Você está na página 1de 702

1

CAPÍTULO 1

Política de concorrência: história,


objetivos e legislação

SUMÁRIO

1.1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2

1.2 – BREVE HISTÓRIA DA POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA................................ 3

1.2.1 – Direito antitruste nos Estados Unidos .............................................................. 3

1.2.2 – Direito de concorrência na União Europeia ................................................... 12

1.2.2.1 – Direito de concorrência na Alemanha ..................................................... 13

1.2.2.2 – Direito de concorrência no Reino Unido ................................................. 15

1.2.2.3 – Direito de concorrência nas comunidades europeias ............................... 17

1.2.2.4 – Direito da concorrência no Brasil ............................................................ 20

1.3 – OBJETIVOS DE POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E OUTRAS POLÍTICAS


PÚBLICAS ..................................................................................................................... 25

1.3.1 – Objetivos da política de concorrência ............................................................ 25

1.3.1.1 – Bem-estar (excedente total) ..................................................................... 26

1.3.1.2 – Bem-estar do consumidor (excedente do consumidor) ........................... 27

1.3.1.3 – Defesa de pequenas empresas.................................................................. 31

1.3.1.4 – Promoção da integração de mercado ....................................................... 33

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

1.3.1.5 – Liberdade econômica ............................................................................... 34

1.3.1.6 – Combate à inflação .................................................................................. 34

1.3.1.7 – Justiça e equidade .................................................................................... 35

1.3.2 – Outras políticas públicas que afetam a concorrência...................................... 37

1.3.2.1 – Razões sociais .......................................................................................... 38

1.3.2.2 – Razões políticas ....................................................................................... 39

1.3.2.3 – Razões ambientais ................................................................................... 39

1.3.2.4 – Razões estratégicas: políticas industrial e comercial ............................... 40

1.3.3 – Política de concorrência: uma definição ......................................................... 41

Exercícios do Capítulo 1 ................................................................................................ 43

1.1– INTRODUÇÃO

Em vez de começar com uma longa e abstrata discussão sobre o que é política de
defesa da concorrência1, este capítulo tem por objetivo apresentar ao leitor questões sobre
concorrências por meio de uma abordagem histórica. A seção 1.2 descreve brevemente
os principais aspectos que a política de concorrência exibiram no passado, nos Estados
Unidos, na Europa e no Brasil. A revisão histórica também mostra que, na prática da
política de concorrência, numerosas considerações de políticas públicas e objetivos foram
(e ainda são) consideradas. A seção 1.3 rapidamente as discute e indica os possíveis
conflitos objetivos econômicos e não econômicos. Munidos por essa discussão, no fim
do Capítulo 1, teremos a definição de política de concorrência utilizada neste livro.

1
Política de concorrência, política de defesa da concorrência e política antitruste são expressões análogas
que fazem referência às jurisdições nas quais surgiram (respectivamente, Europa, Brasil e Estados Unidos)
e serão indistintamente utilizadas neste livro.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

1.2 – BREVE HISTÓRIA DA POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA

Esta seção revê brevemente os principais eventos históricos no desenvolvimento


da legislação de concorrência (ou antitruste) nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil.
O propósito aqui não é efetuar uma descrição completa da história do direito da
concorrência, mas ajudar a entender as circunstâncias nas quais a legislação de
concorrência foi criada e aplicada, assim como os objetivos que se propunha a atingir.

1.2.1 – Direito antitruste nos Estados Unidos

As origens da moderna política de concorrência podem ser rastreadas até o final


do século XIX, principalmente como reação à formação de trustes nos Estados Unidos2,3.

Os eventos que levaram à Lei Sherman. Na segunda metade do século XIX, os


Estados Unidos testemunharam uma série de eventos que resultaram em profundas
transformações nas indústrias manufatureiras. Talvez os mais importantes tenham sido as
melhorias em transportes e comunicações. As ferrovias se estenderam rapidamente por
todo o território americano, assim como as redes de telégrafos e serviços telefônicos. Isso
implicou a formação de um único e amplo mercado, o que, por sua vez, conferiu poderoso
incentivo às empresas para explorar economias de escala e economias de escopo4. Com

2
“O truste era, originalmente, um instrumento pelo qual várias corporações em uma mesma linha de
negócios poderiam combinar-se para obter vantagem mútua, buscando eliminar a concorrência destrutiva,
controlando a produção de mercadorias, regulando e mantendo preços, mas, ao mesmo tempo, preservando
sua existência individual, sem consolidação ou fusão. Esse estratagema implicava o estabelecimento de um
comitê central ou conselho, composto talvez por presidentes ou gerentes gerais das diferentes corporações,
e a transferência para eles da maioria das ações de cada uma das corporações a serem detidas pelo trust
para os vários acionistas, de modo a indicar a atribuição de suas participações. Os acionistas recebiam em
troca os trustees certificates (certificados de participação no truste), de acordo com os quais tinham direito
a receber dividendos por suas ações, embora seu poder de voto tenha sido atribuído aos curadores (trustees).
Este último aspecto permitia que os trustees ou comitês elegessem todos os diretores das corporações e, por
meio deles, os funcionários, exercendo controladora e absoluta influência sobre a política e a operação de
cada companhia, com os propósitos mencionados anteriormente.” (WEST GROUM, 1998)
3
Para escrever esta seção, foi consultada uma série de fontes que descrevem a legislação antitruste dos
Estados Unidos em perspectiva histórica, entre elas: Amato (1997), Comanor (1990), Fox (2002), Kovacic
e Shapiro (2000), Lin et al. (2000), Mueller (1996), Posner (2001: Capítulo 2), Scherer (1980) e Scherer
(1994). Ver também Salgado (1997: Introdução).
4
Economias de escala acontecem quando os custos unitários de produção caem com a quantidade total
produzida; economias de escopo, quando os custos unitários caem porque dois ou mais bens são produzidos

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

inovações tecnológicas em vários campos (como metalurgia, química e energia), a


formação de mercados de capital mais avançados e novos métodos de gestão empresarial
criou a possibilidade de expansão do tamanho das empresas5. Inovações jurídicas, com a
“liberalização das leis de incorporação do estado, também contribuíram para a criação de
grandes empresas, permitindo a aquisição de ações de outras (em fusões, por exemplo) e
delegação de poder de decisão de acionistas a executivos em tempo integral” (Scherer
1980: 492). Não foi por acaso que os Estados Unidos experimentaram uma
impressionante onda de fusões nas décadas de 1880 e 1890.

A última parte do século XIX foi caracterizada por preços baixos e instáveis,
devido a fatores macroeconômicos que provocaram recorrentes e persistentes crises
econômicas (1873-8 e 1883-6) e criaram instabilidade em vários setores, boa parte da
qual, contudo, devida aos mesmos fatores que levaram à criação de grandes oportunidades
de mercado. De fato, a queda dos custos em transportes e comunicações gerou não apenas
um único e amplo mercado integrado para muitas indústrias, mas também o crescimento
da competição, uma vez que muitas empresas eram, então, obrigadas a competir com
rivais mais distantes, localizadas em outros estados americanos e no exterior (os custos
de transportes marítimos e, por conseguinte, de importações, também foram
consideravelmente reduzidos nesse período).

Assim, os grandes investimentos feitos por empresas para obter economias de


escala e de escopo levaram a menores custos e a menores preços. Nas palavras de
Chandler (1990,71): “O aumento da produção e o excesso de capacidade intensificaram
a competição e empurraram para baixo os preços. De fato, o resultado de declínio dos
preços de bens manufaturados caracterizou as economias dos Estados Unidos e das
nações da Europa Ocidental de meados de 1870 ao fim do século.”

Além disso, as empresas precisam realizar grandes investimentos para reorganizar


atividades de produção e distribuição, para comprar novas máquinas ou entrar em novos
mercados (pense nos imensos investimentos que ferrovias precisam realizar). Na tentativa

conjuntamente.
5
Ver Chandler (1990), em particular o Capítulo 3, para um rico e fascinante relato das mudanças na
economia americana durante a segunda metade do século XIX.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

de operar à plena capacidade para cobrir grandes custos fixos, as organizações serão
tentadas a reduzir preços, o que dará início a guerras de preços.

Em regra, as empresas tentam responder a guerras de preços e instabilidade de


mercado por meio de acordos que lhes permitam manter altos preços e margens6. A
organização de cartéis e trustes (como em ferrovias e companhias de petróleo, os
melhores exemplos conhecidos) tinha exatamente esse propósito. Mas as vantagens da
estabilidade de preços para os membros dos cartéis e dos trustes não vinham sem prejuízo
para outros grupos na economia. Consumidores finais eram prejudicados pelos altos
preços, assim como produtores, agricultores e pequenas empresas industriais, que usavam
como insumos produtos cartelizados. Tais grupos sofriam com os baixos preços nas
épocas de crise econômica – as pequenas empresas em particular, por não poderem
usufruir de ganhos de escala – e encontravam-se imprensados entre baixos preços de
venda e altos preços de insumos (sobretudo tarifas de energia e ferrovias). Além do mais,
pequenas empresas queixavam-se de práticas injustas de negócios, adotadas por grandes
concorrentes que, segundo alegavam, queriam expulsá-las do mercado.

Agricultores e pequenos empresários tinham força política suficiente, além de


simpatia pública para levar a criação da legislação antitruste a muitos dos estados
americanos7. No entanto, tais leis podiam fazer muito pouco contra acordos que
envolviam mais que um estado. Mas logo formou-se um consenso suficiente para uma lei
federal, e a Lei Sherman foi promulgada. Trata-se do melhor exemplo de lei antitruste do
mundo, embora não tenha sido a primeira: o Canadá adotou uma lei similar em 1889,
embora sua aplicação tenha sido muito mais fraca.

A Lei Sherman e sua aplicação inicial. Para nossos propósitos, as seções relevantes
da Lei Sherman são as 1 e 2. A seção 1 proíbe contratos e conspirações que restringem o
comércio e prescreve prisão e multa para violadores. A seção 2 proíbe tentativas ou
monopolização de fato de “qualquer parte do comércio entre vários estados ou entre
nações estrangeiras” (note, porém, que uma posição de monopólio por si não é ilegal). A

6
No entanto, guerras de preços podem ser apenas uma das fases de um cartel. Ver Green e Porter (1984) e
Porter (1983b). Ver uma discussão sobre esse assunto no Capítulo 4.
7
Note que “pequenos empresários” incluem não apenas industriais cuja pequena operação lhe dava
desvantagem de custo, mas também atacadistas, representantes de manufaturas e outros intermediários.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

lei traz as próprias penalidades criminais, que podem incluir prisão de até três anos
(recentemente, sentenças de prisão tornaram-se mais comuns em casos de condenação
antitruste).

Durante a primeira década de vida, a aplicação da Lei Sherman não foi muito
rígida. Apenas em 1897, a Suprema Corte decidiu sobre um truste que envolvia 18
ferrovias e tinha fixado tarifas sobre o transporte de bens (Trans-Missouri Freight
Association), claramente estabelecendo que acordos de preços eram ilegais. De fato,
nessa decisão e em Addystom Pipe and Steel, os juízes recusaram argumentos em favor
da fixação de preços como forma de impedir a “concorrência predatória”. A Suprema
Corte adotou a visão de que, com a Lei Sherman, o Congresso intencionava banir
qualquer acordo de preços e que não caberia aos juízes decidir quais seriam ou não
razoáveis8. A proibição de acordos de preços entre concorrentes é um princípio muito
forte e ainda válido, com poucas exceções9.

Em Dr. Miles versus Park & Sons (1911), a Suprema Corte aplicou a proibição da
Lei Sherman a restrições de preços também em relações verticais. A Corte estabeleceu
que a cláusula de manutenção de preços no varejo, quando o fabricante obriga o
revendedor a vender acima do preço mínimo indicado por ele, era ilegal per se.10 Essa
proibição não foi revertida por muito tempo.11

Essa dura posição foi confirmada pelo julgamento contra dois dos mais
importantes trustes, Standard Oil Company (dividido em 34 companhias separadas em
1911) e American Tobacco.

8
Ver também Posner (2001: 35-6).
9
No entanto, exceções às regras antitruste nos Estados Unidos foram formalmente concedidas a vários
setores, como seguros, agricultura, pesca, ligas de beisebol profissional e organizações profissionais.
Também existe a doutrina da state action (referente a setores regulados por agências estaduais), que
representa outra exceção. Em particular, acordos horizontais (como fixação de preços), que, de outra forma,
seriam considerados anticompetitivos, são permitidos se autorizados por regulação estatal. Para uma
discussão sobre esse tema, ver Inman e Rubinfeld (1997).
10
Se uma prática de negócios é legal per se, nenhum julgamento pode justificá-la: é proibida sem exceções.
Se ao contrário a abordagem é de acordo com a razoabilidade, a empresa pode convencer a corte de que
sua prática de negócios não gera danos ao bem-estar naquelas circunstâncias particulares.
11
Essa proibição per se não é justificável em termos econômicos. Ver o Capítulo 6. Note que apenas em
1997 a Suprema Corte decidiu, em State Oil versus Kuhn, que uma empresa poderia impor um teto de
preços sobre seus revendedores.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

Standard Oil é ainda um dos mais famosos casos na história da política


antitruste12. O truste, criação de Rockefeller, tinha se engajado em uma série de práticas
de monopolização – como cortes localizados de preços, acusados de serem predatórios, e
um número de aquisições de empresas menores – julgada com base nas seções 1 e 2 da
Lei Sherman. Em American Tobacco, cinco produtoras de tabaco fundiram-se na
American Tobacco Company e engajaram-se em uma campanha para a compra de
companhias menores, controlando participação acionaria em outras empresas e
começando uma guerra de preços para aumentar seu poder e retirar do mercado outras
manufatureiras. O truste foi condenado e desmantelado.

Outro importante caso de monopolização foi o Terminal Railroad (1912), decisão


que proibiu várias ferrovias de controlar instalações de terminais da principal ponte da
cidade de St. Louis para discriminar contra competidores, obrigando as ferrovias a lhes
dar acessos em termos razoáveis.13

A Lei Clayton e a Lei Federal Trade Commission. Note que a Lei Sherman
cobre fixação de preços e acordos de divisão de mercados entre empresas independentes,
assim como práticas de monopolização por companhias individuais, mas não fusões
(antes consideradas legais, a menos que formadas com a intenção de monopolizar o
mercado usando métodos desleais de competição). Consequentemente, empresas
dispostas a coordenar preços tinham a opção de fundir-se em uma única companhia e, ao
fazê-lo, colocavam-se fora do alcance da Lei Sherman. A Lei Clayton foi, então, posta
em vigor em 1914, para estender a legislação antitruste de modo a cobrir fusões capazes
de reduzir a competição; foi provavelmente a própria Lei Sherman que gerou forte
aumento no número de fusões nos Estados Unidos.

Depois de 1897, teve início o maior e certamente mais significativo movimento


de fusões da história americana, surgido, em parte, por conta da contínua atividade e
legislação antitruste dos estados, em parte por conta da crescente dificuldade de fazer
cumprir acordos contratuais por parte de associações comerciais durante a depressão dos
anos 1890, e em parte por conta do retorno da prosperidade, e o mercado flutuante de

12
Ver o Capítulo 7 para uma breve discussão do caso no contexto de análise de preços predatórios.
13
Este caso é ainda mencionado hoje em discussões relacionadas com instalações essenciais e recusa de
contratar. Ver os Capítulos 6 e 7.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

ações que o acompanhou facilitou a troca de ações e encorajou os banqueiros e outros


financistas a promoverem fusões. O boom de fusões atingiu seu ápice entre 1899 e 1902,
depois que a Suprema Corte indicou que cartéis organizados por associações comerciais
estavam vulneráveis à Lei Sherman, ao decidir sobre o caso Trans-Missouri Freight Rare
Association (1897), o caso Joint Traffic Association (1898) e o caso Joint Addyston Pipe
and Steel (1899) (Chandler, 1990:75).

A Lei Clayton também explicitou a proibição de outras práticas, como a


discriminação de preços, que reduzem a concorrência e participações cruzadas entre
concorrentes. A possibilidade de recuperação de danos triplos também é muito
importante: foi introduzida pela seção 4 da Lei Clayton para processos privados de
antitruste, o que provocou importantes transferências financeiras de ofensores e vítimas
de condutas comerciais ilegais (que podem requerer indenização igual a três vezes o dano
que sofreram, mais os honorários advocatícios).

A Lei Federal Trade Commission que também data de 1914, criou a FTC, agência
independente para regular práticas desonestas de comércio, que passou a compartilhar
com o DoJ (Department of Justice), braço do governo, a responsabilidade de aplicar a lei
antitruste nos Estados Unidos em nível federal (no nível estadual, procuradores-gerais
podem agir em nome dos prejudicados por violações antitruste).14

A Lei Clayton foi emendada subsequentemente. A Lei Robson-Patman, de 1936,


emendou a provisão sobre preços predatórios.15 Mais tarde, a Lei Celler-Kefauver, de
1950, emendou a Lei Clayton no que se refere a fusões, estendendo a proibição a
participações cruzadas entre concorrentes a transações com ativos (antes, apenas ações
eram cobertas pela lei). Outra importante lei é a Hart-Scott-Rodino, de 1976, que emenda
as provisões da Lei Clayton, conferindo ao DoJ e a FTC o poder de revisar fusões acima
de determinada dimensão de limiar.

O período entreguerras O período entre as duas guerras mundiais foi marcado por
uma aplicação mais branda da legislação antitruste. Durante a Primeira Guerra Mundial,

14
A divisão de trabalho entre as duas instituições, FTC e DoJ, não é determinada de forma precisa. Em
casos de fusões, dá-se tipicamente ao longo de linhas setoriais que podem mudar com o tempo. No entanto,
só o DoJ tem poder de ação em casos criminais.
15
Nos anos recentes, provisões contra preços predatórios vêm sendo utilizadas muito raramente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

foi a coalizão entre os negócios e a política que governou a economia, mais que as forças
de mercado, e esse modelo continuou a ter advogados mesmo depois de a guerra ter
terminado. A Grande Depressão de 1929 reforçou tais ideias e resultou em alguns
controles de preços e outras iniciativas regulatórias. A Lei Robson-Patman, cujo objetivo
era evitar a discriminação de preços, que poderia colocar pequenas lojas fora do negócio
em benefício de grandes redes, é um produto de tal ambiente.

Na mesma linha, indiscutivelmente a mais notável decisão do período, é a


Appalachian Coals versus US (1933). Marca uma das raras exceções para a proibição per
se da fixação de preços.16 A decisão da Suprema Corte só pode ser entendida em
perspectiva histórica. A Grande Depressão estava tendo importantes consequências para
muitas indústrias e uma das que sofriam maiores dificuldades durante a crise era a de
mineração de carvão. Enfrentando severa redução de demanda e pretendendo evitar
maiores perdas, 137 produtores localizados na região das Montanhas Apalache formaram
uma companhia que procurava encontrar os melhores preços para alocar a produção entre
os membros. A Corte decidiu que esse acordo não era ilegal, desde que fosse considerada
uma resposta razoável para proteger o mercado de práticas destrutivas.17

Esse é provavelmente o melhor exemplo de como as leis antitruste e sua aplicação


devem ser compreendidas nos contextos político, econômico e histórico em que são
elaboradas. Em Socony-Vacuum Oil (1940), quando as condições da economia já eram
muito diferentes, a Suprema Corte (que, no ínterim, mudara alguns juízes) restabeleceu o
princípio da proibição per se para acordos de preços, declarando ilegal uma prática que
datava da Grande Depressão para conter quedas de preço da gasolina – por pressão das
refinarias traumatizadas pelas perdas durante a época da Depressão.18

16
A decisão do caso Board of Trade of Chicago (1918) pode parecer uma exceção à proibição per se à
fixação de preços, mas provavelmente não foi. O objeto da decisão era a regra que fixava preço para todas
as transações ocorridas após o expediente. A Corte decidiu que a regra per se não se aplicava aqui porque
o Chicago Board não tinha controle sobre os preços das transações e porque, para julgar uma restrição, a
especificidade da indústria, a natureza e os efeitos da restrição deveriam ser considerados. Parece que a
regra da razão foi introduzida para casos de fixação de preços, mas em US versus Trenton Potteries (1927),
a Corte deixou claro que acordos naked para estabelecer preços entre competidores deveriam ser proibidos
per se, com a regra de razoabilidade reservada a circunstâncias excepcionais.
17
O efeito anticompetitivo também foi mais ameno, já que existiam muitos outros produtores na indústria
que não faziam parte do acordo.
18
Em Interstate Circuit (1919) e American Tobacco (1911), a Suprema Corte assumiu a visão de que uma
conspiração poderia ser condenada mesmo com ausência de prova concreta: não havia evidência de acordo
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

Até meados dos anos 1970: o ativismo na jurisprudência antitruste. Depois de


Socony-Vacuum Oil e até meados dos anos 1970, houve um período de intensa atividade
antitruste, caracterizado mais por um desejo de restringir grandes empresas que pelo
objetivo de aumentar a eficiência econômica, consistente com o pensamento econômico
da época.19

International Salt (1947) estabeleceu uma regra per se na proibição de vendas


casadas – situação em que o produtor vende determinado produto (ou serviço) apenas se
o consumidor também adquirir outro produto (ou serviço). Em Schwinn (1967), a Corte
decidiu contra cláusulas de exclusividade territorial, que atribuem um distribuidor
particular a um território no qual outro distribuidor não pode vender o mesmo produto do
fabricante.20

Em Alcoa (1945), a Circuit Court of Appeals (Corte de Circuito de Apelações)


reviu uma decisão de primeira instância que considerou a Alcoa culpada por monopolizar
o mercado de lingotes de alumínio, embora sem qualquer intenção. O mero fato de que a
Alcoa tinha poder de monopólio (determinado como 90% de participação do mercado) e
de que tenha adotado ações para aumentar os negócios, como construir nova capacidade,
foi suficiente para provar monopolização (ou intenção de monopólio).21

Decisões de fusões daquele período também parecem mostrar tendência similar.


Em Brown Shoe (1962), a Suprema Corte decidiu contra uma fusão que teria concedido
às empresas fusionadas uma participação de mercado de 5%. Em Philadelphia National
Bank (1963), uma questão fundamental na avaliação da fusão entre dois bancos na

explícito ou de comunicação direta entre as empresas que seguiam um comportamento similar e cujo efeito
era elevar preços. No entanto, em Theatre Entreprises versus Paramount (1954), a Corte decidiu que o
paralelismo consciente, sem qualquer fator adicional, não seria prova de acordo ilegal. O Capítulo 4 discute
extensivamente a questão do padrão de prova em casos de colusão. Argumentamos que evidências
concretas de comunicação entre empresas deveriam ser necessárias para condená-las.
19
Ver Mueller (1996) e Kovacic e Shapiro (2000) para uma relação entre doutrinas econômicas e legislação
antitruste nos Estados Unidos ao longo do tempo. Ver também Salgado (1997: Capítulo 1).
20
Como veremos no Capítulo 6, proteção territorial exclusiva é geralmente uma prática eficiente que
encoraja os varejistas a prover serviços: incluí-las entre restrições verticais proibidas per se supõe uma
abordagem que desconfia de restrições e desconsidera razões de eficiência. Com relação à venda casada
(Capítulo 7), esta é uma prática que pode ser anticompetitiva em algumas circunstâncias, mas
frequentemente tem boas justificativas de eficiência.
21
Outras decisões de monopolização criticadas por não terem levado em consideração argumentos de
eficiência foram United Shoe (1953) e Utah Pie (1967).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

Filadélfia era se o mercado deveria ser definido como área metropolitana da Filadélfia ou
região metropolitana Filadélfia-Nova York. A Corte optou pela definição mais estreita do
mercado e desautorizou a fusão, porque teria criado um mercado muito concentrado,
contra-argumentando que efeitos anticompetitivos em um mercado não poderiam ser
justificados por efeitos pró-competitivos em outro. Em Procter & Gamble (1967), a Corte
decidiu em favor da FTC, embora a fusão proposta fosse conglomerada (o que
acrescentava grande importância ao fato de que a P&G poderia ter entrado no mercado)
e a despeito de alegações de eficiência.

De Sylvania adiante: A escola de Chicago e os anos Reagan. Vários autores ligados


à University of Chicago criticaram pesadamente o intervencionismo das autoridades
antitruste e das Cortes e, em vez disso, enfatizaram a racionalidade por trás das restrições
verticais e das fusões.22 Essa visão começou a impactar juízes e comentadores durante os
anos 1970.

O efeito conjunto da crítica da Escola de Chicago e da perda de competitividade


externa das empresas americanas, que dirigiu atenções para os efeitos sobre eficiências
das práticas de negócios, causou uma mudança de atitude na aplicação da legislação
antitruste nos Estados Unidos. O ponto da virada foi certamente o caso GTE-Sylvania
(1977), no qual a Suprema Corte decidiu que restrições verticais que não envolvessem
preços deveriam ser sujeitas à regra da razoabilidade.

A nova tendência representou uma mudança de maior dimensão nos anos do


governo Reagan (1981-8), que introduziu uma abordagem laissez-faire na convicção de
que as forças de mercado deveriam naturalmente escolher as melhores empresas.23

O foco na eficiência também dificultou a vitória de casos contra uma empresa,


especialmente se envolvessem restrição vertical e monopolização.24 Como consequência,

22
Para uma visão da chamada Escola de Chicago, ver Bork (1978) e Posner (1976).
23
Como resultado, importantes investigações conduzidas durante o governo anterior, como a contra a IBM,
foram abandonadas. Essa mudança de política também foi apoiada por novos desenvolvimentos teóricos,
como a “teoria dos mercados contestáveis”. Ver o Capítulo 2 para uma discussão mais detalhada (ver
também Salgado, 2007, Capítulo 1).
24
Ver, por exemplo, Jefferson Parish Hospital (1984), quando a Suprema Corte decidiu que não havia
evidências de que um arranjo casado (pacientes do hospital podiam obter serviços de anestesiologistas
apenas entre os providos por uma corporação médica em base de exclusividade) tivesse restringido os
negócios de forma não razoável.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

o número de ações antitruste privadas interpostas nas Cortes Distritais americanas


declinou firmemente nos anos 1980. No auge de 1977, houve 1.611 ações, enquanto, em
1989, apenas 639.25

Tendências posteriores. É mais difícil identificar tendências quando se olha para o


passado mais recente. À parte alguns eventos mais visíveis determinados por mudanças
em governos,26 agências e cortes estão em algum momento entre o intervencionismo dos
anos 1960 e o laissez-faire dos anos 1980. Um importante fator é a renovada luta contra
os cartéis, sinalizada por algumas sentenças de prisão em casos de cartéis internacionais
de destaque e auxiliada pela introdução da política de leniência, que concede anistia a
executivos que fornecem provas da existência de cartéis (ver o Capítulo 4 para uma
discussão detalhada).

1.2.2 – Direito de co ncorrência na União Europeia

Esta seção brevemente revê o principal desenvolvimento histórico das legislações


de concorrência na União Europeia, na qual há dois diferentes níveis de jurisdição:
nacional e supranacional. O último é mais interessante, já que muitos países europeus não
tinham as próprias legislações de defesa da concorrência até muito recentemente, e tais
legislações nacionais são, em larga extensão, reproduções de alguns aspectos das leis
introduzidas pelo Tratado de Roma e suas sucessivas modificações.27 Assim,
devotaremos atenção principalmente às políticas de competição da União Europeia. As
histórias das legislações na Alemanha e no Reino Unido são também interessantes em
vários aspectos e merecem menção.

25
Ver Viscusi et al. (1995) e Comanor (1990: 47-8).
26
O caso mais importante e visível dos últimos tempos foi, sem dúvida, o da Microsoft, iniciado na
administração democrata de Bill Clinton. Sob a gestão do Presidente George W. Bush, o Department of
Justice mudou de atitude completamente e procurou um acordo para encerrar o caso, o que finalmente foi
aprovado por um juiz em novembro de 2002.
27
Uma descrição dessas diferentes experiências pode ser encontrada em Salgado (1992 e 1997, anexo).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

1.2.2.1 – Direito de concorrência na Alemanha

Vimos que as mudanças econômicas na segunda metade do século XIX nos


Estados Unidos levaram à formação de trustes e cartéis, que, logo, foram proibidos pela
Lei Sherman. Na Alemanha, no entanto, a visão prevalecente era a de que os cartéis eram
um instrumento de controle da instabilidade criada pela concorrência destrutiva e pela
guerra de preços.28 Essa ideia, com o recurso de que a liberdade de contratar é um dos
princípios que governam as legislações de concorrência, implicava que, na Alemanha,
não apenas acordos de preços eram permitidos, mas também executáveis nas Cortes.
Ações anticartéis eram adotadas apenas em casos extremos: por exemplo, quando um
cartel pudesse levar a um monopólio ou a uma exploração extrema dos consumidores
(Scherer: 1994: 24). Como resultado, os cartéis proliferaram por anos em torno da virada
do século. Em 1905, havia 385 cartéis envolvendo 12 mil empresas, e o número crescia
regularmente. Em 1923, havia 1.500 cartéis na Alemanha (Kühn, 1997: 116).

Apenas em 1923, uma lei de cartéis entrou em vigor, principalmente como reação
à hiperinflação, uma vez que se temia que acordos de preços pudessem contribuir para a
escalada de preços. Mas mesmo assim, a lei não proibia cartéis: meramente requeria seu
registro com uma nova agência encarregada de assegurar que eles não abusariam de seu
poder de mercado. Poucos abusos foram investigados, e a nova lei não teve muito impacto
sobre os cartéis, cujo número continuou a crescer. Novas condições econômicas logo
afastaram o desejo de limitar o poder dos cartéis e promoveram mudança na direção
oposta. Realmente, em 1930, sob o impacto da Grande Depressão e a falência de muitas
empresas, a participação em cartéis tornou-se compulsória e ainda mais extensiva sob o
regime nazista, com o objetivo de controlar a indústria nacional e fortalecer os setores
envolvidos no aparato de guerra, sob a alegação de que este seria mais forte se as empresas
fossem firmemente coordenadas.

Existe uma ideia amplamente difundida: a de que autorizar empresas a cooperar


proximamente e fundir suas operações as fortaleceria e criaria algum tipo de “campeão

28
Muitos dos comentários feitos aqui, referentes ao direito de concorrência alemão atual, também se
aplicam a outros países da Europa Central, como Áustria, República Tcheca, Suíça, Hungria e Holanda.
Em todos esses países, o direito de concorrência foi inspirado pelo princípio da liberdade econômica, o que
pode explicar o tratamento favorável a cartéis concedido no passado pela maioria dos países mencionados.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

nacional”, que sobrepujaria rivais estrangeiros.29 Depois da Segunda Guerra Mundial, os


aliados quiseram impor leis antitruste à Alemanha e ao Japão, não apenas para promover
o progresso econômico, mas para quebrar a concentração excessiva do poder econômico,
que representava uma possível futura ameaça. Consequentemente, cartéis, sindicatos e
trustes foram proibidos pelas autoridades aliadas.30 Mas o programa de desconcentração
dos aliados foi logo encerrado no momento em que os governos dos Estados Unidos e do
Reino Unido perceberam a ameaça da União Soviética e decidiram que a Alemanha
representava uma força útil que poderia contrabalançar a da União Soviética. Um
desenvolvimento similar ocorreu no Japão (Scherer, 1994: 28-32).

A Alemanha promulgou uma lei de concorrência estrita em 1957, após longo


debate. O Bundeskartellamt (Escritório Federal de Cartéis) foi a principal instituição
chamada para aplicar as regras contra fixação de preços e outras práticas anticompetitivas.
Desde 1973, a Alemanha tem um procedimento para controle de concentrações que tem
sido aplicado de forma relativamente rígida, não só pelo considerável número de
operações proibidas, mas também pelas frequentes mudanças às fusões propostas e pelo
abandono de muitas outras. Nota-se, contudo, que um dos principais princípios por trás
da lei de concorrência na Alemanha é ainda a proteção da liberdade econômica.31 Assim,
fusões são escrutinadas porque poderiam levar à formação de agentes dominantes que
limitassem a liberdade econômica dos agentes. Provisões contra o abuso da posição
dominante devem ser vistas sob a mesma perspectiva.32

A oposição estrita a práticas como fixação de preços no varejo, ilegal na Alemanha


desde 1973, é também consistente com essa filosofia, na medida em que a imposição de

29
Ainda hoje, trata-se de uma ideia muito cara a segmentos da tecnoburocracia brasileira, em particular a
sediada em agências de fomento e bancos de desenvolvimento econômico. A tese, com variações, vem
sendo usada para justificar fusões, gerando extrema concentração de mercado, como no caso Sadia-
Perdigão (AC 8012.04422/2009-18).
30
A quebra e divisão da empresa química IG Farben em BASF, Bayer e Hoechst data desse período.
31
Ver Kühn (1997), também para uma discussão das decisões das Cortes, que privilegiam a liberdade
contratual dos agentes, em detrimento da eficiência econômica.
32
O direito de concorrência alemão tende a proteger pequenos concorrentes. Por exemplo, a prática de
grandes redes de supermercados venderem alguns produtos abaixo do custo é proibida porque isso poderia
prejudicar pequenos lojistas. Veja a decisão de 11 de novembro de 2002 da Suprema Corte alemã no caso
Walmart.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

preços de revenda pelo fabricante é vista como uma restrição da liberdade dos varejistas
para estabelecer o próprio preço.33

1.2.2.2 – Direito de concorrência no Reino Unido

Uma das primeiras leis introduzidas no Reino Unido para lidar com esse tema foi
a Profiteering Act (Lei de Exploração), em 1919, cuja principal preocupação era evitar
preços excessivos após a Primeira Guerra Mundial. Até o fim da Segunda Guerra
Mundial, a implementação de novas regras de defesa da concorrência foi discutida com
uma diferente preocupação; de fato, o desemprego era uma questão maior na época, e a
Monopolies and Restrictive Practices Inquiry and Control Act (Lei de Práticas Restritivas
e Monopólios), de 1948, pareceu ser motivada pela ideia de que a concorrência no
mercado ajudaria a atingir o pleno emprego. Desde então, uma série de mudanças foi
implementada, até a Competition Act, de 1998, que praticamente alinhou a legislação
britânica à da União Europeia.

O sistema do Reino Unido anterior tinha base sobretudo na RTPA (Restrictive


Trade Practices Act – Lei de Práticas Restritivas de Comércio), de 1956 (estendido entre
outros pela Resale Prices Act (Lei de Preços de Revenda), de 1964, e pela Monopolies
and Mergers Act (Lei de Monopólios e Fusões), de 1965, emendada por uma série de
outras leis. Em vez de adotar um sistema de proibições, segundo a RTPA, os acordos
devem ser registrados e podem ser questionados nos tribunais se considerados contrários
ao interesse público. É questionável se a lei tinha ou não impacto real sobre o
comportamento de preços das empresas.34

Vários aspectos da legislação de competição do Reino Unido antes da reforma de


1998 valem menção: o primeiro são os objetivos, nunca claramente especificados. A
expressão “interesse público” poderia gerar muitas considerações diferentes. O papel
central desempenhado pelo Secretário de Estado da Indústria – que até pouco tempo,

33
O único setor isento de proibição de fixação de preços no varejo é o editorial.
34
Ver Utton (2000, p. 272-5) e Symeonidis (1998).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

podia discricionariamente, aceitar ou rejeitar as recomendações da OFT (Office of Fair


Trading) de envio de casos de fusão à MMC (Monopolies and Merger Commission) e, da
mesma forma, aceitar ou não, a seu critério, as recomendações da Comissão – reflete o
papel que considerações políticas podem ter em casos de concorrência.

Em segundo lugar, faltava à legislação britânica um sistema de penalidades e


instrumentos de aplicação até a reforma de 1998, ao contrário de suas contrapartes
europeias, as autoridades de concorrência do Reino Unido não tinham competência para
fazer buscas nas sedes das empresas e apreensões de documentos.35

Essa é claramente uma séria limitação quando se trata de combater práticas


colusivas ou predatórias. Ademais, as autoridades de concorrência não podiam impor
multas sobre as empresas envolvidas em práticas contra o interesse público. Penalidades
podiam ser aplicadas somente a reincidentes. Apenas se uma empresa fosse condenada
por uma Corte por violar uma determinação do Secretário de Estado e fosse pega
rompendo essa sentença do tribunal, penalidades poderiam ser impostas por “desacato ao
tribunal” (violação grave). Não é surpreendente, portanto, que se conjecture sobre a
efetividade do sistema britânico de defesa da concorrência na detenção de acordos
anticompetitivos.36

A autoridade para fazer buscas e apreensões, impor multas de até 10% do


faturamento e a possibilidade de recuperação de danos triplicados por terceiros por meio
de ações privadas, com as provisões claramente derivadas do Tratado da União Europeia,
alinhou a política de concorrência do Reino Unido, desenhada pela Lei de 1998, à da
União Europeia. A reforma do sistema britânico envolveu ainda, logo em 1999, a
substituição da antiga Monopolies and Merger Commission pela Competition
Commission, com competências investigatórias mais robustas.

35
O Diretor-Geral do OFT podia solicitar informações à companhia ou requerer uma ordem judicial para
investigação, mas apenas na suspeita de acordo restritivo. Ver Whish (2001).
36
Outras críticas foram feitas sobre a qualidade de variabilidade das decisões tomadas. Tanto, Utton (2000)
como Symeonidis (1998) mencionam julgamentos contraditórios (que, incidentalmente, também tiveram o
efeito de não darem às empresas segurança jurídica sobre as ações que poderiam ser tomadas), assim como
decisões iniciais difíceis de entender hoje em dia. Particularmente curiosos são dois argumentos feitos pela
Corte em dois casos separados. O primeiro é que um cartel pode ser benéfico para os consumidores porque
lhes poupa tempo de procurar alternativas; o segundo é que o cartel reduz incerteza, e, por conseguinte, o
retorno do capital requerido pelas empresas em uma indústria, levando à queda de preços.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

Entretanto, ainda perduraram defasagens entre o desempenho do sistema britânico


de defesa da concorrência em perspectiva comparada, em particular no combate a cartéis
– atribuição da OFT – e na capacidade de impor remédios a fusões (ver o Capítulo 5) –
atribuição da MMC.

Tais problemas certamente serão sanados a partir de agora, com a reforma


regulatória encaminhada pelo governo Cameron, que, entre outros aspectos, vê no reforço
da política de concorrência um caminho para tornar o Reino Unido mais competitivo.
Entre 31 de março de e 1o de abril 2014, após meses de transição, o OFT e a Competition
Commission encerraram suas atividades e fundiram-se em uma nova instituição, a
Competition and Market Commission (Comissão de Concorrência e Mercados), com
mais poderes de investigação e atuação na imposição de remédios em operações de
concentração, ênfase da celeridade dos processos e fortalecimento do trabalho técnico.

1.2.2.3 – Direito de concorrência nas comunidades europeias

O ponto de partida do direito de concorrência supranacional na Europa foi uma


série de medidas pró-competitivas adotadas pela França, Alemanha, Itália e os países do
Benelux, no Tratado de Paris de 1951, que criou a CECA (Comunidade Europeia do
Carvão e do Aço). O Tratado proibia barreiras comerciais assim como práticas restritivas
e discriminatórias, capazes de distorcer a competição entre os seis países, que, mais tarde,
se tornariam os membros fundadores da Comunidade Econômica Europeia.

Há, provavelmente, duas razões principais por trás da introdução da política de


concorrência no Tratado de Paris. A primeira novamente relacionada com o desejo de
reduzir o perigo do poder alemão, disponibilizando para outros países europeus os então
insumos fundamentais da época: o carvão e o aço. A proibição de práticas
discriminatórias também pode ser vista como uma forma de garantir acesso equânime a
três recursos básicos. A segunda razão é que o princípio da livre-concorrência começava
a ser apreciado como a única forma viável de se obter um funcionamento eficiente do
mercado, também em vista do sucesso da economia dos Estados Unidos, que
continuamente se apoiara em regras antitruste (Goyder, 1993: 19). A livre-concorrência

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

era, assim, preferível à organização centralizada dos mercados, mesmo que a Alta
Autoridade (o órgão encarregado) fosse autorizada a intervir em caso de ocorrência de
sério desequilíbrio no mercado.

Alguns dos pontos cruciais do direito de concorrência atual na Europa podem ser
rastreados até, pelo menos, seus traços básicos: os artigos que lidam com questões de
concorrência do Tratado de Paris. O Artigo 65 do Tratado proibia acordos e práticas
concertadas entre empresas ou associações que tendessem direta ou indiretamente a
impedir, restringir ou distorcer a concorrência normal dentro do Mercado Comum, e a
provisão é claramente o modelo a partir do qual o art. 81 do Tratado de Roma se baseia.37
O Artigo 66 (7) lidava com o abuso de posição dominante por empresas que usam tal
posição para perseguir objetivos contrários aos do Tratado de Roma e, assim, estão em
correspondência próxima com o art. 82 do Tratado de Roma.38

O art. 66 também lidava com fusões e concentrações entre empresas na indústria


de carvão e aço. Consentimento para essas fusões poderia ser concedido apenas pela Alta
Autoridade, cuja aprovação só era concedida quando a concentração não proporcionava
à nova entidade condições para elevar preços, restringir a produção e a distribuição e
distorcer o comércio entre os Estados-membros ou criar posições artificialmente
privilegiadas nos mercados. Atenção para fusões prospectivas nesses setores, que podem
ser entendidas pelo receio da concentração do poder econômico nas mãos de poucas
empresas, temor já justificado pelo processo de descartelização na Alemanha. Vale a pena
salientar que o tratamento de fusões não é mencionado no Tratado de Roma. As fusões
não eram o objeto explícito da política de concorrência europeia até a adoção da
Regulação de Fusões em 1989, depois de um debate que durou anos, revelando as
diferenças de abordagens entre as políticas industrial e de concorrência dos diferentes
países. Em particular, Alemanha e Reino Unido queriam que as fusões fossem julgadas

37
Previamente, art. 85. O Tratado de Amsterdã, que entrou em vigor em 1o de maio de 1999, renumerou
os artigos do Tratado de Roma. O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 10 de dezembro de 2009,
renumerou novamente os mesmos artigos, que passaram a vigorar sob os números 101 e 102.
38
Previamente, art. 86.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

apenas com base em questões de concorrência, enquanto a França queria considerar


critérios de política industrial e social. Por fim, a primeira abordagem prevaleceu.39

Atualmente, os principais objetivos da política de concorrência tal como aplicados


pela Comissão Europeia são eficiência econômica e integração de mercado:40

O principal objetivo da política de concorrência é a manutenção de mercados


competitivos. Essa política serve como instrumento para encorajar a eficiência industrial,
a alocação ótima de recursos, o progresso técnico e a flexibilidade para o ajuste a
condições de um ambiente em transformação. Para que a Comunidade seja competitiva
em mercados mundiais, é necessário um mercado doméstico competitivo. Assim, a
política de concorrência da Comunidade sempre teve uma posição rígida contra cartéis
que compartilham mercados, abusos de posição dominante e fusões anticompetitivas.
Também proibiu direitos de monopólio concedidos pelo Estado, ajudas governamentais
que não asseguram a viabilidade de longo prazo das empresas, mas distorcem a
concorrência por mantê-las artificialmente em funcionamento. O segundo objetivo é o
mercado único. Um mercado interno é condição essencial para o desenvolvimento de uma
indústria eficiente e competitiva. A Comissão vem utilizando a política de competição
como ativa ferramenta para impedir (a criação de barreiras à entrada), proibindo e
multando pesadamente, as partes que tentam dois tipos de acordo: distribuição e
licenciamento, que impedem o comércio paralelo entre Estados-membros e acordos entre
competidores, que os mantêm fora dos mercados de “seus” territórios (COMISSÃO
EUROPEIA, 2000: 6).

Razões sociais também foram levadas em conta na política de concorrência


europeia. De fato, a Comissão já concedeu exceções às regras de concorrência para os
chamados cartéis de crise – acordos em que as empresas se engajam em reduções
recíprocas de capacidade e produção – desde que tais reduções em capacidade ociosa
fossem permanentes, favorecessem a especialização e fossem implementadas de tal
maneira que minimizassem o custo de desemprego resultante do corte de produção
(Goyder, 1993: 162-5). Aqui, é claro que considerações sociais e políticas influenciaram
a forma como a política de concorrência foi implementada: a concorrência pode ser
sacrificada se os custos sociais forem muito elevados, visto que muitas empresas podem
sair da indústria em condições de sobrecapacidade, o que implicará considerável perda de
empregos. Mesmo que, no longo prazo, uma reestruturação da indústria fosse benéfica,
no curto prazo, poderiam existir consideráveis custos que o governo talvez quisesse evitar
por razões políticas e sociais.

39
Ver Goyder (1998: Capítulo 18 [1]). Isso não significa que outras considerações políticas nunca tenham
influência na política de fusões da União Europeia. Ver adiante os chamados “cartéis de crise”.
40
Esses objetivos permanecem sólidos e inalterados, como se vê pelos documentos e discursos publicados
pela CE (ver no site da CE).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

1.2.2.4 – Direito da concorrência no Brasil 41

As primeiras iniciativas no Brasil de combate ao abuso do poder econômico


estiveram associadas ao aumento de preços, assim como ocorreu na experiência britânica.
Dois decretos durante a era do Estado Novo (869, de 18/11/38, e, posteriormente, 4.407,
de 07/10/42, que substituiu o primeiro) visavam coibir condutas abusivas e acordos e
fusões que coibissem ou dificultassem a concorrência. Bem ao espirito da época de
desprestígio dos valores do Estado de Direito, os decretos previam pena de prisão, sem
direito à liberdade condicional e julgamento pelo Tribunal de Segurança Nacional. O
decreto de 1942 foi revogado logo após a destituição do Presidente Getúlio Vargas, por
contrastar com o ambiente de liberdades políticas e econômicas que caracterizou o fim
do Estado Novo.

A preocupação com o abuso de poder econômico não cedeu, tanto que, na


Constituição de 1946, foi incluído dispositivo nesse sentido. O projeto de lei que
regulamentou o dispositivo constitucional tramitou por muitos anos no Congresso e foi
finalmente editado como a Lei 4.137, em 1962, criando a primeira lei antitruste e o ente
para aplicá-la, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), como tribunal
administrativo, ao mesmo tempo responsável por investigar e julgar práticas como vendas
casadas, preços predatórios, acordos entre concorrentes e outras tantas, consideradas
danosas à concorrência.

Na primeira fase, de 1963 a 1990, o CADE cuidou de 337 procedimentos, dos


quais 117 foram instaurados, que geraram 16 condenações, todas revistas pelos
Tribunais.42

A evidente ineficácia do CADE durante a primeira fase de existência reflete a


incompatibilidade entre essa instituição de defesa da concorrência em uma economia de
mercado, e a atuação de sucessivos governos à época, quando o Estado intervia de forma
explícita sobre as decisões econômicas de produção, investimento e preço. Enquanto, por

41
Esta seção segue de perto Salgado (2003 e 2009).
42
Salgado (1997).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

mais de duas décadas, os governos militares comandaram a economia, não havia espaço
para a atuação legítima de um órgão com as atribuições do CADE. Esse comando dos
militares era feito pela estimulação da concentração e acordos entre concorrentes –
sobretudo por meio do mecanismo de controle de preços, que impunha reajustes setoriais,
inviabilizando o funcionamento da concorrência.

Nova oportunidade surgiu para a defesa da concorrência no Brasil a partir da


promulgação da Constituição de 1988, que deu nova dimensão à antiga preocupação com
o abuso do poder econômico. De forma singular, vis-à-vis, outras constituições nacionais,
definiu a livre-concorrência com a proteção do consumidor, como princípios da ordem
econômica,43 além de recuperar a determinação inscrita na Constituição liberal de 1946
de repressão pela lei do abuso do poder econômico.

“A lei reprimirá o abuso do poder econômico que objetive o domínio dos mercados, a
eliminação da concorrência e o aumento arbitrário de lucros”. 44

Uma medida provisória, editada no início do governo Collor, em 1990, deu origem
à Lei 8.158/91, que regulamentou o novo dispositivo constitucional, reformulando a área
de defesa da concorrência e visando revitalizar essa política, no bojo de uma série de
reformas modernizadoras e liberalizantes da economia (destaque-se o fim de vários
controles administrativos de importações e o de controle de preços). Na época, o CADE
era considerado pouco eficaz; portanto, foi criada a SDE (Secretaria de Direito
Econômico), dentro da estrutura do Ministério da Justiça, e deu-se início à estreita
colaboração com o Ministério da Fazenda, cuja Secretaria (Secretaria Especial de
Acompanhamento Econômico) herdava a estrutura e expertise do antigo órgão de
controle de preços para a elaboração de pareceres econômicos sobre os casos investigados
pela SDE, auxiliando-a, assim, na análise dos efeitos de condutas restritivas sobre a
concorrência.

Na verdade, o Brasil ainda enfrentava graves desequilíbrios macroeconômicos e


deparava-se novamente com o recrudescimento do processo inflacionário, o que
dificultava demais o isolamento dos efeitos macroeconômicos de condutas

43
Cf. Capítulo IV, da Ordem Econômica, art. 170.
44
Cf. art. 143, §4°.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

anticompetitivas. A insatisfação com o aparente desempenho desse aparato antitruste, em


1993, em particular diante dos fortes reajustes de preços praticados pela indústria
farmacêutica, levou o Presidente Itamar Franco a determinar a criação de um grupo de
trabalho para apresentar uma proposta técnica para rever a legislação antitruste brasileira.
Os estudos foram coordenados pelo Ministério da Fazenda, comandado pelo então
Ministro Fernando Henrique Cardoso. Em paralelo, corriam os estudos para a
implantação do Plano Real, que sepultou definitivamente a inflação crônica e acelerada
que corroera o poder de compra e a serenidade dos brasileiros por décadas.

A nova Lei de Defesa da Concorrência – Lei 8.884, de 11 de junho de 1994 –


estabeleceu importantes medidas para garantir o bom funcionamento do mercado e
fortaleceu o instituto da medida preventiva, que funciona como liminar ou mandado de
segurança concedido por um juiz, permitindo uma rápida intervenção para recuperar as
condições de normalidade no mercado – sem a necessidade de aguardar a conclusão dos
processos que, muitas vezes, demandam vários anos, por conta do amplo direito de defesa
e contraditório.

A promulgação da Lei de Defesa da Concorrência no Brasil inaugurou o processo


de criação de autoridades independentes, seguindo o desenho de governança de agências
independentes, transformando o CADE em autarquia e conferindo mandato a seus
membros45. Posteriormente, com as Emendas Constitucionais de 1995, que abriram
caminho para a privatização por meio dos mecanismos de concessão e autorização de
serviços públicos, foram criadas agências regulatórias, que vieram a consolidar essa nova
forma de atuação do Estado, por organismos técnicos, visando reduzir o espaço de
influência de interesses econômicos e políticos na regulação de mercados.

Um importante aspecto a destacar é que a lei não faz qualquer exceção expressa a
qualquer atividade econômica, mesmo àquelas em regime de monopólio legal.
Lembremos que, antes das emendas constitucionais mencionadas, vários serviços
públicos eram prestados de acordo com esses regimes (alguns continuam a ser, como o

45
Os membros do CADE são indicados pelo Presidente da República ao Senado Federal, que os sabatina
e, eventualmente, aprova seus nomes, entre brasileiros de mais de 30 anos, com notório saber econômico
ou jurídico e ilibada reputação. No exercício de seus mandatos, não podem ser afastados dos cargos, a
menos sob as hipóteses previstas em lei e unicamente pelo Senado Federal: condenação penal transitada em
julgado ou processo disciplinar administrativo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

Serviço de Correios e Telégrafos, para citar apenas um). Uma vez privatizados,
permaneceram sujeitos à Lei de Defesa da Concorrência. Assim, todos os setores
regulados da economia, como os serviços públicos, estão também sujeitos à legislação de
defesa da concorrência, o que requereu a articulação entre agências regulatórias e o
CADE na análise de atos de concentração (fusões) e práticas anticompetitivas ocorridas
em setores regulados.

Finalmente, a Lei 8.884/94 criou o TCD (Termo de Compromisso de


Desempenho) para atos de concentração, mediante o qual viabilizou-se uma fórmula
capaz de compatibilizar operações de fusão (e aquisição) que representassem interesses
legítimos de investimento privado, rentabilidade, busca de modernização e geração de
eficiência, com os objetivos da sociedade de manutenção do processo competitivo. Por
meio do compromisso, que toma a forma de um conjunto de restrições e condições – os
remédios estruturais e/ou comportamentais (ver o Capítulo 5) –, tornou-se possível
aprovar operações de concentração econômica, exigindo-se a contrapartida de empresas
envolvidas, de modo a neutralizar o dano à concorrência e/ou obrigar o compartilhamento
de benefícios com os consumidores, como a redução dos custos unitários obtidos com a
maior escala.

Em 2000, a lei foi fortalecida pela inclusão de instrumentos – em colaboração com


o Ministério Público e a Polícia Federal – de busca e apreensão e implementou o programa
de leniência, seguindo o modelo americano.46 A partir de então, o Brasil ingressa no rol
de países que perseguem os grandes cartéis internacionais, dando curso às investigações
iniciadas nos Estados Unidos pelo DoJ, como o cartel das vitaminas, dos eletrodos, das
lisinas e das cargas aéreas, sem contar outros na esfera doméstica, como o cartel de britas,
de vergalhões e diversos casos envolvendo postos de gasolina. Nesse particular, cabe
salientar que o CADE tem se destacado pelo rigor contra práticas anticompetitivas e que,
no ano de 2013, aplicou 22 condenações, 13 das quais para casos de cartéis, contra duas
no ano de 2012.

No que diz respeito ao controle de fusões, a taxa de intervenção – ou de imposição


de remédios – foi, durante a vigência da Lei 8.884/94, inferior à maioria da dos países da

46
Lei 10/149/2000, que alterou alguns dispositivos da Lei 8.884/94.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

OCDE com política antitruste ativa: girando em torno de 2% a 3%, contra 5%, de forma
mais estável, naqueles países (Clark, 2000 e OCDE, 2009). A aparente liberalidade do
CADE encontra explicação na dificuldade de impor remédios estruturais sobre operações
já ocorridas, situação patente no curso da aplicação da lei e que levou aos esforços de
aperfeiçoamento da legislação.

Dez anos após a vigência da Lei 8.884/94, eram claros os obstáculos para o
exercício eficaz da defesa da concorrência no Brasil:47

• Um desenho institucional falho, fruto de um processo histórico já concluído,


indicando a necessidade de unificação da autoridade antitruste e a
simplificação de seus procedimentos.

• A indispensabilidade de um corpo técnico qualificado e especializado, como


exige qualquer órgão regulatório independente, na dimensão requerida pela
importância da política pública.

• A instrumentalidade necessária para conferir agilidade e, por conseguinte,


eficácia ao exercício, tanto da função preventiva quanto da repressiva.

A Lei 12.529/2011 instituiu as reformas necessárias no sistema brasileiro de


defesa da concorrência para fortalecer sua eficácia. O eixo dessas reformas baseia-se na
consolidação institucional do CADE, com a absorção da antiga estrutura da SDE pela
Superintendência-Geral, com mais recursos de investigação e conduzida por um titular
também dotado de mandato próprio, além de sua incorporação à estrutura do CADE.
Entre as reformas, podemos citar, a transformação do CADE em um autêntico Tribunal
Administrativo, com a redução do número de casos submetidos à sua decisão e ampliação
dos mandatos de seus membros (que passam a não poder ser reconduzidos). Outra
inovação foi a criação de um departamento econômico. A Seae continua a integrar o
sistema de defesa da concorrência, mas ficou encarregada da função de advocacia da
concorrência em setores regulados e em relação a normas e regulações em geral.48

47
Salgado (2009: 16-17).
48
Função que, vale dizer, é de altíssima importância em um país cujos custos associados ao cumprimento
de normas e cujas dificuldades para realização de negócios por conta da excessiva quantidade de normas e
regras são as principais barreiras apontadas pelas empresas para se investir e operar no Brasil, conforme
diversos estudos internacionais realizados todos os anos. Ver, por exemplo, World Economic Forum –
Global Competitiveness Report 2013-2012.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

Finalmente, fortaleceram-se os mecanismos para estímulos a acordos de cessação de


práticas e leniência, medidas essenciais para alterar o cálculo estratégico envolvido na
decisão do agente sobre que tipo de conduta adotar.

Aperfeiçoaram-se alguns aspectos institucionais que, sem dúvida, fortalecem a


autonomia do CADE: a extensão do mandato dos membros do Tribunal; a eliminação da
possibilidade de recondução; a concessão de mandato também para o titular da área –
responsável pelas investigações e por boa parte das decisões de caráter
terminativo/administrativa da nova lei –; o Superintendente-Geral; e o estabelecimento
de regras de não coincidência de mandatos e de não vacância de cargos diretivos, para
evitar a eventual paralisia do CADE.49

1.3 – OBJETIVOS DE POLÍTICA DE CONCORRÊNCIA E OUTRAS


POLÍTICAS PÚBLICAS

A breve revisão histórica apresentada sobre a política de concorrência ilustra que


o direito da concorrência e o antitruste são frequentemente influenciados por fatores
sociais e históricos e podem responder a objetivos bastante diferentes. A seguir,
discutiremos uma série de objetivos indicados em diferentes circunstâncias e jurisdições
a serem perseguidos pela política de concorrência. Em seguida mencionaremos algumas
políticas públicas que, em momentos diferentes, influenciaram a aplicação da política de
concorrência.

1.3.1 – Objetivos da política de concorrência

Uma série de objetivos inspiraram as políticas de concorrência. Depois de


apresentar o conceito de bem-estar econômico, mencionamos outros objetivos e as
possíveis contradições entre eles e o objetivo de bem-estar.

49
Que poderia ser motivada politicamente por pressões econômicas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

1.3.1.1 – Bem-estar (excedente total)

Bem-estar econômico é o conceito-padrão usado em economia para medir a


qualidade de desempenho de uma indústria. Trata-se de uma medida que agrega o bem-
estar (ou excedente) de diferentes grupos na economia (ver o Capítulo 2 para uma
discussão mais detalhada). Em cada indústria, o bem-estar é fornecido pelo excedente
total, que é a soma do excedente do consumidor e o excedente do produtor.50 O excedente
de determinado consumidor é verificado pela diferença entre a valoração do consumidor
para o bem considerado (ou sua disposição a pagar por ele) e o preço que ele efetivamente
tem de pagar por ele. Excedente do consumidor (ou bem-estar do consumidor) é a medida
agregada do excedente de todos os consumidores. O excedente de um produtor individual
é o lucro que ele perfaz ao vender o bem em questão. O excedente do produtor é, por
conseguinte, a soma de todos os lucros realizados pelos produtores da indústria.

Dessas definições, segue-se que, no caso de outros fatores permanecerem iguais,


um aumento de preços pelos quais os bens são vendidos reduz o excedente do consumidor
e aumenta o excedente do produtor. Acontece, porém, que, em geral, à medida que os
preços sobem, o aumento dos lucros realizados pelas empresas não compensa a redução
no excedente do consumidor (ver o Capítulo 2 para uma demonstração gráfica). Assim, o
bem-estar é mais baixo quando o preço de mercado é igual ao preço de monopólio (o mais
alto preço que as empresas gostariam de cobrar) e mais elevado quando é igual aos custos
de produção.

É importante perceber que o conceito de bem-estar negligencia completamente a


questão da distribuição de renda entre consumidores e produtores. Não porque os
economistas pensem ser uma questão irrelevante, mas porque se trata de uma
circunstância distinta. A medida de bem-estar sumariza a eficiência de uma indústria
como um todo e não aborda a questão sobre quão equânime ou desigual é a distribuição
de renda, ponto que pode ser tratado por outras medidas. Observe também que a
racionalidade de não considerar aspectos distribucionais é que, em princípio, é possível

50
Medidas mais complexas de bem-estar podem levar em conta também externalidades, impostos pagos,
subsídios recebidos, rendas do governo e assim por diante. Alguns desses itens são mutuamente
excludentes. É também possível construir medidas de bem-estar que atribuam diferentes pesos ao excedente
do consumidor e do produtor.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

operar esquemas de redistribuição que coloquem tanto produtores quanto consumidores


conjuntamente em situação melhor ou pior.51 Imagine uma situação em que, como
resultado de uma mudança na economia, haja o aumento de bem-estar como efeito líquido
de um aumento do excedente do consumidor e um decréscimo no excedente do produtor.
Na teoria, é possível redistribuir ganhos dos consumidores para os produtores de tal forma
que ambos os grupos estejam pelo menos tão bem quanto antes das mudanças.52

Finalmente, o conceito de bem-estar deveria não só ser interpretado de forma


estática, mas também em seu componente dinâmico. Em outras palavras, o bem-estar
futuro importa, assim como o bem-estar corrente. Os dois não necessariamente
coincidem, como veremos no Capítulo 2. Imagine o caso hipotético em que duas empresas
do mesmo setor já tenham pagado seus custos fixos, e a autoridade de concorrência seja
sistematicamente capaz de impor um preço igual ao custo marginal. O menor preço
possível irá maximizar o bem-estar em termos estáticos. Contudo, não se deve esperar
que empresas realizem investimentos em tal situação, já que podem prever que, com
preços iguais a custos marginais, não serão capazes de recuperar qualquer custo fixo
associado a um investimento. Como resultado, em tal situação hipotética, o bem-estar
futuro seria reduzido, pois novos produtos não entrariam no mercado, e o nível de
qualidade dos bens e serviços não seria melhorado (veja o Capítulo 2 para mais detalhes
sobre esse ponto).

1.3.1.2 – Bem-estar do consumidor (excedente do consumidor)

Embora em muitas circunstâncias práticas o decréscimo do bem-estar total


também reduza o bem-estar do consumidor e vice-versa (como no caso dos cartéis), não

51
A diferença entre consumidores e produtores como dois grupos diferentes de cidadãos não deve ser
exagerada. Em muitos países, os consumidores são também proprietários das empresas, seja diretamente
(como acionistas) ou pelos fundos de investimento ou de pensão.
52
Ver Tirole (1988: 7-12) para uma discussão das medidas de bem-estar excedente do consumidor. Em
particular, deve ser enfatizado que, no arcabouço de equilíbrio parcial, (ou seja, quando um setor é
considerado de forma isolada do resto da economia), tais medidas são válidas desde que os consumidores
estejam gastando nos produtos do setor apenas uma pequena fração de suas rendas totais. De outra forma,
efeitos de renda terão de ser levados em consideração, e medidas de excedente do consumidor não poderão
se basear na computação de aproximações do bem-estar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

é sempre o que acontece necessariamente. A discriminação de preços perfeita pelo


monopolista, por exemplo, maximiza o bem-estar em detrimento dos consumidores (ver
o Capítulo 7); ou, mais importante, já que a discriminação perfeita de preços pertence
somente à esfera teórica e talvez não seja um caso real frequente, uma fusão que permita
que as empresas diminuam significativamente seus custos fixos pode aumentar o bem-
estar total (graças a lucros maiores), aumentando preços e, assim, reduzindo o bem-estar
do consumidor (ver o Capítulo 5).

Padrões de bem-estar total versus bem-estar do consumidor em diferentes


jurisdições. É difícil dizer se as autoridades e tribunais favorecem na prática um
objetivo de bem-estar do consumidor ou bem-estar total. Na UE, o art. 101 permite
qualquer acordo, decisão ou prática concertada “que contribua para a melhoria da
produção ou distribuição de bens ou para a promoção do progresso técnico e econômico,
desde que permita a repartição justa dos benefícios resultantes com os consumidores”.
No Brasil, a Lei 8.884/94 explicitava as condições para aprovação de atos de
concentração, estabelecendo que “os benefícios decorrentes sejam distribuídos
equitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários
finais, de outro” como uma das condições necessárias. A Lei 11.529/2011 flexibilizou
ligeiramente a exigência, pois, em vez de distribuição equitativa de benefícios, exige
agora que “seja repassada aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes”
(ver o Capítulo 5). Tanto a provisão da UE quanto a brasileira parecem indicar claramente
que o bem-estar do consumidor figura entre os objetivos últimos do direito da
concorrência.53

Nos Estados Unidos, tanto os tribunais quanto as agências antitruste também


parecem tender em direção ao padrão do bem-estar do consumidor, pelo menos no que
diz respeito às fusões. De fato, a última revisão do guia de fusões americano afirma: “A
Agência considera se eficiências seriam provavelmente suficientes para reverter o
potencial de uma fusão para prejudicar os consumidores no mercado relevante, isto é,

53
No entanto, não há afirmações da Corte de Justiça Europeia que relatem textualmente essa questão, nem
decisões da Comissão ou da Corte que explicitamente tenham mencionado o apoio ao padrão. No Brasil,
ao contrário, a discussão tem sido bastante intensa sobre esse ponto, com algumas decisões iniciais que
implicaram a adoção de remédios estruturais, mencionando claramente esse ponto. Um exemplo
paradigmático foi a discussão sobre qual padrão deveria guiar a decisão, envolvendo terceiros e requerentes,
como no caso Nestlé-Garoto (AC 8012.001697.2002-89).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

para impedir o aumento de preços no mercado.” No governo Obama, o objetivo de


atender ao bem-estar do consumidor por meio da política da concorrência vem sendo
explicitado desde a primeira declaração oficial da chefia da Divisão Antitruste do DoJ,
justamente porque talvez houvesse dúvidas com relação a esse ponto, e um relatório foi
produzido, logo no início da administração, para avaliar a aplicação da seção 2 da Lei
Sherman, para “promover o bem-estar do consumidor por meio de padrões mais claros”.54

Em outras jurisdições, como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, as autoridades


de concorrência parecem se inclinar a um padrão de bem-estar total (Lyons 2002:3).

O padrão de bem-estar do consumidor versus bem-estar total para os economistas.


Embora acreditemos que padrões de bem-estar total ou do consumidor nem sempre
implicariam decisões muito distintas pelas agências antitruste e tribunais, permanece a
questão sobre qual dos dois deve ser o objetivo apropriado da política de concorrência.
Enquanto os economistas geralmente preferem o bem-estar total, argumentos também são
levantados em favor do objetivo do bem-estar do consumidor.55

Considere o seguinte argumento (que parte de uma perspectiva de economia


política). Muito frequentemente, os consumidores não estão dispostos – ou não são
capazes – a exercer seu poder agregado, de modo que o efeito sobre os consumidores em
determinada situação de mercado provavelmente será disperso entre muitos deles, mas
muito menos entre os produtores. Imagine que certo bem de consumo seja usualmente
adquirido por 100 mil consumidores por ano e que cada um compre uma unidade, por
R$100. Se duas empresas que produzem esse bem fossem capazes de influenciar o
governo a adotar uma regulação que elevasse o preço em 10% (por exemplo, pela
proteção tarifária contra importações, ou pela autorização para acordos colusivos), essa
elevação acarretaria grandes perdas coletivas para o grupo de consumidores como um
todo, mas as perdas individuais (R$10) não seriam suficientes para mobilizar os
consumidores a se engajar para defender seus direitos. Ao contrário, os dois produtores
teriam grandes ganhos individuais com esse movimento e, por conta disso, estariam

54
Ver Banett e Wellford (2008).
55
Uma questão diferente que pertence mais a políticos que a economistas, é se, caso um padrão de bem-
estar total seja escolhido, os lucros das empresas estrangeiras devem ou não ser incluídos na medida de
excedente do produtor e em qual proporção.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

prontos para dispender consideráveis recursos com o intuito de pressionar o governo a


adotar a regulação. A autoridade de concorrência pode, portanto, ter um papel a
desempenhar se contribuir para equilibrar os diversos poderes de lobby dos dois
diferentes grupos de agentes em questão. Assim, o argumento segue: atribuindo-se um
peso maior ao excedente do consumidor que ao excedente do produtor, pode-se reparar o
equilíbrio em favor dos consumidores.

Argumentos similares em favor do padrão de bem-estar do consumidor foram


apresentados em discussões de políticas de fusão. Por exemplo, Besanko e Spulber (1993)
argumentam que o fato de empresas fusionadas desfrutarem de vantagens de informação
(particularmente em ganhos de eficiência associados com a fusão) sobre a autoridade de
concorrência e a adoção do padrão de bem-estar do consumidor (ou seja, aceitar a fusão
apenas se demonstrado que ela aumenta o bem-estar do consumidor, não importando os
efeitos sobre os lucros e, portanto, sobre o bem-estar total) pode contrabalançar essa
assimetria. Neven e Roller (2000) sugerem que os técnicos da autoridade de concorrência
podem estar expostos ao lobby das empresas e que, como resultado desse lobby, o padrão
de bem-estar do consumidor contrabalança esse viés.56

Outro argumento por vezes mencionado em favor do padrão de bem-estar do


consumidor é que ele pode simplificar decisões pelas autoridades antitruste em casos de
fusão. Suponha que uma fusão implique alguma economia de custos fixos, mas que,
provavelmente, eleve preços. Um padrão de bem-estar total implica um difícil exercício
de quantificação das mudanças no bem-estar do consumidor e nos lucros para se chegar
à estimativa final dos efeitos líquidos sobre o bem-estar total. Um padrão de bem-estar
do consumidor, por sua vez, não requererá esse exercício, já que pode ser limitado a uma
avaliação relativamente mais simples dos efeitos sobre preços.

Embora esses argumentos possam ter algum mérito, não seria sensato para as
autoridades de concorrência adotar um objetivo de bem-estar do consumidor estrito por
várias razões. Em primeiro lugar, o bem-estar do consumidor, por definição, não leva em
conta os ganhos realizados pelas empresas. Contudo, nas economias avançadas, os

56
Ver Lyons (2002) para uma breve discussão sobre o mérito desses trabalhos, assim como outro modelo
econômico que indica que, sob certas circunstâncias, um padrão de bem-estar do consumidor pode ser
superior ao padrão de bem-estar total, quando se lida com fusões.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

consumidores com frequência possuem empresas (parcial ou integralmente), seja


diretamente ou por meio de fundos de investimento ou de pensão. Consequentemente, os
dividendos são distribuídos para um vasto número de cidadãos prejudicados com a
redução de lucros. Se a adoção do padrão de bem-estar do consumidor tivesse a intenção
de opor “cidadãos” a “empresas”, não estaria claro se esse objetivo seria atendido.57 Em
segundo lugar, caso houvesse, de fato, o objetivo de maximizar o excedente do
consumidor, os preços se elevariam ao nível do custo marginal, e as empresas deixariam
o mercado no longo prazo ou teriam de ser subsidiadas para poderem cobrir seus custos
fixos, ideia não muito razoável, pois o mercado seria substituído por uma regulação
generalizada. Em terceiro lugar – e um ponto de grande importância –, preços e lucros
mais baixos teriam o efeito de privar as empresas dos incentivos necessários para inovar,
investir e trazer novos produtos para o mercado.58

Consequentemente, pelo menos deve-se considerar o objetivo de maximizar o


bem-estar do consumidor ao longo do tempo (isto é, em termos dinâmicos); caso
contrário, ajudar os consumidores hoje significará prejudicá-los amanhã. Mas, então, não
ficaria claro até que ponto a distinção entre o excedente do consumidor e o total faz
diferença. Como muitos economistas, preferimos o bem-estar-padrão. Portanto, neste
livro, as diferentes práticas serão avaliadas de acordo com esse padrão, mas seu efeito
sobre o bem-estar do consumidor também será explicitado. Em muitos casos, no entanto,
as recomendações de política não diferirão a despeito da escolha do objetivo.

1.3.1.3 – Defesa de pequenas empresas

A defesa de pequenas empresas vem sendo uma das principais razões por trás da
adoção das leis de concorrência. O mais famoso exemplo são as leis antitruste
implementadas no final do século XIX nos Estados Unidos, inicialmente devidas às
queixas de agricultores e pequenas empresas contra os grandes trustes. Mas essa

57
E, caso se quisesse perseguir objetivos redistributivos, por exemplo, favorecendo o trabalho em oposição
ao capital, seria mais eficiente e menos distorcido usar políticas fiscais que políticas antitruste.
58
Ver o Capítulo 2 para uma discussão de poder de mercado e lucros como incentivos para investimentos
de empresas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

motivação provavelmente está por trás das restrições a preços discriminatórios por muitas
leis em várias jurisdições.

O tratamento favorável a pequenas empresas não é necessariamente incompatível


com o objetivo de bem-estar econômico, se estiver limitado a protegê-las do abuso do
poder econômico de grandes empresas ou dar a elas uma pequena vantagem para
equilibrar o poder econômico e financeiro de grandes rivais.

Contudo, auxiliar artificialmente pequenas empresas a sobreviver quando não


estão operando à escala de produção eficiente de produção é incompatível com os
objetivos de bem-estar econômico. Realmente, esse fato encorajaria a alocação ineficiente
de recursos e ajudaria a manter preços altos na economia.

A Comissão Europeia parece ter adotado a visão de que as PME (Pequenas e


Médias Empresas) seriam mais dinâmicas, e mais propensas a inovar e a gerar empregos
que as grandes corporações. Esses seriam argumentos adicionais para promover as PME.
No entanto, a evidência empírica é muito ambígua. Parece difícil afirmar que pequenas
empresas oferecem uma contribuição maior ao crescimento e à inovação que as grandes
corporações.59

Como conclusão, faz sentido que as autoridades de concorrência não usem seus
escassos recursos para monitorar acordos e fusões que envolvam pequenas empresas,60
mas há uma pequena racionalidade por trás do sistemático uso da política de competição
para auxiliar as PME.

Empresas menores são frequentemente prejudicadas pela falta de infraestrutura


adequada e mercados imperfeitos (as maiores podem superar esses problemas em razão
do seu tamanho, dos meios financeiros ou dos mecanismos de mercado). Tais dificuldades
poderiam ser mais bem enfrentadas ao se atacar os problemas pela raiz por meio de
intervenção, em vez de pela utilização da política de concorrência, cujos propósitos são

59
Pense na antiga questão sobre se grandes empresas são mais propensas a inovar que pequenas empresas.
A vasta literatura sobre esse tema está longe de ser conclusiva.
60
A prática de conferir exceção para pequenas empresas também é útil na medida em que não as obriga a
dispender recursos com questões administrativas ou preencher formulários para notificar acordos ou fusões.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

outros. Há o risco de criarem-se distorções adicionais na esfera da concorrência, dando


apenas uma resposta imperfeita para a fonte dos problemas.

1.3.1.4 – Promoção da integração de mercado

Como vimos, promover a integração do mercado é um dos objetivos


fundamentais da política de concorrência na UE. Trata-se de um objetivo político, não
necessariamente consistente com o bem-estar econômico. O direito de concorrência da
UE de facto proíbe discriminação de preços entre fronteiras nacionais. Não há
racionalidade econômica para tal tratamento diferenciado.

A priori, é difícil dizer se a discriminação de preços tem um impacto positivo ou


negativo sobre o bem-estar, como mostra o próximo exemplo. Imagine que o mesmo bem
seja vendido em dois países, digamos Alemanha e Portugal. Os alemães têm uma renda
média e mais disposição a pagar que os portugueses. Se a discriminação de preços fosse
permitida e factível (a arbitragem não ocorre, ou ocorre em apenas limitada extensão),
um monopolista venderia na Alemanha ao preço 𝑝𝑎 (onde 𝑎 representa alto) e, em
Portugal, ao preço 𝑝𝑏 (onde 𝑏 representa baixo). Ao fazer os consumidores pagarem de
acordo com suas diferentes disponibilidades, a empresa consegue aumentar seus lucros.

Considere agora que o monopolista seja obrigado a estabelecer um preço idêntico


nos dois mercados. Uma opção possível é estabelecer um preço intermediário 𝑝𝑚 (tal que
𝑝𝑏 < 𝑝𝑚 < 𝑝𝑎 ). Assim, os alemães estarão em melhor situação, enquanto os portugueses,
em pior. Para avaliar o efeito sobre o bem-estar geral da integração dos mercados, três
aspectos devem ser considerados: o excedente do consumidor dos dois grupos (alemães
ganharão e portugueses perderão) e os lucros ganhos pelo monopolista (menores quando
os preços não podem ser segmentados). A priori, os efeitos sobre o bem-estar são,
consequentemente, ambíguos.

No entanto, há ainda outra opção disponível para o monopolista: manter o preço


cobrado na Alemanha, 𝑝𝑎 , nos dois mercados. Ele perderá totalmente o mercado
português, mas manterá os lucros mais elevados no mercado alemão; essa estratégia pode
ser mais lucrativa que vender a um preço intermediário para ambos os mercados.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

Se a segunda estratégia prevalecer, a proibição de discriminação de preços entre


países terá atingido o resultado precisamente oposto ao intencionado: diferenças nas
condições de mercado entre a Alemanha e Portugal terminam por se tornar muito mais
pronunciadas que antes.

Não é fácil traçar implicações de políticas práticas e simples da discriminação de


preços (ver o Capítulo 7). No entanto, como esse simples exemplo mostra, uma regra per
se que proíbe as empresas de discriminar preços entre países não é justificada com base
em bem-estar econômico e, em algumas circunstâncias, pode mesmo operar
paradoxalmente contra o objetivo de integração de mercados.

1.3.1.5 – Liberdade econômica

Como vimos, a garantia de liberdade econômica é provavelmente a principal


racionalidade por trás das leis de concorrência na Alemanha. As possíveis contradições
entre tais objetivos e os objetivos de eficiência econômica foram discutidos por Kühn
(1997) em detalhes e sobre casos específicos. Provavelmente, a fonte mais óbvia de
contraste surge em restrições verticais, como em contratos e cláusulas impostas por
fabricantes sobre os revendedores dos bens que produzem. Embora restrições territoriais,
manutenção de preço de revenda e outras práticas frequentemente encontrem forte
justificativa em termos de eficiência econômica (ao estimular os esforços dos
revendedores, assegurar que não vão colocar preços acima do ótimo para o fabricante), é
bastante claro que limitam as liberdades econômicas dos revendedores.61

1.3.1.6 – Combate à inflação

Nossa breve excursão histórica também ilustrou como eventos macroeconômicos


afetaram a implementação da política econômica. O combate à inflação foi indicado como
uma razão para implementar o controle sobre cartéis na Alemanha. No Reino Unido e no

61
Para a relação entre restrições ao comércio e à liberdade de contratação, ver Amato (1997).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

Brasil as primeiras iniciativas de combate ao abuso de poder econômico também


estiveram associadas ao aumento de preços. No entanto, parece duvidoso que a política
de concorrência possa ser usada para atingir esses propósitos. Se empresas entram em
conluio, romper um cartel acarretaria uma redução de preços naquele momento, em vez
de contribuir para um permanente decréscimo dos preços. Ademais, em um ambiente no
qual os preços sobem continuamente, é provável que as empresas reajam ao choque
comum de preços de insumos, aumentando simultânea e independentemente seus preços,
mesmo na ausência de qualquer colusão.62

1.3.1.7 – Justiça e equidade

As leis de concorrência podem também incorporar objetivos como justiça e


equidade, forçando as empresas a se comportar de determinada maneira, em respeito tanto
aos clientes quanto aos rivais. Quanto à justiça com relação aos clientes, a lei pode
impedir as companhias de cobrar preços excessivos (como prevê o artigo 101 da UE).63
Do ponto de vista econômico, o controle de preços pelas autoridades não é suscetível de
ser uma política desejável em mercados com livre-entrada, exceto em casos excepcionais.
Em geral, uma empresa deveria ser livre para cobrar o preço que desejasse e se ela
desfruta de poder de mercado é por conta dos próprios méritos (seja por seus
investimentos em P&D, propaganda ou por conta de estratégias de negócio). Há pouca
razão para obrigá-la a dar descontos aos consumidores; chances há que, cedo ou tarde, a
concorrência de novos entrantes surgirá, e os preços se moverão para baixo. Há duas
explicações para esse raciocínio, contudo. A primeira é que a entrada para o mercado em
questão pode não ser livre. Se for o caso, como quando existe um monopólio legal, a
intervenção sobre preços é justificada. Usualmente, tais mercados estão sujeitos à
regulação, mas, se por algum motivo, não existir regulação ou o regulador falhar em

62
Contudo, se os choques de preços não forem corretamente antecipados pelas empresas, ou seja, se a
inflação for altamente correlacionada com incerteza com relação a preços, é possível que as companhias
em colusão (capazes de se monitorar e compartilhar informação) imediatamente aumentem preços toda vez
que houver aumento dos preços dos insumos, enquanto as que não estiverem em colusão hesitarão mais a
adotar essa prática.
63
A Lei 8.884/94 também definia preços abusivos como uma das infrações à Lei de Defesa da
Concorrência. A disposição foi omitida na Lei 12.529/2011.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

intervir, a intervenção pela autoridade antitruste (se o arcabouço institucional assim o


permitir) poderá ser justificada.

A segunda é que, embora a entrada possa ser livre no papel, na prática, o mercado
não funciona bem, porque o monopolista estabeleceu práticas que preservam ou reforçam
sua posição de monopólio. Contudo, nesse caso, seria preferível que as autoridades
interviessem para restaurar a competição no mercado (a causa do problema), em vez de
estabelecer um teto de preços (cujo alto nível é o efeito das práticas abusivas).

Isso nos leva ao próximo tema: justiça e equidade no mercado. Vamos primeiro
considerar um caso no qual uma interpretação particular do conceito de justiça colidiria
com o critério de bem-estar econômico. Pegue a sensível questão dos pequenos lojistas
versus as grandes redes de supermercados. Em muitos países, são frequentemente
externadas preocupações com o fato de que as redes de supermercados usam seus volumes
maiores como poder de barganha e compram dos fabricantes a preços muito mais baixos
que as pequenas lojas. Isso permite às redes vender a preços finais mais baixos. Como
resultado, as pequenas lojas têm dificuldades econômicas e podem ser forçadas a fechar.
Alguns argumentam ser injusto, e, por conseguinte, as pequenas lojas deveriam ser
protegidas.64 Duvidamos que essa reivindicação seja justificável do ponto de vista de
justiça. Certamente, tal raciocínio estaria em desacordo com os princípios básicos de
eficiência. Sempre que existirem economias de escala em um mercado, companhias
maiores terão custos menores e serão mais competitivas. Empresas de pequeno porte que
não conseguirem alcançar a escala eficiente mínima de produção (ou distribuição) terão
de se contentar com lucros menores ou sair do mercado. O processo de racionalização,
no qual só as empresas mais eficientes permanecem no mercado é benéfico para a
comunidade como um todo, na medida em que trará os preços para baixo, beneficiando

64
Uma lei italiana aprovada em 2001 (1.62, de 9/3/2001) proíbe as livrarias de darem descontos superiores
a 10% do preço de capa (a lei foi posteriormente modificada, proibindo descontos superiores a 15% e por
um período de um ano apenas) é um exemplo de lei que distorce a concorrência no mercado protegendo as
pequenas empresas (livrarias, no caso) da competição das maiores e mais eficientes (no caso,
supermercados, grandes cadeias e livrarias on-line).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

os consumidores. Interferir nesse processo para limitar a habilidade de as grandes


empresas cobrarem preços mais baixos prejudicaria o bem-estar.65

Note, contudo, que justiça e bem-estar não estão sempre em contradição.


Considere uma variação do exemplo anterior e suponha que, em determinado setor, uma
rede de supermercados, que já detém alta participação de mercado (digamos, 70%),
sistematicamente cobre abaixo do custo com o objetivo de forçar pequenos rivais a
deixarem o mercado (eles não conseguem cobrir seus custos com os preços cobrados
pelos supermercados). Nesse caso, essa prática – que pode ser chamada de predatória –
é ao mesmo tempo injusta e prejudicial ao bem-estar. De fato, depois que os lojistas foram
forçados a deixar o mercado, a cadeia de supermercados começou a cobrar preços de
monopólio. Assim, os consumidores pagam baixos preços durante o período no qual os
supermercados agem de forma predatória, mas terão de pagar preços muito mais altos
depois.66

Mais genericamente, equidade ex ante (o fato de as empresas terem as mesmas


oportunidades no mercado) é compatível com a política de concorrência, que deve
garantir um “campo de jogo” para todas as empresas. Por outro lado, equidade ex post
(isto é, resultados iguais da competição de mercado) infelizmente não é algo que
necessariamente coincida com a política de concorrência, já que o mercado funciona de
modo que as companhias que investem mais, inovam mais ou simplesmente têm mais
sorte que as outras serão mais bem-sucedidas e colherão mais lucros.

1.3.2 – Outras políticas públicas que afetam a concorrência

Uma série de considerações de política pública frequentemente afeta as leis de


concorrência e sua aplicação. De fato, a breve história contada anteriormente mostra que

65
Se, por qualquer razão, realmente se achar que as pequenas lojas têm de sobreviver, em vez de usar
política de concorrência, é melhor implementar esse objetivo por uma política redistributiva, por exemplo,
reduzindo impostos e taxas sobre pequenos lojistas.
66
É claro que nem sempre é fácil distinguir o comportamento predatório de baixos preços devido à maior
eficiência. Ver o Capítulo 7 sobre monopolização para uma análise sobre como as autoridades de
concorrência podem se portar em tais casos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

as autoridades concorrenciais e os tribunais com frequência adotam posturas mais fracas


em questões de concorrência que as considerações econômicas por si teriam sugerido, em
virtude de razões sociais, políticas ou estratégicas.

1.3.2.1 – Razões sociais

As regras de concorrência algumas vezes foram relaxadas para abrandar tensões


sociais. As leis americanas foram implementadas de forma mais leniente nos tempos da
Grande Depressão, com a perspectiva de que algum acordo de preço ajudaria as empresas
a evitar a falência, abrandando, assim, as tensões causadas pelo desemprego. Como os
mercados de capitais eram imperfeitos, a política, ao tentar reduzir as falências, poderia
ser de alguma ajuda. Contudo, permitir as companhias entrarem em conluio para resolver
um problema é suscetível de ser um remédio pior que o problema em si, pelo fato de
introduzir distorções adicionais na economia: seria melhor intervir diretamente nas
esferas bancária e financeira.

Pela mesma razão, os “cartéis de crise” às vezes são tolerados na UE. Embora a
perseguição de tais objetivos seja compreensível, não é claro que os meios usados atinjam
os propósitos. Um tratamento mais favorável para certas empresas em momentos ruins
pode ter consequências adversas sobre outros grupos já abatidos pela recessão, como
consumidores ou mesmo outras companhias que usem insumos ou bens intermediários.
Permitir acordos entre empresas em um setor declinante (frequentemente concentrado em
determinada área geográfica) pode gerar consequências perversas no médio e longo
prazos. Na verdade, pode permitir que companhias menos eficientes permaneçam no
mercado em detrimento das mais eficientes, que teriam sobrevivido de toda maneira. A
má alocação de recursos seria o resultado de tal política.67

67
Não significa, contudo, que as forças do mercado garantirão aleatoriamente a saída das empresas menos
eficientes antes das mais eficientes. Ver, por exemplo, Diericks et al. (1991). A existência de diferentes
situações financeiras pode explicar a permanência no mercado de empresas mais ineficientes.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

1.3.2.2 – Razões políticas

Razões políticas também podem justificar algumas posições em política de


concorrência. Quando as Forças Aliadas decidiram quebrar os grupos industriais na
Alemanha e no Japão, uma das razões pode ter sido o perigo de ter concentração de poder
econômico usado com propósitos políticos. De fato, a conexão próxima entre poderes
políticos e econômicos durante o regime Nazista desempenhou importante papel na
tentativa de aumentar a dispersão de poder. Mais genericamente, poderia haver um temor
de que a democracia corresse risco quando poucos cidadãos e grupos dominassem uma
larga proporção de recursos. Sob um diferente ponto de vista, o clamor por uma
distribuição de recursos menos concentrada pode ser justificado com base em justiça. De
fato, reduzir desigualdades na distribuição de renda foi também uma das razões invocadas
pelos advogados das leis antitruste nos Estados Unidos em reação ao excessivo poder
acumulado por algumas empresas e trustes e à epidemia de falências de pequenas
empresas ocorrida no final do século XIX.

1.3.2.3 – Razões ambientais

Razões ambientais podem também ser levadas em conta na aplicação da lei


europeia, significando que acordos entre empresas podem ser avaliados também sob esse
aspecto, avaliando-se todas as externalidades envolvidas e os impactos sobre a sociedade
em termos ambientais.68

É claro que sempre que a política de concorrência for usada para outros propósitos
que não a eficiência, deve-se conjecturar se se trata de uma solução ótima.69 Nesse caso
particular, os mesmos objetivos (ou mais avançados) podem ser atingidos por meio de
outras políticas públicas, como a imposição de taxas, que discriminam contra
equipamentos mais prejudiciais para o meio ambiente, ou mesmo pela imposição de um
padrão ambiental mínimo. Contudo, pode bem ser que tais instrumentos alternativos

68
Uma decisão de 2000 da CE envolveu o tema. Ver Martinez Lopez (2000a).
69
Ver também Martinez Lopez (2000b).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

sejam politicamente inacessíveis e que a política de concorrência possa ajudar os


objetivos ambientais. E claro, é importante assegurar que esse uso da política de
concorrência não introduzirá distorções adicionais.

1.3.2.4 – Razões estratégicas: políticas industrial e comercial

Apoiar “Campeões Nacionais” – ou fragmentar campeões estrangeiros – também


desempenhou um papel na política de concorrência. Políticas de concorrência frouxas em
alguns países podem, às vezes, ser explicadas pela disposição dos governos nacionais em
permitir empresas domésticas a se “tornarem maiores”, na crença de que, assim, elas se
tornem mais bem-sucedidas vis-à-vis suas rivais estrangeiras. Isso pode, por exemplo,
explicar por que a França queria incluir considerações de política social e industrial na
Regulação de Fusões da CE, e a contrario inspirou a política de descartelização forçada
sobre os alemães depois da Segunda Guerra Mundial. Isso significa que considerações de
política comercial podem estar espreitando por detrás de leis de concorrência ou de
métodos de implementação.

Um exemplo do uso de leis de concorrência para permitir empresas domésticas a


extrair rendas de mercados estrangeiros é a exceção conferida pela lei americana a cartéis
de exportação.70 A Lei Webb-Pomerene concede isenção da legislação antitruste a
associações com o único propósito de se engajarem em exportação desde que suas ações
(1) não interfiram ou restrinjam o comércio nos Estados Unidos; (2) não restrinjam o
comércio exportador de competidores domésticos.71 A Lei Export Trading Company
provê a emissão de certificado de imunidade pelo Department of Commerce
(Departamento do Comércio), com a concordância do DoJ. A certificação é emitida
quando a atividade de exportação (1) não resulta em redução substancial da concorrência
nos Estados Unidos; e (2) não afeta injustificadamente os preços nos Estados Unidos; (3)

70
Agradecimentos a Mel Marquis pela discussão que segue.
71
A associação para exportação deve fazer relatórios de suas atividades à FTC. Seguindo a jurisprudência
americana, a associação é proibida de integrar um cartel internacional ou estabelecer uma subsidiária
estrangeira. Finalmente, não pode se juntar a não membros para restringir a concorrência e os preços. Se a
associação violar tais proibições, a FTC reportará ao DoJ para providências.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

não utiliza método desleal de concorrência contra rivais no mercado de exportação; e (4)
não se engaja na venda e revenda de bens no mercado doméstico.

De forma mais geral, os instrumentos de política de concorrência podem ser


usados para atingir objetivos protecionistas. Um caso em questão é o uso das leis
antidumping que, em teoria, têm por objetivo impedir que empresas estrangeiras vendam
abaixo dos custos no mercado nacional, causando prejuízo a empresas nacionais. A
existência de tais leis é justificada pelos fundamentos do comércio justo (fair trade). Se
o dumping coincide com preços abaixo do custo, pode indicar conduta predatória, mas
frequentemente são utilizadas como forma de proteger as empresas domésticas das
estrangeiras mais eficientes, penalizadas quando estão sendo mais eficientes.72

Considerações de políticas industrial e comercial foram muitas vezes obstáculos


à implementação da política de concorrência.73 Nossa visão é a de que a política de defesa
da concorrência é a melhor política industrial possível: é improvável que empresas em
uma indústria particular possam crescer saudavelmente se protegidas da competição,
subsidiadas ou isentas de leis anticartéis.74

Evidentemente, o caso mais claro no qual políticas comerciais estratégicas estão


em operação é quando o governo de um país subsidia empresas domésticas, o que distorce
a competição e tem efeitos perversos, uma vez que pode permitir que companhias
ineficientes sobrevivam às expensas de outras mais eficientes.

1.3.3 – Política de concorrência: uma definição

Definir política de concorrência (ou antitruste) não é tarefa fácil. Uma possível
definição pode ser: “O conjunto de políticas e leis que assegura que a concorrência no
mercado não seja restringida de maneira prejudicial para a sociedade.” A definição admite
a possibilidade de que algumas restrições podem não necessariamente ser prejudiciais,

72
Sobre antidumping, ver o Capítulo 7. Sobre a possibilidade de os instrumentos de política de concorrência
serem usados como dispositivo protecionista, ver Motta e Onida (1997).
73
Ver Gual (1995) sobre os conflitos entre políticas de concorrência, comércio e indústria na UE.
74
Ver o Capítulo 2 sobre o papel da concorrência para promover a eficiência produtiva.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

como certos acordos entre fabricantes e revendedores, que limitam a concorrência por
outros revendedores, mas aumentam o bem-estar (ver o Capítulo 5). Mas a definição é
também vazia, a menos que se especifique o que significa “prejudicial para a sociedade”.
Por outro lado, pede-se uma especificação dos objetivos da política de concorrência.

Na seção 1.3, argumentamos que o bem-estar econômico é o objetivo que as


autoridades de concorrência e os tribunais deveriam perseguir. Isso nos leva a definir a
política de concorrência como “O conjunto de políticas e leis que asseguram que a
concorrência no mercado não seja restringida de maneira a reduzir o bem-estar
econômico”. Neste livro, analisaremos o potencial anticompetitivo de práticas de negócio
e a importância de leis de concorrência, de acordo com essa definição.

Isso não implica que outras considerações de política pública não sejam
importantes, mas que, se o governo deseja atingi-las, não deve utilizar a política de
concorrência, mas recorrer a outros instrumentos políticos que distorçam a concorrência
o mínimo possível. Ademais, como economistas, nosso papel é assinalar quais medidas
estão alinhadas ou em conflito com o objetivo de aumentar o bem-estar econômico.
Caberá a outros, sejam políticos, juízes ou sociólogos, decidir se devem dar prioridade a
considerações econômicas ou não quando os conflitos surgirem.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

Exercícios do Capítulo 1

Exercício 1.1 Descreva os conceitos de excedente do consumidor (ou bem-estar do


consumidor) e excedente total (ou bem-estar total). Quais são os argumentos em favor e
contra o uso do excedente do consumidor em vez do excedente total como objetivo da
política de concorrência?

Exercício 1.2 Em quais jurisdições legais que você conhece as autoridades de defesa da
concorrência podem intervir nos casos de preços excessivos cobrados por uma empresa?
Discuta brevemente o que pensa sobre esse tipo de intervenção.

Exercício 1.3 Em que extensão a política comercial e a política de concorrência podem


entrar em conflito?

Exercício 1.4 Grandes empresas, por vezes, apresentam vantagens sobre as pequenas,
por exemplo, por conta de economias de escopo, poder de barganha mais forte com os
ofertantes que permitem a elas adquirir insumos a preços menores, melhores recursos
financeiros e acesso a credito. Como consequência dessas vantagens, empresas grandes e
pequenas não estão em terreno competitivo equivalente. A política de concorrência deve
intervir? Em caso afirmativo, como intervir para reequilibrar essa assimetria?

Exercício 1.5 Que outras políticas a política de concorrência deve buscar? Quais são as
vantagens e desvantagens de se distorcer a política de concorrência de modo a se
atingirem outros fins?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Política de Concorrência: história, objetivos e legislação (Capítulo 1).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 2

Poder de mercado e bem estar:


introdução

SUMÁRIO

2.1– VISÃO GERAL DO CAPÍTULO ............................................................................ 3

2.2 – EFICIÊNCIA ALOCATIVA ................................................................................... 5

2.2.1 – Poder de mercado: uma definição .................................................................... 5

2.2.2 – As ineficiências alocativas do monopólio ........................................................ 6

2.2.3 – Atividades de busca de renda (Rent Seeking) ................................................... 9

2.3 – EFICIÊNCIA PRODUTIVA ................................................................................. 11

2.3.1 – Perda adicional de bem-estar com a ineficiência produtiva ........................... 12

2.3.2 – Por que o monopolista é menos eficiente? ..................................................... 13

2.3.2.1 – Monopólio e relaxamento na gestão ........................................................ 14

2.3.2.2 – Evidência empírica sobre a produtividade de empresas individuais ....... 15

2.3.2.3 – Um mecanismo darwiniano: a concorrência seleciona empresas eficientes


................................................................................................................................ 16

2.3.3 – Número de empresas e bem-estar ................................................................... 19

2.3.4 – Conclusões ...................................................................................................... 19

2.4 – EFICIÊNCIA DINÂMICA.................................................................................... 20

2.4.1 – Menores incentivos para inovação pelo monopolista ..................................... 21

2.4.2 – Incentivos para investimentos em P&D ......................................................... 23

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

2.5 – POLÍTICAS PÚBLICAS E INCENTIVOS PARA INOVAR .............................. 24

2.5.1 – Ex ante versus ex post: proteção dos direitos de propriedade ........................ 25

2.5.2 – Instalações essenciais (essential facilities) ..................................................... 27

2.5.3 – Crescimentos interno e externo ...................................................................... 30

2.6 – MONOPÓLIO: O MERCADO CORRIGIRÁ TUDO? ........................................ 30

2.6.1 – Monopolista de bens duráveis ........................................................................ 31

2.6.2 – Mercados contestáveis .................................................................................... 34

2.6.3 – Monopólio e livre-entrada .............................................................................. 37

2.6.3.1 – Custos de transferência (switching costs) ................................................ 38

2.6.3.2 – Efeitos de rede ......................................................................................... 41

2.6.3.3 – Práticas exclusionárias ............................................................................. 46

2.7 – RESUMO E CONCLUSÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS ................................ 47

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 2 ............................................... 49

Quadro 2.1 – Concorrência e Eficiência: Modelo de Schmidt ................................... 49

Quadro 2.2 – Concorrência e Eficiência Produtiva .................................................... 51

Q2.2.1 – Competição e seleção de empresas: um exemplo .................................... 51

Q2.2.2 – Empresas demais no setor........................................................................ 53

Quadro 2.3 – Modelos de Concorrência e Inovação .................................................. 55

Q2.3.1 – O monopólio oferece menos incentivos para inovar: um exemplo ......... 55

Q2.3.2 – P&D e Concorrência ................................................................................ 57

Q2.3.3 – Apropriabilidade e P&D .......................................................................... 60

Quadro 2.4 – Concentração sob Livre-entrada ........................................................... 63

Quadro 2.5 – Um Modelo de Redes (Físicas) ............................................................ 67

Exercícios do Capítulo 2 ................................................................................................ 71

Soluções dos Exercícios do Capítulo 2........................................................................... 77

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

2.1– VISÃO GERAL DO CAPÍTULO

A base da política de concorrência é a ideia de que os monopólios são um “mal”


a ser combatido. De fato, a seção 2.2 mostrará que monopólios causam ineficiência
estática: para determinadas tecnologias, preços no nível de monopólio resultam em perda
de bem-estar. Além disso, geralmente existe uma relação inversa entre poder de mercado
(a habilidade de as empresas estabelecerem preços acima dos custos marginais, cuja
forma mais extrema é o poder de monopólio) e bem-estar (estático).

As seções 2.3 e 2.4 mostram que, olhando-se apenas para a ineficiência alocativa,
pode-se, na verdade, subestimar a perda de bem-estar gerada pelo poder de mercado. Um
monopólio (mais genericamente, elevado poder de mercado) deve também resultar em
ineficiências produtivas e dinâmicas. Um monopolista não apenas cobra um preço muito
elevado, mas também tem custos muito elevados e inova muito pouco, desde que,
protegido da concorrência, não seja estimulado a adotar as tecnologias mais eficientes e
investir muito em P&D.

Poderíamos ser tentados a concluir que: se quando há uma ou poucas empresas,


há perda de bem-estar, a política de concorrência deveria tentar aumentar o número de
companhias do setor (por exemplo, subsidiando ou protegendo as menos bem-sucedidas).
Na seção 2.3, veremos que essa conclusão não é correta, porque manter empresas menos
eficientes artificialmente ativas distorceria a alocação de recursos e reduziria economias
de escala, diminuindo, assim, o bem-estar. Em resumo: (1) a política de concorrência
não está preocupada em maximizar o número de empresas; e (2) a política de
concorrência está preocupada em defender a competição no mercado para aumentar o
bem-estar e não para proteger competidores.

Embora exista uma relação inversa entre poder de mercado e bem-estar, sob uma
análise estática, não é claro que a mesma relação não ambígua exista quando ineficiências
produtivas e dinâmicas são consideradas. De todo modo, na seção 2.4, argumenta-se que
o poder de mercado não é um mal per se. Na realidade, a perspectiva de obter poder de
mercado e de desfrutar dos lucros é o principal incentivo para as companhias investirem
e inovarem. Se elas não pudessem se apropriar dos resultados de seus investimentos – em
propaganda, aumento de capacidade produtiva, P&D, despesas em geral –, não
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

investiriam, e, como resultado, os consumidores não usufruiriam de custos mais baixos,


bens de melhor qualidade, novas variedades de produtos e assim por diante.

A seção 2.5 mostra que, com frequência, existe um trade-off entre considerações
ex post e ex ante. Se é tentador buscar eliminar o poder de mercado ex post (isto é,
considerando determinadas qualidades, variedades e tecnologias) de modo a reduzir
preços e elevar a eficiência alocativa, essa política ex ante já seria prejudicial, porque
eliminaria os incentivos para as companhias melhorarem a qualidade dos produtos e suas
tecnologias. Políticas públicas deveriam garantir às empresas algum poder de mercado, o
que significa apropriabilidade de seus investimentos e gastos em P&D, e a política de
concorrência deveria focar não em “destruir” monopólios ou, de forma geral, empesas
com poder de mercado, desde que estabelecidas sobre bases legítimas de práticas de
negócios. Uma empresa que usufrui de um monopólio por ter obtido sucesso no
investimento, inovação e lançamento de novos produtos deve receber recompensas por
suas atividades. A expectativa de que, se tudo der certo, haverá lucros é o incentivo que
estimula uma empresa a realizar um bom trabalho. Qualquer tentativa de eliminar poder
de mercado após o êxito de uma empresa em obtê-lo fornece uma sinalização de incentivo
errada para essa e todas as demais participantes do mercado. A política de concorrência,
portanto, não está preocupada com monopólios per se, apenas com os que distorcem o
processo competitivo.

Os argumentos prévios sugerem que a política de concorrência não deve ser muito
intervencionista. Algumas teorias vão além e insinuam que existem mecanismos de
mercado que impedem o monopolista de exercitar seu poder de mercado, reduzindo,
consequentemente, o escopo da política de concorrência. A seção 2.6 discute essas visões
e, em particular, como o argumento da livre-entrada age como restrição ao poder de
mercado de um monopolista. Embora seja verdade que entrantes potenciais possam
desempenhar o papel de disciplinar incumbentes, monopolistas em geral continuam
imperturbavelmente a cobrar preços elevados mesmo quando a entrada é possível por
certo número de razões, como a existência de custos afundados (sunk costs) custos de
transferência (switching costs) do consumidor e efeitos de rede (network effects), assim
como práticas de negócios estabelecidas pelas empresas incumbentes para excluir
entrantes potenciais (as quais serão analisadas no Capítulo 7).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

A seção 2.7 finaliza o capítulo com algumas conclusões sobre política pública.

2.2 – EFICIÊNCIA ALOCATIVA

A seção 2.2.1 define poder de mercado. A seção 2.2.2 mostra que ele enseja uma
perda de bem-estar associada a preços muito elevados, denominada “ineficiência
alocativa”, e é tão mais elevada quanto mais o poder de mercado coincidir com o de
monopólio. A seção 2.2.3 sugere que a poder de bem-estar pode ser maior se as empresas
se engajarem em atividades improdutivas, de modo a obterem poder de mercado. Outras
razões pelas quais as perdas de bem-estar podem ser ainda maiores serão analisadas nas
seções 2.3 e 2.4.

2.2.1 – Poder de mercado: uma definição

O poder de mercado é um conceito crucial para a economia do direito da


concorrência. Refere-se à habilidade de uma empresa elevar preços acima de algum nível
competitivo – o nível de referência – e de maneira lucrativa. Desde que o nível de preços
mais baixo que uma companhia possa cobrar e, ainda assim, obter lucro seja o preço que
igual e o custo marginal de produção,1 o poder de mercado é usualmente definido como
a diferença entre os preços cobrados pela empresa e seus custos marginais de produção.2

Como o poder de mercado refere-se à habilidade de as empresas cobrarem preços


acima dos custos marginais, devemos esperar que elas tenham algum grau de poder de
mercado no mundo real (no mínimo porque, se não tivessem qualquer lucro, não poderiam

1
Em um modelo em que as empresas vendem produtos idênticos, têm custo fixo zero e escolhem preços (o
chamado modelo de Bertrand), o preço é igual ao custo marginal no equilíbrio (ver o Capítulo 8, para uma
breve descrição). O mesmo resultado surge sob perfeita competição.
2
Uma definição alternativa seria estabelecer o poder de mercado não pela distância entre os preços e os
custos marginais, mas pela proximidade dos preços de monopólio. Conceitualmente, as duas definições são
muito similares. Operacionalmente, uma é muito mais fácil de estimar que a outra: a primeira requer a
estimação de custos marginais; a última, os preços de monopólio de uma indústria. Como a primeira
definição é mais amplamente utilizada, é a que adotamos aqui.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

cobrir seus custos fixos) e que um monopolista incontestável usufrua de um poder de


mercado mais elevado possível. A questão de como mensurar esse poder na prática será
deixada para o próximo capitulo, mas note que, em muitas circunstâncias, a política de
concorrência não estará apenas preocupada com as empresas que tenham poder de
mercado “grande o suficiente”, o que, até certo ponto, é definido com um grau de
arbitrariedade e pode diferir, de acordo com a questão concorrencial particular sob
análise.3

O conceito de “dominância de mercado”, usado na Lei de Competição europeia,


assim como na Lei de Defesa da Concorrência brasileira (ver o Capítulo 1), não tem uma
clara equivalência em termos econômicos, mas pode ser interpretado como uma situação
na qual uma companhia com alto grau de poder de mercado, que lhe permite cobrar preços
“bastante próximos” dos de um monopolista.

2.2.2 – As ineficiências alocativas do monopólio

Vamos agora analisar por que o poder de monopólio reduz o bem-estar estático.
Focaremos aqui a eficiência alocativa, presumindo certo tipo de tecnologia e seus custos
e que a tecnologia utilizada seja a mais eficiente disponível (essa hipótese será relatada
em seções subsequentes). No que se segue, uma simples análise gráfica ilustra o principal
argumento: quando os preços estão acima do custo marginal, geram maior excedente do
produtor, mas não a ponto de compensar a diminuição do excedente do consumidor
causada pelo aumento dos preços.

3
Leis de Defesa da Concorrência podem definir, por exemplo, limiares mínimos de poder de mercado,
abaixo do qual algumas regras não se aplicam, sob a hipótese de que empresas com pequeno poder de
mercado não podem causar dano. Diferentes limiares podem ser adotados também para diferentes práticas,
como vários tipos de restrições verticais, que podem ter diferentes danos potenciais. O limiar de poder de
mercado usado para análises de fusões e para casos de abuso de posição dominante também não precisa
necessariamente ser o mesmo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

Figura 2.1 Perda de bem-estar causada pelo monopólio.

Uma análise gráfica simples. Para fins de simplificação, suponhamos que exista
uma demanda de mercado linear, descrita como a linha OO' na Figura 2.1, e uma
tecnologia com retornos constantes de escala, representada pela linha de custos marginais
constantes 𝑝𝑐 𝑐. Na situação mais competitiva, nosso caso de referência,4 o preço é 𝑝𝑐 =
𝑐, e a quantidade vendida aos consumidores é igual a 𝑞𝑐 . Considere, então, o caso
extremo, no qual o poder de mercado é máximo: a indústria é monopolizada por uma
única empresa, que cobra o preço de monopólio 𝑝𝑚 . A produção de equilíbrio é, então,
𝑞𝑚 .

Lembre-se de que o bem-estar é definido como a soma dos excedentes do


consumidor e do produtor. Sob o equilíbrio mais competitivo, o bem-estar era fornecido
pelo triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆, que também corresponde ao excedente do consumidor (as empresas
não têm excedente, pois, nessa situação, os lucros são iguais a zero)5. Sob monopólio, o
bem-estar corresponde à área descrita pelos pontos 𝑂𝑝𝑐 𝑇𝑅, que vêm a ser a soma do
excedente do produtor 𝑝𝑚 𝑝𝑐 𝑇𝑅, e a soma do excedente do consumidor 𝑂𝑝𝑚 𝑅. A perda

4
O caso mais competitivo corresponde ao equilíbrio de Bertrand (ou equilíbrio perfeitamente competitivo).
5
O excedente do consumidor é a área que fica entre o segmento O e S na reta de demanda (que descreve a
disposição dos consumidores para pagar o bem que compram), e a reta 𝑝𝑐 𝑐 (que descreve o preço que de
fato pagam).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

de eficiência líquida causada pelo monopólio e dada pelas diferenças entre as áreas 𝑂𝑝𝑐 𝑆
e 𝑂𝑝𝑐 𝑇𝑅, ou seja, pela área correspondente ao triângulo R, T, S, que é a perda de peso
morto, D, para a economia.6

Note que, com relação ao monopólio, a concorrência aumenta o bem-estar, mas


não promove a melhoria de Pareto (ou seja, nem todos estão em melhor situação), já que
o excedente do produtor encolhe comparativamente ao caso do monopólio. Esse fato
poderia ser trivial, mas ilustra os principais interesses por trás das diferentes situações.
Os produtores de uma indústria tentarão organizar um lobby a favor de mais proteção e
menos pressão competitiva, enquanto consumidores e usuários dos produtos de uma
indústria terão interesse em apoiar propostas que visem maior concorrência.7

Os determinantes da perda de peso morto. Uma perda de bem-estar ocorre não


apenas quando preços estão no nível de monopólio, mas sempre que estão acima do nível
do custo marginal. Para verificar essa questão na figura anterior, apenas refaça a mesma
análise, comparando o nível de bem-estar atingido quando 𝑝 = 𝑐 com o atingido sob
qualquer preço arbitrário 𝑝 > 𝑐.

Pode-se também verificar que, quanto mais alto 𝑝, maior será a perda de bem-
estar causada pelo poder de mercado (o triângulo que representa a perda torna-se cada
vez maior, à medida que p aproxima-se de 𝑝𝑚 ), sugerindo que o bem-estar decresce com
o poder de mercado.

Além disso, o exemplo gráfico também sugere que a perda de peso morto causada
pelo monopólio depende da elasticidade da demanda do mercado. Se a demanda fosse
perfeitamente elástica (OO' diagonal na Figura), o monopolista não poderia estabelecer
qualquer preço acima do nível de custo marginal (os consumidores não aceitariam
comprar o bem com qualquer aumento de preço, mesmo que ligeiro). Assim, a perda de

6
O monopolista não consegue se apropriar de todo o excedente do consumidor, perdido pelos
consumidores, cuja disposição para pagar é mais alta que os custos marginais. No entanto, se o monopolista
for capaz de estabelecer um preço diferenciado para cada consumidor (isto é, se puder perfeitamente
discriminar preços), os lucros serão iguais a toda a área do triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆. A perfeita discriminação de
preços é improvável de ocorrer, já que necessita que o monopolista disponha de perfeito conhecimento da
disposição de cada consumidor para pagar. Ver também o Capítulo 7.
7
Como visto no Capítulo 1, por conta da fragmentação de seus interesses, na prática, os consumidores não
organizam com frequência lobbies por mais competição, enquanto as companhias fortemente advogam por
menos concorrência.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

peso morto seria nula nessa situação. Como a elasticidade de demanda de mercado
decresce, a habilidade do monopolista em cobrar preços mais elevados aumenta, e as
perdas de peso morto crescem.8

Finalmente, o valor absoluto da perda de peso morto depende do tamanho do


mercado. O intercepto da demanda (o ponto O) da figura pode ser visto como o tamanho
do mercado. Se a demanda OO' se deslocasse em paralelo com relação à origem, isto é,
se mantivesse a mesma inclinação, mas com um intercepto mais abaixo, a perda de peso
morto associada ao poder de monopólio seria menor em termos absolutos.

2.2.3 – Atividades de busca de renda (Rent Seeking)

A ineficiência alocativa identificada anteriormente pode subestimar o efeito


negativo real do monopólio. Sugeriu-se que, quando monopólios são permitidos,
empresas podem tentar utilizar sua influência política e poder de lobby para manter ou
aumentar seu poder de mercado. Nesse processo, usam recursos que poderiam ser
utilizados de maneira mais produtiva. Assim, as atividades de busca de renda ampliam a
perda de bem-estar esperada do monopólio.

Posner (1975) argumenta que o custo social do monopólio deveria incluir uma
área tão grande quanto todo o lucro de monopólio que a companhia obtém (ou seja, toda
a área do retângulo 𝑝𝑚 𝑝𝑐 𝑇𝑅 da Figura 2.2). Isso porque as empresas desperdiçariam
recursos em atividades que não teriam qualquer valor social na tentativa de manter ou
adquirir poder de mercado. Um monopólio, seja privado ou constituído por regulação
pública, cria rendas. Agentes competiriam para se apropriar dessas rendas, subornando

8
Duas notas técnicas que podem ser desprezadas pelo leitor não interessado nesses detalhes: 1. Se a
demanda for perfeitamente elástica, a perda de peso morto desaparecerá. Considere o caso em que os
consumidores estão dispostos a pagar o preço V por uma unidade do bem: o monopolista estabelecerá
precisamente o preço V e – como na perfeita discriminação de preços – irá se apropriar de todo o excedente
dos consumidores. Como resultado, o poder de mercado será o mais alto possível, mas não haverá perda de
peso morto; 2. Tirole (1988: 68 e 88) mostra que a perda de bem-estar absoluta DWL não decresce
necessariamente com a elasticidade de demanda. Por exemplo, com uma função de demanda de elasticidade
constante 𝑝 = 𝑞 −𝜀 , existe uma relação não monotônica entre a perda de bem-estar do monopólio e a
elasticidade. No entanto, com essa função de demanda, o tamanho do mercado cresce com ε. Tirole mostra
que a perda de bem-estar relativa, DWL/W (em que W é o bem-estar), é, na verdade, decrescente com ε.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

funcionários, formando grupos de pressão ou recorrendo a outras atividades.9 Como a


competição entre tais agentes levaria à equalização entre a quantia despendida por eles
nas atividades de busca de renda e a esperada dos lucros obtidos com o monopólio,
haveria apenas uma dispersão de rendas. O argumento de Posner (1975: 257) apoia-se
crucialmente em três pressupostos: (1) existe perfeita competição entre os agentes
envolvidos nas atividades de busca de renda; (2) a “tecnologia” da atividade de busca de
renda é caracterizada por retornos constantes de escala; e (3) os custos incorridos na
obtenção do monopólio não geram qualquer produto adicional com valor social. Sob esses
pressupostos, é fácil verificar que as perdas de monopólio também devem incluir os
lucros.

Figura 2.2 Perdas adicionais causadas por atividades de busca de renda.

As suposições feitas por Posner são questionáveis.10 Em particular, é bem possível


que alguns agentes sejam melhores que outros e muito “eficientes” em suas operações de
busca de renda, de modo que a dissipação de renda, se ocorrer, não necessariamente
coincida com a totalidade dos lucros de monopólio. Além disso, a hipótese de que as
atividades de busca de renda nunca venham a criar resultados válidos em termos sociais

9
O argumento é familiar àqueles que tenham estudado a economia política da proteção. Por exemplo, ver
Krueger (1974).
10
Ver Fisher (1985) para uma crítica aos argumentos de Posner.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

é questionável. Propaganda, por exemplo, tratada por Posner como uma atividade de
busca de renda, pode elevar a informação disponível aos consumidores, assim como sua
percepção de valor do bem.11

O resultado de que a competição em atividades por busca de renda entre agentes


pode levar à completa dissipação de rendas, o que as levaria a serem completamente
desperdiçadas, é, com certeza, uma visão muito extrema e provocativa. Não obstante, o
argumento em si faz sentido. No esforço de assegurar rendas, as empresas podem, de
certo, utilizar recursos que poderiam alocar de forma mais produtiva. A busca de renda
pode certamente gerar distorções ineficientes. O montante real dessas distorções é uma
questão empírica, cujo tratamento está além do escopo deste livro.

2.3 – EFICIÊNCIA PRODUTIVA

Vimos que, para determinados custos de produção, um monopolista (mais


genericamente, uma empresa que disponha de grande poder de mercado) cobra preços
muito elevados, levando a uma perda de bem-estar, denominada ineficiência alocativa.
No entanto, poderá haver uma perda adicional de bem-estar, denominada ineficiência
produtiva, se uma companhia que opere sob monopólio tiver um custo mais alto do que
se estivesse operando em um ambiente mais competitivo.

Sob um ponto de vista empírico, a evidência é variada, mas aponta para


significativas perdas de eficiência produtiva, que podem ser ainda maiores que as usuais
ineficiências alocativas.12

Esta seção primeiro mostra as possíveis perdas adicionais de bem-estar quando o


monopolista escolhe tecnologias ineficientes e, então, analisa por que ele pode acabar de

11
Mais genericamente, despesas para aumentar a probabilidade de obter rendas irão para agentes ativos em
outros segmentos da economia. Um arcabouço de equilíbrio parcial deixa de ser apropriado para tratar do
bem-estar.
12
Ver, por exemplo, Scherer e Ross (1990: 668-72). O primeiro trabalho que tentou estimar perdas de bem-
-estar advindas do monopólio (nos Estados Unidos) foi de Harberger (1954).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

fato permanecendo com elas. Para tanto, discutiremos brevemente tanto a literatura
teórica quanto a empírica sobre esse tema.

2.3.1 – Perda adicional de bem -estar com a ineficiência produtiva

Vamos observar como uma ineficiência produtiva eleva a perda de bem-estar em


função do poder de mercado.13

Suponha que certas empresas operem em uma indústria mais competitiva com
custo marginal igual a c, enquanto um monopolista opera com custo mais elevado,
digamos 𝑐′ > 𝑐. Isso implica que a perda de bem-estar é maior que a área R, T, S,
identificada na Figura 2.1. A Figura 2.3 ilustra a ideia. Se um monopolista opera a um
custo mais alto 𝑐′, o bem-estar sob monopólio equivale à área 𝑂𝑅 ′ 𝑉𝑝𝑐′ . No equilíbrio
competitivo, as empresas operariam, contudo, ao custo 𝑐, e o bem-estar (Figura 2.1) seria
representado pela área 𝑂𝑆𝑝𝑐 . Assim, a perda de bem-estar causada pelo monopólio é a
soma das áreas 𝑅′𝑇′𝑆 e 𝑝𝑐′ 𝑉𝑇 ′ 𝑝𝑐 . Essa é claramente maior que o triângulo de perda de
peso morto R, T, S, que considerava apenas a ineficiência alocativa: as áreas
assombreadas na Figura 2.3 representam a perda de bem-estar adicional referente à
ineficiência produtiva.

13
Veja a seção 8.2.1 para um exemplo simples sobre quanto mais ineficiente o monopolista, mais elevado
o preço cobrado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

Figura 2.3 Perdas adicionais causadas pela ineficiência produtiva.

2.3.2 – Por que o monopolista é menos eficiente?

O argumento permanece incompleto. Até agora, discutimos que, se um


monopolista adota uma tecnologia menos eficiente que a de uma empresa que opere sob
concorrência, o monopólio envolve uma perda de eficiência produtiva adicional. No
entanto, ainda não explicamos por que se deve esperar que o monopolista seja mais
ineficiente. De alguma forma, parece razoável supor que uma empresa que não esta sujeita
a qualquer pressão competitiva não faça grandes esforços para utilizar as melhores
tecnologias disponíveis, aprimorar seus produtos e inovar, mas seria preciso olhar com
maior cuidado para os argumentos teóricos e empíricos que sustentam essa suposição.

Há dois argumentos principais que sugerem que um monopólio provavelmente


envolva ineficiências produtivas. Primeiro, dirigentes executivos de uma empresa
monopolista têm menos incentivos para realizarem esforços. Em segundo lugar –
argumento de seleção darwiniana –, quando a concorrência existe, as companhias mais
eficientes sobreviverão e prosperarão, enquanto as menos eficientes fecharão as portas.
Se um monopólio existir, o mercado não operará qualquer seleção, e uma empresa

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

ineficiente provavelmente sobreviverá como se eficiente fosse. Analisaremos cada um


dos argumentos em separado.

2.3.2.1 – Monopólio e relaxamento na gestão

A ideia de que a pressão competitiva leva uma empresa a procurar a maneira mais
eficiente de organizar a produção e reduzir custos é muito antiga: remonta, pelo menos, a
Adam Smith e foi discutida também por John Hicks e Leibenstein (1966), que divulgou
o conceito de “ineficiência-X” para reapresentar a ideia de que o poder de monopólio – e
a consequente “vida tranquila” – conduz à ineficiência na gestão.

Embora isso vá ao encontro do consenso entre economistas, a ideia de que uma


empresa possa terminar operando com técnicas ineficientes quando outras mais eficientes
estão disponíveis não é autoexplicativa e merece elucidação. Para entender por que essa
situação tende a ocorrer, deve-se considerar que, na realidade, as empresas são
organizações complexas, e decisões relativas à adoção de tecnologias – e, mais
genericamente, que afetem o nível geral de eficiência da companhia – são tomadas por
gestores que podem ter objetivos outros que não os de maximização de lucro. Considere
uma empresa na qual haja separação entre propriedade (acionistas) e controle
(executivos). Acionistas se importam com lucros, mas os executivos importam-se com
sua utilidade individual, determinada por salários, perspectiva de carreira, assim como os
níveis de esforço e tempo que precisam despender no trabalho. Os executivos também se
preocupam com lucros (tipicamente, os acionistas redigem contratos segundo os quais
sua remuneração aumenta de acordo com o nível de lucros), mas, em geral, também estão
preocupados com outras questões. Como resultado, quando tomam decisões sobre
tecnologia (ou têm de tomar atitudes que afetam os custos da empresa), eles podem não
ter os incentivos corretos para adotar as estratégias mais eficientes (quer dizer, as que
maximizam lucros).

Para entender por que uma empresa pode escolher tecnologias ineficientes, deve-
se recorrer aos modelos conhecidos como principal-agente, segundo os quais o
“principal” – o proprietário da empresa – quer induzir o agente (o executivo) a adotar

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

ações que maximizem os recebimentos (payoff) do principal. Nesses modelos, pode-se


estudar como a estrutura de mercado afeta – por meio das decisões do proprietário – as
ações do executivo e, consequentemente, os custos da empresa.

Modelos do tipo principal-agente não demonstram inequivocamente que a


concorrência reduz o relaxamento na gestão.14 Uma conclusão provisória retirada dessa
literatura teórica seria que a crescente pressão competitiva sobre um mercado no qual
exista um monopolista tenda a torná-lo mais eficiente. Porém, uma crescente pressão onde
já exista um alto grau de competição pode vir a reduzir a eficiência (veja a seção 2.3.2.2
para uma breve referência a um modelo que representa essa relação).

Finalmente, note que o relaxamento na gestão é um argumento que se aplica não


apenas à ineficiência produtiva, mas também à ineficiência dinâmica (a vida tranquila
tampouco estimula os executivos a inovar).

2.3.2.2 – Evidência empírica sobre a produtividade de empresas


individuais

A hipótese de relaxamento na gestão é difícil de ser testada empiricamente, mas


existe alguma evidência de que a produtividade de empresas individuais seja mais elevada
em mercados mais competitivos.

Nickell (1996) analisou dados de painel de cerca de 700 empresas manufatureiras


do Reino Unido entre 1972 e 1986 e verificou que quanto maior a participação de
mercado, uma possível proxy de poder de mercado, menores os níveis de produtividade
da empresa.15 Além disso, descobriu também que quanto maior a competição (seja

14
Por exemplo, em Hart (1983), a competição aumenta os esforços dos executivos, mas Scharfstein (1988)
mostra que o resultado depende de uma hipótese forte sobre as preferências deles, isto é, do fato de que são
infinitamente avessos ao risco. Se a utilidade marginal da renda do executivo for estritamente positiva, a
competição reduzirá o esforço do executivo. Outros modelos que lidem com os efeitos da competição sobre
seus esforços incluem Hermalin (1992), Horn, Lang e Lundgren (1994) e Martin (1993).
15
Para uma discussão sobre os possíveis problemas associados ao uso de participação de mercado como
indicador de poder de mercado, ver Nickell (1996: 733-7).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

medida pelo maior número de concorrentes ou pelo nível mais baixo de rendas), mais alto
o crescimento da produtividade total dos fatores.16

Nickell, Nicolitsas e Dryden (1997), com base em dados e análises similares às de


Nickell (1996), confirmam que a concorrência no mercado de produto melhora o
desempenho de produtividade das companhias, mas também indicam que o papel da
concorrência em disciplinar executivos e aperfeiçoar o desempenho de companhias é
mais baixo quando as empresas já se encontram sob pressão financeira ou controle
externo de acionistas.17

Acima de tudo, mesmo que a evidência empírica coletada até o presente não seja
conclusiva, parece que a concorrência afeta a produtividade, e, assim, o ambiente no qual
as empresas desfrutam de poder de monopólio deve ser caracterizado como de menor
eficiência produtiva.18

Veja Concorrência e eficiência: Modelo de Schmidt no Quadro 2.1 anexo no


material complementar deste capítulo.

2.3.2.3 – Um mecanismo darwiniano: a concorrência seleciona


empresas eficientes

Em uma indústria na qual existem empresas mais e menos eficientes, a


concorrência forçará as menos eficientes a deixar o mercado. O bem-estar será elevado,
porque os bens serão produzidos a menor custo. Um argumento relacionado é que, quando
a concorrência existe, diferentes projetos, produtos e tecnologias tornam-se possíveis. O

16
Hay e Liu (1997) observaram os componentes da eficiência de empresas em 19 setores do Reino Unido
e encontraram evidências de que a concorrência de fato desempenha importante papel na determinação da
eficiência e da participação de mercado dessas companhias.
17
Sobre a relação entre concorrência no mercado de produto, finanças corporativas e esforços de gestão (e
inovação), ver Aghion, Dewatripont e Rey (1988, 1999).
18
Há também alguma evidência de que a liberalização comercial (ou abertura comercial) – um indicador
de grau de competição que as empresas de um país enfrentam, resulta em níveis de eficiência mais elevados.
Ver Tybout (2000) para uma análise.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

mercado permitirá, então, que apenas os melhores sobrevivam e prosperem; os demais


desaparecerão. Obviamente, sob monopólio, esse processo não ocorrerá.19

Sob o ponto de vista empírico, o argumento da seleção prevê que a competição


aumentará a produtividade da indústria por meio do processo de entrada e saída do setor.
Olley e Pakes (1996) conduziram um dos mais cuidadosos estudos sobre as razões por
trás das alterações de produtividade em determinado setor e deram forte apoio à tese do
efeito de seleção da concorrência. Eles analisaram o impacto da mudança tecnológica e a
desregulamentação da indústria de equipamentos de telecomunicações nos Estados
Unidos no período entre 1963 e 1987, profundamente desregulamentada. Durante boa
parte do século XX, a AT&T teve o monopólio da provisão de equipamentos de
telecomunicações, de modo que sua subsidiária manufatureira, a Western Electric,
dominou a indústria por longo tempo. A competição no setor desenvolveu-se aos poucos,
graças a uma decisão antitruste em 1968 e regulatória em 1975, que permitiu a conexão
de equipamentos privados à rede, e, em 1982, ao acordo judicial (Consent Decree) que
levou ao desmembramento da AT&T. A criação das sete companhias regionais
operadoras Bells, com autonomia para comprarem seus equipamentos de quaisquer
ofertantes – e que não tinham autorização para produzi-los – efetivou o processo de
desregulamentação. Como resultado, houve considerável entrada (e saída) no setor entre
1967 e 1987, tanto de produtores domésticos quanto de estrangeiros.20 Olley e Pakes
primeiramente utilizaram sofisticadas técnicas econométricas para estimar os parâmetros
da função de produção para a indústria e, em seguida, usaram essas estimativas para
entender o papel da mudança tecnológica e da desregulação para explicar as mudanças na
distribuição do desempenho em nível de planta, entre 1974 e 1987.

Seus resultados indicaram que é a maior parcela da produção da empresa mais


profícua que explica o aumento da produtividade da indústria: “O crescimento da
produtividade que se segue a uma mudança regulatória parece resultar da diminuição (em

19
Ver Jovanovic (1982) para uma formalização da seleção de mercado.
20
Ver Olley e Pakes (1996: 1266-70) para uma descrição da indústria e estatísticas de entrada e saída no
período.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

geral, do fechamento) das plantas mais velhas e menos produtivas e o crescimento


desproporcional dos estabelecimentos produtivos (frequentemente, os entrantes).”21

O papel desempenhado pela saída e entrada no aumento da produtividade é


confirmado por estudos recentes, tanto nos Estados Unidos quanto no Reino Unido.22
Disney, Haskel e Heden (2000) também confirmam que a entrada e a saída de plantas são
importantes para explicar aumentos de produtividade. O grupo de empresas com
estabelecimento único experimentou crescimento de produtividade nulo no nível de
planta: o crescimento de produtividade desse grupo adveio inteiramente da entrada e da
saída. Da mesma forma, quando observou-se o grupo de empresas com várias plantas, o
crescimento de produtividade deveu-se ao fechamento das plantas menos eficientes e à
abertura de novas, mais eficientes. Nesse mesmo trabalho, os autores desenvolveram uma
cuidadosa análise do impacto da competição sobre a produtividade e confirmaram que
um aumento do poder de mercado (seja medido por participação de mercado ou por
rendas) reduz tanto o nível quanto o crescimento da produtividade.23

Acima de tudo, parece que os estudos empíricos confirmam o importante papel


desempenhado pela concorrência na seleção das companhias mais eficientes e, portanto,
na elevação da eficiência produtiva. Há também uma importante implicação para a
política de concorrência: se empresas menos eficientes forem protegidas ou subsidiadas,
a concorrência no mercado ficará impedida de selecionar as melhores, o que resultará em
preços mais elevados e nível de bem-estar mais baixo.

21
Olley e Parkes (1996: 1266).
22
Para os Estados Unidos, ver Foster, Haltiwanger e Krizan (1998). Em um trabalho anterior, Baily, Hulten
e Campbell (1992) observaram que, mais que entrada e saída, o crescimento da produtividade seria
principalmente atribuído à crescente participação na produção de plantas de alta produtividade e à
decrescente participação das de baixa produtividade. Para o Reino Unido, ver Barnes e Haskel (2000).
Efeitos de seleção (ou “externos”), isto é, o aumento da produtividade em razão da entrada ou crescimento
de plantas mais eficientes e da saída de menos eficientes, grosso modo, dariam conta de 30% a 60% do
aumento da produtividade, de acordo com diferentes dados e estudos. O restante seria devido ao
“crescimento interno”, ou seja, da produtividade no nível da planta.
23
Os autores argumentaram que existe um viés de seleção potencial na análise, assim como em Nickell
(1996), que olha para uma amostra de companhias sobreviventes (veja Disney et al. 2000: 22). Corrigir
para esse viés reduz, mas não elimina, o impacto da concorrência sobre a produtividade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

2.3.3 – Número de empresas e bem -estar

Uma vez que o poder de mercado decresce com o número de empresas na


indústria, pode ser tentador concluir que quanto maior o número de companhias em um
setor, mais alto o nível de bem-estar. Não é o caso, no entanto, quando elas têm de incorrer
em custos fixos. De fato, a presença de custos fixos – que dá ensejo às economias de
escala – implica a existência de um trade-off. Por um lado, muitas empresas implica mais
competição no mercado e preços menores, o que indubitavelmente eleva o excedente do
consumidor (a eficiência alocativa). Por outro, há uma duplicação de custos fixos, o que
representa perda em termos de eficiência produtiva (estática).

Esse trade-off entre eficiência alocativa e eficiência produtiva implica que uma
política que almeja maximizar o número de empresas de determinada indústria seria
inconsistente (muitas empresas aumentam a competição e deslocam os preços para baixo,
mas, ao mesmo tempo, envolvem uma perda de economias de escala). Um conflito com
critérios econômicos de bem-estar poderia ser gerado se uma autoridade tentasse não só
garantir a possibilidade de entrada em uma indústria, mas que todas as companhias
competissem em condições de igualdade e, além disso, usassem subsídios ou outros
instrumentos de política industrial para ativamente promover a entrada ou artificialmente
impedir a saída de empresas de um setor.24

2.3.4 – Conclusões

Esta seção considerou dois argumentos sobre poder de mercado e redução de


eficiência produtiva. O primeiro é que a concorrência (que reduz o poder de mercado)
estimula os executivos a fazerem esforços e serem mais produtivos; o segundo é que a
concorrência seleciona as empresas mais eficientes, o que resulta em preços de mercado
menores. Tanto a teoria quanto as evidências dão respaldo a esses argumentos, embora
com algumas qualificações. Deve-se, portanto, esperar que aumentar a concorrência em

24
Essa conclusão é reforçada quando as companhias não são simétricas. Quando empresas produzem com
custos mais altos, sua saída da indústria traz ganhos adicionais de eficiência.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

uma indústria monopolística seja uma medida geradora de bem-estar, mas é possível
também, em princípio, que o aumento da concorrência em um setor no qual a pressão
competitiva já seja muito intensa não eleve o bem-estar.

No mesmo sentido, não é necessariamente verdade que quanto maior o número de


empresas em um setor, maior o bem-estar, por conta da ineficiente duplicação de custos
fixos.25

Veja Concorrência e eficiência produtiva no Quadro 2.2 anexo no material


complementar deste capítulo.

2.4 – EFICIÊNCIA DINÂMICA

Até agora, consideramos as propriedades estáticas não dinâmicas do poder de


mercado: a seção 2.2 mostrou que o monopólio envolve uma ineficiência alocativa, uma
vez que a empresa (para determinada tecnologia) cobra um preço muito elevado; a seção
2.3 mostrou que o monopólio envolve uma ineficiência produtiva, uma vez que o
monopolista pode não adotar a tecnologia mais eficiente disponível. Esta seção considera
a ineficiência dinâmica, que se refere à extensão na qual uma empresa introduz novos
produtos ou processos de produção. Em outras palavras, Enquanto a seção 2.3 estuda
como a concorrência estimula as empresas a operar na fronteira da eficiência de produção
ou próximo a ela, esta seção considera se a concorrência estimula as companhias a
moverem essa fronteira de forma mais rápida e mais para adiante.

A seção 2.4.1 mostra que, de fato, o monopolista pode ter menores incentivos para
investir, adicionando, assim, ineficiências dinâmicas à lista de perdas de bem-estar criada
pelo monopólio. Contudo, a relação monotônica pode não existir entre poder de mercado

25
Estudos similares podem ser conduzidos mantendo-se fixo o número de empresas e verificando-se o
efeito de uma competição mais intensa no mercado de produtos sobre o bem-estar em uma situação em que
a entrada seja livre, situação analisada por d’Aspremont e Motta (2000). Uma vez que as empresas precisam
cobrir os custos fixos de entrada e antecipam lucros mais baixos quando a competição é mais intensa, existe
uma relação positiva entre a intensidade da competição e a concentração industrial. Como resultado,
mercados nos quais a concorrência é mais rígida não podem ser associados ao nível mais elevado de bem-
estar, porque menos empresas vão coexistir no equilíbrio. Ainda, a pior situação em termos de bem-estar é
aquela na qual os cartéis são permitidos (ou seja, um resultado de monopólio).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

e inovação. A seção 2.4.2 mostra que as empresas não são susceptíveis de realizar
investimentos, a menos que esperem se apropriar deles. Isso implica que a expectativa de
poder de mercado desempenha importante papel, na medida em que proporciona
incentivos às empresas por meio de P&D, tema que será analisado na seção 2.5.

2.4.1 – Menores incentivos para inovação pelo monopolista

Apresentamos aqui um exemplo simples para mostrar como um monopolista pode


ser dinamicamente ineficiente por ter menos incentivos para adotar novas tecnologias.
Suponha que um monopolista tenha a possibilidade de adotar uma inovação de processo
que o permita produzir a um custo marginal mais baixo 𝑐𝑙 em vez de ao custo corrente
𝑐ℎ , pagando um custo fixo F. Denomine 𝛱𝑙 e 𝛱ℎ , respectivamente o lucro sob a nova
tecnologia (baixo custo) e antiga tecnologia (alto custo). Para decidir se adotará ou não
essa inovação, o monopolista deverá comparar o lucro adicional 𝛱𝑙 – 𝛱ℎ , que irá auferir
com os custos fixos que terá de despender. A nova tecnologia será adotada apenas se o
adicional for 𝛱𝑙 – 𝛱ℎ > 𝐹.

Considere agora a mesma decisão sobre adotar ou não uma nova tecnologia em
uma empresa que opere em ambiente competitivo. Com a tecnologia corrente envolvendo
o custo marginal 𝑐ℎ , com os quais todas as demais companhias arcam, elas cobram 𝑝 =
𝑐ℎ e realizam lucro zero: 𝛱ℎ′ = 0. Suponha agora que uma delas depare-se com a chance
de adotar a nova tecnologia, que lhe permita operar ao custo 𝑐𝑙 , enquanto todas as demais
empresas seguirão utilizando a antiga.26 Ao adotar a nova tecnologia, a empresa terá a
oportunidade de realizar um lucro de 𝛱𝑙 . Assim, ao operar em competição, inovará se 𝛱𝑙
e 𝛱ℎ > 𝐹, enquanto o monopolista só inovará se 𝛱𝑙 – 𝛱ℎ > 𝐹, condição muito mais estrita.
Assim, o monopolista terá muito menos incentivos para inovar, uma vez que considerará
o lucro adicional trazido pela nova tecnologia, enquanto a empresa em situação
competitiva considerará todo o lucro obtido pela mesma tecnologia.27

26
É o caso, por exemplo, quando a inovação é perfeitamente protegida por uma patente.
27
Para fins de simplificação, presumimos aqui que a empresa em concorrência de Bertrand (ou concorrência
perfeita) realiza o mesmo lucro 𝛱𝑙 que o monopolista, adotando a mesma tecnologia de baixo custo. Esse
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

Esse simples exemplo ilustra a ideia de que monopolistas frequentemente têm


menores incentivos para inovar que empresas concorrentes.28,29 A concorrência as
estimula a investir, de modo a melhorar sua posição competitiva. A ausência de
competição (seja por haver só uma empresa ou várias atuando em colusão) reduz o
incentivo para inovar, o que, por sua vez, significa que o monopolista será menos eficiente
(menos inovador) que as empresas que operam sob concorrência.

Esse exemplo não pode ser generalizado para se concluir que quanto mais
competição existir em um mercado, mais as companhias inovarão. Há um antigo debate
na literatura econômica, desde Schumpeter (1912), sobre a relação entre poder de
monopólio e inovações, que sugere que o poder de monopólio estimula os esforços em
pesquisa e desenvolvimento.

Tanto a pesquisa teórica quanto a empírica sobre a relação entre estrutura de


mercado e inovação não são conclusivas, embora um ambiente de “meio-termo”, no qual
exista alguma concorrência mas também suficiente poder de mercado oriundo de
atividades inovadoras, possa ser o mais condutivo a atividades de P&D.30 Um contexto
no qual as escolhas de P&D são estudadas e o número de empresas na indústria é tomado
como medida do grau de concorrência – competição crescente, por exemplo, quando já
há concorrência demasiada –, não é necessariamente bom para o bem-estar. De fato, os
incentivos para a inovação das empresas são determinados não apenas pela existência de
concorrência, mas também pela possibilidade de se apropriar dos resultados de seus
investimentos. Se a concorrência for muito forte, a apropriabilidade será reduzida, assim
os incentivos para investir e inovar.

não é necessariamente o caso. Tecnicamente, presume-se que a inovação seja “radical”, mas os mesmos
resultados podem ser obtidos mesmo que a inovação seja incremental.
28
Outra razão pela qual monopolistas podem inovar menos está no argumento do relaxamento de gestão,
analisado anteriormente: a vida tranquila não fornece pressão suficiente para que um monopolista faça
melhor.
29
Aghion, Dewatripont e Rey (1999) analisam um modelo de crescimento no qual os empresários não têm
por objetivo maximizar lucros, mas são “conservadores”; eles querem evitar o custo privado de adotar
novas tecnologias e o farão desde que elas evitem que a empresa vá à falência. O trabalho mostra que, neste
cenário, a concorrência disciplina os empresários e leva à maior adoção de novas tecnologias e crescimento.
30
Ver Scherer e Ross (1990, Capítulo 17) para uma revisão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

O resultado é que alguns níveis intermediários de concorrência devem ser ótimos


para inovação e eficiência produtiva, resultado encontrado também em um arcabouço
teórico completamente diferente (com base em modelos de crescimento endógenos) e
confirmado por estudos empíricos que, de fato, encontram uma relação de U invertido
entre concorrência e inovação.31

Note, no entanto, que seria muito difícil utilizar esses resultados para objetivos de
política pública, por exemplo, para escolher o nível “correto” de concorrência. Diferentes
pressupostos sobre os parâmetros e sobre o jogo disputado pelas empresas determinariam
diferentes resultados, os níveis ótimos de competição em cada uma das circunstâncias de
mercado. Assim, intervir em determinada indústria para reduzir o nível de concorrência
(qualquer que fosse o mecanismo para obter esse resultado) com o objetivo de se
aproximar de algum nível teoricamente ótimo de competição, não poderia ser justificado
por qualquer teoria robusta. A única conclusão sólida e robusta que se pode retirar de
análises como essa é que o monopólio (ou um cartel) é pior que estruturas de mercado
competitivas, porque falha no estimulo à eficiência dinâmica.32 Nesse sentido, medidas
devem ser adotadas para restaurar a concorrência nos mercados nos quais ela encontra-se
ausente.

2.4.2 – Incentivos para investimentos em P&D

A concorrência estimula a inovação, mas a expectativa de ser capaz de se apropriar


dos investimentos em P&D por meio dos lucros no mercado também. Para mostrar a
importância do poder de mercado como incentivo para inovar, reconsidere o exemplo
simples da seção 2.4.1, mas suponha que, quando há competição, nenhuma empresa pode
se apropriar da inovação: se alguma adota a tecnologia, todas as outras também serão
capazes de produzir ao mesmo custo, talvez por não haver patente protegendo a inovação
da companhia ou por haver uma política que obrigue as empresas a cederem sua

31
Aghion et al. (2002) apresentam um modelo de crescimento que sugere essa relação e conduz a um teste
empírico (sobre dados de painel do Reino Unido) dessa predição.
32
Exatamente a mesma interpretação deve ser aplicada ao resultado obtido por d’Aspremont e Motta
(2000).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

tecnologia às concorrentes (licenciamento compulsório). Nesse caso, as empresas não têm


incentivo para inovar: a difusão da tecnologia impede o inovador de se beneficiar da
inovação, uma vez que todas as demais passam a cobrar 𝑝 = 𝑐𝑙 e a perfazer lucro zero:
𝛱ℎ′ = 0. O custo fixo F da inovação não poderá jamais ser recuperado, e nenhuma
inovação surgirá sob competição.

Esse exemplo é evidentemente extremo, mas seu propósito é chamar a atenção do


leitor para o fato de que o poder de mercado (ou a expectativa de seu exercício)
desempenha importante papel em manter os incentivos para inovação, investimento,
inserção de novos bens e aprimoramento da qualidade dos produtos. Eliminar o poder de
mercado jamais deve ser o objetivo de uma política pública (ver a seção 2.5).

Veja Modelos de concorrência e inovação no Quadro 2.3 anexo no material


complementar deste capítulo.

2.5 – POLÍTICAS PÚBLICAS E INCENTIVOS PARA INOVAR

Das seções precedentes, emerge a ideia de que o poder de mercado reduz a


eficiência alocativa, mas também que uma relação claramente definida, com o poder de
mercado de um lado e as eficiências produtiva e dinâmica do outro, é mais difícil de
estabelecer. Assim, não haveria justificativa para a eliminação do poder de mercado como
objetivo de política pública.

Mais importante, a própria existência de algum poder de mercado auxilia a


concorrência, pois a perspectiva de dispor dele (isto é, de obter lucros de mercado) é o
que impulsiona as empresas a fazer uso de tecnologias mais eficientes, melhorar a
qualidade dos produtos ou introduzir novas variedades de produtos. Se agências antitruste
tentassem eliminar ou reduzir o poder de mercado sempre que ele surgisse, ocorreria um
efeito perverso de eliminar os incentivos para as empresas inovarem.

Esta seção enfatiza a importância dos incentivos para a inovação (e, mais
genericamente, para o investimento) e argumenta que as políticas públicas devem manter
tais incentivos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

2.5.1 – Ex ante versus ex post: proteção dos direitos de propriedade

O trade-off entre eficiência ex ante (o desejo de preservar o incentivo para que as


empresas inovem) e eficiência ex post (uma vez que a inovação ocorreu, seria melhor que
todas as empresas da economia tivessem acesso a ela) está no âmago das políticas
públicas voltadas para o investimento e a inovação. Um governo enfrenta um problema
de consistência temporal nessa situação. Antes de as companhias decidirem por investir
em P&D, o governo sempre prometerá que elas se beneficiarão inteiramente de seus
resultados em P&D (para fazê-las investir o máximo possível). Porém, uma vez obtidos
os resultados em P&D, o governo é tentado a renegar a promessa: ao cancelar os direitos
de exclusividade pela inovação, o governo pode permitir que ela seja utilizada por um
número máximo de empresas (incluindo aquelas que não contribuíram para os esforços
de P&D), de modo que muitos consumidores possam dispor imediatamente dos
benefícios da nova tecnologia. Mas as empresas preveriam que o governo teria tal
incentivo para descumprir a promessa, e, como consequência, as companhias não
inovariam, resultando na pior solução possível para o bem-estar. O governo é, portanto,
atingido por sua própria possibilidade de descumprir suas promessas, ou seja, por sua
falta de compromisso. Seria melhor atar as mãos e comprometer-se a cumprir o
prometido. Dessa forma, as empresas estariam asseguradas de que seriam capazes de
dispor das recompensas por seus esforços de P&D.

Leis de patentes (e outras leis de propriedade intelectual) são a forma que os


governos têm de assegurar que se comprometem a não expropriar uma empresa inovadora
ex post. A companhia sabe que, durante certo período, poderá explorar integralmente os
resultados de suas atividades de P&D.

O trade-off entre a necessidade de conceder às empresas a apropriabilidade de


suas inovações e o desejo de que seus benefícios se espalhem a outras companhias e aos
consumidores deu ensejo à vasta literatura sobre o desenho ótimo de patentes.33 A teoria
busca identificar a amplitude e duração ótimas de patentes. Em termos teóricos, o
problema se apresenta da seguinte maneira: não se quer dar uma proteção muito ampla a

33
Ver Tirole (1988: Capítulo 11) para referências.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

uma inovação: caso contrário, concorrentes seriam desencorajadas a trazer inovações, que
estariam apenas vagamente relacionadas com a inovação patenteada. Por outro lado, a
proteção não pode ser muito estreita, pois uma concorrente poderia fazer uma pequena e
artificial inovação incremental e sair-se bem, infringindo a patente. O mesmo é verdade
para a duração da patente. Um período de proteção muito longo impossibilita as
concorrentes de desafiar o incumbente inovador com novas descobertas; mas um período
de proteção muito curto não daria apropriabilidade suficiente para o inovador. Em termos
práticos, no entanto, é difícil ir além do reconhecimento desse trade-off, e é muito árdua
a tarefa de identificar o escopo e a duração de proteção não arbitrários.

Além das leis de patente, existem outras legislações que auxiliam o governo a
resolver os problemas de compromisso de forma direta. Leis de direito autoral e marcas
asseguram que um produto bem-sucedido possa ser utilizado por outra empresa apenas
em acordo com a que detém seus direitos. Leis de segredos comerciais têm como objetivo
– entre outros – assegurar que empregados que tiveram acesso a segredos de negócios de
uma empresa não os revelem a uma concorrente que os contratem. Cláusulas de não
concorrência também ajudam as empresas a manterem seu know-how intacto, na medida
em que limitam a liberdade de funcionários de irem trabalhar na concorrência.34

De maneira mais geral, a questão envolve não apenas direitos de propriedade


intelectual, mas direitos de propriedade tout court. Imagine que uma empresa invista em
certa planta ou em certo ativo físico que posteriormente venha a se tornar uma vantagem
competitiva crucial para todas as outras empresas do setor. Uma agência de concorrência
pode se ver tentada a dar acesso a esse ativo crucial a todas as companhias: novamente,
se fosse possível, as empresas, para início de conversa, não fariam muito esforço para
investir. Leis de direito de propriedade resolvem esse problema de compromisso,
assegurando que a expropriação não ocorrerá.

Um problema similar acontece com respeito a preços. Suponha que uma empresa
apresente um novo produto ou construa uma forte imagem de marca de determinado
produto que os consumidores adorariam comprar mesmo a preços extremamente
elevados. Um governo poderia se ver tentado a intervir e impor tetos de preços para elevar

34
Ver Motta e Ronde (2002) para uma formalização dessas cláusulas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

o excedente. É, contudo, importante ter um arcabouço jurídico claro para garantir as


companhias contra tal possibilidade. Vamos elaborar mais esses dois pontos nas seções
seguintes.

2.5.2 – Instalações essenciais ( essential facilities)

Qualquer insumo considerado necessário por todos os participantes para operar


em uma indústria e que não seja facilmente duplicável pode ser visto como uma
instalação essencial (ver também o Capítulo 6). Há muitos exemplos que podem
satisfazer a essa definição vaga de insumos essenciais. Na indústria de aviação civil, slots
nos aeroportos; nos transportes marítimos, instalações portuárias; na telefonia fixa, a
conexão local – “última milha” –, que liga o telefone de cada residência à rede de
telefonia; para geração de energia elétrica, a rede de transmissão e distribuição de
eletricidade; para a produção de farmacêuticos, certo componente químico; e daí por
diante.

Esses são exemplos teóricos, no sentido de que compreender se determinado


insumo é realmente uma instalação essencial é uma questão complexa. Quão
indispensável é determinada mercadoria? Muito frequentemente, um insumo dá a seu
proprietário uma vantagem competitiva sobre os concorrentes que dispõem de insumos
inferiores. Obviamente, não se pode chamar de “essencial” um insumo que dê apenas uma
vantagem competitiva menor a uma empresa. Por outro lado, pode haver insumos
alternativos tão ruins como substitutos que não permitem aos concorrentes qualquer tipo
de competição. Por isso, pode não ser fácil estabelecer em que ponto determinado insumo
começa a ser tão superior a ponto de dever ser considerado “necessário”.

Quão fácil é duplicar um insumo? Claramente, se reproduzir um fosse fácil, barato


e prático, seria difícil dizer que se trata de um insumo essencial. Mas quão custoso e difícil
é reproduzi-lo para concluir que se trata de um insumo essencial?

Imagine, por exemplo, que uma companhia de navegação faça uma integração a
jusante, e construa novas instalações portuárias em uma Cidade A, localizada em seu país
de origem. Dada sua localização, usar a infraestrutura do porto dá à Empresa X a grande

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

vantagem de servir à rota marítima de seu país até outro país estrangeiro. A Empresa Y
agora requisita o uso do porto, e a Empresa X nega (recusa de contratar). Então, a Empresa
Y queixa-se às autoridades de concorrência de que ela deveria ter acesso (possivelmente
a um preço, desde que justo) às instalações do porto da Cidade A.

Autoridades de concorrência em diferentes países com frequência vêm aceitando


com rapidez as alegações como as da Empresa Y e adotando a chamada “Doutrina das
Instalações Essenciais” (Essential Facilities Doctrine), decidindo, assim, que o
proprietário do insumo se engajou em uma prática ilegal e deve ser obrigado a
disponibilizar a instalação para os concorrentes.35

Há algumas considerações necessárias antes de se conceder acesso a instalações


de propriedade de uma empresa a concorrentes. Em um porto, por exemplo, é preciso
verificar até que ponto o transporte por meio de outros portos que não o Porto A é
realmente um substituto tão fraco para a rota ao país estrangeiro. Os demais portos são
realmente muito distantes? As outras instalações são muito inferiores? Em segundo lugar,
supondo que não existam outros portos para uma rota substituta, é factível para a Empresa
Y reproduzir um investimento similar e construir (ou melhorar) instalações portuárias em
outra cidade próxima, vamos dizer, B? Perceba que aqui não é suficiente responder que
seria muito caro. O argumento é que não há outras cidades na região servidas por trem ou
rodovias, de modo que o embarque seria impossível; ou que o governo não autorizaria a
construção de outro porto em área próxima por razões ambientais ou outras quaisquer.

Se todos os testes prévios forem favoráveis à empresa requisitante do uso do


insumo, a possibilidade de utilização de preço de acesso para lidar com a questão pode
ser considerada. No entanto, há outro argumento que sugere cautela antes de conceder tão
generosamente acesso à concorrência. No nosso exemplo, as novas instalações portuárias
foram resultantes de um investimento deliberado (e, presumivelmente, custoso) da
empresa. Obrigá-la a compartilhar suas instalações com concorrentes seria uma infração
aos direitos de propriedade. Mais importante, teria o efeito de desencorajar investimentos
semelhantes, à medida que a perspectiva de ser expropriado de seus investimentos

35
Em uma sequência de casos relacionados com o setor de transportes, a Comissão Europeia foi muito
rápida em encontrar instalações “essenciais” e abusos de posição dominante de empresas proprietárias de
tais instalações. A maior parte desses casos estava relacionada com a infraestrutura de portos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

desencoraja companhias a construírem novas instalações. Em terceiro lugar, deve-se


verificar se, ao conceder acesso à infraestrutura aos concorrentes, o proprietário da
instalação não passara a arcar com mais custos para produzir. Se, por exemplo, não houver
capacidade ociosa, será mais difícil argumentar em favor de acesso.

A última observação é crucial. Há uma importante diferença entre empresas que


investiram e que obtiveram o direito de utilizar certas instalações sem terem incorrido no
risco de ter de criar ou pagar por elas. No exemplo anterior, o caso não pode ser
considerado da mesma forma se a Empresa X tiver construído as instalações portuárias
sozinha (assumindo os riscos e os custos do investimento) ou se o investimento tiver sido
feito pelo Estado, e a empresa tiver apenas recebido os direitos de monopólio sobre as
instalações.

Vejamos, por exemplo, o caso – comum na Europa – das companhias aéreas (flag
carriers), que recebiam dos governos, no tempo em que eram monopólios nacionais, o
direito de uso de muitos dos slots de aterrissagem e decolagem nos aeroportos domésticos.
A disponibilidade de slots de determinado aeroporto é um insumo essencial para muitas
rotas (outros aeroportos podem estar muito distantes para a maior parte dos usuários, por
exemplo), e, desde que se deu o movimento de desregulação, e a entrada no setor tornou-
se “livre”, ficou mais difícil argumentar que os slots deveriam ser mantidos com os
antigos monopolistas. Nesse caso, mesmo que o monopolista detenha um contrato que
lhe confira direitos de exclusividade para os slots, a concorrência requererá que os
concorrentes tenham acesso a alguns deles: não há que se falar em proteção ao
investimento de empresas aqui.

O primeiro caso no Brasil a levantar a tema da Doutrina das Instalações Essenciais


envolveu a queixa da TVA contra a Globo,36 com a acusação de abuso de posição
dominante por recusar a oferta do sinal de televisão aberta, tratado pela TVA como
insumo essencial. A alegação era que não podia competir no mercado sem carregar o sinal
da TV Globo, já que os programas dessa emissora eram líderes de audiência. O relator do
caso verificou que, de fato, havia uma falha regulatória, pois a Anatel não tratava a
questão do must carry para o caso de TV por satélite como regulava para TV a cabo,

36
PA 08012.006504/1997-11.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

determinando a obrigatoriedade do carregamento do sinal da TV aberta. O caso foi


enviado à agência reguladora, já que o CADE entendeu que se tratava de matéria sob
vazio regulatório – embora não se tenha afastado explicitamente a proposição de
tratamento do sinal de TV aberta líder de audiência como insumo essencial.

2.5.3 – Crescimentos in terno e externo

Poder de mercado e lucros são a recompensa legítima pelo fato de que


determinada empresa foi mais bem-sucedida que outras (a despeito do motivo, desde que
não ilegal). Chame essa situação – a de que uma empresa tenha adquirido poder de
mercado e crescido pelos próprios méritos – de “crescimento interno”. Contraste agora
com uma situação – chame de “crescimento externo” – em que uma empresa cresça e
adquira poder de mercado não por seus investimentos, mas porque adquire (ou se funde)
a outras. Nesse caso, o poder de mercado não é a legitima recompensa de alguma
atividade arriscada, mas o produto da eliminação direta de competidores via compensação
(ou seja, o preço do takeover). Conceitualmente, é bastante diferente, e as autoridades de
defesa da concorrência devem cuidar disso de maneira preventiva. O Capítulo 5 mostrará
ser pouco provável que uma fusão entre empresas pequenas crie problemas
anticompetitivos, enquanto uma fusão entre companhias que dispõem de grandes
participações de mercado devem ser autorizadas apenas se gerarem ganhos substanciais,
verificáveis e especificamente ligados à fusão. Isso significa que, há fortes razões para
acreditar que duas empresas combinadas resultarão em uma muito mais eficiente, capaz
de produzir a menor custo e vender a menor preço.

2.6 – MONOPÓLIO: O MERCADO CORRIGIRÁ TUDO?

Há quem argumente que os mecanismos de mercado impedem mesmo um


monopolista de exercitar seu poder de monopólio. Uma dessas linhas de argumentação é
que um monopolista de bens duráveis é incapaz de manter preços elevados porque os
consumidores antecipam que ele os reduzirá no futuro. Outro argumento é que a livre-

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

entrada impede o monopolista de estipular preços altos, que disparariam a entrada.


Tomados pelo valor de face, esses argumentos – derivados da Conjectura de Coase e da
Teoria dos Mercados Contestáveis – implicariam que não deveríamos nos preocupar com
o poder de mercado, pelo menos quando houver ofertantes de bens duráveis e livre-
entrada envolvidos. Nesta seção, são apresentados e discutidos ambos os argumentos para
concluir que: embora ofereçam percepções interessantes e valiosas, as versões extremas
dessas teorias são insustentáveis. Também menciona-se um número de razões pelas quais
as forças de mercado, por si só, não são capazes de reduzir o poder de mercado em
diversas situações (se os custos afundados forem importantes, se os consumidores tiverem
custos de transferência, se houver externalidades de rede, se os monopolistas puderem se
engajar em atividades anticompetitivas). Infelizmente, mesmo quando a entrada é, em
princípio, livre, razões para se preocupar com o monopólio ainda existem.

2.6.1 – Monopolista de bens duráveis

Coase (1972) sugeriu que um produtor de um bem durável poderia precificá-lo ao


custo marginal, mesmo sendo monopolista.37 Para entender melhor a questão, suponha
que um produtor tenha, diante de si, dois grupos potenciais de clientes com diferentes
avaliações sobre o bem durável que vende. Presumivelmente, ele tentará primeiro cobrar
um preço alto e vender para os consumidores com alta avaliação do bem. No período
seguinte ao que os consumidores compraram o bem (sendo um bem durável, os mesmos
consumidores não vão adquiri-lo novamente), o produtor reduzirá o preço para poder
vender aos consumidores que subavaliaram o produto. No entanto, é razoável esperar que
os consumidores com alta avaliação entendam que o produtor diminuirá o preço no futuro.
A menos que incorram em um alto custo postergando sua compra em um período, eles se
abstêm de comprar até que o preço tenha baixado. Como resultado, o monopolista não
poderá vender a um alto preço logo de imediato.

37
Bens duráveis são mercadorias que resistem por determinado período, como automóveis, computadores,
geladeiras, fotocopiadoras etc.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

Suponha, agora, que não haja dois grupos de consumidores, mas um número
extremamente grande deles, com avaliações sobre o mesmo bem durável, que vão do
custo marginal ao preço de monopólio (suponha também que cada período seja muito
curto, de modo que o ajustamento de tempo ocorre continuamente). O monopolista terá,
então, incentivo para, em cada período, reduzir o preço para vender aos que ainda não
compraram o produto. Uma vez que cada consumidor tenha a expectativa de que o
monopolista acabará reduzindo o preço até o custo marginal para vender ao último grupo
na escala de avaliação do bem, cada consumidor adiará a compra até que o preço se iguale
ao custo marginal. Teremos chegado ao paradoxo conjecturado por Coase, no qual o
monopolista perde todo seu poder de mercado porque os consumidores antecipam que ele
reduzirá os preços até o custo marginal no futuro.

A conjectura de Coase foi provada formalmente, mas repousa sobre hipóteses tão
“heroicas” que não pode ser considerada literalmente.38 No entanto, a percepção por trás
do resultado é válida, importante e se aplica a uma série de situações (veja, por exemplo,
o Capítulo 6, em que o princípio é aplicado na compreensão da lógica e dos efeitos das
restrições verticais). A questão crucial é que o monopolista é atingido por sua
flexibilidade para alterar preços em períodos futuros. Se ele pudesse se comprometer com
credibilidade a não reduzi-los, melhor. Suponha, por exemplo, que ele pudesse anunciar
publicamente um preço de monopólio para o bem durável e que não alterasse o preço
enquanto durante a venda. Suponha também que ele redigisse um contrato (a chamada
cláusula da nação mais favorecida), especificando que, se viesse a reduzir o preço em
algum momento, todos os consumidores que tivessem pagado preço superior teriam
direito ao reembolso da diferença. Assim, esse contrato (executável em tribunais)
permitiria o compromisso crível à precificação de monopólio, e o monopolista seria capaz
de restabelecer seu poder de mercado.

Note, no entanto, que somente o anúncio da intenção de não reduzir preços, sem
o compromisso explícito e executável, não seria suficiente para resolver o problema.

38
Notadamente, a pressuposição é que tanto o monopolista quanto os consumidores viverão eternamente,
que o bem também tem durabilidade infinita, que os consumidores têm demanda unitária e que o período
entre os sucessivos reajustamentos de preços tende a zero. Ver Tirole (1988: Capítulo 1.5) para referências,
formalização e discussão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

Depois que o primeiro grupo de consumidores tivessem comprado o bem, o monopolista


teria o incentivo de renegar a promessa e consideraria lucrativo reduzir preços.39

Conclusão: a flexibilidade de preços pode, de fato, prejudicar um vendedor de


bens duráveis, assim como de outros bens com características similares. Mas o que o
exemplo citado nos mostra é que o monopolista pode encontrar também uma forma de
resolver o problema do compromisso.

Alguns instrumentos para resolver (ou aliviar) o problema do compromisso. Como


vimos, uma forma possível de o monopolista se evadir do problema de Coase é recorrer
a cláusulas contratuais (como a cláusula da nação mais favorecida), que dá credibilidade
ao compromisso de não baixar preços.40

Outra possibilidade é, em vez de vender um bem durável, o produtor pode alugar


(ou fazer um leasing) para os consumidores. Nesse caso, ele se compromete a não reduzir
o preço no futuro, na medida em que um decréscimo o prejudicaria, reduzindo o valor de
seu bem. Nem sempre, contudo, a possibilidade de leasing é factível, em razão, por
exemplo, do problema do risco moral (consumidores não proprietários do bem podem
não cuidar adequadamente dele e danificá-lo) e dos custos de monitoramento associados.

Outra possibilidade ainda é haver um fluxo constante de entrada de produtos no


mercado, não apenas a de um único bem, o que pode aliviar o problema do compromisso
ao estabelecer ao monopolista uma reputação de não inundar o mercado após os períodos
de introdução dos produtos.

Conclusões. Embora, teoricamente, o monopolista de bens duráveis possa ser incapaz


de cobrar preços acima do custo marginal, na prática, é improvável que o poder de
mercado vá desaparecer por conta de problemas de compromisso. Se os consumidores

39
O problema da credibilidade intertemporal e compromisso pode ser encontrado em várias situações e em
diversos campos. Considere, por exemplo, um governo que queira estimular o investimento direto em um
país. Ele terá um incentivo para prometer isenção de impostos incidentes sobre empresas. Mas, uma vez
que elas tenham se estabelecido no país, o governo poderá se ver tentado a fazer as subsidiárias das empesas
estrangeiras pagar altos impostos. Questões similares também podem ser aplicadas a políticas monetárias
e macroeconômicas.
40
É claro que as cláusulas em si precisam ser críveis. Se, por exemplo, o preço não for publicamente
observável (como quando o bem vendido é intermediário, e os compradores são empresas), a cláusula da
nação mais favorecida pode ser de pouca utilidade, porque um comprador não saberá facilmente os preços
cobrados de outros compradores posteriormente. Nesse caso, o monopolista terá de encontrar outra solução
para o problema do compromisso.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

incorrerem em custos quando postergarem suas compras, compradores potenciais


aumentarão ao longo do tempo ou se os custos do menu reduzirem a flexibilidade do
monopolista em alterar preços ao longo do tempo, o monopolista será capaz de
estabelecer preços próximos do nível de monopólio. Acima de tudo, o monopolista de
bem durável terá vários instrumentos disponíveis, como leasing, reputação ou cláusulas
contratuais para resolver (ou aliviar) o problema do compromisso e exercitar seu poder
de mercado.

2.6.2 – Mercados contestáveis

Argumenta-se, por vezes, que o poder de monopólio é, possivelmente, uma


situação temporária, uma vez que a existência de lucros tenderia a atrair a entrada de
outras empresas e erodir o poder de mercado. Mesmo que em determinado período as
perdas de peso morto sejam grandes, sob um ponto de vista dinâmico, as perdas totais
esperadas com o poder de monopólio seriam muito menores, por conta dos novos
entrantes.41 Se esse for o caso, haveria pouco espaço para a política de defesa da
concorrência, uma vez que as forças de mercado restabeleceriam um resultado social mais
favorável sem a necessidade de qualquer ação antitruste.

É, portanto, necessário analisar se a livre-entrada é capaz de reduzir a


concentração de mercado ou, de alguma forma, a perda de bem-estar advinda do poder
de monopólio. Um ponto de partida útil é discutir a chamada “teoria dos mercados
contestáveis”, proposta por Baumol, Panzar e Willig (1982).

Uma simples ilustração do argumento proposto pelos autores pode ser vista a
seguir. Considere uma indústria que produza um bem homogêneo por meio de uma
tecnologia igualmente acessível a um monopolista incumbente e a um entrante potencial.
Em particular, para produzir o bem, a empresa incorre em um custo fixo F mais um custo
variável cq. Suponha também que o mercado seja grande o suficiente para que o
monopolista recupere o custo fixo F.

41
Ver, por exemplo, Schmalensee (1982) e Ordover (1990).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

Obtém-se, assim, o surpreendente resultado de que a empresa monopolista não


cobra o preço de monopólio, mas o preço suficiente para cobrir seu custo médio
(𝑝𝑎 = 𝑐 + 𝐹 ⁄𝑞 ). A prova desse resultado é direta e pode ser obtida com raciocínio
inverso, como se segue. Primeiro, se o monopolista cobrasse um preço acima do custo
médio, obteria lucros positivos; atraída por esses lucros, uma nova empresa entraria no
mercado, cobraria um preço um pouco inferior ao da incumbente, roubaria todo o
mercado e obteria lucros positivos. Assim, preço acima do custo médio não pode subsistir
em equilíbrio.

Em segundo lugar, em equilíbrio, a incumbente não pode estabelecer preços


abaixo do custo médio porque não seria capaz de cobrir seus custos fixos e acumularia
perdas.

Assim, preços iguais aos custos médios seriam o único resultado possível de
equilíbrio sob livre-entrada.

O resultado de que um monopolista não cobraria um preço excedente ao custo


médio é um golpe. Se esse resultado fosse robusto e com base em razoáveis pressupostos,
as implicações para a política de defesa da concorrência seriam extremamente fortes.
Visto que a própria presença de concorrentes potenciais na indústria que disciplina o
monopolista, qualquer mercado em que a entrada não seja proibida atingiria a produção
socialmente eficiente (pelo menos, quando subsídios do governo não fossem permitidos).
Assim, mesmo que se em determinado mercado houvesse um persistente monopolista e
nenhum entrante após anos, isso seria perfeitamente compatível com uma situação
socialmente eficiente. Autoridades antitruste não teriam qualquer razão para intervir.

Infelizmente, há dois problemas com esse raciocínio. O primeiro advém do


pressuposto de que o monopolista não é capaz de mudar seu preço quando enfrenta nova
competição. Esse argumento é totalmente falho sob a hipótese de que o monopolista
mantém o preço pré-entrada por, pelo menos, algum tempo após observar a entrada real
de outra empresa. Em outras palavras, haveria maior flexibilidade em uma decisão sobre
entrada (por parte de um entrante potencial) que de uma decisão sobre preço (por parte
da empresa incumbente). Esse fato é tremendamente irrealista. O grau de compromisso
de uma empresa com sua decisão sobre preços é geralmente mais baixo, e se deveria
racionalmente esperar que uma companhia tivesse preços mais baixos depois da entrada
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

que antes. Se não há espaço para duas empresas a preços mais competitivos, nenhuma
entrada ocorrerá na indústria.

O segundo problema reside na natureza dos custos fixos F. A teoria descreve a


situação em que o entrante potencial observa a existência de lucros em determinada
indústria, rapidamente converte parte da capacidade existente (ou estabelece uma nova
planta industrial) para produzir o bem demandado no mercado e o vende. O entrante
ganha lucros positivos por algum tempo, e, quando o monopolista finalmente reage e
reduz seu preço, igualando-o ao do primeiro, o entrante sai da indústria e reconverte sua
capacidade para a antiga produção sem custo adicional (ou vende sua planta para outro,
pelo mesmo valor de compra inicial).

Essa história depende do pressuposto de que o entrante não incorre em custos


afundados para começar a produção em um novo setor. Um custo afundado (sunk cost) é
um custo não recuperável. Geralmente, dar início a uma nova capacidade ou uma nova
planta envolve algum grau de custos fixos afundados. Estabelecer uma nova produção
envolve algum tipo de investimentos específicos, dedicados, não facilmente
reconvertidos, recuperados, ao menos não totalmente, após a cessação da produção.
Como exemplo, um economista que decida trabalhar em organização industrial precisa
fazer um investimento inicial e devotar parte de seu tempo para se familiarizar com a
área. Caso decida se “reciclar” para outra área (digamos, macroeconomia), parte do
investimento será perdido, uma vez que outro campo utilizará diferentes métodos. Da
mesma forma, começar uma produção em qualquer setor envolve custos fixos de
iniciação, não perfeitamente recuperáveis no momento de deixar a indústria. A teoria dos
mercados contestáveis requer que os custos afundados sejam zero. Se os entrantes têm
recursos comprometidos para produzir na indústria, a estratégia “bater e correr” (hit-and-
run) não será mais possível.

A despeito dos resultados extremos (que um monopolista cobrará a custos médios)


não serem garantidos na maior parte dos casos, a teoria dos mercados contestáveis teve o
mérito de sublinhar o papel desempenhado pela concorrência potencial em restringir o
poder de mercado dos incumbentes. É agora bastante aceito que uma empresa
provavelmente não exercitará seu poder de mercado em face de entrantes potenciais que
poderiam, de forma rápida e barata, adentrar na indústria. Em muitos mercados, as

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

empresas têm de suportar grandes custos fixos afundados, e seus projetos de


investimentos são longos e arriscados. Mas quando não é esse o caso, deve-se esperar que
entrantes potenciais possam limitar significativamente os preços de empresas
estabelecidas. Essa importante percepção é crucial para a política de fusões, como
discutido no Capítulo 5.

2.6.3 – Monopólio e livre -entrada

A teoria dos mercados contestáveis nos convida a pensar mais seriamente sobre a
relação entre monopólio (de forma mais geral, poder de mercado) e entrada. Recentes
modelos de oligopólio mostram que a livre-entrada não é suficiente para garantir que o
poder de mercado na indústria decresça. Nesta seção, vamos mostrar que uma indústria
altamente concentrada pode surgir sob livre-entrada mesmo quando as empresas são
idênticas ex ante; assim, há numerosas razões pelas quais seria difícil para entrantes
desafiar empresas incumbentes, mesmo não havendo barreiras jurídicas à entrada. É claro
que monopolistas também podem recorrer a práticas exclusionárias para impedir a
entrada.

Monopólios podem existir sob livre-entrada. Considere uma situação na qual


muitas empresas possam decidir se entram em uma indústria. Todas têm acesso à mesma
tecnologia e conhecimento e incorrem nos mesmos custos fixos. Se entram, decidem
simultaneamente. Todas sabem que, se apenas uma entrar, receberá altos lucros, que
superarão os custos fixos. Mas elas também sabem que, se mais de uma entrar, a
competição será intensa (hipótese crucial), e mesmo lucros de duopólio não serão
suficientes para cobrir os custos fixos. A expectativa de intensa competição no mercado
de produto impedirá mais de uma empresa a operar na indústria.42

Persistência de concentração quando existem custos afundados (endógenos).


O resultado prévio é certamente extremo. No entanto, um resultado robusto e mais
geral existe: “propriedade da finitude” e afirma que em mercados nos quais os

42
Quanto mais branda a concorrência no mercado de produto, maior o número de empresas que entrarão
em equilíbrio. Ver d’Aspremont e Motta (2000) e Sutton (1991).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

consumidores valorizam a qualidade dos produtos, a concentração de mercado não cairá


abaixo de certo limiar, mesmo que o mercado cresça até um tamanho arbitrariamente
grande. Intuitivamente, isso ocorre porque, conforme a demanda cresce, as despesas com
P&D e propaganda (custos afundados endógenos) escalam para elevar a qualidade dos
produtos. Por outro lado, apenas um pequeno número de empresas pode sustentar esses
custos afundados endógenos.

Veja Concentração sob livre-entrada no Quadro 2.4 anexo no material


complementar deste capítulo.

2.6.3.1 – Custos de transferência ( switching costs )

Outra situação em que o poder de mercado não necessariamente decresce sob


livre-entrada surge quando existem custos de transferência do consumidor.43 Há muitas
razões pelas quais os consumidores preferem se ater a produtos que já compraram no
passado. Mudar para um novo produto (ou um novo ofertante) pode envolver custos de
transação (quando se encerra uma conta em um banco e se abre uma nova em outro, por
exemplo) e custos de aprendizagem (o custo de trocar um aplicativo de software depois
de já se ter aprendido a usar um diferente, por exemplo). Alguns desses custos de
transferência podem ser artificiais ou contratuais, ou seja, criados de propósito pelas
empresas para dificultar que os consumidores passem para um novo produto. Pense nos
programas de “viajantes frequentes” das companhias aéreas, por exemplo, que tornam o
consumidor mais disposto a continuar a usar os serviços da mesma companhia aérea: se
depois de ter acumulado milhas com uma companhia, eles mudam para outra, deixam de
acumular as milhas necessárias para obter um voo gratuito. Outro exemplo de custo de
transferência artificial são os cobrados por bancos para o encerramento de contas.

Em todos esses casos, a existência de custos de transferência efetivamente


diferencia bens que poderiam ser percebidos como perfeitamente idênticos. Alguém pode
ser perfeitamente indiferente, antes de abrir uma conta em um banco, entre dois bancos

43
Para modelos com custos de transferência, ver Klemperer (1987a e 1987b). Para pesquisas sobre esse
tópico, ver Klemperer (1995) e Padilla (1991).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

que cobram tarifas e oferecem serviços similares. No entanto, depois de ter aberto uma
conta em um banco particular, a existência de custos de transferência só faz valer a pena
trocar de banco, se o banco alternativo oferecer taxas de serviço muito melhores. Produtos
ex ante idênticos antes da compra tornam-se ex post diferenciados.

Quando existem custos de transferência, e podemos realisticamente pensar que


esse é o caso para muitas indústrias, novos entrantes geralmente encontram mais
dificuldades para obter participação de mercado das empresas incumbentes. Companhias
que já desenvolveram ampla base de clientes terão larga vantagem, uma vez que grandes
cortes de preços terão de ser oferecidos pelas novas entrantes para poderem atrair esses
consumidores comprometidos. Novamente, a livre-entrada não garante que o poder de
mercado decrescerá.44

Custos de transferência podem também dar a oportunidade a um incumbente de


escolher preços pré-entrada e quantidade de forma a estrategicamente deter a entrada em
períodos subsequentes. Por exemplo, um monopolista no presente pode estabelecer um
preço baixo para construir uma grande base de consumidores e dificultar a entrada de um
potencial entrante no mercado no futuro.45

A competitividade de mercados com custos de transferência. Custos de


transferência não são necessariamente tão anticompetitivos como parecem à primeira
vista. Suponha que existam duas empresas, ambas entrantes, em uma indústria na qual os
consumidores terão algum tipo de custo de transferência. Em cada período, as empresas
terão de decidir simultaneamente os preços cobrados no mercado. No segundo período,
cada uma terá seus clientes cativos: os consumidores que já tiverem comprado de uma no
primeiro período tenderão a comprar da mesma empresa também no segundo período
(eles estão presos a elas – locked-in –, pelo menos, parcialmente). Assim, devemos
esperar sua menor elasticidade de demanda com relação a preços se refletir em preços

44
Contudo, custos de transferência podem, por vezes, tornar a empresa incumbente menos disposta a
combater a entrada e mais disposta e estabelecer preços elevados para explorar sua base de clientes. Em
outras palavras, os preços podem ser mais elevados em relação a uma situação na qual não haja custos de
transferência, o que, por sua vez, torna a entrada mais provável se as demais condições permanecerem
iguais.
45
Em algumas circunstâncias, por exemplo, quando a demanda futura é muito superior à presente, uma
demanda pode, ao contrário, sobreprecificar hoje, assumindo um compromisso mais agressivo no futuro.
Ver Klemperer (1987c) para uma análise do comportamento de detenção de entrada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

mais altos cobrados pelas empresas em um segundo período. Note que, quanto maior a
participação de mercado de uma empresa no primeiro período, maior o lucro obtido no
segundo.

No primeiro período, no entanto, devemos esperar competição mais intensa que


em uma situação sem custos de transferência. Uma vez que a participação de mercado
(ou a base de clientes) exerce impacto positivo sobre os lucros do segundo período, cada
empresa tende a precificar mais agressivamente no primeiro período. De forma geral,
então, não é possível concluir se a presença de custos de transferência resultará em maior
ou menor bem-estar total. Em um modelo de dois períodos, o efeito líquido sobre a
competitividade decorrente dos custos de transferência é ambíguo.

Contudo, o pressuposto de que os custos de transferência levam à redução da


concorrência é reforçado pela análise de modelos em que as empresas interagem não
apenas em dois, mas em vários períodos. Beggs e Klemperer (1992) examinam um
mercado em que, em cada período, as empresas devem estabelecer preços, alguns novos
consumidores chegam; alguns antigos deixam o mercado. Eles mostram – sob hipóteses
relativamente gerais – que, em tal situação, os custos de transferência afrouxam a
concorrência, ou seja, os preços são mais altos que em mercados sem custos de
transferência. Intuitivamente, há dois diferentes efeitos em operação quando empresas
estabelecem preços em qualquer período corrente. Por um lado, elas gostariam de cobrar
preços mais elevados para explorar a base atual de clientes. Por outro, gostariam de
estabelecer preços mais baixos para expandir a futura base de clientes (de modo a
poderem explorar essa base futuramente). Por diversas razões, deve-se esperar que o
primeiro efeito prevaleça. Primeiro, porque hoje é mais importante que amanhã, é melhor
ter lucros mais altos hoje que amanhã. Segundo, preços mais baixos hoje são
relativamente ineficazes para atrair consumidores, já que eles antecipariam hoje que se
deparariam com preços mais elevados amanhã. Assim, é improvável que os preços de
hoje sejam muito mais baixos para atrair os futuros consumidores.46

46
Adicionalmente, deve-se esperar que, em muitas situações, os preços sejam “complementos estratégicos”
ao longo de períodos. Se uma empresa cobra altos preços hoje, o concorrente terá uma ampla base de
consumidores hoje. Assim, será mais provável cobrar altos preços amanhã, porque ela vai querer explorar
essa larga base de consumidores. Por outro lado, os preços do concorrente mais alto aumentarão os lucros
da empresa.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

Conclusões. Embora não seja possível fazer uma proposição sem qualificá-la,
especialmente diante dos vários efeitos estratégicos levantados, os custos de transferência
são, de forma geral, negativos para o bem-estar, entre outros motivos porque dificultam
a entrada, e os mercados ficam menos competitivos. Após uma longa e detalhada revisão
dos custos de transferência e seus efeitos, Klemperer (1995) chega à conclusão de que:

A política pública deve desencorajar atividades que aumentem os custos de transferência


(como programas de viajantes frequentes de companhias aéreas) e encorajar atividades
que os reduzam (como estandardização, que aperfeiçoa a compatibilidade e reduz custos
de aprendizado e transferência, e regulação de qualidade e fontes de informação, que
reduz a incerteza do consumidor sobre marcas não testadas) (KLEMPERER, 1995: 536).

Seria difícil argumentar que as autoridades de defesa da concorrência deveriam


sistematicamente proibir as empresas de introduzir contratos e práticas que envolvessem
custos de transferência, entre outras razões porque muitas dessas práticas podem ter
motivações outras que não o desejo de reduzir a concorrência no mercado. Contudo, as
autoridades deveriam verificar se os custos de transferência criados pelas empresas não
estão impedindo a concorrência nos mercados. Em momentos de reforma regulatória de
um setor previamente monopolizado, por exemplo, as autoridades devem se certificar de
que os consumidores não estão presos por custos de transferência artificiais (como quando
mudar de operadora de telefonia implicava mudar o número de telefone). Ao analisar
fusões, as autoridades devem fazer uso de seu poder de barganha para reduzir custos de
transferência artificiais e não motivados por qualquer possível economia de custos de
transação.

2.6.3.2 – Efeitos de rede

Outras indústrias nas quais o monopólio pode persistir a despeito da ausência de


barreiras à entrada são aquelas caracterizadas por efeitos de rede. Em tais indústrias, os
consumidores derivam utilidade do número de consumidores que escolhem o mesmo
produto. Se muitos consumidores já compraram o mesmo produto, será difícil para novas
empresas atrair demanda.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

Efeitos de rede são principalmente de dois tipos.47 O primeiro são as redes físicas,
de comunicação e outras. Nesse caso, a utilidade que o consumidor obtém de um bem
cresce diretamente com o número de outras pessoas consumindo o mesmo bem. O
exemplo típico é a rede de telefonia. Não é necessário entender sobre telecomunicações
para perceber que um telefone não valeria nada para um consumidor se outras pessoas
também não o tivessem, para que ele pudesse se comunicar com elas. Quanto maior o
número de pessoas em uma determinada linha de telefones, mais útil o serviço de
telefonia. Telefones fixos, celulares, fax, serviços de correio eletrônico e outras
mensagens eletrônicas claramente pertencem à mesma categoria.48 O segundo tipo são as
redes virtuais ou hardware-software. Nesse caso, a utilidade do consumidor cresce
indiretamente com o número de outros consumidores que adquirem o mesmo bem, por
conta dos efeitos da disponibilidade de um produto complementar. Pense, por exemplo,
na rede de um cartão de crédito. Como usuário de um cartão, minha utilidade não é
diretamente afetada pelo número de usuários com o mesmo tipo de cartão. No entanto,
quanto maior o número de usuários com o mesmo tipo de cartão de crédito, maior a
probabilidade de que os donos de estabelecimentos venham a aceitá-lo. Similarmente, a
utilidade de um consumidor de determinado hardware de computador (ou qualquer tipo
de bem durável, seja um automóvel, uma máquina de lavar, um smartphone) aumenta
com o crescimento do número de outros compradores do mesmo computador (ou bem
durável), na medida em que, provavelmente, mais softwares serão desenvolvidos para
esse computador (ou partes e peças suplementares, serviços pós-venda, programas e
conteúdos estarão disponíveis).

Nessas situações, os consumidores terão de enfrentar problemas de coordenação,


uma vez que suas escolhas terão de se basear no que outras pessoas também farão. Em
alguns casos, pode não ser um problema. Ninguém se preocuparia hoje em dia se haveria
gente suficiente com quem se comunicar por telefone ou e-mail. Mas, em outros casos,
quando redes/produtos inteiramente novos são introduzidos, as expectativas sobre o que

47
Os primeiros artigos sobre efeitos de rede são de Katz e Shapiro (1985) e Farrell e Saloner (1985). Para
uma pesquisa, ver, por exemplo, Katz e Shapiro (1994) e para uma simples introdução a esses tópicos, ver
Shy (2001).
48
Mas a comunicação pode não ser necessária para um aumento direto de utilidade. Pense, por exemplo,
em um produto de moda, em que o valor percebido de vestir certo tipo (ou marca) de sapato, jaqueta ou
relógio frequentemente depende de quantas pessoas também usam o mesmo produto.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

farão as outras pessoas são relevantes. O desenvolvimento de novas gerações de telefones


celulares pode ser prejudicado por dúvidas sobre se outros consumidores vão adotá-los
ou não (e com que rapidez). Da mesma forma, quando uma empresa lança uma nova rede,
com um padrão diferente, um comprador potencial precisa avaliar a probabilidade de essa
rede ser bem-sucedida, para não ficar preso (locked in) a um produto que dê a ele pouca
possibilidade de comunicação (redes de comunicação) ou poucos bens/serviços/softwares
complementares (redes hardware-software).

Assim, as expectativas desempenham um papel crucial nas indústrias de rede.


Suponha, por exemplo, que um novo tipo de serviço de telefonia móvel seja implantado
por uma empresa, cujo padrão seja incompatível com os telefones móveis até então
existentes. Cada consumidor prospectivo deve tomar uma decisão de compra com base
em suas expectativas acerca das dos demais consumidores. Se todos os consumidores
acreditarem que milhões de outros consumidores correrão para comprar o mesmo tipo de
telefone, todos irão comprá-lo. Caso contrário, ninguém irá comprá-lo. Note que as
expectativas aqui são autorrealizáveis: no primeiro caso, o novo serviço será estabelecido
com sucesso, no segundo não.49

Esses aspectos dos efeitos de rede explicam por que uma potencial entrante pode
achar muito difícil desafiar um incumbente nessas indústrias. Não é suficiente ter um
produto melhor ou provê-lo a um preço menor, uma vez que um componente essencial da
utilidade das pessoas é fornecido pelo seu número de usuários (correntes e futuros). Se o
novo produto não for compatível com o já estabelecido, a empresa terá de convencer
consumidores prospectivos que um número suficiente de consumidores comprará o novo
produto. Quanto maior o número de consumidores já presos ao padrão corrente, mais
difícil será sua tarefa. Quanto mais forte for a reputação do entrante e mais recursos ele
comprometer no novo produto, maiores as chances de ele ser bem-sucedido. Um número
de estratégias poderá ser usado nesse propósito, da introdução de ofertas de preços (ou

49
A telefonia móvel baseada em satélite não conseguiu atrair muitos consumidores, e a empresa que provia
esse serviço nos Estados Unidos e no Brasil, em meados dos anos 1990, entrou em falência. Os serviços de
GSM desenvolveram-se muito lentamente nos Estados Unidos (com relação à Europa), entre outras razões
por conta da incerteza sobre qual seria o padrão vencedor. A DIVX, tecnologia que oferecia um serviço
similar ao de DVD, mas baseada em padrão diferente, também fracassou em atrair consumidores diferentes
e acabou por desaparecer do mercado. No último caso, ver Dranove e Gandal (2000) para uma descrição
de como a incerteza dos consumidores sobre o padrão dominante pode afetar a evolução do mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

mesmo a oferta gratuita de produtos) ao convencimento de empresas para vender produtos


complementares (partes, peças ou aplicativos) e para desenvolvê-los.

No entanto, as incumbentes também podem adotar uma série de estratégias para


atrasar ou deter totalmente a entrada dos novos participantes. Em primeiro lugar, vão
procurar se assegurar de que os novos produtos não sejam compatíveis com os seus
próprios (sobre compatibilidade e interoperabilidade, ver o Capítulo 7). Desde que um
padrão seja proprietário, essa estratégia será considerada legal. Contudo, a incumbente
poderá também incorrer em práticas anticompetitivas. Por exemplo, enfrentado uma
entrante que ofereça um produto com novos aspectos, uma incumbente pode querer
anunciar que logo apresentará um aperfeiçoamento (upgrade) de um produto que
incorpore esses novos aspectos, mesmo que não seja verdadeiro.50 Da mesma forma, ela
pode anunciar que um entrante está fazendo um progresso muito lento na construção de
uma base de clientes (ou, equivalentemente, que sua base de clientes é alta e crescente).
Tais anúncios terão impacto nas expectativas dos consumidores acerca da viabilidade do
entrante e, por isso, devem ser cuidadosamente monitorados pelas autoridades antitruste
e prontamente punidos, caso se demonstrem falsos.51

Visto que a entrada pode ser difícil sob padrões incompatíveis, outra rota que as
autoridades podem seguir para evitar esse problema é forçar a compatibilidade dentro da
indústria. Podem, por exemplo, impor a uma incumbente a interoperabilidade completa
com os produtos de uma entrante. No entanto, essa solução remete à discussão prévia
sobre patentes e instalações essenciais (já discutido). Ex post (ou seja, depois que um
padrão já é dominante), a imposição de interoperabilidade soa benéfica, porque permite
maior concorrência. No entanto, ex ante (isto é, antes de um produto aparecer no
mercado), tem um efeito adverso sob a inovação, uma vez que desencoraja as empresas
de apresentarem novos produtos e de lutar para se tornar o padrão na indústria. Assim,
tais medidas não parecem convincentes em geral.52

50
Produtos pré-anunciados podem afetar fortemente as expectativas dos consumidores, mas pode ser difícil
avaliar até que ponto são falsos, pois se referem a intenções e planos.
51
Para uma discussão sobre práticas anticompetitivas em indústrias de rede, ver também Rubinfeld (1998).
52
Para uma discussão mais ampla sobre políticas públicas sobre compatibilidade e seus possíveis efeitos
sobre inovação, ver Farrell e Katz (1998). Uma questão que os autores também discutem é que interfaces
que não envolvem muitas inovações não devem receber proteção. Por exemplo, impor a portabilidade
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

Uma análise completa dos efeitos de bem-estar das indústrias com efeitos de rede
está além do escopo desta seção. Não obstante, é importante tratar – ainda que brevemente
– da ideia de que tais indústrias são particularmente inclinadas à dominância e, portanto,
estão naturalmente associadas à existência de monopólios. O conceito básico aqui é o de
inflexão do mercado, que se refere ao fato de que, quando há sistemas em competição e
um consegue ganhar certa vantagem na preferência do consumidor, ele tende a se tornar
mais e mais popular (lembre do papel das expectativas discutido anteriormente: uma vez
que o consumidor percebe que aquele produto ganha participação de mercado grande o
suficiente, passa a esperar que se torne o padrão da indústria), e os concorrentes passam
a fenecer.

Inflexão de mercado é certamente um importante fenômeno em indústrias de rede,


mas algumas qualificações precisam ser feitas antes que se passe a conclusões gerais. Em
primeiro lugar, há muitas situações em que diferentes padrões podem coexistir em
determinada indústria. Para exemplos de sistemas incompatíveis, pense em diferentes
cartões de crédito e redes de caixas eletrônicos de bancos e diversas marcas de
videogames. Em muitos casos, os consumidores valorizam essa diversidade, e sistemas
diferenciados sobreviverão em uma mesma indústria. Em segundo lugar, a existência de
inflexão e de grandes lucros que poderão ser colhidos quando seu próprio produto for
estabelecido como o padrão na indústria vão impelir as empresas a competir ferozmente
para vencer a “guerra dos padrões”. Intensas atividades promocionais de diversos tipos,
como precificação agressiva no período introdutório, podem caracterizar os estágios
iniciais da vida de um produto, quando uma empresa tenta aumentar suas participações
de mercado de modo a obter a vantagem de que necessita para fazer a inflexão do
mercado.53 Como resultado, pode bem ser que o grande lucro da empresa, após seu
produto ter se tornado o padrão dominante, apenas seja suficiente para cobrir os custos

numérica a companhias telefônicas corretamente assegura que a interface “número de telefone” não seja
protegida (atribuir números de telefones para consumidores certamente não é algo que mereça proteção).
53
Rey, Seabright e Tirole (2001) elaboraram um princípio “radical” de concorrência: quanto mais altos os
lucros a serem feitos em um mercado, mais forte a competição para obtê-los. Isso deveria valer para
indústrias de rede com efeitos de rede, custos de transferência, efeitos de lock-in, economias de escala e
geralmente todas as situações em que “o vencedor leva tudo”.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

incorridos durante a “guerra de padrões”.54 Em terceiro lugar, a existência de apenas uma


rede no mercado pode mesmo ser benéfica para os consumidores, na medida em que eles
poderão desfrutar de maiores possibilidades de comunicação ou mais serviços
complementares, enquanto em uma situação na qual há várias redes paralelas competindo,
eles não usufruem dessas vantagens.

Do mesmo modo, as dificuldades enfrentadas pelos entrantes em mercados que


exibem importantes efeitos de rede não devem ser generalizados para fazer crer que todos
os mercados naturalmente gerarão “excesso de inércia” (ou persistência de dominância).
Como notam Katz e Shapiro (1994:108), exemplos de entrantes que manejam para
estabelecer um produto incompatível com padrões previamente existentes existem em
profusão no mundo real. Além disso, do ponto de vista do bem-estar, não é nem mesmo
claro que – se a entrada ocorrer – será sempre benéfica. Suponha, por exemplo, que, em
decorrência da expectativa dos consumidores, talvez auxiliada pela reputação de um
entrante, um novo padrão que não oferece vantagens com relação a um previamente
estabelecido se afirme na indústria. Isso fará os compradores que estiverem presos à velha
tecnologia ficarem com seus produtos “encalhados”: suas compras ficarão rapidamente
obsoletas, e a duplicação de compras deverá se seguir.

Veja Um modelo de redes (físicas) no Quadro 2.5 anexo no material


complementar deste capítulo.

2.6.3.3 – Práticas exclusionárias

Como vimos, a livre-entrada não garante que a estrutura de uma indústria se torne
menos concentrada ao longo do tempo. Em mercados caracterizados por custos afundados
endógenos, custos de transferência dos consumidores ou efeitos de rede, entrantes com
frequência encontram dificuldades para desafiar de forma bem-sucedida as incumbentes,
mesmo que essas não ajam de maneira estratégica.

54
Isso nos lembra a análise da competitividade dos mercados com custos de transferências dos
consumidores. De fato, custos de transferências e externalidades de rede compartilham muitos aspectos
semelhantes, conforme salientado por Farrell e Klemperer (2001).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
47

Quando as incumbentes agem de maneira estratégica, é ainda mais difícil para as


entrantes. Um monopolista (ou, de forma mais geral, uma empresa com grande poder de
mercado) pode engajar-se em muitas formas diferentes de práticas com o objetivo de deter
entrantes. Investir em capacidade extra, estabelecer preços abaixo do custo, inundar o
mercado com muitos produtos diferentes, bloquear o acesso de concorrentes a insumos
cruciais, praticar venda casada, discriminar preços e tentar, todas as formas possíveis de
práticas para impedir a entrada do rival no mercado. A análise das práticas exclusionárias
será examinada no Capítulo 7, mas vale a pena relembrar aqui que as autoridades de
defesa da concorrência devem estar vigilantes e prontas a intervir sempre que um
monopolista impedir novos entrantes por meio de práticas cuja lucratividade derive tão
somente de sua habilidade de mantê-los fora do mercado. Essa é uma questão
fundamental e muito complexa, uma vez que, muitas vezes, é difícil distinguir estratégias
competitivas genuínas de práticas predatórias.

2.7 – RESUMO E CONCLUSÕES DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Este capítulo ilustrou a relação entre poder de mercado e bem-estar. A análise da


eficiência alocativa mostrou que o mercado gera perda de bem-estar, em função dos
preços mais elevados que os encontrados em uma situação competitiva. Ineficiências
produtivas e dinâmicas (custos de produção mais elevados e taxas de inovação mais
baixas) podem também estar associadas ao poder de mercado. Isso explica por que a
política de defesa da concorrência deve se preocupar com o poder de mercado.

Contudo, argumentamos que a eliminação do poder de mercado – mesmo se fosse


viável – não deveria ser um dos objetivos perseguido por uma agência de defesa da
concorrência. De fato, a perspectiva de obter algum poder de mercado (isto é, algum
lucro) representa o mais poderoso incentivo para as empresas inovarem e investirem. A
legislação de defesa da concorrência e sua aplicação devem, assim, assegurar que as
companhias sejam capazes de usufruir das recompensas de seus investimentos.
Argumentou-se que qualquer expropriação dos ativos das empresas (material ou
imaterial) deve ser evitado. Como consequência, recorrer à doutrina das instalações

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
48

essenciais (conceder acesso de ativos cruciais a concorrentes) e mesmo remédios


estruturais mais drásticos devem ser adotados apenas em circunstâncias excepcionais.

Abordaram-se também alguns equívocos com relação à política de concorrência.


Em particular, sublinhou-se que defender a concorrência não é equivalente a defender
concorrentes. De fato, a concorrência frequentemente obriga empresas ineficientes a
deixar o mercado, o que é benéfico sob o ponto de vista do bem-estar. Proteger empresas
ineficientes, prolongando sua vida artificialmente em uma indústria, seria prejudicial sob
a perspectiva do bem-estar.

Finalmente, as forças do mercado sozinhas não “resolvem tudo”: as companhias


incumbentes, em muitas circunstâncias, são capazes de manter e reforçar seu poder de
mercado. A política de defesa da concorrência precisa estar vigilante para garantir um
ambiente no qual os atuais e potenciais concorrentes sejam capazes de desafiar as
empresas que detêm grande poder de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
49

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 2

Quadro 2.1 – Concorrência e Eficiência: Modelo de Schmidt *

No modelo de Schmidt (1997), uma empresa pode ir a falência, e um gerente pode


sujeitar-se a uma perda quando sua empresa fecha (uma suposição razoável). Um
proprietário de uma empresa tem de elaborar um contrato para induzir maior esforço do
gerente: uma vez que o esforço (não observável pelo proprietário) é custoso para o
gerente, o proprietário pode ter de pagar algum bônus para o gerente a fim de aumentar
seu empenho. Note que o esforço do gerente torna a empresa mais eficiente. Portanto, não
só aumenta o lucro esperado da empresa, mas também reduz a probabilidade de que a
companhia venha a enfrentar uma falência (a empresa mais eficiente será mais protegida
contra choques negativos).55

A concorrência de mercado reduz o lucro da empresa e tem dois efeitos diferentes


sobre o esforço gerencial. O primeiro, identificado como “ameaça de efeito liquidação” é
inequivocamente positivo. Quando a concorrência aumenta, a ameaça de ir a falência se
torna mais importante (os lucros são mais baixos), o que força o gerente a exercer maior
esforço para evitar a perda da liquidação. O segundo efeito, no entanto, tem um sinal
ambíguo. Quando a concorrência aumenta, o lucro diminui, e, como consequência, o valor
de induzir uma redução de custos também pode diminuir. Caso isso ocorra, o proprietário
não irá querer pagar um bônus para o gerente, de modo a induzir maior esforço de sua
parte para obter uma redução de custos. A concorrência pode, portanto, reduzir esforços
se esse efeito adverso sobre a lucratividade de uma redução de custos for suficientemente
forte.56

55
A hipótese de que o gerente sofre restrição de riqueza exclui a possibilidade de se atingir o resultado
ótimo (first-best) simplesmente vendendo a empresa para o gerente, que, então, escolheria o nível de esforço
de modo a maximizar o lucro.
56
Outra maneira de se descrever esses dois efeitos é como se segue: o primeiro efeito é o darwinista: mais
concorrência faz o gerente lutar por sobrevivência. O segundo efeito é o schumpeteriano: mais concorrência
diminui a expectativa de lucros futuros e, portanto, reduz os incentivos do proprietário a induzir maiores
esforços sobre o gerente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
50

Schmidt identifica condições suficientes para garantir que a concorrência aumente


o esforço gerencial, mas elas não são moderadas o suficiente para se esperar que esta seja
a única solução realista. Em uma extensão do trabalho, ele estuda o impacto da
concorrência sobre os esforços dos gestores em um exemplo de competição de Bertrand.
A competição é medida aqui pelo número de empresas que operam no mercado, e o
esforço aumenta a probabilidade de se obter uma inovação que torne a companhia uma
monopolista (se mais de uma empresa obtiver a inovação, elas obterão lucro zero). O
autor verifica que o mais alto nível de esforço ocorre no caso do duopólio;57 por
consequência, encontrando uma relação não monotônica entre concorrência e esforço (e
inovação), reminiscência de alguns estudos empíricos.58

57
Na versão de texto para discussão de seu modelo, Schmidt também analisou o caso da competição de
Cournot, encontrando a mesma relação não monotônica, mas com o esforço máximo para mais de duas
empresas no mercado. (Nesse resultado, não queremos chamar a atenção para o número corrente de
empresas sob o qual o esforço máximo é feito, mas para a existência de uma competição/esforço com função
não monotônica.)
58
Por exemplo, Caves e Barton (1990) olham para os dados dos Estados Unidos e notam que a eficiência é
mais alta em níveis intermediários de concentração (medida pela taxa de concentração C5). Green e Mayes
(1991) encontram resultado similar com os dados do Reino Unido.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
51

Quadro 2.2 – Concorrência e Eficiência Produtiva *

Nesta seção técnica, apresentamos dois modelos simples: o primeiro ilustra como
a concorrência pode selecionar as empresas mais eficientes; o segundo analisa a relação
entre o número de empresas e o bem-estar.

Q2.2.1 – Competição e seleção de empresas: um exemplo *

Para ilustrar o possível efeito benéfico da concorrência sobre a seleção das


empresas mais eficientes, considere o seguinte exemplo. Imagine um setor de bem
homogêneo no qual as empresas concorram em quantidades.

As empresas têm diferentes níveis de eficiência (diferentes tecnologias): de uma


população de n empresas, existem 𝑛𝑘 empresas com tecnologia de custo marginal alto 𝑐ℎ
e 𝑛(1 − 𝑘) empresas mais eficientes, cuja tecnologia permite que produzam com custo
marginal 𝑐𝑙 .

Suponha que a demanda é dada por 𝑝 = 1 − 𝑄, onde 𝑄 é o produto agregado 𝑄 =


∑𝑖∈𝐿 𝑞𝑖 + ∑𝑖∈𝐻 𝑞𝑗 , onde denotamos com L e H, respectivamente, o conjunto de empresas
de baixo e de alto custos. As funções de lucro são dadas por 𝜋𝑗 = (𝑝(𝑄) − 𝑐ℎ )𝑞𝑗 para
qualquer 𝑗 ∈ 𝐻, e por 𝜋𝑖 = (𝑝(𝑄) − 𝑐𝑙 )𝑞𝑖 , para todo 𝑖 ∈ 𝐿. Pode-se, em seguida, escrever
as CPOs ∂πj ⁄∂q j = 0 e ∂πi ⁄∂q i = 0:

−𝑞𝑗 + 1 − ∑ 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐ℎ = 0, (2.1)
𝑖∈𝐿 𝑗∈𝐻

−𝑞𝑗 + 1 − ∑ 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐𝑙 = 0. (2.2)
𝑖∈𝐿 𝑗∈𝐻

Focalizando a solução simétrica (simétrico no sentido de que empresas de


determinado tipo produzem a mesma quantidade em equilíbrio), as CPOs podem ser
simplificadas, como se segue:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
52

1 − 𝑐ℎ − (1 − 𝑘)𝑛𝑞𝑙 1 − 𝑐𝑙 − 𝑘𝑛𝑞ℎ
𝑞ℎ = ; 𝑞𝑙 = (2.3)
1 + 𝑘𝑛 1 + (1 − 𝑘)𝑛

onde 𝑞ℎ e 𝑞𝑙 denotam a produção das empresas de alto e baixo custos respectivamente. A


solução de equilíbrio pode ser facilmente achada:

1 − 𝑐ℎ − 𝑛(1 − 𝑘)(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) 1 − 𝑐𝑙 + 𝑛𝑘(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )


𝑞ℎ∗ = ; 𝑞𝑙∗ = (2.4)
1+𝑛 1+𝑛

O preço de equilíbrio é dado por

1 + 𝑛𝑘𝑐ℎ + 𝑛(1 − 𝑘)𝑐𝑙


𝑝∗ = . (2.5)
1+𝑛
Note que as empresas de alto custo podem produzir uma quantidade não negativa, se e
somente se, 𝑐ℎ ≤ [1 + 𝑛(1 − 𝑘)𝑐𝑙 ]/[1 + 𝑛(1 − 𝑘)]. Essa condição torna-se tão mais
rigorosa quanto maior for o n. Em outras palavras, se utilizarmos como proxy o grau de
concorrência no setor com o número de empresas que operam em tal indústria, quanto
mais forte a concorrência, mais provavelmente empresas ineficientes deixarão esse
mercado em equilíbrio.59

Suponhamos, portanto, que a concorrência leve as empresas mais ineficientes a


deixar o mercado. Mostraremos agora que, a despeito da redução do número de
vendedores, o preço na indústria diminuirá. Em outras palavras, a saída é benéfica, pois
permite a realocação da produção de empresas ineficientes para eficientes.

Para ver isso, calculamos o equilíbrio se as empresas ineficientes de alto custo


saírem do mercado. Teremos apenas as (1 − 𝑘)𝑛 empresas com tecnologias idênticas de
baixo custo. Os equilíbrios por empresa de quantidade e preço serão:

1 − 𝑐𝑙 1 + 𝑛(1 − 𝑘)𝑐𝑙
𝑞𝑙∗∗ = ; 𝑝∗∗ = (2.6)
1 + 𝑛(1 − 𝑘) 1 + 𝑛(1 − 𝑘)
Pode-se facilmente verificar que 𝑝∗ > 𝑝∗∗ se [1 + 𝑛(1 − 𝑘)𝑐𝑙 ]/[1 + 𝑛(1 − 𝑘)].
Mas a última desigualdade é precisamente a mesma condição sob a qual as empresas de

59
Outra maneira de expressar a ideia de que a concorrência aumenta a eficiência poderia ser usar como
proxy de competição mais dura não um número maior de empresas, mas uma mudança de Cournot para
Bertrand, as empresas de alto custo sairiam imediatamente do mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
53

alto custo saem do setor. Portanto, a saída das empresas ineficientes melhora o bem-estar
pela redução dos preços de mercado.

Q2.2.2 – Empresas demais no setor *

Considere um setor de bem homogêneo com n empresas perfeitamente simétricas.


As companhias decidem simultaneamente sobre a quantidade que trarão ao mercado e
têm um custo de produção 𝐶 = 𝑐𝑞 + 𝐹, onde 𝑐 e o custo marginal, e 𝐹, o custo fixo. A
demanda do mercado é caracterizada por 𝑝 = 1 − 𝑄, sendo 𝑝 o preço de mercado, e 𝑄, a
quantidade agregada.

