Você está na página 1de 352

RETRATO DE

PORTUGAL
Coordenação de António Reis

RETRATO DE
PORTUGAL
Factos e acontecimentos
CAPA E DESIGN GRÁFICO:
Fernando Rochinha Diogo
CARTOGRAFIA:
Fernando Pardal
REVISÃO TIPOGRÁFICA:
Fotocompográfica, Lda.
COMPOSIÇÃO:
Fotocompográfica, Lda.
FOTOMECÂNICA:
Fotocompográfica, Lda.

ž Instituto Camões, Círculo de Leitores, Temas & Debates


Primeira edição para a língua portuguesa
Impresso e encadernado em Abril e Maio de 2007
por Printer Portuguesa, Ind. Gráfica, Lda.
Casais de Mem Martins, Rio de Mouro
Edição n.o 7057
Depósito legal n.o 257 837/07
Sumário
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Prefácio
—7—
Apresentação
— 10 —
Introdução
— 12 —
O Estado
— 21 —
Sociedade
A sociedade
— 43 —
O território
— 80 —
A língua portuguesa
— 101 —
A comunicação social
— 114 —
A sociedade do conhecimento e da informação
— 131 —
O desporto
— 170 —
O ambiente
— 181 —
A economia
— 203 —
A educação
— 227 —
Cultura
O património cultural
— 249 —
A literatura
— 264 —
A arquitectura
— 275 —
As artes visuais
— 285 —
As artes do espectáculo
— 297 —
O cinema
— 314 —
Design e moda
— 321 —
Bibliografias
— 337 —
Autores
— 345 —
Créditos fotográficos
— 351 —

5
Sumário
Prefácio
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Manuel Lobo Antunes
Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus

A terceira Presidência portuguesa da União Europeia (UE), em 2007 (depois de 1992 e


2000), será, assim o esperamos, mais um marco na nossa participação no projecto
de integração europeia, assinalando o nosso empenho e a nossa convicção no ideal
europeu, com ambição, maturidade e realismo.
Muito se alcançou ao longo destas duas décadas de reencontro de Portugal com a Europa.
Consolidámos e aprofundámos a nossa democracia. Lográmos notáveis progressos no tocante
ao desenvolvimento económico e à construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Importa não esquecer donde partimos. Enquanto os nossos parceiros europeus construíam
a paz europeia, na base da liberdade, da democracia e da prosperidade partilhada, Portugal
esteve à margem, «orgulhosamente só», pobre, iletrado, amordaçado e obcecado pelo sonho
da manutenção, pela força militar, de um império do Minho a Timor, num tempo em que era im-
possível parar os ventos da autodeterminação (dos Portugueses e dos povos colonizados).
A revolução do 25 de Abril de 1974 inaugurou uma nova vaga democrática, não só na
Europa (Portugal e Espanha), mas também na América Latina. Com a revolução pudemos
voltar a olhar para a Europa, iniciando um caminho que deixou bem claro que não poderia
haver Europa sem Portugal e Espanha.
Apesar da enorme melhoria das condições económicas e sociais em Portugal, não hou-
ve propriamente um milagre europeu. No Portugal de hoje persistem índices e factores de
exclusão e desigualdade que nos devem preocupar e mobilizar para a conquista de novas
metas, designadamente o reforço da sociedade civil, tendo em vista uma cidadania mais
activa e criativa, nos planos político, económico e cultural. Portugal é hoje um país livre e
certamente mais próspero do que era, mas persistem alguns atavismos que não desapare-
cem no espaço de uma geração. A construção de uma sociedade livre, responsável e em-
penhada é uma tarefa diária. Porém, é inegável que temos hoje oportunidades que são in-
comparáveis em relação ao Portugal de antanho.
Sinal evidente da mudança é que Portugal se tornou também num país de imigração.
A maioria desses imigrantes tem dado um importante contributo para o desenvolvimento
económico de Portugal, e é nossa obrigação garantir que a sua integração se faça nas con-
dições que desejamos e defendemos igualmente para os emigrantes portugueses, nomea-
damente na Europa.
Há quem argumente que os fundos europeus são o equivalente moderno das especia-
rias da Índia ou do ouro do Brasil, que em Portugal a riqueza sempre passou, mas nunca se
fixou, e que não há razão para que a história mude.
Ora eu creio que a história já mudou. Da Europa não vieram só os fundos com que se
construíram as auto-estradas e os carros de grande cilindrada. A participação na aventura
europeia trouxe-nos algo muito mais importante: um novo sentimento de pertença na edifi-
cação do mais ambicioso projecto de comunidade política e económica à escala mundial.
Confrontou-nos com uma nova exigência colectiva, um novo desígnio, que a todos mobiliza —

7
Prefácio
Estado, empresas e cidadãos. A Europa impôs-nos uma emulação saudável. Puxou por nós.
Obrigou-nos à comparação e à competição com sociedades abertas e dinâmicas.
A nossa condição de país periférico, em relação ao centro político e económico da UE
(que se deslocou para leste), obriga-nos, por outro lado, a estar presentes em todos os nú-
cleos de vanguarda da integração europeia. Trata-se de um imperativo estratégico: estar no
centro da decisão europeia, participar, moldá-la — na medida das nossas capacidades e
dos nossos interesses — e beneficiar da mudança. Este objectivo tem sido plenamente al-
cançado.
Ao contrário dos habituais profetas da desgraça nacional, orgulho-me dos resultados
que alcançámos em apenas duas décadas.
A nossa identidade colectiva sai sempre reforçada quando submetida ao confronto aber-
to. Encaro com confiança o futuro de um povo que singrou no mar vasto e desconhecido, e
que construiu a história de uma nação que caminha para os seus nove séculos, e cuja lín-
gua é falada por 240 milhões de pessoas no mundo (a terceira da Europa ocidental, a seguir
ao inglês e ao espanhol, e bem à frente do francês e do alemão).
O crescimento e a vitalidade da língua portuguesa, nos seus vários sotaques (açucara-
do, crioulo e continental), em termos de número de falantes, de obras publicadas, de con-
teúdos na Internet, de palavra musicada, etc., garantem a perenidade da nossa cultura e
identidade, já não exclusivamente portuguesa, mas como membro de uma família maior, re-
sultado dos nossos laços miscigenados, que nos asseguram uma identidade própria num
mundo cada vez mais padronizado e compressor das especificidades culturais. Que melhor
homenagem poderia ser feita a Camões, verdadeiro fundador da língua e arauto da sua vo-
cação universalista?
A Europa também ganhou com a adesão de Portugal: não apenas a mera extensão do
mercado interno, não apenas a adição de mais dez milhões de consumidores para os pro-
dutos dos outros países da UE. A Europa reencontrou-se com um país que apresentou a Eu-
ropa a muitas partes do mundo e que, em virtude do peso da sua história e da sua cultura,
é, entre os países de semelhante dimensão, um dos muito poucos que se podem afirmar co-
mo um actor global.
A integração europeia teve um impacto muito significativo na nossa política externa.
Mudou, desde logo, os hábitos de uma diplomacia que era puramente defensiva e orien-
tada para a preservação do regime de então e do império colonial.
Alterou profundamente a nossa relação com Espanha. Ao tempo de Salazar e Franco,
entre Portugal e Espanha não havia praticamente nem estradas nem pontes. Os dois ditado-
res apoiaram-se mutuamente em momentos-chave (sobretudo quando os respectivos regi-
mes estiveram em perigo, face ao desenrolar do conflito mundial), mas suspeitavam profun-
damente um do outro, mantendo-se fiéis à tradição de desconfiança secular. Hoje Portugal
e Espanha são parceiros incontornáveis na UE. As nossas economias estão profundamente
interligadas e abriram-se novas perspectivas para o reforço da cooperação, não apenas no
plano bilateral mas também no plano externo (por exemplo na América Latina e no Magre-
be), com benefícios mútuos cada vez mais evidentes.
A Europa amplificou o nosso poder de influência no mundo. Sem um Portugal plenamen-
te integrado na Europa, muito provavelmente não teria havido autodeterminação do povo de
Timor Leste (nem tampouco a UE poderia ter tido uma palavra a dizer num processo que,
não obstante as dificuldades actuais, ficará registado como um caso de sucesso na história
das Nações Unidas).
A nossa adesão ajudou-nos a restabelecer os laços com os parceiros africanos, depois

8
Prefácio
dos traumas da descolonização. As nossas relações com os países africanos encontram-se
hoje num novo patamar, e a isso não é certamente indiferente o facto de esses países sabe-
rem que Portugal é o seu advogado natural junto da UE.
As próprias relações com o Brasil, sobretudo no plano económico, beneficiaram de um
novo impulso após a adesão de Portugal à UE (em resposta ao apelo do então primeiro-
-ministro, engenheiro António Guterres, as empresas portuguesas investiram fortemente no
Brasil, de modo a ganhar a dimensão que lhes permitiria resistir melhor à competição do
mercado interno europeu; por outro lado, os investidores brasileiros têm vindo progressiva-
mente a tomar consciência de que uma empresa brasileira criada em Portugal se torna uma
empresa europeia, daí retirando todas as vantagens que o espaço económico europeu po-
de oferecer).
A integração europeia abriu-nos também as portas ao aprofundamento das relações
com novas áreas prioritárias para a UE (como as relações com a Rússia, o Mediterrâneo e o
Médio Oriente) e aos grandes temas da diplomacia multilateral, em que a UE tem um peso
único (no qual podemos projectar os nossos interesses, beneficiando do efeito multiplicador
europeu).
A Presidência portuguesa da UE em 2007 terá de se defrontar com uma fase de algum
desencanto europeu. A crise que existe — se é que de verdadeira crise podemos falar — é
antes uma crise de expectativas, porventura de falta de ambição e de dúvidas quanto ao fu-
turo do projecto europeu.
Vejo esta actual melancolia europeia como uma fase transitória, como uma oportunida-
de. O inconformismo — esse traço fundamental do carácter dos povos europeus — exigirá
que a breve trecho os nossos responsáveis políticos busquem novas respostas para os de-
safios do mundo de hoje, aos quais só poderemos fazer face através de soluções colecti-
vas, fiéis aos princípios da solidariedade e da coesão europeia.
Esta fase de incerteza quanto ao futuro do projecto europeu será ultrapassada, porque
as circunstâncias históricas assim o exigirão. Não é possível adiar indefinidamente o debate
e a definição de novas políticas e instrumentos no tocante a questões como o papel da Eu-
ropa no mundo (e também os seus limites), o aprofundamento da coesão económica e so-
cial, a coordenação económica (não basta uma moeda comum), a fiscalidade, a energia, o
ambiente ou as migrações.
Por vezes ignoramos inclusivamente o que a Europa representa para tantos. Refastela-
dos no nosso conforto, ciosos dos nossos privilégios, esquecemo-nos de que a Europa é,
cada vez mais, sinónimo de esperança, neste mundo injusto, inseguro e desregulado, em
que muitos são pura e simplesmente desorbitados do processo de globalização económica.
Como temos visto, aqui bem perto de nós, a Europa encarna um sonho pelo qual muitos es-
tão dispostos a morrer.
É com convicção nesta «ideia» — e cientes do que ela significa para tantos, europeus e
não europeus — que abraçaremos a tarefa de presidir, durante seis meses, à UE. Espera-
mos poder contribuir para o seu aperfeiçoamento, que é permanente e que se vai concreti-
zando passo a passo. Fá-lo-emos concentrando-nos naquilo que nos pode unir e conduzir a
uma União mais forte, mais útil e com vantagens palpáveis para a vida dos cidadãos euro-
peus e também para o resto do mundo. Parece-me que esta é uma empresa digna, e que
merece o empenho de todos os portugueses que nela queiram colaborar.

9
Prefácio
Apresentação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Simonetta Luz Afonso
Presidente do Instituto Camões

O Instituto Camões — instituição tutelada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros


— tem por missão a promoção e a difusão da língua e cultura portuguesas no mun-
do. No ano de 2007, em que Portugal presidirá, no 2.o semestre e pela 3.a vez, ao
Conselho da União Europeia, o Instituto Camões irá desenvolver um programa específico de
actividades, bem como colaborar com inúmeras entidades nacionais e estrangeiras na reali-
zação de acções especiais.
Neste contexto, pareceu-nos indispensável criar algumas peças que funcionassem co-
mo segmentos dum fio condutor para a comunicação duma imagem qualificada do nosso
país, construída a partir das suas grandes realidades, factos e instituições.

Dentro deste espírito, o enorme sucesso e interesse suscitados por uma obra lançada
aquando da Exposição Universal de Hannover — Portugal 2000 — levaram-nos agora à sua
actualização e reedição. O grande êxito assentou na forma como apresentava a outros po-
vos e nações — e relembrava aos próprios portugueses — as nossas especificidades histó-
ricas e culturais e as fórmulas encontradas para se organizar e reger a vida em sociedade.

Tratou-se duma peça de referência, ensaística, informativa e didáctica, fruto dum repto
lançado a António Reis, historiador e reconhecido especialista do século XX em Portugal, pa-
ra coordenar uma obra voltada para o exterior, em que a análise da evolução da sociedade
portuguesa, da sua economia e das suas instituições seria complementada por uma panorâ-
mica do renascimento cultural ocorrido desde 1974 até então — o retrato deste país em mu-
dança no último quartel do século XX.

Como parâmetros temporais para essa análise, impunha-se proceder de forma adequa-
da a uma síntese desse percurso. Aos autores de cada capítulo, especialistas e investiga-
dores universitários de alto mérito, pediu-se a concentração em dois momentos-chave desta
metamorfose: o 25 de Abril e o final do milénio, em que o país investe decididamente na for-
mação e na educação, no desenvolvimento de novas competências e no crescente acesso
aos domínios mais elevados do conhecimento.

Durante este período verificaram-se em Portugal extraordinárias evoluções e mudanças


de incontornáveis efeitos, consequência do reencontro nacional com a liberdade e a demo-
cracia, e duma nova atitude comunicante, participativa e empenhada no diálogo internacio-
nal, igualmente e naturalmente marcadas pela adesão à União Europeia, em 1986. Numa
época de grandes alterações à escala planetária, tratou-se de um ciclo de impetuosa trans-
formação a nível do território nacional, dos seus habitantes e todos os grandes sectores,
desde o económico ao cultural, aqui com manifestas e inovadoras fórmulas criativas — da
arquitectura ao cinema, da literatura à ciência, da música às artes plásticas e performativas.

10
Apresentação
Retomado o projecto, apresenta-se agora uma visão das últimas três décadas. Mais uma
vez, e também pela necessidade da actualização da obra, se prova a permanente evolução
do país, as novas coordenadas, os novos diálogos, parceiros, inspirações e esperanças.

O peso específico da língua portuguesa, expressão oficial de 200 milhões de habitantes


do planeta mas também língua de trabalho e de ciência em fóruns internacionais, o êxito e
reconhecimento extramuros de autores e artistas de inspiração contemporânea e as exposi-
ções em instituições de renome nas principais capitais mundiais são demonstrações do in-
teresse e da importância da defesa e promoção duma imagem de Portugal antigo e moder-
no, pioneiro duma globalização que agora se implementa.

Esperamos, pois, que esta obra renovada contribua para um melhor conhecimento de
Portugal e dos seus valores e que, através dela, se demonstre com impacto e dignidade o
seu trajecto no rumo da expressão, da democratização, da defesa dos direitos humanos,
das novas tecnologias e meios de comunicação, das energias renováveis e das preocupa-
ções ambientais, indubitavelmente traçados pelo século XX para um novo milénio e, espera-
mos, um Novo Mundo.

Ao Prof. António Reis e a todos os que colaboraram neste trabalho o meu reconhecimen-
to, bem como à Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, que
em boa hora o integrou nos seus projectos especiais.

11
Apresentação
Introdução
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
António Reis

T rinta e três anos depois do derrube da


mais longa ditadura europeia do sé-
culo XX — logo seguida do fim do
mais antigo império colonial europeu e da
implantação, num acidentado mas rápido
não da Natureza», como bem demonstrou
José Mattoso (in A Identidade Nacional,
1998). Fruto da vontade dos barões do
Condado Portucalense no segundo quar-
tel do século XII, o seu próprio nome reme-
percurso de dois anos, de uma democracia te para um centro administrativo na foz do
parlamentar —, e vinte e um anos depois rio Douro e não para um povo, como acon-
da integração europeia, Portugal é hoje um tece com a Alemanha, a França ou a Ingla-
país diferente. Um país que viveu num pra- terra. A sua identidade é, pois, obra de um
zo de tempo de uma geração o que a ge- Estado e de uma administração centraliza-
neralidade dos seus parceiros da União da no poder régio, cujo território se consti-
Europeia (a 15) viveu em mais de meio sé- tui ao longo de século e meio, entre 1096 e
culo, e que enfrenta hoje desafios seme- 1249, numa dupla luta: contra o vizinho
lhantes. E uma sociedade em acentuado reino cristão de Leão e Castela e contra o
processo de mudança, em busca de índi- Islão, cujo domínio se estendia inicialmen-
ces de desenvolvimento estrutural idênti- te até ao rio Douro. Com a conquista do
cos aos das sociedades mais avançadas Algarve naquela última data, as suas fron-
do seu espaço geopolítico. teiras no continente europeu manter-se-ão
É o retrato deste país em mudança, em desde então praticamente intactas, num
meados da primeira década do século XXI, caso raro de estabilidade e continuidade
que aqui, pois, pretendemos deixar esbo- territorial, e antecipando-se, assim, em
çado. Um retrato que não pode, porém, ig- mais de dois séculos à unificação do Esta-
norar as condicionantes do passado mais do espanhol.
ou menos longínquo nem tão-pouco deixar Como compreender que Portugal te-
de interrogar os desafios do futuro próxi- nha escapado a esta lógica unificadora
mo. Um retrato sujeito, pois, às leis da do espaço ibérico, que não poupou terri-
perspectiva na sua dimensão temporal. tórios tão ou mais individualizados como a
Quem muda muda sempre de algo para Catalunha ou o País Basco? Fazendo va-
algo. Em suma, poderíamos desde já for- ler, primeiro, o seu estatuto de reino cris-
mular uma dupla e ambiciosa interroga- tão empenhado no combate à presença
ção: donde vem Portugal, para onde vai muçulmana na Península Ibérica, mano-
Portugal? brando, depois, habilmente entre os con-
Não dispondo de uma clara individuali- flitos dos diversos reinos peninsulares e
dade natural no conjunto da Península estabelecendo, em 1373, uma aliança
Ibérica nem de uma homogeneidade geo- com a Inglaterra, que lhe foi preciosa quan-
gráfica interna, sem sequer poder reivindi- do a sua independência se viu seriamente
car uma base étnico-cultural própria, Por- ameaçada, por razões dinásticas, pelo
tugal «foi uma construção dos homens, e poderoso vizinho castelhano em 1385,

12
Introdução
Portugal lança-se, em seguida, na grande gunda metade do século XVII, irá traduzir na
aventura da expansão marítima, a partir sua concepção de Portugal como uma na-
de 1415, com a conquista de Ceuta no Nor- ção eleita e do seu império como o Quinto
te de África. E é saindo da Península e da Império, o de Cristo. Nem tão-pouco permi-
Europa e repartindo-se pelo mundo que, tirá a superação do estatuto de nação su-
afinal, garantirá a prazo a sua individualida- balterna, com a agravante de se acentuar o
de política tanto na Península como na Eu- processo de isolamento cultural em relação
ropa. à Europa, que a instauração da Inquisição
Tendo na sua origem um complexo em 1536 viera iniciar e a fidelidade à Con-
conjunto de motivações económicas, polí- tra-Reforma aprofundara.
ticas e religiosas, cuja hierarquização foi Ao longo do século XVIII, Portugal viverá
motivo para acerbas polémicas entre os numa atitude complexa de repulsa e atrac-
historiadores, o certo é que a construção ção simultânea em relação à Europa das
do império português, na sua primazia Luzes, ao mesmo tempo que o eixo de gra-
cronológica e na especificidade das suas vidade do seu império se desloca do
características, contribuirá decisivamente Oriente para o Brasil, cujo ouro irá alimen-
para uma singular relação dos Portugue- tar uma prosperidade ilusória. Fascinado
ses com eles próprios e com os restantes com D. João V pelas manifestações artísti-
povos. E constitui-se, por isso e a nosso cas da Europa e até pelas suas modas,
ver, em segundo e poderoso factor de sensível com o marquês de Pombal aos
identidade e coesão, apesar de, ou talvez progressos das ciências e à necessidade
mesmo porque, marcado pela mesma in- de um desenvolvimento económico autóno-
trínseca fragilidade que estivera na origem mo, dividido, depois, entre o prossegui-
do próprio reino português. O grande poe- mento de uma via reformadora e a reacção
ma épico de Luís de Camões, não por conservadora de D. Maria I, Portugal nave-
acaso intitulado Os Lusíadas, aí está para gará neste século entre os apelos, cuida-
o confirmar e, simultaneamente, para acen- dosamente filtrados, dos seus «estrangei-
tuar esse lado de quase ficção ou de irreal rados» à modernização europeia e a
com que os Portugueses viveram a sua desconfiança e mesmo a hostilidade de um
aventura marítima e a sua grandeza impe- conservadorismo católico avesso à inova-
rial, como Eduardo Lourenço tão bem sou- ção, numa subtil e delicada dialéctica entre
be assinalar (O Labirinto da Saudade: Psi- as Luzes e as Trevas.
canálise Mítica do Destino Português, 1978, Com as invasões napoleónicas e a fuga
pp. 22-23). da corte para o Brasil, Portugal parece pro-
Fragilidade e ficção que irão conhecer curar a sobrevivência fora de si, promoven-
a sua imediata confirmação no episódio da do a principal colónia a sede do império
transitória perda da independência — até 1821. Até meados do século XIX, sujeito
em consequência da morte em combate, primeiro à tutela britânica, mergulhado de-
em 1578, do jovem rei D. Sebastião em pois na única verdadeira guerra civil da
Marrocos e da imposição dos direitos di- sua história, entre liberais e absolutistas, e
násticos de Filipe II de Espanha —, bem nos posteriores conflitos entre as diferentes
como no subsequente fenómeno da mes- facções liberais, Portugal experimenta a
siânica crença no regresso do rei desapa- fragilidade da sua independência na «ba-
recido. A recuperação da independência lança da Europa», ao mesmo tempo que os
em 1640 já não conseguirá apagar uma tal seus românticos — Garrett e Herculano —
visão profética e messiânica da sua histó- o procuram refundar nas suas raízes cultu-
ria, que um padre António Vieira, nessa se- rais e históricas, pela poesia, pelo teatro,

13
Introdução
pelo romance e pela própria história como da meada, combatendo sempre, é certo,
ciência. Empenhado na segunda metade as versões mais radicais desse nacionalis-
deste século em não perder o comboio eu- mo, dessem elas pelo nome de «saudosis-
ropeu do desenvolvimento industrial, é, po- mo» com Teixeira de Pascoais, ainda no
rém, com pessimismo que a sua elite inte- campo republicano, ou de «integralismo
lectual de então encara a distância que o lusitano» com António Sardinha, já no
separa da modernidade europeia, assim campo monárquico. E em vão tentarão sal-
prolongando em novo contexto a dialéctica var a república democrático-parlamentar
entre as Luzes e as Trevas. da sua vertiginosa corrida de 16 anos para
Entre a perda do Brasil em 1822 — o abismo ditatorial, propondo ingenua-
transformado, aliás, em império entregue mente a subordinação dos partidos e dos
ao filho do seu próprio rei, numa original dirigentes políticos a uma elite de sábios
separação bem diferente da das colónias detentores do segredo das melhores refor-
espanholas da América — e o início do so- mas institucionais, económicas e educati-
nho africano no final do século, Portugal vas para o país.
busca uma nova forma de existir, envolto A instabilidade governativa, os interes-
num inquieto clima de insegurança e auto- ses da oligarquia financeira, a fragilidade
-interrogação sobre o seu destino. Antero do tecido económico e social na sequência
de Quental e Oliveira Martins, cada um à da crise financeira do pós-Primeira Guerra
sua maneira, procedem então a uma espé- Mundial abrem caminho à solução ditatorial
cie de ajuste de contas com a nossa histó- pela mão do Exército, que acabará por en-
ria, num processo sumário de que saem tregar o poder a um académico conserva-
condenados o catolicismo jesuítico e inqui- dor, de formação católico-tradicionalista,
sitorial, o absolutismo régio centralista e o especialista em finanças e politicamente
próprio império ultramarino. Mas divergirão ambicioso — Oliveira Salazar. Com ele a
na alternativa, atraídos pela utopia socia- mística nacionalista, desconfiada da Euro-
lista o primeiro, pela utopia de um cesaris- pa das democracias liberais e ferozmente
mo régio o segundo, ambos comungando, anticomunista, será usada como instrumen-
assim, na desconfiança relativamente ao to ao serviço de um Estado forte e de um
republicanismo parlamentar que começa- poder autoritário e centralizado, que fez de
va então a espreitar no horizonte. Será es- um corporativismo mitigado o sucedâneo
te, todavia, que sairá vencedor em 1910, do regime de partidos e encarou o desen-
aproveitando o descrédito da Coroa e sa- volvimento económico com reserva mental.
bendo cavalgar na hora certa a onda na- E com ele o império será usado não ape-
cionalista desencadeada pelo Ultimato nas como instrumento de sobrevivência
britânico de 1890, que intimara Portugal a política pessoal mas também como escudo
ceder os territórios situados entre Angola da «civilização cristã e ocidental», numa vi-
e Moçambique. são que desafiava ostensivamente os
Entre o renascer da mística nacionalista, «ventos da História» e levava às últimas
com o seu fruto imediato no sonho de um consequências, incluindo as de ordem jurí-
império africano, e a necessidade de ace- dico-constitucional, a mística de um Portu-
lerar a modernização europeia do país, a gal pluricontinental, estendendo-se do Mi-
República viverá mergulhada numa con- nho a Timor. Na hora do Terceiro Mundo,
tradição difícil de sanar. Em vão os seus era fatal que um tal sonho, afinal um outro
melhores intelectuais — os «seareiros» modo de sentir o império como ficção, se
António Sérgio, Raul Proença, Jaime Cor- volvesse em pesadelo e desse origem a
tesão — tentarão segurar as duas pontas um despertar convulso e confuso.

14
Introdução
Se a participação portuguesa na Pri- sociedade portuguesa. O trauma das guer-
meira Guerra Mundial, pelos seus efeitos ras coloniais fora, afinal, mais forte. E o po-
perversos no domínio financeiro e institu- tencial trauma do fim do ciclo de mais de
cional, foi em grande parte responsável cinco séculos de império ver-se-ia, então,
pelo rápido declínio e queda do regime re- facilmente sublimado pelo empenhamento
publicano, as guerras coloniais em Ango- na transição democrática com todos os
la, Moçambique e Guiné, entre 1961 e seus conflitos ideológicos, primeiro, na
1974, foram por sua vez a causa determi- construção de um destino europeu, com a
nante da queda do regime ditatorial do integração na Comunidade Europeia, de-
chamado Estado Novo. Em 1974 como em pois.
1926, as Forças Armadas intervinham Não terá sido esta a última e derradeira
em nome das exigências de uma difusa e confirmação do que houve de onírico e fic-
interiorizada opinião pública que, num ca- cional na aventura imperial dos Portugue-
so como no outro, exprimia mais uma re- ses, como Eduardo Lourenço tem vindo a
cusa do status quo do que uma alternativa acentuar? Uma aventura imperial que, afi-
político-ideológica predefinida. E se, des- nal de contas, raros e modestos sinais ex-
ta feita, assumem o compromisso da ins- teriores de poder produziu no seu território
tauração de um regime democrático parla- europeu e na sua própria capital. Onde
mentar e pluralista, nem por isso deixam está a monumentalidade de Lisboa com-
de se mostrar seduzidas num primeiro mo- parada com a das sedes de outros impé-
mento, graças ao activismo de uma mino- rios europeus? A sua majestade reside
ria, por modelos revolucionários terceiro- mais nesse seu magnífico estuário, como
-mundistas, que procuravam combinar a que a impelir-nos para o mar Atlântico, do
sua reconversão em «exército de liberta- que nos seus edifícios, de onde se desta-
ção» com o «recalcado» comunista de dé- cam mais os mosteiros do que os palá-
cadas. Portugal correu o risco, nesse agi- cios. Tal como no resto do país, como
tado período de 1974-1975, de sair de um mostram os casos de Mafra e Tomar. Sin-
anacronismo histórico para tombar noutro. tomaticamente, como se o império estives-
O vanguardismo revolucionário-militar es- se sempre fora de nós e fosse da ordem
barrou, porém, com profundas resistên- do milagre...
cias de mentalidade de largos estratos da Regressado a si próprio e reencontrado
população, eficazmente mobilizados pe- com a liberdade, Portugal lançou-se nos
los partidos democráticos, com os socia- braços da Europa, com o entusiasmo e
listas de Mário Soares à cabeça, e pela o frenesi de quem procurava recuperar o
Igreja Católica. tempo perdido nessa espécie de fuga de si
Consumada em curtíssimo prazo de próprio e dos tempos do isolamento sala-
tempo a descolonização, com a indepen- zarista e das guerras coloniais. Como que
dência total para as antigas colónias — dando razão, com um século de atraso, ao
com excepção de Timor Leste, que se viu programa das Conferências do Casino dos
anexado pela Indonésia até 1999, e de Ma- intelectuais da Geração de 70 e, com meio
cau, que se manteve sob administração século de atraso, aos apelos dos intelec-
portuguesa até 20 de Dezembro de 1999, tuais «seareiros». Foi a sua reconciliação
por acordo com a República Popular da com o espírito de abertura que, em Quatro-
China —, nem por isso ela foi sentida como centos, o lançou na aventura das desco-
um drama, se exceptuarmos o meio milhão bertas, mas que, em Novecentos, acabara
de retornados, no entanto logo reintegra- por fechá-lo numa redoma de vidro imune
dos com uma surpreendente rapidez na aos novos tempos, após séculos de oscila-

15
Introdução
ção entre uma atitude de isolamento e essa só no âmbito da União Europeia, e enquan-
atitude de abertura. to seus parceiros activos e intervenientes,
As exigências da participação de cor- poderão recuperar os atrasos que ainda
po inteiro na construção da União Euro- experimentam e enfrentar os desafios da
peia comandam, desde então, as mudan- globalização económica e das novas tec-
ças em curso nos diferentes domínios da nologias.
sociedade portuguesa, como amplamente Seria, todavia, demasiado empobrece-
se documenta ao longo dos sucessivos dor reduzir o destino de Portugal, ao cabo
capítulos desta obra. Mudanças opera- de uma aventura histórica de quase nove
das, aliás, em curtíssimo tempo, levando séculos, a uma simples nivelação pelos ín-
Portugal a fazer em 20 ou 30 anos o que dices de desenvolvimento estrutural euro-
os outros países europeus fizeram ao lon- peus. Como sugere Augusto Santos Silva,
go de 50 ou 60, apesar dos atrasos ainda a dialéctica do défice e da dissidência em
evidentes nos planos económico e educa- relação à Europa, que, como vimos, tanto
tivo. Sem que, como assinala António Bar- marcou a nossa cultura, pode e deve ser
reto («Portugal na periferia do centro: mu- superada por uma atitude de diferença co-
dança social: 1960 a 1995», in Análise municante (in Parte Devida, 1999, pp. 213-
Social, n.o 134, 1995, 5.o), tão numerosas e -214). Uma atitude que, em certa medida, a
bruscas viragens lhe tenham causado ver- última Exposição Universal de Lisboa em
tigem, graças a uma notável capacidade 1998 simbolizou, ao unir a capacidade de
de adaptação e absorção de conflitos. realização e o espírito de modernidade eu-
Mudanças que ainda não foram suficien- ropeus à abertura ao mundo, e ao ligar a
tes, porém, para anular a tensão latente nossa memória dos oceanos ao desafio
entre as expectativas e a vontade consu- universal da sua preservação ambiental.
mista dos Portugueses, ao nível dos euro- Uma atitude que deve, porém, ultrapassar
peus dos países mais desenvolvidos, e a a passividade acrítica e estimular sempre a
inferioridade do tecido económico e pro- afirmação de uma identidade nacional pró-
dutivo, das competências tecnológicas e pria, através da valorização do património
da experiência competitiva, que torna Por- e da criatividade cultural e artística, já que
tugal no mais periférico dos países do não há identidade possível sem memória e
centro, com as aspirações deste e as de- sem imaginário próprios. Uma atitude que
bilidades daquele, como sublinha o mes- deve fazer da política lusófona, no plano
mo autor (Portugal: 1960/1995: Indicado- externo, e duma eficaz política de integra-
res Sociais, 1996). ção dos imigrantes, no plano interno, a pon-
País de pobres com mentalidade de ri- te entre a vocação universalista do passado
cos, como desde as descobertas tantas e a afirmação internacional do presente.
vezes nos descobrimos? Uma tal dicotomia Para que o inevitável enfraquecimento do
já não dá conta da inegável melhoria dos Estado nacional não arraste consigo a dilui-
índices económicos, sociais e culturais en- ção dessa identidade de que ele foi o prin-
tretanto verificada, que vem relativizar a cipal agente construtor. Para que a globali-
alegada pobreza sem ignorar a subsistên- zação incontornável e a sociedade de
cia de ainda preocupantes índices de ex- informação necessária não nos transfor-
clusão e iliteracia, a fragilidade do actual mem nos «clones» uns dos outros e, em úl-
Estado-providência e a permanência de tima análise, numa América menor. E para
significativas assimetrias de desenvolvi- que a realista ocupação do nosso lugar
mento regional. De uma coisa estão, po- próprio na Europa não nos impeça de sa-
rém, hoje os Portugueses certos: é de que ber quem somos, afinal, como destino.

16
Introdução
As reflexões constantes desta introdu- ponsabilizado por todas as opiniões e inter-
ção devem muito ao diálogo interior que pretações que aqui deixei esboçadas.
mantive com Eduardo Lourenço (O Labirin- Também os colaboradores deste livro,
to da Saudade: Psicanálise Mítica do Desti- cuja disponibilidade e trabalho agradeço,
no Português, 1978, e Portugal como Desti- deram o seu contributo indirecto para esta
no Seguido de Mitologia da Saudade, reflexão introdutória.
1999) e José Mattoso (Identificação de Um A Simonetta Luz Afonso devo a iniciativa
País, 1985, Portugal: O Sabor da Terra, da obra, agora em 2.a edição revista e ac-
1998, e A Identidade Nacional, 1998). Co- tualizada, bem como o estímulo e exemplar
mo é óbvio, nenhum deles pode ser res- apoio à sua concepção e coordenação.

Nota ao leitor: o símbolo 4


i identifica assun-

tos ilustrados nas páginas a cores.

17
Introdução
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
António Reis

A Constituição da República Portuguesa

N a primeira década do século XXI, e


após um século em que conheceu
quatro diferentes regimes políticos
(Monarquia Constitucional, I República, Es-
tado Novo e III República), Portugal vive,
por ceder à aplicação das regras de legiti-
mação e funcionamento de uma democra-
cia representativa, com a consequente in-
trodução das modificações adequadas ao
carácter o mais abrangente possível pró-
desde a aprovação da Constituição de prio de uma Lei Fundamental.
1976, a experiência democrática mais Combinando a preocupação demoli-
bem-sucedida da sua história. beral na fundamentação da soberania e
Nascida da revolução de 25 de Abril de na organização do poder político com a
1974 e do compromisso então assumido preocupação igualitária e solidarista na
pelo Movimento das Forças Armadas de fa- definição das responsabilidades do Esta-
zer eleger por sufrágio universal e directo do, a Constituição de 1976, com a ajuda
uma Assembleia Constituinte, a Constitui- das sucessivas revisões que a aliviaram
ção de 1976 foi concebida no calor de um de uma retórica ideológica demasiado da-
processo de transição atravessado por tada, revelou-se apta a estabelecer o qua-
múltiplas contradições, que deixaram a sua dro institucional mais adequado para a
marca no texto inicial. aplicação de um projecto democrático de
A prática constitucional determinou, po- vida colectiva, com a flexibilidade de meios
rém, que a sua carga programática de necessária para se adaptar à evolução his-
pendor fortemente socializante acabasse tórica.
Cerimónia de promulgação da Constituição e encerramento da Assembleia Constituinte
(2 de Abril de 1976).

21
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

É hoje pacífica na sociedade portugue- mocrática e criando um clima de progressi-


sa e para todas as forças políticas repre- va paz social propício à resolução negocia-
sentadas no Parlamento a definição de Por- da dos conflitos.
tugal como «uma República soberana, Consolidadas as instituições represen-
baseada na dignidade da pessoa humana tativas, reorganizada a vida económica e
e na vontade popular e empenhada na garantidos os direitos fundamentais dos
construção de uma sociedade livre, justa e trabalhadores, ficou aberto o caminho, na
solidária» (artigo 1.o), bem como a defini- década de 80, a duas revisões constitu-
ção da República Portuguesa como «um cionais, as quais, sem empobrecerem ou
Estado de direito democrático, baseado na violarem os princípios fundamentais da
soberania popular, no pluralismo de ex- Constituição de 1976, mais não fizeram do
pressão e organização política democráti- que dispensar algumas válvulas de segu-
cas, no respeito e na garantia de efectiva- rança do sistema então montado, numa
ção dos direitos e liberdades fundamentais salutar confirmação da maturidade demo-
e na separação e interdependência de po- crática do regime instituído por força da
deres, visando a realização da democracia revolução de 25 de Abril de 1974. Com
económica, social e cultural e o aprofunda- efeito, tanto a aceitação de um órgão de
mento da democracia participativa» (arti- soberania político-militar como o Conselho
go 2.o). A articulação entre o estabeleci- da Revolução, até 1982, como a aposta
mento das regras formais de organização num forte sector público da economia, até
do poder democrático e a definição de ob- 1989, longe de se revelarem como resul-
jectivos programáticos mínimos no exercí- tantes de princípios imutáveis da arquitec-
cio desse mesmo poder é uma imagem de tura institucional do Estado ou da organiza-
marca da Constituição Portuguesa, que faz ção económica da sociedade, funcionaram
dela uma das mais longas do mundo (296 antes como benéficas e úteis almofadas de
artigos). protecção de uma democracia cujo parto
Com efeito, num Portugal saído em não foi fácil.
1974 de uma longa ditadura conservadora Em termos jurídico-constitucionais, o
e opressiva, a elaboração da Constituição período que decorre entre a aprovação da
não podia ficar confinada à consagração Constituição de 1976 e a revisão constitu-
de uma carta de direitos, liberdades e ga- cional de 1982 deve, no entanto, ser con-
rantias e à redacção das linhas gerais de siderado como um período de transição,
um sistema de funcionamento democrático durante o qual vigorou o regime de dupla
dos órgãos de soberania. Teria também de legitimidade dos órgãos do poder político
dar resposta às prementes expectativas e estabelecido na Plataforma de Acordo
anseios de mudança social, que esmaga- Constitucional celebrada em 26 de Feve-
doramente se fizeram sentir, numa dimen- reiro de 1976 entre o Movimento das For-
são popular que extravasava da redutora ças Armadas e os principais partidos polí-
expressão utópica com que eram encarna- ticos. Um regime em que se combinava a
dos em sectores minoritários. Graças aos legitimidade democrática dos órgãos
sábios equilíbrios que os deputados consti- emergentes do sufrágio popular (Assem-
tuintes souberam gerar, tanto no respeitante bleia da República e presidente da Repú-
ao controlo recíproco dos diferentes pode- blica) com a legitimidade revolucionária do
res, como no respeitante ao modelo econó- Conselho da Revolução. Por seu lado,
mico-social, foi possível dar a resposta jus- com a revisão constitucional de 1989 eli-
ta aos anseios da sociedade portuguesa, minou-se o equívoco que subsistia entre o
prevenindo tentativas de involução antide- que deveria ser entendido como baliza

22
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

programática mínima de uma Constituição se ultrapassado, a partir de 1989, a querela


largamente consensual e o que se afigura- constitucional, e se fosse solidificando, ao
va ser antes uma imposição ideologica- longo da última década, o necessário con-
mente redutora de objectivos mais pró- senso em torno da Lei Fundamental.
prios de um programa partidário e gover- Este consenso é hoje particularmente
namental. forte em tudo o que diz respeito aos princí-
Como é natural, toda esta evolução pios fundamentais da Constituição (artigos
constitucional não se fez sem tensões con- 1.o a 11.o), aos direitos e deveres funda-
flituais e sem posições de voto contrárias. mentais, incluindo os direitos, liberdades e
Assim, se em 1976 a Constituição foi apro- garantias — pessoais, de participação polí-
vada com os votos favoráveis dos partidos tica e dos trabalhadores — e os direitos e
de esquerda (Partido Socialista — PS —, deveres económicos, sociais e culturais
Partido Comunista Português — PCP —, (artigos 12.o a 79.o), bem como à organiza-
Movimento Democrático Português/Comis- ção do poder político (artigos 108.o a
sões Democráticas Eleitorais — MDP/CDE 276.o). Mas é mais frágil na parte respeitan-
— e União Democrática Popular — UDP) e te à organização económica (artigos 80.o a
do centro-direita (Partido Social-Democrata 107.o), onde se fazem sentir as reivindica-
— PSD) e o voto contrário do partido de di- ções favoráveis ora a um maior peso do Es-
reita (Centro Democrático Social — CDS), tado na economia (PCP) ora a uma menor
já as revisões de 1982 e 1989 tiveram a seu intervenção estatal (PSD e CDS).
favor este último partido e contra o PCP. De entre os princípios fundamentais,
Em 1980 saiu gorada uma tentativa lidera- para além dos constantes nos já aqui refe-
da pelo antigo primeiro-ministro e líder do ridos artigos 1.o e 2.o, cumpre salientar o
PSD Sá Carneiro de levar a cabo uma revi- que estabelece o carácter unitário do Esta-
são da Constituição pela via referendária do (artigo 6.o), o que rege as relações inter-
não prevista no seu texto, o qual impõe a nacionais (artigo 7.o), o que exprime as ta-
aprovação de uma maioria qualificada de refas fundamentais do Estado (artigo 9.o) e
dois terços dos deputados. Quanto às revi- o que consagra o papel primordial do su-
sões de 1992 e 1997, limitou-se a primeira frágio universal e dos partidos políticos na
a adaptar a Constituição às exigências do organização e expressão da vontade po-
Tratado da União Europeia ratificado no pular (artigo 10.o).
ano seguinte, e a última a aprofundar os di- A homogeneidade étnica e linguística
reitos, liberdades e garantias dos cida- da sociedade portuguesa, a par da neces-
dãos, além de introduzir algumas altera- sidade histórica de coesão face ao podero-
ções no sistema eleitoral, de forma a so vizinho ibérico, explicam facilmente o
reforçar a democracia participativa. Ambas carácter unitário do Estado. Foi preciso es-
tiveram o voto contrário do PCP e do CDS. perar pela Constituição de 1976 para que
As revisões de 2001, 2004 e 2005 também fosse reconhecida aos arquipélagos atlân-
não foram unânimes, apesar de os seus ticos dos Açores e Madeira uma especial
principais escopos serem mais limitados: autonomia político-administrativa com o
adaptação às exigências de adesão ao Tri- inerente direito a disporem de órgãos de
bunal Penal Internacional (2001), alarga- governo próprio. Quanto à regionalização
mento das autonomias regionais (2004) e puramente administrativa do continente,
possibilidade de referendo sobre tratado embora constitucionalmente admitida, viu a
europeu (2005). Tal não impediu, porém, e sua institucionalização em concreto rejeita-
respeitadas que foram sempre as regras da no referendo de 1998 por cerca de dois
processuais da revisão, que Portugal tives- terços dos eleitores votantes, apesar de

23
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

uma abstenção ligeiramente superior a 50 são (artigo 288.o), incluindo entre outros a
por cento. Em compensação têm funciona- forma republicana de governo, a separa-
do órgãos de coordenação do planeamen- ção das igrejas do Estado, os direitos dos
to regional nas cinco regiões-plano em que cidadãos e dos trabalhadores, os princí-
se encontra dividido o continente: Norte, pios fundamentais de organização do Esta-
Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e do de direito democrático e a autonomia
Algarve. Já no que respeita aos 308 municí- político-administrativa dos arquipélagos dos
pios, a Constituição e a lei vieram consagrar Açores e da Madeira, a Constituição procu-
um vasto conjunto de atribuições próprias ra, também, assegurar a perenidade das
com os respectivos meios de financiamento. principais conquistas históricas, ou mais re-
Apesar disso, o poder central continua a ser centes, do Estado democrático moderno.
responsável pela gestão directa de mais de Também por estas razões a Constitui-
três quartos dos recursos do Estado. ção de 1976, apesar das controvérsias que
No domínio das relações internacionais, suscitou nos primeiros anos da sua vigên-
pautadas pelos valores humanistas e paci- cia, tem vindo a reforçar o seu prestígio,
fistas, assume particular relevo o reconhe- solidez e aceitação, contribuindo decisiva-
cimento do direito à insurreição contra to- mente para que Portugal viva a experiência
das as formas de opressão, a manutenção democrática mais conseguida da sua his-
de laços privilegiados de amizade e coo- tória.
peração com os países de língua portugue-
sa e o empenho no reforço da identidade
A organização
europeia.
do poder político
De entre as tarefas fundamentais come-
e a forma de governo
tidas ao Estado, para além das directamen-
te decorrentes dos valores liberais e solida- Na organização do poder político, submeti-
ristas do Estado de direito democrático, da ao princípio da separação, equilíbrio e
avultam a protecção e valorização do patri- controlo recíproco dos poderes, consagrou-
mónio cultural, natural e ambiental, a defe- -se uma forma de governo semipresidencia-
sa e difusão internacional da língua portu- lista ou, mais rigorosamente e sobretudo a
guesa e a promoção da igualdade entre partir da revisão de 1982, parlamentarista
homens e mulheres. com correctivo presidencial (cf. Vitorino,
Por último, impõe-se assinalar que a es- 1994).
tabilidade constitucional tem sido assegu- O presidente da República, eleito por
rada por um apertado regime de revisão, sufrágio universal e directo para um man-
quer quanto aos seus termos e prazos, dato de cinco anos, sem que seja admitida
quer quanto aos seus limites materiais. Ao a reeleição para um terceiro mandato con-
evitar a fórmula referendária, privilegiando secutivo, tem o poder de dissolução do
a aprovação por maioria de dois terços dos Parlamento unicameral (Assembleia da Re-
deputados em efectividade de funções, e pública, composta por 230 deputados elei-
sem que o presidente da República possa tos em 20 círculos eleitorais de acordo com
recusar a promulgação da respectiva lei de o sistema de representação proporcional e
revisão (artigo 286.o), a Constituição consa- o método da média mais alta de Hondt na
grou um mecanismo que aposta na criação conversão dos votos em número de man-
de consensos parlamentares interpartidá- datos) e de demitir o governo, neste caso
rios e previne soluções de ruptura política e apenas «quando tal se torne necessário
social. Ao estabelecer um vasto e signifi- para assegurar o regular funcionamento
cativo conjunto de limites materiais da revi- das instituições democráticas» (artigo

24
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

O hemiciclo da Assembleia da República.

