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PORTUGAL
Coordenação de António Reis
RETRATO DE
PORTUGAL
Factos e acontecimentos
CAPA E DESIGN GRÁFICO:
Fernando Rochinha Diogo
CARTOGRAFIA:
Fernando Pardal
REVISÃO TIPOGRÁFICA:
Fotocompográfica, Lda.
COMPOSIÇÃO:
Fotocompográfica, Lda.
FOTOMECÂNICA:
Fotocompográfica, Lda.
Prefácio
—7—
Apresentação
— 10 —
Introdução
— 12 —
O Estado
— 21 —
Sociedade
A sociedade
— 43 —
O território
— 80 —
A língua portuguesa
— 101 —
A comunicação social
— 114 —
A sociedade do conhecimento e da informação
— 131 —
O desporto
— 170 —
O ambiente
— 181 —
A economia
— 203 —
A educação
— 227 —
Cultura
O património cultural
— 249 —
A literatura
— 264 —
A arquitectura
— 275 —
As artes visuais
— 285 —
As artes do espectáculo
— 297 —
O cinema
— 314 —
Design e moda
— 321 —
Bibliografias
— 337 —
Autores
— 345 —
Créditos fotográficos
— 351 —
5
Sumário
Prefácio
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Manuel Lobo Antunes
Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus
7
Prefácio
Estado, empresas e cidadãos. A Europa impôs-nos uma emulação saudável. Puxou por nós.
Obrigou-nos à comparação e à competição com sociedades abertas e dinâmicas.
A nossa condição de país periférico, em relação ao centro político e económico da UE
(que se deslocou para leste), obriga-nos, por outro lado, a estar presentes em todos os nú-
cleos de vanguarda da integração europeia. Trata-se de um imperativo estratégico: estar no
centro da decisão europeia, participar, moldá-la — na medida das nossas capacidades e
dos nossos interesses — e beneficiar da mudança. Este objectivo tem sido plenamente al-
cançado.
Ao contrário dos habituais profetas da desgraça nacional, orgulho-me dos resultados
que alcançámos em apenas duas décadas.
A nossa identidade colectiva sai sempre reforçada quando submetida ao confronto aber-
to. Encaro com confiança o futuro de um povo que singrou no mar vasto e desconhecido, e
que construiu a história de uma nação que caminha para os seus nove séculos, e cuja lín-
gua é falada por 240 milhões de pessoas no mundo (a terceira da Europa ocidental, a seguir
ao inglês e ao espanhol, e bem à frente do francês e do alemão).
O crescimento e a vitalidade da língua portuguesa, nos seus vários sotaques (açucara-
do, crioulo e continental), em termos de número de falantes, de obras publicadas, de con-
teúdos na Internet, de palavra musicada, etc., garantem a perenidade da nossa cultura e
identidade, já não exclusivamente portuguesa, mas como membro de uma família maior, re-
sultado dos nossos laços miscigenados, que nos asseguram uma identidade própria num
mundo cada vez mais padronizado e compressor das especificidades culturais. Que melhor
homenagem poderia ser feita a Camões, verdadeiro fundador da língua e arauto da sua vo-
cação universalista?
A Europa também ganhou com a adesão de Portugal: não apenas a mera extensão do
mercado interno, não apenas a adição de mais dez milhões de consumidores para os pro-
dutos dos outros países da UE. A Europa reencontrou-se com um país que apresentou a Eu-
ropa a muitas partes do mundo e que, em virtude do peso da sua história e da sua cultura,
é, entre os países de semelhante dimensão, um dos muito poucos que se podem afirmar co-
mo um actor global.
A integração europeia teve um impacto muito significativo na nossa política externa.
Mudou, desde logo, os hábitos de uma diplomacia que era puramente defensiva e orien-
tada para a preservação do regime de então e do império colonial.
Alterou profundamente a nossa relação com Espanha. Ao tempo de Salazar e Franco,
entre Portugal e Espanha não havia praticamente nem estradas nem pontes. Os dois ditado-
res apoiaram-se mutuamente em momentos-chave (sobretudo quando os respectivos regi-
mes estiveram em perigo, face ao desenrolar do conflito mundial), mas suspeitavam profun-
damente um do outro, mantendo-se fiéis à tradição de desconfiança secular. Hoje Portugal
e Espanha são parceiros incontornáveis na UE. As nossas economias estão profundamente
interligadas e abriram-se novas perspectivas para o reforço da cooperação, não apenas no
plano bilateral mas também no plano externo (por exemplo na América Latina e no Magre-
be), com benefícios mútuos cada vez mais evidentes.
A Europa amplificou o nosso poder de influência no mundo. Sem um Portugal plenamen-
te integrado na Europa, muito provavelmente não teria havido autodeterminação do povo de
Timor Leste (nem tampouco a UE poderia ter tido uma palavra a dizer num processo que,
não obstante as dificuldades actuais, ficará registado como um caso de sucesso na história
das Nações Unidas).
A nossa adesão ajudou-nos a restabelecer os laços com os parceiros africanos, depois
8
Prefácio
dos traumas da descolonização. As nossas relações com os países africanos encontram-se
hoje num novo patamar, e a isso não é certamente indiferente o facto de esses países sabe-
rem que Portugal é o seu advogado natural junto da UE.
As próprias relações com o Brasil, sobretudo no plano económico, beneficiaram de um
novo impulso após a adesão de Portugal à UE (em resposta ao apelo do então primeiro-
-ministro, engenheiro António Guterres, as empresas portuguesas investiram fortemente no
Brasil, de modo a ganhar a dimensão que lhes permitiria resistir melhor à competição do
mercado interno europeu; por outro lado, os investidores brasileiros têm vindo progressiva-
mente a tomar consciência de que uma empresa brasileira criada em Portugal se torna uma
empresa europeia, daí retirando todas as vantagens que o espaço económico europeu po-
de oferecer).
A integração europeia abriu-nos também as portas ao aprofundamento das relações
com novas áreas prioritárias para a UE (como as relações com a Rússia, o Mediterrâneo e o
Médio Oriente) e aos grandes temas da diplomacia multilateral, em que a UE tem um peso
único (no qual podemos projectar os nossos interesses, beneficiando do efeito multiplicador
europeu).
A Presidência portuguesa da UE em 2007 terá de se defrontar com uma fase de algum
desencanto europeu. A crise que existe — se é que de verdadeira crise podemos falar — é
antes uma crise de expectativas, porventura de falta de ambição e de dúvidas quanto ao fu-
turo do projecto europeu.
Vejo esta actual melancolia europeia como uma fase transitória, como uma oportunida-
de. O inconformismo — esse traço fundamental do carácter dos povos europeus — exigirá
que a breve trecho os nossos responsáveis políticos busquem novas respostas para os de-
safios do mundo de hoje, aos quais só poderemos fazer face através de soluções colecti-
vas, fiéis aos princípios da solidariedade e da coesão europeia.
Esta fase de incerteza quanto ao futuro do projecto europeu será ultrapassada, porque
as circunstâncias históricas assim o exigirão. Não é possível adiar indefinidamente o debate
e a definição de novas políticas e instrumentos no tocante a questões como o papel da Eu-
ropa no mundo (e também os seus limites), o aprofundamento da coesão económica e so-
cial, a coordenação económica (não basta uma moeda comum), a fiscalidade, a energia, o
ambiente ou as migrações.
Por vezes ignoramos inclusivamente o que a Europa representa para tantos. Refastela-
dos no nosso conforto, ciosos dos nossos privilégios, esquecemo-nos de que a Europa é,
cada vez mais, sinónimo de esperança, neste mundo injusto, inseguro e desregulado, em
que muitos são pura e simplesmente desorbitados do processo de globalização económica.
Como temos visto, aqui bem perto de nós, a Europa encarna um sonho pelo qual muitos es-
tão dispostos a morrer.
É com convicção nesta «ideia» — e cientes do que ela significa para tantos, europeus e
não europeus — que abraçaremos a tarefa de presidir, durante seis meses, à UE. Espera-
mos poder contribuir para o seu aperfeiçoamento, que é permanente e que se vai concreti-
zando passo a passo. Fá-lo-emos concentrando-nos naquilo que nos pode unir e conduzir a
uma União mais forte, mais útil e com vantagens palpáveis para a vida dos cidadãos euro-
peus e também para o resto do mundo. Parece-me que esta é uma empresa digna, e que
merece o empenho de todos os portugueses que nela queiram colaborar.
9
Prefácio
Apresentação
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Simonetta Luz Afonso
Presidente do Instituto Camões
Dentro deste espírito, o enorme sucesso e interesse suscitados por uma obra lançada
aquando da Exposição Universal de Hannover — Portugal 2000 — levaram-nos agora à sua
actualização e reedição. O grande êxito assentou na forma como apresentava a outros po-
vos e nações — e relembrava aos próprios portugueses — as nossas especificidades histó-
ricas e culturais e as fórmulas encontradas para se organizar e reger a vida em sociedade.
Tratou-se duma peça de referência, ensaística, informativa e didáctica, fruto dum repto
lançado a António Reis, historiador e reconhecido especialista do século XX em Portugal, pa-
ra coordenar uma obra voltada para o exterior, em que a análise da evolução da sociedade
portuguesa, da sua economia e das suas instituições seria complementada por uma panorâ-
mica do renascimento cultural ocorrido desde 1974 até então — o retrato deste país em mu-
dança no último quartel do século XX.
Como parâmetros temporais para essa análise, impunha-se proceder de forma adequa-
da a uma síntese desse percurso. Aos autores de cada capítulo, especialistas e investiga-
dores universitários de alto mérito, pediu-se a concentração em dois momentos-chave desta
metamorfose: o 25 de Abril e o final do milénio, em que o país investe decididamente na for-
mação e na educação, no desenvolvimento de novas competências e no crescente acesso
aos domínios mais elevados do conhecimento.
10
Apresentação
Retomado o projecto, apresenta-se agora uma visão das últimas três décadas. Mais uma
vez, e também pela necessidade da actualização da obra, se prova a permanente evolução
do país, as novas coordenadas, os novos diálogos, parceiros, inspirações e esperanças.
Esperamos, pois, que esta obra renovada contribua para um melhor conhecimento de
Portugal e dos seus valores e que, através dela, se demonstre com impacto e dignidade o
seu trajecto no rumo da expressão, da democratização, da defesa dos direitos humanos,
das novas tecnologias e meios de comunicação, das energias renováveis e das preocupa-
ções ambientais, indubitavelmente traçados pelo século XX para um novo milénio e, espera-
mos, um Novo Mundo.
Ao Prof. António Reis e a todos os que colaboraram neste trabalho o meu reconhecimen-
to, bem como à Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, que
em boa hora o integrou nos seus projectos especiais.
11
Apresentação
Introdução
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António Reis
12
Introdução
Portugal lança-se, em seguida, na grande gunda metade do século XVII, irá traduzir na
aventura da expansão marítima, a partir sua concepção de Portugal como uma na-
de 1415, com a conquista de Ceuta no Nor- ção eleita e do seu império como o Quinto
te de África. E é saindo da Península e da Império, o de Cristo. Nem tão-pouco permi-
Europa e repartindo-se pelo mundo que, tirá a superação do estatuto de nação su-
afinal, garantirá a prazo a sua individualida- balterna, com a agravante de se acentuar o
de política tanto na Península como na Eu- processo de isolamento cultural em relação
ropa. à Europa, que a instauração da Inquisição
Tendo na sua origem um complexo em 1536 viera iniciar e a fidelidade à Con-
conjunto de motivações económicas, polí- tra-Reforma aprofundara.
ticas e religiosas, cuja hierarquização foi Ao longo do século XVIII, Portugal viverá
motivo para acerbas polémicas entre os numa atitude complexa de repulsa e atrac-
historiadores, o certo é que a construção ção simultânea em relação à Europa das
do império português, na sua primazia Luzes, ao mesmo tempo que o eixo de gra-
cronológica e na especificidade das suas vidade do seu império se desloca do
características, contribuirá decisivamente Oriente para o Brasil, cujo ouro irá alimen-
para uma singular relação dos Portugue- tar uma prosperidade ilusória. Fascinado
ses com eles próprios e com os restantes com D. João V pelas manifestações artísti-
povos. E constitui-se, por isso e a nosso cas da Europa e até pelas suas modas,
ver, em segundo e poderoso factor de sensível com o marquês de Pombal aos
identidade e coesão, apesar de, ou talvez progressos das ciências e à necessidade
mesmo porque, marcado pela mesma in- de um desenvolvimento económico autóno-
trínseca fragilidade que estivera na origem mo, dividido, depois, entre o prossegui-
do próprio reino português. O grande poe- mento de uma via reformadora e a reacção
ma épico de Luís de Camões, não por conservadora de D. Maria I, Portugal nave-
acaso intitulado Os Lusíadas, aí está para gará neste século entre os apelos, cuida-
o confirmar e, simultaneamente, para acen- dosamente filtrados, dos seus «estrangei-
tuar esse lado de quase ficção ou de irreal rados» à modernização europeia e a
com que os Portugueses viveram a sua desconfiança e mesmo a hostilidade de um
aventura marítima e a sua grandeza impe- conservadorismo católico avesso à inova-
rial, como Eduardo Lourenço tão bem sou- ção, numa subtil e delicada dialéctica entre
be assinalar (O Labirinto da Saudade: Psi- as Luzes e as Trevas.
canálise Mítica do Destino Português, 1978, Com as invasões napoleónicas e a fuga
pp. 22-23). da corte para o Brasil, Portugal parece pro-
Fragilidade e ficção que irão conhecer curar a sobrevivência fora de si, promoven-
a sua imediata confirmação no episódio da do a principal colónia a sede do império
transitória perda da independência — até 1821. Até meados do século XIX, sujeito
em consequência da morte em combate, primeiro à tutela britânica, mergulhado de-
em 1578, do jovem rei D. Sebastião em pois na única verdadeira guerra civil da
Marrocos e da imposição dos direitos di- sua história, entre liberais e absolutistas, e
násticos de Filipe II de Espanha —, bem nos posteriores conflitos entre as diferentes
como no subsequente fenómeno da mes- facções liberais, Portugal experimenta a
siânica crença no regresso do rei desapa- fragilidade da sua independência na «ba-
recido. A recuperação da independência lança da Europa», ao mesmo tempo que os
em 1640 já não conseguirá apagar uma tal seus românticos — Garrett e Herculano —
visão profética e messiânica da sua histó- o procuram refundar nas suas raízes cultu-
ria, que um padre António Vieira, nessa se- rais e históricas, pela poesia, pelo teatro,
13
Introdução
pelo romance e pela própria história como da meada, combatendo sempre, é certo,
ciência. Empenhado na segunda metade as versões mais radicais desse nacionalis-
deste século em não perder o comboio eu- mo, dessem elas pelo nome de «saudosis-
ropeu do desenvolvimento industrial, é, po- mo» com Teixeira de Pascoais, ainda no
rém, com pessimismo que a sua elite inte- campo republicano, ou de «integralismo
lectual de então encara a distância que o lusitano» com António Sardinha, já no
separa da modernidade europeia, assim campo monárquico. E em vão tentarão sal-
prolongando em novo contexto a dialéctica var a república democrático-parlamentar
entre as Luzes e as Trevas. da sua vertiginosa corrida de 16 anos para
Entre a perda do Brasil em 1822 — o abismo ditatorial, propondo ingenua-
transformado, aliás, em império entregue mente a subordinação dos partidos e dos
ao filho do seu próprio rei, numa original dirigentes políticos a uma elite de sábios
separação bem diferente da das colónias detentores do segredo das melhores refor-
espanholas da América — e o início do so- mas institucionais, económicas e educati-
nho africano no final do século, Portugal vas para o país.
busca uma nova forma de existir, envolto A instabilidade governativa, os interes-
num inquieto clima de insegurança e auto- ses da oligarquia financeira, a fragilidade
-interrogação sobre o seu destino. Antero do tecido económico e social na sequência
de Quental e Oliveira Martins, cada um à da crise financeira do pós-Primeira Guerra
sua maneira, procedem então a uma espé- Mundial abrem caminho à solução ditatorial
cie de ajuste de contas com a nossa histó- pela mão do Exército, que acabará por en-
ria, num processo sumário de que saem tregar o poder a um académico conserva-
condenados o catolicismo jesuítico e inqui- dor, de formação católico-tradicionalista,
sitorial, o absolutismo régio centralista e o especialista em finanças e politicamente
próprio império ultramarino. Mas divergirão ambicioso — Oliveira Salazar. Com ele a
na alternativa, atraídos pela utopia socia- mística nacionalista, desconfiada da Euro-
lista o primeiro, pela utopia de um cesaris- pa das democracias liberais e ferozmente
mo régio o segundo, ambos comungando, anticomunista, será usada como instrumen-
assim, na desconfiança relativamente ao to ao serviço de um Estado forte e de um
republicanismo parlamentar que começa- poder autoritário e centralizado, que fez de
va então a espreitar no horizonte. Será es- um corporativismo mitigado o sucedâneo
te, todavia, que sairá vencedor em 1910, do regime de partidos e encarou o desen-
aproveitando o descrédito da Coroa e sa- volvimento económico com reserva mental.
bendo cavalgar na hora certa a onda na- E com ele o império será usado não ape-
cionalista desencadeada pelo Ultimato nas como instrumento de sobrevivência
britânico de 1890, que intimara Portugal a política pessoal mas também como escudo
ceder os territórios situados entre Angola da «civilização cristã e ocidental», numa vi-
e Moçambique. são que desafiava ostensivamente os
Entre o renascer da mística nacionalista, «ventos da História» e levava às últimas
com o seu fruto imediato no sonho de um consequências, incluindo as de ordem jurí-
império africano, e a necessidade de ace- dico-constitucional, a mística de um Portu-
lerar a modernização europeia do país, a gal pluricontinental, estendendo-se do Mi-
República viverá mergulhada numa con- nho a Timor. Na hora do Terceiro Mundo,
tradição difícil de sanar. Em vão os seus era fatal que um tal sonho, afinal um outro
melhores intelectuais — os «seareiros» modo de sentir o império como ficção, se
António Sérgio, Raul Proença, Jaime Cor- volvesse em pesadelo e desse origem a
tesão — tentarão segurar as duas pontas um despertar convulso e confuso.
14
Introdução
Se a participação portuguesa na Pri- sociedade portuguesa. O trauma das guer-
meira Guerra Mundial, pelos seus efeitos ras coloniais fora, afinal, mais forte. E o po-
perversos no domínio financeiro e institu- tencial trauma do fim do ciclo de mais de
cional, foi em grande parte responsável cinco séculos de império ver-se-ia, então,
pelo rápido declínio e queda do regime re- facilmente sublimado pelo empenhamento
publicano, as guerras coloniais em Ango- na transição democrática com todos os
la, Moçambique e Guiné, entre 1961 e seus conflitos ideológicos, primeiro, na
1974, foram por sua vez a causa determi- construção de um destino europeu, com a
nante da queda do regime ditatorial do integração na Comunidade Europeia, de-
chamado Estado Novo. Em 1974 como em pois.
1926, as Forças Armadas intervinham Não terá sido esta a última e derradeira
em nome das exigências de uma difusa e confirmação do que houve de onírico e fic-
interiorizada opinião pública que, num ca- cional na aventura imperial dos Portugue-
so como no outro, exprimia mais uma re- ses, como Eduardo Lourenço tem vindo a
cusa do status quo do que uma alternativa acentuar? Uma aventura imperial que, afi-
político-ideológica predefinida. E se, des- nal de contas, raros e modestos sinais ex-
ta feita, assumem o compromisso da ins- teriores de poder produziu no seu território
tauração de um regime democrático parla- europeu e na sua própria capital. Onde
mentar e pluralista, nem por isso deixam está a monumentalidade de Lisboa com-
de se mostrar seduzidas num primeiro mo- parada com a das sedes de outros impé-
mento, graças ao activismo de uma mino- rios europeus? A sua majestade reside
ria, por modelos revolucionários terceiro- mais nesse seu magnífico estuário, como
-mundistas, que procuravam combinar a que a impelir-nos para o mar Atlântico, do
sua reconversão em «exército de liberta- que nos seus edifícios, de onde se desta-
ção» com o «recalcado» comunista de dé- cam mais os mosteiros do que os palá-
cadas. Portugal correu o risco, nesse agi- cios. Tal como no resto do país, como
tado período de 1974-1975, de sair de um mostram os casos de Mafra e Tomar. Sin-
anacronismo histórico para tombar noutro. tomaticamente, como se o império estives-
O vanguardismo revolucionário-militar es- se sempre fora de nós e fosse da ordem
barrou, porém, com profundas resistên- do milagre...
cias de mentalidade de largos estratos da Regressado a si próprio e reencontrado
população, eficazmente mobilizados pe- com a liberdade, Portugal lançou-se nos
los partidos democráticos, com os socia- braços da Europa, com o entusiasmo e
listas de Mário Soares à cabeça, e pela o frenesi de quem procurava recuperar o
Igreja Católica. tempo perdido nessa espécie de fuga de si
Consumada em curtíssimo prazo de próprio e dos tempos do isolamento sala-
tempo a descolonização, com a indepen- zarista e das guerras coloniais. Como que
dência total para as antigas colónias — dando razão, com um século de atraso, ao
com excepção de Timor Leste, que se viu programa das Conferências do Casino dos
anexado pela Indonésia até 1999, e de Ma- intelectuais da Geração de 70 e, com meio
cau, que se manteve sob administração século de atraso, aos apelos dos intelec-
portuguesa até 20 de Dezembro de 1999, tuais «seareiros». Foi a sua reconciliação
por acordo com a República Popular da com o espírito de abertura que, em Quatro-
China —, nem por isso ela foi sentida como centos, o lançou na aventura das desco-
um drama, se exceptuarmos o meio milhão bertas, mas que, em Novecentos, acabara
de retornados, no entanto logo reintegra- por fechá-lo numa redoma de vidro imune
dos com uma surpreendente rapidez na aos novos tempos, após séculos de oscila-
15
Introdução
ção entre uma atitude de isolamento e essa só no âmbito da União Europeia, e enquan-
atitude de abertura. to seus parceiros activos e intervenientes,
As exigências da participação de cor- poderão recuperar os atrasos que ainda
po inteiro na construção da União Euro- experimentam e enfrentar os desafios da
peia comandam, desde então, as mudan- globalização económica e das novas tec-
ças em curso nos diferentes domínios da nologias.
sociedade portuguesa, como amplamente Seria, todavia, demasiado empobrece-
se documenta ao longo dos sucessivos dor reduzir o destino de Portugal, ao cabo
capítulos desta obra. Mudanças opera- de uma aventura histórica de quase nove
das, aliás, em curtíssimo tempo, levando séculos, a uma simples nivelação pelos ín-
Portugal a fazer em 20 ou 30 anos o que dices de desenvolvimento estrutural euro-
os outros países europeus fizeram ao lon- peus. Como sugere Augusto Santos Silva,
go de 50 ou 60, apesar dos atrasos ainda a dialéctica do défice e da dissidência em
evidentes nos planos económico e educa- relação à Europa, que, como vimos, tanto
tivo. Sem que, como assinala António Bar- marcou a nossa cultura, pode e deve ser
reto («Portugal na periferia do centro: mu- superada por uma atitude de diferença co-
dança social: 1960 a 1995», in Análise municante (in Parte Devida, 1999, pp. 213-
Social, n.o 134, 1995, 5.o), tão numerosas e -214). Uma atitude que, em certa medida, a
bruscas viragens lhe tenham causado ver- última Exposição Universal de Lisboa em
tigem, graças a uma notável capacidade 1998 simbolizou, ao unir a capacidade de
de adaptação e absorção de conflitos. realização e o espírito de modernidade eu-
Mudanças que ainda não foram suficien- ropeus à abertura ao mundo, e ao ligar a
tes, porém, para anular a tensão latente nossa memória dos oceanos ao desafio
entre as expectativas e a vontade consu- universal da sua preservação ambiental.
mista dos Portugueses, ao nível dos euro- Uma atitude que deve, porém, ultrapassar
peus dos países mais desenvolvidos, e a a passividade acrítica e estimular sempre a
inferioridade do tecido económico e pro- afirmação de uma identidade nacional pró-
dutivo, das competências tecnológicas e pria, através da valorização do património
da experiência competitiva, que torna Por- e da criatividade cultural e artística, já que
tugal no mais periférico dos países do não há identidade possível sem memória e
centro, com as aspirações deste e as de- sem imaginário próprios. Uma atitude que
bilidades daquele, como sublinha o mes- deve fazer da política lusófona, no plano
mo autor (Portugal: 1960/1995: Indicado- externo, e duma eficaz política de integra-
res Sociais, 1996). ção dos imigrantes, no plano interno, a pon-
País de pobres com mentalidade de ri- te entre a vocação universalista do passado
cos, como desde as descobertas tantas e a afirmação internacional do presente.
vezes nos descobrimos? Uma tal dicotomia Para que o inevitável enfraquecimento do
já não dá conta da inegável melhoria dos Estado nacional não arraste consigo a dilui-
índices económicos, sociais e culturais en- ção dessa identidade de que ele foi o prin-
tretanto verificada, que vem relativizar a cipal agente construtor. Para que a globali-
alegada pobreza sem ignorar a subsistên- zação incontornável e a sociedade de
cia de ainda preocupantes índices de ex- informação necessária não nos transfor-
clusão e iliteracia, a fragilidade do actual mem nos «clones» uns dos outros e, em úl-
Estado-providência e a permanência de tima análise, numa América menor. E para
significativas assimetrias de desenvolvi- que a realista ocupação do nosso lugar
mento regional. De uma coisa estão, po- próprio na Europa não nos impeça de sa-
rém, hoje os Portugueses certos: é de que ber quem somos, afinal, como destino.
16
Introdução
As reflexões constantes desta introdu- ponsabilizado por todas as opiniões e inter-
ção devem muito ao diálogo interior que pretações que aqui deixei esboçadas.
mantive com Eduardo Lourenço (O Labirin- Também os colaboradores deste livro,
to da Saudade: Psicanálise Mítica do Desti- cuja disponibilidade e trabalho agradeço,
no Português, 1978, e Portugal como Desti- deram o seu contributo indirecto para esta
no Seguido de Mitologia da Saudade, reflexão introdutória.
1999) e José Mattoso (Identificação de Um A Simonetta Luz Afonso devo a iniciativa
País, 1985, Portugal: O Sabor da Terra, da obra, agora em 2.a edição revista e ac-
1998, e A Identidade Nacional, 1998). Co- tualizada, bem como o estímulo e exemplar
mo é óbvio, nenhum deles pode ser res- apoio à sua concepção e coordenação.
17
Introdução
O Estado
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O Estado
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António Reis
21
O Estado
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Retrato de Portugal
22
O Estado
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O Estado
23
O Estado
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Retrato de Portugal
uma abstenção ligeiramente superior a 50 são (artigo 288.o), incluindo entre outros a
por cento. Em compensação têm funciona- forma republicana de governo, a separa-
do órgãos de coordenação do planeamen- ção das igrejas do Estado, os direitos dos
to regional nas cinco regiões-plano em que cidadãos e dos trabalhadores, os princí-
se encontra dividido o continente: Norte, pios fundamentais de organização do Esta-
Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e do de direito democrático e a autonomia
Algarve. Já no que respeita aos 308 municí- político-administrativa dos arquipélagos dos
pios, a Constituição e a lei vieram consagrar Açores e da Madeira, a Constituição procu-
um vasto conjunto de atribuições próprias ra, também, assegurar a perenidade das
com os respectivos meios de financiamento. principais conquistas históricas, ou mais re-
Apesar disso, o poder central continua a ser centes, do Estado democrático moderno.
responsável pela gestão directa de mais de Também por estas razões a Constitui-
três quartos dos recursos do Estado. ção de 1976, apesar das controvérsias que
No domínio das relações internacionais, suscitou nos primeiros anos da sua vigên-
pautadas pelos valores humanistas e paci- cia, tem vindo a reforçar o seu prestígio,
fistas, assume particular relevo o reconhe- solidez e aceitação, contribuindo decisiva-
cimento do direito à insurreição contra to- mente para que Portugal viva a experiência
das as formas de opressão, a manutenção democrática mais conseguida da sua his-
de laços privilegiados de amizade e coo- tória.
peração com os países de língua portugue-
sa e o empenho no reforço da identidade
A organização
europeia.
do poder político
De entre as tarefas fundamentais come-
e a forma de governo
tidas ao Estado, para além das directamen-
te decorrentes dos valores liberais e solida- Na organização do poder político, submeti-
ristas do Estado de direito democrático, da ao princípio da separação, equilíbrio e
avultam a protecção e valorização do patri- controlo recíproco dos poderes, consagrou-
mónio cultural, natural e ambiental, a defe- -se uma forma de governo semipresidencia-
sa e difusão internacional da língua portu- lista ou, mais rigorosamente e sobretudo a
guesa e a promoção da igualdade entre partir da revisão de 1982, parlamentarista
homens e mulheres. com correctivo presidencial (cf. Vitorino,
Por último, impõe-se assinalar que a es- 1994).
tabilidade constitucional tem sido assegu- O presidente da República, eleito por
rada por um apertado regime de revisão, sufrágio universal e directo para um man-
quer quanto aos seus termos e prazos, dato de cinco anos, sem que seja admitida
quer quanto aos seus limites materiais. Ao a reeleição para um terceiro mandato con-
evitar a fórmula referendária, privilegiando secutivo, tem o poder de dissolução do
a aprovação por maioria de dois terços dos Parlamento unicameral (Assembleia da Re-
deputados em efectividade de funções, e pública, composta por 230 deputados elei-
sem que o presidente da República possa tos em 20 círculos eleitorais de acordo com
recusar a promulgação da respectiva lei de o sistema de representação proporcional e
revisão (artigo 286.o), a Constituição consa- o método da média mais alta de Hondt na
grou um mecanismo que aposta na criação conversão dos votos em número de man-
de consensos parlamentares interpartidá- datos) e de demitir o governo, neste caso
rios e previne soluções de ruptura política e apenas «quando tal se torne necessário
social. Ao estabelecer um vasto e signifi- para assegurar o regular funcionamento
cativo conjunto de limites materiais da revi- das instituições democráticas» (artigo
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195.o, n.o 2). Tem ainda o poder de subme- de funções determinam automaticamente a
ter a referendo questões de relevante inte- demissão do governo (artigo 195.o).
resse nacional, mediante proposta da As- Este sistema de governo permitiu supe-
sembleia da República ou do governo em rar com relativa facilidade as crises gover-
matérias das respectivas competências namentais ocorridas até 1987 e assegurar
(artigos 134.o e 115.o), bem como o direito a estabilidade das instituições. Conduziu,
de veto sobre diplomas emanados da As- com efeito, quer à neutralização imediata
sembleia da República, ainda que esta ou a curto prazo de governos de iniciativa
possa ultrapassar o veto presidencial con- presidencial sem base parlamentar de
firmando o seu voto por maioria absoluta apoio, como aconteceu em 1978-1979 com
ou de dois terços, conforme as matérias o III e IV governos constitucionais, quer ao
em causa (artigo 136.o). Por seu lado, o go- impedimento do prolongamento artificial de
verno, chefiado por um primeiro-ministro, governos de base parlamentar precária,
que é nomeado pelo presidente da Repú- como aconteceu em 1978, 1983 e 1985
blica, ouvidos os partidos representados com o II, VIII e IX governos constitucionais,
na Assembleia e tendo em conta os resul- quer ainda à inviabilização de alternativas
tados eleitorais, é responsável perante o de governo no quadro parlamentar com
presidente da República e a Assembleia duvidoso apoio na opinião pública, como
da República (artigos 187.o e 190.o). A re- aconteceu nas dissoluções parlamentares
jeição do programa do governo pela As- de 1979 e 1987, da responsabilidade, res-
sembleia da República, a não aprovação pectivamente, dos presidentes Ramalho
de uma moção de confiança ou a aprova- Eanes e Mário Soares.
ção de uma moção de censura por maioria Tendo a Constituição de 1976 estabeleci-
absoluta dos deputados em efectividade do um sistema eleitoral proporcional, que di-
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25-04-1976 02-12-1979
(intercalar)
PPD 73 PS 74
CDS 42 PS 107 AD 121
APU 47
PCP 40
PSD 7
UDP 1 UDP 1
FRS 71 PPD-PSD 75 PS 57
PRD 45 PPD-PSD
AD 126 PS 101 88
APU 44
APU 41 APU 38
CDS 30 CDS 22
UDP 1
PPD/PSD
8
19-07-1987 06-10-1991 01-10-1995
PS 60 PPD-PSD 88
PPD-PSD 148 PS 72 PPD-PSD 135
PS 112
CDU 31
PCP/PEV 17 CDS-PP 15
PRD 7 PCP/
CDS 5
CDS 4 /PEV
PSN 1
15
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O seu posicionamento crítico relativamente maoísta que estiveram na sua origem, para
às teses federalistas do PPE estivera na ori- adoptar o perfil ideológico de uma esquer-
gem do seu afastamento deste partido eu- da moderna, sensível a causas morais e cul-
ropeu. O PCP e o BE, por seu lado, têm vin- turais de natureza fracturante e empenhada
do a integrar o Grupo Unitário da Esquerda em lutas sociais no quadro da democracia
Europeia. Actualmente, o PS dispõe de 12 representativa e participativa.
deputados no Parlamento Europeu, o PSD Dos cinco partidos parlamentares,
de sete, o CDS-PP e o PCP de dois cada, e aquele que sempre conheceu uma mais
o BE de um. equilibrada implantação no território nacio-
Do ponto de vista programático, qual- nal é, sem dúvida, o socialista, enquanto os
quer dos quatro partidos parlamentares sociais-democratas e os populares têm os
mais antigos tem conhecido a sua evolu- seus bastiões no Norte e Centro, os comu-
ção. O PS, fundado em 1973 na Alemanha nistas na Grande Lisboa e no Alentejo e os
a partir da Acção Socialista Portuguesa bloquistas nos principais centros urbanos.
(ASP) de Mário Soares, cedo abandonou a Quanto aos arquipélagos atlânticos, a he-
componente marxista do seu ideário inicial gemonia dos sociais-democratas nas re-
para se situar no campo social-democrata giões autónomas da Madeira e dos Açores
reformista, tendo, aliás, sido precursor das foi, em relação a esta última, quebrada, a
viragens entretanto experimentadas no partir de 1996, pelos socialistas, que ga-
mesmo sentido pelos partidos socialistas nharam então, pela primeira vez, as res-
da Europa Latina, a partir da década de 80. pectivas eleições regionais.
O PSD, onde convergiram inicialmente as A principal fonte de financiamento dos
linhas de orientação social-cristã, liberal e partidos políticos tem sido o orçamento do
social-democrata, veio a subalternizar pro- Estado, na base do número de votos obtido
gressivamente esta última em favor das pri- por cada um nas eleições legislativas, des-
meiras, no âmbito de uma actuação gover- de que atinjam um mínimo de 50 000. A lei
nativa ou de uma estratégia oposicionista estabelece também limites às despesas
ditadas por um evidente pragmatismo. das campanhas eleitorais.
O CDS-PP, de matriz democrata-cristã e Também no que toca ao estatuto dos ti-
pretendendo inicialmente um posiciona- tulares dos cargos políticos e ao respectivo
mento centrista, veio, no início dos anos 90, regime de incompatibilidades, impedimen-
a adoptar uma orientação populista, conser- tos e responsabilidades, caminhou-se ao
vadora e assumidamente de direita, para, longo da primeira metade da década de 90
mais recentemente, lhe acoplar a sua inspi- para a definição de um quadro mais rigoro-
ração original. O PCP, que na revolução de so das condições de exercício dos cargos
Abril de 1974 era conhecido como o partido e mandatos, hoje, todavia, acusado de
comunista mais ortodoxamente marxista- uma excessiva rigidez com prejuízo para o
-leninista da Europa Ocidental, tem vindo a recrutamento qualificado dos agentes polí-
conhecer, após a queda dos regimes comu- ticos. A preocupação que esteve na base
nistas na antiga União Soviética e na Europa da lei aprovada em 1995 reflectia, porém, o
do Leste, uma lenta mas progressiva evolu- crescente sentimento de distanciação e
ção, que o leva hoje a aceitar a democracia desafeição do eleitorado em relação aos
política pluralista e representativa como seus representantes políticos, traduzido em
uma componente essencial do seu modelo taxas de abstenção cada vez mais altas.
de sociedade. Quanto ao BE, fundado só Com efeito, entre 1975 e 2005, a abs-
em 1999, cedo se libertou da matriz esquer- tenção eleitoral cresceu de uns modestíssi-
dista tradicional dos partidos trotskista e mos e nunca mais igualados 8,3 % nas
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R. NOV'98
%
R. JUN'98
80
PE'94
R. FEV'07
AC - Assembleia Constituinte
PE'04
70 AR - Assembleia da República
PR - Presidência da República
AL - Autárquicas
PE'99
PR'01
PE'89
60 R - Referendo
PE - Parlamento Europeu
AL'97
AR'02
AL'01
AL'89
AR'99
50
AL'05
PR'06
PR'91
AL'93
AL'85
AR'05
AL'76
PR'96
AR'95
AR'91
AR'87
PR'86-1
40
AL'82
PE'87
PR'86-2
AR'85
AL'79
PR'76
AR'83
30
AR'79
AR'80
PR'80
AR'76
20
AC'75
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va, motivada pela falta de informação, pela que o desinteresse pela política é notoria-
ocasional ausência de identificação com mente mais elevado em Portugal (entre
um partido ou ainda pela insuficiente dra- 68 % e 82 %) do que na média de seis a
matização do combate político — como co- dez países da União Europeia (entre 55 % e
rolário, aliás, da crescente estabilidade do 58 %). Comparado com a Alemanha, onde
sistema democrático e da diminuição da a taxa de desinteresse oscila entre os 30 %
conflitualidade social — situar-se-á nos 24 e 45 %, o contraste é ainda maior (cf. idem).
por cento. A estes últimos factores acresce Em contrapartida, assiste-se à prolifera-
igualmente a sensação de impotência de ção de outras formas menos tradicionais
muitos cidadãos em relação à partidocra- de intervenção na vida da comunidade, co-
cia dominante, bem como a chamada crise mo a assinatura de petições, a participa-
das ideologias, com o consequente senti- ção em manifestações de protesto ou em
mento de diluição das fronteiras partidárias movimentos de defesa de causas concre-
e o correlativo fenómeno de mediatização e tas ou ainda o apoio a formas de pressão
fulanização da vida política (cf. Cruz, 1994). de cariz neocorporativo. O direito de peti-
Por último, mas não menos importante, o ção para defesa dos direitos dos cidadãos,
caldo individualista e hedonista da cultura da Constituição, das leis ou do interesse
pós-moderna é de molde a desincentivar geral, bem como o direito de acção popu-
qualquer tipo de comportamento participa- lar para promover a prevenção, a cessação
tivo, e faz-se sentir particularmente nas ge- ou a perseguição judicial das infracções
rações mais jovens, que já não experimen- contra a saúde pública, os direitos dos
taram a privação das liberdades imposta consumidores, a qualidade de vida e a
pela ditadura. preservação do ambiente e do património
Os inquéritos disponíveis para o início cultural e assegurar a defesa dos bens pú-
da década de 90 demonstram, no entanto, blicos estão, aliás, consagrados na Consti-
Manifestação, em 1999, sob a forma de cordão humano, a favor da intervenção das tropas
da ONU em Timor Leste, em resultado dos violentos confrontos que tiveram lugar na
sequência do referendo acerca da independência daquele território.
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tuição Portuguesa (artigo 52.o), ainda que o ria cível e criminal, aos segundos compete
último seja raramente exercitado. o julgamento das acções e recursos con-
Com o objectivo de reforçar as possibili- tenciosos que tenham por objecto dirimir
dades de participação política dos cida- os litígios emergentes das relações jurídicas
dãos, a revisão constitucional de 1997 alar- administrativas e fiscais, e ao terceiro incum-
gou o leque de matérias passíveis de be a fiscalização da legalidade das despe-
referendo nacional e local, concedeu o di- sas públicas e de julgamento das contas
reito de iniciativa da lei e do referendo a que a lei mandar submeter-lhe, nomeada-
grupos de cidadãos eleitores, e acabou mente da Conta Geral do Estado, incluindo
com o monopólio partidário na apresenta- a da Segurança Social, e das contas das
ção das listas de candidatos aos órgãos regiões autónomas dos Açores e da Madei-
concelhios do poder local, mantendo em- ra. A revisão constitucional de 1997 aboliu
bora esse monopólio nas candidaturas à a existência permanente dos tribunais mili-
Assembleia da República. tares, limitando a sua constituição, para o
Está, entretanto, em aberto a possibilida- julgamento de crimes de natureza estrita-
de de rever a lei eleitoral para a Assembleia mente militar, ao período de vigência do
da República em moldes que proporcionem estado de guerra. É ainda admitida a exis-
uma maior aproximação entre os eleitores e tência de tribunais marítimos, tribunais ar-
os seus representantes. A adopção de cír- bitrais e julgados de paz.
culos uninominais, a par de círculos plurino- A desgovernamentalização das estru-
minais, constitucionalmente permitida, com turas judiciárias levou a um estatuto de
salvaguarda da proporcionalidade do siste- grande independência dos juízes, que go-
ma, tem vindo a ser encarada pelos dois zam de uma considerável margem de au-
maiores partidos como uma forma de contri- togoverno, gerida, no que toca aos juízes
buir para aquele objectivo. dos tribunais judiciais, pelo Conselho Su-
perior da Magistratura. Este órgão é presi-
dido pelo presidente do Supremo Tribunal
O sistema judicial
de Justiça e composto por dois vogais de-
Abolidos os tribunais especiais e garantida signados pelo presidente da República,
a independência dos juízes na sequência sete eleitos pela Assembleia da República
da implantação do regime democrático, a e sete juízes eleitos pelos seus pares. Por
Constituição consagrou uma organização sua vez, o Ministério Público goza igual-
judicial, assente em vários tipos de tribu- mente de autonomia e de estatuto próprio,
nais, e um estatuto próprio para os magis- separado do da magistratura judicial. Tem
trados. como órgão directivo a Procuradoria-Geral
Assim, para além do Tribunal Constitu- da República, presidida por um procura-
cional, criado com a revisão constitucional dor-geral da República (nomeado pelo
de 1982 e que herdou as funções de fisca- presidente da República, sob proposta do
lização da constitucionalidade das leis, até governo, para um mandato de seis anos) e
então atribuídas ao Conselho da Revolu- integrando o Conselho Superior do Minis-
ção, foram definidas três categorias de tri- tério Público, que inclui membros eleitos
bunais: o Supremo Tribunal de Justiça e os pela Assembleia da República e membros
tribunais judiciais de primeira e de segun- eleitos pelos magistrados do Ministério
da instância; o Supremo Tribunal Adminis- Público. Tanto os magistrados judiciais
trativo e os demais tribunais administrativos como os magistrados do Ministério Públi-
e fiscais; e o Tribunal de Contas. Os pri- co são formados, desde 1979, no Centro
meiros são os tribunais comuns em maté- de Estudos Judiciários, organismo respon-
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Retrato de Portugal
sável pela sua qualificação técnica e cien- tratamento mais urgentes e, sobretudo, a
tífica. vontade de as aplicar, superando os facto-
As garantias e a qualidade das solu- res de inércia do sistema e os corporativis-
ções consagradas constitucionalmente no mos instalados.
domínio da organização judicial não foram,
porém, suficientes para dar resposta cabal
As Forças Armadas
aos desafios colocados por uma crescente
procura da justiça por parte de cidadãos Com a revisão constitucional de 1982, que
ciosos dos seus novos direitos e impulsio- extinguiu o Conselho da Revolução e pôs
nada pela dinâmica económica e social fim ao sistema de autogoverno em que se
dos últimos vinte e cinco anos, apesar da encontravam desde a revolução de 25 de
excessiva desigualdade social no acesso Abril de 1974, as Forças Armadas passa-
ao direito que continua a caracterizar o sis- ram a estar integralmente subordinadas ao
tema. Tanto os agentes do aparelho judicial poder político democrático. A eleição do
como os seus utentes convergem de há primeiro presidente da República civil em
muito no reconhecimento do estado de cri- 1986 veio, por seu turno, reforçar no plano
se permanente da justiça portuguesa. simbólico essa dependência, aproximan-
A acumulação dos processos penden- do-as ainda mais do estatuto que as carac-
tes, a lentidão das decisões e o acentuado teriza nas democracias ocidentais.
risco das prescrições são consequências A lei e a prática política dominante
inevitáveis da carência de meios humanos preocuparam-se, entretanto, em salvaguar-
e de instalações condignas, do atraso na dar a isenção e o apartidarismo da insti-
informatização do sistema, do burocratis- tuição militar, conferindo-lhe ainda um
mo administrativo, dos hábitos de prolixida- apreciável grau de autonomia no plano es-
de e erudição na redacção das sentenças, tritamente organizativo, no âmbito de um
da falta de assessoria de apoio aos juízes, modelo constitucional e legal de controlo
da sobrecarga com contenciosos menores, político que corresponsabiliza equilibrada-
da ausência de mecanismos alternativos mente o presidente da República, o gover-
de resolução dos conflitos, de formalismos no e a Assembleia da República (cf. Vitori-
excessivos na interpretação da lei e do ex- no, 1998).
cesso de garantismo que estimula a litigân- Assim, o presidente da República, que
cia interminável para quem possui recursos exerce por inerência o cargo de coman-
avultados e bons advogados. Para além do dante supremo das Forças Armadas, no-
descrédito para a justiça e do sentimento meia e exonera os principais chefes milita-
de impunidade que resultam de tal estado res (chefe do Estado-Maior-General das
de coisas, com as consequências perver- Forças Armadas e chefes dos estados-
sas que se imaginam, não são também -maiores do Exército, da Armada e da For-
despiciendos os custos brutais que daqui ça Aérea), sempre sob proposta do gover-
decorrem para o funcionamento das em- no. A partir de 1995, a escolha dos nomes
presas e da economia em geral. propostos pelo governo deixou de estar
O consenso sobre o diagnóstico e a te- condicionada por uma lista prévia de três
rapêutica da crise da justiça tem-se vindo a nomes seleccionados pela própria insti-
impor ultimamente. Reflexo disso é a re- tuição militar, que passou a desempenhar
cente assinatura, em Setembro de 2006, de um papel meramente consultivo. A Assem-
um «pacto para a justiça» entre o partido bleia da República detém, por sua vez,
do governo e o principal partido da oposi- vastas competências legislativas no domínio
ção, o qual parece conter as medidas de da defesa nacional, definição dos deveres
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Retrato de Portugal
pronunciara esmagadoramente pela inde- seu tempo drasticamente reduzido para oi-
pendência. E entre Janeiro de 2000 e 2002 to meses no Exército, sendo quase inte-
participaram com um contingente de 800 gralmente substituído pelo voluntariado nos
homens na Untaet, a administração tran- restantes ramos. A partir da revisão consti-
sitória da ONU que preparou a transição tucional de 1997, deixou de ser uma obri-
para a independência do novo Estado de Ti- gatoriedade constitucional, passando a lei
mor Leste. Para além disso, designam for- a regular as suas formas. Em 2003 foi inte-
ças aéreas e navais para o Comando do gralmente substituído pelo regime de vo-
Atlântico da NATO e forças terrestres e aé- luntariado profissionalizado.
reas para o Comando da Europa da NATO,
designadamente para o seu Corpo de
As relações
Reacção Rápida, assegurando assim os
com os estados lusófonos
compromissos do Estado português no âm-
bito da Aliança Atlântica. Têm ainda forças No contexto da política externa e das rela-
atribuídas à União da Europa Ocidental ções internacionais do Estado português
(UEO). Também as acções de cooperação assumem particular relevo os laços privile-
técnico-militar com os novos países africa- giados de amizade e cooperação com os
nos de expressão portuguesa e as missões países de língua portuguesa, a que se refe-
de interesse público (fiscalização da pesca re o artigo 7.o da Constituição.
e da poluição ambiental na Zona Económica As feridas das guerras coloniais deram
Exclusiva e nas águas territoriais, operações rapidamente lugar a sentimentos de liga-
de busca e salvamento, obras de engenha- ção afectiva e cultural e de respeito mútuo
ria ao serviço da qualidade de vida das po- com os povos das ex-colónias africanas,
pulações) se viram revalorizadas neste novo traduzidos numa política de cooperação
contexto. e solidariedade a vários títulos exemplar e
O Exército foi naturalmente o ramo que que recolhe o apoio de todos os quadran-
sofreu a mais substancial redução de efecti- tes partidários portugueses. O regresso de
vos, que passaram de cerca de 170 000, em Portugal à sua matriz europeia foi, assim,
1973, para cerca de 23 000, em 2006. Na acompanhado por uma redefinição da sua
Armada a redução foi de 18 000 para 11 000 vocação extra-europeia, no desempenho
e na Força Aérea de 16 000 para 8000. de um papel de ajuda diplomática, econó-
A carreira militar foi aberta em 1993 às mu- mica e cultural que é hoje reclamado de
lheres e o serviço militar obrigatório viu o Cabo Verde a Timor Leste.
