. 20 e 21, combinados da antiga Lei 8.884/94, incisos I, II e/ou III;
a lei ainda prevê o caso de tentativa colusiva de bloquear entrada, inciso IV. Os mesmos dispositivos legais
estão previstos na Lei 12.529/2011/Art. 36 § 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que
configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração de ordem
econômica: I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços
de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade
limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência limitada de serviços; c) a divisão de
partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, entre outros, a
distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção
em licitação pública; II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou
concertada entre concorrentes; III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado.
14
Se houver controle, trata-se de fusão (ver o Capítulo 5). O CADE desenvolveu cuidadosa jurisprudência
e estabeleceu na atual Resolução 2/2012 detalhada regulação acerca das regras de notificação de aquisições
minoritárias que possam vir a gerar influência determinante na condução dos negócios de concorrentes.
Toda a seção 3 da Resolução 2/2012 trata sobre o assunto “Da notificação de aquisição de participações
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13
Por conseguinte, seria mais sensato não permitir que uma empresa tivesse
participação minoritária (a fortiori, controladora) em uma concorrente.
societárias”. Art. 9o – As aquisições de participação societária de que trata o artigo 9o, II, da Lei
12.529/2011 são de notificação obrigatória, nos termos do art. 88 da mesma lei, quando:
I – Acarretem aquisição de controle.
II – Não acarretem aquisição de controle, mas preencham as regras do artigo 10.
III – Sejam realizadas pelo controlador, na hipótese disciplinada no artigo 11.
Art. 10 – Nos termos do artigo 9o, II, são de notificação obrigatória ao CADE as aquisições de parte de
empresa ou empresas que confiram ao adquirente o status de maior investidor individual ou que se
enquadrem em uma das seguintes hipóteses:
I – Nos casos em que a empresa investida não seja concorrente nem atue em mercado verticalmente
relacionado:
a) Aquisição que confira ao adquirente titularidade direta ou indireta de 20% ou mais do capital social ou
votante da empresa investida.
b) Aquisição feita por titular de 20% ou mais do capital social ou votante, desde que a participação direta
ou indiretamente adquirida de pelo menos um vendedor considerado individualmente chegue a ser igual ou
superior a 20% do capital social ou votante.
II – Nos casos em que a empresa investida seja concorrente ou atue em mercado verticalmente relacionado:
a) Aquisição que confira participação direta ou indireta de 5% ou mais do capital votante ou social.
b) Última aquisição que, individualmente ou somada a outras, resulte em um aumento de participação maior
ou igual a 5%, nos casos em que a investidora já detenha 5% ou mais do capital votante ou social da
adquirida.
Parágrafo único. Para fins de enquadramento de uma operação nas hipóteses dos incisos I ou II deste artigo,
devem ser consideradas: as atividades da empresa adquirente e as das demais empresas integrantes do seu
grupo econômico, conforme definição do artigo 4º dessa Resolução.
Art. 11 – Nos termos do artigo 9o, III, são de notificação obrigatória ao CADE as aquisições de participação
societária realizadas pelo controlador quando a participação direta ou indiretamente adquirida de pelo
menos um vendedor considerado individualmente chegue a ser igual ou superior a 20% do capital social ou
votante.
implica que haverá menos razão para se preocupar com possível colusão, se a elasticidade
da demanda for alta.
15
Também depende se os movimentos de demanda são observáveis ex post ou não.
16
Um mercado caracterizado por drásticas e frequentes inovações também será menos inclinado à colusão,
na medida em que menos peso será atribuído ao futuro (as incumbentes antecipam que poderão não ser tão
competitivas no futuro), e o incentivo para desviar, portanto, será maior. Veja Rey (2002).
17
Há alguns estudos formais sobre o problema da sustentabilidade da colusão sobre o ciclo de negócios.
Os resultados intuitivos mostrados aqui coincidem com os de Haltiwanger e Harrington (1991), que
descobriram que a colusão é mais provável de ser rompida quando a demanda é declinante. Mas Fabra
(2001b) estende sua análise e considera a possibilidade de restrição de capacidade; ela mostra que o
resultado de Haltiwanger e Harrington só se sustenta quando a capacidade agregada da indústria é grande
o suficiente, mas, se for pequena o bastante, é menos provável que a colusão seja mantida quando a demanda
crescer.
18
Veja, por exemplo, Ross (1992) para uma análise formal desse argumento.
19
As altas despesas de propaganda sustentadas nesses mercados explicam por que são percebidos pelos
consumidores como muito diferenciados. Ver Sutton (1991).
20
Uma explicação alternativa sobre por que a homogeneidade de produto facilitaria a colusão foi oferecida
por Raith (1996a). Ele argumenta que diferentes produtos podem ser sujeitos a diferentes choques de
demanda. Se a homogeneidade de produto implica correlação em choques de demanda, então pode auxiliar
a colusão.
21
Também há evidências da análise empírica: veja Barla (2000) sobre a desigualdade no tamanho da
empresa e a colusão na indústria de aviação civil.
Note que os mecanismos operantes são bem diferentes em Compte, Jenny e Rey
(2002) e em Künh e Motta (1999), mas os resultados são os mesmos: uma distribuição
mais equânime de ativos afrouxa as restrições de incentivo tanto para pequenas quanto
para grandes empresas e auxilia a colusão.22
22
Vasconcelos (2001b) confirma esse resultado com um modelo muito refinado, no qual analisa esquemas
de punição ótimos. Ele tem um modelo de bens homogêneos no qual as empresas diferem em capacidade
produtiva, mas, ao contrário de Compte et al. (2002), maior capacidade implica menor custo. Em seu
trabalho, companhias maiores têm mais incentivos a se desviar ao longo da rota de punição, e pequenas
empresas, ao longo da rota de colusão. Novamente, a simetria auxilia a colusão. Harrington (1989a) analisa
a colusão quando as empresas têm diferentes fatores de desconto. Ele mostra que, quando assimétricas, as
empresas fazem uma manobra para obter um resultado colusivo, redistribuindo participações de mercado.
23
Outra razão pela qual contatos multimercados facilitam a colusão é que tendem a aumentar a frequência
de as firmas entrarem em contato.
24
É claro que seria diferente se o excesso de capacidade (ou grandes estoques) estivesse desigualmente
distribuído. Nesse caso, os argumentos anteriores sobre assimetria se aplicariam, quanto mais desigual fosse
a distribuição de capacidade ociosa, menos provável seria a sustentação da colusão.
Uma vez que tanto a teoria quanto a prova empírica neste ponto são ambíguas,25
não é claro se o excesso de capacidade ociosa auxilia a colusão.
25
O primeiro modelo relacionando capacidade com colusão foi o de Brock e Scheinkman (1985). Benoit e
Krishna (1987) descobriram que excesso de capacidade é necessário para sustentar resultados colusivos, e
Davidson e Deneckere (1990), que quanto maior o grau de excesso de capacidade (determinado
endogenamente em seu jogo e dependente do custo de capital), mais colusivos os preços mantidos em
equilíbrio. Esses dois estudos sugerem que o efeito de punição do excesso de capacidade (o fato de que sua
presença permite a punição) é maior que o de desvio (o fato de que o excesso de capacidade torna o desvio
mais tentador). No entanto, em um diferente cenário, Compte et al. (2002) relataram que, para empresas
simétricas, quanto maior a capacidade da indústria, menos provável a colusão ser sustentada. Alguns
trabalhos empíricos sobre esse ponto são mencionados em Davidson e Deneckere (1990, 525-6).
negativo de demanda ou a um corte de preços pelo concorrente, que tenha roubado parte
(ou o todo) do negócio. Green e Porter mostram que, se o fator de desconto for elevado o
suficiente, existe um conjunto de estratégias colusivas que representam um equilíbrio. As
estratégias são tais que cada empresa estabelece um preço colusivo (que deve ser o que
maximiza os lucros conjuntos), desde que cada uma se defronte com um elevado nível de
demanda. Quando uma empresa se depara com baixa demanda (ou nula), a punição é
disparada, então cada uma estabelece o preço de equilíbrio de uma rodada por um número
de períodos finitos. Depois dessa fase de punição finita, todas elas retornam ao preço
colusivo.
Assim, o modelo implica que a colusão pode ser sustentada no equilíbrio, mas, ao
contrário do modelo-padrão com perfeita observabilidade, preços colusivos e lucros
nunca serão observados para sempre, mesmo que nenhuma empresa desvie. De fato, a
punição será desencadeada sempre que um baixo nível de demanda for observado, e
durará por certo número de períodos, após os quais as empresas retornarão aos preços
colusivos.26 O modelo tem, portanto, uma importante implicação. A observação de alguns
períodos com baixo preço não é suficiente para excluir a possibilidade de que a indústria
se encontra em equilíbrio colusivo. Além do mais, guerras de preço são o elemento
indispensável de uma estratégia colusiva quando os preços dos concorrentes e as
realizações da demanda não são observáveis.27
26
Aqui, estabelecer preços iguais ao custo marginal para sempre, uma punição infinita, seria claramente
subótimo; uma vez que a punição é disparada mesmo que ninguém tenha realmente desviado, não faria
sentido condenar a indústria a uma situação de ausência de lucros eterna toda vez que se observasse um
baixo nível de demanda.
27
Por outro lado, como será discutido a seguir, a alternância de níveis de preços altos e baixos não é prova
de resultado colusivo, uma vez que uma indústria em equilíbrio não colusivo pode ter preços mais baixos
sob choques de demanda negativa ou aumento de capacidade.
observabilidade das ações das empresas, como fixação de preços de revenda e cláusulas
de melhor preço.
28
Sobre colusão e troca de informações entre empresas, veja Kühn (2001).
29
Porter (1983a) mostra que a troca de informações particulares sobre a demanda de mercado reduz a
incerteza sobre a demanda e permite a sustentação de resultados colusivos. Na mesma linha, Kandori (1992)
mostra que, à medida que a incerteza com relação à demanda decresce, as empresas podem atingir
resultados colusivos mais elevados (e as fases de punição se tornam mais severas). Kandori e Matsushima
(1998) também relataram que a comunicação de informações sobre realizações passadas auxilia a colusão.
Tecnicamente, este último trabalho difere de Green e Porter (1984) e de Porter (1983a) e Kandori (1992)
ao presumir que as empresas recebem sinais privados e não públicos, de modo que cada uma terá uma
crença diferente do que se passou na indústria (se houve um choque de demanda ou se alguém desviou).
Outros trabalhos sobre colusão sob monitoração imperfeita e sinais privados são Compte (1998) e Athey e
Bagwell (2001).
demanda pode possibilitar às empresas elevar a produção nos mercados e nas áreas nas
quais a demanda é mais forte. A literatura sobre troca de informações tem resultados
ambíguos.30 Teoricamente, é possível que, em certas circunstâncias, essa troca de
informações aumente o bem-estar.31 No entanto, é improvável que as empresas tenham
de trocar informação individual e desagregada para que possam atingir qualquer nível de
eficiência. Kühn (2001) também argumenta que informação sobre a indústria pode
auxiliar as empresas a definir esquemas de incentivos para seu pessoal, com base em
produtividade relativa, mas, de novo, para que tais esquemas funcionem, as empresas não
precisam de dados detalhados no nível desagregado.32
30
Os incentivos para que as empresas troquem informações particulares e, mais importante, os efeitos sobre
o bem-estar desse intercâmbio não são robustos, uma vez que dependem substancialmente do fato de as
companhias competirem em preços ou quantidades ou de as incertezas terem relação com custos ou
demanda. Veja Kühn e Vives (1995) ou Raith (1996b) para pesquisas.
31
Foi uma discussão travada no Brasil no início dos anos 1990, quando a política de concorrência ainda
dava seus primeiros passos, e o controle de preços ainda não havia desaparecido por completo. A
experiência das Câmaras Setoriais, em que se reuniam por cadeia, indústria, trabalhadores e governo, em
que pese o forte ranço corporativista e efeitos colusivos, tinha o objetivo de reduzir incertezas e auxiliar na
política de estabilização macroeconômica. A respeito, ver Arbix (1997), Salgado (1993, 1997) e Franco
(2010).
32
Alguma exceção sobre dados detalhados pode ocorrer em setores particulares. Em bancos e seguros, por
exemplo, os mercados são caracterizados por informação assimétrica. Se as empresas tivessem informação
sobre a história de solvência dos clientes, fortaleceria a eficiência, na medida em que reduziria a seleção
adversa e impulsionaria a competição, ao ajudar os consumidores a trocar de empresa. Veja Padilla e
Pagano (1997). Note, no entanto, que, embora desagregada, não se trata de informação sobre preço ou
quantidade produzida pelas empresas.
33
Schelling (1960) foi o primeiro a introduzir a noção de ponto focal (ou convenções) e mostrar como
ajudam as pessoas a se coordenar.
Contudo, nem todos os anúncios sobre futuras ações devem ser tratados da mesma
forma. Devem-se distinguir dois tipos de situação, dependendo se os anúncios são (1)
“privados”, dirigidos apenas aos concorrentes (isso inclui comunicações em leilões) ou
(2) “públicos”, com valor de compromisso para os consumidores.
Anúncios “privados”. Nesse primeiro caso, os anúncios são dirigidos apenas aos
competidores. Para ajudar a fixar ideias, pense em uma empresa que envie um e-mail a
concorrentes, no qual afirma que, a partir do próximo mês, pretende estabelecer
determinado preço. Conforme Kühn (2001) salientou, é difícil imaginar qualquer razão
de eficiência por trás desses anúncios. Mais provavelmente, elas apenas ajudam os
competidores a se coordenarem em torno de um preço colusivo particular e os ajudam na
colusão, evitando períodos custosos de guerras e instabilidade de preços.
34
Farrell (1987) analisa um jogo com diferentes aspectos de superjogos. Ele olha para uma situação de
“batalha dos sexos”, na qual há dois equilíbrios simétricos, como em uma indústria em que, em equilíbrio,
só uma das duas empresas pode entrar lucrativamente, enquanto, se ambas entrarem, sofrerão perdas.
35
Veja Farrell e Rabin (1996) para uma discussão não técnica do possível papel do bate-papo ou conversa
fiada em diferentes jogos e das condições sob as quais se deve esperar que esse tipo de conversa afete os
resultados do equilíbrio. Alguns experimentos foram realizados sobre esse ponto. Veja, por exemplo,
Cooper et al. (1992). Veja Kühn (2001) para outras referências em experimentos sobre os efeitos colusivos
da informação.
36
No entanto, avisos prévios de mudanças de preços efetivos podem ser do interesse dos consumidores, que
podem querer saber com antecedência os preços que terão de pagar, de modo a reduzir a incerteza.
outras não a seguirem com anúncios similares de mudanças de preços.37 Dessa forma,
elas podem chegar a um preço em comum acordo, sem correr o risco de perder
participações de mercado ou disparar guerras de preço durante o período de ajustamento
até os novos preços.
O DoJ alegou que as companhias aéreas usavam essas informações para coordenar
seus aumentos de preços sem qualquer colusão explícita. Por exemplo, a Companhia A
podia anunciar hoje um aumento de preço na rota da Cidade 1 para a Cidade 2, colocar a
primeira data para 30 dias, de modo que ninguém poderia de fato vender um bilhete para
aquela rota com nova tarifa. Como a informação era pública a todas as companhias, a
Companhia A podia esperar e ver a reação ao seu anúncio de preço. Se o competidor da
mesma rota, digamos B, não acompanhasse o aumento de preço, ela poderia ainda rever
o aumento de tarifa. O processo continuaria, com as companhias aéreas ajustando tarifas
até que a convergência fosse atingida, mas sem que os consumidores pudessem comprar
bilhetes aos preços futuros anunciados.39
37
Veja Hay (1999) para o caso Ethyl, no qual esta foi supostamente uma das práticas anticompetitivas.
38
Veja Borenstein (1999) para um relato detalhado sobre esse intrigante caso.
39
O caso foi encerrado por acordo: as empresas envolvidas concordaram em descontinuar essa prática.
40
PA 08012.0020281.2002-24.
mecanismo de identificação de uma companhia aérea a outra, já que essa ferramenta era
utilizada para a troca de informações. O processo foi concluído com a assinatura do
Termo de Cessação de Conduta, que determinou a não utilização de ferramentas como a
que transmitia informações tarifárias, como uma 1ª data de bilhete (1st ticket date), não
divulgar distintivos de uma companhia aérea, indicadores de nota de pé de rodapé,
alterações de tarifas e outras determinações.
41
O leilão mais padrão é o de primeiro preço ou objeto único. O caso típico é o leilão de obras de arte:
pessoas em uma sala fazem lances cada vez mais altos por um objeto particular, até que um lance não será
coberto por mais ninguém.
42
Veja Klemperer (2002) e Crampton e Schwartz (2001) para uma análise mais detalhada.
parado de dar lances para Lubbock, teria retaliado, aumentando o preço em Amarillo.
Para ter certeza de que o sinal era claro, o lance da Mercury por Lubbock tinha “013”, o
código de área de Amarillo, e terminava com “064”, o código de área de Lubbock.43
43
Veja Crampton e Schwartz (2001, 8-9). Tais exemplos de comunicação de intenções não são restritos a
leilões. No caso discutido ATP, as companhias aéreas incluíam notas de rodapé em anúncios de tarifas
específicas para indicar a intenção de punir uma concorrente em determinada rota. Ver Borenstein (1999,
314-16) para detalhes.
44
Klemperer (2002) reporta episódios quando participantes expuseram seus objetivos para a imprensa,
afetando, assim, o comportamento dos concorrentes de forma direta.
45
Para uma pesquisa sobre a literatura teórica e empírica sobre propaganda de preços, ver Fumagalli e
Motta (2001).
46
Veja Hay (1999).
publicar na imprensa avisos sobre aumentos de preços (as outras foram avisos prévios
sobre alteração de preços, preços de entrega uniformes e cláusulas de nação mais
favorecida). Nessa indústria, havia poucos grandes compradores, e os preços eram
estabelecidos por negociação. Parecia razoável pensar que a publicação dos preços não
tinha o propósito de informar os compradores, mas de levar ao conhecimento das
concorrentes as intenções a respeito de alterações nos preços.47
47
Note, contudo, que a FTC teve sua decisão revista pela Corte de Apelação, que entendeu haver provas
insuficientes para a existência de cartel.
48
Salop (1986) foi o primeiro a apontar o potencial anticompetitivo dessas cláusulas.
Essas cláusulas usualmente são tidas como anticompetitivas porque tornam mais
custoso para as empresas conceder descontos: se uma empresa quiser atrair novos clientes
também reduzirá seus preços e margens sobre os que já tem. No entanto, não é claro se
cláusulas CNMF facilitariam a colusão (explícita ou tácita).49 Por um lado, a cláusula
dificulta o desvio do resultado de cartel (o lucro adicional a ser ganho é menor porque a
redução de preço se aplicaria a todos os consumidores); por outro lado, também torna
mais custosa uma punição, precisamente pela mesma razão (a punição não pode ser
seletiva e atingir apenas os consumidores dos concorrentes).
49
Há pouca literatura que mostra que, se a cláusula de CNMF for adotada, as empresas estabelecerão preços
e lucros mais elevados. Veja, por exemplo, Cooper (1986); Holt e Scheffman (1987) e Schnitzer (1994).
Mas esses são modelos em que as empresas participam de um jogo com horizonte finito, e a colusão, tal
como definimos, não surgiria. Em outras palavras, não conhecemos um modelo em que a CNMF seja
encontrada e aumente a sustentabilidade de colusão em jogos de horizonte infinito.
50
Uma cláusula atenda-ou-libere dá ao vendedor a possibilidade de equiparar seu preço ou liberar o cliente
do contrato.
51
Veja Salop (1986: 283-4); especialmente, Crocker e Lyon (1994).
compradores concorrentes obterão o mesmo insumo a preços mais baixos. Para a cláusula
cobertura da oferta do concorrente, da possibilidade de que uma redução de preço seja
oferecida por outros vendedores (embora, como apontado antes, a própria existência da
cláusula pode incentivar outros vendedores a não oferecer preços menores!). Em segundo
lugar, se a procura por informações sobre preços for um processo custoso, essas cláusulas
devem acelerar a compra, uma vez que asseguram que o comprador mais adiantado não
perca ofertas melhores. Em terceiro lugar, essas cláusulas introduzem alguma
flexibilidade de preços em contratos de longo prazo ao assegurar que choques que afetem
opções externas sejam internalizados nos contratos.
Essa história foi formalizada por Jullien e Rey (2001). Nesse trabalho, os
fabricantes podem vender apenas por revendedores locais, e existem choques locais em
custos de varejo e demanda. Só o varejista observa o choque local de demanda para o
produto que vende ou no custo de distribuição. Se o varejista fosse livre para escolher o
preço do produto final, ele seria mais flexível e refletiria o choque. A FPV, portanto, seria
52
Resale Price Maintenance (RPM).
53
Mathewson e Winter (1998: 65).
menos eficiente, pois não permitiria ajustes às condições locais. No entanto, a FPV
implica que os preços são uniformemente estabelecidos pelos fabricantes, o que permite
a eles melhor identificar desvios com relação à ação colusiva, como a citação sugere.
Jullien e Rey mostram que sempre que os fabricantes consideram ótimo adotar a FPV, o
cartel pode ser sustentado, e o resultado será prejudicial em termos de bem-estar.
54
Embora o apreçamento por entrega e o apreçamento por ponto de base sejam considerados procedimentos
facilitadores de cartéis, não parece haver ainda modelos que mostrem rigorosamente esses efeitos pró-
colusivos em um contexto de superjogos. Veja, de todo modo, Thisse e Vives (1992: 257-8) para algumas
considerações sobre essa questão.
na seção 4.3 quando focarmos o tratamento jurídico dos cartéis. Em segundo lugar, em
um caso de fusão que levante dúvidas sobre efeitos coordenados (dominância conjunta),
é importante avaliar corretamente o papel desempenhado por cada uma das variáveis na
determinação da probabilidade futura de cartel naquela indústria. A análise com
frequência será muito complexa. À parte os casos nos quais todos os fatores apontam na
mesma direção, deve-se esperar que sua análise deixe algum espaço para o juízo de
discernimento, da mesma forma que é difícil chegar a uma conclusão sobre como esses
fatores irão interagir e se a colusão terá ou não ocorrência plausível a partir de uma
fusão.55
Nesta seção, lidamos primeiro com os padrões de prova para cartéis (seção 4.3.1),
depois com as medidas possíveis para deter colusões (seção 4.3.2) e, finalmente, com as
medidas para romper cartéis em andamento (seção 4.3.3).
55
Veja também a seção sobre dominância conjunta, no Capítulo 5.
se são superiores a níveis de referência acima dos quais devem ser considerados
colusivos.
No entanto, na prática, seria muito difícil olhar para resultados de mercado para
decidir se houve infração à legislação antitruste, por vários motivos.56 Em primeiro lugar,
em muitas circunstâncias, os dados de preço podem não estar disponíveis e, quando estão,
podem se referir a listas de preços, não a preços efetivamente praticados (em muitas
indústrias, os preços efetivos são negociados entre compradores e vendedores; em outras,
podem diferir de preços de lista por conta de descontos, que, por sua vez, também podem
diferir a depender dos clientes).
Em terceiro lugar, suponha que exista um acordo sobre qual deva ser o preço de
monopólio em uma indústria: quão próximos do preço de monopólio teórico devem estar
os preços de venda para que sejam julgados “muito altos” e, portanto, colusivos?
Em vez de olhar para o nível de preços em uma indústria, deve-se tentar inferir a
existência de colusão (como infração à lei), analisando a evolução dos preços do setor ao
longo do tempo. Autoridades antitruste e tribunais algumas vezes se viram tentados a
inferir a existência de comportamento colusivo (ilegal) pelo fato de que os vendedores
cobram preços similares ao longo do tempo, o chamado “paralelismo de preços” (ou
56
É claro que olhar para resultados de mercado é importante, na medida em que ajuda a identificar os
setores nos quais possa ocorrer colusão e que, portanto, devem ser sujeitos à investigação mais aprofundada.
Além disso, já percebemos que um resultado colusivo pode ser atingido sem que
as empresas entrem em acordo ou se comuniquem para coordenar seus comportamentos.
Suponha, por exemplo, que – mesmo sem choques comuns de demanda ou preços de
insumos – um dia, um vendedor aumente seus preços em 10%, e que, no dia seguinte, um
concorrente faça o mesmo. Esse paralelismo de preços é evidência suficiente para
condenar as companhias? Certamente não. É claro que seria possível que as duas
empresas tivessem conversado e concordado previamente em alterar os preços. Mas
também é possível que tenham tomado a decisão sem qualquer comunicação. A primeira
empresa pode ter aumentado os preços na expectativa de que a concorrente fizesse o
mesmo, e esta pode ter decidido acompanhar, seja por se satisfazer em elevar seus preços,
seja na expectativa de que, não o fazendo, pudesse disparar uma guerra de preços que
viria a reduzir lucros. Na ausência de provas concretas, as autoridades terão de demonstrar
a infração da lei inferindo as intenções e motivações das companhias.
Adiante, narraremos o caso Cartel da Ponte Aérea, julgado pelo CADE, em que
os temas de paralelismo, coordenação, liderança e padrão de provas foram levantados.
57
Veja Scherer e Ross (1990: 339-46) para uma discussão da doutrina do paralelismo consciente e sua
evolução nos Estados Unidos.
palavras, se não houver prova de que elas acordaram em torno de uma prática em
particular, o mero fato de que tenham seguido uma prática não pode ser considerada prova
de cartel. Por exemplo, na decisão Celulose, a Comissão Europeia viu uma prática
facilitadora no fato de que os fabricantes de celulose anunciaram alterações de preços
com a mesma antecedência. Com o movimento paralelo de preços, isso foi entendido
como uma evidência de colusão. No entanto, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que
os vendedores de celulose introduziram essa prática a pedido dos clientes, que queriam
mais transparência com relação aos preços e também desejavam ser informados a tempo
sobre mudanças dos preços dos insumos, de modo a se programarem para isso.
Consequentemente, a decisão da Comissão Europeia foi revista no Tribunal.58
58
De forma similar, no caso Ethyl, nos Estados Unidos, uma Corte de Apelação decidiu que as práticas de
preços adotadas pela Ethyl foram introduzidas quando ainda era monopolista, e que as outras empresas as
adotaram depois, independentemente. Veja Scherer e Ross (1990: 345).
A lição desses trabalhos é que, mesmo que se pense que o cartel possa ser provado
tão somente com base em dados de mercado, e se houver dados bons e confiáveis, técnicas
econométricas nem sempre proveem respostas não ambíguas para a existência de preços
colusivos em determinada indústria. Talvez, no futuro, haja maior consenso sobre como
projetar e especificar exercícios econométricos desse tipo, mas, por enquanto, a
econometria mais provavelmente fornece evidência complementar que provas
conclusivas sobre colusão.
Por todas essas razões, inferir comportamento colusivo ilegal – isto é, a ocorrência
dos incisos I e/ou II § 3o do art. 36 da Lei 12.529/2011, o equivalente à conspiração nos
Estados Unidos e infração ao artigo 101 (antigo 81) na legislação da União Europeia – a
partir de dados de mercado (o que quer dizer, apenas com base em resultados), não é
desejável, e a abordagem legal que requer provas concretas como evidência de colusão é
uma prática sensata. Empresas deveriam ser condenadas por conduta anticompetitiva
apenas se houvesse prova de que se comunicaram para sustentar uma colusão. Tal
comunicação pode assumir várias formas: as mais óbvias são minutas de reunião, e-mails,
memorandos, notas em agendas e outros registros escritos (ou gravados) concernentes a
acordos sobre preços e quantidades. Essas ainda são as provas mais factíveis de cartel.
Mas as empresas podem também sustentar cartéis sem discussão aberta sobre preços e
quantidades, coordenando-se para estabelecer um ambiente que facilite a colusão: podem
decidir trocar informações detalhadas sobre preços e quantidades por meio da associação
comercial ou organizar um fórum no qual anunciem futuros preços, ou, ainda, concordar
59
Na mesma linha e usando os mesmos dados do cartel de ferrovias, Porter (1995) e Vasconcelos (2001a)
encontram impactos diferentes da entrada sob colusão.
com um esquema de fixação de preços no varejo ou outra prática que torne seus preços
mais uniformes ou transparentes. Em todas essas situações, se houver evidências de que
não agiram unilateralmente, elas devem ser consideradas culpadas por colusão.60
Muita leniência com as empresas? Essa abordagem pode ser considerada muito
generosa. Afinal, como já explicado, as empresas podem ser capazes de sustentar preços
elevados mesmo sem se comunicar. Assim, por que agiriam de modo a deixar evidências
concretas? E se elas não precisam se comunicar, há alguma esperança de punir (e deter)
preços supercompetitivos?
Duas considerações devem ser feitas. Primeiro, é verdade que a colusão tácita
pode ser sustentada pelas companhias. No entanto, também vimos que há muitas boas
razões pelas quais elas gostariam de se comunicar e/ou coordenar ações. Elas podem
querer evitar experiências desnecessárias e custosas com o mercado e escolher, em vez
disso, o melhor preço (para elas) ou criar práticas facilitadoras e, em âmbito mais geral,
um ambiente que aumente a visibilidade de suas ações, de forma a favorecer a colusão.
Isso fará as empresas tentarem se comunicar para coordenar ações, deixando, por conta
disso, vestígios de evidência concreta. As empresas sabem já há bastante tempo que serão
condenadas se houver qualquer prova escrita sobre sua coordenação, e, apesar disso, as
autoridades antitruste não deixam de descobrir tais evidências em casos de cartel.61
Em segundo lugar, não há alternativa para essa abordagem. Qualquer outra regra
– como inferência a partir de dados de mercado – não baseada em elementos observáveis
não seria executável facilmente em tribunais. Seria também prejudicial para a segurança
60
Se as empresas agiram unilateralmente ou com base no hábito, mas a investigação determina que as
práticas em questão podem favorecer a colusão e não geram qualquer ganho de eficiência, as autoridades
podem não apená-las, mas impor a cessação de tais práticas.
61
Chama atenção a presença desse tipo de prova em todos os cartéis internacionais condenados nos Estados
Unidos, na União Europeia e no Brasil, como o das Lisinas, das Vitaminas, dos Eletrodos de Grafite e das
Cargas Aéreas.
jurídica, na medida em que as empresas não saberiam quando suas políticas de preço
seriam aceitas ou multadas. Ao mesmo tempo, as autoridades de concorrência teriam de
decidir caso a caso, em vez de seguir uma regra clara.
Ainda assim, pode parecer que essa abordagem não faz muito para deter e punir
cartéis. O que mais pode ser feito então? Há dois tipos de intervenção da política de
concorrência que podem auxiliar a deter a colusão explícita e tácita ou quebrar a colusão
explícita (isto é, cartéis). Vamos dividi-las em medidas ex ante e ex post.
62
Sobre Penalidades, veja o que diz a Lei 12.529/2011: “Art. 37. A prática de infração da ordem econômica
sujeita os responsáveis às seguintes penas:
I – No caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do
faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no último exercício anterior à instauração
do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será
inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.
II – No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer
associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou
sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério
do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$2.000.000.000,00
(dois bilhões de reais).
III – No caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando
comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à
empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos
previstos no inciso II do caput deste artigo.
§ 1º Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.
§ 2º No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o CADE poderá considerar
o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no
ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo CADE, ou quando este for
apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.
Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos
ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:
I – A publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da
decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas.
II – A proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto
aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração
pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração
indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos.
III – A inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40
sua vez, isso levanta a questão, até aqui pouco estudada, sobre como as autoridades
antitruste devem conceber suas políticas e organizar suas investigações de modo a deter
eficientemente colusões.64
Lista negra de práticas facilitadoras. Uma vez que a colusão é facilitada por certas
práticas, as autoridades de concorrências precisam identificar práticas de negócio que
devem ser proibidas e outras que podem ser toleradas em casos específicos. Algumas
deveriam, portanto, constar de uma lista negra e serem per se proibidas; outras, analisadas
sob a regra da razoabilidade. Tais práticas deveriam incluir anúncios sobre preços e
quantidades futuros; trocas de informação desagregada sobre preços e quantidades de
produção individuais; qualquer coordenação entre empresas, com o objetivo de
harmonizar práticas de negócios que elevem a observabilidade de preços entre os
vendedores (sem aumentar a transparência para os compradores), como fixação de preços
de revenda; apreçamento por ponto de base e cláusulas de melhor preço. Participações
minoritárias entre os competidores também aparecem como práticas pró-colusivas, que
só devem ser autorizadas se os efeitos pró-eficiência puderem ser demonstrados.
64
Por exemplo, pode fazer sentido tolerar preços percebidos acima de alguma referência competitiva,
porém não muito, mas intervir assim que os preços estiverem acima de determinado limiar, como
argumentado por Besanko e Spulber (1989). Veja também a seção 4.3.3. sobre como as autoridades devem
usar otimamente seus recursos limitados. A questão de como empresas em colusão alteram sua conduta na
presença de uma autoridade antitruste foi analisada em LaCasse (1995).
De maneira mais geral, a colusão em leilões pode se tornar mais difícil com a
concepção apropriada. Considere os cartéis do leite escolar na Flórida e no Texas,
estudados por Pesendorfer (2000, especialmente p. 389). O mercado era caracterizado por
vários pequenos contratos (em média, 239 por ano na Flórida e 136 em Dallas), o que
permitia aos cartéis repartir melhor o espólio. Os Conselhos de Educação em cada distrito
escolar decidiam independentemente cada contrato, em diferentes datas. Também
publicavam os lances e as identidades dos participantes, o que possibilitava que todos os
participantes não só tivessem imediata ciência de eventuais desvios do acordo colusivo,
mas também punissem desvios no leilão seguinte. Uma estratégia de licitação alternativa
poderia ter ajudado. Por exemplo, os distritos escolares poderiam agir como um único
comprador (lembre-se de que grandes pedidos quebram a colusão) ou marcar os leilões
para o mesmo dia, ou, ainda, não revelar informações sobre os lances ou sobre os
participantes).
65
Esse é o chamado leilão inglês-holandês. Veja Klemperer (2002) para detalhes e discussão. O mercado
de geração britânico é também um caso no qual a concepção de leilões é relevante. Antes da reforma de
2001, havia um leilão de preço uniforme (lance selado), em que os participantes submetiam um lance que
estabelecia as diferentes quantidades que se dispunham a oferecer a determinado preço. Todos os geradores,
então, pagariam o preço estabelecido no lance mais alto. Fabra (2001a) mostra formalmente que esse tipo
de leilão tem um potencial colusivo maior que um leilão no qual o gerador é pago de acordo com seu próprio
lance.
66
Esquemas similares são utilizados rotineiramente em outros campos além do antitruste, como em
legislação fiscal, e ambiental. Na Itália, as chamadas “leis vira-casaca” (legi sui pentiti) foram utilizadas
com sucesso para lidar com o crime organizado tal como a máfia e organizações terroristas, como as
Brigadas Vermelhas. É claro, há questões éticas envolvidas por conta da punição ser abandonada em troca
da detenção de futuros crimes: criminosos podem ser deixados livres (e às vezes mesmo recompensados)
em troca de informações que levem à prisão de outros criminosos.
67
Uma novidade adicional é que todos os funcionários, diretores e empregados que cooperem são
protegidos contra processo criminal.
68
Uma redução de pena é concedida a empresas que não atinjam as condições anteriores, mas que provejam
evidências que tenham relativo valor adicionado à investigação.
69
Pela Lei 10.149, de 21/12/2000 (altera e acrescenta dispositivos à Lei 8.884, de 11/05/1994).
70
Veja também Spagnolo (2000) e Rey (2000).
os custos esperados, a probabilidade µ de ser apanhada vezes a multa 𝐹 que espera pagar
nesse caso. Se, depois de ter decidido tomar parte do cartel, surgir a oportunidade de a
empresa reportar (ou seja, se um programa de leniência torna-se disponível), mas o custo
esperado µ𝐹 não muda, não existe razão para que o reporte do cartel. Se o benefício da
colusão permanece mais elevado que o custo esperado e nada muda na informação
disponível, então a empresa continua na colusão, mesmo que uma multa mais baixa esteja
disponível no caso da comunicação.71
71
A política de leniência só tem algum efeito se novos administradores com diferentes percepções de risco
de serem apanhados tiverem assumido o comando da empresa nesse meio-tempo.
4.4.1 – Joint-Ventures
À parte o caso extremo em que JVs não são mais que um cartel (o que ocorre
quando parceiros entram em acordo sobre algumas decisões, mas não desenvolvem
qualquer atividade em conjunto),73 a análise econômica dos efeitos das joint-ventures não
72
A priori é difícil dizer se uma joint-venture deve ser considerada um acordo horizontal ou uma fusão de
acordo com a legislação. No Brasil a lei a trata como um ato de concentração específico e, como tal, deve
ser submetido à aprovação prévia, a depender das condições do mercado e da dimensão dos agentes, nos
termos da lei.
73
Veja Correia (1998: 738-9) e Werden (1998: 714).
é diferente de fusões (ver o Capítulo 5). Em ambos os casos, deve haver um trade-off
entre poder de mercado e eficiência. Uma operação em que dois competidores decidem
delegar suas atividades de marketing e vendas a uma entidade de propriedade conjunta
pode ter efeitos anticompetitivos, porque a joint-venture terá maior poder de mercado do
que se seus proprietários operassem independentemente. Contudo, também pode haver
efeitos pró-competitivos se a coordenação de atividades por meio da joint-venture
permitir racionalizar esforços de distribuição e marketing. O impacto líquido da operação
pode ser avaliado apenas após analisadas a indústria (para se ver se há escopo para o
exercício de poder de mercado) e a probabilidade de ganhos de eficiência da joint-venture.
Como no caso de fusões, um bom dispositivo de filtragem é olhar para o poder de mercado
inicial dos parceiros: se tiverem apenas pequena participação de mercado, haverá pouca
razão para uma detalhada análise da operação, e a joint-venture deverá ser aprovada sem
maiores empecilhos.
74
Veja também Werden (1998: 723-5).
de seus esforços de P&D, o que, por outro lado, diminui os incentivos para que invistam
em P&D. Na verdade, existem várias formas de proteção de direitos de propriedade
intelectual (patentes, direitos autorais, legislação de segredo comercial) mas, com
frequência, incompletas.
P&D também não é um fator de concorrência, no sentido de que pode ser usado
por outras partes sem que seu valor seja diminuído. O conhecimento pode ser custoso
para ser desenvolvido no primeiro momento, mas, uma vez existente, sua difusão não
modifica sua natureza. Nesse sentido, ex post, pode-se querer dispersar o P&D tanto
quanto possível na sociedade.
Como resultado desses dois aspectos, o mercado por si só provavelmente não deve
gerar o nível socialmente ótimo de pesquisa. Joint-ventures de pesquisa podem ajudar a
lidar com esse problema e gerar o nível adequado de P&D. Se as empresas colaborarem
com pesquisa, vão compartilhar os custos de P&D, aumentando, dessa forma, os
incentivos para investir; terão também acesso imediato aos resultados de P&D e, assim,
aumentarão a difusão; finalmente, elas podem coordenar seus esforços, evitando a
duplicação de investimentos.
75
Veja, por exemplo, d’Aspremont e Jacquemin (1988).
76
Um efeito similar resultaria de uma regra que estabelecesse que o custo de financiar uma joint-venture
recaísse sobre as partes, de acordo com sua produção ex post (isto é, a produção que vende e que incorpora
o resultado da joint-venture). Em vez disso, financiar a joint-venture com base nas participações de mercado
ex ante não distorceria os incentivos para competir ex post.
77
Em algumas circunstâncias, podem exceder 30% (Artigos 4 e 6).
78
A esse respeito, veja a discussão no Capítulo 5.
79
Veja Eswaran (1994) para um jogo repetido em que o licenciamento cruzado facilita a colusão.
Um raciocínio similar se aplica ao pool de patentes, que pode ser uma empresa ou
outra organização que detenha os direitos de patente de duas ou mais empresas e os
licencia para terceiros como um pacote. Aqui, também, se as patentes forem insumos
essenciais ao processo tecnológico, sua disponibilidade em um pacote será altamente
desejável; como são complementares, tê-las agrupadas baixará os royalties.80
80
É claro que nem todos os pools de patentes agrupam necessariamente apenas patentes complementares.
No caso VISX/Summit, os dois líderes em laser para cirurgia oftalmológica formaram um pool de patentes,
e a FTC questionou o acordo por envolver patentes concorrentes e não complementares (SHAPIRO, 2000).
Um padrão comum implica também concorrência mais intensa, uma vez que os
consumidores se defrontam com maiores escolhas dentro do mesmo padrão (embora
menos entre padrões). Por outro lado, se os padrões fossem diferentes, os consumidores
tenderiam a ficar bloqueados em determinado padrão de produto, e a concorrência seria
reduzida.
81
Ver Dranove e Gandal (2000) para um interessante relato sobre a guerra de padrões entre DVD e DVXX.
82
No entanto, também é verdade que algumas negociações para estabelecer o padrão cooperativamente
podem ser muito lentas. Um caso em questão é o padrão para a Televisão de Alta Definição Digital, que
levou 10 anos para ser estabelecida, atrasando consideravelmente a decolagem do mercado da televisão
digital.
O caso envolveu um suposto acordo ocorrido em 1996 para aumento dos preços
de aço plano por parte dos três produtores nacionais: Usiminas, CSN e Cosipa.84 As
suspeitas de existência de um cartel surgiram quando representantes do IBS (Instituto
Brasileiro de Siderurgia) procuraram a Secretaria de Acompanhamento Econômico do
Ministério da Fazenda (Seae), estrutura que substituíra a que anteriormente coordenava o
sistema de controle de preços industriais no Brasil,85 para informar com antecipação o
aumento de preços estabelecido pelo setor para uma data futura. O Instituto foi advertido
pela Seae da ilegalidade da conduta. A despeito disso, as três empresas aumentaram seus
preços, em datas próximas e com diferenças percentuais sutis (menos de 0,5 ponto
percentual) alguns dias depois. Os aumentos foram muito próximos ao percentual
apresentado pelo IBS na reunião. Cabe mencionar que a iniciativa do IBS poderia ser
entendida como um hábito difícil de superar. Por anos – até 1992 –, os preços dos diversos
tipos de aço foram controlados, e os interlocutores do governo eram justamente os
83
Esta narrativa baseia-se em Salgado (2003).
84
O mercado é mais concentrado do que um índice C3 indicaria, posto que CSN e Usiminas são interligadas
por participações cruzadas, que giram em torno de 50%.
85
De 1968 a 1990, os preços industriais no Brasil foram submetidos a controle, do tipo “cost-plus”. Era
usual serem concedidos reajustes para setores, sendo calculados como média ponderada da variação de
custos de cada empresa no segmento por sua participação no setor. Tal cálculo não representava exatamente
um segredo para as participantes de cada segmento. A noção de que cada empresa deveria fazer seu preço
individualmente sem o conhecimento do das concorrentes parecia estranha nesse ambiente administrado
pelo Estado. Paulatinamente, com o fortalecimento nos anos 1990 das regras de mercado no Brasil, esse
sistema burocrático que perdurou por mais de duas décadas foi desmantelado, mas os danos causados,
sobretudo à cultura empresarial, são difíceis de avaliar e certamente não foram eliminados da noite para o
dia. A esse respeito, ver Salgado (1993 e 1997).
Não obstante não tivessem sido produzidas evidências diretas sobre a infração –
não houve evidências de comunicação entre as empresas para a discussão sobre o reajuste
de preços –, as empresas CSN, Usiminas e Cosipa foram condenadas pelo CADE com
base na doutrina do paralelismo plus por conduta concertada em função da ocorrência da
reunião dos representantes do IBS.
O CADE entendeu que um conjunto de provas indiretas foi suficiente para formar
seu juízo. As provas eram a realização de uma reunião entre executivos das três empresas,
ocorrida dias antes dos aumentos, a intenção verbalizada pelo instituto representante das
empresas de reajuste uniforme e a ausência de evidências de que as decisões foram
tomadas de forma independente pelas empresas. As companhias foram condenadas a
pagar R$51 milhões pela prática de cartel86 e mais R$5 milhões pelas informações
enganosas.87 A decisão foi confirmada em primeira instância no Judiciário.88
Note que, mais do que a conduta do IBS, parece que o elemento definitivo de
prova indireta parece ter sido uma reunião entre executivos das três empresas alguns dias
antes do aumento de preços em datas e percentuais muito próximos. Se a conduta do IBS
poderia encontrar alguma lógica em resquícios do passado, a ocorrência da reunião não
encontra justificativa lógica, o que já sabemos desde Adam Smith.89
86
Com base no art. 20, inciso I e no art. 21, incisos I e II da Lei 8.884/94, o equivalente a 1% do faturamento
bruto relativo ao exercício do ilícito.
87
Valores correntes de 1999 e nos termos do art. 36 da lei.
88
Como grande parte das condenações do CADE levadas à apelação pelas partes inconformadas, esta
decisão ainda não transitou em julgado.
89
“Quando pessoas do mesmo ramo de negócios se reúnem, mesmo que para se divertir, a conversa quase
sempre termina em uma conspiração contra o público ou em algum artifício para elevar preços.” (A riqueza
das nações, de Adam Smith.)
No primeiro voto vista, pela condenação por cartel, foi dada ênfase ao papel
coordenador de informações do sistema de reservas de bilhetes ATPCO (Airline Tariff
Publishing Company), além da ocorrência da reunião entre os executivos (paralelismo
plus). O Conselho seguiu dividido, com os membros de formação em Direito seguindo o
voto vista, e a presidente, de formação econômica, seguindo o relator. Em seu voto, ela
destacou que a liderança de preços seria a melhor estratégia para descrever o
comportamento do setor e conferiu importância também ao sistema ATPCO, por
aumentar a transparência das estratégias de preço, reduzir o custo das informações e
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59
aumentar a velocidade de resposta à empresa líder. Concluiu não haver prova suficiente
de colusão entre as representadas, decorrente da reunião ocorrida entre os executivos e
que as evidências de comportamento de preços não permitiriam rejeitar a hipótese de
liderança de preço (interdependência estratégica não cooperativa) entre concorrentes.
Esta seção tem como objetivo formalizar o modelo básico de colusão, com base
nas chamadas RIs (Restrições de Incentivo), e analisar os fatores que facilitam o conluio,
a partir do modelo-padrão dos livros-texto de organização industrial.
Observe que o fator de desconto pode ser expresso como 𝛿 = 1/(1 + 𝑟), onde 𝑟
é a taxa de juros entre dois períodos e, portanto, o valor atual de R$1 que alguém receba
no período seguinte. Assim, 𝛿 → 0 quando 𝑟 → ∞: R$1 ganho no futuro não vale nada
hoje (as pessoas são demasiado impacientes e não atribuem qualquer valor para ganhos
futuros). Em outro extremo, 𝛿 → 1 quando 𝑟 = 0: R$1 ganho em qualquer período no
futuro tem o mesmo valor de R$1 ganho hoje (as pessoas são extremamente pacientes e
atribuem mesmo valor aos ganhos presentes e futuros).
𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑐
𝛿≥ ≡ 𝛿̄𝑖 𝑖 = 1, … , 𝑛. (4.3)
𝑉𝑖𝑐 − 𝑉𝑖 𝑝
Esta é a expressão na qual a condição para a sustentabilidade da colusão é mais
comumente apresentada. O conluio em equilíbrio surge somente se o fator de desconto
for grande o suficiente, ou seja, maior que determinado “fator crítico de desconto” 𝛿. O
acordo de conluio somente será sustentado se as empresas forem pacientes o suficiente.
Isto é intuitivo: se o fator de desconto for muito baixo, as empresas não darão importância
ao que acontecerá no futuro e vão preferir trapacear, de modo a colher todos os benefícios
hoje. O conluio, nesse caso, não acontece.
𝜋(𝑝𝑚 )
(1 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝𝑚 ). (4.4)
𝑛
O lado esquerdo da expressão fornece o ganho total que uma empresa recebe em caso de
comportamento colusivo (ou seja, se seguir a estratégia de gatilho quando todas as demais
o fazem). Em cada período, e para todos eles, a empresa recebe sua parte, 1/𝑛 do lucro
agregado de monopólio. Os lucros obtidos em 𝑡 são descontados por um fator 𝛿 𝑡 . O lado
direito da expressão fornece o lucro sob desvio ótimo. Se uma empresa decide trapacear
quando as demais decidem pelo conluio, o maior ganho é obtido reduzindo-se
ligeiramente 𝑝𝑚 . Estabelecendo 𝑝𝑚 − 𝜀, todos os consumidores irão comprar da
desviante, que lucrará com isso: 𝜋(𝑝𝑚 − 𝜀). Quando 𝜀 for suficientemente pequeno, a
empresa lucrará bem próximo a 𝜋(𝑝𝑚 ) no período do desvio. No período seguinte, no
entanto, a punição ocorrerá com todas as empresas, revertendo para sempre para o
equilíbrio de Nash. Dessa forma, a desviante (assim como as outras) terá lucro igual a
zero em todos os períodos do jogo.
Note que ∑∞ 𝑡
𝑡=0 𝛿 = 1/(1 − 𝛿). Assim sendo, a restrição de incentivo exposta
1
𝛿 ≥ 1− . (4.5)
𝑛
Quando 𝑛 = 2, tem-se o caso clássico de duopólio dos livros-texto: a colusão é
sustentável desde que 𝛿 ≥ 1/2; quando 𝑛 → ∞, a colusão é impossível, já que um fator
de desconto maior seria necessário para manter a restrição de incentivo, ao passo que 𝛿 ∈
(0, 1).
𝜋(𝑝𝑚 )
(𝑘 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝑘𝜋(𝑝𝑚 ). (4.6)
𝑛
Isso pode ser reescrito como 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)𝑘/[1 + (𝑛 − 1)𝑘]. As RIs serão mais
vinculantes conforme o 𝑘 for maior, já que k aumenta o lado direito da equação mais que
o esquerdo. No limite, para 𝑘 → ∞ não haveria valor do fator de desconto que satisfizesse
à condição para colusão.
𝜋(𝑝𝑚 )
(1 + 𝛿𝜃 + 𝛿 2 𝜃 2 + 𝛿 3 𝜃 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝𝑚 ), (4.7)
𝑛
ou 𝛿 ≥ (1/𝜃)(1 − 1/𝑛). Cabe fazer uma distinção a seguir entre dois casos.
𝑠𝑖 (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 )
− (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 ) ≥ 0, (4.8)
1−𝛿
onde 𝑠1 = 𝜆 e 𝑠2 = 1 − 𝜆 são as parcelas de mercado das Empresas 1 e 2,
respectivamente. As restrições de incentivo das duas no Mercado A são dadas por 𝐼𝐶1𝐴 ∶
𝜆/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0 e 𝐼𝐶2𝐴 ∶ (1 − 𝜆)/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0. A primeira pode ser simplificada
por 𝛿 ≥ 1 − 𝜆, e a última, por 𝛿 ≥ 𝜆. A restrição obrigatória de colusão no Mercado A é
𝛿 ≥ 𝜆, a da empresa pequena.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
66
𝑗
𝑠𝑖 (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 )
− (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 ) ≥ 0, (4.9)
1−𝛿
𝑗
onde 𝑠𝑖 é a participação de mercado da Empresa i = 1,2 no mercado 𝑗 = 𝐴, 𝐵. Já
verificamos que as RIs no mercado A são dadas por 𝐼𝐶1𝐴 ∶ 𝛿 ≥ 1 − 𝜆 e 𝐼𝐶2𝐴 ∶ 𝛿 ≥ 𝜆. No
Mercado B, as duas RIs são 𝐼𝐶1𝐵 : (1 − 𝜆)/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0 e 𝐼𝐶2𝐵 : 𝜆/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0,
reduzindo para 𝛿 ≥ 𝜆 e 𝛿 ≥ 1 − 𝜆. A Empresa 1 é a menor no Mercado B, de modo que
sua condição inicial, 𝛿 ≥ 𝜆, é a vinculante.
Até agora, presumimos que cada empresa decide acerca do conluio em cada
mercado em que atua de forma separada. Todavia, esse pressuposto não está correto: cada
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
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proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
67
Empresa i = 1,2 vende nos dois mercados e irá, portanto, considerar os dois na tomada de
decisão (lembre-se de que a empresa desviará nos dois mercados, caso decida pelo desvio,
uma vez que a colusão estará quebrada nos dois mercados). As RIs são:
𝜋(𝑝)
(1 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝). (4.11)
𝑛
Esse cenário não é totalmente satisfatório, uma vez que uma série de resultados é
possível, e, a priori, não se pode dizer quais são os mais prováveis. Estudos adicionais
podem explorar se alguns equilíbrios específicos são mais propensos a serem
selecionados. Para tanto, são necessárias análises mais teóricas sobre refinamentos de
equilíbrio em superjogos e também evidência experimental que ajude a entender como os
agentes no mundo real estão coordenando em certos equilíbrios em detrimento de outros.
A seção “Quanto mais observáveis as ações das empresas, mais fácil a organização dos
cartéis”, do livro, apresenta uma discussão sobre as implicações práticas dessa
multiplicidade de equilíbrios.
Uma questão fundamental para conluios tácitos e explícitos não explorada até
agora é a credibilidade das punições, uma vez que o desvio ocorra. Caso as empresas não
estivessem dispostas a levar a cabo a punição, ou seja, entrar em uma fase de preços
baixos, a ameaça de punição não existiria, e o conluio não se sustentaria. Formalmente,
isso implica que outras restrições de incentivo devem se manter válidas para que o conluio
seja sustentável. Ou seja, a empresa prefere encarar a punição (retaliar) que desviar (não
retaliar).
nunca estaria disposta a participar de uma punição com valor presente descontado dos
lucros negativo, pois seria mais vantajoso não produzir nada para sempre). A seção a
seguir apresenta um modelo simples com punições simétricas em dois estágios e mostra
como elas podem aperfeiçoar as estratégias de gatilho reversas de Nash.
(1 + 𝑛)2
𝛿≥ ≡ 𝛿 𝑐𝑛 . (4.12)
1 + 6𝑛 + 𝑛2
Estratégias de punição ótimas. Sob as estratégias de gatilho com reversão à Nash
apresentadas, as empresas realizam lucros positivos ao longo do caminho de punição
𝑉 𝑝 = 𝛿𝜋 𝑐𝑛 /(1 − 𝛿) > 0. Abreu (1986) destaca que, fortalecendo a punição, ou seja,
reduzindo o valor presente descontado dos lucros realizados após o desvio, 𝑉𝑝 , a colusão
pode ser alcançada sob condições mais amenas no fator de desconto. O autor tem como
foco estratégias em dois estágios e mostra as condições sob as quais existe uma punição
simétrica ótima na qual cada empresa produz a mesma quantidade 𝑞 𝑝 e lucro negativo 𝜋 𝑝
no período seguinte ao desvio, para, então, reverter para a quantidade de colusão no
período seguinte: 𝑉 𝑝 (𝑞 𝑝 ) = 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿). A punição é ótima, pois a
quantidade 𝑞 𝑝 é escolhida de tal forma que 𝑉 𝑝 = 0, a pior punição que as empresas
podem aplicar.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
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É claro que a punição precisa ser crível, isto é, as empresas não deveriam ter
incentivos para desviar do caminho da punição. Considerando 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ), o lucro obtido
ao desviar do caminho da punição (a melhor resposta para um jogo de uma rodada quando
todas as outras empresas estabelecem quantidade 𝑞 𝑝 ) deve ser 𝑉 𝑝 (𝑞 𝑝 ) ≥ 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) +
𝛿𝑉 𝑝 (𝑞 𝑝 ) ou 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿) ≥ 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿(𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿)).
(Observe que, depois do desvio, a punição seria reiniciada.)
𝜋𝑑 − 𝜋𝑚
𝛿≥ ≡ 𝛿 𝑐 (𝑞 𝑝 ) (RI do conluio) (4.13)
𝜋 𝑚 − 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 )
𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) − 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 )
𝛿≥ ≡ 𝛿 𝑝 (𝑞 𝑝 ) (RI da punição). (4.14)
𝜋 𝑚 − 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 )
Em primeiro lugar, é importante notar que as duas RIs dependem da severidade
das punições. Quanto mais severa a punição (quanto maior 𝑞 𝑝 e menor 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) após o
desvio), maior a probabilidade de que as RIs para o conluio sejam satisfeitas
𝜕𝛿 𝑐 (𝑞 𝑝 )/𝜕𝑞 𝑝 < 0. Contudo, uma punição mais severa também restringe as RIs ao longo
do caminho da punição: ceteris paribus, a punição é sustentável somente para elevados
fatores de desconto. Com efeito, quanto maior 𝑞 𝑝 , menor 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ); além disso, pode-se
verificar que, quanto maior 𝑞 𝑝 , menor 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) (estamos lidando aqui com substitutos
estratégicos: quanto maior o resultado agregado produzido por (n – 1) concorrentes,
menores as quantidades que a n-ésima empresa produzirá como melhor resposta):
𝜕𝛿 𝑝 (𝑞 𝑝 )/𝜕𝑞 𝑝 > 0.
1−𝑐 1
(1 − 𝑛𝑞 𝑝 − 𝑐)𝑞 𝑝 , para < 𝑞𝑝 <
𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) = { 𝑛+1 𝑛 (4.15)
𝑝
1
−𝑐𝑞 , para 𝑞𝑝 ≥ .
𝑛
Observe que estamos focando 𝑞 𝑝 > (1 − 𝑐)/(𝑛 + 1), o resultado de Cournot–
Nash; além disso, a função de lucro da punição muda quando 𝑞 ≥ 1/𝑛, porque o preço
de mercado iguala a zero (supondo que p não seja negativo).
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1−𝑐 1−𝑐
(1 − (𝑛 − 1)𝑞 𝑝 − 𝑐)2 /4, para < 𝑞𝑝 <
𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) = { 𝑛+1 𝑛−1 (4.16)
1 − 𝑐
0, para 𝑞𝑝 ≥ .
𝑛−1
É importante notar que 𝜋𝑑𝑝 = 0, se a empresa não conseguir lucros positivos
mesmo reduzindo sua produção unilateralmente, dado que as demais empresas
estabeleceram produção igual a 𝑞 𝑝 . Nesse cenário, isso se traduz na condição 𝑝 = 1 −
(𝑛 − 1)𝑞 𝑝 ≤ 𝑐, ou 𝑞 𝑝 ≥ (1 − 𝑐)/(𝑛 − 1). (Somente nesse caso, a punição é ótima, no
sentido de que 𝑉 𝑝 = 0. Para verificar isso, perceba que a mais severa punição é crível
somente se 0 = 𝑉 𝑝 ≥ 𝜋 𝑑𝑝 + 𝛿𝑉 𝑝 , o que implica que 𝜋 𝑑𝑝 = 0.)
Acontece que existem dois possíveis pontos de intersecção entre essas duas
curvas. Na Figura 1 (a), o nível de resultado 𝑞̃ 𝑝 que torna o conluio mais provável é
inferior a (1 − 𝑐)/(𝑛 − 1), ou seja, 𝑉 𝑝 = 0 não pode ser imposta. Ao contrário, na Figura
1 (b) 𝑞̃ 𝑝 , é tal que 𝑉 𝑝 = 0.
Pode-se verificar que o menor fator de desconto crítico possível para o qual o
maior nível de colusão pode ser sustentado é dado por
(𝑛 + 1)2
, para 𝑛 < 3 + 2√2
16𝑛
𝛿̱ = (4.19)
(𝑛 − 1)2
, para 𝑛 ≥ 3 + 2√2
{(𝑛 + 1)2
A Figura Q4.2 (a ser apresentada na seção Q4.2.2, que faz sentido para 𝑛 ≥ 2)
ilustra o fator de desconto crítico 𝛿 obtido por meio de estratégias de “estímulo-punição”
e o compara com o fator de desconto crítico 𝛿 𝑐𝑛 , obtido por meio das estratégias de
reversão à Nash.
Considere novamente nosso modelo simples de conluio com duas empresas com
produtos homogêneos escolhendo os preços em cada período e revertendo para equilíbrio
de uma rodada de Nash após o desvio. Esse modelo requer que ambas as empresas tenham
lucro zero para sempre ao longo do caminho da punição. Caso as empresas não possam
se encontrar e renegociar seus comportamentos (ou caso os custos de renegociação sejam,
por algum motivo, proibitivos), não há incentivo para desviar do caminho da punição: já
que a concorrente cobra o custo marginal, uma empresa não consegue obter lucros
maiores adotando um preço distinto.
renegociar. Assim sendo, nesse jogo, de modo a não ser induzida a perdoar a desviante,
a empresa deve obter ao menos 𝜋(𝑝𝑚 )/2.
No entanto, para que o conluio se sustente, a desviante deve ser induzida a punir
a si mesma. A restrição de incentivo descrita pelas estratégias anteriores ao longo do
caminho de punição seria:
Podemos rapidamente verificar que a condição anterior pode ser reescrita como
𝛿 𝑇 ≥ 1, o que é falso. Portanto, um conjunto alternativo de estratégias de conluio, que
exijam ganhos assimétricos durante a punição, não pode ser mantido em equilíbrio.
empresa a receber uma multa F. O custo esperado de uma reunião, seja a primeira ou uma
renegociação, é 𝜃𝐹. O benefício da reunião inicial é dado pela diferença entre o fluxo de
lucros da colusão e o ganho do equilíbrio em uma rodada (igualando a zero):
𝜋(𝑝𝑚 )⁄(2(1 − 𝛿)). A reunião então aconteceria se 𝜃𝐹 < 𝜋(𝑝𝑚 )⁄(2(1 − 𝛿)).
𝑇−1
𝜋(𝑝𝑚 ) 𝜋(𝑝𝑚 ) 1 − 𝛿 𝑇
𝑡
∑𝛿 = ( ). (4.22)
2 2 1−𝛿
𝑡=0
1. 𝜃𝐹 ≥ 𝜋(𝑝𝑚 )/(2(1 − 𝛿)). Nesse caso, cada encontro é muito custoso, porque a
multa esperada é muito elevada: as empresas não iniciariam um conluio e não
haveria conluio em equilíbrio.
2. 𝜋(𝑝𝑚 )/(2(1 − 𝛿)) > 𝜃𝐹 ≥ 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝛿 𝑇 )/(2(1 − 𝛿)). As multas e a
probabilidade de as empresas serem descobertas são pequenas o suficiente para
evitar a primeira reunião, mas altas o bastante para evitar uma segunda. Esse é o
pior resultado, no qual há conluio em equilíbrio, pois a punição não pode ser
renegociada. Isso leva ao pior resultado, em que a colusão surge em equilíbrio uma
vez que a punição não será renegociada.
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3. 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝛿 𝑇 )/(2(1 − 𝛿)) > 𝜃𝐹. Aqui, o custo esperado do encontro é tão baixo
que haverá renegociação, arruinando o acordo inicial. Nenhum conluio pode ser
sustentado em equilíbrio.
Na verdade, sabemos pouco sobre como os carteis funcionam na prática. Uma das
poucas descrições ricas disponíveis foi feita por Genesove e Mullin (2001), que analisam
o Sugar Institute, associação da indústria que fixava regras conducentes a um resultado
de conluio entre os refinadores. Esse estudo mostrou que as reuniões de renegociação
foram importantes para enfrentar novas e imprevisíveis circunstâncias e que as punições
não ocorriam com a frequência prevista pela teoria, mesmo que os desvios acontecessem,
talvez em função de tais reuniões, o que não levou a um colapso do acordo de colusão.
Isso sugere que pesquisas adicionais são necessárias.
Assim, quando uma empresa encara demanda zero, não consegue saber se as
concorrentes cortaram preços ou se se trata de baixo nível de demanda. (Mantenha os
Após observar demanda igual a zero, reverter para o equilíbrio de Nash (com lucro
zero) para sempre não é mais a estratégia ideal, já que a punição pode ser acionada mesmo
que nenhuma empresa tenha desviado do caminho do conluio. Considere a seguinte
estratégia de conluio: cada empresa define o preço de conluio 𝑝𝑚 no início do jogo e o
mantém desde que todas as empresas tenham demanda positiva. Quando pelo menos uma
observar demanda zero, a indústria entra em uma fase de punição por T períodos, durante
os quais cada empresa define seu preço igual ao custo marginal. Terminada a fase de
punição, todas retomam o comportamento colusivo.