195.o, n.o 2). Tem ainda o poder de subme- de funções determinam automaticamente a
ter a referendo questões de relevante inte- demissão do governo (artigo 195.o).
resse nacional, mediante proposta da As- Este sistema de governo permitiu supe-
sembleia da República ou do governo em rar com relativa facilidade as crises gover-
matérias das respectivas competências namentais ocorridas até 1987 e assegurar
(artigos 134.o e 115.o), bem como o direito a estabilidade das instituições. Conduziu,
de veto sobre diplomas emanados da As- com efeito, quer à neutralização imediata
sembleia da República, ainda que esta ou a curto prazo de governos de iniciativa
possa ultrapassar o veto presidencial con- presidencial sem base parlamentar de
firmando o seu voto por maioria absoluta apoio, como aconteceu em 1978-1979 com
ou de dois terços, conforme as matérias o III e IV governos constitucionais, quer ao
em causa (artigo 136.o). Por seu lado, o go- impedimento do prolongamento artificial de
verno, chefiado por um primeiro-ministro, governos de base parlamentar precária,
que é nomeado pelo presidente da Repú- como aconteceu em 1978, 1983 e 1985
blica, ouvidos os partidos representados com o II, VIII e IX governos constitucionais,
na Assembleia e tendo em conta os resul- quer ainda à inviabilização de alternativas
tados eleitorais, é responsável perante o de governo no quadro parlamentar com
presidente da República e a Assembleia duvidoso apoio na opinião pública, como
da República (artigos 187.o e 190.o). A re- aconteceu nas dissoluções parlamentares
jeição do programa do governo pela As- de 1979 e 1987, da responsabilidade, res-
sembleia da República, a não aprovação pectivamente, dos presidentes Ramalho
de uma moção de confiança ou a aprova- Eanes e Mário Soares.
ção de uma moção de censura por maioria Tendo a Constituição de 1976 estabeleci-
absoluta dos deputados em efectividade do um sistema eleitoral proporcional, que di-

25
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

ficultava à partida a formação de governos /CDS (Aliança Democrática — AD) e um


monopartidários com maioria parlamentar governo de coligação PS/PSD (Bloco Cen-
absoluta, a estabilidade governativa ficou, tral). Porém, entre 1985 e 2002, coincidindo
durante a primeira década de funciona- com a integração de Portugal na Comuni-
mento do sistema, muito dependente do dade Europeia, foi a vez dos governos mo-
maior ou menor sucesso de fórmulas de nopartidários, primeiro do PSD, inicialmen-
coligação interpartidária (PSD + CDS entre te minoritário e depois com confortáveis
1979 e 1983, PS + PSD entre 1983 e 1985) maiorias absolutas em 1987 (50,2 % dos
ou da iniciativa presidencial na superação votos) e 1991 (50,4 %), depois do PS em
de impasses parlamentares. A evolução 1995 (43,8 %, a escassos quatro mandatos
política foi, por isso, neste período sempre da maioria absoluta) e 1999 (44 %, com
condicionada pela busca, por parte dos metade dos mandatos parlamentares). En-
partidos vencedores dos sucessivos actos tre 2002 e 2005, regressou-se à fórmula de
eleitorais, de fórmulas mais ou menos está- coligação interpartidária (PSD + CDS), a
veis de governação, cujo êxito, por sua que se sucedeu um novo governo mono-
vez, dependeu, por um lado, do relaciona- partidário do PS, o primeiro com maioria
mento institucional entre o primeiro-ministro parlamentar absoluta (45 % dos votos nas
e o presidente da República, e, por outro eleições de 2005).
lado, do maior ou menor sucesso dos go- O presidente Ramalho Eanes (1976-
vernos no controlo das crises económico-fi- -1986) dissolveria a Assembleia da Repú-
nanceiras. blica por três vezes: em 1979, após o fra-
Entre 1976 e 1985 sucederam-se, as- casso de dois governos de sua iniciativa,
sim, no poder um governo de maioria relati- destinados a superar o impasse parlamen-
va do PS, um governo de base parlamentar tar gerado pelo derrube do primeiro gover-
PS/CDS, três governos de iniciativa pre- no minoritário de Mário Soares e pela rup-
sidencial (o último dos quais apenas de tura do acordo entre o PS e o CDS para
gestão com vista à preparação de novas viabilizar o segundo governo de Mário Soa-
eleições), três governos de coligação PSD/ res; em 1983, em consequência da crise
que afectava a coligação AD; e em 1985,
O general Ramalho Eanes na tomada
de posse como presidente da República, após a ruptura por parte do PSD do acordo
em 14 de Julho de 1976. governamental com o PS. O presidente Má-
rio Soares (1986-1996), por sua vez, utiliza-
ria o mecanismo da dissolução apenas
uma vez, em 1987, depois de o Parlamento
derrubar o governo minoritário do PSD de
Cavaco Silva, através de uma moção de
censura da iniciativa do Partido Renovador
Democrático (PRD), liderado pelo ex-
-presidente Ramalho Eanes. O presidente
Jorge Sampaio, por fim, viu-se obrigado
em 2002 a dissolver o Parlamento em virtu-
de da decisão do primeiro-ministro socia-
lista António Guterres de apresentar a sua
demissão na sequência dos maus resulta-
dos do PS nas eleições municipais de De-
zembro de 2001, e sem que o seu partido
tenha querido propor um novo primeiro-mi-

26
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

treze anos (1976-1978, 1983-1985 e 1995-


-2002, 2005-2007), com três interrupções
(1978-1983, 1985-1995 e 2002-2005), a pe-
núltima das quais de dez anos. A desloca-
ção do voto de uma larga faixa de cerca de
20 % do eleitorado, ora no sentido do PS
ora no sentido do PSD, acabou por deter-
minar a referida oscilação. Assistiu-se, por
outro lado, a uma significativa diminuição
da força eleitoral dos dois partidos dos ex-
tremos do leque parlamentar: o CDS, agora
designado CDS-PP, de cerca de 16 % para
Mário Soares, presidente da República entre cerca de 7 %, e o PCP, de cerca de 14 %
1986 e 1996.
para cerca de 8 por cento. A quebra deste
nistro, dado o impasse parlamentar criado último é parcialmente compensada à es-
pelos partidos da oposição. As eleições de querda pela emergência, desde as elei-
2002 dariam então lugar a um novo governo ções de 1999, de um novo partido — o Blo-
de coligação PSD/CDS, cujo primeiro-minis- co de Esquerda (BE) — que atingiu os
tro, Durão Barroso, se demitiria em Julho de 6,4 % dos votos nas eleições de 2005.
2004, em consequência da sua aceitação Por último, note-se que nas onze elei-
do lugar de presidente da Comissão Euro- ções legislativas realizadas até agora, hou-
peia. Substituído pelo vice-presidente do ve cinco maiorias absolutas obtidas por
PSD, Santana Lopes, ao fim de quatro me- três forças políticas: a coligação pré-eleito-
ses o presidente Sampaio decidiu dissolver ral AD, chefiada por Sá Carneiro, em 1979
o Parlamento e convocar novas eleições, e 1980, o PSD, chefiado por Cavaco Silva,
por descrer da capacidade do novo primei- em 1987 e 1991, e o PS, chefiado por José
ro-ministro de assegurar a estabilidade e a Sócrates, em 2005. O desgaste governati-
eficácia da acção governativa. vo do PS em duas situações de crise finan-
Verifica-se, assim, que, ao longo dos
Jorge Sampaio à saída do Palácio de
primeiros trinta anos de vigência do actual São Bento, depois de empossado nas
quadro constitucional, a alternância demo- funções de presidente da República (1996).
crática no poder se traduziu na formação
de executivos chefiados ora pelo PS, ora
pelo PSD, com a curta excepção dos go-
vernos de iniciativa presidencial, que dura-
ram dezasseis meses, e tendo aqueles
dois partidos estado coligados apenas
uma vez e pelo período de vinte e nove me-
ses. Ou seja, o sentido de voto maioritário
oscilou entre o centro-esquerda e o centro-
-direita, com predomínio para o primeiro
durante treze anos (e presumivelmente
mais dois até ao final da presente legislatu-
ra em 2009) e para o segundo durante cer-
ca de dezassete. O PSD manteve-se como
partido do governo durante dezanove anos
(1979-1995 e 2002-2005) e o PS durante

27
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

ceira entre 1976 e 1978 e 1983 e 1985, o


sucesso da integração europeia a partir de
1986 e o descrédito dos governos de coli-
gação PSD/CDS entre 2002 e 2005 foram
factores que contribuíram decisivamente
para estes resultados.
Finalmente, entre 1995 e 2002 e entre
2005 e 2006, o PS tornou-se o primeiro par-
tido a colocar dirigentes seus ao mesmo
tempo na chefia do governo (António Guter-
res e José Sócrates) e na Presidência da
República (Jorge Sampaio), depois das ex-
periências de coabitação institucional entre
um presidente militar e governos de diferen- O presidente da República, Aníbal Cavaco
Silva, em cerimónia oficial.
tes bases partidárias e entre um presidente
socialista e governos do PSD. Actualmente presentação de pequenas forças políticas.
assiste-se à experiência inédita de coabita- Assim aconteceu com a UDP, de extrema-
ção entre um presidente eleito em Janeiro -esquerda, que elegeu um deputado à As-
de 2006 com o apoio do PSD e do CDS (Ca- sembleia Constituinte em 1975 e nas elei-
vaco Silva) e um governo do PS. ções legislativas de 1976, 1979 e 1980, e
com o Partido da Solidariedade Nacional
(PSN), conhecido como o «partido dos re-
O sistema partidário,
formados», que elegeu um deputado para
as eleições
a legislatura de 1991-1995, sempre, em
e a participação política
ambos os casos, com menos de 2 % dos
Para a consolidação e estabilização do votos. Mais recentemente, o BE, uma coli-
sistema democrático muito contribuiu a gação de três partidos de extrema-esquer-
continuidade quer do sistema de forças da (Partido Socialista Revolucionário —
partidárias, quer do sistema eleitoral, que PSR —, UDP e Política XXI) e independen-
se revelou apto a garantir a alternância no tes, elegeu dois deputados em 1999, com
poder e a formação de governos de legis- menos de 3 % dos votos, para em 2005 se
latura. juntar ao grupo dos quatro principais parti-
Com efeito, apenas nas eleições de dos ao eleger oito deputados com 6,4 %
1985 uma nova força política conseguiu dos votos.
pôr em causa, por um curto período, a hie- Com excepção do BE, qualquer dos cin-
rarquia habitual do xadrez partidário: o Par- co principais partidos políticos já experi-
tido Renovador Democrático (PRD), consti- mentou a fórmula da coligação pré-eleitoral.
tuído em torno da figura do presidente O PCP com a Aliança Povo Unido (APU),
Ramalho Eanes, que obteve então 18 % que integrou em 1979 o MDP-CDE e, a par-
dos votos, à custa fundamentalmente do tir de 1983, o Partido Ecologista «Os Ver-
PS, tendo caído nas eleições seguintes, em des» (PEV), e à qual sucedeu, a partir de
1987, para os 5 % e desaparecido depois 1987, a Coligação Democrática Unitária
do mapa parlamentar. De resto, o sistema (CDU), de que passou a fazer parte um pe-
eleitoral proporcional e a lei em vigor, que queno grupo de ex-membros do MDP-CDE
não contém nenhuma cláusula-barreira em — a Intervenção Democrática (ID); o PSD
termos percentuais, têm permitido ocasio- e o CDS, com a já referida AD, em 1979 e
nalmente a eleição de deputados em re- 1980; e o PS, com a Frente Republicana

28
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

e Socialista (FRS), uma coligação com de três quartos do eleitorado e de 85 %


duas pequenas forças políticas — a Acção dos mandatos parlamentares. Represen-
Social-Democrata Independente (ASDI) e a tam em Portugal as duas maiores famílias
União de Esquerda para a Democracia So- políticas europeias: os socialistas do Parti-
cialista (UEDS), dissidentes, respectivamen- do Socialista Europeu (PSE) e os democra-
te, do PSD e do PS — que se apresentou tas-cristãos do Partido Popular Europeu
apenas às eleições de 1980. Ao contrário (PPE). No caso do PSD, porém, esta filia-
da AD, que configurou uma coligação entre ção é relativamente recente (1997), pois
dois dos quatro principais protagonistas do anteriormente estivera ligado ao Partido
sistema partidário português, aos quais se Europeu dos Liberais, Democratas e Refor-
associaram na altura um pequeno partido mistas. Quanto ao CDS, que representou
monárquico e o episódico Movimento Re- inicialmente a família democrata-cristã eu-
formador, tanto a APU e a CDU como a ropeia, viria a associar-se aos gaulistas
FRS se apresentaram como coligações cla- franceses em 1993 no Grupo da Aliança
ramente hegemonizadas pelo PCP e pelo dos Democratas Europeus (actual União
PS, respectivamente. para a Europa das Nações), onde se tem
Neste quadro, os dois maiores partidos, mantido apesar de ter entretanto recupe-
o PS e o PSD, polarizam actualmente cerca rado a sua inspiração democrata-cristã.

Composição da Assembleia da República por grupos parlamentares

25-04-1976 02-12-1979
(intercalar)
PPD 73 PS 74
CDS 42 PS 107 AD 121

APU 47
PCP 40
PSD 7
UDP 1 UDP 1

05-10-1980 25-04-1983 06-10-1985

FRS 71 PPD-PSD 75 PS 57
PRD 45 PPD-PSD
AD 126 PS 101 88
APU 44
APU 41 APU 38

CDS 30 CDS 22
UDP 1
PPD/PSD
8
19-07-1987 06-10-1991 01-10-1995

PS 60 PPD-PSD 88
PPD-PSD 148 PS 72 PPD-PSD 135
PS 112
CDU 31
PCP/PEV 17 CDS-PP 15
PRD 7 PCP/
CDS 5
CDS 4 /PEV
PSN 1
15

10-10-1999 17-03-2002 20-02-2005

PPD-PSD 81 PS 96 PPD-PSD 105 PPD-PSD 75


PS 115 PS 121
PCP/PEV PCP/PEV 14
17 CDS-PP 14
CDS-PP CDS-PP
PCP/PEV
15 12
12
BE 2 BE 8
BE 3

Fonte: 30 Anos de Constituição, Lisboa, Assembleia da República, 2006.

29
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

O seu posicionamento crítico relativamente maoísta que estiveram na sua origem, para
às teses federalistas do PPE estivera na ori- adoptar o perfil ideológico de uma esquer-
gem do seu afastamento deste partido eu- da moderna, sensível a causas morais e cul-
ropeu. O PCP e o BE, por seu lado, têm vin- turais de natureza fracturante e empenhada
do a integrar o Grupo Unitário da Esquerda em lutas sociais no quadro da democracia
Europeia. Actualmente, o PS dispõe de 12 representativa e participativa.
deputados no Parlamento Europeu, o PSD Dos cinco partidos parlamentares,
de sete, o CDS-PP e o PCP de dois cada, e aquele que sempre conheceu uma mais
o BE de um. equilibrada implantação no território nacio-
Do ponto de vista programático, qual- nal é, sem dúvida, o socialista, enquanto os
quer dos quatro partidos parlamentares sociais-democratas e os populares têm os
mais antigos tem conhecido a sua evolu- seus bastiões no Norte e Centro, os comu-
ção. O PS, fundado em 1973 na Alemanha nistas na Grande Lisboa e no Alentejo e os
a partir da Acção Socialista Portuguesa bloquistas nos principais centros urbanos.
(ASP) de Mário Soares, cedo abandonou a Quanto aos arquipélagos atlânticos, a he-
componente marxista do seu ideário inicial gemonia dos sociais-democratas nas re-
para se situar no campo social-democrata giões autónomas da Madeira e dos Açores
reformista, tendo, aliás, sido precursor das foi, em relação a esta última, quebrada, a
viragens entretanto experimentadas no partir de 1996, pelos socialistas, que ga-
mesmo sentido pelos partidos socialistas nharam então, pela primeira vez, as res-
da Europa Latina, a partir da década de 80. pectivas eleições regionais.
O PSD, onde convergiram inicialmente as A principal fonte de financiamento dos
linhas de orientação social-cristã, liberal e partidos políticos tem sido o orçamento do
social-democrata, veio a subalternizar pro- Estado, na base do número de votos obtido
gressivamente esta última em favor das pri- por cada um nas eleições legislativas, des-
meiras, no âmbito de uma actuação gover- de que atinjam um mínimo de 50 000. A lei
nativa ou de uma estratégia oposicionista estabelece também limites às despesas
ditadas por um evidente pragmatismo. das campanhas eleitorais.
O CDS-PP, de matriz democrata-cristã e Também no que toca ao estatuto dos ti-
pretendendo inicialmente um posiciona- tulares dos cargos políticos e ao respectivo
mento centrista, veio, no início dos anos 90, regime de incompatibilidades, impedimen-
a adoptar uma orientação populista, conser- tos e responsabilidades, caminhou-se ao
vadora e assumidamente de direita, para, longo da primeira metade da década de 90
mais recentemente, lhe acoplar a sua inspi- para a definição de um quadro mais rigoro-
ração original. O PCP, que na revolução de so das condições de exercício dos cargos
Abril de 1974 era conhecido como o partido e mandatos, hoje, todavia, acusado de
comunista mais ortodoxamente marxista- uma excessiva rigidez com prejuízo para o
-leninista da Europa Ocidental, tem vindo a recrutamento qualificado dos agentes polí-
conhecer, após a queda dos regimes comu- ticos. A preocupação que esteve na base
nistas na antiga União Soviética e na Europa da lei aprovada em 1995 reflectia, porém, o
do Leste, uma lenta mas progressiva evolu- crescente sentimento de distanciação e
ção, que o leva hoje a aceitar a democracia desafeição do eleitorado em relação aos
política pluralista e representativa como seus representantes políticos, traduzido em
uma componente essencial do seu modelo taxas de abstenção cada vez mais altas.
de sociedade. Quanto ao BE, fundado só Com efeito, entre 1975 e 2005, a abs-
em 1999, cedo se libertou da matriz esquer- tenção eleitoral cresceu de uns modestíssi-
dista tradicional dos partidos trotskista e mos e nunca mais igualados 8,3 % nas

30
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

Níveis de abstenção 1975-2007

R. NOV'98
%

R. JUN'98
80

PE'94

R. FEV'07
AC - Assembleia Constituinte

PE'04
70 AR - Assembleia da República
PR - Presidência da República
AL - Autárquicas

PE'99

PR'01
PE'89
60 R - Referendo
PE - Parlamento Europeu

AL'97

AR'02
AL'01
AL'89

AR'99
50

AL'05
PR'06
PR'91

AL'93
AL'85

AR'05
AL'76

PR'96
AR'95
AR'91
AR'87
PR'86-1

40
AL'82

PE'87
PR'86-2
AR'85
AL'79
PR'76

AR'83

30
AR'79

AR'80
PR'80
AR'76

20
AC'75

10

Fonte: in http://eleicoes.cne.pt (2007).

eleições para a Assembleia Constituinte rupção voluntária da gravidez, quando feita


para uns preocupantes 37,7 % nas últimas até às dez semanas, deu a vitória ao «sim»
eleições para a Assembleia da República, por 59,2 % dos votos, com uma taxa de
embora com tendência para estabilizar abstenção de 56 por cento.
nesta ordem de valores. Também as elei- O elevado abstencionismo numa forma
ções autárquicas e presidenciais têm co- de participação política directa da popula-
nhecido este fenómeno, ainda que em me- ção em decisões de alcance nacional so-
nor escala, com as primeiras a verem a bre temas que inequivocamente as afec-
taxa de abstenção crescer de 35,4 % para tam é susceptível de leituras contraditórias.
39,1 %, e as segundas de 24,5 % para 37,4 Tanto pode querer significar uma manifes-
por cento. A confirmar o progressivo desin- tação de preferência pelos mecanismos
teresse da população portuguesa pela par- de democracia representativa como forma
ticipação política estiveram os resultados de resolução dos problemas políticos co-
dos dois primeiros referendos nacionais, mo pode confirmar ao mais elevado grau a
ambos em 1998: o que incidiu sobre a des- tendência para o indiferentismo, o desinte-
penalização da interrupção voluntária da resse ou a desafeição pelas questões pú-
gravidez e o que inquiria sobre a institucio- blicas, que uma parte crescente do eleito-
nalização em concreto das regiões adminis- rado tem vindo a revelar.
trativas no continente. Ambos deram a vitó- São, porém, múltiplas e variadas as
ria aos partidários do «não», mas nenhum causas da abstenção eleitoral. A chamada
dos dois obteve a participação da maioria abstenção crónica, correspondente aos
mínima de metade mais um dos eleitores, eleitores que, por razões ideológicas ou
necessária para que os seus resultados pu- por puro indiferentismo, se recusam siste-
dessem ser considerados vinculativos. No maticamente a votar, não ultrapassará, se-
primeiro caso, a taxa de participação que- gundo estudos recentes (Jorge de Sá e
dou-se em 31,9 % e no segundo em 48,1 %. Luís Reto, in Diário de Notícias de 10 de
Apesar disso, nenhum dos partidos parla- Outubro de 1999), os 15 % do total do elei-
mentares partidários do «sim» exigiu a pu- torado. Já a abstenção flutuante, resultante
blicação das leis aprovadas na Assembleia quer de factores técnico-administrativos,
da República, conscientes da inconveniên- como mudanças de residência, quer de
cia política de tal acto. Em 2007 um novo re- factores aleatórios de ordem pessoal, atin-
ferendo sobre a despenalização da inter- girá 32 %. Por último, a abstenção selecti-

31
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

va, motivada pela falta de informação, pela que o desinteresse pela política é notoria-
ocasional ausência de identificação com mente mais elevado em Portugal (entre
um partido ou ainda pela insuficiente dra- 68 % e 82 %) do que na média de seis a
matização do combate político — como co- dez países da União Europeia (entre 55 % e
rolário, aliás, da crescente estabilidade do 58 %). Comparado com a Alemanha, onde
sistema democrático e da diminuição da a taxa de desinteresse oscila entre os 30 %
conflitualidade social — situar-se-á nos 24 e 45 %, o contraste é ainda maior (cf. idem).
por cento. A estes últimos factores acresce Em contrapartida, assiste-se à prolifera-
igualmente a sensação de impotência de ção de outras formas menos tradicionais
muitos cidadãos em relação à partidocra- de intervenção na vida da comunidade, co-
cia dominante, bem como a chamada crise mo a assinatura de petições, a participa-
das ideologias, com o consequente senti- ção em manifestações de protesto ou em
mento de diluição das fronteiras partidárias movimentos de defesa de causas concre-
e o correlativo fenómeno de mediatização e tas ou ainda o apoio a formas de pressão
fulanização da vida política (cf. Cruz, 1994). de cariz neocorporativo. O direito de peti-
Por último, mas não menos importante, o ção para defesa dos direitos dos cidadãos,
caldo individualista e hedonista da cultura da Constituição, das leis ou do interesse
pós-moderna é de molde a desincentivar geral, bem como o direito de acção popu-
qualquer tipo de comportamento participa- lar para promover a prevenção, a cessação
tivo, e faz-se sentir particularmente nas ge- ou a perseguição judicial das infracções
rações mais jovens, que já não experimen- contra a saúde pública, os direitos dos
taram a privação das liberdades imposta consumidores, a qualidade de vida e a
pela ditadura. preservação do ambiente e do património
Os inquéritos disponíveis para o início cultural e assegurar a defesa dos bens pú-
da década de 90 demonstram, no entanto, blicos estão, aliás, consagrados na Consti-

Manifestação, em 1999, sob a forma de cordão humano, a favor da intervenção das tropas
da ONU em Timor Leste, em resultado dos violentos confrontos que tiveram lugar na
sequência do referendo acerca da independência daquele território.

32
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

tuição Portuguesa (artigo 52.o), ainda que o ria cível e criminal, aos segundos compete
último seja raramente exercitado. o julgamento das acções e recursos con-
Com o objectivo de reforçar as possibili- tenciosos que tenham por objecto dirimir
dades de participação política dos cida- os litígios emergentes das relações jurídicas
dãos, a revisão constitucional de 1997 alar- administrativas e fiscais, e ao terceiro incum-
gou o leque de matérias passíveis de be a fiscalização da legalidade das despe-
referendo nacional e local, concedeu o di- sas públicas e de julgamento das contas
reito de iniciativa da lei e do referendo a que a lei mandar submeter-lhe, nomeada-
grupos de cidadãos eleitores, e acabou mente da Conta Geral do Estado, incluindo
com o monopólio partidário na apresenta- a da Segurança Social, e das contas das
ção das listas de candidatos aos órgãos regiões autónomas dos Açores e da Madei-
concelhios do poder local, mantendo em- ra. A revisão constitucional de 1997 aboliu
bora esse monopólio nas candidaturas à a existência permanente dos tribunais mili-
Assembleia da República. tares, limitando a sua constituição, para o
Está, entretanto, em aberto a possibilida- julgamento de crimes de natureza estrita-
de de rever a lei eleitoral para a Assembleia mente militar, ao período de vigência do
da República em moldes que proporcionem estado de guerra. É ainda admitida a exis-
uma maior aproximação entre os eleitores e tência de tribunais marítimos, tribunais ar-
os seus representantes. A adopção de cír- bitrais e julgados de paz.
culos uninominais, a par de círculos plurino- A desgovernamentalização das estru-
minais, constitucionalmente permitida, com turas judiciárias levou a um estatuto de
salvaguarda da proporcionalidade do siste- grande independência dos juízes, que go-
ma, tem vindo a ser encarada pelos dois zam de uma considerável margem de au-
maiores partidos como uma forma de contri- togoverno, gerida, no que toca aos juízes
buir para aquele objectivo. dos tribunais judiciais, pelo Conselho Su-
perior da Magistratura. Este órgão é presi-
dido pelo presidente do Supremo Tribunal
O sistema judicial
de Justiça e composto por dois vogais de-
Abolidos os tribunais especiais e garantida signados pelo presidente da República,
a independência dos juízes na sequência sete eleitos pela Assembleia da República
da implantação do regime democrático, a e sete juízes eleitos pelos seus pares. Por
Constituição consagrou uma organização sua vez, o Ministério Público goza igual-
judicial, assente em vários tipos de tribu- mente de autonomia e de estatuto próprio,
nais, e um estatuto próprio para os magis- separado do da magistratura judicial. Tem
trados. como órgão directivo a Procuradoria-Geral
Assim, para além do Tribunal Constitu- da República, presidida por um procura-
cional, criado com a revisão constitucional dor-geral da República (nomeado pelo
de 1982 e que herdou as funções de fisca- presidente da República, sob proposta do
lização da constitucionalidade das leis, até governo, para um mandato de seis anos) e
então atribuídas ao Conselho da Revolu- integrando o Conselho Superior do Minis-
ção, foram definidas três categorias de tri- tério Público, que inclui membros eleitos
bunais: o Supremo Tribunal de Justiça e os pela Assembleia da República e membros
tribunais judiciais de primeira e de segun- eleitos pelos magistrados do Ministério
da instância; o Supremo Tribunal Adminis- Público. Tanto os magistrados judiciais
trativo e os demais tribunais administrativos como os magistrados do Ministério Públi-
e fiscais; e o Tribunal de Contas. Os pri- co são formados, desde 1979, no Centro
meiros são os tribunais comuns em maté- de Estudos Judiciários, organismo respon-

33
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

sável pela sua qualificação técnica e cien- tratamento mais urgentes e, sobretudo, a
tífica. vontade de as aplicar, superando os facto-
As garantias e a qualidade das solu- res de inércia do sistema e os corporativis-
ções consagradas constitucionalmente no mos instalados.
domínio da organização judicial não foram,
porém, suficientes para dar resposta cabal
As Forças Armadas
aos desafios colocados por uma crescente
procura da justiça por parte de cidadãos Com a revisão constitucional de 1982, que
ciosos dos seus novos direitos e impulsio- extinguiu o Conselho da Revolução e pôs
nada pela dinâmica económica e social fim ao sistema de autogoverno em que se
dos últimos vinte e cinco anos, apesar da encontravam desde a revolução de 25 de
excessiva desigualdade social no acesso Abril de 1974, as Forças Armadas passa-
ao direito que continua a caracterizar o sis- ram a estar integralmente subordinadas ao
tema. Tanto os agentes do aparelho judicial poder político democrático. A eleição do
como os seus utentes convergem de há primeiro presidente da República civil em
muito no reconhecimento do estado de cri- 1986 veio, por seu turno, reforçar no plano
se permanente da justiça portuguesa. simbólico essa dependência, aproximan-
A acumulação dos processos penden- do-as ainda mais do estatuto que as carac-
tes, a lentidão das decisões e o acentuado teriza nas democracias ocidentais.
risco das prescrições são consequências A lei e a prática política dominante
inevitáveis da carência de meios humanos preocuparam-se, entretanto, em salvaguar-
e de instalações condignas, do atraso na dar a isenção e o apartidarismo da insti-
informatização do sistema, do burocratis- tuição militar, conferindo-lhe ainda um
mo administrativo, dos hábitos de prolixida- apreciável grau de autonomia no plano es-
de e erudição na redacção das sentenças, tritamente organizativo, no âmbito de um
da falta de assessoria de apoio aos juízes, modelo constitucional e legal de controlo
da sobrecarga com contenciosos menores, político que corresponsabiliza equilibrada-
da ausência de mecanismos alternativos mente o presidente da República, o gover-
de resolução dos conflitos, de formalismos no e a Assembleia da República (cf. Vitori-
excessivos na interpretação da lei e do ex- no, 1998).
cesso de garantismo que estimula a litigân- Assim, o presidente da República, que
cia interminável para quem possui recursos exerce por inerência o cargo de coman-
avultados e bons advogados. Para além do dante supremo das Forças Armadas, no-
descrédito para a justiça e do sentimento meia e exonera os principais chefes milita-
de impunidade que resultam de tal estado res (chefe do Estado-Maior-General das
de coisas, com as consequências perver- Forças Armadas e chefes dos estados-
sas que se imaginam, não são também -maiores do Exército, da Armada e da For-
despiciendos os custos brutais que daqui ça Aérea), sempre sob proposta do gover-
decorrem para o funcionamento das em- no. A partir de 1995, a escolha dos nomes
presas e da economia em geral. propostos pelo governo deixou de estar
O consenso sobre o diagnóstico e a te- condicionada por uma lista prévia de três
rapêutica da crise da justiça tem-se vindo a nomes seleccionados pela própria insti-
impor ultimamente. Reflexo disso é a re- tuição militar, que passou a desempenhar
cente assinatura, em Setembro de 2006, de um papel meramente consultivo. A Assem-
um «pacto para a justiça» entre o partido bleia da República detém, por sua vez,
do governo e o principal partido da oposi- vastas competências legislativas no domínio
ção, o qual parece conter as medidas de da defesa nacional, definição dos deveres

34
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

dela decorrentes e bases gerais da organi- atribui a incumbência de satisfazer os com-


zação, do funcionamento, do reequipamen- promissos internacionais do Estado portu-
to e da disciplina das Forças Armadas, para guês no âmbito militar e participar em mis-
além de tudo o que diga respeito às restri- sões humanitárias e de paz assumidas
ções ao exercício de direitos por militares, pelas organizações internacionais de que
em nome do estrito apartidarismo dos seus Portugal faça parte. As Forças Armadas por-
membros. Por via dos seus poderes orça- tuguesas participaram ou participam, deste
mentais e da competência para aprovar as modo, em missões da Organização das Na-
chamadas leis de programação militar, que ções Unidas (ONU) em Angola, Moçambi-
fixam o montante e a distribuição dos inves- que, Líbano, Timor Leste e Sara Ocidental, e
timentos em equipamento, exerce igualmen- em missões da NATO (North Atlantic Treaty
te uma importante responsabilidade de con- Organization, Organização do Tratado do
trolo da instituição. Por último, existe ainda, Atlântico Norte — OTAN) ou da UE na Bós-
com dignidade constitucional e funções nia-Herzegovina, no Kosovo, no Afeganistão
consultivas, o Conselho Superior de Defesa e República do Congo. Em finais de 1999 in-
Nacional, presidido pelo presidente da Re- tegraram também a Interfet — força interna-
pública e integrando o primeiro-ministro, al- cional que, com mandato do Conselho de
guns ministros, dois deputados, os presi- Segurança da ONU, interveio em Timor Les-
dentes dos governos regionais dos Açores te para pôr termo à violência desencadeada
e da Madeira e os chefes militares. pelo Exército indonésio e as milícias locais
A reconversão de umas Forças Armadas contra a população, que em referendo se
empenhadas ao longo de mais de uma dé-
Soldados portugueses integrados numa
cada numa guerra colonial em três frentes e força da NATO em missão na
chamadas depois a desempenhar um deli- Bósnia-Herzegovina (1996).
cado papel de condução da transição para
um regime democrático acabou por se pro-
cessar num ambiente de tranquilidade e
sem sobressaltos. A plena integração de
Portugal no concerto das democracias eu-
ropeias, reforçada pela adesão à Comuni-
dade Europeia, e a alteração do cenário
geostratégico contribuíram igualmente para
a progressiva diminuição do seu peso espe-
cífico interno. Mas se eliminaram quaisquer
tentações de envolvimento das Forças Ar-
madas em missões de segurança interna,
fora das situações de excepção do estado
de guerra ou dos estados de sítio e de
emergência, reforçaram, em compensação,
a sua importância como instrumento da di-
plomacia e da política externa portuguesa
num mundo em que, após a queda do im-
pério soviético, as missões internacionais
de paz se tornam cada vez mais frequentes.
A revisão constitucional de 1997 reflectiu
esse facto ao incluir um novo número no ac-
tual artigo 275.o, que explicitamente lhes

35
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

pronunciara esmagadoramente pela inde- seu tempo drasticamente reduzido para oi-
pendência. E entre Janeiro de 2000 e 2002 to meses no Exército, sendo quase inte-
participaram com um contingente de 800 gralmente substituído pelo voluntariado nos
homens na Untaet, a administração tran- restantes ramos. A partir da revisão consti-
sitória da ONU que preparou a transição tucional de 1997, deixou de ser uma obri-
para a independência do novo Estado de Ti- gatoriedade constitucional, passando a lei
mor Leste. Para além disso, designam for- a regular as suas formas. Em 2003 foi inte-
ças aéreas e navais para o Comando do gralmente substituído pelo regime de vo-
Atlântico da NATO e forças terrestres e aé- luntariado profissionalizado.
reas para o Comando da Europa da NATO,
designadamente para o seu Corpo de
As relações
Reacção Rápida, assegurando assim os
com os estados lusófonos
compromissos do Estado português no âm-
bito da Aliança Atlântica. Têm ainda forças No contexto da política externa e das rela-
atribuídas à União da Europa Ocidental ções internacionais do Estado português
(UEO). Também as acções de cooperação assumem particular relevo os laços privile-
técnico-militar com os novos países africa- giados de amizade e cooperação com os
nos de expressão portuguesa e as missões países de língua portuguesa, a que se refe-
de interesse público (fiscalização da pesca re o artigo 7.o da Constituição.
e da poluição ambiental na Zona Económica As feridas das guerras coloniais deram
Exclusiva e nas águas territoriais, operações rapidamente lugar a sentimentos de liga-
de busca e salvamento, obras de engenha- ção afectiva e cultural e de respeito mútuo
ria ao serviço da qualidade de vida das po- com os povos das ex-colónias africanas,
pulações) se viram revalorizadas neste novo traduzidos numa política de cooperação
contexto. e solidariedade a vários títulos exemplar e
O Exército foi naturalmente o ramo que que recolhe o apoio de todos os quadran-
sofreu a mais substancial redução de efecti- tes partidários portugueses. O regresso de
vos, que passaram de cerca de 170 000, em Portugal à sua matriz europeia foi, assim,
1973, para cerca de 23 000, em 2006. Na acompanhado por uma redefinição da sua
Armada a redução foi de 18 000 para 11 000 vocação extra-europeia, no desempenho
e na Força Aérea de 16 000 para 8000. de um papel de ajuda diplomática, econó-
A carreira militar foi aberta em 1993 às mu- mica e cultural que é hoje reclamado de
lheres e o serviço militar obrigatório viu o Cabo Verde a Timor Leste.
A constituição em 1997 da Comunidade
Primeiro-cabo dirigindo uma
autometralhadora. dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)
representou simultaneamente o coroamento
de um processo de normalização e aprofun-
damento das relações com os novos esta-
dos de língua oficial portuguesa e o Brasil e
o ponto de partida para iniciativas conjuntas
no plano político, económico e cultural, no
respeito pelas instituições democráticas e
pelos direitos humanos, que contribuam
igualmente para a afirmação desta comuni-
dade no sistema internacional.
Neste contexto assume ainda particular
importância o apoio que tem vindo a ser

36
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

Cimeira constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

canalizado pelo Estado português para a unificação política, se têm visto progressi-
reconstrução e desenvolvimento de Timor vamente lateralizados pelas próprias ca-
Leste, directamente e através da sensibili- racterísticas e exigências do processo de
zação da comunidade internacional, bem decisão comunitário e pelo inevitável alar-
como a colaboração com a ONU em todo o gamento do âmbito de matérias objecto do
processo que conduziu à independência ordenamento jurídico comunitário. Sem es-
daquela antiga colónia portuguesa do Ex- quecer o crescente peso da tecnoburocra-
tremo Oriente. cia administrativa nacional, que se reporta
muitas vezes directamente à Comissão Eu-
ropeia e à sua estrutura administrativa, as-
A relação com a União
sim contribuindo também para a relativa
Europeia
perda de poder dos órgãos de soberania
A participação activa de Portugal no pro- enquanto tal (cf. Vitorino, 1994).
cesso de unificação política europeia e a A consciência das inevitáveis limitações
sua integração no núcleo de países funda- de soberania postuladas pela crescente in-
dores do euro veio naturalmente redefinir tegração europeia não só não inibe como
os limites da soberania do Estado, alienan- estimula uma intervenção mais activa do
do em prol da União Europeia algumas das Estado português nas instituições comuni-
suas funções tradicionais e limitando signi- tárias, onde se vem batendo por soluções
ficativamente o alcance de outras. Tratou- que, beneficiando a União Europeia no seu
-se do preço a pagar para vencer o atraso conjunto, se repercutem igualmente de for-
estrutural da sociedade portuguesa e con- ma positiva no desenvolvimento da socie-
ferir-lhe padrões superiores de qualidade dade portuguesa e na salvaguarda dos in-
de vida. Não foram apenas as competên- teresses nacionais. Foi este o espírito que
cias do banco central português que se vi- presidiu à negociação da Agenda 2000,
ram substancialmente reduzidas em fun- onde, apesar das dificuldades de uma con-
ção da adopção do euro. Foram também juntura restritiva, foi possível garantir a con-
os órgãos de soberania em geral — presi- tinuidade de importantes ajudas estruturais
dente da República, Assembleia da Repú- até 2006, no âmbito do III Quadro Comuni-
blica, governo e tribunais — que, em con- tário de Apoio. E foi este também o espírito
sequência da realização do projecto de que conduziu à aprovação de um novo arti-

37
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

go no Tratado da União sobre as regiões No plano constitucional, mais do que


ultraperiféricas, onde se incluem os Açores caminhar para novas revisões, importa hoje
e a Madeira, que assim passam a dispor sobretudo potenciar as benfeitorias intro-
do direito a políticas específicas de apoio. duzidas na revisão de 1997 com vista ao
Do mesmo modo, também as preocupa- reforço dos mecanismos da democracia
ções portuguesas com a luta contra o de- participativa. Se o esquema de funciona-
semprego e a exclusão social, com o refor- mento dos órgãos de soberania da demo-
ço dos direitos de cidadania europeia e cracia representativa, assente numa equili-
com a cooperação no combate à criminali- brada repartição de competências e num
dade organizada, à droga e ao terrorismo eficaz controlo recíproco de poderes, tem
têm merecido o devido acolhimento nas ins- provado globalmente bem, é, de facto, na
tâncias comunitárias e no Tratado da União. esfera da utilização dos instrumentos da
Fiel à sua vocação europeísta, o Estado democracia participativa que se justifica
português vem-se igualmente batendo pela agora sobretudo apostar, até como forma
consolidação e operacionalidade dos me- de revalorizar a democracia representativa
canismos da Política Externa e de Seguran- aos olhos do cidadão comum.
ça Comum (PESC), no âmbito dos quais O uso das novas tecnologias com vista
assume particular relevo a instituição da à facilitação do exercício do direito de voto
Identidade Europeia de Segurança e Defe- e ao reforço das relações interactivas entre
sa (IESD), futura herdeira da UEO, em arti- os eleitos e os eleitores e entre os membros
culação com a NATO. E mostrou-se, por do governo e os cidadãos, o estímulo ao
outro lado, empenhado no processo de uso do referendo local e a recente adop-
alargamento da União Europeia, como for- ção de medidas de discriminação positiva
ma de consolidação das democracias para assegurar a igualdade dos sexos no
emergentes fora das suas actuais frontei- acesso a cargos políticos constituem-se
ras e consequente diluição de focos de em outros tantos contributos para garantir a
tensão. «democracia das cidadãs e dos cidadãos».
A Presidência portuguesa da União Euro- Sem esquecer, como é óbvio, a aposta per-
peia no primeiro semestre do ano 2000, ao manente e com bons juros a prazo numa
fazer aprovar a chamada «estratégia de Lis- educação para a cidadania e na extensão a
boa», deu um importante contributo para a todos dos benefícios da sociedade de infor-
implementação de um modelo de desenvol- mação — condições basilares de uma cida-
vimento económico, social e cultural capaz dania activa.
de responder aos desafios da gobalização. No plano da organização administrativa
Da Presidência portuguesa no 2.o semestre do Estado, urge combinar a reforma dos
de 2007 espera-se um novo impulso para serviços periféricos da administração cen-
esta estratégia, a par de novos contributos tral, visando uma melhor coordenação hori-
para a superação da crise institucional vivida zontal e territorial das políticas públicas,
pela União desde o fracasso do processo de com o prosseguimento da descentraliza-
aprovação do seu tratado constitucional. ção de competências não apenas para os
municípios mas também para as áreas
metropolitanas, no respeito do princípio
Os desafios do futuro
da subsidiariedade. A desburocratização
imediato
da administração pública em geral e a sua
O Estado de direito democrático possui ho- aproximação aos cidadãos, com a melho-
je em Portugal uma solidez nunca antes ria substancial dos serviços prestados, são
atingida no passado. ainda hoje imperativos urgentes e de in-

38
O Estado
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O Estado

Uma das Lojas do Cidadão, símbolo da desburocratização da administração pública e da sua


aproximação aos cidadãos.

questionável actualidade, apesar dos es- português está no bom caminho, cada vez
forços que têm vindo a ser empregues e da mais empenhado em assumir por inteiro as
crescente utilização dos recursos das tec- suas responsabilidades no âmbito da
nologias de informação, na sequência do União Europeia e de outras organizações e
recente programa Simplex. alianças internacionais como o Conselho
Uma justiça mais rápida e eficiente, da Europa, a Organização para a Seguran-
mais próxima e acessível aos cidadãos e ça e Cooperação Europeia (OSCE), a ONU
com os meios adequados para combater a e a NATO. O reforço dos mecanismos de-
corrupção e a criminalidade económica é mocráticos de controlo dos poderes da
hoje uma exigência generalizada da socie- União Europeia deve, porém, merecer-lhe
dade portuguesa. Mais do que dramatizar uma atenção permanente. Tal como o re-
a sua relação com os agentes políticos, im- forço dos poderes ou mesmo a criação de
porta rendibilizar ao máximo as virtualida- instâncias internacionais de regulação da
des da orgânica instituída e conferir-lhe os globalização económica em curso. Conti-
meios práticos de actuação. nuar a apostar a fundo nas relações com
No plano da defesa e da política exter- os países de língua portuguesa é também
na, por último, tudo indica que o Estado um imperativo incontornável.