Cada empresa 𝑖 irá escolher 𝑞𝑖 que maximize seus lucros:

П𝑖 = (1 − 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 ) 𝑞𝑖 − 𝑐𝑞𝑖 . (2.7)
𝑗≠𝑖

A CPO (Condição de Primeira Ordem) é dada por

𝑞𝑖 = (1 − 𝑐 − ∑ 𝑞𝑗 ) /2. (2.8)
𝑗≠𝑖

Ao impor a simetria, para que 𝑞𝑖 = 𝑞𝑗 = 𝑞 𝑐 , obtemos a solução de equilíbrio (é


fácil verificar que as condições de segunda ordem são satisfeitas):

1−𝑐
𝑞𝑐 = . (2.9)
𝑛+1
Por substituição, pode-se obter o preço de equilíbrio em função do número de empresas
que operam na indústria 𝑝𝑐 = (1 + 𝑛𝑐)/(𝑛 + 1). Observe que, quando o número de
empresas 𝑛 aumenta, os preços de mercado diminuem, e a produção agregada 𝑄 𝑐 = 𝑛𝑞 𝑐
aumenta; como consequência, o excedente do consumidor aumenta de forma inequívoca
com 𝑛. Com efeito, 𝜕𝐸𝐶 ⁄𝜕𝑛 > 0 já que

𝑛2 (1 − 𝑐)2
𝐸𝐶 = (1 − 𝑝𝑐 )𝑄 𝑐 ⁄2 = . (2.10)
2(𝑛 + 1)2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54

No entanto, um número maior de empresas traz uma multiplicação ineficiente dos


custos fixos, o que pode ser facilmente visto ao se perceber que o lucro individual da
empresa é

(1 − 𝑐)2
𝜋𝑐 = − 𝐹. (2.11)
(𝑛 + 1)2
Como resultado, o excedente do produtor na indústria é

𝑛(1 − 𝑐)2
𝐸𝑃 = − 𝑛𝐹, (2.12)
(𝑛 + 1)2
que decresce com 𝑛. Em particular, note que, conforme 𝑛 aumenta e vai tendendo para o
infinito, o bem-estar total se torna negativo e tende para – ∞.

Assim, uma política que procura maximizar o número de empresas na indústria


colidiria com o objetivo de eficiência econômica.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55

Quadro 2.3 – Modelos de Concorrência e Inovação *

Q2.3.1 – O monopólio oferece menos incentivos para inovar: um


exemplo *

Apresentamos aqui um exemplo simples com P&D determinística, que ilustra os


menores incentivos para inovar em um monopólio com relação a um duopólio.

Monopólio. Considere primeiro um monopolista operando a um custo 𝑐 ℎ e deparando-


se com uma demanda linear 𝑄 = 1 − 𝑝. Ele pode adotar uma tecnologia que gera custos
marginais mais baixos (com 𝑐 𝑙 = 𝑐 ℎ − 𝑥 (com 𝑥 ∈ [0, 𝑐 ℎ ]), se arcar com um custo fixo
𝐹. O monopolista primeiro decide se inovará ou não e, em seguida, decide quanto venderá
no mercado.

O lucro do monopolista é dado por П = (𝑝 − 𝑐 𝑖 )(1 − 𝑝), com 𝑖 = 𝑙, ℎ,


dependendo de se ele tem baixo ou alto custo (ou seja, se ele inovou ou não). Partindo
das CPOs 𝜕П⁄𝜕𝑝 = 0, fica simples mostrar que o preço ótimo é dado por 𝑝 =
(1 + 𝑐 𝑖 )/2.

Portanto, se não inovar, o monopolista irá cobrar e lucrar 𝑝 = (1 + 𝑐 ℎ )/2 e terá


П = (1 − 𝑐 ℎ )2 /4. Se optar por inovar, cobrará 𝑝𝐼 = (1 + 𝑐 ℎ − 𝑥)/2 e terá o lucro bruto
de П𝐼 = (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 /4, mas terá de pagar o custo 𝐹.

Assim, o monopolista irá inovar se

𝑥
𝛥 ≡ П𝐼 − П = (𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ )) ≥ 𝐹. (2.13)
4
Duopólio. Considere, agora, o caso do duopólio. As duas empresas (que vendem um
bem homogêneo) deparam-se com a mesma demanda de mercado 𝑄 = 1 − 𝑝 como já
vimos. A empresa que cobrar o menor preço 𝑝 terá toda a demanda, e aquele com o preço
mais alto não terá qualquer demanda. Se ambas as empresas cobrarem o mesmo preço,
dividirão a demanda igualmente.

Elas fazem o seguinte jogo. Na primeira etapa, elas simultaneamente têm de


decidir se querem pagar o custo fixo 𝐹 para adotar a tecnologia que gera menor custo

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
56

marginal 𝑐 ℎ − 𝑥, ou manter a tecnologia atual com custo marginal de produção 𝑐 ℎ . Na


segunda etapa, escolhem simultaneamente os preços. Procuramos o equilíbrio de Nash de
subjogos perfeitos em estratégias puras desse jogo.

Estágio de preço do jogo. Se ambas as empresas optam por inovar no primeiro


período, no segundo, ambas vão ter o mesmo custo 𝑐 ℎ − 𝑥. Esse é o jogo-padrão de
Bertrand (ver a seção 8.3 no Capitulo 8), para o qual a única solução é que ambas as
empresas cobrem o nível do custo marginal (𝑝 = 𝑐 ℎ − 𝑥) e obtenham lucro bruto zero.
Se nenhum inovar no primeiro período, as empresas voltarão a cobrar pelo custo marginal
no equilíbrio (dessa vez, no entanto, 𝑝 = 𝑐 ℎ ) e obter lucro zero.

Se apenas uma inovar no primeiro período, ao preço de subjogo, teremos duas


situações possíveis: ou a empresa inovadora definirá o preço de monopólio (se esse for
inferior ao custo marginal da empresa que não inovou); ou ela definirá um preço um
pouco abaixo do custo marginal da que não inovar (se o preço de monopólio for maior
que o custo da concorrente). O primeiro caso refere-se a uma inovação “drástica”, o
segundo, a uma inovação “não drástica”. Presume-se que a inovação não é drástica, ou
seja, a redução de custo marginal é suficientemente pequena: 𝑥 ≤ 2 − 𝑐 ℎ . (O exercício
2.5 examina o caso de inovação “drástica”.)

Então, a empresa inovadora cobrará um preço um pouco mais baixo que a


concorrente, 𝑐 ℎ − 𝜀, e fazer lucro bruto П𝑛𝑑 = 𝑥(1 − 𝑐 ℎ ).

Estágio de inovação do jogo. Na primeira fase do jogo, as empresas antecipam


corretamente o lucro que realizarão na etapa seguinte. Se ambas inovarem, ambas irão
obter – 𝐹. Se nenhuma inovar, ambas terão 0. Se apenas uma inovar, a inovadora terá
П𝑛𝑑 = 𝐹 e a outra, 0.

Este jogo tem as seguintes soluções: Se П𝑛𝑑 ≥ 𝐹, o único equilíbrio é aquele em


que uma empresa inova e a outra não. Se П𝑛𝑑 < 𝐹, nenhuma delas inovará no equilíbrio.

Comparação entre monopólio e duopólio. Nenhuma das estruturas de mercado


afeta a adoção de inovação (inovações ocorrem ou deixam de ocorrem em ambas as
estruturas de mercado), ou um equilíbrio com a inovação ocorre sob duopólio mas não
sob monopólio. De fato, pode ser facilmente visto que П𝑛𝑑 ≥ 𝛥 para 𝑥 ≤ 2(1 − 𝑐 ℎ ), que
está no domínio que estamos considerando. Portanto, para os valores de custo fixo de
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
57

inovação de tal forma que П𝑛𝑑 ≥ 𝐹 > 𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, haverá uma inovação sob

duopólio, mas não sob monopólio. Para valores de custo fixo tal que 𝐹 ≤

𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, uma inovação irá ocorrer em ambas as estruturas de mercado. Para

𝐹 > П𝑛𝑑 , nenhuma inovação será adotada sob qualquer estrutura de mercado.

Esta análise confirma que o incentivo do monopolista para inovar deve, de fato,
ser mais baixo que o incentivo de empresas que enfrentam concorrentes.

Q2.3.2 – P&D e Concorrência * *

Apresentamos agora outro modelo simples, segundo o qual as empresas primeiro


investem em P&D e, em seguida, competem em quantidade, para mostrar que o grau de
concorrência no mercado tem efeito sobre a eficiência dinâmica. Mais particularmente,
uma estrutura de mercado monopolista levará a investimentos mais baixos em P&D (e,
portanto, a custos de produção mais elevados) que uma estrutura em que várias empresas
coexistam e se comportem não cooperativamente.

Considere a função demanda por um bem homogêneo 𝑝 = 𝑞 − 𝑄, sendo 𝑄 a soma


das produções individuais. A Empresa i (i = 1, ..., n) é caracterizada por custos marginais
𝑐𝑖 = 𝐶 − 𝑥𝑖 , onde 𝑥𝑖 é o investimento em P&D feito pela Empresa i. O custo de P&D é
dado pela função 𝑔𝑥𝑖2 /2, onde 𝑔 > 0 é um parâmetro que expressa a eficiência da
produção P&D.

Trata-se de um jogo simples, de duas fases. Na primeira fase, as empresas


investem simultaneamente em P&D; em seguida, escolhem simultaneamente quantidades
na segunda etapa. Como de costume, procuramos o equilíbrio de Nash para o subjogo
perfeito desse jogo.

Na última fase, e facilmente verificável que o produto de equilíbrio (de Cournot)


é dado por

𝑎 − 𝑐𝑖 + ∑𝑗≠𝑖(𝑐𝑗 − 𝑐𝑖 )
𝑞𝑖𝑐 = (2.14)
1+𝑛

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
58

e o lucro será dado por П𝑖 = (𝑞𝑖𝑐 )2. Na primeira fase do jogo, cada empresa terá a seguinte
função lucro:

2
𝑎 − (𝐶 − 𝑥𝑖 ) + ∑𝑗≠𝑖(𝑥𝑖 − 𝑥𝑗 ) 𝑔
𝜋𝑖 = ( ) − 𝑥𝑖2 . (2.15)
1+𝑛 2
Tomando a primeira derivada, obtemos a CPO para a i-nésima empresa:

𝜕𝜋𝑖 2𝑛(𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 + ∑𝑗≠𝑖(𝑥𝑖 − 𝑥𝑗 )


= − 𝑔𝑥𝑖 = 0. (2.16)
𝜕𝑥𝑖 (1 + 𝑛)2
Note que, se pegarmos os níveis de P&D de todas as concorrentes, 𝑥𝑗 (𝑗 ≠ 𝑖) como dado
e igual a 𝑥 (𝑥𝑗 = 𝑥𝑘 = 𝑥, para j, k ≠ i, k ≠ j), o efeito marginal da P&D no lucro da
Empresa i pode ser escrito como

𝜕𝜋𝑖 2𝑛(𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 ) 2𝑛(𝑛 − 1)(𝑥𝑖 − 𝑥)


= + − 𝑔𝑥𝑖 = 0. (2.17)
𝜕𝑥𝑖 (1 + 𝑛)2 (1 + 𝑛)2
Isso é útil porque revela que existem três efeitos diferentes que regem os níveis de P&D
ideais. O primeiro é o que poderíamos denominar de efeito de apropriabilidade: quanto
maior a demanda (ou demanda liquida, 𝑎 − 𝐶), mais forte o incentivo para investir em
P&D. Esse termo diminui com 𝑛 e é mais elevado quando 𝑛 = 1, isto é, quando um
monopólio está presente. O segundo termo é o efeito da concorrência. Quando há um
monopólio (n = 1), esse termo desaparece completamente, embora seja estritamente
positivo quando há concorrência: ele, portanto, capta o incentivo para inovar determinado
pela existência de competição. Observe que os efeitos da concorrência aumentam com n,
mas em um ritmo mais lento à medida que n aumenta: 2𝑛(𝑛 − 1)/(1 + 𝑛)2 é côncava
em n e atinge uma assíntota quando 𝑛 → ∞. O terceiro termo capta, por sua vez, o custo
marginal de P&D, e o parâmetro de eficiência 𝑔 é o único parâmetro que o afeta. Existe
uma interação entre esses efeitos que determina o nível de P&D escolhido no equilíbrio
pelas empresas e como o número de empresas afeta as soluções de equilíbrio.

Se nos concentrarmos no equilíbrio simétrico 𝑥𝑖 = 𝑥 = 𝑥, obteremos o equilíbrio


no nível de P&D para cada empresa:

2𝑛(𝑎 − 𝐶)
𝑥𝑐 = . (2.18)
𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59

A partir dessa solução, podem-se obter, por substituição, os níveis de equilíbrio


de quantidade, preço e lucro (omitidos por brevidade). O nível total de P&D na indústria
será dado por 𝑅 𝑐 = 𝑛𝑥 𝑐 = 2𝑛2 (𝑎 − 𝐶)/[𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]. Note que

𝜕𝑅 𝑐 2𝑛(𝑎 − 𝐶)(𝑔(1 + 𝑛) − 𝑛)
= > 0. (2.19)
𝜕𝑛 [𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]2
A última expressão nos diz que quanto mais empresas na indústria (ou seja, quanto mais
concorrência no mercado), maior a quantidade de P&D conduzida. No entanto, isso não
significa necessariamente que o bem-estar aumenta à medida que n aumenta. Pode ser
que exista muita P&D em relação ao ideal para a sociedade (isto é, que muitos recursos
são despendidos em P&D).

Figura Q1 Bem-estar 𝑊 𝑐 como função do número de empresas 𝑛 (𝑎 = 1; 𝑐 = 0,5; 𝑔 = 4).

Para esse propósito, vamos primeiro calcular o bem-estar em concorrência. Como


de praxe, tomamos o bem-estar como 𝑊 = 𝐸𝐶 + 𝐸𝑃. No nosso caso

(𝑎 − 𝑝𝑐 )𝑛𝑞 𝑐 [(𝑎 − 𝐶)𝑛𝑔(1 + 𝑛)]2


𝐸𝐶 𝑐 = = , (2.20)
2 2[𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]
e os lucros totais são

𝑐
(𝑎 − 𝐶)2 𝑔(𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛2 )
𝑐
𝐸𝑃 = 𝑛𝜋 = 𝑛 . (2.21)
[𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]2
Portanto, o bem-estar será dado por

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
60

(𝑎 − 𝐶)2 𝑛𝑔((2 + 𝑛)𝑔(1 + 𝑛)2 − 4𝑛2 )


𝑐
𝑊 = , (2.22)
2[𝑔(1 + 𝑛)2 − 2𝑛]2
que é uma função não monotônica em n.

Como mostra a Figura Q1, a função de bem-estar 𝑊 𝑐 (𝑛) aumenta até determinado
valor 𝑛𝑚 (𝑔) e, em seguida, diminui, com uma assíntota horizontal em 𝑊 = (𝑎 − 𝐶)2 /2.
Em outras palavras, um aumento da concorrência (no sentido de um aumento no número
de empresas no mercado), em relação a níveis iniciais baixos (quando a apropriabilidade
é alta), eleva o bem-estar; mas quando a concorrência é intensa o suficiente, um novo
aumento nela levaria à redução do bem-estar, já que um aumento no número de empresas
n não adiciona muito aos níveis de P&D (e, portanto, as quantidades vendidas no
mercado), mas reduz os lucros. Note que, quando n aumenta, haverá maior número de
empresas que terão de arcar com os custos de P&D, e tal duplicação de custos gera
ineficiência produtiva.

Q2.3.3 – Apropriabilidade e P&D *

Suponha um duopólio de bem homogêneo em que as empresas têm níveis iniciais


de custo marginal 𝑐. A demanda do mercado é 𝑞 = 𝑎 − 𝑝; a função de custo é 𝐶𝑖 =
(𝑐 − 𝑥𝑖 − 𝑙𝑥𝑗 )𝑞𝑖 − 𝑥𝑖2 , onde 𝑥𝑖 são os investimentos em P&D realizados pela Empresa i
(i, j = 1, 2; i ≠ j). Aqui P&D toma a forma de uma inovação de processo (que reduz o
custo de produção) e, em prol da simplificação, é determinista. Suponha também que
existam spillovers de P&D (ou externalidades): uma fração 𝑙 ∈ [0, 1] do dispêndio em
P&D feito por uma Empresa i beneficiara sua concorrente j (e vice-versa). Essa e uma
forma grosseira, mas simplificada, de formalizar a ideia de que as inovações podem ser
(parcial ou completamente) copiadas, imitadas ou submetidas à engenharia reversa por
concorrentes. O jogo pode ser descrito da forma que se segue: Em primeiro lugar, as
empresas têm de decidir simultaneamente seus níveis de investimento em P&D 𝑥𝑖 ; em
seguida, passam a competir por preços. O objetivo aqui é comparar os resultados de
equilíbrio com e sem patentes.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
61

Duopólio sob concorrência por preços. Note que se pode imediatamente descartar o
equilíbrio quando ambas as empresas inovam, já que, pelo menos, uma não será capaz de
recuperar o custo fixo das despesas com P&D. No equilíbrio do jogo completo, apenas
uma inova. Em geral, há dois casos possíveis para considerar. (1) A inovação é drástica.
Nesse caso, o preço de monopólio da empresa inovadora é mais baixo que o custo da não
inovadora. Para que isso ocorra, a seguinte condição deve valer: (𝑎 + 𝑐 − 𝑥)⁄2 < 𝑐 −
𝑙𝑥, ou 𝑥 ≥ (𝑎 − 𝑐)⁄(1 − 2𝑙). (2) A inovação é não drástica. Nesse caso, 𝑥 <
(𝑎 − 𝑐)⁄(1 − 2𝑙). Focalizamos aqui inovações não drásticas (pode ser demonstrado que,
no equilíbrio desse modelo especifico, o nível ótimo da inovação corresponde ao não
drástico).

Vamos agora olhar para o estágio de P&D e encontrar o valor ideal de 𝑥. A função
lucro da empresa inovadora será dada por 𝜋𝑛𝑑 = 𝑥(1 − 𝑙)(𝑎 − 𝑐 + 𝑙𝑥) − 𝑥 2 . Note que
𝑥(1 − 𝑙) é a margem de lucro da inovadora: quanto maior o spillover l, menor seu poder
de mercado.

Resolvendo 𝜕𝜋𝑛𝑑 ⁄𝜕𝑥 = 0, segue-se que a função 𝜋𝑛𝑑 tem um máximo de


𝑥 ∗ (𝑙) = (1 − 𝑙)(𝑎 − 𝑐)/[2 − 2𝑙(1 − 𝑙)], que é o nível de equilíbrio de P&D. Note que
quanto maior o spillover l, menor o nível de P&D realizado no equilíbrio.

Patentes (ausência de spillovers). Imagine agora que uma patente é concedida a


empresa que realiza uma inovação. Como antes, sabemos que as duas companhias iriam
competir a la Bertrand: no equilíbrio em estratégias puras apenas uma delas fará uma
quantidade positiva de P&D. O tratamento é o mesmo do caso anterior, mas, para o valor
particular em que 𝑙 = 0, isto é, nenhum spillover pode surgir (a patente está protegendo
a empresa inovadora de spillovers).

O nível ótimo de P&D sob patentes será, portanto, 𝑥 𝑝 = 𝑥 ∗ (𝑙 = 0) = (𝑎 − 𝑐)/2.


Claramente, 𝑥 𝑝 > 𝑥 ∗ (𝑙) para todo 𝑙 > 0: há sempre mais P&D com patentes.

Conclusões. Neste simples modelo, uma patente melhora o bem-estar. Por conta dos
spillovers, P&D é um bem público. Já que as empresas não são capazes de se apropriar
de seus esforços de P&D, investirão menos nessa área do que o ideal para a sociedade. A
patente remove a externalidade negativa criada pelos spillovers e restaura os incentivos
para se realizar P&D.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
62

Uma qualificação final: esse modelo simples não capta outro importante aspecto
das patentes, o fato de que uma empresa só obtém uma patente se revelar completamente
sua tecnologia a outras. O propósito dessa regra é compartilhar perfeitamente (pelo
menos, em princípio) a tecnologia com a empresa inovadora e permitir seu uso tão logo
o período da patente expire.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
63

Quadro 2.4 – Concentração sob Livre -entrada *

Um exemplo simples. * Considere um produto homogêneo que pode ser produzido


por duas empresas diferentes e, no entanto, perfeitamente idênticas (possuem a mesma
tecnologia e são igualmente eficientes) e analise o seguinte jogo. No primeiro estágio, as
duas precisam decidir se entram ou não na indústria. Se decidirem que sim, irão incorrer
no custo fixo de estabelecimento f, necessário para dar início a uma produção. Uma vez
realizado o investimento, o custo f é afundado e não poderá ser recuperado se a empresa
decidir sair da indústria. No segundo estágio, a decisão é sobre a escolha de preços, isto
e, elas jogam um jogo de Bertrand. A cronologia desse jogo reflete a ideia de que a decisão
de entrada é de longo prazo, enquanto as decisões de preço são de curto prazo. O conceito
de equilíbrio para um jogo de multiestágio como esse é do padrão de equilíbrio de Nash
de subjogos perfeitos, encontrado pela busca primeiro do último estágio e movendo-se
em indução reversa (ver o Capitulo 8).

Para encontrar uma solução, partimos do subjogo de preços. Aqui, encontramos


três possibilidades. A primeira é que ambas as empresas terão entrado no estágio anterior.
Por conta da concorrência por preços, vão obter lucro bruto zero. A segunda opção é que
apenas uma tenha entrado. Nesse caso, ela obterá lucros de monopólio П𝑀 (que,
presumimos, sejam maiores que os custos fixos f) e a outra empresa, lucro zero. A terceira
possibilidade é que nenhuma entre na indústria, o que implica lucro zero para ambas.
Uma vez que as soluções para o último estágio do jogo estejam colocadas, podemos
passar para o primeiro estágio.

A matriz de ganhos no primeiro estágio do jogo está sumarizada na Tabela Q1.


Note que, quando ambas as empresas entram, elas incorrem em perdas, em função dos
custos fixos de instalação. Existem dois equilíbrios nessas estratégias puras do jogo. Um
(E, NE) em que a Empresa 1 entra e a 2 não; o outro (NE, E) em que a 2 entra e a 1 não.
Considere primeiro o par (E, NE). Para que esse par seja um equilíbrio, cada empresa não
deve ter incentivo para se desviar, haja vista a estratégia do outro jogador. Se a Empresa
1 se desvia da estratégia “entrar”, por conta da estratégia “não entrar” da empresa 2, obterá
um ganho 0 < П𝑀 − 𝑓. O desvio é claramente não lucrativo. O outro desvio possível é
que a Empresa 2 escolha “entrar” por conta da estratégia de entrada da Empresa 1. Nesse

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
64

caso, a Empresa 2 obterá um ganho de −𝑓 < 0, situação pior que a de lucro zero associada
a decisão de não entrada. O desvio, nesse caso, também não é lucrativo. Assim, o par (E,
NE) é um equilíbrio. Uma vez que o par e perfeitamente simétrico, depreende-se que o
par (NE, E) é também um equilíbrio.

Tabela Q1 – O jogo de entrada.

A despeito de qual empresa acabe como única produtora, uma estrutura


monopolista surgirá no mercado. A despeito da livre-entrada, o resultado de mercado será
um monopólio, e o monopolista realizará lucros supranormais. Esse exemplo simples
mostra que a antecipação da competição de mercado faz uma das empresas não entrar no
mercado, mesmo que a entrada não seja restrita. O mesmo argumento é desenvolvido a
seguir, em um contexto mais sofisticado.

Propriedade da finitude em modelos de diferenciação vertical. * Uma das


contribuições recentes mais importantes aos modelos de oligopólio é o trabalho de Shaked
e Sutton (1982, 1983, 1987). Eles analisam um modelo de diferenciação vertical de
produto, que é um modelo em que os consumidores concordam com determinado
ordenamento de produtos com diferentes qualidades. Embora todos concordem acerca da
qualidade dos bens, existem diferenciais de renda que impedem que todos comprem os
melhores produtos. Shaked e Sutton (1982, 1983) analisam o jogo no qual as empresas
escolhem se entram ou não na indústria no primeiro estágio, escolhem a qualidade do
bem no segundo estágio e o preço no terceiro estágio. Eles mostram que o número de
empresas que podem coexistir em uma indústria descrita com as características
mencionadas anteriormente é delimitado por cima quando o tamanho do mercado tende
ao infinito. No limite, se a distribuição de renda for suficientemente restrita, apenas uma
empresa operará na indústria, a despeito da livre-entrada e do número de ofertantes
potenciais. Além disso, o monopolista realizará ganhos supranormais. Esse resultado está
em agudo contraste com os modelos-padrão de bem homogêneo com competição de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
65

Cournot e de diferenciação de produto horizontal (ou seja, modelos em que os


consumidores diferem em suas preferencias sobre variedades de um mesmo produto), em
que um aumento no tamanho de mercado permite que mais empresas cubram seus custos
fixos, levando a estruturas de mercado mais fragmentadas.

A intuição para o resultado da propriedade de finitude, em termos muito frouxos,


é como se segue. Imagine que uma empresa nova considere entrar em uma indústria
monopolizada por uma companhia que produza um bem de qualidade. Se a nova entrante
escolher uma qualidade 𝑢2 < 𝑢1 , terá então de oferecer seu produto a um preço menor
também, já que os consumidores têm uma preferência por qualidade. No entanto, a
competição vai empurrar para baixo os preços do bem de alta qualidade, tornando-o mais
atrativo para todos os consumidores. No caso extremo em que pessoas têm rendas
suficientemente similares (ou, de forma equivalente, gosto por qualidade), todos
continuarão a adquirir o bem de alta qualidade, a despeito do aparecimento do bem de
qualidade nova (mais baixa). Note também que, devido a competição por preços no
mercado, as empresas nunca escolherão uma qualidade similar àquela pré-existente, uma
vez que isso aumentaria a competição. Produzir bens de qualidade idêntica os
transformaria em bens homogêneos, levando o jogo no ultimo estágio parecer um jogo de
Bertrand, com lucro zero no equilíbrio.

A nova entrante deve, então, poder entrar no mercado com um bem de qualidade
superior a 𝑢1 , mas, nesse caso, a incumbente deverá ser forcada a deixar o mercado. Do
ponto de vista do resultado final em termos de bem-estar, não fara qualquer diferença
qual das empresas ficará no mercado no equilíbrio. Contudo, é improvável que a entrante
seja capaz de substituir a incumbente, em função das vantagens do pioneiro.

O resultado da propriedade da finitude fundamenta-se em várias hipóteses, das


quais as mais fortes são: os custos de se produzir um bem de mais alta qualidade recai
sobre os custos fixos de investimentos em P&D e propaganda, mais que em custos
variáveis, como melhores matérias-primas e mão de obra mais capacitada. Se essa
hipótese for relaxada, a empresa de qualidade superior terá custos variáveis mais elevados
que a de baixa qualidade, e isso restringirá suas possibilidades de reduzir preços. Sob
custos fixos da qualidade e custos marginais idênticos, uma empresa de alta qualidade
tem melhor habilidade para estabelecer preços em níveis tão baixos quanto a de baixa

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
66

qualidade e de roubar participação de mercado (lembre-se de que, a preços idênticos,


todos preferirão comprar o produto de maior qualidade). Mas sob custos variáveis da
qualidade, a empresa superior depara-se com custos marginais mais elevados também, o
que reduz sua capacidade de competir por preços. Assim, a propriedade da finitude não
vale quando os custos variáveis de qualidade são relativamente mais importantes que os
custo fixos de qualidade, tal como demonstrado por Shaked e Sutton (1987).

Shaked e Sutton (1987) e Sutton (1991) reformulam a propriedade da finitude


resultando em uma versão mais fraca, porém mais robusta, no sentido de que passa a valer
para uma série maior de especificações, em particular para quando as empresas produzem
bens que não são somente qualitativamente diferentes, mas são também diferenciados
horizontalmente. De acordo com essa versão, conforme cresce o tamanho do mercado,
um número muito grande de empresas pode sobreviver na indústria, mas sempre existe
uma cuja participação de mercado é significativamente delimitada distante de zero
(enquanto, no caso de bens homogêneos, quando o número de empresas tende ao infinito,
a participação de mercado tende a zero).

Sutton (1991) testa seu modelo e reúne impressionantes evidencias


econométricas, assim como estudos de caso, em favor desse resultado. Em particular, o
papel crucial desempenhado pelas despesas de propaganda (que permitem as empresas
aumentar a qualidade percebida pelos consumidores acerca dos produtos) emerge de
maneira muito clara. Em muitos dos setores analisados (indústria de comida e bebida), as
empresas são capazes de conquistar grande participação de mercado, aumentando suas
despesas em propaganda. Quando as participações de mercado aumentam, os gastos em
propaganda tendem a crescer também, uma vez que existe um incentivo para aumentar a
qualidade (o custo marginal dos gastos com o aumento de qualidade é inalterado, mas o
benefício marginal é maior, por conta do tamanho de mercado maior). Isso eleva os custos
afundados com os investimentos necessários e tende a limitar o número de empresas no
mercado. Mais precisamente, novas entrantes poderão ainda chegar à indústria e
conseguir operar lucrativamente, mas terão de se apoiar em uma estratégia de baixo preço,
baixa qualidade, que não desafie as posições de mercado das incumbentes.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
67

Quadro 2.5 – Um Modelo de Redes (Físicas) *

Nesta seção, apresentamos um modelo simples de redes físicas (de comunicações)


proposto por Fumagalli, Karlinger e Motta (2003), para ilustrar o problema da
coordenação que surge para os consumidores quando externalidades de rede existem e
mostrar que isso pode resultar no fato de um entrante ficar fora da indústria mesmo que
seja um produtor mais eficiente.

De acordo com Katz e Shapiro (1985), presuma que os consumidores valorizem


um bem de rede i, da forma que se segue:

𝑈𝑖 = 𝑟 + 𝑣𝑖 (𝑛) − 𝑝𝑖 , (2.23)
onde 𝑟 é o valor intrínseco do bem na ausência dos efeitos de rede, 𝑣𝑖 (𝑛) é a avaliação
do bem (n consumidores ligam-se a rede i) e 𝑝𝑖 é o preço que os consumidores devem
pagar para ligar-se a rede i. Por simplicidade, presuma que 𝑟 = 0, de forma que o bem de
rede tenha valor apenas para seu componente de rede.

Presuma que 𝑣𝑖 (𝑛) é não decrescente e côncava, mas depois de certo número de
consumidores 𝑧, a rede exaure suas externalidades positivas. Em outras palavras, 𝑣𝑖 (𝑧) =
𝑣𝑖 (𝑧 + 𝑗) para todo 𝑗 > 0. (A razão por trás dessa hipotese será explicada brevemente.)
Presuma também que 𝑣𝑖 (1) = 0: não há valor em se adquirir um bem de rede do qual se
é o único consumidor.

No mercado, para esse bem de rede, há uma incumbente I e uma potencial entrante
E. A entrante é mais eficiente e pode produzir ao custo 𝑐𝐸 < 𝑐𝐼 . As duas redes são
homogêneas no sentido de que têm o mesmo tamanho e criam as mesmas externalidades
para seus consumidores: 𝑣𝐼 (∙) = 𝑣𝐸 (∙) = 𝑣(∙). Presuma também que a entrante tenha um
custo fixo de entrada arbitrariamente pequeno, para enfatizar que as barreiras à entrada
advêm apenas dos efeitos de rede.

Há dois grupos de consumidores, cada um de tamanho 𝑧. O primeiro grupo


(“antigos”) de consumidores já adquiriu o bem da incumbente no passado e desfrutou de
uma utilidade 𝑣(𝑧). O segundo grupo de (“novos”) consumidores acabou de entrar no
mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
68

Note que a hipótese de que a incumbente já tenha atendido a 𝑧 consumidores no


passado tem um duplo papel. Em primeiro lugar, implica que os novos consumidores,
caso venham a aderir à rede da incumbente, não gerarão novas externalidades sobre os
antigos 𝑧 consumidores; em segundo lugar, a assimetria entre a incumbente e a entrante
é máxima, pois a incumbente já atingiu o nível máximo possível de externalidades.

O jogo e conforme se segue:

1. E decide se entra ou não.


2. As empresas ativas estabelecem preços simultaneamente. Presuma, por enquanto,
que os preços sejam os mesmos para todos os consumidores.
3. Os compradores decidem a que rede se conectar e pagam 𝑝𝐼 ou 𝑝𝐸 .

Dois tipos de equilíbrio. Existem dois tipos muito diferentes de equilíbrio no jogo.
O primeiro é um equilíbrio de “entrada”, em que a entrante chega ao mercado, e os novos
consumidores aderem à sua rede. O segundo é um equilíbrio ineficiente de “persistência
do monopólio”, em que os consumidores falham em se coordenar com relação ao
resultado mais eficiente. Vamos caracterizar e provar a existência de cada um dos
equilíbrios em seguida.

Equilíbrio de entrada. Considere o seguinte equilíbrio de entrada: E entra, I


estabelece um preço 𝑐𝐼 , e 𝐸, um preço ligeiramente abaixo 𝑐𝐼 , e todos os 𝑧 novos
consumidores aderem à rede da entrante.

Para entender porque se trata de um equilíbrio, considere os consumidores


primeiro. Nesse equilíbrio, eles têm um excedente 𝑣(𝑧) − 𝑐𝐼 . Se um deles se desviar e
adquirir um produto de I enquanto todos os outros continuarem aderindo à rede de E, ele
obterá uma utilidade 𝑣(𝑧) − 𝑐𝐼 . Por conseguinte, não terá incentivo para se desviar.

As empresas tampouco terão incentivo para se desviar. A Empresa I não teria


incentivo para reduzir preços, já que, se obtivesse consumidores, realizaria perdas. A
Empresa E não teria incentivo para aumentar seu preço, porque, se o fizesse, os
consumidores a trocariam pela incumbente.

Equilíbrio da persistência do monopólio (ou da descoordenação). Um equilíbrio


com descoordenação é como se segue: E não entra, I estabelece seu preço 𝑝𝐼 = 𝑣(𝑧),

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
69

dessa forma extraindo todo o excedente dos consumidores, e todos os novos


consumidores 𝑧 aderem a rede da incumbente I.

Para entender como isso é um equilíbrio do jogo, considere o caso em que a


entrante chegou ao mercado e ofereceu um preço baixo como 𝑐𝐸 . É fácil ver que o fato
de todos comprarem da incumbente ainda é um equilíbrio de Nash no estágio dos
consumidores do jogo. No equilíbrio proposto, todos os consumidores compram o
produto da incumbente e obtém excedente zero. Contudo, se nenhum deles desvia e
compra de E, já que todos os outros compram de I, ele obteria a utilidade 𝑣(1) − 𝑐𝐸 =
−𝑐𝐸 . Por conseguinte, pioraria sua posição.

Assim vemos que para as empresas, nesse equilíbrio, I não tem incentivo para
alterar seu preço (ela obtém ganhos de monopólio), e 𝐸 não tem incentivo para se desviar,
pois, se entrasse, não seria capaz de recuperar seus gastos em custos fixos, mesmo que
pequenos.

Este é claramente um equilíbrio de descoordenação, no sentido de que os


consumidores são incapazes de se coordenarem da forma mais conveniente entre si.
Fossem eles capazes de se coordenar e decidir em conjunto, o único equilíbrio do jogo
seria aquele em que a entrada ocorre. Por outro lado, a incumbente pode também recorrer
a estratégias para excluir a entrada, conforme veremos agora.

Discriminação de preços para excluir a entrada em uma indústria de rede.


Presuma agora que a incumbente possa discriminar preços entre seus
consumidores e que seus custos não sejam muito elevados, ou seja, 2𝑐𝐼 < 𝑣(2) + 𝑐𝐸 . Por
simplicidade, estabeleça 𝑧 = 2 e chame os novos Consumidores de 1 e 2. Agora mostre
que se uma entrante chegasse e oferecesse um produto de rede a um preço 𝑐𝐸 , não
angariaria qualquer demanda se a incumbente fosse capaz de discriminar seus preços.
Assim, o único equilíbrio do jogo seria aquele com persistência do monopólio.

Se um entrante estabelece um preço 𝑐𝐸 , e uma incumbente, estabelece preços 𝑝1


e 𝑝2 os ganhos dos consumidores serão iguais ao que mostra a Tabela Q2. Um equilíbrio
de entrada correspondente ao par (comprar E, comprar E) não existe mais. Se ambos os
consumidores compraram da entrante, a incumbente irá desviar e oferecer um preço 𝑝1 <
𝑐𝐸 para um comprador, digamos, o Consumidor 1, e o preço 𝑝2 = 𝑣(2) para o outro

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
70

consumidor. O Consumidor 1 decidiria comprar de I, a despeito da decisão do outro


consumidor. Se o Consumidor 2 comprar de E, o Consumidor 1 obterá o excedente
𝑣(2) − 𝑝1 comprando de I e 𝑣(2) − 𝑐𝐸 comprando de E. Como 𝑝1 < 𝑐𝐸 , o primeiro é
mais alto. Se o Consumidor 2 comprar de I, o Consumidor 1 obterá o excedente 𝑣(2) −
𝑝1 comprando de I, e −𝑐𝐸 comprando de 𝐸. Também nesse caso, ele estará em melhor
situação comprando de I. Como o Consumidor 1 compraria de I, o melhor para o
Consumidor 2 seria comprar de I (𝑣(2) − 𝑝2 = 0 > −𝑐𝐸 ). Assim, os desvios da
incumbente são seguidos por ambos os consumidores que adquirem seus produtos.

Tabela Q2 – Ganhos dos consumidores 1 e 2 sob discriminação de preços.

Mas será lucrativo para a incumbente desviar e deter a entrada? Claramente, não
será lucrativo se ela tiver de ofertar um preço abaixo do custo para cada um dos
compradores. No entanto, sob discriminação, ela poderá oferecer preço abaixo do custo
para apenas um dos compradores, enquanto estabelece preço de monopólio para o outro.
Se as rendas totais forem superiores aos custos totais (𝑣(2) − 𝑝1 ≥ 2𝑐𝐼 ), o desvio poderá
ser lucrativo. Como supostamente 𝑣(2) + 𝑐𝐸 > 2𝑐𝐼 , se ambos os compradores decidirem
comprar de E, a incumbente poderá ter um incentivo para desviar, e o equilíbrio de entrada
poderá não existir.

Por sua vez, um equilíbrio com persistência de monopólio ainda existe. Já que 0 >
−𝑐𝐸 , nenhum consumidor tem incentivos para se desviar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
71

Exercícios do Capítulo 2

Exercício 2.1 *Um exemplo de conduta de busca de renda (rent seeking). Considere um
mercado no qual o lucro total П possa ser ganho pela empresa que obtiver direito de
monopólio de venda sobre o mercado. Suponha também que exista um número idêntico
de empresas n, que participam de uma concorrência para obter o direito de monopólio.
Cada Empresa i tem de simultaneamente decidir a quantia 𝑥𝑖 que deseja dispender,
conhecendo a probabilidade de ganhar a liderança, dada por 𝑥𝑖 ⁄∑𝑛𝑗=1 𝑥𝑗 . (a) Procure o
nível de equilíbrio simétrico de despesa e o lucro esperado para cada empresa. (b) Mostre
que, conforme n tende ao infinito, a despesa total das empresas é igual ao lucro total de
monopólio.

Exercício 2.2 Fazendo uso de gráficos, identifique a perda de bem-estar que ocorre no
mercado quando o preço é mais alto que o custo marginal de produção e, então, discuta
como essa perda pode ser maior em função da atividade de busca de renda e ineficiência
produtiva.

Exercício 2.3 Explique por que há uma possível tensão entre eficiência alocativa de um
lado e eficiência produtiva e dinâmica do outro lado.

Exercício 2.4 *A partir de d’Aspremont e Motta (1990), considere uma indústria de bem
homogêneo com duas empresas potenciais. A demanda de mercado e dada por 𝑄 =
𝑆(1– 𝑝), onde S e o tamanho de mercado, e Q e a produção da indústria. As empresas tem
custo marginal constante zero, mas incorrem em um custo fixo 𝑘 ∈ (0, 𝑆/9), caso sejam
ativas. O jogo é: primeiro, elas decidem se entram ou não. Em seguida, competem no
mercado de produto. Considere três diferentes casos de competição de produto: (1) as
empresas escolhem quantidades não cooperativamente (Cournot); (2) as empresas
escolhem preços não cooperativamente (Bertrand); (3) o cartel e estabelecido: as
empresas definem quantidades (ou preços, e equivalente) para maximizar conjuntamente
seus lucros (monopólio). Foque estratégias puras e encontre as quantidades, preços,
lucros, excedente e bem-estar de equilíbrio (em subjogos perfeitos de Nash) para cada um
dos três casos. Mostre que, para custos fixos baixos o suficiente, a competição de Cournot
dá ensejo a um bem-estar mais elevado que a de Bertrand, e que o monopólio sempre dá
ensejo ao menor nível de bem-estar em equilíbrio.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
72

Exercício 2.5 *Considere o mesmo exemplo da seção “O monopólio oferece menos


incentivos para inovar: um exemplo”, mas presuma que haja uma inovação drástica, quer
dizer, uma redução no custo marginal grande o suficiente: 𝑥 > 1 – 𝑐 ℎ . Compare o
equilíbrio sob duopólio com o obtido anteriormente, sob monopólio.

Exercício 2.6 **Considere a variante do modelo da seção “O monopólio oferece menos


incentivos para inovar: um exemplo”, em que a quantidade de inovação é continua e
endogenamente determinada, em vez de exogenamente. O custo da inovação não é
constante, mas é uma função quadrática da quantidade de inovação. De forma mais
explicita, a empresa se depara com um custo de investimento 𝐶(𝑥𝑖 ) = 𝑥𝑖2 . Ao investir
𝑥𝑖2 em inovação (tal investimento ainda ocorre no primeiro estágio e é, portanto, afundado
no segundo), uma empresa terá um custo marginal 𝑐 ℎ – 𝑥𝑖 no seguinte subjogo de preço.
À parte essa variante, considere o mesmo conjunto de hipóteses que o anterior. (1)
Encontre a quantidade ótima de investimento 𝑥𝑚 para o monopolista. (2) Encontre a
quantidade de equilíbrio de investimento em duopólio. Tal quantidade corresponde a
inovação drástica ou não drástica? Esse investimento de equilíbrio e maior ou menor que
𝑥𝑚 ?

Exercício 2.7 Por que se deve esperar uma relação de U invertido entre concorrência e
inovação?

**
Exercício 2.8 Considere uma indústria de um bem homogêneo com empresas
perfeitamente simétricas. Elas fazem o seguinte jogo: no primeiro estágio, decidem
simultaneamente se entram ou não na indústria. No segundo, elas simultaneamente
decidem qual quantidade levar para o mercado. Se elas entrarem, deverão incorrer em um
custo fixo de estabelecimento F. A produção ocorre ao custo fixo marginal c. A demanda
de mercado e caracterizada por 𝑝 = 1– 𝑄, p sendo o preço de mercado, e Q, o produto
agregado. (a) Encontre o número de empresas n que entrariam no subjogo perfeito em
equilíbrio de Nash. (Por simplicidade, considere n contínuo durante todo o exercício.) (b)
Considere, agora, o seguinte jogo: no primeiro estágio, um planejador social decide o
número de empresas (e paga seus custos fixos). Ele maximiza o bem-estar, indicado pela
soma do excedente do consumidor e do produtor menos os custos de entrada que tem de
pagar. No segundo estágio, o mesmo jogo de competição por quantidade é disputado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73

Encontre o número ótimo de empresas escolhido pelo planejador social e compare com o
número que entraria em um subjogo perfeito em equilíbrio de Nash.

Exercício 2.9 **Considere o modelo analisado na seção “P&D e Concorrência”. Presuma


que um planejador social maximize o bem-estar total tomando o número de empresas
como dado. Primeiro, o planejador social precisa escolher os níveis de P&D e de produto.
Encontre os níveis ótimos (simétricos) de P&D e produção e compare-os com os níveis
de equilíbrio obtidos no modelo da seção “P&D e Concorrência”.

Exercício 2.10 *Considere o mesmo modelo da seção “P&D e Concorrência”, mas


presuma que as n empresas conjuntamente determinam seus níveis de produção: no
primeiro estágio do jogo, cada uma independentemente estabelece seu nível de P&D; no
segundo, elas agem como em um cartel, isto é, escolhem seus níveis de produção de forma
a maximizar seus lucros conjuntos. Encontre os níveis de equilíbrio de P&D e produção
e compare-os aqueles obtidos no modelo da seção “P&D e Concorrência”.

Exercício 2.11 Os modelos de organização industrial sugerem que – por conta própria –,
as forças de mercado resultarão em qualquer indústria em níveis de equilíbrio para
qualidade, variedade, inovação ou número de competidores diferentes dos níveis ótimos
para a sociedade (ou seja, diferentes dos níveis de qualidade, variedade, inovação ou
número de empresas que maximizariam o bem-estar econômico). Isso ocorre porque as
companhias tomam decisões com base em seus lucros, não levando em consideração as
externalidades que tais decisões exercem sobre competidores e consumidores. Quais são
as possíveis implicações praticas desse resultado? As autoridades de defesa da
concorrência podem tentar mover tal indústria em direção a um resultado ótimo?

Exercício 2.12 Em um país em desenvolvimento, o mercado de telefonia fixa foi


recentemente privatizado, e novos entrantes obtiveram permissão para desafiar a
operadora de telefonia incumbente. Logo, os entrantes descobrem que é muito difícil
persuadir os consumidores a mudar de operadora, pois querem manter o número sobre o
qual a operadora incumbente afirma ter direitos de propriedade intelectual. Deveria a
autoridade de defesa da concorrência (ou os tribunais) decidir em favor da incumbente
(nesse caso, os consumidores que migrassem para as novas operadoras teriam de mudar
de número de telefone) ou das entrantes?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
74

Exercício 2.13 (Livremente inspirado no caso Bronner.) Um jornal líder de vendas


estabeleceu um sistema de entrega doméstica que permite a distribuição de exemplares
em todo o país bem cedo pela manhã. Um jornal regional decidiu vender em todo o
território nacional e, para isso, aumentou a cobertura de notícias, de locais para nacionais.
No entanto, percebeu que a falta de uma rede de distribuição doméstica dificultava o
aumento das vendas nacionais, e a montagem desse tipo de rede é muito arriscada e
custosa. Pede, então, ao jornal líder para ceder acesso à sua rede em contrapartida a um
pagamento razoável, mas ele recusa. Deveria a autoridade de defesa da concorrência (ou
os tribunais) decidir em favor do jornal nacional ou do local?

Exercício 2.14 **Leasing/venda (De Tirole, 1988, seção 1.5.2.1). Considere um jogo em
dois períodos em que uma empresa busca vender seu bem durável, com vida útil de dois
períodos, depois dos quais se torna obsoleto. Não há depreciação do bem entre os dois
períodos. O fator de desconto 𝛿 é idêntico para todos os consumidores e para a empresa.
A demanda para a utilização do bem será dada por 𝑝 = 1– 𝑄 (Q sendo a quantidade
agregada). Presume-se que a produção não tenha custo. Existe um mercado de revenda:
os consumidores que compram o bem em um período podem querer revende-lo (ou aluga-
lo) no segundo período.

1. Considere primeiro o caso em que a empresa vende no primeiro período.


Encontre os preços de equilíbrio cobrados pelo monopolista em cada período e mostre
como eles declinam ao longo de tempo. Encontre o lucro de equilíbrio total.

2. Considere, então, o caso em que o monopolista faz leasing (aluga) o bem em


cada período e encontre os preços e lucros de equilíbrio. Eles são mais altos ou mais
baixos que os lucros realizados em condições de vendas?

Exercício 2.15 Modelos de diferenciação vertical de produto sugerem que a alta


concentração pode surgir em mercados caracterizados por custos afundados endógenos
como despesas em propaganda. Em tais mercados, as empresas que investem
pesadamente em propaganda tipicamente têm participações de mercado mais altas,
cobram preços mais elevados e obtém lucros maiores que a concorrência. Sua liderança
também tende a persistir ao longo do tempo. Quais implicações de política podemos
derivar de tais modelos?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
75

**
Exercício 2.16 (A partir de Klemperer, 1988: efeitos sobre bem-estar da entrada).
Considere o seguinte jogo em dois estágios entre uma empresa incumbente e uma entrante
potencial. No primeiro estágio, a entrante decide se entra ou não. A entrada e sem custo.
No segundo, as empresas existentes no mercado (simultaneamente) escolhem a
quantidade a ser vendida. Elas têm o mesmo custo unitário c. Os consumidores que
compram o produto da entrante terão de incorrer no custo de transferência s. (Por
simplicidade, presuma que não haja tal custo quando compram da incumbente.) Suponha
que haja uma demanda linear 𝑝 = 𝛼 − 𝛽𝑞 (em outras palavras, esse e o q-ésimo preço de
reserva do consumidor líquido de custos de transferência).

1. Encontre os preços e o produto de equilíbrio para o jogo de acordo com os


diferentes níveis de custos de transferência 𝑠.

2. É possível que a entrada diminua o bem-estar?

3. Considere o caso em que os custos de transferência sejam zero. Nesse caso, o


bem-estar seria maior ou menor que sob custos de transferência positivos?

Exercício 2.17 **(Exemplos 0 e 1 em Klemperer, 1995.) Considere o seguinte jogo em


dois estágios: presuma que existam N consumidores distribuídos ao longo de uma linha
[0,1], que mede seu custo (linear) de aprendizado sobre como utilizar um produto
(homogêneo). As Empresas A e B vendem o mesmo produto, mas estão localizadas em 0
e 1, respectivamente, e tem o mesmo custo unitário c = 0 em cada período. Por
conseguinte, um consumidor localizado em y tem um custo de aprendizado 𝑡𝑦 para usar
o produto da Empresa A e 𝑡(1– 𝑦) para usar o produto da Empresa B (𝑡 > 0). Os
consumidores não tem qualquer custo de transporte físico. No período 1, a utilidade do
consumidor é dada por 𝑈 = 𝑟 − 𝑝𝑖 − 𝑡|𝑙𝑖 − 𝑦|, para i = A, B onde 𝑙𝑖 corresponde a
localização da Empresa i. Presuma também que os bens não podem ser estocados e que
os consumidores tem o mesmo fator 𝛿 = 1. Os bens são percebidos como perfeitamente
homogêneos, mas há custos de transferências: se o consumidor muda de provedor, terá
de arcar com o custo s, que, por simplicidade, presume-se ser independente da distância
que separa o consumidor da empresa. As companhias estabelecem preços separadamente
em cada período. Suponha também que 𝑅 > 𝑐; 𝑠 ≥ 𝑅 − 𝑐; 𝑟 − 2𝑡 > 𝑐.

1. Encontre os preços de equilíbrio para cada período do jogo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
76

2. Encontre o preço de equilíbrio para o jogo quando o primeiro período é como


o anterior, mas, no segundo período, não existem custos de transferência. Mostre que com
custos de transferência, os preços são mais altos no segundo período, mas, mais baixos
no primeiro.

Exercício 2.18 *Monopólio ameaçado pela entrada (De Tirole, 1988, secao 10.1.4).
Considere o caso de duas empresas em um mercado de produto. Há também o caso de
uma terceira que não pode produzir nesse mercado de produto mas que gerou uma
inovação que pode reduzir o custo de produção de 𝑐̅ para 𝑐 < 𝑐̅ (inovação de processo).
Essa terceira empresa coloca sua inovação à venda para as duas produtoras, e a inovação
é protegida por uma patente de duração ilimitada. Antes do processo de leilão começar, a
Empresa 1 é monopolista e produz ao custo unitário 𝑐̅. O lucro da Empresa 1 nessa
estrutura de mercado e denotado por Πm (𝑐̅). A 2 é uma entrante potencial, cujo custo
unitário é infinito. Sejam П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) e П𝑑 (𝑐, 𝑐̅) os lucros da monopolista e da entrante,
respectivamente, caso a entrante sozinha adote a nova tecnologia com custo marginal 𝑐
e, consequentemente, o custo marginal da monopolista ainda seja 𝑐̅.

1. Encontre o valor da inovação (isto é, a diferença entre os lucros que a empresa


receberá se ganhar a disputa para adquirir a inovação e os lucros no caso em que ela não
ganhe a disputa pela inovação) para a monopolista (𝑉1)e para a entrante (𝑉2).

2. Mostre que П𝑚 (𝑐) ≥ П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) + П𝑑 (𝑐, 𝑐̅) é uma condicao suficiente para 𝑉1 ≥
𝑉2.

3. Considere o caso em que a inovação e drástica, 𝑝𝑚 (𝑐) < 𝑐̅. Se for o caso, qual
é o valor da inovação para as Empresas 1 e 2?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
77

Soluções dos Exercícios do Capí tulo 2

Exercício 2.1 O lucro esperado da Empresa i e dado por 𝜋𝑖 = (𝑥𝑖 ⁄∑𝑛𝑗=1 𝑥𝑗 )П − 𝑥𝑖 . As


CPOs são, portanto, dadas pelo sistema de equações 𝜕𝜋𝑖 ⁄𝜕𝑥𝑖 =
2
(∑𝑛𝑘≠𝑖 𝑥𝑘 )П⁄(∑𝑛𝑗=1 𝑥𝑗 ) − 1 = 0. (a) No equilíbrio simétrico ∀𝑖 ∈ {1, … , 𝑛}, 𝑥𝑖 = 𝑥, cada
empresa despende 𝑥 ∗ = (𝑛 − 1)П/(𝑛2 ). Por substituição, pode-se encontrar que o lucro
esperado no equilíbrio é 𝜋 ∗ = П/(𝑛2 ). (As condições de segunda ordem para um máximo
são satisfeitas.) (b) A despesa total 𝑛𝑥 ∗ para obter a renda de monopólio П é dada por
(𝑛 − 1)П/(𝑛), que tende a П conforme 𝑛 → ∞.

Exercício 2.4 (1) (Cournot) Para analisar o caso da competição por quantidade, primeiro
encontre a inversa da função de demanda, 𝑝 = 1 − 𝑄/𝑆. A Empresa i escolhe 𝑞𝑖 para
maximizar 𝜋𝑖 = [1 − 𝑞𝑖 + 𝑞𝑗 ⁄𝑆]𝑞𝑖 − 𝑘. As CPOs são 𝜕𝜋𝑖 ⁄𝜕𝑞𝑖 = 1 − 2𝑞𝑖 ⁄𝑆 − 𝑞𝑗 ⁄𝑆 =
0. No equilíbrio simétrico 𝑞𝑖 = 𝑞𝑗 = 𝑞 a solução será dada por 𝑞 𝐶 = 𝑆/3. Os preços de
equilíbrio e os lucros individuais serão 𝑝𝐶 = 1/3 e 𝜋 𝐶 = 𝑆⁄9 − 𝑘 > 0. É fácil encontrar
o excedente do consumidor e o bem-estar total como 𝐸𝐶 𝐶 = 2𝑆/9 e 𝑊 𝐶 = 4𝑆⁄9 − 2𝑘.

(2) (Bertrand) Dado que os produtos são homogêneos, a concorrência deve trazer
os lucros do curto prazo para zero, o que não permitirá que ambas as empresas cubram
seus custos fixos. Assim, no equilíbrio de longo prazo com estratégias puras, apenas uma
empresa estará ativa nesse mercado. Ela escolhera Q de modo a maximizar 𝜋 =
𝑄(1 − 𝑄 ⁄𝑆) − 𝑘. De 𝜕𝜋⁄𝜕𝑄 = 0, segue-se que o produto, preço e lucros de equilíbrio
serão 𝑄 𝐵 = 𝑆/2, 𝑝𝐵 = 1/2 e 𝜋 𝐵 = 𝑆⁄4 − 𝑘 > 0. O excedente do consumidor e o bem-
estar total serão 𝐸𝐶 𝐵 = 𝑆/8 e 𝑊 𝐵 = 3𝑆⁄8 − 𝑘.

(3) (Monopólio ou cartel) As empresas irão estabelecer a produção 𝑞1 e 𝑞2 de


modo a maximizar seus lucros conjuntos 𝜋1 + 𝜋2 = [1 − 𝑞1 + 𝑞2 ⁄𝑆](𝑞1 + 𝑞2 ) − 2𝑘.
Claramente, essa estratégia enseja a mesma solução do caso Bertrand, mas com
duplicação dos custos fixos. O excedente do consumidor e o bem-estar total serão 𝐸𝐶𝑀 =
𝑆/8 e 𝑊𝑀 = 3𝑆⁄8 − 2𝑘.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
78

As comparações de bem-estar são diretas. Se 𝑘 ∈ (0, 5𝑆/72), então 𝑊 𝐶 ≥ 𝑊 𝐵 .


Se 𝑘 ∈ (5𝑆⁄72 , 𝑆/9), entao 𝑊 𝐶 < 𝑊 𝐵 . É suficiente verificar 𝑊 𝐶 , 𝑊 𝐵 , 𝑊 𝑀 , para ver
que 𝑊 𝑀 é sempre o mais baixo.

Exercício 2.5 Presuma que 𝑥 > 1 − 𝑐 ℎ . Então, no último estágio do jogo (preço), será
melhor para a empresa inovadora cobrar preço de monopólio (1 + 𝑐 ℎ − 𝑥)⁄2 < 𝑐 ℎ . Ela
obterá o lucro bruto П𝑑 = (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 /4.

No primeiro estágio do jogo, as empresas corretamente antecipam o lucro que


farão no estágio seguinte. O ganho das empresas é o seguinte: se ambas inovarem, ambas
obterão −𝐹. Se nenhuma inovar, ambas obterão 0. Se apenas uma inovar, essa obterá
П𝑑 − 𝐹, e a outra, 0. Esse jogo tem as seguintes soluções: se П𝑑 > 𝐹 o único equilíbrio
de Nash é quando uma empresa inova e a outra não. Se П𝑑 ≤ 𝐹, nenhuma empresa
inovará no equilíbrio.

Comparação entre monopólio e duopólio.

Ou a estrutura de mercado não faz diferença (a inovação ocorre ou não sob ambas
as estruturas de mercado) ou um equilíbrio com inovação ocorre sob duopólio, mas não
sob monopólio. Para entender por que, considere que П𝑑 > 𝛥 como (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 ⁄4 >
(1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 ⁄4 − (1 − 𝑐 ℎ )2 /4. Assim, para valores de custo fixo de inovação tais que

П𝑑 > 𝐹 > 𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, haverá inovação sob duopólio, mas não sob monopólio.

Para valores de custos fixos tais como 𝐹 ≤ 𝑥(𝑥 + 2(1 − 𝑐 ℎ ))/4, uma inovação ocorrerá

em ambas as estruturas de mercado. Finalmente, para 𝐹 ≥ П𝑑 , nenhuma inovação será


adotada, independentemente da estrutura de mercado.

Exercício 2.6 (1) O monopolista obterá o lucro П𝑚 (𝑥) = (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 /4 no último


estágio. Por conseguinte, o investimento ótimo será determinado encontrando-se o valor
do investimento 𝑥𝑚 que maximiza 𝜋𝑚 (𝑥) = (1 − 𝑐 ℎ + 𝑥)2 ⁄4 − 𝑥 2 . É fácil verificar que
𝑥𝑚 = (1 − 𝑐 ℎ )/3.

(2) No caso do duopólio, a análise é similar a realizada aqui para níveis exógenos
de P&D. Em particular, há um único equilíbrio em que uma empresa inova e a outra não.
Contudo, aqui também temos de determinar se o investimento ótimo corresponde a uma
inovação drástica ou não. Por conseguinte, temos de contabilizar o lucro feito com a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
79

inovação drástica ótima e o lucro com a inovação drástica não ótima. Para uma inovação
drástica, o domínio é 𝑥 ∈ [1 − 𝑐 ℎ , 𝑐 ℎ ]. O problema é o mesmo que o do monopolista. A
função de lucro atinge um máximo em 𝑥 = (1 − 𝑐 ℎ )/3 e, então, decresce. Contudo, o
máximo não está no domínio; portanto, o máximo sob uma inovação drástica é obtido em
𝑥 = (1 − 𝑐 ℎ ). No caso de uma inovação não drástica, a quantidade ótima de P&D 𝑥𝑛𝑑 é
dada pela maximização da função de lucro П𝑛𝑑 = 𝑥(1 − 𝑐 ℎ ) − 𝑥 2 . Portanto 𝑥𝑛𝑑 =
(1 − 𝑐 ℎ )/2. É fácil verificar que uma inovação não drástica confere um lucro mais
elevado para a empresa inovadora e que o nível de equilíbrio de P&D sob duopólio é
maior que sob monopólio.

Exercício 2.8 (a) Dado que um equilíbrio deve ser encontrado por indução reversa,
primeiro resolva o último estágio do jogo, em que as empresas escolhem quantidades pelo
número das que entraram no mercado no estágio anterior. Esse problema já foi resolvido
na seção “Empresas demais no setor”.

Dado que n é um número real, o número de empresas de equilíbrio na indústria


será dado pela solução de 𝜋 𝑐 (𝑛) = 0, fornecido por 𝑛𝑐 = (1 − 𝑐)⁄√𝐹 − 1.

(b) O planejador social escolherá n para maximizar o bem-estar total 𝑊 = 𝐸𝐶 +


3
𝐸𝑃 = 𝑛(1 − 𝑐)2 (𝑛 + 2)/[2(𝑛 + 1)2 ] − 𝑛𝐹, levando a 𝑛∗ = √(1 − 𝑐)2 /𝐹 − 1.

Comparando o número ótimo de empresas com o número das que entram em


equilíbrio sob livre-entrada, 𝑛𝑐 , fica claro que existe excesso de entrada na indústria.

Exercício 2.9 O bem-estar pode ser escrito como 𝑊(𝑞(𝑥), 𝑥) = (𝑎 − 𝑝)𝑛𝑞 ⁄2 +


𝑛(𝑝𝑞 − (𝐶 − 𝑥)𝑞 − (𝑔⁄2)𝑥 2 ). Dado 𝑥, a produção eficiente será encontrada pegando-
se 𝜕𝑊⁄𝜕𝑞 = 0. Pode-se ver que obtemos, assim, o produto por empresa 𝑞 𝑠𝑝 (𝑥) =
(𝑎 − 𝐶 + 𝑥)/𝑛. Note que, no resultado first-best, as empresas perfazem lucro bruto zero,
dado que estabelecem preços no nível do custo marginal (𝑝 = 𝐶 − 𝑥). O planejador social
deve cobrir os custos fixos das empresas com as despesas em P&D fazendo uso de
subsídios.

Agora é possível substituir isso na expressão anterior de modo a obter 𝑊(𝑥).


Resolvendo as CPOs, obtém-se os níveis de P&D eficiente para as empresas individuais

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
80

como 𝑥 𝑠𝑝 = (𝑎 − 𝐶)/(𝑔𝑛 − 1), que corresponde ao nível socialmente ótimo de P&D na


indústria.

Podemos agora comparar os níveis ótimos de P&D aqueles que surgem da


concorrência. Pode-se verificar que a desigualdade 𝑥 𝑠𝑝 < 𝑥 𝑐 é satisfeita por 𝑛2 − 2𝑛 −
1 > 0. Assim, quando o número de empresas é pequeno, (n = 1 ou n = 2), o mercado
produz muito pouca P&D. Quando o número de empresas é grande (n = 3, 4, ...), há muita
P&D se comparado ao socialmente ótimo.

Exercício 2.10 Vamos começar com o último estágio do jogo. O caso do cartel entre n
empresas e equivalente ao caso do monopólio, na medida em que as n empresas se
comportam como se fossem uma única. Nesse caso, a quantidade total vendida na
indústria é 𝑄 = (𝑎 − 𝐶 + 𝑥)/2, e o lucro conjunto é П = (𝑎 − 𝐶 + 𝑥)2 /4 − 𝑔𝑥 2 /2.

A condição de primeira ordem é dada por (𝜕𝜋𝑖 ⁄𝜕𝑥𝑖 ) |𝑥 =𝑥 = (𝑎 − 𝐶 + 𝑥)⁄2 −


𝑖

𝑔𝑥 = 0, que corresponde, para n = 1, à expressão que obtivemos no caso da concorrência


na seção “P&D e Concorrência” (note que o termo de efeito de concorrência está ausente
aqui). Resolvendo as CPOs, obteremos os níveis de P&D por empresa 𝑥 𝑚 =
(𝑎 − 𝐶)⁄𝑛(2𝑔 − 1).

O dispêndio total em P&D na indústria será 𝑅 𝑚 = (𝑎 − 𝐶)/(2𝑔 − 1), que


coincide com 𝑅 𝑐 (𝑛 = 1). Já que 𝑅 𝑐 é crescente com 𝑛, segue-se que haverá sempre mais
P&D sob concorrência que sob cartel. É possível verificar que, sob cartel, há sempre
menos P&D que no nível eficiente (do planejador social).

Pode-se também comparar níveis de bem-estar. O bem-estar sob monopólio (ou


cartel) coincide com a expressão 𝑊 𝑐 (𝑛 = 1) ∶ 𝑊 𝑚 =
(𝑎 − 𝐶)2 𝑔(3𝑔 − 1)⁄(2|2𝑔 − 1|2 ).

Conforme mostrado na seção “P&D e Concorrência”, o nível de bem-estar mais


baixo sob competição corresponde ao caso limite em que n → ∞, onde 𝑊 𝑐 tende a
(𝑎 − 𝐶)2 /2. Pode ser demonstrado que, para 𝑔 > 4 (que satisfaz tanto a condições de
segunda ordem quanto a de estabilidade), 𝑊 𝑚 é sempre mais baixo que 𝑊 𝑐 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
81

Exercício 2.14

1. Se o monopolista decide vender, a quantidade vendida durante o Período 1 é


oferecida novamente no Período 2 (lembre que existe um mercado de revenda).
Assim, um monopolista que produziu 𝑞1 no Período 1 venderá a quantidade que
maximize seu lucro no Período 2, max𝑞2 𝑞2 (1 − 𝑞1 + 𝑞2 ). Repare que o preço do
bem no Período 2, 𝑝2 , é aquele para o qual a quantidade total produzida em ambos
os períodos (𝑞1 + 𝑞2 ) é igual a quantidade demandada, 𝑝2 = 1 − 𝑞1 + 𝑞2 . Um
pouco de álgebra mostra que 𝑞2 = (1 − 𝑞1 )/2, 𝑝2 = (1 − 𝑞1 )/2 e П2 =
(1 − 𝑞1 )2 /4. Agora, no Estágio 1, o preço que os consumidores estarão dispostos
a pagar pelo bem dependerá obviamente de suas expectativas acerca de 𝑝2 .
Presuma que 𝐸(𝑝2 ) = 𝑝2. Assim, a disponibilidade de pagamento dos
consumidores é dada por 𝑝1 = (1 − 𝑞1 ) + 𝛿𝑝2 , o valor corrente do bem mais seu
valor de revenda que obteria em termos descontados. Porém, já que 𝑝2 =
(1 − 𝑞1 )/2, por substituição, temos que 𝑝1 = (1 − 𝑞1 )(1 + 𝛿 ⁄2) . Repare que
𝑝1 > 𝑝2 . Quando o monopolista vende em cada período, os preços caem ao longo
do tempo. O monopolista, então, escolhe 𝑞1 de modo a maximizar o valor presente
de seus lucros (de venda) П𝑠 , ou seja, max𝑞1 [𝑞1 (1 − 𝑞1 )(1 + 𝛿 ⁄2) +
𝛿(1 − 𝑞1 )2⁄4]. Um pouco de álgebra mostra que 𝑞1 = 2/(4 + 𝛿), 𝑝1 =
(2 + 𝛿)2 /2(4 + 𝛿) e П𝑠 = (2 + 𝛿)2 /4(4 + 𝛿).
2. Se, ao contrário, o monopolista decide optar pelo leasing, então a cada período t,
t = 1, 2, ele estabelece um preço tal que max𝑝𝑡 𝑝𝑡 (1 − 𝑝𝑡 ). Isso implica que 𝑝1 =
𝑝2 = 1/2. Então, ele produz 𝑞1 = 1/2 e 𝑞2 = 0, uma vez que se presumiu não
haver depreciação. O valor presente dos lucros com o leasing é dado por П𝑙 =
1⁄4 + 𝛿(1⁄4) = (1 + 𝛿)/4. Como se pode facilmente verificar, П𝑙 > П𝑠 , o
monopolista prefere o leasing.

Exercício 2.16

1. No segundo estágio do jogo, se houver entrada, o preço da incumbente (I) e da


entrante (E) serão, respectivamente, 𝑝𝐼 = 𝛼 − 𝛽(𝑞𝐼 + 𝑞𝐸 ) e 𝑝𝐸 = 𝑝𝐼 − 𝑠. Note
que estamos usando uma hipótese simplificadora de que não há custos de
transferência ao comprar da incumbente. Se não houver entrada, a monopolista

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
82

estabelecerá 𝑞𝑀 = (𝛼 − 𝑐)/2𝛽 e 𝑝𝑀 = (𝛼 + 𝑐)/2. O bem-estar correspondente


será 𝑊𝑀 = 3(𝛼 − 𝑐)2 /8𝛽. Se houver entrada, 𝑞𝐼 = (𝛼 − 𝑐 + 𝑠)/3𝛽, 𝑞𝐸 = (𝛼 −
𝑐 − 2𝑠)/3𝛽 e 𝑝𝐼 = (𝛼 + 2𝑐 + 𝑠)/3, 𝑝𝐸 = (𝛼 + 2𝑐 − 2𝑠)/3. O bem-estar
correspondente será 𝑊𝐸 = (8(𝛼 − 𝑐)2 + 11𝑠 2 − 8𝑠(𝛼 − 𝑐))/18𝛽. No primeiro
estágio do jogo, a entrada será escolhida apenas se 𝑠 ≤ (𝛼 − 𝑐)/2. Realmente,
para que a entrada seja lucrativa, deve ocorrer que 𝑝𝐸 = ((𝛼 + 2𝑐 − 2𝑠)⁄3) ≥ 𝑐.
Essa condição pode ser simplificada por 𝑠 ≤ (𝛼 − 𝑐)/2. Assim, se os custos de
transferência forem grandes o suficiente, não haverá entrada.
2. É fácil ver que 𝑊𝐸 > 𝑊𝑀 se 𝑠 < 5(𝛼 − 𝑐)/22. Assim, para 𝑠 ∈ [0, 5(𝛼 − 𝑐)⁄22]
a entrada ocorre e é benéfica, enquanto para 𝑠 ∈ [5(𝛼 − 𝑐)⁄22 , (𝛼 − 𝑐)⁄2], a
entrada ocorre mas e prejudicial para o bem-estar. Esse resultado é devido ao fato
de que a entrada tem dois efeitos: um positivo, uma vez que leva a redução de
preços e melhora a eficiência alocativa; e um negativo, já que os consumidores
que escolherão a entrante terão de pagar o custo de transferência no qual não
incorrerão se permanecerem com a incumbente.
3. Se não houver custos de transferência, a entrada sempre ocorrerá neste modelo
sem custos fixos. O produto e os preços de equilíbrio são dados por 𝑞𝑖 = 𝑞𝑒 =
(𝛼 − 𝑐)/3𝛽, e 𝑝𝑖 = 𝑝𝑒 = (𝛼 + 2𝑐)/3. O bem-estar é dado por 𝑊𝑒 = (8(𝛼 −
𝑐)2 )/18𝛽, sempre mais alto que o bem-estar com custos de transferência.

Exercício 2.17

1. Olhemos para o último estágio do jogo e o resolvamos por indução inversa. No


Período 2, um consumidor que previamente comprou de uma Empresa i pode ser
induzido a comprar da j apenas se 𝑝𝑗 + 𝑠 < 𝑝𝑖 . Para que isso seja lucrativo, uma
condição necessária é 𝑝𝑗 > 𝑐 ou 𝑝𝑗 + 𝑠 > 𝑐 + 𝑠. Consequentemente, é preciso
que 𝑐 + 𝑠 < 𝑝𝑗 + 𝑠 < 𝑝𝑖 < 𝑅 (a última desigualdade para assegurar que o
mercado exista). Assim, é necessário que 𝑐 + 𝑠 < 𝑅, definido apenas por
hipótese. Segue-se daí que cortar preços apenas para aumentar participação de
mercado com relação ao Período 1 não é factível, e cada empresa, portanto,
estabelecerá seu preço de monopólio, o preço máximo que o consumidor estará
disposto a pagar pelo bem. Em suma, no Período 2, 𝑝𝐴2 = 𝑝𝐵2 = 𝑅 e os lucros do

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
83

Período 2 são dados por П𝐴2 = 𝑞𝐴1 𝑁(𝑅 − 𝑐) e П2𝐵 = 𝑞𝐵1 𝑁(𝑅 − 𝑐), onde 𝑞𝑖1 é a
quantidade vendida pela Empresa i no Período 1.
O que acontece no Período 1? Primeiro, repare que, no Período 2 em
equilíbrio, o consumidor sempre pagará até seu preço de reserva, R.
Consequentemente, considerações do segundo período não afetam, de forma
alguma, as decisões dos consumidores no Período 1. Um consumidor y preferirá
comprar da Empresa A que dá B caso a primeira lhe confira maior utilidade: 𝑟 −
𝑝𝐴1 − 𝑡𝑦 ≥ 𝑟 − 𝑝𝐵1 − 𝑡(1 − 𝑦), o que pode ser reescrito como 𝑦 ≤ 1⁄2 +
(𝑝𝐵1 − 𝑝𝐴1 )/2𝑡. Todos os consumidores cujos custos de aprendizado estejam
incluídos em [0, y] irão comprar de A, os demais, de B: 𝑞𝐴1 = 1⁄2 + (𝑝𝐵1 − 𝑝𝐴1 )/2𝑡
e 𝑞𝐵1 = 1⁄2 + (𝑝𝐴1 − 𝑝𝐵1 )/2𝑡. Portanto, os lucros totais após o desconto dos lucros
do segundo período são П𝐴2 = [1⁄2 + (𝑝𝐵1 − 𝑝𝐴1 )⁄2𝑡 ][𝑁(𝑝𝐴1 − 𝑐) + 𝑁(𝑅 − 𝑐)] e
П2𝐵 = [1⁄2 + (𝑝𝐴1 − 𝑝𝐵1 )⁄2𝑡 ][𝑁(𝑝𝐵1 − 𝑐) + 𝑁(𝑅 − 𝑐)]. As condições de primeira
ordem são 𝜕П2𝑖 ⁄𝜕𝑝𝑖1 = 𝑁[1⁄2 + (𝑝𝑗1 − 𝑝𝑖1 )⁄2𝑡 − (𝑝𝑗1 + 𝑅 − 2𝑐)⁄2𝑡 ] = 0 (para
i, j = 1, 2 e i ≠ j). Focando o equilíbrio simétrico, obtemos 𝑝𝐴1 = 𝑝𝐵1 = 𝑡 − 𝑅 + 2𝑐.
2. Se não houver custos de transferência no segundo período, as duas empresas
venderão produtos vistos por todos os consumidores como perfeitamente
homogêneos. No Período 2, portanto, o único equilíbrio possível é a solução usual
de Bertrand, em que cada uma cobra o custo marginal: 𝑝𝐴2 = 𝑝𝐵2 = 𝑐. No Período
1, as escolhas dos consumidores não dependerão do segundo período, já que elas
comprarão o bem ao custo marginal de qualquer maneira. Temos, então, o jogo-
padrão do tipo Hotelling sendo jogado no primeiro período. O lucro da empresa
será П2𝑖 = [1⁄2 + (𝑝𝑗1 − 𝑝𝑖1 )⁄2𝑡]𝑁(𝑝𝑖1 − 𝑐). As condições de primeira ordem são

𝜕П2𝑖 ⁄𝜕𝑝𝑖1 = 𝑁[1⁄2 + (𝑝𝑗1 − 𝑝𝑖1 )⁄2𝑡 − (𝑝𝑗1 − 𝑐)⁄2𝑡 ] = 0. Por simetria, teremos
𝑝𝐴1 = 𝑝𝐵1 = 𝑡 + 𝑐. Por conseguinte, em um mercado com custos de transferência,
haverá preços mais baixos no primeiro período e mais altos no segundo que em
um mercado sem custos de transferência.

Exercício 2.18

1. Para cada empresa, o valor da inovação é dado por diferenças entre os lucros que
a companhia espera obter se ganhar a licitação pela inovação e os que espera obter

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
84

no caso em que o competidor adote a inovação. Assim, 𝑉 1 = П𝑚 (𝑐) − П𝑑 (𝑐̅, 𝑐)


e 𝑉 2 = П𝑑 (𝑐, 𝑐̅).

2. Repare 𝑉 1 − 𝑉 2 = П𝑚 (𝑐) − (П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) + П𝑑 (𝑐, 𝑐̅)). Assim, se П𝑚 (𝑐) ≥

П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) + П𝑑 (𝑐, 𝑐̅), tem-se que 𝑉 1 ≥ 𝑉 2 . Essa propriedade é chamada de efeito


da eficiência e é crucial em muitos modelos que estudam se há persistência no
monopólio: quando os lucros das indústrias são mais altos sob monopólio que sob
duopólio, deve-se esperar que os primeiros persistam.
3. Se a inovação for drástica e a entrante participante da concorrência ganhar a
competição pela inovação, ela eliminará completamente a monopolista do
mercado. Por conseguinte, П𝑑 (𝑐̅, 𝑐) = 0 e П𝑑 (𝑐, 𝑐̅) = П𝑚 (𝑐). Isso, por sua vez,
implica que 𝑉 1 = 𝑉 2 = П𝑚 (𝑐).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Poder de mercado e bem estar: introdução (Capítulo 2).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 3

Definição de mercado e avaliação do


poder de mercado

SUMÁRIO

3.1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2

3.2 – DEFINIÇÃO DE MERCADO ................................................................................ 3

3.2.1 – Definição de mercado de produto ..................................................................... 4

3.2.1.1 – O teste SSNIP ............................................................................................ 4

3.2.1.2 – Um problema em casos não envolvendo concentração: a “falácia do


celofane” ................................................................................................................... 8

3.2.1.3 – Implementando o teste SSNIP ................................................................... 9

3.2.2 – Definições de mercado geográfico ................................................................. 17

3.2.2.1 – O papel das importações (testes de embarques) ...................................... 17

3.2.2.2 – Custos de transporte................................................................................. 18

3.3 – A AVALIAÇÃO DO PODER DE MERCADO ................................................... 19

3.3.1 – Abordagem tradicional: a avaliação indireta do poder de mercado ............... 22

3.3.1.1 – O papel central das participações de mercado ......................................... 22

3.3.1.2 – Quais limiares para as participações de mercado? .................................. 22

3.3.1.3 – Medição do poder de mercado e avaliação de forças relativas................ 23

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

3.3.1.4 – Facilidade e probabilidade de entrada ..................................................... 26

3.3.1.5 – Poder de barganha dos compradores ....................................................... 27

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 3 ............................................... 29

Quadro 3.1 – Poder de mercado, participações de mercado e concentração .............. 29

Quadro 3.2 – Técnicas econométricas: avaliação direta de poder de mercado .......... 31

Q3.2.1 – Elasticidade da demanda residual ............................................................ 32

Q3.2.2 – Modelos Logit.......................................................................................... 36

Exercícios do Capítulo 3 ................................................................................................ 44

Solução do Exercício 3.7 do Capítulo 3 ......................................................................... 46

3.1 – INTRODUÇÃO

Como vimos, o conceito de poder de mercado é central para a política de defesa


da concorrência. Até agora, lidamos com esse conceito sob um ponto de vista teórico.
Neste capítulo, apresentaremos ao leitor a questão de como o poder de mercado pode ser
avaliado na prática. Muitas investigações legais em defesa da concorrência começam
justamente a partir dessa avaliação.1

Idealmente, deve-se estimar diretamente o tamanho ou aumento de poder de


mercado de uma empresa. Em casos de fusão e aquisição, por exemplo, o interesse é
compreender se as empresas que se unem serão capazes de elevar lucrativamente os
preços acima do nível corrente. Algumas técnicas econométricas modernas (a serem
indicadas adiante, em nota de rodapé) nos permite fazer precisamente isso.

Contudo, em muitas circunstâncias, esses exercícios econométricos não são


factíveis em virtude da falta ou da inconfiabilidade dos dados; mesmo quando o são, pode

1
Em casos de fusão e aquisição (ou abuso de posição dominante), é crucial determinar o poder de mercado
desfrutado pela empresa sob investigação. Mas uma avaliação do poder de mercado também é necessária
para se verificar a possibilidade de práticas verticais, como venda casada ou contratos de exclusividade,
afetarem negativamente o mercado. Os anexos da antiga Resolução 20 do CADE (a Resolução 20 foi
revogada pela Resolução 45, com exceção dos anexos) exercem a função de guia de orientação e instrução
para análise de práticas unilaterais e arranjos verticais de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

ser uma boa ideia complementá-los com resultados obtidos de uma abordagem mais
tradicional, que avalia o poder de mercado das companhias a partir da análise dos
mercados em que atuam. Por sua vez, isso requer a definição de “mercado relevante”,
conjunto de produtos e áreas geográficas que podem criar restrições concorrenciais para
as empresas sob análise.

Nessa perspectiva, a definição de mercado (tanto do ponto de vista geográfico


quanto de produto) é um passo preliminar em direção à avaliação de poder de mercado.

Neste capítulo, vamos discutir como definir um mercado e, em seguida, como


avaliar o poder de mercado de modo a simular a sequência que os casos frequentemente
seguem em inúmeras jurisdições antitruste. Não obstante, deve ser ressaltado que a
definição de mercado não é de interesse por si só, apenas como etapa preliminar em
direção ao objetivo de avaliar o poder de mercado.

3.2 – DEFINIÇÃO DE MERCADO

Uma vez que a definição é apenas instrumental para a avaliação do poder de


mercado, o mercado relevante pode não ser um conjunto de produtos parecidos com base
em algumas características, mas um conjunto de produtos (e áreas geográficas) que
exerçam alguma restrição competitiva sobre os outros. Suponha que o problema antitruste
que enfrentemos seja o da fusão de dois vendedores de bananas. O objetivo final é saber
até que ponto o poder de mercado desses vendedores é fortalecido pela fusão; portanto, a
investigação da definição de mercado deve refletir esse objetivo. Consequentemente, se
bananas devem ou não estar em um mercado separado, não dependerá de características
particulares que compartilhem ou não com outras frutas (mangas, laranjas, abacaxis e
mamões compartilham características similares e devem ser postas no mesmo mercado,
enquanto frutas vermelhas devem ser postas em outro? Frutas sazonais em um terceiro?).
O que importa é saber ao certo se existem outras frutas substitutas e suficientemente
próximas das bananas de modo a limitar a possibilidade de que seus preços se elevem.

O teste que satisfaz a esse requisito e que deve guiar a análise da definição de
mercado tanto na dimensão produto quanto na geográfica é o chamado teste do

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

monopolista hipotético (ou SSNIP).2 Em prol da simplificação, discutimos esse teste e


suas implicações práticas primeiro com referência à definição de mercado de produto e,
depois, com relação à definição de mercado geográfico.

3.2.1 – Definição de mercado de produto

3.2.1.1 – O teste SSNIP

Vamos continuar com o exemplo anterior e supor que estamos interessados na


fusão entre os vendedores de bananas e focalizar primeiro a definição do mercado de
produto.3 Para encontrar o mercado relevante, o DoJ introduziu o teste que atualmente é
utilizado por autoridades antitruste em todo o mundo,4 chamado SSNIP (Small but
Significant Non- Transitory Increase in Price – Pequeno Mas Significante e Não
Transitório Aumento de Preço) e funciona da seguinte maneira.

Suponha que exista um monopolista hipotético, único vendedor de bananas. Será


que ele consideraria lucrativo aumentar o preço da fruta acima do nível corrente de
maneira não transitória, digamos, de 5 a 10%?5

Imagine que a resposta a essa questão seja positiva, que o aumento desse preço
seja lucrativo. Isso significa que bananas não enfrentam significativa restrição
competitiva de outros produtos, ou seja, não existem outros bens substitutos adequados
para bananas a ponto de levar o monopolista a perder mercado quando aumenta o preço.

2
SSNPI (Small but Significant Non-Transitory Increase in Price – Pequeno Mas Significante Aumento de
Preços): teste desenvolvido pelas autoridades antitruste americanas, a Antitrust Division – Department of
Justice (Divisão Antitruste do Departamento de Justiça) e a FTC (Federal Trade Commission).
3
Em alguns casos que não os de concentração de mercado, o teste SSNIP apresenta algumas dificuldades
(relacionadas com a chamada “falácia do celofane”), como será discutido na seção 3.2.1.2.
4
Veja Horizontal Merger Guidelines Revised 1992; Commission Notice on the Definition of the Relevant
Market, OFT Market Defition Guidelines e as Resoluções do CADE n. 15, anexo I, de 19 de agosto de 1998
e n. 20, de 9 de junho de 1999, anexo II.
5
O DoJ refere-se a um aumento de 5%. Os guias da Comissão Europeia, do Reino Unido e a jurisprudência
brasileira fazem referência a um aumento de 5 a 10%.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

Consequentemente, bananas devem ser consideradas um mercado em separado, e o teste


já obteve sua resposta.

Suponha agora, ao contrário, que o monopolista não considerará lucrativo elevar


preços nessa proporção, porque, após o aumento de preços, uma parcela significativa da
demanda se redirecionou de banana para papaia, e uma parte menor para, laranja e outras
frutas. Isso implica que bananas não devem ser consideradas um mercado separado, pois
existem outros produtos que exercem restrição competitiva sobre os vendedores de
bananas. O teste, então, deve continuar: para considerar um mercado mais amplo, bananas
e papaia seriam as primeiras hipóteses a serem testadas. Um monopolista hipotético,
único vendedor dos dois bens, acharia lucrativo impor um aumento das duas frutas acima
do nível corrente, em 5 a 10%? Novamente, se o aumento de preços for lucrativo, o
mercado relevante para nossa investigação terá sido encontrado. Se não, o teste deve
continuar e incluir outros produtos/frutas que exerçam restrição concorrencial sobre
bananas e papaia etc., até que um mercado em separado seja encontrado.

Substituibilidade de demanda e oferta. Quando olhamos para os produtos que


exercem restrição concorrencial sobre o grupo de produtos que estamos analisando, é
natural pensarmos primeiro no grupo percebido pelos consumidores como substitutos.
Isso é substituibilidade pelo lado da demanda. Mas pode também haver substituibilidade
pelo lado da oferta, quando produtores que correntemente ofertam um tipo de produto
têm as habilidades e ativos que possibilitam adaptar a produção em um curto período
(digamos, seis meses a um ano) caso haja um aumento de preços. Nesse caso, a restrição
concorrencial não virá do fato de que uma parte considerável da demanda será dirigida a
produtos concorrentes quando o preço sobe, mas do fato de que o aumento de preços
atrairá produtores que atualmente produzem outros bens.

Suponha que estejamos considerando a fusão entre dois provedores de serviço de


transporte de ônibus entre as Cidades A e B. É uma rota entre trabalho e casa, e o trem
não é um bom substituto por levar muito tempo para realizar o percurso, e não há serviço
direto entre as duas cidades. Consequentemente, a substituibilidade da demanda por si
levaria a uma definição do serviço de ônibus entre A e B como mercado relevante. No
entanto, há outras companhias de ônibus ativas entre ambas as cidades. Embora operem
outras rotas, vamos dizer, para as Cidades C e D, à medida que não seja muito difícil obter

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

uma licença para operar também o serviço correspondente à rota entre as Cidades A e B
e houver capacidade ociosa em outras rotas, essas companhias de ônibus exercerão
restrição competitiva e impedirão que o aumento de preços na rota A-B seja lucrativo.
Dessa forma, o mercado poderá ser definido de maneira mais ampla – serviços de ônibus
entre as Cidades A, B C e D – do que se levássemos em consideração apenas a
substituibilidade de demanda.

Um caso que levantou uma interessante discussão no Brasil sobre


substituibilidade do lado da oferta e da demanda foi a aquisição pelo grupo Coca-Cola de
Leão Junior S.A.6 Primeiramente, a Seae delimitou a dimensão “produto do mercado
relevante” como chá-mate, chá preto e guaranás não gaseificados, com base na
possibilidade de substituição de oferta. A linha de produtos destinada à fabricação de chá-
mate poderia ser utilizada, sem a incursão de custos significativos, para a fabricação de
chá preto e de guaraná não gaseificado.

Com relação à substituibilidade pelo lado da demanda (em virtude da ausência de


dados para realizar estudos econométricos), a Seae baseou-se em informações
qualitativas, obtidas por consulta ao mercado para considerar o guaraná parte do mercado
relevante. O conselheiro relator aceitou a definição, que prevaleceu na decisão do CADE,
mas complementou sua fundamentação. Quanto à substituibilidade pelo lado da oferta,
considerou a importância dos ativos tangíveis e a adaptabilidade dos processos produtivos
aos três produtos, levando à definição do mercado relevante com a inclusão de guaraná.
Mencionou, contudo, a presença também de ativos intangíveis – marca –, responsáveis
por reduzir o grau de substituibilidade da oferta. Quanto à substituibilidade pelo lado da
demanda, incorporou à avaliação qualitativa feita pela Seae o cálculo e a análise de
elasticidades cruzadas de demanda entre os bens fornecidos pela instrução complementar,
para consolidar o entendimento em favor da definição do mercado relevante,
comportando chá-mate, chá preto e guaranás não gaseificados.

Substituibilidade de oferta versus entrada que restringe o poder de mercado.


Note que há diversas condições a serem preenchidas para que a substituibilidade
de oferta amplie o mercado relevante. Em particular, a alteração da produção precisa ser

6
AC 08012.001383/2007-91.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

fácil, rápida e factível. O produtor de outro bem já deve ter as habilidades e ativos para
produzir o bem em questão, não deverá incorrer em consideráveis custos afundados, e
qualquer barreira à entrada deve ser superável de forma rápida e relativamente barata.
Nos mercados de transporte ou logística em geral, os mercados relevantes são usualmente
definidos como rota ou par de cidades. A substituibilidade da oferta não pode ser utilizada
nesses casos para ampliar o mercado (digamos, Belo Horizonte – Brasília, Belo Horizonte
– São Paulo), porque muitos aeroportos são congestionados, e os slots de aterrissagem e
decolagem são recursos escassos, usualmente regulados. De forma similar, o mercado de
bebidas carbonatadas não pode ser ampliado pelo uso de argumentos de substituibilidade
de oferta: embora a tecnologia de produção de refrigerantes seja simples (plantas
engarrafadoras e redes de distribuição), campanhas de propaganda e marketing são
cruciais para determinar o sucesso de determinado refrigerante no mercado, o que implica
formidáveis custos afundados que tornam a entrada difícil e arriscada.

Esse raciocínio guiou a decisão no caso Coca-Cola/Leão Junior, cuja decisão de


aprovação foi condicionada ao encerramento do contrato de distribuição por parte da
Coca-Cola da linha Nestea no Brasil. Sendo Nestea e Matte Leão duas marcas fortes e
concorrentes dentro do mercado relevante definido de chá-mate, chá preto e guaranás não
gaseificados, a concentração de duas marcas nas mãos de um mesmo grupo implicaria
significativo aumento de poder de mercado e elevação das dificuldades para a entrada e
estabelecimento de concorrentes.

Como argumentado na seção 3.3, a entrada na indústria é também considerada no


estágio da investigação que lida com a avaliação do poder de mercado (se a entrada for
provável e relativamente fácil – mesmo que não tão tempestiva quanto sob
substituibilidade da oferta), ela restringirá o poder de mercado das empresas. Alguém
poderia se perguntar por que é necessário considerar a substituibilidade de oferta no
estágio de definição de mercado também. O motivo é que não há razão para postergar o
momento no qual os substitutos pelo lado da oferta devam ser considerados. A
consideração imediata da existência de restrições concorrenciais poupa tempo e auxilia a
investigação. Demarcar as fronteiras do mercado de maneira mais estreita que as
considerações de oferta poderiam autorizar e forçar uma agência antitruste a gastar tempo
e energia justificando por que uma empresa com considerável participação de mercado
não detém, de fato, considerável poder de mercado. Em contrapartida, se a consideração
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

imediata dos argumentos da substituibilidade de oferta levarem a um mercado


corretamente mais amplo, e consequentemente a uma participação de mercado menor,
teremos uma imediata perspectiva de ausência de poder de mercado.

3.2.1.2 – Um problema em casos não envolvendo concentração: a


“falácia do celofane”

O uso do teste SSNIP apresenta algumas dificuldades quando utilizado em


investigações de casos além de fusões e aquisições. Considere, por exemplo, o art. 36 da
Lei 12.529/2011 (a lei brasileira de defesa da concorrência), sob o qual uma empresa é
investigada por suposto abuso de posição dominante.7 Nesse caso, uma etapa preliminar
da investigação é estabelecer se a empresa é, de fato, dominante, ou seja, se tem poder de
mercado suficiente para ser considerada assim. Nessas circunstâncias, o teste para a
definição de mercado apropriado não deve indagar se um monopolista hipotético pode
aumentar pouco os preços porém de forma significativa com relação aos preços correntes,
mas sim com relação a preços competitivos. Aplicar o teste SSNIP a uma referência de
preços correntes pode levar a uma definição muito ampla de mercado relevante,
precisamente porque a empresa sob investigação detém posição dominante. Suponha que
ela seja a única vendedora no mercado do produto corretamente definido. Como
monopolista, ela pode ter estabelecido os preços em um nível tão elevado que um
acréscimo acima dos níveis correntes não seria lucrativo. Assim, a aplicação do teste
SSNIP pode levar a uma definição de mercado ampla demais, por sua vez, gerando o
cálculo de participações muito pequenas de mercado e, daí, a não identificação da
ocorrência de dominância de mercado para a empresa sob investigação.

O argumento é conhecido como a “falácia do celofane” em função do caso du


Pont, amplamente discutido, da jurisprudência americana. A Suprema Corte dos Estados
Unidos sustentou que a alta elasticidade cruzada de demanda entre o celofane (vendido
pela du Pont) e outros materiais de embalagem flexíveis (como sacos de papel) autorizava

7
Art. 36 § 2o: Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de
alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% ou mais do
mercado relevante, podendo esse percentual ser alterado pelo CADE a setores específicos da economia.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

uma definição ampla de mercado relevante, em que deveriam ser incluídos todos os
possíveis materiais de embalagem. A decisão foi posteriormente criticada, considerando
que a presença dessa alta elasticidade de substituição era, por si, uma indicação do
elevado poder de mercado da du Pont. Durante o julgamento, foram apresentadas
evidências de que a empresa estava estabelecendo o preço do celofane tão alto que os
consumidores tinham de considerar utilizar outros produtos inferiores como substitutos.

O argumento da falácia do celofane assinala a necessidade de cautela na aplicação


do teste SSNIP em casos que não envolvam fusões e aquisições. Evidências de que um
aumento de preços de algo da ordem de 5% levaria a uma queda de demanda entre 10 a
15% (o que, presumivelmente, implicaria um aumento não lucrativo de preços) não
devem ser tomadas como prova decisiva de que a definição do mercado deva ser mais
ampla.

3.2.1.3 – Implementando o teste SSNIP

O teste SSNIP prevê uma abordagem muito útil para a definição do mercado, mas
ainda temos de discutir como torná-la operacional. Realmente, a própria sustentação em
uma situação hipotética (o monopólio) significa que não existem dados que permitam
uma aplicação literal do teste. Vamos discutir as ferramentas que podem ser usadas para
implementá-lo. O mais importante a lembrar é que todos os dados e informações
disponíveis devem ser interpretados à luz do teste.

Elasticidade-preço própria. Uma das informações mais úteis para a definição do


mercado de produto é a elasticidade-preço própria, definida como a mudança percentual
da quantidade demandada que se segue ao aumento de preço do produto.8 Suponha que
ainda estejamos interessados na fusão dos vendedores de bananas e que queiramos definir
seu mercado relevante. Sabendo agora que sua elasticidade-preço própria é 0,2, podemos

8
A elasticidade-preço própria 𝜀 é definida como: 𝜀 = − (𝑑 𝑄 ⁄𝑄 )⁄(𝑑 𝑃 ⁄𝑃 ) onde Q e P são quantidades e
preços do produto. Em termos discretos, seria 𝜀 =– (𝛥 𝑄/𝑄)/(𝛥 𝑃/𝑃), onde o operador Δ expressa a
diferença entre o nível da variável depois e antes da mudança. Uma vez que as quantidades demandadas
usualmente decresçam em resposta aos aumentos de preços, a fração é multiplicada por (-1), de modo a
definir a elasticidade como número positivo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

inferir que um aumento de 10% no preço das bananas levará a um decréscimo de 2% na


demanda pela fruta. (Note que a referência é feita para todo o mercado de bananas, não
apenas para as vendidas pelas empresas cuja fusão é investigada.) Dado que só um
pequeno número de consumidores desviará sua demanda para outras frutas (ou deixará
de comprar) o aumento de preços será provavelmente lucrativo.9 Assim, com esses dados
(imaginários), seria apropriado definir o mercado relevante como o mercado de bananas.

A simples observação estatística de que durante certo período um aumento de 10%


no preço da banana foi associado a 2% de decréscimo no número de bananas vendidas
não nos leva muito longe: um número de outras variáveis provavelmente desempenha um
papel na demanda por bananas, como o preço e disponibilidade de outras frutas, o nível
de preços em geral, a renda disponível e daí por diante. Imagine que, no período
considerado, o preço das bananas aumente 10%, mas os preços da laranja, do papaia, do
abacaxi, da melancia e da uva subam em proporções diferentes. Sabendo disso, a
informação de que a demanda por bananas decresceu 2% é insuficiente, porque muitas
outras variáveis que afetam a demanda por bananas também mudaram.

Para levar em consideração diferentes variáveis que provavelmente tenham algum


impacto na demanda por bananas, deve-se formular e estimar um modelo econométrico.
É desse modelo e da medida que ele forneça resultados estatisticamente significativos que
se poderá obter estimativas de elasticidades que poderão ser utilizadas com segurança na
análise antitruste (a discussão sobre como construir um modelo econométrico, avaliar sua
especificação e adequação ao problema e a significância das estimativas obtidas está
muito além do escopo deste livro).

Como observações finais (e provavelmente muito óbvias), note que as


elasticidades estimadas devem ser obtidas a partir de dados representativos, e que o
período que se observa é importante: os consumidores podem levar tempo para ajustar

9
Chame 𝑅0 = 𝑃0 𝑄0 a receita antes da mudança, e 𝑅1 = 𝑃1 𝑄1 a receita depois da mudança. Pode-se, então,
escrever 𝛥𝑅 = 𝑅1 − 𝑅0 = 𝑃1 𝑄1 − 𝑃0 𝑄0 . Dividindo ambos os lados por 𝑅0 e rearranjando a equação,
obtém-se 𝛥𝑅 ⁄𝑅0 = (𝑃1 ⁄𝑃0 )(𝛥𝑄 ⁄𝑄0 ) + 𝛥𝑃/𝑃0 , que pode ser simplificado para se tornar 𝛥𝑅 ⁄𝑅0 =
(1 + 𝛥𝑃 ⁄𝑃0 )(𝛥𝑄 ⁄𝑄0 ) + 𝛥𝑃/𝑃0 . No exemplo, 𝛥𝑃 ⁄𝑃0 = 0,1 (ou seja, 10%) e 𝛥𝑄 ⁄𝑄0 = −0,02 (2%).
Assim, teremos 𝛥𝑅 ⁄𝑅0 = 0,078. Em outras palavras, a rentabilidade após o aumento de preços cresce
7,8%. É claro que, para determinar a rentabilidade, seria necessário considerar também a redução nos custos
totais que se seguiria a uma redução na produção. Nesse exemplo, nenhum decréscimo em custos se seguiu
ao aumento de lucratividade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

seus comportamentos a uma mudança de preços, e uma redução da demanda após um


aumento de preços não se dá necessariamente de forma imediata (o período necessário
para essa mudança deve provavelmente variar de mercado para mercado).

Elasticidades-preço cruzadas. Se obtidas por um modelo econométrico


corretamente especificado, as elasticidades-preço cruzadas podem ajudar a entender as
restrições concorrenciais exercidas por outros produtos no produto (ou grupos de
produtos) sob exame para o propósito de definição de mercado. E elasticidade-preço
cruzada entre os Produtos A e B é definida como a mudança percentual na demanda do
Produto B quando há um aumento de 1% do preço do Produto A.10

Quando a elasticidade-preço própria do produto considerado, digamos A, é alta o


suficiente para nos levar a acreditar que um monopolista hipotético não lucraria ao elevar
pouco, mas de forma significante o preço de A, é importante identificar que produto
exercita restrição sobre A. A elasticidade-preço cruzada pode nos ajudar a ranquear o
substituto mais próximo (que, junto com A, se tornará o objeto do próximo passo no teste
do monopolista hipotético).

Quando as estimativas-preço cruzadas entre bananas e outras frutas são baixas, os


consumidores não percebem tais frutas como boas substitutas para as bananas, o que
sugere um mercado separado para bananas.

Testes de correlação de preços. Para ajudar a definir um mercado relevante, podem-


se usar também testes de correlação de preços, que verificam como séries de preços de
diferentes produtos evoluem ao longo do tempo. Stigler e Sherwin (1985: 555), as maiores
autoridades proponentes desse teste, justificam seu uso recorrendo à definição
marshalliana de área de mercado: “Um mercado para um bem é uma área dentro da qual
o preço do bem tende a ser uniforme, com permissão dada aos custos de transporte.”
A ideia é que se dois produtos (mas o mesmo valeria para duas áreas geográficas)
pertencem ao mesmo mercado, seus preços tendem a se mover da mesma maneira ao
longo do tempo. Suponha que um choque aumente os preços do Produto A. Se o Produto

10
Elasticidade-preço cruzada entre os produtos A e B é então 𝜀𝐴𝐵 = (𝑑𝑄𝐵 ⁄𝑄𝐵 )⁄(𝑑𝑃𝐴 ⁄𝑃𝐴 ), ou em termos
discretos 𝜀𝐴𝐵 = (𝛥𝑄𝐵 ⁄𝑄𝐵 )/(𝛥𝑃𝐴 ⁄𝑃𝐴 ).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

B estiver no mesmo mercado (isto é, se for um substituto suficientemente bom para o


Produto A), sua demanda crescerá, o que levará também a um aumento de preço.11
Mesmo não recorrendo a técnicas econométricas mais sofisticadas (a simplicidade
do teste de correlação de preços é uma das principais razões de se escolher realizar esse
teste), podem-se derivar informações úteis dos testes de correlação de preços. Em
particular, a presença de choques comuns pode enviesar os testes de correlação,
resultando na inclusão de dois produtos em um mercado quando não se deveria fazê-lo.
Consequentemente, esse é um teste útil para servir de filtro, indicando produtos que não
devem fazer parte do mercado, em vez de produtos que devem estar no mesmo mercado.
O coeficiente de correlação entre a série de Produtos A e B, estimado abaixo de certo
limiar (digamos, 0,8), dará uma forte suposição de que esses dois produtos não estão no
mesmo mercado.12
Deve-se ter cautela ao derivar conclusões quando dois produtos exibem uma
correlação de preços muito elevada e procurar analisar outros testes antes de concluir que
estejam no mesmo mercado.
Diferenças de preço. A base teórica para o teste de correlação de preço é a ideia de que
dois produtos em um mesmo mercado tenderão a ter o mesmo preço. Pode-se ficar tentado
a verificar não apenas se as mudanças de preços de dois produtos são similares ao longo
do tempo, mas também se os níveis de preço o são. A sucessão de atos de concentração,
no chamado Caso Vale,13 ocorreu enquanto a empresa alinhava seus preços ao mercado
internacional e fortalecia sua atividade logística para ganhar competitividade. Os gargalos
de logística sempre foram responsáveis pelo desalinhamento entre preços domésticos e
internacionais. Com o boom de crescimento de demanda na China, a partir do início do
século, e as aquisições da Vale de pequenas mineradoras, a companhia conseguiu alinhar
seus preços com as commodities internacionais.

11
Um mecanismo similar pode ser identificado do lado da oferta também. Se existe substituibilidade de
oferta entre A e B, um choque que aumente o preço de A levará alguns produtores de B a alterarem sua
produção e vender A, causando assim um decréscimo na oferta de B e, portanto, um aumento do seu preço.
Adiante, o preço de A se moveria para baixo pelo ajustamento da oferta e ao final os preços relativos seriam
realinhados novamente.
12
O coeficiente de correlação entre a série de preços de A e B é dado por 𝜌 = 𝜎𝐴𝐵 ⁄(𝜎𝐴 𝜎𝐵 ), onde, 𝜎𝐴 , 𝜎𝐵
são os desvios-padrão das séries de preço de A e B, respectivamente, e 𝜎𝐴𝐵 é a covariância entre elas.
13
Vale-Socoimex (AC 08012.000614./2000-99), Vale-Samitri (AC 08012.001872/2000-76), Vale-Ferteco
(AC 08012.002838/2001-07), Vale-Mitsui (AC 08012-00962/2001-65), Vale-Belém (AC 08012-006472-
2001-31), Vale-Litel (AC 08012.005226/2000-88), Vale-Vicunha (AC 08012-005250/2000-77).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

No entanto, usar diferenças de preços como critério para definir mercado relevante
não é seguro. Lembre que, em última instância, estamos interessados em até que ponto
um produto exerce uma restrição competitiva sobre outro (tal como expressa pelo teste
do monopolista hipotético), mas diferenças de preços não nos dão qualquer informação
sobre esse ponto. Pode muito bem ser que, por exemplo, o preço do Produto A seja o
dobro do preço do Produto B, mas que não seja lucrativo elevar o preço do Produto A,
mesmo que por uma pequena quantia, porque muitos daqueles que o adquirem passariam
a comprar B. Mercados que exibem diferenciais de qualidade são provavelmente um caso
a ser apontado. Bananas orgânicas podem impor um alto preço premium com relação a
bananas cultivadas em plantações que utilizam pesticidas, fato que se refletirá em preços
mais altos para as primeiras ao longo do tempo. No entanto, o aumento do preço das
bananas orgânicas (digamos, causado por uma fusão) não será lucrativo se houver uma
proporção considerável de consumidores menos entusiasmados pela comida orgânica e
pela mudança para bananas não orgânicas.
Assim, produtos na escala mais baixa de qualidade podem constranger o
comportamento de preços daqueles no topo da escala. Diferenças de preços não é um bom
indicador para o propósito de definição de mercado.
Características e uso de produtos e preferências do consumidor. Características
físicas dos produtos e seus usos podem dar alguma indicação do possível grau de
substituibilidade entre os produtos, mas apenas na medida em que a informação seja usada
no escopo do teste do monopolista hipotético. O fato de que tanto mate quanto refrigerante
são consumidos para matar a sede não significa que esses produtos devam ser incluídos
no mesmo mercado relevante. Reciprocamente, o fato de que dois produtos obviamente
diferem não significa que não podem ser incluídos no mesmo mercado: trens e ônibus
são, de fato, produtos diferentes, mas, na medida em que provêm serviços similares de
transporte para as pessoas entre a Cidade A e B, podem ser incluídos no mesmo mercado.
Pesquisas de mercado e pesquisas realizadas com consumidores podem também
contribuir para se entender as preferências dos consumidores e os graus de substituição
percebidos por eles entre os diferentes produtos.14

14
Essas pesquisas foram fundamentais para dirimir dúvidas na definição dos mercados relevantes em um
caso caracterizado por diferenciação de produto, como o da aquisição da Chocolates Garoto pela Nestlé no
Brasil (ver Capítulo 5).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

Mercados temporais, mercados sazonais, mercados múltiplos. Para definir mercados


de acordo com as restrições concorrenciais que os produtos exercem sobre os outros,
perceba que os mercados relevantes podem ser definidos de maneira que não pareça óbvia
a priori. Em muitas cidades, restaurantes e bares podem ser parte do mesmo mercado
durante o horário de almoço, no centro da cidade, quando as pessoas fazem uma rápida
refeição, mas à noite, quando vão a um restaurante procurando boa comida e um ambiente
agradável para passar o tempo, em geral em boa companhia, é pouco provável que a
refeição ligeira do horário do almoço seja um bom substituto.15
Bananas estão disponíveis o ano todo, enquanto morangos somente durante o
outono e o inverno no Brasil, muito raramente em outras estações. Caqui estrela,
concentradamente nos meses de março, abril e maio. Portanto, bananas, morangos e
caquis estrela pertencerão ao mesmo mercado nos meses em que estiverem presentes
simultaneamente no mercado, mas bananas estarão em um mercado separado durante os
meses de verão e primavera.
Outra consequência do arcabouço conceitual proporcionado pelo teste do
monopolista hipotético é que se pode chegar a diferentes definições de mercado,
dependendo do ponto de partida da investigação. Considere diferentes modos de chegar
à Cidade A da Cidade B e vice-versa. Deve-se esperar alguma substituibilidade entre
aviões e trens e entre trens e ônibus, mas os preços de passagens de avião são pouco
provavelmente restringidos pelos preços das passagens de ônibus. Suponha que agora
olhemos para uma fusão entre uma companhia aérea e uma companhia de trem e que
ambas operem serviços entre as duas cidades. Devido à limitada substituibilidade entre
viagens aéreas e de ônibus, é provável que os serviços aéreos e de trem sejam
considerados o mercado relevante.
Considere alternativamente uma investigação motivada por uma companhia de
ônibus e de trem que operam na mesma rota anterior. Nesse caso, e pelas mesmas razões,
devemos terminar com uma definição de mercado que inclui trens e ônibus, mas não
aviões. Assim, o mesmo produto – trens – pode ser colocado em diferentes mercados, de

15
Em Milão e Barcelona, como em outras cidades europeias, é comum haver um cardápio com preço fixo
em torno de €10 para o almoço e, no mesmo restaurante, uma refeição até três vezes mais cara no jantar.
No Rio de Janeiro, é comum restaurantes abrirem exclusivamente para o almoço no centro da cidade ou
redirecionarem sua atividade para outro “mercado relevante”, o de entretenimento, bar e show, no horário
noturno.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

acordo com a natureza da investigação – isto é, dependendo se o teste começa com serviço
de transporte aéreo ou rodoviário.
Mercados secundários (after-markets). Uma questão importante que
frequentemente surge é como definir mercados quando existem produtos primários e
secundários (também chamados mercados pós-venda), como automóveis (mercados
primários) e peças de reposição (mercados secundários), ou máquinas de lavar roupas
(mercados primários) e assistência técnica (mercados secundários). Com muita
frequência, certa marca de automóveis requer faróis dianteiros especiais e nenhuma outra
marca se encaixa. Se o fabricante de automóveis também produz os faróis, definir o
mercado relevante como faróis para determinada marca de automóveis resultará na
posição dominante desse fabricante no mercado secundário, mesmo que ele tenha uma
posição fraca no mercado primário.
O arcabouço fornecido pelo teste SSNIP acaba por ser útil para tratar desse
problema. A questão relevante é se um monopolista hipotético (para continuar com o
exemplo), que venda peças de reposição para certa marca de automóveis será capaz de
elevar preços lucrativamente de forma significativa. Note que, se os consumidores
existentes já tiverem comprado aquela marca de automóvel, não poderão se voltar para
outra marca para peças de reposição (supondo que sejam incompatíveis). Mas
consumidores que estão considerando comprar ou não certa marca de automóvel podem
se voltar para outra marca, na medida em que tomem sua decisão de compra com base na
estimação do custo total estimado do tempo de vida do automóvel, o que inclui o preço
do automóvel e o custo esperado da reposição de peças (e dos custos dos serviços de
reparação incluídos). Se as peças de reparação em questão forem suficientemente
importantes para o custo esperado total do produto e se houver um número suficiente de
compradores que o leve em consideração, o monopolista hipotético não considerará útil
elevar preços de forma pequena, mas de forma significativa, e o mercado relevante deverá
ser definido como o mercado de automóveis e peças de reposição conjuntamente.
Na prática, a resposta para a questão sobre se os produtos secundários devem ser
definidos como um mercado separado depende das seguintes variáveis: primeiro, se o
preço do produto secundário em questão for uma proporção considerável ou não do preço
do produto primário: cinzeiros devem ser postos em mercados separados enquanto
motores não. Em segundo lugar, não apenas o preço da peça de reposição, mas também a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

possibilidade de reposição são relevantes: se os preços forem iguais e uma peça de


reposição for consabidamente fácil de se partir, dificilmente será colocada em um
mercado separado com relação a uma peça cuja possibilidade de falha se espera ser
amplamente muito baixa (essa possibilidade não chega a ser considerada pelos
consumidores quando adquirem o automóvel; freios ou cintos de segurança, por
exemplo). Em terceiro lugar, alguns compradores são mais sofisticados. Quando os
compradores são consumidores finais, podem ser menos informados sobre a
probabilidade de que peças de reposição ou serviços pós-venda são necessários e ter
menos consciência acerca dos preços de produtos do mercado secundário. Por sua vez,
quando o produto do mercado primário é um insumo adquirido por uma empresa, deve-
se esperar que o comprador esteja mais bem informado acerca dos custos esperados dos
produtos secundários (tanto de sua necessidade quanto de seus custos). No último caso, a
definição de mercado será, ceteris paribus, mais ampla que no primeiro.
Entre os vários casos que merecem uma narrativa sobre mercados primário e
secundário no Brasil, está a denúncia da ANFAPE (Associação dos Fabricantes de Peças)
feita à SDE em 2000,16 sobre as inúmeras ações judiciais interpostas pelas montadoras
Fiat, Ford e Volkswagen alegando buscarem seus direitos de propriedade sobre seus
registros de desenho industrial para autopeças visuais. A SDE não reconheceu problemas
antitruste e arquivou o caso, mas o CADE reviu a decisão, entendendo haver abusividade
na conduta das montadoras, que tentavam impor no mercado secundário – no qual esses
fabricantes de autopeças operavam de forma independente – seus direitos de propriedade,
como se o mercado secundário fosse uma extensão natural – e, daí, um monopólio – de
seu mercado primário.17
Consistência da definição de mercado ao longo do tempo. Uma observação final
é a consistência que as agências antitruste mostram com relação às definições de mercado
ao longo do tempo. Pode acontecer de as mesmas empresas ou de produtos similares
serem investigados em diferentes ocasiões. Em tais casos, seria recomendável que as
agências utilizassem as mesmas definições de mercado relevante para lidar com o mesmo
tipo de problema (mas, vimos há pouco, que, se os problemas forem diferentes, uma

16
AP 0802/002673/2007-51.
17
A decisão do CADE foi pela abertura de processo administrativo para investigação das condutas das três
montadoras. Possivelmente, sua conclusão será de que se trata de um dos primeiros casos nacionais a
enfrentar a questão da litigância predatória (sham litigation).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

definição diferente de mercado relevante será plenamente justificada). Contudo, as


preferências dos consumidores e as condições tecnológicas modificam-se ao longo do
tempo, e a consistência, nesse caso, pode custar incorrer em sérios erros.18

3.2.2 – Definições de mercado geográfico

Muitas das considerações feitas até aqui com respeito à definição de mercados de
produto servem bem para a definição de mercados geográficos. Em particular, o teste
SSNIP é ainda o arcabouço conceitual a ser utilizado e é à sua luz que os dados e
informações devem ser interpretados.

Suponha uma fusão entre os produtores de sucos de frutas em polpa no nordeste


do Brasil. O teste SSNIP será feito da seguinte forma: um monopolista hipotético detentor
de todo o mercado de sucos de frutas concentrados do nordeste considerara lucrativo
aumentar o preço de seus sucos em 5-10%? Se a resposta for afirmativa, então o mercado
relevante geográfico definitivamente é o nordeste. Se não, porque se espera que o fluxo
de compras feitas do centro-oeste tornem o aumento de preço não lucrativo, pois uma
considerável parte dos consumidores aprecia o sabor dos sucos de frutas em polpa que
vêm do centro-oeste, então deve-se repetir o teste com um monopolista hipotético
vendedor de polpa de fruta no nordeste e centro-oeste, e daí por diante.

3.2.2.1 – O papel das importações (testes de embarques)

Elzinga e Hogarty (1973) propõe usar teste de carregamento para identificar áreas
de mercado geográficas. O teste tem dois componentes, o primeiro é estabelecer se é

18
De forma mais geral, uma autoridade antitruste não deve se sentir constrangida diante de uma decisão
ruim tomada no passado. Essa questão surgiu em investigações de fusões e aquisições da MTF (Merger
Task Force – Força-Tarefa de Fusões) na Comissão Europeia. A MTF teve de publicar decisões sob
condições muito estritas, e ocorreram casos de definições superficiais e análises apressadas de fusões, que,
na realidade, não criavam problemas concorrenciais. Seria errado exigir que se mantivesse a mesma
definição de mercado relevante, se uma investigação posterior mais cuidadosa revelasse que a definição era
incorreta. Do mesmo modo, o aprofundamento da análise concorrencial no Brasil pode levar à revisão de
definições de mercados relevantes de produtos até o presente, já definidos no conjunto de decisões em nossa
jurisdição.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

“pequeno de fora” (as importações respondem por pequena parcela do consumo local) e
segundo se é “pequeno de dentro” (as exportações respondem por uma pequena parcela
da produção local). A ideia por trás do teste é que uma dada área geográfica é definida
como um mercado geográfico relevante se ambos os testes são satisfeitos, ou seja, se há
pouca movimentação de produto para dentro e para fora da área geográfica.

O teste pode fornecer informação útil, mas é possível que seja enviesado e seus
resultados devem ser interpretados com cuidado. Suponha que uma proporção
considerável do comércio foi observada entre uma região e outra. Isso seria uma clara
indicação de que os produtores dessas regiões estariam exercendo restrição competitiva
uns sobre os outros. Consequentemente, as duas regiões não poderiam ser definidas como
mercados em separado e o teste deveria ser realizado novamente em outras regiões.

Suponha, ao contrário, que o teste é satisfeito, no sentido de que poucos


embarques ocorrem entre as regiões A e B. Isso não é necessariamente uma indicação de
que as regiões não estão no mesmo mercado. Se os preços são os mesmos, e ha alguma
(mesmo que pequena) diferença nos custos de transporte, não se deve esperar observar
qualquer entrega de uma região para outra, mesmo que produzam exatamente o mesmo
bem e seja regiões vizinhas. Ademais, produtores em uma região constrangem fortemente
os produtores na outra região. Se os produtores de A tentarem elevar os preços mesmo
que por um pequeno montante, os consumidores de B vão migrar para os ofertantes de A;
esse aumento não será lucrativo. Assim, o teste de embarque é enviesado, e seus
resultados devem dessa forma ser descontados.

3.2.2.2 – Custos de transporte

Uma informação útil que pode suplementar outros testes é fornecida pela
importância dos custos de transportes com respeito aos preços de determinado produto.
Mesmo que nenhum embarque tenha ocorrido no passado entre uma região e outra, o fato
de que o custo de transporte seja baixo com relação aos preços implica que tais embarques
e que a restrição concorrencial impedirão que os preços na região aumentem.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

Em algumas situações, essas considerações diminuirão muito a extensão do


mercado relevante. Considere, por exemplo, uma fusão entre varejistas de alimentos em
determinada cidade. Faria pouco sentido delimitar um mercado além das fronteiras da
cidade, pois os custos de transporte (nesse caso, inclui o tempo despendido pelos
consumidores para viajar até uma loja) impediriam muitos cidadãos de irem a cidades
vizinhas para fazer compras.

No outro lado do espectro, há mercados corretamente definidos como globais. Um


exemplo é o caso de aeronaves, em que os custos de transportes são irrelevantes em
relação aos preços. Outro exemplo são mercados de metais cotados em bolsas de
mercadorias, como ouro e cobre. Os preços nesses mercados são determinados pelas
cotações em bolsa e, particularmente, no que diz respeito ao ouro, pela influência de
bancos de metais preciosos. Um caso em que o mercado relevante foi definido com base
nesse critério foi o da aquisição da Caulim do Brasil, subsidiária da CVRD de 50% das
ações da Salobo Metais da Anglo American Brasil.19

3.3 – A AVALIAÇÃO DO PODER DE MERCADO

O poder de mercado é definido como a habilidade de a empresa elevar preços


acima do custo marginal.20 Contudo, elas não têm poder de mercado apenas no mundo
abstrato e irrealista da concorrência perfeita ou do modelo de Bertrand, com bens
homogêneos e empresas perfeitamente simétricas (ver o Capítulo). Nas indústrias do
mundo real, nas quais existem custos fixos e é pouco provável que uns produtos sejam
considerados perfeitos substitutos dos outros pelos consumidores, devemos esperar que
as companhias usufruam de algum poder de mercado.

Este ponto requer a abordagem de duas questões: primeira, que medida de poder
de mercado deve ser utilizada, e, segunda, que limiar de poder de mercado dever ser

19
AC 08012/03555/2002-56.
20
Algumas vezes, é definido como a habilidade de estabelecer preços acima do nível de preços
competitivos. Mas o preço competitivo nada mais é que o preço que a empresa cobraria sob concorrência
perfeita, ou seja, o custo marginal.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

utilizado para indicar que uma empresa tem poder de mercado suficiente para chamar a
atenção das autoridades de concorrência. A segunda questão requer uma resposta, em
grande parte, arbitrária e resolvida de forma distinta pelas diferentes legislações antitruste
mundo afora ou até dentro do mesmo arcabouço legal. Vejamos primeiro a questão inicial.

Uma medida (teórica) de poder de mercado é fornecida pelo índice de Lerner,


definido como o mark-up da empresa (a diferença entre o preço 𝑝𝑖 e o custo marginal 𝑐𝑖′ )
sobre a taxa de preço: 𝐿 = (𝑝𝑖 − 𝑐𝑖′ )/𝑝𝑖 . O índice aumenta com o mark-up cobrado pela
empresa; certamente, é o mais desejado aspecto para um índice de poder de mercado.

Pode ser tentador aplicar diretamente o índice de Lerner para casos no mundo real.
No entanto, sua aplicação direta pode gerar problemas de diversas naturezas.21
Primeiramente, estimar o custo marginal de uma empresa não é tarefa fácil, por ser,
sobretudo, um conceito teórico. Determinar o impacto da mudança marginal na
quantidade produzida pela empresa no custo total de produção em geral é inviável, mesmo
com o melhor conhecimento das condições tecnológicas nas quais a companhia opera. Na
realidade, deve haver grandes diferenças nas estimativas de custo marginal mesmo dentro
da gestão da mesma empresa. Agências de defesa da concorrência com conhecimento
imperfeito do setor, da tecnologia e da própria empresa teriam, diante de si, uma tarefa
ainda mais difícil.22

Em segundo lugar, altos custos podem ser inerentes ao poder de mercado. Como
visto no Capítulo 2, deve-se esperar de um monopolista que ele seja caracterizado por
ineficiência produtiva. Paradoxalmente, ao aplicar o índice de Lerner, pode-se descobrir
que uma empresa não é dominante por ter, relativamente, altos custos e baixas margens,
a despeito de esses altos custos serem resultantes de seu poder de mercado.23,24

21
Veja também Landes e Posner (1981) e Neven et al. (1993, Capítulo 2) entre outras contribuições que
partem do índice de Lerner para discutir como mensurar poder de mercado.
22
Note que a empresa teria um incentivo para não revelar seus verdadeiros custos para as agências
antitruste. Ao contrário, procuraria tentar inflar os custos por meio da manipulação de seus livros contábeis.
23
Veja, por exemplo, Neven e Röller (1996), que relataram que companhias aéreas menos expostas à
concorrência compartilham rendas com os funcionários, consequentemente aumentando custos.
24
É claro que baixos preços também podem ser, em certas circunstâncias, resultado do poder de monopólio:
em casos de preços predatórios (ver o Capítulo 7), um preço muito próximo (ou inferior) ao custo marginal
não deve obviamente ser tomado como prova de que a empresa não detém poder de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

Por conta das dificuldades associadas à aplicação direta do índice de Lerner, uma
abordagem alternativa deve ser baseada no fato de que o índice de Lerner de uma empresa
monopolista corresponde à inversa da elasticidade de demanda enfrentada por ela: 𝐿𝑖 =
1/𝜀1 . De fato, a estimação direta da elasticidade de demanda (residual) enfrentada pela
empresa é o núcleo de uma das técnicas econométricas modernas de avaliação de poder
de mercado.

Contudo, a estimativa de elasticidade de demanda residual enfrentada pela


empresa, assim como o uso de outras técnicas econométricas com o objetivo de estimar
(ou prever) diretamente dos dados do mercado o poder de mercado da empresa, não é
sempre possível (em geral, por falta de dados). Quando possível, não é necessariamente
tão fácil. Essas técnicas econométricas certamente representam uma ferramenta muito
promissora para a análise antitruste, mas como dados confiáveis nem sempre existem, e
tais técnicas não são totalmente padronizadas,25 uma abordagem mais tradicional deve ser
utilizada também para a avaliação do poder de mercado.

A abordagem tradicional avalia o poder de mercado de maneira indireta. Atribui


um papel-chave às participações de mercado mantidas pela(s) empresas(s) durante a
investigação, mas participações de mercado são apenas uma das variáveis investigadas
para determinar poder de mercado. Outras são a posição relativa dos concorrentes, a
existência de entrantes potenciais e o poder de barganha dos compradores.

Discutiremos a seguir como essas diferentes variáveis contribuem para avaliar o


poder de mercado.

25
Uma técnica quantitativa muito útil para avaliar o poder de mercado e efeitos de fusão foi desenvolvida
por Baker e Bresnahan (1985, 1988), baseada na estimação direta das elasticidades de demanda individual.
Outra técnica são os modelos logit (WERDEN & FROEB, 1994 e WERDEN, FROEB & TARDIFF, 1996),
derivados de modelos de escolha discreta do comportamento do consumidor, a partir de McFadden (1973),
mais utilizada nas simulações de efeitos de fusões.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

3.3.1 – Abordagem tradicional: a avaliação indireta do poder de


mercado

3.3.1.1 – O papel central das participações de mercado

O procedimento típico seguido pelas autoridades antitruste no mundo é primeiro


definir o mercado relevante e depois aferir o poder desse mercado. Nessa segunda etapa,
a análise gira em torno da medida das participações de mercado da(s) empresas(s).

Dar tamanha importância às participações de mercado na análise de poder de


mercado faz sentido. Afinal, deve-se esperar (tudo o mais constante) que uma
monopolista que detenha 100% do mercado tenha o mais alto grau possível de poder de
mercado. Por sua vez, deve-se esperar que uma empresa com parcela mínima do mercado
seja incapaz de exercer algum poder de mercado; uma restrição sobre a habilidade de
estabelecer preços elevados virá dos competidores, e a baixa participação de mercado de
uma empresa será um indicador de que ela conta com fortes concorrentes.

Contudo, uma alta participação de mercado não é suficiente para concluir que uma
empresa seja dominante. Como discutiremos a seguir, ela não será capaz de aumentar
substancialmente os preços se a entrada na indústria for muito fácil ou se houver um forte
comprador pronto para utilizar seu poder de barganha e mover-se para ofertantes
alternativos (ou integrar-se verticalmente). Não obstante, é razoável começar pela medida
de participação de mercado como primeira etapa da análise de poder de mercado de uma
empresa.

3.3.1.2 – Quais limiares para as participações de mercado?

A centralidade das participações de mercado para análise de poder de mercado


sugere que devam ser usadas como ferramenta de filtragem. Digamos que a participação
de uma empresa investigada esteja abaixo de certo limiar, 40%, o pressuposto de que ela
não deteria suficiente poder de mercado para ser considerada dominante, e, portanto, o
caso deveria ser arquivado (ou o ônus da prova de que empresa é dominante deveria recair
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

inteiramente sobre a autoridade antitruste). Se sua participação estivesse acima de outro


limiar, 50%, haveria a pressuposição de ela ser dominante, e o ônus da prova de que a
dominância não existiria recairia sobre a parte em questão. Para participações
intermediárias, uma investigação mais ampla deveria ser realizada.

Uma abordagem como essa seria útil para aumentar a segurança jurídica, na
medida em que se usem limiares de participações de mercado como mecanismos de
filtragem. É exatamente o que ocorre no Brasil, quando o legislador presume a ocorrência
de posição dominante a partir da participação de 20% de participação no mercado. É claro
que o limiar definido pela lei não é uma camisa de força para a autoridade de defesa da
concorrência e permite flexibilidade à luz da análise da estrutura do mercado e das
condições de concorrência. Na lei brasileira, logo após a definição do limiar, lê-se a
ressalva: “podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da
economia”. A ressalva existe para lembrar que o percentual de 20% é uma referência para
a filtragem, estando sujeito a uma avaliação das condições estruturais do mercado e da
dinâmica da inteiração das empresas.

Na aplicação prática, o limiar sempre foi útil para fornecer sinais aos agentes
econômicos, tanto sobre submissão à autoridade de fusões e aquisições, segundo a Lei
8.884/94, quanto sobre condutas anticompetitivas. Para a autoridade, também sempre foi
útil para filtrar as questões relevantes.

3.3.1.3 – Medição do poder de mercado e avaliação de forças relativas

Uma vez que um mercado foi definido, as participações de mercado de todas as


empresas podem ser calculadas. Isso configurará um primeiro cenário das posições
competitivas relativas das empresas no mercado.

Se o mercado relevante sob investigação coincidir com o mercado ao que as


empresas e as revistas de negócios usualmente fazem referência, poderá haver várias
fontes das quais poderemos derivar participações de mercado. Uma forma mais incomum
de definição de mercado poderá, contudo, implicar uma divergência entre os dados

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

desejados de uma empresa e os dados da indústria, mas, mesmo assim, em geral, estão
prontamente disponíveis.

Em alguns casos, participações de mercado, tanto em números de unidades quanto


em valor, podem estar disponíveis. Os últimos geralmente têm maior significado
econômico, embora os primeiros possam conter informações adicionais sobre posições
de mercado relativas.

Em algumas indústrias, em que a produção é limitada por um insumo essencial,


reservas existentes podem ser mais informativas do que participações de mercado. Se
olharmos para uma indústria mineral, cobre, por exemplo, faria pouco sentido para a
análise antitruste reportar que determinada empresa tem 20% do mercado, se suas
reservas estarão exauridas em um curto período: a participação de mercado dessa empresa
caminha para se tornar nula, e ela não é capaz de exercer grande restrição competitiva
sobre os concorrentes.

Considerações similares podem ser feitas quando um dos participantes muito


dificilmente continuará compondo o mercado relevante no futuro próximo por conta de
uma tecnologia mais obsoleta ou menos eficiente ou algo parecido. Nesse caso, considerar
as participações de mercado atuais (ou passadas) iria superestimar as restrições
concorrenciais que uma empresa recebe de seus concorrentes. Seria mais apropriado
excluir as vendas desse concorrente com possibilidades de sair do mercado em breve do
cálculo de participação do mercado.

O grau de excesso de capacidade detido pelos concorrentes também fornece


importantes informações. Se a capacidade existente dessas empresas for apenas suficiente
para satisfazer à demanda corrente, sua elasticidade de oferta (ou seja, sua habilidade de
reagir a aumentos de preços e atender a novos clientes) será muito baixa. Se, por outro
lado, elas tiverem considerável excesso de capacidade, será razoável esperar que o poder
de mercado da empresa investigada seja reduzido. Por conta dessa observação, a parcela
de capacidade de cada empresa sobre a capacidade total da indústria passa a ser
informação relevante.26

26
No caso Nestlé-Garoto, a distribuição de capacidades de produção de calda de chocolate foi um
importante item na discussão de poder de mercado (ver o Capítulo 5).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

Nos casos em que a substituição de oferta for levada em consideração, portanto, o


mercado relevante inclui empresas que não vendem correntemente no mercado relevante,
uma estimativa de capacidade pode novamente ser usada como proxy para vendas, e
participações de mercado podem ser estimadas a partir daí.

Alguns mercados, como grandes equipamentos fabricados sob encomenda, são


caracterizados por compras ocasionais feitas por um pequeno grupo de compradores.
Nesse caso, pode haver uma grande variância de poder de mercado, se forem calculados
sob um período curto, pois um único pedido pode significar uma considerável proporção
das vendas no período. Como consequência, participações de mercado devem ser
calculadas considerando-se um período relativamente longo, digamos, de três a cinco
anos (a depender da frequência dos pedidos).

Além disso, não é apenas a existência de certo padrão, mas sua persistência ao
longo do tempo que deverá fornecer um forte indicador sobre a situação de uma indústria.
Se a participação de mercado de uma indústria for consistentemente acima de 50%
durante um período de 5 a 10 anos, poderá ser um indicador a mais de sua provável
dominância (outras coisas permanecendo constantes). Por sua vez, a distribuição de
participações de mercado entre os principais participantes da indústria, que varia
consideravelmente durante um período relativamente curto, pode ser sugestiva de uma
situação mais competitiva, na qual nenhuma empresa seja dominante.

Como comentário final, note que o nível agregado de poder de mercado (isto é,
até que ponto as empresas em uma indústria podem, em média, elevar preços acima de
seus custos marginais) aumenta com o grau de concentração, outras coisas permanecendo
constantes. Essa observação não é relevante para a análise do poder de mercado
individual, mas é muito importante quando fusões e aquisições são analisadas (ver o
Capítulo 5). De fato, medidas de concentração industrial são muito frequentemente
utilizadas como primeiro instrumento para filtrar fusões e aquisições que possam ter
algum efeito anticompetitivo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

3.3.1.4 – Facilidade e probabilidade de entrada

Se uma empresa tenta elevar seus preços, os concorrentes atuais podem reagir
elevando sua capacidade. À medida que os concorrentes reagirem agressivamente, o
poder de mercado da empresa ficará limitado.

Além dos competidores existentes, entrantes potenciais podem também


constranger a habilidade da empresa (ou grupo de empresas) de elevar preços. Realmente,
a mais importante percepção da teoria dos mercados contestáveis (ver o Capítulo 2) é que,
se a facilidade de entrada for rápida e sem custos, uma empresa não será capaz de impor
uma elevada margem, porque altos lucros irão atrair competidores para a indústria.

A crítica dirigida a essa teoria salientou o papel fundamental desempenhado pelos


custos fixos afundados e os obstáculos à entrada. Quanto mais elevados os custos
afundados, menos provável será a entrada, o que, por sua vez, significa que
provavelmente menos entrantes irão disciplinar as incumbentes. Note que os custos fixos
afundados podem ser tanto exógenos quanto endógenos, ou ambos.27 Custos fixos
exógenos referem-se aos investimentos que as companhias têm de incorrer para se munir
das plantas e maquinário (ou, mais genericamente, de tecnologia) dos quais precisa para
produzir e distribuir seus bens. Em geral, tais investimentos não são uma escolha variável.
Custos afundados endógenos referem-se a P&D e despesas com propaganda e marketing
de maneira a aumentar a percepção de qualidade de seus produtos e são, de fato, uma
escolha variável da empresa. Como discutido no Capítulo 2, indústrias com custos
afundados endógenos são tipicamente caracterizadas por um limite inferior de
concentração, e é improvável que a entrada discipline o poder de mercado dos
incumbentes nessas indústrias.

Ao analisarmos o poder de mercado na indústria, é crucial entendermos a


probabilidade de entrada, e devemos atentar para um conjunto de detalhes. A existência
de custos de transferência, efeitos de lock-in e externalidades de rede (ver, novamente, o
Capítulo 2) podem representar um obstáculo à entrada, na medida em que os

27
Veja Sutton (1991, 1998).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

consumidores não tenham o incentivo correto para se voltar para outros ofertantes, mesmo
que esses tenham os produtos mais eficientes e/ou superiores.

Deve-se também observar com atenção a história da indústria, em particular


episódios prévios de entrada e de reações das incumbentes. Suponha que uma líder de
mercado tenha consistentemente precificado agressivamente sempre que novos
competidores tenham tentado entrar na indústria. Assim, ela terá construído uma
reputação de ser um player forte, e entrantes potenciais ficarão desencorajados a entrar
no mercado (ver o Capítulo 7 para uma discussão da conduta predatória por parte de um
incumbente dominante).

3.3.1.5 – Poder de barganha dos compradores

A habilidade de uma empresa de cobrar preços mais elevados depende do grau de


concentração dos compradores. Uma companhia é claramente mais livre para exercer seu
poder de mercado quando encara um grande número de consumidores dispersos que
quando enfrenta poucos compradores.28 Um forte comprador pode fazer uso do poder de
barganha para estimular a concorrência entre vendedores, seja para ameaçar que fará
pedidos a outro vendedor, seja para ameaçar que produzirá o bem ele mesmo,
verticalizando.29

Por conta de problemas de coordenação, a entrada na indústria dos vendedores


pode também ser mais fácil quando os compradores são concentrados. Imagine uma
situação em que um incumbente é um monopolista, e entrantes potenciais teriam de fazer
consideráveis investimentos afundados para entrar na indústria. Se os compradores são
dispersos, e os entrantes potenciais têm níveis de custos similares, os pedidos
provavelmente serão distribuídos entre os vendedores. Atrair pedidos de poucos
compradores pode não ser suficiente para justificar o investimento; como resultado,
nenhuma empresa vai querer entrar na indústria, mesmo que cada entrante potencial seja

28
Galbraith (1952) foi provavelmente o primeiro autor a argumentar que o poder de barganha dos
compradores pode constranger consideravelmente o poder dos vendedores.
29
Veja Scherer e Ross (1990, Capítulo 14) para discussão e exemplos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

mais eficiente que o monopolista. Como os compradores não coordenam suas decisões
sobre que vendedor selecionar, o monopolista acaba sendo o único ofertante. Assim, os
compradores lidam com contas muito mais altas do que se a entrada tivesse ocorrido. Se,
alternativamente, houvesse apenas um comprador (ou todos os compradores se
coordenassem), eles comprariam de um dos entrante, consequentemente possibilitando a
entrada.30

Vários trabalhos empíricos tentam testar a hipótese do poder de barganha dos


compradores, e parece haver alguma evidência de que a concentração de compradores
afeta negativamente o poder de mercado dos vendedores.31

Finalmente, uma questão interessante: Até que ponto os consumidores se


beneficiam desse poder de compra? Von Ungern-Sternberg (1996) e Dobson e Waterson
(1997) relataram que preços mais baixos obtidos pelos compradores só são repassados
aos consumidores se existir competição suficiente entre os próprios compradores.

Veja Poder de mercado, participações de mercado e concentração no Quadro


3.1, e Técnicas econométricas: avaliação direta de poder de mercado no Quadro 3.2
anexos no material complementar deste capítulo.

30
Para uma apresentação formal desse argumento, ver Fumagalli e Motta (2000).
31
Veja Scherer e Ross (1990: 533-5) para uma revisão dessa literatura, iniciada por Lustgarten (1975) em
um estudo com base em indústrias manufatureiras americanas, enquanto Connor, Rogers e Bhagavan
(1996) não encontraram evidências de poder de barganha na indústria alimentícia americana.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 3

Quadro 3.1 – Poder de mercado, participações de mercado e


concentração *

Suponha que estejamos interessados em estudar o poder de uma Empresa i em


determinado mercado (bem-definido). Presuma também que todas as empresas competem
em quantidade, produzem um bem homogêneo (há somente um preço de mercado p) e
tem um custo marginal 𝑐𝑖 . Os lucros da i podem ser escritos como

𝜋𝑖 = 𝑝(𝑄)𝑞𝑖 − 𝑐𝑖 𝑞𝑖 , (3.1)
onde 𝑄 = 𝑞𝑖 + ∑𝑗≠𝑖 𝑞𝑗 é o produto total da indústria, e 𝑞𝑖 e 𝑞𝑗 denotam,
respectivamente, o produto da Empresa i e o de qualquer das concorrentes j. A
maximização de seus lucros dada pelo produto das concorrentes leva à seguinte CPO:

𝑑𝜋𝑖 𝑑𝑝
= 𝑝(𝑄) + 𝑞 − 𝑐𝑖 = 0. (3.2)
𝑑𝑞𝑖 𝑑𝑞𝑖 𝑖
O preço de equilíbrio 𝑝∗ no mercado será definido pela solução das CPOs. A tal preço, a
CPO para a Empresa i pode ser reescrita como

𝑑𝑝 𝑑𝑄
𝑝∗ (𝑄) − 𝑐𝑖 = 𝑞, (3.3)
𝑑𝑄 𝑑𝑞𝑖 𝑖
Dividindo ambos os lados da equação por 𝑝∗ , multiplicando e dividindo por Q o lado
direito, e notando que, em um equilíbrio de Nash, as quantidades das rivais são dadas (de
modo que a produção de uma unidade adicional pela empresa corresponde a produção
adicional pela indústria como um todo: 𝑑𝑄 ⁄𝑑𝑞𝑖 = 1), temos

𝑝∗ − 𝑐𝑖 𝑑𝑝 𝑄 𝑞𝑖
= − , (3.4)
𝑝∗ 𝑑𝑄 𝑝∗ 𝑄
que se pode, finalmente, reescrever como

𝑚𝑖
𝐿𝑖 = , (3.5)
𝜀
onde 𝐿𝑖 é o índice de Lerner do poder de mercado da Empresa i, 𝑚𝑖 é sua participação de
mercado, e 𝜀 = − (𝑑𝑄 ⁄𝑄 )⁄(𝑑𝑝⁄𝑝) é a elasticidade da demanda de mercado com relação

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

ao preço. Note que, para o caso do monopólio, encontra-se a bem conhecida relação 𝐿𝑖 =
1⁄𝜀 .

A partir desse resultado, pode-se encontrar um índice de poder de mercado para a


indústria como um todo. Denotando tal índice como 𝐿 = ∑𝑖 𝑚𝑖 𝐿𝑖 e usando (3.5), obtém-
se

𝑚𝑖2 𝐻𝐻𝐼
𝐿=∑ = , (3.6)
𝜀 𝜀
𝑖

onde 𝐻𝐻𝐼 = ∑𝑖 𝑚𝑖2 é o índice Herfindahl–Hirschman de concentração. Esse índice


estabelece que há uma relação direta entre o grau de concentração industrial e o grau
médio de poder de mercado, resultado usado para justificar o papel proeminente atribuído
pelo DoJ ao HHI como filtro na análise de fusões.

Outros trabalhos mostraram que o índice de Lerner individual depende da


participação de mercado assim como das elasticidades de demanda de mercado e de oferta
dos concorrentes. Isso enfatiza que o poder de mercado da Empresa i e restrito na medida
em que a concorrência responde a um aumento nos preços da Empresa i aumentando sua
produção.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

Quadro 3.2 – Técnicas econométricas: avaliação direta de poder de


mercado *

O propósito desta seção é fornecer um panorama de duas técnicas quantitativas


recentes, usadas para avaliar o poder de mercado e estimar os efeitos prováveis de fusões.
A seção “Elasticidade da demanda residual” (a seguir) descreve brevemente o método
com base no cálculo de estimação de elasticidades de demanda residual, e a seção
“Modelos Logit” (mais adiante) lida com modelos de demanda logit, que podem ser
usados tanto para estimar poder de mercado quanto para simular efeitos de fusões.

A razão para a popularidade dessas duas técnicas é que ambas permitem reduzir a
dimensionalidade dos problemas quando lidamos com indústrias de produtos
diferenciados (modelos logit e métodos de elasticidade de demanda residual, por
conseguinte, proveem duas respostas alternativas para o mesmo problema). Suponha que
se queira estimar o poder de um mercado caracterizado por n produtos diferenciados.
Uma abordagem natural seria especificar um sistema de n equações de demanda, em que
a demanda de cada produto seria expressa como uma função dos preços de todos os
produtos do mercado. Mesmo com demandas lineares ou log-lineares, estimar tais
sistemas de equações implicaria estimar mais de 𝑛2 parâmetros, uma vez que cada uma
das n equações de demanda teria de conter os preços dos n produtos mais todas as outras
variáveis explicativas. É claro que conforme n cresce, o problema da dimensionalidade
se torna mais importante (mesmo que se imponha restrição ao modelo, como simetria).
Modelos de análise da demanda residual e logit oferecem duas maneiras de lidar com o
problema da dimensionalidade.

Uma análise completa desta e de outras técnicas está além do escopo deste livro,
mas as notas que se seguem, embora breves e incompletas, podem dar uma ideia da ajuda
que a moderna econometria e ferramentas de computação podem fornecer a casos
concretos do antitruste.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

Q3.2.1 – Elasticidade da demanda residual *

Uma técnica quantitativa muito útil para avaliar o poder de mercado e verificar os
efeitos de fusões deve-se a Baker e Bresnahan (1985, 1988) e tem base na estimação
direta das elasticidades de demanda residual. Recuperamos aqui brevemente os principais
aspectos dessa técnica.

Já mencionamos o problema da dimensionalidade quando se lida com produtos


diferenciados. Um problema adicional surge porque o aumento de preços da Empresa A
não deixará o ambiente de preços inalterado para as demais empresas: para uma correta
avaliação do poder de mercado usufruído pela companhia, deve-se também avaliar em
que medida o aumento de preço será seguido pelas concorrentes. Isso adiciona
complexidade a tarefa de avaliar poder de mercado.

A estimação da função de demanda residual é uma técnica que simplifica


consideravelmente a tarefa e reduz a necessidade de dados. Para avaliar o poder de
mercado da Empresa A, essa técnica envolve a estimação de apenas um coeficiente. É a
elasticidade da sua função de demanda residual, a função de demanda com a qual a
Empresa A se defronta uma vez que se leva em consideração a reação de todas as demais
companhias. Em vez de se perguntar por qual percentual um aumento de preços da
Empresa A aumentaria a demanda da Empresa B, C, e daí por diante, a técnica pergunta
por qual percentual um aumento de preço da Empresa A decresceria sua demanda
residual, ou seja, depois que todas as concorrentes tivessem atendido as suas demandas.
Uma baixa estimativa de elasticidade de demanda residual sugeriria um alto poder de
mercado por parte da Empresa A, ou seja, uma considerável parte dos consumidores
continuaria a comprar de A em vez de migrar para outras companhias (ou cessar de
comprar o produto) e vice-versa, uma alta estimativa sugeriria baixo poder de mercado.

Regredir a função de demanda residual isoladamente resultaria em um estimador


não consistente, dado que o preço (e a quantidade) de equilíbrio são conjuntamente
determinados tanto pela demanda quanto pela oferta programadas da empresa. Por
conseguinte, a estimação da elasticidade de demanda residual e usualmente acompanhada
pelo uso do método de variáveis instrumentais (para o qual serão necessários dados de
custos específicos da empresa cujo poder de mercado se deseja avaliar) para resolver o
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

problema de simultaneidade e obter estimadores consistentes. Note que a estimação da


demanda residual não nos pode dizer se o poder de mercado é baixo por conta da
concorrência advinda da Empresa B ou C ou de outra, já que as concorrentes são
consideradas coletivamente, e seu papel em restringir o poder de mercado da Empresa A
não pode ser individualizado. Contudo, a vantagem desse método é que permite salvar os
dados requeridos para se operar uma avaliação econométrica acerca do poder de mercado
de uma empresa. Uma vez que muito frequentemente dados em nível desagregado são
escassos ou difíceis de se obter, esse e um passo importante para a viabilidade da
aplicação de métodos quantitativos para a análise de poder de mercado.

A aplicação desse método para a análise de fusões é direta. Imagine que se esteja
interessado em saber o poder de mercado usufruído pela empresa que resulta da fusão de
A e B. Pode-se utilizar a técnica descrita anteriormente com ligeiras modificações,
computando duas elasticidades da demanda residual (parciais) para cada uma das
𝑝𝑟
empresas. Por exemplo, para a A, a primeira de suas elasticidades próprias, 𝜀𝐴𝐴 , que
estima a redução percentual na demanda percentual da Empresa A que se segue a um
𝑝𝑟
aumento de 1% no preço de A; a segunda e a elasticidade cruzada 𝜀𝐴𝐵 , que estima o
aumento percentual na demanda residual da Empresa A que se segue a um aumento de
1% do preço da Empresa B. Isso ajuda a entender como duas se restringem mutuamente
no mercado. Subtraindo as duas elasticidades estimadas obtidas, obtém-se o valor
𝑝𝑟 𝑝𝑟
(𝜀𝐴𝐴 − 𝜀𝐴𝐵 ), a avaliação do poder de mercado usufruído pela companhia em fusão. Essa
diferença expressa a ideia de que, quando os agentes coordenam suas ações e aumentam
seus preços simultaneamente, a Empresa A perde todos os consumidores, que migram
outras empresas, menos aqueles que teriam se dirigido a B se a fusão não tivesse ocorrido
(e ela tivesse, por conseguinte, precificado seu produto independentemente da A).

Dessa forma, com relativamente pouco requisitos de dados, é possível obter uma
estimativa dos prováveis efeitos de uma fusão. Essa técnica vem sendo crescentemente
usada por economistas especialistas em processos julgados em tribunais administrativos
ou judiciais, e, embora seja improvável que avaliação de fusões tenham base unicamente
nisso, a técnica certamente complementa outras informações coletadas e a análise do
mercado no qual a fusão ocorreu. A estimação da demanda residual pode também ser

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

usada para definir o mercado relevante em casos de fusão, como explicado por Scheffman
e Spiller (1987).

Estimação da elasticidade de demanda residual. ** Considere uma indústria com


n empresas produtoras individuais. Primeiramente, queremos derivar a demanda residual
enfrentada por cada uma e ver como pode ser usada para estimar seu poder de mercado.
Em seguida, estendemos essa abordagem para estimar o poder de mercado criado pela
fusão.

A demanda direta enfrentada por uma empresa i = 1, ..., n pode ser escrita como

𝑞𝑖 = 𝐷𝑖 (𝑝𝑖 , 𝒑−𝑖 , 𝒚), (3.7)


onde as variáveis em negrito indicam vetores e –i refere-se a todas as outras
empresas que não i. O vetor y denota um vetor (de tamanho S) de variáveis exógenas que
afetam a demanda.

Para cada uma das empresas, as condições de primeira ordem da maximização de


lucro definem as funções de melhor resposta

𝑝𝑖 = 𝑅𝑖 (𝒑−𝑖 , 𝒚, 𝒘, 𝑐𝑖 ), (3.8)
onde w denota o vetor de tamanho L que contém as variáveis de custo específicas da
indústria, e 𝑐𝑖 denota o custo especifico da Empresa i. Da expressão anterior, pode-se
obter o vetor das funções de melhor resposta para todas as empresas, exceto a i, como

𝒑−𝑖 = 𝑅−𝑖 (𝑝𝑖 , 𝒚, 𝒘, 𝒄−𝑖 ), (3.9)


onde 𝒄–𝑖 denota o vetor dos custos variáveis específicos de todas as empresas, exceto da
Empresa i. Substituindo de volta na demanda direta, obtemos a função de demanda
residual da Empresa i, 𝑞𝑖𝑟 = 𝐷𝑖 (𝑝𝑖 , 𝒑−𝑖 (𝑝𝑖 , 𝒚, 𝒘, 𝒄−𝑖 ), 𝒚) ou, mais simplesmente,

𝑞𝑖𝑟 = 𝐷𝑖𝑟 (𝑝𝑖 , 𝒘, 𝒄−𝑖 , 𝒚). (3.10)


A equação a ser estimada tomara, então, a forma

𝑆 𝐿

ln 𝑞𝑖𝑟 = 𝛼𝑖 + 𝛽𝑖 ln 𝑝𝑖 + ∑ 𝛾𝑖𝑠 𝛾𝑠 + ∑ µ𝑖𝑙 𝑤𝑙 + ∑ 𝛿𝑖𝑘 𝑐𝑘 + 𝑣𝑖 , (3.11)


𝑆=1 𝑙=1 𝑘𝑖

onde 𝛼𝑖 é a constante; 𝛽𝑖 é a estimativa da elasticidade da inversa da demanda residual


(porque 𝑑 ln 𝑞𝑖𝑟 ⁄𝑑 ln 𝑝𝑖 = − (𝑑𝑞𝑖𝑟 ⁄𝑞𝑖𝑟 )⁄(𝑑𝑝𝑖 ⁄𝑝𝑖 ) = 𝜀𝑖𝑖𝑟 ); os coeficientes 𝛾𝑖𝑠 , µ𝑖𝑙 , 𝛿𝑖𝑘 são

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

os parâmetros da demanda, custos em toda a indústria e custos de todas empresas exceto


da Empresa i ; e 𝑣𝑖 é o termo de erro.

Contudo, regredindo (3.11) isoladamente não se obtém um estimador consistente,


na medida em que há um problema de simultaneidade entre 𝑝𝑖 e 𝑞𝑖 conjuntamente
determinado no sistema de demanda e oferta [ambos são variáveis endógenas, e 𝑝𝑖
aparece no lado direito da equação (3.11)].

Tipicamente, esse problema é resolvido estimando a equação (3.11) pelo uso do


método de variáveis instrumentais. Nesse caso, o método implica usar 𝑐𝑖 como
instrumento para o preço 𝑝𝑖 , dado que 𝑐𝑖 (o custo especifico da empresa para i),
correlacionado com o preço 𝑝𝑖 , não é correlacionado com seus resíduos e não é uma
variável explicativa em (3.11).

Fazendo isso, obtemos um estimador da elasticidade de demanda residual da


Empresa i, que, por sua vez, e um estimador de seu poder de mercado: quanto menor o
valor do estimador de 𝜀𝑖𝑖𝑟 , maior o poder de mercado da empresa.

Note que os únicos dados no nível da empresa necessários para esse método são
os relativos a preço, quantidade e custos específicos da companhia, em cujo poder de
mercado estamos interessados.

Elasticidade de demanda residual em análise de fusões. O mesmo método pode ser


aplicado a análise de fusões para estimar o poder de mercado conjunto de duas empresas
que se fundem. Suponha que estejamos interessados no provável impacto de uma fusão
entre duas empresas, 1 e 2, em uma indústria de n empresas. Procedendo de forma similar
à que fizemos anteriormente, obtemos as funções de demanda residual (parciais) para 1 e
2 como

𝑞𝑖𝑝𝑟 = 𝐷𝑖𝑝𝑟 (𝑝1 , 𝑝2 , 𝒘, 𝒄−1&2 , 𝒚), 𝑖 = 1,2, (3.12)


que, em logaritmos, se tornam

ln 𝑞𝑖 = 𝛼1 + 𝛽𝑖𝑖 ln 𝑝𝑖 + 𝛽𝑖𝑗 ln 𝑝𝑗
𝑆 𝐿 𝑛
(3.13)
+ ∑ 𝛾𝑖𝑠 𝛾𝑠 + ∑ µ𝑖𝑙 + 𝑤𝑙 + ∑ 𝛿𝑖𝑘 𝑐𝑘 + 𝑣𝑖 , (𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗)
𝑠=1 𝑙=1 𝑘=3

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

Usando as variáveis de custo especificas das empresas, 𝑐1 e 𝑐2 , como instrumentos para


𝑝1 e 𝑝2 , e regredindo conjuntamente as duas curvas de demanda residuais parciais (3.13),
os coeficientes 𝛽𝑖𝑖 , 𝛽𝑖𝑗 fornecem um estimador das elasticidades de demanda residual
𝜀𝑖𝑖𝑝𝑟 = − (𝑑𝑞𝑖𝑝𝑟 ⁄𝑞𝑖𝑝𝑟 )⁄(𝑑𝑝𝑖 ⁄𝑝𝑖 ) e 𝜀𝑖𝑗
𝑝𝑟
= (𝑑𝑞𝑖𝑝𝑟 ⁄𝑞𝑖𝑝𝑟 )⁄(𝑑𝑝𝑗 ⁄𝑝𝑗 ).

Esses coeficientes proveem um estimador não apenas do poder de mercado de


cada uma das empresas, mas também de quanto o poder da Empresa 1, digamos, é
restringido pela Empresa 2 (e vice-versa). Note que o valor (𝛽𝑖𝑖 = 𝛽𝑖𝑗 ) fornece um
estimador do poder de mercado de que as fusionadas desfrutarão no mercado, enquanto
as diferenças entre os coeficientes nos informam quanto decrescerá a demanda com a qual
a Empresa 1 se defronta se ambos os preços 𝑝1 e 𝑝2 aumentarem no mesmo percentual
após a fusão. Quanto menor o valor estimado dessa diferença, provavelmente maior será
o poder de mercado a ser desfrutado pelas empresas em processo de fusão, e,
consequentemente, maiores os efeitos adversos (outras coisas permanecendo iguais,
evidentemente).

Q3.2.2 – Modelos Logit * *

Nesta seção, apresentamos brevemente os principais aspectos da técnica baseada


no modelo de demanda logit multinomial, derivado do modelo de comportamento do
consumidor de escolha discreta. Os modelos logit, desenvolvidos por McFadden (1973),
nos permitem reduzir de forma drástica os problemas de dimensionalidade quando
lidamos com produtos diferenciados. Eles tornaram-se muito populares nos últimos anos
e têm sido utilizados para estimar poder de mercado das empresas e testar se há colusão
na indústria. Esses modelos proveem também uma base para simulações cujo objetivo é
prever os prováveis efeitos de fusões, ou seja, a extensão em que o poder de mercado será
exercido pelas empresas em fusão.

O modelo de demanda logit. Suponha que existam n produtos mutuamente


excludentes para os consumidores e que exaurem as possibilidades de escolhas do
conjunto C. Presuma que o Consumidor i obtenha a seguinte utilidade por consumir o
Produto j:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

𝑈𝑖𝑗 = 𝛼𝑗 − 𝛽𝑝𝑗 + 𝑒𝑖𝑗 , (3.14)


onde a variável explicativa, o preço, é específico da alternativa (ou seja, refere-se aos
produtos) e tem os mesmos coeficientes para todas as alternativas (𝛽𝑗 = 𝛽𝑘 = 𝛽 para todo
j e k), 𝛼𝑗 é uma constante específica do produto, e o componente randômico 𝑒𝑖𝑗 pode ser
as características não observadas do produto ou as preferências (igualmente não
observáveis) do indivíduo i .

A maximização da utilidade individual dá a probabilidade de que j seja escolhido


pela população de todos os consumidores

𝜋𝑗 = Pr(𝑈𝑗 > 𝑈𝑘 ) , para todo 𝑘 ∈ 𝐶, 𝑘 ≠ 𝑗, (3.15)


que pode ser reescrito como

𝜋𝑗 = Pr[(𝑒𝑖𝑘 − 𝑒𝑖𝑗 ) < (𝛼𝑗 − 𝛽𝑝𝑗 ) − (𝛼𝑘 − 𝛽𝑝𝑘 )] , para todo 𝑘 ∈ 𝐶,


(3.16)
𝑘 ≠ 𝑗.
Note que cada (𝑒𝑖𝑘 − 𝑒𝑖𝑗 ) é uma variável aleatória. Ao especificar a distribuição para
todos os resíduos, pode-se obter a distribuição cumulativa conjunta da variável randômica
multivariada (de dimensões n – 1), que expressa 𝜋𝑗 , a probabilidade de escolha do produto
j, como a função das características do produto e parâmetros. Mais especificamente, é
possível provar que, se todos os resíduos são distribuídos de maneira idêntica e
independente, obtém-se que, de acordo com a distribuição de valor extremo, 𝜋𝑗 assume
uma função de distribuição logística (ANDERSON et al., 1992: 39–40):

exp(𝛼𝑗 − 𝛽𝑝𝑗 )
𝜋𝑗 = . (3.17)
∑𝑘∈𝐶 exp (𝛼𝑘 − 𝛽𝑝𝑘 )
Estimação dos modelos logit. Os parâmetros que se gostaria de estimar em um
modelo logit são aqueles pertencentes as funções de utilidade, quais sejam, 𝛼𝑗 𝑠 e 𝛽. Agora
que conhecemos a probabilidade 𝜋𝑗 , é dada a disponibilidade de dados da escolha
individual e de preços, o método de Máxima Verossimilhança pode ser utilizado para
estimar os parâmetros 𝛼𝑗 𝑠 e 𝛽. Para resolver o problema da indeterminação inerente ao
modelo logit, um dos 𝛼𝑗 deverá ser estabelecido como igual a um valor arbitrário, e o
enésimo produto será tomado como um bem externo, cujo preço presumivelmente será
zero. Chame de bens internos todos os bens, menos o enésimo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

Há uma dificuldade com esse método. A probabilidade de escolha de certo bem


depende não apenas da utilidade do produto, mas também – como vimos na equação
(3.15) – da utilidade de todos os produtos não escolhidos. Isso requer que especifiquemos
primeiro o conjunto das escolhas possíveis disponíveis e, em segundo lugar, que
encontremos os dados sobre as características de todas as escolhas não feitas, o que pode
ser tremendamente difícil e custoso.

Procedimentos alternativos consistem em utilizar amostragem com base em


escolhas, ou seja, dados de pessoas que fizeram determinadas escolhas ou dados com base
no ordenamento das escolhas de determinadas pessoas.

A estimação dos modelos logit com dados de pessoas e das escolhas que fazem
apresenta problemas de endogeneidade, quando características das escolhas observadas
variam com características das escolhas não observadas. É o caso, por exemplo, quando
a qualidade não observada de um produto aumenta seu preço. (O estimador de Máxima
Verossimilhança pode sugerir que os consumidores estarão dispostos a comprar o produto
a preços mais elevados, enquanto e a variável de qualidade inobservável que os está
guiando.) O uso de estimação de variáveis instrumentais pode ajudar a resolver esse
problema.

As elasticidades-preço próprias (aqui, expressas como número positivo) e


cruzadas da demanda são dadas por

𝜀𝑗𝑗 = 𝛽𝑝𝑗 (1 − 𝜋𝑗 ); (3.18)


𝜀𝑗𝑘 = 𝛽𝑝𝑘 𝜋𝑘 . (3.19)
As estimativas de 𝛼𝑗 𝑠 e de 𝛽 obtidas são, portanto, usadas para computar as elasticidades
relevantes do modelo (dado que, dessas estimativas, podem ser obtidas todas as
probabilidades 𝜋𝑗 , como na equação [3.17]).

Independência das alternativas irrelevantes e modelos logit aninhados. Uma


propriedade crucial do modelo logit é a chamada propriedade da IAI (Independência das
Alternativas Irrelevantes), de acordo com a qual a razão da probabilidade entre duas
escolhas é independente de outras escolhas disponíveis. Em outras palavras, a escolha do
consumidor entre comprar o Produto A e o Produto B deve ser independente da
disponibilidade ou não do Produto C. Uma implicação da propriedade da IAI é que a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

elasticidade-preço cruzada de determinado produto j e qualquer produto k ≠ j e sempre a


mesma (ANDERSON et al., 1992: 44). Claramente, essa propriedade tem base em
pressuposições sobre o padrão de substituibilidade, que pode ser muito forte. Considere,
por exemplo, a escolha de alguém indiferente entre comprar um jornal geral – vamos usar
antigos exemplos – o Jornal do Brasil e um jornal de notícias esportivas, como o Jornal
dos Sports. Se apenas esses dois forem as alternativas disponíveis, a probabilidade de se
comprar um ou outro será igual a: Pr(𝐽. 𝑑𝑜 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙) = Pr(𝐽. 𝑑𝑜𝑠 𝑆𝑝𝑜𝑟𝑡𝑠) = 1/2.

Mas agora suponha que, ao mesmo consumidor, seja dada outra escolha, outro
jornal esportivo, digamos o Lance!, muito similar ao Jornal dos Sports. Agora, esse
consumidor seria indiferente entre comprar o jornal geral e um dos dois jornais esportivos
e, com a condição de comprar um jornal esportivo, entre o Jornal dos Sports ou o Lance!
Por conseguinte, a probabilidade de escolha entre os jornais seria Pr(𝐽. 𝐵𝑟𝑎𝑠𝑖𝑙) = 1/2 e
Pr(𝐽. 𝑑𝑜𝑠 𝑆𝑝𝑜𝑟𝑡𝑠) = Pr(𝐿𝑎𝑛𝑐𝑒!) = 1/4. Nesse exemplo, a propriedade da IAI nao vale,
porque a razão entre as probabilidades das duas escolhas não e independente da presença
ou da ausência de outras escolhas possíveis. Realmente, a razão entre as probabilidades
de se comprar o J. do Brasil e o J. dos Sports será 1 se o Lance! não for uma escolha
disponível para o consumidor, mas será 2, se o Lance! ficar disponível.

Para ver se a substituibilidade entre os produtos em uma indústria e compatível


com a propriedade da IAI ou não, podemos empregar testes econométricos. A ideia por
trás de tais testes é a seguinte. Suponha que, no mercado analisado, existam subconjuntos
de produtos que podem ser substitutos próximos, por exemplo, no mercado de jornais,
pode-se suspeitar que jornais gerais sejam substitutos próximos entre si e substitutos
fracos de jornais esportivos e vice-versa. Podem-se primeiro realizar estimações de um
modelo no qual observações sobre escolha de todos os jornais sejam incluídas na amostra
e, depois, com apenas um subconjunto de observações (por exemplo, deixando de lado as
relacionadas com o Lance! no exemplo anterior). Se as duas estimações obtidas forem
suficientemente próximas, o padrão de substituição implicado pelos dados será
compatível com a propriedade da IAI; caso contrário, não será. (É preciso avaliar se os
coeficientes são próximos o bastante ou não com base em um teste formal, como o teste
de Hausman, que prove um teste formal para a hipótese nula de que os coeficientes
obtidos para duas estimações sejam “idênticos”.)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

Se o teste econométrico indica que a IAI não e consistente com os dados, pode-se
adotar o modelo logit aninhado, em que se presumem escolhas em diferentes ordenações.
Com um único ninho, por exemplo, o conjunto C de todas as escolhas possíveis é dividido
em dois subconjuntos: um que agrupa todos os produtos incluídos no ninho, outro que
inclui todos os produtos remanescentes (para o exemplo anterior, pode-se colocar todos
os jornais esportivos em uma cesta). Existem, pois, expressões que fornecem
probabilidades não condicionadas da escolha por produtos que pertençam ao conjunto e
para os remanescentes, e, partindo dessas probabilidades, pode-se proceder em direção a
estimação do modelo.

Modelos logit aninhados tornam-se mais complexos à medida que se adicionam


mais ninhos a análise. Uma abordagem alternativa, quando é improvável que o padrão de
substituibilidade entre os produtos seja refletido em um modelo logit aninhado simples,
utiliza o modelo logit com coeficientes aleatórios. Tais modelos presumem que as
preferências dos consumidores são heterogêneas e estimam os parâmetros desconhecidos
da distribuição da heterogeneidade do consumidor. Algumas das mais interessantes
contribuições para a estimação econométrica de poder de mercado e colusão usam essa
técnica.

Simulando os efeitos de uma fusão com modelos logit. Até agora, apresentamos o
modelo logit como usado para estimar com a máxima probabilidade as elasticidades de
demanda de certos produtos. O modelo logit, contudo, pensado como um modelo de
escolha do consumidor, pode também ser usado para simular os efeitos de uma fusão.
Essa abordagem diversa não é obtida por meio de estimativas econométricas, mas pela
previsão de preços pós-fusão a partir de dados disponíveis.

A metodologia que se segue é tomada de Werden e Froeb (1994) Werden et al.


(1996), que conferem novos parâmetros ao modelo usando como insumos uma
elasticidade de demanda agregada (veja a seguir) e participações de mercado.

Considere a versão do modelo logit em que o enésimo produto é o bem externo


cujo preço é estabelecido como igual a zero. Werden e Froeb (1994) definem a
elasticidade-preço agregada da demanda para os bens internos como

𝜀 ≡ [𝜕𝜋𝐼 (𝜆𝒑)⁄𝜕𝜆][𝑝⁄𝜋𝐼 (𝒑)] = 𝛽𝑝𝜋𝑛 , (3.20)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

onde p é o vetor de preços de todos os bens internos, 𝑝 é algum preço médio ponderado
de referência, 𝜋𝐼 ≡ 1 − 𝜋𝑛 (𝒑) é a soma da probabilidades de escolha dos bens internos e
𝜆 é um escalar. As medidas de elasticidade da indústria determinam o aumento na
demanda de todos os bens internos quando todos os preços internos são aumentados pelo
fator 𝜆. Werden e Froeb (1994) e Werden et al. (1996) pegam um insumo do modelo. O
outro insumo é dado por participações de mercado individuais, ou seja, as probabilidades
de escolha dos bens internos condicionadas a que um deles seja escolhido. São dadas por

𝜋𝑗
𝑠𝑗 = . (3.21)
1 − 𝜀 ⁄(𝛽𝑝)
Substituindo 𝜋𝑗 = 𝑠𝑗 (1 − 𝜀 ⁄(𝛽𝑝)) nas equações (3.18) e (3.19) e rearranjando, obtém-se
as elasticidades-preço individuais próprias e cruzadas (usadas a seguir para inferir as
margens de preço-custo) como

𝑝𝑗
𝜀𝑗𝑗 = [𝛽𝑝(1 − 𝑠𝑗 ) + 𝜀𝑠𝑗 ]; (3.22)
𝑝
𝑝𝑘 𝑠𝑘
𝜀𝑗𝑘 = [𝛽𝑝 − 𝜀]. (3.23)
𝑝
Dados os preços e as participações de mercado, 𝛽 e 𝜀 (da indústria, não das empresas
individuais, variáveis que devem estar disponíveis de estudos prévios, podem ser
estimadas), as elasticidades-preço próprias e cruzadas de demanda podem ser
recuperadas.

As probabilidades de escolha de um produto interno j e de um bem externo são


dadas pela equação (3.17), e o logaritmo de sua razão será

𝜋𝑗 𝑒 𝛼𝑗−𝛽𝑝𝑗
ln ( ) = ln ( 𝛼 ) , (3.24)
𝜋𝑛 𝑒 𝑛
onde 𝑝𝑛 = 0 foi utilizado. Simplificando e rearranjando, temos

𝛼𝑗 = 𝛼𝑛 + 𝛽𝑝𝑗 + ln 𝜋𝑗 − ln 𝜋𝑛 , 𝑗 = 1,2, … , 𝑛 − 1. (3.25)


De (3.20), sabemos que 𝜋𝑛 = 𝜀 ⁄(𝛽𝑝) e tambem que 𝜋𝑗 = 𝑠𝑗 (1 − 𝜀 ⁄(𝛽𝑝)), onde 𝑝 é o
preço médio ponderado por participação de mercado antes da fusão. Substituindo-o na
equação anterior (3.25), temos

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

𝛽𝑝
𝛼𝑗 = 𝛼𝑛 + 𝛽𝑝𝑗 + ln 𝑠𝑗 + ln ( − 1) , 𝑗 = 1,2, … , 𝑛 − 1. (3.26)
𝜀
Essa equação nos diz que os 𝛼𝑗 podem ser encontrados analiticamente, dado que as
variáveis do lado direito da equação são conhecidas (e 𝛼𝑛 é um conjunto igual a uma
constante arbitraria): 𝛽 e 𝜀 são conhecidos; e preços e participações de mercado são dados
presumivelmente disponíveis.

Para completar o modelo, suponha que (1) antes da fusão, cada empresa produz
apenas um produto diferenciado; (2) cada uma não tem custo fixo, e o custo marginal é
constante e igual a 𝑐𝑗 ; (3) as empresas competem por preços; (4) todas as outras
características dos produtos são fixas (ou seja, a fusão não pode levar a entrada nem ao
reposicionamento de produto por parte das companhias existentes).

Sob tais pressupostos, sabemos que as CPOs para a maximização de lucro podem
ser reescritas como: (𝑝𝑗 − 𝑐𝑗 )⁄𝑝𝑗 = 1/𝜀𝑗𝑗 (nada mais é que o índice de Lerner). Usando
a equação (3.22), podemos obter a margem de cada empresa como

𝑝
𝑝𝑗 − 𝑐𝑗 = , 𝑗 = 1,2, … , 𝑛 − 1, (3.27)
𝛽𝑝(1 − 𝑠𝑗 ) + 𝜀𝑠𝑗
que implica que a margem de cada companhia aumenta com sua participação de mercado
(𝑠𝑗 ), cai com a substituibilidade entre si de produtos internos (𝛽) e cai com a
substituibilidade entre bens internos e externos (𝜀). A equação (3.27) nos permite
encontrar analiticamente o custo marginal de cada uma, já que ela expressa como uma
função de 𝑝𝑗 , 𝑝, 𝛽, 𝑠𝑗 e 𝜀, todos dados.

O próximo passo é ver o que ocorre sob a fusão. Sem perda de generalidade,
suponha que as Empresas 1 e 2 se fundam e chame m a empresa resultante. As CPOs de
maximização de preço da Empresa m implicam que

𝑝
𝑝1 − 𝑐1 = 𝑝2 − 𝑐2 = , (3.28)
𝛽𝑝(1 − 𝑠𝑚 ) + 𝜀𝑠𝑚
onde 𝑠𝑚 é a participação de mercado antes da fusão, e 𝑝 é o preço médio ponderado pela
participação antes da fusão. Como todos os parâmetros são conhecidos (os custos
marginais foram inferidos usando as CPOs e os preços correntes pré-fusão, conforme
explicado); substituindo-os na equação (3.28), obtemos os preços previstos pós-fusão. A

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

partir daqui, podem-se também prever os efeitos da fusão sobre o excedente do


consumidor e o bem-estar total.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

Exercícios do Capítulo 3

Exercício 3.1 Descreva brevemente o teste do monopolista hipotético e explique a


racionalidade de usá-lo como um teste de definição de mercado. Aplique-o, então, para
definir mercado de bens com os quais você tenha familiaridade. Por exemplo, (a) na sua
cidade, há um mercado separado para pizzarias? Ou as pizzarias devem ser incluídas em
um mercado mais amplo, que compreende restaurantes e redes de fast-food? (b) Há um
mercado separado para o serviço de ônibus (ou ferrovias e linhas aéreas) entre sua cidade
natal e a em que mora (ou entre quaisquer duas cidades que você conheça)? Ou há um
mercado mais amplo incluindo todos os tipos de transporte entre essas duas cidades? c)
Há um mercado relevante separado para livros-texto sobre economia da concorrência?

Exercício 3.2 A medida que uma empresa pode exercer seu poder de mercado está
limitada pela existência de entrantes potenciais ou, mais genericamente, por empresas que
possam começar ofertando um produto concorrente, atraída por preços mais altos no
mercado. Essas considerações devem ser levadas em conta quando se define o mercado
relevante para se avaliar o poder de mercado?

Exercício 3.3 Uma marca premium reconhecida de tênis e uma marca mais barata estão
considerando uma fusão, e você terá de determinar o mercado relevante. Uma informação
que você tem é o conjunto de preços de atacado dos produtores nos últimos cinco anos,
que mostra que os preços da marca premium são consistentemente o dobro dos da marca
mais popular. Você concluiria que esses dois produtos devam ou não ser colocados no
mesmo mercado?

Exercício 3.4 Que considerações devem ser levadas em conta quando se definem
mercados de produtos e avalia-se poder em mercados pós-venda e secundários (ou seja,
mercados para peças de reposição ou serviços de uma marca particular de um produto)?

Exercício 3.5 Qual é a racionalidade de se utilizarem participações de mercado como


ferramenta de filtragem no estágio da investigação em que se avalia o poder de mercado?
Que outras variáveis você gostaria de conhecer antes de concluir se uma empresa com
determinada participação de mercado é dominante?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

Exercício 3.6 *Explique brevemente a racionalidade de se utilizar a análise de


elasticidade de demanda residual e o modelo logit para investigações sobre o poder de
mercado em indústrias de bens diferenciados.

Exercício 3.7 **(Coordenação de poder de mercado – de Fumagalli e Motta (2000))


Uma incumbente I já afundou seu custo específico do mercado, e uma entrante em
potencial E ainda precisa incorrer em custos fixos afundados F. Se ela entrar, produzirá
o mesmo bem homogêneo que a incumbente. A entrante potencial é mais eficiente, com
custo variável unitário 𝑐𝐸 estritamente mais baixo que o custo da incumbente, 𝑐𝐼 . Os
compradores têm demanda unitária pelo bem, e sua disponibilidade máxima a pagar
(avaliação do bem) é V. Ao tempo t = 0, N compradores organizam um leilão pelo bem.
No tempo t = 1, a incumbente e a entrante potencial fazem simultaneamente a apregoação
(pública) para todos os compradores. No tempo t = 2, cada comprador observa a
apregoação (independentemente dos outros), decidindo se aceita a oferta da incumbente
ou da entrante. No tempo t = 3, a incumbente atende a todos os pedidos recebidos; a
entrante observa o número de compradores que se dirigiu a ela e decide se realmente entra
ou não na indústria. No primeiro caso, ela imediatamente faz os investimentos necessários
e atende aos pedidos. No segundo, ela fica de fora e obtém ganho 0. No tempo t = 4, os
compradores não atendidos pela Empresa E podem migrar para a incumbente.
Presumimos que (A1) 𝐹 > 𝑉– 𝑐𝐸 , isto é, um comprador isoladamente não é suficiente
para disparar a entrada, e (A2) 𝐹 < 𝑁(𝑐𝐼 – 𝑐𝐸 ), isto é, a entrada é viável se a entrante
cobrar um preço 𝑝 ≥ 𝑐𝐼 e for procurada por todos os compradores. Mostre que existe um
equilíbrio em que a entrante potencial não entra na indústria e indique em que condições
isso ocorre.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

Solução do Exercício 3.7 do Capítulo 3

Exercício 3.7 Resolvemos o jogo por indução reversa.

t = 4: Se E não entrar, I oferecerá o bem a 𝑝𝐼 = 𝑉 aos compradores que se


dirigiram a E em t = 2, mas não foram atendidos por ela.

t = 3: E recebe um número 𝑆𝐸 de pedidos. Dado o preço cotado por ela em t = 1,


ela entrara se 𝑆𝐸 (𝑝𝐸 − 𝑐𝐸 ) ≥ 𝐹.

t = 2: Os compradores observam as cotações 𝑝𝐼 e 𝑝𝐸 . Caso 1: 𝑝𝐼 < 𝑝𝐸 ≤ 𝑉


(ignoraremos o caso em que uma das duas empresas cota preço acima de V). Todos os N
compradores vão se dirigir a I. Caso 2: 𝑐𝐼 ≤ 𝑝𝐸 ≤ 𝑝𝐼 ≤ 𝑉 (ignoraremos o caso em que as
duas cotam preços abaixo de 𝑐𝐼 ). Então, compradores saberão que E apenas entrará se
𝑆𝐸 ≥ 𝐹 ⁄(𝑝𝐸 − 𝑐𝐸 ) = 𝑆𝐸∗ (𝑝𝐸 ). Por (A1), sabemos que um único comprador nunca será
capaz de disparar a entrada, isto é, 𝑆𝐸∗ (𝑝𝐸 ) > 1 para todo 𝑝𝐸 ∈ [𝑐𝐼 , 𝑉]. Neste estágio, o
jogo de escolha dos compradores tem apenas dois equilíbrios: 𝑆𝐸 = 𝑁, 𝑆𝐼 = 0 (todos os
compradores são clientes da entrante, que irá ao mercado já que, por (A2), a entrada vale
a pena e oferecerá o bem a um preço mais baixo que I); e 𝑆𝐼 = 𝑁, 𝑆𝐸 = 0 (o equilíbrio de
“descoordenação”, no qual todos os compradores se dirigem a incumbente; note que um
comprador isolado não tem incentivo para se desviar, na medida em que, sozinho, não
seria capaz de disparar a entrada de E, de modo que terá de se voltar para I no tempo t =
4 e adquirir o bem ao preço V).

t = 1: equilíbrio 1: 𝑆𝐸 = 𝑁, 𝑆𝐼 = 0 será sustentado apenas pelo par de preços 𝑝𝐸∗ =


𝑝𝐼∗ = 𝑐𝐼 (quasi Bertrand com custo marginal desigual). Equilíbrio 2 (equilíbrio de
descoordenação): 𝑆𝐼 = 𝑁, 𝑆𝐸 = 0 será sustentando por 𝑝𝐼 = 𝑉 e qualquer 𝑝𝐸∗ ≤ 𝑝𝐼∗
(antecipando a descoordenação entre os compradores e, assim, cobrando o máximo preço
que estiverem dispostos a pagar, isto é, V).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Definição de mercado e avaliação do poder de mercado (Capítulo 3).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 4

Acordos horizontais e cartéis

SUMÁRIO

4.1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3

4.1.1 – O que é colusão? ............................................................................................... 4

4.2 – FATORES QUE FACILITAM A COLUSÃO........................................................ 9

4.2.1 – Fatores estruturais ........................................................................................... 10

4.2.2 – Transparência de preços e troca de informações ............................................ 20

4.2.2.1 – Quanto mais observáveis as ações das empresas, mais fácil a organização
dos cartéis ............................................................................................................... 20

4.2.2.2 – Coordenação e o papel da comunicação .................................................. 24

4.2.3 – Regras de preços e contratos .......................................................................... 29

4.2.4 – Análise de cartéis: conclusões ........................................................................ 32

4.3 – PRÁTICA: O QUE DEVE SER LEGAL OU ILEGAL? ...................................... 33

4.3.1 – Padrões de prova: dados de mercado versus provas concretas ....................... 33

4.3.2 – Políticas de concorrência ex ante contra colusão ........................................... 39

4.3.3 – Políticas de concorrência ex post contra colusão............................................ 43

4.4 – JOINT-VENTURES E OUTROS ACORDOS HORIZONTAIS ........................... 47

4.4.1 – Joint-Ventures ................................................................................................. 47

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

4.4.2 – Joint-ventures de pesquisa .............................................................................. 48

4.4.2.1 – Tratamento de joint-ventures de pesquisa nas legislações americana,


europeia e brasileira ................................................................................................ 50

4.4.3 – Outras formas de cooperação com relação à tecnologia................................. 52

4.4.3.1 – Licenciamento cruzado e pool de patentes .............................................. 52

4.4.3.2 – Estabelecimento de padrão cooperativo .................................................. 53

4.5 – DOIS CASOS DE CONDUTA PARALELA: O DO CARTEL DO AÇO E O DA


PONTE AÉREA ............................................................................................................. 56

4.5.1 – O cartel do aço ................................................................................................ 56

4.5.2 – O cartel da ponte aérea ................................................................................... 58

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 4 ............................................... 60

Quadro 4.1 – Fatores que facilitam a colusão ............................................................ 60

Q4.1.1 – O modelo básico para analisar os fatores facilitadores ............................ 61

Q4.1.2 – O problema com superjogos: equilíbrios múltiplos ................................. 67

Quadro 4.2 – Material Avançado ............................................................................... 69

Q4.2.1 – Credibilidade da punição e códigos penais ótimos .................................. 69

Q4.2.2 – Cartéis e renegociação ............................................................................. 74

Q4.2.3 – O modelo de Green-Porter (1984) ........................................................... 78

Q4.2.4 – Simetria e colusão .................................................................................... 81

Quadro 4.3 – Programas de leniência ......................................................................... 91

Quadro 4.4 – P&D cooperativa .................................................................................. 99

Exercícios do Capítulo 4 .............................................................................................. 103

Soluções dos Exercícios do Capítulo 4......................................................................... 110

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

4.1 – INTRODUÇÃO

Acordos conluiados podem assumir diferentes formas: as empresas podem fazer


acordos sobre preços de venda, alocar quotas de venda entre si, dividir mercados, de
forma que algumas decidam não estar presentes em certos mercados, em troca de serem
as únicas vendedores em outros, ou coordenar sua conduta em outras dimensões. Arranjos
institucionais para sustentar colusão podem variar de uma estrutura muito bem
organizada, do tipo cartel, na qual existe um tipo de escritório central (secreto, se houver
legislação antitruste), que toma as principais decis.es sobre situações em que as empresas
meramente encontram alguma forma de comunicação para sustentar o acordo. Além
disso, um resultado oclusivo pode ser sustentado mesmo em situações em que as empresas
nunca tenham se encontrado para discutir preços ou trocado informações sensíveis (mas,
nesses casos, denominados “colusão tácita”, a legislação não deve intervir, conforme
argumentaremos).

Práticas colusivas permitem que as empresas exerçam poder de mercado que não
teriam de outra forma, restringindo artificialmente a concorrência, aumentando preços e,
assim, reduzindo o bem-estar.1 Consequentemente, são proibidas pela legislação
antitruste, e grande parte dos esforços das autoridades antitruste é dedicada a lutar contra
essas práticas. Contudo, embora qualquer autoridade antitruste séria certamente atacasse
um cartel ou um acordo explícito entre concorrentes para estabelecer preços ou dividir
mercados, pode haver divergências quanto ao padrão de prova requerido diante de
infringências menos ruidosas da lei, como no tratamento de casos em que as empresas
fazem manobras para manter preços elevados sem entrar abertamente em colusão.

O principal propósito deste capítulo é identificar os principais mecanismos por


detrás dos cartéis, estudar os fatores que os facilitam e explicar quais comportamentos
deveriam ou não ser tratados como infrações à lei. Também serão abordadas as ações que
as autoridades antitruste deverão tomar para deter e romper cartéis.

O capítulo é estruturado da seguinte forma: a seção 4.1.1 esquematiza brevemente


os principais aspectos da colusão ou cartéis do ponto de vista econômico. A seção 4.2

1
Veja o Capítulo 2 para a relação entre poder de mercado e bem-estar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

investiga aspectos da indústria, características contratuais e outros fatores que podem


tornar a colusão mais provável. Essas duas seções são teóricas por natureza e apoiam-se
na bem desenvolvida literatura sobre organização industrial e colusão. A seção 4.3 por
sua vez lida com a “prática” da colusão: vamos sugerir qual deveria ser o padrão legal
para definir quais empresas são culpadas por colusão e que ações deveriam ser tomadas
para deter e romper colusões. A seção 4.4 é voltada para a discussão de acordos entre
empresas não focadas na fixação de preços e divisão de mercados. É o caso das empresas
que criam joint-ventures para colaborar em atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Finalmente, a seção 4.5 estuda os casos do Cartel do Aço e o do Cartel da Ponte Aérea,
que nos dão a oportunidade de discutir mais profundamente a questão do padrão de prova
em casos de colusão.

4.1.1 – O que é colusão?

… Primeiro, um aviso. Nesta seção, será caracterizado brevemente o conceito de


colusão do ponto de vista da economia industrial. Note que, aqui, o termo “colusão” não
é utilizado como sinônimo de “acordo conspiratório que deve ser considerado ilegal”. Na
verdade, um dos principais temas deste capítulo é, precisamente, a teoria econômica, na
qual colusão é definida como um resultado econômico (“preços elevados”, no sentido
explicado a seguir), autoridades antitruste e juízes devem considerar ilegais apenas
práticas em que as empresas coordenam suas ações de forma explicita para obter um
resultado colusivo.

O leitor deve, portanto, estar atento ao fato de que nas seções 4.1.1 e 4.2 usaremos
o termo “colusão” de forma que adere à teoria econômica, mas que pode ser um pouco
enganadora, na medida em que compreende tanto a colusão tácita quanto a explícita,
enquanto a lei deve punir apenas acordos explícitos (como argumentaremos na seção
4.4).2

2
Também se argumentava que as autoridades antitruste deveriam lidar com a colusão tácita, mas de forma
preventiva, buscando eliminar práticas de negócio que pudessem facilitar a colusão e pelo controle de
fusões e aquisições.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

Definindo colusão (ou cartéis) na teoria econômica. Em economia, colusão é uma


situação em que os preços das empresas são mais elevados que os de alguma referência
concorrencial.3 Uma definição ligeiramente diferente classificaria colusão como uma
situação em que as empresas estabelecem preços suficientemente próximos do nível de
monopólio.4 Em qualquer dos casos, a colusão econômica coincide com um resultado
(preço suficientemente elevado), não com uma forma específica pela qual o resultado é
obtido. Realmente, conforme explicado a seguir, a colusão pode ocorrer tanto quando
empresas agem por meio de um cartel organizado (colusão explicita) quanto quando agem
de forma puramente não cooperativa (colusão tácita).

Quais são os principais ingredientes da colusão? Não é fácil para as empresas obter
um resultado colusivo, mesmo quando são livres para acordar sobre os preços que
desejam estabelecer. Em particular, toda empresa terá a tentação de se desviar da ação
colusiva, porque, ao fazê-lo, aumentará seus lucros.

Considere uma indústria imaginária que consista de dois vendedores de frutas em


uma feira de rua. Imagine que ambos vendam maçãs de qualidade idêntica e cada um
pague $1 por quilo a seu fornecedor. Imagine também que cada vendedor acredite que $2
seja o preço de monopólio e acredite que o outro pense da mesma maneira. Quando o
vendedor arma sua barraca, precisa decidir o preço de venda. Suponha que ele imagine
que o concorrente estabelecerá o preço de $2. Se ele cobrar $2 por suas maçãs, obterá
grosso modo, metade dos clientes, já que as pessoas que queiram adquirir maçãs não
verão diferença entre comprar tanto de um quanto do outro. Mas ele terá uma forte
tentação a desviar, ou seja, cobrar um preço mais baixo que o concorrente: se ele
estabelecer um preço, digamos, de $1,9, os consumidores comprarão sempre com ele (por
que pagar mais por um produto idêntico?). Como resultado, ele ainda obterá uma margem

3
Em termos técnicos, a referência é usualmente o preço de equilíbrio de um jogo em que empresas
encontram-se apenas uma vez no mercado (situação em que a colusão não ocorrerá). Por exemplo, em um
jogo de bens homogêneos, no qual as empresas escolhem preços, um resultado colusivo existiria sempre
que os preços estivessem mais altos que o nível de equilíbrio de Bertrand em uma rodada. Quando elas
escolhem quantidades, sempre estão mais baixas que as do equilíbrio de Cournot em uma rodada.
4
Veja Kühn (2001). Monopólio ou maximização conjunta de lucros são os preços que seriam estabelecidos
se todas as empresas de uma indústria estivessem filiadas a uma mesma companhia ou fossem gerenciadas
por um mesmo gestor.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

unitária alta, mas venderá mais unidades: em resumo, terá mais lucros do que se vender
ao preço “colusivo” de $2.5

O reconhecimento de que qualquer situação colusiva traz naturalmente a tentação


de desviar dela, a ruptura da colusão nos leva a identificar dois elementos que devem
estar presentes para que a colusão ocorra. Em primeiro lugar, os participantes devem ser
capazes de detectar a tempo os desvios (uma empresa que estabeleça preços mais baixos
ou produza quantidades maiores que os níveis acordados anteriormente).6 Em segundo
lugar, identificar os desvios não é suficiente: é preciso que haja também punição, por
exemplo, fazendo os concorrentes produzirem quantidades muito maiores (ou venderem
a preços muito inferiores) que nos períodos anteriores ao desvio, de modo a deprimir o
lucro do desviante.7

Apenas se a empresa tiver ambas as informações – a de que o desvio será


rapidamente identificado e punido (isto é, ela terá de renunciar aos lucros, por conta da
reação das empresas do cartel) –, é que ela poderá refrear-se de desviar da conduta
colusiva, de modo que o resultado colusivo surgirá.8

Para continuar com nosso exemplo, depois de verificar que o vendedor de frutas
está sujeito à tentação de cortar preços abaixo do nível colusivo de $2, vejamos em que
condições ele desviaria. Se a feira for pequena o suficiente e se os feirantes anunciarem
em cartazes os preços das frutas que vendem, a detecção do corte de preços será imediata.
Depois que o corte de preços for identificado, podemos apostar que o vendedor que até
agora manteve o preço de $2 vai retaliar imediatamente e passará a vendê-las a um preço

5
É claro que, para esse simples exemplo se sustentar, é necessário que o vendedor não venda todas as maçãs
que levou para o mercado ao preço colusivo de $2. De outra forma, não terá incentivo para cortar preços
de modo a aumentar vendas.
6
Detecção de desvios não é sempre fácil: em muitos mercados, os preços e a produção das empresas não
são diretamente verificáveis. Stigler (1964) foi provavelmente o primeiro a sublinhar esse problema e suas
consequências sobre a probabilidade de colusão.
7
Note que uma punição pode ser pensada como uma forma mais agressiva de comportamento de mercado,
não como punição monetária (ou física!) direta. Note também que a punição também afeta as empresas
punidoras, precisamente porque precisam se apoiar em mecanismos de mercado (preços baixos afetam o
lucro de todas as companhias). É crucial, portanto, que as empresas estejam dispostas a tomar parte da
punição.
8
Por sua vez, isso implica que a colusão pode ser sustentada apenas se as empresas encontram-se
repetidamente no mercado. De outra forma, a punição não poderá ocorrer. Por isso, a colusão precisa ser
modelada por jogos dinâmicos (repetidos).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

mais baixo que $1,9 o quilo. O resultado será uma guerra de preços que reduzirá o lucro
de ambos. Um vendedor que contemple a possibilidade de desvio certamente considerará
a possibilidade de que o rival retaliará. Em outras palavras, a consciência de que o desvio
será facilmente detectado e de que, em seguida, haverá uma punição do mercado que
refreará cada vendedor de se desviar de uma conduta colusiva e tenderá a mantê-los
colados ao preço colusivo.

Em resumo, para que a colusão ocorra, primeiramente é preciso que haja a


possibilidade de detecção de desvios com relação a uma ação colusiva de forma
tempestiva. Em segundo lugar, uma punição crível subsequente.

É necessário salientar que, no exemplo, os vendedores de fruta não se comunicam


entre si, nem diretamente nem por intermediários: preços colusivos surgem pelo
comportamento puramente não cooperativo entre vendedores. Em outras palavras, se a
detecção do desvio for rápida e a punição do mercado, provável e crível, a colusão tácita
poderá surgir: as empresas não necessariamente precisam se comunicar, muito menos
elaborar esquemas complexos de acordos para que resultados colusivos sejam
sustentáveis. Basta que a consciência do desvio seja identificada e que haja uma
“punição”.

Que tipo de preço é colusivo? Uma dificuldade do exemplo anterior é que não é
claro como o “preço de colusão” é escolhido. Imagine que, por alguma razão, cada
vendedor pense que o outro vai estabelecer o preço de $1,5, não o de $2. Em seguida,
novamente uma situação colusiva pode ocorrer em equilíbrio, mas, dessa vez, com os
vendedores estabelecendo um preço mais baixo que o de monopólio. Em outras palavras,
o mecanismo colusivo descrito funciona para diferentes preços e resultados com empresas
obtendo níveis bastante diferentes de lucros.9

O resultado levanta a importante questão da coordenação. Empresas que coludem


tacitamente podem chegar ao resultado colusivo completo, mas essa é apenas uma das
inúmeras possibilidades de resultados de equilíbrio (também há o resultado competitivo,
ou seja, o preço de equilíbrio do jogo de uma rodada). Então, haverá um resultado mais

9
O “teorema popular” (folk theorem, Friedman, 1971) diz que, em jogos com horizontes infinitos de tempo,
as empresas podem ter qualquer lucro entre zero e o resultado totalmente colusivo no nível de equilíbrio
“colusivo”.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

provável? Uma vez que as empresas têm interesse em coordenar seus resultados com os
preços mais altos possíveis, como podem fazê-lo?

Coordenação: a diferença entre colusão tácita e aberta. Sob colusão tácita, é


complicado para uma empresa resolver o problema de coordenação. Se elas não podem
se comunicar, é possível que cometam erros e selecionem preços difíceis de cobrar (ou
quantidades), não ótimos para as empresas em conjunto. Usar o mercado para sinalizar
intenções de coordenar um preço diferente pode ser muito custoso. Se uma empresa crê
que o preço “correto” para uma indústria é mais alto e aumenta seu próprio preço para
sinalizar isso, ela perderá participação de mercado no período de ajustamento. Se reduzir
seus próprios preços para tentar coordenar em um nível mais baixo de preço de equilíbrio,
esse movimento pode ser compreendido como um desvio e deflagrar uma dispendiosa
guerra de preços. Assim, experimentos com mudanças de preços para coordenar em outro
nível de equilíbrio colusivo podem ser muito custosos.

Sob colusão explícita, por sua vez, as empresas podem conversar entre si e
coordenar seu equilíbrio preferido em conjunto, sem ter de fazer experimentações com o
mercado. Além do mais, se houver choques que alterem as condições de mercado, a
comunicação permitirá que as companhias mudem para um novo preço colusivo sem o
risco de disparar um período de punição.

Suponha que, no exemplo anterior, um vendedor perceba que a demanda por


maçãs tenha decrescido, de modo que pense que o preço ótimo agora é mais baixo,
digamos, $1,8. Na ausência de comunicação com os demais vendedores, ele se defronta
com um problema: se reduzir o preço para $1,8, como sugerem as novas condições do
mercado, a colusão poderá se romper. De fato, o concorrente pode ter uma percepção
diferente acerca da demanda do mercado e/ou interpretar equivocadamente o novo preço
baixo como um “desvio” e dar início a uma guerra de preços como punição. No entanto,
se ele se ativer ao preço usual de $2, obterá menos lucros, porque a demanda diminuiu.

A colusão explícita evita esse problema: nosso vendedor poderia dizer ao


concorrente que acredita ser melhor reduzir o preço, e a comunicação permitirá a ambos
decidir um novo preço que atenda a eles, sem o risco de uma guerra de preços ou um
longo período de ajustamento.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

Esquemas de ajustamento de mercado (ou divisão de mercado), de acordo com os


quais uma empresa vende para determinada região (ou atende a clientes de determinado
tipo), enquanto o concorrente vende para outra região (ou atende a clientes de outro tipo)
– sejam obtidos por colusão explícita ou acidente histórico – têm a vantagem de permitir
que preços se ajustem à nova demanda ou a condições de custo sem deflagrar possíveis
guerras de preços. Um esquema de alocação de mercado evita a possibilidade de que, se
um choque reduzir os custos de produção ou a demanda de mercado, a redução possa
disparar uma guerra de preço. Contanto que cada empresa não atenda a segmentos da
demanda (explícita ou tacitamente) alocadas a concorrentes, os preços podem ser
alterados sem que os resultados colusivos sejam rompidos. Isso provavelmente explica
por que tais esquemas colusivos são usados com tanta frequência.10

A questão da comunicação e da coordenação entre empresas será retomada na


seção 4.2.2.2 e quando se trata do porquê a política de defesa da concorrência deve focar
as práticas de colusão explícita (isto é, quando existe alguma comunicação e coordenação)
na seção 4.4. Antes disso, porém, é apropriado estudar mais profundamente a colusão, em
particular os fatores que a facilitam. Isto será feito na seção 4.2, que se segue.

4.2 – FATORES QUE FACILITAM A COLUSÃO

A análise da colusão na economia industrial moderna é baseada na chamada


restrição de incentivos para a colusão: cada empresa compara o ganho imediato que
obtém com o desvio ao ganho do qual abre mão no futuro, quando os concorrentes
reagem. Apenas se o primeiro for mais baixo que o último, ela escolherá a estratégia de
colusão. Em geral, a colusão é mais provável de surgir quanto mais baixo for o lucro que
a empresa obtiver por se desviar, quanto mais baixos forem os lucros esperados, uma vez
iniciada a punição, e quanto mais peso elas atribuírem ao futuro (isto é, quando a “perda
pelo desvio” ocorrer).

10
Um agradecimento especial a Joe Harrington por ter enfatizado este ponto.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

Nesta seção, revisaremos os fatores mais conhecidos por promoverem resultados


colusivos e explicaremos sob que circunstâncias se deve esperar que desempenhem seu
papel. A discussão é baseada no arcabouço delineado anteriormente (a condição de que a
empresa está melhor quando entra em colusão do que quando desvia): se determinado
fator afrouxar as restrições de incentivo para as empresas, isso facilita a colusão; se as
compromete mais, dificulta a colusão, se o efeito é ambíguo, então o fator não terá um
impacto claro sobre a colusão.

Há duas razões claras por trás do exercício conduzido nesta seção. Em primeiro
lugar, é importante identificar os fatores que facilitam a colusão para que as autoridades
antitruste possam intervir de forma a eliminá-los quando possível. Em segundo lugar, em
alguns casos, especialmente em análises de fusões e aquisições, deve-se avaliar se uma
indústria em particular é inclinada ou não a resultados colusivos. Estudar a indústria e
analisar se há fatores prováveis de levarem à colusão é crucial.

De alguma forma arbitrária, mas, principalmente, para facilitar a apresentação,


vamos dividir o estudo dos fatores facilitadores em três categorias.

4.2.1 – Fatores estruturais

Concentração. As demais coisas permanecendo constantes, a colusão é mais


provável quanto menor o número de empresas em uma indústria. A comparação entre os
ganhos e perdas dos desvios ilustra por que esse é o caso. Imagine que haja muitas
empresas de mesmo porte e grande capacidade, que coexistam em uma indústria. Em uma
situação colusiva, cada uma estabelecerá um preço elevado e ficará com uma parte
pequena dos lucros totais. No entanto, se uma desviar e estabelecer um preço mais baixo,
ela pode tomar o mercado inteiro. Mesmo se a punição for pesada, se um fluxo muito
pequeno de lucros esperados se siga depois do desvio, eles podem ser extraordinariamente
grandes durante o período do desvio, de modo a compensar os lucros colusivos perdidos
durante o período de punição. Compare essa situação com o extremo oposto, em que há
apenas duas empresas na indústria. No equilíbrio colusivo, cada uma obterá metade do

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

mercado, de modo que os ganhos obtidos com o desvio serão pequenos em relação aos
menores lucros por conta da punição que se segue.

Se as companhias forem simétricas, um menor número de empresas é equivalente


a um maior grau de concentração, o que é, por consequência, associado – ceteris paribus
– à maior possibilidade de colusão (tácita ou explícita).

No entanto, conforme veremos a seguir, quanto mais assimétricas forem as


empresas – em capacidade, participação de mercado, custos e variedade de produtos –,
menos provável será a colusão. Isso qualifica a descoberta de que a concentração facilita
a colusão, no seguinte sentido: se uma medida de concentração aumenta com uma
distribuição assimétrica de ativos entre empresas – como acontece com o índice
Herfindahl-Hirschman (ver o Capítulo 3) –, deve-se esperar uma relação ambígua entre
concentração e colusão: tal medida confunde dois fatores – média alta de participação de
mercado e assimetria –, o que afeta a colusão em sentidos opostos. Se, alternativamente,
a medida de concentração usada não varia com a assimetria – como nas taxas de
concentração 𝐶𝑘 , a soma das participações de mercado das 𝑘 maiores empresas da
indústria –, o aumento da concentração medida deve corresponder à maior probabilidade
de colusão.

Finalmente, note que a concentração também ajuda a coordenação das empresas


em um resultado colusivo, não só sua execução: quanto menor o número de participantes
em uma indústria, mais fácil será coordenar seu comportamento.

Entrada. Quanto mais fácil a entrada na indústria (menores as barreiras à entrada),


mais difícil sustentar preços colusivos. Quando preços e lucros são elevados, novas
empresas serão atraídas para a indústria, e isso tende a romper o resultado colusivo em
função de dois possíveis mecanismos. Suponha, primeiro, que um entrante não queira
adotar uma estratégia colusiva e se comporte agressivamente.11 Isso subtrairá participação
de mercado das incumbentes, que terão de reduzir preços para manter seus consumidores,

11
Tal empresa deve ser chamada “dissidente” (maverick). Uma dissidente pode ser também
substancialmente diferente das rivais (porque tem, por exemplo, um fator de desconto menor, uma
utilização de capacidade diferente ou um portfólio de marcas menor). Veja a discussão sobre simetria e
colusão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

quebrando, desse modo, o equilíbrio colusivo. Antecipando que a entrada possa ocorrer,
as incumbentes serão forçadas a manter os preços baixos.

Suponha, alternativamente, que tanto a entrante quanto as incumbentes sigam uma


estratégia de acomodação, e que a entrante assuma também o comportamento colusivo
(tácito ou explícito). Uma vez que, quanto maior o número de companhias, menos
provável a colusão se sustentar, a entrada pode romper o resultado colusivo. Tanto mais
por que, já que se uma entrante recolhe sua parcela dos lucros colusivos da indústria, mais
entrantes serão instigadas a seguir a mesma estratégia, e, mais cedo ou mais tarde, a
colusão se tornará insustentável.

Em geral, por conseguinte, deve-se esperar que, quanto mais baixas as barreiras à
entrada (tal como determinado pelos custos fixos de entrada que as novas empresas terão
de “afundar” na indústria), mais difícil será sustentar a colusão. Não obstante, a existência
de entrantes potenciais não necessariamente quebra a colusão. Suponha que um entrante
espere que as incumbentes reajam muito agressivamente à entrada.12 Se a ameaça de forte
reação por parte das incumbentes for crível, as entrantes poderão optar por não entrar.13

Participações cruzadas e outras conexões entre competidores. Se uma empresa


detiver uma participação em uma concorrente, mesmo que não a controle,14 o escopo da

12
Não há razão para crer, a priori, que as incumbentes vão sempre favorecer ou sempre combater a entrada.
Em um ótimo estudo empírico, Scott Morton (1997) analisou o cartel de cargas britânico na virada do século
XX e verificou que alguns entrantes eram aceitos e incorporados ao cartel, enquanto outros (os entrantes
fracos) eram combatidos.
13
Gilbert e Vives (1986) analisam o caso em que a predação conjunta ocorre sem a necessidade de os
predadores se coordenarem. Em Harrington (1989b), a entrada dispara a mesma (mais forte possível)
punição gerada por um desvio da conduta colusiva pelas incumbentes. Mas se as incumbentes tivessem se
coordenado, estariam infringindo os art. 20 e 21, combinados da antiga Lei 8.884/94, incisos I, II e/ou III;
a lei ainda prevê o caso de tentativa colusiva de bloquear entrada, inciso IV. Os mesmos dispositivos legais
estão previstos na Lei 12.529/2011/Art. 36 § 3o As seguintes condutas, além de outras, na medida em que
configurem hipótese prevista no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração de ordem
econômica: I – acordar, combinar, manipular ou ajustar com concorrente, sob qualquer forma: a) os preços
de bens ou serviços ofertados individualmente; b) a produção ou a comercialização de uma quantidade
limitada de bens ou a prestação de um número, volume ou frequência limitada de serviços; c) a divisão de
partes ou segmentos de um mercado atual ou potencial de bens ou serviços, mediante, entre outros, a
distribuição de clientes, fornecedores, regiões ou períodos; d) preços, condições, vantagens ou abstenção
em licitação pública; II – promover, obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou
concertada entre concorrentes; III – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado.
14
Se houver controle, trata-se de fusão (ver o Capítulo 5). O CADE desenvolveu cuidadosa jurisprudência
e estabeleceu na atual Resolução 2/2012 detalhada regulação acerca das regras de notificação de aquisições
minoritárias que possam vir a gerar influência determinante na condução dos negócios de concorrentes.
Toda a seção 3 da Resolução 2/2012 trata sobre o assunto “Da notificação de aquisição de participações
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

colusão será fortalecido. Em primeiro lugar e de forma mais óbvia, se um representante


de uma empresa participar do conselho de administração de uma concorrente, será fácil
coordenar e trocar informações sobre políticas de preços, comerciais e propaganda, o que
facilita o monitoramento da conduta da concorrente e constitui – como se discutirá a
seguir – um importante elemento de facilitação de colusão. Em segundo lugar, mesmo
que uma empresa não tenha qualquer influência sobre a política de negócios da
concorrência, mas apenas detenha uma participação, sem participação no conselho, os
incentivos para competir no mercado podem ser reduzidos. Isso porque os lucros da
concorrente afetarão a performance financeira da própria empresa, composta pelos lucros
de mercado e retornos financeiros: uma estratégia agressiva de mercado (como o desvio
de um preço colusivo) será menos lucrativa do que se não houver qualquer participação
na concorrente, o que faria decrescerem os retornos nos investimentos financeiros da
empresa.