+
𝜋(𝑝𝑚 )
𝑉 = (1 − 𝛼) ( + 𝛿𝑉 + ) + 𝛼𝛿𝑉 − . (4.23)
𝑛
O primeiro termo é o ganho quando todas as empresas entram no conluio e a
demanda é positiva (o que ocorre com probabilidade 1 − 𝛼), e o período seguinte é uma
nova fase de conluio; o segundo termo é o ganho no caso de um choque de demanda
negativo (que acontece com probabilidade 𝛼), desencadeando uma fase de punição. A
seguir, 𝑉 – pode ser escrita como
𝑉− = 𝛿𝑇𝑉+ . (4.24)
Perceba que as empresas não obtêm qualquer lucro durante todos os T períodos
que compreendem a fase de punição. As duas equações anteriores formam um sistema
nas duas incógnitas 𝑉 + e 𝑉 – , cuja solução é dada por
𝜋(𝑝𝑚 ) 𝜋(𝑝𝑚 )
(1 − 𝛼) 𝛿 𝑇 (1 − 𝛼)
𝑉+ = 𝑛 , 𝑉− = 𝑛 . (4.25)
1 − (1 − 𝛼)𝛿 − 𝛼𝛿 𝑇+1 1 − (1 − 𝛼)𝛿 − 𝛼𝛿 𝑇+1
Portanto, as duas condições necessárias para que as RIs sejam satisfeitas são: (1)
𝛼 < 1/𝑛: se existe uma alta probabilidade de haver um baixo estado de demanda, o
conluio não pode ser sustentado. Intuitivamente, isso acontece porque existe uma alta
probabilidade de que a demanda seja zero de qualquer forma, de sorte que a perda com o
desvio é baixa, restringindo as RIs; (2) 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/(𝑛(1 − 𝛼)), que corresponde 𝛼 ≤
𝛼1 . Repare que, mesmo se as condições necessárias forem satisfeitas, quando T = 0, as
RIs nunca o serão, enquanto se 𝑇 → ∞ (que torna o segundo termo igual a zero) elas
sempre o serão para 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/(𝑛(1 − 𝛼)).
𝛿𝑛(1 − 𝛼) − (𝑛 − 1)
𝛿𝑇 ≤ . (4.27)
𝛿(1 − 𝛼𝑛)
𝛿𝑛(1 − 𝛼) − (𝑛 − 1)
𝑇 ∗ = (ln 𝛿)−1 ln . (4.28)
𝛿(1 − 𝛼𝑛)
𝑛
1 𝑦
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ], (4.29)
𝑛 𝑛
𝑗=1
É mais provável que essa condição se satisfaça quanto maior for o lucro do conluio
obtido por uma empresa com 𝑘 produtos que não desvie do conluio tácito, menor for o
lucro 𝜋𝐷 (𝑘) se desviar e menor for o lucro 𝜋𝑃 (𝑘) obtido durante a fase de punição (ou
seja, maior a punição).
𝜋𝐷 (𝑘) − 𝜋𝑀
𝜎 ≥ 𝜎𝑘′ ≡ , (4.31)
𝜋𝐷 (𝑘) − 𝜋𝑏 (𝑘)
onde 𝜎𝑘′ é o fator “crítico” de desconto. Para que ocorra o resultado de maximização
conjunta (isto é, para uma colusão completa), precisamos que 𝜎 ≥ max(𝜎𝜅′ , … , 𝜎𝐾′ ).
Iremos provar que a empresa com o maior incentivo para desviar é a menor da indústria,
de sorte que, para uma colusão completa, 𝜎 ≥ (𝜎𝜅′ ) precisa ser satisfeita, onde se refere à
empresa com menor número de produtos da indústria.
Para obter esse resultado, proceda da seguinte forma: quando uma empresa decide
se aplica ou não os preços de conluio, ela compara o fluxo de lucro de monopólio
(𝜋𝑀 ⁄(1 − 𝜎)) com o fluxo de lucro do desvio (𝜋𝐷 + 𝜎𝜋𝑃 ⁄(1 − 𝜎)). Enquanto o lucro
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A intuição desse resultado pode ser explicada da seguinte forma: uma empresa
grande possui bastante variedade. Ao escolher seus preços, considera a externalidade que
impõe em todas as variedades que produz (um preço mais baixo reduz a demanda pelos
outros produtos), e isso restringe seu interesse em reduzir preços. Uma empresa com
menor variedade de produtos também se beneficia com os altos preços cobrados por
empresas grandes, de modo que os lucros de desvio e punição diminuem com o tamanho
das empresas.
Começaremos com os lucros na fase de punição. O seguinte lema nos diz que a
menor empresa da indústria tem o maior lucro por produto, e a maior, o menor lucro por
produto.
Lema 4.1 Em situação de equilíbrio não cooperativo com concorrência por preços
no jogo de uma rodada, os lucros auferidos por cada variedade de produto podem ser
classificados da seguinte forma:
𝜋𝑏 (𝜅) > ⋯ > 𝜋𝑏 (𝑘) > ⋯ > 𝜋𝑏 (𝐾), com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. A prova tem dois passos. O primeiro mostra que, quanto maior o número
de produtos vendidos por uma empresa, maior será o preço estabelecido em equilíbrio. O
segundo, consequência do primeiro, demonstra que, quanto maior a empresa, menor será
o lucro por produto. Consulte a seção Q4.2.4.2, mais adiante, para provas detalhadas.
Considere primeiro o caso no qual o desvio é tal que todos os produtos vendem
uma quantidade não negativa. O seguinte se aplica:
Lema 4.2 Os lucros de desvio por produto quando o desvio envolve 𝑞𝑖 ≥ 0 para todo
𝑖 = 1, . . . , 𝑛 podem ser classificados como:
𝜋𝐷 (𝜅) > ⋯ > 𝜋𝐷 (𝑘) > ⋯ > 𝜋𝐷 (𝐾) com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. A prova deste lema foi omitida porque envolve exatamente os mesmos
passos explicitados na prova do Lema 4.1.
O lema a seguir se aplica para os casos nos quais a empresa desviante fica com
todo o mercado.
Lema 4.3 Os lucros de desvio por produto quando o desvio por uma empresa 𝑖 que
produz 𝑘 produtos envolve 𝑞𝑖 > 0, e 𝑞𝑗 = 0, onde 𝑗 = 𝑘 + 1 + ⋯ + 𝑛, pode ser
classificado como:
𝜋̃(𝜅) > ⋯ > 𝜋̃(𝑘) > ⋯ > 𝜋̃(𝐾) com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. Ver seção Q4.2.4.2.
Esses dois lemas não são suficientes para classificar os lucros de desvio das
empresas de acordo com seu tamanho. Devemos verificar em qual intervalo de valores de
𝛾 o lucro real obtido por uma desviante corresponde a 𝜋𝐷 ou a 𝜋̃, para, em seguida,
estabelecer um ranking nesse intervalo. Em outras palavras, para qualquer 𝛾, não
podemos saber com certeza se duas empresas de tamanho 𝑙 e 𝑚, por exemplo, escolheriam
desviar com lucro 𝜋𝐷 ou 𝜋̃. Os lemas anteriores indicam como ranquear lucros de desvio
de mesmo tipo, mas não dizem, por exemplo, como comparar 𝜋𝐷 (𝑙) e 𝜋̃(𝑚). A
proposição a seguir faz precisamente isso.
Proposição 4.1 ′
Escreva 𝛾̃min = 𝑚𝑖𝑛{ 𝛾̃𝜅 , … , 𝛾̃𝐾 } e 𝛾max = 𝑚𝑎𝑥{ 𝛾𝜅′ , … , 𝛾𝐾′ }. Se 𝛾 ∈
′
0, 𝛾̃min ) e se 𝛾 ∈ 𝛾max , ∞) então sempre a menor empresa (isto é, aquela com o menor
número de produtos, 𝜅), tem o maior incentivo para desviar, e o resultado do conluio
completo na indústria pode se sustentar somente se a taxa de desconto 𝜎 ≥ 𝜎𝜅 , onde
′
𝜎𝜅 = 𝜎̃𝑘′ = [𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑀 ]⁄[𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)] para 𝛾 ∈ [𝛾max , ∞).
Esta proposição fornece a condição suficiente para que o fator crítico de desconto
coincida com aquele que evita o desvio da menor empresa. Estender a prova para
intervalos nos quais o parâmetro de substituição assume valores intermediários é difícil,
visto que, em tais intervalos, a menor empresa tem o maior lucro na fase de punição, mas
não sob o desvio, e é impossível fornecer as condições gerais referentes a 𝛾, 𝑛 , 𝑘 para as
quais se aplica o mesmo ranking de lucros.
Q4.2.4.2 – Provas * *
𝑝𝑏 (𝜅) < ⋯ < 𝑝𝑏 (𝑘) < ⋯ < 𝑝𝑏 (𝐾) com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. Podemos provar essa observação por contradição. Suponha que 𝑝𝑏 (𝑚) ≡
𝑝𝑚 < 𝑝𝑘 ≡ 𝑝𝑏 (𝑘) quando 𝑚 > 𝑘. A função de lucro da empresa com os primeiros m
produtos é dada por:
𝑛
𝑝𝑚 − 𝑐 𝛾𝑚 𝛾
𝜋(𝑚) = 𝑚 [( ) (𝑣 − 𝑝𝑚 (1 + 𝛾 − )+ ∑ 𝑝𝑖 )], (4.32)
𝑛 𝑛 𝑛
𝑖=𝑚+1
onde percebemos que todos os 𝑚 produtos vendidos pela empresa possuem o mesmo
preço 𝑝𝑚 . A condição de primeira ordem do problema da maximização dessa empresa
multiproduto é dada por
𝑛
𝜕𝜋(𝑚) 𝛾𝑚 𝛾 𝛾𝑚
= 𝑣 − 𝑝𝑚 (1 + 𝛾 − )+ ∑ 𝑝𝑖 − (𝑝𝑚 − 𝑐) (1 + 𝛾 − )
𝜕𝑝𝑚 𝑛 𝑛 𝑛 (4.33)
𝑖=𝑚+1
= 0,
que pode ser reescrita como 𝑞𝑚 = (𝑝𝑚 − 𝑐)(1 + 𝛾 − 𝛾𝑚/𝑛), onde 𝑞𝑚 é a quantidade
vendida pela empresa de cada um de seus m produtos. Por analogia, a maximização do
seu lucro requer a seguinte condição para uma empresa com 𝑘 produtos: 𝑞𝑘 =
(𝑝𝑘 − 𝑐)(1 + 𝛾 − 𝛾𝑘/𝑛).
Vamos voltar à prova do Lema 4.1. Precisamos demonstrar que 𝜋𝑚 < 𝜋𝑘 se 𝑘 <
𝑚. Escreva o lucro por produto 𝜋𝑚 que uma empresa grande com 𝑚 produtos obtém em
equilíbrio como 𝜋𝑚 = 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑘 , … , 𝑝𝑘 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) onde os primeiros m
preços 𝑝𝑚 são aqueles cobrados pelos 𝑚 produtos da empresa grande, e os preços 𝑝𝑘 (de
𝑚 + 1 para 𝑚 + 𝑘) são os cobrados pelos 𝑘 produtos da menor empresa.
′
𝜋𝑚 = 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑘 , … , 𝑝𝑘 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) < 𝜋𝑚 =
(4.34)
= 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑚 )
Como as empresas são simétricas, exceto pelo número de produtos fabricados, o
lucro por produto obtido pela empresa grande quando ambas (pequena e grande) cobram
preços 𝑝𝑚 em todas as variedades de produto deve coincidir com o lucro por período
auferido pela empresa pequena quando ambas cobram preços 𝑝𝑚 :
′
𝜋𝑚 = 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) = 𝜋𝑘′
(4.35)
= 𝜋𝑘 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 )
A expressão anterior, 𝜋𝑘′ , fornece o lucro por produto obtido com cada um dos 𝑘
produtos da empresa pequena quando ela os vende pelo mesmo preço cobrado pela
grande, 𝑝𝑚 . Contudo, em um equilíbrio não cooperativo, a melhor resposta da pequena
quando a grande vende seus produtos por 𝑝𝑚 é cobrar um preço 𝑝𝑘 < 𝑝𝑚 . Portanto, temos
que
Prova do Lema 4.3 Para que as quantidades vendidas pelas empresas não desviantes
sejam positivas quando uma empresa com 𝑘 produtos desvia reduzindo seus preços para
𝑝̃, devemos ter:
com 𝑘. Em outras palavras, uma empresa grande não precisa reduzir preços tanto quanto
a pequena para conseguir excluir as concorrentes do mercado durante o período do desvio
(no entanto, veremos também que a empresa grande possui menos incentivos para reduzir
preços). Uma condição necessária para que o desvio seja lucrativo é 𝑝̃(𝑘) > 0. Assim,
𝛾 > 𝑛(𝑣 − 𝑐)/[𝑘(𝑣 + 𝑐)] ≡ 𝛾̂(𝑘).
Suponha agora que o desvio seja lucrativo para uma empresa com 𝑘 produtos e
para outra com 𝑟 < 𝑘 produtos. A empresa com 𝑘 produtos tem um lucro por produto
com o desvio igual a 𝜋̃(𝑘) = 𝜋̃(𝑝̃(𝑘), … , 𝑝̃(𝑘)), que corresponde à situação na qual vende
𝑘 produtos pelo mesmo preço de venda 𝑝̃(𝑘). Eliminando alguns produtos e mantendo o
mesmo preço, o lucro por produto aumenta: 𝜋̃(𝑘) < 𝜋̃ ′ (𝑘) = 𝜋̃ ′ (𝑝̃(𝑘), … , 𝑝̃(𝑘)), e o
vetor preço passa a ser composto por 𝑟 < 𝑘 elementos idênticos 𝑝̃(𝑘).
Finalmente, temos que 𝜋̃ ′ (𝑘) = 𝜋̃ ′ (𝑝̃(𝑘), … , 𝑝̃(𝑘)) < 𝜋̃(𝑝̃(𝑟), … , 𝑝̃(𝑟)) ≡ 𝜋̃(𝑟).
Essa última desigualdade deve-se ao fato de que o preço de desvio ótimo para uma
empresa com 𝑟 produtos é 𝑝̃(𝑟), e não 𝑝̃(𝑘). Por esse motivo, mostramos que 𝜋̃(𝑘) <
𝜋̃(𝑟) para 𝑘 > 𝑟.
Prova da Proposição 4.1 O primeiro passo é calcular 𝜋𝐷 (𝑘) explicitamente, que pode
ser feito como se segue. Substituindo 𝑞𝑗 na condição de primeira ordem anterior e
resolvendo com relação ao preço, obtém-se o preço de desvio ótimo quando todas as
empresas têm resultado positivo. Isso é dado por
𝑛 √𝑛2 − 𝑘 2
𝛾 < 𝛾 ′ (𝑘) = (1 + ). (4.41)
𝑘 𝑛−𝑘
Logo, a função 𝜋𝐷 (𝑘) possui valores em 𝛾 ∈ (0, 𝛾 ′ (𝑘)) e está crescendo em seu
domínio.
(𝛾 2 𝑘 2 − 𝑛2 )(𝑣 − 𝑐)2
𝜋̃(𝑘) = , (4.42)
4𝛾 2 𝑘 3
que é uma função côncava e crescente em seu domínio 𝛾 ∈ (𝛾̂(𝑘), ∞).
Como 𝛾̂(𝑘) < 𝛾 ′ (𝑘), temos que, no intervalo (𝛾̂(𝑘), 𝛾 ′ (𝑘)), ambos os tipos de
desvio fornecem lucros positivos para a desviante. Devemos agora tentar examinar qual
tipo de desvio é ótimo nesse intervalo. O seguinte pode ser mostrado:
Observação 4.2 Existe um valor 𝛾̃(𝑘) ∈ (𝛾̂(𝑘), 𝛾 ′ (𝑘)), obtido como a solução da
igualdade 𝜋𝐷 (𝑘) = 𝜋̃(𝑘), tal que, para 𝛾 < 𝛾̃(𝑘), o lucro de desvio ótimo é 𝜋𝐷 (𝑘).
A etapa seguinte consiste em provar que 𝛾̃(𝑘) < 𝛾 ′ (𝑘). Quando 𝛾 = 𝛾 ′ (𝑘), temos:
cada uma é dada por 𝜋𝑀 ≥ (1 − 𝜎)𝜋𝐷 (𝑘) + 𝜎𝜋𝑏 (𝑘). Mas 𝜋𝑀 e 𝜎 são idênticos para todas
as empresas, enquanto o lucro de desvio 𝜋𝐷 (𝑘) e o lucro de punição 𝜋𝑏 (𝑘) são maiores
quanto menor for o número de produtos de uma empresa. Assim, a restrição é mais
vinculativa para a menor empresa da indústria, aquela com produtos. Uma colusão
completa será sustentável se 𝜎 ≥ 𝜎𝑘′ = [𝜋𝐷 (𝜅) − 𝜋𝑀 ]/[𝜋𝐷 (𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)].
′
Se 𝛾 ∈ [𝛾max , ∞) então todas as empresas possuem lucros de desvio iguais a 𝜋̃(𝑘).
A restrição de incentivo é dada por 𝜋𝑀 ≥ (1 − 𝜎)𝜋̃(𝑘) + 𝜎𝜋𝑏 (𝑘). Também, nesse caso,
tanto o lucro de desvio 𝜋̃(𝑘) quanto o da fase de punição 𝜋𝑏 (𝑘) são maiores para as
menores empresas, e a colusão pode ser sustentada somente se 𝜎 ≥ 𝜎̃𝑘′ = [𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑀 ]/
[𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)].
Esta seção apresenta o modelo desenvolvido por Motta e Polo (1999) para estudar
os efeitos da redução de multas para as empresas que cooperam com a AA (autoridade
antitruste).
Para qualquer 𝑡 > 2, se até o período anterior a AA não tiver iniciado uma
investigação, com probabilidade de abrir um inquérito em 𝑡, as empresas decidem se vão
ou não revelar, e assim por diante. Vamos restringir a atenção para o caso no qual 𝛿 ≥
(П𝐷 − П𝑀 )/(П𝐷 − П𝑁 ): na ausência de uma política antitruste, a colusão ocorreria em
equilíbrio.
𝛱𝑁 𝛱𝑀
𝑝( − 𝐹) + (1 − 𝑝) . (4.44)
1−𝛿 1−𝛿
É simples mostrar que a n-tupla (revela, ..., revela), que pode ser denotada como
(𝑅, . . . , 𝑅), na qual todas as empresas decidem cooperar com a AA obtendo, assim, uma
redução das multas, é sempre um equilíbrio de Nash. Por outro lado, a n-tupla (não revela,
..., não revela), ou (𝑁𝑅, . . . , 𝑁𝑅), é um equilíbrio: (1) se 𝑝𝐹 < 𝑅, sempre; (2) se 𝑝𝐹 ≤ 𝑅
se a condição a seguir for válida:
𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 + 𝑅(1 − 𝛿)
𝑝≤ = 𝑝̃(𝛿, 𝑅, 𝐹). (4.45)
𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 + 𝐹(1 − 𝛿)
Perceba que, quando o (𝑁𝑅, . . . , 𝑁𝑅) equilíbrio existe, também seria o selecionado
por critérios-padrão de seleção de equilíbrio, como dominância de Pareto ou dominância
de risco. Assim sendo, as empresas revelam informações somente se 𝑝 > 𝑝̃. Note que: (a)
quando nenhum programa de leniência existe, e 𝑅 = 𝐹 e 𝑝̃ = 1, as empresas nunca irão
colaborar com a AA, mesmo que a investigação tenha sido iniciada; (b) para induzir a
revelação, o melhor que a AA pode fazer é definir 𝑅 = 0.
1. Conluio e Revela: 𝑝 > 𝑝̃. Nesse caso, as empresas revelam, caso a AA tenha
iniciado uma investigação. Defina 𝛱𝑅 como o lucro esperado imediatamente antes
do início da investigação. É simples verificar que
𝛱𝑁
𝛱𝑅 = 𝛼 ( − 𝑅) + (1 − 𝛼)(𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑅 ) (4.46)
1−𝛿
que pode ser reescrita como
𝛱𝑁
(1 − 𝛼)𝛱𝑀 + 𝛼 ( − 𝑅)
𝛱𝑅 = 1−𝛿 . (4.47)
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
Se a empresa decide estabelecer o preço de conluio, seu ganho descontado
esperado será
𝛱𝑁
𝛱𝑀 + 𝛿𝛼 ( − 𝑅)
𝑉𝐶𝑅 = 𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑅 = 1−𝛿 . (4.48)
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
𝛿𝛱𝐷
𝑉𝐷 = 𝛱𝐷 + . (4.49)
1−𝛿
𝛱𝑀 − 𝛱𝐷 + 𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 )
𝛼≤ = 𝛼𝐶𝑅 (𝛿, 𝑅). (4.50)
𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 + 𝑅)
A Figura Q4.4 ilustra 𝛼𝐶𝑅 no plano (𝑝, 𝛼), para valores dados de 𝛾 e 𝑅: esse lócus
não depende de 𝑝, haja vista que, na região considerada, as empresas cooperam com a
AA, uma vez que uma investigação é aberta.
Observe também que, quanto menos generoso for o programa de leniência, menor
será 𝛼𝐶𝑅 : se as empresas acreditam que podem cooperar e escapar com uma pequena
multa caso haja investigação, terão um incentivo extra para escolher a estratégia de
conluio. Em outras palavras, um programa de leniência generoso pode estimular a colusão
ex ante. (Retomaremos essa questão a seguir.)
2. Conluio e não revela: 𝑝 ≤ 𝑝̃. Nesse caso, as empresas antecipam que, mesmo
sendo aberta uma investigação, nenhuma empresa irá cooperar com a AA. A única
forma de a autoridade quebrar o cartel é iniciando uma investigação e provando
que as empresas são culpadas.
𝛱𝑁 𝛱𝑀
𝛱𝑁𝑅 = 𝛼 [𝑝 ( − 𝐹) + (1 − 𝑝) ( )] + (1 − 𝛼)(𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑁𝑅 ), (4.51)
1−𝛿 1−𝛿
donde
𝛱𝑁 𝛱
𝛼 [𝑝 ( − 𝐹) + (1 − 𝑝) ( 𝑀 )] + (1 − 𝛼)𝛱𝑀
𝛱𝑁𝑅 = 1−𝛿 1−𝛿 . (4.52)
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
Se uma empresa seguir a estratégia de conluio, seu ganho descontado esperado
será dado por
𝛿𝛼(1 − 𝑝) 𝛱
𝛱𝑀 (1 + ) + 𝛿𝛼𝑝 ( 𝑁 − 𝐹)
1−𝛿 1−𝛿 (4.53)
𝑉𝐶𝑁𝑅 = 𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑁𝑅 = .
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
Como antes, a desviante tem um ganho de 𝑉𝐷 = 𝛱𝐷 + 𝛿𝛱𝑁 ⁄(1 − 𝛿). Com um
simples, mas entediante cálculo de álgebra, pode-se mostrar que a desigualdade 𝑉𝐶𝑁𝑅 ≥
𝑉𝐷 é satisfeita por
(1 − 𝛿)[𝛱𝑀 − 𝛱𝐷 + 𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 )]
𝛼≤
𝛿[𝑝𝐹(1 − 𝛿) + 𝑝(𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 ) + 𝛱𝐷 (1 − 𝛿) − 𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑁 ] (4.54)
= 𝛼𝐶𝑁𝑅 (𝛿, 𝑝, 𝐹),
quando 𝑝[𝐹(1 − 𝛿) + 𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 ] > 𝛱𝑀 − 𝛱𝐷 + 𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 ) e sempre satisfeita no caso
contrário. A Figura Q4.4 ilustra a curva, que pode diminuir com 𝑝: ceteris paribus, um
aumento na probabilidade de a empresa ser considerada culpada torna o conluio menos
provável (e, para 𝑝 baixo o suficiente, o conluio será sempre a estratégia preferida).
Notadamente, quando 𝐹 sobe, dado 𝑝, o conluio será menos lucrativo.
entre a curva 𝛼𝐶𝑅𝑁 e a linha 𝛼𝐶𝑅 . Nessa região, nenhuma colusão pode ser sustentada caso
multas completas sejam aplicadas. Contudo, sob um PL, as empresas se envolveriam em
um conluio e, se monitoradas, revelariam e pagariam a multa reduzida 𝑅 < 𝐹.
Por outro lado, existe uma área (2) na qual o conluio quebraria (porque as
empresas revelariam a informação) se a AA começasse a monitorar a indústria, ao passo
que, na ausência de um PL, o conluio poderia parar somente após uma completa e bem-
sucedida investigação. É a área entre a curva 𝛼𝐶𝑁𝑅 e a linha 𝑝̃.
Redução das multas somente antes da investigação ser iniciada. Uma política
de leniência alternativa, na qual os descontos nas multas fossem dados somente antes do
início da investigação, corresponderia ao jogo anterior, com a diferença de que, no início
No estágio final do jogo, cada Empresa 𝑖 escolhe 𝑞𝑖 para maximizar sua função
de lucro 𝜋𝑖 = (𝑎 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ))𝑞𝑖 − 𝑔𝑥𝑖2 /2, dado (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ). É fácil verificar que o
resultado do equilíbrio (de Cournot) é dado por:
2
𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 (2 − 𝑙) + 𝑥𝑗 (2𝑙 − 1) 𝑔
𝜋𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) = ( ) − 𝑥𝑖2 . (4.56)
3 2
No primeiro estágio do jogo, cada empresa escolherá 𝑥𝑖 a fim de maximizar
𝜋𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ). Tirando a primeira derivada 𝜕𝜋𝑖 ⁄𝜕𝑥𝑖 , resolvendo o sistema de condições de
primeira ordem (CPOs) e focando o equilíbrio simétrico 𝑥𝑖 = 𝑥𝑗 = 𝑥 𝑐 , obtemos o nível
de equilíbrio de P&D para cada empresa:
2(𝑎 − 𝐶)(2 − 𝑙)
𝑥𝑐 = . (4.57)
9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2
Dessa solução, podemos obter, por substituição, os níveis de equilíbrio de
quantidade e lucro:
𝑐
(𝑎 − 𝑝𝑐 )𝑄 𝑐 18(𝑎 − 𝐶)2 𝑔2
𝐸𝐶 = = . (4.59)
2 (9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )2
Por fim, o bem-estar é
𝑐
4(𝑎 − 𝐶)2 (9𝑔 − 4 − 4𝑙 + 𝑙 2 )
𝑐 𝑐
𝑊 = 2𝜋 + 𝐸𝐶 = . (4.60)
(9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )2
Cooperação em P&D. Agora consideraremos o caso no qual as empresas
competem em quantidades no mercado de produtos, mas cooperam nas decisões de
investimento em P&D. Uma vez que elas tomam as mesmas decisões não cooperativas
no mercado de produtos, o último estágio é o mesmo que o apresentado antes.
2
𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 (2 − 𝑙) + 𝑥𝑗 (2𝑙 − 1)
2 𝑔
𝐽𝑉
𝜋 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) = ∑ [( ) − 𝑥𝑖2 ]. (4.61)
𝑖≠𝑗 3 2
2(𝑎 − 𝐶)(1 + 𝑙)
𝑥 𝐽𝑉 = . (4.62)
9𝑔 − 2(1 + 𝑙)2
Por substituição, os níveis de equilíbrio da quantidade e lucros de uma empresa
são
𝐽𝑉
(𝑎 − 𝑝 𝐽𝑉 )𝑄 𝐽𝑉 18(𝑎 − 𝐶)2 𝑔2
𝐸𝐶 = = , (4.64)
2 (9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )2
e o bem-estar como
𝐽𝑉 𝐽𝑉 𝐽𝑉
4(𝑎 − 𝐶)2 (9𝑔 − 1 − 2𝑙 − 𝑙 2 )
𝑊 = 2𝜋 + 𝐸𝐶 = . (4.65)
(9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )2
O efeito de uma joint-venture em P&D. É possível agora comparar os resultados sob
os dois regimes e averiguar que 𝑙 ≥ 1/2 garante que investimentos em P&D, resultados
e bem-estar sejam mais altos sob o regime de P&D cooperativo que sob o regime de
concorrência em ambos os estágios. De fato, 𝑥 𝑐 > 𝑥 𝐽𝑉 resulta na desigualdade:
6𝑔(𝑎 − 𝐶)(1 − 𝑙 − 2𝑙 2 )
> 0, (4.67)
(9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )(9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )
que também se mantém para 𝑙 < 1/2. Finalmente, 𝑊 𝑐 > 𝑊 𝐽𝑉 pode ser reescrita como
Pode-se observar que lucros são sempre maiores no regime de P&D cooperativo,
o que significa que não deveria haver necessidade de subsídios (ou outros incentivos
financeiros) para que empresas coordenem seus níveis de P&D: elas têm incentivos
privados para isso.
Extensões e discussão. Este simples modelo deu origem a uma vasta literatura que
trata dos efeitos da cooperação em P&D. Uma série de extensões já foi considerada, tais
como competição por preço, generalização de custo, funções de demanda, o número de
Exercícios do Capítulo 4
Exercício 4.1 *(De Tirole, 1988) Considere 𝑛 empresas produzindo bens homogêneos e
escolhendo preços em cada período por um infinito número de períodos. Suponha que o
mercado se reúna a cada dois períodos em vez de um. Escreva a restrição de incentivo
para a colusão sob estratégias de gatilho e mostre que é menos provável que o conluio se
sustente que no caso em que as reuniões acontecem a cada período.
Exercício 4.2 *Considere duas empresas que produzem bens homogêneos e escolhem os
preços em cada período por um número infinito de períodos. Cada uma detém uma quota
𝜎 da concorrente. Essa quota é pequena o suficiente para que cada empresa mantenha o
controle total das próprias atividades e decisões: a concorrente é o acionista minoritário,
não representado no conselho, e recebe apenas parte dos lucros da empresa. A
probabilidade de colusão é afetada por essa propriedade cruzada?
Exercício 4.3 Há apenas três vendedores em determinada indústria. Um dia, umas das
empresas envia o seguinte fax para seus dois concorrentes: “No interesse da concorrência
leal e em nome da transparência, informamos aos senhores que o Conselho de nossa
empresa decidiu que, para o próximo trimestre, nossos preços de venda deverão ser
majorados em 10%.” Você acha que a autoridade de concorrência deveria proibir tal tipo
de comunicado? Por quê?
Exercício 4.6 Em um país há três grandes empresas automotivas que, juntas, representam
100% do mercado (a existência de tarifas proibitivas exclui importações). Durante as
últimas semanas, elas se engajaram em uma campanha promocional nos maiores jornais
do país. Nesses anúncios, feitos separadamente por cada empresa, uma anuncia o preço
de cada modelo produzido e diz que venderá àquele preço a todo comprador que
apresentar o recorte do jornal com a propaganda. A agência antitruste abre uma
investigação, suspeitando de um acordo colusivo. Os anúncios são muito similares, dado
que usam praticamente as mesmas palavras, e mesmo os preços são muito próximos para
veículos de modelos comparáveis. Dê sua opinião com base no que foi reportado aqui
sobre a existência ou não de um acordo colusivo.
Exercício 4.7 *Considere o setor 𝑌, no qual duas empresas vendem um bem homogêneo
ao custo marginal 𝑐. Elas têm o mesmo fator de desconto 𝛿. As duas participam de um
jogo de Bertrand um número infinito de vezes. Ou seja, em cada período, elas precisam
escolher o preço ao qual irão vender. Elas se defrontam com uma demanda 𝐷(𝑝). Quando
cobram o mesmo preço, uma empresa vende uma participação de mercado 𝜆 (com 1⁄2 <
𝜆 < 1), e a outra, uma participação de mercado 1 − 𝜆 (o motivo pelo qual uma tem
participação maior que a outra não é relevante). Ambas têm a seguinte estratégia de
gatilho: no primeiro período, estabelecem o preço 𝑝, onde 𝑝 > 𝑐. Nos períodos seguintes,
elas escolhem o mesmo preço 𝑝 se todas as empresas tiverem escolhido 𝑝 em todos os
períodos anteriores. Caso contrário, escolhem um equilíbrio de preço de Bertrand de uma
rodada para sempre. (a) Encontre a condição sob a qual essas estratégias de gatilho
representam um equilíbrio. (b) Profissionais muitas vezes argumentam que a simetria
entre as empresas facilita a colusão. Esse simples modelo sustenta seu argumento? (c)
Sob quais circunstâncias as estratégias de gatilho mencionadas sustentam um equilíbrio
colusivo total, no qual as empresas cobram o lucro conjunto, maximizando o preço 𝑝𝑚
em cada período?
Exercício 4.8 A série temporal dos preços de determinada indústria revela que os preços
não são estáveis ao longo do tempo. Durante os últimos 10 anos, podem-se observar
períodos em que os preços estão altos e outros em que estão baixos (cerca de 30% a
menos). (a) Pode-se inferir, a partir dos períodos de preços baixos, que não há colusão
nesta indústria? Por quê? (b) Pode-se inferir, a partir dos períodos de preços baixos, que
existe conluio nesta indústria? Por quê?
Exercício 4.9 Você pode explicar em que circunstâncias a fixação de preços no varejo
pode facilitar a colusão?
Exercício 4.10 *Em uma pequena cidade chamada Fiesole, existe uma feira de rua
duas vezes por semana, durante todo o ano, todos os anos (para que possamos aproximar
de um jogo de horizonte infinito). Em um dia de feira, 𝑛 vendedores vendem suas maçãs
perfeitamente homogêneas (produzidas a um custo marginal 𝑐 e sem custos fixos).
Quando chegam ao mercado pela manhã, cada vendedor entrega às autoridades, de forma
simultânea, um envelope lacrado com o preço que irão cobrar pelas maçãs naquele dia.
Uma vez abertos os envelopes, os preços são públicos, mas não podem ser alterados
naquele dia (suponha que não exista restrição de capacidade: cada vendedor leva para a
feira maçãs suficientes para atender a toda a demanda, cobrando preços acima do custo
marginal). Em outra cidade mais afastada, Schriesheim, uma situação muito parecida
ocorre, com duas pequenas diferenças: a feira acontece apenas uma vez por semana e
existem apenas dois vendedores que comercializam suas (homogêneas) maçãs. Eles
também possuem custo marginal 𝑐 e não têm custos fixos. Em qual das duas cidades é
evitará que elas adotem um comportamento colusivo no futuro: seu lucro será
eternamente 𝜋𝑛 > 0, onde o índice 𝑛 representa Nash. Caso as empresas optem pela não
colusão, não poderão receber multas. (a) Foque estratégias de gatilho simples com
reversão à Nash para sempre. Escreva as restrições de incentivo para que a colusão se
sustente em equilíbrio e discorra sobre os efeitos que 𝑝 e 𝐹 têm sobre o conluio. (b)
Considere um valor alto o suficiente do fator de desconto para que o conluio seja
sustentável. Existem preços além de 𝑝𝑚 sustentáveis em equilíbrio nesse jogo de
horizonte infinito? (c) Você conhece outras estratégias que permitiriam às empresas
sustentar a colusão sob condições mais frouxas?
Exercício 4.15 Se alguém descobre que duas ou mais empresas alteram seus
preços na mesma proporção com poucos dias de diferença, isso prova que as empresas
possuem um acordo de conluio? Discuta.
royalties e dos preços finais; (b) considere uma situação alternativa na qual as duas
detentoras atribuem o direito de exploração de suas patentes a um pool de patentes. Agora
é esse pool que decide o valor de ambos os royalties. Encontre os valores de equilíbrio
dos royalties e dos preços finais sob o pool de patentes e os compare com os resultados
anteriores; (c) mostre que a formação do pool de patentes é lucrativa para os detentores e
positiva para os consumidores.
Exercício 4.2 Sim, a propriedade cruzada torna a colusão mais provável. Para verificar
como, considere que o lucro da Empresa 𝑖 seja dado por 𝜋𝑖 (1 − 𝜎) + 𝜎𝜋𝑗 e que, se a ela
desvia, o lucro nesse período é 𝜋𝑗 = 0. A restrição de incentivo para a colusão pode ser
escrita como 𝜋(𝑝𝑚 )/(2(1 − 𝛿)) ≥ 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝜎), que pode ser simplificada para 𝛿 ≥
1 − 1/[2(1 − 𝜎)].
Quanto mais alto o valor de 𝜃, maior será a alteração única da demanda. Assim,
quanto maior for 𝜃, maior será o valor presente do fluxo de lucros recebido a partir de
𝑡 = 1. O custo de oportunidade do desvio aumenta com 𝜃. Dessa forma, quanto maior 𝜃,
menos provável que a colusão se sustente em equilíbrio. A intuição subjacente é a padrão:
quanto maior o número de empresas em um acordo de conluio, mais difícil será para
formá-lo e sustentá-lo.
(b) Perceba que a restrição de incentivo derivada é válida para todo 𝑝𝑐 ∈ (𝑐, 𝑝𝑚 ].
Logo, sob estratégias similares às apresentadas, o preço de conluio 𝑝𝑐 ∈ (𝑐, 𝑝𝑚 ]
pode ser sustentado em equilíbrio se 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/(𝑛 − 1 + 𝜃) ≡ 𝛿̃(𝑛, 𝜃).
(c) A condição é a mesma que em (b) e implica que uma queda antecipada na
demanda leva a condições mais rigorosas para a colusão.
(a) A restrição de incentivo para a Empresa i, i=1, 2, é dada por 𝑠𝑖 (𝑝̄ − 𝑐)𝐷(𝑝̄ )/(1 −
𝛿 ) − (𝑝̄ − 𝑐)𝐷 (𝑝̄ ) ≥ 0, ou, de forma equivalente, 𝛿 ≥ 1 − 𝑠𝑖 .
Exercício 4.10 Presuma que uma unidade de tempo seja metade de uma semana.
Em Fiesole, a feira acontece duas vezes por semana e tem 𝑛 vendedores. A restrição de
incentivo de um vendedor representativo é, portanto, 𝜋 𝑓 (𝑝𝑐 )/[𝑛(1 − 𝛿)] ≥ 𝜋 𝑓 (𝑝𝑐 ),
onde 𝜋 𝑓 (𝑝𝑐 ) denota o lucro agregado na feira de Fiesole quando todos os vendedores
estabelecem um preço de conluio 𝑝𝑐 > 𝑐.
Essa condição implica que o fator de desconto crítico em Fiesole é dado por 𝛿 ≥
(1 − 1/𝑛) ≡ 𝛿̃𝑓 .
Exercício 4.11
(a) Inicialmente é útil achar o equilíbrio de Cournot do jogo, dado por 𝑞 𝑐𝑛 = 1/3 e
𝜋 𝑐𝑛 = 1/9 (ver o Capítulo 8). Seguindo as estratégias de gatilho e estabelecendo
produção 𝑞 entre o resultado de maximização de lucro conjunto 𝑞 𝑚 = 1/4 e o
resultado de Cournot 𝑞 𝑐𝑛 = 1/3, o lucro da empresa é 𝜋 = (1 − 2𝑞)𝑞. Quando a
concorrente define 𝑞, o desvio ótimo pode ser encontrado ao escolher 𝑞 𝑑 =
arg maxq̃ 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑞̃ − 𝑞)𝑞̃. Estabelecendo 𝜕𝜋 𝑑 /𝜕𝑞̃ = 0, pode-se achar que
𝑞 𝑑 = (1 − 𝑞)/2 e 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑞)2 /4.
(b) Para verificar como o fator crítico de desconto varia com o nível de conluio,
calcule 𝜕𝛿̄ /𝜕𝑞 = −108/(5 − 3𝑞)2 < 0. Conforme 𝑞 aumenta no intervalo
[1/4, 1/3], o fator crítico de desconto 𝛿 diminui: quanto menor o nível de colusão,
mais fácil sustentá-la.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
113
Exercício 4.12
Quanto aos lucros de desvio, o desvio ótimo de uma empresa é dado por
𝑞 𝑑 (𝑞 𝑚 ) = arg max𝑞 (1 − (𝑛 − 1)𝑞 𝑚 − 𝑞 − 𝑐)𝑞. Pode-se verificar que 𝑞 𝑑 (𝑞 𝑚 ) = (𝑛 +
1)(1 − 𝑐)/(4𝑛), e que os lucros auferidos com o desvio são 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑐)2 (𝑛 + 1)2 /
(16𝑛2 ).
(c) Sim. A fim de determinar o maior nível de lucros que um número fixo de empresas
pode sustentar como um equilíbrio perfeito de um subjogo, Abreu (1986) estudou
punições mais severas que a reversão à Cournot para sempre depois de um desvio.
Ao ameaçar de forma crível com uma punição mais severa por deserção, um
oligopólio pode sustentar um resultado de conluio por uma gama mais ampla de
fatores de desconto. Para o caso de punições simétricas, Abreu verificou que uma
estratégia ótima de punição assume uma forma muito simples. No primeiro
período após o desvio, cada empresa realiza um nível elevado de produção, de
modo que todas obtêm lucros negativos. A fim de induzi-las a continuar com a
primeira fase da punição, o oligopólio se compromete a produzir a mais
sustentável produção nos períodos seguintes, desde que nenhuma empresa tenha
desviado da primeira fase da punição (período). Caso contrário, a punição é
reiniciada.
Exercício 4.13
Exercício 4.16
(a) Para que a colusão seja autoaplicável, a seguinte RI precisa ser satisfeita:
𝛿𝛼(𝜋𝑚 /𝑛 − 𝜋𝑐 )/(1 − 𝛿𝛼) ≥ 𝜋𝑑 − 𝜋𝑚 /𝑛.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
115
(b) É simples ver que a RI derivada em (a) é relaxada quando a punição se torna mais
forte (isto é, 𝜋𝑐 diminui), os lucros de desvio 𝜋𝑑 diminuem e o número de
empresas 𝑛 também.
(c) Não. Outro equilíbrio viável deste jogo é aquele em que as empresas jogam o
equilíbrio de Nash do stage game a cada período do jogo repetido.
Exercício 4.17
Exercício 4.19
(b) Sob o pool de patentes, existe maximização conjunta dos lucros dos detentores. O
problema do pool é, então, max𝑤𝑖 ,𝑤𝑗 𝜋𝑃 = 𝑤𝑖 (1 − 𝑐 − 𝑤𝑖 − 𝑤𝑗 ) + 𝑤𝑗 (1 − 𝑐 −
(c) É simples verificar que o Pareto do pool de patentes domina a situação na qual as
duas patentes são licenciadas de forma independente. Os preços finais (e também
os royalties) são menores (logo, os consumidores estão em melhor situação), e os
lucros dos detentores de patentes são maiores (os fabricantes, nesse exemplo,
sempre auferem lucro zero).
A RI para a colusão é dada pela condição-padrão 𝜋𝑖𝑚 /(1 − 𝛿) ≥ 𝜋𝑖𝑑 + 𝛿𝜋𝑖𝑒 /(1 −
𝛿), da qual é derivado o fator crítico de desconto 𝛿 𝑒 = (𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑚 )/(𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑒 ). Após
substituição, pode-se verificar que 𝛿 𝑒 = 9(1 − 2𝑡)/(13 + 22𝑡), de modo que o conluio
só ocorrerá se 𝛿 ≥ 𝛿 𝑒 .
Observe que 𝜕𝛿 𝑒 /𝜕𝑡 < 0, de modo que, conforme o custo de transporte aumenta,
o conluio é mais fácil de sustentar. Isso acontece porque, quanto maior o custo de
transporte, menor a participação de mercado alcançável com o desvio. No caso-limite,
quando 𝑡 = 1/2, os custos de transporte se tornam proibitivos, e nenhuma exportação
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
118
acontece no equilíbrio em uma rodada: uma empresa não teria qualquer tentação de
desviar do equilíbrio autárquico (monopolista).
CAPÍTULO 5
SUMÁRIO
5.1 – INTRODUÇÃO
Há dois casos principais que devem ser considerados quando estudamos os efeitos
de fusões. Primeiro, a situação em que fusões podem levar a empresa a exercer poder de
mercado e elevar preços. Segundo, o caso em que fusões podem favorecer a colusão na
indústria. Aqui, as empresas que se unem não seriam capazes de elevar preços
unilateralmente de forma significativa, mas a fusão pode gerar novas condições na
indústria que aumentem o escopo para a colusão. Os preços poderão, então, subir, uma
vez que as companhias estarão mais aptas a estabelecer um resultado colusivo (tácito ou
implícito).
1
Em prol da simplificação, neste capítulo, utilizaremos o termo “fusão” como sinônimo do termo mais
geral “concentração econômica”, utilizado nas legislações brasileira e europeia. Quando analisamos os
efeitos econômicos da concentração, a distinção entre um takeover hostil e uma fusão de comum acordo é
amplamente irrelevante, de modo que não se tratará de aquisições e takeovers em particular separadamente.
2
Na Europa, o início do controle de fusões deu-se em torno da mesma época, e o crescimento foi também
muito acelerado: entre setembro de 1990, quando entrou em vigor, ao final de 2000, mais de 1.500 fusões
foram revistas. Durante o período, apenas 13 foram bloqueadas. Em 2004, as regras de fusões foram revistas
na Europa, como será comentado adiante.
3
Fusões verticais, ou seja, entre empresas em operação e em estágios sucessivos do processo produtivo,
serão discutidas no Capítulo 6.
A seção 5.4 fala sobre os remédios para fusões, qual sejam, as condições que as
autoridades antitruste devem requerer para corrigir possíveis efeitos anticompetitivos de
uma fusão. A seção 5.5 rapidamente discute as políticas de fusões europeia e brasileira e
alguns desenvolvimentos recentes. A seção 5.6 analisa dois estudos de caso.
Esta seção focaliza os efeitos unilaterais de uma fusão.5 Primeiro, mostra que uma
fusão provavelmente aumenta o poder de mercado das empresas que se fundem e decresce
tanto o excedente do consumidor quanto o total (seção 5.2.1). Depois enfatiza (seção
5.2.2) que, se uma fusão cria eficiência, o efeito líquido sobre bem-estar é ambíguo, uma
4
No Brasil, atualmente, coincide com o processo de Controle de Concentrações (Título VII, Capítulo I
“Dos Atos de Concentração”) da Lei 12.529/2011 e foi iniciado no país com a promulgação da Lei 8.884,
em 11 de junho de 1994.
5
Em termos técnicos, estamos comparando o equilíbrio não cooperativo de uma rodada na indústria antes
e depois da fusão.
vez que o aumento do poder de mercado pode ser contrabalançado pelo decréscimo de
preço proporcionado pelos ganhos de eficiência.
Para entender por que uma fusão pode levar à possibilidade de que uma empresa
unilateralmente aumente seu poder de mercado, considere um simples exemplo. Imagine
que em uma cidade exista certo número de supermercados independentes. A concorrência
restringe o poder de mercado de cada loja: se uma delas tenta elevar preços de forma
significativa, muitos consumidores começarão a comprar em outras lojas. Antecipando
isso, a loja, ao considerar o aumento de preço, pensará duas vezes e preferirá não perder
clientes. Seu poder de mercado, quer dizer, sua habilidade de cobrar um preço mais
elevado dos consumidores, é, portanto, limitado pela presença da concorrência.
Tal poder de mercado, contudo, aumentará se duas ou mais lojas fundirem-se para
dar origem a uma cadeia de supermercados. Um aumento, agora, por parte da cadeia de
lojas no preço de cada produto vendido poderá ser lucrativo, porque o número de
concorrentes foi reduzido. Os consumidores terão de se deslocar por distâncias maiores
para encontrar lojas com preços mais baixos e muitos deles irão comprar nas lojas de
hábito, a despeito dos preços mais elevados.
Em geral, portanto, a fusão eleva (em algum grau) o poder de mercado das
empresas fusionadas, o que, por sua vez, eleva os preços.
Para sermos mais exatos, é preciso dizer que existe uma pequena diferença na
previsão acerca dos efeitos sobre os preços das fusões feitas por diferentes modelos na
literatura sobre economia industrial. Em particular, modelos que presumem que a variável
de decisão das empresas é preço predizem que os preços cobrados por ambas as
6
Para trabalhos em que as empresas escolhem quantidades (tecnicamente, suas decisões são substitutos
estratégicos), ver, por exemplo, Salant, Switzer e Reynolds (1983) e Farrell e Shapiro (1990). Para trabalhos
em que elas escolhem preços (isto é, as decisões são complementos estratégicos), ver Deneckere e Davidson
(1985).
O efeito de uma fusão sobre os lucros das concorrentes também desperta interesse.
O que talvez seja surpreendente para alguns leitores é que, na ausência de ganhos de
eficiência, a fusão beneficiará as demais empresas. Isso ocorre porque as fusionadas, ao
elevar preços e/ou reduzir produção, beneficiam as concorrentes.8 De fato, as rivais
podem ganhar mais que as envolvidas na fusão.9
Em suma, por conta do aumento de poder de mercado, fusões que não geram
ganhos de eficiência prejudicam os consumidores e a sociedade de maneira geral.10 Como
veremos na seção 5.2.3, a presença de ganhos de eficiência pode alterar esse resultado e
tornar uma fusão benéfica do ponto de vista do consumidor e do bem-estar total. Antes
de mostrar isso, no entanto, vamos discutir as variáveis que afetam a proporção em que
uma fusão pode aumentar poder de mercado.
7
Veja, por exemplo, Farrell e Shapiro (1990) para o caso de competição por quantidades. Mesmo nos
modelos em que as empresas estabelecem quantidades, o aumento estabelecido pelas demais é compensado
pela queda da quantidade vendida pelas fusionadas.
8
Uma fusão pode ser vista como uma espécie de “bem público” (o preço elevado) proporcionado pelas
fusionadas, enquanto as demais empresas podem pegar carona na provisão do bem público.
9
Em modelos nos quais as empresas escolhem quantidades e não há efeitos de eficiências, as empresas
envolvidas na fusão podem sair perdendo; os lucros das fusionadas podem ser mais baixos que a soma dos
lucros que perfazem quando independentes.
10
Uma possível exceção para esse resultado pode surgir quando duas empresas pequenas se fundem. Nesse
caso (rapidamente discutido na próxima seção), o bem-estar total (não o do consumidor) pode aumentar
mesmo na ausência de ganhos de eficiência. No entanto, como veremos a seguir, autoridades antitruste
tipicamente não escrutinam fusões entre empresas com baixa participação de mercado.
Pelas mesmas razões, e qualquer que seja o nível existente de concentração, deve-
se prestar mais atenção a uma fusão que aumente de forma sensível a concentração da
indústria que para uma que a aumente apenas marginalmente. Isso confere racionalidade
ao uso da proxy para a mudança provável na concentração (tal como Δ HHI, ou seja, a
diferença entre a concentração pós e pré-fusão) como recurso de filtragem adicional.
11
Todo pequeno ganho de eficiência pode contrabalançar o possível efeito negativo do poder de mercado
quando muito pequeno.
12
O HHI é o índice-padrão de concentração e o mais comumente utilizado em análises antitruste. E
conferido pela soma dos quadrados das participações de mercado das empresas do setor. Pode variar entre
zero, quando o mercado é inteiramente fragmentado (cada empresa com uma participação próxima de zero)
e 10 mil, quando apenas uma empresa do setor possui 100% do mercado. O índice assume valores entre 0
e 1 se frações forem utilizadas no lugar de porcentagens.
13
Veja “US Merger Guidelines” (seção 1.5). Na prática, contudo, as agências americanas não aplicam esses
limiares estritamente.
14
O HHI pós-fusão é computado pela suposição de que cada empresa mantenha a mesma participação de
mercado anterior à fusão e que as fusionadas simplesmente tenham a soma de suas participações pré-fusão.
15
Em termos técnicos, isso se dá porque, sob competição de Cournot (substitutos estratégicos), as demais
empresas reagem à menor quantidade de companhias envolvidas na fusão, aumentando sua própria
produção. Quando as fusionadas são pequenas, a redução da produção pode ser de menor ordem que a
expansão da produção das empresas maiores não envolvidas na fusão. A existência de assimetrias abre a
possibilidade de que uma fusão possa elevar o bem-estar em circunstâncias muito particulares. Por exemplo,
se as demais empresas forem mais eficientes que as fusionadas, a fusão realocará a produção para fora,
também um efeito gerador de bem-estar.
coisas mais constantes, quanto maior a capacidade ociosa das concorrentes, menos
provável que as fusionadas exerçam poder de mercado.16
16
Considerações similares se aplicam à disponibilidade de matéria-prima, reservas ou outros insumos
indispensáveis.
17
A teoria dos mercados contestáveis (ver Capítulo 2) tem o mérito de ter enfatizado o papel dos entrantes
potenciais para restringir o poder de mercado dos incumbentes.
18
A entrada pode também tomar a forma de importações. Se, após uma fusão, os preços sobem, a
competitividade das empresas estrangeiras irá aumentar. Como resultado, as importações poderão
disciplinar o mercado da mesma forma que entrantes locais.
19
Veja Werden e Froeb (1998) para um estudo que levanta algumas dúvidas sobre a possibilidade de que a
entrada venha a reduzir ou eliminar os efeitos anticompetitivos de fusões.
20
As barreiras à entrada podem ser tecnológicas (know-how a ser aprendido, mas também patentes
protegidas pelas empresas existentes), administrativas (caso sejam necessárias licenças ou permissões do
governo para operar no mercado), ligadas ao mercado financeiro e assim por diante. Custos de transferência
por parte dos consumidores de várias naturezas ou efeitos de rede (ver o Capítulo 2) podem também ser
obstáculos para novos entrantes.
21
A Resolução 2/2012 do CADE estabelece o rol de questões às quais as empresas que submetem fusões à
aprovação devem responder para que as autoridades avaliem as possibilidades de entrada e barreiras a
entrantes, entre outros fatores. Como ilustração, confira os seguintes itens do questionário: “IX.16. Caso
alguma das partes tenha entrado em algum(ns) mercado(s) relevante(s) indicado(s) no item V.5, nos últimos
cinco anos, forneça uma análise das barreiras à entrada com a qual se deparou e quantifique os custos dessa
entrada (não exclusivamente em termos do montante investido e da escala de produção).” e “IX.9.
Considerando as informações prestadas nos itens IX.8, para cada mercado relevante indicado no item V.5,
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10
informar o tempo necessário para se efetivar uma entrada completa, desde a fase de planejamento até o
início das atividades do entrante”.
22
O argumento da empresa em situação pré-falimentar foi levantado pela primeira vez em 1998, por ocasião
do exame da operação de aquisição da Metal Leve pela Mahle e a Magneti Marelli. A Mahle, tradicional
empresa brasileira de autopeças, encontrava-se em decadência, não mais fazia os investimentos necessários
para permanecer ativa na indústria nem realizava melhorias tecnológicas. Para aplicar o argumento da
empresa pré-falimentar (failing firm), seria necessário não apenas que a empresa estivesse em uma situação
de falência, mas também que a adquirente fosse a única compradora disponível. A conselheira-relatora
realizou diligência para verificar se, antes de realizada a operação, o negócio fora oferecido ao mercado.
De fato, antes de realizar a operação, houve a tentativa de realização de um leilão das ações da Metal Leve
na cidade de Nova York. No entanto, não houve qualquer proposta firme. No voto condutor, reforçou-se o
princípio de que a tese de empresa pré-falimentar é compatível com o objetivo de eficiência, porque, na
ausência da aquisição, a capacidade utilizada e a produção no mercado cairiam. A aquisição da Metal Leve
levaria a empresa Mahle a apresentar um significativo poder de mercado, mas também geraria eficiências,
como ganhos de escala, devido ao fato de maior capacidade produtiva ser utilizada no mercado. Apesar de
a empresa Metal Leve realmente vir apresentando um quadro de flagrante deterioração financeira e
patrimonial antes da aquisição (as perdas, em 1995, chegaram a US$18,7 milhões, uma rentabilidade
negativa do patrimônio de 11%, e, em 1996, ter tido um prejuízo líquido em torno de US$52 milhões,
levando a uma rentabilidade negativa de 44,6% sobre o patrimônio), o CADE entendeu que a tese da
empresa pré-falimentar não deveria ser utilizada nesse caso, a não ser apenas como forma de uma análise
análoga e subsidiária, já que não foi possível provar, por exemplo, que a empresa não seria capaz de honrar
seus compromissos. Foi concluído que não havia elementos suficientes para considerar que a empresa Metal
Leve encontrava-se em uma situação pré-falimentar. Além disso, argumentou-se ainda que, com relação à
produção de camisas, realizadas pelas Mahle e Cofap, não seria possível aplicar o argumento nem de forma
análoga, apenas aos mercados de pistões e sinterizados nos quais opera a Metal Leve. O caso foi aprovado
no que se refere aos mercados relevantes de pistões e peças sinterizadas, mas não foi aprovado por maioria
em relação ao mercado relevante de camisas de pistões. O caso foi julgado em 12 de agosto de 1998.
Posteriormente, a tese foi utilizada na aquisição pela Votorantim dos direitos minerários da empresa Massa
Falida de Mineração, atividades principais no mercado de zinco, (AC n. 08012.014340/2007-75). Em 1997,
a mineradora entrou em processo de falência, e todas as empresas componentes do grupo ao qual pertencia
encontravam-se falidas, com suas atividades paralisadas. A tese foi levantada pela requerente e aceita pelo
CADE em suas razões de decisão.
Na falta de ganhos de eficiência, deve-se supor que uma fusão reduza tanto o
excedente do consumidor como o bem-estar total. Não obstante, é bem estabelecido na
literatura sobre economia que ganhos de eficiência podem contrabalançar o poder de
mercado reforçado de empresas que se fundem e elevar o bem-estar, pois a fusão pode
levar as fusionadas a se tornarem mais eficientes e pouparem custos unitários. Se essas
economias forem grandes o suficiente, irão contrabalançar o aumento do poder de
mercado e resultar em preços mais baixos, em benefício dos consumidores.
A empresa fusionada agora ainda pode, é claro, elevar seus preços (as vendas
podem cair, mas o mark-up crescerá por conta do aumento de preço e por causa dos custos
menores). Essa estratégia seria lucrativa, pois, como tínhamos visto, já o seria mesmo na
ausência de redução de custos. No entanto, não é mais necessariamente ótima (ou seja, a
estratégia mais lucrativa). De fato, por conta dos ganhos de eficiência, outra estratégia
lucrativa pode ser, agora, reduzir preços e atrair novos consumidores. Por exemplo, no
caso em que preços e custos unitários decrescem proporcionalmente, o mark-up unitário
seria exatamente o mesmo de antes da fusão, mas os lucros totais seriam mais altos, na
medida em que os preços menores aumentam a demanda da rede de supermercados.
O efeito dos ganhos de eficiência nos lucros das empresas externas à fusão. Deve-
se notar que o impacto da fusão na distribuição dos lucros das empresas pode ser muito
diferente quando há ganhos de eficiência. Na realidade, ao contrário de quando não há
ganhos de eficiência, as empresas externas à fusão perderão com a operação agora e se
oporão quando a fusão permitir às empresas envolvidas cortar custos. Intuitivamente, isso
se dá porque a fusão altera as posições competitivas das empresas do setor em detrimento
das externas.
A análise dos efeitos da fusão revela, assim, que os lucros das concorrentes
diminuirão quando a fusão tiver um efeito positivo sobre o bem-estar, especificamente
quando existirem ganhos de eficiência grandes o bastante. Essa ideia levou Eckbo (1983)
a olhar para o impacto do anúncio de fusões sobre o preço de mercado de ações de
empresas externas à operação para ter uma indicação da relevância dos ganhos de
eficiência. Se os preços das ações dos concorrentes caíssem, significaria que os analistas
de mercado e observadores anteciparam a existência de eficiências na fusão. Por sua vez,
isso deveria implicar que a fusão iria aumentar o excedente do consumidor e o total. Se,
ao contrário, os preços das ações dos competidores subissem, deveriam se esperar ganhos
de eficiência mínimos ou ausentes, e, como consequência, uma fusão prejudicial ao bem-
estar.23
Não obstante, esse método encontra dificuldades. Em primeiro lugar, presume que
o preço das ações antecipe corretamente os efeitos da fusão, o que implica, entre outros
fatores, que também é capaz de avaliar alegações de ganhos de eficiência feitas pelas
partes em fusão (que, com frequência, exageram a lucratividade). Em segundo lugar, o
anúncio formal da fusão pode ser seguido de um período de especulação sobre a
probabilidade de que a operação venha a ocorrer, de modo que se devem considerar
correções com relação a essa primeira fase. Em terceiro lugar, choques exógenos
relacionados com a lucratividade do setor ou com a economia como um todo podem ter
23
Para uma avaliação da política de fusões europeia usando esse teste, ver Neven e Röller (2002).
impacto sobre os preços das ações das empresas.24 Em quarto lugar, a resposta da bolsa
de valores ao anúncio de uma fusão pode também ser afetada pelas expectativas das
decisões das autoridades antitruste. Suponha que exista uma expectativa correta de que a
fusão envolva ganhos de eficiência, mas que também exista a antecipação de que as
autoridades antitruste não autorizarão a operação (talvez porque não levem em conta
adequadamente os ganhos de eficiência, o que pode ter sido o caso na União Europeia
por muito tempo). Nessa situação, os preços das ações dos concorrentes não irão decrescer
e poderão até mesmo subir, na expectativa dos custos regulatórios incorridos pelas partes
na fusão.
A natureza dos ganhos de eficiência e sua avaliação. Até agora, fomos vagos
quanto às fontes de possíveis ganhos de eficiência. Há várias razões para que as empresas
que combinam seus ativos venham a reduzir custos. A mais óbvia é a existência de
24
Eventos e também declarações públicas relacionadas com fusões podem afetar os preços das ações.
Considere o caso em que os executivos de empresas em processo de fusão declaram publicamente que, após
a conclusão da operação, vão atuar mais agressivamente e poderão aumentar a participação de mercado.
Mesmo que a fusão não implique, de fato, eficiências, essa declaração poderá afetar as expectativas do
mercado, e os preços das ações dos concorrentes podem sofrer queda em antecipação a um ambiente de
concorrência mais acirrado.
25
É claro que esse não é sempre o caso. Suponha que haja uma fusão vertical que tenda a bloquear o
mercado para as concorrentes. Nesse caso, elas irão reivindicar, mas a fusão poderá também reduzir o
excedente do consumidor e o bem-estar total. No Capítulo 6, trataremos de bloqueio de mercado em fusões,
situação rara, e das condições que devem ser preenchidas para que uma fusão vertical seja prejudicial.
Do ponto de vista teórico, deve-se traçar uma distinção entre economias de custo
que irão afetar diretamente os custos variáveis de produção e as que principalmente
afetarão os custos fixos. O primeiro tipo de ganhos de eficiência tem, possivelmente, um
impacto direto nos preços, enquanto o segundo afetaria custos fixos (ou seja,
independentemente do volume de produção) e, portanto, não modificaria as decisões de
preço das empresas (que dependem apenas dos custos variáveis). Ganhos de eficiência
em custos fixos podem, mesmo assim, ainda gerar efeitos positivos sobre bem-estar, mas
adviriam apenas do aumento de lucros em função da menor duplicação de custos fixos,
já que o excedente do consumidor permaneceria constante. Se as autoridades de defesa
da concorrência atribuírem um elevado peso ao bem-estar do consumidor ou a legislação
concorrencial requerer que os ganhos de eficiência sejam, ao menos em parte, repassados
para os consumidores, os ganhos de eficiência que advêm sobretudo de economias em
custos fixos deverão ser vistos de forma menos favorável.27
26
McGuckin e Nguyen (1995) encontraram resultados discrepantes na análise de um painel de 28 mil
plantas no período entre 1977 e 1987. Por um lado, uma mudança na propriedade é geralmente associada à
transferência de plantas com produtividade acima da média. Por outro, depois da mudança de propriedade,
as plantas transferidas mostram maior produtividade. Matsusaka (1993) estudou a resposta do mercado
financeiro a anúncios de aquisições e relatou que o mercado responde positivamente a compradores que
mantêm a gerência das companhias adquiridas, mas negativamente aos compradores que trocam as
gerências, sugerindo que o mercado não gosta de takeovers com o objetivo de disciplinar a gerência de
companhias alvos de aquisição.
27
Fusões, tratadas na legislação brasileira pela denominação mais geral de “atos de concentração
econômica”, são regidos pelas regras do art. 88 da Lei 12.529/2011, que estabelece que serão proibidos ou
passíveis de aprovação nas seguintes condições: “... § 5o: Serão proibidos os atos de concentração que
impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou
reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou
serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo. § 6o: Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16
ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes
objetivos:
I – Cumulada ou alternativamente:
a) Aumentar a produtividade ou a competitividade.
b) Melhorar a qualidade de bens ou serviços.
c) Propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.
II – Sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.”
Note-se a importância, no marco brasileiro, do compartilhamento dos benefícios gerados pela operação
entre as empresas e os consumidores. Em termos teóricos, pode-se presumir a prevalência do excedente do
consumidor, nos termos do arcabouço de análise proposto por Farrell e Shapiro (1990) como referência
para a aprovação de fusões. Assim, para que sejam passíveis de aprovação, fusões (atos de concentração)
que eliminem a concorrência precisam apresentar ganhos de eficiência tangíveis, como os elencados nos
incisos a, b e c, e ainda compartilhar parcela significativa dos benefícios com os consumidores (o que,
pondera-se, só é possível ocorrer se houver preservação de concorrência no mercado, na forma de rivalidade
ou possibilidade de entrada). Assim, as condições legais para aprovação de atos de concentração no Brasil
são claras, mas, decerto, bastante estritas.
28
US Merger Guidelines, seção 4.
aumento do poder de mercado29 e podem, com frequência, serem obtidas sem recorrer a
uma fusão. De fato, os autores salientam a importância de compreender a probabilidade
de obter as eficiências alegadas na inocorrência da fusão, ou seja, pelo crescimento
interno, e argumentam que apenas sinergias não obtidas unilateralmente devem ser
consideradas.30 Além disso, se ganhos de eficiências “não sinérgicas” têm a possibilidade
de atingir considerável magnitude, uma empresa terá forte incentivo para persegui-los
unilateralmente, o que, por sua vez, significa que serão menos provavelmente específicos
de fusões.
29
Note, contudo, que Farrell e Shapiro (2001) baseiam sua discussão principalmente no suposto de que o
excedente do consumidor, não o total, seja o objetivo da política de concorrência. Isso significa que o lucro
das empresas não é levado em consideração.
30
Eles também advertem contra o perigo de se cair em duas posições extremas e opostas. A primeira, a de
que sempre existem contratos que permitem que as empresas repliquem economias de custos obtidas por
fusões (ou seja, nenhuma eficiência seria realmente específica de fusões). A outra, se fosse possível obter
um ganho de eficiência sem a fusão, a empresa já o teria feito.
31
Partes em fusão frequentemente têm genuína tendência a exagerar os benefícios de seus ativos e
atividades combinadas. Mesmo documentos estritamente internos e confidenciais em geral reportam
avaliações muito otimistas sobre os ganhos de eficiência a serem obtidos com a fusão.
32
Neven, Nuttall e Seabright (1993) sugerem que a Comissão Europeia crie uma unidade de auditores
dentro da área de análise de fusões para avaliar ganhos de eficiência de fusões.
mais forte a possibilidade de que a fusão permita às partes exercer alto poder de mercado,
maiores devem ser os ganhos de eficiência requeridos pelas autoridades para permiti-la.
Uma autoridade antitruste (AA) deve aprovar uma fusão apenas se certos
“remédios” forem adotados pelas empresas em fusão.33 Não se trata de um evento
incomum: em considerável proporção, as fusões revistas pela Comissão Europeia e pelo
CADE são aprovadas após remédios terem sido oferecidos pelas partes (de acordo com
os procedimentos europeus) ou impostos pelo CADE (de acordo com a legislação
brasileira).34
33
Esta seção segue muito de perto Motta, Polo e Vasconcelos (2002).
34
A Lei 12.529/2011 estabelece claramente as formas que podem assumir os remédios estruturais e
comportamentais em fusões, conforme o art. 61: “No julgamento do pedido de aprovação do ato de
concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente,
caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia
do ato.
§ 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato
de concentração sobre os mercados relevantes afetados.
§ 2º As restrições mencionadas no § 1º deste artigo incluem:
I – A venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua atividade empresarial.
II – A cisão de sociedade.
III – A alienação de controle societário.
IV – A separação contábil ou jurídica de atividades.
V – O licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual.
VI – Qualquer outro ato ou providência necessária para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem
econômica.”
O inciso VI indica a possibilidade de imposição de remédios comportamentais ou mistos.
É claro que nem todos os diferentes remédios são aplicáveis a todas as fusões.
Eles tipicamente diferem também com relação ao grau de envolvimento requerido de
parte da AA. Remédios comportamentais usualmente requerem monitoramento continuo
pelas autoridades, enquanto os estruturais não. Por outro lado, remédios estruturais podem
ser mais arriscados, por serem irreversíveis: se a alienação de certos ativos for mal
escolhida ou se os ativos caírem nas mãos de um mal comprador, os danos concorrenciais
não poderão ser desfeitos.
5.3.1 – Alienações
Ativos alienados podem ser adquiridos por uma nova empresa ou por um
competidor existente. Em ambos os eventos, a AA deve assegurar que o adquirente seja
um competidor ativo no mercado. Para esse fim, o adquirente deve comprar “todos os
elementos necessários do negócio para atuar como um competidor viável no mercado:
ativos tangíveis (como atividades de P&D, produção, distribuição, vendas e marketing) e
intangíveis (como propriedade intelectual e clientela), pessoal, acordos de suprimento e
vendas (com garantias apropriadas sobre transferência), listas de clientes, acordos de
serviços de terceiros, assistência técnica (escopo, duração, custo, qualidade) e assim por
diante”.36
35
A experiência americana, reportada no relatório “FTC Divestiture Report”, de 1999 (Federal Trade
Commission, 1999), influenciou consideravelmente a experiência europeia, reportada em Commission
Notice on Remedies, de Parker e Balto (2000) e a experiência brasileira, aqui comentada.
36
Commission Notice and Remedies, p. 46.
37
A FTC com frequência requer a alienação de um conjunto de ativos maior que aqueles que participaram
do mercado em sobreposição no caso de ativos acessórios serem necessários para replicar economias de
escala e escopo, sem as quais a concorrência não poderá ser restaurada. Veja Parker e Balto (2000). A
mesma prática foi seguida pela Comissão Europeia em alguns casos, como Unilever/Bestfoods e Total
Fina/Elf Aquitaine.
38
O relatório da FTC era absolutamente recente quando serviu de referência para o parecer da antiga
Secretaria de Direito Econômico – atual Superintendência Geral do CADE, em sua análise da fusão entre
a Antarctica e a Brahma, que deram origem à Ambev, no ano 2000. Seguindo a análise sugerida pela FTC,
a SDE recomendava ao CADE a alienação completa de um negócio, um conjunto de ativos que permitisse
a um novo concorrente se estabelecer no mercado, caso o CADE entendesse pela aprovação da operação,
em virtude da presença de eficiências compensatórias. A decisão final revelou-se mais tímida que a
recomendação técnica, tanto que a compradora dos ativos, a empresa Molson, de origem canadense,
adquirente da marca Bavária e das cinco plantas colocadas à venda, não conseguiu se estabelecer como
concorrente viável no mercado, terminando por encerrar suas atividades no país em 2005, após anos
consecutivos de prejuízo e perda de participação de mercado. Em MCI WorldCom/Sprint, a Comissão
Europeia entendeu que a fusão, envolvendo o provedor mundial de conexão com a internet (MCI
WorldCom) e um de seus maiores concorrentes, Sprint, resultaria na criação de uma posição dominante no
mercado de internet universal de conectividade de alto nível. As partes propuseram a alienação do negócio
de internet da Sprint, mas a Comissão não aceitou o remédio, pois argumentou que esse era completamente
interligado aos outros negócios de telecomunicações da empresa, e a separação não permitiria que a Sprint
se constituísse como competidor forte e viável da entidade fusionada.
Em segundo lugar, o estudo dos efeitos ex post de fusões, realizado pela FTC,
enfatiza o significado das assimetrias de informações entre o vendedor e o comprador.
Quando este último ainda não está operando na indústria, pode não saber quais os ativos
cruciais para ser um competidor efetivo no setor e terminar com um pacote de ativos
aquém do necessário para obter sucesso no mercado.40
Em terceiro lugar, sempre que algumas relações são necessárias entre vendedor e
comprador dos ativos alienados (como exemplo, o comprador precisa de suprimento de
certos insumos ou de assistência técnica), o remédio é incapaz de restaurar a concorrência.
No estudo da FTC, em 13 dos 19 casos revistos nos quais existia tal relação, o comprador
não conseguiu operar eficientemente ou ocorreu colusão entre as duas empresas
(PARKER e BALTO, 2000).
Em quarto lugar, é obvio que as partes fusionadas têm todos os incentivos para
selecionar o comprador que não desafie suas posições de mercado, mas – talvez seja
menos óbvio – não está claro que o comprador que pretenda ser um feroz concorrente vá
terminar com os ativos alienados. Suponha que existam dois compradores potenciais,
idênticos em outros aspectos, mas muito diferentes nas atitudes no mercado. Um planeja
usar uma política de preços branda ou estabelecer conluio (tácito ou aberto) com o
vendedor. O outro planeja uma estratégia de preços agressiva. É provável que o lucro
39
As figuras do “curador mantido em separado” (trustee) ou “curador da alienação” podem substituir o
papel da autoridade. Está incorporado à Regulação de Fusões europeia atualizada (Council Regulation Nº
139/2004).
40
O problema se torna mais sério pelo fato de que o vendedor tem todos os incentivos para projetar um
pacote que não inclua os ativos corretos (do ponto de vista do concorrente), e de que a autoridade de defesa
da concorrência não é um regulador da indústria e, por isso, tem expertise limitada com relação a cada setor.
Isso aponta para uma tensão entre dois problemas: por um lado, as AAs devem
garantir o reforço ou a criação de empresas viáveis para evitar questões de efeitos
unilaterais (dominância de empresas individuais pela fusão). Por outro, devem também
evitar a ocorrência de efeitos pró-colusivos após a fusão (dominância conjunta). Isso
implica que a avaliação de remédios para fusões deve seguir o mesmo teste duplo usado
na análise de fusões, a análise de efeitos unilaterais e pró-colusivos. Remédios devem ser
aceitos, e a fusão proposta, autorizada apenas no caso de ambos os testes serem satisfeitos.
41
Em 2005, a Petrobras adquiriu os ativos da Ipiranga, relativos no mercado de distribuição de combustíveis
(AC 08012.007897/2005-98), implicando efeitos verticais e horizontais.
42
Nos termos do art. 58 da Lei 8.884 de 11 de junho de 1994.
Muitos desses remédios, por natureza, requerem algum tipo de regulação contínua
ou monitoração e, portanto, deverão provavelmente mobilizar recursos das AAs por
muito tempo após a fusão ter sido aprovada e realizada. Algumas dessas medidas são
também relativamente fáceis de serem burladas, a menos que sejam cuidadosamente
monitoradas e que os reguladores conheçam muito bem a indústria, improvável no caso
das AAs.
43
A operação foi aprovada com a imposição também de remédio estrutural, a alienação de um ativo, a base-
alvo, no Distrito Federal.
44
As autoridades antitruste americanas aprovaram várias fusões verticais sujeitas à imposição de
requerimentos de não divulgação e/ou não discriminação sobre a entidade pós-fusão. Para uma discussão
de um modelo de paredes corta-fogo vertical, ver Milliou (2001).
Esses são problemas difíceis com os quais um regulador precisa lidar e passam a
ser a fortiori no caso das AAs, cuja expertise reside em outra seara e cujo conhecimento
da indústria não se equipara ao de um regulador.
A análise econômica sugere que uma distinção deve ser feita entre casos em que
fusões provocam preocupações sobre aumento de preços unilaterais e sobre
comportamento colusivo (tácito ou explícito). Nesses últimos casos, se as preocupações
forem justificadas, diz-se que a fusão cria dominância conjunta. Contudo, nos primeiros
casos, não há uma correspondência tão próxima com dominância unilateral. Considere o
exemplo de uma fusão que resulte em duas empresas com grande poder de mercado
operando na indústria, mas nenhuma com poder suficiente para ser considerada
dominante. Considere ainda que seja muito pouco provável que tendam a entrar em
conluio (ou seja, não seriam dominantes conjuntamente). A economia sugere que tal fusão
seria prejudicial. No entanto, a Comissão Europeia não poderia proibi-la: de acordo com
a Merger Regulation, é necessário encontrar uma posição dominante para proibir uma
fusão.46
45
Veja o Capítulo 1 para uma discussão sobre o conceito de dominância. Na prática uma empresa será
considerada dominante se tiver uma participação de mercado muito grande (veja também o Capítulo 3).
46
No Brasil a pressuposição de posição dominante também é condição necessária para o exercício abusivo
do poder de mercado. A Lei 12.529/2011 define posição dominante como “Art. 36 § 2º Presume-se posição
dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou
coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante,
podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.”
47
O julgamento diz que a dominância conjunta surge quando empresas “… especialmente por conta de
fatores correlacionados entre elas, podem adotar uma política comum no mercado e agem com considerável
liberdade, independentemente dos concorrentes, clientes e consumidores”. (France/Commission). A
referência a “fatores correlacionados” parece indicar algum tipo de ligação estrutural entre as empresas.
48
Apelação da decisão da CE no caso Gencor/Lonho.
49
CPI argumentou que não há necessidade de que os oligopolistas sejam inter-relacionados por ligações
especiais para provar que a dominância conjunta existe.
50
Em 1992, a Thomson tinha 24% do mercado, a Airtours, 11%, a First Choice, 6%, e Thomas Cook, 4%.
Em 1998, a Thomson tinha 30,7%, a Airtours, 19,4%, a First Choice, 15%, e a Thomas Cook 20,4%; a
operadora seguinte era a Cosmos/Avro, com 2,9% do mercado.
51
A CE estava consciente de que a colusão completa de preços não poderia ser sustentada. Nessa indústria,
as decisões das empresas são tomadas em dois diferentes níveis: em um estágio de planejamento, uma
empresa decide a capacidade total (principalmente assentos em voos charters e quartos em hotéis) para os
próximos 12 a 18 meses. No estágio de vendas, elas competem com a restrição de capacidade previamente
escolhida e têm forte incentivo para preencher capacidades, principalmente ao considerar que os pacotes
de férias são “bens perecíveis” (determinado pacote perde seu valor se não for vendido antes da data da
partida). Por conta disso, consideráveis descontos de preços sobre os preços de catálogo são comuns quando
as datas de partida se aproximam. A tentação de desviar de um preço colusivo seria, portanto, muito forte,
e a ameaça de punição dentro de um período de venda teria pouca credibilidade em virtude da restrição de
capacidade.
52
Motta (2000) sugere usar Staiger e Wolak (1992) para racionalizar a decisão da CE. Eles analisam a
colusão em um modelo que compartilha muitas das características da indústria de pacotes de turismo. No
repetido jogo que analisam, cada período é composto de três estágios. Primeiro, cada empresa escolhe
capacidade sem conhecer a demanda, depois o nível de demanda é revelado, e, finalmente, elas escolhem
o nível de preços com base no nível de demanda e nas restrições de capacidade determinadas pela escolha
prévia. Os autores relataram que vários níveis de preços podem ser sustentados ao equilíbrio colusivo e que
equilíbrios colusivos surgem quando as empresas coludem, restringindo seus níveis de capacidade, mas
estabelecendo preços não completamente colusivos. Em particular, dados os níveis de escolhas de
capacidade “para escolhas de demanda moderadamente ruins, as empresas simplesmente iniciam uma
redução de preços uniforme abaixo do preço de monopólio conjunto, mas, se as condições de demanda
forem suficientemente ruins, elas irão escalar na guerra de preços, com sucessivas reduções em equilíbrio”
(STAIGER e WOLAK, 1992: 205). Note que a CE não se apoiou nesse modelo para sua decisão.
53
É bem possível que bloquear a fusão Airtours/First Choice tenha sido a decisão correta (pelo menos, em
virtude do mercado de produto definido pela CE e porque nenhum ganho de eficiência foi mencionado na
decisão), por conta de efeitos unilaterais.
respeito à questão de como lidar com efeitos unilaterais, isto é, como proibir fusões
prejudiciais ao bem-estar mas não criam ou fortalecem a dominância.
...não questionará uma fusão caso eficiências reconhecíveis sejam de caráter e magnitudes
tais que a operação não seja anticompetitiva em qualquer mercado relevante. Para essa
determinação, a Agência considera se eficiências reconhecíveis prováveis seriam
suficientes para reverter o potencial de dano aos consumidores no mercado relevante, por
exemplo, impedindo aumento de preços. Ao conduzir essa análise, a Agência não irá
apenas comparar a magnitude das eficiências reconhecíveis com a magnitude dos danos
prováveis na ausência de eficiências. Quanto maior o potencial de efeitos competitivos
adversos advindos de uma fusão... maiores devem ser as eficiências reconhecíveis para
que a Agência conclua que a fusão não terá efeitos anticompetitivos adversos no mercado
relevante. Quando é provável que os efeitos anticompetitivos adversos potenciais de uma
fusão sejam particularmente grandes, eficiências extraordinariamente grandes e
reconhecíveis devem ser necessárias para impedir que a fusão seja anticompetitiva (US
Merger Guidelines, seção 4).
54
A proposta foi apresentada em 2003 e transformada em diretiva em 20 de janeiro de 2004; representou
um compromisso entre duas posições extremas expressas pelos Estados-membros: a primeira, manter o
teste de dominância inalterado; a segunda, substituí-lo por um teste “substancial de redução da
concorrência”, sob o qual, como nos Estados Unidos, uma fusão é bloqueada se tiver o efeito de elevar
preços.
A CE adotava, até recentemente, uma abordagem mais ambígua com relação aos
ganhos de eficiência. Olhando para a redação da Merger Regulation vigente até 2003, não
se poderia dizer que a defesa de eficiências era explicitamente permitida nem descartada.
55
Veja Noël (1997: 503) e Goyder (1993).
TÍTULO VII
Das Formas de Controle
CAPÍTULO I
Do Controle de Atos e Contratos
art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer
forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados
relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.
§ 1º O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam às
seguintes condições:
I – Tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:
a) Aumentar a produtividade.
b) Melhorar a qualidade de bens ou serviços.
c) Propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.
II – Os benefícios decorrentes sejam distribuídos equitativamente entre seus
participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro.
III – Não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado
relevante de bens e serviços.
IV – Sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos
visados.
§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde
que atendidas, pelo menos, três das condições previstas nos incisos do parágrafo
anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional e do
bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.
art. 88
...§ 5º Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da
concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar
uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante
de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6º deste artigo.
§ 6º Os atos a que se refere o § 5º deste artigo poderão ser autorizados, desde que
sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes
objetivos:
I – Cumulada ou alternativamente:
a) Aumentar a produtividade ou a competitividade.
b) Melhorar a qualidade de bens ou serviços.
c) Propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.
II – Seja repassada aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.
Esse quarto mercado foi excluído da análise pela constatação de que os produtores
não são concorrentes capazes de contestar a política comercial das grandes empresas. Em
termos antitruste, não seriam concorrentes efetivos. No prosseguimento da análise,
verificou-se que, no mercado de balas e confeitos, o somatório das participações
Nestlé/Garoto em 2001 (ano da aquisição) seria inferior a 4%, e a produção para esse
mercado não era o core business das empresas. A análise antitruste foi concluída,
portanto, em virtude da inviabilidade da participação resultante conferir poder de mercado
à adquirente.
do volume são distribuídos por grandes atacadistas, por isso, a necessidade de montagem
de rede própria, com grande capilaridade. A barreira é menor caso se considere que 70%
das vendas são realizadas pelo canal autosserviço, com centros de distribuição
abastecidos pelos fabricantes e se houver a possibilidade de utilização de rede própria já
existente para distribuição de outros produtos (ou seja, para empresas como a líder, que
possa realizar economias de escopo, não para entrantes). A análise do caso concluiu, sobre
esse ponto, que a barreira se torna mais significativa se associada à de marcas e portfólios.
A decisão unânime do CADE, em janeiro de 2004, foi que não foram identificadas
eficiências compensatórias dos danos à concorrência; não existiam alternativas estruturais
56
Note que, até aquele momento, o CADE ainda não tinha definido diretrizes para elaboração de pareceres
técnicos que lhe permitissem rever e replicar simulações apresentadas por partes e terceiros interessados,
nem montado sua capacitação interna, como hoje detém, na forma do Departamento Econômico.
Primeiramente, teve ciência da operação, nos termos do §3º, art. 54, da Lei
8.884/94, devido ao faturamento dos Grupos Sadia e Perdigão ter ultrapassado, em 2008,
o patamar de R$400 milhões, além das participações superiores a 20% em vários
mercados relevantes relacionados com a operação. Imediatamente, foi firmado um APRO
(Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação), pelo qual as partes se
comprometeram a “manter autônomas e independentes as estruturas administrativas,
produtivas e comerciais relacionadas com as atividades desenvolvidas pela Perdigão, de
um lado, e pela Sadia, de outro”, até a decisão final do CADE. No curso da instrução,
houve três flexibilizações do APRO, com o intuito de permitir a coordenação das
atividades:
i. a exportações;
57
O primeiro caso a inaugurar essa tendência no Brasil foi a aquisição da Antarctica Paulista pela
Companhia Cervejaria Brahma, dando origem à Companhia Brasileira de Bebidas – Ambev, a
“Multinacional Verde e Amarela”, apresentada em audiência ao Presidente da República antes de ser
notificada às autoridades da concorrência, em 1999 (AC 08012.005846/1999-12).
Sobreposições Horizontais:
58
Note que comida processada, de fácil preparo e preço relativamente baixo é item importante da cesta de
consumo das famílias urbanas. Entretanto, esse ponto – e seu impacto específico sobre o excedente do
consumidor – não foi mencionado durante a instrução.
5.6.2.4 – Rivalidade
5.6.2.5 – Eficiências
mais para a análise quando os efeitos competitivos adversos são significativos, ausentes
quaisquer eficiências. Eficiências quase nunca justificam uma fusão que gere um
monopólio ou quase monopólio”; a Seae considerou que não houve detalhamento sobre
as eficiências calculadas e apresentadas e que poderiam ser alcançadas de outras formas
menos prejudiciais à concorrência.
Alternativa A
Alternativa B
59
AC 58/94.
Houve um pedido de vista, cujo objetivo (vocalizado) foi buscar uma solução
negociada para a operação com relação à decisão do CADE, favorável à formação da
BRF.60 De forma inusitada – pois, no curso de um julgamento já iniciado, com um relator
definido em sessão regular de distribuição, com atribuições claras estabelecidas pelo
legislador e sem que o procedimento fosse previsto pelo regimento do CADE –, deu-se
início a um processo de negociação entre o conselheiro que havia pedido vista e as
requerentes, para se chegar a um acordo. Por fim, o CADE firmou com a BRF e a Sadia
um TCD (Termo de Compromisso de Desempenho), com os objetivos declarados de
manter a concorrência nos setores de mercado envolvidos, criar condições para a
“existência de concorrência efetiva nos mercados”, gerar condições para entrada rápida e
eficiente de concorrentes nos mercados referidos e assegurar que os benefícios
decorrentes da associação fossem distribuídos equitativamente entre seus participantes e
consumidores finais. Cabe ressaltar que as medidas do TCD estão limitadas ao território
nacional, não impactando a atuação dos associados no mercado internacional (item 100
do voto vista). Entre as principais medidas contidas no TCD e impostas à BRF e à Sadia
estão:
60
Para uma análise crítica da decisão do CADE sobre o caso Sadia/Perdigão, ver Morais e Salgado (2012).
O termo define ainda que o CADE deverá aprovar o comprador do negócio por
meio de alguns critérios, entre eles: saúde financeira e capacidade administrativa e
gerencial. Além disso, o comprador fica proibido de manter qualquer vínculo associativo
com a BRF e com a Sadia por um prazo mínimo de 10 anos e deverá se comprometer a
manter o nível atual de empregos de todas as unidades alienadas, por um prazo mínimo
de seis meses após a aquisição.61
61
As penalidades para condutas que, por ventura, possam ocorrer e que venham a ferir o acordo firmado
pelo TCD também estão contempladas em tal documento. A penalidade mais grave é uma multa no valor
de R$25 milhões, por infração; para penalidades não graves, multa diária de R$50 mil até o limite máximo
de R$1 milhão. Por fim, o CADE deixa claro no TCD que o acordo será monitorado pelo prazo de vigência
e obriga as partes envolvidas no processo a manterem o órgão informado por meio de relatórios mensais
sobre as obrigações assumidas, incluídos contratos a serem firmados com terceiros em virtude das
exigências colocadas no TCD.
Modelar fusões e seus efeitos é difícil. A principal característica das fusões é que
elas criam uma nova empresa que combina os ativos das partes que se fundem, de modo
que é necessário algum tipo de modelo fundado em ativos para captar a essência das
fusões. Existem dois modelos relativamente simples fundados em ativos: modelos de
diferenciação de produtos, em que os ativos em questão são as variedades de produtos
vendidos pelas empresas (seguiremos essa abordagem) e modelos em que as empresas
produzem bens homogêneos mas diferem em suas capacidades produtivas – capacidade,
nesse sentido, significa seus ativos (ver, por exemplo, PERRY e PORTER, 1985).
Outro ponto fraco do padrão Cournot de modelos deriva do fato de que uma fusão
entre empresas simétricas não é lucrativa, a menos que envolva pelo menos 80% das
empresas da indústria, resultado de Salant, Switzer e Reynolds (1983), que o Exercício
5.2 convida você a reproduzir. (Ver também a seção “Efeitos unilaterais de fusões na
ausência de ganhos de eficiência”, a seguir, para discussão.) Evidentemente, é um
problema estudar os efeitos das fusões apoiando-se em um modelo no qual a fusão em si
não é lucrativa, já que o próprio modelo não poderá explicar por quê, em primeiro lugar,
a fusão está ocorrendo.
Para sermos precisos, a lucratividade das fusões pode ser restaurada no modelo de
Cournot, caso se presuma que a fusão promova ganhos de eficiência suficientemente
grandes (conforme mostrado no Exercício 5.3). No entanto, é elucidativo estudar os
efeitos unilaterais das fusões com e sem os ganhos de eficiência (como faremos na seção
“Efeitos unilaterais de fusões na ausência de ganhos de eficiência”, a seguir). Assim,
usamos um modelo em que as empresas têm produtos diferentes, e a fusão cria uma nova
companhia, dotada de um portfólio maior. Para manter o modelo o mais simples possível,
analisamos aqui o caso em que só três produtos existem. O modelo é generalizado para
produtos na seção técnica avançada “Um modelo mais geral” no Quadro 5.2.
Usando um modelo de diferenciação de produto, esta seção mostra que uma fusão
que não gera ganhos de eficiência fortalece o poder de mercado e reduz o bem-estar. O
caso dos ganhos de eficiência será formalmente estudado na seção “Ganhos de eficiência
oriundos da fusão”. Consideramos exclusivamente o caso dos efeitos unilaterais de uma
fusão, excluindo a possibilidade de que as empresas possam entrar em colusão antes ou
depois de fusionadas.
3 3 3 2
3 𝛾
𝑈 = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ] + 𝑦, (5.1)
2(1 + 𝛾) 3
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1
𝑛
1 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ], (5.2)
3 3
𝑗=1
Pré-fusão. Antes de a fusão ocorrer, temos três monoprodutoras com uma função
lucro 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 , onde 𝑞𝑖 é dado pela função de demanda anterior (𝑖 = 1, 2, 3).
3𝑣 + 𝑐(3 + 2𝛾)
𝑝𝑏 = , (5.4)
2(3 + 𝛾)
onde o índice “𝑏” responde por “antes da fusão”. Produto e lucros de equilíbrio são
2
(𝑝𝑖 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝐼 = ∑ (𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + (𝑝1 + 𝑝2 + 𝑝3 )), (5.7)
3 3
𝑖=1
(𝑝3 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝑂 = (𝑣 − 𝑝3 (1 + 𝛾) + (𝑝1 + 𝑝2 + 𝑝3 )). (5.8)
3 3
Tomando as primeiras derivadas 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 (com 𝑖 = 1, 2) e 𝜕𝜋𝑂 /𝜕𝑝3 = 0, obtêm-
se as CPOs
negativa a todas as outras por escolher um preço muito baixo com relação ao que seria
ótimo para maximizar os lucros conjuntos. Se duas empresas se juntam, elas levam em
conta essa externalidade negativa que se impõe mutuamente e elevam seus preços. As
demais reagirão elevando seus preços (lembre-se de que, nesse modelo, as ações são
complementos estratégicos), mas não tanto quanto as empresas em fusão.
O efeito sobre os lucros dos insiders. O próximo resultado é que a fusão beneficia
as empresas que se fusionam. Para ver isso, temos de comparar os lucros por produto
antes e depois da fusão. A desigualdade 𝜋𝐼 > 𝜋𝑏 pode ser reescrita como
intuição por trás desse resultado é que as partes fusionadas internalizam a externalidade
pecuniária negativa dada pelos preços muito baixos da indústria e reduzem sua produção
(que tenderia a aumentar preços). As ações das empresas sendo substitutas estratégicas
(como no caso da concorrência por quantidade e funções de demanda lineares), as
outsiders respondem aumentando, em vez de diminuindo, sua produção, o que lhes
permite ganhar participação de mercado, moderando o aumento de preços. Como
resultado, as empresas que participam da fusão perdem participação de mercado e lucros,
já que a menor quantidade produzida não é compensada por um aumento de preços na
indústria.
Figura Q5.2 Efeitos de uma fusão na ausência de ganhos de eficiência: substitutos estratégicos.
quando as ações são complementos estratégicos, o aumento de preços das empresas que
se fundem é seguido pelo aumento de preços das outsiders – veja novamente a Figura
Q5.1. A argumentação dos autores corresponde à discussão feita aqui.
Com relação ao ponto (2), Perry e Porter (1985) mostram que, mesmo sob a
hipótese de bens homogêneos e competição por quantidade, se existirem ganhos de
eficiência suficientes, a fusão será lucrativa.
O efeito sobre o bem-estar total. O resultado final que queremos mostrar é que, nesse
modelo, a fusão reduz o bem-estar. Até aqui, vimos que a fusão reduz o excedente do
consumidor (por elevar os preços sem alterar o número de produtos ofertados) e aumenta
o excedente do produtor (na medida em que aumenta tanto os lucros das insiders quanto
os das outsiders). Temos de olhar agora para o efeito líquido dessas duas forças opostas
(o que, infelizmente, envolve álgebra simples, embora tediosa). O excedente do
consumidor pode ser derivado como 𝐸𝐶 = 𝑈(𝑞𝑂 , 𝑞𝐼 ) − 2𝑝𝐼 𝑞𝐼 − 𝑝𝑂 𝑞𝑂 , e o bem-estar se
obtém somando-o ao excedente do produtor (ou seja, à soma dos lucros das duas
empresas):
As funções de lucro das empresas oriundas da fusão e das outsiders são dadas por
𝜋𝐼 = ∑2𝑖=1(𝑝𝑖 − 𝑒𝑐)𝑞𝑖 e, onde 𝑞1 , 𝑞2 , 𝑞3 são definidas pelas funções de demanda (5.2).
Tomando as CPOs, 𝜕𝜋𝐼 /𝜕𝑝1 = 0, 𝜕𝜋𝐼 /𝜕𝑝2 = 0, 𝜕𝜋𝑂 /𝜕𝑝3 = 0 e rearranjando-as,
derivam-se as funções de melhor resposta para um dos produtos da empresa fruto da fusão
e para a outsider, conforme segue:
Em seguida, note que, quando os novos preços de equilíbrio são menores (como
no ponto 𝐸), a outsider será prejudicada pela fusão: ambas as empresas estabelecerão
preços mais baixos que na situação pré-fusão, e a outsider continuará com os mesmos
custos de produção de antes (enquanto a empresa fruto da fusão terá custos de produção
mais baixos). Assim, a fusão reduzirá seus lucros.
Q5.2.1 – O modelo
𝑛 𝑛 𝑛 2
𝑛 𝛾
𝑈 = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ] + 𝑦, (5.18)
2(1 + 𝛾) 𝑛
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1
𝑛
1
𝑝𝑖 = 𝑣 − (𝑛𝑞𝑖 + 𝛾 ∑ 𝑞𝑗 ). (5.19)
1+𝛾
𝑗=1
𝑛
1 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ]. (5.20)
𝑛 𝑛
𝑗=1
1
∑𝑛𝑖=1 𝑝𝑖 . Note também que, no caso da simetria (𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝), a demanda agregada não
𝑛
Nesta seção, mostramos que as fusões que não geram ganhos de eficiência
fortalecem poder de mercado e reduzem bem-estar. Consideramos aqui o caso dos efeitos
unilaterais de uma fusão. Por conseguinte, presumimos que um resultado colusivo não
possa ser atingido nem antes nem depois de uma fusão.
Considere primeiro o caso em que existe uma empresa multiproduto I, que vende
os primeiros produtos da indústria, enquanto os produtos restantes (𝑛– 𝑚) são vendidos
por empresas monoprodutoras. Uma fusão entre uma multiprodutora “grande” e uma
monoprodutoras “pequena” pode ser estudada pelo efeito do aumento de uma unidade (de
𝑚 para 𝑚 + 1) no número de produtos pertencentes à empresa grande, com as demais
empresas vendendo apenas um produto.
𝑚 𝑚 𝑛
(𝑝𝑖 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝐼 = ∑ (𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + (∑ 𝑝𝑗 + ∑ 𝑝𝑘 )), (5.21)
𝑛 𝑛
𝑖=1 𝑗=1 𝑘=𝑚+1
𝑚 𝑛
(𝑝𝑘 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝑘 = (𝑣 − 𝑝𝑘 (1 + 𝛾) + (∑ 𝑝𝑙 + 𝑝𝑘 + ∑ 𝑝𝑗 )) ,
𝑛 𝑛 (5.22)
𝑙=1 𝑗=𝑚+1,𝑗≠𝑘
𝑘 = 𝑚 + 1, … , 𝑛.
𝑚𝛾 𝛾(𝑛 − 𝑚)𝑝𝑜 𝑚𝛾
𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 −
)+ − 2𝑝𝐼 (1 + 𝛾 − )=0
𝑛 𝑛 𝑛
𝛾 𝑚𝛾𝑝𝐼 𝛾(𝑛 − 𝑚 + 1) (5.23)
𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 − ) + − 𝑝𝑜 (2(1 + 𝛾) − ) = 0.
{ 𝑛 𝑛 𝑛
Resolvendo o sistema, obtêm-se os preços de equilíbrio como:
𝑝𝐼 (𝑚𝑗 )
𝑐(𝑛𝛾(4𝑛 − 2𝑚 − 1) + 2𝑛2 + 𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚)) + 𝑛𝑣(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 1)) (5.24)
= ,
𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚) + 2𝛾𝑛(3𝑛 − 𝑚 − 1) + 4𝑛2
𝑝𝑜 (𝑚𝑗 )
𝑐(𝑛𝛾(4𝑛 − 𝑚 − 2) + 2𝑛2 + 𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚)) + 𝑛𝑣(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 𝑚)) (5.25)
= .
𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚) + 2𝛾𝑛(3𝑛 − 𝑚 − 1) + 4𝑛2
Pode-se verificar que 𝜕𝑝𝐼 /𝜕𝑚 > 0 e 𝜕𝑝𝑜 /𝜕𝑚 > 0, implicando que, quanto maior
a empresa multiprodutora (quanto mais alto m para determinado número de produtos 𝑛
vendidos na indústria), mais altos serão os preços de equilíbrio tanto das insiders quanto
das outsiders depois da fusão. Reciprocamente, 𝜕𝑝𝐼 /𝜕𝑛 < 0 e 𝜕𝑝𝑜 /𝜕𝑛 < 0: uma fusão
que envolva certo número de empresas resultará em preços de equilíbrio mais elevados,
número de empresas 𝑚 resultarão em preços de equilíbrio mais elevados quanto menor o
número de empresas na indústria, ou seja, quanto mais concentrada for a indústria.
Para mostrar mais formalmente o efeito de uma fusão, focalizemos o caso em que
existem n monoprodutoras e ocorre uma fusão entre duas delas. Por conseguinte, temos
de comparar a solução de equilíbrio para o caso pré-fusão 𝑚 = 1 com o caso pós–fusão
𝑚 = 2.
𝛾
(𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 − ))
𝑛 (5.26)
𝑝𝑏 = 𝛾 .
2+𝛾−𝑛
(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)
𝑞𝑏 = , (5.27)
𝑛(2𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)
e o lucro por empresa é
(𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)
𝜋𝑏 = . (5.28)
(2𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)2
Uma fusão gera uma empresa com dois produtos. Podemos encontrar os valores
do equilíbrio pós-fusão 𝑝𝐼 (2), 𝑝𝑜 (2), (que denotaremos, por simplicidade 𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 )
substituindo 𝑚 = 2 nas equações (5.24) e (5.25):
Prova. Primeiro, repare que 𝑝𝑏 < 𝑝𝐼 e 𝑝𝑏 < 𝑝𝑜 . Segue-se desse resultado que
𝜕𝑝𝐼 /𝜕𝑚 > 0 e 𝜕𝑝𝑜 /𝜕𝑚 > 0, lembrando que 𝑝𝐼 = 𝑝𝐼 (2) > 𝑝𝑏 = 𝑝𝐼 (1) e que 𝑝𝑜 =
𝑝𝑜 (2) > 𝑝𝑏 = 𝑝𝑜 (1).
Denote o lucro por produto ganho pela fusionada como 𝜋𝐼 = 𝜋𝐼 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ), onde 𝑝𝐼
denota o vetor dos (dois) preços próprios, e 𝑝𝑜 , o vetor dos outros preços (𝑛– 2) cobrados
pelas outsiders. Já que os bens são substitutos, deve ocorrer que 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑜 ).
Em outras palavras, os lucros de equilíbrio obtidos pelas fusionadas antes da fusão devem
ser mais baixos do que obteriam se as concorrentes cobrassem um preço 𝑝𝑜 > 𝑝𝑏 .
Contudo, também sabemos que a melhor resposta das fusionadas ao preço 𝑝𝑜 escolhido
pelas outsiders é 𝑝𝐼 > 𝑝𝑏 . Consequentemente, deve ocorrer que: 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝0 ) < 𝜋𝐼 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ).
Então 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝐼 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ).
Prova. Esse fato segue-se trivialmente de que fusões aumentam tanto os lucros
das fusionadas quanto os das outsiders, conforme estabelecido no lema anterior
Uma fusão entre duas empresas cria uma maior que possuirá e venderá duas
variedades de produtos. Presuma que, ao combinar seus ativos, as fusionadas podem
ganhar em eficiência com relação às monoprodutoras e serem capazes de operar ao custo
unitário 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1. Quanto mais baixo o parâmetro 𝑒, mais altos os ganhos de
eficiência propiciados pela fusão. Em outras palavras, a proporção de custos
economizados pela fusão é 100(1– 𝑒)%. Mostramos agora que, entre outros fatores,
quanto mais elevados os ganhos de eficiência criados por uma fusão, mais provável que
ela gere ganhos de bem-estar.
𝑛
(𝑝𝐼 − 𝑒𝑐) 𝛾
𝜋𝐼 = (𝑣 − 𝑝𝐼 (1 + 𝛾) + (2𝑝𝐼 + ∑ 𝑝𝑖 )) , 𝐼 = 1,2; (5.35)
𝑛 𝑛
𝑖=3
𝑛
(𝑝𝑗 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝑗 = (𝑣 − 𝑝𝑗 (1 + 𝛾) + (2𝑝𝐼 + 𝑝𝑗 + ∑ 𝑝𝑖 )) ,
𝑛 𝑛 (5.36)
𝑖=3,𝑖≠𝑗
𝑗 = 3, … , 𝑛,
onde usamos simetria nos preços das empresas que se fundem: 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑝𝐼 . Impondo a
mesma simetria aos preços das outsiders, de forma que 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝𝑜 , as condições de
primeira ordem são dadas por
2𝛾 𝛾(𝑛 − 2)𝑝𝑜 2𝛾
𝑣 + 𝑒𝑐 (1 + 𝛾 − )+ − 2𝑝𝐼 (1 + 𝛾 − ) = 0
𝑛 𝑛 𝑛
𝛾 2𝛾𝑝𝐼 𝛾 𝛾(𝑛 − 3) (5.37)
𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 − ) + − 𝑝𝑜 (2 (1 + 𝛾 − ) − ) = 0.
{ 𝑛 𝑛 𝑛 𝑛
Resolvendo essa expressão em 𝑝𝑜 e 𝑝𝐼 , obtêm-se os preços de equilíbrio após a
fusão como
𝜋𝐼 = (𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾) ×
2
𝑐 ((1 − 𝑒)(2 − 3𝑛 + 𝑛2 )𝛾 2 + 𝑛(𝑛 − 2 − 3𝑒(𝑛 − 1))𝛾 − 2𝑒𝑛2 ) + 𝑛𝑣(2𝑛 + (2𝑛 − 1)𝛾) (5.40)
( ) ,
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
2
−𝑐((1 − 𝑒)(𝑛 − 2)𝛾 2 + 𝑛(𝑛 − 𝑒)𝛾 + 𝑛2 ) + 𝑛𝑣(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
𝜋𝑜 = (𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾) ( ) . (5.41)
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
Note também que 𝑒 ≤ 𝑒 pode ser reescrito como −𝑛𝛾(𝑣 − 𝑐) < 0. Isso implica
que uma fusão que não gere ganhos de eficiência (ou fusão tal que 𝑒 = 1) sempre vai
elevar preços e nunca vai ampliar o excedente do consumidor.
O leitor poderá verificar que 𝜕𝑒̄ /𝜕𝑛 > 0. Quanto maior o número de empresas,
menores os ganhos de eficiência requeridos para elevar o excedente do consumidor: como
é fundamental que o valor de e– aumente, é mais fácil que a condição 𝑒 ≤ 𝑒 seja satisfeita.
Quando um grande número de empresas opera na indústria, um aumento de preço após a
fusão entre duas delas é uma possibilidade muito reduzida. Cada uma internaliza a
externalidade sobre o preço do parceiro, mas, com um número maior de outsiders, o efeito
da fusão sobre preços torna-se marginal, e um pequeno ganho de eficiência pode
contrabalançar seu efeito negativo. No outro extremo, quando há apenas duas empresas
na indústria, a fusão criará um monopólio que resultará no máximo aumento de poder de
mercado: apenas aumentos extremamente altos de ganhos de eficiência poderiam, em
princípio, contrabalançar o efeito negativo sobre o bem-estar devido aos preços mais
altos. Isso fortalece a racionalidade de se confrontarem fusões que ocorram em indústrias
mais concentradas.
produção das outsiders a zero. O primeiro passo é estudar o impacto da fusão nos lucros
das insiders. Na primeira situação de concorrência por preço que estamos analisando, as
fusionadas sempre obtêm vantagem, independentemente de haver ganhos de eficiência,
conforme os comentários seguintes detalharão.
Prova. Lembre-se de que, mesmo sem ganhos de eficiência, uma fusão é lucrativa
para as fusionadas (veja o Lema 5.2). Isso implica que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) ≡ 2(𝜋𝐼 (𝑒) − 𝜋𝑏 ) > 0 para
𝑒 = 1. Em seguida, pode-se verificar que a função 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) é convexa:
𝜕𝛥𝐼𝑏
(𝑒 = 1)
𝜕𝑒
𝑐(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + 𝛾(𝑛 − 2))(2𝑛2 + 3𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + (𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾 2 )(2𝑛2 + 𝑛(2𝑛 − 1)𝛾) (5.44)
=− 2
𝑛4 ((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
< 0.
Quanto mais baixo 𝑒 (mais fortes os ganhos de eficiência), mais lucrativa a fusão,
fato que completa a prova de que fusionadas sempre ganham com a fusão.
que 𝜋𝑜 = (𝑝𝑜 − 𝑐)𝑞𝑜 = (𝑝𝑏 − 𝑐)𝑞𝑏 = 𝜋𝑏 , dado que a fusão não afeta os custos de
produção das outsiders. Finalmente, é fácil ver que, enquanto 𝜋𝑏 não é uma função de 𝑒,
a função 𝑝𝑜 (𝑒) aumenta com 𝑒. Assim, 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) é decrescente no seu domínio. Por
consequência, 𝜋𝑏 ≤ 𝜋𝑜 (𝑒) para 𝑒 ≥ 𝑒.
A proposição seguinte estabelece que, mesmo que as outsiders possam perder com
a fusão (se existirem importantes ganhos de eficiência para as fusionadas), os lucros da
indústria podem crescer com a fusão.
O efeito líquido sobre o bem-estar da fusão. Podemos agora olhar para o efeito
geral da fusão sobre o bem-estar e estabelecer a seguinte condição suficiente:
Isso conclui nosso tratamento técnico sobre os ganhos de eficiência feito sob a
hipótese de que todas as outsiders continuem a operar na indústria depois da fusão. A
próxima seção considera a possibilidade de que, após a fusão, algumas outsiders sejam
expulsas do mercado.
É concebível que a fusão, por tornar as partes mais eficientes com relação às
outsiders, possa fazer as primeiras forçarem as últimas para fora do mercado. Vamos
agora analisar essa possibilidade e suas implicações.
Para que as outsiders não vendam nada após a fusão, devemos ter 𝑞𝑜 ≤ 0. A
quantidade vendida por elas pode ser derivada das equações (5.38) e (5.39). A fusão leva
as fusionadas serem as únicas vendedoras se
Quando a empresa sob fusão é a única restante no mercado, ela cobrará preço de
monopólio 𝑝𝑚 = (𝑒𝑐 + 𝑣)/2 para cada variedade. É fácil verificar que o nível de bem-
estar atingido nessa situação é dado por
3(𝑣 − 𝑒𝑐)2
𝑊𝑀 = . (5.46)
8
A fusão é benéfica para a sociedade como um todo se 𝑊𝑀 > 𝑊𝑏 , onde o último
termo indica o nível de bem-estar antes da fusão e é dado por 𝑊𝑏 = (𝛾 2 (𝑛 − 1)2 +
4𝛾𝑛(𝑛 − 1) + 3𝑛2 )(𝑣 − 𝑐)2 /[2(2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)2 ]. Pode-se mostrar que 𝑊𝑀 ≥ 𝑊𝑏 se
por trás desse resultado é que um maior número de empresas ou bens menos diferenciados
implicam bem-estar mais alto anterior à fusão, em virtude da concorrência mais forte no
mercado.
Em outras palavras, mesmo que uma fusão dê ensejo a um monopólio, não será
possível concluir que ela gere necessariamente uma perda de bem-estar, já que os mesmos
ganhos de eficiência que obrigam as concorrentes a sair do mercado podem beneficiar os
consumidores.
Para melhor interpretar os resultados obtidos, considere que o exemplo usado aqui
é, em alguns aspectos, extremo, por pelo menos três importantes razões: primeira, ele não
considera restrições de capacidade, já que, implicitamente, presumimos que a fusionada
possa cobrir toda a demanda do mercado suprida por todas as n empresas antes da fusão.
Trata-se de uma hipótese muito forte, que possibilita que uma única empresa atenda a
todo o mercado.
Terceira, este é um modelo estático, em que as outsiders não podem reagir à fusão
das empresas. Mas, se a fusão gera tamanhos ganhos de eficiência, deveria se esperar que
as concorrentes se fundissem também, o que demandaria um modelo mais completo, em
que o número de fusões seria determinado endogenamente, algo além do escopo deste
livro.
Para resumir, a possibilidade de que uma fusão que implique ganhos de eficiência
possa reduzir bem-estar por forçar a saída de muitos ou todos os concorrentes parece
improvável, na medida em que tal resultado ocorre apenas sob hipóteses muito fortes.
Q5.2.5 – Provas
(2γ4 (n-2)2 n2 +6n4 +4γn4 (5n2 -5n-1)+3nγ2 (8n3 -16n2 +4n+1)+γ3 (12n4 -36n3 +24n2 -n+2)) (v-c)2
Wm = .
4n2 (2n+3(n-1)γ+(n-2)γ2 )2
(5.49)
O bem-estar antes da fusão, por sua vez, é dado por
𝑛2 𝑞𝑏2
𝑊𝑏 = 𝑣𝑛𝑞𝑏 − − 𝑛𝑐𝑞𝑏 . (5.50)
2
Substituindo as quantidades, temos
ΔW=
γ(v-c)2 (γ4 (n-2)(n-1)2 +16n4 +4γn3 (10n-7)+4γ2 n2 (8n2 -11n+2)+γ3 n(8n3 -15n2 +5))
- <0
4n2 (2n+(n-1)γ)2 (2n+3(n-1)γ+(n-2)γ2 )2
(5.52)
Imediatamente vemos que a diferença é negativa, dado que o numerador é sempre
positivo para 𝑛 ≥ 2. Isso prova que (quando não há ganhos de eficiência) a fusão sempre
reduz o bem-estar.
Prova do Lema 5.7 Sabemos que os lucros totais da indústria aumentam quando
𝑒 ∈ [𝑒, 1], como no intervalo dos ganhos obtidos com a fusão entre insiders e outsiders.
Consequentemente, apenas precisamos mostrar que os lucros agregados aumentam nesse
intervalo 𝑒 ∈ [0, 𝑒].
equivalentemente, 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) ≡ 2(𝜋𝐼 (𝑒) − 𝜋𝑏 ) > 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) ≡ (𝑛 − 2)(𝜋𝑏 − 𝜋𝑜 (𝑒)). Para
provar que é o caso no intervalo 𝑒 ≤ 𝑒, temos três etapas:
Vamos começar com o Item 1. Para mostrar que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ ) > 𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ ), lembre-se de
que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) > 0 em todo seu domínio e que, quando 𝑒 = 𝑒̄ , temos 𝜋𝑜 = 𝜋𝑏 . Assim,
𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ ) = 2(𝜋𝐼 (𝑒̄ ) − 𝜋𝑏 ) > 0 = 𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ ) = (𝑛 − 2)(𝜋𝑏 − 𝜋𝑜 (𝑒̄ )).
𝜕𝛥𝐼𝑏
(𝑒̄ )
𝜕𝑒
(5.53)
2𝑐(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)(3𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛2 + (𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾)
=− < 0;
𝑛2 (2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
𝜕𝛥𝑏𝑜 2𝑐(𝑣 − 𝑐)𝛾(𝑛 − 2)(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
(𝑒̄ ) = − < 0. (5.54)
𝜕𝑒 𝑛2 (2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
A desigualdade 𝜕𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ )/𝜕𝑒 < 𝜕𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ )/𝜕𝑒 pode ser reescrita como
Exercícios do Capítulo 5
Exercício 5.2 *(Salant, Switzer e Reynolds, 1983.) Considere empresas idênticas, que
produzem um bem perfeitamente homogêneo com custo marginal constante 𝑐. A
demanda de mercado é dada por 𝑝 = 𝑎 − 𝑄, onde 𝑄 é o produto total produzido pela
indústria. A variável estratégica das empresas é o produto (jogo de Cournot). (1) Encontre
o equilíbrio de produção e lucros na situação pré-fusão, qual seja, quando todas as
empresas são independentes. (2) Considere agora uma fusão entre 𝑚 + 1 empresas (note
que, já que os produtos são homogêneos e não há restrição de capacidade, é como se
houvesse 𝑚 empresas a menos na indústria) e encontre o produto e lucro de equilíbrio
para cada empresa independente. (3) Mostre que as outsiders sempre ganham com uma
fusão. (4) Mostre que uma fusão que gera um monopólio sempre é lucrativa para as
fusionadas. (5) Pegue 𝑛 = 10 e mostre que uma fusão é lucrativa apenas se 𝑚 + 1 ≥ 9.
Exercício 5.3 *(Fusões de Cournot com ganhos de eficiência.) Considere uma indústria
com três empresas idênticas, cada uma vendendo um bem homogêneo e produzindo ao
custo 𝑐 > 0. A demanda é dada por 𝑝 = 1– 𝑄. A competição no mercado é por
quantidades. (1) Encontre as quantidades, os preços e os lucros de equilíbrio. (2)
Considere agora a fusão entre duas das três empresas, resultando em uma estrutura
duopolista do mercado. A fusão pode dar ensejo a ganhos de eficiência, no sentido de que
a empresa resultante da fusão produz ao custo 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1 (enquanto a outsider ainda
mantém o custo 𝑐). Encontre as quantidades, os preços e os lucros de equilíbrio pós-fusão.
(3) Em que circunstâncias a fusão reduz preços? (4) Em que circunstâncias a fusão é
benéfica para as fusionadas?
Exercício 5.4 **Considere o modelo descrito na seção “Efeitos unilaterais”. (1) Sob a
hipótese de que todas as empresas são monoprodutoras, encontre as funções de reação da
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
74
3 3 3 2
3 𝛾
𝑈 = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ] + 𝑦,
2(1 + 𝛾) 3
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1
onde 𝑦 é um bem externo. Cada um dos três bens é produzido com custos marginais
idênticos, 𝑐 ≥ 0. As empresas escolhem as quantidades no mercado. (1) Derive a inversa
da função de demanda para cada bem. (2) Encontre as quantidades e lucros de equilíbrio
pré-fusão para cada bem vendido por uma monoprodutoras. (3) Encontre as quantidades
e lucros de equilíbrio depois da fusão entre duas empresas, equilíbrio em que os Produtos
1 e 2 sejam vendidos pela mesma Empresa 𝐼, enquanto o Produto 3 ainda seja vendido
pela empresa independente. (4) Compare os lucros das fusionadas com os recebidos antes
da fusão. (5) Desenhe as funções de reação antes e depois da fusão e use a figura para
entender o efeito da fusão sobre a lucratividade.
Exercício 5.7 **(Competição por quantidade.) Use as funções de demanda inversa dadas
na equação (8.63) para estudar o modelo no qual as empresas competem por quantidade.
Mantenha todas as outras hipóteses daquela seção. (1) Encontre a quantidade 𝑞𝑐 , preço
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
75
Exercício 5.8 **(Fusões com substitutos estratégicos.) Considere o exercício anterior. (1)
Sob a hipótese de que todas as empresas sejam monoprodutoras, derive as funções de
reação das Empresas 𝑖 e 𝑘 (respectivamente, 𝑅𝑖 e 𝑅𝑘 ) e desenhe-as no plano (𝑞𝑘 , 𝑞𝑖 ).
Mostre que são negativamente inclinadas e atendidas as condições de estabilidade. (2)
Agora suponha que duas Empresas, 𝑖 e 𝑗, realizem uma fusão e, como consequência, seu
custo unitário seja 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1, enquanto outras empresas têm custo unitário 𝑐. Derive
as funções de reação para os Produtos 𝑖 e 𝑘 sob essa hipótese. Desenhe as funções de
reação para os Produtos 𝑖 e 𝑘 e compare-os com 𝑅𝑖 e 𝑅𝑘 anteriores. Você espera que os
preços pós-fusão de equilíbrio sejam mais elevados?
fusão criaria uma posição dominante. A empresa apelou para o Tribunal de Justiça,
argumentando que a fusão proporcionaria significativas economias de escala e de escopo,
assim como racionalização na distribuição e venda de cimento. Seu ponto foi sustentado
por um professor altamente renomado, que afirmou que as duas empresas poderiam
mesmo ter economizado 30% dos custos com a fusão e que os consumidores claramente
se beneficiariam desses ganhos de eficiência. Você é o magistrado: O que faria?
Exercício 5.1
(a) Salant, Switzer e Reynolds (1983) presumem (1) competição por quantidade e (2)
ausência de ganhos de eficiência na fusão e observam que uma fusão entre duas
empresas é sempre prejudicial para as partes, a menos que resulte em um monopólio.
A intuição por trás desse resultado é que as partes em fusão internalizam a
externalidade pecuniária dada pelos preços muito baixos na indústria e reduzem sua
produção (o que tende a elevar preços); os bens sendo substitutos estratégicos (como
é o caso com concorrência por quantidade e funções de demanda linear), as empresas
externas à fusão responderão aumentando sua produção, em vez de reduzir, o que lhes
permitirá ganhar poder de mercado e moderar o aumento de preço. Como resultado, as
insiders perderão participação de mercado e lucros, na medida em que a quantidade
menor produzida não será compensada por aumento de preço na indústria.
(b) Este artigo abriu um debate sobre a lucratividade das fusões e pesquisas
subsequentes mostraram que, relaxando as hipóteses (1) e (2) anteriores, a
lucratividade das fusões seria restaurada. Com relação a (1), Deneckere e Davidson
(1985) mostraram que, quando os bens são complementos estratégicos, o aumento de
preços das empresas em fusão é seguido por aumento de preços das outsiders. Com
relação ao ponto (2), Perry e Porter (1985) mostraram que, mesmo sob a hipótese de
bens homogêneos e competição por quantidade, se existirem suficientes ganhos de
eficiência, a fusão será lucrativa.
Exercício 5.2
Exercício 5.3
(4) Para ver se a fusão é lucrativa, temos de estudar a desigualdade 𝜋1 ≥ 2𝜋𝑐 , que,
depois de cálculos algébricos, pode ser vista como correspondente a uma desigualdade
de segunda ordem, cuja solução relevante é 𝑒 ≤ (4(1 + 𝑐) − 3√3(1 − 𝑐))/(8𝑐). Em
outras palavras, a fusão é lucrativa apenas se der ensejo a suficientes economias de
custos.
Exercício 5.4
(1) As funções de reação das Empresas 𝑖 e 𝑘 podem ser facilmente derivadas das
equações (5.3) no texto como 𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 ) = (3𝑣 + (3 + 2𝛾)𝑐 + 𝛾𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑘 )/[2(3 +
2𝛾)] e 𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 ) = (2(3 + 𝛾)𝑝𝑘 − 3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝𝑗 )/𝛾. Sua representação
gráfica no plano (𝑝𝑘 , 𝑝𝑖 ) corresponde à Figura Q5.1. Para ver que ambas as funções de
reação são positivamente inclinadas, apenas note que 𝜕𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 = 𝛾/
[2(3 + 2𝛾)] > 0 e 𝜕𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 = [2(3 + 2𝛾)]/𝛾 > 0. Para manter a
estabilidade, precisamos ter 𝜕𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 > 𝜕𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 , que se simplifica
para 𝛾 < 2(3 + 2𝛾), que vale para todo 𝛾 ∈ 0, ∞).
(2) Novamente, a função de reação pode ser encontrada no texto como 𝑅𝐼𝑒 : 𝑝𝑖 =
(3𝑣 + (3 + 𝛾)𝑐𝑒 + 2𝛾𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑘 )/[2(3 + 2𝛾)]; 𝑅𝑜 : 𝑝𝑖 = (−3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝𝑗 +
2(3 + 2𝛾)𝑝𝑘 )/𝛾. Sua representação gráfica no plano (𝑝𝑘 , 𝑝𝑖 ) corresponde à Figura
Q5.3 no texto. Quanto mais altos os ganhos de eficiência oriundos da fusão (isto é,
quanto mais baixo 𝑒), mais provável que a função de reação das insiders se desloque
para baixo de sua posição original (em vez de para cima), dessa forma provocando um
decréscimo nos preços (em vez de um aumento) no equilíbrio pós-fusão.
Exercício 5.5
(1) Das CPOs (5.23) das outsiders, é possível derivar a função de melhor resposta 𝑝𝑜𝑅
de cada uma das outsiders com relação ao preço estabelecido pelas insiders. Dado que
𝑐 = 0, simplifica-se para 𝑝𝑜𝑅 = (𝛾𝑚𝑝𝐼 + 𝑛𝑣)/(2𝑛 + 𝛾(𝑛 + 𝑚 − 1)).
A função de demanda residual 𝑞𝐼𝑟 por uma variedade fabricada por uma
multiprodutora pode ser obtida tomando-se a demanda (5.20) e impondo-se duas
condições: (1) no nível de equilíbrio, os preços de todas as variedades simétricas serão
idênticos; (2) para ver o poder de mercado usufruído por qualquer das variedades
(2) Para calcular a elasticidade da função de demanda residual 𝜀𝐼𝑟 = −(𝑑𝑞𝐼𝑟 /𝑞𝐼𝑟 )/
(𝑑𝑝𝑖 /𝑝𝐼 ), primeiro encontre a primeira derivada: 𝑑𝑞𝐼𝑟 ⁄𝑑𝑝𝐼 = [−1 + 𝛾((𝑚⁄𝑛) −
1) + 𝛾 2 𝑚(𝑛 − 𝑚)⁄𝑛(2𝑛 + 𝛾(𝑛 + 𝑚 − 1))](1⁄𝑛).
𝜕𝜀𝐼𝑟
=
𝜕𝑚
(2𝑛2 + 𝛾𝑛(4𝑛 − 3) + 𝛾 2 (2𝑛2 ) − 3𝑛 + 1)𝛾𝑛𝑣𝑝𝐼 (5.58)
− 2 < 0.
(𝛾 2 (𝑛 − 𝑚)(𝑛 − 1)𝑝𝐼 + 2𝑛2 (𝑣 − 𝑝𝐼 ) + 𝛾𝑛(𝑣(2𝑛 − 1) − (3𝑛 − 𝑚 − 1)𝑝𝐼 ))
Exercício 5.6
(4) Podemos agora analisar os efeitos da fusão sobre a lucratividade das insiders. Para
tanto, note que a desigualdade 𝜋𝐼 > 𝜋𝑐 pode ser reescrita como
(5) Para entender esse resultado, desenhemos as funções de melhor resposta das
empresas antes e depois da fusão. Considere, por exemplo, os Produtos 1 e 3. Nesse
espaço (𝑞3 , 𝑞1 ) e dado 𝑞2 , antes da fusão, suas respostas são dadas pelas CPOs (5.59):
Exercício 5.7
Exercício 5.8
(a) As funções de reação pré-fusão foram derivadas no Exercício 5.6 (5) como
𝑅𝑖 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ) ∶ 𝑞𝑖 = [(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞𝑗 ]/[2(3 + 𝛾)]; 𝑅𝑘 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ): 𝑞𝑖 =
[(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 2(3 + 𝛾)𝑞𝑘 ]/𝛾. É fácil ver que são negativamente
inclinadas: 𝜕𝑅𝑖 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑘 = −𝛾/[2(3 + 𝛾)] < 0 e 𝜕𝑅𝑘 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑘 = −[2(3 +
𝛾)]/𝛾 < 0. Para garantir a estabilidade, devemos ter 𝜕𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 <
𝜕𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 , que se simplifica para 𝛾 < 2(3 + 𝛾), que vale para todo 𝛾 ∈
[0, ∞).
(b) As funções de reação pós-fusão são facilmente derivadas das CPOs do Exercício 5.7
(b), conforme segue: 𝑅𝑖𝑒 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ) ∶ 𝑞𝑖 = [(𝑣 − 𝑒𝑐)(1 + 𝛾) − 2𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞𝑘 ]/[2(3 + 𝛾)];
𝑅𝑘 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ) ∶ 𝑞𝑖 = [(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 2(3 + 𝛾)𝑞𝑘 ]/𝛾. Se 𝑒 = 1 (isto é, não há
ganhos de eficiência), a função de reação das insiders irá se deslocar para baixo, e os
preços aumentarão. Contudo, se os ganhos de eficiência forem suficientemente
importantes, a função de reação pode, ao contrário, mover-se para cima, e, nesse caso, os
preços cairão.
CAPÍTULO 6
SUMÁRIO
6.2.3 – Outras razões de eficiência para restrições verticais e fusões verticais .......... 16
Quadro 6.3 – Acordo de exclusividade evita a figura do carona nos investimentos dos
fabricantes................................................................................................................... 75
1
Vale notar que, enquanto do ponto de vista econômico, faz sentido tratar restrições verticais e fusões
verticais conjuntamente (ambas são usadas para resolver problemas de coordenação), as leis antitruste
recorrem a diferentes provisões para lidar com essas questões. Na Europa, restrições verticais podem ser
objeto do Artigo 81 (101) – acordo entre empresas – ou Artigo 82 (102) – empresa que as usem para
dominar – enquanto fusões verticais são tratadas pela Merger Regulation. No Brasil, identificamos o mesmo
fenômeno: restrições verticais podem ser consideradas práticas de abuso de posição dominante, com base
no Artigo 36 da Lei 2.529/2011, enquanto fusões verticais são analisadas com base no Artigo 88 da Lei
(tratamento de operações de concentração).