39
O Estado
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade
O território
A língua portuguesa
A comunicação social
A sociedade do conhecimento
e da informação
O desporto
A sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
João Ferreira de Almeida
Luís Capucha
António Firmino da Costa
Fernando Luís Machado
Anália Torres

A sociedade portuguesa tem sido, ao


longo das últimas décadas, cenário
de intensas transformações. Num
primeiro plano, importa destacar um con-
junto de processos de fundo, de carácter
80, e às etapas sucessivas de participação
portuguesa no processo de construção da
União Europeia (UE).
Incluem-se aqui, também, políticas pú-
blicas com incidência económica, social e
estrutural, que se manifestam em Portugal cultural extremamente significativa, mesmo
com maior intensidade desde os anos 60. que de sentido variável ao longo do perío-
Tais processos sociais — comportando do em análise, como as nacionalizações
vectores de permanência e de mudança, das grandes empresas, na década de 70,
de continuidade ou de inflexão de tendên- e a sua posterior privatização, gradualmen-
cias, em combinações por vezes surpreen- te em curso a partir da segunda metade
dentes — influíram de maneira decisiva, se dos anos 80. Assinalem-se também as polí-
bem que mais subterrânea e gradual do ticas de modernização de infra-estruturas e
que imediatamente aparente, quer no liberalização gradual da economia, na pri-
desencadeamento, em 1974, da ruptura meira parte da década de 90, e as de inte-
política com o longo período anterior de re- gração no espaço da moeda europeia, de-
gime ditatorial, quer na subsequente mo- senvolvidas desde a segunda parte da
dernização das instituições e da economia, década de 90 e culminando com a entrada
dos valores culturais e dos estilos de vida. em circulação do euro em 2002.
Tudo aponta para que o futuro próximo Noutros domínios, mas com idêntica re-
continue a ser fortemente marcado por es- levância, pode destacar-se a crescente
se conjunto de processos estruturais. prioridade política atribuída aos processos
Em simultâneo, noutro plano, sobres- de qualificação escolar, profissional e cien-
saem as mudanças mais directamente re- tífica da população; ou a promoção de
portáveis à acção colectiva, as quais influen- acções emblemáticas de revalorização da
ciaram, por sua vez, com impactes variáveis, visibilidade cultural do país no palco inter-
aquelas transformações estruturais, acen- nacional, como foi o caso da Exposição
tuando-as, esbatendo-as ou reorientando- Mundial de Lisboa (Expo 98); ou as políti-
-as, numa sequência que foi pontuando, de cas de solidariedade social como as que,
forma saliente, a vida social do país. São dis- em particular na segunda metade dos anos
so exemplos notáveis as acções políticas e 90, tomaram como objecto o combate às
os movimentos sociais que presidiram ao re- formas tradicionais e novas de pobreza e
ferido derrube da ditadura e, em seguida, à exclusão social. São ainda de referir, a ní-
consolidação das instituições democráticas, vel da UE, a contribuição portuguesa para
na segunda metade dos anos 70. São-no, o lançamento, na viragem do milénio, da
igualmente, as orientações estratégicas que, «agenda de Lisboa», focada na procura de
a nível político, levaram à integração na Eu- maior competitividade europeia no quadro
ropa comunitária, desde meados dos anos do processo de globalização, e, a nível na-

43
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

O Pavilhão da Utopia, palco de inúmeros espectáculos e uma das principais atracções durante
a Expo 98, agora designado Pavilhão Atlântico.

cional, as recentes políticas de equilíbrio sões, nomeadamente demográficas, geo-


das contas públicas e de racionalização do gráficas, educativas e socioprofissionais.
Estado, bem como medidas no sentido da Em cada um desses aspectos podem ob-
mudança de paradigma tecnológico na servar-se dinâmicas específicas; mas mais
economia — políticas estas que assentam, importantes ainda são as convergências e
tanto as de âmbito internacional como as as tensões que se estabelecem entre elas,
de âmbito nacional, na prioridade ao co- assim como as articulações recíprocas e os
nhecimento e à inovação. efeitos que vão tendo umas nas outras, quer
A respeito de todo este conjunto de as- nas vertentes que decorrem acentuada-
pectos, relativos à sociedade portuguesa mente do contexto internacional (em parti-
tal como ela se tem vindo a configurar e cular, do espaço europeu), quer nas verten-
tende a projectar-se no futuro imediato, in- tes em que prevalecem especificidades
teressa relembrar um conjunto suficiente- nacionais (Almeida, Costa e Machado,
mente elucidativo de elementos informati- 1994; Machado e Costa, 1998; Costa, Mau-
vos e analíticos, se bem que em registo ritti, Martins, Machado e Almeida, 2002).
condensado. Nos anos 60, a população portuguesa
era ainda em grande medida rural e traba-
lhava em formas de agricultura tradicional,
Evoluções demográficas
quer de assalariamento precário, muito em
e recomposições sociais
especial nos latifúndios do Sul, quer de pe-
Os processos de recomposição social pelos queno campesinato proprietário ou rendei-
quais a população portuguesa tem vindo a ro, predominante nas regiões do Centro e
passar desdobram-se em diversas dimen- do Norte. Verificavam-se então altas taxas

44
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

de natalidade e um perfil demográfico ca- As consequências são multifacetadas


racterizado por uma pirâmide etária de ba- — tal como já anteriormente tinha aconteci-
se larga e topo afilado. As condições de vi- do, ou está em plena manifestação, de um
da muito difíceis, às quais na altura se modo mais geral, no conjunto dos países
vinha ainda somar o recrutamento militar europeus —, em aspectos como os das
em massa dos jovens do sexo masculino, mudanças nos padrões de consumo, nos
enviados pelo regime de então para as for- sistemas de valores ou nas relações inter-
ças armadas da Guerra Colonial, tudo foi geracionais, ou ainda como os das implica-
contribuindo para que essa população se ções nas políticas de educação, de segu-
envolvesse em intensos movimentos migra- rança e de assistência social. Voltar-se-á,
tórios. Procurava, assim, vias de acesso a adiante, a algumas destas questões.
vida melhor, quer na emigração para a Eu- Pelo seu lado, a evolução oscilante do
ropa mais desenvolvida — sobretudo para peso relativo da faixa intermédia dos «adul-
França e para a Alemanha —, quer nas mi- tos» — primeiro decrescente, depois em
grações internas para as principais cida- crescimento acentuado e, mais recente-
des, muito em especial para as áreas em mente, em quase estacionaridade — só se
industrialização de Lisboa e do Porto. compreende tendo em conta a conjugação
A obtenção de emprego na indústria ou das tendências continuadas para a dimi-
nos serviços pessoais, por um lado, e o nuição das taxas de natalidade e de morta-
acesso à maior escolarização dos filhos, lidade com os movimentos migratórios glo-
por outro, foram dois dos vectores dinami- bais. Na década de 60 e na primeira
zadores, ou, pelo menos, duas das conse- metade da década de 70, aos fluxos emi-
quências decisivas destes movimentos po- gratórios de intensidade máxima sucede
pulacionais. Com elas veio a inserção em um abrandamento a que se articula, na se-
modos de vida urbanos e o começo de ou- gunda metade da década de 70, o regres-
tros processos fundamentais: uma signifi- so de parte dos emigrantes europeus e, so-
cativa mudança dos valores sociais preva- bretudo, o retorno de muitos dos antigos
lecentes e dos comportamentos a eles residentes nas ex-colónias, depois do der-
associados, bem como alterações globais rube da ditadura e da sua institucio-
de tendências, envolvendo o decréscimo nalização como países independentes.
da natalidade e a diminuição da dimensão A partir da década de 80 aumenta o volume
dos agregados domésticos, com as res- da recepção a imigrados, em particular pro-
pectivas implicações sociodemográficas e venientes desses novos países africanos.
socioculturais, ou ainda a aceleração sem Progressivamente, vai-se-lhes juntando um
precedentes da concentração da popula- forte contingente de brasileiros e de imigra-
ção numa estreita faixa urbanizada do lito- dos vindos de países do Leste europeu.
ral do país, com a correspondente desertifi- No plano geográfico, a progressiva de-
cação gradual do resto do território. sertificação do interior rural continua a
Alguns destes processos estão em cur- acentuar-se, acompanhada da concentra-
so até hoje. Outros sofreram inflexões. ção da população na faixa litoral urbana,
Quanto à evolução da estrutura demo- muito em especial nas áreas metropolita-
gráfica, a tendência de fundo é para um nas de Lisboa e do Porto, ou, mais recente-
progressivo duplo envelhecimento da po- mente, também em algumas cidades próxi-
pulação, «na base» e «no topo», ou seja, mas daquelas (Setúbal, Leiria, Aveiro,
para a diminuição da proporção de jovens Braga) e na região turística do Algarve. Es-
e para o aumento da taxa de idosos (ver tas assimetrias regionais são, aliás, fonte
quadro da p. 47). de importantes problemas de desenvolvi-

45
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

mento e de qualidade de vida, se bem que, analfabetismo faz parte, de resto, de um


em certo sentido, de ordem diametralmen- movimento de escolarização da população
te oposta, consoante estejam em causa as portuguesa que, vindo de trás, só depois
regiões em abandono ou, pelo contrário, de 1974 se generalizou a todo o país e a to-
aquelas em que a população se aglomerou das as camadas sociais. É já com o regime
rapidamente, muitas vezes sem estruturas democrático que a escolaridade obrigató-
urbanas adequadas e sem o planeamento ria universal se fixa, primeiro, em seis anos,
territorial necessário. e, mais recentemente, em nove anos.
A respeito dos perfis de qualificação es- Também quanto ao ensino secundário e
colar da população, a sociedade portuguesa ao ensino superior, ainda hoje a situação é,
apresenta também uma dupla face: melho- comparativamente, muito atrasada. Na po-
rias rápidas, a partir de situações muito atra- pulação portuguesa dos 25 aos 64 anos,
sadas relativamente recentes, por um lado perto de 75 % completou, no máximo, o en-
(ver quadro da p. 47); mas também fortíssi- sino básico (nove anos de escolaridade).
mo défice, comparativamente com as situa- As fracções que possuem uma formação
ções correntes nos países da UE, por outro. de nível secundário e de nível superior
A taxa de analfabetismo ainda hoje se pouco ultrapassam, para cada um desses
aproxima dos 10 %, colocando o país, des- graus, os 12 por cento. Ora a média da Or-
te ponto de vista, em situação semelhante ganização para a Cooperação e Desenvol-
àquela em que se encontravam algumas vimento Económico (OCDE), para esses
das regiões mais avançadas da Europa há dois níveis de escolaridade, já passava dos
um século atrás. A avaliação seria no en- 40 % e 20 %, respectivamente, no início
tanto incompleta e unilateral se não se re- dos anos 2000. E bastantes países da UE
gistassem, igualmente, numa perspectiva ultrapassavam muito estes valores.
histórica, as mudanças significativas que Mas também aqui a progressão foi sig-
se operaram neste domínio. Bastará recor- nificativa ao longo das décadas anteriores
dar que, nos anos 60, a taxa de analfabe- e, sobretudo, nos tempos mais recentes.
tismo atingia valores de mais de 30 % e Em 1970 a percentagem dos portugueses
60 % da população não atingia sequer o entre os 25 e os 64 anos com um diploma
4.o ano de escolaridade. A diminuição do do ensino superior não ultrapassava signifi-

Antigos terraços de cultivo abandonados, reflexo da desertificação das regiões rurais.

46
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

Evoluções demográficas e recomposições sociais

Indicadores (%) 1960 1970 1981 1991 2001

População de 0-14 anos 29,2 28,4 25,5 20,6 16,0


População de 15-64 anos 62,8 61,9 63,1 66,0 67,6
População de 65 e + anos 8,0 9,7 11,4 13,4 16,4

Taxa de analfabetismo 33,1 25,6 18,6 11,0 9,0

População de 25-64 anos com o ensino superior — — 3,9 6,4 12,8


População de 25-64 anos com o ensino secundário — — 3,3 5,5 12,7
População de 25-64 anos com menos escolaridade — — 92,8 88,1 74,5

Estudantes na população dos 20-24 anos 1,7 3,5 5,8 11,8 23,9
Estudantes do sexo feminino no ensino superior 29,5 43,6 45,0 55,0 55,2

Taxa de actividade global 37,5 39,4 42,5 44,6 48,2


Taxa de actividade masculina 63,8 62,1 53,3 54,3 54,8
Taxa de actividade feminina 13,0 19,0 29,0 35,5 42,0

População activa no sector primário 43,6 31,7 19,7 11,2 5,0


População activa no sector secundário 28,9 32,3 38,7 37,4 35,1
População activa no sector terciário 27,5 36,0 41,6 51,4 59,9

Empresários, dirigentes e profissionais liberais 6,0 3,0 4,4 8,5 11,9


Profissionais técnicos e de enquadramento 2,6 4,9 7,9 11,7 16,7
Trabalhadores independentes 3,8 7,3 7,2 8,5 4,8
Agricultores independentes 14,1 15,2 11,3 6,2 2,2
Empregados executantes 14,6 19,4 26,0 27,1 32,3
Operários industriais 30,6 34,0 36,0 34,3 30,3
Assalariados agrícolas 28,3 16,2 7,2 3,7 1,8

Fontes: INE, Censos; OCTES.

cativamente um ponto percentual, apesar de vida, dos status sociais e dos padrões
de ter aumentado bastante desde 1960. culturais.
A partir daí, o crescimento tem sido bastan- Em todo o caso, apesar do crescimento
te acentuado. No início do século XXI, pas- dos níveis de escolarização, a distância
sou-se dos 10 %. O que vai a par do facto gritante e persistente em relação às médias
de Portugal ser o país da UE em que, ulti- dos países da UE ou da OCDE, ou mesmo
mamente, o número de estudantes do ensi- um certo atraso a este respeito comparati-
no superior tem tido uma taxa de aumento vamente com os países europeus com ní-
mais elevada. Se em 1960 a fracção de es- veis de desenvolvimento mais próximos —
tudantes na população entre 20 e 24 anos que também vão subindo, uns e outros, os
era de 1,7 %, em 2001 atingia já 23,9 %, seus padrões de formação escolar —, co-
menos do que um quarto da população loca ao futuro de curto e, sobretudo, de
dessa faixa etária, mas muito acima do que médio prazo questões sérias de qualifica-
acontecia poucos anos antes. ção, de empregabilidade e de competitivi-
A diferença entre os actuais perfis de dade, de modernização e desenvolvimen-
escolaridade da população e os dos res- to, a solicitar investimentos profundos e
pectivos pais é, assim, muito grande. Os alargados neste domínio.
efeitos de recomposição social implicados Um dado revelador de outra faceta des-
neste processo são altamente significati- tas dinâmicas é o da proporção crescente
vos, quanto às distribuições de qualifica- de mulheres no ensino, e, o que é particu-
ções escolares, em si mesmas, e quanto larmente significativo, no ensino superior.
às suas repercussões em planos como os Actualmente, a população jovem a frequen-
das ocupações profissionais, dos estilos tar as universidades, e aquela que obtém

47
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

diplomas universitários, é, em maioria muito necessidades prementes de responder a


relevante, do sexo feminino. Esta preponde- constrangimentos económicos básicos pe-
rância foi ganha em poucos anos. Coexis- rante padrões de consumo em mutação,
tem, na população portuguesa, escalões quer dinâmicas socioculturais de procura
etários mais novos em que as mulheres são de autonomia e emancipação pessoais por
mais escolarizadas do que os homens e es- parte das mulheres. Tudo isso foi facilitado,
calões mais idosos em que o défice de es- ainda, pelas tendências positivas de esco-
colarização é superior nas mulheres. Por larização feminina já assinaladas.
exemplo, a grande maioria dos analfabetos No entanto, seja qual for a ponderação
acima referidos são mulheres idosas. das causas, o que parece indiscutível é o
Isto indicia que os processos de recom- alcance dos efeitos desta tendência na re-
posição social têm sido ainda mais rápidos configuração do panorama social do país
na parte feminina da população do que na e na especificidade das respectivas dinâ-
parte masculina. A par das mudanças no micas de modernização. Importa referir,
domínio da fecundidade e na esfera conju- aliás, que a taxa de actividade feminina
gal, analisadas um pouco mais à frente, o em Portugal se aproxima muito mais das
estatuto social das mulheres tem sofrido que na UE atingem níveis elevados, em
grandes alterações, podendo mesmo di- países como a Suécia, a Dinamarca, a Fin-
zer-se que este constitui um dos principais lândia ou o Reino Unido, do que das muito
vectores de transformação da sociedade mais baixas prevalecentes em países co-
portuguesa contemporânea. Para isso têm mo a Espanha, a Itália ou a Grécia, com
contribuído, de maneira destacada, as re- outras maiores proximidades em termos
feridas recomposições socioeducacionais, socioeconómicos e socioculturais.
assim como outras, não menos marcantes, Outra tendência de fundo, esta respei-
de ordem socioprofissional. tante ao peso relativo dos sectores de acti-
Neste último plano das recomposições vidade económica, traduz-se principalmen-
sociais destacam-se três linhas principais te no decréscimo acentuado da população
de transformação estrutural, aliás claramen- activa no sector primário e, ao inverso, na
te interligadas entre si e com as dinâmicas terciarização acentuada do emprego. Em
acima identificadas (ver quadro da p. 47). 1960, quase metade da população activa
Uma dessas tendências pesadas tem a trabalhava ainda no sector primário. A que-
ver, precisamente, com a entrada em força bra foi rápida a partir daí, mantendo-se no
das mulheres na esfera profissional e com entanto um conjunto de populações liga-
a feminização da população activa. Nas das à actividade agrícola, boa parte delas,
décadas consideradas, a taxa de activida- aliás, em situação defensiva perante as di-
de profissional feminina mais do que tripli- ficuldades de emprego noutros sectores
cou. Hoje em dia já se aproxima bastante ou, ainda, em muitos casos, recorrendo a
da taxa de actividade masculina, sobretu- formas de pluriactividade, perante as ne-
do nas faixas etárias mais jovens. Entre as cessidades de complementar remunera-
razões de tal evolução contam-se os pro- ções baixas ou pensões de reforma ainda
cessos de emigração e mobilização militar mais escassas. O emprego no sector se-
dos anos 60 e primeira metade de 70, pro- cundário, após um processo de crescimen-
tagonizados sobretudo pelo sexo masculi- to considerável, acompanhando o proces-
no (pelo menos nas primeiras fases, quanto so de industrialização, nomeadamente da
à emigração), solicitando maior envolvi- industrialização intensiva em mão-de-obra,
mento feminino na esfera profissional. Con- nos anos 60 e 70, estagna nos anos 80 e
tam-se, também, mais recentemente, quer tem vindo a decair, embora em ritmo mais

48
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

lento do que o da média da UE. O cresci- inovação tecnológica e de relocalização


mento do terciário intensifica-se dos anos industrial a nível planetário, de uma certa
70 até à actualidade. Para tal contribuíram retracção do seu peso relativo. Pelo con-
a expansão dos serviços do Estado-provi- trário, os empregados executantes dos es-
dência, em desenvolvimento após o 25 de critórios, comércio e serviços têm agora
Abril de 1974 (nomeadamente os serviços mais do dobro da expressão percentual
de educação, de saúde e de segurança que tinham nos anos 60. O contraste tem
social), a modernização de alguns sectores também outras manifestações, muito em
empresariais e dos serviços prestados às especial o facto de o operariado ser maio-
empresas e, ainda, o alastramento de di- ritariamente masculino, enquanto os em-
versos tipos de serviços pessoais, respon- pregos executantes de base nos escritó-
dendo aos novos estilos de vida urbanos. rios, comércio e serviços tendem a ser
Uma terceira faceta destas transforma- cada vez mais preenchidos por mulheres,
ções é claramente revelada pelas sucessi- já neles maioritárias pelo menos desde o
vas fases de recomposição da estrutura de início dos anos 80.
classes sociais, tal como indiciada pelas Por fim, no que respeita às duas cate-
principais categorias socioprofissionais pe- gorias que ocupam lugares mais elevados
las quais se distribui a população activa. na estrutura de classes, registam-se acrés-
O declínio rápido das categorias liga- cimos importantes de valor absoluto e peso
das à agricultura manifesta-se de forma relativo. Do lado dos empresários, dirigentes
muito mais acentuada nos assalariados e profissionais liberais, o maior acréscimo
agrícolas do que nos pequenos agriculto- vem, primeiro, da expansão das pequenas
res independentes. Quanto aos trabalhado- e médias empresas no tecido económico
res independentes dos serviços, comércio, português e, mais recentemente, do acrés-
oficinas e artesanato, depois de uma dupli- cimo de dirigentes organizacionais e pro-
cação do seu peso relativo entre 60 e 70, fissionais liberais. É uma categoria social
conheceram uma relativa estabilização, e com presença feminina fraca, sobretudo
depois uma descida significativa, acompa- nos empresários e dirigentes. Quanto às
nhadas de processos de recomposição in- novas classes médias assalariadas dos
terna. Coexistem neles dois segmentos profissionais técnicos e de enquadramen-
principais: um, correspondendo à matriz to, com inserção predominantemente urba-
tradicional do trabalho independente, é um na e níveis médios ou superiores de forma-
segmento pouco escolarizado e envelheci- ção escolar, qualificação profissional e
do; o outro, inversamente, mais jovem e posição organizacional, são a categoria
mais escolarizado, acompanha as tendên- com taxas de crescimento mais elevadas
cias de modernização social, económica e no período considerado, e uma das mais
tecnológica, respondendo a novas oportu- feminizadas.
nidades de mercado, nomeadamente no Pode falar-se, pois, de protagonismos
campo cada vez mais diversificado da sociais contrastantes, indiciando a predo-
prestação de serviços. minância de lógicas distintas na constitui-
Relativamente aos assalariados de ba- ção das duas categorias sociais que usu-
se, observam-se dois processos distintos. fruem de maiores recursos e influência na
Os operários industriais, depois de atingi- sociedade portuguesa actual. A actividade
rem o máximo valor percentual no começo empresarial, por um lado, e a formação uni-
da década de 80, parecem ter entrado versitária, por outro, são as vias institucio-
num processo lento, mas provavelmente nais privilegiadas, mas em grande parte
irreversível, atendendo às tendências de dissociadas, que têm levado ao aumento

49
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

do número e do peso relativo destas duas tuação? A resposta a estas perguntas, bem
categorias sociais. São, por isso, também, como o alcance e o sentido das transforma-
as duas vias responsáveis por grande par- ções ocorridas, é mais claramente perceptí-
te dos fluxos de mobilidade social ascen- vel quando se procura interpretar de forma
dente que ocorreram em Portugal nestas conjugada as oscilações dos referidos indi-
últimas décadas. cadores com valores e opiniões a respeito
da família. O que resulta desta análise cru-
zada é que se está em presença de uma
Estruturas familiares
valorização específica da vida familiar.
e situação das mulheres
Na verdade, sempre que em inquéritos
Em Portugal, nos últimos trinta a quarenta sobre valores se confrontaram os Portu-
anos, tal como aconteceu nos restantes paí- gueses e, de resto, os Europeus, com
ses da UE e na maioria dos países ociden- questões relativas à importância da vida fa-
tais, verificaram-se mudanças significativas miliar ou do casamento, as respostas foram
nos indicadores demográficos referentes inequívocas. A vida afectiva e familiar é
aos comportamentos familiares: desceram sempre considerada da máxima importân-
as taxas de natalidade e da nupcialidade, cia para a felicidade pessoal (Almeida e
diminuiu a dimensão média dos grupos do- Guerreiro, 1993; Torres, Mendes e Lapa,
mésticos e a percentagem de famílias com- 2006). Abordagens mais qualitativas permi-
plexas; em contrapartida, aumentou a taxa tiram ainda salientar que se sobrevalorizam
de divórcio, subiram os nascimentos fora do os aspectos de maior flexibilidade e plasti-
casamento, aumentaram os agregados de cidade das formas familiares, se dá mais
pessoas sós (ver quadro da p. 51). A par atenção ao conteúdo relacional do que aos
destas transformações, a subida da taxa de aspectos formais e institucionais, o que po-
actividade feminina e, sobretudo, a cres- derá contribuir para explicar quer a desci-
cente participação de mães com filhos pe- da da nupcialidade, quer os nascimentos
quenos no mercado de trabalho, com ób- fora do casamento e o aumento do divórcio
vios impactes directos na vida familiar, foi (Torres, 1996; 2002). Insiste-se numa visão
também extremamente nítida. mais igualitária da relação entre cônjuges e
A configuração resultante dos indicado- nessa lógica a actividade feminina no exte-
res referidos permite reconhecer, em ter- rior é vista também como propiciadora de
mos gerais, que Portugal acompanhou os maior autonomia das mulheres. Reduz-se o
outros países europeus no sentido global número de filhos esperando-se da relação
das transformações ocorridas, mas não fortes gratificações emocionais, valorizan-
deixa de manter alguma especificidade da- do-se ainda o respeito pela vontade pró-
do que partiu para o mesmo movimento pria dos descendentes, com esbatimento
de patamares diferentes e conheceu ritmos dos procedimentos e das lógicas autoritá-
de transformação eles próprios particula- rias. Nas relações de interajuda entre gera-
res. Antes ainda de situar comparativamen- ções, tende a sublinhar-se idealmente a di-
te Portugal no contexto internacional, vale a mensão afectiva em detrimento da lógica
pena, de forma genérica, caracterizar as da prestação de serviços. A visão laica e
mudanças referidas. secular do casamento sobrepõe-se à pers-
Porque descem a natalidade e a nupcia- pectiva sacramental na generalidade dos
lidade? Porque aumentam o divórcio e os países europeus (Ester, Halman e De Moor,
nascimentos fora do casamento? Porque é 1994) e, embora o casamento católico te-
crescente o número de mulheres que traba- nha descido, mais significativa do que essa
lha fora de casa e se quer manter nessa si- descida parece ser a tendência para o en-

50
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

carar numa perspectiva ritualista e prag- Sul, a entrada na vida conjugal faz-se pelo
mática (Almeida et al., 1998; Torres, 2002). casamento e não pela coabitação, sendo
Numa palavra, e ao contrário do que numa por isso a nupcialidade mais alta e meno-
primeira fase de surgimento destas mudan- res os valores dos que vivem em união de
ças se pretendeu fazer crer com a ideia de facto, por referência aos países da Europa
crise da família, o que declinou foram ape- do Centro e do Norte. No Sul, temos maior
nas as configurações familiares e os valo- número de famílias complexas e menos
res de carácter mais tradicionalista. pessoas a viver sós.
São estas tendências gerais no plano Distinguimo-nos, porém, dos outros paí-
dos valores que contribuem para explicar a ses do Sul em diversos indicadores. Os va-
transformação dos indicadores demográfi- lores do divórcio e os dos nascimentos fora
cos que se verificou em toda a Europa. Mas do casamento, apesar de serem mais bai-
se o movimento foi na mesma direcção, os xos do que na Europa do Centro e do Norte,
países partiram de diferentes patamares. são mais elevados do que na Itália, na Es-
O indicador demográfico em maior conver- panha e na Grécia. Quanto à taxa de activi-
gência em toda a UE é provavelmente o índi- dade feminina, tal como em relação a outro
ce sintético de fecundidade, ou a descen- conjunto de indicadores referentes à situa-
dência média, já que se situa sempre abaixo ção das mulheres, que referiremos adiante,
da reposição das gerações. Contudo, mes- estamos mais próximos dos países nórdicos
mo aqui se verificam variações sensíveis, re- do que dos da Europa do Centro e muito
gistando os países nórdicos valores para os mais distantes da Europa do Sul.
índices sintéticos de fecundidade acima dos Diversos factores podem explicar estas
países da Europa do Sul. especificidades. Portugal tinha ainda no
Que especificidades apresenta Portu- início dos anos 60, como se viu, uma es-
gal, nos aspectos focados, em relação aos trutura social marcadamente tradicional,
outros países europeus? Como nos distin- com fortes assimetrias sociais, grande pe-
guimos? Em que nos aproximamos? Em so da agricultura, indústria pouco moder-
Portugal, tal como no resto da Europa do nizada, serviços incipientes ligados a lógi-

Evolução dos indicadores demográficos relativos à família (1960-2004)

1960 1970 1981 1991 1999 2004

Índice sintético de fecundidade1 3,2 3,0 2,1 1,6 1,5 1,4

Taxa bruta de nupcialidade2 7,8 9,4 7,8 7,3 6,9 4,7

Taxa de divórcio3 0,1 0,1 0,7 1,1 1,8 2,2

Casamentos católicos 90,7 86,6 74,6 72,0 66,4 57,1

Nascimentos fora do casamento4 9,5 7,3 9,5 15,6 20,8 29,1

Dimensão média dos grupos familiares 3,8 3,7 3,4 3,1 2,8* 2,8**

Agregados domésticos de pessoas sós 11,5 — — 12,9 — 15,5

Agregados domésticos de famílias complexas5 15,4 — — 13,9 — 10,4


1 Número de filhos por mulher em idade fecunda 15/49 anos; 2 Casamentos 1000/pop. média; 3 Divórcios 1000/
/pop. média; 4 Total de nados-vivos nascidos fora do casamento por 100 nados-vivos; 5 Os critérios para a defini-
ção deste tipo de famílias pode ser encontrado em Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall (1998: 49).
* Recenseamento de 1991.
**Recenseamento de 2001.
Fontes: INE, Estatísticas Demográficas, 2004; recenseamentos da população de 1981, 1991 e 2001; Almeida,
Costa e Machado, 1994; Torres, 1996; Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall, 1998; Aboim, 2003.

51
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

cas tradicionais, uma população com que é aí que mais se casa, menos se coa-
baixos níveis de formação escolar. São ló- bita, menos filhos há fora do casamento,
gicas sociais que tendem a valorizar uma mais se pratica o casamento católico e me-
perspectiva mais tradicionalista da família. nores são os valores do divórcio. Em Lis-
As mudanças entretanto ocorridas no pla- boa e Vale do Tejo, bem como no Algarve e
no económico e social, o crescimento das um pouco menos no Alentejo, são sempre
chamadas classes médias e, mais tarde, a mais elevados do que no Norte e Centro os
abertura no plano das liberdades e das valores que apontam para perspectivas
ideias permitida pelo 25 de Abril de 1974 menos tradicionalistas.
tiveram impacte nas práticas e nos valores Apesar de estas serem diferenças que
referentes à família. Podemos falar assim permanecem ao longo das últimas déca-
de uma convergência, ainda que tardia e das, a verdade é que o sentido global das
relativa, com os restantes países euro- transformações é o mesmo. Isto é, também
peus. Mantêm-se algumas especificida- no Norte e no Centro tendem a descer indi-
des, num processo a que se chamou de cadores como o casamento católico, a
«modernidade inacabada» (Machado e nupcialidade e a natalidade, e a subir os
Costa, 1998). nascimentos fora do casamento e o divór-
No próprio cenário nacional podemos cio. Os valores são porém consistentemen-
encontrar diferenças significativas nos indi- te inferiores aos das regiões do Sul, com
cadores demográficos que temos vindo a excepção, para alguns deles, da região do
referir. As regiões do Norte e do Centro Grande Porto.
apresentam, de forma consistente, diferen- Estas diferenças não impedem a notá-
ças em relação às de Lisboa e Vale do Te- vel convergência de opiniões que se verifi-
jo, Alentejo e Algarve (ver quadro abaixo). ca a nível nacional quando analisamos as
Tudo indica que no Norte e no Centro respostas a inquéritos sobre a família, a
se tende a valorizar mais as instituições, já conjugalidade, o divórcio e outros aspec-

Indicadores demográficos por regiões (2004)

NUTS II Casamentos Em união Nados-vivos Taxa bruta Taxa bruta Taxa bruta
católicos de facto* fora do de de divórcio de
casamento nupcialidade natalidade

% % % ‰ ‰ ‰

Portugal 57,1 3,7 29,1 4,7 2,2 10,4

Continente 58,8 3,7 — 4,6 2,2 10,3

Norte 68,0 2,1 19,5 5,2 1,9 10,2

Centro 60,7 2,8 24,2 4,6 2,0 9,2

Lisboa e Vale 47,2 6,1 41,4 4,3 2,7 11,5


do Tejo

Alentejo 49,4 4,7 34,7 3,8 1,8 9,2

Algarve 37,6 7,3 45,8 3,9 2,4 11,7

R. A. Açores 23,7 1,9 20,4 6,2 2,6 12,5

R. A. Madeira 38,6 2,3 25,2 6,0 2,5 12,2

* Proporção de indivíduos que declararam viver em união de facto no recenseamento de 2001.


Fontes: Estatísticas Demográficas, 2004; recenseamento da população de 2001; Carrilho, 2004.

52
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

tos relacionados como, por exemplo, a si- traduz-se no facto de a diferença entre ho-
metria entre homens e mulheres na família mens e mulheres perante a actividade eco-
e no trabalho. É possível que mais do que nómica, o que habitualmente se designa
serem modernos, muitos portugueses gos- por segregação ocupacional, ser das me-
tem da ideia da modernidade, deixando nores da Europa a 15 e a 25. Portugal apro-
claramente para trás as práticas corres- xima-se aqui, novamente, dos países nórdi-
pondentes. Por exemplo, em relação à divi- cos e agora também de alguns dos
são das tarefas domésticas e dos cuidados parceiros europeus mais recentes da Euro-
com os filhos, os homens portugueses es- pa a 25. Em 2004, a diferença quanto à
tão entre aqueles que menos nelas partici- participação directa na actividade econó-
pam com as mulheres mas são, simulta- mica entre homens e mulheres na Suécia,
neamente, dos que mais consideram que na Finlândia e na Dinamarca situava-se
estas podem e devem trabalhar fora de ca- sempre abaixo ou na zona dos 10 %
sa em paridade com os homens. (7,7 %, 9 % e 10 %, respectivamente) e em
E quanto à situação das mulheres? Co- Portugal subia para 15 %, tal como na Hun-
mo se viu atrás, a evolução da participação gria, e para um pouco menos (14 %) na Es-
das mulheres no mercado de emprego é tónia. Mas tais diferenças em países como
muito significativa em Portugal (ver quadro a Espanha, Itália ou Grécia atingiam nos
da p. 47). Comparando os dados do recen- três países do Sul os 23 %.
seamento de 1981 com os de 2001 con- É claro que as distinções entre homens
clui-se pela existência de mais 900 000 e mulheres perante o mercado de trabalho
mulheres com actividade económica em não se resumem à proporção quantitativa
2001 havendo, em contrapartida, apenas das respectivas participações. A discrimi-
mais 90 000 homens do que há vinte anos nação feminina no emprego está relaciona-
atrás (Torres, 2004). Esta espectacular pro- da com a inserção das mulheres em certas
gressão feminina no mercado de trabalho actividades e ocupações, em geral menos
traduz-se na presença muito significativa qualificadas, e em sectores de actividade
de mulheres em várias categorias socio- globalmente mais mal remunerados. Mesmo
profissionais, das menos qualificadas às quando ocupam lugares mais qualificados
mais qualificadas1. Quanto às últimas, de tendem a não ocupar os lugares de topo
resto, verifica-se que há mesmo hoje mais dessas carreiras, pelo efeito que se tem
mulheres quadros médios e superiores do chamado de «tecto de vidro». A esta discri-
que homens2. Não pode no entanto deixar minação estão associados factores ideoló-
de se sublinhar, em simultâneo, a forte con- gicos, como aqueles que contribuem para
centração de mulheres em sectores de me- que se atribua às mulheres, mesmo quando
nor qualificação. trabalham fora de casa, situação da grande
Esta grande proximidade entre os sexos maioria, o essencial das responsabilidades
quanto à presença no mercado de trabalho familiares. Assim, as diferenças de remune-
ração entre os sexos, embora se tenham es-
1 Os números absolutos são concludentes: em 1981 batido sobretudo a partir dos anos 80, são
havia 2 649 000 homens activos passando em 2001
para 2 742 000, enquanto as mulheres activas eram
ainda significativas. No caso português as
1 377 000 em 1981 e passam para 2 248 000 em 2001. mulheres, em 1994, ganhavam apenas cer-
2 Quanto aos quadros médios e superiores em 2001

as mulheres constituíam um contingente de 456 140, ca de 72,6 % do salário dos homens em


enquanto os homens atingiam os 450 180. Desagre- profissões manuais e 70,1 % em profissões
gando as categorias chega-se à conclusão de que
esta diferença não se alimenta fundamentalmente não manuais. Em 2000, as mulheres tinham
dos quadros médios mas, sobretudo, dos quadros remunerações base que eram apenas
superiores e dos grupos profissionais mais qualifica-
dos (Torres, 2004). 77,6 % das masculinas, assinalando assim

53
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

uma fraca progressão3. Dados de inquéri- Silva, 1998; Torres et al., 2004). Os grupos
tos nacionais revelam também que mesmo domésticos com menos recursos económi-
para níveis de escolaridade semelhantes cos são também aqueles que com menos
(ensino básico e secundário) os homens, ajudas podem contar, o que, evidentemen-
em termos de remuneração média líquida te, agrava os respectivos problemas.
mensal, situam-se no escalão de rendimen- Outros resultados de pesquisa têm
to imediatamente acima do das mulheres, mostrado que, parecendo indispensável a
auferindo entre 375 e 750 euros, enquanto participação das mulheres na actividade
a maioria destas se concentra no grupo de económica para o equilíbrio mínimo dos or-
rendimentos até aos 375 euros4 (Torres et çamentos familiares, devido também aos
al., 2004). Comparando a nossa realidade baixos salários dos homens em Portugal,
com a de outros países da Europa quanto não são apenas razões de natureza finan-
às diferenças salariais entre homens e mu- ceira que explicam a nossa taxa de activi-
lheres verificamos que em 2000 a nossa di- dade feminina elevada. O trabalho profis-
ferença se situava, como já se referiu, nos sional constitui igualmente um elemento
22,4 % mas esse valor era inferior na Hun- muito importante no plano da identidade
gria (19,5 %), na Espanha (18,5 %), na Fin- social das mulheres, as quais afirmam que
lândia (17,8 %), na França (16,4 %) e na ele lhes confere mais autonomia e auto-
Noruega (14,5 %)5. -estima (Torres, 2004; Torres, Mendes e La-
A particularidade mais relevante da for- pa, 2006). No entanto, as horas ocupadas
ça de trabalho feminina portuguesa em re- no trabalho pago associadas a uma divisão
lação às congéneres europeias, em todo o muito desigual do trabalho não pago — as
caso, é o facto de o trabalho ser basica- tarefas domésticas e os cuidados com os
mente a tempo completo e o facto de as filhos —, num quadro de escassos apoios
mães com filhos pequenos não abandona- institucionais, significam inevitavelmente
rem a actividade laboral. Portugal era as- sobrecarga de trabalho para as mulheres
sim o país da UE a 15 em que as mães de (Torres et al., 2004).
filhos pequenos e as mulheres de forma Característica também relevante da
global trabalhavam mais horas. Trata-se de participação feminina na actividade econó-
uma situação que, como existem fracos mica, quer das portuguesas, quer das ou-
apoios em termos de equipamentos públi- tras europeias, é o facto de se verificar uma
cos e cada vez menos se pode contar com correlação positiva entre os maiores níveis
o recurso aos familiares para tomar em per- de escolaridade obtidos e a participação
manência conta das crianças, se traduz em no mercado de trabalho. Como se pode ver
sobrecarga financeira para as famílias ou no gráfico ao lado, que mostra a elevadíssi-
em más soluções socioeducativas, como ma média de participação na actividade
se conclui em estudos recentes (Torres e das mulheres da Europa a 15 com ensino
superior (85 %), as mulheres portuguesas
3
com este nível de ensino são as que mais
Cf. INE, Perfil Género, www.ine.pt.
4 O inquérito a que estes dados se referem foi reali- participam no mercado de trabalho (91 %).
zado em 1999 e aplicado a uma amostra representa-
tiva de homens e mulheres entre os 20 e os 50 anos
Estes resultados confirmam, por outro lado,
ao nível nacional (continente). Trata-se, por isso, de que não são só razões de natureza finan-
uma amostra da população jovem com uma média
de idades de 37 anos (Torres et al., 2004). O que, ceira que explicam o crescimento da taxa
associado ao facto já conhecido da nossa baixíssi- de actividade feminina. Trata-se de uma
ma escolaridade média, contribui de certo para ex-
plicar que estes valores quanto ao rendimento líqui- tendência estrutural das sociedades con-
do mensal sejam tão baixos. temporâneas, bem marcada na sociedade
5 Cf. United Nations Economic Commission for Euro-

pe, www.unece.org. portuguesa.

54
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

Mulheres activas segundo o nível de instrução atingido, 2002


(25-64 anos) (%)
Dinamarca
Suécia
Finlândia
França
Bélgica
Portugal
Espanha
Itália
Grécia
Alemanha
Áustria
Holanda
Luxemburgo
Reino Unido
Irlanda
UE 15

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Ensino básico Ensino secundário Ensino médio e superior

Fonte: TORRES, Anália, Vida Conjugal e Trabalho, Oeiras, Celta Editora, 2004.

Quando se analisam os dados sobre a tente em 2001 parece confirmar esta ten-
frequência universitária, verifica-se que dência que se esboçava no início dos anos
em toda a UE há mais mulheres do que ho- 90. Em primeiro lugar, Portugal (51,7 %)
mens a frequentar as universidades. Em surge logo a seguir à Itália (51,8 %) sendo
Portugal assume valores acima da média: estes os únicos países da Europa a 15 em
em 2001, 55,2 % dos estudantes portu- que se verifica ligeira supremacia das mu-
gueses que frequentavam a universidade lheres doutoradas relativamente aos ho-
eram mulheres (ver quadro da p. 47). Se a mens, embora na Europa a 25 a Lituânia
frequência assume estes valores, a finali- (52,5 %) e a Estónia (51,7 %) ultrapassem
zação dos diplomas é ainda mais favorá- ligeiramente estes valores. Em segundo
vel às mulheres em Portugal: no ano lecti- lugar, é interessante verificar a distribui-
vo de 2004-2005 65 % dos diplomados ção das doutoradas por áreas científicas.
eram mulheres6. Ainda quanto à participa- Aqui Portugal destaca-se claramente de
ção na vida universitária, vale a pena sa- todos os outros países da Europa a 25
lientar que as mulheres portuguesas têm quase sempre por ser o país em que as
sido das mais representadas em cursos mulheres têm uma participação mais ele-
ditos tradicionalmente masculinos. No ano vada em áreas de formação habitualmente
lectivo de 1992-1993 em Engenharia e Ar- mais masculinizadas. Assim, para valores
quitectura as mulheres constituíam 28 % registados em 2001, em «ciência, mate-
dos estudantes (média europeia: 18 %), máticas e computação» Portugal tem uma
em Ciências Naturais eram 61 % (média percentagem de mulheres doutoradas de
europeia: 44 %) e em Matemáticas 45 % 49,8, quando a média da Europa dos 15 é
(média europeia: 28 %). A percentagem de de 35,7 %, em «engenharia e constru-
mulheres com grau de doutoramento exis- ção», 39,1 %, quando a média é de
20,6 %, e em «ciências sociais, gestão e
6 Fonte: Observatório da Ciência e Ensino Superior
direito», 46,1 %, quando a média é 39,3 %
(OCES/MCTES). (European Comission, 2003).