Por conseguinte, seria mais sensato não permitir que uma empresa tivesse
participação minoritária (a fortiori, controladora) em uma concorrente.

societárias”. Art. 9o – As aquisições de participação societária de que trata o artigo 9o, II, da Lei
12.529/2011 são de notificação obrigatória, nos termos do art. 88 da mesma lei, quando:
I – Acarretem aquisição de controle.
II – Não acarretem aquisição de controle, mas preencham as regras do artigo 10.
III – Sejam realizadas pelo controlador, na hipótese disciplinada no artigo 11.
Art. 10 – Nos termos do artigo 9o, II, são de notificação obrigatória ao CADE as aquisições de parte de
empresa ou empresas que confiram ao adquirente o status de maior investidor individual ou que se
enquadrem em uma das seguintes hipóteses:
I – Nos casos em que a empresa investida não seja concorrente nem atue em mercado verticalmente
relacionado:
a) Aquisição que confira ao adquirente titularidade direta ou indireta de 20% ou mais do capital social ou
votante da empresa investida.
b) Aquisição feita por titular de 20% ou mais do capital social ou votante, desde que a participação direta
ou indiretamente adquirida de pelo menos um vendedor considerado individualmente chegue a ser igual ou
superior a 20% do capital social ou votante.
II – Nos casos em que a empresa investida seja concorrente ou atue em mercado verticalmente relacionado:
a) Aquisição que confira participação direta ou indireta de 5% ou mais do capital votante ou social.
b) Última aquisição que, individualmente ou somada a outras, resulte em um aumento de participação maior
ou igual a 5%, nos casos em que a investidora já detenha 5% ou mais do capital votante ou social da
adquirida.
Parágrafo único. Para fins de enquadramento de uma operação nas hipóteses dos incisos I ou II deste artigo,
devem ser consideradas: as atividades da empresa adquirente e as das demais empresas integrantes do seu
grupo econômico, conforme definição do artigo 4º dessa Resolução.
Art. 11 – Nos termos do artigo 9o, III, são de notificação obrigatória ao CADE as aquisições de participação
societária realizadas pelo controlador quando a participação direta ou indiretamente adquirida de pelo
menos um vendedor considerado individualmente chegue a ser igual ou superior a 20% do capital social ou
votante.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

Regularidade e frequência de pedidos. Pedidos regulares facilitam a colusão. Na


realidade, um pedido excepcionalmente elevado gera forte tentação de desvio: ao desviar,
a empresa realiza lucros elevados e singulares, e a perspectiva de perder os lucros
colusivos obtidos sob a demanda tipicamente mais baixa não é suficiente para detê-la. A
alta frequência dos pedidos também auxilia a colusão porque permite uma punição mais
imediata. Se os pedidos chegam a intervalos muito espaçados, o incentivo para desviar é
maior, pois a punição ocorrerá em momento bem mais distante no futuro e, por isso, será
descontada.

Poder de compra. A habilidade de sustentar preços colusivos em determinada


indústria depende também do grau de concentração dos compradores. Um comprador
forte pode fazer uso de seu poder de barganha para estimular a competição entre os
vendedores, seja ameaçando redirecionar pedidos de um vendedor corrente para outros
ou para potenciais entrantes (aqueles com perspectivas de entrada estarão muito
interessados em garantir a demanda de um grande comprador) ou ameaçando verticalizar
para trás.

Ao concentrar seus pedidos, um poderoso comprador pode também administrar a


quebra de um conluio. Em vez de manter um fluxo contínuo de pequenos pedidos, pode
agrupá-los em maiores e menos frequentes, de modo a induzir ofertantes a se desviarem
da estratégia colusiva (SNYDER, 1996).

Finalmente, compradores fortes podem projetar leilões de compras de maneira a


minimizar riscos de conduta colusiva entre ofertantes.

Elasticidade da demanda. Embora a elasticidade da demanda do mercado seja um


fator mencionado muitas vezes como facilitador da colusão, não é claro por que afeta a
probabilidade de colusão. Se a demanda for muito elástica, um corte de preço levará a
um grande aumento na quantidade demandada, mas isso vale tanto para o corte de preço
em um desvio quanto para em um período de punição. Em outras palavras, a elasticidade
da demanda afetará ambos os lados da restrição de incentivo para a colusão, e seu efeito
líquido sobre a sustentabilidade da colusão será ambíguo.

No entanto, a elasticidade da demanda afetará o nível do preço colusivo máximo


(quanto mais baixa a elasticidade da demanda, mais alto o preço de monopólio), o que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

implica que haverá menos razão para se preocupar com possível colusão, se a elasticidade
da demanda for alta.

Evolução da demanda. O impacto da evolução da demanda ao longo do tempo


sobre a colusão depende da natureza dos choques de demanda.15 Suponha que a demanda
corrente não forneça qualquer informação sobre a demanda futura – quer dizer, os
choques de demanda são distribuídos de forma idêntica e independente, como em
Rotemberg e Saloner (1986). Assim, é como se um grande pedido chegasse de repente, e
a análise seria: as empresas romperiam o conluio para captar os lucros da demanda
extraordinária.16 (Por sua vez, a colusão será mais provável se choques negativos
ocorrerem.)

Suponha, alternativamente, que movimentos de demanda são correlacionados no


tempo, de modo que grandes pedidos hoje sinalizam que a demanda vai crescer de forma
estável. Nesse caso, a colusão será mais provável: Por que uma empresa abriria mão de
elevados lucros futuros por um pequeno ganho hoje, quando o mercado ainda é pequeno?
(Por sua vez, o conluio será menos provável se as empresas enfrentarem um futuro de
demanda de mercado declinante.)17

A estabilidade da demanda pode ajudar a sustentar a colusão, na medida em que


aumenta o grau de transparência do mercado. Pode ser difícil entender um mercado
caracterizado por frequentes choques de demanda ou grande incerteza se baixas vendas
forem relacionadas com a variabilidade da demanda ou com cortes de preços dos
concorrentes. Assim, a colusão pode ser mais difícil de ser sustentada. Em contrapartida,
em um mercado estável e maduro, torna-se mais fácil verificar desvios e puni-los,
facilitando a colusão.

15
Também depende se os movimentos de demanda são observáveis ex post ou não.
16
Um mercado caracterizado por drásticas e frequentes inovações também será menos inclinado à colusão,
na medida em que menos peso será atribuído ao futuro (as incumbentes antecipam que poderão não ser tão
competitivas no futuro), e o incentivo para desviar, portanto, será maior. Veja Rey (2002).
17
Há alguns estudos formais sobre o problema da sustentabilidade da colusão sobre o ciclo de negócios.
Os resultados intuitivos mostrados aqui coincidem com os de Haltiwanger e Harrington (1991), que
descobriram que a colusão é mais provável de ser rompida quando a demanda é declinante. Mas Fabra
(2001b) estende sua análise e considera a possibilidade de restrição de capacidade; ela mostra que o
resultado de Haltiwanger e Harrington só se sustenta quando a capacidade agregada da indústria é grande
o suficiente, mas, se for pequena o bastante, é menos provável que a colusão seja mantida quando a demanda
crescer.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

Homogeneidade de produtos. Autoridades antitruste e profissionais que atuam na


área costumam afirmar que é mais fácil encontrar colusão em mercados de produtos
homogêneos que em mercados de produtos diferenciados. A teoria é menos clara sobre
esse ponto. Suponha que os produtos sejam diferenciados. Nesse caso, é mais difícil punir
uma empresa desviante, uma vez que mesmo uma considerável redução nos preços com
relação às concorrentes deixaria a desviante com uma demanda positiva. Esse efeito tende
a desencorajar a colusão, pois apenas o medo da punição refreia as companhias de desviar
do cartel.18 A priori, portanto, não é claro – outras coisas permanecendo constantes – se
a colusão deverá ser mais provável em produtos como cimento e gasolina que em cigarros,
refrigerantes e águas minerais, produtos caracterizados por alto grau de lealdade do
consumidor.19

Contudo, a homogeneidade pode auxiliar a colusão caso as empresas vendam não


um único produto bem definido, mas muitas variantes de um mesmo produto, de modo
que seria complicado atingir um resultado oclusivo. Isso faz sentido, na medida em que
diminua a visibilidade dos desvios e leve, então, à redução da possiblidade de recurso a
rápidas punições.20

Simetria. As autoridades de concorrência a os tribunais também costumam ver a


simetria entre as empresas como um dos fatores de facilitação para a colusão. A simetria
envolve diferentes dimensões (como participações de mercado, número ou variedade de
produtos no portfólio, custos e conhecimento tecnológico, capacidades ociosas), cuja
importância diferirá cada indústria. Muitos argumentos informais sustentam a ideia de
que a simetria auxilia a colusão: por exemplo, é intuitivo que pessoas em posições
similares acharão fácil chegar a um acordo que atenda a todos. Recentemente, obtiveram-
se contribuições formais à literatura dando sustentação a essa ideia.21

18
Veja, por exemplo, Ross (1992) para uma análise formal desse argumento.
19
As altas despesas de propaganda sustentadas nesses mercados explicam por que são percebidos pelos
consumidores como muito diferenciados. Ver Sutton (1991).
20
Uma explicação alternativa sobre por que a homogeneidade de produto facilitaria a colusão foi oferecida
por Raith (1996a). Ele argumenta que diferentes produtos podem ser sujeitos a diferentes choques de
demanda. Se a homogeneidade de produto implica correlação em choques de demanda, então pode auxiliar
a colusão.
21
Também há evidências da análise empírica: veja Barla (2000) sobre a desigualdade no tamanho da
empresa e a colusão na indústria de aviação civil.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

Compte, Jenny e Rey (2002) analisaram um modelo no qual as empresas


produzem bens homogêneos e têm custos idênticos, mas diferem em suas capacidades.
Em seu modelo, a empresa maior tem o maior incentivo para se desviar da colusão (a
companhia cuja capacidade é preenchida quando o preço está no nível colusivo não tem
qualquer incentivo para reduzir esse preço), e as menores têm dificuldades para impor
punição (uma vez que sofrem restrição de capacidade, não podem ameaçar de forma
crível uma empresa desviante com punição). Uma distribuição mais equânime de
capacidades produtivas auxiliaria a colusão. Se as posições fossem mais similares, seus
incentivos para desviar e punir estariam mais alinhados, e a colusão seria mais facilmente
sustentada.

Kühn e Motta (1999) afirmam que há empresas multiprodutos. Quanto maior a


empresa (quanto maior a variedade de seus produtos), maior seu interesse em manter seus
preços altos. Similarmente, para uma companhia que tenha elevada participação de
mercado, para a qual uma redução marginal no preço iria prejudicar todas as unidades
inframarginais, uma redução de preços em uma variedade afetaria negativamente todas
as outras (quanto maior a companhia, maior o efeito de externalidade de preços). Por
outro lado, uma pequena empresa (que vendesse apenas uma ou poucas variedades) teria
forte incentivo para desviar e pegar uma “carona” nos altos preços, uma vez que, ao
diminuí-los, captaria demanda de todos os produtos das concorrentes. Assim, nesse
modelo, a companhia maior encontra mais dificuldade para punir, e as menores são mais
tentadas a desviar do preço colusivo.

Note que os mecanismos operantes são bem diferentes em Compte, Jenny e Rey
(2002) e em Künh e Motta (1999), mas os resultados são os mesmos: uma distribuição
mais equânime de ativos afrouxa as restrições de incentivo tanto para pequenas quanto
para grandes empresas e auxilia a colusão.22

22
Vasconcelos (2001b) confirma esse resultado com um modelo muito refinado, no qual analisa esquemas
de punição ótimos. Ele tem um modelo de bens homogêneos no qual as empresas diferem em capacidade
produtiva, mas, ao contrário de Compte et al. (2002), maior capacidade implica menor custo. Em seu
trabalho, companhias maiores têm mais incentivos a se desviar ao longo da rota de punição, e pequenas
empresas, ao longo da rota de colusão. Novamente, a simetria auxilia a colusão. Harrington (1989a) analisa
a colusão quando as empresas têm diferentes fatores de desconto. Ele mostra que, quando assimétricas, as
empresas fazem uma manobra para obter um resultado colusivo, redistribuindo participações de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

Contatos multimercado. Durante muito tempo, argumentou-se que contatos em


multimercados – definidos como empresas que se encontram em mais de um mercado –
auxiliariam a colusão. Realmente, existe mesmo evidência empírica de que seja um fato.
Evans e Kessides (1994) descobriram que tarifas de companhias aéreas são
significativamente mais elevadas em rotas nas quais transportadores de carga têm
contatos em diversos itinerários. Parker e Röller (1997) descobriram que os preços
tendem a ser mais elevados em mercados de telefonia móvel nos Estados Unidos,
caracterizados por contatos multimercados.

A explicação sugerida costumava ser a de que quando as empresas coexistiam em


vários mercados, era mais dispendioso se desviar da conduta colusiva, uma vez que
seriam punidas em todos os mercados ao mesmo tempo. Mas esse argumento intuitivo é
incompleto e consequentemente falho. De fato, se uma empresa estiver presente em
muitos mercados, ela poderá também desviar em todos eles ao mesmo tempo, o que lhe
dará mais incentivo para desviar. Bernheim e Whinston (1990) mostram que quando os
mercados são perfeitamente simétricos, contatos multimercados não alteram os incentivos
para a colusão. Apenas quando existem assimetrias, os contatos multimercados podem
auxiliar.

A intuição por trás do resultado de como os contatos multimercados podem ajudar


a organização de cartéis não é imediata, mas um exemplo pode ser útil. Suponha que
existam dois mercados assimétricos no seguinte sentido. No Mercado A, há duas
empresas, vamos chamá-las de 1 e 2, com participações de mercado similares. No
Mercado B, há n companhias, duas das quais são 1 e 2 (as empresas multimercados).
Assim, um cartel surgirá no Mercado A, mas não no B (sabemos que a colusão é mais
difícil de ser sustentada quando há mais companhias). Isso equivale dizer que, aos fatores
de desconto prevalecentes, as restrições de incentivo (RIs) das empresas multimercados
no Mercado A são relaxadas, enquanto as RIs no Mercado B (tomadas isoladamente) não
são satisfeitas. Mas as RIs das empresas multimercados são dadas pela ponderação das
duas RIs, uma para cada mercado. Para entender por que contatos multimercados ajudam
a sustentar a colusão, consideramos dois pontos: primeiro, se as outras 𝑛– 2 empresas do
Mercado B tiverem uma participação de mercado maior, seus incentivos para desviar
serão reduzidos. (Lembre que quanto maior a empresa, menor o incentivo para reduzir
preços.) Segundo, para cada empresa multimercado, as RIs agrupadas ainda valerão, se a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

companhia tiver vendido um pouco menos no Mercado B. De fato, aceitar uma


participação de mercado menor no Mercado B aumentaria o incentivo para desviar nesse
mercado, mas isso pode ser contrabalançado pelo fato de que o incentivo para desviar no
Mercado A é baixo. Ao agrupar as RIs, sua negligência no Mercado A pode ser usada
para reforçar a colusão no outro mercado.

Para esclarecer mais profundamente o conceito, considere o seguinte exemplo.


Suponha que, no Mercado A, uma empresa tenha 70% de participação, e outra, 30%,
enquanto a situação exatamente oposta ocorre no Mercado B. Fora o fato de uma empresa
vender mais em um mercado que em outro, elas têm características similares, e os
mercados apresentam traços e tamanhos similares. Suponha também que, se os dois
mercados fossem tomados isoladamente, a colusão não seria sustentável (a assimetria de
participação de mercado é muito forte). Mas, agora, as mesmas duas empresas operam
nos mesmos dois mercados: quando analisam se preferem estabelecer conluio ou desviar,
vão olhar para os dois mercados conjuntamente. Isso implica que terão uma única RI, na
qual ganhos e perdas do desvio são agrupados em todos os mercados. Efetivamente, agora
agrupada, é como se tivéssemos duas empresas simétricas em um grande mercado, cada
uma com 50% de participação. Contatos multimercados aqui suavizam as assimetrias de
mercado e, ao tornar as restrições de incentivo mais simétricas, auxiliam a colusão.23

Estoques e excesso de capacidade. De maneira geral, o papel desempenhado pela


presença de grandes níveis de estoque e excesso de capacidade é ambíguo. Suponha, por
exemplo, que todas as empresas em uma indústria sejam dotadas de excesso de
capacidade com relação aos níveis esperados de demanda. Esse cenário afeta ambos os
lados das restrições de incentivo de forma similar, tornando ambíguo o efeito final sobre
as condições de colusão. Por um lado, grande excesso de capacidade implica grande
incentivo para o desvio (uma redução de preços ajudaria a preencher a capacidade). Por
outro lado, se as concorrentes também forem dotadas de excesso de capacidade, muito
provavelmente a punição será forte.24

23
Outra razão pela qual contatos multimercados facilitam a colusão é que tendem a aumentar a frequência
de as firmas entrarem em contato.
24
É claro que seria diferente se o excesso de capacidade (ou grandes estoques) estivesse desigualmente
distribuído. Nesse caso, os argumentos anteriores sobre assimetria se aplicariam, quanto mais desigual fosse
a distribuição de capacidade ociosa, menos provável seria a sustentação da colusão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

Uma vez que tanto a teoria quanto a prova empírica neste ponto são ambíguas,25
não é claro se o excesso de capacidade ociosa auxilia a colusão.

4.2.2 – Transparência de preços e troca de informações

Nesta seção, primeiro enfatizamos o papel da transparência de preços e


quantidades (à medida que são observáveis) na sustentabilidade de cartéis (seção 4.2.2.1).
Em seguida, discutiremos uma prática que ajuda as empresas a melhorar a capacidade de
observação de suas ações, qual sejam, acordos para intercambiar dados individuais
passados e correntes (seção 4.2.2.2). Isso também auxilia a colusão e pode vir a ajudar as
companhias a se coordenarem em torno de um resultado em particular.

4.2.2.1 – Quanto mais observáveis as ações das empresas, mais fácil a


organização dos cartéis

Identificando desvios para sustentar a colusão: considerações teóricas. A detecção


dos desvios é um ingrediente crucial para a colusão, e Stigler (1964) argumentou que os
acordos colusivos seriam rompidos por conta de cortes em segredo. De fato, Green e
Porter (1984) mostram que, se os preços correntes (ou com descontos) não são
observáveis, a colusão se torna mais difícil de sustentar, mas ainda poderia surgir em
equilíbrio. A importante contribuição dos autores pode ser resumida da seguinte forma:
imagine uma indústria em que vendedores não possam observar os preços cobrados pelos
concorrentes e na qual os níveis de demanda de mercado também sejam inobserváveis.
Então, um vendedor não saberá se o número menor de compradores se deve a um choque

25
O primeiro modelo relacionando capacidade com colusão foi o de Brock e Scheinkman (1985). Benoit e
Krishna (1987) descobriram que excesso de capacidade é necessário para sustentar resultados colusivos, e
Davidson e Deneckere (1990), que quanto maior o grau de excesso de capacidade (determinado
endogenamente em seu jogo e dependente do custo de capital), mais colusivos os preços mantidos em
equilíbrio. Esses dois estudos sugerem que o efeito de punição do excesso de capacidade (o fato de que sua
presença permite a punição) é maior que o de desvio (o fato de que o excesso de capacidade torna o desvio
mais tentador). No entanto, em um diferente cenário, Compte et al. (2002) relataram que, para empresas
simétricas, quanto maior a capacidade da indústria, menos provável a colusão ser sustentada. Alguns
trabalhos empíricos sobre esse ponto são mencionados em Davidson e Deneckere (1990, 525-6).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

negativo de demanda ou a um corte de preços pelo concorrente, que tenha roubado parte
(ou o todo) do negócio. Green e Porter mostram que, se o fator de desconto for elevado o
suficiente, existe um conjunto de estratégias colusivas que representam um equilíbrio. As
estratégias são tais que cada empresa estabelece um preço colusivo (que deve ser o que
maximiza os lucros conjuntos), desde que cada uma se defronte com um elevado nível de
demanda. Quando uma empresa se depara com baixa demanda (ou nula), a punição é
disparada, então cada uma estabelece o preço de equilíbrio de uma rodada por um número
de períodos finitos. Depois dessa fase de punição finita, todas elas retornam ao preço
colusivo.

Assim, o modelo implica que a colusão pode ser sustentada no equilíbrio, mas, ao
contrário do modelo-padrão com perfeita observabilidade, preços colusivos e lucros
nunca serão observados para sempre, mesmo que nenhuma empresa desvie. De fato, a
punição será desencadeada sempre que um baixo nível de demanda for observado, e
durará por certo número de períodos, após os quais as empresas retornarão aos preços
colusivos.26 O modelo tem, portanto, uma importante implicação. A observação de alguns
períodos com baixo preço não é suficiente para excluir a possibilidade de que a indústria
se encontra em equilíbrio colusivo. Além do mais, guerras de preço são o elemento
indispensável de uma estratégia colusiva quando os preços dos concorrentes e as
realizações da demanda não são observáveis.27

Uma vez que a observabilidade de preços e quantidade auxilia as empresas a


atingir os resultados mais colusivos (sob perfeita observabilidade, guerras de preços
custosas deixariam de ocorrer), a política de concorrência deve prestar atenção especial a
práticas que auxiliem as empresas a monitorar o comportamento das outras. Um exemplo
de tais práticas são os acordos de intercâmbio de informações, que passaremos a discutir.
Na seção 4.2.3, também trataremos de outras práticas de precificação que aumentam a

26
Aqui, estabelecer preços iguais ao custo marginal para sempre, uma punição infinita, seria claramente
subótimo; uma vez que a punição é disparada mesmo que ninguém tenha realmente desviado, não faria
sentido condenar a indústria a uma situação de ausência de lucros eterna toda vez que se observasse um
baixo nível de demanda.
27
Por outro lado, como será discutido a seguir, a alternância de níveis de preços altos e baixos não é prova
de resultado colusivo, uma vez que uma indústria em equilíbrio não colusivo pode ter preços mais baixos
sob choques de demanda negativa ou aumento de capacidade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

observabilidade das ações das empresas, como fixação de preços de revenda e cláusulas
de melhor preço.

Intercâmbio de informações sobre preços e quantidades passadas ou correntes.


Muito frequentemente, por meio de associações comerciais, indústrias ou outras
formas equivalentes, empresas de determinado setor trocam informações sobre preços,
quantidades ou outras variáveis, como capacidade instalada, clientes, demandas, custos e
daí por diante. À luz da discussão anterior, torna-se importante identificar o potencial
colusivo dessa comunicação entre elas.28

Em primeiro lugar, vimos que o intercâmbio de informações sobre preços e


quantidades passadas (ou sobre informações verificáveis de um conjunto de preços e
quantidades em um período corrente) de cada empresa individual facilita a colusão, na
medida em que permite identificar desviantes e melhor calibrar punições de mercado, de
modo a torná-las mais efetivas e menos custosas para as companhias que punem.

Na ausência de informações desagregadas sobre preços e quantidades passadas, a


disponibilidade de estimativas mais precisas da demanda agregada (de mercado) também
auxiliaria, na medida em que possibilitaria às empresas a ver se uma diminuição na
demanda individual deriva de desvio por parte das concorrentes ou de um choque
negativo da demanda do mercado. Por outro lado, isso implica que não haveria
necessidade de fases de punição, disparadas não por desvios, mas por um decréscimo
geral da demanda do mercado.29

Intercâmbio de informações sobre preços e quantidades passadas (e correntes)


ajudam as empresas a sustentar cartéis, mas é possível que haja também efeitos de
eficiência por trás do intercâmbio desses dados. Por exemplo, mais informações sobre

28
Sobre colusão e troca de informações entre empresas, veja Kühn (2001).
29
Porter (1983a) mostra que a troca de informações particulares sobre a demanda de mercado reduz a
incerteza sobre a demanda e permite a sustentação de resultados colusivos. Na mesma linha, Kandori (1992)
mostra que, à medida que a incerteza com relação à demanda decresce, as empresas podem atingir
resultados colusivos mais elevados (e as fases de punição se tornam mais severas). Kandori e Matsushima
(1998) também relataram que a comunicação de informações sobre realizações passadas auxilia a colusão.
Tecnicamente, este último trabalho difere de Green e Porter (1984) e de Porter (1983a) e Kandori (1992)
ao presumir que as empresas recebem sinais privados e não públicos, de modo que cada uma terá uma
crença diferente do que se passou na indústria (se houve um choque de demanda ou se alguém desviou).
Outros trabalhos sobre colusão sob monitoração imperfeita e sinais privados são Compte (1998) e Athey e
Bagwell (2001).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

demanda pode possibilitar às empresas elevar a produção nos mercados e nas áreas nas
quais a demanda é mais forte. A literatura sobre troca de informações tem resultados
ambíguos.30 Teoricamente, é possível que, em certas circunstâncias, essa troca de
informações aumente o bem-estar.31 No entanto, é improvável que as empresas tenham
de trocar informação individual e desagregada para que possam atingir qualquer nível de
eficiência. Kühn (2001) também argumenta que informação sobre a indústria pode
auxiliar as empresas a definir esquemas de incentivos para seu pessoal, com base em
produtividade relativa, mas, de novo, para que tais esquemas funcionem, as empresas não
precisam de dados detalhados no nível desagregado.32

Kühn (2001) convincentemente concluiu que, enquanto ambos os tipos de


intercâmbio de informação auxiliam as empresas a organizar cartéis, a observação de
preços e quantidades passadas e presentes é uma ferramenta mais colusiva que o
intercâmbio de informação particular sobre a demanda de mercado. Ainda, se existem
ganhos de eficiência com esse intercâmbio, devem ser obtidos com a troca de dados
agregados. Isso permitirá à autoridade antitruste ser mais severa no tratamento de acordos
concernentes ao intercâmbio de informações de preços individuais e quantidades
(especialmente as mais desagregadas e recentes). De fato, sua conclusão de que
comunicações entre empresas sobre dados individuais devem ser proibidas é irrefutável.

30
Os incentivos para que as empresas troquem informações particulares e, mais importante, os efeitos sobre
o bem-estar desse intercâmbio não são robustos, uma vez que dependem substancialmente do fato de as
companhias competirem em preços ou quantidades ou de as incertezas terem relação com custos ou
demanda. Veja Kühn e Vives (1995) ou Raith (1996b) para pesquisas.
31
Foi uma discussão travada no Brasil no início dos anos 1990, quando a política de concorrência ainda
dava seus primeiros passos, e o controle de preços ainda não havia desaparecido por completo. A
experiência das Câmaras Setoriais, em que se reuniam por cadeia, indústria, trabalhadores e governo, em
que pese o forte ranço corporativista e efeitos colusivos, tinha o objetivo de reduzir incertezas e auxiliar na
política de estabilização macroeconômica. A respeito, ver Arbix (1997), Salgado (1993, 1997) e Franco
(2010).
32
Alguma exceção sobre dados detalhados pode ocorrer em setores particulares. Em bancos e seguros, por
exemplo, os mercados são caracterizados por informação assimétrica. Se as empresas tivessem informação
sobre a história de solvência dos clientes, fortaleceria a eficiência, na medida em que reduziria a seleção
adversa e impulsionaria a competição, ao ajudar os consumidores a trocar de empresa. Veja Padilla e
Pagano (1997). Note, no entanto, que, embora desagregada, não se trata de informação sobre preço ou
quantidade produzida pelas empresas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

4.2.2.2 – Coordenação e o papel da comunicação

Coordenação sobre um resultado colusivo particular: introdução. Quando as


empresas se encontram repetidamente no mercado, se o fator de desconto for
suficientemente grande, qualquer valor entre o custo marginal e o preço totalmente
colusivo, pode ser sustentável. Esse ponto levanta a questão de qual preço mais
provavelmente surgirá como resultado de mercado. Hábito, história ou eventos
particulares podem proporcionar às empresas um ponto focal para se coordenarem.

Considere uma situação em que duas empresas recebem o comando de um


regulador de que seus preços não podem ser superiores que determinado nível, por
exemplo, $100. Nesse caso, o preço de $100 provê uma clara referência (ponto focal) para
as empresas, e pode-se apostar que $100 será o preço que escolherão.33

A história também pode proporcionar sugestões. Muitos mercados europeus


foram protegidos da concorrência estrangeira por longo tempo, resultando em vários
monopólios nacionais em muitas indústrias. Uma vez que barreiras tarifárias e não
tarifárias começaram a cair, foi criado um mercado potencial pan-europeu. No entanto,
uma situação em que cada empresa permanece em seu próprio mercado, sem entrar em
mercados estrangeiros, provê um bom equilíbrio colusivo, o que é apenas a continuação
do que se passou por muito tempo. Por sua vez, começar a exportar pode ser considerado
um desvio e disparar retaliação no mercado doméstico, fazendo os concorrentes
exportarem para o mercado doméstico da primeira exportadora. Assim, o status quo pode
ser um ponto focal, e apenas quando as condições de demanda e a tecnologia mudam de
forma muito substancial, as empresas se veem tentadas a romper com a situação corrente.

Se as companhias estivessem agindo em conluio explícito, iriam se comunicar e


poderiam atingir elevados preços colusivos (sendo suficientemente simétricas, terão
preferências similares sobre preços) e/ou regras de divisão de mercado mais eficientes.
Mas, mesmo se não formarem cartéis explícitos, podem tentar superar problemas de
coordenação, transmitindo informações para as outras, como se discutirá adiante.

33
Schelling (1960) foi o primeiro a introduzir a noção de ponto focal (ou convenções) e mostrar como
ajudam as pessoas a se coordenar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

Troca de informações sobre futuros preços e quantidades. Anúncios de preços


futuros (ou planos de produção) podem ajudar na organização de cartéis, na medida em
que permita às empresas se coordenarem melhor em torno de um equilíbrio particular
entre todos os outros possíveis. Farrell (1987) foi o primeiro a mostrar o papel da
comunicação não vinculativa e não verificável (conhecida como “conversa fiada”) para
atingir a coordenação entre jogadores em jogos com diversos equilíbrios.34 Desde então,
tanto a teoria quanto as evidências experimentais parecem indicar que anúncios sobre
intenções de preços podem ajudar as empresas a se coordenar, embora não em todas as
circunstâncias.35

Contudo, nem todos os anúncios sobre futuras ações devem ser tratados da mesma
forma. Devem-se distinguir dois tipos de situação, dependendo se os anúncios são (1)
“privados”, dirigidos apenas aos concorrentes (isso inclui comunicações em leilões) ou
(2) “públicos”, com valor de compromisso para os consumidores.

Anúncios “privados”. Nesse primeiro caso, os anúncios são dirigidos apenas aos
competidores. Para ajudar a fixar ideias, pense em uma empresa que envie um e-mail a
concorrentes, no qual afirma que, a partir do próximo mês, pretende estabelecer
determinado preço. Conforme Kühn (2001) salientou, é difícil imaginar qualquer razão
de eficiência por trás desses anúncios. Mais provavelmente, elas apenas ajudam os
competidores a se coordenarem em torno de um preço colusivo particular e os ajudam na
colusão, evitando períodos custosos de guerras e instabilidade de preços.

Aviso prévio de mudanças intencionadas de preços, desde que não comprometa a


empresa completamente com o preço anunciado, pode também ser um instrumento para
evitar uma experiência custosa com o mercado.36 Uma empresa pode, digamos, anunciar
um aumento de preços a ser efetivado em 60 dias, mas retornar ao preço corrente se as

34
Farrell (1987) analisa um jogo com diferentes aspectos de superjogos. Ele olha para uma situação de
“batalha dos sexos”, na qual há dois equilíbrios simétricos, como em uma indústria em que, em equilíbrio,
só uma das duas empresas pode entrar lucrativamente, enquanto, se ambas entrarem, sofrerão perdas.
35
Veja Farrell e Rabin (1996) para uma discussão não técnica do possível papel do bate-papo ou conversa
fiada em diferentes jogos e das condições sob as quais se deve esperar que esse tipo de conversa afete os
resultados do equilíbrio. Alguns experimentos foram realizados sobre esse ponto. Veja, por exemplo,
Cooper et al. (1992). Veja Kühn (2001) para outras referências em experimentos sobre os efeitos colusivos
da informação.
36
No entanto, avisos prévios de mudanças de preços efetivos podem ser do interesse dos consumidores, que
podem querer saber com antecedência os preços que terão de pagar, de modo a reduzir a incerteza.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

outras não a seguirem com anúncios similares de mudanças de preços.37 Dessa forma,
elas podem chegar a um preço em comum acordo, sem correr o risco de perder
participações de mercado ou disparar guerras de preço durante o período de ajustamento
até os novos preços.

Particularmente elucidativo a esse respeito é o caso ATP (Airline Tariff


Publishers) nos Estados Unidos.38 A ATP é uma companhia de propriedade da maioria
das companhias aéreas americanas, cujo principal propósito é disseminar informação de
preços para companhias aéreas e operadores, como agências de viagens, usando sistemas
de reservas eletrônicas. Tais informações são alimentadas pelas companhias e contêm
vários elementos, como a rota e a respectiva tarifa, as restrições possíveis para aquela
tarifa (que tipo de consumidor pode adquiri-la, número mínimo de dias para adquiri-la),
primeira e última data do bilhete (que indica o período de validade da tarifa), primeira e
última data da viagem (que indica o período da viagem à qual se aplica a tarifa).

O DoJ alegou que as companhias aéreas usavam essas informações para coordenar
seus aumentos de preços sem qualquer colusão explícita. Por exemplo, a Companhia A
podia anunciar hoje um aumento de preço na rota da Cidade 1 para a Cidade 2, colocar a
primeira data para 30 dias, de modo que ninguém poderia de fato vender um bilhete para
aquela rota com nova tarifa. Como a informação era pública a todas as companhias, a
Companhia A podia esperar e ver a reação ao seu anúncio de preço. Se o competidor da
mesma rota, digamos B, não acompanhasse o aumento de preço, ela poderia ainda rever
o aumento de tarifa. O processo continuaria, com as companhias aéreas ajustando tarifas
até que a convergência fosse atingida, mas sem que os consumidores pudessem comprar
bilhetes aos preços futuros anunciados.39

No Brasil, a utilização do sistema ATPCO (Airline Tariff Publishing Company)


como instrumento de coordenação e fixação de tarifas aéreas e reajustes foi objeto de
processo40 para apurar condutas ilegais, levando à imediata imposição de Medida
Preventiva pela SDE de algumas ferramentas, como a proibição de propagar qualquer

37
Veja Hay (1999) para o caso Ethyl, no qual esta foi supostamente uma das práticas anticompetitivas.
38
Veja Borenstein (1999) para um relato detalhado sobre esse intrigante caso.
39
O caso foi encerrado por acordo: as empresas envolvidas concordaram em descontinuar essa prática.
40
PA 08012.0020281.2002-24.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

mecanismo de identificação de uma companhia aérea a outra, já que essa ferramenta era
utilizada para a troca de informações. O processo foi concluído com a assinatura do
Termo de Cessação de Conduta, que determinou a não utilização de ferramentas como a
que transmitia informações tarifárias, como uma 1ª data de bilhete (1st ticket date), não
divulgar distintivos de uma companhia aérea, indicadores de nota de pé de rodapé,
alterações de tarifas e outras determinações.

Um exemplo de anúncios privados: comunicação em leilões. Um exemplo


interessante de como as empresas conseguem obter resultados colusivos por meio da
comunicação é seu comportamento em leilões ascendentes simultâneos. São os leilões de
primeiro preço, nos quais vários objetos são postos à venda ao mesmo tempo,41 e o leilão
termina somente quando nenhuma oferta mais alta é feita para os objetos. Esses leilões
têm boas propriedades de eficiência (o valor de um objeto deve depender do preço dos
demais objetos; a informação sobre o valor de um objeto aumenta pela observação dos
lances feitos pelos concorrentes), mas não são imunes a cartéis, na medida em que os
participantes podem usar seus lances para sinalizar uma forma de dividir os objetos.42
Digamos que o governo esteja leiloando um ativo em São Paulo (cujo código de área é
11), outro ativo em Belo Horizonte (cujo código de área é 31) e assim por diante. Posso
indicar meu interesse no ativo de São Paulo submetendo um ou mais lances de
R$1.0011,00 cada. Os outros participantes perceberão que estou propondo dividir os
objetos de tal maneira que eu fique com ele.

Diversos outros exemplos de sinalização são descritos em Crampton e Schwartz


(2001), que discutem a colusão nos leilões do FCC (Federal Communications
Commissions), nos Estados Unidos, onde licenças em diferentes mercados foram
colocadas à venda. Depois de um número de rodadas em que não apresentou lances para
Amarillo, no Texas, a empresa Mercury PCS apresentou o lance mais alto para aquele
mercado, afastando uma concorrente, High Plains Wireless, desse mercado. Essa empresa
apresentara um lance agressivo em outro mercado, Lubbock, no Texas. O lance da
Mercury teve a intenção de ser um sinal para sua concorrente de que, se ela não tivesse

41
O leilão mais padrão é o de primeiro preço ou objeto único. O caso típico é o leilão de obras de arte:
pessoas em uma sala fazem lances cada vez mais altos por um objeto particular, até que um lance não será
coberto por mais ninguém.
42
Veja Klemperer (2002) e Crampton e Schwartz (2001) para uma análise mais detalhada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

parado de dar lances para Lubbock, teria retaliado, aumentando o preço em Amarillo.
Para ter certeza de que o sinal era claro, o lance da Mercury por Lubbock tinha “013”, o
código de área de Amarillo, e terminava com “064”, o código de área de Lubbock.43

Esses exemplos claramente mostram que a comunicação entre participantes os


auxilia a obter resultados colusivos em leilões. Assim, anúncios públicos sobre intenções
de lances não devem ser permitidos,44 e medidas devem ser tomadas para evitar
sinalizações por lances. Por exemplo, os participantes devem ser forçados a dar lances
com números “redondos”, o exato incremento deve ser pré-especificado, e os lances
devem ser anônimos. Klemperer (2002: 179).

Anúncios “públicos”. No segundo caso, os anúncios são públicos, portanto, vistos


tanto pelos concorrentes quanto pelos consumidores. Pense, por exemplo, em uma
empresa que anuncie os preços de seus produtos no jornal. Por um lado, pode-se
argumentar que a transparência de preços auxilia a colusão, pelas razões indicadas
anteriormente. Por outro, a transparência de mercado é bom para os consumidores, pois
lhes permite procurar pela melhor oferta com maior visibilidade. Esse efeito positivo é
geralmente considerado mais forte que os efeitos colusivos dos anúncios. Tanto os
argumentos teóricos quanto as provas empíricas sugerem que a propaganda de preços é
geralmente benéfica e tende a diminuí-los.45 Assim, a “transparência” de preços tanto
para os consumidores quanto para as empresas não pode ser considerada uma prática
anticompetitiva.

Em alguns casos, contudo, os preços são publicados principalmente para aumentar


a transparência entre concorrentes, mais do que para beneficiar consumidores. O caso
Ethil46 fornece um exemplo interessante. Quatro fabricantes de aditivos para gasolina
supostamente fizeram uso de práticas para restringir a concorrência. Uma delas foi

43
Veja Crampton e Schwartz (2001, 8-9). Tais exemplos de comunicação de intenções não são restritos a
leilões. No caso discutido ATP, as companhias aéreas incluíam notas de rodapé em anúncios de tarifas
específicas para indicar a intenção de punir uma concorrente em determinada rota. Ver Borenstein (1999,
314-16) para detalhes.
44
Klemperer (2002) reporta episódios quando participantes expuseram seus objetivos para a imprensa,
afetando, assim, o comportamento dos concorrentes de forma direta.
45
Para uma pesquisa sobre a literatura teórica e empírica sobre propaganda de preços, ver Fumagalli e
Motta (2001).
46
Veja Hay (1999).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

publicar na imprensa avisos sobre aumentos de preços (as outras foram avisos prévios
sobre alteração de preços, preços de entrega uniformes e cláusulas de nação mais
favorecida). Nessa indústria, havia poucos grandes compradores, e os preços eram
estabelecidos por negociação. Parecia razoável pensar que a publicação dos preços não
tinha o propósito de informar os compradores, mas de levar ao conhecimento das
concorrentes as intenções a respeito de alterações nos preços.47

Para concluir, quando os anúncios se dirigem apenas a concorrentes, devem ser


proibidos; em anúncios sobre preços correntes e futuros que carregam valor de
compromisso vis-à-vis, os consumidores devem ser vistos como promotores do bem-
estar.

4.2.3 – Regras de preços e contratos

Cláusulas de “nação mais favorecida” e “cobertura de ofertas dos concorrentes”.


Algumas cláusulas em contratos de longo prazo entre vendedores e compradores
podem condicionar o valor pago pelo comprador ao preço oferecido pelo vendedor a
outros compradores ou oferecido por outros vendedores ao mesmo comprador. Vejamos
os dois tipos de cláusulas separadamente e observaremos que o segundo tipo tem
potencial maior de gerar efeitos anticompetitivos.48

Uma CNMF (cláusula de nação mais favorecida cliente mais favorecido)


compromete um vendedor a aplicar a um comprador as mesmas condições oferecidas a
outros compradores. A cláusula pode ser de dois tipos. Uma CNMF retroativa estabelece
que será oferecida ao comprador uma redução de preço se, no futuro, compradores
obtiverem preços menores para o mesmo bem (a redução é igual à diferença entre os
preços presente e futuro); uma CNMF contemporânea compromete um vendedor a
oferecer a um comprador o mesmo preço pago pelos outros compradores (usualmente na
mesma área) e, efetivamente, implica um comprometimento em não discriminar preços.

47
Note, contudo, que a FTC teve sua decisão revista pela Corte de Apelação, que entendeu haver provas
insuficientes para a existência de cartel.
48
Salop (1986) foi o primeiro a apontar o potencial anticompetitivo dessas cláusulas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

Essas cláusulas usualmente são tidas como anticompetitivas porque tornam mais
custoso para as empresas conceder descontos: se uma empresa quiser atrair novos clientes
também reduzirá seus preços e margens sobre os que já tem. No entanto, não é claro se
cláusulas CNMF facilitariam a colusão (explícita ou tácita).49 Por um lado, a cláusula
dificulta o desvio do resultado de cartel (o lucro adicional a ser ganho é menor porque a
redução de preço se aplicaria a todos os consumidores); por outro lado, também torna
mais custosa uma punição, precisamente pela mesma razão (a punição não pode ser
seletiva e atingir apenas os consumidores dos concorrentes).

As cláusulas de cobertura de ofertas dos concorrentes são diferentes. Elas


estabelecem que se um comprador recebe uma oferta melhor de outro vendedor, o atual
vendedor vai equiparar seu preço àquele.50 Nesse caso, o potencial de colusão é maior e
duplo. Em primeiro lugar, a cláusula opera como mecanismo de troca de informações:
sempre que um comprador recebe uma oferta melhor de preços, ele tem incentivo para
reportar a informação ao seu vendedor, o que torna as empresas imediatamente
conscientes do desvio com relação a um resultado colusivo na indústria, e sabemos que a
detecção a tempo de desvios é elemento crucial para o cartel. Em segundo lugar, a
cláusula reduz o incentivo para desviar desde o início: se os concorrentes podem reter
seus consumidores atuais por conta de uma cláusula de cobertura da oferta do
concorrente, o decréscimo de preço só poderá atrair novos compradores, mas não roubar
compradores existentes de outras empresas.

Tanto as cláusulas CNMF quanto as de cobertura de ofertas dos concorrentes


devem ter explicações de eficiências.51 Em primeiro lugar, se os compradores forem
avessos ao risco, essas cláusulas devem ter algumas das propriedades de seguros: para
uma cláusula CNMF retroativa, pela possibilidade de que só futuros compradores se
beneficiem de futuros choques; para CNMF contemporânea, da possibilidade de que

49
Há pouca literatura que mostra que, se a cláusula de CNMF for adotada, as empresas estabelecerão preços
e lucros mais elevados. Veja, por exemplo, Cooper (1986); Holt e Scheffman (1987) e Schnitzer (1994).
Mas esses são modelos em que as empresas participam de um jogo com horizonte finito, e a colusão, tal
como definimos, não surgiria. Em outras palavras, não conhecemos um modelo em que a CNMF seja
encontrada e aumente a sustentabilidade de colusão em jogos de horizonte infinito.
50
Uma cláusula atenda-ou-libere dá ao vendedor a possibilidade de equiparar seu preço ou liberar o cliente
do contrato.
51
Veja Salop (1986: 283-4); especialmente, Crocker e Lyon (1994).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

compradores concorrentes obterão o mesmo insumo a preços mais baixos. Para a cláusula
cobertura da oferta do concorrente, da possibilidade de que uma redução de preço seja
oferecida por outros vendedores (embora, como apontado antes, a própria existência da
cláusula pode incentivar outros vendedores a não oferecer preços menores!). Em segundo
lugar, se a procura por informações sobre preços for um processo custoso, essas cláusulas
devem acelerar a compra, uma vez que asseguram que o comprador mais adiantado não
perca ofertas melhores. Em terceiro lugar, essas cláusulas introduzem alguma
flexibilidade de preços em contratos de longo prazo ao assegurar que choques que afetem
opções externas sejam internalizados nos contratos.

Há, certamente, a necessidade de mais pesquisa sobre os possíveis efeitos


anticompetitivos das cláusulas CNMF e de cobertura da oferta de concorrentes. De todo
modo, o impacto pró-colusivo dessas cláusulas parecem tão fortes que as agências
antitruste deveriam colocá-las sob uma regra de proibição per se.

Fixação de preços no varejo.52 FPV (Fixação de preços no varejo) é um acordo


vertical no qual o fabricante impõe sobre o varejista o preço para o mercado final. Como
será mostrado no Capítulo 6, há um número de razões pelas quais a FPV pode ser eficiente
e, por isso, pró-competitiva. Contudo, FPV também facilita cartéis entre fabricantes. A
intuição é claramente transmitida pela seguinte citação:

Com um mercado varejista competitivo e condições de custo de varejo estáveis, os


fabricantes podem assumir os preços de varejo acordados, fixando os de atacado
apropriadamente. Na realidade, contudo, variações ao longo do tempo no custo de varejo
levariam a flutuações nos preços de varejo. Se os preços no atacado não forem tão
facilmente observáveis por cada um dos membros do cartel, a estabilidade do cartel
sofrerá, porque os membros terão dificuldade de distinguir mudanças nos preços de varejo
causadas por mudanças em custos de desvios do cartel. A FPV pode fortalecer a
estabilidade do cartel ao eliminar as variações de preços.53

Essa história foi formalizada por Jullien e Rey (2001). Nesse trabalho, os
fabricantes podem vender apenas por revendedores locais, e existem choques locais em
custos de varejo e demanda. Só o varejista observa o choque local de demanda para o
produto que vende ou no custo de distribuição. Se o varejista fosse livre para escolher o
preço do produto final, ele seria mais flexível e refletiria o choque. A FPV, portanto, seria

52
Resale Price Maintenance (RPM).
53
Mathewson e Winter (1998: 65).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

menos eficiente, pois não permitiria ajustes às condições locais. No entanto, a FPV
implica que os preços são uniformemente estabelecidos pelos fabricantes, o que permite
a eles melhor identificar desvios com relação à ação colusiva, como a citação sugere.
Jullien e Rey mostram que sempre que os fabricantes consideram ótimo adotar a FPV, o
cartel pode ser sustentado, e o resultado será prejudicial em termos de bem-estar.

Outras práticas de preços que elevam a observabilidade. Quando os fabricantes


estão localizados em áreas geográficas diferentes e atendem a consumidores também
espalhados pelo território, pode ser difícil para as empresas comparar e detectar mudanças
de preços, uma vez que variam com os custos de transporte. A prática de estabelecer
preços uniformes de entrega pode, portanto, facilitar a observabilidade entre
concorrentes. Uma empresa estabeleceria o mesmo preço, incluindo o custo de transporte
ao longo de seu território, independentemente da localização do cliente. Alguém
localizado próximo à planta da empresa pagaria exatamente o mesmo que outra pessoa a
centenas de quilômetros de distância.

Um efeito similar é obtido pela adoção de apreçamento a um ponto de base,


sistema em que cada produtor define o preço final em uma base comum – que pode ser a
sede da planta de uma ou mais empresas ou um ponto completamente arbitrário – mais o
custo de transporte desse ponto até o destino final. Novamente, esse procedimento
permite um aumento da transparência da perspectiva do produtor, na medida em que
permite às companhias comparar melhor seus preços.54

4.2.4 – Análise de cartéis: conclusões

A análise anterior identificou os principais fatores que afetam a probabilidade de


colusão. Para os objetivos da política de concorrência, pode ser útil de duas maneiras: em
primeiro lugar, foram indicados a quais fatores as autoridades antitruste devem prestar
atenção de modo a impedir a colusão (explícita ou tácita). Vamos nos apoiar nessa análise

54
Embora o apreçamento por entrega e o apreçamento por ponto de base sejam considerados procedimentos
facilitadores de cartéis, não parece haver ainda modelos que mostrem rigorosamente esses efeitos pró-
colusivos em um contexto de superjogos. Veja, de todo modo, Thisse e Vives (1992: 257-8) para algumas
considerações sobre essa questão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

na seção 4.3 quando focarmos o tratamento jurídico dos cartéis. Em segundo lugar, em
um caso de fusão que levante dúvidas sobre efeitos coordenados (dominância conjunta),
é importante avaliar corretamente o papel desempenhado por cada uma das variáveis na
determinação da probabilidade futura de cartel naquela indústria. A análise com
frequência será muito complexa. À parte os casos nos quais todos os fatores apontam na
mesma direção, deve-se esperar que sua análise deixe algum espaço para o juízo de
discernimento, da mesma forma que é difícil chegar a uma conclusão sobre como esses
fatores irão interagir e se a colusão terá ou não ocorrência plausível a partir de uma
fusão.55

Veja Fatores que facilitam a colusão no Quadro 4.1 e Material avançado no


Quadro 4.2 anexos no material complementar deste capítulo.

4.3 – PRÁTICA: O QUE DEVE SER LEGAL OU ILEGAL?

Nesta seção, lidamos primeiro com os padrões de prova para cartéis (seção 4.3.1),
depois com as medidas possíveis para deter colusões (seção 4.3.2) e, finalmente, com as
medidas para romper cartéis em andamento (seção 4.3.3).

4.3.1 – Padrões de prova: dados de mercado versus provas concretas

Embora os economistas industriais venham sendo bem-sucedidos na identificação


de mecanismos pelos quais os cartéis agem e os fatores que os facilitam, suas implicações
práticas para propósitos legais são menos diretas e requerem discussão. Considere, por
exemplo, o uso literal da definição econômica de colusão. Como um resultado colusivo é
definido como uma situação na qual os preços são “altos o suficiente”, pode-se pensar
que, para se verificar a existência de colusão em termos legais (isto é, o comportamento
anticompetitivo), devem-se analisar os dados de preço em determinada indústria e inferir

55
Veja também a seção sobre dominância conjunta, no Capítulo 5.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

se são superiores a níveis de referência acima dos quais devem ser considerados
colusivos.

No entanto, na prática, seria muito difícil olhar para resultados de mercado para
decidir se houve infração à legislação antitruste, por vários motivos.56 Em primeiro lugar,
em muitas circunstâncias, os dados de preço podem não estar disponíveis e, quando estão,
podem se referir a listas de preços, não a preços efetivamente praticados (em muitas
indústrias, os preços efetivos são negociados entre compradores e vendedores; em outras,
podem diferir de preços de lista por conta de descontos, que, por sua vez, também podem
diferir a depender dos clientes).

Em segundo lugar, mesmo que dados confiáveis existam, provavelmente pode


haver discordância sobre qual é o preço de monopólio naquela indústria. Os vendedores
podem ter visões muito diferentes sobre a questão, e um observador externo também
poderia ter uma percepção diversa. Sabe-se que estimativas de custos diferem
amplamente, às vezes, mesmo dentro da administração da mesma companhia.

Em terceiro lugar, suponha que exista um acordo sobre qual deva ser o preço de
monopólio em uma indústria: quão próximos do preço de monopólio teórico devem estar
os preços de venda para que sejam julgados “muito altos” e, portanto, colusivos?

Em quarto lugar, o próprio princípio de que as empresas podem ser condenadas


apenas porque cobram preços “muito elevados” é muito perigoso e pode abrir espaço para
intervenções antitruste, nas quais as companhias são bem-sucedidas o suficiente para
encontrar consumidores dispostos a pagar altos preços por seus produtos. Como
repetidamente argumentado no Capítulo 2, não é o poder de mercado por si que a
intervenção antitruste deve procurar punir.

Em vez de olhar para o nível de preços em uma indústria, deve-se tentar inferir a
existência de colusão (como infração à lei), analisando a evolução dos preços do setor ao
longo do tempo. Autoridades antitruste e tribunais algumas vezes se viram tentados a
inferir a existência de comportamento colusivo (ilegal) pelo fato de que os vendedores
cobram preços similares ao longo do tempo, o chamado “paralelismo de preços” (ou

56
É claro que olhar para resultados de mercado é importante, na medida em que ajuda a identificar os
setores nos quais possa ocorrer colusão e que, portanto, devem ser sujeitos à investigação mais aprofundada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

“paralelismo consciente”).57 Mas observar que os preços se movem de maneira similar


não é suficiente para afirmar que as empresas são culpadas de cartel. Choques exógenos
comuns, como o aumento dos preços de insumos de todos os fabricantes, da inflação ou
dos ativos poderiam levar todos os fabricantes a elevar preços proporcionalmente, sem
que isso implique a formação de um cartel.

Além disso, já percebemos que um resultado colusivo pode ser atingido sem que
as empresas entrem em acordo ou se comuniquem para coordenar seus comportamentos.
Suponha, por exemplo, que – mesmo sem choques comuns de demanda ou preços de
insumos – um dia, um vendedor aumente seus preços em 10%, e que, no dia seguinte, um
concorrente faça o mesmo. Esse paralelismo de preços é evidência suficiente para
condenar as companhias? Certamente não. É claro que seria possível que as duas
empresas tivessem conversado e concordado previamente em alterar os preços. Mas
também é possível que tenham tomado a decisão sem qualquer comunicação. A primeira
empresa pode ter aumentado os preços na expectativa de que a concorrente fizesse o
mesmo, e esta pode ter decidido acompanhar, seja por se satisfazer em elevar seus preços,
seja na expectativa de que, não o fazendo, pudesse disparar uma guerra de preços que
viria a reduzir lucros. Na ausência de provas concretas, as autoridades terão de demonstrar
a infração da lei inferindo as intenções e motivações das companhias.

Adiante, narraremos o caso Cartel da Ponte Aérea, julgado pelo CADE, em que
os temas de paralelismo, coordenação, liderança e padrão de provas foram levantados.

Note, no entanto, que, em alguns casos, o paralelismo de preços pode ser


explicável de forma crível apenas por coordenação entre as empresas, mesmo na ausência
de prova.

A regra do “paralelismo plus”, que consiste em considerar uma conduta ilegal


sempre que o paralelismo de preços for acompanhado de um fator facilitador (como
fixação de preços no varejo, cláusulas de melhor preço ou intercâmbio de informações)
tampouco é mais convincente, a menos que se possa provar que as empresas se
coordenaram para introduzir ou manter em operação a referida prática. Em outras

57
Veja Scherer e Ross (1990: 339-46) para uma discussão da doutrina do paralelismo consciente e sua
evolução nos Estados Unidos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

palavras, se não houver prova de que elas acordaram em torno de uma prática em
particular, o mero fato de que tenham seguido uma prática não pode ser considerada prova
de cartel. Por exemplo, na decisão Celulose, a Comissão Europeia viu uma prática
facilitadora no fato de que os fabricantes de celulose anunciaram alterações de preços
com a mesma antecedência. Com o movimento paralelo de preços, isso foi entendido
como uma evidência de colusão. No entanto, o Tribunal de Justiça Europeu entendeu que
os vendedores de celulose introduziram essa prática a pedido dos clientes, que queriam
mais transparência com relação aos preços e também desejavam ser informados a tempo
sobre mudanças dos preços dos insumos, de modo a se programarem para isso.
Consequentemente, a decisão da Comissão Europeia foi revista no Tribunal.58

A presença de períodos de guerra de preços tampouco é prova da existência de


cartel. Vimos que, quando há observabilidade imperfeita de preços (e incerteza de
demanda), a colusão completa não pode ser sustentada, e as guerras de preço são parte
integrante da colusão. No entanto, episódios em uma indústria em que os preços caiam
consideravelmente podem ser consistentes com o tipo de colusão descrito por Green e
Porter ou com alguns outros eventos, como uma nova capacidade aparecendo no mercado,
competidores ocasionais (por exemplo, importações), uma redução temporária na
demanda e daí por diante. Certamente, episódios repetidos desse tipo poderiam levantar
suspeitas e merecem cuidadoso escrutínio do setor, mas não devem ser vistos como
provas cabais de que existe colusão. Novamente, é possível que as empresas disparem
guerras de preços, de modo a sustentar um tipo de colusão do tipo Green e Porter, mas,
na ausência de comunicação entre elas, não haveria por que serem condenadas. As
empresas poderiam argumentar que preços mais baixos em alguns períodos particulares
são devidos às condições de demanda ou capacidade, ou que agiram assim para equiparar
preços com os estabelecidos por uma delas, ou que os preços caíram, mas não em nível
competitivo (ou subcompetitivo) previsto pela teoria, e que seria muito difícil para as
autoridades ou um tribunal contrapor-se a tais argumentos, a menos que existissem provas
concretas de comunicação entre empresas para coordenar seu comportamento.

58
De forma similar, no caso Ethyl, nos Estados Unidos, uma Corte de Apelação decidiu que as práticas de
preços adotadas pela Ethyl foram introduzidas quando ainda era monopolista, e que as outras empresas as
adotaram depois, independentemente. Veja Scherer e Ross (1990: 345).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

O uso de técnicas econométricas, embora sofisticadas, não altera a natureza dos


argumentos anteriores. É instrutivo olhar para as estimativas realizadas sobre o cartel das
ferrovias nos dias anteriores ao Sherman Act americano (e para as quais existem dados
públicos). Esse cartel foi estudado primeiro por Porter (1983b), cuja análise econométrica
verificou que os dados não eram consistentes com as empresas da indústria que se
comportavam à la Cournot (e, portanto, que não coludiam). No entanto, Ellison (1994)
estudou os mesmos dados usando uma especificação ligeiramente diferente e relatou que
o comportamento das companhias era próximo da colusão completa.59

A lição desses trabalhos é que, mesmo que se pense que o cartel possa ser provado
tão somente com base em dados de mercado, e se houver dados bons e confiáveis, técnicas
econométricas nem sempre proveem respostas não ambíguas para a existência de preços
colusivos em determinada indústria. Talvez, no futuro, haja maior consenso sobre como
projetar e especificar exercícios econométricos desse tipo, mas, por enquanto, a
econometria mais provavelmente fornece evidência complementar que provas
conclusivas sobre colusão.

Por todas essas razões, inferir comportamento colusivo ilegal – isto é, a ocorrência
dos incisos I e/ou II § 3o do art. 36 da Lei 12.529/2011, o equivalente à conspiração nos
Estados Unidos e infração ao artigo 101 (antigo 81) na legislação da União Europeia – a
partir de dados de mercado (o que quer dizer, apenas com base em resultados), não é
desejável, e a abordagem legal que requer provas concretas como evidência de colusão é
uma prática sensata. Empresas deveriam ser condenadas por conduta anticompetitiva
apenas se houvesse prova de que se comunicaram para sustentar uma colusão. Tal
comunicação pode assumir várias formas: as mais óbvias são minutas de reunião, e-mails,
memorandos, notas em agendas e outros registros escritos (ou gravados) concernentes a
acordos sobre preços e quantidades. Essas ainda são as provas mais factíveis de cartel.
Mas as empresas podem também sustentar cartéis sem discussão aberta sobre preços e
quantidades, coordenando-se para estabelecer um ambiente que facilite a colusão: podem
decidir trocar informações detalhadas sobre preços e quantidades por meio da associação
comercial ou organizar um fórum no qual anunciem futuros preços, ou, ainda, concordar

59
Na mesma linha e usando os mesmos dados do cartel de ferrovias, Porter (1995) e Vasconcelos (2001a)
encontram impactos diferentes da entrada sob colusão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

com um esquema de fixação de preços no varejo ou outra prática que torne seus preços
mais uniformes ou transparentes. Em todas essas situações, se houver evidências de que
não agiram unilateralmente, elas devem ser consideradas culpadas por colusão.60

Essa abordagem tem a vantagem de se basear em elementos observáveis,


verificáveis em um tribunal: se houver qualquer evidência de comunicação ou
coordenação (sobre preços, quantidades ou práticas facilitadoras no sentido descrito
anteriormente) entre as empresas, as autoridades antitruste e os tribunais devem condená-
las por conduta de cartel. Caso contrário, não.

Muita leniência com as empresas? Essa abordagem pode ser considerada muito
generosa. Afinal, como já explicado, as empresas podem ser capazes de sustentar preços
elevados mesmo sem se comunicar. Assim, por que agiriam de modo a deixar evidências
concretas? E se elas não precisam se comunicar, há alguma esperança de punir (e deter)
preços supercompetitivos?

Duas considerações devem ser feitas. Primeiro, é verdade que a colusão tácita
pode ser sustentada pelas companhias. No entanto, também vimos que há muitas boas
razões pelas quais elas gostariam de se comunicar e/ou coordenar ações. Elas podem
querer evitar experiências desnecessárias e custosas com o mercado e escolher, em vez
disso, o melhor preço (para elas) ou criar práticas facilitadoras e, em âmbito mais geral,
um ambiente que aumente a visibilidade de suas ações, de forma a favorecer a colusão.
Isso fará as empresas tentarem se comunicar para coordenar ações, deixando, por conta
disso, vestígios de evidência concreta. As empresas sabem já há bastante tempo que serão
condenadas se houver qualquer prova escrita sobre sua coordenação, e, apesar disso, as
autoridades antitruste não deixam de descobrir tais evidências em casos de cartel.61

Em segundo lugar, não há alternativa para essa abordagem. Qualquer outra regra
– como inferência a partir de dados de mercado – não baseada em elementos observáveis
não seria executável facilmente em tribunais. Seria também prejudicial para a segurança

60
Se as empresas agiram unilateralmente ou com base no hábito, mas a investigação determina que as
práticas em questão podem favorecer a colusão e não geram qualquer ganho de eficiência, as autoridades
podem não apená-las, mas impor a cessação de tais práticas.
61
Chama atenção a presença desse tipo de prova em todos os cartéis internacionais condenados nos Estados
Unidos, na União Europeia e no Brasil, como o das Lisinas, das Vitaminas, dos Eletrodos de Grafite e das
Cargas Aéreas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

jurídica, na medida em que as empresas não saberiam quando suas políticas de preço
seriam aceitas ou multadas. Ao mesmo tempo, as autoridades de concorrência teriam de
decidir caso a caso, em vez de seguir uma regra clara.

Ainda assim, pode parecer que essa abordagem não faz muito para deter e punir
cartéis. O que mais pode ser feito então? Há dois tipos de intervenção da política de
concorrência que podem auxiliar a deter a colusão explícita e tácita ou quebrar a colusão
explícita (isto é, cartéis). Vamos dividi-las em medidas ex ante e ex post.

4.3.2 – Políticas de concorrência ex ante contra colusão

Acordos colusivos são, possivelmente, a infração à legislação concorrencial mais


séria em qualquer jurisdição e, de forma compatível, pesadamente apenados. As empresas
podem ser sujeitas a diferentes penalidades se consideradas culpadas por colusão. Em
primeiro lugar, pagarão uma multa.62 Em segundo, deverão ter de pagar danos a partes

62
Sobre Penalidades, veja o que diz a Lei 12.529/2011: “Art. 37. A prática de infração da ordem econômica
sujeita os responsáveis às seguintes penas:
I – No caso de empresa, multa de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do valor do
faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no último exercício anterior à instauração
do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será
inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.
II – No caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como quaisquer
associações de entidades ou pessoas constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou
sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério
do valor do faturamento bruto, a multa será entre R$50.000,00 (cinquenta mil reais) e R$2.000.000.000,00
(dois bilhões de reais).
III – No caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela infração cometida, quando
comprovada a sua culpa ou dolo, multa de 1% (um por cento) a 20% (vinte por cento) daquela aplicada à
empresa, no caso previsto no inciso I do caput deste artigo, ou às pessoas jurídicas ou entidades, nos casos
previstos no inciso II do caput deste artigo.
§ 1º Em caso de reincidência, as multas cominadas serão aplicadas em dobro.
§ 2º No cálculo do valor da multa de que trata o inciso I do caput deste artigo, o CADE poderá considerar
o faturamento total da empresa ou grupo de empresas, quando não dispuser do valor do faturamento no
ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, definido pelo CADE, ou quando este for
apresentado de forma incompleta e/ou não demonstrado de forma inequívoca e idônea.
Art. 38. Sem prejuízo das penas cominadas no art. 37 desta Lei, quando assim exigir a gravidade dos fatos
ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente:
I – A publicação, em meia página e a expensas do infrator, em jornal indicado na decisão, de extrato da
decisão condenatória, por 2 (dois) dias seguidos, de 1 (uma) a 3 (três) semanas consecutivas.
II – A proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto
aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração
pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração
indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos.
III – A inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

particulares.63 Nos Estados Unidos, a referência é direta, as partes particulares podem


obter em triplo o calculado como dano causado pela prática anticompetitiva. Em terceiro
lugar, os executivos considerados culpados no cartel podem receber penas de prisão (o
Ministério Público acompanha o processo administrativo no âmbito da Lei 12.529/2012
e é especificamente informado pela Superintendência Geral, quando cabível, da
necessidade de constituir processo, com base na Lei 8.137/90, dos crimes contra a ordem
econômica, que prevê prisão para condenações em casos de cartel). No Reino Unido e na
União Europeia, embora haja discussão sobre o tema, a prática de cartel não é crime,
como nos Estados Unidos e no Brasil. O argumento favorável à criminalização do cartel
nesses lugares também é justamente reforçar sua detenção, na medida em que executivos
avessos ao risco considerariam muito perigoso envolver-se com colusão.

Contudo, o que importa para os propósitos da detenção da conduta não é o


tamanho da pena para condenação por cartel, mas a multa esperada, especialmente a
quantia da multa multiplicada pela probabilidade de ser pego e considerado culpado. Por

IV – A recomendação aos órgãos públicos competentes para que:


a) Seja concedida licença compulsória de direito de propriedade intelectual de titularidade do infrator,
quando a infração estiver relacionada com o uso desse direito.
b) Não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos ou para que sejam
cancelados, no todo ou em parte, incentivos fiscais ou subsídios públicos.
V – A cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de ativos ou cessação parcial de
atividade.
VI – A proibição de exercer o comércio em nome próprio ou como representante de pessoa jurídica, pelo
prazo de até 5 (cinco) anos.
VII – Qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem
econômica.
Art. 39. Pela continuidade de atos ou situações que configurem infração da ordem econômica, após decisão
do Tribunal determinando sua cessação, bem como pelo não cumprimento de obrigações de fazer ou não
fazer impostas, ou pelo descumprimento de medida preventiva ou termo de compromisso de cessação
previstos nesta Lei, o responsável fica sujeito a multa diária fixada em valor de R$5.000,00 (cinco mil
reais), podendo ser aumentada em até 50 (cinquenta) vezes, se assim recomendar a situação econômica do
infrator e a gravidade da infração.
Art. 40. A recusa, omissão ou retardamento injustificado de informação ou documentos solicitados pelo
CADE ou pela Secretaria de Acompanhamento Econômico constitui infração punível com multa diária de
R$5.000,00 (cinco mil reais), podendo ser aumentada em até 20 (vinte) vezes, se necessário, para garantir
sua eficácia, em razão da situação econômica do infrator.”
63
“Rigorosamente, sempre houve a possibilidade de uma parte requerer em juízo perdas e danos por conta
de prejuízos causados por abuso de poder de mercado; entretanto a nova lei brasileira de concorrência
avançou ao esclarecer que independe de existência ou conclusão de processo administrativo o direito de
ingresso em juízo para obtenção de indenização”: “Art. 47. Os prejudicados, por si ou pelos legitimados
referidos no art. 82 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, poderão ingressar em juízo para, em defesa
de seus interesses individuais ou individuais homogêneos, obter a cessação de práticas que constituam
infração da ordem econômica, bem como o recebimento de indenização por perdas e danos sofridos,
independentemente do inquérito ou processo administrativo, que não será suspenso em virtude do
ajuizamento de ação.”

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

sua vez, isso levanta a questão, até aqui pouco estudada, sobre como as autoridades
antitruste devem conceber suas políticas e organizar suas investigações de modo a deter
eficientemente colusões.64

Além de fazer as empresas encararem duras penalidades, outras medidas ex ante


podem ter importante papel para deter a colusão.

Lista negra de práticas facilitadoras. Uma vez que a colusão é facilitada por certas
práticas, as autoridades de concorrências precisam identificar práticas de negócio que
devem ser proibidas e outras que podem ser toleradas em casos específicos. Algumas
deveriam, portanto, constar de uma lista negra e serem per se proibidas; outras, analisadas
sob a regra da razoabilidade. Tais práticas deveriam incluir anúncios sobre preços e
quantidades futuros; trocas de informação desagregada sobre preços e quantidades de
produção individuais; qualquer coordenação entre empresas, com o objetivo de
harmonizar práticas de negócios que elevem a observabilidade de preços entre os
vendedores (sem aumentar a transparência para os compradores), como fixação de preços
de revenda; apreçamento por ponto de base e cláusulas de melhor preço. Participações
minoritárias entre os competidores também aparecem como práticas pró-colusivas, que
só devem ser autorizadas se os efeitos pró-eficiência puderem ser demonstrados.

Concepção de leilões para evitar fraudes em licitações. Em leilões ascendentes


simultâneos, em particular, existe a possibilidade de colusão quando os participantes
usam seus lances para sinalizar intenções colusivas. Como é difícil intervir ex post para
contestar a legalidade de certos lances, Klemperer (2001) sugere intervir ex ante,
escolhendo a concepção de leilões que possa minimizar esses problemas. Essa sugestão
segue o mesmo espirito do proposto aqui, no sentido de que é melhor criar um ambiente
que desencoraje a colusão que tentar provar que determinado comportamento é ilegal
posteriormente. Uma clara vantagem de mercados de leilões é que o ambiente pode ser
afetado diretamente, uma vez que as regras do jogo são especificadas pelo leiloeiro no
início do leilão.

64
Por exemplo, pode fazer sentido tolerar preços percebidos acima de alguma referência competitiva,
porém não muito, mas intervir assim que os preços estiverem acima de determinado limiar, como
argumentado por Besanko e Spulber (1989). Veja também a seção 4.3.3. sobre como as autoridades devem
usar otimamente seus recursos limitados. A questão de como empresas em colusão alteram sua conduta na
presença de uma autoridade antitruste foi analisada em LaCasse (1995).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

Em leilões ascendentes simultâneos, a sinalização pode ser evitada autorizando


apenas números redondos e lances anônimos, com os objetos agregados em grandes lotes,
de modo a dificultar que os participantes os repartam entre si. Pode ainda ser introduzida
uma rodada final de ofertas com lances selados entre os dois participantes
remanescentes.65

De maneira mais geral, a colusão em leilões pode se tornar mais difícil com a
concepção apropriada. Considere os cartéis do leite escolar na Flórida e no Texas,
estudados por Pesendorfer (2000, especialmente p. 389). O mercado era caracterizado por
vários pequenos contratos (em média, 239 por ano na Flórida e 136 em Dallas), o que
permitia aos cartéis repartir melhor o espólio. Os Conselhos de Educação em cada distrito
escolar decidiam independentemente cada contrato, em diferentes datas. Também
publicavam os lances e as identidades dos participantes, o que possibilitava que todos os
participantes não só tivessem imediata ciência de eventuais desvios do acordo colusivo,
mas também punissem desvios no leilão seguinte. Uma estratégia de licitação alternativa
poderia ter ajudado. Por exemplo, os distritos escolares poderiam agir como um único
comprador (lembre-se de que grandes pedidos quebram a colusão) ou marcar os leilões
para o mesmo dia, ou, ainda, não revelar informações sobre os lances ou sobre os
participantes).

Análise de fusões. Outro instrumento ex ante para prevenir a ocorrência de colusão é


fornecido pelo controle de fusões (e aquisições). De fato, sabemos que a redução do
número de empresas na indústria ou uma distribuição mais simétrica de seus ativos tende
a favorecer a colusão. Assim, ao aumentar a concentração, à medida que aumentam a
simetria, fusões e aquisições criam condições favoráveis para que colusões sejam
sustentadas em determinado setor. É crucial, portanto, que as autoridades antitruste sejam
vigilantes com relação às fusões e aquisições (ver o Capítulo 5).

65
Esse é o chamado leilão inglês-holandês. Veja Klemperer (2002) para detalhes e discussão. O mercado
de geração britânico é também um caso no qual a concepção de leilões é relevante. Antes da reforma de
2001, havia um leilão de preço uniforme (lance selado), em que os participantes submetiam um lance que
estabelecia as diferentes quantidades que se dispunham a oferecer a determinado preço. Todos os geradores,
então, pagariam o preço estabelecido no lance mais alto. Fabra (2001a) mostra formalmente que esse tipo
de leilão tem um potencial colusivo maior que um leilão no qual o gerador é pago de acordo com seu próprio
lance.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

4.3.3 – Políticas de concorrência ex post contra colusão

Buscas e apreensões (inspeções realizadas de surpresa). Além de adotar medidas ex


ante para impedir colusão, as autoridades de defesa da concorrência devem também
intervir para romper cartéis. Da discussão anterior, que atribuiu grande importância à
descoberta de evidências concretas como prova de colusão, é obvio que uma dessas
medidas são buscas e apreensões. Buscas policiais nas sedes de empresas suspeitas de
condutas colusivas (associações comerciais ou mesmo nas residências de executivos) com
frequência resultam na descoberta de provas cruciais. Consequentemente, as autoridades
de concorrência deveriam ter extensivos poderes de investigação, em colaboração com
forças policiais, para alcançar documentos que possam ajudar a provar acordos colusivos.
Mas as autoridades de defesa da concorrência devem também recorrer a formas mais
inteligentes para romper acordos e prover incentivos para que as companhias se retirem
de acordos colusivos e revelem informações concretas necessárias como provas aos
tribunais. É para tais medidas que nos voltamos em seguida.

Programas de leniência. Nos anos recentes, as autoridades de defesa da concorrência


vêm dedicando muita atenção a esquemas mais sofisticados, chamados “programas de
leniência”, que concedem imunidade total ou parcial com relação às multas às empresas
que colaborarem com as autoridades. Funcionam de acordo com o princípio de que
pessoas que infringem a lei devem reportar atividades ilegais e criminais se tiverem os
incentivos corretos.66 No que diz respeito à legislação de concorrência, a Divisão
Antitruste do Departamento de Justiça (DoJ) nos Estados Unidos foi a primeira a
introduzir essa legislação, em 1978, conferindo imunidade para sanções criminais diante
de certas circunstâncias. Em agosto de 1993, esse esquema – que não tinha sido
particularmente bem-sucedido – foi completamente redesenhado e funciona agora da
seguinte maneira: há leniência automática para as empresas que reportem evidência de
cartéis antes que as investigações comecem, desde que seja a primeira a trazer as

66
Esquemas similares são utilizados rotineiramente em outros campos além do antitruste, como em
legislação fiscal, e ambiental. Na Itália, as chamadas “leis vira-casaca” (legi sui pentiti) foram utilizadas
com sucesso para lidar com o crime organizado tal como a máfia e organizações terroristas, como as
Brigadas Vermelhas. É claro, há questões éticas envolvidas por conta da punição ser abandonada em troca
da detenção de futuros crimes: criminosos podem ser deixados livres (e às vezes mesmo recompensados)
em troca de informações que levem à prisão de outros criminosos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

informações, sua participação na atividade ilegal cesse imediatamente, ela colabore


completa e continuamente com o DoJ, restitua as partes prejudicadas, não exerça a
coerção sobre outra parte, nem tenha sido o líder ou originador do cartel. Existe leniência
discricionária para o caso de empresas que reportem evidências depois que as
investigações tiverem começado, desde que o DoJ ainda não tenha provas necessárias
contra a companhia para resultar em condenação (mais as condições secundárias similares
como acabamos de mencionar).

A reforma de 1993 aperfeiçoou o programa de leniência de duas formas


principalmente. Em primeiro lugar, ampliou a possibilidade de leniência para empresas
que cooperassem depois que as investigações já tivessem se iniciado. Em segundo lugar,
agora é claro e certo que a anistia é automática – pelo menos, no caso em que a cooperação
desvenda um cartel antes que a investigação comece – em vez de discricionária.67 As
mudanças foram muito fecundas: enquanto sob a velha política apenas uma corporação
por ano solicitava anistia, sob a revista, as solicitações de anistia passaram à taxa de duas
por mês (SPRATLING, 1998: 2).

A União Europeia estabeleceu sua política de leniência em 1996. Estabelece que


a multa deve ser reduzida substancialmente (de 75% a 100%), se a companhia informar
à Comissão Europeia antes que a investigação comece, e substantivamente (de 50% a
75%), se a colaboração ocorrer após o início da investigação, mas antes que a Comissão
consiga informações suficientes para iniciar um processo. Em ambos os casos, a
companhia precisa ser a primeira a reportar, terminar todas as atividades de cartel e não
pode ter sido a instigadora do cartel. A multa pode ser reduzida ainda (de 10% a 50%) se
a companhia cooperar significativamente com a Comissão nas investigações (por
exemplo, não questionando as descobertas e alegações), mesmo na não ocorrência das
condições anteriores.

No entanto, essa política não proveu os resultados esperados pela Comissão


Europeia, principalmente por duas razões: em primeiro lugar, a leniência era concedida
pela Comissão (em vez de automática, como nos Estados Unidos), e as empresas não
sabiam que multa teriam até que a decisão final fosse tomada. Isso claramente reduzia o

67
Uma novidade adicional é que todos os funcionários, diretores e empregados que cooperem são
protegidos contra processo criminal.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

benefício de fornecer evidências. Em segundo lugar, elas não recebiam imunidade no


caso de a investigação já ter iniciado.

Em fevereiro de 2002, a Comissão adotou uma nova política de leniência, que


aperfeiçoa o primeiro ponto, já que implementa transparência e segurança: imunidade
completa com relação a multas se a empresa for a primeira a reportar o cartel e, depois de
prover as evidências, recebe imunidade (condicional) por escrito da Comissão. Além
disso, as novas regras especificam que a companhia pode requerer imunidade desde que
não tenha coagido outras a participar do cartel (a condição anterior requeria que ela não
tivesse sido a “instigadora”, o que deixava margem para interpretação).

Essa mudança também aperfeiçoa o segundo ponto, já que a empresa também


recebe imunidade se provir evidências que permitam à Comissão estabelecer uma
infração mesmo que já esteja de posse de informações suficientes para deslanchar uma
investigação (mas não para estabelecer uma condenação).68

No Brasil, o programa de leniência foi instituído em 200069 e funciona de acordo


com o seguinte esquema: o CADE pode celebrar acordo de leniência pela SG
(Superintendência Geral) com extinção da ação punitiva ou redução de 1 a 2/3 da
penalidade aplicável, tanto com pessoas físicas quanto com empresas envolvidas em
conluio, desde que colaborem efetivamente com as investigações e o processo
administrativo e desde que, dessa colaboração, resulte a identificação dos demais
envolvidos no conluio, a obtenção de informações e documentos que comprovem a
infração noticiada ou sob investigação.

O uso de programas de leniência na aplicação da legislação antitruste foi estudado


primeiro por Motta e Polo (1999, 2003).70 Eles mostram que tais programas podem ter
importante papel na condenação de cartéis, desde que as empresas possam solicitar
leniência depois que a investigação tiver começado. Quando uma companhia decide
juntar-se a um cartel, leva em conta o risco de ser apanhada. Em outras palavras, sua
decisão de participar ou não da colusão pondera os benefícios dos lucros colusivos contra

68
Uma redução de pena é concedida a empresas que não atinjam as condições anteriores, mas que provejam
evidências que tenham relativo valor adicionado à investigação.
69
Pela Lei 10.149, de 21/12/2000 (altera e acrescenta dispositivos à Lei 8.884, de 11/05/1994).
70
Veja também Spagnolo (2000) e Rey (2000).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

os custos esperados, a probabilidade µ de ser apanhada vezes a multa 𝐹 que espera pagar
nesse caso. Se, depois de ter decidido tomar parte do cartel, surgir a oportunidade de a
empresa reportar (ou seja, se um programa de leniência torna-se disponível), mas o custo
esperado µ𝐹 não muda, não existe razão para que o reporte do cartel. Se o benefício da
colusão permanece mais elevado que o custo esperado e nada muda na informação
disponível, então a empresa continua na colusão, mesmo que uma multa mais baixa esteja
disponível no caso da comunicação.71

Mas considere agora um programa de leniência aberto para empresas mesmo no


caso de investigações em andamento. Decomponha a probabilidade µ de ser apanhado
como probabilidade 𝛼 de que o cartel seja investigado vezes a probabilidade 𝜌 de que a
autoridade de defesa da concorrência reúna evidência concreta suficiente para investigar
o cartel, de modo a levá-lo à condenação (assim, 𝜇 = 𝛼𝜌). Nesse caso, uma decisão de
iniciar um cartel é tomada quando o custo esperado de ser apanhado é 𝛼𝜌𝐹, mas depois
que uma investigação em uma indústria tiver começado (caso ocorra), os custos esperados
serão 𝜌𝐹, maior que 𝛼𝜌𝐹 (já que 𝛼 < 1). O trade-off é alterado, uma vez que o custo
esperado de continuar no cartel torna-se maior, enquanto o lucro colusivo continua o
mesmo. Se existir a possibilidade de solicitar leniência, a empresa pode muito bem
desistir de sua participação no cartel.

A leniência também auxilia a poupar recursos da autoridade: construir um caso


suficientemente sólido para ser defendido em um tribunal é muito custoso, mas o custo
no estágio de processo pode ser evitado ou reduzir amplamente pela leniência, já que as
próprias empresas podem trazer informações suficientes para a autoridade.

Veja Programas de leniência no Quadro 4.3 anexo no material complementar


deste capítulo.

71
A política de leniência só tem algum efeito se novos administradores com diferentes percepções de risco
de serem apanhados tiverem assumido o comando da empresa nesse meio-tempo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
47

4.4 – JOINT-VENTURES E OUTROS ACORDOS HORIZONTAIS

4.4.1 – Joint-Ventures

Há um número de acordos horizontais que assumem o nome de joint-ventures


(JVs). São acordos entre concorrentes que criam uma nova entidade que desenvolvem
algumas atividades no lugar de seus sócios. Um exemplo de JVs são as joint-ventures de
pesquisa: nesse caso, dois ou mais parceiros deixam de fazer pesquisa e desenvolvimento
independente (talvez em apenas um único campo) para fazê-lo conjuntamente dentro de
uma entidade integrada. Há muitas outras possíveis atividades que podem ser objeto de
uma joint-venture. Joint-ventures de produção, de marketing e de vendas são exemplos.
No primeiro caso, dois (ou mais) parceiros delegam a produção a uma entidade; no outro,
continuam a produzir independentemente, mas comercializam em conjunto.

Por natureza, joint-ventures são entidades híbridas que se encontram, de alguma


forma, entre cartéis e fusões. Considere uma JV de vendas entre dois concorrentes cujo
único propósito seja estabelecer preços e quantidades no mercado final, sem qualquer
outra atividade. Isso não seria mais que um cartel entre dois concorrentes (e, portanto,
deveria ser tratado como uma infração ao inciso I e/ou II do §3o do art. 36 da Lei
12.529/2011). No outro extremo, considere dois concorrentes que destinem todos os seus
ativos de pesquisa, produção e vendas em determinado setor a uma empresa recém-criada,
cuja propriedade compartilham. Considerando que os concorrentes cessam a ação
independente nesse setor, a JV é semelhante a uma fusão e deve ser tratada como tal pela
lei.72

À parte o caso extremo em que JVs não são mais que um cartel (o que ocorre
quando parceiros entram em acordo sobre algumas decisões, mas não desenvolvem
qualquer atividade em conjunto),73 a análise econômica dos efeitos das joint-ventures não

72
A priori é difícil dizer se uma joint-venture deve ser considerada um acordo horizontal ou uma fusão de
acordo com a legislação. No Brasil a lei a trata como um ato de concentração específico e, como tal, deve
ser submetido à aprovação prévia, a depender das condições do mercado e da dimensão dos agentes, nos
termos da lei.
73
Veja Correia (1998: 738-9) e Werden (1998: 714).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
48

é diferente de fusões (ver o Capítulo 5). Em ambos os casos, deve haver um trade-off
entre poder de mercado e eficiência. Uma operação em que dois competidores decidem
delegar suas atividades de marketing e vendas a uma entidade de propriedade conjunta
pode ter efeitos anticompetitivos, porque a joint-venture terá maior poder de mercado do
que se seus proprietários operassem independentemente. Contudo, também pode haver
efeitos pró-competitivos se a coordenação de atividades por meio da joint-venture
permitir racionalizar esforços de distribuição e marketing. O impacto líquido da operação
pode ser avaliado apenas após analisadas a indústria (para se ver se há escopo para o
exercício de poder de mercado) e a probabilidade de ganhos de eficiência da joint-venture.
Como no caso de fusões, um bom dispositivo de filtragem é olhar para o poder de mercado
inicial dos parceiros: se tiverem apenas pequena participação de mercado, haverá pouca
razão para uma detalhada análise da operação, e a joint-venture deverá ser aprovada sem
maiores empecilhos.

Deve haver cuidados adicionais no caso da presença de restrições acessórias. Ao


contrário do caso de fusões puras, quando os parceiros desaparecem e seus ativos são
inteiramente transmitidos para a entidade fusionada, os parceiros na joint-venture
continuam em atividade no setor. Assim, suas decisões – e o bem-estar, por consequência
– podem ser afetadas por restrições em suas condutas. As autoridades antitruste devem
evitar restrições desnecessárias para operações de JVs, como restrições de preço e
produção em mercados não afetados pelas JVs.74

4.4.2 – Joint-ventures de pesquisa

Acordos de colaboração entre empresas em atividades de P&D merecem


tratamento especial por conta da natureza especial de P&D (mais genericamente, do
conhecimento), caracterizada por spillover e não rivalidade.

Spillover é uma característica distintiva de P&D porque tecnologia e know-how


em regra fluem de uma empresa para outra pela imitação, engenharia reversa e mobilidade
dos funcionários. Isso reduz a proporção de apropriação das empresas sobre os resultados

74
Veja também Werden (1998: 723-5).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
49

de seus esforços de P&D, o que, por outro lado, diminui os incentivos para que invistam
em P&D. Na verdade, existem várias formas de proteção de direitos de propriedade
intelectual (patentes, direitos autorais, legislação de segredo comercial) mas, com
frequência, incompletas.

P&D também não é um fator de concorrência, no sentido de que pode ser usado
por outras partes sem que seu valor seja diminuído. O conhecimento pode ser custoso
para ser desenvolvido no primeiro momento, mas, uma vez existente, sua difusão não
modifica sua natureza. Nesse sentido, ex post, pode-se querer dispersar o P&D tanto
quanto possível na sociedade.

Além disso, não é desejável que as empresas repliquem grandes investimentos


para obter conhecimento que já existe: a difusão evitaria a duplicação de custos.

Como resultado desses dois aspectos, o mercado por si só provavelmente não deve
gerar o nível socialmente ótimo de pesquisa. Joint-ventures de pesquisa podem ajudar a
lidar com esse problema e gerar o nível adequado de P&D. Se as empresas colaborarem
com pesquisa, vão compartilhar os custos de P&D, aumentando, dessa forma, os
incentivos para investir; terão também acesso imediato aos resultados de P&D e, assim,
aumentarão a difusão; finalmente, elas podem coordenar seus esforços, evitando a
duplicação de investimentos.

Os efeitos sobre o bem-estar das joint-ventures de pesquisa é uma importante linha


de investigação.75 De modo geral, mostra que permitir que concorrentes desenvolvam
projetos conjuntos pode ser uma política sensata, mas com duas ressalvas. Em primeiro
lugar, tal política é benéfica, desde que existam suficientes spillovers. De fato, se os
spillovers forem altos, as empresas não poderão se apropriar de seus esforços, e a
cooperação aumentará o P&D. Infelizmente, a necessidade de esclarecer regras para
evitar arbitrariedades, por um lado, e a dificuldade de mensurar spillovers, por outro,
impossibilitam limitar a política a setores ou tecnologias em particular, nos quais
spillovers são mais prováveis. No entanto, um projeto de P&D é composto por muitos
estágios, da pesquisa básica à aplicada, desenvolvimento, produção e marketing. Se as
externalidades forem elevadas no nível inicial da trajetória, faz sentido excluir as

75
Veja, por exemplo, d’Aspremont e Jacquemin (1988).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
50

operações de marketing dos acordos de cooperação entre concorrentes. Em outras


palavras, deve-se ter certeza de que a cooperação não se estenda muito em direção ao
mercado de produto. Uma forma de fazer isso é requerer que os resultados de P&D sejam
utilizados de forma independente pelas empresas.

O segundo ponto é que as autoridades devem ter certeza de que a cooperação em


P&D não “se propague” para o mercado de produto no espaço de concorrência. É
concebível que empresas que comecem a operar muito proximamente em projetos de
P&D possam começar a estender sua coordenação para outras esferas (MARTIN, 1985).
Efeitos anticompetitivos de uma joint-venture de pesquisa serão menos prováveis se as
empresas que colaborarem tiverem poder de mercado limitado. Assim, um critério de
participação de mercado pode ser usado como filtro para empreendimentos
potencialmente danosos com relação aos demais, passando os primeiros por uma
investigação completa.

Além disso, as autoridades antitruste devem escrutinar restrições secundárias em


acordos para buscar possíveis cláusulas anticompetitivas. Pode acontecer, por exemplo,
que um acordo que estabeleça uma joint-venture de pesquisa divida mercados
(geográficos ou de produto) entre as participantes, restringindo artificialmente a
concorrência; caso haja pagamento de royalties unitários, os custos unitários de produção
aumentarão, e os preços serão elevados.76 Se os pagamentos forem devidos a antigas
patentes de propriedade das empresas ou da joint-venture, pagamentos fixos em vez de
por unidade produzida evitariam distorção da concorrência.

4.4.2.1 – Tratamento de joint-ventures de pesquisa nas legislações


americana, europeia e brasileira

Nos Estados Unidos e na Europa, as joint-ventures de pesquisa vêm sendo


favorecidas desde o início da década de 1980. Em virtude também de políticas industriais

76
Um efeito similar resultaria de uma regra que estabelecesse que o custo de financiar uma joint-venture
recaísse sobre as partes, de acordo com sua produção ex post (isto é, a produção que vende e que incorpora
o resultado da joint-venture). Em vez disso, financiar a joint-venture com base nas participações de mercado
ex ante não distorceria os incentivos para competir ex post.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
51

e razões políticas (recaíram em um período em que o sucesso de companhias domésticas


no mercado internacional dependiam crucialmente dos avanços em tecnologia, e as
empresas domésticas receberam mais incentivos para inovação), surgiu uma abordagem
antitruste mais leniente com relação à colaboração das empresas em P&D.

Nos Estados Unidos, a National Co-operative Research Law (Lei Nacional de


Pesquisa Cooperativa), de 1984, estabeleceu que as joint-ventures de pesquisa deveriam
ser submetidas a uma avaliação de razoabilidade e não serem consideradas ilegais per
se. Com a devida notificação às agências antitruste, as JVs de pesquisa seriam sujeitas a
danos unitários, e não triplos, caso algum tribunal considerasse as partes culpadas por
alguma infração antitruste.

Na Europa, a R&D Block Exemption (Exceção em Bloco para P&D), de 2000,


com relação ao Artigo 81 do Tratado, normatizou certas formas de acordos de cooperação
em P&D, sujeitos a certas condições. Em particular, os parceiros poderiam fazer livre uso
dos resultados de P&D independentemente em produção e distribuição (para evitar
restrições à concorrência) e, firmassem se tratando de concorrentes, suas participações de
mercado combinadas não poderiam exceder 25%.77 Note, no entanto, que, quando a joint-
venture não se qualifica para a isenção, as partes podem qualificar-se para um pedido
individual de isenção.

No Brasil não existe tratamento de exceção para qualquer ato de concentração ou


prática, não obstante a lei ser claramente favorável a operações com maior potencial
gerador de ganhos de eficiência, como naturalmente é o caso de joint-ventures de P&D,
que usualmente mobilizam eficiências sinérgicas, no sentido desenvolvido por Farrell e
Shapiro (2002).78

77
Em algumas circunstâncias, podem exceder 30% (Artigos 4 e 6).
78
A esse respeito, veja a discussão no Capítulo 5.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
52

4.4.3 – Outras formas de cooperação com relação à tecnologia

Há outros tipos de acordos em que concorrentes devem compartilhar resultados


de P&D ou estabelecer padrões tecnológicos. Como em joint-ventures de pesquisa,
podem ter efeitos benéficos sobre o bem-estar, embora seja necessário cautela para evitar
que cláusulas acessórias acabem por distorcer a concorrência. A seguir, discutiremos
brevemente esse tema.

4.4.3.1 – Licenciamento cruzado e pool de patentes

Licenciamento cruzado ocorre quando as empresas se autorizam mutuamente a


usar suas tecnologias protegidas por patentes. Em princípio, é possível que tal acordo seja
usado para restringir a concorrência no mercado. É o caso quando as tecnologias são
substituíveis, e o acordo de licenciamento cruzado contém cláusulas de royalties por
unidade que reduzem o incentivo para as empresas disputarem mercado agressivamente.79

No entanto, com frequência, ocorre que as empresas possuem patentes


“essenciais” (ou de “bloqueio”), necessárias para o futuro progresso tecnológico ou para
a produção final. Suponha que duas empresas possam implementar um novo processo (ou
produzir um novo bem) que requeira o uso de tecnologias complementares protegidas por
duas patentes, cada uma de propriedade de uma companhia. Nessa situação, o
licenciamento cruzado permitirá o avanço tecnológico (ou a produção).

Além disso, se as patentes forem complementares, seria melhor para ambas as


empresas possuir as duas. Lembre que quando duas companhias produzem bens
complementares, deixam de internalizar as externalidades que impõem uma à outra,
resultando em preços relativos muito elevados, com relação ao equilíbrio de uma empresa
que detenha ambos (no Capítulo 6, veremos uma aplicação desse princípio para o caso de
produtos verticalmente integrados, no qual a integração vertical afasta a dupla

79
Veja Eswaran (1994) para um jogo repetido em que o licenciamento cruzado facilita a colusão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
53

marginalização). Para tecnologias complementares, o mesmo princípio se aplica, e o


licenciamento cruzado leva à redução de preços.

Note também que a melhor situação para a concorrência surge quando o


licenciamento cruzado se dá sem cobrança de royalties ou quando especifica parâmetros
fixos em vez de royalties unitários, na medida em que, com royalties unitários, os custos
variáveis são mais altos, o que reduz a produção.

Um raciocínio similar se aplica ao pool de patentes, que pode ser uma empresa ou
outra organização que detenha os direitos de patente de duas ou mais empresas e os
licencia para terceiros como um pacote. Aqui, também, se as patentes forem insumos
essenciais ao processo tecnológico, sua disponibilidade em um pacote será altamente
desejável; como são complementares, tê-las agrupadas baixará os royalties.80

Pools de patentes têm a característica positiva adicional de reduzir custos de


transação, já que uma empresa é poupada de diversas negociações bilaterais que
consomem tempo, podendo, em vez disso, realizar apenas uma única negociação com o
pool de patentes (MERGES, 2001).

4.4.3.2 – Estabelecimento de padrão cooperativo

Há muitos exemplos (CDs, televisões, encriptação de música digital, televisão


digital, protocolos Web, videocassetes) em que empresas que competem no
desenvolvimento de novas tecnologias decidem estabelecer padrões em comum. A
questão é se tal cooperação para fixar padrões aumenta o bem-estar ou, ao contrário, é
anticompetitiva. Essa é uma questão sem resposta imediata. Seguindo Shapiro (2001),
vamos resumir os principais argumentos em favor e contra o estabelecimento de padrões.
Uma compreensão de externalidades de rede e de seus efeitos é crucial aqui (ver os
Capítulos 2 e 7).

80
É claro que nem todos os pools de patentes agrupam necessariamente apenas patentes complementares.
No caso VISX/Summit, os dois líderes em laser para cirurgia oftalmológica formaram um pool de patentes,
e a FTC questionou o acordo por envolver patentes concorrentes e não complementares (SHAPIRO, 2000).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54

O principal benefício de padrões comuns é que os consumidores pertencerão à


mesma rede. Assim, serão capazes de se comunicar diretamente em redes físicas (por
exemplo, cada consumidor pode intercambiar arquivos com os computadores de todos os
usuários que utilizem o mesmo sistema) e usufruirão de uma ampla variedade de redes
indiretas (programadores terão um grande mercado e desenvolverão diversos aplicativos).
Isso não é uma pequena vantagem. Pense na inconveniência de poder se comunicar
apenas com metade da população, porque a outra metade utiliza um diferente padrão de
telefone!

Um benefício adicional é que os consumidores não se arriscam a ficar encalhados


com um produto que utiliza um padrão brevemente descartado. Uma guerra de padrões
pode gerar muita incerteza sobre qual será o padrão vencedor. Por isso, os consumidores
tenderão a adiar suas compras por medo de ficarem presos ao produto errado, 81 e o
mercado não deslanchará tanto quanto poderia.

Um padrão comum implica também concorrência mais intensa, uma vez que os
consumidores se defrontam com maiores escolhas dentro do mesmo padrão (embora
menos entre padrões). Por outro lado, se os padrões fossem diferentes, os consumidores
tenderiam a ficar bloqueados em determinado padrão de produto, e a concorrência seria
reduzida.

No entanto, estabelecer um padrão comum significa que não há competição para


o dominante, o que pode ter várias implicações. Em primeiro lugar, não é claro que a
indústria escolherá o melhor padrão ou aquele que prevaleceria caso houvesse
concorrência no mercado pelo padrão dominante. Um padrão deveria ser escolhido com
base em critérios que seguem mais os diferentes poderes de barganha das empresas
envolvidas que outras considerações, embora dignas (organizações governamentais
podem também envolver-se no processo de definição de padrões, o que talvez aumente a
burocracia, mas pode auxiliar a encontrar uma boa solução de compromisso). Em outras
palavras, é possível que a concorrência pelo padrão possa ajudar a selecionar o padrão
que é mais apreciado pelo mercado; enquanto que sob o padrão cooperativo o processo
seletivo não ocorrerá. Em segundo lugar, precisamente porque as externalidades de rede

81
Ver Dranove e Gandal (2000) para um interessante relato sobre a guerra de padrões entre DVD e DVXX.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55

são importantes, na ausência de um padrão cooperativo, o mercado usualmente acabará


com um padrão, os produtos incompatíveis desaparecerão completamente. Depois de uma
primeira fase de padrões coexistentes, um deles usualmente irá prevalecer. Antecipando
o fato de que, eventualmente, o mercado irá inclinar-se em direção a um padrão, as
empresas se engajam em uma concorrência acirrada nessas fases iniciais. Os
consumidores se beneficiam dessa concorrência, mesmo que paguem preços elevados
depois que a guerra de padrões tenha terminado e uma empresa tenha prevalecido. O
mecanismo é muito similar ao que ocorre com os custos de transferência: a concorrência
ex ante é muito intensa para obter uma ampla base de consumidores, mas a concorrência
ex post é mais branda, uma vez que os consumidores estejam bloqueados com um produto
particular (ver o Capítulo 2).

Assim, o estabelecimento de padrão cooperativo implica um claro trade-off entre


concorrências ex ante e ex post: elimina a primeira, mas intensifica a segunda. É muito
difícil concluir a priori se o efeito líquido é positivo ou não. Shapiro (2001), porém,
enfatiza que o estabelecimento de padrão cooperativo revela vantagem quando uma
guerra de padrões atrasa o mercado – ou impede que ele se estabeleça –, porque os
consumidores sentem-se amedrontados de ficarem encalhados com um produto associado
ao padrão perdedor.82

O estabelecimento de padrão cooperativo também auxilia quando o produto em


desenvolvimento precisa de tecnologias complementares de propriedade de diferentes
empresas. Nesse caso, é preciso permitir agrupar patentes mutuamente bloqueadoras, com
os mesmos benefícios descritos na seção anterior.

Acima de tudo, faz sentido permitir o estabelecimento de padrão cooperativo, mas


com cautela. Em particular, acordos acessórios devem ser cuidadosamente escrutinados.
Cláusulas acessórias que requeiram pagamento cruzado de royalties por unidade de
produção devem ser evitadas, porque tendem a reduzir a concorrência no mercado de
produto.

82
No entanto, também é verdade que algumas negociações para estabelecer o padrão cooperativamente
podem ser muito lentas. Um caso em questão é o padrão para a Televisão de Alta Definição Digital, que
levou 10 anos para ser estabelecida, atrasando consideravelmente a decolagem do mercado da televisão
digital.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
56

Veja P&D cooperativa no Quadro 4.4 anexo no material complementar deste


capítulo.

4.5 – DOIS CASOS DE CONDUTA PARALELA: O DO CARTEL DO


AÇO E O DA PONTE AÉREA

4.5.1 – O cartel do aço 83

O caso envolveu um suposto acordo ocorrido em 1996 para aumento dos preços
de aço plano por parte dos três produtores nacionais: Usiminas, CSN e Cosipa.84 As
suspeitas de existência de um cartel surgiram quando representantes do IBS (Instituto
Brasileiro de Siderurgia) procuraram a Secretaria de Acompanhamento Econômico do
Ministério da Fazenda (Seae), estrutura que substituíra a que anteriormente coordenava o
sistema de controle de preços industriais no Brasil,85 para informar com antecipação o
aumento de preços estabelecido pelo setor para uma data futura. O Instituto foi advertido
pela Seae da ilegalidade da conduta. A despeito disso, as três empresas aumentaram seus
preços, em datas próximas e com diferenças percentuais sutis (menos de 0,5 ponto
percentual) alguns dias depois. Os aumentos foram muito próximos ao percentual
apresentado pelo IBS na reunião. Cabe mencionar que a iniciativa do IBS poderia ser
entendida como um hábito difícil de superar. Por anos – até 1992 –, os preços dos diversos
tipos de aço foram controlados, e os interlocutores do governo eram justamente os

83
Esta narrativa baseia-se em Salgado (2003).
84
O mercado é mais concentrado do que um índice C3 indicaria, posto que CSN e Usiminas são interligadas
por participações cruzadas, que giram em torno de 50%.
85
De 1968 a 1990, os preços industriais no Brasil foram submetidos a controle, do tipo “cost-plus”. Era
usual serem concedidos reajustes para setores, sendo calculados como média ponderada da variação de
custos de cada empresa no segmento por sua participação no setor. Tal cálculo não representava exatamente
um segredo para as participantes de cada segmento. A noção de que cada empresa deveria fazer seu preço
individualmente sem o conhecimento do das concorrentes parecia estranha nesse ambiente administrado
pelo Estado. Paulatinamente, com o fortalecimento nos anos 1990 das regras de mercado no Brasil, esse
sistema burocrático que perdurou por mais de duas décadas foi desmantelado, mas os danos causados,
sobretudo à cultura empresarial, são difíceis de avaliar e certamente não foram eliminados da noite para o
dia. A esse respeito, ver Salgado (1993 e 1997).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
57

representantes do IBS, assim como os de outras entidades que congregam interesses


empresariais.

Não obstante não tivessem sido produzidas evidências diretas sobre a infração –
não houve evidências de comunicação entre as empresas para a discussão sobre o reajuste
de preços –, as empresas CSN, Usiminas e Cosipa foram condenadas pelo CADE com
base na doutrina do paralelismo plus por conduta concertada em função da ocorrência da
reunião dos representantes do IBS.

Nos termos da doutrina do paralelismo plus, o convencimento do julgador se faz


com base em provas indicativas, que afastam as possibilidades lógicas de a prática ter
ocorrido em razão de outros fatores que a justificariam do ponto de vista legal.

O CADE entendeu que um conjunto de provas indiretas foi suficiente para formar
seu juízo. As provas eram a realização de uma reunião entre executivos das três empresas,
ocorrida dias antes dos aumentos, a intenção verbalizada pelo instituto representante das
empresas de reajuste uniforme e a ausência de evidências de que as decisões foram
tomadas de forma independente pelas empresas. As companhias foram condenadas a
pagar R$51 milhões pela prática de cartel86 e mais R$5 milhões pelas informações
enganosas.87 A decisão foi confirmada em primeira instância no Judiciário.88

Note que, mais do que a conduta do IBS, parece que o elemento definitivo de
prova indireta parece ter sido uma reunião entre executivos das três empresas alguns dias
antes do aumento de preços em datas e percentuais muito próximos. Se a conduta do IBS
poderia encontrar alguma lógica em resquícios do passado, a ocorrência da reunião não
encontra justificativa lógica, o que já sabemos desde Adam Smith.89

86
Com base no art. 20, inciso I e no art. 21, incisos I e II da Lei 8.884/94, o equivalente a 1% do faturamento
bruto relativo ao exercício do ilícito.
87
Valores correntes de 1999 e nos termos do art. 36 da lei.
88
Como grande parte das condenações do CADE levadas à apelação pelas partes inconformadas, esta
decisão ainda não transitou em julgado.
89
“Quando pessoas do mesmo ramo de negócios se reúnem, mesmo que para se divertir, a conversa quase
sempre termina em uma conspiração contra o público ou em algum artifício para elevar preços.” (A riqueza
das nações, de Adam Smith.)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
58

4.5.2 – O cartel da ponte aérea

Em janeiro de 1999, a Embratur questionou a legalidade da decisão das


companhias aéreas de anunciarem em conjunto à imprensa a redução dos descontos de
60% para 30%. Em fevereiro, o presidente do CADE solicitou à SDE a abertura de
investigação sobre a redução conjunta de descontos. A Seae, em nota técnica, informou a
ocorrência de uma reunião (ocorrida em 3 de agosto de 2000) entre os presidentes das
quatro empresas em São Paulo, sendo que, seis dias mais tarde, os preços das passagens
aéreas aumentaram 10%. Para a Seae, os dois fatos em conjunto conformariam “fortes
indícios de ocorrência de infração à ordem econômica por meio de aumento de preços
decorrente de conduta anticompetitiva”.

Na nota técnica, a Seae procurou avaliar a aplicabilidade da tese do paralelismo


plus – já aceita anteriormente pelo CADE – à conduta das representadas, considerando
quatro hipóteses: coincidência, liderança de preços, reajuste governamental no teto
máximo das tarifas de 10% e aumento de 10% nos custos das empresas que poderiam
justificar os aumentos de preços sem a existência de acordo. Todas as hipóteses foram
analisadas e descartadas pela Seae, após análise de plausibilidade, optando o órgão pela
ocorrência de colusão.

O Conselheiro-relator entendeu que não foi possível estabelecer qualquer vínculo


entre a reunião entre os executivos e o reajuste de preços. Considerou também importante
o papel de liderança de preços exercido pela Varig – a TAM teria acompanhado
imediatamente os preços (com 50 minutos de diferença) – Vasp e Transbrasil quatro dias
depois, o que caracterizaria justificável paralelismo de preços.

No primeiro voto vista, pela condenação por cartel, foi dada ênfase ao papel
coordenador de informações do sistema de reservas de bilhetes ATPCO (Airline Tariff
Publishing Company), além da ocorrência da reunião entre os executivos (paralelismo
plus). O Conselho seguiu dividido, com os membros de formação em Direito seguindo o
voto vista, e a presidente, de formação econômica, seguindo o relator. Em seu voto, ela
destacou que a liderança de preços seria a melhor estratégia para descrever o
comportamento do setor e conferiu importância também ao sistema ATPCO, por
aumentar a transparência das estratégias de preço, reduzir o custo das informações e
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59

aumentar a velocidade de resposta à empresa líder. Concluiu não haver prova suficiente
de colusão entre as representadas, decorrente da reunião ocorrida entre os executivos e
que as evidências de comportamento de preços não permitiriam rejeitar a hipótese de
liderança de preço (interdependência estratégica não cooperativa) entre concorrentes.

Por maioria, venceram o relator e a presidente do CADE, e as representadas foram


condenadas com base nos art. 20, inciso I e art. 21, incisos I e II da Lei 8.884/94 a pagar
1% do faturamento bruto relativo ao exercício do ilícito, além de outras penalidades.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
60

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 4

Quadro 4.1 – Fatores que facilita m a colusão *

Esta seção tem como objetivo formalizar o modelo básico de colusão, com base
nas chamadas RIs (Restrições de Incentivo), e analisar os fatores que facilitam o conluio,
a partir do modelo-padrão dos livros-texto de organização industrial.

Considere uma indústria na qual 𝑛 empresas participam de um jogo de horizonte


infinito. Os lucros correntes e o valor presente descontado dos lucros que a Empresa 𝑖
receberá caso escolha determinada atividade colusiva são, respectivamente, 𝜋𝑖𝑐 e 𝑉𝑖𝑐 .
Todas as empresas participarão da colusão. O lucro corrente da Empresa 𝑖 quando
somente ela não participa do conluio é 𝜋𝑖𝑑 , e 𝑉𝑖𝑝 é o valor presente descontado de seu
lucro durante a fase de punição, ou seja, em todos os períodos após o período de desvio.
Denota-se o fator de desconto como 𝛿 ∈ (0,1), idêntico para todas as empresas da
indústria.

Observe que o fator de desconto pode ser expresso como 𝛿 = 1/(1 + 𝑟), onde 𝑟
é a taxa de juros entre dois períodos e, portanto, o valor atual de R$1 que alguém receba
no período seguinte. Assim, 𝛿 → 0 quando 𝑟 → ∞: R$1 ganho no futuro não vale nada
hoje (as pessoas são demasiado impacientes e não atribuem qualquer valor para ganhos
futuros). Em outro extremo, 𝛿 → 1 quando 𝑟 = 0: R$1 ganho em qualquer período no
futuro tem o mesmo valor de R$1 ganho hoje (as pessoas são extremamente pacientes e
atribuem mesmo valor aos ganhos presentes e futuros).

A colusão somente ocorrerá se cada empresa preferir entrar no conluio em vez de


desviar e ser punida. Portanto, as restrições de incentivo para cada participante do acordo
são:

𝜋𝑖𝑐 + 𝛿𝑉𝑖𝑐 ≥ 𝜋𝑖𝑑 + 𝛿𝑉𝑖𝑝 𝑖 = 1, … , 𝑛. (4.1)


Verifica-se que, quanto menor o lucro do desvio com relação ao lucro do conluio e quanto
menor o lucro na fase de punição, será mais provável que o conluio se sustente (quanto
mais severa for a punição, maiores serão os impedimentos para trair o acordo de conluio).
As 𝑛 restrições de incentivos também podem ser escritas como:
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
61

𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑐 ≤ 𝛿(𝑉𝑖𝑐 − 𝑉𝑖𝑝 ) 𝑖 = 1, … , 𝑛, (4.2)


em que os ganhos de desvio obtidos hoje devem ser menores que as perdas incorridas a
partir de amanhã. Essa condição deve ser satisfeita a todas as empresas; caso contrário,
um ou mais desvios poderão acontecer, e a colusão não será sustentada.

Por fim, outra expressão para as mesmas restrições de incentivo é:

𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑐
𝛿≥ ≡ 𝛿̄𝑖 𝑖 = 1, … , 𝑛. (4.3)
𝑉𝑖𝑐 − 𝑉𝑖 𝑝
Esta é a expressão na qual a condição para a sustentabilidade da colusão é mais
comumente apresentada. O conluio em equilíbrio surge somente se o fator de desconto
for grande o suficiente, ou seja, maior que determinado “fator crítico de desconto” 𝛿. O
acordo de conluio somente será sustentado se as empresas forem pacientes o suficiente.
Isto é intuitivo: se o fator de desconto for muito baixo, as empresas não darão importância
ao que acontecerá no futuro e vão preferir trapacear, de modo a colher todos os benefícios
hoje. O conluio, nesse caso, não acontece.

É importante notar que as condições identificadas anteriormente se referem aos


conluios tácito e explícito.

Q4.1.1 – O modelo básico para analisar os fatores facilitadores *

Suponha uma indústria onde 𝑛 empresas idênticas participam de um jogo repetido


de horizonte temporal infinito (ou com data final incerta, o que seria equivalente). As
empresas produzem o mesmo produto homogêneo ao mesmo custo unitário 𝑐. Em cada
período 𝑡 do jogo, elas estabelecem seus preços ao mesmo tempo e de forma não
cooperativa. Todas possuem o mesmo fator de desconto 𝛿. (Também é possível
considerar o jogo no qual o mercado existe no período seguinte com probabilidade 𝜙 ∈
(0,1), presumindo um fator de desconto 𝑑, igual para todas as empresas. Estabelecendo
𝛿 = 𝑑𝜙, a análise é equivalente.) Suponha também que não existam limitações de
capacidade e que cada empresa maximiza o valor presente descontado de seu lucro.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
62

Por fim, especifique a demanda da Empresa 𝑖 conforme descrito a seguir (a forma


usual para um jogo de Bertrand com produtos homogêneos). Se todas as empresas cobram
os mesmos preços 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝, compartilham a demanda de maneira igual, de modo que
𝐷𝑖 = 𝐷(𝑝)/𝑛 e 𝜋𝑖 = 𝜋(𝑝𝑖 )/𝑛, onde 𝜋𝑖 denota o lucro da Empresa 𝑖 e 𝜋(𝑝) é o lucro
agregado quando todas as empresas cobram o preço 𝑝. Caso a Empresa 𝑖 estabeleça um
preço 𝑝𝑖 < 𝑝𝑗 , para qualquer 𝑗 ≠ 𝑖, tem-se que 𝐷𝑖 = 𝐷(𝑝𝑖 ) e 𝜋𝑖 = 𝜋(𝑝𝑖 ). Finalmente,
caso exista um 𝑘 tal que a Empresa 𝑖 estabeleça um preço 𝑝𝑖 > 𝑝𝑘 , 𝐷𝑖 = 0 e 𝜋𝑖 = 0.

Considere as seguintes estratégias de gatilho. No período inicial, 𝑡 = 0, cada


empresa define o preço de conluio 𝑝𝑚 (o preço que maximiza os lucros conjuntos). No
período 𝑡, o preço fixado será 𝑝𝑚 , se todas as empresas definirem 𝑝𝑚 em cada período
anterior a 𝑡. Caso contrário, cada empresa estabelece 𝑝 = 𝑐 sempre. Em outras palavras,
elas se comportam de forma colusiva desde que as demais também o façam. Contudo, se
uma delas desviar do acordo de conluio, a punição é “disparada”, e todas revertem para o
equilíbrio de uma rodada de Bertrand pelo resto do jogo.

O conluio de equilíbrio acontece quando nenhuma empresa possui incentivos para


desviar seu comportamento daquele indicado pelas estratégias de gatilho (trigger
strategies). Como todas as empresas são idênticas, deve-se somente considerar a restrição
de incentivo para uma:

𝜋(𝑝𝑚 )
(1 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝𝑚 ). (4.4)
𝑛
O lado esquerdo da expressão fornece o ganho total que uma empresa recebe em caso de
comportamento colusivo (ou seja, se seguir a estratégia de gatilho quando todas as demais
o fazem). Em cada período, e para todos eles, a empresa recebe sua parte, 1/𝑛 do lucro
agregado de monopólio. Os lucros obtidos em 𝑡 são descontados por um fator 𝛿 𝑡 . O lado
direito da expressão fornece o lucro sob desvio ótimo. Se uma empresa decide trapacear
quando as demais decidem pelo conluio, o maior ganho é obtido reduzindo-se
ligeiramente 𝑝𝑚 . Estabelecendo 𝑝𝑚 − 𝜀, todos os consumidores irão comprar da
desviante, que lucrará com isso: 𝜋(𝑝𝑚 − 𝜀). Quando 𝜀 for suficientemente pequeno, a
empresa lucrará bem próximo a 𝜋(𝑝𝑚 ) no período do desvio. No período seguinte, no
entanto, a punição ocorrerá com todas as empresas, revertendo para sempre para o

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
63

equilíbrio de Nash. Dessa forma, a desviante (assim como as outras) terá lucro igual a
zero em todos os períodos do jogo.

Note que ∑∞ 𝑡
𝑡=0 𝛿 = 1/(1 − 𝛿). Assim sendo, a restrição de incentivo exposta

anteriormente pode ser reescrita como:

1
𝛿 ≥ 1− . (4.5)
𝑛
Quando 𝑛 = 2, tem-se o caso clássico de duopólio dos livros-texto: a colusão é
sustentável desde que 𝛿 ≥ 1/2; quando 𝑛 → ∞, a colusão é impossível, já que um fator
de desconto maior seria necessário para manter a restrição de incentivo, ao passo que 𝛿 ∈
(0, 1).

Concentração. A partir da desigualdade anterior, pode-se facilmente verificar que,


quanto maior for o número de empresas, maior será a restrição de incentivo e será menos
provável que a colusão se sustente em equilíbrio. Em um modelo com empresas
simétricas, é o mesmo que dizer que um aumento na concentração (sendo 1/𝑛 um
indicador de concentração) torna o conluio mais provável.

Encomendas regulares facilitam a colusão. Para verificar como pedidos


regulares facilitam o conluio, é conveniente mostrar como um pedido grande pode
quebrar a colusão. Suponha o mesmo jogo descrito antes, mas que, em 𝑡 = 0, a demanda
e o lucro do mercado sejam, respectivamente, 𝑘𝐷(𝑝) e 𝑘𝜋(𝑝), com 𝑘 > 1. Nos períodos
seguintes, t = 1, 2, ..., a demanda e o lucro retornam para os níveis habituais 𝐷(𝑝) e 𝜋(𝑝).
Isso equivale dizer que um pedido grande e fora do habitual foi feito em um período. A
restrição de incentivo seria, então,

𝜋(𝑝𝑚 )
(𝑘 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝑘𝜋(𝑝𝑚 ). (4.6)
𝑛
Isso pode ser reescrito como 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)𝑘/[1 + (𝑛 − 1)𝑘]. As RIs serão mais
vinculantes conforme o 𝑘 for maior, já que k aumenta o lado direito da equação mais que
o esquerdo. No limite, para 𝑘 → ∞ não haveria valor do fator de desconto que satisfizesse
à condição para colusão.

O Exercício 4.1 mostra que a alta frequência de contatos no mercado beneficia a


atividade colusiva.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
64

Elasticidade da demanda. O impacto da elasticidade da demanda na probabilidade de


colusão não é obvio, uma vez que ela entra na RI da colusão somente pela expressão dos
lucros, 𝜋(𝑝𝑚 ), e eles se cancelam.

Colusão e a evolução da demanda. Rotemberg e Saloner (1986) foram um dos


primeiros autores que analisaram os efeitos da evolução da demanda na probabilidade de
colusão. Em seu modelo, a demanda pode estar em alto (𝑑𝐻 ) ou baixo nível (𝑑𝐿 ), em que
cada nível tem probabilidade igual a 1/2. O pressuposto central desse modelo é que os
choques são independentes e identicamente distribuídos. Ou seja, não existe correlação
entre os níveis de demanda de hoje e de amanhã. Rotemberg e Saloner mostram que o
conluio é menos provável para altos níveis de demanda, já que a tentação de desviar é
maior. Uma colusão completa (isto é, quando as empresas estabelecem preço de
monopólio para ambos os níveis de demanda) somente ocorre para fatores de desconto
bastante elevados. Caso sejam intermediários, o resultado é um conluio parcial: as
empresas estabelecem preço de monopólio para baixos níveis de demanda e preços mais
baixos para altos níveis de demanda.

Para melhor entender o mecanismo por trás do artigo de Rotemberg e Saloner,


note que, em seu modelo, a ocorrência de um estado elevado de demanda é equivalente a
uma situação em que existe um pedido inesperadamente grande hoje, mas amanhã o
mercado volta aos níveis de demanda habituais. O nível de demanda esperado é
(𝑑𝐿 + 𝑑𝐻 )/2. No caso de um choque de demanda de magnitude elevada, ela será maior
que a esperada: 𝑑𝐻 > (𝑑𝐿 + 𝑑𝐻 )/2. É o mesmo caso da seção anterior, quando o nível
usual da demanda é igual a 𝐷, e um pedido inesperadamente grande faz a demanda no
período ser 𝑘𝐷 > 𝐷.

A introdução de uma correlação positiva entre os choques de demanda muda


completamente o cenário. Quando se espera que o crescimento continue no futuro, os
incentivos ao desvio são reduzidos: a punição reduz o lucro em períodos de alta demanda.
Caso o cenário seja um declínio persistente da demanda, é menos provável que uma
colusão seja sustentável, visto que é preferível desviar quando a demanda está elevada,
pois os custos de uma punição serão menores amanhã, quando a demanda cair. O exemplo
a seguir mostra esses efeitos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
65

Em 𝑡 = 0, a demanda e o lucro são dados por 𝐷(𝑝) e 𝜋(𝑝). Em 𝑡, serão,


respectivamente, 𝜃 𝑡 𝐷(𝑝) e 𝜃 𝑡 𝜋(𝑝), com 𝜃 > 0. A restrição de incentivo pode ser
reescrita como:

𝜋(𝑝𝑚 )
(1 + 𝛿𝜃 + 𝛿 2 𝜃 2 + 𝛿 3 𝜃 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝𝑚 ), (4.7)
𝑛
ou 𝛿 ≥ (1/𝜃)(1 − 1/𝑛). Cabe fazer uma distinção a seguir entre dois casos.

(1) Crescimento (contínuo) da demanda. Se 𝜃 > 1, é simples entender que o conluio


é mais fácil (RI relaxadas): o crescimento esperado da demanda aumenta os custos
futuros de um desvio.
(2) Declínio (contínuo) da demanda. Se 𝜃 < 1, é menos provável que a colusão se
sustente (RI restritas): a tentação de desviar é maior porque os custos futuros do desvio,
ou seja, as punições, são menores.

No mundo real, a demanda tende a oscilar em ciclos, com períodos de crescimento


seguidos por períodos de declínio. No entanto, os resultados de Harrington e Haltiwanger
(1991) sobre conluio ao longo do ciclo são consistentes com a imagem dada por esse
modelo mais simples: a quebra do conluio é mais provável quando a demanda está em
declínio.

Simetria beneficia a colusão. Considere um Mercado 𝐴 com duas Empresas (1 e


2) operando. A Empresa 1 possui participação de mercado igual a 𝜆, e a 2, igual a 1 − 𝜆.
Supondo que 𝜆 > 1/2: Empresa 1 é “grande”, e a 2, “pequena”. Ambas possuem a mesma
tecnologia, com custo marginal constante 𝑐 e o mesmo fator de desconto 𝛿. As duas
repetem um jogo de preços infinitas vezes. Denota-se o preço de colusão completa por
𝑝𝑚 e presumem-se estratégias de gatilho simples com reversão de Nash ad eternum. A
restrição de incentivo para a Empresa i = 1, 2 é dada por

𝑠𝑖 (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 )
− (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 ) ≥ 0, (4.8)
1−𝛿
onde 𝑠1 = 𝜆 e 𝑠2 = 1 − 𝜆 são as parcelas de mercado das Empresas 1 e 2,
respectivamente. As restrições de incentivo das duas no Mercado A são dadas por 𝐼𝐶1𝐴 ∶
𝜆/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0 e 𝐼𝐶2𝐴 ∶ (1 − 𝜆)/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0. A primeira pode ser simplificada
por 𝛿 ≥ 1 − 𝜆, e a última, por 𝛿 ≥ 𝜆. A restrição obrigatória de colusão no Mercado A é
𝛿 ≥ 𝜆, a da empresa pequena.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
66

A intuição é simples: a empresa grande possui maior participação de mercado,


mas o desvio permite que cada uma obtenha, por um período, todo o mercado. O incentivo
para o desvio, nesse caso, é muito maior para a empresa pequena, que pode obter
participação adicional do mercado reduzindo preços. A colusão é limitada na medida em
que as participações de mercado são assimétricas. No caso de simetria, ou seja, se as
empresas tivessem a mesma participação, teríamos a condição-padrão de conluio, 1 − 𝜆.
Quanto maior a assimetria, mais rígidas são as RIs da pequena empresa.

Contatos multimercado. Suponha agora um Mercado 𝐵 com as mesmas


características do A e com as mesmas empresas, só que com posições de mercado
invertidas. A Empresa 1 possui participação de mercado 𝜆 (respectivamente, 1 − 𝜆) no
Mercado A (respectivamente B), e a Empresa 2 possui participação de mercado igual a
1 − 𝜆 (respectivamente 𝜆) no Mercado A (respectivamente B), com 𝜆 > 1/2. Dessa
forma, a Empresa 1 é maior no Mercado A mas menor no B e vice-e-versa.

Considere as restrições de incentivo para a colusão, primeiro em cada mercado


separadamente e depois para os dois juntos. Veremos como os contatos multimercado
facilitam a colusão a partir deste exemplo.

As RIs para a Empresa i = 1, 2 no mercado 𝑗 = 𝐴, 𝐵 (considerados separadamente)


são

𝑗
𝑠𝑖 (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 )
− (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 ) ≥ 0, (4.9)
1−𝛿
𝑗
onde 𝑠𝑖 é a participação de mercado da Empresa i = 1,2 no mercado 𝑗 = 𝐴, 𝐵. Já
verificamos que as RIs no mercado A são dadas por 𝐼𝐶1𝐴 ∶ 𝛿 ≥ 1 − 𝜆 e 𝐼𝐶2𝐴 ∶ 𝛿 ≥ 𝜆. No
Mercado B, as duas RIs são 𝐼𝐶1𝐵 : (1 − 𝜆)/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0 e 𝐼𝐶2𝐵 : 𝜆/(1 − 𝛿) − 1 ≥ 0,
reduzindo para 𝛿 ≥ 𝜆 e 𝛿 ≥ 1 − 𝜆. A Empresa 1 é a menor no Mercado B, de modo que
sua condição inicial, 𝛿 ≥ 𝜆, é a vinculante.

Analisando os dois mercados de forma separada (ou, de maneira equivalente,


presumindo que as empresas que operam nos dois mercados são distintas), verificamos
que a colusão acontecerá em cada mercado se 𝛿 ≥ 𝜆, em que 𝜆 > 1/2.

Até agora, presumimos que cada empresa decide acerca do conluio em cada
mercado em que atua de forma separada. Todavia, esse pressuposto não está correto: cada
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
67

Empresa i = 1,2 vende nos dois mercados e irá, portanto, considerar os dois na tomada de
decisão (lembre-se de que a empresa desviará nos dois mercados, caso decida pelo desvio,
uma vez que a colusão estará quebrada nos dois mercados). As RIs são:

𝑠𝑖𝐴 (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 ) 𝑠𝑖𝐵 (𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 )


+ − 2(𝑝𝑚 − 𝑐)𝑄(𝑝𝑚 ) ≥ 0. (4.10)
1−𝛿 1−𝛿
As restrições de incentivo simplificam para 𝜆 + 1 − 𝜆 ≥ 2(1 − 𝛿), de onde 𝛿 ≥ 1/2.
Caso as Empresas 1 e 2 operassem em um só mercado, a colusão ocorreria se 𝛿 ≥ 𝜆. Os
contatos multimercado facilitam o conluio, visto que o fator crítico de desconto é menor:
1⁄2 < 𝜆.

Esses resultados decorrem do fato de que, atuando em multimercados, as empresas


podem unir suas restrições de incentivo, usando um “relaxamento” da restrição em um
mercado para reforçar o conluio no outro. De forma mais intuitiva, no exemplo aqui
apresentado, os contatos multimercado restauraram a simetria em mercados assimétricos.
Sob contatos multimercado, o conluio surge se 𝛿 ≥ 1/2, precisamente a mesma condição
enfrentada pelas empresas simétricas em determinado mercado (quando visto
isoladamente).

Q4.1.2 – O problema com superjogos: equilíbrios múltiplos *

Um problema de jogos de horizonte infinito é que admitem um continuum de


soluções de equilíbrio. Considere, por exemplo, o mesmo modelo básico analisado na
seção “Fatores que facilitam a colusão”, mas suponha que as empresas tenham as
seguintes estratégias de gatilho. Cada empresa estabelece um preço 𝑝 ∈ [𝑐, 𝑝𝑚 ], onde c é
o custo marginal, e 𝑝𝑚 , o preço de maximização do lucro conjunto, em t = 0. Determina-
se 𝑝𝑚 no período t se todas as empresas estabeleceram 𝑝 em cada período anterior a t;
caso contrário, estabelece-se 𝑝 = 𝑐 para sempre. Essas estratégias, que diferem das
estudadas na seção anterior, pois aquelas restringem o preço de colusão em 𝑝 = 𝑝𝑚 ,
representam um equilíbrio do jogo com as seguintes RIs:

𝜋(𝑝)
(1 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝). (4.11)
𝑛

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
68

É simples reescrever as RIs e verificar que equivalem a 𝛿 ≥ 1 − 1/𝑛. Portanto, o mesmo


valor do fator de desconto permite um continuum de soluções de equilíbrio: qualquer
preço entre o preço de Bertrand e o de monopólio pode ser mantido em equilíbrio!

Esse cenário não é totalmente satisfatório, uma vez que uma série de resultados é
possível, e, a priori, não se pode dizer quais são os mais prováveis. Estudos adicionais
podem explorar se alguns equilíbrios específicos são mais propensos a serem
selecionados. Para tanto, são necessárias análises mais teóricas sobre refinamentos de
equilíbrio em superjogos e também evidência experimental que ajude a entender como os
agentes no mundo real estão coordenando em certos equilíbrios em detrimento de outros.
A seção “Quanto mais observáveis as ações das empresas, mais fácil a organização dos
cartéis”, do livro, apresenta uma discussão sobre as implicações práticas dessa
multiplicidade de equilíbrios.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
69

Quadro 4.2 – Material Avançado * *

Q4.2.1 – Credibilidade da punição e códigos penais ótimos * *

Uma questão fundamental para conluios tácitos e explícitos não explorada até
agora é a credibilidade das punições, uma vez que o desvio ocorra. Caso as empresas não
estivessem dispostas a levar a cabo a punição, ou seja, entrar em uma fase de preços
baixos, a ameaça de punição não existiria, e o conluio não se sustentaria. Formalmente,
isso implica que outras restrições de incentivo devem se manter válidas para que o conluio
seja sustentável. Ou seja, a empresa prefere encarar a punição (retaliar) que desviar (não
retaliar).

Existem (pelo menos) duas soluções técnicas distintas para o problema da


credibilidade da punição. Nos modelos de “estratégias de gatilho”, quando é observado o
desvio, a punição consiste em todas as empresas revertendo para o equilíbrio de Nash em
uma rodada para sempre. Nesse caso, participar da punição é racional: considerando que
todas as empresas adotam ações de equilíbrio de Nash, nenhuma tem incentivo para
desviar dessas ações. Note que até agora as restrições de incentivo não foram introduzidas
porque têm se mantido satisfeitas.

Em outra classe de modelos de Abreu (1986, 1988) e Abreu, Pearce e Stacchetti


(1986), as empresas executam códigos penais ótimos, que envolvem estratégias de
estímulo-penalização (stick and carrot). Abreu observa que jogar o equilíbrio de Nash
para sempre não é, necessariamente, a punição ótima, toda vez que 𝑉𝑖𝑝 for positivo. A
probabilidade de colusão aumentará se uma punição mais severa puder ser imposta.

A proposta de Abreu envolve uma punição bastante severa, imediatamente após o


desvio, com lucros negativos para as empresas durante o período da punição. Para tornar
crível a punição por participação em um mercado forte, o código penal também estabelece
que as empresas irão adotar ações colusivas imediatamente, caso participem da punição,
que continuará, salvo se todas as empresas resolverem participar. Se o valor presente
descontado do lucro após o desvio for igual a zero (𝑉𝑖𝑝 = 0), a sustentabilidade do
conluio será máxima, já que uma punição mais severa não será possível (uma empresa

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
70

nunca estaria disposta a participar de uma punição com valor presente descontado dos
lucros negativo, pois seria mais vantajoso não produzir nada para sempre). A seção a
seguir apresenta um modelo simples com punições simétricas em dois estágios e mostra
como elas podem aperfeiçoar as estratégias de gatilho reversas de Nash.

Um exemplo de punições ótimas. Considere 𝑛≥2 empresas produzindo bens


homogêneos e escolhendo quantidades em cada período por um número infinito de
períodos. A demanda da indústria é dada por 𝑝 = max{0, 1 − 𝑄}, sendo 𝑄 a soma dos
resultados individuais. Todas as empresas dessa indústria são idênticas: possuem o
mesmo custo marginal constante 𝑐 < 1, e o mesmo fator de desconto 𝛿.

Estratégias de gatilho com reversão à Nash. Inicialmente, serão apresentadas as


condições para colusão sob estratégias de gatilho com reversão à Nash. O Exercício 4.12
mostra que os resultados e lucros individuais em conluio são dados por 𝑞 𝑚 =
(1 − 𝑐)⁄(2𝑛) e 𝜋 𝑚 = (1 − 𝑐)2 ⁄(4𝑛); os níveis ótimos de lucros e resultados que uma
empresa pode obter desviando de um acordo de colusão são dados por 𝑞 𝑑 =
(𝑛 + 1)(1 − 𝑐)/(4𝑛) e 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑐)2 (𝑛 + 1)/(16𝑛2 ); finalmente, as quantidades e
lucros de Cournot são dados por 𝑞 𝑐𝑛 = (1 − 𝑐)/(𝑛 + 1) e 𝜋 𝑐𝑛 = (1 − 𝑐)2 /(𝑛 + 1)2 .

As RIs para colusão são: 𝜋 𝑚 = (1 − 𝛿) ≥ 𝜋 𝑑 + 𝛿𝜋 𝑐𝑛 /(1 − 𝛿). Após


substituição e reorganização, temos que:

(1 + 𝑛)2
𝛿≥ ≡ 𝛿 𝑐𝑛 . (4.12)
1 + 6𝑛 + 𝑛2
Estratégias de punição ótimas. Sob as estratégias de gatilho com reversão à Nash
apresentadas, as empresas realizam lucros positivos ao longo do caminho de punição
𝑉 𝑝 = 𝛿𝜋 𝑐𝑛 /(1 − 𝛿) > 0. Abreu (1986) destaca que, fortalecendo a punição, ou seja,
reduzindo o valor presente descontado dos lucros realizados após o desvio, 𝑉𝑝 , a colusão
pode ser alcançada sob condições mais amenas no fator de desconto. O autor tem como
foco estratégias em dois estágios e mostra as condições sob as quais existe uma punição
simétrica ótima na qual cada empresa produz a mesma quantidade 𝑞 𝑝 e lucro negativo 𝜋 𝑝
no período seguinte ao desvio, para, então, reverter para a quantidade de colusão no
período seguinte: 𝑉 𝑝 (𝑞 𝑝 ) = 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿). A punição é ótima, pois a
quantidade 𝑞 𝑝 é escolhida de tal forma que 𝑉 𝑝 = 0, a pior punição que as empresas
podem aplicar.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
71

É claro que a punição precisa ser crível, isto é, as empresas não deveriam ter
incentivos para desviar do caminho da punição. Considerando 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ), o lucro obtido
ao desviar do caminho da punição (a melhor resposta para um jogo de uma rodada quando
todas as outras empresas estabelecem quantidade 𝑞 𝑝 ) deve ser 𝑉 𝑝 (𝑞 𝑝 ) ≥ 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) +
𝛿𝑉 𝑝 (𝑞 𝑝 ) ou 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿) ≥ 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿(𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) + 𝛿𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿)).
(Observe que, depois do desvio, a punição seria reiniciada.)

As condições para a colusão são determinadas conjuntamente por um par de RIs


(já que as empresas são simétricas e estamos focando punições simétricas ótimas, as duas
Ris são idênticas para todas as empresas), que podem ser ligeiramente reorganizadas
como

𝜋𝑑 − 𝜋𝑚
𝛿≥ ≡ 𝛿 𝑐 (𝑞 𝑝 ) (RI do conluio) (4.13)
𝜋 𝑚 − 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 )
𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) − 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 )
𝛿≥ ≡ 𝛿 𝑝 (𝑞 𝑝 ) (RI da punição). (4.14)
𝜋 𝑚 − 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 )
Em primeiro lugar, é importante notar que as duas RIs dependem da severidade
das punições. Quanto mais severa a punição (quanto maior 𝑞 𝑝 e menor 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) após o
desvio), maior a probabilidade de que as RIs para o conluio sejam satisfeitas
𝜕𝛿 𝑐 (𝑞 𝑝 )/𝜕𝑞 𝑝 < 0. Contudo, uma punição mais severa também restringe as RIs ao longo
do caminho da punição: ceteris paribus, a punição é sustentável somente para elevados
fatores de desconto. Com efeito, quanto maior 𝑞 𝑝 , menor 𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ); além disso, pode-se
verificar que, quanto maior 𝑞 𝑝 , menor 𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) (estamos lidando aqui com substitutos
estratégicos: quanto maior o resultado agregado produzido por (n – 1) concorrentes,
menores as quantidades que a n-ésima empresa produzirá como melhor resposta):
𝜕𝛿 𝑝 (𝑞 𝑝 )/𝜕𝑞 𝑝 > 0.

Mais especificamente, no exemplo da demanda linear de Cournot, temos:

1−𝑐 1
(1 − 𝑛𝑞 𝑝 − 𝑐)𝑞 𝑝 , para < 𝑞𝑝 <
𝜋 𝑝 (𝑞 𝑝 ) = { 𝑛+1 𝑛 (4.15)
𝑝
1
−𝑐𝑞 , para 𝑞𝑝 ≥ .
𝑛
Observe que estamos focando 𝑞 𝑝 > (1 − 𝑐)/(𝑛 + 1), o resultado de Cournot–
Nash; além disso, a função de lucro da punição muda quando 𝑞 ≥ 1/𝑛, porque o preço
de mercado iguala a zero (supondo que p não seja negativo).
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
72

1−𝑐 1−𝑐
(1 − (𝑛 − 1)𝑞 𝑝 − 𝑐)2 /4, para < 𝑞𝑝 <
𝜋 𝑑𝑝 (𝑞 𝑝 ) = { 𝑛+1 𝑛−1 (4.16)
1 − 𝑐
0, para 𝑞𝑝 ≥ .
𝑛−1
É importante notar que 𝜋𝑑𝑝 = 0, se a empresa não conseguir lucros positivos
mesmo reduzindo sua produção unilateralmente, dado que as demais empresas
estabeleceram produção igual a 𝑞 𝑝 . Nesse cenário, isso se traduz na condição 𝑝 = 1 −
(𝑛 − 1)𝑞 𝑝 ≤ 𝑐, ou 𝑞 𝑝 ≥ (1 − 𝑐)/(𝑛 − 1). (Somente nesse caso, a punição é ótima, no
sentido de que 𝑉 𝑝 = 0. Para verificar isso, perceba que a mais severa punição é crível
somente se 0 = 𝑉 𝑝 ≥ 𝜋 𝑑𝑝 + 𝛿𝑉 𝑝 , o que implica que 𝜋 𝑑𝑝 = 0.)

Figura Q4.1 Restrições de incentivo ao longo dos caminhos de colusão e punição.

Dessa forma, as RIs podem ser reescritas como funções de 𝑞 𝑝 :

(1 − 𝑐)2 (𝑛 − 1)2 1−𝑐 1


, para < 𝑞𝑝 <
𝑐 (𝑞 𝑝 ) 4𝑛(1 − 𝑐 − 2𝑛𝑞 𝑝 ) 𝑛+1 𝑛
𝛿 = (4.17)
(1 − 𝑐)2 (𝑛 − 1)2 1
2 𝑝
, para q 𝑝 ≥ ,
{ 4𝑛(1 − 2𝑐 + 𝑐 + 4𝑛𝑐𝑞 ) 𝑛
e

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73

𝑛(1 − 𝑐 − 𝑞 − 𝑛𝑞 𝑝 )2 1−𝑐 1−𝑐


𝑝
, para < 𝑞𝑝 <
(1 − 𝑐 − 2𝑛𝑞 ) 𝑛+1 𝑛−1
𝑝 𝑝
4𝑛𝑞 (−1 + 𝑐 + 𝑛𝑞 ) 1−𝑐 1
𝛿 𝑝 (𝑞 𝑝 ) = 𝑝
, para ≤ 𝑞𝑝 < (4.18)
4𝑛(1 − 𝑐 + 2𝑛𝑞 ) 𝑛−1 𝑛
𝑝
4𝑛𝑐𝑞 1
2 𝑝
, para 𝑞𝑝 ≥ .
{ 1 − 2𝑐 + 𝑐 + 4𝑛𝑐𝑞 𝑛
A Figura Q4.1 ilustra o problema: ao aumentar a punição (isto é, aumentando 𝑞 𝑝 ),
as RIs do caminho da colusão são relaxadas, mas, em contrapartida, são restringidas no
caminho da punição. O ponto de interseção entre as duas RIs determina o nível de
resultado 𝑞̃ 𝑝 , que melhor suaviza as condições para que ambos os caminhos sejam
sustentáveis (ou seja, o menor 𝛿 possível).

Acontece que existem dois possíveis pontos de intersecção entre essas duas
curvas. Na Figura 1 (a), o nível de resultado 𝑞̃ 𝑝 que torna o conluio mais provável é
inferior a (1 − 𝑐)/(𝑛 − 1), ou seja, 𝑉 𝑝 = 0 não pode ser imposta. Ao contrário, na Figura
1 (b) 𝑞̃ 𝑝 , é tal que 𝑉 𝑝 = 0.

Observe que, somente no segundo caso, 𝑞̃ 𝑝 é tal que 𝑉 𝑝 = 0. Em outras palavras,


as melhores estratégias possíveis (aquelas que permitem às empresas fazer cumprir o
conluio para o maior número possível de fatores de desconto) não são necessariamente as
que exigem a mais severa punição, 𝑉 𝑝 = 0. Quanto mais severa for a punição, maior será
o fator de desconto necessário para que seja desejável retornar para o conluio e participar
da punição. Ao impor 𝑉 𝑝 = 0, as RIs iniciais ao longo do caminho da punição podem ser
mais restritas do que do caminho do conluio. É precisamente o que acontece quando um
pequeno número de empresas opera em uma indústria, como ilustrado na Figura 1 (a):
para uma punição 𝑞 𝑝 ≥ (1 − 𝑐)/(𝑛 − 1) é necessário um fator de desconto elevado para
que a punição seja imposta. Por isso, é melhor recorrer a uma punição mais leve, sob a
qual 𝑉 𝑝 > 0.

Pode-se verificar que o menor fator de desconto crítico possível para o qual o
maior nível de colusão pode ser sustentado é dado por

(𝑛 + 1)2
, para 𝑛 < 3 + 2√2
16𝑛
𝛿̱ = (4.19)
(𝑛 − 1)2
, para 𝑛 ≥ 3 + 2√2
{(𝑛 + 1)2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
74

A Figura Q4.2 (a ser apresentada na seção Q4.2.2, que faz sentido para 𝑛 ≥ 2)
ilustra o fator de desconto crítico 𝛿 obtido por meio de estratégias de “estímulo-punição”
e o compara com o fator de desconto crítico 𝛿 𝑐𝑛 , obtido por meio das estratégias de
reversão à Nash.

Q4.2.2 – Cartéis e renegociação * *

Conforme anteriormente mencionado, um resultado de conluio pode ser alcançado


sem a ocorrência de encontros presenciais. No entanto, iremos considerar agora acordos
explícitos (no lugar de colusão tácita), com encontros entre as empresas para coordenar
preços e estratégias de punição. McCutcheon (1997) mostra que a possibilidade de que
as empresas se reencontrem e renegociem o acordo pode, na verdade, quebrar o cartel,
resultado com aplicações práticas limitadas, mas, ainda assim, bastante interessante e que
merece atenção.

Considere novamente nosso modelo simples de conluio com duas empresas com
produtos homogêneos escolhendo os preços em cada período e revertendo para equilíbrio
de uma rodada de Nash após o desvio. Esse modelo requer que ambas as empresas tenham
lucro zero para sempre ao longo do caminho da punição. Caso as empresas não possam
se encontrar e renegociar seus comportamentos (ou caso os custos de renegociação sejam,
por algum motivo, proibitivos), não há incentivo para desviar do caminho da punição: já
que a concorrente cobra o custo marginal, uma empresa não consegue obter lucros
maiores adotando um preço distinto.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
75

Figura Q4.2 Condições para colusão: Reversão de Nash (𝛿 𝑐𝑛 ) versus


Estratégias de punição em dois estádios (𝛿).

Considere agora a possibilidade de duas empresas se encontrarem novamente e


renegociarem suas estratégias. Presuma também, por ora, que esse reencontro não
apresente qualquer custo. Após o desvio, ambas teriam incentivo para não punir e
recomeçar o conluio. É interesse das duas evitar uma situação na qual ambas teriam lucro
igual a zero para sempre. Em outras palavras, fazer cumprir a punição não seria a prova
de renegociação. Isso tem uma forte implicação para a existência da colusão: como as
empresas antecipam que a punição será renegociada e, portanto, não acontecerá, nada as
impede de trapacear. Somente se puderem se comprometer em não se encontrar
novamente, ou caso seja muito custoso o reencontro, o conluio poderá se sustentar em
equilíbrio.

O conluio ainda se mantém quando se considera um conjunto diferente de


estratégias, por exemplo, estratégias com punições assimétricas e com punições por
períodos finitos. É pertinente considerar um tratamento assimétrico para os players,
porque uma forma de reduzir o incentivo para renegociar é dar diferentes ganhos para as
empresas ao longo do caminho punição: uma pode querer renegociar, a outra não. Em
particular, a não desviante deve obter, pelo menos, tanto quanto obteria aceitando

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
76

renegociar. Assim sendo, nesse jogo, de modo a não ser induzida a perdoar a desviante,
a empresa deve obter ao menos 𝜋(𝑝𝑚 )/2.

Considere um conjunto de estratégias que, por T períodos após um desvio, exija


que a não desviante e a desviante cobrem, respectivamente, 𝑝𝑝 e 𝑝 > 𝑝𝑝 , onde 𝑝𝑝 é
escolhido de modo que a não desviante obtenha ao menos 𝜋(𝑝𝑚 )/2. Após T períodos, as
empresas reverteriam para preços de monopólio. Naturalmente, T deve ser escolhido de
forma adequada, de sorte que o ganho seja baixo o suficiente para evitar a tentação de
desviar ao longo do caminho da punição. Em outras palavras, T deve satisfazer à restrição
de incentivo ao longo do caminho de colusão:

𝜋(𝑝𝑚 ) 𝛿 𝑇+1 + 𝜋(𝑝𝑚 )


≥ 𝜋(𝑝𝑚 ) + , (4.20)
2(1 − 𝛿) 2(1 − 𝛿)
que pode ser reescrita como 𝛿(2 − 𝛿 𝑇 ) ≥ 1.

No entanto, para que o conluio se sustente, a desviante deve ser induzida a punir
a si mesma. A restrição de incentivo descrita pelas estratégias anteriores ao longo do
caminho de punição seria:

𝛿 𝑇 𝜋(𝑝𝑚 ) 𝜋(𝑝𝑚 ) 𝛿 𝑇+1 𝜋(𝑝𝑚 )


≥ + . (4.21)
2(1 − 𝛿) 2 2(1 − 𝛿)
O lado esquerdo da expressão denota o ganho da desviante, caso aceitasse ganho
zero por T períodos. O lado direito da expressão denota o ganho obtido caso a empresa
desviasse e cobrasse um preço um pouco menor que 𝑝𝑝 , ficando com toda a demanda e
um lucro pouco abaixo de 𝜋(𝑝𝑚 )/2 no período do desvio (pelo caminho da punição).
Contudo, a punição recomeçaria no próximo período.

Podemos rapidamente verificar que a condição anterior pode ser reescrita como
𝛿 𝑇 ≥ 1, o que é falso. Portanto, um conjunto alternativo de estratégias de conluio, que
exijam ganhos assimétricos durante a punição, não pode ser mantido em equilíbrio.

Dessa maneira, concluímos que um resultado de conluio não se sustenta em


equilíbrio quando a renegociação é permitida.

Renegociação custosa. McCutcheon (1997) utiliza essa estrutura para argumentar


que multas intermediárias podem ser até mesmo contraproducentes e promover a colusão.
Suponha que cada reunião tenha probabilidade 𝜃 de ser descoberta, o que levaria a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
77

empresa a receber uma multa F. O custo esperado de uma reunião, seja a primeira ou uma
renegociação, é 𝜃𝐹. O benefício da reunião inicial é dado pela diferença entre o fluxo de
lucros da colusão e o ganho do equilíbrio em uma rodada (igualando a zero):
𝜋(𝑝𝑚 )⁄(2(1 − 𝛿)). A reunião então aconteceria se 𝜃𝐹 < 𝜋(𝑝𝑚 )⁄(2(1 − 𝛿)).

Considere agora o incentivo de uma nova reunião após um desvio. Sob


“estratégias cruéis” (grim strategies), que impõem lucro zero para sempre, o ganho
esperado de uma renegociação seria 𝜋(𝑝𝑚 )⁄(2(1 − 𝛿)). Desse modo, a renegociação
ocorreria se 𝜃𝐹 < 𝜋(𝑝𝑚 )⁄(2(1 − 𝛿)). Por esse motivo, o conluio nunca poderia ser
sustentado, já que a renegociação sempre iria acontecer. Faz sentido, portanto,
concentrar-se em estratégias que reduzam o benefício da renegociação após um desvio,
ou seja, que diminuam o custo da punição. Um exemplo seria uma estratégia que exija
punição durante um número mínimo possível de períodos T, em vez de para sempre. Esse
número T é o que deve satisfazer à restrição de incentivo ao longo do caminho da colusão
(4.20), 𝛿(2 − 𝛿 𝑇 ) ≥ 1, com igualdade.

O custo da punição ou o benefício da renegociação para abrir mão dos lucros do


conluio 𝜋(𝑝𝑚 )/2, por períodos T, é

𝑇−1
𝜋(𝑝𝑚 ) 𝜋(𝑝𝑚 ) 1 − 𝛿 𝑇
𝑡
∑𝛿 = ( ). (4.22)
2 2 1−𝛿
𝑡=0

Portanto, uma renegociação aconteceria após a punição se 𝜃𝐹 < 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝛿 𝑇 )/


(2(1 − 𝛿)). Caso contrário, a renegociação não ocorreria: as empresas prefeririam a
punição e surgiria o conluio.

1. 𝜃𝐹 ≥ 𝜋(𝑝𝑚 )/(2(1 − 𝛿)). Nesse caso, cada encontro é muito custoso, porque a
multa esperada é muito elevada: as empresas não iniciariam um conluio e não
haveria conluio em equilíbrio.
2. 𝜋(𝑝𝑚 )/(2(1 − 𝛿)) > 𝜃𝐹 ≥ 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝛿 𝑇 )/(2(1 − 𝛿)). As multas e a
probabilidade de as empresas serem descobertas são pequenas o suficiente para
evitar a primeira reunião, mas altas o bastante para evitar uma segunda. Esse é o
pior resultado, no qual há conluio em equilíbrio, pois a punição não pode ser
renegociada. Isso leva ao pior resultado, em que a colusão surge em equilíbrio uma
vez que a punição não será renegociada.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
78

3. 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝛿 𝑇 )/(2(1 − 𝛿)) > 𝜃𝐹. Aqui, o custo esperado do encontro é tão baixo
que haverá renegociação, arruinando o acordo inicial. Nenhum conluio pode ser
sustentado em equilíbrio.

Discussão. A análise de McCutcheon é interessante porque destaca a importância da


barganha e da negociação entre os potenciais participantes de um conluio. Seu trabalho
enfatiza os aspectos negativos (do ponto de vista dos potenciais membros do cartel) da
renegociação em acordos de colusão. No entanto, esses reencontros podem ter papel
distinto em diferentes contextos. Por exemplo, após um choque, as reuniões podem ser
indispensáveis para que o conluio continue sem que a indústria inteira precise arcar com
os custos das fases de punição.

Na verdade, sabemos pouco sobre como os carteis funcionam na prática. Uma das
poucas descrições ricas disponíveis foi feita por Genesove e Mullin (2001), que analisam
o Sugar Institute, associação da indústria que fixava regras conducentes a um resultado
de conluio entre os refinadores. Esse estudo mostrou que as reuniões de renegociação
foram importantes para enfrentar novas e imprevisíveis circunstâncias e que as punições
não ocorriam com a frequência prevista pela teoria, mesmo que os desvios acontecessem,
talvez em função de tais reuniões, o que não levou a um colapso do acordo de colusão.
Isso sugere que pesquisas adicionais são necessárias.

Q4.2.3 – O modelo de Green -Porter (1984) **

Considere uma indústria com n empresas idênticas vendendo um produto


homogêneo e, simultaneamente, participando um jogo de Bertrand por um número
infinito de vezes. Realizações de demanda são estocásticas e distribuídas de forma
independente e idêntica. Em cada período, a demanda está em baixa, (D = 0), com
probabilidade 𝛼, ou elevada (𝐷 > 0) com probabilidade 1 − 𝛼, e as empresas
desconhecem o nível da demanda quando estabelecem seus preços nem após a definição.
Além disso, as empresas não observam os preços das concorrentes.

Assim, quando uma empresa encara demanda zero, não consegue saber se as
concorrentes cortaram preços ou se se trata de baixo nível de demanda. (Mantenha os

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
79

pressupostos do jogo de Bertrand: se a demanda for positiva, será completamente


compartilhada entre as empresas com o menor preço, e as companhias com preços mais
altos receberão demanda zero.)

Após observar demanda igual a zero, reverter para o equilíbrio de Nash (com lucro
zero) para sempre não é mais a estratégia ideal, já que a punição pode ser acionada mesmo
que nenhuma empresa tenha desviado do caminho do conluio. Considere a seguinte
estratégia de conluio: cada empresa define o preço de conluio 𝑝𝑚 no início do jogo e o
mantém desde que todas as empresas tenham demanda positiva. Quando pelo menos uma
observar demanda zero, a indústria entra em uma fase de punição por T períodos, durante
os quais cada empresa define seu preço igual ao custo marginal. Terminada a fase de
punição, todas retomam o comportamento colusivo.

Como de costume, para verificar se essas estratégias representam um equilíbrio, é


preciso inferir as RIs, comparando o lucro com as estratégias de conluio e com o lucro do
desvio (presumindo que todas as outras empresas seguem a mesma estratégia). Para isso,
é conveniente definir duas variáveis: 𝑉 + e 𝑉 – , que representam, respectivamente, o valor
presente descontado do lucro de uma empresa durante o período de conluio e o período
da punição.

+
𝜋(𝑝𝑚 )
𝑉 = (1 − 𝛼) ( + 𝛿𝑉 + ) + 𝛼𝛿𝑉 − . (4.23)
𝑛
O primeiro termo é o ganho quando todas as empresas entram no conluio e a
demanda é positiva (o que ocorre com probabilidade 1 − 𝛼), e o período seguinte é uma
nova fase de conluio; o segundo termo é o ganho no caso de um choque de demanda
negativo (que acontece com probabilidade 𝛼), desencadeando uma fase de punição. A
seguir, 𝑉 – pode ser escrita como

𝑉− = 𝛿𝑇𝑉+ . (4.24)
Perceba que as empresas não obtêm qualquer lucro durante todos os T períodos
que compreendem a fase de punição. As duas equações anteriores formam um sistema
nas duas incógnitas 𝑉 + e 𝑉 – , cuja solução é dada por

𝜋(𝑝𝑚 ) 𝜋(𝑝𝑚 )
(1 − 𝛼) 𝛿 𝑇 (1 − 𝛼)
𝑉+ = 𝑛 , 𝑉− = 𝑛 . (4.25)
1 − (1 − 𝛼)𝛿 − 𝛼𝛿 𝑇+1 1 − (1 − 𝛼)𝛿 − 𝛼𝛿 𝑇+1

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
80

É necessário agora escrever a restrição de incentivo para a empresa. Caso não


permaneça na estratégia de conluio, ela ganha 𝑉 + , enquanto (otimamente) desviando,
ganha 𝑉 𝑑 = (1 − 𝛼)(𝜋(𝑝𝑚 ) + 𝛿𝑉 − ) + 𝛼𝛿𝑉 − = (1 − 𝛼)𝜋(𝑝𝑚 ) + 𝛿𝑉 − . Com efeito, se,
após ter cobrado pouco menos que as outras empresas, ocorrer uma elevação da demanda
(o que acontece com probabilidade 1 − 𝛼), a desviante recebe todo o lucro da indústria
naquele período, mas desencadeia uma fase de punição, o que significa que o valor
presente descontado de todos os seus lucros no início do próximo período é 𝑉 – . Se, no
entanto, ocorrer uma queda no nível de demanda (o que acontece com probabilidade 𝛼),
a desviante, bem como as outras empresas, terão lucro zero no período corrente, e, no
período seguinte, o valor total dos lucros futuros será 𝑉 – .

As RIs podem ser escritas como 𝑉 + ≥ (1 − 𝛼)𝜋(𝑝𝑚 ) + 𝛿𝑉 − . Após substituição


e simples operação algébrica, temos:

[𝛿𝑛(1 − 𝛼) − (𝑛 − 1)] + [𝛿 𝑇+1 (𝛼𝑛 − 1)] ≥ 0. (4.26)


O primeiro termo não será negativo se 𝛼 ≤ (1 − 𝑛 + 𝑛𝛿)/(𝑛𝛿) ≡ 𝛼1; o segundo
termo não será negativo se 𝛼 ≥ 1/𝑛 ≡ 𝛼2 . Como 𝛼1 < 𝛼2 , existem três casos possíveis.
Se 𝛼1 ≤ 𝛼2 , (4.26) pode ser satisfeita; se 𝛼1 < 𝛼 ≤ 𝛼2 , os dois termos serão negativos e
a equação não será satisfeita; finalmente, se 𝛼 > 𝛼2 , (4.26) não será satisfeita porque o
segundo termo (positivo) é menor em termos absolutos que o primeiro (negativo).

Portanto, as duas condições necessárias para que as RIs sejam satisfeitas são: (1)
𝛼 < 1/𝑛: se existe uma alta probabilidade de haver um baixo estado de demanda, o
conluio não pode ser sustentado. Intuitivamente, isso acontece porque existe uma alta
probabilidade de que a demanda seja zero de qualquer forma, de sorte que a perda com o
desvio é baixa, restringindo as RIs; (2) 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/(𝑛(1 − 𝛼)), que corresponde 𝛼 ≤
𝛼1 . Repare que, mesmo se as condições necessárias forem satisfeitas, quando T = 0, as
RIs nunca o serão, enquanto se 𝑇 → ∞ (que torna o segundo termo igual a zero) elas
sempre o serão para 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/(𝑛(1 − 𝛼)).

Para uso posterior, (4.26) pode ser reescrita como

𝛿𝑛(1 − 𝛼) − (𝑛 − 1)
𝛿𝑇 ≤ . (4.27)
𝛿(1 − 𝛼𝑛)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
81

As RIs implicitamente definem os valores de duração da punição T, para os quais


o conluio pode ser sustentado. Para identificar a duração ótima da punição (que
corresponde ao maior resultado sustentável da colusão), verifique que, em (4.25), 𝑉 +
diminui com T, de modo que as empresas gostariam de experimentar a menor fase
possível de punição. Formalmente, o 𝑇 ótimo pode ser encontrado resolvendo max 𝑇 𝑉 + ,
sujeito a (4.27). A solução é dada pelas RIs se sustentando em igualdade. Para achar o T
ótimo explicitamente, tome o logaritmo dos dois lados da equação (4.27) e reajuste. Tem-
se, então,

𝛿𝑛(1 − 𝛼) − (𝑛 − 1)
𝑇 ∗ = (ln 𝛿)−1 ln . (4.28)
𝛿(1 − 𝛼𝑛)

Pode-se verificar que 𝜕𝑇 ∗ /𝜕𝛼 > 0: quanto maior a probabilidade de haver um


baixo estado de demanda, maior deverá ser a fase de punição.

Q4.2.4 – Simetria e colusão * *

Nesta seção, estenderemos o tratamento dado à relação entre simetria e colusão,


sobre a qual falamos no Capítulo 4.

Considere uma indústria de produtos diferenciados na qual as empresas não


produzem, necessariamente, o mesmo número de produtos. Uma empresa “grande” é
aquela que vende um grande número de produtos, e uma empresa “pequena” vende uma
gama mais limitada de produtos. Presuma a seguinte função de demanda:

𝑛
1 𝑦
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ], (4.29)
𝑛 𝑛
𝑗=1

onde 𝑞𝑖 e 𝑝𝑖 são a quantidade e preço do e-nésimo produto, 𝑣 é um parâmetro positivo, 𝑛


é o número de produtos na indústria e 𝛾 ∈ [0, ∞] representa o grau de substituibilidade
entre os 𝑛 produtos. (Veja o Capítulo 8 para uma breve descrição da função de utilidade
e suas propriedades, que servem de base para essa função de demanda.)

Cada empresa vende um número 𝑘 de produtos, com 𝑘 ∈ [𝜅, 𝐾] inteiro e 𝜅 ≥ 1,


𝐾 < 𝑛. Suponha, por simplicidade, que não existam economias de escopo ou economias
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
82

multiproduto, de modo que os custos marginais de produção sejam constantes (iguale-os


a 𝑐) e idênticos para cada produto, independentemente da variedade produzida por cada
empresa.

As empresas encontram-se no mercado um número infinito de vezes e escolhem


os preços de mercado em cada período. Todas possuem o mesmo fator de desconto, 𝜎 ≤
1. Estipule (por produto) a maximização conjunta dos lucros como 𝜋𝑀 , o lucro do desvio
como 𝜋𝐷 (𝑘), e o lucro na fase de punição como 𝜋𝑃 (𝑘), sendo 𝑘 o número de produtos
vendidos por essa empresa. Cada uma prefere a estratégia de conluio em 𝑡, em vez de
desviar, caso a expressão seguinte se aplique:
∞ ∞

𝜋𝑀 (∑ 𝜎 ) ≥ 𝜋𝐷 (𝑘) + 𝜎𝜋𝑃 (𝑘) (∑ 𝜎 𝑡 ).


𝑡
(4.30)
𝑡=0 𝑡=0

É mais provável que essa condição se satisfaça quanto maior for o lucro do conluio
obtido por uma empresa com 𝑘 produtos que não desvie do conluio tácito, menor for o
lucro 𝜋𝐷 (𝑘) se desviar e menor for o lucro 𝜋𝑃 (𝑘) obtido durante a fase de punição (ou
seja, maior a punição).

Considere as estratégias cruéis depois que um desvio ocorre, todas as empresas


fixam o preço de Bertrand para sempre, ou seja, sempre vão cobrar o preço que representa
o equilíbrio em uma rodada.

Assim sendo, 𝜋𝑃 (𝑘) = 𝜋𝑏 (𝑘). Como ∑∞ 𝑡


𝑡=0 𝜎 = 1/(1 − 𝜎), a empresa com 𝑘

produtos prefere não desviar se

𝜋𝐷 (𝑘) − 𝜋𝑀
𝜎 ≥ 𝜎𝑘′ ≡ , (4.31)
𝜋𝐷 (𝑘) − 𝜋𝑏 (𝑘)
onde 𝜎𝑘′ é o fator “crítico” de desconto. Para que ocorra o resultado de maximização
conjunta (isto é, para uma colusão completa), precisamos que 𝜎 ≥ max(𝜎𝜅′ , … , 𝜎𝐾′ ).
Iremos provar que a empresa com o maior incentivo para desviar é a menor da indústria,
de sorte que, para uma colusão completa, 𝜎 ≥ (𝜎𝜅′ ) precisa ser satisfeita, onde se refere à
empresa com menor número de produtos da indústria.

Para obter esse resultado, proceda da seguinte forma: quando uma empresa decide
se aplica ou não os preços de conluio, ela compara o fluxo de lucro de monopólio
(𝜋𝑀 ⁄(1 − 𝜎)) com o fluxo de lucro do desvio (𝜋𝐷 + 𝜎𝜋𝑃 ⁄(1 − 𝜎)). Enquanto o lucro
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
83

de monopólio por produto é o mesmo, a despeito do tamanho da empresa, vamos mostrar


as condições suficientes para que os lucros do desvio e da punição diminuam com o
número de produtos vendidos pela empresa (o que implica que, quanto menor a empresa,
mais provável será o desvio).

A intuição desse resultado pode ser explicada da seguinte forma: uma empresa
grande possui bastante variedade. Ao escolher seus preços, considera a externalidade que
impõe em todas as variedades que produz (um preço mais baixo reduz a demanda pelos
outros produtos), e isso restringe seu interesse em reduzir preços. Uma empresa com
menor variedade de produtos também se beneficia com os altos preços cobrados por
empresas grandes, de modo que os lucros de desvio e punição diminuem com o tamanho
das empresas.

Começaremos com os lucros na fase de punição. O seguinte lema nos diz que a
menor empresa da indústria tem o maior lucro por produto, e a maior, o menor lucro por
produto.

Lema 4.1 Em situação de equilíbrio não cooperativo com concorrência por preços
no jogo de uma rodada, os lucros auferidos por cada variedade de produto podem ser
classificados da seguinte forma:

𝜋𝑏 (𝜅) > ⋯ > 𝜋𝑏 (𝑘) > ⋯ > 𝜋𝑏 (𝐾), com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. A prova tem dois passos. O primeiro mostra que, quanto maior o número
de produtos vendidos por uma empresa, maior será o preço estabelecido em equilíbrio. O
segundo, consequência do primeiro, demonstra que, quanto maior a empresa, menor será
o lucro por produto. Consulte a seção Q4.2.4.2, mais adiante, para provas detalhadas.

Agora, classificaremos os lucros obtidos pelas desviantes. Existem dois tipos


possíveis de desvio por uma empresa. O primeiro consiste em estabelecer um preço 𝑝𝐷 <
𝑝𝑀 , tal que todas as outras empresas da indústria possam vender um produto (menor, mas)
positivo. A segunda envolve a definição de um preço 𝑝̃ < 𝑝𝐷 , que impede que qualquer
outra empresa venda e propicia que a desviante seja a monopolista durante o período do
desvio. Em ambos os casos, a menor empresa consegue o maior lucro de desvio.

Considere primeiro o caso no qual o desvio é tal que todos os produtos vendem
uma quantidade não negativa. O seguinte se aplica:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
84

Lema 4.2 Os lucros de desvio por produto quando o desvio envolve 𝑞𝑖 ≥ 0 para todo
𝑖 = 1, . . . , 𝑛 podem ser classificados como:

𝜋𝐷 (𝜅) > ⋯ > 𝜋𝐷 (𝑘) > ⋯ > 𝜋𝐷 (𝐾) com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. A prova deste lema foi omitida porque envolve exatamente os mesmos
passos explicitados na prova do Lema 4.1.

O lema a seguir se aplica para os casos nos quais a empresa desviante fica com
todo o mercado.

Lema 4.3 Os lucros de desvio por produto quando o desvio por uma empresa 𝑖 que
produz 𝑘 produtos envolve 𝑞𝑖 > 0, e 𝑞𝑗 = 0, onde 𝑗 = 𝑘 + 1 + ⋯ + 𝑛, pode ser
classificado como:

𝜋̃(𝜅) > ⋯ > 𝜋̃(𝑘) > ⋯ > 𝜋̃(𝐾) com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.
Prova. Ver seção Q4.2.4.2.

Esses dois lemas não são suficientes para classificar os lucros de desvio das
empresas de acordo com seu tamanho. Devemos verificar em qual intervalo de valores de
𝛾 o lucro real obtido por uma desviante corresponde a 𝜋𝐷 ou a 𝜋̃, para, em seguida,
estabelecer um ranking nesse intervalo. Em outras palavras, para qualquer 𝛾, não
podemos saber com certeza se duas empresas de tamanho 𝑙 e 𝑚, por exemplo, escolheriam
desviar com lucro 𝜋𝐷 ou 𝜋̃. Os lemas anteriores indicam como ranquear lucros de desvio
de mesmo tipo, mas não dizem, por exemplo, como comparar 𝜋𝐷 (𝑙) e 𝜋̃(𝑚). A
proposição a seguir faz precisamente isso.

Proposição 4.1 ′
Escreva 𝛾̃min = 𝑚𝑖𝑛{ 𝛾̃𝜅 , … , 𝛾̃𝐾 } e 𝛾max = 𝑚𝑎𝑥{ 𝛾𝜅′ , … , 𝛾𝐾′ }. Se 𝛾 ∈

0, 𝛾̃min ) e se 𝛾 ∈ 𝛾max , ∞) então sempre a menor empresa (isto é, aquela com o menor
número de produtos, 𝜅), tem o maior incentivo para desviar, e o resultado do conluio
completo na indústria pode se sustentar somente se a taxa de desconto 𝜎 ≥ 𝜎𝜅 , onde

𝜎𝜅 = 𝜎𝜅′ = [𝜋𝐷 (𝜅) − 𝜋𝑀 ]⁄[𝜋𝐷 (𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)] para 𝛾 ∈ (0, 𝛾̃min ),


e


𝜎𝜅 = 𝜎̃𝑘′ = [𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑀 ]⁄[𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)] para 𝛾 ∈ [𝛾max , ∞).

Prova. Ver seção Q4.2.4.2.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
85

Q4.2.4.1 – Discussão e implicações * *

Esta proposição fornece a condição suficiente para que o fator crítico de desconto
coincida com aquele que evita o desvio da menor empresa. Estender a prova para
intervalos nos quais o parâmetro de substituição assume valores intermediários é difícil,
visto que, em tais intervalos, a menor empresa tem o maior lucro na fase de punição, mas
não sob o desvio, e é impossível fornecer as condições gerais referentes a 𝛾, 𝑛 , 𝑘 para as
quais se aplica o mesmo ranking de lucros.

No entanto, esse modelo sugere que um acordo de conluio depende,


principalmente, da restrição de incentivo das menores empresas da indústria. Essa análise
implica que a simetria entre as empresas facilita a colusão. Uma indústria na qual a
variedade de produtos seja distribuída uniformemente consegue mais facilmente um
resultado de conluio completo que uma na qual a variedade de produtos seja distribuída
de forma desigual entre as pequenas e grandes empresas.

A análise anterior sugere que as assimetrias entre empresas grandes e pequenas


representam um obstáculo para a colusão na indústria. É natural, portanto, indagar se
grandes empresas poderiam obter um resultado de conluio sem envolver as pequenas.
Infelizmente, a análise de colusão parcial levanta uma série de dificuldades, uma vez que
é preciso modelar uma situação em que um grupo de empresas adote ações colusivas e o
outro responda da melhor forma possível. Resolver analiticamente esse modelo não é
fácil, e é necessário trabalhar mais nessa questão.

Q4.2.4.2 – Provas * *

Esta seção contém as provas das proposições anteriores.

Prova do Lema 4.1 Em primeiro lugar, é importante fazer a seguinte observação:

Observação 4.1 No equilíbrio não cooperativo de um jogo de uma rodada com


concorrência por preço, o preço pelo qual cada variedade de produto é vendida pode ser
classificado como:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
86

𝑝𝑏 (𝜅) < ⋯ < 𝑝𝑏 (𝑘) < ⋯ < 𝑝𝑏 (𝐾) com 𝐾 > ⋯ > 𝑘 > ⋯ > 𝜅.

Prova. Podemos provar essa observação por contradição. Suponha que 𝑝𝑏 (𝑚) ≡
𝑝𝑚 < 𝑝𝑘 ≡ 𝑝𝑏 (𝑘) quando 𝑚 > 𝑘. A função de lucro da empresa com os primeiros m
produtos é dada por:
𝑛
𝑝𝑚 − 𝑐 𝛾𝑚 𝛾
𝜋(𝑚) = 𝑚 [( ) (𝑣 − 𝑝𝑚 (1 + 𝛾 − )+ ∑ 𝑝𝑖 )], (4.32)
𝑛 𝑛 𝑛
𝑖=𝑚+1

onde percebemos que todos os 𝑚 produtos vendidos pela empresa possuem o mesmo
preço 𝑝𝑚 . A condição de primeira ordem do problema da maximização dessa empresa
multiproduto é dada por
𝑛
𝜕𝜋(𝑚) 𝛾𝑚 𝛾 𝛾𝑚
= 𝑣 − 𝑝𝑚 (1 + 𝛾 − )+ ∑ 𝑝𝑖 − (𝑝𝑚 − 𝑐) (1 + 𝛾 − )
𝜕𝑝𝑚 𝑛 𝑛 𝑛 (4.33)
𝑖=𝑚+1

= 0,
que pode ser reescrita como 𝑞𝑚 = (𝑝𝑚 − 𝑐)(1 + 𝛾 − 𝛾𝑚/𝑛), onde 𝑞𝑚 é a quantidade
vendida pela empresa de cada um de seus m produtos. Por analogia, a maximização do
seu lucro requer a seguinte condição para uma empresa com 𝑘 produtos: 𝑞𝑘 =
(𝑝𝑘 − 𝑐)(1 + 𝛾 − 𝛾𝑘/𝑛).

Como 𝑝𝑚 < 𝑝𝑘 e 𝑚 > 𝑘 por premissa, então 𝑞𝑚 < 𝑞𝑘 . Mas, da função de


demanda, 𝑞𝑚 = 𝑣 − 𝑝𝑚 (1 + 𝛾) + (𝛾/𝑛) ∑𝑛𝑗=1 𝑝𝑗 e que 𝑞𝑘 = 𝑣 − 𝑝𝑘 (1 + 𝛾) + (𝛾/
𝑛) ∑𝑛𝑗=1 𝑝𝑗 têm de ser válidas.

Subtraindo a segunda da primeira, temos que 𝑞𝑚 − 𝑞𝑘 = (𝑝𝑘 − 𝑝𝑚 )(1 + 𝛾).


Como 𝑝𝑚 < 𝑝𝑘 por pressuposição, logo 𝑞𝑚 > 𝑞𝑘 . Todavia, isso contradiz o que
encontramos antes e completa a prova da observação sobre o ranking de preços.

Vamos voltar à prova do Lema 4.1. Precisamos demonstrar que 𝜋𝑚 < 𝜋𝑘 se 𝑘 <
𝑚. Escreva o lucro por produto 𝜋𝑚 que uma empresa grande com 𝑚 produtos obtém em
equilíbrio como 𝜋𝑚 = 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑘 , … , 𝑝𝑘 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) onde os primeiros m
preços 𝑝𝑚 são aqueles cobrados pelos 𝑚 produtos da empresa grande, e os preços 𝑝𝑘 (de
𝑚 + 1 para 𝑚 + 𝑘) são os cobrados pelos 𝑘 produtos da menor empresa.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
87

Verifique, então, o que acontece se os 𝑘 produtos de 𝑚 + 1 para 𝑚 + 𝑘 possuírem


maior preço (𝑝𝑚 ) no lugar de 𝑝𝑘 . Como estamos considerando produtos substitutos pela
ótica da demanda, 𝜋𝑚 deve aumentar. Logo,


𝜋𝑚 = 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑘 , … , 𝑝𝑘 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) < 𝜋𝑚 =
(4.34)
= 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑚 )
Como as empresas são simétricas, exceto pelo número de produtos fabricados, o
lucro por produto obtido pela empresa grande quando ambas (pequena e grande) cobram
preços 𝑝𝑚 em todas as variedades de produto deve coincidir com o lucro por período
auferido pela empresa pequena quando ambas cobram preços 𝑝𝑚 :


𝜋𝑚 = 𝜋𝑚 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) = 𝜋𝑘′
(4.35)
= 𝜋𝑘 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 )
A expressão anterior, 𝜋𝑘′ , fornece o lucro por produto obtido com cada um dos 𝑘
produtos da empresa pequena quando ela os vende pelo mesmo preço cobrado pela
grande, 𝑝𝑚 . Contudo, em um equilíbrio não cooperativo, a melhor resposta da pequena
quando a grande vende seus produtos por 𝑝𝑚 é cobrar um preço 𝑝𝑘 < 𝑝𝑚 . Portanto, temos
que

𝜋𝑘′ = 𝜋𝑘 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ) < 𝜋𝑘


(4.36)
= 𝜋𝑘 (𝑝𝑚 , … , 𝑝𝑚 , 𝑝𝑘 , … , 𝑝𝑘 , 𝑝𝑚+𝑘+1 , … , 𝑝𝑛 ).
Isso mostra que, no equilíbrio não cooperativo, 𝜋𝑚 < 𝜋𝑘 se 𝑘 < 𝑚.

Prova do Lema 4.3 Para que as quantidades vendidas pelas empresas não desviantes
sejam positivas quando uma empresa com 𝑘 produtos desvia reduzindo seus preços para
𝑝̃, devemos ter:

1 𝛾(𝑛 − 𝑘)𝑝𝑀 𝛾𝑘𝑝̃


𝑞𝑗 = ( ) (𝑣 − 𝑝𝑀 (1 + 𝛾) + + ) ≥ 0, (4.37)
𝑛 𝑛 𝑛
onde 𝑝𝑀 = (𝑣 + 𝑐)/2. Após exercício algébrico, pode-se verificar que uma desviante
consegue todo o mercado se

(𝛾𝑘 − 𝑛)𝑣 + (𝛾𝑘 + 𝑛)𝑐


𝑝̃(𝑘) = . (4.38)
2𝛾𝑘
Observe que para uma empresa grande, com muita variedade de produtos, é fácil
cobrar preços mais baixos que a concorrente, já que o lado direito da expressão aumenta

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
88

com 𝑘. Em outras palavras, uma empresa grande não precisa reduzir preços tanto quanto
a pequena para conseguir excluir as concorrentes do mercado durante o período do desvio
(no entanto, veremos também que a empresa grande possui menos incentivos para reduzir
preços). Uma condição necessária para que o desvio seja lucrativo é 𝑝̃(𝑘) > 0. Assim,
𝛾 > 𝑛(𝑣 − 𝑐)/[𝑘(𝑣 + 𝑐)] ≡ 𝛾̂(𝑘).

Suponha agora que o desvio seja lucrativo para uma empresa com 𝑘 produtos e
para outra com 𝑟 < 𝑘 produtos. A empresa com 𝑘 produtos tem um lucro por produto
com o desvio igual a 𝜋̃(𝑘) = 𝜋̃(𝑝̃(𝑘), … , 𝑝̃(𝑘)), que corresponde à situação na qual vende
𝑘 produtos pelo mesmo preço de venda 𝑝̃(𝑘). Eliminando alguns produtos e mantendo o
mesmo preço, o lucro por produto aumenta: 𝜋̃(𝑘) < 𝜋̃ ′ (𝑘) = 𝜋̃ ′ (𝑝̃(𝑘), … , 𝑝̃(𝑘)), e o
vetor preço passa a ser composto por 𝑟 < 𝑘 elementos idênticos 𝑝̃(𝑘).

Finalmente, temos que 𝜋̃ ′ (𝑘) = 𝜋̃ ′ (𝑝̃(𝑘), … , 𝑝̃(𝑘)) < 𝜋̃(𝑝̃(𝑟), … , 𝑝̃(𝑟)) ≡ 𝜋̃(𝑟).
Essa última desigualdade deve-se ao fato de que o preço de desvio ótimo para uma
empresa com 𝑟 produtos é 𝑝̃(𝑟), e não 𝑝̃(𝑘). Por esse motivo, mostramos que 𝜋̃(𝑘) <
𝜋̃(𝑟) para 𝑘 > 𝑟.

Prova da Proposição 4.1 O primeiro passo é calcular 𝜋𝐷 (𝑘) explicitamente, que pode
ser feito como se segue. Substituindo 𝑞𝑗 na condição de primeira ordem anterior e
resolvendo com relação ao preço, obtém-se o preço de desvio ótimo quando todas as
empresas têm resultado positivo. Isso é dado por

(2𝑛 + 𝛾𝑛 − 𝛾𝑘)𝑣 + 𝑐(3𝛾𝑛 − 3𝛾𝑘 + 2𝑛)


𝑝𝐷 (𝑘) = . (4.39)
4(𝑛 + 𝛾𝑛 − 𝛾𝑘)
Pode-se chegar ao lucro de desvio ótimo por substituição:

(2𝑛 + 𝛾𝑛 − 𝛾𝑘)2 (𝑣 − 𝑐)2


𝜋𝐷 (𝑘) = . (4.40)
16𝑛2 (𝑛 + 𝛾𝑛 − 𝛾𝑘)
É simples verificar que 𝜕𝜋𝐷 (𝑘)/𝜕𝑘 < 0, o que confirma que, quanto maior a
variedade de produtos de uma empresa, menor o lucro de desvio possível. Todavia,
também precisamos conferir se o preço de desvio 𝑝𝐷 (𝑘) é consistente com todas as
empresas vendendo um resultado positivo. Essa condição é satisfeita desde que 𝑝𝐷 (𝑘) >
𝑝̃. Substituindo e resolvendo com relação a 𝛾, essa condição pode ser expressa como:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
89

𝑛 √𝑛2 − 𝑘 2
𝛾 < 𝛾 ′ (𝑘) = (1 + ). (4.41)
𝑘 𝑛−𝑘
Logo, a função 𝜋𝐷 (𝑘) possui valores em 𝛾 ∈ (0, 𝛾 ′ (𝑘)) e está crescendo em seu
domínio.

O próximo passo é estudar a função 𝜋̃(𝑘). Se a desviante cobra o maior preço


possível, 𝑝̃, que a assegure como a única vendedora no mercado, seu lucro será

(𝛾 2 𝑘 2 − 𝑛2 )(𝑣 − 𝑐)2
𝜋̃(𝑘) = , (4.42)
4𝛾 2 𝑘 3
que é uma função côncava e crescente em seu domínio 𝛾 ∈ (𝛾̂(𝑘), ∞).

Como 𝛾̂(𝑘) < 𝛾 ′ (𝑘), temos que, no intervalo (𝛾̂(𝑘), 𝛾 ′ (𝑘)), ambos os tipos de
desvio fornecem lucros positivos para a desviante. Devemos agora tentar examinar qual
tipo de desvio é ótimo nesse intervalo. O seguinte pode ser mostrado:

Observação 4.2 Existe um valor 𝛾̃(𝑘) ∈ (𝛾̂(𝑘), 𝛾 ′ (𝑘)), obtido como a solução da
igualdade 𝜋𝐷 (𝑘) = 𝜋̃(𝑘), tal que, para 𝛾 < 𝛾̃(𝑘), o lucro de desvio ótimo é 𝜋𝐷 (𝑘).

Prova. Infelizmente, identificar a forma explícita de 𝛾̃(𝑘) é uma tarefa bastante


complicada. A prova dessa observação será feita em duas etapas. Primeiro, precisamos
provar que, se 𝛾̃(𝑘) existe, deve ser 𝛾̃(𝑘) > 𝛾̂(𝑘). Sabemos que, em 𝛾 = 𝛾̂(𝑘), temos
𝑝̃(𝑘) = 0. Logo, 𝜋̃(𝑘) = 0, ao passo que 𝜋𝐷 (𝑘 | 𝛾 = 𝛾̂(𝑘)) > 0. Por continuidade, deve
existir um intervalo (𝛾̂(𝑘), 𝛾) para o qual 𝜋𝐷 (𝑘) > 𝜋̃(𝑘).

A etapa seguinte consiste em provar que 𝛾̃(𝑘) < 𝛾 ′ (𝑘). Quando 𝛾 = 𝛾 ′ (𝑘), temos:

𝜋̃(𝑘 | 𝛾 = 𝛾 ′ (𝑘)) − 𝜋𝐷 (𝑘 | 𝛾 = 𝛾 ′ (𝑘))


(𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 − 𝑘)2 (𝑛2 + 𝑛√𝑛2 − 𝑘 2 − 𝑘 2 ) (4.43)
= 2 > 0.
4𝑛𝑘(𝑛 + √𝑛2 − 𝑘 2 )(𝑛 + √𝑛2 − 𝑘 2 − 𝑘)
Como ambas as funções são contínuas e crescentes em (𝛾̂(𝑘), 𝛾 ′ (𝑘)) de 𝜋𝐷 (𝑘) >
𝜋̃(𝑘) em 𝛾 = 𝛾̂(𝑘) e 𝜋𝐷 (𝑘) < 𝜋̃(𝑘), segue que existe apenas um ponto 𝛾 = 𝛾̃(𝑘), onde
𝜋𝐷 (𝑘) = 𝜋̃(𝑘). Isso completa a prova da observação.

Podemos agora estabelecer uma proposição. Se 𝛾 ∈ (0, 𝛾̃min ), então todas as


empresas têm lucro de desvio igual a 𝜋𝐷 (𝑘). Nesse intervalo, a restrição de incentivo de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
90

cada uma é dada por 𝜋𝑀 ≥ (1 − 𝜎)𝜋𝐷 (𝑘) + 𝜎𝜋𝑏 (𝑘). Mas 𝜋𝑀 e 𝜎 são idênticos para todas
as empresas, enquanto o lucro de desvio 𝜋𝐷 (𝑘) e o lucro de punição 𝜋𝑏 (𝑘) são maiores
quanto menor for o número de produtos de uma empresa. Assim, a restrição é mais
vinculativa para a menor empresa da indústria, aquela com produtos. Uma colusão
completa será sustentável se 𝜎 ≥ 𝜎𝑘′ = [𝜋𝐷 (𝜅) − 𝜋𝑀 ]/[𝜋𝐷 (𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)].


Se 𝛾 ∈ [𝛾max , ∞) então todas as empresas possuem lucros de desvio iguais a 𝜋̃(𝑘).
A restrição de incentivo é dada por 𝜋𝑀 ≥ (1 − 𝜎)𝜋̃(𝑘) + 𝜎𝜋𝑏 (𝑘). Também, nesse caso,
tanto o lucro de desvio 𝜋̃(𝑘) quanto o da fase de punição 𝜋𝑏 (𝑘) são maiores para as
menores empresas, e a colusão pode ser sustentada somente se 𝜎 ≥ 𝜎̃𝑘′ = [𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑀 ]/
[𝜋̃(𝜅) − 𝜋𝑏 (𝜅)].

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
91

Quadro 4.3 – Programas de leniência * *

Esta seção apresenta o modelo desenvolvido por Motta e Polo (1999) para estudar
os efeitos da redução de multas para as empresas que cooperam com a AA (autoridade
antitruste).

O timing do jogo (de horizonte infinito) é como se segue:

Em 𝑡 = 0, a AA pode adotar um PL (Programa de Leniência), que permite a


redução de multas 0 ≤ 𝑅 ≤ 𝐹 para as empresas que revelam informações úteis para
provar conluio, sendo 𝐹 fixado por lei como a multa máxima que elas podem receber se
consideradas culpadas de conluio. Essa política é observada por todas as empresas, que
também conhecem a probabilidade de a AA abrir uma investigação e a probabilidade 𝑝
de provar que elas são culpadas de conluio. Observe que uma redução 𝑅 da multa será
dada a qualquer empresa que resolva cooperar com a autoridade, mesmo após a
investigação aberta.

Em 𝑡 = 1, 𝑛 empresas idênticas decidem entre o conluio e o desvio e analisam os


ganhos por período, respectivamente, П𝑀 e П𝐷 (com П𝑁 < П𝑀 < П𝐷 ). Considere as
estratégias cruéis: um desvio desencadeia a punição pelas outras empresas, que vão jogar
para sempre o equilíbrio não cooperativo em uma rodada, que fornece um ganho П𝑁 para
cada empresa.

Presuma que a existência de um resultado de conluio na indústria seja


perfeitamente observada pela AA, mas não o suficiente para que o conluio seja
comprovado pelo Judiciário. Para formular um caso contra as empresas, a AA precisa
encontrar alguma prova “irrefutável” para a coordenação. Uma observabilidade perfeita
de preços de conluio também implica que a AA nunca irá investigar as empresas que não
estejam em equilíbrio de conluio.

Em 𝑡 = 2, a AA inicia uma investigação com probabilidade a 𝛼 ∈ [0, 1]. Se o


inquérito não for aberto, cada empresa realizará o lucro igual a П𝑀 . Caso seja aberto, elas
precisarão decidir simultaneamente se devem ou não revelar informações à AA; se pelo
menos uma empresa revelar, a AA será capaz de prová-las culpadas. Uma empresa que
coopera com a AA paga multa 𝑅 ≤ 𝐹, e as demais pagam a multa total, 𝐹. Se nenhuma
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
92

empresa cooperar, a probabilidade de a autoridade prová-las culpadas será de 𝑝 ∈ [0, 1].


Se a AA não tiver conseguido provar o conluio ao final da investigação, as empresas não
serão investigadas novamente no futuro. Se forem culpadas, vão se comportar de forma
não cooperativa para sempre no futuro. Uma vez terminada a investigação, os ganhos são
realizados. A Figura Q4.3 ilustra o jogo no período 𝑡 = 2.

Para qualquer 𝑡 > 2, se até o período anterior a AA não tiver iniciado uma
investigação, com probabilidade de abrir um inquérito em 𝑡, as empresas decidem se vão
ou não revelar, e assim por diante. Vamos restringir a atenção para o caso no qual 𝛿 ≥
(П𝐷 − П𝑀 )/(П𝐷 − П𝑁 ): na ausência de uma política antitruste, a colusão ocorreria em
equilíbrio.

Figura Q4.3 Árvore do jogo, em 𝑡 = 2.

Solução. Para olhar o equilíbrio perfeito em subjogos de um jogo, considere


primeiro o “jogo de revelação” (revelation game), que começa quando a investigação é
iniciada pela AA (ver a Tabela Q4.1). Se a empresa revelar a informação, receberá um
ganho de 𝛱𝑁 ⁄(1 − 𝛿) − 𝑅 independentemente do que as outras decidirem fazer. Se a
empresa não revelar qualquer informação, mas alguma outra o fizer, a empresa anterior
receberá, então, um ganho de П𝑁 ⁄(1 − 𝛿) − 𝐹. Por fim, se nenhuma empresa cooperar
com a AA, cada uma receberá um ganho esperado de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
93

𝛱𝑁 𝛱𝑀
𝑝( − 𝐹) + (1 − 𝑝) . (4.44)
1−𝛿 1−𝛿
É simples mostrar que a n-tupla (revela, ..., revela), que pode ser denotada como
(𝑅, . . . , 𝑅), na qual todas as empresas decidem cooperar com a AA obtendo, assim, uma
redução das multas, é sempre um equilíbrio de Nash. Por outro lado, a n-tupla (não revela,
..., não revela), ou (𝑁𝑅, . . . , 𝑁𝑅), é um equilíbrio: (1) se 𝑝𝐹 < 𝑅, sempre; (2) se 𝑝𝐹 ≤ 𝑅
se a condição a seguir for válida:

𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 + 𝑅(1 − 𝛿)
𝑝≤ = 𝑝̃(𝛿, 𝑅, 𝐹). (4.45)
𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 + 𝐹(1 − 𝛿)
Perceba que, quando o (𝑁𝑅, . . . , 𝑁𝑅) equilíbrio existe, também seria o selecionado
por critérios-padrão de seleção de equilíbrio, como dominância de Pareto ou dominância
de risco. Assim sendo, as empresas revelam informações somente se 𝑝 > 𝑝̃. Note que: (a)
quando nenhum programa de leniência existe, e 𝑅 = 𝐹 e 𝑝̃ = 1, as empresas nunca irão
colaborar com a AA, mesmo que a investigação tenha sido iniciada; (b) para induzir a
revelação, o melhor que a AA pode fazer é definir 𝑅 = 0.

Tabela Q4.1 O jogo de revelação.

Quanto às decisões tomadas pelas empresas em 𝑡 = 1, precisamos comparar a


soma dos lucros descontada de quando a empresa decide pelo conluio da soma de quando
ela decide desviar. Essa comparação deve ser feita para ambos os casos, quando elas
decidem revelar quando a investigação foi iniciada e quando preferem não cooperar com
a AA.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
94

1. Conluio e Revela: 𝑝 > 𝑝̃. Nesse caso, as empresas revelam, caso a AA tenha
iniciado uma investigação. Defina 𝛱𝑅 como o lucro esperado imediatamente antes
do início da investigação. É simples verificar que

𝛱𝑁
𝛱𝑅 = 𝛼 ( − 𝑅) + (1 − 𝛼)(𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑅 ) (4.46)
1−𝛿
que pode ser reescrita como

𝛱𝑁
(1 − 𝛼)𝛱𝑀 + 𝛼 ( − 𝑅)
𝛱𝑅 = 1−𝛿 . (4.47)
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
Se a empresa decide estabelecer o preço de conluio, seu ganho descontado
esperado será

𝛱𝑁
𝛱𝑀 + 𝛿𝛼 ( − 𝑅)
𝑉𝐶𝑅 = 𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑅 = 1−𝛿 . (4.48)
1 − 𝛿(1 − 𝛼)

Figura Q4.4 Soluções de equilíbrio para parâmetros de política de dados.

Se a empresa decide desviar da estratégia de conluio, seu ganho será, então,

𝛿𝛱𝐷
𝑉𝐷 = 𝛱𝐷 + . (4.49)
1−𝛿

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
95

O conluio pode acontecer se 𝑉𝐶𝑅 ≥ 𝑉𝐷 . Ou seja, se a condição a seguir for


satisfeita:

𝛱𝑀 − 𝛱𝐷 + 𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 )
𝛼≤ = 𝛼𝐶𝑅 (𝛿, 𝑅). (4.50)
𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 + 𝑅)
A Figura Q4.4 ilustra 𝛼𝐶𝑅 no plano (𝑝, 𝛼), para valores dados de 𝛾 e 𝑅: esse lócus
não depende de 𝑝, haja vista que, na região considerada, as empresas cooperam com a
AA, uma vez que uma investigação é aberta.

Abaixo da linha, as empresas preferem o conluio, mesmo que antecipem um


possível colapso da colusão, caso a investigação seja aberta e as empresas relevem
informações para a autoridade. Acima da linha, as empresas, antecipando a revelação,
preferem desviar, e o resultado de conluio nunca ocorre.

Observe também que, quanto menos generoso for o programa de leniência, menor
será 𝛼𝐶𝑅 : se as empresas acreditam que podem cooperar e escapar com uma pequena
multa caso haja investigação, terão um incentivo extra para escolher a estratégia de
conluio. Em outras palavras, um programa de leniência generoso pode estimular a colusão
ex ante. (Retomaremos essa questão a seguir.)

2. Conluio e não revela: 𝑝 ≤ 𝑝̃. Nesse caso, as empresas antecipam que, mesmo
sendo aberta uma investigação, nenhuma empresa irá cooperar com a AA. A única
forma de a autoridade quebrar o cartel é iniciando uma investigação e provando
que as empresas são culpadas.

Escreva o lucro esperado pela empresa imediatamente antes de saber que a


investigação foi iniciada como

𝛱𝑁 𝛱𝑀
𝛱𝑁𝑅 = 𝛼 [𝑝 ( − 𝐹) + (1 − 𝑝) ( )] + (1 − 𝛼)(𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑁𝑅 ), (4.51)
1−𝛿 1−𝛿
donde

𝛱𝑁 𝛱
𝛼 [𝑝 ( − 𝐹) + (1 − 𝑝) ( 𝑀 )] + (1 − 𝛼)𝛱𝑀
𝛱𝑁𝑅 = 1−𝛿 1−𝛿 . (4.52)
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
Se uma empresa seguir a estratégia de conluio, seu ganho descontado esperado
será dado por

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
96

𝛿𝛼(1 − 𝑝) 𝛱
𝛱𝑀 (1 + ) + 𝛿𝛼𝑝 ( 𝑁 − 𝐹)
1−𝛿 1−𝛿 (4.53)
𝑉𝐶𝑁𝑅 = 𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑁𝑅 = .
1 − 𝛿(1 − 𝛼)
Como antes, a desviante tem um ganho de 𝑉𝐷 = 𝛱𝐷 + 𝛿𝛱𝑁 ⁄(1 − 𝛿). Com um
simples, mas entediante cálculo de álgebra, pode-se mostrar que a desigualdade 𝑉𝐶𝑁𝑅 ≥
𝑉𝐷 é satisfeita por

(1 − 𝛿)[𝛱𝑀 − 𝛱𝐷 + 𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 )]
𝛼≤
𝛿[𝑝𝐹(1 − 𝛿) + 𝑝(𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 ) + 𝛱𝐷 (1 − 𝛿) − 𝛱𝑀 + 𝛿𝛱𝑁 ] (4.54)
= 𝛼𝐶𝑁𝑅 (𝛿, 𝑝, 𝐹),
quando 𝑝[𝐹(1 − 𝛿) + 𝛱𝑀 − 𝛱𝑁 ] > 𝛱𝑀 − 𝛱𝐷 + 𝛿(𝛱𝐷 − 𝛱𝑁 ) e sempre satisfeita no caso
contrário. A Figura Q4.4 ilustra a curva, que pode diminuir com 𝑝: ceteris paribus, um
aumento na probabilidade de a empresa ser considerada culpada torna o conluio menos
provável (e, para 𝑝 baixo o suficiente, o conluio será sempre a estratégia preferida).
Notadamente, quando 𝐹 sobe, dado 𝑝, o conluio será menos lucrativo.

A Figura Q4.4 ilustra as soluções de equilíbrio do jogo. Perceba que, se nenhum


PL (Programa de Leniência) for instituído (𝑅 = 𝐹), as empresas não terão qualquer razão
para revelar informações à autoridade quando a investigação for aberta, e os resultados
de equilíbrio serão definidos unicamente pela linha 𝛼𝐶𝑁𝑅 . Abaixo da linha, as empresas
participariam da colusão (CNR); acima da linha, não participariam (NC), porque qualquer
acordo proposto seria imediatamente quebrado.

Multas reduzidas (𝑅 < 𝐹) modificam a situação, quando 𝑝 < 𝑝̃ empresas não


revelam se monitoradas, e a análise anterior ainda se aplica: a linha 𝛼𝐶𝑁𝑅 distingue o
equilíbrio no qual as empresas participam do conluio e não relevam daquele em que a
colusão acontece. Quando 𝑝 ≥ 𝑝̃, as empresas antecipam que revelarão informação caso
monitoradas: acima de 𝛼𝐶𝑅 , as empresas preferem a não colusão e, abaixo de 𝛼𝐶𝑅 ,
inicialmente participam do conluio e depois revelam a informação, se monitoradas.

Para entender o papel dos acordos de leniência na sustentabilidade da colusão,


considere o que acontece quando, em uma situação inicial, na qual não haja LP, as multas
reduzidas são introduzidas. Os dois efeitos desse fato são mostrados na Figura Q4.4. Por
um lado, o PL pode ter um efeito adverso, pró-colusão. Ao reduzir o valor esperado de
uma possível multa, o PL pode incentivar o conluio. Isso ocorre na área (1), compreendida

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
97

entre a curva 𝛼𝐶𝑅𝑁 e a linha 𝛼𝐶𝑅 . Nessa região, nenhuma colusão pode ser sustentada caso
multas completas sejam aplicadas. Contudo, sob um PL, as empresas se envolveriam em
um conluio e, se monitoradas, revelariam e pagariam a multa reduzida 𝑅 < 𝐹.

Por outro lado, existe uma área (2) na qual o conluio quebraria (porque as
empresas revelariam a informação) se a AA começasse a monitorar a indústria, ao passo
que, na ausência de um PL, o conluio poderia parar somente após uma completa e bem-
sucedida investigação. É a área entre a curva 𝛼𝐶𝑁𝑅 e a linha 𝑝̃.

Implementando uma política ótima. Um programa de leniência não é, portanto,


inequivocamente ótimo, tendo em vista que pode introduzir um trade-off entre uma menor
dissuasão ex ante e uma desistência ex post de cartéis. Motta e Polo (1999, 2003) analisam
formalmente a política antitruste ótima e mostram que a leniência deve ser utilizada
quando a AA possuir recursos limitados.

Uma análise completa requer a maximização da função objetivo da AA, o bem-


estar, sujeito à sua restrição orçamentária. No entanto, mesmo sem uma análise completa,
observe que a AA irá classificar as regiões da seguinte forma: 𝑁𝐶 > 𝐶𝑅 > 𝐶𝑁𝑅. Os
cartéis implicam perda de eficiência alocativa, e a autoridade antitruste busca impedir sua
formação ou quebrá-los. No primeiro caso (NC), os cartéis são detidos; no segundo (CR),
os cartéis são quebrados tão logo a investigação é iniciada, porque as empresas revelam
informações à AA; por fim, no terceiro caso, são quebrados apenas se uma investigação
for iniciada, e a acusação, bem-sucedida.

Intuitivamente, se a AA tiver tido um orçamento alto, poderia definir valores


elevados de (𝑝, 𝛼), sendo capaz de uma dissuasão completa usando a multa integral 𝐹,
enquanto a introdução de um programa de leniência pode resultar em menor dissuasão
(ou seja, acabar na região (1)). Em vez disso, se a AA tiver apresentado menor orçamento,
a dissuasão completa poderá nunca ser alcançada. Assim, é melhor implementar o
resultado em que as empresas aderem ao conluio e revelam (CR), por meio de concessão
de descontos máximos (𝑅 = 0), em vez de um conluio completo (CNR).

Redução das multas somente antes da investigação ser iniciada. Uma política
de leniência alternativa, na qual os descontos nas multas fossem dados somente antes do
início da investigação, corresponderia ao jogo anterior, com a diferença de que, no início

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
98

de 𝑡 = 2, as empresas escolhem, simultaneamente, se querem revelar ou não o cartel para


a AA; se nenhuma empresa revelar, a AA abre uma investigação com probabilidade 𝛼,
prova que as empresas são culpadas com probabilidade 𝑝, e, resolvida a investigação, os
ganhos são realizados.

Sob esse regime alternativo, o programa de leniência é completamente ineficaz.


Um equilíbrio em que as empresas optam pela colusão e revelam não existe. Quando
optam pela colusão esperando que o cartel seja quebrado com informação revelada à
autoridade, a empresa obtém 𝑉𝑐 = 𝛱𝑀 + 𝛿(𝛱𝑁 /(1 − 𝛿) − 𝑅). Ao optar pelo desvio, a
empresa ganha 𝑉𝑑 = 𝛱𝐷 + 𝛿𝛱𝑁 (1 − 𝛿). Como П𝐷 > П𝑀 e 𝑅 ≥ 0, então 𝑉𝑐 < 𝑉𝑑 .

No caso em que as empresas ganham os descontos sobre a multa após o início da


investigação, o lucro esperado de conluio diminui quando o evento “abertura de uma
investigação” ocorre, levando as empresas a revelar. No caso considerado aqui, ao
contrário, nada de novo acontece entre o momento em que elas decidem pela colusão e o
momento em que são convocadas a cooperar com as autoridades para quebrar o cartel. Se
os programas de leniência forem eficazes na quebra dos cartéis, devem ser estendidos
para beneficiar as empresas que revelam informações depois que a indústria estiver sob
monitoramento.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
99

Quadro 4.4 – P&D cooperativa *

Considere um modelo simples feito por d’Aspremont e Jacquemin (1988), que


analisa os efeitos de acordos cooperativos em P&D.

A função de demanda para os bens homogêneos produzidos pelas duas empresas


é 𝑝 = 𝑎– 𝑄, com 𝑄 = 𝑞1 + 𝑞2 , a soma dos resultados individuais. A Empresa 𝑖 (𝑖 = 1, 2)
é caracterizada por custos marginais 𝑐𝑖 = 𝐶 − 𝑥𝑖 − 𝑙𝑥𝑗 , onde 𝑥𝑖 é o investimento em P&D
feito pela Empresa 𝑖, e 𝑙 ∈ [0, 1] é um parâmetro que indica o transbordamento dos
investimentos em P&D 𝑥𝑗 , feitos pela concorrente. O custo de P&D é dado pela função
𝑔𝑥𝑖2 /2, onde 𝑔 > 4/3 é um parâmetro que expressa a eficiência da produção de P&D
(ver o Capítulo 2 para modelos similares de inovação).

Considere dois casos. No primeiro, as empresas competem tanto em P&D quanto


em quantidades. No segundo, elas cooperam em suas decisões de investimento em P&D,
mas competem no mercado, ou seja, escolhem as quantidades de forma não cooperativa.

Concorrência em ambos os estágios. No primeiro caso, as empresas investem


simultaneamente em P&D no primeiro estágio e escolhem simultaneamente as
quantidades no segundo.

No estágio final do jogo, cada Empresa 𝑖 escolhe 𝑞𝑖 para maximizar sua função
de lucro 𝜋𝑖 = (𝑎 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ))𝑞𝑖 − 𝑔𝑥𝑖2 /2, dado (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ). É fácil verificar que o
resultado do equilíbrio (de Cournot) é dado por:

𝑎 − 2𝑐𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) + 𝑐𝑗 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) 𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 (2 − 𝑙) + 𝑥𝑗 (2𝑙 − 1)


𝑞𝑖𝑐 = = . (4.55)
3 3
Após a substituição, pode-se verificar que os lucros são dados por:

2
𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 (2 − 𝑙) + 𝑥𝑗 (2𝑙 − 1) 𝑔
𝜋𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) = ( ) − 𝑥𝑖2 . (4.56)
3 2
No primeiro estágio do jogo, cada empresa escolherá 𝑥𝑖 a fim de maximizar
𝜋𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ). Tirando a primeira derivada 𝜕𝜋𝑖 ⁄𝜕𝑥𝑖 , resolvendo o sistema de condições de
primeira ordem (CPOs) e focando o equilíbrio simétrico 𝑥𝑖 = 𝑥𝑗 = 𝑥 𝑐 , obtemos o nível
de equilíbrio de P&D para cada empresa:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
100

2(𝑎 − 𝐶)(2 − 𝑙)
𝑥𝑐 = . (4.57)
9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2
Dessa solução, podemos obter, por substituição, os níveis de equilíbrio de
quantidade e lucro:

3(𝑎 − 𝐶)𝑔 (𝑎 − 𝐶)2 (9𝑔 − 8 + 8𝑙 − 2𝑙 2 )


𝑞𝑐 = ; 𝜋𝑐 = . (4.58)
9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 (9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )2
O excedente do consumidor é dado por

𝑐
(𝑎 − 𝑝𝑐 )𝑄 𝑐 18(𝑎 − 𝐶)2 𝑔2
𝐸𝐶 = = . (4.59)
2 (9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )2
Por fim, o bem-estar é

𝑐
4(𝑎 − 𝐶)2 (9𝑔 − 4 − 4𝑙 + 𝑙 2 )
𝑐 𝑐
𝑊 = 2𝜋 + 𝐸𝐶 = . (4.60)
(9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )2
Cooperação em P&D. Agora consideraremos o caso no qual as empresas
competem em quantidades no mercado de produtos, mas cooperam nas decisões de
investimento em P&D. Uma vez que elas tomam as mesmas decisões não cooperativas
no mercado de produtos, o último estágio é o mesmo que o apresentado antes.