2
A relação vertical pode acontecer entre fabricante e distribuidor(es) ou entre empresa(s) a jusante e a
montante. A despeito da diferença de rótulos, a natureza da relação é a mesma.
usar provisões contratuais (isso é, restrições verticais) para induzir mais esforço de
marketing por parte do revendedor. Para continuar o exemplo, o fabricante pode definir
uma área exclusiva de competência para o revendedor, de modo que ele possa usufruir
completamente dos benefícios dos serviços que provê (se outros revendedores
trabalharem com a mesma marca dentro da mesma região, haverá um problema de carona
que, mais à frente, reduzirá o incentivo para prover esses serviços); ou o fabricante pode
usar um contrato não linear, tal que o revendedor obtenha um desconto se comprar
grandes quantidades, de modo a estimular esforços de vendas. O fabricante pode, ainda,
obrigar o revendedor a vender uma quantidade mínima do produto, o que também
encorajará esforços de venda; ou convencer o revendedor a não comercializar marcas
concorrentes, também para estimular esforços de venda; ou apenas adquirir o distribuidor
ou revendedor, para facilitar a coordenação de ações. O objetivo deste capítulo é
identificar quando se devem esperar efeitos positivos ou negativos sobre o bem-estar das
restrições verticais.3
3
Venda casada, quando envolve produtos relacionados verticalmente, também são restrições verticais.
Contudo, veremos esse conceito no Capítulo 7, porque também diz respeito a bens independentes. Além do
mais, algumas cláusulas que impedem um distribuidor de vender um produto fora de seu território são
também restrições verticais. Mas, na medida em que tais cláusulas permitem ao fabricante discriminar
preços (tema também tratado no Capítulo 7), não serão analisadas aqui.
4
Royalties é outro possível instrumento usado pelo fabricante, que recebe um pagamento proporcional pela
venda de cada unidade por parte da empresa a jusante. Como tal, os royalties são usados apenas se as vendas
a jusante forem observadas (e verificadas).
loja deve pagar R$2 mil por ano e mais R$20 por cada camiseta que vende. O
efeito de tal contrato é que o custo unitário efetivamente pago pela loja decresce
com o número comprado do mesmo produtor.5
• Descontos por quantidade. Descontos por quantidade ou descontos progressivos
têm o mesmo efeito de contratos de preços não lineares, uma vez que, quanto
maior a quantidade comprada, mais barata será a transação em média.
• FPR (Fixação de Preços na Revenda). O fabricante pode ter diferentes
percepções com relação ao revendedor a respeito de qual preço cobrar do
consumidor final. Como consequência, ele pode querer influenciar as decisões
de preço do revendedor. No caso mais extremo, a FPR consiste no preço pelo
qual o revendedor deve vender o produto, mas também pode ser um preço
recomendado ou também o estabelecimento de um preço mínimo (preço-base)
ou preço de venda máximo (preço-teto).
• Fixação de quantidade. O fabricante pode querer especificar o número de
unidades que o revendedor deve comprar. Aqui, também, a questão pode assumir
diferentes formas, como forçar quantidade (o revendedor não pode adquirir
menos que determinada quantidade) e racionamento de quantidade (o
revendedor não pode adquirir mais que determinada quantidade).
• Cláusulas de exclusividade. Fabricante e revendedor podem também assinar
acordos de exclusividade. Por exemplo, uma cláusula de TE (Território
Exclusivo) pode implicar que apenas um revendedor possa vender certa marca
dentro de uma área geográfica (ou para certo tipo de cliente). Sob contratos de
exclusividade, um revendedor concorda em trabalhar apenas com a marca de
determinado fabricante. Cláusulas de distribuição seletiva permitem apenas que
certo tipo de revendedor – usualmente, especificado em termos objetivos –
trabalhe com a marca daquele fabricante. Um produtor de bens de luxo pode
querer que suas mercadorias sejam vendidas apenas em boutiques localizadas
em ruas mais sofisticadas – um quarteirão específico da cidade –, não em
5
Se a loja compra uma única camiseta, o custo médio é R$2.020,00, mas se compra 100 camisetas, o custo
médio é menor: (2.000 + 20 × (100)) /100 = 22,00.
É importante notar que, em qualquer mercado – seja por conta da natureza das
transações ou por conta das restrições institucionais –, algumas dessas restrições podem
ser efetivas, outras não. Por exemplo, a FPR faz sentido apenas se o preço efetivo pago
pelos consumidores finais puder ser cumprido pelo fabricante. Para produtos de massa
(como as camisetas do exemplo anterior), pode ser o caso; mas, em outras circunstâncias,
pode haver um processo de barganha entre o revendedor e o comprador final, cujo
resultado talvez seja difícil de observar. Se descontos sobre preços não puderem ser
observados pelos fabricantes, a FPR perde seu objetivo restritivo. Nesse caso, a fixação
de quantidade pode ser um substituto para a FPR.
Arbitragem (comprar com preço baixo para revender com preço alto) pode
também ser uma força que diminui a força de algumas restrições. Se os consumidores
tiverem baixos custos de busca e de transporte (com relação ao valor do bem), é
improvável que cláusulas territoriais sejam efetivas. Se os revendedores puderem recorrer
à arbitragem, preços não lineares ou descontos por quantidades também poderão perder
a efetividade, na medida em que um revendedor poderia comprar um grande número de
unidades e revender parte delas a revendedores que planejem vender pouca quantidade.
Essas restrições são, portanto, mais efetivas quando o fabricante pode também observar
as vendas dos revendedores.6
Muitas das cláusulas mencionadas são, em certo ponto, substituíveis. Isso implica
que seria largamente inútil, por exemplo, tornar ilegal alguma cláusula enquanto outras
que atingem os mesmos objetivos permanecem autorizadas.
6
Diferentes restrições podem ter também diferentes status jurídicos. Por exemplo, a FPR mínima é, per se,
ilegal em alguns países e desencorajado em outros, obrigando produtores a recorrer a outras cláusulas para
influenciar a distribuição dos produtos.
modo que seus objetivos serão mais facilmente reconciliados.7 É importante ter em mente
que fusões verticais são, em geral, uma alternativa a restrições verticais. Seria
inconveniente adotar uma posição muito firme contra restrições verticais se as fusões
verticais não estiverem sujeitas a um controle igualmente rígido.
A seção 6.2 analisa o efeito das restrições verticais quando afetam a concorrência
intramarcas, que é a relação entre empresas que produzem e distribuem a mesma marca,
abstraindo-se do efeito da competição entre produtores ou distribuidores de marcas
diferentes. Nesse caso, restrições e fusões verticais permitem que empresas em diferentes
estágios do processo vertical controlem externalidades, o que é tipicamente benéfico tanto
para elas mesmas quanto para os consumidores. Em determinadas circunstâncias, as
restrições verticais podem aperfeiçoar a coordenação na cadeia vertical, mas também
afetar adversamente o bem-estar total e o excedente do consumidor. Contudo, deve-se
argumentar que, no que diz respeito à concorrência intramarcas, há um pressuposto de
que as restrições verticais gerem melhorias de bem-estar.
7
Mesmo dentro da mesma empresa, pode muito bem haver problemas para atingir as ações ou níveis de
esforço que maximizam os lucros conjuntos. De fato, o problema de fornecer os incentivos corretos aos
empregados ainda permanece. Em prol da simplificação, presumimos que os problemas de agência sejam
mais facilmente solucionáveis dentro da mesma empresa que entre diferentes companhias ou agentes
independentes. Isso exclui – por estar além do escopo deste trabalho – a recente contribuição na literatura
sobre teoria corporativa, que estuda que relações e tarefas são mais bem desempenhadas na companhia
(estrutura hierárquica) que no mercado.
A seção 6.4 aprofunda esse tópico e mostra que restrições verticais e fusões
verticais podem ter efeitos anticompetitivos, pelo fechamento do mercado à concorrência.
Por exemplo, uma empresa incumbente pode usar contratos de exclusividade para impedir
a entrada eficiente na indústria; e uma fusão pode permitir que uma empresa verticalmente
integrada bloqueie o acesso de concorrentes a um insumo, dessa forma, reduzindo sua
competitividade e, possivelmente, forçando sua saída do mercado.
Essa conclusão não seria satisfatória. Dizer que não há regra clara para restrições
verticais e que devem ser analisadas caso a caso resultaria em um desastre. Devido à
expansão dos acordos verticais entre empresas, as agências de concorrência entrariam em
colapso, pois teriam de devotar a maior parte de seus recursos à investigação de tais casos.
Felizmente, há conclusões de política mais úteis que podem ser derivadas da análise de
restrições verticais. Já que somente restrições verticais adotadas por empresas com
suficiente poder de mercado levantam preocupações com o bem-estar, a principal
conclusão de política é que só vale a pena investigar cláusulas verticais adotadas por
empresas que usufruam de grande poder de mercado, e uma abordagem de acordo com a
regra da razoabilidade deve ser adotada na avaliação dos efeitos.
A seção 6.6 conclui o capítulo com a discussão de dois casos julgados envolvendo
restrições verticais pelo CADE.
comprometer a vender a preços elevados. Caso contrário, ele seria tentado a renegociar
os termos contratuais com os revendedores, terminando por reduzir preços abaixo do nível
que gostaria de cobrar.
8
Mas Cournot (1838) já tinha apontado um efeito similar quando empresas vendem produtos
complementares, um caso que formalmente é similar ao de empresas verticalmente integradas.
9
O leitor pode facilmente verificar que o argumento também se sustenta caso o distribuidor tenha um custo
adicional de distribuição.
p de acordo com seu próprio custo, a (preço maior que c, porque a empresa a montante
impôs uma margem). O resultado, contudo, das duas empresas imporem suas margens é
que os consumidores acabam pagando muito caro pelo produto (comprando muito poucas
unidades) perto do que seria ótimo sob o ponto de vista conjunto, quer dizer, do ponto de
vista da cadeia vertical (a soma dos lucros das empresas a montante e a jusante).
Se uma integração vertical não for possível, diferentes tipos de restrição vertical
podem ser usados para controlar essa externalidade. Como o problema resulta em preços
muito elevados (ou vendas muito baixas), uma possibilidade óbvia para resolvê-lo é
adotar a fixação de preços de revenda. O fabricante poderia impor o preço de revenda
sobre o revendedor ou estabelecer um preço-teto. É claro, a manutenção será efetiva se o
preço final for observável.
A FPR confere perfeita garantia sob a incerteza de demanda, já que o preço final
está assegurado independentemente do nível da demanda. Por outro lado, a FPR funciona
mal com incerteza de custos, uma vez que um choque em custos de distribuição afetará
fortemente a margem de lucro do revendedor, pois o preço não pode ser reajustado para
cobrir os altos custos.
Como resultado, com um revendedor avesso a risco, a FPR é melhor sob incerteza
de demanda, e preços não lineares, sob incerteza de custos.
Uma empresa a montante pode também recorrer a outros meios para evitar o
problema da dupla marginalização, a saber, combatendo-o pela raiz e eliminando o poder
de mercado no nível a jusante. Certamente, nesse caso em particular, quanto mais feroz a
concorrência entre empresas a jusante vendendo a marca do fabricante, mais fraca a
10
No limite, se a competição intramarcas gerar um preço final igual ao preço de atacado, p = a (o que
aconteceria se, por exemplo, dois revendedores indiferenciados competissem em preços), a empresa a
montante poderia estabelecer o preço de atacado igual ao preço ótimo sob integração vertical, restaurando,
assim, o resultado eficiente.
Nessas circunstâncias, cada loja pensará duas vezes antes de investir um grande
esforço para vender a marca, pois outra loja próxima poderá ter o incentivo para evitar o
custo desse esforço, apenas pegando carona da provisão de serviços e oferecendo um
preço melhor. Um consumidor primeiro visitará a loja que oferece os serviços adicionais
e obterá lá todas as informações de que precisa; em seguida, efetuará a compra na loja
que vende o mesmo bem ao melhor preço. É claro que a loja poderá prever isso e evitar
oferecer serviços que tenham características de bem público. No limite, se os serviços
prestados pelos revendedores apenas contribuírem para a marca, mas não puderem ser
apropriados por eles, e se as lojas forem muito próximas entre si, nenhum serviço será
provido. Isso será subótimo para o fabricante, já que sua marca não será apoiada por
serviços pré-venda, mas também para os consumidores, que não receberão as informações
que eles valoram altamente.
É claro, em geral, haverá muitas atividades de venda que poderão ser apropriadas
pela loja, como crédito ao consumidor, serviços pós-venda providos pela loja ou a própria
aparência da loja (alguns consumidores preferem fazer compras em lojas localizadas em
ruas sofisticadas, com instalações mais agradáveis e melhor aparência). Em todos esses
casos, o problema do carona não surgirá. Na realidade, serviços de diferentes tipos
provavelmente coexistirão, e, embora o caso extremo de nenhuma provisão de serviço
11
É claro que, se os serviços providos pelo revendedor forem observáveis e verificáveis, haverá uma
solução mais simples para o problema: fixar o nível de serviços contratualmente. Esse pode ser o caso
quando se trata de propaganda ou de certos serviços pós-venda.
Até aqui, focalizamos duas motivações de eficiência por trás das restrições
verticais, a saber, dupla marginalização e externalidades na provisão de serviços para
determinada marca. Essas possibilidades estão entre as mais bem conhecidas (e mais
facilmente formalizadas e explicadas), mas não são, de forma alguma, as únicas fontes de
eficiência de restrições e fusões verticais. A elaboração de uma lista exaustiva de tais
razões de eficiência está além do escopo deste livro, mas é importante dar uma ideia de
quão amplamente difundidas elas são. A seguir, enfatizamos algumas delas. Note que não
restringimos a análise à concorrência intramarcas, mas consideramos também motivos
existentes quando um fabricante compete com marcas concorrentes.
o consumidor vá adquirir o produto em outro lugar, depois de saber que o produto está
estocado ali) e a distribuição seletiva. No último caso, apenas certo tipo de loja, que tenha
determinadas características, é autorizado a vender o produto. Por exemplo, um fabricante
de bens de luxo pode querer vender apenas em lojas confortáveis localizadas em ruas
sofisticadas, especializadas, com vendedores dedicados e assim por diante. Como
consequência, o fabricante pode se recusar a vender o produto para supermercados e lojas
de desconto. Embora possamos ter dúvidas acerca do uso da palavra “eficiente” para
rotular tais restrições, podemos também reconhecer que não permitir que um fabricante
proteja a imagem de seus bens poderia ser prejudicial não apenas para ele, mas também
para os consumidores que valorizam aspectos de luxo dos bens. É compreensível que –
ao proibir tais estratégias de marketing – a imagem de luxo se desfaça, e os consumidores
não se disponham mais a pagar pelo produto. Em contrapartida, o produto poderia
desaparecer, e, por mais estranho que possa parecer, a disponibilidade de alguns
consumidores para pagar por tal bem de luxo diminuiria.12 Deve-se notar que, como no
argumento anterior do carona, a história da certificação de qualidade se sustenta apenas
se os revendedores não forem capazes de se apropriar dos serviços que proveem. Por
exemplo, uma rede de supermercados que invista pesadamente em garantir que os
produtos alimentícios que comercializa foram produzidos em um processo orgânico, sem
uso de agrotóxicos, deve poder limitar o spillover de seu investimento em certificação de
qualidade (etiquetagem orgânica). Tampouco fica claro até que ponto as lojas que
proveem certificação por meio de investimento em luxuosas instalações são capazes de
se apropriar do próprio investimento. Por um lado, se os itens à venda nessas lojas
luxuosas envolverem baixas quantias, será improvável que os consumidores primeiro se
dirijam para lá para verificar o que está sendo oferecido e depois se desloquem para
procurar uma loja de descontos em busca de preços mais baixos. Por outro, os rumores
de que determinado item esteja em liquidação em certo tipo de loja podem se espalhar
com rapidez, possivelmente arruinando o status de luxo da marca, como sugerem os
12
Lembre que a qualidade de um bem é a qualidade percebida pelos consumidores, não a do produto
propriamente. A propaganda é outra maneira pela qual um fabricante pode reforçar a imagem de um
produto, e muitos consumidores de fato se disporão mais a pagar um preço premium por produtos
fortemente anunciados que comprar um produto similar mais barato e não divulgado. Pense em cigarros,
refrigerantes, detergentes, sabões em pó e muitos dos produtos de consumo de massa. Isso implica que a
disponibilidade dos consumidores decrescerá se os produtos anunciados desaparecerem dos mercados ou
se a propaganda for proibida!
13
Contudo, conforme veremos na seção 6.2.5 e 6.4, tais cláusulas não deixam de apresentar inconvenientes,
que devem ser avaliados cuidadosamente.
Restrições verticais e fusões verticais podem ter efeito adverso sobre o bem-estar
quando ajudam o fabricante (geralmente, uma empresa a montante) a manter preços
elevados, enquanto, sem esses recursos, ele não poderia se comprometer com preços altos.
Para entender por que tal problema de compromisso surge, considere o seguinte exemplo.
Suponha que um fabricante tenha uma marca de roupas de muito sucesso, muito
conhecida, mas ainda não vendida em determinada região. Suponha ainda que exista certa
incerteza quanto à demanda, de forma que o lucro total esperado desses produtos seja π e
que haja um acordo quanto a essa estimativa. Existem vários possíveis franqueados
dispostos a vender a marca. Se o fabricante tiver prometido conferir exclusividade na
região a um franqueado (e este tiver acreditado na promessa), uma licitação faria o
licitante vencedor oferecer 𝜋 ao fabricante. Contudo, uma vez que o fabricante tenha
vendido a franquia, ele terá um incentivo para descumprir a promessa de exclusividade e
se engajar em um comportamento oportunista. Ele poderia agora oferecer uma segunda
franquia (e prometer que não seriam mais que duas), e, se acreditassem em sua promessa,
ele obteria um lucro de 𝜋/2 do segundo franqueado (note que o primeiro franqueado teria
uma perda igual a 𝜋/2). Uma vez tendo recebido do segundo franqueado, ele poderia
descumprir novamente a promessa e oferecer uma terceira licença etc.
Sempre que esse problema surgir, uma empresa não poderá se apropriar do poder
de mercado que potencialmente possui. No exemplo, o fabricante de roupas de marca
poderia vir a ter potencialmente lucros de monopólio, mas a presença de grande número
de franqueadores potenciais e a ausência de poder de compromisso podem fazer os
compradores aceitar adquirir a franquia apenas por um preço muito baixo, e o produto
acabará gerando lucro muito menor, em vez de lucro de monopólio.14
Para ilustrar um pouco mais esse ponto, considere o seguinte exemplo. Suponha
que existam dois revendedores comercializando o mesmo produto homogêneo na mesma
cidade. Se ambos pagam o mesmo preço de atacado 𝑎, eles vendem a quantidade Q ao
preço p, e cada um realiza o lucro 𝜋/2. Um possível contrato (não linear), que pode ser
oferecido pelo fabricante aos dois revendedores, é cada um comprar ao preço 𝑎 se fizerem
um pagamento fixo 𝜋/2 (cada revendedor fará lucro zero e aceitará esse contrato se não
antecipar o comportamento oportunista de parte do monopolista). Depois que os contratos
14
O primeiro trabalho a estudar o problema do compromisso no contexto de relações verticais foi Hart e
Tirole (1990). Contribuições subsequentes são de O’Brien e Shaffer (1992) e MacAfee e Schwartz (1994);
e mais recentemente, Chemla (2003). Rey e Tirole (1996) analisam o incentivo para bloqueio do acesso
pelo proprietário de uma instalação essencial (ou um insumo produzido por um monopolista) e questões de
política associadas. É a principal referência para quem deseja entender melhor essas questões.
15
Por exemplo, se houvesse um distribuidor que desfrutasse de poder de monopólio, faria sentido permitir
que os consumidores comprassem diretamente dos produtores e que estes comprassem acesso do
distribuidor. Essa política, conhecida como “política comum do transporte”, efetivamente transforma
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22
Fusões verticais. Uma solução natural para o fabricante se comprometer com altos
preços é se fundir com uma das empresas a jusante.16 Se fizesse isso, poderia internalizar
os lucros realizados por sua afiliada a jusante e, assim, não teria qualquer incentivo para
oferecer melhores termos para outras, o que reduziria os lucros da afiliada e, por
conseguinte, os seus próprios. O bloqueio das concorrentes a jusante provavelmente
poderia ocorrer, já que a unidade a montante não teria incentivo para ofertar o insumo
para os concorrentes. De fato, para restaurar o poder de monopólio, deveria ser ótimo
suprir apenas a afiliada e não disponibilizar o insumo à concorrência. Pode-se mostrar,
contudo, que uma fusão vertical nem sempre resulta em completo fechamento de mercado
das concorrentes a jusante. Se houver outros insumos substitutos (porém inferiores), a
empresa a montante preferirá suprir a concorrência por conta própria, em vez de deixar
que sejam supridas por um competidor a montante.
empresas a jusante em companhias a montante e vice-versa. Veja Rey e Tirole (1996) para uma discussão
e alguns exemplos, principalmente dos setores de telecomunicações e energia. Embora fascinante, não
iremos nos alongar sobre esse tópico por ser mais uma questão de regulação que de concorrência, uma vez
que envolve redesenhar a estrutura da indústria.
16
Obviamente, integração vertical completa, ou seja, a aquisição de todas as empresas a jusante, também
resolveria o problema do compromisso. Mas isso não só é desnecessário – uma vez que o mesmo resultado
poderia ser atingido com uma única fusão – como muito improvável de ser aprovado por uma autoridade
antitruste.
17
Similarmente ao caso do monopolista de bens duráveis, a reputação pode também ajudar o monopolista.
Se um fluxo de insumos foi levado ao mercado pelo monopolista ao longo do tempo, há um jogo repetido
entre o fabricante e o revendedor. Mesmo na ausência de uma cláusula de exclusividade explícita, o
fabricante pode ter um incentivo para construir uma reputação para saber lidar com um revendedor de cada
vez.
18
O’Brien e Shaffer (1992), em um modelo com bens diferenciados e preços competitivos, também
mostram que tetos de preços no nível do distribuidor (bilaterais), acompanhados por preços de atacado no
mesmo nível, também restauram poder de monopólio.
produtor imprime o preço final no próprio produto e FPR pode ser aplicada e executa
mesmo em Tribunais. Revendedores não podem vender com desconto (no caso extremo
dessas jurisdições, podem ser processados se o fizerem) e isso claramente retira qualquer
incentivo para que o fabricante secretamente reduza preços no atacado: uma redução de
preços não levaria a aumento de vendas finais, apenas pioraria a distribuição de lucros
entre ele e o revendedor que receberia um desconto.19, 20
19
Nos Estados Unidos, preços mínimos para toda uma indústria foram estabelecidos graças a leis estaduais
(chamadas “leis do não signatário”), de acordo com as quais todos os distribuidores poderiam permanecer
com o contrato de FPR oferecido pelo fabricante, desde que pelo menos um distribuidor o tivesse assinado.
Veja O’Brien e Shaffer (1992: 306), que também oferecem evidências incidentais que mostram que a FPR
foi usada nos Estados Unidos para resolver o problema do compromisso.
20
O tema da FPR vem sendo tratado pelo CADE com relativa frequência desde o início da introdução da
análise econômica, com a Lei 8.884/84. O primeiro caso a envolver o tema foi o da Tabela Kibon (PA
148/94), em que se entendeu se tratar não de uma tabela de fixação de preços, mas de sugestão de preços
máximos, em um mercado caracterizado pela configuração de concorrência monopolista. A tabela servia
como instrumento de incentivo de descontos por parte do varejista, ao indicar o preço máximo sugerido,
induzindo a concorrência entre pontos de venda que detinham poder de mercado local, por sua localização
ou relações de fidelidade ou preferência do consumidor. Assim, a tabela contribuía para aumentar o bem-
estar. O tratamento mais recente do CADE sobre o tema da FPR foi no caso SKF (PA 08012.001271/2001-
414), decidido em 30 de janeiro de 2013, em que o relator que absolveu a representada da prática infrativa
da FPR foi vencido por entender não haver provas conclusivas de que a prática tivesse sido efetivamente
seguida, nem a SFK – a representada – teria poder de mercado unilateral para impor a FPR. A SDE, em seu
parecer, também entendeu que a SKF não teria poder de mercado suficiente para impor qualquer tipo de
prática vertical; no mercado de rolamentos, se teve o efeito de diminuir a concorrência intramarcas, também
teve o efeito líquido de aumentar a eficiência da rede de distribuição, ampliando a concorrência intramarcas
na dimensão “qualidade”, pela eliminação do efeito carona e pelo consequente fortalecimento da eficiência
intermarcas. A Procuradoria do CADE e o Ministério Público seguiram o entendimento da Secretaria pelo
arquivamento do feito. Porém, por maioria, após longo julgamento iniciado em 2010, decidiu-se que havia
potencial poder colusivo a montante e que não era relevante para a lei a realização de efeitos, ao afastar a
tese do crime impossível, tal como foi traduzida juridicamente a posição do relator (ver o acordão). A tese
– que, em termos econômicos, equivaleria a dizer que não importam as possibilidades objetivas para a
realização de efeitos – combinada à racionalidade das decisões, é bastante controversa, e, decerto, ainda
será discutida neste caso, em sede de revisão judicial e/ou em futuros casos, quando o CADE enfrentar
novamente a questão da FPR.
Conclusões. Esta seção mostrou um caso em que restrições verticais e fusões verticais
podem ser prejudiciais para o bem-estar. Se os contratos entre o monopolista a montante
e os revendedores a jusante não forem publicamente observáveis, o monopolista será
prejudicado por sua tentação de renegociar termos de oferta (postura antecipada pelos
21
Isso não significa que uma companhia não possa se engajar em qualquer forma de discriminação de
preços. É perfeitamente legítimo para uma empresa oferecer preços com base nas quantidades compradas
pelos consumidores. O que não é legítimo é oferecer diferentes condições para contratos similares ou para
o mesmo número de unidades compradas.
22
Em junho de 2001, a Comissão Europeia multou a Michelin, fabricante francesa de pneus, em €19,7
milhões por abuso de posição dominante, com base no art. 82 do Tratado da CE, por reincidência na prática
abusiva de fechamento do mercado francês de pneumáticos para grandes veículos a outros fabricantes, por
meio de descontos e bônus oferecidos a seus revendedores exclusivos, decisão confirmada pela Corte
Europeia.
revendedores, que não se disporão a aceitar altos preços de insumo). O monopolista sofre,
portanto, do mesmo problema de compromisso que o de bens duráveis. Uma fusão com
empresa a jusante, ou cláusulas verticais como territórios exclusivos e fixação de preços
de revenda, pode ajudar a resolver o problema de compromisso do monopolista e auxiliá-
lo a exercitar seu poder de monopólio, em detrimento do bem-estar.
6.2.5 – Conclusões
Esta seção mostrou que fusões verticais e restrições verticais que afetam apenas a
concorrência intramarcas frequentemente geram mais eficiência. Elas permitem que as
empresas controlem externalidades que afetam as relações verticais com outras
companhias, elevando lucros na cadeia vertical e, em muitos casos, o excedente do
consumidor. A análise também desvendou alguns casos especiais (notadamente quando
podem levar à provisão exagerada de serviços – veja a seção 6.2.2 – e quando ajudam um
fabricante a resolver o problema do compromisso – veja a seção 6.2.4) em que restrições
são danosas. Em segundo lugar, lembraremos que devemos sempre ponderar os possíveis
efeitos negativos sobre a concorrência intermarcas, com prováveis efeitos de ganhos de
eficiência a serem obtidos com as restrições verticais, tal como ilustrado na seção anterior.
Novamente, a principal conclusão será que devemos nos preocupar com restrições
verticais apenas quando envolverem empresas que desfrutem de grande poder de
mercado.
Gal-Or (1991), Vickers (1995), Bonanno e Vickers (1998) e Rey e Stiglitz (1988,
1995) estão entre os trabalhos que aplicaram esse princípio a restrições verticais. 23 Eles
23
Veja Irmen (1998) para uma análise dessa literatura.
24
Em algumas circunstâncias, mesmo sem taxa de franquia, o fabricante ganhará com a restrição vertical.
Veja, por exemplo, Rey e Stiglitz (1995).
25
Note que a mesma lógica se aplica ao caso em que o revendedor – em vez do produtor – tem o poder de
barganha. Nesse caso, Shaffer (1991) mostra que cada revendedor pode manipular estrategicamente o preço
no atacado pago ao produtor e recuperar o lucro mais alto da cadeia vertical por uma licença de espaço, ou
seja, uma taxa de franquia negativa que o fabricante paga ao revendedor para ter acesso a seu espaço em
prateleira. A seguir, nos limitaremos ao caso em que o poder de barganha pertence ao fabricante.
e não facilmente renegociáveis. (Um contrato tem valor de compromisso, quer dizer,
poderá afetar estrategicamente a conduta da concorrente se puder ser observado e não
facilmente modificado.) Como esses contratos têm grau maior de compromisso e
visibilidade que os não lineares (a decisão de delegar as vendas para um revendedor pode
ser facilmente observável e é dificilmente reversível no curto prazo, embora o contrato
com os revendedores seja, em geral, particular), seu potencial estratégico também é mais
alto.26
Note, contudo, que nem toda restrição vertical restringe o exercício dos efeitos
estratégicos. A fixação de preços na revenda, por exemplo, não pode ser utilizada como
restrição estratégica. A ideia crucial é delegar decisões de preços ao revendedor,
enquanto, com a FPR, é ainda o fabricante que decide preços. Pelas mesmas razões, uma
fusão vertical não desperta as mesmas preocupações: nenhuma delegação acontece aqui,
de modo que territórios exclusivos e preços não lineares poderão atingir lucros mais altos
(e gerar menor bem-estar) que a integração vertical.
26
Não obstante, Katz (1991) mostra que contratos não observáveis podem afetar a concorrência de mercado
sob certas circunstâncias; e Caillaud, Jullien e Picard (1995) mostram que, sob informação assimétrica,
contratos observáveis portam valores de compromisso mesmo que posteriormente possam ser
renegociados.
27
Por essa razão, os fabricantes não irão adotar territórios exclusivos quando os revendedores competirem
em quantidade.
essas restrições se, particular e isoladamente, forem consideradas ótimas, mas acabarão
em situação pior se todas ao mesmo tempo adotarem a estratégia. Esse é, portanto, um
exemplo do clássico dilema do prisioneiro. Proibir as restrições favoreceria as empresas
(não os consumidores).
Como visto na seção 4.2.3, a fixação de preço de revenda pode facilitar a colusão
entre fabricantes por aumentar a observabilidade de preços. Na ausência da FPR, quando
ocorrem choques no mercado varejista, os preços finais tendem a se alterar, dificultando
a distinção dos fabricantes entre mudanças nos preços de varejo causadas por diferentes
condições no mercado revendedor de desvios com relação ao cartel. A FPR torna a
colusão mais provável, eliminando a variação de preços no varejo (veja também
JULLIEN e REY, 2001)
Se dois fabricantes decidem vender seus bens ao mercado final por meio de um
agente comum (ou revendedor), poderá haver efeitos anticompetitivos. Em particular,
isso pode dar ensejo à cobrança dos preços de maximização conjunta de lucros em
equilíbrio.28
28
A literatura resume essa questão dizendo que a agência comum facilita a colusão (mas, curiosamente, o
preço colusivo surge mesmo em um jogo de uma única rodada).
29
Em Rey e Vergé (2002a), há concorrência a montante e a jusante; cada empresa a jusante age como um
revendedor comum de ambas as empresas a montante. Sob esta estrutura de “agência comum dupla”, os
lucros colusivos surgem de um equilíbrio de jogo único, no qual a primeira das empresas a montante faz
uma oferta “pegar ou largar” (na forma de contratos de taxa de franquia) para cada um dos revendedores
comuns. Cada um estabelece seu nível de esforço e, então, compete no mercado final de produto vendendo
ao preço estabelecido pelos fabricantes. Infelizmente, o modelo perde força na habilidade dos fabricantes
de extraírem todas as rendas dos revendedores, e quando eles dispõem de algum poder de barganha, o
modelo se torna muito complicado.
Sugere-se, como exemplo, que acordos de exclusividade podem permitir que uma
empresa que disponha de posição dominante detenha a entrada no mercado, ao bloquear
o acesso a um insumo (a rede de distribuição) ou dificultando e encarecendo a obtenção
desse recurso para um entrante. Também sugere-se que uma fusão vertical pode ter efeitos
similares: se uma empresa a montante que detenha posição dominante adquire um ou
muitos revendedores a jusante, ela pode deixar de abastecer os concorrentes da subsidiária
a jusante ou abastecê-los a preços mais elevados, colocando-os em desvantagem
competitiva.
Veremos nesta seção que – a despeito dos apelos que esses argumentos tenham à
primeira vista – não é comum uma empresa dominante ter incentivos para se engajar em
tais práticas. Na realidade, apenas muito recentemente a teoria econômica passou a prover
exemplos formais de situações em que isso poderia vir a ocorrer.
A Figura 6.4 ilustra isso. Suponha que a incumbente tenha um custo unitário 𝑐𝐼 e
obtivesse um lucro unitário 𝜋𝑚 se dispusesse de um monopólio, correspondente à área
𝑝𝑚 𝐴𝐷𝑐1. A entrante tem custo 𝑐𝐸 < 𝑐𝐼 ; caso a entrada ocorra, a entrante pode definir um
preço ligeiramente abaixo de 𝑐𝐼 e pegar todo o mercado para si. Assim, se a entrada
ocorrer, o preço será (ligeiramente menor que) 𝑐𝐼 . O comprador obtém um excedente
igual a 𝐸𝐶 𝑚 , correspondente à área 𝜃𝐴𝑝𝑚 , sob monopólio, e um excedente igual a 𝐸𝐶 𝐸 ,
igual à área 𝜃𝐵𝑐𝐼 , se a entrada ocorrer. Por conseguinte, para ser persuadido a estabelecer
um acordo de exclusividade com o incumbente, o comprador deveria receber uma oferta
𝑡 maior que o ganho que obterá se a entrada ocorrer, 𝐸𝐶 𝐸 − 𝐸𝐶 𝑚 . Isso é equivalente à
área 𝑝𝑚 𝐴𝐵𝑐𝐼 . Contudo, é claro que o incumbente não poderia fazer uma oferta tão alta,
pois seus lucros seriam 𝜋 𝑚 < 𝐸𝐶 𝐸 – 𝐸𝐶 𝑚 .
O principal insight por trás dos recentes modelos de exclusão pode ser obtido em
referência ao mesmo exemplo utilizado anteriormente. Naquele exemplo, a incumbente
não é capaz de fazer uma oferta grande o suficiente para persuadir o comprador a aceitar
um acordo de exclusividade. No entanto, há circunstâncias sob as quais isso é possível, e
elas se referem à existência de externalidades com respeito à relação entre a incumbente
e o comprador que considera o contrato de exclusividade. Imagine que, ao excluir o
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37
Grande parte dos trabalhos recentes que mostram que a incumbente pode usar
contratos de exclusividade para bloquear a entrada se apoia em diferentes externalidades
que explicam por que o bloqueio é lucrativo. Tais trabalhos incluem Aghion e Bolton
(1987), Rasmusen et al. (1991), Segal e Whinston (2000a) e Bernheim e Whinston
(1998).30
30
Há também, na literatura, os que consideram o potencial anticompetitivo de acordos de exclusividade por
meio de estratégias de elevação de custos dos concorrentes. Em Comanor e Frech (1985), contratos de
exclusividade entre um fabricante dominante (que desfrute de uma vantagem de diferenciação) e
revendedores estabelecidos bloqueiam o acesso de uma concorrente a esses revendedores e obrigam-na a
usar um canal de distribuição menos eficiente. No entanto, Schwartz (1987) mostra que o modelo utilizado
por Comanor e Frech (1985) não é cuidadosamente formulado. Desenvolvendo a análise correta, ele prova
o resultado oposto: contratos de exclusividade podem surgir, mas levam a preços menores, em vez de
maiores para os consumidores. Mathewson e Winter (1987) também reformulam o modelo de Comanor e
Frech (fazendo diferentes hipóteses sobre diferenciação de produto) e mostram que contratos de
exclusividade não precisam ser anticompetitivos mesmo quando levam à exclusão de concorrentes. Esses
trabalhos demonstram que efeitos exclusionários devem ser levados em consideração pela teoria, mas
tendem a surgir em modelos que requeiram hipóteses e definições particulares. Adicionalmente, mesmo
quando a exclusão ocorre, pode gerar aumento de bem-estar.
incumbente, cada revendedor não leva em consideração que, ao fazer isso, impõe uma
externalidade sobre os demais. Em outras palavras, se todos aceitarem a oferta de
exclusividade por parte da incumbente, um deles sozinho não terá incentivo para rejeitar
o contrato de exclusividade da incumbente, como um comprador “livre” sozinho não será
capaz de disparar a entrada dirigindo-se ao entrante (o entrante necessitaria de vários
compradores para cobrir seu custo fixo de entrada).
O modelo pode ser ilustrado pela Figura 6.4, mas com dois compradores idênticos
em vez de um. Cada comprador é descrito como uma função de demanda 𝜃𝜃′. A
incumbente faz a cada um deles uma oferta em troca de um acordo de exclusividade, que
eles aceitam ou rejeitam, e depois um entrante mais eficiente decide sobre a entrada (mas
cobrirá custos fixos apenas se vender para os dois revendedores). Quando a incumbente
negocia o acordo com o comprador, ele pode oferecer o dobro de seus lucros, um vez que,
ao conseguir um revendedor exclusivo, pode obter lucros de monopólio em dois
mercados. Partindo de que 2𝜋 𝑚 > 𝐸𝐶 𝐸 – 𝐸𝐶 𝑚 (hipótese não muito forte), ela agora pode
oferecer uma compensação t que induza o comprador a aceitar o acordo,
consequentemente bloqueando a entrada para ambos os compradores. (De fato, há um
equilíbrio exclusionário quando a incumbente paga zero de compensação: mesmo se não
oferecer nada, um comprador sabe que não poderá sozinho induzir a entrada, então
aceitará o acordo.)
31
Válido em um jogo simultâneo com ofertas não discriminatórias. Se a incumbente puder discriminar ou
oferecer sequencialmente acordos de exclusividade, o equilíbrio exclusionário será único.
32
Mais precisamente, este é o único resultado de jogo à prova de coalizão.
Essa afirmação sustenta-se para todo tipo de restrição vertical e fusão vertical:
diferentes restrições são frequentemente substituíveis entre si. Além disso, não há um
ranqueamento unânime de restrições verticais em termos de bem-estar. Assim, não há
justificativa econômica para uma política que as trate de forma diferente, digamos,
utilizando uma regra per se de proibição contra fixação de preços no varejo mas
permitindo outras restrições. Pela mesma perspectiva, seria inconsistente ter uma posição
rígida contra algumas restrições verticais e ser leniente com fusões verticais.
Uma regra de razoabilidade para restrições e fusões verticais não significa que
todo acordo vertical deva ser examinado pelas autoridades antitruste. Isso seria
impossível, uma vez que elas teriam de usar seus escassos recursos para monitorar
milhares de relações verticais. Restrições e fusões verticais são anticompetitivas apenas
se envolverem empresas com significativo poder de mercado (vimos em diversos casos
que o dano potencial criado por uma restrição vertical decresce com a presença de
competidores). Consequentemente, não há necessidade de monitorar restrições e fusões
que envolvam empresas com pouco poder de mercado. Uma política eficiente com relação
às relações verticais conferiria isenção a todas as restrições e fusões de empresas que não
tenham grande poder de mercado. Do ponto de vista operacional, seria uma boa proxy
isentar empresas cuja participação de mercado esteja abaixo de 20% a 30%.33
Essa questão gera o problema sobre como lidar com restrições verticais e fusões
verticais que envolvem empresas com significativo poder de mercado e que tenham
possíveis efeitos exclusionários. Nesses casos, a regra da razoabilidade deve ser adotada,
já que se deve sopesar possíveis efeitos de eficiência com possíveis efeitos
anticompetitivos.
33
Foi o cuidado tomado pelo legislador brasileiro na redação tanto da antiga Lei 8.884/94 quanto da atual
Lei 12.529/2011 nas ressalvas feitas à tipificação de ilícitos, que presumem a obtenção ilegítima de posição
dominante no mercado, pressuposta a partir de 20% de participação do mercado relevante, na maioria dos
casos.
insumos não necessariamente decorre delas; (2) mesmo se concorrentes a jusante forem
de fato bloqueadas, os preços finais não necessariamente aumentarão. Isso sugere um
procedimento de dois passos para os casos de fusões verticais que envolvam empresas
com participação de mercado acima de determinado limiar.34 Primeiro, deve-se
estabelecer se a fusão provavelmente levaria a bloqueio de insumo, o que significa que
os preços do insumo para empresas a jusante independentes subiriam (os competidores
seriam prejudicados). Se tal ocorrer, a investigação deve continuar para o próximo passo.
Se não, a fusão deve ser aprovada. No segundo passo (se aplicável), deve-se estabelecer
se os preços dos consumidores finais provavelmente subirão ou não (a competição será
prejudicada).
Um procedimento similar deve ser seguido para restrições verticais que possam
levar a bloqueio de concorrentes. As autoridades antitruste devem provar que o acordo de
exclusividade (ou outras cláusulas exclusivas ou recusa de oferta) irá prejudicar a
competição, no sentido de haver a possibilidade de reduzir o bem-estar do consumidor.
A requerente ou a representada deve produzir evidências convincentes de que as
restrições verticais adotadas envolvem suficientes ganhos de eficiência para que os
consumidores se beneficiem deles.
34
Riordan e Salop (1995) propõem um procedimento em quatro passos, similar ao apresentado aqui. Seu
trabalho é inteiramente dedicado a esse tema e mais rico e completo que nossa análise. A leitura é altamente
recomendada.
Segundo a Campos Verdes, sua atuação no mercado passou a ser dificultada pela
nova proprietária da planta, que, algumas vezes, deixou de lhe garantir o suprimento do
gás, previsto em contrato.35
Em síntese, a SDE entendeu que a White Martins procurava estender seu domínio
de mercado do mercado de CO2 para o de transporte de CO2 (o que constituiria
alavancagem de poder de mercado). A Procuradoria do CADE seguiu o mesmo
entendimento.
35
PA 0800.020849/96-18.
O que faltou à SDE demonstrar em seu entendimento foi a ligação entre as práticas
que identificou e o dano ao excedente do consumidor e ao bem-estar, razão para
considerar a prática prejudicial, de acordo com os critérios antitruste que sugerimos e que,
de outra forma, já teriam sido apontados pela Seae.
36
PA 08012.009991/1998-82.
A investigação seguida pela SDE para elaboração de seu parecer, assim como suas
conclusões, seguiu a melhor orientação disponível e é exemplo de boa técnica e aplicação
da Lei 8.884/94.
37
Essas cláusulas de raio deram origem a outro processo, investigado separadamente.
Note que esse parâmetro não parece ter um significado sustentado pela teoria
econômica, pois significaria dizer que a proteção contra o comportamento de carona e/ou
o incentivo ao esforço de vendas do revendedor teria tempo limitado. Caso esse tempo
fosse estabelecido em curto prazo, equivaleria a restabelecer condições para condutas
oportunistas – o comportamento de carona – e a desestimular esforços de venda – caso
fosse esse o objetivo de cláusulas de exclusividade, demarcando o diferencial de imagem
do shopping.
38
Como estabelece a legislação, referente ao exercício do ano anterior à instauração do PA.
Igualando a primeira derivada a zero, (𝜕𝛱𝐷 /𝜕𝑝 = 0), obtemos preço, quantidade
e lucro como função do preço de atacado: 𝑝 = (𝑎 + 𝑤)/2; 𝑞 = (𝑎– 𝑤) /2; 𝛱𝐷 =
(𝑎 + 𝑤)2 /4.
3𝑎 + 𝑐 (𝑎 − 𝑐)2 (𝑎 − 𝑐)2
𝑝 𝑠𝑒𝑝 = ; 𝛱𝑈𝑠𝑒𝑝 = ; 𝛱𝐷𝑠𝑒𝑝 = ; (6.3)
4 8 16
3(𝑎 − 𝑐)2
𝐸𝑃 𝑠𝑒𝑝
= 𝛱𝑈𝑠𝑒𝑝 + 𝛱𝐷𝑠𝑒𝑝 = . (6.4)
16
Integração vertical. Suponha agora que as empresas a montante e a jusante sejam
integradas em uma única companhia por causa de uma fusão vertical, por exemplo. Isso
implica que o fabricante pode agora vender diretamente aos consumidores. O problema
será, então, o padrão de um monopolista, como se segue:
A solução pode ser facilmente obtida pela condição de primeira ordem 𝜕𝛱𝑣𝑖 /𝜕𝑝 =
0:
Restrições verticais. Suponha agora que uma fusão vertical não seja possível, por
qualquer razão. Ainda assim, é possível para a empresa a montante remover a
externalidade com a dupla marginalização usando restrições verticais distintas, como se
segue.
tiver todo o poder de barganha, então 𝐹 = (𝑎 − 𝑐)2 /4, e ela se apropriará de todo o lucro
gerado pela estrutura vertical.
demanda 𝑎 ∈ [𝑎, 𝑎] quanto da distribuição do custo 𝛾 ∈ [𝛾, 𝛾], com 𝑎 > 𝑐 + 𝛾, sendo
(3) Sob incerteza de custo (𝐸(𝑎) = 𝑎̱ = 𝑎̄ ), 𝜋𝑇𝐹 > 𝜋𝐹𝑃𝑅 , já que (𝑎̱ − 𝑐 −
𝛾̄ )2 /4 + [(𝛾̄ − 𝛾 𝑒 )]2 /4 > (𝑎𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2/4. Pode-se conferir que 𝑊𝑇𝐹 > 𝑊𝐹𝑃𝑅 .
𝑤). Contudo, os varejistas nunca poderão cobrir seu custo (fixo) de provisão de qualidade,
considerando que fazem lucro zero. Nenhum equilíbrio com 𝑒 > 0 pode ser sustentado.
𝑒12 𝑒22
𝑚𝑎𝑥 𝛱𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑝) − µ −µ . (6.9)
𝑝, 𝑒1 ,𝑒2 2 2
Resolvendo a expressão das três condições de primeira ordem, temos que
𝜕𝛱𝑣𝑖
= 𝑝 − 𝑐 − µ𝑒𝑖 = 0,
𝜕𝑒𝑖
(𝑖 = 1,2) (6.10)
𝜕𝛱𝑣𝑖
= 𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 2𝑝 + 𝑐 = 0,
{ 𝜕𝑝
e as soluções: 𝑒1 = 𝑒2 = 𝑒𝑣𝑖 = (𝑣 − 𝑐)/[2(µ − 1)]; 𝑝𝑣𝑖 = [µ(𝑣 + 𝑐) − 2𝑐]/[2(µ − 1)].
Cada varejista irá vender 𝑞𝑣𝑖 = µ(𝑣 − 𝑐)[4(µ − 1)]. Por substituição, temos o excedente
do produtor, do consumidor e o bem-estar:
(𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑝𝑖 ) 𝑒𝑖2
𝑚𝑎𝑥𝛱𝑒𝑡 = (𝑝𝑖 − 𝑐) − µ − 𝐹. (6.12)
𝑝𝑖 ,𝑒𝑖 2 2
As condições de primeira ordem são
𝜕𝛱𝑒𝑡 𝑝𝑖 − 𝑐
= − µ𝑒𝑖 = 0,
𝜕𝑒𝑖 2
(6.13)
𝜕𝛱𝑒𝑡
= 𝑣 + 𝑒𝑖 + 𝑒𝑗 − 2𝑝𝑖 + 𝑐 = 0, (𝑖 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗).
{ 𝜕𝑝𝑖
Note que, dado o nível de esforço, o preço escolhido será equivalente à solução
verticalmente integrada (𝜕𝛱𝑒𝑡 /𝜕𝑝𝑖 = 0 é a mesma do monopolista verticalmente
integrado). Todavia, os esforços não são ótimos, já que o lucro marginal do esforço
diminui com relação à situação na qual há internalização completa da externalidade do
esforço. Cada varejista sabe que seu esforço vai aumentar as vendas em um mercado que
corresponde à metade do de um monopolista verticalmente integrado. Assim sendo,
territórios exclusivos aumentam os incentivos para fornecer serviços e aproximam o
fabricante do ótimo, ainda que não restaurem uma situação ideal, de first-best.
𝑒12
𝑚𝑎𝑥𝛱𝑒𝑡1 = (𝑝1 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒1 − 𝑝1 ) − µ − 𝐹. (6.14)
𝑝1 ,𝑒1 2
As condições de primeira ordem serão
𝜕𝛱𝑒𝑡1
= (𝑝1 − 𝑐) − µ𝑒1 = 0,
𝜕𝑒1
(6.15)
𝜕𝛱𝑒𝑡1
= 𝑣 + 𝑒1 − 2𝑝1 + 𝑐 = 0.
{ 𝜕𝑝1
No equilíbrio, o varejista irá oferecer menor esforço que em uma situação de first-
best. De forma resumida, territórios exclusivos reduzem o problema da externalidade e
aumentam o esforço empreendido, sem, contudo, restaurar o first-best.
Fixação do preço de revenda e taxa de franquia. Outro tipo de restrição vertical que
pode ser utilizado para aumentar os incentivos à produção de serviços é a combinação de
fixação do preço de revenda com contratos não lineares (𝑤 < 𝑐; 𝐹). Se o fabricante fixar
o preço no qual o varejista pode vender em 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 , ele não adotará um preço tão
agressivo que incentive a eliminação dos esforços (como acontece no caso de Bertrand).
(𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑝𝑣𝑖 ) 𝑒𝑖2
max 𝛱𝐹𝑃𝑅 = (𝑝𝑣𝑖 − 𝑤) − µ − 𝐹. (6.16)
𝑒𝑖 2 2
As condições de primeira ordem do esforço são
𝜕𝛱𝐹𝑃𝑅 𝑝𝑣𝑖 − 𝑤
= − µ𝑒𝑖 = 0, 𝑖 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (6.17)
𝜕𝑒𝑖 2
Para que o varejista escolha o nível ótimo de esforço, a condição a seguir deve ser
satisfeita:
𝑝𝑣𝑖 − 𝑤 𝑣−𝑐
𝑒𝑖 = = 𝑒𝑣𝑖 = . (6.18)
2µ 2(µ − 1)
Logo, o preço de atacado deve ser 𝑤𝐹𝑃𝑅 = 𝑝𝑣𝑖 − µ(𝑣 − 𝑐)/(µ − 1). Substituindo
a expressão de 𝑝𝑣𝑖 , temos
3µ𝑐 − 2𝑐 − µ𝑣
𝑤𝐹𝑃𝑅 = < 𝑐. (6.19)
2(µ − 1)
Observe que, se 𝑤 = 𝑐, a manutenção do preço de revenda não reproduziria o
nível de esforço verticalmente integrado. Isso acontece porque cada varejista, ao escolher
seu nível de esforço, considera o impacto marginal do esforço somente em seu próprio
lucro, não do de ambos os varejistas. Como cada um sabe que venderá para apenas metade
do mercado, seus incentivos são reduzidos (o produto não é diferenciado e os preços são
fixados pelo fabricante). A FPR sozinha não restaura o first-best: incentivos adicionais
devem ser dados aos varejistas. Um deles pode ser o monopolista a montante praticar um
preço de atacado menor que seu custo marginal.
Perceba que o contrato, que especifica o preço de varejo 𝑝𝑣𝑖 e o preço de atacado
𝑤𝐹𝑃𝑅 , induz os mesmos níveis de preço e esforço de uma estrutura verticalmente
integrada. Logo, o lucro total gerado nesse contrato é o mesmo que nessa estrutura. A
taxa de franquia 𝐹 pode ser utilizada para redistribuir o lucro dos varejistas para o
fabricante. Se 𝐹 = 𝛱𝑣𝑖 /2 + (𝑐 − 𝑤)𝑞𝑣𝑖 , o fabricante terá exatamente o mesmo lucro do
obtido em uma integração vertical.
Dado que FPR impõe 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 e dada a fixação da quantidade, o problema de cada
Varejista 𝑖 torna-se:
atacado torna-se neutro a incentivos. O fabricante pode, assim, usá-lo para se apropriar
das rendas. Para isso, deve escolher 𝑤
̂ de modo a deixar os varejistas com lucro líquido
2
zero. O ótimo resolve a condição a seguir: (𝑝𝑣𝑖 − 𝑤
̂)(𝑣 + 2𝑒𝑣𝑖 − 𝑝𝑣𝑖 )/2 − µ𝑒𝑣𝑖 /2 = 0,
̂ = (𝑣 + 𝑐)/2.
onde 𝑤
Conclusões Neste exemplo, em que o nível geral de serviços é determinado pela soma
dos níveis fornecidos por cada varejista e o custo de provisão dos serviços incide sobre
os custos fixos, uma fusão vertical aumentaria o bem-estar com relação à situação na qual
os varejistas não ofereçam esforço suficiente. Restrições verticais como territórios
exclusivos e manutenção do preço de revenda também aumentam o bem-estar ao reduzir
a competição entre os varejistas, restaurando seus incentivos para a provisão de serviços.
Entretanto, a combinação entre territórios exclusivos e taxas de franquia não é capaz de
reproduzir o resultado verticalmente integrado, ao passo que a combinação de FPR e
contratos não lineares (𝑤 < 𝑐, 𝐹) ou fixação de quantidade o são.
Integração Vertical (Com Dois Varejistas). Sob integração vertical (ou restrições
verticais que reproduzam o resultado verticalmente integrado), o monopolista escolhe o
preço de modo a extrair todo o excedente dos consumidores com baixa propensão a pagar,
mas isso é elevado pelo nível de esforço. O problema do monopolista verticalmente
integrado passa a ser:
𝑒12 𝑒22
max 𝜋𝑣𝑖 = 𝜃𝑙 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑐 − µ −µ , (6.21)
𝑒1 ,𝑒2 2 2
que tem como solução 𝑒1 = 𝑒2 = 1/µ. (Note que 𝜃ℎ > 𝜃𝑙 + 𝑒 sob o pressuposto anterior
quanto a µ.) Nesse equilíbrio, 𝜋𝑣𝑖 = 𝜃𝑙 + 1/µ − 𝑐 > 𝜋𝑠 e 𝐸𝐶𝑣𝑖 = 𝜆(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 − 2/µ) <
𝐸𝐶𝑠 . O bem-estar se reduz sob integração vertical se 𝑊𝑣𝑖 = 𝜃𝑙 + 1/µ − 𝑐 +
𝜆(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 − 2/µ) < 𝑊𝑠 , que equivale a 𝜆 > 1/2.
𝑒12 𝑒22
max 𝜋𝑣𝑖 = (1 − 𝜆)(𝜃𝑙 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑐) − µ −µ , (6.22)
𝑒1 ,𝑒2 2 2
cuja solução é 𝑒1 = 𝑒2 = (1 − 𝜆)/µ. Em equilíbrio, 𝜋𝑣𝑖 = (1 − 𝜆)(𝜃𝑙 + (1 − 𝜆)/µ − 𝑐)
(todas as demais empresas continuam com lucro zero) e 𝑊𝑣𝑖 = 𝜆(𝜃ℎ − 𝑐) +
(1 − 𝜆)(𝜃𝑙 − 𝑐) + (1 − 𝜆)2 /µ > 𝑊𝑠 .
varejista tende a definir um preço menor que o preço ótimo para a cadeia vertical porque
não internaliza que uma redução marginal do próprio preço afete negativamente o lucro
dos outros varejistas.
O modelo mostra que o primeiro efeito prevalece sobre o terceiro e que, mesmo
neste contexto mais complicado, continua sendo verdade que uma estrutura verticalmente
separada com preços por atacado lineares resulta em preços mais altos e menor esforço
(isto é, menos serviços). Assim sendo, a integração vertical e as restrições verticais
restauram o resultado verticalmente integrado e reduzem os preços, elevam os esforços e,
por fim, aumentam os excedentes do produtor e do consumidor.
Considere um fabricante a montante, que deve vender seu bem por meio de uma
rede de 𝑛 varejistas, que, por conta da localização ou de outras características, vende um
bem percebido como diferenciado pelos consumidores finais, de acordo com as seguintes
funções de demanda diretas:
1 𝑛 𝛾 𝑛
𝑞𝑖 = [𝑣 + 𝑒𝑖 + 𝛼 ∑ 𝑒𝑘 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ], (6.23)
𝑛 𝑘≠𝑖 𝑛 𝑗=1
Aqui, novamente, há duas externalidades em jogo, mas ambas têm efeito negativo
sobre o esforço em uma estrutura vertical separada. Primeiro, a externalidade vertical, ao
aumentar o custo marginal de varejistas (𝑤 > 𝑐), reduz seu lucro marginal de investir em
esforço. Segundo, há uma externalidade horizontal determinada pelo spillover,
internalizada sob a estrutura verticalmente integrada, que aumenta, nesse caso, o esforço.
Portanto, 𝑒 𝐼 > 𝑒 𝑠 .
(𝑣 − 𝑤)µ𝑛
𝑝𝑠 = + 𝑤;
2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
(6.26)
(𝑣 − 𝑤)
𝑒𝑠 = .
2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
A produção total vendida pelo fabricante será, dessa forma:
(𝑣 − 𝑤)µ(𝛾(𝑛 − 1) + 𝑛)
𝑄 𝑠 = 𝑛𝑞 𝑠 = . (6.27)
2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
O lucro do fabricante é dado por 𝜋 𝑢 = (𝑤 − 𝑐)𝑄 𝑆 . Substituindo e maximizando
com relação a 𝑤, verifica-se que o preço ótimo de atacado é dado por 𝑤 ∗ = (𝑣 + 𝑐)/2.
Pode-se, então, substituir esse valor em 𝑝 𝑠 e 𝑒 𝑠 para achar o preço final e esforço de
equilíbrio sob separação vertical como
1 (𝑣 − 𝑐)µ𝑛
𝑝 𝑠∗ = (𝑣 + 𝑐 + );
2 2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
(6.28)
1 (𝑣 − 𝑐)
𝑒 𝑠∗ = .
2 2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
Em seguida, veja que o excedente do consumidor com essa função de demanda é
2
dado por 𝐸𝐶 = (𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) /(2𝑛). Logo, podemos obter o excedente
do consumidor sob separação vertical substituindo, nessa expressão, os valores de
equilíbrio anteriores. Temos que
𝑠
(𝑣 − 𝑐)2 µ2 (𝛾(𝑛 − 1) + 𝑛)2
𝐸𝐶 = 2. (6.29)
8𝑛(2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1))
Precisamos agora dos valores de equilíbrio para o caso de integração vertical. Ao
resolver a equação (6.25), obtém-se
2
(𝑣 + 𝑐)µ𝑛 − 𝑐(1 + 𝛼(𝑛 − 1))
𝑝𝑉𝐼∗ = 2 ;
2µ𝑛 − (1 + 𝛼(𝑛 − 1))
(6.30)
(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛼(𝑛 − 1))
𝑒 𝑉𝐼∗ = 2.
2µ𝑛 − (1 + 𝛼(𝑛 − 1))
Substituindo esses valores na expressão do excedente do consumidor, tem-se
𝑉𝐼
(𝑣 − 𝑐)2 µ2 𝑛
𝐸𝐶 = . (6.31)
2 2
2 (2µ𝑛 − (1 + 𝛼(𝑛 − 1)) )
TE (Territórios Exclusivos)
• 𝐹𝑃𝑅 + 𝐹𝑄. A FPR combinada com fixação de quantidade pode ser uma
alternativa a um esquema de preços não linear. Após impor o preço, se 𝑤 > 𝑐,
o varejista não tem incentivos para empreender um esforço ótimo. Mas o
monopolista a montante também pode impor uma quantidade mínima ao
varejista. O lucro de cada varejista é dado por 𝜋 = (𝑝𝐼 − 𝑤)𝑞𝑖 (𝑝𝐼 , 𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 ) −
µ𝑒𝑖2 /2, sujeito a 𝑞𝑖 (𝑝𝐼 , 𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 ) ≥ 𝑞 𝐼 . Um máximo sem restrição poderia levar o
varejista a realizar um esforço muito baixo: para atender à cláusula de fixação
de quantidade, cada varejista faria o esforço suficiente para produzir o
resultado da integração vertical. Dado que o preço é imposto em 𝑝𝐼 , o esforço
ótimo é induzido a 𝑒 𝐼 . Neste momento, o esforço e o preço ótimos são
implementados, e os resultados da indústria reproduzem a estrutura
verticalmente integrada. Uma vez que o preço de atacado 𝑤 não modifica a
escolha dos varejistas, 𝑤 pode ser utilizado para redistribuir as rendas dos
varejistas aos fabricantes.
• 𝐹𝑃𝑅 + 𝑇𝐹(𝑤 < 𝑐). Uma vez imposto o preço ótimo 𝑝𝐼 aos varejistas, é
simples observar, a partir das CPOs, que eles ainda exerceriam pouco sob
separação vertical se 𝛼 > 0 e 𝑤 = 𝑐: 𝑒 𝑆 = (𝑝𝐼 − 𝑤)/(𝑛µ) < 𝑒 𝐼 = (𝑝𝐼 −
𝑐)(1 + 𝛼(𝑛 − 1))/(𝑛µ). Para induzir um esforço ótimo, é necessário que o
fabricante venda aos varejistas a um preço de atacado menor que seu custo
marginal, 𝑤 < 𝑐. Mais precisamente, o preço de atacado 𝑤
̂ que induz o nível
1
𝜋 𝑣𝑠 + (𝑝 − 𝑤) (𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) − 𝑓. (6.33)
𝑛
Para determinar endogenamente o número de varejistas atuando no equilíbrio,
considere que, sob integração vertical, a entrada ocorre até o ponto em que maximiza 𝜋 𝑣𝑖 ,
ao passo que, sob separação vertical, ocorre até o ponto em que 𝜋 𝑣𝑠 = 0 (a condição-
padrão de livre-entrada, sob a premissa de que 𝑛 é contínuo).
𝜕𝜋 𝑣𝑖
= (𝑝 − 𝑐)𝛼𝑒 − 𝑓 = 0, (6.34)
𝜕𝑛
e
1
𝜋 𝑣𝑠 = (𝑝 − 𝑤) (𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) − 𝑓 = 0. (6.35)
𝑛
Existem dois efeitos distintos em jogo. Primeiro, uma empresa verticalmente
integrada internaliza o fato de que a produção de uma variedade adicional reduz a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73
produção vendida das variedades já existentes. Lembre, no entanto, que, nesse modelo
em particular, lidamos com um caso especial, já que a demanda da indústria não aumenta
com as variedades disponíveis. Assim, só há razão para aumentar 𝑛 quando isso afetar
significativamente a produção total por meio dos spillovers de publicidade. Na verdade,
se 𝛼 for baixo o suficiente ou se o custo do esforço for muito grande (levando a um valor
de equilíbrio 𝑒 muito baixo), o monopolista verticalmente integrado terá apenas um
varejista.
Para estudar o impacto das restrições verticais no bem-estar nesse modelo, vamos
abstrair, por simplicidade, as considerações quanto ao esforço (dos spillovers de
publicidade), para que o intercepto seja dado por 𝑣 apenas (pense, por exemplo, que o
custo marginal do esforço µ tende ao infinito, de forma que os varejistas optem por um
esforço 𝑒 = 0).
Sabemos que não é claro, a priori, se o preço final é maior ou menor sob
integração vertical, já que existem duas forças distintas atuando. Primeiro, sob separação
e precificação linear, a externalidade pecuniária horizontal leva a preços mais baixos,
dado o preço de atacado; segundo, sob separação e precificação linear, a externalidade
vertical leva a preços de atacado mais elevados, o que, por sua vez, puxa os preços para
cima. Para verificar qual das forças é dominante, precisamos encontrar o preço de atacado
escolhido pelo fabricante a montante. Acontece que, sob a integração vertical, os preços
são sempre menores. Veremos a seguir o porquê.