55
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Esta tendência vinha já, de resto, a es- mulheres com maiores níveis de instrução
boçar-se também nos anos 80, e explica- oportunidades de emprego (professorado,
-se também pela falta enorme de quadros função pública, empresas). Uma vez no
na ciência que o crescimento universitário mercado de trabalho, outras condições fa-
e a mudança política em 1974 vieram reve- voráveis, como a obtenção de apoios do-
lar (Amâncio, 2003). Embora também se mésticos pagos a baixo preço, permitiram-
verifique que há predominância de mulhe- -lhes a conservação do emprego mesmo
res nos recursos humanos em ciência e depois de terem filhos. As jovens desse
tecnologia (mais de 70 %) e mesmo no nú- tempo serão hoje as mães das que fre-
mero de investigadores, a verdade é que quentam os cursos superiores, dispostas,
quando se trata de lugares de senioridade também elas, a conciliar o trabalho com a
académica, eles são basicamente ocupa- vida familiar. Com efeito, vários resultados
dos pelos homens. Em Portugal a percen- de pesquisa convergem no sentido de
tagem de mulheres que ocupa este tipo de mostrar a influência do modelo materno na
lugares atinge apenas os 23,9 %, sendo, disposição para a actividade económica
ainda assim, a mais elevada da Europa dos exterior das jovens mulheres.
15, onde a média é de 15,2 % (European Também estas especificidades não im-
Comission, 2003). pedem, contudo, a discriminação feminina.
Como explicação para a existência em Persistem na sociedade portuguesa fortes
Portugal de mais mulheres em lugares ha- assimetrias entre homens e mulheres que fi-
bitualmente mais ocupados por homens cam bem patentes na distância em relação
têm sido apontados factores da história re- à participação nos órgãos do poder político.
cente. Entre eles, como se referiu, a Guerra A representação das mulheres no parla-
Colonial (1961-1974), que, mobilizando os mento nacional ficava-se até à passada le-
jovens do sexo masculino, abriu para as gislatura pelos 13 %, situando-se Portugal
no conjunto dos países da UE que menos
Jornada no Parlamento sobre participação
feminina na política. favorecem a respectiva participação política
(Viegas e Faria, 1999). Assinale-se que na
legislatura iniciada em 1999 essa represen-
tação subiu para os 19 %, atingindo os
21,3 %, em Fevereiro de 2005, aquando das
últimas eleições legislativas.
No que se refere à violência sobre as
mulheres, por outro lado, os últimos anos
têm sido de tentativa clara de denúncia pú-
blica destas situações. Mudou a lei, que
considera agora a violência doméstica
como crime semipúblico. Várias organiza-
ções não governamentais têm tido papel re-
levante no processo de denúncia deste
atentado aos direitos humanos e foi criado
recentemente um grupo de missão a nível
governamental contra a violência domésti-
ca. Os números da violência são difíceis de
detectar mas cruzando várias fontes tem si-
do avançado que Portugal é, no contexto
Europeu, um dos países com maior incidên-

56
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

Em Portugal é elevado o número de mulheres que desempenham funções em contexto


científico e tecnológico. Laboratório de lasers intensos do Instituto Superior Técnico.

cia de violência doméstica, havendo uma nhece uma viragem a partir dessa data. Os
mulher em cada três vítima desse tipo de novos destinos preferenciais passam a ser
crime, enquanto a média Europeia seria de os países desenvolvidos da Europa, com
uma em cinco mulheres. Estudos mais apro- grande destaque para França, e verifica-se
fundados têm apontado para uma situação um enorme incremento das saídas. Entre
gravosa, encarada ainda por parte de mui- 1955 e 1974, com o pico máximo na segun-
tas mulheres com resignação e passividade da metade dos anos 60, o total de saídas,
(Lourenço, Lisboa e Pais, 1997). legais e clandestinas, é estimado em 1,6
milhões, um número pesadíssimo face à di-
mensão do país (Peixoto, 1999).
Migrações e minorias
Se, em termos de demografia geral, a
Portugal tem sido, do ponto de vista migrató- emigração foi responsável por uma perda
rio, um país de todos os fluxos. Para além sensível de população, muito maior do que
das migrações internas, de fixação virtual- aquela que autoridades e números oficiais
mente definitiva, que, sobretudo nos anos reconheceram na altura, por outro lado,
60 e 70, levaram à extrema litoralização do juntamente com as migrações internas, ela
país, há a registar, no plano externo, quatro afectou de modo particularmente grave as
importantes movimentos de população: emi- regiões interiores do país, sob a forma de
gração, retorno das ex-colónias, regresso abandono dos campos, e também de mui-
de emigrantes e imigração. À excepção do tas zonas menos desenvolvidas da faixa li-
segundo, todos eles são fluxos em aberto. toral. Os efeitos negativos foram multiplica-
A emigração acompanha a história por- dos pelas dinâmicas de desenvolvimento
tuguesa como um dos seus factores estru- desigual da própria sociedade portuguesa
turais. Ela foi contínua e numericamente e levaram à progressiva desvitalização de-
significativa até meados da década de 50, mográfica, económica e social de muitas
em que se procurava principalmente desti- dessas áreas, processo cujas marcas são
nos não europeus — Brasil, Estados Uni- ainda hoje visíveis e que é de difícil recupe-
dos da América (EUA), Venezuela —, e co- ração.

57
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

À hemorragia dos anos 60 do século XX niente das ex-colónias africanas — 61 % de


seguiu-se um abrandamento das saídas, Angola, 33 % de Moçambique e 6 % de Ca-
embora nada que se pareça com uma para- bo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Prín-
gem. Depois de um período de estagnação, cipe (Pires et al., 1984). Apesar do carácter
entre 1975 e princípio dos anos 80, a emi- súbito e de massa desse movimento, ele foi
gração voltou a crescer a partir de meados em poucos anos plenamente absorvido pe-
dessa década. Há novos protagonistas e la sociedade portuguesa, no que se pode
modalidades migratórias e novos e velhos considerar como um dos mais notáveis e
pontos de chegada, dentro e fora do espaço bem-sucedidos processos de adaptação
europeu. Voltam a registar-se saídas para os estrutural do Portugal contemporâneo.
EUA, mas agora também para o Canadá e a As redes familiares e de amizade, em
Austrália, ao passo que na Europa países primeiro lugar, e, depois, os apoios estatais
como a Suíça e a Inglaterra passam a inte- à reinserção económica foram decisivos
grar as rotas da emigração portuguesa, ao para que o acolhimento desse vasto contin-
mesmo tempo que se assiste a nova procura gente tivesse sido, apesar de tudo, fácil.
de destinos tradicionais, como a Alemanha, A própria composição da população retor-
esta já nos anos 90 (Peixoto, op. cit.). nada, mais jovem e escolarizada e com
Os números conhecidos das saídas con- maior proporção de activos do que a mé-
sideradas permanentes são relativamente dia nacional, contribuiu para a sua rápida
baixos e dizem respeito, principalmente, a integração, de que resultaram impactes
movimentos para fora do continente euro- positivos no plano do rejuvenescimento de-
peu. Já as saídas ditas temporárias, e pre- mográfico, da qualificação profissional e
dominantemente intra-europeias, são consi- da iniciativa económica, com o surgimento
deráveis e acabam, muitas vezes, por se de pequenas empresas um pouco por todo
tornar permanentes, ou de ciclo não deter- o país. De referir, igualmente, a difusão de
minável, dadas as crescentes facilidades novos valores e estilos de vida, reforçando
de mobilidade no espaço europeu. Embora as dinâmicas de mudança cultural que o
o registo oficial das saídas não o deixe ante- 25 de Abril de 1974 tinha já desbloqueado.
ver, a contabilização dos residentes portu- O regresso de emigrantes, por seu la-
gueses nos países de chegada não enga- do, começa a tomar dimensão ainda antes
na. O caso da Suíça é, a este respeito, de 1974, e intensifica-se depois daquela
revelador: entre 1981 e 1991, os portugue- data. Entre 1973 e 1981 calcula-se que vol-
ses ali recenseados passam de 13 000 para taram a Portugal perto de 200 000 emigran-
100 000, a quarta comunidade de residen- tes, metade dos quais a partir de França.
tes estrangeiros naquele país (Baganha e Depois disso, verifica-se uma redução,
Peixoto, 1996). mas sem solução de continuidade. Num
Se a imigração é hoje, no plano dos mo- período mais recente, 1986-1993, por
vimentos populacionais, a maior novidade, exemplo, há elementos que apontam para
contribuindo para equilibrar uma balança um fluxo de regresso da ordem dos 21 000
migratória durante muito tempo deficitária, a 34 000 indivíduos por ano, sendo previsí-
pode falar-se também de uma nova emi- vel que essas entradas continuem a ocor-
gração portuguesa, de contornos ainda rer a ritmo significativo (Peixoto, op. cit.).
pouco conhecidos. Sem os impactes concentrados do retor-
Mas o movimento populacional mais es- no de África, pode dizer-se que o regresso
pectacular do pós-Abril de 1974 foi, sem de emigrantes representa já um peso impor-
dúvida, a chegada, entre 1974 e 1975, de tante na balança migratória portuguesa e
mais de meio milhão de portugueses prove- que tem efeitos não desprezáveis, mas ain-

58
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

da pouco estudados, em termos económi- A imigração económica, finalmente, é


cos, sociais e culturais. Dois aspectos mere- um processo que, embora com anteceden-
cem ser destacados, desse ponto de vista. tes que remontam já a meados da década
Um é o facto de, tanto quanto se sabe, de 60, só se torna notório a partir dos anos
os pontos a que se regressa serem fre- 80 (Esteves, 1991; Machado, 1997; Pires,
quentemente aqueles de onde se partiu. Se 1999). Nessa fase, Portugal, bem como os
esse movimento está longe de ser suficien- restantes países do Sul da Europa, passa a
te para inverter o processo de desertifica- integrar os percursos do amplo e continua-
ção e desvitalização que afectou as zonas do movimento migratório sul-norte, do qual
interiores do país, ele concorre, tal como já se tinha mantido à margem, já que até aí ti-
acontecera com o retorno das ex-colónias, nha sido, tal como Espanha, Itália ou Gré-
para lhe atenuar os efeitos. cia, exportador e não importador de mão-
O segundo tem a ver com as idades -de-obra. Alguma dessa migração procura
dos emigrantes que regressam e com o Portugal apenas como ponto de passa-
modo como se dá a sua reinserção na so- gem, mas muita visa fixar-se, especialmen-
ciedade e na economia. A par daqueles te na região de Lisboa e Vale do Tejo e
que só voltam depois de reformados, ou- noutras zonas mais desenvolvidas do litoral
tros regressam ainda em idade activa, e do país.
trazem descendentes menores de idade, Até ao final da década de 90 tratava-se,
minorando, portanto, o envelhecimento po- essencialmente, de migrantes procedentes
pulacional das respectivas áreas de resi- das antigas colónias africanas e secunda-
dência, e trazendo efeitos locais positivos riamente do Brasil. Eles começam a chegar
em termos económicos e de recomposição aos milhares em evidente sincronia com a
socioprofissional (Amaro, 1985). política de generalização de obras públi-

Contentores com pertences de população portuguesa regressada das ex-colónias africanas,


em Setembro de 1975.

59
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

cas e a expansão da construção civil, sec- tes chegaram dos vários países africanos
tores que depressa ficaram estruturalmente de língua oficial portuguesa (PALOP). Com
dependentes do trabalho imigrante. poucas excepções, independentemente
Dadas, também, a ausência de um da sua origem nacional e do seu nível de
efectivo controlo de entradas — ao mesmo qualificações — particularmente elevado
tempo que os países europeus centrais o no caso dos provenientes de países do
aumentavam —, e a rápida formação de re- Leste — estes imigrantes chegaram para
des migratórias, facilitando a vinda e inser- integrar os segmentos secundários e mais
ção de novos interessados, a migração desqualificados do mercado de trabalho.
africana multiplicou-se praticamente por A única diferença é que, dentro desses sec-
três num período de dez anos, passando tores de trabalho manual e executante, se
de 38 000 pessoas, em 1986, para cerca assistiu à diversificação de localizações,
de 110 000, em 1996. Os cabo-verdianos com os imigrantes de países de Leste, em
representam aproximadamente metade particular, a entrarem na agricultura e na in-
deste contingente, seguindo-se angolanos dústria transformadora, o que também mu-
e guineenses. Moçambicanos e são-to- dou parcialmente a geografia nacional da
menses constituem populações de peque- imigração (Baganha, Marques e Góis, 2004).
na dimensão. Além da componente lusófona e da de
Quanto aos brasileiros, o seu número Leste, um terceiro segmento da imigração
cresceu de forma igualmente rápida nesse económica é o constituído por asiáticos —
período de dez anos: de 7500 para mais de chineses, indianos, paquistaneses, bangla-
20 000. A composição socioprofissional deshianos. A imigração a partir desses paí-
dessa primeira vaga brasileira é, contudo, ses tem crescido pouco a pouco desde
bastante diferente da africana. Se esta se meados dos anos 90, mas não tem peso
destinava, basicamente, à construção civil, quantitativo comparável com as anteriores.
do lado masculino, e aos serviços pessoais Em 2006, os asiáticos de nacionalidade es-
e domésticos, do lado feminino, no caso trangeira eram cerca de 25 000, o corres-
brasileiro um segmento desqualificado pondente a 5 % do total de estrangeiros.
coexistia, em partes iguais, com muitos Como constante que é do sistema mi-
profissionais científicos e técnicos integra- gratório internacional, há ainda a somar
dos nos sectores da saúde, media, publici- aos números oficiais da imigração econó-
dade, entre outros. mica uma proporção não facilmente deter-
A transição do milénio coincidiu com uma minável de imigrantes ilegais. Basta dizer
alteração substancial do quadro da imigra- que as autoridades portuguesas, na linha
ção. Quando muitos pensavam que Portugal do que tem sido feito noutros países euro-
já tinha absorvido a imigração que podia peus, realizaram já três operações extraor-
absorver, foram legalizados, entre 2001 e dinárias de regularização dos migrantes
2002, através das chamadas autorizações nessas circunstâncias, em 1993, 1996 e
de permanência, mais de 170 000 novos 2001, que, em conjunto, legalizaram mais
imigrantes laborais (Pires, 2002). de 230 000 pessoas (Pires, 2003). Apesar
Surpresa também foi a origem de mui- de o controlo de entradas ter passado a ser
tos desses imigrantes. Mais de 100 000 mais rigoroso, é provável que a proporção
eram oriundos de países da Europa de de ilegais, mesmo não atingindo aqueles
Leste, com destaque para a Ucrânia (mais valores, seja hoje outra vez significativa.
de 60 000), Moldávia e Roménia. Menos Sendo largamente maioritários, os es-
surpreendentemente, um segundo conjun- trangeiros residentes em Portugal não se
to numeroso veio do Brasil e mais imigran- cingem, contudo, aos que integram os seg-

60
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

Imigrantes no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras regularizando as suas situações.

mentos menos desejáveis do mercado de das cinco populações mais numerosas são
trabalho. Para além dessa imigração eco- lusófonas: por ordem, brasileiros, ucrania-
nómica, ou laboral, há outra, que pode de- nos, cabo-verdianos, angolanos e guineen-
signar-se por profissional, oriunda de paí- ses. Os brasileiros, se contabilizarmos os
ses da UE (Pires, 1999). São quadros imigrantes em curso de legalização ao
superiores, profissionais científicos e técni- abrigo de um acordo recente entre os go-
cos, empresários, que formam uma fileira vernos dos dois países, são já cerca de
migratória já com alguma tradição, mas 100 000. Se, do lado dos originários dos
que só em tempos recentes, especialmen- PALOP, contássemos os que entretanto
te depois da adesão portuguesa, se torna adquiriram nacionalidade portuguesa, te-
numericamente expressiva. Há, por outro ríamos também um número global signifi-
lado, também oriunda da UE, uma peque- cativamente maior.
na migração do «sol e do Sul» que traz re- A constituição, em Portugal, de minorias
formados dos países do Norte para ame- etnicamente diferenciadas decorre em lar-
nas paragens portuguesas, especialmente ga medida, como se vê, da imigração labo-
no Algarve. Assim, o efectivo de estrangei- ral, segundo uma lógica que é comum a
ros da UE passa de 24 000 em 1986 para muitos outros países europeus. Falar de et-
43 000 em 1996 e 77 000 em 2006, desta- nicidade, ou, mais recentemente, de multi-
cando-se ingleses e espanhóis. culturalismo, é falar, em suma, da imigração
Tudo somado, e sem contar com imi- sedentarizada. Ainda que vista inicialmente
grantes ilegais, podemos falar, então, de como provisória, tanto pelas sociedades
perto de 500 000 estrangeiros em Portugal, receptoras, como pelos próprios migran-
cerca de 5 % do total da população resi- tes, é sabido que muita da migração labo-
dente, valor que já não é dos mais baixos ral que se dirigiu à Europa do segundo
no espaço europeu. pós-guerra acabou por se fixar definitiva-
Apesar da recomposição verificada nas mente. O caso português, ainda em início
origens nacionais dos imigrantes, a parte de ciclo, não se afastará provavelmente
lusófona da imigração mantém-se domi- desse padrão.
nante. Perto de metade dos estrangeiros é O espaço da etnicidade em Portugal não
oriunda dos PALOP e do Brasil e quatro é, no entanto, constituído só por minorias es-

61
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

trangeiras. Há também minorias etnicamente e obras públicas e nos serviços pessoais e


diferenciadas cujos membros são cidadãos domésticos e condições de existência glo-
portugueses: é o caso dos ciganos, estima- balmente desfavorecidas, acompanhadas
dos em 25 000 a 30 000, cuja presença no por concentração residencial. Em contra-
país é, como se sabe, muito antiga; dos in- partida, muitos têm sociabilidades interétni-
dianos, em número superior a 30 000 e sub- cas alargadas; só um sector pequeno dos
divididos em comunidades distintas; e dos guineenses contrasta com os portugueses
30 000 ou 40 000 luso-africanos, ou seja, em termos religiosos; e, no plano linguísti-
portugueses de origem africana que, além co, a existência de crioulos próprios, em to-
da nacionalidade, têm um perfil sociocultural dos os três casos, não impede, regra geral,
que os diferencia dos migrantes laborais o uso corrente do português. Já angolanos
com a mesma procedência. e moçambicanos, sendo também contras-
Do ponto de vista da composição so- tantes socialmente, mais os primeiros do
cial e da identidade cultural há diferenças que os segundos, são culturalmente mais
acentuadas entre as várias minorias, o que contínuos, dada a inexistência de contras-
significa que cada uma delas se encontra tes significativos seja em termos linguísti-
em posição diferente quando comparada cos, religiosos ou de sociabilidades.
com o perfil médio da população portu- Em posição inversa estão as comunida-
guesa. Algumas têm uma condição social des de indianos portugueses (Malheiros,
globalmente desfavorecida, outras não, al- 1996). No plano socioprofissional os con-
gumas utilizam línguas próprias na comu- trastes médios com a população portugue-
nicação quotidiana, outras expressam-se sa são reduzidos, já que a localização mais
exclusivamente em português, enquanto comum é a das actividades comerciais por
do ponto de vista religioso se encontram fi- conta própria, ou mesmo, no caso particular
liações variadas. dos ismaelitas, empresas de alguma dimen-
Para visualizarmos melhor a diversida- são. No plano cultural, porém, os contrastes
de das minorias podemos distribuí-las ao são acentuados. Além de sociabilidades
longo de dois eixos cruzados, um que vai fortemente autocentradas e de alguma
dos contrastes às continuidades sociais e concentração residencial, há demarcação
outro dos contrastes às continuidades cul- em termos religiosos e, em alguns secto-
turais. No primeiro eixo consideram-se co- res, também em termos linguísticos.
mo dimensões pertinentes a composição Ciganos e luso-africanos, por sua vez,
socioprofissional e de classe, a composi- ocupam ainda outras posições no espaço
ção sociodemográfica ou a localização es- da etnicidade, diferentes entre si e de qual-
pacial; no segundo eixo retêm-se a orienta- quer das anteriores. Os primeiros acumulam
ção da sociabilidade, a filiação religiosa e contrastes do lado social e cultural — desfa-
a língua. Num sistema de eixos assim defi- vorecimento socioeconómico, precariedade
nido, as várias minorias presentes na so- profissional, fechamento relacional —, ao
ciedade portuguesa distribuem-se por um passo que os segundos acumulam continui-
conjunto muito diversificado de posições dades — localizações maioritariamente de
(Machado, 1992; 2002). classe média, múltiplas sociabilidades cru-
Cabo-verdianos (Saint-Maurice, 1997), zadas com portugueses, auto-identificação
guineenses e santomenses distinguem-se católica largamente maioritária e uso cor-
da população portuguesa mais por con- rente do português, mesmo no intragrupo.
trastes sociais do que por contrastes cultu- Quanto aos brasileiros, as continuida-
rais. Aí predomina a inserção quase sem- des linguísticas, religiosas e de sociabilida-
pre precária no sector da construção civil de são evidentes, embora do lado social

62
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

encontremos uma larga maioria em situa- tural de novos migrantes que cheguem,
ção de contraste, em virtude, sobretudo, mas, sobretudo, pela dinâmica dos con-
do tipo de inserção socioprofissional domi- trastes e das continuidades, à medida que
nante. Não podemos esquecer, contudo, se prolonga o tempo de residência dos já
que a imigração brasileira tem uma compo- fixados. Tanto no plano social como no cul-
sição dual, e que há outro sector, constituí- tural, os contrastes e as continuidades po-
do por profissionais altamente qualificados, derão, assim, reproduzir-se ou reconverter-
cujos contrastes sociais, a existirem, são -se nos seus opostos.
«para cima». Porque permite antever, mesmo que
Finalmente, no que se refere às popu- parcialmente, algumas linhas de evolução
lações provenientes do Leste europeu, futura desse espaço, vale a pena referir o
apesar de os estudos até agora feitos não que se sabe hoje acerca dos jovens oriun-
serem suficientes para avaliar o seu posi- dos das diferentes minorias. Por razões
cionamento nas várias dimensões do es- que têm a ver com o calendário migratório
paço da etnicidade, dir-se-á que a situa- e os tempos de residência de cada popula-
ção global é mais de contraste do que de ção migrante, só existem «segundas gera-
continuidade. Há contrastes de composi- ções» de jovens no caso dos imigrantes
ção socioprofissional, embora não de per- africanos e dos indianos portugueses. Nos
fil educacional nem de localização resi- restantes casos, os descendentes de imi-
dencial, e há contrastes linguísticos e grantes são, por enquanto, sobretudo
religiosos. Do ponto de vista das sociabili- crianças.
dades, dimensão de integração funda- O que se vai sabendo sobre os descen-
mental, parece haver mais fechamento do dentes de imigrantes africanos mostra que
que abertura. os contrastes sociais se reduzem face à
Definido deste modo, o espaço da etni- geração anterior, seja por via da escolari-
cidade é, tendencialmente, um espaço em dade, bastante mais alta do que a dos seus
movimento. Ele pode transformar-se por via pais e mães, seja porque conseguem algu-
de mudanças eventuais no perfil sociocul- ma mobilidade profissional (Machado, Ma-
As diversas filiações religiosas das comunidades imigrantes em Portugal reflectem a sua
heterogeneidade. Templo hindu.

63
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

tias e Leal, 2005; Machado, no prelo). Em- sistema de políticas públicas de protecção
bora muitos desses jovens conheçam social, solidariedade e de prestação de
insucesso e abandono escolar, a sua situa- cuidados de saúde que mudaram profun-
ção não é substancialmente diferente da damente o quadro institucional do país,
dos jovens autóctones de idêntica condi- tanto no plano da organização estatal como
ção social. no plano do papel desempenhado pelos
Claramente pior, em termos escolares e parceiros sociais. Tal sistema não poderia
profissionais, estão os jovens ciganos. Por deixar de produzir impactes profundos nas
sua vez, os filhos dos indianos portugueses estruturas sociais e na qualidade de vida
têm, maioritariamente, desempenhos esco- das populações.
lares acima da média nacional e parecem Em 25 de Abril de 1974 não existia um
conseguir encontrar nas pequenas e mé- sistema público de segurança social e de
dias actividades empresariais das suas fa- acesso a cuidados de saúde de carácter
mílias uma inserção profissional relativa- universal. Só há poucos anos se tinha ini-
mente desafogada. ciado a criação de esquemas de previ-
Já do lado cultural, enquanto os jovens dência para certos segmentos dos traba-
indianos e ciganos, por razões diferentes, lhadores da indústria, do comércio e dos
não parecem afastar-se muito dos seus pais, serviços, geridos essencialmente segun-
no que toca ao fechamento das sociabilida- do a lógica dos seguros sociais, com o Es-
des, os das minorias africanas têm sociabili- tado a reservar para si uma mera função de
dades interétnicas fortes, que fazem mesmo «coordenador». Ainda no início dos anos
com que a auto-designação por origens na- 70, apenas 17 % dos membros de famílias
cionais, muito importante na geração dos de assalariados rurais e 70 % dos trabalha-
seus ascendentes, vá perdendo sentido. dores do comércio, indústria e serviços
O futuro das minorias imigrantes joga- eram abrangidos por esses esquemas. De
-se também, finalmente, no plano político. fora ficava a maior parte da população, no-
A situação de desfavorecimento de muitos meadamente o campesinato, a classe mais
dos seus membros significa, actualmente, numerosa de então.
vulnerabilidade à exclusão social e défice Como o tecido produtivo se apresenta-
de cidadania. Há, no entanto, processos va marcado por uma ruralidade muito de-
de sinal contrário, que não deixarão de primida e tradicionalista e pela incipiência
contribuir para alterar tal situação. Deles relativa da indústria e dos serviços, com
são exemplo os efeitos correctores das po- baixíssima produtividade e geradores de
líticas sociais, a extensão a muitos imigran- muito escassos rendimentos, a pobreza
tes do direito de votar e ser eleitos local- atingia valores da ordem dos 40 % da po-
mente, o acesso hoje menos difícil à pulação total. Embora atenuada, ainda hoje
nacionalidade portuguesa por parte dos essa marca permanece. Portugal mantém-
seus filhos ou ainda a crescente interven- -se como um dos países europeus com
ção pública do associativismo imigrante. mais pobres entre a sua população.
O problema da pobreza e da desigual-
dade social persiste, então, como um dos
Políticas, instituições
principais problemas da sociedade portu-
e parceiros sociais
guesa, que, porém, tem vindo a registar
Um dos aspectos mais salientes dos pro- progressos significativos. Por exemplo, os
cessos de transformação da sociedade relatórios do Programa das Nações Unidas
portuguesa nas últimas décadas prende-se para o Desenvolvimento (PNUD,1997,
com a criação e desenvolvimento de um 2006) mostram como o «índice de desen-

64
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

volvimento humano» duplicou em menos Para esse percurso contribuiu um me-


de quatro décadas, passando de 0,460 em lhor desempenho global da economia,
1960 para 0,904 em 2004, com registos in- apesar da estagnação verificada em anos
termédios de 0,588 em 1970, 0,807 em como 1983 e 1993 e, de forma mais dura-
1980 e 0,883 em 1995. A taxa de mortalida- doura, desde 2002. Importa porém realçar
de infantil, a qual reflecte de algum modo o o papel decisivo desempenhado pelo esta-
nível do conforto e o funcionamento dos belecimento de um sistema de políticas so-
sistemas de saúde e de protecção, foi di- ciais do tipo das que caracterizam os paí-
minuindo de modo muito significativo, de ses mais desenvolvidos da Europa e que,
77,5 crianças que morreram antes de com- embora com as marcas históricas de me-
pletarem um ano de idade por cada mil na- nor desenvolvimento típicas da Europa do
dos-vivos em 1960, para 55,5 em 1970, Sul, instituíram um Estado-providência em
24,3 em 1980, 11,0 em 1990, 6,4 em 1997 Portugal. De modo lento mas contínuo, es-
e 4 em 2004, segundo a mesma fonte. Por- sas políticas têm vindo a substituir as for-
tugal alcançou a taxa da UE, quando 40 mas privadas — nomeadamente familiares
anos antes o conjunto desses países tinha — em que anteriormente assentava a pro-
atingido já um valor inferior a metade do de tecção, naturalmente muito modesta e to-
Portugal. talmente insatisfatória, da maioria da popu-
A esperança de vida à nascença, outro lação.
indicador de qualidade de vida de uma po- Um exemplo claro é o que se passa na
pulação, tem vindo igualmente a crescer. saúde. Até 1979, à excepção de pequenos
Para os homens, passou de 61,2 anos em grupos de trabalhadores dos sectores mais
1960 para 64,2 em 1970, 67,7 em 1980, organizados da economia ou da adminis-
70,4 em 1990, 71,4 em 1996/1997 e 74,9 tração pública que beneficiavam das «Cai-
em 2004/2005, aproximando-se da média xas de Previdência» corporativas e de regi-
na UE, que era superior 6,2 anos a Portugal mes especiais, o pagamento dos cuidados
em 1960. Para as mulheres, os mesmos va- de saúde era atribuído aos pacientes e às
lores médios europeus são de 72,9 anos suas famílias. A assistência aos pobres era
em 1960 e 80,5 em 1996, enquanto em Por- prestada pelas Misericórdias. O governo ti-
tugal eram de 66,8 em 1960, 70,8 em 1970, nha também a responsabilidade dos cuida-
75,2 em 1980, 77,4 em 1990, 78,7 em dos preventivos — embora a saúde pre-
1996/1997 e 81,4 em 2004/2005, o que sig- ventiva nunca tenha sido, até hoje, uma
nifica que as mulheres portuguesas prati- área de investimento efectivo, apesar da
camente tenham atingido a média euro- instituição dos médicos de família, que vi-
peia. No total, a esperança média de vida riam, porém, a funcionar num registo algo
dos Portugueses era em 2004/2005 de 78,2 distante dessa abordagem —, cuidados
anos. maternais, saúde das crianças e certas
Inserido num contexto relativamente ao doenças infecciosas e mentais. Alguns
qual apresenta ainda hoje algumas des- sectores possuíam igualmente sistemas
vantagens importantes, Portugal tem vin- de seguros que cobriam alguns dos riscos
do, de facto, a conhecer, no plano da qua- de saúde.
lidade da sociedade, um percurso de Após o 25 de Abril de 1974 produziram-
melhoria acentuada, quando olhamos um -se grandes reformas institucionais. Em pri-
arco temporal alargado, apesar da irregu- meiro lugar, os hospitais centrais e os das
laridade no ritmo dessa melhoria resultan- Misericórdias passaram para a tutela do
te de diferentes conjunturas económicas e Estado em 1975. Os hospitais locais foram
políticas. integrados nos centros de saúde, criados

65
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

por todo o país, numa escala no mínimo comunitária e saúde pública e também
concelhia. Cerca de 2000 unidades médi- serviços de urgência. Para além dos orga-
cas e postos de saúde, que operavam no nismos centrais de administração, a ges-
quadro do sistema de protecção social, tão é assegurada a nível regional pelas
passaram também para o sistema estatal administrações regionais de saúde ou pe-
de saúde. Em 1979 a reforma atingiu o los governos regionais da Madeira e dos
ponto máximo com a criação do Serviço Açores.
Nacional de Saúde (SNS), visando a cria- O esforço com a saúde tem vindo a
ção de um sistema universal e completo de crescer de modo muito acentuado (ver
cuidados de saúde gratuitos. quadro da p. 67), sendo que Portugal se
O sistema nacional de saúde engloba encontra entre os países da OCDE que
três subsistemas: apresentam melhores indicadores em ma-
— o SNS, com cobertura universal e térias como a parte do produto interno bru-
gratuita, gerido pelo sector público e finan- to (PIB) gasta no sector, a despesa com
ciado quase exclusivamente pelos impos- produtos farmacêuticos no total das despe-
tos, apesar da existência de taxas modera- sas de saúde ou o número de médicos por
doras; mil habitantes. Apesar de partir de um nível
— regimes especiais de certas catego- de 2,8 % do PIB em 1970, contra cerca de
rias profissionais, cobrindo um quarto da 6,2 % na OCDE, Portugal cresceu para
população, que são financiados pelo Esta- 5,8 % em 1980 (6,7 para a OCDE), 6,5 %
do (no caso do regime dos funcionários pú- em 1990 (7,3 na OCDE) e 9,6 % em 2003
blicos), pelos trabalhadores e pelos empre- (pouco acima de 8,2 % no espaço econó-
gadores; mico que nos tem servido de referência).
— sector privado, financiado pelos Os indicadores são, porém, relativamente
clientes e por organismos terceiros (com- piores quando olhamos para o volume de
panhias de seguros, mutualidades). despesas por cada habitante, ao número de
O SNS integra uma rede de unidades camas em hospital, ao rácio de enfermeiros/
de cuidados especializadas e de hospitais /cama e ao número médio de consultas mé-
de diversos níveis territoriais, alguns dos dicas por pessoa/ano.
quais também especializados. Integra ain- O pior comportamento destes indicado-
da uma rede de malha fina de centros de res revela lacunas existentes no sistema.
saúde, no quadro dos quais funcionam os Criado num contexto em que os recursos
médicos de família, serviços de medicina não abundavam, fortemente atravessado

Centro de Saúde de Tarouca.

66
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

Hospital distrital de Viana do Castelo.

Indicadores de saúde em Portugal e nalguns países da OCDE

Despesas com Despesas de saúde Despesas Médicos/1000


cuidados de saúde, por habitante (USS) farmacêuticas habitantes
em % do PIB (% do total das
despesas de saúde)

2003 1993 2003 1993 2003 1993 2003 1993

Bélgica 9,6 8,1 2827 1601 16,6 f 17,4 3,9 a 3,4

República Checa 7,5 6,7 1298 760 21,9 19,4 3,5 2,9

Dinamarca 9 8,8 2763 1763 9,8 8,5 2,9 a 2,6

Finlândia 7,4 8,3 l 2118 1430 l 16 12,3 2,6 2,1

França 10,1 b 9,4 2903 b 1878 20,9 17,5 3,4 3,2

Alemanha 11,1 9,9 2996 1988 14,6 13,2 3,4 2,9

Grécia 9,9 8,8 2011 1077 16 16,6 4,4 e 3,8

Hungria 7,8 a 7,7 1115 a 638 27,6 a 28,4 3,2 2,9

Irlanda 7,3 a 7 2386 a 1039 11 a 10,7 2,6 2,0

Itália 8,4 8 2258 1529 22,1 20,2 4,1 3,8

Luxemburgo 6,1 a 6,2 3190 a 1891 11,6 a 12,2 i 2,7 2,1

Holanda 9,8 8,6 2976 1701 11,4 11 3,1 2,6 l

Polónia 6,0 a 5,9 677 a 378 : : 2,5 2,2

Portugal 9,6 7,3 1797 881 23,4 g 25,6 3,3 2,9

Eslováquia 5,9 : 777 : 38,5 : 3,1 :

Espanha 7,7 7,5 1835 1089 21,8 19,2 h 3,2 2,5 h

Suécia 9,2 a 8,6 l 2594 a 1644 l 13,1 a 10,9 3,3 a 2,7

Reino Unido 7,7 a 6,9 2231 a 1232 15,8 f 14,8 2,2 1,7

EUA 15 13,2 5635 3357 12,9 8,6 2,3 a 1,9

Fonte: OCDE, OECD Health Data 2005.


(:) não disponível; (I) quebra nas séries; (a) 2002; (b) estimado; (e) 2001; (f) 1997; (g) 1998; (h) 1995; (i) 1994.

67
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

por interesses corporativos cuja influência pessoal qualificado, com o resultado de


nas políticas públicas é um traço comum carências notórias num e noutro domínio, o
aos países do Sul europeu, obrigado a dar sistema de saúde tornou-se simultanea-
respostas mínimas a exigências e reivindi- mente um bem indispensável para a popu-
cações de direitos cada vez maiores da lação e um dos principais campos reque-
população, forçado a fazer em muito pouco rendo uma intervenção reformadora.
tempo todo o investimento necessário, tan- Outro conjunto decisivo de políticas so-
to em termos de infra-estruturas como de ciais inaugurado com a revolução de Abril
é o de protecção social. Foi também lança-
Taxa de pobreza (2003) do num período desfavorável do ponto de
vista económico para assegurar a sua sus-
1 2
tentação. O facto de não existir tradição
UE25 25 (s) 15 (s) contributiva, o baixo nível dos salários (e,
UE15 25 (s) 15 (s) logo, das contribuições), uma atitude nem
Bélgica 29 (b) 15 (b) sempre responsável por parte dos contri-
República Checa 21 8 buintes — nomeadamente de um sector
Dinamarca 32 (b) 12 (b)
conservador dos empregadores —, que fo-
gem às obrigações definidas na lei, o pro-
Alemanha 23 15
cesso de envelhecimento da população, o
Estónia 25 18
desemprego e as despesas de protecção
Grécia 24 (b) 21 (b)
que ele acarreta e a pressão com vista ao
Espanha 22 19
aumento das prestações colocam actual-
França 24 12 mente o sistema de segurança social por-
Irlanda 36 (b) 21 (b) tuguês perante um quadro complexo de
Itália : : opções estratégicas.
Chipre 20 15 Por um lado, pede-se-lhe que se desen-
Letónia 24 16 volva, que melhore os seus níveis de co-
Lituânia 23 15 bertura e de desempenho, de modo a atin-
Luxemburgo 23 (b) 10 (b)
gir os padrões normais dos países mais
desenvolvidos da Europa, que, aliás, con-
Hungria 17 12
tam com as transferências sociais como
Malta : :
um mecanismo poderoso na prevenção da
Holanda 23 (p) 12 (p)
pobreza (ver quadro ao lado). Na verdade,
Áustria 24 (b) 13 (b)
Portugal ainda é, na UE, e apesar de uma
Polónia 31 17 evolução positiva, dos países que menos
Portugal 26 (p) 19 (p) gasta com as despesas sociais. No nosso
Eslovénia 16 10 país a despesa com a protecção social não
Eslováquia 28 21 chegava a 2,8 % do PIB em 1960 e cres-
Finlândia 28 11 ceu para 7,5 % em 1975. Um novo impulso
Suécia : : foi dado a partir de meados dos anos 80,
Reino Unido 29 18
quando o valor atingiu 11,0 % (sendo a mé-
dia europeia de 22,2 %). Em 1990 o valor
Fonte: Eurostat.
1. Taxa de pobreza antes das transferências sociais, era já de 16,3 % e não cessou de se apro-
calculada como 60 % do rendimento mediano. ximar do esforço social praticado na Euro-
2. Taxa de pobreza depois das transferências so-
ciais, calculada como 60 % do rendimento mediano. pa desde essa data, tendo as despesas
(:) não disponível; (s) estimativas do Eurostat; (b) que-
com a protecção social em Portugal atin-
bra nas séries; (p) valor provisório. gindo a proporção de 24,3 % do PIB, con-

68
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

tra 28,3 % na Europa dos 15 e 28,0 % na tros regionais de segurança social (as se-
dos 25 (ver quadro abaixo). cretarias nos governos regionais da
O sistema, criado em 1994 no quadro Madeira e dos Açores são autónomas). Do
da preparação da adesão de Portugal à ponto de vista substantivo, o sistema divi-
então Comunidade Económica Europeia de-se em duas componentes básicas. Por
(CEE), compreende hoje uma organização um lado, o sistema misto de repartição e
centralizada no Instituto de Segurança So- capitalização com contribuições obri-
cial, que coordena a acção de cinco cen- gatórias por parte de trabalhadores e em-

Despesas com a protecção social, em % do PIB na UE


1994 1996 1998 2000 2001 2002 2003
UE25 : : : 26,9 27,1 27,4 28,0

UE15 28,4 28,4 27,5 27,2 27,5 27,7 28,3

Bélgica 28,7 28,6 27,6 26,8 27,7 28,8 29,7

República Checa : 17,6 18,6 19,6 19,5 20,2 20,1

Dinamarca 32,5 31,2 30,0 28,9 29,2 29,9 30,9

Alemanha 27,7 29,4 28,9 29,3 29,3 29,9 30,2

Estónia : : : 14,4 13,6 13,2 13,4

Grécia 22,1 22,9 24,2 26,3 27,0 26,4 26,3

Espanha 22,8 21,9 20,6 19,6 19,4 19,6 19,7

França 30,2 30,6 30,0 29,3 29,5 30,2 30,9

Irlanda 19,7 17,6 15,2 14,1 15,0 15,9 16,5

Itália 26,0 24,8 25,0 25,2 25,6 26,1 26,4

Chipre : : : : 15,2 16,4 :

Letónia : : : 15,3 14,3 13,8 13,4

Lituânia : : : 15,8 14,7 14,1 13,6

Luxemburgo 22,9 24,1 21,7 20,3 21,3 22,6 23,8

Hungria : : : 19,8 19,8 20,7 21,4

Malta : 18,8 18,9 16,9 17,7 18,0 18,5

Holanda 31,7 30,1 28,4 27,4 26,5 27,6 28,1

Áustria 28,9 28,8 28,4 28,3 28,6 29,2 29,5

Polónia : : : 20,1 21,5 21,9 21,6

Portugal 21,3 20,4 21,2 21,7 22,8 23,7 24,3

Eslovénia : 24,0 24,8 24,9 25,3 25,2 24,6

Eslováquia : 19,8 20,2 19,5 19,1 19,2 18,4

Finlândia 33,8 31,4 26,9 25,3 25,5 26,2 26,9

Suécia 36,8 33,8 32,2 31,0 31,5 32,5 33,5

Reino Unido 28,6 28,0 26,9 27,0 27,5 26,4 26,7

Fonte: Eurostat, Statistics in Focus, Population and Social Conditions, 14/2006, ESSPROS.
(:) não disponível.

69
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

pregadores, o qual tem vindo a integrar di- mentos de apoio à infância e à velhice. São
versos subsistemas especiais que foram apoiados um pouco mais de 9000 equipa-
sobrevivendo, e que assegura aos benefi- mentos sociais que, por sua vez, abrangem
ciários (trabalhadores por conta de outrem cerca de 350 000 pessoas.
e trabalhadores independentes) e aos seus O principal contingente dos beneficiá-
familiares a cobertura dos riscos típicos rios da protecção social são pensionistas,
dos modelos de protecção europeus: velhi- que perfaziam 2 593 381 pessoas em
ce, sobrevivência, apoio à família, doença, 1998, distribuídas pelo regime geral, pelo
desemprego, invalidez, morte, entre outros. regime especial de segurança social das
Por outro lado, subsidiado através do Orça- actividades agrícolas (RESSAA), pelo regi-
mento de Estado, o sistema de solidarieda- me não contributivo de protecção social e
de assegura um conjunto de direitos quer a equiparado (RNCE), pensão social e regi-
pessoas que não contribuíram, na maior me transitório dos rurais. Em Dezembro de
parte dos casos dada a inexistência de es- 2004 o seu número era de 2 647 110,
quemas de protecção a elas dirigidos en- 82,0 % dos quais do regime geral, 13,4 %
quanto foram activas (é o caso das pen- do RESSAA e 4,6 % do regime não contri-
sões sociais criadas a seguir à revolução butivo (ver quadro abaixo). O país tinha de
de 1974), quer a pessoas e famílias de bai- facto conhecido uma enorme evolução se
xos rendimentos (é o caso do Rendimento compararmos estes dados com os 187 300
Social de Inserção, que veio substituir as pensionistas em 1970 e com os 861 700
prestações casuísticas e dependentes da que resultaram do salto dado após 1974.
disponibilidade orçamental que caracteri- O Rendimento Social de Inserção é a
zava a assistência social antes de 1996). actual designação para a política que, em
O sistema de solidariedade nacional 1996, foi lançada com o título de «Rendi-
envolve ainda a acção social, nomeada- mento Mínimo Garantido». Importa fazer re-
mente o enquadramento de serviços pres- ferência específica a essa medida por ser
tados em equipamentos sociais, incluindo geralmente considerada a sua instituição
o apoio económico àqueles que funcionam como um passo dado em Portugal (e ainda
numa lógica não lucrativa de solidarieda- por dar nos restantes países do Sul euro-
de, com base em associações como as Mi- peu) no sentido de completar o modelo
sericórdias ou outras instituições particula- de Estado social. Depois de um período de
res de solidariedade social, as quais gerem crescimento de beneficiários entre 1997 e
cerca de 90 % da oferta pública de equipa- 1999, quando eram, respectivamente,

Pensionistas por regime e por eventualidade

Invalidez Velhice Sobrevivência Total

Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Média
2001 2004 1/ 2001 2004 1/ 2001 2004 1/ 2001 2004
Média Média Média

Regime geral 291 271 277 120 -1,6 1 183 335 1 351 665 4,5 519 164 542 387 1,5 1 993 770 2 171 172 2,9

RESSAA 19 296 13 161 -12,0 318 679 259 036 -6,7 92 334 81 666 -4,0 430 309 353 863 -6,3

R. não cont. 46 777 48 434 1,2 54 750 71 584 9,3 3 320 2 057 -14,7 104 847 122 075 5,2

Total 357 344 338 715 -1,8 1 556 764 1 682 285 2,6 614 818 626 110 0,6 2 528 926 2 647 110 1,5

Fonte: Relatório Nacional de Estratégia (Centro Nacional de Pensões). 1/ Taxa anual média entre Dezembro de
2001 e Dezembro de 2004.