No primeiro estágio do jogo, contudo, elas escolherão 𝑥1 , 𝑥2 para maximizar o


lucro conjunto 𝜋 𝐽 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) = ∑𝑖≠𝑗 𝜋𝑖 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ):

2
𝑎 − 𝐶 + 𝑥𝑖 (2 − 𝑙) + 𝑥𝑗 (2𝑙 − 1)
2 𝑔
𝐽𝑉
𝜋 (𝑥𝑖 , 𝑥𝑗 ) = ∑ [( ) − 𝑥𝑖2 ]. (4.61)
𝑖≠𝑗 3 2

Focalizando o equilíbrio simétrico, encontramos

2(𝑎 − 𝐶)(1 + 𝑙)
𝑥 𝐽𝑉 = . (4.62)
9𝑔 − 2(1 + 𝑙)2
Por substituição, os níveis de equilíbrio da quantidade e lucros de uma empresa
são

3(𝑎 − 𝐶)𝑔 (𝑎 − 𝐶)2 𝑔


𝑞 𝐽𝑉 = , 𝜋 𝐽𝑉 = . (4.63)
9𝑔 − 2(1 + 𝑙)2 9𝑔 − 2(1 + 𝑙)2
Podemos, agora, calcular o excedente do consumidor como

𝐽𝑉
(𝑎 − 𝑝 𝐽𝑉 )𝑄 𝐽𝑉 18(𝑎 − 𝐶)2 𝑔2
𝐸𝐶 = = , (4.64)
2 (9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
101

e o bem-estar como

𝐽𝑉 𝐽𝑉 𝐽𝑉
4(𝑎 − 𝐶)2 (9𝑔 − 1 − 2𝑙 − 𝑙 2 )
𝑊 = 2𝜋 + 𝐸𝐶 = . (4.65)
(9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )2
O efeito de uma joint-venture em P&D. É possível agora comparar os resultados sob
os dois regimes e averiguar que 𝑙 ≥ 1/2 garante que investimentos em P&D, resultados
e bem-estar sejam mais altos sob o regime de P&D cooperativo que sob o regime de
concorrência em ambos os estágios. De fato, 𝑥 𝑐 > 𝑥 𝐽𝑉 resulta na desigualdade:

18𝑔(𝑎 − 𝐶)(1 − 2𝑙)


> 0, (4.66)
(9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )(9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )
que se mantém para 𝑙 < 1/2; 𝑞 𝑐 > 𝑞 𝐽𝑉 e pode ser reescrita como

6𝑔(𝑎 − 𝐶)(1 − 𝑙 − 2𝑙 2 )
> 0, (4.67)
(9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )(9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )
que também se mantém para 𝑙 < 1/2. Finalmente, 𝑊 𝑐 > 𝑊 𝐽𝑉 pode ser reescrita como

36𝑔2 (𝑎 − 𝐶)2 (1 − 2𝑙)(9𝑔 − 4 + 𝑙(36𝑔 − 12 − 12𝑙 − 4𝑙 2 ))


> 0. (4.68)
(9𝑔 − 2 − 4𝑙 − 2𝑙 2 )2 (9𝑔 − 4 − 2𝑙 + 2𝑙 2 )2
Uma vez que o último termo do numerador do lado esquerdo é sempre positivo
(dado que 𝑙 ≤ 1 e que 𝑔 > 4/3), novamente a desigualdade se mantém para 𝑙 < 1/2. Em
outras palavras, uma joint-venture em pesquisa aumenta o bem-estar se o
transbordamento for grande o suficiente (𝑙 ≥ 1⁄2).

Quando os transbordamentos são grandes o suficiente, as empresas não


cooperativas antecipam que não poderiam se apropriar dos resultados de seus
investimentos em P&D e os reduzem em resposta. Sob cooperação em P&D, elas
internalizam o efeito do transbordamento, o que resulta em maiores gastos com P&D.

Pode-se observar que lucros são sempre maiores no regime de P&D cooperativo,
o que significa que não deveria haver necessidade de subsídios (ou outros incentivos
financeiros) para que empresas coordenem seus níveis de P&D: elas têm incentivos
privados para isso.

Extensões e discussão. Este simples modelo deu origem a uma vasta literatura que
trata dos efeitos da cooperação em P&D. Uma série de extensões já foi considerada, tais
como competição por preço, generalização de custo, funções de demanda, o número de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
102

empresas, entre outras. Todavia, os principais resultados qualitativos da análise não


mudaram com todas essas especificações.

Leahy e Neary (1997) analisam a cooperação em P&D em um modelo genérico e


comparam com políticas alternativas de P&D para aumentar os investimentos, como P&D
e subsídios de resultados. Os autores concluem que a primeira é melhor que a última, mas
alertam para o fato de que a melhoria no bem-estar via acordos de cooperação em P&D é
pouco significativa. Eles também destacam que a cooperação em P&D é lucrativa, de
sorte que não são necessários incentivos adicionais do governo além de permitir que
empresas que concorram entrem em projetos cooperativos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
103

Exercícios do Capítulo 4

Exercício 4.1 *(De Tirole, 1988) Considere 𝑛 empresas produzindo bens homogêneos e
escolhendo preços em cada período por um infinito número de períodos. Suponha que o
mercado se reúna a cada dois períodos em vez de um. Escreva a restrição de incentivo
para a colusão sob estratégias de gatilho e mostre que é menos provável que o conluio se
sustente que no caso em que as reuniões acontecem a cada período.

Exercício 4.2 *Considere duas empresas que produzem bens homogêneos e escolhem os
preços em cada período por um número infinito de períodos. Cada uma detém uma quota
𝜎 da concorrente. Essa quota é pequena o suficiente para que cada empresa mantenha o
controle total das próprias atividades e decisões: a concorrente é o acionista minoritário,
não representado no conselho, e recebe apenas parte dos lucros da empresa. A
probabilidade de colusão é afetada por essa propriedade cruzada?

Exercício 4.3 Há apenas três vendedores em determinada indústria. Um dia, umas das
empresas envia o seguinte fax para seus dois concorrentes: “No interesse da concorrência
leal e em nome da transparência, informamos aos senhores que o Conselho de nossa
empresa decidiu que, para o próximo trimestre, nossos preços de venda deverão ser
majorados em 10%.” Você acha que a autoridade de concorrência deveria proibir tal tipo
de comunicado? Por quê?

Exercício 4.4 Em determinado setor, há 𝑛 empresas que vendem diretamente aos


consumidores. Elas vendem um bem homogêneo, sujeito à alta instabilidade de preço.
Toda semana, essas empresas comunicam os preços pelo qual venderão seus produtos na
semana seguinte à sede da associação comercial, que, então, os publica em jornais de
circulação nacional. A autoridade antitruste nacional argumenta que essa pratica permite
às empresas trocar informação, dessa forma aumentando a probabilidade de colusão.
Você concorda?

Exercício 4.5 *Considere uma indústria de um bem homogêneo em que 𝑛 empresas


produzem a custo zero e participam de um jogo de Bertrand em um número infinito de
períodos. Quando as empresas escolhem o mesmo preço, recebem o lucro por período
П(𝑝) = 𝑝𝛼𝐷(𝑝)/𝑛. Quando uma empresa 𝑖 cobra um preço 𝑝𝑖 mais baixo que o de todas

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
104

as outras, obtém um lucro П(𝑝𝑖 ) = 𝑝𝑖 𝛼𝐷(𝑝𝑖 ), e as demais, lucro zero. O parâmetro


representa a situação da demanda. Imagine que, no período corrente, a demanda seja
caracterizada por 𝛼 = 1, mas, começando no período seguinte, a demanda será
caracterizada por 𝛼 = 𝜃 em cada um dos períodos subsequentes. Todos os players
conhecem exatamente a evolução da demanda no começo do jogo. As empresas têm o
mesmo fator de desconto comum, 𝛿. (a) Presuma 𝜃 > 1 e considere as seguintes
estratégias de gatilho. Cada empresa joga um preço de monopólio 𝑝𝑚 no primeiro período
e continua a cobrar tal preço até que seja observado lucro igual a zero. Quando isso ocorre,
cada uma cobra preço igual a zero para sempre. Nessas condições, esse conjunto de
resultados obtidos com essas estratégias representa um equilíbrio? Em particular, mostre
como 𝜃 e 𝑛 afetam tal condição e forneça a intuição econômica para esse resultado. (b)
Outros preços são sustentáveis em equilíbrios com estratégias similares às acima? Sob
quais condições? (c) Presuma agora 𝜃 < 1 e encontre as condições sob as quais o
conjunto de resultados obtidos com estratégias delineadas acima representa um equilíbrio.

Exercício 4.6 Em um país há três grandes empresas automotivas que, juntas, representam
100% do mercado (a existência de tarifas proibitivas exclui importações). Durante as
últimas semanas, elas se engajaram em uma campanha promocional nos maiores jornais
do país. Nesses anúncios, feitos separadamente por cada empresa, uma anuncia o preço
de cada modelo produzido e diz que venderá àquele preço a todo comprador que
apresentar o recorte do jornal com a propaganda. A agência antitruste abre uma
investigação, suspeitando de um acordo colusivo. Os anúncios são muito similares, dado
que usam praticamente as mesmas palavras, e mesmo os preços são muito próximos para
veículos de modelos comparáveis. Dê sua opinião com base no que foi reportado aqui
sobre a existência ou não de um acordo colusivo.

Exercício 4.7 *Considere o setor 𝑌, no qual duas empresas vendem um bem homogêneo
ao custo marginal 𝑐. Elas têm o mesmo fator de desconto 𝛿. As duas participam de um
jogo de Bertrand um número infinito de vezes. Ou seja, em cada período, elas precisam
escolher o preço ao qual irão vender. Elas se defrontam com uma demanda 𝐷(𝑝). Quando
cobram o mesmo preço, uma empresa vende uma participação de mercado 𝜆 (com 1⁄2 <
𝜆 < 1), e a outra, uma participação de mercado 1 − 𝜆 (o motivo pelo qual uma tem
participação maior que a outra não é relevante). Ambas têm a seguinte estratégia de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
105

gatilho: no primeiro período, estabelecem o preço 𝑝, onde 𝑝 > 𝑐. Nos períodos seguintes,
elas escolhem o mesmo preço 𝑝 se todas as empresas tiverem escolhido 𝑝 em todos os
períodos anteriores. Caso contrário, escolhem um equilíbrio de preço de Bertrand de uma
rodada para sempre. (a) Encontre a condição sob a qual essas estratégias de gatilho
representam um equilíbrio. (b) Profissionais muitas vezes argumentam que a simetria
entre as empresas facilita a colusão. Esse simples modelo sustenta seu argumento? (c)
Sob quais circunstâncias as estratégias de gatilho mencionadas sustentam um equilíbrio
colusivo total, no qual as empresas cobram o lucro conjunto, maximizando o preço 𝑝𝑚
em cada período?

Exercício 4.8 A série temporal dos preços de determinada indústria revela que os preços
não são estáveis ao longo do tempo. Durante os últimos 10 anos, podem-se observar
períodos em que os preços estão altos e outros em que estão baixos (cerca de 30% a
menos). (a) Pode-se inferir, a partir dos períodos de preços baixos, que não há colusão
nesta indústria? Por quê? (b) Pode-se inferir, a partir dos períodos de preços baixos, que
existe conluio nesta indústria? Por quê?

Exercício 4.9 Você pode explicar em que circunstâncias a fixação de preços no varejo
pode facilitar a colusão?

Exercício 4.10 *Em uma pequena cidade chamada Fiesole, existe uma feira de rua
duas vezes por semana, durante todo o ano, todos os anos (para que possamos aproximar
de um jogo de horizonte infinito). Em um dia de feira, 𝑛 vendedores vendem suas maçãs
perfeitamente homogêneas (produzidas a um custo marginal 𝑐 e sem custos fixos).
Quando chegam ao mercado pela manhã, cada vendedor entrega às autoridades, de forma
simultânea, um envelope lacrado com o preço que irão cobrar pelas maçãs naquele dia.
Uma vez abertos os envelopes, os preços são públicos, mas não podem ser alterados
naquele dia (suponha que não exista restrição de capacidade: cada vendedor leva para a
feira maçãs suficientes para atender a toda a demanda, cobrando preços acima do custo
marginal). Em outra cidade mais afastada, Schriesheim, uma situação muito parecida
ocorre, com duas pequenas diferenças: a feira acontece apenas uma vez por semana e
existem apenas dois vendedores que comercializam suas (homogêneas) maçãs. Eles
também possuem custo marginal 𝑐 e não têm custos fixos. Em qual das duas cidades é

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
106

mais provável que ocorra um equilíbrio de conluio (com estratégias de gatilho)?


Formalize sua resposta.

Exercício 4.11 *Considere duas empresas que produzem bens homogêneos e


escolhem quantidades em cada período por um número infinito de períodos. A demanda
da indústria é dada por 𝑝 = 1– 𝑄, sendo 𝑄 a soma dos resultados individuais. As
empresas são idênticas: possuem custo marginal constante e igual a zero e o mesmo fator
de desconto 𝛿. Suponha as seguintes estratégias de gatilho. Cada uma estabelece 𝑞 ∈
[1/4, 1/3] no início do jogo e continua fazendo o mesmo, salvo se um desvio acontecer.
Após um desvio, cada empresa estabelece a quantidade 𝑞 𝑐𝑛 , o equilíbrio de Nash de um
jogo em uma rodada. (a) Descubra a condição para a formação de um conluio nessa
indústria; (b) mostre que, quanto menor 𝑞, menos provável que as estratégias de gatilho
colusivas se sustentem em equilíbrio.

Exercício 4.12 *Considere duas empresas que produzem bens homogêneos e


escolhem quantidades em cada período por um número infinito de períodos. A demanda
da indústria é dada por 𝑝 = 1– 𝑄, sendo 𝑄 a soma dos resultados individuais. Todas as
empresas são idênticas: possuem o mesmo custo marginal constante 𝑐 < 1 e o mesmo
fator de desconto 𝛿. Considere as seguintes estratégias de gatilho. Cada empresa
estabelece a produção 𝑞 𝑚 que maximiza os lucros conjuntos no início do jogo e continua
fazendo o mesmo até que pelo menos uma delas opte pelo desvio. Após o desvio, cada
uma estabelece quantidade igual a 𝑞 𝑐𝑛 , o equilíbrio de Nash de um jogo em uma rodada.
(a) Descubra a condição para a formação de um conluio nessa indústria; (b) indique como
a quantidade de empresas na indústria afeta a possibilidade de um resultado de conluio
tácito e discuta; (c) você conhece outras estratégias de punição sob as quais as empresas
conseguem sustentar um resultado de conluio quando as condições são fracas?

Exercício 4.13 **Considere duas empresas perfeitamente simétricas que vendem


bens diferenciados e consideram o conluio. O preço de conluio completo é dado por 𝑝𝑚 ,
que dá a cada uma um lucro de 𝜋𝑚 . As empresas também possuem o mesmo fator de
desconto 𝛿 e participam de um jogo de Bertrand por um número infinito de períodos.
Existe uma autoridade antitruste que investiga a indústria a cada período. Se as empresas
optarem pelo conluio, a autoridade terá probabilidade 𝑝 de prová-las culpadas, e, caso
consiga, as empresas receberão multa 𝐹 > 𝛿𝜋𝑛 . Se for provada a culpa, a autoridade

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
107

evitará que elas adotem um comportamento colusivo no futuro: seu lucro será
eternamente 𝜋𝑛 > 0, onde o índice 𝑛 representa Nash. Caso as empresas optem pela não
colusão, não poderão receber multas. (a) Foque estratégias de gatilho simples com
reversão à Nash para sempre. Escreva as restrições de incentivo para que a colusão se
sustente em equilíbrio e discorra sobre os efeitos que 𝑝 e 𝐹 têm sobre o conluio. (b)
Considere um valor alto o suficiente do fator de desconto para que o conluio seja
sustentável. Existem preços além de 𝑝𝑚 sustentáveis em equilíbrio nesse jogo de
horizonte infinito? (c) Você conhece outras estratégias que permitiriam às empresas
sustentar a colusão sob condições mais frouxas?

Exercício 4.14 Em investigações de cartel, é comum que advogados, juízes e


economistas afirmem que o conluio é mais difícil em períodos de declínio da demanda
que em de crescimento. Mencione brevemente os argumentos teóricos que podem
suportar esse ponto de vista.

Exercício 4.15 Se alguém descobre que duas ou mais empresas alteram seus
preços na mesma proporção com poucos dias de diferença, isso prova que as empresas
possuem um acordo de conluio? Discuta.

Exercício 4.16 *Considere um setor no qual 𝑛 empresas participam de um jogo não


cooperativo, cuja probabilidade de que continue nos períodos seguintes é igual a 𝛼 (ou
seja, em qualquer período 𝑇, o jogo pode continuar com uma probabilidade 𝛼 ou parar
por completo com probabilidade 1 − 𝛼). Em cada período, uma empresa precisa escolher
determinada ação. Caso todas optem pela ação de conluio, dividirão o mercado e cada
uma terá lucro П𝑚 /𝑛. Se uma das empresas desviar, terá como lucro П𝑑 > П𝑚 /𝑛. Elas
têm as seguintes estratégias: no primeiro período, optam pela colusão. Em qualquer um
dos períodos seguintes, optarão pelo conluio se todas tiverem auferido lucros П𝑚 /𝑛 em
qualquer um dos períodos anteriores. Caso contrário, optarão pela punição, que tem como
resultado lucros П𝑐 para todas as empresas em todos os períodos futuros do jogo. (a)
Mostre que, se o fator de desconto 𝛿 (o mesmo para todas as empresas) e a probabilidade
𝛼 forem altos o suficiente, essas estratégias formam o equilíbrio do jogo; (b) mostre que
o conluio será mais provável quanto maior for a punição, menores os lucros de desvio e
menor o número de empresas; (c) o equilíbrio de conluio é o único equilíbrio deste jogo?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
108

Exercício 4.17 *Considere o modelo da seção “P&D Cooperativa”, no qual duas


empresas enfrentam uma demanda 𝑝 = 𝑎– 𝑄 e possuem custos 𝐴𝑖 = (𝐶 − 𝑥𝑖 − 𝑙𝑥𝑗 )𝑞𝑖 +
(𝑔/2)𝑥𝑖2 , onde 0 ≤ 𝑙 ≤ 1 é um parâmetro de transbordamento, e 𝑔 > 4/3 é um
parâmetro de eficiência do investimento. As empresas escolhem sequencialmente os
níveis de P&D e os níveis de produção 𝑞𝑖 . (a) Suponha que elas pudessem cooperar nos
dois estágios do jogo, P&D e produção. Encontre o equilíbrio dos investimentos e da
produção; (b) suponha agora que uma delas se comporte de forma não cooperativa nos
dois estágios. Encontre os novos equilíbrios nesse caso; (c) compare os resultados de
equilíbrio sob os dois regimes. [Uma possível variação desse exercício consiste em
identificar os equilíbrios quando as empresas agem de forma cooperativa no estágio de
P&D e comparar esse resultado com aquele em que há cooperação completa].

Exercício 4.18 *(Licenciamento cruzado anticoncorrencial). Considere duas


empresas fazendo o seguinte jogo. No primeiro estágio, elas decidem conjuntamente se
desejam o licenciamento cruzado de suas tecnologias. Presume-se que as tecnologias
sejam substitutas perfeitas e utilizadas para a produção do mesmo bem homogêneo. Nesse
estágio, caso se decida pelo licenciamento cruzado, as empresas decidem conjuntamente
os royalties por unidade de produto 𝑐𝐿 para a licença. No estágio seguinte, elas competem
em quantidades. Presuma, por simplicidade, que o único custo unitário, caso exista um, é
dado por 𝑐𝐿 e uma demanda linear 𝑝 = 1– 𝑄, onde 𝑄 é a produção total. Mostre se, em
equilíbrio, as empresas vão decidir pelo licenciamento cruzado e em que nível de
royalties.

Exercício 4.19 *(Agrupamento de Patentes Complementares). Para produzir


determinado bem final homogêneo, 𝑛 fabricantes precisam de duas tecnologias
complementares, cujas patentes pertencem a duas empresas, A e B. Elas licenciam
separadamente suas tecnologias a uma taxa de royalty unitária de 𝑤𝑖 (𝑖 = 𝐴, 𝐵). O jogo é
descrito a seguir. No primeiro estágio, os detentores das patentes decidem, de forma
independente e simultânea, o nível de royalty. No segundo estágio, os fabricantes
competem à la Bertrand e incorrem em custos unitários 𝑐 + 𝑤𝐴 + 𝑤𝐵 , enfrentando uma
demanda 𝑞 = 1– 𝑝 (como de costume, caso diversas empresas cobrem o mesmo preço
baixo, a demanda é igualmente compartilhada entre elas; demanda igual a zero vai para
as empresas que cobram os maiores preços). (a) Encontre os valores de equilíbrio dos

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
109

royalties e dos preços finais; (b) considere uma situação alternativa na qual as duas
detentoras atribuem o direito de exploração de suas patentes a um pool de patentes. Agora
é esse pool que decide o valor de ambos os royalties. Encontre os valores de equilíbrio
dos royalties e dos preços finais sob o pool de patentes e os compare com os resultados
anteriores; (c) mostre que a formação do pool de patentes é lucrativa para os detentores e
positiva para os consumidores.

Exercício 4.20 *Imagine duas Empresas, 1 e 2, localizadas, respectivamente, em 𝑎


e 𝑏, que representam dois mercados geográficos distintos. Os custos unitários de
transporte (os de produção são zero) de um mercado para o outro são dados por 𝑡 < 1/2.
As empresas produzem um bem homogêneo cuja demanda no país 𝑘 = 𝑎, 𝑏 é 𝑝𝑘 = 1 −
2𝑄𝑘 /𝑠. Presumimos que cada Empresa 𝑖 = 1, 2 escolha simultaneamente as quantidades
𝑞𝑖𝑎 e 𝑞𝑖𝑏 , vendidas em ambos os mercados em cada período de um jogo de horizonte
infinito com fator de desconto comum igual a 𝛿. Considere as seguintes estratégias de
gatilho que definem o esquema de alocação de um mercado em conluio. No início do
jogo, cada empresa vende apenas em seu próprio mercado (𝑞2𝑎 = 𝑞1𝑏 = 0). Se um
desvio ocorrer (isto é, se uma empresa começar a exportar), ambas convertem para um
equilíbrio de Nash para sempre (no equilíbrio de Nash, ambas exportam). Encontre as
condições para o conluio e mostre como elas variam com 𝑡.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
110

Soluções dos Exercícios do Capítulo 4

Exercício 4.1 As RIs se tornam 𝜋(𝑝𝑚 )(1 + 𝛿 2 + 𝛿 4 + ⋯ )/𝑛 ≥ 𝜋(𝑝𝑚 ). Escreva 𝛿 2 =


𝑑. Então, a RI pode ser escrita como 𝑑 ≥ 1 − (1⁄𝑛), onde 𝛿 ≥ √1 − (1/𝑛). Como √𝑥 >
𝑥 quando 𝑥 < 1, a restrição de incentivo é menos provável de ser satisfeita que no caso-
padrão.

Exercício 4.2 Sim, a propriedade cruzada torna a colusão mais provável. Para verificar
como, considere que o lucro da Empresa 𝑖 seja dado por 𝜋𝑖 (1 − 𝜎) + 𝜎𝜋𝑗 e que, se a ela
desvia, o lucro nesse período é 𝜋𝑗 = 0. A restrição de incentivo para a colusão pode ser
escrita como 𝜋(𝑝𝑚 )/(2(1 − 𝛿)) ≥ 𝜋(𝑝𝑚 )(1 − 𝜎), que pode ser simplificada para 𝛿 ≥
1 − 1/[2(1 − 𝜎)].

Se não houvesse propriedade cruzada, 𝜎 = 0, a condição seria menos provável de


se manter.

Exercício 4.5 Denotaremos o preço de conluio como 𝑝𝑐 ∈ (𝑐, 𝑝𝑚 ]. Em 𝑡 = 0, 𝛼 = 1, ao


passo que, em 𝑡 ∈ {1,2, . . . }, 𝛼 = 𝜃. A restrição de incentivo então se torna
𝜋(𝑝𝑐 )(1 + 𝛿𝜃 + 𝛿 2 𝜃 + 𝛿 3 𝜃 + ⋯ )/𝑛 ≥ 𝜋(𝑝𝑐 ), ou, de forma equivalente, 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/
(𝑛 − 1 + 𝜃) ≡ 𝛿̃(𝑛, 𝜃).

(a) Quando as empresas praticam o preço de monopólio ao longo do caminho de


conluio, 𝑝𝑐 = 𝑝𝑚 , e a condição para a n-tupla de estratégias das empresas seja um
equilíbrio é dada pela restrição de incentivos derivada anteriormente, a mesma
para todas as empresas. Com simples cálculos de álgebra, temos que
𝜕𝛿̃(𝑛, 𝜃)/𝜕𝜃 = −(𝑛 − 1)/(𝑛 − 1 + 𝜃)2 < 0, enquanto 𝜕𝛿̃(𝑛, 𝜃)⁄𝜕𝑛 = 𝜃/(𝑛 −
1 + 𝜃)2 > 0.

Quanto mais alto o valor de 𝜃, maior será a alteração única da demanda. Assim,
quanto maior for 𝜃, maior será o valor presente do fluxo de lucros recebido a partir de
𝑡 = 1. O custo de oportunidade do desvio aumenta com 𝜃. Dessa forma, quanto maior 𝜃,
menos provável que a colusão se sustente em equilíbrio. A intuição subjacente é a padrão:
quanto maior o número de empresas em um acordo de conluio, mais difícil será para
formá-lo e sustentá-lo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
111

(b) Perceba que a restrição de incentivo derivada é válida para todo 𝑝𝑐 ∈ (𝑐, 𝑝𝑚 ].
Logo, sob estratégias similares às apresentadas, o preço de conluio 𝑝𝑐 ∈ (𝑐, 𝑝𝑚 ]
pode ser sustentado em equilíbrio se 𝛿 ≥ (𝑛 − 1)/(𝑛 − 1 + 𝜃) ≡ 𝛿̃(𝑛, 𝜃).
(c) A condição é a mesma que em (b) e implica que uma queda antecipada na
demanda leva a condições mais rigorosas para a colusão.

Exercício 4.7 Denote por 𝑠𝑖 a parcela de mercado da Empresa i, 𝑖 = 1, 2. Presuma, sem


perda de generalidade, que 𝑠1 = 𝜆 e 𝑠2 = 1 − 𝜆.

(a) A restrição de incentivo para a Empresa i, i=1, 2, é dada por 𝑠𝑖 (𝑝̄ − 𝑐)𝐷(𝑝̄ )/(1 −
𝛿 ) − (𝑝̄ − 𝑐)𝐷 (𝑝̄ ) ≥ 0, ou, de forma equivalente, 𝛿 ≥ 1 − 𝑠𝑖 .

Assim, as estratégias de gatilho descritas representam o equilíbrio se, e somente


se, 𝛿 ≥ max[𝜆, 1 − 𝜆]. Contudo, como 1⁄2 < 𝜆 < 1, a condição anterior se reduz a 𝛿 ≥
𝜆.

(b) Sim. Observe que a estrutura de indústria simétrica 𝑠1 = 𝑠2 = 1/2. Portanto, a


restrição de incentivo (comum para ambas as empresas) se reduz a 𝛿 ≥ 1/2, a
condição para o caso de duopólio simétrico-padrão de livros-texto. Como, por
pressuposto, 𝜆 é maior que 1/2, a condição 𝛿 ≥ 𝜆 é mais rígida que 𝛿 ≥ 1/2. A
colusão é menos provável de ser sustentada em uma estrutura de mercado
assimétrica.
(c) Se 𝑝 = 𝑝𝑚 , a restrição de incentivo para a empresa i, 𝑖 = 1, 2, é 𝑠𝑖 (𝑝𝑚 −
𝑐)𝐷(𝑝𝑚 )/(1 − 𝛿) − (𝑝𝑚 − 𝑐)𝐷(𝑝𝑚 ) ≥ 0. É simples mostrar que isso equivale a
𝛿 ≥ max{𝜆, 1 − 𝜆}, a mesma condição que derivamos em (a). Desse modo, o
mesmo intervalo de valores para o fator de desconto 𝛿 permite que um continuum
de soluções de equilíbrio seja mantido.

Exercício 4.10 Presuma que uma unidade de tempo seja metade de uma semana.
Em Fiesole, a feira acontece duas vezes por semana e tem 𝑛 vendedores. A restrição de
incentivo de um vendedor representativo é, portanto, 𝜋 𝑓 (𝑝𝑐 )/[𝑛(1 − 𝛿)] ≥ 𝜋 𝑓 (𝑝𝑐 ),
onde 𝜋 𝑓 (𝑝𝑐 ) denota o lucro agregado na feira de Fiesole quando todos os vendedores
estabelecem um preço de conluio 𝑝𝑐 > 𝑐.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
112

Essa condição implica que o fator de desconto crítico em Fiesole é dado por 𝛿 ≥
(1 − 1/𝑛) ≡ 𝛿̃𝑓 .

Em Schriesheim, a feira acontece uma vez por semana e só existem dois


vendedores. A RI de um vendedor é dada por 𝜋 𝑠 (𝑝𝑐 )(1 + 𝛿 2 + 𝛿 4 + ⋯ )/2 ≥ 𝜋 𝑠 (𝑝𝑐 ),
onde 𝜋 𝑠 (𝑝𝑐 ) denota o lucro agregado em Schriesheim quando ambos os vendedores
fixam o mesmo preço de conluio 𝑝𝑐 > 𝑐.

O conluio em equilíbrio sob estratégias de gatilho ocorre se 1⁄(1 − 𝛿 2 ) ≥ 2, que,


por sua vez, implica que 𝛿 ≥ 1/√2 ≡ 𝛿̃𝑠 .

Observe que a feira de Fiesole, quando comparada com a de Schriesheim, possui


mais empresas, o que tende a prejudicar a colusão. Por outro lado, existe maior frequência
de pedidos (interações de mercado), o que tende a facilitar o conluio. Assim, para que o
conluio seja menos provável em Fiesole que em Schriesheim, o primeiro efeito deve mais
que compensar o segundo. Em termos formais, 𝛿̃𝑓 > 𝛿̃𝑠 , que se (1 − 1/𝑛) − 1/√2 > 0
mantém se 𝑛 ∈ {4, 5, 6, . . . }.

Exercício 4.11

(a) Inicialmente é útil achar o equilíbrio de Cournot do jogo, dado por 𝑞 𝑐𝑛 = 1/3 e
𝜋 𝑐𝑛 = 1/9 (ver o Capítulo 8). Seguindo as estratégias de gatilho e estabelecendo
produção 𝑞 entre o resultado de maximização de lucro conjunto 𝑞 𝑚 = 1/4 e o
resultado de Cournot 𝑞 𝑐𝑛 = 1/3, o lucro da empresa é 𝜋 = (1 − 2𝑞)𝑞. Quando a
concorrente define 𝑞, o desvio ótimo pode ser encontrado ao escolher 𝑞 𝑑 =
arg maxq̃ 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑞̃ − 𝑞)𝑞̃. Estabelecendo 𝜕𝜋 𝑑 /𝜕𝑞̃ = 0, pode-se achar que
𝑞 𝑑 = (1 − 𝑞)/2 e 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑞)2 /4.

A RI pode ser escrita como 𝛿 ≥ (𝜋 𝑑 − 𝜋)/(𝜋 𝑑 − 𝜋 𝑐𝑛 ) e torna-se, por


substituição, 𝛿 ≥ 9(1 − 3𝑞)2 /(9𝑞 2 − 18𝑞 + 5) ≡ 𝛿̄ , condição para que o conluio seja
sustentável.

(b) Para verificar como o fator crítico de desconto varia com o nível de conluio,
calcule 𝜕𝛿̄ /𝜕𝑞 = −108/(5 − 3𝑞)2 < 0. Conforme 𝑞 aumenta no intervalo
[1/4, 1/3], o fator crítico de desconto 𝛿 diminui: quanto menor o nível de colusão,
mais fácil sustentá-la.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
113

Exercício 4.12

(a) Identifique, primeiramente, as quantidades que maximizam os lucros conjuntos


П = (1 − 𝑄 − 𝑐)𝑄. É fácil verificar que 𝑄 = (1 − 𝑐)/2. Logo, em equilíbrio
simétrico, as quantidades individuais são 𝑞 𝑚 = (1 − 𝑐)/(2𝑛) e os lucros
individuais sob a estratégia de conluio são 𝜋 𝑚 = (1 − 𝑐)2 /(4𝑛).

Quanto aos lucros de desvio, o desvio ótimo de uma empresa é dado por
𝑞 𝑑 (𝑞 𝑚 ) = arg max𝑞 (1 − (𝑛 − 1)𝑞 𝑚 − 𝑞 − 𝑐)𝑞. Pode-se verificar que 𝑞 𝑑 (𝑞 𝑚 ) = (𝑛 +
1)(1 − 𝑐)/(4𝑛), e que os lucros auferidos com o desvio são 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑐)2 (𝑛 + 1)2 /
(16𝑛2 ).

Finalmente, é padrão que se confira que as quantidades e lucros de Cournot sejam


dados por 𝑞 𝑐𝑛 = (1 − 𝑐)/(𝑛 + 1) e 𝜋 𝑐𝑛 = (1 − 𝑐)2 /(𝑛 + 1)2 .

A RI do conluio é dada por 𝜋 𝑚 /(1 − 𝛿) ≥ 𝜋 𝑑 + 𝛿𝜋 𝑐𝑛 /(1 − 𝛿), que, após


substituição e rearranjo, se torna 𝛿 ≥ (1 + 𝑛)2 /(1 + 6𝑛 + 𝑛2 ) ≡ 𝛿 𝑐𝑛 .

Assim, sob estratégias de punição que envolvem reversão para o equilíbrio de


Cournot para sempre depois que um desvio ocorre, o conluio tácito ocorrerá se, e somente
se, as empresas forem suficientemente pacientes.

(b) Por meio de um simples exercício de estática comparativa, utilizando o limiar


crítico para o fator de desconto, conclui-se que 𝜕𝛿 𝑐𝑛 /𝜕𝑛 = 4(𝑛2 − 1)/
(1 + 6𝑛 + 𝑛2 )2 > 0.

Assim sendo, ceteris paribus, conforme aumenta o número de empresas no


acordo, mais difícil é alcançar e manter a colusão tácita (tornam-se mais restritivas as RIs
das empresas). Como se presume que as empresas sejam simétricas, um aumento no
número de empresas é equivalente a um menor nível de concentração. Portanto, níveis
mais baixos de concentração estão associados – ceteris paribus – à menor probabilidade
de conluio.

(c) Sim. A fim de determinar o maior nível de lucros que um número fixo de empresas
pode sustentar como um equilíbrio perfeito de um subjogo, Abreu (1986) estudou
punições mais severas que a reversão à Cournot para sempre depois de um desvio.
Ao ameaçar de forma crível com uma punição mais severa por deserção, um

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
114

oligopólio pode sustentar um resultado de conluio por uma gama mais ampla de
fatores de desconto. Para o caso de punições simétricas, Abreu verificou que uma
estratégia ótima de punição assume uma forma muito simples. No primeiro
período após o desvio, cada empresa realiza um nível elevado de produção, de
modo que todas obtêm lucros negativos. A fim de induzi-las a continuar com a
primeira fase da punição, o oligopólio se compromete a produzir a mais
sustentável produção nos períodos seguintes, desde que nenhuma empresa tenha
desviado da primeira fase da punição (período). Caso contrário, a punição é
reiniciada.

Exercício 4.13

(a) Se a AA investiga o setor a cada período, o valor presente descontado da colusão


é dado por 𝑉 𝑐 = 𝑝(𝜋𝑚 − 𝐹 + 𝛿𝜋𝑛 /(1 − 𝛿)) + (1 − 𝑝)(𝜋𝑚 + 𝛿𝑉 𝑐 ), e a RI que
cada empresa enfrenta é dada por [𝑝(𝜋𝑚 − 𝐹 + 𝛿𝜋𝑛 /(1 − 𝛿)) + (1 − 𝑝)𝜋𝑚 ]/
[1 − 𝛿(𝑞 − 𝑝)] ≥ 𝜋𝑑 + 𝛿𝜋𝑛 /(1 − 𝛿), onde 𝜋𝑑 denota o lucro de desvio em uma
rodada. Verifique que a condição anterior pode ser reescrita como: [𝜋𝑚 −
𝑝(𝐹 − 𝛿𝜋𝑛 ) − 𝛿𝜋𝑛 ]/[1 − 𝛿(1 − 𝑝)] ≥ 𝜋𝑑 .

Assim, a colusão será autoaplicável se as perdas esperadas no longo prazo com a


punição forem maiores que os ganhos líquidos únicos esperados com o desvio. Quanto
maiores 𝑝 e 𝐹, menos provável que o conluio se sustente em equilíbrio, tudo o mais
permanecendo constante.

(b) Como o jogo descrito é um superjogo, ele admite um continuum de soluções. Se


considerarmos exatamente o mesmo modelo, mas presumirmos que as empresas,
ao longo do equilíbrio de conluio, definam preços 𝑝 ∈ (𝑐, 𝑝𝑚 ), que lhes permitem
lucros 𝜋, será simples mostrar que a RI das empresas é similar àquela derivada
em (a), com a única diferença de que 𝜋𝑚 seria substituído por 𝜋.
(c) Sim, as estratégias de punição em dois estágios aumentariam o intervalo de fatores
de desconto sob o qual a colusão pode ser sustentada.

Exercício 4.16

(a) Para que a colusão seja autoaplicável, a seguinte RI precisa ser satisfeita:
𝛿𝛼(𝜋𝑚 /𝑛 − 𝜋𝑐 )/(1 − 𝛿𝛼) ≥ 𝜋𝑑 − 𝜋𝑚 /𝑛.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
115

(b) É simples ver que a RI derivada em (a) é relaxada quando a punição se torna mais
forte (isto é, 𝜋𝑐 diminui), os lucros de desvio 𝜋𝑑 diminuem e o número de
empresas 𝑛 também.
(c) Não. Outro equilíbrio viável deste jogo é aquele em que as empresas jogam o
equilíbrio de Nash do stage game a cada período do jogo repetido.

Exercício 4.17

(a) O lucro conjunto de duas empresas é 𝜋 𝑀 = ∑𝑛𝑖=1[(𝑎 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝐶 + 𝑥𝑖 +


𝑙𝑥𝑗 )𝑞𝑖 − 𝑔𝑥𝑖2 /2], e o problema da empresa é escolher 𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 que o maximizem.
Resolvendo as CPOs 𝜕𝜋 𝑀 /𝜕𝑞𝑖 = 0 com foco na solução simétrica, temos que
𝑞 = ((𝑎 − 𝐶) + (1 + 𝑙)𝑥)/4. Após o primeiro estágio do jogo, o lucro conjunto
2
se torna 𝜋 𝑀 = ((𝑎 − 𝐶) + (1 + 𝑙)𝑥) /4 − 𝑔𝑥 2 . A maximização exige que
𝜕𝜋 𝑀 /𝜕𝑥 = 0, resolvido por 𝑥 𝑀 = (𝑎 − 𝐶)(1 + 𝑙)/[4𝑔 − (1 + 𝑙)2 ], e, após
substituição, dá o resultado de equilíbrio 𝑞 𝑀 = (𝑎 − 𝐶)𝑔/[4𝑔 − (1 + 𝑙)2 ].
(b) Isso é feito no texto.
(c) A comparação dos níveis de equilíbrio revela que 𝑥 𝑀 > 𝑥 𝐶 para 𝑙 > 7/17,
enquanto 𝑞 𝑀 > 𝑞 𝐶 para 3𝑔 + 1 + 4𝑙– 5𝑙 2 > 0. Novamente, 𝑙 deve ser alto o
suficiente para que o monopólio seja substituído por um resultado superior: se 𝑙 <
(−2 + √29)⁄5 ≃ 0.677, então, 𝑞 𝑀 < 𝑞 𝐶 para todo 𝑔. No entanto, para maiores
níveis do parâmetro de transbordamento, existem combinações de 𝑔 e 𝑙 para as
quais é melhor uma cooperação total. Intuitivamente, existe um trade-off sob
cooperação total entre maior P&D em função da internalização dos
transbordamentos (que restabelece os incentivos em P&D) e a falta de competição
no mercado de produtos, que reduz os resultados de equilíbrio. O primeiro efeito
é mais forte quando os transbordamentos são muito altos. [Uma variação deste
exercício envolve encontrar níveis de equilíbrio em P&D e os resultados sob
cooperação, feito no texto, e depois comparar esses resultados com os obtidos em
regime de cooperação completa. É simples confirmar que 𝑥 𝑀 < 𝑥 𝐽𝑉 para todo 𝑙,
enquanto 𝑞 𝑀 é sempre estritamente menor que 𝑞 𝐽𝑉 (𝑞 𝑀 < 𝑞 𝐽𝑉 equivale a 𝑔 >
(1 + 𝑙)2 /3, sempre verdade, pois 𝑔 > 4/3 e 𝑙 ≤ 1).]

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
116

Exercício 4.18 No último estágio do jogo, o equilíbrio de Cournot é encontrado ao


resolver o problema de cada empresa: max𝑞𝑖 𝜋𝑖 = (1 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐𝐿 )𝑞𝑖 + 𝑐𝐿 𝑞𝑗 . Note
que cada empresa precisa pagar à outra uma unidade de royalty sobre sua própria
produção, o que implica que os royalties aparecem como custo e como receita na função
de lucro. A partir das CPOs, obtém-se o resultado de equilíbrio no equilíbrio simétrico
como 𝑞 ∗ (𝑐𝐿 ) = (1 − 𝑐𝐿 )/3. Os lucros por empresa associados são 𝜋 ∗ (𝑐𝐿 ) = (1 +
2𝑐𝐿 )(1 − 𝑐𝐿 )/9.

No primeiro estágio, as empresas decidem conjuntamente sobre o licenciamento


cruzado e sobre os níveis de 𝑐𝐿 . Observe que a função 𝜋 ∗ atinge seu máximo em 𝑐𝐿 =
1/4. Logo, as empresas possuem incentivo para aceitar o licenciamento cruzado e
escolherão de maneira ótima 𝑐𝐿 = 1/4. Sua produção e lucros serão iguais a 𝑞 ∗ (1⁄4) =
1/4 e 𝜋 ∗ (1⁄4) = 1/8. Esses valores correspondem às soluções de maximização do lucro
conjunto. Em outras palavras, as empresas conseguem uma solução de monopólio com o
licenciamento cruzado, melhorando a solução de Cournot obtida quando 𝑐𝐿 = 0: 𝑞 ∗ (0) =
1/3 e 𝜋 ∗ (0) = 1/9.

Exercício 4.19

(a) No último estágio, e considerando que os fabricantes competem em preços, o


equilíbrio de Bertrand se aplica: o preço de mercado será 𝑝 = 𝑐 + 𝑤𝐴 + 𝑤𝐵 , e a
demanda final, 𝑞 = 1 − (𝑐 + 𝑤𝐴 + 𝑤𝐵 ).

No primeiro estágio, cada detentor de patente decide a taxa de royalty, de modo


que max𝑤𝑖 𝜋𝑖 = 𝑤𝑖 (1 − 𝑐 − 𝑤𝑖 − 𝑤𝑗 ). De 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑤𝑖 = 0, segue que o equilíbrio
simétrico é 𝑤 ∗ = (1 − 𝑐)/3, e o preço final (por substituição) é 𝑝∗ = (2 + 𝑐)/3. Os
lucros dos detentores de patentes são 𝜋 ∗ = (1 − 𝑐)2 /9.

(b) Sob o pool de patentes, existe maximização conjunta dos lucros dos detentores. O
problema do pool é, então, max𝑤𝑖 ,𝑤𝑗 𝜋𝑃 = 𝑤𝑖 (1 − 𝑐 − 𝑤𝑖 − 𝑤𝑗 ) + 𝑤𝑗 (1 − 𝑐 −

𝑤𝑖 − 𝑤𝑗 ). Resolvendo as CPOs, temos a solução simétrica 𝑤 𝑃 = (1 − 𝑐)/4. Por


substituição, os preços e lucros por empresa são obtidos a partir de 𝑝𝑃 =
(1 + 𝑐)/2 e 𝜋 𝑃 = (1 − 𝑐)2 /8.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
117

(c) É simples verificar que o Pareto do pool de patentes domina a situação na qual as
duas patentes são licenciadas de forma independente. Os preços finais (e também
os royalties) são menores (logo, os consumidores estão em melhor situação), e os
lucros dos detentores de patentes são maiores (os fabricantes, nesse exemplo,
sempre auferem lucro zero).

Exercício 4.20 Vamos inicialmente inferir a solução do esquema de alocação de


mercado quando cada empresa vende apenas em seu próprio mercado. Nesse caso, os
lucros são dados por 𝜋 = (1 − 2𝑞 ⁄𝑠)𝑞. De 𝜕𝜋/𝜕𝑞 = 0, segue que 𝑞1𝑎 = 𝑞2𝑏 = 𝑠/4 e
𝑞1𝑏 = 12𝑎 = 0, 𝜋1𝑚 = 𝜋2𝑚 = 𝑠/8.

Punição. Se as empresas jogam o jogo de Nash de uma rodada em quantidades,


elas venderiam em ambos os mercados. Seus lucros seriam 𝜋1 = 𝑝𝑎 (𝑞1𝑎 , 𝑞2𝑎 )𝑞1𝑎 +
(𝑝𝑏 (𝑞1𝑏 , 𝑞2𝑏 ) − 𝑡)𝑞1𝑏 e 𝜋2 = 𝑝𝑏 (𝑞1𝑏 , 𝑞2𝑏 )𝑞2𝑏 + (𝑝𝑎 (𝑞1𝑎 , 𝑞2𝑎 ) − 𝑡)𝑞2𝑎 , onde 𝑝𝑘 = 1 −
2(𝑞1𝑘 + 𝑞2𝑘 )/𝑠, para 𝑘 = 𝑎, 𝑏. O programa da Empresa 𝑖 é max𝑞𝑖𝑎,𝑞𝑖𝑏 𝜋𝑖 . Assim sendo,
encontrar as soluções de equilíbrio envolve resolver o sistema de quatro equações
𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖𝑎 = 0, 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖𝑏 = 0 para 𝑖 = 1, 2.

Desvio. O desvio ótimo da Empresa 1, por exemplo, é obtido definindo a


quantidade de monopólio em seu mercado doméstico 𝑎, mas escolhendo a produção
𝑑
(positiva) 𝑞1𝑏 , que maximiza os lucros de exportação 𝜋1𝑏 , já que a concorrente define
𝑑
𝑞2𝑏 = 𝑠/4. Em outras palavras, 𝑞1𝑏 é a quantidade 𝑞 que maximiza 𝜋1𝑏 =
𝑑
(1 − 𝑡 − 2(𝑞 + 𝑠/4)/𝑠)𝑞. De 𝜕𝜋1𝑏 /𝜕𝑞 = 0, pode-se identificar que 𝑞1𝑏 = 𝑠(1 − 2𝑡)/8
e que 𝜋1𝑑 = 𝑠/8 + 𝑠(1 − 2𝑡)2 /32 (sendo o lucro monopolista doméstico o primeiro
componente do lucro).

A RI para a colusão é dada pela condição-padrão 𝜋𝑖𝑚 /(1 − 𝛿) ≥ 𝜋𝑖𝑑 + 𝛿𝜋𝑖𝑒 /(1 −
𝛿), da qual é derivado o fator crítico de desconto 𝛿 𝑒 = (𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑚 )/(𝜋𝑖𝑑 − 𝜋𝑖𝑒 ). Após
substituição, pode-se verificar que 𝛿 𝑒 = 9(1 − 2𝑡)/(13 + 22𝑡), de modo que o conluio
só ocorrerá se 𝛿 ≥ 𝛿 𝑒 .

Observe que 𝜕𝛿 𝑒 /𝜕𝑡 < 0, de modo que, conforme o custo de transporte aumenta,
o conluio é mais fácil de sustentar. Isso acontece porque, quanto maior o custo de
transporte, menor a participação de mercado alcançável com o desvio. No caso-limite,
quando 𝑡 = 1/2, os custos de transporte se tornam proibitivos, e nenhuma exportação
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
118

acontece no equilíbrio em uma rodada: uma empresa não teria qualquer tentação de
desviar do equilíbrio autárquico (monopolista).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Acordos horizontais e cartéis (Capítulo 4).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 5

Fusões e aquisições horizontais

SUMÁRIO

5.1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3

5.2 – EFEITOS UNILATERAIS ...................................................................................... 4

5.2.1 – Na ausência de eficiências, uma fusão aumentará poder de mercado .............. 5

5.2.2 – Variáveis que afetam o poder de mercado unilateralmente .............................. 6

5.2.3 – Ganhos de eficiência ....................................................................................... 12

5.3 – “REMÉDIOS” ADOTADOS PARA FUSÕES ..................................................... 18

5.3.1 – Alienações ...................................................................................................... 19

5.3.1.1 – Problemas com alienação ........................................................................ 20

5.3.2 – Remédios comportamentais ............................................................................ 22

5.3.2.1 – Problemas com remédios comportamentais ............................................ 23

5.4 – POLÍTICA DE FUSÕES NA UNIÃO EUROPEIA ............................................. 25

5.4.1 – Teste de dominância ....................................................................................... 25

5.4.1.1 – Dominância conjunta ............................................................................... 26

5.4.2 – O tratamento dos ganhos de eficiência ........................................................... 28

5.5 – ANÁLISE DE CONCENTRAÇÃO NO BRASIL ................................................ 30


Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

5.6 – ESTUDOS DE CASOS ......................................................................................... 32

5.6.1 – Nestlé/Garoto (2004) ...................................................................................... 32

5.6.1.1 – Revisão judicial da decisão do CADE ..................................................... 36

5.6.2 – Caso Sadia/Perdigão (2009) .......................................................................... 37

5.6.2.1 – Atuação do CADE ................................................................................... 38

5.6.2.2 – Análise econômica realizada pela Seae ................................................... 39

5.6.2.3 – Barreiras à entrada ................................................................................... 41

5.6.2.4 – Rivalidade ................................................................................................ 42

5.6.2.5 – Eficiências ............................................................................................... 42

5.6.2.6 – Remédios propostos pela Seae ................................................................ 43

5.6.2.7 – Andamento do caso ................................................................................. 44

5.6.2.8 – A decisão do CADE ................................................................................ 45

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 5 ............................................... 48

Quadro 5.1 – Modelando efeitos unilaterais de fusões ............................................... 48

Q5.1.1 – Efeitos unilaterais de fusões na ausência de ganhos de eficiência .............. 49

Quadro 5.2 – Um modelo mais geral .......................................................................... 57

Q5.2.1 – O modelo ................................................................................................. 57

Q5.2.2 – Efeitos unilaterais com ganhos de eficiência ........................................... 58

Q5.2.3 – Ganhos de eficiência oriundos da fusão .................................................. 62

Q5.2.4 – Dano por eficiência: quando a fusão leva à saída de outsiders................ 67

Q5.2.5 – Provas ...................................................................................................... 69

Exercícios do Capítulo 5 ................................................................................................ 73

Soluções dos Exercícios do Capítulo 5........................................................................... 77

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

5.1 – INTRODUÇÃO

Hoje em dia, muitos países possuem legislação e regulação que convocam as


autoridades antitruste a escrutinar fusões.1 Desde 1994, o Brasil dispõe de legislação que
prevê o controle de operações de concentração econômica (ver o Capítulo 1). A Figura
5.1 ilustra a evolução do número de decisões tomadas pelo CADE entre 1994 e 2013.
Note que o crescimento foi impressionante, aumentando de 5, em 1994 (o primeiro ano
de implementação do controle de atos de concentração), para 447 em 2013; em 2012,
alcançando a cifra recorde de casos julgados sob a Lei 8.884/2011, 875.2

O objetivo deste capítulo é analisar os efeitos de bem-estar de fusões horizontais


– isto é, fusões entre concorrentes – e identificar as principais circunstâncias sob as quais
as fusões devem ou não ser autorizadas.3

Há dois casos principais que devem ser considerados quando estudamos os efeitos
de fusões. Primeiro, a situação em que fusões podem levar a empresa a exercer poder de
mercado e elevar preços. Segundo, o caso em que fusões podem favorecer a colusão na
indústria. Aqui, as empresas que se unem não seriam capazes de elevar preços
unilateralmente de forma significativa, mas a fusão pode gerar novas condições na
indústria que aumentem o escopo para a colusão. Os preços poderão, então, subir, uma
vez que as companhias estarão mais aptas a estabelecer um resultado colusivo (tácito ou
implícito).

1
Em prol da simplificação, neste capítulo, utilizaremos o termo “fusão” como sinônimo do termo mais
geral “concentração econômica”, utilizado nas legislações brasileira e europeia. Quando analisamos os
efeitos econômicos da concentração, a distinção entre um takeover hostil e uma fusão de comum acordo é
amplamente irrelevante, de modo que não se tratará de aquisições e takeovers em particular separadamente.
2
Na Europa, o início do controle de fusões deu-se em torno da mesma época, e o crescimento foi também
muito acelerado: entre setembro de 1990, quando entrou em vigor, ao final de 2000, mais de 1.500 fusões
foram revistas. Durante o período, apenas 13 foram bloqueadas. Em 2004, as regras de fusões foram revistas
na Europa, como será comentado adiante.
3
Fusões verticais, ou seja, entre empresas em operação e em estágios sucessivos do processo produtivo,
serão discutidas no Capítulo 6.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

Figura 5.1 Atos de concentração julgados pelo CADE.

A distinção entre efeitos unilaterais e pró-colusivos reflete a utilizada na política


de fusões dos Estados Unidos (onde a última é denominada efeitos coordenados). Lá,
uma fusão é avaliada de acordo com o teste de “redução substancial da concorrência”: o
que importa é se a fusão irá reduzir a concorrência e elevar preços. Essa orientação técnica
está presente tanto na legislação quanto na regulamentação da análise antitruste feita no
Brasil.4

A seção 5.4 fala sobre os remédios para fusões, qual sejam, as condições que as
autoridades antitruste devem requerer para corrigir possíveis efeitos anticompetitivos de
uma fusão. A seção 5.5 rapidamente discute as políticas de fusões europeia e brasileira e
alguns desenvolvimentos recentes. A seção 5.6 analisa dois estudos de caso.

5.2 – EFEITOS UNILATER AIS

Esta seção focaliza os efeitos unilaterais de uma fusão.5 Primeiro, mostra que uma
fusão provavelmente aumenta o poder de mercado das empresas que se fundem e decresce
tanto o excedente do consumidor quanto o total (seção 5.2.1). Depois enfatiza (seção
5.2.2) que, se uma fusão cria eficiência, o efeito líquido sobre bem-estar é ambíguo, uma

4
No Brasil, atualmente, coincide com o processo de Controle de Concentrações (Título VII, Capítulo I
“Dos Atos de Concentração”) da Lei 12.529/2011 e foi iniciado no país com a promulgação da Lei 8.884,
em 11 de junho de 1994.
5
Em termos técnicos, estamos comparando o equilíbrio não cooperativo de uma rodada na indústria antes
e depois da fusão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

vez que o aumento do poder de mercado pode ser contrabalançado pelo decréscimo de
preço proporcionado pelos ganhos de eficiência.

5.2.1 – Na ausência de eficiênci as, uma fusão aumentará poder de


mercado 6

Para entender por que uma fusão pode levar à possibilidade de que uma empresa
unilateralmente aumente seu poder de mercado, considere um simples exemplo. Imagine
que em uma cidade exista certo número de supermercados independentes. A concorrência
restringe o poder de mercado de cada loja: se uma delas tenta elevar preços de forma
significativa, muitos consumidores começarão a comprar em outras lojas. Antecipando
isso, a loja, ao considerar o aumento de preço, pensará duas vezes e preferirá não perder
clientes. Seu poder de mercado, quer dizer, sua habilidade de cobrar um preço mais
elevado dos consumidores, é, portanto, limitado pela presença da concorrência.

Tal poder de mercado, contudo, aumentará se duas ou mais lojas fundirem-se para
dar origem a uma cadeia de supermercados. Um aumento, agora, por parte da cadeia de
lojas no preço de cada produto vendido poderá ser lucrativo, porque o número de
concorrentes foi reduzido. Os consumidores terão de se deslocar por distâncias maiores
para encontrar lojas com preços mais baixos e muitos deles irão comprar nas lojas de
hábito, a despeito dos preços mais elevados.

Em geral, portanto, a fusão eleva (em algum grau) o poder de mercado das
empresas fusionadas, o que, por sua vez, eleva os preços.

Para sermos mais exatos, é preciso dizer que existe uma pequena diferença na
previsão acerca dos efeitos sobre os preços das fusões feitas por diferentes modelos na
literatura sobre economia industrial. Em particular, modelos que presumem que a variável
de decisão das empresas é preço predizem que os preços cobrados por ambas as

6
Para trabalhos em que as empresas escolhem quantidades (tecnicamente, suas decisões são substitutos
estratégicos), ver, por exemplo, Salant, Switzer e Reynolds (1983) e Farrell e Shapiro (1990). Para trabalhos
em que elas escolhem preços (isto é, as decisões são complementos estratégicos), ver Deneckere e Davidson
(1985).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

companhias fusionadas e pelas demais irão subir de forma convergente, enquanto


modelos que presumem que a variável de decisão é quantidade predizem que as
fusionadas irão reduzir a quantidade produzida (isto é, aumentar preços), enquanto as
demais empresas aumentarão a produção (isto é, reduzir preços). A diferença não é
importante, contudo, porque ambos os tipos de modelo preveem que o efeito geral da
fusão (na ausência de ganhos de eficiência) é reduzir o excedente do consumidor.7

O efeito de uma fusão sobre os lucros das concorrentes também desperta interesse.
O que talvez seja surpreendente para alguns leitores é que, na ausência de ganhos de
eficiência, a fusão beneficiará as demais empresas. Isso ocorre porque as fusionadas, ao
elevar preços e/ou reduzir produção, beneficiam as concorrentes.8 De fato, as rivais
podem ganhar mais que as envolvidas na fusão.9

Em suma, por conta do aumento de poder de mercado, fusões que não geram
ganhos de eficiência prejudicam os consumidores e a sociedade de maneira geral.10 Como
veremos na seção 5.2.3, a presença de ganhos de eficiência pode alterar esse resultado e
tornar uma fusão benéfica do ponto de vista do consumidor e do bem-estar total. Antes
de mostrar isso, no entanto, vamos discutir as variáveis que afetam a proporção em que
uma fusão pode aumentar poder de mercado.

5.2.2 – Variáveis que afetam o poder de mercado unilateralmente

A seção anterior explicou por que fusões – na ausência de ganhos de eficiência –


tendem a elevar poder de mercado. Contudo, inúmeras variáveis afetam o nível de poder

7
Veja, por exemplo, Farrell e Shapiro (1990) para o caso de competição por quantidades. Mesmo nos
modelos em que as empresas estabelecem quantidades, o aumento estabelecido pelas demais é compensado
pela queda da quantidade vendida pelas fusionadas.
8
Uma fusão pode ser vista como uma espécie de “bem público” (o preço elevado) proporcionado pelas
fusionadas, enquanto as demais empresas podem pegar carona na provisão do bem público.
9
Em modelos nos quais as empresas escolhem quantidades e não há efeitos de eficiências, as empresas
envolvidas na fusão podem sair perdendo; os lucros das fusionadas podem ser mais baixos que a soma dos
lucros que perfazem quando independentes.
10
Uma possível exceção para esse resultado pode surgir quando duas empresas pequenas se fundem. Nesse
caso (rapidamente discutido na próxima seção), o bem-estar total (não o do consumidor) pode aumentar
mesmo na ausência de ganhos de eficiência. No entanto, como veremos a seguir, autoridades antitruste
tipicamente não escrutinam fusões entre empresas com baixa participação de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

de mercado de empresas fusionadas. Se, por conta de características da indústria, espera-


se que o impacto real de uma fusão seja pequeno ou nulo, não haverá necessidade de
intervenção.11 Uma vez que tais características foram analisadas em profundidade quando
tratamos da avaliação de poder de mercado no Capítulo 3, seu tratamento aqui será breve.

Concentração. Outras coisas permanecendo iguais, quanto maior o número de


empresas independentes operando após a realização da fusão, menos provável o prejuízo
aos consumidores. A intuição para esse resultado é direta, já que a habilidade de as
fusionadas exercerem poder de mercado claramente dependem do número de
concorrentes. No caso de uma fusão para o monopólio, por exemplo, a empresa não
enfrentará qualquer restrição de competidores para suas decisões de preços. No outro
extremo, em uma indústria extremamente fragmentada, na qual cada empresa tem apenas
pequenas participações de mercado, o impacto de uma fusão no preço de mercado será
irrelevante.

Essa explicação nos fornece o racional para se utilizar um índice de concentração


como o HHI (Herfindahl-Hirschman Index),12 como primeiro recurso de filtragem para
efeitos unilaterais de fusões: ceteris paribus, deveríamos nos preocupar mais com uma
fusão em uma indústria altamente concentrada que com uma em uma indústria
fragmentada.

Pelas mesmas razões, e qualquer que seja o nível existente de concentração, deve-
se prestar mais atenção a uma fusão que aumente de forma sensível a concentração da
indústria que para uma que a aumente apenas marginalmente. Isso confere racionalidade
ao uso da proxy para a mudança provável na concentração (tal como Δ HHI, ou seja, a
diferença entre a concentração pós e pré-fusão) como recurso de filtragem adicional.

De acordo com o Guia de Fusões dos Estados Unidos, as agências de concorrência


americanas devem apoiar-se nesses dois índices para filtrar fusões e decidir quais devem

11
Todo pequeno ganho de eficiência pode contrabalançar o possível efeito negativo do poder de mercado
quando muito pequeno.
12
O HHI é o índice-padrão de concentração e o mais comumente utilizado em análises antitruste. E
conferido pela soma dos quadrados das participações de mercado das empresas do setor. Pode variar entre
zero, quando o mercado é inteiramente fragmentado (cada empresa com uma participação próxima de zero)
e 10 mil, quando apenas uma empresa do setor possui 100% do mercado. O índice assume valores entre 0
e 1 se frações forem utilizadas no lugar de porcentagens.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

mais provavelmente trazer consequências competitivas adversas.13 Se um HHI pós-fusão


for menor que 1.000 (baixa concentração), a fusão será aprovada.14 Se o HHI for entre
1.000 e 1.800 (concentração moderada), a fusão será aprovada desde que não resulte em
uma concentração de mais de 100 pontos. Se o HHI pós-fusão for maior que 1.800 (alta
concentração), a fusão não será contestada apenas se aumentar a concentração em menos
de 50 pontos. Em todos os outros casos, a fusão “levanta significativas preocupações
concorrenciais” e provavelmente será investigada.

Participações de mercado e capacidade instalada. Outro indicador simples, mas


útil do provável poder de mercado a ser criado pela fusão é fornecido pelas participações
de mercado. Farrell e Shapiro (1990), por exemplo, mostram que, quanto menor as
participações de mercado das fusionadas, menos prejudicial será o efeito sobre os preços
de mercado. Além disso, uma fusão entre pequenas empresas pode elevar o bem-estar
mesmo na ausência de ganhos de eficiência.15 Em um modelo com base em Perry e Porter
(1985), McAfee e Williams (1992) observaram que fusões que resultam em uma empresa
nova maior e as que aumentam o tamanho da empresa já de grande porte sempre reduzem
o bem-estar. Esses achados justificam a utilização de participação de mercado das
empresas em fusão como outro possível recurso de filtragem no controle de fusões. Se a
fusão envolve companhias com baixa participação de mercado, é improvável que surjam
efeitos negativos.

A análise de capacidade produtiva também é muito importante. A habilidade de


qualquer empresa em elevar preços é limitada pela existência de concorrentes, para os
quais os consumidores podem migrar. É, portanto, crucial que se trate de competidores
efetivos e capazes de atender à demanda adicional que se dirige para eles. Assim, outras

13
Veja “US Merger Guidelines” (seção 1.5). Na prática, contudo, as agências americanas não aplicam esses
limiares estritamente.
14
O HHI pós-fusão é computado pela suposição de que cada empresa mantenha a mesma participação de
mercado anterior à fusão e que as fusionadas simplesmente tenham a soma de suas participações pré-fusão.
15
Em termos técnicos, isso se dá porque, sob competição de Cournot (substitutos estratégicos), as demais
empresas reagem à menor quantidade de companhias envolvidas na fusão, aumentando sua própria
produção. Quando as fusionadas são pequenas, a redução da produção pode ser de menor ordem que a
expansão da produção das empresas maiores não envolvidas na fusão. A existência de assimetrias abre a
possibilidade de que uma fusão possa elevar o bem-estar em circunstâncias muito particulares. Por exemplo,
se as demais empresas forem mais eficientes que as fusionadas, a fusão realocará a produção para fora,
também um efeito gerador de bem-estar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

coisas mais constantes, quanto maior a capacidade ociosa das concorrentes, menos
provável que as fusionadas exerçam poder de mercado.16

Entrada. A habilidade de as empresas elevarem preços depois de uma fusão é


também limitada pela existência de entrantes potenciais.17 As companhias que
considerariam não lucrativo entrar na indústria no nível de preços pré-fusão podem
decidir entrar caso a fusão gere preços mais elevados ou quantidades menores.18 Ao
antecipar esse efeito, os preços pós-fusão não aumentarão; caso aconteça, o aumento será
transitório. Até que ponto entrantes potenciais restringem o poder de mercado de
participantes correntes na indústria depende dos custos fixos afundados. Quanto maiores
(e mais afundados, isto é, comprometidos com aquela indústria e não recuperáveis) os
custos nos quais um entrante precisará incorrer, maior o escopo do aumento de preços.19

A avaliação da probabilidade de entrada envolve algumas dificuldades. As


autoridades antitruste têm de julgar se há empresas que consideram entrar no mercado, a
probabilidade da entrada, as possíveis barreiras que enfrentarão20 e quanto tempo deverá
levar para a entrada acontecer (quanto mais tempo, maior o prejuízo para os consumidores
e para o bem-estar social). Todos esses elementos são reconhecidos pela análise antitruste
realizada pelo DoJ, pela Comissão Europeia e pelo CADE no Brasil.21

16
Considerações similares se aplicam à disponibilidade de matéria-prima, reservas ou outros insumos
indispensáveis.
17
A teoria dos mercados contestáveis (ver Capítulo 2) tem o mérito de ter enfatizado o papel dos entrantes
potenciais para restringir o poder de mercado dos incumbentes.
18
A entrada pode também tomar a forma de importações. Se, após uma fusão, os preços sobem, a
competitividade das empresas estrangeiras irá aumentar. Como resultado, as importações poderão
disciplinar o mercado da mesma forma que entrantes locais.
19
Veja Werden e Froeb (1998) para um estudo que levanta algumas dúvidas sobre a possibilidade de que a
entrada venha a reduzir ou eliminar os efeitos anticompetitivos de fusões.
20
As barreiras à entrada podem ser tecnológicas (know-how a ser aprendido, mas também patentes
protegidas pelas empresas existentes), administrativas (caso sejam necessárias licenças ou permissões do
governo para operar no mercado), ligadas ao mercado financeiro e assim por diante. Custos de transferência
por parte dos consumidores de várias naturezas ou efeitos de rede (ver o Capítulo 2) podem também ser
obstáculos para novos entrantes.
21
A Resolução 2/2012 do CADE estabelece o rol de questões às quais as empresas que submetem fusões à
aprovação devem responder para que as autoridades avaliem as possibilidades de entrada e barreiras a
entrantes, entre outros fatores. Como ilustração, confira os seguintes itens do questionário: “IX.16. Caso
alguma das partes tenha entrado em algum(ns) mercado(s) relevante(s) indicado(s) no item V.5, nos últimos
cinco anos, forneça uma análise das barreiras à entrada com a qual se deparou e quantifique os custos dessa
entrada (não exclusivamente em termos do montante investido e da escala de produção).” e “IX.9.
Considerando as informações prestadas nos itens IX.8, para cada mercado relevante indicado no item V.5,
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

Variáveis de demanda. Evidentemente, não apenas variáveis de oferta, mas


também de demanda, devem ser consideradas para se compreender até que ponto as
empresas que se fundem podem dispor de poder de mercado. Em indústrias caracterizadas
por custos de transferência muito elevados, os consumidores não conseguem trocar
facilmente de provedores, que, por conta disso, desfrutarão de poder de mercado. Mais
genericamente, quanto menor a elasticidade da demanda do mercado, maior o escopo para
a elevação de preços.

Poder de barganha dos compradores. Como discutido no Capítulo 3, a habilidade


das fusionadas para cobrar preços elevados também depende do grau de concentração dos
compradores. Compradores fortes podem restringir o poder de mercado, ameaçando
retirar pedidos de um vendedor e passá-los a outro ou verticalizando para cima.

Defesa da empresa pré-falimentar. Para decidir se uma fusão é aceitável, é


importante compreender o que poderá acontecer depois que ela ocorrer – será que a
entrada, o poder de compra, os fatores de demanda restringirão a habilidade de as
empresas fusionadas aumentarem preços? Mas também é relevante avaliar o que ocorreria
caso a fusão não ocorresse. Suponha que a fusão envolva uma empresa em situação pré-
falimentar, ou seja, que, na ausência da fusão, não terá capacidade de sobreviver na
indústria. Nesse caso, a situação ex post fusão deve ser comparada não com a situação ex
ante fusão, mas com o cenário que se apresentar depois que a empresa pré-falimentar
tiver deixado o mercado.

A defesa da empresa pré-falimentar é claramente estabelecida no US Merger


Guidelines (Guia de Fusões dos Estados Unidos), no qual uma fusão anticompetitiva pode
ser aceita com base nessa defesa se: 1) a empresa pré-falimentar for incapaz de resolver
suas obrigações financeiras no futuro próximo; 2) não for capaz de se reorganizar de
forma bem-sucedida de acordo com a legislação de falências (Capítulo 1.3) não houver
compradores alternativos dispostos a adquirir a empresa e manter os ativos tangíveis e
intangíveis relevantes no mercado, gerando menores efeitos anticompetitivos com relação

informar o tempo necessário para se efetivar uma entrada completa, desde a fase de planejamento até o
início das atividades do entrante”.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

à fusão proposta; e 4) na ausência da fusão, os ativos da empresa pré-falimentar deixarem


o mercado.

A tese está também incorporada à jurisprudência brasileira.22

As duas primeiras condições requerem que a empresa pré-falimentar tenha não


apenas problemas de curto prazo, mas que seja inviável no médio e longo prazos. As
outras condições requerem que a fusão proposta seja o único (e melhor) modo de manter
os ativos da empresa em uso produtivo.

Vejamos agora o caso em que a fusão envolve ganhos de eficiência.

22
O argumento da empresa em situação pré-falimentar foi levantado pela primeira vez em 1998, por ocasião
do exame da operação de aquisição da Metal Leve pela Mahle e a Magneti Marelli. A Mahle, tradicional
empresa brasileira de autopeças, encontrava-se em decadência, não mais fazia os investimentos necessários
para permanecer ativa na indústria nem realizava melhorias tecnológicas. Para aplicar o argumento da
empresa pré-falimentar (failing firm), seria necessário não apenas que a empresa estivesse em uma situação
de falência, mas também que a adquirente fosse a única compradora disponível. A conselheira-relatora
realizou diligência para verificar se, antes de realizada a operação, o negócio fora oferecido ao mercado.
De fato, antes de realizar a operação, houve a tentativa de realização de um leilão das ações da Metal Leve
na cidade de Nova York. No entanto, não houve qualquer proposta firme. No voto condutor, reforçou-se o
princípio de que a tese de empresa pré-falimentar é compatível com o objetivo de eficiência, porque, na
ausência da aquisição, a capacidade utilizada e a produção no mercado cairiam. A aquisição da Metal Leve
levaria a empresa Mahle a apresentar um significativo poder de mercado, mas também geraria eficiências,
como ganhos de escala, devido ao fato de maior capacidade produtiva ser utilizada no mercado. Apesar de
a empresa Metal Leve realmente vir apresentando um quadro de flagrante deterioração financeira e
patrimonial antes da aquisição (as perdas, em 1995, chegaram a US$18,7 milhões, uma rentabilidade
negativa do patrimônio de 11%, e, em 1996, ter tido um prejuízo líquido em torno de US$52 milhões,
levando a uma rentabilidade negativa de 44,6% sobre o patrimônio), o CADE entendeu que a tese da
empresa pré-falimentar não deveria ser utilizada nesse caso, a não ser apenas como forma de uma análise
análoga e subsidiária, já que não foi possível provar, por exemplo, que a empresa não seria capaz de honrar
seus compromissos. Foi concluído que não havia elementos suficientes para considerar que a empresa Metal
Leve encontrava-se em uma situação pré-falimentar. Além disso, argumentou-se ainda que, com relação à
produção de camisas, realizadas pelas Mahle e Cofap, não seria possível aplicar o argumento nem de forma
análoga, apenas aos mercados de pistões e sinterizados nos quais opera a Metal Leve. O caso foi aprovado
no que se refere aos mercados relevantes de pistões e peças sinterizadas, mas não foi aprovado por maioria
em relação ao mercado relevante de camisas de pistões. O caso foi julgado em 12 de agosto de 1998.
Posteriormente, a tese foi utilizada na aquisição pela Votorantim dos direitos minerários da empresa Massa
Falida de Mineração, atividades principais no mercado de zinco, (AC n. 08012.014340/2007-75). Em 1997,
a mineradora entrou em processo de falência, e todas as empresas componentes do grupo ao qual pertencia
encontravam-se falidas, com suas atividades paralisadas. A tese foi levantada pela requerente e aceita pelo
CADE em suas razões de decisão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

5.2.3 – Ganhos de eficiência

Na falta de ganhos de eficiência, deve-se supor que uma fusão reduza tanto o
excedente do consumidor como o bem-estar total. Não obstante, é bem estabelecido na
literatura sobre economia que ganhos de eficiência podem contrabalançar o poder de
mercado reforçado de empresas que se fundem e elevar o bem-estar, pois a fusão pode
levar as fusionadas a se tornarem mais eficientes e pouparem custos unitários. Se essas
economias forem grandes o suficiente, irão contrabalançar o aumento do poder de
mercado e resultar em preços mais baixos, em benefício dos consumidores.

Para melhor ilustrar as forças opostas em funcionamento, considere novamente o


exemplo anterior, em que dois ou mais supermercados se fundiram em uma mesma
cidade. A fusão os levou a exercerem mais poder de mercado. Na falta de ganhos de
eficiência, a nova rede de supermercados passou a achar lucrativo cobrar preços mais
elevados. Mas considere agora o caso em que a fusão permite às partes racionalizar suas
atividades, organizar melhor sua rede de transporte e assim por diante. Nesse caso, a fusão
permite que as operações da cadeia de supermercados transcorram de forma mais
eficiente, de modo que haverá economia de custos unitários.

A empresa fusionada agora ainda pode, é claro, elevar seus preços (as vendas
podem cair, mas o mark-up crescerá por conta do aumento de preço e por causa dos custos
menores). Essa estratégia seria lucrativa, pois, como tínhamos visto, já o seria mesmo na
ausência de redução de custos. No entanto, não é mais necessariamente ótima (ou seja, a
estratégia mais lucrativa). De fato, por conta dos ganhos de eficiência, outra estratégia
lucrativa pode ser, agora, reduzir preços e atrair novos consumidores. Por exemplo, no
caso em que preços e custos unitários decrescem proporcionalmente, o mark-up unitário
seria exatamente o mesmo de antes da fusão, mas os lucros totais seriam mais altos, na
medida em que os preços menores aumentam a demanda da rede de supermercados.

Em geral, portanto, com ganhos de eficiência as fusionadas têm duas formas


possíveis de aumentar seus lucros: subindo preços (reduzindo vendas) ou reduzindo
preços (aumentando vendas). Não podemos dizer a priori qual dessas formas é a mais
lucrativa, mas quanto maiores os ganhos de eficiência, mais provável que o segundo efeito
venha a dominar. Se os ganhos de eficiência forem grandes o suficiente, as empresas
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

envolvidas na fusão reduzirão seus preços de venda e tanto o bem-estar do consumidor


quanto o total crescerão.

O efeito dos ganhos de eficiência nos lucros das empresas externas à fusão. Deve-
se notar que o impacto da fusão na distribuição dos lucros das empresas pode ser muito
diferente quando há ganhos de eficiência. Na realidade, ao contrário de quando não há
ganhos de eficiência, as empresas externas à fusão perderão com a operação agora e se
oporão quando a fusão permitir às empresas envolvidas cortar custos. Intuitivamente, isso
se dá porque a fusão altera as posições competitivas das empresas do setor em detrimento
das externas.

A análise dos efeitos da fusão revela, assim, que os lucros das concorrentes
diminuirão quando a fusão tiver um efeito positivo sobre o bem-estar, especificamente
quando existirem ganhos de eficiência grandes o bastante. Essa ideia levou Eckbo (1983)
a olhar para o impacto do anúncio de fusões sobre o preço de mercado de ações de
empresas externas à operação para ter uma indicação da relevância dos ganhos de
eficiência. Se os preços das ações dos concorrentes caíssem, significaria que os analistas
de mercado e observadores anteciparam a existência de eficiências na fusão. Por sua vez,
isso deveria implicar que a fusão iria aumentar o excedente do consumidor e o total. Se,
ao contrário, os preços das ações dos competidores subissem, deveriam se esperar ganhos
de eficiência mínimos ou ausentes, e, como consequência, uma fusão prejudicial ao bem-
estar.23

Não obstante, esse método encontra dificuldades. Em primeiro lugar, presume que
o preço das ações antecipe corretamente os efeitos da fusão, o que implica, entre outros
fatores, que também é capaz de avaliar alegações de ganhos de eficiência feitas pelas
partes em fusão (que, com frequência, exageram a lucratividade). Em segundo lugar, o
anúncio formal da fusão pode ser seguido de um período de especulação sobre a
probabilidade de que a operação venha a ocorrer, de modo que se devem considerar
correções com relação a essa primeira fase. Em terceiro lugar, choques exógenos
relacionados com a lucratividade do setor ou com a economia como um todo podem ter

23
Para uma avaliação da política de fusões europeia usando esse teste, ver Neven e Röller (2002).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

impacto sobre os preços das ações das empresas.24 Em quarto lugar, a resposta da bolsa
de valores ao anúncio de uma fusão pode também ser afetada pelas expectativas das
decisões das autoridades antitruste. Suponha que exista uma expectativa correta de que a
fusão envolva ganhos de eficiência, mas que também exista a antecipação de que as
autoridades antitruste não autorizarão a operação (talvez porque não levem em conta
adequadamente os ganhos de eficiência, o que pode ter sido o caso na União Europeia
por muito tempo). Nessa situação, os preços das ações dos concorrentes não irão decrescer
e poderão até mesmo subir, na expectativa dos custos regulatórios incorridos pelas partes
na fusão.

O resultado dos aumentos de bem-estar e decréscimo dos lucros das empresas


externas quando os ganhos de eficiência são grandes devem também ter outra implicação
importante sobre o peso que as autoridades antitruste colocam sobre as informações que
recebem das partes interessadas. Claramente, alegações das concorrentes de que a fusão
será anticompetitiva devem ser recebidas com grande ceticismo por parte das autoridades.
O fato de que elas reclamem de uma fusão provavelmente sinaliza que deve haver
significativos ganhos de eficiência. No mínimo, a reivindicação deve ser considerada um
primeiro indicador de que a fusão irá aumentar o bem-estar!25 Em suma, enquanto
compradores e consumidores finais têm incentivo para reclamar quando as fusões têm a
probabilidade de elevar preços (e, portanto, reduzir bem-estar), o oposto com frequência
será verdade no que tange às concorrentes. As autoridades antitruste devem,
consequentemente, escrutinar essas reivindicações com extremo cuidado.

A natureza dos ganhos de eficiência e sua avaliação. Até agora, fomos vagos
quanto às fontes de possíveis ganhos de eficiência. Há várias razões para que as empresas
que combinam seus ativos venham a reduzir custos. A mais óbvia é a existência de

24
Eventos e também declarações públicas relacionadas com fusões podem afetar os preços das ações.
Considere o caso em que os executivos de empresas em processo de fusão declaram publicamente que, após
a conclusão da operação, vão atuar mais agressivamente e poderão aumentar a participação de mercado.
Mesmo que a fusão não implique, de fato, eficiências, essa declaração poderá afetar as expectativas do
mercado, e os preços das ações dos concorrentes podem sofrer queda em antecipação a um ambiente de
concorrência mais acirrado.
25
É claro que esse não é sempre o caso. Suponha que haja uma fusão vertical que tenda a bloquear o
mercado para as concorrentes. Nesse caso, elas irão reivindicar, mas a fusão poderá também reduzir o
excedente do consumidor e o bem-estar total. No Capítulo 6, trataremos de bloqueio de mercado em fusões,
situação rara, e das condições que devem ser preenchidas para que uma fusão vertical seja prejudicial.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

economias de escala e economias de escopo. Em consequência de uma fusão, as


companhias podem organizar sua produção de modo a aperfeiçoar a divisão de trabalho
e obter economias de escala; ou beneficiarem-se de custos menores em função da
produção conjunta. Outros possíveis ganhos podem advir das sinergias em pesquisa e
desenvolvimento, racionalização das atividades de distribuição e marketing e economias
de custo em administração. Outro argumento de eficiência possível é que as aquisições
podem aumentar a eficiência ao substituir executivos menos capazes por outros mais bem
preparados. Contudo, os estudos empíricos não fornecem amparo para essa teoria da
“disciplina gerencial”.26

Do ponto de vista teórico, deve-se traçar uma distinção entre economias de custo
que irão afetar diretamente os custos variáveis de produção e as que principalmente
afetarão os custos fixos. O primeiro tipo de ganhos de eficiência tem, possivelmente, um
impacto direto nos preços, enquanto o segundo afetaria custos fixos (ou seja,
independentemente do volume de produção) e, portanto, não modificaria as decisões de
preço das empresas (que dependem apenas dos custos variáveis). Ganhos de eficiência
em custos fixos podem, mesmo assim, ainda gerar efeitos positivos sobre bem-estar, mas
adviriam apenas do aumento de lucros em função da menor duplicação de custos fixos,
já que o excedente do consumidor permaneceria constante. Se as autoridades de defesa
da concorrência atribuírem um elevado peso ao bem-estar do consumidor ou a legislação
concorrencial requerer que os ganhos de eficiência sejam, ao menos em parte, repassados
para os consumidores, os ganhos de eficiência que advêm sobretudo de economias em
custos fixos deverão ser vistos de forma menos favorável.27

26
McGuckin e Nguyen (1995) encontraram resultados discrepantes na análise de um painel de 28 mil
plantas no período entre 1977 e 1987. Por um lado, uma mudança na propriedade é geralmente associada à
transferência de plantas com produtividade acima da média. Por outro, depois da mudança de propriedade,
as plantas transferidas mostram maior produtividade. Matsusaka (1993) estudou a resposta do mercado
financeiro a anúncios de aquisições e relatou que o mercado responde positivamente a compradores que
mantêm a gerência das companhias adquiridas, mas negativamente aos compradores que trocam as
gerências, sugerindo que o mercado não gosta de takeovers com o objetivo de disciplinar a gerência de
companhias alvos de aquisição.
27
Fusões, tratadas na legislação brasileira pela denominação mais geral de “atos de concentração
econômica”, são regidos pelas regras do art. 88 da Lei 12.529/2011, que estabelece que serão proibidos ou
passíveis de aprovação nas seguintes condições: “... § 5o: Serão proibidos os atos de concentração que
impliquem eliminação da concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou
reforçar uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante de bens ou
serviços, ressalvado o disposto no § 6o deste artigo. § 6o: Os atos a que se refere o § 5o deste artigo poderão
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

O US Merger Guidelines chega a uma conclusão similar, embora por razões


distintas, sobre por que eficiências derivadas de racionalização técnica são mais fáceis de
demonstrar que as obtidas pela redução de custos administrativos, economias com pessoal
e outros gastos fixos.28

Além disso, argumentos de eficiências devem ser aceitos apenas se as economias


de custos obtidas com a fusão não puderem ser alcançadas de outra forma. Se as empresas
alegam que a fusão gerará ganhos de eficiência porque reduzirá custos de pessoal, pode-
se conjecturar sobre se as mesmas economias não poderiam ser realizadas sem a fusão.
Quando os ganhos de eficiência podem ser obtidos sem a fusão, não devem ser aceitos
como argumento de eficiência em defesa da fusão, pois seriam alcançados mesmo sem a
redução do número de concorrentes independentes.

Farrell e Shapiro (2001) discutem minuciosamente como analisar ganhos de


eficiência em fusões horizontais, baseando-se nos resultados do modelo que estudaram
em Farrell e Shapiro (1990). Eles argumentam que são as sinergias – definidas como
eficiências obtidas por “uma integração próxima entre ativos únicos das partes, de difícil
comercialização” – que as autoridades antitruste devem recepcionar positivamente de
forma particular, enquanto as eficiências “não sinérgicas”, como a mera reorganização da
produção entre estabelecimentos das fusionadas, devem ser encaradas com ceticismo.
Isso porque essas últimas dificilmente poderão contrabalançar o efeito negativo do

ser autorizados, desde que sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes
objetivos:
I – Cumulada ou alternativamente:
a) Aumentar a produtividade ou a competitividade.
b) Melhorar a qualidade de bens ou serviços.
c) Propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.
II – Sejam repassados aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.”
Note-se a importância, no marco brasileiro, do compartilhamento dos benefícios gerados pela operação
entre as empresas e os consumidores. Em termos teóricos, pode-se presumir a prevalência do excedente do
consumidor, nos termos do arcabouço de análise proposto por Farrell e Shapiro (1990) como referência
para a aprovação de fusões. Assim, para que sejam passíveis de aprovação, fusões (atos de concentração)
que eliminem a concorrência precisam apresentar ganhos de eficiência tangíveis, como os elencados nos
incisos a, b e c, e ainda compartilhar parcela significativa dos benefícios com os consumidores (o que,
pondera-se, só é possível ocorrer se houver preservação de concorrência no mercado, na forma de rivalidade
ou possibilidade de entrada). Assim, as condições legais para aprovação de atos de concentração no Brasil
são claras, mas, decerto, bastante estritas.
28
US Merger Guidelines, seção 4.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

aumento do poder de mercado29 e podem, com frequência, serem obtidas sem recorrer a
uma fusão. De fato, os autores salientam a importância de compreender a probabilidade
de obter as eficiências alegadas na inocorrência da fusão, ou seja, pelo crescimento
interno, e argumentam que apenas sinergias não obtidas unilateralmente devem ser
consideradas.30 Além disso, se ganhos de eficiências “não sinérgicas” têm a possibilidade
de atingir considerável magnitude, uma empresa terá forte incentivo para persegui-los
unilateralmente, o que, por sua vez, significa que serão menos provavelmente específicos
de fusões.

Informação assimétrica. Uma questão crucial na discussão sobre ganhos de


eficiência é a avaliação da probabilidade de ganhos de uma fusão. Há, em geral,
informações assimétricas entre a autoridade concorrencial e as partes em fusão,
claramente mais bem informadas sobre a estrutura de produção e o funcionamento do
mercado. Quando os ganhos de eficiência são um determinante crucial na decisão sobre
a proibição ou aceitação de uma fusão, é claro que as partes têm um incentivo para
exagerar nas alegações de eficiência.31 Por outro lado, e por razões opostas, as
concorrentes que temem que a fusão possa desafiar suas posições competitivas têm um
incentivo para subestimar os ganhos de eficiência da fusão. As agências deveriam recorrer
a estudos independentes para tentar avaliar considerações de eficiência.32

Ponderando considerações de eficiência e poder de mercado. Finalmente, mesmo


que pareçam existir ganhos de eficiência (e que sejam específicos da fusão), deve-se
avaliar se são suficientemente grandes para levar a um efeito positivo sobre o excedente
do consumidor e o total. Na prática, computar o resultado líquido provável entre efeitos
de eficiência e poder de mercado é uma operação muito difícil, mas, certamente, quanto

29
Note, contudo, que Farrell e Shapiro (2001) baseiam sua discussão principalmente no suposto de que o
excedente do consumidor, não o total, seja o objetivo da política de concorrência. Isso significa que o lucro
das empresas não é levado em consideração.
30
Eles também advertem contra o perigo de se cair em duas posições extremas e opostas. A primeira, a de
que sempre existem contratos que permitem que as empresas repliquem economias de custos obtidas por
fusões (ou seja, nenhuma eficiência seria realmente específica de fusões). A outra, se fosse possível obter
um ganho de eficiência sem a fusão, a empresa já o teria feito.
31
Partes em fusão frequentemente têm genuína tendência a exagerar os benefícios de seus ativos e
atividades combinadas. Mesmo documentos estritamente internos e confidenciais em geral reportam
avaliações muito otimistas sobre os ganhos de eficiência a serem obtidos com a fusão.
32
Neven, Nuttall e Seabright (1993) sugerem que a Comissão Europeia crie uma unidade de auditores
dentro da área de análise de fusões para avaliar ganhos de eficiência de fusões.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

mais forte a possibilidade de que a fusão permita às partes exercer alto poder de mercado,
maiores devem ser os ganhos de eficiência requeridos pelas autoridades para permiti-la.

Veja Modelando efeitos unilaterais de fusões no Quadro 5.1 e Um modelo mais


geral no Quadro 5.2 anexos no material complementar deste capítulo.

5.3 – “REMÉDIOS” ADOTADOS PARA FUSÕES

Uma autoridade antitruste (AA) deve aprovar uma fusão apenas se certos
“remédios” forem adotados pelas empresas em fusão.33 Não se trata de um evento
incomum: em considerável proporção, as fusões revistas pela Comissão Europeia e pelo
CADE são aprovadas após remédios terem sido oferecidos pelas partes (de acordo com
os procedimentos europeus) ou impostos pelo CADE (de acordo com a legislação
brasileira).34

Remédios para fusões recaem em duas categorias: (i) remédios estruturais


modificam a alocação dos direitos de propriedade: incluem alienações completas ou
parciais de negócios em andamento; e (ii) remédios comportamentais estabelecem
restrições para os direitos de propriedade das fusionadas: consistem em compromissos
das partes em fusão de não abusar de certos ativos disponíveis nem de fazer uso de
específicos arranjos contratuais.

33
Esta seção segue muito de perto Motta, Polo e Vasconcelos (2002).
34
A Lei 12.529/2011 estabelece claramente as formas que podem assumir os remédios estruturais e
comportamentais em fusões, conforme o art. 61: “No julgamento do pedido de aprovação do ato de
concentração econômica, o Tribunal poderá aprová-lo integralmente, rejeitá-lo ou aprová-lo parcialmente,
caso em que determinará as restrições que deverão ser observadas como condição para a validade e eficácia
do ato.
§ 1º O Tribunal determinará as restrições cabíveis no sentido de mitigar os eventuais efeitos nocivos do ato
de concentração sobre os mercados relevantes afetados.
§ 2º As restrições mencionadas no § 1º deste artigo incluem:
I – A venda de ativos ou de um conjunto de ativos que constitua atividade empresarial.
II – A cisão de sociedade.
III – A alienação de controle societário.
IV – A separação contábil ou jurídica de atividades.
V – O licenciamento compulsório de direitos de propriedade intelectual.
VI – Qualquer outro ato ou providência necessária para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem
econômica.”
O inciso VI indica a possibilidade de imposição de remédios comportamentais ou mistos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

É claro que nem todos os diferentes remédios são aplicáveis a todas as fusões.
Eles tipicamente diferem também com relação ao grau de envolvimento requerido de
parte da AA. Remédios comportamentais usualmente requerem monitoramento continuo
pelas autoridades, enquanto os estruturais não. Por outro lado, remédios estruturais podem
ser mais arriscados, por serem irreversíveis: se a alienação de certos ativos for mal
escolhida ou se os ativos caírem nas mãos de um mal comprador, os danos concorrenciais
não poderão ser desfeitos.

A seguir, revemos os principais aspectos da política de remédios para fusões,


fazendo, ocasionalmente, referência a casos concretos.35

5.3.1 – Alienações

Quando duas empresas se fundem, pode haver substanciais sobreposições em


áreas geográficas particulares e/ou linhas de negócios. Considerando que uma fusão não
cria problemas globais, as AAs devem também evitar efeitos anticompetitivos nesses
mercados particulares, e a seleção de ativos para alienação costuma ser o remédio natural
para solucionar esse problema.

Ativos alienados podem ser adquiridos por uma nova empresa ou por um
competidor existente. Em ambos os eventos, a AA deve assegurar que o adquirente seja
um competidor ativo no mercado. Para esse fim, o adquirente deve comprar “todos os
elementos necessários do negócio para atuar como um competidor viável no mercado:
ativos tangíveis (como atividades de P&D, produção, distribuição, vendas e marketing) e
intangíveis (como propriedade intelectual e clientela), pessoal, acordos de suprimento e
vendas (com garantias apropriadas sobre transferência), listas de clientes, acordos de
serviços de terceiros, assistência técnica (escopo, duração, custo, qualidade) e assim por
diante”.36

35
A experiência americana, reportada no relatório “FTC Divestiture Report”, de 1999 (Federal Trade
Commission, 1999), influenciou consideravelmente a experiência europeia, reportada em Commission
Notice on Remedies, de Parker e Balto (2000) e a experiência brasileira, aqui comentada.
36
Commission Notice and Remedies, p. 46.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

Em alguns casos, graças à existência de economias de escopo ou efeitos de rede,


ter um concorrente efetivo nos mercados afetados pode requerer, das partes em fusão, a
alienação de ativos que não provoque preocupações concorrenciais.37

Quando o adquirente dos ativos alienados já é uma empresa ativa no mercado, a


alienação pode ser restrita a ativos particulares que possam integrar o negócio do
adquirente. No entanto, essa abordagem “combinada” pode criar um risco adicional à
viabilidade e à eficiência do negócio resultante: o estudo da FTC revela que a
probabilidade da entrada bem-sucedida é muito maior quando um negócio em andamento
é completamente alienado, enquanto a entrada é muito mais problemática no caso de
alienação de ativos selecionados (PARKER e BALTO, 2000).38

5.3.1.1 – Problemas com alienação

Remédios estruturais são frequentemente as melhores medidas corretivas para


fusões potencialmente anticoncorrenciais, mas não são isentas de problemas (PARKER
e BALTO, 2000).

37
A FTC com frequência requer a alienação de um conjunto de ativos maior que aqueles que participaram
do mercado em sobreposição no caso de ativos acessórios serem necessários para replicar economias de
escala e escopo, sem as quais a concorrência não poderá ser restaurada. Veja Parker e Balto (2000). A
mesma prática foi seguida pela Comissão Europeia em alguns casos, como Unilever/Bestfoods e Total
Fina/Elf Aquitaine.
38
O relatório da FTC era absolutamente recente quando serviu de referência para o parecer da antiga
Secretaria de Direito Econômico – atual Superintendência Geral do CADE, em sua análise da fusão entre
a Antarctica e a Brahma, que deram origem à Ambev, no ano 2000. Seguindo a análise sugerida pela FTC,
a SDE recomendava ao CADE a alienação completa de um negócio, um conjunto de ativos que permitisse
a um novo concorrente se estabelecer no mercado, caso o CADE entendesse pela aprovação da operação,
em virtude da presença de eficiências compensatórias. A decisão final revelou-se mais tímida que a
recomendação técnica, tanto que a compradora dos ativos, a empresa Molson, de origem canadense,
adquirente da marca Bavária e das cinco plantas colocadas à venda, não conseguiu se estabelecer como
concorrente viável no mercado, terminando por encerrar suas atividades no país em 2005, após anos
consecutivos de prejuízo e perda de participação de mercado. Em MCI WorldCom/Sprint, a Comissão
Europeia entendeu que a fusão, envolvendo o provedor mundial de conexão com a internet (MCI
WorldCom) e um de seus maiores concorrentes, Sprint, resultaria na criação de uma posição dominante no
mercado de internet universal de conectividade de alto nível. As partes propuseram a alienação do negócio
de internet da Sprint, mas a Comissão não aceitou o remédio, pois argumentou que esse era completamente
interligado aos outros negócios de telecomunicações da empresa, e a separação não permitiria que a Sprint
se constituísse como competidor forte e viável da entidade fusionada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

Em primeiro lugar, as partes fusionadas têm todos os incentivos para se assegurar


de que o comprador dos ativos alienados não seja uma empresa competitiva. O vendedor,
portanto, tentará reduzir o valor (transferindo pessoal de valor, eliminando certas marcas,
patentes ou atividades ou não mantendo adequadamente as plantas de produção ou as
instalações de lojas) e poderá usar critérios muito diferentes dos utilizados pela AA para
selecionar o comprador. Isso significa que a AA deve se certificar de que o vendedor não
se engaje em atividades que possam reduzir o valor dos ativos ou ocultar vendas e deve
manter controle sobre a identidade do comprador.39

Em segundo lugar, o estudo dos efeitos ex post de fusões, realizado pela FTC,
enfatiza o significado das assimetrias de informações entre o vendedor e o comprador.
Quando este último ainda não está operando na indústria, pode não saber quais os ativos
cruciais para ser um competidor efetivo no setor e terminar com um pacote de ativos
aquém do necessário para obter sucesso no mercado.40

Em terceiro lugar, sempre que algumas relações são necessárias entre vendedor e
comprador dos ativos alienados (como exemplo, o comprador precisa de suprimento de
certos insumos ou de assistência técnica), o remédio é incapaz de restaurar a concorrência.
No estudo da FTC, em 13 dos 19 casos revistos nos quais existia tal relação, o comprador
não conseguiu operar eficientemente ou ocorreu colusão entre as duas empresas
(PARKER e BALTO, 2000).

Em quarto lugar, é obvio que as partes fusionadas têm todos os incentivos para
selecionar o comprador que não desafie suas posições de mercado, mas – talvez seja
menos óbvio – não está claro que o comprador que pretenda ser um feroz concorrente vá
terminar com os ativos alienados. Suponha que existam dois compradores potenciais,
idênticos em outros aspectos, mas muito diferentes nas atitudes no mercado. Um planeja
usar uma política de preços branda ou estabelecer conluio (tácito ou aberto) com o
vendedor. O outro planeja uma estratégia de preços agressiva. É provável que o lucro

39
As figuras do “curador mantido em separado” (trustee) ou “curador da alienação” podem substituir o
papel da autoridade. Está incorporado à Regulação de Fusões europeia atualizada (Council Regulation Nº
139/2004).
40
O problema se torna mais sério pelo fato de que o vendedor tem todos os incentivos para projetar um
pacote que não inclua os ativos corretos (do ponto de vista do concorrente), e de que a autoridade de defesa
da concorrência não é um regulador da indústria e, por isso, tem expertise limitada com relação a cada setor.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

esperado do primeiro seja maior que o do segundo, e consequentemente, ele esteja


disposto a pagar mais para obter seus ativos. Um leilão, portanto, não garantirá o melhor
resultado possível do ponto de vista do bem-estar.

Em quinto lugar, os remédios estruturais podem elevar o risco de conluio na


indústria se os ativos alienados aumentarem a simetria entre o comprador e as partes
fusionadas e se criarem contatos multimercados entre eles (ver o Capítulo 4 sobre simetria
e contatos multimercados elevando resultados colusivos).

Isso aponta para uma tensão entre dois problemas: por um lado, as AAs devem
garantir o reforço ou a criação de empresas viáveis para evitar questões de efeitos
unilaterais (dominância de empresas individuais pela fusão). Por outro, devem também
evitar a ocorrência de efeitos pró-colusivos após a fusão (dominância conjunta). Isso
implica que a avaliação de remédios para fusões deve seguir o mesmo teste duplo usado
na análise de fusões, a análise de efeitos unilaterais e pró-colusivos. Remédios devem ser
aceitos, e a fusão proposta, autorizada apenas no caso de ambos os testes serem satisfeitos.

5.3.2 – Remédios comportamentais

Remédios comportamentais consistem principalmente em compromissos


orientados para a garantia de que os concorrentes desfrutem de igualdades de condições
em compras ou uso de ativos fundamentais, insumos ou tecnologias de propriedade das
partes fusionadas.

Alguns compromissos podem ser puramente comportamentais ou quase


estruturais quando envolvem contratos. O caso Petrobras/Ipiranga,41 em que a aquisição
dos ativos de distribuição de combustíveis do grupo Ipiranga pela Petrobras foi aprovada
pelo CADE sob a condição da celebração de Termo de Compromisso de Desempenho,42
foi interessante por envolver compromissos mistos: estabeleceu a obrigação da Petrobras
de manter o tratamento não discriminatório em relação às distribuidoras de produtos

41
Em 2005, a Petrobras adquiriu os ativos da Ipiranga, relativos no mercado de distribuição de combustíveis
(AC 08012.007897/2005-98), implicando efeitos verticais e horizontais.
42
Nos termos do art. 58 da Lei 8.884 de 11 de junho de 1994.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

asfálticos, facultou distrato de contratos de fornecimento de combustíveis com postos


revendedores de bandeiras Ipiranga e impôs o acesso a terceiros a bases de distribuição
adquiridas pela Petrobras.43

Quando afetam aspectos contratuais ou assumem forma contratual, remédios não


estruturais são denominados quase estruturais. A imposição de acesso ou a obrigação de
licenciar uma tecnologia a uma concorrente são exemplos de remédios quase estruturais.
Nos casos em que ativos-chave das fusionadas não são propriedade, mas assegurados por
contratos de exclusividade de longo prazo, os remédios podem envolver a desistência ou
o encurtamento total ou parcial desses contratos pelas fusionadas.

Outra categoria de remédios comportamentais pode consistir nas chamadas


“paredes corta-fogo”. Quando uma fusão cria uma empresa verticalmente integrada, cuja
unidade a montante supre não apenas a unidade a jusante, mas também as concorrentes,
é possível que informações sensíveis competitivamente sobre concorrência a jusante
sejam passadas da unidade a montante à unidade a jusante da entidade fusionada,
distorcendo, portanto, o processo competitivo. As AAs podem, então, requerer que
nenhuma informação dessa natureza circule dentro das diferentes unidades da empresa
(provisões de não divulgação).44

5.3.2.1 – Problemas com remédios comportamentais

Muitos desses remédios, por natureza, requerem algum tipo de regulação contínua
ou monitoração e, portanto, deverão provavelmente mobilizar recursos das AAs por
muito tempo após a fusão ter sido aprovada e realizada. Algumas dessas medidas são
também relativamente fáceis de serem burladas, a menos que sejam cuidadosamente
monitoradas e que os reguladores conheçam muito bem a indústria, improvável no caso
das AAs.

43
A operação foi aprovada com a imposição também de remédio estrutural, a alienação de um ativo, a base-
alvo, no Distrito Federal.
44
As autoridades antitruste americanas aprovaram várias fusões verticais sujeitas à imposição de
requerimentos de não divulgação e/ou não discriminação sobre a entidade pós-fusão. Para uma discussão
de um modelo de paredes corta-fogo vertical, ver Milliou (2001).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

Quando as AAs identificam a possibilidade de fechamento de mercado (ver o


Capítulo 6), remédios comportamentais podem ser difíceis de administrar, e sua
probabilidade de sucesso é baixa, a menos que haja monitoração. Fechamento ou acesso
discriminatório podem assumir diferentes formas, da mais óbvia (da recusa pura e simples
de suprimento de um insumo) à mais sutil (aumento de preços, redução de qualidade,
alegação de capacidade insuficiente para justificar pedidos não atendidos, suprimentos
em atraso, serviços pós-venda reduzidos e assim por diante). Assim, um remédio que
exija uma obrigação de provisão é equivalente a uma promessa vazia, mas mesmo uma
obrigação aparentemente mais sensível à não discriminação pode não ser facilmente
aplicável (como mencionado, a discriminação pode ocorrer com frequência em diferentes
níveis e sob diferentes aspectos).

Esses são problemas difíceis com os quais um regulador precisa lidar e passam a
ser a fortiori no caso das AAs, cuja expertise reside em outra seara e cujo conhecimento
da indústria não se equipara ao de um regulador.

Remédios comportamentais podem também ser problemáticos quando têm por


objetivo facilitar a entrada no mercado, assegurando que os concorrentes tenham acesso
à tecnologia-chave. Em regra, a implementação desse tipo de remédio requer um período
(transitório) de colaboração entre a entidade fusionada, de um lado, e o terceiro para a
qual o acesso deverá ser provido, do outro. Em tais casos, o terceiro é usualmente um
concorrente atual ou potencial, e, portanto, é muito difícil assegurar que a entidade
fusionada terá os incentivos corretos para colaborar efetivamente durante o período
transitório pré-definido para tornar a entrada desse terceiro bem-sucedida.

De forma geral, remédios comportamentais podem provocar vários problemas,


não sendo o menor o fato de requererem contínuo monitoramento. Devido à própria
natureza das AAs, acesso não discriminatório ou paredes corta-fogo são mais bem
implementados quando as empresas envolvidas estão sujeitas ao escrutínio do regulador
da indústria, que pode entrar na discussão da condução dos remédios já nos estágios
iniciais da investigação.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

5.4 – POLÍTICA DE FUSÕES NA UNIÃO EUROPEIA

Na União Europeia, as fusões são reguladas pela Merger Regulation (Regulação


do Conselho 139/2004), que estabelece que só fusões que criem ou fortaleçam uma
posição dominante serão proibidas.45 Nesta seção, revemos a política de fusões atual na
União Europeia.

5.4.1 – Teste de dominância

A análise econômica sugere que uma distinção deve ser feita entre casos em que
fusões provocam preocupações sobre aumento de preços unilaterais e sobre
comportamento colusivo (tácito ou explícito). Nesses últimos casos, se as preocupações
forem justificadas, diz-se que a fusão cria dominância conjunta. Contudo, nos primeiros
casos, não há uma correspondência tão próxima com dominância unilateral. Considere o
exemplo de uma fusão que resulte em duas empresas com grande poder de mercado
operando na indústria, mas nenhuma com poder suficiente para ser considerada
dominante. Considere ainda que seja muito pouco provável que tendam a entrar em
conluio (ou seja, não seriam dominantes conjuntamente). A economia sugere que tal fusão
seria prejudicial. No entanto, a Comissão Europeia não poderia proibi-la: de acordo com
a Merger Regulation, é necessário encontrar uma posição dominante para proibir uma
fusão.46

A seguir, discutimos o conceito de dominância conjunta e argumentamos que a


Comissão Europeia, até a reforma por ela proposta em 2013 e incorporada à Regulação
139/2004, tentava utilizar o conceito para lidar com fusões que provocavam efeitos
anticompetitivos, embora não criassem dominância unilateral.

45
Veja o Capítulo 1 para uma discussão sobre o conceito de dominância. Na prática uma empresa será
considerada dominante se tiver uma participação de mercado muito grande (veja também o Capítulo 3).
46
No Brasil a pressuposição de posição dominante também é condição necessária para o exercício abusivo
do poder de mercado. A Lei 12.529/2011 define posição dominante como “Art. 36 § 2º Presume-se posição
dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou
coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante,
podendo esse percentual ser alterado pelo CADE para setores específicos da economia.”

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

5.4.1.1 – Dominância conjunta

O conceito de dominância conjunta aproxima-se ao de efeitos coordenados: após


a fusão, há alta probabilidade de que um resultado colusivo surja na indústria. A primeira
fusão em que a CE utilizou o conceito foi a da Nestlé/Perrier. A princípio, discutiu-se se
a CE poderia estender o conceito de dominância para lidar com uma situação em que ela
fosse conjuntamente mantida por duas (ou mais) empresas. No entanto, em
France/Commission, a Corte de Justiça Europeia (CJE) decidiu que o caso de dominância
conjunta estava, de fato, coberto pela Merger Regulation. A CJE então, cassou a decisão
da CE na sua substância e, aparentemente, estabeleceu um alto padrão de prova para a CE
encontrar dominância conjunta.47

Em Gencor/Commission,48 a CPI (Corte de Primeira Instância) reafirmou que a


CE pode bloquear fusões se criarem dominância conjunta e ofereceu interpretação mais
ampla para o termo,49 que pareceu requerer um padrão de prova mais baixo.

A CE tirou proveito do maior grau de liberdade conferido pelo julgamento da CPI


e fez uso do conceito de dominância conjunta em diversos casos a partir de então. Uma
decisão que teve ampla publicidade foi a do caso Airtours/First Choice, em que a CE
proibiu a fusão de duas empresas que operavam no mercado de pacotes de viagens de
turismo no Reino Unido. A indústria era caracterizada por grande quantidade de produtos
heterogêneos (pacotes de viagens curtas diferem em termos de destino, tipos de hotel e
serviços adicionais, o que reduz a observabilidade e torna menos provável se atingirem
preços de colusão – ver o Capítulo 4) e pela alta variabilidade das participações de
mercado ao longo do tempo.50 Até que ponto as vendas pela internet de bilhetes de viagem

47
O julgamento diz que a dominância conjunta surge quando empresas “… especialmente por conta de
fatores correlacionados entre elas, podem adotar uma política comum no mercado e agem com considerável
liberdade, independentemente dos concorrentes, clientes e consumidores”. (France/Commission). A
referência a “fatores correlacionados” parece indicar algum tipo de ligação estrutural entre as empresas.
48
Apelação da decisão da CE no caso Gencor/Lonho.
49
CPI argumentou que não há necessidade de que os oligopolistas sejam inter-relacionados por ligações
especiais para provar que a dominância conjunta existe.
50
Em 1992, a Thomson tinha 24% do mercado, a Airtours, 11%, a First Choice, 6%, e Thomas Cook, 4%.
Em 1998, a Thomson tinha 30,7%, a Airtours, 19,4%, a First Choice, 15%, e a Thomas Cook 20,4%; a
operadora seguinte era a Cosmos/Avro, com 2,9% do mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

e acomodação deveriam ser consideradas na definição do mercado de produto e teriam de


restringir o poder de mercado dos operadores de pacotes de férias também não estava
claro. Além do mais, a CE argumentava que a colusão tomaria a forma de redução de
capacidade, em vez de aumento de preços.51 Esse argumento pode ser sustentado pela
teoria econômica,52 mas parte do padrão de análise da dominância conjunta.

De forma geral, a indústria apresentava alguns aspectos favoráveis à colusão e


outros menos. Era difícil provar dominância conjunta, e a CE provavelmente queria se
apoiar nesse conceito para proibir a fusão que, de outra forma, não poderia.53

No entanto, a CPI anulou a decisão da CE em junho de 2002, argumentando não


haver provas suficientes de que a fusão levaria à dominância conjunta. Esse julgamento
foi bem-vindo em dois aspectos. Primeiro, com sua decisão mantida, a CE teria proibido
outras fusões nas quais a dominância conjunta estivesse explícita. Segundo, como foi
obrigada (com dois outros casos, nos quais as partes questionaram com sucesso as
decisões da CE proibindo as fusões Schneider/Commission e Tetra Laval/Commission),
a CE foi obrigada a reconsiderar completamente sua política de fusões, em particular com

51
A CE estava consciente de que a colusão completa de preços não poderia ser sustentada. Nessa indústria,
as decisões das empresas são tomadas em dois diferentes níveis: em um estágio de planejamento, uma
empresa decide a capacidade total (principalmente assentos em voos charters e quartos em hotéis) para os
próximos 12 a 18 meses. No estágio de vendas, elas competem com a restrição de capacidade previamente
escolhida e têm forte incentivo para preencher capacidades, principalmente ao considerar que os pacotes
de férias são “bens perecíveis” (determinado pacote perde seu valor se não for vendido antes da data da
partida). Por conta disso, consideráveis descontos de preços sobre os preços de catálogo são comuns quando
as datas de partida se aproximam. A tentação de desviar de um preço colusivo seria, portanto, muito forte,
e a ameaça de punição dentro de um período de venda teria pouca credibilidade em virtude da restrição de
capacidade.
52
Motta (2000) sugere usar Staiger e Wolak (1992) para racionalizar a decisão da CE. Eles analisam a
colusão em um modelo que compartilha muitas das características da indústria de pacotes de turismo. No
repetido jogo que analisam, cada período é composto de três estágios. Primeiro, cada empresa escolhe
capacidade sem conhecer a demanda, depois o nível de demanda é revelado, e, finalmente, elas escolhem
o nível de preços com base no nível de demanda e nas restrições de capacidade determinadas pela escolha
prévia. Os autores relataram que vários níveis de preços podem ser sustentados ao equilíbrio colusivo e que
equilíbrios colusivos surgem quando as empresas coludem, restringindo seus níveis de capacidade, mas
estabelecendo preços não completamente colusivos. Em particular, dados os níveis de escolhas de
capacidade “para escolhas de demanda moderadamente ruins, as empresas simplesmente iniciam uma
redução de preços uniforme abaixo do preço de monopólio conjunto, mas, se as condições de demanda
forem suficientemente ruins, elas irão escalar na guerra de preços, com sucessivas reduções em equilíbrio”
(STAIGER e WOLAK, 1992: 205). Note que a CE não se apoiou nesse modelo para sua decisão.
53
É bem possível que bloquear a fusão Airtours/First Choice tenha sido a decisão correta (pelo menos, em
virtude do mercado de produto definido pela CE e porque nenhum ganho de eficiência foi mencionado na
decisão), por conta de efeitos unilaterais.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

respeito à questão de como lidar com efeitos unilaterais, isto é, como proibir fusões
prejudiciais ao bem-estar mas não criam ou fortalecem a dominância.

Em janeiro de 2004, o Artigo 2 da Merger Regulation foi reformulado.54 Duas


empresas em fusão passaram a ser consideradas dominantes: “... se, com ou sem
coordenação, detiverem poder econômico para influenciar apreciável e sustentavelmente
os parâmetros da concorrência, em particular, preços, produção, qualidade do produto,
distribuição, inovação, ou para, de maneira significativa, fechar mercados”. Em outras
palavras, uma fusão que eleve por meio de efeitos unilaterais deve ser proibida.

5.4.2 – O tratamento dos ganhos de eficiência

Como mostrado neste capítulo, a análise econômica sugere que as agências de


concorrência devam avaliar cuidadosamente os ganhos de eficiência prováveis de uma
fusão. Não obstante seja uma tarefa difícil, devem tentar estimar se esses ganhos de
eficiência têm ou não probabilidade de compensar o poder de mercado mais elevado
decorrente da operação e desfrutado pelas empresas que se fundem. Essa é precisamente
a abordagem indicada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos, o qual:

...não questionará uma fusão caso eficiências reconhecíveis sejam de caráter e magnitudes
tais que a operação não seja anticompetitiva em qualquer mercado relevante. Para essa
determinação, a Agência considera se eficiências reconhecíveis prováveis seriam
suficientes para reverter o potencial de dano aos consumidores no mercado relevante, por
exemplo, impedindo aumento de preços. Ao conduzir essa análise, a Agência não irá
apenas comparar a magnitude das eficiências reconhecíveis com a magnitude dos danos
prováveis na ausência de eficiências. Quanto maior o potencial de efeitos competitivos
adversos advindos de uma fusão... maiores devem ser as eficiências reconhecíveis para
que a Agência conclua que a fusão não terá efeitos anticompetitivos adversos no mercado
relevante. Quando é provável que os efeitos anticompetitivos adversos potenciais de uma
fusão sejam particularmente grandes, eficiências extraordinariamente grandes e
reconhecíveis devem ser necessárias para impedir que a fusão seja anticompetitiva (US
Merger Guidelines, seção 4).

54
A proposta foi apresentada em 2003 e transformada em diretiva em 20 de janeiro de 2004; representou
um compromisso entre duas posições extremas expressas pelos Estados-membros: a primeira, manter o
teste de dominância inalterado; a segunda, substituí-lo por um teste “substancial de redução da
concorrência”, sob o qual, como nos Estados Unidos, uma fusão é bloqueada se tiver o efeito de elevar
preços.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

A CE adotava, até recentemente, uma abordagem mais ambígua com relação aos
ganhos de eficiência. Olhando para a redação da Merger Regulation vigente até 2003, não
se poderia dizer que a defesa de eficiências era explicitamente permitida nem descartada.

A história legislativa da Merger Regulation europeia tem sido por vezes


mencionada como apoio à visão de que não existia defesa de eficiências na legislação de
concorrência da CE. Isso porque, no rascunho prévio à primeira regulação, uma frase que
permitia a defesa de eficiências foi suprimida do texto final, supostamente demonstrando
a explícita intenção do legislador de não permitir tal defesa. No entanto, não é que os
legisladores quisessem excluir a defesa de maneira geral, mas a possibilidade de que
pudesse ser utilizada para sustentar argumentos em favor de política industrial. Alguns
países, como a França, queriam permitir fusões que criassem “campeões nacionais”. Essa
visão foi combatida com sucesso por países como o Reino Unido e a Alemanha, que
queriam descartar a possibilidade de que fusões anticompetitivas fossem aprovadas sobre
fundamentos de que poderiam fortalecer empresas europeias em mercados
internacionais.55 Assim, o que os “travaux préparatoirs” da Merger Regulation mostram
é que argumentos de política industrial, sociais e políticos não deveriam ser usados na
avaliação de fusões. Uma vez que os ganhos de eficiência são aspectos fundamentais para
determinar o impacto sobre o bem-estar econômico de fusões, não há contradição entre o
espírito do legislador e o uso de defesas de eficiência.

A atual regulação de concentrações na Europa explicitamente incorpora o


tratamento de ganhos de eficiência, como se lê no seguinte item dos consideranda do
regulamento:

“Para determinar o impacto da concentração na concorrência do mercado comum, é


apropriado considerar quaisquer eficiências prováveis e substanciais promovidas pelas
empresas em questão. É possível que as eficiências acarretadas pela concentração
neutralizem os efeitos sobre a concorrência, em particular o dano potencial aos consumidores,
que, de outra maneira, ocorreria como consequência da concentração, não impedindo
significativamente a competição efetiva no mercado comum ou em parte substancial dele,
em particular como resultado de criação ou fortalecimento de uma orientação sobre as
condições sob as quais eficiências devem ser levadas em consideração na avaliação da
concentração.”

55
Veja Noël (1997: 503) e Goyder (1993).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

5.5 – ANÁLISE DE CONCENTRAÇÃO NO BRASIL

A passagem da Lei 8.884/94 para a Lei 12.529/2011 ensejou uma importância


mudança no que tange ao tratamento de eficiências na análise de fusões. Não obstante as
eficiências sempre tenham desempenhado importância na análise, e a possibilidade de
contrabalançarem perdas concorrenciais já fosse contemplada no marco legal anterior,
havia espaço para uma interpretação da aplicação da lei envolvendo outros objetivos de
política pública, como preocupação com emprego, comércio exterior e mesmo o apoio a
“campeões nacionais”, na tradição da política industrial de linha francesa (como na
discussão travada na Europa e comentada na seção anterior). Vejamos como a Lei
8.884/94 mencionava a possibilidade do tratamento de eficiências:

TÍTULO VII
Das Formas de Controle
CAPÍTULO I
Do Controle de Atos e Contratos
art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer
forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados
relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE.
§ 1º O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput, desde que atendam às
seguintes condições:
I – Tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente:
a) Aumentar a produtividade.
b) Melhorar a qualidade de bens ou serviços.
c) Propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.
II – Os benefícios decorrentes sejam distribuídos equitativamente entre seus
participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro.
III – Não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado
relevante de bens e serviços.
IV – Sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos
visados.
§ 2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde
que atendidas, pelo menos, três das condições previstas nos incisos do parágrafo
anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional e do
bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final.

No marco anterior, havia a preocupação com o compartilhamento de benefícios –


que deveria ser equitativo – e a realização de eficiência e progresso tecnológico, mas essas
exigências poderiam deixar de ser atendidas cumulativamente, com uma fusão
anticompetitiva aprovada com a compensação – seja de eficiência ou do
compartilhamento de benefícios – substituída pela realização de outros objetivos de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

política pública, traduzidos nos termos do legislador por “motivo preponderante da


economia nacional e do bem comum”.

A legislação atual avança ao afastar esses elementos estranhos ao antitruste e


conferir maior segurança jurídica às empresas, ao mesmo tempo que confere maior ênfase
ao excedente do consumidor, como se depreende da redação a seguir:

art. 88
...§ 5º Serão proibidos os atos de concentração que impliquem eliminação da
concorrência em parte substancial de mercado relevante, que possam criar ou reforçar
uma posição dominante ou que possam resultar na dominação de mercado relevante
de bens ou serviços, ressalvado o disposto no § 6º deste artigo.
§ 6º Os atos a que se refere o § 5º deste artigo poderão ser autorizados, desde que
sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os seguintes
objetivos:
I – Cumulada ou alternativamente:
a) Aumentar a produtividade ou a competitividade.
b) Melhorar a qualidade de bens ou serviços.
c) Propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.
II – Seja repassada aos consumidores parte relevante dos benefícios decorrentes.

Note-se a importância, no marco brasileiro, do compartilhamento dos benefícios


gerados pela operação entre as empresas e os consumidores. Em termos teóricos, pode-se
presumir a prevalência do excedente do consumidor, nos termos do arcabouço de análise
proposto por Farrell e Shapiro (2002) como referência para a aprovação de fusões. Para
que sejam passíveis de aprovação, os atos de concentração que eliminem a concorrência
precisam apresentar ganhos de eficiência tangíveis – como os elencados nos incisos a, b
e c – e ainda compartilhar significativa parcela dos benefícios com os consumidores (o
que, pondera-se, só é possível se houver preservação de concorrência no mercado, na
forma de rivalidade ou possibilidade de entrada).

Assim, as condições legais para aprovação de atos de concentração no Brasil são


claras, mas, de certo, bastante rigorosas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

5.6 – ESTUDOS DE CASOS

5.6.1 – Nestlé/Garoto (2004)

A aquisição da tradicional fabricante de chocolates Garoto pela Nestlé, já na


análise preliminar, deixava antever efeitos nocivos sobre a concorrência e a necessidade
de exame mais acurado da operação, para verificar a possibilidade de aprovação. Por
conta disso, foi submetida à inovação, na época representada pelo APRO (Acordo de
Preservação da Reversibilidade da Operação), garantindo que os ativos e empregos da
Garoto fossem preservados, com investimentos, independentemente da decisão. Com
isso, foi viabilizada, mais à frente, a tomada de decisão antitruste clássica diante de
operações com custos claramente superiores aos benefícios para o mercado.

Os mercados relevantes identificados na análise foram:

i) Balas e confeitos sem chocolate.


ii) Coberturas de chocolate.
iii) Achocolatados.
iv) Chocolates sob todas as formas, excluindo os artesanais.

Esse quarto mercado foi excluído da análise pela constatação de que os produtores
não são concorrentes capazes de contestar a política comercial das grandes empresas. Em
termos antitruste, não seriam concorrentes efetivos. No prosseguimento da análise,
verificou-se que, no mercado de balas e confeitos, o somatório das participações
Nestlé/Garoto em 2001 (ano da aquisição) seria inferior a 4%, e a produção para esse
mercado não era o core business das empresas. A análise antitruste foi concluída,
portanto, em virtude da inviabilidade da participação resultante conferir poder de mercado
à adquirente.

No mercado de achocolatados, a participação original da Nestlé era de 58,1%


(seguida pela Quacker, com 16,9%, e pela Arisco, com 5%). A Garoto ocupava a quarta
posição, com 3,1% do mercado. O aumento da concentração não alteraria a estrutura da
oferta, conferindo poder de mercado à adquirente (58,1% para 61,2%). A análise
antitruste também foi interrompida nesse ponto.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

Já no mercado de cobertura de chocolate, com a aquisição, a participação da Nestlé


subiu de 66,1% para 88,5%. Havia apenas mais um ofertante no mercado, a entrante Arcor
(1999). A análise nesse mercado prosseguiu para o passo seguinte.

No mercado de chocolates sob todas as formas, a participação conjunta da


Nestlé/Garoto passou a ser de 58,41% (seguida pela Lacta, 33,15%, Ferrero, 3,4%, e
Arcor, 3,4%). Identificaram-se, portanto, os mercados nos quais se levantava a
preocupação antitruste – o de cobertura de chocolate e chocolates sob todas as formas –;
a questão agora era saber: Havia possibilidade de entrada que inviabilizasse manipulação
de preços ou outras condições de mercado? Passou-se, então, ao exame das barreiras à
entrada.

Examinou-se a probabilidade de entrada de novas empresas e verificou-se ser


relativamente rápida (de 12 a 24 meses), com volume de produto suficientemente alto
para contestar condutas de empresas estabelecidas. As fontes de barreiras à entrada
identificadas foram: economias de escala e escopo; elevados requisitos mínimos de
capital (tanto na produção quanto na distribuição); segredos industriais relativos a sabor
e textura; facilidade de acesso a matérias-primas; lealdade do consumidor à marca; custos
irrecuperáveis (sunk costs) escalas mínimas. Vejamos como exemplo: um fornecedor de
chocolate industrial precisaria despender R$50 milhões (na época) para a construção de
planta eficiente com capacidade instalada de 40 mil toneladas anuais; um pequeno
produtor precisaria de R$2 milhões para planta com escala eficiente de 3.600 toneladas
anuais. A pequena entrada poderia ser factível em termos técnicos, mas insuficiente para
afetar a política de preços da líder. Além disso, economias de escala e escopo obtidas pela
Nestlé, Garoto e Arcor inviabilizariam pequenas empresas.

Examinaram-se, em seguida, as barreiras à entrada no mercado de coberturas de


chocolate. Verificou-se que a dimensão dos investimentos para a construção de planta
depende da estratégia de entrada adotada. A concorrente Arcor esclareceu que uma nova
empresa poderia ingressar no mercado, fosse fornecendo cobertura de chocolate
(chocolate industrial) para fabricantes de chocolate ou outras indústrias consumidoras,
fosse produzindo chocolate para consumo massivo e vendendo o excedente para outros
fabricantes, fosse como pequeno produtor de chocolate industrial.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

Com relação a essas possibilidades de entrada, o relator rejeitou a viabilidade,


considerando que a entrada como fornecedor industrial seria altamente improvável diante
da posição da líder Nestlé após a aquisição da Garoto, que passaria a deter quase 90% da
capacidade ociosa disponível (equivalente a três vezes o volume total vendido em 2001).
Por isso, seria altamente provável que adotasse respostas defensivas diante de eventuais
ameaças de entrada. Note-se que apenas a entrada como fornecedor industrial seria
suficiente para disciplinar a conduta da líder no mercado.

Quanto à rivalidade remanescente no mercado de cobertura de chocolate entre a


Arcor e a Nestlé, se essa fosse capaz de impedir o exercício de poder de mercado,
entenderia o relator que a capacidade ociosa da Arcor era elevada (38% do mercado), mas
representava apenas 11% da capacidade ociosa da Nestlé, que tinha, portanto, enorme
poder de retaliação para deter processo de contestação de sua liderança no processo de
fixação de preços. Assim, a operação introduziria incentivos para condutas colusivas,
tácitas ou explícitas, entre as duas únicas ofertantes no mercado. Portanto, a rivalidade
remanescente tenderia a desaparecer ou, no mínimo, não seria suficiente para impedir
exercício de poder de mercado.

Do estudo das barreiras à entrada no mercado de chocolate sob todas as formas,


constatou-se que seriam elevadas, diante dos requerimentos mínimos de capital (tanto na
produção quanto na distribuição), oportunidades de vendas, segredos industriais relativos
a sabor e textura dos chocolates, lealdade do consumidor à marca, despesas
irrecuperáveis. Aprofundou-se a análise no ponto referente às barreiras associadas à
dimensão do portfólio, reconhecendo-se que um portfólio diversificado e conhecido de
produtos e marcas era condição para estar presente em pontos de venda. O comerciante
avalia o potencial de vendas de um portfólio ao abrir espaço na área de exposição e
estoques. Com a aquisição, o portfólio da Nestlé se tornaria ainda mais amplo e
diversificado (com o acréscimo de tabletes, bombons avulsos e barras de chocolate
recheadas). As barreiras às empresas recém-instaladas, com portfólios e tempo de
exposição reduzidos, cresceriam. Quanto às barreiras associadas à montagem de rede de
distribuição capilar, verificou-se (por pesquisas feitas pela própria requerente e por
terceiros) que parcela significativa das compras é realizada por impulso (barras de
chocolate recheadas, bombons avulsos e tabletes), o que amplia a importância dos canais
de consumo tradicional e bar (pulverização dos pontos de venda). Assim, menos de 25%
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

do volume são distribuídos por grandes atacadistas, por isso, a necessidade de montagem
de rede própria, com grande capilaridade. A barreira é menor caso se considere que 70%
das vendas são realizadas pelo canal autosserviço, com centros de distribuição
abastecidos pelos fabricantes e se houver a possibilidade de utilização de rede própria já
existente para distribuição de outros produtos (ou seja, para empresas como a líder, que
possa realizar economias de escopo, não para entrantes). A análise do caso concluiu, sobre
esse ponto, que a barreira se torna mais significativa se associada à de marcas e portfólios.

Quanto à questão da rivalidade competitiva remanescente, houve grande ênfase


nessa análise, partindo do pressuposto de que haveria incentivos e condições para
comportamento colusivo por parte das remanescentes. Do embate de simulações
apresentadas, destaca-se que a Nestlé trouxe o modelo segundo o qual os chocolates
foram apresentados como produtos homogêneos, e os resultados indicaram que aumentos
de preços levariam a substanciais perdas de faturamento. A Kraft apresentou chocolate
como produtos diferenciados, resultando que as reduções de custo teriam de ser da ordem
de 12% para não haver aumentos de preços. Na verdade, havia dois mercados relevantes
em discussão, um de um bem homogêneo – cobertura de chocolate – e outro de bens
diferenciados – chocolate em todas as formas. De todo modo, o relator alertou para as
dificuldades de apoiar a decisão nas simulações,56 embora as tenha examinado com
atenção e as utilizado no prosseguimento à análise. Em particular, por ter considerado
mais apropriado ao caso o modelo utilizado pela Kraft, o relator usou os resultados para
a análise dos efeitos da operação em contraponto às eficiências apresentadas pela Nestlé.

Finalmente, na análise das eficiências vis-à-vis os danos à concorrência, o relator


partiu da premissa de que o resultado da queda de 12% de custos (geração de ganhos de
eficiência) evitaria o aumento de preços. A requerente forneceu cálculos de geração de
eficiências em torno de 13%. O relator, após minucioso exame, ponderou que tais
eficiências apresentadas eram genéricas e não prováveis.

A decisão unânime do CADE, em janeiro de 2004, foi que não foram identificadas
eficiências compensatórias dos danos à concorrência; não existiam alternativas estruturais

56
Note que, até aquele momento, o CADE ainda não tinha definido diretrizes para elaboração de pareceres
técnicos que lhe permitissem rever e replicar simulações apresentadas por partes e terceiros interessados,
nem montado sua capacitação interna, como hoje detém, na forma do Departamento Econômico.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

ao desfazimento (desaprovação) da operação; continuava em vigor o APRO (Acordo de


Previsão de Reversibilidade da Operação), garantindo a independência dos dois agentes
no mercado, então o CADE concluiu pela desaprovação da compra da Garoto pela Nestlé,
determinando a desconstituição da operação.

5.6.1.1 – Revisão judicial da decisão do CADE

A Nestlé recorreu da decisão ao Judiciário, alegando decurso de prazo. Foi


deferida liminar, que vigorou por mais de dois anos, suspendendo a decisão do CADE.
Em 16 de março de 2007, o juiz da 4ª vara do DF promulgou finalmente uma sentença
anulando a decisão:

“Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido das autoras e DECLARO aprovado


automaticamente o ato de concentração submetido à apreciação do CADE em 15.3.2002,
em virtude de haver decorrido o prazo previsto no art. 54, § 7º, da Lei 8.884/94, sem que
tivesse havido decisão da autarquia, tornando sem efeito a decisão de desconstituição da
mesma operação. Condeno o CADE a reembolsar às autoras as custas processuais e a
pagar-lhes honorários advocatícios, que arbitro em 10% (dez por cento) do valor atribuído
à causa.”

Em segunda instância (Tribunal Regional Federal), em 21 de janeiro de 2009, dois


desembargadores decidiram pela devolução dos autos ao CADE. Do acordão daquela data
do 1º TRF lê-se: “Após o voto do Relator, dando parcial provimento à remessa oficial,
tida como interposta, e à apelação para, reformando a sentença, apenas anular o
julgamento, pelo CADE, do pedido de reapreciação, a fim de que outro julgamento se
proceda na devida forma, no que foi acompanhado pelo voto revisor do Desembargador
Federal Fagundes de Deus, pediu vista o Juiz Federal Avio Mozar José Ferraz de
Novaes.” Os desembargadores João Batista Moreira e Fagundes de Deus entenderam que
o CADE deixou de examinar os fatos novos apresentados pela Nestlé no pedido de
reapreciação do caso e determinaram que os feitos retornassem ao CADE para
reapreciação. Em 19 de agosto de 2009, o desembargador Avio Mozar José Ferraz de
Novaes apresentou seu voto vista, entendendo em favor das teses da Nestlé, aprovando
automaticamente a operação. O voto do juiz do TRF apresentou uma tese contrária ao
controle de fusões e aquisições, considerando a hipótese de o CADE fiscalizar eventuais
abusos pela Nestlé/Garoto no mercado de chocolates, da mesma maneira que ocorreu com

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

a Ambev em cervejas. A punição da Ambev, segundo o desembargador, mostrou que o


CADE pode aprovar grandes aquisições e, depois, manter rigorosa fiscalização sobre as
empresas. Por esse entendimento, as fusões poderiam ser aprovadas, e, posteriormente, o
CADE fiscalizaria as empresas e aplicaria multas na ocorrência de abusos. Fagundes de
Deus requereu novo pedido de vista para examinar a tese de o negócio ser considerado
automaticamente aprovado. Da decisão da 5ª turma cabe recurso no próprio TRF e no
STJ.

Como se vê, na 1ª instância, o juiz adentrou no conteúdo das diligências feitas


pelo relator, quando realizava seu minucioso estudo sobre as condições de concorrências
e fatores contrarrestantes no mercado, cumprindo a função legal a outorgada em sede de
mandato. Em 2a instância, o desembargador questiona o legislador ao entender que as
fusões poderiam ser aprovadas, e depois caberia ao CADE, qual a um regulador de
mercado – função não prevista pelo legislador para esse tribunal administrativo –,
fiscalizar rigorosamente as empresas. É imenso o trabalho de ampliação da cultura da
defesa da concorrência e da conquista do interesse dos membros do Judiciário para a
importância de esse direito parece ser o principal desafio.

5.6.2 – Caso Sadia/Perdigão (2009)

Foi submetido à aprovação do CADE, com base no art. 54 da Lei 8.884/94, o


Acordo de Associação, que culminou com a incorporação de ações da Sadia pela
Perdigão, que passou a ser a controladora, gerando a companhia hoje denominada BRF.
As subsidiárias de ambas produzem, comercializam e exportam carnes in natura,
processados de carnes bovina, suína e de aves, segmentos de vegetais congelados, lácteos,
margarinas e outros alimentos prontos para consumo, como pratos prontos e pizzas. A
operação foi realizada em três etapas: (1) reorganização societária em que empresa HFF
se tornou controladora de, no mínimo, 51% da Sadia; (2) incorporação de ações da HFF
pela Perdigão, que passou a ser a controladora – e alteração da razão social para BRF; e
(3) incorporação de ações remanescentes da Sadia.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

Com frequência, no Brasil, as aquisições vêm sendo apresentadas como fusões –


sobretudo quando se trata de justificar a criação de um “campeão nacional”.57 Foi o que
ocorreu nesse caso, em que Perdigão adquiriu a Sadia, e ambas as companhias formaram
a maior produtora e exportadora de alimentos processados e não processados e produtora
e exportadora de frangos não processados do mundo. Vale lembrar que a operação foi
fortemente apoiada e financiada pelo BNDES – o que, certamente, conferiu fidedignidade
à tese defendida pela requerente de que a operação traria benefícios para o país.

Os fatos precedentes à operação foram a perda pela Sadia do equivalente a mais


de €700 milhões durante a crise financeira de 2008, por conta de seus investimentos
especulativos em derivativos e também por má gestão. Esses fatores levaram à discussão
da tese da empresa em situação pré-falimentar durante o exame do caso. Durante os anos
anteriores à operação, os lucros da Sadia vieram mais de aplicações financeiras que de
seus negócios principais.

5.6.2.1 – Atuação do CADE

Primeiramente, teve ciência da operação, nos termos do §3º, art. 54, da Lei
8.884/94, devido ao faturamento dos Grupos Sadia e Perdigão ter ultrapassado, em 2008,
o patamar de R$400 milhões, além das participações superiores a 20% em vários
mercados relevantes relacionados com a operação. Imediatamente, foi firmado um APRO
(Acordo de Preservação da Reversibilidade da Operação), pelo qual as partes se
comprometeram a “manter autônomas e independentes as estruturas administrativas,
produtivas e comerciais relacionadas com as atividades desenvolvidas pela Perdigão, de
um lado, e pela Sadia, de outro”, até a decisão final do CADE. No curso da instrução,
houve três flexibilizações do APRO, com o intuito de permitir a coordenação das
atividades:

i. a exportações;

57
O primeiro caso a inaugurar essa tendência no Brasil foi a aquisição da Antarctica Paulista pela
Companhia Cervejaria Brahma, dando origem à Companhia Brasileira de Bebidas – Ambev, a
“Multinacional Verde e Amarela”, apresentada em audiência ao Presidente da República antes de ser
notificada às autoridades da concorrência, em 1999 (AC 08012.005846/1999-12).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

ii. à comercialização de carnes in natura; e


iii. à aquisição de alguns insumos; mantendo separadas, não obstante, suas
respectivas estruturas.

5.6.2.2 – Análise econômica realizada pela Seae

Definição do mercado relevante, pela Seae, a partir de quatro premissas: (1)


informações apresentadas pelas requerentes na notificação da operação; (2)
jurisprudência europeia; (3) proposta de mercado relevante das requerentes; e (4)
respostas das empresas oficiadas.

Sobreposições Horizontais:

• Carnes in natura: somente não há sobreposição horizontal em peixes e frutos


do mar.
• Lácteos: não existe sobreposição horizontal em linha seca; em linha
refrigerada, há sobreposição apenas em queijos.
• Congelados: somente não há sobreposição na produção de pães.
• Frios e embutidos (inclusive carnes processadas), margarinas, kit para festas
e vendas diversas: sobreposição horizontal em todos os produtos.

A Secretaria identificou 21 diferentes mercados relevantes na dimensão produtos


separados, de acordo com os diferentes tipos:

• Carnes in natura (frango, suínos, peru, bovino).


• Congelados – pratos congelados (lasanhas e pratos prontos, pizzas, pães de
queijo e pães prontos).
• Congelados – pratos semiprontos (hambúrgueres de carne bovina e de
frango, empanados de frango, quibes e almôndegas).
• Congelados (batatas e vegetais).
• Carne processada para consumo a frio (presunto suíno, frango,
apresuntados, mortadela, salame, frios especiais).
• Carnes processadas frescas (linguiça frescal).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

• Carne processada curada (linguiça defumada, paio e bacon).


• Kit para festa – aves (tender de frango, chester, peru temperado congelado).
• Kit para festa – suíno (lombo suíno temperado congelado, paleta suína
defumada, pernil temperado com e sem osso, presunto tender, tender suíno).
• Margarinas.

Os mercados relevantes dos produtos, na dimensão geográfica, foram definidos


como nacionais. No que concerne à relação com os produtores, foram identificados os
mercados relevantes de abate suíno, de frango e de peru – a Seae delimitou esses
mercados em âmbito estadual, com sobreposição horizontal nos seguintes estados:

• Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul para o mercado de suínos.


• Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Goiás para
frangos.
• Apenas Paraná para perus.

Nesses mercados relevantes, a Seae identificou que a operação criou virtualmente


15 monopólios, por conta da extinção da rivalidade entre as duas principais marcas,
especialmente nos mercados relevantes de comidas processadas.58

Após a operação, foi observado um quadro de concentração bastante elevado,


devido ao papel de líderes que a Sadia e a Perdigão desempenhavam em vários mercados.
Nos de carnes in natura – frango, suínos e bovinos, congelados, pratos prontos (pães de
queijo e pães prontos congelados) e batatas e vegetais –, não seria necessário prosseguir
a análise devido à baixa concentração encontrada. Nos mercados de abate, foi verificado,
segundo estimativas das participações, que, após a operação, as requerentes atingiriam
patamares que demandariam o prosseguimento da análise, devido à possibilidade de
exercício abusivo do poder de monopsônio.

58
Note que comida processada, de fácil preparo e preço relativamente baixo é item importante da cesta de
consumo das famílias urbanas. Entretanto, esse ponto – e seu impacto específico sobre o excedente do
consumidor – não foi mencionado durante a instrução.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

5.6.2.3 – Barreiras à entrada

A análise das barreiras à entrada foi dividida em condições de entrada no grupo in


natura e no grupo de processados (congelados, kit para festas e margarinas): “Para a
entrada no mercado de abate e no de carnes in natura, seria necessária a prévia
constituição de uma rede de produtores integrados, bem como a contratação de matrizes
reprodutoras juntos às empresas de genética (desenvolvedoras e multiplicadoras). Assim,
as EMVs (Escalas Mínimas Viáveis) deveriam abarcar todos esses investimentos.” Como
as EMVs não abrangeriam todo o investimento estipulado pela Seae, não foi possível
constatar de maneira clara a efetiva probabilidade de entrada. Na segmentação in natura,
a Seae confrontou os dados apresentados pelas requerentes e concorrentes e conclui que
“a necessidade de programação impactaria o cronograma para um eventual entrante”.
Além disso, foi verificado que, nos últimos anos, houve apenas aquisições de empresas
pré-existentes. No mercado in natura, a Seae conclui que a entrada não seria provável,
tempestiva e suficiente, fosse nos mercados de abate ou nos mercados de carne in natura
de peru. No mercado de processados, a entrada, segundo as requerentes, seria provável,
tempestiva e suficiente. No entanto, a Seae entendeu o oposto – alguns elementos podem
ser interpretados como barreiras à entrada e, dessa forma, gerariam impactos nas
condições de entrada para os mercados considerados (economias de escala/escopo, grau
de integração da cadeia produtiva, cadeias de distribuição e marcas). A Seae ponderou
ainda que, acerca dos mercados in natura, em razão das características das cadeias
produtivas de suínos e frangos, as quais estão relacionadas com a maioria dos mercados
relevantes de processados, a entrada, a princípio, seria limitada pelos requisitos de
integração vertical com a atividade abatedora, bem como pela necessidade de uma
presença prévia em outros mercados relevantes. Analisando aspectos atinentes à
probabilidade de entrada (EMV e OV), à tempestividade e à suficiência, a Seae concluiu,
para os mercados de processados, que a entrada não seria, ao mesmo tempo, provável,
tempestiva ou suficiente em nenhum mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

5.6.2.4 – Rivalidade

Nos mercados in natura, a Seae constatou que, entre as maiores empresas


abatedoras, identificam-se grupos empresariais que atendem simultaneamente aos
mercados internos e externos, o que ajudaria na conclusão de que existiria rivalidade
suficiente. Contudo, a Seae verificou que, no mercado de abate de frango do Mato Grosso
e no mercado de peru do Paraná, haveria um monopsônio gerado em decorrência da
operação. A alta participação de mercado verificada no cenário pós-operação, aliada ao
fato de que a Sadia deteria um volume considerável de capacidade ociosa no abate de
peru e, consequentemente, na produção e na posterior oferta in natura no mercado
nacional, fez a Secretaria continuar a análise para esse mercado relevante. Quanto à
capacidade ociosa nos mercados de processados, foi verificado que a grande maioria das
concorrentes, em quase todos os mercados relevantes, tem capacidade ociosa bem menor
que a Sadia e a Perdigão, insuficientes para atender a um eventual desvio de demanda
estimada em 10% – apenas no mercado de margarina, foi constatada essa possibilidade.
A análise da performance das requentes em todos os mercados relevantes permitiu a
constatação de que a rivalidade estava basicamente centrada entre as marcas Sadia e
Perdigão, ficando, geralmente, em terceiro ou quarto lugares as marcas Batavo e Rezende,
também pertencentes às requerentes. A Seae concluiu que é preciso continuar com a
análise na grande maioria dos mercados: carnes in natura, peru, congelados, pratos
prontos congelados, pratos semiprontos congelados, carne processada para consumo a
frio, carne processada cozida semipronta, carne processada curada; kit para festa (aves),
kit para festa (suíno) e margarinas, além dos mercados de abate de frango, no Mato
Grosso, e de peru, no Paraná.

5.6.2.5 – Eficiências

Com relação à geração de eficiências, as requerentes afirmaram que a operação


teria o potencial de gerar economias de custo, de propiciar efeitos líquidos do ponto de
vista antitruste, além de não gerar qualquer incentivo para elevação nos preços por parte
das requerentes. O Horizontal Merger Guidelines prescreve que “eficiências importam
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

mais para a análise quando os efeitos competitivos adversos são significativos, ausentes
quaisquer eficiências. Eficiências quase nunca justificam uma fusão que gere um
monopólio ou quase monopólio”; a Seae considerou que não houve detalhamento sobre
as eficiências calculadas e apresentadas e que poderiam ser alcançadas de outras formas
menos prejudiciais à concorrência.

5.6.2.6 – Remédios propostos pela Seae

Recomendou-se que a aprovação do ato fosse condicionada à adoção de um


conjunto de restrições, consubstanciadas em duas alternativas:

Alternativa A

Licenciamento temporário (no mínimo cinco anos) de um ativo da marca principal


(Sadia ou Perdigão), acompanhado da alienação do conjunto de ativos produtivos
correspondentes à participação de mercado detida pela marca objeto do licenciamento,
considerando a média dos últimos três anos anteriores à operação, pacote integrado dos
seguintes elementos:

• Unidades de industrializados (pessoal, instalações e equipamentos).


• Unidades de abate correlatas (fornecedoras de insumos, carne de aves ou
suínos, às unidades de industrializados).
• Carteiras de contratos de fornecedores integrados, correspondentes às
unidades de abate supracitadas.

Alienação de ativos de abate de frango no Mato Grosso e de perus no Paraná,


incluindo as respectivas carteiras de produtores integrados de frangos e perus.

Alternativa B

Alienação de um bloco de ativos correspondente às marcas de combate Batavo,


Rezende, Confiança, Wilson e Escolha Saudável, acompanhada da venda de um conjunto
de ativos produtivos que corresponda à participação de mercado detida pelas respectivas
marcas objeto da alienação, considerando a média dos últimos três anos anteriores à
operação, pacote integrado dos seguintes elementos:
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

• Unidades de industrializados (pessoal, instalações e equipamentos).


• Unidades de abate correlatas (fornecedoras de insumos, carne de aves ou
suínos, às unidades de industrializados).
• Carteiras de contratos de fornecedores integrados, correspondentes às
unidades de abate supracitadas.

Alienação de ativos de abate de frango no Mato Grosso e de perus no Paraná,


incluindo as respectivas carteiras de produtores integrados de frangos e perus.

Adicionalmente a essas restrições, sugeriu-se um remédio específico para o


mercado de margarinas, a alienação do conjunto de marcas, acompanhadas dos
respectivos ativos produtivos, adquiridos da Unilever por meio do Ato de Concentração
08012.009820/2007-14 – Unilever e Perdigão, a saber: Doriana, Claybom e Delicata.
Também sugeriu-se a adoção de medida comportamental pela qual as requerentes se
obrigam a divulgar e submeter ao CADE seus programas promocionais de fidelidade e
bonificação junto aos pontos de venda, objetivando maior publicidade.

A sugestão da oferta de três alternativas de remédios para escolha das requerentes,


considerando terem eles pesos equivalentes em termos de potencial para contrabalançar
os danos à concorrência, inspirou-se na decisão que originalmente adotou esse desenho,
com o intuito de reduzir o custo particular da intervenção – o caso Colgate/Kolynos.59

5.6.2.7 – Andamento do caso

Os autos seguiram para a SDE, que adotou os termos e sugestões do parecer da


Seae. O CADE, em seguida, realizou diligências complementares junto a concorrentes,
clientes, associações e às próprias empresas, para obter dados e informações.

A ProCADE se posicionou “pela regularidade formal do procedimento” e, no


mérito, entendendo que as medidas sugeridas pela Seae não seriam “suficientes para inibir
o eventual exercício abusivo de poder de mercado concentrado na BRF”, recomendou a
adoção de restrições, desde que efetivamente possibilitassem a contestação por um

59
AC 58/94.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

terceiro concorrente e a repartição das eficiências com os consumidores – caso contrário,


propôs a reprovação da operação.

5.6.2.8 – A decisão do CADE

O relator apresentou análise técnica e fundamentada do caso, demonstrando a


elevada concentração na oferta de carne in natura de perus (com a formação de um
duopólio, em que a fusionada passaria a deter 70% do mercado), sobreposição horizontal
em vários mercados (já descritos pela análise da Seae), formação de um monopsônio na
aquisição de frangos e suínos, entrada não efetiva, ausência de rivalidade e de capacidade
ociosa na indústria, probabilidade de exercício de poder econômico, sobretudo no
mercado de carne in natura de perus. Com base em sua análise, decidiu pela reprovação
da operação.

Houve um pedido de vista, cujo objetivo (vocalizado) foi buscar uma solução
negociada para a operação com relação à decisão do CADE, favorável à formação da
BRF.60 De forma inusitada – pois, no curso de um julgamento já iniciado, com um relator
definido em sessão regular de distribuição, com atribuições claras estabelecidas pelo
legislador e sem que o procedimento fosse previsto pelo regimento do CADE –, deu-se
início a um processo de negociação entre o conselheiro que havia pedido vista e as
requerentes, para se chegar a um acordo. Por fim, o CADE firmou com a BRF e a Sadia
um TCD (Termo de Compromisso de Desempenho), com os objetivos declarados de
manter a concorrência nos setores de mercado envolvidos, criar condições para a
“existência de concorrência efetiva nos mercados”, gerar condições para entrada rápida e
eficiente de concorrentes nos mercados referidos e assegurar que os benefícios
decorrentes da associação fossem distribuídos equitativamente entre seus participantes e
consumidores finais. Cabe ressaltar que as medidas do TCD estão limitadas ao território
nacional, não impactando a atuação dos associados no mercado internacional (item 100
do voto vista). Entre as principais medidas contidas no TCD e impostas à BRF e à Sadia
estão:

60
Para uma análise crítica da decisão do CADE sobre o caso Sadia/Perdigão, ver Morais e Salgado (2012).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

• Alienação de diversas marcas, entre elas Rezende, Wilson, Texas, Tekitos


etc.
• Alienação, em conjunto, de todos os bens e direitos relacionados com
determinadas unidades produtivas (incluindo funcionários, instalações e
equipamentos), que totalizam 10 fábricas de alimentos processados, 2
abatedouros de suínos, 2 abatedouros de aves, 4 fábricas de ração, 12 granjas
de frangos e 2 incubatórios de aves.
• Alienação de todos os bens de oito centros de distribuição.
• Cessão de toda a carteira de contratos com produtores integrados de aves e
suínos, atualmente utilizada para garantir o suprimento específico de
algumas unidades produtivas.
• Suspensão do uso da marca Perdigão no território nacional, pelo prazo de
três anos, dos seguintes produtos: presunto suíno cozido, apresuntado e
afiambrado, kit para festa (suíno), linguiça curada e paio.
• Suspensão do uso da marca Perdigão no território nacional, pelo prazo de
quatro anos, para salames.
• Suspensão do uso da marca Perdigão no território nacional, pelo prazo de
cinco anos, para lasanhas, pizzas congeladas, quibes, almôndegas e frios
saudáveis.
• Suspensão do uso da marca Batavo, durante quatro anos, nos mesmos
produtos mencionados para a Perdigão e também para margarina, peru in
natura, mortadela, kit para festa (aves), hambúrguer, empanados e salsicha.
• Por fim, a BRF e a Sadia se comprometem a fornecer peru in natura para o
adquirente do negócio, em volume correspondente à participação de
mercado da marca Rezende.

O termo define ainda que o CADE deverá aprovar o comprador do negócio por
meio de alguns critérios, entre eles: saúde financeira e capacidade administrativa e
gerencial. Além disso, o comprador fica proibido de manter qualquer vínculo associativo
com a BRF e com a Sadia por um prazo mínimo de 10 anos e deverá se comprometer a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
47

manter o nível atual de empregos de todas as unidades alienadas, por um prazo mínimo
de seis meses após a aquisição.61

O arremate desse caso, de grande impacto sobre a sociedade, em virtude da


extensão e importância para a cesta básica dos consumidores dos produtos fabricados
pelas duas fusionadas, forneceu sinais divergentes com relação à imagem que o CADE já
construíra, de defensor da concorrência. Conforme discutido no Capítulo 1, outros
objetivos de política, por vezes, interferem em decisões de política de concorrência,
gerando conflitos com os objetivos de bem-estar, quando esses deveriam sempre guiar as
decisões das autoridades antitruste.

61
As penalidades para condutas que, por ventura, possam ocorrer e que venham a ferir o acordo firmado
pelo TCD também estão contempladas em tal documento. A penalidade mais grave é uma multa no valor
de R$25 milhões, por infração; para penalidades não graves, multa diária de R$50 mil até o limite máximo
de R$1 milhão. Por fim, o CADE deixa claro no TCD que o acordo será monitorado pelo prazo de vigência
e obriga as partes envolvidas no processo a manterem o órgão informado por meio de relatórios mensais
sobre as obrigações assumidas, incluídos contratos a serem firmados com terceiros em virtude das
exigências colocadas no TCD.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
48

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍ TULO 5

Quadro 5.1 – Modelando efeitos unilaterais de fusões *

Modelar fusões e seus efeitos é difícil. A principal característica das fusões é que
elas criam uma nova empresa que combina os ativos das partes que se fundem, de modo
que é necessário algum tipo de modelo fundado em ativos para captar a essência das
fusões. Existem dois modelos relativamente simples fundados em ativos: modelos de
diferenciação de produtos, em que os ativos em questão são as variedades de produtos
vendidos pelas empresas (seguiremos essa abordagem) e modelos em que as empresas
produzem bens homogêneos mas diferem em suas capacidades produtivas – capacidade,
nesse sentido, significa seus ativos (ver, por exemplo, PERRY e PORTER, 1985).

Por essa razão, os modelos mais simples de oligopólio, no qual as empresas


vendem produtos homogêneos, têm retornos constantes de escala, atendem a todas as
demandas com que se deparam (pense nos modelos do padrão Cournot), e deixam de
captar a natureza básica das fusões: em tais modelos, uma fusão entre duas empresas
resulta no desaparecimento de uma delas do mercado.

Outro ponto fraco do padrão Cournot de modelos deriva do fato de que uma fusão
entre empresas simétricas não é lucrativa, a menos que envolva pelo menos 80% das
empresas da indústria, resultado de Salant, Switzer e Reynolds (1983), que o Exercício
5.2 convida você a reproduzir. (Ver também a seção “Efeitos unilaterais de fusões na
ausência de ganhos de eficiência”, a seguir, para discussão.) Evidentemente, é um
problema estudar os efeitos das fusões apoiando-se em um modelo no qual a fusão em si
não é lucrativa, já que o próprio modelo não poderá explicar por quê, em primeiro lugar,
a fusão está ocorrendo.

Para sermos precisos, a lucratividade das fusões pode ser restaurada no modelo de
Cournot, caso se presuma que a fusão promova ganhos de eficiência suficientemente
grandes (conforme mostrado no Exercício 5.3). No entanto, é elucidativo estudar os
efeitos unilaterais das fusões com e sem os ganhos de eficiência (como faremos na seção
“Efeitos unilaterais de fusões na ausência de ganhos de eficiência”, a seguir). Assim,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
49

usamos um modelo em que as empresas têm produtos diferentes, e a fusão cria uma nova
companhia, dotada de um portfólio maior. Para manter o modelo o mais simples possível,
analisamos aqui o caso em que só três produtos existem. O modelo é generalizado para
produtos na seção técnica avançada “Um modelo mais geral” no Quadro 5.2.

Q5.1.1 – Efeitos unilaterais de fusões na ausência de ganhos de


eficiência *

Usando um modelo de diferenciação de produto, esta seção mostra que uma fusão
que não gera ganhos de eficiência fortalece o poder de mercado e reduz o bem-estar. O
caso dos ganhos de eficiência será formalmente estudado na seção “Ganhos de eficiência
oriundos da fusão”. Consideramos exclusivamente o caso dos efeitos unilaterais de uma
fusão, excluindo a possibilidade de que as empresas possam entrar em colusão antes ou
depois de fusionadas.

Para manter o máximo de simplicidade, suponha que existam três produtoras


individuais (ver a seção “Um modelo mais geral”). Os custos marginais de produção das
empresas são idênticos e iguais a 𝑐 ≥ 0. A função utilidade dos consumidores é:

3 3 3 2
3 𝛾
𝑈 = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ] + 𝑦, (5.1)
2(1 + 𝛾) 3
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1

que – depois de resolvido o problema do consumidor – fornece as funções de demanda


direta (para mais detalhes, ver o Capítulo 8):

𝑛
1 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ], (5.2)
3 3
𝑗=1

onde 𝛾 ∈ [0, ∞) é o parâmetro de substituibilidade de produto, e 𝑣 > 𝑐. Note que, neste


modelo, os produtos das empresas são dados exogenamente; cada fusão não afeta nem a
escolha nem o grau de substituibilidade de produto, que se supõe simétrica entre todos os
produtos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
50

Pré-fusão. Antes de a fusão ocorrer, temos três monoprodutoras com uma função
lucro 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 , onde 𝑞𝑖 é dado pela função de demanda anterior (𝑖 = 1, 2, 3).

As CPOs 𝜕𝜋𝑖 ⁄∂𝑝𝑖 = 0 são

3𝑣 + (3 + 2𝛾)𝑐 + 𝛾𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑘


𝑝𝑖 = , 𝑖, 𝑗, 𝑘 = 1,2,3, 𝑖 ≠ 𝑗 ≠ 𝑘. (5.3)
2(3 + 2𝛾)
Resolvendo o sistema de CPOs e impondo simetria nos preços, obtemos

3𝑣 + 𝑐(3 + 2𝛾)
𝑝𝑏 = , (5.4)
2(3 + 𝛾)
onde o índice “𝑏” responde por “antes da fusão”. Produto e lucros de equilíbrio são

(𝑣 − 𝑐)(3 + 2𝛾) (𝑣 − 𝑐)2 (3 + 2𝛾)


𝑞𝑏 = , 𝜋𝑏 = . (5.5)
6(3 + 𝛾) 4(3 + 𝛾)2
Note que, à medida que a substituibilidade entre os produtos cresce (𝛾 mais alto),
os preços de equilíbrio e os lucros decrescem. Finalmente, podemos derivar o bem-estar
do consumidor como 𝐸𝐶 = 𝑈(𝑞𝑏 ) − 3𝑝𝑏 𝑞𝑏 por substituição aos valores de equilíbrio, e
o bem-estar, como a soma do excedente do consumidor e do produtor:

(𝑣 − 𝑐)2 (3 + 2𝛾)2 (𝑣 − 𝑐)2 (27 + 24𝛾 + 4𝛾 2 )


𝐸𝐶𝑏 = ; 𝑊𝑏 = . (5.6)
8(3 + 𝛾)2 8(3 + 𝛾)2
Uma fusão entre duas empresas. Suponha que uma fusão ocorra entre duas Empresas,
1 e 2. Na indústria, há agora a Empresa 𝐼, vendendo dois produtos, e a Empresa 𝑂,
vendendo um produto (respectivamente a empresa insider e a empresa outsider com
relação à fusão), com lucros

2
(𝑝𝑖 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝐼 = ∑ (𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + (𝑝1 + 𝑝2 + 𝑝3 )), (5.7)
3 3
𝑖=1

(𝑝3 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝑂 = (𝑣 − 𝑝3 (1 + 𝛾) + (𝑝1 + 𝑝2 + 𝑝3 )). (5.8)
3 3
Tomando as primeiras derivadas 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 (com 𝑖 = 1, 2) e 𝜕𝜋𝑂 /𝜕𝑝3 = 0, obtêm-
se as CPOs

3𝑣 + 𝑐(3 + 𝛾) − 2(3 + 2𝛾)𝑝𝑖 − 2𝛾𝑝𝑗 + 𝛾𝑝3 = 0,


{ 𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗 (5.9)
3𝑣 + 𝑐(3 + 2𝛾) − 2(3 + 2𝛾)𝑝3 + 𝛾(𝑝1 + 𝑝2 ) = 0.
Podem-se encontrar os preços de equilíbrio pós-fusão 𝑝𝐼 , 𝑝𝑂 como

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
51

𝑐(2 + 𝛾)(3 + 2𝛾) + 𝑣(6 + 5𝛾) 𝑐(3 + 𝛾)(1 + 𝛾) + 𝑣(3 + 2𝛾)


𝑝𝐼 = 2
; 𝑝𝑂 = . (5.10)
2(𝛾 + 6𝛾 + 6) (𝛾 2 + 6𝛾 + 6)
Após a substituição, obtêm-se as quantidades e os lucros por variedade da empresa
fusionada e das outsiders como

(3 + 𝛾)(6 + 5𝛾)(𝑣 − 𝑐) (3 + 2𝛾)2 (𝑣 − 𝑐)


𝑞𝐼 = ; 𝑞𝑂 = , (5.11)
18(6 + 6𝛾 + 𝛾 2 )2 9(6 + 6𝛾 + 𝛾 2 )
(3 + 𝛾)(6 + 5𝛾)2 (𝑣 − 𝑐)2 (3 + 2𝛾)3 (𝑣 − 𝑐)2
𝜋𝐼 = ; 𝜋𝑂 = . (5.12)
36(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2 9(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2
O efeito sobre preços. Agora, fica fácil ver que as fusões aumentam preços e,
consequentemente, reduzem o excedente do consumidor. Para tanto, note que a
desigualdade 𝑝𝐼 > 𝑝𝑏 pode ser reescrita como

(3 + 2𝛾)𝛾(𝑣 − 𝑐)/[2(3 + 𝛾)(6 + 6𝛾 + 𝛾 2 )] > 0


Para ilustrar esse resultado, é útil escrever as funções de melhor resposta das
empresas antes e depois da fusão. Considere, por exemplo, os Produtos 1 e 3. No espaço
(𝑝1, 𝑝3 ), e para dado 𝑝2 , antes de fusão as melhores respostas da Insider 1 e da Outsider
3 eram obtidas por meio das CPOs (5.3):

3𝑣 + (3 + 2𝛾)𝑐 + 𝛾𝑝2 + 𝛾𝑝3


𝑅𝐼 ∶ 𝑝1 = ;
2(3 + 2𝛾)
(5.13)
−3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝2 + 2(3 + 2𝛾)𝑝3
𝑅𝑂 ∶ 𝑝1 = .
𝛾
Depois da fusão, as melhores respostas são derivadas das CPOs (5.9) como

3𝑣 + (3 + 𝛾)𝑐 + 2𝛾𝑝2 + 𝛾𝑝3


𝑅𝐼 ∶ 𝑝1 = ;
2(3 + 2𝛾)
(5.14)
−3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝2 + 2(3 + 2𝛾)𝑝3
𝑅𝑂 ∶ 𝑝1 = .
𝛾
Como a Figura Q5.1 ilustra, a fusão determina um deslocamento para cima da
função de melhor resposta do produto da insider, o que, por sua vez, fará os preços de
equilíbrio depois da fusão aumentarem. Note que o aumento de preços da insider é maior
que o do produto da outsider, o que implica uma realocação de produto em favor desta
última.

Há outra forma intuitiva de entender esse resultado. Quando as empresas se


comportam não cooperativamente no mercado, cada uma impõe uma externalidade
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
52

negativa a todas as outras por escolher um preço muito baixo com relação ao que seria
ótimo para maximizar os lucros conjuntos. Se duas empresas se juntam, elas levam em
conta essa externalidade negativa que se impõe mutuamente e elevam seus preços. As
demais reagirão elevando seus preços (lembre-se de que, nesse modelo, as ações são
complementos estratégicos), mas não tanto quanto as empresas em fusão.

Figura Q5.1 Efeitos de uma fusão da ausência de ganhos de eficiência: complementos


estratégicos.

O efeito sobre os lucros dos insiders. O próximo resultado é que a fusão beneficia
as empresas que se fusionam. Para ver isso, temos de comparar os lucros por produto
antes e depois da fusão. A desigualdade 𝜋𝐼 > 𝜋𝑏 pode ser reescrita como

𝛾 2 (27 + 63𝛾 + 42𝛾 2 + 7𝛾 3 )(𝑣 − 𝑐)2 /[36(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2 (3 + 𝛾)2 ] > 0.


O resultado de que a fusão sempre beneficia as partes em fusão não é robusto, na
medida em que depende da hipótese de que as empresas concorram em preço. É útil rever
brevemente a literatura sobre lucratividade de fusões.

Salant, Switzer e Reynolds (1983) analisam um modelo de bens homogêneos e


presumem (1) concorrência por quantidade e (2) ausência de ganhos de eficiência
oriundos da fusão. E observam que uma fusão entre duas empresas é sempre prejudicial
para as partes, a menos que lhes confira um monopólio (ou seja, a menos que n = 2). A
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
53

intuição por trás desse resultado é que as partes fusionadas internalizam a externalidade
pecuniária negativa dada pelos preços muito baixos da indústria e reduzem sua produção
(que tenderia a aumentar preços). As ações das empresas sendo substitutas estratégicas
(como no caso da concorrência por quantidade e funções de demanda lineares), as
outsiders respondem aumentando, em vez de diminuindo, sua produção, o que lhes
permite ganhar participação de mercado, moderando o aumento de preços. Como
resultado, as empresas que participam da fusão perdem participação de mercado e lucros,
já que a menor quantidade produzida não é compensada por um aumento de preços na
indústria.

Figura Q5.2 Efeitos de uma fusão na ausência de ganhos de eficiência: substitutos estratégicos.

A Figura Q5.2 mostra esses argumentos graficamente. Desloca a função de melhor


resposta RI das insiders para baixo, para RI. Como resultado, um novo equilíbrio se
estabelece no ponto 𝑀, caracterizado por uma produção mais elevada das outsiders e uma
produção mais baixa das insiders. Os lucros das insiders caem, na medida em que a curva
do isolucro das insiders 𝜋̄ 𝐼′ caem abaixo de 𝜋̄ 𝐼 . (Ver também o exercício 5.7.)

Esse artigo abriu o debate sobre a lucratividade das fusões, e a pesquisa


subsequente mostrou que, relaxando as hipóteses (1) e (2) anteriores, a lucratividade das
fusões seria restaurada. Com relação a (1), Davidson e Deneckere (1985) mostram que,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54

quando as ações são complementos estratégicos, o aumento de preços das empresas que
se fundem é seguido pelo aumento de preços das outsiders – veja novamente a Figura
Q5.1. A argumentação dos autores corresponde à discussão feita aqui.

Com relação ao ponto (2), Perry e Porter (1985) mostram que, mesmo sob a
hipótese de bens homogêneos e competição por quantidade, se existirem ganhos de
eficiência suficientes, a fusão será lucrativa.

O efeito sobre os lucros das outsiders. A seguir, poderemos verificar se a fusão


eleva os lucros das outsiders ao compararmos os lucros por produto antes e depois da
fusão. A desigualdade 𝜋𝑂 > 𝜋𝑏 pode ser reescrita como

𝛾 2 (36 + 36𝛾 + 7𝛾 2 )(3 + 2𝛾)(𝑣 − 𝑐)2 /[36(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2 (3 + 𝛾)2 ] > 0.


Esse resultado não depende de as empresas competirem por preço ou por
quantidade e se dobra ao efeito de carona desfrutado pelas outsiders: quando as empresas
em fusão aumentam seus preços (ou reduzem sua produção), diminuem a externalidade
negativa para toda a indústria. As outsiders, por conseguinte, também vão se beneficiar
da fusão. No entanto, note que presumimos aqui que a fusão não crie economia de custos
para as insiders. Quando esse efeito está presente, a fusão pode ser a pior para as outsiders.

O efeito sobre o bem-estar total. O resultado final que queremos mostrar é que, nesse
modelo, a fusão reduz o bem-estar. Até aqui, vimos que a fusão reduz o excedente do
consumidor (por elevar os preços sem alterar o número de produtos ofertados) e aumenta
o excedente do produtor (na medida em que aumenta tanto os lucros das insiders quanto
os das outsiders). Temos de olhar agora para o efeito líquido dessas duas forças opostas
(o que, infelizmente, envolve álgebra simples, embora tediosa). O excedente do
consumidor pode ser derivado como 𝐸𝐶 = 𝑈(𝑞𝑂 , 𝑞𝐼 ) − 2𝑝𝐼 𝑞𝐼 − 𝑝𝑂 𝑞𝑂 , e o bem-estar se
obtém somando-o ao excedente do produtor (ou seja, à soma dos lucros das duas
empresas):

(𝑣 − 𝑐)2 (9 + 9𝛾 + 2𝛾 2 )(18 + 26𝛾 + 9𝛾 2 )


𝐸𝐶𝑚 = ;
36(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2
(5.15)
(𝑣 − 𝑐)2 (486 + 1044𝛾 + 765𝛾 2 + 215𝛾 3 + 18𝛾 4 )
𝑊𝑚 = .
36(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2
Para mostrar como o efeito líquido da fusão sobre o bem-estar é negativo, é
necessário verificar que 𝑊𝑏 > 𝑊𝑚 . Essa desigualdade equivale a:
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55

(𝑣 − 𝑐)2 (648 + 1242𝛾 + 738𝛾 2 + 129𝛾 3 + 2𝛾 4 )


𝑊𝑏 − 𝑊𝑚 = > 0. (5.16)
72(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2 (3 + 𝛾)2
Ganhos de Eficiência. Para obter alguns insights sobre como a análise se altera
quando os ganhos de eficiência estão presentes, continue com o exemplo anterior de três
empresas, mas com a hipótese ad hoc de que, quando duas empresas se fundem, geram
economias de custo que lhes permitem produzir cada variedade de produto a um custo
marginal 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1. O parâmetro representa a medida inversa do ganho de eficiência
da fusão. Presumimos que a vantagem de custo adquirida pela empresa fruto da fusão não
é grande o suficiente para forçar as outsiders a deixar o mercado (essa possibilidade é
considerada dentro do modelo mais geral, na seção “Dano por eficiência: quando a fusão
leva à saída de outsiders”).

As funções de lucro das empresas oriundas da fusão e das outsiders são dadas por
𝜋𝐼 = ∑2𝑖=1(𝑝𝑖 − 𝑒𝑐)𝑞𝑖 e, onde 𝑞1 , 𝑞2 , 𝑞3 são definidas pelas funções de demanda (5.2).
Tomando as CPOs, 𝜕𝜋𝐼 /𝜕𝑝1 = 0, 𝜕𝜋𝐼 /𝜕𝑝2 = 0, 𝜕𝜋𝑂 /𝜕𝑝3 = 0 e rearranjando-as,
derivam-se as funções de melhor resposta para um dos produtos da empresa fruto da fusão
e para a outsider, conforme segue:

3𝑣 + (3 + 𝛾)𝑐𝑒 + 2𝛾𝑝2 + 𝛾𝑝3


𝑅𝐼𝑒 ∶ 𝑝1 = ;
2(3 + 2𝛾)
(5.17)
−3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝2 + 2(3 + 2𝛾)𝑝3
𝑅𝑂 ∶ 𝑝1 = .
𝛾

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
56

Figura Q5.3 Efeitos de uma fusão com ganhos de eficiência.

Como mostra a Figura Q5.3, a existência de ganhos de eficiência afeta a posição


das funções de melhor resposta dos produtos da insider: quanto mais baixo 𝑒, mais baixo
𝑅𝑖𝑒 . Em particular, se 𝑒 for suficientemente pequeno, a função de melhor resposta 𝑅𝐼𝑒
estará abaixo (em vez de acima) da função pré-fusão 𝑅𝐼 , determinando uma redução de
preço (em vez de um aumento) a um novo equilíbrio de fusão. Assim, quando existem
ganhos de eficiência suficientemente grandes, o excedente do consumidor crescerá com
a fusão.

Em seguida, note que, quando os novos preços de equilíbrio são menores (como
no ponto 𝐸), a outsider será prejudicada pela fusão: ambas as empresas estabelecerão
preços mais baixos que na situação pré-fusão, e a outsider continuará com os mesmos
custos de produção de antes (enquanto a empresa fruto da fusão terá custos de produção
mais baixos). Assim, a fusão reduzirá seus lucros.

Uma prova formal de que, quando um ganho de eficiência é grande o suficiente,


a fusão aumenta o excedente do consumidor e o bem-estar é dada na seção “Um modelo
mais geral”, a seguir, para o caso geral de 𝑛 empresas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
57

Quadro 5.2 – Um modelo mais geral * *

Nesta seção, apresentamos uma versão mais geral do modelo de n-produtos,


analisado antes. Primeiro, analisaremos brevemente os efeitos de uma fusão segundo as
mesmas linhas anteriores, com o tratamento adicional do caso em que uma fusão pode
levar à saída das outsiders.

Q5.2.1 – O modelo

Presumimos a seguinte função utilidade:

𝑛 𝑛 𝑛 2
𝑛 𝛾
𝑈 = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ] + 𝑦, (5.18)
2(1 + 𝛾) 𝑛
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1

onde 𝛾 é um bem externo, 𝑞𝑖 é a quantidade do i-ésimo produto, 𝑣 é o parâmetro positivo,


𝑛 é o número de produtos na indústria, 𝛾 ∈ [0, ∞) representa o grau de substituibilidade
entre os produtos. A função utilidade sendo quase linear, as decisões dos consumidores
do bem externo não afetam as decisões com relação ao bem diferenciado, que podemos
analisar em um arcabouço de equilíbrio parcial.

Da maximização da função utilidade sujeita à restrição de incentivo, podemos


derivar as funções de demanda inversas como

𝑛
1
𝑝𝑖 = 𝑣 − (𝑛𝑞𝑖 + 𝛾 ∑ 𝑞𝑗 ). (5.19)
1+𝛾
𝑗=1

Invertendo esse sistema, podemos encontrar as seguintes funções de demanda


direta:

𝑛
1 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ]. (5.20)
𝑛 𝑛
𝑗=1

Entre as propriedades das funções de demanda, repare que demanda agregada 𝑄 =


∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 não depende do grau de substituição entre os produtos, como 𝑄 = ∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 = 𝑣 −

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
58

1
∑𝑛𝑖=1 𝑝𝑖 . Note também que, no caso da simetria (𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝), a demanda agregada não
𝑛

muda com o número de produtos existentes na indústria, como 𝑄 = ∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 = 𝑣 − 𝑝.


Presuma também, a menos que se estabeleça de forma contrária, que todas as empresas
tenham função de custos idênticas 𝐶(𝑞𝑖 ) = 𝑐𝑞𝑖 , com 𝑐 < 𝑣.

Q5.2.2 – Efeitos unilaterais com ganhos de eficiência

Nesta seção, mostramos que as fusões que não geram ganhos de eficiência
fortalecem poder de mercado e reduzem bem-estar. Consideramos aqui o caso dos efeitos
unilaterais de uma fusão. Por conseguinte, presumimos que um resultado colusivo não
possa ser atingido nem antes nem depois de uma fusão.

Q5.2.2.1 – Efeitos da fusão e poder de mercado

Considere primeiro o caso em que existe uma empresa multiproduto I, que vende
os primeiros produtos da indústria, enquanto os produtos restantes (𝑛– 𝑚) são vendidos
por empresas monoprodutoras. Uma fusão entre uma multiprodutora “grande” e uma
monoprodutoras “pequena” pode ser estudada pelo efeito do aumento de uma unidade (de
𝑚 para 𝑚 + 1) no número de produtos pertencentes à empresa grande, com as demais
empresas vendendo apenas um produto.

Para encontrar o equilíbrio da indústria, escreva as funções de lucro da empresa


multiproduto e de cada uma das outsiders como se segue:

𝑚 𝑚 𝑛
(𝑝𝑖 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝐼 = ∑ (𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + (∑ 𝑝𝑗 + ∑ 𝑝𝑘 )), (5.21)
𝑛 𝑛
𝑖=1 𝑗=1 𝑘=𝑚+1

𝑚 𝑛
(𝑝𝑘 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝑘 = (𝑣 − 𝑝𝑘 (1 + 𝛾) + (∑ 𝑝𝑙 + 𝑝𝑘 + ∑ 𝑝𝑗 )) ,
𝑛 𝑛 (5.22)
𝑙=1 𝑗=𝑚+1,𝑗≠𝑘

𝑘 = 𝑚 + 1, … , 𝑛.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59

Tomando as primeiras derivadas 𝜕𝜋𝐼 ⁄𝜕𝑝𝑖 = 0 e 𝜕𝜋𝑘 ⁄𝜕𝑝𝑘 = 0, impondo simetria


aos preços da multiprodutora (𝑝𝑖 = 𝑝𝐼 para 𝑖 = 1, . . . , 𝑚) e das outsiders (𝑝𝑘 = 𝑝𝑜 para
𝑘 = 𝑚 + 1, . . . , 𝑛), as condições de primeira ordem são:

𝑚𝛾 𝛾(𝑛 − 𝑚)𝑝𝑜 𝑚𝛾
𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 −
)+ − 2𝑝𝐼 (1 + 𝛾 − )=0
𝑛 𝑛 𝑛
𝛾 𝑚𝛾𝑝𝐼 𝛾(𝑛 − 𝑚 + 1) (5.23)
𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 − ) + − 𝑝𝑜 (2(1 + 𝛾) − ) = 0.
{ 𝑛 𝑛 𝑛
Resolvendo o sistema, obtêm-se os preços de equilíbrio como:

𝑝𝐼 (𝑚𝑗 )
𝑐(𝑛𝛾(4𝑛 − 2𝑚 − 1) + 2𝑛2 + 𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚)) + 𝑛𝑣(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 1)) (5.24)
= ,
𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚) + 2𝛾𝑛(3𝑛 − 𝑚 − 1) + 4𝑛2
𝑝𝑜 (𝑚𝑗 )
𝑐(𝑛𝛾(4𝑛 − 𝑚 − 2) + 2𝑛2 + 𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚)) + 𝑛𝑣(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 𝑚)) (5.25)
= .
𝛾 2 (2𝑛2 − 𝑛𝑚 − 2𝑛 − 𝑚2 + 2𝑚) + 2𝛾𝑛(3𝑛 − 𝑚 − 1) + 4𝑛2
Pode-se verificar que 𝜕𝑝𝐼 /𝜕𝑚 > 0 e 𝜕𝑝𝑜 /𝜕𝑚 > 0, implicando que, quanto maior
a empresa multiprodutora (quanto mais alto m para determinado número de produtos 𝑛
vendidos na indústria), mais altos serão os preços de equilíbrio tanto das insiders quanto
das outsiders depois da fusão. Reciprocamente, 𝜕𝑝𝐼 /𝜕𝑛 < 0 e 𝜕𝑝𝑜 /𝜕𝑛 < 0: uma fusão
que envolva certo número de empresas resultará em preços de equilíbrio mais elevados,
número de empresas 𝑚 resultarão em preços de equilíbrio mais elevados quanto menor o
número de empresas na indústria, ou seja, quanto mais concentrada for a indústria.

Q5.2.2.2 – O efeito sobre o bem -estar de uma fusão

Para mostrar mais formalmente o efeito de uma fusão, focalizemos o caso em que
existem n monoprodutoras e ocorre uma fusão entre duas delas. Por conseguinte, temos
de comparar a solução de equilíbrio para o caso pré-fusão 𝑚 = 1 com o caso pós–fusão
𝑚 = 2.

Substituindo 𝑚 = 1 na equação (5.24), obtemos o preço de equilíbrio pré-fusão


𝑝𝑏 = 𝑝𝐼 (1) = 𝑝𝑜 (1):

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
60

𝛾
(𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 − ))
𝑛 (5.26)
𝑝𝑏 = 𝛾 .
2+𝛾−𝑛

A quantidade vendida por cada empresa no equilíbrio é dada por

(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)
𝑞𝑏 = , (5.27)
𝑛(2𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)
e o lucro por empresa é

(𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)
𝜋𝑏 = . (5.28)
(2𝑛 + 𝑛𝛾 − 𝛾)2
Uma fusão gera uma empresa com dois produtos. Podemos encontrar os valores
do equilíbrio pós-fusão 𝑝𝐼 (2), 𝑝𝑜 (2), (que denotaremos, por simplicidade 𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 )
substituindo 𝑚 = 2 nas equações (5.24) e (5.25):

𝑐(2𝑛(𝑛 − 2)𝛾 2 + 𝑛(3𝑛 − 5)𝛾 + 2𝑛2 ) + 𝑛𝑣(2𝑛 + (2𝑛 − 1)𝛾)


𝑝𝐼 = , (5.29)
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
𝑐(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(𝑛 + 𝑛𝛾) + 𝑛𝑣(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
𝑝𝑜 = . (5.30)
𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
Após substituir, obtêm-se as quantidades e os lucros por produto da empresa
fusionada e das outsiders como

(2𝑛2 + 𝑛(4𝑛 − 5)𝛾 + (2𝑛2 − 5𝑛 + 2)𝛾 2 )(𝑣 − 𝑐)


𝑞𝐼 = ; (5.31)
2𝑛2 (2𝑛 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + (𝑛 − 2)𝛾 2 )2
(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)2 (𝑣 − 𝑐)
𝑞𝑜 = ; (5.32)
2𝑛2 (2𝑛 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + (𝑛 − 2)𝛾)2
2
𝑐(𝑛(𝑛 − 2 − 3(𝑛 − 1))𝛾 − 2𝑛2 ) + 𝑛𝑣(2𝑛 + (2𝑛 − 1)𝛾)
𝜋𝐼 = (𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾) ( ) ; (5.33)
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
2
−𝑐(𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + 𝑛2 ) + 𝑛𝑣(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
𝜋𝑜 = (𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾) ( ) . (5.34)
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
Lema 5.1 A fusão aumenta preços e reduz o excedente do consumidor.

Prova. A primeira parte do lema já foi mostrada: a fusão aumenta 𝑚 de 1 para 2,


e tanto os preços das insiders quanto os das outsiders aumentam com 𝑚. Dado que todos
os produtos são vendidos antes e depois da fusão, os consumidores ficam em
desvantagem, pois ela eleva preços para todos os produtos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
61

Quando duas empresas se fundem, levam em conta as externalidades pecuniárias


negativas que impõem uma à outra e elevam seus preços. As outras empresas reagem
aumentando seus preços (nos modelos, os produtos são complementos estratégicos) mas
não tanto quanto a empresa em fusão.

Lema 5.2 A fusão beneficia a empresa fusionada.

Prova. Primeiro, repare que 𝑝𝑏 < 𝑝𝐼 e 𝑝𝑏 < 𝑝𝑜 . Segue-se desse resultado que
𝜕𝑝𝐼 /𝜕𝑚 > 0 e 𝜕𝑝𝑜 /𝜕𝑚 > 0, lembrando que 𝑝𝐼 = 𝑝𝐼 (2) > 𝑝𝑏 = 𝑝𝐼 (1) e que 𝑝𝑜 =
𝑝𝑜 (2) > 𝑝𝑏 = 𝑝𝑜 (1).

Denote o lucro por produto ganho pela fusionada como 𝜋𝐼 = 𝜋𝐼 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ), onde 𝑝𝐼
denota o vetor dos (dois) preços próprios, e 𝑝𝑜 , o vetor dos outros preços (𝑛– 2) cobrados
pelas outsiders. Já que os bens são substitutos, deve ocorrer que 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑜 ).
Em outras palavras, os lucros de equilíbrio obtidos pelas fusionadas antes da fusão devem
ser mais baixos do que obteriam se as concorrentes cobrassem um preço 𝑝𝑜 > 𝑝𝑏 .
Contudo, também sabemos que a melhor resposta das fusionadas ao preço 𝑝𝑜 escolhido
pelas outsiders é 𝑝𝐼 > 𝑝𝑏 . Consequentemente, deve ocorrer que: 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝0 ) < 𝜋𝐼 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ).
Então 𝜋𝐼 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝐼 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ).

Lema 5.3 A fusão aumenta lucros para as outsiders.

Prova. Sabemos que 𝑝𝑏 < 𝑝𝐼 e 𝑝𝑏 < 𝑝𝑜 . Usando a mesma notação do lema


anterior, e dado que os bens e a demanda são substitutos, temos que, para cada uma das
outsiders, 𝜋𝑜 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝑜 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑏 ). Além disso, sabemos que a melhor resposta de cada
uma para o preço 𝑝𝑜 escolhido pela fusionada é 𝑝𝑜 > 𝑝𝑏 . Consequentemente, devemos
ter 𝜋𝑜 (𝑝𝐼 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝑜 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ). Isso nos permite concluir que 𝜋𝑜 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝑜 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ).

Esse resultado não depende de as empresas competirem em preços ou quantidades


ou dobrarem-se aos efeitos de carona usufruídos pelas outsiders: quando as fusionadas
elevam seus preços (ou reduzem sua produção), diminuem a externalidade negativa,
afetando toda a indústria. As outsiders se beneficiarão também da fusão.

Agora, podemos afirmar:

Lema 5.4 A fusão aumenta o excedente do produtor.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
62

Prova. Esse fato segue-se trivialmente de que fusões aumentam tanto os lucros
das fusionadas quanto os das outsiders, conforme estabelecido no lema anterior

Lema 5.5 A fusão reduz o bem-estar líquido.

Prova. Veja a seção Q5.2.5

Q5.2.3 – Ganhos de eficiência oriundos da fusão

Nesta seção, ilustramos o papel dos ganhos de eficiência na análise de fusões. O


caso pré-fusão já foi analisado na seção anterior, para o caso em que 𝑚 = 1: os preços,
quantidades e os lucros de equilíbrio são dados pelas equações (5.26), (5.27) e (5.28).

Uma fusão entre duas empresas cria uma maior que possuirá e venderá duas
variedades de produtos. Presuma que, ao combinar seus ativos, as fusionadas podem
ganhar em eficiência com relação às monoprodutoras e serem capazes de operar ao custo
unitário 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1. Quanto mais baixo o parâmetro 𝑒, mais altos os ganhos de
eficiência propiciados pela fusão. Em outras palavras, a proporção de custos
economizados pela fusão é 100(1– 𝑒)%. Mostramos agora que, entre outros fatores,
quanto mais elevados os ganhos de eficiência criados por uma fusão, mais provável que
ela gere ganhos de bem-estar.

Para encontrar o equilíbrio da indústria depois da fusão entre as duas empresas,


(𝐼 = 1, 2), escreva a função de lucro (por variedade) das fusionadas (insiders) e de cada
uma das outsiders, conforme segue:

𝑛
(𝑝𝐼 − 𝑒𝑐) 𝛾
𝜋𝐼 = (𝑣 − 𝑝𝐼 (1 + 𝛾) + (2𝑝𝐼 + ∑ 𝑝𝑖 )) , 𝐼 = 1,2; (5.35)
𝑛 𝑛
𝑖=3

𝑛
(𝑝𝑗 − 𝑐) 𝛾
𝜋𝑗 = (𝑣 − 𝑝𝑗 (1 + 𝛾) + (2𝑝𝐼 + 𝑝𝑗 + ∑ 𝑝𝑖 )) ,
𝑛 𝑛 (5.36)
𝑖=3,𝑖≠𝑗

𝑗 = 3, … , 𝑛,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
63

onde usamos simetria nos preços das empresas que se fundem: 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑝𝐼 . Impondo a
mesma simetria aos preços das outsiders, de forma que 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝𝑜 , as condições de
primeira ordem são dadas por

2𝛾 𝛾(𝑛 − 2)𝑝𝑜 2𝛾
𝑣 + 𝑒𝑐 (1 + 𝛾 − )+ − 2𝑝𝐼 (1 + 𝛾 − ) = 0
𝑛 𝑛 𝑛
𝛾 2𝛾𝑝𝐼 𝛾 𝛾(𝑛 − 3) (5.37)
𝑣 + 𝑐 (1 + 𝛾 − ) + − 𝑝𝑜 (2 (1 + 𝛾 − ) − ) = 0.
{ 𝑛 𝑛 𝑛 𝑛
Resolvendo essa expressão em 𝑝𝑜 e 𝑝𝐼 , obtêm-se os preços de equilíbrio após a
fusão como

𝑐((𝑛 − 2)(𝑒𝑛 + 𝑛 + 𝑒 − 1)𝛾 2 + 𝑛(3𝑒𝑛 − 3𝑒 − 2)𝛾 + 2𝑒𝑛2 ) + 𝑛𝑣(2𝑛 + (2𝑛 − 1)𝛾)


𝑝𝐼 = , (5.38)
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
𝑐(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(𝑛 + (𝑛 − 1 + 𝑒)𝛾) + 𝑛𝑣(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
𝑝𝑜 = . (5.39)
𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
Após substituição, obtém-se o lucro por produto da fusionada e das outsiders
como

𝜋𝐼 = (𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾) ×
2
𝑐 ((1 − 𝑒)(2 − 3𝑛 + 𝑛2 )𝛾 2 + 𝑛(𝑛 − 2 − 3𝑒(𝑛 − 1))𝛾 − 2𝑒𝑛2 ) + 𝑛𝑣(2𝑛 + (2𝑛 − 1)𝛾) (5.40)
( ) ,
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)

2
−𝑐((1 − 𝑒)(𝑛 − 2)𝛾 2 + 𝑛(𝑛 − 𝑒)𝛾 + 𝑛2 ) + 𝑛𝑣(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
𝜋𝑜 = (𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾) ( ) . (5.41)
2𝑛((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)

Encontremos agora o efeito da fusão sobre o excedente do consumidor, os lucros


das empresas e o bem-estar líquido, usando como referência as soluções de equilíbrio na
indústria antes da fusão, e sob a hipótese de que a fusão não reduz o número de produtos
vendidos no mercado (a seção “Dano por eficiência: quando a fusão leva à saída de
outsiders” relaxa essa hipótese).

Efeito da fusão sobre o excedente do consumidor. O seguinte lema fornece a


condição necessária e suficiente que resulta em preços mais baixos, beneficiando os
consumidores.

Lema 5.6 A fusão é benéfica para os consumidores apenas se envolver ganhos de


eficiência suficientes, isto é, se, e apenas se

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
64

𝑐((𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾 2 + 𝑛(3𝑛 − 4)𝛾 + 2𝑛2 ) − 𝑛𝑣𝛾


𝑒 ≤ 𝑒̄ ≡ . (5.42)
𝑐(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
Prova. Já que estamos considerando o caso em que todos os produtos são vendidos
antes e depois da fusão, uma condição suficiente para que os consumidores se beneficiem
mais é que os preços de todos os produtos baixem após a fusão. Contudo, verifica-se que
as condições para 𝑝𝑜 ≤ 𝑝𝑏 coincidem com as condições para 𝑝𝐼 ≤ 𝑝𝑏 : ambas requerem
𝑒 ≤ 𝑒. Isso implica que ambas são necessárias e suficientes. É fácil verificar que é o caso
por meio de cálculos algébricos simples, embora tediosos. Escreva 𝛥𝑝𝑜 (𝑒) = 𝑝𝑜 (𝑒) −
𝑝𝑏 . A desigualdade 𝛥𝑝𝑜 (𝑒) = 0 é satisfeita apenas por 𝑒 ≤ 𝑒. Da mesma maneira, é
possível verificar que 𝛥𝑝𝐼 (𝑒) = 𝑝𝐼 (𝑒) − 𝑝𝑏 ≤ 0 também se resolve apenas para 𝑒 ≤ 𝑒.

O lema anterior pode ser lido como se segue. Primeiro, os consumidores se


beneficiarão da fusão apenas se os preços caírem. Segundo, os preços caem apenas se
houver suficientes ganhos de eficiência.

Note também que 𝑒 ≤ 𝑒 pode ser reescrito como −𝑛𝛾(𝑣 − 𝑐) < 0. Isso implica
que uma fusão que não gere ganhos de eficiência (ou fusão tal que 𝑒 = 1) sempre vai
elevar preços e nunca vai ampliar o excedente do consumidor.

O leitor poderá verificar que 𝜕𝑒̄ /𝜕𝑛 > 0. Quanto maior o número de empresas,
menores os ganhos de eficiência requeridos para elevar o excedente do consumidor: como
é fundamental que o valor de e– aumente, é mais fácil que a condição 𝑒 ≤ 𝑒 seja satisfeita.
Quando um grande número de empresas opera na indústria, um aumento de preço após a
fusão entre duas delas é uma possibilidade muito reduzida. Cada uma internaliza a
externalidade sobre o preço do parceiro, mas, com um número maior de outsiders, o efeito
da fusão sobre preços torna-se marginal, e um pequeno ganho de eficiência pode
contrabalançar seu efeito negativo. No outro extremo, quando há apenas duas empresas
na indústria, a fusão criará um monopólio que resultará no máximo aumento de poder de
mercado: apenas aumentos extremamente altos de ganhos de eficiência poderiam, em
princípio, contrabalançar o efeito negativo sobre o bem-estar devido aos preços mais
altos. Isso fortalece a racionalidade de se confrontarem fusões que ocorram em indústrias
mais concentradas.

O impacto da fusão sobre o excedente do produtor. Voltemo-nos agora para o


efeito da fusão sobre os lucros da empresa, descartando a hipótese de que ela não force a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
65

produção das outsiders a zero. O primeiro passo é estudar o impacto da fusão nos lucros
das insiders. Na primeira situação de concorrência por preço que estamos analisando, as
fusionadas sempre obtêm vantagem, independentemente de haver ganhos de eficiência,
conforme os comentários seguintes detalharão.

Comentário 5.1 A fusão beneficia as fusionadas.

Prova. Lembre-se de que, mesmo sem ganhos de eficiência, uma fusão é lucrativa
para as fusionadas (veja o Lema 5.2). Isso implica que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) ≡ 2(𝜋𝐼 (𝑒) − 𝜋𝑏 ) > 0 para
𝑒 = 1. Em seguida, pode-se verificar que a função 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) é convexa:

𝜕 2 𝛥𝐼𝑏 𝑐 2 (𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(3𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛2 + (𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾)2


= 2 > 0. (5.43)
𝜕𝑒 2 𝑛4 ((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
Para termos certeza de que 𝛥𝐼𝑏 é sempre positiva, precisamos apenas checar se a
primeira derivada não muda de sinal no seu domínio. Dado que 𝜕𝛥𝐼𝑏 /𝜕𝑒 é negativo
quando avaliado a 𝑒 = 𝑒̄ < 0, equivale a verificar que 𝜕𝛥𝐼𝑏 /𝜕𝑒 < 0 a 𝑒 = 1. Com um
pouco de álgebra, temos que

𝜕𝛥𝐼𝑏
(𝑒 = 1)
𝜕𝑒
𝑐(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + 𝛾(𝑛 − 2))(2𝑛2 + 3𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + (𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾 2 )(2𝑛2 + 𝑛(2𝑛 − 1)𝛾) (5.44)
=− 2
𝑛4 ((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
< 0.
Quanto mais baixo 𝑒 (mais fortes os ganhos de eficiência), mais lucrativa a fusão,
fato que completa a prova de que fusionadas sempre ganham com a fusão.

O próximo passo é mostrar que a fusão sempre beneficia as outsiders, a menos


que haja ganhos de eficiência suficientes para as empresas em fusão.

Comentário 5.2 A fusão aumentará os lucros das outsiders se os ganhos de


eficiência forem suficientemente pequenos, isto é, se 𝑒 ≤ 𝑒.

Prova. Sabemos, da seção anterior, que, se não houver ganhos de eficiência, os


ganhos das outsiders oriundos da fusão serão: 𝜋𝑜 (𝑝𝑏 , 𝑝𝑏 ) < 𝜋𝑜 (𝑝𝐼 , 𝑝𝑜 ) para 𝑒 = 1. O
próximo passo é definir a função 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) ≡ (𝑛 − 2)(𝜋𝑏 − 𝜋𝑜 (𝑒)), cujo sinal nos dirá se
há ganhos para as outsiders oriundos da fusão. Primeiro, note que 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) = 0. Quando
𝑒 ≤ 𝑒, temos 𝑝𝑜 = 𝑝𝐼 = 𝑝𝑏 . Consequentemente, segue-se que 𝑞𝑜 = 𝑞𝐼 = 𝑞𝑏 . Isso implica

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
66

que 𝜋𝑜 = (𝑝𝑜 − 𝑐)𝑞𝑜 = (𝑝𝑏 − 𝑐)𝑞𝑏 = 𝜋𝑏 , dado que a fusão não afeta os custos de
produção das outsiders. Finalmente, é fácil ver que, enquanto 𝜋𝑏 não é uma função de 𝑒,
a função 𝑝𝑜 (𝑒) aumenta com 𝑒. Assim, 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) é decrescente no seu domínio. Por
consequência, 𝜋𝑏 ≤ 𝜋𝑜 (𝑒) para 𝑒 ≥ 𝑒.

A proposição seguinte estabelece que, mesmo que as outsiders possam perder com
a fusão (se existirem importantes ganhos de eficiência para as fusionadas), os lucros da
indústria podem crescer com a fusão.

Lema 5.7 A fusão sempre aumenta o excedente do produtor.

Prova. Veja a seção Q5.2.5.

O efeito líquido sobre o bem-estar da fusão. Podemos agora olhar para o efeito
geral da fusão sobre o bem-estar e estabelecer a seguinte condição suficiente:

Lema 5.8 A fusão aumenta o bem-estar líquido se envolver suficientes ganhos de


eficiência, isto é, se

𝑐((𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾 2 + 𝑛(3𝑛 − 4)𝛾 + 2𝑛2 ) − 𝑛𝑣𝛾


𝑒 ≤ 𝑒̄ ≡ .
𝑐(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
Prova. Uma condição suficiente (mas não necessária) para o bem-estar aumentar
com a fusão é que tanto o excedente do consumidor quanto o do produtor se expandam.
Os dois lemas anteriores mostraram que, para 𝑒 ≤ 𝑒, os consumidores ganham, e os lucros
também sobem. Assim, o bem-estar aumenta nesse intervalo.

Isso conclui nosso tratamento técnico sobre os ganhos de eficiência feito sob a
hipótese de que todas as outsiders continuem a operar na indústria depois da fusão. A
próxima seção considera a possibilidade de que, após a fusão, algumas outsiders sejam
expulsas do mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
67

Q5.2.4 – Dano por eficiência: quando a fusão leva à saída de outsiders

É concebível que a fusão, por tornar as partes mais eficientes com relação às
outsiders, possa fazer as primeiras forçarem as últimas para fora do mercado. Vamos
agora analisar essa possibilidade e suas implicações.

Para que as outsiders não vendam nada após a fusão, devemos ter 𝑞𝑜 ≤ 0. A
quantidade vendida por elas pode ser derivada das equações (5.38) e (5.39). A fusão leva
as fusionadas serem as únicas vendedoras se

𝑐(𝑛2 (1 + 𝛾) + (𝑛 − 2)𝛾 2 ) − 𝑛(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)𝑣


𝑒 ≤ 𝑒𝑒𝑥 = . (5.45)
𝑐𝛾(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)
Note que 𝑒𝑒𝑥 é negativo quando 𝑛 é grande o suficiente e quando 𝛾 é pequeno o
suficiente, implicando que, se a indústria não for muito concentrada e os produtos forem
substitutos imperfeitos, a fusão nunca resultará em outsiders deixando a indústria, mesmo
no caso de importantes ganhos de eficiência por parte das insiders. Vê-se isso diretamente
de 𝜕𝑒𝑒𝑥 /𝜕𝑛 < 0 e de 𝜕𝑒𝑒𝑥 ⁄𝜕𝛾 > 0. No caso extremo em que os bens sejam perfeitamente
homogêneos, uma melhoria no custo marginal será suficiente para forçar as outras
empresas para fora da indústria (lim 𝑒𝑒𝑥 = 1).
𝛾→∞

Quando a empresa sob fusão é a única restante no mercado, ela cobrará preço de
monopólio 𝑝𝑚 = (𝑒𝑐 + 𝑣)/2 para cada variedade. É fácil verificar que o nível de bem-
estar atingido nessa situação é dado por

3(𝑣 − 𝑒𝑐)2
𝑊𝑀 = . (5.46)
8
A fusão é benéfica para a sociedade como um todo se 𝑊𝑀 > 𝑊𝑏 , onde o último
termo indica o nível de bem-estar antes da fusão e é dado por 𝑊𝑏 = (𝛾 2 (𝑛 − 1)2 +
4𝛾𝑛(𝑛 − 1) + 3𝑛2 )(𝑣 − 𝑐)2 /[2(2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)2 ]. Pode-se mostrar que 𝑊𝑀 ≥ 𝑊𝑏 se

𝑣 2√3𝑛2 + 4𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + (𝑛 − 1)2 𝛾 2


𝑒 ≤ 𝑒𝑤 = − . (5.47)
𝑐 √3𝑐 (𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
Pode-se verificar que 𝜕𝑒𝑤 /𝜕𝛾 < 0 e 𝜕𝑒𝑤 /𝜕𝑛 < 0. Isso significa que, quanto mais
substituíveis forem os produtos e maior o número de empresas, mais improvável que a
fusão que dá ensejo a um monopólio (com dois produtos) aumente o bem-estar. A razão

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
68

por trás desse resultado é que um maior número de empresas ou bens menos diferenciados
implicam bem-estar mais alto anterior à fusão, em virtude da concorrência mais forte no
mercado.

Figura Q5.4 Níveis de ganhos de eficiência e exclusão de concorrentes.

A Figura 4 ajuda a explicar os efeitos da fusão que leva a um monopólio (isto é,


quando 𝑒 < 𝑒𝑒𝑥 ). Há duas possibilidades diferentes:

• 𝑒𝑤 < 𝑒 < 𝑒𝑥 . Neste caso, o ganho de eficiência é suficiente para que as


fusionadas formem o único vendedor, mas esse poder de monopólio se dá em
detrimento do bem-estar dos consumidores e do bem-estar total.
• 𝑒 < 𝑒𝑤 < 𝑒𝑒𝑥 . Neste caso, a fusão cria uma empresa tão eficiente que a falta
de concorrência no mercado é mais que compensada pelos ganhos de
eficiência. O bem-estar total aumenta como resultado.

Em outras palavras, mesmo que uma fusão dê ensejo a um monopólio, não será
possível concluir que ela gere necessariamente uma perda de bem-estar, já que os mesmos
ganhos de eficiência que obrigam as concorrentes a sair do mercado podem beneficiar os
consumidores.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
69

Para melhor interpretar os resultados obtidos, considere que o exemplo usado aqui
é, em alguns aspectos, extremo, por pelo menos três importantes razões: primeira, ele não
considera restrições de capacidade, já que, implicitamente, presumimos que a fusionada
possa cobrir toda a demanda do mercado suprida por todas as n empresas antes da fusão.
Trata-se de uma hipótese muito forte, que possibilita que uma única empresa atenda a
todo o mercado.

Segunda, neste modelo, se uma outsider deixar o mercado, todas as demais


também cessarão a produção. Como resultado, ganhos de eficiência suficientemente
fortes levam a fusionada ao monopólio, o que, por sua vez, cria forte poder de monopólio
e reduz bem-estar. Em um modelo mais sofisticado, presumiríamos um leque de custos
de produção para as outsiders, com algumas forçadas para deixar o mercado por conta
dos ganhos de eficiência oriundos da fusão; outras não. O impacto sobre o bem-estar seria,
portanto, menos adverso. De fato, poderia levar a um resultado mais eficiente, viabilizado
pelo fechamento das plantas dos competidores menos eficientes.

Terceira, este é um modelo estático, em que as outsiders não podem reagir à fusão
das empresas. Mas, se a fusão gera tamanhos ganhos de eficiência, deveria se esperar que
as concorrentes se fundissem também, o que demandaria um modelo mais completo, em
que o número de fusões seria determinado endogenamente, algo além do escopo deste
livro.

Para resumir, a possibilidade de que uma fusão que implique ganhos de eficiência
possa reduzir bem-estar por forçar a saída de muitos ou todos os concorrentes parece
improvável, na medida em que tal resultado ocorre apenas sob hipóteses muito fortes.

Q5.2.5 – Provas

Prova do Lema 5.5 O bem-estar é definido como a soma dos excedentes do


consumidor e do produtor. No caso da fusão, o bem-estar é definido como

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
70

𝑊𝑚 = 𝑈(𝑞𝐼 , 𝑞𝑜 ) − 2𝑝𝐼 𝑞𝐼 − (𝑛 − 2)𝑝𝑜 𝑞𝑜 + 2(𝑝𝐼 − 𝑐)𝑞𝐼


+ (𝑛 − 2)(𝑝𝑜 − 𝑐)𝑞𝑜
𝑛 (5.48)
= 𝑣(2𝑞𝐼 + (𝑛 − 2)𝑞𝑜 ) −
2(1 + 𝛾)
𝛾
× (2𝑞𝐼2 + (𝑛 − 2)𝑞𝑜2 + (2𝑞𝐼 + (𝑛 − 2)𝑞𝑜 )2 ) − 2𝑐𝑞𝐼 − (𝑛 − 2)𝑐𝑞𝑜 .
𝑛
Substituindo as quantidades de equilíbrio na expressão anterior, obtemos

(2γ4 (n-2)2 n2 +6n4 +4γn4 (5n2 -5n-1)+3nγ2 (8n3 -16n2 +4n+1)+γ3 (12n4 -36n3 +24n2 -n+2)) (v-c)2
Wm = .
4n2 (2n+3(n-1)γ+(n-2)γ2 )2

(5.49)
O bem-estar antes da fusão, por sua vez, é dado por

𝑛2 𝑞𝑏2
𝑊𝑏 = 𝑣𝑛𝑞𝑏 − − 𝑛𝑐𝑞𝑏 . (5.50)
2
Substituindo as quantidades, temos

(𝛾 2 (𝑛 − 1)2 + 4𝛾𝑛(𝑛 − 1) + 3𝑛2 )(𝑣 − 𝑐)2


𝑊𝑏 = . (5.51)
2(2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)2
A diferença no bem-estar 𝛥𝑊 = 𝑊𝑚 − 𝑊𝑏 é dada por

ΔW=

γ(v-c)2 (γ4 (n-2)(n-1)2 +16n4 +4γn3 (10n-7)+4γ2 n2 (8n2 -11n+2)+γ3 n(8n3 -15n2 +5))
- <0
4n2 (2n+(n-1)γ)2 (2n+3(n-1)γ+(n-2)γ2 )2
(5.52)
Imediatamente vemos que a diferença é negativa, dado que o numerador é sempre
positivo para 𝑛 ≥ 2. Isso prova que (quando não há ganhos de eficiência) a fusão sempre
reduz o bem-estar.

Prova do Lema 5.7 Sabemos que os lucros totais da indústria aumentam quando
𝑒 ∈ [𝑒, 1], como no intervalo dos ganhos obtidos com a fusão entre insiders e outsiders.
Consequentemente, apenas precisamos mostrar que os lucros agregados aumentam nesse
intervalo 𝑒 ∈ [0, 𝑒].

Denote o excedente do produtor depois da fusão como 𝐸𝑃′ = 2𝜋𝐼 + (𝑛 − 2)𝜋𝑜 ,


e o excedente do produtor antes da fusão como 𝐸𝑃𝑏 = 𝑛𝜋𝑏 . Para que o excedente do
produtor se expanda com a fusão, temos, consequentemente, que 𝐸𝑃′ > 𝐸𝑃𝑏 ou,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
71

equivalentemente, 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) ≡ 2(𝜋𝐼 (𝑒) − 𝜋𝑏 ) > 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) ≡ (𝑛 − 2)(𝜋𝑏 − 𝜋𝑜 (𝑒)). Para
provar que é o caso no intervalo 𝑒 ≤ 𝑒, temos três etapas:

1. 𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ ) > 𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ ).


𝜕𝛥𝐼𝑏 𝜕𝛥𝑏𝑜
2. (𝑒̄ ) < (𝑒̄ ) < 0.
𝜕𝑒 𝜕𝑒
𝜕 2 𝛥𝐼𝑏 𝜕 2 𝛥𝑏𝑜
3. > 0 > .
𝜕𝑒 2 𝜕𝑒 2
Tomadas conjuntamente, essas três condições asseguram que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) > 𝛥𝑏𝑜 (𝑒),
para e 𝑒 ≤ 𝑒, como mostrado na Figura Q5.5.