A constituição em 1997 da Comunidade
Primeiro-cabo dirigindo uma
autometralhadora. dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
representou simultaneamente o coroamento
de um processo de normalização e aprofun-
damento das relações com os novos esta-
dos de língua oficial portuguesa e o Brasil e
o ponto de partida para iniciativas conjuntas
no plano político, económico e cultural, no
respeito pelas instituições democráticas e
pelos direitos humanos, que contribuam
igualmente para a afirmação desta comuni-
dade no sistema internacional.
Neste contexto assume ainda particular
importância o apoio que tem vindo a ser
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canalizado pelo Estado português para a unificação política, se têm visto progressi-
reconstrução e desenvolvimento de Timor vamente lateralizados pelas próprias ca-
Leste, directamente e através da sensibili- racterísticas e exigências do processo de
zação da comunidade internacional, bem decisão comunitário e pelo inevitável alar-
como a colaboração com a ONU em todo o gamento do âmbito de matérias objecto do
processo que conduziu à independência ordenamento jurídico comunitário. Sem es-
daquela antiga colónia portuguesa do Ex- quecer o crescente peso da tecnoburocra-
tremo Oriente. cia administrativa nacional, que se reporta
muitas vezes directamente à Comissão Eu-
ropeia e à sua estrutura administrativa, as-
A relação com a União
sim contribuindo também para a relativa
Europeia
perda de poder dos órgãos de soberania
A participação activa de Portugal no pro- enquanto tal (cf. Vitorino, 1994).
cesso de unificação política europeia e a A consciência das inevitáveis limitações
sua integração no núcleo de países funda- de soberania postuladas pela crescente in-
dores do euro veio naturalmente redefinir tegração europeia não só não inibe como
os limites da soberania do Estado, alienan- estimula uma intervenção mais activa do
do em prol da União Europeia algumas das Estado português nas instituições comuni-
suas funções tradicionais e limitando signi- tárias, onde se vem batendo por soluções
ficativamente o alcance de outras. Tratou- que, beneficiando a União Europeia no seu
-se do preço a pagar para vencer o atraso conjunto, se repercutem igualmente de for-
estrutural da sociedade portuguesa e con- ma positiva no desenvolvimento da socie-
ferir-lhe padrões superiores de qualidade dade portuguesa e na salvaguarda dos in-
de vida. Não foram apenas as competên- teresses nacionais. Foi este o espírito que
cias do banco central português que se vi- presidiu à negociação da Agenda 2000,
ram substancialmente reduzidas em fun- onde, apesar das dificuldades de uma con-
ção da adopção do euro. Foram também juntura restritiva, foi possível garantir a con-
os órgãos de soberania em geral — presi- tinuidade de importantes ajudas estruturais
dente da República, Assembleia da Repú- até 2006, no âmbito do III Quadro Comuni-
blica, governo e tribunais — que, em con- tário de Apoio. E foi este também o espírito
sequência da realização do projecto de que conduziu à aprovação de um novo arti-
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questionável actualidade, apesar dos es- português está no bom caminho, cada vez
forços que têm vindo a ser empregues e da mais empenhado em assumir por inteiro as
crescente utilização dos recursos das tec- suas responsabilidades no âmbito da
nologias de informação, na sequência do União Europeia e de outras organizações e
recente programa Simplex. alianças internacionais como o Conselho
Uma justiça mais rápida e eficiente, da Europa, a Organização para a Seguran-
mais próxima e acessível aos cidadãos e ça e Cooperação Europeia (OSCE), a ONU
com os meios adequados para combater a e a NATO. O reforço dos mecanismos de-
corrupção e a criminalidade económica é mocráticos de controlo dos poderes da
hoje uma exigência generalizada da socie- União Europeia deve, porém, merecer-lhe
dade portuguesa. Mais do que dramatizar uma atenção permanente. Tal como o re-
a sua relação com os agentes políticos, im- forço dos poderes ou mesmo a criação de
porta rendibilizar ao máximo as virtualida- instâncias internacionais de regulação da
des da orgânica instituída e conferir-lhe os globalização económica em curso. Conti-
meios práticos de actuação. nuar a apostar a fundo nas relações com
No plano da defesa e da política exter- os países de língua portuguesa é também
na, por último, tudo indica que o Estado um imperativo incontornável.
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O Estado
Sociedade
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A sociedade
O território
A língua portuguesa
A comunicação social
A sociedade do conhecimento
e da informação
O desporto
A sociedade
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João Ferreira de Almeida
Luís Capucha
António Firmino da Costa
Fernando Luís Machado
Anália Torres
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Sociedade
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Retrato de Portugal
O Pavilhão da Utopia, palco de inúmeros espectáculos e uma das principais atracções durante
a Expo 98, agora designado Pavilhão Atlântico.
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A sociedade
Estudantes na população dos 20-24 anos 1,7 3,5 5,8 11,8 23,9
Estudantes do sexo feminino no ensino superior 29,5 43,6 45,0 55,0 55,2
cativamente um ponto percentual, apesar de vida, dos status sociais e dos padrões
de ter aumentado bastante desde 1960. culturais.
A partir daí, o crescimento tem sido bastan- Em todo o caso, apesar do crescimento
te acentuado. No início do século XXI, pas- dos níveis de escolarização, a distância
sou-se dos 10 %. O que vai a par do facto gritante e persistente em relação às médias
de Portugal ser o país da UE em que, ulti- dos países da UE ou da OCDE, ou mesmo
mamente, o número de estudantes do ensi- um certo atraso a este respeito comparati-
no superior tem tido uma taxa de aumento vamente com os países europeus com ní-
mais elevada. Se em 1960 a fracção de es- veis de desenvolvimento mais próximos —
tudantes na população entre 20 e 24 anos que também vão subindo, uns e outros, os
era de 1,7 %, em 2001 atingia já 23,9 %, seus padrões de formação escolar —, co-
menos do que um quarto da população loca ao futuro de curto e, sobretudo, de
dessa faixa etária, mas muito acima do que médio prazo questões sérias de qualifica-
acontecia poucos anos antes. ção, de empregabilidade e de competitivi-
A diferença entre os actuais perfis de dade, de modernização e desenvolvimen-
escolaridade da população e os dos res- to, a solicitar investimentos profundos e
pectivos pais é, assim, muito grande. Os alargados neste domínio.
efeitos de recomposição social implicados Um dado revelador de outra faceta des-
neste processo são altamente significati- tas dinâmicas é o da proporção crescente
vos, quanto às distribuições de qualifica- de mulheres no ensino, e, o que é particu-
ções escolares, em si mesmas, e quanto larmente significativo, no ensino superior.
às suas repercussões em planos como os Actualmente, a população jovem a frequen-
das ocupações profissionais, dos estilos tar as universidades, e aquela que obtém
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Sociedade
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Retrato de Portugal
do número e do peso relativo destas duas tuação? A resposta a estas perguntas, bem
categorias sociais. São, por isso, também, como o alcance e o sentido das transforma-
as duas vias responsáveis por grande par- ções ocorridas, é mais claramente perceptí-
te dos fluxos de mobilidade social ascen- vel quando se procura interpretar de forma
dente que ocorreram em Portugal nestas conjugada as oscilações dos referidos indi-
últimas décadas. cadores com valores e opiniões a respeito
da família. O que resulta desta análise cru-
zada é que se está em presença de uma
Estruturas familiares
valorização específica da vida familiar.
e situação das mulheres
Na verdade, sempre que em inquéritos
Em Portugal, nos últimos trinta a quarenta sobre valores se confrontaram os Portu-
anos, tal como aconteceu nos restantes paí- gueses e, de resto, os Europeus, com
ses da UE e na maioria dos países ociden- questões relativas à importância da vida fa-
tais, verificaram-se mudanças significativas miliar ou do casamento, as respostas foram
nos indicadores demográficos referentes inequívocas. A vida afectiva e familiar é
aos comportamentos familiares: desceram sempre considerada da máxima importân-
as taxas de natalidade e da nupcialidade, cia para a felicidade pessoal (Almeida e
diminuiu a dimensão média dos grupos do- Guerreiro, 1993; Torres, Mendes e Lapa,
mésticos e a percentagem de famílias com- 2006). Abordagens mais qualitativas permi-
plexas; em contrapartida, aumentou a taxa tiram ainda salientar que se sobrevalorizam
de divórcio, subiram os nascimentos fora do os aspectos de maior flexibilidade e plasti-
casamento, aumentaram os agregados de cidade das formas familiares, se dá mais
pessoas sós (ver quadro da p. 51). A par atenção ao conteúdo relacional do que aos
destas transformações, a subida da taxa de aspectos formais e institucionais, o que po-
actividade feminina e, sobretudo, a cres- derá contribuir para explicar quer a desci-
cente participação de mães com filhos pe- da da nupcialidade, quer os nascimentos
quenos no mercado de trabalho, com ób- fora do casamento e o aumento do divórcio
vios impactes directos na vida familiar, foi (Torres, 1996; 2002). Insiste-se numa visão
também extremamente nítida. mais igualitária da relação entre cônjuges e
A configuração resultante dos indicado- nessa lógica a actividade feminina no exte-
res referidos permite reconhecer, em ter- rior é vista também como propiciadora de
mos gerais, que Portugal acompanhou os maior autonomia das mulheres. Reduz-se o
outros países europeus no sentido global número de filhos esperando-se da relação
das transformações ocorridas, mas não fortes gratificações emocionais, valorizan-
deixa de manter alguma especificidade da- do-se ainda o respeito pela vontade pró-
do que partiu para o mesmo movimento pria dos descendentes, com esbatimento
de patamares diferentes e conheceu ritmos dos procedimentos e das lógicas autoritá-
de transformação eles próprios particula- rias. Nas relações de interajuda entre gera-
res. Antes ainda de situar comparativamen- ções, tende a sublinhar-se idealmente a di-
te Portugal no contexto internacional, vale a mensão afectiva em detrimento da lógica
pena, de forma genérica, caracterizar as da prestação de serviços. A visão laica e
mudanças referidas. secular do casamento sobrepõe-se à pers-
Porque descem a natalidade e a nupcia- pectiva sacramental na generalidade dos
lidade? Porque aumentam o divórcio e os países europeus (Ester, Halman e De Moor,
nascimentos fora do casamento? Porque é 1994) e, embora o casamento católico te-
crescente o número de mulheres que traba- nha descido, mais significativa do que essa
lha fora de casa e se quer manter nessa si- descida parece ser a tendência para o en-
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carar numa perspectiva ritualista e prag- Sul, a entrada na vida conjugal faz-se pelo
mática (Almeida et al., 1998; Torres, 2002). casamento e não pela coabitação, sendo
Numa palavra, e ao contrário do que numa por isso a nupcialidade mais alta e meno-
primeira fase de surgimento destas mudan- res os valores dos que vivem em união de
ças se pretendeu fazer crer com a ideia de facto, por referência aos países da Europa
crise da família, o que declinou foram ape- do Centro e do Norte. No Sul, temos maior
nas as configurações familiares e os valo- número de famílias complexas e menos
res de carácter mais tradicionalista. pessoas a viver sós.
São estas tendências gerais no plano Distinguimo-nos, porém, dos outros paí-
dos valores que contribuem para explicar a ses do Sul em diversos indicadores. Os va-
transformação dos indicadores demográfi- lores do divórcio e os dos nascimentos fora
cos que se verificou em toda a Europa. Mas do casamento, apesar de serem mais bai-
se o movimento foi na mesma direcção, os xos do que na Europa do Centro e do Norte,
países partiram de diferentes patamares. são mais elevados do que na Itália, na Es-
O indicador demográfico em maior conver- panha e na Grécia. Quanto à taxa de activi-
gência em toda a UE é provavelmente o índi- dade feminina, tal como em relação a outro
ce sintético de fecundidade, ou a descen- conjunto de indicadores referentes à situa-
dência média, já que se situa sempre abaixo ção das mulheres, que referiremos adiante,
da reposição das gerações. Contudo, mes- estamos mais próximos dos países nórdicos
mo aqui se verificam variações sensíveis, re- do que dos da Europa do Centro e muito
gistando os países nórdicos valores para os mais distantes da Europa do Sul.
índices sintéticos de fecundidade acima dos Diversos factores podem explicar estas
países da Europa do Sul. especificidades. Portugal tinha ainda no
Que especificidades apresenta Portu- início dos anos 60, como se viu, uma es-
gal, nos aspectos focados, em relação aos trutura social marcadamente tradicional,
outros países europeus? Como nos distin- com fortes assimetrias sociais, grande pe-
guimos? Em que nos aproximamos? Em so da agricultura, indústria pouco moder-
Portugal, tal como no resto da Europa do nizada, serviços incipientes ligados a lógi-
Dimensão média dos grupos familiares 3,8 3,7 3,4 3,1 2,8* 2,8**
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cas tradicionais, uma população com que é aí que mais se casa, menos se coa-
baixos níveis de formação escolar. São ló- bita, menos filhos há fora do casamento,
gicas sociais que tendem a valorizar uma mais se pratica o casamento católico e me-
perspectiva mais tradicionalista da família. nores são os valores do divórcio. Em Lis-
As mudanças entretanto ocorridas no pla- boa e Vale do Tejo, bem como no Algarve e
no económico e social, o crescimento das um pouco menos no Alentejo, são sempre
chamadas classes médias e, mais tarde, a mais elevados do que no Norte e Centro os
abertura no plano das liberdades e das valores que apontam para perspectivas
ideias permitida pelo 25 de Abril de 1974 menos tradicionalistas.
tiveram impacte nas práticas e nos valores Apesar de estas serem diferenças que
referentes à família. Podemos falar assim permanecem ao longo das últimas déca-
de uma convergência, ainda que tardia e das, a verdade é que o sentido global das
relativa, com os restantes países euro- transformações é o mesmo. Isto é, também
peus. Mantêm-se algumas especificida- no Norte e no Centro tendem a descer indi-
des, num processo a que se chamou de cadores como o casamento católico, a
«modernidade inacabada» (Machado e nupcialidade e a natalidade, e a subir os
Costa, 1998). nascimentos fora do casamento e o divór-
No próprio cenário nacional podemos cio. Os valores são porém consistentemen-
encontrar diferenças significativas nos indi- te inferiores aos das regiões do Sul, com
cadores demográficos que temos vindo a excepção, para alguns deles, da região do
referir. As regiões do Norte e do Centro Grande Porto.
apresentam, de forma consistente, diferen- Estas diferenças não impedem a notá-
ças em relação às de Lisboa e Vale do Te- vel convergência de opiniões que se verifi-
jo, Alentejo e Algarve (ver quadro abaixo). ca a nível nacional quando analisamos as
Tudo indica que no Norte e no Centro respostas a inquéritos sobre a família, a
se tende a valorizar mais as instituições, já conjugalidade, o divórcio e outros aspec-
NUTS II Casamentos Em união Nados-vivos Taxa bruta Taxa bruta Taxa bruta
católicos de facto* fora do de de divórcio de
casamento nupcialidade natalidade
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tos relacionados como, por exemplo, a si- traduz-se no facto de a diferença entre ho-
metria entre homens e mulheres na família mens e mulheres perante a actividade eco-
e no trabalho. É possível que mais do que nómica, o que habitualmente se designa
serem modernos, muitos portugueses gos- por segregação ocupacional, ser das me-
tem da ideia da modernidade, deixando nores da Europa a 15 e a 25. Portugal apro-
claramente para trás as práticas corres- xima-se aqui, novamente, dos países nórdi-
pondentes. Por exemplo, em relação à divi- cos e agora também de alguns dos
são das tarefas domésticas e dos cuidados parceiros europeus mais recentes da Euro-
com os filhos, os homens portugueses es- pa a 25. Em 2004, a diferença quanto à
tão entre aqueles que menos nelas partici- participação directa na actividade econó-
pam com as mulheres mas são, simulta- mica entre homens e mulheres na Suécia,
neamente, dos que mais consideram que na Finlândia e na Dinamarca situava-se
estas podem e devem trabalhar fora de ca- sempre abaixo ou na zona dos 10 %
sa em paridade com os homens. (7,7 %, 9 % e 10 %, respectivamente) e em
E quanto à situação das mulheres? Co- Portugal subia para 15 %, tal como na Hun-
mo se viu atrás, a evolução da participação gria, e para um pouco menos (14 %) na Es-
das mulheres no mercado de emprego é tónia. Mas tais diferenças em países como
muito significativa em Portugal (ver quadro a Espanha, Itália ou Grécia atingiam nos
da p. 47). Comparando os dados do recen- três países do Sul os 23 %.
seamento de 1981 com os de 2001 con- É claro que as distinções entre homens
clui-se pela existência de mais 900 000 e mulheres perante o mercado de trabalho
mulheres com actividade económica em não se resumem à proporção quantitativa
2001 havendo, em contrapartida, apenas das respectivas participações. A discrimi-
mais 90 000 homens do que há vinte anos nação feminina no emprego está relaciona-
atrás (Torres, 2004). Esta espectacular pro- da com a inserção das mulheres em certas
gressão feminina no mercado de trabalho actividades e ocupações, em geral menos
traduz-se na presença muito significativa qualificadas, e em sectores de actividade
de mulheres em várias categorias socio- globalmente mais mal remunerados. Mesmo
profissionais, das menos qualificadas às quando ocupam lugares mais qualificados
mais qualificadas1. Quanto às últimas, de tendem a não ocupar os lugares de topo
resto, verifica-se que há mesmo hoje mais dessas carreiras, pelo efeito que se tem
mulheres quadros médios e superiores do chamado de «tecto de vidro». A esta discri-
que homens2. Não pode no entanto deixar minação estão associados factores ideoló-
de se sublinhar, em simultâneo, a forte con- gicos, como aqueles que contribuem para
centração de mulheres em sectores de me- que se atribua às mulheres, mesmo quando
nor qualificação. trabalham fora de casa, situação da grande
Esta grande proximidade entre os sexos maioria, o essencial das responsabilidades
quanto à presença no mercado de trabalho familiares. Assim, as diferenças de remune-
ração entre os sexos, embora se tenham es-
1 Os números absolutos são concludentes: em 1981 batido sobretudo a partir dos anos 80, são
havia 2 649 000 homens activos passando em 2001
para 2 742 000, enquanto as mulheres activas eram
ainda significativas. No caso português as
1 377 000 em 1981 e passam para 2 248 000 em 2001. mulheres, em 1994, ganhavam apenas cer-
2 Quanto aos quadros médios e superiores em 2001
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uma fraca progressão3. Dados de inquéri- Silva, 1998; Torres et al., 2004). Os grupos
tos nacionais revelam também que mesmo domésticos com menos recursos económi-
para níveis de escolaridade semelhantes cos são também aqueles que com menos
(ensino básico e secundário) os homens, ajudas podem contar, o que, evidentemen-
em termos de remuneração média líquida te, agrava os respectivos problemas.
mensal, situam-se no escalão de rendimen- Outros resultados de pesquisa têm
to imediatamente acima do das mulheres, mostrado que, parecendo indispensável a
auferindo entre 375 e 750 euros, enquanto participação das mulheres na actividade
a maioria destas se concentra no grupo de económica para o equilíbrio mínimo dos or-
rendimentos até aos 375 euros4 (Torres et çamentos familiares, devido também aos
al., 2004). Comparando a nossa realidade baixos salários dos homens em Portugal,
com a de outros países da Europa quanto não são apenas razões de natureza finan-
às diferenças salariais entre homens e mu- ceira que explicam a nossa taxa de activi-
lheres verificamos que em 2000 a nossa di- dade feminina elevada. O trabalho profis-
ferença se situava, como já se referiu, nos sional constitui igualmente um elemento
22,4 % mas esse valor era inferior na Hun- muito importante no plano da identidade
gria (19,5 %), na Espanha (18,5 %), na Fin- social das mulheres, as quais afirmam que
lândia (17,8 %), na França (16,4 %) e na ele lhes confere mais autonomia e auto-
Noruega (14,5 %)5. -estima (Torres, 2004; Torres, Mendes e La-
A particularidade mais relevante da for- pa, 2006). No entanto, as horas ocupadas
ça de trabalho feminina portuguesa em re- no trabalho pago associadas a uma divisão
lação às congéneres europeias, em todo o muito desigual do trabalho não pago — as
caso, é o facto de o trabalho ser basica- tarefas domésticas e os cuidados com os
mente a tempo completo e o facto de as filhos —, num quadro de escassos apoios
mães com filhos pequenos não abandona- institucionais, significam inevitavelmente
rem a actividade laboral. Portugal era as- sobrecarga de trabalho para as mulheres
sim o país da UE a 15 em que as mães de (Torres et al., 2004).
filhos pequenos e as mulheres de forma Característica também relevante da
global trabalhavam mais horas. Trata-se de participação feminina na actividade econó-
uma situação que, como existem fracos mica, quer das portuguesas, quer das ou-
apoios em termos de equipamentos públi- tras europeias, é o facto de se verificar uma
cos e cada vez menos se pode contar com correlação positiva entre os maiores níveis
o recurso aos familiares para tomar em per- de escolaridade obtidos e a participação
manência conta das crianças, se traduz em no mercado de trabalho. Como se pode ver
sobrecarga financeira para as famílias ou no gráfico ao lado, que mostra a elevadíssi-
em más soluções socioeducativas, como ma média de participação na actividade
se conclui em estudos recentes (Torres e das mulheres da Europa a 15 com ensino
superior (85 %), as mulheres portuguesas
3
com este nível de ensino são as que mais
Cf. INE, Perfil Género, www.ine.pt.
4 O inquérito a que estes dados se referem foi reali- participam no mercado de trabalho (91 %).
zado em 1999 e aplicado a uma amostra representa-
tiva de homens e mulheres entre os 20 e os 50 anos
Estes resultados confirmam, por outro lado,
ao nível nacional (continente). Trata-se, por isso, de que não são só razões de natureza finan-
uma amostra da população jovem com uma média
de idades de 37 anos (Torres et al., 2004). O que, ceira que explicam o crescimento da taxa
associado ao facto já conhecido da nossa baixíssi- de actividade feminina. Trata-se de uma
ma escolaridade média, contribui de certo para ex-
plicar que estes valores quanto ao rendimento líqui- tendência estrutural das sociedades con-
do mensal sejam tão baixos. temporâneas, bem marcada na sociedade
5 Cf. United Nations Economic Commission for Euro-
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A sociedade
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Ensino básico Ensino secundário Ensino médio e superior
Fonte: TORRES, Anália, Vida Conjugal e Trabalho, Oeiras, Celta Editora, 2004.
Quando se analisam os dados sobre a tente em 2001 parece confirmar esta ten-
frequência universitária, verifica-se que dência que se esboçava no início dos anos
em toda a UE há mais mulheres do que ho- 90. Em primeiro lugar, Portugal (51,7 %)
mens a frequentar as universidades. Em surge logo a seguir à Itália (51,8 %) sendo
Portugal assume valores acima da média: estes os únicos países da Europa a 15 em
em 2001, 55,2 % dos estudantes portu- que se verifica ligeira supremacia das mu-
gueses que frequentavam a universidade lheres doutoradas relativamente aos ho-
eram mulheres (ver quadro da p. 47). Se a mens, embora na Europa a 25 a Lituânia
frequência assume estes valores, a finali- (52,5 %) e a Estónia (51,7 %) ultrapassem
zação dos diplomas é ainda mais favorá- ligeiramente estes valores. Em segundo
vel às mulheres em Portugal: no ano lecti- lugar, é interessante verificar a distribui-
vo de 2004-2005 65 % dos diplomados ção das doutoradas por áreas científicas.
eram mulheres6. Ainda quanto à participa- Aqui Portugal destaca-se claramente de
ção na vida universitária, vale a pena sa- todos os outros países da Europa a 25
lientar que as mulheres portuguesas têm quase sempre por ser o país em que as
sido das mais representadas em cursos mulheres têm uma participação mais ele-
ditos tradicionalmente masculinos. No ano vada em áreas de formação habitualmente
lectivo de 1992-1993 em Engenharia e Ar- mais masculinizadas. Assim, para valores
quitectura as mulheres constituíam 28 % registados em 2001, em «ciência, mate-
dos estudantes (média europeia: 18 %), máticas e computação» Portugal tem uma
em Ciências Naturais eram 61 % (média percentagem de mulheres doutoradas de
europeia: 44 %) e em Matemáticas 45 % 49,8, quando a média da Europa dos 15 é
(média europeia: 28 %). A percentagem de de 35,7 %, em «engenharia e constru-
mulheres com grau de doutoramento exis- ção», 39,1 %, quando a média é de
20,6 %, e em «ciências sociais, gestão e
6 Fonte: Observatório da Ciência e Ensino Superior
direito», 46,1 %, quando a média é 39,3 %
(OCES/MCTES). (European Comission, 2003).
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Esta tendência vinha já, de resto, a es- mulheres com maiores níveis de instrução
boçar-se também nos anos 80, e explica- oportunidades de emprego (professorado,
-se também pela falta enorme de quadros função pública, empresas). Uma vez no
na ciência que o crescimento universitário mercado de trabalho, outras condições fa-
e a mudança política em 1974 vieram reve- voráveis, como a obtenção de apoios do-
lar (Amâncio, 2003). Embora também se mésticos pagos a baixo preço, permitiram-
verifique que há predominância de mulhe- -lhes a conservação do emprego mesmo
res nos recursos humanos em ciência e depois de terem filhos. As jovens desse
tecnologia (mais de 70 %) e mesmo no nú- tempo serão hoje as mães das que fre-
mero de investigadores, a verdade é que quentam os cursos superiores, dispostas,
quando se trata de lugares de senioridade também elas, a conciliar o trabalho com a
académica, eles são basicamente ocupa- vida familiar. Com efeito, vários resultados
dos pelos homens. Em Portugal a percen- de pesquisa convergem no sentido de
tagem de mulheres que ocupa este tipo de mostrar a influência do modelo materno na
lugares atinge apenas os 23,9 %, sendo, disposição para a actividade económica
ainda assim, a mais elevada da Europa dos exterior das jovens mulheres.
15, onde a média é de 15,2 % (European Também estas especificidades não im-
Comission, 2003). pedem, contudo, a discriminação feminina.
Como explicação para a existência em Persistem na sociedade portuguesa fortes
Portugal de mais mulheres em lugares ha- assimetrias entre homens e mulheres que fi-
bitualmente mais ocupados por homens cam bem patentes na distância em relação
têm sido apontados factores da história re- à participação nos órgãos do poder político.
cente. Entre eles, como se referiu, a Guerra A representação das mulheres no parla-
Colonial (1961-1974), que, mobilizando os mento nacional ficava-se até à passada le-
jovens do sexo masculino, abriu para as gislatura pelos 13 %, situando-se Portugal
no conjunto dos países da UE que menos
Jornada no Parlamento sobre participação
feminina na política. favorecem a respectiva participação política
(Viegas e Faria, 1999). Assinale-se que na
legislatura iniciada em 1999 essa represen-
tação subiu para os 19 %, atingindo os
21,3 %, em Fevereiro de 2005, aquando das
últimas eleições legislativas.
No que se refere à violência sobre as
mulheres, por outro lado, os últimos anos
têm sido de tentativa clara de denúncia pú-
blica destas situações. Mudou a lei, que
considera agora a violência doméstica
como crime semipúblico. Várias organiza-
ções não governamentais têm tido papel re-
levante no processo de denúncia deste
atentado aos direitos humanos e foi criado
recentemente um grupo de missão a nível
governamental contra a violência domésti-
ca. Os números da violência são difíceis de
detectar mas cruzando várias fontes tem si-
do avançado que Portugal é, no contexto
Europeu, um dos países com maior incidên-
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cia de violência doméstica, havendo uma nhece uma viragem a partir dessa data. Os
mulher em cada três vítima desse tipo de novos destinos preferenciais passam a ser
crime, enquanto a média Europeia seria de os países desenvolvidos da Europa, com
uma em cinco mulheres. Estudos mais apro- grande destaque para França, e verifica-se
fundados têm apontado para uma situação um enorme incremento das saídas. Entre
gravosa, encarada ainda por parte de mui- 1955 e 1974, com o pico máximo na segun-
tas mulheres com resignação e passividade da metade dos anos 60, o total de saídas,
(Lourenço, Lisboa e Pais, 1997). legais e clandestinas, é estimado em 1,6
milhões, um número pesadíssimo face à di-
mensão do país (Peixoto, 1999).
Migrações e minorias
Se, em termos de demografia geral, a
Portugal tem sido, do ponto de vista migrató- emigração foi responsável por uma perda
rio, um país de todos os fluxos. Para além sensível de população, muito maior do que
das migrações internas, de fixação virtual- aquela que autoridades e números oficiais
mente definitiva, que, sobretudo nos anos reconheceram na altura, por outro lado,
60 e 70, levaram à extrema litoralização do juntamente com as migrações internas, ela
país, há a registar, no plano externo, quatro afectou de modo particularmente grave as
importantes movimentos de população: emi- regiões interiores do país, sob a forma de
gração, retorno das ex-colónias, regresso abandono dos campos, e também de mui-
de emigrantes e imigração. À excepção do tas zonas menos desenvolvidas da faixa li-
segundo, todos eles são fluxos em aberto. toral. Os efeitos negativos foram multiplica-
A emigração acompanha a história por- dos pelas dinâmicas de desenvolvimento
tuguesa como um dos seus factores estru- desigual da própria sociedade portuguesa
turais. Ela foi contínua e numericamente e levaram à progressiva desvitalização de-
significativa até meados da década de 50, mográfica, económica e social de muitas
em que se procurava principalmente desti- dessas áreas, processo cujas marcas são
nos não europeus — Brasil, Estados Uni- ainda hoje visíveis e que é de difícil recupe-
dos da América (EUA), Venezuela —, e co- ração.
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cas e a expansão da construção civil, sec- tes chegaram dos vários países africanos
tores que depressa ficaram estruturalmente de língua oficial portuguesa (PALOP). Com
dependentes do trabalho imigrante. poucas excepções, independentemente
Dadas, também, a ausência de um da sua origem nacional e do seu nível de
efectivo controlo de entradas — ao mesmo qualificações — particularmente elevado
tempo que os países europeus centrais o no caso dos provenientes de países do
aumentavam —, e a rápida formação de re- Leste — estes imigrantes chegaram para
des migratórias, facilitando a vinda e inser- integrar os segmentos secundários e mais
ção de novos interessados, a migração desqualificados do mercado de trabalho.
africana multiplicou-se praticamente por A única diferença é que, dentro desses sec-
três num período de dez anos, passando tores de trabalho manual e executante, se
de 38 000 pessoas, em 1986, para cerca assistiu à diversificação de localizações,
de 110 000, em 1996. Os cabo-verdianos com os imigrantes de países de Leste, em
representam aproximadamente metade particular, a entrarem na agricultura e na in-
deste contingente, seguindo-se angolanos dústria transformadora, o que também mu-
e guineenses. Moçambicanos e são-to- dou parcialmente a geografia nacional da
menses constituem populações de peque- imigração (Baganha, Marques e Góis, 2004).
na dimensão. Além da componente lusófona e da de
Quanto aos brasileiros, o seu número Leste, um terceiro segmento da imigração
cresceu de forma igualmente rápida nesse económica é o constituído por asiáticos —
período de dez anos: de 7500 para mais de chineses, indianos, paquistaneses, bangla-
20 000. A composição socioprofissional deshianos. A imigração a partir desses paí-
dessa primeira vaga brasileira é, contudo, ses tem crescido pouco a pouco desde
bastante diferente da africana. Se esta se meados dos anos 90, mas não tem peso
destinava, basicamente, à construção civil, quantitativo comparável com as anteriores.
do lado masculino, e aos serviços pessoais Em 2006, os asiáticos de nacionalidade es-
e domésticos, do lado feminino, no caso trangeira eram cerca de 25 000, o corres-
brasileiro um segmento desqualificado pondente a 5 % do total de estrangeiros.
coexistia, em partes iguais, com muitos Como constante que é do sistema mi-
profissionais científicos e técnicos integra- gratório internacional, há ainda a somar
dos nos sectores da saúde, media, publici- aos números oficiais da imigração econó-
dade, entre outros. mica uma proporção não facilmente deter-
A transição do milénio coincidiu com uma minável de imigrantes ilegais. Basta dizer
alteração substancial do quadro da imigra- que as autoridades portuguesas, na linha
ção. Quando muitos pensavam que Portugal do que tem sido feito noutros países euro-
já tinha absorvido a imigração que podia peus, realizaram já três operações extraor-
absorver, foram legalizados, entre 2001 e dinárias de regularização dos migrantes
2002, através das chamadas autorizações nessas circunstâncias, em 1993, 1996 e
de permanência, mais de 170 000 novos 2001, que, em conjunto, legalizaram mais
imigrantes laborais (Pires, 2002). de 230 000 pessoas (Pires, 2003). Apesar
Surpresa também foi a origem de mui- de o controlo de entradas ter passado a ser
tos desses imigrantes. Mais de 100 000 mais rigoroso, é provável que a proporção
eram oriundos de países da Europa de de ilegais, mesmo não atingindo aqueles
Leste, com destaque para a Ucrânia (mais valores, seja hoje outra vez significativa.
de 60 000), Moldávia e Roménia. Menos Sendo largamente maioritários, os es-
surpreendentemente, um segundo conjun- trangeiros residentes em Portugal não se
to numeroso veio do Brasil e mais imigran- cingem, contudo, aos que integram os seg-
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mentos menos desejáveis do mercado de das cinco populações mais numerosas são
trabalho. Para além dessa imigração eco- lusófonas: por ordem, brasileiros, ucrania-
nómica, ou laboral, há outra, que pode de- nos, cabo-verdianos, angolanos e guineen-
signar-se por profissional, oriunda de paí- ses. Os brasileiros, se contabilizarmos os
ses da UE (Pires, 1999). São quadros imigrantes em curso de legalização ao
superiores, profissionais científicos e técni- abrigo de um acordo recente entre os go-
cos, empresários, que formam uma fileira vernos dos dois países, são já cerca de
migratória já com alguma tradição, mas 100 000. Se, do lado dos originários dos
que só em tempos recentes, especialmen- PALOP, contássemos os que entretanto
te depois da adesão portuguesa, se torna adquiriram nacionalidade portuguesa, te-
numericamente expressiva. Há, por outro ríamos também um número global signifi-
lado, também oriunda da UE, uma peque- cativamente maior.
na migração do «sol e do Sul» que traz re- A constituição, em Portugal, de minorias
formados dos países do Norte para ame- etnicamente diferenciadas decorre em lar-
nas paragens portuguesas, especialmente ga medida, como se vê, da imigração labo-
no Algarve. Assim, o efectivo de estrangei- ral, segundo uma lógica que é comum a
ros da UE passa de 24 000 em 1986 para muitos outros países europeus. Falar de et-
43 000 em 1996 e 77 000 em 2006, desta- nicidade, ou, mais recentemente, de multi-
cando-se ingleses e espanhóis. culturalismo, é falar, em suma, da imigração
Tudo somado, e sem contar com imi- sedentarizada. Ainda que vista inicialmente
grantes ilegais, podemos falar, então, de como provisória, tanto pelas sociedades
perto de 500 000 estrangeiros em Portugal, receptoras, como pelos próprios migran-
cerca de 5 % do total da população resi- tes, é sabido que muita da migração labo-
dente, valor que já não é dos mais baixos ral que se dirigiu à Europa do segundo
no espaço europeu. pós-guerra acabou por se fixar definitiva-
Apesar da recomposição verificada nas mente. O caso português, ainda em início
origens nacionais dos imigrantes, a parte de ciclo, não se afastará provavelmente
lusófona da imigração mantém-se domi- desse padrão.
nante. Perto de metade dos estrangeiros é O espaço da etnicidade em Portugal não
oriunda dos PALOP e do Brasil e quatro é, no entanto, constituído só por minorias es-
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encontremos uma larga maioria em situa- tural de novos migrantes que cheguem,
ção de contraste, em virtude, sobretudo, mas, sobretudo, pela dinâmica dos con-
do tipo de inserção socioprofissional domi- trastes e das continuidades, à medida que
nante. Não podemos esquecer, contudo, se prolonga o tempo de residência dos já
que a imigração brasileira tem uma compo- fixados. Tanto no plano social como no cul-
sição dual, e que há outro sector, constituí- tural, os contrastes e as continuidades po-
do por profissionais altamente qualificados, derão, assim, reproduzir-se ou reconverter-
cujos contrastes sociais, a existirem, são -se nos seus opostos.
«para cima». Porque permite antever, mesmo que
Finalmente, no que se refere às popu- parcialmente, algumas linhas de evolução
lações provenientes do Leste europeu, futura desse espaço, vale a pena referir o
apesar de os estudos até agora feitos não que se sabe hoje acerca dos jovens oriun-
serem suficientes para avaliar o seu posi- dos das diferentes minorias. Por razões
cionamento nas várias dimensões do es- que têm a ver com o calendário migratório
paço da etnicidade, dir-se-á que a situa- e os tempos de residência de cada popula-
ção global é mais de contraste do que de ção migrante, só existem «segundas gera-
continuidade. Há contrastes de composi- ções» de jovens no caso dos imigrantes
ção socioprofissional, embora não de per- africanos e dos indianos portugueses. Nos
fil educacional nem de localização resi- restantes casos, os descendentes de imi-
dencial, e há contrastes linguísticos e grantes são, por enquanto, sobretudo
religiosos. Do ponto de vista das sociabili- crianças.
dades, dimensão de integração funda- O que se vai sabendo sobre os descen-
mental, parece haver mais fechamento do dentes de imigrantes africanos mostra que
que abertura. os contrastes sociais se reduzem face à
Definido deste modo, o espaço da etni- geração anterior, seja por via da escolari-
cidade é, tendencialmente, um espaço em dade, bastante mais alta do que a dos seus
movimento. Ele pode transformar-se por via pais e mães, seja porque conseguem algu-
de mudanças eventuais no perfil sociocul- ma mobilidade profissional (Machado, Ma-
As diversas filiações religiosas das comunidades imigrantes em Portugal reflectem a sua
heterogeneidade. Templo hindu.
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tias e Leal, 2005; Machado, no prelo). Em- sistema de políticas públicas de protecção
bora muitos desses jovens conheçam social, solidariedade e de prestação de
insucesso e abandono escolar, a sua situa- cuidados de saúde que mudaram profun-
ção não é substancialmente diferente da damente o quadro institucional do país,
dos jovens autóctones de idêntica condi- tanto no plano da organização estatal como
ção social. no plano do papel desempenhado pelos
Claramente pior, em termos escolares e parceiros sociais. Tal sistema não poderia
profissionais, estão os jovens ciganos. Por deixar de produzir impactes profundos nas
sua vez, os filhos dos indianos portugueses estruturas sociais e na qualidade de vida
têm, maioritariamente, desempenhos esco- das populações.
lares acima da média nacional e parecem Em 25 de Abril de 1974 não existia um
conseguir encontrar nas pequenas e mé- sistema público de segurança social e de
dias actividades empresariais das suas fa- acesso a cuidados de saúde de carácter
mílias uma inserção profissional relativa- universal. Só há poucos anos se tinha ini-
mente desafogada. ciado a criação de esquemas de previ-
Já do lado cultural, enquanto os jovens dência para certos segmentos dos traba-
indianos e ciganos, por razões diferentes, lhadores da indústria, do comércio e dos
não parecem afastar-se muito dos seus pais, serviços, geridos essencialmente segun-
no que toca ao fechamento das sociabilida- do a lógica dos seguros sociais, com o Es-
des, os das minorias africanas têm sociabili- tado a reservar para si uma mera função de
dades interétnicas fortes, que fazem mesmo «coordenador». Ainda no início dos anos
com que a auto-designação por origens na- 70, apenas 17 % dos membros de famílias
cionais, muito importante na geração dos de assalariados rurais e 70 % dos trabalha-
seus ascendentes, vá perdendo sentido. dores do comércio, indústria e serviços
O futuro das minorias imigrantes joga- eram abrangidos por esses esquemas. De
-se também, finalmente, no plano político. fora ficava a maior parte da população, no-
A situação de desfavorecimento de muitos meadamente o campesinato, a classe mais
dos seus membros significa, actualmente, numerosa de então.
vulnerabilidade à exclusão social e défice Como o tecido produtivo se apresenta-
de cidadania. Há, no entanto, processos va marcado por uma ruralidade muito de-
de sinal contrário, que não deixarão de primida e tradicionalista e pela incipiência
contribuir para alterar tal situação. Deles relativa da indústria e dos serviços, com
são exemplo os efeitos correctores das po- baixíssima produtividade e geradores de
líticas sociais, a extensão a muitos imigran- muito escassos rendimentos, a pobreza
tes do direito de votar e ser eleitos local- atingia valores da ordem dos 40 % da po-
mente, o acesso hoje menos difícil à pulação total. Embora atenuada, ainda hoje
nacionalidade portuguesa por parte dos essa marca permanece. Portugal mantém-
seus filhos ou ainda a crescente interven- -se como um dos países europeus com
ção pública do associativismo imigrante. mais pobres entre a sua população.
O problema da pobreza e da desigual-
dade social persiste, então, como um dos
Políticas, instituições
principais problemas da sociedade portu-
e parceiros sociais
guesa, que, porém, tem vindo a registar
Um dos aspectos mais salientes dos pro- progressos significativos. Por exemplo, os
cessos de transformação da sociedade relatórios do Programa das Nações Unidas
portuguesa nas últimas décadas prende-se para o Desenvolvimento (PNUD,1997,
com a criação e desenvolvimento de um 2006) mostram como o «índice de desen-
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por todo o país, numa escala no mínimo comunitária e saúde pública e também
concelhia. Cerca de 2000 unidades médi- serviços de urgência. Para além dos orga-
cas e postos de saúde, que operavam no nismos centrais de administração, a ges-
quadro do sistema de protecção social, tão é assegurada a nível regional pelas
passaram também para o sistema estatal administrações regionais de saúde ou pe-
de saúde. Em 1979 a reforma atingiu o los governos regionais da Madeira e dos
ponto máximo com a criação do Serviço Açores.
Nacional de Saúde (SNS), visando a cria- O esforço com a saúde tem vindo a
ção de um sistema universal e completo de crescer de modo muito acentuado (ver
cuidados de saúde gratuitos. quadro da p. 67), sendo que Portugal se
O sistema nacional de saúde engloba encontra entre os países da OCDE que
três subsistemas: apresentam melhores indicadores em ma-
— o SNS, com cobertura universal e térias como a parte do produto interno bru-
gratuita, gerido pelo sector público e finan- to (PIB) gasta no sector, a despesa com
ciado quase exclusivamente pelos impos- produtos farmacêuticos no total das despe-
tos, apesar da existência de taxas modera- sas de saúde ou o número de médicos por
doras; mil habitantes. Apesar de partir de um nível
— regimes especiais de certas catego- de 2,8 % do PIB em 1970, contra cerca de
rias profissionais, cobrindo um quarto da 6,2 % na OCDE, Portugal cresceu para
população, que são financiados pelo Esta- 5,8 % em 1980 (6,7 para a OCDE), 6,5 %
do (no caso do regime dos funcionários pú- em 1990 (7,3 na OCDE) e 9,6 % em 2003
blicos), pelos trabalhadores e pelos empre- (pouco acima de 8,2 % no espaço econó-
gadores; mico que nos tem servido de referência).
— sector privado, financiado pelos Os indicadores são, porém, relativamente
clientes e por organismos terceiros (com- piores quando olhamos para o volume de
panhias de seguros, mutualidades). despesas por cada habitante, ao número de
O SNS integra uma rede de unidades camas em hospital, ao rácio de enfermeiros/
de cuidados especializadas e de hospitais /cama e ao número médio de consultas mé-
de diversos níveis territoriais, alguns dos dicas por pessoa/ano.
quais também especializados. Integra ain- O pior comportamento destes indicado-
da uma rede de malha fina de centros de res revela lacunas existentes no sistema.
saúde, no quadro dos quais funcionam os Criado num contexto em que os recursos
médicos de família, serviços de medicina não abundavam, fortemente atravessado
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República Checa 7,5 6,7 1298 760 21,9 19,4 3,5 2,9
Reino Unido 7,7 a 6,9 2231 a 1232 15,8 f 14,8 2,2 1,7
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tra 28,3 % na Europa dos 15 e 28,0 % na tros regionais de segurança social (as se-
dos 25 (ver quadro abaixo). cretarias nos governos regionais da
O sistema, criado em 1994 no quadro Madeira e dos Açores são autónomas). Do
da preparação da adesão de Portugal à ponto de vista substantivo, o sistema divi-
então Comunidade Económica Europeia de-se em duas componentes básicas. Por
(CEE), compreende hoje uma organização um lado, o sistema misto de repartição e
centralizada no Instituto de Segurança So- capitalização com contribuições obri-
cial, que coordena a acção de cinco cen- gatórias por parte de trabalhadores e em-
Fonte: Eurostat, Statistics in Focus, Population and Social Conditions, 14/2006, ESSPROS.
(:) não disponível.