70
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

116 835 e 431 903, correspondendo a vê confrontado com novas necessidades


1,2 % e 4,3 % do total da população portu- emergentes de processos demográficos,
guesa, o número de beneficiários desceu económicos e familiares que requerem
para 320 155 em 2002 (3,1 % da popula- a sua reforma, por um lado para responder
ção), sendo que 62 % do abandono resul- a um novo tipo de exclusão social resultan-
tou de aumento dos rendimentos como te dos próprios processos de mudança,
consequência dos 173 257 indivíduos en- sem deixar de atender as expectativas de
volvidos em planos de inserção (dos quais outros sectores dos contribuintes, e, por
estavam dispensados os 25 % de benefi- outro lado, para assegurar a solidariedade
ciários que eram trabalhadores e outros com as gerações futuras.
25 % de pessoas incapacitadas para o tra- A resposta a estes desafios tem vindo a
balho). Depois de 2002, devido aos efeitos ser procurada numa nova geração de polí-
da crise económica e ao impacto das res- ticas sociais. Três traços as caracterizam:
trições orçamentais na dotação dos servi- — o alargamento do conceito de solida-
ços com o pessoal necessário ao acompa- riedade, dirigida não apenas às gerações
nhamento das famílias e dos contratos de futuras, mas também aos mais desfavoreci-
inserção, tem-se verificado de novo um au- dos actualmente, num quadro de diversifi-
mento do número de beneficiários e um cação dos esquemas e das suas lógicas,
abaixamento da qualidade e do número de assegurando o Estado a oferta de serviços
programas de inserção oferecidos. públicos e a protecção básica do conjunto
Na sequência de uma tradição muito dos cidadãos, com base na contribuição
antiga, o sistema conta também com as as- de todos para o sistema, independente-
sociações mutualistas, que foram flores- mente da escolha por esquemas alternati-
centes no século XIX e nas primeiras déca- vos, nomeadamente o mutualista e os se-
das do século XX, quando eram a única guros privados;
alternativa para sectores que se organiza- — a adopção de uma estratégia de
ram para garantir a sua própria providên- combate à pobreza, através da discrimina-
cia. Elas conheceram uma crise no período ção positiva, beneficiando mais os secto-
da ditadura, cuja ideologia relegava para res em piores condições e, principalmente,
as famílias a principal responsabilidade da através do desenvolvimento de um conjun-
protecção, não apostando no seu desen- to de políticas activas de reinserção;
volvimento no quadro da universalização — começa a discutir-se, por último, a
de direitos e deveres. Após o 25 de Abril a adopção de políticas de emprego assentes
situação alterou-se, e as associações de no conceito de «flexissegurança», visando
socorros mútuos aprestam-se para assumir qualificar a população, apoiar a moderniza-
o papel que faz com que, na reforma em ção do tecido económico, contribuir para o
curso, se tornem no segundo pilar do siste- aumento da produtividade e prevenir o de-
ma de protecção, embora o peso relativo semprego, oferecer protecção a todos os
seja bastante diminuto. que fiquem desempregados e oportunida-
O terceiro pilar do sistema é constituído des para um rápido retorno ao trabalho e,
pelos seguros privados, cuja regulação es- ainda, a reinserção de desempregados de
tá concebida de modo a não inviabilizar a longa duração que perderam os laços com
sustentabilidade do primeiro pilar, o do sis- o mercado.
tema público. Para além da diversificação dos esque-
O sistema de protecção social em Por- mas implícita na ideia dos três pilares, o
tugal não se pode limitar a recuperar o novo conceito de solidariedade que atra-
atraso que ainda apresenta, dado que se vessa a reforma da protecção social tra-

71
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

duz-se noutras medidas, como o recurso à munerações dos salários mais baixos, da
capitalização dos excedentes do sistema estabilidade dos vínculos laborais, da qua-
público de modo a garantir a sua sustenta- lificação dos empregados e dos níveis de
ção futura (num contexto de previsível qualificação dos jovens que se apresentam
crescimento da taxa de dependência dos no mercado, melhoraram entre 1995 e 2001,
pensionistas), da opção, para quem o qui- após a recuperação da crise de 1993. Para
ser fazer, da capitalização privada (seguros isso contribuíram os programas de recon-
que, porém, não dispensam a contribuição versão das empresas, modernização do te-
solidária para o sistema), a discriminação cido produtivo, criação de infra-estruturas
positiva dos beneficiários de mais baixos de formação e lançamento de vastos pro-
recursos, através de aumentos superiores gramas de formação profissional e emprego
à média das pensões de baixo valor e a va- co-financiados pelos Fundos Estruturais.
lorização das carreiras contributivas, prin- Tal não impede que se possam detectar
cipalmente as mais longas, com vista ao problemas e debilidades estruturais de
aumento da idade real de reforma. grande relevo.
O aumento das pensões mais baixas, o Um deles tem a ver com a fraca qualifi-
Rendimento Social de Inserção, o mercado cação da mão-de-obra empregada, incluin-
social de emprego, novas medidas de do uma boa parte dos jovens que encon-
apoio às famílias com crianças pobres e a tram mais facilmente emprego com baixas
concentração de recursos em projectos de qualificações escolares do que quando as
desenvolvimento comunitário nos «bairros têm médias. Os baixos níveis de qualifica-
críticos» das grandes cidades constituem ção traduzem-se em menor produtividade,
o elemento essencial de medidas específi- enorme dificuldade de adaptação e níveis
cas de combate à pobreza. Ela é, em Por- de empregabilidade que não facilitam a re-
tugal, uma das mais elevadas da Europa, conversão em caso de crise nos sectores
retomando o crescimento de 19 % em 2000 ou nas empresas menos modernizados,
para 21 % em 2003, depois de uma queda que elegem, aliás, os baixos níveis salariais
entre 1995 e 2000, e atinge não apenas po- e outros aspectos geradores de menor qua-
pulações tipicamente vulneráveis, mas lidade do emprego como principal factor de
também e em larga escala pensionistas de competitividade. Por outro lado, o desem-
todos os regimes e muitos trabalhadores prego de longa duração atinge uma propor-
empregados. ção muito forte entre o conjunto dos desem-
Esta última realidade associa-se ao fac- pregados, que cresceu fortemente desde
to de Portugal ter um mercado de emprego 2001 e só agora parece estar a dar mostras
caracterizado, de modo geral, por eleva- de poder estabilizar entre os 7 e os 8 por
dos níveis de emprego — incluindo o das cento. Por fim, uma parte importante da po-
mulheres, em crescimento — e níveis de pulação encontra-se em situação de exclu-
desemprego que foram sendo baixos até são do mercado, muitas vezes reproduzida
que, após 2002, o crescimento económico de geração em geração.
baseado num modelo intensivo em mão- Por esta razão, o Plano Nacional de Em-
-de-obra pouco qualificada começa a dar prego coloca as suas prioridades nas políti-
mostras de estar em crise, com repercus- cas de educação e de formação da popula-
sões imediatas no crescimento do desem- ção jovem e activa e, por outro lado, na
prego, sem que por isso se verificasse — modernização tecnológica, de modo a au-
pelo contrário — um aumento da produtivi- mentar a empregabilidade dos trabalhado-
dade do trabalho (ver quadros das pp. 73 e res e a adaptabilidade das empresas. Outra
74). Todos os indicadores, como o das re- prioridade é a prevenção do desemprego

72
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

de longa duração, através da formação e da no com os serviços de educação, das fi-


activação dos desempregados, aos quais os nanças — para desenvolver o que as políti-
serviços, entre outras coisas, devem ofere- cas fiscais podem ter de estímulo ao
cer um Plano Individual de Emprego com emprego —, da saúde, da promoção da
vista ao regresso sustentado ao mercado. igualdade de oportunidades entre homens
Os serviços de emprego e formação, e mulheres, da economia, entre outros, pa-
nomeadamente o Instituto de Emprego e ra mudar em profundidade a face do país.
Formação Profissional, colaboram no terre- Este programa implica, naturalmente,

Taxa de emprego na UE (15-64 anos)

1995a00 1999a00 2000 2001a00 2002a00 2003a00


UE25 : 61,9 62,4 62,8 62,8 62,9

UE15 60,1 62,5 63,4 64,0 64,2 64,3

Bélgica 56,1 59,3 60,5 59,9 59,9 59,6

República Checa : 65,6 65,0 65,0 65,4 64,7

Dinamarca 73,4 76,0 76,3 76,2 75,9 75,1

Alemanha 64,6 65,2 65,6 65,8 65,4 65,0

Estónia : 61,5 60,4 61,0 62,0 62,9

Grécia 54,7 55,9 56,5 56,3 57,5 58,7

Espanha 46,9 53,8 56,3 57,8 58,5 59,8

França 59,5 60,9 62,1 62,8 63,0 63,3

Irlanda 54,4 63,3 65,2 65,8 65,5 65,5

Itália 51,0 52,7 53,7 54,8 55,5 56,1

Chipre : : 65,7 67,8 68,6 69,2

Letónia : 58,8 57,5 58,6 60,4 61,8

Lituânia : 61,7 59,1 57,5 59,9 61,1

Luxemburgo 58,7 61,7 62,7 63,1 63,4 62,2

Hungria : 55,6 56,3 56,2 56,2 57,0

Malta : : 54,2 54,3 54,4 54,2

Holanda 64,7 71,7 72,9 74,1 74,4 73,6

Áustria 68,8 68,6 68,5 68,5 68,7 68,9

Polónia : 57,6 55,0 53,4 51,5 51,2

Portugal 63,7 67,4 68,4 69,0 68,8 68,1

Eslovénia : 62,2 62,8 63,8 63,4 62,6

Eslováquia : 58,1 56,8 56,8 56,8 57,7

Finlândia 61,6 66,4 67,2 68,1 68,1 67,7

Suécia 70,9 71,7 73,0 74,0 73,6 72,9

Reino Unido 68,5 71,0 71,2 71,4 71,3 71,5

(:) não disponível.

73
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

uma participação activa dos parceiros so- cional — CGTP-IN — e a União Geral dos
ciais, actores centrais neste campo. Exis- Trabalhadores — UGT) são maioritárias,
tem em Portugal cerca de 331 sindicatos, bem como 450 associações, 21 fede-
26 federações sindicais, 39 uniões sindi- rações, nove uniões e seis confederações
cais e cinco confederações sindicais, das patronais. É-lhes pedido que acordem polí-
quais duas (a Confederação Geral dos Tra- ticas macroeconómicas capazes de sanear
balhadores Portugueses-Intersindical Na- as contas públicas, de tornar mais transpa-

Taxa de desemprego na UE

1995 2000 2001 2002 2003 2004

UE25 : 8,6 8,4 8,8 9,0 9,1

UE15 10,1 7,7 7,3 7,6 8,0 8,1

Bélgica 9,7 6,9 6,6 7,5 8,2 8,4

República Checa : 8,7 8,0 7,3 7,8 8,3

Dinamarca 6,7 4,3 4,5 4,6 5,4 5,5

Alemanha 8,0 7,2 7,4 8,2 9,0 9,5

Estónia : 12,8 12,4 10,3 10,0 9,7

Grécia 9,2 11,3 10,8 10,3 9,7 10,5

Espanha 18,4 11,1 10,3 11,1 11,1 10,6

França 11,1 9,1 8,4 8,9 9,5 9,6

Irlanda 12,3 4,3 4,0 4,5 4,7 4,5

Itália 11,2 10,1 9,1 8,6 8,4 8,0

Chipre : 4,9 3,8 3,6 4,1 4,6

Letónia : 13,7 12,9 12,2 10,5 10,4

Lituânia : 16,4 16,5 13,5 12,4 11,4

Luxemburgo 2,9 2,3 2,1 2,8 3,7 5,1

Hungria : 6,4 5,7 5,8 5,9 6,1

Malta : 6,7 7,6 7,5 7,6 7,4

Holanda 6,6 2,8 2,2 2,8 3,7 4,6

Áustria 3,9 3,6 3,6 4,2 4,3 4,8

Polónia : 16,1 18,2 19,9 19,6 19,0

Portugal 7,3 4,0 4,0 5,0 6,3 6,7

Eslovénia : 6,7 6,2 6,3 6,7 6,3

Eslováquia : 18,8 19,3 18,7 17,6 18,2

Finlândia 15,4 9,8 9,1 9,1 9,0 8,8

Suécia 8,8 5,6 4,9 4,9 5,6 6,3

Reino Unido 8,5 5,4 5,0 5,1 4,9 4,7

Fonte: Eurostat, extraction, EU Labour Force Survey (EU-LFS).


(:) não disponível.

74
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

rentes e funcionais os mercados, de parti- bilidades sociais ascendentes somam-se,


cipar no esforço de qualificação dos jovens também, a essas evoluções.
e dos activos, de modernização das em- Se os níveis de literacia dos Portugue-
presas e de contribuição para a qualidade ses, as suas competências efectivas em ter-
da sociedade, a coesão social e a concilia- mos de leitura, escrita e cálculo, estão ainda
ção do trabalho com a vida familiar por via bem longe de atingir patamares satisfató-
de práticas socialmente responsáveis. rios, a verdade é que o acesso e frequência
dos diversos graus de ensino são hoje tam-
bém marcadamente superiores aos atingi-
Jovens e valores sociais
dos nos anos 60. E recorde-se também que
A evolução demográfica em Portugal des- as mulheres estão a aproveitar as oportuni-
de os anos 50, mas particularmente a partir dades oferecidas pelo sistema, sendo já
dos anos 80, tem vindo a provocar impor- maioritárias, como se viu, no ensino supe-
tantes efeitos em várias dimensões da vida rior, quer em termos de frequência, quer em
social, alguns dos quais inevitavelmente se termos de graduação (ver quadro da p. 47).
prolongarão e se aprofundarão no futuro. O crescimento recente da actividade
Recorde-se que, num quadro de estabi- exterior feminina, com uma claríssima do-
lidade tendencial do conjunto da população minante de trabalho em tempo integral, fez
e independentemente dos saldos líquidos que se atingissem, por seu turno, valores
migratórios, o que vai sendo mais signifi- extremamente elevados. A diferença per-
cativo nas tendências globais verificáveis centual de actividade económica entre ho-
nesse plano é o duplo envelhecimento no mens e mulheres está hoje entre as meno-
topo e na base da distribuição etária. O pri- res da UE.
meiro deve-se ao alargamento da esperan- No plano dos movimentos espaciais,
ça de vida. O envelhecimento na base, por prolonga-se a cultura secular de emigra-
seu turno, tem a ver com o forte declínio da ção dos Portugueses, embora o volume
natalidade, que em 1997 apresentava já dos emigrantes seja muito menor do que o
uma taxa bruta de 11,4, quando em 1960 ti- verdadeiro êxodo dos anos 60 e tenda a ter
nha ainda um valor de 24,1, bem como da também uma forte componente sazonal.
quebra da fecundidade, que estava em Do lugar da imigração foram já enunciadas
2004 nos 1,4 filhos por mulher em idade fér- as mais recentes tendências, sendo de su-
til, a comparar com os 3,2 no início dos anos blinhar a sua inédita dimensão recente,
60 (ver quadro da p. 51). Tão profundas bem como a diversidade, igualmente re-
transformações, tempos atrás provavelmen- cente, da respectiva composição.
te não esperáveis, com esta dimensão, em A revolução de Abril de 1974, finalmen-
países da Europa do Sul, relacionam-se te, ao repor um sistema democrático longa-
com um conjunto complexo de factores. mente afastado, gerou ela própria um vasto
Portugal desruralizou-se aceleradamen- conjunto de oportunidades e de consequên-
te desde o segundo pós-guerra (ver qua- cias na vida social, económica e política do
dro da p. 47), alterando por aí muitos dos país. Se aqui se retomam, sinteticamente,
valores tradicionais, dos comportamentos e estes factores principais de mudança, é
dos modos de vida da sua população. Essa porque além de eles se ligarem entre si,
população modificou também significativa- também necessariamente se articulam com
mente a sua composição, urbanizando-se, as dimensões demográficas antes enuncia-
fixando-se nas regiões litorais, transferindo das. Desde logo, a habitual classificação
a sua actividade económica, em muitos ca- das gerações, utilizada quer em termos ad-
sos, para o sector dos serviços. Fortes mo- ministrativos quer com objectivos analíti-

75
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

cos, parece cada vez mais problemática à mesmo, previsíveis. Progressivamente, em


luz dos desenvolvimentos recentes, que ao particular por influência do aumento do de-
mudarem os contextos sociais põem em semprego e da precarização do trabalho —
crise as fronteiras intergeracionais. É para de que os jovens estão entre as vítimas pre-
tentar superar a incomodidade dessa ina- ferenciais —, essas transições não apenas
dequação que começam a surgir propos- tendem a prolongar-se no tempo, como as-
tas de classificações híbridas, como, por sumem um carácter de imprevisibilidade e
exemplo, a de «novos velhos», ou a de «jo- de risco, imprevisibilidade e risco que, em-
vens adultos». bora sob diferentes formas, passaram a
Como é sabido, o progressivo envelheci- afectar mesmo alguns sectores provenien-
mento no topo, em Portugal e no contexto tes de famílias com maiores recursos.
europeu, põe problemas cada vez mais pre- Toda essa incapacidade de integração
mentes aos modelos de organização social, normalizada vai gerando, por parte dos jo-
que estavam genericamente impreparados vens, diferentes estratégias adaptativas,
para uma tal transformação. E quanto aos originando, do mesmo passo, transições
jovens? pautadas por culturas performativas que se
Não se pode evidentemente esquecer alimentam do risco, da incerteza e da
que falar de juventude implica um duplo ar- aventura (Pais, 1998a) e (AAVV, 1999).
bitrário: por um lado definir operacional- O que se passa, então, é que os jovens
mente as tais fronteiras indecisas do ciclo não vão tendo outro remédio senão o de se
de vida, por outro homogeneizar de forma transformarem em especialistas práticos
implícita algo que é, na sociedade, extre- em lidar com a incerteza.
mamente diversificado. Se quisermos, em Os rituais emancipatórios próprios da
todo o caso, resumir alguns aspectos bási- afirmação identitária das gerações jovens
cos da evolução estrutural recente dos tendem a intensificar-se nos seus modelos
sectores jovens em Portugal, poderemos e conteúdos, investindo fortemente os
dizer que eles têm vindo a diminuir o seu comportamentos quotidianos.
peso relativo no conjunto da população, Isso mesmo se revela numa certa cultu-
que aumentaram a escolaridade, que vi- ra e numa certa prática do excesso, do de-
vem mais nas cidades e no litoral, que ca- safio e da transgressão, com variadíssimas
sam menos, mais tarde e mais civilmente, manifestações. Elas vão dos desportos ra-
que vêem adiada a entrada no mercado de dicais ao piercing, do consumo de droga a
trabalho e adiam também o nascimento do certas formas de criminalidade, da sinistra-
primeiro filho, que reduzem a sua descen- lidade rodoviária à música e ao vestuário.
dência global e a aumentam fora do casa- Ou seja, essas culturas performativas —
mento (Figueiredo, Silva e Ferreira, 1999). que obviamente não se configuram neces-
O fenómeno que mais transversalmente sariamente como práticas «desviantes» —
parece então afectar esses sectores de jo- atravessam as diversas dimensões de vida
vens portugueses é, porventura, o que res- das camadas juvenis, incluindo, em parti-
peita à mudança radical nos modelos de cular, as dimensões lúdicas, conviviais
acolhimento e integração de que a socie- e de lazer. Por aí se afirmam identidades e
dade tradicionalmente dispunha. diferenças.
Com efeito, os percursos que costuma- A incerteza e, frequentemente, a fragili-
vam conduzir à passagem à idade adulta, dade dos modelos de inclusão social fazem
se bem que se diferenciassem entre si con- com que a transição para a idade e para a
forme as classes sociais, eram razoavel- sociedade adultas não só se prolongue no
mente rígidos, normalizados e, por isso tempo como possa ter retrocessos.

76
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

A designação «geração yô-yô» (Pais,


1996; Walter et al., 1999) pretende justa-
mente mostrar como, em muitos casos, as
transições que parecem consumadas atra-
vés dos seus indicadores habituais — o
trabalho, o casamento, a nova casa — são
afinal reversíveis, podem voltar atrás, por-
que sobreveio o desemprego, porque hou-
ve divórcio, porque se voltou à casa pater-
na, porque se tornou à condição estudantil.
Tudo recomeçará mais tarde, numa nova
entrada convencional na vida adulta.
O sistema de ensino, instituição sociali-
zadora por excelência, constitui bom exem-
Manifestação anti-racista.
plo das dificuldades crescentes na integra-
ção dos jovens, como mostra o preocupante Os estudantes do ensino superior con-
volume de abandonos do sistema, bem co- firmam, por seu turno, a centralidade que
mo os níveis altos de iliteracia de muitos dos para eles têm certas esferas da vida social,
que o frequentam ou frequentaram. em particular as que se referem à família e
Mesmo a universidade, onde já só che- aos amigos, ao mesmo tempo que atri-
gam os que passaram um complexo siste- buem pouca importância ao poder e se
ma de filtros sociais, parece continuar a re- distanciam das organizações políticas e re-
velar distância e por vezes choque entre ligiosas. Mas expressam confiança, em
os seus próprios modelos organizativos, os contrapartida, no futuro científico, tecnoló-
seus procedimentos, as suas pedagogias gico, económico e político do país (Almei-
prevalecentes e alguns dos valores «exte- da, 1990; Almeida, Costa e Machado,
riores» da juventude. 1988; Costa, Machado e Almeida, 1990;
Como se vão traduzindo os novos pro- Machado, Costa e Almeida, 1989).
cessos sociais no conjunto desses valores Se os valores dos jovens parecem indi-
dos jovens, se entendermos valores como ciar um caminho global de modernidade,
sistemas de preferências, relativamente terá isso algum valor preditivo para o futuro
duradouras, que constituem referências da sociedade portuguesa? Estaremos pe-
para os respectivos comportamentos? rante um mero efeito de ciclo de vida, que
Estudos recentes mostram que os jo- a chegada à idade adulta se encarregará
vens portugueses têm posições menos de reabsorver e normalizar em posturas
conservadoras do que as gerações mais mais conformistas? Ou haverá aqui, pelo
velhas, o que evidentemente não surpreen- contrário, um efeito geracional que tenderá
de. Eles tendem, com efeito, a valorizar a li- a prolongar-se na cultura e nos valores fu-
berdade de expressão e a tolerância, valo- turos? O cenário mais provável irá no senti-
rizando também claramente as relações do da última hipótese colocada.
afectivas. Os mais instruídos, em particular, As jovens gerações viveram, com efei-
defendem a liberdade pessoal, apostam na to, condições sociais muito significativa-
auto-realização e na igualdade de oportu- mente diferentes das dos seus pais, a be-
nidades, consideram de forma positiva os nefício de um conjunto de transformações
esforços em prol da democracia, da ecolo- rápidas a que atrás se aludiu, e que no
gia e da convivência multicultural (Pais, pós-guerra, em particular a partir dos anos
1998b). 60, modificaram significativamente o país.

77
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Trata-se de processos que nada leva a crer des camponesas, o colectivo, aldeão e
que se interrompam ou que invertam o seu familiar, constituía o princípio e o fim de to-
percurso. A ser assim, então, a continuida- das as dimensões relevantes da vida. Ele
de e o aprofundamento de tais processos justificava sacrifícios, adiamento ou renún-
tenderão a reactualizar os efeitos, no mes- cia a prazeres, preparação laboriosa e de-
mo sentido, que vêm exercendo sobre as fensiva de um futuro incerto e geralmente
dimensões simbólicas da sociedade portu- ameaçador. Esse «mundo que nós perde-
guesa. mos», com a rápida desruralização, deu lu-
Diversos estudos parecem confirmar, gar a novas lógicas e constrangimentos.
desde já, a prevalência de certas configu- É verdade que os sectores urbanos conti-
rações de valores com âmbito mais global nuam, como no passado, a atribuir impor-
e mais intergeracional. tância primordial à afectividade e à família,
Como sempre acontece, só se pode fa- o que justamente contribuirá para lhes tem-
lar aqui de tendências, que não são nem perar o individualismo. Mas já preferem o
partilhadas por todos os grupos sociais, modelo simétrico e autónomo de organiza-
nem isentas de manifestações de sinal ção familiar, com mais igualdade e menos
contrário. Elas têm sido, por outro lado, sacrifícios individuais. E valorizam, por ou-
marcadas por uma sucessão de conjuntu- tro lado, o conteúdo intrínseco do trabalho,
ras de ciclo alto atravessadas pelo país, o prazer que dele retiram. Eles estão me-
que vão da instauração democrática aos nos dispostos a adiamentos daquilo que
primeiros efeitos positivos, nos planos polí- consideram poder ser a sua felicidade.
tico, económico e social, da integração eu- Uma segunda tendência de valores,
ropeia. Eventuais alterações de conjuntura que se liga de resto a essa recusa de adia-
afectarão necessariamente, de forma mais mentos, diz respeito à generalização do
ou menos acentuada, algumas dimensões cepticismo em relação a objectivos sistémi-
de tais tendências. A começar, por exem- cos, a modelos de sociedade globais e fe-
plo, pelo continuado optimismo pró-euro- chados, projectados no futuro.
peu dos Portugueses, que se manifesta Vai-se afirmando, pelo contrário, um
também, com clareza, nas camadas jovens pragmatismo que prefere as regulações
(Pais, 1999) mas que recentemente se tem processuais, deixando entre parênteses
justamente vindo a atenuar, senão mesmo objectivos globais e heróicos a favor de
a inverter. uma manipulação mais directa, quotidiana
Enunciem-se, então, algumas dessas e exequível daquilo que pode, de facto, in-
tendências de valores de alcance muito fluenciar o futuro. A desconfiança revelada
geral. Elas têm por principais protagonis- em relação a instituições políticas, a parti-
tas, além de muitos dos sectores mais jo- dos, não se comunica assim a outras for-
vens, a população activa urbana e, em par- mas de participação social e a outros ob-
ticular, a que detém maiores recursos em jectivos de natureza colectiva. Não se trata
capital escolar e cultural. portanto, ao afirmar-se essa tendência, de
Cada vez com intensidade e transver- um refúgio sistemático na esfera privada
salidade mais significativas tem-se afirma- da vida, como mostra também a importân-
do o que, à falta de melhor designação, se cia e o investimento atribuídos às dimen-
pode chamar o valor da realização pes- sões profissionais.
soal. Estratégias e projectos autocentrados Uma terceira tendência tem a ver com a
vão ganhando prioridade, de forma cons- convivência mais fácil de valores distintos,
ciente, caracterizando formas de individua- com a interiorização da tolerância e a habi-
lismo em geral moderadas. Nas socieda- tuação à alteridade.

78
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade

A consolidação da democracia constitui rer, ao contrário do que alguns profetas re-


certamente e simultaneamente factor e correntemente afirmam. O que vai estando
efeito dessa maior tolerância, que se pro- claramente mudado é o modo como a elas
longa mesmo ao convívio dos valores ge- se recorre.
ralmente mais rígidos, que costumam ser Tais ideologias costumavam, além de
os de natureza moral, religiosa e política. serem tomadas por reciprocamente exclu-
A abertura da sociedade portuguesa, sivas, ser adoptadas ou rejeitadas em blo-
facilitando contágios de proveniência exte- co. Era-se católico ou não. Era-se marxista
rior directamente no plano simbólico, a ou não. Hoje a tendência vai no sentido de
complexificação e diversificação dos pro- cada cidadão, cada grupo, reivindicar au-
cessos sociais, tudo tem contribuído para tonomia na escolha, na combinação e na
julgamentos menos crispados sobre os gestão de elementos do campo simbólico,
modelos e as referências diferentes dos independentemente da respectiva origem
outros. e em função do que cada um julga útil e
Um último valor que vale a pena referir adequado.
diz respeito ao que se pode chamar o arte- Esta prevalência do «por medida», es-
sanato das ideias. As ideologias, como sis- ta rejeição do pronto-a-pensar, constitui
temas organizados de compreensão do assim mais um dos valores que parecem
mundo que são também instrumentais para afirmar-se e difundir-se entre os Portu-
os comportamentos, estão longe de mor- gueses.

79
Sociedade
O território
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Vítor Matias Ferreira
Alexandra Castro

Apresentação

O texto aqui apresentado1 procura


abordar, de modo necessaria-
mente sucinto, o território portu-
guês, em torno das suas assimetrias, pola-
rizações e reordenamentos. Para tal, três
mos, assim, as formas de uma ocupação
territorial litoralmente atlântica, bem como o
papel das infra-estruturas no (re)ordena-
mento do território, o que nos permitiu de-
tectar alguns elementos de mudança do
áreas temáticas permitem desenvolver es- país, quer ao nível socioeconómico, quer,
sa abordagem, não só numa perspectiva obviamente, no respectivo quadro territorial.
diacrónica, mas também privilegiando a Finalmente, num último ponto, questio-
actual configuração territorial, bem como namos a passagem de um posicionamento
os respectivos sinais de mudança socioes- apoiado, fundamentalmente, numa estrutura
pacial. Num primeiro momento, articulam- de «rede urbana», para uma abordagem
-se os processos migratórios com as res- centrada em torno da problemática das «re-
pectivas formas de povoamento, havendo des de cidades», o que nos permitiu desta-
lugar, então, para constatar determinadas car o papel de determinados aglomerados
situações de polarização territorial. Ainda urbanos, particularmente de natureza me-
em relação a esta primeira área analítica, tropolitana, no actual contexto globalizado e
houve a preocupação de assinalar aqueles transnacional. E se, nesse mesmo contexto,
processos em três momentos muito parti- Lisboa e Porto se confrontam com a neces-
culares: desde os anos 60; depois de 25 sidade de uma profunda reestruturação me-
de Abril de 1974; finalmente, a partir de tropolitana, o território nacional, no seu con-
1985, altura em que Portugal passou a inte- junto, deverá atravessar uma alargada
grar a então designada Comunidade Euro- reorganização socioespacial, potenciando,
peia. então, uma malha urbana «em rede», so-
Num segundo ponto, de mais amplo de- bretudo no interior, mas também no respec-
senvolvimento analítico, as referidas assi- tivo litoral. Haverá lugar, assim, para desta-
metrias são abordadas em torno do perfil da car a importância destas «centralidades
organização territorial do país. Assim, inte- urbanas», no quadro de um necessário
rioridade e litoralização constituem as duas reordenamento territorial do país.
faces daquele mesmo processo de territo-
rialização, em função do qual procurámos
Migrações e povoamento:
averiguar as condições para o surgimento
a polarização territorial
de uma «nova ordem» territorial. Sublinha-
Da emigração às migrações internas:
1 A versão original deste texto, tal como referido na
apresentação deste livro, foi publicada na obra co- a dupla diáspora dos Portugueses
lectiva coordenada por António Reis, Portugal: Anos Portugal sempre foi um país de migrantes,
2000, Círculo de Leitores, 2000. A presente versão, a
convite e de acordo com os termos desse mesmo tomando este «sempre» num ciclo signifi-
convite da Presidência do Instituto Camões, corres-
pondeu, assim, a uma «revisão/actualização» do
cativamente amplo, nomeadamente, desde
texto original e da respectiva bibliografia. o início da época moderna. Realmente,

80
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

Portugal continental em foto de satélite.

81
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

desde Quinhentos que temos relatos cir- caso da Madeira, fundamentalmente para
cunstanciados dessa diáspora lusitana, a África do Sul. Se tivermos presente ante-
como se o país fosse sempre demasiado riores movimentos da população portugue-
«pequeno» face à imaginária dimensão de sa, com outros destinos, nomeadamente
«outros mundos». E sem dúvida que essa para o Brasil, para além da longa coloniza-
permanente «disponibilidade» para partir ção africana, constatamos que, efectiva-
— mas, muitas vezes, com a esperança do mente, a emigração portuguesa parece
regresso... — haveria de determinar a con- não ter limites, nem históricos, nem muito
dição migrante dos Portugueses. menos geográficos!
Naturalmente, essa condição haveria Por outro lado, em relação aos fluxos
de se manter, em moldes não menos dra- imigratórios, isto é, das migrações inter-
máticos, na época contemporânea. Mas, nas, particularmente no continente, eles
agora, com um duplo direccionamento. irão determinar uma ocupação sucessiva
Com efeito, se se mantém a tendência an- do litoral, como dissemos, mas num pro-
cestral para a efectiva e literal emigração cesso que, alegoricamente, poderíamos
de populações, para fora do país, contudo, titular de algum «cinismo urbano», na
um outro movimento, não necessariamente medida em que as populações são, efec-
independente do anterior, irá atingir pro- tivamente, «atraídas» pelas cidades, mas
porções determinantes no actual povoa- inexoravelmente «empurradas» para as
mento do território nacional: o movimento diversas periferias daqueles aglomerados
das migrações internas, na generalidade urbanos.
direccionado do interior para o litoral do Ainda em relação àquele processo mi-
país, com duas grandes áreas de polariza- gratório «além-fronteiras», que referimos
ção demográfica, Lisboa e Porto. atrás, sabemos que se intensificou, em
Esse duplo direccionamento migratório grande medida, até à crise económica, à
irá ser fortemente empolado a partir dos escala mundial, dos anos 70. Em Portugal,
anos 60. Era um período de intenso cresci- a revolução de 1974 acabou por potenciar,
mento económico, sobretudo na Europa, a este nível, aquela mesma inversão dos
contemporâneo de um renovado optimismo movimentos migratórios anteriores: com
capitalista. Nessa medida, também em efeito, a partir daquela crise internacional,
Portugal, o «condicionamento industrial» regista-se um progressivo regresso de emi-
não conseguia impedir alguma intensifica- grantes, sobretudo da Europa, a que se irá
ção capitalista, nomeadamente através de juntar, no quadro do processo de descolo-
uma progressiva implantação de sectores nização africana, um forte contingente de
de capital intensivo, mas também à custa populações oriundas daqueles territórios
de baixos custos comparativos da força de (cerca de meio milhão de pessoas).
trabalho, como foi o caso da instalação, em Deste modo, os anos sucessivos àquela
diversas áreas estratégicas, de diversas crise irão registar alguma recomposição
empresas multinacionais. social e territorial, sendo certo, porém, que
Assim, a emigração do continente irá aquela tendência para a litoralização nos
orientar-se, fundamentalmente, para a Eu- processos de ocupação do território se irá
ropa, em especial para França e, mais tar- acentuar ao longo dos anos 80. E se, no fi-
de, também para a Alemanha, enquanto, nal dessa década, as duas regiões metro-
em relação às regiões autónomas, aqueles politanas (Lisboa e Porto) tendem a estabi-
fluxos emigratórios irão projectar-se, no ca- lizar os respectivos fluxos migratórios e
so dos Açores, sobretudo para os Estados demográficos, serão sobretudo as diversas
Unidos da América e para o Canadá, e, no «conurbações urbanas» (manchas de ocu-

82
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

Emigrantes de partida para a Alemanha Ocidental (1964).

pação territorialmente contígua, ainda que cial daquelas populações, sobretudo as re-
apresentando algumas descontinuidades gressadas de África — o que não significa,
espaciais), em especial no continente por- necessariamente, que se possa falar de «in-
tuguês, que irão polarizar a concentração tegração cultural»! — certamente que são
maioritária da população portuguesa. já visíveis significativos efeitos ao nível so-
cioprodutivo e territorial, resultantes daquele
A ruptura política «retorno» demográfico. E não só no caso da
e as «experiências» territoriais região de Lisboa, mas, fundamentalmente,
Como vimos no ponto anterior, a ruptura nas zonas centro e norte do continente, num
política de 1974, ao mesmo tempo que movimento populacional a que seria neces-
«coincidiu» com um certo refluxo migrató- sário articular um significativo incremento de
rio, acabou por determinar um «exceden- pequenas e médias empresas, num proces-
te» demográfico, oriundo quer do regresso so que se desencadeará ao longo dos anos
significativo de emigrantes, quer do retorno 80, mas que acabará por ter um enorme im-
das antigas colónias portuguesas. De re- pacto na década seguinte.
gistar, desde já, que desse «retorno» po- Em todo o caso, são de registar algu-
pulacional, sobretudo de África (cerca de mas «experiências» territoriais, no segui-
meio milhão de pessoas, como dissemos mento da revolução de Abril de 74, sendo
atrás), quase metade acabou por se fixar certo que, como parece evidente, não foi
no espaço metropolitano de Lisboa, o que tanto a esse nível que se registaram as mu-
permitiu contrariar, de algum modo, uma danças mais significativas. Com efeito, ou-
tendência para uma relativa regressão de- tras áreas críticas, ainda que directa ou in-
mográfica daquele território, de resto à se- directamente articuladas com a questão
melhança do que estava acontecendo nou- territorial, estiveram no centro dos debates
tros espaços urbano-metropolitanos da e, sobretudo, no centro das reivindicações
Europa. sociais e dos confrontos políticos.
E se, aparentemente, foi possível consta- Uma dessas áreas tem a ver com o se-
tar um processo de relativa integração so- cular «problema da habitação», em torno

83
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

do qual se centrou uma aposta política loteamentos de amplas zonas rurais, que,
muito forte, lançada ainda naquele ano de deste modo, se iam «urbanizando»! Um tal
1974: tratou-se do Serviço de Apoio Am- incremento de «habitação clandestina»,
bulatório Local (SAAL) (directamente de- muito acentuado em diversas zonas peri-
pendente do governo, através da então féricas das cidades, teve uma expressão
Secretaria de Estado da Habitação e do muito significativa nas zonas norte e sul da
Urbanismo) e claramente direccionado pa- região de Lisboa, desencadeando, então,
ra os bairros «degradados» de várias cida- uma generalizada ocupação difusa desse
des do país, com particular destaque para mesmo território. Com a institucionalização
os casos de Lisboa («barracas») e do Por- (legal, mas sobretudo financeira) das au-
to («ilhas»). Esse programa tinha como tarquias locais (em 1979, com a primeira
ambição reconverter e qualificar aqueles Lei das Finanças Locais) inicia-se, então,
bairros, mantendo os residentes nos res- um lento (ainda que, por vezes, desequili-
pectivos locais. A intensa mobilização so- brado) processo de ordenamento territorial
cial da época, associada a uma confronta- (sobretudo em termos de saneamento bá-
ção política permanente, extremou os sico, estruturas viárias, etc.), a par da edifi-
objectivos daquele programa «habitacio- cação de diversos equipamentos de natu-
nal». Com a mudança radical daquela con- reza colectiva.
juntura política (a partir do 25 de Novembro Esboçam-se, então, no quadro demo-
de 1975), a erradicação deu-se, não com crático entretanto institucionalizado, os pri-
as «barracas», nem com as «ilhas», mas, meiros instrumentos de intervenção territo-
precisamente, com aquele programa políti- rial, como foi o caso do que, mais tarde,
co e urbanístico! veio a ser designado de plano director mu-
Ainda no quadro habitacional, é de re- nicipal. E não deixa de ser significativo as-
gistar uma outra situação, de evidentes sinalar que os primeiros enquadramentos
impactos territoriais, que se generaliza urbanísticos desses planos, desde os iní-
desde o início dos anos 70 e que, signifi- cios dos anos 80, tivessem consignado,
cativamente, se irá intensificar no pós-25 aos respectivos municípios, competências
de Abril: tratou-se da construção ilegal, na esfera económica e social, para além,
associada a um processo sistemático de naturalmente, das decorrentes directamen-

Bairro clandestino da Serra da Luz, Odivelas.

84
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

te da respectiva administração local do


respectivo território. A presunção de uma
suposta «exorbitância» de funções munici-
pais, aliada a uma eventual conflitualidade
de atribuições, nos diversos escalões de
planeamento — em relação aos quais, des-
de os anos 70, se reabriam, periodicamen-
te, o debate e as propostas —, implicou
que a actual figura daqueles planos (de
1990) acabasse por ser bastante mais es-
pecífica e restritiva. Planos directores municipais de Matosinhos
e do Seixal.
Em todo o caso, até meados dos anos
80, o traço territorial mais significativo de- do governo central. Deste modo, aquela di-
corre, sobretudo, da progressiva institucio- mensão passa a integrar, pelo menos en-
nalização e da correspondente interven- quanto intenção política, os projectos, os
ção, do que então se designava de «poder programas e as propostas, independente-
local», isto é, a capacidade institucional e o mente dos respectivos domínios sectoriais
exercício político da administração do terri- ou temáticos. A par desta progressiva as-
tório, confinante com as respectivas autar- sunção territorial, uma outra componente
quias locais. Essa mesma actuação políti- irá determinar a presente conjuntura «co-
co-institucional — em muitos casos, com munitária», de modo indelével — reporta-
impacto notavelmente positivo, quer ao ní- mo-nos ao domínio disciplinar e técnico-
vel da estruturação e do equipamento do -político do ambiente.
respectivo território, quer enquanto redes- Realmente, de modo progressivo e atra-
coberta de processos e de identidades de vés de um processo moroso, muitas vezes
natureza local, num conjunto articulado conflitual, mas apontando para uma neces-
de dimensões nem sempre pacíficas face sária compatibilidade entre aquelas duas
ao próprio poder central — contribuiu, con- componentes, desde finais dos anos 80,
tudo, mas de modo decisivo, para a inclu- mas sobretudo ao longo da década seguin-
são da dimensão territorial nos projectos te, o ordenamento do território tem vindo a
políticos de desenvolvimento económico e confrontar-se com o necessário e correspon-
social do país. Registe-se, no entanto, um dente equilíbrio ambiental. A sucessiva inte-
dos aspectos mais críticos do referido «po- gração, no quadro institucional português,
der local», enquanto responsável por pro- das directivas comunitárias consagrando
cessos extensivos e intensivos de ocupa- aquela inelutável compatibilidade acabou
ção do território, na base de múltiplos por ter, mau grado as presumidas contradi-
licenciamentos de «urbanização». ções económicas, um claro efeito «pedagó-
gico» e, nessa medida, acabou por determi-
A integração comunitária nar uma postura politicamente irrecusável!
e o «regresso» territorial à Europa No quadro estrito do ordenamento do
A partir de 1985, com a integração de Por- território, o referido período correspondeu
tugal na então designada Comunidade Eu- a uma conjuntura de afirmação de diversas
ropeia, aquela dimensão territorial começa figuras de planeamento territorial, de acor-
a ser, então, progressivamente assumida, do com a escala de referência, mas tam-
tanto no discurso técnico e analítico, como bém em função de objectivos mais especí-
na prática política e, a este nível, em ter- ficos. De resto, a experiência dos planos
mos da gestão local, mas também ao nível directores municipais, ainda que na sua

85
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

modalidade mais restrita de sistematização decorrentes desses volumosos investimen-


de funções e de regulamentação de usos tos não terão alterado, significativamente,
dos respectivos espaços concelhios, acon- algumas das lógicas mais pesadas de con-
selhava, se não mesmo exigia, outras esca- junturas anteriores.
las de ordenamento territorial. Deste modo, parece persistir a lógica
Tal foi o caso dos planos regionais de da litoralização, a que se vem associar
ordenamento do território (cuja figura legal uma incessante urbanização difusa, mas
inicial é de 1983), que suportaram várias mantendo, em grandes manchas territo-
vicissitudes, quase sempre no quadro das riais, uma acentuada desertificação econó-
necessárias compatibilidades de níveis de mica e social. Ou seja, no dealbar de uma
planeamento territorial, para além do per- nova década e de um novo milénio, o país
manente debate sobre atribuições e com- procura, ainda, formas mais equilibradas
petências em relação a cada uma das res- de ocupação do respectivo território — ao
pectivas escalas de intervenção territorial. mesmo tempo que, de modo indelével, se
A tendência actual é para entender aque- orienta para um necessário, ainda que não
les planos regionais sobretudo como ins- exclusivo, «regresso» territorial à Europa.
trumentos de enquadramento estratégico Mas, antes de procurar dar conta de al-
de organização territorial. A este nível, é guns elementos de mudança, precisamos,
de referir, ainda, outras figuras de planea- por isso, de sintetizar o respectivo diagnós-
mento (nomeadamente, os «planos de or- tico territorial.
denamento da orla costeira»), para além
da progressiva institucionalização e regu-
Interioridade e
lamentação — ainda que num contexto de
litoralização: uma nova
frequentes focos de tensão e de conflitua-
ordem territorial?
lidade — das reservas agrícola e ecológi-
ca, à escala nacional, de resto em paralelo Uma ocupação litoralmente atlântica
com a progressiva consolidação dos par- É possível partir de uma constatação, rela-
ques e reservas naturais. É já dos finais tivamente consensual em relação a vários
dos anos 90 a publicação da Lei de Bases autores, que poderíamos sintetizar dando
de Política de Ordenamento do Território e conta de um país litoralmente ocupado,
do Urbanismo, estando no momento pre- com uma condição territorial assimétrica,
sente em discussão pública o que se pre- desequilibrada e «invertebrada»! Consta-
vê vir a constituir o Programa Nacional de ta-se, portanto, que Portugal é um país lito-
Política do Ordenamento do Território ralmente (e literalmente) «encostado» ao
Constata-se, assim, um progressivo, Atlântico. Tendo atingido os dez milhões de
ainda que contraditório, processo de pla- habitantes, apresenta, contudo, uma ocu-
near, a diversas escalas, a organização ter- pação demográfica profundamente assi-
ritorial e o ordenamento urbano do país, ao métrica. Com efeito, grande parte da popu-
mesmo tempo que, nem sempre de modo lação do continente distribui-se ao longo
compatível, se vão sedimentando determi- da costa atlântica (ocidente e sul do país),
nadas lógicas de ocupação desse mesmo na qual os dois únicos espaços metropoli-
território. Ou seja, se a referida conjuntura tanos (Lisboa e Porto) concentram mais de
beneficiou, amplamente, dos famigerados 40 % daqueles residentes. Por outro lado, a
«fundos estruturais» da actual União Euro- ocupação territorial dos Açores e da Ma-
peia — nomeadamente, na estruturação viá- deira segue, igualmente, aquela lógica de
ria, no saneamento, etc., aos quais regres- litoralização atlântica, em que as princi-
saremos adiante —, as dinâmicas territoriais pais cidades e «vilas urbanas», quase to-

86
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

das de implantação oceânica, concentram, menos acentuados, são as regiões que


praticamente, a totalidade da população perderam para as restantes, particularmen-
insular. te a do Norte e a de Lisboa e Vale do Tejo,
Em todo o caso, aquela distribuição as- significativamente as regiões em que se si-
simétrica da população não se realiza de tuam os referidos espaços metropolitanos
uma forma homogénea ao longo daquela do país!
litoralização, apresentando alguma dis- Os dados estatísticos mais recentes
persão, a par de zonas com densidade de- (2001) não vieram alterar significativa-
mográfica elevada. Assim, nos inícios da mente aquela lógica de ocupação do ter-
década de 90, era possível constatar a ritório, ainda que introduzindo pequenos
configuração, no continente português, de reequilíbrios demográficos em determina-
uma extensa «conurbação urbana» ligando das zonas do país continental. Com efeito,
a Península de Setúbal (zona sul da região se ao longo da última década a quase to-
metropolitana de Lisboa) até à região de talidade das regiões (estatísticas) do con-
Braga (a norte do território metropolitano tinente registou alterações positivas na
do Porto). Deste modo, no quadro regional respectiva ocupação populacional — com
— e excluindo o caso do Algarve, que excepção do Alentejo — tais alterações ti-
apresentou, na penúltima década de re- veram uma distribuição regional bastante
censeamento (1981-1991), um crescimento assimétrica. Assim, se no caso do Alente-
realmente empolado por uma induzida pro- jo aquela diminuição foi praticamente resi-
cura turística — a região do Alentejo, de dual (inferior a 1 %), no Algarve, em gran-
modo dramático, e a do Centro, em moldes de medida pelas razões já anteriormente

A região metropolitana do Porto, evidenciando a conurbação urbana que liga a península de


Setúbal à região de Braga.