1 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + (𝑝𝑖 + 𝑝𝑗 )]. (6.36)
2 2
Supomos também que exista um grande número de revendedores no mercado
competindo por preço e que oferece serviços não diferenciáveis (ou perfeitamente
competitivos, o que é equivalente). O custo de cada revendedor de vender a marca 𝑖 é
Solução do jogo. No último estágio do jogo, os varejistas definirão preços iguais aos
custos marginais 𝑝𝑖 = 𝑑 + 𝑤𝑖 − 𝑒̂𝑖 . Considere primeiro o caso em que não há acordo de
exclusividade (NAE). Substituindo os preços de equilíbrio, têm-se as quantidades em
função dos preços de atacado e dos níveis de investimento. Em um estágio prévio, os
fabricantes max𝑤𝑖 ,𝑒𝑖 𝜋𝑖 = 𝑤𝑖 𝑞𝑖 (𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 , 𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) − (µ/2)𝑒𝑖2 . Tomando as condições de
primeira ordem 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑒𝑖 = 0, 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑤𝑖 = 0, impondo simetria e resolvendo a expressão,
chega-se a soluções de equilíbrio:
4µ(𝑣 − 𝑑)
𝑤𝑖𝑁𝐴𝐸 = ; (6.37)
2µ(4 + 𝛾) − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼))
(2 + 𝛾(1 − 𝛼))(𝑣 − 𝑑)
𝑒𝑖𝑁𝐴𝐸 = . (6.38)
2µ(4 + 𝛾) − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼))
Por substituição, os outros valores de equilíbrio podem ser obtidos. Em particular,
4µ(𝑣 − 𝑑) (2 + 𝛾)(𝑣 − 𝑑)
𝑤𝑖𝐴𝐸 = ; 𝑒𝑖𝐸𝐷 = , (6.41)
2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾) 2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾)
2𝑑(2 + 𝛾)µ + 𝑣(4µ − (2 + 𝛾))
𝑝𝑖𝐴𝐸 = , (6.42)
2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾)
µ[4𝛾(2µ − 1) + 16µ − 𝛾 2 − 4(𝑣 − 𝑑)2
𝜋𝑖𝐴𝐸 = . (6.43)
[2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾)]2
Agora é fácil conferir que sob exclusividade: (1) os níveis de investimento são
maiores (devido à maior apropriabilidade do investimento; o custo de distribuição da
marca também é reduzido); (2) os preços de atacado são maiores (porque os custos mais
baixos de distribuição deslocam a função de receita marginal da empresa, que pode, então,
elevar os preços de atacado); (3) o preço de varejo é menor (devido ao efeito dominante
da redução dos custos); (4) o lucro dos fabricantes é maior (o lucro dos varejistas é sempre
nulo por conta da premissa de competição de Bertrand); e por fim, (5) o bem-estar é maior
que sob não exclusividade (uma vez que os lucros são mais elevados e os consumidores
estão em melhor situação).
Primeiro, 𝑀 oferece a cada varejista um contrato (𝐹𝑖 , 𝑞𝑖 ), onde 𝐹𝑖 é uma taxa fixa,
e 𝑞𝑖 , o número de unidades que o varejista deseja comprar. Em seguida, cada varejista
encomenda 𝑞𝑖 unidades do produto e paga 𝐹𝑖 . Por fim, cada um oferece 𝑞𝑖 no mercado e
o mercado irá lucrar.
É importante fazer dois comentários sobre esse jogo. Primeiro, o foco são
contratos não lineares, pois os lineares não são ótimos quando há poder de mercado a
jusante, ou seja, não reproduzem o resultado verticalmente integrado. Segundo,
presumimos que os varejistas paguem o produto/insumo antes de ir ao mercado final.
Caso o pagamento fosse feito após a ida ao mercado, a empresa a montante não teria
incentivo para renegociar (ver o Exercício 6.7).
Assim, o contrato que restaura o resultado verticalmente integrado não pode ser
um equilíbrio. Resta agora identificar qual é a situação de equilíbrio. Para isso, e
considerando a não observabilidade, é necessário estabelecer algumas premissas sobre as
ofertas que os varejistas acreditam que o concorrente receba. Seguindo Hart e Tirole
(1990), O’Brien e Shaffer (1992) e Rey e Tirole (1996), vamos presumir “crenças
passivas” (também chamadas de conjecturas mercado a mercado): quando o varejista
recebe uma oferta inesperada do fabricante, não revê sua opinião sobre a proposta
recebida pelo concorrente. Estamos procurando o equilíbrio bayesiano perfeito desse
jogo, que exige que cada agente escolha sua melhor ação, dada a ação dos outros agentes
e suas próprias crenças.
Suponha agora uma fusão vertical entre 𝑀 e 𝑅1 , por exemplo. Para entender qual
será o equilíbrio, vamos primeiro considerar o caso em que 𝑅2 decide comprar de 𝑆. Isso
corresponde ao equilíbrio de Cournot com custos assimétricos 𝑐 e 𝑠. As quantidades são
𝑞1∗ = (1 − 2𝑐 + 𝑠)/3, 𝑞2∗ = (1 − 2𝑠 + 𝑐)/3, e os lucros, 𝜋1∗ = (1 − 2𝑐 + 𝑠)2 /9, 𝜋2∗ =
(1 − 2𝑠 + 𝑐)2 /9. Dessa forma, o varejista independente sempre pode ameaçar trocar de
fornecedor caso não lhe sejam oferecidas 𝑞2∗ unidades. Na melhor das hipóteses, 𝑀 pode
oferecer exatamente as mesmas condições de 𝑆 ao segundo varejista, ou seja, 𝑞2∗ unidades
a um preço 𝑠. A cadeia vertical terá então lucro igual a 𝜋 = 𝜋1∗ + (𝑠 − 𝑐)𝑞2∗ .
Observe que, sob fusão vertical, o preço final será 𝑝 = (1 + 𝑐 + 𝑠)/3. Portanto,
o aumento de preços que o consumidor enfrentará com relação à situação de separação
vertical será 𝑝 − 𝑝𝐶 = (𝑠 − 𝑐)/3. Em outras palavras, quanto maior for a diferença entre
os níveis de eficiência das empresas a montante, maior será a perda de bem-estar oriunda
da fusão vertical. A concorrência entre fornecedores alternativos reduz o risco de fusões
verticais.
Pode-se também observar que, embora não haja exclusão completa quando existe
um fornecedor alternativo, o varejista independente continua em situação pior sob fusão
vertical, pois 𝜋 ′ = (2 + 𝑐 − 3𝑠)2 /36 > (1 − 2𝑠 + 𝑐)2 /9 para 𝑠 > 𝑐.
Esta seção está estruturada da seguinte forma: primeiro, mostra que a precificação
não linear pode, estrategicamente, diminuir a concorrência quando os varejistas
competem por preços. Segundo, expõe que os territórios exclusivos podem ter o mesmo
efeito. Terceiro, analisa que, quanto maior a concorrência entre marcas na indústria, mais
fraco é o impacto negativo da precificação não linear. Por fim, examina que, sob
competição por quantidade, a precificação não linear aumenta o bem-estar, provando,
assim, que os resultados não são robustos para alterações na forma de competição no
mercado.
1 𝛾 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + ) + 𝑝𝑗 ]. (6.44)
2 2 2
Essa função de demanda tem sido repetidamente usada. Lembre-se de que 𝛾 ∈
[0, ∞) é o grau de substituição entre os produtos. As decisões de mercado são sobre
preços.
2𝑣 (2 + 𝛾)𝑣 2
𝑝𝑉𝐼 = ; 𝜋 𝑉𝐼 = . (6.45)
4+𝛾 (4 + 𝛾)2
Restrições verticais: tarifa em duas partes. Considere agora que cada fabricante
vende por meio de um revendedor. Vamos chamar de 𝐷1 e 𝐷2 os revendedores que
vendem os Bens 1 e 2, respectivamente. Existem duas cadeias verticais concorrentes.
Presuma que o fabricante escolha o revendedor entre um grande número de revendedores
potenciais e que ele tenha todo o poder de barganha. No primeiro estágio do jogo, os
fabricantes oferecem contratos de precificação não linear 𝐹𝑖 + 𝑤𝑖 𝑞𝑖 aos revendedores,
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
84
No último estágio, cada revendedor escolhe seus preços para maximizar 𝜋𝑖𝐷 =
(𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ). As condições de primeira ordem são dadas por
𝑇𝐹
2𝑣𝛾 2 4(2 + 𝛾)𝑣
𝑤 = ; 𝑝𝑇𝐹 = ; (6.51)
(2 + 𝛾)(16 + 12𝛾 + 𝛾 2 ) (16 + 12𝛾 + 𝛾 2 )
2(2 + 𝛾)(8 + 8𝛾 + 𝛾 2 )𝑣 2
𝜋 𝑇𝐹 = . (6.52)
(16 + 12𝛾 + 𝛾 2 )2
Portanto, no equilíbrio, os dois fabricantes definem o preço de atacado 𝑤 > 𝑐 =
0 para amenizar a concorrência entre os revendedores (e também entre eles: Rey e Stiglitz
mostram que a restrição vertical faz os fabricantes enfrentarem uma elasticidade da
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
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demanda percebida menor que aquela sob integração vertical). Como consequência, tanto
os preços quanto os lucros são maiores que sob integração vertical: 𝑝𝑇𝐹 > 𝑝𝑉𝐼 e 𝜋 𝑇𝐹 >
𝜋 𝑉𝐼 (as expressões apenas coincidem quando 𝛾 → ∞). Esse aumento da ineficiência
alocativa determina uma queda no bem-estar geral.
Territórios exclusivos. Rey e Stiglitz (1988, 1995) mostram que garantir territórios
exclusivos aos revendedores permite que os fabricantes suavizem a concorrência. Como
referência, considere um caso em que dois fabricantes possuem, cada um, 𝑚 ≥ 2
revendedores. Os revendedores que trabalham com a mesma marca vendem produtos
percebidos como homogêneos pelos consumidores. Dessa forma, e de acordo com os
argumentos usuais de concorrência de Bertrand, a concorrência intramarca leva os
revendedores a cobrar 𝑝𝑖 = 𝑤𝑖 .
A empresa a montante escolhe o preço que maximiza 𝜋𝑖𝑈 = (𝑤𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ).
Como 𝑝𝑖 = 𝑤𝑖 , esse problema é idêntico àquele da empresa verticalmente integrada que
resolvemos antes. Tomando 𝜕𝜋𝑖𝑈 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 )/𝜕𝑤𝑖 = 0 e resolvendo a expressão, temos que:
𝑉𝐼 𝑉𝐼
2𝑣 𝑉𝐼
(2 + 𝛾)𝑣 2
𝑤 =𝑝 = ; 𝜋 = . (6.53)
4+𝛾 (4 + 𝛾)2
Suponha agora que os fabricantes ofereçam um território exclusivo a cada
revendedor e que essa decisão seja observada publicamente. O território exclusivo
significa que cada revendedor tem parcela 1/𝑚 da demanda pela marca. O jogo é similar
ao analisado na subseção anterior: primeiro, o fabricante oferece aos revendedores um
contrato não linear 𝐹𝑖 + 𝑤𝑖 𝑞𝑖 . Em seguida, os revendedores escolhem simultaneamente
os preços 𝑝𝑖 , os lucros são realizados, e taxas (caso existam) são pagas aos fabricantes.
1 𝛾 𝑛
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ]. (6.54)
𝑛 𝑛 𝑗=1
𝑣𝑛
𝑝𝑏 = . (6.60)
2𝑛 + 𝛾(𝑛 − 1)
O mark-up adicional que o fabricante é capaz de impor devido às restrições
verticais é dado por
𝑛𝑣𝛾 2 (𝑛 − 1)
𝑝1𝑇𝐹 − 𝑝𝑏 = . (6.61)
2 (𝛾 2 (𝑛 − 1)2 + 2𝑛2 + 𝛾𝑛(3𝑛 − 2)(2𝑛 + 𝛾(𝑛 − 1)))
Pode-se verificar que 𝜕(𝑝1𝑇𝐹 − 𝑝𝑏 )/𝜕𝑛 < 0: quanto maior o número de empresas,
menor o mark-up adicional obtido utilizando restrições verticais.
1
𝑝𝑖 = 𝑣 − (2𝑞𝑖 + 𝛾𝑞𝑖 + 𝛾𝑞𝑗 ). (6.62)
1+𝛾
Integração vertical. As empresas escolhem 𝑞𝑖 de modo a maximizar 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) −
𝑐)𝑞𝑖 . Resolvendo a expressão de equações de primeira ordem 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0, temos o
equilíbrio-padrão de Cournot:
As funções de isolucro não constam da figura, mas seria fácil verificar que uma
mudança para a direita na curva de reação do varejista (dada a curva de reação do rival)
mudaria o equilíbrio para o ponto em que seu lucro é maior (neste novo ponto, o varejista
terá uma parcela maior do mercado). No entanto, a Figura Q6.2 também mostra que, se
ambos os varejistas tivessem custos marginais menores, o novo equilíbrio resultaria em
maiores quantidades vendidas no mercado que o equilíbrio 𝐸. As duas empresas ainda
teriam a mesma participação de mercado, mas como ambas aumentaram a produção, os
preços seriam mais baixos. A Figura Q6.2 antecipa o que veremos agora formalmente.
𝛾 2𝑣
𝑤𝑇𝐹 = 𝑐 − . (6.68)
16 + 20𝛾 + 5𝛾 2
Como percebemos imediatamente, o preço de atacado é menor que o custo de
produção do fabricante: 𝑤 < 𝑐. O fabricante deseja que seu revendedor seja mais
agressivo e, portanto, subsidia sua compra para que ele venda mais no mercado
(obviamente, o subsídio não é livre de custos, visto que o lucro do varejista é apropriado
por meio da taxa de franquia). Esse resultado é exatamente o oposto daquele obtido
considerando substitutos estratégicos (isto é, competição por preços), onde 𝑤 é maior que
o custo unitário 𝑐.
Analise o jogo a seguir. Primeiro, cada produtor simultaneamente faz uma oferta
do tipo “pegar ou largar” a 𝑅, na forma de um contrato não linear 𝐹𝑖 = 𝑤𝑖 𝑞 , publicamente
𝑖
observável (podendo também fixar o preço de varejo caso a FPR seja permitida).
Segundo, o varejista aceita ou rejeita a oferta. Terceiro, se ambas as ofertas forem aceitas,
o varejista fixa os preços de revenda (ou vende pelo preço imposto pelo fabricante sob
FPR), a demanda e o lucro são realizados, e as taxas de franquia são pagas. Se uma ou
ambas as ofertas forem rejeitadas, a venda não acontecerá e todas as empresas terão ganho
igual a zero.
Sem FPR, as escolhas de preços são delegadas ao varejista comum. Vamos olhar
inicialmente para o caso em que o varejista comum decide sobre os preços. No último
estágio do jogo, se as duas ofertas tiverem sido aceitas (e, portanto, para determinado 𝑤𝑖
e 𝐹𝑖 ), o varejista escolherá os preços finais 𝑝𝐴 , 𝑝𝐵 para maximizar 𝜋𝑅 =
(𝑝𝐴 − 𝑤𝐴 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝐴 + 𝛾𝑝𝐵 ) + (𝑝𝐵 − 𝑤𝐵 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝐵 + 𝛾𝑝𝐴 ). A partir das CPOs 𝜕𝜋𝑅 /
𝜕𝑝𝑖 = 0, temos que 𝑝𝑖 = [𝑎 + 𝑤𝑖 (𝑏 − 𝛾)]/[2(𝑏 − 𝛾)] e 𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) = (𝑎 − 𝑏𝑤𝑖 + 𝛾𝑤𝑗 )/
2.
Como o varejista não aufere lucro no equilíbrio, sua restrição deve ser vinculante:
𝑚𝑎𝑥𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 (𝑤𝑖 ) − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) + (𝑝𝑗 (𝑤𝑗 ) − 𝑤𝑗 )𝑞𝑗 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) − 𝐹𝑗 . (6.72)
𝑤𝑖
𝑎 + 𝑤𝑖 (𝑏 − 𝛾) 𝑎 − 𝑏𝑤𝑖 + 𝛾𝑤𝑗
max𝜋𝑖 = ( − 𝑐)
𝑤𝑖 2(𝑏 − 𝛾) 2
(6.73)
𝑎 + 𝑤𝑗 (𝑏 − 𝛾) 𝑎 − 𝑏𝑤𝑗 + 𝛾𝑤𝑖
+( − 𝑤𝑗 ) − 𝐹𝑗 .
2(𝑏 − 𝛾) 2
Tomando 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑤𝑖 = 0 e simplificando, pode-se notar que o equilíbrio simétrico
é dado por 𝑤𝑖 = 𝑤𝑗 = 𝑐. Isso, por sua vez, implica que o preço final de revenda é 𝑝𝑖 =
𝑝𝑗 = 𝑎/[2(𝑏 − 𝛾)] + 𝑐/2, que corresponde ao preço de maximização do lucro conjunto
ou ao preço que dois fabricantes definiriam caso pudessem vender diretamente e agir em
conluio abertamente. Com efeito, definindo os lucros conjuntos como 𝜋𝑚 , temos 𝜋𝑚 =
(𝑝𝐴 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝐴 + 𝛾𝑝𝐵 ) + (𝑝𝐵 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝐵 + 𝛾𝑝𝐴 ). A partir de 𝜕𝜋𝑚 /𝜕𝑝𝑖 = 0, é
simples verificar que 𝑝𝑚 = 𝑎/[2(𝑏 − 𝛾)] + 𝑐/2.
max𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 ) + (𝑝𝑗 − 𝑤𝑗 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑖 ) − 𝐹𝑗 . (6.77)
𝑤𝑖 ,𝑝𝑖
Observe também que o equilíbrio colusivo seria o único sob muitos critérios de
seleção (como dominância de Pareto), bem como em uma situação natural na qual se
solicita aos varejistas esforço para vender determinado bem. O Exercício 6.9 mostra ser
esse o caso.
A demanda é dada por 𝐷(𝑝) = 𝜃 − 𝑝, com 𝜃 > 2𝑐𝐼 + 𝑐𝐸 (essa condição restringe
os casos a serem considerados no jogo de preços conforme a seguir).
𝜃 + 𝑐𝐼 (𝜃 − 𝑐𝐼 )2 (𝜃 − 𝑐𝐼 )2
𝑝𝑚 = ; 𝜋𝑚 = ; 𝐸𝐶 𝑚 = . (6.78)
2 4 8
Se houver entrada, a competição de Bertrand implica que uma entrante mais
eficiente atuará no mercado, cobrando preço igual ao custo marginal da incumbente: 𝑝𝑒 =
𝑐𝐼 . O excedente do consumidor é facilmente calculado: 𝐸𝐶 𝑒 = (𝜃 − 𝑐𝐼 )2 /2.
Quando não há contrato. Em primeiro lugar, considere o caso em que não haja
cláusula de exclusividade. Como existe competição por preços, a Empresa 𝐸 somente irá
entrar no mercado se seu custo 𝑐𝐸 for menor que 1/2. Nesse caso, cobrará preço 𝑝𝐸 =
1/2 e ficará com todo o mercado. A probabilidade de que a entrada aconteça é, portanto,
O problema pode ser escrito como: max𝑝𝑜 𝜋 sujeito a: 𝑝 ≤ 3/4, cuja solução é
dada por (𝑝∗ , 𝑝𝑜∗ ) = (3⁄4 , 1/2). Isso implica que a Empresa 𝐸 irá entrar no mercado com
probabilidade 𝜙 ′ = 𝑝∗ − 𝑝𝑜∗ = 1/4. Como a premissa de eficiência requer que haja
entrada sempre que 𝑐𝐸 ≤ 1/2, ao passo que, com o contrato, a entrada somente ocorre se
𝑐𝐸 ≤ 1/4, há perda de bem-estar: para 1⁄4 < 𝑐𝐸 ≤ 1/2, uma entrada eficiente não
acontece devido ao contrato de exclusividade.
Para finalizar, vamos confirmar que é mais vantajoso para a incumbente oferecer
o contrato. Isso pode ser facilmente verificado, já que, com ele, o lucro esperado da
Exclusão pura e simples**. Considere uma incumbente que venda para dois
compradores distintos, 𝐵1 e 𝐵2, cada um em um mercado separado e com a mesma
função de demanda.
B1
Aceita Rejeita
B2
Aceita 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡, 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡, 𝐸𝐶 𝑚
Rejeita 𝐸𝐶 𝑚 , 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡 𝐸𝐶 𝑒 , 𝐸𝐶 𝑒
B1
Aceita Rejeita
B2
Aceita 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 , 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡2 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 , 𝐸𝐶 𝑚
Rejeita 𝐸𝐶 𝑚 , 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡2 𝐸𝐶 𝑒 , 𝐸𝐶 𝑒
Admita agora que o primeiro comprador tenha aceitado a oferta. Nesse caso, 𝐵2
aceita a oferta para qualquer nível de compensação, visto que 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡2 é pelo menos tão
elevado quanto 𝐸𝐶 𝑚 . Quando se trata de sua própria decisão, 𝐵1 sabe que, caso aceite a
oferta, o próximo comprador também a aceitará e, assim, obterá 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 ; caso rejeite,
o comprador seguinte sempre aceitará a oferta, e 𝐵1 ficará com 𝐸𝐶 𝑚 . Claramente, é
preferível aceitar o acordo para qualquer nível de compensação. Assim sendo, no único
equilíbrio, a incumbente pode oferecer zero de compensações (ou ligeiramente acima de
zero) e conseguir que ambos os compradores aceitem a oferta. A exclusão pura acontece,
sem qualquer custo para ela.
Conclusões. Podemos verificar, a partir das análises anteriores, que modelos recentes
mostram que contratos de exclusividade possuem um forte potencial de dissuasão de
entrada. Contudo, não podemos esquecer que contratos de exclusividade também
apresentam ganhos de eficiência (ver também SEGAL e WHINSTON, 2000b). É
necessário melhor entendimento sobre como ponderar efeitos de exclusão e de eficiência,
mas, por ora, parece seguro supor que o primeiro supere o segundo somente quando a
empresa que oferece os contratos possui forte posição de mercado.
Nesse caso, uma fusão vertical não aumentaria o lucro da empresa a montante, de
sorte que a fusão somente ocorrerá se algum ganho de eficiência for observado. Para
verificar isso, vamos comparar as duas estruturas alternativas.
Observe que esse é exatamente o mesmo resultado que a Empresa 𝑈 obteria caso
vendesse o produto diretamente.
Fusão vertical com uma empresa a jusante. Suponha agora uma fusão entre a
empresa a montante e uma de suas varejistas, 𝐷1 . Nesse caso, a empresa a montante pode
manter o mesmo preço de atacado anterior ou vender para 𝐷1 ao preço 𝑤 = 𝑐. 𝐷1 , então,
escolheria o preço 𝑝 = (1 + 𝑐)/2 que maximiza seu lucro 𝜋 = (𝑝 − 𝑐)(1 − 𝑝). Como
resultado, o lucro total da empresa integrada ainda seria 𝜋 𝐼 = (1 − 𝑐)2 /4 (e os preços
finais se manteriam inalterados). Logo, não há incentivo para a fusão nesse caso: uma
fusão somente ocorreria caso promovesse ganhos de eficiência.
resultados distintos. Isso, no entanto, não sugere que fusões verticais sejam
anticoncorrenciais.
Considere agora uma fusão vertical entre 𝑈 e 𝐷1 . O melhor que 𝑈 pode fazer é
bloquear o concorrente a jusante, deixando-o sem insumo, enquanto fornece à filiada 𝑤 =
𝑐. Nesse caso, 𝐷1 cobrará 𝑝𝑣𝑖 = (1 + 𝑐)/2, e a fusão vertical permitirá que as empresas
integradas obtenham lucros 𝜋 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)2 /4. A fusão é lucrativa, pois 𝜋 𝑣𝑖 > 𝜋 𝑈,𝑠 +
𝜋1,𝑠 .
(1 + 2𝑐2 )/4. Como 𝑤2 > 𝑐2, a empresa a jusante 𝐷2 é efetivamente bloqueada com
relação à situação pré-fusão: os insumos se tornam mais caros.
Por substituição, podemos mostrar que as quantidades de equilíbrio são dadas por
𝑓 𝑓
𝑞2 = (1 − 2𝑐2 )/6 e 𝑞1 = (5 + 2𝑐2 )/12; o preço de mercado, por 𝑝 𝑓 = (5 + 2𝑐2 )/12;
𝑓
e o lucro da empresa verticalmente integrada, por 𝜋1 = (5 + 2𝑐2 )2 /144 (onde 𝑓
sobrescrito significa “bloqueada”).
𝑓
Os lucros totais das empresas que integram a fusão são maiores, pois 𝜋1 > 𝜋𝑈1 +
𝜋1 . No entanto, a fusão não é necessariamente eficiente: 𝑝𝑣𝑠 < 𝑝 𝑓 para 𝑐2 < 1/6.
Logo, para 𝑐2 < 3/14, é ótimo para a empresa integrada comprometer-se em não
ofertar à rival a jusante. Para 𝑐2 < 1/6, a fusão é anticompetitiva, ao passo que, para 𝑐2 ∈
[1/6, 1/2), não é.
Exercícios do Capítulo 6
Exercício 6.2 *Considere o mesmo modelo apresentado no exercício anterior, mas agora
as 𝑛 empresas a jusante competem por preços, não por quantidades. Mostre que o
problema da dupla marginalização desaparece para 𝑛 ≥ 2. Explique.
Considere um fabricante neutro ao risco, com um custo unitário 𝑐 e que vende por
meio de dois varejistas idênticos com aversão infinita ao risco e com um custo de
distribuição 𝛾. Os produtos vendidos pelos varejistas são percebidos como homogêneos,
e sua demanda final é dada por 𝑞 = 𝑑 − 𝑝. Existe incerteza da demanda 𝑑 ∈ [𝑑, 𝑑] e da
distribuição do custo 𝛾 ∈ [𝛾, 𝛾], com 𝑑 > 𝑐 + 𝛾, sendo independentes as realizações de
Presuma que não seja possível discriminar preços e recusar contratos. (1)
Identifique o contrato ótimo e as soluções de equilíbrio para os casos de (a) Competição
(𝐶); (b) Territórios Exclusivos (𝑇𝐸); (c) Fixação do Preço de Revenda (FPR). (2) Mostre
que, sob incerteza de demanda (fixe 𝐸(𝛾) = 𝛾 = 𝛾), os rankings a seguir se mantêm:
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
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𝜋𝐶 = 𝜋𝐹𝑃𝑅 > 𝜋𝑇𝐸 , 𝑊𝐶 = 𝑊𝐹𝑃𝑅 > 𝑊𝑇𝐸 . (3) Mostre que, sob incerteza do custo (fixe
𝐸(𝑑) = 𝑑 = 𝑑), os rankings a seguir se mantêm: 𝜋𝐶 > 𝜋𝑇𝐸 > 𝜋𝐹𝑃𝑅 , 𝑊𝐶 > 𝑊𝑇𝐸 > 𝑊𝐹𝑃𝑅 .
Exercício 6.6 **Considere um jogo no qual o fabricante oferece primeiro contratos (não
observáveis) que especificam o número de unidades que um varejista pode comprar e o
montante fixo para a compra. Em seguida, cada um dos 𝑛 varejistas decide se aceita ou
rejeita a oferta e encomenda o número de unidades que gostaria de comprar. Por fim, cada
varejista oferta e vende as quantidades no mercado (compare com a seção “Restrições
verticais e o problema do comprometimento”). (1) Encontre o equilíbrio Bayesiano
perfeito do jogo, sob a premissa de que os varejistas possuam crenças passivas (se um
varejista recebe uma oferta inesperada, não muda suas crenças quanto à oferta recebida
pela concorrente). (2) Mostre que, quanto maior o número de varejistas, mais forte será o
problema do compromisso do fabricante (ou seja, menor o lucro auferido por ele). (3)
Encontre a solução de equilíbrio sob a hipótese de que os varejistas tenham crenças
simétricas: quando recebem uma oferta inesperada, acreditam que todos os demais
varejistas também a receberão.
(1) Encontre a solução verticalmente integrada desse jogo. (2) Mostre que, no Jogo
1, o fabricante tem um incentivo para renegociar o contrato com um revendedor quando
o documento, que restauraria o resultado verticalmente integrado, é oferecido para
varejistas. (3) Mostre que, no Jogo 2, o fabricante não tem incentivos para renegociar o
contrato linear.
os fabricantes, então, definem o contrato não linear do varejista. Por fim, as quantidades
são escolhidas (pelo fabricante ou seu varejista, no caso de delegação). Mostre que (1) o
equilíbrio quando ambos decidem pela delegação é único. (2) A configuração coloca as
empresas em pior situação do que se ambas tivessem escolhido não delegar. (3) Os
consumidores estão em melhor situação no equilíbrio.
Exercício 6.11 Considere uma indústria que produz determinado bem X. Para
produzi-lo, é necessário transformar um insumo Y, não substituível por outros insumos
ou matérias-primas. Existe apenas uma Empresa, A, que oferta o insumo Y. Suponha que
exista também apenas uma Empresa, B, que produza X. Você permitiria uma fusão entre
A e B? Justifique sua resposta.
Exercício 6.12 Considere agora o mesmo exemplo anterior, com apenas uma
mudança. Existem duas empresas, B e Q, que vendem o bem X. Você permitiria uma
fusão entre A e B? Explique qual modelo apoia sua resposta, descrevendo-o brevemente.
revendedores (abatimentos podem ser justificados somente para grandes pedidos). Você
está na Escola Hogwarts de Magia e Bruxaria, e uma das questões da prova de Mágica
Defesa da Concorrência é: O Ministro está correto? Por quê?
Exercício 6.1
(1) Sob separação vertical, as empresas a jusante solucionam o problema-padrão
de Cournot, max𝑞𝑖 𝛱𝐷𝑖 = (𝑝 − 𝑤 − 𝑑)𝑞𝑖 = (𝑎 − 𝑞𝑖 − ∑𝑛𝑖≠𝑗 𝑞𝑗 − 𝑤 − 𝑑)𝑞𝑖 .
Podemos ver que П𝑈𝑆 < П𝑣𝑖 , isto é, a empresa a montante obtém lucro menor sob
separação vertical do que a cadeia sob integração. Isso se deve ao fato de que, sob
separação, as empresas a jusante ainda têm mark-up positivo, o que leva ao problema da
dupla marginalização.
(2) Note que, como 𝑛 → ∞, 𝛱𝑈𝑆 = (𝑛/(1 + 𝑛))((𝑎 − 𝑑 − 𝑐)2 /4) → ((𝑎 − 𝑐 −
2
𝑑)/2) , isto é, os lucros da empresa a montante sob separação vertical
convergem para os lucros sob integração vertical. Conforme o número de
empresas a jusante aumenta, seu mark-up diminui, e a dupla marginalização
não se torna um problema.
Exercício 6.2 Sob separação vertical, a competição a jusante de Bertrand implica que
todos os varejistas cobrem equivalente ao custo marginal, isto é, 𝑝 = 𝑤 + 𝑑, e, então,
𝑄 = 𝑎– (𝑤 + 𝑑). Dessa forma, a empresa a montante resolve max𝑤 П𝑈 = (𝑤 − 𝑐)(𝑎 −
𝑤 − 𝑑), que leva a 𝑤 = (1/2)(𝑎– 𝑑– 𝑐). Veja agora que o preço final, a quantidade e os
lucros a montante correspondem exatamente ao caso verticalmente integrado, ou seja,
𝑝 𝑆 = 𝑝𝑣𝑖 = (𝑎 + 𝑐 + 𝑑)/2, 𝑞 𝑆 = 𝑞 𝑣𝑖 = (𝑎 − 𝑐 − 𝑑)/2, e 𝛱𝑈𝑆 = 𝛱 𝑣𝑖 = ((𝑎 − 𝑐 − 𝑑)/
2
2) . Como a competição de Bertrand implica que os lucros das empresas a jusante
caminhem para zero mesmo quando há apenas duas empresas, nunca observaremos o
problema da dupla marginalização quando 𝑛 ≥ 2.
Exercício 6.3 (1) Vamos identificar os contratos ótimos em cada um dos casos.
(2) e (3) Os rankings de preços e bem-estar sob as diferentes restrições e sob competição
podem ser obtidos diretamente a partir das soluções de equilíbrio identificadas em (1). O
principal aspecto do artigo de Rey e Tirole é mostrar que as restrições verticais não são
equivalentes, como os rankings mostram. Isso deve-se aos dois efeitos contrastantes das
diferentes configurações. O primeiro efeito diz respeito à capacidade da estrutura vertical
em explorar o poder de monopólio. O segundo é sobre o risco suportado pelos varejistas.
Os territórios exclusivos, por exemplo, funcionam bem para o primeiro problema, já que,
por serem requerentes residuais, os varejistas respondem a choques de demanda ou de
custos da mesma forma que uma empresa verticalmente integrada. Contudo, se 𝑤 = 𝑐, o
risco seria muito elevado, pois os seus lucros não estariam protegidos de tais choques. Os
fabricantes, dessa forma, precisam definir 𝑤 > 𝑐. Pode-se verificar que a sensibilidade
do lucro dos varejistas às variações de demanda e custos diminuem com 𝑤:
𝜕(|𝜕𝜋𝑅 /𝜕𝑑|)/𝜕𝑤 < 0 e 𝜕(|𝜕𝜋𝑅 /𝜕𝛾|)/𝜕𝑤 < 0, mas, sob TE, o seguro é imperfeito. A
FPR oferece seguro perfeito sob incerteza de demanda, mas não sob incerteza de custo,
pois um choque no custo de distribuição do varejista afeta fortemente sua margem de
lucro (dado que o preço não pode ser ajustado). Como resultado, a FPR é melhor sob
incerteza de demanda, e TE, sob incerteza de custo. A competição apresenta bons
resultados em termos de propriedades do seguro sob incerteza de demanda e de custo
(considerando competição de Bertrand, o lucro dos varejistas será sempre zero).
Exercício 6.4
(1) Separação. Se os dois varejistas competem por preços, o único equilíbrio é aquele no
qual 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑤 e 𝑠1 = 𝑠2 = 0. Como os consumidores percebem os bens vendidos
como homogêneos, a competição de Bertrand iguala os preços ao custo marginal 𝑤 +
µ𝑒𝑖2 /2. Considere um candidato a equilíbrio, onde 𝑒𝑖 = 𝑒𝑗 > 0, e os lucros são zero.
Como a qualidade percebida pelos consumidores não muda quando a Empresa 𝑖 reduz
seu nível de qualidade para 𝑒𝑖 < 𝑒𝑗 = 𝑒, ela possui incentivos para reduzir 𝑒𝑖 , uma vez
que aumentaria sua margem unitária e ficaria com toda a demanda. O argumento usual de
redução de preços deixa, portanto, 𝑒𝑖 = 𝑒𝑗 = 0 como o único equilíbrio, com 𝑝1 = 𝑝2 =
𝑤. A empresa a montante antecipa que 𝑝 = 𝑤 e que a demanda final será 𝑞 = 𝑣 − 𝑤.
Desse modo, maximizará max𝑤 𝛱𝑢 = (𝑤 − 𝑐)(𝑣 − 𝑤), que pode ser resolvido por 𝑤 =
(𝑣 + 𝑐)/2. Em um equilíbrio separado, o excedente do produtor, do consumidor e o bem-
estar são dados por 𝐸𝑃𝑠 = 𝛱𝑢 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/4; 𝐸𝐶𝑠 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/8; 𝑊𝑠 = 3((𝑣 − 𝑐)2 )/
8.
(2) Integração Vertical. Presuma novamente que, se ambos os varejistas cobram o mesmo
preço, eles dividem igualmente a demanda do mercado. Assim, uma empresa
verticalmente integrada com dois varejistas vai resolver max𝑝,𝑒1,𝑒2 𝛱𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐 −
(1/2)µ𝑒12 /2 − (1/2)µ𝑒22 /2)(𝑣 + max{𝑒1 , 𝑒2 } − 𝑝). Observe que será ótimo para o
fabricante ter apenas um revendedor para prover serviços, enquanto vende por meio dos
dois (a avaliação dos serviços do varejista pelo consumidor é determinada pelo máximo
de duas unidades). Logo, defina 𝑒2 = 0 e obtenha as condições de primeira ordem
𝜕𝛱𝑣𝑖 /𝜕𝑒1 = −µ𝑒1 (𝑣 + 𝑒1 − 𝑝)/2 + 𝑝 − 𝑐 − (1/2)µ𝑒12 /2 = 0 e 𝜕𝛱𝑣𝑖 /𝜕𝑝 = 𝑣 + 𝑒1 −
2𝑝 + 𝑐 + (1/2)µ𝑒12 /2 = 0, que levam à seguinte solução: 𝑒1,𝑣𝑖 = 2/µ; 𝑒2,𝑣𝑖 = 0; 𝑝𝑣𝑖 =
(1⁄2)(𝑣 + 𝑐 + 3/µ). Por substituição, temos o excedente do produtor, do consumidor e
o bem-estar: 𝐸𝑃𝑣𝑖 = 𝛱𝑣𝑖 = ((µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(4µ2 ); 𝐸𝐶𝑣𝑖 = ((µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/
(8µ2 ); 𝑊𝑣𝑖 = (3(µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(8µ2 ).
(3) É simples verificar que a integração vertical, que restaura os incentivos à provisão de
qualidade, não aumenta apenas o lucro da cadeia vertical como também eleva o bem-
′
estar: 𝐸𝑃𝑣𝑖 > 𝐸𝑃𝑣𝑖 > 𝐸𝑃𝑠 e 𝑊𝑣𝑖 > 𝑊𝑣𝑖′ > 𝑊𝑠 .
Com exceção do custo fixo, que não afeta as CPOs, esse é exatamente o mesmo
problema de um monopolista verticalmente integrado com um varejista. Logo, a solução
será a mesma que em (2), enquanto 𝐹 será utilizado para redistribuir os lucros entre o
fabricante e seu revendedor. O fabricante se apropriará de todo o excedente do produtor
caso concentre todo o poder de barganha.
(4.2) Fixação do Preço de Revenda. FPR também precisará ser utilizada com um contrato
não linear (𝑤 = 𝑐; 𝐹). O problema do varejista 𝑖 é dado por max𝑒𝑖 𝛱𝐹𝑃𝑅 =
′
(𝑝𝑣𝑖 − 𝑐 − µ𝑒𝑖2 /2)(𝑣 + 𝑚𝑎𝑥{𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 } − 𝑝𝑣𝑖
′
)/2 − 𝐹. A MPR retira a tentação de cortar
preços. No entanto, deixa o incentivo para o carona na provisão dos serviços, já que 𝑒 =
max{𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 }. Considere um candidato a equilíbrio em que 𝑒1 = 𝑒2 = 𝑒 > 0. Esse não
poderia ser o equilíbrio, uma vez que a empresa preferiria desviar e não oferecer
qualidade, dado que a outra provê um nível positivo de qualidade: 𝜋𝐹𝑃𝑅 =
′ ′ ′ ′
(𝑝𝑣𝑖 − 𝑐 − µ𝑒 2 /2)(𝑣 + 𝑒 − 𝑝𝑣𝑖 )/2 < 𝜋𝑑𝑒𝑣 = (𝑝𝑣𝑖 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒 − 𝑝𝑣𝑖 )/2. Todavia,
existem dois equilíbrios assimétricos nos quais apenas uma empresa provê esforço, ou
′
seja, onde 𝑒𝑖 = 𝑒𝑣𝑖 > 0 = 𝑒𝑗 para 𝑖 = 1, 2 e 𝑖 ≠ 𝑗. Observe primeiro que o problema do
varejista que realiza o esforço é idêntico ao problema da escolha do esforço sob territórios
′
exclusivos, que tem 𝑒𝑣𝑖 = 1/µ como solução. Dessa maneira, o lucro do varejista que “se
′
esforça” é 𝜋𝑖 = 𝛱𝑣𝑖 /2 = ((2µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(32µ2 ). Ao desviar e realizar esforço 𝑒𝑖 =
′ ′
0, esse varejista aufere 𝜋𝑑 = (𝑝𝑣𝑖 − 𝑐)(𝑣 − 𝑝𝑣𝑖 )/2 = (2µ(𝑣 − 𝑐) + 3)(2µ(𝑣 − 𝑐) −
3)/(32µ2 ). Como 𝜋𝑖 − 𝜋𝑑 = (2µ(𝑣 − 𝑐) + 5)/(16µ2 ) > 0, o candidato a equilíbrio é,
′ ′
de fato, o equilíbrio. A FPR restabelece a solução verticalmente integrada (𝑝𝑣𝑖 , 𝑒𝑣𝑖 ) para
o fabricante. Como não se pode fazer cumprir o contrato com base no esforço dos
varejistas, o fabricante oferecerá o mesmo contrato a ambos. Cada varejista irá pagar a
′
mesma taxa fixa 𝐹 = 𝛱𝑣𝑖 /2. Perceba que, mesmo que o fabricante tenha o mesmo lucro,
o excedente do produtor é maior sob FPR que no caso de integração vertical com um
varejista. A FPR é, de certa forma, mais eficiente que o TE e a integração vertical com
um varejista, por permitir explorar os efeitos benéficos dos spillovers de esforço entre os
varejistas, similar à situação de integração com dois varejistas.
Exercício 6.5
(1) A partir da maximização do programa do consumidor, temos a seguinte função de
demanda invertida 𝑝𝑖 = 𝑣 − 𝑞𝑖 − 𝑔 ∑𝑛𝑗≠𝑖 𝑞𝑗 . Sob separação vertical, as quantidades e
preços de equilíbrio para um dado 𝑤 são dados por 𝑞 𝑆 = (𝑣 − 𝑤)/(2 + 𝑔(𝑛 − 1)) e
𝑝 𝑆 = (𝑣 + 𝑤(1 + 𝑔(𝑛 − 1)))/(2 + 𝑔(𝑛 − 1)). O fabricante escolhe o 𝑤 que maximiza
𝜋 = (𝑤 − 𝑐)𝑛𝑞 𝑆 . Assim, 𝑤 𝑆 = (𝑣 + 𝑐)/2. Substituindo esse valor em 𝑞 𝑆 e 𝑝 𝑆 , temos a
quantidade, preço e lucro por varejista de equilíbrio: 𝑞 ∗ = (𝑣 − 𝑐)/(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))),
𝑝∗ = (𝑣(3 + 𝑔(𝑛 − 1)) + 𝑐(1 + 𝑔(𝑛 − 1)))/(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))), e 𝜋 ∗ = ((𝑣 − 𝑐)/
(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))))2 − 𝑓.
(3) Sob separação, a entrada acontece até que os lucros do varejista sejam iguais a zero,
isto é, ((𝑣 − 𝑐)/(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))))2 − 𝑓 = 0. Sob integração, a empresa define 𝑛 de
forma ótima, ou seja, max𝑛 𝜋 𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/4(1 + 𝑔(𝑛 − 1)) − 𝑓. Suponha
determinado 𝑓 para o qual o número ótimo de estabelecimentos sob integração vertical
seja exatamente 1, o que implica que 𝑓 = (1/4)(𝑣 − 𝑐)2 (1 − 𝑔). Assim, inserindo essa
expressão para 𝑓 na condição de lucro zero para os varejistas sob separação e resolvendo
por 𝑛, temos que 𝑛 = (1/𝑔)(√1/(1 − 𝑔) − 2) + 1. Essa equação funciona para 𝑛 = 2
se (1 − 𝑔)(2 + 𝑔)2 = 1, ou seja, se 𝑔 ≃ 0,8793.
∗
(4) Dado que (𝑓, 𝑔) é tal que 𝑛𝑣𝑖 = 1, mas 𝑛𝑆∗ = 2, com por exemplo, 𝑔 ≃ 0,8793 e 𝑓 =
(1/4)(𝑣 − 𝑐)2 (1 − 𝑔), obtemos as expressões a seguir para o bem-estar: sob integração
vertical 𝐸𝐶1𝑉𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/8; 𝐸𝑃1𝑉𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )𝑔/4; 𝑊1𝑉𝐼 = (1 + 2𝑔)((𝑣 − 𝑐)2 )/8;
sob separação, 𝐸𝐶2𝑆 = ((𝑣 − 𝑐)2 (1 + 𝑔))/(4(2 + 𝑔)2 ); 𝐸𝑃2𝑆 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/(2(2 + 𝑔));
𝑊2𝑆 = (𝑣 − 𝑐)2 (5 + 3𝑔)/(2(2 + 𝑔))2. A desigualdade 𝐶1𝑉𝐼 > 𝐶2𝑆 implica que (1/
2)(2 + 𝑔)2 > 1 + 𝑔, que sempre se mantém para 𝑔 ≃ 0,8793. De forma análoga, a
desigualdade 𝑊1𝑉𝐼 > 𝑊2𝑆 implica que (1/2)(1 + 2𝑔) > (5 + 3𝑔)(1 − 𝑔), que se
mantém para 𝑔 ≃ 0,8793.
Exercício 6.6 (1) Para crenças passivas, a solução segue por extensão o caso de 𝑛 = 2,
visto na seção “Restrições verticais e o problema do comprometimento”. Cada varejista
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
118
Exercício 6.7
(1) O resultado verticalmente integrado satisfaz a max 𝜋 = (𝑝 − 𝑐)(1 − 𝑝). Dessa
forma, é dado por 𝑝𝑣𝑖 = (1 + 𝑐)/2, 𝑞 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)/2, 𝜋 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)2 /4.
(2) O contrato que reproduz o resultado verticalmente integrado é aquele em que
ambos os varejistas recebem como oferta (𝑤𝑖 , 𝐹𝑖 ) = (𝑐, (1 − 𝑐)2 /8). É simples
verificar, no entanto, que o fabricante tem incentivos para renegociar o contrato
com 𝑅1 , por exemplo, dado que 𝑅2 tenha aceitado a oferta. De fato, se 𝑈
vendesse o insumo a 𝑅1 ao preço de atacado 𝑤𝑖 < 𝑐, 𝑅1 poderia ganhar todo o
mercado vendendo a um preço ligeiramente menor que 𝑐, obtendo, assim,
(1 − 𝑐)2 /4. Logo, existe espaço para que 𝑈 e 𝑅1 renegociem o contrato. O
varejista teria de pagar (1 − 𝑐)2 /8 mas não teria qualquer receita. Claramente,
𝑅2 anteciparia essa renegociação e não assinaria o contrato. O problema de
comprometimento também apareceria quando as empresas escolhessem os
preços.
(3) Um contrato puro de precificação linear não compromete os varejistas com
determinada quantidade. Sob um potencial contrato de equilíbrio, o varejista
apenas se compromete a pagar 𝑤 = 𝑝𝑣𝑖 . Se o fabricante oferecesse um preço
de atacado mais baixo 𝑤 ′ = 𝑝𝑣𝑖 − 𝜀 para um varejista, ele poderia atender a
todo o mercado, e o fabricante ainda faria 𝜋 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)2 /4. Todavia, o outro
varejista não atenderia a nenhum consumidor e, como consequência, não
compraria nenhum insumo. O fabricante, assim, não aumenta os lucros com a
renegociação.
Exercício 6.8
1. Podemos agora verificar que o fabricante não possui incentivos para desviar da
𝑢
configuração em que ambos vendem por meio de varejistas: 𝜋𝑇𝐹 > 𝜋𝑖⁄𝑑 . Em
outras palavras, o par (delega, delega) é um equilíbrio. Podemos também
checar que 𝜋𝑑/𝑖 > 𝜋𝑣𝑖 , o que significa que a delegação é a estratégia dominante
e que o equilíbrio no qual ambos os fabricantes vendem via varejistas é único.
2. Esse é o jogo do dilema do prisioneiro, e as empresas obtêm menor ganho no
𝑢
equilíbrio: 𝜋𝑇𝐹 < 𝜋𝑣𝑖 . Os fabricantes estariam em melhor situação caso não
pudessem contratar varejistas independentes.
3. A seção “Uso estratégico de restrições verticais” mostra que os consumidores
estão em melhor situação quando há delegação: 𝑞𝑇𝐹 > 𝑞𝑣𝑖 .
Exercício 6.9 Se o varejista rejeita os dois contratos, seu lucro é zero, e o mercado
desaparece. Caso aceite ambos, seu nível ótimo de esforço em cada produto é dado por
𝜕𝑒𝑖 = 0, temos que 𝑒𝑖∗ = (𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )/𝑘. O resto do problema está agora no texto. Em
especial, a extração completa das rendas antecipadas dos varejistas implica que cada
fabricante resolva maxwi ,pi πi = (pi − c)(a − bpi + γpj + (pi − wi )/k) + (pj −
𝟐
wj )(a − bpj + γpi + (pj − wj )/k) − (𝒑𝒊 − 𝒘𝒊 )𝟐 /(𝟐𝒌) − (𝒑𝒋 − 𝒘𝒋 ) /(𝟐𝒌) − 𝑭𝒋 .
Exercício 6.10
CAPÍTULO 7
SUMÁRIO
Q7.1.5 – Predação por bolso profundo com mercados financeiros imperfeitos ..... 85
Q7.3.3 – Modelos de venda casada III: atamento para impedir a entrada em mercados
de bens complementares ....................................................................................... 111
7.1 – INTRODUÇÃO
Este capítulo lida principalmente com práticas exclusionárias, quer dizer, práticas
executadas por uma incumbente com o objetivo de impedir a entrada ou forçar a saída de
concorrentes. Em geral, tais práticas correspondem ao conceito de monopolização nos
Estados Unidos e ao abuso de dominância na Europa ou de posição dominante no Brasil
(ver o Capítulo 1).
empresa dominante reduza bastante seus preços: essa estratégia deverá ser considerada
anticompetitiva, destinada a forçar a saída da nova entrante da indústria (depois da qual,
os preços da dominante serão elevados de novo, prejudicando os consumidores no longo
prazo) ou, ao contrário, trata-se apenas de uma resposta competitiva benéfica para os
consumidores? A maior parte deste capítulo será dedicada à compreensão de como
responder a essa pergunta.
A seção 7.2 focaliza estratégias de preço, a seção 7.3, estratégias de não preço
como sobreinvestimento, venda casada e escolhas de incompatibilidade. (Outras práticas
exclusionárias de não preço sobre restrições verticais, como acordos de exclusividade e
recusa de oferta, já foram analisadas no Capítulo 6.) A seção 7.4 trata de discriminação
de preços em geral, embora apenas algumas formas possam ser consideradas
exclusionárias. A seção 7.5 encerra o capítulo com a discussão de um importante caso, a
primeira condenação do CADE por práticas exclusionárias, envolvendo denúncia de
predação contra a Ambev.
Ao longo deste livro, vimos que baixos preços são, em geral, associados a maior
bem-estar social e do consumidor. Pode, por conseguinte, ser surpreendente, à primeira
vista, que as autoridades de concorrência estejam preocupadas com situações em que a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5
empresa cobre preços “baixos demais”. Não obstante, embora raras, há circunstâncias em
que uma empresa dominante pode estabelecer preços baixos com objetivo
anticompetitivo: forçar um concorrente a deixar a indústria ou impedir a entrada de um
potencial entrante. Nesses casos, preços baixos aumentam o bem-estar apenas no curto
prazo, enquanto durar a predação; uma vez que a presa sucumba, o predador aumentará
o preço. O efeito final dessa conduta predatória (se bem-sucedida) é piorar a situação de
bem-estar no longo prazo, porque elimina a concorrência na indústria.
Isso não significa, é evidente, que preços predatórios devam ser eliminados das
possíveis ações anticompetitivas, mas sugere que se deva lidar cuidadosamente com a
questão. Ao longo desta seção, tentaremos dar indicações de como construir uma rigorosa
política com relação a preços predatórios.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6
McGee (1958), em um artigo muito influente, criticou a ideia de que uma empresa
poderia tirar competidores do mercado usando preços predatórios em quatro diferentes
campos, que resumiremos a seguir. Devido à sua elevada participação de mercado, uma
grande companhia teria de sofrer perdas maiores que a pequena: outras coisas
permanecendo constantes, a mesma perda unitária seria multiplicada por um número
maior de unidades (MCGEE 1958: 140). Em segundo lugar, a predação só faz sentido se
a grande companhia elevar preços quando a presa deixa o mercado. Mas McGee (1958:
1
A Seção 2 da Lei Sherman, que proíbe, justamente por isso, a monopolização e a tentativa de monopolizar
uma indústria, e, mais tarde, a Lei Clayton são os instrumentos jurídicos para proteger os interesses das
empresas que se consideram vítimas de preços predatórios. Na Europa, originalmente era o art. 82,
atualmente art. 102, do Tratado da UE; no Brasil, o inciso XV do art. 36 da Lei 12.529/2011, sendo que a
lei brasileira é explícita ao definir preço predatório como “preço abaixo do preço de custo” (embora caiba
à autoridade da lei interpretar, em cada caso, como se aplica o tipo jurídico).
2
A condenação da Ambev por tentativa de prejudicar a Schincariol e pequenas cervejarias com programas
de exclusividade imposta a pontos de venda, uso de marcas de combate (com preços predatórios em
mercados geográficos selecionados) e outras estratégias de predação, visando combater a expansão e
provocar a saída de novos concorrentes nos mercados em que exercia significativa dominância.
140-1) argumenta que os ativos e plantas da pequena empresa não irão desaparecer, e, tão
logo os preços se elevem, ela pode tornar a entrar, ou seus ativos podem ser utilizados
por outra companhia, reduzindo os lucros que o predador esperava obter. Em terceiro
lugar, a teoria da predação presume que o predador tem um bolso profundo, e a vítima,
um bolso pequeno, ao passo que isso deveria ser explicado, não presumido (MCGEE,
1958: 139). Sob essa perspectiva, deve-se compreender por que uma pequena empresa,
mesmo limitada financeiramente, não poderia explicar a situação (inclusive o fato de que
o predador estaria sofrendo mais perdas que ela e, por isso, não poderia manter a prática
indefinidamente) para seus financiadores, consequentemente, obtendo fundos até que a
predação findasse. Em quarto lugar, para que a predação fosse racional, seria necessário
ser factível, não apenas mais lucrativa que outros instrumentos alternativos. Se uma
grande empresa quisesse se livrar de concorrentes – a crítica continua –, a predação seria
um instrumento ineficiente, porque destrói os lucros da empresa. A fusão seria uma
prática mais eficiente, já que preservaria os altos lucros da indústria.
Com relação ao segundo ponto, este se apoia na ideia de que entrar e reentrar na
indústria não implica custos afundados. Mas, conforme vimos ao longo deste livro, custos
fixos afundados são universais. Uma empresa que deixa um setor provavelmente só será
capaz de recuperar uma pequena parte dos custos fixos em que incorreu para dar início à
produção e às vendas, e uma empresa não pode fechar sua planta, demitir seus
empregados, cessar a oferta de seus produtos em um dia e retornar sem custos no dia
seguinte.
Além disso, o próprio fato de que uma empresa tenha sido bem-sucedida na
predação uma vez terá influência sobre outras que considerem entrar no mesmo mercado.
3
Contudo, em sua detalhada análise de Standard Oil, McGee argumenta que não há evidências a suportar
a alegação de que redução de preço local foi usada como estratégia de discriminação predatória.
Um entrante potencial não se apressará para entrar nesse mercado depois de ver o que
ocorreu com seu predecessor. Essa é uma das importantes objeções feitas por Yamey
(1972), que aponta que a predação desencorajará futuras entradas na indústria. Se uma
incumbente desenvolve uma reputação de reagir forte e agressivamente com relação à
entrada, competidores potenciais podem ser absolutamente desencorajados a entrar.
Embora tenha levado um bom tempo para que teóricos da teoria dos jogos viessem a
provar formalmente esse argumento da reputação, ele agora está rigorosamente
consagrado,4 como veremos na seção 7.2.3.2.
Talvez, o ponto mais desafiador feito por McGee seja o terceiro. Suponha que, de
fato, uma incumbente seja dotada de recursos financeiros extensivos, e um pequeno rival
não, embora ambos sejam igualmente eficientes. Por que o pequeno concorrente não
poderia obter mais financiamento de bancos e outras instituições de empréstimo? Afinal,
essas instituições deveriam entender que a predação não pode ser bem-sucedida se elas
fornecerem fundos ilimitados à presa, e, antecipando isso, a predação sequer aconteceria.
De novo, aqui, só recentemente, com o desenvolvimento das finanças corporativas, surgiu
uma história convincente para explicar por que a predação pode restringir ainda mais a
situação financeira das empresas, como se discutirá na seção 7.2.2.
Finalmente, note que o quarto ponto de McGee ressalta uma importante questão
geral, a saber: a predação precisa não só ser factível, mas também mais lucrativa que as
alternativas disponíveis para as incumbentes. Contra a questão específica de que a fusão
seria mais lucrativa que preços predatórios, três contra objeções podem ser feitas:
primeiro, adquirir um concorrente pode encorajar outros a entrarem na indústria com o
objetivo de se vender à incumbente para obter lucro: se uma fusão ganhar a reputação de
que novos competidores serão adquiridos, deixará de ser uma opção barata. Segundo, sob
a legislação antitruste, a aquisição de concorrentes pode não ser permitida para empresas
dominantes. Em terceiro lugar, como Telser (1966) e Yamey (1972) argumentaram,
predação e fusões não são necessariamente opções excludentes: comportamento de preços
agressivo pode muito bem resultar na pronta aquisição da presa a um baixo preço. A
4
O argumento foi provado por Kreps e Wilson (1982) e por Ordover e Saloner (1989) em um modelo de
predação com informação incompleta.
Realmente, Burns (1986) examina as despesas feitas pela American Tobacco para
adquirir 43 concorrentes entre 1891 e 1906 e encontra evidências econométricas de que
a predação reduziu substancialmente os preços de aquisição. A conduta de preços
agressiva ajudou tanto diretamente (reduzindo o preço da adquirida) quanto indiretamente
(estabelecendo uma reputação de ser uma predadora, que a fazia persuadir concorrentes
a se vender antes que um episódio de predação tivesse início).5
Essa discussão dos argumentos de McGee (1958) e suas possíveis contra objeções
levantaram as principais questões relacionadas com preços predatórios. A seguir,
resumiremos como a teoria econômica tem lidado com essas questões, fornecendo
convincentes histórias sobre por que a predação pode, de fato, ocorrer.
5
O fato de que a predação pode deprimir expectativas de lucros de competidores, persuadindo-os a se
vender a baixos preços, foi modelado por Saloner (1987).
6
Mais precisamente, na teoria dos jogos, um jogador tem informação imperfeita quando não conhece
antecipadamente a jogada do oponente e informação incompleta quando não sabe os recebimentos ou o
conjunto de ações disponíveis para os oponentes. Contudo, pode ser mostrado que um jogo de informação
incompleta pode ser reescrito como um jogo de informação imperfeita, conceito mais geral (os conceitos
de equilíbrio bayesiano perfeito e equilíbrio sequencial aplicam-se aos dois tipos de jogos).
disponíveis para cada um, suas preferências e as dos consumidores, e suas habilidades de
se comportarem racionalmente, a predação jamais ocorreria: ou fica claro que uma
empresa dominante terá um incentivo para combater a entrada, e, nesse caso, a entrante
desde logo não terá incentivos para entrar (ou sairá imediatamente do mercado, caso já
tenha entrado) ou a dominante saberá que a predação não será bem-sucedida e, por
consequência, não predará. De um jeito ou de outro, preços predatórios jamais serão
observados.
7
A distinção entre modelos de reputação e sinalização é feita mais com o propósito de exposição e é, até
certo ponto, arbitrária. Ambos os tipos são modelos de jogos de informação incompleta que usam equilíbrio
sequencial ou bayesiano como método de solução.
Chame-se de incumbente “fraca” aquela que tem custos mais altos que as
entrantes. Se o jogo for feito apenas uma vez, ela não brigará pela entrada no mercado,
porque não seria lucrativo lutar muito para fixar um preço baixo, que causaria perdas
tanto à entrante quanto à fraca incumbente. O insight de Selten (1975) foi mostrar que o
mesmo resultado – a entrada e acomodação do entrante – se aplica também quando o jogo
é repetido muitas vezes (de forma finita), desde que seja certo que o incumbente é mais
fraco. Considere o caso em que há dois entrantes: a despeito do que tenha ocorrido no
primeiro mercado, é certo que o segundo e último entrante será acomodado, já que a
incumbente incorrerá em perdas se lutar e não tiver motivo para construir uma reputação
forte se o jogo terminar. Mas, então, se o único motivo para combater a entrada for
construir uma reputação para deter futuras entradas, no primeiro momento não haverá
incentivo para o combate do mesmo modo: tanto a incumbente quanto a entrante no
primeiro mercado antecipam corretamente que, da vez seguinte, a incumbente não irá
combater, e a entrada ocorrerá. Em outras palavras, combater o primeiro entrante não
impedirá a entrada no segundo período. Assim, a incumbente não terá incentivo para o
combate; ao saber disso, a entrante seguirá em frente.8
A principal razão por trás desse resultado vem do fato de que entrantes sabem com
certeza (isto é, têm perfeita informação) que a incumbente terá um incentivo para
acomodar a entrada se o jogo se repetir mais que uma vez. Kreps e Wilson (1982)
mostram que, se houver incerteza, a predação ocorrerá.9 Suponha que, quando o jogo
começa, as entrantes acreditem que haja alguma probabilidade (possivelmente muito
pequena) de a incumbente não ser tão fraca quanto acabamos de descrever, mas, ao
contrário, seja “forte”: em outras palavras, uma empresa muito eficiente, cujos custos são
8
Com mais que dois períodos, a mesma lógica aplica-se repetidamente.
9
No modelo de Kreps e Wilson de informação incompleta, a predação por uma incumbente enfrentando
sucessivas entradas, pode ser explicada como um modelo de horizonte infinito com perfeita informação; é
uma reação ao modelo de Selten, do paradoxo da rede de lojas, com base em perfeita informação e que
presume uma cadeia finita de sucessivos entrantes.
tão baixos que poderia obter lucros (em vez de perdas) mesmo se cobrasse preços abaixo
dos custos da entrante.
Claramente, uma incumbente forte sempre combaterá a entrada, mas não será
predação: ela é tão eficiente que pode fixar preços abaixo dos custos da entrante. A
questão interessante é outra: uma incumbente fraca pode explorar a incerteza das
entrantes e combater a entrada para fazê-las crer que, ao contrário, trata-se de uma
incumbente forte.10 De fato, Kreps e Wilson (1982) provam que uma incumbente fraca
combateria a entrada no início do jogo para estabelecer uma reputação de ser forte, com
o intuito de desencorajar entradas adicionais. A incumbente fraca acomodaria a entrada
apenas nos últimos períodos do jogo, na medida em que, quanto mais próximo do fim do
jogo, menor a expectativa de ganhos ao tentar se passar por forte. Em geral, em qualquer
período, a decisão de lutar da incumbente fraca reforça sua reputação de eficiente, mas
envolve o sacrifício de lucros correntes para deter a entrada e obter lucros maiores no
futuro. No início do jogo, o futuro é remoto o suficiente, e o trade-off está em favor da
luta, enquanto, à medida que o final do jogo se aproxima, há menos a ser ganho com a
detenção de futuras entradas (no limite, no último período, não há mais qualquer ganho
futuro), e o trade-off é em favor da acomodação.
10
Note que a incerteza se opõe ao mesmo raciocínio como no jogo de informação perfeita de Selter:
considere o problema do último entrante. De acordo com o conceito de informação perfeita, é certo que a
entrada será acomodada e que ela, por conseguinte, entrará, a despeito de quantas vezes a incumbente tenha
combatido a entrada anteriormente.
entrada implicaria uma perda. Mas a entrante não tem essa informação com antecedência.
Pensa que provavelmente pode encontrar uma incumbente forte, mas que pode rever essa
probabilidade apenas observando o preço de monopólio da incumbente (ao passo que, se
entrar, ela saberá imediatamente se a incumbente é forte ou fraca). Nesse contexto, é claro
que uma incumbente fraca pode querer se passar por uma forte para tentar deter a entrada.
Contudo, uma forte não vai querer ser confundida com uma fraca, porque propiciará a
entrada, que rebaixará seus lucros.