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pregadores, o qual tem vindo a integrar di- mentos de apoio à infância e à velhice. São
versos subsistemas especiais que foram apoiados um pouco mais de 9000 equipa-
sobrevivendo, e que assegura aos benefi- mentos sociais que, por sua vez, abrangem
ciários (trabalhadores por conta de outrem cerca de 350 000 pessoas.
e trabalhadores independentes) e aos seus O principal contingente dos beneficiá-
familiares a cobertura dos riscos típicos rios da protecção social são pensionistas,
dos modelos de protecção europeus: velhi- que perfaziam 2 593 381 pessoas em
ce, sobrevivência, apoio à família, doença, 1998, distribuídas pelo regime geral, pelo
desemprego, invalidez, morte, entre outros. regime especial de segurança social das
Por outro lado, subsidiado através do Orça- actividades agrícolas (RESSAA), pelo regi-
mento de Estado, o sistema de solidarieda- me não contributivo de protecção social e
de assegura um conjunto de direitos quer a equiparado (RNCE), pensão social e regi-
pessoas que não contribuíram, na maior me transitório dos rurais. Em Dezembro de
parte dos casos dada a inexistência de es- 2004 o seu número era de 2 647 110,
quemas de protecção a elas dirigidos en- 82,0 % dos quais do regime geral, 13,4 %
quanto foram activas (é o caso das pen- do RESSAA e 4,6 % do regime não contri-
sões sociais criadas a seguir à revolução butivo (ver quadro abaixo). O país tinha de
de 1974), quer a pessoas e famílias de bai- facto conhecido uma enorme evolução se
xos rendimentos (é o caso do Rendimento compararmos estes dados com os 187 300
Social de Inserção, que veio substituir as pensionistas em 1970 e com os 861 700
prestações casuísticas e dependentes da que resultaram do salto dado após 1974.
disponibilidade orçamental que caracteri- O Rendimento Social de Inserção é a
zava a assistência social antes de 1996). actual designação para a política que, em
O sistema de solidariedade nacional 1996, foi lançada com o título de «Rendi-
envolve ainda a acção social, nomeada- mento Mínimo Garantido». Importa fazer re-
mente o enquadramento de serviços pres- ferência específica a essa medida por ser
tados em equipamentos sociais, incluindo geralmente considerada a sua instituição
o apoio económico àqueles que funcionam como um passo dado em Portugal (e ainda
numa lógica não lucrativa de solidarieda- por dar nos restantes países do Sul euro-
de, com base em associações como as Mi- peu) no sentido de completar o modelo
sericórdias ou outras instituições particula- de Estado social. Depois de um período de
res de solidariedade social, as quais gerem crescimento de beneficiários entre 1997 e
cerca de 90 % da oferta pública de equipa- 1999, quando eram, respectivamente,
Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Média
2001 2004 1/ 2001 2004 1/ 2001 2004 1/ 2001 2004
Média Média Média
Regime geral 291 271 277 120 -1,6 1 183 335 1 351 665 4,5 519 164 542 387 1,5 1 993 770 2 171 172 2,9
RESSAA 19 296 13 161 -12,0 318 679 259 036 -6,7 92 334 81 666 -4,0 430 309 353 863 -6,3
R. não cont. 46 777 48 434 1,2 54 750 71 584 9,3 3 320 2 057 -14,7 104 847 122 075 5,2
Total 357 344 338 715 -1,8 1 556 764 1 682 285 2,6 614 818 626 110 0,6 2 528 926 2 647 110 1,5
Fonte: Relatório Nacional de Estratégia (Centro Nacional de Pensões). 1/ Taxa anual média entre Dezembro de
2001 e Dezembro de 2004.
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duz-se noutras medidas, como o recurso à munerações dos salários mais baixos, da
capitalização dos excedentes do sistema estabilidade dos vínculos laborais, da qua-
público de modo a garantir a sua sustenta- lificação dos empregados e dos níveis de
ção futura (num contexto de previsível qualificação dos jovens que se apresentam
crescimento da taxa de dependência dos no mercado, melhoraram entre 1995 e 2001,
pensionistas), da opção, para quem o qui- após a recuperação da crise de 1993. Para
ser fazer, da capitalização privada (seguros isso contribuíram os programas de recon-
que, porém, não dispensam a contribuição versão das empresas, modernização do te-
solidária para o sistema), a discriminação cido produtivo, criação de infra-estruturas
positiva dos beneficiários de mais baixos de formação e lançamento de vastos pro-
recursos, através de aumentos superiores gramas de formação profissional e emprego
à média das pensões de baixo valor e a va- co-financiados pelos Fundos Estruturais.
lorização das carreiras contributivas, prin- Tal não impede que se possam detectar
cipalmente as mais longas, com vista ao problemas e debilidades estruturais de
aumento da idade real de reforma. grande relevo.
O aumento das pensões mais baixas, o Um deles tem a ver com a fraca qualifi-
Rendimento Social de Inserção, o mercado cação da mão-de-obra empregada, incluin-
social de emprego, novas medidas de do uma boa parte dos jovens que encon-
apoio às famílias com crianças pobres e a tram mais facilmente emprego com baixas
concentração de recursos em projectos de qualificações escolares do que quando as
desenvolvimento comunitário nos «bairros têm médias. Os baixos níveis de qualifica-
críticos» das grandes cidades constituem ção traduzem-se em menor produtividade,
o elemento essencial de medidas específi- enorme dificuldade de adaptação e níveis
cas de combate à pobreza. Ela é, em Por- de empregabilidade que não facilitam a re-
tugal, uma das mais elevadas da Europa, conversão em caso de crise nos sectores
retomando o crescimento de 19 % em 2000 ou nas empresas menos modernizados,
para 21 % em 2003, depois de uma queda que elegem, aliás, os baixos níveis salariais
entre 1995 e 2000, e atinge não apenas po- e outros aspectos geradores de menor qua-
pulações tipicamente vulneráveis, mas lidade do emprego como principal factor de
também e em larga escala pensionistas de competitividade. Por outro lado, o desem-
todos os regimes e muitos trabalhadores prego de longa duração atinge uma propor-
empregados. ção muito forte entre o conjunto dos desem-
Esta última realidade associa-se ao fac- pregados, que cresceu fortemente desde
to de Portugal ter um mercado de emprego 2001 e só agora parece estar a dar mostras
caracterizado, de modo geral, por eleva- de poder estabilizar entre os 7 e os 8 por
dos níveis de emprego — incluindo o das cento. Por fim, uma parte importante da po-
mulheres, em crescimento — e níveis de pulação encontra-se em situação de exclu-
desemprego que foram sendo baixos até são do mercado, muitas vezes reproduzida
que, após 2002, o crescimento económico de geração em geração.
baseado num modelo intensivo em mão- Por esta razão, o Plano Nacional de Em-
-de-obra pouco qualificada começa a dar prego coloca as suas prioridades nas políti-
mostras de estar em crise, com repercus- cas de educação e de formação da popula-
sões imediatas no crescimento do desem- ção jovem e activa e, por outro lado, na
prego, sem que por isso se verificasse — modernização tecnológica, de modo a au-
pelo contrário — um aumento da produtivi- mentar a empregabilidade dos trabalhado-
dade do trabalho (ver quadros das pp. 73 e res e a adaptabilidade das empresas. Outra
74). Todos os indicadores, como o das re- prioridade é a prevenção do desemprego
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uma participação activa dos parceiros so- cional — CGTP-IN — e a União Geral dos
ciais, actores centrais neste campo. Exis- Trabalhadores — UGT) são maioritárias,
tem em Portugal cerca de 331 sindicatos, bem como 450 associações, 21 fede-
26 federações sindicais, 39 uniões sindi- rações, nove uniões e seis confederações
cais e cinco confederações sindicais, das patronais. É-lhes pedido que acordem polí-
quais duas (a Confederação Geral dos Tra- ticas macroeconómicas capazes de sanear
balhadores Portugueses-Intersindical Na- as contas públicas, de tornar mais transpa-
Taxa de desemprego na UE
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Trata-se de processos que nada leva a crer des camponesas, o colectivo, aldeão e
que se interrompam ou que invertam o seu familiar, constituía o princípio e o fim de to-
percurso. A ser assim, então, a continuida- das as dimensões relevantes da vida. Ele
de e o aprofundamento de tais processos justificava sacrifícios, adiamento ou renún-
tenderão a reactualizar os efeitos, no mes- cia a prazeres, preparação laboriosa e de-
mo sentido, que vêm exercendo sobre as fensiva de um futuro incerto e geralmente
dimensões simbólicas da sociedade portu- ameaçador. Esse «mundo que nós perde-
guesa. mos», com a rápida desruralização, deu lu-
Diversos estudos parecem confirmar, gar a novas lógicas e constrangimentos.
desde já, a prevalência de certas configu- É verdade que os sectores urbanos conti-
rações de valores com âmbito mais global nuam, como no passado, a atribuir impor-
e mais intergeracional. tância primordial à afectividade e à família,
Como sempre acontece, só se pode fa- o que justamente contribuirá para lhes tem-
lar aqui de tendências, que não são nem perar o individualismo. Mas já preferem o
partilhadas por todos os grupos sociais, modelo simétrico e autónomo de organiza-
nem isentas de manifestações de sinal ção familiar, com mais igualdade e menos
contrário. Elas têm sido, por outro lado, sacrifícios individuais. E valorizam, por ou-
marcadas por uma sucessão de conjuntu- tro lado, o conteúdo intrínseco do trabalho,
ras de ciclo alto atravessadas pelo país, o prazer que dele retiram. Eles estão me-
que vão da instauração democrática aos nos dispostos a adiamentos daquilo que
primeiros efeitos positivos, nos planos polí- consideram poder ser a sua felicidade.
tico, económico e social, da integração eu- Uma segunda tendência de valores,
ropeia. Eventuais alterações de conjuntura que se liga de resto a essa recusa de adia-
afectarão necessariamente, de forma mais mentos, diz respeito à generalização do
ou menos acentuada, algumas dimensões cepticismo em relação a objectivos sistémi-
de tais tendências. A começar, por exem- cos, a modelos de sociedade globais e fe-
plo, pelo continuado optimismo pró-euro- chados, projectados no futuro.
peu dos Portugueses, que se manifesta Vai-se afirmando, pelo contrário, um
também, com clareza, nas camadas jovens pragmatismo que prefere as regulações
(Pais, 1999) mas que recentemente se tem processuais, deixando entre parênteses
justamente vindo a atenuar, senão mesmo objectivos globais e heróicos a favor de
a inverter. uma manipulação mais directa, quotidiana
Enunciem-se, então, algumas dessas e exequível daquilo que pode, de facto, in-
tendências de valores de alcance muito fluenciar o futuro. A desconfiança revelada
geral. Elas têm por principais protagonis- em relação a instituições políticas, a parti-
tas, além de muitos dos sectores mais jo- dos, não se comunica assim a outras for-
vens, a população activa urbana e, em par- mas de participação social e a outros ob-
ticular, a que detém maiores recursos em jectivos de natureza colectiva. Não se trata
capital escolar e cultural. portanto, ao afirmar-se essa tendência, de
Cada vez com intensidade e transver- um refúgio sistemático na esfera privada
salidade mais significativas tem-se afirma- da vida, como mostra também a importân-
do o que, à falta de melhor designação, se cia e o investimento atribuídos às dimen-
pode chamar o valor da realização pes- sões profissionais.
soal. Estratégias e projectos autocentrados Uma terceira tendência tem a ver com a
vão ganhando prioridade, de forma cons- convivência mais fácil de valores distintos,
ciente, caracterizando formas de individua- com a interiorização da tolerância e a habi-
lismo em geral moderadas. Nas socieda- tuação à alteridade.
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A sociedade
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O território
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Vítor Matias Ferreira
Alexandra Castro
Apresentação
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O território
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Retrato de Portugal
desde Quinhentos que temos relatos cir- caso da Madeira, fundamentalmente para
cunstanciados dessa diáspora lusitana, a África do Sul. Se tivermos presente ante-
como se o país fosse sempre demasiado riores movimentos da população portugue-
«pequeno» face à imaginária dimensão de sa, com outros destinos, nomeadamente
«outros mundos». E sem dúvida que essa para o Brasil, para além da longa coloniza-
permanente «disponibilidade» para partir ção africana, constatamos que, efectiva-
— mas, muitas vezes, com a esperança do mente, a emigração portuguesa parece
regresso... — haveria de determinar a con- não ter limites, nem históricos, nem muito
dição migrante dos Portugueses. menos geográficos!
Naturalmente, essa condição haveria Por outro lado, em relação aos fluxos
de se manter, em moldes não menos dra- imigratórios, isto é, das migrações inter-
máticos, na época contemporânea. Mas, nas, particularmente no continente, eles
agora, com um duplo direccionamento. irão determinar uma ocupação sucessiva
Com efeito, se se mantém a tendência an- do litoral, como dissemos, mas num pro-
cestral para a efectiva e literal emigração cesso que, alegoricamente, poderíamos
de populações, para fora do país, contudo, titular de algum «cinismo urbano», na
um outro movimento, não necessariamente medida em que as populações são, efec-
independente do anterior, irá atingir pro- tivamente, «atraídas» pelas cidades, mas
porções determinantes no actual povoa- inexoravelmente «empurradas» para as
mento do território nacional: o movimento diversas periferias daqueles aglomerados
das migrações internas, na generalidade urbanos.
direccionado do interior para o litoral do Ainda em relação àquele processo mi-
país, com duas grandes áreas de polariza- gratório «além-fronteiras», que referimos
ção demográfica, Lisboa e Porto. atrás, sabemos que se intensificou, em
Esse duplo direccionamento migratório grande medida, até à crise económica, à
irá ser fortemente empolado a partir dos escala mundial, dos anos 70. Em Portugal,
anos 60. Era um período de intenso cresci- a revolução de 1974 acabou por potenciar,
mento económico, sobretudo na Europa, a este nível, aquela mesma inversão dos
contemporâneo de um renovado optimismo movimentos migratórios anteriores: com
capitalista. Nessa medida, também em efeito, a partir daquela crise internacional,
Portugal, o «condicionamento industrial» regista-se um progressivo regresso de emi-
não conseguia impedir alguma intensifica- grantes, sobretudo da Europa, a que se irá
ção capitalista, nomeadamente através de juntar, no quadro do processo de descolo-
uma progressiva implantação de sectores nização africana, um forte contingente de
de capital intensivo, mas também à custa populações oriundas daqueles territórios
de baixos custos comparativos da força de (cerca de meio milhão de pessoas).
trabalho, como foi o caso da instalação, em Deste modo, os anos sucessivos àquela
diversas áreas estratégicas, de diversas crise irão registar alguma recomposição
empresas multinacionais. social e territorial, sendo certo, porém, que
Assim, a emigração do continente irá aquela tendência para a litoralização nos
orientar-se, fundamentalmente, para a Eu- processos de ocupação do território se irá
ropa, em especial para França e, mais tar- acentuar ao longo dos anos 80. E se, no fi-
de, também para a Alemanha, enquanto, nal dessa década, as duas regiões metro-
em relação às regiões autónomas, aqueles politanas (Lisboa e Porto) tendem a estabi-
fluxos emigratórios irão projectar-se, no ca- lizar os respectivos fluxos migratórios e
so dos Açores, sobretudo para os Estados demográficos, serão sobretudo as diversas
Unidos da América e para o Canadá, e, no «conurbações urbanas» (manchas de ocu-
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pação territorialmente contígua, ainda que cial daquelas populações, sobretudo as re-
apresentando algumas descontinuidades gressadas de África — o que não significa,
espaciais), em especial no continente por- necessariamente, que se possa falar de «in-
tuguês, que irão polarizar a concentração tegração cultural»! — certamente que são
maioritária da população portuguesa. já visíveis significativos efeitos ao nível so-
cioprodutivo e territorial, resultantes daquele
A ruptura política «retorno» demográfico. E não só no caso da
e as «experiências» territoriais região de Lisboa, mas, fundamentalmente,
Como vimos no ponto anterior, a ruptura nas zonas centro e norte do continente, num
política de 1974, ao mesmo tempo que movimento populacional a que seria neces-
«coincidiu» com um certo refluxo migrató- sário articular um significativo incremento de
rio, acabou por determinar um «exceden- pequenas e médias empresas, num proces-
te» demográfico, oriundo quer do regresso so que se desencadeará ao longo dos anos
significativo de emigrantes, quer do retorno 80, mas que acabará por ter um enorme im-
das antigas colónias portuguesas. De re- pacto na década seguinte.
gistar, desde já, que desse «retorno» po- Em todo o caso, são de registar algu-
pulacional, sobretudo de África (cerca de mas «experiências» territoriais, no segui-
meio milhão de pessoas, como dissemos mento da revolução de Abril de 74, sendo
atrás), quase metade acabou por se fixar certo que, como parece evidente, não foi
no espaço metropolitano de Lisboa, o que tanto a esse nível que se registaram as mu-
permitiu contrariar, de algum modo, uma danças mais significativas. Com efeito, ou-
tendência para uma relativa regressão de- tras áreas críticas, ainda que directa ou in-
mográfica daquele território, de resto à se- directamente articuladas com a questão
melhança do que estava acontecendo nou- territorial, estiveram no centro dos debates
tros espaços urbano-metropolitanos da e, sobretudo, no centro das reivindicações
Europa. sociais e dos confrontos políticos.
E se, aparentemente, foi possível consta- Uma dessas áreas tem a ver com o se-
tar um processo de relativa integração so- cular «problema da habitação», em torno
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do qual se centrou uma aposta política loteamentos de amplas zonas rurais, que,
muito forte, lançada ainda naquele ano de deste modo, se iam «urbanizando»! Um tal
1974: tratou-se do Serviço de Apoio Am- incremento de «habitação clandestina»,
bulatório Local (SAAL) (directamente de- muito acentuado em diversas zonas peri-
pendente do governo, através da então féricas das cidades, teve uma expressão
Secretaria de Estado da Habitação e do muito significativa nas zonas norte e sul da
Urbanismo) e claramente direccionado pa- região de Lisboa, desencadeando, então,
ra os bairros «degradados» de várias cida- uma generalizada ocupação difusa desse
des do país, com particular destaque para mesmo território. Com a institucionalização
os casos de Lisboa («barracas») e do Por- (legal, mas sobretudo financeira) das au-
to («ilhas»). Esse programa tinha como tarquias locais (em 1979, com a primeira
ambição reconverter e qualificar aqueles Lei das Finanças Locais) inicia-se, então,
bairros, mantendo os residentes nos res- um lento (ainda que, por vezes, desequili-
pectivos locais. A intensa mobilização so- brado) processo de ordenamento territorial
cial da época, associada a uma confronta- (sobretudo em termos de saneamento bá-
ção política permanente, extremou os sico, estruturas viárias, etc.), a par da edifi-
objectivos daquele programa «habitacio- cação de diversos equipamentos de natu-
nal». Com a mudança radical daquela con- reza colectiva.
juntura política (a partir do 25 de Novembro Esboçam-se, então, no quadro demo-
de 1975), a erradicação deu-se, não com crático entretanto institucionalizado, os pri-
as «barracas», nem com as «ilhas», mas, meiros instrumentos de intervenção territo-
precisamente, com aquele programa políti- rial, como foi o caso do que, mais tarde,
co e urbanístico! veio a ser designado de plano director mu-
Ainda no quadro habitacional, é de re- nicipal. E não deixa de ser significativo as-
gistar uma outra situação, de evidentes sinalar que os primeiros enquadramentos
impactos territoriais, que se generaliza urbanísticos desses planos, desde os iní-
desde o início dos anos 70 e que, signifi- cios dos anos 80, tivessem consignado,
cativamente, se irá intensificar no pós-25 aos respectivos municípios, competências
de Abril: tratou-se da construção ilegal, na esfera económica e social, para além,
associada a um processo sistemático de naturalmente, das decorrentes directamen-
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Como então dissemos, aquela configu- — efectivamente, boa parte dos quais liga-
ração territorial decorreu, em grande parte, da ao incremento, sobretudo nas duas últi-
de um importante processo de recomposi- mas décadas, de pequenas e médias em-
ção socioprodutiva, nas duas últimas déca- presas, Em todo o caso, aquele perfil
das. Um tal processo implicou uma relativa «contribui decisivamente para que o peso
desindustrialização (a uma escala muito global das classes médias, de inserção
menor do que a atingida nos restantes paí- predominantemente urbana, seja hoje um
ses da comunidade europeia), um signifi- dos traços mais marcantes da estrutura de
cativo crescimento do terciário, sobretudo classes em Portugal» (Machado e Costa,
dos sectores centrados no trabalho inde- 1998: 36). Isto é, a sociedade portuguesa
pendente, a par de uma intensificação dos não só reforçou a sua implantação territo-
grupos sociais técnicos, científicos e em- rial em determinadas zonas da sua orla
presariais. Efectivamente, num arco tempo- costeira, como se transformou, maioritaria-
ral de mais de trinta anos, o perfil sociopro- mente (65 % da população activa) em po-
fissional da população activa portuguesa pulação «terciária», de «colarinhos bran-
mudou profundamente (cf. Almeida, Costa cos», sendo que um quarto do total da
e Machado, 1994). população activa tem funções de direcção
Mais especificamente, aquele perfil apa- e de enquadramento! Curiosamente, a um
rece determinado por um importante cres- perfil de uma população activa precoce-
cimento de «empresários e dirigentes» (re- mente terciarizada parece corresponder
cuperando, desse modo, um peso relativo um outro perfil de um território supostamen-
«perdido» nas duas décadas anteriores), ao te urbanizado!
mesmo tempo que se verifica um signifi- Trata-se, portanto, de um território bas-
cativo crescimento, quer dos «profissionais tante contrastado. E, no entanto, como dis-
técnicos e de enquadramento» (que duplica semos atrás, o país teve mudanças signifi-
a respectiva importância relativa, entre 1981 cativas sobretudo a partir dos anos 80.
e 1992), quer dos «trabalhadores indepen- Observemos, então, a diferenciação regio-
dentes». O único grupo socioprofissional nal que ao longo desse período se foi cris-
que, para além dos anteriores, vê aumentar talizando, nomeadamente a partir de um
(mas muito ligeiramente) o seu peso relati- estudo governamental (cf. MPAT, 1993),
vo, naquela última década, é o correspon- que embora já um pouco longínquo não
dente aos «empregados executantes». To- deixou de ilustrar uma imagem assimétrica
dos os restantes grupos têm quebras e polarizada do continente português e
significativas e, nalguns casos, aparente- que, deixando marcas profundas no res-
mente de modo irreversível (como é a si- pectivo território, tarda a ser superada.
tuação dos produtivos do sector agrícola)2. A partir de um conjunto de indicadores,
Um tal perfil acentua o surgimento de tanto de «desempenho económico» (rendi-
uma «nova classe média», cuja composi- mento per capita, emprego, produtividade
ção social aparece muito determinada por industrial e consumo privado), como ao ní-
aqueles profissionais técnicos e de enqua- vel dos «factores estruturais» (stock de in-
dramento, para além do peso, não despi- fra-estruturas, recursos humanos, estrutura
ciendo, dos ditos empresários e dirigentes produtiva e condições de vida), para os
anos 1981, 1986 e 1991, aquele estudo
2 É de admitir, nesta mesma publicação, precisa-
construiu um índice sintético, a partir do
mente no capítulo dedicado à sociedade (p. 43),
uma actualização do perfil indicado, que, no entanto, qual «é possível retirar conclusões sobre o
não deverá ter alterado significativamente as propor-
ções relativas entre aquelas diferentes categorias
desenvolvimento das disparidades regio-
socioprofissionais. nais» (op. cit., 165-172).
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Retrato de Portugal
Com efeito, um tal «índice sintético» componentes — e, nesse caso, talvez fos-
condensa uma avaliação inter-regional, se possível concluir, por exemplo, até que
que nos permite quantificar, num quadro ponto o referido «stock de infra-estrutu-
comparativo, algumas das observações ras», nomeadamente as estruturas viárias
que temos vindo a desenvolver. Desde lo- (vd. ponto seguinte), não acabou por cons-
go, o destaque das regiões metropolitanas, tituir, ao fim e ao cabo, o indicador discrimi-
particularmente a de Lisboa, que apresen- nante daquela diminuição das disparida-
ta, face à média nacional, os valores mais des regionais!
elevados nos três momentos de aferição — Como noutro momento dissemos, pare-
significativamente, ao nível regional, é mes- ce inegável que Portugal atravessou, des-
mo a única que apresenta um índice «posi- de os anos 80, um importante processo de
tivo» (na medida em que todas as restan- mudança, sendo, contudo, muito desiguais
tes estão abaixo da média). É certo que a os sectores, as dimensões e o alcance
região do Porto apresenta o segundo valor desse mesmo processo. Em todo o caso,
mais elevado. No entanto, em termos com- uma tal mudança tendeu a acentuar-se,
parativos, mas no quadro dos espaços in- precisamente, nos lugares onde uma im-
ter-regionais, é a região do Algarve — e portante dinâmica de desenvolvimento
não, curiosamente, a região do Norte — económico, social e cultural já se encontra-
que se situa naquela segunda posição. va em curso — e daí que a litoralização do
E se a conclusão daquele estudo é rela- país se tenha vindo a acentuar, mau grado
tivamente optimista na avaliação final, afir- alguns (bons) exemplos em certas zonas
mando que «se verificou uma indubitável do interior.
diminuição das disparidades regionais», é Um indicador mais recente, agora de
o próprio estudo que sublinha que aquelas natureza dominantemente qualitativa, de-
melhorias ocorreram em «situações de corrente da avaliação da «qualidade de vi-
grande carência», isto é, em «algumas das da nos municípios do Continente» [cf. Fer-
áreas mais deprimidas do país». Ou seja, rão (coord.), 2004], permite uma leitura
as disparidades regionais diminuíram, mas territorial mais desagregada e mais especí-
num confronto com as situações mais dra- fica, mas que não parece contrariar as ob-
maticamente carenciadas! E não deixaria servações anteriores. Uma tal avaliação, ti-
de ser significativo reorganizar o anterior pificada entre as posições extremas de
«índice sintético» em função de outras «maioritariamente favorável» e «maiorita-
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Setúbal
constantemente e as previsões não apon-
Évora
tam para qualquer abrandamento a curto
prazo — em 1987 havia no continente um
veículo automóvel para cada 3,8 habitantes
Beja
Sines e passados dez anos existe um veículo por
2,4 habitantes. Certamente que a década
seguinte não estará invertendo uma tal ten-
Vila Real
dência!
de Santo António
Portimão Os movimentos pendulares, enquanto
Faro
indicadores de níveis de mobilidade intra-
Fonte: CP. -urbana e metropolitana, revelam, igual-
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O território
Apesar da modernização da rede ferroviária portuguesa há zonas do país que não beneficiam
dos seus serviços.
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Itinerário Principal
Itinerário Complementar
Estrada Nacional
Estrada Regional
Estrada Municipal
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paço de afirmação a cidades médias mais neste caso avaliada em função da respecti-
distantes, mas localizadas nas respectivas va condição urbana — como componentes
áreas metropolitanas». fundamentais de projecção e estruturação
Esta última proposta, determinante, co- do respectivo território nacional.
mo dissemos, do ponto de vista territorial,
abriria, assim, a possibilidade de constitui- Portugal no mapa territorial da Europa
ção efectiva de duas metrópoles, Lisboa e Parece incontornável admitir, hoje, o papel
Porto — e já não essa entidade, territorial- decisivo da dimensão territorial nos projec-
mente híbrida e politicamente amorfa, que tos e nas políticas de desenvolvimento eco-
dá pelo nome de «área metropolitana»! —, nómico e social do país, tal como fomos su-
que, deste modo, se assumiriam com blinhando em páginas anteriores. É essa
«massa crítica» territorial capaz de se pro- mesma inclusão territorial na economia e
jectarem como cidades metropolitanas na sociedade que pode vir a comportar
face ao exterior do país. Assim, um novo propostas de reordenamento socioespa-
modelo territorial para os espaços metro- cial, nomeadamente no quadro de uma
politanos de Lisboa e do Porto não deixaria progressiva adequação e integração do
de colocar, frontalmente, a necessidade de país no mapa territorial da Europa. E se já
um novo reordenamento do território do vimos a necessidade de um novo estatuto
país, considerando, assim, as cidades e as metropolitano para as duas principais cida-
«vilas urbanas» — eufemismo que preten- des do país, aquele reordenamento obriga
de sublinhar que o que está em causa não a questionar a organização do restante ter-
são meras designações administrativas, ritório. Desde logo e voltando a citar o
mas, ainda, a questão da «massa crítica», PNDES (op. cit.: 41), a necessidade de
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«qualificação e estruturação dos contínuos tância, remete para uma discussão mais
urbanos (ou “conurbações urbanas”) exis- ampla sobre memória e projecto da urbani-
tentes nas faixas litorais ocidental e meri- dade3. Mas com uma ressalva fundamen-
dional, de forma a controlar e resolver os tal, política e sociologicamente decisiva:
problemas associados ao seu crescimento nem aquela «memória» se cristaliza, inexo-
rápido e desordenado e a conter efeitos de ravelmente, num passado, eventualmente
polarização excessiva das aglomerações próximo; nem, por outro, aquele «projecto»
metropolitanas de Lisboa e Porto». se reporta, exclusivamente, a um futuro,
Complementarmente, de acordo, ainda, sempre incerto, como sabemos. Por isso,
com o referido plano, aquele reordenamen- aquela dicotomia urbana das «duas» cida-
to implicará «a dinamização dos centros ur- des, sendo descritivamente aliciante, em
banos localizados em áreas de perda, en- termos analíticos comporta elevados riscos
quanto última oportunidade para manter interpretativos e, portanto, também propo-
social e economicamente activas as regiões sitivos, fazendo-nos recordar o «dualismo»
mais desfavorecidas do país e a criação e social e urbano dos anos 60 do século pas-
consolidação de “eixos de cidades” no inte- sado. Em termos um tanto esquemáticos,
rior, explorando a maior conectividade tor- poderíamos considerar, então, que o desa-
nada possível pela melhoria da rede de fio de um diferente ordenamento urbano do
transportes». Ainda numa mesma aborda- país não teria de se centrar, propriamente,
gem de potenciação de redes de cidades na diversidade daquelas «duas» cidades,
— e já não, como se defendia nos anos 70, mas na respectiva articulação sistémica e
enquanto «rede urbana» hierarquizada e urbana, que, entre outros desígnios, deve-
monolítica ao nível nacional — e numa pos- ria tender, assim, para «criar cidade» onde
tura contrariando as profundas assimetrias ela (ainda) não existe.
territoriais do país, aquele plano propõe, Trata-se, portanto, de introduzir uma no-
ainda, «o avanço de redes de concertação va dinâmica territorial, potenciando, simulta-
e de cooperação transfronteiriça, aprovei- neamente, sinergias e complementaridades
tando as novas condições de acessibilida- (cf. Ferrão, 1997) entre redes de cidades e
de do território continental com o exterior». de «vilas urbanas», não só no interior do
Curiosamente, num estudo coordenado país, mas também nos espaços aparente-
por Nuno Portas, partindo embora de uma mente descontínuos do litoral, num quadro
formulação e de um enquadramento dife- de assumida projecção para a sua envol-
rentes dos que temos vindo a seguir, é invo- vente europeia e configurando, desse
cada a necessidade de articulação do que modo, um novo ordenamento do território
os autores consideram como as «duas» ci- nacional. E isso tanto no continente, como
dades, a cidade «herdada» e a «emergen- nos espaços insulares, particularmente no
te», numa postura analítica que, em termos caso dos Açores, em que a efectiva des-
prospectivos, procura «um desígnio desejá- continuidade territorial pode vir a ser par-
vel, mas de longa duração» (Portas et al., cialmente contrariada com propostas con-
2002: 9). Em termos alegóricos, aquelas sistentes de articulação urbana, agora no
«duas» cidades, a «herdada» e a «emer- quadro dos diversos aglomerados daquele
gente» — numa distinção que, ao fim e ao arquipélago.
cabo, é de todos os tempos, na medida em É de uma nova dinâmica territorial que
que a cidade «emergente» de hoje será a se trata, efectivamente, polarizada em torno
«herdada» de amanhã! — encontram, no
entanto, uma correspondência significativa 3 Subtítulo da obra de Ferreira, 2004, já anterior-
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das cidades e dos centros urbanos, muito encontra, no final da década de 90, «espa-
embora se constate, ainda, «um Portugal cialmente mais desequilibrado», a geogra-
continental interior funcionalmente organiza- fia das dinâmicas territoriais observadas
do em torno de um número reduzido de registam, igualmente, um país «socialmen-
centros urbanos e um litoral funcionalmente te menos heterogéneo» (Ferrão, op. cit.).
mais complexo e organizado em torno de Como parece evidente, a presente pro-
vários centros urbanos» (INE, 2004: 2). posta de «redes de cidades» não constitui,
Mas para além dessa assimetria, bastante só por si, uma panaceia para resolver as
persistente, como temos vindo a registar, assimetrias e os desequilíbrios territoriais.
«o final do século XX parece confirmar que, Realmente, o que aquela proposta pressu-
justapondo-se às dicotomias norte/sul do põe é uma lógica diferente de ordenar o
Portugal tradicional e litoral/interior do Por- território, procurando contrariar algumas
tugal moderno, se afirma crescentemente das inércias pesadas nas formas de ocu-
um Portugal urbano organizado em rede, pação desse mesmo território. Em última
um arquipélago urbano constituído pelas instância, as questões em debate jogam,
grandes regiões metropolitanas de Lisboa sobretudo, com a criação ou reconversão
e Porto, o cordão urbano do litoral algarvio de diversas polaridades urbanas e metro-
e ainda várias aglomerações urbanas de politanas num sistema em rede, de modo
média e até, nalguns casos, de pequena que, em simultâneo, possam vir a assumir
dimensão, tanto no litoral como no interior» uma centralidade territorial e uma condição
(Ferrão, s. d.: 7-8). Esta mesma constata- urbana, isto é, um estatuto pleno de cidade
ção leva o autor a concluir que se o país se e uma qualidade efectiva de urbanidade.
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A língua portuguesa
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Ivo Castro
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Retrato de Portugal
população mais se tem concentrado e on- pico, por seu lado, é formado por uma vas-
de a circulação é intensa e constante. tidão de terras planas e secas, pouco
Mesmo com estas pequenas mudanças, habitadas fora de cidades dispersas, onde
o mapa do território português continua a a influência do ar ameno do Mediterrâneo é
ser o mesmo que os homens e a história cortada por ameaças de um deserto que
traçaram inicialmente. Um país estreito e não anda longe. A ocupação deste espaço
longo, com maior distância entre pontos por colonos vindos do Norte, no dia seguin-
situados no Norte e no Sul que entre nas- te à conquista militar cristã, constituiu um
cente e poente. Por isso, um país onde po- mecanismo essencial para a construção
demos esperar que sejam particularmente do Estado. Sem esses colonos, que se
sensíveis as diferenças entre os homens do aculturaram rapidamente em zonas de in-
Norte e os do Sul, já que vivem em ambien- teresse estratégico, não teria sido possível
tes físicos e humanos muito contrastados. assegurar com eficácia a manutenção da
Os primeiros, descendentes dos originários linha de cidades, vilas e castelos que ser-
habitantes do Noroeste da Península Ibéri- viram de guarda à fronteira e a mantive-
ca, distribuem-se por planícies costeiras ram em bom estado de conservação. Não
estreitas e muito povoadas, por vales abri- é de esquecer que a fronteira que separa
gados e com grandes desníveis de altitu- Portugal de Espanha poderia ter tido um
de, e ainda por planaltos que prolongam a percurso muito diverso, se os planos de
meseta ibérica, tudo isto recortado e condi- Afonso Henriques, o rei fundador, tives-
cionado por numerosas linhas de monta- sem sido coroados de êxito pela conquis-
nha, que são responsáveis por uma cadeia ta de Sevilha e das terras andaluzas que
de consequências: muita chuva para a se lhe seguem para sudeste; ou, inversa-
agricultura, alimento para populações den- mente, se Afonso X de Castela e Leão ti-
sas, exportação de gente para outras ter- vesse podido dar alguma substância ao tí-
ras. Daqui saiu o grosso da emigração por- tulo de «rei dos Algarves», que sempre
tuguesa, mas antes, e principalmente, já usou com orgulho.
havia saído o complemento populacional O facto de o Sul do país ter sido repo-
de que as terras do Sul de Portugal, roma- voado a partir do Norte e basicamente por
nizadas e depois islamizadas, careciam portugueses, embora com uma quota de
para se integrarem no novo Estado que os colonos estrangeiros, é grandemente res-
cristãos do Norte criaram durante o proces- ponsável pela coesão interna da nação.
so da Reconquista (séculos XI-XIII). O Sul tí- Mas também está na origem do conflito
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Sociedade
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A língua portuguesa
cultural que tradicionalmente opõe a parte Quer isto dizer que, no pequeno rectân-
fundadora de Portugal (as províncias do gulo português, habita uma sociedade que
Norte e do vale do Douro, polarizadas mo- facilmente se distingue dentro do mosaico
dernamente na cidade do Porto) à parte ibérico, mas que, no seu interior, não é ab-
que se tornou portuguesa em consequên- solutamente homogénea, antes retira a sua
cia da Reconquista cristã (as Beiras, que coesão e a sua personalidade das ener-
têm muitas características de transição, o gias desenvolvidas por tensões tectónicas
vale do Tejo e o Sul alentejano e algarvio). que o confronto norte-sul desprende. Na
Foi aqui, no eixo de cidades formado por segunda metade do século XX, o geógrafo
Coimbra, Lisboa e Évora, que, ainda na Orlando Ribeiro desenvolveu a teoria dos
Idade Média, se instalou o centro do poder, dois Portugais — um dominado pelo Medi-
com todas as suas manifestações e decor- terrâneo e outro, a norte, subdividido entre
rências: residência da corte, centro polí- a influência do Atlântico e a influência da
tico, económico e cultural, porta aberta à meseta ibérica. Num país que despertou
expansão ultramarina, fonte difusora de tarde para a modernidade, não surpreen-
inovações. Este último aspecto é especial- derá que esta repartição seja tão válida pa-
mente importante, porque a partir do sé- ra os tempos da fundação da nação e do
culo XV assiste-se a uma espécie de de- Estado, como para a época em que se lan-
volução de influências, passando o Norte çaram os Descobrimentos, como ainda
fundador ao estatuto de região periférica e para os anos finais do governo de Oliveira
assumindo o Sul recém-povoado o papel Salazar. E está longe de ter perdido a vali-
de distribuidor do jogo. A rivalidade entre dade nos dias de hoje em muitos dos seus
norte e sul, que continua a fazer parte do aspectos; mas não dá conta do movimento
quotidiano nacional, tanto na política, como migratório de abandono do campo, que se
na actividade económica e mesmo despor- tem generalizado no Norte: as populações
tiva, não é, pois, uma criação recente, mas rurais concentram-se nas cidades interio-
um dado da estrutura que, ao longo dos res ou, mais ainda, deslocam-se para o lito-
tempos, se tem manifestado por muitas for- ral, onde começam a surgir megalópoles,
mas e símbolos, por vezes com pitoresco: ainda que à reduzida escala do país. As-
os antropólogos, por exemplo, discutem a sim, afirma-se um novo tipo de contraste,
que latitude a comida deixa de ser tempe- entre interior e beira-mar, materializado nu-
rada com salsa e passa a sê-lo com coen- ma larga frente costeira, fortemente urbani-
tro. Um homem do Sul associa aos Gale- zada, onde se concentra a população e a
gos o homem do Norte, que em troca o vida activa, frente essa que começa no lito-
apelida de mouro. ral minhoto e segue para sul marcada por
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Sociedade
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Retrato de Portugal
A Reconquista portuguesa
Bragança
Braga
Porto
Lamego
Viseu
Seia
Coimbra
Idanha
Leiria
Tomar
Santarém
Lisboa
Badajoz
Évora
Olivença
Alcácer
Beja
Serpa Aroche
Aracena
Mértola
Silves
104
Sociedade
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A língua portuguesa
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Sociedade
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Retrato de Portugal
uma rede de grandes cidades polarizado- quanto esta aprende a falar galego-portu-
ras: Viana do Castelo, Braga-Guimarães, guês, os colonos reaprendem-no, pois
Grande Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, San- acham-se misturados diversos dialectos,
tarém, Grande Lisboa, Setúbal e, após um que se fundem, homogeneizam e mudam
hiato na costa alentejana, toda a frente al- de características: numa espécie de bana-
garvia. As afinidades comuns a todos os lização generalizada, apagam-se os traços
pontos desta frente costeira — residência muito típicos e privativos de um dialecto,
urbana e suburbana, tipos de actividade, prevalecem os traços comuns à maioria.
acesso a bens e serviços, gostos e com- Isto não é aparente imediatamente, pois
portamentos — escapam em larga medida serão precisos séculos para se constatar
ao tradicional contraste norte-sul, que po- que certos traços linguísticos não se acli-
derão vir a neutralizar. mataram bem a sul, dando lugar a substi-
E a língua? A língua tem estado presen- tuições e perdas que surgem como inova-
te a tudo isto, em todos os terrenos, mo- ções dialectais das províncias meridionais
mentos e episódios, como testemunha, co- e progressivamente se expandem em di-
mo interveniente e como registo. recção a norte, num lento movimento de re-
No canto noroeste da Península Ibéri- fluxo que, no terreno, não terminou ainda.
ca (Galiza, ocidente de Astúrias e norte A deslocação do poder político para
de Portugal, até ao paralelo de Aveiro), Lisboa conferiu preeminência a estes dia-
uma variedade de latim falado tinha fica- lectos do centro e sul, que serviram de pe-
do isolada a partir dos séculos V-VI, so- destal à elaboração, a partir do séc. XV, de
frendo evolução própria que conduziria à uma norma culta (e uma língua literária)
primitiva língua galego-portuguesa, ca- afastada dos dialectos setentrionais e do
racterizada por algumas mudanças fono- galego, que tinham servido de base à lín-
lógicas originais no quadro românico: gua dos cancioneiros trovadorescos. As-
queda das consoantes l e n em posição sim, desaparece a maior parte dos hiatos
intervocálica (palatianu > paação), fusão que caracterizavam o português antigo
dos grupos pl, fl, cl numa consoante afri- (paaço > paço, maestre > meestre > mes-
cada palatal tch (plorare > tchorar, flam- tre), fundem-se em ão várias terminações
ma > tchama, clamare > tchamar). Com a nasais (pan > pão, non > não, sunt > sõ >
Reconquista e a constituição do reino de são, etc.), mantém-se intacto o sistema de
Portugal, essa língua setentrional deslo- sete vogais tónicas que vinha do latim vul-
cou-se para sul e para leste, ocupando gar mas inicia-se uma característica redu-
quase exactamente o território recente- ção do vocalismo átono, regularizam-se
mente definido pelas armas. A leste, a no- muitas irregularidades morfológicas de gé-
va fronteira com os reinos de Leão e Cas- nero e número, os verbos haver e ser per-
tela torna-se também uma fronteira lin- dem para ter o papel de auxiliares que
guística: do lado leonês e castelhano faz- mantêm em francês e italiano, desenvolve-
-se a ditongação é > ié e ó > ué (lat. terra > -se uma verdadeira originalidade do portu-
tierra, lat. cova > cueva), enquanto no es- guês (o infinitivo pessoal ou flexionado); o
paço galego-português essas mesmas léxico moderniza-se sob a influência do la-
vogais latinas são mantidas (terra, cova). tim. O mapa dialectal português da época
A nitidez da fronteira é absoluta: onde a clássica pouco difere do actual, como foi
língua muda, o país passa a ser outro. descrito por Lindley Cintra: a norte, na área
A sul, o processo é diverso: nas terras inicial da língua, mantêm-se ainda traços
reconquistadas, os colonos misturam-se antigos como os ditongos ou e êi, a africa-
entre si e com a população existente. En- da tch, a distinção entre sibilantes apicais,
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Sociedade
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A língua portuguesa
Os dialectos portugueses
(Luís Filipe Lindley Cintra)
Viana
do
Castelo
Vila Real
Braga
Bragança
Porto
Viseu
Aveiro
Guarda
Coimbra
Castelo Branco
Leiria
Santarém Portalegre
Lisboa
Évora
Setúbal
Beja
Faro
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Sociedade
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Retrato de Portugal
grafadas s, e sibilantes predorsais grafa- que não terá equivalência fácil no resto da
das c, ç ou z (servo/cervo, passo/paço, co- Europa. Os resultados mais salientes desta
ser/cozer); nos dialectos do centro e sul, adequação são o monolinguismo e o débil
aqueles traços foram abandonados: ou dialectalismo.
monotonga para ô e êi para ê (ou mantém- De facto, Portugal é um país quase mo-
-se como âi, na região de Lisboa), tch fun- nolingue: além do português, apenas exis-
de-se com x (pelo que chávena e xícara te no seu território uma outra língua, o mi-
começam pelo mesmo som x), as apicais randês, que tem estatuto oficial de língua
são substituídas pelas predorsais (pas- minoritária e sobrevive numa estreita região
so=paço), em final de sílaba o s torna-se da fronteira nordeste, com poucos milhares
palatal (pastos soa paxtux). Estas mudan- de falantes, nenhum deles privativo. O mui-
ças começam a manifestar-se no Sul do to recente fenómeno do acolhimento de
país pelo século XVI e avançam progressi- imigrantes estrangeiros não alterou total-
vamente para norte, mas ainda hoje não mente este quadro de monolinguismo, pois
eliminaram as formas antigas, que subsis- a maior parte dos chegados (brasileiros e
tem em Trás-os-Montes, Alto Minho e Beira africanos) já têm o português como língua
Alta, ou seja, nas terras interiores (mas o materna, enquanto os oriundos da Europa
Norte atlântico já acolheu a maior parte de leste não revelam dificuldades de acul-
das inovações). O português moderno, na turação linguística. Mesmo assim, estão a
sua face falada, é o resultado da generali- formar-se bolsas de predomínio de línguas
zação das mudanças ocorridas no Sul, estrangeiras, sobretudo crioulos, restando
que, depois de assumidas pela norma- saber como evoluem. O sistema oficial de
-padrão, aproximadamente definida como ensino tem apontado, mesmo nas escolas
as variedades oral e escrita usadas pelos de forte população crioula, para uma for-
portugueses educados e pelos meios de mação em português; do mesmo modo,
comunicação, facilmente penetram nos tem submetido os alunos de origem brasi-
ambientes urbanos do litoral, mesmo os leira e africana à norma linguística portu-
setentrionais. guesa, no que é ajudado pelo contacto si-
Graficamente, temos uma língua nasci- tuacional a que se acham diariamente
da no Norte, que avança para sul à medida expostos. Se esta orientação, que é politi-
que o território cresce e os povos se deslo- camente condicionada, se mantiver, é pro-
cam; que se adapta e transforma nos no- vável que prevaleça a integração linguísti-
vos territórios; que reflui para a sua origem ca dos descendentes de imigrantes e não
e a moderniza. É quase perfeita esta ade- surja um quadro de multilinguismo.
quação entre língua, sociedade e território, Por outro lado, a diferenciação dialectal
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Sociedade
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A língua portuguesa
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Retrato de Portugal
semelhante à de Portugal (quanto à escrita, tes do verbo (lhe disse), posição que de-
isso é indiscutível). Ainda hoje, nos confins pois foi substituída pela posposta, ou êncli-
de Mato Grosso, sobrevivem relíquias co- se ( disse-lhe ). Esta mudança afectou
mo a pronúncia tchorar, que também se apenas o português europeu (PE), enquan-
encontra em Trás-os-Montes, na outra ex- to o português brasileiro (PB) conservou a
tremidade do espaço lusofalante: isso pro- próclise tradicional. Surgiu assim um dos
va que traços característicos dos dialectos grandes traços distintivos entre as duas va-
setentrionais estiveram presentes na colo- riantes da língua.
nização do Brasil. Mas não tiveram vida Outros traços de gramática, facilmente
longa: do século XVII para o XVIII, a evolução sentidos por quem faça um pouco de
da língua em Portugal e na colónia brasilei- comparatismo, são: a) quando o objecto
ra deixou de seguir caminhos paralelos, directo é um pronome da 3.a p., o PB usa a
não sendo transmitidas à colónia algumas sua forma tónica (Vi ele ontem na rua), en-
inovações ocorridas na Europa, e vice- quanto o PE usa a forma átona (Vi-o ontem
-versa. Um exemplo paradigmático: até ao na rua); b) embora a frase de sujeito não
século XVI, a posição mais frequente do expresso Iremos todos ao cinema amanhã
pronome pessoal átono era a próclise, an- seja possível tanto no PE como no PB, este
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A língua portuguesa
usa com maior frequência a frase com à > â ) ou desapareceram ( necessáriu >
pronome sujeito: Nós iremos todos ao ci- n’sáriu, cómudu > cómedu > cóm’du).
nema amanhã. Em compensação, há ca- O comportamento destas vogais tem
sos de sujeito nulo que só podem ocorrer duas utilidades gerais: mostra que o PE po-
no PB: a frase Não usa mais freio supõe no de ser mais inovador e instável que o PB,
PB um sujeito não expresso com valor ge- contrariamente a uma ideia muito comum,
nérico-indefinido, o que no PE requer o e mostra que a evolução previsível do por-
pronome clítico se: Não se usa mais freio; tuguês em África não seguirá o caminho do
c) o PB pode construir frases na voz activa PB, como defende outra ideia comum. Com
com um sujeito que o PE não admite: A efeito, quando a vogal átona é seguida de
balança está consertando ou O relógio l, o PE excepcionalmente não efectua a sua
quebrou o ponteiro (PE: A balança está a elevação, mantendo a vogal tal como o PB
ser consertada ou O ponteiro do relógio (álmeidâ, e não âlmeidâ; vóltár, e não vul-
quebrou-se); d) no caso do vocalismo áto- tár), mas o português africano segue nes-
no, o PB caracteriza-se pela conservação tes casos a regra geral da elevação (âlmei-
do sistema do português clássico (nêcês- dâ, vultár ), sendo neste aspecto mais
sáriô, cómôdô), enquanto no PE as vogais inovador que as outras variantes. É natural
átonas sofreram elevação ( ê > e, ô > u, que em África o português venha a adquirir
*Extinto ou em extinção.