Vamos começar com o Item 1. Para mostrar que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ ) > 𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ ), lembre-se de
que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) > 0 em todo seu domínio e que, quando 𝑒 = 𝑒̄ , temos 𝜋𝑜 = 𝜋𝑏 . Assim,
𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ ) = 2(𝜋𝐼 (𝑒̄ ) − 𝜋𝑏 ) > 0 = 𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ ) = (𝑛 − 2)(𝜋𝑏 − 𝜋𝑜 (𝑒̄ )).

Com relação ao Ponto 2, temos de calcular as derivadas e tomar seu valor em 𝑒 =


𝑒. Após cálculos algébricos, verificamos que

𝜕𝛥𝐼𝑏
(𝑒̄ )
𝜕𝑒
(5.53)
2𝑐(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)(3𝑛(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛2 + (𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾)
=− < 0;
𝑛2 (2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
𝜕𝛥𝑏𝑜 2𝑐(𝑣 − 𝑐)𝛾(𝑛 − 2)(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)(𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)
(𝑒̄ ) = − < 0. (5.54)
𝜕𝑒 𝑛2 (2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
72

Figura Q5.5 Estudo das funções usadas no Lema 5.7.

A desigualdade 𝜕𝛥𝐼𝑏 (𝑒̄ )/𝜕𝑒 < 𝜕𝛥𝑏𝑜 (𝑒̄ )/𝜕𝑒 pode ser reescrita como

2𝑐(𝑣 − 𝑐)(2𝑛3 + 𝑛2 (4𝑛 − 3)𝛾 + (𝑛2 − 3𝑛 + 2)𝛾 3 + 𝑛(2𝑛2 − 2𝑛 − 1)𝛾 2 )


− < 0, (5.55)
𝑛2 (2𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
que prova o Ponto 2.

Vejamos agora o Ponto 3, que consiste apenas em calcular as segundas derivadas


e mostrar que 𝛥𝐼𝑏 (𝑒) é convexa sempre que 𝛥𝑏𝑜 (𝑒) é côncava. Pode-se verificar que

𝜕 2 𝛥𝑏𝑜 2𝑐 2 (𝑛 − 2)(𝑛 + (𝑛 − 2)𝛾)2 (𝑛 + (𝑛 − 1)𝛾)


= − 2 < 0. (5.56)
𝜕𝑒 2 𝑛4 ((𝑛 − 2)𝛾 2 + 3(𝑛 − 1)𝛾 + 2𝑛)
Isto completa a prova.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73

Exercícios do Capítulo 5

Exercício 5.1 *(Lucratividade das Fusões.) No modelo de Salant, Switzer e Reynolds


(1983), 𝑛 empresas produzem um bem homogêneo e competem por quantidades. Os
autores mostram que fusões são quase sempre não lucrativas para as insiders. (a) Forneça
a intuição para o resultado obtido pelos autores. (b) Explique em que circunstâncias a
lucratividade de uma fusão para as fusionadas pode ser restaurada fazendo referência aos
modelos propostos pela literatura sobre fusões.

Exercício 5.2 *(Salant, Switzer e Reynolds, 1983.) Considere empresas idênticas, que
produzem um bem perfeitamente homogêneo com custo marginal constante 𝑐. A
demanda de mercado é dada por 𝑝 = 𝑎 − 𝑄, onde 𝑄 é o produto total produzido pela
indústria. A variável estratégica das empresas é o produto (jogo de Cournot). (1) Encontre
o equilíbrio de produção e lucros na situação pré-fusão, qual seja, quando todas as
empresas são independentes. (2) Considere agora uma fusão entre 𝑚 + 1 empresas (note
que, já que os produtos são homogêneos e não há restrição de capacidade, é como se
houvesse 𝑚 empresas a menos na indústria) e encontre o produto e lucro de equilíbrio
para cada empresa independente. (3) Mostre que as outsiders sempre ganham com uma
fusão. (4) Mostre que uma fusão que gera um monopólio sempre é lucrativa para as
fusionadas. (5) Pegue 𝑛 = 10 e mostre que uma fusão é lucrativa apenas se 𝑚 + 1 ≥ 9.

Exercício 5.3 *(Fusões de Cournot com ganhos de eficiência.) Considere uma indústria
com três empresas idênticas, cada uma vendendo um bem homogêneo e produzindo ao
custo 𝑐 > 0. A demanda é dada por 𝑝 = 1– 𝑄. A competição no mercado é por
quantidades. (1) Encontre as quantidades, os preços e os lucros de equilíbrio. (2)
Considere agora a fusão entre duas das três empresas, resultando em uma estrutura
duopolista do mercado. A fusão pode dar ensejo a ganhos de eficiência, no sentido de que
a empresa resultante da fusão produz ao custo 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1 (enquanto a outsider ainda
mantém o custo 𝑐). Encontre as quantidades, os preços e os lucros de equilíbrio pós-fusão.
(3) Em que circunstâncias a fusão reduz preços? (4) Em que circunstâncias a fusão é
benéfica para as fusionadas?

Exercício 5.4 **Considere o modelo descrito na seção “Efeitos unilaterais”. (1) Sob a
hipótese de que todas as empresas são monoprodutoras, encontre as funções de reação da
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
74

Empresa 𝑖 e da Empresa 𝑘 (respectivamente, 𝑅𝑖 e 𝑅𝑘 ) e desenhe-as no plano (𝑝𝑘 , 𝑝𝑖 ).


Mostre que são positivamente inclinadas e verifique se as condições de estabilidade são
atendidas. (2) Agora presuma que duas Empresas, 𝑖 e 𝑗, se fundem, e, como consequência
da fusão, seus custos de produção unitária sejam 𝑒𝑐 (com 𝑒 ≤ 1), enquanto todas as outras
não têm custos unitários 𝑐. Derive funções de reação para os Produtos 𝑖 e 𝑘 e compare
com os prévios 𝑅𝑖 e 𝑅𝑘 . Você espera que os preços pós-fusão sejam mais elevados no
equilíbrio?

Exercício 5.5 **Considere o modelo descrito na seção “Efeitos da fusão e poder de


mercado”, em que uma fusão criava uma empresa tendo m variedades de produtos e
enfrentando 𝑛– 𝑚 empresas monoprodutoras. Por simplicidade, considere o caso em que
há custos marginais zero, 𝑐 = 0. (a) Encontre a função de demanda residual com que a
empresa que vende 𝑚 variedades se defronta e a função de demanda residual com que a
empresa que vende 𝑠 se defronta. (b) Mostre que, conforme o número de produtos 𝑚
aumenta, a elasticidade da função de demanda residual se reduz.

Exercício 5.6 *(Fusões com competição por quantidade e bens diferenciados.) Os


consumidores têm a seguinte função utilidade para três bens diferenciados:

3 3 3 2
3 𝛾
𝑈 = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ] + 𝑦,
2(1 + 𝛾) 3
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1

onde 𝑦 é um bem externo. Cada um dos três bens é produzido com custos marginais
idênticos, 𝑐 ≥ 0. As empresas escolhem as quantidades no mercado. (1) Derive a inversa
da função de demanda para cada bem. (2) Encontre as quantidades e lucros de equilíbrio
pré-fusão para cada bem vendido por uma monoprodutoras. (3) Encontre as quantidades
e lucros de equilíbrio depois da fusão entre duas empresas, equilíbrio em que os Produtos
1 e 2 sejam vendidos pela mesma Empresa 𝐼, enquanto o Produto 3 ainda seja vendido
pela empresa independente. (4) Compare os lucros das fusionadas com os recebidos antes
da fusão. (5) Desenhe as funções de reação antes e depois da fusão e use a figura para
entender o efeito da fusão sobre a lucratividade.

Exercício 5.7 **(Competição por quantidade.) Use as funções de demanda inversa dadas
na equação (8.63) para estudar o modelo no qual as empresas competem por quantidade.
Mantenha todas as outras hipóteses daquela seção. (1) Encontre a quantidade 𝑞𝑐 , preço
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
75

𝑝𝑐 e os lucros 𝜋𝑐 obtidos pelas empresas no nível de equilíbrio de Nash em quantidades


(Cournot-Nash). (2) Agora considere o caso de uma fusão entre duas empresas (que
resulta em uma fusionada com custos unitários 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1, em vez de 𝑐) e derive
analiticamente quantidade, preço e lucros para insiders e outsiders. (3) (Salant, Switzer e
Reynolds (1983).) Presuma agora 𝑒 = 1 e 𝛾 → ∞. Sob que condições uma fusão é
lucrativa?

Exercício 5.8 **(Fusões com substitutos estratégicos.) Considere o exercício anterior. (1)
Sob a hipótese de que todas as empresas sejam monoprodutoras, derive as funções de
reação das Empresas 𝑖 e 𝑘 (respectivamente, 𝑅𝑖 e 𝑅𝑘 ) e desenhe-as no plano (𝑞𝑘 , 𝑞𝑖 ).
Mostre que são negativamente inclinadas e atendidas as condições de estabilidade. (2)
Agora suponha que duas Empresas, 𝑖 e 𝑗, realizem uma fusão e, como consequência, seu
custo unitário seja 𝑒𝑐, com 𝑒 ≤ 1, enquanto outras empresas têm custo unitário 𝑐. Derive
as funções de reação para os Produtos 𝑖 e 𝑘 sob essa hipótese. Desenhe as funções de
reação para os Produtos 𝑖 e 𝑘 e compare-os com 𝑅𝑖 e 𝑅𝑘 anteriores. Você espera que os
preços pós-fusão de equilíbrio sejam mais elevados?

Exercício 5.9 Há três vendedores, 𝐹1 , 𝐹2 e 𝐹3 , na indústria. Eles possuem capacidades


tecnológicas e participações de mercado comparáveis. Em uma noite de sexta-feira, as
Empresas 𝐹1 e 𝐹2 anunciam uma fusão. Na segunda-feira seguinte, primeiro dia útil
depois do anúncio, o preço das ações de 𝐹3 cai 15%. Explique: (1) isso é consistente com
o que prediz a teoria econômica? Em caso positivo, em que circunstâncias? (2)
Informações sobre quedas nos preços das ações podem ser de alguma relevância para as
autoridades de concorrência?

Exercício 5.10 Em um país, existem quatro produtores de cimento, cujos nomes


são Vodka, Tequila, Whisky e Cachaça respectivamente. Juntos, eles compõem 100% do
mercado. Cada uma das empresas no passado tentou novas localizações de produção, mas
regulamentações ambientais aplicadas estritamente no país não permitiram, de modo que
não há novas instalações nos últimos 30 anos. As quatro possuem conjuntamente (cada
uma com 1/4 de participação) a Empresa Rum, companhia que coordena as operações de
transporte e distribuição das diferentes plantas cimenteiras para os consumidores. A
Tequila fez uma oferta pública para comprar a totalidade das quotas da Vodka. A agência
antitruste do país recusou a autorização para o takeover, sob o fundamento de que tal

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
76

fusão criaria uma posição dominante. A empresa apelou para o Tribunal de Justiça,
argumentando que a fusão proporcionaria significativas economias de escala e de escopo,
assim como racionalização na distribuição e venda de cimento. Seu ponto foi sustentado
por um professor altamente renomado, que afirmou que as duas empresas poderiam
mesmo ter economizado 30% dos custos com a fusão e que os consumidores claramente
se beneficiariam desses ganhos de eficiência. Você é o magistrado: O que faria?

Exercício 5.11 Em função dos elevados custos de transporte, o mercado relevante


para cimento é usualmente considerado coincidente com fronteiras regionais. Na Região
1, a principal produtora de cimento é a Empresa 𝐴, que possui quase 75% do mercado, e
a segunda produtora é a Empresa 𝐶, com cerca de 20% do mercado (o restante é
compartilhado entre empresas menores). As duas sempre competiram ferozmente no
mercado, com recorrentes guerras de preços. Na Região 2, o principal produtor é a
Empresa 𝐵, com cerca de 50% do mercado, e o segundo vendedor é a Empresa 𝐴, com
30% de participação de mercado (todas as participações de mercado aqui correspondem
à participação na capacidade instalada, e todas as plantas são igualmente eficientes).
Agora, a Empresa 𝐶, ausente na Região 2, e a Empresa 𝐵 planejam uma fusão. Há razões
para que as autoridades de defesa da concorrência se preocupem?

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
77

Soluções dos Exercícios do Capítulo 5

Exercício 5.1

(a) Salant, Switzer e Reynolds (1983) presumem (1) competição por quantidade e (2)
ausência de ganhos de eficiência na fusão e observam que uma fusão entre duas
empresas é sempre prejudicial para as partes, a menos que resulte em um monopólio.
A intuição por trás desse resultado é que as partes em fusão internalizam a
externalidade pecuniária dada pelos preços muito baixos na indústria e reduzem sua
produção (o que tende a elevar preços); os bens sendo substitutos estratégicos (como
é o caso com concorrência por quantidade e funções de demanda linear), as empresas
externas à fusão responderão aumentando sua produção, em vez de reduzir, o que lhes
permitirá ganhar poder de mercado e moderar o aumento de preço. Como resultado, as
insiders perderão participação de mercado e lucros, na medida em que a quantidade
menor produzida não será compensada por aumento de preço na indústria.
(b) Este artigo abriu um debate sobre a lucratividade das fusões e pesquisas
subsequentes mostraram que, relaxando as hipóteses (1) e (2) anteriores, a
lucratividade das fusões seria restaurada. Com relação a (1), Deneckere e Davidson
(1985) mostraram que, quando os bens são complementos estratégicos, o aumento de
preços das empresas em fusão é seguido por aumento de preços das outsiders. Com
relação ao ponto (2), Perry e Porter (1985) mostraram que, mesmo sob a hipótese de
bens homogêneos e competição por quantidade, se existirem suficientes ganhos de
eficiência, a fusão será lucrativa.

Exercício 5.2

(1) Quando há empresas independentes na indústria, cada uma tem um lucro 𝜋𝑖 =


(𝑎 − 𝑐 − ∑𝑛𝑗=1 𝑞𝑗 )𝑞𝑖 . As condições de primeira ordem são dadas por 𝑎 − 𝑐 − 2𝑞𝑖 −
∑𝑗≠𝑖 𝑞𝑗 = 0. No equilíbrio simétrico, 𝑞(𝑛) = (𝑎 − 𝑐)/(𝑛 + 1) e 𝜋(𝑛) = (𝑎 − 𝑐)2 /
(𝑛 + 1)2 .
(2) Quando 𝑚 + 1 empresas se fundem, haverá 𝑛– 𝑚 empresas independentes
idênticas na indústria. O equilíbrio de quantidades e lucros na situação pós-fusão pode,
portanto, ser encontrado substituindo o número de empresas 𝑛– 𝑚 nas expressões de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
78

equilíbrio anteriores, para se obter 𝑞(𝑛 − 𝑚) = (𝑎 − 𝑐)/(𝑛 − 𝑚 + 1) e 𝜋(𝑛 − 𝑚) =


(𝑎 − 𝑐)2 /(𝑛 − 𝑚 + 1)2 .
(3) Uma outsider com relação à fusão sempre ganha, pois 𝜋(𝑛 − 𝑚) > 𝜋(𝑛).
(4) Para ver se a fusão beneficia ou não as insiders, deve-se considerar que, depois da
fusão, há apenas uma empresa realizando lucros 𝜋(𝑛 − 𝑚), enquanto, antes da fusão
há 𝑚 + 1 empresas, cada uma com lucros iguais a 𝜋(𝑛). Dessa forma, para ver se há
ganho para as fusionadas, temos de estudar a função 𝑔(𝑛, 𝑚) = 𝜋(𝑛 − 𝑚) −
(𝑚 + 1)𝜋(𝑛). Por substituição, 𝑔(𝑛, 𝑚) = (𝑎 − 𝑐)2 [1/(𝑛 − 𝑚 + 1)2 − (𝑚 + 1)/
(𝑛 + 1)2 ]. Uma fusão que cria um monopólio equivale a 𝑚 + 1 = 𝑛, assim,
𝑔(𝑛, 𝑛 − 1) = (𝑎 − 𝑐)2 [1/4 − 𝑛/(𝑛 + 1)2 ] > 0, que pode ser simplificado para
(𝑛 + 1)2 > 0, sempre verdadeiro.
(5) Se houver 10 empresas na indústria, a função de ganho da fusão poderá ser escrita
como 𝑔(10, 𝑚) = (𝑎 − 𝑐)2 [1/(11 − 𝑚)2 − (𝑚 + 1)/(11)2 ]. Um simples cálculo
mostra que 𝑔(10, 𝑚) > 0 se (−𝑚2 + 21𝑚 − 99) > 0, resolvido por 𝑚 ≳ 7,15.
Assim, precisa-se que uma fusão envolva pelo menos 𝑚 + 1 = 8 + 1 = 9 das 10
empresas para que seja lucrativa.

Exercício 5.3

(1) Cada empresa tem um lucro 𝜋𝑖 = (1 − 𝑐 − 𝑄)𝑞𝑖 , 𝑖 = 1, 2, 3. As CPOs são dadas


por 1 − 𝑐 − 2𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑞𝑘 = 0, com 𝑖, 𝑗, 𝑘 = 1, 2, 3 e 𝑖 ≠ 𝑗 ≠ 𝑘. No equilíbrio
simétrico, 𝑞𝑐 = (1 − 𝑐)/4, 𝑝𝑐 = (1 + 3𝑐)/4 e 𝜋𝑐 = (1 − 𝑐)2 /16.
(2) Após a fusão, sobram duas empresas: a 1, com custo 𝑐𝑒, e a 3, com custo 𝑐. É fácil
mostrar que, derivando e resolvendo as CPOs, obtemos 𝑞1 = (1 − 𝑐(2𝑒 − 1))/3 e
𝑞3 = (1 − 𝑐(2 − 𝑒))/3. Note que a outsider pode vender um produto positivo no
equilíbrio apenas se a fusão não der ensejo a fortes economias de custo: 𝑞3 ≥ 0 se 𝑒 ≥
(2𝑐– 1)/𝑐. (Se 𝑐 < 1/2, a outsider sempre venderá em equilíbrio.) O preço de
equilíbrio é 𝑝𝑚 = (1 + 𝑐(1 + 𝑒))/3, e os lucros são dados por 𝜋1 = (1 −
2 2
𝑐(2𝑒 − 1)) /9 e 𝜋3 = (1 − 𝑐(2 − 𝑒)) /9.
(3) A redução de preços depois da fusão só ocorrerá se houver suficientes ganhos de
eficiência: 𝑝𝑚 ≤ 𝑝𝑐 pode ser reescrito como 𝑒 ≤ (5𝑐– 1)/(4𝑐). Note que, se 𝑐 < 1/5,
os preços nunca cairão, a despeito de quão fortes sejam os ganhos de eficiência.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
79

(4) Para ver se a fusão é lucrativa, temos de estudar a desigualdade 𝜋1 ≥ 2𝜋𝑐 , que,
depois de cálculos algébricos, pode ser vista como correspondente a uma desigualdade
de segunda ordem, cuja solução relevante é 𝑒 ≤ (4(1 + 𝑐) − 3√3(1 − 𝑐))/(8𝑐). Em
outras palavras, a fusão é lucrativa apenas se der ensejo a suficientes economias de
custos.

Exercício 5.4

(1) As funções de reação das Empresas 𝑖 e 𝑘 podem ser facilmente derivadas das
equações (5.3) no texto como 𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 ) = (3𝑣 + (3 + 2𝛾)𝑐 + 𝛾𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑘 )/[2(3 +
2𝛾)] e 𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 ) = (2(3 + 𝛾)𝑝𝑘 − 3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝𝑗 )/𝛾. Sua representação
gráfica no plano (𝑝𝑘 , 𝑝𝑖 ) corresponde à Figura Q5.1. Para ver que ambas as funções de
reação são positivamente inclinadas, apenas note que 𝜕𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 = 𝛾/
[2(3 + 2𝛾)] > 0 e 𝜕𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 = [2(3 + 2𝛾)]/𝛾 > 0. Para manter a
estabilidade, precisamos ter 𝜕𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 > 𝜕𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 , que se simplifica
para 𝛾 < 2(3 + 2𝛾), que vale para todo 𝛾 ∈ 0, ∞).
(2) Novamente, a função de reação pode ser encontrada no texto como 𝑅𝐼𝑒 : 𝑝𝑖 =
(3𝑣 + (3 + 𝛾)𝑐𝑒 + 2𝛾𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑘 )/[2(3 + 2𝛾)]; 𝑅𝑜 : 𝑝𝑖 = (−3𝑣 − (3 + 2𝛾)𝑐 − 𝛾𝑝𝑗 +
2(3 + 2𝛾)𝑝𝑘 )/𝛾. Sua representação gráfica no plano (𝑝𝑘 , 𝑝𝑖 ) corresponde à Figura
Q5.3 no texto. Quanto mais altos os ganhos de eficiência oriundos da fusão (isto é,
quanto mais baixo 𝑒), mais provável que a função de reação das insiders se desloque
para baixo de sua posição original (em vez de para cima), dessa forma provocando um
decréscimo nos preços (em vez de um aumento) no equilíbrio pós-fusão.

Exercício 5.5

(1) Das CPOs (5.23) das outsiders, é possível derivar a função de melhor resposta 𝑝𝑜𝑅
de cada uma das outsiders com relação ao preço estabelecido pelas insiders. Dado que
𝑐 = 0, simplifica-se para 𝑝𝑜𝑅 = (𝛾𝑚𝑝𝐼 + 𝑛𝑣)/(2𝑛 + 𝛾(𝑛 + 𝑚 − 1)).

A função de demanda residual 𝑞𝐼𝑟 por uma variedade fabricada por uma
multiprodutora pode ser obtida tomando-se a demanda (5.20) e impondo-se duas
condições: (1) no nível de equilíbrio, os preços de todas as variedades simétricas serão
idênticos; (2) para ver o poder de mercado usufruído por qualquer das variedades

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
80

vendidas pela multiprodutora, devemos considerar o aumento proporcional em todos os


preços dos produtos definidos pela empresa ao mesmo tempo (se 𝑝𝐼 aumentar, aumentará
simultaneamente para todas as variedades de produtos). Obtemos, então, 𝑞𝐼𝑟 =
(1⁄𝑛)[𝑣 − 𝑝𝐼 (1 + 𝛾) + 𝛾𝑚𝑝𝐼 ⁄𝑛 + 𝛾(𝑛 − 𝑚)𝑝𝑜𝑅 ⁄𝑛].

Substituindo o valor de 𝑝𝑜𝑅 , encontra-se a expressão explícita da função de


demanda residual das insiders.

(2) Para calcular a elasticidade da função de demanda residual 𝜀𝐼𝑟 = −(𝑑𝑞𝐼𝑟 /𝑞𝐼𝑟 )/
(𝑑𝑝𝑖 /𝑝𝐼 ), primeiro encontre a primeira derivada: 𝑑𝑞𝐼𝑟 ⁄𝑑𝑝𝐼 = [−1 + 𝛾((𝑚⁄𝑛) −
1) + 𝛾 2 𝑚(𝑛 − 𝑚)⁄𝑛(2𝑛 + 𝛾(𝑛 + 𝑚 − 1))](1⁄𝑛).

Podemos, agora, calcular a elasticidade como

(𝛾 2 (𝑛 − 𝑚)(𝑛 − 1) + 𝛾(3𝑛 − 𝑚 − 1) + 2𝑛2 )𝑝𝐼


𝜀𝐼𝑟 = 2 , (5.57)
𝛾 (𝑛 − 𝑚)(𝑛 − 1)𝑝𝐼 + 2𝑛2 (𝑣 − 𝑝𝐼 ) + 𝛾𝑛(𝑣(2𝑛 − 1) − (3𝑛 − 𝑚 − 1)𝑝𝐼 )
e alguns cálculos a mais mostram que:

𝜕𝜀𝐼𝑟
=
𝜕𝑚
(2𝑛2 + 𝛾𝑛(4𝑛 − 3) + 𝛾 2 (2𝑛2 ) − 3𝑛 + 1)𝛾𝑛𝑣𝑝𝐼 (5.58)
− 2 < 0.
(𝛾 2 (𝑛 − 𝑚)(𝑛 − 1)𝑝𝐼 + 2𝑛2 (𝑣 − 𝑝𝐼 ) + 𝛾𝑛(𝑣(2𝑛 − 1) − (3𝑛 − 𝑚 − 1)𝑝𝐼 ))

Quanto maior o número de produtos vendidos pelas empresas em fusão, menor a


elasticidade da função de demanda residual enfrentada por cada um dos produtos, isto é,
maior seu poder de mercado. É possível mostrar que 𝜕𝜀𝐼𝑟 ⁄𝜕𝑛 > 0: como podemos
esperar, para determinado número de produtos 𝑚 vendido pelas insiders, maior o número
de empresas operando na indústria, maior a elasticidade enfrentada pelas insiders (menor
o poder de mercado usufruído pelas fusionadas).

Exercício 5.6

(1) As funções de demanda inversa são facilmente encontradas para resolver o


problema de otimização do consumidor, qual seja, max{𝑞1,𝑞2,𝑞3,𝑦} 𝑈 sujeita à restrição
de renda 𝑍 = ∑𝑛𝑖=1 𝑝𝑖 𝑞𝑖 + 𝑝𝑦 𝑦, tratando o bem como o numerário (𝑝𝑦 = 1), temos
𝑝𝑖 = 𝑣 − (1⁄(1 + 𝛾))(3𝑞𝑖 + 𝛾 ∑𝑛𝑗=1 𝑞𝑗 ).
(2) Antes que a fusão ocorra, temos três monoprodutoras com uma função de lucros
𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 , onde 𝑝𝑖 , é dado pela função de demanda anterior (𝑖 = 1, 2, 3).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
81

As CPOs 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0 são

((𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞𝑘 )


𝑞𝑖 = , 𝑖, 𝑗, 𝑘 = 1,2,3; 𝑖 ≠ 𝑗 ≠ 𝑘. (5.59)
(2(3 + 𝛾))
Resolvendo a expressão de CPOs e impondo simetria em quantidades, obtém-se

((𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾))


𝑞𝑐 = . (5.60)
(2(3 + 2𝛾))
Preços e lucros em equilíbrio são

𝑣(3 + 𝛾) + 3𝑐(1 + 𝛾) (𝑣 − 𝑐)2 (3 + 𝛾)(1 + 𝛾)


𝑝𝑐 = , 𝜋𝑐 = . (5.61)
2(3 + 2𝛾) 4(3 + 2𝛾)2
(3) As Empresas 1 e 2 se fundem para se tornarem a Empresa I; a Empresa 3 continua
a vender um produto. Elas perfazem o lucro 𝜋𝐼 = ∑2𝑖=1(𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 e 𝜋3 = (𝑝3 − 𝑐)𝑞3,
em que preços 𝑝𝑖 = 𝑝𝑖 (𝑞1 , 𝑞2 , 𝑞3 ) são dados pelas funções de demanda inversa
encontradas. As CPOs 𝜕𝜋𝐼 /𝜕𝑞𝑖 = 0 (com 𝑖 = 1, 2), e 𝜕𝜋3 /𝜕𝑞3 = 0 podem ser escritas
como

(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 2𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞3 (𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗


𝑞𝑖 = , 𝑞3 = ;
2(3 + 𝛾) 2(3 + 𝛾) (5.62)
𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗.
Podemos, então, encontrar as quantidades de equilíbrio pós-fusão 𝑞𝐼 , 𝑞𝑜 como

(𝑣 − 𝑐)(6 + 𝛾)(1 + 𝛾) (𝑣 − 𝑐)(3 + 𝛾)(1 + 𝛾)


𝑞𝐼 = ; 𝑞𝑜 = . (5.63)
6(𝛾 2 + 6𝛾 + 6) 3(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)
Depois da substituição, obtêm-se os preços e os lucros por variedade
(𝜋𝐼1 = 𝜋𝐼2 = 𝜋𝐼 ) da fusionada e das outsiders como

𝑣(18 + 15𝛾 + 2𝛾 2 ) + 𝑐(18 + 21𝛾 + 4𝛾 2 )


𝑝𝐼 = ,
6(6 + 6𝛾 + 𝛾 2 )
(5.64)
𝑣(3 + 𝛾)2 + 𝑐(9 + 12𝛾 + 2𝛾 2 )
𝑝𝑜 = .
3(6 + 6𝛾 + 𝛾 2 )2
(3 + 2𝛾)(1 + 𝛾)(6 + 𝛾)2 (𝑣 − 𝑐)2
𝜋𝐼 = ,
36(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2
(5.65)
(1 + 𝛾)(3 + 𝛾)3 (𝑣 − 𝑐)2
𝜋𝑜 = .
9(𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
82

(4) Podemos agora analisar os efeitos da fusão sobre a lucratividade das insiders. Para
tanto, note que a desigualdade 𝜋𝐼 > 𝜋𝑐 pode ser reescrita como

𝛾 2 (1 + 𝛾)(𝛾 3 + 3𝛾 2 − 18𝛾 − 27)(𝑣 − 𝑐)2


− > 0, (5.66)
36(3 + 2𝛾)2 (𝛾 2 + 6𝛾 + 6)2
satisfeita apenas se 𝛾 < 3,74. Em outras palavras, a fusão não será lucrativa a menos que
os produtos sejam quase independentes (lembre-se de que 𝛾 ∈ (0, ∞)).

(5) Para entender esse resultado, desenhemos as funções de melhor resposta das
empresas antes e depois da fusão. Considere, por exemplo, os Produtos 1 e 3. Nesse
espaço (𝑞3 , 𝑞1 ) e dado 𝑞2 , antes da fusão, suas respostas são dadas pelas CPOs (5.59):

(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞2 − 𝛾𝑞3


𝑅1 ∶ 𝑞1 = ,
2(3 + 𝛾)
(5.67)
(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞2 − 2(3 + 𝛾)𝑞3
𝑅3 ∶ 𝑞1 = .
𝛾
Depois da fusão, as melhores respostas são derivadas das CPOs (5.62) como

(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 2𝛾𝑞2 − 𝛾𝑞3


𝑅1′ ∶ 𝑞1 = ,
2(3 + 𝛾)
(5.68)
(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞2 − 2(3 + 𝛾)𝑞3
𝑅3′ ∶ 𝑞1 = .
𝛾
Desenhando as funções de reação, negativamente inclinadas, é evidente que a
fusão desloca a função de melhor resposta 𝑅𝐼 do produto da insider para baixo, em direção
a 𝑅𝐼′ , resultando em um novo equilíbrio caracterizado por produção mais alta das outsiders
e produção mais baixa das insiders. A realocação de produção explica por que a fusão é
não lucrativa (a menos que os produtos sejam extremamente diferenciados).

Exercício 5.7

(1) O equilíbrio de Cournot-Nash antes da fusão corresponde à solução do Exercício


5.6 (2), isto é, equações (5.60) e (5.61).
(2) A fusão com ganhos de eficiência: os lucros das empresas em fusão serão 𝜋𝐼 =
∑2𝑖=1(𝑝𝑖 − 𝑒𝑐)𝑞𝑖 , enquanto as outsiders ainda perfazem lucros 𝜋3 = (𝑝3 − 𝑐)𝑞3 , onde
preços 𝑝𝑖 = 𝑝𝑖 (𝑞1 , 𝑞2 , 𝑞3 ) são dados pelas funções de demanda inversa (5.19). As
CPOs 𝜕𝜋𝐼 /𝜕𝑞𝑖 = 0 (com 𝑖 = 1, 2) e 𝜕𝜋3 /𝜕𝑞3 = 0 podem ser escritas como

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
83

(𝑣 − 𝑒𝑐)(1 + 𝛾) − 2𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞3 (𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗


𝑞𝑖 = , 𝑞3 = ;
2(3 + 𝛾) 2(3 + 𝛾) (5.69)
𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗.
Após impor simetria às quantidades da insider (isto é, 𝑞1 = 𝑞2 ) e resolver para 𝑞𝐼
e 𝑞𝑜 , obtemos quantidades pós-fusão por variedades, preços e lucros:

(1 + 𝛾)[(𝑣 − 𝑒𝑐)2(3 + 𝛾) − 𝛾(𝑣 − 𝑐)]


𝑞𝐼 = ,
4(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 2𝛾 2
(5.70)
2(1 + 𝛾)[(𝑣 − 𝑐)(3 + 2𝛾) − 𝛾(𝑣 − 𝑒𝑐)]
𝑞𝑜 = .
4(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 2𝛾 2
(𝑣 − 𝑒𝑐)2[(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 𝛾 2 ] + 𝛾(𝑣 − 𝑐)(3 + 2𝛾)
𝑝𝐼 = 𝑣 − , (5.71)
4(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 2𝛾 2
(𝑣 − 𝑐)2[(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 𝛾 2 ] + 2𝛾(𝑣 − 𝑒𝑐)(3 + 𝛾)
𝑝𝑜 = 𝑣 − . (5.72)
4(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 2𝛾 2
2
(𝑣 − 𝑒𝑐)2(3 + 𝛾) − 𝛾(𝑣 − 𝑐)
𝜋𝐼 = (1 + 𝛾)(3 + 2𝛾) [ ] , (5.73)
4(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 2𝛾 2
2
(𝑣 − 𝑐)(3 + 2𝛾) − 𝛾(𝑣 − 𝑒𝑐)
𝜋𝑜 = 4(1 + 𝛾)(3 + 𝛾) [ ] . (5.74)
4(3 + 2𝛾)(3 + 𝛾) − 2𝛾 2
(3) Sejam 𝑒 = 1 e 𝛾 → ∞. Para 𝑒 = 1, as expressões obtidas no Exercício 5.6 (3) e
(4) aplicam-se. Vimos que, sempre que sobra uma outsider no mercado, a fusão será
lucrativa para as insiders apenas se 𝛾 < 3,74. Se 𝛾 → ∞, os bens tornam-se mais e
mais homogêneos (e são, finalmente, substitutos perfeitos), de forma que os resultados
do Exercício 5.2 se aplicam: com 𝑛 = 3, a fusão será lucrativa apenas se resultar em
monopólio (Para verificar isso, resolva 𝑔(𝑛 = 3, 𝑚) = (𝑎 −
𝑐)2 [(1⁄(𝑛 − 𝑚 + 1)2 ) − ((𝑚 + 1)⁄(𝑛 + 1)2 )] > 0 para 𝑚 para obter que a fusão
apenas será lucrativa se 𝑚 > 1,438, isto é, se pelo menos 𝑚 + 1 = 3 empresas se
fundirem.)

Exercício 5.8

(a) As funções de reação pré-fusão foram derivadas no Exercício 5.6 (5) como
𝑅𝑖 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ) ∶ 𝑞𝑖 = [(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞𝑗 ]/[2(3 + 𝛾)]; 𝑅𝑘 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ): 𝑞𝑖 =
[(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 2(3 + 𝛾)𝑞𝑘 ]/𝛾. É fácil ver que são negativamente
inclinadas: 𝜕𝑅𝑖 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑘 = −𝛾/[2(3 + 𝛾)] < 0 e 𝜕𝑅𝑘 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑘 = −[2(3 +

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
84

𝛾)]/𝛾 < 0. Para garantir a estabilidade, devemos ter 𝜕𝑅𝑘 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 <
𝜕𝑅𝑖 (𝑝𝑘 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑘 , que se simplifica para 𝛾 < 2(3 + 𝛾), que vale para todo 𝛾 ∈
[0, ∞).

(b) As funções de reação pós-fusão são facilmente derivadas das CPOs do Exercício 5.7
(b), conforme segue: 𝑅𝑖𝑒 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ) ∶ 𝑞𝑖 = [(𝑣 − 𝑒𝑐)(1 + 𝛾) − 2𝛾𝑞𝑗 − 𝛾𝑞𝑘 ]/[2(3 + 𝛾)];
𝑅𝑘 (𝑞𝑘 , 𝑞𝑗 ) ∶ 𝑞𝑖 = [(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) − 𝛾𝑞𝑗 − 2(3 + 𝛾)𝑞𝑘 ]/𝛾. Se 𝑒 = 1 (isto é, não há
ganhos de eficiência), a função de reação das insiders irá se deslocar para baixo, e os
preços aumentarão. Contudo, se os ganhos de eficiência forem suficientemente
importantes, a função de reação pode, ao contrário, mover-se para cima, e, nesse caso, os
preços cairão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Fusões e aquisições horizontais (Capítulo 5).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 6

Restrições verticais e fusões verticais

SUMÁRIO

6.1 – O QUE SÃO RESTRIÇÕES VERTICAIS? ........................................................... 3

6.1.1 – Plano do capítulo .............................................................................................. 7

6.2 – CONCORRÊNCIA INTRAMARCAS ................................................................... 9

6.2.1 – Dupla marginalização ..................................................................................... 10

6.2.2 – Externalidade horizontal: carona na provisão de serviços.............................. 13

6.2.3 – Outras razões de eficiência para restrições verticais e fusões verticais .......... 16

6.2.4 – Restrições verticais, fusões verticais e o problema do compromisso ............. 19

6.2.5 – Conclusões ...................................................................................................... 26

6.3 – CONCORRÊNCIA INTERMARCAS .................................................................. 27

6.3.1 – Efeitos estratégicos das restrições verticais .................................................... 28

6.3.2 – Restrições verticais como recursos colusivos ................................................. 31

6.3.2.1 – A FPR pode facilitar colusão (lembrete) ................................................. 32

6.3.2.2 – Agência comum ....................................................................................... 32

6.4 – EFEITOS ANTICOMPETITIVOS: ALAVANCAGEM E BLOQUEIO DE


MERCADO .................................................................................................................... 33

6.4.1 – Efeitos anticompetitivos: acordo de exclusividade ........................................ 34

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

6.5 – CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA ............................................ 39

6.6 – ESTUDO DE CASOS ........................................................................................... 41

6.6.1 – Caso Campos Verdes/White Martins .............................................................. 41

6.6.2 – Caso Shopping Iguatemi/Shopping Center Norte........................................... 44

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 6 ............................................... 48

Quadro 6.1 – Análise de dupla marginalização .......................................................... 48

Q6.1.1 – Dupla marginalização com aversão ao risco do varejista ........................ 51

Quadro 6.2 – Um modelo de subprovisão de serviços ............................................... 54

Q6.2.1 – Integração vertical e redução do bem-estar: um exemplo ....................... 59

Q6.2.2 – Um tratamento mais abrangente .............................................................. 62

Q6.2.3 – Externalidades verticais e horizontais: um modelo ................................. 65

Q6.2.4 – Integração vertical e variedade ................................................................ 72

Quadro 6.3 – Acordo de exclusividade evita a figura do carona nos investimentos dos
fabricantes................................................................................................................... 75

Quadro 6.4 – Restrições verticais e o problema do comprometimento ...................... 78

Quadro 6.5 – Uso estratégico de restrições verticais .................................................. 83

Quadro 6.6 – Revendedor compartilhado e FRP auxiliam a colusão ......................... 92

Quadro 6.7 – Acordo de exclusividade e detenção de entrada ................................... 95

Quadro 6.8 – Efeitos exclusionários de fusões verticais .......................................... 102

Exercícios do Capítulo 6 .............................................................................................. 106

Soluções dos Exercícios do Capítulo 6......................................................................... 112

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

6.1 – O QUE SÃO RESTRIÇÕES VERTICAIS?

Em muitos mercados, os fabricantes não vendem seus produtos diretamente, mas


chegam até os consumidores por intermediários, atacadistas e distribuidores. Além disso,
o bem final é frequentemente produzido em vários estágios, da matéria-prima ao produto
final. Muitas vezes, as empresas em diferentes estágios do processo vertical não contam
com transações no mercado spot, mas assinam contratos de vários tipos para reduzir
custos de transação, garantir estabilidade de suprimento e melhor coordenar ações. Esses
acordos e provisões contratuais entre empresas verticalmente relacionadas são chamadas
restrições verticais. Este capítulo analisa os efeitos de bem-estar das restrições e fusões
verticais entre empresas verticalmente relacionadas.1

Para um insight inicial sobre o tema, considere o clássico exemplo da relação


vertical entre o fabricante e o revendedor que distribui seus produtos.2 Em geral, tanto o
fabricante quanto o distribuidor decidem sobre diferentes ações, e uma ação ótima para
um não é necessariamente uma ação ótima para o outro. Como resultado, uma parte pode
tentar usar o contrato e suas cláusulas para restringir a escolha da outra parte e induzir um
resultado mais favorável para si. (Para colocar de outra forma, as ações de cada parte
geram externalidade sobre a outra. Os contratos verticais podem ser usados para tentar
controlar essas externalidades.)

Por exemplo, o fabricante gostaria que um revendedor fizesse bastante esforço na


promoção de seus produtos (com propaganda, colocando os produtos em evidência nas
prateleiras, empregando pessoal especializado, oferecendo serviço pós-venda
especializado e daí por diante), mas o revendedor pode ter um baixo incentivo para fazê-
lo, uma vez que esforço é algo custoso de prover. Os fabricantes podem, então, decidir

1
Vale notar que, enquanto do ponto de vista econômico, faz sentido tratar restrições verticais e fusões
verticais conjuntamente (ambas são usadas para resolver problemas de coordenação), as leis antitruste
recorrem a diferentes provisões para lidar com essas questões. Na Europa, restrições verticais podem ser
objeto do Artigo 81 (101) – acordo entre empresas – ou Artigo 82 (102) – empresa que as usem para
dominar – enquanto fusões verticais são tratadas pela Merger Regulation. No Brasil, identificamos o mesmo
fenômeno: restrições verticais podem ser consideradas práticas de abuso de posição dominante, com base
no Artigo 36 da Lei 2.529/2011, enquanto fusões verticais são analisadas com base no Artigo 88 da Lei
(tratamento de operações de concentração).
2
A relação vertical pode acontecer entre fabricante e distribuidor(es) ou entre empresa(s) a jusante e a
montante. A despeito da diferença de rótulos, a natureza da relação é a mesma.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

usar provisões contratuais (isso é, restrições verticais) para induzir mais esforço de
marketing por parte do revendedor. Para continuar o exemplo, o fabricante pode definir
uma área exclusiva de competência para o revendedor, de modo que ele possa usufruir
completamente dos benefícios dos serviços que provê (se outros revendedores
trabalharem com a mesma marca dentro da mesma região, haverá um problema de carona
que, mais à frente, reduzirá o incentivo para prover esses serviços); ou o fabricante pode
usar um contrato não linear, tal que o revendedor obtenha um desconto se comprar
grandes quantidades, de modo a estimular esforços de vendas. O fabricante pode, ainda,
obrigar o revendedor a vender uma quantidade mínima do produto, o que também
encorajará esforços de venda; ou convencer o revendedor a não comercializar marcas
concorrentes, também para estimular esforços de venda; ou apenas adquirir o distribuidor
ou revendedor, para facilitar a coordenação de ações. O objetivo deste capítulo é
identificar quando se devem esperar efeitos positivos ou negativos sobre o bem-estar das
restrições verticais.3

Como no simples exemplo indicado, há diversos tipos de restrições verticais.


Algumas das mais comuns são:

• Preços não lineares (também conhecidos como preços de franquias) ou


contratos com preços em duas partes. Na relação mais simples possível entre
dois agentes, um compra do outro com base na regra de “preços lineares”, ou
seja, o pagamento total é proporcional ao número de unidades envolvidas na
transação. Se um compra 1 ou 100 unidades, o preço unitário será sempre o
mesmo.4 Uma simples restrição vertical é, portanto, um contrato com regras de
“preços não lineares”, que especifica uma quantidade independente fixa de
unidades compradas mais um componente variável (contratos com preços em
duas partes). Por exemplo, para vender as roupas de determinada marca, uma

3
Venda casada, quando envolve produtos relacionados verticalmente, também são restrições verticais.
Contudo, veremos esse conceito no Capítulo 7, porque também diz respeito a bens independentes. Além do
mais, algumas cláusulas que impedem um distribuidor de vender um produto fora de seu território são
também restrições verticais. Mas, na medida em que tais cláusulas permitem ao fabricante discriminar
preços (tema também tratado no Capítulo 7), não serão analisadas aqui.
4
Royalties é outro possível instrumento usado pelo fabricante, que recebe um pagamento proporcional pela
venda de cada unidade por parte da empresa a jusante. Como tal, os royalties são usados apenas se as vendas
a jusante forem observadas (e verificadas).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

loja deve pagar R$2 mil por ano e mais R$20 por cada camiseta que vende. O
efeito de tal contrato é que o custo unitário efetivamente pago pela loja decresce
com o número comprado do mesmo produtor.5
• Descontos por quantidade. Descontos por quantidade ou descontos progressivos
têm o mesmo efeito de contratos de preços não lineares, uma vez que, quanto
maior a quantidade comprada, mais barata será a transação em média.
• FPR (Fixação de Preços na Revenda). O fabricante pode ter diferentes
percepções com relação ao revendedor a respeito de qual preço cobrar do
consumidor final. Como consequência, ele pode querer influenciar as decisões
de preço do revendedor. No caso mais extremo, a FPR consiste no preço pelo
qual o revendedor deve vender o produto, mas também pode ser um preço
recomendado ou também o estabelecimento de um preço mínimo (preço-base)
ou preço de venda máximo (preço-teto).
• Fixação de quantidade. O fabricante pode querer especificar o número de
unidades que o revendedor deve comprar. Aqui, também, a questão pode assumir
diferentes formas, como forçar quantidade (o revendedor não pode adquirir
menos que determinada quantidade) e racionamento de quantidade (o
revendedor não pode adquirir mais que determinada quantidade).
• Cláusulas de exclusividade. Fabricante e revendedor podem também assinar
acordos de exclusividade. Por exemplo, uma cláusula de TE (Território
Exclusivo) pode implicar que apenas um revendedor possa vender certa marca
dentro de uma área geográfica (ou para certo tipo de cliente). Sob contratos de
exclusividade, um revendedor concorda em trabalhar apenas com a marca de
determinado fabricante. Cláusulas de distribuição seletiva permitem apenas que
certo tipo de revendedor – usualmente, especificado em termos objetivos –
trabalhe com a marca daquele fabricante. Um produtor de bens de luxo pode
querer que suas mercadorias sejam vendidas apenas em boutiques localizadas
em ruas mais sofisticadas – um quarteirão específico da cidade –, não em

5
Se a loja compra uma única camiseta, o custo médio é R$2.020,00, mas se compra 100 camisetas, o custo
médio é menor: (2.000 + 20 × (100)) /100 = 22,00.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

supermercados ou lojas de desconto, temerosos de que esses estabelecimentos


prejudiquem a imagem de qualidade e luxo associada a seus produtos.

É importante notar que, em qualquer mercado – seja por conta da natureza das
transações ou por conta das restrições institucionais –, algumas dessas restrições podem
ser efetivas, outras não. Por exemplo, a FPR faz sentido apenas se o preço efetivo pago
pelos consumidores finais puder ser cumprido pelo fabricante. Para produtos de massa
(como as camisetas do exemplo anterior), pode ser o caso; mas, em outras circunstâncias,
pode haver um processo de barganha entre o revendedor e o comprador final, cujo
resultado talvez seja difícil de observar. Se descontos sobre preços não puderem ser
observados pelos fabricantes, a FPR perde seu objetivo restritivo. Nesse caso, a fixação
de quantidade pode ser um substituto para a FPR.

Arbitragem (comprar com preço baixo para revender com preço alto) pode
também ser uma força que diminui a força de algumas restrições. Se os consumidores
tiverem baixos custos de busca e de transporte (com relação ao valor do bem), é
improvável que cláusulas territoriais sejam efetivas. Se os revendedores puderem recorrer
à arbitragem, preços não lineares ou descontos por quantidades também poderão perder
a efetividade, na medida em que um revendedor poderia comprar um grande número de
unidades e revender parte delas a revendedores que planejem vender pouca quantidade.
Essas restrições são, portanto, mais efetivas quando o fabricante pode também observar
as vendas dos revendedores.6

Muitas das cláusulas mencionadas são, em certo ponto, substituíveis. Isso implica
que seria largamente inútil, por exemplo, tornar ilegal alguma cláusula enquanto outras
que atingem os mesmos objetivos permanecem autorizadas.

Integração vertical (ou fusões verticais). Em algumas circunstâncias, os fabricantes


podem considerar difícil utilizar cláusulas que induzam o comportamento que desejam
dos revendedores. Em tais casos, podem também recorrer à integração vertical, isto é,
fundir-se com (ou adquirir) os revendedores. Passarão a pertencer à mesma empresa, de

6
Diferentes restrições podem ter também diferentes status jurídicos. Por exemplo, a FPR mínima é, per se,
ilegal em alguns países e desencorajado em outros, obrigando produtores a recorrer a outras cláusulas para
influenciar a distribuição dos produtos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

modo que seus objetivos serão mais facilmente reconciliados.7 É importante ter em mente
que fusões verticais são, em geral, uma alternativa a restrições verticais. Seria
inconveniente adotar uma posição muito firme contra restrições verticais se as fusões
verticais não estiverem sujeitas a um controle igualmente rígido.

6.1.1 – Plano do capítulo

A seção 6.2 analisa o efeito das restrições verticais quando afetam a concorrência
intramarcas, que é a relação entre empresas que produzem e distribuem a mesma marca,
abstraindo-se do efeito da competição entre produtores ou distribuidores de marcas
diferentes. Nesse caso, restrições e fusões verticais permitem que empresas em diferentes
estágios do processo vertical controlem externalidades, o que é tipicamente benéfico tanto
para elas mesmas quanto para os consumidores. Em determinadas circunstâncias, as
restrições verticais podem aperfeiçoar a coordenação na cadeia vertical, mas também
afetar adversamente o bem-estar total e o excedente do consumidor. Contudo, deve-se
argumentar que, no que diz respeito à concorrência intramarcas, há um pressuposto de
que as restrições verticais gerem melhorias de bem-estar.

A seção 6.3 abrange os efeitos das restrições verticais sobre a concorrência


intermarcas. Ao afetar as relações entre o fabricante e seu(s) revendedor(es), (isto é, a
cadeia vertical de determinada marca), as restrições verticais também afetam geralmente
as interações de mercado entre essa cadeia vertical e outras cadeias verticais (isto é,
aquelas entre fabricantes e revendedores de outras marcas). Quando as restrições verticais
são adotadas para resolver problemas de coordenação dentro da mesma cadeia,
considerações de competição intermarcas provavelmente não afetam sua avaliação.
Quando um fabricante usa restrições verticais para resolver o problema da dupla
marginalização ou o problema do carona na provisão de serviços, esses procedimentos

7
Mesmo dentro da mesma empresa, pode muito bem haver problemas para atingir as ações ou níveis de
esforço que maximizam os lucros conjuntos. De fato, o problema de fornecer os incentivos corretos aos
empregados ainda permanece. Em prol da simplificação, presumimos que os problemas de agência sejam
mais facilmente solucionáveis dentro da mesma empresa que entre diferentes companhias ou agentes
independentes. Isso exclui – por estar além do escopo deste trabalho – a recente contribuição na literatura
sobre teoria corporativa, que estuda que relações e tarefas são mais bem desempenhadas na companhia
(estrutura hierárquica) que no mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

tendem a aumentar a concorrência no mercado, na medida em que sua marca se torna


mais competitiva vis-à-vis às concorrentes (por conta de preços mais baixos e maiores
esforços de venda). Porém, é possível que restrições verticais sejam adotadas não tanto
para aumentar a eficiência da cadeia vertical, mas para reduzir a concorrência em outras
cadeias verticais.

A seção 6.4 aprofunda esse tópico e mostra que restrições verticais e fusões
verticais podem ter efeitos anticompetitivos, pelo fechamento do mercado à concorrência.
Por exemplo, uma empresa incumbente pode usar contratos de exclusividade para impedir
a entrada eficiente na indústria; e uma fusão pode permitir que uma empresa verticalmente
integrada bloqueie o acesso de concorrentes a um insumo, dessa forma, reduzindo sua
competitividade e, possivelmente, forçando sua saída do mercado.

Na seção 6.5, argumenta-se que, quando se analisam restrições verticais, devem-


se sopesar os efeitos de eficiência e anticompetitivos gerados. O mesmo tipo de restrição
pode ser usado para diferentes propósitos: para melhorar a coordenação dentro da cadeia
(o que normalmente tem um efeito de aumento de bem-estar) ou afetar a competição com
outras cadeias (cujo efeito pode ser o de reduzir o bem-estar). Isso tem duas implicações.
A primeira é que não se pode dizer que um tipo de restrição seja sempre bom ou ruim.
Por exemplo, a FPR pode aumentar a eficiência intramarcas, mas também pode afetar a
concorrência intermarcas e favorecer a colusão, aumentando a observabilidade do
comportamento das empresas. Isso significa que não se pode proibir algumas práticas e
permitir outras. Em termos jurídicos, significa que a análise econômica sugere uma
abordagem de acordo com a regra da razoabilidade em vez de uma regra per se de
proibição para certas restrições. A segunda implicação é que, no mundo real, ambos os
efeitos podem coexistir em algum grau, e, à primeira vista, pode não ficar claro qual é
predominante. Com frequência, apenas uma análise elaborada poderá esclarecer se são as
considerações de eficiência ou as anticompetitivas que prevalecem.

Essa conclusão não seria satisfatória. Dizer que não há regra clara para restrições
verticais e que devem ser analisadas caso a caso resultaria em um desastre. Devido à
expansão dos acordos verticais entre empresas, as agências de concorrência entrariam em
colapso, pois teriam de devotar a maior parte de seus recursos à investigação de tais casos.
Felizmente, há conclusões de política mais úteis que podem ser derivadas da análise de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

restrições verticais. Já que somente restrições verticais adotadas por empresas com
suficiente poder de mercado levantam preocupações com o bem-estar, a principal
conclusão de política é que só vale a pena investigar cláusulas verticais adotadas por
empresas que usufruam de grande poder de mercado, e uma abordagem de acordo com a
regra da razoabilidade deve ser adotada na avaliação dos efeitos.

A seção 6.6 conclui o capítulo com a discussão de dois casos julgados envolvendo
restrições verticais pelo CADE.

6.2 – CONCORRÊNCIA INTRAMARCAS

Nesta seção, revisaremos os principais efeitos das restrições verticais quando


afetam a concorrência entre revendedores de um mesmo produto ou marca. Aqui,
consideramos a situação quando um fabricante (um monopolista, para simplificar) tem
seus produtos vendidos por um ou mais revendedores. A seção 6.2.1 mostra que, se o
fabricante e seu revendedor tiverem poder de mercado, ambos terão um mark-up positivo,
resultando em preços de mercado muito elevados na cadeia vertical (o chamado problema
da dupla marginalização). Se for adotada uma restrição vertical ou ocorrer uma
integração vertical, os preços irão declinar, de modo que tanto o excedente do produtor
quanto o bem-estar irão aumentar. A seção 6.2.2 ilustra, por sua vez, o problema do
carona na provisão de serviços pelos revendedores. Se diversos revendedores distribuírem
a mesma marca, podem ser privados de se apropriar dos frutos do esforço para
comercializá-la (para a vantagem de outros revendedores) e, antecipando isso,
empreenderão menos esforços do que os fabricantes considerariam ótimos. Com as
devidas restrições, incentivos para os revendedores empreenderem esforços e serviços
podem ser restaurados. Novamente, se os consumidores valorizam tais serviços, as
restrições verticais provavelmente aumentarão tanto o excedente do produtor quanto o do
consumidor. A seção 6.2.3 estudará o caso em que várias externalidades coexistem. A
seção 6.2.4 olhará para os motivos de eficiência das restrições verticais (para evitar
fragmentar a análise, vamos também considerar restrições usadas quando há concorrência
intermarcas). A seção 6.2.5 mostra que, quando contratos são não observáveis, as
restrições verticais ou uma fusão vertical podem ser usadas por um fabricante para se
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

comprometer a vender a preços elevados. Caso contrário, ele seria tentado a renegociar
os termos contratuais com os revendedores, terminando por reduzir preços abaixo do nível
que gostaria de cobrar.

6.2.1 – Dupla marginalização

O exemplo mais conhecido de externalidades que afetam empresas separadas


verticalmente é fornecido pelo problema da dupla marginalização, identificado pela
primeira vez por Spengler (1950).8 Suponha que um fabricante conte com um revendedor
para vender aos consumidores finais e que o primeiro venda ao último a um preço unitário
constante (preço linear). Suponha também, para efeitos de simplificação, que o
revendedor não tenha qualquer outro custo que não o preço de atacado.9 A Figura 6.1
ilustra a estrutura do mercado.

Figura 6.1 Dupla marginalização.

Ambas as empresas querem maximizar seus lucros e, para fazê-lo, escolhem o


mark-up (margem) de monopólio sobre seus próprios custos: a empresa a montante
escolhe o preço de atacado a, admitindo o custo c, e a empresa a jusante escolhe o preço

8
Mas Cournot (1838) já tinha apontado um efeito similar quando empresas vendem produtos
complementares, um caso que formalmente é similar ao de empresas verticalmente integradas.
9
O leitor pode facilmente verificar que o argumento também se sustenta caso o distribuidor tenha um custo
adicional de distribuição.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

p de acordo com seu próprio custo, a (preço maior que c, porque a empresa a montante
impôs uma margem). O resultado, contudo, das duas empresas imporem suas margens é
que os consumidores acabam pagando muito caro pelo produto (comprando muito poucas
unidades) perto do que seria ótimo sob o ponto de vista conjunto, quer dizer, do ponto de
vista da cadeia vertical (a soma dos lucros das empresas a montante e a jusante).

Se, ao contrário, as duas companhias estivessem sob o mesmo comando, o preço


final p seria escolhido de forma a adicionar apenas um mark-up sobre o custo c. A
integração vertical – ou seja, a fusão das duas empresas – é eficiente, já que permite
coordenar na direção do resultado ótimo, ou “internalizar” (controlar) a externalidade que
uma impõe sobre a outra. O resultado, depois da correção dessa externalidade, é que não
apenas as empresas, mas os consumidores também ganham com a fusão vertical.

Se uma integração vertical não for possível, diferentes tipos de restrição vertical
podem ser usados para controlar essa externalidade. Como o problema resulta em preços
muito elevados (ou vendas muito baixas), uma possibilidade óbvia para resolvê-lo é
adotar a fixação de preços de revenda. O fabricante poderia impor o preço de revenda
sobre o revendedor ou estabelecer um preço-teto. É claro, a manutenção será efetiva se o
preço final for observável.

Alternativamente, forçar a aquisição de quantidades daria o mesmo resultado, na


medida em que obrigaria o revendedor a aumentar as vendas até determinado nível, ótimo
para a estrutura integrada.

Outra possibilidade para restaurar o resultado verticalmente integrado seria usar


preços não lineares (um componente fixo F mais um componente variável v para cada
unidade comprada) para fazer do revendedor um “requerente residual” de todo lucro
gerado no mercado. Ao estabelecer o componente variável igual ao próprio custo do
fabricante, v = c, o revendedor efetivamente iria se comportar da mesma forma como uma
empresa integrada e escolheria o preço final ótimo. O revendedor, então, geraria lucro
máximo. No entanto, parte desse lucro total poderia ser apropriado pelo fabricante pela
taxa de franquia F. Em geral, a distribuição dos lucros depende do poder de barganha
relativo. Se for o fabricante a ter todo o poder de barganha (ou se houver muito
revendedores que poderiam competir pelo direito de vender os produtos do fabricante e
disputassem esse direito até que o lance vencedor F absorvesse todos os lucros
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

esperados), o fabricante poderá obter exatamente os mesmos lucros como se fosse


proprietário do revendedor.

Contudo, note que as restrições verticais não serão equivalentes se existirem


incertezas no mercado (seja no nível da demanda final ou com relação aos custos de
distribuição dos produtos) e se o revendedor for avesso ao risco. Nessas circunstâncias,
um contrato não linear F + cq, ao tornar o revendedor um requerente residual de todo o
lucro gerado na cadeia vertical, asseguraria que ele reagisse a choques de demanda ou
custo da mesma maneira que uma empresa verticalmente integrada. Entretanto, esse
cenário o exporia a um alto risco, já que o lucro não estaria protegido contra tais choques.
Se o revendedor fosse avesso ao risco, para dar a ele uma garantia, o fabricante teria de
assegurar um lucro mínimo.

A FPR confere perfeita garantia sob a incerteza de demanda, já que o preço final
está assegurado independentemente do nível da demanda. Por outro lado, a FPR funciona
mal com incerteza de custos, uma vez que um choque em custos de distribuição afetará
fortemente a margem de lucro do revendedor, pois o preço não pode ser reajustado para
cobrir os altos custos.

Como resultado, com um revendedor avesso a risco, a FPR é melhor sob incerteza
de demanda, e preços não lineares, sob incerteza de custos.

Conclusões. Embora seja conveniente referir-se ao caso em que há monopólio tanto a


montante quanto a jusante, a questão da dupla marginalização sugere que sempre existe
poder de mercado em ambos os níveis. Essa externalidade vertical empurra os preços
acima do que seria ótimo para a estrutura vertical.

Vimos que fusões verticais, fixação de preços no varejo e fixação de quantidades


e preços não lineares são instrumentos para controlar essas externalidades e, dessa forma,
também resultam em maior bem-estar.

Uma empresa a montante pode também recorrer a outros meios para evitar o
problema da dupla marginalização, a saber, combatendo-o pela raiz e eliminando o poder
de mercado no nível a jusante. Certamente, nesse caso em particular, quanto mais feroz a
concorrência entre empresas a jusante vendendo a marca do fabricante, mais fraca a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

externalidade.10 Note que, ao reduzir a concorrência a jusante, como quando se


estabelecem territórios exclusivos para revendedores, o que efetivamente lhes confere
monopólio sobre determinada área geográfica ou sobre certo tipo de cliente, o problema
da dupla marginalização é agravado, e o bem-estar, reduzido.

Veja Análise de dupla marginalização no Quadro 6.1 anexo no material


complementar deste capítulo.

6.2.2 – Externalidade horizontal: carona na provisão de serviços

Além de externalidades verticais entre o fabricante e os revendedores que


comercializam seus produtos, há, com frequência, externalidades horizontais entre
revendedores que geram um resultado ineficiente do ponto de vista da estrutura vertical
como um todo. A Figura 6.2 ilustra a estrutura do mercado com mais revendedores.

Um exemplo de tais externalidades corresponde ao nível (e qualidade) dos


serviços providos pelos revendedores. Se tais serviços não puderem ser perfeitamente
apropriados por um revendedor (quer dizer, se houver spillovers que beneficiem outros
revendedores que comercializem a mesma marca), eles se tornam um bem público, do
qual os revendedores vão pegar carona. Isso levará a uma subprovisão de serviços que
reduzirá os lucros do fabricante. Novamente, a integração vertical, assim como certas
restrições verticais, poderá ajudar o fabricante a resolver o problema da externalidade.

10
No limite, se a competição intramarcas gerar um preço final igual ao preço de atacado, p = a (o que
aconteceria se, por exemplo, dois revendedores indiferenciados competissem em preços), a empresa a
montante poderia estabelecer o preço de atacado igual ao preço ótimo sob integração vertical, restaurando,
assim, o resultado eficiente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

Figura 6.2 Externalidade horizontal.

Para captar a principal racionalidade por detrás do argumento (proposto


primeiramente por TELSER, 1960), considere o seguinte exemplo. Imagine uma cidade
em que haja várias lojas que vendem determinado produto. Pense na contratação de
assistentes de lojas que respondam a dúvidas de clientes potenciais, descrevam as
características dos produtos, detalhes de funcionamento e assim por diante. São todas
atividades que podem tornar o cliente em potencial mais disposto a adquirir o bem
daquela marca, mas não necessariamente na loja na qual obteve a informação. Ou pense
em algum tipo de propaganda que possa atrair o consumidor para a marca, mas não
necessariamente para a loja que fez a divulgação.

Suponha, também, que alguns dos revendedores concorrentes estejam localizados


muito próximos uns dos outros, e que não seja muito custoso para o consumidor,
proporcionalmente ao valor do bem, fazer uma pequena busca antes de efetuar a compra.

Nessas circunstâncias, cada loja pensará duas vezes antes de investir um grande
esforço para vender a marca, pois outra loja próxima poderá ter o incentivo para evitar o
custo desse esforço, apenas pegando carona da provisão de serviços e oferecendo um
preço melhor. Um consumidor primeiro visitará a loja que oferece os serviços adicionais
e obterá lá todas as informações de que precisa; em seguida, efetuará a compra na loja
que vende o mesmo bem ao melhor preço. É claro que a loja poderá prever isso e evitar
oferecer serviços que tenham características de bem público. No limite, se os serviços
prestados pelos revendedores apenas contribuírem para a marca, mas não puderem ser

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

apropriados por eles, e se as lojas forem muito próximas entre si, nenhum serviço será
provido. Isso será subótimo para o fabricante, já que sua marca não será apoiada por
serviços pré-venda, mas também para os consumidores, que não receberão as informações
que eles valoram altamente.

As restrições verticais podem restaurar os incentivos para que os revendedores


invistam em serviços. Suponha que um fabricante divida uma cidade em diferentes áreas
e defina um distribuidor exclusivo para cada uma (territórios exclusivos). A possibilidade
de os consumidores visitarem várias lojas seria reduzida (é mais custoso comprar em
diferentes áreas), e por conseguinte, o risco de o revendedor ter seu preço rebaixado por
uma loja competidora que pegue carona nos seus serviços também diminuirá. Assim, cada
revendedor terá um incentivo maior para oferecer serviços de apoio à marca. Outra
possibilidade é o fabricante manter todas as lojas na cidade, mas fixar o preço de revenda
ou impor um preço mínimo para evitar problemas de preços muito baixos que
inviabilizem a recuperação de (parte dos) investimentos pelos revendedores.11

A integração vertical também resolveria o problema: se o produtor fosse o dono


das lojas, ele levaria em consideração a externalidade que cada uma geraria sobre as
outras e impediria que os gerentes barateassem preços e reduzissem o nível dos serviços
providos.

Para resumir, restrições verticais e integração vertical evitam ou reduzem o


problema do carona em benefício tanto dos excedentes do produtor quanto do
consumidor.

É claro, em geral, haverá muitas atividades de venda que poderão ser apropriadas
pela loja, como crédito ao consumidor, serviços pós-venda providos pela loja ou a própria
aparência da loja (alguns consumidores preferem fazer compras em lojas localizadas em
ruas sofisticadas, com instalações mais agradáveis e melhor aparência). Em todos esses
casos, o problema do carona não surgirá. Na realidade, serviços de diferentes tipos
provavelmente coexistirão, e, embora o caso extremo de nenhuma provisão de serviço

11
É claro que, se os serviços providos pelo revendedor forem observáveis e verificáveis, haverá uma
solução mais simples para o problema: fixar o nível de serviços contratualmente. Esse pode ser o caso
quando se trata de propaganda ou de certos serviços pós-venda.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

seja improvável de ocorrer, o problema do carona provavelmente afetará em algum grau


as decisões de investimento das lojas.

Veja Um modelo de subprovisão de serviços no Quadro 6.2 anexo no material


complementar deste capítulo.

6.2.3 – Outras razões de eficiência para restrições verticais e fusões


verticais

Até aqui, focalizamos duas motivações de eficiência por trás das restrições
verticais, a saber, dupla marginalização e externalidades na provisão de serviços para
determinada marca. Essas possibilidades estão entre as mais bem conhecidas (e mais
facilmente formalizadas e explicadas), mas não são, de forma alguma, as únicas fontes de
eficiência de restrições e fusões verticais. A elaboração de uma lista exaustiva de tais
razões de eficiência está além do escopo deste livro, mas é importante dar uma ideia de
quão amplamente difundidas elas são. A seguir, enfatizamos algumas delas. Note que não
restringimos a análise à concorrência intramarcas, mas consideramos também motivos
existentes quando um fabricante compete com marcas concorrentes.

Certificação de qualidade. No mesmo espírito do argumento do carona, Marvel e


McCafferty (1984) sugeriram que alguns revendedores proveem aos consumidores
certificação de qualidade. Ao estocar alguns produtos, esses revendedores implicitamente
garantem sua qualidade aos olhos dos consumidores. Não importa realmente para o
argumento se o tipo de certificação de qualidade de fato ocorre ou se os consumidores
apenas presumem que, por ser estocado por certa loja “sofisticada”, o produto deve ser
bom. O que conta para o argumento é que tal atividade de certificação envolve alguns
custos (novamente, isso pode se dever ao fato de a loja ser localizada em um bairro caro,
exibir mármore nas paredes e ter atendentes articulados) e apresenta características de
bem público: outras lojas podem beneficiar-se dessa atividade – já que podem sustentar
um preço mais baixo porque não se engajam nesses serviços – e atrair consumidores do
produto certificado. Esse argumento pode justificar restrições com a FPR (se não houver
uma concorrente que venda mais barato que a loja certificadora, não há razões para que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

o consumidor vá adquirir o produto em outro lugar, depois de saber que o produto está
estocado ali) e a distribuição seletiva. No último caso, apenas certo tipo de loja, que tenha
determinadas características, é autorizado a vender o produto. Por exemplo, um fabricante
de bens de luxo pode querer vender apenas em lojas confortáveis localizadas em ruas
sofisticadas, especializadas, com vendedores dedicados e assim por diante. Como
consequência, o fabricante pode se recusar a vender o produto para supermercados e lojas
de desconto. Embora possamos ter dúvidas acerca do uso da palavra “eficiente” para
rotular tais restrições, podemos também reconhecer que não permitir que um fabricante
proteja a imagem de seus bens poderia ser prejudicial não apenas para ele, mas também
para os consumidores que valorizam aspectos de luxo dos bens. É compreensível que –
ao proibir tais estratégias de marketing – a imagem de luxo se desfaça, e os consumidores
não se disponham mais a pagar pelo produto. Em contrapartida, o produto poderia
desaparecer, e, por mais estranho que possa parecer, a disponibilidade de alguns
consumidores para pagar por tal bem de luxo diminuiria.12 Deve-se notar que, como no
argumento anterior do carona, a história da certificação de qualidade se sustenta apenas
se os revendedores não forem capazes de se apropriar dos serviços que proveem. Por
exemplo, uma rede de supermercados que invista pesadamente em garantir que os
produtos alimentícios que comercializa foram produzidos em um processo orgânico, sem
uso de agrotóxicos, deve poder limitar o spillover de seu investimento em certificação de
qualidade (etiquetagem orgânica). Tampouco fica claro até que ponto as lojas que
proveem certificação por meio de investimento em luxuosas instalações são capazes de
se apropriar do próprio investimento. Por um lado, se os itens à venda nessas lojas
luxuosas envolverem baixas quantias, será improvável que os consumidores primeiro se
dirijam para lá para verificar o que está sendo oferecido e depois se desloquem para
procurar uma loja de descontos em busca de preços mais baixos. Por outro, os rumores
de que determinado item esteja em liquidação em certo tipo de loja podem se espalhar
com rapidez, possivelmente arruinando o status de luxo da marca, como sugerem os

12
Lembre que a qualidade de um bem é a qualidade percebida pelos consumidores, não a do produto
propriamente. A propaganda é outra maneira pela qual um fabricante pode reforçar a imagem de um
produto, e muitos consumidores de fato se disporão mais a pagar um preço premium por produtos
fortemente anunciados que comprar um produto similar mais barato e não divulgado. Pense em cigarros,
refrigerantes, detergentes, sabões em pó e muitos dos produtos de consumo de massa. Isso implica que a
disponibilidade dos consumidores decrescerá se os produtos anunciados desaparecerem dos mercados ou
se a propaganda for proibida!

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

argumentos do carona. Conclusão: os argumentos do carona e da certificação de qualidade


são sensatos, mas não necessariamente se aplicam a todos os produtos. Só uma análise da
indústria e do mercado poderá dizer até que ponto se aplicam a determinado conjunto de
produtos.

Carona entre fabricantes. Embora restritivos por definição, na medida em que


obrigam o revendedor a não comercializar produtos do fabricante concorrente, contratos
de exclusividade podem ser eficientes. Por exemplo, podem estimular investimentos nos
serviços dos revendedores pelos fabricantes, como assistência técnica, promoção,
treinamento, equipamentos e financiamento. Na medida em que tais investimentos
favorecem não uma marca particular, mas o ponto de venda em geral, outros produtores
podem se beneficiar deles também, o que gera um problema de carona que pode ser
superado recorrendo-se a revendedores exclusivos (isto é, revendedores que não possam
estocar produtos de marcas concorrentes). Contratos de exclusividade também impelem
o revendedor a vender a marca mais agressivamente do que se dedicasse esforços de
marketing a várias marcas diferentes, aumentando, dessa forma, a competição.13

Restrições que removem o comportamento oportunista e promovem investimento


específico. A existência de contratos de longo prazo entre fabricantes e revendedores
(ou, a fortiori, sua integração) também pode ter efeitos positivos sobre os investimentos
específicos que ambas as partes têm de fazer em suas relações. Há muitos investimentos
que perdem muito valor fora de uma relação particular porque são customizados e
dedicados a um parceiro específico (por exemplo, quando uma empresa inventa um
maquinário para trabalhar com um bem ou insumo intermediário particular, ou um
franqueado que afunda investimentos importantes para comercializar e promover
determinada marca). Em tais casos, o perigo de que a relação seja rompida ou
descontinuada geralmente levará a um problema de subinvestimento. Se um distribuidor
teme que seu esforço de promoção para estabelecer a imagem de uma marca poderá, no
próximo ano, vir a ser apropriado por outra loja localizada na mesma área que
comercialize a mesma marca, ele pensará duas vezes antes de investir pesadamente nessa
atividade. Da mesma maneira, um fabricante desistirá de investir em ativos que poderiam

13
Contudo, conforme veremos na seção 6.2.5 e 6.4, tais cláusulas não deixam de apresentar inconvenientes,
que devem ser avaliados cuidadosamente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

melhorar o desempenho do distribuidor se este estiver inclinado a passar a distribuir


outras marcas. Para evitar esses comportamentos oportunistas (a empresa sair da relação
depois de a parceira ter feito os investimentos específicos), cláusulas como territórios
exclusivos ou acordos de exclusividade mostram-se úteis. Ao reduzir ou eliminar o
problema do subinvestimento, elas aumentam a eficiência. É claro que o mesmo vale para
fusões verticais. Nesse caso, os interesses do fabricante e do revendedor estão alinhados,
e eles se coordenarão de modo a atingir o mesmo objetivo.

Veja Acordo de exclusividade evita a figura do carona nos investimentos dos


fabricantes no Quadro 6.3 anexo no material complementar deste capítulo.

6.2.4 – Restrições vertic ais, fusões verticais e o problema do


compromisso

Restrições verticais e fusões verticais podem ter efeito adverso sobre o bem-estar
quando ajudam o fabricante (geralmente, uma empresa a montante) a manter preços
elevados, enquanto, sem esses recursos, ele não poderia se comprometer com preços altos.
Para entender por que tal problema de compromisso surge, considere o seguinte exemplo.
Suponha que um fabricante tenha uma marca de roupas de muito sucesso, muito
conhecida, mas ainda não vendida em determinada região. Suponha ainda que exista certa
incerteza quanto à demanda, de forma que o lucro total esperado desses produtos seja π e
que haja um acordo quanto a essa estimativa. Existem vários possíveis franqueados
dispostos a vender a marca. Se o fabricante tiver prometido conferir exclusividade na
região a um franqueado (e este tiver acreditado na promessa), uma licitação faria o
licitante vencedor oferecer 𝜋 ao fabricante. Contudo, uma vez que o fabricante tenha
vendido a franquia, ele terá um incentivo para descumprir a promessa de exclusividade e
se engajar em um comportamento oportunista. Ele poderia agora oferecer uma segunda
franquia (e prometer que não seriam mais que duas), e, se acreditassem em sua promessa,
ele obteria um lucro de 𝜋/2 do segundo franqueado (note que o primeiro franqueado teria
uma perda igual a 𝜋/2). Uma vez tendo recebido do segundo franqueado, ele poderia
descumprir novamente a promessa e oferecer uma terceira licença etc.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

É claro, os franqueados potenciais preveriam tudo isso, e, se o fabricante fosse


incapaz de se comprometer com um único contrato de franquia, ninguém aceitaria
comprar uma licença dele. Todo mundo sabe que o fabricante tem um incentivo para
descumprir sua promessa, o que ocasionaria uma perda para eles. Em outras palavras, o
fabricante precisa achar uma maneira de se comprometer de forma crível com o fato de
que não irá incorporar novos franqueados no mercado. De outra forma, será incapaz de
obter o lucro 𝜋 que o produto poderia alcançar.

Sempre que esse problema surgir, uma empresa não poderá se apropriar do poder
de mercado que potencialmente possui. No exemplo, o fabricante de roupas de marca
poderia vir a ter potencialmente lucros de monopólio, mas a presença de grande número
de franqueadores potenciais e a ausência de poder de compromisso podem fazer os
compradores aceitar adquirir a franquia apenas por um preço muito baixo, e o produto
acabará gerando lucro muito menor, em vez de lucro de monopólio.14

O mesmo problema do compromisso surge em circunstâncias mais gerais, sempre


que uma empresa tiver um insumo (ou produto) e puder vendê-lo para mais de um
comprador (ou revendedor), ela poderá ter incentivos para sigilosamente renegociar os
termos do contrato com alguns compradores depois de já o ter assinado com todos eles.
De forma equivalente, se os contratos não forem publicamente observáveis, ela pode ter
um incentivo para concordar com melhores termos com um ou mais compradores depois
que alguns já tiverem assinado o contrato.

Para ilustrar um pouco mais esse ponto, considere o seguinte exemplo. Suponha
que existam dois revendedores comercializando o mesmo produto homogêneo na mesma
cidade. Se ambos pagam o mesmo preço de atacado 𝑎, eles vendem a quantidade Q ao
preço p, e cada um realiza o lucro 𝜋/2. Um possível contrato (não linear), que pode ser
oferecido pelo fabricante aos dois revendedores, é cada um comprar ao preço 𝑎 se fizerem
um pagamento fixo 𝜋/2 (cada revendedor fará lucro zero e aceitará esse contrato se não
antecipar o comportamento oportunista de parte do monopolista). Depois que os contratos

14
O primeiro trabalho a estudar o problema do compromisso no contexto de relações verticais foi Hart e
Tirole (1990). Contribuições subsequentes são de O’Brien e Shaffer (1992) e MacAfee e Schwartz (1994);
e mais recentemente, Chemla (2003). Rey e Tirole (1996) analisam o incentivo para bloqueio do acesso
pelo proprietário de uma instalação essencial (ou um insumo produzido por um monopolista) e questões de
política associadas. É a principal referência para quem deseja entender melhor essas questões.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

tiverem sido assinados, no entanto, o monopolista poderá oferecer o produto a um dos


revendedores por um preço ligeiramente inferior ao preço unitário w. Isso permitirá a esse
revendedor ter uma pequena vantagem competitiva e aumentar sua participação de
mercado (possivelmente, pode até ganhar todo o mercado), fazendo 𝜋 ′ > 𝜋/2, de acordo
com o novo contrato. Por consequência, ele estará disposto a pagar até 𝜋′ pelos novos
termos. Às expensas do outro revendedor, que ainda tem de pagar 𝜋/2, o fabricante
poderia, então, após a renegociação, obter um lucro adicional de 𝜋′– 𝜋/2. Contudo, a
tentação de renegociar o contrato será antecipada por cada um dos revendedores, que não
se disporão a estabelecer contrato com o fabricante, a menos que um pagamento fixo
muito baixo seja estabelecido. Novamente, o monopolista não conseguirá explorar seu
poder de mercado potencial, prejudicado pela falta de compromisso, ou seja, pela tentação
de alterar os termos do contrato com os revendedores.

Os leitores notarão a grande similaridade com o problema do monopolista dos


bens duráveis (ver o Capítulo 2). Naquele caso também havia a impossibilidade de se
comprometer com certa ação (o preço futuro) que impedia o monopolista de exercer seu
poder de mercado. Como o monopolista de bens duráveis, porém, um fabricante a
montante também tem a possibilidade de resolver o problema do compromisso de modo
a restaurar seu poder de mercado. Restrições verticais (outras que não contratos não
lineares simples) e fusões verticais estão entre esses instrumentos, os quais explicaremos
a seguir. Antes de fazer isso, contudo, vale notar que o problema do compromisso surge
somente para uma empresa a montante que precisa de atacadistas e varejistas para vender
seus produtos aos consumidores finais, não a uma empresa a jusante que venda
diretamente aos clientes finais. Suponha que a estrutura de mercado seja revertida
relativamente em direção ao oposto, de modo que haja uma monopolista a jusante que
possa adquirir insumos (substituíveis) de dois ou mais ofertantes a montante. O
revendedor não tem os mesmos incentivos para renegociar o contrato de oferta com as
empresas a montante, já que, sozinho, controla o preço do mercado final. Isso significa
que – se fosse possível desenhar a estrutura da indústria – seria preferível ter concorrência
no nível da interação com os consumidores.15

15
Por exemplo, se houvesse um distribuidor que desfrutasse de poder de monopólio, faria sentido permitir
que os consumidores comprassem diretamente dos produtores e que estes comprassem acesso do
distribuidor. Essa política, conhecida como “política comum do transporte”, efetivamente transforma
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

Fusões verticais. Uma solução natural para o fabricante se comprometer com altos
preços é se fundir com uma das empresas a jusante.16 Se fizesse isso, poderia internalizar
os lucros realizados por sua afiliada a jusante e, assim, não teria qualquer incentivo para
oferecer melhores termos para outras, o que reduziria os lucros da afiliada e, por
conseguinte, os seus próprios. O bloqueio das concorrentes a jusante provavelmente
poderia ocorrer, já que a unidade a montante não teria incentivo para ofertar o insumo
para os concorrentes. De fato, para restaurar o poder de monopólio, deveria ser ótimo
suprir apenas a afiliada e não disponibilizar o insumo à concorrência. Pode-se mostrar,
contudo, que uma fusão vertical nem sempre resulta em completo fechamento de mercado
das concorrentes a jusante. Se houver outros insumos substitutos (porém inferiores), a
empresa a montante preferirá suprir a concorrência por conta própria, em vez de deixar
que sejam supridas por um competidor a montante.

É interessante notar que, na ausência de ofertantes competidores a montante, uma


fusão vertical a montante seria extremamente prejudicial, porque levaria ao fechamento
completo de mercado para empresas a jusante e determinaria um aumento de preço no
nível de monopólio. Porém, quando existem ofertantes a montante (menos eficientes),
uma fusão vertical aumentará os preços, mas não a esse ponto; a ameaça de os
revendedores transferirem-se para ofertantes alternativos limita o exercício de poder de
mercado da companhia mais eficiente e integrada verticalmente. De novo, restrições
verticais podem ser prejudiciais para o bem-estar, mas seus efeitos adversos são limitados
pela presença de fornecedores de insumo concorrentes. Isso pode ser interpretado ao
dizermos que quanto maior o poder de mercado a montante, mais atenção deve ser
dedicada às práticas verticais.

Territórios exclusivos. Já que os problemas do fabricante surgem da presença de


muitos compradores, uma maneira óbvia de se restaurar o poder de mercado é se restringir
plausivelmente a ofertar o produto (ou insumo) para um único comprador em cada área

empresas a jusante em companhias a montante e vice-versa. Veja Rey e Tirole (1996) para uma discussão
e alguns exemplos, principalmente dos setores de telecomunicações e energia. Embora fascinante, não
iremos nos alongar sobre esse tópico por ser mais uma questão de regulação que de concorrência, uma vez
que envolve redesenhar a estrutura da indústria.
16
Obviamente, integração vertical completa, ou seja, a aquisição de todas as empresas a jusante, também
resolveria o problema do compromisso. Mas isso não só é desnecessário – uma vez que o mesmo resultado
poderia ser atingido com uma única fusão – como muito improvável de ser aprovado por uma autoridade
antitruste.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

de mercado.17 Se um contrato estabelecendo que há um único comprador autorizado a


vender o produto dentro de determinada área for legal, o problema do fabricante estará
resolvido. Na região protegida pela cláusula de exclusividade, a concorrência entre
revendedores potenciais os levará a pagar até o preço de monopólio para ter a
oportunidade de ser o único representante a vender o produto. Isso permitirá ao fabricante
restabelecer seu lucro de monopólio. A contrapartida é que o contrato de exclusividade
gera danos ao bem-estar: os consumidores irão pagar o preço de monopólio em vez do
preço mais baixo, que emergiria na ausência da cláusula de exclusividade. A ineficiência
alocativa comum ocorre à medida que o excedente mais alto do produtor não compensa
o excedente mais baixo do consumidor.

O efeito de tais contratos é, portanto, bloquear o acesso ao produto por parte de


todos os revendedores, exceto um. Note também que, se existirem fornecedores
concorrendo a montante, o impacto sobre bem-estar da cláusula de exclusividade será
mais adversa que sob uma fusão vertical. Realmente, se houver um fornecedor menos
eficiente de um insumo, sob uma fusão vertical, a empresa a montante da companhia
verticalmente integrada terminará por fornecer também às concorrentes a jusante (já que
obterão o insumo de qualquer forma, é melhor fornecer que deixar que um concorrente
as abasteça). Mas se a empresa a montante eficiente assinar um contrato de exclusividade,
ficará impedida de abastecer outros revendedores. Como resultado, eles serão abastecidos
por uma a montante menos eficiente, adicionando uma perda de eficiência produtiva à
ineficiência alocativa.

Fixação de preço na revenda. Como o problema do monopolista é que não haja


renegociação que leve à maior produção ou menores preços, o problema do compromisso
é resolvido se o monopolista compromete-se com preços válidos para toda a indústria
(O’Brien e Shaffer, 1992).18 Considere por exemplo cláusulas de FPR como aquelas ainda
válidas em alguns países (da Europa) para produtos como livros e farmacêuticos. O

17
Similarmente ao caso do monopolista de bens duráveis, a reputação pode também ajudar o monopolista.
Se um fluxo de insumos foi levado ao mercado pelo monopolista ao longo do tempo, há um jogo repetido
entre o fabricante e o revendedor. Mesmo na ausência de uma cláusula de exclusividade explícita, o
fabricante pode ter um incentivo para construir uma reputação para saber lidar com um revendedor de cada
vez.
18
O’Brien e Shaffer (1992), em um modelo com bens diferenciados e preços competitivos, também
mostram que tetos de preços no nível do distribuidor (bilaterais), acompanhados por preços de atacado no
mesmo nível, também restauram poder de monopólio.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

produtor imprime o preço final no próprio produto e FPR pode ser aplicada e executa
mesmo em Tribunais. Revendedores não podem vender com desconto (no caso extremo
dessas jurisdições, podem ser processados se o fizerem) e isso claramente retira qualquer
incentivo para que o fabricante secretamente reduza preços no atacado: uma redução de
preços não levaria a aumento de vendas finais, apenas pioraria a distribuição de lucros
entre ele e o revendedor que receberia um desconto.19, 20

Cláusula da nação mais favorecida e leis antidiscriminação. Suponha que um


fabricante seja capaz de plausivelmente estabelecer um compromisso e aplicar uma
cláusula determinando que, toda vez que oferecer um desconto de preço a um revendedor,
todos os outros revendedores também terão direito ao mesmo desconto. Isso removerá
qualquer tentação para descumprir um contrato previamente assinado com alguns
revendedores. (Considere o exemplo de franquia do início desta seção. Se, depois de ter
assinado o contrato com um franqueado pelo preço 𝜋, o fabricante vender a franquia para
um segundo distribuidor pelo preço 𝜋/2, sob a CNMF, ele terá de reembolsar o primeiro

19
Nos Estados Unidos, preços mínimos para toda uma indústria foram estabelecidos graças a leis estaduais
(chamadas “leis do não signatário”), de acordo com as quais todos os distribuidores poderiam permanecer
com o contrato de FPR oferecido pelo fabricante, desde que pelo menos um distribuidor o tivesse assinado.
Veja O’Brien e Shaffer (1992: 306), que também oferecem evidências incidentais que mostram que a FPR
foi usada nos Estados Unidos para resolver o problema do compromisso.
20
O tema da FPR vem sendo tratado pelo CADE com relativa frequência desde o início da introdução da
análise econômica, com a Lei 8.884/84. O primeiro caso a envolver o tema foi o da Tabela Kibon (PA
148/94), em que se entendeu se tratar não de uma tabela de fixação de preços, mas de sugestão de preços
máximos, em um mercado caracterizado pela configuração de concorrência monopolista. A tabela servia
como instrumento de incentivo de descontos por parte do varejista, ao indicar o preço máximo sugerido,
induzindo a concorrência entre pontos de venda que detinham poder de mercado local, por sua localização
ou relações de fidelidade ou preferência do consumidor. Assim, a tabela contribuía para aumentar o bem-
estar. O tratamento mais recente do CADE sobre o tema da FPR foi no caso SKF (PA 08012.001271/2001-
414), decidido em 30 de janeiro de 2013, em que o relator que absolveu a representada da prática infrativa
da FPR foi vencido por entender não haver provas conclusivas de que a prática tivesse sido efetivamente
seguida, nem a SFK – a representada – teria poder de mercado unilateral para impor a FPR. A SDE, em seu
parecer, também entendeu que a SKF não teria poder de mercado suficiente para impor qualquer tipo de
prática vertical; no mercado de rolamentos, se teve o efeito de diminuir a concorrência intramarcas, também
teve o efeito líquido de aumentar a eficiência da rede de distribuição, ampliando a concorrência intramarcas
na dimensão “qualidade”, pela eliminação do efeito carona e pelo consequente fortalecimento da eficiência
intermarcas. A Procuradoria do CADE e o Ministério Público seguiram o entendimento da Secretaria pelo
arquivamento do feito. Porém, por maioria, após longo julgamento iniciado em 2010, decidiu-se que havia
potencial poder colusivo a montante e que não era relevante para a lei a realização de efeitos, ao afastar a
tese do crime impossível, tal como foi traduzida juridicamente a posição do relator (ver o acordão). A tese
– que, em termos econômicos, equivaleria a dizer que não importam as possibilidades objetivas para a
realização de efeitos – combinada à racionalidade das decisões, é bastante controversa, e, decerto, ainda
será discutida neste caso, em sede de revisão judicial e/ou em futuros casos, quando o CADE enfrentar
novamente a questão da FPR.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

franqueado em 𝜋/2. Claramente, não fará qualquer sentido descumprir a promessa e


oferecer a franquia para o segundo distribuidor.

Um problema com a CNMF é claramente a observabilidade dos descontos de


preço e consequentemente a execução de tal cláusula. (Se o distribuidor não puder
observar o desconto feito a outro, como a CNMF poderá ser aplicada?). Como o problema
do compromisso surge em uma situação em que contratos não são observáveis, pode
parecer que as mesmas circunstâncias também dificultam o uso das CNMFs. Contudo,
suponha que o fabricante tenha de pagar uma alta penalidade se for pego oferecendo
melhores termos a alguns compradores e não a outros. Logo, é provável que ele evite
renegociar suas melhores ofertas de preços, o que equivale a pôr em execução a CNMF.
É precisamente o que acontece sob a lei de concorrência europeia. Tanto a Comissão
quanto a Corte Europeia de Justiça consideram um abuso de posição dominante a prática
de uma empresa com poder de mercado discriminar compradores.21 Desde o caso
Michelin,22 empresas dominantes serão pesadamente multadas se oferecerem termos
diferenciados de oferta para diferentes compradores, e os fornecedores deveriam se ater
ao princípio da transparência de preços: não oferecer descontos secretos de preços a
compradores. Qualquer que tenha sido a razão pelas quais tanto a Comissão como a Corte
Europeia instituíram essa regra, está claro que auxilia o provedor do insumo a resolver o
problema do compromisso. Contrariamente ao que esperam, a “regra da transparência”
auxiliará as empresas com poder de mercado a manter os preços elevados, em detrimento
do bem-estar.

Conclusões. Esta seção mostrou um caso em que restrições verticais e fusões verticais
podem ser prejudiciais para o bem-estar. Se os contratos entre o monopolista a montante
e os revendedores a jusante não forem publicamente observáveis, o monopolista será
prejudicado por sua tentação de renegociar termos de oferta (postura antecipada pelos

21
Isso não significa que uma companhia não possa se engajar em qualquer forma de discriminação de
preços. É perfeitamente legítimo para uma empresa oferecer preços com base nas quantidades compradas
pelos consumidores. O que não é legítimo é oferecer diferentes condições para contratos similares ou para
o mesmo número de unidades compradas.
22
Em junho de 2001, a Comissão Europeia multou a Michelin, fabricante francesa de pneus, em €19,7
milhões por abuso de posição dominante, com base no art. 82 do Tratado da CE, por reincidência na prática
abusiva de fechamento do mercado francês de pneumáticos para grandes veículos a outros fabricantes, por
meio de descontos e bônus oferecidos a seus revendedores exclusivos, decisão confirmada pela Corte
Europeia.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

revendedores, que não se disporão a aceitar altos preços de insumo). O monopolista sofre,
portanto, do mesmo problema de compromisso que o de bens duráveis. Uma fusão com
empresa a jusante, ou cláusulas verticais como territórios exclusivos e fixação de preços
de revenda, pode ajudar a resolver o problema de compromisso do monopolista e auxiliá-
lo a exercitar seu poder de monopólio, em detrimento do bem-estar.

Note que a magnitude do dano causado pela restrição vertical identificada


anteriormente (ou pela restrição vertical) depende de a empresa a montante ser ou não um
monopolista. Caso haja fornecedores concorrentes, mesmo que menos eficientes, o dano
causado por tal prática é diminuído. Isso sugere que só faz sentido monitorar essas
práticas quando adotadas por empresas com suficiente poder de mercado.

Outra importante conclusão de política, talvez de maior relevância prática, é que


leis que impõem “transparência” de preços e contratos entre empresas relacionadas
verticalmente ou que obrigam empresas a montante a não discriminar compradores, são
mal orientadas. Em vez de fortalecerem a competição, fornecem às empresas a montante
um compromisso eficiente e aceitável de não reduzir preços secretamente, permitindo-
lhes aplicar preços altos. As regras da Comissão Europeia são um exemplo e deveriam
ser revistas.

Veja Restrições verticais e o problema do comprometimento no Quadro 6.4


anexo no material complementar deste capítulo.

6.2.5 – Conclusões

Esta seção mostrou que fusões verticais e restrições verticais que afetam apenas a
concorrência intramarcas frequentemente geram mais eficiência. Elas permitem que as
empresas controlem externalidades que afetam as relações verticais com outras
companhias, elevando lucros na cadeia vertical e, em muitos casos, o excedente do
consumidor. A análise também desvendou alguns casos especiais (notadamente quando
podem levar à provisão exagerada de serviços – veja a seção 6.2.2 – e quando ajudam um
fabricante a resolver o problema do compromisso – veja a seção 6.2.4) em que restrições

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

e fusões verticais podem reduzir o bem-estar. Contudo, os efeitos adversos encolhem


quando há concorrência no mercado.

A principal conclusão desta seção é, portanto, que as restrições verticais que


afetam a concorrência intramarcas não provocam problemas de bem-estar: certamente,
não vale a pena investigá-las, a menos que a empresa que as adota tenha alto poder de
mercado.

Outra implicação importante da análise desenvolvida é que as restrições verticais


são comumente substituíveis – pelo menos, em alguma extensão – entre si.
Consequentemente, conferir um tratamento diferenciado a certas restrições verticais
(permitir algumas e proibir outras) não parece ser justificável.

Contudo, essas conclusões são provisórias, porque ainda não levamos em


consideração os efeitos das restrições verticais sobre a concorrência intermarcas. É para
esse tópico que nos voltaremos agora.

6.3 – CONCORRÊNCIA INTERMARCAS

Na seção anterior, focalizamos o caso em que apenas um fabricante a montante


podia utilizar contratos verticais, de forma que a concorrência intermarcas não estava em
questão. Contudo, ao modificar as escolhas (investimentos, preços etc.) feitas por uma
cadeia vertical (isto é, por um fabricante de uma marca e seus distribuidores), as restrições
verticais geralmente terão impacto sobre a competição dessa cadeia com as demais.
Analisaremos agora os efeitos de restrições (e fusões) verticais quando diversos
fabricantes vendem por meio de distribuidores. A seção 6.3.1 mostra que restrições
verticais podem ser utilizadas estrategicamente de maneira a inibir a concorrência entre
revendedores e, em última instância, entre fabricantes; a seção 6.3.2. mostra que podem
favorecer acordos colusivos, e a seção 6.4 discute que podem ser usadas para bloquear a
entrada no mercado. Assim, a análise econômica certamente demonstra que, de forma
alguma, as cláusulas verticais nem sempre são benéficas (contrariamente ao que a Escola
de Chicago costumava afirmar). Não obstante, restrições verticais (ou algumas delas) não
são sempre ruins. Primeiramente, apontaremos as condições sob as quais tais restrições

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

são danosas. Em segundo lugar, lembraremos que devemos sempre ponderar os possíveis
efeitos negativos sobre a concorrência intermarcas, com prováveis efeitos de ganhos de
eficiência a serem obtidos com as restrições verticais, tal como ilustrado na seção anterior.
Novamente, a principal conclusão será que devemos nos preocupar com restrições
verticais apenas quando envolverem empresas que desfrutem de grande poder de
mercado.

6.3.1 – Efeitos estratégicos das restrições verticais

Há muita literatura sobre a racionalidade estratégica por trás das restrições


verticais sob concorrência imperfeita. A principal inspiração vem do modelo principal-
agente, que enfatiza como um “principal” (aquele que está no comando), em certas
circunstâncias, tem incentivo para delegar uma decisão a um agente, que mais
provavelmente desempenhará a ação determinada pelo principal se lhe forem providos os
incentivos apropriados. Suponha que haja dois empresários no mercado. Cada um deles
gostaria de manter os preços elevados, mas as forças normais de mercado tendem a levá-
los a baixar preços um com relação ao outro, resultando em preços baixos. Não seria
aceitável se um deles, de repente, prometesse ao outro que manteria seus preços altos e
não concorreria com o oponente na redução de preços. Cada um sabe que o outro se
comportará de modo a maximizar lucros, e isso implica que os preços serão reduzidos, a
despeito de promessas. Suponha agora que um dos empresários contrate um gerente e
delegue a ele todas as decisões de preço e mercado e lhe dê uma compensação que lhe
confira vantagem se o preço que ele conseguir cobrar for suficientemente alto. Se o
contrato for observável pelo concorrente, torna-se aceitável que o gerente mantenha os
preços altos, o que fará o concorrente adotar a mesma postura. O que a centralização das
decisões não conseguia fazer, a delegação da decisão consegue. Esse é um princípio
consagrado na teoria dos jogos, com muitas aplicações diferentes em vários campos.

Gal-Or (1991), Vickers (1995), Bonanno e Vickers (1998) e Rey e Stiglitz (1988,
1995) estão entre os trabalhos que aplicaram esse princípio a restrições verticais. 23 Eles

23
Veja Irmen (1998) para uma análise dessa literatura.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

estudaram efeitos estratégicos de restrições verticais quando há cadeias verticais


competindo entre si, como ilustrado na Figura 6.3.

Figura 6.3 Cadeias verticais concorrentes.

A principal ideia é que o fabricante (o principal) pode querer fazer do revendedor


um concorrente mais “brando” no mercado final, de modo a atingir – pelo efeito
estratégico mencionado anteriormente – preços finais mais altos e lucros do revendedor
mais altos também. O benefício de preços mais elevados será, então, recuperado pelo
principal por uma taxa de franquia.24, 25

Um tipo de restrição vertical que pode reduzir a concorrência intermarcas é a


definição de territórios exclusivos. Considere uma situação em que um fabricante venda
sua marca por meio de um número de distribuidores (que comercializam apenas a aquela
marca). Ao remover a concorrência intramarcas, que reduzirá os preços da própria marca
no mercado e concederá aos revendedores o poder de se comportarem como monopolistas
da marca, preços de revenda mais elevados serão estabelecidos. Por sua vez, isso elevará
os preços da concorrência. Novamente, o lucro com a marca crescerá, e o bem-estar será
menor. Cláusulas de territórios exclusivos auxiliam também no sentido de serem visíveis

24
Em algumas circunstâncias, mesmo sem taxa de franquia, o fabricante ganhará com a restrição vertical.
Veja, por exemplo, Rey e Stiglitz (1995).
25
Note que a mesma lógica se aplica ao caso em que o revendedor – em vez do produtor – tem o poder de
barganha. Nesse caso, Shaffer (1991) mostra que cada revendedor pode manipular estrategicamente o preço
no atacado pago ao produtor e recuperar o lucro mais alto da cadeia vertical por uma licença de espaço, ou
seja, uma taxa de franquia negativa que o fabricante paga ao revendedor para ter acesso a seu espaço em
prateleira. A seguir, nos limitaremos ao caso em que o poder de barganha pertence ao fabricante.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

e não facilmente renegociáveis. (Um contrato tem valor de compromisso, quer dizer,
poderá afetar estrategicamente a conduta da concorrente se puder ser observado e não
facilmente modificado.) Como esses contratos têm grau maior de compromisso e
visibilidade que os não lineares (a decisão de delegar as vendas para um revendedor pode
ser facilmente observável e é dificilmente reversível no curto prazo, embora o contrato
com os revendedores seja, em geral, particular), seu potencial estratégico também é mais
alto.26

Note, contudo, que nem toda restrição vertical restringe o exercício dos efeitos
estratégicos. A fixação de preços na revenda, por exemplo, não pode ser utilizada como
restrição estratégica. A ideia crucial é delegar decisões de preços ao revendedor,
enquanto, com a FPR, é ainda o fabricante que decide preços. Pelas mesmas razões, uma
fusão vertical não desperta as mesmas preocupações: nenhuma delegação acontece aqui,
de modo que territórios exclusivos e preços não lineares poderão atingir lucros mais altos
(e gerar menor bem-estar) que a integração vertical.

Entretanto, deve-se notar que o resultado de restrições verticais terem efeitos


estratégicos que causam dano ao bem-estar não é robusto se não se considerar a natureza
da competição no mercado. Significa dizer que, em alguns mercados, como nos que
descrevemos até agora, quando uma empresa aumenta seus preços, a concorrente também
o faz, o que torna lucrativo ter um contrato estimulando o revendedor a manter preços
elevados. Em outros mercados, contudo, quando uma empresa reduz sua produção (isto
é, aumenta os preços), a concorrência aumentará a produção (ou seja, reduzirá os preços),
diminuindo, assim, os lucros. Nesse caso, o fabricante definirá contratos com o objetivo
de tornar o revendedor mais – não menos – agressivo no mercado. Por exemplo, ele
poderá reduzir preços de atacado de modo a estimular as vendas do revendedor.27 O
resultado geral serão maiores quantidades adquiridas por cada revendedor de marca e
menores preços de mercado de equilíbrio. Nesse caso, restrições verticais levarão ao
aumento do excedente do consumidor e do bem-estar. As empresas de fato podem adotar

26
Não obstante, Katz (1991) mostra que contratos não observáveis podem afetar a concorrência de mercado
sob certas circunstâncias; e Caillaud, Jullien e Picard (1995) mostram que, sob informação assimétrica,
contratos observáveis portam valores de compromisso mesmo que posteriormente possam ser
renegociados.
27
Por essa razão, os fabricantes não irão adotar territórios exclusivos quando os revendedores competirem
em quantidade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

essas restrições se, particular e isoladamente, forem consideradas ótimas, mas acabarão
em situação pior se todas ao mesmo tempo adotarem a estratégia. Esse é, portanto, um
exemplo do clássico dilema do prisioneiro. Proibir as restrições favoreceria as empresas
(não os consumidores).

Outra qualificação importante para o resultado de que restrições verticais


poderiam amortecer a competição no mercado vem do fato de que os efeitos estratégicos
das restrições serão consideráveis apenas se a empresa que os adotar tiver algum poder
de mercado.

Conclusão: a literatura estabelece que restrições verticais – por meio de efeitos


estratégicos – podem reduzir o bem-estar, mas isso não autoriza uma política com
implicações não ambíguas. Em primeiro lugar, a literatura sugere que apenas restrições
adotadas por empresas com suficiente poder de mercado merecem revisão (se houver
suficiente concorrência a montante, restrições utilizadas por uma empresa terão baixa
probabilidade de exercer efeitos significativos sobre preços). Em segundo lugar,
deveríamos dar menos relevância aos argumentos de estratégia em casos antitruste
concretos. Parece difícil avaliar em que extensão as restrições são usadas com propósitos
estratégicos e avaliar seus impactos quantitativos.

Veja Uso estratégico de restrições verticais no Quadro 6.5 anexo no material


complementar deste capítulo.

6.3.2 – Restrições verticais como recursos colusivos

A literatura aponta que há circunstâncias em que as restrições verticais podem


facilitar a colusão. Nesta seção, consideramos dois desses argumentos. O primeiro mostra
que a fixação de preços na revenda pode favorecer colusão entre fabricantes. O segundo,
que quando dois ou mais fabricantes vendem por meio de um revendedor comum, podem
atingir um resultado colusivo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

6.3.2.1 – A FPR pode facilitar colusão (lembrete)

Como visto na seção 4.2.3, a fixação de preço de revenda pode facilitar a colusão
entre fabricantes por aumentar a observabilidade de preços. Na ausência da FPR, quando
ocorrem choques no mercado varejista, os preços finais tendem a se alterar, dificultando
a distinção dos fabricantes entre mudanças nos preços de varejo causadas por diferentes
condições no mercado revendedor de desvios com relação ao cartel. A FPR torna a
colusão mais provável, eliminando a variação de preços no varejo (veja também
JULLIEN e REY, 2001)

6.3.2.2 – Agência comum

Se dois fabricantes decidem vender seus bens ao mercado final por meio de um
agente comum (ou revendedor), poderá haver efeitos anticompetitivos. Em particular,
isso pode dar ensejo à cobrança dos preços de maximização conjunta de lucros em
equilíbrio.28

Há duas circunstâncias diferentes que propiciam esse acontecimento. Primeiro,


imagine que os fabricantes ofereçam um contrato de tarifa em duas partes ao revendedor
comum e deleguem a ele as decisões sobre preços. Nesse caso, é obvio que o agente
comum irá escolher os preços colusivos, dados os preços de atacado, uma vez que as
empresas a montante deram a ele efetivamente um mandato para maximizar seus lucros
conjuntos. Os fabricantes ainda continuarão competindo em preços no atacado, mas não
terão incentivo para elevá-los acima de seu custo marginal. Como resultado, o revendedor
se comporta exatamente como se os fabricantes vendessem diretamente ao mercado final
e pudessem maximizar coletivamente seus lucros.

Ainda mais interessante é o resultado de Berheim e Whinston (1985), que


mostram que os preços colusivos podem ser atingidos mesmo se as decisões de preços
não forem delegadas para o revendedor comum. No seu modelo, dois fabricantes

28
A literatura resume essa questão dizendo que a agência comum facilita a colusão (mas, curiosamente, o
preço colusivo surge mesmo em um jogo de uma única rodada).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

oferecem um contrato com taxa de franquia a um revendedor comum, mas também


impõem o preço final (em outras palavras, a FPR é permitida). Mostram que, em
equilíbrio, ambas as empresas escolhem o preço colusivo, porque cada fabricante faz do
revendedor o requerente residual e usa a taxa de franquia para recuperar seu lucro. No
momento de definir o preço de revenda final, cada fabricante leva em conta que o lucro
final do revendedor depende não apenas das vendas do produto do próprio fabricante,
mas também das do concorrente. Dessa forma, quando o fabricante escolhe seu preço de
modo a maximizar o lucro do revendedor, leva em consideração a externalidade de sua
decisão sobre o componente do lucro do revendedor, que advém das vendas do produto
do concorrente: isso é precisamente o que acontece quando dois produtos são vendidos
pelo mesmo cartel (isto é, sob maximização conjunta de lucros).29

Veja Revendedor compartilhado e FPR auxiliam a colusão no Quadro 6.6


anexo no material complementar deste capítulo.

6.4 – EFEITOS ANTICOMPETITIVOS: ALAVANCAGEM E


BLOQUEIO DE MERCADO

Um dos mais apaixonantes e intrigantes debates no campo do antitruste é sobre se


uma empresa pode utilizar práticas anticompetitivas para proteger e reforçar o poder de
mercado que já detém em um mercado relevante e estendê-lo a outros. Esse tema será
discutido mais detidamente no Capítulo 7, mas é apropriado tratar dele também aqui, uma
vez que algumas das possíveis práticas anticompetitivas sob consideração consistem em
restrições verticais.

29
Em Rey e Vergé (2002a), há concorrência a montante e a jusante; cada empresa a jusante age como um
revendedor comum de ambas as empresas a montante. Sob esta estrutura de “agência comum dupla”, os
lucros colusivos surgem de um equilíbrio de jogo único, no qual a primeira das empresas a montante faz
uma oferta “pegar ou largar” (na forma de contratos de taxa de franquia) para cada um dos revendedores
comuns. Cada um estabelece seu nível de esforço e, então, compete no mercado final de produto vendendo
ao preço estabelecido pelos fabricantes. Infelizmente, o modelo perde força na habilidade dos fabricantes
de extraírem todas as rendas dos revendedores, e quando eles dispõem de algum poder de barganha, o
modelo se torna muito complicado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

Sugere-se, como exemplo, que acordos de exclusividade podem permitir que uma
empresa que disponha de posição dominante detenha a entrada no mercado, ao bloquear
o acesso a um insumo (a rede de distribuição) ou dificultando e encarecendo a obtenção
desse recurso para um entrante. Também sugere-se que uma fusão vertical pode ter efeitos
similares: se uma empresa a montante que detenha posição dominante adquire um ou
muitos revendedores a jusante, ela pode deixar de abastecer os concorrentes da subsidiária
a jusante ou abastecê-los a preços mais elevados, colocando-os em desvantagem
competitiva.

Veremos nesta seção que – a despeito dos apelos que esses argumentos tenham à
primeira vista – não é comum uma empresa dominante ter incentivos para se engajar em
tais práticas. Na realidade, apenas muito recentemente a teoria econômica passou a prover
exemplos formais de situações em que isso poderia vir a ocorrer.

A seguir, lidaremos separadamente com os efeitos anticompetitivos possíveis


advindos de contratos de exclusividade e de fusões verticais. Em ambos os casos, primeiro
lembraremos os argumentos da “Escola de Chicago”, que enfatizam a baixa
plausibilidade e efeitos de bloqueio (ou fechamento) de mercado e depois os modelos
mais recentes (“pós-Chicago”), nos quais os efeitos de bloqueio podem mesmo ocorrer.
Finalmente, vamos avaliar o valor prático dessas teorias, apontando que as motivações
anticompetitivas acentuadas por esses modelos devem ser contrastadas com possíveis
efeitos de eficiência que acordos de exclusividade e fusões verticais podem gerar.

6.4.1 – Efeitos anticompetitivos: acordo de exclusividade

A preocupação de que uma empresa dominante possa usar acordos de


exclusividade para gerar danos para competidores correntes ou potenciais é antiga.
Contudo, a teoria econômica frequentemente reage de maneira cética à possibilidade de
que contratos de exclusividade possam levar ao bloqueio de mercado. Particularmente,
desde os anos 1950, a chamada Escola de Chicago enfatiza os efeitos de eficiência de tais
contratos, minimizando a plausibilidade dos argumentos de bloqueio de mercado. Posner
(1976) e Bork (1978) resumem os argumentos de “Chicago” sobre a questão. O ponto

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

deles é que, para que o contrato de exclusividade entre um vendedor incumbente e um


comprador (ou distribuidor) fosse assinado, o último deveria receber um benefício. Do
contrário, o argumento prossegue, um comprador racional não estaria disposto a aceitar
um contrato que o obrigasse a comprar de um incumbente ineficiente se um competidor
mais eficiente se dispusesse a entrar na indústria.

Suponha que exista um monopolista incumbente, um entrante potencial (mais


eficiente que o incumbente) e apenas um comprador em determinada indústria. Ao aceitar
um contrato de exclusividade, o comprador aceitaria se comprometer a comprar do
monopolista mesmo se a entrada ocorresse. Isso exclui a entrada, e o comprador acabará
pagando o preço de monopólio pelo bem. Ao rejeitar a oferta de contrato, no entanto, o
comprador irá disparar a entrada e se beneficiará de um preço mais baixo. Com certeza,
a incumbente deve oferecer uma compensação ao comprador para persuadi-lo a aceitar a
exclusividade. Contudo, a incumbente estará disposta a pagar uma compensação não mais
elevada que seu lucro de monopólio, enquanto o comprador – ao aceitar o contrato de
exclusividade – perderá todo o excedente do consumidor pela compra a preços mais
baixos (a saber, com custos marginais constantes, o lucro do incumbente mais a perda de
peso morto).

A Figura 6.4 ilustra isso. Suponha que a incumbente tenha um custo unitário 𝑐𝐼 e
obtivesse um lucro unitário 𝜋𝑚 se dispusesse de um monopólio, correspondente à área
𝑝𝑚 𝐴𝐷𝑐1. A entrante tem custo 𝑐𝐸 < 𝑐𝐼 ; caso a entrada ocorra, a entrante pode definir um
preço ligeiramente abaixo de 𝑐𝐼 e pegar todo o mercado para si. Assim, se a entrada
ocorrer, o preço será (ligeiramente menor que) 𝑐𝐼 . O comprador obtém um excedente
igual a 𝐸𝐶 𝑚 , correspondente à área 𝜃𝐴𝑝𝑚 , sob monopólio, e um excedente igual a 𝐸𝐶 𝐸 ,
igual à área 𝜃𝐵𝑐𝐼 , se a entrada ocorrer. Por conseguinte, para ser persuadido a estabelecer
um acordo de exclusividade com o incumbente, o comprador deveria receber uma oferta
𝑡 maior que o ganho que obterá se a entrada ocorrer, 𝐸𝐶 𝐸 − 𝐸𝐶 𝑚 . Isso é equivalente à
área 𝑝𝑚 𝐴𝐵𝑐𝐼 . Contudo, é claro que o incumbente não poderia fazer uma oferta tão alta,
pois seus lucros seriam 𝜋 𝑚 < 𝐸𝐶 𝐸 – 𝐸𝐶 𝑚 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

Figura 6.4 A crítica da “Escola de Chicago” ao bloqueio de mercado.

A implicação desse argumento não é que contratos de exclusividades nunca serão


observados, mas que, se existem, é porque envolvem algum ganho de eficiência, mas,
como esses ganhos são benéficos tanto para as empresas que usam tais contratos quanto
para os consumidores, não há razão para que as autoridades antitruste intervenham e os
proíbam.

Modelos pós-Chicago. O argumento anterior, ainda válido, enfatiza ser menos


provável do que pode parecer à primeira vista o fato de uma empresa se engajar em
contratos de exclusividade tendo em vista monopolizar o mercado (e efeitos pró-
competitivos estarem, com frequência, por trás de tais contratos). Não obstante,
contribuições teóricas recentes de fato oferecem exemplos de circunstâncias sob as quais
os contratos de exclusividade levam a efeitos anticompetitivos (ver a seção 6.6 para um
exemplo do mundo real).

O principal insight por trás dos recentes modelos de exclusão pode ser obtido em
referência ao mesmo exemplo utilizado anteriormente. Naquele exemplo, a incumbente
não é capaz de fazer uma oferta grande o suficiente para persuadir o comprador a aceitar
um acordo de exclusividade. No entanto, há circunstâncias sob as quais isso é possível, e
elas se referem à existência de externalidades com respeito à relação entre a incumbente
e o comprador que considera o contrato de exclusividade. Imagine que, ao excluir o
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

entrante, a incumbente não só obtém lucros de monopólio no mercado em consideração,


mas também faz manobras para aumentá-los em outro mercado (talvez porque o potencial
entrante não pudesse realizar economias de escopo produzindo para dois mercados).
Nesse caso, a incumbente, ao excluir a entrante, realizará o lucro 𝜋 𝑚 mais algum lucro
adicional advindo de outro mercado: seria possível, agora, fazer uma oferta elevada o
suficiente para o comprador, de modo a induzi-lo a aceitar o contrato de exclusividade.

Grande parte dos trabalhos recentes que mostram que a incumbente pode usar
contratos de exclusividade para bloquear a entrada se apoia em diferentes externalidades
que explicam por que o bloqueio é lucrativo. Tais trabalhos incluem Aghion e Bolton
(1987), Rasmusen et al. (1991), Segal e Whinston (2000a) e Bernheim e Whinston
(1998).30

Aghion e Bolton (1987) ilustram como uma incumbente e um comprador podem


entrar em acordo a respeito de um contrato de exclusividade parcial que pode impedir a
entrada de um competidor mais eficiente. Efetivamente, o que ocorre nesse cenário é que
a incumbente e o comprador concordam com um contrato que lhes permite extrair algo
da renda que a entrante teria em caso de entrada (a área 𝑐𝐼 𝐵𝐸𝑐𝐸 da Figura 6.4). A exclusão
nem sempre ocorre, mas, quando acontece, é anticompetitiva.

Rasmusen et al. (1991) e Segal e Whinston (2000a) mostram outra circunstância


na qual o contrato de exclusividade pode impedir a entrada. Se houver muitos
compradores no mercado, eles não conseguirão coordenar suas compras, e um entrante
potencial precisará garantir certo número deles para cobrir seus custos fixos. Nesse caso,
uma incumbente pode explorar a falta de coordenação entre compradores para deter a
entrada. No momento de aceitar uma oferta de acordo de exclusividade por parte da

30
Há também, na literatura, os que consideram o potencial anticompetitivo de acordos de exclusividade por
meio de estratégias de elevação de custos dos concorrentes. Em Comanor e Frech (1985), contratos de
exclusividade entre um fabricante dominante (que desfrute de uma vantagem de diferenciação) e
revendedores estabelecidos bloqueiam o acesso de uma concorrente a esses revendedores e obrigam-na a
usar um canal de distribuição menos eficiente. No entanto, Schwartz (1987) mostra que o modelo utilizado
por Comanor e Frech (1985) não é cuidadosamente formulado. Desenvolvendo a análise correta, ele prova
o resultado oposto: contratos de exclusividade podem surgir, mas levam a preços menores, em vez de
maiores para os consumidores. Mathewson e Winter (1987) também reformulam o modelo de Comanor e
Frech (fazendo diferentes hipóteses sobre diferenciação de produto) e mostram que contratos de
exclusividade não precisam ser anticompetitivos mesmo quando levam à exclusão de concorrentes. Esses
trabalhos demonstram que efeitos exclusionários devem ser levados em consideração pela teoria, mas
tendem a surgir em modelos que requeiram hipóteses e definições particulares. Adicionalmente, mesmo
quando a exclusão ocorre, pode gerar aumento de bem-estar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

incumbente, cada revendedor não leva em consideração que, ao fazer isso, impõe uma
externalidade sobre os demais. Em outras palavras, se todos aceitarem a oferta de
exclusividade por parte da incumbente, um deles sozinho não terá incentivo para rejeitar
o contrato de exclusividade da incumbente, como um comprador “livre” sozinho não será
capaz de disparar a entrada dirigindo-se ao entrante (o entrante necessitaria de vários
compradores para cobrir seu custo fixo de entrada).

O modelo pode ser ilustrado pela Figura 6.4, mas com dois compradores idênticos
em vez de um. Cada comprador é descrito como uma função de demanda 𝜃𝜃′. A
incumbente faz a cada um deles uma oferta em troca de um acordo de exclusividade, que
eles aceitam ou rejeitam, e depois um entrante mais eficiente decide sobre a entrada (mas
cobrirá custos fixos apenas se vender para os dois revendedores). Quando a incumbente
negocia o acordo com o comprador, ele pode oferecer o dobro de seus lucros, um vez que,
ao conseguir um revendedor exclusivo, pode obter lucros de monopólio em dois
mercados. Partindo de que 2𝜋 𝑚 > 𝐸𝐶 𝐸 – 𝐸𝐶 𝑚 (hipótese não muito forte), ela agora pode
oferecer uma compensação t que induza o comprador a aceitar o acordo,
consequentemente bloqueando a entrada para ambos os compradores. (De fato, há um
equilíbrio exclusionário quando a incumbente paga zero de compensação: mesmo se não
oferecer nada, um comprador sabe que não poderá sozinho induzir a entrada, então
aceitará o acordo.)

No entanto, há também outro equilíbrio, quando todos os compradores compram


do entrante.31 Se todos rejeitam o contrato da incumbente, a entrada irá ocorrer (o entrante
é mais eficiente), e todos terminarão comprando do entrante a um preço menor.32 Assim,
o modelo fala em favor de agências de compra central, ou seja, agências que coordenam
as decisões (de outra forma, independentes) dos compradores, rompendo possíveis
resultados ineficientes, frutos da falta de coordenação.

Fumagalli e Motta (2002) qualificam o poder de detenção de entrada de acordos


de exclusividade. Analisam o modelo que incorpora os mesmos aspectos de Segal e
Whinston (2000a) com a variante de que compradores não são consumidores finais, mas

31
Válido em um jogo simultâneo com ofertas não discriminatórias. Se a incumbente puder discriminar ou
oferecer sequencialmente acordos de exclusividade, o equilíbrio exclusionário será único.
32
Mais precisamente, este é o único resultado de jogo à prova de coalizão.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

estão, ao contrário, competindo entre si em um mercado a jusante. Eles mostram que se a


concorrência entre compradores for forte o suficiente, um comprador individualmente
teria incentivo para romper o equilíbrio exclusionário, pois, ao assegurar um insumo mais
barato, ele pode se apropriar de uma parcela maior do mercado a jusante. Considere, por
exemplo, o caso extremo em que a competição a jusante é à la Bertrand, e os bens são
substitutos muito próximos. No caso, nenhum comprador terá incentivo para aceitar a
oferta da incumbente, porque, dessa forma, o comprador pode se dirigir para o entrante
mais eficiente, comprar dele a preço mais baixo que os outros compradores e obter a
maior parte do mercado para si (o entrante, aqui, entra quando abordado por um
comprador desviante, porque esse último comprará unidades suficientes, pelo fato de
poder tomar todo o mercado). Uma forma alternativa de expressar esse resultado de
maneira similar ao argumento de Chicago é que quando a concorrência a jusante é forte
o suficiente, a incumbente não pode pagar uma compensação alta o bastante para
convencer os compradores a aceitar o contrato de exclusividade.

Note que, nos trabalhos mencionados (AGHION & BOLTON, 1987,


RASMUSEN et al., 1991, e SEGAL & WHINSTON, 2000a), um aspecto fundamental é
que o contrato de exclusividade entre a incumbente e o comprador exerce algum tipo de
externalidade sobre terceiros. Esse princípio é enfatizado por Bernheim e Whinston
(1998), trabalho em que a questão sobre se acordos de exclusividade podem dar ensejo a
fechamento ou alavancagem de mercado é estudada de maneira mais geral.

Veja Acordo de exclusividade e detenção de entrada no Quadro 6.7, e Efeitos


exclusionários de fusões verticais no Quadro 6.8 anexos no material complementar deste
capítulo.

6.5 – CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA

Vimos que restrições e fusões verticais apresentam um conjunto de aspectos de


eficiência: embora, em algumas circunstâncias, possam ter efeitos anticompetitivos, uma
regra de proibição per se seria claramente inapropriada, já que deixaria de gerar efeitos

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

de eficiência que mais provavelmente dominam em muitos casos. Uma regra de


razoabilidade certamente é mais recomendável.

Essa afirmação sustenta-se para todo tipo de restrição vertical e fusão vertical:
diferentes restrições são frequentemente substituíveis entre si. Além disso, não há um
ranqueamento unânime de restrições verticais em termos de bem-estar. Assim, não há
justificativa econômica para uma política que as trate de forma diferente, digamos,
utilizando uma regra per se de proibição contra fixação de preços no varejo mas
permitindo outras restrições. Pela mesma perspectiva, seria inconsistente ter uma posição
rígida contra algumas restrições verticais e ser leniente com fusões verticais.

Uma regra de razoabilidade para restrições e fusões verticais não significa que
todo acordo vertical deva ser examinado pelas autoridades antitruste. Isso seria
impossível, uma vez que elas teriam de usar seus escassos recursos para monitorar
milhares de relações verticais. Restrições e fusões verticais são anticompetitivas apenas
se envolverem empresas com significativo poder de mercado (vimos em diversos casos
que o dano potencial criado por uma restrição vertical decresce com a presença de
competidores). Consequentemente, não há necessidade de monitorar restrições e fusões
que envolvam empresas com pouco poder de mercado. Uma política eficiente com relação
às relações verticais conferiria isenção a todas as restrições e fusões de empresas que não
tenham grande poder de mercado. Do ponto de vista operacional, seria uma boa proxy
isentar empresas cuja participação de mercado esteja abaixo de 20% a 30%.33

Essa questão gera o problema sobre como lidar com restrições verticais e fusões
verticais que envolvem empresas com significativo poder de mercado e que tenham
possíveis efeitos exclusionários. Nesses casos, a regra da razoabilidade deve ser adotada,
já que se deve sopesar possíveis efeitos de eficiência com possíveis efeitos
anticompetitivos.

Sopesando efeitos exclusionários e efeitos de eficiência de fusões verticais e restrições


verticais. A análise anterior de fusões verticais enfatizou que (1) bloqueio de

33
Foi o cuidado tomado pelo legislador brasileiro na redação tanto da antiga Lei 8.884/94 quanto da atual
Lei 12.529/2011 nas ressalvas feitas à tipificação de ilícitos, que presumem a obtenção ilegítima de posição
dominante no mercado, pressuposta a partir de 20% de participação do mercado relevante, na maioria dos
casos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

insumos não necessariamente decorre delas; (2) mesmo se concorrentes a jusante forem
de fato bloqueadas, os preços finais não necessariamente aumentarão. Isso sugere um
procedimento de dois passos para os casos de fusões verticais que envolvam empresas
com participação de mercado acima de determinado limiar.34 Primeiro, deve-se
estabelecer se a fusão provavelmente levaria a bloqueio de insumo, o que significa que
os preços do insumo para empresas a jusante independentes subiriam (os competidores
seriam prejudicados). Se tal ocorrer, a investigação deve continuar para o próximo passo.
Se não, a fusão deve ser aprovada. No segundo passo (se aplicável), deve-se estabelecer
se os preços dos consumidores finais provavelmente subirão ou não (a competição será
prejudicada).

Um procedimento similar deve ser seguido para restrições verticais que possam
levar a bloqueio de concorrentes. As autoridades antitruste devem provar que o acordo de
exclusividade (ou outras cláusulas exclusivas ou recusa de oferta) irá prejudicar a
competição, no sentido de haver a possibilidade de reduzir o bem-estar do consumidor.
A requerente ou a representada deve produzir evidências convincentes de que as
restrições verticais adotadas envolvem suficientes ganhos de eficiência para que os
consumidores se beneficiem deles.

6.6 – ESTUDO DE CASOS

6.6.1 – Caso Campos Verdes/White Martins

Em 1995, a Campos Verdes havia firmado um contrato com a Liquid Carbonic


nos limites da capacidade de produção da planta desta última, em Araucária, Paraná, ou
de outra unidade fabril, no caso de insuficiência na capacidade de fornecimento dessa
planta, para fornecimento de CO2 (gás carbônico). Em 1996, a White Martins, empresa

34
Riordan e Salop (1995) propõem um procedimento em quatro passos, similar ao apresentado aqui. Seu
trabalho é inteiramente dedicado a esse tema e mais rico e completo que nossa análise. A leitura é altamente
recomendada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

incumbente no mercado de gases do ar, adquiriu a Liquid Carbonic, tornando-se a


empresa monopolista na produção de CO2.

Segundo a Campos Verdes, sua atuação no mercado passou a ser dificultada pela
nova proprietária da planta, que, algumas vezes, deixou de lhe garantir o suprimento do
gás, previsto em contrato.35

A Seae – que anteriormente realizava a análise econômica em sede de instrução


processual – descartou que a discriminação de preços identificada pudesse configurar
qualquer infração à concorrência, e queixas quanto ao suposto abuso de poder econômico
da empresa monopolista no mercado de gás carbônico representavam, na verdade,
preocupações comerciais (a serem eventualmente tratadas em sede particular), sem
impacto sobre a concorrência e o consumidor. Nos termos do parecer da Seae:
“Evidentemente, diferenças de preços para distribuidores são usuais e dependem de
variáveis estritamente econômicas, como porte da distribuidora, volume de compras,
avaliação de risco, diferenças no custo de transporte, características do produto etc.”

A SDE, em parecer de 4 de novembro de 1999, discordou do entendimento da


Seae, considerando a existência de discriminação de preços um ilícito, entendendo como
fator relevante o fato de ter encontrado em sua investigação discriminação não
relacionada com contratos de preços não lineares ou com quantidades. Apurou também a
prática da venda casada, além de exclusividade no fornecimento de CO2 a alguns clientes.
Além disso, a representada estaria retardando o fornecimento de CO2 para as
transportadoras independentes, bem como omitindo os valores FOB e CIF de suas
mercadorias para dissimular a diferença de preços que encareceria os serviços das
transportadoras independentes e viabilizaria a venda casada do produto e do transporte
pela própria fabricante.

Em síntese, a SDE entendeu que a White Martins procurava estender seu domínio
de mercado do mercado de CO2 para o de transporte de CO2 (o que constituiria
alavancagem de poder de mercado). A Procuradoria do CADE seguiu o mesmo
entendimento.

35
PA 0800.020849/96-18.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

O que faltou à SDE demonstrar em seu entendimento foi a ligação entre as práticas
que identificou e o dano ao excedente do consumidor e ao bem-estar, razão para
considerar a prática prejudicial, de acordo com os critérios antitruste que sugerimos e que,
de outra forma, já teriam sido apontados pela Seae.

Por ocasião do julgamento do caso no CADE, em 26 de julho de 2000, o Conselho


aprovou por unanimidade o termo de compromisso de cessação de prática, em que se
considerou a discriminação de preços de primeiro grau praticada pelo monopolista um
ilícito. A defesa alegou, em contrário, que os custos de transporte de quantidades menores
são muito superiores, que o transporte de gás está submetido à estrita regulamentação de
segurança, que o custo de transporte é elevado – para grandes quantidades, são
necessários caminhões-tanque, e para pequenas, cilindros –, que o gás fornecido em
cilindros é destinado a clientes que consomem pequenas quantidades, que os cilindros são
fornecidos pelo fabricante conforme especificações técnicas. A empresa fornece tanques
para que o cliente armazene gás nas próprias dependências.

Quando a planta de Araucária pertencia à Liquid Carbonic, aquela empresa apenas


produzia o CO2. Distribuidores independentes encarregavam-se do transporte e da entrega
aos clientes. Com a aquisição da Liquid Carbonic pela White Martins, essa passou a
distribuir o CO2 que produzia – em um processo de integração vertical – ou seja, a
empresa ingressou nesse mercado relevante de produção de dióxido de carbônico naquela
área geográfica e, posteriormente, na distribuição do gás.

A empresa, que tradicionalmente atua na produção de gases atmosféricos, sempre


operou na distribuição de tais gases, como corretamente apontado pela Procuradoria do
CADE. A integração vertical seria, portanto, justificada pelas sinergias positivas ligadas
às reduções de custos.

Conhecidas essas circunstâncias, é intuitivo que o estabelecimento de contratos


complexos com cláusulas relacionando o fornecimento com o transporte é potencialmente
eficiente e, nessa linha, deveria ter sido examinado e ponderado com potencial efeito
lesivo sobre o consumidor final. Esse exercício jamais foi realizado em qualquer das
etapas da investigação.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

6.6.2 – Caso Shopping Iguatemi/Shopping Center Norte

A empresa Participações Morro Velho, proprietária do Shopping Jardim Sul,


acusou os responsáveis pelo Shopping Iguatemi de incluir cláusulas nos contratos dos
locatários, proibindo-os nominalmente de se instalarem no Shopping Jardim Sul. Tendo
dado início a um projeto de expansão desse shopping, entrara em contato com diversos
lojistas que se mostraram interessados em lá se instalar, mas, no curso das negociações,
repentinamente, vários interessados romperam, sem justificativas plausíveis, as tratativas.
Verificou a representante que todos estavam instalados no Shopping Iguatemi. Terminou
por constatar que esses lojistas tinham sido forçados a assinar adendos contratuais ou
renovações de contratos em que foi incluída textualmente uma cláusula mencionando a
proibição de instalação de lojas no Shopping Jardim Sul.

A SDE considerou que havia indícios suficientes para abertura de processo


administrativo36 e deu início à investigação. Inquirindo o mercado, sobretudo lojistas e
concorrentes, constatou que a referida cláusula teria como objetivo impedir ou dificultar
o funcionamento de shoppings concorrentes, já instalados ou que viessem a ser instalados,
explicitamente citados nos contratos de locação. Também constatou a prática de proibição
de instalação de lojas em determinados shoppings, com características similares ao
Iguatemi, com imposição de pesadas multas para o caso de descumprimento.

A SDE, acertadamente, definiu o mercado relevante tendo como foco o


consumidor final, construindo a definição a partir de informações de mercado sobre perfil
de clientes de shopping centers e investigação qualitativa – indagação aos integrantes do
mercado. O mercado relevante foi definido como shopping centers de alto padrão nas
regiões da Zona Oeste, norte da Zona Sul e oeste da Zona Central da cidade de São Paulo.
O poder de mercado foi inferido a partir do caráter diferenciado do Shopping Center
Iguatemi e de sua capacidade de imposição de preços de locação, superior às dos demais,
e de sua participação no mercado relevante. Em virtude da imagem diferenciada –
caracterizado como o shopping de mais alto luxo do país e da maior parcela de mercado

36
PA 08012.009991/1998-82.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

dentro do mercado relevante, seus contratos de exclusividade oferecidos aos lojistas


poderiam ser considerados contratos de adesão.

Caracterizada a posição dominante dos shoppings em seus respectivos mercados


relevantes e o caráter impositivo dos contratos com cláusulas de exclusividade aos
lojistas, restou avaliar a razoabilidade dos contratos, que a investigação entendeu não
fundamentada.

A SDE investigou os contratos de exclusividade, incluindo cláusulas de restrição


territorial impostas pelos shoppings sobre as lojas neles estabelecidas. As lojas eram
levadas a assinar contratos de exclusividade, sendo proibidas de abrir filiais em shopping
centers concorrentes. Além disso, os contratos incluíam cláusulas de raio, que
significavam que as filiais não poderiam ser abertas em concorrentes consideradas
próximas aos shoppings.37 A SDE procurou analisar a razoabilidade da cláusula de
exclusividade, considerando as razões das representadas para sua adoção: o contínuo
desenvolvimento e inovação do mix de lojas; a necessidade de preservar o conceito de
shopping único e diferenciado; e a eternidade das locações. Examinando cuidadosamente
cada uma das razões apresentadas, a investigação desmontou uma a uma, demonstrando
não haver qualquer justificativa econômica por trás delas e denunciando o caráter
contraditório de algumas alegações, em particular a segunda, pois as proibições de
instalação não se referiam a shoppings populares, o que poderia, conforme vimos na
discussão teórica, justificar uma preocupação com a imagem de luxo e qualidade que o
shopping gostaria de manter.

Caracterizada a irrazoabilidade da restrição e o objetivo de impedir o crescimento


ou instalação de shoppings concorrentes no mesmo mercado relevante, ficou configurada,
na investigação da SDE, o ilícito antitruste, pelo que a Secretaria recomendou a
condenação das representadas com base nos incisos III e IV do art. 20 e incisos IV e V
do art. 21 da antiga Lei 8.884/94.

A investigação seguida pela SDE para elaboração de seu parecer, assim como suas
conclusões, seguiu a melhor orientação disponível e é exemplo de boa técnica e aplicação
da Lei 8.884/94.

37
Essas cláusulas de raio deram origem a outro processo, investigado separadamente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

A decisão do CADE definiu parâmetros que devem guiar a admissibilidade de


contratos de exclusividade em contratos impostos por agentes com significativo poder de
mercado, a saber: (1) situações em que houver, de fato, e puderem ser objetivamente
demonstrados investimentos da administradora do shopping no aprimoramento da marca
(ou nome fantasia da loja), alavancando-a de forma significativa para um patamar
superior do que antes dos investimentos e do contrato de exclusividade; (2) deve-se
demonstrar que não se poderiam alcançar os mesmos objetivos obtidos com a cláusula de
exclusividade por meio de outras salvaguardas contratuais menos restritivas da
concorrência que assegurassem o retorno dos investimentos, mantendo o interesse do
shopping em fazê-lo. Tais cláusulas precisariam ser restritivas no tempo necessário para
garantir o retorno do investimento.

Note que esse parâmetro não parece ter um significado sustentado pela teoria
econômica, pois significaria dizer que a proteção contra o comportamento de carona e/ou
o incentivo ao esforço de vendas do revendedor teria tempo limitado. Caso esse tempo
fosse estabelecido em curto prazo, equivaleria a restabelecer condições para condutas
oportunistas – o comportamento de carona – e a desestimular esforços de venda – caso
fosse esse o objetivo de cláusulas de exclusividade, demarcando o diferencial de imagem
do shopping.

Finalmente, caracterizou-se na decisão a compreensão de que houve fechamento


parcial do mercado, como fruto da conduta anticompetitiva, resultando em redução de
bem-estar.

Por maioria, o CADE condenou os shoppings por abuso de posição dominante –


art. 21, incisos “IV – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado” e “V –
criar dificuldades à constituição ou funcionamento de empresas (...)” – pela conduta de
imposição de contratos com cláusula de exclusividade e proibição de estabelecimento em
shoppings concorrentes próximos, por terem levado (a) restrição à esfera de atuação dos
lojistas, que viram sua capacidade de atuação limitada, impedindo-lhes, assim, de
aumentar o faturamento e estabelecimento em determinados locais; (b) restrição aos
shoppings centers identificados como concorrentes pelas representadas, impedidos de
firmar contratos com determinados lojistas, pois, se, por acaso, compusessem seu tenants

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
47

mix, poderiam proporcionar maior diversificação, possibilitando maior atratividade e o


oferecimento de maior bem-estar aos consumidores que os frequentam.

Foi determinada multa de 1% do faturamento bruto anual,38 inscrição das


empresas no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor, publicação da decisão às
expensas das representadas por dois dias consecutivos em jornal de grande circulação e –
merece destaque – imediata cessação da infração, vale dizer, proceder em 30 dias a
alteração de todos os contratos de locação, retirando a cláusula de exclusividade
semelhante à analisada no processo.

Essa decisão do CADE exemplifica o que tratamos anteriormente, ao discutirmos


a polêmica entre a Escola de Chicago e os modelos pós-Chicago sobre acordos de
exclusividade e a possibilidade de seu uso estratégico para criar dificuldades a
concorrentes, com presença de poder de mercado significativo e perdas para os
consumidores como critério de análise para a autoridade antitruste.

38
Como estabelece a legislação, referente ao exercício do ano anterior à instauração do PA.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
48

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 6

Quadro 6.1 – Análise de dupla marginalização *

Suponha uma Empresa a montante 𝑈, que fabrique determinado produto do qual


seja monopolista. Suponha também que ela não possa vender o bem diretamente e precise
de uma Empresa a jusante 𝐷 – uma varejista – que compre o produto de 𝑈 e revenda aos
consumidores finais (os exercícios 6.1 e 6.2 tratam do caso de 𝑛 varejistas). Presuma que
o fabricante tenha todo o poder de barganha e faça uma oferta do tipo “pegar ou largar”
para o varejista (o principal resultado não é alterado caso a distribuição de poder de
barganha seja distinta).

A demanda dos consumidores é dada por 𝑞 = 𝑎– 𝑝, onde 𝑎 > 0 é um parâmetro,


𝑞 é a quantidade demandada, e 𝑝 é o preço final cobrado aos consumidores. O fabricante
possui um custo unitário de produção 𝑐 < 𝑎, e o custo unitário do varejista é dado pela
soma do preço de atacado 𝑤, que ele (possivelmente) tem de pagar ao fabricante por uma
unidade do produto, e um custo unitário de revenda, que consideraremos zero por
simplicidade. Presuma também que todos os agentes tenham informação perfeita.

Analisaremos dois casos diferentes. Primeiro, as empresas a montante e a jusante


não se envolvem em quaisquer contratos verticais, e a empresa a montante vende para o
varejista utilizando uma estrutura de preços linear simples, isto é, fixando 𝑤. Segundo, as
empresas a montante e a jusante são integradas. Iremos mostrar que existem vários
conjuntos de restrições verticais que permitem que a empresa a montante reproduza um
resultado verticalmente integrado.

Separação e precificação linear. O jogo será o seguinte: primeiro, a empresa a


montante escolhe o preço de atacado 𝑤 a ser pago pela a jusante. Em seguida, a empresa
a jusante escolhe o preço 𝑝 final que venderá aos consumidores.

Como de costume, primeiro temos de olhar para a solução da empresa a jusante.


O seu problema é escolher 𝑝, a fim de maximizar seu lucro, dado o preço de atacado 𝑤:

𝑚𝑎𝑥𝛱𝐷 = (𝑝 − 𝑤)(𝑎 − 𝑝). (6.1)


𝑝

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
49

Igualando a primeira derivada a zero, (𝜕𝛱𝐷 /𝜕𝑝 = 0), obtemos preço, quantidade
e lucro como função do preço de atacado: 𝑝 = (𝑎 + 𝑤)/2; 𝑞 = (𝑎– 𝑤) /2; 𝛱𝐷 =
(𝑎 + 𝑤)2 /4.

O fabricante antecipa de forma perfeita a decisão do varejista. Em particular, ele


sabe a quantidade que o varejista vai pedir de acordo com a função do preço de atacado
(para qualquer 𝑤, o varejista não estará disposto a comprar mais unidades do que a
considerada ótima). Logo, o problema é escolher o 𝑤 que maximiza seu próprio lucro:
𝑎−𝑤
𝑚𝑎𝑥𝛱𝑈 = (𝑤 − 𝑐) . (6.2)
𝑤 2
Da condição de primeira ordem (𝜕𝛱𝑈 /𝜕𝑤 = 0), e após um rearranjo, tem-se a
solução 𝑤 = (𝑎 + 𝑐)/2. Substituindo o preço de atacado de equilíbrio nas soluções a
jusante, encontra-se o preço final de equilíbrio e os lucros obtidos pelas empresas a
montante e a jusante, bem como a soma dos lucros auferidos pela cadeia vertical:

3𝑎 + 𝑐 (𝑎 − 𝑐)2 (𝑎 − 𝑐)2
𝑝 𝑠𝑒𝑝 = ; 𝛱𝑈𝑠𝑒𝑝 = ; 𝛱𝐷𝑠𝑒𝑝 = ; (6.3)
4 8 16
3(𝑎 − 𝑐)2
𝐸𝑃 𝑠𝑒𝑝
= 𝛱𝑈𝑠𝑒𝑝 + 𝛱𝐷𝑠𝑒𝑝 = . (6.4)
16
Integração vertical. Suponha agora que as empresas a montante e a jusante sejam
integradas em uma única companhia por causa de uma fusão vertical, por exemplo. Isso
implica que o fabricante pode agora vender diretamente aos consumidores. O problema
será, então, o padrão de um monopolista, como se segue:

𝑚𝑎𝑥𝛱𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐)(𝑎 − 𝑝). (6.5)


𝑝

A solução pode ser facilmente obtida pela condição de primeira ordem 𝜕𝛱𝑣𝑖 /𝜕𝑝 =
0:

𝑎+𝑐 𝑎−𝑐 (𝑎 − 𝑐)2


𝑝𝑣𝑖 = ; 𝑞 𝑣𝑖 = ; 𝐸𝑃𝑣𝑖 = 𝛱 𝑣𝑖 = . (6.6)
2 2 4
Comparação. O caso da fusão vertical é inequivocamente melhor para a sociedade.

• Os preços são menores em uma estrutura verticalmente integrada que em uma


separada, pois 𝑝𝑣𝑖 < 𝑝 𝑠𝑒𝑝 (lembre-se de que 𝑎 > 𝑐, ou, caso contrário, o
mercado não existiria). Como a integração vertical determina uma queda no

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
50

preço (e um aumento na quantidade vendida aos consumidores), há uma


melhora no excedente do consumidor.
• O lucro criado pela estrutura verticalizada é também maior sob integração
vertical, pois 𝐸𝑃𝑣𝑖 < 𝐸𝑃𝑠𝑒𝑝 . Isso, por sua vez, significa que o fabricante
sempre pode pagar ao varejista ao menos o lucro 𝛱𝐷𝑠𝑒𝑝 , obtido sob estrutura
separada, para convencê-lo da fusão (caso contrário, o varejista pode dar ao
fabricante ao menos o ganho equivalente a seu custo de oportunidade, o lucro
𝛱𝑈𝑠𝑒𝑝 , que ele obteria sob separação vertical). Ambas as empresas sairiam
ganhando com a fusão.
• Como aumentam os excedentes do consumidor e do produtor, o bem-estar total
aumenta com a integração vertical de forma indiscutível.

Restrições verticais. Suponha agora que uma fusão vertical não seja possível, por
qualquer razão. Ainda assim, é possível para a empresa a montante remover a
externalidade com a dupla marginalização usando restrições verticais distintas, como se
segue.

• FPR (Fixação do Preço de Revenda). A dupla marginalização tem, como


resultado, preços finais muito elevados. Impor um preço de varejo 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 =
(𝑎 + 𝑐)/2 na empresa a jusante irá maximizar o excedente da estrutura vertical.
A forma como as empresas a montante e a jusante irão compartilhar o
excedente é determinada pelo preço de atacado 𝑤. Se a empresa a montante
tiver todo o poder de barganha, fixará 𝑤 em 𝑤 = 𝑝𝑣𝑖 = (𝑎 + 𝑐)/2 e se
apropriará de todo o excedente do produtor. De maneira geral, quanto maior o
𝑤 (com 𝑤 ∈ [𝑐, 𝑝𝑣𝑖 ]), maior a parcela do excedente que irá para a empresa a
montante. Um resultado idêntico seria obtido se a empresa a montante
estabelecesse um preço-teto 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 = (𝑎 + 𝑐)/2. Isso obrigaria a empresa a
jusante a vender ao preço 𝑝 ≤ 𝑝. Para qualquer preço de atacado 𝑤 ∈ [𝑐, 𝑝𝑣𝑖 ],
a empresa a jusante escolheria 𝑝 = 𝑝 (e novamente o 𝑤 real definiria a divisão
do excedente).
• FQ (Fixação da Quantidade) (imposição de quantidade). O reflexo de um
preço muito alto é que uma quantidade muito pequena é vendida aos
consumidores finais. Dessa forma, a empresa a montante pode restaurar a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
51

eficiência obrigando a varejista a comprar 𝑞 𝑣𝑖 = (𝑎– 𝑐)/2 unidades ou, de


forma equivalente, pode impor que o varejista compre pelo menos 𝑞 ≥ 𝑞 =
𝑞 𝑣𝑖 . O varejista, então, escolhe justamente a produção eficiente 𝑞 = 𝑞 𝑣𝑖 . Como
no caso anterior, o nível do preço de atacado determina a distribuição do
excedente do produtor. Se a empresa a montante tiver todo o poder de
barganha, escolherá 𝑤 = 𝑝𝑣𝑖 e se apropriará de todo o lucro da estrutura
vertical.
• TF (Taxa de Franquia). A empresa a montante pode tornar a empresa a jusante
o requerente residual de todo o lucro gerado no mercado, definindo o regime
de preços não linear 𝐹 + 𝑤𝑞 e fixando 𝑤 = 𝑐. O problema de maximização da
empresa a jusante é dado por

𝑚𝑎𝑥𝛱𝐷𝑇𝐹 = (𝑝 − 𝑐)(𝑎 − 𝑝) − 𝐹. (6.7)


𝑝

Nitidamente, a solução para esse problema é dada pelo preço da integração


vertical 𝑝𝑣𝑖 = (𝑎 + 𝑐)/2 e quantidade 𝑞 𝑣𝑖 = (𝑎 − 𝑐)/2, já que as taxas fixas não afetam
a condição de primeira ordem. A distribuição do lucro (igual ao lucro sob integração
vertical) será determinada pelo valor da taxa 𝐹, já que as empresas a montante e a jusante
irão obter, respectivamente, 𝛱𝐷𝑇𝐹 = (𝑎 − 𝑐)2 /4 − 𝐹 e П𝑇𝐹
𝑈 = 𝐹. Se a empresa a montante

tiver todo o poder de barganha, então 𝐹 = (𝑎 − 𝑐)2 /4, e ela se apropriará de todo o lucro
gerado pela estrutura vertical.

Q6.1.1 – Dupla marginalização com aversão ao risco do varejista * *

O exemplo a seguir, adaptado de Rey e Tirole (1986), ilustra as diferentes


propriedades de seguro contra o risco das restrições verticais quando há informação
assimétrica e aversão ao risco por parte dos varejistas.

Considere uma extensão do modelo de duplo monopólio apresentado. O fabricante


neutro ao risco tem um custo unitário 𝑐, e seu varejista tem aversão infinita ao risco e um
custo de distribuição unitário 𝛾. A demanda é 𝑞 = 𝑎– 𝑝. Existe incerteza tanto da

demanda 𝑎 ∈ [𝑎, 𝑎] quanto da distribuição do custo 𝛾 ∈ [𝛾, 𝛾], com 𝑎 > 𝑐 + 𝛾, sendo

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
52

independentes as realizações de 𝑎 e 𝛾. O jogo é como se segue. Primeiro, quando a


demanda do mercado 𝑎 e os custos de distribuição 𝛾 são desconhecidos para todos, o
fabricante faz uma oferta do tipo “pegar ou largar” ao varejista, na forma de um contrato
não linear (𝐹 + 𝑤𝑞). Em segundo lugar, 𝑎 e 𝛾 são observados pelo varejista (mas não
pelo fabricante). Em terceiro lugar, o varejista escolhe 𝑝.

Queremos (1) encontrar o contrato ótimo sob precificação não linear e a


manutenção dos preços de revenda; (2) mostrar que, sob incerteza da demanda, 𝜋𝐹𝑃𝑅 >
𝜋𝑇𝐹 e 𝑊𝐹𝑃𝑅 > 𝑊𝑇𝐹 ; (3) mostrar que, sob incerteza do custo, 𝜋𝑇𝐹 > 𝜋𝐹𝑃𝑅 e 𝑊𝑇𝐹 > 𝑊𝐹𝑃𝑅 .

Provaremos os resultados a seguir.

(1.a) TF. O varejista maximiza 𝜋𝑟 = (𝑎 − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾). É fácil verificar que


𝑝 = (𝑎 + 2 − 𝛾)/2, 𝜋𝑟 = (𝑎 − 𝑤 − 𝛾)2 /4. Como o varejista tem aversão infinita ao
risco, a taxa de franquia 𝐹 deve lhe garantir lucros não negativos mesmo no pior dos
cenários. Assim, 𝐹𝑇𝐹 = (𝑎̱ − 𝑤 − 𝛾̄ )2 /4. O problema do fabricante será escolher o 𝑤 que
maximiza 𝐸[(𝑎 − (𝑎 + 𝑤 + 𝛾)/2)(𝑤 − 𝑐)] + (𝑎̱ − 𝑤 − 𝛾̄ )2 /4, As soluções são, 𝑤𝑇𝐹 =
𝑐 + (𝑎𝑒 − 𝑎̱ ) + (𝛾̄ − 𝛾 𝑒 ), 𝑝𝑇𝐹 = [𝑎 + 𝑐 + 𝛾 + (𝑎𝑒 − 𝑎̱ ) + (𝛾̄ − 𝛾 𝑒 )]/2, 𝜋𝑇𝐹 = (𝑎̱ −
𝑐 − 𝛾̄ )2 /4 + [(𝑎𝑒 − 𝑎̱ ) + (𝛾̄ − 𝛾 𝑒 )]2 /4, 𝑊𝑇𝐹 = 3(𝑎̱ − 𝑐 − 𝛾̄ )2 /8 + [(𝑎𝑒 − 𝑎̱ ) + (𝛾̄ −
𝛾 𝑒 )]2 /4 + var(𝑎)/8 + var(𝛾)/8.

(1.b) FPR. O varejista cobra o preço imposto 𝑝 e aufere lucro 𝜋𝑢 =


(𝑎 − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾). Dada a aversão infinita ao risco, 𝐹 = (𝑎̱ − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾̄ ).

O fabricante escolherá 𝑝 e 𝑤 de forma a maximizar (𝑎̱ − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾̄ ) +


𝐸[(𝑎 − 𝑝)(𝑤 − 𝑐)], sujeita a 𝑝 ≥ 𝑤 + 𝛾̄ . Pode-se constatar que pu é crescente em w.
Consequentemente, o fabricante vai escolher o maior 𝑤 compatível com a restrição 𝑤 =
𝑝 − 𝛾. O problema passa, então, a ser max𝑝 𝐸[(𝑎 − 𝑝)(𝑝 − 𝛾̄ − 𝑐)], cuja solução é dada
por 𝑝𝐹𝑃𝑅 = (𝑎𝑒 + 𝑐 + 𝛾̄ )/2. Por substituição, 𝑤𝐹𝑃𝑅 = (𝑎𝑒 + 𝑐 − 𝛾̄ )/2, 𝐹𝐹𝑃𝑅 = 0,
𝜋𝐹𝑃𝑅 = (𝑎𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2 /4, 𝑊𝐹𝑃𝑅 = 3(𝑎𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2 /8 + var(𝑎)/2.

(2) Considere somente a incerteza de demanda (𝛾̄ = 𝛾̱ = 𝛾 𝑒 ). Então, 𝜋𝑇𝐹 <


𝜋𝐹𝑃𝑅 se (𝑎̱ − 𝑐 − 𝛾̄ )2 /4 + [(𝑎𝑒 − 𝑎̱ )]2 /4 < (𝑎𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2 /4. Essa desigualdade pode
ser reescrita como: (𝑎𝑒 − 𝑎̱ )(𝑐 + 𝛾̄ − 𝑎̱ ) < 0, sempre verdade, já que se presume que
𝑎𝑒 > 𝑎̱ e 𝑎̱ > 𝑐 + 𝛾̄ . Pode-se verificar também que 𝑊𝑇𝐹 < 𝑊𝐹𝑃𝑅 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
53

(3) Sob incerteza de custo (𝐸(𝑎) = 𝑎̱ = 𝑎̄ ), 𝜋𝑇𝐹 > 𝜋𝐹𝑃𝑅 , já que (𝑎̱ − 𝑐 −
𝛾̄ )2 /4 + [(𝛾̄ − 𝛾 𝑒 )]2 /4 > (𝑎𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2/4. Pode-se conferir que 𝑊𝑇𝐹 > 𝑊𝐹𝑃𝑅 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54

Quadro 6.2 – Um modelo de subprovisão de serviços *

Considere uma situação em que existe uma empresa a montante 𝑈 (a fabricante)


e duas empresas a jusante 𝐷1 e 𝐷2 , que têm de decidir sobre o nível de esforço (serviços)
que se dispõem a fazer para vender o produto de 𝑈 e competir por preços.

Suponha que os serviços aumentem a qualidade percebida da marca, mas que o


varejista não possa se apropriar disso. A qualidade percepcionada da marca é dada por
𝑢 = 𝑢 + 𝑒, em que o nível de esforço é 𝑒 = 𝑒1 + 𝑒2 , a soma do esforço (serviço)
empreendido pelos dois varejistas. Na ausência de qualquer esforço, 𝑢 = 𝑢, o nível básico
de qualidade percebido pelos consumidores. Quanto ao custo de cada varejista,
presumimos que 𝐶(𝑞, 𝑒𝑖 ) = 𝑤𝑞 + µ𝑒𝑖2 /2, com µ > 1. Isso significa que o custo dos
serviços é fixo: independe do número de unidades vendidas. Isso corresponderia, por
exemplo, ao caso em que o “serviço” é o gasto em propaganda.

A demanda dos consumidores é dada por 𝑞 = (𝑣 + 𝑒) − 𝑝, ou seja, aumenta por


𝑒 para qualquer serviço adicional superior ao padrão de qualidade.

O fato de que as empresas a jusante competem em preços evita a dupla


marginalização e faz o problema do “carona” seja a única externalidade desse simples
modelo. Isso acontece porque os varejistas não são capazes de se diferenciar
(supostamente) por meio do serviço prestado, de modo que são percebidos como
substitutos perfeitos pelos consumidores.

Vamos examinar primeiro o caso em que há separação entre as empresas a


montante e a jusante, e, depois, o caso em que há integração vertical. Analisaremos, então,
quais restrições verticais permitem às empresas a montante a restauração da solução de
integração vertical.

Separação. Se dois varejistas competem por preço, o único equilíbrio no jogo do


varejista é 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑤 e 𝑒1 = 𝑒2 = 0, pela razão a seguir. Como existe uma
externalidade completa na provisão dos serviços, os varejistas não conseguem se
diferenciar, a despeito da quantidade de serviço prestada. Logo, a concorrência de
Bertrand implica que os preços são iguais ao custo marginal (ou seja, ao preço de atacado

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55

𝑤). Contudo, os varejistas nunca poderão cobrir seu custo (fixo) de provisão de qualidade,
considerando que fazem lucro zero. Nenhum equilíbrio com 𝑒 > 0 pode ser sustentado.

A empresa a montante antecipa, corretamente, que o preço final será 𝑝 = 𝑤 e que


a demanda final será 𝑞 = 𝑣– 𝑤. Seu problema é, então, max𝑤 П𝑢 = (𝑤 − 𝑐)(𝑣 − 𝑤), que
se resolve por 𝑤 = (𝑣 + 𝑐)/2. No equilíbrio de separação, portanto, os excedentes do
produtos, do consumidor e o bem-estar são dados, respectivamente, por:

(𝑣 − 𝑐)2 (𝑣 − 𝑐)2 3(𝑣 − 𝑐)2


𝐸𝑃𝑠 = 𝛱𝑢 = ; 𝐸𝐶𝑠 = ; 𝑊𝑠 = . (6.8)
4 8 8
Integração Vertical. Suponha agora o caso em que a empresa a montante e as duas
varejistas estão integradas porque, por exemplo, a primeira assume o controle dos
varejistas. O problema da empresa verticalmente integrada é

𝑒12 𝑒22
𝑚𝑎𝑥 𝛱𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑝) − µ −µ . (6.9)
𝑝, 𝑒1 ,𝑒2 2 2
Resolvendo a expressão das três condições de primeira ordem, temos que

𝜕𝛱𝑣𝑖
= 𝑝 − 𝑐 − µ𝑒𝑖 = 0,
𝜕𝑒𝑖
(𝑖 = 1,2) (6.10)
𝜕𝛱𝑣𝑖
= 𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 2𝑝 + 𝑐 = 0,
{ 𝜕𝑝
e as soluções: 𝑒1 = 𝑒2 = 𝑒𝑣𝑖 = (𝑣 − 𝑐)/[2(µ − 1)]; 𝑝𝑣𝑖 = [µ(𝑣 + 𝑐) − 2𝑐]/[2(µ − 1)].
Cada varejista irá vender 𝑞𝑣𝑖 = µ(𝑣 − 𝑐)[4(µ − 1)]. Por substituição, temos o excedente
do produtor, do consumidor e o bem-estar:

µ(𝑣 − 𝑐)2 µ2 (𝑣 − 𝑐)2 µ(3µ − 2)(𝑣 − 𝑐)2


𝐸𝑃𝑣𝑖 = Π𝑣𝑖 = ; 𝐸𝐶𝑣𝑖 = ; 𝑊𝑣𝑖 = . (6.11)
4(µ − 1) 8(µ − 1)2 8(µ − 1)2
A integração vertical é, novamente, mais eficiente, já que 𝑊𝑣𝑖 > 𝑊𝑠 equivale à
desigualdade (4µ − 3)(𝑣 − 𝑐)2 /[8(1 − µ)2 ] > 0.

Nesse exemplo, a integração vertical permite controlar a externalidade horizontal


que existe entre os varejistas e que determina a subprovisão de serviços em relação à que
seria ótima para a estrutura integrada.

Restrições verticais. Neste caso, o problema de uma estrutura separada é o da figura do


“carona” entre varejistas, levados a vender mais barato que os outros, perdendo os
incentivos para prestar serviços. Para restaurar os incentivos, o fabricante precisa relaxar
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
56

a concorrência a jusante. Um contrato não linear não resolveria o problema, salvo se


acompanhado por algumas medidas que reduzissem a concorrência.

TE (Territórios Exclusivos) e taxa de franquia. Suponha que cada varejista receba


um território ou a competência exclusiva por determinado tipo de cliente, além de um
contrato não linear do tipo 𝑇 = 𝑤𝑞 + 𝐹, com 𝑤 = 𝑐. Por simplicidade, suponha que cada
varejista possa vender para metade do número total de consumidores. No entanto,
mantemos o pressuposto de que o nível geral de percepção da qualidade do bem vendido
por cada varejista é determinado pela soma de seus esforços. Em seguida, cada um irá
enfrentar o seguinte problema:

(𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑝𝑖 ) 𝑒𝑖2
𝑚𝑎𝑥𝛱𝑒𝑡 = (𝑝𝑖 − 𝑐) − µ − 𝐹. (6.12)
𝑝𝑖 ,𝑒𝑖 2 2
As condições de primeira ordem são

𝜕𝛱𝑒𝑡 𝑝𝑖 − 𝑐
= − µ𝑒𝑖 = 0,
𝜕𝑒𝑖 2
(6.13)
𝜕𝛱𝑒𝑡
= 𝑣 + 𝑒𝑖 + 𝑒𝑗 − 2𝑝𝑖 + 𝑐 = 0, (𝑖 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗).
{ 𝜕𝑝𝑖
Note que, dado o nível de esforço, o preço escolhido será equivalente à solução
verticalmente integrada (𝜕𝛱𝑒𝑡 /𝜕𝑝𝑖 = 0 é a mesma do monopolista verticalmente
integrado). Todavia, os esforços não são ótimos, já que o lucro marginal do esforço
diminui com relação à situação na qual há internalização completa da externalidade do
esforço. Cada varejista sabe que seu esforço vai aumentar as vendas em um mercado que
corresponde à metade do de um monopolista verticalmente integrado. Assim sendo,
territórios exclusivos aumentam os incentivos para fornecer serviços e aproximam o
fabricante do ótimo, ainda que não restaurem uma situação ideal, de first-best.

Dar exclusividade de todo o mercado a apenas um varejista tampouco restaura um


first-best, uma vez que os esforços serão empreendidos por um único varejista em vez de
dois (existem deseconomias de escala do esforço), que escolherá 𝑝 e 𝑒 para maximizar a
seguinte função:

𝑒12
𝑚𝑎𝑥𝛱𝑒𝑡1 = (𝑝1 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒1 − 𝑝1 ) − µ − 𝐹. (6.14)
𝑝1 ,𝑒1 2
As condições de primeira ordem serão

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
57

𝜕𝛱𝑒𝑡1
= (𝑝1 − 𝑐) − µ𝑒1 = 0,
𝜕𝑒1
(6.15)
𝜕𝛱𝑒𝑡1
= 𝑣 + 𝑒1 − 2𝑝1 + 𝑐 = 0.
{ 𝜕𝑝1
No equilíbrio, o varejista irá oferecer menor esforço que em uma situação de first-
best. De forma resumida, territórios exclusivos reduzem o problema da externalidade e
aumentam o esforço empreendido, sem, contudo, restaurar o first-best.

Fixação do preço de revenda e taxa de franquia. Outro tipo de restrição vertical que
pode ser utilizado para aumentar os incentivos à produção de serviços é a combinação de
fixação do preço de revenda com contratos não lineares (𝑤 < 𝑐; 𝐹). Se o fabricante fixar
o preço no qual o varejista pode vender em 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 , ele não adotará um preço tão
agressivo que incentive a eliminação dos esforços (como acontece no caso de Bertrand).

Cada varejista encara o seguinte problema:

(𝑣 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑝𝑣𝑖 ) 𝑒𝑖2
max 𝛱𝐹𝑃𝑅 = (𝑝𝑣𝑖 − 𝑤) − µ − 𝐹. (6.16)
𝑒𝑖 2 2
As condições de primeira ordem do esforço são

𝜕𝛱𝐹𝑃𝑅 𝑝𝑣𝑖 − 𝑤
= − µ𝑒𝑖 = 0, 𝑖 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (6.17)
𝜕𝑒𝑖 2
Para que o varejista escolha o nível ótimo de esforço, a condição a seguir deve ser
satisfeita:

𝑝𝑣𝑖 − 𝑤 𝑣−𝑐
𝑒𝑖 = = 𝑒𝑣𝑖 = . (6.18)
2µ 2(µ − 1)
Logo, o preço de atacado deve ser 𝑤𝐹𝑃𝑅 = 𝑝𝑣𝑖 − µ(𝑣 − 𝑐)/(µ − 1). Substituindo
a expressão de 𝑝𝑣𝑖 , temos

3µ𝑐 − 2𝑐 − µ𝑣
𝑤𝐹𝑃𝑅 = < 𝑐. (6.19)
2(µ − 1)
Observe que, se 𝑤 = 𝑐, a manutenção do preço de revenda não reproduziria o
nível de esforço verticalmente integrado. Isso acontece porque cada varejista, ao escolher
seu nível de esforço, considera o impacto marginal do esforço somente em seu próprio
lucro, não do de ambos os varejistas. Como cada um sabe que venderá para apenas metade
do mercado, seus incentivos são reduzidos (o produto não é diferenciado e os preços são

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
58

fixados pelo fabricante). A FPR sozinha não restaura o first-best: incentivos adicionais
devem ser dados aos varejistas. Um deles pode ser o monopolista a montante praticar um
preço de atacado menor que seu custo marginal.

Perceba que o contrato, que especifica o preço de varejo 𝑝𝑣𝑖 e o preço de atacado
𝑤𝐹𝑃𝑅 , induz os mesmos níveis de preço e esforço de uma estrutura verticalmente
integrada. Logo, o lucro total gerado nesse contrato é o mesmo que nessa estrutura. A
taxa de franquia 𝐹 pode ser utilizada para redistribuir o lucro dos varejistas para o
fabricante. Se 𝐹 = 𝛱𝑣𝑖 /2 + (𝑐 − 𝑤)𝑞𝑣𝑖 , o fabricante terá exatamente o mesmo lucro do
obtido em uma integração vertical.

Fixação do preço de revenda e fixação da quantidade (imposição de quantidade).


A manutenção do preço de revenda também pode ser utilizada com outro
instrumento, a fixação da quantidade. Ao garantir que o varejista pratique o preço ótimo,
o fabricante definiria o preço de varejo em 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 . Todavia, a FPR sozinha é insuficiente
para restaurar a solução verticalmente integrada, como já verificamos. Os varejistas
empreenderiam esforço insuficiente e venderiam poucas unidades do bem. Uma
alternativa para os contratos (𝑤𝐹𝑃𝑅 , 𝐹) especificados anteriormente seria a imposição de
um nível mínimo de vendas 𝑞𝑣𝑖 (fixação de quantidade). Isso pressionaria o varejista a
realizar o esforço ótimo. Como o preço é fixo e o esforço ótimo é determinado pela
fixação da quantidade, o resultado verticalmente integrado seria reproduzido. O
fabricante poderia, então, escolher o preço de atacado que redistribuiria as rendas dos
varejistas, dado que FPR e FQ não modificam seus incentivos.

Formalmente, os argumentos anteriores podem ser apresentados da seguinte


forma.

Dado que FPR impõe 𝑝 = 𝑝𝑣𝑖 e dada a fixação da quantidade, o problema de cada
Varejista 𝑖 torna-se:

(𝑝𝑣𝑖 − 𝑤)(𝑣 + 𝑒𝑖 + 𝑒𝑗 − 𝑝𝑣𝑖 ) 𝑒𝑖2 𝑣 + 𝑒𝑖 + 𝑒𝑗 − 𝑝𝑣𝑖


max𝛱 = −µ , s. a: ≥ 𝑞𝑣𝑖 . (6.20)
𝑒𝑖 2 2 2
Sabemos que uma maximização sem restrição leva o varejista a um esforço
insuficiente. Portanto, seu problema resolve-se com o nível de esforço mínimo 𝑒𝑖 que
satisfaz à restrição. Em uma solução simétrica, o esforço é dado por (2𝑞𝑣𝑖 + 𝑝𝑣𝑖 − 𝑣)/2,
que nada mais é que 𝑒𝑣𝑖 . Como este contrato implementa 𝑝𝑣𝑖 e 𝑒𝑣𝑖 ótimos, o preço de
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59

atacado torna-se neutro a incentivos. O fabricante pode, assim, usá-lo para se apropriar
das rendas. Para isso, deve escolher 𝑤
̂ de modo a deixar os varejistas com lucro líquido
2
zero. O ótimo resolve a condição a seguir: (𝑝𝑣𝑖 − 𝑤
̂)(𝑣 + 2𝑒𝑣𝑖 − 𝑝𝑣𝑖 )/2 − µ𝑒𝑣𝑖 /2 = 0,
̂ = (𝑣 + 𝑐)/2.
onde 𝑤

O lucro total auferido pelo fabricante é dado por (𝑤


̂ − 𝑐)𝑞𝑣𝑖 , que, após
substituição, se iguala a П𝑣𝑖 .

Conclusões Neste exemplo, em que o nível geral de serviços é determinado pela soma
dos níveis fornecidos por cada varejista e o custo de provisão dos serviços incide sobre
os custos fixos, uma fusão vertical aumentaria o bem-estar com relação à situação na qual
os varejistas não ofereçam esforço suficiente. Restrições verticais como territórios
exclusivos e manutenção do preço de revenda também aumentam o bem-estar ao reduzir
a competição entre os varejistas, restaurando seus incentivos para a provisão de serviços.
Entretanto, a combinação entre territórios exclusivos e taxas de franquia não é capaz de
reproduzir o resultado verticalmente integrado, ao passo que a combinação de FPR e
contratos não lineares (𝑤 < 𝑐, 𝐹) ou fixação de quantidade o são.

Q6.2.1 – Integração vertical e redução do bem-estar * : um exemplo

Considere um mercado com dois tipos de consumidores. O primeiro é composto


por aqueles com alta propensão a pagar 𝜃ℎ e que não se importam com esforços ou
serviços adicionais. O segundo possui baixa propensão a pagar, mas valoriza esforços e
serviços extras, valorando o bem em 𝜃𝑙 + 𝑒, com 𝜃ℎ > 𝜃𝑙 . Padronize a população de
consumidores e presuma que as parcelas dos tipos de alta e baixa propensão sejam,
respectivamente, 𝜆 e 1 − 𝜆. Suponha também não ser possível descriminar preços e que
os dois varejistas independentes e não diferenciáveis competem por preços. Como na
seção “Um modelo de subprovisão de serviços”, presuma 𝑒 = 𝑒1 + 𝑒2 e 𝐶(𝑞, 𝑒𝑖 ) = 𝑤𝑞 +
µ𝑒𝑖2 /2 (existem custos fixos de melhoria da qualidade). Por fim, considere µ > 1/(𝜃ℎ −
𝜃𝑙 ) (que assegura que os consumidores com baixa propensão nunca terão a mais alta
propensão a pagar do mercado).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
60

Separação. Sob separação, e em função dos argumentos do carona e do corte de preços


discutidos anteriormente, nenhum esforço será oferecido em equilíbrio (𝑒 = 0, 𝑝 = 𝑤).
O fabricante escolherá o preço de atacado w que maximize seu lucro. Se vender apenas
para consumidores com alta propensão, fixará 𝑤 = 𝜃ℎ . Se desejar vender aos dois tipos,
escolherá 𝑤 = 𝜃𝑙 . Vamos supor que seja inconveniente para o fabricante vender para os
dois tipos de consumidores. Isso equivale a impor 𝜆(𝜃ℎ − 𝑐) ≤ 𝜆(𝜃𝑙 − 𝑐) + (1 −
𝜆)(𝜃𝑙 − 𝑐) = (𝜃𝑙 − 𝑐), que se torna 𝜆 ≤ (𝜃𝑙 − 𝑐)/(𝜃ℎ − 𝑐).

Sob esse pressuposto, o fabricante extrai todo o excedente do consumidor


daqueles com baixa propensão, enquanto os com alta propensão têm excedente. Como
resultado, temos que o excedente total do consumidor é 𝐸𝐶𝑠 = 𝜆(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 ), o lucro total,
𝜋𝑠 = 𝜃𝑙 − 𝑐, e o bem-estar, 𝑊𝑠 = 𝜃𝑙 − 𝑐 + 𝜆(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 ).

Integração Vertical (Com Dois Varejistas). Sob integração vertical (ou restrições
verticais que reproduzam o resultado verticalmente integrado), o monopolista escolhe o
preço de modo a extrair todo o excedente dos consumidores com baixa propensão a pagar,
mas isso é elevado pelo nível de esforço. O problema do monopolista verticalmente
integrado passa a ser:

𝑒12 𝑒22
max 𝜋𝑣𝑖 = 𝜃𝑙 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑐 − µ −µ , (6.21)
𝑒1 ,𝑒2 2 2
que tem como solução 𝑒1 = 𝑒2 = 1/µ. (Note que 𝜃ℎ > 𝜃𝑙 + 𝑒 sob o pressuposto anterior
quanto a µ.) Nesse equilíbrio, 𝜋𝑣𝑖 = 𝜃𝑙 + 1/µ − 𝑐 > 𝜋𝑠 e 𝐸𝐶𝑣𝑖 = 𝜆(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 − 2/µ) <
𝐸𝐶𝑠 . O bem-estar se reduz sob integração vertical se 𝑊𝑣𝑖 = 𝜃𝑙 + 1/µ − 𝑐 +
𝜆(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 − 2/µ) < 𝑊𝑠 , que equivale a 𝜆 > 1/2.

Nesse exemplo, o esforço é oferecido pelo monopolista de modo a aumentar a


propensão a pagar dos consumidores marginais (cujo excedente é totalmente extraído
pelo monopolista), que aumenta o lucro, mas reduz o excedente dos tipos
“inframarginais”. Se existirem muitos deste último (𝜆 > 1/2 ≥ (𝜃𝑙 − 𝑐)/(𝜃ℎ − 𝑐)), sua
perda superará o aumento do lucro e determinará uma perda de bem-estar. Observe em
particular que a restrição 𝜆 ≤ (𝜃𝑙 − 𝑐)/(𝜃ℎ − 𝑐) deve ser satisfeita. Logo, o intervalo no
qual o bem-estar diminui existirá apenas se 𝜃𝑙 ≥ (𝜃ℎ + 𝑐)/2.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
61

Concorrência reduz o perigo das restrições verticais. Vamos reinterpretar o


exemplo anterior da seguinte maneira. Consumidores com alta propensão estão dispostos
a pagar até 𝜃ℎ por um bem com qualidade básica 𝑢, mas não valorizam qualquer aumento
da qualidade ou serviço adicional. Consumidores com baixa propensão valorizam os
serviços adicionais e estão dispostos a pagar 𝜃𝑙 + 𝑒 por um bem de qualidade 𝑢 + 𝑒.

Existem 𝑛 + 1 bens. Um bem de qualidade básica 𝑢 é produzido por 𝑛 empresas


(verticalmente integradas, por simplicidade), que não oferecem qualquer serviço
adicional. Outro fabricante pode fornecer maior qualidade 𝑢 + 𝑒, com 𝑒 = 𝑒1 + 𝑒2 , desde
que seus dois varejistas tenham incentivos para fazê-lo. Se uma qualidade mais elevada
(ou serviços/esforços adicionais) for oferecida, poderá ser reconhecida pelos
consumidores. Em outras palavras, spillovers de qualidade podem acontecer entre
revendedores de um mesmo produto, mas não em todos os produtos (pense em
publicidade para uma marca específica).

Separação. Pela razão habitual, se dois varejistas competirem à la Bertrand, nenhum


esforço adicional será oferecido: no equilíbrio, todas as marcas terão qualidade básica e
𝑝 = 𝑐. Nenhuma empresa lucrará, e o bem-estar total será 𝑊𝑠 = 𝜆(𝜃ℎ − 𝑐) +
(1 − 𝜆)(𝜃𝑙 − 𝑐).

Integração vertical (com dois varejistas). A integração vertical permite controlar o


aspecto do carona na provisão de esforço. Além disso, o fabricante de um bem
potencialmente de alta qualidade pode, de fato, ser capaz de oferecer melhor qualidade
𝑢 + 𝑒. Consumidores com baixa propensão comprarão esse bem até o preço 𝜃𝑙 + 𝑒, ao
passo que os de alta propensão continuarão comprando bens de qualidade básica a um
preço 𝑝 = 𝑐. O problema enfrentado pelo monopolista verticalmente integrado é, então

𝑒12 𝑒22
max 𝜋𝑣𝑖 = (1 − 𝜆)(𝜃𝑙 + 𝑒1 + 𝑒2 − 𝑐) − µ −µ , (6.22)
𝑒1 ,𝑒2 2 2
cuja solução é 𝑒1 = 𝑒2 = (1 − 𝜆)/µ. Em equilíbrio, 𝜋𝑣𝑖 = (1 − 𝜆)(𝜃𝑙 + (1 − 𝜆)/µ − 𝑐)
(todas as demais empresas continuam com lucro zero) e 𝑊𝑣𝑖 = 𝜆(𝜃ℎ − 𝑐) +
(1 − 𝜆)(𝜃𝑙 − 𝑐) + (1 − 𝜆)2 /µ > 𝑊𝑠 .

Dessa forma, a integração vertical (ou as restrições verticais) por um monopolista


reduz o bem-estar, mas o mesmo não acontece quando existe concorrência. A presença

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
62

de concorrentes reduz a possibilidade de que as restrições verticais sejam utilizadas em


detrimento dos consumidores. Embora o exemplo construído aqui seja bastante
específico, essa conclusão se aplica em outros casos.

Q6.2.2 – Um tratamento mais abrangente *

Nas seções anteriores, vimos, separadamente, os casos em que existem problemas


de dupla marginalização (seção “Dupla marginalização”) e problemas de carona na
prestação de serviços de distribuição (seção “Externalidade horizontal: carona na
provisão de serviços”). De modo geral, esses problemas coexistem. Além disso, pode
haver outras possíveis distorções criadas por restrições verticais ou integração vertical,
como a redução do número de varejistas em relação ao caso em que o fabricante vende
via contratos lineares. Nesta seção, iremos esboçar um tratamento mais geral, que
confirma os principais insights das duas seções anteriores. Sendo o assunto
inevitavelmente mais técnico, o leitor não particularmente interessado nesta análise de
robustez pode pular esta seção e ir direto para a seção “Outras razões de eficiência para
restrições verticais e fusões verticais”.

Combinando externalidades. Na seção Q6.2.3 “Externalidades verticais e


horizontais: um modelo”, será apresentado um modelo no qual um fabricante
(monopolista) vende seu produto final por meio de vários varejistas (oligopolistas). Os
varejistas competem entre si pelos consumidores finais, mas também têm de oferecer
alguns serviços dos quais se apropriam apenas em parte (isto é, existe um tipo de carona
na prestação de serviços). Essa situação é mais geral e realista que a desenvolvida nas
seções anteriores, e diferentes externalidades aparecem. Em primeiro lugar, há o
problema da dupla marginalização, que surge quando as empresas possuem algum poder
de mercado em fases sucessivas do processo de produção, e não somente quando existem
dois monopólios sucessivos. Isso tende a elevar os preços acima do nível ótimo para a
cadeia. Em segundo lugar, há uma externalidade horizontal que consiste em varejistas
reduzindo esforços por causa do problema do carona (de forma proporcional ao grau em
que o investimento feito por um varejista transborda para os concorrentes). Em terceiro
lugar, existe outra externalidade horizontal devido ao fato de que – ceteris paribus – cada
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
63

varejista tende a definir um preço menor que o preço ótimo para a cadeia vertical porque
não internaliza que uma redução marginal do próprio preço afete negativamente o lucro
dos outros varejistas.

O modelo mostra que o primeiro efeito prevalece sobre o terceiro e que, mesmo
neste contexto mais complicado, continua sendo verdade que uma estrutura verticalmente
separada com preços por atacado lineares resulta em preços mais altos e menor esforço
(isto é, menos serviços). Assim sendo, a integração vertical e as restrições verticais
restauram o resultado verticalmente integrado e reduzem os preços, elevam os esforços e,
por fim, aumentam os excedentes do produtor e do consumidor.

O modelo enfatiza também que as diferentes restrições verticais (ou combinações


entre elas) podem ser usadas para aliviar o problema de coordenação dentro da cadeia e,
assim, aproximar-se (ou até mesmo obter) do mesmo resultado da integração vertical
ótima. Em outras palavras, diferentes tipos de restrições são, muitas vezes, substitutos
entre si, e a preferência das empresas por uma ou outra pode ser decorrente de razões
específicas (por exemplo, se o preço final não for observável, a aplicação de FPR será
impossível; se for difícil desenhar territórios ou áreas de clientes distintas, ou se a
arbitragem entre tais áreas for fácil, TE poderá perder atratividade, e assim por diante).
Não há, a priori, qualquer razão para tratar essas restrições de maneiras diferentes, sob o
ponto de vista jurídico.

A política de defesa da concorrência deve reconhecer o grau de substituibilidade


que existe, em muitas circunstâncias, entre as distintas cláusulas verticais. Seria inútil
utilizar uma proibição per se, por exemplo, de cláusulas territoriais exclusivas e permitir,
ao mesmo tempo, cláusulas de manutenção do preço de revenda que possibilitam que as
empresas reproduzam um resultado muito similar (e vice-versa: permitir TE e proibir
FPR). Também seria inútil proibir práticas de manutenção do preço de revenda e um
controle frouxo de fusões: se uma empresa não pode utilizar FPR, ela consegue obter o
mesmo resultado via fusão com os varejistas (novamente, a reciproca é verdadeira: proibir
fusões, mas permitir restrições verticais).

Integração vertical e variedade: número endógeno de varejistas. Até agora,


somente foram discutidos os casos nos quais o fabricante vende por meio de um número
dado de varejistas, que, por sua vez, decidem os níveis de preço e investimento. Contudo,
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
64

a hipótese de que o número de varejistas seja exógena é bastante restritiva. Enquanto um


varejista independente abriria uma loja caso seu lucro (líquido do custo de entrada) fosse
positivo, uma empresa verticalmente integrada abriria uma nova loja somente se fosse
mais lucrativo (lucro líquido do custo fixo) que se não abrisse. A primeira condição é
menos forte que a última. Uma empresa verticalmente integrada não abriria um novo
estabelecimento caso seus lucros viessem dos clientes roubados de outras lojas já
existentes, enquanto um varejista independente não consideraria as externalidades sobre
concorrentes. O resultado é que existirão menos pontos de venda no caso de integração
vertical.

Um menor número de pontos de venda reduz o excedente do consumidor (desde


que os consumidores tenham preferência por variedade, ou que seu custo de busca
aumente com a distância percorrida até a loja mais próxima), mas não necessariamente
diminui o bem-estar, uma vez um número maior de lojas representa também maiores
custos fixos. Em muitas circunstâncias, a concorrência gera excesso de variedade (ou
excesso de entrada), e, quando isso ocorre, a integração vertical melhora o bem-estar ao
reduzir as duplicidades. Além disso, mesmo que o impacto de menor variedade sobre o
bem-estar seja negativo, esse efeito deve ser comparado com os positivos da integração
vertical, já discutidos nas seções anteriores. Por exemplo, a integração vertical resolve o
problema da dupla marginalização, o que reduz os preços em benefício dos consumidores
e aumenta os incentivos ao esforço, o que também é eficiente.

A seção Q6.2.4 “Integração Vertical e Variedade” ilustra a questão com um


modelo formal simples, no qual um fabricante verticalmente integrado decide sobre
quantas lojas abrir e sobre qual preço cobrar em cada estabelecimento. É demonstrado
que a integração vertical apresenta os dois efeitos mencionados: reduz os preços (bom
para o bem-estar), mas também diminui a variedade (ruim para o bem-estar). É, a priori,
impossível dizer qual desses efeitos predomina, e a resposta depende principalmente da
forma específica das preferências dos consumidores. No entanto, sob pressupostos
plausíveis, é provável que a integração vertical aumente o bem-estar, no lugar de reduzi-
lo.

Alguns artigos têm trabalhado o impacto da integração vertical no bem-estar


quando o número de varejistas é endógeno. Mathewson e Winter (1983) verificaram que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
65

a integração vertical aumenta o bem-estar (o modelo será apresentado na seção


“Integração vertical e variedade” compartilha algumas das características do modelo de
Mathewson e Winter e chega ao mesmo resultado).

Perry e Groff (1985) estudam um modelo em que presumem concorrência


monopolística com função de demanda ESC (elasticidade de substituição constante) para
os varejistas a jusante. Em seu modelo, a integração reduz o preço final, mas esse efeito
é superado pela baixa variedade existente sob integração.

Kühn e Vives (1999) analisam o impacto da integração vertical de um fornecedor


em uma indústria a jusante de concorrência monopolística para uma gama mais ampla de
funções de demanda. Os autores confirmam que os dois efeitos principais de integração
são: (1) a eliminação do problema da dupla marginalização, o que leva a preços finais
mais baixos; (2) a redução da variedade (que pode melhorar o bem-estar, quando elimina
o excesso de variedade). Seu artigo mostra que a integração vertical aumenta o bem-estar
quando existe uma crescente preferência por variedade – definida como uma situação na
qual o consumidor se importa menos com um aumento de variedade para baixos níveis
que para altos níveis de consumo total – e que essa propriedade pode ser obtida com base
em premissas suaves para as preferências. Sua análise sugere que, com pressupostos
plausíveis para as preferências, a integração vertical aumenta o bem-estar.

Q6.2.3 – Externalidades verticais e horizontais: um modelo * *

Nesta seção, será proposto um modelo simples, no qual as externalidades de


diferentes naturezas coexistem, e serão examinados os conjuntos de restrições verticais
que levam a resultados equivalentes a uma integração vertical.

Esta seção foi inspirada em Mathewson e Winter (1984), que utilizaram um


modelo espacial de diferenciação de produto. Decidiu-se por reformular sua análise
dentro do modelo não espacial de diferenciação, já familiar para os leitores deste livro
(ver o Capítulo 5). Apesar de algumas diferenças, as principais características de sua
análise são preservadas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
66

Considere um fabricante a montante, que deve vender seu bem por meio de uma
rede de 𝑛 varejistas, que, por conta da localização ou de outras características, vende um
bem percebido como diferenciado pelos consumidores finais, de acordo com as seguintes
funções de demanda diretas:

1 𝑛 𝛾 𝑛
𝑞𝑖 = [𝑣 + 𝑒𝑖 + 𝛼 ∑ 𝑒𝑘 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ], (6.23)
𝑛 𝑘≠𝑖 𝑛 𝑗=1

onde 𝛾 ∈ [0, ∞) é o parâmetro de substituibilidade entre os diferentes produtos (isto é,


uma medida inversa de diferenciação). Perceba que os esforços dos varejistas aumentam
a propensão a pagar dos consumidores e que existe um efeito de carona na provisão do
esforço, uma vez que os esforços feitos por um varejista transbordam para o concorrente
em uma proporção determinada pelo parâmetro a 𝛼 ∈ [0, 1]. Quando 𝛼 = 0, cada
varejista se apropria completamente do esforço empreendido; quando 𝛼 = 1, seu esforço
aumenta na proporção de sua demanda e na dos concorrentes. Note também que 𝛾 → ∞
e 𝛼 = 1, o modelo é equivalente ao analisado na seção “Um modelo de subprovisão de
serviços”. De forma similar àquele modelo, presumimos que 𝐶𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑒𝑖 ) = 𝑤𝑞𝑖 + µ𝑒𝑖2 /2,
com µ > 1. O lucro de cada varejista é dado por 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑤)𝑞𝑖 − µ𝑒𝑖2 /2.

Separação vertical e precificação linear. Sob separação vertical, os varejistas


maximizam seu lucro individual. As condições de primeira ordem do problema de
maximização 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 = 0 e 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑒𝑖 = 0 podem ser escritas como (tomando as
derivadas e impondo simetria):

𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝(2 + 𝛾 − 𝛾/𝑛) + 𝑤(1 + 𝛾 − 𝛾/𝑛) = 0


{(𝑝 − 𝑤) (6.24)
− µ𝑒 = 0.
𝑛
Como queremos focar as restrições verticais, que permitem a reprodução do
resultado verticalmente integrado – não, por ora, analisar seu impacto no bem-estar –, não
é necessário encontrar as soluções fechadas. Assim, podemos trabalhar com as condições
de primeira ordem apenas.

Integração Vertical. Considere agora o caso em que o monopolista a montante é dono


de todos os varejistas. Nesse caso, cada ponto de venda irá considerar as externalidades
impostas sobre os demais, já que os níveis de esforço e preços serão escolhidos para

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
67

maximizar 𝛱 = ∑𝑛𝑖=1 𝜋𝑖 . Tomando as derivadas 𝜕𝛱/𝜕𝑝𝑖 = 0 e 𝜕𝛱/𝜕𝑒𝑖 = 0 e impondo


simetria, obtemos as seguintes CPOs:

𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 2𝑝 + 𝑐 = 0


{ (𝑝 − 𝑐) (6.25)
(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − µ𝑒 = 0.
𝑛
Observe que 𝑤 = 𝑐, haja vista que o fabricante é agora verticalmente integrado a
todos os varejistas.

Externalidades. Comparar (6.24) e (6.25) nos permite identificar as diferentes


externalidades em jogo e compreender por que temos um resultado subótimo para o
fabricante sob separação vertical e precificação linear. Vamos começar comparando as
decisões quanto aos preços. É conveniente reescrever as CPOs como 𝑝 𝑠 (𝑒) =
(𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) + 𝑤(1 + 𝛾 − 𝛾/𝑛))/(2 + 𝛾 − 𝛾/𝑛) e 𝑝𝐼 (𝑒) = (𝑣 + 𝑒(1 +
𝛼(𝑛 − 1)) + 𝑐)/2.

Existem duas externalidades em jogo, que puxam os preços em direções opostas,


para níveis de esforços dados. Em primeiro lugar, sob separação, temos a externalidade
vertical usual: ocorre a dupla marginalização, levando a 𝑤 > 𝑐, o que tende a elevar o
preço 𝑝 𝑠 acima de 𝑝𝐼 . Em segundo lugar, existe agora uma externalidade pecuniária
horizontal, em que os varejistas concorrem muito, impondo uma externalidade negativa
de preços sobre o outro. Isso pode verificado pelo fato de que, para 𝑝 𝑠 , o denominador é
dividido por 2 + 𝛾 − 𝛾/𝑛, enquanto, para 𝑝𝐼 , é dividido apenas por 2. Observe que essa
externalidade horizontal aumenta com o grau de concorrência, sendo mais alta quando
𝛾 → ∞ e mais baixa quando 𝛾 = 0. Neste último caso, os varejistas estão vendendo
produtos percebidos como independentes, e a única externalidade restante é a vertical.
Assim, o efeito final líquido é, a priori, ambíguo. No entanto, verifica-se que, em
modelos-padrão, o efeito da externalidade vertical domina o da externalidade horizontal
pecuniária.

Para analisar os incentivos do esforço sob duas estruturas verticais, escreva as


primeiras derivadas com relação ao esforço como função dos preços (dados), conforme a
seguir: 𝑒 𝑠 = (𝑝) = (𝑝 − 𝑤)/(𝑛µ) e 𝑒 𝐼 (𝑝) = (𝑝 − 𝑐)(1 + 𝛼(𝑛 − 1))/(𝑛µ).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
68

Aqui, novamente, há duas externalidades em jogo, mas ambas têm efeito negativo
sobre o esforço em uma estrutura vertical separada. Primeiro, a externalidade vertical, ao
aumentar o custo marginal de varejistas (𝑤 > 𝑐), reduz seu lucro marginal de investir em
esforço. Segundo, há uma externalidade horizontal determinada pelo spillover,
internalizada sob a estrutura verticalmente integrada, que aumenta, nesse caso, o esforço.
Portanto, 𝑒 𝐼 > 𝑒 𝑠 .

Em suma, é possível, nesse modelo, que a integração vertical reduza o bem-estar,


mas apenas se todas as seguintes condições forem mantidas: (1) integração vertical leva
a preços mais altos; (2) esse efeito supera o efeito positivo devido ao aumento do esforço
sob a integração; (3) a consequente perda de excedente do consumidor é maior que o
efeito positivo sobre o excedente do produtor criado pela internalização das diferentes
externalidades.

Análise de bem-estar. Neste modelo específico, o bem-estar é maior sob


integração vertical que sob separação, sendo os excedentes do consumidor e do produtor
maiores nesse que naquele. Para provar isso, primeiro temos de encontrar o preço e o
esforço de equilíbrio sob a separação vertical. Para isso, precisamos identificar o preço
ótimo de atacado 𝑤, praticado pelo fabricante. Ao resolver a equação (6.24), obtemos

(𝑣 − 𝑤)µ𝑛
𝑝𝑠 = + 𝑤;
2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
(6.26)
(𝑣 − 𝑤)
𝑒𝑠 = .
2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
A produção total vendida pelo fabricante será, dessa forma:

(𝑣 − 𝑤)µ(𝛾(𝑛 − 1) + 𝑛)
𝑄 𝑠 = 𝑛𝑞 𝑠 = . (6.27)
2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
O lucro do fabricante é dado por 𝜋 𝑢 = (𝑤 − 𝑐)𝑄 𝑆 . Substituindo e maximizando
com relação a 𝑤, verifica-se que o preço ótimo de atacado é dado por 𝑤 ∗ = (𝑣 + 𝑐)/2.
Pode-se, então, substituir esse valor em 𝑝 𝑠 e 𝑒 𝑠 para achar o preço final e esforço de
equilíbrio sob separação vertical como

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
69

1 (𝑣 − 𝑐)µ𝑛
𝑝 𝑠∗ = (𝑣 + 𝑐 + );
2 2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
(6.28)
1 (𝑣 − 𝑐)
𝑒 𝑠∗ = .
2 2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1)
Em seguida, veja que o excedente do consumidor com essa função de demanda é
2
dado por 𝐸𝐶 = (𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) /(2𝑛). Logo, podemos obter o excedente
do consumidor sob separação vertical substituindo, nessa expressão, os valores de
equilíbrio anteriores. Temos que

𝑠
(𝑣 − 𝑐)2 µ2 (𝛾(𝑛 − 1) + 𝑛)2
𝐸𝐶 = 2. (6.29)
8𝑛(2µ𝑛 − 1 − 𝛼(𝑛 − 1) + 𝛾µ(𝑛 − 1))
Precisamos agora dos valores de equilíbrio para o caso de integração vertical. Ao
resolver a equação (6.25), obtém-se

2
(𝑣 + 𝑐)µ𝑛 − 𝑐(1 + 𝛼(𝑛 − 1))
𝑝𝑉𝐼∗ = 2 ;
2µ𝑛 − (1 + 𝛼(𝑛 − 1))
(6.30)
(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛼(𝑛 − 1))
𝑒 𝑉𝐼∗ = 2.
2µ𝑛 − (1 + 𝛼(𝑛 − 1))
Substituindo esses valores na expressão do excedente do consumidor, tem-se

𝑉𝐼
(𝑣 − 𝑐)2 µ2 𝑛
𝐸𝐶 = . (6.31)
2 2
2 (2µ𝑛 − (1 + 𝛼(𝑛 − 1)) )

Podemos agora comparar o excedente do consumidor sob integração e separação


vertical. Primeiramente, verifique que 𝜕𝐸𝐶 𝑠 /𝜕𝛾 > 0. Logo, 𝐸𝐶 𝑠 é limitada acima por
lim 𝐸𝐶 𝑠 = (𝑣 − 𝑐)2 /(8𝑛). Em seguida, observe que 𝜕𝐸𝐶 𝑉𝐼 /𝜕𝛼 > 0 e 𝜕𝐸𝐶 𝑉𝐼 /𝜕µ < 0.
𝛾→∞

Logo, 𝐸𝐶 𝑉𝐼 é limitada abaixo por lim 𝐸𝐶 𝑉𝐼 (𝛼 = 0) = (𝑣 − 𝑐)2 /(8𝑛). Em outras


µ→∞

palavras, 𝐸𝐶 𝑉𝐼 ≥ (𝑣 − 𝑐)2 /(8𝑛) ≥ 𝐸𝐶 𝑆 . A integração vertical é sempre melhor para os


consumidores, e como ela permite controlar as externalidades existentes, também
aumenta o lucro da cadeia vertical. Assim, o bem-estar é maior sob integração que sob
separação vertical.

Restrições Verticais que Restauram a Solução Verticalmente Integrada. Vamos


descobrir quais as restrições verticais que permitem a monopolista a montante restaurar

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
70

o resultado verticalmente integrado. Como no artigo de Mathewson e Winter (1984),


vamos primeiro estudar o caso no qual não existem spillovers com publicidade (𝛼 = 0),
ponto de partida útil e, em seguida, analisar os casos em que eles existem (𝛼 < 0).

Sem spillovers com publicidade (𝜶 = 𝟎)

TE (Territórios Exclusivos)

• 𝑇𝐸 + 𝑇𝐹(𝑤 = 𝑐). É fácil notar que os territórios exclusivos podem restaurar o


resultado verticalmente integrado se 𝛼 = 0. Os territórios exclusivos têm como
implicação o comportamento de cada um dos varejistas como um monopolista
local (como se 𝛾 = 0). Isso elimina a externalidade pecuniária horizontal, já
que a pressão da concorrência para baixar os preços é eliminada. Dado que a
externalidade da publicidade não existe por pressuposto, a única externalidade
é a vertical. Como sabemos que o problema da dupla marginalização é
facilmente resolvido por meio de um contrato não linear (𝑤 = 𝑐, 𝐹), TE
combinada com um esquema de preço 𝐹 + 𝑐𝑞 restaura o resultado IV. (De fato,
para 𝛼 = 0, 𝛾 = 0 e 𝑤 = 𝑐, pode-se verificar que as CPOs sob separação
vertical coincidem com as da integração vertical.)
• 𝑇𝐸 + 𝐹𝑄. Existe uma forma alternativa de resolver o problema da dupla
marginalização sob territórios exclusivos: impor uma venda mínima aos
varejistas. A fixação da quantidade pressiona o varejista a aumentar sua
produção e, portanto, reduz os preços. Dessa forma, é suficiente impor 𝑞 ≥ 𝑞𝐼 ,
onde 𝑞 𝐼 é a produção ótima sob IV. O fabricante pode, então, usar o preço de
atacado para redistribuir o lucro dos varejistas.

FPR (Fixação do Preço de Revenda)

• 𝐹𝑃𝑅 + 𝑇𝐹(𝑤 = 𝑐). Se não houver nenhum spillover de publicidade, o preço


ótimo pode ser implementado por imposição aos varejistas via FPR: 𝑝 = 𝑝𝐼 ,
sendo 𝑝𝐼 o preço ótimo sob IV (não está claro, a priori, se deve ser um preço
mínimo ou máximo). No entanto, é necessário garantir uma margem de lucro
adequada aos varejistas, de modo a induzir o nível de esforço ótimo. Para isso,
pode-se vender a um preço de atacado 𝑤 = 𝑐, e uma taxa de franquia pode ser
utilizada para redistribuir o lucro.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
71

• 𝐹𝑃𝑅 + 𝐹𝑄. A FPR combinada com fixação de quantidade pode ser uma
alternativa a um esquema de preços não linear. Após impor o preço, se 𝑤 > 𝑐,
o varejista não tem incentivos para empreender um esforço ótimo. Mas o
monopolista a montante também pode impor uma quantidade mínima ao
varejista. O lucro de cada varejista é dado por 𝜋 = (𝑝𝐼 − 𝑤)𝑞𝑖 (𝑝𝐼 , 𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 ) −
µ𝑒𝑖2 /2, sujeito a 𝑞𝑖 (𝑝𝐼 , 𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 ) ≥ 𝑞 𝐼 . Um máximo sem restrição poderia levar o
varejista a realizar um esforço muito baixo: para atender à cláusula de fixação
de quantidade, cada varejista faria o esforço suficiente para produzir o
resultado da integração vertical. Dado que o preço é imposto em 𝑝𝐼 , o esforço
ótimo é induzido a 𝑒 𝐼 . Neste momento, o esforço e o preço ótimos são
implementados, e os resultados da indústria reproduzem a estrutura
verticalmente integrada. Uma vez que o preço de atacado 𝑤 não modifica a
escolha dos varejistas, 𝑤 pode ser utilizado para redistribuir as rendas dos
varejistas aos fabricantes.

Spillovers de publicidade (𝜶 > 𝟎). Quando há um spillover de publicidade (de forma


mais geral, uma externalidade horizontal por sobre a externalidade pecuniária), cláusulas
de território exclusivo não são capazes de restaurar o resultado verticalmente integrado.
Um território exclusivo combinado com um esquema de preços não lineares resolve a
externalidade pecuniária (muita concorrência com relação ao nível ótimo) e o problema
da dupla marginalização, mas os monopolistas a jusante não internalizam os spillovers de
publicidade e, com isso, anunciariam muito pouco em relação ao resultado verticalmente
integrado. No entanto, a manutenção do preço de revenda pode implementar o resultado
verticalmente integrado, se combinada com outras restrições, como mostraremos a seguir.

FPR (Fixação do Preço de Revenda)

• 𝐹𝑃𝑅 + 𝑇𝐹(𝑤 < 𝑐). Uma vez imposto o preço ótimo 𝑝𝐼 aos varejistas, é
simples observar, a partir das CPOs, que eles ainda exerceriam pouco sob
separação vertical se 𝛼 > 0 e 𝑤 = 𝑐: 𝑒 𝑆 = (𝑝𝐼 − 𝑤)/(𝑛µ) < 𝑒 𝐼 = (𝑝𝐼 −
𝑐)(1 + 𝛼(𝑛 − 1))/(𝑛µ). Para induzir um esforço ótimo, é necessário que o
fabricante venda aos varejistas a um preço de atacado menor que seu custo
marginal, 𝑤 < 𝑐. Mais precisamente, o preço de atacado 𝑤
̂ que induz o nível

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
72

ótimo de esforço irá resolver a igualdade (𝑝𝐼 − 𝑤


̂) = (𝑝𝐼 − 𝑐)(1 + 𝛼(𝑛 − 1)).
Uma taxa de franquia pode ser utilizada para redistribuir os lucros.
• 𝐹𝑃𝑅 + 𝐹𝑄. A FPR e FQ podem ser utilizadas conjuntamente da mesma forma
que 𝛼 = 0. Impor o preço 𝑝𝐼 e uma quantidade mínima 𝑞𝐼 aos varejistas induz
o esforço ótimo 𝑒 𝐼 , que produz o resultado verticalmente integrado. Como o
preço de atacado 𝑤 é neutro a incentivos por FPR e FQ, ele não modifica as
escolhas dos varejistas e pode, dessa forma, ser utilizado pelo fabricante para
se apropriar das rendas dos varejistas.

Q6.2.4 – Integração vertical e variedade * *

A partir do mesmo modelo, iremos agora endogeneizar o número de varejistas.


Depois de impor a simetria, o lucro de uma empresa verticalmente integrada pode ser
escrito como

𝜋 𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) − 𝑛𝑓, (6.32)


enquanto o lucro de um varejista independente é

1
𝜋 𝑣𝑠 + (𝑝 − 𝑤) (𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) − 𝑓. (6.33)
𝑛
Para determinar endogenamente o número de varejistas atuando no equilíbrio,
considere que, sob integração vertical, a entrada ocorre até o ponto em que maximiza 𝜋 𝑣𝑖 ,
ao passo que, sob separação vertical, ocorre até o ponto em que 𝜋 𝑣𝑠 = 0 (a condição-
padrão de livre-entrada, sob a premissa de que 𝑛 é contínuo).

As condições que determinam o número de varejistas no equilíbrio são, portanto:

𝜕𝜋 𝑣𝑖
= (𝑝 − 𝑐)𝛼𝑒 − 𝑓 = 0, (6.34)
𝜕𝑛
e

1
𝜋 𝑣𝑠 = (𝑝 − 𝑤) (𝑣 + 𝑒(1 + 𝛼(𝑛 − 1)) − 𝑝) − 𝑓 = 0. (6.35)
𝑛
Existem dois efeitos distintos em jogo. Primeiro, uma empresa verticalmente
integrada internaliza o fato de que a produção de uma variedade adicional reduz a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73

produção vendida das variedades já existentes. Lembre, no entanto, que, nesse modelo
em particular, lidamos com um caso especial, já que a demanda da indústria não aumenta
com as variedades disponíveis. Assim, só há razão para aumentar 𝑛 quando isso afetar
significativamente a produção total por meio dos spillovers de publicidade. Na verdade,
se 𝛼 for baixo o suficiente ou se o custo do esforço for muito grande (levando a um valor
de equilíbrio 𝑒 muito baixo), o monopolista verticalmente integrado terá apenas um
varejista.

De maneira geral, pode-se esperar que os consumidores tenham preferência por


variedade e que uma maior variedade elevaria a demanda total (ver o Exercício 6.5).
Todavia, o caso analisado aqui serve como referência útil, na qual um monopolista
verticalmente integrado não possui incentivos para aumentar o número de pontos de
venda de sorte a atrair uma nova demanda. Além disso, o lucro marginal de um ponto de
venda adicional é maior sob integração vertical por conta do efeito da dupla
marginalização. Poderíamos esperar que essa última externalidade – que, ceteris paribus,
eleva a variedade sob integração vertical – fosse superada pela primeira, de modo que
uma estrutura descentralizada produzisse maior variedade que uma centralizada.

Para estudar o impacto das restrições verticais no bem-estar nesse modelo, vamos
abstrair, por simplicidade, as considerações quanto ao esforço (dos spillovers de
publicidade), para que o intercepto seja dado por 𝑣 apenas (pense, por exemplo, que o
custo marginal do esforço µ tende ao infinito, de forma que os varejistas optem por um
esforço 𝑒 = 0).

Sabemos que não é claro, a priori, se o preço final é maior ou menor sob
integração vertical, já que existem duas forças distintas atuando. Primeiro, sob separação
e precificação linear, a externalidade pecuniária horizontal leva a preços mais baixos,
dado o preço de atacado; segundo, sob separação e precificação linear, a externalidade
vertical leva a preços de atacado mais elevados, o que, por sua vez, puxa os preços para
cima. Para verificar qual das forças é dominante, precisamos encontrar o preço de atacado
escolhido pelo fabricante a montante. Acontece que, sob a integração vertical, os preços
são sempre menores. Veremos a seguir o porquê.

Sob integração vertical, o preço pode ser facilmente obtido ao substituir 𝑒 = 0 na


equação (6.25). Temos, então, que 𝑝𝐼 = (𝑣 + 𝑐)/2.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
74

Sob separação vertical e precificação linear, precisamos achar o preço ótimo de


atacado 𝑤 cobrado pelo fabricante. Substituindo 𝑒 = 0 na equação (6.24), temos que
𝑝 𝑆 = (𝑣 + 𝑤(1 + 𝛾 − 𝛾/𝑛))/(2 + 𝛾 − 𝛾/𝑛). A produção total vendida pelo fabricante
será 𝑄 𝑆 = 𝑛𝑞 𝑆 = (𝑣 − 𝑤)(1 + 𝛾 − 𝛾/𝑛)/(2 + 𝛾 − 𝛾/𝑛). O lucro do fabricante é dado
por 𝜋 𝑢 = (𝑤 − 𝑐)𝑄 𝑆 . Substituindo e maximizando com relação a 𝑤, temos o preço ótimo
de atacado 𝑤 ∗ = (𝑣 + 𝑐)/2. Substituindo esse valor em 𝑝 𝑆 , obtemos o preço final: 𝑝∗ =
(𝑣(3 + 𝛾 − 𝛾/𝑛) + 𝑐(1 + 𝛾 − 𝛾/𝑛))/(2(2 + 𝛾 − 𝛾/𝑛)).