Note que, nesse equilíbrio, pode-se dizer que há predação, no sentido de que a
incumbente de baixo custo está agindo “estrategicamente”, sacrificando lucros correntes
para deter a entrada e ganhar mais lucros no futuro. Mas, curiosamente, seu
comportamento não prejudica o bem-estar. Para entender o porquê, note que, em um
mundo de perfeita informação, a entrante que enfrenta uma incumbente de baixo custo
nunca entrará (como pressupõe o modelo), e os consumidores nunca pagarão o preço
normal de monopólio nos dois períodos. Nesse equilíbrio, ao contrário, a incumbente de
baixo custo cobra um preço muito mais baixo do que faria em outras circunstâncias para
sinalizar sua eficiência. Por conseguinte, enquanto no segundo período o preço de venda
é o mesmo, os consumidores se beneficiarão muito mais no primeiro período. De certo
modo, sinalizando sua própria natureza por meio de baixos preços, a incumbente de baixo
custo provê um serviço que aumenta a eficiência social.
de uma de alto custo. Como resultado, ela vai fixar seu preço normal de monopólio, e a
incumbente de alto custo irá imitá-la com o objetivo de deter entrada.11
Nesse caso, observamos predação por parte da incumbente ineficiente, que fixa
um preço mais baixo, de maneira diferente do primeiro período (apesar de, é importante
dizer, esse preço poder estar acima ou abaixo dos custos da incumbente), mas age como
uma monopolista nesse segundo período: sacrifica lucros correntes para aumentá-los no
futuro. O impacto sobre o bem-estar é mais provavelmente negativo nessa situação.12
11
A entrante não aprende nada observando os preços no primeiro período e decide se entra ou não com
base nas probabilidades ex ante de enfrentar uma incumbente fraca. Para o equilíbrio agregador existir, a
probabilidade precisa ser suficientemente baixa: a entrante permanecerá fora se esperar alta probabilidade
de enfrentar uma incumbente eficiente. Se contar com a alta probabilidade de enfrentar uma incumbente
fraca, entrará no mercado. Mas, nesse caso, poderá não ser um resultado de equilíbrio, já que a incumbente
de alto custo não terá razão para sacrificar lucros correntes sabendo que não é capaz de deter a entrada.
12
Para sermos precisos, o efeito líquido é ambíguo, a priori, já que envolve ganho no primeiro período e
perda no segundo. O efeito sobre o excedente do consumidor no segundo período tende a ser melhor, mas
é necessária cuidadosa verificação. Incidentalmente, deve-se lembrar que, em algumas circunstâncias, a
entrada envolve ineficiência produtiva. Se for esse o caso, haverá razão adicional para que a detenção da
entrada não seja prejudicial.
própria terá e espera que sejam idênticos (ou altamente correlacionados) aos da
incumbente. Além disso, note que, em muitos casos em que duas empresas com custos
idênticos competem, os lucros das duas do duopólio diminuem os custos.13 Nessa
situação, a incumbente pode deter a entrada fixando um preço alto, porque sinalizará a
existência de custos altos para ambos (HARRINGTON, 1986).
13
O leitor pode verificar imediatamente que isso se sustenta, por exemplo, em um duopólio com bens
homogêneos, demanda linear 𝑝 = 1– 𝑄 e competição de Cournot. Com um custo marginal 𝑐, o lucro da
empresa é 𝜋 = (1– 𝑐)2 /9 e, portanto, é maior quanto menor for o custo 𝑐.
quantidade de ativos internos (como ganhos retidos). Por conta das restrições de crédito,
um projeto lucrativo pode não ser financiado.
14
Uma hipótese crítica para o contrato de crédito ilimitado para deter a predação é que o contrato deve
envolver um compromisso totalmente convincente e não pode ser renegociado.
Para resumir, esses modelos proveem uma convincente história sobre o motivo de
a predação ocorrer. Uma vez mais, o comportamento agressivo de mercado é usado pela
incumbente para modificar as expectativas de rentabilidade da presa. Nesse caso em
particular, a predação afeta a avaliação do emprestador sobre o sucesso alcançável pela
empresa financiada por ele. Como resultado, a presa terá menor chance de obter um
empréstimo e se verá obrigada a sair da indústria ou reduzir sua escala de operação.
Uma lição clara da seção 7.2.2.2 é que empresas incumbentes podem usar
estratégias de preços agressivas para deter entrantes e/ou forçar competidores a deixar a
indústria, apoiando-se em diferentes mecanismos: podem construir uma reputação de
serem resistentes, de modo a amedrontar entrantes potenciais e mantê-los fora do negócio;
podem querer fixar preços baixos para sinalizar a entrantes e pequenos competidores que
não esperem altos lucros naquela indústria; ou podem tentar erodir os recursos de uma
rival dificultando a obtenção de financiamento. Sem dúvida, as autoridades antitruste
devem estar atentas e esperar que algumas incumbentes façam uso de práticas predatórias
para criar ou fortalecer posições dominantes.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19
Contudo, devemos tentar extrair um pouco mais da teoria econômica, não apenas
o resultado de que o preço predatório pode ocorrer. A seguir, fornecemos nossa
interpretação sobre as implicações políticas da teoria.
Dois elementos devem ser salientados nesse mecanismo: (1) o sacrifício do lucro
de curto prazo; e (2) a habilidade de aumentar lucros no longo prazo exercendo poder de
mercado, uma vez que a predação tenha sido bem-sucedida. É nesses dois elementos que
o tratamento jurídico do preço predatório deve ser construído. Consequentemente, faz
sentido pensar em um teste em duas etapas para predação, conforme segue:15
Note que esse teste reverte a lógica de (1) e (2). Isso ocorre porque a análise da
indústria pode, em muitos casos, ser mais simples de executar que o teste de preço acima
15
Joskow e Klevoric (1979) foram provavelmente os primeiros a sugerir um teste em duas etapas para
preços predatórios. Comparado com o deles, o aqui sugerido é provavelmente mais severo na primeira parte
(em que se exige dominância) e menos na segunda (presumimos que preços abaixo do custo total são legais,
desde que estejam acima dos custos variáveis médios).
16
Veja a seguir a diferença entre custos variáveis médios e custos totais médios.
Na União Europeia e no Brasil, essa questão não chega a ser controversa, porque
a predação recai, no primeiro caso, na categoria geral de abuso de posição dominante, e,
no Brasil, práticas consideradas exclusionárias, inclusive preço predatório, requerem
também a demonstração de existência de poder de mercado. Consequentemente, uma
empresa oligopolista que não detenha posição dominante não será considerada culpada
de conduta predatória nessas jurisdições. A lei brasileira estabelece o limiar de presunção
de detenção de poder de mercado em 20%, embora a execução da lei indique que há
condenações por identificação de posições dominantes com participações bastante
superiores a 50%. Na UE, uma empresa com participação de mercado menor que 40%
provavelmente não será acusada de predação (ver o Capítulo 3 com relação à
dominância).
genéricos e marcas próprias e vender abaixo do custo para retirar a Liggett – a principal
marca do segmento – do mercado.17
Há muitas razões pelas quais uma empresa não dominante pode querer fixar preço
abaixo do custo como parte de um processo competitivo normal. Considere uma indústria
caracterizada por custos de transferência (ver também o Capítulo 2): muitos
consumidores estarão presos à empresa dominante e só um significativo corte de preços
poderá convencê-los a trocar de vendedor. O mesmo argumento vale para mercados com
externalidades de rede (ver também o Capítulo 2): se forem suficientemente importantes,
um corte substancial de preços será necessário para que uma empresa ganhe
consumidores o bastante e alcance massa crítica. Ou pense em indústrias caracterizadas
por curvas de aprendizado íngremes ou importantes economias de escala:18 em vez de
ficar confinada como participante de nicho, uma empresa pode querer reduzir preços e
aumentar a produção de modo a descer na curva de custo e aumentar sua eficiência.19
Finalmente, uma empresa pode cobrar um preço abaixo do custo se houver alguma
17
Para uma discussão sobre esse caso, ver Burnett (1999), Bolton et al. (2000) e Elzinga e Mills (2001).
18
Em ambos os casos, as curvas de custo médio têm o mesmo formato.
19
Neste último caso, a empresa pode se defender mostrando que seu preço está abaixo dos custos correntes,
mas não dos custos esperados no futuro. Por essa razão, qualquer que seja a medida de custo utilizada, é
importante que os custos “antecipados razoavelmente” sejam considerados, como discutido por Areeda e
Turner (1974). Ver a seguir.
Caso se queira aplicar a teoria literalmente, deve-se estar pronto a entrar em águas
turbulentas, em que os passos necessários para a investigação de predação serão o cálculo
do preço ótimo 𝑝∗ e a prova de que o preço 𝑝′ é menor. Claramente, isso não é factível.
Por mais sofisticado que sejam os gestores da empresa, é improvável que tenham noção
de qual seja o preço ótimo: a posteriori, agências antitruste e tribunais acharão impossível
estabelecer quais lucros foram sacrificados no sentido de que o preço fixado pela
incumbente está abaixo de outro que ela deveria ter estabelecido se não tivesse tentado
forçar a rival a sair da indústria.
20
Como já foi dito, Harrington (1986) mostrou que, em algumas circunstâncias, a incumbente pode fazer
manobras para forçar a exclusão usando um preço mais alto que o ótimo no curto prazo, mas focalizaremos
o caso mais provável, em que a predação envolve preços baixos. Essas considerações que se seguem nos
levam a propor uma regra segundo a qual um elemento necessário da predação é o preço abaixo de (alguma
medida de) custo. Assim, qualquer predação por preços altos não será detectada.
Essa regra nada mais é do que muitos tribunais vêm fazendo e comentadores de
antitruste vêm sugerindo há muito tempo: uma condição necessária (embora não
suficiente) para provar uma alegação de monopolização predatória (ou abuso de
dominância) é que o predador realize perdas durante o tempo de predação. Essa regra faz
bastante sentido. Uma empresa que obtém lucros deve ser excluída de acusações de
predação porque ninguém pode provar que ela poderia ter obtido mais lucros se tivesse
agido diferentemente. Uma empresa que realiza lucros negativos, ao contrário, deve ser
um predador, embora haja outras razões pelas quais uma companhia deseje cobrar abaixo
do custo, como vender produtos perecíveis, que, de outra forma, ficariam encalhados
(causando, assim, perdas maiores), fazer ofertas promocionais, estimular a venda de
produtos complementares e daí por diante (veja a seguir).
21
Em outras palavras, essa abordagem reduz erros do Tipo 1, mas não reduz erros do Tipo 2.
Para resumir, um teste de “preço abaixo do custo” talvez não nos permita abranger
todos os casos possíveis de predação. Porém, os casos não cobertos por esse teste seriam
provavelmente poucos e muito especiais. O custo de tal erro parece pequeno.
22
Custo marginal é “o custo incremental ao custo total que resulta de produzir um incremento adicional de
produto. É função apenas dos custos variáveis, pois os custos fixos, por definição, não são afetados por
mudanças na produção”. “[Custos variáveis] tipicamente incluem itens como materiais, combustíveis,
trabalho diretamente usado para produção, trabalho indireto, como pessoal administrativo, energia, reparo
e manutenção, royalties unitários e taxas de licenças.” É claro que tal conceito deixa de fora custos fixos
que não variam com a produção, a qual “... tipicamente incluirá a maior parte das despesas administrativas,
dívida mobiliária, depreciação, impostos sobre propriedade e outras despesas gerais” (AREEDA &
TURNER, 1974: 700).
23
Custo médio total são todos os custos (incluindo custos fixos) divididos pelo total da produção.
preços em um nível que os investimentos em custos fixos afundados não podem ser
recuperados. Nesse caso, um preço abaixo da regra de CTM encontraria predação mesmo
onde não há. O inconveniente é evitado pelo conceito de CIM (Custos Incrementais
Médios), definido por Bolton et al. (2000) como
“o custo por unidade de fabricar um produto adicional para servir às vendas predatórias. O
CIM difere do CVM em pelo menos duas formas. Primeiro, não é medido pelo total de
produção da empresa, mas apenas sobre o incremento da produção usado para suprir as
vendas predatórias adicionais. Segundo, custos incrementais incluem não apenas custos
variáveis mas também quaisquer custos fixos incorridos na expansão para servir às novas
vendas. Custo incremental é um padrão melhor que o custo médio variável ou custos totais,
porque reflete mais acuradamente o custo de se fazer vendas predatórias”.24
Consequentemente, esses autores presumiriam como ilegal um preço abaixo do
CIM e legal um preço acima do CTM, com uma área cinza no meio.
Para resumir, uma série de diferentes padrões de custo foi proposta na literatura.
Em particular, tanto o custo médio variável quanto o custo incremental médio são padrões
adequados e racionais. Talvez o CIM atenda melhor ao conceito de predação, mas pode
ser que não seja sempre tão fácil na prática identificar precisamente os custos incorridos
para determinada produção e/ou isolar a produção predatória da total.
Portanto:
1. Um preço acima dos custos totais médios deve definitivamente ser considerado
legal, sem exceções.
2. Um preço abaixo dos custos totais médios, mas acima dos custos variáveis
médios, deve ser presumidamente legal, com o ônus de provar o contrário da
autoridade antitruste.
24
CIM é um conceito muito próximo da medida de custo evitável médio sugerido por Baumol (1996).
3. Um preço abaixo dos custos variáveis médios deve ser presumidamente ilegal,
com o ônus de provar o contrário da representada.
Para os casos em que o custo incremental médio possa ser calculado, deverá ser
usado no lugar do custo variável médio.
Esta seção comenta outros elementos que podem surgir durante um caso de preços
predatórios: intenção, prova e recuperação, prova de efeitos anticompetitivos e cobertura
de preços dos concorrentes como defesa. Também lida com alegações de preço predatório
em mercados de alta tecnologia, questão mais recentemente debatida. Finalmente,
criticam-se algumas leis e regulamentos europeus recentes, que proíbem empresas de
vender abaixo do custo.
intenção de atingir um objetivo com a perda, o ônus da prova de que não houve predação
passaria para o suposto predador.
25
A legislação brasileira é clara ao dissociar a prática da necessidade de que efeitos objetivos ou danos
pretendidos sejam realizados. O caput do art. 36 da Lei 12.529/2011 (mesma redação do caput do art. 21
da antiga Lei 8.884/94) define: “Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa,
os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos,
ainda que não sejam alcançados (…).” (Destaque da tradutora.)
26
Note que essa pressuposição se aplica apenas a preços predatórios. Argumentaremos na seção 7.3.1 que
uma abordagem bem diferente deve ser adotada em alegações de investimentos predatórios.
Em particular, não deve ser aceito como defesa que os consumidores acabaram ex
post por se beneficiar do suposto episódio predatório, pelas razões expressas na subseção
anterior: o fato de que os baixos preços não foram seguidos por preços suficientemente
altos pode ter sido devido a mau cálculo do predador, ação antitruste ou resistência da
presa mais forte que a esperada.
Por outro lado, o suposto predador pode, de forma concebível, ter uma defesa de
eficiência para seus preços abaixo do custo – por exemplo, quando atua em mercados
complementares. Se tiver argumentos convincentes a esse respeito, o ônus da prova
estiver sobre ele, e os preços estiverem abaixo do custo médio variável, deve-se excluir
dano à concorrência.
Contudo, a cobertura de oferta de uma concorrente não deveria ser aceita se fizer
a incumbente precificar abaixo dos custos variáveis médios.28 Como vimos antes, existem
muitas razões pelas quais um entrante ou empresa menos estabelecida possa querer fixar
preços abaixo do custo por um período para ganhar novos clientes e superar a
desvantagem competitiva criada, por exemplo, por custos de transferência, efeitos de
rede, economias de escala. Em tais situações, como vimos no Capítulo 2, um preço muito
agressivo pode ser o único instrumento disponível para uma nova empresa ganhar
consumidores, atraindo-os da incumbente. Enquanto algumas perdas iniciais são
perfeitamente justificadas para uma nova empresa e fazem parte do processo competitivo
normal, o mesmo não vale para uma incumbente que desfrute de posição dominante.
Consequentemente, cobrir a oferta de preço de um competidor não pode ser considerado
defesa aceitável se implicar preços abaixo do custo variável médio para a incumbente.
27
O leitor poderá verificar que isso ocorre na maioria, se não em todos, os modelos de oligopólio.
28
Ver Areeda e Turner (1974: 715).
Reciprocamente, um preço acima dos custos totais médios será legal mesmo se implicar
rebaixar preços com relação a um concorrente menor ou uma entrante.
29
Ver Ahlborn et al. (2001) e Schmalensee (2002).
30
Sistemas operacionais de computadores, como outros mercados caracterizados por externalidades de
rede, são mercados de dois lados, quer dizer, aqueles em que o sucesso de um produto depende de ser aceito
por dois diferentes grupos de consumidores. Outro exemplo de mercados de dois lados é o de cartão de
crédito (lojistas e consumidores). Para uma análise de estratégia de preços e efeitos concorrenciais em tais
mercados, ver Rochet e Tirole (1999, 2001), Schmalensee (2002) e Evans (2002).
para recuperar as perdas realizadas nos momentos iniciais, até que uma nova tecnologia
apareça e substitua a antiga, levando ao fim a antiga liderança.31
Embora concordemos que se deva ter cuidado ao lidar com acusações de predação,
(1) esses mercados não apresentam aspectos desconhecidos das indústrias na era da
tecnologia pré-informação; (2) nem é necessária uma nova política antitruste para lidar
com eles. Quanto ao primeiro ponto, exemplos de indústrias com custos fixos afundados
muito fortes e relativamente baixos custos variáveis podem ser encontrados em todo
lugar: pense nos produtos ao consumidor caracterizados por pesada propaganda e
indústrias, como química, farmacêutica e engenharia, com altas despesas de P&D.32 O
setor de tecnologia de informação não é o único em que os efeitos de rede desempenham
papel importante. Eles podem ser vistos em indústrias tradicionais, como brinquedos,
sapatos e design – onde quer que a moda e tendências desempenhem um papel (enquanto
algumas pessoas ficam mais felizes por comprar produtos exclusivos, a vasta maioria
parece querer o que as outras têm), e, evidentemente, os efeitos de rede são relevantes
para eletrodomésticos, telefones fixos, ferrovias, gravações etc.
Quanto ao segundo ponto, note que o teste anterior proposto para preço predatório
(variante para uma longa tradição que remonta a Areeda e Turner, 1974) permite lidar
com muitos dos temores expressos por, por exemplo, Ahlborn et al. (2001). Uma empresa
que cobra abaixo dos custos totais médios (o que pode ser facilmente verdade quando os
custos fixos são importantes) não necessariamente é considerada culpada, mesmo se tiver
posição dominante. E, com mais certeza, se duas ou mais empresas estiverem competindo
pelo mercado de um setor em particular e nenhuma tiver uma posição dominante no
início, o fato de cobrarem abaixo do custo para ganhar o mercado (e de terem a intenção
de exclusão, já que lutam para se tornar a monopolista) não pode levar a qualquer
acusação, uma vez que a primeira etapa do teste (não dominância) não é satisfeita. Em
outras palavras, se não houver dominância ex ante, o caso de predação deve ser
abandonado.
31
Ver Shapiro e Varian (1999) para uma interessante e acessível análise dos mercados de tecnologia da
informação e Shy (2001) para uma análise simples das indústrias de rede. Breshanan (1998) apresenta uma
teoria de monopólios sucessivos em um contexto dinâmico.
32
Sutton (1991, 1998) provê uma detalhada análise – rica também em estudos de caso – de estudos com
altos custos fixos afundados e baixos custos variáveis.
Assim, nem sempre é ruim quando uma grande empresa tentar entrar em um novo
mercado de produto.
Preço abaixo do custo médio variável não é uma regra geral. Em muitos países da
União Europeia, existem leis e regulações que se aplicam a setores específicos ou à
33
Cestone e Fumagalli (2001) mostram que alocação de recursos financeiros dentro de um grupo de
negócios, quando não observável por empresas externas, afeta o comportamento de mercado de produto
das unidades de negócios.
economia como um todo que proíbem preços abaixo do custo, vendas promocionais,
brindes, ofertas “dois pelo preço de um”, descontos acima de certo limiar. Revendedores
não são autorizados a venderem com perda na França, Espanha, Itália, Irlanda,
Luxemburgo, Bélgica, Portugal e Grécia. Em geral, essas leis são resultado de lobbies de
lojistas e pequenos negócios que consideram predatórios ou desleais cortes de preços
agressivos de cadeias de supermercados nacionais ou grandes empresas. No entanto, a
obrigação resultante de cobrar acima dos custos aplica-se a qualquer companhia,
independentemente do poder de mercado que ela possua e das razões pelas quais o corte
foi feito.
Há uma série de instrumentos além dos preços que uma empresa pode utilizar para
forçar a saída ou deter a entrada na indústria de concorrentes menores, que incluem
investimentos estratégicos (seção 7.3.1) e decisões de incompatibilidade (seção 7.3.3);
outros instrumentos, como contratos de exclusividade e recusa de oferta, foram já
analisados no Capítulo 6.
Vimos que, quando uma dominante reduz preços, primeiro é muito difícil
discernir se a redução foi devida a um comportamento genuíno e legal de concorrência
ou anticompetitivo; segundo, baixos preços é algo de que os consumidores gostam, de
modo que é preciso muito cuidado para não desencorajar as empresas a reduzir preços. O
problema básico reaparece ao olharmos para investimentos em capacidade, P&D,
propaganda, qualidade de produto, novas marcas e daí por diante. A teoria diz que – assim
como nas decisões de preço – uma empresa dominante pode usar as decisões de
investimento de forma estratégica; para forçar os competidores a deixar o mercado ou
persuadi-los a não entrar de jeito algum.34 Contudo, primeiro é difícil reconhecer na
prática se certo nível de investimento é fruto de uma tentativa “honesta” da empresa de
ser mais competitiva e atraente para os consumidores ou se, ao contrário, é movida pelo
desejo de obter ou reforçar uma posição de monopólio. Segundo, já que mais investimento
tem um efeito positivo sobre o bem-estar, uma abordagem muito cautelosa precisa ser
adotada para não desencorajar as empresas a empreender projetos bem-vindos.
Argumentamos que, por conta dessas dificuldades, apenas em casos muitíssimos
excepcionais, faria sentido acusar uma empresa de sobreinvestimento; além do mais, o
ônus da prova deveria estar com quem acusasse, no caso, a agência antitruste, não com a
parte acusada, a representada.
34
Veja, por exemplo, os trabalhos clássicos de Spence (1977) e Dixit (1980) sobre investimento em
capacidade e os trabalhos mais recentes de Choi (1996) e Farrell e Katz (2000) sobre P&D e mercados
complementares.
Algumas observações são necessárias aqui. Primeiro, não foi dito que o nível de
investimento de detenção de entrada será sempre o escolhido. Mesmo que seja factível
deter a entrada (por exemplo, porque se sabe que o rival iria desistir de seus planos de
entrada depois de observar 𝑥 𝑝 ), não é necessariamente lucrativo. O custo afundado
requerido pela tecnologia de 𝑥 𝑝 pode ser muito alto, de modo que seria mais conveniente
conviver com o competidor.
A segunda e mais importante razão pela qual seria muito difícil identificar
predação por motivos estratégicos na prática é que não há variáveis observáveis nem
níveis de referência evidentes que se possam usar para decidir se houve sobreinvestimento
estratégico ou não. Imagine um tribunal tendo de avaliar a queixa de um concorrente com
relação a um sobreinvestimento estratégico de uma incumbente para deter entrada. A
35
Em nome da simplicidade, presume-se que a entrante não pode usar a mesma tecnologia, por exemplo,
por conta de o tamanho do mercado não ser grande o suficiente para duas empresas recuperarem tão
importantes custos afundados endógenos. Veja o Capítulo 2 para custos afundados endógenos.
36
Um argumento adicional, não considerado aqui, é que a entrada pode não ser sempre fortalecedora de
bem-estar, por causa da duplicação de custos afundados. Consequentemente, é possível, em princípio, que
o bem-estar seja maior quando a incumbente age estrategicamente que ao contrário.
única variável observável aqui é o nível de investimento real feito pela incumbente, 𝑥 𝑝 .
Como pode ser provado que, se ela não quisesse deter a entrada, a incumbente teria
escolhido outro nível mais baixo de investimento? Ela dirá que escolheu o nível de
investimento que a torna competitiva vis-à-vis à entrante, e em caso algum no mundo real
poderemos ter certeza de que uma entrante desistiria ou não dos planos de entrada depois
de observar.
Em segundo lugar, preços baixos são reversíveis, enquanto a maior parte dos
investimentos não é. E, de fato, um compromisso total é fundamental para o argumento
de detenção de entrada estratégica. (Se a decisão de investimento fosse reversível, a
entrante se inseriria.) Como resultado, os consumidores se beneficiarão do investimento
mesmo depois de a “predação” terminar, sempre que a ação do incumbente envolver a
instalação de nova capacidade, investimentos em P&D (pense na criação de um novo
laboratório e na contratação de pessoal relacionado e cientistas), a introdução de uma
nova marca, se sustentada por despesas de propaganda e marketing (desde que específicas
para a nova marca) e daí por diante.37 Outras coisas permanecendo constantes, o
argumento indica que as perdas com o investimento anticompetitivo serão menores que
com o preço predatório.
37
Judd (1985) usa um modelo em que uma incumbente pode usar posicionamento de produto para deter
entrada, e o autor considera que a incumbente pode, mais tarde, retirar a marca a baixo custo se quiser.
Consequentemente, o compromisso com o investimento é reduzido, e o entrante não será detido.
estrategicamente ou forçar a saída de rivais menores, parece difícil sugerir uma regra que
permita identificar esse comportamento na prática.
38
Para sermos mais precisos, esses são exemplos de pacotes puros. Pacotes mistos ocorrem quando a
empresa oferece aos consumidores a escolha entre um pacote e produtos ou componentes separados. Por
exemplo, um restaurante pode oferecer tanto um menu fixo quanto a possibilidade de escolha à la carte.
companhia, não de operadoras rivais, ou uma empresa de fotocópias pode lhe vender uma
máquina desde que você concorde em comprar apenas o toner dela.
Esta seção analisa por que as empresas podem optar pelas vendas casadas
(usamos, indiferentemente, os termos “vendas casadas” e “pacote” ou “atamento”, que
significam o mesmo) e quais são os efeitos prováveis de tais estratégias de negócios. A
seção 7.3.2.1 mostra que o atamento frequentemente tem uma racionalização de eficiência
muito natural (e, portanto, efeitos pró-competitivos). Mas há duas possíveis razões pelas
quais o atamento pode fazer decrescer o bem-estar. A primeira (seção 7.3.2.2) é que
permite discriminar preços entre consumidores com preferências diversas (o que é
verdade tanto com venda em pacotes quanto com condicionamento de exigências).
Infelizmente, como para a discriminação de preço em geral (ver a seção 7.4), os efeitos
de venda casada sobre o bem-estar são ambíguos. A segunda (seção 7.3.2.3) lida com a
antiga divergência de que, ao atar dois produtos, um monopolista pode estender seu
monopólio sobre o mercado de produto do segundo produto. O pensamento da Escola de
Chicago mantém que isso seria não lucrativo, mas modelos recentes indicam razões
estratégicas pelas quais o atamento pode permitir a monopolização em um segundo
mercado. A seção 7.3.2.4 apresenta as principais conclusões de política retiradas da
análise.
Em outros casos, atar diferentes componentes ou produtos pode também ser uma
resposta eficiente à informação assimétrica. Imagine, por exemplo, que um computador
pudesse ter o melhor desempenho apenas com certos componentes, ou que dirigir um
carro com pneus diferentes dos recomendados pelo fabricante pudesse se tornar perigoso,
ou que uma fotocopiadora fornecesse péssimas fotocópias sem um tipo específico de
toner. Então, as empresas optariam por incorporar o tipo correto de partes e componentes
ao produto final, para superar possíveis problemas de reputação que poderiam surgir caso
os consumidores não montassem os componentes da forma adequada. Tal prática seria
lucrativa para a empresa: os consumidores iriam desfrutar da melhor qualidade possível
dos produtos adquiridos.
39
Para mais informações sobre este e outros casos de venda casada, ver Scherer e Ross (1990, 562-9).
Embora seja claro que vendas atadas beneficiam a empresa, os efeitos sobre bem-
estar são ambíguos. Podemos mostrar que, se todos os consumidores comprarem a mesma
quantidade quando há atamento que quando não há, o bem-estar será menor sob o
atamento. Contudo, a estratégia de atamento permite vender para alguns consumidores
40
Atamento aqui funciona muito como discriminação de preços (ver a seção 7.4), cujo impacto sobre o
bem-estar é também a priori ambíguo.
41
Ver Adams e Yellen (1976). Uma razão pela qual conclusões mais perspicazes sobre os efeitos sobre o
bem-estar de venda casada não estão disponíveis é que é difícil analisar o atamento com hipóteses gerais
sobre as preferências dos consumidores.
42
Scherer e Ross (Capítulo 15) usam o mesmo exemplo.
43
Esse é um mecanismo de discriminação de preços muito similar ao usado pelo vendedor que oferece uma
tarifa em duas partes (por sua vez, equivalente a desconto em quantidades): usando uma taxa fixa e um
componente variável nos preços, a empresa faz manobras para extrair excedente dos consumidores com
diferentes intensidades de demanda. Ver a seção 7.4.1.
que, de outra maneira, não comprariam o bem (ou seja, a estratégia aumenta a demanda)
e causa um efeito líquido positivo sobre o bem-estar.
Até agora, em vista dos fatos de que o atamento pode causar importantes efeitos
de eficiência e de que, mesmo na ausência da racionalidade de eficiência, o impacto sobre
o bem-estar é a priori ambíguo, há pouca fundamentação econômica para um tratamento
implacável para o atamento. Antes de delinear qualquer conclusão, contudo, devemos
olhar os possíveis efeitos exclusionários dessa estratégia.
O primeiro autor a oferecer uma explicação convincente sobre por que o atamento
exclusionário pode ser lucrativo foi Whinston (1990). Ele mostra que um monopolista
incumbente em um mercado de Produto A que se comprometa a atá-lo a outro Produto
independente B pode excluir um competidor do último mercado. Isso porque o
compromisso de vender os dois produtos juntos efetivamente age como um compromisso
de ser mais agressivo no Mercado B: a incumbente sabe que todo consumidor que preferir
comprar a versão do concorrente no Mercado B não irá comprar seu Produto A (no qual
há altas margens, já que ele é um monopolista).44 Por sua vez, a competição mais feroz
no mercado reduzirá os lucros do concorrente no caso em que o monopolista não ate as
vendas e pode forçá-lo a deixar a indústria se os lucros reduzidos não forem grandes o
suficiente para cobrir os fixos. (Note também que a competição mais agressiva pode
reduzir os lucros da incumbente se o concorrente continuar ativo. Adiante voltaremos às
implicações desse ponto.)
44
Embora, com a venda casada, a incumbente apenas estabeleça um preço único para os dois produtos
vendidos conjuntamente, é como se ela vendesse o Produto B independentemente, como se o custo fosse
menor, ou seja, é o próprio custo unitário de produzir B menos a margem unitária nas vendas do Produto
A. Custo menor implica comportamento de mercado mais agressivo.
Note também que, nesse modelo, atamento não tem como pressuposto qualquer
papel de eficiência (feito para salientar os efeitos anticompetitivos). Quando se avalia
bem-estar na prática, deve-se ter em mente que atamento pode ter efeitos de
fortalecimento da utilidade do consumidor diretamente e isso pode contrabalançar efeitos
exclusionários. Em outras palavras, a defesa de eficiência deve ser permitida para o
monopolista incumbente que supostamente usar atamento para excluir competidores.45
45
Whinston (1990: 845) também aponta que, mesmo quando o atamento exclui e é lucrativo, é
necessariamente prejudicial para o bem-estar: os consumidores perderão com isso (os preços de monopólio
sob pacotes serão provavelmente mais elevados, e haverá menor variedade do Produto B sob oferta), mas,
em princípio, esse efeito adverso sobre o bem-estar pode ser sopesado com a economia de custos fixos do
concorrente. Presume-se, no entanto, que deverá haver excesso de entrada no mercado do ponto de vista do
bem-estar social, ocorrência teoricamente possível, mas de aplicação pouco clara e impossível de se
verificar empiricamente.
pacote, a incumbente escolha para o Mercado B o preço 𝑝𝐵 igual a 𝑐𝐵 , seu custo marginal
de produzir B, e, para o Mercado A, o preço 𝑝𝐴 igual a 𝑝̃ − 𝑐𝐵 . Por conta da política de
preço, dois casos podem acontecer. Considere primeiro o caso em que o concorrente não
está ativo no mercado: a única questão importante para os consumidores é a soma dos
preços dos dois bens, e a incumbente se beneficiará tanto quanto se montasse o pacote, já
que 𝑝𝐴 + 𝑝𝐵 igual a 𝑝̃ (tanto o preço quanto a demanda são iguais aos do pacote).
Whinston (1990) considera dois exemplos específicos nos quais uma incumbente
lucrativamente usa atamento para excluir competidores em mercados complementares:
um em que o produto não é essencial, o outro em que uma alternativa inferior do Produto
A existe. Geralmente, contudo, a complementaridade torna menos provável – embora não
impossível – que uma incumbente use atamento para propósitos exclusionários.
se uma das entrantes obtiver a inovação, ela não terá demanda até que os bens sejam
complementares.) Assim, o atamento reduz os incentivos para investir, e,
consequentemente, será menos provável que inovações surjam e que entrantes venham a
desafiar a incumbente.46
46
Atamentos exclusionários na presença de investimentos de P&D são também considerados em Choi
(1996). Farrell e Katz (2000) olham para os incentivos para investir e para os efeitos resultantes sobre o
bem-estar, quando um monopolista de um componente também está presente em um mercado
complementar competitivo (a análise deles não se refere necessariamente a atamento).
47
O modelo, por conseguinte, conta uma história reminiscente do caso US versus Microsoft, no qual a
Microsoft foi acusada de atar o Internet Explorer, seu browser de Internet, a seu sistema operacional, o
Windows, para forçar o navegador Netscape a sair do mercado e preservar o monopólio da Microsoft nos
Estados Unidos no mercado de sistemas operacionais.
difícil. Parece razoável esperar que exista correlação entre probabilidade de sucesso
quando uma mesma empresa contesta a entrada em ambos os mercados).48
Tradicionalmente, vendas casadas têm sido vistas com muita suspeita pelas
autoridades antitruste e pelos tribunais, e, por muito tempo, nos Estados Unidos, seu
48
Ver Rey, Seabright e Tirole (2001) para críticas específicas ao modelo de Carlton e Waldman.
tratamento foi muito próximo de uma proibição per se (ver o Capítulo 1). Uma abordagem
tão rígida não é justificada.
Essa abordagem pode parecer generosa à primeira vista, mas justifica-se pelo
número de possíveis efeitos de eficiência que derivam do atamento: os consumidores
ganham em muitos aspectos por não ter de se incomodar juntando produtos (ou serviços)
ou procurar por diferentes ofertantes para obter os diferentes componentes de produtos
(ou serviços) que requerem e dos quais necessitam. A venda em pacote pode, assim, fazer
uma empresa não dominante se tornar mais competitiva, resultando em um efeito positivo
sobre o bem-estar.
facilidade os filmes da empresa, o que parece ter sido a gota d’água para os negócios de
varejo da Ilford... A empresa retirou sua marca do mercado de filmes coloridos em 1968.”
Quando uma empresa não passa pela primeira etapa do teste e sua participação de
mercado está acima de determinado limiar, uma investigação completa deve ponderar
possíveis efeitos anticompetitivos em contraponto a possíveis motivos de eficiência por
trás da prática. Note que a teoria nos diz que, quanto mais alta a complementaridade entre
os produtos, menos provável que o atamento seja usado com propósitos exclusionários,
de modo que alegações de monopolização quando uma empresa vende em pacote dois
produtos totalmente complementares devem ser recebidas com maior ceticismo. A teoria
também diz que efeitos exclusionários são mais prováveis quando há um compromisso
crível com o atamento, tal como dois componentes previamente separados e combinados
em uma nova concepção de produto. Assim, é menos provável que haja efeitos de
exclusão quando, por exemplo, dois produtos sejam vendidos juntos, mas a decisão de
marketing seja reversível. No entanto, quando tal compromisso existe, não
necessariamente haverá efeitos prejudiciais. Além disso, extremo cuidado deve ser
tomado nesses casos, porque barrar uma prática de atamento aqui pode implicar intervir
e modificar a concepção de produto de um bem.
49
Novamente, esta conclusão vem de uma aplicação direta dos resultados da literatura sobre atamento. Ver
a discussão de Whinston (1990) assim como a curta descrição dos modelos de Choi e Stefanadis (2001) e
Carlton e Waldmann (2002), na seção 7.3.2.
50
Veja também as discussões no Capítulo 2 (sobre os principais aspectos dos efeitos de rede) e no Capítulo
4 (sobre cooperação para definição de padrões, questão muito próxima da que tratamos aqui).
A grande empresa, então, pode preferir compartilhar um mercado mais amplo com a rival
menor que dominar um mercado menor.
Pode ser tentador argumentar que, em indústria de rede dominada por uma
incumbente, deve-se forçar a compatibilidade para permitir a entrada, que, do contrário,
será muito dificultada. Contudo, essa intervenção ex post não consideraria o que ocorreu
na indústria anteriormente. Muito frequentemente, quando produtos são incompatíveis,
as indústrias de rede são caracterizadas por um período de competição muito intensa no
início, até que uma empresa se estabeleça como líder, e o forte poder de mercado é a
recompensa pela dura batalha entre redes concorrentes (processo frequentemente descrito
como competição pelo mercado, em substituição a competição no mercado). Se esse for
o caso, forçar a compatibilidade sobre a incumbente implicará privá-la dos retornos que
ela esperou – e mereceu – e que, afinal de contas, motivaram toda a forte competição.51
Essa situação também emitirá os sinais errados para as empresas de outras indústrias,
levando-as a rever suas expectativas de lucros se forem bem-sucedidas em uma guerra de
rede, consequentemente reduzindo seus incentivos para competir.
Não obstante, pode haver situações em que uma política mais intervencionista
nessa esfera possa fazer algum sentido. Considere uma indústria em que a incumbente
derive sua forte base de clientes de um monopólio legal (como as operadoras de
telecomunicações nacionais no período pré-privatização): nesse caso, prever nas
legislações nacionais que as incumbentes cedam acesso às rivais às suas redes é uma
política atraente.52,53
51
Outra forma de explicar o mesmo conceito é que os preços aparentemente altos fixados pela incumbente
são o outro lado da moeda dos baixos preços fixados pelas rivais nos momentos iniciais do mercado. A
conclusão de que a indústria não seja competitiva apenas pela observação da situação ex post não contempla
o que se passou anteriormente.
52
Tal como feito no Brasil em todos os segmentos de indústria de rede nos anos 1990, a começar pelos de
petróleo e gás natural e telecomunicações.
53
Além disso, Farrell e Katz (1998, 649) consideram que, em alguns casos, redes de incumbentes desfrutam
de monopólios por razões que nada têm a ver com P&D ou investimentos estratégicos, e um excepcional
relaxamento de direitos de propriedade poderia ser justificado. Portabilidade numérica, por exemplo: uma
operadora telefônica incumbente poderia argumentar que o número de telefone que concedeu para um
assinante é protegido por direitos de propriedade. Contudo, seria difícil argumentar que se trata de uma
inovação que mereça proteção, e permitir que o cliente mantenha o número em um novo provedor aumenta
fortemente a concorrência.
poder de mercado é fortemente reduzido, mas é difícil propor claras e sólidas implicações
de política que tenham validade geral.54
54
Sob efeitos de rede, as avaliações de políticas tornam-se mais complexas por conta do número de
externalidades que entram em jogo. Por exemplo, a persistência de um monopolista pode mesmo ter efeitos
positivos, por permitir efeitos de rede e evitar que consumidores fiquem desamparados quando um novo
produto incompatível se torna o novo padrão. Fudenberg e Tirole (2000) analisam um modelo de geração
de sobreposição, quando uma incumbente se engaja em preço-limite para aumentar sua base de clientes e
deter a entrada em uma indústria de rede. Mas os efeitos de bem-estar da detenção da entrada são ambíguos,
por conta da presença de usuários desamparados e outras externalidades que podem levar ao excesso de
entrada.
55
Ver Dranove e Gandal (2000) e a discussão no Capítulo 2.
56
Ver também Salop e Scheffman (1987).
57
Curiosamente, um dos episódios de maior destaque na “pré-história” do antitruste no Brasil – a chamada
Guerra das Garrafas – foi iniciado em 1972, quando foram apreendidos, por denúncia feita pela Coca-
Cola, vasilhames de seu refrigerante em uma fábrica da Pepsi no Rio Grande do Sul. Feita a queixa ao
CADE, este acabou por condenar a Pepsi por infração à lei antitruste, por concorrência desleal. Em 2010,
quase 40 anos depois, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul anulou a decisão do CADE (de 1972!),
considerando não haver provas suficientes do ilícito, dando fim à Guerra das Garrafas.
58
Um caso interessante nos Estados Unidos foi o Pennington, em que o operador de uma grande mina e os
sindicatos dos mineiros fizeram lobby em conjunto por salário mínimo. O resultado foi elevar o custo de
produção, o que aumentou os custos mais das pequenas concorrentes que da grande empresa.
de práticas que já analisamos podem ser vistas como elevação de custos de concorrentes.
Acordos de exclusividade podem dificultar e encarecer o processo de um concorrente
encontrar distribuidores que vendam seus produtos. Uma empresa verticalmente
integrada pode recusar oferta de um insumo fundamental a uma rival a jusante (ou se
engajar em compressão de margem: vender um insumo a um preço proibitivamente alto),
elevando os custos de produção para esta última. Além disso, negar a interoperabilidade
para a rede de um concorrente também pode ser visto como uma estratégia para elevar os
custos do concorrente para fazer negócios.
Para resumir, as teorias de elevação de custos das rivais provêm um conceito que
engloba muitas práticas diferentes. Em virtude das especificidades de tais práticas,
preferimos tratá-las separadamente.
59
A mesma afirmação vale para despesas com propaganda, na medida em que aumentam a percepção da
qualidade dos produtos.
60
Não damos uma definição precisa de discriminação de preços, o que facilmente pode se tornar uma
questão espinhosa. Varian (1989: 598) segue a definição de Stigler: existe discriminação de preços quando
dois ou similares bens são vendidos a dois diferentes consumidores a diferentes taxas de custos marginais.
(Note que a empresa cobra o mesmo preço a dois diferentes consumidores, mas ter de pagar um custo mais
elevado para entregar para um que para outro, efetivamente será discriminação de preços.) Tirole (1988:
134) adverte: “Um teórico de equilíbrio geral poderia corretamente apontar que esse bem entregue em
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55
são de capa dura ou não (mas o preço da capa dura por si não justifica o diferencial de
preços); revistas científicas cobram preços distintos para bibliotecas e instituições que
para pessoas físicas e estudantes; se compramos caneta, papel e lápis em uma papelaria
para nosso próprio uso, certamente pagaremos mais que a empresa, a universidade ou
instituição em que trabalhamos, que os adquire em grandes quantidades; companhias
aéreas aplicam tarifas muito diferentes para o mesmo tipo de assento, dependendo do
horário da viagem e da data em que for feita a compra do bilhete; no Brasil, teatro e
cinema têm preços de ingressos diferenciados para três categorias de público: idosos,
estudantes e o público em geral, e alguns cinemas fornecem descontos especiais para os
que adquirirem ingressos com cartão de crédito do banco coproprietário dos cinemas.
Algumas das estratégias que as empresas usam para discriminar entre consumidores (e,
como veremos, a discriminação de preços aumenta seus lucros) são fascinantes e muito
sofisticadas, mas o principal propósito deste capitulo não é estudar as práticas de
discriminação das empresas, mas identificar os prováveis efeitos da discriminação de
preços.
diferentes locações, em diferentes estados da natureza ou de diferentes qualidades, são diferentes bens
econômicos, e, portanto, o escopo da discriminação ‘pura’ é muito limitado.”
61
Varian (1989) sugere que outro ingrediente é o fato de que as empresas devem ter poder de mercado.
Como foi dito repetidamente neste livro, é improvável no mundo real (ao contrário de empresas em modelos
de concorrência perfeita) que companhias não tenham poder de mercado. Portanto, devemos esperar que
todas tenham algum incentivo para discriminar, embora, como se mostrará a seguir, empresas com muito
baixo poder de mercado terão também muito pouca habilidade para ter um impacto sobre preços com
práticas discriminatórias.
62
Esta classificação-padrão segue agora Pigou (1920).
Descontos por quantidade são um bom exemplo: um cinema pode oferecer para todos os
consumidores a opção de pagar um preço menor se comprarem um cartão com 10
ingressos, mas alguns consumidores preferirão comprar um ingresso de cada vez, pois
não têm certeza se vão querer ir 10 vezes ao cinema. Discriminação de terceiro grau
refere-se à possibilidade de que a empresa cobre preços diferentes para consumidores a
partir de suas características (observáveis). Um mesmo produto pode ser vendido mais
barato em Portugal que na Alemanha. Um estudante pode comprar uma passagem aérea
mais barata na Europa; uma pessoa com mais de 65 anos obtém diversos descontos
especiais em meios de transportes e ingressos para espetáculos de lazer no Brasil e assim
por diante.
que não vendam seus carros para residentes em outros países (prática sistematicamente
ilegal na União Europeia e pesadamente punida) e daí por diante.
Para entender que não é evidente que a discriminação de preços prejudique o bem-
estar, é suficiente olhar para a discriminação de preços de primeiro grau. Suponha que
um monopolista (cujo custo marginal é igual a 𝑐) encare uma função de demanda, como
na Figura 7.2: essa demanda pode ser interpretada como a agregação das demandas
unitárias de muitos consumidores, cada um com diferentes disponibilidades de
pagamento por determinado bem. Se pudermos estabelecer um preço diferente para cada
consumidor (e, claro, saber suas diferentes valorações), o monopolista será capaz de
extrair todo o excedente do consumidor: ele fará cada um pagar exatamente o máximo
que se dispõe e obterá como lucro o triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆.
Já que é a soma dos lucros com o excedente do consumidor, também será igual à
área 𝑂𝑝𝑐 𝑆. A perfeita discriminação de preços levará ao máximo bem-estar possível.63
Para ver isso, apenas note que a eficiência alocativa sob preço uniforme exigirá
que o monopolista venda para todos os consumidores ao preço igual ao custo marginal,
igualando o bem-estar novamente à área do mesmo triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆. Em contrapartida, se
o monopolista for forçado a não discriminar, venderá ao preço 𝑝𝑚 , e o bem-estar será
igual à área do trapézio 𝑂𝑅𝑇𝑝𝑐 , menor.64
Não devemos dar ênfase demais a esse exemplo, porque a discriminação de preço
de perfeita é irreal, já que exige que as empresas tenham perfeito conhecimento acerca
dos consumidores e suas preferências. No entanto, serve aos propósitos de alertar o leitor
contra o fato de que a discriminação de preços não deve ser necessariamente pensada
como uma prática danosa ao bem-estar.65
63
O leitor poderá verificar que o mesmo nível de bem-estar será alcançado sob a concorrência de Bertrand
(ou perfeita competição). Ver o Capítulo 2.
64
Mais genericamente, qualquer preço uniforme acima do custo marginal criará uma perda de peso morto.
Para o preço 𝑝𝑚 , a perda de peso morto será igual à área do triângulo 𝑅𝑆𝑇. Ver o Capítulo 2.
65
É claro que o leitor que considera que o objetivo da política de concorrência é maximizar o bem-estar do
consumidor, e não o total, não aceitará a explicação de que a discriminação perfeita de preço não é
necessariamente “ruim”. Essa discussão, bastante controversa, foi analisada no Capítulo 1.
Outra forma de discriminação de preços (de segundo grau) ocorre quando uma
empresa oferece diferentes pacotes preços/quantidades – o que confere descontos àqueles
que compram grande número de unidades de um produto – ou impõe uma tarifa em duas
partes, que exige que o consumidor pague uma taxa fixa, 𝑇, independentemente da
quantidade comprada, e mais um componente variável 𝑝𝑞, que depende da quantidade
comprada.66 Em muitos países, os preços de tarifas de gás residencial, eletricidade e
telefonia são compostos por uma tarifa fixa – valor de assinatura – mais uma parte
variável, correspondente ao consumo. Tarifas em duas partes e descontos por quantidades
são conceitos equivalentes: para um consumidor comprar 𝑞 unidades de um bem ou
serviço, sujeito a uma tarifa em duas partes, o preço médio é dado por 𝑝 + 𝑇/𝑄, que
consequentemente decresce com o número de unidades adquiridas.
66
Descontos por quantidade não é o único exemplo de discriminação de preços de segundo grau, que se
refere a todas as situações em que uma empresa oferece diferentes “pacotes” aos consumidores, que, então,
escolhem o que melhor lhes convém. Companhias aéreas oferecem classe executiva e econômica, muito
mais barata, agora com “assento plus”, com mais espaço e algum conforto. Note que os custos de prover
assentos para as companhias não variam com as tarifas cobradas (apenas marginalmente); sua racionalidade
reside em separar consumidores com diferentes disponibilidades de pagamento. Ver Tirole (1988: Capítulo
3) para questões de modelagem.
67
A decisão da CE no caso Adalat foi posteriormente anulada pela Corte de Primeira Instância
(principalmente por questões formais, embora a opinião do Advogado Geral tenha sido que proibir a
importação paralela não podia ser considerada uma prática per se anticompetitiva). O caso seguiu para
apelação da Corte Europeia de Justiça e foi confirmada a reversão na instância superior. Em 30 de dezembro
de 2003, a Comissão das Comunidades Europeias lançou um comunicado, substituindo o anterior datado
de 1982, definindo novas regras, a partir do entendimento da Corte de Justiça de que a importação paralela
de medicamentos é uma forma legal de comércio dentro do mercado interno (europeu).
suprimentos que pretendiam revender no exterior do que pelos suprimentos que recebiam
para o mercado doméstico, o que evidentemente inviabilizava a exportação paralela.
Como visto na seção 7.2.3, há pouca dúvida de que esse comportamento deva ser
visto como predatório se o preço estiver abaixo do custo variável médio. Mas pode-se
questionar se a discriminação de preços é suficiente para avaliar a conduta como
monopolização ou abuso de dominância, independentemente de os preços estarem abaixo
ou acima de uma referência.
Na Europa, tanto a Comissão quanto a Corte de Justiça tratam com rigidez preços
discriminatórios adotados por empresas dominantes e não justificados por economias de
custos.
Em primeiro lugar, devemos lembrar que não apenas custos, mas também
condições de demanda e mercado devem explicar por que as empresas optam por utilizar
preços discriminatórios (nem sempre a prática é redutora de bem-estar). Assim, proibir
automaticamente descontos seletivos, mesmo quando usados por empresas dominantes,
não parece ser uma recomendação de política robusta: como visto antes, faz parte do
processo competitivo normal que uma empresa cobre preços mais baixos quando os
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
63
concorrentes são mais fortes (mas, evidentemente, preços abaixo do custo variável médio
devem ser considerados predatórios).
Assim, alguns tipos de abatimentos feitos por empresas dominantes devem ser
cuidadosamente monitorados porque são exclusionários em potencial. O efeito de
abatimentos por fidelidade é tentar induzir o revendedor a não adquirir de um concorrente,
e isso, consequentemente, é similar a acordos de exclusividade; e abatimentos agregados
são similares em efeitos a atar ou forçar a linha completa (quando o fabricante exige que
o comprador adquira todo o seu portfólio de produtos). Consequentemente, esses tipos de
descontos atendem a um propósito similar a acordos de exclusividade e atamento, cujos
efeitos anticompetitivos já foram vistos e discutidos longamente.
Suas principais conclusões foram que, em mercados com elevada assimetria entre
os elos a montante e a jusante e com sensível diferenciação de produtos no primeiro
mercado, pode ser um equilíbrio aceitável e estável a busca por contratos de exclusividade
de vendas. Essa estratégia pode levar a um custo implícito para a aquisição da cerveja
rival (excluída), ao obrigar o consumidor a migrar de ponto de venda para adquirir a
cerveja preferida (inclusive ao agregar custos de transferência ao consumidor).
Selten (1978) considera uma empresa incumbente que possui uma cadeia de lojas,
cada uma em 𝑇 cidades diferentes (com 𝑇 sendo um número finito). Em cada mercado
sucessivamente, a incumbente depara-se com uma entrante local, digamos, a Empresa 1
pode entrar no Mercado 1, no Período 1, e a Empresa 2 pode entrar no Mercado 2 no
Período 2, e daí por diante.
Se o jogo for jogado apenas uma vez (𝑇 = 1), é claro que a ameaça de combate
no caso de entrada não é convincente, e, assim, a entrada ocorrerá e será acomodada no
equilíbrio perfeito de subjogos. De fato, se a entrada ocorrer, a incumbente preferirá
acomodar a lutar, conforme 𝜋𝐼𝐴 > 𝜋𝐼𝑃 . A entrante antecipa corretamente a escolha da
incumbente e sabe que, se entrar, no primeiro período haverá uma reação branda, de
maneira que ela realizará o ganho 𝜋𝐸𝐴 , enquanto, se não entrar, seu ganho será 0 < 𝜋𝐸𝐴 .
Consequentemente, ela prefere entrar.
O ponto de Selten é mostrar que nada muda nesse resultado se o mesmo jogo for
jogado um número repetido de vezes, desde que esse número seja finito. Para buscar o
equilíbrio perfeito do subjogo quando a incumbente enfrenta 𝑇 entrantes, temos de
trabalhar por indução reversa.
Um jogo desse tipo admite três formas de equilíbrio, dois com estratégias puras
(equilíbrios separatório e agregador) e um com estratégias mistas (equilíbrio misto ou
semisseparatório). Indicamos brevemente as condições para cada tipo de equilíbrio, mas
focalizaremos o último, que, nesse caso, é o mais interessante.
Uma condição necessária para tal equilíbrio ocorrer é que a incumbente fraca
prefira acomodar em vez de imitar a forte, ou seja, predar e deter a entrada.
Descrição do equilíbrio:
Prova. Primeiro de tudo, note que as ações (2.a), (3) e (5) são trivialmente ótimas:
se a entrada sempre for acomodada, é claro que a incumbente será fraca (2.a); uma
incumbente forte é, por definição, aquela cujo ganho é mais alto por combater mesmo em
um jogo estático (3); no último período do jogo, uma incumbente fraca não tem razão
para combater a entrada (5).
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73
Pr(𝑓 | 𝑡) Pr(𝑡) 𝑥
Pr(𝑡 | 𝑓) = = . (7.3)
Pr(𝑓 | 𝑡) Pr(𝑡) + Pr(𝑓 | 𝑤) Pr(𝑤) 𝑥 + Pr(𝑓 | 𝑤) (1 − 𝑥)
Para uma estratégia mista ser ótima, a segunda entrante deve ser indiferente
quanto a entrar e ficar de fora (o que lhe dá um ganho zero), que é
𝑥𝜋𝐸𝑃
Pr(𝑓 | 𝑤) = − . (7.5)
(1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴
Note que 𝜋𝐸𝑃 < 0; então, essa probabilidade é positiva, e por (2'), Pr(𝑓 | 𝑤) < 1.
(2.b) Para a incumbente fraca agir aleatoriamente no primeiro período, ela deve
ser indiferente entre combater (que seria seguido pela entrada com uma probabilidade
Pr(Entrada | 𝑓)) ou não:
𝜋𝐼𝐴 − 𝜋𝐼𝑃
Pr(Entrada | 𝑓) = 1 − , (7.7)
𝛿(𝜋 𝑀 − 𝜋𝐼𝐴 )
(1) A primeira entrante potencial entrará se seu ganho esperado for mais alto do
que se ficar fora:
𝜋𝐸𝑃
𝑥𝜋𝐸𝑃 + (1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴 − 𝑥𝜋𝐸𝑃 ( 𝐴 − 1) > 0. (7.9)
𝜋𝐸
Comentário. O caso geral 𝑇 > 2 é muito mais complexo, mas também muito mais rico.
O principal é que se 𝑇 for grande o suficiente, nos períodos anteriores do jogo, mesmo
uma incumbente fraca certamente combateria, e, antecipando isso, as primeiras entrantes
ficam de fora. Conforme o jogo se desenrola, as estratégias ótimas se tornam mistas, como
no caso 𝑇 = 2.
Finalmente, note que Milgrom e Roberts (1982a) examinam uma extensão em que
há incerteza dos dois lados (a incumbente não sabe o ganho da entrante) e confirmam que
a predação poderá ocorrer também em um jogo de informação mais complexa.
o conhece, mas a entrante acredita que é baixo, com probabilidade Pr(𝑐1 = 0) = 𝑥 < 1,
e alto, com probabilidade Pr(𝑐1 = 𝑐) = 1 − 𝑥. Também presumimos, por simplicidade,
que, se a entrante realmente chegar à indústria, imediatamente conhecerá o verdadeiro
custo da incumbente.
𝑚
1−𝑐 𝑚
1
𝑞1ℎ = ; 𝑞1𝑙 = , (7.10)
2 2
𝑑 𝑑
1−𝑐 𝑑
1+𝑐 𝑑
1 − 2𝑐
𝑞1ℎ = 𝑞2ℎ = ; 𝑞1𝑙 = , 𝑞2𝑙 = , (7.11)
3 3 3
onde 𝑑 indica duopólio (o primeiro par refere-se ao caso da incumbente de alto custo, o
segundo, ao da incumbente de baixo custo). Todos os lucros de equilíbrio são dados por
𝑘 𝑘 2
𝜋𝑖𝑗 = (𝑞𝑖𝑗 ) . Para tornar a análise interessante, presumimos um contexto em que a
entrante nunca entrará se ela se deparar com uma incumbente de baixo custo
𝑑 𝑑
(𝜋2𝑙 − 𝐹 < 0), mas sempre entrará se se deparar com uma de alto custo (0 < 𝜋2ℎ − 𝐹),
ou
(1 − 𝑐)2 (1 − 2𝑐)2
>𝐹> . (7.12)
9 9
𝑚
Finalmente, denote por 𝜋1𝑗 (𝑞1𝑙 ) o lucro obtido por uma incumbente do tipo 𝑗 =
ℎ, 𝑙 quando vende uma produção 𝑞1𝑙 (não necessariamente coincidente com a produção
de monopólio do tipo 𝑗).
Nesse equilíbrio, a incumbente de baixo custo estabelece uma produção mais alta
que a de monopólio (quer dizer, a produção estabelecida se estivesse em um monopólio
não ameaçado por entrada) no primeiro período, e a incumbente de alto custo estabelece
seu próprio produto de monopólio, revelando seu tipo. A entrante corretamente infere o
tipo de incumbente que está enfrentando e se comporta de acordo, entrando apenas se
estiver diante de uma empresa de alto custo 1.
Para que isso seja um equilíbrio, nenhuma das empresas deve ter incentivo para
desviar. Dadas as suas crenças e as estratégias da Empresa 1, é claro que a entrante não
poderá fazer melhor que isso: entrar com uma empresa de baixo custo implicará perdas,
e não entrar com uma empresa de alto custo implicará desprezar lucros positivos.
𝑚 𝑑 𝑚 𝑚
(1 − 𝑐)2
𝜋1ℎ + 𝜋1ℎ ≥ 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1ℎ , ou ≥ (1 − 𝑞1𝑙 − 𝑐)𝑞1𝑙 . (7.14)
9
𝑚 𝑚 𝑚 𝑑
(1 + 𝑐)2
𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1𝑙 ≥ 𝜋1𝑙 + 𝜋1𝑙 , ou (1 − 𝑞1𝑙 )𝑞1𝑙 ≥ . (7.15)
9
É fácil verificar que a RI de alto custo (7.14) é satisfeita por 𝑞1𝑙 ≥ 1/2 + √5(1 −
𝑐)/6 e maior que 1/2 para 𝑐 < (3√5 − 5)/4 ≃ 0,4271 (para valores com 𝑐 mais altos
que esse limiar, equilíbrios separados existirão onde a incumbente de baixo custo
estabelecer seu lucro de monopólio e não for imitada pela incumbente de alto custo).
𝑑 𝑑
(1 − 𝑐)2 − 𝐹
𝑥(𝜋2𝑙 − 𝐹) + (1 − 𝑥)(𝜋2ℎ − 𝐹) < 0, ou 𝑥 > . (7.16)
2 − 3𝑐
𝑚 𝑑 𝑚 𝑚 𝑚
(1 − 𝑐)2
𝜋1ℎ + 𝜋1ℎ ≤ 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1ℎ , ou ≤ (1 − 1/2 − 𝑐)/2, (7.17)
9
Com relação à incumbente de baixo custo, é claro que ela prefere jogar o equilíbrio
de produção, em que detém entrada escolhendo seu lucro de monopólio: qualquer outro
produto reduziria os lucros do primeiro período e, possivelmente (se estabelecer uma
produção mais baixa que 1/2), também dispararia a entrada.
de alto custo não for muito ineficiente (𝑐 < 3√5 − 5/4) e que a probabilidade ex ante,
atribuída pela entrante, de que a incumbente seja de baixo custo for alta o suficiente.
Dadas essas crenças, é claro que o melhor para a entrante é se vender pelo preço
alto 𝑄ℎ e 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 e pelo preço baixo 𝑄𝑙 , no caso contrário.
𝑚 𝑑 𝑚 𝑚 𝑑 𝑚
𝜋1ℎ − 𝜋2ℎ + 𝜋1ℎ ≥ 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) − 𝜋2𝑙 + 𝜋1ℎ , (7.18)
𝑚 𝑚 𝑑 𝑑
que, após substituição, pode ser reescrita como 𝜋1ℎ − 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) ≥ 𝜋2ℎ − 𝜋2𝑙 , ou
que se simplifica para 𝑞1𝑙 ≥ (1 − 𝑐)/2 + √(2 − 3𝑐)𝑐/3, com 𝑞1𝑙 = (1 − 𝑐)/2 +
𝑚 𝑑 𝑚 𝑚 𝑑 𝑚
𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) − 𝜋2𝑙 + 𝜋1𝑙 ≥ 𝜋1𝑙 − 𝜋2ℎ + 𝜋1𝑙 . (7.20)
𝑚 𝑚 𝑑 𝑑
Isso pode ser escrito, após substituição, como 𝜋1𝑙 − 𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) ≤ 𝜋2ℎ − 𝜋2𝑙 , ou
1 (1 − 𝑐)2 (1 − 2𝑐)2
− (1 − 𝑞1𝑙 )𝑞1𝑙 ≤ − , (7.21)
4 9 9
que se simplifica para 𝑞1𝑙 ≤ 1/2 + √(2 − 3𝑐)𝑐/3, sempre satisfeito por 𝑞1𝑙 =
Para um modelo muito simples de predação por bolso profundo, de Benoit (1984),
considere o seguinte jogo de informação perfeita, que dura 𝑇 + 𝐾 períodos, com 𝐾 ≥ 1.
No primeiro período, uma Entrante 𝐸 decide se entra ou não em determinado setor, e a
Incumbente 𝐼 decide se preda (disputa) ou acomoda a entrada. Em cada um dos períodos
seguintes, a Empresa 𝐸 decide se fica ou sai, e a 𝐼, se preda ou acomoda. (Como
alternativa, a Empresa 𝐸 já se encontra no mercado e decide se continua ou não a partir
do primeiro período.) Se ela preda, ambas as empresas têm um ganho por período de
𝜋 𝑃 < 0, se não preda, têm 𝜋 𝐴 > 0.
𝐾 𝐾
𝑃 𝑗 𝑀
𝜋 + ∑𝛿 𝜋 > 𝜋 + ∑ 𝛿𝑗 𝜋 𝐴.
𝐴
(7.23)
𝑗=1 𝑗=1
Se essa condição for satisfeita, a entrante antecipa que será predada ainda uma vez
mais e preferirá sair imediatamente para economizar 𝜋 𝑃 .
que a condição (7.23) valha. Antecipando isso, a entrante irá preferir sair imediatamente
para evitar perdas causadas por um período de disputa.
Comentários. Esse modelo simples ilustra por que os argumentos de bolso profundo da
predação devem funcionar. Em uma situação em que uma empresa é financeiramente
mais forte que outra, a primeira pode utilizar seus bolsos profundos para forçar a última
a sair da indústria. Note também que não é preciso haver qualquer relação entre força
financeira e eficiência: uma empresa mais eficiente pode ter – por várias razões, algumas
a serem vistas na seção seguinte – restrições de caixa e ser forçada a deixar o mercado
por uma rival mais rica, embora menos eficiente (veja o Exercício 7.3). Se for o caso, a
predação será duplamente prejudicial para o bem-estar: em primeiro lugar, por eliminar
uma empresa na qual poderiam coexistir duas; em segundo lugar, por eliminar a empresa
mais eficiente, adicionando uma ineficiência produtiva à ineficiência alocativa.