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Sociedade
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Retrato de Portugal
variantes nacionais, como as que tem em aos quais se agregou pouco depois Timor.
Portugal e no Brasil: por variante nacional Por estes motivos, o português é uma lín-
deve entender-se um conjunto de normas gua multinacional, veículo de comunicação
cultas, escritas e faladas, e de normas dia- entre os cidadãos dos estados que a têm
lectais e sociolectais próprias do território, como oficial, e é também uma língua inter-
da sociedade e da cultura de cada um dos nacional, servindo de porta de entrada, co-
estados. Para isso apontam os comporta- mo língua segunda, para os falantes origi-
mentos regionais da língua, além de um nários de outras línguas.
facto de ordem demográfica apercebido Esta condição multinacional, associada
recentemente: tanto em Angola como em à dispersão geográfica, tem reflexos sobre
Moçambique, acha-se concentrada em tor- a unidade da língua. É certamente prema-
no das capitais uma parte considerável da turo afirmar que o português constitui uma
população, misturando-se, convivendo e «família de línguas», à semelhança do que
mesmo constituindo família pessoas que, se defende para o inglês, ou aconteceu há
por serem de etnias e línguas nacionais di- milénio e meio com o latim, mas as condi-
ferentes, apenas podem comunicar entre si ções de geografia, sociedade e comunica-
em português. Enquanto para estas pes- ção permitem admitir que a fragmentação
soas o português é uma língua segunda, do seu sistema linguístico venha a ocorrer
dominada com maior ou menor apuro, para no futuro. A construção e a consolidação
a geração dos seus filhos o português já é das diversas variantes nacionais poderão
a língua materna. E as gerações seguintes ser os primeiros passos nessa direcção.
seguirão, provavelmente, o mesmo ca- Ou melhor, poderão ser longas marchas
minho. constituídas por inúmeros pequenos pas-
O que contribuirá para reforçar um facto sos que não têm consciência da direcção a
actual: a língua portuguesa é, a nível mun- que apontam.
dial, uma das mais faladas como língua A nível das atitudes conscientes, o tema
materna. À sua frente apenas estão o man- da unidade da língua motivou, durante o
darim, o espanhol, o inglês, o bengali e o século XX, o aparecimento de dois modos
hindi. Destas, apenas o espanhol e o inglês típicos e claramente distanciados de reac-
partilham com o português a característica ção: uma pulsão unificadora e uma pulsão
de serem línguas multinacionais, faladas separativa. A pulsão unificadora atingiu o
desde a nascença por cidadãos de dife- zénite com o acordo ortográfico luso-brasi-
rentes nações. Enquanto o mandarim é fa- leiro de 1945, que aspirava a reunificar atra-
lado apenas por chineses (e não todos), o vés de uma ortografia comum as variantes
português é a língua materna de todos os nacionais em todas as suas manifestações,
portugueses, de quase todos os brasileiros mesmo lexicais, sintácticas e fonológicas.
(menos os ameríndios), de uma parte cres- E prosseguiu com novos tentames ortográfi-
cente dos angolanos, moçambicanos, ca- cos nos anos 80, manifestando-se hoje co-
bo-verdianos, são-tomenses, guineenses mo substrato do conceito de lusofonia e co-
(embora em Cabo Verde, Guiné-Bissau e mo justificativo de organizações políticas
São Tomé e Príncipe tenham grande peso como a Comunidade dos Países de Língua
os respectivos crioulos) e, finalmente, de Portuguesa e o Instituto Internacional da Lín-
segmentos da população em Timor, Goa e gua Portuguesa, cujas modestas realiza-
Macau. No ano 2000, o português era a lín- ções alguns consideram sintomáticas para
gua materna de, pelo menos, 180 milhões o devir da pulsão unificadora.
de pessoas distribuídas por todos os conti- Poderia dizer-se que o zénite da pul-
nentes e era língua oficial de sete estados, são separativa se situou na recusa brasi-
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Sociedade
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A língua portuguesa
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Sociedade
A comunicação
social
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Rui Assis Ferreira
A imprensa
E volução histórica
e estrutura do mercado
Apesar do desenvolvimento cultural
e científico registado nos séculos XV e XVI e
da rápida introdução da imprensa no país
tidianos, a que acresciam os dois publica-
dos no Porto.
É, porém, a partir de 1834 que a impren-
sa portuguesa começa a aproximar-se da
vitalidade própria do jornalismo moderno,
(1487), as primeiras publicações periódi- por força da sua crescente profissionaliza-
cas editadas em Portugal, ainda no sécu- ção humana e tecnológica. Inicialmente
lo XVII (Gazeta, Mercúrio Português), tive- concebida como simples tribuna individual,
ram existência limitada, por se destinarem, a imprensa periódica passa a assumir-se
sobretudo, a apoiar o esforço de guerra como verdadeiro fórum de debate dos
inerente à restauração da independência grandes temas nacionais e internacionais,
nacional e aos confrontos militares com a num movimento a que esteve ligado, nos
vizinha Espanha (1640-1668). Açores, aquele que ainda hoje é o mais an-
Seria preciso esperar até 1809 para se tigo jornal português — O Açoreano Orien-
assistir ao aparecimento do primeiro jornal tal (1835).
diário, publicado em Lisboa. Nesta cidade Na segunda metade do século XIX sur-
chegariam a editar-se, em 1820, cinco quo- gem os principais diários do país — O Co-
mércio do Porto, Diário de Notícias, Jornal
A Gazeta, uma das primeiras publicações
periódicas portuguesas, que dava conta de Notícias, Primeiro de Janeiro, O Século,
dos sucessos das lutas da Restauração, Diário Popular, República, Diário de Lis-
em 1641.
boa —, alguns dos quais (Diário de Notícias,
Jornal de Notícias) com publicação que che-
gou aos nossos dias. Pelo caminho ficaram
títulos «históricos» de grande notoriedade
(O Século, Diário Popular, República e Diário
de Lisboa), que não conseguiram resistir,
em anos recentes, às transformações ocorri-
das no sector.
Já nos anos 70 do século XX, observa-se
um assinalável desenvolvimento da im-
prensa semanal, em torno de projectos jor-
nalísticos inovadores e claramente desali-
nhados do poder político dominante, quer
nos últimos anos do marcelismo (caso do
Expresso), quer na fase mais radical da re-
volução de 1974 (caso de O Jornal).
À época da revolução de 1974, um sig-
nificativo número dos quotidianos portu-
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Sociedade
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A comunicação social
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Retrato de Portugal
Agência noticiosa
Remonta a meados dos anos 40 do século
transacto a criação, em Portugal, das pri-
meiras agências de notícias.
Existe, a partir de Fevereiro de 1987,
uma única empresa de vocação nacional e
internacional — a Lusa —, com importante
presença editorial e fotográfica nos conteú-
dos das publicações de informação geral.
Nela se reúnem, sob a forma de sociedade
comercial, capitais públicos (dominantes) e
Fachada do edifício da Lusa — Agência de privados (oriundos dos órgãos de comuni-
Notícias de Portugal, em Lisboa.
cação social, que são, naturalmente, os
Se é facto que os títulos generalistas principais clientes da agência).
apresentam sinais de quebra da circulação Um contrato de prestação do serviço
paga, nos dois últimos anos, certo é também público disciplina as relações entre o Esta-
que o advento dos jornais gratuitos (Jornal do e a agência noticiosa, tanto no que res-
da Região, Metro, Destak) trouxe mais leito- peita à delimitação das obrigações por
res, bem como novos públicos, ao sector, a esta assumidas, em termos de cobertura
ponto de o somatório das suas tiragens cor- noticiosa, quer no que se refere às contra-
responder, hoje, às vendas conjuntas dos partidas financeiras que, a esse título, lhe
cinco principais quotidianos portugueses. são devidas (17 665 935 euros, em 2005).
Particularmente atomizado é o subsector A Lusa dispõe de uma rede de delega-
dos jornais regionais, que exibe um número ções e correspondentes que cobre todo o
de títulos (superior a 700) deveras contras- mundo da lusofonia, por forma a favorecer
tante com a sua real dimensão jornalística e os fluxos informativos entre os países e co-
empresarial. Na verdade, o conjunto das ti- munidades de língua portuguesa.
ragens médias declaradas situa-se perto Está sujeita ao regime jurídico aplicável
dos 4500 exemplares, muito embora 300 às empresas jornalísticas, tal como estabe-
das publicações recenseadas não logrem lecido pela Lei de Imprensa.
atingir, por número, as 2500 cópias.
Sobra, pois, à imprensa regional portu- Consumo
guesa, em títulos, aquilo que lhe falta em Portugal apresenta reduzido índice de lei-
estruturas empresariais e valores de circu- tura dos jornais diários, espelhado nos ele-
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Sociedade
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A comunicação social
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Retrato de Portugal
são presidida por um magistrado e integra- lizado por três grandes redes de cobertura
da também por representantes dos órgãos nacional — RCP, EN e RR —, mais ou me-
de comunicação social e dos jornalistas. nos sujeitas ao controlo do regime, incor-
A Lei de Imprensa postula, por seu tur- porando, além disso, uma dezena de pe-
no, a clara rejeição dos mecanismos cen- quenos postos emissores, de âmbito local.
sórios, que haviam marcado uma presença Apesar da restauração da democracia
asfixiante, em Portugal, entre 1926 e 1974. em Portugal e das novas oportunidades
Dela constam preceitos que visam, entre que ela trouxe à expressão radiofónica, a
outros objectivos, garantir a transparência configuração do mercado nacional mante-
da propriedade das publicações, definir a ve-se inalterada até à década de 80, altura
competência dos directores e dos órgãos em que o país assistiu à multiplicação de
colegiais representativos dos jornalistas (os estações locais «piratas», constituídas à
conselhos de redacção), assegurar o exer- margem das leis então vigentes e fruto de
cício dos direitos de resposta e de rectifi- iniciativas tipicamente voluntaristas.
cação e determinar a responsabilidade ci- Os poderes públicos acabaram por ser
vil e penal emergente dos actos ilícitos sensíveis à pressão das circunstâncias —
cometidos através da imprensa. até porque o fenómeno recolhia apoios evi-
dentes na população e nos próprios órgãos
da administração local —, revendo, no sen-
A rádio
tido da abertura, toda a disciplina jurídica
Evolução do sector da radiodifusão sonora e promovendo o
Data dos anos 30 o início da actividade das subsequente licenciamento de cerca de
principais estações radiofónicas portugue- três centenas de emissoras locais.
sas: o Rádio Clube Português (RCP) (1931), Após este esforço regularizador, a pai-
privado, a Emissora Nacional (EN) (1935), sagem radiofónica portuguesa assumiu
pública, e a Rádio Renascença (RR) (1936), aquele que é o seu figurino actual, com
ligada à Igreja Católica. uma grande diversidade de operadores de
Já antes, porém, tinham sido instaladas, âmbito concelhio (355 recenseados em fins
sobretudo em Lisboa, diversas outras rá- de 2005) e a manutenção de um núcleo
dios, de pequena dimensão, recenseadas restrito de emissores nacionais (aos quais
em número de 28 entre 1914 e 1939. Pro- se vai progressivamente reunindo a TSF,
jectos eminentemente pessoais, depen- estação originariamente local, pertencente
dendo do voluntarismo dos seus fundado- ao grupo Controlinveste).
res, mais do que de verdadeiras estruturas Observa-se, no entanto, uma clara ten-
profissionalizadas, parte destas estações dência para a constituição de cadeias ra-
acabou por ficar pelo caminho que outras diofónicas, entre os operadores locais, com
percorreram até hoje. o duplo propósito de alargamento das cor-
Desde cedo o Estado chamou a si o relativas áreas de cobertura (associado ao
controlo — primeiro directo, depois por crescimento das receitas publicitárias) e de
desconcentração de poderes — de um obtenção de economias de escala. Trata-se
operador radiofónico (a EN), incumbido, de um fenómeno controverso, manifesta-
ainda em 1931, de explorar as virtualida- mente influenciado pela concentração dos
des do novo medium, tanto nas suas ver- meios e estruturas empresariais, mas sus-
tentes informativas e recreativas como no ceptível de desfigurar os padrões de diver-
seu potencial propagandístico. sidade que presidiram à abertura do sector.
Em 1974, aquando do Movimento dos O serviço público de radiodifusão sonora
Capitães, o sector apresentava-se oligopo- continua a ser assegurado, em regime de
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A comunicação social
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Retrato de Portugal
torna-se patente uma progressiva presen- escuta, por adulto, manteve-se relativamen-
ça das rádios no ciberespaço, quer na pro- te estabilizado entre 1994 (195 minutos) e
dução de sites de natureza informativa ou 2002 (191 minutos), sem revelar excessivo
recreativa, quer na simples difusão online, desgaste perante a multiplicação da oferta
com a possibilidade de download para dis- de programas de televisão — não só dos
co e pesquisa por assunto. canais hertzianos terrestres, mas também
dos recebidos por satélite ou por cabo.
Consumo e audiências Em termos gerais, pode dizer-se que a
Apesar do rápido crescimento inicial — RR ocupa o primeiro lugar na hierarquia das
seis vezes, entre 1933 e 1940 — do parque audiências, com valores que superam o
de receptores, em Portugal, e da inegável consumo conjunto de todas as rádios locais.
popularidade granjeada por algumas das Em moldes mais segmentados, a Mark-
estações, certo é que o consumo da rádio test (empresa de estudos de audiência) re-
nunca conseguiu opor-se eficazmente ao fere os seguintes valores de share, para o
advento do seu concorrente televisivo. primeiro trimestre de 2006, no tocante às
Mesmo assim, o tempo médio diário de estações de maior audição:
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A comunicação social
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Retrato de Portugal
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A comunicação social
Os logótipos dos quatro canais televisivos portugueses: RTP 1, canal 2, SIC e TVI.
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Sociedade
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Retrato de Portugal
bo-Portugal, que dispõe de uma quota de dados da Marktest). De acordo com a mes-
mercado próxima dos 90 por cento. ma empresa de estudos de mercado e au-
Dados recolhidos pela Anacom — Auto- diência, o share conjunto do vídeo e dos
ridade Nacional de Comunicações revelam canais próprios do cabo atingia já, em Se-
a rápida penetração do cabo em Portugal, tembro de 2006, os 14,2 por cento.
que alcançou, no primeiro trimestre de Os canais mais populares são, aqui, os
2006, um total de 3 914 000 lares, com consagrados ao desporto, cinema ou do-
1 400 000 subscritores. cumentário.
A oferta actual das redes existentes
abrange perto de seis dezenas de canais, Quadro legal
incluindo os distribuídos por assinatura (a À semelhança das transformações demo-
pagamento). Por força das características cráticas ocorridas na disciplina jurídica dos
geográficas do país, a infra-estrutura do restantes media, também a televisão ficou a
cabo carece de complemento, para cober- dever à revolução de 25 de Abril de 1974
tura das zonas menos acessíveis, através a garantia das liberdades fundamentais.
da emissão por satélite. Contudo, a RTP, no plano factual e também
normativo, foi alvo de acusações várias, ati-
Consumo e audiências nentes à sua alegada dependência do po-
Em média, os Portugueses gastam a ver te- der político, questão esta que não está ainda
levisão, por dia, 212 minutos (dados de completamente resolvida.
2005, recolhidos pela Marktest/Mediamoni- Até 1990, prevaleceu, em Portugal, um
tor). Trata-se de um nível de consumo inter- modelo monopolista, em que o Estado,
médio aos mínimos (152 para a Suécia, através da RTP, detinha o exclusivo da
153 para a Suíça) e máximos (252 para a actividade televisiva. Nesse mesmo ano,
Turquia, 240 para a Hungria) europeus. porém, a lei ordinária veio consagrar a pas-
Em matéria de audiências, verifica-se sagem a um regime dualista, no qual coe-
uma acesa disputa da liderança entre os xistem operadores privados/comerciais e a
canais SIC e TVI, muito embora a RTP 1 ve- concessionária do serviço público.
nha evidenciando, nos últimos anos, al- À evolução registada no país não foi es-
guns sinais de recuperação. Os números tranha, por certo, a adesão portuguesa à
revelados pela Marktest/Mediamonitor, pa- então Comunidade Económica Europeia
ra Setembro de 2006, atribuem a primazia (CEE), em 1986, como já não o havia sido,
do share à TVI (28,6 %), seguida da SIC antes disso, a admissão no Conselho da
(26,5 %), da RTP 1 (24,7 %) e do segundo Europa (CE).
canal de serviço público (6,1 %). De facto, toda a regulação portuguesa
Pela análise dos programas mais vistos da televisão é largamente tributária dos
na televisão hertziana, podem surpreender- princípios e regras dimanados daquelas or-
-se as preferências dos consumidores: as ganizações internacionais, por muito que
transmissões de futebol e os programas de Portugal se tenha antecipado, nalguns do-
ficção ligeira, em especial telenovelas, ou os mínios (por exemplo, a disciplina da publici-
reality-shows, todos falados em português. dade ou do exercício dos chamados «direi-
Por seu turno, a programação própria tos exclusivos»), à normalização europeia,
do cabo começa a marcar presença mais ou mantenha níveis de protecção jurídica do
forte junto dos telespectadores portugue- jornalismo superiores aos da generalidade
ses, fenómeno este verificável pela dupli- dos estados-membros do CE.
cação do seu share, só entre Janeiro e Ju- A conhecida directiva Televisão sem
nho de 1999 (de 1,5 para 3,4 %, segundo Fronteiras (directiva 89/552/CEE, de 3 de
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A comunicação social
Outubro de 1989) foi transposta para o di- prio (ainda por adoptar), com intenção cla-
reito interno português logo em 1990, tal ramente dilatória da exploração desses
como a sua revisão de 1997 (directiva 97/ novos mercados.
/36/CE, de 30 de Junho) teve pronto aco- Nos termos da lei, «a liberdade de ex-
lhimento nas Leis da Televisão de 1998 pressão do pensamento através da televi-
(Lei n.o 31-A/98, de 14 de Julho) e 2003 são integra o direito fundamental dos cida-
(Lei n.o 32/2003, de 22 de Agosto, actual- dãos a uma informação livre e pluralista»,
mente em vigor), assim como no Código da não podendo os poderes públicos, salvo
Publicidade (Decreto-Lei n.o 330/90, de os tribunais, «impedir, condicionar ou im-
23 de Outubro, na versão do Decreto-Lei por a difusão de quaisquer programas».
n.o 275/98, de 9 de Setembro). A soberania assim reconhecida aos canais
São estes, pois, os diplomas modulado- televisivos está somente condicionada pe-
res do direito português da televisão, que se los limites usuais nos estados democráti-
caracteriza, na sua formulação legal, por ele- cos, nomeadamente a protecção da digni-
vados graus de tutela da liberdade de pro- dade da pessoa humana e a prevenção do
gramação e dos direitos dos consumidores. crime. Tal como a normação europeia —
O acesso à actividade faz-se mediante li- tanto da União Europeia (UE) como do
cença, precedida de concurso público, CE —, a lei portuguesa exige uma rigorosa
quando o operador se sirva da transmissão identificação dos programas susceptíveis
hertziana terrestre, ou através de simples li- de afectar os públicos mais vulneráveis, re-
cença, no caso da televisão por satélite ou metendo para horário nocturno, posterior
por cabo. Como corolário da desgoverna- às 23h, a sua difusão.
mentalização do sector, incumbe à ERC a Ainda antes da introdução, no espaço
autoridade administrativa independente para comunitário, de normas reguladoras do
os media — a atribuição destes títulos, váli- exercício de direitos exclusivos, já Portugal
dos por períodos de 15 anos. Os candida- procurara acautelar, na legislação de 1990,
tos devem possuir um capital mínimo de o direito do público à informação. A actual
1 000 000 euros, para os canais temáticos, Lei da Televisão retoma esse mesmo ob-
ou 5 000 000 euros, para os generalistas. jectivo, desenvolvendo-o agora a partir
Não existem, hoje, quaisquer restrições dos princípios introduzidos, em 1997, na
ao investimento na televisão, em função da directiva TSF. Dada a popularidade usu-
nacionalidade dos capitais envolvidos (ain- fruída pelo desporto, entre os telespec-
da que não comunitários), o que não pode tadores portugueses — como, aliás, nos
deixar de ser entendido como reflexo da in- demais estados-membros —, a lista de
tegração europeia em que Portugal está eventos que não podem ser transmitidos
envolvido. Também não existem regras exclusivamente em canais de acesso con-
específicas antitrust — aplicando-se à ac- dicionado é essencialmente composta de
tividade o regime geral de defesa da con- acontecimentos inseridos nas grandes
corrência —, muito embora o legislador competições desportivas, nacionais e es-
português se tenha preocupado em asse- trangeiras.
gurar a transparência da propriedade dos Em matéria de difusão de obras audio-
operadores. visuais, as regras vigentes procuram asse-
No presente estádio legislativo, apenas gurar a defesa da programação criativa
os canais de cobertura nacional se encon- originariamente produzida em língua por-
tram regulados; as condições de exercício tuguesa (que deve ocupar um mínimo de
da televisão de âmbito local ou regional fo- 15 % do tempo de emissão de cada opera-
ram remetidas, pela lei, para diploma pró- dor), tal como a transmissão maioritária, em
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Sociedade
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Retrato de Portugal
sintonia com o regime estabelecido pela Orçamento do Estado (as chamadas «in-
UE, de obras audiovisuais de origem euro- demnizações compensatórias»), com um
peia, com especial relevo para as oriundas horizonte plurianual (quatro anos). Os mon-
de produtores independentes. tantes consignados ao período de 2004 a
Os direitos de resposta (perante referên- 2007 situam-se em 492 350 euros.
cias ofensivas) e de rectificação (face a in- Com a reorganização imprimida ao sec-
formações apenas erróneas) são de consa- tor empresarial do Estado pela Lei n.o 30/
gração clássica, na lei portuguesa, mesmo /2003, de 22 de Agosto, a primitiva taxa da
se pouco utilizados pelos consumidores te- rádio deu lugar à «contribuição para o au-
levisivos. A sua tutela cabe à ERC (cuja in- diovisual», passando a ser partilhada pelas
tervenção é graciosa) e, alternativamente, empresas concessionárias dos serviços
aos tribunais. Os partidos da oposição par- públicos radiofónico e televisivo. Este últi-
lamentar beneficiam, no serviço público (e mo passou, assim, a contar com proveitos
só neste), de um direito especial de réplica mais consistentes, aos quais acrescem —
às declarações políticas do governo, aí pro- como, de resto, já acontecia — os decor-
duzidas, que directamente os atinjam. rentes da exploração da publicidade.
Para preservação do património arqui- Note-se, todavia, que a RTP viu ser si-
vístico da televisão, os registos de emis- multaneamente reduzida a duração das
sões qualificáveis como de interesse públi- suas emissões publicitárias, agora limita-
co, «em função da sua relevância histórica das a seis minutos por hora, o que corres-
ou cultural», estão sujeitos a um regime de ponde a 50 % do tecto legal aplicável aos
depósito legal e acessíveis, nessa medida, serviços de programas não codificados.
aos investigadores. Apesar disso, o conjunto das medidas
Da Lei da Televisão consta igualmente tomadas a partir de 2003 (que incluiu a
o modelo do serviço público que o Estado efectiva consolidação do passivo da em-
deve assegurar, por expressa cominação presa e a redução da sua carga estrutural)
constitucional. Entre ele e a concessionária assegurou à concessionária do serviço
— uma empresa de capitais exclusiva ou público uma base de receitas suficiente e
maioritariamente públicos —, estabelece- estável, que lhe permitiu superar a grave
-se um contrato que disciplina as obri- crise financeira por que passou em 2001-
gações de programação, de prestação de -2002.
serviços específicos, de produção original,
de inovação e desenvolvimento tecnológi-
Os novos media
co, de cooperação com os países lusófo-
nos e de manutenção de canais internacio- Embora a televisão por cabo e por satélite
nais, a par da fiscalização do cumprimento seja uma relativa novidade tecnológica para
dessas missões e das medidas sanciona- os Portugueses, é nos serviços audiovisuais
tórias correspondentes. da anunciada sociedade de informação que
Entre as obrigações características do se podem descortinar, também em Portugal,
serviço público conta-se a cedência de os grandes suportes mediáticos do futuro.
tempos de antena aos partidos políticos e Entre eles, a comunicação online as-
ao governo, assim como às organizações senta sobretudo na Internet, apesar de al-
sindicais, patronais, profissionais e de de- guns progressos feitos pelo cabo, no domí-
fesa do ambiente e do consumidor. nio do video-on-demand.
Por determinação da lei, o financiamen- De acordo com elementos divulgados pe-
to do serviço público é assegurado através lo Instituto Nacional de Estatística (INE), relati-
de verbas consignadas, para o efeito, no vos ao primeiro trimestre de 2005, 42,5 % dos
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A comunicação social
mente estabilizada: para além da ligação da ções acaba de tornar pública uma propos-
Prisa à Media Capital, um outro grupo espa- ta de lei sobre a concentração dos media,
nhol — o Recoletos — é igualmente proprie- com o intuito primacial de prevenir a consti-
tário de dois periódicos portugueses (um tuição de situações de posição dominante,
diário e um semanário) especializados em susceptíveis de proporcionarem a emer-
economia, tal como, antes, a brasileira Abril, gência de práticas violadoras da diversida-
proprietária da TV Globo, havia investido na de e da concorrência.
SIC. Notícias recentes deram também conta
do aumento da participação detida pelo
Os órgãos reguladores
grupo alemão RTL na Media Capital.
Estamos, pois, perante um mercado O regime autoritário e censório vigente no
que se reforça como verdadeira área de país até 1974 inibiu a emergência de estru-
negócio, mais do que como cenário de in- turas ágeis de aplicação da deontologia
fluência política de interesses a ele estra- profissional, susceptíveis de oporem à in-
nhos. A ausência, em Portugal, de regras tervenção compulsiva do Estado os valores
restritivas da concentração multimédia faci- da auto-regulação.
lita a criação das sinergias e economias de Com o restabelecimento da democracia,
escala inerentes à constituição de agrupa- a ética jornalística — cuja observância é as-
mentos económicos mais competitivos, sem segurada pelo Conselho Deontológico do
que o legislador tenha descortinado neste sindicato — passou a assumir o seu próprio
fenómeno, até ao momento, uma ameaça papel na disciplina normativa do sector,
ponderosa aos valores do pluralismo. precedendo outras esferas de acção — em
Em qualquer caso, o governo em fun- particular a administrativa e a judicial.
Página online da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
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Sociedade
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e da informação
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Luís Magalhães
Maria de Lurdes Rodrigues
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Retrato de Portugal
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A sociedade do conhecimento e da informação
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Retrato de Portugal
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A sociedade do conhecimento e da informação
12 000
9 000
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1989
1990
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1993
1994
1995
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1997
1998
1999
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2001
2002
2003
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Retrato de Portugal
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Empresas 67 016 25 99 051 26 103 713 22 96 227 21 121 198 23 161 400 23 266 608 32
Estado 90 214 33 96 533 25 105 714 22 124 313 27 130 682 24 198 846 28 173 954 21
Ens. superior 92 608 34 136 690 36 205 542 43 170 429 37 216 070 40 274 562 38 307 238 36
TOTAL 272 684 100 379 362 100 477 780 100 460 037 100 539 626 100 711 591 100 838 163 100
Fonte: OCT, Principais Indicadores de Ciência e Tecnologia em Portugal, 1988-1995; Sumários Estatísticos,
IPCTN, 1997, 2001.
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A sociedade do conhecimento e da informação
Fonte: OCES, Potencial Científico e Tecnológico Nacional: 1982-2001: Duas Décadas de Evolução do Esforço
em I&D em Portugal, 2003; OCES, Sumários Estatísticos: IPCTN 03, 2006.
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80 000
60 000
40 000
20 000
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1988 1990 1992 1994 1996 1998
(*) Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia até 1995, Ministério da Ciência e da Tecnologia de 1995 a
2000.
Fonte: OCT, Dotações Orçamentais, 1986-1999.
2,60 %
2,20 %
1,80 %
1,40 %
1,00 %
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
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A sociedade do conhecimento e da informação
210
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70
0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
* Gráfico construído com base nos orçamentos da principal agência financiadora do sistema de C&T: JNICT até
1997, FCT de 1997 a 2002, a que foi acrescido o orçamento do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica
Internacional (ICCTI).
Fonte: Grandes Opções do Plano, 1995-2002.
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Retrato de Portugal
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001
Physical, Chemical and Earth Sciences 329 392 436 509 541 573 668 788 879 1071 1123 1382
Life Sciences 230 242 298 353 426 511 513 628 699 854 835 894
Clinical Medicine 75 104 125 135 168 207 181 271 274 352 351 356
Agriculture, Biology, and Environmental Sci. 98 103 168 156 209 258 272 317 388 424 468 550
Engineering, Computing & Technology 160 152 184 180 218 271 340 349 416 510 549 555
[1] Subtotal 925 1040 1279 1398 1645 1899 2093 2427 2749 3333 3533 3878
[2] Publicações não classificadas 48 55 70 145 238 316 310 391 445 490 576 508
Total de Publicações [1] + [2] 973 1095 1349 1543 1883 2215 2403 2818 3194 3823 4109 4386
Artigo 735 844 945 1088 1333 1555 1906 2164 2293 2709 3047 3214
Artigo em actas 97 107 140 205 213 257 229 300 434 548 473 601
Recensão 6 8 16 17 27 23 40 32 38 54 79 79
Outras 74 92 167 167 183 276 227 321 430 511 510 488
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A sociedade do conhecimento e da informação
des com recursos humanos mais qualifica- período, o crescimento em publicações foi
dos e em sectores de actividade tecnologi- o dobro do crescimento em investigadores
camente avançados. (EC, 2001).
Por outro lado, a produção científica em
Produção científica co-autoria é um bom indicador de coopera-
A produção científica referenciada interna- ção internacional. Em 1997, 41 % dos arti-
cionalmente, ou seja, os trabalhos de gos com participação portuguesa referen-
investigadores de instituições científicas ciados internacionalmente foram trabalhos
portuguesas publicados em revistas de re- de cooperação internacional, o que traduz
conhecido mérito internacional, é um im- um aumento significativo face aos 28 % re-
portante indicador do desempenho dos gistados em 1980/1981. No período 1995-
sistemas científicos. -1999, os artigos em co-autoria de investi-
A produtividade científica nacional tem gadores em Portugal com investigadores
crescido significativamente. No período no estrangeiro foram 51 % do total de arti-
1990-1995, Portugal foi o primeiro país da gos publicados, destacadamente o maior
UE em crescimento do número de publica- valor observado na UE15 (EC, 2003). É um
ções científicas referenciadas no Science evidente sintoma de uma crescente abertu-
Citation Index ( SCI ) — um crescimento ra científica e tecnológica do país e de uma
anual médio de 12 %, triplo da OCDE e posição favorável em termos de coopera-
mais que duplo da UE (OCDE, 1999). En- ção científica internacional num contexto
quanto o número de investigadores em de globalização.
Portugal duplicou de 1988 para 1997, o As parcerias científicas do país alarga-
número de publicações referenciadas no ram-se após a adesão à UE: cresce signi-
SCI mais que triplicou, na verdade foi 3,5 ficativamente a colaboração com a Ale-
vezes superior (OCT, 1999b). No período manha, Espanha e Itália. As colaborações
1995-1999, Portugal voltou a ser o primei- com o Reino Unido, os Estados Unidos da
ro país da UE em crescimento do número América (EUA) e a França continuam, con-
de publicações científicas referenciadas tudo, a ser as mais frequentes.
ao SCI, com um crescimento anual médio Por domínios científicos a cooperação
de 16 %, mais de cinco vezes e meia su- científica de equipas portuguesas com
perior à média da UE15 e mais do dobro equipas de instituições do Reino Unido é
do país com o segundo maior valor. Neste particularmente importante nas Ciências
Fonte: Institute for Scientific Information, National Citation Report for Portugal, 1990-2002.
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da Terra, Ciências Médicas, Ciências Quí- evolução da C&T em Portugal, que entra
micas, Biomédicas e Biologia. Os EUA têm agora, talvez, numa nova etapa da sua
um lugar importante na cooperação em história.
Ciências Biomédicas, Ciências Químicas
e Física. A França está presente sobretu- Garantir a qualidade e o crescimento
do na cooperação científica em Ciências sustentado
do Universo e tem um lugar significativo Se é indiscutível o crescimento e a abertu-
em Física, Ciências Médicas e Ciências ra do sistema científico nacional nos últi-
Químicas. mos quinze anos, o crescimento sustenta-
O alargamento da cooperação internacio- do não está ainda garantido e não se
nal é evidente também na participação de alcança automaticamente.
equipas de investigação portuguesas em Os principais indicadores estatísticos
projectos internacionais como o EUREKA. revelam que o sistema científico está ain-
No 4.o Programa-Quadro de Investiga- da longe da robustez necessária à sobre-
ção da UE (1994-1998), o número de parti- vivência e auto-reprodução independen-
cipações de instituições portuguesas foi de tes, dadas a sua actual dimensão, o
1551 em 1117 projectos, 158 dos quais co- acelerado crescimento e a fragilidade e ju-
mo instituições-líderes, quando o número ventude de grande parte das instituições
total de projectos aprovados no âmbito que o constituem.
desse programa-quadro foi 13 738 (OCT, A quebra no crescimento da despesa
1999c). No 5.o Programa-Quadro de Inves- de I&D, entre 1992 e 1995, não traduz
tigação da UE (1999-2002), o número de apenas hesitações da acção política, mas
projectos com participação de instituições também revela as dificuldades do sistema
portuguesas foi 1442 em 1071 projectos, científico, ainda frágil, para se afirmar e
158 dos quais como instituições-líderes, defender dessas mesmas hesitações.
num total de 11 327 projectos. O programa político para a C&T seguido
O crescimento e a abertura científica e de 1995 a 2002 propôs, justamente, uma
tecnológica do país à colaboração inter- estratégia para superar definitivamente o
nacional são os dois traços distintivos da atraso, reforçar as instituições e garantir a
qualidade.
Inclusão de embriões em meio.
Vejamos as suas principais linhas de
orientação:
— aumento e qualificação dos recursos
humanos afectos a actividades de I&D,
como base e garantia de um crescimento
sustentado;
— desenvolvimento e consolidação de
uma cultura de avaliação externa e inde-
pendente e institucionalização de meca-
nismos de auto-avaliação e de acompa-
nhamento externo;
— reforço e qualificação das instituições
científicas e tecnológicas, da sua organi-
zação, liderança e capacidade de progra-
mação estratégica;
— reforço da internacionalização e da
participação de Portugal nos grandes or-
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Foi constatado um elevado potencial pa- tantes das avaliações periódicas interna-
ra uma actividade científica de grande qua- cionais.
lidade internacional, ainda que entravado Toda a informação relativa ao processo
por alguns factores. Em primeiro lugar, de- de avaliação tem sido publicada e ampla-
ficiências estruturais na organização e mente divulgada. Tanto os resultados das
constituição das unidades, atribuíveis a po- avaliações como a informação geral sobre
líticas anteriores de financiamento que pri- as unidades de investigação são também
vilegiavam a dimensão e a inserção em disponibilizados na Internet. A informação
certas áreas prioritárias, em detrimento da sobre as unidades, incluindo listas exausti-
qualidade e dos resultados da investiga- vas das suas equipas de investigação, res-
ção. Em segundo lugar, dificuldades de pectivas áreas de interesse e endereços
compatibilização da actividade científica de correio electrónico é actualizada anual-
com a actual organização do ensino univer- mente pelas próprias unidades através da
sitário, nomeadamente a exígua disponibili- Internet e depois tornada pública. Consti-
dade de tempo dos docentes para a inves- tuiu-se, assim, um eficaz instrumento de in-
tigação resultante de cargas lectivas terligação e comunicação entre os investi-
excessivas, a falta de apoio administrativo gadores e entre as instituições.
e técnico e a rigidez nas contratações de
recursos humanos. Reforço da internacionalização
científica e tecnológica
Reforço e qualificação das instituições O reconhecimento da importância da coo-
científicas peração internacional como instrumento
O Programa de Financiamento Plurianual essencial no desenvolvimento e na melho-
de Unidades de I&D, talvez o mais impor- ria da qualidade do sistema científico e tec-
tante programa de reforço das instituições nológico — no quadro da crescente globa-
científicas, passou a disponibilizar financia- lização social e económica — conduziu à
mentos de base e programático definidos promoção de uma política de cooperação
na sequência de avaliação internacional internacional.
periódica. Integram o programa cerca de Um conjunto de grandes laboratórios in-
335 unidades de todas as áreas do conhe- ternacionais desempenha um papel des-
cimento. O montante global de financia- tacado na abertura de novas perspectivas
mento do programa aumentou signifi- científicas, no acesso a instrumentação
cativamente no período 1995-2002: passou avançada e no reforço e qualificação de
de 7,5 milhões de euros em 1995 e 1996 competências das comunidades científi-
para 20 milhões de euros em 1997, 28 mi- cas participantes. Por estas razões, desde
lhões de euros em 1999, 30 milhões de eu- 1995 foi desenvolvida uma política de
ros em 2000 e 35 milhões de euros em adesão e participação de Portugal nas
2001 (OCT, 2002). grandes instalações científicas internacio-
Além de dotar as unidades de recursos nais:
financeiros para o seu funcionamento, este — renovação do mandato do Comité
programa tem servido de estímulo para a Misto Portugal-CERN até 2007, asseguran-
reorganização interna e orientação progra- do a continuação do aconselhamento no fi-
mática das instituições, o reforço da sua nanciamento das actividades científicas
autonomia e capacidade de captação de nos domínios do CERN e o prosseguimento
fundos no exterior do sistema, e das condi- do acordo sobre o treino de jovens enge-
ções para geração de emprego científico, nheiros portugueses no CERN, instituição a
na sequência das recomendações resul- que Portugal aderiu em 1985;
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de televisão e rádio, etc., sejam eles desti- mas de desenvolvimento regional científico,
nados à população adulta ou mais jovem. cultural e económico, através do envolvi-
Foi lançado em Junho de 1996 o Progra- mento dos actores regionais mais activos
ma Ciência Viva, que elegeu como princí- nestas áreas, sendo objectivo deste instru-
pios orientadores a importância da escola mento criar nos próximos anos uma rede
e do ensino experimental das ciências na de centros com nós em todos os distritos.
formação da cultura científica e tecnoló- O primeiro centro foi inaugurado em 1997
gica. no Algarve, ao qual se seguiram o Planetá-
A política de difusão da cultura científica rio do Porto, o Exploratório Infante D. Hen-
e tecnológica em Portugal envolveu duas rique de Coimbra, o Centro de Ciência do
dimensões: os jovens como alvo e o envol- Europarque da Feira. No Parque das Na-
vimento de instituições científicas como es- ções, em Lisboa, foi criado o Pavilhão do
tratégia para a promoção da qualidade. Is- Conhecimento — Ciência Viva, como cen-
to é, o envolvimento dos cientistas e das tro nacional de recursos para toda a rede
instituições científicas nas várias iniciativas, de centros Ciência Viva, o qual abriu ao
e a importação, para esta linha de interven- público com um conjunto de exposições
ção, dos mecanismos de concurso, avalia- apresentadas pelos melhores centros de
ção independente, acompanhamento e ciência de todo o mundo. Em 2002 foi
apresentação pública de resultados, práti- aberto o Centro Ciência Viva de Vila do
cas que são há longa data seguidas pelas Conde;
instituições científicas. — a organização de campanhas nacio-
Foram quatro os instrumentos fundamen- nais de divulgação científica, estimulando
tais de acção do Programa Ciência Viva: o associativismo científico e proporcionan-
— um programa — Ciência Viva na Es- do à população oportunidades de observa-
cola — de apoio e financiamento de pro- ção e de contacto directo e pessoal com
jectos para o desenvolvimento do ensino cientistas e instituições científicas de dife-
experimental das ciências, com o envolvi- rentes áreas do saber. Estas campanhas
mento da comunidade científica e educati- de âmbito nacional e de acesso livre e gra-
va. Entre 1996 e 2001 foram realizados cin- tuito decorrem sob o signo da experimenta-
co concursos anuais, de que resultaram ção, entendida como verificação empírica
cerca de 3120 projectos, abrangendo mais do saber, confrontação da teoria com a
de 2000 escolas, 5000 professores e meio prática e observação activa em interacção
milhão de jovens (cerca de 40 % de toda a com especialistas das áreas do saber
população escolar correspondente), o que abrangidas.
representou um investimento de 24 milhões
de euros (OCT, 2002); Recuperação do atraso no lançamento
— o programa de Geminação Escolas- das fundações para a sociedade da
-Instituições Científicas, para realização de informação
actividades conjuntas e disponibilização A emergência da sociedade da informação
de apoio técnico e científico, que consagra resulta da crescente importância, centrali-
uma perspectiva de colaboração regular e dade, transversalidade e presença da in-
partilha de recursos e conhecimentos entre formação nos mais variados domínios da
escolas e instituições científicas; acção social, marcando a configuração as-
— uma rede nacional de centros Ciência sumida pelas modernas sociedades con-
Viva, concebidos como espaços interacti- temporâneas.
vos de divulgação científica para a popula- Neste contexto, a capacidade de pro-
ção em geral, mas também como platafor- dução, acumulação, processamento e tro-
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entidades de natureza associativa cultural, net, ao mesmo tempo que introduziu novas
científica e educativa, cerca de 250 biblio- formas de apropriação e generalização
tecas públicas e 15 museus. das tecnologias de informação e comuni-
A partir de 1998 foram lançadas as bases cação (TIC) e o conceito inovador de uma
de expansão faseada a todas as escolas rede computacional que junta instituições
primárias, que se realizará em colaboração do ensino superior, outras instituições cien-
com as entidades promotoras, designa- tíficas, escolas, bibliotecas públicas, mu-
damente as autarquias, e incluirá os cen- seus e associações científicas, educativas
tros de Formação de Professores. e culturais — uma verdadeira Rede Nacio-
Milhares de alunos e professores foram nal do Conhecimento.
sensibilizados, de forma sistemática e prá- Em 2001 foi concluída a ligação à Inter-
tica, para as potencialidades pedagógicas net de todas as escolas do 1.o ciclo do en-
da Internet: maior amplitude e rapidez nos sino básico, também através da RCTS, fa-
processos de pesquisa e recolha da infor- zendo com que Portugal fosse um dos
mação, maior autonomização e democrati- primeiros países do mundo a assegurar a
cidade no acesso à informação e na comu- ligação à Internet de todas as escolas do
nicação entre escolas e com a sociedade, 1.o ao 12.o ano.
familiarização da população discente com
as tecnologias e processos tecnológicos A Iniciativa Nacional para os Cidadãos
que encontrarão numa futura inserção pro- com Necessidades Especiais
fissional. O programa Iniciativa Nacional para os Ci-
Portugal juntou-se, assim, aos países na dadãos com Necessidades Especiais teve
vanguarda da ligação das escolas à Inter- como objectivo contribuir para que esses
Holanda 72
Bélgica 72
Áustria 75
Reino Unido 87
Itália 84
Suécia 91
Nova Zelândia 94
89
Estados Unidos 94
Finlândia 95
Noruega 90
98
Portugal 30
100
Irlanda 69
100
Dinamarca 100
100
0 20 40 60 80 100
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para demonstração de serviços novos de Esta iniciativa foi aprovada pelo governo
grande utilidade social (RCTS-2) e sua arti- com o objectivo de massificar o acesso e a
culação com os programas internacionais utilização da banda larga em Portugal, con-
(Programa Internet 2, etc.); tribuindo, por um lado, para «o aumento
— estender o Programa Cidades Digitais dos níveis de produtividade e a competitivi-
a todo o país, privilegiando os eixos da Ini- dade da economia nacional» e, por outro,
ciativa Nacional para a Sociedade da Infor- para «uma maior coesão social».
mação. As orientações referidas foram adopta-
das para a reprogramação do POSI, que
recebeu um apreciável reforço financeiro
A sociedade
em 2004, com base na reserva de progra-
da informação
mação aprovada nas negociações com a
e a ciência e a
Comissão Europeia em 2000, e passou
tecnologia no período
a designar-se Programa Operacional So-
2002-2005
ciedade do Conhecimento (POSC).
No âmbito do Programa Operacional So- As actividades da UMIC organizaram-se
ciedade da Informação (POSI) foi lançado em torno de iniciativas de carácter legislati-
em 2001 o concurso público para a gene- vo e em projectos específicos para atingir
ralização do Programa Cidades Digitais, e os objectivos enunciados na Iniciativa Na-
criados os primeiros espaços Internet pú- cional para a Banda Larga. As medidas le-
blicos, que ainda hoje são um dos mais im- gislativas cobriram áreas como o governo
portantes meios de acesso à Internet em electrónico, cidadãos com necessidades
Portugal. Também em 2001 foi aprovado o especiais, assinatura e factura electróni-
decreto-lei que criou o Diploma de Compe- cas, direitos de autor, dados pessoais e
tências Básicas em Tecnologias de Infor- privacidade, comércio electrónico, com-
mação, e a Comissão Interministerial para pras públicas electrónicas, acesso ao Diá-
a Sociedade de Informação lançou um rio da República, reutilização de informa-
concurso para avaliação dos sítios na Inter- ção pública e direitos para passagem de
net de organismos integrados na adminis- infra-estruturas de banda larga. Outras das
tração directa e indirecta do Estado. Muito medidas de natureza programática incluí-
em especial, todas as escolas do país es- ram a redefinição da linha de acção Cida-
tavam ligadas à Internet no final de 2001. des Digitais, que passou a designar-se Re-
Em Novembro de 2002 foi estabelecida a giões Digitais, o lançamento do Campus
Unidade de Missão Inovação Conhecimen- Virtual do ensino superior (e-U) e da b-on,
to (UMIC) para definir e orientar as políticas concretizando a Biblioteca Nacional de
da Sociedade de Informação e Governo C&T em Rede prevista em 1999 nos pro-
Electrónico em Portugal. O seu plano de gramas operacionais preparados para o
acção, aprovado em Junho de 2003, esta- Quadro Comunitário de Apoio III e prepara-
va assente em sete pilares de actuação: i) da de 2000 a 2003 pelo Observatório das
uma sociedade da informação para todos; Ciências e Tecnologias/da Ciência e do En-
ii) novas capacidades; iii) qualidade e efi- sino Superior, e vários programas no âmbi-
ciência dos serviços públicos; iv) melhor ci- to da administração pública (nomeada-
dadania; v) saúde ao alcance de todos; vi) mente através do portal do cidadão e da
novas formas de criar valor económico; e dinamização do sistema de compras públi-
vii) conteúdos atractivos. cas electrónicas).