Podemos agora comparar os preços finais sob as duas estruturas verticais. É


simples notar que 𝑝∗ ≥ 𝑝𝐼 . Na verdade, 𝑝∗ diminui com o parâmetro de substituibilidade
𝛾, mas lim 𝑝∗ = (𝑣 + 𝑐)/2 = 𝑝𝐼 . Mesmo em seu mínimo, 𝑝∗ é mais elevado que 𝑝𝐼 .
𝛾→∞

Nesse modelo, a integração vertical nunca reduz o bem-estar. Independentemente


do número de varejistas 𝑛, temos 𝑝∗ ≥ 𝑝𝐼 : preços são sempre mais baixos sob integração
vertical. Além disso, é importante lembrar que, nesse modelo, a demanda da indústria não
aumenta com o número de varejistas. Assim sendo, 𝑝∗ ≥ 𝑝𝐼 implica que 𝑞 ∗ ≤ 𝑞 𝐼 , o que
independe do número de varejistas operando no equilíbrio. Logo, a integração vertical
leva a preços mais baixos porque internaliza o problema da dupla marginalização.

Além disso, uma melhoria do bem-estar também deve-se à eliminação de


duplicações. A separação vertical resulta em maior número de pontos de venda e custos
fixos mais elevados, o que não aumenta a utilidade dos consumidores, assim como a
quantidade demandada não aumenta com a variedade ofertada. Essa é uma característica
muito específica deste modelo. Entretanto, o leitor pode verificar no Exercício 6.5 que,
em um modelo similar, mas com preferência elevada por variedade, o impacto da
integração vertical no bem-estar ainda é positivo (lembre-se, porém, de que isso nem
sempre é verdade: é possível encontrar modelos em que o efeito da redução da variedade
supera o dos preços mais baixos).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
75

Quadro 6.3 – Acordo de exclusividade evita a figura do carona nos


investimentos dos fabricantes *

Nesta seção, formalizaremos uma das motivações do acordo de exclusividade, que


tem como base a ideia de que os fabricantes fornecem serviços e investimentos aos
varejistas para promover as vendas de sua marca. Em algumas ocasiões, também
promover a venda de marcas concorrentes comercializadas pelo mesmo varejista. Essa
externalidade reduz a apropriabilidade do investimento. O acordo de exclusividade (AE),
que obriga o varejista a vender apenas uma marca pode ser adotado como cláusula
contratual pelo fabricante, a fim de evitar essa externalidade. O AE pode, dessa forma,
aumentar os incentivos para investir em tais serviços, o que, por sua vez, pode elevar o
bem-estar.

O modelo a seguir é uma variação do modelo de Besanko e Perry (1993) e


formaliza essa ideia, mostrando que uma proibição de exclusividade reduziria o excedente
do consumidor e o bem-estar.

Dois fabricantes produzem dois bens diferenciados a um custo unitário constante


(que presumimos igual a zero para simplificar). Cada fabricante pode investir em uma
atividade que reduza o custo do varejista que vende sua marca. O nível de investimento é
denotado por 𝑒𝑖 , e seu custo é (µ/2)𝑒𝑖2 . Existe um possível spillover desse investimento,
de modo que um varejista que venda duas marcas se beneficia do investimento 𝑒̂𝑖 = 𝑒𝑖 +
𝛼𝑒𝑗 , quando vende a marca 𝑖, onde 𝛼 ∈ [0, 1] é o parâmetro de externalidade (quando
𝛼 = 0, não há spillover, e, quando 𝛼 = 1, a externalidade é máxima, já que beneficia
igualmente o fabricante rival e aquele que realiza o investimento). Um revendedor com
um contrato de exclusividade terá seu custo reduzido somente em 𝑒̂𝑖 = 𝑒𝑖 . Presumimos
que a função de demanda por cada produto é dada pela (usual) função de demanda:

1 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + (𝑝𝑖 + 𝑝𝑗 )]. (6.36)
2 2
Supomos também que exista um grande número de revendedores no mercado
competindo por preço e que oferece serviços não diferenciáveis (ou perfeitamente
competitivos, o que é equivalente). O custo de cada revendedor de vender a marca 𝑖 é

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
76

dado por 𝑑 + 𝑤𝑖 − 𝑒̂𝑖 , em que 𝑤𝑖 é o preço de atacado cobrado pelo fabricante 𝑖, e 𝑑 é o


custo de distribuição.

O jogo será descrito a seguir. Em primeiro lugar, os fabricantes fazem


investimentos e decidem sobre os preços de atacado simultaneamente. Em seguida, os
varejistas escolhem os preços. Nosso objetivo é comparar as soluções de equilíbrio deste
jogo em duas situações contratuais distintas: uma em que haja exclusividade contratual e
outra em que não, ou seja, os varejistas podem vender as duas marcas. Besanko e Perry
(1993) analisam o jogo completo, no qual os fabricantes decidem em um pré-estágio do
jogo qual das situações contratuais adotar. Isso, no entanto, envolve a presença de pelo
menos três empresas (com duas empresas, se uma opta pela exclusividade, a outra fica,
de fato, obrigada a contar com apenas um revendedor), o que complica os cálculos.

Solução do jogo. No último estágio do jogo, os varejistas definirão preços iguais aos
custos marginais 𝑝𝑖 = 𝑑 + 𝑤𝑖 − 𝑒̂𝑖 . Considere primeiro o caso em que não há acordo de
exclusividade (NAE). Substituindo os preços de equilíbrio, têm-se as quantidades em
função dos preços de atacado e dos níveis de investimento. Em um estágio prévio, os
fabricantes max𝑤𝑖 ,𝑒𝑖 𝜋𝑖 = 𝑤𝑖 𝑞𝑖 (𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 , 𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) − (µ/2)𝑒𝑖2 . Tomando as condições de
primeira ordem 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑒𝑖 = 0, 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑤𝑖 = 0, impondo simetria e resolvendo a expressão,
chega-se a soluções de equilíbrio:

4µ(𝑣 − 𝑑)
𝑤𝑖𝑁𝐴𝐸 = ; (6.37)
2µ(4 + 𝛾) − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼))
(2 + 𝛾(1 − 𝛼))(𝑣 − 𝑑)
𝑒𝑖𝑁𝐴𝐸 = . (6.38)
2µ(4 + 𝛾) − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼))
Por substituição, os outros valores de equilíbrio podem ser obtidos. Em particular,

2𝑑(2 + 𝛾)µ + 𝑣 (4µ − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼)))


𝑝𝑖𝑁𝐴𝐸 = ; (6.39)
2µ(4 + 𝛾) − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼))
µ[4𝛾(2µ − 1 + 𝛼) + 16µ − 𝛾 2 (1 − 𝛼)2 − 4](𝑣 − 𝑑)2
𝜋𝑖𝑁𝐴𝐸 = 2 . (6.40)
[2µ(4 + 𝛾) − (1 + 𝛼)(2 + 𝛾(1 − 𝛼))]
A partir desses valores, é simples calcular as soluções de equilíbrio para o caso no
qual os revendedores estão comprometidos com acordos de exclusividade. De fato, impor
𝛼 = 0 é suficiente para resolver o caso de exclusividade:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
77

4µ(𝑣 − 𝑑) (2 + 𝛾)(𝑣 − 𝑑)
𝑤𝑖𝐴𝐸 = ; 𝑒𝑖𝐸𝐷 = , (6.41)
2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾) 2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾)
2𝑑(2 + 𝛾)µ + 𝑣(4µ − (2 + 𝛾))
𝑝𝑖𝐴𝐸 = , (6.42)
2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾)
µ[4𝛾(2µ − 1) + 16µ − 𝛾 2 − 4(𝑣 − 𝑑)2
𝜋𝑖𝐴𝐸 = . (6.43)
[2µ(4 + 𝛾) − (2 + 𝛾)]2
Agora é fácil conferir que sob exclusividade: (1) os níveis de investimento são
maiores (devido à maior apropriabilidade do investimento; o custo de distribuição da
marca também é reduzido); (2) os preços de atacado são maiores (porque os custos mais
baixos de distribuição deslocam a função de receita marginal da empresa, que pode, então,
elevar os preços de atacado); (3) o preço de varejo é menor (devido ao efeito dominante
da redução dos custos); (4) o lucro dos fabricantes é maior (o lucro dos varejistas é sempre
nulo por conta da premissa de competição de Bertrand); e por fim, (5) o bem-estar é maior
que sob não exclusividade (uma vez que os lucros são mais elevados e os consumidores
estão em melhor situação).

Vimos, portanto, que, nesse modelo, os acordos de exclusividade têm um efeito


positivo sobre o bem-estar, e sua proibição reduziria o excedente do consumidor e os
lucros dos fabricantes.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
78

Quadro 6.4 – Restrições verticais e o problema do comprometimento * *

Suponha um fabricante a montante, 𝑀, que vende um produto para dois varejistas,


𝑅1 e 𝑅2 . O fabricante possui um custo de produção constante, 𝑐, e o único custo variável
do varejista é dado pelo preço de atacado que precisa pagar ao fabricante (por
simplicidade, a análise se restringe aos contratos nos quais os produtos/insumos são
oferecidos a um custo unitário 𝑐). Dois varejistas produzem um bem homogêneo e
competem por quantidade. A demanda final é dada por 𝑝 = 1– 𝑄, onde 𝑄 = 𝑞1 + 𝑞2 é a
produção total. O fabricante possui todo o poder de barganha e faz uma oferta do tipo
“pegar ou largar” aos varejistas. O jogo será descrito a seguir.

Primeiro, 𝑀 oferece a cada varejista um contrato (𝐹𝑖 , 𝑞𝑖 ), onde 𝐹𝑖 é uma taxa fixa,
e 𝑞𝑖 , o número de unidades que o varejista deseja comprar. Em seguida, cada varejista
encomenda 𝑞𝑖 unidades do produto e paga 𝐹𝑖 . Por fim, cada um oferece 𝑞𝑖 no mercado e
o mercado irá lucrar.

É importante fazer dois comentários sobre esse jogo. Primeiro, o foco são
contratos não lineares, pois os lineares não são ótimos quando há poder de mercado a
jusante, ou seja, não reproduzem o resultado verticalmente integrado. Segundo,
presumimos que os varejistas paguem o produto/insumo antes de ir ao mercado final.
Caso o pagamento fosse feito após a ida ao mercado, a empresa a montante não teria
incentivo para renegociar (ver o Exercício 6.7).

Contratos observáveis: um referencial. Como um caso referencial, é fácil verificar


que o resultado verticalmente integrado é dado por 𝑄 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)/2, 𝑝𝑣𝑖 = (1 + 𝑐)/2,
𝜋 𝑣𝑖 = (1 + 𝑐)2 /4. Esse mesmo resultado pode ser obtido se os contratos oferecidos por
𝑀 forem observados por cada varejistas (sem que possam ser renegociados). Nesse caso,
o fabricante ofereceria a cada varejista o contrato (𝐹𝑖 , 𝑞𝑖 ) onde 𝐹𝑖 = (1 − 𝑐)2 /8, se este
comprasse 𝑞𝑖 = (1 − 𝑐)/4 unidades, e 𝐹𝑖 = ∞ para qualquer outra quantidade.

Contratos não observáveis. O resultado verticalmente integrado não pode ser


reproduzido sob a premissa da não observabilidade. Para verificar o porquê, suponha que
o varejista 𝑅1 tenha aceitado a oferta de 𝑀, (𝐹𝑖 , 𝑞𝑖 ), conforme mencionado. O lucro do
fabricante, caso consiga se apropriar do lucro de 𝑅2 com a imposição de uma taxa fixa, é

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
79

𝜋 ′ = (1 − (1 − 𝑐)/4 − 𝑞2 − 𝑐)𝑞2 + (1 − 𝑐)2 /8. Estabelecendo 𝜕𝜋 ′ /𝜕𝑞2 = 0, temos


𝑞2′ = 3(1 − 𝑐)/8 > 𝑞1 = 𝑞 𝑣𝑖 . Essa é a quantidade que 𝑀 ofereceria ao segundo varejista.
Como a produção do segundo varejista é maior, o preço ficaria abaixo de 𝑝𝑣𝑖 . Como
resultado, o lucro do Varejista 1 seria 3(1 − 𝑐)2 /32 < (1 − 𝑐)2 /8 = 𝐹𝑖 . Dessa maneira,
a oferta (𝐹𝑖 , 𝑞𝑖 ) não representa um equilíbrio, já que o varejista consegue antecipar que,
assinando o contrato, o fabricante possui incentivos para oferecer maior quantidade para
o concorrente.

Assim, o contrato que restaura o resultado verticalmente integrado não pode ser
um equilíbrio. Resta agora identificar qual é a situação de equilíbrio. Para isso, e
considerando a não observabilidade, é necessário estabelecer algumas premissas sobre as
ofertas que os varejistas acreditam que o concorrente receba. Seguindo Hart e Tirole
(1990), O’Brien e Shaffer (1992) e Rey e Tirole (1996), vamos presumir “crenças
passivas” (também chamadas de conjecturas mercado a mercado): quando o varejista
recebe uma oferta inesperada do fabricante, não revê sua opinião sobre a proposta
recebida pelo concorrente. Estamos procurando o equilíbrio bayesiano perfeito desse
jogo, que exige que cada agente escolha sua melhor ação, dada a ação dos outros agentes
e suas próprias crenças.

Se o varejista 𝑅1 espera que 𝑅2 receba uma oferta para comprar 𝑞2 , quanto 𝑅1


estará disposto a comprar e a que preço? Espera-se um lucro de mercado igual a 𝜋1 =
(1 − 𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑞1 . A maximização do lucro o levaria a comprar 𝑞1 = (1 − 𝑞2 − 𝑐)/2
unidades, pagando até 𝜋1 = (1 − 𝑞2 − 𝑐)2 /4. De maneira simétrica, o outro varejista
compraria 𝑞2 = (1 − 𝑞1 − 𝑐)/2 unidades. Observe que 𝑞𝑖 = (1 − 𝑞𝑗 − 𝑐)/2 = 𝑟𝑖 (𝑗), e
que é função-padrão de reação sob competição por quantidade. O único equilíbrio ocorre
quando as duas empresas estão em suas funções de reação, dado pelo resultado de
Cournot, 𝑞 𝐶 = (1 − 𝑐)/3 e os dois varejistas pagarão até (1– 𝑐)2 /9. É nítido que o lucro
do fabricante é menor que no resultado verticalmente integrado (ou sob contratos
observáveis), uma vez que 2(1 − 𝑐)2 /9 < (1 − 𝑐)2 /4. Pode-se mostrar que, quanto
maior o número de varejistas, menor o lucro possível do fabricante (o problema do
comprometimento é agravado). Para mais detalhes, veja o Exercício 6.6.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
80

Como restaurar o poder de mercado.


• Fusões verticais. Suponha uma fusão entre 𝑀 e 𝑅1 . Então, oferecer 𝑞 =
(1 − 𝑐)/4 ao varejista afiliado e ao independente 𝑅2 não leva ao equilíbrio, já
que 𝑅2 pode corretamente antecipar que 𝑀 possui incentivo para aumentar a
quantidade oferecida ao afiliado. Por outro lado, 𝑞 = (1– 𝑐)/3, o contrato de
Cournot, não pode ser o equilíbrio porque a cadeia 𝑀– 𝑅1 consegue maior lucro
bloqueando o acesso de 𝑅2 aos produtos/insumos. De fato, definindo 𝑞1 =
(1 − 𝑐)/2 e 𝑞2 = 0, pode-se obter o lucro verticalmente integrado.

• Territórios exclusivos. Com apenas um varejista a jusante, não ocorre o


problema do comprometimento, e o poder de mercado pode ser exercido.
Enquanto os tribunais fizerem cumprir as cláusulas de exclusividade, o
varejista que receber uma oferta de exclusividade para comprar (1 − 𝑐)/2
unidades por um preço até (1 − 𝑐)2 /4 irá aceitar a oferta, restaurando a solução
verticalmente integrada.

• FPR (preço mínimo) em toda a indústria. O problema do comprometimento


poderia ser resolvido se fosse possível assegurar um preço mínimo 𝑝 ≥ 𝑝𝑣𝑖 =
(1 + 𝑐)/2 para toda a indústria. A cada varejista seria oferecido 𝑞 = (1– 𝑐)/4
e 𝑀 não teria incentivos para se comportar de forma oportunista. Suponha que
𝑅1 tenha assinado o contrato. Se 𝑀 oferecesse uma quantidade maior para 𝑅2 ,
o lucro total possível seria 𝜋 ∗ = ((1 + 𝑐)/2 − 𝑐)𝑞2 para 𝑞2 ≤ (1 − 𝑐)/4.
Portanto, 𝑞2 ≥ (1 − 𝑐)/4 dá a 𝑀 o maior lucro compatível com o preço
mínimo.

• NMF (Cláusula da Nação Mais Favorecida ou do Cliente Mais Favorecido).


Suponha que, a cada varejista, seja oferecida uma cláusula NMF junto com o
contrato. Essa cláusula determina que, caso um desconto (ou um preço melhor)
seja oferecido a um varejista, todos os demais receberão a mesma oferta (essa
também é a definição de crenças simétricas). Isso significa que, sempre que for
oferecida uma quantidade 𝑞 do produto, o varejista supõe que o concorrente
também compre 𝑞. Assim sendo, o lucro esperado do varejista é 𝜋 =

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
81

(1 − 𝑞 − 𝑞 − 𝑐)𝑞, e ele estará disposto a comprar 𝑞 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)/4 unidades,


pagando até (1 − 𝑐)2 /8. O fabricante pode restaurar seu melhor resultado.

Fusões verticais e exclusividade quando há produto/insumo substituto.


Considere agora que 𝑀 não seja o único ofertante: existe também um fornecedor
menos eficiente, 𝑆, cujo custo é 𝑠 > 𝑐. 𝑆 não é tão ineficiente, e presumimos que 𝑠 ∈
(𝑐, (1 + 𝑐)⁄2]. Vamos primeiro analisar o que acontece sob separação vertical. Como 𝑀
acabará ofertando para ambos os varejistas, a solução será a mesma do caso em que não
há substituto e ambos os varejistas recebem e encomendam 𝑞 𝐶 = (1 − 𝑐)/3. O preço de
mercado será 𝑝𝐶 = (1 + 2𝑐)/3. Perceba, no entanto, que o varejista não está disposto a
pagar ao fabricante 𝑀 uma taxa até o lucro de Cournot (1– 𝑐)2 /9. Ao aceitar essa taxa, o
fabricante tem ganho igual a zero. Dado que aceita o contrato, 𝑅𝑗 teria incentivo para
desviar e trocar pelo bem substituto 𝑆. Esse desvio daria lucro 𝜋𝑗 = (1 − 𝑞𝑗 − 𝑞 𝐶 − 𝑠)𝑞𝑗
a 𝑅𝑗 . Ao escolher a quantidade ótima 𝑞 ′ = (2 + 𝑐 − 3𝑠)/6, o varejista 𝑅𝑗 auferiria 𝜋 ′ =
(2 + 𝑐 − 3𝑠)2 /36. Logo, cada varejista estará disposto a aceitar o contrato somente se
precisar pagar até 𝜋 ′ , e o fabricante poderá obter 2(𝜋 𝐶 − 𝜋 ′ ).

Suponha agora uma fusão vertical entre 𝑀 e 𝑅1 , por exemplo. Para entender qual
será o equilíbrio, vamos primeiro considerar o caso em que 𝑅2 decide comprar de 𝑆. Isso
corresponde ao equilíbrio de Cournot com custos assimétricos 𝑐 e 𝑠. As quantidades são
𝑞1∗ = (1 − 2𝑐 + 𝑠)/3, 𝑞2∗ = (1 − 2𝑠 + 𝑐)/3, e os lucros, 𝜋1∗ = (1 − 2𝑐 + 𝑠)2 /9, 𝜋2∗ =
(1 − 2𝑠 + 𝑐)2 /9. Dessa forma, o varejista independente sempre pode ameaçar trocar de
fornecedor caso não lhe sejam oferecidas 𝑞2∗ unidades. Na melhor das hipóteses, 𝑀 pode
oferecer exatamente as mesmas condições de 𝑆 ao segundo varejista, ou seja, 𝑞2∗ unidades
a um preço 𝑠. A cadeia vertical terá então lucro igual a 𝜋 = 𝜋1∗ + (𝑠 − 𝑐)𝑞2∗ .

Observe que, sob fusão vertical, o preço final será 𝑝 = (1 + 𝑐 + 𝑠)/3. Portanto,
o aumento de preços que o consumidor enfrentará com relação à situação de separação
vertical será 𝑝 − 𝑝𝐶 = (𝑠 − 𝑐)/3. Em outras palavras, quanto maior for a diferença entre
os níveis de eficiência das empresas a montante, maior será a perda de bem-estar oriunda
da fusão vertical. A concorrência entre fornecedores alternativos reduz o risco de fusões
verticais.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
82

Pode-se também observar que, embora não haja exclusão completa quando existe
um fornecedor alternativo, o varejista independente continua em situação pior sob fusão
vertical, pois 𝜋 ′ = (2 + 𝑐 − 3𝑠)2 /36 > (1 − 2𝑠 + 𝑐)2 /9 para 𝑠 > 𝑐.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
83

Quadro 6.5 – Uso estratégico de restrições verticais * *

Esta seção está estruturada da seguinte forma: primeiro, mostra que a precificação
não linear pode, estrategicamente, diminuir a concorrência quando os varejistas
competem por preços. Segundo, expõe que os territórios exclusivos podem ter o mesmo
efeito. Terceiro, analisa que, quanto maior a concorrência entre marcas na indústria, mais
fraco é o impacto negativo da precificação não linear. Por fim, examina que, sob
competição por quantidade, a precificação não linear aumenta o bem-estar, provando,
assim, que os resultados não são robustos para alterações na forma de competição no
mercado.

Tarifa em duas partes com competição em preços. Considere dois fabricantes a


montante 𝑈1 e 𝑈2 , que vendem dois produtos diferenciados. Presumimos que ambos
sejam idênticos e que os custos de produção e revenda sejam constantes e iguais a zero.
A função de demanda para o bem final 𝑖 é dada por

1 𝛾 𝛾
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + ) + 𝑝𝑗 ]. (6.44)
2 2 2
Essa função de demanda tem sido repetidamente usada. Lembre-se de que 𝛾 ∈
[0, ∞) é o grau de substituição entre os produtos. As decisões de mercado são sobre
preços.

Integração vertical. Suponha que os dois fabricantes sejam verticalmente integrados.


Todas as funções de custo e demanda são de conhecimento comum. O problema é, então,
o padrão, em que cada empresa escolhe os preços de modo a maximizar 𝜋𝑖 = 𝑝𝑖 𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ).
Tomando 𝜕𝜋𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 )/𝜕𝑝𝑖 = 0 e resolvendo a expressão, obtemos:

2𝑣 (2 + 𝛾)𝑣 2
𝑝𝑉𝐼 = ; 𝜋 𝑉𝐼 = . (6.45)
4+𝛾 (4 + 𝛾)2
Restrições verticais: tarifa em duas partes. Considere agora que cada fabricante
vende por meio de um revendedor. Vamos chamar de 𝐷1 e 𝐷2 os revendedores que
vendem os Bens 1 e 2, respectivamente. Existem duas cadeias verticais concorrentes.
Presuma que o fabricante escolha o revendedor entre um grande número de revendedores
potenciais e que ele tenha todo o poder de barganha. No primeiro estágio do jogo, os
fabricantes oferecem contratos de precificação não linear 𝐹𝑖 + 𝑤𝑖 𝑞𝑖 aos revendedores,
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
84

perfeitamente observáveis e não renegociáveis. Em um segundo estágio, os revendedores


escolhem simultaneamente preços 𝑝𝑖 , os lucros são realizados, e as taxas (caso existam)
são pagas aos fabricantes.

No último estágio, cada revendedor escolhe seus preços para maximizar 𝜋𝑖𝐷 =
(𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ). As condições de primeira ordem são dadas por

𝜕𝜋𝑖 −2(2 + 𝛾)𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 + 2𝑣 + (2 + 𝛾)𝑤𝑖


= = 0, (𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗). (6.46)
𝜕𝑝𝑖 4
Rearranjando as duas condições de primeira ordem, podemos escrever a melhor
função de resposta dos varejistas 𝑝𝑖 = 𝑅𝑖 (𝑝𝑗 ). Colocando-as no mesmo plano (𝑝1 , 𝑝2 ),
vamos escrever R1 e R2 como funções de 𝑝1. Obtemos assim:

2(2 + 𝛾)𝑝1 − 2𝑣 − (2 + 𝛾)𝑤1


𝑅1 ∶ 𝑝2 = ; (6.47)
𝛾
𝛾𝑝1 + 2𝑣 + (2 + 𝛾)𝑤2
𝑅2 ∶ 𝑝2 = . (6.48)
2(2 + 𝛾)
A Figura Q6.1 mostra as funções de reação em (𝑝1 , 𝑝2 ). Note que elas são
positivamente inclinadas, ou seja, os bens são complementares estratégicos (isso vem do
pressuposto de competição por preços e demanda linear). Em outras palavras, um
revendedor tem incentivos para responder a um aumento de preços do concorrente com o
aumento de seus preços. Observe também que, quando o preço de atacado 𝑤𝑖 aumenta, a
função de reação do revendedor 𝑖 se afasta da origem: para qualquer preço do concorrente,
o revendedor 𝑖 responde com um aumento de preços, ou seja, se comporta de forma mais
suave.

A figura a seguir capta a intuição subjacente ao incentivo do fabricante em


aumentar o preço de atacado. Considere primeiro o caso em que ambos os fabricantes
definem 𝑤 = 𝑐(= 0). O Ponto 𝐸 representa o equilíbrio de mercado. Se, em vez disso, o
fabricante cobrasse um preço de atacado 𝑤 ′ > 𝑐, a função de reação do revendedor se
deslocaria para fora, resultando em preços de equilíbrio mais elevados, o que beneficiaria
as duas empresas a montante. Se os dois fabricantes decidissem aumentar os preços de
atacado, o preço final de equilíbrio corresponderia ao ponto 𝐸 ′ . Como veremos a seguir,
é precisamente isso que acontece no equilíbrio.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
85

Figura Q6.1 Tarifas como instrumentos estratégicos: complementares estratégicos.

Resolvendo a expressão de condições de primeira ordem, podemos obter o


equilíbrio no estágio de preço do jogo:

2(4 + 3𝛾)𝑣 + (2 + 𝛾)(2𝑤𝑖 (2 + 𝛾) + 𝛾𝑤𝑗 )


𝑝𝑖∗ = . (6.49)
16 + 16𝛾 + 3𝛾 2
Podemos derivar 𝑞𝑖∗ (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) por substituição e 𝜋𝑖∗ = (𝑝𝑖∗ − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖∗ − 𝐹𝑖 . Note que
o fabricante irá utilizar a taxa de franquia como forma de se apropriar do lucro do
revendedor. Logo, o lucro do fabricante será (lembre-se de que 𝑐 = 0) 𝜋𝑖𝑈 =
(𝑝𝑖∗ − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖∗ + 𝑤𝑖 𝑞𝑖∗ = 𝑝𝑖∗ 𝑞𝑖∗ . No primeiro estágio do jogo, o fabricante irá definir 𝑤𝑖 de
modo a maximizar

(2+γ)[2(4+3γ)v-(8+8γ+γ2 )wi +wj (2+γ)][2(4+3γ)v+2(2+γ)2 wi +γwj (2+γ)]


πUi = . (6.50)
4(4+γ)2 (4+3γ)2

Resolvendo a expressão 𝜕𝜋𝑖𝑈 /𝜕𝑤𝑖 = 0, obtemos

𝑇𝐹
2𝑣𝛾 2 4(2 + 𝛾)𝑣
𝑤 = ; 𝑝𝑇𝐹 = ; (6.51)
(2 + 𝛾)(16 + 12𝛾 + 𝛾 2 ) (16 + 12𝛾 + 𝛾 2 )
2(2 + 𝛾)(8 + 8𝛾 + 𝛾 2 )𝑣 2
𝜋 𝑇𝐹 = . (6.52)
(16 + 12𝛾 + 𝛾 2 )2
Portanto, no equilíbrio, os dois fabricantes definem o preço de atacado 𝑤 > 𝑐 =
0 para amenizar a concorrência entre os revendedores (e também entre eles: Rey e Stiglitz
mostram que a restrição vertical faz os fabricantes enfrentarem uma elasticidade da
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
86

demanda percebida menor que aquela sob integração vertical). Como consequência, tanto
os preços quanto os lucros são maiores que sob integração vertical: 𝑝𝑇𝐹 > 𝑝𝑉𝐼 e 𝜋 𝑇𝐹 >
𝜋 𝑉𝐼 (as expressões apenas coincidem quando 𝛾 → ∞). Esse aumento da ineficiência
alocativa determina uma queda no bem-estar geral.

Territórios exclusivos. Rey e Stiglitz (1988, 1995) mostram que garantir territórios
exclusivos aos revendedores permite que os fabricantes suavizem a concorrência. Como
referência, considere um caso em que dois fabricantes possuem, cada um, 𝑚 ≥ 2
revendedores. Os revendedores que trabalham com a mesma marca vendem produtos
percebidos como homogêneos pelos consumidores. Dessa forma, e de acordo com os
argumentos usuais de concorrência de Bertrand, a concorrência intramarca leva os
revendedores a cobrar 𝑝𝑖 = 𝑤𝑖 .

A empresa a montante escolhe o preço que maximiza 𝜋𝑖𝑈 = (𝑤𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ).
Como 𝑝𝑖 = 𝑤𝑖 , esse problema é idêntico àquele da empresa verticalmente integrada que
resolvemos antes. Tomando 𝜕𝜋𝑖𝑈 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 )/𝜕𝑤𝑖 = 0 e resolvendo a expressão, temos que:

𝑉𝐼 𝑉𝐼
2𝑣 𝑉𝐼
(2 + 𝛾)𝑣 2
𝑤 =𝑝 = ; 𝜋 = . (6.53)
4+𝛾 (4 + 𝛾)2
Suponha agora que os fabricantes ofereçam um território exclusivo a cada
revendedor e que essa decisão seja observada publicamente. O território exclusivo
significa que cada revendedor tem parcela 1/𝑚 da demanda pela marca. O jogo é similar
ao analisado na subseção anterior: primeiro, o fabricante oferece aos revendedores um
contrato não linear 𝐹𝑖 + 𝑤𝑖 𝑞𝑖 . Em seguida, os revendedores escolhem simultaneamente
os preços 𝑝𝑖 , os lucros são realizados, e taxas (caso existam) são pagas aos fabricantes.

No último estágio, cada revendedor escolhe o preço que maximiza 𝜋𝑖𝐷 =


(1⁄𝑚)(𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) − 𝐹𝑖 . Como 𝑚 é apenas um fator de escala, as condições de
primeira ordem são dadas pela mesma equação (6.46). Todas as soluções, portanto, serão
como as do caso tratado antes, resultando em maiores preços e lucros que sob competição
intramarca: 𝑝𝑇𝐹 > 𝑝𝑉𝐼 e 𝜋 𝑇𝐹 > 𝜋 𝑉𝐼 .

Observe que, no equilíbrio 𝑤 > 𝑐, existe dupla marginalização. Os fabricantes, no


entanto, não perdem com essa externalidade. Ao criar um (ou vários) monopolista a
jusante, os fabricantes exploram estrategicamente a presença de uma concorrência

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
87

imperfeita enquanto conseguem suavizar a competição. Rey e Stiglitz (1995) mostram


que, adicionando mais camadas (por exemplo, por meio da criação de atacadistas e outros
intermediários entre a produção e a revenda), os fabricantes conseguem preços de
monopólio (ou seja, a maximização dos lucros conjuntos).

Concorrência reduz o risco de que as restrições verticais diminuam o bem-estar.


Restrições verticais podem ser usadas estrategicamente de modo a suavizar a
concorrência e provocar um aumento dos preços, quando a empresa tem poder de
mercado suficiente. Para melhor entender por que isso acontece, considere o seguinte
exemplo. Um fabricante (uma empresa que venda o Produto 1) vende por meio de um
revendedor e lhe oferece o contrato 𝐹 + 𝑤𝑞, ao passo que todos os outros 𝑛 fabricantes
da indústria são integrados verticalmente. Presuma a função de demanda de costume:

1 𝛾 𝑛
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + 𝛾) + ∑ 𝑝𝑗 ]. (6.54)
𝑛 𝑛 𝑗=1

Maximizando a função de lucro do revendedor e impondo simetria nas 𝑛– 1


empresas verticalmente integradas, obtemos as seguintes CPOs:

−𝛾(𝑛 − 1)(2𝑝1 − 𝑝 − 𝑤) + 𝑛(−2𝑝1 + 𝑣 + 𝑤)


2
= 0,
{ 𝑛 (6.55)
𝛾(𝑝1 − 𝑛𝑝) + 𝑛(−2𝑝 + 𝑣)
= 0.
𝑛2
Ao desenhar as funções de reação das empresas, pode-se notar que elas se tornam
menos elásticas quando 𝑛 aumenta, ou seja, sua inclinação diminui com 𝑛. Como
resultado, o fabricante precisa de um aumento muito maior no preço de atacado para obter
determinada resposta de preço do revendedor: sua ação tem menor poder estratégico.

A partir da solução da expressão de CPO, temos:

𝑛(𝛾 2 (𝑛 − 1)𝑤 + 2𝑛(𝑣 + 𝑤) + 𝛾𝑣(2𝑛 − 1) + 𝛾𝑤(3𝑛 − 2))


𝑝1 = ; (6.56)
4𝑛2 + 2𝛾𝑛(3𝑛 − 2) + 𝛾 2 (2𝑛2 − 3𝑛 + 1)
2𝑛2 𝑣 + 𝛾 2 (𝑛 − 1)𝑤 + 𝛾𝑛(𝑤 + 𝑣(2𝑛 − 1))
𝑝= . (6.57)
4𝑛2 + 2𝛾𝑛(3𝑛 − 2) + 𝛾 2 (2𝑛2 − 3𝑛 + 1)
Ao resolver o problema do fabricante, escolher o 𝑤 que maximize seu lucro 𝜋 𝑈 =
(𝑝1 − 𝑤)𝑞1 (𝑝1 , 𝑝), obtemos:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
88

𝛾 2 (𝑛 − 1)(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 1))𝑣


𝑤= . (6.58)
2(2 + 𝛾)(𝛾 3 (𝑛 − 1)3 + 2𝑛3 + 𝛾𝑛2 (5𝑛 − 4) + 𝛾 2 𝑛(3 − 7𝑛 + 4𝑛2 ))
Por fim, substituindo nas expressões de preço, temos:

𝑛𝑣(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 1)) 𝑣(2𝑛 + 𝛾(2𝑛 − 1))


𝑝1𝑇𝐹 = ; 𝑝= . (6.59)
2(𝛾 2 (𝑛 − 1)2 + 2𝑛2 + 𝛾𝑛(3𝑛 − 2)) 2(2 + 𝛾)𝑛2
Quando todas as empresas são verticalmente integradas, o preço de equilíbrio (em
competição de Bertrand) é dado por

𝑣𝑛
𝑝𝑏 = . (6.60)
2𝑛 + 𝛾(𝑛 − 1)
O mark-up adicional que o fabricante é capaz de impor devido às restrições
verticais é dado por

𝑛𝑣𝛾 2 (𝑛 − 1)
𝑝1𝑇𝐹 − 𝑝𝑏 = . (6.61)
2 (𝛾 2 (𝑛 − 1)2 + 2𝑛2 + 𝛾𝑛(3𝑛 − 2)(2𝑛 + 𝛾(𝑛 − 1)))

Pode-se verificar que 𝜕(𝑝1𝑇𝐹 − 𝑝𝑏 )/𝜕𝑛 < 0: quanto maior o número de empresas,
menor o mark-up adicional obtido utilizando restrições verticais.

Resultados não são robustos: substitutos estratégicos. Os resultados anteriores


foram obtidos presumindo que as decisões tomadas no mercado final são sobre preços.
Esses resultados, contudo, são muito sensíveis ao tipo de concorrência no mercado. Se
presumimos que as decisões no mercado são sobre quantidades, no lugar de preços, os
fabricantes ainda assim delegariam suas vendas a varejistas independentes. Mas, em
primeiro lugar, firmariam contratos que os tornassem mais agressivos. Como
consequência, os preços finais seriam mais baixos, e o bem-estar, mais elevado. Em
segundo lugar, o jogo no qual os fabricantes decidem se querem ou não delegar decisões
é como o dilema do prisioneiro: a delegação é a estratégia dominante e será a escolhida
em equilíbrio, mas os fabricantes desejam evitá-la. Iremos formalizar esses resultados a
seguir.

O modelo. O modelo é o mesmo que o analisado antes, no qual dois fabricantes


vendem produtos diferenciados diretamente (integração vertical) ou via revendedores
independentes. Vamos utilizar funções de demanda inversa para analisar o que ocorre sob
concorrência em quantidade. Invertendo a equação (6.44), temos que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
89

1
𝑝𝑖 = 𝑣 − (2𝑞𝑖 + 𝛾𝑞𝑖 + 𝛾𝑞𝑗 ). (6.62)
1+𝛾
Integração vertical. As empresas escolhem 𝑞𝑖 de modo a maximizar 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) −
𝑐)𝑞𝑖 . Resolvendo a expressão de equações de primeira ordem 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0, temos o
equilíbrio-padrão de Cournot:

(𝑣 − 𝑐)(1 + 𝛾) (𝑣 − 𝑐)2 (1 + 𝛾)(2 + 𝛾)


𝑞𝑣𝑖 = ; 𝜋𝑣𝑖 = . (6.63)
4 + 3𝛾 (4 + 3𝛾)2
Delegação. Suponha agora que as duas empresas tenham revendedores e analise o jogo
no qual cada fabricante oferece primeiro um contrato de precificação não linear 𝐹𝑖 + 𝑤𝑖 𝑞𝑖 ,
e, em seguida, os revendedores competem por quantidades (após observar o contrato).

No último estágio do jogo, o Revendedor 𝑖 escolhe o 𝑞𝑖 que maximiza 𝜋𝑖𝑟 =


(𝑝𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 . Tomando as CPOs 𝜕𝜋𝑖𝑟 /𝜕𝑞𝑖 = 0, e rearranjando-as, obtemos as
seguintes funções de reação para cada empresa (foram escritas como funções de 𝑞1 para
que ficassem no plano (𝑞1 , 𝑞2 ).

−2(2 + 𝛾)𝑞1 + 𝑣(1 − 𝛾) − 𝑤1 (1 − 𝛾)


𝑅1 (𝑞2 ) ↔ 𝑞2 = ; (6.64)
𝛾
−𝛾𝑞1 + 𝑣(1 + 𝛾) − 𝑤2 (1 + 𝛾)
𝑅2 (𝑞1 ) ↔ 𝑞2 = . (6.65)
2(2 + 𝛾)

Figura Q6.2 Tarifas como instrumento estratégico: substitutos estratégicos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
90

É simples verificar que as funções de reação são agora negativamente inclinadas,


ou seja, os bens são substitutos estratégicos. Um aumento da produção da empresa seria
seguido de uma redução de produção da concorrente (ver a Figura Q6.2).

As funções de isolucro não constam da figura, mas seria fácil verificar que uma
mudança para a direita na curva de reação do varejista (dada a curva de reação do rival)
mudaria o equilíbrio para o ponto em que seu lucro é maior (neste novo ponto, o varejista
terá uma parcela maior do mercado). No entanto, a Figura Q6.2 também mostra que, se
ambos os varejistas tivessem custos marginais menores, o novo equilíbrio resultaria em
maiores quantidades vendidas no mercado que o equilíbrio 𝐸. As duas empresas ainda
teriam a mesma participação de mercado, mas como ambas aumentaram a produção, os
preços seriam mais baixos. A Figura Q6.2 antecipa o que veremos agora formalmente.

Ao resolver as CPOs (ou, de forma equivalente, ao encontrar o ponto de interseção


das funções de reação), identificamos os preços e quantidades de equilíbrio do varejista:

(1 + 𝛾)(𝑣(4 + 𝛾) − 2(2 + 𝛾)𝑤𝑖 + 𝛾𝑤𝑗 )


𝑞𝑖 = ; (6.66)
16 + 16𝛾 + 3𝛾 2
(8 + 6𝛾 + 𝛾 2 )𝑣 + (8 + 8𝛾 + 𝛾 2 )𝑤𝑖 + 𝛾(2 + 𝛾)𝑤𝑗
𝑝𝑖 = . (6.67)
16 + 16𝛾 + 3𝛾 2
No primeiro estágio do jogo, o fabricante escolhe o que maximiza seu lucro.
Presumimos que os fabricantes possuam poder de barganha, de modo que definem a taxa
de franquia 𝐹𝑖 para se apropriar do lucro do varejista: 𝐹𝑖 (𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 . Seu problema é,
portanto, max𝑤𝑖 𝜋𝑖𝑢 = (𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 , onde 𝑝𝑖 e 𝑞𝑖 são dados pelas expressões anteriores. Ao
tomar as condições de primeira ordem e resolver a expressão, podemos identificar as
soluções de equilíbrio de todo o jogo (por conta da simetria, fabricantes e revendedores
possuem as mesmas variáveis de equilíbrio; deixamos de lado os indicadores 𝑖 e 𝑗):

𝛾 2𝑣
𝑤𝑇𝐹 = 𝑐 − . (6.68)
16 + 20𝛾 + 5𝛾 2
Como percebemos imediatamente, o preço de atacado é menor que o custo de
produção do fabricante: 𝑤 < 𝑐. O fabricante deseja que seu revendedor seja mais
agressivo e, portanto, subsidia sua compra para que ele venda mais no mercado
(obviamente, o subsídio não é livre de custos, visto que o lucro do varejista é apropriado
por meio da taxa de franquia). Esse resultado é exatamente o oposto daquele obtido

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
91

considerando substitutos estratégicos (isto é, competição por preços), onde 𝑤 é maior que
o custo unitário 𝑐.

Podemos identificar as quantidades e lucro de equilíbrio por substituição:

2(1 + 𝛾)(2 + 𝛾)(𝑣 − 𝑐)


𝑞𝑇𝐹 = ;
16 + 20𝛾 + 5𝛾 2
(6.69)
𝑢
2(1 + 𝛾)(2 + 𝛾)(8 + 8𝛾 + 𝛾 2 )(𝑣 − 𝑐)2
𝜋𝑇𝐹 = .
(16 + 20𝛾 + 5𝛾 2 )2
Ao comparar as soluções obtidas nos dois equilíbrios, podemos observar que,
quando as empresas delegam, vendem maior quantidade que sob integração vertical
𝑢
(𝑞𝑇𝐹 > 𝑞𝑉𝐼 ) e auferem lucro menor (𝜋𝑇𝐹 < 𝜋𝑉𝐼 ). Vemos assim que delegação e
restrições verticais aumentam o bem-estar!

O resultado em que as empresas auferem lucros mais baixos no “equilíbrio de


delegação” nos leva imediatamente a questionar se delegar as decisões de produção a um
varejista independente é, de fato, um equilíbrio (supomos até agora que ambas as
empresas delegam).

O Exercício 6.8 prova que a delegação é a estratégia dominante e que o equilíbrio


no qual os produtores vendem por meio de varejistas é único. É a situação típica do dilema
do prisioneiro, na qual ambas as empresas terminam em um equilíbrio Pareto-inferior:
𝑢
𝜋𝑇𝐹 < 𝜋𝑉𝐼 . Seria mais vantajoso para os fabricantes caso não pudessem contratar
varejistas independentes!

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
92

Quadro 6.6 – Revendedor compartilhado e FP R auxiliam a colusão * *

Apresentaremos aqui uma versão bastante simplificada do modelo de Bernheim e


Whinston (1985) para ilustrar seu principal resultado. Presuma dois produtores a
montante, 1 e 2, que vendem seus produtos por meio de um varejista comum, 𝑅. Para
simplificar, considere que os dois produtos precisam ser vendidos; caso contrário, haverá
falhas de mercado e lucro zero para todas as empresas. Suponha também que o varejista
não tenha qualquer poder de barganha, porque, por exemplo, é o escolhido entre inúmeros
varejistas potenciais que competem ferozmente para serem escolhidos. Por simplicidade,
considere que o varejista não tenha qualquer outro custo além do preço de atacado e que
os produtores tenham o mesmo custo marginal 𝑐. Por fim, a demanda do consumidor é
dada por: 𝑞𝑖 = 𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 .

Analise o jogo a seguir. Primeiro, cada produtor simultaneamente faz uma oferta
do tipo “pegar ou largar” a 𝑅, na forma de um contrato não linear 𝐹𝑖 = 𝑤𝑖 𝑞 , publicamente
𝑖

observável (podendo também fixar o preço de varejo caso a FPR seja permitida).
Segundo, o varejista aceita ou rejeita a oferta. Terceiro, se ambas as ofertas forem aceitas,
o varejista fixa os preços de revenda (ou vende pelo preço imposto pelo fabricante sob
FPR), a demanda e o lucro são realizados, e as taxas de franquia são pagas. Se uma ou
ambas as ofertas forem rejeitadas, a venda não acontecerá e todas as empresas terão ganho
igual a zero.

Sem FPR, as escolhas de preços são delegadas ao varejista comum. Vamos olhar
inicialmente para o caso em que o varejista comum decide sobre os preços. No último
estágio do jogo, se as duas ofertas tiverem sido aceitas (e, portanto, para determinado 𝑤𝑖
e 𝐹𝑖 ), o varejista escolherá os preços finais 𝑝𝐴 , 𝑝𝐵 para maximizar 𝜋𝑅 =
(𝑝𝐴 − 𝑤𝐴 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝐴 + 𝛾𝑝𝐵 ) + (𝑝𝐵 − 𝑤𝐵 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝐵 + 𝛾𝑝𝐴 ). A partir das CPOs 𝜕𝜋𝑅 /
𝜕𝑝𝑖 = 0, temos que 𝑝𝑖 = [𝑎 + 𝑤𝑖 (𝑏 − 𝛾)]/[2(𝑏 − 𝛾)] e 𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) = (𝑎 − 𝑏𝑤𝑖 + 𝛾𝑤𝑗 )/
2.

No primeiro estágio, o problema do produtor 𝑖 consiste em escolher a oferta de


contrato que maximiza seu lucro, dado o contrato do concorrente. Além disso, também
deve considerar a restrição de participação do varejista:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
93

max𝜋𝑖 = (𝑤𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) + 𝐹𝑖 , s. a:


𝑤𝑖 ,𝐹𝑖
(6.70)
∑ [(𝑝𝑖 (𝑤𝑖 ) − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) − 𝐹𝑖 ] ≥ 0.
𝑖=1,2;𝑖≠𝑗

Como o varejista não aufere lucro no equilíbrio, sua restrição deve ser vinculante:

𝐹𝑖 = (𝑝𝑖 (𝑤𝑖 ) − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) + (𝑝𝑗 (𝑤𝑗 ) − 𝑤𝑗 )𝑞𝑗 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) − 𝐹𝑗 . (6.71)


Assim sendo, o programa do Produtor 𝑖 pode ser reescrito como

𝑚𝑎𝑥𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 (𝑤𝑖 ) − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) + (𝑝𝑗 (𝑤𝑗 ) − 𝑤𝑗 )𝑞𝑗 (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ) − 𝐹𝑗 . (6.72)
𝑤𝑖

Substituindo os valores de equilíbrio do último estágio do jogo, tem-se:

𝑎 + 𝑤𝑖 (𝑏 − 𝛾) 𝑎 − 𝑏𝑤𝑖 + 𝛾𝑤𝑗
max𝜋𝑖 = ( − 𝑐)
𝑤𝑖 2(𝑏 − 𝛾) 2
(6.73)
𝑎 + 𝑤𝑗 (𝑏 − 𝛾) 𝑎 − 𝑏𝑤𝑗 + 𝛾𝑤𝑖
+( − 𝑤𝑗 ) − 𝐹𝑗 .
2(𝑏 − 𝛾) 2
Tomando 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑤𝑖 = 0 e simplificando, pode-se notar que o equilíbrio simétrico
é dado por 𝑤𝑖 = 𝑤𝑗 = 𝑐. Isso, por sua vez, implica que o preço final de revenda é 𝑝𝑖 =
𝑝𝑗 = 𝑎/[2(𝑏 − 𝛾)] + 𝑐/2, que corresponde ao preço de maximização do lucro conjunto
ou ao preço que dois fabricantes definiriam caso pudessem vender diretamente e agir em
conluio abertamente. Com efeito, definindo os lucros conjuntos como 𝜋𝑚 , temos 𝜋𝑚 =
(𝑝𝐴 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝐴 + 𝛾𝑝𝐵 ) + (𝑝𝐵 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝐵 + 𝛾𝑝𝐴 ). A partir de 𝜕𝜋𝑚 /𝜕𝑝𝑖 = 0, é
simples verificar que 𝑝𝑚 = 𝑎/[2(𝑏 − 𝛾)] + 𝑐/2.

FPR e agência comum. Caso possam impor os preços de revenda, os fabricantes


ganham uma variável estratégica adicional, 𝑝𝑖 . Seu problema é agora dado por

max 𝜋𝑖 = (𝑤𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) + 𝐹𝑖 , s. a:


𝑤𝑖 ,𝐹𝑖 ,𝑝𝑖
(6.74)
∑ [(𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) − 𝐹𝑖 ] ≥ 0.
𝑖=1,2;𝑖≠𝑗

No equilíbrio, a restrição do varejista é vinculante:

𝐹𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) + (𝑝𝑗 − 𝑤𝑗 )𝑞𝑗 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) − 𝐹𝑗 . (6.75)


Logo, o programa do Produtor 𝑖 pode ser reescrito como

max𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) + (𝑝𝑗 − 𝑤𝑗 )𝑞𝑗 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) − 𝐹𝑗 . (6.76)


𝑤𝑖 ,𝑝𝑖

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
94

Após substituir a forma funcional específica assumida para a demanda, temos

max𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 ) + (𝑝𝑗 − 𝑤𝑗 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝑗 + 𝛾𝑝𝑖 ) − 𝐹𝑗 . (6.77)
𝑤𝑖 ,𝑝𝑖

Resolvendo 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 = 0, obtemos o preço ótimo: 𝑝𝑖 = (𝑎 + 𝑐 − 𝛾𝑤𝑗 )/


[2(𝑏 − 𝛾)]. Note que os preços de atacado de equilíbrio não são determinados, pois 𝜋𝑖
não é uma função de 𝑤𝑖 . Todavia, dado um par de preços de atacado (𝑤𝑖 , 𝑤𝑗 ), os preços
(finais) de equilíbrio diminuem com o preço de atacado. É importante notar que, se os
preços de atacado forem iguais aos custos marginais dos fabricantes (𝑤𝑖 = 𝑤𝑗 = 𝑐), 𝑝𝑖 =
𝑝𝑗 = 𝑝𝑚 = 𝑎/[2(𝑏 − 𝛾)] + 𝑐/2. Em outras palavras, um continuum de preços pode
surgir como equilíbrio do jogo, e o preço de conluio é um dos preços de equilíbrio.

Observe também que o equilíbrio colusivo seria o único sob muitos critérios de
seleção (como dominância de Pareto), bem como em uma situação natural na qual se
solicita aos varejistas esforço para vender determinado bem. O Exercício 6.9 mostra ser
esse o caso.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
95

Quadro 6.7 – Acordo de exclusividade e detenção de entrada *

Nesta seção, descreveremos brevemente os principais modelos mencionados no


texto sobre acordos de exclusividade e dissuasão de entrada. Primeiro, será apresentado
o argumento de Chicago, segundo o qual acordos exclusionários não seriam lucrativos.
Em seguida, mostraremos uma versão simplificada de Aghion e Bolton (1987) e
abordaremos o argumento de má-coordenação, de Rasmusen et al. (1991), refinado
posteriormente por Segal e Whinston (2000a).

Acordos de exclusividade: os argumentos de Chicago*. Considere o modelo a seguir.


Uma incumbente produz a um custo 𝑐𝐼 , e uma potencial entrante – após pagar o custo fixo
de entrada 𝑓 – poderia produzir um bem homogêneo a um custo 𝑐𝐸 . Vamos supor, para
deixar a análise mais interessante, que 𝑐𝐸 < 𝑐𝐼 (se a incumbente fosse mais eficiente,
contratos de exclusividade não seriam relevantes pois não haveria entrada). O jogo é
descrito a seguir. No primeiro estágio, a incumbente pode oferecer uma compensação 𝑡
ao único comprador, para que aceite o contrato de exclusividade. No segundo estágio, o
comprador aceita ou rejeita a oferta. Caso aceite, somente poderá comprar o produto da
incumbente e, caso rejeite, poderá comprar o produto da entrante. No terceiro estágio, a
entrante potencial – após observar se o contrato foi ou não assinado pelo comprador –
decide sobre a entrada (pagando os custos afundados da entrada caso decida
positivamente). No último estágio, as empresas no mercado escolhem os preços.

A demanda é dada por 𝐷(𝑝) = 𝜃 − 𝑝, com 𝜃 > 2𝑐𝐼 + 𝑐𝐸 (essa condição restringe
os casos a serem considerados no jogo de preços conforme a seguir).

Vamos supor também que a entrante considere lucrativo entrar no mercado na


ausência de contratos de exclusividade: (𝑐𝐼 − 𝑐𝐸 )(𝜃 − 𝑐𝐼 ) > 𝑓.

Podemos agora resolver o modelo retrospectivamente e mostrar que não há


contratos de exclusividade lucrativos para que a incumbente e aceitos pelo comprador.

No último estágio do jogo, se não ocorrer qualquer entrada, a incumbente será a


única vendedora e, assim, escolherá o preço que maximize seu lucro de monopólio:
max𝑝 𝜋 = (𝜃 − 𝑝)(𝑝 − 𝑐𝐼 ). Resolvendo as CPOs, é simples verificar que os preços de
monopólio, lucro e excedente do consumidor são:
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
96

𝜃 + 𝑐𝐼 (𝜃 − 𝑐𝐼 )2 (𝜃 − 𝑐𝐼 )2
𝑝𝑚 = ; 𝜋𝑚 = ; 𝐸𝐶 𝑚 = . (6.78)
2 4 8
Se houver entrada, a competição de Bertrand implica que uma entrante mais
eficiente atuará no mercado, cobrando preço igual ao custo marginal da incumbente: 𝑝𝑒 =
𝑐𝐼 . O excedente do consumidor é facilmente calculado: 𝐸𝐶 𝑒 = (𝜃 − 𝑐𝐼 )2 /2.

Em um estágio prévio, a entrada acontecerá se o comprador for “livre”, ou seja,


não possuir contrato de exclusividade. Caso contrário, a entrada não ocorrerá.

Em seguida, precisamos confirmar se a oferta de exclusividade da incumbente


será aceita. Isso somente acontecerá se a compensação oferecida pela incumbente superar
as perdas no excedente, oriundas da obrigação de comprar de um monopolista: 𝐸𝐶 𝑚 +
𝑡 ≥ 𝐸𝐶 𝑒 . Em outras palavras, o comprador irá aceitar se 𝑡 ≥ 3(𝜃 − 𝑐𝐼 )2 /8 ≡ 𝑡min .

Finalmente, o ganho da incumbente ao oferecer o contrato é 𝜋 𝑚 − 𝑡 e, caso não


tenha exclusividade, é zero. Após substituição, é simples observar que a compensação
máxima que a incumbente está disposta a pagar é 𝑡 = (𝜃 − 𝑐𝐼 )2 /4 < 𝑡min. Logo, ela não
consegue induzir o comprador a aceitar o contrato, e a entrada não acontece.

Contratos como barreiras à entrada**. Suponha uma indústria com bens


homogêneos, na qual uma incumbente 𝐼 possui custo 𝑐𝐼 = 1/2, e um comprador com
demanda unitária atribui ao bem o valor 𝑣 = 1. Existe uma entrante potencial 𝐸 na
indústria, cujo custo 𝑐𝐸 é uniformemente distribuído em [0, 1]. Considere um contrato de
exclusividade (𝑝, 𝑝𝑜 ) em que o comprador se compromete a comprar do incumbente a
um preço 𝑝 em um estágio posterior (caso feche o acordo), mas pode romper a cláusula
de exclusividade caso pague uma penalidade 𝑝𝑜 .

O jogo é como se segue. Em 𝑡1 , a incumbente 𝐼 oferece um contrato (𝑝, 𝑝𝑜 ) ao


comprador, que pode aceitá-lo ou não. Em 𝑡2 , a entrante potencial decide sobre a entrada
e define um preço 𝑝𝐸 (se nenhum contrato tiver sido assinado, a incumbente também
escolhe preço 𝑝). Em 𝑡3 , há mercado de produto e realização dos ganhos.

Quando não há contrato. Em primeiro lugar, considere o caso em que não haja
cláusula de exclusividade. Como existe competição por preços, a Empresa 𝐸 somente irá
entrar no mercado se seu custo 𝑐𝐸 for menor que 1/2. Nesse caso, cobrará preço 𝑝𝐸 =
1/2 e ficará com todo o mercado. A probabilidade de que a entrada aconteça é, portanto,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
97

𝜙 = Pr(𝑐𝐸 ≤ 1⁄2) = 1/2 (dada a premissa de distribuição uniforme), e o comprador


possui um excedente igual a 𝑣 − 𝑝𝐸 = 1 − 1/2 = 1/2. Se 𝑐𝐸 = 1/2, a entrante não
efetivará a entrada, e a Empresa 𝐼 irá cobrar 𝑝 = 1. Nesse caso, com probabilidade de
acontecer (1 − 𝜙), o comprador possui excedente de 𝑣 − 𝑝𝐼 = 0.

Assim sendo, caso não exista nenhum contrato, o excedente esperado do


comprador será 𝜙(1⁄2) + (1 − 𝜙)0 = 1/4, e o ganho esperado da incumbente será
𝜙(0) + (1 − 𝜙)(1 − 1⁄2) = 1/4.

Contrato de exclusividade. Se o comprador aceitar o contrato (𝑝, 𝑝𝑜 ), somente


comprará da Empresa 𝐸 se o preço, somado à penalidade 𝑝𝑜 , for menor que o preço da
incumbente: 𝑝𝐸 + 𝑝𝑜 ≤ 𝑝. Portanto, se a entrada ocorrer, a Empresa 𝐸 cobrará 𝑝𝐸 + 𝑝𝑜 ≤
𝑝. A entrada, por sua vez, somente ocorrerá se o custo da entrante for menor que o preço
esperado. Assim, a probabilidade 𝜙 ′ de entrada caso exista um contrato é 𝜙 ′ =
Pr(𝑐𝐸 ≤ 𝑝 − 𝑝𝑜 ) = 𝑝 − 𝑝𝑜 .

Vamos analisar agora o problema da incumbente:

max 𝜋 = 𝜙 ′ 𝑝𝑜 + (1 − 𝜙 ′ )(𝑝 − 1/2) s. a: 1 − 𝑝 ≥ 1/4. (6.79)


𝑝,𝑝𝑜

Em outras palavras, a incumbente precisa escolher o preço ótimo e a penalidade


que maximizem seu lucro esperado, fornecidos pela penalidade, caso a entrante seja
eficiente o bastante para cobrar preços mais baixos, mais o preço de venda, se a entrante
possuir custos altos o suficiente. O contrato, no entanto, só será aceito pelo comprador
caso o excedente esperado 𝐼– 𝑝 seja o mesmo do que sem contrato (no qual o excedente
é 1/4): isso explica a restrição no problema acima.

O problema pode ser escrito como: max𝑝𝑜 𝜋 sujeito a: 𝑝 ≤ 3/4, cuja solução é
dada por (𝑝∗ , 𝑝𝑜∗ ) = (3⁄4 , 1/2). Isso implica que a Empresa 𝐸 irá entrar no mercado com
probabilidade 𝜙 ′ = 𝑝∗ − 𝑝𝑜∗ = 1/4. Como a premissa de eficiência requer que haja
entrada sempre que 𝑐𝐸 ≤ 1/2, ao passo que, com o contrato, a entrada somente ocorre se
𝑐𝐸 ≤ 1/4, há perda de bem-estar: para 1⁄4 < 𝑐𝐸 ≤ 1/2, uma entrada eficiente não
acontece devido ao contrato de exclusividade.

Para finalizar, vamos confirmar que é mais vantajoso para a incumbente oferecer
o contrato. Isso pode ser facilmente verificado, já que, com ele, o lucro esperado da

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
98

Empresa 𝐼 é maior que o lucro esperado sem o contrato: 𝜋 = (1/4)(1/2) +


(3/4)(1/4) = 5/16 > 1/4.

É importante destacar que contratos de exclusividade nem sempre impedem a


entrada. Quando a entrante é muito eficiente, a incumbente prefere permitir sua entrada e
extrair parte de suas rendas por meio da penalidade, em vez de bloquear a entrada
completamente.

Exclusão pura e simples**. Considere uma incumbente que venda para dois
compradores distintos, 𝐵1 e 𝐵2, cada um em um mercado separado e com a mesma
função de demanda.

Ofertas simultâneas e não discriminatórias. A incumbente oferece, ao


mesmo tempo, uma compensação fixa 𝑡 (para começar, suponha que seja a mesma para
cada comprador) em troca de um acordo de exclusividade. Os compradores, então,
aceitam ou rejeitam a oferta, também simultaneamente. A entrante observa as decisões
dos compradores e define se entra ou não no mercado. Caso decida pela entrada, pagará
um custo fixo de entrada 𝐹 (o mesmo custo permite que atenda aos dois compradores).
Por fim, as decisões de preço são tomadas por fornecedores operativos. Suponha que
𝜋 𝑚 < 𝐸𝐶 𝑒 − 𝐸𝐶 𝑚 < 2𝜋 𝑚 (a primeira desigualdade é uma premissa natural, como visto
antes; a segunda é também satisfeita sob premissas suaves) e que (𝑐𝐼 − 𝑐𝐸 )𝑞(𝑐𝐼 ) < 𝐹 <
2(𝑐𝐼 − 𝑐𝐸 )𝑞(𝑐𝐼 ). Isso significa que a entrada será lucrativa apenas se a entrante atender
aos dois compradores, não somente a um deles (caso contrário, o problema não seria
interessante).

Tabela Q6.1 Segal-Whinston: ofertas simultâneas.

B1
Aceita Rejeita
B2
Aceita 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡, 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡, 𝐸𝐶 𝑚
Rejeita 𝐸𝐶 𝑚 , 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡 𝐸𝐶 𝑒 , 𝐸𝐶 𝑒

No último estágio do jogo, as decisões de preço são simples. No equilíbrio, se a


entrada foi efetivada, a entrante cobra 𝑐𝐼 e fica com todos os compradores livres. A
incumbente cobra 𝑝𝑚 para cada comprador exclusivo. As decisões dos compradores
podem ser ilustradas na matriz de ganhos da Tabela Q6.1.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
99

O jogo possui dois equilíbrios. O primeiro é (aceita, aceita), e os dois compradores


aceitam a oferta. Quando o outro comprador a aceita, um comprador obtém ganho 𝐸𝐶 𝑚 +
𝑡 apenas aceitando-a também; caso rejeite a oferta, ganha 𝐸𝐶 𝑚 (lembre-se de que um
comprador sozinho não induz a entrada). O equilíbrio, portanto, surge para todo 𝑡 ≥ 0.

Existe também um segundo equilíbrio, (rejeita, rejeita), no qual nenhum


comprador aceita a oferta. Não há desvio lucrativo nesse caso: ao desviar e aceitar a oferta
quando o outro a rejeita, o comprador faria 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡 > 𝐸𝐶 𝑒 . Contudo, não existe 𝑡 que
satisfaça a 𝑡 > 𝐸𝐶 𝑒 = 𝐸𝐶 𝑚 , já que, por premissa, 𝜋 𝑚 < 𝐸𝐶 𝑒 − 𝐸𝐶 𝑚 .

São dois os equilíbrios do jogo: (1) o excludente, em que a incumbente oferece


𝑡 = 0 e os dois compradores aceitam a oferta; (2) o equilíbrio em que a incumbente
oferece 𝑡 = 0 e os dois a rejeitam. A exclusão pura e simples surge no equilíbrio, mas
não é o único resultado.

Tabela Q6.1 Segal-Whinston: ofertas discriminatórias.

B1
Aceita Rejeita
B2
Aceita 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 , 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡2 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 , 𝐸𝐶 𝑚
Rejeita 𝐸𝐶 𝑚 , 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡2 𝐸𝐶 𝑒 , 𝐸𝐶 𝑒

Figura Q6.3 Segal-Whinston: ofertas sequenciais.

Ofertas simultâneas e discriminatórias. Suponha o mesmo jogo exposto, mas


com a possibilidade de a incumbente diferenciar as ofertas, de modo que possa oferecer
𝑡1 > 𝑡2 . A matriz de ganhos da Tabela Q6.2 ilustra esse novo jogo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
100

O par (aceita, aceita) ainda é o equilíbrio do jogo para todo 𝑡𝑖 ≥ 0, já que um


comprador 𝐵𝑖 (𝑖 = 1, 2) obteria 𝐸𝐶 𝑚 ≤ 𝑡𝑖 + 𝐸𝐶 𝑚 ao desviar e rejeitar a oferta quando o
outro aceita. O par (rejeita, rejeita) não é mais um equilíbrio. Para verificar o porquê,
observe que, quando o comprador 𝐵2 rejeita o contrato, 𝐵1 obtém 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 aceitando a
oferta e 𝐸𝐶 𝑒 rejeitando-a. Entretanto, ao oferecer uma oferta superior a 𝐵1, a incumbente
pode tornar conveniente para que esse comprador a aceite. Em outras palavras, esse
equilíbrio é quebrado se 𝑡1 > 𝐸𝐶 𝑒 − 𝐸𝐶 𝑚 , possível, uma vez que presumimos que
𝐸𝐶 𝑒 − 𝐸𝐶 𝑚 < 2𝜋 𝑚 .

Ofertas sequenciais. O melhor exemplo de exclusão pura e simples ocorre


quando a incumbente pode realizar ofertas sequenciais. A Figura Q6.3 ilustra o jogo nesse
caso.

Inicialmente, suponha que o primeiro comprador tenha rejeitado a oferta na


primeira rodada e que caiba a 𝐵2 decidir. Esse comprador, por sua vez, aceitará o contrato
de exclusividade se 𝑡2 ≥ 𝐸𝐶 𝑒 − 𝐸𝐶 𝑚 . Verificamos há pouco que a incumbente está
disposta a oferecer compensações elevadas. Logo, 𝐵2 sempre poderá ser levado a aceitar
a oferta quando 𝐵1 a rejeitar.

Admita agora que o primeiro comprador tenha aceitado a oferta. Nesse caso, 𝐵2
aceita a oferta para qualquer nível de compensação, visto que 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡2 é pelo menos tão
elevado quanto 𝐸𝐶 𝑚 . Quando se trata de sua própria decisão, 𝐵1 sabe que, caso aceite a
oferta, o próximo comprador também a aceitará e, assim, obterá 𝐸𝐶 𝑚 + 𝑡1 ; caso rejeite,
o comprador seguinte sempre aceitará a oferta, e 𝐵1 ficará com 𝐸𝐶 𝑚 . Claramente, é
preferível aceitar o acordo para qualquer nível de compensação. Assim sendo, no único
equilíbrio, a incumbente pode oferecer zero de compensações (ou ligeiramente acima de
zero) e conseguir que ambos os compradores aceitem a oferta. A exclusão pura acontece,
sem qualquer custo para ela.

Conclusões. Podemos verificar, a partir das análises anteriores, que modelos recentes
mostram que contratos de exclusividade possuem um forte potencial de dissuasão de
entrada. Contudo, não podemos esquecer que contratos de exclusividade também
apresentam ganhos de eficiência (ver também SEGAL e WHINSTON, 2000b). É
necessário melhor entendimento sobre como ponderar efeitos de exclusão e de eficiência,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
101

mas, por ora, parece seguro supor que o primeiro supere o segundo somente quando a
empresa que oferece os contratos possui forte posição de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
102

Quadro 6.8 – Efeitos exclusionários de fusões verticais *

Somente um lucro de monopólio*. Considere um monopolista a montante 𝑈, que venda


para duas empresas a jusante, 𝐷1 e 𝐷2 , que, por sua vez, vendem para o consumidor final
um bem homogêneo (cuja demanda é 𝑞 = 1– 𝑝) e competem por preços. Presuma que,
para cada unidade vendida de produto, uma unidade de insumo deve ser comprada
(tecnologia com proporções fixas). A empresa a montante faz uma oferta do tipo “pegar
ou largar” às empresas a jusante; essas ofertas são observáveis e não renegociáveis.
Presuma também que 𝑈 possui custo marginal 𝑐 < 1 e que o único custo das empresas a
jusante seja o preço do insumo, 𝑤.

Nesse caso, uma fusão vertical não aumentaria o lucro da empresa a montante, de
sorte que a fusão somente ocorrerá se algum ganho de eficiência for observado. Para
verificar isso, vamos comparar as duas estruturas alternativas.

Separação vertical. Os vendedores a jusante competem por preços. Considere 𝑤


o preço pago pelo insumo, o preço de mercado do bem final em equilíbrio será, então,
𝑝1 = 𝑝2 = 𝑤, e a produção total, 𝑞 = 1 − 𝑤. A empresa a montante escolherá 𝑤 de modo
a maximizar seus lucros 𝜋 𝑈 = (𝑤 − 𝑐)(1 − 𝑤). Assim, temos em equilíbrio 𝑤 =
(1 + 𝑐)/2, resultando em um preço de mercado 𝑝 = (1 + 𝑐)/2 e o lucro total de 𝑈 igual
a 𝜋 𝑈 = (1 − 𝑐)2 /4.

Observe que esse é exatamente o mesmo resultado que a Empresa 𝑈 obteria caso
vendesse o produto diretamente.

Fusão vertical com uma empresa a jusante. Suponha agora uma fusão entre a
empresa a montante e uma de suas varejistas, 𝐷1 . Nesse caso, a empresa a montante pode
manter o mesmo preço de atacado anterior ou vender para 𝐷1 ao preço 𝑤 = 𝑐. 𝐷1 , então,
escolheria o preço 𝑝 = (1 + 𝑐)/2 que maximiza seu lucro 𝜋 = (𝑝 − 𝑐)(1 − 𝑝). Como
resultado, o lucro total da empresa integrada ainda seria 𝜋 𝐼 = (1 − 𝑐)2 /4 (e os preços
finais se manteriam inalterados). Logo, não há incentivo para a fusão nesse caso: uma
fusão somente ocorreria caso promovesse ganhos de eficiência.

Teorias recentes: existe bloqueio de mercado de fusões verticais? ** O modelo


anterior tem como base algumas premissas que, quando relaxadas, podem dar origem a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
103

resultados distintos. Isso, no entanto, não sugere que fusões verticais sejam
anticoncorrenciais.

Ofertas não observáveis. Em primeiro lugar, vamos considerar o caso no qual


as ofertas da empresa a montante não são observáveis. Nesse caso, sabemos desde a seção
“Restrições verticais e o problema do comprometimento” que a empresa a montante pode
optar pela fusão para evitar o problema do comprometimento. Nessa situação, a fusão
levará ao bloqueio da concorrente a jusante, elevando os preços e, portanto, sendo
anticoncorrencial. Todavia, essa conclusão se apoia na premissa de que a empresa a
montante não foi capaz de resolver o problema do comprometimento por meio de fusões
verticais.

Empresas a jusante têm poder de mercado. Bloqueio eficiente. Em segundo


lugar, considere o caso em que as ofertas sejam observáveis, mas que as empresas a
jusante 𝐷1 e 𝐷2 tenham algum poder de mercado. Presuma, especificamente, que as
empresas compitam por quantidades, não preços (para modelar poder de mercado com
preços, precisaríamos de produtos diferenciados). A demanda inversa é dada por 𝑝 = 1 −
𝑞1 − 𝑞2 .

Sob separação vertical e em equilíbrio simétrico, as empresas a jusante irão pagar


𝑤 pelo insumo. Assim, escolhem 𝑞𝑖 que maximize 𝜋𝑖 = (𝑝 − 𝑤)𝑞𝑖 . Esse é o jogo-padrão
de Cournot, cujas quantidades e preços de equilíbrio são dados, respectivamente, por 𝑞1 =
𝑞2 = (1 − 𝑤)/3 e 𝑝 = (1 + 2𝑤)/3.

Se a empresa a montante for restrita por contratos lineares, escolherá 𝑤 para


maximizar 𝜋 𝑈 = 2(𝑤 − 𝑐)(1 − 𝑤)/3. A partir das CPOs, temos que 𝑤 𝑠 = (1 + 𝑐)/2.
Obtemos, por substituição, os preços finais e os lucros da empresa a montante: 𝑝 𝑠 =
(2 + 𝑐)/3 e 𝜋 𝑈,𝑠 = (1 − 𝑐)2 /6, ao passo que cada empresa a jusante faz 𝜋 𝑖,𝑠 =
(1 − 𝑐)2 /36.

Considere agora uma fusão vertical entre 𝑈 e 𝐷1 . O melhor que 𝑈 pode fazer é
bloquear o concorrente a jusante, deixando-o sem insumo, enquanto fornece à filiada 𝑤 =
𝑐. Nesse caso, 𝐷1 cobrará 𝑝𝑣𝑖 = (1 + 𝑐)/2, e a fusão vertical permitirá que as empresas
integradas obtenham lucros 𝜋 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)2 /4. A fusão é lucrativa, pois 𝜋 𝑣𝑖 > 𝜋 𝑈,𝑠 +
𝜋1,𝑠 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
104

Neste simples modelo, observamos bloqueio, e a concorrente a jusante se


prejudica com a fusão vertical. Contudo, a fusão apresenta ganhos de eficiência, já que
elimina a dupla marginalização. Além disso, pode ser facilmente verificado que 𝑝𝑣𝑖 <
𝑝 𝑠 , o que implica que os consumidores também se beneficiam da fusão (também é simples
confirmar que o bem-estar aumenta com relação à separação vertical).

Empresa a montante não é monopolista. Possível bloqueio anticompetitivo.


Vamos agora analisar o caso em que a empresa a montante não é uma monopolista.
Para simplificar ao máximo, considere um cenário em que as empresas a montante 𝑈1 e
𝑈2 tenham, respectivamente, custos marginais 𝑐1 = 0 e 𝑐2 ∈ (0, 1/2) e que escolham
simultaneamente os preços aos quais irão oferecer os insumos para 𝐷1 e 𝐷2 , que
competem por quantidade. Na prática, é como se as empresas a jusante participassem, ao
mesmo tempo, de um leilão público. Examinaremos a seguir o efeito de uma fusão
vertical entre 𝑈1 e 𝐷1 .

Considere primeiro a situação em que todas as empresas são independentes. Nesse


caso, cada uma receberá o insumo da Empresa 𝑈1 a um preço 𝑐2 , já que as empresas a
montante estão participando de um jogo de Bertrand com custos assimétricos. A empresa
a jusante faz o jogo-padrão de Cournot com custo 𝑐2 , no qual as quantidades e preços de
equilíbrio são dados por 𝑞1𝑣𝑠 = 𝑞2𝑣𝑠 = (1 − 𝑐2 )/3 e 𝑝𝑣𝑠 = (1 + 2𝑐2 )/3. Os lucros da
Empresa 𝑈1 são dados por 𝜋𝑈1 = 2𝑐2 (1 − 𝑐2 )/3, enquanto as empresas a jusante auferem
𝜋𝑖 = (1 − 𝑐2 )2 /9.

Suponha agora a fusão entre 𝑈1 e 𝐷1 , e, como resultado, a empresa integrada


decide não mais ofertar o insumo a 𝐷2 : 𝑈1 anuncia que não fará qualquer lance para
ofertar 𝐷2 (discutiremos essa premissa a seguir). Nesse caso, a empresa menos eficiente
se tornará a fornecedora monopolista de 𝐷2 .

Como a filiada da nova empresa integrada tem custo unitário 𝑐1 = 0, o último


estágio do jogo é um jogo de Cournot entre a Empresa 𝐷1 com custo 0 e a Empresa 𝐷2
com custo 𝑤2 . Podemos, então, verificar que os resultados de equilíbrio desse jogo são
𝑞1 = (1 + 𝑤2 )/3 e 𝑞2 = (1 + 2𝑤2 )/3.

No primeiro estágio do jogo, a empresa a montante 𝑈2 escolhe seu preço de


atacado para 𝐷2 maximizar 𝜋 𝑈2 = (𝑤2 − 𝑐2 )(1 − 2𝑤2 )/3. A solução ótima é 𝑤2 =

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
105

(1 + 2𝑐2 )/4. Como 𝑤2 > 𝑐2, a empresa a jusante 𝐷2 é efetivamente bloqueada com
relação à situação pré-fusão: os insumos se tornam mais caros.

Por substituição, podemos mostrar que as quantidades de equilíbrio são dadas por
𝑓 𝑓
𝑞2 = (1 − 2𝑐2 )/6 e 𝑞1 = (5 + 2𝑐2 )/12; o preço de mercado, por 𝑝 𝑓 = (5 + 2𝑐2 )/12;
𝑓
e o lucro da empresa verticalmente integrada, por 𝜋1 = (5 + 2𝑐2 )2 /144 (onde 𝑓
sobrescrito significa “bloqueada”).

𝑓
Os lucros totais das empresas que integram a fusão são maiores, pois 𝜋1 > 𝜋𝑈1 +
𝜋1 . No entanto, a fusão não é necessariamente eficiente: 𝑝𝑣𝑠 < 𝑝 𝑓 para 𝑐2 < 1/6.

Logo, se 𝑐2 < 1/6, a fusão vertical leva ao bloqueio e é anticoncorrencial


(podemos constatar que o excedente diminui).

Observação 1. Uma premissa central deste modelo é que a filiada a montante se


compromete a não ofertar à outra empresa a jusante. Contudo, essa empresa possui
incentivos para isso? Caso participasse da concorrência para ofertar a 𝐷2 , ganharia ao
𝑛𝑓 𝑛𝑓
definir um preço 𝑐2 . Os resultados de equilíbrio seriam 𝑞2 = (1 − 2𝑐2 )/3 e 𝑞1 =
(1 + 𝑐2 )/3. O preço final seria 𝑝𝑛𝑓 = (1 + 𝑐2 )/3 < 𝑝𝑣𝑠 (ou seja, a fusão não beneficia
𝑛𝑓 𝑓
os consumidores) e 𝜋1 = (1 + 𝑐2 )2 /9 + 𝑐2 (1 − 2𝑐2 )/3. Podemos verificar que 𝜋1 >
𝑛𝑓
𝜋1 pode ser reescrito como (28𝑐22 − 20𝑐2 + 3) > 0, o que corresponde a 𝑐2 > 3/14.

Logo, para 𝑐2 < 3/14, é ótimo para a empresa integrada comprometer-se em não
ofertar à rival a jusante. Para 𝑐2 < 1/6, a fusão é anticompetitiva, ao passo que, para 𝑐2 ∈
[1/6, 1/2), não é.

Observação 2. No exemplo, presumimos que exista apenas uma empresa a


montante além de 𝑈1 . Presuma agora que exista pelo menos mais um fornecedor com o
mesmo custo 𝑐2 . Nesse caso, após a fusão vertical entre 𝐷1 e 𝑈1 , a concorrente a jusante
𝐷2 seria sempre fornecida a um preço 𝑐2 , por conta da concorrência entre as empresas a
montante. Para 𝑈1 seria mais lucrativo ofertar à concorrente a jusante, e a fusão seria
sempre pró-competitiva, dados os ganhos com a redução da dupla marginalização da
empresa verticalmente integrada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
106

Exercícios do Capítulo 6

Exercício 6.1 *Considere o modelo apresentado na seção “Análise de dupla


marginalização”, mas com duas diferenças: existem 𝑛 > 1 varejistas a jusante, que
competem em quantidade e possuem um custo unitário de distribuição 𝑑, mais o preço de
atacado 𝑤 que precisam pagar ao fabricante. Mostre que (1) o problema da dupla
marginalização ainda existe, mesmo que haja dois ou mais varejistas a jusante; (2) o
problema da dupla marginalização desaparece conforme 𝑛 → ∞.

Exercício 6.2 *Considere o mesmo modelo apresentado no exercício anterior, mas agora
as 𝑛 empresas a jusante competem por preços, não por quantidades. Mostre que o
problema da dupla marginalização desaparece para 𝑛 ≥ 2. Explique.

Exercício 6.3 **Diferentes propriedades de restrições verticais redutoras de risco (REY


e TIROLE, 1986). (Observe que este é o mesmo modelo da seção “Dupla marginalização
com aversão ao risco do varejista”, só que com dois varejistas no lugar de um.) O
exercício a seguir ilustra as diferentes propriedades das restrições verticais quando existe
informação assimétrica e aversão ao risco por parte dos varejistas.

Considere um fabricante neutro ao risco, com um custo unitário 𝑐 e que vende por
meio de dois varejistas idênticos com aversão infinita ao risco e com um custo de
distribuição 𝛾. Os produtos vendidos pelos varejistas são percebidos como homogêneos,
e sua demanda final é dada por 𝑞 = 𝑑 − 𝑝. Existe incerteza da demanda 𝑑 ∈ [𝑑, 𝑑] e da
distribuição do custo 𝛾 ∈ [𝛾, 𝛾], com 𝑑 > 𝑐 + 𝛾, sendo independentes as realizações de

𝑑 e 𝛾. O jogo é como se segue. Primeiro, quando tanto a demanda de mercado quanto os


custos de distribuição são desconhecidos por todos, a fabricante faz uma oferta do tipo
“pegar ou largar” aos varejistas, na forma de um contrato não linear (𝐹 + 𝑤𝑝). Segundo,
𝑑 e 𝛾 são observados pelos varejistas (mas não pelo fabricante). Terceiro, os varejistas
decidem sobre 𝑝 (isto é, competem à la Bertrand).

Presuma que não seja possível discriminar preços e recusar contratos. (1)
Identifique o contrato ótimo e as soluções de equilíbrio para os casos de (a) Competição
(𝐶); (b) Territórios Exclusivos (𝑇𝐸); (c) Fixação do Preço de Revenda (FPR). (2) Mostre
que, sob incerteza de demanda (fixe 𝐸(𝛾) = 𝛾 = 𝛾), os rankings a seguir se mantêm:
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
107

𝜋𝐶 = 𝜋𝐹𝑃𝑅 > 𝜋𝑇𝐸 , 𝑊𝐶 = 𝑊𝐹𝑃𝑅 > 𝑊𝑇𝐸 . (3) Mostre que, sob incerteza do custo (fixe
𝐸(𝑑) = 𝑑 = 𝑑), os rankings a seguir se mantêm: 𝜋𝐶 > 𝜋𝑇𝐸 > 𝜋𝐹𝑃𝑅 , 𝑊𝐶 > 𝑊𝑇𝐸 > 𝑊𝐹𝑃𝑅 .

Exercício 6.4 **Considere o mesmo modelo da seção “Um modelo de subprovisão de


serviços”, com apenas duas diferenças. Primeiro, os custos de provisão do serviço são
agora variáveis: 𝐶(𝑞𝑖 , 𝑒𝑖 ) = 𝑤𝑞𝑖 + µ (𝑒𝑖2 ⁄2)𝑞𝑖 . Segundo, a qualidade do serviço
percebida pelos consumidores é dada pela maior qualidade oferecida no mercado por
qualquer varejista: 𝑒 = max {𝑒1 , 𝑒2 } (esse é o modelo brevemente apresentado por Tirole
(1988: 182–3).) Mostre que (1) existe uma subprovisão de serviços sob estruturas
separadas e precificação linear: cada varejista oferece zero serviço; (2) o excedente do
produtor é maior sob integração vertical com dois varejistas que com apenas um; (3) o
bem-estar é maior sob integração que sob separação vertical; (4) territórios exclusivos e
FPR permitem que o fabricante restabeleça o resultado verticalmente integrado com um
varejista.

Exercício 6.5 **Considere a função de utilidade 𝑈 = 𝑣 ∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 − (1/2)(∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖2 +


2𝑔 ∑𝑛𝑗≠𝑖 𝑞𝑖 𝑞𝑗 ) + 𝑦 onde 𝑔 ∈ [0, 1] representa o parâmetro de substituibilidade. Essa
função reflete um “amor pela variedade”, ou seja, a demanda aumenta quando o número
de varejistas aumenta. Um fabricante com custo unitário c vende por meio de
revendedores que competem em quantidades e vendem seu produto final aos
consumidores caracterizados pela função de utilidade anterior (no caso de separação
vertical, os varejistas pagam o preço de atacado 𝑤, e o fabricante possui todo o poder de
barganha. Os varejistas não têm qualquer outro custo além de 𝑤). (1) Encontre o preço
de atacado, o preço final e a quantidade de equilíbrio sob separação vertical para um dado
número de varejistas 𝑛. (2) Encontre os valores de equilíbrio, novamente para um dado
𝑛, sob a premissa de integração vertical. (3) Agora, endogeinize 𝑛 e mostre que existem
valores fixos de entrada 𝑓 para os quais somente um varejista entraria no equilíbrio
verticalmente integrado, mas dois varejistas entrariam no equilíbrio verticalmente
separado. (4) Mostre que o excedente do consumidor e o bem-estar são maiores sob
integração vertical com um varejista que sob separação vertical com dois varejistas.

Exercício 6.6 **Considere um jogo no qual o fabricante oferece primeiro contratos (não
observáveis) que especificam o número de unidades que um varejista pode comprar e o

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
108

montante fixo para a compra. Em seguida, cada um dos 𝑛 varejistas decide se aceita ou
rejeita a oferta e encomenda o número de unidades que gostaria de comprar. Por fim, cada
varejista oferta e vende as quantidades no mercado (compare com a seção “Restrições
verticais e o problema do comprometimento”). (1) Encontre o equilíbrio Bayesiano
perfeito do jogo, sob a premissa de que os varejistas possuam crenças passivas (se um
varejista recebe uma oferta inesperada, não muda suas crenças quanto à oferta recebida
pela concorrente). (2) Mostre que, quanto maior o número de varejistas, mais forte será o
problema do compromisso do fabricante (ou seja, menor o lucro auferido por ele). (3)
Encontre a solução de equilíbrio sob a hipótese de que os varejistas tenham crenças
simétricas: quando recebem uma oferta inesperada, acreditam que todos os demais
varejistas também a receberão.

Exercício 6.7 **(Problema do Comprometimento com Contratos Lineares.) Presuma


uma empresa a montante, 𝑀, que vende seus produtos para os varejistas 𝑅1 e 𝑅2 . 𝑀 possui
custo de produção constante 𝑐, e o único custo variável dos varejistas é 𝑤𝑖 ou o preço de
atacado que pagam a 𝑀 (suponha uma tecnologia de transformação um a um). 𝑅1 e 𝑅2
produzem um bem homogêneo e competem em preços. A demanda final é dada por 𝑞 =
1 − min(𝑝1 , 𝑝2 ), onde 𝑝𝑖 é o preço de 𝑅𝑖 (caso cobrem o mesmo preço, os varejistas têm
a mesma participação de mercado). O fabricante faz uma oferta do tipo “pegar ou largar”
aos varejistas. Considere dois jogos alternativos. Jogo 1: em 𝑡0 , 𝑀 oferece a cada varejista
um contrato (𝑤𝑖 , 𝐹𝑖 ), onde 𝐹𝑖 é a taxa fixa. Em 𝑡1 , cada varejista paga 𝐹𝑖 . Em 𝑡2 , cada um
escolhe 𝑝𝑖 , e os consumidores compram. Jogo 2: Em 𝑡0 , 𝑀 oferece a cada varejista um
contrato (𝑤𝑖 ). Em 𝑡1 , cada varejista escolhe e observa a demanda 𝑞𝑖 . Em 𝑡2 , cada varejista
compra 𝑞𝑖 , paga 𝑤𝑖 𝑞𝑖 ao fabricante e atende à demanda dos consumidores.

(1) Encontre a solução verticalmente integrada desse jogo. (2) Mostre que, no Jogo
1, o fabricante tem um incentivo para renegociar o contrato com um revendedor quando
o documento, que restauraria o resultado verticalmente integrado, é oferecido para
varejistas. (3) Mostre que, no Jogo 2, o fabricante não tem incentivos para renegociar o
contrato linear.

Exercício 6.8 **Considere o modelo da seção “Uso estratégico de restrições verticais” e


examine o jogo a seguir. No primeiro estágio, cada um dos dois fabricantes decide se
delega ou não aos varejistas a decisão acerca da quantidade. Caso optem pela delegação,

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
109

os fabricantes, então, definem o contrato não linear do varejista. Por fim, as quantidades
são escolhidas (pelo fabricante ou seu varejista, no caso de delegação). Mostre que (1) o
equilíbrio quando ambos decidem pela delegação é único. (2) A configuração coloca as
empresas em pior situação do que se ambas tivessem escolhido não delegar. (3) Os
consumidores estão em melhor situação no equilíbrio.

Exercício 6.9 **Considere o modelo da seção “Revendedor compartilhado e FPR


auxiliam a colusão”. Dois fabricantes fazem uma oferta do tipo “pegar ou largar” para um
varejista em comum. Cada oferta especifica o preço final de revenda 𝑝𝑖 e a taxa de
franquia 𝐹𝑖 + 𝑤𝑖 𝑞𝑖 . O varejista pode aceitar ou rejeitar a oferta (mas o mercado falha caso
ele aceite ambas as ofertas) e, então, decidir quanto ao nível de esforço 𝑒𝑖 para cada Bem
𝑖. Presuma que 𝐷(𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 , 𝑒𝑖 ) = 𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 + 𝑒𝑖 e que o custo do esforço do varejista
seja dado por 𝐶(𝑒𝑖 ) = 𝑘𝑒𝑖2 /2. Mostre que, no equilíbrio único, a presença de um agente
comum permite que os fabricantes obtenham lucros de conluio.

Exercício 6.10 *(Uma versão simplificada de Salinger, 1988.) Considere uma


indústria vertical na qual duas empresas (homogêneas) a montante competem à la
Cournot e vendem em um mercado centralizado (empresas a montante não podem vender
diretamente a empresas a jusante. Elas vendem o insumo a um leiloeiro no mercado).
Duas empresas (homogêneas) a jusante compram o insumo em um mercado centralizado
e competem à la Cournot no mercado final, em que a demanda invertida é 𝑝 = 1– 𝑄
(sendo 𝑄 a produção total). Todas as empresas têm custo zero, e há uma relação um a um
na produção tecnológica entre insumo e produto. (1) Encontre o produto de equilíbrio e
os preços finais e de atacado. (2) Considere uma fusão vertical entre as empresas a
montante e a jusante e presuma que, após a fusão, as empresas deixam o mercado de
insumo (a filiada a jusante não compra qualquer insumo adicional e a filiada a montante
não vende qualquer insumo adicional). Mostre que não há bloqueio, no sentido de que o
preço de atacado no mercado de insumo é reduzido.

Exercício 6.11 Considere uma indústria que produz determinado bem X. Para
produzi-lo, é necessário transformar um insumo Y, não substituível por outros insumos
ou matérias-primas. Existe apenas uma Empresa, A, que oferta o insumo Y. Suponha que
exista também apenas uma Empresa, B, que produza X. Você permitiria uma fusão entre
A e B? Justifique sua resposta.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
110

Exercício 6.12 Considere agora o mesmo exemplo anterior, com apenas uma
mudança. Existem duas empresas, B e Q, que vendem o bem X. Você permitiria uma
fusão entre A e B? Explique qual modelo apoia sua resposta, descrevendo-o brevemente.

Exercício 6.13 Uma bem-sucedida marca internacional de roupas está


considerando conceder uma franquia a agentes locais em um país que tem vendido apenas
por meio de exportações (tendo apenas 1% do mercado relevante, enquanto, em seu
próprio país, a empresa possui cerca de 55% do mercado). Seu plano consiste em
conceder franquias para apenas um franqueado em cada cidade do país. Os franqueados
teriam de operar sob cláusula de exclusividade, não podendo vender produtos de
concorrentes. As empresas que atuam nesse mercado e os grandes distribuidores
descobrem essa cláusula e fazem uma denúncia junto à autoridade antitruste. Você é um
consultor contratado pela autoridade para aconselhar neste caso.

Exercício 6.14 Em um país autárquico imaginário (ou seja, sem comércio


exterior), a produção cinematográfica representa um negócio altamente concentrado. Três
estúdios de cinema têm, cada um, cerca de 30% do mercado em um ano normal, e os
outros 10% são divididos por cerca de 10 a 15 companhias independentes. A atividade de
distribuição é também bastante concentrada, e cerca de cinco companhias detêm quase
todo o mercado. A líder possui 25% do mercado. Um dos três grandes estúdios acaba de
anunciar a compra da maior distribuidora do país. Que tipo de considerações a autoridade
antitruste deve fazer para decidir sobre essa compra?

Exercício 6.15 Nimbus é a líder do mercado de cabos de vassouras, produto


fundamental para o jogo Quidditch. Sua qualidade é tão superior à dos concorrentes que
a Nimbus pode cobrar um preço premium bastante alto sobre seus produtos, mesmo sobre
os modelos inferiores. Em termos de quantidade vendida, a Nimbus possui cerca de 40%
do mercado, mas esse percentual sobe para 80% quando se trata do valor total vendido
no mercado. A Nimbus não vende diretamente ao público, mas por meio de revendedores
especializados em itens mágicos. O Mágico Ministro dos Esportes acaba de descobrir que
a Nimbus discrimina preços entre os revendedores, e alguns conseguem consideráveis
descontos. O Ministro multou a Nimbus sob o argumento de que a empresa está
injustamente distorcendo a concorrência no mercado de cabos de vassouras. A Nimbus
agora precisa ser mais transparente em seus preços e praticar o mesmo preço entre os

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
111

revendedores (abatimentos podem ser justificados somente para grandes pedidos). Você
está na Escola Hogwarts de Magia e Bruxaria, e uma das questões da prova de Mágica
Defesa da Concorrência é: O Ministro está correto? Por quê?

Exercício 6.16 Considere o seguinte caso. A empresa Red é a líder do mercado


inglês de bicicletas, com 60% do mercado (a definição de mercado não é importante, e
todos concordam que o mercado de bicicletas é relevante). Duas outras empresas, Green
e Yellow, têm, respectivamente, 15% e 20% do mercado, sendo o restante disputado por
pequenas empresas. A Red produz tipos distintos de bicicletas. O modelo mais elaborado
é chamado de “red star” e incorpora as maiores tecnologias do setor, sendo produzido
com materiais muito sofisticados. Esse modelo é vendido por um preço duas vezes maior
que a média das bicicletas do mercado e somente é encontrado em lojas especializadas.
A rede de supermercados Everything, que vende as bicicletas da Red, tem tentado
negociar com ela a venda do “red star” em suas lojas, mas ainda sem sucesso. Dada a
contínua recusa por parte da Red, a rede Everything decidiu denunciá-la à autoridade
antitruste. Após detalhada análise, a autoridade decidiu que a “Red” infringiu o Artigo 82
(abuso de poder dominante). O caso está agora em recurso no tribunal, e você precisa dar
sua opinião.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
112

Soluções dos Exercícios do Capítulo 6

Exercício 6.1
(1) Sob separação vertical, as empresas a jusante solucionam o problema-padrão
de Cournot, max𝑞𝑖 𝛱𝐷𝑖 = (𝑝 − 𝑤 − 𝑑)𝑞𝑖 = (𝑎 − 𝑞𝑖 − ∑𝑛𝑖≠𝑗 𝑞𝑗 − 𝑤 − 𝑑)𝑞𝑖 .

Impondo simetria sobre as quantidades, temos 𝑞𝑖𝐶 = (𝑎 − (𝑤 + 𝑑))/(1 + 𝑛) e


2
𝛱𝑖𝐶 = [(𝑎 − (𝑤 + 𝑑))/(1 + 𝑛)] . O fabricante, que antecipa de forma perfeita
esse resultado no mercado final, resolve max𝑤 П𝑈 = (𝑤 − 𝑐)𝑛𝑞𝑖𝐶 (𝑤), que
leva ao preço ótimo de atacado 𝑤 = (1/2)(𝑎 − 𝑑 + 𝑐) e ao lucro do fabricante
𝛱𝑈𝑆 = (𝑛/(1 + 𝑛))((𝑎 − 𝑑 − 𝑐)2 /4).

Sob integração vertical, a empresa escolhe o preço e a produção-padrão de


monopólio, ou seja, max𝑝 𝛱 𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐 − 𝑑)(𝑎 − 𝑝), que leva a 𝑝𝑣𝑖 = (𝑎 + 𝑐 + 𝑑)/2,
2
𝑞 𝑣𝑖 = (𝑎 − 𝑐 − 𝑑)/2 e 𝛱 𝑣𝑖 = ((𝑎 − 𝑐 − 𝑑)/2) .

Podemos ver que П𝑈𝑆 < П𝑣𝑖 , isto é, a empresa a montante obtém lucro menor sob
separação vertical do que a cadeia sob integração. Isso se deve ao fato de que, sob
separação, as empresas a jusante ainda têm mark-up positivo, o que leva ao problema da
dupla marginalização.

(2) Note que, como 𝑛 → ∞, 𝛱𝑈𝑆 = (𝑛/(1 + 𝑛))((𝑎 − 𝑑 − 𝑐)2 /4) → ((𝑎 − 𝑐 −
2
𝑑)/2) , isto é, os lucros da empresa a montante sob separação vertical
convergem para os lucros sob integração vertical. Conforme o número de
empresas a jusante aumenta, seu mark-up diminui, e a dupla marginalização
não se torna um problema.

Exercício 6.2 Sob separação vertical, a competição a jusante de Bertrand implica que
todos os varejistas cobrem equivalente ao custo marginal, isto é, 𝑝 = 𝑤 + 𝑑, e, então,
𝑄 = 𝑎– (𝑤 + 𝑑). Dessa forma, a empresa a montante resolve max𝑤 П𝑈 = (𝑤 − 𝑐)(𝑎 −
𝑤 − 𝑑), que leva a 𝑤 = (1/2)(𝑎– 𝑑– 𝑐). Veja agora que o preço final, a quantidade e os
lucros a montante correspondem exatamente ao caso verticalmente integrado, ou seja,
𝑝 𝑆 = 𝑝𝑣𝑖 = (𝑎 + 𝑐 + 𝑑)/2, 𝑞 𝑆 = 𝑞 𝑣𝑖 = (𝑎 − 𝑐 − 𝑑)/2, e 𝛱𝑈𝑆 = 𝛱 𝑣𝑖 = ((𝑎 − 𝑐 − 𝑑)/

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
113

2
2) . Como a competição de Bertrand implica que os lucros das empresas a jusante
caminhem para zero mesmo quando há apenas duas empresas, nunca observaremos o
problema da dupla marginalização quando 𝑛 ≥ 2.

Exercício 6.3 (1) Vamos identificar os contratos ótimos em cada um dos casos.

(1) Competição. Como os varejistas competem à 𝑙𝑎 Bertrand, 𝑝 = 𝑤 + 𝛾. Eles


fazem lucro zero e, assim, 𝐹 = 0. O fabricante escolhe o 𝑤 que maximize seu
lucro esperado 𝐸(𝜋) = 𝐸[(𝑑 − 𝑤 − 𝛾)(𝑤 − 𝑐)]. Escrevendo 𝐸(𝑑) = 𝑑𝑒 e
𝐸(𝛾) = 𝛾 𝑒 , podemos encontrar 𝑤𝐶 = (𝑑 𝑒 + 𝑐 − 𝛾 𝑒 )/2, 𝑝𝐶 = (𝑑 𝑒 + 𝑐 − 𝛾 𝑒 )/
2 + 𝛾, 𝜋𝐶 = (1/4)(𝑑 𝑒 − 𝑐 − 𝛾 𝑒 )2. O bem-estar total pode ser calculado como
𝑊𝐶 = 𝐸((1/2)(𝑑 − 𝑝)2 ) + 𝜋𝐶 = (3/8)(𝑑 𝑒 − 𝑐 − 𝛾 𝑒 )2 + var(𝑑)/2 +
var(𝛾)/2.
(2) TE. Cada varejista é um monopolista em sua área de distribuição e maximiza
𝜋𝑟 = (𝑑 − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾)/2. O preço final e o lucro do varejista são 𝑝 =
(𝑑 + 𝑤 + 𝛾)/2, 𝜋𝑟 = (1/8)(𝑑 − 𝑤 − 𝛾)2 , respectivamente. Como são
infinitamente avessos ao risco, a taxa de franquia 𝐹 deve ser estabelecida de
modo a garantir lucros não negativos, mesmo no pior dos cenários. Assim, a
taxa deve ser 𝐹𝑇𝐸 = (1/8)(𝑑̱ − 𝑤 − 𝛾̄ )2 . O problema do fabricante é escolher
𝑤 que maximize 𝐸[(𝑑 − (𝑑 + 𝑤 + 𝛾)/2)(𝑤 − 𝑐)] + (1/4)(𝑑̱ − 𝑤 − 𝛾̄ )2. As
soluções são 𝑤𝑇𝐸 = 𝑐 + (𝑑 𝑒 − 𝑑̱ ) + (𝛾̄ − 𝛾 𝑒 ), 𝑝𝑇𝐸 = [𝑑 + 𝑐 + 𝛾 + (𝑑𝑒 −
𝑑̱ ) + (𝛾̄ − 𝛾 𝑒 )]/2, 𝜋𝑇𝐸 = (1/4)(𝑑̱ − 𝑐 − 𝛾̄ )2 + (1/4)[(𝑑 𝑒 − 𝑑̱ ) + (𝛾̄ −
𝛾 𝑒 )]2 , 𝑊𝑇𝐸 = (3/8)(𝑑̱ − 𝑐 − 𝛾̄ )2 + (1/4)[(𝑑 𝑒 − 𝑑̱ ) + (𝛾̄ − 𝛾 𝑒 )]2 + (1/
8)var(𝑑) + (1/8)var(𝛾).
(3) FPR. Os varejistas cobram o preço imposto e, assim, auferem lucros iguais a
(1/2)(𝑑 − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾). Dada a aversão infinita ao risco, 𝐹 = (1/2)(𝑑̱ −
𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾̄ ). (Essa é a ótima taxa para 𝑝 ≥ 𝑤 + 𝛾̄ . É possível mostrar que
esse é o caso relevante.) O fabricante irá escolher 𝑝 e 𝑤 para maximizar
(𝑑̱ − 𝑝)(𝑝 − 𝑤 − 𝛾̄ ) + 𝐸[(𝑑 − 𝑝)(𝑤 − 𝑐)], sujeito a 𝑝 ≥ 𝑤 + 𝛾̄ . Acontece
que 𝐹𝐹𝑃𝑅 = 0, 𝑤𝐹𝑃𝑅 = (1/2)(𝑑 𝑒 + 𝑐 − 𝛾̄ ), 𝑝𝐹𝑃𝑅 = (1/2)(𝑑 𝑒 + 𝑐 + 𝛾̄ ),
𝜋𝐹𝑃𝑅 = (1/4)(𝑑𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2, 𝑊𝐹𝑃𝑅 = (3/8)(𝑑 𝑒 − 𝑐 − 𝛾̄ )2 + (1/2)var(𝑑).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
114

(2) e (3) Os rankings de preços e bem-estar sob as diferentes restrições e sob competição
podem ser obtidos diretamente a partir das soluções de equilíbrio identificadas em (1). O
principal aspecto do artigo de Rey e Tirole é mostrar que as restrições verticais não são
equivalentes, como os rankings mostram. Isso deve-se aos dois efeitos contrastantes das
diferentes configurações. O primeiro efeito diz respeito à capacidade da estrutura vertical
em explorar o poder de monopólio. O segundo é sobre o risco suportado pelos varejistas.
Os territórios exclusivos, por exemplo, funcionam bem para o primeiro problema, já que,
por serem requerentes residuais, os varejistas respondem a choques de demanda ou de
custos da mesma forma que uma empresa verticalmente integrada. Contudo, se 𝑤 = 𝑐, o
risco seria muito elevado, pois os seus lucros não estariam protegidos de tais choques. Os
fabricantes, dessa forma, precisam definir 𝑤 > 𝑐. Pode-se verificar que a sensibilidade
do lucro dos varejistas às variações de demanda e custos diminuem com 𝑤:
𝜕(|𝜕𝜋𝑅 /𝜕𝑑|)/𝜕𝑤 < 0 e 𝜕(|𝜕𝜋𝑅 /𝜕𝛾|)/𝜕𝑤 < 0, mas, sob TE, o seguro é imperfeito. A
FPR oferece seguro perfeito sob incerteza de demanda, mas não sob incerteza de custo,
pois um choque no custo de distribuição do varejista afeta fortemente sua margem de
lucro (dado que o preço não pode ser ajustado). Como resultado, a FPR é melhor sob
incerteza de demanda, e TE, sob incerteza de custo. A competição apresenta bons
resultados em termos de propriedades do seguro sob incerteza de demanda e de custo
(considerando competição de Bertrand, o lucro dos varejistas será sempre zero).

Exercício 6.4
(1) Separação. Se os dois varejistas competem por preços, o único equilíbrio é aquele no
qual 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑤 e 𝑠1 = 𝑠2 = 0. Como os consumidores percebem os bens vendidos
como homogêneos, a competição de Bertrand iguala os preços ao custo marginal 𝑤 +
µ𝑒𝑖2 /2. Considere um candidato a equilíbrio, onde 𝑒𝑖 = 𝑒𝑗 > 0, e os lucros são zero.
Como a qualidade percebida pelos consumidores não muda quando a Empresa 𝑖 reduz
seu nível de qualidade para 𝑒𝑖 < 𝑒𝑗 = 𝑒, ela possui incentivos para reduzir 𝑒𝑖 , uma vez
que aumentaria sua margem unitária e ficaria com toda a demanda. O argumento usual de
redução de preços deixa, portanto, 𝑒𝑖 = 𝑒𝑗 = 0 como o único equilíbrio, com 𝑝1 = 𝑝2 =
𝑤. A empresa a montante antecipa que 𝑝 = 𝑤 e que a demanda final será 𝑞 = 𝑣 − 𝑤.
Desse modo, maximizará max𝑤 𝛱𝑢 = (𝑤 − 𝑐)(𝑣 − 𝑤), que pode ser resolvido por 𝑤 =
(𝑣 + 𝑐)/2. Em um equilíbrio separado, o excedente do produtor, do consumidor e o bem-

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
115

estar são dados por 𝐸𝑃𝑠 = 𝛱𝑢 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/4; 𝐸𝐶𝑠 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/8; 𝑊𝑠 = 3((𝑣 − 𝑐)2 )/
8.

(2) Integração Vertical. Presuma novamente que, se ambos os varejistas cobram o mesmo
preço, eles dividem igualmente a demanda do mercado. Assim, uma empresa
verticalmente integrada com dois varejistas vai resolver max𝑝,𝑒1,𝑒2 𝛱𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐 −
(1/2)µ𝑒12 /2 − (1/2)µ𝑒22 /2)(𝑣 + max{𝑒1 , 𝑒2 } − 𝑝). Observe que será ótimo para o
fabricante ter apenas um revendedor para prover serviços, enquanto vende por meio dos
dois (a avaliação dos serviços do varejista pelo consumidor é determinada pelo máximo
de duas unidades). Logo, defina 𝑒2 = 0 e obtenha as condições de primeira ordem
𝜕𝛱𝑣𝑖 /𝜕𝑒1 = −µ𝑒1 (𝑣 + 𝑒1 − 𝑝)/2 + 𝑝 − 𝑐 − (1/2)µ𝑒12 /2 = 0 e 𝜕𝛱𝑣𝑖 /𝜕𝑝 = 𝑣 + 𝑒1 −
2𝑝 + 𝑐 + (1/2)µ𝑒12 /2 = 0, que levam à seguinte solução: 𝑒1,𝑣𝑖 = 2/µ; 𝑒2,𝑣𝑖 = 0; 𝑝𝑣𝑖 =
(1⁄2)(𝑣 + 𝑐 + 3/µ). Por substituição, temos o excedente do produtor, do consumidor e
o bem-estar: 𝐸𝑃𝑣𝑖 = 𝛱𝑣𝑖 = ((µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(4µ2 ); 𝐸𝐶𝑣𝑖 = ((µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/
(8µ2 ); 𝑊𝑣𝑖 = (3(µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(8µ2 ).

Uma empresa verticalmente integrada com apenas um revendedor resolverá


max𝑝,𝑒 𝛱𝑣𝑖 = (𝑝 − 𝑐 − µ𝑒 2 /2)(𝑣 + 𝑒 − 𝑝). A única diferença com relação ao caso com
dois varejistas é que uma unidade de esforço custará µ𝑒 2 /2 e não (1/2)µ𝑒 2 /2.
′ ′
Substituindo µ por 2µ nas expressões anteriores, temos que 𝑒𝑣𝑖 = 1/µ; 𝑝𝑣𝑖 =
(2µ(𝑣 + 𝑐) + 3)/(4µ), e os excedentes do produtos, do consumidor e o bem-estar:

𝐸𝑃𝑣𝑖 ′
= 𝛱𝑣𝑖 ′
= ((2µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(16µ2 ); 𝐸𝐶𝑣𝑖 = ((2µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(32µ2 ); 𝑊𝑣𝑖′ =
(3(2µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(32µ2 ). Verificamos assim que a integração vertical com dois
varejistas é mais lucrativa que com um só, pois permite produzir esforço pela metade do
custo unitário.

(3) É simples verificar que a integração vertical, que restaura os incentivos à provisão de
qualidade, não aumenta apenas o lucro da cadeia vertical como também eleva o bem-

estar: 𝐸𝑃𝑣𝑖 > 𝐸𝑃𝑣𝑖 > 𝐸𝑃𝑠 e 𝑊𝑣𝑖 > 𝑊𝑣𝑖′ > 𝑊𝑠 .

(4.1) TE (Territórios Exclusivos). Dar um território exclusivo a um dos varejistas não


resolve a questão por si só, já que cria o problema da dupla marginalização. Desse modo,
um contrato de TE deve ser combinado com precificação não linear do tipo visto

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
116

anteriormente: (𝑤 = 𝑐; 𝐹). O problema do varejista é, então, max𝑝,𝑒 𝛱𝑇𝐸 = (𝑝 − 𝑐 −


µ𝑒 2 /2)(𝑣 + 𝑒 − 𝑝)/2 − 𝐹.

Com exceção do custo fixo, que não afeta as CPOs, esse é exatamente o mesmo
problema de um monopolista verticalmente integrado com um varejista. Logo, a solução
será a mesma que em (2), enquanto 𝐹 será utilizado para redistribuir os lucros entre o
fabricante e seu revendedor. O fabricante se apropriará de todo o excedente do produtor
caso concentre todo o poder de barganha.

(4.2) Fixação do Preço de Revenda. FPR também precisará ser utilizada com um contrato
não linear (𝑤 = 𝑐; 𝐹). O problema do varejista 𝑖 é dado por max𝑒𝑖 𝛱𝐹𝑃𝑅 =

(𝑝𝑣𝑖 − 𝑐 − µ𝑒𝑖2 /2)(𝑣 + 𝑚𝑎𝑥{𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 } − 𝑝𝑣𝑖

)/2 − 𝐹. A MPR retira a tentação de cortar
preços. No entanto, deixa o incentivo para o carona na provisão dos serviços, já que 𝑒 =
max{𝑒𝑖 , 𝑒𝑗 }. Considere um candidato a equilíbrio em que 𝑒1 = 𝑒2 = 𝑒 > 0. Esse não
poderia ser o equilíbrio, uma vez que a empresa preferiria desviar e não oferecer
qualidade, dado que a outra provê um nível positivo de qualidade: 𝜋𝐹𝑃𝑅 =
′ ′ ′ ′
(𝑝𝑣𝑖 − 𝑐 − µ𝑒 2 /2)(𝑣 + 𝑒 − 𝑝𝑣𝑖 )/2 < 𝜋𝑑𝑒𝑣 = (𝑝𝑣𝑖 − 𝑐)(𝑣 + 𝑒 − 𝑝𝑣𝑖 )/2. Todavia,
existem dois equilíbrios assimétricos nos quais apenas uma empresa provê esforço, ou

seja, onde 𝑒𝑖 = 𝑒𝑣𝑖 > 0 = 𝑒𝑗 para 𝑖 = 1, 2 e 𝑖 ≠ 𝑗. Observe primeiro que o problema do
varejista que realiza o esforço é idêntico ao problema da escolha do esforço sob territórios

exclusivos, que tem 𝑒𝑣𝑖 = 1/µ como solução. Dessa maneira, o lucro do varejista que “se

esforça” é 𝜋𝑖 = 𝛱𝑣𝑖 /2 = ((2µ(𝑣 − 𝑐) + 1)2 )/(32µ2 ). Ao desviar e realizar esforço 𝑒𝑖 =
′ ′
0, esse varejista aufere 𝜋𝑑 = (𝑝𝑣𝑖 − 𝑐)(𝑣 − 𝑝𝑣𝑖 )/2 = (2µ(𝑣 − 𝑐) + 3)(2µ(𝑣 − 𝑐) −
3)/(32µ2 ). Como 𝜋𝑖 − 𝜋𝑑 = (2µ(𝑣 − 𝑐) + 5)/(16µ2 ) > 0, o candidato a equilíbrio é,
′ ′
de fato, o equilíbrio. A FPR restabelece a solução verticalmente integrada (𝑝𝑣𝑖 , 𝑒𝑣𝑖 ) para
o fabricante. Como não se pode fazer cumprir o contrato com base no esforço dos
varejistas, o fabricante oferecerá o mesmo contrato a ambos. Cada varejista irá pagar a

mesma taxa fixa 𝐹 = 𝛱𝑣𝑖 /2. Perceba que, mesmo que o fabricante tenha o mesmo lucro,
o excedente do produtor é maior sob FPR que no caso de integração vertical com um
varejista. A FPR é, de certa forma, mais eficiente que o TE e a integração vertical com
um varejista, por permitir explorar os efeitos benéficos dos spillovers de esforço entre os
varejistas, similar à situação de integração com dois varejistas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
117

Exercício 6.5
(1) A partir da maximização do programa do consumidor, temos a seguinte função de
demanda invertida 𝑝𝑖 = 𝑣 − 𝑞𝑖 − 𝑔 ∑𝑛𝑗≠𝑖 𝑞𝑗 . Sob separação vertical, as quantidades e
preços de equilíbrio para um dado 𝑤 são dados por 𝑞 𝑆 = (𝑣 − 𝑤)/(2 + 𝑔(𝑛 − 1)) e
𝑝 𝑆 = (𝑣 + 𝑤(1 + 𝑔(𝑛 − 1)))/(2 + 𝑔(𝑛 − 1)). O fabricante escolhe o 𝑤 que maximiza
𝜋 = (𝑤 − 𝑐)𝑛𝑞 𝑆 . Assim, 𝑤 𝑆 = (𝑣 + 𝑐)/2. Substituindo esse valor em 𝑞 𝑆 e 𝑝 𝑆 , temos a
quantidade, preço e lucro por varejista de equilíbrio: 𝑞 ∗ = (𝑣 − 𝑐)/(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))),
𝑝∗ = (𝑣(3 + 𝑔(𝑛 − 1)) + 𝑐(1 + 𝑔(𝑛 − 1)))/(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))), e 𝜋 ∗ = ((𝑣 − 𝑐)/
(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))))2 − 𝑓.

(2) Sob integração vertical, cada estabelecimento produz a um custo marginal 𝑐. As


quantidades, preço e lucro por loja de equilíbrio são 𝑞 𝐼 = (𝑣 − 𝑐)/(2(1 + 𝑔(𝑛 − 1))),
𝑝𝐼 = (𝑣 + 𝑐)/2, e 𝜋 𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/(4(1 + 𝑔(𝑛 − 1))) − 𝑓.

(3) Sob separação, a entrada acontece até que os lucros do varejista sejam iguais a zero,
isto é, ((𝑣 − 𝑐)/(2(2 + 𝑔(𝑛 − 1))))2 − 𝑓 = 0. Sob integração, a empresa define 𝑛 de
forma ótima, ou seja, max𝑛 𝜋 𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/4(1 + 𝑔(𝑛 − 1)) − 𝑓. Suponha
determinado 𝑓 para o qual o número ótimo de estabelecimentos sob integração vertical
seja exatamente 1, o que implica que 𝑓 = (1/4)(𝑣 − 𝑐)2 (1 − 𝑔). Assim, inserindo essa
expressão para 𝑓 na condição de lucro zero para os varejistas sob separação e resolvendo
por 𝑛, temos que 𝑛 = (1/𝑔)(√1/(1 − 𝑔) − 2) + 1. Essa equação funciona para 𝑛 = 2
se (1 − 𝑔)(2 + 𝑔)2 = 1, ou seja, se 𝑔 ≃ 0,8793.


(4) Dado que (𝑓, 𝑔) é tal que 𝑛𝑣𝑖 = 1, mas 𝑛𝑆∗ = 2, com por exemplo, 𝑔 ≃ 0,8793 e 𝑓 =
(1/4)(𝑣 − 𝑐)2 (1 − 𝑔), obtemos as expressões a seguir para o bem-estar: sob integração
vertical 𝐸𝐶1𝑉𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/8; 𝐸𝑃1𝑉𝐼 = ((𝑣 − 𝑐)2 )𝑔/4; 𝑊1𝑉𝐼 = (1 + 2𝑔)((𝑣 − 𝑐)2 )/8;
sob separação, 𝐸𝐶2𝑆 = ((𝑣 − 𝑐)2 (1 + 𝑔))/(4(2 + 𝑔)2 ); 𝐸𝑃2𝑆 = ((𝑣 − 𝑐)2 )/(2(2 + 𝑔));
𝑊2𝑆 = (𝑣 − 𝑐)2 (5 + 3𝑔)/(2(2 + 𝑔))2. A desigualdade 𝐶1𝑉𝐼 > 𝐶2𝑆 implica que (1/
2)(2 + 𝑔)2 > 1 + 𝑔, que sempre se mantém para 𝑔 ≃ 0,8793. De forma análoga, a
desigualdade 𝑊1𝑉𝐼 > 𝑊2𝑆 implica que (1/2)(1 + 2𝑔) > (5 + 3𝑔)(1 − 𝑔), que se
mantém para 𝑔 ≃ 0,8793.

Exercício 6.6 (1) Para crenças passivas, a solução segue por extensão o caso de 𝑛 = 2,
visto na seção “Restrições verticais e o problema do comprometimento”. Cada varejista
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
118

espera um lucro 𝜋𝑖 = (1 − 𝑞𝑖 − ∑𝑗≠𝑖 𝑞𝑗 − 𝑐)𝑞𝑖 e, portanto, estará disposto a comprar de


acordo com sua função de reação (de Cournot). Sob simetria, a interseção das 𝑛 funções
de reação fornece 𝑞 = (1 − 𝑐)/(1 + 𝑛). Cada varejista, nesse caso, espera um lucro
(1 − 𝑐)2 /(1 + 𝑛)2 . (2) O fabricante irá auferir 𝜋 𝑀 = 𝑛(1 − 𝑐)2 /(1 + 𝑛)2. Como
𝜕𝜋 𝑀 /𝜕𝑛 < 0, quanto maior o número de varejistas, mais grave é o problema de
comprometimento enfrentado pelo fabricante. (3) Para o caso de crenças simétricas,
o raciocínio é o mesmo do caso 𝑛 = 2, examinado na seção “Restrições verticais e o
problema do comprometimento”.

Exercício 6.7
(1) O resultado verticalmente integrado satisfaz a max 𝜋 = (𝑝 − 𝑐)(1 − 𝑝). Dessa
forma, é dado por 𝑝𝑣𝑖 = (1 + 𝑐)/2, 𝑞 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)/2, 𝜋 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)2 /4.
(2) O contrato que reproduz o resultado verticalmente integrado é aquele em que
ambos os varejistas recebem como oferta (𝑤𝑖 , 𝐹𝑖 ) = (𝑐, (1 − 𝑐)2 /8). É simples
verificar, no entanto, que o fabricante tem incentivos para renegociar o contrato
com 𝑅1 , por exemplo, dado que 𝑅2 tenha aceitado a oferta. De fato, se 𝑈
vendesse o insumo a 𝑅1 ao preço de atacado 𝑤𝑖 < 𝑐, 𝑅1 poderia ganhar todo o
mercado vendendo a um preço ligeiramente menor que 𝑐, obtendo, assim,
(1 − 𝑐)2 /4. Logo, existe espaço para que 𝑈 e 𝑅1 renegociem o contrato. O
varejista teria de pagar (1 − 𝑐)2 /8 mas não teria qualquer receita. Claramente,
𝑅2 anteciparia essa renegociação e não assinaria o contrato. O problema de
comprometimento também apareceria quando as empresas escolhessem os
preços.
(3) Um contrato puro de precificação linear não compromete os varejistas com
determinada quantidade. Sob um potencial contrato de equilíbrio, o varejista
apenas se compromete a pagar 𝑤 = 𝑝𝑣𝑖 . Se o fabricante oferecesse um preço
de atacado mais baixo 𝑤 ′ = 𝑝𝑣𝑖 − 𝜀 para um varejista, ele poderia atender a
todo o mercado, e o fabricante ainda faria 𝜋 𝑣𝑖 = (1 − 𝑐)2 /4. Todavia, o outro
varejista não atenderia a nenhum consumidor e, como consequência, não
compraria nenhum insumo. O fabricante, assim, não aumenta os lucros com a
renegociação.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
119

Exercício 6.8

Tabela Q6.3 Jogo de delegação.

Delegação Int. Vert.


𝑢 𝑢 𝜋𝑑⁄𝑖 , 𝜋𝑖⁄𝑑
Delegação 𝜋𝑇𝐹 , 𝜋𝑇𝐹
Int. Vert. 𝜋𝑖⁄𝑑 , 𝜋𝑖⁄𝑑 𝜋𝑣𝑖 , 𝜋𝑣𝑖

No primeiro estágio do jogo, a matriz de ganho é mostrada na Tabela Q6.3. Para


demonstrar que o equilíbrio ocorre quando as duas empresas delegam e impõem um
𝑢
contrato não linear aos varejistas, precisamos verificar que 𝜋𝑇𝐹 > 𝜋𝑖⁄𝑑 . Ou seja, quando
o concorrente decide delegar, o fabricante também opta por delegar. Os ganhos simétricos
na Tabela Q6.3 já foram obtidos na seção “Uso estratégico de restrições verticais”, mas
ainda precisamos identificar aqueles associados ao caso assimétrico (quando somente um
dos fabricantes opta pela delegação). O leitor pode verificar que, em equilíbrio, a empresa
que vende por meio de um varejista irá definir seu preço de atacado como
𝑐(64 + 96𝛾 + 44𝛾 2 + 5𝛾 3 ) − 𝛾 2 (4 + 𝛾)𝑣
𝑤𝑑/𝑖 = ,
4(2 + 𝛾)(8 + 8𝛾 + 8𝛾 2 )
e que os lucros de equilíbrio são
(1 + 𝛾)(16 + 12𝛾 + 𝛾 2 )2 (𝑣 − 𝑐)2 (1 + 𝛾)(4 + 𝛾)2 (𝑣 − 𝑐)2
𝜋𝑖/𝑑 = e 𝜋𝑑/𝑖 = .
16(2 + 𝛾)(8 + 8𝛾 + 𝛾 2 )2 8(2 + 𝛾)(8 + 8𝛾 + 𝛾 2 )

1. Podemos agora verificar que o fabricante não possui incentivos para desviar da
𝑢
configuração em que ambos vendem por meio de varejistas: 𝜋𝑇𝐹 > 𝜋𝑖⁄𝑑 . Em
outras palavras, o par (delega, delega) é um equilíbrio. Podemos também
checar que 𝜋𝑑/𝑖 > 𝜋𝑣𝑖 , o que significa que a delegação é a estratégia dominante
e que o equilíbrio no qual ambos os fabricantes vendem via varejistas é único.
2. Esse é o jogo do dilema do prisioneiro, e as empresas obtêm menor ganho no
𝑢
equilíbrio: 𝜋𝑇𝐹 < 𝜋𝑣𝑖 . Os fabricantes estariam em melhor situação caso não
pudessem contratar varejistas independentes.
3. A seção “Uso estratégico de restrições verticais” mostra que os consumidores
estão em melhor situação quando há delegação: 𝑞𝑇𝐹 > 𝑞𝑣𝑖 .

Exercício 6.9 Se o varejista rejeita os dois contratos, seu lucro é zero, e o mercado
desaparece. Caso aceite ambos, seu nível ótimo de esforço em cada produto é dado por

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
120

max𝑒𝑖 ,𝑒𝑗 𝜋𝑟 = ∑2𝑖=1((𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )(𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 + 𝑒𝑖 ) − 𝑘𝑒𝑖2 /2 − 𝐹𝑖 ). A partir de 𝜕𝜋𝑟 /

𝜕𝑒𝑖 = 0, temos que 𝑒𝑖∗ = (𝑝𝑖 − 𝑤𝑖 )/𝑘. O resto do problema está agora no texto. Em
especial, a extração completa das rendas antecipadas dos varejistas implica que cada
fabricante resolva maxwi ,pi πi = (pi − c)(a − bpi + γpj + (pi − wi )/k) + (pj −
𝟐
wj )(a − bpj + γpi + (pj − wj )/k) − (𝒑𝒊 − 𝒘𝒊 )𝟐 /(𝟐𝒌) − (𝒑𝒋 − 𝒘𝒋 ) /(𝟐𝒌) − 𝑭𝒋 .

Com exceção do componente fixo (que não afeta os preços de equilíbrio e de


atacado), esse é um problema de maximização conjunta dos lucros. É fácil mostrar que,
em equilíbrio, 𝑤𝑖 = 𝑐, e que o preço de equilíbrio é aquele que soluciona max𝑤𝑖 ,𝑝𝑖 𝜋𝑀 =
∑2𝑖=1 (𝑝𝑖 − 𝑐)(𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝛾𝑝𝑗 + 𝑒𝑖∗ ) − 𝑘(𝑒𝑖∗ )/2, ou seja, 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = (𝑎 + 𝑐(𝑏 − (1/
𝑘) − 𝛾))/(2𝑏 − (1/𝑘) − 2𝛾) > 𝑐. Observe que, por conta da escolha de esforço do
varejista, 𝑤𝑖 entra no problema de maximização de 𝑖 do varejista e, dessa forma, será
determinado em equilíbrio (esse não foi o caso do modelo da seção “Revendedor
compartilhado e FPR auxiliam a colusão”).

Exercício 6.10

(1) No último estágio do jogo, as duas empresas a jusante pagam 𝑤 e auferem


lucros 𝜋𝑖 = (1 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑤)𝑞𝑖 . Resolvendo 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0 e impondo
simetria, temos 𝑞 = (1 − 𝑤)/3. Assim, a quantidade total vendida será 𝑄 =
2(1 − 𝑤)/3. Como cada unidade da produção final 𝑄 vendida pelas empresas
a jusante corresponde a uma unidade da produção 𝑋 vendida pelas empresas a
montante, estas se deparam com a função de demanda inversa 𝑤 = 1 − 3𝑋/2,
onde 𝑋 = 𝑥1 + 𝑥2 . Logo, o problema das empresas a montante será 𝜋𝑘 =
(1 − (3⁄2) (𝑥𝑘 + 𝑥𝑙 ))𝑥𝑘 . Das CPOs 𝜕𝜋𝑘 /𝜕𝑥𝑘 = 0, obtemos a solução
simétrica 𝑥 = 2/9. Por substituição, o preço de atacado de equilíbrio é 𝑤 =
1/3, e o preço de equilíbrio é 𝑝 = 5/9.
(2) Chamando a empresa integrada de 1, o jogo a jusante se dá entre uma empresa
com custo 𝑤1 = 0 e outra com custo 𝑤2 . Seus lucros são dados por 𝜋1 =
(1 − 𝑞1 − 𝑞2 )𝑞1 e 𝜋2 = (1 − 𝑞1 − 𝑞2 − 𝑤2 )𝑞2, respectivamente. Resolvendo
a expressão de condições de primeira ordem, temos 𝑞2 = (1 − 2𝑤2 )/3 e 𝑞1 =
(1 + 𝑤2 )/3. Conforme a empresa integrada sai do mercado de insumos, temos
um monopolista a montante, que observa uma função de demanda inversa
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
121

𝑤2 = (1 − 3𝑥)/2 e tem lucros 𝜋2 = 𝑤2 𝑥. A partir das CPOs, é simples ver


que 𝑥 = 1/6 e 𝑤2 = 1/4. Por substituição, temos 𝑞1 = 5/12 e 𝑝 = 5/12.
Perceba que o preço de atacado pago pela empresa não integrada é menor que
sob separação vertical. Pode parecer surpreendente, pois a empresa a montante
é uma monopolista, mas é importante notar que enfrenta uma demanda
reduzida. Nesse caso, o insumo é mais barato, mesmo que a empresa integrada
não o oferte mais: não há bloqueio. Além disso, o preço final pago pelos
consumidores é menor, e a produção total da indústria se eleva com a fusão
vertical.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Restrições verticais e fusões verticais (Capítulo 6).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 7

Predação, monopolização e outras


práticas abusivas

SUMÁRIO

7.1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3

7.2 – PREÇOS PREDATÓRIOS ..................................................................................... 4

7.2.1 – Predação: em busca de uma teoria .................................................................... 6

7.2.2 – Teorias recentes sobre preço predatório ........................................................... 9

7.2.2.1 – Modelos de reputação .............................................................................. 10

7.2.2.2 – Modelos de sinalização ............................................................................ 12

7.2.2.3 – Predação e mercados financeiros imperfeitos ......................................... 16

7.2.3 – Prática: como lidar com alegações de preços predatórios .............................. 18

7.2.3.1 – Habilidade para aumentar preços (há dominância?)................................ 20

7.2.3.2 – Sacrifício de lucros de curto prazo .......................................................... 23

7.2.3.3 – Testando preço predatório: uma discussão mais aprofundada ................ 28

7.3 – PRÁTICAS DE MONOPOLIZAÇÃO NÃO PREÇO .......................................... 34

7.3.1 – Investimentos estratégicos .............................................................................. 35

7.3.2 – Venda casada (em pacote) .............................................................................. 38

7.3.2.1 – Razões de eficiência do atamento ............................................................ 39


Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

7.3.2.2 – Atamento como mecanismo de discriminação de preços ........................ 40

7.3.2.3 – Atamento exclusionário em modelos recentes ........................................ 43

7.3.2.4 – Prática: avaliação de práticas de atamento .............................................. 47

7.3.3 – Incompatibilidade e outros comportamentos estratégicos em indústrias de rede


.................................................................................................................................... 49

7.3.4 – Recusa de oferta (recusa de contratar) e contratos de exclusividade: lembrete


.................................................................................................................................... 52

7.3.5 – Elevação dos custos de concorrentes .............................................................. 53

7.4 – DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS......................................................................... 54

7.4.1 – Efeitos de bem-estar da discriminação de preços ........................................... 57

7.4.1.1 – Discriminação de preços de primeiro grau (perfeita) .............................. 57

7.4.1.2 – Descontos por quantidades ...................................................................... 59

7.4.1.3 – Efeitos dinâmicos da discriminação de preços: incentivos para investigar


................................................................................................................................ 60

7.4.1.4 – Discriminação de preços como mecanismo de monopolização .............. 61

7.5 – ESTUDO DE CASOS ........................................................................................... 64

7.5.1 – Caso Ambev versus Schincariol (2009) ......................................................... 64

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 7 ............................................... 69

Quadro 7.1 – Modelos de preço predatório ................................................................ 69

Q7.1.1 – O paradoxo da cadeia de lojas de Selten ................................................. 69

Q7.1.2 – Um modelo de reputação de predação ..................................................... 70

Q7.1.3 – Predação por fusão ................................................................................... 79

Q7.1.4 – Predação por bolso profundo ................................................................... 82

Q7.1.5 – Predação por bolso profundo com mercados financeiros imperfeitos ..... 85

Quadro 7.2 – Investimentos estratégicos para impedir a entrada ............................... 94

Quadro 7.3 – Modelos de venda casada ..................................................................... 98

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

Q7.3.1 – Modelos de venda casada I: exigências de atamento como mecanismo de


métrica .................................................................................................................... 98

Q7.3.2 – Modelos de venda casada II: atamento, bloqueio e exclusão em Whinston


(1990) ................................................................................................................... 102

Q7.3.3 – Modelos de venda casada III: atamento para impedir a entrada em mercados
de bens complementares ....................................................................................... 111

Quadro 7.4 – Escolhas de interoperabilidade em redes assimétricas ....................... 116

Quadro 7.5 – Discriminação de preços ..................................................................... 122

Q7.5.1 – Discriminação de preços de terceiro grau .............................................. 122

Q7.5.2 – Desconto em quantidade: tarifas em duas partes como discriminação de


preços .................................................................................................................... 124

Q7.5.3 – Discriminação de preços e investimento ............................................... 126

Q7.5.4 – Discriminação de preços e poder de mercado ....................................... 128

Q7.5.5 – Discriminação de preços sob entrada .................................................... 131

Exercícios do Capítulo 7 .............................................................................................. 133

Soluções dos Exercícios do Capítulo 7......................................................................... 138

7.1 – INTRODUÇÃO

Este capítulo lida principalmente com práticas exclusionárias, quer dizer, práticas
executadas por uma incumbente com o objetivo de impedir a entrada ou forçar a saída de
concorrentes. Em geral, tais práticas correspondem ao conceito de monopolização nos
Estados Unidos e ao abuso de dominância na Europa ou de posição dominante no Brasil
(ver o Capítulo 1).

A identificação do comportamento exclusionário é um dos tópicos mais difíceis


da política de concorrência, uma vez que, com frequência, práticas exclusionárias não
podem ser facilmente distinguidas de ações concorrenciais que beneficiam os
consumidores. Como ilustração, suponha que, após a entrada em uma indústria, uma

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

empresa dominante reduza bastante seus preços: essa estratégia deverá ser considerada
anticompetitiva, destinada a forçar a saída da nova entrante da indústria (depois da qual,
os preços da dominante serão elevados de novo, prejudicando os consumidores no longo
prazo) ou, ao contrário, trata-se apenas de uma resposta competitiva benéfica para os
consumidores? A maior parte deste capítulo será dedicada à compreensão de como
responder a essa pergunta.

Práticas exclusionárias por incumbentes certamente não são um fenômeno novo,


mas há, pelo menos, duas razões pelas quais devem voltar a receber atenção. A primeira
é que, em muitos países, houve processos de liberalização, privatização e
desregulamentação, que deram origem a vários setores com uma incumbente deste
deparando com potenciais entrantes. Essa estrutura assimétrica cria fortes incentivos para
o comportamento potencial exclusionário. A segunda é que uma crescente proporção das
economias avançadas de hoje em dia é composta por setores como tecnologia de
informação, internet e telecomunicações, que exibem efeitos de rede e de trancamento
(lock-in). Em tais ambientes, os entrantes podem encontrar muitas dificuldades para
competir com as incumbentes, e particular atenção deve ser dada a possíveis práticas
exclusionárias.

A seção 7.2 focaliza estratégias de preço, a seção 7.3, estratégias de não preço
como sobreinvestimento, venda casada e escolhas de incompatibilidade. (Outras práticas
exclusionárias de não preço sobre restrições verticais, como acordos de exclusividade e
recusa de oferta, já foram analisadas no Capítulo 6.) A seção 7.4 trata de discriminação
de preços em geral, embora apenas algumas formas possam ser consideradas
exclusionárias. A seção 7.5 encerra o capítulo com a discussão de um importante caso, a
primeira condenação do CADE por práticas exclusionárias, envolvendo denúncia de
predação contra a Ambev.

7.2 – PREÇOS PREDATÓRIOS

Ao longo deste livro, vimos que baixos preços são, em geral, associados a maior
bem-estar social e do consumidor. Pode, por conseguinte, ser surpreendente, à primeira
vista, que as autoridades de concorrência estejam preocupadas com situações em que a
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

empresa cobre preços “baixos demais”. Não obstante, embora raras, há circunstâncias em
que uma empresa dominante pode estabelecer preços baixos com objetivo
anticompetitivo: forçar um concorrente a deixar a indústria ou impedir a entrada de um
potencial entrante. Nesses casos, preços baixos aumentam o bem-estar apenas no curto
prazo, enquanto durar a predação; uma vez que a presa sucumba, o predador aumentará
o preço. O efeito final dessa conduta predatória (se bem-sucedida) é piorar a situação de
bem-estar no longo prazo, porque elimina a concorrência na indústria.

Preço predatório, portanto, ocorre quando uma empresa estabelece preços em um


nível que implica o sacrifício de lucros no curto prazo para eliminar a concorrência,
visando obtenção de lucros maiores no longo prazo. Essa definição, por enquanto ainda
vaga, contém os dois elementos principais para a identificação do comportamento
predatório na prática: em primeiro lugar, a existência de perdas de curto prazo; a
existência de poder de mercado suficiente do predador, de modo que seja razoável esperar
que ele possa elevar preços para aumentar lucros no longo prazo tão logo o(s)
concorrente(s) tenha(m) deixado o mercado.

A própria natureza do preço predatório, que envolve baixos preços por um


período, é difícil de analisar. Na prática, não é nada fácil distinguir preços baixos devido
a uma genuína e legal reação competitiva contra concorrentes com preços baixos por
conta de um comportamento predatório e ilegal. Além disso, uma abordagem muito
cautelosa pelas agências antitruste e pelos tribunais é necessária para evitar o risco de que
as empresas dotadas de poder de mercado mantenham preços elevados para evitarem a
acusação de conduta predatória. Suponha que, em determinada jurisdição, um baixo
padrão de prova é aceito para a constatação de preço predatório. Antecipando possíveis
problemas antitruste, uma empresa terá poucos incentivos para reduzir preços, mesmo
devido a um comportamento competitivo normal. Como resultado, os preços serão mais
altos que o normal, causando uma perda alocativa, e concorrentes ineficientes podem se
sentir encorajados a entrar no mercado, adicionando ineficiência produtiva à perda de
bem-estar.

Isso não significa, é evidente, que preços predatórios devam ser eliminados das
possíveis ações anticompetitivas, mas sugere que se deva lidar cuidadosamente com a
questão. Ao longo desta seção, tentaremos dar indicações de como construir uma rigorosa
política com relação a preços predatórios.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

7.2.1 – Predação: em busca de uma teoria

Alegações de preços predatórios não são decerto um fenômeno novo. De fato, no


Capítulo 1, uma das razões por detrás da Lei Sherman foram as queixas dos pequenos
empresários contra as ações predatórias das grandes empresas, que estabeleciam preços
baixos para os expulsarem dos mercados.1

Embora constatações de preços predatórios tenham sido comuns nos Estados


Unidos e, mais tarde, na Europa e no Brasil (onde como se verá, há um caso condutor de
destaque,2 apresentado na seção 7.6), uma teoria econômica convincente de predação não
tinha aparecido até recentemente. A principal explicação para predação é provavelmente
a história do “bolso profundo”. Uma grande empresa pode empurrar um pequeno
concorrente para fora do mercado travando uma guerra de preços que acarretará perda
para ambos. Mais cedo ou mais tarde, ele terá de desistir e deixar a indústria, permitindo
que a grande empresa aumente seus preços e recupere seus lucros. Infelizmente, uma
teoria sólida para sustentar essa história apareceu apenas muito recentemente (veja a
seguir), e teóricos céticos apontaram os pontos fracos do argumento de predação
(anteriores a essa teoria).

McGee (1958), em um artigo muito influente, criticou a ideia de que uma empresa
poderia tirar competidores do mercado usando preços predatórios em quatro diferentes
campos, que resumiremos a seguir. Devido à sua elevada participação de mercado, uma
grande companhia teria de sofrer perdas maiores que a pequena: outras coisas
permanecendo constantes, a mesma perda unitária seria multiplicada por um número
maior de unidades (MCGEE 1958: 140). Em segundo lugar, a predação só faz sentido se
a grande companhia elevar preços quando a presa deixa o mercado. Mas McGee (1958:

1
A Seção 2 da Lei Sherman, que proíbe, justamente por isso, a monopolização e a tentativa de monopolizar
uma indústria, e, mais tarde, a Lei Clayton são os instrumentos jurídicos para proteger os interesses das
empresas que se consideram vítimas de preços predatórios. Na Europa, originalmente era o art. 82,
atualmente art. 102, do Tratado da UE; no Brasil, o inciso XV do art. 36 da Lei 12.529/2011, sendo que a
lei brasileira é explícita ao definir preço predatório como “preço abaixo do preço de custo” (embora caiba
à autoridade da lei interpretar, em cada caso, como se aplica o tipo jurídico).
2
A condenação da Ambev por tentativa de prejudicar a Schincariol e pequenas cervejarias com programas
de exclusividade imposta a pontos de venda, uso de marcas de combate (com preços predatórios em
mercados geográficos selecionados) e outras estratégias de predação, visando combater a expansão e
provocar a saída de novos concorrentes nos mercados em que exercia significativa dominância.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

140-1) argumenta que os ativos e plantas da pequena empresa não irão desaparecer, e, tão
logo os preços se elevem, ela pode tornar a entrar, ou seus ativos podem ser utilizados
por outra companhia, reduzindo os lucros que o predador esperava obter. Em terceiro
lugar, a teoria da predação presume que o predador tem um bolso profundo, e a vítima,
um bolso pequeno, ao passo que isso deveria ser explicado, não presumido (MCGEE,
1958: 139). Sob essa perspectiva, deve-se compreender por que uma pequena empresa,
mesmo limitada financeiramente, não poderia explicar a situação (inclusive o fato de que
o predador estaria sofrendo mais perdas que ela e, por isso, não poderia manter a prática
indefinidamente) para seus financiadores, consequentemente, obtendo fundos até que a
predação findasse. Em quarto lugar, para que a predação fosse racional, seria necessário
ser factível, não apenas mais lucrativa que outros instrumentos alternativos. Se uma
grande empresa quisesse se livrar de concorrentes – a crítica continua –, a predação seria
um instrumento ineficiente, porque destrói os lucros da empresa. A fusão seria uma
prática mais eficiente, já que preservaria os altos lucros da indústria.

Os primeiros dois argumentos podem ser levados em consideração com relativa


facilidade. De fato, o primeiro ponto não se sustenta se a empresa puder discriminar e
reduzir preços seletivamente, apenas naqueles mercados em que atua ou aos clientes pelos
quais as pequenas empresas estão concorrendo. Isso permite ao predador preservar altas
margens sobre a maioria das unidades que vende, consequentemente reduzindo o custo
da estratégia de predação.3

Com relação ao segundo ponto, este se apoia na ideia de que entrar e reentrar na
indústria não implica custos afundados. Mas, conforme vimos ao longo deste livro, custos
fixos afundados são universais. Uma empresa que deixa um setor provavelmente só será
capaz de recuperar uma pequena parte dos custos fixos em que incorreu para dar início à
produção e às vendas, e uma empresa não pode fechar sua planta, demitir seus
empregados, cessar a oferta de seus produtos em um dia e retornar sem custos no dia
seguinte.

Além disso, o próprio fato de que uma empresa tenha sido bem-sucedida na
predação uma vez terá influência sobre outras que considerem entrar no mesmo mercado.

3
Contudo, em sua detalhada análise de Standard Oil, McGee argumenta que não há evidências a suportar
a alegação de que redução de preço local foi usada como estratégia de discriminação predatória.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

Um entrante potencial não se apressará para entrar nesse mercado depois de ver o que
ocorreu com seu predecessor. Essa é uma das importantes objeções feitas por Yamey
(1972), que aponta que a predação desencorajará futuras entradas na indústria. Se uma
incumbente desenvolve uma reputação de reagir forte e agressivamente com relação à
entrada, competidores potenciais podem ser absolutamente desencorajados a entrar.
Embora tenha levado um bom tempo para que teóricos da teoria dos jogos viessem a
provar formalmente esse argumento da reputação, ele agora está rigorosamente
consagrado,4 como veremos na seção 7.2.3.2.

Talvez, o ponto mais desafiador feito por McGee seja o terceiro. Suponha que, de
fato, uma incumbente seja dotada de recursos financeiros extensivos, e um pequeno rival
não, embora ambos sejam igualmente eficientes. Por que o pequeno concorrente não
poderia obter mais financiamento de bancos e outras instituições de empréstimo? Afinal,
essas instituições deveriam entender que a predação não pode ser bem-sucedida se elas
fornecerem fundos ilimitados à presa, e, antecipando isso, a predação sequer aconteceria.
De novo, aqui, só recentemente, com o desenvolvimento das finanças corporativas, surgiu
uma história convincente para explicar por que a predação pode restringir ainda mais a
situação financeira das empresas, como se discutirá na seção 7.2.2.

Finalmente, note que o quarto ponto de McGee ressalta uma importante questão
geral, a saber: a predação precisa não só ser factível, mas também mais lucrativa que as
alternativas disponíveis para as incumbentes. Contra a questão específica de que a fusão
seria mais lucrativa que preços predatórios, três contra objeções podem ser feitas:
primeiro, adquirir um concorrente pode encorajar outros a entrarem na indústria com o
objetivo de se vender à incumbente para obter lucro: se uma fusão ganhar a reputação de
que novos competidores serão adquiridos, deixará de ser uma opção barata. Segundo, sob
a legislação antitruste, a aquisição de concorrentes pode não ser permitida para empresas
dominantes. Em terceiro lugar, como Telser (1966) e Yamey (1972) argumentaram,
predação e fusões não são necessariamente opções excludentes: comportamento de preços
agressivo pode muito bem resultar na pronta aquisição da presa a um baixo preço. A

4
O argumento foi provado por Kreps e Wilson (1982) e por Ordover e Saloner (1989) em um modelo de
predação com informação incompleta.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

estratégia de fusão, por conseguinte, não está necessariamente em contradição com a


estratégia de predação.

Realmente, Burns (1986) examina as despesas feitas pela American Tobacco para
adquirir 43 concorrentes entre 1891 e 1906 e encontra evidências econométricas de que
a predação reduziu substancialmente os preços de aquisição. A conduta de preços
agressiva ajudou tanto diretamente (reduzindo o preço da adquirida) quanto indiretamente
(estabelecendo uma reputação de ser uma predadora, que a fazia persuadir concorrentes
a se vender antes que um episódio de predação tivesse início).5

Essa discussão dos argumentos de McGee (1958) e suas possíveis contra objeções
levantaram as principais questões relacionadas com preços predatórios. A seguir,
resumiremos como a teoria econômica tem lidado com essas questões, fornecendo
convincentes histórias sobre por que a predação pode, de fato, ocorrer.

7.2.2 – Teorias recentes sobre preço predatório

Há um fio comum ligando todos os modelos recentes de preço predatório:


predação é um fenômeno que pode ser totalmente explicado apenas no contexto de
informação incompleta, ou seja, uma situação em que os participantes tenham alguma
incerteza.6 Em todos os casos, o predador tentará usar o conhecimento imperfeito do
entrante (ou dos investidores externos que o financiam) e se comportar para fazer crer
que o entrante não conseguirá obter altos lucros na indústria. Como resultado, o entrante
sairá do mercado ou seus emprestadores não mais se disporão a conceder empréstimos.

Essa manipulação de crenças pode existir apenas se houver alguma incerteza. Em


um mundo em que todas as empresas (e todos os agentes ativos na economia, assim como
investidores externos) sabem perfeitamente quais os recursos tecnológicos e financeiros

5
O fato de que a predação pode deprimir expectativas de lucros de competidores, persuadindo-os a se
vender a baixos preços, foi modelado por Saloner (1987).
6
Mais precisamente, na teoria dos jogos, um jogador tem informação imperfeita quando não conhece
antecipadamente a jogada do oponente e informação incompleta quando não sabe os recebimentos ou o
conjunto de ações disponíveis para os oponentes. Contudo, pode ser mostrado que um jogo de informação
incompleta pode ser reescrito como um jogo de informação imperfeita, conceito mais geral (os conceitos
de equilíbrio bayesiano perfeito e equilíbrio sequencial aplicam-se aos dois tipos de jogos).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

disponíveis para cada um, suas preferências e as dos consumidores, e suas habilidades de
se comportarem racionalmente, a predação jamais ocorreria: ou fica claro que uma
empresa dominante terá um incentivo para combater a entrada, e, nesse caso, a entrante
desde logo não terá incentivos para entrar (ou sairá imediatamente do mercado, caso já
tenha entrado) ou a dominante saberá que a predação não será bem-sucedida e, por
consequência, não predará. De um jeito ou de outro, preços predatórios jamais serão
observados.

Dentro do conjunto de modelos recentes (da teoria dos jogos) de predação,


podemos identificar três tipos principais: (1) modelos de reputação; (2) modelos de
sinalização; e (3) modelos de mercado financeiro ou de predação “bolso profundo”.7

7.2.2.1 – Modelos de reputação

A discussão da crítica de McGee apontou que a conduta de uma incumbente em


direção a um competidor corrente tende a ter um impacto sobre futuros concorrentes
potenciais também. Uma guerra de preços hoje, por consequência, pode encontrar sua
racionalidade na tentativa de criar uma reputação de ser uma incumbente forte e agressiva
para desencorajar a entrada (em outros mercados pelo mesmo concorrente ou no mesmo
mercado por outros no futuro próximo). Para entender como a teoria econômica explica
esse modelo de predação com base em reputação, considere o seguinte exemplo.

Suponha que exista um monopolista incumbente ativo em vários mercados


idênticos, nos quais ele usa a mesma tecnologia e produz os mesmos bens (uma rede de
lojas, digamos). Em cada um desses mercados, ele enfrenta um entrante potencial. Os
entrantes podem entrar um de cada vez. O jogo funciona assim: no primeiro mercado, o
primeiro entrante potencial decide se entra ou não, e, se a entrada ocorrer, a incumbente
decide se a combate ou se a acomoda. Então, o mesmo jogo é repetido, em um mercado
de cada vez.

7
A distinção entre modelos de reputação e sinalização é feita mais com o propósito de exposição e é, até
certo ponto, arbitrária. Ambos os tipos são modelos de jogos de informação incompleta que usam equilíbrio
sequencial ou bayesiano como método de solução.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

Chame-se de incumbente “fraca” aquela que tem custos mais altos que as
entrantes. Se o jogo for feito apenas uma vez, ela não brigará pela entrada no mercado,
porque não seria lucrativo lutar muito para fixar um preço baixo, que causaria perdas
tanto à entrante quanto à fraca incumbente. O insight de Selten (1975) foi mostrar que o
mesmo resultado – a entrada e acomodação do entrante – se aplica também quando o jogo
é repetido muitas vezes (de forma finita), desde que seja certo que o incumbente é mais
fraco. Considere o caso em que há dois entrantes: a despeito do que tenha ocorrido no
primeiro mercado, é certo que o segundo e último entrante será acomodado, já que a
incumbente incorrerá em perdas se lutar e não tiver motivo para construir uma reputação
forte se o jogo terminar. Mas, então, se o único motivo para combater a entrada for
construir uma reputação para deter futuras entradas, no primeiro momento não haverá
incentivo para o combate do mesmo modo: tanto a incumbente quanto a entrante no
primeiro mercado antecipam corretamente que, da vez seguinte, a incumbente não irá
combater, e a entrada ocorrerá. Em outras palavras, combater o primeiro entrante não
impedirá a entrada no segundo período. Assim, a incumbente não terá incentivo para o
combate; ao saber disso, a entrante seguirá em frente.8

O próprio Selten ficou perplexo com o resultado (que considerou “paradoxal”) de


que a predação nunca seria observada. Ele estava convencido de que, na realidade, haveria
uma forte razão para que a incumbente predasse entrantes para construir uma reputação
com o objetivo de deter futuras entradas.

A principal razão por trás desse resultado vem do fato de que entrantes sabem com
certeza (isto é, têm perfeita informação) que a incumbente terá um incentivo para
acomodar a entrada se o jogo se repetir mais que uma vez. Kreps e Wilson (1982)
mostram que, se houver incerteza, a predação ocorrerá.9 Suponha que, quando o jogo
começa, as entrantes acreditem que haja alguma probabilidade (possivelmente muito
pequena) de a incumbente não ser tão fraca quanto acabamos de descrever, mas, ao
contrário, seja “forte”: em outras palavras, uma empresa muito eficiente, cujos custos são

8
Com mais que dois períodos, a mesma lógica aplica-se repetidamente.
9
No modelo de Kreps e Wilson de informação incompleta, a predação por uma incumbente enfrentando
sucessivas entradas, pode ser explicada como um modelo de horizonte infinito com perfeita informação; é
uma reação ao modelo de Selten, do paradoxo da rede de lojas, com base em perfeita informação e que
presume uma cadeia finita de sucessivos entrantes.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

tão baixos que poderia obter lucros (em vez de perdas) mesmo se cobrasse preços abaixo
dos custos da entrante.

Claramente, uma incumbente forte sempre combaterá a entrada, mas não será
predação: ela é tão eficiente que pode fixar preços abaixo dos custos da entrante. A
questão interessante é outra: uma incumbente fraca pode explorar a incerteza das
entrantes e combater a entrada para fazê-las crer que, ao contrário, trata-se de uma
incumbente forte.10 De fato, Kreps e Wilson (1982) provam que uma incumbente fraca
combateria a entrada no início do jogo para estabelecer uma reputação de ser forte, com
o intuito de desencorajar entradas adicionais. A incumbente fraca acomodaria a entrada
apenas nos últimos períodos do jogo, na medida em que, quanto mais próximo do fim do
jogo, menor a expectativa de ganhos ao tentar se passar por forte. Em geral, em qualquer
período, a decisão de lutar da incumbente fraca reforça sua reputação de eficiente, mas
envolve o sacrifício de lucros correntes para deter a entrada e obter lucros maiores no
futuro. No início do jogo, o futuro é remoto o suficiente, e o trade-off está em favor da
luta, enquanto, à medida que o final do jogo se aproxima, há menos a ser ganho com a
detenção de futuras entradas (no limite, no último período, não há mais qualquer ganho
futuro), e o trade-off é em favor da acomodação.

7.2.2.2 – Modelos de sinalização

Modelos de sinalização de predação, como os de reputação, se baseiam em


informação imperfeita. Novamente, o entrante potencial não sabe se a incumbente tem
baixo custo (é forte) ou alto custo (é fraca), e a incumbente tentará explorar a incerteza
para deter a entrada. O primeiro modelo de sinalização é de Milgrom e Roberts (1982b)
e pode ser rapidamente resumido conforme segue.

Antes de tomar a decisão de entrada, uma entrante potencial observa os preços


estabelecidos por uma incumbente quando ela ainda é uma monopolista. Se for certo que
a incumbente é fraca, a entrada será lucrativa. Se for certo que a incumbente é forte, a

10
Note que a incerteza se opõe ao mesmo raciocínio como no jogo de informação perfeita de Selter:
considere o problema do último entrante. De acordo com o conceito de informação perfeita, é certo que a
entrada será acomodada e que ela, por conseguinte, entrará, a despeito de quantas vezes a incumbente tenha
combatido a entrada anteriormente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

entrada implicaria uma perda. Mas a entrante não tem essa informação com antecedência.
Pensa que provavelmente pode encontrar uma incumbente forte, mas que pode rever essa
probabilidade apenas observando o preço de monopólio da incumbente (ao passo que, se
entrar, ela saberá imediatamente se a incumbente é forte ou fraca). Nesse contexto, é claro
que uma incumbente fraca pode querer se passar por uma forte para tentar deter a entrada.
Contudo, uma forte não vai querer ser confundida com uma fraca, porque propiciará a
entrada, que rebaixará seus lucros.

Há dois possíveis equilíbrios nesse jogo: no primeiro (chamado “equilíbrio em


separado”), a incumbente eficiente estabelecerá um preço um pouco menor que seu preço
de monopólio no primeiro período (quando é a única empresa ativa), tão baixo que
nenhuma incumbente fraca o estabeleceria, porque implicaria incorrer em perdas muito
grandes. Como aqui não há espaço para fingir ser uma incumbente eficiente, a ineficiente
escolherá seu preço normal de monopólio. A entrante imediatamente saberá que tipo de
incumbente enfrenta: se o preço for baixo, só pode ser uma eficiente, e ela permanecerá
fora do mercado. Se o preço for alto, trata-se de uma incumbente ineficiente, e ela entrará.

Note que, nesse equilíbrio, pode-se dizer que há predação, no sentido de que a
incumbente de baixo custo está agindo “estrategicamente”, sacrificando lucros correntes
para deter a entrada e ganhar mais lucros no futuro. Mas, curiosamente, seu
comportamento não prejudica o bem-estar. Para entender o porquê, note que, em um
mundo de perfeita informação, a entrante que enfrenta uma incumbente de baixo custo
nunca entrará (como pressupõe o modelo), e os consumidores nunca pagarão o preço
normal de monopólio nos dois períodos. Nesse equilíbrio, ao contrário, a incumbente de
baixo custo cobra um preço muito mais baixo do que faria em outras circunstâncias para
sinalizar sua eficiência. Por conseguinte, enquanto no segundo período o preço de venda
é o mesmo, os consumidores se beneficiarão muito mais no primeiro período. De certo
modo, sinalizando sua própria natureza por meio de baixos preços, a incumbente de baixo
custo provê um serviço que aumenta a eficiência social.

No segundo equilíbrio (chamado “equilíbrio agregador”), ao contrário, não há


preço ao qual a incumbente de baixo custo possa vender lucrativamente e ser distinguida

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

de uma de alto custo. Como resultado, ela vai fixar seu preço normal de monopólio, e a
incumbente de alto custo irá imitá-la com o objetivo de deter entrada.11

Nesse caso, observamos predação por parte da incumbente ineficiente, que fixa
um preço mais baixo, de maneira diferente do primeiro período (apesar de, é importante
dizer, esse preço poder estar acima ou abaixo dos custos da incumbente), mas age como
uma monopolista nesse segundo período: sacrifica lucros correntes para aumentá-los no
futuro. O impacto sobre o bem-estar é mais provavelmente negativo nessa situação.12

O modelo de Milgrom e Robert faz lembrar o velho conceito de “preço-limite”,


proposto por Bain (1949) e Sylos-Labini (1979), muito popular na organização industrial
pré-teoria dos jogos. Preço-limite refere-se à possibilidade de que um monopolista
incumbente defina um baixo preço para deter entrada. A racionalidade dessa prática é
que, ao observar o baixo preço, uma entrante potencial irá esperar baixas margens na
indústria e, consequentemente, baixos lucros. Se lermos esses antigos trabalhos hoje em
dia, não nos convencerão, já que se baseiam em hipóteses muito fortes (uma delas de que
a empresa se compromete com um preço por determinado tempo, quando sabemos que
preços podem ser alterados no curto prazo), mas Milgrom e Roberts (1982b) moldaram a
teoria do preço-limite em termos rigorosos, com baixos preços como um sinal de que os
lucros esperados da entrada devem ser baixos.

Não obstante, os modelos de sinalização de predação não estão inerentemente


associados ao fato de a incumbente estabelecer um preço baixo. No modelo de sinalização
de custo descrito anteriormente, o custo da entrante não está correlacionado com o da
incumbente, de modo que a incumbente de baixo custo vira um problema para a entrante,
e faz sentido para a incumbente fingir ser de baixo custo fixando um preço baixo. No
entanto, considere uma situação em que a entrante não saiba realmente os custos que ela

11
A entrante não aprende nada observando os preços no primeiro período e decide se entra ou não com
base nas probabilidades ex ante de enfrentar uma incumbente fraca. Para o equilíbrio agregador existir, a
probabilidade precisa ser suficientemente baixa: a entrante permanecerá fora se esperar alta probabilidade
de enfrentar uma incumbente eficiente. Se contar com a alta probabilidade de enfrentar uma incumbente
fraca, entrará no mercado. Mas, nesse caso, poderá não ser um resultado de equilíbrio, já que a incumbente
de alto custo não terá razão para sacrificar lucros correntes sabendo que não é capaz de deter a entrada.
12
Para sermos precisos, o efeito líquido é ambíguo, a priori, já que envolve ganho no primeiro período e
perda no segundo. O efeito sobre o excedente do consumidor no segundo período tende a ser melhor, mas
é necessária cuidadosa verificação. Incidentalmente, deve-se lembrar que, em algumas circunstâncias, a
entrada envolve ineficiência produtiva. Se for esse o caso, haverá razão adicional para que a detenção da
entrada não seja prejudicial.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

própria terá e espera que sejam idênticos (ou altamente correlacionados) aos da
incumbente. Além disso, note que, em muitos casos em que duas empresas com custos
idênticos competem, os lucros das duas do duopólio diminuem os custos.13 Nessa
situação, a incumbente pode deter a entrada fixando um preço alto, porque sinalizará a
existência de custos altos para ambos (HARRINGTON, 1986).

Predação por fusões. Uma extensão do modelo de sinalização permite explicar


por que a predação pode ser usada para reduzir preços de aquisições de concorrentes,
estratégia discutida na seção 7.2.1. Saloner (1987) altera o modelo de Milgrom e Robert
ligeiramente para permitir que as empresas se fundam após o primeiro período (além
disso, no seu modelo, entrar enfrentando uma incumbente de baixo custo não dá ensejo a
perdas, mas apenas a lucros mais baixos). Nesse caso, fixar um preço mais baixo, que,
caso contrário, seria ótimo sinaliza para a entrante se ela deve esperar obter lucros altos
ou baixos após a entrada e, portanto, se deve se dispor a se vender à incumbente a um
preço alto ou baixo.

De novo, a predação toma a forma da fixação de preços mais baixos do que o


cálculo de curto prazo indicaria, mas, dessa vez, seu objetivo não é deter a entrada, mas
melhorar os termos pelos quais o concorrente aceitará ser adquirido.

Outros modelos de sinalização. Há vários outros modelos de sinalização, nos quais


a incumbente pode querer agir estrategicamente, de modo a fazer a entrante (ou um
competidor existente) esperar uma lucratividade menor se entrar (ou permanecer) na
indústria. Scharfstein (1984), por exemplo, analisa um modelo de “predação em teste de
mercado”, segundo o qual uma entrante tem um novo produto e não tem certeza sobre a
demanda. Por conta da incerteza, ela apresenta o produto primeiro em um teste de
mercado para ver como será recebido. A incumbente pode se engajar em várias práticas
predatórias (descontos secretos de preços aos consumidores, por exemplo) para fazer as
entrantes crerem que a demanda pelo produto será baixa, levando-a a abandonar o
mercado e reduzir sua escala de atividade.

13
O leitor pode verificar imediatamente que isso se sustenta, por exemplo, em um duopólio com bens
homogêneos, demanda linear 𝑝 = 1– 𝑄 e competição de Cournot. Com um custo marginal 𝑐, o lucro da
empresa é 𝜋 = (1– 𝑐)2 /9 e, portanto, é maior quanto menor for o custo 𝑐.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

Fudenberg e Tirole (1986) sugerem que a incumbente pode também se engajar em


“predação por interferência no sinal”, que impede a entrante de aumentar suas
informações. Em um modelo de teste de mercado, por exemplo, o propósito da entrante
é obter mais informação sobre a demanda, e o predador destrói esse propósito rebaixando
abertamente os preços. A entrante sabe que sua demanda é artificialmente baixa em
função dos preços implacáveis da incumbente, mas deixa de ter qualquer informação
sobre qual seria a demanda em condições competitivas normais. Na ausência de
informação, prefere sair. Um mecanismo similar de “interferência no sinal” pode ser
utilizado em outras circunstâncias, nas quais haja informação imperfeita (como em
mercados de capitais imperfeitos; veja a seguir).

7.2.2.3 – Predação e mercados financeiros imperfeitos

Conforme vimos, um ponto fraco da teoria da predação do bolso profundo é não


explicar por que a presa tem acesso limitado a financiamento. Se o mercado de capitais
fosse perfeito, um projeto lucrativo sempre encontraria um patrocinador financeiro.

A moderna teoria das finanças corporativas, focada nas imperfeições existentes


nos mercados de capitais, provê uma resposta para essas questões, levando à teoria da
predação do bolso profundo, segundo a qual o limitado acesso da presa a fundos é
endógeno, já que a predação afeta o risco percebido de se emprestar dinheiro, reduzindo
as fontes financeiras disponíveis para a presa.

O ponto fundamental da teoria é a existência de informação imperfeita por parte


dos emprestadores (bancos, detentores de capital ou outras instituições financeiras).
Emprestadores não necessariamente têm profundo conhecimento sobre o setor (ou não
podem observar algumas ações desempenhadas pelas empresas). Isso caracteriza as
relações entre o tomador e o emprestador. (Nesses modelos de principal-agente, o banco
é o “principal”, e a empresa é o “agente”.) O banco não pode ter certeza de que o dinheiro
emprestado seja usado de forma eficiente e competente, e não por um empresário em
benefício próprio ou de forma temerariamente arriscada (o chamado “problema do risco
moral”), e, consequentemente, terá de estabelecer um contrato que proteja seus interesses.
Como exemplo, ele pode conceder crédito a um tomador apenas no caso de ele ter uma

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

quantidade de ativos internos (como ganhos retidos). Por conta das restrições de crédito,
um projeto lucrativo pode não ser financiado.

Considere, agora, a concorrência entre uma incumbente e uma nova empresa. A


incumbente é bem estabelecida no mercado e acumulou recursos suficientes no passado,
enquanto a nova empresa não tem recursos próprios suficientes e precisa
significativamente de empréstimo para competir de igual para igual com a incumbente.
Em tal situação, a predação por parte da incumbente reduzirá as possibilidades de a nova
empresa obter financiamento, pois reduzirá seus lucros retidos e, portanto, seus próprios
ativos necessários para obtenção de novos financiamentos. É, portanto, o comportamento
agressivo da incumbente que endogenamente reduz os fundos disponíveis para a rival.

Uma possível objeção para esse argumento predatório é que o emprestador,


compreendendo que a predação pode ocorrer, destruindo, assim, sua possibilidade de
realização de lucros com o empréstimo, pode vir a ter interesse em impedi-la, anunciando
que financiará a presa independentemente de seu desempenho no mercado. No entanto,
talvez não seja ideal para o banco agir desse modo, pois poderia ampliar o escopo para
futuros problemas de agência. Se os administradores das empresas souberem que, a
despeito do que fizerem, serão refinanciados, terão incentivos para utilizar o dinheiro
emprestado pelo banco para aumentar seus próprios salários, embelezar as instalações das
empresas etc., em vez de realizar os esforços necessários para garantir que o
empreendimento seja competitivo. O banco, antecipando esse problema de risco moral,
não estará disposto a se comprometer com renovações de empréstimos,
independentemente da capacidade de reembolso das empresas.14

14
Uma hipótese crítica para o contrato de crédito ilimitado para deter a predação é que o contrato deve
envolver um compromisso totalmente convincente e não pode ser renegociado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

Figura 7.1 Estágio do jogo no tempo t, jogo do paradoxo da cadeia de lojas.

Para resumir, esses modelos proveem uma convincente história sobre o motivo de
a predação ocorrer. Uma vez mais, o comportamento agressivo de mercado é usado pela
incumbente para modificar as expectativas de rentabilidade da presa. Nesse caso em
particular, a predação afeta a avaliação do emprestador sobre o sucesso alcançável pela
empresa financiada por ele. Como resultado, a presa terá menor chance de obter um
empréstimo e se verá obrigada a sair da indústria ou reduzir sua escala de operação.

Veja Modelos de preço predatório no Quadro 7.1 anexo no material


complementar deste capítulo.

7.2.3 – Prática: como lidar com alegações de preços predatórios

Uma lição clara da seção 7.2.2.2 é que empresas incumbentes podem usar
estratégias de preços agressivas para deter entrantes e/ou forçar competidores a deixar a
indústria, apoiando-se em diferentes mecanismos: podem construir uma reputação de
serem resistentes, de modo a amedrontar entrantes potenciais e mantê-los fora do negócio;
podem querer fixar preços baixos para sinalizar a entrantes e pequenos competidores que
não esperem altos lucros naquela indústria; ou podem tentar erodir os recursos de uma
rival dificultando a obtenção de financiamento. Sem dúvida, as autoridades antitruste
devem estar atentas e esperar que algumas incumbentes façam uso de práticas predatórias
para criar ou fortalecer posições dominantes.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

Contudo, devemos tentar extrair um pouco mais da teoria econômica, não apenas
o resultado de que o preço predatório pode ocorrer. A seguir, fornecemos nossa
interpretação sobre as implicações políticas da teoria.

Em todas as teorias de preço predatório há um mecanismo comum: o predador


fixa preços baixos por um período, sacrificando lucros de curto prazo, de modo a fazer o
rival (ou emprestador) não esperar alta lucratividade. Quando o concorrente reformula
seus planos (ou o emprestador deixa de financiá-lo) e sai do negócio, abandona o projeto
de entrar ou reduz sua escala de operação, a incumbente aumenta os preços e recupera
altos lucros, a compensação de longo prazo das perdas iniciais.

Dois elementos devem ser salientados nesse mecanismo: (1) o sacrifício do lucro
de curto prazo; e (2) a habilidade de aumentar lucros no longo prazo exercendo poder de
mercado, uma vez que a predação tenha sido bem-sucedida. É nesses dois elementos que
o tratamento jurídico do preço predatório deve ser construído. Consequentemente, faz
sentido pensar em um teste em duas etapas para predação, conforme segue:15

1. Análise da indústria para determinar o grau de poder de mercado da empresa


supostamente dominante. Se não for dominante, arquivamento do caso; se for,
proceder com:
2. Análise da relação entre preços e custos:16
a. Um preço acima dos custos totais médios deve definitivamente ser considerado
legal, sem exceções.
b. Um preço abaixo do custo total médio deve ser supostamente legal, com o ônus
de prova em contrário a cargo da autoridade.
c. Um preço abaixo do custo variável médio deve ser supostamente ilegal, com o
ônus de prova em contrário a cargo do representado.

Note que esse teste reverte a lógica de (1) e (2). Isso ocorre porque a análise da
indústria pode, em muitos casos, ser mais simples de executar que o teste de preço acima

15
Joskow e Klevoric (1979) foram provavelmente os primeiros a sugerir um teste em duas etapas para
preços predatórios. Comparado com o deles, o aqui sugerido é provavelmente mais severo na primeira parte
(em que se exige dominância) e menos na segunda (presumimos que preços abaixo do custo total são legais,
desde que estejam acima dos custos variáveis médios).
16
Veja a seguir a diferença entre custos variáveis médios e custos totais médios.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

do custo e permitirá filtrar casos em que o predador claramente não é dominante,


economizando tempo e recursos. No que se segue, discutiremos o teste proposto.

7.2.3.1 – Habilidade para aumentar preços (há dominância?)

Um elemento necessário para predação é a habilidade de mais que compensar –


depois da exclusão do concorrente – os lucros menores obtidos durante o episódio de
predação. Claramente, isso requer poder de mercado da empresa, e, quanto mais forte ele
for, mais provavelmente ela ganhará no longo prazo pela saída (ou diminuição de
tamanho) da presa. Como poder de mercado é uma questão de grau, a questão é em que
ponto estabelecer a linha acima da qual a empresa será acusada de conduta predatória:
Pode uma oligopolista, entre muitas no setor que exerçam poder de mercado, ser acusada
de predação?

Na União Europeia e no Brasil, essa questão não chega a ser controversa, porque
a predação recai, no primeiro caso, na categoria geral de abuso de posição dominante, e,
no Brasil, práticas consideradas exclusionárias, inclusive preço predatório, requerem
também a demonstração de existência de poder de mercado. Consequentemente, uma
empresa oligopolista que não detenha posição dominante não será considerada culpada
de conduta predatória nessas jurisdições. A lei brasileira estabelece o limiar de presunção
de detenção de poder de mercado em 20%, embora a execução da lei indique que há
condenações por identificação de posições dominantes com participações bastante
superiores a 50%. Na UE, uma empresa com participação de mercado menor que 40%
provavelmente não será acusada de predação (ver o Capítulo 3 com relação à
dominância).

Nos Estados Unidos, a questão é muito menos clara, e os tribunais consideram


empresas culpadas de predação mesmo quando possuem participações de mercado
relativamente pequenas. Um caso em questão é o do Brooke Group, embora a decisão
final da Suprema Corte tenha descartado as alegações de predação após um veredito
inicial de condenação. Nesse caso, um pequeno produtor de cigarros, Liggett & Myers
(mais tarde, parte do grupo Brooke) registrou queixa contra a Brown e Williamson – que
detinha 12% do mercado de cigarros –, acusando-a de ter entrado no segmento de cigarros

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

genéricos e marcas próprias e vender abaixo do custo para retirar a Liggett – a principal
marca do segmento – do mercado.17

Um padrão de elevado poder de mercado é necessário para evitar o risco de


desafiar a concorrência em mercados oligopolistas. Seria paradoxal que as autoridades de
defesa da concorrência pusessem obstáculos a práticas utilizadas por empresas não
dominantes para aumentar seu poder de mercado. Suponha que uma empresa com uma
participação de mercado considerável (digamos, 20%) em uma indústria oligopolista na
qual haja empresas muito mais fortes (por exemplo, uma com 60% do mercado) tente
elevar sua base de clientes reduzindo preços. Suponha também que seu preço mais baixo
lhe permita roubar clientes da líder do mercado e de um pequeno competidor, com 5% do
mercado. O último pode, então, acusar a empresa que rebaixa preços de adotar preços
predatórios, e – se o preço estiver abaixo de determinada medida de custo (ver a subseção
a seguir) – o tribunal vai realmente considerá-la culpada de predação. Porém, em vez de
agir predatoriamente, o alegado predador não dominante está apenas tentando aumentar
sua participação de mercado com uma conduta agressiva, mas legal.

Há muitas razões pelas quais uma empresa não dominante pode querer fixar preço
abaixo do custo como parte de um processo competitivo normal. Considere uma indústria
caracterizada por custos de transferência (ver também o Capítulo 2): muitos
consumidores estarão presos à empresa dominante e só um significativo corte de preços
poderá convencê-los a trocar de vendedor. O mesmo argumento vale para mercados com
externalidades de rede (ver também o Capítulo 2): se forem suficientemente importantes,
um corte substancial de preços será necessário para que uma empresa ganhe
consumidores o bastante e alcance massa crítica. Ou pense em indústrias caracterizadas
por curvas de aprendizado íngremes ou importantes economias de escala:18 em vez de
ficar confinada como participante de nicho, uma empresa pode querer reduzir preços e
aumentar a produção de modo a descer na curva de custo e aumentar sua eficiência.19
Finalmente, uma empresa pode cobrar um preço abaixo do custo se houver alguma

17
Para uma discussão sobre esse caso, ver Burnett (1999), Bolton et al. (2000) e Elzinga e Mills (2001).
18
Em ambos os casos, as curvas de custo médio têm o mesmo formato.
19
Neste último caso, a empresa pode se defender mostrando que seu preço está abaixo dos custos correntes,
mas não dos custos esperados no futuro. Por essa razão, qualquer que seja a medida de custo utilizada, é
importante que os custos “antecipados razoavelmente” sejam considerados, como discutido por Areeda e
Turner (1974). Ver a seguir.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

complementaridade de produto com outro mercado. Se o segundo for mais importante


para ela, será lucrativo no curto prazo (e positivo para os consumidores também) que um
decréscimo nos preços do mercado em questão aumente a demanda do bem
complementar.

Note também que os mesmos argumentos (com exceção da defesa de bens


complementares) não irão se aplicar a uma empresa dominante na indústria na qual ocorra
a suposta predação. Uma dominante não pode alegar que precisa de preços promocionais
para incrementar suas vendas, uma vez que já está consagrada no mercado, seus
consumidores já estão aprisionados por custos de transferência e efeitos de rede, e,
presumidamente, ela já atingiu a escala eficiente mínima de produção que lhe permite se
beneficiar dos efeitos de aprendizado.

Assim, o teste de poder de mercado deve abranger apenas dominantes, não


qualquer oligopolista que detenha algum poder de mercado. Reconhecidamente, em
circunstâncias especiais, pode existir um predador não dominante, e tal teste o deixará
impune. Mesmo assim, será um pequeno preço a pagar comparado com um teste que
estabeleça uma barreira menor. Um teste assim criaria incerteza jurídica mais elevada,
uma vez que muitas condutas oligopolistas poderiam ser alvos de denúncia de predação.
Como resultado, o processo competitivo normal seria prejudicado, já que as empresas
poderiam temer ações acusando-as de predação caso fixassem preços muito baixos. Além
disso, a litigância seria muito mais estimulada, o que absorveria energia e recursos das
autoridades antitruste e distrairia a atenção tanto de representantes quanto de (acima de
tudo) representados em processos, afastando recursos e energias da atividade produtiva
para atividades legais.

Finalmente, note que a existência de dominância deve se referir ao período em


que começa o primeiro suposto episódio de predação, não em datas posteriores. Caso
contrário, pode-se encontrar predação em uma situação na qual, na verdade, duas ou mais
empresas estão competindo ferozmente em um mercado caracterizado por custos de
transferência, efeitos de rede e economias de escala, inicialmente de igual para igual, mas
só uma é bem-sucedida ex post (ver a seção 7.2.4.3).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

7.2.3.2 – Sacrifício de lucros de curto prazo

Nos modelos de preço predatório analisados, o sacrifício de lucros de curto prazo


significa que o predador-incumbente não está escolhendo o preço (ótimo) 𝑝∗ que
escolheria idealmente se tivesse certeza da presença da rival-presa, mas, ao contrário, um
preço menor, vamos dizer 𝑝′ , com o qual ele realiza lucros correntes menores.20 De
qualquer maneira, não há relação necessária entre o preço p' escolhido para excluir o rival
e qualquer medida de custo da incumbente (por exemplo, 𝑝′ poderia ser abaixo ou acima
dos custos marginais da incumbente). Em outras palavras, a teoria apenas diz que a
incumbente escolhe um preço com o qual ela realiza menos lucros no curto prazo em
outras circunstâncias, mas não afirma nada quanto a esse lucro ser negativo ou não.

Caso se queira aplicar a teoria literalmente, deve-se estar pronto a entrar em águas
turbulentas, em que os passos necessários para a investigação de predação serão o cálculo
do preço ótimo 𝑝∗ e a prova de que o preço 𝑝′ é menor. Claramente, isso não é factível.
Por mais sofisticado que sejam os gestores da empresa, é improvável que tenham noção
de qual seja o preço ótimo: a posteriori, agências antitruste e tribunais acharão impossível
estabelecer quais lucros foram sacrificados no sentido de que o preço fixado pela
incumbente está abaixo de outro que ela deveria ter estabelecido se não tivesse tentado
forçar a rival a sair da indústria.

Não obstante, há um caminho alternativo para se estabelecer o sacrifício dos


lucros correntes: reinterpretar o conceito e defini-lo não como obtenção de lucros menores
do que possível em outras circunstâncias, mas lucros negativos. Em outras palavras, o
sacrifício de lucros de curto prazo será estabelecido se o preço de predação alegado 𝑝′
estiver abaixo de (alguma medida apropriada de) custos.

Essa abordagem apresenta uma referência mais clara: durante o episódio de


suposta predação, os lucros do predador devem ser menores que zero, ou seus preços,
menores que os custos. Infelizmente, essa regra ainda está longe de ser facilmente

20
Como já foi dito, Harrington (1986) mostrou que, em algumas circunstâncias, a incumbente pode fazer
manobras para forçar a exclusão usando um preço mais alto que o ótimo no curto prazo, mas focalizaremos
o caso mais provável, em que a predação envolve preços baixos. Essas considerações que se seguem nos
levam a propor uma regra segundo a qual um elemento necessário da predação é o preço abaixo de (alguma
medida de) custo. Assim, qualquer predação por preços altos não será detectada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

implementada na prática. Mas antes de discutir a implementação prática da regra, vamos


fazer algumas observações adicionais.

Essa regra nada mais é do que muitos tribunais vêm fazendo e comentadores de
antitruste vêm sugerindo há muito tempo: uma condição necessária (embora não
suficiente) para provar uma alegação de monopolização predatória (ou abuso de
dominância) é que o predador realize perdas durante o tempo de predação. Essa regra faz
bastante sentido. Uma empresa que obtém lucros deve ser excluída de acusações de
predação porque ninguém pode provar que ela poderia ter obtido mais lucros se tivesse
agido diferentemente. Uma empresa que realiza lucros negativos, ao contrário, deve ser
um predador, embora haja outras razões pelas quais uma companhia deseje cobrar abaixo
do custo, como vender produtos perecíveis, que, de outra forma, ficariam encalhados
(causando, assim, perdas maiores), fazer ofertas promocionais, estimular a venda de
produtos complementares e daí por diante (veja a seguir).

Essa regra, no entanto, reconhecidamente deixa alguns casos de predação a


descoberto. Conforme vimos – na teoria –, uma empresa pode escolher preços
estrategicamente para excluir rivais mesmo sem chegar a vender preços abaixo do custo.21
Pela dificuldade de se provar que o preço estaria mais baixo do ótimo, poderia haver ainda
outra possibilidade: encontrar documentos nas instalações do predador que mostram que
os gestores estavam, de fato, dispostos a sacrificar lucros no curto prazo para excluir
concorrentes.

No entanto, tais evidências não poderiam substituir uma prova objetiva.


Afirmações do tipo “vamos reduzir preços para mostrar a eles que somos eficientes”, ou
“... para que eles saiam”, ou mesmo a existência de planos de negócios com o objetivo de
reduzir preços para dificultar a vida de competidores, podem ser evidências
complementares, mas não consideradas provas independentes e objetivas de sacrifício de
lucro de curto prazo, se a incumbente estiver realizando lucros a esses preços. Afinal, se
uma rival ineficiente entrar na indústria, uma incumbente eficiente pode ter direito a
reduzir preços em resposta à entrada e saber que essa ação determinará a saída da rival.
Porém, isso é parte do processo competitivo que as agências antitruste devem estimular:
a saída de uma empresa ineficiente da indústria não prejudica o bem-estar.

21
Em outras palavras, essa abordagem reduz erros do Tipo 1, mas não reduz erros do Tipo 2.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

De maneira semelhante, se uma incumbente provoca a saída de uma rival


reduzindo preços, mas em um nível em que ainda realiza lucros, significa que o
concorrente provavelmente é muito menos eficiente que a incumbente. Assim, é
improvável que haja grande perda de bem-estar com a saída.

Para resumir, um teste de “preço abaixo do custo” talvez não nos permita abranger
todos os casos possíveis de predação. Porém, os casos não cobertos por esse teste seriam
provavelmente poucos e muito especiais. O custo de tal erro parece pequeno.

Compare essa situação com o erro de permitirmos uma constatação de predação


com preços acima dos custos. A ausência de uma regra objetiva baseada em observáveis
(preços “ótimos” não são observáveis) iriam introduzir um elemento de incerteza jurídica
e arbitrariedade. Isso pode não só ter um efeito particular nos casos em investigação (as
empresas podem ser consideradas culpadas de monopolização embora não sejam), mas
sérias consequências em toda a economia, pois empresas dotadas de poder de mercado
hesitariam em reduzir preços para que não fossem acusadas de forçar competidores
menores para fora da indústria ou impedir a entrada de novos rivais. Já que preços baixos
aumentam o excedente do consumidor e o bem-estar e criar circunstâncias favoráveis para
baixos preços deveria ser um objetivo de qualquer política de concorrência, o risco de
dissuadir as empresas a fixarem preços baixos é muito grande.

Qual é a definição de custos no teste de “custos abaixo do preço”? Determinar se,


a certo preço, uma empresa está obtendo lucros positivos ou não (isto é, vendendo acima
ou abaixo do custo) é uma tarefa muito difícil. Primeiro, deve-se decidir qual medida de
custo usar no exercício de avaliação.

Areeda e Turner (1974) em um artigo que influenciou a prática antitruste no


mundo inteiro, argumentam que a melhor medida de um ponto de vista conceitual seria o
custo marginal, já que uma empresa que fixa preços abaixo do custo marginal claramente
não maximiza lucros de curto prazo. Contudo, eles sugerem usar na prática o custo
variável médio – definido como a soma de todos os custos variáveis dividida pelo produto
– como um substituto para custo marginal, por conta “da dificuldade de averiguar o custo
marginal de uma empresa”. O custo incremental de fazer ou vender a última unidade não
pode prontamente ser inferido da contabilidade de negócios convencional, que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

tipicamente não vai além de mostrar o custo médio variável observado.


Consequentemente, pode ser necessário usá-lo como indicador do custo marginal.22

Assim, Areeda e Turner (1974: 733) sugerem que:

(a) Um preço no nível ou acima do custo médio variável razoavelmente antecipado


deve ser conclusivamente presumido como legal.
(b) Um preço abaixo do custo médio variável razoavelmente antecipado deve ser
presumido como ilegal.

Não há, provavelmente, casos suficientes para dizer o que os tribunais em


diferentes jurisdições atualmente julgam ser preços predatórios. Contudo, de acordo com
Bolton, Brodley e Riordan (2000),
“Sob a legislação atual dos Estados Unidos, um preço acima do CMT (Custo Médio Total)
é conclusivamente legal, enquanto um preço abaixo do CVM (Custo Variável Médio) é,
no mínimo, suspeito. Um preço entre o CVM e o CMT é por vezes considerado ilegal,
dependendo de outros fatores. Mas as decisões judiciais não são consistentes, e os
tribunais crescentemente se apoiam na referência de CVM como principal critério para a
ilegalidade.”23
Não apenas os tribunais, mas alguns acadêmicos descartariam preço predatório
apenas se estiver acima do custo total médio (isto é, se a empresa for capaz de recuperar
os custos fixos também), em vez de acima do custo variável médio. Joskow e Klevoric
(1979) sugerem que seria mais apropriado julgar qualquer preço abaixo do CTM como
predatório (desde que a parte estrutural do teste seja cumprida, o suposto predador deter
suficiente poder de mercado), já que, em uma situação na qual uma empresa realiza
perdas, não pode haver um equilíbrio. No entanto, o problema de usar o CTM é a
exigência de que uma companhia recuperasse todos os custos fixos afundados, padrão
muito rigoroso. Suponha que uma incumbente realize algumas despesas fixas que espera
recuperar por meio de lucros de monopólio. Logo em seguida, uma empresa
inesperadamente entra no mercado, e a competição normal faz a incumbente reduzir

22
Custo marginal é “o custo incremental ao custo total que resulta de produzir um incremento adicional de
produto. É função apenas dos custos variáveis, pois os custos fixos, por definição, não são afetados por
mudanças na produção”. “[Custos variáveis] tipicamente incluem itens como materiais, combustíveis,
trabalho diretamente usado para produção, trabalho indireto, como pessoal administrativo, energia, reparo
e manutenção, royalties unitários e taxas de licenças.” É claro que tal conceito deixa de fora custos fixos
que não variam com a produção, a qual “... tipicamente incluirá a maior parte das despesas administrativas,
dívida mobiliária, depreciação, impostos sobre propriedade e outras despesas gerais” (AREEDA &
TURNER, 1974: 700).
23
Custo médio total são todos os custos (incluindo custos fixos) divididos pelo total da produção.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

preços em um nível que os investimentos em custos fixos afundados não podem ser
recuperados. Nesse caso, um preço abaixo da regra de CTM encontraria predação mesmo
onde não há. O inconveniente é evitado pelo conceito de CIM (Custos Incrementais
Médios), definido por Bolton et al. (2000) como

“o custo por unidade de fabricar um produto adicional para servir às vendas predatórias. O
CIM difere do CVM em pelo menos duas formas. Primeiro, não é medido pelo total de
produção da empresa, mas apenas sobre o incremento da produção usado para suprir as
vendas predatórias adicionais. Segundo, custos incrementais incluem não apenas custos
variáveis mas também quaisquer custos fixos incorridos na expansão para servir às novas
vendas. Custo incremental é um padrão melhor que o custo médio variável ou custos totais,
porque reflete mais acuradamente o custo de se fazer vendas predatórias”.24
Consequentemente, esses autores presumiriam como ilegal um preço abaixo do
CIM e legal um preço acima do CTM, com uma área cinza no meio.

Para resumir, uma série de diferentes padrões de custo foi proposta na literatura.
Em particular, tanto o custo médio variável quanto o custo incremental médio são padrões
adequados e racionais. Talvez o CIM atenda melhor ao conceito de predação, mas pode
ser que não seja sempre tão fácil na prática identificar precisamente os custos incorridos
para determinada produção e/ou isolar a produção predatória da total.

No entanto, seria importante ter cautela ao constatar comportamento predatório


em casos em que o preço está acima do custo variável médio (ou custo incremental
médio): a possibilidade de que uma empresa seja acusada de preço predatório se fixar
preços que lhe permitem recuperar custos variáveis mas não custos fixos totais (ou seja,
um preço acima do custo variável médio mas abaixo do custo total médio) parece muito
rigorosa e pode encorajar outras a manter preços mais elevados nessa circunstância.

Portanto:

1. Um preço acima dos custos totais médios deve definitivamente ser considerado
legal, sem exceções.
2. Um preço abaixo dos custos totais médios, mas acima dos custos variáveis
médios, deve ser presumidamente legal, com o ônus de provar o contrário da
autoridade antitruste.

24
CIM é um conceito muito próximo da medida de custo evitável médio sugerido por Baumol (1996).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

3. Um preço abaixo dos custos variáveis médios deve ser presumidamente ilegal,
com o ônus de provar o contrário da representada.

Para os casos em que o custo incremental médio possa ser calculado, deverá ser
usado no lugar do custo variável médio.

Deve ser obviamente muito importante, para salvaguardar a segurança jurídica,


que as agências antitruste expressem o critério que querem seguir em claras orientações.

7.2.3.3 – Testando preço predatório: uma discussão mais aprofundada

Esta seção comenta outros elementos que podem surgir durante um caso de preços
predatórios: intenção, prova e recuperação, prova de efeitos anticompetitivos e cobertura
de preços dos concorrentes como defesa. Também lida com alegações de preço predatório
em mercados de alta tecnologia, questão mais recentemente debatida. Finalmente,
criticam-se algumas leis e regulamentos europeus recentes, que proíbem empresas de
vender abaixo do custo.

Intenção (existência de um esquema predatório). Em muitos casos de predação,


há evidências colhidas da documentação interna de que os gestores do suposto predador
intencionavam excluir um novo entrante ou forçar um competidor a sair da indústria.
Como se devem tratar esses documentos?

Por um lado, e-mails, minutas e outros documentos internos, em que um ou mais


gestores adotam linguagem muito forte contra competidores e afirmam que querem
eliminá-los, matá-los ou algo parecido, não devem ser tratados com tanta importância,
pois podem ser encontrados nas sedes de qualquer empresa e – corretamente ou não – são
parte da linguagem usual de negócios. (Deveríamos suspeitar muito mais de gestores que
afirmam querer ser gentis com concorrentes; nesse caso, sugere-se imediata abertura de
investigação de cartel!)

Por outro lado, seria difícil desprezar evidências da existência de um plano


articulado para excluir concorrentes menores, ao custo de sacrifícios temporários de
lucros. Se houver provas de que uma estratégia de negócios coerente foi posta em
operação com propósitos exclusionários, especialmente se tais documentos revelam a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

intenção de atingir um objetivo com a perda, o ônus da prova de que não houve predação
passaria para o suposto predador.

Não necessidade de provar recuperação ou sucesso da predação ex post. O teste


proposto sugere olhar para o poder de mercado existente do suposto predador para ver se
há a habilidade de recuperar perdas no longo prazo. Note que é muito diferente de
verificar e houve de fato recuperação de perdas ou se ela está a caminho. Essa avaliação
deve ser feita, de todo modo, de um ponto de vista ex ante, não ex post, e a empresa não
pode se defender dizendo que, afinal, não conseguiu recuperar suas perdas. Em outras
palavras, o predador não pode se beneficiar do fato de ter mal calculado a oportunidade
de recuperar perdas, de que a presa acabou demonstrando ser mais “durona” do que ele
inicialmente pensava ou de que a ação antitruste imediata encerrou o episódio predatório
antes que ele pudesse atingir seu objetivo.25 Da mesma maneira, se as duas etapas do teste
– poder de mercado e preço abaixo do custo – forem atendidas, não se admite como defesa
que a predação não foi efetiva ou que a exclusão não ocorreu.

Não necessidade de prova de dano ex post para os consumidores. A política


antitruste tem por objetivo proteger a concorrência, não os concorrentes. Assim, pode
parecer estranho que não haja um requerimento explícito de dano ao consumidor em um
teste de predação. Contudo, preço predatório, como estabelecido pelo propósito do teste,
resultará em menor excedente do consumidor na vasta maioria dos casos. Com certeza, é
possível conceber modelos em que a predação ocorre sem que o excedente do consumidor
seja prejudicado (isso pode acontecer, por exemplo, em modelos de sinalização). No
entanto, o fato de que o predador espera recuperar perdas elevando preços depois da
exclusão aponta para um horizonte suficientemente longo de preços altos (no futuro) com
peso maior que os baixos preços (correntes). Consequentemente, deve-se esperar um
efeito negativo sobre o excedente líquido do consumidor, o que leva à suposição de efeitos
anticompetitivos.26

25
A legislação brasileira é clara ao dissociar a prática da necessidade de que efeitos objetivos ou danos
pretendidos sejam realizados. O caput do art. 36 da Lei 12.529/2011 (mesma redação do caput do art. 21
da antiga Lei 8.884/94) define: “Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa,
os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos,
ainda que não sejam alcançados (…).” (Destaque da tradutora.)
26
Note que essa pressuposição se aplica apenas a preços predatórios. Argumentaremos na seção 7.3.1 que
uma abordagem bem diferente deve ser adotada em alegações de investimentos predatórios.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

Em particular, não deve ser aceito como defesa que os consumidores acabaram ex
post por se beneficiar do suposto episódio predatório, pelas razões expressas na subseção
anterior: o fato de que os baixos preços não foram seguidos por preços suficientemente
altos pode ter sido devido a mau cálculo do predador, ação antitruste ou resistência da
presa mais forte que a esperada.

Por outro lado, o suposto predador pode, de forma concebível, ter uma defesa de
eficiência para seus preços abaixo do custo – por exemplo, quando atua em mercados
complementares. Se tiver argumentos convincentes a esse respeito, o ônus da prova
estiver sobre ele, e os preços estiverem abaixo do custo médio variável, deve-se excluir
dano à concorrência.

Cobrir a oferta de um concorrente como defesa. Faz parte do processo competitivo


normal que a entrada de um competidor provoque uma reação das incumbentes, levando-
as a reduzir preços.27 Por conseguinte, observar que os preços de uma dominante
decrescem após uma entrada não é per se uma prova de comportamento estratégico.
Claramente, uma regra contrária, que obrigue uma dominante a não reagir à entrada,
causaria danos ao processo competitivo e conduziria a distorções de mercado (qualquer
empresa ineficiente estaria convidada a entrar).

Contudo, a cobertura de oferta de uma concorrente não deveria ser aceita se fizer
a incumbente precificar abaixo dos custos variáveis médios.28 Como vimos antes, existem
muitas razões pelas quais um entrante ou empresa menos estabelecida possa querer fixar
preços abaixo do custo por um período para ganhar novos clientes e superar a
desvantagem competitiva criada, por exemplo, por custos de transferência, efeitos de
rede, economias de escala. Em tais situações, como vimos no Capítulo 2, um preço muito
agressivo pode ser o único instrumento disponível para uma nova empresa ganhar
consumidores, atraindo-os da incumbente. Enquanto algumas perdas iniciais são
perfeitamente justificadas para uma nova empresa e fazem parte do processo competitivo
normal, o mesmo não vale para uma incumbente que desfrute de posição dominante.
Consequentemente, cobrir a oferta de preço de um competidor não pode ser considerado
defesa aceitável se implicar preços abaixo do custo variável médio para a incumbente.

27
O leitor poderá verificar que isso ocorre na maioria, se não em todos, os modelos de oligopólio.
28
Ver Areeda e Turner (1974: 715).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

Reciprocamente, um preço acima dos custos totais médios será legal mesmo se implicar
rebaixar preços com relação a um concorrente menor ou uma entrante.

Preços predatórios em mercados de alta tecnologia. Nos anos recentes, há um


fluxo de casos de grande destaque envolvendo empresas de alta tecnologia, desde IBM,
passando por Microsoft e Intel, e, mais recentemente, QualCom, Motorola, Apple e
Google. Um exemplo de destaque foi o caso Microsoft, objeto de diversas investigações,
nos Estados Unidos e na Europa (e, por motivos diferentes, no Brasil). Esses casos foram
muito complexos e envolveram uma série de alegações, incluindo a possibilidade de a
Microsoft visar excluir um competidor, a Netscape, do mercado de browsers, como forma
de evitar ser desafiada no mercado de sistemas operacionais.

Sem buscar discutir o mérito dessas alegações, alguns comentadores


argumentaram que a análise antitruste tradicional não estaria bem adaptada para mercados
de alta tecnologia, como os de softwares de computadores.29 Tais mercados são
caracterizados por custos fixos extremamente elevados e custos marginais muito baixos
– se não nulos (assim como custos variáveis médios). Pense, por exemplo, em softwares:
a principal despesa em que as empresas incorrem para desenvolver novos pacotes de
software é em P&D. Além disso, o custo de produzir uma unidade a mais do item, seja
na forma de CD ou por download, é próximo de zero. Eles são também caracterizados
por externalidades de rede muito importantes, seja direta (quanto mais pessoas usarem
um mesmo software, mais feliz fico, porque é mais provável que eu possa trocar arquivos
com elas) ou indiretamente (quanto mais pessoas usarem o mesmo sistema operacional,
mais feliz fico, porque mais provável que desenvolvedores de softwares escreverão
aplicativos executáveis no meu sistema operacional).30 Isso significa que se deve esperar
competição muito intensa nos primeiros estágios do mercado, até que ele se incline em
favor de uma empresa, que, então, se tornará dominante e usará seu poder de mercado

29
Ver Ahlborn et al. (2001) e Schmalensee (2002).
30
Sistemas operacionais de computadores, como outros mercados caracterizados por externalidades de
rede, são mercados de dois lados, quer dizer, aqueles em que o sucesso de um produto depende de ser aceito
por dois diferentes grupos de consumidores. Outro exemplo de mercados de dois lados é o de cartão de
crédito (lojistas e consumidores). Para uma análise de estratégia de preços e efeitos concorrenciais em tais
mercados, ver Rochet e Tirole (1999, 2001), Schmalensee (2002) e Evans (2002).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

para recuperar as perdas realizadas nos momentos iniciais, até que uma nova tecnologia
apareça e substitua a antiga, levando ao fim a antiga liderança.31

Embora concordemos que se deva ter cuidado ao lidar com acusações de predação,
(1) esses mercados não apresentam aspectos desconhecidos das indústrias na era da
tecnologia pré-informação; (2) nem é necessária uma nova política antitruste para lidar
com eles. Quanto ao primeiro ponto, exemplos de indústrias com custos fixos afundados
muito fortes e relativamente baixos custos variáveis podem ser encontrados em todo
lugar: pense nos produtos ao consumidor caracterizados por pesada propaganda e
indústrias, como química, farmacêutica e engenharia, com altas despesas de P&D.32 O
setor de tecnologia de informação não é o único em que os efeitos de rede desempenham
papel importante. Eles podem ser vistos em indústrias tradicionais, como brinquedos,
sapatos e design – onde quer que a moda e tendências desempenhem um papel (enquanto
algumas pessoas ficam mais felizes por comprar produtos exclusivos, a vasta maioria
parece querer o que as outras têm), e, evidentemente, os efeitos de rede são relevantes
para eletrodomésticos, telefones fixos, ferrovias, gravações etc.

Quanto ao segundo ponto, note que o teste anterior proposto para preço predatório
(variante para uma longa tradição que remonta a Areeda e Turner, 1974) permite lidar
com muitos dos temores expressos por, por exemplo, Ahlborn et al. (2001). Uma empresa
que cobra abaixo dos custos totais médios (o que pode ser facilmente verdade quando os
custos fixos são importantes) não necessariamente é considerada culpada, mesmo se tiver
posição dominante. E, com mais certeza, se duas ou mais empresas estiverem competindo
pelo mercado de um setor em particular e nenhuma tiver uma posição dominante no
início, o fato de cobrarem abaixo do custo para ganhar o mercado (e de terem a intenção
de exclusão, já que lutam para se tornar a monopolista) não pode levar a qualquer
acusação, uma vez que a primeira etapa do teste (não dominância) não é satisfeita. Em
outras palavras, se não houver dominância ex ante, o caso de predação deve ser
abandonado.

31
Ver Shapiro e Varian (1999) para uma interessante e acessível análise dos mercados de tecnologia da
informação e Shy (2001) para uma análise simples das indústrias de rede. Breshanan (1998) apresenta uma
teoria de monopólios sucessivos em um contexto dinâmico.
32
Sutton (1991, 1998) provê uma detalhada análise – rica também em estudos de caso – de estudos com
altos custos fixos afundados e baixos custos variáveis.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

A existência de efeitos de rede e de importantes gastos em P&D não deve ser


desculpa para uma dominante tentar manter poder de mercado por meio de práticas
anticompetitivas. A regra deve se manter para mercados de alta tecnologia como para os
tradicionais, e, se uma dominante tentar preservar sua posição por meio de preço
predatório, deverá ser punida.

É interessante o caso em que uma dominante em um produto tenta entrar em um


novo mercado de um produto complementar ou independente, com frequência o caso de
mercados de alta tecnologia – pense na Microsoft, que foi se transferindo
progressivamente para browsers, softwares de áudio e vídeo, serviços de mensagens
instantâneas, softwares de jogos e daí por diante. Como deve ser tratada? Não há resposta
a priori para essa pergunta. Primeiro, se os produtos são complementares, lembre-se de
que uma empresa terá o interesse (honesto) de cobrar preços mais baixos que duas
companhias separadas teriam, de modo a estimular a demanda, uma vantagem para os
consumidores também. Como vimos repetidamente (ver o Capítulo 6), ter o fornecimento
de dois produtos pelo mesmo monopolista é usualmente melhor que de dois produtos por
dois monopolistas diferentes!

Em segundo lugar, as pessoas em geral estão preocupadas com companhias


grandes e bem estruturadas, que busquem estender seus poderes de um mercado para
outro. Contudo, se os mercados são complementares, vimos que é mais provável ser
benéfico para os consumidores. Se os mercados forem independentes não é
necessariamente ruim. Em mercados caracterizados por importantes efeitos de rede e
outros atritos, pode ser muito difícil ultrapassar o atual líder, e uma empresa que consiga
contar com importantes ativos de P&D, marketing e financeiros, pode alcançar o que uma
pequena empresa não conseguiria.33

Assim, nem sempre é ruim quando uma grande empresa tentar entrar em um novo
mercado de produto.

Preço abaixo do custo médio variável não é uma regra geral. Em muitos países da
União Europeia, existem leis e regulações que se aplicam a setores específicos ou à

33
Cestone e Fumagalli (2001) mostram que alocação de recursos financeiros dentro de um grupo de
negócios, quando não observável por empresas externas, afeta o comportamento de mercado de produto
das unidades de negócios.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

economia como um todo que proíbem preços abaixo do custo, vendas promocionais,
brindes, ofertas “dois pelo preço de um”, descontos acima de certo limiar. Revendedores
não são autorizados a venderem com perda na França, Espanha, Itália, Irlanda,
Luxemburgo, Bélgica, Portugal e Grécia. Em geral, essas leis são resultado de lobbies de
lojistas e pequenos negócios que consideram predatórios ou desleais cortes de preços
agressivos de cadeias de supermercados nacionais ou grandes empresas. No entanto, a
obrigação resultante de cobrar acima dos custos aplica-se a qualquer companhia,
independentemente do poder de mercado que ela possua e das razões pelas quais o corte
foi feito.

Não há justificativa para tal abordagem regulatória, que protege os competidores


(por razões sociais e políticas) em vez de proteger a competição. Repetindo o ponto: há
muitas razões (custos de transferência, externalidades de rede, produtos complementares)
pelas quais uma empresa pode querer realizar uma perda temporariamente, e são parte do
processo competitivo normal. Proibi-las a priori em base generalizada tem o efeito de
dificultar a concorrência e reduzir o bem-estar do consumidor. Se há razões para crer que
uma cadeia de supermercados específica está vendendo abaixo do custo para forçar
pequenos lojistas a sair do mercado, uma ação antitruste própria deveria ser aberta para
investigar a prática. Se, ao contrário, a preocupação for com a sobrevivência de pequenos
negócios, como argumentado no Capítulo 1, esse objetivo de política pública deverá ser
atendido por meio de outros instrumentos (como políticas fiscais), com menos efeitos
distorcivos sobre a concorrência.

7.3 – PRÁTICAS DE MONOPOLIZAÇÃO NÃO PREÇO

Há uma série de instrumentos além dos preços que uma empresa pode utilizar para
forçar a saída ou deter a entrada na indústria de concorrentes menores, que incluem
investimentos estratégicos (seção 7.3.1) e decisões de incompatibilidade (seção 7.3.3);
outros instrumentos, como contratos de exclusividade e recusa de oferta, foram já
analisados no Capítulo 6.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

7.3.1 – Investimentos estratégicos

Vimos que, quando uma dominante reduz preços, primeiro é muito difícil
discernir se a redução foi devida a um comportamento genuíno e legal de concorrência
ou anticompetitivo; segundo, baixos preços é algo de que os consumidores gostam, de
modo que é preciso muito cuidado para não desencorajar as empresas a reduzir preços. O
problema básico reaparece ao olharmos para investimentos em capacidade, P&D,
propaganda, qualidade de produto, novas marcas e daí por diante. A teoria diz que – assim
como nas decisões de preço – uma empresa dominante pode usar as decisões de
investimento de forma estratégica; para forçar os competidores a deixar o mercado ou
persuadi-los a não entrar de jeito algum.34 Contudo, primeiro é difícil reconhecer na
prática se certo nível de investimento é fruto de uma tentativa “honesta” da empresa de
ser mais competitiva e atraente para os consumidores ou se, ao contrário, é movida pelo
desejo de obter ou reforçar uma posição de monopólio. Segundo, já que mais investimento
tem um efeito positivo sobre o bem-estar, uma abordagem muito cautelosa precisa ser
adotada para não desencorajar as empresas a empreender projetos bem-vindos.
Argumentamos que, por conta dessas dificuldades, apenas em casos muitíssimos
excepcionais, faria sentido acusar uma empresa de sobreinvestimento; além do mais, o
ônus da prova deveria estar com quem acusasse, no caso, a agência antitruste, não com a
parte acusada, a representada.

Contudo, a incumbente pode também agir de forma estratégica e tentar


desencorajar totalmente a entrante de entrar de todo. Ela pode, por exemplo, escolher
investir em uma tecnologia particularmente custosa e eficiente, a ponto de a entrante não
esperar ser suficientemente lucrativa a adoção pela incumbente. Em outras palavras,
investir na tecnologia mais eficiente representa um compromisso convincente de ser um
feroz competidor em caso de entrada. Chame 𝑥 𝑝 , em que 𝑝 significa “predatório”, o nível
de investimento (maior que 𝑥 𝑖 ) que pode fazer a entrante reconsiderar as decisões de

34
Veja, por exemplo, os trabalhos clássicos de Spence (1977) e Dixit (1980) sobre investimento em
capacidade e os trabalhos mais recentes de Choi (1996) e Farrell e Katz (2000) sobre P&D e mercados
complementares.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

entrada.35 Quando a rival observa que a incumbente investiu (ou se comprometeu a


investir) 𝑥 𝑝 , ela se retira.

Claramente, 𝑥 𝑝 é mais alto do que a lucratividade de curto prazo requereria, já que


um nível de investimento mais baixo 𝑥 𝑖 seria o nível de investimento que a incumbente
escolheria se não tentasse afetar as decisões de entrada da rival potencial. Não obstante,
a expectativa de lucros monopolistas continuados (devidos à detenção da entrada), podem
tornar lucrativo o investimento mais custoso.

Algumas observações são necessárias aqui. Primeiro, não foi dito que o nível de
investimento de detenção de entrada será sempre o escolhido. Mesmo que seja factível
deter a entrada (por exemplo, porque se sabe que o rival iria desistir de seus planos de
entrada depois de observar 𝑥 𝑝 ), não é necessariamente lucrativo. O custo afundado
requerido pela tecnologia de 𝑥 𝑝 pode ser muito alto, de modo que seria mais conveniente
conviver com o competidor.