87
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

referidas, a respectiva alteração demo- do e, por isso, ingratamente abandonado!


gráfica (de cerca de 16 %) terá sido, de E conquanto a metáfora tenda a realizar-se
longe, a mais elevada no contexto regio- — cumprindo, assim, o «destino» de Portu-
nal do país. E se a região Centro vê cres- gal? —, é necessário aprofundar aquela
cer (de 4 %) a respectiva população, tan- imagem global.
to a região Norte, como a de Lisboa, Já vimos que aquela dita «conurba-
acabaram por intensificar (em cerca de ção», ao longo do litoral do continente, não
6 %) a sua já anterior macrocefalia demo- corresponde a uma ocupação homogénea,
gráfica (ainda que relativamente «bicéfa- em termos de níveis de densificação demo-
la») no contexto da ocupação territorial do gráfica do respectivo território. Aparecem,
continente. assim, «cachos» de áreas, ditas urbanas,
Como vimos atrás, regista-se, assim, mas ainda ao longo de uma faixa costeira
uma bipolarização na ocupação territorial cuja largura não supera os 40 km (Baptista,
do país, em que a par daquela urbaniza- 1995: 23). Mas uma constatação importan-
ção, simultaneamente concentrada e difu- te a reter daquela não homogeneidade ter-
sa, mas, ao fim e ao cabo, atlântica, se ritorial é que os índices de crescimento de
confronta com uma acentuada desertifica- ocupação física daquelas áreas apresen-
ção do interior, tanto continental — ainda tam valores mais acelerados do que o res-
que apresentando algumas «bolsas urba- pectivo crescimento demográfico (MPAT,
nas» — como insular. Uma tal situação re- 1993), isto é, o ritmo de ocupação territorial
sultou, fundamentalmente, como então dis- é superior às respectivas necessidades
semos, de um profundo processo de êxodo demográficas! Por outro lado, a concretiza-
rural e de atracção urbana que, desde os rem-se as múltiplas áreas a «urbanizar»,
anos 60, se acentuou fortemente, não só previstas na maior parte dos planos direc-
para os principais centros urbanos do país, tores municipais, aquela oferta poderia
mas também para o estrangeiro. Tratou-se, chegar ao triplo da actual população do
pois, de um círculo territorialmente pouco país!
virtuoso, da emigração-desertificação- Estamos, assim, perante um processo
-emigração! E muito embora, nos últimos de «conquista» e de ocupação de solo não-
anos, se tenha vindo a registar, como ob- -urbano (e, significativamente, assim resta-
servámos, alguma sedimentação demográ- rá, em muitos casos, aguardando uma infra-
fica e urbana em certos centros urbanos — -estruturação espacial e uma integração
inclusive no próprio interior do país, como territorial), configurando, deste modo, situa-
veremos melhor adiante — aqueles movi- ções periféricas de espaços, eles próprios
mentos de atracção e de repulsão atingi- «suburbanos» de determinados aglomera-
ram uma inércia muito forte, acentuando, dos. Mas regressando aos «cachos urba-
assim, aquela bipolarização territorial e de- nos», anteriormente assinalados ao longo
mográfica. da orla costeira do continente, é importante
Foi um tal «retrato» territorial, uma tal sublinhar que neles se localiza boa parte da
imagem a «voo de pássaro», realista na actividade produtiva — e desta, a que mais
sua visão macro, que nos levou, emblema- significativamente atravessou processos de
ticamente, ao encontro da metáfora de Jo- modernização tecnológica — a par de uma
sé Saramago, a partir da qual o país, em especialização dos serviços (que grosseira-
especial o continente, estaria, então, vo- mente poderíamos designar de terciário
gando numa «jangada» assente na sua «avançado»), com particular destaque para
frente de água, rumo ao Atlântico profundo, as mencionadas regiões metropolitanas (em
deixando para trás um território desertifica- especial a de Lisboa).

88
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

Como então dissemos, aquela configu- — efectivamente, boa parte dos quais liga-
ração territorial decorreu, em grande parte, da ao incremento, sobretudo nas duas últi-
de um importante processo de recomposi- mas décadas, de pequenas e médias em-
ção socioprodutiva, nas duas últimas déca- presas, Em todo o caso, aquele perfil
das. Um tal processo implicou uma relativa «contribui decisivamente para que o peso
desindustrialização (a uma escala muito global das classes médias, de inserção
menor do que a atingida nos restantes paí- predominantemente urbana, seja hoje um
ses da comunidade europeia), um signifi- dos traços mais marcantes da estrutura de
cativo crescimento do terciário, sobretudo classes em Portugal» (Machado e Costa,
dos sectores centrados no trabalho inde- 1998: 36). Isto é, a sociedade portuguesa
pendente, a par de uma intensificação dos não só reforçou a sua implantação territo-
grupos sociais técnicos, científicos e em- rial em determinadas zonas da sua orla
presariais. Efectivamente, num arco tempo- costeira, como se transformou, maioritaria-
ral de mais de trinta anos, o perfil sociopro- mente (65 % da população activa) em po-
fissional da população activa portuguesa pulação «terciária», de «colarinhos bran-
mudou profundamente (cf. Almeida, Costa cos», sendo que um quarto do total da
e Machado, 1994). população activa tem funções de direcção
Mais especificamente, aquele perfil apa- e de enquadramento! Curiosamente, a um
rece determinado por um importante cres- perfil de uma população activa precoce-
cimento de «empresários e dirigentes» (re- mente terciarizada parece corresponder
cuperando, desse modo, um peso relativo um outro perfil de um território supostamen-
«perdido» nas duas décadas anteriores), ao te urbanizado!
mesmo tempo que se verifica um signifi- Trata-se, portanto, de um território bas-
cativo crescimento, quer dos «profissionais tante contrastado. E, no entanto, como dis-
técnicos e de enquadramento» (que duplica semos atrás, o país teve mudanças signifi-
a respectiva importância relativa, entre 1981 cativas sobretudo a partir dos anos 80.
e 1992), quer dos «trabalhadores indepen- Observemos, então, a diferenciação regio-
dentes». O único grupo socioprofissional nal que ao longo desse período se foi cris-
que, para além dos anteriores, vê aumentar talizando, nomeadamente a partir de um
(mas muito ligeiramente) o seu peso relati- estudo governamental (cf. MPAT, 1993),
vo, naquela última década, é o correspon- que embora já um pouco longínquo não
dente aos «empregados executantes». To- deixou de ilustrar uma imagem assimétrica
dos os restantes grupos têm quebras e polarizada do continente português e
significativas e, nalguns casos, aparente- que, deixando marcas profundas no res-
mente de modo irreversível (como é a si- pectivo território, tarda a ser superada.
tuação dos produtivos do sector agrícola)2. A partir de um conjunto de indicadores,
Um tal perfil acentua o surgimento de tanto de «desempenho económico» (rendi-
uma «nova classe média», cuja composi- mento per capita, emprego, produtividade
ção social aparece muito determinada por industrial e consumo privado), como ao ní-
aqueles profissionais técnicos e de enqua- vel dos «factores estruturais» (stock de in-
dramento, para além do peso, não despi- fra-estruturas, recursos humanos, estrutura
ciendo, dos ditos empresários e dirigentes produtiva e condições de vida), para os
anos 1981, 1986 e 1991, aquele estudo
2 É de admitir, nesta mesma publicação, precisa-
construiu um índice sintético, a partir do
mente no capítulo dedicado à sociedade (p. 43),
uma actualização do perfil indicado, que, no entanto, qual «é possível retirar conclusões sobre o
não deverá ter alterado significativamente as propor-
ções relativas entre aquelas diferentes categorias
desenvolvimento das disparidades regio-
socioprofissionais. nais» (op. cit., 165-172).

89
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

O Teatro Viriato, em Viseu, um dos pólos de dinamização cultural da cidade.

Com efeito, um tal «índice sintético» componentes — e, nesse caso, talvez fos-
condensa uma avaliação inter-regional, se possível concluir, por exemplo, até que
que nos permite quantificar, num quadro ponto o referido «stock de infra-estrutu-
comparativo, algumas das observações ras», nomeadamente as estruturas viárias
que temos vindo a desenvolver. Desde lo- (vd. ponto seguinte), não acabou por cons-
go, o destaque das regiões metropolitanas, tituir, ao fim e ao cabo, o indicador discrimi-
particularmente a de Lisboa, que apresen- nante daquela diminuição das disparida-
ta, face à média nacional, os valores mais des regionais!
elevados nos três momentos de aferição — Como noutro momento dissemos, pare-
significativamente, ao nível regional, é mes- ce inegável que Portugal atravessou, des-
mo a única que apresenta um índice «posi- de os anos 80, um importante processo de
tivo» (na medida em que todas as restan- mudança, sendo, contudo, muito desiguais
tes estão abaixo da média). É certo que a os sectores, as dimensões e o alcance
região do Porto apresenta o segundo valor desse mesmo processo. Em todo o caso,
mais elevado. No entanto, em termos com- uma tal mudança tendeu a acentuar-se,
parativos, mas no quadro dos espaços in- precisamente, nos lugares onde uma im-
ter-regionais, é a região do Algarve — e portante dinâmica de desenvolvimento
não, curiosamente, a região do Norte — económico, social e cultural já se encontra-
que se situa naquela segunda posição. va em curso — e daí que a litoralização do
E se a conclusão daquele estudo é rela- país se tenha vindo a acentuar, mau grado
tivamente optimista na avaliação final, afir- alguns (bons) exemplos em certas zonas
mando que «se verificou uma indubitável do interior.
diminuição das disparidades regionais», é Um indicador mais recente, agora de
o próprio estudo que sublinha que aquelas natureza dominantemente qualitativa, de-
melhorias ocorreram em «situações de corrente da avaliação da «qualidade de vi-
grande carência», isto é, em «algumas das da nos municípios do Continente» [cf. Fer-
áreas mais deprimidas do país». Ou seja, rão (coord.), 2004], permite uma leitura
as disparidades regionais diminuíram, mas territorial mais desagregada e mais especí-
num confronto com as situações mais dra- fica, mas que não parece contrariar as ob-
maticamente carenciadas! E não deixaria servações anteriores. Uma tal avaliação, ti-
de ser significativo reorganizar o anterior pificada entre as posições extremas de
«índice sintético» em função de outras «maioritariamente favorável» e «maiorita-

90
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

riamente desfavorável», mostra como, tam- fra-estruturas de transportes jogava, sobre-


bém a este nível, a maior parte dos municí- tudo, com as distâncias geográficas e as
pios situados no litoral do continente se relações de proximidade, hoje colocam-se
posiciona naquele tipo de melhor «qualida- como factores fundamentais, que determi-
de de vida». Com uma posição análoga, nam as condições de acessibilidade e as
são referenciados, igualmente, conjuntos condições competitivas entre territórios,
de municípios dispersos pelo interior do novas dimensões económicas e sociais
país, na generalidade em espaços polari- (custo, tempo, fiabilidade, equidade, etc.),
zados pelos centros urbanos que, nas bem como os respectivos impactes am-
duas últimas décadas, têm vindo a ter um bientais e territoriais.
protagonismo social e cultural significativo Os transportes terrestres no país são
(como é a situação de Évora e, em parte, o aqueles que mais têm determinado as rela-
caso de Viseu). No extremo oposto, «maio- ções que se estabelecem no território con-
ritariamente desfavorável», situa-se a ge- tinental e insular, já que o transporte aéreo
neralidade dos municípios raianos e do in- tem um carácter fundamentalmente inter-
terior mais «profundo», mas também de nacional e o transporte marítimo não tem
modo muito acentuado em largas manchas desempenhado um papel preponderante,
no Centro e no Sul do território continental. ainda que o território nacional apresente
Em todo o caso, o estudo que estamos se- um litoral atlântico de dimensões muito sig-
guindo sublinha que «perfis de qualidade nificativas. De registar, no entanto, nos últi-
de vida idênticos podem associar-se a mos anos, uma distribuição mais equilibra-
contextos socioeconómicos e territoriais da dos investimentos pelos vários modos
distintos» e que, sob muitos aspectos, de transporte. A título ilustrativo refira-se a
aqueles perfis «reflectem, sobretudo, pro- ampliação e melhoria das condições de
cessos de natureza estrutural e de escala serviços dos aeroportos; a renovação e
supralocal (dinâmicas demográficas, perfis modernização da rede ferroviária e a am-
de especialização económica, etc.)» (op. pliação e ligação rodoferroviária dos cinco
cit.: 56). Mas sobre estes tópicos, caracte- principais portos do país (MEPAT, 1999).
rizando a situação actual do país, no qua- A rede ferroviária modernizou-se, mas
dro das suas assimetrias territoriais e dos não avançou na construção de novos eixos
respectivos processos de diferenciação alternativos no sentido de ligar os territórios
económica e social, haveremos de regres- mais desprovidos de acessibilidade —
sar adiante, precisamente no ponto que en- efectivamente, as zonas mais desprovidas
cerra a abordagem deste texto. nesse domínio são as que registam fenóme-
nos marcantes de exclusão social! Desta
Das (infra-)estruturas ao forma, foi na rede rodoviária que se colocou
(re)ordenamento do território? o desafio da ligação, emergindo no território
É possível constatar uma estreita articula- nacional um eixo muito dinâmico, em termos
ção entre, por um lado, o sistema de trans- de volume de tráfego, de infra-estruturas de
portes, entendido como as infra-estruturas, transporte de grande capacidade e de pro-
os modos de transportes, os operadores e ximidade relativa entre as cidades. Este eixo
os utentes e, por outro, a organização do estende-se desde o Alto Minho, pelo litoral,
território, não só na localização das cida- até à região metropolitana de Lisboa e é
des, sua forma e distribuição espacial, mas complementado com o litoral algarvio, ainda
também nas relações que se estabelecem que não seja seguro que as cidades abran-
entre aqueles aglomerados urbanos. E se gidas por este eixo consigam todas promo-
até há pouco tempo a implantação das in- ver a sua integração com os territórios en-

91
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

volventes. De facto, algumas cidades, sempre foi acompanhado de um planea-


embora fazendo parte desta área, não pare- mento prospectivo eficaz e com equidade,
cem vir a beneficiar dos investimentos nos a nível territorial e do sistema de mobilida-
sectores rodoviário e ferroviário. Outros terri- de, em paralelo com a situação de o trans-
tórios parecem mesmo ficar excluídos dos porte ferroviário estar a ser desactivado em
sistemas nacionais de acessibilidades rodo- muitas zonas do país. Por outro lado, regis-
ferroviárias, como por exemplo o Alto Douro, ta-se também, após a conclusão de deter-
o Centro Interior e o Sul do Alentejo (DGOT- minados eixos de acessibilidades, um
DU, 1997). incremento de ocupação das áreas circun-
As intervenções mais recentes ao nível dantes, geralmente em «mancha de óleo»,
das acessibilidades não permitem, pois, com inevitáveis problemas de congestiona-
afirmar que se está perante um modelo ter- mento que acabam por pôr em causa a es-
ritorial mais equilibrado. Ao fim e ao cabo, trutura criada. Um dos grandes factores
o estabelecimento de ligações rodoviárias que determinaram e continuam ainda a de-
e/ou ferroviárias no território português nem terminar este congestionamento diz respei-
to à intensificação da mobilidade individual
A rede ferroviária portuguesa
diária, sobretudo feita com recurso ao
transporte privado.
De facto, a mobilidade individual é um
Viana do Bragança
Castelo processo em crescimento contínuo, inde-
Braga
pendentemente das condições sociais e
Vila Real
territoriais. Embora se registem diferenças
Porto de mobilidade entre os vários grupos so-
Vila Nova
de Foz Côa cioeconómicos, um dado de uma grande
regularidade diz respeito às deslocações
Viseu
Aveiro
individuais nas áreas urbanas, entre a resi-
Guarda
dência e as áreas de concentração de co-
Covilhã mércio e serviços. Fenómeno que se agrava
pela existência de um sistema de transpor-
tes públicos insuficientemente coordenado,
Castelo Branco
Leiria em termos de percursos, horários, tarifas e
comodidade, convidando (!) inevitavelmen-
Santarém
te à utilização do transporte individual, com
Portalegre
a consequente paralisia dos centros urba-
nos. Efectivamente, o parque automóvel in-
Ponte de Sor dividual tem crescido e sido renovado
Lisboa

Setúbal
constantemente e as previsões não apon-
Évora
tam para qualquer abrandamento a curto
prazo — em 1987 havia no continente um
veículo automóvel para cada 3,8 habitantes
Beja
Sines e passados dez anos existe um veículo por
2,4 habitantes. Certamente que a década
seguinte não estará invertendo uma tal ten-
Vila Real
dência!
de Santo António
Portimão Os movimentos pendulares, enquanto
Faro
indicadores de níveis de mobilidade intra-
Fonte: CP. -urbana e metropolitana, revelam, igual-

92
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

Apesar da modernização da rede ferroviária portuguesa há zonas do país que não beneficiam
dos seus serviços.

mente, especificidades quanto ao modelo àquela lógica dominante. Na região metro-


territorial das suas dinâmicas. Uma breve politana do Porto, para além de as desloca-
análise destes movimentos nas duas re- ções diárias serem de natureza mais exten-
giões metropolitanas do país, ou seja, siva, elas repercutem-se, assim, num
aquelas que concentram a maior intensida- território mais vasto. De registar que esta
de de movimentos pendulares, revela que região teve um processo de crescimento
a modernização das infra-estruturas viárias
Congestionamento de tráfego no acesso
e de comunicações ou de apoio às activi- a Lisboa.
dades económicas não tem sido totalmente
acompanhada de infra-estruturas de supor-
te à vida urbana. Estes movimentos pendu-
lares apresentam, no entanto, para as duas
regiões metropolitanas, características
bastante diversas.
Na região metropolitana de Lisboa, a ci-
dade central desempenha uma atracção
muito forte sobre os concelhos vizinhos, fa-
zendo aumentar a intensidade dos movi-
mentos diários e, consequentemente, o
congestionamento de tráfego ao longo dos
dias úteis. Esta situação ocorre com a cris-
talização de um modelo radioconcêntrico
que vigorou durante décadas, com o au-
mento da população residente nas diver-
sas periferias e com uma concentração do
emprego maioritariamente na cidade de
Lisboa. Em todo o caso, nos últimos anos
registaram-se algumas mudanças signifi-
cativas, não só devido a uma estrutura ter-
ritorial mais polinucleada, inclusive com
uma progressiva oferta de emprego em
muitos desses núcleos urbanos, mas tam-
bém na existência de ligações transversais

93
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Mapa da rede rodoviária portuguesa

Itinerário Principal
Itinerário Complementar
Estrada Nacional
Estrada Regional
Estrada Municipal

Fonte: Instituto de Estradas de Portugal.

94
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

metropolitano de características relativa- -estruturas de transporte e de comunica-


mente distintas das de Lisboa, revelando, ções e num conjunto de equipamentos e
hoje, uma configuração com algumas es- de intervenções territoriais, de natureza re-
pecificidades, que, nomeadamente, se tra- gional ou nacional. Simultaneamente, regis-
duz pela capacidade de atracção elevada, támos, também, alguma inércia em lógicas
em termos de fixação de emprego, por par- anteriores de intensa sedimentação territo-
te dos concelhos sob a influência directa rial, que tendem a minimizar, se não mes-
ou indirecta da cidade do Porto. mo a contrariar, aquele voluntarismo políti-
Importa, pois, referir que se os recentes co de um novo ordenamento territorial do
investimentos não permitiram consolidar país.
um modelo territorial mais equilibrado, os Poderíamos, assim, sintetizar a actual
últimos e importantes progressos, ao nível situação do território português, entre uma
dos transportes e das comunicações, ten- inércia muito forte de polarização assimétri-
dem a implicar alterações profundas nas ca nas formas de ocupação territorial e, por
formas de entendimento do espaço e do outro lado, alguns sinais de mudança da-
tempo pelos agentes socioeconómicos. quele quadro socioespacial. Por outro lado,
Com as novas tecnologias de transportes e vimos que uma das mudanças mais signifi-
comunicações, a distância passa a ser cativas desse quadro tem a ver com a for-
mais facilmente vencida, ao mesmo tempo ma como o país se tem vindo a «urbanizar»
que os territórios podem ganhar maiores — expressão altamente dúplice, uma vez
dimensões territoriais independentemente que não tem sido sinónimo de incremento
da contiguidade física. E no entanto, «no da urbanidade (entendida como «qualida-
que se refere às acessibilidades inter-urba- de do urbano»), mas como mero processo
nas e apesar dos ganhos muito significati- extensivo de ocupação do território. Nessa
vos de mobilidade alcançados nos últimos medida, um maior reequilíbrio no ordena-
quinze anos, persistem disparidades eviden- mento territorial não poderá ignorar as de-
tes. Ao implicar custos acrescidos, sobretu- terminantes e os condicionamentos, decor-
do em áreas onde a densidade demográfica rentes daqueles mesmos processos de
e institucional é particularmente baixa, a ina- urbanização.
cessibilidade pode alimentar círculos vicio- Entre os diversos autores que comun-
sos de subdesenvolvimento incompatíveis gam o diagnóstico anterior, independente-
com as metas de convergência real euro- mente da avaliação crítica daqueles pro-
peia e nacional a que todos aspiram» (Fer- cessos de urbanização, registemos as
rão e Marques, 2002: 24-26). observações de um estudo de J. Félix Ri-
beiro (1998) que, efectivamente, sistemati-
Os sinais de mudança territorial zam aquele quadro dilemático da condição
Como reafirmámos atrás, é consensual ad- do território português. Depois de dar con-
mitir que se registaram importantes mudan- ta da caracterização básica do sistema ur-
ças no quadro territorial português, sobre- bano nacional, o autor enumera um certo
tudo desde meados da década de 80. número de factores (op. cit.: 38), dos quais
Destacámos, assim, algumas dessas mu- nos permitimos destacar alguns dos que
danças, boa parte das quais visíveis a uma apontam para tendências pesadas, mas
escala local da organização territorial, para também para elementos de mudança, da-
além do impacto significativo das interven- quele mesmo sistema urbano.
ções mais estruturantes, ao nível socioes- Registando, à semelhança da maior
pacial, em grande medida decorrentes dos parte dos autores, um abrandamento do rit-
investimentos no sistema viário, em infra- mo de crescimento da população nas re-

95
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

giões metropolitanas de Lisboa e do Porto, nais de mudança apresentam, paradoxal-


sublinha-se, no entanto, que aquele abran- mente, uma inércia pesada, contrariando
damento é acompanhado «por intensos aquela mesma mudança! Razão para que
movimentos de reorganização interna». se coloque aquele quadro territorial, como
Contudo, em relação a esses territórios me- diversos autores defendem, numa dinâmi-
tropolitanos, no início da década de 90, o ca diferente, potenciando sinergias entre
mesmo autor (op. cit.: 37) coloca a contradi- «redes de cidades» e desenvolvendo essa
ção entre um «índice de primazia» (relação dinâmica num outro enquadramento (no-
entre a população das duas principais cida- meadamente, ao nível do território ibérico).
des), considerado «o mais baixo de entre os Uma tal mudança deverá implicar, certa-
quinze países europeus» e o «índice de ma- mente, a necessidade de intervenções es-
crocefalia» (diferença populacional daque- tratégicas, em determinadas áreas, procu-
las duas cidades em relação às restantes), rando criar «massa crítica» territorial de um
que, naquela altura, «era dos mais elevados novo ordenamento socioespacial. Eis o que
entre aqueles mesmos países». nos falta ainda averiguar.
Dos restantes factores e face à situa-
ção, já anteriormente avançada, da litorali-
Da rede urbana às redes
zação territorial, o autor destaca «o apro-
de cidades
fundamento das assimetrias na estrutura
de povoamento entre o litoral e o interior, O papel das cidades no actual contexto
com as situações de declínio demográfico transnacional
a atingirem, principalmente, algumas áreas Sabemos a importância decisiva que as ci-
urbanas do interior». Sublinhando que o dades têm vindo a assumir no actual con-
crescimento de alguns aglomerados urba- texto de acentuada globalização do capita-
nos tem implicado, por sua vez, «o esva- lismo. Entre outras razões, que razões de
ziamento das zonas rurais envolventes», o espaço nos impedem de desenvolver, pa-
autor alerta para a possibilidade de se rece importante destacar que aquele mes-
estar perante «um importante factor de es- mo processo de globalização, exactamente
trangulamento, a prazo, dos processos de porque se projecta numa direcção transna-
crescimento» daqueles centros urbanos. cional — questionando, profundamente, os
Um outro factor que merece destaque limites «nacionais» da economia e da so-
tem a ver com a «forte associação entre ciedade —, acaba por colocar os espaços
crescimento urbano e processos de exten- regionais, com forte componente urbana e
sificação produtiva». Uma tal tendência pe- metropolitana, como os «lugares» estraté-
sada em determinadas regiões do país — gicos de afirmação, de competitividade,
que nos levou a sublinhar, anteriormente, o mas também de cooperação, no referido
paradoxo de uma ocupação territorial mui- contexto global.
to superior às respectivas necessidades Essa mesma premissa foi de algum mo-
demográficas — corresponde, para o autor do desenvolvida em estudo entretanto pu-
que vimos citando, «menos a uma reestru- blicado (cf. Ferreira, 2004), o que nos per-
turação efectiva do território, do que a um mite avançar, sem mais delongas, para o
lento processo de concentração dos im- remate deste texto. Dito isto, parece impor-
pactes da industrialização e urbanização tante destacar, desde já, o papel que
difusas, com base em iniciativas empresa- poderão vir a representar os dois espaços
riais endógenas». urbano-metropolitanos do país, nomeada-
Eis o quadro territorial, bastante contra- mente porque eles se situam, também, co-
ditório, em que, por vezes, os próprios si- mo centros privilegiados de duas regiões

96
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

estratégicas do continente: referimo-nos, atracção e de fixação de fluxos, de iniciati-


como é óbvio, às regiões metropolitanas de vas e de recursos indispensáveis ao de-
Lisboa e do Porto. E para ilustrar esse papel, senvolvimento».
poderíamos regressar ao estudo anterior- Em complemento com a proposição
mente citado de J. Félix Ribeiro (1998), cujas anterior, reconhece-se a urgência em
observações prospectivas sobre os «gran- reorganizar aquelas regiões metropolita-
des desafios de médio/longo prazo» do sis- nas, de forma a «reduzir a expressão dos
tema urbano nacional aparecem retomadas, fenómenos de suburbanização, com parti-
quase literalmente, no Plano Nacional de cular destaque na área metropolitana de
Desenvolvimento Económico e Social, 2000- Lisboa, procurando caminhar para a con-
-2006 (PNDES). Centremo-nos, pois, neste solidação de estruturas multipolares». Cu-
mesmo plano (MEPAT, 1999: 54). riosamente, no texto de origem de Félix Ri-
Desde logo, duas proposições impor- beiro (op. cit.: 41), este autor acrescenta
tantes: antes de mais, a necessidade do um comentário à proposta anterior, que
«reforço das áreas (ou futuras regiões) me- nos parece de extrema importância. Admi-
tropolitanas de Lisboa e Porto», uma vez te, assim, que em relação à reorganização
que constituem «as aglomerações melhor daqueles espaços metropolitanos, seria
colocadas para protagonizar papéis de in- de «ponderar a vantagem de operacionali-
termediação do país com o exterior e asse- zar as entidades “Grande Lisboa” e “Gran-
gurar a sua inserção nas dinâmicas da de Porto”, reconfigurando-as por forma a
economia europeia e mundial». Com efeito, envolver concelhos das duas margens
segundo aquele plano, «são estes os cen- dos rios Tejo e Douro, permitindo, com es-
tros nacionais com maior capacidade de sa “recentragem” sobre os rios, deixar es-
Vista aérea de Lisboa/Almada.

97
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

paço de afirmação a cidades médias mais neste caso avaliada em função da respecti-
distantes, mas localizadas nas respectivas va condição urbana — como componentes
áreas metropolitanas». fundamentais de projecção e estruturação
Esta última proposta, determinante, co- do respectivo território nacional.
mo dissemos, do ponto de vista territorial,
abriria, assim, a possibilidade de constitui- Portugal no mapa territorial da Europa
ção efectiva de duas metrópoles, Lisboa e Parece incontornável admitir, hoje, o papel
Porto — e já não essa entidade, territorial- decisivo da dimensão territorial nos projec-
mente híbrida e politicamente amorfa, que tos e nas políticas de desenvolvimento eco-
dá pelo nome de «área metropolitana»! —, nómico e social do país, tal como fomos su-
que, deste modo, se assumiriam com blinhando em páginas anteriores. É essa
«massa crítica» territorial capaz de se pro- mesma inclusão territorial na economia e
jectarem como cidades metropolitanas na sociedade que pode vir a comportar
face ao exterior do país. Assim, um novo propostas de reordenamento socioespa-
modelo territorial para os espaços metro- cial, nomeadamente no quadro de uma
politanos de Lisboa e do Porto não deixaria progressiva adequação e integração do
de colocar, frontalmente, a necessidade de país no mapa territorial da Europa. E se já
um novo reordenamento do território do vimos a necessidade de um novo estatuto
país, considerando, assim, as cidades e as metropolitano para as duas principais cida-
«vilas urbanas» — eufemismo que preten- des do país, aquele reordenamento obriga
de sublinhar que o que está em causa não a questionar a organização do restante ter-
são meras designações administrativas, ritório. Desde logo e voltando a citar o
mas, ainda, a questão da «massa crítica», PNDES (op. cit.: 41), a necessidade de

Foto aérea de Porto/Gaia.

98
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O território

«qualificação e estruturação dos contínuos tância, remete para uma discussão mais
urbanos (ou “conurbações urbanas”) exis- ampla sobre memória e projecto da urbani-
tentes nas faixas litorais ocidental e meri- dade3. Mas com uma ressalva fundamen-
dional, de forma a controlar e resolver os tal, política e sociologicamente decisiva:
problemas associados ao seu crescimento nem aquela «memória» se cristaliza, inexo-
rápido e desordenado e a conter efeitos de ravelmente, num passado, eventualmente
polarização excessiva das aglomerações próximo; nem, por outro, aquele «projecto»
metropolitanas de Lisboa e Porto». se reporta, exclusivamente, a um futuro,
Complementarmente, de acordo, ainda, sempre incerto, como sabemos. Por isso,
com o referido plano, aquele reordenamen- aquela dicotomia urbana das «duas» cida-
to implicará «a dinamização dos centros ur- des, sendo descritivamente aliciante, em
banos localizados em áreas de perda, en- termos analíticos comporta elevados riscos
quanto última oportunidade para manter interpretativos e, portanto, também propo-
social e economicamente activas as regiões sitivos, fazendo-nos recordar o «dualismo»
mais desfavorecidas do país e a criação e social e urbano dos anos 60 do século pas-
consolidação de “eixos de cidades” no inte- sado. Em termos um tanto esquemáticos,
rior, explorando a maior conectividade tor- poderíamos considerar, então, que o desa-
nada possível pela melhoria da rede de fio de um diferente ordenamento urbano do
transportes». Ainda numa mesma aborda- país não teria de se centrar, propriamente,
gem de potenciação de redes de cidades na diversidade daquelas «duas» cidades,
— e já não, como se defendia nos anos 70, mas na respectiva articulação sistémica e
enquanto «rede urbana» hierarquizada e urbana, que, entre outros desígnios, deve-
monolítica ao nível nacional — e numa pos- ria tender, assim, para «criar cidade» onde
tura contrariando as profundas assimetrias ela (ainda) não existe.
territoriais do país, aquele plano propõe, Trata-se, portanto, de introduzir uma no-
ainda, «o avanço de redes de concertação va dinâmica territorial, potenciando, simulta-
e de cooperação transfronteiriça, aprovei- neamente, sinergias e complementaridades
tando as novas condições de acessibilida- (cf. Ferrão, 1997) entre redes de cidades e
de do território continental com o exterior». de «vilas urbanas», não só no interior do
Curiosamente, num estudo coordenado país, mas também nos espaços aparente-
por Nuno Portas, partindo embora de uma mente descontínuos do litoral, num quadro
formulação e de um enquadramento dife- de assumida projecção para a sua envol-
rentes dos que temos vindo a seguir, é invo- vente europeia e configurando, desse
cada a necessidade de articulação do que modo, um novo ordenamento do território
os autores consideram como as «duas» ci- nacional. E isso tanto no continente, como
dades, a cidade «herdada» e a «emergen- nos espaços insulares, particularmente no
te», numa postura analítica que, em termos caso dos Açores, em que a efectiva des-
prospectivos, procura «um desígnio desejá- continuidade territorial pode vir a ser par-
vel, mas de longa duração» (Portas et al., cialmente contrariada com propostas con-
2002: 9). Em termos alegóricos, aquelas sistentes de articulação urbana, agora no
«duas» cidades, a «herdada» e a «emer- quadro dos diversos aglomerados daquele
gente» — numa distinção que, ao fim e ao arquipélago.
cabo, é de todos os tempos, na medida em É de uma nova dinâmica territorial que
que a cidade «emergente» de hoje será a se trata, efectivamente, polarizada em torno
«herdada» de amanhã! — encontram, no
entanto, uma correspondência significativa 3 Subtítulo da obra de Ferreira, 2004, já anterior-

num eixo problemático que, em última ins- mente referida.

99
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

das cidades e dos centros urbanos, muito encontra, no final da década de 90, «espa-
embora se constate, ainda, «um Portugal cialmente mais desequilibrado», a geogra-
continental interior funcionalmente organiza- fia das dinâmicas territoriais observadas
do em torno de um número reduzido de registam, igualmente, um país «socialmen-
centros urbanos e um litoral funcionalmente te menos heterogéneo» (Ferrão, op. cit.).
mais complexo e organizado em torno de Como parece evidente, a presente pro-
vários centros urbanos» (INE, 2004: 2). posta de «redes de cidades» não constitui,
Mas para além dessa assimetria, bastante só por si, uma panaceia para resolver as
persistente, como temos vindo a registar, assimetrias e os desequilíbrios territoriais.
«o final do século XX parece confirmar que, Realmente, o que aquela proposta pressu-
justapondo-se às dicotomias norte/sul do põe é uma lógica diferente de ordenar o
Portugal tradicional e litoral/interior do Por- território, procurando contrariar algumas
tugal moderno, se afirma crescentemente das inércias pesadas nas formas de ocu-
um Portugal urbano organizado em rede, pação desse mesmo território. Em última
um arquipélago urbano constituído pelas instância, as questões em debate jogam,
grandes regiões metropolitanas de Lisboa sobretudo, com a criação ou reconversão
e Porto, o cordão urbano do litoral algarvio de diversas polaridades urbanas e metro-
e ainda várias aglomerações urbanas de politanas num sistema em rede, de modo
média e até, nalguns casos, de pequena que, em simultâneo, possam vir a assumir
dimensão, tanto no litoral como no interior» uma centralidade territorial e uma condição
(Ferrão, s. d.: 7-8). Esta mesma constata- urbana, isto é, um estatuto pleno de cidade
ção leva o autor a concluir que se o país se e uma qualidade efectiva de urbanidade.

100
Sociedade
A língua portuguesa
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Ivo Castro

E m Portugal, poucas instituições se


identificam mais claramente com a
unidade da nação e do território do
que a língua.
O país gaba-se de possuir uma das
uma passageira indefinição inicial na re-
gião de Ribacoa, resistiu inalterada a oito
séculos de temperamental política externa
luso-espanhola, se exceptuarmos mínimas
rectificações de traçado e a perda da vila
fronteiras mais antigas da Europa, acaba- alentejana de Olivença, cuja anexação há
da de desenhar no século XIII e depois dis- dois séculos não é para muitos portugue-
so conservada praticamente com o mesmo ses um assunto encerrado. Enquanto isso,
traçado até aos dias de hoje, com muito li- a fronteira líquida tem passado por consi-
geiras alterações. Dizer que a fronteira ter- deráveis redesenhos, que vêm até aos dias
restre, separadora em relação a Espanha, de hoje e prometem continuar: além do cí-
se tem revelado ao longo de todo este tem- clico vaivém do perfil das praias, registou-
po mais estável que a outra fronteira, a li- -se o avanço da extensa frente marítima da
nha de costa atlântica que corre desde a ria de Aveiro, pequenas ilhas foram integra-
foz luso-galega do rio Minho até à foz de das no continente (Peniche, Baleal, Vimei-
águas mediterrânicas do Guadiana, é um ro) e portos de mar ficaram sem mar (Atou-
dito de espírito que merece ser examinado guia da Baleia), tudo isto afectando a parte
a sério. De facto, a fronteira sólida, após ocidental do território português, onde a

As penínsulas do Baleal e de Peniche, duas ilhas «assimiladas» pelo continente.

101
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

população mais se tem concentrado e on- pico, por seu lado, é formado por uma vas-
de a circulação é intensa e constante. tidão de terras planas e secas, pouco
Mesmo com estas pequenas mudanças, habitadas fora de cidades dispersas, onde
o mapa do território português continua a a influência do ar ameno do Mediterrâneo é
ser o mesmo que os homens e a história cortada por ameaças de um deserto que
traçaram inicialmente. Um país estreito e não anda longe. A ocupação deste espaço
longo, com maior distância entre pontos por colonos vindos do Norte, no dia seguin-
situados no Norte e no Sul que entre nas- te à conquista militar cristã, constituiu um
cente e poente. Por isso, um país onde po- mecanismo essencial para a construção
demos esperar que sejam particularmente do Estado. Sem esses colonos, que se
sensíveis as diferenças entre os homens do aculturaram rapidamente em zonas de in-
Norte e os do Sul, já que vivem em ambien- teresse estratégico, não teria sido possível
tes físicos e humanos muito contrastados. assegurar com eficácia a manutenção da
Os primeiros, descendentes dos originários linha de cidades, vilas e castelos que ser-
habitantes do Noroeste da Península Ibéri- viram de guarda à fronteira e a mantive-
ca, distribuem-se por planícies costeiras ram em bom estado de conservação. Não
estreitas e muito povoadas, por vales abri- é de esquecer que a fronteira que separa
gados e com grandes desníveis de altitu- Portugal de Espanha poderia ter tido um
de, e ainda por planaltos que prolongam a percurso muito diverso, se os planos de
meseta ibérica, tudo isto recortado e condi- Afonso Henriques, o rei fundador, tives-
cionado por numerosas linhas de monta- sem sido coroados de êxito pela conquis-
nha, que são responsáveis por uma cadeia ta de Sevilha e das terras andaluzas que
de consequências: muita chuva para a se lhe seguem para sudeste; ou, inversa-
agricultura, alimento para populações den- mente, se Afonso X de Castela e Leão ti-
sas, exportação de gente para outras ter- vesse podido dar alguma substância ao tí-
ras. Daqui saiu o grosso da emigração por- tulo de «rei dos Algarves», que sempre
tuguesa, mas antes, e principalmente, já usou com orgulho.
havia saído o complemento populacional O facto de o Sul do país ter sido repo-
de que as terras do Sul de Portugal, roma- voado a partir do Norte e basicamente por
nizadas e depois islamizadas, careciam portugueses, embora com uma quota de
para se integrarem no novo Estado que os colonos estrangeiros, é grandemente res-
cristãos do Norte criaram durante o proces- ponsável pela coesão interna da nação.
so da Reconquista (séculos XI-XIII). O Sul tí- Mas também está na origem do conflito

Uma típica paisagem do Norte Interior português.

102
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A língua portuguesa

A sul, a característica lhanura das planícies alentejanas.

cultural que tradicionalmente opõe a parte Quer isto dizer que, no pequeno rectân-
fundadora de Portugal (as províncias do gulo português, habita uma sociedade que
Norte e do vale do Douro, polarizadas mo- facilmente se distingue dentro do mosaico
dernamente na cidade do Porto) à parte ibérico, mas que, no seu interior, não é ab-
que se tornou portuguesa em consequên- solutamente homogénea, antes retira a sua
cia da Reconquista cristã (as Beiras, que coesão e a sua personalidade das ener-
têm muitas características de transição, o gias desenvolvidas por tensões tectónicas
vale do Tejo e o Sul alentejano e algarvio). que o confronto norte-sul desprende. Na
Foi aqui, no eixo de cidades formado por segunda metade do século XX, o geógrafo
Coimbra, Lisboa e Évora, que, ainda na Orlando Ribeiro desenvolveu a teoria dos
Idade Média, se instalou o centro do poder, dois Portugais — um dominado pelo Medi-
com todas as suas manifestações e decor- terrâneo e outro, a norte, subdividido entre
rências: residência da corte, centro polí- a influência do Atlântico e a influência da
tico, económico e cultural, porta aberta à meseta ibérica. Num país que despertou
expansão ultramarina, fonte difusora de tarde para a modernidade, não surpreen-
inovações. Este último aspecto é especial- derá que esta repartição seja tão válida pa-
mente importante, porque a partir do sé- ra os tempos da fundação da nação e do
culo XV assiste-se a uma espécie de de- Estado, como para a época em que se lan-
volução de influências, passando o Norte çaram os Descobrimentos, como ainda
fundador ao estatuto de região periférica e para os anos finais do governo de Oliveira
assumindo o Sul recém-povoado o papel Salazar. E está longe de ter perdido a vali-
de distribuidor do jogo. A rivalidade entre dade nos dias de hoje em muitos dos seus
norte e sul, que continua a fazer parte do aspectos; mas não dá conta do movimento
quotidiano nacional, tanto na política, como migratório de abandono do campo, que se
na actividade económica e mesmo despor- tem generalizado no Norte: as populações
tiva, não é, pois, uma criação recente, mas rurais concentram-se nas cidades interio-
um dado da estrutura que, ao longo dos res ou, mais ainda, deslocam-se para o lito-
tempos, se tem manifestado por muitas for- ral, onde começam a surgir megalópoles,
mas e símbolos, por vezes com pitoresco: ainda que à reduzida escala do país. As-
os antropólogos, por exemplo, discutem a sim, afirma-se um novo tipo de contraste,
que latitude a comida deixa de ser tempe- entre interior e beira-mar, materializado nu-
rada com salsa e passa a sê-lo com coen- ma larga frente costeira, fortemente urbani-
tro. Um homem do Sul associa aos Gale- zada, onde se concentra a população e a
gos o homem do Norte, que em troca o vida activa, frente essa que começa no lito-
apelida de mouro. ral minhoto e segue para sul marcada por

103
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A Reconquista portuguesa

Bragança
Braga

Porto

Lamego

Viseu
Seia

Coimbra

Idanha

Leiria

Tomar

Santarém

Lisboa
Badajoz
Évora
Olivença
Alcácer

Beja

Serpa Aroche
Aracena

Mértola

Silves

Territórios conquistados até 1185


Territórios conquistados entre 1185 e 1249
Territórios conquistados em 1249
Comarca de Ribacoa, incorporada em 1295
Conquistas episódicas na segunda metade do século XIII
Área de Olivença, portuguesa de 1297 a 1657 e de 1668 a 1801
Armadas de cruzados
Fronteira de Portugal

Fonte: adaptado de Ribeiro, 1955.

104
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A língua portuguesa

As divisões geográficas de Portugal (segundo Orlando Ribeiro)

Limite entre o Norte e o Sul


Limite entre as áreas atlântica e transmontana
Outros limites importantes determinados pelo relevo
ou pela natureza das rochas
Limite entre áreas pertencentes ao mesmo conjunto de paisagens

Fonte: adaptado de Ribeiro, 1974, 189.