A UMIC apresentou a Iniciativa Nacional Na área da ciência, o período 2002-2005
para a Banda Larga em Agosto de 2003. correspondeu a uma retracção do desen-
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— em Abril de 2006 foi lançada a Iniciati- tando o acesso gratuito ao Diário da Repú-
va Nacional GRID. Presentemente estão li- blica integral na Internet e permitindo
gados em GRID mais de 2000 computado- poupar 27 toneladas de papel por dia;
res, estando previsto o seu alargamento — em 2006, além de uma reorganização
para 5000 a breve trecho. A FCT abriu um destinada a facilitar a utilização pelos cida-
concurso público para projectos no âmbito dãos, o Portal do Cidadão passou a inte-
desta iniciativa; grar uma Plataforma de Pagamentos Elec-
— foi assegurada a adaptação para Por- trónicos que, entre outras possibilidades,
tugal das Licenças Creative Commons que permite emitir referências para pagamen-
permitem a partilha aberta de conhecimen- tos pelo Multibanco e, portanto, também a
to e obras pelos seus autores de uma for- partir de casa ou do trabalho através de
ma simples, eficaz e muito flexível, disponi- homebanking. A utilização do Portal do Ci-
bilizando um conjunto de licenças-padrão dadão cresceu significativamente do prin-
que garantem protecção e liberdade, com cípio ao fim de 2005, nomeadamente 46 %
alguns direitos reservados. A versão portu- em tráfego, 32 % em sessões e 29 % em vi-
guesa destas licenças foi lançada a 13 de sitantes únicos;
Novembro de 2006; — o Portal da Empresa foi disponibiliza-
— foi iniciado em meados de 2005 o pro- do publicamente no final de Junho de
jecto de desenvolvimento do cartão do ci- 2006. Entre outros serviços, ficaram dispo-
dadão com o objectivo de começar a ser níveis a criação completa de uma empresa
disponibilizado em 2007, permitindo a Por- pela Internet — Empresa Online —, um
tugal integrar o grupo dos primeiros países consultório electrónico para assuntos rela-
da UE a disponibilizarem um cartão de cionados de actividade empresarial em
identificação electrónico e ser um dos paí- que as respostas a solicitações são asse-
ses com mais serviços desmaterializados guradas pelo Instituto de Apoio às Peque-
que utilizam este tipo de cartões; nas e Médias Empresas e ao Investimento
— o passaporte electrónico português foi e o Dossier Electrónico da Empresa, onde
disponibilizado em 28 de Agosto de 2006, os vários processos de cada empresa
depois de o respectivo projecto ter sido ini- com a AP são reunidos e disponibilizados
ciado apenas no 2.o trimestre de 2005, per- de forma fácil e segura aos sócios da em-
mitindo a Portugal recuperar o atraso a presa;
ponto de ser o 11.o país da UE a emitir pas- — do início ao fim de 2005 verificou-se o
saportes electrónicos; alargamento significativo do Programa Na-
— o Sistema de Certificação Electrónica cional de Compras Electrónicas (PNCE): o
do Estado foi criado em Junho de 2006, na número de processos de agregação e ne-
sequência de um processo iniciado em No- gociação realizados passou de 27 para 52,
vembro de 2005, com o objectivo de asse- o número de organismos envolvidos pas-
gurar a emissão e gestão de assinaturas sou de 19 para 370 e o número de catego-
electrónicas na administração pública, as- rias de produtos consideradas passou de
segurando o funcionamento de uma infra- quatro para 12. Em 2006, o PNCE foi esten-
-estrutura de chaves públicas (PKI — Public dido a todos os ministérios e generalizado
Key Infrastructure) própria, o que, além de no seio de cada ministério, contando já
outras aplicações, vai permitir a desmateria- com o envolvimento de cerca de 800 orga-
lização completa do processo legislativo; nismos e com a realização de mais de 94
— em Junho de 2006 foi substituída a processos de agregação e negociação.
publicação do Diário da República em pa- Têm sido constituídas unidades ministeriais
pel pela sua publicação electrónica, facili- de compras que centralizam os processos
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450
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0
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Fonte: OCT/OCES. Dotações orçamentais da JNICT até 1997, da FCT de 1998 a 2007, a que foram acrescidas
as dotações orçamentais do ICCTI de 1998 a 2002 e do GRICES de 2003 a 2006 (as funções de cooperação in-
ternacional em C&T passaram da JNICT para o ICCTI em 1997, transitaram deste para o GRICES em 2003 e pa-
ra a FCT em 2007).
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A revolução também destrói importan- los Lopes ganha uma medalha de prata
tes apoios do futebol. As nacionalizações nos 10 000 metros dos Jogos de Montreal
que se seguem põem em causa muito do (1976) e dá o tiro de partida para as gran-
seu suporte económico. A descolonização des vitórias internacionais do meio-fundo
seca os viveiros africanos de grandes fute- português. Seguem-se o triunfo de Rosa
bolistas, bem como de outros atletas que Mota, em Atenas, na primeira maratona dos
rumavam das colónias para a metrópole. Campeonatos da Europa (1982) e, depois,
O país defronta-se com sérios problemas e três medalhas nos Jogos Olímpicos de
aplica energias e dinheiro no saneamento Los Angeles: o ouro de Lopes, na mara-
básico, estradas, reformas, pensões e au- tona, e o bronze de Rosa Mota e António
mentos salariais. Leitão, respectivamente na maratona e
Mas há a outra face. Os cidadãos to- nos 5000 metros.
mam consciência dos benefícios que po- Chega a altura de olhar para as carên-
dem retirar do desporto. São lançadas cias do parque desportivo. A medida mais
campanhas de promoção desportiva. visível é a obrigatoriedade do arrelvamento
O atletismo, o futebol, o ciclismo e o bad- dos campos de futebol. Mas os grandes in-
minton são as modalidades mais divulga- vestimentos só irão ser feitos com a entra-
das. Os jornais escrevem contra os des- da de Portugal na Comunidade Europeia
portistas de bancada, apelando à prática (1986) e com os fundos europeus.
desportiva.
Sem dinheiro e sem recurso às coló-
Portugal, destino
nias, o futebol português começa a impor-
desportivo
tar maciçamente jogadores brasileiros, a
maioria sem qualidade técnica. O próprio No final de Dezembro de 1985, quando os
Benfica, que se gabava de só ter jogado- contabilistas se desdobravam na assistên-
res portugueses, acaba com essa tradição. cia a seminários — para dominarem as re-
Os primeiros indícios de que a travessia do gras da aplicação de um novo imposto, o
deserto estava a chegar ao fim só surgem IVA, que passaria a vigorar no dia 1 de Ja-
com o apuramento do Benfica para a final neiro seguinte, com a entrada de Portugal
da Taça UEFA (1983) e do Futebol Clube na Comunidade Económica Europeia
do Porto para a final da Taça das Taças (CEE) —, reúnem-se em Coimbra os presi-
(1984). Finalmente, no Europeu de 1984 a dentes dos 16 clubes da primeira divisão
selecção nacional recupera prestígio, sen- do Campeonato Nacional de Futebol. Ob-
do afastada da final pela França, que viria jectivo: criar uma associação dos clubes
a ser campeã. profissionais portugueses.
Os ventos sopram de feição para o A associação lá se formou. E no essen-
aumento de praticantes. O número de cial serviu de alavanca à Liga, que hoje é
federados duplica de 1974 para 1985 responsável pela organização dos cam-
(260 000). As federações passam de 38 peonatos profissionais. As grandes mu-
para 46 e os clubes com actividade federa- danças no futebol internacional estavam a
da de 2400 para 4000. O investimento dos chegar.
dinheiros públicos no desporto aumenta As transmissões televisivas trazem di-
e a partir de 1978 há um novo objectivo: a nheiro ao futebol na mesma proporção que
formação. afastam espectadores das bancadas.
Surgem também os primeiros progra- O acórdão Bosman, do Tribunal Europeu,
mas de apoio à alta competição, que se re- consagra a liberdade contratual dos profis-
flectem particularmente no atletismo. Car- sionais do desporto e cria a influente «clas-
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Sociedade
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O desporto
se» dos empresários. As grandes equipas parte desse apoio é encaminhada para a
são vistas como grandes companhias pro- preparação dos atletas integrados na alta
dutoras de espectáculos. Acaba aquilo competição.
que se designava «por amor à camisola». A participação portuguesa nos Jogos
As novas orientações políticas e os Olímpicos de Atlanta é bem o espelho da
apoios comunitários canalizam avultados evolução do desporto português, que dei-
meios para as regiões e autarquias. A cria- xou de estar assente no futebol e no meio-
ção de riqueza passa a ser mais descon- -fundo do atletismo. Além de uma medalha
centrada. A hegemonia dos dois grandes de ouro no atletismo (Fernanda Ribeiro, nos
clubes de Lisboa é sucessivamente enfra- 10 000 metros) e de uma medalha de bron-
quecida. Surge um grande poder desporti- ze na vela, os Portugueses obtêm dois
vo, o Futebol Clube do Porto, que conquis- quartos lugares (futebol e voleibol de
ta um título europeu de futebol (1987) e praia), um sexto lugar (disco feminino) e
cinco títulos de campeão nacional conse- mais quatro sétimos lugares (atletismo, fos-
cutivos, entre 1995 e 1999. so olímpico e duas disciplinas de vela).
Com a liberdade contratual, os melho- A mesma diversidade surge a nível asso-
res futebolistas portugueses passam a jo- ciativo. Há clubes que se dedicam apenas a
gar no estrangeiro. Portugal é cada vez uma modalidade, e com grande sucesso,
mais um país com uma boa escola de for- como o ABC de Braga (já chegou à final da
mação de jogadores e uma selecção na- Taça dos Campeões Europeus de andebol)
cional bem cotada. A equipa principal che- ou o Maratona de Portugal (várias vezes
ga às meias-finais do Europeu de 2000 e campeão europeu de corta-mato). Clubes
entre 1989 e 2000 são ganhos dois títulos dos Açores e Madeira ascendem aos esca-
mundiais de sub-20 e cinco títulos euro- lões principais do futebol e conquistam títu-
peus de juniores. los nacionais em várias modalidades.
A melhoria das condições de vida e o Os grandes clubes fazem «curas de
aumento dos tempos livres levam mais pes- emagrecimento» e optam por especializar-
soas à prática desportiva. Surgem novos -se em duas ou três modalidades. Outros
desportos ligados à aventura, ao mar e à constituíram sociedades desportivas para
natureza e em muitos casos apoiados por as áreas profissionais. Enfim, deixaram de
sectores empresariais. As empresas de pro- ser «clubes guarda-chuva».
dutos e serviços desportivos também emer- A Carta das Instalações Desportivas Ar-
gem. A procura desportiva é diversificada e tificiais de 1998, elaborada pelo Instituto
a estrutura tradicional do desporto federado Nacional do Desporto, mostra o crescimen-
deixa de ser dominante. Um estudo oficial to exponencial de equipamentos que têm
divulgado no final da década de 90 mostra entrado ao serviço das populações. Em pa-
que, da faixa etária dos 15 aos 74 anos, em vilhões e salas de desporto, os metros qua-
cada 100 portugueses 27 procuram a práti- drados construídos por habitante ultrapas-
ca desportiva e 23 são praticantes regula- sam o índice de referência europeu acon-
res. Mas destes 23 apenas quatro estão in- selhado. Curiosamente, nas regiões do
tegrados no desporto federado. litoral, em particular Lisboa e Setúbal, onde
O apoio directo do Estado ao desporto há mais praticantes desportivos, encon-
federado eleva-se a sete milhões de contos tram-se os mais baixos índices de constru-
(35 milhões de euros) em 1989. A maior ção desportiva por habitante. Em contra-
parte desse montante destina-se à activi- partida, as regiões do interior ou mais
dade administrativa e competitiva das fe- deprimidas, como os distritos da Guarda,
derações, que são agora 68. Uma outra Beja, Vila Real, Évora e Castelo Branco,
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Sociedade
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Retrato de Portugal
A euforia do Euro 2004: milhares de apoiantes saúdam a selecção nacional por onde quer que
ela passe.
A euforia do Europeu
Poucos acontecimentos terão mobilizado
tanto a atenção dos Portugueses como o
Campeonato Europeu de Futebol de 2004 4 i.
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O desporto
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O desporto
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Viriato Soromenho-Marques
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Retrato de Portugal
à República Popular da China, em 20 de de-se por 832 km) faz de Portugal o país
Dezembro de 1999 — continua a ser mar- da União Europeia (UE) com a mais exten-
cada por uma (des)continuidade onde o sa Zona Económica Exclusiva (ZEE).
Atlântico assume a nota dominante. A visão mais compreensiva da geogra-
O tronco essencial do território portu- fia portuguesa, entendida na sua multiplici-
guês situa-se no extremo ocidental da Pe- dade de aspectos, do revelo à biogeogra-
nínsula Ibérica, com uma latitude definida fia, passando pela caracterização cultural
pelos paralelos 37o N e 42o N e uma longi- das suas populações, está hoje acessível
tude que varia entre os 6o W e 9o 30’ W. nas obras de grandes mestres como Orlan-
Contudo, 1240 km para oeste da massa do Ribeiro, Hermann Lautensach (que ini-
continental estende-se o arquipélago dos ciou a sua carreira científica, como profes-
Açores, com as suas nove ilhas organiza- sor de Geografia, em Hannover, antes da
das em três grupos (Oriental, Central e Oci- Primeira Guerra Mundial), Suzanne Daveau
dental). Mais a sul, distando 900 km de e Manuel Viegas Guerreiro, entre outros.
Portugal Continental, e a 600 km do litoral Orlando Ribeiro oferece-nos uma im-
marroquino, localiza-se o arquipélago da pressionante representação geográfica
Madeira, constituído pelas ilhas habitadas quando nos propõe ver a terra e a cultura
da Madeira e Porto Santo, e pelos ilhéus portuguesas marcadas por uma dialéctica
desabitados das Desertas e Selvagens. No entre as características predominantemen-
total, o território português estende-se por te atlânticas do Norte litoral e as compo-
91 905,955 km2, com uma população que, nentes mediterrânicas, dominantes na par-
devido a um recente fluxo de imigração, já te mais extensa do território. A Cordilheira
ultrapassa os 10 milhões de habitantes. Central, que é o fenómeno marcante do re-
A sua disseminação pelo Atlântico (só no levo continental português, não seria, as-
território continental a linha costeira esten- sim, um factor de abrupta separação entre
um Norte mais montanhoso e um Sul de re-
Inverno no Nordeste Trasmontano.
levos mais suaves, mas antes um elemento
de mediação para o factor mais actuante
na paisagem portuguesa: o trabalho huma-
no que se perde na bruma de muitos milé-
nios de ocupação humana.
A dialéctica atlântico-mediterrânica se-
ria a base para uma identificação das três
divisões regionais fundamentais do territó-
rio continental português: o Norte Atlântico,
o Norte Transmontano e o Sul. Contudo,
numa análise mais fina, Orlando Ribeiro
identifica um total de 23 sub-regiões (ver
mapa da p. 184), o que nos dá uma ima-
gem da grande diversidade do território
português. Outras linhas de contraste po-
dem ser identificadas em Portugal Conti-
nental: a) o contraste entre um Norte, com
grande disponibilidade hídrica e maior
densidade demográfica, e um Sul mais se-
co e mais escasso do ponto de vista popu-
lacional; b) o contraste entre o Litoral e o
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O ambiente
Interior, que explica, por um lado, o modo floresta de laurissilva, que a UNESCO (Uni-
como a ocupação humana se debruça nu- ted Nations Educational, Scientific and Cul-
ma linha litoral que vai de Braga a Setúbal, tural Organization, Organização das Na-
complementada por uma mais recente que ções Unidas para a Educação, Ciência e
coincide com o litoral algarvio, e por outro, Cultura) classificou em Dezembro de 1999
certos aspectos da continuidade do reves- como de interesse mundial. A laurissilva
timento arbóreo desde Trás-os-Montes ao madeirense, composta por espécies como
Alentejo e Algarve, onde se observam, en- o til, vinhático, loureiros e os raros cedros,
tre outras espécies, carvalhos, castanhei- é uma relíquia viva de uma floresta outrora
ros, sobreiros, azinheiras, oliveiras, figuei- dominante numa vasta zona que se esten-
ras e amendoeiras; c) o contraste entre as dia a grande parte da Europa meridional.
Terras Altas e as Terras Baixas, onde se Com as alterações climáticas, nomeada-
destacam os arcaicos contornos da vida mente, a sucessão de períodos glaciares,
agropastoril, das plantações de vinha e de esta flora resistiu apenas na região maca-
árvores de fruto (Ribeiro, 1991: 131 ss.). ronésia (Quintal, 1999: 16).
De excepcional interesse e beleza são No que concerne ao povo, talvez se
os dois arquipélagos atlânticos portugue- possa afirmar que a mais marcante carac-
ses. Ambos se situam na região biogeográ- terística da identidade cultural portuguesa
fica da Macaronésia (arquipélagos dos reside, por um lado, na antiguidade do po-
Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e voamento do seu território continental ma-
algumas zonas do litoral norte-africano). Os tricial, e no profundo cruzamento de povos
Açores, fruto de um vulcanismo mais re- e etnias, desde os Celtas e os Iberos, aos
cente, surpreendem pela diversidade das Romanos, Germanos (em particular, os
paisagens. A Madeira destaca-se pela sua Suevos), Árabes, e todos os outros povos
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que a Reconquista e a era dos Descobri- da modernidade, com o seu cortejo de re-
mentos e do império fizeram convergir com voluções industriais, que marcaram a as-
o destino português. censão da vaga de destruição e alteração
dos ecossistemas planetários que caracte-
riza a história dos últimos dois séculos.
Consciência ambiental
Em relação à política de conservação
e sociedade em Portugal
da natureza, salienta-se o trabalho pioneiro
Portugal não foi pioneiro da consciência das personalidades, quase todas prove-
ambiental, porque também não foi pioneiro nientes do meio académico e científico,
As regiões de Portugal
1 Entre Douro e Minho
segundo Orlando Ribeiro
2 Montanhas do Minho
3 Montanhas do Norte da Beira
e do Douro 2
4 Terras de média altitude
da Beira Litoral 8
5 Planaltos da Beira Alta 1
6 Beira Litoral 10
7 Cordilheira Central
8 Planaltos e montanhas
de Trás-os-Montes 3
9 Planaltos e montanhas
da Beira transmontana 4
10 Alto Douro e depressões anexas
11 Baixo Mondego 5 9
12 Estremadura setentrional, 3
geralmente baixa 6
13 Maciços calcários da Estremadura
e Arrábida
14 Depressões e colinas entre 7 e 13 11 7
15 Estremadura meridional
geralmente acidentada 12
16 Beira Baixa 16
17 Ribatejo 14
13
18 Alentejo de planície com raras
elevações isoladas
19 Alto Alentejo
20 Alentejo litoral com elevações
21 Depressão do Sado
22 Serra algarvia 17
23 Algarve litoral 19
ou Baixo Algarve 15
15
13
21
18
20
22
23
Limite entre o Norte e o Sul
Limite entre as áreas atlântica e transmontana
Outros limites importantes determinados pelo relevo ou pela natureza das rochas
Limite entre áreas pertencentes ao mesmo conjunto de paisagens
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que em 1948 fundaram a Liga para a Pro- Na literatura encontramos, entre outras,
tecção da Natureza (LPN). Um pouco an- duas obras pioneiras da consciência am-
tes, destaque-se o excelente estudo de biental: Os Pescadores de Raul Brandão
Francisco Flores, que, num ensaio publica- (1923), uma verdadeira e premonitória de-
do em 1939 pela Revista Agronómica, faz o núncia do que é a destruição dos recursos
balanço, possível na altura, das doutrinas e piscícolas por uma pesca industrial sem
políticas de conservação da natureza à es- escrúpulos, e a grande obra de Aquilino Ri-
cala internacional (Flores, 1939). beiro Quando os Lobos Uivam (1958), que
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mente, nos sectores da produção de ener- Entre 1990 e 2004 Portugal aumentou
gia eléctrica (a queima de combustíveis os seus consumos primários de energia em
fósseis nas centrais termoeléctricas) e dos 50 por cento. Tal crescimento traduz-se,
transportes, em particular a combinação igualmente, no aumento excessivo da in-
das emissões crescentes dos automóveis tensidade energética da nossa economia,
particulares e do transporte rodoviário de apesar de alguns factos positivos ocorridos
mercadorias. Para corrigir estas tendên- nos últimos anos: entraram em funciona-
cias negativas terão de ser tomadas medi- mento duas centrais termoeléctricas de ci-
das rigorosas e radicais na alteração da clo combinado a gás natural (Tapada do
política de transportes, principalmente nas Outeiro e Carregado); verifica-se desde en-
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, tão um maior recurso à co-geração (com
apostando na melhoria dos meios colecti- gases quentes aumenta-se a produção de
vos e no incremento da circulação de mer- electricidade) para a produção de energia.
cadorias por caminho-de-ferro e por via Ainda que Portugal não seja rico em
marítima. combustíveis fósseis, o mesmo não se po-
de dizer das energias renováveis, cuja utili-
Energia zação não só é recente como está ainda
O sistema energético nacional é caracteri- longe do seu grande potencial, com excep-
zado por uma forte dependência externa e ção da hidroeléctrica. As medidas até aqui
consequente crescimento da factura ener- tomadas têm-se cingido, essencialmente,
gética. Em 2001, 84 % da energia consumi- ao sector da produção eléctrica. Tal é o ca-
da no nosso país foi importada. Na UE, so do Programa E4, Eficiência Energética,
apenas o Luxemburgo ultrapassa Portugal Energias Endógenas, que visa atingir em
na dependência do petróleo: cerca de 2010, o valor de 39 % de toda a electricida-
70 % do total da energia primária, contra de produzida a partir de origem renovável.
40 % da média da União. Mais recentemente, novas iniciativas foram
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5 Um valor muito apreciável na disponibi- lor subia para próximo de 90 por cento;
lidade hídrica (6200 m3/per capita/ano); 5 apenas 55 % da população era servida
5 um contraste profundo entre as áreas em 1995 por sistema de drenagem de
do Norte e Sul do país (nas regiões me- águas residuais. Em 1998 este valor su-
ridionais ocorrem secas cíclicas e regis- biu para cerca de 65 por cento;
tam-se períodos de intensa escassez hí- 5 apenas 21 % da população se encon-
drica); trava servida em 1995 por um adequa-
5 Portugal é um país de jusante, que par- do sistema de tratamento de águas resi-
tilha com a Espanha as bacias hidrográ- duais. Em 1998 este valor subiu para
ficas de cinco importantes rios interna- cerca de 40 por cento;
cionais: Minho, Lima, Douro, Tejo e 5 em 2003, no âmbito do Plano Estratégico
Guadiana. Aproximadamente 56 % dos de Abastecimento de Água e de Sanea-
recursos hídricos anualmente disponí- mento de Águas Residuais (2000-2006),
veis em Portugal são gerados a montan- atingiram-se os seguintes valores: 92 %
te, em Espanha (ver mapa na pág. 193); da população servida com água potável
5 em 1995, apenas 79,6 % da população no domicílio; 74 % da população servi-
portuguesa se encontrava ligada a siste- da por sistemas de drenagem de águas
mas de abastecimento de água para residuais; 60 % da população servida
consumo humano. Em 1984 esse valor por sistemas de drenagem de águas
era bastante menor: 52 %. A média na residuais ligadas a sistemas de trata-
UE é de 91,5 por cento. Em 1998 este va- mento.
Fontes: MARN, Instituto da Água, Recursos Hídricos de Portugal Continental e Sua Utilização, vol. 1, Lisboa,
1995; Direcção-Geral do Ambiente, Relatório sobre o Estado do Ambiente, 1998; Instituto do Ambiente, Relatório
do Estado do Ambiente, 2004.
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guesa, em Janeiro de 1975, com o petro- maior interesse comercial. Por outro lado,
leiro Jacob Maesk , responsável pela as situações de deficiente qualidade das
descarga de 84 000 toneladas de crude. águas balneares têm um reflexo negativo
Também em 2002, o país esteve muito na importante actividade turística. Outro
perto de sofrer graves danos na sequên- aspecto, que tem sido relevante para a di-
cia do naufrágio do Prestige na costa da minuição dos impactes ambientais nas zo-
Galiza; nas costeiras, é o processo de profunda
— o nosso litoral regista elevados níveis reestruturação da política portuária nacio-
de erosão (como é o caso do troço abran- nal, onde a protecção ambiental e uma
gendo Espinho, Cortegaça e Furadouro): maior racionalização dos recursos têm sido
registam-se pressões dos sectores do tu- duas prioridades estratégicas;
rismo e da construção; tem ocorrido uma — as pressões turísticas são também
forte diminuição da deposição de sedimen- responsáveis por alguns conflitos signifi-
tos em virtude da alteração do caudal de cativos no que concerne ao ordenamento
rios fortemente intervencionados por obras do litoral. Os planos de ordenamento da or-
hidráulicas (< 85 % da área drenada) e, la costeira (POOC) têm enfrentado resis-
eventualmente, no âmbito de mudanças tências fortes por parte de governos muni-
globais profundas, associadas às altera- cipais e de alguns grupos económicos;
ções climáticas; — Portugal tem lutado para manter a
— do ponto de vista económico, Portu- protecção dos oceanos como um tópico
gal é particularmente sensível à evolução em aberto na agenda ambiental internacio-
dos stocks das espécies piscícolas com nal. Nesse sentido, podemos registar como
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positivo o facto de ter sido atribuída a Por- (IQar). Os poluentes abrangidos nesse ín-
tugal, no âmbito da UE, a Agência Euro- dice são os seguintes: o dióxido de azoto,
peia para a Segurança Marítima, que, infe- o dióxido de enxofre, o ozono, o monóxido
lizmente, continua sem ter instalações de carbono e partículas inaláveis. Apesar
adequadas ao seu pleno funcionamento. das insuficiências de cobertura, tem-se re-
gistado uma melhoria no funcionamento
O ar dos mecanismos de informação à popula-
Apesar da exposição das áreas mais den- ção em caso de ultrapassagem dos valo-
samente povoadas de Portugal aos ventos res-limite, efectuando-se já diariamente
oceânicos, o país apresenta algumas áreas uma previsão da qualidade do ar para o
críticas em matéria de poluição atmosféri- dia seguinte. No que respeita à qualidade
ca. O aumento da urbanização e o grande do ar, Portugal tem um contencioso com a
incremento do transporte rodoviário estão Comissão Europeia dados os elevados ní-
entre as causas principais para a degrada- veis de partículas inaláveis nalgumas esta-
ção da qualidade do ar na Europa e em ções de monitorização: tem de diminuir
Portugal. imenso as emissões de partículas inalá-
As áreas mais sensíveis, às quais cor- veis, em particular com origem no tráfego
respondem as estações de uma rede de (em Lisboa e Porto).
medição da qualidade de ar, que se deve Entre 1990 e 2003 houve uma redução
considerar insuficiente, são as áreas urba- significativa da emissão de substâncias
nas, em particular Lisboa e Porto, e algu- acidificantes (da ordem dos 15 %), nomea-
mas zonas industriais, como é o caso de damente pelo significativo decréscimo nas
Barreiro-Seixal, Estarreja e Sines. A rede emissões de dióxido de enxofre, que tem
de medição da qualidade do ar está a cargo sido objecto de reduções nos combustíveis
das comissões de coordenação e desen- usados nas centrais térmicas e na gasolina
volvimento regional (CCDR), e o resultado e gasóleo. Registou-se, igualmente, um li-
do tratamento da informação traduz-se na geiro aumento nos últimos anos na emissão
produção do índice da qualidade do ar das substâncias precursoras do ozono tro-
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tituem um factor transversal e catalisador ções climáticas, seriam muito graves, con-
no incremento de múltiplos riscos. No lon- tando-se entre elas: a) mais desertifica-
go prazo, e de acordo com os resultados ção; b) mais incêndios; c) mais fenómenos
do Projecto SIAM Climate Change in Portu- extremos (tal foi o caso da onda de calor
gal. Scenarios, Impacts and Adaptation de Julho-Agosto de 2003, que terá causa-
Measures (publicados em dois relatórios, do, só em Portugal, um excesso de cerca
em 2002 e 2006), as consequências pro- de 2000 mortes; d) propagação de vecto-
jectadas para o nosso país, incluindo as res de doenças hoje consideradas extin-
regiões autónomas da Madeira e Açores, tas ou controladas (como é o caso da ma-
como resultado do incremento das altera- lária).
Conclusões
e perspectivas
Em síntese, apesar dos passos institucio-
nais positivos já levados a cabo nas políti-
cas públicas de ambiente, Portugal conti-
nua a manifestar grandes dificuldades em
enfrentar as maiores ameaças ambientais,
em particular as que se prendem com cin-
co domínios fundamentais: a) contribuição
para as alterações climáticas; b) erosão
costeira e desertificação; c) perda de bio-
diversidade; d) expansão descontrolada
da área construída; e) excessivo desperdí-
cio de água nos usos urbano e agrícola.
Para se poder inverter esta situação,
poderemos reduzir a cinco as grandes
prioridades de longo prazo da política am-
biental portuguesa:
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João Ferreira do Amaral
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A redução da emigração em meados dos anos 70 mostrou até que ponto esse factor social era
fundamental para a economia portuguesa.
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nos que, numa primeira fase, foram sendo que não se verificava desde 1975, o perío-
cobertos através do recurso à dívida exter- do mais instável da revolução. A formação
na, que duplicou em pouco mais de quatro bruta de capital fixo desceu 25 % em 1983-
anos. Em 1982 o défice da balança de tran- -1984, atrasando a modernização da eco-
sacções correntes representava 13,8 % do nomia e prejudicando o crescimento futuro.
PIB e começava a ser difícil encontrar fi- A queda do PIB levou a um aumento do de-
nanciadores externos que não exigissem semprego para quase 9 % da população
garantias excessivas para realizarem os activa, ao mesmo tempo que muitos traba-
empréstimos. lhadores preferiam trabalhar sem recebe-
Em meados de 1983, o novo governo rem temporariamente o seu salário, para
saído das eleições entretanto realizadas, manterem os seus postos de trabalho. O ní-
dirigido de novo por Mário Soares, consi- vel de vida desceu significativamente, tendo
derou o reequilíbrio externo a prioridade o consumo privado registado uma quebra
absoluta da política económica e acordou de quase 3 por cento. Surgiram situações
novo programa de estabilização com o FMI sociais muito difíceis, tendo-se detectado
(Lopes, 1996), o qual deveria abranger o numerosos casos de subnutrição nalgumas
restante do ano de 1983 e a totalidade de zonas do país, em particular na península
1984. O programa impunha uma forte des- de Setúbal.
valorização do escudo, um aumento da ta- Enquanto se realizava esta difícil políti-
xa de juro, limites mais estritos ao crédito ca de reequilíbrio externo, com as conse-
bancário e uma significativa redução da quências sociais que descrevemos, pros-
despesa pública, em particular do investi- seguiam a bom ritmo as negociações finais
mento e dos subsídios aos preços de cer- para a entrada na CEE, a qual Portugal ti-
tos bens. Impunha também um imposto nha solicitado desde 1977. As negocia-
extraordinário sobre o rendimento e, ao ções foram terminadas a tempo de o trata-
mesmo tempo, as negociações salariais do de adesão vir a ser assinado em 1985,
para 1984 fizeram-se com base em valores sendo Portugal um dos membros da CEE,
muito inferiores à inflação esperada. O pro- em adesão simultânea com a Espanha, a
grama teve um enorme sucesso do ponto partir de 1986.
de vista do reequilíbrio externo, pois o défi- É possível, em perspectiva, ter uma vi-
ce da balança de transacções correntes são geral do período de 1974 a 1985.
desceu drasticamente em 1984 e registou- A economia portuguesa demonstrou
-se em 1985 um pequeno saldo positivo. uma notável flexibilidade, conseguindo com
No entanto, os custos sociais e económi- êxito absorver choques de grande dimen-
cos resultantes do programa foram tam- são: os dois choques petrolíferos e as prin-
bém muito elevados. cipais consequências da descolonização.
Devido ao acelerar da desvalorização O choque petrolífero de 1973-1974 teve
do escudo, a inflação cresceu até cerca de como consequência acabar com os equilí-
30 %, o que levou os salários reais a des- brios precários das décadas anteriores,
cerem em 1984 cerca de 8 %, valor que di- criando uma situação de aberto desequilí-
ficilmente encontra paralelo na Europa em brio que obrigou a um ajustamento de
situações de paz. A redução da procura in- grande dimensão, agravado pelo segundo
terna devido ao aumento da taxa de juro, à choque, cujos efeitos se fizeram sentir a
limitação do crédito e à redução do défice partir de 1980. Com respeito à descoloni-
público (desta vez efectivamente consegui- zação, a economia conseguiu integrar no
da, ao contrário de 1978) levou a que o va- mercado de trabalho grande parte dos re-
lor do PIB em 1984 descesse quase 2 %, o tornados e ultrapassar a perda dos merca-
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dos privilegiados das ex-colónias, de uma teve, sendo o sector perturbado pela
forma que se revelou muito mais eficaz do instabilidade resultante da polémica sobre
que noutros países europeus que sofreram a reforma agrária.
situações semelhantes. Tudo isto enquanto Por outro lado, a necessidade de absor-
se instalavam as novas instituições demo- ver as consequências da descolonização,
cráticas e se tentava democratizar o poder apoiando os retornados e integrando os
económico. funcionários públicos das ex-colónias, a
Nestas condições e dadas as circuns- subida das despesas sociais e o saldo ne-
tâncias adversas, o crescimento global po- gativo de algumas empresas públicas fize-
de ser considerado muito satisfatório, com ram elevar o défice do sector público admi-
uma taxa média anual de crescimento do nistrativo.
PIB de 2,2 % entre 1974 e 1985, da mesma Finalmente, mas não em último lugar, os
ordem de grandeza da média comunitária. custos dos ajustamentos conjunturais inci-
Os sectores sociais, educação, saúde e, diram principalmente sobre os salários. Em
especialmente, segurança social desenvol- parte este ajustamento justificava-se, uma
veram-se em grande ritmo e o sector públi- vez que os aumentos salariais de 1974 fo-
co empresarial manteve um alto nível de in- ram claramente excessivos. Porém, a ver-
vestimento, embora nem sempre bem dade é que, na globalidade, os salários
orientado. acabaram por sofrer mais que o previsível,
Mas os aspectos negativos são também o que terá provavelmente a ver com o facto
patentes. As dificuldades políticas torna- de os trabalhadores privilegiarem mais o
ram impossível a existência de governos emprego que os aumentos salariais.
estáveis que executassem uma política de Na realidade, embora a taxa de desem-
médio prazo que permitisse desfazer blo- prego tivesse subido, principalmente em
queios tradicionais, em particular o da qua- 1984, o certo é que não atingiu níveis in-
se estagnação da agricultura, que se man- comportáveis e nem sequer os valores de
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outros países europeus que enfrentaram em relação aos países comunitários Portu-
neste período condições muito menos ad- gal era uma economia relativamente aberta
versas. (Mateus, 1998). A CEE era, aliás, já na altu-
Com a adesão à CEE uma nova era vai ra, o principal destino das exportações por-
começar. tuguesas. A adesão implicou o abatimento
das restrições ainda existentes e a adop-
ção da pauta exterior comum, o que se rea-
Da adesão à CEE à
lizou dentro do calendário previsto sem
política de convergência
consequências de maior.
(1986-1990)
Já no que respeita às relações com Es-
A adesão de Portugal à CEE coincide com panha se verificou um impacte muito signifi-
a adesão da Espanha e é praticamente si- cativo. Embora vizinhos, os países ibéricos
multânea também da entrada em vigor do constituíam duas economias praticamente
Acto Único Europeu. Ambas estas coinci- de costas voltadas. Assim, ainda em 1985
dências vão ter grandes consequências as exportações portuguesas para Espanha
sobre a evolução da economia portuguesa, não ultrapassavam 4 % do total. Com a
embora a segunda, na sua maior parte, se adesão simultânea dos dois países tudo se
faça sentir apenas depois de 1990. modificou. Abateram-se as barreiras co-
Quando da adesão, Portugal tinha já merciais e rapidamente a Espanha passou
uma larga experiência de condições de li- a ser o principal fornecedor de Portugal e o
vre comércio na Europa. Membro fundador seu segundo maior cliente, a seguir à Ale-
da EFTA em 1960 (onde, contudo, gozava manha (na actualidade, é já a Espanha o
de um regime especial), tinha assinado em país nosso maior cliente). A adesão trouxe,
1972 um acordo comercial com a CEE. assim, um impacte imediato positivo na
E embora durante o período mais aflitivo de criação de comércio entre os dois países.
desequilíbrio externo tivesse aumentado al- O segundo impacte imediato de grande
gumas das suas barreiras ao comércio, in- importância foi o dos fundos estruturais.
troduzindo uma sobretaxa à importação e A entrada de fundos estruturais desde
restrições quantitativas, pode dizer-se que 1986, a que se seguiu a respectiva dupli-
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cação em 1989 e de novo uma duplicação para Espanha), ambos com taxas de cres-
em 1994 (invocando o princípio do reforço cimento anual próximas dos 10 por cento.
da coesão económica e social constante A inflação anual, embora ainda elevada
do Acto Único Europeu), teve um duplo (11 % na média dos cinco anos) foi muito
efeito positivo: permitiu, em primeiro lugar, inferior à média do período anterior (supe-
um crescimento muito rápido do investi- rior a 20 %), e o défice do sector público
mento em infra-estruturas públicas, que ti- não excedeu em nenhum ano os 8 % do
nha sido reduzido, principalmente em 1983 PIB contra uma média superior a 10 % nos
e 1984 devido às restrições orçamentais cinco anos anteriores. As taxas de escola-
derivadas do programa de reequilíbrio ex- rização a partir do 8.o ano de escolaridade
terno, assim como a realização de um aumentaram muito significativamente,
grande número de acções de formação com especial relevância para o ensino su-
profissional, domínio que até aí era quase perior, que registou um aumento de 40 %
inexistente. no número de alunos entre 1986 e 1990.
O segundo aspecto positivo foi o de os O investimento público em vias de co-
fundos comunitários terem permitido um fi- municação teve um grande impulso e os
nanciamento externo sem custo na altura indicadores sociais melhoraram substan-
em que as remessas dos emigrantes per- cialmente, registando, por exemplo, a
diam peso relativo no PIB (de 9 % em 1985 mortalidade infantil uma diminuição de
para 6,7 % em 1990), acompanhando a 17,8 por mil em 1985 para 10,9 por mil em
progressiva saída da vida activa no estran- 1990 (INE, 1992).
geiro dos emigrantes que tinham abando- O crescimento continuava assente basi-
nado o país na década de 60. camente na indústria (esta apoiada por um
Estes estímulos próprios da economia programa especial financiado pela Comu-
portuguesa, acompanhados pelo bom mo- nidade Europeia, o Programa Estratégico
mento da economia internacional (em parti- de Dinamização e Modernização da Indús-
cular da europeia), pelas quedas do preço tria Portuguesa — PEDIP), na construção
do petróleo e do dólar (que provocaram um civil (em resposta ao investimento público)
enorme ganho de razões de troca com o e no turismo, enquanto a agricultura reve-
exterior) e ainda pela descida das taxas de lava dificuldades de adaptação à política
juro internacionais, permitiram que a eco- agrícola comum, apesar de também
nomia portuguesa crescesse muito rapida- apoiada num programa especial comuni-
mente sem problemas externos pela pri- tário para Portugal, o PEDAP, para além
meira vez desde o 25 de Abril. Foi um de receber os apoios gerais do Fundo Eu-
período de grande optimismo, que ficou ropeu de Orientação e Garantia Agrícola
conhecido pelo período áureo do «cava- (FEOGA).
quismo», do nome do então primeiro-mi- Novos grupos económicos se foram se-
nistro Cavaco Silva, que, permanecendo dimentando em torno da grande distribui-
dez anos seguidos à frente do governo, re- ção, da construção civil e de alguns secto-
flectiu uma estabilidade política desconhe- res industriais. No entanto, e apesar da
cida desde 1974. Entre 1986 e 1990 o PIB instalação de novos bancos privados, o
cresceu ao ritmo de 5,5 % ao ano, o que o sector financeiro continuava a ser maiorita-
aproximou do crescimento que se registara riamente público, uma vez que as privatiza-
durante o «arranque» da economia portu- ções só se realizariam nos anos 90.
guesa nos anos 50 e 60. Este crescimento O impacte dos fundos estruturais comu-
foi induzido fundamentalmente pelo inves- nitários tornou-se sensível não só nos res-
timento e pelas exportações (em particular pectivos sectores como também a nível
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nha, e derivou mais da adesão à CEE dos passassem a ser determinadas no merca-
dois países que da realização do mercado do monetário. As consequências foram
interno. muito profundas, em particular na forma de
A liberalização de serviços não foi tam- actuação da política económica.
bém muito actuante neste período, com ex- As intervenções do Banco de Portugal
cepção da que se refere aos serviços fi- na política monetária passaram a ser indi-
nanceiros. rectas, abandonando-se desde 1991 os li-
A liberalização da circulação de pes- mites ao crédito bancário (que, como se
soas podia ter tido um efeito pronunciado viu, tinham sido um eficaz instrumento de
face à tradição da emigração portuguesa política nas situações de dificuldade da ba-
para países europeus, em particular Fran- lança de pagamentos, e o valor da taxa de
ça e Alemanha. Tanto assim era que no tra- câmbio do escudo passou a estar depen-
tado de adesão foi estabelecido um perío- dente da política monetária e, em particu-
do de transição para a liberalização do lar, do valor que esta conseguisse para a
movimento de trabalhadores de Portugal taxa de juro. Para além disso, o carácter
para os países da CEE. especulativo dos mercados cambiais em
A verdade é que a realização do merca- todo o mundo tornava o valor da taxa de
do interno veio a acabar com essas restri- câmbio do escudo muito incerto, mesmo
ções mas nem por isso se notou um efeito apesar das intervenções do Banco de Por-
muito significativo de recrudescimento da tugal no mercado monetário ou nos merca-
emigração, embora alguns indicadores dos cambiais.
apontem para a sua manutenção em níveis No início dos anos 90 estava, assim,
significativos, em particular no que respeita posta em causa a utilização da taxa de
à emigração sazonal. câmbio para melhorar rapidamente a com-
A difícil situação de emprego nas eco- petitividade externa da economia portu-
nomias europeias e o crescimento rápido guesa, instrumento que tinha sido muito efi-
do salário real em Portugal na segunda caz em 1977-1978 e 1983-1984 para repôr
metade da década de 80 poderão explicar o equilíbrio da balança de transacções cor-
esta relativa contenção da emigração, em- rentes. Esta perda do instrumento cambial
bora esta não deixe de constituir uma pos- tornou-se definitiva a partir de 1999 com a
sibilidade sempre presente na sociedade adesão à moeda única.
portuguesa. Foi, no entanto, a adesão à moeda úni-
O impacte mais significativo da realiza- ca que atraiu a maior parte das atenções
ção do mercado interno foi indubitavelmente da política económica portuguesa a partir
a liberalização do movimento de capitais. do início da década.
Portugal tinha adoptado tradicionalmente Embora as condições de adesão à
um regime muito restritivo nesta matéria. moeda única só se tornassem plenamente
A exportação e importação de capitais era definidas com a aprovação do Tratado de
sujeita a autorização por parte do Banco Maastricht, já se sabia, em 1990, que para
de Portugal, a taxa de câmbio e alguns va- Portugal poder entrar teria de reduzir o seu
lores das taxas de juro eram também fixa- ritmo de inflação pois o diferencial de cres-
dos pelo Banco de Portugal. A liberaliza- cimento de preços então existente entre
ção do movimento de capitais foi gradual a Portugal e a média comunitária era dema-
partir de 1990, estando concluída em De- siado elevado para permitir uma inserção
zembro de 1992. Implicou, evidentemente, suave na moeda única, qualquer que fosse
que o valor do escudo deixasse de ser fixa- o seu processo de criação.
do administrativamente e as taxas de juro Acresce que a liberalização do movi-
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pôs para a adesão dos estados à moeda A partir do conhecimento destas condi-
única. ções, a política monetária, no seguimento
Recordemos essas condições: do que já vinha fazendo desde 1990, man-
— ingresso no mecanismo das taxas de teve um valor elevado da taxa de juro e is-
câmbio no Sistema Monetário Europeu so permitiu uma grande entrada de capitais
(SME) e estabilidade cambial, ou seja, não que levou à estabilização da taxa de câm-
desvalorização das respectivas paridades bio nominal do escudo em 1991.
desde pelo menos dois anos antes da data Esta estabilização permitiu, em Abril de
de realização da moeda única; 1992, a entrada do escudo na banda larga
— inflação não superior ao valor, acres- do mecanismo das taxas de câmbio do
cido de 1,5 pontos percentuais e taxa SME. O escudo sofreu as vicissitudes des-
de juro não superior ao valor, acrescido de te sistema entre 1992 e 1994, o que levou,
dois pontos percentuais de, respectiva- por duas vezes, à desvalorização da sua
mente, a média dos ritmos inflacionistas e a paridade de entrada no SME (Novembro
taxa de juro dos três países com menor in- de 1992 e Maio de 1993), mas, a partir de
flação; 1994, a taxa de câmbio do escudo estabili-
— dívida pública não superior a 60 % zou definitivamente.
do PIB; Os resultados desta política sobre a in-
— défice orçamental não superior a 3 % flação foram os previstos. O índice de pre-
do PIB. ços no consumidor desacelerou gradual-
Estes critérios deveriam verificar-se no mente de cerca de 11 % em 1991 para
período de referência, que, tirando a esta- pouco mais de 4 % em 1995 e menos de
bilidade cambial, era o ano anterior à deci- 3 % em 1997 e 1998, o que permitiu cum-
são sobre quem entraria na moeda única, prir os critérios de Maastricht relativos à in-
podendo ser este 1996 ou 1998 (como flação e à taxa de juro.
acabou por ser na realidade). Assim, a
prioridade anti-inflacionista veio a ser refor- Estrutura da despesa interna (%)
çada, pois Portugal tinha na altura um dife-
rencial superior a oito pontos percentuais 1973 2005
relativamente à média dos três países de Consumo privado 65,0 65,2
menor inflação, muito acima, portanto, dos
Consumo público 10,9 21,1
1,5 pontos percentuais admissíveis.