Segundo, as autoridades devem proteger a concorrência, não os concorrentes. Em


outras palavras, mesmo no irreal exemplo anterior, em que pudemos estabelecer que foi
decidido apenas para impedir a entrada, não pudemos necessariamente concluir que o
sobreinvestimento é anticompetitivo por duas razões:36 primeiro, porque, quanto menor
o custo, menor o preço que o monopolista cobra, de modo que é concebível que os
consumidores possam ganhar com a tecnologia mais eficiente (no período anterior à data
do plano de entrada da outra empresa, os preços eram menores e também podem ser com
um monopolista eficiente que em um duopólio ineficiente).

A segunda e mais importante razão pela qual seria muito difícil identificar
predação por motivos estratégicos na prática é que não há variáveis observáveis nem
níveis de referência evidentes que se possam usar para decidir se houve sobreinvestimento
estratégico ou não. Imagine um tribunal tendo de avaliar a queixa de um concorrente com
relação a um sobreinvestimento estratégico de uma incumbente para deter entrada. A

35
Em nome da simplicidade, presume-se que a entrante não pode usar a mesma tecnologia, por exemplo,
por conta de o tamanho do mercado não ser grande o suficiente para duas empresas recuperarem tão
importantes custos afundados endógenos. Veja o Capítulo 2 para custos afundados endógenos.
36
Um argumento adicional, não considerado aqui, é que a entrada pode não ser sempre fortalecedora de
bem-estar, por causa da duplicação de custos afundados. Consequentemente, é possível, em princípio, que
o bem-estar seja maior quando a incumbente age estrategicamente que ao contrário.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

única variável observável aqui é o nível de investimento real feito pela incumbente, 𝑥 𝑝 .
Como pode ser provado que, se ela não quisesse deter a entrada, a incumbente teria
escolhido outro nível mais baixo de investimento? Ela dirá que escolheu o nível de
investimento que a torna competitiva vis-à-vis à entrante, e em caso algum no mundo real
poderemos ter certeza de que uma entrante desistiria ou não dos planos de entrada depois
de observar.

A própria noção de que um tribunal ou uma autoridade antitruste pudesse


considerar uma empresa culpada por conduta anticompetitiva por ter “investido
demasiado” poderia criar um perigoso precedente: as empresas se refreariam de investir
por receio de serem investigadas por abuso de dominância e monopolização.

Considerações similares são aplicadas a preços predatórios, mas com duas


diferenças: primeiramente, para preços predatórios existe uma referência possível: se uma
empresa coloca preços abaixo dos custos variáveis médios, existe uma suposição de ação
anticompetitiva. Mas não existe referência no que diz respeito a investimentos.

Em segundo lugar, preços baixos são reversíveis, enquanto a maior parte dos
investimentos não é. E, de fato, um compromisso total é fundamental para o argumento
de detenção de entrada estratégica. (Se a decisão de investimento fosse reversível, a
entrante se inseriria.) Como resultado, os consumidores se beneficiarão do investimento
mesmo depois de a “predação” terminar, sempre que a ação do incumbente envolver a
instalação de nova capacidade, investimentos em P&D (pense na criação de um novo
laboratório e na contratação de pessoal relacionado e cientistas), a introdução de uma
nova marca, se sustentada por despesas de propaganda e marketing (desde que específicas
para a nova marca) e daí por diante.37 Outras coisas permanecendo constantes, o
argumento indica que as perdas com o investimento anticompetitivo serão menores que
com o preço predatório.

Em geral, portanto, enquanto é teoricamente possível que uma incumbente


sobreinvista em propaganda, P&D ou capacidade, no lançamento de novas marcas, ou
engajando-se na proliferação de produtos com o propósito de deter a entrada

37
Judd (1985) usa um modelo em que uma incumbente pode usar posicionamento de produto para deter
entrada, e o autor considera que a incumbente pode, mais tarde, retirar a marca a baixo custo se quiser.
Consequentemente, o compromisso com o investimento é reduzido, e o entrante não será detido.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

estrategicamente ou forçar a saída de rivais menores, parece difícil sugerir uma regra que
permita identificar esse comportamento na prática.

Veja Investimentos estratégicos para impedir a entrada no Quadro 7.2 anexo


no material complementar deste capítulo.

7.3.2 – Venda casada (em pacote)

Em muitas situações, um produto é oferecido por um vendedor sob a condição de


que outro seja comprado,38 fenômeno conhecido como venda casada. Seu jornal favorito,
no domingo, custa mais caro e traz uma revista suplementar de moda, beleza e tendências,
cuja capa estampa os dizeres: “Não pode ser vendido separadamente”, mesmo que você
não esteja interessado na revista nem nos assuntos sobre os quais ela discorre. Tente
comprar outro jornal de domingo em qualquer lugar do mundo: todos adotam a mesma
política. Não obstante, há outros exemplos menos evidentes de venda casada que mostram
como o fenômeno é generalizado nos negócios: uma agência de viagens pode vender uma
passagem aérea com acomodação em hotel; um fabricante de automóvel vende um carro
completo, com tapetes, ar-condicionado e outros adicionais; computadores vêm com
sistema operacional, softwares e outros aplicativos, contratos com operadoras de telefonia
oferecem TV a cabo, acesso à internet banda larga, telefonia fixa, telefonia celular e
serviço de mensagem por SMS e assim por diante. São exemplos de vendas casadas ou
vendas em pacotes: diferentes bens ou serviços são vendidos conjuntamente em
proporções fixas.

Uma diferente categoria de exemplos pertence ao chamado condicionamento de


exigências, que ocorrem quando um vendedor exige que um comprador adquira não
apenas determinado bem, mas também unidades de outro: aqui, os dois bens são vendidos
em proporções variáveis. Por exemplo, uma companhia de telefone celular pode querer
vender apenas sob a condição de que você faça chamadas telefônicas da mesma

38
Para sermos mais precisos, esses são exemplos de pacotes puros. Pacotes mistos ocorrem quando a
empresa oferece aos consumidores a escolha entre um pacote e produtos ou componentes separados. Por
exemplo, um restaurante pode oferecer tanto um menu fixo quanto a possibilidade de escolha à la carte.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

companhia, não de operadoras rivais, ou uma empresa de fotocópias pode lhe vender uma
máquina desde que você concorde em comprar apenas o toner dela.

Esta seção analisa por que as empresas podem optar pelas vendas casadas
(usamos, indiferentemente, os termos “vendas casadas” e “pacote” ou “atamento”, que
significam o mesmo) e quais são os efeitos prováveis de tais estratégias de negócios. A
seção 7.3.2.1 mostra que o atamento frequentemente tem uma racionalização de eficiência
muito natural (e, portanto, efeitos pró-competitivos). Mas há duas possíveis razões pelas
quais o atamento pode fazer decrescer o bem-estar. A primeira (seção 7.3.2.2) é que
permite discriminar preços entre consumidores com preferências diversas (o que é
verdade tanto com venda em pacotes quanto com condicionamento de exigências).
Infelizmente, como para a discriminação de preço em geral (ver a seção 7.4), os efeitos
de venda casada sobre o bem-estar são ambíguos. A segunda (seção 7.3.2.3) lida com a
antiga divergência de que, ao atar dois produtos, um monopolista pode estender seu
monopólio sobre o mercado de produto do segundo produto. O pensamento da Escola de
Chicago mantém que isso seria não lucrativo, mas modelos recentes indicam razões
estratégicas pelas quais o atamento pode permitir a monopolização em um segundo
mercado. A seção 7.3.2.4 apresenta as principais conclusões de política retiradas da
análise.

7.3.2.1 – Razões de eficiência do atamento

Em alguns casos, vender componentes conjuntamente tem evidentes justificativas


de eficiência. Por exemplo, a montagem de todas as partes diferentes que compõem um
computador é muito mais custosa para um consumidor típico que para um fabricante de
computadores, que pode contar com pessoal especializado e maquinário apropriado; seria
demorado comprar separadamente sapatos e cadarços ou diferentes partes de um
automóvel e montá-lo. Assim, em muitos casos, os princípios da divisão do trabalho e
das economias de escala implicam ser mais eficiente a comercialização de certos
componentes em conjunto que em separado.

Em outros casos, atar diferentes componentes ou produtos pode também ser uma
resposta eficiente à informação assimétrica. Imagine, por exemplo, que um computador

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

pudesse ter o melhor desempenho apenas com certos componentes, ou que dirigir um
carro com pneus diferentes dos recomendados pelo fabricante pudesse se tornar perigoso,
ou que uma fotocopiadora fornecesse péssimas fotocópias sem um tipo específico de
toner. Então, as empresas optariam por incorporar o tipo correto de partes e componentes
ao produto final, para superar possíveis problemas de reputação que poderiam surgir caso
os consumidores não montassem os componentes da forma adequada. Tal prática seria
lucrativa para a empresa: os consumidores iriam desfrutar da melhor qualidade possível
dos produtos adquiridos.

É claro, quando se avaliam ganhos de eficiência, deve-se levar em consideração


que o atamento não é a única maneira disponível para superar problemas de informação.
Por exemplo, um fabricante de automóveis poderia especificar os tipos de pneus para seus
carros, apontar quais componentes devem ou não ser instalados em seus computadores, e
o produtor de máquinas copiadoras deveria indicar quais toners podem ser usados. Às
vezes, informação é suficiente para resolver os problemas, outras não, dependerá do caso
específico.

Em um caso de venda casada amplamente citado, ocorrido nos Estados Unidos,


da antiga geração do setor de computadores, IBM (International Busineess Machine
Corporation) versus US, a IBM afirmava que seus clientes deveriam usar apenas os
cartões de perfuração para computadores IBM, por motivos de qualidade: cartões ruins
levavam ao mal funcionamento e travamento dos computadores, com perdas para sua
reputação. No entanto, a Suprema Corte considerou que a IBM deveria resolver possíveis
problemas de qualidade, seja fornecendo publicidade adequada sobre a alta qualidade de
seus cartões, seja condicionando os aluguéis a um requerimento de padrão mínimo de
qualidade de cartões a serem usados com máquinas IBM.39

7.3.2.2 – Atamento como mecanismo de discriminação de preços

Mesmo que nenhuma das justificativas tecnológicas ou informacionais prévias


existam, as empresas podem ainda ter outras razões para fazer uso do atamento. Em

39
Para mais informações sobre este e outros casos de venda casada, ver Scherer e Ross (1990, 562-9).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

particular, tanto a venda em pacotes quanto o condicionamento de exigências permitem


às empresas aumentar lucros ao funcionar como mecanismos de discriminação de preços,
como explicado a seguir.

Tabela 7.1 Valoração dos bens pelos consumidores.

Venda em pacote. Considere um exemplo bem simples, em que um monopolista


vende dois bens, A e B, para dois consumidores, 1 e 2. O Consumidor 1 se dispõe a pagar
no máximo $7 pelo Bem A e $5 pelo Bem B. O Consumidor 2 se dispõe a pagar no
máximo $4 pelo Bem A e $8 pelo Bem B (ver a Tabela 7.1). Suponha também que o
monopolista conheça as disponibilidades dos consumidores, mas não possa cobrar preços
diferentes de cada um (porque é ilegal); os consumidores compram no máximo uma
unidade de cada bem, para simplificar, o custo de produção do monopolista seja zero.

Se o monopolista vender os produtos separadamente, escolherá o preço de A igual


a 4 e venderá o produto para ambos os consumidores, perfazendo um lucro de $8 com o
Bem A (se cobrasse $7, venderia apenas uma unidade e teria um lucro de $7), e venderá
B a $5, perfazendo um lucro de $10 com o Bem B (cobrando $8, venderia apenas uma
unidade e teria lucros mais baixos também). No total, ele ganhará $18.

Se, ao contrário, o monopolista vender os dois produtos em um pacote, ele poderá


cobrar $12, e já que os dois consumidores irão comprar, ele terá um lucro total igual a
$24. Claramente, a venda em pacote lhe permite extrair mais excedente dos consumidores
e aumentar seus lucros.

Há várias contribuições para a literatura econômica que tentam entender em que


condições as empresas têm incentivos para vender em pacotes. Mais interessante para
nosso propósito, contudo, é notar que as implicações sobre bem-estar de tal prática de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

atamento são ambíguas.40 Podem-se imaginar exemplos em que vendas em pacote


aumentam o bem-estar e outros em que reduzem.41

Condicionamento de exigências como instrumento de medida. Algumas vezes, os


consumidores usam determinados produtos de forma mais ou menos intensiva. Por
exemplo, alguns podem utilizar uma máquina fotocopiadora muito frequentemente,
enquanto outros apenas ocasionalmente, o que refletiria diferentes disponibilidades do
valor pago pela máquina.42 Quando isso acontece, uma empresa pode querer usar um
instrumento de medida, uma forma de separar os consumidores de acordo com a
intensidade de uso (e, consequentemente, disponibilidade de pagamento), e fazê-los pagar
de forma respectiva, de modo a extrair o máximo de excedente possível deles. Em termos
ideais, a empresa mediria a intensidade do uso diretamente. No entanto, se o fabricante
da máquina copiadora requerer que o consumidor compre toner apenas dele, a exigência
efetivamente funcionará como instrumento de medida da intensidade da demanda, uma
vez que, quanto mais frequentemente ele fizer cópias, mais frequentemente irá necessitar
repor os cartuchos de toner. A empresa poderá, portanto, manter baixo o preço da máquina
copiadora (de modo a atrair mais consumidores com menor intensidade de demanda a
comprá-la) e cobrar um alto preço pela unidade do bem complementar (o cartucho de
toner), de modo a extrair excedente de acordo com a disponibilidade de pagamento dos
consumidores.43

Embora seja claro que vendas atadas beneficiam a empresa, os efeitos sobre bem-
estar são ambíguos. Podemos mostrar que, se todos os consumidores comprarem a mesma
quantidade quando há atamento que quando não há, o bem-estar será menor sob o
atamento. Contudo, a estratégia de atamento permite vender para alguns consumidores

40
Atamento aqui funciona muito como discriminação de preços (ver a seção 7.4), cujo impacto sobre o
bem-estar é também a priori ambíguo.
41
Ver Adams e Yellen (1976). Uma razão pela qual conclusões mais perspicazes sobre os efeitos sobre o
bem-estar de venda casada não estão disponíveis é que é difícil analisar o atamento com hipóteses gerais
sobre as preferências dos consumidores.
42
Scherer e Ross (Capítulo 15) usam o mesmo exemplo.
43
Esse é um mecanismo de discriminação de preços muito similar ao usado pelo vendedor que oferece uma
tarifa em duas partes (por sua vez, equivalente a desconto em quantidades): usando uma taxa fixa e um
componente variável nos preços, a empresa faz manobras para extrair excedente dos consumidores com
diferentes intensidades de demanda. Ver a seção 7.4.1.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

que, de outra maneira, não comprariam o bem (ou seja, a estratégia aumenta a demanda)
e causa um efeito líquido positivo sobre o bem-estar.

Até agora, em vista dos fatos de que o atamento pode causar importantes efeitos
de eficiência e de que, mesmo na ausência da racionalidade de eficiência, o impacto sobre
o bem-estar é a priori ambíguo, há pouca fundamentação econômica para um tratamento
implacável para o atamento. Antes de delinear qualquer conclusão, contudo, devemos
olhar os possíveis efeitos exclusionários dessa estratégia.

7.3.2.3 – Atamento exclusionário em modelos recentes

O primeiro autor a oferecer uma explicação convincente sobre por que o atamento
exclusionário pode ser lucrativo foi Whinston (1990). Ele mostra que um monopolista
incumbente em um mercado de Produto A que se comprometa a atá-lo a outro Produto
independente B pode excluir um competidor do último mercado. Isso porque o
compromisso de vender os dois produtos juntos efetivamente age como um compromisso
de ser mais agressivo no Mercado B: a incumbente sabe que todo consumidor que preferir
comprar a versão do concorrente no Mercado B não irá comprar seu Produto A (no qual
há altas margens, já que ele é um monopolista).44 Por sua vez, a competição mais feroz
no mercado reduzirá os lucros do concorrente no caso em que o monopolista não ate as
vendas e pode forçá-lo a deixar a indústria se os lucros reduzidos não forem grandes o
suficiente para cobrir os fixos. (Note também que a competição mais agressiva pode
reduzir os lucros da incumbente se o concorrente continuar ativo. Adiante voltaremos às
implicações desse ponto.)

Note, porém, que a exclusão do concorrente não é necessariamente lucrativa para


a Empresa 1: se ela se comprometeu a vender o produto em um pacote, pode ser que
alguns consumidores que comprariam o Produto A apenas pela combinação com o
Produto B da concorrente jamais comprem o pacote; isso pode acontecer, por exemplo,
se eles não valorarem muito A e se preferirem fortemente a versão do concorrente do

44
Embora, com a venda casada, a incumbente apenas estabeleça um preço único para os dois produtos
vendidos conjuntamente, é como se ela vendesse o Produto B independentemente, como se o custo fosse
menor, ou seja, é o próprio custo unitário de produzir B menos a margem unitária nas vendas do Produto
A. Custo menor implica comportamento de mercado mais agressivo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

Produto B. Em outras palavras, se a incumbente estiver vendendo uma versão de má


qualidade do Produto B, é improvável que – mesmo se puder excluir o produto de
qualidade superior do rival – considere isso lucrativo.

É importante salientar que os efeitos exclusionários ocorrem enquanto o pacote


tem valor de compromisso, quer dizer, enquanto a incumbente puder se comprometer
irreversivelmente com a venda de dois produtos conjuntamente, por exemplo, por design
de produto e por processo tecnológico. De outra maneira, a exclusão não irá ocorrer: a
concorrente sabe que, se ela entrar ou permanecer no mercado, a incumbente reverterá
sua decisão de atamento, pois também reduzirá seus lucros quando ambas estiverem
ativas no mercado (lembre-se de que atamento implica competição mais agressiva, o que
destrói lucros se as duas empresas estiverem no mercado).

Note também que, nesse modelo, atamento não tem como pressuposto qualquer
papel de eficiência (feito para salientar os efeitos anticompetitivos). Quando se avalia
bem-estar na prática, deve-se ter em mente que atamento pode ter efeitos de
fortalecimento da utilidade do consumidor diretamente e isso pode contrabalançar efeitos
exclusionários. Em outras palavras, a defesa de eficiência deve ser permitida para o
monopolista incumbente que supostamente usar atamento para excluir competidores.45

Whinston também mostra que, quando os bens são complementares, a exclusão,


em geral, não é lucrativa. Continue com o exemplo anterior, mas suponha agora que os
Produtos A e B sejam complementares em proporções fixas: o Bem A é um produto
necessário, e nenhum consumidor compraria B sozinho. Nesse contexto, um
compromisso de atamento trivialmente excluiria o concorrente: se A fosse vendido
apenas em combinação com o Produto B da incumbente, ninguém compraria o Produto
B do concorrente.

No entanto, ao não vender em pacote, a incumbente só se beneficia. Chame de 𝑝̃


o preço ótimo do pacote sob monopólio. Suponha que, quando não vende os produtos em

45
Whinston (1990: 845) também aponta que, mesmo quando o atamento exclui e é lucrativo, é
necessariamente prejudicial para o bem-estar: os consumidores perderão com isso (os preços de monopólio
sob pacotes serão provavelmente mais elevados, e haverá menor variedade do Produto B sob oferta), mas,
em princípio, esse efeito adverso sobre o bem-estar pode ser sopesado com a economia de custos fixos do
concorrente. Presume-se, no entanto, que deverá haver excesso de entrada no mercado do ponto de vista do
bem-estar social, ocorrência teoricamente possível, mas de aplicação pouco clara e impossível de se
verificar empiricamente.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

pacote, a incumbente escolha para o Mercado B o preço 𝑝𝐵 igual a 𝑐𝐵 , seu custo marginal
de produzir B, e, para o Mercado A, o preço 𝑝𝐴 igual a 𝑝̃ − 𝑐𝐵 . Por conta da política de
preço, dois casos podem acontecer. Considere primeiro o caso em que o concorrente não
está ativo no mercado: a única questão importante para os consumidores é a soma dos
preços dos dois bens, e a incumbente se beneficiará tanto quanto se montasse o pacote, já
que 𝑝𝐴 + 𝑝𝐵 igual a 𝑝̃ (tanto o preço quanto a demanda são iguais aos do pacote).

Considere agora o caso em que o concorrente é ativo quando a incumbente não


monta o pacote e usa a política de preço descrita na situação anterior. Em geral, haverá
dois efeitos oriundos da presença do concorrente: (a) alguns consumidores que não
estavam comprando da incumbente vão migrar para o concorrente (outros ficarão com a
incumbente). Mas isso não reduz os lucros da incumbente: ela ainda venderá o Produto
A para todos os consumidores (aqueles que compram dela o B e os que compram o mesmo
produto do concorrente) e obterá sobre eles a mesma margem (𝑝̃ − 𝑐𝐵 ) − 𝑐𝐴 , de quando
vende em pacote. A demanda perdida nos Produtos de B não chega a representar lucros
perdidos, contudo: B é vendido ao custo unitário sob o esquema de preço demonstrado,
logo, os lucros de B são zero, de toda maneira. (b) Alguns consumidores que não estavam
comprando da incumbente sob o esquema de pacote passarão a comprar quando houver
alternativa de escolha para o Produto B. Claramente, esse feito aumentará os lucros da
incumbente, já que atrairá demanda adicional para o Produto A (sobre o qual a
incumbente realiza lucros positivos).

Whinston (1990) considera dois exemplos específicos nos quais uma incumbente
lucrativamente usa atamento para excluir competidores em mercados complementares:
um em que o produto não é essencial, o outro em que uma alternativa inferior do Produto
A existe. Geralmente, contudo, a complementaridade torna menos provável – embora não
impossível – que uma incumbente use atamento para propósitos exclusionários.

Choi e Stefanadis (2001) também consideram produtos complementares. Em seu


trabalho, uma incumbente monopoliza ambos os componentes e enfrenta uma entrante
em cada mercado. Cada entrante potencial pode chegar ao mercado com um componente
se tiver uma inovação bem-sucedida. No entanto, inovar envolve investimento fixo inicial
e é, portanto, arriscado. Nesse contexto, se a incumbente se comprometer com o atamento,
a entrada no mercado com um componente será possível apenas se ambas as inovações
forem simultaneamente bem-sucedidas. (Quando a incumbente está montando o pacote,
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

se uma das entrantes obtiver a inovação, ela não terá demanda até que os bens sejam
complementares.) Assim, o atamento reduz os incentivos para investir, e,
consequentemente, será menos provável que inovações surjam e que entrantes venham a
desafiar a incumbente.46

Mesmo nesse modelo, no entanto, não é claro que a incumbente considerará


sempre lucrativo atar a venda de dois produtos. Por um lado, a venda em pacote evitará a
saída do mercado se ambos os concorrentes forem simultaneamente bem-sucedidos; por
outro lado, reduzirá o lucro da incumbente se apenas um for bem-sucedido. No último
caso, de fato, ela fará uso do investimento do rival, já que usará o poder de monopólio do
outro componente para extrair alguma renda gerada pela inovação do rival.

Carlton e Waldman (2002) apresentam um mecanismo similar, por meio do qual


o atamento permitirá à incumbente deter a entrada em um Mercado complementar B para
proteger o monopólio do Mercado A.47 Inicialmente, a incumbente enfrenta um entrante
potencial no Mercado B e só depois outra empresa pode decidir se entra ou não no
Mercado A. Atando A a B, a incumbente pode deter o primeiro entrante no Mercado B
(isso ocorre logo que estiver suficientemente incerta de que haverá ou não futura entrada
no Mercado A), o que, por sua vez, torna menos provável que um segundo entrante queira
se inserir no Mercado A (porque a incumbente será a única produtora no mercado
complementar).

Tanto em Carlton e Waldman (2002) quanto em Choi e Stefanadis (2001), o


mecanismo básico de exclusão é o mesmo: a entrada em um mercado depende do sucesso
da entrada no mercado complementar. Esse mecanismo nos faz lembrar dos trabalhos em
que o acordo de exclusividade detém a entrada explorando externalidades entre entrantes
potenciais, que leva à questão do que pode ocorrer se os entrantes puderem se coordenar
(em Choi e Stefanadis, os entrantes podem pertencer à mesma empresa, mas as
probabilidades de sucesso em dois mercados são ainda independentes, uma hipótese

46
Atamentos exclusionários na presença de investimentos de P&D são também considerados em Choi
(1996). Farrell e Katz (2000) olham para os incentivos para investir e para os efeitos resultantes sobre o
bem-estar, quando um monopolista de um componente também está presente em um mercado
complementar competitivo (a análise deles não se refere necessariamente a atamento).
47
O modelo, por conseguinte, conta uma história reminiscente do caso US versus Microsoft, no qual a
Microsoft foi acusada de atar o Internet Explorer, seu browser de Internet, a seu sistema operacional, o
Windows, para forçar o navegador Netscape a sair do mercado e preservar o monopólio da Microsoft nos
Estados Unidos no mercado de sistemas operacionais.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
47

difícil. Parece razoável esperar que exista correlação entre probabilidade de sucesso
quando uma mesma empresa contesta a entrada em ambos os mercados).48

Em todos esses modelos, o atamento pode ter seus efeitos estratégicos


(exclusionários) apenas na medida em que envolva compromissos confiáveis, como
quando o atamento envolve o funcionamento da produção ou a concepção do produto. Se
o atamento for feito apenas em decisões de marketing ou na entrega de produto, pode ser
facilmente revertido, e o efeito de compromisso estará ausente (efeitos estratégicos não
existem). Por exemplo, esses modelos não podem ser invocados em dois casos
americanos frequentemente mencionados: Times-Picayune versus US e United Shoe
versus US. No primeiro caso, uma editora de Nova Orleans, que tinha o único jornal
matinal, passou a fazer venda casada do espaço de propaganda no jornal da manhã com
o espaço do jornal da tarde (em que ela enfrentava novos concorrentes). No segundo caso,
a United Shoes vendia os serviços de reparo de calçados com o leasing de suas máquinas.
Em ambos os casos, seria difícil argumentar que havia um compromisso tecnológico com
a venda casada (WHINSTON, 1990: 839).

7.3.2.4 – Prática: avaliação de práticas de atamento

Como a discussão prévia nos deu a entender, as implicações de bem-estar das


vendas em pacote são para lá de ambíguas, e lidar com elas na prática é extremamente
complexo. Na maioria dos casos, vendas em pacote geram efeitos de eficiência que irão
beneficiar os consumidores; em alguns casos, pode haver efeitos exclusionários
prejudiciais, que deverão ser sopesados com possíveis efeitos de eficiência. Em alguns
outros, vendas casadas podem ser feitas para discriminar preços: nesse caso o impacto
imediato sobre o consumidor e sobre o excedente total será ambíguo, mesmo na ausência
de qualquer efeito de eficiência; por conseguinte, é ainda menos provável que sejam
prejudiciais quando houver eficiências.

Tradicionalmente, vendas casadas têm sido vistas com muita suspeita pelas
autoridades antitruste e pelos tribunais, e, por muito tempo, nos Estados Unidos, seu

48
Ver Rey, Seabright e Tirole (2001) para críticas específicas ao modelo de Carlton e Waldman.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
48

tratamento foi muito próximo de uma proibição per se (ver o Capítulo 1). Uma abordagem
tão rígida não é justificada.

Para começar, faz sentido investigar práticas de vendas em pacote quando


adotadas por empresas com considerável poder de mercado. Já que o maior temor é o
efeito exclusionário do atamento, empresas que não detenham posição dominante devem
ter a liberdade de usar esquemas de pacotes quando quiserem. Consequentemente, um
“porto seguro” pode ser aconselhável para empresas com participação de mercado em
cada produto menor que, digamos, 40%.

Essa abordagem pode parecer generosa à primeira vista, mas justifica-se pelo
número de possíveis efeitos de eficiência que derivam do atamento: os consumidores
ganham em muitos aspectos por não ter de se incomodar juntando produtos (ou serviços)
ou procurar por diferentes ofertantes para obter os diferentes componentes de produtos
(ou serviços) que requerem e dos quais necessitam. A venda em pacote pode, assim, fazer
uma empresa não dominante se tornar mais competitiva, resultando em um efeito positivo
sobre o bem-estar.

Particularmente elucidativo a esse respeito foi o caso Ilford, em que as autoridades


do Reino Unido impediram a empresa de fazer a venda casada de filmes fotográficos e
revelação, acelerando sua queda com relação à Kodak. Nos anos 1960, o mercado de
filmes coloridos era dominado no mundo inteiro pela Kodak. No Reino Unido, a Kodak
concentrava em torno de 80% das vendas, enquanto a Ilfold detinha menos de 15% de
participação de mercado. Uma das razões da dificuldade da Ilfold em alcançar a Kodak
eram justamente os efeitos (indiretos) de rede. A Ilfold usava um sistema de
processamento que diferia da dominante Kodak, e isso representava um obstáculo na
difusão com processadores independentes. A resposta da Ilfold para o problema foi
vender os filmes com o processamento incluso. Um consumidor comprava o filme e,
depois de tirar as fotos, o enviava para a Ilfold, que o processava em seus laboratórios e
devolvia as fotos reveladas. Seguindo-se a uma queixa de processadores independentes,
de que essa prática teria reduzido a demanda por seus serviços, a Monopolies and Mergers
Commission considerou a prática de venda casada de filmes e processamento
anticompetitiva em 1966. Como Sutton (1988: 126) apontou: “Essa consideração
aumentou bastante os problemas da Ilford. Os independentes não podiam processar com

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
49

facilidade os filmes da empresa, o que parece ter sido a gota d’água para os negócios de
varejo da Ilford... A empresa retirou sua marca do mercado de filmes coloridos em 1968.”

Quando uma empresa não passa pela primeira etapa do teste e sua participação de
mercado está acima de determinado limiar, uma investigação completa deve ponderar
possíveis efeitos anticompetitivos em contraponto a possíveis motivos de eficiência por
trás da prática. Note que a teoria nos diz que, quanto mais alta a complementaridade entre
os produtos, menos provável que o atamento seja usado com propósitos exclusionários,
de modo que alegações de monopolização quando uma empresa vende em pacote dois
produtos totalmente complementares devem ser recebidas com maior ceticismo. A teoria
também diz que efeitos exclusionários são mais prováveis quando há um compromisso
crível com o atamento, tal como dois componentes previamente separados e combinados
em uma nova concepção de produto. Assim, é menos provável que haja efeitos de
exclusão quando, por exemplo, dois produtos sejam vendidos juntos, mas a decisão de
marketing seja reversível. No entanto, quando tal compromisso existe, não
necessariamente haverá efeitos prejudiciais. Além disso, extremo cuidado deve ser
tomado nesses casos, porque barrar uma prática de atamento aqui pode implicar intervir
e modificar a concepção de produto de um bem.

Veja Modelos de venda casada no Quadro 7.3 anexo no material complementar


deste capítulo.

7.3.3 – Incompatibilidade e outros comportamentos estratégicos em


indústrias de rede

Esta seção trata primeiro de questões de compatibilidade (ou interoperabilidade),


quando uma incumbente vende dois produtos complementares e encara a competição em
um deles. Então, discutem-se questões de compatibilidade quando a incumbente vende
um produto caracterizado por efeitos de rede e encara uma rival que oferece um produto
substituível (isto é, uma rede concorrente, se os produtos não forem compatíveis).
Finalmente, a seção oferece alguns comentários sobre comportamento estratégico – que
não escolhas de incompatibilidade –, que podem ser usados por incumbentes em
indústrias de rede.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
50

Produtos complementares. Suponha que uma monopolista incumbente venda um


Produto A e um Produto complementar B – o último vendido por empresas concorrentes
também. Ao negar a compatibilidade entre A e versões concorrentes do Produto B, a
incumbente pode alavancar sua posição de monopólio para o Mercado B, exatamente da
mesma forma que vimos em modelos de atamento (ver seção 7.3.2); atar as vendas de A
e sua própria versão de B é equivalente a tornar os Produtos B dos concorrentes
incompatíveis com A. Contudo, vimos, quando discutimos venda casada, que o fabricante
de A teria geralmente pouco interesse em excluir concorrentes do mercado de produto
complementar. Assim, a despeito da grande disponibilidade para bloquear rivais, não é
óbvio que um monopolista irá usar a incompatibilidade como forma de alavancar poder
para outro mercado, embora, em algumas circunstâncias particulares, a exclusão possa,
de fato, ser lucrativa,49 deixando-nos sem política clara para a compatibilidade.

A mesma sorte de argumentos também se aplica quando A não é vendido


diretamente aos consumidores, mas usado como insumo na produção do Produto B.
Sabemos, da discussão sobre fusões verticais (ver o Capítulo 4), ser possível, mas não
muito provável, que um monopolista a montante queira bloquear versões rivais do
Produto final B.

Redes concorrentes. A questão sobre se a política de concorrência deveria promover (ou


impor) um padrão de compatibilidade é particularmente crucial em indústrias de rede,50
em que a entrada por uma nova empresa é muito dificultada quando ela não tem acesso à
base de consumidores da rede de uma incumbente (note que, aqui, referimo-nos a versões
concorrentes de redes substitutas – pense em duas redes de telefonia celular concorrentes).
De fato, em mercados de rede, uma empresa com grande base instalada frequentemente
não terá incentivos para oferecer interoperabilidade a pequenos rivais. Conceder
conectividade (ou compatibilidade) para a menor rede de uma pequena rival é ótimo para
uma grande empresa apenas se ela esperar que a ampla compatibilidade de rede lhe renda
fortes externalidades, que lhe permitam atrair um grande número de novos consumidores.

49
Novamente, esta conclusão vem de uma aplicação direta dos resultados da literatura sobre atamento. Ver
a discussão de Whinston (1990) assim como a curta descrição dos modelos de Choi e Stefanadis (2001) e
Carlton e Waldmann (2002), na seção 7.3.2.
50
Veja também as discussões no Capítulo 2 (sobre os principais aspectos dos efeitos de rede) e no Capítulo
4 (sobre cooperação para definição de padrões, questão muito próxima da que tratamos aqui).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
51

A grande empresa, então, pode preferir compartilhar um mercado mais amplo com a rival
menor que dominar um mercado menor.

Pode ser tentador argumentar que, em indústria de rede dominada por uma
incumbente, deve-se forçar a compatibilidade para permitir a entrada, que, do contrário,
será muito dificultada. Contudo, essa intervenção ex post não consideraria o que ocorreu
na indústria anteriormente. Muito frequentemente, quando produtos são incompatíveis,
as indústrias de rede são caracterizadas por um período de competição muito intensa no
início, até que uma empresa se estabeleça como líder, e o forte poder de mercado é a
recompensa pela dura batalha entre redes concorrentes (processo frequentemente descrito
como competição pelo mercado, em substituição a competição no mercado). Se esse for
o caso, forçar a compatibilidade sobre a incumbente implicará privá-la dos retornos que
ela esperou – e mereceu – e que, afinal de contas, motivaram toda a forte competição.51
Essa situação também emitirá os sinais errados para as empresas de outras indústrias,
levando-as a rever suas expectativas de lucros se forem bem-sucedidas em uma guerra de
rede, consequentemente reduzindo seus incentivos para competir.

Não obstante, pode haver situações em que uma política mais intervencionista
nessa esfera possa fazer algum sentido. Considere uma indústria em que a incumbente
derive sua forte base de clientes de um monopólio legal (como as operadoras de
telecomunicações nacionais no período pré-privatização): nesse caso, prever nas
legislações nacionais que as incumbentes cedam acesso às rivais às suas redes é uma
política atraente.52,53

Em geral, fica-se com a impressão de que mercados de rede sob incompatibilidade


são vergados por problemas, especialmente porque o papel da entrada para moderar o

51
Outra forma de explicar o mesmo conceito é que os preços aparentemente altos fixados pela incumbente
são o outro lado da moeda dos baixos preços fixados pelas rivais nos momentos iniciais do mercado. A
conclusão de que a indústria não seja competitiva apenas pela observação da situação ex post não contempla
o que se passou anteriormente.
52
Tal como feito no Brasil em todos os segmentos de indústria de rede nos anos 1990, a começar pelos de
petróleo e gás natural e telecomunicações.
53
Além disso, Farrell e Katz (1998, 649) consideram que, em alguns casos, redes de incumbentes desfrutam
de monopólios por razões que nada têm a ver com P&D ou investimentos estratégicos, e um excepcional
relaxamento de direitos de propriedade poderia ser justificado. Portabilidade numérica, por exemplo: uma
operadora telefônica incumbente poderia argumentar que o número de telefone que concedeu para um
assinante é protegido por direitos de propriedade. Contudo, seria difícil argumentar que se trata de uma
inovação que mereça proteção, e permitir que o cliente mantenha o número em um novo provedor aumenta
fortemente a concorrência.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
52

poder de mercado é fortemente reduzido, mas é difícil propor claras e sólidas implicações
de política que tenham validade geral.54

Pré-anúncio de produtos em indústria de rede. A importância das expectativas dos


consumidores nos mercados de rede abre espaço para manipulação adicional pela
incumbente (profecias tendem a ser autorrealizadas: se os consumidores esperam que um
entrante não ganhe muitos clientes, essa previsão se mostrará correta, e o entrante sairá
derrotado, mesmo que tenha um produto superior). Pré-anuncio de produto, por exemplo,
é uma estratégia pela qual uma incumbente declara que lançará uma nova versão de um
produto em breve, de modo a persuadir os consumidores a esperar em vez de comprar a
versão corrente superior da companhia rival que desfruta de uma base de rede menor.55
Como lidar com tal estratégia não é claro. Provavelmente, a única forma factível é tratar
a prática como anticompetitiva apenas se tais anúncios não forem verdadeiros ou
demonstrarem má-fé.

Veja Escolhas de interoperabilidade em redes assimétricas no Quadro 7.4


anexo no material complementar deste capítulo.

7.3.4 – Recusa de oferta (recusa de contratar) e contratos de


exclusividade: lembrete

Algumas práticas anticompetitivas já foram analisadas neste livro. A recusa em


fornecer um insumo fundamental, resultando em bloqueio de concorrentes, foi analisada
no Capítulo 2, em referência à doutrina das instalações essenciais. Argumentou-se que
obrigar uma empresa a fornecer acesso a um ativo fundamental a uma rival pode ter o
efeito de desencorajar o investimento. Consequentemente, tal política deve ser utilizada

54
Sob efeitos de rede, as avaliações de políticas tornam-se mais complexas por conta do número de
externalidades que entram em jogo. Por exemplo, a persistência de um monopolista pode mesmo ter efeitos
positivos, por permitir efeitos de rede e evitar que consumidores fiquem desamparados quando um novo
produto incompatível se torna o novo padrão. Fudenberg e Tirole (2000) analisam um modelo de geração
de sobreposição, quando uma incumbente se engaja em preço-limite para aumentar sua base de clientes e
deter a entrada em uma indústria de rede. Mas os efeitos de bem-estar da detenção da entrada são ambíguos,
por conta da presença de usuários desamparados e outras externalidades que podem levar ao excesso de
entrada.
55
Ver Dranove e Gandal (2000) e a discussão no Capítulo 2.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
53

apenas em circunstâncias especiais (ver o Capítulo 6, no qual tais situações, em que a


empresa tem incentivo para o bloqueio, resultando em menor bem-estar, também foram
identificadas).

O Capítulo 6 também mostrou que contratos de exclusividade podem ter efeitos


exclusionários, mas que devem ser sopesados contra possíveis razões de eficiência antes
da conclusão de que são anticompetitivos.

7.3.5 – Elevação dos custos de concorrentes

Krattenmaker e Salop (1986) afirmam que, entre os instrumentos de


monopolização disponíveis para as empresas, há também as práticas de elevação dos
custos dos concorrentes,56 cujo objetivo é elevar os custos de uma ou mais rivais,
deixando, assim, espaço para que a empresa se engaje em elevação de preços sem perda
de participação de mercado. Essas práticas são particularmente atraentes para empresas
com objetivos anticompetitivos, porque não requerem que tenham perdas no curto prazo,
como em preços predatórios. Se o impacto nos custos dos concorrentes for imediato,
haverá também um impacto imediato positivo em seus lucros.

Diversas práticas vêm sendo interpretadas como pertencentes à categoria das


estratégias de elevação de custos dos concorrentes. Algumas são provavelmente de
pequena relevância, como as que elevam custos diretamente, seja por meio de sabotagem
(se alguém destrói uma planta de um concorrente, também eleva seus custos, mas não há
necessidade de a legislação antitruste cuidar de práticas desse tipo)57 ou por meio de lobby
ou regulação (pense em empresas domésticas convencendo o governo a introduzir tarifas
ou outras taxas para encarecer produtos importados).58 Ainda mais interessante, uma série

56
Ver também Salop e Scheffman (1987).
57
Curiosamente, um dos episódios de maior destaque na “pré-história” do antitruste no Brasil – a chamada
Guerra das Garrafas – foi iniciado em 1972, quando foram apreendidos, por denúncia feita pela Coca-
Cola, vasilhames de seu refrigerante em uma fábrica da Pepsi no Rio Grande do Sul. Feita a queixa ao
CADE, este acabou por condenar a Pepsi por infração à lei antitruste, por concorrência desleal. Em 2010,
quase 40 anos depois, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul anulou a decisão do CADE (de 1972!),
considerando não haver provas suficientes do ilícito, dando fim à Guerra das Garrafas.
58
Um caso interessante nos Estados Unidos foi o Pennington, em que o operador de uma grande mina e os
sindicatos dos mineiros fizeram lobby em conjunto por salário mínimo. O resultado foi elevar o custo de
produção, o que aumentou os custos mais das pequenas concorrentes que da grande empresa.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54

de práticas que já analisamos podem ser vistas como elevação de custos de concorrentes.
Acordos de exclusividade podem dificultar e encarecer o processo de um concorrente
encontrar distribuidores que vendam seus produtos. Uma empresa verticalmente
integrada pode recusar oferta de um insumo fundamental a uma rival a jusante (ou se
engajar em compressão de margem: vender um insumo a um preço proibitivamente alto),
elevando os custos de produção para esta última. Além disso, negar a interoperabilidade
para a rede de um concorrente também pode ser visto como uma estratégia para elevar os
custos do concorrente para fazer negócios.

Nem todas as ações que elevam os custos de rivais são necessariamente


anticompetitivas. Pode-se argumentar que desenvolve significativas atividades de P&D
para aumentar a qualidade de seus produtos também eleva os custos de seus rivais: se eles
quiserem se manter competitivos e manter seu apelo, vão ter que sustentar também altas
despesas de P&D. Porém, isso não é uma prática que prejudique a concorrência: P&D
beneficiará os consumidores.59

Consequentemente, um passo crucial na teoria é distinguir entre práticas que


apenas prejudicam os concorrentes daquelas que também reduzem o bem-estar.

Para resumir, as teorias de elevação de custos das rivais provêm um conceito que
engloba muitas práticas diferentes. Em virtude das especificidades de tais práticas,
preferimos tratá-las separadamente.

7.4 – DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS

Discriminação de preços é um fenômeno disseminado, cujos exemplos em nossa


vida cotidiana são abundantes.60 Livros são vendidos a diferentes preços, dependendo se

59
A mesma afirmação vale para despesas com propaganda, na medida em que aumentam a percepção da
qualidade dos produtos.
60
Não damos uma definição precisa de discriminação de preços, o que facilmente pode se tornar uma
questão espinhosa. Varian (1989: 598) segue a definição de Stigler: existe discriminação de preços quando
dois ou similares bens são vendidos a dois diferentes consumidores a diferentes taxas de custos marginais.
(Note que a empresa cobra o mesmo preço a dois diferentes consumidores, mas ter de pagar um custo mais
elevado para entregar para um que para outro, efetivamente será discriminação de preços.) Tirole (1988:
134) adverte: “Um teórico de equilíbrio geral poderia corretamente apontar que esse bem entregue em
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55

são de capa dura ou não (mas o preço da capa dura por si não justifica o diferencial de
preços); revistas científicas cobram preços distintos para bibliotecas e instituições que
para pessoas físicas e estudantes; se compramos caneta, papel e lápis em uma papelaria
para nosso próprio uso, certamente pagaremos mais que a empresa, a universidade ou
instituição em que trabalhamos, que os adquire em grandes quantidades; companhias
aéreas aplicam tarifas muito diferentes para o mesmo tipo de assento, dependendo do
horário da viagem e da data em que for feita a compra do bilhete; no Brasil, teatro e
cinema têm preços de ingressos diferenciados para três categorias de público: idosos,
estudantes e o público em geral, e alguns cinemas fornecem descontos especiais para os
que adquirirem ingressos com cartão de crédito do banco coproprietário dos cinemas.
Algumas das estratégias que as empresas usam para discriminar entre consumidores (e,
como veremos, a discriminação de preços aumenta seus lucros) são fascinantes e muito
sofisticadas, mas o principal propósito deste capitulo não é estudar as práticas de
discriminação das empresas, mas identificar os prováveis efeitos da discriminação de
preços.

Os dois principais ingredientes da discriminação de preços. Há duas principais


condições para a discriminação de preços:61 a primeira é que a empresa deve ter uma
forma de separar os consumidores, de modo a cobrar deles preços diferentes. Situações
diversas podem surgir, que, de forma ampla, podem corresponder a diferentes tipos de
discriminação identificadas pela teoria econômica.62

Sob discriminação de primeiro grau, o monopolista saberá o valor preciso que


cada consumidor se disporá a pagar por cada bem e cobrará de cada um exatamente o
máximo que estão dispostos a pagar, captando, assim, todo o excedente do consumidor.
Sob a discriminação de preços de segundo grau, a empresa faz diferentes ofertas para
todos e deixa que os consumidores escolham “por si próprios” um acordo particular.

diferentes locações, em diferentes estados da natureza ou de diferentes qualidades, são diferentes bens
econômicos, e, portanto, o escopo da discriminação ‘pura’ é muito limitado.”
61
Varian (1989) sugere que outro ingrediente é o fato de que as empresas devem ter poder de mercado.
Como foi dito repetidamente neste livro, é improvável no mundo real (ao contrário de empresas em modelos
de concorrência perfeita) que companhias não tenham poder de mercado. Portanto, devemos esperar que
todas tenham algum incentivo para discriminar, embora, como se mostrará a seguir, empresas com muito
baixo poder de mercado terão também muito pouca habilidade para ter um impacto sobre preços com
práticas discriminatórias.
62
Esta classificação-padrão segue agora Pigou (1920).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
56

Descontos por quantidade são um bom exemplo: um cinema pode oferecer para todos os
consumidores a opção de pagar um preço menor se comprarem um cartão com 10
ingressos, mas alguns consumidores preferirão comprar um ingresso de cada vez, pois
não têm certeza se vão querer ir 10 vezes ao cinema. Discriminação de terceiro grau
refere-se à possibilidade de que a empresa cobre preços diferentes para consumidores a
partir de suas características (observáveis). Um mesmo produto pode ser vendido mais
barato em Portugal que na Alemanha. Um estudante pode comprar uma passagem aérea
mais barata na Europa; uma pessoa com mais de 65 anos obtém diversos descontos
especiais em meios de transportes e ingressos para espetáculos de lazer no Brasil e assim
por diante.

O segundo principal aspecto da discriminação de preços é que a arbitragem deve


estar ausente. Em outras palavras, uma empresa não conseguirá discriminar preços com
sucesso se os consumidores puderem revender os produtos entre si. Sob discriminação de
preços de primeiro grau, um monopolista não poderá se apropriar do excedente do
consumidor se o Sr. A – que valora menos o bem que o Sr. B – puder comprá-lo não
apenas para si, mas também para revendê-lo ao Sr. B. Sob a discriminação de preços de
segundo grau, oportunidades de arbitragem surgem se eu puder comprar um cartão de 10
filmes a $5 o preço unitário e oferecer seu uso a 10 espectadores que pagarão o preço
unitário de $10 pela ida ao cinema. Sob a discriminação de preços de terceiro grau, uma
empresa pode não conseguir segmentar mercados nacionais se um consumidor português
adquirir um bem ao preço de mercado português e despachá-lo para a Alemanha, onde o
produto vale mais (essa prática de arbitragem entre países é denominada importações
paralelas e recebe muita atenção da legislação comercial, em particular na União
Europeia).

A arbitragem, claramente, não é sempre factível, seja por conta de obstáculos


naturais seja por conta de obstáculos criados pelas próprias empresas. Transporte, custos,
tarifas, custos de transação e burocracia podem impedir importação paralela de um país a
outro; as empresas podem requerer prova de que a pessoa seja mesmo estudante (ou
cidadão idoso); o cartão para 10 ingressos de cinema pode ser nominativo ou requerer
identidade, a empresa pode requerer de um distribuidor exclusivo que não venda seu
produto além de determinado território particular e não para representantes não
autorizados; um fabricante de automóveis pode requerer de seus representantes no país

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
57

que não vendam seus carros para residentes em outros países (prática sistematicamente
ilegal na União Europeia e pesadamente punida) e daí por diante.

Assim, se as autoridades de concorrência pensarem que as práticas de


discriminação de preços devem ser proibidas, devem tentar intervir nas práticas que as
empresas utilizam para tentar impedir a arbitragem. Poderiam requerer que as empresas
não incluíssem cláusulas limitando a habilidade dos representantes de revender os
produtos em outros territórios; ou deviam impedir que os funcionários de companhias
aéreas exigissem documentos de identificação dos passageiros (são raciocínios
hipotéticos, não propostas do que deveria ser feito; é preciso fazer ainda uma análise dos
efeitos sobre o bem-estar antes de apresentar propostas).

7.4.1 – Efeitos de bem -estar da discriminação de preços

7.4.1.1 – Discriminação de preços de primeiro grau (perfeita)

Para entender que não é evidente que a discriminação de preços prejudique o bem-
estar, é suficiente olhar para a discriminação de preços de primeiro grau. Suponha que
um monopolista (cujo custo marginal é igual a 𝑐) encare uma função de demanda, como
na Figura 7.2: essa demanda pode ser interpretada como a agregação das demandas
unitárias de muitos consumidores, cada um com diferentes disponibilidades de
pagamento por determinado bem. Se pudermos estabelecer um preço diferente para cada
consumidor (e, claro, saber suas diferentes valorações), o monopolista será capaz de
extrair todo o excedente do consumidor: ele fará cada um pagar exatamente o máximo
que se dispõe e obterá como lucro o triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
58

Figura 7.2 Bem-estar em concorrência perfeita de preços.

Já que é a soma dos lucros com o excedente do consumidor, também será igual à
área 𝑂𝑝𝑐 𝑆. A perfeita discriminação de preços levará ao máximo bem-estar possível.63

Para ver isso, apenas note que a eficiência alocativa sob preço uniforme exigirá
que o monopolista venda para todos os consumidores ao preço igual ao custo marginal,
igualando o bem-estar novamente à área do mesmo triângulo 𝑂𝑝𝑐 𝑆. Em contrapartida, se
o monopolista for forçado a não discriminar, venderá ao preço 𝑝𝑚 , e o bem-estar será
igual à área do trapézio 𝑂𝑅𝑇𝑝𝑐 , menor.64

Não devemos dar ênfase demais a esse exemplo, porque a discriminação de preço
de perfeita é irreal, já que exige que as empresas tenham perfeito conhecimento acerca
dos consumidores e suas preferências. No entanto, serve aos propósitos de alertar o leitor
contra o fato de que a discriminação de preços não deve ser necessariamente pensada
como uma prática danosa ao bem-estar.65

63
O leitor poderá verificar que o mesmo nível de bem-estar será alcançado sob a concorrência de Bertrand
(ou perfeita competição). Ver o Capítulo 2.
64
Mais genericamente, qualquer preço uniforme acima do custo marginal criará uma perda de peso morto.
Para o preço 𝑝𝑚 , a perda de peso morto será igual à área do triângulo 𝑅𝑆𝑇. Ver o Capítulo 2.
65
É claro que o leitor que considera que o objetivo da política de concorrência é maximizar o bem-estar do
consumidor, e não o total, não aceitará a explicação de que a discriminação perfeita de preço não é
necessariamente “ruim”. Essa discussão, bastante controversa, foi analisada no Capítulo 1.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59

7.4.1.2 – Descontos por quantidades

Outra forma de discriminação de preços (de segundo grau) ocorre quando uma
empresa oferece diferentes pacotes preços/quantidades – o que confere descontos àqueles
que compram grande número de unidades de um produto – ou impõe uma tarifa em duas
partes, que exige que o consumidor pague uma taxa fixa, 𝑇, independentemente da
quantidade comprada, e mais um componente variável 𝑝𝑞, que depende da quantidade
comprada.66 Em muitos países, os preços de tarifas de gás residencial, eletricidade e
telefonia são compostos por uma tarifa fixa – valor de assinatura – mais uma parte
variável, correspondente ao consumo. Tarifas em duas partes e descontos por quantidades
são conceitos equivalentes: para um consumidor comprar 𝑞 unidades de um bem ou
serviço, sujeito a uma tarifa em duas partes, o preço médio é dado por 𝑝 + 𝑇/𝑄, que
consequentemente decresce com o número de unidades adquiridas.

Esse tipo de discriminação de preço também tende a fortalecer o bem-estar. A


empresa usará uma tarifa fixa para extrair excedente dos consumidores com menor
intensidade de demanda (aqueles que compram menos unidades do bem, a despeito do
preço), mas usará um preço marginal menor que o que fixaria se fosse obrigada a utilizar
apenas o componente variável. O resultado é similar (embora menos extremo) àquele sob
perfeita discriminação de preços: o menor preço marginal reduz a ineficiência alocativa
e, dessa forma, aumenta o bem-estar (a empresa compensa o menor preço marginal
usando a taxa fixa). Para ver melhor a similaridade com o caso da perfeita discriminação
de preços, note que, naquele caso, o monopolista pode se apropriar de todo o excedente
do consumidor usando um preço marginal igual a 𝑐 (seu custo marginal) e, então, cobrar
uma taxa fixa que se iguala a seu excedente. Uma tarifa em duas partes (em que apenas
uma taxa fixa é usada) destina-se a (imperfeitamente) replicar esse resultado.

66
Descontos por quantidade não é o único exemplo de discriminação de preços de segundo grau, que se
refere a todas as situações em que uma empresa oferece diferentes “pacotes” aos consumidores, que, então,
escolhem o que melhor lhes convém. Companhias aéreas oferecem classe executiva e econômica, muito
mais barata, agora com “assento plus”, com mais espaço e algum conforto. Note que os custos de prover
assentos para as companhias não variam com as tarifas cobradas (apenas marginalmente); sua racionalidade
reside em separar consumidores com diferentes disponibilidades de pagamento. Ver Tirole (1988: Capítulo
3) para questões de modelagem.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
60

Descontos por quantidades não costumam ser tratados como práticas


anticompetitivas, o que é absolutamente sensato.

7.4.1.3 – Efeitos dinâmicos da discriminação de preços: incentivos para


investigar

A discriminação de preços também pode afetar o bem-estar em uma perspectiva


de longo prazo, modificando os incentivos da empresa para inovar. Um argumento
simples que não requer qualquer tratamento técnico é apresentado a seguir. Suponha que
uma empresa tenha de decidir se implementa ou não um novo produto no Brasil e que o
custo de desenvolvê-lo e lançá-lo seja independente da produção, como é razoável supor.
Dado que a discriminação de preços permite à empresa obter maiores lucros se o custo
fixo ficar entre a discriminação de preços e os lucros de preço uniforme, o produto será
levado ao mercado se a empresa conseguir evitar importações paralelas, mas não o será
se as práticas de discriminação de preços forem proibidas. Mais genericamente, a
discriminação de preços pode afetar lucros marginais para investir e inovar, criando mais
incentivos para que empresas se engajem nessas atividades.

Essa é uma questão importante em alguns casos relativamente recentes na UE, em


que empresas farmacêuticas foram multadas pela Comissão Europeia por terem proibido
intermediários em um país de vender o produto em países nos quais o preço do produto
era mais alto. Em 1996, a Bayer foi multada pela CE por ter reduzido o suprimento do
medicamento cardiovascular Adalat para distribuidores da França e da Espanha, que o
reexportavam para o Reino Unido, onde o preço do medicamento era mais elevado.67 Em
Glaxo/Wellcome (2001), a Comissão proibiu o sistema de preços dual, implementado pela
empresa para todos os produtos farmacêuticos vendidos na Espanha. De acordo com esse
sistema, os distribuidores atacadistas espanhóis pagavam preços mais elevados por

67
A decisão da CE no caso Adalat foi posteriormente anulada pela Corte de Primeira Instância
(principalmente por questões formais, embora a opinião do Advogado Geral tenha sido que proibir a
importação paralela não podia ser considerada uma prática per se anticompetitiva). O caso seguiu para
apelação da Corte Europeia de Justiça e foi confirmada a reversão na instância superior. Em 30 de dezembro
de 2003, a Comissão das Comunidades Europeias lançou um comunicado, substituindo o anterior datado
de 1982, definindo novas regras, a partir do entendimento da Corte de Justiça de que a importação paralela
de medicamentos é uma forma legal de comércio dentro do mercado interno (europeu).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
61

suprimentos que pretendiam revender no exterior do que pelos suprimentos que recebiam
para o mercado doméstico, o que evidentemente inviabilizava a exportação paralela.

O mercado farmacêutico é atípico pelo fato de seus preços serem, em geral,


regulados pelos governos nacionais (ou estabelecidos em negociações por meio de
grandes compras), e porque a proteção patentária pode diferir sobremaneira de um país
para outro. Consequentemente, não surpreende que as empresas desejem evitar que
baixos preços em um país (em função de regulação ou menor proteção à propriedade
intelectual, que eleva a concorrência) impeçam a fixação de preços mais altos em outros.
Embora os efeitos não sejam facilmente quantificáveis, lucros reduzidos implicam
investimentos reduzidos que as companhias farmacêuticas fazem em P&D, desse modo,
prejudicando tanto o excedente do consumidor quanto o bem-estar total.

7.4.1.4 – Discriminação de preços como mecanism o de monopolização

Até aqui, lidamos com os efeitos da discriminação de preços sobre excedente do


consumidor e bem-estar devido à estrutura do mercado no qual a empresa discriminante
opera. Outra questão é se a discriminação de preços pode ser usada para alterar a estrutura
de mercado, por exemplo, impedindo a entrada ou forçando a saída de concorrentes.

Para discutir se a discriminação pode ser usada de forma anticompetitiva, imagine


que um monopolista incumbente que produza um bem com custos de transportes
relevantes esteja localizado no centro de um país cuja população esteja concentrada em
torno de duas cidades, uma no norte e outra no sul. Suponha também que um novo
concorrente estabeleça uma planta em um país vizinho, ao norte. É evidente que o
monopolista tem incentivo para discriminar preço, cobrando um valor mais elevado na
cidade do sul que na do norte. Esse é ou não um comportamento anticompetitivo?

Como visto na seção 7.2.3, há pouca dúvida de que esse comportamento deva ser
visto como predatório se o preço estiver abaixo do custo variável médio. Mas pode-se
questionar se a discriminação de preços é suficiente para avaliar a conduta como
monopolização ou abuso de dominância, independentemente de os preços estarem abaixo
ou acima de uma referência.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
62

Banir a discriminação de preços em tal circunstância tem efeitos ambíguos,


similares aos que vemos na discriminação de preços em geral. Se o preço uniforme leva
a incumbente a atender ambas as cidades com um preço intermediário, deve-se imaginar
um impacto positivo sobre o bem-estar. Mas pode ocorrer também que, se a cidade ao
norte for menos importante em renda ou população, a incumbente prefira permanecer com
um preço uniforme, mantendo o mesmo preço elevado ao sul. Se isso ocorrer, o bem-
estar provavelmente diminuirá. Note também que, nesse caso, alguma ineficiência
produtiva poderá também ocorrer, se a incumbente for mais eficiente que a entrante, já
que um fabricante mais eficiente é substituído por um menos eficiente. Além disso, há o
risco de que uma eventual regra que impeça um monopolista de discriminar forneça
incentivos para que fabricantes ineficientes entrem no mercado: sabendo que a
incumbente não poderá cortar preços, a menos que o faça em todos os mercados, os
fabricantes esperarão uma reação fraca à sua entrada e obterão lucros mais elevados que
em outras circunstâncias.

Descontos seletivos e abatimentos por fidelidade. À parte a fixação de preços


diferentes a consumidores finais, uma empresa pode discriminar entre revendedores e
distribuidores. Exemplos de tais práticas são não apenas os descontos de quantidade
(usualmente considerados legais), mas também os descontos e abatimentos que uma
empresa dá para estimular os compradores a comprar mais deles. Abatimentos por
fidelidade são descontos que o fabricante concede a um cliente para recompensá-lo por
adquirir a maior parte de seus suprimentos de determinado produto desse fabricante.
Abatimentos agregados são descontos dados a um cliente que compra a maior parte dos
suprimentos com um mesmo fabricante.

Na Europa, tanto a Comissão quanto a Corte de Justiça tratam com rigidez preços
discriminatórios adotados por empresas dominantes e não justificados por economias de
custos.

Em primeiro lugar, devemos lembrar que não apenas custos, mas também
condições de demanda e mercado devem explicar por que as empresas optam por utilizar
preços discriminatórios (nem sempre a prática é redutora de bem-estar). Assim, proibir
automaticamente descontos seletivos, mesmo quando usados por empresas dominantes,
não parece ser uma recomendação de política robusta: como visto antes, faz parte do
processo competitivo normal que uma empresa cobre preços mais baixos quando os
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
63

concorrentes são mais fortes (mas, evidentemente, preços abaixo do custo variável médio
devem ser considerados predatórios).

Assim, alguns tipos de abatimentos feitos por empresas dominantes devem ser
cuidadosamente monitorados porque são exclusionários em potencial. O efeito de
abatimentos por fidelidade é tentar induzir o revendedor a não adquirir de um concorrente,
e isso, consequentemente, é similar a acordos de exclusividade; e abatimentos agregados
são similares em efeitos a atar ou forçar a linha completa (quando o fabricante exige que
o comprador adquira todo o seu portfólio de produtos). Consequentemente, esses tipos de
descontos atendem a um propósito similar a acordos de exclusividade e atamento, cujos
efeitos anticompetitivos já foram vistos e discutidos longamente.

Transparência de preços. No Capítulo 6, vimos que o monopolista pode não


conseguir explorar completamente seu poder de mercado em virtude de um problema de
compromisso, pois, devido ao contrato de preço de insumo assinado com o comprador,
ele pode ter um incentivo para oferecer um acordo melhor a outro. Antecipando isso, o
comprador não se disporá a aceitar o contrato com altos preços logo de início.

A CE costuma afirmar que uma empresa dominante deve dar o máximo de


transparência a seus compradores e garantir que eles recebam condições equânimes dos
monopolistas quando adquirem quantidades iguais. Isso, de fato, remove qualquer
tentação de o monopolista oferecer descontos a um comprador depois de já ter assinado
com outro e, assim, fornece um mecanismo de compromisso que lhe permite comandar
altos preços. Talvez paradoxalmente, o efeito de requerer transparência seja o de restaurar
o poder de mercado do monopolista.

Veja Discriminação de preços no Quadro 7.5 anexo no material complementar


deste capítulo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
64

7.5 – ESTUDO DE CASOS

7.5.1 – Caso Ambev versus Schincariol (2009)

As condutas denunciadas. O processo consistiu em uma representação da Cervejaria


Schincariol contra práticas da Ambev, com vistas a apurar condutas anticoncorrenciais,
associadas aos programas de fidelização “Festeja” e “Tô Contigo”, à utilização de
produtos da Ambev como marca de combate e à veiculação de publicidade vexatória
contra a Nova Schin (marca da cervejaria representante), combatendo ascensão de nova
concorrência. As acusações eram passíveis de enquadramento como infrações contra a
ordem econômica – art. 20 I, II e IV c/c com art. 21 IV, V, VI e XI, todos da Lei
8.884/1994.

Os principais argumentos da acusação alegavam que a representada, ao adotar


programas de fidelização de cliente, usaria de seu poder de mercado para impor
exclusividade de seus produtos e para dificultar a venda de cervejas concorrentes,
objetivando um aumento posterior de preços após a redução da concorrência. Sua posição
dominante e o controle de diversas marcas líderes de mercado também obrigariam pontos
de venda a adquirirem seus produtos, tornando o programa de fidelização não apenas um
atrativo, mas também um fator impositivo.

Segundo a representante, a Ambev utilizaria “marcas de combate”, como a


Antarctica, em resposta à entrada de novos concorrentes no mercado relevante, por meio
da redução de preços, não necessariamente abaixo dos custos, mas suficientemente baixos
a ponto de prejudicar a lucratividade da própria empresa.

Outras cervejarias, como Cervejaria Petrópolis, Cervejarias Cintra, Cervejaria Sul


Brasileira, Cervejaria Belco, Cervejaria Malta, Novo Malte e Cervejaria Ribeirão Preto,
peticionaram conjuntamente com objetivo de denunciar práticas comerciais da Ambev.
Segundo elas, a Ambev utiliza poder econômico e faz pontos de venda aderirem a seu
programa de fidelização, embutindo contrato de exclusividade de gaveta em via única,
que fica com a empresa. Elas também alegaram que o programa “Tô Contigo” é de
abrangência nacional e atinge os pontos de maior volume de vendas, o que impede a
exposição e inibe o pedido de cervejas de todas as outras marcas.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
65

A investigação. As condutas suspeitas da Ambev foram iniciadas após aprovação


de Ato de Concentração (em 2000), que resultou na criação da Ambev, empresa que
reuniu as principais marcas de cervejas produzidas no país das anteriormente
concorrentes, Antarctica Paulista e Cervejaria Brahma.

O grau de concentração resultante da operação foi de cerca de 70% do mercado,


mas, para proibir que a empresa impusesse exclusividade aos pontos de vendas, o CADE
firmou Termo de Compromisso de Desempenho com a Ambev. Programas de fidelidade
podem caracterizar prejuízo à livre-concorrência, tanto em relação às novas empresas
quanto às em funcionamento, por meio da exclusividade de vendas.

A SDE (Secretária de Direito Econômico) adotou, como estratégia para investigar


o caso, a reunião dos funcionários com proprietários de bares e mercearias que
comercializavam cervejas, além da inspeção na sede da empresa e cópia de documentos
físicos e eletrônicos. De acordo com os proprietários, para participação no programa “Tô
Contigo”, concluiu-se que havia imposição de exclusividade ou limites à comercialização
de marcas concorrentes. Também foi constatado que vendedores de produtos da Ambev
fiscalizavam freezers dos pontos de venda em busca de marcas concorrentes e que a
participação permitia compra de produtos a preços diferenciados.

A própria estrutura de benefícios e requisitos de participação no programa acabava


por apresentar preços não lineares. A não linearidade de preços se dá quando o custo
unitário pago pelo comprador diminui com o número de unidades adquiridas. Isso pode
ocorrer em situações nas quais haja um desconto progressivo a cada lote de unidades
adquiridas ou na oferta de prêmios, como no Programa “Tô Contigo”.

A não linearidade decorre do fato de que a oferta de descontos no programa “Tô


contigo” requer dos rivais descontos maiores que os oferecidos pela Ambev para
restabelecer as condições iniciais do mercado e recuperar a participação perdida. Segundo
parecer da SDE, considerando a participação da Ambev de 72,5% nos canais tradicional
e bar, o desconto que um concorrente deveria oferecer para se manter atrativo ao ponto
de venda seria de 7,9%.

Para corroborar o estudo da Secretaria, o Instituto IBOPE foi selecionado para a


realização de pesquisa de campo em 180 pontos de venda da cidade de São Paulo. Os

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
66

resultados apontaram as seguintes estatísticas em relação aos PDVs (pontos de vendas)


consultados:

• 65% conheciam o Programa “Tô Contigo”.


• 50% participavam do programa; outros 7% já haviam participado
anteriormente, mas não participavam mais.
• 48% dos que participavam afirmaram que o programa exigia exclusividade.
• 24% dos que participavam afirmaram que o programa impunha limites para
compra de cervejas de terceiros fabricantes.
• 70% dos que participavam declararam ter recebido incentivos em preço para
ingressar no programa.
• 31% dos que participavam acreditavam que a venda de marcas concorrentes
criava dificuldades para a renovação do programa ou as condições negociadas
com a Ambev.

Pelo programa “To Contigo”, a Ambev consegue induzir os PDVs a praticamente


não oferecer outras marcas, criando incentivos para que concentrem a maior parte da
demanda em marcas da Ambev. A força do portfólio das marcas da Ambev é tão grande
que a demanda se torna rígida em relação aos produtos e impede a competição de
concorrentes mais eficientes. No gráfico a seguir, observa-se a intensa presença das
marcas da Ambev, vis-à-vis às principais marcas concorrentes. Dos pontos de vendas
pesquisados, as três marcas da cervejaria representada encontram-se em, pelo menos,
cerca de 80%.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
67

Gráfico 7.1 Marcas de cerveja comercializadas no estabelecimento.


Fonte: Pesquisa do IBOPE, 2006 (parecer SDE).

Nota econômica da coordenação econômica da SDE. Com a finalidade de


demonstrar sob quais condições práticas a exclusividade de venda (tácita ou explícita)
conduzida por empresas com posição dominante poderia elevar artificialmente os custos
de concorrentes – e, em decorrência, gerar perdas de bem-estar social sob uma avaliação
estritamente estática –, a Coordenação Econômica da SDE realizou um estudo com base
em um modelo teórico cujas hipóteses são:

• Existência de diferenciação vertical de produtos no mercado a montante.


• Diferenciação horizontal de produtos no mercado a jusante decorrente dos
custos de deslocamento ou custos de transferência na migração dos pontos de
venda por parte do consumidor.
• Funções de demanda unitárias.
• Assimetria nas estruturas de mercado dos dois elos.

Suas principais conclusões foram que, em mercados com elevada assimetria entre
os elos a montante e a jusante e com sensível diferenciação de produtos no primeiro
mercado, pode ser um equilíbrio aceitável e estável a busca por contratos de exclusividade
de vendas. Essa estratégia pode levar a um custo implícito para a aquisição da cerveja
rival (excluída), ao obrigar o consumidor a migrar de ponto de venda para adquirir a
cerveja preferida (inclusive ao agregar custos de transferência ao consumidor).

O resultado da prática seria, ceteris paribus, elevação dos preços médios do


consumidor final e aumento artificial da diferenciação de produtos (preços) percebida

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
68

pelo consumidor – ou um recuo da participação de mercado da empresa “excluída”. A


estratégia seria tanto mais provável e rentável quanto maior a proporção de pontos de
venda aderidos à exclusividade e quanto mais evidente a sua “clusterização”. Inexistindo
custos de transferência (no elo a jusante) ou diferenciação de produtos, a relação vertical
não traz perdas estáticas de bem-estar social.

O estudo verificou que as práticas da Ambev reduziram em 20% a participação de


mercado da Nova Schin e em outros 20% a da Kaiser; por outro lado, elevaram a
participação das marcas da Ambev em 8,5%, tendo a Antarctica aumentado sua
participação em 56,37%. A conduta da empresa significou a elevação sistemática de
gastos com venda de marketing, incluindo despesas em razão dos programas de
fidelização implementados.

A SDE concluiu pela caracterização de um conjunto de práticas exclusionárias


identificadas na investigação, tendo recomendado a condenação da Ambev ao CADE.

O julgamento. Em 22 de julho de 2009, o CADE condenou por unanimidade a


Ambev, seguindo o voto do relator, que fundamentou suas razões para a decisão nas
investigações e estudos técnicos realizados a partir da denúncia. A condenação,
infringidos os arts. 20 e 21 da antiga Lei 8.884/94, foi pela imposição de dificuldades de
acesso de novas entrantes ao mercado, bem como de aumento dos custos de publicidade
e de redução das margens de concorrentes já estabelecidas (aumento de custo dos rivais).

O CADE aplicou à Ambev multa correspondente a 2% de seu faturamento bruto


no Brasil em 2003, o que equivaleu, em valores de 2009, ao montante de
R$352.693.696,58. Quando do julgamento e até a publicação deste livro, foi a maior
multa aplicada pelo CADE a uma empresa por prática de abuso de posição dominante.

Sanções adicionais foram a determinação da publicação de extrato da decisão no


jornal diário de maior circulação e a inscrição da Ambev no Cadastro Nacional de Defesa
do Consumidor, para informar aos consumidores sobre as práticas perpetradas pela
empresa e seus efeitos negativos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
69

QUADROS COMPLEMENTARES DO CAPÍTULO 7

Quadro 7.1 – Modelos de preço predatório *

Nesta seção, vamos rever vários modelos de preço predatório.

Q7.1.1 – O paradoxo da cadeia de lojas de Selten *

Selten (1978) considera uma empresa incumbente que possui uma cadeia de lojas,
cada uma em 𝑇 cidades diferentes (com 𝑇 sendo um número finito). Em cada mercado
sucessivamente, a incumbente depara-se com uma entrante local, digamos, a Empresa 1
pode entrar no Mercado 1, no Período 1, e a Empresa 2 pode entrar no Mercado 2 no
Período 2, e daí por diante.

Em cada período 𝑡, o estágio do jogo entre a incumbente e a entrante potencial 𝑡


é o mesmo, ilustrado na Figura 7.1. Primeiro, a empresa t precisa decidir se entra ou não;
então, a incumbente tem de decidir se quer combater a entrada (ou seja, se escolhe uma
ação agressiva no mercado) ou se acomoda a entrada. Se a entrante ficar fora, os ganhos
para a incumbente e para a entrante, respectivamente, serão 𝜋 𝑀 e 0. Se houver entrada, e
a incumbente escolher acomodá-la, os ganhos respectivos serão 𝜋𝐼𝐴 e 𝜋𝐸𝐴 . Se a entrada for
seguida por uma reação agressiva (predação ou combate), os ganhos serão 𝜋𝐼𝑃 e 𝜋𝐸𝑃 .
Presuma que tal combate seja custoso para ambos os players, no sentido de que 𝜋𝐼𝐴 > 𝜋𝐼𝑃
e 𝜋𝐸𝐴 > 0 > 𝜋𝐸𝑃 . Presuma também que a incumbente obtenha o maior lucro sob
monopólio: 𝜋 𝑀 > 𝜋𝐼𝐴 .

Se o jogo for jogado apenas uma vez (𝑇 = 1), é claro que a ameaça de combate
no caso de entrada não é convincente, e, assim, a entrada ocorrerá e será acomodada no
equilíbrio perfeito de subjogos. De fato, se a entrada ocorrer, a incumbente preferirá
acomodar a lutar, conforme 𝜋𝐼𝐴 > 𝜋𝐼𝑃 . A entrante antecipa corretamente a escolha da
incumbente e sabe que, se entrar, no primeiro período haverá uma reação branda, de
maneira que ela realizará o ganho 𝜋𝐸𝐴 , enquanto, se não entrar, seu ganho será 0 < 𝜋𝐸𝐴 .
Consequentemente, ela prefere entrar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
70

O ponto de Selten é mostrar que nada muda nesse resultado se o mesmo jogo for
jogado um número repetido de vezes, desde que esse número seja finito. Para buscar o
equilíbrio perfeito do subjogo quando a incumbente enfrenta 𝑇 entrantes, temos de
trabalhar por indução reversa.

Considere o que acontece quando a incumbente e a entrante potencial participam


do jogo no último mercado 𝑇. A despeito do que tenha ocorrido antes (se a entrada ocorreu
ou não, se foi acomodada ou não), as decisões a serem tomadas nesse mercado não terão
qualquer efeito além de sobre os ganhos correntes, já que é a última jogada. Por
conseguinte, as empresas irão se comportar como se estivessem jogando o jogo uma única
vez. O único equilíbrio, portanto, é o encontrado no caso em que 𝑇 = 1: a entrante
antecipa que a entrada será acomodada, e, assim, a entrada ocorre (e é mesmo acomodada:
Por que a incumbente preferiria ter um ganho de 𝜋𝐼𝑃 < 𝜋𝐼𝐴 ?).

Considere agora o que ocorre no período 𝑇– 1, em que a incumbente e a entrante


𝑇– 1 jogam o jogo no mercado 𝑇– 1. Novamente, as empresas sabem que, a despeito do
que tenha acontecido em qualquer período anterior, no próximo período 𝑇 a entrada irá
ocorrer. Consequentemente, a jogada no período 𝑇– 1 novamente não impõe qualquer
efeito sobre a próxima jogada, e a incumbente jogará como se esse fosse o único (ou o
último) período do jogo. A empresa 𝑇– 1 sabe que a incumbente não tem qualquer razão
para combater a entrada, e, logicamente, a entrada será acomodada.

O mesmo raciocínio ocorrerá para o período 𝑇– 2 e qualquer outro período prévio,


de modo que o único equilíbrio perfeito de Nash no subjogo desse jogo é aquele em que
cada entrante entrará no seu respectivo mercado, e cada entrada será acomodada.

Contrariamente ao que se esperaria, não há efeito de construção de reputação neste


jogo, e a predação não ocorrerá.

Q7.1.2 – Um modelo de reputação de predação * *

Nesta seção, apresentamos uma versão simplificada de dois períodos do modelo


de predação com informação incompleta de Kreps e Wilson (1982) (ver também
ORDOVER & SALONER, 1989). Considere o mesmo modelo do paradoxo da cadeia de
lojas para 𝑇 = 2, mas com uma variante. As entrantes não sabem com certeza o ganho
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
71

por período da incumbente. Em particular, há uma pequena probabilidade (prévia) 𝑋 de


que a Empresa 𝐼 seja uma incumbente forte (Pr(𝑡) = 𝑥) ou de baixo custo, com lucros
𝜋𝐼𝑃 > 𝜋𝐼𝐴 , enquanto, com probabilidade 1– 𝑥, ela seria uma incumbente fraca (ou de alto
custo) (Pr(𝑤) = 𝑥), cujos lucros são 𝜋𝐼𝑃 < 𝜋𝐼𝐴 como no jogo anterior de cadeias de lojas.
Em outras palavras, uma entrante pode enfrentar uma oponente forte, que prefere
combater (predar) em vez de acomodar, mesmo no jogo de um período.

Este é um jogo multiestágio com informação incompleta, e procuramos pelo EPB


(Equilíbrio Perfeito Bayesiano) do jogo. Nesse caso, dadas as estratégias dos jogadores e
as crenças das entrantes, no EPB, cada jogador escolhe sua estratégia ótima, e as crenças
são consistentes (quer dizer, são derivadas usando-se regras de Bayes). Note que as
estratégias deverão ser funções estocásticas e não determinísticas; deverá haver
equilíbrios com estratégias mistas.

Um jogo desse tipo admite três formas de equilíbrio, dois com estratégias puras
(equilíbrios separatório e agregador) e um com estratégias mistas (equilíbrio misto ou
semisseparatório). Indicamos brevemente as condições para cada tipo de equilíbrio, mas
focalizaremos o último, que, nesse caso, é o mais interessante.

Equilíbrio separatório. Em um equilíbrio separatório, uma incumbente forte


combate a entrada, e uma fraca a acomoda. No segundo período, a entrante tem completa
informação após observar o comportamento da incumbente no primeiro período:
(Pr(𝑤 | 𝑎) = 1 e Pr(𝑤 | 𝑓) = 1), em que 𝑤 e 𝑡 significam “fraca” (weak) e “forte”
(tough), respectivamente, e 𝑎 e 𝑓 significam “acomoda” e “combate”. (Assim, Pr(𝑤 | 𝑎)
é a probabilidade de que a incumbente seja fraca, dada a acomodação observada no
primeiro período, e Pr(𝑡 | 𝑓) a probabilidade de que seja forte dado que o combate é
observado no primeiro período.) Consequentemente, ela entrará apenas se observar que a
entrada foi acomodada no primeiro período. Nesse equilíbrio, não haverá predação: a
incumbente durona não está agindo estrategicamente, apenas maximiza seu ganho
estático, e a incumbente fraca é incapaz de deter a entrada.

Uma condição necessária para tal equilíbrio ocorrer é que a incumbente fraca
prefira acomodar em vez de imitar a forte, ou seja, predar e deter a entrada.

𝜋𝐼𝐴 + 𝛿𝜋𝐼𝐴 ≥ 𝜋𝐼𝑃 + 𝛿𝜋 𝑀 . (7.1)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
72

Equilíbrio agregador. Em um equilíbrio agregador, tanto a incumbente durona


quanto a fraca combatem a entrada. A entrante corretamente entende e não reavalia suas
crenças quando se defronta com uma conduta agressiva no primeiro período. A crença
posterior coincide com a anterior: Pr(𝑡 | 𝑓) = 𝑥. Para ser um equilíbrio, a entrante não
deverá entrar depois de observar o episódio de combate:

𝑥𝜋𝐸𝑃 + (1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴 ≤ 0. (7.2)

Vejamos se, no equilíbrio agregador, a condição é violada (7.2) raciocinando a


contrario. Se 𝑥𝜋𝐸𝑃 + (1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴 > 0, a segunda entrante irá entrar após observar a
predação. Mas, então, não pode ser ótimo para a incumbente fraca combater no primeiro
período, dado que sacrificar lucros só faz sentido para deter entrada. Contudo, um
equilíbrio agregador desse tipo não é muito interessante, já que a condição (7.2) significa
que a entrante não entrará no mercado em um jogo estático.

Equilíbrio semisseparatório. Focalizemos agora uma situação em que ambas as


condições (7.1) e (7.2) são violadas, e presuma que (1') 𝜋𝐼𝐴 + 𝛿𝜋𝐼𝐴 < 𝜋𝐼𝑃 + 𝛿𝜋 𝑀 e que
(2') 𝑥𝜋𝐸𝑃 + (1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴 > 0. Sabemos que há um equilíbrio semisseparatório (isto é, um
equilíbrio em estratégias mistas, dado que as hipóteses (1') e (2') definem estratégicas de
equilíbrios puros), conforme se segue.

Descrição do equilíbrio:

(1) A primeira entrante potencial entra.


(2.a) A segunda entrante potencial entra se a segunda for acomodada.
(2.b) A segunda entrante potencial entra com probabilidade 1 − (𝜋𝐼𝐴 − 𝜋𝐼𝑃 )/
[𝛿(𝜋 𝑀 − 𝜋𝐼𝐴 )] se a primeira entrante foi combatida.
(3) A incumbente durona combate em ambos os períodos.
(4) A incumbente fraca combate no primeiro período, com probabilidade
−𝑥𝜋𝐸𝑃 /[(1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴 ].
(5) A incumbente fraca acomoda a entrada no segundo período, caso ocorra.

Prova. Primeiro de tudo, note que as ações (2.a), (3) e (5) são trivialmente ótimas:
se a entrada sempre for acomodada, é claro que a incumbente será fraca (2.a); uma
incumbente forte é, por definição, aquela cujo ganho é mais alto por combater mesmo em
um jogo estático (3); no último período do jogo, uma incumbente fraca não tem razão
para combater a entrada (5).
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
73

Provemos agora a otimização das ações restantes, conforme segue.

(4) Se a entrada foi combatida no primeiro período, o segundo entrante usará a


regra de Bayes para reavaliar sua crença anterior quando enfrentar uma incumbente forte.
Essa probabilidade revisada de que a incumbente é forte, já que um combate é observado,
é

Pr(𝑓 | 𝑡) Pr(𝑡) 𝑥
Pr(𝑡 | 𝑓) = = . (7.3)
Pr(𝑓 | 𝑡) Pr(𝑡) + Pr(𝑓 | 𝑤) Pr(𝑤) 𝑥 + Pr(𝑓 | 𝑤) (1 − 𝑥)

Para uma estratégia mista ser ótima, a segunda entrante deve ser indiferente
quanto a entrar e ficar de fora (o que lhe dá um ganho zero), que é

Pr(𝑡 | 𝑓) 𝜋𝐸𝑃 + (1 − Pr(𝑡 | 𝑓))𝜋𝐸𝐴 = 0, (7.4)

que, depois de substituir e rearranjar, pode ser escrito como:

𝑥𝜋𝐸𝑃
Pr(𝑓 | 𝑤) = − . (7.5)
(1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴

Note que 𝜋𝐸𝑃 < 0; então, essa probabilidade é positiva, e por (2'), Pr(𝑓 | 𝑤) < 1.

(2.b) Para a incumbente fraca agir aleatoriamente no primeiro período, ela deve
ser indiferente entre combater (que seria seguido pela entrada com uma probabilidade
Pr(Entrada | 𝑓)) ou não:

𝜋𝐼𝑃 + 𝛿[Pr(Entrada | 𝑓) 𝜋𝐼𝐴 + (1 − Pr(Entrada | 𝑓))𝜋 𝑀 ] = 𝜋𝐼𝐴 (1 + 𝛿). (7.6)

Rearranjando, encontramos a condição de indiferença como

𝜋𝐼𝐴 − 𝜋𝐼𝑃
Pr(Entrada | 𝑓) = 1 − , (7.7)
𝛿(𝜋 𝑀 − 𝜋𝐼𝐴 )

menor que um pela hipótese (1').

(1) A primeira entrante potencial entrará se seu ganho esperado for mais alto do
que se ficar fora:

𝑥𝜋𝐸𝑃 + (1 − 𝑥)[Pr(𝑓 | 𝑤) 𝜋𝐸𝑃 + (1 − Pr(𝑓 | 𝑤))𝜋𝐸𝐴 ] > 0. (7.8)

Depois de substituir, isso equivale a

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
74

𝜋𝐸𝑃
𝑥𝜋𝐸𝑃 + (1 − 𝑥)𝜋𝐸𝐴 − 𝑥𝜋𝐸𝑃 ( 𝐴 − 1) > 0. (7.9)
𝜋𝐸

Consequentemente, algumas restrições sobre os ganhos devem ser impostas para


que a condição anterior valha. Desde que valha (7.9), o equilíbrio separado que
descrevemos existe.

Comentário. O caso geral 𝑇 > 2 é muito mais complexo, mas também muito mais rico.
O principal é que se 𝑇 for grande o suficiente, nos períodos anteriores do jogo, mesmo
uma incumbente fraca certamente combateria, e, antecipando isso, as primeiras entrantes
ficam de fora. Conforme o jogo se desenrola, as estratégias ótimas se tornam mistas, como
no caso 𝑇 = 2.

O insight principal desse modelo é que mesmo um pequeno desvio do ambiente


de perfeita informação pode dar ensejo à predação se o horizonte for finito, mas longo o
suficiente: uma incumbente fraca jogará no começo do jogo como se fosse forte, e isso
lhe dará a reputação de ser uma “combatente”, o que convencerá entrantes a
permanecerem fora do mercado nos primeiros períodos. Na direção do final do jogo, no
entanto, uma incumbente fraca não achará conveniente combater, e, antecipando isso, as
entrantes tentarão sua sorte (lembre-se de que há sempre a possibilidade de que a
incumbente seja do tipo forte).

Finalmente, note que Milgrom e Roberts (1982a) examinam uma extensão em que
há incerteza dos dois lados (a incumbente não sabe o ganho da entrante) e confirmam que
a predação poderá ocorrer também em um jogo de informação mais complexa.

Q7.1.2.1 – O modelo de preço -limite de Milgrom e Roberts * *

Apresentamos aqui uma versão simplificada do modelo de Milgrom e Roberts


(1982b). Considere uma indústria com uma incumbente (Empresa 1) e uma entrante
potencial (Empresa 2), cuja demanda por bens homogêneos é dada por 𝑝 = 1– 𝑄. A
entrante potencial tem custo marginal 𝑐 e, se entrar, um custo fixo afundado 𝐹. Esses
custos são de conhecimento comum. O custo marginal da incumbente, por sua vez, pode
ser baixo (𝑐𝑙 = 0) ou alto (𝑐ℎ = 𝑐 < 1/2). Esse custo é informação privada: a incumbente

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
75

o conhece, mas a entrante acredita que é baixo, com probabilidade Pr(𝑐1 = 0) = 𝑥 < 1,
e alto, com probabilidade Pr(𝑐1 = 𝑐) = 1 − 𝑥. Também presumimos, por simplicidade,
que, se a entrante realmente chegar à indústria, imediatamente conhecerá o verdadeiro
custo da incumbente.

O jogo é assim: no primeiro período, a Empresa 1 escolhe sua produção. Nesse


momento, ela é uma monopolista. No segundo período, a Empresa 2 decide se entra ou
não; se entrar, afundará seu custo 𝐹; se não, obterá ganho zero. As empresas em atividade
escolhem sua produção. Por simplicidade, presumimos não haver descontos entre os
períodos: a Empresa 1 apenas maximiza a soma de seus ganhos.

Procuremos o Equilíbrio Bayesiano Perfeito do jogo. Neste caso, dadas as


estratégias (𝑠1 , 𝑠2 ) dos players e as crenças 𝑝 da entrante, o EBP consiste em um trinômio
(𝑠1∗ , 𝑠2∗ , 𝑝) tal que cada jogador escolhe a estratégia ótima de acordo com a estratégia do
concorrente e as crenças das entrantes, que são corretas.

Em tal jogo, há dois tipos de equilíbrios possíveis em estratégias puras. Em um


equilíbrio separatório, a incumbente de baixo custo escolhe um produto grande o
suficiente, e a entrante corretamente infere o tipo de incumbente observando a produção
do primeiro período. No equilíbrio agregador, ambos são baixos – e a incumbente de alto
custo escolhe o mesmo produto. Se a entrante tiver probabilidade ex ante alta o suficiente
de encontrar uma incumbente de baixo custo, ela não entrará. Ela sabe que a produção
observada no primeiro período não comporta qualquer informação adicional sobre de que
tipo de incumbente se trata, e suas crenças posteriores são, portanto, as mesmas que no
primeiro período.

(O fato de que a incumbente de baixo custo em um equilíbrio separatório e uma


incumbente de alto custo em um equilíbrio agregador estabelecem um preço
suficientemente baixo para fazer a entrante ficar de fora faz o modelo se assemelhar aos
chamados argumentos de preço-limite da detenção de entrada.)

Antes de caracterizar esses equilíbrios, vamos resumir os produtos do primeiro e


do segundo períodos sob diferentes possibilidades. As quantidades ótimas da Empresa 1,
se não houver entrante potencial, serão

𝑚
1−𝑐 𝑚
1
𝑞1ℎ = ; 𝑞1𝑙 = , (7.10)
2 2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
76

onde ℎ e 𝑙 indicam, respectivamente, incumbente de alto e de baixo custo, e 𝑚 indica


monopólio. Sob duopólio, as quantidades de equilíbrio no jogo de Cournot são

𝑑 𝑑
1−𝑐 𝑑
1+𝑐 𝑑
1 − 2𝑐
𝑞1ℎ = 𝑞2ℎ = ; 𝑞1𝑙 = , 𝑞2𝑙 = , (7.11)
3 3 3

onde 𝑑 indica duopólio (o primeiro par refere-se ao caso da incumbente de alto custo, o
segundo, ao da incumbente de baixo custo). Todos os lucros de equilíbrio são dados por
𝑘 𝑘 2
𝜋𝑖𝑗 = (𝑞𝑖𝑗 ) . Para tornar a análise interessante, presumimos um contexto em que a
entrante nunca entrará se ela se deparar com uma incumbente de baixo custo
𝑑 𝑑
(𝜋2𝑙 − 𝐹 < 0), mas sempre entrará se se deparar com uma de alto custo (0 < 𝜋2ℎ − 𝐹),
ou

(1 − 𝑐)2 (1 − 2𝑐)2
>𝐹> . (7.12)
9 9
𝑚
Finalmente, denote por 𝜋1𝑗 (𝑞1𝑙 ) o lucro obtido por uma incumbente do tipo 𝑗 =
ℎ, 𝑙 quando vende uma produção 𝑞1𝑙 (não necessariamente coincidente com a produção
de monopólio do tipo 𝑗).

Equilíbrios separatórios. Vamos mostrar agora que o que se segue é um equilíbrio:


∗ 𝑚
𝑞1𝑙 = 𝑞1𝑙 > 𝑞1𝑙
∗ 𝑚
𝑞1ℎ = 𝑞1ℎ
(7.13)
𝑠2∗ = Entrar, se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 ; Não Entrar, se 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 ,
{ 𝑥 ′ = 0, se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 ; x ′ = 1, se 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 ,

onde 𝑥 ′ = Pr(𝑐1 = 0 | 𝑞1𝑚 ) é a crença da entrante de estar se defrontando com uma


incumbente de baixo custo, dada a produção observada no primeiro período 𝑞1𝑚 .

Nesse equilíbrio, a incumbente de baixo custo estabelece uma produção mais alta
que a de monopólio (quer dizer, a produção estabelecida se estivesse em um monopólio
não ameaçado por entrada) no primeiro período, e a incumbente de alto custo estabelece
seu próprio produto de monopólio, revelando seu tipo. A entrante corretamente infere o
tipo de incumbente que está enfrentando e se comporta de acordo, entrando apenas se
estiver diante de uma empresa de alto custo 1.

Para que isso seja um equilíbrio, nenhuma das empresas deve ter incentivo para
desviar. Dadas as suas crenças e as estratégias da Empresa 1, é claro que a entrante não

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
77

poderá fazer melhor que isso: entrar com uma empresa de baixo custo implicará perdas,
e não entrar com uma empresa de alto custo implicará desprezar lucros positivos.

Verificaremos agora se a incumbente de alto custo não tem incentivos para se


desviar. Se ela jogar a estratégia de equilíbrio candidata, obterá o lucro de monopólio no
𝑚 𝑑
primeiro período, mas atrairá entrada: 𝜋1ℎ + 𝜋1ℎ . Alternativamente, ela pode estabelecer
𝑞1𝑙 imitando, assim, a empresa de baixo custo e impedindo a entrada: sob esse desvio, ela
𝑚 𝑚
obterá 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1ℎ . Essa RI equivale, portanto, a

𝑚 𝑑 𝑚 𝑚
(1 − 𝑐)2
𝜋1ℎ + 𝜋1ℎ ≥ 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1ℎ , ou ≥ (1 − 𝑞1𝑙 − 𝑐)𝑞1𝑙 . (7.14)
9

Quanto à incumbente de baixo custo, ao jogar a estratégia de equilíbrio


(candidata), obterá o lucro mais baixo que estabelecendo a produção no nível de
𝑚 𝑚
monopólio no primeiro período, mas deterá entrada: 𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1𝑙 . Essa estratégia
envolve um sacrifício de lucros gerados no primeiro período; a alternativa pode ser
estabelecer produção de monopólio no primeiro período (dado que o produto mais baixo
𝑚
que atrairá a entrada, escolher 𝑞1𝑙 é claramente a melhor produção desviante), mas isso
não deterá entrada e gerará, no segundo período, lucros de duopólio. O desvio fornece o
𝑚 𝑑
ganho 𝜋1𝑙 + 𝜋1𝑙 , dando ensejo à seguinte restrição de incentivo:

𝑚 𝑚 𝑚 𝑑
(1 + 𝑐)2
𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1𝑙 ≥ 𝜋1𝑙 + 𝜋1𝑙 , ou (1 − 𝑞1𝑙 )𝑞1𝑙 ≥ . (7.15)
9

É fácil verificar que a RI de alto custo (7.14) é satisfeita por 𝑞1𝑙 ≥ 1/2 + √5(1 −
𝑐)/6 e maior que 1/2 para 𝑐 < (3√5 − 5)/4 ≃ 0,4271 (para valores com 𝑐 mais altos
que esse limiar, equilíbrios separados existirão onde a incumbente de baixo custo
estabelecer seu lucro de monopólio e não for imitada pela incumbente de alto custo).

A RI de baixo custo (7.15) é satisfeita para 𝑞1𝑙 ≤ 1/2 + √5 − 8𝑐 − 4𝑐 2 /6. Por


conseguinte, existe um intervalo de valores que satisfaz tanto às RIs quanto a 1/2 +
√5(1 − 𝑐)/6 ≤ 1/2 + √5 − 8𝑐 − 4𝑐 2 /6 ou 𝑐 ≤ 2√5/3 − 1 ≃ 0,49.

Note também que o melhor equilíbrio possível para a incumbente corresponde à


produção que faz a incumbente de alto custo impor que: 𝑞1𝑙 = 1/2 + √5(1 − 𝑐)/6
(qualquer produto mais alto que esse fará decrescer o lucro do primeiro período sem
alterar o do segundo).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
78

Equilíbrio agregador. Verifiquemos agora se o que se segue é um equilíbrio:


∗ ∗ 𝑚
𝑞1𝑙 = 𝑞1ℎ = 𝑞1𝑙
𝑚 𝑚
{ 𝑠2∗ = Entrar, se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 ; Não Entrar, se 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 ,
′ 𝑚 𝑚 ′ 𝑚 𝑚
𝑥 = 0, se 𝑞1 < 𝑞1𝑙 ; 𝑥 = 𝑥, se 𝑞1 ≥ 𝑞1𝑙 .

Nesse equilíbrio, a incumbente de alto custo imita a de baixo custo. Como a


entrante potencial entende que não pode inferir o tipo da incumbente por essa jogada de
primeiro período, decide com base em suas crenças ex ante, que lhe dizem que a
incumbente é de baixo custo com uma probabilidade 𝑥. De forma correspondente, o
equilíbrio agregador existirá apenas se a entrante esperar que os ganhos (os mesmos antes
e depois de se observar a escolha da Empresa 1 no primeiro período) sejam negativos:

𝑑 𝑑
(1 − 𝑐)2 − 𝐹
𝑥(𝜋2𝑙 − 𝐹) + (1 − 𝑥)(𝜋2ℎ − 𝐹) < 0, ou 𝑥 > . (7.16)
2 − 3𝑐

Em outras palavras, a probabilidade ex ante de que a entrante encontrará uma


incumbente de baixo custo deve ser suficientemente alta para que o equilíbrio agregador
exista. Por outro lado, já que, em um equilíbrio agregador, a jogada do primeiro período
não leva à reavaliação de crenças, a entrante irá sempre entrar. Por sua vez, o fato de que
a entrada não será detida implica que a incumbente de alto custo teria mais vantagem
jogando sua produção de monopólio que blefando.

Com relação às restrições de incentivo da Empresa 1, a incumbente de alto custo


deve preferir imitar a empresa de baixo custo e impedir a entrada que reduzir sua produção
atraindo entrada:

𝑚 𝑑 𝑚 𝑚 𝑚
(1 − 𝑐)2
𝜋1ℎ + 𝜋1ℎ ≤ 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) + 𝜋1ℎ , ou ≤ (1 − 1/2 − 𝑐)/2, (7.17)
9

o que vale para 𝑐 < (3√5 − 5)/4 ≃ 0,4271.

Com relação à incumbente de baixo custo, é claro que ela prefere jogar o equilíbrio
de produção, em que detém entrada escolhendo seu lucro de monopólio: qualquer outro
produto reduziria os lucros do primeiro período e, possivelmente (se estabelecer uma
produção mais baixa que 1/2), também dispararia a entrada.

Conclusão. A análise mostra que, ao estabelecer um preço suficientemente baixo (uma


produção suficientemente alta) e fingindo ser um produtor eficiente, uma incumbente será
capaz de impedir a entrada. No exemplo anterior, isso é possível sempre que a incumbente
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
79

de alto custo não for muito ineficiente (𝑐 < 3√5 − 5/4) e que a probabilidade ex ante,
atribuída pela entrante, de que a incumbente seja de baixo custo for alta o suficiente.

Note, contudo, que as implicações de política do modelo estão longe de ser


imediatas. Primeiro de tudo, a predação aqui ocorre sem que a incumbente de alto custo
venda abaixo de seu custo: no equilíbrio agregador, a entrada é impedida estabelecendo-
se 𝑞 = 1/2, que corresponde ao preço 𝑝 = 1/2 mais alto que o da incumbente ineficiente.
Em segundo lugar, suponha, apenas para fins de argumentação (pois tal política seria
baseada em não observáveis), que a autoridade de defesa da concorrência imponha uma
regra que impeça uma empresa de “agir estrategicamente” e vender preços abaixo do que
estabeleceria se não sofresse ameaça de entrada. Tal política eliminaria o impedimento
de entrada por parte da empresa de alto custo e poderia, portanto, elevar o bem-estar. No
entanto, também reduziria o bem-estar se a incumbente fosse uma empresa de baixo custo
e um equilíbrio separado surgisse. Realmente, em tal caso, agindo de forma estratégica,
a incumbente eficiente iria reduzir preços abaixo do nível míope de monopólio no
primeiro período, e os consumidores seriam beneficiados.

Q7.1.3 – Predação por fusão * *

A crítica da Escola de Chicago à predação sustenta que fusões seriam estratégias


muito mais lucrativas que a predação. Esse argumento foi criticado por Yamey (1972),
que apontou que, mesmo visando adquirir a rival, a predação poderá ser lucrativa, pois
terá o efeito de reduzir o preço pela qual a concorrente será adquirida. Saloner (1987)
fornece sustentação formal para esse argumento. No que se segue, apresentamos uma
versão muito simplificada de seu modelo.

Considere o mesmo modelo de informação incompleta mostrado na seção “O


modelo de preço-Limite de Milgrom e Roberts”, mas com algumas diferenças. Primeiro,
presuma que 𝐹 = 0, de maneira que a entrante sempre achará lucrativo entrar (para
focalizar predação e fusão em termos mais convenientes). Em segundo lugar, modifique
o jogo de modo a introduzir um estágio no qual as empresas possam se fundir, conforme
segue. No primeiro período, a incumbente (que, como antes, pode ser uma empresa de
baixo ou alto custo) está sozinha no mercado e escolhe sua produção, observada pela

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
80

entrante potencial. No segundo período (a novidade com respeito à análise de Milgrom e


Roberts), há uma barganha em torno dos termos da fusão. Por simplicidade, suponha que
todo o poder de barganha seja da incumbente, que faz uma proposta de fusão “pegar ou
largar” para a entrante potencial. No terceiro período, as empresas em atividade
estabelecem seus produtos.

Note que as quantidades e os lucros do equilíbrio no terceiro período já são


conhecidos da seção “O modelo de preço-limite de Milgrom e Roberts”. No caso em que
terá ocorrido uma fusão no segundo período, a incumbente torna-se uma monopolista no
terceiro.

Com relação ao processo de fusão no Período 2, o preço 𝑄 pelo qual a Empresa 2


está disposta a ser comprada dependerá de suas expectativas sobre se deparar com uma
𝑑
incumbente de baixo ou alto custo. No primeiro caso, ela espera realizar um lucro 𝜋2ℎ ,
𝑑
no segundo, um lucro mais baixo, 𝜋2𝑙 . Consequentemente, o takeover ocorrerá para 𝑄 ≥
𝑑 𝑑
𝜋2ℎ e 𝑄 ≥ 𝜋2𝑙 , respectivamente. Pode-se ver imediatamente que a incumbente tem
interesse em ser vista como de baixo custo. Dado que o poder de barganha está todo do
lado da incumbente, a Empresa 2 venderá a um preço igual a seu preço de reserva. Se a
Empresa 2 acreditar que enfrenta uma incumbente eficiente, a fusão ocorrerá ao preço
𝑑 𝑑
𝑄𝑙 = 𝜋2𝑙 . Se acreditar que enfrenta uma incumbente ineficiente, o preço será 𝑄ℎ = 𝜋2ℎ >
𝑄𝑙 .

Podemos nos voltar agora para a caracterização do equilíbrio separatório,


enquanto o equilíbrio agregador será estudado no Exercício 7.2.

Equilíbrio separatório. Vamos primeiro focalizar o seguinte equilíbrio, em que uma


incumbente de baixo custo estabelece uma produção maior que seu produto de monopólio
no primeiro período para sinalizar ser eficiente e comprar a Empresa 2 a um preço mais
baixo, enquanto a incumbente de alto custo estabelece sua produção de monopólio e é
reconhecida como ineficiente (consequentemente, tem de pagar um preço mais elevado
pelo takeover):
∗ 𝑚 𝑑
𝑞1𝑙 = 𝑞1𝑙 > 𝑞1𝑙 ; 𝑄 ∗ = 𝑄𝑙 = 𝜋2𝑙
∗ 𝑚 𝑑
𝑞1ℎ = 𝑞1ℎ ; 𝑄 ∗ = 𝑄ℎ = 𝜋2ℎ
se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 : Vender, se 𝑄 ≥ 𝑄ℎ ; Rejeitar, se 𝑄 < 𝑄ℎ
𝑠2∗ = { 𝑚
se 𝑞1 ≥ 𝑞1𝑙 : Vender, se 𝑄 ≥ 𝑄𝑙 ; Rejeitar, se 𝑄 < 𝑄𝑙
{ 𝑥 ′ = 0, se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 ; 𝑥 ′ = 1, se 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
81

Dadas essas crenças, é claro que o melhor para a entrante é se vender pelo preço
alto 𝑄ℎ e 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 e pelo preço baixo 𝑄𝑙 , no caso contrário.

Com relação à empresa de alto custo 1, jogar de acordo com a estratégia de


equilíbrio candidata é ótimo se for melhor ter o lucro de monopólio no primeiro período,
mas tendo de pagar um preço alto pela fusão, em vez de fingir ser uma incumbente de
baixo custo, o que permite ganho inicial menor, mas mais alto posteriormente, graças às
economias feitas no preço do takeover:

𝑚 𝑑 𝑚 𝑚 𝑑 𝑚
𝜋1ℎ − 𝜋2ℎ + 𝜋1ℎ ≥ 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) − 𝜋2𝑙 + 𝜋1ℎ , (7.18)

𝑚 𝑚 𝑑 𝑑
que, após substituição, pode ser reescrita como 𝜋1ℎ − 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) ≥ 𝜋2ℎ − 𝜋2𝑙 , ou

(1 − 𝑐)2 (1 − 𝑐)2 (1 − 2𝑐)2


− (1 − 𝑞1𝑙 − 𝑐)𝑞1𝑙 ≥ − , (7.19)
4 9 9

que se simplifica para 𝑞1𝑙 ≥ (1 − 𝑐)/2 + √(2 − 3𝑐)𝑐/3, com 𝑞1𝑙 = (1 − 𝑐)/2 +

√(2 − 3𝑐)𝑐/3 sendo o equilíbrio natural entre todos os possíveis.

A empresa de baixo custo 1 encontrará a estratégia candidata de equilíbrio ótima


se for melhor sacrificar o lucro de monopólio do primeiro período para pagar um preço
mais baixo em uma fusão, em vez de obter seu lucro de monopólio no primeiro período
com termos de compra menos convenientes no momento do takeover (já que a entrante a
tomará erradamente por uma empresa de alto custo):

𝑚 𝑑 𝑚 𝑚 𝑑 𝑚
𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) − 𝜋2𝑙 + 𝜋1𝑙 ≥ 𝜋1𝑙 − 𝜋2ℎ + 𝜋1𝑙 . (7.20)

𝑚 𝑚 𝑑 𝑑
Isso pode ser escrito, após substituição, como 𝜋1𝑙 − 𝜋1𝑙 (𝑞1𝑙 ) ≤ 𝜋2ℎ − 𝜋2𝑙 , ou

1 (1 − 𝑐)2 (1 − 2𝑐)2
− (1 − 𝑞1𝑙 )𝑞1𝑙 ≤ − , (7.21)
4 9 9

que se simplifica para 𝑞1𝑙 ≤ 1/2 + √(2 − 3𝑐)𝑐/3, sempre satisfeito por 𝑞1𝑙 =

(1 − 𝑐)/2 + √(2 − 3𝑐)𝑐/3.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
82

Q7.1.4 – Predação por bolso profundo *

Para um modelo muito simples de predação por bolso profundo, de Benoit (1984),
considere o seguinte jogo de informação perfeita, que dura 𝑇 + 𝐾 períodos, com 𝐾 ≥ 1.
No primeiro período, uma Entrante 𝐸 decide se entra ou não em determinado setor, e a
Incumbente 𝐼 decide se preda (disputa) ou acomoda a entrada. Em cada um dos períodos
seguintes, a Empresa 𝐸 decide se fica ou sai, e a 𝐼, se preda ou acomoda. (Como
alternativa, a Empresa 𝐸 já se encontra no mercado e decide se continua ou não a partir
do primeiro período.) Se ela preda, ambas as empresas têm um ganho por período de
𝜋 𝑃 < 0, se não preda, têm 𝜋 𝐴 > 0.

As duas empresas são perfeitamente simétricas em suas tecnologias e produtos,


mas diferem em ativos. A entrante tem menos ativos que a incumbente e pode sobreviver
um máximo de 𝑇 períodos: 𝐴𝐸 = −𝑇𝜋 𝑃 < 𝐴𝐼 . Em outras palavras, A incumbente pode
sobreviver por mais tempo na eventualidade de uma guerra de preços, o que significa que
ela tem bolso profundo.

Sob essas hipóteses, no único equilíbrio perfeito em subjogos, a entrante não


entrará (ou sairá imediatamente). É fácil ver esse resultado por indução reversa. A Figura
Q7.1 ilustra o jogo no caso simples em que 𝑇 = 1 e 𝐾 = 1, ou seja, a entrante só tem
recursos para um período de disputa, e as empresas se defrontam no mercado duas vezes.
Primeiro, resolveremos o modelo para o caso de dois períodos e depois para o caso geral.

Solução para o Caso em Dois Períodos: T = K = 1. O jogo é resolvido por


indução reversa. Comecemos pelo segundo período. Se a entrante entrou e foi enfrentada,
no segundo período ela terá de sair. Se a entrada foi acomodada, decidirá ficar, pois ela
antecipa que, caso permaneça, a incumbente preferirá acomodar e obter 𝜋 𝐴 que brigar e
realizar uma perda de 𝜋 𝑃 . Portanto, no segundo período, ela prefere permanecer e obter
o lucro de 𝜋 𝐴 , em vez de sair e obter zero.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
83

Figura Q7.1 Predação por bolso profundo, com T = K = 1.

No primeiro período, se a entrante entrou, a incumbente sabe que, lutando induzirá


a saída (e obterá lucros de monopólio 𝜋 𝑀 ), enquanto se acomodar, não induzirá saída
(acabamos de ver que, se a entrante não for confrontada, ela permanecerá). A primeira
estratégia será a preferida se

𝜋 𝑃 + 𝛿𝜋 𝑀 > 𝜋 𝐴 (1 + 𝛿). (7.22)

Vamos agora para a decisão inicial, se as condições anteriores valerem, a entrante


saberá que sua entrada será seguida por uma disputa e perderá todos os seus ativos: ela,
então, preferirá permanecer de fora. Se a condição for violada, a entrante entrará, já que
antecipa que a ameaça de predação não é crível.

Solução do Caso Geral. No período 𝑇 + 1, se a Empresa 𝐸 sempre foi combatida,


entrará em falência e terá de sair, e a Empresa 𝐼 obterá lucros de monopólio para sempre,
𝜋 𝑀 + ∑𝐾−1 𝑗 𝑀
𝑗=1 𝛿 𝜋 . Além disso, a predação nesse período pela incumbente não será crível:

acomodando a entrada, ela obterá 𝜋 𝐴 + ∑𝐾−1 𝑗 𝐴 𝑃 𝐾−1 𝑗 𝐴


𝑗=1 𝛿 𝜋 > 𝜋 + ∑𝑗=1 𝛿 𝜋 . Antecipando

isso, a Empresa 𝐸 ficará, e ambas ganharão 𝜋 𝐴 para sempre.

No período 𝑇, se a entrante ainda estiver na indústria e sempre ter sido combatida,


a incumbente saberá que, se combater a entrante uma vez mais, conseguirá que ela saia.
Assim, ela preferirá lutar desde que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
84

𝐾 𝐾
𝑃 𝑗 𝑀
𝜋 + ∑𝛿 𝜋 > 𝜋 + ∑ 𝛿𝑗 𝜋 𝐴.
𝐴
(7.23)
𝑗=1 𝑗=1

Se essa condição for satisfeita, a entrante antecipa que será predada ainda uma vez
mais e preferirá sair imediatamente para economizar 𝜋 𝑃 .

No período 𝑇– 1, se a incumbente combater por um período mais, ela saberá que


induzirá a saída no período seguinte, obtendo um ganho de ∑𝐾+1 𝑗 𝑀 𝑃
𝑗=1 𝛿 𝜋 + 𝜋 .

Acomodando, ela obtém ∑𝐾+1 𝑗 𝐴 𝐴


𝑗=1 𝛿 𝜋 + 𝜋 . Claramente, combater é mais lucrativo desde

que a condição (7.23) valha. Antecipando isso, a entrante irá preferir sair imediatamente
para evitar perdas causadas por um período de disputa.

O argumento continua de forma reversa, da mesma maneira, até o primeiro


período, em que a entrante prefere sair imediatamente (ou não chegar a entrar) em vez de
incorrer em perdas.

Comentários. Esse modelo simples ilustra por que os argumentos de bolso profundo da
predação devem funcionar. Em uma situação em que uma empresa é financeiramente
mais forte que outra, a primeira pode utilizar seus bolsos profundos para forçar a última
a sair da indústria. Note também que não é preciso haver qualquer relação entre força
financeira e eficiência: uma empresa mais eficiente pode ter – por várias razões, algumas
a serem vistas na seção seguinte – restrições de caixa e ser forçada a deixar o mercado
por uma rival mais rica, embora menos eficiente (veja o Exercício 7.3). Se for o caso, a
predação será duplamente prejudicial para o bem-estar: em primeiro lugar, por eliminar
uma empresa na qual poderiam coexistir duas; em segundo lugar, por eliminar a empresa
mais eficiente, adicionando uma ineficiência produtiva à ineficiência alocativa.

Não obstante, o modelo tem alguns limites. Primeiro, note que os requisitos de
informação para que a predação funcione são bastante fortes, com a incumbente tendo de
conhecer não apenas os custos das entrantes, mas também o montante de recursos
financeiros disponíveis para ela, e a entrante deve saber também que a incumbente não
tem restrição de recursos líquidos (ou crédito) – e deve haver conhecimento comum sobre
esses elementos. Em segundo lugar, o modelo é, de certa forma, insatisfatório, no sentido
de que, ao longo da trajetória de equilíbrio, a predação jamais será observada: dada
perfeita informação e conhecimento comum, a entrante nunca entrará na indústria (ou, se

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
85

já estiver, sairá imediatamente) sem que qualquer guerra de preços seja observada.
Contudo, Benoit (1984) mostra que a predação ainda ocorrerá sob informação imperfeita
(em que alguma incerteza existe sobre o quão profundo é o bolso da empresa), e que –
similarmente ao modelo de reputação da seção “Um modelo de reputação de predação” –
uma guerra de preços pode ser observada ao longo da trajetória de equilíbrio. A terceira
e mais importante limitação desse modelo é supor exogenamente que uma empresa não é
capaz de levantar fundos externamente. Isso nos leva a modelos que explicam
endogenamente por que a predação pode reduzir a habilidade de uma entrante tomar
empréstimos, objeto da próxima seção.

Q7.1.5 – Predação por bolso profundo com mercados financeiros


imperfeitos * *

Para entender por que a predação pode ocorrer quando uma incumbente tem força
financeira, temos de entender por que uma entrante ou uma empresa menor fica
vulnerável quando não tem recursos financeiros suficientes. A questão-chave é
reconhecer que os mercados de capitais são imperfeitos, de maneira que os ativos (como
fundos líquidos e lucros retidos) de uma empresa importam e determinam sua habilidade
de levantar fundos externos. Uma vez estabelecido esse ponto, é fácil entender por que a
predação pode ocorrer: ao agir agressivamente no mercado, a incumbente reduzirá os
ativos disponíveis para a empresa menor, reduzindo sua habilidade de levantar capital e,
portanto, obrigando-a a sair do mercado ou reduzir suas ambições na indústria.

Esta seção, baseada em Holmström e Tirole (1997) e Cestone (2001), formaliza


este ponto.

Financiamento de investimentos em um mercado de capitais imperfeito.


Considere primeiro o problema do financiamento de um empresário neutro com
relação ao risco, abstraindo da competição no mercado de produto. A empresa precisa
investir certa quantia para continuar a operar no setor, e isso implica o pagamento de um
custo fixo 𝐹. A empresa tem seus ativos próprios em um total de 𝐴, de maneira que precisa
tomar emprestada de um banco também neutro com relação a risco a quantia 𝐷 = 𝐹– 𝐴 >
0 para financiar seu investimento.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
86

Caso o investimento seja financiado, o empresário decide se opera


cuidadosamente no projeto ou se esquiva-se de fazê-lo. Se o fizer, o projeto de negócios
terá sucesso com probabilidade 𝑝 e fornecerá um rendimento 𝑅, e fracassará com uma
probabilidade 1– 𝑝, gerando renda 0. Se ele se furta a operar com diligência, o projeto
fracassará com certeza, mas ele obterá um benefício privado de 𝐵 < 𝐹, que também pode
ser interpretado como a desutilidade do esforço economizada com a fuga do trabalho
duro, condicionado ao fato de o projeto ser financiado; por exemplo, o tempo que o
empresário pode passar lendo jornais, navegando na internet em busca de distrações e
telefonando para a família e amigos, em vez de se dedicar ao projeto.

O esforço não é observável (ou, se for, não é verificável), de forma que não é
possível redigir um contrato financeiro que fixe diretamente seu nível. Isso cria uma
assimetria de informação (com risco moral) entre os investidores externos e o empresário,
e é a razão para as imperfeições do mercado de capitais neste exemplo.

Presuma que, se o empresário tivesse ativos suficientes para financiar, ele próprio,
seu projeto, ou se não houvesse assimetria de informação (quer dizer, se o esforço fosse
objetivamente verificável e fosse possível redigir um contrato contingente a esse esforço),
o investimento sempre seria feito:

𝑝𝑅 > 𝐹. (7.24)

Mas o investidor externo financiará o investimento apenas se estiver seguro de


que conseguirá extrair trabalho cuidadoso do empresário. De outra forma, ele perderá 𝐷.
(Presuma que haja responsabilidade limitada: que o investidor (ou banco) não possa
recuperar a quantia que emprestou apreendendo os ativos pessoais do empresário.)

Considere agora o seguinte contrato entre banco e empresa. O banco empresta 𝐷


para a empresa, e, se o projeto for bem-sucedido, o primeiro receberá um pagamento 𝑅 −
𝑆, onde 𝑆 é mantido pela empresa. A utilidade esperada líquida do empresário é dada por
𝑈 = 𝑝𝑆, no caso de alto esforço, e 𝑈 = 𝐵, no caso de baixo esforço. Assim, 𝑆 deve ser
escolhido para satisfazer à seguinte restrição de incentivo:

𝑝𝑆 ≥ 𝐵. (7.25)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
87

Portanto, se o contrato for para extrair alto esforço, o empresário deve receber no
mínimo 𝑆 = 𝐵/𝑝 ou, de forma equivalente, a empresa não poderá prometer repagar mais
que 𝑅– 𝐵/𝑝 ao banco (𝑅– 𝐵/𝑝 é chamado de renda garantida).

O banco financiará o projeto se, e apenas se, seu valor esperado (sujeito a que o
empresário faça grande esforço, ou seja, sujeito a que a condição (7.25) seja satisfeita)
tiver sido maior que seu custo (ou seja, os fundos emprestados):

𝑝(𝑅 − 𝑆) ≥ 𝐹 − 𝐴, (7.26)

ou seja, se a renda garantida esperada for mais alta que o custo do investimento:

𝐵
𝑝 (𝑅 − ) ≥ 𝐹 − 𝐴. (7.27)
𝑝

Isso claramente mostra que a posição financeira da empresa, sumarizada pelos


ativos A que possui, desempenha um papel-chave na decisão de empréstimo do banco:
quanto maior 𝐴, mais provável que o projeto da empresa seja financiado. Realmente,
(7.27) pode ser reescrita como

𝐴 ≥ 𝐵 − (𝑝𝑅 − 𝐹) ≡ 𝐴, (7.28)

o que torna claro que um projeto com valor presente líquido positivo não será financiado
(a empresa terá crédito restrito) se a empresa tiver ativos abaixo de certo patamar de
referência 𝐴.

Se envolvida em uma guerra de preços que reduz seus ativos, a probabilidade de


a empresa seguir em frente com financiamento bancário será comprometida. Esse é o
ponto crucial dos modelos recentes de predação por bolso profundo, como mostramos
agora.

Um modelo de predação por bolso profundo. Apresentemos agora a competição no


mercado de produto no modelo de financiamento visto. Há duas empresas: a 𝐼 é a
incumbente, e a 𝐸 é uma entrante recente na indústria (ou o predador e a presa). As
empresas são perfeitamente idênticas em suas tecnologias e produção, mas diferem
porque 𝐼 tem um bolso profundo, enquanto 𝐸 tem ativos limitados, no sentido a ser
especificado a seguir.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
88

Figura Q7.2 Linha do tempo: um modelo de predação (financeira) com bolso profundo.

Presuma que ambas as empresas já tenham incorrido em seus custos fixos


recorrentes 𝐹 para o Período 1, mas ainda tenham de pagá-lo, se pretenderem continuar a
produzir no Período 2. O jogo é como se segue (ver a Figura Q7.2 para uma ilustração).

No Estágio 1, a Empresa 𝐼 decide se preda ou acomoda a entrada. Se ela preda,


ambas as empresas obtêm (no primeiro período) lucros 𝜋 𝑃 ; se não preda, obtêm como
lucros 𝜋 𝐴 > 𝜋 𝑃 > 0. No Estágio 2, cada empresa paga 𝐹 ou deixa o negócio; uma
empresa que não possui ativos suficientes precisa encontrar um banco para financiar seu
investimento. No Estágio 3, cada empresário precisa tomar decisões quanto a seu esforço,
e, em sequência, uma segunda (e última) realização de lucros ocorre. Condicionada à
realização de alto esforço, se ambas as empresas tiverem investido, ganharão 𝜋 𝐴 ; com a
mesma probabilidade 𝑝, enquanto se apenas uma empresa tiver investido, obterá lucros
de monopólio 𝜋 𝑀 > 2𝜋 𝐴 , com probabilidade 𝑝.

Suponha que 𝑝𝜋 𝐴 > 𝐹: isso implica que o investimento deveria ser sempre
financiado se os mercados de capitais fossem perfeitos. Presuma também que a Empresa
𝐼 possui os ativos 𝐴𝐼 > 𝐹, de forma que sempre será capaz de financiar seu investimento,
enquanto os ativos da Empresa 𝐸, no primeiro período, são 𝐴𝐸 = 0; por conseguinte, seus
ativos do segundo período coincidem com os ganhos retidos do primeiro período (vamos
abstrair dos descontos). Suponha que

𝐵
𝐹 − 𝜋 𝐴 < 𝑝 (𝜋 𝐴 − ) < 𝐹 − 𝜋 𝑃 . (7.29)
𝑝

Não é fácil procurar um equilíbrio de Nash perfeito para esse subjogo. Note que,
do Estágio 2 em diante, o jogo é exatamente o mesmo conforme o modelo básico estudado
na subseção anterior, onde 𝜋 𝐴 substitui 𝑅 e onde os ativos 𝐴 são iguais a 𝜋 𝐴 , no caso de
acomodação, ou a 𝜋 𝑃 , no caso de predação. Assim, a condição (7.29) nos informa que o
investimento da Empresa 𝐸 só será financiado se a Empresa 𝐼 não predar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
89

Até aqui, mostramos a predação realmente faria a empresa 𝐸 abandonar a


indústria. Contudo, temos de estabelecer também que a Empresa 𝐼 teria um incentivo para
predar. Seria o caso se, e apenas se,

𝑝𝜋 𝑀 + 𝜋 𝑃 > 𝑝𝜋 𝐴 + 𝜋 𝐴 . (7.30)

Consequentemente, a predação ocorreria se a perspectiva de lucros maiores


futuros, 𝑝(𝜋 𝑀 − 𝜋 𝐴 ), mais que compensasse as perdas correntes com a predação 𝜋 𝐴 −
𝜋𝑃 .

Alguns comentários. Em primeiro lugar, observe que presumimos que a entrante tem
menos meios financeiros que a incumbente, mas pode não ser sempre o caso. Uma
implicação interessante desse modelo é que entrantes grandes ou financeiramente fortes
devem ser bem-vindas. Em uma indústria em que uma incumbente forte está presente,
uma pequena empresa pode jamais ser capaz de sobreviver, enquanto uma grande
companhia multinacional ou uma empresa dominante em outro setor, que deseja
diversificar em direção a esse novo segmento, não correrá o risco de ser predada pela
incumbente. No presente, temos a impressão de que, sempre que uma grande empresa,
possivelmente dominante em algum mercado, planeja entrar em um novo, é vista com
suspeita pelas autoridades antitruste. Tal suspeita pode fazer sentido em alguns casos,
mas nem sempre, conforme nos ensina o modelo de bolso profundo.

Em segundo lugar, observe que uma posição de mercado forte é condição


necessária para a predação, que envolve perdas monetárias que uma empresa poderá ter
a esperança de recuperar no futuro apenas se dispuser de suficiente poder de mercado.

Em terceiro lugar, deve ser notado que a saída da concorrente não é estritamente
necessária para que a predação seja lucrativa, conforme mostrado no Exercício 7.4: a
predação pode não forçar uma empresa menor a sair, mas pode impedi-la de adotar
inovações ou de crescer.

Extensões: renegociação e o modelo de Bolton e Scharfstein. Uma crítica a esse


modelo é que a predação poderia ser evitada por um acordo com o banco para financiar a
entrante, a despeito do ganho realizado no primeiro período. Em outras palavras, se o
banco e a empresa 𝐸 assinarem um contrato de longo prazo em que o banco se
compromete a financiar 𝐸 haja ou não predação, em troca de uma restituição de 𝜋 𝐴 −
𝐵/𝑝, não haveria escopo para a predação. Dois pontos importantes deveriam ser
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
90

enfatizados nesse contrato: primeiro, ele não deve ser observável pela incumbente;
segundo, ele deve ser inegociável, ou seja, o banco não pode se retirar do compromisso
de financiar a Entrante 𝐸.

Se ambas as condições forem satisfeitas, então é fácil ver que a predação não
ocorrerá, pois a Empresa 𝐼 sabe que não importa o que faça no período, ou seja,
independentemente de que ativos estejam disponíveis para a Empresa 𝐸 no momento de
investir, o banco financiará o investimento. Assim, será inútil engajar-se em predação que
envolva abrir mão de lucros que não possam ser recuperados posteriormente.

Primeiro, note que esse raciocínio se articula com a observação pela Empresa 𝐼 do
contrato entre o banco e sua concorrente, que não é uma hipótese fraca (considere também
que a Empresa 𝐸 tem todo o interesse em fazer a Empresa 𝐼 crer que ela dispõe de uma
linha de crédito incondicional).

Segundo, também se articula com a credibilidade do compromisso do contrato de


longo prazo. Se for impossível para o banco se comprometer com tal contrato, ou seja, se
o banco puder negociá-lo a custo zero ou pequeno, a predação nunca será evitada.

Realmente, considere o que acontece se o contrato for renegociável após observar-


se a realização do ganho no primeiro período. Suponha que a predação tenha ocorrido. A
Empresa 𝐸, então, terá ativos insuficientes para que o banco esteja disposto a financiar
seu investimento no segundo período (dado que 𝑝𝜋 𝐴 − 𝐵 < 𝐹 − 𝜋 𝑃 ) e não será capaz de
tomar um empréstimo. Antecipando isso, a incumbente predará no primeiro período.

O trade-off entre o risco moral e o impedimento da predação. Considerando todas as


incertezas possíveis no mercado, parece improvável que um banco queira se comprometer
com o financiamento contínuo das operações de uma empresa, a despeito da evolução de
seus negócios. Bolton e Scharfstein (1990) adicionam o seguinte argumento à explicação
de por que não seria sábio para um banco contrair tal tipo de contrato de longo prazo com
uma empresa. Se um empresário soubesse que sua empresa seria financiada no futuro,
independentemente de seus resultados, não teria os incentivos corretos para despender
esforços. Para ver como um problema de agência pode surgir seguindo um contrato de
longo prazo com um banco, considere a extensão do modelo depois de o contrato ter sido
assinado, mas antes do primeiro período de realização de mercado; o empresário da
Empresa 𝐸 precisa decidir se realiza um grande ou pequeno esforço.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
91

Figura Q7.3 Cronologia: o modelo de Bolton–Scharfstein.

Repetindo, o modelo ilustrado na Figura Q7.3 é como se segue (para acentuar o


problema de agência, desconsidere as questões de renegociação e presuma que o banco
se comprometa totalmente com o contrato de longo prazo). No Estágio 𝑖, o banco e a
Empresa 𝐸 assinam um contrato de longo prazo, cujos detalhes veremos a seguir. No
Estágio 𝑖𝑖, cada empresário toma decisões de esforço que levam ao sucesso com
probabilidade 𝑞 (a taxa de sucesso é a mesma para ambas as empresas). No primeiro
período, esquivar-se de esforço confere o benefício privado 𝑏 (com 𝑏 < 𝑞𝐵). No Estágio
1, a Empresa 𝐼 decide se preda ou se acomoda (primeiro período), sendo os lucros,
respectivamente, 𝜋 𝑃 e 𝜋 𝐴 > 𝜋 𝑃 no caso de esforço e sucesso para ambas as empresas. Se
o empresário se esquivar ou se se esforçar, mas o projeto fracassar, os lucros da empresa
no primeiro período serão zero. No Estágio 2, cada empresa paga 𝐹 ou sai. No Estágio 3,
cada empresário tem novamente de tomar decisões de esforço (de novo, com a taxa de
sucesso perfeitamente idêntica e igual à 𝑝), depois do qual ocorre o segundo (e último)
período de realização de lucros, com ganhos 𝜋 𝐴 , se ambas as empresas investirem, e
𝜋 𝑀 > 2𝜋 𝐴 , se apenas uma o fizer.

Sabemos, da subseção anterior, que a Empresa 𝐸 será capaz de tomar um


empréstimo se seus ativos, no início do segundo período, forem 𝐴𝐸 = 𝜋 𝐴 (lembre-se de
que presumimos que 𝐹 − 𝜋 𝐴 < 𝑝𝜋 𝐴 − 𝐵 < 𝐹 − 𝜋 𝑃 ). Mas o contrato de longo prazo
também estabelece que o banco irá financiar o investimento fixo 𝐹, com uma
probabilidade 𝑥 < 1, no caso de os ativos da Empresa 𝐸 no segundo período serem mais
baixos que 𝜋 𝐴 , em troca de uma restituição de 𝜋 𝐴 − 𝐵/𝑝.

O contrato ótimo corresponde ao valor de 𝑥 que maximiza o valor da Empresa 𝐸


sujeito a que duas restrições de incentivo sejam satisfeitas: primeiro, a incumbente não
prede (𝑅𝐼𝐼,𝑁𝑃 ); segundo, o empresário da Empresa 𝐸 faça um grande esforço no primeiro
período (𝑅𝐼𝐸,1 ). Em outras palavras, o programa é

max 𝑉 = 𝑞𝜋 𝐴 + [𝑞 + (1 − 𝑞)𝑥](𝑝𝜋 𝐴 − 𝐹), s. a: (7.31)


𝑥

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
92

𝑅𝐼𝐼,𝑁𝑃 : 𝑞𝜋 𝐴 + [𝑞 + (1 − 𝑞)𝑥]𝑝𝜋 𝐴 + (1 − 𝑞)(1 − 𝑥)𝑝𝜋 𝑀


(7.32)
≥ 𝑞𝜋 𝑃 + 𝑥𝑝𝜋 𝐴 + (1 − 𝑥)𝑝𝜋 𝑀 ,

𝑅𝐼𝐸,1 : [𝑞 + (1 − 𝑞)𝑥]𝑝(𝐵/𝑝) ≥ 𝑥𝑝(𝐵⁄𝑝) + 𝑏. (7.33)

𝑅𝐼𝐼,𝑁𝑃 nos diz que a incumbente prefere acomodar a entrada a predar.


Acomodando, ela ganha 𝜋 𝐴 no primeiro período e, no segundo período, 𝜋 𝐴 , se a
concorrente tiver sido bem-sucedida e obtido refinanciamento, e 𝜋 𝑀 , em caso contrário
(o que ocorre com probabilidade 1– 𝑥), evidentemente ponderado pela própria
probabilidade de sucesso. Predando, a incumbente obtém 𝜋 𝑃 no primeiro período e no
segundo, se a Empresa 𝐸 receber financiamento (o que ocorre com probabilidade 𝑥), e
𝜋 𝑀 caso contrário (novamente, todos os ganhos são expressos em termos esperados).

𝑅𝐼𝐸,1 nos diz que o empresário prefere empregar grande esforço que se esquivar
no primeiro período (a RI no segundo período já está definida sob contrato estipulado,
que garante à Empresa 𝐸 um ganho 𝐵/𝑝 no caso de sucesso). O esforço do primeiro
período não fornece um ganho imediato ao empreendedor, mas aumenta a probabilidade
de financiamento no segundo período. O financiamento ocorre com probabilidade
[𝑞 + (1 − 𝑞)𝑥] sob alto esforço e com probabilidade x sob baixo esforço.

Após rearranjar, as duas RIs podem ser reescritas como

𝑝𝜋 𝑀 + 𝜋 𝑃 − 𝜋 𝐴 (1 + 𝑝)
𝑥≥ ≡ 𝑥𝐼,𝑁𝑃 , (7.34)
𝑝𝜋 𝑀

onde o numerador é positivo por conta da condição (7.30) e

𝑏
𝑥 ≤1− ≡ 𝑥𝐸,0 . (7.35)
𝑞𝐵

Essas duas condições mostram que a predação pode ser detida ao custo de se
reduzir o incentivo do empreendedor para empregar esforço. Por exemplo, no caso
extremo em que 𝑥 = 1, ou seja, que a Empresa 𝐸 obtém financiamento a despeito do que
faça a Empresa 𝐼, a restrição de incentivo do empreendedor é sempre violada. Mais
genericamente, as duas RIs podem ser satisfeitas simultaneamente apenas se 𝑥𝐼,𝑁𝑃 ≤ 𝑥𝐸,0,
quer dizer, se

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
93

𝑏 𝜋 𝐴 (1 + 𝑝) − 𝜋 𝑃
≥ . (7.36)
𝑞𝐵 𝑝𝜋 𝑀

Em tal caso, a probabilidade ótima de refinanciamento será 𝑥 ∗ = 𝑥𝐸,0 (quanto


mais alto 𝑥, maior o valor presente da empresa). Mas, se a condição (7.36) for violada, a
predação pode ser detida apenas ao custo de se ter baixo esforço no primeiro período.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
94

Quadro 7.2 – Investimentos estratégicos para impedir a entrada *

Há uma série de variáveis que podem se encaixar na análise desenvolvida na seção


7.3.1 do livro, e, de fato, muitos trabalhos mostraram que uma empresa pode impedir a
entrada investindo estrategicamente. Spence (1977) e Dixit (1980) são as referências
clássicas a esse respeito: eles mostram que o monopolista pode acumular capacidade
estrategicamente, de maneira a deter entrantes potenciais. Apresentamos aqui um modelo
ligeiramente diferente (e talvez mais simples), que fornece discernimentos similares.

Há uma incumbente, Empresa 1, que enfrenta uma entrante potencial, Empresa 2,


em um mercado de um bem homogêneo cuja demanda é 𝑝 = 1– 𝑞. O jogo se desenrola
da seguinte maneira. No primeiro estágio, a Empresa 1 decide quanto quer investir em
uma tecnologia redutora de custos. Na ausência de qualquer investimento, a incumbente
produz ao custo marginal 𝑐; investindo 𝑥1 , ela se torna mais eficiente, com custo total de
produção dado por 𝐶(𝑥1 , 𝑞1 ) = (𝑐 − 𝑥1 )𝑞1 . Presuma um custo quadrático para o
investimento 𝐹(𝑥1 ) = 𝑥12 . Por simplicidade, presuma que a Empresa 2 não possa investir
em P&D antes da entrada e, caso ela entre, terá um custo marginal constante 𝑐. (O
Exercício 7.5 estuda o caso em que a Empresa 2 pode também investir em P&D e mostra
que os resultados principais obtidos aqui se mantêm naquele caso.) No segundo estágio,
a Empresa 2 decide se entra ou não após observar o investimento da Empresa 1. Caso
entre, terá de pagar o custo fixo 𝐹. No último estágio, as empresas em atividade escolhem
produção.

Para procurar o equilíbrio de Nash perfeito para subjogos desse jogo, comece pelo
jogo de Cournot no último estágio.

Se houver um duopólio, a Empresa 𝑖 = 1, 2 escolherá a produção de modo a


maximizar 𝛱𝑖 = (1 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐𝑖 )𝑞𝑖 , onde 𝑐1 = 𝑐 − 𝑥1 e 𝑐2 = 𝑐. Rearranjando as CPOs
𝜕𝛱𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0, obtêm-se as funções de reação:

1 − 𝑞1 − 𝑐
𝑅1 ∶ 𝑞2 = 1 − 2𝑞1 − 𝑐 + 𝑥1 ; 𝑅2 ∶ 𝑞2 = . (7.37)
2

Suas interseções fornecem os produtos, preços e lucros usuais de Cournot:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
95

2
1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 1 + 𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 (1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 ) (7.38)
𝑞𝑖𝑐 = , 𝑝𝑐 = , 𝛱𝑖𝑐 = .
3 3 9

Se houver monopólio, os valores ótimos para a Empresa 1 serão 𝑞1𝑚 =


(1 − 𝑐1 )/2, 𝑝𝑚 = (1 + 𝑐1 )/2, 𝛱1𝑚 = (1 − 𝑐1 )2 /4.

De forma reversa, encontramos dois diferentes casos, dependendo se a Empresa 1


se comporta inocentemente ou estrategicamente.

Comportamento Inocente. O primeiro caso é aquele em que a Empresa 1 toma como


certa a entrada da Empresa 2. Seu programa será

(1 − 𝑐 + 2𝑥1 )2
max 𝜋1 = − 𝑥12 . (7.39)
𝑥1 9

De 𝜕𝜋1 /𝜕𝑥1 = 0, e substituições subsequentes, obtemos

2(1 − 𝑐) 3(1 − 𝑐) (1 − 𝑐) 1 + 4𝑐
𝑥1𝑖𝑛𝑛 = ; 𝑞1𝑖𝑛𝑛 = ; 𝑞2𝑖𝑛𝑛 = ; 𝑝𝑖𝑛𝑛 = ; (7.40)
5 5 5 5

os lucros correspondentes para as Empresas 1 e 2, respectivamente, são

(1 − 𝑐)2 (1 − 𝑐)2
𝜋1𝑖𝑛𝑛 = ; 𝜋2𝑖𝑛𝑛 = − 𝐹. (7.41)
5 25

Assim, a Empresa 2 entrará no mercado, desde que 𝐹 ≤ (1 − 𝑐)2 /25. Nas


palavras de Bain (1956), se 𝐹 > (1 − 𝑐)2 /25, a entrada será bloqueada: não haverá
necessidade de a Empresa 1 comportar-se estrategicamente com relação à escolha
tecnológica: a Empresa 2 não entrará.

Comportamento Estratégico. Observando os lucros da Empresa 2, pode-se


perceber que diminuem com o investimento da Empresa 1 𝛱2𝑐 (𝑥1 ) = (1 − 𝑐 − 𝑥1 )2 /9 −
𝐹. Chame de 𝜋1𝑝 o nível de investimento tal que 𝛱2𝑐 (𝑥1𝑝 ) = 0. É fácil ver que

𝑥1𝑝 = 1 − 𝑐 − 3√𝐹. (7.42)

Para um nível de investimento ligeiramente acima de 𝑥1𝑝 , a Empresa 2 preferirá


permanecer no mercado, já que não será capaz de recuperar seus custos fixos caso entre.

Para verificar a intuição por trás da existência de tal nível de investimento, com o
qual a entrada é detida, considere a Figura Q7.4. As linhas sólidas representam as funções

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
96

de reação das duas empresas na ausência de investimento da Empresa 1. As equações


(7.37) revelam que as funções de reação são negativamente inclinadas e que um aumento
em 𝑥1 desloca a função de reação da Empresa 1 para a direita. A figura também desenha
a curva de isolucro da Empresa 2: quanto mais próxima do eixo vertical (onde 𝑞1 = 0),
mais altos os lucros da Empresa 2. Selecionando apropriadamente seus níveis de
investimento, a Empresa 1 pode, assim, mover o equilíbrio para a direita, até o ponto em
que o lucro da Empresa 2 ficar apenas um pouquinho abaixo do necessário para cobrir
seu custo fixo 𝐹. Em outras palavras, se a Empresa 1 escolher o nível de investimento 𝑥1𝑝 ,
ela moverá a função de reação de 𝑅1 para 𝑅1 (𝑥1𝑝 ), e a Empresa 2 preferirá não entrar.

Figura Q7.4 Detenção de entrada com investimento em P&D.

Até aqui, provamos apenas que a detenção de entrada é factível: escolhendo um


nível ligeiramente acima de 𝑥1𝑝 , a Empresa 2 terá sua entrada detida. Mas essa estratégia
será lucrativa? Para verificar se é o caso, note primeiro que, ao investir 𝑥1𝑝 , a Empresa 1
será uma monopolista. Consequentemente,

3√𝐹 3√𝐹 12(1 − 𝑐)√𝐹 − 25𝐹


𝑞1𝑝 = 1 − 𝑐 − ; 𝑝𝑝 = 𝑐 + ; 𝜋1𝑝 = . (7.43)
2 2 4

A questão é se, quando agir estrategicamente (ou seja, predando), a Empresa 1


obterá lucros mais elevados que quando acomodar a Empresa 2. Isto ocorrerá se 𝜋1𝑝 >
𝜋1𝑖𝑛𝑛 . Rearranjando, temos que
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
97

𝜋1𝑝 − 𝜋1𝑖𝑛𝑛 > 0 ⇔ 125𝐹 − 60(1 − 𝑐)√𝐹 + 4(1 − 𝑐)2 < 0. (7.44)

Definindo √𝐹 = 𝜙, tem-se uma equação-padrão de segunda ordem, resolvida para


2(1 − 𝑐)/25 < 𝜙 < 2(1 − 𝑐)/5, ou 4(1 − 𝑐)2 /625 < 𝐹 < 4(1 − 𝑐)2 /25. Note que as
raízes segundas estão além do intervalo que estamos considerando. Consequentemente,
podemos concluir essa análise, dizendo que:

• 𝐹 ≤ 4(1 − 𝑐)2 /625, há acomodação de entrada.


• 4(1 − 𝑐)2 /625 < 𝐹 ≤ 4(1 − 𝑐)2 /25, há detenção de entrada.
• 𝐹 > 4(1 − 𝑐)2 /25, há bloqueio de entrada.

Detenção de entrada é anticompetitivo? Há ainda um ponto importante a ser


esclarecido. Suponha que 4(1 − 𝑐)2 /625 < 𝐹 ≤ (1 − 𝑐)2 /25, de maneira que a
Incumbente 1 se engaje em um comportamento de detenção de entrada por
sobreinvestimento em uma inovação de processo. Tal comportamento prejudica os
consumidores? O preço sob detenção de entrada é mais elevado que sob entrada
acomodada? Não é o caso se 𝑝𝑝 ≤ 𝑝𝑖𝑛𝑛 ou 𝐹 ≤ 4(1 − 𝑐)2 /225. Para valores
suficientemente baixos dos custos fixos 𝐹, a detenção de entrada é possível e lucrativa,
mas a Empresa 1 terá de investir demasiado para impedir a entrada, de modo que se
tornará tão eficiente que será melhor para os consumidores do que se a entrante for
acomodada. Para resumir:

• 𝐹 ≤ 4(1 − 𝑐)2 /625: entrada acomodada.


• 4(1 − 𝑐)2 /625 < 𝐹 ≤ 4(1 − 𝑐)2 /225: entrada detida; mas o excedente do
consumidor é mais elevado.
• 4(1 − 𝑐)2 /625 < 𝐹 ≤ 4(1 − 𝑐)2 /25: entrada detida; excedente do
consumidor mais baixo.
• 𝐹 > 4(1 − 𝑐)2 /25: entrada bloqueada.

Note que estamos olhando para o impacto sobre preços (excedente do


consumidor), em vez de para o bem-estar total. Isso é apenas para evitar cálculos
desnecessários. Olhando para o bem-estar total, obteremos resultados similares: para
alguns valores de 𝐹, a entrada será detida, o que, por sua vez, gera aumento de bem-estar.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
98

Quadro 7.3 – Modelos de venda casada *

Q7.3.1 – Modelos de venda casada I: exigências de atamento como


mecanismo de métrica *

Nesta seção, mostramos que um monopolista de um bem essencial A tem um


incentivo para atar o uso do bem complementar B, cuja intensidade de demanda varia
entre os consumidores. As consequências sobre o bem-estar advindas desse atamento
serão ambíguas.

Um consumidor do tipo 𝑖 = 𝑙, ℎ que adquire uma unidade do produto A e 𝑞


unidades do produto B tem a seguinte função:

𝑞2
𝑈𝑖 = 𝑞 − . (7.45)
2𝑣𝑖

Consumir os bens separadamente confere utilidade zero, e adquirir mais que uma
unidade do bem A não adiciona utilidade. Os consumidores do tipo 𝑙 têm menor utilidade
de demanda (𝑣𝑙 < 𝑣ℎ ) e são uma proporção 𝜆 da população (de tamanho 1, por
simplicidade), 1 − 𝜆 sendo a proporção dos consumidores do tipo ℎ.

O bem A é monopolizado pela Empresa 1, enquanto várias empresas com idêntica


tecnologia – incluindo a 1 – estão envolvidas na produção do bem B. Os custos de
produzir uma unidade dos produtos são, respectivamente, 𝑐𝐴 e 𝑐𝐵 < 1. Não há custos fixos.

Para verificar os efeitos (das exigências) de atamento, primeiro considere o caso


em que a Empresa 1 vende separadamente os Bens A e B. Presuma que haja concorrência
por preços no Mercado B.

Ausência de atamento (se todos os consumidores adquirem o bem). Suponha


primeiro que todos os consumidores compram. A demanda dos consumidores do tipo 𝑖 é
obtida como max𝑞 𝑈𝑖 − 𝑝𝐴 − 𝑝𝐵 𝑞. Estabelecendo 𝜕𝑈1 /𝜕𝑞 = 0, tem-se que

𝑞𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵 ). (7.46)

Um consumidor do tipo 𝑖 comprará, então, o Bem A se seu excedente 𝐸𝐶𝑖 = 𝑈𝑖 −


𝑝𝐴 − 𝑝𝐵 𝑞𝑖 for não negativo ou, após a substituição, se 𝐸𝐶𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵 )2 /2 − 𝑝𝐴 ≥ 0.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
99

A competição de preços no mercado do Bem B implica que 𝑝𝐵 = 𝑐𝐵 . Assim, no


caso em que a Empresa 1 escolhe preços de maneira que todos os consumidores compram,
devemos ter

𝑣𝑙 (1 − 𝑐𝐵 )2
𝑝𝐴𝑁𝑇 = . (7.47)
2

Nesse caso, consumidores do tipo 𝑙 terão excedente zero, enquanto consumidores


do tipo ℎ terão excedente 𝐸𝐶ℎ𝑁𝑇 = (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )(1 − 𝑐𝐵 )2 /2.

O excedente do produtor é igual aos lucros da Empresa 1 com o Bem A: 𝜋 𝑁𝑇 =


𝑣𝑙 (1 − 𝑐𝐵 )2 /2 − 𝑐𝐴 . O bem-estar, portanto, será igual a

𝑁𝑇
((1 − 𝜆)𝑣ℎ + 𝜆𝑣𝑙 )(1 − 𝑐𝐵 )2
𝑊 = − 𝑐𝐴 . (7.48)
2

Ausência de atamento (só compradores de alto nível compram). A Empresa 1


pode preferir atender unicamente a consumidores de alto nível, fixando um preço que
permita extrair todo o excedente deles e deixe consumidores com menor intensidade de
demanda não atendidos:

𝑣ℎ (1 − 𝑐𝐵 )2
𝑝𝐴𝑁𝑇ℎ = . (7.49)
2

Nesse caso, ambos os tipos terão excedente zero: 𝐸𝐶 𝑁𝑇ℎ , e o excedente do


produtor será 𝜋 𝑁𝑇ℎ = (1 − 𝜆)[𝑣ℎ (1 − 𝑐𝐵 )2 /2 − 𝑐𝐴 ] = 𝑊 𝑁𝑇ℎ .

Vender apenas para pessoas de alto nível é lucrativo desde que 𝜋 𝑁𝑇ℎ > 𝜋 𝑁𝑇 , mais
provável quanto menor a proporção das pessoas de baixo nível e maior a diferença nas
intensidades das demandas. Formalmente, a estratégia será lucrativa se

(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )(1 − 𝑐𝐵 )2
𝜆< . (7.50)
𝑣ℎ (1 − 𝑐𝐵 )2 − 2𝑐𝐴

Atamento. Considere agora o caso em que a Empresa 1 requeira que os consumidores


que desejem adquirir o Bem A também adquiram o B dela. Presuma também, e esta é
uma hipótese forte, que ela tenha algum tipo de tecnologia que permita monitorar as
compras dos consumidores do Bem B e impedir que se dirijam a concorrentes para
comprar esse produto depois que tenham adquirido uma unidade do Bem A com uma
quantidade simbólica de B.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
100

Lembrando que a demanda pelo Produto B é dada pela equação (7.46), os lucros
da Empresa 1 são

𝜋 = (𝑝𝐵 − 𝑐𝐵 )[𝜆𝑣𝑙 (1 − 𝑝𝐵 ) + (1 − 𝜆)𝑣ℎ (1 − 𝑝𝐵 )] + 𝑝𝐴 − 𝑐𝐴 . (7.51)

De 𝜕𝜋/𝜕𝑝𝐵 = 0, obtém-se

(1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 ) + 𝑐𝐵 [𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]


𝑝𝐵𝑇 = , (7.52)
2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )

onde é fácil verificar que 𝑝𝐵𝑇 > 𝑐𝐵 . (Consequentemente, é crucial que a Empresa 1 possa
impedir que os consumidores comprem o Bem B dos concorrentes.) Com relação ao preço
do Bem A, note que os lucros aumentam com ele, mas os consumidores vão comprá-lo,
contanto que 𝐸𝐶𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵𝑇 )2 /2 − 𝑝𝐴 ≥ 0. Após substituição, obtém-se o preço ótimo
para o Bem A:

(1 − 𝑐𝐵 )2 𝑣𝑙 [𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]2
𝑝𝐴𝑇 = , (7.53)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2

que pode ser maior ou menor que 𝑐𝐴 . Note que, aqui, o atamento opera de forma muito
similar ao esquema de tarifa em duas partes 𝑇 + 𝑝𝑞, que segmenta os consumidores de
acordo com sua intensidade de demanda. Aqui, a parte fixa da tarifa 𝑇 corresponde a 𝑝𝐴𝑇 ,
o preço de uma unidade do Bem (essencial) A, enquanto a parte variável da tarifa
corresponde ao preço 𝑝𝐵𝑇 de uma unidade do Bem B. Quanto menor a intensidade da
demanda de um consumidor, mais baixo o número de unidades do Bem B que ele irá
comprar do monopolista, como 𝑞𝑖 = 𝑣𝑖 (1 − 𝑝𝐵𝑇 ), e, portanto, menor a quantia total paga.

Os lucros da Empresa 1 sob atamento são

𝑇
(1 − 𝑐𝐵 )2 [𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]2
𝜋 = − 𝑐𝐴 . (7.54)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]

Os consumidores do tipo 𝑙 têm excedente zero, enquanto o dos consumidores do


tipo ℎ é

(1 − 𝑐𝐵 )2 (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )[𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]2


𝐸𝐶ℎ𝑇 = . (7.55)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2

O bem-estar pode ser calculado como

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
101

(1 − 𝑐𝐵 )2 [𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]2 [1 + (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2


𝑊𝑇 = . (7.56)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2

Comparações entre os equilíbrios. (1) Vamos primeiro considerar o caso em


que ambos os tipos de consumidores são atendidos. Pode-se verificar que o atamento é
lucrativo:

(1 − 𝑐𝐵 )2 (1 − 𝜆)2 (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2
𝜋 𝑇 − 𝜋 𝑁𝑇 = > 0, (7.57)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]

o que não surpreende, na medida em que isso permite ao monopolista impor altos
pagamentos aos consumidores com maior intensidade de demanda, ou seja, discriminar
preços entre os dois tipos de consumidores. É possível verificar que o atamento é
prejudicial para o bem-estar, na medida em que

𝑁𝑇 𝑇
(1 − 𝑐𝐵 )2 (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2 [(1 + 𝜆 − 2𝜆2 )𝑣ℎ + 2𝜆2 𝑣𝑙 ]
𝑊 −𝑊 = > 0. (7.58)
2[2𝑣ℎ − 𝑣𝑙 − 2𝜆(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )]2

Mesmo sem a realização de cálculo tedioso, pode-se perceber que o bem-estar


deve ser menor sob o atamento. Realmente, se não há atamento, os consumidores
compram ao custo marginal, e o bem-estar é, portanto, o mais alto possível, enquanto o
atamento apresenta uma fonte de ineficiência alocativa, na medida em que o Bem B é
vendido acima do custo marginal. Temos, então, o caso usual em que o preço mais alto
reduz o excedente do consumidor (dos tipos mais altos, dado que os tipos mais baixos
têm excedente zero em qualquer regime) mais do que eleva o excedente do produtor.

(2) As comparações foram feitas para o caso em que ambos os tipos de


consumidores compram no regime sem atamento. No entanto, se só pessoas de alto nível
compram, ocorre que o atamento aumenta o bem-estar. Para ver isso, perceba que o
excedente do consumidor é positivo sob o atamento, enquanto é nulo quando não há
atamento e pessoas de baixo nível não compram. Consequentemente, sempre que o
atamento for mais lucrativo para a Empresa 1, também melhorará o bem-estar.

Para verificar que o atamento pode, de fato, ser lucrativo e para evitar cálculos
tediosos, apenas considere um exemplo simples em que 𝑐𝐴 = 𝑐𝐵 = 0, 𝑣ℎ = 2 e 𝑣𝑙 = 1.
Para esses valores, sob ausência de atamento, a Empresa 1 atenderá apenas aos de alto

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
102

nível para 𝜆 < 1/2. Verificamos imediatamente que 𝜋 𝑇 − 𝜋 𝑁𝑇ℎ > 0 para 𝜆 > 1 −
√3/3 = 0,423; acima desse limiar, o atamento é lucrativo e aumenta o bem-estar.

Q7.3.2 – Modelos de venda casada II: atamento, bloqueio e exclusão


em Whinston (1990) *

Considere dois mercados para produtos independentes (veja a seguir o caso para
produtos complementares), A e B, e duas Empresas, 1 e 2. A Empresa 1 é uma
monopolista no Mercado A, em que não é desafiada, e a um custo marginal constante 𝑐𝐴 .
Ambas as Empresas 1 e 2 são entrantes potenciais no Mercado B. Para entrar, precisam
incorrer em um custo fixo 𝐹1 e 𝐹2 e podem operar a custos marginais constantes,
respectivamente iguais a 𝑐𝐵1 e 𝑐𝐵2 .

O jogo é composto por três estágios. No primeiro, a Empresa 1 decide se quer ou


não juntar em um pacote os Bens A e B1. Se os produtos estiverem agrupados, presuma
que a decisão seja irreversível (ou seja, tem o valor de um compromisso pleno). No
segundo estágio, cada empresa simultaneamente decide se entra ou não no Mercado B e,
consequentemente, se paga (ou não) o custo fixo 𝐹. No terceiro, as empresas ativas
simultaneamente estabelecem preços: a Empresa 1 estabelece um preço único 𝑝̃, caso
tenha se comprometido com um pacote, ou dois preços independentes 𝑝𝐴 e 𝑝𝐵1 ; a
Empresa 2, se ativa, estabelece o preço 𝑝𝐵2 .

Um exemplo simples de exclusão com bens homogêneos*. Presuma primeiro que


os consumidores tenham massa 1 e tenham cotações (ou seja, disponibilidade máxima
para pagar) de 𝑣 > 𝑐𝐴 , pelo produto A, e 𝑤 > 𝑐𝐵1 > 𝑐𝐵2 (a Empresa 2 é mais eficiente
que a 1 no Mercado B), para os produtos B1 e B2, que, no primeiro exemplo, são
supostamente homogêneos. Os consumidores compram uma unidade de cada Bem, A e
B, desde que os preços sejam inferiores às suas cotações; de outra forma, não o compram.
Presuma também que a Empresa 1 já tenha afundado seus custos fixos no Mercado B
(portanto, uma ligeira variação com relação ao jogo descrito antes, vez que a Empresa 1
já está ativa em ambos os mercados), enquanto a 2 não, e que 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2 > 𝐹2 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
103

Para procurar o equilíbrio de Nash perfeito no subjogo, operamos por indução


reversa. Dois casos podem ser estudados, dependendo se, no primeiro estágio, a Empresa
1 agrupou ou não os bens.

Precificação independente (ausência de atamento). Considerando que os


produtos no Mercado B são perfeitamente homogêneos e a Empresa 2 é mais eficiente,
ela estabelecerá um preço igual a (ou um pouquinho menor que) o custo marginal da
Empresa 1 e obterá todo o mercado. Ela realizará o lucro 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2 . Dado que este é
maior que seu custo fixo, ela entrará no mercado. O Mercado A é independente, e a
Empresa 1 estabelece 𝑝𝐴 = 𝑣. Ela, portanto, realizará o lucro total 𝜋1 = 𝑣 − 𝑐𝐴 .

Atamento. Suponha agora que a Empresa 1 tenha agregado em um pacote os


dois Bens, A e B1, e os venda ao preço 𝑝̃. Pode-se pensar esse preço como 𝑝̃ = 𝑣 + 𝑝̃𝐵1,
em que 𝑝̃𝐵1 = 𝑝̃ − 𝑣 é um preço fictício estabelecido pela Empresa 1 dentro do pacote
(já que não faria sentido cobrar dos consumidores no Mercado A menos que sua avaliação
do bem). Uma vez que haja competição de Bertrand, os consumidores comprarão o pacote
da Empresa 1 se 𝑝̃𝐵1 for um pouquinho menor que o custo marginal da Empresa 2: 𝑝̃𝐵1 =
𝑝̃ − 𝑣 = 𝑐𝐵2 − 𝜀. Portanto, com 𝑝̃ = 𝑐𝐵2 + 𝑣, nenhum consumidor comprará da Empresa
2.

Uma vez que a companhia observa que a Empresa 1 agrupou em um pacote os


dois produtos (fato irreversível), ela sabe que, se entrasse, não seria capaz de recuperar
os custos fixos (já que não venderia nada). Assim, ela fica de fora.

Finalmente, note que, sob o agrupamento, e quando a Empresa 2 decide não entrar,
no último estágio do jogo, a Empresa 1 estabelece o preço do pacote no nível 𝑝̃ = 𝑣 + 𝑤,
extraindo, portanto, todo o excedente dos consumidores e realizando um lucro 𝜋̃1 = 𝑣 +
𝑤 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1.

Primeiro estágio. É fácil agora olhar para a decisão entre agrupar ou não no
primeiro estágio do jogo. A Empresa 1 preferirá comprometer-se com o pacote e vendas
casadas dos dois bens se 𝜋̃1 > 𝜋1 , o que é sempre satisfeito, desde que, por hipótese, 𝑤 −
𝑐𝐵1 > 0.

Isso mostra que o atamento pode permitir a exclusão da entrada de forma lucrativa.

Vamos analisar agora um caso ligeiramente mais geral.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
104

O modelo com bens diferenciados no Mercado B**. Suponha que os


consumidores estejam localizados ao longo da linha [0,1], uniformemente distribuídos
com densidade unitária. Eles podem consumir, quando muito, uma unidade do Bem A,
para o qual têm uma avaliação de 𝑣 > 𝑐𝐴 , e uma unidade do Bem B. A utilidade líquida
que derivam da compra da variedade 𝑖 = 1, 2 do Bem B é dada por 𝑈𝐵𝑖 = 𝑤 −
𝑡𝑖 |𝑥 − 𝑥𝐵𝑖 | − 𝑝𝐵𝑖 , onde 𝑤 > max(𝑐𝐵1 , 𝑐𝐵2 ) é a avaliação máxima do bem B, 𝑡𝑖 mede o
parâmetro de desutilidade de se comprar uma variedade localizada em 𝑥𝐵𝑖 para um
consumidor localizado em 𝑥. Presuma que 𝑥𝐵𝑖 = 0 e 𝑥𝐵2 = 1. Esse é um modelo de
Hotelling simples (veja o Capítulo 8), em que a localização não necessariamente deve ser
entendida em termos físicos.

O jogo é o descrito no começo desta seção, e a solução é encontrada por indução


reversa.

Precificação independente (ausência de atamento). Para encontrar uma


solução para o jogo de preços, no caso em que a Empresa 2 entra, primeiro temos de
derivar as funções de demanda para os Bens B1 e B2 (nesse caso, A é vendido
separadamente, de modo que não afeta o jogo no Mercado B). Um consumidor localizado
em 𝑥 preferirá comprar o produto B1 se 𝑈𝐵1 ≥ 𝑈𝐵2 ou: 𝑤 − 𝑡1 𝑥 − 𝑝𝐵1 ≥ 𝑤 −
𝑡2 (1 − 𝑥) − 𝑝𝐵2 . Defina 𝑥12 como a localização do consumidor indiferente a comprar de
B1 ou B2, tal que

𝑡2 + 𝑝𝐵2 − 𝑝𝐵1
𝑥12 (𝑝𝐵1 , 𝑝𝐵2 ) ≡ . (7.59)
𝑡2 + 𝑡1

Todos os consumidores localizados entre 0 e 𝑥12 preferirão a variedade B1.


Aqueles localizados entre 𝑥12 e 1 preferirão B2. Assim, as funções de demanda serão
𝑞𝐵1 = 𝑥12 (𝑝𝐵1 , 𝑝𝐵2 ) e 𝑞𝐵2 = 1 − 𝑥12 (𝑝𝐵1 , 𝑝𝐵2 ). As funções de lucro serão

𝑡2 + 𝑝𝐵2 − 𝑝𝐵1 𝑡1 + 𝑝𝐵1 − 𝑝𝐵2


𝜋𝐵1 = (𝑝𝐵1 − 𝑐𝐵1 ) ; 𝜋𝐵2 = (𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 ) ( ). (7.60)
𝑡2 + 𝑡1 𝑡2 + 𝑡1

Iguale as primeiras derivadas a zero (𝜕𝜋𝐵𝑖 /𝜕𝑝𝐵𝑖 = 0) e escreva as funções de


reação das duas empresas no plano (𝑝𝐵2 , 𝑝𝐵1 ):

𝑡2 + 𝑐𝐵1 + 𝑝𝐵2
𝑅𝐵1 ∶ 𝑝𝐵1 = ; 𝑅𝐵2 ∶ 𝑝𝐵1 = 2𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 − 𝑡1 . (7.61)
2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
105

Da interseção das duas funções de reação, encontramos os preços de equilíbrio e


(após substituição) os lucros no jogo de preços sem atamento:

2

𝑡𝑖 + 2𝑡𝑗 + 𝑐𝐵𝑗 + 2𝑐𝐵𝑖 ∗
(𝑡𝑖 + 2𝑡𝑗 + 𝑐𝐵𝑗 + 2𝑐𝐵𝑖 )
𝑝𝐵𝑖 = ; 𝜋𝐵𝑖 =
3 9(𝑡𝑖 + 𝑡𝑗 ) (7.62)
(para 𝑖, 𝑗 = 1,2, 𝑖 ≠ 𝑗).

Com relação ao Mercado A, é claro que a Empresa 1 vai definir seus preços de
modo a extrair todo o excedente dos consumidores no mercado: 𝑝𝐴 = 𝑣. Os lucros totais
sob o jogo de apreçamento independente (sem atamento) para a Empresa 1 serão 𝜋1∗ =

(𝑣 − 𝑐𝐴 ) + 𝜋𝐵𝑖 .

Atamento. Quando a Empresa 1 agregou irreversivelmente em um pacote os


Bens A e B1, o Mercado A claramente não é mais independente do B, pois a empresa
escolheu um único preço 𝑝̌ para todo o pacote, em vez de dois preços em separado. Um
consumidor 𝑥 tem, agora, a escolha entre comprar o pacote A/B1 ou a variedade B2
isoladamente. (Note que, se um consumidor comprar a variedade B2, implica uma venda
̃ ≥ 𝑈𝐵2 ou: 𝑣 +
perdida do Bem A para a Empresa 1.) Ele preferirá o pacote A/B1 se 𝑈
𝑤 − 𝑡1 𝑥 − 𝑝̃ ≥ 𝑤 − 𝑡2 (1 − 𝑥) − 𝑝𝐵2. Para ter ambas as empresas vendendo em um
equilíbrio com atamento, presuma:

(A1) 0 < 𝑣 − 𝑐𝐴 < 𝑡2 + 2𝑡1 + 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2 , e


(A2) 𝑣 − 𝑐𝐴 > −2𝑡2 − 𝑡1 + 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2.

O consumidor indiferente entre A/B1 e B2 está em

𝑡2 + 𝑝𝐵2 + 𝑣 − 𝑝̃
𝑥̃12 (𝑝̃, 𝑝𝐵2 ) ≡ . (7.63)
𝑡2 + 𝑡1

Consequentemente, as funções de demanda serão 𝑞̃ = 𝑥̃12 (𝑝̃, 𝑝𝐵2 ) e 𝑞𝐵2 = 1 −


𝑥̃12 (𝑝̃, 𝑝𝐵2 ). As funções de lucro serão

𝑣 + 𝑡2 + 𝑝𝐵2 − 𝑝̃
𝜋̃ = (𝑝̃ − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) ;
𝑡2 + 𝑡1
(7.64)
𝑣 + 𝑡1 + 𝑝̃ − 𝑝𝐵2
𝜋𝐵2 = (𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 ) ( ).
𝑡2 + 𝑡1

De 𝜕𝜋𝐵𝑖 /𝜕𝑝𝐵𝑖 = 0, as funções de reação são

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
106

𝑣 + 𝑐𝐴 + 𝑡2 + 𝑐𝐵1 + 𝑝𝐵2
𝑅1 : 𝑝̃ = ; 𝑅2 : 𝑝̃ = 2𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 + 𝑣 − 𝑡1 . (7.65)
2

Resolvendo o sistema, encontramos os preços de equilíbrio sob atamento:

𝑡1 + 2𝑡2 + 𝑐𝐵2 + 2𝑐𝐵1 + 𝑣 + 2𝑐𝐴


𝑝̃∗ = ;
3
(7.66)

𝑡2 + 2𝑡1 + 𝑐𝐵1 + 2𝑐𝐵2 − 𝑣 + 𝑐𝐴
𝑝̃𝐵2 = .
3

E, por substituição, os lucros de equilíbrio:

(𝑡1 + 2𝑡2 + 𝑐𝐵2 − 𝑐𝐵1 + 𝑣 − 𝑐𝐴 )2


𝜋̃1∗ = ;
9(𝑡1 + 𝑡2 )
(7.67)

(𝑡2 + 2𝑡1 + 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2 − 𝑣 + 𝑐𝐴 )2
𝜋̃𝐵2 = .
9(𝑡1 + 𝑡2 )

Comparação entre lucros e interpretação dos resultados. Em primeiro


lugar, percebemos imediatamente que o agrupamento pela Empresa 1 prejudica a
∗ ∗
Concorrente 2: 𝜋𝐵2 > 𝜋̃𝐵2 , como 𝑣 > 𝑐𝐴 . Contudo, note que o agrupamento também
prejudica a Empresa 1 se a 2 entrar no mercado. Para ver isso, primeiro verifique que

𝜋̃1∗ < 𝜋1∗ se 𝑣 − 𝑐𝐴 < 5𝑡2 + 7𝑡1 + 2𝑐𝐵1 − 2𝑐𝐵2 . (7.68)

Então, note que, para a desigualdade (7.68) ser compatível com a hipótese (A2),
deve-se ter que 7𝑡2 + 8𝑡1 + 𝑐𝐵1 − 𝑐𝐵2 > 0, sempre satisfeito pela hipótese (A1).

Figura Q7.5 Efeito estratégico do agrupamento.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
107

Para resumir, condicionado a que a Empresa 2 esteja ativa, o agrupamento será


desvantajoso para ambas as empresas. Portanto, para que ele seja escolhido pela Empresa
1, ele deve deter a entrada da Empresa 2. Antes de mostrar as condições nas quais isso
ocorre, vamos interpretar os resultados obtidos: Por que o agrupamento reduz os lucros
de ambos os competidores?

Para tanto, é útil pensar em 𝑝̃ como composto por dois preços ficcionais: o preço
no Mercado A (que só pode ser igual a 𝑣, já que a Empresa 1 é monopolista naquele
mercado) e o preço no Mercado B:

𝑝̃ = 𝑣 + 𝑝̃𝐵1 . (7.69)

Substituindo essa expressão nas funções de reação (7.65), podemos escrevê-las no


plano (𝑝̃𝐵1 , 𝑝𝐵2 ) como

𝑡2 + 𝑐𝐵1 + 𝑝𝐵2 − (𝑣 − 𝑐𝐴 )
𝑅̃1 : 𝑝̃𝐵1 = ; 𝑅2 : 𝑝̃𝐵1 = 2𝑝𝐵2 − 𝑐𝐵2 − 𝑡1 . (7.70)
2

Como mostra a Figura Q7.5, e facilmente se verifica comparando as equações


(7.61) e (7.70), o agrupamento desloca para baixo, de 𝑅𝐵1 para 𝑅̃1 , a função de reação da
Empresa 1 quando ela compete no Mercado B. Em outras palavras, o agrupamento
representa um compromisso crível para a Empresa 1 ser mais agressiva quando competir
nesse mercado, porque ela sabe que qualquer perda no Mercado B será lucro perdido (𝑣 −
𝑐𝐴 ) no A. Como resultado, os preços e lucros de equilíbrio serão mais baixos para ambas
as empresas sob atamento.

Decisões de entrada. A Empresa 2 entrará no Mercado B se, e apenas se, seus


lucros compensarem os custos fixos. É imediato ver que há valores de parâmetros sob os
quais ela entraria se a Empresa 1 não adotasse o atamento, mas não entraria se a
∗ ∗
concorrente se comprometesse com ele. Isso ocorre se 𝜋𝐵2 ≥ 𝐹 > 𝜋̃𝐵2 . Também será o
caso se a Empresa 1 puder considerar lucrativo agrupar os produtos em pacote, como
veremos em seguida.

Decisões de agrupamento. No primeiro estágio do jogo, a Empresa 1 decide


sobre o agrupamento. A comparação prévia entre lucros mostra que, se houver
expectativa de que a Empresa 2 entre, o agrupamento não será lucrativo. Portanto, quando

𝐹 ≤ 𝜋̃𝐵2 , o equilíbrio é tal que Empresa 1 não adere ao agrupamento, e a Empresa 2 entra.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
108

Contudo, não se segue, a priori, que a Empresa 1 necessariamente queira agrupar


se esperar que a Empresa 2 não entre. O agrupamento é ótimo apenas se os lucros de
monopólio sob o agrupamento, 𝜋𝑚 (lembre-se, a empresa se compromete com o
agrupamento, de maneira que não pode reverter sua decisão se a Empresa 2 decidir não
afundar seus custos de entrada) forem maiores que os lucros de duopólio quando não
houver agrupamento, 𝜋1∗ . Para encontrar os lucros anteriores, note que o consumidor
localizado em 𝑥 decide comprar o pacote em vez de não comprar nada, se 𝑈𝑚 = 𝑣 + 𝑤 −
𝑡1 𝑥 − 𝑝̃𝑚 ≥ 0. Assim, o consumidor indiferente estará em 𝑥𝑚 = (𝑣 + 𝑤 − 𝑝̃𝑚 )/𝑡1 . Há
dois casos, de acordo com os quais, se 𝑥𝑚 < 1 (o mercado não é atendido) ou 𝑥𝑚 ≥ 1 (o
mercado é atendido: todos os consumidores compram o pacote):

1, se 𝑝̃𝑚 ≤ 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1
𝑞𝑚 = {𝑣 + 𝑤 − 𝑝̃𝑚 (7.71)
, se 𝑝̃𝑚 > 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1 ;
𝑡1

𝑝̃𝑚 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 , se 𝑝̃𝑚 ≤ 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1


𝜋𝑚 = { 𝑣 + 𝑤 − 𝑝̃𝑚 (7.72)
(𝑝̃𝑚 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) , se 𝑝̃𝑚 > 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1 .
𝑡1

Pode-se agora encontrar o preço ótimo na solução interna como 𝑝̃𝑚 =


(𝑣 + 𝑤 + 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 )/2, e verificar que isso se aplica apenas se 𝑣 + 𝑤 < 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1
(caso contrário, 𝑝̃𝑚 ≤ 𝑣 + 𝑤 − 𝑡1 e a solução de canto se aplica). Consequentemente, os
lucros de equilíbrio serão

𝑣 + 𝑤 − 𝑡1 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 , se 𝑣 + 𝑤 ≥ 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1



𝜋𝑚 = { (𝑣 + 𝑤 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 )2 (7.73)
, se 𝑣 + 𝑤 < 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1 .
4𝑡1

As condições obtidas fazem sentido: quanto mais alta a disponibilidade dos


consumidores para pagar pelos bens, mais provável que todos acabem comprando.
Quanto mais alta a desutilidade de se comprar uma variedade B1, distante da preferível
(ou seja, da localização do consumidor), menos provável que todos comprem.

Podemos agora comparar os lucros de monopólio sob a estratégia de agrupamento


com os lucros de duopólio quando os produtos são vendidos separadamente. Em vez de
realizar cálculos tediosos, vamos focalizar dois casos muito especiais, apenas para
mostrar que diferentes resultados podem surgir.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
109

Suponha primeiro que 𝑐𝐴 = 𝑐𝐵1 = 𝑐𝐵2 = 𝑡2 = 0 e que 𝑣 + 𝑤 < 2𝑡1 : o mercado


não é atendido sob monopólio, então

(𝑣 + 𝑤)2 𝑡1

𝜋𝑚 − 𝜋1∗ = − − 𝑣. (7.74)
4𝑡1 9

Claramente, essa expressão reduz-se com 𝑡1 , o que significa que existem valores
de parâmetros para os quais os valores das expressões anteriores são negativos, ou seja,
o agrupamento não será escolhido mesmo que leve à saída da Empresa 2.

Suponha, agora, que 𝑐𝐴 = 𝑐𝐵1 = 𝑐𝐵2 = 𝑡2 = 0, mas que 𝑣 + 𝑤 ≥ 2𝑡1 : o mercado


é atendido sob monopólio. Então

𝑡1

𝜋𝑚 − 𝜋1∗ = −𝑡1 − + 𝑤. (7.75)
9

Aqui, é fácil ver que seria suficiente escolher um 𝑤 elevado o bastante ou um 𝑡1


suficientemente baixo para que o monopólio com exclusão fosse lucrativo.

Para concluir, o agrupamento, nesse modelo, pode levar à exclusão. No entanto,


não necessariamente significa que será lucrativo para a incumbente escolher essa opção,
na medida em que obrigar os consumidores a comprar ou deixar de comprar em pacote
pode implicar vendas mais baixas no Mercado A e redução na lucratividade da solução
de monopólio.

Análise de bem-estar. Um último item resta para ser verificado, o efeito do


agrupamento exclusionário sobre o bem-estar. Para manter a discussão breve, vamos
pular derivações e apenas relembrar das conclusões de Whinston. Ele mostra que os
efeitos do agrupamento, mesmo quando sua lucratividade exclui a entrante, são ambíguos.
Sob monopólio, os consumidores tendem a sofrer por conta da baixa variedade (aqueles
localizados à direita do intervalo, por exemplo, têm de se contentar com uma
especificação mais distante que a ideal ou desistir de comprar o pacote como um todo), e
os preços tendem a crescer; mas a duplicação de custos fixos pode ser evitada quando a
Empresa 2 fica de fora. Acima de tudo, no entanto, parece importante esperar que o bem-
estar do consumidor se reduza com um agrupamento exclusionário (quando lucrativo), e,
caso não se considere o argumento de que pode haver excesso de variedades sob livre-
entrada, o bem-estar total também será reduzido.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
110

Quando os bens são complementares**. Até aqui, olhamos para o caso em que os
Produtos A e B são independentes. Suponha agora que sejam complementares. Mais
particularmente, presuma uma relação um a um entre eles, sendo o Bem A essencial.
Assim, os consumidores derivam utilidade zero comprando o Bem B isoladamente.
Veremos que o agrupamento não é uma estratégia lucrativa para a Empresa 1.

Presuma que, como antes, que os consumidores sejam distribuídos uniformemente


em [0, 1], e suas utilidades sejam dadas por 𝑈𝐴/𝐵𝑖 = 𝜃 − 𝑡𝑖 |𝑥 − 𝑥𝐵𝑖 | − 𝑝𝐵𝑖 − 𝑝𝐴 , e
mantenha as mesmas hipóteses anteriores.

Atamento (e exclusão) Se a Empresa 1 compromete-se com o atamento, o próprio


fato de que A só pode ser vendido em um pacote com B1 automaticamente implica que a
Empresa 2 seja excluída do mercado. Note primeiro que já vimos o caso em que a
Empresa 1 é uma monopolista vendendo um pacote. O mercado será atendido (𝑞𝑚 = 1)
se 𝑝̃𝑚 ≤ 𝜃 − 𝑡1, e não o será no caso contrário (𝑞𝑚 = (𝜃 − 𝑝̃𝑚 )⁄𝑡1 para 𝑝̃𝑚 > 𝜃 − 𝑡1 ).
Da análise anterior, segue-se que os preços e lucros de equilíbrio serão

𝜃 − 𝑡1 , se 𝜃 ≥ 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1
∗ 2
𝑝̃𝑚 = {(𝜃 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) (7.76)
, se 𝜃 < 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1 ,
4𝑡1

𝜃 − 𝑡1 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 , se 𝜃 ≥ 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1



𝜋̃𝑚 = { (𝜃 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 )2 (7.77)
, se 𝜃 < 𝑐𝐴 + 𝑐𝐵1 + 2𝑡1 .
4𝑡1

Ausência de Atamento. Suponha agora que a Empresa 1 decida, por sua vez,
vender os bens separadamente. A despeito de a Empresa 2 ser ativa ou não, suponha que

ela venda aos preços 𝑝̂ 𝐵1 = 𝑐𝐵1 − 𝜀 e 𝑝̂𝐴 = 𝑝̃𝑚 − 𝑝̂ 𝐵1 . Há dois casos possíveis.

(1) Se a Empresa 2 não for ativa, essa política de preço dará exatamente os
mesmos lucros que quando em pacote. Realmente, os consumidores comprarão o pacote
A/B1 se 𝑈𝐴/𝐵𝑖 = 𝜃 − 𝑡1 𝑥 − 𝑝̂ 𝐵1 − 𝑝̂𝐴 ≥ 0. Mas, então, a demanda e os lucros dependerão

da soma dos preços, 𝑝̂𝐴 + 𝑝̂𝐵1 = 𝑝̃𝑚 , e, portanto, os lucros totais serão os mesmos que
sob agrupamento.

(2) Se a Empresa 2 estiver ativa e vender ao preço 𝑝𝐵2 , os consumidores


escolherão B1 se 𝑈𝐴/𝐵1 > 𝑈𝐴/𝐵2 , ou 𝜃 − 𝑡1 𝑥 − 𝑝̂ 𝐵1 − 𝑝̂𝐴 ≥ 𝜃 − 𝑡2 (1 − 𝑥) − 𝑝𝐵2 − 𝑝̂𝐴 . O
consumidor indiferente é 𝑥12 = (𝑡2 + 𝑝𝐵2 − 𝑝̂𝐵1 )/(𝑡2 + 𝑡1 ). A demanda por B1 é dada

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
111

por 𝑞𝐵1 = 𝑥12, enquanto a demanda pelo Bem A é dada por todos os consumidores. Os
lucros da Empresa 1 são, portanto

𝜋1 = (𝑝̂𝐴 − 𝑐𝐴 + 𝑝̂ 𝐵1 − 𝑐𝐵1 )𝑥12 + (𝑝̂𝐴 − 𝑐𝐴 )(1 − 𝑥12 ) (7.78)


= (𝑝̃𝑚 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ), (7.79)

que não podem ser mais baixos que sob monopólio com agrupamento: em ambos os casos,

a empresa tem o mesmo lucro unitário (𝑝̃𝑚 − 𝑐𝐴 − 𝑐𝐵1 ) mas, sob apreçamento
independente, a demanda total não pode ser mais baixa, já que ninguém compra.

Em outras palavras, o que ocorre aqui é o seguinte. Se, sob o monopólio com
agrupamento, todos os consumidores compram, os lucros da Empresa 1 não podem
reduzir quando não há agrupamento: alguns consumidores podem substituir B1 por B2,
mas, desde que, sob o esquema de apreçamento escolhido, B1 seja vendido (ligeiramente
abaixo) aos custos marginais 𝑐𝐵1 , e todos continuem a comprar A, os lucros não serão
mais baixos (aumentam em 𝜀).

Se o mercado não tiver sido atendido em monopólio, a presença da Empresa 2


permitiria o aumento das vendas de A. Alguns consumidores iriam mudar de B1 para B2,
mas vimos que isso não prejudica os lucros da Empresa 1, enquanto outros irão adquirir
o pacote A/B2, aumentando as vendas de A e os lucros totais.

Q7.3.3 – Modelos de venda casada III: atamento para impedir a


entrada em mercados de bens complementares *

Esta subseção provê uma variante de Choi e Stefanadis (2001). Considere dois
produtos complementares, A e B, combinados em proporções fixas em bases um a um e
com valor apenas se consumidos conjuntamente. A Empresa 1 é incumbente em ambos
os produtos. Ela os produz (chame-os A1 e B1) ao custo unitário 𝑐ℎ cada. Em cada um
dos dois mercados, há uma entrante potencial que pode vender produtos perfeitamente
substitutos de A1 e B1: chame-os A2 e B2, respectivamente. Fazendo um investimento
em P&D, 𝐼𝑖2 , com custos 𝐶(𝐼𝑖2 ) = 𝛾(𝐼𝑖2 )2 /2, com 𝛾 > (𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ), cada entrante potencial
afetará a probabilidade 𝑝(𝐼𝑖2 ) = 𝜀 + 𝐼𝑖2 (com 𝑖 = 𝐴, 𝐵) de que haja uma inovação bem-

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
112

sucedida, definida como uma inovação que lhe confira um custo unitário 𝑐𝑙 < 𝑐ℎ . Com
probabilidade 1 − 𝑝(𝐼𝑖2 ), o custo unitário da entrante será proibitivamente alto.

A utilidade do consumidor é dada por 𝑈𝐴𝑗/𝐵𝑗 = 𝜃 − 𝑝𝐵𝑗 − 𝑝𝐴𝑗 , com 𝑗 = 1, 2,


padronizando o tamanho do consumidor para um, sem perda de generalidade.

Considere o seguinte jogo. No primeiro período, a Empresa 1 decide se se


comprometerá a vender A1 e B1 como um pacote ou não. No segundo período, as
Empresas A2 e B2 simultaneamente tomam decisões de investimento. No terceiro
período, as empresas ativas definem seus preços (competição de Bertrand). Vamos
resolver o jogo por inversão.

O subjogo de preços. Considere primeiro o caso de ausência de atamento. Se


apenas a incumbente for ativa, extrairá todo o excedente dos consumidores, estabelecendo
preços por seus componentes tais que a soma iguale 𝜃 e ganhe 𝜃 − 2𝑐ℎ . Se ambos os
entrantes forem ativos (isto é, suas inovações foram bem-sucedidas), cada uma cobrará
um preço que se iguala a 𝑐ℎ e obterá o mercado inteiro para seu produto, realizando lucros
brutos 𝑐ℎ – 𝑐𝑙 . Menos direto é o caso em que uma única entrante, digamos A2, é ativa, na
medida em que faz surgir um continuum de equilíbrios. Os dois casos extremos são: (1)
tanto a entrante quanto a incumbente estabelecem o preço 𝑐ℎ para o Produto A, com a
entrante obtendo toda a demanda e extraindo a renda da inovação, 𝑐ℎ – 𝑐𝑙 , e a incumbente
estabelecendo o preço 𝜃 − 𝑐ℎ para o Produto B. (2) Tanto a entrante quanto a incumbente
estabelecem o preço 𝑐𝑙 no Mercado A, com a entrante ainda obtendo toda a demanda, mas
lucro zero, e a incumbente estabelecendo 𝜃 − 𝑐 + 𝑙 no Mercado B, portanto, extraindo
todas as rendas da inovação por meio de compressão de preço. Todos os casos
intermediários também são casos de equilíbrios do jogo de preço.

Seguindo Choi e Stefanadis, presuma que quando apenas uma entrante entra, a
incumbente obtém uma parcela 𝜆 da renda de inovação, 𝑐ℎ – 𝑐𝑙 , com a parte remanescente
1 − 𝜆, com 𝜆 ∈ [0, 1] sendo a medida da compressão de preço que a incumbente pode
exercer em virtude de sua posição de monopólio no mercado para os produtos
complementares. Por consequência, os lucros da incumbente são 𝜃 − 2𝑐ℎ + 𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ).

Em seguida, considere o caso do atamento. Se apenas a incumbente for ativa, ela


extrairá todo o excedente do consumidor e ganhará 𝜃 − 2𝑐ℎ . Se ambas as entrantes
estiverem ativas, no equilíbrio simétrico, cada uma estabelecerá o preço igual a 𝑐ℎ e

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
113

obterá a totalidade do mercado para seu produto, perfazendo lucros brutos 𝑐ℎ – 𝑐𝑙 . Se


apenas uma for bem-sucedida, não será capaz de comercializar seu produto, dado que o
produto complementar é vendido pela incumbente como um pacote (agrupar trivialmente
exclui uma rival ativa em apenas um mercado quando dois produtos devem ser
combinados em proporções fixas).

Subjogo de Investimento. Sob ausência de atamento, os lucros obtidos pela entrante


são

𝜋𝑖2 = 𝑝(𝐼𝑖2 )[1 − 𝑝(𝐼𝑘2 )](1 − 𝜆)(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) + 𝑝(𝐼𝑖2 )𝑝(𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝐶(𝐼𝑖2 ),
(7.80)
com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘,

onde o primeiro termo indica os lucros da Empresa 𝑖2 quando ela inova, enquanto a outra
entrante não o faz, e o segundo termo, os lucros quando as duas entrantes inovam.
Substituindo as funções especificas escolhidas por 𝑝(𝐼𝑖2 ) e 𝐶(𝐼𝑖2 ), obtêm-se as CPOs
como

𝜕𝜋𝑖2
= [1 − (𝜀 + 𝐼𝑘2 )](1 − 𝜆)(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) + (𝜀 + 𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝛾𝐼𝑖2 = 0,
𝜕𝐼𝑖2 (7.81)
com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘.

∗ ∗
No equilíbrio simétrico 𝐼𝐴2 = 𝐼𝐵2 = 𝐼2∗ o investimento ótimo é, portanto, dado por

(1 − 𝜆(1 − 𝜀))(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
𝐼2∗ (𝜆) = . (7.82)
𝛾 − 𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )

Note que, não surpreendentemente, os investimentos de equilíbrio caem com o


grau de compressão de preços (se a incumbente se apropria de grande parte do excedente
criado pela inovação, o retorno da inovação decresce): 𝜕𝐼2∗ /𝜕𝜆 < 0.

Sob atamento, os lucros da entrante 𝑖2 são

𝜋̃𝑖2 = 𝑝(𝐼𝑖2 )𝑝(𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝐶(𝐼𝑖2 ), com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘, (7.8)

dado que, apenas quando ambas as empresas inovam, poderão vender seus produtos, as
CPOs serão

𝜕𝜋̃𝑖2
= (𝜀 + 𝐼𝑘2 )(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ) − 𝛾𝐼𝑖2 = 0, com 𝑖, 𝑘 = 𝐴, 𝐵, 𝑖 ≠ 𝑘. (7.84)
𝜕𝐼𝑖2

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
114

No equilíbrio simétrico, o investimento ótimo é

𝜀(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
𝐼̃2∗ = . (7.85)
𝛾 − (𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )

Uma inspeção simples de (7.82) e (7.85) revela que o atamento reduz o


investimento feito pelas entrantes potenciais e, portanto, reduz a probabilidade de que
haja entrada em equilíbrio. (Só se 𝜆 = 1, os dois níveis de investimento coincidem: 𝐼̃2∗ =
𝐼2∗ (1): quando entrantes antecipam uma perfeita compressão de preços, os retornos, por
ter sido a única inovadora, são nulos, como no caso do atamento.) Neste sentido, o
atamento tem efeitos exclusionários. Contudo, ainda é preciso verificar se essa prática é
lucrativa. Para isso, considere o primeiro estágio do jogo.

Decisões de atamento. Se há ausência de atamento, os lucros esperados da


Empresa 1 são

2
𝜋1∗ (𝜆) = [1 − (𝜀 + 𝐼2∗ (𝜆)) ] (𝜃 − 2𝑐ℎ )
(7.86)
+ 2(𝜀 + 𝐼2∗ (𝜆))[1 − (𝜀 + 𝐼2∗ (𝜆))]𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 ).

Note que, para 𝜆 = 0, o segundo termo é zero, na medida em que a incumbente


não extrai qualquer renda com a inovação.

Os lucros esperados de 1 são

𝜋̃1∗ (𝜆) = [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ ). (7.87)

Podemos mostrar que existe um valor 𝜆̃ ∈ (0,1) tal que 𝜋̃1∗ (𝜆) ≥ 𝜋1∗ (𝜆) para 𝜆 ≤
𝜆̃. Em vez de realizarmos cálculos tediosos para encontrar a expressão precisa para 𝜆̃,
note que existe um trade-off para a incumbente ao atar os bens. Por um lado, o atamento
reduz os riscos de entrada, o que aumenta seus lucros (efeito de exclusão); por outro, o
atamento reduz os lucros que a incumbente perfaz quando apenas uma entrante tem
sucesso (efeito de compressão de preço). Mas o último efeito sobre os lucros está ausente
quando 𝜆 = 0, dado que a incumbente não é capaz de atrair lucros (assim, o atamento é
mais lucrativo neste caso), enquanto é muito forte quando 𝜆 = 1, já que a incumbente se
apropria do excedente criado pela inovação.

Na verdade, quando 𝜆 = 0, o agrupamento é preferível como

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
115

2
𝜋1∗ (𝜆) = [1 − (𝜀 + 𝐼2∗ (0)) ] (𝜃 − 2𝑐ℎ ) < 𝜋̃1∗ (0)
(7.88)
= [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ ),

o que sempre vale, desde que 𝐼2∗ (0) > 𝐼̃2∗ .

Quando 𝜆 = 1, o agrupamento não é lucrativo, desde que 𝐼2∗ (1) = 𝐼̃2∗, o que
implica que

𝜋1∗ (1) = [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ ) + 2(𝜀 + 𝐼̃2∗ )[1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )]𝜆(𝑐ℎ − 𝑐𝑙 )
(7.89)
> 𝜋̃1∗ (1) = [1 − (𝜀 + 𝐼̃2∗ )2 ](𝜃 − 2𝑐ℎ )

Para resumir, o atamento pode, de fato, levar à exclusão, mas ainda pode ser mais
lucrativo para a incumbente não recorrer a tal estratégia.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
116

Quadro 7.4 – Escolhas de interoperabilidade em redes assimétricas *

Esta seção, baseada em Crémer, Rey e Tirole (2000), analisa os diferentes


incentivos de duas empresas com redes assimétricas para prover interoperabilidade.

Existe um mercado para um produto de rede e duas empresas. A 1 é a incumbente


e já tem uma base instalada de 𝛽1 consumidores, e a 2 é uma nova empresa, com uma
base instalada de 𝛽2 = 0 consumidores. Existe uma massa 1 de novos consumidores
uniformemente distribuído ao longo do segmento [0, 1]. O consumidor localizado em 𝑇 ∈
[0, 1] atribui um valor intrínseco 𝑇 à rede. Assim, para o consumidor, o benefício líquido
do produto de rede 𝑖 é

𝑆𝑖 = 𝑇 + 𝑠𝑖 − 𝑝𝑖 , (7.90)

onde 𝑝𝑖 é o preço da rede 𝑖, e 𝑠𝑖 representa a externalidade de rede, dado por

𝑠𝑖 = 𝑣[𝛽𝑖 + 𝑞𝑖 + 𝜃(𝛽𝑗 + 𝑞𝑗 )], (7.91)

onde 𝑞𝑖 e 𝑞𝑗 representa o número de novos consumidores comprando, respectivamente,


das Empresas 𝑖 e 𝑗, 𝑣 < 1/2 é um parâmetro (comum a todos os consumidores) que
indica a importância das externalidades de rede 𝑖, e 𝜃 ∈ [0, 1] é um parâmetro que indica
a qualidade da interoperabilidade entre as duas redes: se 𝜃 = 0, não há compatibilidade
entre as redes, enquanto se 𝜃 = 1, são perfeitamente compatíveis. Casos intermediários
de interoperabilidade imperfeita podem descrever situações em que o consumidor que
aderiu a uma rede pode também usar a outra, mas de forma imperfeita, por exemplo, por
ter um desempenho mais baixo, porque toma mais tempo para realizar o mesmo serviço
ou porque alguns serviços estão indisponíveis nessa segunda rede.

Se cada empresa for capaz de atrair alguns dos novos consumidores, será preciso
que o benefício líquido seja o mesmo: 𝑆1 = 𝑆2, o que pode ser reescrito como

𝑝1 − 𝑠1 = 𝑝2 − 𝑠2 = 𝑝̂ . (7.92)

O novo consumidor, indiferente entre aderir a qualquer uma das redes ou não
comprar o produto de rede é aquele que 𝑆𝑖 = 𝑇 + 𝑠𝑖 − 𝑝𝑖 = 𝑇 − 𝑝̂ = 0. Por conseguinte,
todo consumidor 𝑇 ∈ [𝑝̂ , 1] comprará qualquer produto, enquanto aqueles com 𝑇 ∈ [0, 𝑝̂ )
não estarão no mercado. É necessário, então, que
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
117

𝑞1 + 𝑞2 = 1 − 𝑝̂ . (7.93)

Da equação (7.92), segue-se que 𝑝𝑖 = 𝑝̂ + 𝑠𝑖 , que, depois de se usar a equação


(7.93), se torna 𝑝𝑖 = 1 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 + 𝑠𝑖 e, finalmente, por (7.91), pode-se escrever a função
de demanda da Empresa i

𝑝𝑖 = 1 + 𝑣(𝛽𝑖 + 𝜃𝛽𝑗 ) − (1 − 𝑣)𝑞𝑖 − (1 − 𝑣𝜃)𝑞𝑗 , 𝑖, 𝑗 = 1,2, 𝑖 ≠ 𝑗. (7.94)

Concorrência no Mercado de Produto. Dado o parâmetro de interoperabilidade 𝜃,


cada empresa escolhe a produção de modo a maximizar seus lucros 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 , (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )) −
𝑐)𝑞𝑖 . Decorre daí que existem dois tipos de equilíbrio neste jogo. O primeiro é uma
solução interior, o segundo é uma solução de canto.

Para encontrar a solução interior, calcule 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0 e obtenha as funções de


melhor resposta no plano (𝑞2 , 𝑞1 ), como segue:

1 − 𝑐 + 𝑣𝛽1 − (1 − 𝑣𝜃)𝑞2
𝑅1 ∶ 𝑞1 = ;
2(1 − 𝑣)
(7.95)
1 − 𝑐 + 𝑣𝜃𝛽1 − 2(1 − 𝑣)𝑞2
𝑅2 ∶ 𝑞1 = .
1 − 𝑣𝜃

A interseção das funções de melhor resposta dá o equilíbrio interior do jogo:

1 2(1 − 𝑐) + 𝑣(1 + 𝜃)(𝛽𝑖 + 𝛽𝑗 ) (1 − 𝜃)𝑣(𝛽𝑖 − 𝛽𝑗 )


𝑞𝑖∗ = ( + ). (7.96)
2 2(1 − 𝑣) + (1 − 𝑣𝜃) 2(1 − 𝑣) − (1 − 𝑣𝜃)

Note que, para sermos precisos, neste jogo estamos usando um conceito que
estende o conceito usual de equilíbrio de Nash sobre quantidades, dado que consideramos
as expectativas dos consumidores. Katz e Shapiro (1985) chamam esse conceito de
“Equilíbrio de Cournot com Expectativas Realizadas”; trata-se de um equilíbrio em que
não apenas as decisões de produção das empresas formam um equilíbrio de Nash, mas
todas as expectativas dos consumidores são realizadas: eles tomam suas decisões de
compra esperando que o tamanho das redes seja (𝑞1∗ , 𝑞2∗ ), e essas expectativas são
satisfeitas.

Note também que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
118

(1 − 𝜃)𝑣𝛽1
𝑞1∗ − 𝑞2∗ = > 0, (7.97)
2(1 − 𝑣) − (1 − 𝑣𝜃)

que implica que mais consumidores irão aderir à rede da incumbente que à da rival, à
exceção do caso 𝜃 = 1 (perfeita interoperabilidade), em que as redes são percebidas como
idênticas pelos consumidores. Note também que, quanto mais baixo 𝜃, mais alto 𝑞1∗ − 𝑞2∗ :
quanto mais baixa a interoperabilidade, mais forte a vantagem competitiva desfrutada
pela incumbente por conta de sua base instalada.

Vamos agora olhar para as soluções de canto, ou “equilíbrios de inclinação”, como


Malueg e Schwartz (2001) as chamam (por conta das “inclinações” do mercado em favor
de uma ou de outra empresa).

Vimos, no Capítulo 2, que os modelos com externalidades de rede podem ser


caracterizados por equilíbrios múltiplos, causados pelo fato de que cada escolha dos
consumidores depende das de todos os consumidores. Aqui, as expectativas podem
sustentar um equilíbrio de inclinação em que apenas uma empresa obtenha novos
consumidores.

Inclinação para a empresa com grande base instalada. Verifique, primeiro, que
existe um equilíbrio em que todos os consumidores esperam que nenhum vá amparar a
Empresa 2, ou seja, espere 𝑞2 = 0. Sob essas expectativas, a Empresa 1 irá se comportar
como monopolista e maximizar 𝜋1𝑚 = (1 + 𝑣𝛽1 − (1 − 𝑣)𝑞1 − 𝑐)𝑞1 . De 𝜕𝜋1𝑚 /𝜕𝑞1 = 0,
obtém-se a produção de monopólio:

1 − 𝑐 + 𝑣𝛽1
𝑞1𝑚 = . (7.98)
2(1 − 𝑣)

Para (𝑞1𝑚 , 0) ser um equilíbrio, é necessário que a Empresa 2 não tenha incentivo
para se desviar. Será o caso se, dada a quantidade 𝑞1𝑚 produzida pela Empresa 1, a 2
experimentar perdas se vender uma quantidade positiva. Ou, de forma equivalente, se
dada a produção vendida pela Empresa 1, ela não seja capaz de impor um preço acima do
custo, mesmo produzindo uma quantidade arbitrariamente pequena: 𝑝2 (𝑞1𝑚 , 0) ≤ 𝑐.
Lembrando a função de demanda inversa (7.94), essa condição se torna

1 − 𝑐 + 𝑣𝛽1
1 + 𝑣𝜃𝛽1 − (1 − 𝜃𝑣) − 𝑐 ≤ 0. (7.99)
2(1 − 𝑣)

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
119

Note que, quanto menor 𝜃, mais provável que a condição seja satisfeita. Para o
caso em que as redes são completamente incompatíveis (𝜃 = 0), a inclinação para a
Empresa 1 irá ocorrer se

1−𝑐
𝑣≥ , (7.100)
2(1 − 𝑐) + 𝛽1

e essa condição é compatível com 𝑣 < 1/2.

Inclinação para a entrante. Vamos agora verificar se existe um equilíbrio em que todos
os consumidores esperam que 𝑞1 = 0. Sob essas expectativas, a Empresa 2 irá se
comportar como monopolista e maximizar 𝜋2𝑚 = (1 + 𝑣𝜃𝛽1 − (1 − 𝑣)𝑞2 − 𝑐)𝑞2 . De
𝜕𝜋1𝑚 /𝜕𝑞1 = 0 , obtém-se a produção de monopólio:

1 − 𝑐 + 𝑣𝜃𝛽1
𝑞2𝑚 = . (7.101)
2(1 − 𝑣)

Para (0, 𝑞2𝑚 ) ser um equilíbrio, a Empresa 2 não deve ter incentivo para desviar.
Será o caso se 𝑝1 (0, 𝑞2𝑚 ) ≤ 𝑐. Lembrando a função de demanda inversa (7.94), essa
condição se torna

1 − 𝑐 + 𝑣𝜃𝛽1
1 + 𝑣𝛽1 − (1 − 𝑣𝜃) − 𝑐 ≤ 0. (7.102)
2(1 − 𝑣)

Quanto mais baixo 𝜃, mais provável que a condição seja satisfeita. Para 𝜃 = 0, a
inclinação para a Empresa 2 irá ocorrer se

2𝛽1𝑣(1 − 𝑣)
𝑐 ≥ 1+ ,
1 − 2𝑣
mas ela nunca vale, já que é preciso que 𝑐 < 1 para que 𝑞2𝑚 > 0. A inclinação em direção
à incumbente poderá ocorrer, mas a em direção à entrante, nesse exemplo, não ocorre.

A escolha de interoperabilidade. Até agora, olhamos para o parâmetro 𝜃 como


exógeno. Contudo, é provável que seja uma variável estratégica para as empresas, que
podem decidir o grau de interoperabilidade que desejam entre as redes. Às vezes,
aumentar a interoperabilidade pode ser custoso, mas presuma, por simplicidade, que não.
Suponha também que 𝜃 = min (𝜃1∗ , 𝜃2∗ ), onde 𝜃𝑖∗ é o grau ótimo de interoperabilidade da
Empresa 𝑖.

Queremos estudar as preferências das empresas por interoperabilidade.


Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
120

Para começar, perceba que temos de separar a análise de acordo com o tipo de
solução que surge do jogo de Cournot. Para o equilíbrio de inclinação, a preferência da
incumbente para a baixa interoperabilidade já foi vista anteriormente: se 𝜃 = 0, vimos
que a condição para um equilíbrio em inclinação em direção à Empresa 1 é máximo,
enquanto o mercado não pode se inclinar em direção à Empresa 2.

Para soluções interiores, os resultados são menos diretos. Primeiramente, note que
𝜋𝑖∗ = (1 − 𝑣)(𝑞𝑖∗ )2 . Isso significa que, quanto mais alta a produção, mais altos os lucros
das empresas. Consequentemente, o grau desejado de interoperabilidade da Empresa 𝑖 é
aquele que maximiza a produção 𝑞𝑖∗ .

Crémer et al. (2000) mostram que a nova empresa sempre irá escolher o grau
máximo de interoperabilidade, enquanto a escolha preferencial da incumbente será 𝜃 =
0 ou 𝜃 = 1, sendo essa última a alternativa quando a base instalada for pequena frente
aos novos consumidores. Para compreender esse ponto a partir de um exemplo simples,
considere o caso em que 𝑐 = 0 e suponha que as empresas possam escolher apenas entre
𝜃 = 0 e 𝜃 = 1 (dados os resultados de Crémer et al., sem perda de generalidade).

A Empresa 1 irá preferir a completa interoperabilidade se

𝑣(1 − 2𝑣 − 𝛽1 (3 − 4𝑣 + 2𝑣 2 ))
𝑞1∗ (𝜃 = 1) − 𝑞1∗ (𝜃 = 0) = > 0, (7.103)
3(1 − 𝑣)(3 − 8𝑣 + 4𝑣 2 )

o que é verdade para 𝛽1 < (1 − 2𝑣)/(3 − 4𝑣 + 2𝑣 2 ) ≡ 𝛽̄1. Assim, se a base instalada


for pequena o suficiente com relação aos novos consumidores, a incumbente vai querer
garantir a plena interoperabilidade. Se a base instalada for grande o suficiente, a
incumbente irá preferir redes incompatíveis. (Note que 𝛽̄1 decresce com 𝑣, de modo que,
quanto mais importantes as externalidades de rede, mais provável que a Empresa 1 prefira
baixa interoperabilidade.)

A Empresa 2 sempre prefere completa interoperabilidade porque

𝑣(1 − 2𝑣 + 𝛽1 (6 − 11𝑣 + 4𝑣 2 ))
𝑞2∗ (𝜃 = 1) − 𝑞2∗ (𝜃 = 0) = > 0. (7.104)
3(1 − 𝑣)(3 − 2𝑣)(1 − 2𝑣)

Para resumir, este modelo, embora simples, mostra que, em um mercado de rede,
uma incumbente (mais genericamente, uma empresa com grande base instalada) pode ter
incentivo para reduzir o grau de interoperabilidade (ou compatibilidade, ou

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
121

conectividade) com novas entrantes (mais genericamente, empresas com menor base de
consumidores). Contudo, não é sempre o caso: a incumbente pode, de fato, ganhar com a
interoperabilidade completa, pois elimina sua vantagem competitiva devido à sua base de
consumidores mais ampla, mas aumenta a demanda dos novos consumidores no mercado.
Se a base instalada for pequena com relação à nova demanda, o efeito de expansão do
mercado domina (lembre-se de que, quando menor a base instalada, menor a vantagem
competitiva da incumbente, medida por 𝑞1∗ − 𝑞2∗ ): a incumbente prefere compartilhar
igualmente um bolo maior que pegar uma fatia maior de um bolo menor.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
122

Quadro 7.5 – Discriminação de preços *

Oferecemos aqui uma apresentação técnica dos argumentos sobre discriminação


de preços do Capítulo 7. A seção 7.5.1 lida com o caso da discriminação de preços entre
mercados nacionais, a seção 7.5.2 deste material complementar, com descontos por
quantidade, a seção 7.5.3, com discriminação de preços e incentivos para investir, a seção
7.5.4, com o papel do poder de mercado, e a seção 7.5.5, com os efeitos da discriminação
quando um monopolista enfrenta uma entrante.

Q7.5.1 – Discriminação de preços de terceiro grau *

Um monopolista atende a dois mercados, 𝑙 e ℎ, que se pode pensar como duas


regiões que fazem parte do mesmo país (ou dois países, parte de uma união). O peso das
duas regiões nos países é, respectivamente, 𝜆 e 1 − 𝜆, com 0 < 𝜆 < 1. No mercado 𝑖 =
𝑙, a demanda é dada por 𝑞 = 𝑣𝑖 – 𝑝, com 𝑣ℎ > 𝑣𝑙 . Isto pode ser racionalizado, presumindo-
se que um tipo 𝑖 de consumidor tenha uma função utilidade 𝑈𝑖 = 𝑣𝑖 𝑞 − 𝑞 2 /2.

O monopolista atende a ambos os países da mesma planta e tem um custo unitário


𝑐 < 𝑣𝑙 (desconsideramos custo de transporte por simplicidade). Queremos comparar o
caso em que o monopolista pode discriminar de um em que não pode.