105
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

uma rede de grandes cidades polarizado- quanto esta aprende a falar galego-portu-
ras: Viana do Castelo, Braga-Guimarães, guês, os colonos reaprendem-no, pois
Grande Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, San- acham-se misturados diversos dialectos,
tarém, Grande Lisboa, Setúbal e, após um que se fundem, homogeneizam e mudam
hiato na costa alentejana, toda a frente al- de características: numa espécie de bana-
garvia. As afinidades comuns a todos os lização generalizada, apagam-se os traços
pontos desta frente costeira — residência muito típicos e privativos de um dialecto,
urbana e suburbana, tipos de actividade, prevalecem os traços comuns à maioria.
acesso a bens e serviços, gostos e com- Isto não é aparente imediatamente, pois
portamentos — escapam em larga medida serão precisos séculos para se constatar
ao tradicional contraste norte-sul, que po- que certos traços linguísticos não se acli-
derão vir a neutralizar. mataram bem a sul, dando lugar a substi-
E a língua? A língua tem estado presen- tuições e perdas que surgem como inova-
te a tudo isto, em todos os terrenos, mo- ções dialectais das províncias meridionais
mentos e episódios, como testemunha, co- e progressivamente se expandem em di-
mo interveniente e como registo. recção a norte, num lento movimento de re-
No canto noroeste da Península Ibéri- fluxo que, no terreno, não terminou ainda.
ca (Galiza, ocidente de Astúrias e norte A deslocação do poder político para
de Portugal, até ao paralelo de Aveiro), Lisboa conferiu preeminência a estes dia-
uma variedade de latim falado tinha fica- lectos do centro e sul, que serviram de pe-
do isolada a partir dos séculos V-VI, so- destal à elaboração, a partir do séc. XV, de
frendo evolução própria que conduziria à uma norma culta (e uma língua literária)
primitiva língua galego-portuguesa, ca- afastada dos dialectos setentrionais e do
racterizada por algumas mudanças fono- galego, que tinham servido de base à lín-
lógicas originais no quadro românico: gua dos cancioneiros trovadorescos. As-
queda das consoantes l e n em posição sim, desaparece a maior parte dos hiatos
intervocálica (palatianu > paação), fusão que caracterizavam o português antigo
dos grupos pl, fl, cl numa consoante afri- (paaço > paço, maestre > meestre > mes-
cada palatal tch (plorare > tchorar, flam- tre), fundem-se em ão várias terminações
ma > tchama, clamare > tchamar). Com a nasais (pan > pão, non > não, sunt > sõ >
Reconquista e a constituição do reino de são, etc.), mantém-se intacto o sistema de
Portugal, essa língua setentrional deslo- sete vogais tónicas que vinha do latim vul-
cou-se para sul e para leste, ocupando gar mas inicia-se uma característica redu-
quase exactamente o território recente- ção do vocalismo átono, regularizam-se
mente definido pelas armas. A leste, a no- muitas irregularidades morfológicas de gé-
va fronteira com os reinos de Leão e Cas- nero e número, os verbos haver e ser per-
tela torna-se também uma fronteira lin- dem para ter o papel de auxiliares que
guística: do lado leonês e castelhano faz- mantêm em francês e italiano, desenvolve-
-se a ditongação é > ié e ó > ué (lat. terra > -se uma verdadeira originalidade do portu-
tierra, lat. cova > cueva), enquanto no es- guês (o infinitivo pessoal ou flexionado); o
paço galego-português essas mesmas léxico moderniza-se sob a influência do la-
vogais latinas são mantidas (terra, cova). tim. O mapa dialectal português da época
A nitidez da fronteira é absoluta: onde a clássica pouco difere do actual, como foi
língua muda, o país passa a ser outro. descrito por Lindley Cintra: a norte, na área
A sul, o processo é diverso: nas terras inicial da língua, mantêm-se ainda traços
reconquistadas, os colonos misturam-se antigos como os ditongos ou e êi, a africa-
entre si e com a população existente. En- da tch, a distinção entre sibilantes apicais,

106
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A língua portuguesa

Os dialectos portugueses
(Luís Filipe Lindley Cintra)

Viana
do
Castelo

Vila Real
Braga
Bragança

Porto

Viseu

Aveiro
Guarda

Coimbra

Castelo Branco
Leiria

Santarém Portalegre

Lisboa

Évora

Setúbal

Beja

Faro

Dialectos portugueses setentrionais


Dialectos transmontanos e alto-minhotos
Dialectos baixo-minhotos-durienses-beirões
Dialectos portugueses centro-meridionais
Dialectos do centro litoral
Dialectos do centro interior e do Sul
Limite de região subdialectal com características
peculiares bem diferenciadas

Fonte: adaptado de Cintra, 1971, por Segura e Saramago, 2001.

107
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

grafadas s, e sibilantes predorsais grafa- que não terá equivalência fácil no resto da
das c, ç ou z (servo/cervo, passo/paço, co- Europa. Os resultados mais salientes desta
ser/cozer); nos dialectos do centro e sul, adequação são o monolinguismo e o débil
aqueles traços foram abandonados: ou dialectalismo.
monotonga para ô e êi para ê (ou mantém- De facto, Portugal é um país quase mo-
-se como âi, na região de Lisboa), tch fun- nolingue: além do português, apenas exis-
de-se com x (pelo que chávena e xícara te no seu território uma outra língua, o mi-
começam pelo mesmo som x), as apicais randês, que tem estatuto oficial de língua
são substituídas pelas predorsais (pas- minoritária e sobrevive numa estreita região
so=paço), em final de sílaba o s torna-se da fronteira nordeste, com poucos milhares
palatal (pastos soa paxtux). Estas mudan- de falantes, nenhum deles privativo. O mui-
ças começam a manifestar-se no Sul do to recente fenómeno do acolhimento de
país pelo século XVI e avançam progressi- imigrantes estrangeiros não alterou total-
vamente para norte, mas ainda hoje não mente este quadro de monolinguismo, pois
eliminaram as formas antigas, que subsis- a maior parte dos chegados (brasileiros e
tem em Trás-os-Montes, Alto Minho e Beira africanos) já têm o português como língua
Alta, ou seja, nas terras interiores (mas o materna, enquanto os oriundos da Europa
Norte atlântico já acolheu a maior parte de leste não revelam dificuldades de acul-
das inovações). O português moderno, na turação linguística. Mesmo assim, estão a
sua face falada, é o resultado da generali- formar-se bolsas de predomínio de línguas
zação das mudanças ocorridas no Sul, estrangeiras, sobretudo crioulos, restando
que, depois de assumidas pela norma- saber como evoluem. O sistema oficial de
-padrão, aproximadamente definida como ensino tem apontado, mesmo nas escolas
as variedades oral e escrita usadas pelos de forte população crioula, para uma for-
portugueses educados e pelos meios de mação em português; do mesmo modo,
comunicação, facilmente penetram nos tem submetido os alunos de origem brasi-
ambientes urbanos do litoral, mesmo os leira e africana à norma linguística portu-
setentrionais. guesa, no que é ajudado pelo contacto si-
Graficamente, temos uma língua nasci- tuacional a que se acham diariamente
da no Norte, que avança para sul à medida expostos. Se esta orientação, que é politi-
que o território cresce e os povos se deslo- camente condicionada, se mantiver, é pro-
cam; que se adapta e transforma nos no- vável que prevaleça a integração linguísti-
vos territórios; que reflui para a sua origem ca dos descendentes de imigrantes e não
e a moderniza. É quase perfeita esta ade- surja um quadro de multilinguismo.
quação entre língua, sociedade e território, Por outro lado, a diferenciação dialectal

O mais antigo documento datado (1175) em português é a Carta de Fiadores


de Paio Soares Romeu.

108
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A língua portuguesa

norama linguístico que já não se mostrava


predisposto à diferença.
Este panorama linguístico português se-
ria ainda menos variado, e mesmo um pou-
co banal, se a relação entre língua, territó-
rio e sociedade se tivesse restringido aos
limites europeus que até agora estiveram
sob consideração. Mas a partir do século XV
Portugal deu início à sua expansão para fo-
ra da Europa, ocupando ilhas desertas do
Atlântico e pontos de escala ao longo da
costa africana, antes de se atrever a uma
ambiciosa lançada em direcção ao Orien-
te, caracterizada pelo domínio de rotas ma-
rítimas no Índico e no Pacífico, com apoio
em pontos estratégicos distribuídos pelo li-
toral circundante. Mantiveram-se sob domí-
Rosto da primeira gramática portuguesa, nio português até à segunda metade do
de Fernão de Oliveira (1536).
século XX alguns desses pontos: Goa, Ti-
portuguesa é bastante ténue: a manutenção mor Leste, Macau. Outros, como Malaca e
de traços antigos no Norte e a sua ausência Ceilão (Sri Lanka), foram cedo transferidos
nos dialectos do Sul e ainda nos arquipéla- para outras potências coloniais, mas con-
gos dos Açores e da Madeira (que eram de- servaram a memória da efémera ocupação
sertos antes da colonização portuguesa) portuguesa na arquitectura, em traços cul-
não é suficiente para criar barreiras de turais e na língua. Do século XVII em diante,
compreensão interdialectal. As marcas dia- Portugal empenhou-se noutros continentes:
lectais não travam a comunicação, apenas garantiu a posse de extensas zonas do lito-
servindo para identificar a proveniência re- ral africano, a partir das quais viria a formar
gional de cada falante, se este, ao mudar-se Angola e Moçambique, mas principalmente
para um ambiente urbano, não se desem- dedicou-se à construção do Brasil.
baraçar delas. Por vezes, observa-se em Esta expansão transportou a língua por-
alguns indivíduos (p. ex., políticos de actua- tuguesa para novos territórios, onde se
ção regional) o fenómeno inverso de exa- associou às línguas locais para produzir
cerbamento de traços dialectais de pronún- terceiras línguas (os crioulos do litoral afri-
cia e léxico, com fins práticos evidentes. cano e asiático) ou onde criou raízes para
Mas a concentração da população em ci- os dialectos transplantados da Europa.
dades da frente costeira, a submissão de Pensou-se durante algum tempo que ape-
toda a população nacional a um sistema nas algarvios e alentejanos teriam povoado
bastante unificado de comunicação audio- o Brasil, por não serem aí evidentes os tra-
visual (com destaque para apenas quatro ços típicos dos dialectos setentrionais, mas
canais generalistas de televisão) que di- o povoamento foi feito com imigrantes oriun-
funde uma mesma variedade sociolectal dos de todas as províncias de Portugal,
que serve de norma-padrão, e ainda o sis- cujos dialectos sofreram, na colónia, as mes-
tema de ensino, que não privilegia a colo- mas mudanças simplificadoras que após a
cação de professores na sua região de Reconquista tinham sofrido no Sul do país.
origem, actuam conjuntamente como po- Assim, é provável que no século XVI e ainda
derosos elementos unificadores de um pa- no XVIII a língua falada no Brasil fosse muito

109
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

semelhante à de Portugal (quanto à escrita, tes do verbo (lhe disse), posição que de-
isso é indiscutível). Ainda hoje, nos confins pois foi substituída pela posposta, ou êncli-
de Mato Grosso, sobrevivem relíquias co- se ( disse-lhe ). Esta mudança afectou
mo a pronúncia tchorar, que também se apenas o português europeu (PE), enquan-
encontra em Trás-os-Montes, na outra ex- to o português brasileiro (PB) conservou a
tremidade do espaço lusofalante: isso pro- próclise tradicional. Surgiu assim um dos
va que traços característicos dos dialectos grandes traços distintivos entre as duas va-
setentrionais estiveram presentes na colo- riantes da língua.
nização do Brasil. Mas não tiveram vida Outros traços de gramática, facilmente
longa: do século XVII para o XVIII, a evolução sentidos por quem faça um pouco de
da língua em Portugal e na colónia brasilei- comparatismo, são: a) quando o objecto
ra deixou de seguir caminhos paralelos, directo é um pronome da 3.a p., o PB usa a
não sendo transmitidas à colónia algumas sua forma tónica (Vi ele ontem na rua), en-
inovações ocorridas na Europa, e vice- quanto o PE usa a forma átona (Vi-o ontem
-versa. Um exemplo paradigmático: até ao na rua); b) embora a frase de sujeito não
século XVI, a posição mais frequente do expresso Iremos todos ao cinema amanhã
pronome pessoal átono era a próclise, an- seja possível tanto no PE como no PB, este

Crioulos de base portuguesa ou com forte Crioulos de base portuguesa: África


influência lexical portuguesa: América
Crioulos do Brasil
1 Crioulo de Helvécia
Crioulos com forte influência
lexical portuguesa
2 Saramacano (base inglesa)
3 Aruba
4 Curaçau Papiamento
5 Bonaire (base ibérica)

3 4 5 2
1
3
2
4
5
6

Crioulos da Alta Guiné


1 Cabo Verde
2 Casamansa (Senegal)
3 Guiné-Bissau
Crioulos do golfo da Guiné
4 Príncipe
5 São Tomé (Santomense e Angolar)
6 Ano Bom

Fonte: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografia, mapas V (América), III (África) e IV (Ásia).

110
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A língua portuguesa

usa com maior frequência a frase com à > â ) ou desapareceram ( necessáriu >
pronome sujeito: Nós iremos todos ao ci- n’sáriu, cómudu > cómedu > cóm’du).
nema amanhã. Em compensação, há ca- O comportamento destas vogais tem
sos de sujeito nulo que só podem ocorrer duas utilidades gerais: mostra que o PE po-
no PB: a frase Não usa mais freio supõe no de ser mais inovador e instável que o PB,
PB um sujeito não expresso com valor ge- contrariamente a uma ideia muito comum,
nérico-indefinido, o que no PE requer o e mostra que a evolução previsível do por-
pronome clítico se: Não se usa mais freio; tuguês em África não seguirá o caminho do
c) o PB pode construir frases na voz activa PB, como defende outra ideia comum. Com
com um sujeito que o PE não admite: A efeito, quando a vogal átona é seguida de
balança está consertando ou O relógio l, o PE excepcionalmente não efectua a sua
quebrou o ponteiro (PE: A balança está a elevação, mantendo a vogal tal como o PB
ser consertada ou O ponteiro do relógio (álmeidâ, e não âlmeidâ; vóltár, e não vul-
quebrou-se); d) no caso do vocalismo áto- tár), mas o português africano segue nes-
no, o PB caracteriza-se pela conservação tes casos a regra geral da elevação (âlmei-
do sistema do português clássico (nêcês- dâ, vultár ), sendo neste aspecto mais
sáriô, cómôdô), enquanto no PE as vogais inovador que as outras variantes. É natural
átonas sofreram elevação ( ê > e, ô > u, que em África o português venha a adquirir

Crioulos de base portuguesa: Ásia Crioulos indo-portugueses


1 Diu*
2 Damão
3 Bombaim*
4 Chaul* e Kortal
5 Goa*
6 Mangalor*
7 Cananor*, Tellicherry e Mahé*
8 Cochim* e Vaipim*
9 Quilom*
10 Costa do Coromandel*
11 Costa de Bengala*
12 Sri-Lanka (Ceilão)
Crioulos malaio-portugueses
13 Kuala Lumpur*
20 14 Malaca Papiá Kristang
2 15 Singapura*
3 11 21
1 16 Java* (Batávia e Tugu)
4 5
6 17 Flores* (Larantuka)
7 10 18 Timor Leste* (Bildau)
8 19 Ternate*, Ambom* e Macassar*
9 13
12 14 Crioulos sino-portugueses
15 20 Hong Kong*
Macaísta
21 Macau*
19
16
17 18

*Extinto ou em extinção.

111
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

variantes nacionais, como as que tem em aos quais se agregou pouco depois Timor.
Portugal e no Brasil: por variante nacional Por estes motivos, o português é uma lín-
deve entender-se um conjunto de normas gua multinacional, veículo de comunicação
cultas, escritas e faladas, e de normas dia- entre os cidadãos dos estados que a têm
lectais e sociolectais próprias do território, como oficial, e é também uma língua inter-
da sociedade e da cultura de cada um dos nacional, servindo de porta de entrada, co-
estados. Para isso apontam os comporta- mo língua segunda, para os falantes origi-
mentos regionais da língua, além de um nários de outras línguas.
facto de ordem demográfica apercebido Esta condição multinacional, associada
recentemente: tanto em Angola como em à dispersão geográfica, tem reflexos sobre
Moçambique, acha-se concentrada em tor- a unidade da língua. É certamente prema-
no das capitais uma parte considerável da turo afirmar que o português constitui uma
população, misturando-se, convivendo e «família de línguas», à semelhança do que
mesmo constituindo família pessoas que, se defende para o inglês, ou aconteceu há
por serem de etnias e línguas nacionais di- milénio e meio com o latim, mas as condi-
ferentes, apenas podem comunicar entre si ções de geografia, sociedade e comunica-
em português. Enquanto para estas pes- ção permitem admitir que a fragmentação
soas o português é uma língua segunda, do seu sistema linguístico venha a ocorrer
dominada com maior ou menor apuro, para no futuro. A construção e a consolidação
a geração dos seus filhos o português já é das diversas variantes nacionais poderão
a língua materna. E as gerações seguintes ser os primeiros passos nessa direcção.
seguirão, provavelmente, o mesmo ca- Ou melhor, poderão ser longas marchas
minho. constituídas por inúmeros pequenos pas-
O que contribuirá para reforçar um facto sos que não têm consciência da direcção a
actual: a língua portuguesa é, a nível mun- que apontam.
dial, uma das mais faladas como língua A nível das atitudes conscientes, o tema
materna. À sua frente apenas estão o man- da unidade da língua motivou, durante o
darim, o espanhol, o inglês, o bengali e o século XX, o aparecimento de dois modos
hindi. Destas, apenas o espanhol e o inglês típicos e claramente distanciados de reac-
partilham com o português a característica ção: uma pulsão unificadora e uma pulsão
de serem línguas multinacionais, faladas separativa. A pulsão unificadora atingiu o
desde a nascença por cidadãos de dife- zénite com o acordo ortográfico luso-brasi-
rentes nações. Enquanto o mandarim é fa- leiro de 1945, que aspirava a reunificar atra-
lado apenas por chineses (e não todos), o vés de uma ortografia comum as variantes
português é a língua materna de todos os nacionais em todas as suas manifestações,
portugueses, de quase todos os brasileiros mesmo lexicais, sintácticas e fonológicas.
(menos os ameríndios), de uma parte cres- E prosseguiu com novos tentames ortográfi-
cente dos angolanos, moçambicanos, ca- cos nos anos 80, manifestando-se hoje co-
bo-verdianos, são-tomenses, guineenses mo substrato do conceito de lusofonia e co-
(embora em Cabo Verde, Guiné-Bissau e mo justificativo de organizações políticas
São Tomé e Príncipe tenham grande peso como a Comunidade dos Países de Língua
os respectivos crioulos) e, finalmente, de Portuguesa e o Instituto Internacional da Lín-
segmentos da população em Timor, Goa e gua Portuguesa, cujas modestas realiza-
Macau. No ano 2000, o português era a lín- ções alguns consideram sintomáticas para
gua materna de, pelo menos, 180 milhões o devir da pulsão unificadora.
de pessoas distribuídas por todos os conti- Poderia dizer-se que o zénite da pul-
nentes e era língua oficial de sete estados, são separativa se situou na recusa brasi-

112
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A língua portuguesa

leira de aderir ao acordo de 1945, efec- equivalente, em linguagem técnica, a falar


tivamente dividindo o campo entre dois de novas línguas (fase da família de lín-
códigos ortográficos: um privativo do guas).
Brasil, outro comum a Portugal e às suas O conflito de pulsões e a sugestão de
antigas colónias. Mas importantes mani- vias de saída encontram-se formulados
festações separatistas tinham ocorrido an- de modo quase emblemático em Eduardo
teriormente, com origem no Brasil, em Lourenço, que, no mesmo livro (A Nau de
sectores da cultura. Hoje, destaca-se a Ícaro) em que afirma que portugueses e
pulsão separativa nas preocupações de brasileiros «nunca formar[ão] um conjunto,
muitos linguistas, não só brasileiros, mas no sentido de comunidade linguístico-
também portugueses e africanos, os quais -cultural», lucidamente reconhece que
argumentam que a separação de placas para uns e outros (e também para os afri-
tectónicas em marcha no espaço do por- canos) a língua constitui o «único elo in-
tuguês terá ultrapassado a variação entre contornável». O que talvez equivalha a di-
normas da mesma língua (fase das varian- zer que, mesmo nos momentos de crise, a
tes nacionais) e já se configura como a discussão se fará com palavras e frases,
criação de gramáticas distintas, o que é e silêncios, da língua portuguesa.

113
Sociedade
A comunicação
social
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Rui Assis Ferreira

A imprensa

E volução histórica
e estrutura do mercado
Apesar do desenvolvimento cultural
e científico registado nos séculos XV e XVI e
da rápida introdução da imprensa no país
tidianos, a que acresciam os dois publica-
dos no Porto.
É, porém, a partir de 1834 que a impren-
sa portuguesa começa a aproximar-se da
vitalidade própria do jornalismo moderno,
(1487), as primeiras publicações periódi- por força da sua crescente profissionaliza-
cas editadas em Portugal, ainda no sécu- ção humana e tecnológica. Inicialmente
lo XVII (Gazeta, Mercúrio Português), tive- concebida como simples tribuna individual,
ram existência limitada, por se destinarem, a imprensa periódica passa a assumir-se
sobretudo, a apoiar o esforço de guerra como verdadeiro fórum de debate dos
inerente à restauração da independência grandes temas nacionais e internacionais,
nacional e aos confrontos militares com a num movimento a que esteve ligado, nos
vizinha Espanha (1640-1668). Açores, aquele que ainda hoje é o mais an-
Seria preciso esperar até 1809 para se tigo jornal português — O Açoreano Orien-
assistir ao aparecimento do primeiro jornal tal (1835).
diário, publicado em Lisboa. Nesta cidade Na segunda metade do século XIX sur-
chegariam a editar-se, em 1820, cinco quo- gem os principais diários do país — O Co-
mércio do Porto, Diário de Notícias, Jornal
A Gazeta, uma das primeiras publicações
periódicas portuguesas, que dava conta de Notícias, Primeiro de Janeiro, O Século,
dos sucessos das lutas da Restauração, Diário Popular, República, Diário de Lis-
em 1641.
boa —, alguns dos quais (Diário de Notícias,
Jornal de Notícias) com publicação que che-
gou aos nossos dias. Pelo caminho ficaram
títulos «históricos» de grande notoriedade
(O Século, Diário Popular, República e Diário
de Lisboa), que não conseguiram resistir,
em anos recentes, às transformações ocorri-
das no sector.
Já nos anos 70 do século XX, observa-se
um assinalável desenvolvimento da im-
prensa semanal, em torno de projectos jor-
nalísticos inovadores e claramente desali-
nhados do poder político dominante, quer
nos últimos anos do marcelismo (caso do
Expresso), quer na fase mais radical da re-
volução de 1974 (caso de O Jornal).
À época da revolução de 1974, um sig-
nificativo número dos quotidianos portu-

114
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

Alguns exemplos da imprensa portuguesa.

gueses encontrava-se na posse de gran- Manhã, Público, Diário Económico, 24 Ho-


des grupos económicos, em especial dos ras) e a extinção de outros (Jornal Novo,
ligados à banca e aos seguros. Não sur- A Tarde, A Tribuna, O Diário, Portugal Hoje,
preende, por isso, que a nacionalização A Capital).
destes sectores, em Março de 1975, tenha Também na imprensa não diária se re-
transferido para o Estado a grande maioria gistaram desenvolvimentos significativos,
dos diários então publicados. prolongados, aliás, já neste século. O uni-
Tal circunstância, inédita na Europa verso dos semanários de informação geral,
Ocidental, revelou-se potenciadora de in- continuando embora a contar com os já
tervenções manipuladoras da informação, clássicos Expresso e Visão, viu nascer as
ao serviço das forças político-partidárias news magazines Focus e Sábado, assim
dominantes ou mais activas. Isto mesmo foi como, mais recentemente, o semanário
particularmente visível entre os movimentos Sol; mas assistiu, em contrapartida, ao de-
militares de 11 de Março e 25 de Novem- saparecimento de alguns semanários que
bro de 1975, período durante o qual os chegaram a atingir certa expressão (O Jor-
movimentos mais radicais da esquerda nal, Tempo, O País, O Independente).
procuraram hegemonizar os órgãos de co- Paralelamente, verifica-se um cresci-
municação social do sector público. mento do número de publicações especia-
Com a progressiva consolidação dos lizadas. O fenómeno é mais notório no
mecanismos próprios da democracia re- domínio das revistas femininas, ou da im-
presentativa, a imprensa estatizada foi per- prensa chamada «rosa» (de características
dendo a sua razão de ser, ao ponto de ces- marcadamente mundanas), e no dos perió-
sar a publicação ou regressar à posse do dicos desportivos, tendo até a expansão
sector privado da economia. destes últimos determinado a conversão
As décadas de 80 e 90 são marcadas em quotidianos dos trissemanários históri-
por diversas modificações na estrutura do cos (A Bola e Record), que exibem, hoje,
mercado da imprensa diária, com o apare- conjuntamente com o Jogo, tiragens entre
cimento de novos periódicos (Correio da as mais elevadas da imprensa diária.

115
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

lação: ela representa apenas 1/4 dos jor-


nais e revistas distribuídos em Portugal.
Cabe aqui assinalar que o Estado man-
tém, desde fins dos anos 70, um sistema
de apoios à imprensa regional, assente,
fundamentalmente, na comparticipação do
pagamento da sua expedição postal e na
atribuição de incentivos à iniciativa empre-
sarial e ao desenvolvimento multimédia, as-
sim como à qualificação dos recursos hu-
manos e à investigação (estendendo-se,
nalguns casos, às rádios locais).

Agência noticiosa
Remonta a meados dos anos 40 do século
transacto a criação, em Portugal, das pri-
meiras agências de notícias.
Existe, a partir de Fevereiro de 1987,
uma única empresa de vocação nacional e
internacional — a Lusa —, com importante
presença editorial e fotográfica nos conteú-
dos das publicações de informação geral.
Nela se reúnem, sob a forma de sociedade
comercial, capitais públicos (dominantes) e
Fachada do edifício da Lusa — Agência de privados (oriundos dos órgãos de comuni-
Notícias de Portugal, em Lisboa.
cação social, que são, naturalmente, os
Se é facto que os títulos generalistas principais clientes da agência).
apresentam sinais de quebra da circulação Um contrato de prestação do serviço
paga, nos dois últimos anos, certo é também público disciplina as relações entre o Esta-
que o advento dos jornais gratuitos (Jornal do e a agência noticiosa, tanto no que res-
da Região, Metro, Destak) trouxe mais leito- peita à delimitação das obrigações por
res, bem como novos públicos, ao sector, a esta assumidas, em termos de cobertura
ponto de o somatório das suas tiragens cor- noticiosa, quer no que se refere às contra-
responder, hoje, às vendas conjuntas dos partidas financeiras que, a esse título, lhe
cinco principais quotidianos portugueses. são devidas (17 665 935 euros, em 2005).
Particularmente atomizado é o subsector A Lusa dispõe de uma rede de delega-
dos jornais regionais, que exibe um número ções e correspondentes que cobre todo o
de títulos (superior a 700) deveras contras- mundo da lusofonia, por forma a favorecer
tante com a sua real dimensão jornalística e os fluxos informativos entre os países e co-
empresarial. Na verdade, o conjunto das ti- munidades de língua portuguesa.
ragens médias declaradas situa-se perto Está sujeita ao regime jurídico aplicável
dos 4500 exemplares, muito embora 300 às empresas jornalísticas, tal como estabe-
das publicações recenseadas não logrem lecido pela Lei de Imprensa.
atingir, por número, as 2500 cópias.
Sobra, pois, à imprensa regional portu- Consumo
guesa, em títulos, aquilo que lhe falta em Portugal apresenta reduzido índice de lei-
estruturas empresariais e valores de circu- tura dos jornais diários, espelhado nos ele-

116
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

mentos divulgados pelo Anuário Estatístico Quadro legal


da UNESCO (41 exemplares vendidos por Ao longo da sua história, os periódicos por-
cada 1000 habitantes). tugueses conheceram diversos momentos
Os trabalhos de campo realizados junto de fortes restrições à liberdade de infor-
da população, para levantamento dos ní- mação. Embora os períodos mais gravosos
veis de iliteracia, confirmam este cenário: tenham coincidido com a longa noite da
somente um em cada cinco dos portugue- Inquisição e do Estado Novo (o regime au-
ses consome quotidianamente publicações toritário de Salazar e Caetano), o próprio
periódicas, sendo ainda de assinalar que liberalismo e a I República não foram ca-
os tempos de leitura registados no país, em pazes de erguer edifícios jurídicos aptos à
1995, se alimentavam essencialmente das sustentação de uma imprensa livre e inde-
legendas televisivas (85 %). pendente.
Sendo certo que os hábitos de leitura va- Deve-se ao 25 de Abril de 1974 o esta-
riam consideravelmente entre os países do belecimento de um modelo consolidado de
Norte e do Sul da Europa, com manifesta respeito pelas liberdades de expressão e
ascendência dos primeiros, a situação por- informação, ambas com vigoroso assento
tuguesa é tributária, em especial, dos níveis na Constituição de 1976 (ainda hoje vigen-
de analfabetismo aqui existentes (9 % da te, embora com diversos ajustamentos).
população, em 2004), assim como da hege- O actual regime jurídico do sector jornalísti-
monia do consumo televisivo, ele próprio co alicerça-se no Estatuto do Jornalista (Lei
constituído em autêntico colete de forças n.o 1/99) e na Lei de Imprensa (Lei n.o 2/99),
imposto à progressão dos outros media. ambos de 13 de Janeiro de 1999.
De resto, a tendência detectável no pla- O primeiro destes diplomas define o
no mundial traduz um progressivo recuo enquadramento normativo da profissão,
dos jornais diários, superados pelo cresci- assegurando-lhe níveis de protecção dos
mento do audiovisual e dos novos serviços mais elevados na Europa — ilustrados por
da sociedade de informação. um amplo direito de acesso às fontes de in-
Em Portugal, o controlo das tiragens da formação, pelo respeito da cláusula de
imprensa periódica (jornais e revistas) é feito consciência e do sigilo profissional, pela
através dos mecanismos da auto-regulação. protecção da liberdade de expressão dos
Dos últimos dados fornecidos pela associa- jornalistas e pela sua participação na orien-
ção competente, a Associação Portuguesa tação editorial dos respectivos órgãos de
para o Controlo de Tiragem e Circulação comunicação social.
(APCT), relativos ao ano de 2005, decorre o O acesso à actividade jornalística está
seguinte alinhamento, em número de exem- condicionado à emissão de título profissio-
plares de tiragem média, por edição: nal próprio, da competência de uma comis-

— Maria (revista feminina): 315 600;


— Nova Gente (revista social): 159 400;
— Expresso (semanário generalista): 128 168;
— TV Guia (revista televisiva): 139 700;
— Correio da Manhã (matutino generalista): 118 254;
— Visão (revista semanária generalista): 99 683;
— Jornal de Notícias (matutino generalista, Porto): 98 637;
— Record (matutino desportivo, Lisboa): 86 964;
— Activa (revista feminina): 85 400;
— Sábado (revista semanária generalista): 50 918;
— Público (matutino generalista, Lisboa/Porto): 50 701;
— Diário de Notícias (matutino generalista, Lisboa): 37 909.

117
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

são presidida por um magistrado e integra- lizado por três grandes redes de cobertura
da também por representantes dos órgãos nacional — RCP, EN e RR —, mais ou me-
de comunicação social e dos jornalistas. nos sujeitas ao controlo do regime, incor-
A Lei de Imprensa postula, por seu tur- porando, além disso, uma dezena de pe-
no, a clara rejeição dos mecanismos cen- quenos postos emissores, de âmbito local.
sórios, que haviam marcado uma presença Apesar da restauração da democracia
asfixiante, em Portugal, entre 1926 e 1974. em Portugal e das novas oportunidades
Dela constam preceitos que visam, entre que ela trouxe à expressão radiofónica, a
outros objectivos, garantir a transparência configuração do mercado nacional mante-
da propriedade das publicações, definir a ve-se inalterada até à década de 80, altura
competência dos directores e dos órgãos em que o país assistiu à multiplicação de
colegiais representativos dos jornalistas (os estações locais «piratas», constituídas à
conselhos de redacção), assegurar o exer- margem das leis então vigentes e fruto de
cício dos direitos de resposta e de rectifi- iniciativas tipicamente voluntaristas.
cação e determinar a responsabilidade ci- Os poderes públicos acabaram por ser
vil e penal emergente dos actos ilícitos sensíveis à pressão das circunstâncias —
cometidos através da imprensa. até porque o fenómeno recolhia apoios evi-
dentes na população e nos próprios órgãos
da administração local —, revendo, no sen-
A rádio
tido da abertura, toda a disciplina jurídica
Evolução do sector da radiodifusão sonora e promovendo o
Data dos anos 30 o início da actividade das subsequente licenciamento de cerca de
principais estações radiofónicas portugue- três centenas de emissoras locais.
sas: o Rádio Clube Português (RCP) (1931), Após este esforço regularizador, a pai-
privado, a Emissora Nacional (EN) (1935), sagem radiofónica portuguesa assumiu
pública, e a Rádio Renascença (RR) (1936), aquele que é o seu figurino actual, com
ligada à Igreja Católica. uma grande diversidade de operadores de
Já antes, porém, tinham sido instaladas, âmbito concelhio (355 recenseados em fins
sobretudo em Lisboa, diversas outras rá- de 2005) e a manutenção de um núcleo
dios, de pequena dimensão, recenseadas restrito de emissores nacionais (aos quais
em número de 28 entre 1914 e 1939. Pro- se vai progressivamente reunindo a TSF,
jectos eminentemente pessoais, depen- estação originariamente local, pertencente
dendo do voluntarismo dos seus fundado- ao grupo Controlinveste).
res, mais do que de verdadeiras estruturas Observa-se, no entanto, uma clara ten-
profissionalizadas, parte destas estações dência para a constituição de cadeias ra-
acabou por ficar pelo caminho que outras diofónicas, entre os operadores locais, com
percorreram até hoje. o duplo propósito de alargamento das cor-
Desde cedo o Estado chamou a si o relativas áreas de cobertura (associado ao
controlo — primeiro directo, depois por crescimento das receitas publicitárias) e de
desconcentração de poderes — de um obtenção de economias de escala. Trata-se
operador radiofónico (a EN), incumbido, de um fenómeno controverso, manifesta-
ainda em 1931, de explorar as virtualida- mente influenciado pela concentração dos
des do novo medium, tanto nas suas ver- meios e estruturas empresariais, mas sus-
tentes informativas e recreativas como no ceptível de desfigurar os padrões de diver-
seu potencial propagandístico. sidade que presidiram à abertura do sector.
Em 1974, aquando do Movimento dos O serviço público de radiodifusão sonora
Capitães, o sector apresentava-se oligopo- continua a ser assegurado, em regime de

118
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

Moderno estúdio radiofónico da TSF.

concessão, por uma empresa de capitais do Deve assinalar-se — como excepção


Estado. Inicialmente constituída como em- que é, a nível europeu — o facto de a utili-
presa pública (1975), a Radiodifusão Portu- zação da onda curta, para a realização de
guesa, SA (RDP), está hoje formalmente or- emissões internacionais, não ser exclusiva
ganizada como sociedade anónima, por do serviço público, uma vez que também a
influência da tendência flexibilizadora que privada RR, pertencente à Igreja Católica,
tem caracterizado, nos últimos anos, a ges- dispõe de idêntica facilidade.
tão do sector público da economia. Para Desde 1996 que as rádios locais têm
além de três canais de cobertura nacional, acesso, a par da imprensa sobretudo re-
dois dos quais dirigidos a audiências espe- gional, a apoios financeiros do Estado, vi-
cíficas, de dois serviços de programas re- sando a actualização tecnológica dos seus
gionais (cobrindo, respectivamente, os ar- equipamentos, incluindo o software utiliza-
quipélagos da Madeira e dos Açores) e de do, e a emissão online dos respectivos ser-
diversos centros de programação local, a viços de programas.
RDP dispõe ainda de dois serviços interna- Dada a quase saturação do espectro
cionais, por onda curta e satélite, atingindo analógico, é de esperar que qualquer evolu-
um deles todos os continentes e sendo o ou- ção sectorial fique dependente da passa-
tro especialmente dirigido para as comuni- gem à transmissão digital, nomeadamente
dades africanas de expressão portuguesa. ao sistema DAB. Para tanto, foi já atribuída à
Consta de um contrato de concessão o RDP, por concurso público, a instalação e
conjunto de missões atribuídas à RDP, en- exploração da rede de suporte das futuras
quanto titular do serviço público de radiodi- emissões, mas a área de cobertura destas,
fusão sonora. O respectivo custo é suporta- tal como o parque de aparelhos receptores
do, essencialmente, pela afectação de uma existentes no país, são ainda limitados.
parte da «contribuição para o audiovisual» Entretanto, a Internet não deixa de se
— taxa criada pela Lei n.o 30/2003, de 22 de revelar como estrutura alternativa de distri-
Agosto, para financiamento dos serviços pú- buição dos serviços de programas, em
blicos de rádio e televisão —, já que a em- concorrência com as ondas hertzianas.
presa não difunde mensagens publicitárias. A partir da segunda metade dos anos 90

119
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A rádio adapta-se às preferências dos ouvintes: algumas estações oferecem já serviços de


podcast, que permitem escutar os programas que quiser, quando quiser, através do computador.

torna-se patente uma progressiva presen- escuta, por adulto, manteve-se relativamen-
ça das rádios no ciberespaço, quer na pro- te estabilizado entre 1994 (195 minutos) e
dução de sites de natureza informativa ou 2002 (191 minutos), sem revelar excessivo
recreativa, quer na simples difusão online, desgaste perante a multiplicação da oferta
com a possibilidade de download para dis- de programas de televisão — não só dos
co e pesquisa por assunto. canais hertzianos terrestres, mas também
dos recebidos por satélite ou por cabo.
Consumo e audiências Em termos gerais, pode dizer-se que a
Apesar do rápido crescimento inicial — RR ocupa o primeiro lugar na hierarquia das
seis vezes, entre 1933 e 1940 — do parque audiências, com valores que superam o
de receptores, em Portugal, e da inegável consumo conjunto de todas as rádios locais.
popularidade granjeada por algumas das Em moldes mais segmentados, a Mark-
estações, certo é que o consumo da rádio test (empresa de estudos de audiência) re-
nunca conseguiu opor-se eficazmente ao fere os seguintes valores de share, para o
advento do seu concorrente televisivo. primeiro trimestre de 2006, no tocante às
Mesmo assim, o tempo médio diário de estações de maior audição:

— RFM (Grupo Rádio Renascença): 21 %;


— Rádio Comercial (privada, grupo Media Capital): 13,5 %;
— Rádio Renascença (Igreja Católica): 13,1 %;
— Antena 1 (serviço público): 6,5 %.

120
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

Quadro legal titativos), o direito de antena dos partidos


Adoptado, na sua versão inicial, em 1988 políticos e das organizações sindicais, pro-
(Lei n.o 87/88, de 30 de Julho), e revisto em fissionais e patronais, os direitos de respos-
1997 (Lei n.o 2/97, de 18 de Janeiro) e 2001 ta e rectificação e o estatuto sancionatório
(Lei n.o 4/2001, de 23 de Fevereiro), o regi- dos operadores preenchem as restantes
me jurídico da radiodifusão sonora subme- áreas de regulação da Lei da Rádio, em
te o acesso à actividade a uma licença atri- moldes idênticos aos adoptados na gene-
buída, mediante concurso público, pela ralidade dos estados comunitários.
Entidade Reguladora para a Comunicação O essencial do regime vigente comple-
Social (ERC), a principal instância regula- ta-se com o diploma regulador do proces-
dora do sector. so de licenciamento das estações radiofó-
No enunciado dos fins da radiodifusão nicas — a Portaria n.o 121/99, de 15 de
sonora, a lei confere particular atenção aos Fevereiro.
casos do serviço público — especialmente
sujeito à observância do pluralismo interno
A televisão
e à difusão de programas formativos ou
destinados a públicos minoritários — e das Evolução histórica
estações de cobertura local ou regional, Tal como ocorreu noutros países, a investi-
concebidas como instrumento de afirma- gação e a experimentação televisiva tive-
ção e preservação das diferentes identida- ram diversos cultores em Portugal, ainda
des que compõem o todo nacional. antes do início das emissões regulares. En-
Ocupa-se, ainda, da salvaguarda das li- tre os seus pioneiros contam-se nomes co-
berdades de expressão e informação, das mo os de Adriano de Paiva (em finais do
exigências mínimas de programação pró- século XIX), Abílio Nunes dos Santos e Álva-
pria e da defesa da cultura nacional — de ro de Oliveira (estes nos anos 30-40).
que a utilização da língua portuguesa é ins- É a partir de 1955, com a criação da
trumento determinante. Rádio Televisão Portuguesa, SARL (RTP),
A publicidade difundida através da rá- que se acelera o processo de lançamento
dio (nos seus aspectos qualitativos e quan- da televisão portuguesa, que haveria de

A regie do novo Centro de Produção da RTP, inaugurado em Março de 2007.

121
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

concretizar-se, através de uma primeira fa- Porém, a salvaguarda institucional dos


se de transmissões experimentais, em Se- direitos fundamentais, operada com a
tembro de 1956. Constituição de 1976, não assegurou, por
No mês de Março do ano seguinte deu- si só, a completa autonomização da RTP
-se o início das emissões regulares, que dos desígnios dos poderes dominantes, e
passaram a dispor de um segundo canal a muito menos a exigível imunização da em-
partir de Dezembro de 1968. A transmissão presa às frequentes oscilações do xadrez
a cores, de forma contínua, teve lugar em político-partidário.
Março de 1980, com base no sistema PAL. Daí que para ela tenham sido nomea-
A percentagem de lares portugueses dos (ainda pelo governo) cerca de 20 dife-
equipados com receptores de TV era, em rentes presidentes, entre 1975 e 1996.
2003, de 99 por cento. Por outro lado, o A esta instabilidade gestionária haverá
Observatório Europeu do Audiovisual que fazer acrescer, em 1991, a desanexa-
(OEA) assinalava, já em 1996, existir mais ção da rede de emissores da RTP (que vi-
do que um aparelho em 57,3 % dos lares. ria a ser integrada no operador público de
Esta taxa de penetração dos segundos te- telecomunicações), bem como a abolição
levisores era das mais elevadas da Europa, da taxa de televisão (que concorria com a
apenas suplantada pelos 57,5 % regista- publicidade, enquanto fontes de financia-
dos em Espanha. mento da estação), factores que os analis-
Desde o começo da sua actividade, a tas associam recorrentemente à progressi-
RTP assumiu o papel de elemento integran- va degradação económico-financeira da
te do aparelho ideológico do regime, situa- concessionária do serviço público, que
ção que, conjugada com o impacte ineren- atingiu o seu auge em 2001.
te à radiotelevisão, enquanto medium, deu Para tanto contribuiu igualmente a multi-
particular relevo estratégico à ocupação plicação de exigências dirigidas à RTP,
dos estúdios e emissores da estação, na tanto no número de canais produzidos e di-
revolução de 25 de Abril de 1974. fundidos — os dois nacionais, as emissões

O teletexto, oferecido por todos os canais portugueses, constitui um serviço acrescentado à


utilização habitual da televisão.