Mas, ao mesmo tempo, tornava-se im- Investimento 33,0 22,3
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concorrentes comerciais levou a uma per- Fonte: Economie Européenne, n.o 65 e suplemento
da de competitividade das empresas por- A, Outono/1999; Banco de Portugal, Relatório de
2005 [para 1999-2005].
tuguesas face ao exterior. Isso traduziu-se
numa desaceleração pronunciada do cres- O crescimento não foi mais baixo ainda
cimento das exportações e também na pe- devido à entrada reforçada de fundos co-
netração facilitada no mercado português munitários no âmbito dos I e II Quadros Co-
de produtos estrangeiros, principalmente munitários de Apoio (1989-1993 e 1994-
oriundos de Espanha, eliminando alguma -1999, respectivamente) — que permitiram
produção interna. um crescimento importante de sectores de
Verificou-se, assim, imediatamente, bens não transaccionáveis com o exterior
uma desaceleração ou mesmo quebra da como a construção civil e certos serviços
produção de bens transaccionáveis com o — e devido também à explosão, a partir de
exterior, em particular da indústria e agri- 1996, do crédito ao consumo e à habitação
cultura. em resultado da redução das taxas de juro
Por outro lado, devido à estabilização então verificada.
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A Autoeuropa, fábrica de veículos automóveis instalada em Portugal pela Ford e pela Volkswagen.
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O sector das telecomunicações é um dos que mais se modernizou nos últimos anos.
Edifício PT-TMN.
A nível interno a principal novidade re- litando assim um bom apoio à actividade
sulta da união monetária. Portugal deixou produtiva.
de ter uma política monetária e cambial au- Outro trunfo importante são os elevados
tónoma e a política orçamental tem a sua financiamentos de fundos comunitários que
margem de manobra muito reduzida devi- continuaram e continuarão a beneficiar a
do ao Pacto de Estabilidade e Crescimento economia portuguesa, permitindo prosse-
(que impõe um limite máximo ao défice das guir os esforços de modernização de in-
contas públicas) e também à inevitável har- fra-estruturas e de desenvolvimento da so-
monização fiscal. Isso significa que o país ciedade de informação, o que não deixará
deixou de ter autonomia no essencial da de ter, directa ou indirectamente, um im-
política económica e que são as políticas pacte significativo na competitividade em-
de âmbito microeconómico as que terão presarial.
possibilidade de ter efeitos sobre as melho- Um domínio que do ponto de vista mi-
rias de competitividade da economia portu- croeconómico pode assumir muita impor-
guesa. tância é o das relações das empresas com
Neste nível, as melhorias dos últimos o Estado. E, nesse aspecto, é geralmente
anos têm sido patentes, ainda que insufi- reconhecida a necessidade de profundas
cientes. transformações na forma de funcionamento
As atitudes empresariais têm-se moder- da administração pública e na justiça de
nizado de forma muito sensível, a mão-de- forma a poderem acompanhar a moderni-
-obra é hoje muito mais qualificada do que zação que ocorre na actividade privada.
antes da adesão à CEE, as novas gerações O recente aligeiramento dos processos bu-
beneficiam de elevadas taxas de escolari- rocráticos que permitem, desde agora, a
zação. criação de uma empresa em uma hora
O sector financeiro e as telecomuni- apenas são um bom exemplo de medidas
cações são dois dos sectores onde a mo- desburocratizadoras com real impacte po-
dernização foi mais profunda, possibi- sitivo na vida empresarial.
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Exportações Importações
total quase duplicou nos últimos trinta de formas utilizadas no passado para o fi-
anos), o que origina uma pressão intensa nanciamento do défice comercial, como
sobre o sistema de segurança social. Me- sejam as remessas de emigrantes e os fun-
didas recentemente tomadas permitem dos estruturais, e os efeitos polarizadores
garantir a sustentação do sistema por al- da própria integração europeia, reforçando
gumas décadas, mas a questão do enve- o centro face às periferias, são os principais
lhecimento continua a constituir um desa- factores condicionantes a ter em conta.
fio difícil para a economia portuguesa, No entanto, a impressionante capacida-
principalmente porque coincide com as de que a economia portuguesa tem mos-
dificuldades competitivas acima referen- trado de vencer os difíceis desafios que
ciadas. nos últimos trinta anos se lhe têm posto for-
Neste contexto, a liberalização do co- nece um bom apoio aos muitos que pen-
mércio mundial, a ausência de política ma- sam que saberá corresponder da melhor
croeconómica própria, a redução do peso forma a estes novos desafios.
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A educação
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Guilherme d’Oliveira Martins
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1986-87
1994-95
2000-01
2006-07
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do-se, a partir de meados dos anos 90, uma no produto interno bruto (PIB). Com mais
estabilização geral quer pelo aumento das alunos, mais escolas e exigências de me-
taxas de escolarização, a atingirem pratica- lhor formação de educadores e professores,
mente os 100 % nos 15 anos de idade, quer tornou-se indispensável dar um salto na
pela ligação positiva entre medidas sociais qualificação da rede educativa. Assim, a ta-
(rendimento mínimo) e prevenção do aban- xa de escolarização aos 18 anos passou de
dono escolar precoce, quer ainda pela me- 45 % em 1991 para 62 % em 2001 e a per-
lhoria dos níveis de formação inicial de edu- centagem da população com nível de ins-
cadores e professores. Apesar de haver trução médio e superior evoluiu no mesmo
ainda um esforço intenso a levar a efeito período de 6,3 % para 10 por cento. Por ou-
com vista a garantir a consagração de ins- tro lado, a população entre os 18 e os 24
trumentos de avaliação da qualidade e a as- anos que não se encontra a frequentar qual-
sunção de uma cultura de responsabilida- quer grau de ensino, segundo o nível de
de, de eficiência e de justiça, o certo é que instrução, registou uma evolução de 1991
a situação alcançada permite um balanço para 2001 de 64 % com formação inferior ao
positivo dos resultados obtidos. secundário, para 45 % — o que constitui,
apesar do grande avanço, um valor muito
alto se comparado com os outros países da
Escolarização e
Organização para a Cooperação e Desen-
qualificação
volvimento Económico (OCDE).
Verifiquemos, através de alguns indicado- Este esforço levou, aliás, a que os índi-
res, a evolução ocorrida nos anos 90 no sis- ces mais elevados de insucesso escolar se
tema educativo português, que justificou um tenham deslocado do 1.o e 3.o ciclos do en-
forte investimento traduzido no crescimento sino básico para o ensino secundário e que
de 1 % do peso das despesas da educação o máximo de abandono escolar tenha deixa-
90 Pré-escolar
1.º ciclo
80 2.º ciclo
3.º ciclo
70 Secundário
Superior
60
50
40
30
20
10
0
1977-78
1978-79
1979-80
1980-81
1981-82
1982-83
1983-84
1984-85
1985-86
1986-87
1987-88
1988-89
1989-90
1990-91
1991-92
1992-93
1993-94
1994-95
1995-96
1996-97
1997-98
1998-99
1999-00
2000-01
2001-02
2002-03
2003-04
2004-05
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A educação
iniciativa das instituições da sociedade civil tem seis anos até 15 de Setembro do ano
no desenvolvimento da educação pré- de inscrição, podendo, a requerimento dos
-escolar é expressamente referenciada co- pais, inscrever-se as crianças que perfa-
mo muito relevante (art.os 7.o e 8.o). çam seis anos entre 16 de Setembro e 31
Consagra-se uma tutela pedagógica de Dezembro. A frequência do ensino bási-
única do Ministério da Educação, o que co é obrigatória até aos 15 anos de idade.
não se verificava antes da lei de 1997, A gratuitidade abrange propinas, taxas e
sendo as redes da educação pré-escolar emolumentos relacionados com a matrícu-
constituídas por uma rede pública e uma la, frequência e certificação, podendo ain-
rede privada, complementares entre si, vi- da os alunos dispor gratuitamente do uso
sando a oferta universal e a boa gestão de livros e material escolar, bem como de
dos recursos públicos. Havendo uma transporte, alimentação e alojamento, se
complementaridade entre as funções edu- necessários.
cativa e social, consagrou-se também
uma cooperação entre os ministérios da O ensino básico
Educação e do Trabalho e da Solidarieda- O ensino básico compreende três ciclos: o
de Social, de modo a assegurar a qualida- 1.o ciclo, de quatro anos, é da responsabili-
de pedagógica e o apoio aos pais e famí- dade de um professor único, que pode ser
lias na componente socioeducativa, de auxiliado por outros professores em áreas
acordo com o princípio da diferenciação especializadas; o 2.o ciclo, de dois anos,
positiva. Assim, a componente educativa organiza-se por «áreas interdisciplinares
da educação pré-escolar é gratuita e as de formação básica», havendo, predomi-
restantes componentes são comparticipa- nantemente, um professor por área; o 3.o
das pelo Estado, de acordo com as condi- ciclo, de três anos, é organizado «segundo
ções socioeconómicas das famílias, com o um plano curricular unificado, integrando
objectivo de promover a igualdade de áreas vocacionais diversificadas», com um
oportunidades. professor por disciplina ou grupo de disci-
plinas. No 1.o ciclo, pretende-se assegurar
A educação escolar «o desenvolvimento da linguagem oral e a
A educação escolar compreende o ensino iniciação e progressivo domínio da leitura e
básico, secundário e superior. O ensino bá- da escrita, das noções essenciais da arit-
sico — universal, obrigatório e gratuito mética e do cálculo, do meio físico e social,
— tem a duração de nove anos. Ingressam das expressões plástica, dramática, musi-
no ensino básico as crianças que comple- cal e motora» — tendo, a partir de 2005, si-
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A educação
conferido pelo ensino superior universitário escolas superiores especializadas nos do-
(LBSE, art.os 14.o e 15.o). mínios da tecnologia, das artes e da edu-
Os estabelecimentos de ensino superior cação, entre outros. As universidades po-
podem realizar cursos não conferentes de dem ser constituídas por escolas, institutos
grau académico cuja conclusão com apro- ou faculdades diferenciados por departa-
veitamento conduza à atribuição de diplo- mentos e por outras unidades, podendo in-
ma. Prevê-se ainda o princípio do reconhe- tegrar escolas superiores do ensino poli-
cimento mútuo do valor de formação e técnico. As escolas do ensino politécnico
competências adquiridas entre os ensinos podem ser associadas em unidades mais
universitário e politécnico. amplas, segundo critérios de interesse re-
Ainda de acordo com a redacção do gional e/ou da natureza das escolas.
art.o 34.o da LBSE, os educadores de infân- A articulação entre o ensino superior e a
cia e os professores dos ensinos básico e investigação científica é especialmente
secundário adquirem a qualificação profis- posta em destaque no sistema português.
sional através de cursos superiores organi- Assim, a LBSE prevê que «nas instituições
zados de acordo com as necessidades do de ensino superior serão criadas as condi-
desempenho profissional no respectivo ní- ções para a formação de investigação
vel de educação e ensino. científica e para a realização de activida-
A formação dos educadores de infância des de investigação e desenvolvimento»
e professores dos 1.o, 2.o e 3.o ciclos do en- (art.o 18.o, n.o 2). Deste modo, é atribuída
sino básico realiza-se em escolas superio- ao Estado a competência para «incentivar
res de educação e em estabelecimentos a colaboração entre as entidades públicas,
de ensino universitário (art.o 34.o, n.os 3 e 5, privadas e cooperativas, no sentido de fo-
da LBSE). mentar o desenvolvimento da ciência, da
O ensino universitário é ministrado em tecnologia e da cultura tendo particular-
universidades e em escolas universitárias mente em vista os interesses da colectivi-
não integradas e o ensino politécnico em dade» (art.o 18.o, n.o 5).
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A educação
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A educação
Universidade de Aveiro.
sidade Nova de Lisboa, bem como das demais actividades científicas e culturais
universidades de Aveiro e do Minho e ain- (autonomia científica);
da do Instituto Universitário de Évora (hoje — a faculdade de criação, suspensão e
universidade). extinção de cursos bem como a competên-
Também nos anos 70, verificou-se o cia para a elaboração de planos de estudo
surgimento, no sector público, dos institu- e programas das disciplinas e definição
tos universitários de Trás-os-Montes e Alto dos métodos de ensino, estando o ensino
Douro, Beira Interior, Açores e Madeira médico submetido a legislação especial
(que passarão, posteriormente, a universi- (autonomia pedagógica);
dades) e da Universidade do Algarve. — o poder de dispor de património pró-
Após a publicação da Lei n.o 108/88, de prio, de gerir verbas anuais atribuídas pelo
24 de Setembro, as universidades públicas Orçamento do Estado, de obter receitas
têm o direito de elaborar os seus estatutos, próprias e de as gerir anualmente através
sujeitos a homologação do ministro da de orçamentos privativos — num contexto
Educação, que apenas pode ser recusada de autonomia administrativa e financeira;
por desrespeito à Constituição e às leis — o poder de punir, nos termos da lei,
aplicáveis. as infracções disciplinares praticadas por
O Conselho de Reitores das Universida- docentes, investigadores e demais funcio-
des Portuguesas (CRUP) assegura global- nários e agentes (autonomia disciplinar).
mente a coordenação e a representação O Estado assume a responsabilidade
das universidades. Estas colaboram na for- de garantir às universidades as verbas ne-
mulação de políticas nacionais de educa- cessárias ao seu funcionamento — nos li-
ção, ciência e cultura e são ouvidas no pro- mites das disponibilidades orçamentais.
cesso de criação pelo Estado de novas São órgãos do governo das universida-
universidades. des: a Assembleia da Universidade, o rei-
A autonomia universitária abrange os tor, o Senado Universitário e o Conselho
seguintes aspectos: Administrativo. A Assembleia da Universi-
— a capacidade de livre definição, pro- dade assegura a representação por elei-
gramação e execução da investigação e ção dos diferentes corpos da instituição
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O património cultural
A literatura
A arquitectura
As artes visuais
As artes do espectáculo
O cinema
Design e moda
O património cultural
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Fernando Pereira Marques
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Cultura
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Retrato de Portugal
Pombal. É hoje o Museu Nacional de Arte reflectirem laivos de uma visão da cultura
Antiga. — e da língua — predominante e até ins-
Anos mais tarde (1893) foi criado o Mu- trumentalmente nacionalista, o que não
seu Etnográfico Português, que teria su- era de estranhar naquele contexto de tran-
cessivas designações até adoptar a actual sição.
de Museu Nacional de Arqueologia. Está Com efeito, em coerência com a natu-
instalado desde 1903 no Mosteiro dos Je- reza autoritária do regime derrubado em
rónimos. 1974, fora uma concepção de política cul-
Nesta segunda metade de Oitocentos, tural enquanto propaganda que prevale-
estabilizadas as instituições monárquicas cera durante toda a sua vigência. Nesta
constitucionais, o país envereda por um perspectiva, o Estado tinha em relação ao
período de relativo desenvolvimento e mo- património responsabilidades de preser-
dernização, mesmo se a uma escala e a vação e até de restauro, na medida em
um ritmo distintos do que se passava no que «Os monumentos que o Passado nos
resto da Europa, tornada mais próxima pe- legou constituem, como se sabe, um dos
lo telégrafo e os caminhos-de-ferro. Come- mais preciosos quinhões da nossa heran-
çar-se-á a proceder ao levantamento e ça de povo civilizador, de povo-guia; são,
classificação dos monumentos, e à criação por assim dizer, páginas vivas da história
de instrumentos legislativos e funcionais da nacionalidade», ao que o autor deste
capazes de permitir a sua salvaguarda. Ta- texto, que durante muito tempo funcionou
refas que prosseguirão com a I República como base programática da política do
(1910-1926), durante a qual se empreen- Estado Novo no domínio do património ar-
derá mesmo um inventário geral e sistemá- quitectónico, acrescentava referindo-se
tico dos bens móveis e imóveis existentes a ao trabalho efectuado pela Direcção-Geral
nível nacional. dos Edifícios e Monumentos Nacionais
No discurso da tomada de posse do (DGEMN): «Uma nova actividade se de-
primeiro governo que Portugal teve após a senvolveu então, à sombra do Estado,
revolução democrática de 25 de Abril de guiada pelo dever, engrandecida pelo cul-
1974, o general António de Spínola, presi- to da Arte e da Tradição, aquecida pela
dente da República, disse a dado passo: mais viva fé nacionalista» ( Boletim dos
«Terão de facultar-se a todos idênticas Monumentos Nacionais, n.o 1, Setembro
oportunidades de acesso aos bens da cul- de 1935: 5-7).
tura e da educação, estimulando paralela- Os primeiros anos de institucionaliza-
mente o florescimento do nosso património ção e de estabilização da democracia fo-
cultural. Neste domínio, há que consolidar ram difíceis e complexos. Não obstante,
a força vinculadora da língua portuguesa começaria a ganhar consistência, ao nível
como afirmação de uma História de que do poder, mesmo se de forma não linear,
nos honramos e traço da união das comu- uma política cultural norteada por outros
nidades lusíadas ou lusófilas que por essa valores e objectivos, assentando em estru-
via se manterão unidas independentemen- turas e normas adequadas às novas reali-
te dos estatutos políticos.» dades democráticas. Neste quadro, a pró-
Era significativa esta referência à im- pria ideia de património cultural evoluiu,
portância do património cultural nesse ac- deixou de estar sujeita ao espartilho predo-
to oficial, realizado num momento ainda minantemente monumental em que estivera
de grande agitação e quando prioridades durante o Estado Novo, alargando-se para
de gestão política imediata se impunham. outros horizontes e linguagens, expressões
Isto apesar de, nos termos utilizados, se artísticas e saberes que, quando muito, a
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Cultura
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O património cultural
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Retrato de Portugal
O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que alberga toda a documentação histórica oficial
portuguesa.
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Cultura
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O património cultural
porânea. Este foi fundado em 1911 para em 1994 muito transformado, melhorando-
reunir as obras — pinturas, esculturas e de- -se, significativamente, o aproveitamento
senhos — que, sendo posteriores a 1850, do antigo palácio onde se mantém instala-
se encontravam no então Museu de Belas- do e a qualidade da exposição das suas
-Artes (das Janelas Verdes), cobrindo o pe- colecções. A de pintura reúne obras que
ríodo que vai do romantismo à actualidade. vão do século XIV ao XIX, oriundas das diver-
Hoje em dia, na sequência de uma interven- sas escolas europeias. Entre as portugue-
ção projectada pelo arquitecto francês Jean sas, de origem marcadamente conventual,
Wilmotte, as suas instalações foram profun- destacam-se os famosos Painéis de São Vi-
damente remodeladas e melhoradas. cente de Fora — do nome do convento de
O Museu Nacional de Arqueologia e Et- Lisboa onde no século passado foram des-
nologia também passaria por uma impor- cobertos —, cuja autoria é atribuída a Nuno
tante fase de reestruturação. Fundado por Gonçalves (século XV). Muitas mais obras-
José Leite de Vasconcelos, insigne etnólo- -primas nele existem, como as Tentações
go e autor de obras de referência — como de Santo Antão, de Jerónimo Bosch — é
As Religiões da Lusitânia —, possui um bastante forte a presença flamenga do sé-
vasto e diversificado acervo que vai desde culo XVI —, o São Jerónimo, de Albrecht Dü-
os mais antigos vestígios da ocupação hu- rer, a Fonte da Vida, de Hans Holbein, e
mana do território português até ao final da são múltiplos os autores de primeira plana,
época romana. Urgia reorganizá-lo, assim como, percorrendo os séculos, Quentin
como repensar os seus espaços e servi- Metsys, Hans Memling, Lucas Cranach,
ços. Neste momento esse museu evidencia Francisco Zurbaran, Pieter de Hooch, Fra-
um grande dinamismo, patente nas exposi- gonard, Tiepolo ou Gustave Courbet.
ções e nas actividades que promove. Está Não menos relevantes são as demais
planeada a sua ampliação. colecções: a de desenhos e de estampas;
Igualmente por esta altura entraria em a de escultura, que reúne milhares de pe-
execução a primeira fase das obras de be- ças, na sua maioria de carácter religioso e
neficiação e de ampliação das instalações que cobre o período que vai de finais do
do Museu Nacional de Arte Antiga. Reabriu século XII ao início do século XIX; a de ouri-
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Cultura
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Retrato de Portugal
vesaria, que abrange os mesmos oitocen- Maria da Vitória (na Batalha). Por outro la-
tos anos, cujas peças são essencialmente do, o Museu do Azulejo foi autonomizado
de feitura nacional, apesar de reunir tam- em relação ao Museu de Arte Antiga, de
bém valiosos trabalhos devidos a artífices forma a potenciar condignamente a cres-
estrangeiros; a de cerâmica, formada por cente importância do seu recheio. Este
cerca de 7500 peças portuguesas e es- museu, instalado no quinhentista Convento
trangeiras, incluindo muitas oriundas do da Madre de Deus (Lisboa), contém um
Extremo Oriente; a de têxteis, composta dos mais valiosos e originais acervos do
por peças muito diferenciadas pela técnica património artístico português, que permite
e função, que vão do século XIV até ao XIX; a seguir a história do azulejo até aos nossos
de mobiliário português de várias épocas; dias, ilustrada por muitos espécimes de di-
as designadas por orientais, que reúnem versos padrões e técnicas, assim como ad-
peças marcadas pelo relacionamento esta- mirar magníficos painéis recuperados de
belecido, aquando dos Descobrimentos, igrejas desaparecidas ou de outras ori-
entre os Portugueses e os povos do Orien- gens. Aliás, o próprio convento e a sua
te, onde se podem realçar os biombos ja- igreja são repositórios de azulejaria dos sé-
poneses de arte namban (séculos XVI-XVII). culos XVII, XVIII e XIX.
Nos últimos tempos, uma nova e empreen- Oportunas foram também as medidas to-
dedora direcção tem procurado inserir este madas, ou pelo menos iniciadas, na área
museu nos circuitos internacionais, possi- fundamental da conservação e restauro, co-
bilitando que nele fosse exposta, em 2006, mo a reformulação do quadro de pessoal e
a rica colecção de pintura doada pelo a redefinição da orgânica do Instituto de Jo-
Dr. Gustav Rau à UNICEF (United Nations sé de Figueiredo, a elaboração de protoco-
International Children’s Emergency Fund, los com outros serviços para formar técni-
Fundo Internacional de Emergência para a cos, e outras concernentes à carreira dos
Infância das Nações Unidas) e estabele- profissionais dessa área. Este instituto, fun-
cendo um protocolo de cooperação com o dado em 1936 pelo crítico de arte e antigo
Museu do Ermitage, de Sampetersburgo, director do Museu de Arte Antiga que lhe
para periodicamente serem promovidas, deu o nome, é a mais qualificada instituição
em Lisboa, mostras de algumas das suas nacional nos domínios da conservação e
imensas riquezas patrimoniais. restauro, da investigação e da formação, o
Ainda nos anos 80, no sentido de reunir, interlocutor credenciado dos seus congéne-
salvaguardar e permitir o acesso do públi- res a nível internacional e de instituições co-
co a alguns acervos artísticos e históricos mo a UNESCO (United Nations Educational,
dispersos, foram criados a Casa-Museu de Scientific and Cultural Organization, Organi-
Anastácio Gonçalves (em Lisboa, cujo re- zação das Nações Unidas para a Educação,
cheio é composto por uma colecção de Ciência e Cultura) e o Conselho da Europa.
pintura portuguesa, porcelana chinesa dos Passou a designar-se Instituto Português de
séculos XIII a XVIII, mobiliário nacional e es- Conservação e Restauro até ser integrado
trangeiro dos séculos XVII e XVIII, além de num novo organismo em 2006.
ourivesaria, têxteis, relojoaria, vidros e me- De referir que, neste mesmo contexto, o
dalhística), o Museu D. Diogo de Sousa Estado interveio de forma a que a Funda-
(em Braga, que reúne colecções de ar- ção Ricardo Espírito Santo, instituição cria-
queologia do Norte do país e peças de da em 1953 e dedicada especialmente ao
arte sacra medieval, tendo-lhe ainda sido estudo e defesa das artes decorativas, pu-
atribuída a tutela das ruínas de Bracara desse superar a grave crise financeira com
Augusta) e o Museu do Mosteiro de Santa que se deparava. O que aconteceu man-
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Cultura
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O património cultural
tendo-se ela em actividade, assim como o ção de muitas das metas traçadas pelos
seu Museu-Escola de Artes Decorativas governos que se iam sucedendo, as dificul-
Portuguesas (Lisboa). dades em superar ancilosamentos estrutu-
Com a extinção da Junta Nacional de rais e os meios escassos disponibilizados
Educação — vinda da orgânica da ditadura para a área da cultura, observou-se, a partir
—, em 1977, e a dissolução das comissões dos anos 80, como que a assunção de uma
municipais de arte e arqueologia, abrira-se nova vontade política. Mudança também
um vazio no que se refere à tutela político- observável no que concerne à sensibilidade
-administrativa das actividades arqueológi- da sociedade global, como era provado pe-
cas. No ano seguinte foi criada uma comis- lo aparecimento de múltiplas associações
são ad hoc que elaborou um Regulamento locais ou regionais dedicadas à defesa dos
de Trabalhos Arqueológicos, publicado logo respectivos legados patrimoniais, facto este
de seguida. Entretanto, autarquias mais sen- incentivado por campanhas animadas pela
sibilizadas para estas questões voltaram a administração central e até pelo maior inte-
constituir, sobre bases diferentes, comis- resse que o ainda emergente poder autár-
sões municipais com objectivos idênticos quico democrático começava a manifestar
aos das que tinham sido dissolvidas. Mas foi em relação a tais assuntos.
com a formação, em 1980, do Instituto Portu- Em 1985 deu-se mais um passo impor-
guês do Património Cultural (IPPC), depois tante na construção do enquadramento ad-
Instituto Português do Património Arquitectó- ministrativo e legislativo para a protecção
nico (IPPAR), e no quadro do seu Departa- do património cultural, capaz de corres-
mento de Arqueologia, que se avançou na ponder às exigências dos novos tempos.
descentralização das tarefas de defesa e Com efeito, em 8 de Julho seria promulga-
conservação do património arqueológico, da a Lei do Património Cultural (Lei n.o 13/
criando-se serviços regionais em três zonas /85), emanada da Assembleia da Repúbli-
do país: Norte, Centro e Sul. Por esta altura ca e votada favoravelmente por todos os
foi finalmente elaborado um Plano Nacional grupos parlamentares. Tratava-se de um
de Escavações, já previsto numa lei datada esforço sério de actualização e sistemati-
de... 1965 (Decreto n.o 46 349, de 22 de zação jurídica, dada a dispersão e, em
Maio). Em 1997 a arqueologia viria a autono- muitos casos, a desactualização das leis
mizar-se com um organismo próprio, o Insti- existentes herdadas da I República ou do
tuto Português de Arqueologia (IPA). Estado Novo.
Em 2006 a orgânica do Ministério da Nessa lei adoptava-se uma definição de
Cultura e dos seus serviços sofreu uma património que incluía a noção de bens
profunda alteração. No que concerne à imateriais; introduziam-se novos critérios e
área que aqui nos ocupa, o IPPAR deu ori- uma nova tipologia de classificação (monu-
gem ao Instituto de Gestão do Património mentos, conjuntos e sítios), assim como de
Arquitectónico e Arqueológico (IGPAA), processamento da mesma; enunciavam-
que absorveu o IPA e a pioneira Direcção- -se, em coerência com a Constituição, os
-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacio- direitos e os deveres dos cidadãos na pro-
nais. Por sua vez, o Instituto Português de tecção do património, quer recorrendo a
Museus (IPM) fundiu-se com o Instituto Por- institutos como a acção popular, quer orga-
tuguês de Conservação e Restauro, trans- nizando-se em associações; definiam-se
formando-se no Instituto dos Museus e da regimes fiscais que propiciassem as tare-
Conservação (IMC). fas de defesa do património; estabeleciam-
Poder-se-á dizer que, não obstante a -se as formas e o regime de protecção e as
lentidão crónica do Estado na concretiza- responsabilidades de autarquias, de pro-
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Cultura
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Retrato de Portugal
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O património cultural
emanados dessa organização, associan- arte portuguesa nos séculos XII a XV, a arte
do-se aos esforços desenvolvidos por ela indo-portuguesa, a arte na vida quotidiana
em prol da salvaguarda e valorização do no Brasil, a arte no apogeu do barroco, a
património cultural dos estados-membros, sociedade e a arte no tempo das feitorias
no âmbito mais geral da defesa da herança dos séculos XV e XVI, entre outros temas.
civilizacional do espírito europeu. Dez anos Não faltaram iniciativas sobre criadores
mais tarde, num acto decisivo para passar contemporâneos, como os pintores Ama-
a ocupar o lugar que lhe cabe no concerto deu de Sousa Cardoso, Eduardo Viana ou
das nações que compõem o Velho Conti- Vieira da Silva; entre muitas outras nos do-
nente, Portugal integrava, oficialmente e mínios da música, do teatro, da dança e da
como membro de pleno direito, a Comuni- literatura.
dade Europeia. Punha-se fim ao isolamento Neste contexto da internacionalização
a que o país fora condenado por quase da cultura portuguesa, devem-se ainda re-
meio século de ditadura, criavam-se as ferir a presença imaginosa e criativa na Ex-
condições para se abrir à Europa e ao po 92 de Sevilha e na 2000 em Hannover, a
mundo, para projectar internacionalmente realização de Lisboa Capital Europeia da
a sua identidade cultural. Cultura, em 1994, as actividades desenvol-
Em 1982 realizou-se em Portugal a XVII vidas no quadro das comemorações dos
Exposição Europeia de Arte, centrada no Descobrimentos, assim como, na sua di-
tema dos Descobrimentos e do Renasci- versidade de linguagens e particular di-
mento na Europa, permitindo mostrar e va- mensão, o grande evento que foi a Exposi-
lorizar a cultura nacional, nas suas várias ção Universal de 1998.
expressões, incluindo a do património his- O impacte de algumas destas realiza-
tórico. Nove anos depois Portugal foi o país ções, reforçado pelo afluxo de fundos co-
convidado do festival Europália, que se munitários, no âmbito de programas como
realizou na Bélgica. Graças a isto exibiram- o Prodiatec e o Programa Operacional da
-se, no coração da Europa em construção, Cultura (POC) (351 milhões de euros de
os mais relevantes aspectos da cultura na- 2000 a 2006), ajudou a uma continuada
cional, desde a Idade Média até aos nos- mobilização de esforços e a que se proce-
sos dias, através de dezoito exposições: a desse a importantes intervenções em mo-
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numentos, conjuntos e sítios. Prosseguiria século XVIII até ao XX e pintura dos sécu-
a acção de requalificação de vários mu- los XVIII e XIX); o Museu Machado de Castro
seus nacionais, como o Museu de Etnolo- (Coimbra, assente sobre um dos mais mo-
gia (Lisboa), que entre as suas várias co- numentais criptopórticos conhecidos do
lecções possui uma de arte africana muito mundo romano, destacando-se, das suas
valiosa, composta por milhares de peças; o valiosas colecções, a de escultura, com
Museu Monográfico de Conímbriga, cujo peças que vão da Idade Média ao Renas-
espólio provém, na sua maior parte, das cimento). Entre outros museus e monumen-
escavações efectuadas nas ruínas de um tos nacionais onde há intervenções em cur-
dos mais valiosos sítios arqueológicos exis- so, estão também o Museu dos Coches
tentes em território português, a cidade ro- (instalado, desde a sua fundação, em
mana desse nome situada perto da actual 1905, no antigo picadeiro do Palácio de
Coimbra; o Museu de Soares dos Reis (no Belém), que reúne uma rara e preciosa co-
Porto, cujo acervo é composto por pintura lecção de carruagens e outras viaturas dos
do século XVI à actualidade, por escultura séculos XVII ao XX (existe uma extensão des-
dos séculos XIII, XIV e XIX — onde se desta- te museu no Palácio Ducal de Vila Viçosa),
cam obras do artista que deu o nome ao e o magnífico Convento de Cristo, em To-
museu —, mas também por peças de artes mar, cuja irradiação internacional aumenta-
decorativas, joalharia, ourivesaria, cerâ- ria ao tornar-se cenário de grande parte do
mica e mobiliário); o Museu de Tavares romance de Umberto Eco O Pêndulo de
Proença (Castelo Branco, em cujo acervo Foucault.
se destacam peças de arqueologia de vá- Refira-se, também, a abertura de novos
rias épocas, colecções de pintura, escultu- museus nacionais, como o Museu do Traje
ra, tecidos, bordados, mobiliário, cerâmica, (inaugurado em 1977 e premiado pelo Con-
numismática, utensílios e trajes regionais); selho da Europa no ano seguinte) e o Mu-
o Museu do Abade Baçal (Bragança, que seu do Teatro (1985), ambos em Lisboa.
possui colecções de arqueologia, arte sa- Mais recentemente (1999), num outro qua-
cra, epigrafia, numismática, etnografia do dro institucional, fruto da colaboração entre
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O património cultural
414 conjuntos e estando, uma parte subs- museus existentes no país recenseados
tancial delas, nas colecções dos museus pelo INE (258, 120 integrando a rede na-
Nacional de Arqueologia, de Arte Antiga e cional), o que permite, paulatinamente,
Machado de Castro. acabar com o desequilíbrio entre a con-
Um acontecimento como a descoberta centração de equipamentos culturais em
das gravuras pré-históricas no vale do Côa, Lisboa e Vale do Tejo e a escassez regis-
que deu origem a vivas polémicas que ul- tada no resto do território.
trapassaram fronteiras, obrigou o poder De entre os museus privados é impossí-
político a opções de grande significado vel não citar o Museu Calouste Gulbenkian
cultural, a uma actuação mais expedita e (Lisboa), que reúne excepcionais colec-
sensibilizou a sociedade civil em geral para ções de pintura e escultura, tapeçarias,
a importância da cultura enquanto factor porcelanas de várias épocas e origens. Al-
de desenvolvimento. Em Foz Côa foi criado guns dos mais recentes equipamentos mu-
um parque abrangendo a área onde se nicipais ou particulares tornam-se verda-
concentram núcleos diversificados de arte deiros pólos de dinamização cultural, em
rupestre, há visitas guiadas e está prevista zonas durante muito tempo carenciadas
a criação de um museu, apesar de não se neste domínio, e não só. É o caso do Mu-
terem concretizado algumas expectativas seu e Campo Arqueológico de Mértola —
mais ambiciosas quanto ao afluxo de visi- para citar um exemplo —, ou de outros vo-
tantes e ao impacte dessa descoberta na cacionados para a etnologia, o artesanato,
região. os saberes e as tradições locais, como, a
Diversos aspectos ilustram uma evolu- título de ilustração, o Ecomuseu Municipal
ção positiva na relação do país e dos po- do Seixal (1982) ou o Museu do Trabalho
deres com o património, como o ter-se Michel Giacometti (1995), em Setúbal, ins-
consolidado, nos últimos anos, o acompa- talado numa antiga fábrica de conservas e
nhamento arqueológico na elaboração que já foi premiado pelo Conselho da Euro-
dos planos directores municipais, e o ob- pa (1998).
servar-se um crescente investimento na O Museu de Arte Contemporânea da
renovação dos museus das autarquias, Fundação de Serralves, no Porto, tornou-se
fundações, associações, universidades, um fenómeno de impacte cultural, se se ti-
ou até a criação de outros novos. Actual- ver em conta que, em 2005, ultrapassou a
mente já ultrapassam as duas centenas os maior parte dos museus a nível nacional,
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com 362 904 visitantes. Mas é positiva, em que lhes cabe na sensibilização e cons-
geral, a evolução dos indicadores referen- ciencialização das novas gerações em re-
tes a outros, como o Museu Nacional dos lação à riqueza patrimonial do seu país.
Coches (356 322), os museus da Fundação Facto que contribui, certamente, para que
Calouste Gulbenkian (201 655), o Museu cresça de ano para ano o número de visi-
Nacional de Arte Antiga (143 784) e o Cen- tantes dos museus (3,8 milhões em 1984,
tro de Exposições e Museu do Design do 8,97 milhões em 2004, segundo o INE) as-
Centro Cultural de Belém (144 638). sim como de monumentos e sítios (1,8 mi-
Graças ao incremento da cooperação lhões em 1995, 2,7 milhões em 1998, se-
entre o Estado, municípios e privados atra- gundo o último apuramento do INE).
vés do mecenato, vários projectos têm sido Nesta linha se situa a evolução do asso-
viabilizados ou se anunciam cheios de po- ciativismo dedicado à temática do patrimó-
tencialidades. É o caso da instalação no nio, em sentido lato, sustentado no sentido
Centro Cultural de Belém da valiosa colec- cívico de cidadãos organizados, infeliz-
ção do empresário Joe Berardo (já parcial- mente nem sempre devidamente incenti-
mente exposta no Museu de Arte Contem- vados e apoiados. É possível estimar em
porânea de Sintra), sobre a qual assentará, cerca de centena e meia as associações
a partir de 2007, o Museu-Colecção Berar- existentes a nível nacional, havendo algu-
do de Arte Moderna e Contemporânea. mas a destacar pelo seu pioneirismo, como
Neste mesmo âmbito, assinale-se que vai a Comissão de Vigilância do Castelo de
ser construída em Cascais, com traça do Santa Maria da Feira, activa desde 1909
arquitecto Eduardo Souto de Moura, uma (se bem que só com estatutos publicados
Casa das Histórias e Desenhos de Paula em 1982), cujos membros, residentes na
Rego, que contará, à partida, com cento e localidade, zelam por esse monumento
vinte obras cedidas pela pintora. que a embeleza. Releve-se, ainda, o signifi-
As escolas começam a desempenhar, cado do aparecimento em vários museus
de forma sempre mais efectiva, o papel de grupos de amigos, por vezes bastante
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Fernando Pinto do Amaral
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A literatura
ou oblíquo), Fernando Guimarães (cuja E assim chegamos aos anos 60, perío-
poesia se abre a uma dimensão estética, do em que é possível identificar três gran-
auto-reflexiva e simbólica) ou Fernando des linhas na poesia portuguesa: uma de-
Echevarría, permeável a um apelo metafísi- las configura-se na luta política (sobretudo
co no rendilhado neo-barroco dos seus estudantil) contra o regime de Salazar.
versos; noutros poetas agudizou-se uma Nesta tendência (muitas vezes musicada
consciência trágica da existência, carrega- através de canções de protesto) salientam-
da de memórias (António M. Couto Viana, -se as obras de Manuel Alegre e Fernando
Raul de Carvalho, José Bento), enquanto Assis Pacheco — o primeiro mais clássico
um lirismo erótico surgia, por exemplo, em e o segundo mais auto-irónico; a segunda
Alberto de Lacerda ou no malogrado David corrente («poesia experimental») procla-
Mourão-Ferreira, autor cuja oficina poética mava a necessidade de uma pesquisa lin-
se sustenta numa força emocional que ul- guística a nível fonético, morfo-sintáctico
trapassa em muito a faceta amorosa que ou mesmo gráfico, na linha da poesia con-
em geral lhe é associada. creta brasileira (casos de Ana Hatherly,
Quanto às heranças do surrealismo, E. M. Melo e Castro ou Alberto Pimenta); fi-
além de Natália Correia e Alexandre nalmente, avultaram as propostas agrupa-
O’Neill (que ocupou um lugar único pelo das sob o conjunto de plaquettes Poesia-
modo como soube retratar com ironia cor- -61, influenciadas pelas obras de Sophia,
rosiva mas enternecida as peculiaridades Eugénio de Andrade e por outro autor ain-
portuguesas), deve sublinhar-se o nome da muito prolífico nos nossos dias, António
de Mário Cesariny de Vasconcelos, recen- Ramos Rosa, cuja poesia corresponde a
temente falecido, cuja escrita oscila entre uma poética e se define por uma constante
um registo sarcástico ou de paródia face interrogação das relações entre o real e a
às convenções sociais e um lirismo amo- linguagem. Deste modo, a atitude dos poe-
roso de recorte bretoniano, embora de tas de 61 (Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais
perfil homossexual. Já sem qualquer liga- Brandão, a já malograda Luiza Neto Jorge,
ção a este movimento se situa a magnifi- além de Casimiro de Brito e Maria Teresa
cente obra de Herberto Helder, neste mo- Horta) atribuía grande ênfase à linguagem
mento reconhecido como um dos nossos e caracterizava-se por uma desconfiança
maiores poetas vivos, cujos textos cortam perante as convenções de um subjectivis-
o fôlego ao leitor graças à energia das mo na altura sentido como demasiado sen-
imagens e das metáforas, deixando-o à timental.
mercê de uma linguagem simultaneamen- Este pendor para a rarefacção do sen-
te alquímica e vulcânica. tido não subsistiu na escrita dos poetas de
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61 ou dos seus próximos (p. ex. Armando lação tardia e discreta de António Osório:
Silva Carvalho), vindo a desembocar em cultor de um estilo humilde e rente às coi-
estilos mais fluentes, como veio a aconte- sas naturais e humanas, também ele veio a
cer com Fiama ou Gastão Cruz — Fiama ser relevante na renovação ocorrida nos úl-
apostando numa «metafísica humilde» e timos trinta anos, protagonizada por vozes
Gastão mais disfórico, com uma atitude hoje em dia já consagradas, como as de
por vezes melancólica e ultimamente se- Nuno Júdice (talvez o mais prolífico e tra-
duzida pela revisitação da infância. De duzido poeta desta geração, cujos textos
qualquer modo, começou a gerar-se a reintegram de modo muito criativo numero-
partir da década de 70 uma certa renova- sas tradições literárias, num processo por
ção, talvez mais sensível após a revolução vezes contaminado por uma ironia que
de 25 de Abril de 1974, mas não apenas vampiricamente se alimenta desses códi-
derivada da mudança política. Tal viragem gos e produz belíssimos resultados), João
pode ser parcialmente compreendida em Miguel Fernandes Jorge (que vagueia ao
função de uma certa asfixia do lirismo ou sabor de uma memória circunstancial e se
do recalcamento da subjectividade, fenó- dispersa pelos mil fragmentos de um quoti-
meno que chegara a provocar um comple- diano sobre o qual vai reflectindo), Vasco
xo de inferioridade do coração em face do Graça Moura (encarando a realidade sob
intelecto. As causas têm raízes amplas, um permanente véu de ironia, melancolica-
mas o facto é que alguns autores regres- mente apta a recuperar uma atitude manei-
saram a uma efusão lírica mais próxima de rista e carregada de referências culturais),
uma experiência partilhável com o leitor. Joaquim Manuel Magalhães (que, além de
Tal regresso vinha já sendo antecipado um intenso poeta lírico, tem representado
por Ruy Belo (morto em 1978), a cujos tex- uma das vozes críticas de maior relevo) ou
tos foram alguns jovens poetas colher, por ainda o já desaparecido Al Berto, cujo nar-
um lado, um fôlego discursivo capaz de li- císico pathos homossexual se alarga numa
dar com os grandes temas do amor, do fecunda imaginação onírica e em reminis-
tempo ou da morte e, por outro lado, um cências eróticas em que o sentido do ex-
à-vontade coloquial ligado às emoções do cesso alterna com a mais profunda melan-
quotidiano. colia.