Discriminação de preços. O monopolista pode escolher dois diferentes preços, e seus


lucros em cada mercado são dados por 𝜋𝑖 = (𝑝𝑖 − 𝑐)(𝑣𝑖 − 𝑝𝑖 ). De 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 = 0, as
soluções de equilíbrio são facilmente encontradas (os lucros totais devem ser ponderados
pelas parcelas da população):

𝑣𝑖 + 𝑐 (𝑣𝑙 − 𝑐)2 (𝑣ℎ − 𝑐)2


𝑝𝑖𝑑 = ; 𝜋𝑑 = 𝜆 + (1 − 𝜆) . (7.105)
2 4 4

O excedente do consumidor em cada mercado pode ser facilmente encontrado


como a área do triângulo entre a função de demanda e o preço de mercado; o agregado
do excedente do consumidor e o bem-estar são obtidos ponderando cada mercado:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
123

𝜆(𝑣𝑙 − 𝑐)2 (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑐)2


𝐸𝐶 𝑑 = + ;
8 8
(7.106)
3 𝜆(𝑣𝑙 − 𝑐)2 (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑐)2
𝑑
𝑊 = ( + ).
8 4 4

Apreçamento uniforme (ambos os mercados atendidos). Suponha agora


que exista uma proibição da discriminação de preços. A monopolista é, então, obrigada a
definir o mesmo preço uniforme p para ambos os mercados, e seu programa é
max𝑝 (𝑝 − 𝑐)[𝜆(𝑣𝑙 − 𝑝) + (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑝)]. Suponha, por enquanto, que tais mercados
sejam atendidos. De 𝜕𝜋/𝜕𝑝 = 0, as soluções de equilíbrio são

𝑢
𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ + 𝑐 𝑢
(𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐)2
𝑝 = ; 𝜋 = . (7.107)
2 4

Pode ser facilmente verificado que o apreçamento uniforme estará entre os preços
que a monopolista cobraria se pudesse discriminar: 𝑝ℎ𝑑 > 𝑝𝑢 > 𝑝𝑙𝑑 . O excedente do
consumidor e o bem-estar sob apreçamento uniforme são

(𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐)2 𝜆(1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2


𝐸𝐶 𝑢 = + ;
8 2
(7.108)
3(𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐)2 𝜆(1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2
𝑊𝑢 = + .
8 2

Podemos agora comparar os dois equilíbrios. É facilmente verificável que a


empresa prefere ser livre para discriminar (𝜋 𝑢 < 𝜋 𝑑 ), o que não deve surpreender, dado
que, sob discriminação, ela possui dois instrumentos para maximizar sua função objetivo,
enquanto, sob apreçamento uniforme, tem apenas um. Uns poucos passos de álgebra
também nos mostram isso

𝜆(1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2
𝑊𝑢 − 𝑊𝑑 = > 0, (7.109)
8

o que implica que o bem-estar é mais elevado sob apreçamento uniforme. Realmente, é
um resultado geral que a discriminação de preços reduz o bem-estar se não elevar o
produto total, e podemos verificar que, aqui, o produto total vendido é o mesmo sob os
dois regimes, tornando esta uma aplicação do resultado geral:

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
124

𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐
𝑄 𝑑 = 𝜆𝑞𝑙𝑑 + (1 − 𝜆)𝑞𝑙𝑑 = = 𝑄 𝑢 = 𝜆𝑞𝑙𝑢 + (1 − 𝜆)𝑞𝑙𝑢 . (7.110)
2

Apreçamento uniforme (um mercado não atendido). Há uma forte hipótese


por trás da análise desenvolvida até aqui: a monopolista atende a ambos os mercados.
Contudo, o apreçamento uniforme implica a redução de preços (e lucros) em mercados
de demanda mais elevada. A monopolista pode preferir, ao contrário, apenas estabelecer
o preço 𝑝ℎ = (𝑣ℎ + 𝑐)/2, que maximiza seus lucros no mercado de demanda mais
elevada, mesmo se implicar perda de todas as vendas no mercado de baixa demanda. Por
exemplo, presuma que 𝑣ℎ + 𝑐 > 2𝑣𝑙 . Nesse caso, a demanda no mercado de baixa
demanda é zero, e a monopolista ganhará

(𝑣ℎ − 𝑐)2
𝜋ℎ𝑢 = (1 − 𝜆) . (7.111)
4

Cálculos-padrão mostram que

(𝑣ℎ − 𝑐)(𝑣ℎ − 2𝑣𝑙 + 𝑐)


𝜋ℎ𝑢 > 𝜋 𝑢 se 𝜆< , (7.112)
(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2

ou seja, quanto mais baixa a participação do mercado de baixa demanda na demanda total,
mais provável que não seja atendido se a discriminação de preços for proibida. Pode-se
também verificar que o lado direito da equação (7.112) aumenta com 𝑣ℎ e reduz com 𝑣𝑙 :
quanto maior a distância entre as demandas, mais provável que apenas um dos mercados
seja atendido.

Finalmente, verificamos imediatamente que, se apenas um mercado for atendido


(ou seja, se (7.112) valer), o bem-estar será mais alto sob discriminação de preços, dado
que mercados de alta demanda têm os mesmos lucros e consumo sob ambos os regimes,
mas o mercado de baixa demanda nada contribui para ambos sob apreçamento uniforme.

Q7.5.2 – Desconto em quantidade: tarifas em duas partes como


discriminação de preços *

Consideramos aqui o caso em que a monopolista usa tarifa em duas partes 𝑇 +


𝑝𝑞: um consumidor, comprando 𝑞 unidades de um bem, terá de pagar uma quantia fixa 𝑇

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
125

mais um componente variável 𝑝. Note que isso equivale a um desconto por quantidade,
com o custo médio da compra, 𝑝 + 𝑇/𝑞, decrescendo com o número de unidades
compradas.

Vamos continuar com o exemplo da seção 7.5.1: há dois tipos diferentes de


consumidores, os de baixo nível que têm demanda 𝑞 = 𝑣𝑙 – 𝑝 (uma parcela 𝛾 da
população), e os de alto nível que têm demanda 𝑞 = 𝑣ℎ – 𝑝 (uma parcela 1 − 𝜆 da
população).

Presuma que 𝑣𝑙 > (𝑐 + 𝑣ℎ )/2, que assegura que todos comprem sob apreçamento
uniforme e tarifas em duas partes.

Não discriminação. Este caso já foi analisado na seção anterior.

Descontos em quantidade (tarifas em duas partes). Dado que os consumidores de


baixo nível têm menor intensidade de demanda, a quantia fixa será escolhida de modo a
fazê-los dispostos a pagar. Dado que o excedente do consumidor deles é 𝐸𝐶𝑙 =
(𝑣𝑙 − 𝑝)2 /2 − 𝑇, segue-se que a monopolista irá definir 𝑇 = (𝑣𝑙 − 𝑝)2 /2. Com relação
ao componente variável da tarifa, percebe-se que é o que resolve o problema:

𝑚𝑎𝑥𝜋 = (𝑝 − 𝑐)[𝜆(𝑣𝑙 − 𝑝) + (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑝)] + (𝑣𝑙 − 𝑝)2 /2. (7.113)


𝑝

De 𝜕𝜋/𝜕𝑝 = 0, segue-se que

𝑝𝑞𝑑 = 𝑐 + (1 − 𝜆)(𝑣ℎ − 𝑣𝑙 ). (7.114)

Note que a quantidade comprada pelos de baixo nível é 𝑞 = 𝑣𝑙 – 𝑝𝑞𝑑 , de modo


que 𝑞 > 0 equivale a 𝑣𝑙 > [𝑐 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]/(2 − 𝜆), satisfeito pela hipótese 𝑣𝑙 >
(𝑐 + 𝑣ℎ )/2. A esse preço, o excedente para os de alto nível é

𝐸𝐶ℎ𝑞𝑑 = (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )[𝑣𝑙 (2 − 𝜆) − 𝑐 − (1 − 𝜆)𝑣ℎ ] > 0 = 𝐸𝐶𝑙𝑞𝑑 , (7.115)

e os lucros da monopolista são

1
𝜋 𝑞𝑑 = [(𝑣 − 𝑐)2 + (1 − 𝜆)2 (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2 ], (7.116)
2 𝑙

e o bem-estar pode ser encontrado, por substituição, como 𝑊 𝑞𝑑 = 𝜋 𝑞𝑑 + (1 − 𝜆)𝐸𝐶ℎ𝑞𝑑 .

Descontos por quantidade e apreçamento uniforme: uma comparação. O


leitor pode verificar que a monopolista estará em melhor situação usando esta forma de
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
126

discriminação de preços: 𝜋 𝑞𝑑 > 𝜋 𝑢 . Mas, mesmo sem realizar cálculos, é imediato, dado
que a tarifa em duas partes proporciona à monopolista dois instrumentos, 𝑇 e 𝑝, em vez
de um único, como no apreçamento uniforme (a monopolista pode sempre replicar o
resultado sob apreçamento uniforme, estabelecendo 𝑇 = 0 e escolhendo o mesmo preço
unitário).

Com relação aos preços marginais, é fácil verificar 𝑝𝑞𝑑 < 𝑝𝑢 para 𝑣𝑙 >
[𝑐 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]/(2 − 𝜆), o que é verdade: quando tarifas duas partes são usadas, o
componente variável que os consumidores pagarão é menor (mas o monopolista realizará
ganhos com a queda do preço marginal por poder usar a quantia).

Assim, o bem-estar também será mais elevado sob descontos em quantidade que
sob apreçamento uniforme, na medida em que o preço marginal mais baixo implica
distorção menor.

Q7.5.3 – Discriminação de preços e investimento *

Nesta seção, analisamos um modelo simples em que uma monopolista investe na


qualidade de seu bem. Mostramos que, sob discriminação de preços, a qualidade de
equilíbrio oferecida é mais elevada.

Considere uma monopolista que vende um bem de qualidade 𝑢 para dois mercados
diferentes, cada um de tamanho 1. Os consumidores em ambos os mercados têm
preferências 𝐸𝐶 = 𝜃𝑢 − 𝑝, se compram uma unidade do bem, e 0, caso contrário. No
Mercado ℎ, o gosto dos consumidores por qualidade, 𝜃, é uniformemente distribuído 0 ≤
𝜃 ≤ 𝜃ℎ . No Mercado l, o parâmetro de gosto é uniformemente distribuído 0 ≤ 𝜃 ≤ 𝜃𝑙
com 𝜃𝑙 < 𝜃ℎ .

A monopolista tem de decidir primeiro sobre a qualidade u que pretende oferecer


e incorre em um custo fixo de melhoria e qualidade 𝐶(𝑢) = 𝑘𝑢2 /2 (presuma, por
simplicidade, que haja uma variável zero no custo de produção); então, ela precisa decidir
sob que preço deseja vender seu bem. Considere duas variantes do jogo: no primeiro, ela
precisa escolher o mesmo preço para ambos os mercados; no segundo, pode discriminar
preços.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
127

Apreçamento uniforme. Primeiro, note que a demanda enfrentada pela monopolista


é determinada encontrando o consumidor indiferente entre comprar ou não. Dado o preço
𝑝 e a qualidade 𝑢, o consumidor indiferente 𝜃0 é dado pela solução de 𝐸𝐶 = 𝜃𝑢 − 𝑝 = 0.
Consequentemente, 𝜃0 = 𝑝/𝑢. Assim, a demanda é dada para todos os consumidores em
ambos os mercados, tais como 𝜃 ≥ 𝜃0 . Os lucros no segundo estágio são

𝑝 𝑝
𝛱 = 𝑝 [(𝜃ℎ − ) + (𝜃𝑙 − )]. (7.117)
𝑢 𝑢

Das CPOs 𝜕𝜋/𝜕𝑝 = 0, seguem-se que os preços e lucros de equilíbrio são

𝑢
𝑢(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 ) 𝑢
𝑢(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2
𝑝 = ; 𝛱 = . (7.119)
4 8

A quantidade total vendida pela monopolista é 𝑞 𝑢 = 𝜃ℎ − (𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )/4 + 𝜃𝑙 −


𝜃ℎ + 𝜃𝑙 /4 = (𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )/2. A escolha de qualidade ótima pode ser encontrada como
solução do programa max𝑢 𝜋 = 𝛱 𝑢 − 𝑘𝑢2 /2; de 𝜕𝜋/𝜕𝑢 = 0, segue-se que

𝑢
𝑢(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2
𝑢 = . (7.119)
8𝑘

Discriminação de preços. Sob discriminação de preços, a monopolista pode cobrar um


preço diferente em cada mercado. O consumidor indiferente 𝜃0𝑖 no Mercado 𝑖 é dado pela
solução de 𝐸𝐶 = 𝜃𝑢 − 𝑝𝑖 = 0. De onde 𝜃0𝑖 = 𝑝𝑖 /𝑢. Os lucros no segundo estágio são

𝑝ℎ 𝑝𝑙
𝛱 = 𝑝ℎ (𝜃ℎ − ) + 𝑝𝑙 (𝜃𝑙 − ). (7.120)
𝑢 𝑢

Das CPOs 𝜕𝛱/𝜕𝑝𝑖 = 0, seguem-se que os preços e lucros de equilíbrio são

𝑢𝜃𝑖 𝑢(𝜃ℎ2 + 𝜃𝑙2 )


𝑝𝑖𝑑 = ; 𝛱 =𝑑
. (7.121)
2 4

Note também que a quantidade total vendida pela monopolista é 𝑞 𝑑 = 𝜃ℎ −


𝜃ℎ /2 + 𝜃𝑙 − 𝜃𝑙 /2 = (𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )/2, a mesma sob apreçamento uniforme. A escolha de
qualidade ótima pode ser encontrada como solução do programa max𝑢 𝜋 = П𝑑 − 𝑘𝑢2 /2;
de 𝜕𝜋/𝜕𝑢 = 0, segue-se que

𝑢(𝜃ℎ2 + 𝜃𝑙2 )
𝑢𝑑 = . (7.122)
4𝑘

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
128

É, portanto, direto checar que 𝑢𝑑 > 𝑢𝑢 .

Q7.5.4 – Discriminação de preços e poder de mercado *

Considere um modelo de diferenciação de produto vertical no qual a Empresa 1


venda um produto de qualidade 𝑢1 e a Empresa 2, um produto de qualidade 𝑢2 , com 𝑢1 >
𝑢2 . Ambas as empresas vendem em dois mercados diferentes, cada um de tamanho 1.
(Uma empresa não diferencia qualidade entre mercados.) Os consumidores em ambos os
mercados têm preferências 𝐸𝐶𝑗 = 𝜃𝑢𝑗 − 𝑝𝑗 se compram uma unidade do bem de
qualidade 𝑗 = 1, 2, e 0, caso contrário. No Mercado ℎ, o gosto dos consumidores por
qualidade, 𝜃, é uniformemente distribuído em 0 ≤ 𝜃 ≤ 𝜃ℎ . No Mercado 𝑙, é
uniformemente distribuído em 0 ≤ 𝜃 ≤ 𝜃𝑙 , onde 𝜃𝑙 ≤ 𝜃ℎ .

Apreçamento uniforme. Para encontrar a função de demanda das empresas,


precisamos primeiro identificar dois consumidores indiferentes: o indiferente entre
comprar ou não um bem de baixa qualidade, 𝜃0 , e o indiferente entre comprar o bem de
baixa e o de alta qualidade, 𝜃12 .

De 𝐶𝑆2 = 0 segue-se que 𝜃0 = 𝑝2 /𝑢2 . De 𝐶𝑆2 = 𝐶𝑆1 segue-se que 𝜃12 =


(𝑝1 − 𝑝2 )/(𝑢1 − 𝑢2 ). Por conseguinte, as funções de demanda são 𝑞1𝑖 = 𝜃𝑖 − 𝜃12 e 𝑞2 =
𝜃12 − 𝜃0 , com 𝑖 = 𝑙, ℎ. Os lucros da empresa são

𝑝1 − 𝑝2 𝑝1 − 𝑝2 𝑝2
𝛱1 = 𝑝1 [𝜃ℎ + 𝜃𝑙 − 2 ] ; 𝛱2 = 2𝑝2 ( − ). (7.123)
𝑢1 − 𝑢2 𝑢1 − 𝑢2 𝑢2

Preços de equilíbrio no subjogo de preços são encontrados para 𝜕𝛱𝑗 /𝜕𝑝𝑗 = 0


como

𝑢1 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 ) 𝑢2 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )


𝑝1𝑢 = ; 𝑝2𝑢 = . (7.124)
(4𝑢1 − 𝑢2 ) 2(4𝑢1 − 𝑢2 )

Dado 𝑢1 , um baixo 𝑢2 implica que a Empresa 2 pode acomodar um baixo preço.


Para quando 𝑢2 tende a zero, por exemplo, o preço da Empresa 2 também tenderia a zero,
quer dizer, a empresa de baixa qualidade teria muito pouco poder de mercado (habilidade
de elevar preços acima dos custos marginais; aqui, zero).
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
129

Por substituição, podem ser encontrados os lucros de equilíbrio como

2𝑢12 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2 𝑢1 𝑢2 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2


𝛱1𝑢 = 𝑢
; 𝛱2 = . (7.125)
(4𝑢1 − 𝑢2 )2 2(4𝑢1 − 𝑢2 )2

Discriminação de preços. Sob discriminação de preços, ambas as empresas podem


cobrar um preço diferente nos dois mercados. Os lucros das empresas são

𝑝1𝑖 − 𝑝2𝑖 𝑝1𝑖 − 𝑝2𝑖 𝑝2𝑖


𝛱1 = ∑ 𝑝1𝑖 [𝜃𝑖 − ] ; 𝛱2 = ∑ 𝑝2𝑖 ( − ). (7.126)
𝑢1 − 𝑢2 𝑢1 − 𝑢2 𝑢2
𝑖=ℎ,𝑙 𝑖=ℎ,𝑙

Os preços de equilíbrio no subjogo são encontrados por 𝜕𝛱𝑗𝑖 /𝜕𝑝𝑗𝑖 = 0 como

𝑑 2𝑢1 (𝑢1 − 𝑢2 )𝜃𝑖 𝑑 𝑢2 (𝑢1 − 𝑢2 )𝜃𝑖


𝑝1𝑖 = ; 𝑝2𝑖 = . (7.127)
(4𝑢1 − 𝑢2 ) (4𝑢1 − 𝑢2 )

Por conseguinte, é claro que ambas as empresas discriminam ao longo dos


mercados em equilíbrio (em outras palavras, não apenas monopolistas querem segmentar
mercados!). Por substituição, os lucros de equilíbrio são

4𝑢12 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ2 + 𝜃𝑙2 ) 𝑢1 𝑢2 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ2 + 𝜃𝑙2 )


𝛱1𝑑 = ; 𝛱2𝑑 = . (7.128)
(4𝑢1 − 𝑢2 )2 (4𝑢1 − 𝑢2 )2

Poder de mercado e discriminação de preços. Neste modelo simples, a


distorção criada pela discriminação de preços em cada mercado difere entre as empresas:

𝑑 𝑢1 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 ) 𝑑 𝑢2 (𝑢1 − 𝑢2 )(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 )


𝑝1𝑖 − 𝑝1𝑢 = | |; 𝑝2𝑖 − 𝑝2𝑢 = | |. (7.129)
(4𝑢1 − 𝑢2 ) 2(4𝑢1 − 𝑢2 )

Claramente, a distorção torna-se irrelevante quando uma empresa não tem tanto
poder de mercado. Para pequenos valores de 𝑢2 (ou seja, quando a Empresa 2 tem
pequeno poder de mercado), a diferença de preços se torna muito pequena. Mais
formalmente,

𝑑
𝜕(𝑝2𝑖 − 𝑝2𝑢 ) (4𝑢12 − 8𝑢1 𝑢2 + 𝑢22 )(𝜃ℎ − 𝜃𝑙 )
= . (7.130)
𝜕𝑢2 2(4𝑢1 − 𝑢2 )2

Estudando a desigualdade de segunda ordem 4𝑢12 − 8𝑢1 𝑢2 + 𝑢22 > 0, obtém-se


que a diferença entre os dois regimes de preços aumenta com 𝑢2 e for 𝑢2 < 0,53𝑢1 e
decresce com valores mais altos. Em outras palavras, quando o diferencial de qualidade

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
130

é máximo (poder de mercado da Empresa 2 é mínimo), um aumento em 𝑢2 (crescimento


no poder de mercado da Empresa 2) eleva o diferencial de preço até o ponto em que as
qualidades sejam suficientemente similares.

Isso sugere fortemente que, quando uma empresa tem pouco poder de mercado
(como é o caso da 2 aqui, com valores suficientemente baixos de 𝑢2 ), é improvável que
o impacto dessa política de preço seja significativo.

O efeito sobre investimentos. Suponha agora que, por alguma razão, a qualidade
da Empresa 1 seja fixada, mas a Empresa 2 (em posição desvantajosa) pudesse investir
para aumentar seu nível de qualidade com custo convexo 𝐶(𝑢2 ). É fácil ver que, com a
discriminação de preços, a empresa terá maior incentivo para investir em qualidade; por
conseguinte, ajudando-a a preencher o diferencial mais do que no caso de apreçamento
uniforme.

O problema da Empresa 2 é, portanto, o da escolha de qualidade endógena de


modo a maximizar seus lucros líquidos: max𝑢2 П2 (𝑢2 ) − 𝐶(𝑢2 ). Os lucros brutos e a
condição de primeira ordem desse problema são diferentes, de acordo com o regime de
preços. Sob apreçamento uniforme, são dados por

𝜕𝛱2𝑢 (𝑢2 ) 𝑢12 (4𝑢1 − 7𝑢2 )(𝜃ℎ + 𝜃𝑙 )2 𝜕𝐶(𝑢2 )


= = , (7.131)
𝜕𝑢2 2(4𝑢1 − 𝑢2 )2 𝜕𝑢2

enquanto sob discriminação de preços, são dados por

𝜕𝛱2𝑑 (𝑢2 ) 𝑢12 (4𝑢1 − 7𝑢2 )(𝜃ℎ2 + 𝜃𝑙2 ) 𝜕𝐶(𝑢2 )


= = . (7.132)
𝜕𝑢2 (4𝑢1 − 𝑢2 )2 𝜕𝑢2

É fácil verificar que 𝜕𝛱2𝑑 (𝑢2 )/𝜕𝑢2 > 𝜕𝛱2𝑢 (𝑢2 )/𝜕𝑢2 como (𝜃ℎ − 𝜃𝑙 )2 > 0, que
determina que a qualidade de equilíbrio escolhida pela Empresa 2 será mais alta sob
discriminação de preços (a renda marginal do investimento é mais alta, enquanto o custo
marginal é o mesmo). Consequentemente, proibir uma empresa com baixa qualidade de
discriminar preços implica comprometer suas chances de reduzir a distância que a separa
da empresa de maior qualidade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
131

Q7.5.5 – Discriminação de preços sob entrada *

Duas cidades são localizadas ao longo de uma linha horizontal [0, 2𝑡], que
delimita um país. A primeira, Cidade A, está em 0, e a segunda, em 2𝑡. A Empresa 1, a
monopolista incumbente, está localizada entre as duas cidades, em 𝑡. A demanda em cada
cidade é dada por 𝑞 = 1– 𝑝; não há demanda em outro lugar. Suponha agora que o
monopólio da Empresa 1 seja desafiado pelas importações de uma empresa estrangeira,
localizada em 2𝑡 + 𝑇. Presuma que ambas tenham um custo de produção zero, mas
tenham de incorrer em um custo de transporte, proporcional à distância: por exemplo,
custa 𝑇 (respectivamente 2𝑡 + 𝑇) para a Empresa 2 trazer cada unidade para a Cidade B
(respectivamente, A). Presuma que (1 + 𝑡)/2 ≥ 𝑇 ≥ (1 − 3𝑡)/2: a Empresa 2 está
suficientemente próxima para desafiar a 1 na Cidade B, mas não o suficiente para pôr em
perigo seu monopólio na Cidade A.

As empresas competem em preços. Vamos comparar o regime em que a


Empresa 1 tem permissão para discriminar preços entre duas cidades com um em que é
proibida de adotar essa prática. (Note que a hipótese de demandas idênticas assegura que
a concorrência seja a única razão para a discriminação de preços.)

Discriminação de preços. Sob as hipóteses anteriores, a Empresa 1 não será


perturbada na Cidade A enquanto estabelecer o preço de monopólio, 𝑝𝐴𝑑 = (1 + 𝑡)/2.
(Isso vem de max𝑝 𝜋 = (𝑝 − 𝑡)(1 − 𝑝) e define 𝜕𝜋/𝜕𝑝 = 0.) A concorrência de
Bertrand na Cidade B implica, por sua vez, que ela obterá toda a demanda, mas ao preço
𝑝𝐵𝑑 = 𝑇. Seus lucros totais são 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑡)2 /4 + (𝑇 − 𝑡)(1 − 𝑇).

Apreçamento uniforme. Se a discriminação de preços for proibida, e a incumbente


quiser atender a ambos os mercados, terá de estabelecer 𝑝𝐴𝑢 = 𝑝𝐵𝑢 = 𝑇 e realizará lucros
𝜋 𝑢 = 2(𝑇 − 𝑡)(1 − 𝑇).

Contudo, a incumbente deve decidir apenas sob seu mercado cativo A e


estabelecer preços, em ambos os mercados, iguais a 𝑝𝑚 = (1 + 𝑡)/2. Ela, então, fará
lucros de monopólio 𝜋 𝑚 = (1 − 𝑡)2 /4 no Mercado A, mas não vai encontrar qualquer
demanda no Mercado B, em que a Empresa 2 irá obter toda a demanda apenas cobrando
ligeiramente abaixo de 𝑝𝑚 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
132

Pode-se verificar que atender apenas ao Mercado A é mais lucrativo se 𝑇 <


(1 + 𝑡 )/2 − √2(1 − 𝑡)/4, pois, quando a Empresa 2 está suficientemente próxima,
atender à Cidade B envolve grande queda nos preços e lucros na Cidade A também, de
modo que será mais conveniente não atender à cidade fronteiriça.

Assim, uma proibição da discriminação de preços por parte da monopolista


ameaçada por entrada em um lado de seu mercado pode ter um impacto ambíguo sobre o
bem-estar. Se a monopolista atende a ambos os mercados sob apreçamento uniforme, os
preços caem em ambos, e a de perda peso morto em cada mercado diminui. Se a
monopolista atende a ambos os mercados sob o apreçamento uniforme, os preços caem
em ambos, a perda de peso morto diminui, e o bem-estar total cresce. No entanto, impor
apreçamento uniforme para a incumbente será prejudicial se, por consequência, ela deixar
de atender à cidade fronteiriça. Nesse mercado, um monopólio pela incumbente poderia
ser substituído pelo monopólio da entrante, e tanto o excedente do consumidor quanto o
bem-estar total iriam diminuir. Mais genericamente, a proibição de discriminar preços
iria aumentar o poder de mercado usufruído pela entrante. O Exercício 7.7 mostra que, se
a monopolista for desafiada por empresas que não possam ter poder de mercado, a
proibição de discriminação de preços não prejudicará os consumidores (mas ainda poderá
reduzir o bem-estar).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
133

Exercícios do Capítulo 7

Exercício 7.1 *(O modelo de cadeia de lojas com horizonte infinito.) Considere o modelo
descrito na seção “Modelos de preço predatório”, mas com a variante do que o estágio do
jogo descrito na Figura 7.1 é repetido por um número infinito de vezes. (1) Mostre que a
predação existe sob as seguintes estratégias e para um fator de desconto suficientemente
grande 𝛿. A estratégia da incumbente é “combater a entrada, se ocorrer, e ela nunca foi
acomodada antes; acomodar a entrada se já tiver sido acomodada antes”. A estratégia da
entrante é “entrar, se já tiver sido acomodada antes; ficar de fora, caso contrário”. (2)
Discuta o modelo: Você acha que ele oferece uma formalização válida para o
comportamento predatório?

Exercício 7.2 **(Equilíbrios de inclinação, conforme modelo visto na seção “Predação


por fusão”.) Considere a versão de Saloner (1987) do modelo apresentado na seção
“Predação por fusão” e verifique sob que condições existe um equilíbrio de inclinação no
qual ambas as empresas, de baixo e de alto custo, estabelecem a produção de monopólio
∗ ∗ 𝑚 𝑑 𝑑
da empresa de baixo custo (𝑞1𝑙 = 𝑞1ℎ = 𝑞1𝑙 ) e oferecem 𝑄 ∗ = 𝑥𝜋2𝑙 + (1 − 𝑥)𝜋2ℎ para
𝑚
comprar a entrante; se a Empresa 2 observar 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 , aceitará qualquer oferta 𝑄 ≥ 𝑄 ∗
𝑚
e a rejeitará, caso contrário; se a Empresa 2 observar 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 , aceitará qualquer oferta
𝑑 𝑚
𝑄 ≥ 𝜋2ℎ e a rejeitará caso contrário; e a Empresa 2 tem crenças 𝑥 ′ = 0, se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 ;
𝑚
𝑥 ′ = 𝑥, se 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 .

Exercício 7.3 *(Predação de bolso profundo sob perfeita informação: competição por
quantidade.) Considere uma variante do modelo analisado na seção “Predação por bolso
profundo”. A demanda de mercado para um bem homogêneo é 𝑝 = max(0, 1 − 𝑄), onde
𝑄 é a oferta total. A Empresa 1 e a Empresa 2 têm custos, respectivamente, 𝑐1 < 1 e 𝑐2 ,
e têm de incorrer em um custo fixo recorrente 𝐹 antes de iniciar a produção na indústria
(se não se paga esse custo uma vez, tem-se de deixar a indústria para sempre). Presuma
também que seja impossível para a empresa obter crédito. A 2 é mais eficiente (𝑐2 < 𝑐1 )
mas é restrita em recursos líquidos: seus ativos totais são 𝐴2 = 2𝐹 − 𝜀 (enquanto a 1 tem
bolso profundo: 𝐴1 > 2𝐹 + 1). Considere um jogo em dois períodos (suponha ausência
de desconto: 𝛿 = 1), em que, em cada período, (1) cada empresa decide se paga 𝐹 e fica
na indústria ou se a deixa para sempre; (2) empresas ativas escolhem produção. Encontre

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
134

(a) qual é a quantidade ótima produzida pela Empresa 1 se desejar predar; (b) sob quais
condições a predação irá ocorrer como equilíbrio de Nash perfeito em subjogo.

Exercício 7.4 **(Predação com bolso profundo sem saída.) Considere uma variante do
modelo visto na seção “Predação por bolso profundo com mercados financeiros
imperfeitos”, em que a Empresa 1 não tem restrição de recursos e a Empresa 2 tem zero
recurso. As empresas produzem um bem homogêneo cuja demanda é 𝑝 = 1– 𝑄 e
competem por quantidades. Ambas estão no mercado quando o jogo começa e produzem
com uma tecnologia que envolve custos marginais c. O jogo é como se segue. No primeiro
período, a Empresa 1 decide se estabelece a produção de Cournot, 𝑞(𝑐, 𝑐) = (1 − 𝑐)/3
(acomoda) ou uma produção agressiva, 𝑞1𝑃 (𝑐, 𝑐) = 1 − 𝑐 (preda). No primeiro caso,
ambas ganham 𝜋(𝑐, 𝑐) = (1 − 𝑐)2 /9, No segundo, cada uma obtém 𝜋 𝑃 (𝑐, 𝑐) = 0.
(Verifique que a melhor resposta da Empresa 2, quando a Empresa 1 vende 1 − 𝑐
unidades, não é vender nada, e que a Empresa 1 venda a custo marginal.) No segundo
período, cada empresa tem de decidir se investe ou não uma quantia 𝐼 na nova tecnologia
que reduz o custo marginal 𝑐 ′ = 0. Se decidir não investir, terá custo marginal 𝑐 no
segundo período também e realizará lucros 𝜋(𝑐, ∙).

Ao contrário da Empresa 1, que tem ativos próprios suficientes, a 2 precisa tomar


empréstimo de bancos para pagar 𝐼. Se obtiver financiamento, o gerente de cada empresa
terá de decidir se despenderá alto esforço ou esforço zero (decisão binária, por
simplicidade). Se o gerente implementar a inovação adequadamente (“alto esforço”), a
inovação terá sucesso com probabilidade 𝑝 = 1, permitindo que a empresa opere com
custo marginal 𝑐 ′ = 0; se o gerente esquivar-se (“baixo esforço”), obterá benefícios
privados 𝐵 (o que não conseguirá se fizer “alto” esforço ou se deixar de inovar), mas a
inovação fracassará com probabilidade 1, ou seja, a empresa produzirá com custo
marginal 𝑐 no segundo período também. Finalmente, os lucros do segundo período são
realizados.

Presuma que, com mercados de capitais perfeitos, a inovação sempre será


financiada: (A1) 𝜋(0,0) − 𝐼 > 𝜋(𝑐, 𝑐) e que a empresa que financia a inovação nunca irá
se esquivar; (A2) 𝐵 + 𝜋(𝑐, 𝑐) < 𝐼; se houver acomodação, o gerente da Empresa 2 será
capaz de levantar fundos; (A3) 𝜋(0,0) − 𝐵 > 𝐼 − 𝜋(𝑐, 𝑐), mas, no caso de predação no

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
135

primeiro período, a inovação não será financiada, e (A4) 𝜋(0,0) − 𝐵 < 𝐼. A predação
ocorrerá?

Exercício 7.5 *(Sobreinvestimento em P&D.) Esta é uma versão ligeiramente mais rica
do modelo visto na seção “Investimentos estratégicos para impedir a entrada”, dado que
também é permitido à entrante investir em P&D. A incumbente, Empresa 1, enfrenta uma
entrante potencial, Empresa 2, no mercado para o bem homogêneo com demanda 𝑝 =
1– 𝑞. Considere dois jogos. (1) Encontre as soluções do seguinte jogo de decisões
simultâneas. No primeiro estágio, as Empresas 1 e 2 simultaneamente decidem investir
xi em tecnologia redutora de custos, com custo total de produção dado por 𝐶(𝑥𝑖 , 𝑞𝑖 ) =
(𝑐 − 𝑥𝑖 )𝑞𝑖 . Presuma um custo quadrático para o investimento, 𝐹(𝑥𝑖 ) = 𝑥𝑖2 . Nesse estágio,
a Empresa 2 também decide não entrar e paga um custo fixo afundado 𝐹. No último
estágio, empresas ativas observam as decisões de investimento das outras e escolhem
produção. (2) Encontre a solução do jogo sequencial de investimento, como o anterior,
com a única variante de que a Empresa 1 investe no primeiro estágio; no segundo, depois
de observar a decisão de investimento da Empresa 1, a 2 decide sobre investimento e
entrada; no último, empresas ativas escolhem produção.

Mostre que há uma gama de valores para o custo fixo afundado 𝐹 para a qual o
impedimento de entrada é lucrativo, no sentido de que a Empresa 1 prefere investir mais
em uma nova tecnologia do que faria se a entrada da 2 fosse permitida.

Exercício 7.6 *(Credibilidade da detenção de produto, inspirado em Judd (1985) e


comentários de Tirole (1988).) Quando o jogo começa, a Empresa 1 já está no Mercado
A, no qual a demanda para seu produto é 𝑄 = 1– 𝑝, enquanto, no B, nenhuma empresa
está ativa e não há demanda para o bem. Ao tempo 𝑇, a Empresa 1 pode decidir se quer
estabelecer uma planta no Mercado B, com um custo fixo afundado 𝐹. Ela, então, define
preços no mercado em que é ativa. No tempo 𝑇 + 1, uma entrante potencial, a Empresa
2, decide se estabelece uma planta no Mercado B ao custo fixo afundado 𝐹 < 1/4. Depois
que a decisão de entrada é tomada, as empresas ativas definem preços. As Empresas 1 e
2 produzem o mesmo bem homogêneo em ambos os mercados. No entanto, transportar o
bem de um mercado para o outro implica um custo de transporte 𝑡 < 1/2. Presuma
também que, no tempo 𝑇, a demanda pelo bem no Mercado B seja zero, enquanto no
tempo 𝑇 + 1, a demanda seja dada por 𝑄 = 1– 𝑝. As empresas que atendem a ambos os

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
136

mercados a partir da mesma planta têm de escolher o mesmo preço entre os mercados (ou
seja, os preços diferem apenas em razão dos custos de transporte), têm o mesmo fator de
desconto 𝛿 = 1 e os mesmos custos marginais 𝑐 = 0. (1) Suponha que a Empresa 1 não
possa ser retirada do Mercado B, caso entre, e mostre que entrará no tempo 𝑇 para impedir
a entrada da 2. (2) Presuma que, depois de observar a decisão de entrada da Empresa 2
no tempo 𝑇 + 1, a 1 possa retirar-se do Mercado B a custo zero, se assim desejar. Mostre
que o bloqueio do mercado não ocorrerá no equilíbrio (do subjogo perfeito).

Exercício 7.7 *Presuma o mesmo esquema da seção “Discriminação de preços sob


entrada”. A Cidade A está localizada em 0, e a B, em 2𝑡 ao longo de um eixo 𝑥. A
Empresa 1 está localizada em 𝑡. A demanda em cada cidade é dada por 𝑞 = 1– 𝑝. Há duas
empresas estrangeiras localizadas em 2𝑡 + 𝑇. Suponha que todas as empresas tenham
custo de produção zero, mas incorram em uma unidade de custo de transporte igual à
distância. Presuma que (1 + 𝑡)/2 ≥ 𝑇 ≥ (1 − 3𝑡)/2. As empresas competem por
preços. Encontre as soluções de equilíbrio para os casos em que (1) a discriminação é
permitida; (2) a discriminação de preços é proibida. Então, mostre que (3) uma proibição
da discriminação de preços reduz o bem-estar.

Exercício 7.8 *(Descontos de quantidade e incentivos para o investimento.) Considere o


modelo descrito nas seções “Discriminação de preços de terceiro grau” e “Desconto em
quantidade: tarifas em duas partes como discriminação de preços”. A monopolista
enfrenta 𝜆 (respectivamente, 1 − 𝜆) consumidores com demanda 𝑝 = 𝑣𝑙 − 𝑞
(respectivamente, 𝑝 = 𝑣ℎ − 𝑞). Tem o custo marginal inicial 𝐴 < 𝑣𝑙 de prover o bem.
Considere os dois jogos que se seguem:

Jogo 1: Apreçamento uniforme. Primeiro, a monopolista decide sobre o


investimento 𝑥 para reduzir seu custo marginal. Investindo em determinado nível 𝑥, este
novo custo marginal será 𝑐 = 𝐴 − 𝑥. O custo dos investimentos é 𝐶(𝑥) = µ𝑥 2 /2
(presuma que µ > 1 para a condição de primeira ordem ser satisfeita tanto no Jogo 1
quanto no 2.) Segundo, ela escolhe o preço p com o qual ambos os mercados são atendidos
(suponha não ser conveniente atender a um único mercado: 𝑣𝑙 > [𝐴 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]/(2 −
𝜆)).

Jogo 2: Descontos por quantidades. O mesmo jogo de 1, mas, no segundo


estágio, a monopolista pode usar a tarifa em duas partes 𝑇 + 𝑝𝑞.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
137

Mostre que a monopolista investe mais no Jogo 2.

Exercício 7.9 Suponha que você escute que o CEO de uma pequena empresa reclama
das dificuldades que enfrentou quando tentou entrar em um mercado onde há uma forte
empresa incumbente: “Logo que começamos a comercializar nosso produto, nossa rival
praticamente entregou seu material de graça! Ela fez de tudo para tentar nos expelir do
mercado. Foi tão desleal! Nunca tivemos uma chance real de dar certo... Não deveria ser
permitido a uma empresa fazer algo assim. Acho que o governo deveria propor uma lei
que proibisse preço abaixo do custo...”. Discuta essa proposta. Você concorda?

Exercício 7.10 (Exercício 7.9 continuado). Para obter um quadro claro da situação,
você decide confrontar o CEO da incumbente com as alegações da empresa menor e
perguntar a ele sobre seu ponto de vista. Ele lhe diz: “Veja lá, isto é ridículo! Esses caras
não eram suficientemente competitivos... O produto deles era uma porcaria, e o preço
estava além de qualquer limite! Você quer nos culpar por termos feito um produto melhor
com preços melhores? Sejamos francos: o mercado é como as Olimpíadas – quem ganha
sempre é o melhor cara.” Discuta esse pronunciamento.

Exercício 7.11 Fernando, que mora em Montevideo, recentemente comprou um


carro e saiu em longas férias com ele. Quando chegou em Santiago, aconteceu de passar
por uma concessionária local, onde descobriu que o carro “dele” – exatamente o mesmo
fabricante e modelo – era vendido por exatamente dois terços do preço que pagara em
Montevideo. Fernando espumou de raiva: ele se sentiu enganado e pensou que uma
empresa não deveria poder fazer algo assim – por uma questão de justiça, o mesmo carro
deveria ser vendido ao mesmo preço em todo lugar do mundo! Discuta.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
138

Soluções dos Exercícios do Capítulo 7

Exercício 7.1

(1) A restrição de incentivo da incumbente é como se segue. Se ela se fixa nessa


estratégia quando a entrada ocorre, recebe o baixo ganho 𝜋𝐼𝑃 hoje, mas a entrada jamais
irá ocorrer. Ao desviar e acomodar a entrada, receberá um ganho corrente mais elevado,
𝜋𝐼𝐴 , mas todas as entrantes potenciais irão entrar (e serão acomodadas). Esse trade-off é
resumido pela condição 𝜋𝐼𝑃 + 𝛿𝜋 𝑀 /(1 − 𝛿) ≥ 𝜋𝐼𝐴 /(1 − 𝛿), que simplifica-se para 𝛿 ≥
(𝜋𝐼𝐴 − 𝜋𝐼𝑃 )/(𝜋 𝑀 − 𝜋𝐼𝑃 ).

Note que, de 𝜋 𝑀 > 𝜋𝐼𝐴 , segue-se que o lado direito da expressão é menor que 1,
de modo que sempre existe um fator de desconto suficientemente grande para que valha
a restrição de incentivo.

Com relação às entrantes, se a RI da incumbente for satisfeita, elas preferirão


seguir a estratégia de equilíbrio candidata e obter ganho 0, rem vez de entrar e ganhar
𝜋𝐸𝑃 < 0. Como resultado, a entrada nunca ocorrerá em equilíbrio.

(2) Há pelo menos dois aspectos da versão de horizonte infinito do jogo da cadeia de
lojas que o tornam insatisfatório. Primeiro, como para todos os superjogos, o modelo é
caracterizado por uma multiplicidade de equilíbrios. Em particular, o jogo tem um
equilíbrio no qual a entrada ocorre e é acomodada para sempre. Considere as seguintes
estratégias. A entrante entra no começo do jogo e sempre entra, desde que a entrada seja
acomodada; se alguma vez a entrada for combatida, nenhuma entrante entrará. A
incumbente acomoda sempre que a entrada ocorre. Essas estratégias nada mais são que
as estratégias de equilíbrio em jogos de uma rodada, e é fácil ver que representam um
equilíbrio. (Como vimos no Capítulo 4, o equilíbrio de uma rodada repetido para sempre
é um equilíbrio de superjogo.)

Segundo, nesse modelo, mesmo quando a “predação” é um equilíbrio, nunca é


observada ao longo da trajetória de equilíbrio: as entrantes antecipam que a entrada será
combatida e se abstêm de entrar no mercado. De acordo com essa história, nunca se
deveria observar um episódio de apreçamento predatório nos mercados reais. Assim, esse
não representa um modelo convincente de predação.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
139

Exercício 7.2 No equilíbrio de inclinação, a incumbente de alto custo imita a de baixo


custo, e a entrante potencial (Empresa 2) decide com base em suas crenças ex ante, de
acordo com as quais a incumbente (Empresa 1) é uma empresa de baixo custo com
probabilidade 𝑥. Vamos verificar agora se esse perfil de estratégia e o sistema de crenças
constituem, de fato, um Equilíbrio Bayesiano Perfeito.

Começamos com a estratégia da entrante com respeito a 𝑄, tomando as estratégias


da Empresa 1 e as crenças da 2 como certas. No equilíbrio, a entrante aceitará a oferta da
incumbente apenas se o ganho esperado pela primeira com sua entrada for menor que a
𝑚
oferta Q recebida. Se a Empresa 2 observar a escolha de quantidade 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 da Empresa
1, não reavaliará suas crenças sobre a a concorrente ser de baixo custo e aceitará o
𝑑 𝑑 𝑚
takeover se 𝑥(𝜋2𝑙 ) + (1 − 𝑥)(𝜋2ℎ ) ≤ 𝑄. Se, contudo, a Empresa 2 observar 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 ,
reavaliará suas crenças, atribuirá uma Probabilidade 1 de enfrentar uma incumbente de
𝑑 𝑑 𝑑
alto custo e aceitará apenas ofertas 𝑄 ≥ 𝜋2ℎ (lembre-se de que 𝜋2ℎ > 𝜋2𝑙 ).

Vamos agora nos voltar para as estratégias da incumbente, tomando as estratégias


e as crenças da Empresa 2 como certas. Suponha primeiro que a Empresa 1 seja de alto
custo. Neste caso, não tem qualquer incentivo para fazer uma oferta 𝑄 ≠ 𝑄 ∗ . Qualquer
oferta 𝑄 < 𝑄 ∗ seria rejeitada pela Empresa 2, levando a lucros mais baixos no segundo
𝑑 𝑚
período para a Empresa 1 (𝜋1ℎ , em vez de 𝜋1ℎ − 𝑄 ∗). Além disso, a Empresa 1
considerará ótimo imitar o tipo de baixo custo com relação à produção do primeiro
𝑚
período (𝑞1𝑚 = 𝑞1𝑙 ) se, ao fazer isso, obtiver lucros mais altos do que estabelecendo a
quantidade de alto custo do monopólio no primeiro período, revelando, portanto, seu tipo
𝑑
verdadeiro e tendo de fazer uma oferta de takeover mais elevada, 𝑄 = 𝜋2ℎ > 𝑄∗.
𝑚 𝑚 𝑑 𝑑 𝑚 𝑑
Obtemos, então, a Condição 1: 𝜋1ℎ (𝑞1𝑙 ) − [𝑥(𝜋2𝑙 ) + (1 − 𝑥)(𝜋2ℎ )] ≥ 𝜋1ℎ − 𝜋2ℎ .

Se, ao contrário, a Empresa 1 for de baixo custo, não haverá, obviamente, qualquer
𝑚
incentivo para 𝑞1𝑚 ≠ 𝑞1𝑙 . Dadas as crenças da Empresa 2, será ótimo para a 1 oferecer 𝑄 ∗
se a aquisição da rival a esse custo for mais lucrativa que oferecer zero e acomodar a
𝑚 𝑑 𝑑 𝑑
entrada, o que gera a Condição 2: 𝜋1𝑙 − [𝑥(𝜋2𝑙 ) + (1 − 𝑥)(𝜋2ℎ )] ≥ 𝜋1𝑙 .

O que resta verificar é se as crenças da Empresa 2 são consistentes com o perfil


da estratégia de equilíbrio. Note que, se as Condições 1 e 2 valerem, a única produção do
𝑚
primeiro período observada ao longo da trajetória de equilíbrio será 𝑞1𝑙 , e a única oferta
de aquisição será 𝑄 ∗ . Dado que tanto as incumbentes de alto quanto de baixo custo se

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
140

comportam da mesma maneira, as ações do primeiro período não trazem qualquer


informação relevante sobre o tipo da incumbente, de modo que, seguindo a regra de
Bayes, as crenças posteriores vão coincidir com as prévias. De fora da trajetória de
equilíbrio, qualquer atribuição de crenças é admissível, em particular a escolhida aqui (ou
𝑚
seja, se 𝑞1𝑚 < 𝑞1𝑙 𝑚
, 𝑥 ′ = 0; se 𝑞1𝑚 ≥ 𝑞1𝑙 , 𝑥 ′ = 𝑥).

Exercício 7.3

(1) Note que a Empresa 2 tem recursos ligeiramente inferiores a 2𝐹. Assim, se a
Empresa 1 quiser retirá-la do mercado, precisará apenas infringir uma perda igual a 𝐹
sobre a 2, que será deixada com recursos ligeiramente menores que 𝐹 e terá de sair, já
que não pode pagar antecipadamente os custos fixos recorrentes. Os lucros da Empresa 2
por período são 𝛱2 = (1 − 𝑞2 − 𝑞1 − 𝑐2 )𝑞2 − 𝐹, e sua função de melhor resposta será
dada por 𝑞2 = (1 − 𝑞1 − 𝑐2 )/2. Assim, vendendo 𝑞1 = 1 − 𝑐2, a Empresa 1 induzirá a 2
a produzir zero e incorrer em uma perda total igual a – 𝐹.

(2) Evidentemente, essa questão trata do que é lucrativo para a Empresa 1. Vendendo
𝑞1 = 1 − 𝑐2 unidades ao preço 𝑝 = 𝑐2 < 𝑐1, ela sofrerá uma perda 𝜋1𝑃 = −(𝑐1 − 𝑐2 )(1 −
𝑐2 ) − 𝐹, mas isso irá induzir a saída da rival e passará a operar como monopolista no
período seguinte (note que a perda da Empresa 1 nunca é maior que 𝐹 + 1). Por
consequência, obterá um ganho com a predação de – (𝑐1 − 𝑐2 )(1 − 𝑐2 ) − 𝐹 +
(1 − 𝑐1 )2 /4 − 𝐹. Se vier a acomodar a entrada, ambas as empresas vão obter lucros de
monopólio, e o ganho total da Empresa 1 será 2[(1 − 2𝑐1 + 𝑐2 )2 /9 − 𝐹]. Comparando
esses dois ganhos e rearranjando, obtém-se a equação de segunda ordem, resolvida por
𝑐1 < (1 + 22𝑐2 )/23 (a outra raiz é irrelevante por ser menor que 𝑐2 ). Essa é, portanto, a
condição para que a predação prevaleça.

Exercício 7.4 Note primeiro que 𝜋(0, 𝑐) > 𝜋(0,0) > 𝜋(𝑐, 𝑐) > 𝜋(𝑐, 0). (A1) e (A2)
implicam que a Empresa 1 sempre vai querer investir e nunca se esquivar. Aplicando o
modelo visto na seção “Predação por bolso profundo com mercados financeiros
imperfeitos” (há apenas uma ligeira variação: a empresa não é forçada a sair do mercado
mesmo se decidir não investir), pode-se ver que a Empresa 2 será incapaz de levantar
fundos se a predação ocorrer no primeiro período. Contudo, a questão é se a predação é
lucrativa para a Empresa 1 ou não. Para que seja, é necessário que 0 + 𝜋(0, 𝑐) >

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
141

𝜋(𝑐, 𝑐) + 𝜋(0,0) (P1) ou 𝜋(0,0) < 𝜋(0, 𝑐) − 𝜋(𝑐, 𝑐). (Lembre-se de que a predação
rende lucro zero no primeiro período tanto para o predador quanto para a presa.)

Usando (A1) e (A2), temos (1 − 𝑐)2 /9 + 𝐵 < 𝐼 < 1/9 − (1 − 𝑐)2 /9. Para esse
intervalo não ser vazio, é necessário que 𝑐 > 1 − √1/2 ≃ 0,29.

Usando o limite inferior de c em (A3), podemos reescrever (A3) e (A4) como 𝐼 +


𝐵 ∈ (1/9,1/9 + 1/18). Note que (P1) implica 𝑐 > 1/4, que sempre pode ser satisfeito
se (A1) e (A2) valerem. Assim, a predação vai sempre ocorrer no modelo.

Exercício 7.5

(1) No último estágio, dadas as decisões de investimento do período anterior, as


empresas vão jogar um jogo de Cournot com custos marginais (potencialmente)
desiguais. A produção, os preços e lucros são dados por 𝑞𝑖𝐶 = (1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 )/3, 𝑝𝐶 =
(1 + 𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 )/3, 𝛱𝑖𝐶 = (1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 )2 /9.

No primeiro estágio, cada empresa escolhe seu nível ótimo de investimento,


tomando o investimento das outras empresas como certo. O programa da empresa,
max𝑥𝑖 𝜋𝑖𝐶 = (1/9)(1 − 2(𝑐 − 𝑥𝑖 ) + (𝑐 − 𝑥𝑗 ))2 − 𝑥𝑖2 , dá ensejo à seguinte função de
reação: 𝑥𝑖 (𝑥𝑗 ) = (2/5)(1 − 𝑐 − 𝑥𝑗 ). O nível de equilíbrio do investimento será 𝑥𝑖∗ =
𝑥𝑗∗ = (6/21)(1 − 𝑐). A Empresa 2 nunca entra se os lucros líquidos cobrem o custo fixo,
ou seja, 𝜋2𝐶 (𝑥𝑖∗ ) = 𝛱2𝐶 (𝑥𝑖∗ ) − (𝑥𝑖∗ )2 > 𝐹 ou (5/49)(1 − 𝑐)2 > 𝐹. Note que, sob decisões
simultâneas de investimento, não há espaço para o uso do investimento pela incumbente
para detenção de entrada.

(2) No último estágio, dadas as decisões de investimento dos períodos anteriores, as


empresas jogarão o mesmo jogo de Cournot como em (1). Agora, contudo, a Empresa 2
tomará decisões de investimento apenas depois de observar as decisões precedentes da
Empresa 1. A 2 investirá otimamente quando 𝑥2 (𝑥1 ) = (2/5)(1 − 𝑐 − 𝑥1 ). A Empresa
1 tem agora duas opções: pode comportar-se “inocentemente”, ou seja, otimizar seu
investimento tomando a entrada da 2 como certa, ou pode usar de uma estratégia
“predatória”, ou seja, investir tanto que a Empresa 2 seja desencorajada a entrar. Sob essa
“estratégia inocente”, o problema da incumbente é maximizar max𝑥1 𝜋1𝐶 = (1/9)(1 −

2(𝑐 − 𝑥1 ) + (𝑐 − 𝑥2 (𝑥1 )))2 − 𝑥12 , que gera soluções de equilíbrio 𝑥1𝑖𝑛𝑛 = (4/9)(1 − 𝑐)

e 𝑥2 (𝑥1𝑖𝑛𝑛 ) = (2/9)(1 − 𝑐). Perceba a assimetria nos níveis de investimento, que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
142


derivam da “vantagem do pioneiro” da Empresa 1. A Empresa 2 entrará se 𝜋2𝐶 (𝑥1𝑖𝑛𝑛 )−
𝐹 = (5/81)(1 − 𝑐)2 − 𝐹 > 0, do contrário, a entrada será bloqueada, e, portanto, não
haverá sequer a necessidade de a Empresa 1 considerar a detenção de entrada.

Suponha agora que a entrada não seja bloqueada. Então, sob a estratégia
“predatória”, o problema da Empresa 1 é estabelecer 𝑥1 tal que os lucros da 2 sejam
levados a zero, ou seja, 𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 que resolva 𝜋2𝐶 (𝑥1 ) − 𝐹 = 0. Obtemos 𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 = 1 −

𝑐 − √5𝐹. Evidentemente, a Empresa 1 vai querer predar apenas se essa estratégia gerar
lucros globais mais altos que a acomodação da entrada da empresa 2, isto é, se

𝜋1𝑚 (𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 ) = (1/4)(1 − (𝑐 − 𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 ))2 − (𝑥1∗ 𝑝𝑟𝑒𝑑 )2 > 𝜋1𝐶 (𝑥1𝑖𝑛𝑛 ). Resolvendo para
𝐹, obtemos um ranking similar ao da seção “Investimentos estratégicos para impedir a
entrada”: se 𝐹 ≤ (1/5)(2/3)2 (1 − √2/3)2 (1 − 𝑐)2 , a entrada será acomodada; se
2
(1/5)(2/3)2 (1 − √2/3) (1 − 𝑐)2 < 𝐹 ≤ (5/81)(1 − 𝑐)2 , a entrada será detida, e se
𝐹 > (5/81)(1 − 𝑐)2, a entrada será bloqueada. Note que a vantagem do pioneiro é
crucial para a Empresa 1: como vimos em (1), nenhum comportamento predatório poderá
emergir se as decisões de investimento forem tomadas simultaneamente.

Exercício 7.6

(1) Ao tempo 𝑇 + 1, suponha que a Empresa 1 tenha entrado no Mercado B no


período anterior. Entrando também, a Empresa 2 sofrerá perdas: a concorrência por
preços com bens homogêneos implica lucro bruto zero, o que não lhe permitirá recuperar
os custos fixos 𝐹. Assim, a Empresa 2 não entrará. A 1 realizará lucros de monopólio em
cada mercado, 𝜋 = 1/4 (o preço de monopólio é encontrado como aquele que maximiza
o lucro em cada mercado, 𝜋 = 𝑝(1 − 𝑝): de 𝜕𝜋/𝜕𝑝 = 0, segue-se que 𝑝 = 1/2 e 𝜋 =
1/4). Portanto, os lucros totais serão 𝜋 = 1/2.

Se a Empresa 1 não tiver entrado no B Mercado e a 2 sim, ela fará lucros de


monopólio 𝜋 = 1/4 − 𝐹 nesse mercado, pois estabelecerá preço de monopólio em seu
próprio mercado (dado que não pode discriminar preços e tem de incorrer em custo
adicional para atender ao Mercado B, ela não tem qualquer incentivo para estabelecer um
preço menor que o de monopólio no Mercado A). Portanto, a Empresa 1 terá 𝜋 = 1/4.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
143

No período 𝑇, a Empresa 1 entrará, já que antecipa que sua própria entrada deterá
a da 2, dando a ela lucros mais elevados. Entrando, ganhará 𝜋 = 1/2 − 𝐹. Não entrando,
ganhará 𝜋 = 1/4 < 1/2 − 𝐹 (lembre-se de que 𝐹 < 1/4).

(2) No ponto anterior, o investimento da Empresa 1 detém a entrada da empresa 2. A


questão aqui é o que acontece se a 2 decidir entrar no mercado de qualquer forma. A
concorrência por preços não levará a um preço de equilíbrio 𝑝 = 0 no Mercado B. Mas
isso implica que a Empresa 1 não será capaz de sustentar um preço de monopólio no
Mercado A: os consumidores que podem importam o bem pagando 𝑡 < 1/2. Assim, a
Empresa 1 vai estabelecer seu preço no Mercado A de modo que será ligeiramente inferior
a t e realizará lucros 𝑡(1 − 𝑡).

Se ela fechar sua planta no Mercado B, irá relaxar a concorrência nesse mercado
(em que a Empresa 2 se tornará monopolista) e será capaz de estabelecer lucros de
monopólio no A, ganhando, assim, 1/4. É fácil ver que 1/4 > 𝑡(1 − 𝑡), que pode ser
reescrito como (1 − 2𝑡)2 > 0, o que se verifica.

A Empresa 2 antecipa que, se entrar no Mercado B, a Empresa 1 preferirá retirar-


se dele se tiver investido lá; portanto a 2 sempre entrará. Por outro lado, a Empresa 1
antecipará isso e não entrará no Mercado B no período 𝑇, economizando, assim, esses
custos fixos.

Exercício 7.7

(1) Como no texto, sob discriminação de preços, a Empresa 1 estabelece 𝑝𝐴𝑑 =


(1 + 𝑡)/2 e 𝑝𝐵𝑑 = 𝑇. Seus lucros totais são 𝜋 𝑑 = (1 − 𝑡)2 /4 + (𝑇 − 𝑡)(1 − 𝑇).

(2) Sob o apreçamento uniforme, como no texto, se a incumbente atender a ambos os


mercados, 𝑝𝐴𝑢 = 𝑝𝐵𝑢 = 𝑇, realizará lucros 𝜋 𝑢 = 2(𝑇 − 𝑡)(1 − 𝑇). Se atender apenas ao
A, estabelecerá preços em ambos os mercados iguais a 𝑝𝑚 = (1 + 𝑡)/2. Ela realizará,
então, lucros totais 𝜋 𝑚 = (1 − 𝑡)2 /4. A diferença com respeito ao caso tratado na seção
“Discriminação de preços sob entrada” é que a concorrência entre empresas estrangeiras
assegura que o preço no Mercado B não suba acima de 𝑇.

(3) Sabemos que, se ambas as cidades forem atendidas, o bem-estar será maior se
houver proibição de discriminação de preços. Contudo, se apenas uma cidade for atendida
quando existe uma proibição de discriminação, os dois regimes serão equivalentes para o
excedente do consumidor, dado que eles levam aos mesmos preços (1 + 𝑡)/2 no Mercado
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
144

A e 𝑇 no Mercado B. Contudo, a Empresa 1 realiza lucros positivos no Mercado B, sob


discriminação, e lucro algum sob a proibição.

Exercício 7.8 Jogo 1. Como de hábito, temos de nos mover na direção reversa. A solução
do segundo estágio é dada na seção “Discriminação de preços de terceiro grau”. No
primeiro estágio, o monopolista escolhe 𝑥 para maximizar os lucros líquidos sob o
apreçamento uniforme, 𝜋 𝑢 = (𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝑐)2 /4 − µ𝑥 2 /2, com 𝑐 = 𝐴 − 𝑥. A
maximização requer 𝜕𝜋 𝑢 /𝜕𝑥 = (𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ − 𝐴 + 𝑥)/2 − µ𝑥 = 0.

Jogo 2. A solução do segundo estágio é dada na seção “Desconto em quantidade:


tarifas em duas partes como discriminação de preços”. No primeiro estágio, o programa
da monopolista é max𝑥 𝜋 𝑞𝑑 = (1/2)[(𝑣𝑙 − 𝐴 + 𝑥)2 + (1 − 𝜆)2 (𝑣ℎ − 𝑣𝑙 )2 ]. A condição
de primeira ordem é 𝜕𝜋 𝑞𝑑 /𝜕𝑥 = (𝑣𝑙 − 𝐴 + 𝑥) − µ𝑥 = 0.

A comparação entre os níveis de investimento não requer que se encontre uma


solução explícita. Apenas note que o custo marginal µ𝑥 é o mesmo em ambos os jogos,
mas que a renda marginal é mais alta sob o Jogo 2: (𝑣𝑙 − 𝐴 + 𝑥) > (𝜆𝑣𝑙 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ −
𝐴 + 𝑥)/2, dado que 𝑣𝑙 > [𝐴 + (1 − 𝜆)𝑣ℎ ]/(2 − 𝜆). Assim, 𝑥 será mais elevado sob
descontos por quantidades (isto é, tarifas em duas partes).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Predação, monopolização e outras práticas abusivas (Capítulo 7).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
1

CAPÍTULO 8

Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos


e modelos de concorrência imperfeita

SUMÁRIO

8.1 – INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 3

8.2 – MONOPÓLIO ......................................................................................................... 3

8.2.1 – Monopólio de um único produto ...................................................................... 3

8.2.2 – Monopólio de múltiplos produtos..................................................................... 6

8.2.2.1 – Funções custo e demanda independentes .................................................. 6

8.2.2.2 – Demandas interdependentes ...................................................................... 7

8.2.2.3 – Custos interdependentes: economias (ou deseconomias) de escopo ....... 11

8.3 – UMA INTRODUÇÃO ELEMENTAR À TEORIA DOS JOGOS ....................... 14

8.3.1 – Equilíbrio de Nash .......................................................................................... 16

8.3.1.1 – O dilema dos prisioneiros ........................................................................ 17

8.3.1.2 – Jogos de coordenação e seleção do equilíbrio ......................................... 18

8.3.1.3 – Estratégias mistas .................................................................................... 20

8.3.2 – Jogos dinâmicos e equilíbrio de Nash perfeito em subjogos .......................... 22

8.3.2.1 – Indução reversa ........................................................................................ 24

8.4 – OLIGOPÓLIO I: COMPETIÇÃO DE MERCADO EM JOGOS ESTÁTICOS .. 26


Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
2

8.4.1 – Concorrência no mercado de produto com bens homogêneos ....................... 27

8.4.1.1 – Competição por preço (modelo de Bertrand) .......................................... 27

8.4.1.2 – Competição por quantidade (modelo de Cournot) .................................. 33

8.4.1.3 – Maximização de lucros conjuntos ........................................................... 37

8.4.1.4 – Modelos referenciais de concorrência em mercado de produto: uma


comparação ............................................................................................................. 38

8.4.2 – Competição no mercado de produto com bens diferenciados exogenamente 39

8.4.2.1 – Um modelo de demanda linear para bens diferenciados ......................... 40

8.4.2.2 – Um modelo de bens diferenciados com algumas propriedades interessantes


................................................................................................................................ 48

8.4.3 – Interações repetidas no mercado de produto .................................................. 51

8.4.3.1 – Horizonte finito ....................................................................................... 51

8.4.3.2 – Horizonte infinito .................................................................................... 52

8.5 – OLIGOPÓLIO II: JOGOS DINÂMICOS ............................................................. 54

8.5.1 – Investimentos estratégicos .............................................................................. 55

8.5.1.1 – Competição por quantidade (substitutos estratégicos) ............................ 55

8.5.1.2 – Competição por preço (complementos estratégicos) ............................... 58

8.6 – APÊNDICE ........................................................................................................... 61

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
3

8.1 – INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta ao leitor os modelos de concorrência imperfeita usados


nas seções técnicas do livro.1 Claro, eles não substituem uma formação adequada em
modelos básicos de organização industrial, mas o capítulo deve auxiliar estudantes e
profissionais com alguma experiência em economia e em análise matemática simples
(usa-se um pouco mais que derivadas de funções reais nas partes técnicas e neste capítulo)
ou aqueles que desejam atualizar conhecimentos adquiridos há algum tempo, para seguir
os argumentos formais apresentados nas partes técnicas.

A escolha dos temas analisados aqui é funcional, com o objetivo de ajudar o leitor
a seguir o livro. O capítulo começa com um curto tratamento de monopólio (seção 8.2),
em seguida, apresenta o leitor à teoria elementar de jogos (seção 8.2.2.3), indispensável
para a compreensão da moderna teoria de oligopólio, o que, por conveniência, dividimos
em modelos estáticos (seção 8.3) e dinâmicos (seção 8.4).

8.2 – MONOPÓLIO

Esta seção oferece um tratamento introdutório aos preços de monopólio. Em


primeiro lugar, analisamos o caso de um monopólio de um único produto, e, em segundo,
o caso de um monopólio multiproduto.

8.2.1 – Monopólio de um único produto

O modelo mais simples possível de concorrência imperfeita é aquele em que há


um monopolista que vende apenas um bem. Primeiramente, iremos resolver o problema

1
Este capítulo é particularmente útil para as seções técnicas intermediárias, marcadas com um asterisco
(*); as seções técnicas avançadas, marcadas com dois asteriscos (**) provavelmente vão precisar de
requisitos mais fortes que os oferecidos aqui.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
4

do monopolista com funções de demanda e custo gerais e, em seguida, oferecer alguns


exemplos específicos.

Denote a demanda por esse bem como 𝑞 = 𝐷(𝑝), onde 𝑝 é o preço, e 𝑞, a


quantidade demandada (variável dependente), e presuma que a demanda seja
negativamente inclinada: 𝜕𝐷/𝜕𝑝 < 0.

Para uso posterior, defina a elasticidade da demanda 𝜀 como a variação percentual


na quantidade demandada pelos consumidores, que se segue a uma mudança de 1% no
preço: 𝜀 = −(𝜕𝐷/𝐷)/𝜕𝑝/𝑝 = −𝑝(𝜕𝐷/𝜕𝑝)/𝐷 > 0 (note que a elasticidade é definida
por um número positivo).2

Custos de produção são fornecidos pela função 𝐶(𝑞), com custos marginais não
negativos: 𝜕𝐶/𝜕𝑞 ≥ 0. Para que as condições de segunda ordem sejam satisfeitas (para
a função de lucro ser côncava), presuma também que 𝜕 2 𝐷/(𝜕𝑝)2 ≤ 0 e 𝜕 2 𝐶/
(𝜕𝑞)2 ≥ 0.3

Vamos agora encontrar o preço ideal e em quantidade determinada pelo


monopolista nesse mercado. Seu objetivo é escolher o preço que maximiza seus lucros,
max𝑝 𝜋 = 𝑝𝑞 − 𝐶(𝑞), ou

max 𝜋 = 𝑝𝐷(𝑝) − 𝐶(𝐷(𝑝)). (8.1)


𝑝

A CPO (condição de primeira ordem) deste problema é

𝜕𝜋 𝜕𝐷(𝑝) 𝜕𝐶(𝑞) 𝜕𝐷(𝑝)


=𝑝 + 𝐷(𝑝) − = 0, (8.2)
𝜕𝑝 𝜕𝑝 𝜕𝑞 𝜕𝑝

que pode ser reescrita como

𝜕𝐶(𝑞) 𝐷(𝑃)
𝑝− =− . (8.3)
𝜕𝑞 𝜕𝐷(𝑝)/𝜕𝑝

Usando a definição de elasticidade da demanda e substituindo, obtém-se

2
Essas hipóteses são satisfeitas quando se adotam uma função de demanda linear e custos marginais
constantes, o caso mais usado neste capítulo e ao longo do livro.
3
Esses pressupostos são satisfeitos ao adotar uma função de demanda linear e custos marginais constantes,
o caso que utilizo na maioria das vezes neste capítulo e ao longo do livro.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
5

𝑝 − 𝜕𝐶(𝑞)/𝜕𝑞 1
= . (8.4)
𝑝 𝜀

O lado esquerdo da equação (8.4) é o chamado índice de Lerner, medida de poder de


mercado, ou seja, a capacidade de uma empresa para definir preços acima dos custos
marginais.4 Essa condição, portanto, nos diz que, quanto maior a elasticidade da demanda,
menor o poder de mercado do monopolista (ou seja, quanto menor a elasticidade, maior
a relação mark-up ganha). Considere, por exemplo, os dois casos extremos: se a demanda
do mercado for tão inelástica que os consumidores estivessem dispostos a comprar o bem
a qualquer preço (𝜀 = 0), então o mark-up do monopolista tenderia ao infinito. Porém,
analogamente, se a demanda for extremamente elástica, de modo que os consumidores
substituíssem os bens por outros bens sempre que o monopolista tentasse aumentar o
preço marginal de seu produto (𝜀 → ∞), então seu poder de mercado seria nulo, e o preço
do monopolista seria igual a seu custo marginal (já que 𝑝 − 𝜕𝐶(𝑞)/𝜕𝑞 deve ser igual a
zero).

Exemplo de funções específicas. Usemos agora funções de demanda e de custos


explícitos para analisar o problema do monopolista. Considere, por uma questão de
simplicidade, o caso da demanda linear 𝑞 = 1 − 𝑝 e custo marginal constante 𝐶(𝑞) = 𝑐𝑞,
com 𝑐 < 1 para garantir a viabilidade do mercado (caso contrário, ninguém iria comprar
o produto, mesmo que o monopolista ofereça ao custo marginal).

O problema do monopolista é max𝑝 𝜋 = (𝑝 − 𝑐)(1 − 𝑝). A CPO é dada por

𝜕𝜋
= 1 − 2𝑝 + 𝑐 = 0, (8.5)
𝜕𝑝

de onde

1+𝑐
𝑝𝑀 = . (8.6)
2

4
Veja o Capítulo 2 para uma discussão sobre o poder de mercado (dos quais um monopólio é uma expressão
extrema) e sua relação com o bem-estar. Veja o Capítulo 3 para uma discussão sobre como mensurar o
poder de mercado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
6

Vale a pena notar que, quanto maior o custo marginal, maior será o preço que o
monopolista irá definir em equilíbrio, o 𝑑𝑝𝑀 /𝑑𝑐 > 0: para os consumidores, é melhor
enfrentar um monopolista eficiente que um ineficiente!5

Por substituição, também se podem encontrar quantidades e lucros ótimos: 𝑞 𝑀 =


(1 − 𝑐)/2, e 𝜋 𝑀 = (1 − 𝑐)2 /4.

Note também que mesmo que o monopolista escolha preço ou quantidade, o


resultado do mercado será igual (uma propriedade que não se sustenta em mercados
oligopolistas, como veremos a seguir). Para tanto, escreva a função inversa da demanda
como 𝑝 = 1– 𝑞. O problema do monopolista é, então, max𝑞 𝜋 = (1 − 𝑞 − 𝑐)𝑞. A CPO é
𝜕𝜋/𝜕𝑞 = 1 − 2𝑞 − 𝑐 = 0, que se torna 𝑞 𝑀 = (1 − 𝑐)/2 (e, por substituição, 𝑝𝑀 = (1 +
𝑐)/2).

8.2.2 – Monopólio de múltiplos produtos

No mundo real, as empresas frequentemente produzem e vendem mais de um


produto. É natural, portanto, questionar como um monopolista de multiprodutos os
precifica. Comecemos com o caso mais simples, em que a demanda e os custos de um
produto não afetam a demanda e os custos de outros, e passemos depois para os casos de
demandas interdependentes e, por sua vez, custos interdependentes. Para simplificar, sem
perder insights, a atenção será restrita para o caso de dois produtos.

8.2.2.1 – Funções custo e demanda independentes

Suponha que o monopolista venda dois produtos, 1 e 2, que não afetem nem a
demanda nem os custos de cada um. O lucro total do monopolista é dado por 𝜋 = 𝜋1 +
𝜋2 = 𝑝1 𝐷1 (𝑝1 ) − 𝐶1 (𝐷1 (𝑝1 )) + 𝑝2 𝐷2 (𝑝2 ) − 𝐶2 (𝐷2 (𝑝2 )). O problema do monopolista é
dado por max𝑝1,𝑝2 𝜋, mas esse se decompõe em dois problemas completamente distintos:

5
Veja Tirole (1988: 66-7) para uma prova geral deste resultado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
7

max𝑝1 𝜋1 e max𝑝2 𝜋2 . Cada um desses problemas reduz o problema anterior estudado


para o monopolista monoprodutor, dando como resultado a condição (8.4):

𝑝𝑖 − 𝜕𝐶𝑖 (𝑞𝑖 )/𝜕𝑞𝑖 1


= , com 𝑖 = 1,2. (8.7)
𝑝𝑖 𝜀𝑖

Essa condição nos diz que o monopolista estabelece o preço em cada mercado de
acordo com sua elasticidade de demanda εi : em um mercado caracterizado por maior
elasticidade de demanda, os consumidores vão pagar menos que no outro. Trata-se de
uma simples aplicação de um princípio de discriminação de preços, analisado mais
detalhadamente no Capítulo 7.

É claro que os pressupostos de que o preço de um bem não afeta a demanda pelo
outro bem e de que os custos de produção são independentes fazem deste um caso muito
especial. Voltemo-nos agora para os casos em que existe interdependência, primeiro do
lado da demanda, em seguida, do lado dos custos.

8.2.2.2 – Demandas interdependentes

Muito frequentemente, uma empresa vende um conjunto de produtos em alguma


extensão substituíveis entre si. Pense, por exemplo, em um fabricante de automóveis, que
oferece carros com diferentes potências de motores, cores e versões (peruas, sedans e
compactos), ou um produtor de alimentos, que oferece diferentes versões de massas
(talharim, lasanha, palha e feno, espaguete). Para produtos substitutos, um aumento no
preço de um deles aumentará a demanda pelos outros, o que se torna relativamente mais
conveniente: 𝜕𝑞𝑖 /𝜕𝑝𝑗 > 0.

Às vezes, as empresas podem vender, ao contrário (ou além disso), produtos


complementares entre si: uma operadora de telefonia pode vender tanto o telefone celular
quanto a assinatura do serviço, e um produtor de alimentos pode vender tanto massas
quanto molhos prontos. Para bens complementares, o aumento no preço de um produto
irá reduzir a demanda pelo outro (ao reduzir a demanda por um produto, a demanda pelo
bem complementar também é desencorajada): 𝜕𝑞𝑖 /𝜕𝑝𝑗 < 0.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
8

Para ver como um monopolista estabelece preços para dois produtos cuja demanda
é interdependente, presuma que os produtos tenham a seguinte função de demanda:

𝑞𝑖 = 𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 , com 𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (8.8)

Se o parâmetro 𝑔 > 0, os dois produtos são substitutos; se 𝑔 = 0, são


complementares; se 𝑔 = 0 suas demandas são independentes entre si. Presuma também
que |𝑔| < 𝑏, para garantir que o efeito do próprio preço sobre a demanda de um produto
seja mais forte que o efeito cruzado, pressuposto natural, e que 𝑎 > 𝑐(𝑏 − 𝑔), para
assegurar que o resultado seja positivo em equilíbrio.

Suponha também que os custos de se produzir um bem não sejam afetados pelos
custos de produção de outro bem, para focar a interdependência da demanda. Mais
particularmente, suponha que: 𝐶(𝑞1 , 𝑞2 ) = 𝑐𝑞1 + 𝑐𝑞2 .

O lucro total do monopolista é dado por

𝜋 = (𝑎 − 𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )(𝑝1 − 𝑐) + (𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝑔𝑝1 )(𝑝2 − 𝑐); (8.9)

com seu problema sendo max𝑝1,𝑝2 𝜋, as CPOs são

𝜕𝜋
= 𝑎 − 2𝑏𝑝𝑖 + 2𝑔𝑝𝑗 + 𝑐(𝑏 − 𝑔) = 0, com 𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (8.10)
𝜕𝑝𝑖

Na solução simétrica 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑝𝑚 temos

𝑎 + 𝑐(𝑏 − 𝑔)
𝑝𝑚 = , (8.11)
2(𝑏 − 𝑔)

em que 𝑝𝑚 > 𝑐. Já que estamos interessados no efeito da relação da demanda sobre o


preço de equilíbrio, note que

𝜕𝑝𝑚 𝑎
= > 0. (8.12)
𝜕𝑔 2(𝑏 − 𝑔)2

Se 𝑔 aumenta no intervalo (−𝑏, 𝑏), o preço cobrado pelo monopolista para ambos os
produtos também aumenta.6

6
É fácil verificar que 𝑝𝑚 é côncavo com o menor valor possível (equivalente a (𝑎 + 2𝑏𝑐)/(4𝑏)) obtido
conforme 𝑔 tende para – 𝑏 e uma assíntota conforme 𝑔 tende para 𝑏.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
9

Comparativamente ao caso referencial em que dois produtos são independentes


(𝑔 = 0), a implicação é que o monopolista reduz o preço de seus produtos quando são
complementares (𝑔 < 0) e aumenta quando são substitutos (𝑔 > 0). A intuição para esse
resultado é direta. Quando os produtos são complementares, eles exercem uma
externalidade positiva entre si, e o monopolista internaliza isso reduzindo preços (um
preço menor para o Bem 1 estimula as vendas do Bem 2 e vice-versa). Em outras palavras,
se os Produtos 1 e 2 são vendidos por dois monopolistas distintos, os consumidores
pagariam mais por eles do que se fossem vendidos pela mesma empresa, resultado que
remonta a Cournot (1838) e também discutido no Capítulo 6 (uma empresa integrada
verticalmente sendo o caso particular de uma que vende bens complementares) e no
Capítulo 7 (em que tratamos sobre vendas casadas).

Para completar a análise, use o preço de equilíbrio (8.11) e substitua-o na função


de produção e lucro para obter

𝑎 − 𝑐(𝑏 − 𝑔) [𝑎 − 𝑐(𝑏 − 𝑔)]²


𝑞𝑚 = ; 𝜋𝑚 = , (8.13)
2 2(𝑏 − 𝑔)

𝑞𝑚 sendo o resultado por produto, e 𝜋𝑚 , os lucros totais.

Uma interpretação dinâmica da interdependência da demanda. Até aqui,


tratamos os dois produtos distintos como se fossem vendidos simultaneamente pelo
monopolista. No entanto, as percepções obtidas nos levam ao caso em que o monopolista
vende o mesmo produto em mercados sequenciais, apenas reinterpretando as relações de
demanda como de substituibilidade ou complementaridade intertemporal.

Continue a considerar o caso em que cada bem é produzido ao custo marginal


constante 𝑐, mas suponha que a demanda no primeiro período seja dada por 𝑞1 = 𝑎 −
𝑏𝑝1 , e a demanda no período seguinte, por 𝑞2 = 𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝜆𝑞1 . Se 𝜆 > 0, as vendas mais
elevadas no primeiro período estimulam a demanda no segundo; se 𝜆 < 0, o oposto se
dá. Os lucros totais do monopolista (para simplificar, pressupondo uma taxa de juros zero,
de modo que os ganhos futuros contem como os ganhos presentes) são

𝜋 = (𝑎 − 𝑏𝑝1 )(𝑝1 − 𝑐) + (𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝜆(𝑎 − 𝑏𝑝1 ))(𝑝2 − 𝑐). (8.14)

O monopolista escolhe 𝑝1 e 𝑝2 de modo a maximizar 𝜋. Assim, as duas CPOs são


dadas por 𝜕𝜋/𝜕𝑝𝑖 = 0 Resolvendo o sistema de equações, temos

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
10

𝑎(1 − 𝜆) + 𝑐𝑏 𝑎 + 𝑐𝑏(1 − 𝜆)
𝑝1 = , 𝑝2 = . (8.15)
𝑏(2 − 𝜆) 𝑏(2 − 𝜆)

É fácil verificar que conforme cresce 𝜆, o preço no primeiro período cai, e o do segundo
período aumenta:

𝜕𝑝1 𝑎 − 𝑐𝑏 𝜕𝑝2 𝑎 − 𝑐𝑏
=− < 0; = > 0. (8.16)
𝜕𝜆 𝑏(2 − 𝜆)2 𝜕𝜆 𝑏(2 − 𝜆)2

O efeito da externalidade intertemporal sobre preços é diferente. O preço do segundo


período varia com 𝜆 apenas porque ele desloca para cima (ou para baixo, se 𝜆 < 0) o
intercepto da demanda de 𝑎 para 𝑎 + 𝜆𝑞1 . Mais interessante é a razão pela qual o preço
do primeiro período varia.

Complementaridade intertemporal: ofertas de preços introdutórios. Quando 𝜆>


0, o monopolista percebe que há uma externalidade de demanda intertemporal positiva e
internaliza isso reduzindo seu preço relativo ao que iria cobrar se não houvesse mercado
futuro. Em outras palavras, ele antecipa que, ao reduzir o preço do primeiro período,
poderá elevar a demanda do primeiro período, o que, por sua vez, elevará a demanda do
segundo. Esse é um exemplo da consagrada estratégia de negócios que consiste em
precificação promocional ou precificação introdutória: nos primeiros estágios da vida de
um produto, a empresa estabelece inicialmente um preço baixo, progressivamente
elevado, conforme os consumidores passam a conhecer e apreciar o produto (efeito de
clientela) ou quanto mais consumidores já o tenham adquirido (efeitos de rede, veja o
Capítulo 2 para uma discussão).7,8

Substituibilidade intertemporal: bens duráveis. No caso em que 𝜆 < 0, vendas


elevadas no primeiro período reduzem a demanda no segundo. Como resultado, o
monopolista mantém o preço do primeiro período mais alto que no caso hipotético em
que o produto é vendido apenas uma vez, de modo a internalizar a externalidade de

7
Outra razão pela qual uma empresa pode oferecer preços introdutórios é a existência de custos de
transferência (veja o Capítulo 2). Embora o modelo simples utilizado aqui possa ser visto como uma forma
reduzida do modelo mais sofisticado contendo alguns efeitos de clientela ou efeitos de rede, não pode ser
facilmente interpretado como o resultado de custos de transferência.
8
No exemplo particular escolhido aqui, o preço do primeiro período não desce abaixo dos custos marginais.
Contudo, é possível encontrar exemplos em que, no primeiro período, uma empresa cobre preços abaixo
do custo marginal.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
11

demanda negativa surgida ao longo dos períodos. Essa situação pode ser vista como forma
reduzida do caso do monopolista de bens duráveis: quanto mais consumidores comprarem
no primeiro período, menos comprarão no segundo. Note que pode ser demonstrado que,
em um equilíbrio de monopólio de bens duráveis, os preços tendem a decrescer ao longo
do tempo, como no caso do exemplo.9

8.2.2.3 – Custos interdepend entes: economias (ou deseconomias) de


escopo

Voltemo-nos agora para o impacto que as externalidades de custo têm sobre a


precificação do monopolista multiprodutor. Suponha que a função de custo geral seja
dada por 𝐶(𝑞1 , 𝑞2 ) = 𝑐𝑞1 + 𝑐𝑞2 + µ𝑞1 𝑞2 .10 Quando µ > 0, existem deseconomias de
escopo entre os dois bens, de forma que quanto maior for a produção de um bem, maior
será o custo marginal do outro produto (𝜕 2 𝐶/𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑞𝑗 = 𝜇 > 0) Este é o caso, por
exemplo, em que ambos produtos utilizam recursos e insumos limitados: o aumento da
produção de um bem exerce pressão sobre os insumos comuns, aumentando seus custos.

Quando µ < 0, existem economias de escopo entre os dois produtos (ou de


produção conjunta): assim, quanto maior for a produção de um bem, menor será o custo
marginal do outro (𝜕 2 𝐶/𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑞𝑗 = 𝜇 < 0). Existem muitos casos no mundo real em que
a produção conjunta de dois produtos gera economia de custos em relação ao caso em que
cada produto é produzido separadamente.

Por simplicidade, suponha que as demandas pelo produto sejam independentes,


de modo que 𝑞𝑖 = 𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 .

Os lucros totais do monopolista são

𝜋 = (𝑎 − 𝑏𝑝1 )𝑝1 + (𝑎 − 𝑏𝑝2 )𝑝2 − 𝑐𝑞1 − 𝑐𝑞2 − µ𝑞1 𝑞2 . (8.17)

9
Veja o Capítulo 2 para uma breve discussão sobre o monopólio de bens duráveis e o Capítulo 6 para uma
aplicação que compartilha muitos aspectos com o caso do monopólio dos bens duráveis (a empresa é
prejudicada por sua inabilidade de se comprometer com determinado preço).
10
Suponha também que µ > −2𝑐/𝑎. Isso garante que os custos marginais sejam positivos quando µ for
negativo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
12

Seu problema é max𝑝1,𝑝2 𝜋, de modo que as CPOs são

𝜕𝜋
= 𝑎(1 + 𝑏µ) − 2𝑏𝑝𝑖 − 𝑏 2 µ𝑝𝑗 + 𝑐𝑏 = 0, com 𝑖, 𝑗 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗. (8.18)
𝜕𝑝𝑖

Sob simetria, 𝑝1 = 𝑝2 = 𝑝𝑚 , e a solução torna-se

𝑎(1 + 𝑏µ) + 𝑐𝑏
𝑝𝑚 = . (8.19)
𝑏(2 + 𝑏µ)

Para ver o efeito da externalidade de custo no preço de equilíbrio, escreva

𝜕𝑝𝑚 𝑎 − 𝑏𝑐
= > 0. (8.20)
𝜕µ (2 + 𝑏µ)2

Quanto mais forte a externalidade de custo entre dois produtos, mais alto será o
preço de equilíbrio estabelecido pelo monopolista. Em particular, note que a função
𝑝𝑚 (µ) é crescente em todo seu domínio. Isso implica que, quando existem economias de
escopo (µ < 0), os preços são mais baixos que no caso de referência em que os custos de
produção são independentes. A empresa antecipa que existe externalidade positiva entre
os dois produtos e reduz o preço de cada bem, de modo a estimular sua produção e, por
sua vez, a do outro produto, por meio da redução de custo. Nesse caso, o monopolista
multiproduto cobra preços mais baixos do que dois monopolistas distintos cobrariam,
cada um fabricando um produto.

Quando, ao contrário, existem deseconomias de escopo (µ > 0), os preços são


mais elevados do que no caso em que os custos de produção são independentes. Aqui
existe uma externalidade negativa entre os dois produtos, e o monopolista aumenta o
preço de cada bem para internalizá-la (reduzindo a produção de um bem, o custo marginal
da produção do outro é reduzido). Nesse caso, o monopolista multiproduto cobra preços
mais elevados do que monopolistas em dois mercados distintos iriam cobrar.

Um exemplo intertemporal: aprendizado com a prática (learning by doing). O


custo de produção de muitos bens e serviços decrescem com a experiência acumulada de
produção. Trata-se do fenômeno conhecido como aprendizado com a prática (learning
by doing) (ARROW, 1961), que provê um exemplo de externalidades intertemporais do
lado dos custos. Como se pode ver no exemplo simples que se segue, um monopolista
que espera um efeito de aprendizado reduzirá preços (relativamente a uma situação em

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
13

que tais efeitos de aprendizado estão ausentes) nos estágios iniciais da vida do produto,
de modo a aumentar a produção e “ir descendo na curva de aprendizado”, o que, por sua
vez, o tornará mais eficiente em períodos posteriores.

Suponha que, em cada um desses dois períodos da vida do produto, o monopolista


enfrente uma demanda 𝑝𝑡 = 1 − 𝑞𝑡 , com 𝑡 = 1, 2. Por conta dos efeitos de aprendizado,
os custos marginais decrescem com a produção passada: eles são 𝐶1′ = 𝑐 no primeiro
período; 𝐶2′ (𝑞1 ) = 𝑐 − 𝑙𝑞1 no segundo.11

Os lucros totais do monopolista (presumindo não haver desconto em prol da


simplificação) são

𝜋 = (𝑝1 − 𝑐)𝑞1 + (𝑝2 − 𝑐 + 𝑙𝑞1 )𝑞2 . (8.21)

Já que ele precisa escolher 𝑞1 , 𝑞2 de modo a maximizar 𝜋, as CPOs são dadas por
𝜕𝜋/𝜕𝑞1 = 0 e 𝜕𝜋/𝜕𝑞2 = 0, que pode ser reescrito como

1 − 𝐶1′ + 𝑙𝑞2 1 − 𝐶2′


𝑞1 = ; 𝑞2 = . (8.22)
2 2

As expressões anteriores nos dizem que enquanto, no segundo período (o último,


nesse exemplo simples), o monopolista irá se comportar como de hábito, quer dizer,
igualando renda marginal a custo marginal, no primeiro, ele produzirá mais do que faria
em um ambiente estático, uma vez que internaliza a externalidade positiva sobre os custos
do segundo período (e quanto mais alto o 𝑙, mais alta a quantidade do primeiro período).

Resolvendo o sistema de CPOs (8.22), obtêm-se os valores de equilíbrio como

1−𝑐 1+𝑐−𝑙
𝑞1∗ = 𝑞2∗ = ; 𝑝1∗ = 𝑝2∗ = . (8.23)
2−𝑙 2−𝑙

Observe que, neste exemplo simples, verifica-se que a quantidade e o preço estabelecidos
pelo monopolista no equilíbrio são os mesmos ao longo do tempo. No entanto, eles são
assim por razões bem diferentes. No primeiro período, o monopolista aumenta
quantidades porque internaliza o efeito de aprendizado; no segundo período, essa

11
Suponha que 𝑙 seja positivo, mas suficientemente pequeno, para garantir que os custos sejam positivos
no segundo período.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
14

externalidade está ausente (é o último período), mas a quantidade de equilíbrio aumenta


porque os custos marginais diminuíram.

Contudo, há um sentido em que o aprendizado faz o monopolista se comportar


mais competitivamente nos primeiros períodos. Se computarmos o poder de mercado
(provido pelo índice de Lerner: 𝐿𝑡 = (𝑝𝑡∗ − 𝐶𝑡′ )/𝑝𝑡∗ ) exercido pelo monopolista,
percebemos que o poder de mercado é menor no primeiro período que no segundo:

(1 − 𝑐)(1 − 𝑙) 1−𝑐
𝐿1 = < 𝐿2 = . (8.24)
1+𝑐−𝑙 1+𝑐−𝑙

8.3 – UMA INTRODUÇÃO ELEMENTAR À TE ORIA DOS JOGOS

Nesta seção, fornecemos uma introdução simples e curta dos conceitos mais
elementares da teoria dos jogos, também utilizados nas seções técnicas do livro.12

Talvez a forma mais simples de iniciar o leitor não tão familiarizado com a teoria
dos jogos seja começar com um exemplo simples de jogo, que se mantém tão abstrato
quanto possível, para não distrair a atenção com histórias do mundo real (adiante,
voltaremos a aplicações mais realistas).

Considere um jogo disputado entre dois jogadores e chame-os de A e B. O Jogador


A tem de decidir entre duas possíveis ações 𝑎1 ou 𝑎2 ; simultaneamente, o Jogador B
escolhe entre três possíveis ações 𝑏1 ; 𝑏2 ; 𝑏3 . Cada par de ações será associado a certo
ganho (payoff) para cada jogador, quer dizer, o que cada um recebe depois de ter escolhido
uma das possíveis ações. Os ganhos podem ser resumidos na matriz de ganhos, tal como
na Tabela 8.1. Por exemplo, se o Jogador A escolhe a ação 𝑎1 , e o Jogador B, a ação 𝑏2 ,
isto é, para o par (𝑎1 , 𝑏2 ), o ganho dos jogadores é (2, 5): A recebe 2 e B recebe 5.
Presuma também que o jogo seja de informação perfeita, quer dizer, os jogadores têm
perfeito conhecimento sobre as informações disponíveis para cada um e sobre os ganhos

12
Algumas seções marcadas com ** usam conceitos como equilíbrio de Nash Bayesiano e equilíbrio
sequencial, não explicados aqui, mas brevemente mencionados diretamente naquelas seções.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
15

associados a elas; eles sabem como é o desenho da matriz de ganhos (essa suposição é
mantida durante todo o tempo, a menos que se indique o contrário).

Tabela 8.1 Jogo simples.

Além disso, suponha que todos os jogadores sejam perfeitamente racionais, isto
é, cada um escolhe sua ação de modo a maximizar seus ganhos no jogo, e que a
racionalidade dos jogadores seja conhecimento comum, isto é, A sabe que B sabe que B
sabe que A sabe... que o outro jogador é racional.

Quando se olha para o jogo, deseja-se prever seu resultado. Nesse jogo particular,
gostaríamos de responder à seguinte questão: “Se A e B fossem chamados para disputar
esse jogo, que ações escolheriam?” Ou, equivalentemente: “Qual seria o resultado final
desse jogo?”

É claro que podemos ter expectativas razoáveis sobre como o jogo é jogado. Por
exemplo, é improvável que ocorra o par (𝑎2 , 𝑏1 ). Para saber por quê, ponha-se no lugar
do Jogador B primeiro. Ele olha para a matriz de ganhos e percebe que, qualquer que seja
a jogada de A, o melhor a fazer é jogar 𝑏2 (se A escolhe 𝑎1 , jogar 𝑏2 dará a B um ganho
de 5, enquanto 𝑏1 só rende 0 e 𝑏3 só rende 1; um raciocínio similar aplica-se se A, por
sua vez, escolhe 𝑎2 : 𝑏2 rende 3, enquanto 𝑏1 e 𝑏3 só rendem 2). Em termos técnicos,
dizemos que as ações 𝑏1 e 𝑏3 são estritamente dominadas pela ação 𝑏2 . Uma vez que
presumimos que o Jogador B seja racional, podemos concluir que nunca escolherá outra
ação que não 𝑏2 .

Em seguida, ponha-se no lugar de A: lembre-se de que presumimos que ele esteja


perfeitamente consciente da racionalidade de B e que A seja racional também. Assim, A
antecipa que B nunca escolherá 𝑏1 (ou 𝑏3 ), e sempre jogará 𝑏2 . Agora, o Jogador A deverá
descobrir o melhor a fazer, já que, racionalmente, espera que B escolha 𝑏2 . Olhando para
a matriz de ganhos, percebe-se que a melhor escolha é 𝑎1 (que rende o ganho 2), enquanto
𝑎2 nunca será escolhido por A (pois rende ganho 0).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
16

Em termos técnicos, dizemos que A responde à escolha de B por 𝑏2 escolhendo a


ação 𝑎1 ou 𝑎2 , e 𝑎1 é a melhor resposta de A à jogada 𝑏2 de B. Note que a expressão
melhor resposta é usada a despeito de os dois jogadores terem feito suas jogadas ao
mesmo tempo (como no exemplo aqui) ou um após o outro (caso em que o termo resposta
pode ser mais intuitivo). O termo resposta refere-se a rodadas (hipotéticas) de raciocínio
que precedem ações finais, não às ações em si.

Assim, esperamos de dois jogadores racionais que o resultado final de um jogo


entre eles seja um par (𝑎, 𝑏) tal que a seja a melhor resposta a 𝑏 e vice-versa. No exemplo
anterior, (𝑎1 , 𝑏2 ) é tal par (como 𝑎1 é a melhor resposta de A a 𝑏2 , e 𝑏2 é a melhor resposta
de B a qualquer das ações de A, assim também para 𝑎1 ) enquanto (𝑎2 , 𝑏1 ) não é o par de
melhores respostas.

8.3.1 – Equilíbrio de Nash

O conceito de equilíbrio de Nash tem base nessa ideia: prediz que o resultado de
um jogo – o “equilíbrio” – é dado pelo conjunto de ações tais que, para cada jogador, cada
ação seja a melhor resposta às ações de todos os demais jogadores. De forma equivalente,
um conjunto de ações representará um equilíbrio de Nash se nenhum dos jogadores tiver
um incentivo para se desviar de suas ações com relação às de todos os outros jogadores.13

Mais formalmente, em um jogo com 𝑛 participantes, estipulado que 𝐴𝑖 é o


conjunto de ações disponíveis para o Jogador 𝑖 (com 𝑖 = 1, . . . , 𝑛) e com o ganho do
jogador 𝜋𝑖 (𝛼1 , 𝛼2 , … , 𝛼𝑖 , … , 𝛼𝑛 ), de n-tupla (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖∗ , … , 𝛼𝑛∗ ) será um equilíbrio de
Nash se

𝜋𝑖 (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖∗ , … , 𝛼𝑛∗ ) ≥ 𝜋𝑖′ (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖′ , … , 𝛼𝑛∗ ),


(8.25)
para todo 𝑖 = 1,2, … , 𝑛 e todo 𝛼𝑖 ∈ 𝐴𝑖 .

13
Para manter o mais simples possível, o equilíbrio de Nash é definido aqui em termos de ações. Ele pode
ser definido também em termos de estratégias. Uma estratégia é uma “regra” que diz a um jogador que ação
escolher a determinado tempo 𝑡 do jogo, para qualquer história do jogo antes de 𝑡. Denotando por 𝑆𝑖 o
conjunto de estratégias disponíveis para o Jogador 𝑖 com (𝑖 = 1, . . , 𝑛) e com o ganho do i-ésimo jogador
𝜋𝑖 (𝑠1 , 𝑠2 , … , 𝑠𝑖 , … , 𝑠𝑛 ), a “enésima” (𝑠1∗ , 𝑠2∗ , … , 𝑠𝑖∗ , … , 𝑠𝑛∗ ) é um equilíbrio de Nash se
𝜋𝑖 (𝑠1∗ , 𝑠2∗ , … , 𝑠𝑖∗ , … , 𝑠𝑛∗ ) ≥ 𝜋𝑖′ (𝑠1∗ , 𝑠2∗ , … , 𝑠𝑖′ , … , 𝑠𝑛∗ ) para todo 𝑖 = 1, 2, . . . . , 𝑛 e todo 𝑠𝑖 ∈ 𝑆𝑖 . Em todos os jogos
simultâneos e de uma única rodada, os conceitos de estratégia e ação coincidem.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
17

Em outras palavras, (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖∗ , … , 𝛼𝑛∗ ) é um equilíbrio de Nash se para todo
Jogador 𝑖 jogar 𝛼𝑖∗ for a melhor resposta possível, uma vez que todos os participantes
∗ ∗
jogam (𝛼1∗ , 𝛼2∗ , … , 𝛼𝑖−1 , 𝛼𝑖+1 , … , 𝛼𝑛∗ ).

Podemos agora voltar ao jogo descrito na Tabela 8.1 e olhar para o equilíbrio (ou
equilíbrios) de Nash nesse jogo. Para isso, vamos escrever a melhor resposta para cada
jogador: o equilíbrio, se existir, será dado pelo par de ações que mutuamente representam
as melhores respostas.

As melhores respostas de A (indicadas em negrito) para cada ação de B são


(𝒂1 , 𝑏1 ), (𝒂1 , 𝑏2 ), (𝒂2 , 𝑏3 ).

As melhores respostas de B (indicadas em negrito) para cada ação de A são


(𝑎1 , 𝒃2 ), (𝑎2 , 𝒃2 ).

Vemos imediatamente que (𝑎1 , 𝑏2 ) é o equilíbrio de Nash único desse jogo, assim
como é o único par de ações com a melhor resposta. De forma equivalente, é o único par
de ações tal que nenhum jogador tem incentivo para se desviar, dada a ação do rival.

8.3.1.1 – O dilema dos prisioneiros

Talvez o jogo mais famoso, com aplicações em inúmeros campos, da economia à


política, é o chamado dilema dos prisioneiros,14 ilustrado pela matriz de ganhos da Tabela
8.2.

Tabela 8.2 Jogo do dilema do prisioneiro.

Trata-se de um jogo perfeitamente simétrico, que tem apenas um equilíbrio de


Nash (baixo, baixo). O leitor pode facilmente verificar isso, delineando as melhores

14
A história original por trás do jogo é que os jogadores são dois prisioneiros acusados de um crime e são
mantidos em celas separadas. Cada um tem de decidir se confessa ou nega o crime.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
18

respostas para cada jogador, conforme indicado anteriormente, ou observando que


nenhum jogador irá jogar alto se o outro jogar baixo, enquanto qualquer outro par de
ações não pode ser um equilíbrio, já que o jogador teria um incentivo para desviar-se dele.

Em primeiro lugar, note que o jogo é muito particular, porque cada jogador tem
uma estratégia dominante: a despeito de se o rival joga alto ou baixo, o jogador sempre
prefere jogar baixo. Em segundo lugar, o resultado do jogo é Pareto inferior: ambos os
jogadores se beneficiariam se jogassem (alto, alto).

8.3.1.2 – Jogos de coordenação e seleção do equilíbrio

Nos dois jogos anteriores, havia um único equilíbrio de Nash. É possível, contudo,
que vários equilíbrios coexistam no jogo. Uma versão da chamada Batalha dos Sexos é
descrita na Tabela 8.3.

Ana e Bruno decidiram ir a um restaurante juntos, mas não conversaram sobre


qual e não podem se comunicar antes do jantar. Há dois bons restaurantes na cidade: um
oferece comida francesa, o outro, italiana. Ana prefere comida francesa, e Bruno, italiana,
mas, para ambos, a questão mais importante é que jantem juntos. É fácil verificar que esse
jogo tem dois equilíbrios de Nash (francês, francês) e (italiano, italiano).

Tabela 8.3 Jogo da batalha dos sexos.

É bastante comum encontrar jogos com diversos equilíbrios, e o problema, nesses


casos, é como escolher entre eles. Em muitas aplicações econômicas, por exemplo, nos
deparamos com tal situação, e, a menos que possamos refinar nossa análise, o jogo terá
escasso poder preditivo. Essa questão surge de refinamentos do conceito de equilíbrio de
Nash, que tentam escolher entre vários equilíbrios.

Dominância de Pareto como mecanismo de seleção de equilíbrios. Por vezes,


como no jogo da Batalha dos Sexos, perfeitamente simétrica, mesmo esses refinamentos

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
19

não são muito úteis, mas, em outras situações, deve haver um equilíbrio em torno do qual,
por uma ou outra razão, pode ser mais atraente e provável que os jogadores tendam a se
coordenar.15

Considere agora uma versão ligeiramente diferente da batalha dos sexos, como na
Tabela 8.4.

Tabela 8.4 Jogo de coordenação pura.

Aqui há, novamente, dois equilíbrios: (francês, francês) e (árabe, árabe). No


entanto, terminar no restaurante árabe seria uma solução Pareto inferior para ambos, ou
seja, em termos simples, Ana e Bruno teriam ganhos mais elevados se jantassem no
restaurante francês. Assim, usando a dominância de Pareto como critério de seleção entre
diferentes equilíbrios, teríamos predito que Ana e Bruno iriam ao restaurante francês e
poderíamos buscar amparo em evidências experimentais.16,17

Outro critério de seleção de equilíbrio é a eliminação de estratégias fracamente


dominadas.

Eliminação das estratégias fracamente dominadas. Considere dois jogadores, A e


B, cujo conjunto de estratégias é 𝑆𝑖 (com 𝑖 = 𝐴, 𝐵). Dizemos que para o Jogador 𝑖, uma

15
A história ou outras circunstâncias podem, em alguns casos particulares, sugerir que um equilíbrio seja
mais provavelmente alcançável que outro. Nas palavras de Schelling (1960), deve haver pontos focais. Se
Ana e Bruno até agora sempre se encontraram no restaurante francês e nunca jantaram no italiano, o
primeiro equilíbrio é mais provável que o último. Debates sobre como certos preços podem ser considerados
focais constam do Capítulo 4, no qual modelos com vários equilíbrios mais ou menos colusivos são
analisados. Ali discutimos também outros elementos que podem resolver a incerteza sobre o equilíbrio,
como comunicação e vantagem de quem age primeiro (Ana pode agir primeiro, fazer uma reserva no
restaurante francês e comunicar a Bruno). Mas, evidentemente, todos esses são jogos diferentes do de uma
rodada simultânea, discutido aqui.
16
Evidências experimentais são mencionadas no Capítulo 4, que analisa jogos repetidos muito similares ao
descrito neste, na medida em que apresentam uma multiplicidade de equilíbrios que podem ser ranqueados
em Pareto.
17
É importante salientar que se usa dominância de Pareto para selecionar entre dois equilíbrios de Nash,
enquanto, no dilema do prisioneiro, o par que dá um resultado Pareto superior não é um equilíbrio do jogo,
portanto, muito improvável que seja um resultado do jogo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
20

estratégia 𝑠𝑖 será fracamente dominada se existir uma estratégia 𝑠𝑖′ tal que 𝜋𝑖 (𝑠𝑖′ , 𝑠𝑗 ) ≥
𝜋𝑖 (𝑠𝑖 , 𝑠𝑗 ) para todo 𝑠𝑗 (com 𝑖 ≠ 𝑗), e existe pelo menos uma estratégia 𝑠𝑗 para a qual a
inegualdade se sustenta com um sinal estrito.

Considere, por exemplo, o jogo ilustrado pela Tabela 8.5.

Tabela 8.5 Um jogo assimétrico.

É fácil observar que o jogo tem dois equilíbrios: (𝑝𝐿 , 𝑝𝐿 ) e (𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ). O critério de
eliminação das estratégias fracamente dominadas seleciona unicamente o equilíbrio
(𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ). De fato, para o Jogador A, temos 𝜋𝐴 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐿 ) = 𝜋𝐴 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐻 ) = 0 e 𝜋𝐴 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐿 ) =
0 < 𝜋𝐴 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ) = 2, que implica que, para A, a estratégia 𝑝𝐿 é fracamente dominada pela
estratégia 𝑝𝐻 . Além disso, para o Jogador B, temos 𝜋𝐵 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐿 ) = 𝜋𝐵 (𝑝𝐿 , 𝑝𝐻 ) = 0 e
𝜋𝐵 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐿 ) = −2 < 𝜋𝐵 (𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ) = 0, ou seja, para B, a estratégia 𝑝𝐿 é fracamente
dominada pela estratégia 𝑝𝐻 .18

8.3.1.3 – Estratégias mistas

Até aqui, restringimos nossa atenção às chamadas estratégias puras: os jogadores


decidem jogar de certa forma ou não, mas não podem escolher aleatoriamente entre eles,
ou seja, eles têm de escolher uma ação com probabilidade um. Alguns jogos não têm
equilíbrio em estratégias puras, e é fácil observar um jogo desse tipo descrito na Tabela
8.6 (uma versão do jogo de cara e coroa).

18
Note que, neste exemplo, a dominância de Pareto teria também selecionado o mesmo par de equilíbrio
(𝑝𝐻 , 𝑝𝐻 ).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
21

Tabela 8.6 Jogo de cara ou coroa.

Estratégias mistas. Contudo, pode-se querer considerar a possibilidade de que os


jogadores usem estratégias mistas, ou seja, que tenham distribuições de probabilidade
sobre suas estratégias puras (em outras palavras, os jogadores escolhem aleatoriamente
entre estratégias puras).19 No jogo de cara ou coroa da Tabela 8.6, por exemplo, o Jogador
A pode jogar cara com certa probabilidade 𝑝 e coroa com uma probabilidade 1– 𝑝; e o
Jogador B pode jogar cara com probabilidade 𝑞 e coroa com probabilidade 1– 𝑞. O
conceito de equilíbrio de Nash e de melhores respostas pode ser redefinido em termos de
estratégias mistas. Note que, para as estratégias mistas fazerem sentido, um jogador deve
ser indiferente entre duas (ou possivelmente mais) estratégias puras, ou seja, elas devem
dar a ele os mesmos ganhos com relação à(s) estratégia(s) mista(s) do(s) outro(s)
jogador(es).

No jogo da Tabela 8.6, por exemplo, o equilíbrio em estratégias mistas é aquele


em que 𝑝 = 1 = 1/2. Para ver o porquê, olhe primeiro para o ganho do Jogador A dada
a estratégia mista do Jogador B. Se A escolhe cara, obtém 𝜋𝐴 (𝑐𝑎𝑟𝑎) = −1(𝑞) +
1(1 − 𝑞) = 1 − 2𝑞. Se escolhe coroa, obtém 𝜋𝐴 (𝑐𝑜𝑟𝑜𝑎) = 1(𝑞) − 1(1 − 𝑞) = −1 +
2𝑞. Para estar disposto a escolher aleatoriamente entre cara e coroa, o Jogador A deve ser
indiferente entre as duas, ou seja, os ganhos de ambas devem ser 𝜋𝐴 (𝑐𝑎𝑟𝑎) = 𝜋𝐴 (𝑐𝑜𝑟𝑜𝑎).
É fácil verificar que isso vale para 𝑞 = 1/2.

Um cálculo fácil similar (aqui, tudo é simétrico) mostra que o Jogador B será
indiferente entre cara e coroa (quer dizer, estará disposto a escolher aleatoriamente entre

19
Se soa estranho o fato de um jogador “lançar um dado” para decidir que ação tomar, existe uma
interpretação mais atraente para estratégias mistas: “O aspecto crucial do equilíbrio de Nash de estratégias
mistas não é que o jogador escolha uma ação aleatoriamente, mas que o Jogador 𝑖 [padronizar fonte] esteja
incerto sobre a escolha do jogador 𝑗; essa incerteza pode surgir seja por conta da aleatoriedade ou (mais
plausivelmente) por conta de informação um pouco incompleta.” (GIBBONS, 1997: 140). Gibbons (1997:
138-140) mostra como interpreta estratégias mistas usando jogos com informação incompleta, ou seja, ao
menos um jogador não está certo sobre o ganho do outro.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
22

as duas) se o Jogador A escolher cara com probabilidade 𝑝 = 1/2 e coroa com


probabilidade 1 − 𝑝 = 1/2.

Nash (1950) mostrou que qualquer jogo com um número finito de jogadores, em
que cada jogador tem um número finito de estratégias puras, tem um equilíbrio de Nash
(em estratégias mistas, se não houver nenhum equilíbrio em estratégias puras).

Note também que o equilíbrio em estratégias mistas pode coexistir no mesmo jogo
com o equilíbrio em estratégias puras. Por exemplo, o leitor pode observar que o jogo da
batalha dos sexos da Tabela 8.3 admite um equilíbrio de Nash em estratégias mistas
quando B escolhe (italiano), com probabilidade de 1/3, e A escolhe (francês), com
probabilidade de 1/2.

8.3.2 – Jogos dinâmicos e equilíbrio de Nash perfeito em subjogos

Até aqui, examinamos jogos estáticos, em que jogadores escolhem suas ações
simultaneamente. Jogos dinâmicos são aqueles em que os jogadores se movem
sequencialmente ou mais que uma vez. Primeiro, o Jogador 1 escolhe a ação 𝑎1 do
conjunto de ações factíveis; segundo, o Jogador 2 escolhe a ação 𝑎2 do conjunto de ações
factíveis; depois que ambos tenham jogado, recebem os ganhos associados ao par
(𝑎1 , 𝑎2 ).

Um exemplo ajudará a ilustrar por que o conceito de equilíbrio de Nash precisa


ser refinado para lidar com jogos dinâmicos. Considere dois jogadores: a Empresa 𝐼 é
uma incumbente, a Empresa 𝐸 é um potencial entrante na indústria. Primeiro, a 𝐸 decide
se entra ou não no mercado; segundo, a 𝐼 decide se acomoda a entrada (por exemplo,
estabelecendo um preço elevado) ou se a combate (estabelecendo um preço baixo). A
Tabela 8.7 representa esse jogo na chamada forma normal, ou seja, a usual matriz de
ganhos.20

20
Note que, à primeira vista, a segunda linha da matriz de ganhos pode parecer confusa, o que não significa
ler: “Se 𝐸 permanecer fora, 𝐼 pode lutar ou se acomodar, já que cada ação gerará o mesmo ganho, de 10
(para 𝐼) e 0 (para 𝐸).” Em vez disso, se 𝐸 ficar fora, não haverá nada a ser feito por 𝐼, evidentemente (ela
permanece a incumbente incontida no mercado), e o jogo estará terminado para ambas. Assim, para refletir
esse fato na matriz de ganhos, as convenções requerem tratar o caso como mostrado na Tabela 8.7.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
23

Tabela 8.7 Jogo de detenção de entrada.

Esse jogo tem dois equilíbrios de Nash: (entrar, acomodar) e (ficar fora, lutar).
No entanto, o segundo resultado (ficar fora, lutar) é improvável para esse jogo. No
equilíbrio, a Empresa 𝐸 escolhe ficar fora por que a 𝐼 lutaria, por consequência, tornando
a entrada não lucrativa para 𝐸. No entanto, a ameaça de combate pela Empresa 𝐼 se a
entrada ocorrer não é crível. De fato, se a entrada ocorresse, 𝐼 iria acomodá-la, sim, já que
teria um ganho maior que se a combatesse, e a Empresa 𝐸 sabe disso.

Precisamos, portanto, de um refinamento do conceito de equilíbrio de Nash que


permita descartar equilíbrios – tal como o descrito antes – com base em ameaças não
críveis. Em outras palavras, precisamos assegurar que todos os jogadores sempre joguem
otimamente em cada situação, mesmo naquelas que não estejam na trajetória do
equilíbrio. (No jogo anterior, um equilíbrio é dado por (ficar fora, lutar), mas lutar não é
ótimo se o jogo tiver atingido um ponto em que a entrada já tenha ocorrido.)

O conceito de ENPS (Equilíbrio de Nash Perfeito em Subjogos) corresponde a


essa exigência. É o conjunto de estratégias para cada jogador tal que forme um equilíbrio
de Nash em quaisquer subjogos do jogo (não apenas ao longo da trajetória de equilíbrio),
qualquer subconjunto do jogo que comece de qualquer ponto no qual a história completa
do jogo até ali já seja conhecimento comum para todos os jogadores (cada jogador sabe,
e todos os outros sabem que todos sabem...).

Para saber como procurar por um ENPS, é útil descrever um jogo em sua forma
extensiva (ou por meio de árvore de decisões). Para o jogo anterior, isso é fornecido pela
Figura 8.1.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
24

Figura 8.1 Perda de bem-estar causada pelo monopólio.

A árvore de decisões da Figura 8.1 contém dois subjogos: o jogo completo e o


subconjunto do jogo que começa quando o Jogador 𝐼 está prestes a se mover depois que
o 𝐸 jogou entrar. O que o conceito de ENPS requer é que todos os jogadores joguem
otimamente em cada subjogo.

8.3.2.1 – Indução reversa

Para encontrar o equilíbrio ENPS (de estratégia pura), temos de começar dos
últimos ramos da árvore e andar retroativamente. No subjogo iniciado depois de o Jogador
𝐸 escolher entrar, o 𝐼 escolhe acomodar (ele ganha 5 em vez de 0). Podemos, agora, nos
mover de forma reversa, em direção ao primeiro subjogo, o nó inicial. O Jogador 𝐸 sabe
que se escolher ficar fora, ele irá ganhar 0 independentemente do que 𝐼 faça, e antecipa
corretamente que, se ele entrar, o Jogador 𝐼 irá acomodar a entrada, e ele realizará um
lucro de 4. Assim, ele entra: (entrar, acomodar) é o único ENPS desse jogo.

Note que o ENPS é usado também em jogos de “informação quase perfeita”, nos
quais mais de um jogador se move no mesmo subjogo. Considere, por exemplo, o jogo
descrito na Figura 8.2. Trata-se de um jogo em que o Jogador 𝐸 decide primeiro ficar fora
ou entrar; depois de observar a decisão de 𝐸, empresas ativas decidem (simultaneamente,
se 𝐸 tiver entrado) se vendem produtos de baixa ou alta qualidade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
25

Figura 8.2 Forma extensiva de um jogo de qualidade.

A Figura 8.2 representa um jogo em sua forma extensiva. O “oval” em torno dos
nós de 𝐸 é chamado de conjunto informacional: uma convenção para representar a ideia
de que, quando 𝐸 decide, não sabe em que nó está, ou seja, se 𝐼 escolheu baixa ou alta
qualidade (pode ter sido porque 𝐼 e 𝐸 tomam decisões sobre qualidade simultaneamente,
como já falamos, ou porque 𝐼 toma suas decisões antes, mas 𝐸 não observa a escolha de
𝐼 antes de tomar a própria decisão: ambas as possibilidades são equivalentes).

Note que esse jogo tem três subjogos: o jogo completo, o subconjunto do jogo que
começa quando o Jogador 𝐼 se move depois que o 𝐸 jogou ficar fora e o subconjunto do
jogo que começa quando 𝐼 está a ponto de se mover depois que 𝐸 jogou entrar. (Os nós
que começam depois da jogada de 𝐼 não são subjogos, porque a história completa do jogo
antes desse ponto não é conhecimento comum para todos os jogadores: no momento da
escolha da qualidade, o Jogador 𝐸 não sabe o que 𝐼 jogou.)

Usando a indução reversa, é fácil descobrir que há dois ESPNs de estratégia pura
nesse jogo: (entrar, baixa, alta) e (entrar, alta, baixa).21

Outro tipo de jogo que pertence à categoria de jogos de “informação quase


perfeita”, que podem ser resolvidos por indução reversa, é aquele em que o mesmo jogo
pode ser repetido finitamente muitas vezes. Por exemplo, o jogo do dilema do prisioneiro

21
Se 𝐸 entrar, o último estágio do jogo terá dois equilíbrios (baixa, alta) e (alta, baixa). Encontre primeiro
o equilíbrio do jogo inteiro se (baixa, alta) for jogado, depois se (alta, baixa) for jogado.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
26

repetido diversas vezes, mas, por um número finito de vezes, é um tipo de jogo assim
(veja também a seção 8.4.3.1). Contudo, a indução reversa não pode ser usada para jogos
de horizonte infinito: ela requer que o ponto de partida seja o nó final do jogo e
movimento reverso, ao passo que esse nó não pode ser encontrado em jogos que duram
indefinidamente.

O conceito de ESPN e o método de indução reversa para encontrá-lo estão


presentes ao longo de todo o livro, uma vez que são utilizados para resolver jogos
dinâmicos amplamente usados na teoria de organização industrial. Exemplos do jogo
sendo jogado por número finito de vezes são o núcleo do Capítulo 4 sobre colusão (veja
também a seção 8.4.3.2).

8.4 – OLIGOPÓLIO I: COMPETIÇÃO DE MERCADO EM JOGOS


ESTÁTICOS

Esta seção apresenta o leitor aos modelos simples de competição no mercado de


produto em jogos estáticos e sob escolhas exógenas de investimentos das empresas (a
seção 8.5 considerará jogos nos quais as empresas decidem seus investimentos em
capacidade, P&D, propaganda, posicionamento de produto e qualidade). A seção 8.4.1
também presume que as empresas produzam um bem perfeitamente homogêneo e
examina os diferentes casos referenciais da competição em mercado de produto:
competição em preço (o modelo de Bertrand), competição em quantidade (o modelo de
Cournot) e maximização conjunta. No curso dessas duas seções, usaremos o conceito de
equilíbrio de Nash introduzido na seção anterior: para determinadas características dos
bens (ou seja, dependendo de serem homogêneos ou diferenciados), as empresas
participam de um jogo de uma única rodada, na qual suas ações podem consistir em
preços ou quantidades, e o equilíbrio de Nash é o conceito apropriado para estudar o
resultado do jogo.

A seção 8.4.2.1 considera um jogo repetido de interação no mercado de produto:


novamente, as empresas têm características de produtos fornecidas exogenamente e se
encontram período a período no mercado. Para esses jogos, o conceito de equilíbrio
relevante é o de equilíbrio de Nash perfeito em subjogos.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
27

8.4.1 – Concorrência no mercado de produto co m bens homogêneos

Nesta seção, presume-se que os produtos das empresas sejam homogêneos, ou


seja, vistos como perfeitamente substituíveis pelos consumidores. Analisaremos os três
casos referenciais em que as empresas competem em preços, quantidades e as ações que
escolhem tomar para maximizar lucros conjuntamente.

8.4.1.1 – Competição por preço (modelo de Bertrand)

Considere duas empresas (mas a extensão para 𝑛 empresas seria direta e ofereceria
os mesmos resultados) que:

(A1) Vendem bens homogêneos.


(A2) Participam de um jogo de uma única rodada.
(A3) Escolhem independente e simultaneamente o preço pelo qual querem
vender seus produtos.
(A4) Não enfrentam restrições de capacidade, ou seja, são capazes de atender
a toda a demanda que se dirige a elas.
(A5) Têm custos marginais idênticos, 𝑐, e não têm custos fixos.

Os consumidores se dirigem às empresas de acordo com a seguinte função de


demanda:

𝐷(𝑝𝑖 ), se 𝑝𝑖 < 𝑝𝑗
𝐷𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) = {𝐷(𝑝𝑖 )/2, se 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 (8.26)
0, se 𝑝𝑖 > 𝑝𝑗

ou seja, se a empresa estabelecer um preço menor que o da rival, todos os consumidores


se voltarão para ela (e vice-versa: ninguém se dirige à empresa com preços mais altos);
se ambas estabelecerem o mesmo preço, os consumidores serão indiferentes entre uma e
outra, e presume-se que dividirão igualmente a demanda entre si.

Sendo um jogo de uma única rodada, o conceito da solução apropriada é o


equilíbrio de Nash. Nesse modelo, um equilíbrio de Nash em preços, ou equilíbrio de

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
28

Bertrand, é um par de preços (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ) tal que 𝜋𝑖 (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ≥ 𝜋𝑖′ (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗∗ ) para todo 𝑖 = 1, 2
com 𝑖 ≠ 𝑗 e qualquer 𝑝𝑖 nos números reais.

Resultado. (Equilíbrio de Bertrand) O único equilíbrio de preço nesse jogo é dado


por 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑐, com 𝜋𝑖 (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ) = 𝜋𝑗 (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ) = 0.

Prova. Para provar esse resultado, precisamos provar primeiro que o equilíbrio
proposto é um equilíbrio de Nash do jogo, depois, que é o único.

Passo 1. Para ver que 𝑝1∗ = 𝑝2∗ = 𝑐; é um equilíbrio de Nash é imediato. Para
estar em um equilíbrio de Nash, nenhuma empresa deve ter incentivo para desviar-se dele,
já que as outras jogam de acordo com a estratégia de equilíbrio. Suponha agora que 𝑝1∗ =
𝑐, a Empresa 2 tem um incentivo para se desviar e vender a um preço diferente de 𝑝2∗ =
𝑐? Vendendo no nível do custo marginal, a Empresa 2 atende a metade do mercado, mas
realiza lucro zero. Se ela desviar e estabelecer um preço menor do que 𝑐, ela atenderá a
todo o mercado, mas terá perdas; se ela se desviar e estabelecer um preço maior do que
𝑐, nenhum consumidor se dirigirá a ela, que, assim, realizará lucro zero, não melhorando
sua situação relativamente à jogada do candidato a equilíbrio. Dessa maneira, a Empresa
2 não terá incentivos para se desviar. Da mesma forma, devido à perfeita simetria entre
as duas empresas, a 1 não terá incentivos para se desviar.

Passo 2. Vamos raciocinar por contradição. Suponha que exista um


diferente candidato a equilíbrio e mostre que existe pelo menos um desvio que colocaria
uma empresa em uma situação melhor, acabando com o candidato a equilíbrio.

• 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑝∗ > 𝑐: nesse nível de equilíbrio, as empresas dividem igualmente


o mercado e realizam lucros positivos 𝜋(𝑝∗ , 𝑝∗ ) = (𝑝∗ − 𝑐)𝐷(𝑝∗ )/2. Contudo,
dado o preço 𝑝∗ da Empresa 𝑖, sua concorrente a Empresa 𝑗 pode definir o preço
𝑝𝑗′ , pouco menor que 𝑝∗ (ou seja, 𝑝𝑗′ = 𝑝∗ − 𝜀) e obter o mercado total. Ela,

então, realizaria um lucro; 𝜋𝑗′ (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗′ ) = (𝑝∗ − 𝑐 − 𝜀)𝐷(𝑝∗ − 𝜀); que, para um
𝜀 pequeno o suficiente, é claramente mais elevado que 𝜋(𝑝∗ , 𝑝∗ ) (uma vez que
a redução marginal de preços resulta em um aumento desproporcional da
demanda, que dobra). Assim, esse não pode ser um equilíbrio de Nash do jogo.
• 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑝∗ < 𝑐: no nível do equilíbrio candidato, todas as empresas
realizam perdas. Trivialmente, esse não pode ser um equilíbrio, já que uma

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
29

empresa terá incentivo para se desviar e estabelecer preço no nível do custo


marginal ou acima dele: ela não venderá nada e, assim, realizará lucro zero
(melhor que lucros negativos).
• 𝑝𝑖∗ > 𝑝𝑗∗ ≥ 𝑐: se 𝑝𝑗∗ = 𝑐, a Empresa 𝑗 realiza lucro zero. Mas já que a 𝑖
estabelece um preço acima dos custos, pode melhorar sua posição cobrando
qualquer preço entre 𝑐 e o preço da 𝑖, pois ela ainda irá captar toda a demanda
e comandar uma margem positiva. Em particular, o desvio ótimo seria para
estabelecer o preço 𝑝𝑖∗ − 𝜀 e obter os lucros (𝑝𝑖∗ − 𝑐 − 𝜀)𝐷(𝑝𝑖∗ − 𝜀) > 0. Por
conseguinte, esse candidato a equilíbrio e, por razões similares, todos os pares
com preços assimétricos não podem ser um equilíbrio de Nash do jogo. Se 𝑝𝑗∗ >
𝑐, a Empresa 𝑖 teria também um incentivo para desviar e cobrar um preço
ligeiramente inferior a 𝑝𝑗∗ .

O resultado de Bertrand é impressionante. A despeito do fato de haver apenas duas


empresas na indústria, elas terminarão por vender ao custo marginal e obter lucro zero.
Conforme veremos, esse não é um resultado robusto e depende crucialmente de uma série
de pressupostos fortes: relaxando um a um desses pressupostos, de (A1) a (A5), obtêm-
se equilíbrios em que os preços estão acima do custo marginal e as empresas realizam
lucros positivos. Não obstante, esse caso provê um referencial útil, correspondente ao
nível mais baixo que os preços de equilíbrio podem alcançar. Em outras palavras, o
equilíbrio de Bertrand corresponde ao grau mais árduo possível que a competição no
mercado de produto pode alcançar.

Antes de apresentar outro caso referencial, a competição de Cournot, vamos


descrever o jogo de Bertrand em dois casos interessantes: (1) com empresas assimétricas;
e (2) com restrições de capacidade.

Bertrand com empresas com assimetrias de custos. Considere exatamente o


mesmo jogo anterior, mas relaxe a hipótese (A5) e presuma que as duas empresas tenham
custos assimétricos. A Empresa 1 e a Empresa 2 têm custos marginais, respectivamente,
𝑐1 e 𝑐2 com 𝑐1 < 𝑐2 . Há duas possíveis soluções para esse jogo. No primeiro caso, a
Empresa 1 é tão mais eficiente que a 2 (os custos da 1 são muito mais baixos) que ela
pode atuar como se fosse monopolista: os custos da 2 são tão altos que o preço de
monopólio da 1, 𝑝1𝑚 , está abaixo de 𝑐2 . No segundo caso, se os custos das empresas são

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
30

próximos o suficiente entre si (especificaremos a seguir até que ponto) que a Empresa 1
estabelece um preço ligeiramente abaixo do custo marginal da 2 e amealha todo o
mercado.

Para manter a análise simples, desenvolvemos os dois casos sob a hipótese de que
a função de demanda da Empresa 𝑖 é dada por 𝐷𝑖 = 1 − 𝑝𝑖 se 𝑝𝑖 < 𝑝𝑗 , 𝐷𝑖 = 0 se 𝑝𝑖 > 𝑝𝑗 ,
e 𝐷𝑖 = (1 − 𝑝𝑖 )/2 se 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 .

Grandes assimetrias. Considere agora o caso em que os custos da


Empresa 2 são grandes em relação aos da Empresa 1 (mais precisamente 𝑐2 ≥ (1 +
𝑐1 )/2, como veremos a seguir). Se a Empresa 1 estivesse sozinha no mercado, escolheria
um preço de modo a maximizar 𝜋 = (1 − 𝑝)(𝑝 − 𝑐1 ). Vimos que o problema do
monopolista é facilmente solucionável tomando 𝜕𝜋/𝜕𝑝 = 0 e rearranjando, o que confere
o resultado

1 + 𝑐1
𝑝1𝑚 = . (8.27)
2

Enquanto 𝑝1𝑚 estiver abaixo do custo marginal da Empresa 2, a Empresa 1 poderá


cobrar o preço de monopólio e amealhar todo o mercado sem qualquer dificuldade, posto
que a Empresa 2 não terá incentivos para reduzir seu preço: se ela vender a um preço
inferior a 𝑝1𝑚 , todos os consumidores irão se voltar para ela, que acumulará perdas.
Melhor continuar cobrando um preço mais elevado que 𝑝1𝑚 e obter lucro zero.

Por consequência, se 𝑐2 ≥ (1 + 𝑐1 )/2; no equilíbrio, a Empresa 1 estabelecerá o


preço 𝑝1𝑚 = (1 + 𝑐1 )/2, a Empresa 2, um preço 𝑝 > 𝑝1𝑚 ; a Empresa 1 obterá lucros de
monopólio (1 − 𝑐1 )2 /4, e a 2, lucro zero.

No estudo de inovações, esse caso corresponde ao caso em que uma empresa


obtém uma inovação drástica, ou seja, que a torna tão mais competitiva que a concorrente
que pode torná-la uma monopolista (ver o Capítulo 2 para algumas aplicações desse caso).

Pequenas assimetrias. Considere agora o caso em que os custos das


empresas são suficientemente próximos: 𝑐1 < 𝑐2 < (1 + 𝑐1 )/2. Nesse caso, a Empresa 1
estabelecendo um preço de monopólio não pode ser o equilíbrio do jogo. Se a empresa 1
estabelece 𝑝1𝑚 = (1 + 𝑐1 )/2, a empresa 2 cobrará um preço 𝑝 = (1 + 𝑐1 )/2 − 𝜀, ganhará

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
31

todo o mercado e realizará um lucro positivo (em cada unidade vendida, realizará um
ganho igual a (1 + 𝑐1 /2 − 𝜀 − 𝑐2 ).

O que se segue é, por sua vez, um equilíbrio de Nash do jogo: (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) = (𝑐2 −
𝜀, 𝑐2 ), ou seja, a Empresa 2 cobra um preço igual ao custo marginal, e a Empresa 1, um
preço um pouco menor. É fácil observar que a Empresa 2 não tem incentivo para se
desviar desse par, pois, cobrar preços mais baixos, como 𝑝1∗ = 𝑐2 − 𝜀, implicaria perdas
em vez de lucro zero, ao passo que aumentar preços acima de 𝑐2 a deixaria novamente
com lucro zero. A Empresa 1 tampouco tem incentivo para se desviar; estabelecendo um
preço mais elevado, digamos, 𝑝1 = 𝑐2 , ela pode compartilhar o mercado com a rival (ou
perdê-lo totalmente para a Empresa 2 se o preço estiver acima de 𝑐2 ),22 ao passo que
estabelecendo um preço mais baixo, ela continuaria a ganhar mercado, mas venderia a
uma margem mais baixa e, portanto, realizaria lucros menores.

Nesse nível de equilíbrio, a Empresa 1 realiza lucros (𝑐2 − 𝑐1 )(1 − 𝑐2 ); e a


Empresa 2 perfaz lucro zero.

Em princípio, existem outros equilíbrios deste jogo, mas são menos "razoáveis".
Considere, por exemplo, um preço 𝑝 ∈ (𝑐1 , 𝑐2 ). É fácil ver que o par (𝑝1∗∗ , 𝑝2∗∗ ) = (𝑝 −
𝜀, 𝑝) representa um equilíbrio do jogo.

No entanto, tal equilíbrio parece menos atraente que o equilíbrio (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ),
identificado anteriormente, e, de fato, o principal critério de seleção de equilíbrio
selecionaria este último no lugar do anterior. Sob a dominância de Pareto, por exemplo,
(𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) seria escolhido porque proporciona lucros mais elevados para a Empresa 1
enquanto mantém os mesmos lucros (zero) para a 2. A eliminação de estratégias
fracamente dominadas também seleciona a ação (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) como o único equilíbrio do jogo.
Para ver isso, note que quando o Jogador 2 escolhe a ação 𝑝2∗ = 𝑐2 , obtém
𝜋2 (𝑐2 − 𝜀, 𝑐2 ) = 0 e 𝜋2 (𝑝 − 𝜀, 𝑐2 ) = 0, onde 𝑝 ∈ (𝑐1 , 𝑐2 ); quando ele escolhe a ação
𝑝2∗∗ = 𝑝, obtém 𝜋2 (𝑝 − 𝜀, 𝑝), se o Jogador 1 escolher 𝑝 − 𝜀, mas obtém 𝜋2 (𝑝 + 𝜀, 𝑝) <

22
Há um detalhe técnico aqui: a Empresa 1 deseja escolher 𝜀 tão próximo quanto possível de zero, mas é
claro que, para qualquer número 𝜀 pequeno, é sempre possível encontrar outro número ainda menor. Para
resolver esse problema técnico, uma escamotagem é às vezes utilizada, supondo que, para preços idênticos,
toda a demanda vai para empresas com menores custos. O equilíbrio do jogo então se torna (𝑝1∗ , 𝑝2∗ ) =
(𝑐2 , 𝑐2 ) com toda a demanda indo para a Empresa 1.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
32

0, se o Jogador 1 escolher 𝑝 + 𝜀. O equilíbrio (𝑝1∗∗ , 𝑝2∗∗ ) contém uma estratégia fracamente


dominada para o Jogador 2.

Bertrand sob restrição de capacidade. Vamos agora retornar ao caso simétrico


tratado inicialmente. Mas afrouxar agora o pressuposto (A4) e presumir que cada empresa
detenha uma capacidade 𝑘𝑖 < 𝐷(𝑝𝑖 = 𝑐): Quando cobra o preço de custo marginal, uma
empresa terá de oferecer um número de unidades maior do que é capaz. Portanto, é fácil
ver que, sob essa nova hipótese, 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑐 não é mais um equilíbrio de Nash do jogo:

Comentário 8.1 Se, 𝑘𝑖 < 𝐷(𝑝𝑖 = 𝑐), (𝑝𝑖∗ , 𝑝𝑗∗ ) = (𝑐, 𝑐) não é um equilíbrio de Nash
do jogo.

Prova. Para provar esse resultado, precisamos apenas encontrar um desvio que
deixe uma das empresas melhor. Agora, no nível do equilíbrio candidato 𝑝𝑖∗ = 𝑝𝑗∗ = 𝑐; a
Empresa 𝑖 realiza lucro zero. Mas, se ela desviar e vender ao preço 𝑝1′ > 𝑝𝑗∗ = 𝑐, alguns
consumidores ainda irão se direcionar para ela (pelo menos enquanto 𝑝1′ não for muito
alto) e ela realizará lucros positivos. Isso porque apesar de todos os consumidores
preferirem comprar da Empresa 𝑗, que vende a preço mais baixo, 𝑗 não pode atender a
todos (já que sua capacidade é 𝑘𝑗 < 𝐷(𝑐). Alguns consumidores ficarão racionados e
terão de comprar da Empresa 1, que, assim, realizará lucros positivos (venderá um
número positivo de unidades com margem positiva).

Vamos nos limitar aqui a essa prova de que, sob limitação de capacidade, o
resultado de Bertrand não se sustenta. Encontrar o equilíbrio no jogo de competição de
preços sob restrição de capacidade requer especificar uma regra de racionalidade, isto é,
uma regra que aloque os consumidores entre as empresas (alguns não podem comprar da
empresa com preço mais baixo). Também acontece que um equilíbrio em estratégias
puras não ocorre se as empresas tiverem capacidades suficientemente grandes. Já que ao
longo do livro não são vistos modelos com restrição de capacidade, seria uma
complicação desnecessária desenvolver uma análise completa do jogo de competição por
preço com restrição de capacidade. O leitor interessado deve consultar Kreps e
Scheinkman (1983): em um jogo de dois estágios, no qual as empresas (simultaneamente)
escolhem capacidades e preços, o resultado final de equilíbrio é o mesmo de um jogo de
uma única rodada, no qual elas escolhem quantidades. Ou seja, o equilíbrio de Cournot
pode ser interpretado não apenas literalmente, como o resultado de um jogo em que

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
33

empresas escolhem a produção que levam para o mercado, mas também como o de um
jogo em que elas escolhem suas capacidades e seus preços.23

8.4.1.2 – Competição por quantidade (modelo de Cournot)

Considere agora o mesmo jogo de uma rodada analisado na seção 8.4.1.1, mas
afrouxe a hipótese (A3) e presuma que as empresas escolhem as quantidades que querem
levar ao mercado, em vez de preços. Por simplicidade, vamos olhar primeiro o caso
simétrico, em que ambas têm o mesmo custo 𝑐 < 1 e se defrontam com uma função de
demanda linear 𝑝 = 1 − 𝑄, com 𝑄 = 𝑞1 + 𝑞2 sendo a produção total da indústria.24

O lucro da empresa 𝑖 é dado por 𝜋𝑖 = 𝑝(𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )𝑞𝑖 − 𝑐𝑞𝑖 . O primeiro passo para
identificar o equilíbrio de Nash do jogo é procurar pela melhor função de resposta da
empresa para qualquer quantidade da concorrente. Tomando 𝑞𝑗 como dada, a Empresa 𝑖
resolve o seguinte problema (para 𝑖, 𝑗 = 1, 2, e 𝑖 ≠ 𝑗):

max 𝜋𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) = (1 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐)𝑞𝑖 , dado 𝑞𝑗 . (8.28)


𝑞𝑖

Esse problema é resolvido tomando 𝜕𝜋𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑖 = 0, ou seja,

1 − 2𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐 = 0. (8.29)

As expressões anteriores (1 − 2𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐 = 0, para a Empresa 1, e 1 − 2𝑞2 −


𝑞1 − 𝑐 = 0, para a Empresa 2) implicitamente representam as funções de reação ou
funções de melhor resposta de cada empresa, cujo significado já discutimos na seção
8.2.2.3. É conveniente representar as funções de reação no mesmo plano (𝑞1 , 𝑞2 ).

Para esse fim, vamos escrevê-la como

23
Veja também Maggi (1996), em que as restrições são “brandas”, na medida em que uma empresa pode
aumentar sua produção acima de sua capacidade, incorrendo em custos variáveis adicionais. A formulação
de Maggi é mais simples por nos permitir encontrar um equilíbrio em estratégias puras do jogo de preços,
independentemente dos níveis de capacidade. Note, contudo, que o resultado de Kreps e Scheinkman
aplica-se apenas quando se usa a regra de alocação de racionalidade eficiente, como mostrado por Davidson
e Deneckere (1986).
24
A hipótese 𝑐 < 1 serve para garantir a viabilidade do mercado. De outra forma, não há preço pelo qual
as empresas estariam dispostas a suprir a demanda, pois realizariam lucros negativos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
34

1 − 𝑞1 − 𝑐
𝑅1 ∶ 𝑞2 = 1 − 2𝑞1 − 𝑐; 𝑅2 ∶ 𝑞2 = . (8.30)
2

A Figura 8.3 ilustra as duas funções de reação. Note que são negativamente
inclinadas: quanto mais alta a produção 𝑞𝑗 da Empresa 𝑗, menor a melhor resposta em
produção da Empresa 𝑖. As inclinações das funções de reação carregam efeitos
importantes quando analisamos modelos dinâmicos, como veremos na seção 8.5.1.

Figura 8.3 Funções de reação no modelo de Cournot.

A figura também ilustra as funções isolucro de cada empresa, isto é, o lócus dos
pontos tais que diferentes valores de 𝑞1 , 𝑞2 dão o mesmo valor de lucro da empresa
𝜋𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) = 𝑘. Note que curvas de isolucros mais baixas para a Empresa 1 e curvas de
isolucros mais à esquerda para a Empresa 2 são associadas a maiores lucros (dado o
mesmo 𝑞𝑖 , um 𝑞𝑗 menor aumentará preços e lucros da Empresa 𝑖).25

25
Note também que a função isolucro da Empresa 1 deve ser tangente à linha horizontal quando ela cruza
a função de melhor resposta dessa empresa, e uma função de isolucro da Empresa 2 deve ser tangente à
linha vertical quando ela cruza a função de melhor resposta de 2. Para ver isso, escreva uma função genérica
da Empresa 1 como 𝜋1 (𝑞1 , 𝑞2 ) = (1 − 𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑞1 = 𝑘. Para encontrar essa inclinação, escreva a
diferencial total como 𝑑𝜋1 = (1 − 2𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑑𝑞1 − 𝑞1 𝑑𝑞2 = 0. Assim, sua inclinação deve ser
𝑑𝑞2 /𝑑𝑞1 = (1 − 2𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)/𝑞1 , cujo numerador é nulo quando a CPO é satisfeita (isto é, ao longo da
função de reação). Similarmente, escreva uma função isolucro genérica da Empresa 2 como 𝜋2 (𝑞1 , 𝑞2 ) =
(1 − 𝑞1 − 𝑞2 − 𝑐)𝑞2 = 𝑧. A diferencial total é 𝑑𝜋2 = (1 − 𝑞1 − 2𝑞2 − 𝑐)𝑑𝑞2 − 𝑞1 𝑑𝑞1 = 0. Sua
inclinação deve ser 𝑑𝑞2 /𝑑𝑞1 = 𝑞1 /(1 − 𝑞1 − 2𝑞2 − 𝑐), cujo denominador é zero quando a CPO é
satisfeita. Assim, ao longo da função de reação, a inclinação é infinita.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
35

Como sabemos da discussão na seção sobre teoria dos jogos, o equilíbrio de Nash
do jogo será determinado pela interseção das duas funções de reação, cuja álgebra
elementar mostra que

1−𝑐
𝑞1𝐶 = 𝑞2𝐶 = . (8.31)
3

A legenda sobrescrita “C” corresponde a Cournot.26 Após as substituições, obtêm-


se também os preços e lucros

𝐶
1 + 2𝑐 𝐶 𝐶
(1 − 𝑐)2
𝑝 = , 𝜋1 = 𝜋2 = . (8.32)
3 9

Note que, no equilíbrio de Cournot, o preço de mercado está acima dos custos
marginais (lembre-se de que 𝑐 < 1, logo (1 + 2𝑐)/3 > 𝑐) e as empresas realizam lucros
positivos. O fato de que, em um equilíbrio sob competição em quantidades, as empresas
estabelecem preços mais elevados advém do próprio conceito de equilíbrio de Nash. Em
um jogo de Bertrand, uma empresa tem de escolher seu preço ótimo tomando como dado
o preço do concorrente. Cobrando abaixo, ela atrai toda a demanda, o que lhe confere
forte incentivo para reduzir preço. Em um jogo de Cournot, por sua vez, uma empresa
escolhe quantidade dada a quantidade do concorrente. Por conseguinte, uma expansão da
produção permite à empresa ganhar maior participação de mercado, mas não toda a
demanda precisamente, porque a produção do concorrente é pressuposta. Os incentivos
para competir agressivamente são, por consequência, mais fracos na competição por
quantidade; em condições normais, os preços e os lucros das empresas são menores. Esse
resultado será confirmado também quando se olhar para o caso de produtos diferenciados.

Cournot com assimetrias de custos. Considere o mesmo jogo de Cournot de


antes, mas presuma que as empresas diferem em custos, com 𝑐1 < 𝑐2 . Cada problema da
Empresa 𝑖 é max𝑞𝑖 𝑐𝜋𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) = (1 − 𝑞𝑖 − 𝑞𝑗 − 𝑐𝑖 )𝑞𝑖 , dado 𝑞𝑗 . O leitor pode verificar
que as funções de reação são dadas por 𝑞𝑖 = (1 − 𝑞𝑗 − 𝑐𝑖 )/2 e que as quantidades e

26
Focalizamos aqui o equilíbrio simétrico do jogo. Existem também dois possíveis equilíbrios assimétricos
de Nash, onde a firma, digamos 1, produz zero de produto e outras firmas produzem tamanha quantidade
de produto que se a firma 1 trouxer mesmo uma pequena quantidade para o mercado o preço irá cair abaixo
dos custos marginais (gerando assim nenhum incentivo para que ela se desvie da produção zero). Esse caso
é considerado em detalhe no Capítulo 7.3.3.1 (sobre interoperabilidade) e omitido aqui para poupar espaço.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
36

lucros do equilíbrio de Cournot (determinadas pela interseção das funções de reação e


substituição) são dadas por

2
1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 (1 − 2𝑐𝑖 + 𝑐𝑗 ) (8.33)
𝑞𝑖∗ = ; 𝜋𝑖∗ = .
3 9

Contudo, note que essa solução só se sustenta se os custos forem suficientemente


próximos entre si. De fato, a produção de equilíbrio será significativa apenas se 𝑞2∗ ≥ 0,
ou 𝑐2 ≤ (1 + 𝑐1 )/2. De outra forma, similarmente ao caso da competição de Bertrand, a
Empresa 2 será tão mais ineficiente que a 1 que esta poderá estabelecer, sem qualquer
dificuldade, uma produção de monopólio e obter lucros de monopólio.

Cournot com 𝒏 empresas. Considere agora novamente o caso de empresas com custos
simétricos, mas estenda o modelo de base para 𝑛 empresas. Para a i-ésima empresa, o
problema é

max 𝜋𝑖 (𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) = (1 − 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐) 𝑞𝑖 , dado 𝑞𝑗 . (8.34)


𝑞𝑖
𝑗≠𝑖

A CPO é dada por 𝜕𝜋𝑖 (𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 )/𝜕𝑞𝑖 = 0, ou seja,

1 − 2𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐 = 0. (8.35)
𝑗≠𝑖

No equilíbrio simétrico, 𝑞𝑖 = 𝑞𝑗 , e a CPO é simplificada a 1 − 2𝑞𝑖 − (𝑛 − 1)𝑞𝑖 −


𝑐 = 0. Pode-se derivar imediatamente as produções de equilíbrio e, por substituição, os
preços e os lucros em equilíbrio, como


1+𝑐 ∗
1−𝑐 ∗
1−𝑐 2
𝑞 = ; 𝑝 =𝑐+ ; 𝜋 =( ) . (8.36)
1+𝑛 1+𝑛 1+𝑛

Pode-se verificar que, para 𝑛 = 2, os valores de equilíbrio em (8.36)


correspondem aos encontrados nas equações (8.31) e (8.32). Esses resultados são
interessantes porque nos permitem estudar como o resultado do equilíbrio de Cournot
muda com 𝑛. Em particular, é fácil ver que, quanto maior o número de empresas na
indústria, mais próximo se chega ao resultado de Bertrand: lim𝑛→∞ 𝑝∗ = 𝑐.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
37

O modelo de Cournot nos permite, assim, captar o resultado intuitivo de que,


quanto mais empresas coexistirem na indústria, mais forte será a concorrência, partindo
do resultado de monopólio correspondente a 𝑛 = 1 ao resultado de Bertrand (𝑝 = 𝑐),
quando 𝑛 tende ao infinito. Tal resultado não surge no modelo de Bertrand, quando já
com 𝑛 = 2, as empresas cobram o nível de custo marginal, resultado que se sustenta
independentemente do número 𝑛 ≥ 2 de empresas da indústria.

8.4.1.3 – Maximização de lucros conjuntos

O caso referencial final de competição em mercado de produto corresponde ao


caso em que os oligopolistas maximizam lucros conjuntos, isto é, comportam-se como se
fossem uma única empresa. Esse caso, portanto, corresponde ao analisado na seção 8.2.2.
Como ilustração, considere 𝑛 empresas perfeitamente simétricas. A maximização
conjunta de lucros implica que

𝑛 𝑛

max 𝛱 = ∑ 𝜋𝑖 (𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) = ∑ (1 − 𝑞𝑖 − ∑ 𝑞𝑗 − 𝑐) 𝑞𝑖 . (8.37)


𝑞1 ,…,𝑞𝑖 ,…,𝑞𝑛
𝑖=1 𝑖=1 𝑗≠𝑖

Nesse caso particular em que as empresas são perfeitamente simétricas, o


problema consiste em max𝑄 (1 − 𝑄 − 𝑐)𝑄. A CPO é dada por 𝜕𝛱/𝜕𝑄 = 0, isto é, 1 −
2𝑄 − 𝑐 = 0, que resulta nos seguintes níveis de equilíbrio:

(1 − 𝑐)
𝑀 𝑀
1+𝑐 𝑀
(1 − 𝑐)2
𝑄 = ; 𝑝 = ; 𝛱 = . (8.38)
2 2 4

Obviamente, a produção por empresas e lucros pode ser obtida dividindo-se por
𝑛:

1−𝑐 (1 − 𝑐)2
𝑞𝑀 = ; 𝜋𝑀 = . (8.39)
2𝑛 4𝑛

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
38

O caso simétrico é extremamente simples porque é natural supor que produção e


lucros sejam repartidos igualmente, mas o tratamento da maximização de lucros conjunta
torna-se mais complexo quando existem assimetrias entre as empresas.27

Note também que o caso da maximização de lucros conjunta deve ser visto como
um caso referencial, ou seja como o limite de uma situação em que a competição entre
empresas no mercado de produtos é muito fraca. Para um tratamento da colusão, ou seja,
como e se as empresas são capazes de sustentar um resultado de maximização conjunta
de lucros, veja a seção 8.4.2.1 e, sobretudo, o Capítulo 4.

8.4.1.4 – Modelos referenciais de concorrência em mercado de


produto: uma compara ção

Como um resumo dos diferentes casos analisados aqui como referenciais de


concorrência em mercado de produto, pode ser útil ilustrar o preço de equilíbrio como
uma função do número de 𝑛 empresas da indústria, sob a hipótese de que as empresas
competem em preços e quantidades e se comportam como se fossem monopolistas. A
Figura 8.4 ilustra isso e mostra, para qualquer número de empresas, como a rigidez da
competição de mercado – ou rigidez da competição por preços, como Sutton (1991) a
denomina – varia ao longo dos casos, sendo mais alta em Bertrand (os preços de equilíbrio
são os mais baixos) e mais baixa na maximização conjunta de lucros (preços de equilíbrio
são os mais altos).

Os três casos analisados são referenciais úteis quando se discute a questão do


oligopólio. Seria difícil dizer precisamente quando esperar que a competição no mercado
de produto venha a tomar uma ou outra forma. Maximização conjunta de lucros pode
talvez corresponder à situação em que a aplicação da legislação antitruste é tão fraca que
um cartel pode ser facilmente mantido. A concorrência em Cournot pode ser associada a
indústrias nas quais as empresas não conseguem ajustar facilmente suas capacidades (isto
é, quando escolhem preços após terem se comprometido com determinada capacidade ou
nível de produção). A concorrência em Bertrand, por sua vez, pode ser associada a

27
Como essa questão não aparece no livro, não será tratada aqui.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
39

indústrias nas quais as empresas não são muito restritas por capacidade, isto é, podem
facilmente ajustar sua produção a variações na demanda.28

Figura 8.4 Rigidez da concorrência no mercado de produto: Bertrand (B),


Cournot (C) e maximização de lucros conjunta (M).

8.4.2 – Competição no mercado de produto com bens diferenciados


exogenamente

Esta seção estuda modelos de competição (de uma rodada) no mercado de produto
de bens diferenciados. Equivale em relaxar a hipótese (A1) da seção 8.4.1.1 e novamente
resultar em um preço de equilíbrio acima do custo marginal (exceto nos casos-limite).
Nesta seção, as escolhas de produtos das empresas são tomadas como dados.

28
Muitas indústrias manufatureiras provavelmente estarão mais próximas de Cournot que de Bertrand.
Indústrias em que licitações são importantes podem ser exemplos de competição de Bertrand: primeiro, a
empresa seleciona preço e obtém o contrato, depois tem de cumprir um contrato em determinado tempo.
Setores nos quais o envio de um bem é sem custo e imediato também parecerão com um mercado em
competição de Bertrand (pense na indústria musical, em que, uma vez a música gravada, fazer uma cópia
adicional em cd ou mp3 praticamente não tem custo).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
40

8.4.2.1 – Um modelo de demanda linear para bens diferenciados

Seguindo Singh e Vives (1984), considere duas empresas, 1 e 2, que vendem dois
produtos. Denote 𝑞1 e 𝑞2 as quantidades de cada bem. Existe um continuum de
consumidores do mesmo tipo na economia, cada um com a seguinte função de utilidade:

𝑉 = 𝑦 + 𝑈(𝑞1 , 𝑞2 ), (8.40)

onde a linearidade do bem composto evita os efeitos de renda e provê um racional para a
análise de equilíbrio parcial do setor de bens diferenciados. Realmente, o problema do
consumidor é max𝑞1,𝑞2,𝑦 𝑉; sujeito à restrição orçamentária 𝑝1 𝑞1 + 𝑝2 𝑞2 + 𝑝𝑦 𝑦 = 𝑅.
Para resolver esse problema, escreva o Lagrangiano:

𝐿 = 𝑦 + 𝑈(𝑞1 , 𝑞2 ) + 𝜆(𝑅 − 𝑝1 𝑞1 − 𝑝2 𝑞2 − 𝑝𝑦 𝑦). (8.41)

As CPOs são dadas por:

𝜕𝐿 𝜕𝑈(𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )
= − 𝜆𝑝𝑖 = 0, 𝑖 = 1,2; 𝑖 ≠ 𝑗
𝜕𝑞𝑖 𝜕𝑞𝑖
𝜕𝐿
= 1 − 𝜆𝑝𝑦 = 0, (8.42)
𝜕𝑦
𝜕𝐿
{ 𝜕𝜆 = 𝑅 − 𝑝1 𝑞1 − 𝑝2 𝑞2 − 𝑝𝑦 𝑦 = 0.

Presumindo o bem composto como sendo o numerário, 𝑝𝑦 = 1, obtém-se 𝜆 = 1.


Assim, as CPOs relativas ao mercado de bens diferenciados se tornam 𝜕𝑈(𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑖 −
𝑝𝑖 = 0, e pode ser analisada independentemente do mercado para o bem composto.

Tendo estabelecido que a quase linearidade na função utilidade 𝑉 justifica a


análise de equilíbrio parcial do mercado de bens diferenciados, vamos utilizar uma forma
funcional específica para a função utilidade. Em particular, suponha que

1
𝑈(𝑞1 , 𝑞2 ) = 𝛼𝑞1 + 𝛼𝑞2 − (𝛽𝑞12 + 𝛽𝑞22 + 2𝛾𝑞1 𝑞2 ), (8.43)
2

com os parâmetros usados na função utilidade satisfazendo às seguintes hipóteses (para


𝑖 = 1, 2, 𝑖 ≠ 𝑗): (i) 𝛼 > 0; (ii) 𝛽 > 0; (iii) 𝛽 > |𝛾|. A hipótese (iii) garante que as funções
de demanda possam ser invertidas, tenham o sinal correto e haja um intercepto positivo
em demandas diretas (veja a seguir).
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
41

O parâmetro 𝛾 indica que se os Bens 1 e 2 são substitutos, independentes ou


complementares (e em que grau). Se 𝛾 > 0, consumir os dois bens juntos diminui a
utilidade do consumidor (ou seja, eles são substitutos); se 𝛾 < 0, consumir os dois bens
juntos aumenta a utilidade do consumidor (ou seja, eles são complementares); se 𝛾 = 0,
consumir os dois bens juntos não afeta a utilidade do consumidor (isto é, são
independentes).

As CPOs do problema do consumidor são dadas por 𝜕𝑈(𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )/𝜕𝑞𝑖 − 𝑝𝑖 = 0,


que se torna

𝑝𝑖 = 𝛼 − 𝛽𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗 , 𝑖 = 1,2, 𝑖 ≠ 𝑗. (8.44)

Esse é o sistema de demandas inversas, que pode ser usado para estudar a
competição por quantidade. Uma inspeção dessas funções de demanda imediatamente
sugere interpretações adicionais para os parâmetros. Quanto mais próximo 𝛾 de 𝛽,
melhores substitutos os dois bens serão, com o caso de perfeitos substitutos surgindo
quando 𝛾 → 𝛽. Para 𝛾 > 0, pode-se consequentemente definir uma medida inversa da
diferenciação de produto como 𝛾/𝛽. O índice assume valores entre (0, 1) e atinge seu
valor mínimo quando os bens são independentes (para 𝛾 = 0, ou seja, quando são
maximamente diferenciados), e seu valor mais alto quando tendem a ser perfeitamente
substitutos (para 𝛾 → 𝛽).

Invertendo as duas equações em (8.44), obtém-se o sistema de funções de


demanda direta como

𝑞𝑖 = 𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 , 𝑖 = 1,2, 𝑖 ≠ 𝑗, (8.45)

em que 𝑎, 𝑏 e 𝑔 satisfazem

𝛼(𝛽 − 𝛾) 𝛽 𝛾
𝑎= ; 𝑏= ; 𝑔 = . (8.46)
𝛽2 − 𝛾 2 𝛽2 − 𝛾 2 𝛽2 − 𝛾 2

Note que essa é a função de demanda já usada na seção 8.2.2. Munidos com as
funções de demanda direta e inversa, podemos inferir agora as soluções de equilíbrio de
acordo com os casos de referência usuais de competição no mercado de produto. Para
simplificar, suponha que duas empresas tenham o mesmo custo marginal 𝑐 = 0 sem perda
de generalidade.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
42

Competição por quantidade. Considere primeiro o caso em que as empresas


competem em quantidade. Cada empresa 𝑖 = 1, 2 escolhe 𝑞𝑖 , de modo a maximizar seus
lucros 𝜋𝑖 = 𝑝𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 )𝑞𝑖 para qualquer 𝑞𝑗 em que 𝑝𝑖 (𝑞𝑖 , 𝑞𝑗 ) = 𝛼 − 𝛽𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗 . As CPOs
são

𝜕𝜋𝑖
= 𝛼 − 2𝛽𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗 = 0. (8.47)
𝜕𝑞𝑖

No equilíbrio simétrico 𝑞𝑖 = 𝑞𝑗 = 𝑞 e rearranjando as CPOs, a produção de


equilíbrio é obtida:

𝛼
𝑞𝐶 = . (8.48)
2𝛽 + 𝛾

Por substituição, pode-se, então, encontrar a produção e os lucros de equilíbrio,


como

𝛼𝛽 𝛼 2
𝑝𝐶 = ; 𝜋𝐶 = 𝛽 ( ) . (8.49)
2𝛽 + 𝛾 2𝛽 + 𝛾

Competição por preço. Se as empresas competem por preços, cada Empresa 𝑖 =


1, 2 escolhe 𝑝𝑖 de modo a maximizar seus lucros 𝜋𝑖 = 𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 )𝑝𝑖 tomando 𝑝𝑗 como
dado, em que 𝑞𝑖 (𝑝𝑖 , 𝑝𝑗 ) = 𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 . As CPOs são

𝜕𝜋𝑖
= 𝛼 − 2𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 = 0. (8.50)
𝜕𝑝𝑖

As CPOs definem as seguintes funções de melhor resposta no plano (𝑝1 , 𝑝2 ):

𝑎 − 2𝑏𝑝1 𝑎 + 𝑔𝑝1
𝑅1 ∶ 𝑝2 = ; 𝑅2 ∶ 𝑝2 = . (8.51)
𝑔 2𝑏

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
43

Figura 8.5 Funções de reação sob concorrência em preço.

A Figura 8.5 ilustra as funções de reação e mostra que são positivamente


inclinadas.29 (Assim, quanto mais alto 𝑝𝑗 , mais alto o preço 𝑝𝑖 , a melhor resposta.) A
figura também ilustra as curvas de isolucro das duas empresas, o lócus dos pontos em que
recebem determinado lucro. Para ambas as empresas, quanto mais à frente uma curva de
isolucro com relação à origem, maiores são os lucros associados.30

No equilíbrio simétrico, 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝, e rearranjando as CPOs, obtém-se o preço


de equilíbrio

𝑎 𝛼(𝛽 − 𝛾)
𝑝𝐵 = = . (8.52)
2𝑏 − 𝑔 2𝛽 − 𝛾

Por substituição, podemos obter as quantidades e o lucro de equilíbrio como

29
A estabilidade requer que 𝑅1 seja mais inclinada que 𝑅2 , ou seja, 2𝑏/𝑔 > 𝑔/(2𝑏), ou 4𝑏² > 𝑔² sempre
satisfeito, desde que 𝑏 > 𝑔 por pressuposição.
30
As curvas isolucro de uma Empresa 1 são descritas pela função 𝜋1 = (𝑎 − 𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )𝑝1 = 𝑘.
Diferenciando totalmente, obtemos a inclinação de uma dessas curvas. Primeiro, tome 𝑑𝜋1 =
(𝑎 − 2𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )𝑑𝑝1 + 𝑔𝑝1 𝑑𝑝2 = 0, do qual 𝑑𝑝2 /𝑑𝑝1 = −(𝑎 − 2𝑏𝑝1 + 𝑔𝑝2 )/(𝑔𝑝1 ). a inclinação da
curva de isolucro (note que, ao longo de 𝑅1 , o numerador é zero. Assim, ao cruzar a função de reação, deve
ser horizontal). As isolucros da Empresa 2 são dadas por 𝜋2 = (𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝑔𝑝1 )𝑝2 = 𝑧. A diferenciação
total dá 𝑑𝜋2 = (𝑎 − 2𝑏𝑝2 + 𝑔𝑝1 )𝑑𝑝2 + 𝑔𝑝2 𝑑𝑝1 = 0. Assim, tem-se 𝑑𝑝2 /𝑑𝑝1 = −𝑔𝑝2 /(𝑎 − 2𝑏𝑝2 +
𝑔𝑝1 ), a inclinação da isolucro da Empresa 2. Note que, ao longo da função de reação 𝑅2 , o denominador é
zero, de modo que, quando cruza, 𝑅2 deve ser vertical).

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
44

𝑎𝑏 𝛼𝛽(𝛽 − 𝛾) 𝑎2 𝑏 𝛼 2 𝛽(𝛽 − 𝛾)
𝑞𝐵 = = ; 𝜋𝐵 = = . (8.53)
2𝑏 − 𝑔 2𝛽 − 𝛾 (2𝑏 − 𝑔)2 (𝛽 + 𝛾)(2𝛽 − 𝛾)2

Vale notar que – embora tenha sido um bom exercício para inferir soluções de
equilíbrio – a solução foi encontrada para o jogo de preço apenas notando a dualidade dos
problemas de preço e quantidade e substituindo as soluções de Cournot já encontradas
antes. De fato, sob competição por quantidade, para a Empresa i, o problema é
max𝑞𝑖 𝜋𝑖 = (𝛼 − 𝛽𝑞𝑖 − 𝛾𝑞𝑗 )𝑞𝑖 dado 𝑞𝑗 , enquanto, sob competição por preço, o problema
é max max𝑝𝑖 𝜋𝑖 = (𝑎 − 𝑏𝑝𝑖 + 𝑔𝑝𝑗 )𝑝𝑖 , dado 𝑝𝑗 . Essas expressões são o dual uma da
outra, e podemos obter a última da primeira substituindo 𝑞𝑖 por 𝑝𝑖 , 𝛼 por 𝑎, 𝛽 por 𝑏, 𝛾
por – 𝑔.31

Comparação entre equilíbrios. É possível agora comparar os resultados obtidos sob


competição por preço e quantidade. Para tanto, escreva a diferencial em equilíbrio de
preços como

𝛼𝛾 2
𝑝𝐶 − 𝑝𝐵 = > 0. (8.54)
4𝛽 2 − 𝛾 2

Primeiro, note que as diferenças são sempre positivas: os preços são sempre mais
altos (e, consequentemente, as quantidades são sempre mais baixas) sob competição por
quantidade que por preço, a despeito de os bens serem substitutos, complementares ou
independentes.32

Segundo, 𝑝𝐶 − 𝑝𝐵 aumenta com 𝛾 para dado 𝛽: quando 𝛾 = 0, os preços


coincidem, (com os mercados independentes, é irrelevante se as empresas competem por
quantidade ou preço); quando 𝛾 → 𝛽; a diferença é maior, com 𝑝𝐶 − 𝑝𝐵 → 𝛼/3 (o leitor
terá reconhecido que esse é o caso correspondente aos bens homogêneos).

Substitutos estratégicos versus Complementos estratégicos. Vimos que, sob


competição por quantidade, as funções de reação das empresas são negativamente

31
Isso também implica que a concorrência de Cournot com produtos substitutos (respectivamente,
complementares) é o dual da concorrência de Bertrand com produtos complementares (respectivamente,
substitutos): 𝛾 > 0 corresponde a 𝑔 < 0, e vice-versa.
32
Podem-se verificar outros resultados obtidos por Singh e Vives: o excedente do consumidor e o total são
maiores (ligeiramente) sob competição por preços que por quantidade. Os lucros são maiores, iguais ou
mais baixos sob competição por quantidade que por preço, de acordo com os bens serem substitutos,
independentes ou complementares.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
45

inclinadas, enquanto, sob competição por preço, elas são positivamente inclinadas.33 A
seguir, relaciona-se a inclinação das curvas de reação das empresas com uma propriedade
da função de lucro e apresentamos os conceitos de substitutos e complementos
estratégicos de Bulow et al. (1985).34

Considere um jogo de movimentos simultâneos em que cada Empresa 𝑖 = 1, 2


pode escolher as ações 𝑎𝑖 . Defina 𝜋𝑖 (𝑎𝑖 , 𝑎𝑗 ) como a função de lucro da Empresa 𝑖 e
suponha ser duas vezes diferençável em 𝑎𝑖 e 𝑎𝑗 com 𝜕 2 𝜋𝑖 /(𝜕𝑎𝑖 )2 < 0 no seu domínio
para assegurar que exista um máximo.

Conforme já sabemos, a função de reação da Empresa 𝑖 é dada pela função 𝑅𝑖 (𝑎𝑗 ),


que identifica a melhor resposta possível 𝑎𝑖 para qualquer ação 𝑎𝑗 possível da
concorrente.35

𝜕𝜋𝑖 (𝑅𝑖 (𝑎𝑗 ), 𝑎𝑗 )


= 0. (8.55)
𝜕𝑎𝑖

A diferenciação de (8.55) com respeito a 𝑎𝑗 fornece

𝜕(𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑅𝑖 ) 𝜕𝑅𝑖 𝜕(𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑎𝑖 )


𝑑𝑎𝑗 + 𝑑𝑎𝑗 = 0 (8.56)
𝜕𝑎𝑖 𝜕𝑎𝑗 𝜕𝑎𝑗

que pode ser reescrita como

𝜕 2 𝜋𝑖 𝜕𝑅𝑖 𝜕 2 𝜋𝑖
+ = 0. (8.57)
𝜕𝑎𝑖2 𝜕𝑎𝑗 𝜕𝑎𝑖 𝜕𝑎𝑗

Denote 𝜕𝑅𝑖 /𝜕𝑎𝑗 ≡ 𝑅𝑖′ como a inclinação da função de reação da Empresa 𝑖 e


rearranje-a para fornecer

𝜕 2 𝜋𝑖 /(𝜕𝑎𝑖 𝜕𝑎𝑗 )
𝑅𝑖′ = − = 0. (8.58)
𝜕 2 𝜋𝑖 /𝜕𝑎𝑖2

33
Note, contudo, que isso vale para demanda linear, mas não é sempre o caso para funções de demanda
mais gerais.
34
Esta seção segue de perto Tirole (1988: 207-8).
35
Esta melhor resposta é única, dada a hipótese de que a função de lucro é estritamente côncava.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
46

Consequentemente, o sinal da inclinação da função de reação é dado pelo sinal


𝜕 2 𝜋𝑖 /(𝜕𝑎𝑖 𝜕𝑎𝑗 ). Lembre-se de que (𝜕 2 𝜋𝑖 /𝜕𝑎𝑖2 < 0).

Bulow et al. (1985) introduzem as seguintes definições:


𝜕2 𝜋
• As ações são substitutas estratégicas se 𝜕𝑎 𝜕𝑎𝑖 < 0.
𝑖 𝑗

𝜕2𝜋
• As ações são complementares estratégicas se 𝜕𝑎 𝜕𝑎𝑖 > 0.
𝑖 𝑗

As ações são substitutas estratégicas (respectivamente, complementares


estratégicas) quando um aumento em 𝑎𝑗 reduz (respectivamente, aumenta) a lucratividade
marginal da Empresa 𝑖 (𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑎𝑖 ), levando-a, dessa forma, a escolher um 𝑎𝑖 mais baixo
(respectivamente, mais alto). Isso explica por que as funções de melhor resposta são
negativamente (respectivamente positivamente) inclinadas.

Como veremos na Seção 8.5.1 abaixo, as implicações para um modelo de


oligopólio podem se mostrar dramaticamente diferentes, dependendo se as ações das
empresas são complementares ou substitutas estratégicas.

Estabilidade do equilíbrio. Uma propriedade às vezes requerida no equilíbrio de Nash


em modelos de oligopólio é a estabilidade. A estabilidade do equilíbrio refere-se à
seguinte questão: o equilíbrio poderia ser atingido por uma sequência de movimentos ao
longo de funções de reação começando em um ponto arbitrário? A Figura 8.6 ilustra o
processo de ajustamento envolvido em tal experimento hipotético, sob duas diferentes
possibilidades.

Figura 8.6 (a) Equilíbrio de Nash estável; e (b) Equilíbrio de Nash instável.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
47

A Figura 8.6(a) ilustra um caso de equilíbrio estável (como o equilíbrio de


Cournot, analisado nesta seção). Suponha que a Empresa 1 produza uma quantidade 𝑞10 ,
a melhor resposta da Empresa 2 seria produzir a quantidade 𝑞21 ; por sua vez, a melhor
resposta para a Empresa 1, para a quantidade 𝑞21 , seria produzir 𝑞12 ; e daí por diante, até
que as empresas terminem produzindo as quantidades correspondentes ao par de
equilíbrio no ponto 𝐸.

Na Figura 8.6(b), por sua vez, o equilíbrio não será estável, pois movimentos ao
longo das funções de reação iriam empurrar as empresas adiante, a partir do ponto de
equilíbrio 𝐸. A melhor resposta da Empresa 2 à produção 𝑞10 da Empresa 1 seria produzir
a quantidade 𝑞21 . Por sua vez, a melhor resposta da 1 à quantidade 𝑞21 seria produzir 𝑞12 .
No entanto, a melhor resposta da 2 seria, a esse ponto, produzir nada. O ponto de
equilíbrio E não pode ser atingido por meio desse processo de ajustamento e é, portanto,
instável.

Como se pode ver por esses dois exemplos, a propriedade de estabilidade é


relacionada com a inclinação das funções de reação. Em um jogo em que as Empresas 1
e 2 escolhem ações e em que as funções de reação são desenhadas no plano (𝑎2 , 𝑎2 ), por
exemplo, 𝑅1 deve ser mais íngreme que 𝑅2 . Lembrando a expressão da inclinação da
função de reação, essa condição pode ser escrita como (𝜕 2 𝜋1 /𝜕𝑎12 )(𝜕 2 𝜋2 /𝜕𝑎22 ) >
(𝜕 2 𝜋1 /𝜕𝑎1 𝜕𝑎2 )(𝜕 2 𝜋2 /𝜕𝑎2 𝜕𝑎1 ).

É importante salientar que o tipo de processo de ajustamento que o conceito de


estabilidade supõe é muito particular. A sequência de movimentos descrita anteriormente
faz sentido apenas se os jogadores forem completamente míopes, na medida em que cada
jogador ignora o impacto de sua jogada sobre o movimento do próximo jogador.36

Maximização de lucros conjunta. Se as empresas maximizam lucros conjuntamente e


escolhem quantidade, seu problema é max𝑞1,𝑞2 П, em que Π = 𝜋1 + 𝜋2 = (𝛼 − 𝛽𝑞1 −
𝛾𝑞2 )𝑞1 + (𝛼 − 𝛽𝑞2 − 𝛾𝑞1 )𝑞2 . Das CPOs 𝜕Π/𝜕𝑞𝑖 = 0, segue-se a 𝛼 − 2𝛽𝑞𝑖 − 2𝛾𝑞𝑗 =
0. No equilíbrio simétrico 𝑞1 = 𝑞2 . Assim, as CPOs simplificam-se para

36
Alternativamente, pode-se pensar que cada jogador olha adiante, mas não atribui importância ao futuro,
ou seja, tem um fator de desconto zero.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
48

𝛼
𝑞𝑀 = . (8.59)
2(𝛽 + 𝛾)

Por substituição, obtêm-se os preços de equilíbrio e os lucros por empresa como

𝛼 𝛼2
𝑝𝑀 = ; 𝜋𝑀 = . (8.60)
2 4(𝛽 + 𝛾)

Pode-se verificar que, sob competição por preço, obtém-se exatamente o mesmo
resultado:

𝑎 𝛼 𝑎 𝛼
𝑝𝑀 = = ; 𝑞𝑀 = = . (8.61)
2(𝑏 − 𝑔) 2 2 2(𝛽 + 𝛾)

8.4.2.2 – Um modelo de bens diferenciados com algumas propriedades


interessantes

O modelo de bens diferenciados usado na seção anterior tem a vantagem de ser


muito fácil de manejar. No entanto, sua extensão de 2 para 𝑛 empresas (omitida aqui por
simplicidade) não é completamente satisfatória porque a demanda agregada aumenta com
o número de empresas (assim como o grau de substituibilidade entre produtos), a preços
dados como adquiridos. Por essa razão, preferimos usar outro modelo simples, de Shubik
e Levitan (1980), em que o tamanho do mercado não varia com o grau de substituibilidade
nem com o número de empresas. Ele se baseia na seguinte função utilidade de produtos
diferenciados:37

𝑛 𝑛 𝑛 2
𝑛 µ
𝑈(𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) = 𝑣 ∑ 𝑞𝑖 − [∑ 𝑞𝑖2 + (∑ 𝑞𝑖 ) ], (8.62)
2(1 + µ) 𝑛
𝑖=1 𝑖=1 𝑖=1

37
Evidentemente, as preferências do consumidor podem ser expressas como 𝑉 = 𝑈(𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) + 𝑦,
de modo que a análise de equilíbrio parcial é inteiramente justificada.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
49

onde 𝑞𝑖 é a quantidade do i-ésimo produto, 𝑣 é um parâmetro positivo, 𝑛 é o número de


produtos na indústria, e µ ∈ [0, ∞) representa o grau de substituibilidade entre os 𝑛
produtos.38

Da maximização da função de utilidade sujeita às restrições de renda, pode-se


escrever 𝜕𝑈(∙)/𝜕𝑞𝑖 − 𝑝𝑖 = 0, resultando nas funções de demanda inversa

𝑛
1
𝑝𝑖 = 𝑣 − (𝑛𝑞𝑖 + µ ∑ 𝑞𝑗 ). (8.63)
1+µ
𝑗=1

Invertendo o sistema (ver o Apêndice para detalhes), podemos encontrar as


seguintes funções de demanda direta:

𝑛
1 µ
𝑞𝑖 = [𝑣 − 𝑝𝑖 (1 + µ) + ∑ 𝑝𝑗 ]. (8.64)
𝑛 𝑛
𝑗=1

Duas propriedades interessantes dessa função de demanda são: (1) a demanda


agregada 𝑄 = ∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 não depende do grau de substituição entre os produtos, como 𝑄 =
1
∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 = 𝑣 − ∑𝑛𝑖=1 𝑝𝑖 ; (2) no caso de simetria 𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝, a demanda agregada não
𝑛

muda com o número de produtos 𝑛 da indústria, como 𝑄 = ∑𝑛𝑖=1 𝑞𝑖 = 𝑣 − 𝑝.

Competição por preço. Suponha que todas as empresas tenham idênticas funções
de custo 𝐶(𝑞𝑖 ) = 𝑐𝑞𝑖 , com 𝑐 < 𝑣. Os lucros da Empresa 𝑖 são dados por 𝜋𝑖 =
(𝑝𝑖 − 𝑐)𝑞𝑖 (𝑝1 , … , 𝑝𝑖 , … , 𝑝𝑛 ), onde 𝑞𝑖 (∙) é dado por (8.64). Escrevendo as CPOs
𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑝𝑖 = 0 e impondo simetria (𝑝𝑖 = 𝑝𝑗 = 𝑝 para todos 𝑗 ≠ 𝑖), obtêm-se os preços de
equilíbrio de Bertrand como

(𝑛𝑣 + 𝑐(𝑛 + 𝑛µ − µ))


𝑝𝑏 = . (8.65)
2𝑛 + 𝑛µ − µ

As quantidades vendidas e os lucros auferidos por cada empresa no equilíbrio são


encontrados por substituição como39

38
Uma desvantagem dessa função de utilidade é que ela não permite lidar ao mesmo tempo com
complementares e substitutos.
39
Note que limµ→∞ 𝑝𝑏 = 𝑐 e limµ→∞ 𝜋𝑏 = 0: quando os bens se tornam substitutos perfeitos, o equilíbrio
tende ao caso usual de Bertrand, com bens homogêneos.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
50

(𝑣 − 𝑐)(𝑛 + 𝑛µ − µ) (𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 + 𝑛µ − µ)
𝑞𝑏 = ; 𝜋𝑏 = . (8.66)
𝑛(2𝑛 + 𝑛µ − µ) (2𝑛 + 𝑛µ − µ)2

Competição por quantidade. Para estudar o caso da competição por quantidade,


escreva os lucros da Empresa 𝑖 como 𝜋𝑖 = [𝑝𝑖 (𝑞1 , … , 𝑞𝑖 , … , 𝑞𝑛 ) − 𝑐]𝑞𝑖 , onde 𝑝𝑖 (∙) é dado
por (8.63). Das CPOs 𝜕𝜋𝑖 /𝜕𝑞𝑖 = 0 e impondo simetria (𝑞𝑖 = 𝑞𝑗 = 𝑞 para todos 𝑗 ≠ 𝑖),
obtêm-se os preços de equilíbrio de Cournot como

(𝑣 − 𝑐)(1 + µ)
𝑞𝑐 = . (8.67)
2𝑛 + 𝑛µ + µ

Preços e lucros no equilíbrio de Cournot são

𝑣(𝑣 + µ) + 𝑐𝑛(1 + µ) (𝑣 − 𝑐)2 (1 + µ)(𝑛 + µ)


𝑝𝑐 = ; 𝜋𝑐 = . (8.68)
2𝑛 + 𝑛µ + µ (2𝑛 + 𝑛µ + µ)2

O leitor pode verificar que – como no modelo prévio – a competição por


quantidade resulta em preços de equilíbrio mais altos do que a competição por preços:

(𝑣 − 𝑐)(𝑛 − 1)µ2
𝑝𝑐 − 𝑝𝑏 = ≥ 0;
(2𝑛 + 𝑛µ + µ)(2𝑛 + 𝑛µ − µ)
(8.69)
(𝑣 − 𝑐)2 (𝑛 − 1)2 µ3 (2 + µ)
𝜋𝑐 − 𝜋𝑏 = ≥ 0.
(2𝑛 + 𝑛µ + µ)2 (2𝑛 + 𝑛µ − µ)2

os dois equilíbrios coincidem quando µ = 0.

Maximização de lucros conjunta. e as empresas maximizam lucros conjuntamente e


escolhem preços, seu problema é max𝑝1,…,𝑝𝑖 ,…,𝑝𝑛 П = ∑ 𝜋𝑖 (𝑝1 , … , 𝑝𝑖 , … 𝑝𝑛 ). Das CPOs
𝜕𝛱⁄𝜕𝑝𝑖 = 0 e impondo simetria, temos

𝑣+𝑐
𝑝𝑀 = . (8.70)
2

Por substituição, obtêm-se os preços de equilíbrio e os lucros por empresa como

𝑀
𝑣−𝑐 𝑀
(𝑣 − 𝑐)2
𝑞 = ; 𝜋 = . (8.71)
2 4𝑛

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
51

8.4.3 – Interações repetidas no mercado de produto

Até aqui, analisamos apenas jogos de uma rodada. Esta seção focaliza o caso em
que as empresas ainda têm apenas uma variável estratégica (seja preço ou quantidade)
mas interagem repetidamente no mercado de produto. Em outras palavras, relaxamos a
hipótese (A2) do jogo de Bertrand. Ocorre que o resultado do jogo modificado é muito
diferente dependendo se o jogo é repetido por um número finito ou infinito de vezes.

8.4.3.1 – Horizonte finito

Considere o jogo de Bertrand descrito na seção 8.4.1.1, mas com empresas


jogando o jogo básico para 𝑇 + 1 períodos, isto é, do período 𝑡 = 0 ao período 𝑡 = 𝑇,
com 𝑇 sendo um número finito.

Cada Empresa 𝑖 = 1, 2 quer maximizar o valor presente descontado de seus lucros


∑𝑇𝑡=0 𝛿 𝑡 𝜋𝑖,𝑡 , com δ sendo o fator de desconto,40 e 𝜋𝑖,𝑡 , o lucro auferido no período 𝑡.
Vamos mostrar o seguinte resultado:

Resultado. (Jogo repetido de Bertrand, com horizonte finito). Se 𝑇 é finito, o único


equilíbrio perfeito em subjogos de Nash do jogo é o equilíbrio de Bertrand repetido 𝑇
vezes.

Prova. Este é um jogo de “informação quase perfeita”, que pode ser resolvido por
indução reversa (ver a seção 8.3.2.1). No último período do jogo, 𝑡 = 𝑇; a despeito do
que tenha acontecido nos períodos prévios, tudo se passa como se as duas empresas
estivessem jogando um jogo de Bertrand de uma única rodada. Assim, o único equilíbrio
do jogo será o preço de Bertrand de uma rodada 𝑝1,𝑇 = 𝑝2,𝑇 = 𝑐.

No período 𝑡 = 𝑇– 1, os jogadores sabem que suas escolhas correntes não irão


afetar a solução de equilíbrio no período seguinte 𝑇. Assim, a despeito do que aconteça

40
O fator de desconto mede a importância que o jogador atribui ao futuro: se δ = 0, então só os lucros
correntes importam. Se δ = 1, os lucros recebidos a qualquer tempo no futuro (mesmo distante) têm a
mesma importância que os correntes. Visto que 𝛿 = 1/(1 + 𝑟), onde 𝑟 é a taxa de juros e 𝛿 = 0
corresponde ao caso em que 𝑟 → ∞ e 𝛿 = 1 ao caso em que 𝑟 = 0.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
52

nos períodos 0,1, . . . , 𝑇– 2, os jogos que estão jogando em 𝑇– 1 é efetivamente o mesmo


como se estivessem jogando pela última vez, e, novamente, o único equilíbrio é o de
Bertrand 𝑝1,𝑇−1 = 𝑝2,𝑇−1 = 𝑐.

O mesmo raciocínio pode ser aplicado aos períodos prévios, levando as empresas
a escolherem 𝑝1,𝑡 = 𝑝2,𝑡 = 𝑐 em qualquer período 𝑡.

Isso mostra que, quando o jogo de Bertrand é repetido um número finito de vezes,
seu resultado é exatamente o mesmo de um jogo de uma rodada, com empresas
estabelecendo preços no nível do custo marginal e perfazendo lucro zero em todos os
períodos. Esse resultado, no entanto, vale apenas se as empresas jogam um jogo de
informação completa. Se elas tiverem informação incompleta sobre seus oponentes (isto
é, se estiverem incertas acerca de seus ganhos), o resultado de equilíbrio não será o
equilíbrio de Bertrand repetido 𝑇 vezes. Embora não analisemos o equilíbrio de Bertrand
sob informação incompleta, o leitor interessado pode buscar a versão da informação
incompleta do paradoxo da rede de lojas no Capítulo 7, que guarda aspectos similares.41

Um resultado muito diferente surge quando as empresas jogam repetidamente um


jogo de Bertrand com um horizonte infinito, como se verá em seguida.

8.4.3.2 – Horizonte infinito

Suponha agora que um jogo de competição por preço esteja sendo jogado infinitas
vezes.42 Considere as seguintes estratégias de gatilho: cada empresa estabelece o preço 𝑝
no período inicial 𝑡 = 0. A empresa estabelece o preço 𝑝 no tempo 𝑡 se ambas tiverem
estabelecido o preço 𝑝 em cada período anterior a 𝑡. De outra forma, cada empresa
estabelece 𝑝 = 𝑐 para sempre. Em outras palavras, cada uma se comporta de maneira
“colusiva” desde que o concorrente o faça, mas, se uma delas se desvia do preço

41
Kreps et al. (1982) foram os primeiros a formalizar o jogo do dilema do prisioneiro repetido (muito
similar ao jogo de Bertrand) sob informação incompleta. Veja também Tirole (1988: 258-9).
42
De forma equivalente, suponha que um jogo tenha uma data final incerta, com a probabilidade de que o
mercado exista no próximo período sendo 𝜙 ∈ (0,1). Chame o fator de desconto das empresas sob essa
interpretação de alternativa 𝑑. Pode-se, então, estabelecer δ = 𝑑𝜙 e desenvolver a análise como no texto.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
53

“colusivo”, a punição é disparada, e ambas revertem para o equilíbrio de uma rodada de


Bertrand pelo resto do jogo.

Essas estratégias de gatilho formarão um equilíbrio se a restrição de


compatibilidade de incentivo de cada empresa se mantiver:

𝜋(𝑝)
(1 + 𝛿 + 𝛿 2 + 𝛿 3 + ⋯ ) ≥ 𝜋(𝑝). (8.72)
2

O lado esquerdo da equação dá o valor presente descontado dos lucros que a


empresa receberá se coludir (isto é, se seguir a estratégia do gatilho quando a outra
empresa o fizer). Em cada período, a empresa recebe metade dos lucros de monopólio
agregados. O lado direito da equação dá o valor presente descontado dos lucros se a
empresa desviar (otimamente) da estratégia de gatilho. Estabelecendo 𝑝 − 𝜀, todos os
consumidores irão comprar da empresa desviante, que, então, auferirá um lucro de 𝜋(𝑝 −
𝜀). Para 𝜀 → 0, isso irá, portanto, assegurar um lucro muito próximo de 𝜋(𝑝) no período
em que o desvio ocorre. No período subsequente, no entanto, a punição ocorre na medida
em que ambas as empresas revertem para o equilíbrio de Nash para sempre.
Consequentemente, a empresa desviante (assim como a concorrente) realizará lucro zero
nos períodos seguintes do jogo.

Note que ∑∞ 𝑡
𝑡=0 𝛿 = 1/(1 − 𝛿). Assim, depois de uma álgebra simples, a restrição

de incentivo se torna

1
𝛿≥ , (8.73)
2

ou seja, o preço 𝑝 ∈ [𝑐, 𝑝𝑚 ] pode ser sustentado no equilíbrio desde que o fator de
desconto seja suficientemente elevado.

Não há muito sentido em elaborar muito além, uma vez que esse ponto é discutido
longamente no Capítulo 4. O principal propósito desta seção é apenas mostrar que preços
acima dos custos marginais podem ser mantidos como o equilíbrio do jogo com horizonte
infinito (ou data final incerta). Note, no entanto, que uma importante questão é a
multiplicidade de equilíbrios que surgem do jogo. Qualquer preço 𝑝 ∈ [𝑐, 𝑝𝑚 ] entre o
custo marginal e o preço de monopólio pode ser o equilíbrio do jogo (para um fator de
desconto alto o suficiente). Isso leva a importantes implicações de política discutidas no
Capitulo 4.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
54

8.5 – OLIGOPÓLIO II: JOGOS DINÂMICOS

Até aqui, presumimos que as únicas variáveis estratégicas disponíveis para as


empresas eram preços e quantidades e que todas as outras características eram
exogenamente fornecidas. Claramente, não é esse o caso na realidade, em que empresas
também tomam uma série de outras decisões que afetam seus custos e seus produtos e
mesmo a própria escolha de estar no mercado, acima de tudo. Quando se estudam
modelos em que as empresas têm várias variáveis estratégicas, é importante reconhecer
que algumas são mais tipicamente variáveis de “longo prazo” que outras. Suponha, por
exemplo, que queiramos estudar um jogo em que as empresas tomem decisões sobre
entrada, investimentos em P&D e preço. É razoável esperar que as decisões sobre preço
sejam de “curto prazo” e que possam ser revisadas com relativa frequência; que as
decisões sobre investimento em P&D sejam mais custosas para rever, enquanto decisões
de entrada sejam de “longo prazo”, tomadas apenas uma vez e presumidas como dadas.
Consequentemente, faria sentido formalizar o jogo das empresas como dinâmico (ou
multiestágios), em que, no primeiro estágio elas decidem se entram ou não; no segundo,
quanto de investimento de P&D querem realizar; e, no terceiro, a que preços querem
vender seus produtos.

Jogos dinâmicos foram descritos em termos gerais na seção 8.3.2, e vários deles
são tratados ao longo do livro. Por exemplo, o Capítulo 2 analisa jogos nos quais as
decisões de entrada são tomadas antes de investimentos (P&D redutor de custo ou
qualidade) e competição no mercado de produto. O Capítulo 4 trata novamente de
decisões de P&D seguidas de decisões no mercado de produto, quando há
transbordamentos de P&D (spillovers). O Capitulo 5 analisa jogos em que empresas
primeiro decidem se fundir ou não e depois competir no mercado. No Capítulo 6, os
revendedores tomam decisões sobre esforços de venda ou fabricantes decidem sobre
investimentos antes que a concorrência ocorra; no Capítulo 7, novamente, as incumbentes
adotam certas ações antes que potenciais entrantes decidam sobre a entrada ou novas
empresas decidam se continuam ou não a operar.

A seguir, em vez de oferecer outros exemplos de jogos dinâmicos, serão


focalizados os efeitos estratégicos que as ações tomadas nos primeiros estágios de um
jogo podem ter na interação oligopolista no mercado.
Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.
Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
55

8.5.1 – Investimentos estratégicos

Em modelos de oligopólio, em que empresas tomam decisões sequenciais, ou seja,


podem adotar ações nos primeiros estágios do jogo que modificam para sua vantagem
algumas variáveis tomadas como dadas nos estágios seguintes. Para entender como esses
efeitos estratégicos ocorrem, considere o seguinte jogo:43

No estágio 1 do jogo, a Natureza se move e escolhe a magnitude e sinal de um


parâmetro de “choque”, 𝑠 ∈ ℝ, que afeta o custo marginal da Empresa 1, igual a 𝑘 − 𝑠
no estágio 2.44

No estágio 2, as Empresas 1 e 2 tomam decisões no mercado de produto em um


mercado de bens diferenciados, no qual os consumidores têm função de utilidade (8.43).
Exceto pelo choque que afeta a Empresa 1, ambas terão o mesmo custo marginal, 𝑘. No
entanto, para estudar os possíveis efeitos de detenção de entrada, presuma que a Empresa
2 também incorra em um custo fixo 𝑓.

Consideramos duas variantes do jogo: (1) as empresas escolhem quantidades


(nesse caso, as decisões serão substitutos estratégicos); e (2) as empresas escolhem preços
(as decisões serão complementos estratégicos). Estamos interessados em estudar o
impacto do choque s no equilíbrio do mercado de produto (em particular, no lucro das
empresas) no estágio 2.

8.5.1.1 – Competição por quantidade (substitutos estratégico s)

Para analisar a competição por quantidade, considere as demandas inversas dadas


por (8.44). Dado o choque, o problema das empresas é fornecido por max𝑞1 𝜋1 =
(𝛼 − 𝛽𝑞1 − 𝛾𝑞2 − 𝑘 + 𝑠)𝑞1 e max𝑞2 𝜋2 = (𝛼 − 𝛽𝑞2 − 𝛾𝑞1 − 𝑘)𝑞2 − 𝑓. Tomando as

43
Essa é uma versão muito simplificada, de apenas um mercado, de Bulow et al. (1985). Outra importante
referência para esta seção é Fudenberg e Tirole (1984).
44
Veremos a seguir que se deve estender e reinterpretar o modelo, de modo que 𝑠 seja escolhido pela
empresa ou por terceiros, como o governo.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
56

derivadas primeiras e igualando-as a zero e rearranjando as equações, podemos escrever


as funções de reação no plano (𝑞1 , 𝑞2 ) como se segue:

𝛼 − (𝑘 − 𝑠) − 2𝛽𝑞1 𝛼 − 𝑘 − 𝛾𝑞1
𝑅1 ∶ 𝑞2 = ; 𝑅2 ∶ 𝑞2 = . (8.74)
𝛾 2𝛽

Figura 8.7 Efeito de um choque (𝑠 > 0) que reduz o custo marginal da empresa 1:
Substitutos estratégicos.

A Figura 8.7 ilustra as funções de reação da empresa. Primeiro note que as funções
de reação são negativamente inclinadas: assim, no modelo, as decisões são substitutas
estratégicas. Então, note que a posição da função de reação da Empresa 1 é deslocada
pelo choque 𝑠. Em particular se 𝑠 >0, como na figura, 𝑅1 se desloca para a direita de 𝑅1′ .
Para avaliar o efeito estratégico do choque, é conveniente distinguir entre os dois casos.
No primeiro, a entrada pela Empresa 2 não é uma questão (por exemplo, porque 𝑓 = 0, e
o choque é tal que, à interseção entre 𝑅1′ e 𝑅2 , a Empresa 2 vende uma produção positiva).
Chame isso de caso de acomodação.45 No segundo caso, a entrada da Empresa 2 é uma
questão (por exemplo, porque no equilíbrio, na ausência de choque, a Empresa 2 tem
lucros positivos líquidos, e um movimento para um novo equilíbrio pode colocá-la em

45
O termo é retirado de Fudenberg e Tirole (1984), em que o choque é endógeno. Refere-se a um
investimento que conduzirá a um novo equilíbrio, no qual a Empresa 2 obtém lucros positivos. Nesse
sentido, a entrada acomoda o investimento.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
57

uma curva de isolucro associada a lucros negativos, tornando assim a entrada não
lucrativa). Chame isso de caso de detenção de entrada. Vamos analisá-los a seguir.

Acomodação. Suponha que a entrada será acomodada. Uma dificuldade em examinar o


impacto do choque que move o equilíbrio de 𝐸 para 𝐸 ′ é que ele tem dois efeitos sobre
os lucros da Empresa 1. Primeiro, um efeito direto nos lucros da empresa 1 por reduzir
seus custos de produção em qualquer par de ações (𝑞1 , 𝑞2 ). Segundo, um efeito
estratégico sobre os lucros, dado que o choque é observado pela concorrente, que
modifica sua escolha. É nesse segundo efeito que estamos interessados, já que o primeiro
é independente da resposta da Empresa 2 e se dá mesmo quando ela não pode ver o choque
afetando a Empresa 1.

Para desembaraçar esses dois efeitos, raciocine da seguinte forma: uma vez que o
choque ocorre, ele modifica a função de reação da Empresa 1, deslocando-a para a direita.
O efeito direto do choque sobre os lucros da Empresa 1 pode ser visto como um
movimento que ocorre na ausência de qualquer resposta por parte da Empresa 2. Em
outras palavras, suponha que a Empresa 2 não altere suas ações e ainda produza as
quantidades 𝑞2𝐸 . Então, a Empresa 1 terminará no ponto 𝐷, ou seja, na nova função de
reação correspondente aos custos marginais mais baixos, mas no qual as quantidades
produzidas pela Empresa 2 são constantes. A isolucro da Empresa 1, ao passar pelo ponto
𝐷, é associada ao nível de lucros 𝜋1𝐷 .

No entanto, a Empresa 2 observa o choque e sabe que a função de reação da 1 é



agora 𝑅1′ ; a partir daí, irá rever sua produção de forma compatível, produzindo 𝑞2𝐸 . As
empresas terminam no equilíbrio 𝐸 ′ . O efeito estratégico do choque nos lucros da
Empresa 1 pode, consequentemente, ser visto como o movimento de 𝐷 para 𝐸 ′ . Em
palavras, o choque eleva a produção de 𝑞1 produzido pela Empresa 1, que leva ao
decréscimo da lucratividade marginal da Empresa 2 (as decisões sendo substitutas
estratégicas), que, então, irá reduzir a produção 𝑞2 . Por sua vez, 𝑞2 menor eleva os lucros
da Empresa 1.

Dado que os lucros são mais elevados (em 𝐸 ′ , a Empresa 1 está em uma curva de
isolucro mais baixa que em 𝐷), podemos considerar que o efeito estratégico tem um
impacto positivo sobre 𝜋1 .

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
58

Assim como os efeitos estratégicos na lucratividade da Empresa 2, esse é


claramente negativo. Supomos não haver impacto direto nos lucros da Empresa 2, e, como
o equilíbrio muda de 𝐸 para 𝐸 ′ , a Empresa 2 se move para uma função de isolucro com
lucros mais baixos.

Detenção de entrada. Ao novo equilíbrio 𝐸 ′ , a Empresa 2 está em uma função


isolucro 𝜋2′ , que corresponde a lucros mais baixos que 𝜋2 . Suponha que os lucros líquidos
da Empresa 2 depois do choque sejam 𝜋2′ < 0 (considerando que seriam positivos na
ausência do choque: 𝜋2 > 0). Nesse caso, a Empresa 1 certamente estará em melhor
situação sob o choque, já que ele deslocaria o equilíbrio de duopólio para um ponto em
que a Empresa 2 preferiria ficar de fora. Assim, o choque deteria a entrada, e a Empresa
1 ganharia tanto porque o choque teria um efeito positivo direto sobre seus lucros (seus
custos são menores) quanto porque teria o efeito estratégico (positivo) de deter a entrada
e torná-la um monopolista46.

Para resumir o caso da competição por quantidade (substitutos estratégicos): o


efeito estratégico do choque redutor de custo sobre a Empresa 1 será positivo se a entrada
for acomodada ou detida.

8.5.1.2 – Competição por preço (complementos estratégicos)

Para analisar a competição por preço, considere o sistema de demanda direta dado
por (8.45). Os problemas das empresas são max𝑝1 𝜋1 = (𝑝1 − 𝑘 + 𝑠)(𝑎 − 𝑏𝑝1 + 𝑐𝑝2 ) e
max𝑝2 𝜋2 = (𝑝2 − 𝑘)(𝑎 − 𝑏𝑝2 + 𝑐𝑝1 ) − 𝑓. Tomando as CPOs e rearranjando as
equações, obtemos as funções de reação em (𝑝1 , 𝑝2 ):

−𝑎 − 𝑏(𝑘 − 𝑠) + 2𝑏𝑝1 𝑎 + 𝑏𝑘 + 𝑐𝑝1


𝑅1 ∶ 𝑝2 = ; 𝑅2 ∶ 𝑝2 = . (8.75)
𝑐 2𝑏

46
Sabemos pelo caso da acomodação que a Empresa 1 estaria em melhor situação, mesmo que a empresa
2 permanecesse no mercado. A fortiori, o choque aumentará seus lucros quando tornar a Empresa 1 o único
vendedor.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
59

Figura 8.8 Efeito de um choque (𝑠 > 0) que reduz o custo marginal da empresa 1:
Complementos estratégicos.

A Figura 8.8 ilustra as funções de reação das empresas. Vimos já, em 8.4.2.1, que
as funções de reação são positivamente inclinadas: as decisões são complementos
estratégicos. Se 𝑠 > 0, como na figura, 𝑅1 se desloca para a esquerda para 𝑅1′ , seguindo
o choque de redução de custos.

Acomodação. Se a entrada for acomodada, o efeito estratégico associado ao choque pode


prejudicar a Empresa 1. Para verificar isso, vamos usar o mesmo truque de decomposição
dos efeitos diretos e estratégicos sobre os lucros da Empresa 1. Na ausência de qualquer
resposta ao choque da Empresa 2, ou seja, se ela mantiver a mesma ação 𝑝2𝐸 , como no
caso de 𝑠 = 0, a Empresa 1 estará no ponto 𝐷. Nesse ponto, seus lucros serão 𝜋1𝐷 . Mas a
Empresa 2 modifica seu preço, determinando um novo equilíbrio em 𝐸 ′ , em que a
Empresa 1 realiza lucros 𝜋1′ . O efeito estratégico é dado pelo movimento de 𝐷 para 𝐸 ′ e
é, portanto, negativo para a Empresa 1: 𝜋1′ < 𝜋1𝐷 (qualquer movimento para baixo ao
longo da curva de reação é associado a lucros menores). O que acontece aqui é que o
choque reduz os custos marginais da Empresa 1 e seus preços. Dado que as decisões de
preço são complementos estratégicos nesse modelo, o menor 𝑝1 reduz a rentabilidade
marginal da empresa 2 e respectivamente seu preço 𝑝2 . Por sua vez, a conduta de
apreçamento mais agressiva da Empresa 2 reduzirá os lucros da Empresa 1.

O choque tem, assim, um efeito negativo sobre os lucros da Empresa 2, mais


baixos em 𝐸 ′ que em 𝐸.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
60

Tabela 8.8 Efeito estratégico de um choque que reduz os custos da Empresa 1.

Detenção de entrada. Suponha que o lucro líquido da Empresa 2 depois do


choque (ou seja, no nível 𝐸 ′ ) seja não só mais baixo como mais negativo; 𝜋2′ < 0 (ao
passo que seria positivo na ausência do choque: 𝜋2 > 0). Nesse caso, o choque colocará
a Empresa 1 em uma situação melhor, pois deterá a entrada, e a empresa ganhará tanto
porque o choque tem efeitos positivos diretos sobre seus lucros quanto porque tem efeitos
estratégicos (positivos) para deter a entrada e torná-la monopolista.

Para resumir o caso da competição por preços (complementos estratégicos) o


efeito estratégico de um choque de redução de custos na Empresa 1 será negativo quando
a entrada for acomodada, mas positivo quando a entrada for detida.

A Tabela 8.8 resume a análise.47

Discussão e interpretação. Até aqui, tratou-se o choque como uma variável exógena,
decidida pela natureza ou pela sorte. Contudo, a análise anterior pode ser endogeneizada
de forma direta, da seguinte maneira. Suponha que 𝑠 seja determinado pela decisão de
investimento da Empresa 1. Por exemplo, considere a decisão de investimento em P&D
que reduz os custos da Empresa 1 e é observável para a Empresa 2, ou seja, há um
compromisso crível para alterar a função de reação da Empresa 1.

A análise anterior joga luz sobre como a interação oligopolista pode incitar a
Empresa 1 a sobreinvestir ou subinvestir, relativamente à situação em que os efeitos
estratégicos não são levados em consideração e, portanto, não afetam o comportamento
da concorrente da Empresa 1. Considere, por exemplo, o caso em que as decisões são
substitutas estratégicas: uma redução leva a sobreinvestimento em atividades em que
houve redução de custos (nesse caso, independentemente do fato de a entrada de 2 estar
ou não em questão).

A Tabela 8.9, derivada da anterior, resume esses efeitos.

47
Claramente, o resultado oposto vale se o choque afetar a Empresa 1 adversamente, ou seja, se 𝑠 < 0.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
61

Tabela 8.9 Investimentos estratégicos para reduzir os custos da Empresa 1.

Exemplos de investimentos estratégicos. Os efeitos estratégicos ilustrados


anteriormente desempenham importante papel em uma série de contextos econômicos
analisados neste livro.48 Por exemplo, fabricantes podem usar cláusulas de exclusividade
territorial para induzir revendedores a escolher preços mais elevados e, por sua vez,
relaxar a competição no mercado tanto entre revendedores quanto entre fabricantes
quando a decisão envolver complementos estratégicos (veja o Capítulo 6); uma empresa
incumbente pode sobreinvestir em capacidade, P&D e propaganda para bloquear a
entrada de uma nova empresa (ver o Capítulo 7); vendas casadas efetivamente tornam
uma incumbente mais agressiva no mercado em que existem vendedores competindo e
podem ser usadas como arma de exclusão (Capítulo 7).

8.6 – APÊNDICE

Mostramos aqui como obter o sistema de demandas diretas (8.64) a partir das
demandas inversas (8.63).49 O sistema de funções de demandas inversas pode ser escrito
na forma de matriz como 𝑝 − 𝑣 = − [1⁄(1 + 𝛾)]𝐴𝑞, onde 𝑝 e 𝑞 são, respectivamente,
preço e quantidade (𝑛, 1) vetores, 𝑣 é um (𝑛, 1) vetor tendo um escalar 𝑣 em cada entrada,
𝛾 é um escalar, e 𝐴 é uma (𝑛, 𝑛) matriz tendo os elementos 𝑛 + 𝛾 na diagonal e elementos
𝛾 em todas as outras entradas não diagonais. É evidente que as funções de demanda direta
podem ser reescritas na forma da matriz:

𝑞 = −(1 + 𝛾)𝐴−1 (𝑝 − 𝑣). (8.76)

Nosso problema é, portanto, encontrar 𝐴−1, ou seja, a inversa da matriz 𝐴.

48
Veja Bulow et al. (1985) e Tirole (1988: 328-36) para uma série de outras interessantes aplicações.
49
Massimo Motta agradece a Felipe Cucker, grande matemático e gastrônomo, que lhe mostrou, há muito
tempo, como inverter matrizes similares.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.
62

Defina 𝑑 = 𝛾⁄𝑛. É fácil mostrar que 𝐴 = 𝑛(𝐼 + 𝑑𝑂), onde 𝐼 é a matriz identidade,
tendo 1 na diagonal e 0 nas demais entradas, e onde 𝑂 é a matriz tendo 1 em todas as
entradas. Assim, ela deve ser 𝐴−1 = (1⁄𝑛)(𝐼 + 𝑑𝑂)−1.

Ocorre que (𝐼 + 𝑑𝑂)−1 = 𝐼 − (𝑑⁄(1 + 𝑑𝑛))𝑂. Pode-se verificar isso lembrando


que o produto de uma matriz pela sua inversa deve ser 𝐼. Isso requer alguns passos,
conforme segue.

𝑑 𝑑 𝑑2
(𝐼 + 𝑑𝑂) (𝐼 − ( ) 𝑂) = 𝐼 + 𝑑𝑂 − ( )𝑂 − ( ) 𝑂2 .
1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛

Pode-se imediatamente verificar que 𝑂2 = 𝑛𝑂. A expressão anterior pode, por


conseguinte, ser reescrita como:

𝑑 𝑛𝑑 2 𝑑 𝑛𝑑 2
𝐼 + 𝑑𝑂 − ( )𝑂 − ( ) 𝑂 = 𝐼 + [𝑑 − − ]𝑂
1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛
𝑑 + 𝑑2 𝑛 𝑑 𝑛𝑑2
=𝐼+[ − − ] 𝑂 = 𝐼 + 0𝑂 = 𝐼.
1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛 1 + 𝑑𝑛

Podemos concluir que a inversa da matriz 𝐴 é dada por

1 𝛾
𝐴−1 = [𝐼 − ( ) 𝑂]. (8.77)
𝑛 𝑛 + 𝑛𝛾

Com alguns passos de álgebra, pode-se simplificar a expressão 𝑞 = −(1 +


𝛾)𝐴−1 (𝑝 − 𝑣) e verificar que ela corresponde ao sistema de funções de demanda direta
no texto.

Política de Concorrência: teoria e prática, e sua aplicação no Brasil.


Uma caixa de ferramentas: teoria dos jogos e modelos de concorrência imperfeita (Capítulo 8).
Autoria de Massimo Motta. Tradução e coautoria de Lucia Helena Salgado. Disponível em:
https://sites.google.com/view/politica-de-concorrencia. Finalidade exclusivamente acadêmica, sendo
proibido o uso deste material para qualquer tipo de prática comercial.

Você também pode gostar