Não obstante, o modelo tem alguns limites. Primeiro, note que os requisitos de
informação para que a predação funcione são bastante fortes, com a incumbente tendo de
conhecer não apenas os custos das entrantes, mas também o montante de recursos
financeiros disponíveis para ela, e a entrante deve saber também que a incumbente não
tem restrição de recursos líquidos (ou crédito) – e deve haver conhecimento comum sobre
esses elementos. Em segundo lugar, o modelo é, de certa forma, insatisfatório, no sentido
de que, ao longo da trajetória de equilíbrio, a predação jamais será observada: dada
perfeita informação e conhecimento comum, a entrante nunca entrará na indústria (ou, se
já estiver, sairá imediatamente) sem que qualquer guerra de preços seja observada.
Contudo, Benoit (1984) mostra que a predação ainda ocorrerá sob informação imperfeita
(em que alguma incerteza existe sobre o quão profundo é o bolso da empresa), e que –
similarmente ao modelo de reputação da seção “Um modelo de reputação de predação” –
uma guerra de preços pode ser observada ao longo da trajetória de equilíbrio. A terceira
e mais importante limitação desse modelo é supor exogenamente que uma empresa não é
capaz de levantar fundos externamente. Isso nos leva a modelos que explicam
endogenamente por que a predação pode reduzir a habilidade de uma entrante tomar
empréstimos, objeto da próxima seção.
Para entender por que a predação pode ocorrer quando uma incumbente tem força
financeira, temos de entender por que uma entrante ou uma empresa menor fica
vulnerável quando não tem recursos financeiros suficientes. A questão-chave é
reconhecer que os mercados de capitais são imperfeitos, de maneira que os ativos (como
fundos líquidos e lucros retidos) de uma empresa importam e determinam sua habilidade
de levantar fundos externos. Uma vez estabelecido esse ponto, é fácil entender por que a
predação pode ocorrer: ao agir agressivamente no mercado, a incumbente reduzirá os
ativos disponíveis para a empresa menor, reduzindo sua habilidade de levantar capital e,
portanto, obrigando-a a sair do mercado ou reduzir suas ambições na indústria.
O esforço não é observável (ou, se for, não é verificável), de forma que não é
possível redigir um contrato financeiro que fixe diretamente seu nível. Isso cria uma
assimetria de informação (com risco moral) entre os investidores externos e o empresário,
e é a razão para as imperfeições do mercado de capitais neste exemplo.
Presuma que, se o empresário tivesse ativos suficientes para financiar, ele próprio,
seu projeto, ou se não houvesse assimetria de informação (quer dizer, se o esforço fosse
objetivamente verificável e fosse possível redigir um contrato contingente a esse esforço),
o investimento sempre seria feito:
𝑝𝑅 > 𝐹. (7.24)
𝑝𝑆 ≥ 𝐵. (7.25)
Portanto, se o contrato for para extrair alto esforço, o empresário deve receber no
mínimo 𝑆 = 𝐵/𝑝 ou, de forma equivalente, a empresa não poderá prometer repagar mais
que 𝑅– 𝐵/𝑝 ao banco (𝑅– 𝐵/𝑝 é chamado de renda garantida).
O banco financiará o projeto se, e apenas se, seu valor esperado (sujeito a que o
empresário faça grande esforço, ou seja, sujeito a que a condição (7.25) seja satisfeita)
tiver sido maior que seu custo (ou seja, os fundos emprestados):
𝑝(𝑅 − 𝑆) ≥ 𝐹 − 𝐴, (7.26)
ou seja, se a renda garantida esperada for mais alta que o custo do investimento:
𝐵
𝑝 (𝑅 − ) ≥ 𝐹 − 𝐴. (7.27)
𝑝
𝐴 ≥ 𝐵 − (𝑝𝑅 − 𝐹) ≡ 𝐴, (7.28)
o que torna claro que um projeto com valor presente líquido positivo não será financiado
(a empresa terá crédito restrito) se a empresa tiver ativos abaixo de certo patamar de
referência 𝐴.
Figura Q7.2 Linha do tempo: um modelo de predação (financeira) com bolso profundo.
Suponha que 𝑝𝜋 𝐴 > 𝐹: isso implica que o investimento deveria ser sempre
financiado se os mercados de capitais fossem perfeitos. Presuma também que a Empresa
𝐼 possui os ativos 𝐴𝐼 > 𝐹, de forma que sempre será capaz de financiar seu investimento,
enquanto os ativos da Empresa 𝐸, no primeiro período, são 𝐴𝐸 = 0; por conseguinte, seus
ativos do segundo período coincidem com os ganhos retidos do primeiro período (vamos
abstrair dos descontos). Suponha que
𝐵
𝐹 − 𝜋 𝐴 < 𝑝 (𝜋 𝐴 − ) < 𝐹 − 𝜋 𝑃 . (7.29)
𝑝
Não é fácil procurar um equilíbrio de Nash perfeito para esse subjogo. Note que,
do Estágio 2 em diante, o jogo é exatamente o mesmo conforme o modelo básico estudado
na subseção anterior, onde 𝜋 𝐴 substitui 𝑅 e onde os ativos 𝐴 são iguais a 𝜋 𝐴 , no caso de
acomodação, ou a 𝜋 𝑃 , no caso de predação. Assim, a condição (7.29) nos informa que o
investimento da Empresa 𝐸 só será financiado se a Empresa 𝐼 não predar.
𝑝𝜋 𝑀 + 𝜋 𝑃 > 𝑝𝜋 𝐴 + 𝜋 𝐴 . (7.30)
Alguns comentários. Em primeiro lugar, observe que presumimos que a entrante tem
menos meios financeiros que a incumbente, mas pode não ser sempre o caso. Uma
implicação interessante desse modelo é que entrantes grandes ou financeiramente fortes
devem ser bem-vindas. Em uma indústria em que uma incumbente forte está presente,
uma pequena empresa pode jamais ser capaz de sobreviver, enquanto uma grande
companhia multinacional ou uma empresa dominante em outro setor, que deseja
diversificar em direção a esse novo segmento, não correrá o risco de ser predada pela
incumbente. No presente, temos a impressão de que, sempre que uma grande empresa,
possivelmente dominante em algum mercado, planeja entrar em um novo, é vista com
suspeita pelas autoridades antitruste. Tal suspeita pode fazer sentido em alguns casos,
mas nem sempre, conforme nos ensina o modelo de bolso profundo.
Em terceiro lugar, deve ser notado que a saída da concorrente não é estritamente
necessária para que a predação seja lucrativa, conforme mostrado no Exercício 7.4: a
predação pode não forçar uma empresa menor a sair, mas pode impedi-la de adotar
inovações ou de crescer.
enfatizados nesse contrato: primeiro, ele não deve ser observável pela incumbente;
segundo, ele deve ser inegociável, ou seja, o banco não pode se retirar do compromisso
de financiar a Entrante 𝐸.
Se ambas as condições forem satisfeitas, então é fácil ver que a predação não
ocorrerá, pois a Empresa 𝐼 sabe que não importa o que faça no período, ou seja,
independentemente de que ativos estejam disponíveis para a Empresa 𝐸 no momento de
investir, o banco financiará o investimento. Assim, será inútil engajar-se em predação que
envolva abrir mão de lucros que não possam ser recuperados posteriormente.
Primeiro, note que esse raciocínio se articula com a observação pela Empresa 𝐼 do
contrato entre o banco e sua concorrente, que não é uma hipótese fraca (considere também
que a Empresa 𝐸 tem todo o interesse em fazer a Empresa 𝐼 crer que ela dispõe de uma
linha de crédito incondicional).
𝑅𝐼𝐸,1 nos diz que o empresário prefere empregar grande esforço que se esquivar
no primeiro período (a RI no segundo período já está definida sob contrato estipulado,
que garante à Empresa 𝐸 um ganho 𝐵/𝑝 no caso de sucesso). O esforço do primeiro
período não fornece um ganho imediato ao empreendedor, mas aumenta a probabilidade
de financiamento no segundo período. O financiamento ocorre com probabilidade
[𝑞 + (1 − 𝑞)𝑥] sob alto esforço e com probabilidade x sob baixo esforço.
𝑝𝜋 𝑀 + 𝜋 𝑃 − 𝜋 𝐴 (1 + 𝑝)
𝑥≥ ≡ 𝑥𝐼,𝑁𝑃 , (7.34)
𝑝𝜋 𝑀
𝑏
𝑥 ≤1− ≡ 𝑥𝐸,0 . (7.35)
𝑞𝐵
Essas duas condições mostram que a predação pode ser detida ao custo de se
reduzir o incentivo do empreendedor para empregar esforço. Por exemplo, no caso
extremo em que 𝑥 = 1, ou seja, que a Empresa 𝐸 obtém financiamento a despeito do que
faça a Empresa 𝐼, a restrição de incentivo do empreendedor é sempre violada. Mais
genericamente, as duas RIs podem ser satisfeitas simultaneamente apenas se 𝑥𝐼,𝑁𝑃 ≤ 𝑥𝐸,0,
quer dizer, se
𝑏 𝜋 𝐴 (1 + 𝑝) − 𝜋 𝑃
≥ . (7.36)
𝑞𝐵 𝑝𝜋 𝑀
Para procurar o equilíbrio de Nash perfeito para subjogos desse jogo, comece pelo
jogo de Cournot no último estágio.
1 − 𝑞1 − 𝑐
𝑅1 ∶ 𝑞2 = 1 − 2𝑞1 − 𝑐 + 𝑥1 ; 𝑅2 ∶ 𝑞2 = . (7.37)
2
2
1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 1 + 𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 (1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 ) (7.38)
𝑞𝑖𝑐 = , 𝑝𝑐 = , 𝛱𝑖𝑐 = .
3 3 9
(1 − 𝑐 + 2𝑥1 )2
max 𝜋1 = − 𝑥12 . (7.39)
𝑥1 9
2(1 − 𝑐) 3(1 − 𝑐) (1 − 𝑐) 1 + 4𝑐
𝑥1𝑖𝑛𝑛 = ; 𝑞1𝑖𝑛𝑛 = ; 𝑞2𝑖𝑛𝑛 = ; 𝑝𝑖𝑛𝑛 = ; (7.40)
5 5 5 5
(1 − 𝑐)2 (1 − 𝑐)2
𝜋1𝑖𝑛𝑛 = ; 𝜋2𝑖𝑛𝑛 = − 𝐹. (7.41)
5 25
Para verificar a intuição por trás da existência de tal nível de investimento, com o
qual a entrada é detida, considere a Figura Q7.4. As linhas sólidas representam as funções
𝜋1𝑝 − 𝜋1𝑖𝑛𝑛 > 0 ⇔ 125𝐹 − 60(1 − 𝑐)√𝐹 + 4(1 − 𝑐)2 < 0. (7.44)
𝑞2
𝑈𝑖 = 𝑞 − . (7.45)
2𝑣𝑖
Consumir os bens separadamente confere utilidade zero, e adquirir mais que uma
unidade do bem A não adiciona utilidade. Os consumidores do tipo 𝑙 têm menor utilidade
de demanda (𝑣𝑙 < 𝑣ℎ ) e são uma proporção 𝜆 da população (de tamanho 1, por
simplicidade), 1 − 𝜆 sendo a proporção dos consumidores do tipo ℎ.
𝑞𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵 ). (7.46)
𝑣𝑙 (1 − 𝑐𝐵 )2
𝑝𝐴𝑁𝑇 = . (7.47)
2
𝑁𝑇
((1 − 𝜆)𝑣ℎ + 𝜆𝑣𝑙 )(1 − 𝑐𝐵 )2
𝑊 = − 𝑐𝐴 . (7.48)
2
𝑣ℎ (1 − 𝑐𝐵 )2
𝑝𝐴𝑁𝑇ℎ = . (7.49)
2
Vender apenas para pessoas de alto nível é lucrativo desde que 𝜋 𝑁𝑇ℎ > 𝜋 𝑁𝑇 , mais
provável quanto menor a proporção das pessoas de baixo nível e maior a diferença nas
intensidades das demandas. Formalmente, a estratégia será lucrativa se
(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )(1 − 𝑐𝐵 )2
𝜆< . (7.50)
𝑣ℎ (1 − 𝑐𝐵 )2 − 2𝑐𝐴
Lembrando que a demanda pelo Produto B é dada pela equação (7.46), os lucros
da Empresa 1 são
De 𝜕𝜋/𝜕𝑝𝐵 = 0, obtém-se
onde é fácil verificar que 𝑝𝐵𝑇 > 𝑐𝐵 . (Consequentemente, é crucial que a Empresa 1 possa
impedir que os consumidores comprem o Bem B dos concorrentes.) Com relação ao preço
do Bem A, note que os lucros aumentam com ele, mas os consumidores vão comprá-lo,
contanto que 𝐸𝐶𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵𝑇 )2 /2 − 𝑝𝐴 ≥ 0. Após substituição, obtém-se o preço ótimo
para o Bem A:
(1 − 𝑐𝐵 )2 𝑣𝑙 [𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]2
𝑝𝐴𝑇 = , (7.53)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2
que pode ser maior ou menor que 𝑐𝐴 . Note que, aqui, o atamento opera de forma muito
similar ao esquema de tarifa em duas partes 𝑇 + 𝑝𝑞, que segmenta os consumidores de
acordo com sua intensidade de demanda. Aqui, a parte fixa da tarifa 𝑇 corresponde a 𝑝𝐴𝑇 ,
o preço de uma unidade do Bem (essencial) A, enquanto a parte variável da tarifa
corresponde ao preço 𝑝𝐵𝑇 de uma unidade do Bem B. Quanto menor a intensidade da
demanda de um consumidor, mais baixo o número de unidades do Bem B que ele irá
comprar do monopolista, como 𝑞𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵𝑇 ), e, portanto, menor a quantia total paga.
𝑇
(1 − 𝑐𝐵 )2 [𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]2
𝜋 = − 𝑐𝐴 . (7.54)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]
(1 − 𝑐𝐵 )2 (1 − 𝜆)2 (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2
𝜋 𝑇 − 𝜋 𝑁𝑇 = > 0, (7.57)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]
o que não surpreende, na medida em que isso permite ao monopolista impor altos
pagamentos aos consumidores com maior intensidade de demanda, ou seja, discriminar
preços entre os dois tipos de consumidores. É possível verificar que o atamento é
prejudicial para o bem-estar, na medida em que
𝑁𝑇 𝑇
(1 − 𝑐𝐵 )2 (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2 [(1 + 𝜆 − 2𝜆2 )𝑣ℎ + 2𝜆2 𝑣𝑙 ]
𝑊 −𝑊 = > 0. (7.58)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2
Para verificar que o atamento pode, de fato, ser lucrativo e para evitar cálculos
tediosos, apenas considere um exemplo simples em que 𝑐𝐴 = 𝑐𝐵 = 0, 𝑣ℎ = 2 e 𝑣𝑙 = 1.
Para esses valores, sob ausência de atamento, a Empresa 1 atenderá apenas aos de alto
nível para 𝜆 < 1/2. Verificamos imediatamente que 𝜋 𝑇 − 𝜋 𝑁𝑇ℎ > 0 para 𝜆 > 1 −
√3/3 = 0,423; acima desse limiar, o atamento é lucrativo e aumenta o bem-estar.
Considere dois mercados para produtos independentes (veja a seguir o caso para
produtos complementares), A e B, e duas Empresas, 1 e 2. A Empresa 1 é uma
monopolista no Mercado A, em que não é desafiada, e a um custo marginal constante 𝑐𝐴 .
Ambas as Empresas 1 e 2 são entrantes potenciais no Mercado B. Para entrar, precisam
incorrer em um custo fixo 𝐹1 e 𝐹2 e podem operar a custos marginais constantes,
respectivamente iguais a 𝑐𝐵1 e 𝑐𝐵2 .
Finalmente, note que, sob o agrupamento, e quando a Empresa 2 decide não entrar,
no último estágio do jogo, a Empresa 1 estabelece o preço do pacote no nível 𝑝̃ = 𝑣 + 𝑤,
extraindo, portanto, todo o excedente dos consumidores e realizando um lucro 𝜋̃1 = 𝑣 +
𝑤 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1.
Primeiro estágio. É fácil agora olhar para a decisão entre agrupar ou não no
primeiro estágio do jogo. A Empresa 1 preferirá comprometer-se com o pacote e vendas
casadas dos dois bens se 𝜋̃1 > 𝜋1 , o que é sempre satisfeito, desde que, por hipótese, 𝑤 −
𝑐𝐵1 > 0.
Isso mostra que o atamento pode permitir a exclusão da entrada de forma lucrativa.
𝑡2 + 𝑝𝐵2 − 𝑝𝐵1
𝑥12 (𝑝𝐵1 , 𝑝𝐵2 ) ≡ . (7.59)
𝑡2 + 𝑡1
𝑡2 + 𝑐𝐵1 + 𝑝𝐵2
𝑅𝐵1 ∶ 𝑝𝐵1 = ; 𝑅𝐵2 ∶ 𝑝𝐵1 = 2𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 − 𝑡1 . (7.61)
2
2
∗
𝑡𝑖 + 2𝑡𝑗 + 𝑐𝐵𝑗 + 2𝑐𝐵𝑖 ∗
(𝑡𝑖 + 2𝑡𝑗 + 𝑐𝐵𝑗 + 2𝑐𝐵𝑖 )
𝑝𝐵𝑖 = ; 𝜋𝐵𝑖 =
3 9(𝑡𝑖 + 𝑡𝑗 ) (7.62)
(para 𝑖, 𝑗 = 1,2, 𝑖 ≠ 𝑗).
Com relação ao Mercado A, é claro que a Empresa 1 vai definir seus preços de
modo a extrair todo o excedente dos consumidores no mercado: 𝑝𝐴 = 𝑣. Os lucros totais
sob o jogo de apreçamento independente (sem atamento) para a Empresa 1 serão 𝜋1∗ =
∗
(𝑣 − 𝑐𝐴 ) + 𝜋𝐵𝑖 .
𝑡2 + 𝑝𝐵2 + 𝑣 − 𝑝̃
𝑥̃12 (𝑝̃, 𝑝𝐵2 ) ≡ . (7.63)
𝑡2 + 𝑡1
𝑣 + 𝑡2 + 𝑝𝐵2 − 𝑝̃
𝜋̃ = (𝑝̃ − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) ;
𝑡2 + 𝑡1
(7.64)
𝑣 + 𝑡1 + 𝑝̃ − 𝑝𝐵2
𝜋𝐵2 = (𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 ) ( ).
𝑡2 + 𝑡1
𝑣 + 𝑐𝐴 + 𝑡2 + 𝑐𝐵1 + 𝑝𝐵2
𝑅1 : 𝑝̃ = ; 𝑅2 : 𝑝̃ = 2𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 + 𝑣 − 𝑡1 . (7.65)
2
Então, note que, para a desigualdade (7.68) ser compatível com a hipótese (A2),
deve-se ter que 7𝑡2 + 8𝑡1 + 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2 > 0, sempre satisfeito pela hipótese (A1).
Para tanto, é útil pensar em 𝑝̃ como composto por dois preços ficcionais: o preço
no Mercado A (que só pode ser igual a 𝑣, já que a Empresa 1 é monopolista naquele
mercado) e o preço no Mercado B:
𝑝̃ = 𝑣 + 𝑝̃𝐵1 . (7.69)
𝑡2 + 𝑐𝐵1 + 𝑝𝐵2 − (𝑣 − 𝑐𝐴 )
𝑅̃1 : 𝑝̃𝐵1 = ; 𝑅2 : 𝑝̃𝐵1 = 2𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 − 𝑡1 . (7.70)
2
1, se 𝑝̃𝑚 ≤ 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1
𝑞𝑚 = {𝑣 + 𝑤 − 𝑝̃𝑚 (7.71)
, se 𝑝̃𝑚 > 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1 ;
𝑡1
(𝑣 + 𝑤)2 𝑡1
∗
𝜋𝑚 − 𝜋1∗ = − − 𝑣. (7.74)
4𝑡1 9
Claramente, essa expressão reduz-se com 𝑡1 , o que significa que existem valores
de parâmetros para os quais os valores das expressões anteriores são negativos, ou seja,
o agrupamento não será escolhido mesmo que leve à saída da Empresa 2.
𝑡1
∗
𝜋𝑚 − 𝜋1∗ = −𝑡1 − + 𝑤. (7.75)
9
Quando os bens são complementares**. Até aqui, olhamos para o caso em que os
Produtos A e B são independentes. Suponha agora que sejam complementares. Mais
particularmente, presuma uma relação um a um entre eles, sendo o Bem A essencial.
Assim, os consumidores derivam utilidade zero comprando o Bem B isoladamente.
Veremos que o agrupamento não é uma estratégia lucrativa para a Empresa 1.
𝜃 − 𝑡1 , se 𝜃 ≥ 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1
∗ 2
𝑝̃𝑚 = {(𝜃 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) (7.76)
, se 𝜃 < 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1 ,
4𝑡1
Ausência de Atamento. Suponha agora que a Empresa 1 decida, por sua vez,
vender os bens separadamente. A despeito de a Empresa 2 ser ativa ou não, suponha que
∗
ela venda aos preços 𝑝̂ 𝐵1 = 𝑐𝐵1 − 𝜀 e 𝑝̂𝐴 = 𝑝̃𝑚 − 𝑝̂ 𝐵1 . Há dois casos possíveis.
(1) Se a Empresa 2 não for ativa, essa política de preço dará exatamente os
mesmos lucros que quando em pacote. Realmente, os consumidores comprarão o pacote
A/B1 se 𝑈𝐴/𝐵𝑖 = 𝜃 − 𝑡1 𝑥 − 𝑝̂ 𝐵1 − 𝑝̂𝐴 ≥ 0. Mas, então, a demanda e os lucros dependerão
∗
da soma dos preços, 𝑝̂𝐴 + 𝑝̂𝐵1 = 𝑝̃𝑚 , e, portanto, os lucros totais serão os mesmos que
sob agrupamento.
por 𝑞𝐵1 = 𝑥12, enquanto a demanda pelo Bem A é dada por todos os consumidores. Os
lucros da Empresa 1 são, portanto
∗
= (𝑝̃𝑚 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ), (7.79)
que não podem ser mais baixos que sob monopólio com agrupamento: em ambos os casos,
∗
a empresa tem o mesmo lucro unitário (𝑝̃𝑚 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) mas, sob apreçamento
independente, a demanda total não pode ser mais baixa, já que ninguém compra.
Em outras palavras, o que ocorre aqui é o seguinte. Se, sob o monopólio com
agrupamento, todos os consumidores compram, os lucros da Empresa 1 não podem
reduzir quando não há agrupamento: alguns consumidores podem substituir B1 por B2,
mas, desde que, sob o esquema de apreçamento escolhido, B1 seja vendido (ligeiramente
abaixo) aos custos marginais 𝑐𝐵1 , e todos continuem a comprar A, os lucros não serão
mais baixos (aumentam em 𝜀).
Esta subseção provê uma variante de Choi e Stefanadis (2001). Considere dois
produtos complementares, A e B, combinados em proporções fixas em bases um a um e
com valor apenas se consumidos conjuntamente. A Empresa 1 é incumbente em ambos
os produtos. Ela os produz (chame-os A1 e B1) ao custo unitário 𝑐ℎ cada. Em cada um
dos dois mercados, há uma entrante potencial que pode vender produtos perfeitamente
substitutos de A1 e B1: chame-os A2 e B2, respectivamente. Fazendo um investimento
em P&D, 𝐼𝑖2 , com custos 𝐶(𝐼𝑖2 ) = 𝛾(𝐼𝑖2 )2 /2, com 𝛾 > (𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ), cada entrante potencial
afetará a probabilidade 𝑝(𝐼𝑖2 ) = 𝜀 + 𝐼𝑖2 (com 𝑖 = 𝐴, 𝐵) de que haja uma inovação bem-
sucedida, definida como uma inovação que lhe confira um custo unitário 𝑐𝑙 < 𝑐ℎ . Com
probabilidade 1 − 𝑝(𝐼𝑖2 ), o custo unitário da entrante será proibitivamente alto.
Seguindo Choi e Stefanadis, presuma que quando apenas uma entrante entra, a
incumbente obtém uma parcela 𝜆 da renda de inovação, 𝑐ℎ – 𝑐𝑙 , com a parte remanescente
1 − 𝜆, com 𝜆 ∈ [0, 1] sendo a medida da compressão de preço que a incumbente pode
exercer em virtude de sua posição de monopólio no mercado para os produtos
complementares. Por consequência, os lucros da incumbente são 𝜃 − 2𝑐ℎ + 𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ).
𝜋𝑖2 = 𝑝(𝐼𝑖2 )[1 − 𝑝(𝐼𝑘2 )](1 − 𝜆)(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) + 𝑝(𝐼𝑖2 )𝑝(𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝐶(𝐼𝑖2 ),
(7.80)
com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘,
onde o primeiro termo indica os lucros da Empresa 𝑖2 quando ela inova, enquanto a outra
entrante não o faz, e o segundo termo, os lucros quando as duas entrantes inovam.
Substituindo as funções especificas escolhidas por 𝑝(𝐼𝑖2 ) e 𝐶(𝐼𝑖2 ), obtêm-se as CPOs
como
𝜕𝜋𝑖2
= [1 − (𝜀 + 𝐼𝑘2 )](1 − 𝜆)(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) + (𝜀 + 𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝛾𝐼𝑖2 = 0,
𝜕𝐼𝑖2 (7.81)
com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘.
∗ ∗
No equilíbrio simétrico 𝐼𝐴2 = 𝐼𝐵2 = 𝐼2∗ o investimento ótimo é, portanto, dado por
(1 − 𝜆(1 − 𝜀))(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
𝐼2∗ (𝜆) = . (7.82)
𝛾 − 𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
dado que, apenas quando ambas as empresas inovam, poderão vender seus produtos, as
CPOs serão
𝜕𝜋̃𝑖2
= (𝜀 + 𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝛾𝐼𝑖2 = 0, com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘. (7.84)
𝜕𝐼𝑖2
𝜀(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
𝐼̃2∗ = . (7.85)
𝛾 − (𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
2
𝜋1∗ (𝜆) = [1 − (𝜀 + 𝐼2∗ (𝜆)) ] (𝜃 − 2𝑐ℎ )
(7.86)
+ 2(𝜀 + 𝐼2∗ (𝜆))[1 − (𝜀 + 𝐼2∗ (𝜆))]𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ).
Podemos mostrar que existe um valor 𝜆̃ ∈ (0,1) tal que 𝜋̃1∗ (𝜆) ≥ 𝜋1∗ (𝜆) para 𝜆 ≤
𝜆̃. Em vez de realizarmos cálculos tediosos para encontrar a expressão precisa para 𝜆̃,
note que existe um trade-off para a incumbente ao atar os bens. Por um lado, o atamento
reduz os riscos de entrada, o que aumenta seus lucros (efeito de exclusão); por outro, o
atamento reduz os lucros que a incumbente perfaz quando apenas uma entrante tem
sucesso (efeito de compressão de preço). Mas o último efeito sobre os lucros está ausente
quando 𝜆 = 0, dado que a incumbente não é capaz de atrair lucros (assim, o atamento é
mais lucrativo neste caso), enquanto é muito forte quando 𝜆 = 1, já que a incumbente se
apropria do excedente criado pela inovação.
2
𝜋1∗ (𝜆) = [1 − (𝜀 + 𝐼2∗ (0)) ] (𝜃 − 2𝑐ℎ ) < 𝜋̃1∗ (0)
(7.88)
= [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ ),
Quando 𝜆 = 1, o agrupamento não é lucrativo, desde que 𝐼2∗ (1) = 𝐼̃2∗, o que
implica que
𝜋1∗ (1) = [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ ) + 2(𝜀 + 𝐼̃2∗ )[1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )]𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
(7.89)
> 𝜋̃1∗ (1) = [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ )
Para resumir, o atamento pode, de fato, levar à exclusão, mas ainda pode ser mais
lucrativo para a incumbente não recorrer a tal estratégia.
𝑆𝑖 = 𝑇 + 𝑠𝑖 − 𝑝𝑖 , (7.90)
Se cada empresa for capaz de atrair alguns dos novos consumidores, será preciso
que o benefício líquido seja o mesmo: 𝑆1 = 𝑆2, o que pode ser reescrito como
𝑝1 − 𝑠1 = 𝑝2 − 𝑠2 = 𝑝̂ . (7.92)
O novo consumidor, indiferente entre aderir a qualquer uma das redes ou não
comprar o produto de rede é aquele que 𝑆𝑖 = 𝑇 + 𝑠𝑖 − 𝑝𝑖 = 𝑇 − 𝑝̂ = 0. Por conseguinte,
todo consumidor 𝑇 ∈ [𝑝̂ , 1] comprará qualquer produto, enquanto aqueles com 𝑇 ∈ [0, 𝑝̂ )
não estarão no mercado. É necessário, então, que
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
117
𝑞1 + 𝑞2 = 1 − 𝑝̂ . (7.93)
1 − 𝑐 + 𝑣𝛽1 − (1 − 𝑣𝜃)𝑞2
𝑅1 ∶ 𝑞1 = ;
2(1 − 𝑣)
(7.95)
1 − 𝑐 + 𝑣𝜃𝛽1 − 2(1 − 𝑣)𝑞2
𝑅2 ∶ 𝑞1 = .
1 − 𝑣𝜃
Note que, para sermos precisos, neste jogo estamos usando um conceito que
estende o conceito usual de equilíbrio de Nash sobre quantidades, dado que consideramos
as expectativas dos consumidores. Katz e Shapiro (1985) chamam esse conceito de
“Equilíbrio de Cournot com Expectativas Realizadas”; trata-se de um equilíbrio em que
não apenas as decisões de produção das empresas formam um equilíbrio de Nash, mas
todas as expectativas dos consumidores são realizadas: eles tomam suas decisões de
compra esperando que o tamanho das redes seja (𝑞1∗ , 𝑞2∗ ), e essas expectativas são
satisfeitas.
(1 − 𝜃)𝑣𝛽1
𝑞1∗ − 𝑞2∗ = > 0, (7.97)
2(1 − 𝑣) − (1 − 𝑣𝜃)
que implica que mais consumidores irão aderir à rede da incumbente que à da rival, à
exceção do caso 𝜃 = 1 (perfeita interoperabilidade), em que as redes são percebidas como
idênticas pelos consumidores. Note também que, quanto mais baixo 𝜃, mais alto 𝑞1∗ − 𝑞2∗ :
quanto mais baixa a interoperabilidade, mais forte a vantagem competitiva desfrutada
pela incumbente por conta de sua base instalada.
Inclinação para a empresa com grande base instalada. Verifique, primeiro, que
existe um equilíbrio em que todos os consumidores esperam que nenhum vá amparar a
Empresa 2, ou seja, espere 𝑞2 = 0. Sob essas expectativas, a Empresa 1 irá se comportar
como monopolista e maximizar 𝜋1𝑚 = (1 + 𝑣𝛽1 − (1 − 𝑣)𝑞1 − 𝑐)𝑞1 . De 𝜕𝜋1𝑚 /𝜕𝑞1 = 0,
obtém-se a produção de monopólio:
1 − 𝑐 + 𝑣𝛽1
𝑞1𝑚 = . (7.98)
2(1 − 𝑣)
Para (𝑞1𝑚 , 0) ser um equilíbrio, é necessário que a Empresa 2 não tenha incentivo
para se desviar. Será o caso se, dada a quantidade 𝑞1𝑚 produzida pela Empresa 1, a 2
experimentar perdas se vender uma quantidade positiva. Ou, de forma equivalente, se
dada a produção vendida pela Empresa 1, ela não seja capaz de impor um preço acima do
custo, mesmo produzindo uma quantidade arbitrariamente pequena: 𝑝2 (𝑞1𝑚 , 0) ≤ 𝑐.
Lembrando a função de demanda inversa (7.94), essa condição se torna
1 − 𝑐 + 𝑣𝛽1
1 + 𝑣𝜃𝛽1 − (1 − 𝜃𝑣) − 𝑐 ≤ 0. (7.99)
2(1 − 𝑣)
Note que, quanto menor 𝜃, mais provável que a condição seja satisfeita. Para o
caso em que as redes são completamente incompatíveis (𝜃 = 0), a inclinação para a
Empresa 1 irá ocorrer se
1−𝑐
𝑣≥ , (7.100)
2(1 − 𝑐) + 𝛽1
Inclinação para a entrante. Vamos agora verificar se existe um equilíbrio em que todos
os consumidores esperam que 𝑞1 = 0. Sob essas expectativas, a Empresa 2 irá se
comportar como monopolista e maximizar 𝜋2𝑚 = (1 + 𝑣𝜃𝛽1 − (1 − 𝑣)𝑞2 − 𝑐)𝑞2 . De
𝜕𝜋1𝑚 /𝜕𝑞1 = 0 , obtém-se a produção de monopólio:
1 − 𝑐 + 𝑣𝜃𝛽1
𝑞2𝑚 = . (7.101)
2(1 − 𝑣)
Para (0, 𝑞2𝑚 ) ser um equilíbrio, a Empresa 2 não deve ter incentivo para desviar.
Será o caso se 𝑝1 (0, 𝑞2𝑚 ) ≤ 𝑐. Lembrando a função de demanda inversa (7.94), essa
condição se torna
1 − 𝑐 + 𝑣𝜃𝛽1
1 + 𝑣𝛽1 − (1 − 𝑣𝜃) − 𝑐 ≤ 0. (7.102)
2(1 − 𝑣)
Quanto mais baixo 𝜃, mais provável que a condição seja satisfeita. Para 𝜃 = 0, a
inclinação para a Empresa 2 irá ocorrer se
2𝛽1𝑣(1 − 𝑣)
𝑐 ≥ 1+ ,
1 − 2𝑣
mas ela nunca vale, já que é preciso que 𝑐 < 1 para que 𝑞2𝑚 > 0. A inclinação em direção
à incumbente poderá ocorrer, mas a em direção à entrante, nesse exemplo, não ocorre.
Para começar, perceba que temos de separar a análise de acordo com o tipo de
solução que surge do jogo de Cournot. Para o equilíbrio de inclinação, a preferência da
incumbente para a baixa interoperabilidade já foi vista anteriormente: se 𝜃 = 0, vimos
que a condição para um equilíbrio em inclinação em direção à Empresa 1 é máximo,
enquanto o mercado não pode se inclinar em direção à Empresa 2.
Para soluções interiores, os resultados são menos diretos. Primeiramente, note que
𝜋𝑖∗ = (1 − 𝑣)(𝑞𝑖∗ )2 . Isso significa que, quanto mais alta a produção, mais altos os lucros
das empresas. Consequentemente, o grau desejado de interoperabilidade da Empresa 𝑖 é
aquele que maximiza a produção 𝑞𝑖∗ .
Crémer et al. (2000) mostram que a nova empresa sempre irá escolher o grau
máximo de interoperabilidade, enquanto a escolha preferencial da incumbente será 𝜃 =
0 ou 𝜃 = 1, sendo essa última a alternativa quando a base instalada for pequena frente
aos novos consumidores. Para compreender esse ponto a partir de um exemplo simples,
considere o caso em que 𝑐 = 0 e suponha que as empresas possam escolher apenas entre
𝜃 = 0 e 𝜃 = 1 (dados os resultados de Crémer et al., sem perda de generalidade).
𝑣(1 − 2𝑣 − 𝛽1 (3 − 4𝑣 + 2𝑣 2 ))
𝑞1∗ (𝜃 = 1) − 𝑞1∗ (𝜃 = 0) = > 0, (7.103)
3(1 − 𝑣)(3 − 8𝑣 + 4𝑣 2 )
𝑣(1 − 2𝑣 + 𝛽1 (6 − 11𝑣 + 4𝑣 2 ))
𝑞2∗ (𝜃 = 1) − 𝑞2∗ (𝜃 = 0) = > 0. (7.104)
3(1 − 𝑣)(3 − 2𝑣)(1 − 2𝑣)
Para resumir, este modelo, embora simples, mostra que, em um mercado de rede,
uma incumbente (mais genericamente, uma empresa com grande base instalada) pode ter
incentivo para reduzir o grau de interoperabilidade (ou compatibilidade, ou
conectividade) com novas entrantes (mais genericamente, empresas com menor base de
consumidores). Contudo, não é sempre o caso: a incumbente pode, de fato, ganhar com a
interoperabilidade completa, pois elimina sua vantagem competitiva devido à sua base de
consumidores mais ampla, mas aumenta a demanda dos novos consumidores no mercado.
Se a base instalada for pequena com relação à nova demanda, o efeito de expansão do
mercado domina (lembre-se de que, quando menor a base instalada, menor a vantagem
competitiva da incumbente, medida por 𝑞1∗ − 𝑞2∗ ): a incumbente prefere compartilhar
igualmente um bolo maior que pegar uma fatia maior de um bolo menor.
𝑢
𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ + 𝑐 𝑢
(𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐)2
𝑝 = ; 𝜋 = . (7.107)
2 4
Pode ser facilmente verificado que o apreçamento uniforme estará entre os preços
que a monopolista cobraria se pudesse discriminar: 𝑝ℎ𝑑 > 𝑝𝑢 > 𝑝𝑙𝑑 . O excedente do
consumidor e o bem-estar sob apreçamento uniforme são
𝜆(1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2
𝑊𝑢 − 𝑊𝑑 = > 0, (7.109)
8
o que implica que o bem-estar é mais elevado sob apreçamento uniforme. Realmente, é
um resultado geral que a discriminação de preços reduz o bem-estar se não elevar o
produto total, e podemos verificar que, aqui, o produto total vendido é o mesmo sob os
dois regimes, tornando esta uma aplicação do resultado geral:
𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐
𝑄 𝑑 = 𝜆𝑞𝑙𝑑 + (1 − 𝜆)𝑞𝑙𝑑 = = 𝑄 𝑢 = 𝜆𝑞𝑙𝑢 + (1 − 𝜆)𝑞𝑙𝑢 . (7.110)
2
(𝑣ℎ − 𝑐)2
𝜋ℎ𝑢 = (1 − 𝜆) . (7.111)
4
ou seja, quanto mais baixa a participação do mercado de baixa demanda na demanda total,
mais provável que não seja atendido se a discriminação de preços for proibida. Pode-se
também verificar que o lado direito da equação (7.112) aumenta com 𝑣ℎ e reduz com 𝑣𝑙 :
quanto maior a distância entre as demandas, mais provável que apenas um dos mercados
seja atendido.
mais um componente variável 𝑝. Note que isso equivale a um desconto por quantidade,
com o custo médio da compra, 𝑝 + 𝑇/𝑞, decrescendo com o número de unidades
compradas.
Presuma que 𝑣𝑙 > (𝑐 + 𝑣ℎ )/2, que assegura que todos comprem sob apreçamento
uniforme e tarifas em duas partes.
1
𝜋 𝑞𝑑 = [(𝑣 − 𝑐)2 + (1 − 𝜆)2 (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2 ], (7.116)
2 𝑙
discriminação de preços: 𝜋 𝑞𝑑 > 𝜋 𝑢 . Mas, mesmo sem realizar cálculos, é imediato, dado
que a tarifa em duas partes proporciona à monopolista dois instrumentos, 𝑇 e 𝑝, em vez
de um único, como no apreçamento uniforme (a monopolista pode sempre replicar o
resultado sob apreçamento uniforme, estabelecendo 𝑇 = 0 e escolhendo o mesmo preço
unitário).
Com relação aos preços marginais, é fácil verificar 𝑝𝑞𝑑 < 𝑝𝑢 para 𝑣𝑙 >
[𝑐 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]/(2 − 𝜆), o que é verdade: quando tarifas duas partes são usadas, o
componente variável que os consumidores pagarão é menor (mas o monopolista realizará
ganhos com a queda do preço marginal por poder usar a quantia).
Assim, o bem-estar também será mais elevado sob descontos em quantidade que
sob apreçamento uniforme, na medida em que o preço marginal mais baixo implica
distorção menor.
Considere uma monopolista que vende um bem de qualidade 𝑢 para dois mercados
diferentes, cada um de tamanho 1. Os consumidores em ambos os mercados têm
preferências 𝐸𝐶 = 𝜃𝑢 − 𝑝, se compram uma unidade do bem, e 0, caso contrário. No
Mercado ℎ, o gosto dos consumidores por qualidade, 𝜃, é uniformemente distribuído 0 ≤
𝜃 ≤ 𝜃ℎ . No Mercado l, o parâmetro de gosto é uniformemente distribuído 0 ≤ 𝜃 ≤ 𝜃𝑙
com 𝜃𝑙 < 𝜃ℎ .
𝑝 𝑝
𝛱 = 𝑝 [(𝜃ℎ − ) + (𝜃𝑙 − )]. (7.117)
𝑢 𝑢
𝑢
𝑢(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 ) 𝑢
𝑢(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2
𝑝 = ; 𝛱 = . (7.119)
4 8
𝑢
𝑢(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2
𝑢 = . (7.119)
8𝑘
𝑝ℎ 𝑝𝑙
𝛱 = 𝑝ℎ (𝜃ℎ − ) + 𝑝𝑙 (𝜃𝑙 − ). (7.120)
𝑢 𝑢
𝑢(𝜃ℎ2 + 𝜃𝑙2 )
𝑢𝑑 = . (7.122)
4𝑘
𝑝1 − 𝑝2 𝑝1 − 𝑝2 𝑝2
𝛱1 = 𝑝1 [𝜃ℎ + 𝜃𝑙 − 2 ] ; 𝛱2 = 2𝑝2 ( − ). (7.123)
𝑢1 − 𝑢2 𝑢1 − 𝑢2 𝑢2
Claramente, a distorção torna-se irrelevante quando uma empresa não tem tanto
poder de mercado. Para pequenos valores de 𝑢2 (ou seja, quando a Empresa 2 tem
pequeno poder de mercado), a diferença de preços se torna muito pequena. Mais
formalmente,
𝑑
𝜕(𝑝2𝑖 − 𝑝2𝑢 ) (4𝑢12 − 8𝑢1 𝑢2 + 𝑢22 )(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 )
= . (7.130)
𝜕𝑢2 2(4𝑢1 − 𝑢2 )2
Isso sugere fortemente que, quando uma empresa tem pouco poder de mercado
(como é o caso da 2 aqui, com valores suficientemente baixos de 𝑢2 ), é improvável que
o impacto dessa política de preço seja significativo.
O efeito sobre investimentos. Suponha agora que, por alguma razão, a qualidade
da Empresa 1 seja fixada, mas a Empresa 2 (em posição desvantajosa) pudesse investir
para aumentar seu nível de qualidade com custo convexo 𝐶(𝑢2 ). É fácil ver que, com a
discriminação de preços, a empresa terá maior incentivo para investir em qualidade; por
conseguinte, ajudando-a a preencher o diferencial mais do que no caso de apreçamento
uniforme.
É fácil verificar que 𝜕𝛱2𝑑 (𝑢2 )/𝜕𝑢2 > 𝜕𝛱2𝑢 (𝑢2 )/𝜕𝑢2 como (𝜃ℎ − 𝜃𝑙 )2 > 0, que
determina que a qualidade de equilíbrio escolhida pela Empresa 2 será mais alta sob
discriminação de preços (a renda marginal do investimento é mais alta, enquanto o custo
marginal é o mesmo). Consequentemente, proibir uma empresa com baixa qualidade de
discriminar preços implica comprometer suas chances de reduzir a distância que a separa
da empresa de maior qualidade.
Duas cidades são localizadas ao longo de uma linha horizontal [0, 2𝑡], que
delimita um país. A primeira, Cidade A, está em 0, e a segunda, em 2𝑡. A Empresa 1, a
monopolista incumbente, está localizada entre as duas cidades, em 𝑡. A demanda em cada
cidade é dada por 𝑞 = 1– 𝑝; não há demanda em outro lugar. Suponha agora que o
monopólio da Empresa 1 seja desafiado pelas importações de uma empresa estrangeira,
localizada em 2𝑡 + 𝑇. Presuma que ambas tenham um custo de produção zero, mas
tenham de incorrer em um custo de transporte, proporcional à distância: por exemplo,
custa 𝑇 (respectivamente 2𝑡 + 𝑇) para a Empresa 2 trazer cada unidade para a Cidade B
(respectivamente, A). Presuma que (1 + 𝑡)/2 ≥ 𝑇 ≥ (1 − 3𝑡)/2: a Empresa 2 está
suficientemente próxima para desafiar a 1 na Cidade B, mas não o suficiente para pôr em
perigo seu monopólio na Cidade A.
Exercícios do Capítulo 7
Exercício 7.1 *(O modelo de cadeia de lojas com horizonte infinito.) Considere o modelo
descrito na seção “Modelos de preço predatório”, mas com a variante do que o estágio do
jogo descrito na Figura 7.1 é repetido por um número infinito de vezes. (1) Mostre que a
predação existe sob as seguintes estratégias e para um fator de desconto suficientemente
grande 𝛿. A estratégia da incumbente é “combater a entrada, se ocorrer, e ela nunca foi
acomodada antes; acomodar a entrada se já tiver sido acomodada antes”. A estratégia da
entrante é “entrar, se já tiver sido acomodada antes; ficar de fora, caso contrário”. (2)
Discuta o modelo: Você acha que ele oferece uma formalização válida para o
comportamento predatório?
Exercício 7.3 *(Predação de bolso profundo sob perfeita informação: competição por
quantidade.) Considere uma variante do modelo analisado na seção “Predação por bolso
profundo”. A demanda de mercado para um bem homogêneo é 𝑝 = max(0, 1 − 𝑄), onde
𝑄 é a oferta total. A Empresa 1 e a Empresa 2 têm custos, respectivamente, 𝑐1 < 1 e 𝑐2 ,
e têm de incorrer em um custo fixo recorrente 𝐹 antes de iniciar a produção na indústria
(se não se paga esse custo uma vez, tem-se de deixar a indústria para sempre). Presuma
também que seja impossível para a empresa obter crédito. A 2 é mais eficiente (𝑐2 < 𝑐1 )
mas é restrita em recursos líquidos: seus ativos totais são 𝐴2 = 2𝐹 − 𝜀 (enquanto a 1 tem
bolso profundo: 𝐴1 > 2𝐹 + 1). Considere um jogo em dois períodos (suponha ausência
de desconto: 𝛿 = 1), em que, em cada período, (1) cada empresa decide se paga 𝐹 e fica
na indústria ou se a deixa para sempre; (2) empresas ativas escolhem produção. Encontre
(a) qual é a quantidade ótima produzida pela Empresa 1 se desejar predar; (b) sob quais
condições a predação irá ocorrer como equilíbrio de Nash perfeito em subjogo.
Exercício 7.4 **(Predação com bolso profundo sem saída.) Considere uma variante do
modelo visto na seção “Predação por bolso profundo com mercados financeiros
imperfeitos”, em que a Empresa 1 não tem restrição de recursos e a Empresa 2 tem zero
recurso. As empresas produzem um bem homogêneo cuja demanda é 𝑝 = 1– 𝑄 e
competem por quantidades. Ambas estão no mercado quando o jogo começa e produzem
com uma tecnologia que envolve custos marginais c. O jogo é como se segue. No primeiro
período, a Empresa 1 decide se estabelece a produção de Cournot, 𝑞(𝑐, 𝑐) = (1 − 𝑐)/3
(acomoda) ou uma produção agressiva, 𝑞1𝑃 (𝑐, 𝑐) = 1 − 𝑐 (preda). No primeiro caso,
ambas ganham 𝜋(𝑐, 𝑐) = (1 − 𝑐)2 /9, No segundo, cada uma obtém 𝜋 𝑃 (𝑐, 𝑐) = 0.
(Verifique que a melhor resposta da Empresa 2, quando a Empresa 1 vende 1 − 𝑐
unidades, não é vender nada, e que a Empresa 1 venda a custo marginal.) No segundo
período, cada empresa tem de decidir se investe ou não uma quantia 𝐼 na nova tecnologia
que reduz o custo marginal 𝑐 ′ = 0. Se decidir não investir, terá custo marginal 𝑐 no
segundo período também e realizará lucros 𝜋(𝑐, ∙).
primeiro período, a inovação não será financiada, e (A4) 𝜋(0,0) − 𝐵 < 𝐼. A predação
ocorrerá?
Exercício 7.5 *(Sobreinvestimento em P&D.) Esta é uma versão ligeiramente mais rica
do modelo visto na seção “Investimentos estratégicos para impedir a entrada”, dado que
também é permitido à entrante investir em P&D. A incumbente, Empresa 1, enfrenta uma
entrante potencial, Empresa 2, no mercado para o bem homogêneo com demanda 𝑝 =
1– 𝑞. Considere dois jogos. (1) Encontre as soluções do seguinte jogo de decisões
simultâneas. No primeiro estágio, as Empresas 1 e 2 simultaneamente decidem investir
xi em tecnologia redutora de custos, com custo total de produção dado por 𝐶(𝑥𝑖 , 𝑞𝑖 ) =
(𝑐 − 𝑥𝑖 )𝑞𝑖 . Presuma um custo quadrático para o investimento, 𝐹(𝑥𝑖 ) = 𝑥𝑖2 . Nesse estágio,
a Empresa 2 também decide não entrar e paga um custo fixo afundado 𝐹. No último
estágio, empresas ativas observam as decisões de investimento das outras e escolhem
produção. (2) Encontre a solução do jogo sequencial de investimento, como o anterior,
com a única variante de que a Empresa 1 investe no primeiro estágio; no segundo, depois
de observar a decisão de investimento da Empresa 1, a 2 decide sobre investimento e
entrada; no último, empresas ativas escolhem produção.
Mostre que há uma gama de valores para o custo fixo afundado 𝐹 para a qual o
impedimento de entrada é lucrativo, no sentido de que a Empresa 1 prefere investir mais
em uma nova tecnologia do que faria se a entrada da 2 fosse permitida.
mercados a partir da mesma planta têm de escolher o mesmo preço entre os mercados (ou
seja, os preços diferem apenas em razão dos custos de transporte), têm o mesmo fator de
desconto 𝛿 = 1 e os mesmos custos marginais 𝑐 = 0. (1) Suponha que a Empresa 1 não
possa ser retirada do Mercado B, caso entre, e mostre que entrará no tempo 𝑇 para impedir
a entrada da 2. (2) Presuma que, depois de observar a decisão de entrada da Empresa 2
no tempo 𝑇 + 1, a 1 possa retirar-se do Mercado B a custo zero, se assim desejar. Mostre
que o bloqueio do mercado não ocorrerá no equilíbrio (do subjogo perfeito).
Exercício 7.9 Suponha que você escute que o CEO de uma pequena empresa reclama
das dificuldades que enfrentou quando tentou entrar em um mercado onde há uma forte
empresa incumbente: “Logo que começamos a comercializar nosso produto, nossa rival
praticamente entregou seu material de graça! Ela fez de tudo para tentar nos expelir do
mercado. Foi tão desleal! Nunca tivemos uma chance real de dar certo... Não deveria ser
permitido a uma empresa fazer algo assim. Acho que o governo deveria propor uma lei
que proibisse preço abaixo do custo...”. Discuta essa proposta. Você concorda?
Exercício 7.10 (Exercício 7.9 continuado). Para obter um quadro claro da situação,
você decide confrontar o CEO da incumbente com as alegações da empresa menor e
perguntar a ele sobre seu ponto de vista. Ele lhe diz: “Veja lá, isto é ridículo! Esses caras
não eram suficientemente competitivos... O produto deles era uma porcaria, e o preço
estava além de qualquer limite! Você quer nos culpar por termos feito um produto melhor
com preços melhores? Sejamos francos: o mercado é como as Olimpíadas – quem ganha
sempre é o melhor cara.” Discuta esse pronunciamento.
Exercício 7.1
Note que, de 𝜋 𝑀 > 𝜋𝐼𝐴 , segue-se que o lado direito da expressão é menor que 1,
de modo que sempre existe um fator de desconto suficientemente grande para que valha
a restrição de incentivo.
(2) Há pelo menos dois aspectos da versão de horizonte infinito do jogo da cadeia de
lojas que o tornam insatisfatório. Primeiro, como para todos os superjogos, o modelo é
caracterizado por uma multiplicidade de equilíbrios. Em particular, o jogo tem um
equilíbrio no qual a entrada ocorre e é acomodada para sempre. Considere as seguintes
estratégias. A entrante entra no começo do jogo e sempre entra, desde que a entrada seja
acomodada; se alguma vez a entrada for combatida, nenhuma entrante entrará. A
incumbente acomoda sempre que a entrada ocorre. Essas estratégias nada mais são que
as estratégias de equilíbrio em jogos de uma rodada, e é fácil ver que representam um
equilíbrio. (Como vimos no Capítulo 4, o equilíbrio de uma rodada repetido para sempre
é um equilíbrio de superjogo.)
Se, ao contrário, a Empresa 1 for de baixo custo, não haverá, obviamente, qualquer
𝑚
incentivo para 𝑞1𝑚 ≠ 𝑞1𝑙 . Dadas as crenças da Empresa 2, será ótimo para a 1 oferecer 𝑄 ∗
se a aquisição da rival a esse custo for mais lucrativa que oferecer zero e acomodar a
𝑚 𝑑 𝑑 𝑑
entrada, o que gera a Condição 2: 𝜋1𝑙 − [𝑥(𝜋2𝑙 ) + (1 − 𝑥)(𝜋2ℎ )] ≥ 𝜋1𝑙 .
Exercício 7.3
(1) Note que a Empresa 2 tem recursos ligeiramente inferiores a 2𝐹. Assim, se a
Empresa 1 quiser retirá-la do mercado, precisará apenas infringir uma perda igual a 𝐹
sobre a 2, que será deixada com recursos ligeiramente menores que 𝐹 e terá de sair, já
que não pode pagar antecipadamente os custos fixos recorrentes. Os lucros da Empresa 2
por período são 𝛱2 = (1 − 𝑞2 − 𝑞1 − 𝑐2 )𝑞2 − 𝐹, e sua função de melhor resposta será
dada por 𝑞2 = (1 − 𝑞1 − 𝑐2 )/2. Assim, vendendo 𝑞1 = 1 − 𝑐2, a Empresa 1 induzirá a 2
a produzir zero e incorrer em uma perda total igual a – 𝐹.
(2) Evidentemente, essa questão trata do que é lucrativo para a Empresa 1. Vendendo
𝑞1 = 1 − 𝑐2 unidades ao preço 𝑝 = 𝑐2 < 𝑐1, ela sofrerá uma perda 𝜋1𝑃 = −(𝑐1 − 𝑐2 )(1 −
𝑐2 ) − 𝐹, mas isso irá induzir a saída da rival e passará a operar como monopolista no
período seguinte (note que a perda da Empresa 1 nunca é maior que 𝐹 + 1). Por
consequência, obterá um ganho com a predação de – (𝑐1 − 𝑐2 )(1 − 𝑐2 ) − 𝐹 +
(1 − 𝑐1 )2 /4 − 𝐹. Se vier a acomodar a entrada, ambas as empresas vão obter lucros de
monopólio, e o ganho total da Empresa 1 será 2[(1 − 2𝑐1 + 𝑐2 )2 /9 − 𝐹]. Comparando
esses dois ganhos e rearranjando, obtém-se a equação de segunda ordem, resolvida por
𝑐1 < (1 + 22𝑐2 )/23 (a outra raiz é irrelevante por ser menor que 𝑐2 ). Essa é, portanto, a
condição para que a predação prevaleça.
Exercício 7.4 Note primeiro que 𝜋(0, 𝑐) > 𝜋(0,0) > 𝜋(𝑐, 𝑐) > 𝜋(𝑐, 0). (A1) e (A2)
implicam que a Empresa 1 sempre vai querer investir e nunca se esquivar. Aplicando o
modelo visto na seção “Predação por bolso profundo com mercados financeiros
imperfeitos” (há apenas uma ligeira variação: a empresa não é forçada a sair do mercado
mesmo se decidir não investir), pode-se ver que a Empresa 2 será incapaz de levantar
fundos se a predação ocorrer no primeiro período. Contudo, a questão é se a predação é
lucrativa para a Empresa 1 ou não. Para que seja, é necessário que 0 + 𝜋(0, 𝑐) >
𝜋(𝑐, 𝑐) + 𝜋(0,0) (P1) ou 𝜋(0,0) < 𝜋(0, 𝑐) − 𝜋(𝑐, 𝑐). (Lembre-se de que a predação
rende lucro zero no primeiro período tanto para o predador quanto para a presa.)
Usando (A1) e (A2), temos (1 − 𝑐)2 /9 + 𝐵 < 𝐼 < 1/9 − (1 − 𝑐)2 /9. Para esse
intervalo não ser vazio, é necessário que 𝑐 > 1 − √1/2 ≃ 0,29.
Exercício 7.5
∗
derivam da “vantagem do pioneiro” da Empresa 1. A Empresa 2 entrará se 𝜋2𝐶 (𝑥1𝑖𝑛𝑛 )−
𝐹 = (5/81)(1 − 𝑐)2 − 𝐹 > 0, do contrário, a entrada será bloqueada, e, portanto, não
haverá sequer a necessidade de a Empresa 1 considerar a detenção de entrada.
Suponha agora que a entrada não seja bloqueada. Então, sob a estratégia
“predatória”, o problema da Empresa 1 é estabelecer 𝑥1 tal que os lucros da 2 sejam
levados a zero, ou seja, 𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 que resolva 𝜋2𝐶 (𝑥1 ) − 𝐹 = 0. Obtemos 𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 = 1 −
𝑐 − √5𝐹. Evidentemente, a Empresa 1 vai querer predar apenas se essa estratégia gerar
lucros globais mais altos que a acomodação da entrada da empresa 2, isto é, se
∗
𝜋1𝑚 (𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 ) = (1/4)(1 − (𝑐 − 𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 ))2 − (𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 )2 > 𝜋1𝐶 (𝑥1𝑖𝑛𝑛 ). Resolvendo para
𝐹, obtemos um ranking similar ao da seção “Investimentos estratégicos para impedir a
entrada”: se 𝐹 ≤ (1/5)(2/3)2 (1 − √2/3)2 (1 − 𝑐)2 , a entrada será acomodada; se
2
(1/5)(2/3)2 (1 − √2/3) (1 − 𝑐)2 < 𝐹 ≤ (5/81)(1 − 𝑐)2 , a entrada será detida, e se
𝐹 > (5/81)(1 − 𝑐)2, a entrada será bloqueada. Note que a vantagem do pioneiro é
crucial para a Empresa 1: como vimos em (1), nenhum comportamento predatório poderá
emergir se as decisões de investimento forem tomadas simultaneamente.
Exercício 7.6
No período 𝑇, a Empresa 1 entrará, já que antecipa que sua própria entrada deterá
a da 2, dando a ela lucros mais elevados. Entrando, ganhará 𝜋 = 1/2 − 𝐹. Não entrando,
ganhará 𝜋 = 1/4 < 1/2 − 𝐹 (lembre-se de que 𝐹 < 1/4).
Se ela fechar sua planta no Mercado B, irá relaxar a concorrência nesse mercado
(em que a Empresa 2 se tornará monopolista) e será capaz de estabelecer lucros de
monopólio no A, ganhando, assim, 1/4. É fácil ver que 1/4 > 𝑡(1 − 𝑡), que pode ser
reescrito como (1 − 2𝑡)2 > 0, o que se verifica.
Exercício 7.7
(3) Sabemos que, se ambas as cidades forem atendidas, o bem-estar será maior se
houver proibição de discriminação de preços. Contudo, se apenas uma cidade for atendida
quando existe uma proibição de discriminação, os dois regimes serão equivalentes para o
excedente do consumidor, dado que eles levam aos mesmos preços (1 + 𝑡)/2 no Mercado
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
144
Exercício 7.8 Jogo 1. Como de hábito, temos de nos mover na direção reversa. A solução
do segundo estágio é dada na seção “Discriminação de preços de terceiro grau”. No
primeiro estágio, o monopolista escolhe 𝑥 para maximizar os lucros líquidos sob o
apreçamento uniforme, 𝜋 𝑢 = (𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐)2 /4 − µ𝑥 2 /2, com 𝑐 = 𝐴 − 𝑥. A
maximização requer 𝜕𝜋 𝑢 /𝜕𝑥 = (𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝐴 + 𝑥)/2 − µ𝑥 = 0.
CAPÍTULO 8
SUMÁRIO
8.1 – INTRODUÇÃO
A escolha dos temas analisados aqui é funcional, com o objetivo de ajudar o leitor
a seguir o livro. O capítulo começa com um curto tratamento de monopólio (seção 8.2),
em seguida, apresenta o leitor à teoria elementar de jogos (seção 8.2.2.3), indispensável
para a compreensão da moderna teoria de oligopólio, o que, por conveniência, dividimos
em modelos estáticos (seção 8.3) e dinâmicos (seção 8.4).
8.2 – MONOPÓLIO
1
Este capítulo é particularmente útil para as seções técnicas intermediárias, marcadas com um asterisco
(*); as seções técnicas avançadas, marcadas com dois asteriscos (**) provavelmente vão precisar de
requisitos mais fortes que os oferecidos aqui.
Custos de produção são fornecidos pela função 𝐶(𝑞), com custos marginais não
negativos: 𝜕𝐶/𝜕𝑞 ≥ 0. Para que as condições de segunda ordem sejam satisfeitas (para
a função de lucro ser côncava), presuma também que 𝜕 2 𝐷/(𝜕𝑝)2 ≤ 0 e 𝜕 2 𝐶/
(𝜕𝑞)2 ≥ 0.3
𝜕𝐶(𝑞) 𝐷(𝑃)
𝑝− =− . (8.3)
𝜕𝑞 𝜕𝐷(𝑝)/𝜕𝑝
2
Essas hipóteses são satisfeitas quando se adotam uma função de demanda linear e custos marginais
constantes, o caso mais usado neste capítulo e ao longo do livro.
3
Esses pressupostos são satisfeitos ao adotar uma função de demanda linear e custos marginais constantes,
o caso que utilizo na maioria das vezes neste capítulo e ao longo do livro.
𝑝 − 𝜕𝐶(𝑞)/𝜕𝑞 1
= . (8.4)
𝑝 𝜀
𝜕𝜋
= 1 − 2𝑝 + 𝑐 = 0, (8.5)
𝜕𝑝
de onde
1+𝑐
𝑝𝑀 = . (8.6)
2
4
Veja o Capítulo 2 para uma discussão sobre o poder de mercado (dos quais um monopólio é uma expressão
extrema) e sua relação com o bem-estar. Veja o Capítulo 3 para uma discussão sobre como mensurar o
poder de mercado.
Vale a pena notar que, quanto maior o custo marginal, maior será o preço que o
monopolista irá definir em equilíbrio, o 𝑑𝑝𝑀 /𝑑𝑐 > 0: para os consumidores, é melhor
enfrentar um monopolista eficiente que um ineficiente!5
Suponha que o monopolista venda dois produtos, 1 e 2, que não afetem nem a
demanda nem os custos de cada um. O lucro total do monopolista é dado por 𝜋 = 𝜋1 +
𝜋2 = 𝑝1 𝐷1 (𝑝1 ) − 𝐶1 (𝐷1 (𝑝1 )) + 𝑝2 𝐷2 (𝑝2 ) − 𝐶2 (𝐷2 (𝑝2 )). O problema do monopolista é
dado por max𝑝1,𝑝2 𝜋, mas esse se decompõe em dois problemas completamente distintos:
5
Veja Tirole (1988: 66-7) para uma prova geral deste resultado.
Essa condição nos diz que o monopolista estabelece o preço em cada mercado de
acordo com sua elasticidade de demanda εi : em um mercado caracterizado por maior
elasticidade de demanda, os consumidores vão pagar menos que no outro. Trata-se de
uma simples aplicação de um princípio de discriminação de preços, analisado mais
detalhadamente no Capítulo 7.
É claro que os pressupostos de que o preço de um bem não afeta a demanda pelo
outro bem e de que os custos de produção são independentes fazem deste um caso muito
especial. Voltemo-nos agora para os casos em que existe interdependência, primeiro do
lado da demanda, em seguida, do lado dos custos.
Para ver como um monopolista estabelece preços para dois produtos cuja demanda
é interdependente, presuma que os produtos tenham a seguinte função de demanda:
Suponha também que os custos de se produzir um bem não sejam afetados pelos
custos de produção de outro bem, para focar a interdependência da demanda. Mais
particularmente, suponha que: 𝐶(𝑞1 , 𝑞2 ) = 𝑐𝑞1 + 𝑐𝑞2 .