Perante a multiplicidade de valores des- Apesar desta recuperação da experiên-
de então divulgados, parece tarefa inglória cia humana, a poesia actual mantém-se
qualquer esquematização de temas ou mo- ciente das questões da (in)comunicabilida-
tivos atribuíveis em conjunto aos poetas. de da escrita e da sua (in)adequação ao
Em todo o caso, começaria por citar a reve- real. Basta ver um caso tão notável como o
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A literatura
de António Franco Alexandre, portador da ferente é a que encara a poesia como reac-
inquietação de uma fala por vezes suspen- ção satírica à sociedade, utilizando um hu-
sa num quase-silêncio em que o que fica mor e uma ironia por vezes próximos do
dito se subentende de modo subtil. nonsense — vejam-se os casos de Jorge
Seja como for, diversas linhas de rumo de Sousa Braga, em que essa vertente hu-
se poderiam ainda traçar na poesia mais morística se alia a uma certa dose de ternu-
recente, alguma já revelada nas décadas ra, ou de Adília Lopes, cuja poesia joga
de 80 e 90: uma delas assume contornos com a sabotagem de alguns valores tradi-
neo-expressionistas em que o essencial cionais, desconstruindo-os de um modo
tem a ver com a intensificação do sentido perversamente infantil.
no texto. Aí se situam os dilacerantes per- A diversidade destes nomes não esgo-
cursos eróticos de Isabel de Sá, Fátima ta, no entanto, um panorama poético onde
Maldonado, Eduardo Pitta, Helga Moreira, ressaltam autores tão diferentes como Ma-
Fernando Luís Sampaio ou, last but not the nuel Gusmão (com o seu discurso tenso e
least, Luís Miguel Nava (assassinado em por vezes quase orquestral), Carlos Poças
Bruxelas em 1995), que em poucos anos Falcão, Jorge Fazenda Lourenço, António
construiu uma obra escassa mas plena de Manuel Pires Cabral, Eduardo Guerra Car-
coerência e densidade, veiculando um neiro, Gil de Carvalho, Teresa Rita Lopes,
imaginário pessoal fortemente erótico. Uma Inês Lourenço, Rosa Alice Branco, Laurea-
tendência mais suave tende a evocar me- no Silveira, António Cabrita, António Mega
mórias de um passado afectivo algo tran- Ferreira, Francisco José Viegas, Jaime Ro-
quilo ou cicatrizado, exprimindo-se por cha ou as recentes revelações de uma no-
exemplo nas obras de Hélder Moura Perei- víssima geração que surgiu em força já no
ra, João Camilo dos Santos ou Miguel Ser- dealbar do século XXI. Um fenómeno recen-
ras Pereira, mas também no alcance ele- te e interessante — talvez consequência da
gíaco que atravessa a poesia de Paulo mudança de milénio — consistiu na publi-
Teixeira, ocupada num exaustivo «inventá- cação de diversas antologias, de que sa-
rio» da herança cultural do Ocidente. liento apenas duas, aliás motivando algu-
Um regresso brilhantemente consegui- ma polémica: Anos 90 e agora, vinda a
do a formas legadas pela tradição lírica lume em 2001 pela mão de Jorge Reis-Sá,
portuguesa é o que se verifica na lingua- e Poetas sem Qualidades, editada pelo
gem sóbria mas intensa de Luís Filipe Cas- poeta Manuel de Freitas em 2002. Uma
tro Mendes, enquanto Manuel António Pina tentativa de sistematização foi, enfim, le-
realiza, por sua vez, a reactualização de vada a cabo em 2002 por José Ricardo
um labirinto reflexivo de recorte pós-pes- Nunes — também ele um autor da mesma
soano. José Agostinho Baptista faz ecoar geração — no ensaio 9 Poetas para o Sé-
a sua voz mágica e deambulatória por um culo XXI, em que dedica capítulos indi-
universo de recorte mexicano ou madei- vidualizados a Luís Quintais, Paulo José
rense e Ana Luísa Amaral (uma das me- Miranda, Pedro Mexia, João Luís Barreto
lhores vozes femininas mais recentes) Guimarães, Carlos Bessa, Rui Pires Cabral,
mostra-nos o seu olhar terno, mas impiedo- Jorge Gomes Miranda, Daniel Faria e José
samente lúcido, sobre um quotidiano pro- Tolentino Mendonça.
positadamente banal ou familiar. Outra mu- No domínio da prosa narrativa, um dos
lher, Maria do Rosário Pedreira, tem vindo dados curiosos da situação portuguesa
a destacar-se por um lirismo próximo da corresponde ao número de poetas que se
experiência do sofrimento, da solidão e do deixam seduzir pela ficção, alcançando
abandono amoroso. Uma sensibilidade di- por vezes excelentes resultados. Desde os
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já clássicos Mau Tempo no Canal (1942), Talvez menos inovadores quanto à es-
de Vitorino Nemésio, Finisterra (1978), de trutura, mas sem dúvida fascinantes e de-
Carlos de Oliveira, e Sinais de Fogo (1979, tentores de grande lucidez quanto à natu-
póstumo), de Jorge de Sena, até ao rela- reza humana e às forças que a movem,
tivamente recente Um Amor Feliz (1986), são os romances de uma figura central
de David Mourão-Ferreira, muitos são os dos nossos dias, Agustina Bessa Luís.
casos em que o género lírico se prolonga Atraída por atmosferas e personagens ma-
no narrativo: foi o que sucedeu com Yvette gistralmente recriadas por uma escrita
K. Centeno, Ana Hatherly, com os magnífi- aberta ao segredo que parece movê-las
cos contos de Sophia de Mello Breyner ou entre os fios das enigmáticas histórias em
com as obsessivas prosas de Herberto que se enredam, os livros de Agustina são
Helder. Outros poetas também envereda- portadores de um sopro irracional, expres-
ram num ou noutro momento pela narrativa so numa linguagem que tece sabiamente
— Nuno Júdice, Vasco Graça Moura, Ar- a sua teia sem fim, ao sabor de fulgura-
mando Silva Carvalho, João Miguel Fer- ções da memória e da imaginação, que se
nandes Jorge, Al Berto, Luís Filipe Castro desdobram em luminosos aforismos,
Mendes ou Fernando Assis Pacheco —, cheios de um Witz muito especial, um es-
mas o problema da separação entre os pírito que observa o lado trágico mas tam-
géneros literários continua a colocar-se bém irrisório das relações afectivas e das
em alguns textos contemporâneos difíceis paixões que comandam os actos decisi-
de classificar segundo os modelos tradi- vos das personagens.
cionais. Se nos lembrarmos de um escritor Num plano diferente se colocaram os li-
algo hermético como Rui Nunes ou da vros de Vergílio Ferreira, que, partindo das
obra de Maria Gabriela Llansol, verifica- preocupações existencialistas dos anos
mos que fazem estilhaçar quaisquer fron- 50, encontrou o seu caminho graças a uma
teiras entre o que designamos por ficção, escrita por onde perpassa a «angústia uni-
ensaio, diário, poesia, memórias, etc. No versal e metafísica» de que falava Her-
que toca a esta autora, estamos perante mann Broch. A situação-limite das suas
um magma de vozes que dialogam umas obras coloca-nos perante a vida e a morte,
com as outras, convergindo para um cau- perante o monólogo de um homem no li-
dal cuja beleza progride através de «ce- miar dessa evidência, face a face consigo
nas-fulgor» que irradiam uma energia pró- mesmo. Num mundo desertado por Deus
pria e que se repercutem por tempos, (que faz sentir a sua ausência), o refúgio
lugares e figuras capazes de gerarem dos protagonistas de Vergílio Ferreira resi-
uma harmonia para lá do humano. de na força de um amor capaz de resistir a
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tudo, fora do tempo e do espaço, na eterni- modo inédito entre nós, uma técnica de-
dade de uma memória onde surgem ideali- senvolta da montagem e da elaboração ro-
zadas as imagens de mulheres sempre um manesca — com uma boa noção dos diálo-
tanto irreais ou inacessíveis, mas por isso gos — a uma fulgurante capacidade para
mesmo projectadas num horizonte que res- retratar com fino sentido de humor certos
gata o conjunto da existência. comportamentos ou mudanças sociais das
Também oriundo dos anos 50, Urbano últimas décadas, com destaque para uma
Tavares Rodrigues encontra-se no cruza- acerba crítica do marialvismo português.
mento das influências da filosofia existen- Num terreno não muito afastado se si-
cialista e da orientação marxista que mol- tuou a obra prematuramente interrompida
dou a sua visão do mundo, mesclando na de Nuno Bragança: dando-nos um roteiro
sua obra pulsões eróticas e políticas, en- das expectativas, medos, entusiasmos ou
quanto Augusto Abelaira explorou as cir- conflitos de uma geração marcada pelo
cunstâncias da vida quotidiana graças a questionar do catolicismo, o romance A Noi-
um subtil humor e a um sentido reflexivo te e o Riso (1969) subsistiu como um sinal
muito lúdico e acutilante, problematizando da época atravessada pelo país pouco an-
algumas grandes questões contemporâ- tes do 25 de Abril.
neas. Ainda no âmbito desta geração, de- Tendo-se revelado há várias décadas
vem apontar-se duas autoras importantes como poeta, dramaturgo e ficcionista, José
a partir dos anos 50: Maria Judite de Car- Saramago constitui um caso à parte na no-
valho, com a sua arte pessoalíssima para velística contemporânea, culminado com o
dar conta de um universo feminino em que Prémio Nobel da Literatura em 1998. Foi
melancolicamente se saboreia um sofri- sobretudo a partir de 1982, com Memorial
mento íntimo, discreto, quase silencioso; e do Convento, que a sua escrita ganhou um
Fernanda Botelho, mais voltada para o ex- impulso decisivo, espraiando-se segundo
terior e para uma análise por vezes impla- uma linha de subversão dos dados históri-
cável de certas máscaras ou hipocrisias cos, num processo em que personagens
sociais. aparentemente comuns adquirem papéis
Um dos maiores escritores da segunda ou poderes relevantes e em que os pontos
metade do século XX foi José Cardoso Pi- de vista do narrador se fundem com os
res. Detentor de uma escrita contida e ci- dessas personagens, por vezes carrega-
rúrgica, avessa ao derrame sentimental e à das de um estranho magnetismo. Os ro-
profusão de adjectivos, Cardoso Pires foi mances de Saramago partem geralmente
influenciado pelo dinamismo de alguma de ideias originais e muito imaginativas em
narrativa norte-americana e soube aliar, de que a verosimilhança realista flutua até
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mergulhar no fantástico, num ritmo que tura, Alexandre Pinheiro Torres, Manuel
mistura elementos coloquiais e quase bar- Tiago (pseudónimo do dirigente comunista
rocos, muito peculiares ao seu estilo. Álvaro Cunhal), A. Rebordão Navarro ou, já
Outro autor que tem obtido êxito junto noutro plano, Armando Baptista-Bastos,
de um largo público internacional é António que tem explorado um universo basica-
Lobo Antunes, cujos textos espelham uma mente lisboeta, recortado num fundo colec-
variada gama de experiências sexuais, po- tivo por onde passa a evolução social do
líticas ou simplesmente humanas, colhidas país. Noutro pólo político se situaram as ex-
na memória da guerra colonial africana, na periências ficcionais de António Alçada
prática clínica psiquiátrica ou numa imagi- Baptista, cuja escrita ilumina uma aprendi-
nação que se afirma com exuberância me- zagem interior cuja componente religiosa
tafórica, numa tendência para o excesso manifesta vestígios autobiográficos.
que tanto cai em efeitos de caricatura co- Dois casos notáveis de prosadores sur-
mo alcança uma brilhante penetração psi- gidos nos anos 60 e aplaudidos pelas ino-
cológica das personagens, geralmente vações da sua escrita são Almeida Faria e
pertencentes a mundos de recorte célinia- Maria Velho da Costa: enquanto no primei-
no, por vezes degradados ou viciosos, mas ro deparamos com a exploração de densos
reflectindo um universo tipicamente portu- monólogos interiores e de diferentes ângu-
guês. Nos últimos anos adensou-se a pe- los de visão das personagens, tentando re-
netração no interior das personagens, gra- pensar as bases de alguns mitos portugue-
ças à plasticidade de uma escrita herdeira ses como o sebastianismo, em Maria Velho
de Faulkner e próxima de fluxos incons- da Costa ocorre uma complexa elaboração
cientes. textual intensificada graças ao cruzamento
Também subvertendo os modelos nar- de diferentes registos de linguagem, arras-
rativos tradicionais escreveram Ruben A., tando a escrita por zonas cegas e alucina-
João Palma-Ferreira, Álvaro Guerra ou Di- das onde a loucura acaba por conseguir
nis Machado, enquanto, pelo contrário, ou- uma cirúrgica clarividência na percepção
tros autores permaneceram fiéis a um neo- do universo e do seu aparente absurdo. Foi
-realismo que assim evoluiu e aproveitou talvez esta autora a que mais longe levou
certas aquisições estilísticas mais recentes os processos de desconstrução da escrita
— por exemplo, Orlando Costa, Mário Ven- típicos dos anos 60 e 70, num discurso ren-
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Retrato de Portugal
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Cultura
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A arquitectura
A fase de ingresso
na União Europeia,
depois de 1985-1986
A arquitectura portuguesa desta fase, des-
cobrindo novos caminhos com sentido
«aberto», operando em áreas e geografias
tão diversas, e possuindo um potencial cria-
tivo multifacetado e dinâmico, foi singrando
ao longo dos anos 80, mas com especial rit-
mo depois dos meados da década. Os
anos de 1985-1986 (o tempo da integração Conjunto comercial e residencial das
europeia, com Espanha) marcam de facto Amoreiras, Lisboa. Da autoria de Tomás
Taveira, 1980-1985.
um relançamento da actividade urbana e
construtiva, e um paralelo caminho para o nacular e concepção moderna (por João
reinício da liderança cultural e profissional Paulo Conceição e António Braga, 1980-
das cidades maiores de Lisboa e Porto, no -1985). Estas obras exemplificam do mais
campo da arquitectura e do urbanismo. Por interessante que se edificou em Lisboa
um lado, as correntes estéticas do pós- neste tempo de mudança — a que se jun-
-modernismo tinham então plena aceitação, tam os Arquivos Nacionais/Torre do Tombo
sobretudo nos autores da capital; e, por ou- (por Arsénio Cordeiro e Nunes de Almeida,
tro, a maturidade da escola de arquitectura 1982-1985).
moderna no Porto foi ganhando um estatuto Mas 1985-1986 marcam igualmente um
internacional de nível europeu. tempo de crise urbanística, com uma ges-
Em Lisboa, 1985 foi «o ano das Amorei- tão tardo-desenvolvimentista do município
ras», primeiro centro comercial de icono- de Lisboa (que não soube preparar a cida-
grafia arrojadamente pós-moderna, cujo de para as transformações que se avizi-
sucesso financeiro e popular ajudou a vei- nhavam, de sentido mais cultural e patrimo-
cular aquela nova linguagem arquitectónica nial). Esta gestão, se produziu equívocos
(por Tomás Taveira, 1980-1985). Com Luís como as esplanadas da Rua do Carmo
Cunha floresceu um gosto pós-moderno de (kitsch e fora de época), teve resultados
cunho original e pessoal, que atingiu o me- claramente negativos, como foi o acentuar
lhor resultado na nova Igreja da Portela da «renovação selvagem», urbana e arqui-
(1982-1992). Refira-se também a nova Mes- tectónica, das belíssimas avenidas de fim
quita de Lisboa, de seguro desenho neover- do século XIX, pontuada pela traumática de-
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Pousada da Flor da Rosa, Crato. por João Luís Carrilho da Graça, 1990.
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A arquitectura
a Hestnes Ferreira, Aires Mateus e Siza com: Inês Lobo (auditórios da Universida-
Vieira, Gonçalo Byrne e Silva Dias. de dos Açores), João Mendes Ribeiro
Numa outra linha, têm-se afirmado uma (Centro de Artes Visuais de Coimbra), Pe-
série de autores de formação mais jovem, dro Costa e Célia Gomes (Biblioteca da
que Portugal tem amplamente apresenta- Universidade dos Açores), Promontório
do internacionalmente, nas bienais de ar- Arquitectos (conjuntos habitacionais no
quitectura em Veneza e São Paulo. Neste Parque das Nações, Lisboa), Paulo David
conjunto de criadores, ressalte-se a inova- (Casa das Mudas/Centro de Artes na Ca-
dora revelação de arquitectas, a impor- lheta, Madeira), Bernardo Rodrigues (casa
tância que assumem as ilhas atlânticas em São Miguel, Açores) e Inês Vieira da
(Madeira e Açores), bem como as áreas Silva e Miguel Vieira (Gruta das Torres, Pi-
regionais do continente, entre autores e co, Açores).
obras, e a originalidade de programa Termine-se esta resenha apenas indica-
e sentido imaginativo de muitas soluções tiva — mesmo assim significativa de um
espaciais. Exemplifiquemos, entre vários, processo de produção arquitectónica reno-
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Cultura
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Retrato de Portugal
vado, amplo, aberto e internacionalizado — por Manuel Vicente, Rui Leão e Francesca
com a referência à obra de autores paisa- Bruni).
gistas (Gomes da Silva, João Nunes, em A arquitectura do Portugal europeu ex-
Portugal e Itália, etc.) e à emergência de pande-se e reafirma-se hoje na Europa,
uma primeira arquitectura lusófona pós- mas também, naturalmente, no quadro da
-colonial qualificada, em Timor Leste (co- sua longa e ampla tradição geo-histórica,
mo o projecto da igreja de Quelicai, por do Atlântico e da América ao Extremo
Pedro Reis) e em Macau (Praça Nam Van, Oriente.
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Cultura
As artes visuais
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João Lima Pinharanda
Anos 70
Aspecto da exposição Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna. Lisboa, 1977. Em
primeiro plano Uma Floresta para os Teus Sonhos, de Alberto Carneiro.
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Retrato de Portugal
talista e liberal (governos do Bloco Central Londres desde os anos 50, em delirantes fi-
e Cavaco Silva) e a cada vez maior veloci- gurações narrativas cobrindo inquietantes
dade de circulação da informação artística. universos pessoais e femininos. Também
O pós-conceptual deu lugar à discussão importa considerar Alberto Carneiro, que,
do pós-modernismo. da relação estreita com a land art, regressa
ao trabalho directo sobre a madeira — nun-
ca se afastando de uma visão ecológica,
Anos 80
política e poética de espiritualidade zen; a
A segunda data desta história é 1983/1984. continuidade conceptual da pintura «mo-
Coincide com as ondas de choque da ex- nocromática» de Ângelo de Sousa (com
posição Depois do Modernismo (Lisboa, So- obra só revista em profundidade em retros-
ciedade Nacional de Belas-Artes), onde, pectivas dos anos 2000); as pesquisas lu-
sem clara consciência geracional (são mais mínicas de Jorge Martins, entre Paris e No-
os nomes do «passado» que os do «futu- va Iorque (revisto em exposições dos anos
ro»), mas pela primeira vez, artes visuais e 90 e 2000); a profunda pesquisa de Antó-
arquitectura, moda e música, dança e teatro nio Sena, autonomizando a escrita como
ou design se reuniam numa iniciativa global pintura (em dimensão diversa da determi-
mobilizadora de públicos vastos num con- nante poesia visual de Ana Hatherly); a ra-
texto cultural e socialmente activo. O meio dicalização neofigurativa de António Areal
lisboeta — também o do Porto — adoptam (falecido em 1978); a assumpção dos auto-
um modelo próximo da movida madrilena, -retratos fotográficos, pintados e desenha-
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As artes visuais
dos, de Helena Almeida 4 i ; a deriva abs- conceptual dos anos 70), da ficção policial
tracta e lucidamente irónica de Eduardo ou erótica, numa atitude de permanente
Batarda. Ou, finalmente, João Cutileiro, em voyeurismo sobre o feminino, o sexo, a vio-
relação frontal com o corpo erótico e a pro- lência e o prazer; Cabrita Reis 4i , numa pin-
tual) e sem eco interno imediato. ções primordiais (totémicas) para formas
Nos decénios seguintes, Sarmento 4 i matriciais (bacias, cadeiras, bancos, me-
trabalha em torno do corpo e em constante sas), aprofundando o (des)equilíbrio das
evocação de imagens da cultura fílmica e formas através do uso de frágeis estruturas
fotográfica (notoriamente no seu período metálicas e espelhos (anos 90 e 2000); Rui
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Retrato de Portugal
Visita do antigo primeiro-ministro António Guterres à Feira ARCO, em Madrid, em 1998, ano em
que Portugal foi país convidado. É patente o papel da feira madrilena para as galerias nacionais.
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As artes visuais
North Territory); Pedro Portugal canalizou a onde o pensamento sobre o mundo e a arte
sua veia irónica para a citação formalista se faz a partir do corpo e da palavra; Joa-
dos grandes mestres da modernidade, quim Bravo (falecido em 1990), cuja pintura
com comentários circunstanciais à realida- solar, quase só desenho, é atravessada
de nacional e, nos anos 90, usou de modo por intensos jogos de linguagem; ou Jorge
pioneiro a Internet criando pinturas à medi- Pinheiro, que transpõe numa «figuração
da do cliente. Dois emigrados, nunca re- anacrónica» profundos valores da sua re-
gressados (Júlia Ventura na Holanda, e flexão abstracta.
João Penalva em Londres) integram as
suas fotos (auto-representações) e vídeo-
Anos 90
-instalações narrativas no contexto nacio-
nal. Finalmente, Tudela, Olaio ou João Pau- A esperança política inicial dos anos 90
lo Feliciano, mantendo ligações à pintura (desabamento do Leste e fim da Guerra
mas aprofundando experiências de insta- Fria) desagua numa instabilidade a que a
lação, som e vídeo, glosam temas orienta- sida (consciencializada em meados de 80)
dos em redor do corpo doente ou de jogos acrescentou um medo universal. Os artis-
duchampianos de linguagem, explorando tas voltam a pôr em causa as linguagens
em paralelo artes plásticas e recursos mu- tradicionais (reavaliando Duchamp e os
sicais (pop, folk e electrónica). anos 70), os fundamentos do mercado e da
Neste contexto, alguns artistas de longo sociedade capitalista (revivalismo do situa-
curriculum readquirem produtividade ime- cionismo de Guy Débord), substituindo os
diata: Helena Almeida, com a sua investi- valores subjectivos dominantes por atitudes
gação em torno das (im)possibilidades da de análise sociológica e política. A data
(auto-)representação e do cruzamento de inaugural simbólica da década é o ano de
disciplinas (fotografia, desenho, pintura, 1993, quando se realizou em Serralves (sob
colagem), definindo um dos mais sólidos comissariado de Fernando Pernes, director,
discursos do feminino na arte portuguesa; e Miguel von Haffe Perez) a exposição Ima-
Álvaro Lapa (falecido em 2006), usando as gens para os Anos 90, que, apesar da inde-
imagens como signos, criando uma pintura finição de poéticos, apresentava alguns dos
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Museu de Arte Moderna de Sintra, que até 2007 albergou a Colecção Berardo.
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Retrato de Portugal
(Caldas da Rainha), desde o final dessa do (IAC, dir. Isabel Carlos); reorientação
década. programática do CCB. Temos ainda a cria-
A fotografia, apesar das ambiguidades ção de museus particulares (o citado Sintra
de estatuto, da divisão da crítica especiali- Museu e o Museu do Design, alojado no
zada e da interrupção de uma colecção CCB, com colecção de Francisco Capelo
nacional iniciada no final dos anos 80 (dir. (e deslocado para edifício próprio, em Lis-
Jorge Calado), alcançou estatuto de pari- boa, a inaugurar em 2009 juntamente com
dade artística. Essa mudança justifica a uma colecção de moda do mesmo colec-
criação, após 1995, de um Centro Portu- cionador) e uma reorientação do CAM (dir.
guês de Fotografia (CPF, com sede no edi- Jorge Molder), que estabelecerá uma coe-
fício da Cadeia da Relação, Porto, dir. Te- rente e esclarecida programação. Através
resa Siza). dos seus serviços educativos todos estes
Finalmente, as falências comerciais pro- espaços reforçam novos públicos numa
vocadas ou precipitadas pela crise, em- profundidade que necessita de ser sociolo-
bora significativas (galerias Alda Cortez, gicamente considerada.
Graça Fonseca ou Valentim de Carvalho, Afinal, os anos 90 permitem-nos certifi-
Lisboa, e Nasoni, Porto e Lisboa), são me- car a existência, pela primeira vez no meio
nos numerosas e catastróficas que as dos nacional, de continuidades criativas: per-
anos 70 e, a partir de meados de 90, surge cursos individuais produtivos dos anos 40,
um número igualmente significativo de no- coleccionadores que alargam os seus gos-
vos espaços comerciais, embora de futuro tos e intervenção para além dos limites da
desigual (Pedro Cera e João Graça, Lis- sua própria geração ou públicos que se fi-
boa, ou Presença, Canvas, Fernando San- delizam a instituições (tomemos o exemplo
tos e André Viana, Porto, por exemplo), e das enchentes mediáticas do CCB ou de
expande-se a acção de outros (Quadrado Serralves). Rompe-se, finalmente, a falta
Azul, Porto). de durée cultural com que o crítico José-
A partir de 1995 verifica-se a reavalia- -Augusto França caracterizou a cultura ar-
ção da política cultural pelos governos so- tística nacional? Uma incoerência porém se
cialistas: criação do Ministério da Cultura instala: a comunicação social, desinvestin-
(dir. inicial Manuel Maria Carrilho); criação do nas áreas da crítica, passou a interes-
do Instituto de Arte Contemporânea (IAC, sar-se mais pelos efeitos mediáticos que
dir. Fernando Calhau), que, mais tarde, sob pela leitura crítica dos factos.
governo PSD (Durão Barroso), foi fundido Outro dado é a retoma de protagonismo
com o organismo tutelar das artes do es- do Porto, favorecido pelas sinergias de
pectáculo (Instituto das Artes — IA); refor- Serralves e um mercado sustentado por
ço do prestígio do Instituto Português dos uma burguesia habituada ao valor social
Museus (IPM, sob a direcção de Raquel da arte. A reunião, numa mesma rua (Rua
Henriques da Silva). Há um aprofundamen- Miguel Bombarda), a partir de 1997/1998,
to do apoio aos museus nacionais, onde se da maioria das galerias, a proliferação de
destaca o do Chiado, Lisboa (dir. Pedro iniciativas culturais mistas (moda, música,
Lapa, que o reorienta para um modelo teatro, arquitectura) e o acolhimento de no-
Kunsthalle), inauguração do edifício do Mu- vos artistas tem expressão numa miríade
seu de Arte Contemporânea de Serralves, de locais alternativos (Arte em Partes,
Porto (projecto Siza Vieira, dir. internacional Maus Hábitos, Salão Olímpico, Pêssegos
Vicente Todolí) com colecção euro-ameri- para a Semana, etc.) que se prolongam no
cana fundada nos anos 60/70; reinício da novo século e que podem encontrar ponto
colecção de arte contemporânea do Esta- simbólico de convergência nas múltiplas
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As artes visuais
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Retrato de Portugal
Paulo Nozolino (vindos dos anos 70 e 80), lógica conforme ao espírito da década e
Augusto Alves da Silva e Daniel Blaufuks, muitas vezes articulada com o vídeo.
António Júlio Duarte e Daniel Malhão, José
Luís Neto e Duarte Amaral, Netto e outros.
Anos 2000
Apesar das iniciativas em Braga e Vila
Franca de Xira, o protagonismo quase ex- O pendor sociológico da maioria dos jovens
clusivo dos Encontros de Fotografia de surgidos nos primeiros anos da década de
Coimbra (que deram origem a um Centro 90 originou obras onde predominam as ins-
de Artes Visuais (CAV) sob dir. de Albano talações mixed media, utilização preferen-
da Silva Pereira), neste momento suspen- cial da fotografia, do vídeo e das tecnologias
sos, e a incapacidade orçamental do CPF electrónicas com mais raro recurso à Inter-
e de outras iniciativas regionais e centrais net e à performance. Destacaram-se Miguel
(fim anunciado da Lisboafoto em 2007) Palma, Paulo Mendes, João Tabarra, Maças
colocam problemas graves à fotografia. de Carvalho, Miguel Leal, André Sousa, Cris-
Molder 4 i tem séries de narrativas aber- tina Mateus, Fernando José Pereira (revela-
tas, de cenário policial, onde as persona- dos em redor da referida exposição de
gens questionam o estatuto do auto-retrato 1993), ou mais novos, Nuno Ramalho, San-
usando a morte como tema central. Nozoli- tos Maia ou Susana Mendes da Silva, cuja
no, viajante por cenários nocturnos e de cri- obra tem vindo a complexificar as relações
se, cria um nomadismo que radicaliza a re- com o corpo feminino e o espaço habitacio-
lação do fotógrafo com o mundo até um nal. João Louro avançou para uma comple-
negrume onde as imagens da sua vida e a xa reflexão em torno da linguagem articulan-
vida dos outros se cruzam. Mais recente, do pensamento verbal erudito com soluções
Augusto Alves da Silva assume a fotografia gráficas e visuais de cultura de massas.
como proposta documental e sociológica Muitos outros desenvolvem áreas autó-
embora encene as suas obras e os seus te- nomas relativamente a essas preocupa-
mas (a cidade anónima, a suburbanidade ções: conceitos musicais derivados, em si-
depressiva, a natureza ameaçada, o vigor multâneo, de John Cage e do rock ’n’ roll,
construtivo das cidades) no cruzamento assumem a instalação multimédia e a per-
mais vasto das artes visuais. Já Blaufuks formance (João Paulo Feliciano, Olaio ou
articula imagens fotográficas e de outras Tudela, já referidos). Outros, mais jovens
origens (fotocópias, radiografias, vídeos) (Rui Toscano, Rui Valério, Carlos Roque ou
com som (gravações) em instalações vi- Ricardo Jacinto), exploram de modo igual-
suais: o seu registo é de viagem e memória mente complexo relações entre som, lin-
pessoal, resolvendo-se em paralelo em in- guagem e espaço arquitectónico, podendo
tensos diários poéticos editados em forma usar o desenho nos seus temas urbanos —
de livro. ou mantêm-se mais performativos e pura-
Neste contexto Gérard Castello-Lopes mente musicais (Rui Toral ou Adriana Sá).
ou José Manuel Rodrigues protagonizam Por outro lado, há percursos profunda-
um entendimento da imagem fotográfica, mente reflexivos, gerados num vazio de re-
numa linha estética que se encontra com a presentação e/ou de pura validação da ac-
da sua história tradicional. E Luís Palma, ção performativa, como o de Francisco
Luís Campos, Valente Alves, André Gomes, Tropa 4 i , cuja obra firma uma densidade
João Tabarra ou João Paulo Serafim enve- plástica e filosófica, raras na arte portugue-
redam por modalidades de utilização do sa. O tema das instalações deve ser segui-
medium fotográfico conferindo-lhe uma di- do em Suzanne Themlitz, suas personagens,
mensão plástica e/ou documental e socio- jardins e narrativas feéricas e perturbado-
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As artes visuais
ras; João Pedro Vale, seus cenários e figu- tentado em Sena ou Ângelo e, em muitos ca-
ras de onírica e desconcertante ironia sos recentes, centrado no ensino do Ar.Co:
kitsch; ou Carlos Bunga, capaz de convo- Alexandre Conefrey, Pedro Gomes, Adriana
car (desde um zero absoluto) todas as re- Molder, Jorge Queiroz, Pedro Barateiro, Da-
ferências que a arquitectura pode conter. niel Barroca ou Diogo Pimentão, cultivando
Outros percursos independentes — al- diferentes níveis discursivos, exploram valo-
guns vindos de 80 — seguram pontas res intrínsecos do desenho ou adaptam às
soltas da década ou referidas a outras suas investigações temas tradicionais (paisa-
tradições. Temos um notável grupo de gem), literários, narrativos, ilustrativos, iróni-
escultoras: Gabriela Albergaria trabalha a cos. João Queiroz parte deste medium para
escultura como paisagem ficcionada; Fer- a pintura aprofundando de modo intenso (in-
nanda Fragateiro intervém na arquitectura telectual e fisicamente) o tema paisagístico.
como meio de integração arte-vida; Leonor O vídeo e a vídeo-instalação, por vezes
Antunes desenvolve meios de reflexão da articulado com a fotografia, revela-se no uni-
arquitectura sobre si mesma; Ângela Fer- verso de ficção científica e política de Miguel
reira concentra-se no estudo formal e ideo- Soares, no experimentalismo reflexivo (uni-
lógico de espaços reais (histórica, estética versos da própria linguagem e media utiliza-
e socialmente significativos); Patrícia Garri- dos) de Alexandre Estrela, ou na metaforiza-
do gere a escultura como corpo do seu ção da luz e das trevas (fotos e vídeos de
próprio corpo físico e social; ou Joana Vas- Nuno Cera), nas narratividades exemplares
concelos, num equilíbrio tenso entre ludici- de João Onofre, Rui Calçada Bastos, Cata-
dade kitsch e crítica do gosto. Miguel Ân- rina Campino ou Pedro Diniz Reis, que ex-
gelo Rocha, finalmente, faz uma escultura ploram lógicas abstractas e frias, absolu-
(e um desenho) onde corpo, arquitectura/ tamente pessoalizadas e românticas ou em
/construção e paisagem não são separá- desagregação emotiva, ou nas obras de
veis. Mais novos, Hugo Canoilas, Sancho Vasco Araújo, Filipa César ou Maria Lusita-
Silva, André Guedes, Vasco Costa, Gonça- no, capazes de combinar as dimensões nar-
lo Barreiros ou, ainda mais recentemente, rativas de forma controlada e espectacular:
Inês Botelho exploram também temas de entre a encenação operática, a estranheza
arquitectura e espaço. Xana, surgido como do banal urbano ou a simulação documen-
contraponto anti-intelectual nos anos 80, tal. Finalmente, temos João Maria Gusmão e
opta em definitivo pela coincidência matis- Pedro Paiva 4 i , recém-revelados, ou Noé
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Retrato de Portugal
A exposição Diálogos de Vanguarda, do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, foi
um marco no panorama cultural de 2006.
guesa mantém, por conservadorismo ção Berardo, por sua vez instalada (por um
intrínseco, uma discreta presença (implíci- contestado acordo com o Estado) no Módu-
ta, assimilável e não provocatória) do femi- lo de Exposições do CCB. António Prates
nismo ou da militância gay e uma dominan- (galerista com fundação a inaugurar em
te dimensão metafórica e poética, expres- Ponte de Sor) e António Cachola, que ocu-
siva e lírica, erudita ou cromática. pará um novo museu municipal, em Elvas,
Continua a não se alargar o campo de apresentam as suas colecções em 2007 e
reflexão teórica, crítica e mesmo historiográ- em circuitos de interioridade.
fica. Mas colecções e museus parecem agi- A Feira de Lisboa expõe anualmente as
tar-se: Serralves (dir. João Fernandes) alar- fraquezas do mercado, ao mesmo tempo
ga a sua implantação e espalha delegações que algumas galerias vão à feira de Miami
pelo país (de Bragança a Lisboa); o CAM (Cristina Guerra) e que a política oficial de
produziu a mais significativa proposta do internacionalização, mercê reduções finan-
cinquentenário da FCG (Diálogos de Van- ceiras extremas (mantendo-se, porém, as
guarda, sob comissariado de Helena de bienais, Veneza e São Paulo, produzidas pe-
Freitas), onde Amadeo de Souza-Cardoso é, lo IA ou iniciativas do Instituto Camões), se
pela primeira vez, confrontado com a sua encontra em expectativa. Os museus esta-
contemporaneidade internacional, e prepa- tais estão orçamentalmente estrangulados, e
ra-se para um ano de workshops que inter- o ensino sem inovações excepto na multipli-
rompem a normal programação e reflectem cação de cursos de curadoria; mas as bol-
a ambição de nos dar «o Estado do Mundo» sas oficiais e de fundações particulares con-
(dir. António Pinto Ribeiro). A Ellypse Foun- tinuam a distribuir, de modo vasto, artistas
dation (que partiu de um projecto de investi- pela Europa e EUA. Também as carreiras de
mento do banqueiro João Rendeiro) abre veteranos ou jovens parecem fluir bem na
portas (Cascais) com uma colecção interna- complexidade dos circuitos globalizados —
cional de absoluta actualidade mediática e, desde Amadeo, sabemos que sempre se
(dir. Alexandre Melo e Pedro Lapa) que ficou a dever ao protagonismo individual a
completa o sentido mais histórico da Colec- razão última dos êxitos nacionais...
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Cultura
As artes
do espectáculo
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Rui Vieira Nery
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Cultura
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Retrato de Portugal
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As artes do espectáculo
plano internacional, deve sublinhar-se a dade contínua dos seus agrupamentos ar-
importância da presença dos criadores tísticos permanentes, a Orquestra, o Coro e
portugueses de sucessivas gerações, o Ballet Gulbenkian. A Orquestra Gulben-
abrangidos por frequentes encomendas e kian (cujos mais recentes maestros titulares
estreias absolutas das suas obras (Luís Fi- foram, sucessivamente, Claudio Scimone,
lipe Pires, Jorge Peixinho, Constança Cap- Muhai Tang e Lawrence Foster) é ainda di-
deville, Emmanuel Nunes, Álvaro Salazar, rigida regularmente por um conjunto distin-
Clotilde Rosa, e as gerações mais recen- to de directores convidados e tem feito
tes de António Pinho Vargas, João Pedro múltiplas digressões pela Europa, Estados
Oliveira, António Chagas Rosa, João Ra- Unidos, América Latina e Extremo Oriente,
fael, Miguel Azguime ou Pedro Amaral, en- sendo nos últimos anos convidada fre-
tre muitos outros). A estas iniciativas se quente de salas como a Philarmonie de
deve juntar, desde 1990, o ciclo Grandes Berlim ou o Concertgebouw de Amester-
Orquestras Mundiais, promovido conjunta- dão. Gravou uma extensa discografia para
mente pela FCG e por diversos parceiros algumas das principais editoras fonográfi-
mecenáticos empresariais, que tem trazi- cas, nomeadamente com repertório inter-
do regularmente a Lisboa os maiores nacional do século XX e obras de autores
agrupamentos sinfónicos (entre eles as fi- portugueses. Por sua vez, o Coro Gulben-
larmónicas de Viena, Munique e Nova Ior- kian (dirigido há mais de duas décadas pe-
que, o Concertgebouw de Amesterdão, as lo suíço Michel Corboz), tem-se afirmado
sinfónicas de Chicago e da Rádio da Ba- como um agrupamento internacionalmente
viera, ou a Philharmonia Orchestra) e os reconhecido na execução de música anti-
maiores maestros (Sergiu Celibidache, ga e contemporânea. Para lá da sua asso-
Claudio Abbado, Carlo Maria Giulini, Da- ciação tradicional à Orquestra Gulbenkian,
niel Baremboim, Riccardo Chailly ou Kurt tem realizado também ele inúmeras apre-
Masur) do nosso tempo. sentações no país e digressões internacio-
Mas a actividade musical da FCG cen- nais como parceiro regular de muitas das
tra-se sobretudo, neste período, na activi- principais orquestras da actualidade, da
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Cultura
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As artes do espectáculo
E esta nova dinâmica, fora já do âmbito tão secretário de Estado da Cultura, o poe-
estético tradicional de um público habitua- ta David Mourão-Ferreira, para substituir o
do aos cânones do Ballet Gulbenkian, que ainda restava do velho grupo Verde
abre igualmente as portas a toda uma ge- Gaio, dando corpo à ambição antiga de se
ração de novos criadores coreográficos constituir finalmente em Portugal uma com-
portugueses inseridos precisamente neste panhia estável de ballet clássico. O seu fi-
universo artístico renovador. gurino institucional evoluirá de forma des-
contínua ao longo dos anos: em regime de
instalação até à sua institucionalizção, em
O sector público das artes
1982, é integrada em 1985 na empresa pú-
do espectáculo
blica do Teatro Nacional de São Carlos
Em termos da massa crítica da actividade (TNSC), regressa ao estatuto anterior em
promovida, o leque dos organismos públi- 1992, é confiada à tutela de um organismo
cos de produção artística não sofre nas de direito privado (o Instituto Português do
três décadas do regime democrático alte- Bailado e da Dança) em 1994, e só em
rações de monta, com excepção da cria- 1998 termina o seu processo de conversão
ção de três novas instituições — a Com- em instituto público, anunciando-se agora
panhia Nacional de Bailado (CNB), em a intenção de a fundir uma vez mais com o
Lisboa, e o Teatro Nacional de São João e TNSC. Inicialmente dirigida por uma comis-
a Casa da Música, ambos no Porto — e do são artística, a sua direcção artística virá
desaparecimento de um dos dois agrupa- logo em seguida a recair no bailarino e co-
mentos sinfónicos estatais anteriormente reógrafo Armando Jorge, a quem sucede-
existentes na capital — a Orquestra Sin- rão Isabel Santa Rosa, Jorge Salavisa, Luí-
fónica da Radiodifusão Portuguesa. Nos sa Taveira, Marc Jonkers e Mehmet Balkan.
demais casos, têm-se verificado apenas Assentando desde o início o essencial da
sucessivas reestruturações orgânicas e sua programação na tradição do ballet ro-
reorientações da política artística do cor- mântico, o que lhe vale desde logo uma
pus de instituições herdado nesta área do forte adesão do público mas também algu-
regime anterior. mas reservas da crítica especializada, que
O primeiro dos organismos citados, a sublinha ser esse precisamente o repertó-
CNB, é criado em 1977 por iniciativa do en- rio onde os termos de comparação interna-
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Cultura
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Retrato de Portugal
cionais de alto nível mais evidenciam algu- gestão de uma entidade de produção artís-
mas das suas limitações técnicas, a CNB tica.
aborda ocasionalmente um repertório de Por uma cruel ironia, João Paes será a
vertente estética mais contemporânea (Wil- primeira vítima desta renovação intensa do
liam Forsyth, Anne Thérèse de Keersmae- TNSC, sendo logo em 1981 substituído na
ker), sobretudo sob a direcção de Salavisa. presidência do conselho de administração
O apoio mecenático da EDP ao longo da da nova empresa pública pelo jurista Serra
última década tem-se revelado fundamen- Formigal, que fora até 1974 o responsável
tal para a sua subsistência e para a sua im- pela Companhia Portuguesa de Ópera
portante actividade de digressão por todo (CPO), estabelecida pela Fundação Nacio-
o país. nal para a Alegria no Trabalho (FNAT) no
Igualmente acidentado tem sido o per- Teatro da Trindade e extinta pouco depois
curso orgânico do TNSC. Repartição públi- do 25 de Abril. A extinção da CPO fora in-
ca tutelada pelos ministérios da Educação discutivelmente um erro grave do regime
e das Finanças, desde a sua reabertura na democrático, porque deixava por ocupar a
década de 40, é esse ainda o seu estatuto função de um teatro de ópera vocacionado
em 1974, quando se dá a saída de João de para a revelação e profissionalização dos
Freitas Branco do cargo de director, para cantores líricos portugueses e criava ne-
ocupar funções governativas, deixando cessariamente, a partir daí, uma forte pres-
nessas funções o crítico musical João são sobre o TNSC para ser este teatro a
Paes. Este prosseguirá e expandirá as prin- assumir aquela responsabilidade. Será
cipais linhas de orientação lançadas pelo precisamente esta a tese que passará
seu antecessor, em particular a diversifica- a presidir à nova orientação artística do
ção e actualização do repertório (em 1979, TNSC, com considerável sacrifício da histó-
por exemplo, o TNSC será um dos primei- rica vocação internacional da instituição,
ros teatros mundiais a apresentar a versão agravando-se esta tendência ainda mais
integral da Lulu de Alban Berg, completada pelas severas limitações orçamentais que
por Friedrich Cehra, logo após a estreia pa- a situação de grave crise financeira do país
risiense regida por Pierre Boulez) e a pro- no início da década de 80 projecta sobre
cura de uma maior coerência na respectiva as instituições culturais do Estado.
concepção músico-teatral. O novo director Só em 1988, sob uma nova administra-
investe igualmente de forma decisiva em ção em que é director artístico o crítico mu-
dotar o TNSC de uma estrutura residente sical José Ribeiro da Fonte, o teatro retoma
de produção, através da aquisição de uma activamente o seu lugar na rede de produ-
orquestra própria (pela integração da Or- ção operática europeia. Em 1993 o modelo
questra Filarmónica de Lisboa), da profis- da empresa pública é substituído por um
sionalização e qualificação graduais do organismo de direito privado, a Fundação
seu coro, e da constituição de um núcleo de São Carlos, sob cuja administração se
residente de cantores solistas. Esta política sucedem como directores artísticos Paulo
permite que, a par da temporada interna- Ferreira de Castro (1993-1995 e 1996-
cional tradicional, o TNSC passe a ter uma -1998) e João Pereira Bastos (1995-1996).
componente significativa de produção pró- Ferreira de Castro transita para o novo es-
pria e uma actividade relevante de descen- tatuto de instituto público do teatro, promul-
tralização até então nunca realizada. Em gado em 1998, e mantém-se como director
1980, por fim, o teatro adoptará o novo per- artístico até 2000, sucedendo-lhe transito-
fil jurídico de empresa pública, tornando riamente Jorge Matta (2001) até à nomea-
mais fácil a maleabilidade indispensável à ção para este cargo de Paolo Pinamonti
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-nomeado Carlos Fragateiro. Dotado inicial- cional Carlos Alberto), que funcionara so-
mente de uma vasta companhia residente bretudo durante duas décadas como sala
(Eunice Muñoz, Rui de Carvalho, Catarina de concertos.
Avelar, Fernanda Borsatti, etc.), o TNDM Por outro lado, o projecto de alojar a
dispõe hoje apenas do remanescente des- Presidência portuguesa da União Euro-
sa estrutura, após um processo de resci- peia em 1992 num novo edifício especial-
são negociada dos contratos com a maio- mente concebido para esse fim conduz
ria dos actores. em 1988 à ideia, na vigência de Teresa
Quanto ao TNSJ, é adquirido em 1992 Gouveia como secretária de Estado da
pela SEC e inaugurado simbolicamente Cultura, da respectiva conversão posterior
ainda nesse ano, entrando depois em num espaço cultural de usos múltiplos —
obras para reabrir definitivamente em 1995, o Centro Cultural de Belém (CCB) — dota-
ainda no âmbito do IAC, antes de se con- do de um centro de espectáculos com
verter também ele em instituto público au- uma sala de 1500 lugares e de uma sala-
tónomo em 1998. A sua história recente é -estúdio polivalente, ambas destinadas às
particularmente marcada pela acção de Ri- artes performativas. O complexo é gerido
cardo Pais, seu director em 1996-2000 e por uma fundação de direito privado maio-
desde 2002 (com um breve interregno em ritariamente financiada pelo Estado, cuja
que a direcção é assegurada por José estrutura interna foi sendo alterada ao lon-
Wallenstein, em 2000-2002), o qual impri- go dos anos. Na gestão cultural do CCB
me à sua programação uma linha coerente sucedem-se Maria José Stock, Miguel Lo-
de criação artística pessoal mas consegue bo Antunes, Francisco Motta Veiga e Antó-
articular-se, ao mesmo tempo, com o teci- nio Mega Ferreira. A ocupação intensiva
do teatral do Porto, para além de promover do auditório principal pelas actividades
bianualmente com particular sucesso o fes- económicas igualmente acolhidas pelo
tival internacional PoNTI (Porto. Natal. Tea- CCB e o seu aluguer frequente a produto-
tro. Internacional). Dede 2002 o TNSJ ad- res de espectáculos privados tornam, con-
ministra igualmente uma segunda sala, o tudo, difícil a afirmação de uma linha de
Teatro Carlos Alberto (antigo Auditório Na- programação identitária da própria insti-
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Concerto de violino tocado por crianças, no Centro Cultural de Belém durante a Festa da
Música de 2006.
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Retrato de Portugal
na Comuna ou por Adolfo Gutkin no Insti- que em 1990 se fundirá com o Centro Cul-
tuto de Formação, Investigação e Criação tural de Évora para formar o Centro Dra-
Teatral (IFICT). Em Lisboa Jorge Silva mático de Évora (CENDREV); em Setúbal
Melo deixa o Teatro da Cornucópia (que o Teatro de Animação de Setúbal. Na Ma-
passará a assentar na dupla Luís Miguel laposta uma associação de municípios da
Cintra/Cristina Reis) e acabará por estabe- periferia de Lisboa, a Amascultura, esta-
lecer na década de 90 os Artistas Unidos; belece um centro de produção teatral per-
o antigo Grupo Quatro dá lugar ao Novo manente. Por último, multiplicam-se os
Grupo (João Lourenço, Irene Cruz) e sur- projectos pontuais de produção teatral e
gem sucessivamente o Teatro do Século desenha-se um novo perfil de carreira pa-
(Inês Câmara Pestana), o Teatro Maizum ra criadores não associados a uma estru-
(Silvina Pereira), o Teatro Meridional (Mi- tura de produção fixa, como é o caso de
guel Seabra), o Teatro da Garagem (Car- Ricardo Pais até à sua nomeação para o
los Pessoa), o grupo Meia Preta (Filipe TNDM e TNSJ.
Crawford), a Companhia Teatral do Chia- Por último, na década de 90 emergem
do (Mário Viegas) ou a Escola de Mulheres os projectos de uma nova geração de artis-
(Fernanda Lapa). tas e criadores formados pelas várias esco-
O Grupo de Campolide (Joaquim Beni- las profissionais e/ou superiores de Lisboa,
te) e a Centelha saem de Lisboa, o primei- Porto, Cascais e Évora: é o caso do Olho,
ro para se estabelecer na Margem Sul co- em Lisboa, ou do Teatro Bruto e de As
mo Companhia de Teatro de Almada, a Boas Raparigas Vão para o Céu, no Porto,
segunda rumo a Viseu (até 1992). No Por- entre muitos outros. E multiplicam-se tam-
to, a acrescentarem-se ao velho Teatro Ex- bém os produtores e actores free lancers
perimental do Porto, nascem os grupos interessados numa maior viabilização de
Seiva Trupe e Pé de Vento. Em Braga sur- projectos teatrais esporádicos, à margem
ge a Companhia de Teatro de Braga; em da organização tradicional em companhias
Viana do Castelo o Teatro do Noroeste; permanentes (alguns deles, como Miguel
em Aveiro o Teatro Efémero; em Coimbra a Guilherme, José Pedro Gomes, António
Escola da Noite; em Tondela o Acert-Trigo Feio, Ricardo Carriço ou Francisco Luís,
Limpo; nas Caldas o Teatro da Rainha, celebrizados entretanto junto do público
A participação de actores de teatro em séries televisivas pode gerar novos públicos para o
teatro. Miguel Guilherme em Conta-me Como Foi (2007).
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As artes do espectáculo
inalterada até às reformas de Santana Lo- tica já não é compatível com os níveis de
pes, nos inícios da década de 1990. Opta- financiamento estatal disponíveis. Por ou-
-se então por confiar a gestão desses tro lado, torna-se igualmente clara a visibi-
apoios aos organismos centrais aos quais lidade política e mediática cada vez maior
é entregue agora a administração da pro- da tutela do sector, o que explica que uma
dução artística do sector público nas mes- figura político-partidária ascendente como
mas disciplinas artísticas (o teatro no IAC, Pedro Santana Lopes tenha aceite esta
que administra os teatros nacionais, a dan- pasta até então de reduzido peso no con-
ça no Instituto Português do Bailado e da texto governamental. Tanto Santana Lo-
Dança, responsável pela CNB, e a música pes como o seu sucessor no Ministério da
na Fundação de São Carlos, que tutela o Cultura socialista entre 1995 e 2000, Ma-
teatro nacional de ópera). Em 1995 o go- nuel Maria Carrilho, procurarão por todos
verno socialista de António Guterres, ao re- os meios atrair investimentos reforçados
criar o Ministério da Cultura, prevê à parti- na cultura, ainda que por vias opostas:
da a criação de um Instituto Português das Santana pela tentativa de privatização de
Artes do Espectáculo (IPAE), para cuja co- responsabilidades tradicionais do Estado
missão instaladora transita desde logo a no sector e pela procura de mecenatos
gestão dos apoios nestes domínios, e essa privados canalizáveis para os objectivos
responsabilidade passará em 2003 para o do governo neste sector, Carrilho pela
respectivo sucessor orgânico, o actual Ins- consolidação da dotação para o seu mi-
tituto das Artes, resultante da fusão do IPAE nistério no Orçamento de Estado e pelo
com o Instituto de Arte Contemporânea. recurso a novas linhas de finaciamento
De 1974 a 1990 as políticas de apoio comunitário (Plano Operacional da Cul-
governamentais para este sector mantêm- tura).
-se no essencial inalteradas em relação às A década de 90, sob ambos os gover-
linhas de fundo definidas ainda no período nos, é marcada por grandes acontecimen-
de constituição da SEC, apesar das flu- tos culturais isolados de forte impacte
tuações ideológicas dos sucessivos go- mediático que mobilizam recursos e pro-
vernos provisórios e constitucionais (de- jectos de grande dimensão. É o caso da
signadamente na inflexão patrimonialista Europália 91, que leva à Bélgica um pro-
predominante das opções de investimento grama intenso de acontecimentos artísti-
cultural dos governos mais conservado- cos performativos; do Festival Internacio-
res, em desfavor do apoio à criação artísti- nal de Teatro, organizado a partir de 1991;
ca actual favorecida pela esquerda). A par das capitais europeias da Cultura de Lis-
com algumas linhas estruturantes no plano boa 94 e do Porto 2001 4 i , ou ainda da Ex-
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Jorge Leitão Ramos
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O cinema
gesto excepcional afirmava implicitamente cional. Desde o início dos anos 90 conse-
a presunção de se estar perante o fecho guirá a proeza de dirigir pelo menos uma
da obra de um cineasta respeitado unani- longa-metragem em cada ano, com acesso
memente como a grande figura da cine- a elencos com vedetas internacionais (Ca-
matografia portuguesa. Oliveira começara therine Deneuve, John Malkovich, Irene Pa-
a filmar quando o cinema — em Portugal pas, Marcello Mastroianni, Marisa Paredes,
— era ainda silencioso (Douro, Faina Flu- Michel Piccoli, Lima Duarte...). No momen-
vial começou a ser rodado em 1929). Tive- to em que escrevo, prestes a completar 98
ra longos hiatos na carreira, motivados anos de idade, acaba de estrear, no Festi-
também por uma singularidade de postura val de Veneza e logo a seguir nas salas por
que não se enquadrava por inteiro nos cri- toda a Itália, Belle Toujours. A sua filmogra-
térios dos funcionários do regime salazaris- fia tem uma estatura que largamente sobre-
ta, apesar do apreço do mentor cultural do leva a de qualquer outro cineasta portu-
regime (Ferro, 1950: 65). Mas acabara de guês, seja pela quantidade de obras, seja
conhecer, com Francisca (1981), o estimá- pela fulgurância com que continua a sur-
vel reconhecimento do público português preender-nos, a apostar numa modernida-
(80 000 espectadores), que sempre dele se de que não conhece regras senão as que
arredara, ultrapassara o cabo dos 70 anos ele próprio assume. Após 1982 tentará o
de idade, parecia lógica uma retirada de impossível (pôr em filme a integralidade do
cena em grande prestígio. Redondíssimo texto de Claudel, quase sete horas de du-
engano: Oliveira não estava sequer a meio ração para Le Soulier de Satin, 1985) e o
da sua obra e é a partir daí que, num ritmo insólito (uma ópera expressamente escrita
absolutamente sem precedentes, nem pa- para cinema — Os Canibais, 1988), o inti-
res, ele vai engrenar filme atrás de filme, re- mismo teatral (Mon Cas, 1986) e a grande
colher preitos, prémios (em sítios tão diver- saga histórica (Non ou a Vã Glória de Man-
sos quanto os festivais de Cannes, Veneza, dar , 1990), o romanesco ( Vale Abraão ,
Locarno ou Salónica), condecorações de 1993), o pícaro (A Caixa, 1994) e o confes-
governos e divulgação e renome interna- sional ( Porto da Minha Infância , 2001),
Manoel de Oliveira durante as filmagens de Espelho Mágico, em Veneza (2005).
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Cultura
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Retrato de Portugal
tocará infinitas variações da paleta dos de Cannes de 1999, secção Un Certain Re-
sentimentos e das ideias com resultados gard). Mas esse alter-ego empurrou-o para
desiguais, todavia sempre de forma a des- um território de crise. Depois de desistir de
concertar admiradores e adversários. Terá, pôr em cinema um texto de Sade e do mo-
ainda, disponibilidade e engenho para ex- mento de pânico criativo materializado em
perimentar o teatro (em Itália, encena a sua Branca de Neve (2000), a partir do texto de
peça De Profundis no Festival de Teatro de Robert Walser, volta a filmar-se a si próprio
Santarcangelo di Romagna, em 1987, e nesse filme testamental e agónico que se
Mário ou Eu-Próprio o Outro de José Régio, chamou Vai-e-Vem, rodado quando César
apresentado em Pontedera e Roma, em Monteiro se sabia condenado por doença
2003). do foro oncológico. Quando o filme estreou
João César Monteiro é outra das figuras — na Selecção Oficial do Festival de Can-
maiores do cinema português a firmar-se nes, em Maio de 2003 — já o realizador ha-
nos anos 80/90. Pertencente à geração do via falecido, provocando um vazio no cine-
«cinema novo» que tem o seu alvor duran- ma português impossível de preencher.
te os anos 60, só consegue aceder à lon- Como todos os génios, João César Montei-
ga-metragem em 1972, mas em condições ro não deixou descendência, apenas uma
financeiras e técnicas que impedem o filme obra impressionantemente singular e apai-
de estrear (por isso ele mesmo lhe chama- xonante.
rá Fragmentos de Um Filme-Esmola). Ci- Também da geração do «cinema no-
neasta culto, à tradição literária, fílmica e vo», Paulo Rocha teve, após 1974, carreira
musical arrancará um conjunto de filmes assaz agitada. Demorou oito anos a erguer
notáveis — Que Farei com Esta Espada? A Ilha dos Amores (1982), largo e ambicio-
(1975), Veredas (1977), Silvestre (1981), so fresco sobre um escritor português em
À flor do Mar (1986) — mas cuja repercus- voluntário exílio nipónico — Wenceslau de
são (nacional e internacional) ficará limita- Moraes (1854-1929) —, a que se seguiu
da (Silvestre esteve, contudo, presente no uma parábola de cariz político (O Desejado
Festival de Veneza de 1982). A sua obra
João César Monteiro.
conhece assinalado revigoramento a partir
de 1989, quando cria uma espécie de al-
ter-ego (João de Deus), lhe empresta o
próprio corpo como actor e inflecte o tom
do seu cinema para um registo de tragico-
média que ele esticará até aos limites do
sublime, da provocação e do patético nu-
ma série de filmes iconoclastas, extrema-
dos, convulsivamente belos que estarão
presentes nos principais festivais de cine-
ma, alguns deles premiados (Recordações
da Casa Amarela, 1989, Leão de Prata no
Festival de Veneza; O Último Mergulho,
1992, prémio da crítica italiana no Festival
de Veneza; A Comédia de Deus, 1995, Pré-
mio Especial do Júri no Festival de Veneza;
Le Bassin de J. W., 1997, estreia mundial
no Festival de Toronto; As Bodas de
Deus 4 i , 1998, estreia mundial no Festival
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Retrato de Portugal
graves, em 2006, que viriam alterar profun- tão (1997): 361 312; Sweet Nightmare, de
damente a sua dimensão empresarial. Mas Fernando Fragata (1998): 185 472; Jaime,
a dinâmica introduzida por Branco trouxe de António Pedro Vasconcelos (1999):
uma assinalável modificação da realidade 200 605. (A propósito destes números e da
do mercado, permitindo uma situação de sua fiabilidade lembre-se que em Portugal
relativa normalidade na divulgação dos fil- não existia, à época, um mecanismo de
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Rui Afonso Santos
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Design e moda
ção daquele organismo entre 1969 e 1976, poética racionalista, tanto na arquitectura
foi a grande empreendedora da conscien- como no design, através da revisitação das
cialização e promoção empresarial do de- origens do movimento moderno (Casa de
sign em Portugal. Chá da Boa Nova, 1958-1963, com mobiliá-
Num quadro de crise económica gene- rio e candeeiros expressamente desenha-
ralizada (fruto do 2.o choque petrolífero e dos), num percurso cuja produção assume
da má política económica prosseguida, em assinaláveis implicações éticas. A notorie-
1980, pelo governo português), a exposi- dade que conheceu entre nós nos anos 80,
ção apresentou 38 designers (entre os fruto do reconhecimento internacional, le-
quais António Garcia, Daciano da Costa, vou à reedição de objectos que Siza Vieira
Eduardo Afonso Dias, Jorge Pacheco no desenhara anteriormente, como o candeei-
design industrial e de equipamento, bem ro Flamingo (1972, edição De Facto, 1985),
como Sebastião Rodrigues, João Macha- despojada obra de grande unidade formal,
do, José Brandão, Luís Carrolo, Assunção características que se estendem também
Cordovil no design gráfico ou Cristina Reis ao candeeiro de mesa Fil (1990, edição
na cenografia), numa nítida unidade em M114).
termos de produção, atitude, prática e dig- Este rigor projectual e ascético, de ver-
nificação profissional (e até geracional), tente neomoderna, é assinalável nas de-
reunidos perante um panorama onde, con- puradas Cadeiras C1 (1986); no conjunto
tudo, emergiam já outras posturas e enten- de Estirador e Banco (1988, edição Carva-
dimentos do design, anunciando a abertu- lho Araújo) que o arquitecto desenhou pa-
ra de um novo ciclo, doravante marcado ra a Faculdade de Arquitectura do Porto,
por designers especificamente formados também por ele riscada; na depurada Ca-
pelas escolas de belas-artes. deira Empilhável (1994); na Cadeira Marco
(1996), versátil peça que serve em simul-
tâneo de genuflexório, destinada à Igreja
Os arquitectos
de Marco de Canaveses, integralmente
e o design: dos anos 80
desenhada também; no conjunto de Sofá
ao fim do século
e Mesa editados (1994) pela Altamira; tu-
Desde os anos 50, aliás, o arquitecto Siza do desenhado com um rigor constante,
Vieira (n. 1933) praticou exemplarmente a numa verdadeira poética neomoderna —
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Cultura
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Retrato de Portugal
e que Siza Vieira prosseguiu noutros ob- Escolar, 1988, Produção Iduna), sinteti-
jectos, de candeeiros a fechos e puxado- zando pesquisas do passado sem deixar
res de porta, cinzeiros, jarras, solitários, de inovar (Cadeira Tronco, 1990, produ-
fruteiras, acessórios de banho, espelhos, ção Iduna), explorando contrastes formais
faqueiros, cálices de porto, serviços de e de materiais (Cadeira «T», 1993, série li-
chá — o que não impediu que nas céle- mitada), em crescente depuração (Cadei-
bres Cómoda 1 (1985) e Cómoda 2 (1990), ras Lambrikas, 1994; sistema modular Ar-
editadas pela Fago, o arquitecto revisitas- co, 1996, ambos Produção Iduna) que
se, depurando-a, a memória dos antigos culminou numa dimensão quase minimal
contadores. Frequente nos arquitectos e (candeeiro Pilo, 1994; Cinzeiro Portacene-
designers formados na Escola do Porto, re, 1995).
encontramos a estética neomoderna do Na obra de Alcino Soutinho (n. 1930),
despojamento e do rigor racionalista em fi- arquitecto pela Escola Superior de Belas-
guras também nossas conhecidas como -Artes de Lisboa, encontra-se outro es-
Fernando Távora (1923-2005), já de uma clarecedor exemplo do racionalismo fun-
geração anterior, tanto na sua arquitectura cionalista (Mesa de Apoio, edição Fago;
como no design (Mesa de Abas, edição Cinzeiro, 1994), aliado porém a um notório
Fago), onde procedeu a novos entendi- sentido de elegância e consciência das
mentos das técnicas e materiais tradicio- funções práticas e sociais dos móveis de
nais, senão mesmo das formas antigas, assento (Cadeira Empilhável e Poltrona
em depurada revisitação do passado para a Câmara Municipal de Matosinhos,
(cadeiras desenhadas para a Casa Primo edição de 1987). O arquitecto Miguel Ar-
Madeira, 1980-1987); em Eduardo Souto ruda, por seu turno, manteve a sua linha
de Moura (n. 1952), que a estendeu ao de- de discreta e eficaz contenção, em fun-
sign de equipamentos (Candeeiro de Me- cionais móveis articulados (Banco e Ca-
sa, 1988), com risco de sóbrios objectos deira Linha Golf, 1983, edição Planiforma)
de magníficas proporções (Mesas Série 3, ou desmontáveis (Linha Vila Nova, 1985),
edição José Filipe & Filho, 1993; Mesa Me- realçando a importância das madeiras
sotta 1, 1997, edição DDI) e também de in- tradicionais.
teriores (Companhia de Seguros Real, Já Tomás Taveira (n. 1938), cujo prota-
Évora, 1992-1993), com pontual irrupção gonismo no ateliê Conceição Silva/Maurí-
de humor (Candeeiro de Mesa Piu-Piu, c. cio de Vasconcelos foi marcado por exce-
1997, edição Loja da Atalaia e DDI); em lentes projectos, desde logo a obra-prima
Adalberto Dias (n. 1953), que também ex- que foi a Loja Valentim de Carvalho em
plora a diversidade dos materiais (Maple, Cascais (1969), incontornável obra pop,
edição Fago; candeeiro de secretária Car- na qual o risco arquitectural e a importân-
tola, 1991, edição Carvalho Baptista), en- cia pioneira dedicada ao design, de exte-
veredando por uma linha ascética (Cadei- riores e interiores, gráfico e de equipamen-
ra (e Mesa) para Computador Ria, 1995, tos, culminaram numa unidade inteiramen-
edição Mobapec) que origina singulares te nova, conceptualmente revolucionária,
soluções funcionais (Cadeira de Auditório minando os valores da racionalidade e uni-
Vai e Vem, 1996, edição Mobapec); e, so- versalidade que haviam moldado o mo-
bretudo, em José Manuel Carvalho Araújo vimento moderno, praticado pela 1.a gera-
(n. 1961), arquitecto portuense e também ção de designers portugueses, na busca
designer da empresa familiar (linha Arpa, de uma aproximação expressiva capaz de
1989-1993, edição Carvalho Araújo), inte- conciliar a aspiração dos novos tempos
ressado na depuração racional (Cadeira aos valores democráticos — particularmen-
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Cultura
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Design e moda
te relevante quando inserida num meio que estendeu a cenografias de programas tele-
vivia o drama agravado da Guerra Colonial visivos.
e de um sistema e regime político conser-
vador, autoritário e moribundo, gorada que
Manuel Reis
foi (e como cedo logo se revelou) a pro-
e o novo design
messa ilusória da chamada «Primavera
marcelista». Este período conheceu, contudo, a suplanta-
Posteriormente, no seu próprio ateliê, T. ção da simples dicotomia modernismo/pós-
Taveira desenvolveu uma linguagem arqui- -modernismo através de um considerável
tectural progressivamente exuberante, re- número de factores. Ainda na década de
ceptiva a diversas influências em diluição 80 assinalou-se, aliás, uma nova fase da
actualizada das fronteiras estilísticas tradi- economia portuguesa (desde 1985), mar-
cionais, como no Complexo de Edifícios cada pela adesão do país à CEE (1986),
Comerciais, de Escritórios e de Habitação pela estabilidade política assegurada por
das Amoreiras (1980), com equipamentos um governo de maiorias parlamentares ab-
especialmente desenhados, assinalando o solutas e pela importante melhoria no nível
acerto da arquitectura portuguesa com a de vida (desde 1986), assinalando um pe-
prática pós-moderna internacional. Pionei- ríodo de evidente prosperidade entre 1985
ro do novo design , caracterizadamente e o começo dos anos 90.
plástico, Tomás Taveira concebeu, em A redução do intervencionismo do Esta-
1985, as Cadeiras Marcelo I, Marcelo II, III do, o reforço da actuação das forças de
e Fórum, em madeira policromada a esmal- mercado, o optimismo e as melhorias no
te, numa atenção dada à relação sensorial consumo privado estiveram, naturalmente,
entre o objecto e o seu utilizador como antí- ligadas à expansão da produção e ao inte-
doto eficaz contra o funcionalismo — e em resse renascido pelo design em Portugal
1985, o galerista Luís Serpa promoveu na — embora o design português continuasse
sua Galeria Cómicos a exposição New a assinalar uma especificidade notória, fru-
Transfigurations, onde T. Taveira descons- to dos difíceis condicionalismos anteriores
truiu objectos supostamente identitários co- e da persistência das rotinas industriais e
mo o galo de Barcelos. Estas características tecnológicas associados, paradoxal e sin-
foram depois demonstradas nas cadeiras gularmente, ao desejo contínuo de acerto
que T. Taveira concebeu em 1989: a icóni- com o panorama internacional. Na verda-
ca Cadeira Rick, e, ainda, a espectacular de, como falar de sociedade de consumo
Cadeira Sandman, na qual a ênfase multi- num país onde tanto tardou o modelo capi-
disciplinar recorreu ao design gráfico. Nos talista e onde a abundância foi recente e
anos 90, Tomás Taveira desenvolveu estas relativa, de pós-modernismo numa socie-
características como metáfora cenográfica dade onde o próprio modernismo teve uma
da efemeridade (Cadeira Sílvia, 1990), co- expressão limitada, ou de era pós-indus-
mo revisitação estilizada e actualizada do trial num meio onde a indústria jamais atin-
passado (Cadeira Mackintosh I, 1993), co- giu a expressão de grandes corporações?
mo transfiguração das memórias e dos íco- Verdadeiro desafio para os designers por-
nes historicistas (Série de Cadeiras D. Di- tugueses, tais condicionantes foram, po-
nis, D. João I, D. Pedro I e D. Maria I, rém, por eles suplantadas, em virtude do
edição Dimensão, 1992-1993), senão do seu talento criativo, da postura profissional
próprio modernismo (versões da Cadeira adoptada e da inerente qualidade do seu
Laura, 1993, edição Caligaris) e como de- trabalho, de relevância internacionalmente
mostração do californiano free-style, que reconhecida. Ao longo deste período, mo-
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mento daqueles (Programa O Homem Sim- objectos do quotidiano (Copo Duplo, protó-
biótico, desde 2002) — tendo o designer tipo, 1999; Bloco de Notas Furo, edição
reunido uma rara colecção de design técni- ModaLisboa Design, 2001).
co de nível internacional que, exposta em Francisco Providência (n. 1961) é autor
2003 na Casa da Cerca, aguarda a mereci- de projectos de design de comunicação,
da musealização. muitos deles dotados de fina ironia e senti-
Miguel Vieira Baptista (n. 1968) integrou do de humor (Cartaz Cigadania, proposta
a equipa do ateliê Protodesign e desenvol- recusada pelo Governo Civil de Braga) ou
veu trabalho de comissariado (com Ma- de grande eficácia comunicacional (Ima-
tthias Dietz e Mats Theselius, Low Budget gem Corporativa da Câmara Municipal de
— Objectos do Quotidiano, 1997; a icónica Guimarães, 1999; Tapumes Porto 2001) —,
Dieter Rams Haus, 2001, ambas no Centro bem como de equipamento para insti-
Cultural de Belém; Montra, Helsínquia, tuições, empresas comerciais e industriais.
2003), desenho de exposições (Project 01, Entre este, avultam as cadeiras Delicates-
para a Atlantis; exposição/instalação Voya- sen (edição Julcar/Sátira, 1997) e Natura
ger, para ExperimentaDesign 2001) e pro- (edição In-Úteis, 1998), a mesa Natura
jectos de interiores e ambientes (18.a edi- (edição Julcar, 1998) e o mobiliário infantil
ção e seguintes da ModaLisboa, 2002- para biblioteca Liber (edição Julcar, 2001),
-2004). A contenção expressiva, a par de cuja simplicidade formal ilustra uma poéti-
uma inequívoca sofisticação formal (Tapete ca minimalista na medida em que a forma
Handle-It, edição Asplund, 2001), caracte- se reduz à sua menor expressão, de acor-
riza a sua produção, geralmente numa ver- do com um programa pessoal de «eco-de-
tente de eficácia minimal (Tabuleiro Pile, sign» que evidencia uma aproximação à
edição Authentics, 2001) que, por vezes, economia da natureza.
assume um pontual acento irónico mas fun- No domínio do design gráfico, a 2.a ge-
cional na reutilização e reinterpretação de ração é marcada pela figura tutelar de
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Henrique Cayatte (n. 1953), que, vindo da te (sistema tipográfico Projecto Morgan,
ilustração, desenvolve igualmente projec- 2001). Ricardo Mealha (n. 1968) criou com
tos de comissariado e desenho de exposi- Ana Cunha (n. 1971) a empresa RMAC,
ções, bem como de sinalética (co-autor tendo desenvolvido projectos de design
com Pierluigi Cerri da sinalética da Expo gráfico, industrial e de interiores, e tendo
98), sendo o actual presidente do Centro como trabalho referencial o grafismo e ima-
Português de Design. Autor do icónico gra- gem da Discoteca Lux (desde 1998).
fismo do jornal Público (1989), conheceu O crescente interesse pelo design cul-
desde aí uma carreira ascendente da qual minou na abertura (1999) do Museu do
se destacam o design da revista Ler (até Design no Centro Cultural de Belém (mu-
2001), dos catálogos publicados por oca- seologia de Rui Afonso Santos; museogra-
sião da Lisboa, Capital Europeia da Cultura fia arq. Paul van Derbotemet), que, reunin-
(1994) ou, mais recentemente, do grafismo do a colecção de Francisco Capelo, permi-
sofisticado da revista Egoísta (2000). tiu a apresentação pública de um acervo
Destacado cineasta, João Botelho de design internacional de grande relevân-
(n. 1949) concebeu o marcante design da cia, «de 1937 até hoje» — e nele, a par dos
revista K (1989), bem como a imagem grá- objectos icónicos universalmente reco-
fica dos romances da editorial Cotovia nhecidos dos maiores designers mundiais,
(desde 1992). Jorge Silva (n. 1958), direc- entre mobiliário, equipamento, vidros, ce-
tor artístico de publicações como os jornais râmicas e metais, contaram-se algumas
O Independente e Público (suplementos qualificadas marcações portuguesas. Até
Mil Folhas e Y e revista Pública), criou em ao seu encerramento (2006) o museu foi
2001 o ateliê Silva!designers, responsável importante sucesso junto do público (mé-
por publicações periódicas como Ler, Jor- dia de 200 visitantes por dia), embora a
nal Arquitectos, Serralves, Agenda Lx, re- ausência de direcção e programação es-
cebendo numerosos prémios. Luís Miguel pecíficas cerceassem a sua vocação mu-
Castro (n. 1956) destacou-se, desde 1983, seológica.
como designer de numerosos catálogos Igualmente a nível institucional, e no se-
referenciais editados pela Cinemateca Por- guimento das acções da Protodesign, ex-
tuguesa, tendo sido igualmente director tremamente importante foi a realização, em
gráfico e artístico da revista K (1989) e de- Setembro de 1999, da primeira edição da
signer, entre outros, do livro Fotobiografia bienal sobre cultura material, de âmbito in-
(2005) de Agustina Bessa Luís. Manuel Ro- ternacional, ExperimentaDesign 99, dirigi-
sa (n. 1953), escultor de formação, produ- da pelos designers Marco Sousa Santos e
tor editorial da Assírio & Alvim desde 1975, Guta Moura Guedes, sob o tema genérico
concebeu, nomeadamente, o grafismo do Intersecções do Design, num entendimento
livro Alguns Motetos (1999) de José Bento alargado do processo. A aposta expositiva
ou o álbum de fotografias de Jorge Molder no design feito em Portugal foi aí largamen-
Luxury Bound . Luís Moreira (n. 1965), te celebrada, em exposições de design in-
director criativo da TVM Designers, des- dustrial e de produto, demonstrando-se
tacou-se como autor do grafismo das re- igualmente a interpenetração entre os uni-
vistas Oceanos e Camões (1998). Mário versos do design, da arquitectura e das ar-
Feliciano (n. 1969) iniciou o seu trabalho na tes visuais, enquanto numerosos eventos
revista Surf Portugal (1993), fundou (1994) especiais e paralelos, entre exposições,
o estúdio gráfico Secretonix para depois instalações, workshops, ciclos de cinema,
criar (2002) a sua editora de tipos, a Feli- conferências e debates, sedimentaram Lis-
ciano Type Foundry, com trabalho marcan- boa como um lugar privilegiado de experi-
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mentação, reflexão e divulgação sobre o por Marco Sousa Santos, que, ao longo de
design. duas edições (2003-2004), apresentou o
A segunda edição da bienal (2001), melhor do design português nos produtos
concebida por Guta Moura Guedes, pelo da fileira casa, através da colaboração ac-
artista visual João Paulo Feliciano e pelo ar- tiva entre empresas e designers. A In’Nova
quitecto Pedro Gadanho, alargou ainda promoveu o desenvolvimento de 150 novos
mais as áreas disciplinares envolvidas e re- produtos, apresentou protótipos de jovens
flectiu sobre o tema Modus Operandi. designers portugueses passíveis de produ-
O projecto foi coroado de sucesso, pela ção imediata, promoveu consultadoria de
qualidade dos eventos, e apresentou a icó- imagem corporativa junto de empresas,
nica embaixada cultural autotransportável projectos experimentais com ateliês inter-
Voyager, veículo desenhado por Miguel nacionais (Vogt & Weizenegger, Radi De-
Vieira Baptista. signers, Atelier Dallas, etc.) e exposições
Ressurgida em 2003 como Bienal de icónicas (exposição-instalação de Fernan-
Lisboa, e desde então dirigida por Guta do Brízio), entre outras actividades, num
Moura Guedes e J. Paulo Feliciano, a Expe- estreitamento efectivo dos laços entre pro-
rimentaDesign obliterou contudo a sua vo- dutores, industriais, designers e consumido-
cação pública de promoção e internacio- res. Apesar destes indispensáveis esforços,
nalização de uma cultura do design num e da reconhecida qualidade dos designers
meio proverbialmente adverso, através do portugueses, persistem em Portugal as roti-
envolvimento activo das escolas, das em- nas industriais e continua a não existir uma
presas e das instituições culturais, a favor política empresarial consciente do valor do
da vertente didáctica desenvolvida em design e do marketing como instrumentos
conferências e workshops e da promoção fundamentais de desenvolvimento, consti-
internacional — mas em 2003 a Experimen- tuindo excepções as empresas Cutipol
ta apresentou, no Hangar K7 da Fundição (com design de José Joaquim Ribeiro),
de Oeiras, a excelente exposição Linha de Vista Alegre/Atlantis, Molde Cerâmicas,
Água — Perspectivas sobre a Requalifica- Cerâmicas São Bernardo, Designwise
ção da Orla Costeira de Oeiras, comissa- (marca da Experimenta), Pal (design de
riada por Henrique Ralheta e José Viana, Paulo Vale), Silampos, Sátira (criada pelo
reunindo as propostas de destacados de- designer Pedro Sottomayor, n. 1973) e Sa-
signers de produto, gráfico, arquitectos, ar- nindusa.
tistas visuais, fotógrafos e cenógrafos Entretanto, surgiram igualmente desig-
(P. Silva Dias, Fernando Brízio/ateliê NPK; ners que, pela sua idade e qualidade de
Elder Monteiro/João Pedro Vale; Luís Pes- trabalho desenvolvido, serão já inseríveis
sanha/Flúor; Sara Nobre/Carlos Guerreiro; numa 3.a geração de designers portugue-
Alexandra Cruz/Victor Diniz; Cristóvão Pe- ses. O mais paradigmático destes será Fer-
reira/Sérgio Vicente; ateliê BRDG/Sílvia nando Brízio (n. 1968), que, desde 1997,
Barradas; Ateliersdesantacatarina/Nuno desenvolve actividade marcante na área
Horta Santos/ateliê LSD), tal como depois o de design de produto, mobiliário e desenho
voltaria a fazer, de parceria com o Centro de espaços para exposição. O seu traba-
Português de Design, na exposição Transit lho é profundamente original e comunicati-
— Contributos para Um Universo TAP, vo, recorrendo a processos vindos do uni-
apresentada (2005) por ocasião da exposi- verso das artes visuais e a estratégias
ção Voa Portugal no Museu da Cidade. singulares como a fusão ou incorporação
Diversa foi a feira de âmbito internacio- de partes de um objecto noutro que lhe é
nal IN’Nova, ocorrida na FIL, programada estranho (Prateleira com Nível, Designwise,
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Cultura
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Retrato de Portugal
1999; Garrafa com Copo, Protodesign, vas utilizações (Estante de Livros, protóti-
1999), inversões de género de finíssima iro- po, 2001), enquanto Henrique Ralheta
nia (Bancos com Dedeira Masculino e Fe- (n. 1975) alia a vertente sociológica e dis-
minino, 1999; Toalha de mesa Tableshirt, cursiva do design a real sofisticação de for-
edição Details, 2000), princípios de física mas (Mesas Oreo, protótipo, 2001), desen-
como equilíbrio e desequilíbrio (Bowl with volvendo igualmente projectos de espaços
Pin, protótipo, 2000) ou impressão de ac- para exposição.
ções directamente no objecto (Quadro Hi- Fundada em 2001, a empresa CalDe-
drossensível Paisagem Invisível, Designwi- sign é constituída por Sérgio Gonçalves
se, 2000), características prosseguidas (n. 1975), Eduardo Sousa (n. 1973), Raquel
com uma funcionalidade notória que torna Abreu (n. 1975) e Nuno Fernandes (n. 1976).
estas criações perfeitamente industrializá- O seu trabalho desenvolve-se em duas ver-
veis e nos antípodas do formalismo, segun- tentes: o desenvolvimento e edição de pro-
do um método de trabalho que procura es- jectos próprios (o que permite um trabalho
tabelecer uma estratégia de produção de especulativo, de investigação de conceitos,
meios — e icónica foi a exposição-instala- materiais e técnicas) e a colaboração com
ção Sound System (2003), tradução tridi- as empresas (com abertura ao reencontro
mensional das ondas sonoras envolvidas com a indústria, assimilando linguagens e
na nomeação de objectos. processos industriais) — materializando-se
Elder Monteiro (n. 1973) desenvolve um nos domínios da cerâmica, alumínio, vidro,
trabalho revolucionário na forma e nos con- plástico e mobiliário. Um lado de alegoria,
teúdos, sendo também capaz de gerar no- humor e de insólito caracteriza certos ob-
vos programas (Limpo, DieImaginäreManu- jectos (Copos, Marinha Grande MGlass,
faktur, 2000) e hábitos de sociabilidade e 2004), alguns de uma sofisticada funciona-
consumo (Cesto de pão, WickerGames, lidade, atenta à cultura urbana contempo-
2002). Internacionalmente confirmado por rânea (Mobiliário de casa-escritório Mobil-
ocasião da ExperimentaDesign 2003 (Stand system, edição Hydro Alumínios Portalex,
Renault) e pela feira In’Nova (2003-2004), 2004), ou de hiperversatilidade (Mobiliário
Elder Monteiro apresentou neste último cer- para quartos de crianças 4 Ever, Exagô,
tame um projecto experimental de vidro, de 2005).
técnicas de fusing (Guelas, Sopro, 2004). No domínio do design gráfico e de co-
Recentemente, associou-se ao designer municação destacam-se na 3.a geração,
Toni Grilo (n. 1979), formando o projecto entre outros, os ateliês Barbara Says (Antó-
Objection, propondo o desenho de objec- nio Silveira Gomes, Mafalda Anjos, Francis-
tos, interiores e espaços efémeros para ca Mendonça), Flúor Design (Pedro San-
empresas nacionais e internacionais, sob tos, Filipe Lizardo e outros) e R Dois Design
critérios de grande qualidade. A prepara- (Artur Rebelo e Lizá Ramalho).
ção do lançamento de duas marcas de mo- Quanto à moda, os anos 90 sedimenta-
biliário urbano nacionais, ou a prototipagem ram um evento regular como a ModaLis-
do primeiro computador desenhado em boa, dirigido pela dupla Abbondanza/Ma-
Portugal, são actividades actuais desta par- tos Ribeiro, como o palco privilegiado de
ceria. consagração e revelação de novos talentos
Luís Pessanha (n. 1974) prossegue a (enquanto um certame como o Portugal-
simplicidade processual em objectos ino- Fashion procurou o estreitamento de laços
vadores (Banco, protótipo, 1999) que po- com a indústria numa perspectiva mais co-
dem, igualmente, assumir uma vertente mercial), e assinalaram a eclosão de uma
conceptual e crítica materializada em no- 2.a geração de designers , como Maria
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Cultura
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Design e moda
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Autores
membro da Comissão de Cultura e de Educação da Assembleia Parlamentar do Con-
selho da Europa. Tem várias obras publicadas e é director-adjunto das revistas Finis-
terra e Res Publica.
Fernando Pinto do Amaral (n. Lisboa, 1960). Escritor e professor universitário, fre-
quentou a Faculdade de Medicina, mas licenciou-se e concluiu o mestrado e o douto-
ramento na área das literaturas românicas, sendo professor da Faculdade de Letras de
Lisboa. Publicou cinco livros de poesia (Acédia, 1990; A Escada de Jacob, 1993; Às
Cegas, 1997; Poesia Reunida, 2000, Pena Suspensa, 2004), dois de ensaio (O Mosaico
Fluido, 1991; Na Órbita de Saturno, 1992) e traduziu As Flores do Mal de Baudelaire,
os Poemas Saturnianos de Verlaine e toda a poesia de Jorge Luis Borges. Publicou o
álbum 100 Livros Portugueses do Século XX (Instituto Camões, 2002) e o livro de con-
tos Área de Serviço e Outras Histórias de Amor (2006). Foi comissário da exposição
100 Livros do Século (CCB, 1998), bem como das participações de Portugal na Feira
do Livro de Frankfurt (1998 e 1999), no Salão do Livro de Genebra (2001) e na Liber de
Barcelona (2002). Recebeu diversos prémios literários e colabora regularmente como
crítico em diversas publicações.
Guilherme d’Oliveira Martins (n. 1952). Licenciado e mestre em Direito. Foi se-
cretário de Estado da Administração Educativa (1995-1999), ministro da Educação
(1999-2000), ministro da Presidência (2000-2002) e ministro das Finanças (2001-2002).
Foi presidente da SEDES. É presidente do Tribunal de Contas e presidente do Centro
Nacional de Cultura. Professor universitário. Autor de diversas obras, entre as quais:
Oliveira Martins: Uma Biografia (1986); Ministério das Finanças: Subsídios para a Sua
História no Bicentenário da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda (1988); Es-
cola de Cidadãos (1992); O Enigma Europeu (1994); Educação ou Barbárie? (1999);
O Novo Tratado Constitucional Europeu (2004).
Ilídio Trindade (n. 1953). É jornalista dos quadros da RDP desde Junho de 1985,
acompanhando para esta rádio temas relacionados com a Defesa, tendo feito o Curso
de Segurança e Defesa para Jornalistas do Instituto da Defesa Nacional. Frequenta ac-
tualmente o Curso de Auditores de Defesa Nacional do citado instituto. Começou a sua
carreira como jornalista desportivo no diário A Luta, tendo passado pelos jornais Mun-
do Desportivo, O Golo e Off-Side, de que foi um dos fundadores. Foi assessor do se-
cretário de Estado do Desporto do governo do Bloco Central, adjunto do secretário de
Estado do Desporto do XIII Governo Constitucional e adjunto do secretário de Estado
da Defesa Nacional do XIV Governo Constitucional. Foi director para as actividades
amadoras (1988-1989) e vice-presidente administrativo (1990-1993) do Sport Lisboa e
Benfica e membro da Comissão Executiva da Candidatura de Portugal à Organização
do Campeonato da Europa de Futebol de 2004, o Euro 2004. Recebeu o Prémio Olím-
pico de Jornalismo (1977) atribuído pelo Comité Olímpico de Portugal pela reportagem
dos Jogos de Montréal e foi eleito «O Dirigente do Ano» (1992) do S. L. Benfica pelo
jornal do clube.
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Autores
João Ferreira de Almeida (n. 1941). Doutorado e agregado em Sociologia. Profes-
sor catedrático. Membro fundador e primeiro presidente da Associação Portuguesa de
Sociologia. Editor da revista Portuguese Journal of Social Science. Investigação em
áreas como: valores e representações sociais; classes sociais e mobilidade; espaços
rurais e ambiente; exclusão social; juventude e universidade. Autor de diversas publi-
cações (livros e artigos) em Portugal e no estrangeiro.
João Lima Pinharanda (n. Moçambique, 1957). Mestrado em História da Arte
(1985). Director de programação do Museu de Arte Contemporânea de Elvas-Colecção
António Cachola (desde 2006). Presidente da secção portuguesa da AICA (Associação
Internacional de Críticos de Arte) (triénio 2004-2007). Professor auxiliar do Departamen-
to de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa (desde 1998). Colaborador
permanente do JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias (1984-1990). Responsável pela sec-
ção de artes, no jornal Público (1990-1998), onde se mantém como colaborador. Para-
lelamente, numerosas colaborações em jornais de âmbito generalista e revistas espe-
cializadas nacionais e internacionais. Responsável por numerosas exposições em
Portugal e no estrangeiro. Autor de numerosos textos historiográficos sobre arte e artis-
tas portugueses.
Jorge Leitão Ramos (n. 1952). Licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo Insti-
tuto Superior Técnico (Lisboa) em 1975. Professor efectivo do ensino secundário (Es-
cola Secundária Marquês de Pombal, em Lisboa), na área da Electrotecnia e Electróni-
ca. Iniciou a actividade profissional, como crítico de cinema, em 1975 no Expresso,
tendo-a exercido, com continuidade, na imprensa (Jornal Novo, 1975-1976, Diário de
Lisboa, 1976-1988), para além de colaborações na RTP e RDP. Em 1980 estende o
seu campo de análise à crítica de televisão (Expresso, 1980-1983 e 1987-1999, Se7e,
1983-1986, TSF, 1993). É colaborador permanente, desde 1988, na área da crítica de
cinema do Expresso. Especialista em cinema português, fez parte da equipa responsá-
vel pelas fichas dos cineastas portugueses na edição portuguesa do Dicionário dos Ci-
neastas de Georges Sadoul (ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1980), foi responsável pela
entrada referente ao cinema militante português em Cinemas d’Avant-Garde (ed. Papy-
rus, Paris, 1980), colaborou em Portogallo: «Cinema Novo» e Oltre... a cura de Augusto
M. Seabra (Marsilio Editori, Venezia, 1988), em Lisboa a 24 Imagens, org. Manuel Cos-
ta e Silva (Caminho, Lisboa, 1994), escreveu o artigo «O cinema salazarista» para a
História de Portugal, direcção de João Medina (ed. Ediclube, 1993), elaborou uma his-
tória breve do cinema português para a obra colectiva Os Anos do Cinema (publicada
em fascículos pelo Expresso, em 1995), escreveu o artigo referente a esse tema na
obra colectiva Portugal: Anos 2000 (Círculo de Leitores, 2000), a convite do Comissa-
riado de Portugal para a Expo 2000 Hannover e no Dicionário Temático da Lusofonia
(Texto Editores, 2005), e publicou Dicionário do Cinema Português: 1962-1988 (Cami-
nho, 1989) e Dicionário do Cinema Português: 1989-2003 (Caminho, 2005).
José Manuel Fernandes (n. Lisboa, 1953). Arquitecto pela Escola de Belas-Artes
de Lisboa, 1977. Doutorado em História de Arquitectura pela Faculdade de Arquitectu-
ra de Lisboa, 1993, e seu professor agregado em 1999. Director do Departamento de
Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa, em 1998-2000. Director do Instituto
de Arte Contemporânea do Ministério da Cultura em 2001-2003. Investiga, escreve e
publica regularmente sobre temas de arquitectura e urbanismo. Das obras mais recen-
tes destaca-se Arquitectos do Século XX, Lisboa, 2006.
Luís Manuel Antunes Capucha (n. 1957). Doutorado em Sociologia. Professor do
Departamento de Sociologia do ISCTE (Lisboa). Investigador do Centro de Investiga-
ção e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE). Director-geral da Inovação e Desenvolvi-
mento Curricular no Ministério da Educação. Entre 1998 e 2001 foi director-geral do
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Autores
Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento do Ministério do Trabalho e da
Solidariedade, do Comité de Emprego da União Europeia e do Conselho Económico e
Social. Pesquisa científica em áreas como emprego e mercado de trabalho; pobreza
e exclusão social; educação; qualificação e educação de activos; políticas sociais com-
paradas; reabilitação de pessoas com deficiência; culturas populares e desenvolvi-
mento comunitário; metodologias de avaliação e de planeamento. Conferencista e au-
tor de diversas publicações científicas (livros e revistas) em Portugal, Espanha, França,
Reino Unido, Alemanha, Grécia, Áustria, Itália e Brasil.
Luís T. Magalhães é, desde Julho de 2005, presidente da UMIC — Agência para a
Sociedade do Conhecimento. É membro da Rede de Coordenação da Estratégia de
Lisboa e do Plano Tecnológico, membro do National IST RTD Directors Forum e do
i2010 High Level Group da União Europeia, membro do Conselho Consultivo da Funda-
ção Luso-Americana para o Desenvolvimento (1997-), membro correspondente da
Academia das Ciências de Lisboa (1995-) e professor catedrático de Matemática do
Instituto Superior Técnico (IST) (1993-). Foi presidente da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (1997-2002) e membro do Governing Council da European Science Foun-
dation (2000-2002). Obteve os graus académicos de licenciado em Engenharia Elec-
trotécnica — Telecomunicações e Electrónica pelo IST (1975), Master of Science
(1980) e Doctor of Philosophy (1982) em Matemática Aplicada pela Brown University,
EUA. Exerceu actividades científicas no IST (1972-); Centro de Biologia do Instituto
Gulbenkian de Ciência (1972-1978), Division of Applied Mathematics, Brown University
(1978-1983); Institute for Mathematics and Its Applications, University of Minnesota
(1982-1983 e 1985).
Maria de Lurdes Rodrigues é, desde Março de 2005, ministra da Educação. Foi
presidente do Observatório das Ciências e das Tecnologias do Ministério da Ciência e
da Tecnologia (1997-2003). Obteve os graus académicos de licenciatura em Sociolo-
gia (1984) e doutoramento em Sociologia das Profissões (1996) pelo Instituto Superior
de Ciências do Trabalho e da Empresa. Professora associada com agregação do De-
partamento de Sociologia, no ISCTE (1986-1997). Investigadora do CIES (1986-1996) e
do CISEP (1986-1996). Autora de diversas publicações: Os Engenheiros em Portugal,
1999, e A Sociologia das Profissões, 1997.
Rui Afonso Martins dos Santos (n. 1963). Mestre em História da Arte Contempo-
rânea (1994) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, onde lecciona História do Design em Portugal (de que é considerado o funda-
dor). Técnico superior principal do Instituto Português de Museus, comissariou, entre
outras, as exposições Veloso Salgado: 1864-1945, Museu do Chiado/Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade de Lisboa (1999) e Universo Visual e Artístico, Co-
lecção Berardo de Arte Publicitária, CAE, Figueira da Foz (2006). Historiador de arte e
do design, possui cerca de 80 títulos publicados em volumes e dezenas de artigos em
periódicos. Autor (1999) do programa museológico do Museu do Design — Colecção
de Francisco Capelo. Articulista da revista L+ Arte, é consultor e apresentador do pro-
grama Câmara Clara (RTP2).
Rui Assis Ferreira (n. Lisboa, 1952). Licenciou-se em Direito (1975) pela Universi-
dade de Lisboa. Iniciou o exercício de funções públicas, em 1976, no departamento
governamental responsável pela área da comunicação social, a cujo quadro pertence.
Neste contexto, participou em diversas actividades da União Europeia e do Conselho
da Europa, tendo presidido a comités de peritos desta última organização incumbidos
do estudo das políticas da comunicação social e da concentração no sector dos me-
dia. Foi membro da Comissão Nacional de Eleições, em dois dos seus mandatos (1979
e 1984), e vogal do Conselho de Administração da RTP (2001). No domínio da regula-
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Autores
ção dos mass media, foi presidente do Instituto da Comunicação Social (1997-1999) e,
sucessivamente, membro (1994-1997) e vice-presidente (1999-2001) da Alta Autorida-
de para a Comunicação Social. Desempenha, presentemente, o cargo de membro do
Conselho Regulador da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para
que foi eleito pela Assembleia da República. Exerceu ainda funções docentes no Insti-
tuto Jurídico da Comunicação, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Rui Vieira Nery (n. Lisboa, 1957). Licenciado em História pela Faculdade de Letras
de Lisboa e doutorado em Musicologia pela Universidade do Texas em Austin, é ac-
tualmente professor associado do Departamento de Artes da Universidade de Évora e
director-adjunto do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, desenvol-
vendo ainda uma actividade intensa como investigador e conferencista, tanto em Por-
tugal como em diversos países europeus, nos EUA e no Brasil. Desempenhou entre
1995 e 1997 o cargo de secretário de Estado da Cultura, com a tutela do sector das
Artes do Espectáculo. Em 2003 foi condecorado com a Comenda da Ordem do Infante
D. Henrique por serviços prestados ao estudo da cultura portuguesa.
Viriato Soromenho-Marques (n. Setúbal, 1957). Professor catedrático da Universi-
dade de Lisboa. Activista ambiental desde 1978. Foi presidente nacional da Quercus
de 1992 a 1995. Foi membro do Conselho de Imprensa (1985-1987) e do Conselho
Económico e Social (1992-1996). É actualmente membro do Conselho Nacional do Am-
biente e Desenvolvimento Sustentável e foi vice-presidente da Rede Europeia de Con-
selhos do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (EEAC), entre 2001 e 2006. Orien-
tou dezenas de cursos breves e proferiu centenas de conferências em Portugal e
dezanove outros países. Publicou cerca de três centenas de estudos, abordando te-
mas filosóficos, político-estratégicos e ambientais. É grande oficial da Ordem do Infan-
te D. Henrique.
Vítor Matias Ferreira. Professor catedrático de Sociologia (aposentado) do ISCTE.
Foi coordenador e docente do mestrado Cidade, Território e Requalificação do Depar-
tamento de Sociologia do ISCTE. Coordenou um programa Erasmus/Sócrates (mobili-
dade europeia de docentes e de estudantes), no campo disciplinar da sociologia (ur-
bana e rural, do trabalho e da política). É actualmente coordenador de investigação no
Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, de que foi co-fundador, e cuja revista Cida-
des: Comunidades e Territórios dirigiu durante alguns anos. De uma vasta produção
editorial destacam-se os trabalhos mais recentes: Lisboa: De Capital do Império a Cen-
tro da Metrópole (1986); Lisboa: A Metrópole e o Rio (coord.) (1997); A Cidade da Ex-
po ’98 (em colaboração com Francesco Indovina) (1999), Fascínio da Cidade: Memória
e Projecto da Urbanidade (2004). Refira-se, entre outras, a sua participação com arti-
gos nas obras Portugal na Transição do Milénio, Urban Landscape Dynamics, Do Mundo
da Imaginação à Imaginação do Mundo, Atlas Histórico de Ciudades Europeas (co-au-
toria), Urbanidade e Património, Un Futuro Amico: Sostenibilità ed Equità, Lisboa/Lis-
bonne, Novas Formas de Mobilização Popular, Em Trânsito, Nuovo Lessico Urbano.
Tem artigos publicados, entre outras referências, em diversas revistas da sua especia-
lidade.
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Créditos fotográficos
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Breve Retrato de Portugal
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