𝜕𝜋
= 𝑎 − 2𝑏𝑝𝑖 + 2𝑔𝑝𝑗 + 𝑐(𝑏 − 𝑔) = 0, com 𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (8.10)
𝜕𝑝𝑖
𝑎 + 𝑐(𝑏 − 𝑔)
𝑝𝑚 = , (8.11)
2(𝑏 − 𝑔)
𝜕𝑝𝑚 𝑎
= > 0. (8.12)
𝜕𝑔 2(𝑏 − 𝑔)2
Se 𝑔 aumenta no intervalo (−𝑏, 𝑏), o preço cobrado pelo monopolista para ambos os
produtos também aumenta.6
6
É fácil verificar que 𝑝𝑚 é côncavo com o menor valor possível (equivalente a (𝑎 + 2𝑏𝑐)/(4𝑏)) obtido
conforme 𝑔 tende para – 𝑏 e uma assíntota conforme 𝑔 tende para 𝑏.
𝑎(1 − 𝜆) + 𝑐𝑏 𝑎 + 𝑐𝑏(1 − 𝜆)
𝑝1 = , 𝑝2 = . (8.15)
𝑏(2 − 𝜆) 𝑏(2 − 𝜆)
É fácil verificar que conforme cresce 𝜆, o preço no primeiro período cai, e o do segundo
período aumenta:
𝜕𝑝1 𝑎 − 𝑐𝑏 𝜕𝑝2 𝑎 − 𝑐𝑏
=− < 0; = > 0. (8.16)
𝜕𝜆 𝑏(2 − 𝜆)2 𝜕𝜆 𝑏(2 − 𝜆)2
7
Outra razão pela qual uma empresa pode oferecer preços introdutórios é a existência de custos de
transferência (veja o Capítulo 2). Embora o modelo simples utilizado aqui possa ser visto como uma forma
reduzida do modelo mais sofisticado contendo alguns efeitos de clientela ou efeitos de rede, não pode ser
facilmente interpretado como o resultado de custos de transferência.
8
No exemplo particular escolhido aqui, o preço do primeiro período não desce abaixo dos custos marginais.
Contudo, é possível encontrar exemplos em que, no primeiro período, uma empresa cobre preços abaixo
do custo marginal.
demanda negativa surgida ao longo dos períodos. Essa situação pode ser vista como forma
reduzida do caso do monopolista de bens duráveis: quanto mais consumidores comprarem
no primeiro período, menos comprarão no segundo. Note que pode ser demonstrado que,
em um equilíbrio de monopólio de bens duráveis, os preços tendem a decrescer ao longo
do tempo, como no caso do exemplo.9
9
Veja o Capítulo 2 para uma breve discussão sobre o monopólio de bens duráveis e o Capítulo 6 para uma
aplicação que compartilha muitos aspectos com o caso do monopólio dos bens duráveis (a empresa é
prejudicada por sua inabilidade de se comprometer com determinado preço).
10
Suponha também que µ > −2𝑐/𝑎. Isso garante que os custos marginais sejam positivos quando µ for
negativo.
𝜕𝜋
= 𝑎(1 + 𝑏µ) − 2𝑏𝑝𝑖 − 𝑏 2 µ𝑝𝑗 + 𝑐𝑏 = 0, com 𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (8.18)
𝜕𝑝𝑖
𝑎(1 + 𝑏µ) + 𝑐𝑏
𝑝𝑚 = . (8.19)
𝑏(2 + 𝑏µ)
𝜕𝑝𝑚 𝑎 − 𝑏𝑐
= > 0. (8.20)
𝜕µ (2 + 𝑏µ)2
Quanto mais forte a externalidade de custo entre dois produtos, mais alto será o
preço de equilíbrio estabelecido pelo monopolista. Em particular, note que a função
𝑝𝑚 (µ) é crescente em todo seu domínio. Isso implica que, quando existem economias de
escopo (µ < 0), os preços são mais baixos que no caso de referência em que os custos de
produção são independentes. A empresa antecipa que existe externalidade positiva entre
os dois produtos e reduz o preço de cada bem, de modo a estimular sua produção e, por
sua vez, a do outro produto, por meio da redução de custo. Nesse caso, o monopolista
multiproduto cobra preços mais baixos do que dois monopolistas distintos cobrariam,
cada um fabricando um produto.
que tais efeitos de aprendizado estão ausentes) nos estágios iniciais da vida do produto,
de modo a aumentar a produção e “ir descendo na curva de aprendizado”, o que, por sua
vez, o tornará mais eficiente em períodos posteriores.
Já que ele precisa escolher 𝑞1 , 𝑞2 de modo a maximizar 𝜋, as CPOs são dadas por
𝜕𝜋/𝜕𝑞1 = 0 e 𝜕𝜋/𝜕𝑞2 = 0, que pode ser reescrito como
1−𝑐 1+𝑐−𝑙
𝑞1∗ = 𝑞2∗ = ; 𝑝1∗ = 𝑝2∗ = . (8.23)
2−𝑙 2−𝑙
Observe que, neste exemplo simples, verifica-se que a quantidade e o preço estabelecidos
pelo monopolista no equilíbrio são os mesmos ao longo do tempo. No entanto, eles são
assim por razões bem diferentes. No primeiro período, o monopolista aumenta
quantidades porque internaliza o efeito de aprendizado; no segundo período, essa
11
Suponha que 𝑙 seja positivo, mas suficientemente pequeno, para garantir que os custos sejam positivos
no segundo período.
(1 − 𝑐)(1 − 𝑙) 1−𝑐
𝐿1 = < 𝐿2 = . (8.24)
1+𝑐−𝑙 1+𝑐−𝑙
Nesta seção, fornecemos uma introdução simples e curta dos conceitos mais
elementares da teoria dos jogos, também utilizados nas seções técnicas do livro.12
Talvez a forma mais simples de iniciar o leitor não tão familiarizado com a teoria
dos jogos seja começar com um exemplo simples de jogo, que se mantém tão abstrato
quanto possível, para não distrair a atenção com histórias do mundo real (adiante,
voltaremos a aplicações mais realistas).
12
Algumas seções marcadas com ** usam conceitos como equilíbrio de Nash Bayesiano e equilíbrio
sequencial, não explicados aqui, mas brevemente mencionados diretamente naquelas seções.
associados a elas; eles sabem como é o desenho da matriz de ganhos (essa suposição é
mantida durante todo o tempo, a menos que se indique o contrário).
Além disso, suponha que todos os jogadores sejam perfeitamente racionais, isto
é, cada um escolhe sua ação de modo a maximizar seus ganhos no jogo, e que a
racionalidade dos jogadores seja conhecimento comum, isto é, A sabe que B sabe que B
sabe que A sabe... que o outro jogador é racional.
Quando se olha para o jogo, deseja-se prever seu resultado. Nesse jogo particular,
gostaríamos de responder à seguinte questão: “Se A e B fossem chamados para disputar
esse jogo, que ações escolheriam?” Ou, equivalentemente: “Qual seria o resultado final
desse jogo?”
É claro que podemos ter expectativas razoáveis sobre como o jogo é jogado. Por
exemplo, é improvável que ocorra o par (𝑎2 , 𝑏1 ). Para saber por quê, ponha-se no lugar
do Jogador B primeiro. Ele olha para a matriz de ganhos e percebe que, qualquer que seja
a jogada de A, o melhor a fazer é jogar 𝑏2 (se A escolhe 𝑎1 , jogar 𝑏2 dará a B um ganho
de 5, enquanto 𝑏1 só rende 0 e 𝑏3 só rende 1; um raciocínio similar aplica-se se A, por
sua vez, escolhe 𝑎2 : 𝑏2 rende 3, enquanto 𝑏1 e 𝑏3 só rendem 2). Em termos técnicos,
dizemos que as ações 𝑏1 e 𝑏3 são estritamente dominadas pela ação 𝑏2 . Uma vez que
presumimos que o Jogador B seja racional, podemos concluir que nunca escolherá outra
ação que não 𝑏2 .
O conceito de equilíbrio de Nash tem base nessa ideia: prediz que o resultado de
um jogo – o “equilíbrio” – é dado pelo conjunto de ações tais que, para cada jogador, cada
ação seja a melhor resposta às ações de todos os demais jogadores. De forma equivalente,
um conjunto de ações representará um equilíbrio de Nash se nenhum dos jogadores tiver
um incentivo para se desviar de suas ações com relação às de todos os outros jogadores.13
13
Para manter o mais simples possível, o equilíbrio de Nash é definido aqui em termos de ações. Ele pode
ser definido também em termos de estratégias. Uma estratégia é uma “regra” que diz a um jogador que ação
escolher a determinado tempo 𝑡 do jogo, para qualquer história do jogo antes de 𝑡. Denotando por 𝑆𝑖 o
conjunto de estratégias disponíveis para o Jogador 𝑖 com (𝑖 = 1, . . , 𝑛) e com o ganho do i-ésimo jogador
𝜋𝑖 (𝑠1 , 𝑠2 , … , 𝑠𝑖 , … , 𝑠𝑛 ), a “enésima” (𝑠1∗ , 𝑠2∗ , … , 𝑠𝑖∗ , … , 𝑠𝑛∗ ) é um equilíbrio de Nash se
𝜋𝑖 (𝑠1∗ , 𝑠2∗ , … , 𝑠𝑖∗ , … , 𝑠𝑛∗ ) ≥ 𝜋𝑖′ (𝑠1∗ , 𝑠2∗ , … , 𝑠𝑖′ , … , 𝑠𝑛∗ ) para todo 𝑖 = 1, 2, . . . . , 𝑛 e todo 𝑠𝑖 ∈ 𝑆𝑖 . Em todos os jogos
simultâneos e de uma única rodada, os conceitos de estratégia e ação coincidem.
Em outras palavras, (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖∗ , … , 𝛼𝑛∗ ) é um equilíbrio de Nash se para todo
Jogador 𝑖 jogar 𝛼𝑖∗ for a melhor resposta possível, uma vez que todos os participantes
∗ ∗
jogam (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖−1 , 𝛼𝑖+1 , … , 𝛼𝑛∗ ).
Podemos agora voltar ao jogo descrito na Tabela 8.1 e olhar para o equilíbrio (ou
equilíbrios) de Nash nesse jogo. Para isso, vamos escrever a melhor resposta para cada
jogador: o equilíbrio, se existir, será dado pelo par de ações que mutuamente representam
as melhores respostas.
Vemos imediatamente que (𝑎1 , 𝑏2 ) é o equilíbrio de Nash único desse jogo, assim
como é o único par de ações com a melhor resposta. De forma equivalente, é o único par
de ações tal que nenhum jogador tem incentivo para se desviar, dada a ação do rival.
14
A história original por trás do jogo é que os jogadores são dois prisioneiros acusados de um crime e são
mantidos em celas separadas. Cada um tem de decidir se confessa ou nega o crime.
Em primeiro lugar, note que o jogo é muito particular, porque cada jogador tem
uma estratégia dominante: a despeito de se o rival joga alto ou baixo, o jogador sempre
prefere jogar baixo. Em segundo lugar, o resultado do jogo é Pareto inferior: ambos os
jogadores se beneficiariam se jogassem (alto, alto).
Nos dois jogos anteriores, havia um único equilíbrio de Nash. É possível, contudo,
que vários equilíbrios coexistam no jogo. Uma versão da chamada Batalha dos Sexos é
descrita na Tabela 8.3.
não são muito úteis, mas, em outras situações, deve haver um equilíbrio em torno do qual,
por uma ou outra razão, pode ser mais atraente e provável que os jogadores tendam a se
coordenar.15
Considere agora uma versão ligeiramente diferente da batalha dos sexos, como na
Tabela 8.4.
15
A história ou outras circunstâncias podem, em alguns casos particulares, sugerir que um equilíbrio seja
mais provavelmente alcançável que outro. Nas palavras de Schelling (1960), deve haver pontos focais. Se
Ana e Bruno até agora sempre se encontraram no restaurante francês e nunca jantaram no italiano, o
primeiro equilíbrio é mais provável que o último. Debates sobre como certos preços podem ser considerados
focais constam do Capítulo 4, no qual modelos com vários equilíbrios mais ou menos colusivos são
analisados. Ali discutimos também outros elementos que podem resolver a incerteza sobre o equilíbrio,
como comunicação e vantagem de quem age primeiro (Ana pode agir primeiro, fazer uma reserva no
restaurante francês e comunicar a Bruno). Mas, evidentemente, todos esses são jogos diferentes do de uma
rodada simultânea, discutido aqui.
16
Evidências experimentais são mencionadas no Capítulo 4, que analisa jogos repetidos muito similares ao
descrito neste, na medida em que apresentam uma multiplicidade de equilíbrios que podem ser ranqueados
em Pareto.
17
É importante salientar que se usa dominância de Pareto para selecionar entre dois equilíbrios de Nash,
enquanto, no dilema do prisioneiro, o par que dá um resultado Pareto superior não é um equilíbrio do jogo,
portanto, muito improvável que seja um resultado do jogo.
estratégia 𝑠𝑖 será fracamente dominada se existir uma estratégia 𝑠𝑖′ tal que 𝜋𝑖 (𝑠𝑖′ , 𝑠𝑗 ) ≥
𝜋𝑖 (𝑠𝑖 , 𝑠𝑗 ) para todo 𝑠𝑗 (com 𝑖 ≠ 𝑗), e existe pelo menos uma estratégia 𝑠𝑗 para a qual a
inegualdade se sustenta com um sinal estrito.
É fácil observar que o jogo tem dois equilíbrios: (𝑝𝐿 , 𝑝𝐿 ) e (𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ). O critério de
eliminação das estratégias fracamente dominadas seleciona unicamente o equilíbrio
(𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ). De fato, para o Jogador A, temos 𝜋𝐴 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐿 ) = 𝜋𝐴 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐻 ) = 0 e 𝜋𝐴 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐿 ) =
0 < 𝜋𝐴 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ) = 2, que implica que, para A, a estratégia 𝑝𝐿 é fracamente dominada pela
estratégia 𝑝𝐻 . Além disso, para o Jogador B, temos 𝜋𝐵 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐿 ) = 𝜋𝐵 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐻 ) = 0 e
𝜋𝐵 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐿 ) = −2 < 𝜋𝐵 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ) = 0, ou seja, para B, a estratégia 𝑝𝐿 é fracamente
dominada pela estratégia 𝑝𝐻 .18
18
Note que, neste exemplo, a dominância de Pareto teria também selecionado o mesmo par de equilíbrio
(𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ).
Um cálculo fácil similar (aqui, tudo é simétrico) mostra que o Jogador B será
indiferente entre cara e coroa (quer dizer, estará disposto a escolher aleatoriamente entre
19
Se soa estranho o fato de um jogador “lançar um dado” para decidir que ação tomar, existe uma
interpretação mais atraente para estratégias mistas: “O aspecto crucial do equilíbrio de Nash de estratégias
mistas não é que o jogador escolha uma ação aleatoriamente, mas que o Jogador 𝑖 [padronizar fonte] esteja
incerto sobre a escolha do jogador 𝑗; essa incerteza pode surgir seja por conta da aleatoriedade ou (mais
plausivelmente) por conta de informação um pouco incompleta.” (GIBBONS, 1997: 140). Gibbons (1997:
138-140) mostra como interpreta estratégias mistas usando jogos com informação incompleta, ou seja, ao
menos um jogador não está certo sobre o ganho do outro.
Nash (1950) mostrou que qualquer jogo com um número finito de jogadores, em
que cada jogador tem um número finito de estratégias puras, tem um equilíbrio de Nash
(em estratégias mistas, se não houver nenhum equilíbrio em estratégias puras).
Note também que o equilíbrio em estratégias mistas pode coexistir no mesmo jogo
com o equilíbrio em estratégias puras. Por exemplo, o leitor pode observar que o jogo da
batalha dos sexos da Tabela 8.3 admite um equilíbrio de Nash em estratégias mistas
quando B escolhe (italiano), com probabilidade de 1/3, e A escolhe (francês), com
probabilidade de 1/2.
Até aqui, examinamos jogos estáticos, em que jogadores escolhem suas ações
simultaneamente. Jogos dinâmicos são aqueles em que os jogadores se movem
sequencialmente ou mais que uma vez. Primeiro, o Jogador 1 escolhe a ação 𝑎1 do
conjunto de ações factíveis; segundo, o Jogador 2 escolhe a ação 𝑎2 do conjunto de ações
factíveis; depois que ambos tenham jogado, recebem os ganhos associados ao par
(𝑎1 , 𝑎2 ).
20
Note que, à primeira vista, a segunda linha da matriz de ganhos pode parecer confusa, o que não significa
ler: “Se 𝐸 permanecer fora, 𝐼 pode lutar ou se acomodar, já que cada ação gerará o mesmo ganho, de 10
(para 𝐼) e 0 (para 𝐸).” Em vez disso, se 𝐸 ficar fora, não haverá nada a ser feito por 𝐼, evidentemente (ela
permanece a incumbente incontida no mercado), e o jogo estará terminado para ambas. Assim, para refletir
esse fato na matriz de ganhos, as convenções requerem tratar o caso como mostrado na Tabela 8.7.
Esse jogo tem dois equilíbrios de Nash: (entrar, acomodar) e (ficar fora, lutar).
No entanto, o segundo resultado (ficar fora, lutar) é improvável para esse jogo. No
equilíbrio, a Empresa 𝐸 escolhe ficar fora por que a 𝐼 lutaria, por consequência, tornando
a entrada não lucrativa para 𝐸. No entanto, a ameaça de combate pela Empresa 𝐼 se a
entrada ocorrer não é crível. De fato, se a entrada ocorresse, 𝐼 iria acomodá-la, sim, já que
teria um ganho maior que se a combatesse, e a Empresa 𝐸 sabe disso.
Para saber como procurar por um ENPS, é útil descrever um jogo em sua forma
extensiva (ou por meio de árvore de decisões). Para o jogo anterior, isso é fornecido pela
Figura 8.1.
Para encontrar o equilíbrio ENPS (de estratégia pura), temos de começar dos
últimos ramos da árvore e andar retroativamente. No subjogo iniciado depois de o Jogador
𝐸 escolher entrar, o 𝐼 escolhe acomodar (ele ganha 5 em vez de 0). Podemos, agora, nos
mover de forma reversa, em direção ao primeiro subjogo, o nó inicial. O Jogador 𝐸 sabe
que se escolher ficar fora, ele irá ganhar 0 independentemente do que 𝐼 faça, e antecipa
corretamente que, se ele entrar, o Jogador 𝐼 irá acomodar a entrada, e ele realizará um
lucro de 4. Assim, ele entra: (entrar, acomodar) é o único ENPS desse jogo.
Note que o ENPS é usado também em jogos de “informação quase perfeita”, nos
quais mais de um jogador se move no mesmo subjogo. Considere, por exemplo, o jogo
descrito na Figura 8.2. Trata-se de um jogo em que o Jogador 𝐸 decide primeiro ficar fora
ou entrar; depois de observar a decisão de 𝐸, empresas ativas decidem (simultaneamente,
se 𝐸 tiver entrado) se vendem produtos de baixa ou alta qualidade.
A Figura 8.2 representa um jogo em sua forma extensiva. O “oval” em torno dos
nós de 𝐸 é chamado de conjunto informacional: uma convenção para representar a ideia
de que, quando 𝐸 decide, não sabe em que nó está, ou seja, se 𝐼 escolheu baixa ou alta
qualidade (pode ter sido porque 𝐼 e 𝐸 tomam decisões sobre qualidade simultaneamente,
como já falamos, ou porque 𝐼 toma suas decisões antes, mas 𝐸 não observa a escolha de
𝐼 antes de tomar a própria decisão: ambas as possibilidades são equivalentes).
Note que esse jogo tem três subjogos: o jogo completo, o subconjunto do jogo que
começa quando o Jogador 𝐼 se move depois que o 𝐸 jogou ficar fora e o subconjunto do
jogo que começa quando 𝐼 está a ponto de se mover depois que 𝐸 jogou entrar. (Os nós
que começam depois da jogada de 𝐼 não são subjogos, porque a história completa do jogo
antes desse ponto não é conhecimento comum para todos os jogadores: no momento da
escolha da qualidade, o Jogador 𝐸 não sabe o que 𝐼 jogou.)
Usando a indução reversa, é fácil descobrir que há dois ESPNs de estratégia pura
nesse jogo: (entrar, baixa, alta) e (entrar, alta, baixa).21
21
Se 𝐸 entrar, o último estágio do jogo terá dois equilíbrios (baixa, alta) e (alta, baixa). Encontre primeiro
o equilíbrio do jogo inteiro se (baixa, alta) for jogado, depois se (alta, baixa) for jogado.
repetido diversas vezes, mas, por um número finito de vezes, é um tipo de jogo assim
(veja também a seção 8.4.3.1). Contudo, a indução reversa não pode ser usada para jogos
de horizonte infinito: ela requer que o ponto de partida seja o nó final do jogo e
movimento reverso, ao passo que esse nó não pode ser encontrado em jogos que duram
indefinidamente.
Considere duas empresas (mas a extensão para 𝑛 empresas seria direta e ofereceria
os mesmos resultados) que:
𝐷(𝑝𝑖 ), se 𝑝𝑖 < 𝑝𝑗
𝐷𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) = {𝐷(𝑝𝑖 )/2, se 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 (8.26)
0, se 𝑝𝑖 > 𝑝𝑗
Bertrand, é um par de preços (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ) tal que 𝜋𝑖 (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ≥ 𝜋𝑖′ (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗∗ ) para todo 𝑖 = 1, 2
com 𝑖 ≠ 𝑗 e qualquer 𝑝𝑖 nos números reais.
Prova. Para provar esse resultado, precisamos provar primeiro que o equilíbrio
proposto é um equilíbrio de Nash do jogo, depois, que é o único.
Passo 1. Para ver que 𝑝1∗ = 𝑝2∗ = 𝑐; é um equilíbrio de Nash é imediato. Para
estar em um equilíbrio de Nash, nenhuma empresa deve ter incentivo para desviar-se dele,
já que as outras jogam de acordo com a estratégia de equilíbrio. Suponha agora que 𝑝1∗ =
𝑐, a Empresa 2 tem um incentivo para se desviar e vender a um preço diferente de 𝑝2∗ =
𝑐? Vendendo no nível do custo marginal, a Empresa 2 atende a metade do mercado, mas
realiza lucro zero. Se ela desviar e estabelecer um preço menor do que 𝑐, ela atenderá a
todo o mercado, mas terá perdas; se ela se desviar e estabelecer um preço maior do que
𝑐, nenhum consumidor se dirigirá a ela, que, assim, realizará lucro zero, não melhorando
sua situação relativamente à jogada do candidato a equilíbrio. Dessa maneira, a Empresa
2 não terá incentivos para se desviar. Da mesma forma, devido à perfeita simetria entre
as duas empresas, a 1 não terá incentivos para se desviar.
então, realizaria um lucro; 𝜋𝑗′ (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗′ ) = (𝑝∗ − 𝑐 − 𝜀)𝐷(𝑝∗ − 𝜀); que, para um
𝜀 pequeno o suficiente, é claramente mais elevado que 𝜋(𝑝∗ , 𝑝∗ ) (uma vez que
a redução marginal de preços resulta em um aumento desproporcional da
demanda, que dobra). Assim, esse não pode ser um equilíbrio de Nash do jogo.
• 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑝∗ < 𝑐: no nível do equilíbrio candidato, todas as empresas
realizam perdas. Trivialmente, esse não pode ser um equilíbrio, já que uma
próximos o suficiente entre si (especificaremos a seguir até que ponto) que a Empresa 1
estabelece um preço ligeiramente abaixo do custo marginal da 2 e amealha todo o
mercado.
Para manter a análise simples, desenvolvemos os dois casos sob a hipótese de que
a função de demanda da Empresa 𝑖 é dada por 𝐷𝑖 = 1 − 𝑝𝑖 se 𝑝𝑖 < 𝑝𝑗 , 𝐷𝑖 = 0 se 𝑝𝑖 > 𝑝𝑗 ,
e 𝐷𝑖 = (1 − 𝑝𝑖 )/2 se 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 .
1 + 𝑐1
𝑝1𝑚 = . (8.27)
2
todo o mercado e realizará um lucro positivo (em cada unidade vendida, realizará um
ganho igual a (1 + 𝑐1 /2 − 𝜀 − 𝑐2 ).
O que se segue é, por sua vez, um equilíbrio de Nash do jogo: (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) = (𝑐2 −
𝜀, 𝑐2 ), ou seja, a Empresa 2 cobra um preço igual ao custo marginal, e a Empresa 1, um
preço um pouco menor. É fácil observar que a Empresa 2 não tem incentivo para se
desviar desse par, pois, cobrar preços mais baixos, como 𝑝1∗ = 𝑐2 − 𝜀, implicaria perdas
em vez de lucro zero, ao passo que aumentar preços acima de 𝑐2 a deixaria novamente
com lucro zero. A Empresa 1 tampouco tem incentivo para se desviar; estabelecendo um
preço mais elevado, digamos, 𝑝1 = 𝑐2 , ela pode compartilhar o mercado com a rival (ou
perdê-lo totalmente para a Empresa 2 se o preço estiver acima de 𝑐2 ),22 ao passo que
estabelecendo um preço mais baixo, ela continuaria a ganhar mercado, mas venderia a
uma margem mais baixa e, portanto, realizaria lucros menores.
Em princípio, existem outros equilíbrios deste jogo, mas são menos "razoáveis".
Considere, por exemplo, um preço 𝑝 ∈ (𝑐1 , 𝑐2 ). É fácil ver que o par (𝑝1∗∗ , 𝑝2∗∗ ) = (𝑝 −
𝜀, 𝑝) representa um equilíbrio do jogo.
No entanto, tal equilíbrio parece menos atraente que o equilíbrio (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ),
identificado anteriormente, e, de fato, o principal critério de seleção de equilíbrio
selecionaria este último no lugar do anterior. Sob a dominância de Pareto, por exemplo,
(𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) seria escolhido porque proporciona lucros mais elevados para a Empresa 1
enquanto mantém os mesmos lucros (zero) para a 2. A eliminação de estratégias
fracamente dominadas também seleciona a ação (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) como o único equilíbrio do jogo.
Para ver isso, note que quando o Jogador 2 escolhe a ação 𝑝2∗ = 𝑐2 , obtém
𝜋2 (𝑐2 − 𝜀, 𝑐2 ) = 0 e 𝜋2 (𝑝 − 𝜀, 𝑐2 ) = 0, onde 𝑝 ∈ (𝑐1 , 𝑐2 ); quando ele escolhe a ação
𝑝2∗∗ = 𝑝, obtém 𝜋2 (𝑝 − 𝜀, 𝑝), se o Jogador 1 escolher 𝑝 − 𝜀, mas obtém 𝜋2 (𝑝 + 𝜀, 𝑝) <
22
Há um detalhe técnico aqui: a Empresa 1 deseja escolher 𝜀 tão próximo quanto possível de zero, mas é
claro que, para qualquer número 𝜀 pequeno, é sempre possível encontrar outro número ainda menor. Para
resolver esse problema técnico, uma escamotagem é às vezes utilizada, supondo que, para preços idênticos,
toda a demanda vai para empresas com menores custos. O equilíbrio do jogo então se torna (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) =
(𝑐2 , 𝑐2 ) com toda a demanda indo para a Empresa 1.
Comentário 8.1 Se, 𝑘𝑖 < 𝐷(𝑝𝑖 = 𝑐), (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ) = (𝑐, 𝑐) não é um equilíbrio de Nash
do jogo.
Prova. Para provar esse resultado, precisamos apenas encontrar um desvio que
deixe uma das empresas melhor. Agora, no nível do equilíbrio candidato 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑐; a
Empresa 𝑖 realiza lucro zero. Mas, se ela desviar e vender ao preço 𝑝1′ > 𝑝𝑗∗ = 𝑐, alguns
consumidores ainda irão se direcionar para ela (pelo menos enquanto 𝑝1′ não for muito
alto) e ela realizará lucros positivos. Isso porque apesar de todos os consumidores
preferirem comprar da Empresa 𝑗, que vende a preço mais baixo, 𝑗 não pode atender a
todos (já que sua capacidade é 𝑘𝑗 < 𝐷(𝑐). Alguns consumidores ficarão racionados e
terão de comprar da Empresa 1, que, assim, realizará lucros positivos (venderá um
número positivo de unidades com margem positiva).
Vamos nos limitar aqui a essa prova de que, sob limitação de capacidade, o
resultado de Bertrand não se sustenta. Encontrar o equilíbrio no jogo de competição de
preços sob restrição de capacidade requer especificar uma regra de racionalidade, isto é,
uma regra que aloque os consumidores entre as empresas (alguns não podem comprar da
empresa com preço mais baixo). Também acontece que um equilíbrio em estratégias
puras não ocorre se as empresas tiverem capacidades suficientemente grandes. Já que ao
longo do livro não são vistos modelos com restrição de capacidade, seria uma
complicação desnecessária desenvolver uma análise completa do jogo de competição por
preço com restrição de capacidade. O leitor interessado deve consultar Kreps e
Scheinkman (1983): em um jogo de dois estágios, no qual as empresas (simultaneamente)
escolhem capacidades e preços, o resultado final de equilíbrio é o mesmo de um jogo de
uma única rodada, no qual elas escolhem quantidades. Ou seja, o equilíbrio de Cournot
pode ser interpretado não apenas literalmente, como o resultado de um jogo em que
empresas escolhem a produção que levam para o mercado, mas também como o de um
jogo em que elas escolhem suas capacidades e seus preços.23
Considere agora o mesmo jogo de uma rodada analisado na seção 8.4.1.1, mas
afrouxe a hipótese (A3) e presuma que as empresas escolhem as quantidades que querem
levar ao mercado, em vez de preços. Por simplicidade, vamos olhar primeiro o caso
simétrico, em que ambas têm o mesmo custo 𝑐 < 1 e se defrontam com uma função de
demanda linear 𝑝 = 1 − 𝑄, com 𝑄 = 𝑞1 + 𝑞2 sendo a produção total da indústria.24
O lucro da empresa 𝑖 é dado por 𝜋𝑖 = 𝑝(𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )𝑞𝑖 − 𝑐𝑞𝑖 . O primeiro passo para
identificar o equilíbrio de Nash do jogo é procurar pela melhor função de resposta da
empresa para qualquer quantidade da concorrente. Tomando 𝑞𝑗 como dada, a Empresa 𝑖
resolve o seguinte problema (para 𝑖, 𝑗 = 1, 2, e 𝑖 ≠ 𝑗):
1 − 2𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐 = 0. (8.29)
23
Veja também Maggi (1996), em que as restrições são “brandas”, na medida em que uma empresa pode
aumentar sua produção acima de sua capacidade, incorrendo em custos variáveis adicionais. A formulação
de Maggi é mais simples por nos permitir encontrar um equilíbrio em estratégias puras do jogo de preços,
independentemente dos níveis de capacidade. Note, contudo, que o resultado de Kreps e Scheinkman
aplica-se apenas quando se usa a regra de alocação de racionalidade eficiente, como mostrado por Davidson
e Deneckere (1986).
24
A hipótese 𝑐 < 1 serve para garantir a viabilidade do mercado. De outra forma, não há preço pelo qual
as empresas estariam dispostas a suprir a demanda, pois realizariam lucros negativos.
1 − 𝑞1 − 𝑐
𝑅1 ∶ 𝑞2 = 1 − 2𝑞1 − 𝑐; 𝑅2 ∶ 𝑞2 = . (8.30)
2
A Figura 8.3 ilustra as duas funções de reação. Note que são negativamente
inclinadas: quanto mais alta a produção 𝑞𝑗 da Empresa 𝑗, menor a melhor resposta em
produção da Empresa 𝑖. As inclinações das funções de reação carregam efeitos
importantes quando analisamos modelos dinâmicos, como veremos na seção 8.5.1.
A figura também ilustra as funções isolucro de cada empresa, isto é, o lócus dos
pontos tais que diferentes valores de 𝑞1 , 𝑞2 dão o mesmo valor de lucro da empresa
𝜋𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) = 𝑘. Note que curvas de isolucros mais baixas para a Empresa 1 e curvas de
isolucros mais à esquerda para a Empresa 2 são associadas a maiores lucros (dado o
mesmo 𝑞𝑖 , um 𝑞𝑗 menor aumentará preços e lucros da Empresa 𝑖).25
25
Note também que a função isolucro da Empresa 1 deve ser tangente à linha horizontal quando ela cruza
a função de melhor resposta dessa empresa, e uma função de isolucro da Empresa 2 deve ser tangente à
linha vertical quando ela cruza a função de melhor resposta de 2. Para ver isso, escreva uma função genérica
da Empresa 1 como 𝜋1 (𝑞1 , 𝑞2 ) = (1 − 𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑞1 = 𝑘. Para encontrar essa inclinação, escreva a
diferencial total como 𝑑𝜋1 = (1 − 2𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑑𝑞1 − 𝑞1 𝑑𝑞2 = 0. Assim, sua inclinação deve ser
𝑑𝑞2 /𝑑𝑞1 = (1 − 2𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)/𝑞1 , cujo numerador é nulo quando a CPO é satisfeita (isto é, ao longo da
função de reação). Similarmente, escreva uma função isolucro genérica da Empresa 2 como 𝜋2 (𝑞1 , 𝑞2 ) =
(1 − 𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑞2 = 𝑧. A diferencial total é 𝑑𝜋2 = (1 − 𝑞1 − 2𝑞2 − 𝑐)𝑑𝑞2 − 𝑞1 𝑑𝑞1 = 0. Sua
inclinação deve ser 𝑑𝑞2 /𝑑𝑞1 = 𝑞1 /(1 − 𝑞1 − 2𝑞2 − 𝑐), cujo denominador é zero quando a CPO é
satisfeita. Assim, ao longo da função de reação, a inclinação é infinita.
Como sabemos da discussão na seção sobre teoria dos jogos, o equilíbrio de Nash
do jogo será determinado pela interseção das duas funções de reação, cuja álgebra
elementar mostra que
1−𝑐
𝑞1𝐶 = 𝑞2𝐶 = . (8.31)
3
𝐶
1 + 2𝑐 𝐶 𝐶
(1 − 𝑐)2
𝑝 = , 𝜋1 = 𝜋2 = . (8.32)
3 9
Note que, no equilíbrio de Cournot, o preço de mercado está acima dos custos
marginais (lembre-se de que 𝑐 < 1, logo (1 + 2𝑐)/3 > 𝑐) e as empresas realizam lucros
positivos. O fato de que, em um equilíbrio sob competição em quantidades, as empresas
estabelecem preços mais elevados advém do próprio conceito de equilíbrio de Nash. Em
um jogo de Bertrand, uma empresa tem de escolher seu preço ótimo tomando como dado
o preço do concorrente. Cobrando abaixo, ela atrai toda a demanda, o que lhe confere
forte incentivo para reduzir preço. Em um jogo de Cournot, por sua vez, uma empresa
escolhe quantidade dada a quantidade do concorrente. Por conseguinte, uma expansão da
produção permite à empresa ganhar maior participação de mercado, mas não toda a
demanda precisamente, porque a produção do concorrente é pressuposta. Os incentivos
para competir agressivamente são, por consequência, mais fracos na competição por
quantidade; em condições normais, os preços e os lucros das empresas são menores. Esse
resultado será confirmado também quando se olhar para o caso de produtos diferenciados.
26
Focalizamos aqui o equilíbrio simétrico do jogo. Existem também dois possíveis equilíbrios assimétricos
de Nash, onde a firma, digamos 1, produz zero de produto e outras firmas produzem tamanha quantidade
de produto que se a firma 1 trouxer mesmo uma pequena quantidade para o mercado o preço irá cair abaixo
dos custos marginais (gerando assim nenhum incentivo para que ela se desvie da produção zero). Esse caso
é considerado em detalhe no Capítulo 7.3.3.1 (sobre interoperabilidade) e omitido aqui para poupar espaço.
2
1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 (1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 ) (8.33)
𝑞𝑖∗ = ; 𝜋𝑖∗ = .
3 9
Cournot com 𝒏 empresas. Considere agora novamente o caso de empresas com custos
simétricos, mas estenda o modelo de base para 𝑛 empresas. Para a i-ésima empresa, o
problema é
1 − 2𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐 = 0. (8.35)
𝑗≠𝑖
∗
1+𝑐 ∗
1−𝑐 ∗
1−𝑐 2
𝑞 = ; 𝑝 =𝑐+ ; 𝜋 =( ) . (8.36)
1+𝑛 1+𝑛 1+𝑛
𝑛 𝑛
(1 − 𝑐)
𝑀 𝑀
1+𝑐 𝑀
(1 − 𝑐)2
𝑄 = ; 𝑝 = ; 𝛱 = . (8.38)
2 2 4
Obviamente, a produção por empresas e lucros pode ser obtida dividindo-se por
𝑛:
1−𝑐 (1 − 𝑐)2
𝑞𝑀 = ; 𝜋𝑀 = . (8.39)
2𝑛 4𝑛
Note também que o caso da maximização de lucros conjunta deve ser visto como
um caso referencial, ou seja como o limite de uma situação em que a competição entre
empresas no mercado de produtos é muito fraca. Para um tratamento da colusão, ou seja,
como e se as empresas são capazes de sustentar um resultado de maximização conjunta
de lucros, veja a seção 8.4.2.1 e, sobretudo, o Capítulo 4.
27
Como essa questão não aparece no livro, não será tratada aqui.
indústrias nas quais as empresas não são muito restritas por capacidade, isto é, podem
facilmente ajustar sua produção a variações na demanda.28
Esta seção estuda modelos de competição (de uma rodada) no mercado de produto
de bens diferenciados. Equivale em relaxar a hipótese (A1) da seção 8.4.1.1 e novamente
resultar em um preço de equilíbrio acima do custo marginal (exceto nos casos-limite).
Nesta seção, as escolhas de produtos das empresas são tomadas como dados.
28
Muitas indústrias manufatureiras provavelmente estarão mais próximas de Cournot que de Bertrand.
Indústrias em que licitações são importantes podem ser exemplos de competição de Bertrand: primeiro, a
empresa seleciona preço e obtém o contrato, depois tem de cumprir um contrato em determinado tempo.
Setores nos quais o envio de um bem é sem custo e imediato também parecerão com um mercado em
competição de Bertrand (pense na indústria musical, em que, uma vez a música gravada, fazer uma cópia
adicional em cd ou mp3 praticamente não tem custo).
Seguindo Singh e Vives (1984), considere duas empresas, 1 e 2, que vendem dois
produtos. Denote 𝑞1 e 𝑞2 as quantidades de cada bem. Existe um continuum de
consumidores do mesmo tipo na economia, cada um com a seguinte função de utilidade:
𝑉 = 𝑦 + 𝑈(𝑞1 , 𝑞2 ), (8.40)
onde a linearidade do bem composto evita os efeitos de renda e provê um racional para a
análise de equilíbrio parcial do setor de bens diferenciados. Realmente, o problema do
consumidor é max𝑞1,𝑞2,𝑦 𝑉; sujeito à restrição orçamentária 𝑝1 𝑞1 + 𝑝2 𝑞2 + 𝑝𝑦 𝑦 = 𝑅.
Para resolver esse problema, escreva o Lagrangiano:
𝜕𝐿 𝜕𝑈(𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )
= − 𝜆𝑝𝑖 = 0, 𝑖 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗
𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑞𝑖
𝜕𝐿
= 1 − 𝜆𝑝𝑦 = 0, (8.42)
𝜕𝑦
𝜕𝐿
{ 𝜕𝜆 = 𝑅 − 𝑝1 𝑞1 − 𝑝2 𝑞2 − 𝑝𝑦 𝑦 = 0.
1
𝑈(𝑞1 , 𝑞2 ) = 𝛼𝑞1 + 𝛼𝑞2 − (𝛽𝑞12 + 𝛽𝑞22 + 2𝛾𝑞1 𝑞2 ), (8.43)
2
Esse é o sistema de demandas inversas, que pode ser usado para estudar a
competição por quantidade. Uma inspeção dessas funções de demanda imediatamente
sugere interpretações adicionais para os parâmetros. Quanto mais próximo 𝛾 de 𝛽,
melhores substitutos os dois bens serão, com o caso de perfeitos substitutos surgindo
quando 𝛾 → 𝛽. Para 𝛾 > 0, pode-se consequentemente definir uma medida inversa da
diferenciação de produto como 𝛾/𝛽. O índice assume valores entre (0, 1) e atinge seu
valor mínimo quando os bens são independentes (para 𝛾 = 0, ou seja, quando são
maximamente diferenciados), e seu valor mais alto quando tendem a ser perfeitamente
substitutos (para 𝛾 → 𝛽).
em que 𝑎, 𝑏 e 𝑔 satisfazem
𝛼(𝛽 − 𝛾) 𝛽 𝛾
𝑎= ; 𝑏= ; 𝑔 = . (8.46)
𝛽2 − 𝛾 2 𝛽2 − 𝛾 2 𝛽2 − 𝛾 2
Note que essa é a função de demanda já usada na seção 8.2.2. Munidos com as
funções de demanda direta e inversa, podemos inferir agora as soluções de equilíbrio de
acordo com os casos de referência usuais de competição no mercado de produto. Para
simplificar, suponha que duas empresas tenham o mesmo custo marginal 𝑐 = 0 sem perda
de generalidade.
𝜕𝜋𝑖
= 𝛼 − 2𝛽𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗 = 0. (8.47)
𝜕𝑞𝑖
𝛼
𝑞𝐶 = . (8.48)
2𝛽 + 𝛾
𝛼𝛽 𝛼 2
𝑝𝐶 = ; 𝜋𝐶 = 𝛽 ( ) . (8.49)
2𝛽 + 𝛾 2𝛽 + 𝛾
𝜕𝜋𝑖
= 𝛼 − 2𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 = 0. (8.50)
𝜕𝑝𝑖
𝑎 − 2𝑏𝑝1 𝑎 + 𝑔𝑝1
𝑅1 ∶ 𝑝2 = ; 𝑅2 ∶ 𝑝2 = . (8.51)
𝑔 2𝑏
𝑎 𝛼(𝛽 − 𝛾)
𝑝𝐵 = = . (8.52)
2𝑏 − 𝑔 2𝛽 − 𝛾
29
A estabilidade requer que 𝑅1 seja mais inclinada que 𝑅2 , ou seja, 2𝑏/𝑔 > 𝑔/(2𝑏), ou 4𝑏² > 𝑔² sempre
satisfeito, desde que 𝑏 > 𝑔 por pressuposição.
30
As curvas isolucro de uma Empresa 1 são descritas pela função 𝜋1 = (𝑎 − 𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )𝑝1 = 𝑘.
Diferenciando totalmente, obtemos a inclinação de uma dessas curvas. Primeiro, tome 𝑑𝜋1 =
(𝑎 − 2𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )𝑑𝑝1 + 𝑔𝑝1 𝑑𝑝2 = 0, do qual 𝑑𝑝2 /𝑑𝑝1 = −(𝑎 − 2𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )/(𝑔𝑝1 ). a inclinação da
curva de isolucro (note que, ao longo de 𝑅1 , o numerador é zero. Assim, ao cruzar a função de reação, deve
ser horizontal). As isolucros da Empresa 2 são dadas por 𝜋2 = (𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝑔𝑝1 )𝑝2 = 𝑧. A diferenciação
total dá 𝑑𝜋2 = (𝑎 − 2𝑏𝑝2 + 𝑔𝑝1 )𝑑𝑝2 + 𝑔𝑝2 𝑑𝑝1 = 0. Assim, tem-se 𝑑𝑝2 /𝑑𝑝1 = −𝑔𝑝2 /(𝑎 − 2𝑏𝑝2 +
𝑔𝑝1 ), a inclinação da isolucro da Empresa 2. Note que, ao longo da função de reação 𝑅2 , o denominador é
zero, de modo que, quando cruza, 𝑅2 deve ser vertical).
𝑎𝑏 𝛼𝛽(𝛽 − 𝛾) 𝑎2 𝑏 𝛼 2 𝛽(𝛽 − 𝛾)
𝑞𝐵 = = ; 𝜋𝐵 = = . (8.53)
2𝑏 − 𝑔 2𝛽 − 𝛾 (2𝑏 − 𝑔)2 (𝛽 + 𝛾)(2𝛽 − 𝛾)2
Vale notar que – embora tenha sido um bom exercício para inferir soluções de
equilíbrio – a solução foi encontrada para o jogo de preço apenas notando a dualidade dos
problemas de preço e quantidade e substituindo as soluções de Cournot já encontradas
antes. De fato, sob competição por quantidade, para a Empresa i, o problema é
max𝑞𝑖 𝜋𝑖 = (𝛼 − 𝛽𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗 )𝑞𝑖 dado 𝑞𝑗 , enquanto, sob competição por preço, o problema
é max max𝑝𝑖 𝜋𝑖 = (𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 )𝑝𝑖 , dado 𝑝𝑗 . Essas expressões são o dual uma da
outra, e podemos obter a última da primeira substituindo 𝑞𝑖 por 𝑝𝑖 , 𝛼 por 𝑎, 𝛽 por 𝑏, 𝛾
por – 𝑔.31
𝛼𝛾 2
𝑝𝐶 − 𝑝𝐵 = > 0. (8.54)
4𝛽 2 − 𝛾 2
Primeiro, note que as diferenças são sempre positivas: os preços são sempre mais
altos (e, consequentemente, as quantidades são sempre mais baixas) sob competição por
quantidade que por preço, a despeito de os bens serem substitutos, complementares ou
independentes.32
31
Isso também implica que a concorrência de Cournot com produtos substitutos (respectivamente,
complementares) é o dual da concorrência de Bertrand com produtos complementares (respectivamente,
substitutos): 𝛾 > 0 corresponde a 𝑔 < 0, e vice-versa.
32
Podem-se verificar outros resultados obtidos por Singh e Vives: o excedente do consumidor e o total são
maiores (ligeiramente) sob competição por preços que por quantidade. Os lucros são maiores, iguais ou
mais baixos sob competição por quantidade que por preço, de acordo com os bens serem substitutos,
independentes ou complementares.
inclinadas, enquanto, sob competição por preço, elas são positivamente inclinadas.33 A
seguir, relaciona-se a inclinação das curvas de reação das empresas com uma propriedade
da função de lucro e apresentamos os conceitos de substitutos e complementos
estratégicos de Bulow et al. (1985).34
𝜕 2 𝜋𝑖 𝜕𝑅𝑖 𝜕 2 𝜋𝑖
+ = 0. (8.57)
𝜕𝑎𝑖2 𝜕𝑎𝑗 𝜕𝑎𝑖 𝜕𝑎𝑗
𝜕 2 𝜋𝑖 /(𝜕𝑎𝑖 𝜕𝑎𝑗 )
𝑅𝑖′ = − = 0. (8.58)
𝜕 2 𝜋𝑖 /𝜕𝑎𝑖2
33
Note, contudo, que isso vale para demanda linear, mas não é sempre o caso para funções de demanda
mais gerais.
34
Esta seção segue de perto Tirole (1988: 207-8).
35
Esta melhor resposta é única, dada a hipótese de que a função de lucro é estritamente côncava.
𝜕2𝜋
• As ações são complementares estratégicas se 𝜕𝑎 𝜕𝑎𝑖 > 0.
𝑖 𝑗
Figura 8.6 (a) Equilíbrio de Nash estável; e (b) Equilíbrio de Nash instável.
Na Figura 8.6(b), por sua vez, o equilíbrio não será estável, pois movimentos ao
longo das funções de reação iriam empurrar as empresas adiante, a partir do ponto de
equilíbrio 𝐸. A melhor resposta da Empresa 2 à produção 𝑞10 da Empresa 1 seria produzir
a quantidade 𝑞21 . Por sua vez, a melhor resposta da 1 à quantidade 𝑞21 seria produzir 𝑞12 .
No entanto, a melhor resposta da 2 seria, a esse ponto, produzir nada. O ponto de
equilíbrio E não pode ser atingido por meio desse processo de ajustamento e é, portanto,
instável.
36
Alternativamente, pode-se pensar que cada jogador olha adiante, mas não atribui importância ao futuro,
ou seja, tem um fator de desconto zero.
𝛼
𝑞𝑀 = . (8.59)
2(𝛽 + 𝛾)
𝛼 𝛼2
𝑝𝑀 = ; 𝜋𝑀 = . (8.60)
2 4(𝛽 + 𝛾)
Pode-se verificar que, sob competição por preço, obtém-se exatamente o mesmo
resultado:
𝑎 𝛼 𝑎 𝛼
𝑝𝑀 = = ; 𝑞𝑀 = = . (8.61)
2(𝑏 − 𝑔) 2 2 2(𝛽 + 𝛾)
𝑛 𝑛 𝑛 2
𝑛 µ
𝑈(𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ], (8.62)
2(1 + µ) 𝑛
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1
37
Evidentemente, as preferências do consumidor podem ser expressas como 𝑉 = 𝑈(𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) + 𝑦,
de modo que a análise de equilíbrio parcial é inteiramente justificada.
𝑛
1
𝑝𝑖 = 𝑣 − (𝑛𝑞𝑖 + µ ∑ 𝑞𝑗 ). (8.63)
1+µ
𝑗=1
𝑛
1 µ
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + µ) + ∑ 𝑝𝑗 ]. (8.64)
𝑛 𝑛
𝑗=1
Competição por preço. Suponha que todas as empresas tenham idênticas funções
de custo 𝐶(𝑞𝑖 ) = 𝑐𝑞𝑖 , com 𝑐 < 𝑣. Os lucros da Empresa 𝑖 são dados por 𝜋𝑖 =
(𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑝1 , … , 𝑝𝑖 , … , 𝑝𝑛 ), onde 𝑞𝑖 (∙) é dado por (8.64). Escrevendo as CPOs
𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 = 0 e impondo simetria (𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝 para todos 𝑗 ≠ 𝑖), obtêm-se os preços de
equilíbrio de Bertrand como
38
Uma desvantagem dessa função de utilidade é que ela não permite lidar ao mesmo tempo com
complementares e substitutos.
39
Note que limµ→∞ 𝑝𝑏 = 𝑐 e limµ→∞ 𝜋𝑏 = 0: quando os bens se tornam substitutos perfeitos, o equilíbrio
tende ao caso usual de Bertrand, com bens homogêneos.
(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + 𝑛µ − µ) (𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 + 𝑛µ − µ)
𝑞𝑏 = ; 𝜋𝑏 = . (8.66)
𝑛(2𝑛 + 𝑛µ − µ) (2𝑛 + 𝑛µ − µ)2
(𝑣 − 𝑐)(1 + µ)
𝑞𝑐 = . (8.67)
2𝑛 + 𝑛µ + µ
(𝑣 − 𝑐)(𝑛 − 1)µ2
𝑝𝑐 − 𝑝𝑏 = ≥ 0;
(2𝑛 + 𝑛µ + µ)(2𝑛 + 𝑛µ − µ)
(8.69)
(𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 − 1)2 µ3 (2 + µ)
𝜋𝑐 − 𝜋𝑏 = ≥ 0.
(2𝑛 + 𝑛µ + µ)2 (2𝑛 + 𝑛µ − µ)2
𝑣+𝑐
𝑝𝑀 = . (8.70)
2
𝑀
𝑣−𝑐 𝑀
(𝑣 − 𝑐)2
𝑞 = ; 𝜋 = . (8.71)
2 4𝑛
Até aqui, analisamos apenas jogos de uma rodada. Esta seção focaliza o caso em
que as empresas ainda têm apenas uma variável estratégica (seja preço ou quantidade)
mas interagem repetidamente no mercado de produto. Em outras palavras, relaxamos a
hipótese (A2) do jogo de Bertrand. Ocorre que o resultado do jogo modificado é muito
diferente dependendo se o jogo é repetido por um número finito ou infinito de vezes.
Prova. Este é um jogo de “informação quase perfeita”, que pode ser resolvido por
indução reversa (ver a seção 8.3.2.1). No último período do jogo, 𝑡 = 𝑇; a despeito do
que tenha acontecido nos períodos prévios, tudo se passa como se as duas empresas
estivessem jogando um jogo de Bertrand de uma única rodada. Assim, o único equilíbrio
do jogo será o preço de Bertrand de uma rodada 𝑝1,𝑇 = 𝑝2,𝑇 = 𝑐.
40
O fator de desconto mede a importância que o jogador atribui ao futuro: se δ = 0, então só os lucros
correntes importam. Se δ = 1, os lucros recebidos a qualquer tempo no futuro (mesmo distante) têm a
mesma importância que os correntes. Visto que 𝛿 = 1/(1 + 𝑟), onde 𝑟 é a taxa de juros e 𝛿 = 0
corresponde ao caso em que 𝑟 → ∞ e 𝛿 = 1 ao caso em que 𝑟 = 0.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos períodos prévios, levando as empresas
a escolherem 𝑝1,𝑡 = 𝑝2,𝑡 = 𝑐 em qualquer período 𝑡.
Isso mostra que, quando o jogo de Bertrand é repetido um número finito de vezes,
seu resultado é exatamente o mesmo de um jogo de uma rodada, com empresas
estabelecendo preços no nível do custo marginal e perfazendo lucro zero em todos os
períodos. Esse resultado, no entanto, vale apenas se as empresas jogam um jogo de
informação completa. Se elas tiverem informação incompleta sobre seus oponentes (isto
é, se estiverem incertas acerca de seus ganhos), o resultado de equilíbrio não será o
equilíbrio de Bertrand repetido 𝑇 vezes. Embora não analisemos o equilíbrio de Bertrand
sob informação incompleta, o leitor interessado pode buscar a versão da informação
incompleta do paradoxo da rede de lojas no Capítulo 7, que guarda aspectos similares.41
Suponha agora que um jogo de competição por preço esteja sendo jogado infinitas
vezes.42 Considere as seguintes estratégias de gatilho: cada empresa estabelece o preço 𝑝
no período inicial 𝑡 = 0. A empresa estabelece o preço 𝑝 no tempo 𝑡 se ambas tiverem
estabelecido o preço 𝑝 em cada período anterior a 𝑡. De outra forma, cada empresa
estabelece 𝑝 = 𝑐 para sempre. Em outras palavras, cada uma se comporta de maneira
“colusiva” desde que o concorrente o faça, mas, se uma delas se desvia do preço
41
Kreps et al. (1982) foram os primeiros a formalizar o jogo do dilema do prisioneiro repetido (muito
similar ao jogo de Bertrand) sob informação incompleta. Veja também Tirole (1988: 258-9).
42
De forma equivalente, suponha que um jogo tenha uma data final incerta, com a probabilidade de que o
mercado exista no próximo período sendo 𝜙 ∈ (0,1). Chame o fator de desconto das empresas sob essa
interpretação de alternativa 𝑑. Pode-se, então, estabelecer δ = 𝑑𝜙 e desenvolver a análise como no texto.
𝜋(𝑝)
(1 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝). (8.72)
2
Note que ∑∞ 𝑡
𝑡=0 𝛿 = 1/(1 − 𝛿). Assim, depois de uma álgebra simples, a restrição
de incentivo se torna
1
𝛿≥ , (8.73)
2
ou seja, o preço 𝑝 ∈ [𝑐, 𝑝𝑚 ] pode ser sustentado no equilíbrio desde que o fator de
desconto seja suficientemente elevado.
Não há muito sentido em elaborar muito além, uma vez que esse ponto é discutido
longamente no Capítulo 4. O principal propósito desta seção é apenas mostrar que preços
acima dos custos marginais podem ser mantidos como o equilíbrio do jogo com horizonte
infinito (ou data final incerta). Note, no entanto, que uma importante questão é a
multiplicidade de equilíbrios que surgem do jogo. Qualquer preço 𝑝 ∈ [𝑐, 𝑝𝑚 ] entre o
custo marginal e o preço de monopólio pode ser o equilíbrio do jogo (para um fator de
desconto alto o suficiente). Isso leva a importantes implicações de política discutidas no
Capitulo 4.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54
Jogos dinâmicos foram descritos em termos gerais na seção 8.3.2, e vários deles
são tratados ao longo do livro. Por exemplo, o Capítulo 2 analisa jogos nos quais as
decisões de entrada são tomadas antes de investimentos (P&D redutor de custo ou
qualidade) e competição no mercado de produto. O Capítulo 4 trata novamente de
decisões de P&D seguidas de decisões no mercado de produto, quando há
transbordamentos de P&D (spillovers). O Capitulo 5 analisa jogos em que empresas
primeiro decidem se fundir ou não e depois competir no mercado. No Capítulo 6, os
revendedores tomam decisões sobre esforços de venda ou fabricantes decidem sobre
investimentos antes que a concorrência ocorra; no Capítulo 7, novamente, as incumbentes
adotam certas ações antes que potenciais entrantes decidam sobre a entrada ou novas
empresas decidam se continuam ou não a operar.
43
Essa é uma versão muito simplificada, de apenas um mercado, de Bulow et al. (1985). Outra importante
referência para esta seção é Fudenberg e Tirole (1984).
44
Veremos a seguir que se deve estender e reinterpretar o modelo, de modo que 𝑠 seja escolhido pela
empresa ou por terceiros, como o governo.
𝛼 − (𝑘 − 𝑠) − 2𝛽𝑞1 𝛼 − 𝑘 − 𝛾𝑞1
𝑅1 ∶ 𝑞2 = ; 𝑅2 ∶ 𝑞2 = . (8.74)
𝛾 2𝛽
Figura 8.7 Efeito de um choque (𝑠 > 0) que reduz o custo marginal da empresa 1:
Substitutos estratégicos.
A Figura 8.7 ilustra as funções de reação da empresa. Primeiro note que as funções
de reação são negativamente inclinadas: assim, no modelo, as decisões são substitutas
estratégicas. Então, note que a posição da função de reação da Empresa 1 é deslocada
pelo choque 𝑠. Em particular se 𝑠 >0, como na figura, 𝑅1 se desloca para a direita de 𝑅1′ .
Para avaliar o efeito estratégico do choque, é conveniente distinguir entre os dois casos.
No primeiro, a entrada pela Empresa 2 não é uma questão (por exemplo, porque 𝑓 = 0, e
o choque é tal que, à interseção entre 𝑅1′ e 𝑅2 , a Empresa 2 vende uma produção positiva).
Chame isso de caso de acomodação.45 No segundo caso, a entrada da Empresa 2 é uma
questão (por exemplo, porque no equilíbrio, na ausência de choque, a Empresa 2 tem
lucros positivos líquidos, e um movimento para um novo equilíbrio pode colocá-la em
45
O termo é retirado de Fudenberg e Tirole (1984), em que o choque é endógeno. Refere-se a um
investimento que conduzirá a um novo equilíbrio, no qual a Empresa 2 obtém lucros positivos. Nesse
sentido, a entrada acomoda o investimento.
uma curva de isolucro associada a lucros negativos, tornando assim a entrada não
lucrativa). Chame isso de caso de detenção de entrada. Vamos analisá-los a seguir.
Para desembaraçar esses dois efeitos, raciocine da seguinte forma: uma vez que o
choque ocorre, ele modifica a função de reação da Empresa 1, deslocando-a para a direita.
O efeito direto do choque sobre os lucros da Empresa 1 pode ser visto como um
movimento que ocorre na ausência de qualquer resposta por parte da Empresa 2. Em
outras palavras, suponha que a Empresa 2 não altere suas ações e ainda produza as
quantidades 𝑞2𝐸 . Então, a Empresa 1 terminará no ponto 𝐷, ou seja, na nova função de
reação correspondente aos custos marginais mais baixos, mas no qual as quantidades
produzidas pela Empresa 2 são constantes. A isolucro da Empresa 1, ao passar pelo ponto
𝐷, é associada ao nível de lucros 𝜋1𝐷 .
Dado que os lucros são mais elevados (em 𝐸 ′ , a Empresa 1 está em uma curva de
isolucro mais baixa que em 𝐷), podemos considerar que o efeito estratégico tem um
impacto positivo sobre 𝜋1 .
Para analisar a competição por preço, considere o sistema de demanda direta dado
por (8.45). Os problemas das empresas são max𝑝1 𝜋1 = (𝑝1 − 𝑘 + 𝑠)(𝑎 − 𝑏𝑝1 + 𝑐𝑝2 ) e
max𝑝2 𝜋2 = (𝑝2 − 𝑘)(𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝑐𝑝1 ) − 𝑓. Tomando as CPOs e rearranjando as
equações, obtemos as funções de reação em (𝑝1 , 𝑝2 ):
46
Sabemos pelo caso da acomodação que a Empresa 1 estaria em melhor situação, mesmo que a empresa
2 permanecesse no mercado. A fortiori, o choque aumentará seus lucros quando tornar a Empresa 1 o único
vendedor.
Figura 8.8 Efeito de um choque (𝑠 > 0) que reduz o custo marginal da empresa 1:
Complementos estratégicos.
A Figura 8.8 ilustra as funções de reação das empresas. Vimos já, em 8.4.2.1, que
as funções de reação são positivamente inclinadas: as decisões são complementos
estratégicos. Se 𝑠 > 0, como na figura, 𝑅1 se desloca para a esquerda para 𝑅1′ , seguindo
o choque de redução de custos.
Discussão e interpretação. Até aqui, tratou-se o choque como uma variável exógena,
decidida pela natureza ou pela sorte. Contudo, a análise anterior pode ser endogeneizada
de forma direta, da seguinte maneira. Suponha que 𝑠 seja determinado pela decisão de
investimento da Empresa 1. Por exemplo, considere a decisão de investimento em P&D
que reduz os custos da Empresa 1 e é observável para a Empresa 2, ou seja, há um
compromisso crível para alterar a função de reação da Empresa 1.
A análise anterior joga luz sobre como a interação oligopolista pode incitar a
Empresa 1 a sobreinvestir ou subinvestir, relativamente à situação em que os efeitos
estratégicos não são levados em consideração e, portanto, não afetam o comportamento
da concorrente da Empresa 1. Considere, por exemplo, o caso em que as decisões são
substitutas estratégicas: uma redução leva a sobreinvestimento em atividades em que
houve redução de custos (nesse caso, independentemente do fato de a entrada de 2 estar
ou não em questão).
47
Claramente, o resultado oposto vale se o choque afetar a Empresa 1 adversamente, ou seja, se 𝑠 < 0.
8.6 – APÊNDICE
Mostramos aqui como obter o sistema de demandas diretas (8.64) a partir das
demandas inversas (8.63).49 O sistema de funções de demandas inversas pode ser escrito
na forma de matriz como 𝑝 − 𝑣 = − [1⁄(1 + 𝛾)]𝐴𝑞, onde 𝑝 e 𝑞 são, respectivamente,
preço e quantidade (𝑛, 1) vetores, 𝑣 é um (𝑛, 1) vetor tendo um escalar 𝑣 em cada entrada,
𝛾 é um escalar, e 𝐴 é uma (𝑛, 𝑛) matriz tendo os elementos 𝑛 + 𝛾 na diagonal e elementos
𝛾 em todas as outras entradas não diagonais. É evidente que as funções de demanda direta
podem ser reescritas na forma da matriz:
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Veja Bulow et al. (1985) e Tirole (1988: 328-36) para uma série de outras interessantes aplicações.
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Massimo Motta agradece a Felipe Cucker, grande matemático e gastrônomo, que lhe mostrou, há muito
tempo, como inverter matrizes similares.
Defina 𝑑 = 𝛾⁄𝑛. É fácil mostrar que 𝐴 = 𝑛(𝐼 + 𝑑𝑂), onde 𝐼 é a matriz identidade,
tendo 1 na diagonal e 0 nas demais entradas, e onde 𝑂 é a matriz tendo 1 em todas as
entradas. Assim, ela deve ser 𝐴−1 = (1⁄𝑛)(𝐼 + 𝑑𝑂)−1.
𝑑 𝑑 𝑑2
(𝐼 + 𝑑𝑂) (𝐼 − ( ) 𝑂) = 𝐼 + 𝑑𝑂 − ( )𝑂 − ( ) 𝑂2 .
1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛
𝑑 𝑛𝑑 2 𝑑 𝑛𝑑 2
𝐼 + 𝑑𝑂 − ( )𝑂 − ( ) 𝑂 = 𝐼 + [𝑑 − − ]𝑂
1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛
𝑑 + 𝑑2 𝑛 𝑑 𝑛𝑑2
=𝐼+[ − − ] 𝑂 = 𝐼 + 0𝑂 = 𝐼.
1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛
1 𝛾
𝐴−1 = [𝐼 − ( ) 𝑂]. (8.77)
𝑛 𝑛 + 𝑛𝛾