122
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

Os logótipos dos quatro canais televisivos portugueses: RTP 1, canal 2, SIC e TVI.

internacionais (RTP-Internacional, lançada nais explorados pela SIC (grupo Impresa)


em 1992), a RTP-África (1997), a progra- através da TV Cabo (operadora controlada
mação própria dos centros regionais das pela Portugal Telecom — PT), em moldes
ilhas atlânticas (Madeira e Açores), as que lhe asseguraram a exploração de um
emissões regionais de informação (Lisboa, conjunto de seis serviços de programas,
Porto, Bragança, Coimbra, Évora e Faro) e um dos quais transmitido por satélite e com
a difusão do teletexto — como na contribui- cobertura internacional.
ção para a produção cinematográfica na- A principal operadora portuguesa de te-
cional e para as acções de cooperação lecomunicações, a mesma PT, desenvol-
com as antigas colónias africanas. veu igualmente uma estratégia de forte pre-
À semelhança de algumas das suas sença no mercado dos canais televisivos,
congéneres europeias, a RTP viveu, então, nomeadamente em regime de pay tv, sen-
momentos de particular dificuldade, agra- do detentora, ainda que indirectamente, de
vados pela inépcia do próprio Estado, que diversos serviços de programas especiali-
lhe entregava, à época, apenas parte das zados em conteúdos cinematográficos.
indemnizações compensatórias a que se
encontrava contratualmente obrigado. O satélite e o cabo
A esta erosão das receitas provenientes do Até à dinamização da oferta de serviços de
orçamento do Estado veio, entretanto, so- programas nacionais, Portugal mostrou-se
mar-se o declínio dos proveitos comerciais, sintomaticamente exposto ao consumo de
ditado pela expansão dos canais privados canais estrangeiros.
e consequente redução da audiência do O principal instrumento utilizado pelos
serviço público. portugueses para acederem a programa-
De facto, a revisão constitucional de ção alternativa começou por ser a recepção
1989, ao eliminar o monopólio público da directa por satélite, que levou à constituição
actividade televisiva, abriu a porta à insta- de um parque receptor servindo cerca de
lação de canais privados em Portugal. Isso 280 000 pessoas, já em 1998. A popularida-
veio a acontecer logo após a adopção da de destes canais levou, inclusivamente, a
Lei da Televisão de 1990, ao abrigo da qual que algumas autarquias chamassem a si a
começaram a emitir a Sociedade Indepen- iniciativa de instalar dispositivos de retrans-
dente de Comunicação (SIC) (Outubro de missão, por via hertziana, das emissões
1992) e a Televisão Independente (TVI) captadas do espaço, para melhor corres-
(Fevereiro de 1993), os primeiros operado- ponderem ao interesse dos munícipes.
res sem qualquer ligação ao Estado. O recurso à via satelitária tem igualmen-
Já em 1998-1999 o país assistiu ao nas- te lugar para a transmissão de programas
cimento, nas redes de cabo, de dois novos sujeitos à jurisdição do Estado português.
canais, ambos temáticos: a Sport TV e o Ca- É o caso de dois dos canais nacionais an-
nal de Notícias de Lisboa (CNL), que aca- tes referidos — a Sport TV e o CNL —, as-
bou por se converter na SIC Notícias (com sim como das emissões internacionais da
programação informativa 24h por dia). RTP e, mais presentemente, da SIC.
Os anos que se seguiram ficaram liga- A partir de 1994 teve lugar a cablagem
dos, aliás, à expansão do universo de ca- do país, essencialmente a cargo da TV Ca-

123
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

bo-Portugal, que dispõe de uma quota de dados da Marktest). De acordo com a mes-
mercado próxima dos 90 por cento. ma empresa de estudos de mercado e au-
Dados recolhidos pela Anacom — Auto- diência, o share conjunto do vídeo e dos
ridade Nacional de Comunicações revelam canais próprios do cabo atingia já, em Se-
a rápida penetração do cabo em Portugal, tembro de 2006, os 14,2 por cento.
que alcançou, no primeiro trimestre de Os canais mais populares são, aqui, os
2006, um total de 3 914 000 lares, com consagrados ao desporto, cinema ou do-
1 400 000 subscritores. cumentário.
A oferta actual das redes existentes
abrange perto de seis dezenas de canais, Quadro legal
incluindo os distribuídos por assinatura (a À semelhança das transformações demo-
pagamento). Por força das características cráticas ocorridas na disciplina jurídica dos
geográficas do país, a infra-estrutura do restantes media, também a televisão ficou a
cabo carece de complemento, para cober- dever à revolução de 25 de Abril de 1974
tura das zonas menos acessíveis, através a garantia das liberdades fundamentais.
da emissão por satélite. Contudo, a RTP, no plano factual e também
normativo, foi alvo de acusações várias, ati-
Consumo e audiências nentes à sua alegada dependência do po-
Em média, os Portugueses gastam a ver te- der político, questão esta que não está ainda
levisão, por dia, 212 minutos (dados de completamente resolvida.
2005, recolhidos pela Marktest/Mediamoni- Até 1990, prevaleceu, em Portugal, um
tor). Trata-se de um nível de consumo inter- modelo monopolista, em que o Estado,
médio aos mínimos (152 para a Suécia, através da RTP, detinha o exclusivo da
153 para a Suíça) e máximos (252 para a actividade televisiva. Nesse mesmo ano,
Turquia, 240 para a Hungria) europeus. porém, a lei ordinária veio consagrar a pas-
Em matéria de audiências, verifica-se sagem a um regime dualista, no qual coe-
uma acesa disputa da liderança entre os xistem operadores privados/comerciais e a
canais SIC e TVI, muito embora a RTP 1 ve- concessionária do serviço público.
nha evidenciando, nos últimos anos, al- À evolução registada no país não foi es-
guns sinais de recuperação. Os números tranha, por certo, a adesão portuguesa à
revelados pela Marktest/Mediamonitor, pa- então Comunidade Económica Europeia
ra Setembro de 2006, atribuem a primazia (CEE), em 1986, como já não o havia sido,
do share à TVI (28,6 %), seguida da SIC antes disso, a admissão no Conselho da
(26,5 %), da RTP 1 (24,7 %) e do segundo Europa (CE).
canal de serviço público (6,1 %). De facto, toda a regulação portuguesa
Pela análise dos programas mais vistos da televisão é largamente tributária dos
na televisão hertziana, podem surpreender- princípios e regras dimanados daquelas or-
-se as preferências dos consumidores: as ganizações internacionais, por muito que
transmissões de futebol e os programas de Portugal se tenha antecipado, nalguns do-
ficção ligeira, em especial telenovelas, ou os mínios (por exemplo, a disciplina da publici-
reality-shows, todos falados em português. dade ou do exercício dos chamados «direi-
Por seu turno, a programação própria tos exclusivos»), à normalização europeia,
do cabo começa a marcar presença mais ou mantenha níveis de protecção jurídica do
forte junto dos telespectadores portugue- jornalismo superiores aos da generalidade
ses, fenómeno este verificável pela dupli- dos estados-membros do CE.
cação do seu share, só entre Janeiro e Ju- A conhecida directiva Televisão sem
nho de 1999 (de 1,5 para 3,4 %, segundo Fronteiras (directiva 89/552/CEE, de 3 de

124
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

Outubro de 1989) foi transposta para o di- prio (ainda por adoptar), com intenção cla-
reito interno português logo em 1990, tal ramente dilatória da exploração desses
como a sua revisão de 1997 (directiva 97/ novos mercados.
/36/CE, de 30 de Junho) teve pronto aco- Nos termos da lei, «a liberdade de ex-
lhimento nas Leis da Televisão de 1998 pressão do pensamento através da televi-
(Lei n.o 31-A/98, de 14 de Julho) e 2003 são integra o direito fundamental dos cida-
(Lei n.o 32/2003, de 22 de Agosto, actual- dãos a uma informação livre e pluralista»,
mente em vigor), assim como no Código da não podendo os poderes públicos, salvo
Publicidade (Decreto-Lei n.o 330/90, de os tribunais, «impedir, condicionar ou im-
23 de Outubro, na versão do Decreto-Lei por a difusão de quaisquer programas».
n.o 275/98, de 9 de Setembro). A soberania assim reconhecida aos canais
São estes, pois, os diplomas modulado- televisivos está somente condicionada pe-
res do direito português da televisão, que se los limites usuais nos estados democráti-
caracteriza, na sua formulação legal, por ele- cos, nomeadamente a protecção da digni-
vados graus de tutela da liberdade de pro- dade da pessoa humana e a prevenção do
gramação e dos direitos dos consumidores. crime. Tal como a normação europeia —
O acesso à actividade faz-se mediante li- tanto da União Europeia (UE) como do
cença, precedida de concurso público, CE —, a lei portuguesa exige uma rigorosa
quando o operador se sirva da transmissão identificação dos programas susceptíveis
hertziana terrestre, ou através de simples li- de afectar os públicos mais vulneráveis, re-
cença, no caso da televisão por satélite ou metendo para horário nocturno, posterior
por cabo. Como corolário da desgoverna- às 23h, a sua difusão.
mentalização do sector, incumbe à ERC a Ainda antes da introdução, no espaço
autoridade administrativa independente para comunitário, de normas reguladoras do
os media — a atribuição destes títulos, váli- exercício de direitos exclusivos, já Portugal
dos por períodos de 15 anos. Os candida- procurara acautelar, na legislação de 1990,
tos devem possuir um capital mínimo de o direito do público à informação. A actual
1 000 000 euros, para os canais temáticos, Lei da Televisão retoma esse mesmo ob-
ou 5 000 000 euros, para os generalistas. jectivo, desenvolvendo-o agora a partir
Não existem, hoje, quaisquer restrições dos princípios introduzidos, em 1997, na
ao investimento na televisão, em função da directiva TSF. Dada a popularidade usu-
nacionalidade dos capitais envolvidos (ain- fruída pelo desporto, entre os telespec-
da que não comunitários), o que não pode tadores portugueses — como, aliás, nos
deixar de ser entendido como reflexo da in- demais estados-membros —, a lista de
tegração europeia em que Portugal está eventos que não podem ser transmitidos
envolvido. Também não existem regras exclusivamente em canais de acesso con-
específicas antitrust — aplicando-se à ac- dicionado é essencialmente composta de
tividade o regime geral de defesa da con- acontecimentos inseridos nas grandes
corrência —, muito embora o legislador competições desportivas, nacionais e es-
português se tenha preocupado em asse- trangeiras.
gurar a transparência da propriedade dos Em matéria de difusão de obras audio-
operadores. visuais, as regras vigentes procuram asse-
No presente estádio legislativo, apenas gurar a defesa da programação criativa
os canais de cobertura nacional se encon- originariamente produzida em língua por-
tram regulados; as condições de exercício tuguesa (que deve ocupar um mínimo de
da televisão de âmbito local ou regional fo- 15 % do tempo de emissão de cada opera-
ram remetidas, pela lei, para diploma pró- dor), tal como a transmissão maioritária, em

125
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

sintonia com o regime estabelecido pela Orçamento do Estado (as chamadas «in-
UE, de obras audiovisuais de origem euro- demnizações compensatórias»), com um
peia, com especial relevo para as oriundas horizonte plurianual (quatro anos). Os mon-
de produtores independentes. tantes consignados ao período de 2004 a
Os direitos de resposta (perante referên- 2007 situam-se em 492 350 euros.
cias ofensivas) e de rectificação (face a in- Com a reorganização imprimida ao sec-
formações apenas erróneas) são de consa- tor empresarial do Estado pela Lei n.o 30/
gração clássica, na lei portuguesa, mesmo /2003, de 22 de Agosto, a primitiva taxa da
se pouco utilizados pelos consumidores te- rádio deu lugar à «contribuição para o au-
levisivos. A sua tutela cabe à ERC (cuja in- diovisual», passando a ser partilhada pelas
tervenção é graciosa) e, alternativamente, empresas concessionárias dos serviços
aos tribunais. Os partidos da oposição par- públicos radiofónico e televisivo. Este últi-
lamentar beneficiam, no serviço público (e mo passou, assim, a contar com proveitos
só neste), de um direito especial de réplica mais consistentes, aos quais acrescem —
às declarações políticas do governo, aí pro- como, de resto, já acontecia — os decor-
duzidas, que directamente os atinjam. rentes da exploração da publicidade.
Para preservação do património arqui- Note-se, todavia, que a RTP viu ser si-
vístico da televisão, os registos de emis- multaneamente reduzida a duração das
sões qualificáveis como de interesse públi- suas emissões publicitárias, agora limita-
co, «em função da sua relevância histórica das a seis minutos por hora, o que corres-
ou cultural», estão sujeitos a um regime de ponde a 50 % do tecto legal aplicável aos
depósito legal e acessíveis, nessa medida, serviços de programas não codificados.
aos investigadores. Apesar disso, o conjunto das medidas
Da Lei da Televisão consta igualmente tomadas a partir de 2003 (que incluiu a
o modelo do serviço público que o Estado efectiva consolidação do passivo da em-
deve assegurar, por expressa cominação presa e a redução da sua carga estrutural)
constitucional. Entre ele e a concessionária assegurou à concessionária do serviço
— uma empresa de capitais exclusiva ou público uma base de receitas suficiente e
maioritariamente públicos —, estabelece- estável, que lhe permitiu superar a grave
-se um contrato que disciplina as obri- crise financeira por que passou em 2001-
gações de programação, de prestação de -2002.
serviços específicos, de produção original,
de inovação e desenvolvimento tecnológi-
Os novos media
co, de cooperação com os países lusófo-
nos e de manutenção de canais internacio- Embora a televisão por cabo e por satélite
nais, a par da fiscalização do cumprimento seja uma relativa novidade tecnológica para
dessas missões e das medidas sanciona- os Portugueses, é nos serviços audiovisuais
tórias correspondentes. da anunciada sociedade de informação que
Entre as obrigações características do se podem descortinar, também em Portugal,
serviço público conta-se a cedência de os grandes suportes mediáticos do futuro.
tempos de antena aos partidos políticos e Entre eles, a comunicação online as-
ao governo, assim como às organizações senta sobretudo na Internet, apesar de al-
sindicais, patronais, profissionais e de de- guns progressos feitos pelo cabo, no domí-
fesa do ambiente e do consumidor. nio do video-on-demand.
Por determinação da lei, o financiamen- De acordo com elementos divulgados pe-
to do serviço público é assegurado através lo Instituto Nacional de Estatística (INE), relati-
de verbas consignadas, para o efeito, no vos ao primeiro trimestre de 2005, 42,5 % dos

126
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

agregados domésticos dispunham de com- Não existe em Portugal, neste momen-


putador pessoal, e 19 % de acesso à Inter- to, qualquer normação específica para a
net; a percentagem de ligações em banda comunicação pública na Internet, facto que
larga representa 63 % do total nacional. terá decerto a ver com a convicção — ain-
O acesso é assegurado por um conjun- da maioritária, no quadro da UE — da pos-
to de 15 fornecedores, devidamente habili- sibilidade de extensão à Internet da disci-
tados. plina normativa dos media convencionais,
É entre os homens com menos de 24 assim como das normas de tutela dos direi-
anos que se encontram os principais con- tos da personalidade e de valores jurídico-
sumidores. Vinte e cinco por cento dos -penais relevantes.
utentes da Internet usa-a quase diariamen-
te, com uma média de consumo diário en-
A publicidade
tre 30 a 60 minutos.
Os mais importantes jornais portugue- A distribuição do investimento publicitário
ses estão disponíveis na Internet, em edi- pelos diferentes media revela, em Portugal,
ção electrónica, no que são seguidos por um manifesto ascendente da televisão, cu-
um já significativo número de outros órgãos ja quota de mercado subiu 10 % entre 1992
de comunicação social (incluindo títulos da e 1995, como resposta ao aparecimento
imprensa regional). Começaram, entretan- dos novos canais SIC e TVI.
to, a surgir alguns exemplos de publica- Decorridos onze anos, a significativa mul-
ções apenas editadas na Internet, viradas tiplicação dos serviços de programas dispo-
para segmentos particulares do público, níveis em Portugal, por via dos diferentes su-
com apetência de informação especializa- portes de distribuição, tinha elevado a quota
da (como a económica). da televisão para 70,8 % (um valor particu-
O alargamento à Internet dos serviços larmente elevado no contexto comunitário),
disponíveis, em pleno processo de conver- deixando a larga distância os demais meios
gência da comunicação de massas, da in- — a imprensa com 17,8 %, o outdoor com
formática e das telecomunicações, criou 6,7 %, a rádio com 4,4 % e o cinema
novas dinâmicas no sector audiovisual, com 0,4 % (dados da Marktest, reportados
particularmente complexas do ponto de aos meses de Janeiro a Agosto de 2006).
vista da regulação e do dimensionamento Os números revelam a elasticidade do
dos grupos económicos. mercado e a sua margem de progressão:
Entre elas, conta-se o advento de vários em 1997 — ano a que se reportam os últi-
«canais televisivos» — também disponíveis mos elementos publicados pelo OEA —, o
através do acesso por ADSL — de âmbito total de investimento em publicidade atin-
autárquico, que se vão posicionando como giu 698 milhões de euros, sugerindo um
verdadeiros precursores da televisão local, crescimento de 70 % para os valores previ-
num cenário legislativo que vem pecando sivelmente atingidos no final de 1999.
pelo conservadorismo. Quando referido ao produto interno bru-
Expoentes deste mesmo fenómeno são, to (PIB) português, aquele montante cor-
ainda, os serviços online surgidos, nos últi- responde a 0,83 %, valor que ocupa o se-
mos anos, em redes electrónicas instala- gundo lugar no ranking comunitário, logo a
das, em espaços circunscritos, pelas gran- seguir aos 0,93 % do Reino Unido.
des empresas de transportes (em especial O regime legal da comunicação publici-
o metropolitano), ou de natureza primor- tária está inserido no chamado Código da
dialmente empresarial/institucional (farmá- Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei
cias, hospitais, gasolineiras...). n.o 330/90, de 23 de Outubro, com as altera-

127
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

ções subsequentes. Nele se transpõem os Por seu turno, e a montante da interven-


normativos comunitários relevantes na maté- ção do Estado, os diversos participantes
ria — designadamente a directiva sobre pu- no processo publicitário agruparam-se em
blicidade enganosa e a directiva TSF —, a torno de uma entidade comum — o Institu-
par das regras vazadas na Convenção Euro- to Civil de Autodisciplina da Publicidade
peia sobre Televisão Transfronteiras, do CE. (ICAP) —, para preservação dos princípios
A lei portuguesa consagra, assim, os éticos aplicáveis ao sector.
princípios fundamentais da licitude, veraci-
dade, identificabilidade e separabilidade
Os grupos económicos
das mensagens publicitárias, enquanto va-
lores que percorrem transversalmente todo Com a devolução à iniciativa privada da
o direito da publicidade. Por outro lado, maior parte dos órgãos de comunicação
contém preceitos especificamente dirigidos absorvidos pelo Estado em 1975, o tecido
à protecção dos menores e à regulação de empresarial dos media portugueses ga-
certos produtos mais sensíveis, como as nhou uma plasticidade renovada.
bebidas alcoólicas, medicamentos, jogos Apesar da estreiteza do mercado, os
de fortuna ou azar e veículos automóveis. grupos económicos nele constituídos apre-
O patrocínio rege-se por padrões idênti- sentam já uma dinâmica apreciável, até
cos aos europeus, com a particularidade porque aberta a sinergias de âmbito inter-
de se admitirem referências ao sponsor, no nacional.
interior dos programas, nas mesmas condi- São quatro os grupos dominantes: Con-
ções previstas para a inserção de mensa- trolinveste, Impresa, Media Capital e Cofi-
gens publicitárias — isto é, em conformida- na, ainda que controlando segmentos dis-
de com o detalhado leque de exigências tintos da comunicação social.
fixadas pela directiva TSF. O primeiro, criado por Joaquim Oliveira,
Em sede de Lei da Televisão estabele- detém uma quota maioritária dos jornais
cem-se os limites quantitativos à publicida- diários, para além de uma estação radiofó-
de por ela difundida. Às percentagens má- nica de referência (a TSF).
ximas consentidas pela UE — 20 % por O grupo Impresa, do antigo primeiro-mi-
hora de emissão, com um tecto diário ten- nistro Pinto Balsemão, tem forte presença
dencialmente fixado em 15 % —, aplicáveis no mercado dos semanários e da imprensa
à generalidade dos canais portugueses, especializada, sendo também titular de vá-
somam-se os contingentes especificamen- rios canais televisivos, entre os quais um
te impostos aos de acesso condicionado de grande audiência (a SIC).
ou de televenda e autopromoção (10 %), O grupo Media Capital, maioritariamen-
bem como as restrições previstas, para o te detido pelos espanhóis da Prisa, contro-
serviço público, pelo respectivo contrato la um leque diversificado de órgãos de
de concessão (eliminação da publicidade comunicação, da imprensa à rádio e à tele-
comercial do seu segundo canal e fixação visão (a TVI), com boas performances so-
de um plafond de seis minutos por hora bretudo nos dois últimos sectores.
nas emissões do primeiro canal). O grupo Cofina, liderado pelo empresá-
Incumbe a uma autoridade indepen- rio Paulo Fernandes, revela maior implanta-
dente — a Comissão de Aplicação de Coi- ção na área da grande imprensa, genera-
mas em Matéria de Publicidade (CACMP) lista e temática.
— a punição das infracções detectadas A presença de investimentos estrangei-
pelos órgãos fiscalizadores, em especial o ros na comunicação social portuguesa vem-
Instituto do Consumidor (IC). -se tornando, aliás, uma tendência relativa-

128
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A comunicação social

mente estabilizada: para além da ligação da ções acaba de tornar pública uma propos-
Prisa à Media Capital, um outro grupo espa- ta de lei sobre a concentração dos media,
nhol — o Recoletos — é igualmente proprie- com o intuito primacial de prevenir a consti-
tário de dois periódicos portugueses (um tuição de situações de posição dominante,
diário e um semanário) especializados em susceptíveis de proporcionarem a emer-
economia, tal como, antes, a brasileira Abril, gência de práticas violadoras da diversida-
proprietária da TV Globo, havia investido na de e da concorrência.
SIC. Notícias recentes deram também conta
do aumento da participação detida pelo
Os órgãos reguladores
grupo alemão RTL na Media Capital.
Estamos, pois, perante um mercado O regime autoritário e censório vigente no
que se reforça como verdadeira área de país até 1974 inibiu a emergência de estru-
negócio, mais do que como cenário de in- turas ágeis de aplicação da deontologia
fluência política de interesses a ele estra- profissional, susceptíveis de oporem à in-
nhos. A ausência, em Portugal, de regras tervenção compulsiva do Estado os valores
restritivas da concentração multimédia faci- da auto-regulação.
lita a criação das sinergias e economias de Com o restabelecimento da democracia,
escala inerentes à constituição de agrupa- a ética jornalística — cuja observância é as-
mentos económicos mais competitivos, sem segurada pelo Conselho Deontológico do
que o legislador tenha descortinado neste sindicato — passou a assumir o seu próprio
fenómeno, até ao momento, uma ameaça papel na disciplina normativa do sector,
ponderosa aos valores do pluralismo. precedendo outras esferas de acção — em
Em qualquer caso, o governo em fun- particular a administrativa e a judicial.
Página online da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

129
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

No sistema legal português, a ERC — pectivamente, dos serviços públicos de te-


órgão independente que funciona junto do levisão e rádio — embora agrupadas numa
Parlamento — exerce as funções de instân- holding, denominada «Rádio e Televisão
cia reguladora por excelência. de Portugal, SGPS» — estão sujeitas à in-
Ao abrigo da própria Constituição e da tervenção de um Conselho de Opinião, ór-
Lei n.o 53/2005, de 8 de Novembro, cabe- gão colegial de composição sociocultural
-lhe salvaguardar o direito à informação e a diversificada com poderes essencialmente
liberdade de imprensa, garantir o pluralis- opinativos. A excepção a esta natureza
mo, a diversidade e a independência da consultiva foi aberta com a criação, em am-
comunicação social, com especial incidên- bas as concessionárias (RDP e RTP), do
cia sobre os órgãos de comunicação do cargo de provedor, cujo titular carece de
Estado, atribuir as licenças ou autorizações voto favorável do Conselho de Opinião.
dos operadores de rádio e televisão, zelar Tanto o provedor do ouvinte como o
pela isenção e o rigor informativos, fazer provedor do telespectador dispõem de
respeitar os direitos de antena, resposta e mandatos bienais, renováveis uma única
rectificação e assegurar a protecção dos vez, durante os quais desempenham o pa-
públicos sensíveis. pel de mediadores entre os destinatários
Dos cinco membros que compõem o de ambos os serviços públicos e as empre-
Conselho Regulador da ERC, quatro são sas deles concessionárias, em moldes que
eleitos pelo Parlamento, por maioria qualifi- integram a análise das queixas e suges-
cada de dois terços, e o quinto cooptado tões recebidas, a par da emissão de pare-
pelos demais. ceres dirigidos aos órgãos de administra-
Todos eles exercem um único mandato ção e aos responsáveis pela programação.
de cinco anos, durante o qual têm garan- Dentro do campo audiovisual encon-
tias de independência e inamovibilidade. tram-se ainda outras duas instâncias regu-
Com a ERC coexistem dois órgãos regu- ladoras com relevo, muito embora situadas
ladores independentes de âmbito mais cir- na esfera da administração clássica: o ICP-
cunscrito, em termos temáticos: a Comissão -ANACOM, órgão de tutela do sector das
Nacional de Eleições, que vela pelo respeito telecomunicações e responsável por toda
dos princípios que vinculam os órgãos de a gestão do espectro radioeléctrico, e o
informação, durante as campanhas eleito- Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimé-
rais ou referendárias, e a CACMP, que se dia, entidade que promove a indústria de
ocupa da punição dos ilícitos dessa área. programas e a exibição dos conteúdos por
A RTP e a RDP, concessionárias, res- ela gerados.

130
Sociedade
A sociedade
do conhecimento
e da informação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Luís Magalhães
Maria de Lurdes Rodrigues

Papel estruturante do sistema de ciência


e tecnologia

«A capacidade de criar, difun-


dir e usar conhecimento e
informação é cada vez mais
o principal factor para o crescimento eco-
nómico e a melhoria da qualidade de vida»
damental no estímulo à criatividade, ao
uso do conhecimento, à inovação, à mo-
dernização, à actualização contínua, ao
desenvolvimento de atitudes empreende-
doras, à internacionalização, à adopção
(OCDE, 1999). Por esta razão, o sistema de de procedimentos sistemáticos de avalia-
ciência e tecnologia (C&T) assume um pa- ção, ao reforço da cultura científica e tec-
pel estruturante de importância fundamen- nológica.
tal para o progresso económico e social, À semelhança de grande parte dos indi-
afirmando-se em cada país como uma in- cadores sociais e económicos do país, os
fra-estrutura básica para a economia e a indicadores do sistema científico e tecno-
sociedade baseadas no conhecimento. Por lógico português apresentavam no início
outro lado, «os países estão crescente- da década de 80 um acentuado atraso fa-
mente integrados numa economia global, ce aos outros países da União Europeia
através de fluxos internacionais de bens, (UE).
serviços, investimento, pessoas e ideias», Nos últimos vinte anos, após a entrada
reforçando uma tendência que se tinha na UE, este atraso tem vindo a ser recupe-
afirmado na ciência de forma precursora rado, com o sistema científico a revelar um
(op. cit.). enorme dinamismo e vitalidade. Embora
Como a economia baseada no conheci- ainda muito aquém dos níveis que se ob-
mento requer novas habilitações e compe- servam noutros países, encontramo-nos
tências, a qualidade dos recursos huma- numa janela de oportunidade associada a
nos é o factor principal subjacente à uma força de trabalho científico jovem, al-
invenção e difusão da tecnologia. tamente qualificada, muito internacionali-
A qualificação dos recursos humanos zada e em rápido crescimento, o que po-
apoia-se necessariamente no sistema de permitir atingir, na próxima década,
científico, mesmo nos aspectos de forma- dimensões próximas da média europeia.
ção técnica. De facto a dimensão e a qua- A janela de oportunidade é, portanto, mui-
lidade do sistema de C&T, em estreita li- to estreita. Para a aproveitar é essencial
gação com as instituições do ensino uma permanente atenção às oportunida-
superior, é um elemento essencial para a des, às necessidades e aos recursos no
actualidade e permanente actualização do preciso momento em que vão surgindo, e
ensino e da formação. Na verdade, o sis- uma grande flexibilidade para enfrentar as
tema de C&T desempenha um papel fun- mudanças nas mais variadas facetas: polí-

131
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Análise de sequências e evolução molecular.

tica, legislativa, institucional e de lideran- aspectos principais do período 2002-2005


ças científicas. nas duas áreas. Segue-se uma apresenta-
Falaremos neste texto do passado re- ção da iniciativa Ligar Portugal, aprovada
cente e das perspectivas futuras para a em Julho de 2005 para a área da socieda-
C&T em Portugal, no novo quadro definido de da informação e da iniciativa Compro-
pelas exigências da sociedade do conhe- misso com a Ciência para o Futuro de Por-
cimento e da informação. tugal lançada em Março de 2006, ambas
Num primeiro momento identificam-se no âmbito do Plano Tecnológico iniciado
os factores decisivos para o arranque do em 2005.
desenvolvimento científico do país, a partir Finalmente, para concluir, apresenta-se
de meados da década de 60 até à entrada uma reflexão em torno dos principais desa-
na UE. Na segunda parte descreve-se, em fios e obstáculos a ultrapassar para a cons-
números, a evolução do sistema científico trução da sociedade do conhecimento e da
e tecnológico caracterizada, nos últimos informação no nosso país.
vinte anos, pela abertura ao exterior e a
aproximação aos padrões da Europa. Se-
Uma «descolagem» difícil
guidamente analisam-se os principais ei-
xos orientadores da política científica e Em Portugal, a partir do final da Segunda
tecnológica e as medidas de acção nas Guerra Mundial fizeram-se múltiplos esfor-
quais se baseia o desenvolvimento e cres- ços e lançaram-se várias iniciativas no sen-
cimento assinalados. Na quarta parte tido de fomentar a investigação.
apresentam-se os dois instrumentos de in- Todavia, como nos mostram vários estu-
tervenção política para o período 2000- dos, até ao início da década de 70 não se
-2006 relativos à ciência, tecnologia e ino- pode falar em sistema científico nacional,
vação e ao desenvolvimento da sociedade nem em política científica (Gago, 1990; Rui-
da informação. Depois descrevem-se os vo, 1998). Falta ao sistema dimensão e

132
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

massa crítica, e os esforços surgem marca- desenvolver investigação aplicada para a


dos pela escassez de recursos humanos e resolução dos problemas sectoriais, sem
financeiros. A ausência de políticas de for- estratégias de internacionalização e liga-
mação de recursos humanos consequen- ção ao exterior, seja entre si ou com univer-
tes, as hesitações e a falta de convicção sidades e empresas.
nas medidas e iniciativas tomadas no que Deste longo período destaca-se como
respeita à criação e apoio das instituições, relevante para o desenvolvimento do sis-
a falta de continuidade de políticas, são o tema científico nacional o papel das orga-
principal obstáculo ao arranque e sustenta- nizações internacionais. Em 1964 e nos
bilidade do crescimento. anos subsequentes foi decisivo o relacio-
Só com a integração na UE se dá um namento com a Organização para a Coo-
verdadeiro impulso e ocorre a «descola- peração e Desenvolvimento Económico
gem» do desenvolvimento científico em (OCDE), designadamente na elaboração
Portugal. A integração de Portugal na UE, de análises e diagnósticos da situação da
em 1986, foi percebida como uma oportu- ciência em Portugal e no apoio à definição
nidade decisiva para o desenvolvimento de estratégias de acção política. Mas de-
científico, desta vez alicerçado na interna- cisivo foi também o quadro de relações
cionalização e na abertura ao exterior, co- com o Comité Científico da NATO (North
mo eixo de enraizamento e garante de qua- Atlantic Treaty Organization, Organização
lidade. do Tratado do Atlântico Norte — OTAN),
Em matéria de C&T viveu-se, portanto, cujo programa de bolsas de estudo permi-
um longo período marcado pela dispersão tiu iniciar uma política de formação avan-
das medidas, a falta de coerência e de vi- çada de cientistas portugueses no exterior
são estratégica, a escassez de recursos fi- do país.
nanceiros efectivamente mobilizados, daí Em 1974 a instauração do regime demo-
resultando um fraquíssimo impacte. crático e, posteriormente, a política de
O voluntarismo e a acção de alguns crescimento e expansão regional e a aber-
cientistas e políticos apostados no desen- tura do sistema de ensino superior consti-
volvimento da ciência em Portugal foram tuíram importantes factores de contexto,
dificilmente integrados no quadro do regi- indispensáveis ao processo de desenvolvi-
me totalitário. Durante o período do Estado mento do sistema científico.
Novo, o diminuto desenvolvimento do sec- De facto, o regime que resultou do 25 de
tor é da exclusiva responsabilidade do Es- Abril de 1974, para além de um contexto
tado, cuja acção revela uma visão imedia- político aberto e democrático no qual emer-
tista, centralizadora e uniformizadora das giram novos e mais diversificados actores,
actividades de investigação e desenvolvi- vem proporcionar a definição de novas re-
mento (I&D), e tem como principais efeitos gras e, no que respeita especificamente à
o isolamento e fecho do país em si mesmo ciência, vem introduzir um factor potencia-
e uma excessiva concentração em Lisboa. dor do desenvolvimento científico que se
Assim, as actividades de investigação revelou decisivo.
desenvolvem-se quase exclusivamente em Trata-se do crescimento do ensino su-
laboratórios do Estado, institutos e juntas perior, da sua expansão e diversificação
de investigação, de âmbito sectorial, criados regional: ao mesmo tempo que são absor-
ao longo da vigência do Estado Novo (entre vidos os recursos humanos doutorados
1945 e 1960), concentrados em Lisboa e formados no estrangeiro nas décadas de
dispondo de reduzidos recursos financeiros. 60 e 70, criam-se as condições e insti-
A principal missão destas instituições era tuem-se os mecanismos para a realização

133
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

de doutoramentos no país. A disponibili- Ciência e Tecnologia (1987-1990) desempe-


dade de recursos humanos, ainda que em nhou um papel determinante, tendo marca-
número limitado, gerou uma dinâmica po- do uma nova atitude em relação às oportuni-
tenciadora de novas necessidades e no- dades de constituição de novas equipas de
vas oportunidades para o desenvolvimen- projecto submetidas a concurso nacional,
to de actividades de investigação nas bem como a adopção de um sistema de
universidades, tendente a melhorar o nível avaliação aberta e transparente. É também
do ensino e também o das actividades de desta altura o início programado do desen-
investigação. Esta dinâmica manteve-se volvimento de áreas científicas como a as-
até hoje. tronomia e astrofísica, a biologia molecular,
Nos quinze anos mais recentes na ór- a biotecnologia, as tecnologias de informa-
bita das universidades e respectivas fa- ção e comunicação, a ciência e engenharia
culdades e departamentos criaram-se de materiais.
centros de investigação, instituições de Desde então os principais instrumentos
interface, instituições privadas sem fins de acção estratégica têm sido os pro-
lucrativos, constituindo-se um ambiente gramas operacionais inseridos no I, II e III
de funcionamento mais flexível e adoptan- Quadro Comunitário de Apoio: Programa
do-se modalidades operativas de transfe- CIENCIA (1990-1993), Programa PRAXIS XXI
rência e de valorização de conhecimento (1994-1999), Programa Operacional Ciên-
científico. cia, Tecnologia e Inovação / Ciência e Ino-
Neste processo as instituições de investi- vação (2000-2006) e Programa Operacio-
gação ligadas ao sector do ensino superior nal Sociedade da Informação / Sociedade
afirmaram a sua capacidade de investiga- do Conhecimento (2000-2006). Estes dois
ção. Abriram-se novas necessidades de últimos programas previram praticamente a
recursos humanos com formação avança- duplicação de recursos financeiros para
da. Colocaram-se ao país novos padrões a C&T em relação ao período anterior do
de qualidade. Quadro Comunitário de Apoio.
Várias gerações de portugueses contri- É de notar, contudo, que o processo de
buíram, em várias épocas, para o desenvol- desenvolvimento e crescimento que se ob-
vimento científico e lutaram pela afirmação serva principalmente ao longo dos últimos
da ciência como motor de desenvolvimento vinte anos não foi sempre regular, revelan-
do país. Mas só nos anos mais recentes es- do o sistema alguma permeabilidade a os-
te sonho antigo se tornou realidade, tendo cilações de conjuntura e a hesitações polí-
para tal contribuído a vontade política, o ticas.
apoio da comunidade europeia e o consen- Para os próximos anos, a iniciativa Com-
so nacional estabelecido em torno da promisso com a Ciência para o Futuro de
questão científica. Portugal lançada em Março de 2006 prevê,
Na verdade, a «descolagem» do nosso entre outros aspectos, o reforço do orça-
sistema científico dá-se apenas a partir de mento público de C&T para 2007 com 250
1986, com a entrada de Portugal na UE, milhões de euros mais do que em 2006
com a definição de um programa político (aumento de 77 % do financiamento com-
de acção e a mobilização da comunidade petitivo do sistema de C&T pela Fundação
científica do país, e com o estabelecimento para a Ciência e a Tecnologia — FCT), a
de um consenso nacional em torno da im- contratação de pelo menos 1000 novos
portância do desenvolvimento do sistema doutorados até 2009, o aumento em 60 %
científico. do número de novas bolsas de doutora-
Nessa altura, o Programa Mobilizador de mento e pós-doutoramento.

134
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

Portugal na Europa to e da recuperação do atraso científico e


e aberto ao mundo: tecnológico.
1995 a 2002 Em 1988, existiam em Portugal 6600 in-
vestigadores ou 10 800 pessoas, isto é,
O principal traço da C&T em Portugal no
1,4 ‰ da população activa; em 1997,
período 1995-2002 é a aproximação aos
13 500 investigadores ou 22 000 pessoas,
padrões da Europa e a abertura ao exte-
representando 2,9 ‰ da população activa;
rior. O enorme crescimento do sistema
em 2003, 20 200 investigadores ou 35 900
científico pode ser observado nos indica-
pessoas, correspondendo a 3,7 ‰ da po-
dores de dimensão, isto é, nos recursos
pulação activa.
humanos e financeiros afectos a activida-
Na verdade, no período 1997-2003 Por-
des de investigação. Mas outros indicado-
tugal foi um dos países da UE com maior
res de resultado e desempenho, como
crescimento anual médio de investigadores
sejam a produção científica e internaciona-
(4,5 %), quando na UE25 foi 2,8 %, embora
lização, revelam que este crescimento tem
tenham tido crescimentos anuais médios
sido acompanhado da melhoria dos níveis
superiores a Suécia (4,6 %), a Áustria
de qualidade.
(5,7 %) e a Finlândia (7,0 %).
Recursos humanos de ciência Apesar do crescimento verificado, em
e tecnologia 2003 o número de investigadores em Portu-
Os recursos humanos especializados em gal em relação à população activa era ain-
I&D em Portugal cresceram regularmente, da apenas cerca de dois terços da UE25,
bem como o número de doutoramentos menos de metade de Bélgica, Dinamarca e
realizados ou reconhecidos por universida- Luxemburgo, cerca de um terço da Suécia
des portuguesas. Pode dizer-se que a for- e menos de um quarto da Finlândia (Euro-
mação avançada de recursos humanos stat, 2006).
tem constituído o motor do desenvolvimen- O número anual de doutoramentos reali-

Evolução dos recursos humanos com doutoramento


15 000
Doutoramentos e equivalências por universidades portuguesas
Doutoramentos realizados no estrangeiro

12 000

9 000

6 000

3 000

0
1989

1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

Fonte: OCT/OCES, Doutoramentos Realizados ou Reconhecidos por Universidades Portuguesas, 1970-2005.

135
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

zados ou reconhecidos por universidades neamente se promoveu maior descentrali-


portuguesas passou de cerca de 100 em zação, responsabilização, transparência,
1980 para 590 em 1997 e 1030 em 2003. rigor de avaliação, eficiência e anúncio pú-
Estima-se que o número de doutorados a blico das oportunidades, a nível nacional,
trabalhar no país tenha passado de 1700 num ponto unificado de acesso nas pági-
em 1985 para 11 800 em 2003. nas da FCT na Internet.
O crescimento anual do número de dou- Introduziram-se esquemas de apoio à
torados portugueses é próximo de 9 %, um contratação de recursos humanos, em es-
valor muito elevado que se manteve nesta pecial de doutorados, no âmbito dos pro-
ordem de grandeza ao longo do período gramas de apoio às instituições de investi-
1995-2002. Em alguns domínios científicos gação: unidades de I&D, laboratórios do
o crescimento anual médio de doutorados Estado e laboratórios associados.
foi muito superior à média, como por exem- De 1996 para 2001, o investimento da
plo em Engenharia Bioquímica (24 %), FCT destinado a bolsas e contratação de
Gestão (21 %), Filosofia (19 %), Estudos Li- recursos humanos aumentou 80 por cento.
terários (18 %), Psicologia (14 %), Linguísti- Ao mesmo tempo descentralizou-se pro-
ca (14 %), Geografia (14 %), Biologia gressivamente parte deste investimento
(13 %) e Ciências da Terra e do Espaço para aplicação pelas instituições de inves-
(12 %). tigação. Em 2001, 30 % do total foi aplica-
Os programas de formação têm procura- do descentralizadamente pelas instituições
do garantir a qualidade da formação e a di- de investigação, no âmbito dos programas
versificação de oportunidades, através de de apoio às instituições científicas e de
incentivos à realização de doutoramentos projectos de I&D (OCT, 2002).
no estrangeiro: as bolsas atribuídas para
realização de doutoramento no estrangeiro Recursos financeiros para ciência
representaram no período considerado e tecnologia
46 % do total (OCES, 2006a; 2006c). A despesa em I&D, a preços constantes de
Com início em 1997, a atribuição de bol- 1995, era em 1988 de cerca de 273 mi-
sas no âmbito de unidades e projectos de lhões de euros, isto é, 0,41 % do produto
investigação financiada pela FCT foi des- interno bruto (PIB); em 1995 era 460 mi-
centralizada para as instituições científicas. lhões de euros, 0,57 % do PIB; em 2001
Foi um processo exemplar em que simulta- era 838 milhões de euros, 0,85 % do PIB.

Evolução da despesa em actividades de I&D por sector de execução


(milhares de euros, preços constantes de 1995)

1988 1990 1992 1995 1997 1999 2001

% % % % % % %

Empresas 67 016 25 99 051 26 103 713 22 96 227 21 121 198 23 161 400 23 266 608 32

Estado 90 214 33 96 533 25 105 714 22 124 313 27 130 682 24 198 846 28 173 954 21

Ens. superior 92 608 34 136 690 36 205 542 43 170 429 37 216 070 40 274 562 38 307 238 36

IPSFL 22 846 8 47 088 13 62 811 13 69 068 15 71 676 13 76 783 11 90 363 11

TOTAL 272 684 100 379 362 100 477 780 100 460 037 100 539 626 100 711 591 100 838 163 100

Fonte: OCT, Principais Indicadores de Ciência e Tecnologia em Portugal, 1988-1995; Sumários Estatísticos,
IPCTN, 1997, 2001.

136
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

Evolução do potencial científico e tecnológico:


número de investigadores em permilagem da população activa
e despesa em I&D em percentagem do PIB

Investigadores/população activa (‰) Despesa I&D/PIB (%)

1988 1,4 0,41

1990 1,6 0,51

1992 2,0 0,61

1995 2,4 0,57

1997 2,8 0,62

1999 3,1 0,76

2001 3,4 0,85

2003 3,7 0,78

Fonte: OCES, Potencial Científico e Tecnológico Nacional: 1982-2001: Duas Décadas de Evolução do Esforço
em I&D em Portugal, 2003; OCES, Sumários Estatísticos: IPCTN 03, 2006.

Assim, a despesa em I&D em Portugal sos humanos afectos a actividades de in-


cresceu entre 1995 (0,57 % do PIB) e vestigação, tanto investigadores como téc-
2001 (0,85 % do PIB) a uma taxa média nicos (Eurostat, 2006).
anual de 9,5 % (a preços constantes), O esforço realizado para a recuperação
contrastando com o decréscimo ocorrido deste atraso é visível em primeiro lugar no
entre 1992 (0,61 %) e 1995 (0,57 %), de- acentuado crescimento das dotações pú-
pois de uma década de crescimento con- blicas para C&T no período 1995-2001,
tinuado. A quebra no crescimento do fi- em particular o crescimento do orçamento
nanciamento das actividades de I&D em da principal agência financiadora do siste-
Portugal entre 1992 e 1995, depois de ma, que passa, a preços constantes de
uma década de crescimento continuado e 2003, de 100 milhões de euros em 1995
apesar do aumento dos recursos huma- (Junta Nacional de Investigação Científica
nos e do esforço de formação pós-gra- e Tecnológica — JNICT), para 300 milhões
duada, foi particularmente negativa para a de euros em 2002 (FCT). Uma parte subs-
recuperação do atraso científico e tecno- tancial destas verbas é canalizada para o
lógico de Portugal. financiamento directo das instituições e
Por outro lado, apesar do elevado cresci- unidades de I&D, para programas de for-
mento verificado, a despesa em I&D em mação avançada em C&T e para o apoio
Portugal ficou ainda num valor muito baixo. de programas, projectos e outras activida-
Na verdade, na globalidade da UE25 a des de I&D (OCT, 1998).
despesa em I&D em 2001 era 1,9 % do A distribuição de recursos financeiros
PIB. Assim, a despesa de I&D em relação por sector de execução mostra que em
ao PIB em 2001 foi em Portugal 40 % da 1997 a despesa de I&D nas empresas era
UE25 e inferior a um quarto da Suécia e da apenas de 22 % do total, contra cerca de
Finlândia. O principal factor que contribui 50 % na UE e 60 % na OCDE. Contudo, a
para as diferenças é a dimensão dos recur- despesa de I&D nas empresas, entre

137
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Evolução das dotações públicas para I&D


(em milhões de escudos)
140 000
Orçamento MCT* Total das dotações públicas

120 000

100 000

80 000

60 000

40 000

20 000

0
1988 1990 1992 1994 1996 1998

(*) Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia até 1995, Ministério da Ciência e da Tecnologia de 1995 a
2000.
Fonte: OCT, Dotações Orçamentais, 1986-1999.

Evolução das dotações públicas para I&D


(Percentagem do Orçamento do Estado)

2,60 %

2,20 %

1,80 %

1,40 %

1,00 %
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: OCT, Dotações Orçamentais, 1986-2002.

138
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

1995 e 2001, apresentou um crescimento cessariamente limitado se não se verifica-


anual médio da ordem de 20 %, inverten- rem alterações significativas na estrutura
do uma tendência de decréscimo verifi- da especialização (Fernandes, 1998).
cada desde 1990. O crescimento anual A melhoria da formação dos recursos
médio da despesa em I&D nas empresas humanos nas empresas portuguesas é
entre 1995 e 2001 foi significativamente certamente outro dos factores que mais
mais elevado do que o crescimento anual contribuirá para o desenvolvimento tecno-
médio da despesa global em I&D, o qual lógico e a inovação no tecido económico
foi, como se viu acima, 9,5 por cento. As- nacional.
sim, em 2001, a despesa em I&D nas em- Tradicionalmente as empresas nacio-
presas era 32 % da despesa total em I&D. nais tinham uma pequena fracção de qua-
Em relação ao PIB, a despesa em I&D nas dros com formação superior, em conso-
empresas decresceu de 0,14 % em 1990 nância com o baixo grau de formação da
para 0,11 % em 1995 e cresceu deste ano população portuguesa: actualmente os di-
para 2001, quando foi 0,27 % do PIB (Eu- plomados do ensino superior são apenas
rostat, 2006). cerca de 8 % do total da população acti-
Sendo certo que a menor incidência de va, enquanto a média nos países euro-
I&D empresarial em Portugal, quando con- peus é de 14 por cento. Quando nestes
frontada com a dos países mais desenvol- cálculos se recorta apenas o sector em-
vidos, se deve em primeiro lugar a uma presarial em Portugal (excluindo portanto
estrutura industrial com pouco peso de a administração pública e o trabalho inde-
sectores intensivos em I&D, devem enca- pendente) a proporção referida desce pa-
rar-se estes sinais de dinamismo como ra cerca de metade. O défice de qualifica-
uma tendência positiva mas de alcance ne- ções no tecido económico e social é ainda

Evolução do orçamento da JNICT/FCT+ICCTI


(milhões de euros, preços correntes)
350
Sociedade da informação
Cultura científica e tecnológica
Cooperação internacional em C&T
Projectos de C&T
280 Apoio às instituições de C&T
Formação avançada de recursos humanos

210

140

70

0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

* Gráfico construído com base nos orçamentos da principal agência financiadora do sistema de C&T: JNICT até
1997, FCT de 1997 a 2002, a que foi acrescido o orçamento do Instituto de Cooperação Científica e Tecnológica
Internacional (ICCTI).
Fonte: Grandes Opções do Plano, 1995-2002.

139
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

penalizador de qualquer política tecnoló- tude das novas gerações de empreende-


gica, mas a situação está no entanto a dores em relação aos factores intangíveis
mudar rapidamente, por força do cresci- de competitividade.
mento e abertura do sistema de ensino Tendo como pano de fundo esta mudan-
superior. ça e considerando o aumento continuado,
De facto, para os anos mais recentes, o na última década, do número de diploma-
número de diplomados do ensino superior dos do ensino superior, bem como de
no total dos trabalhadores nas empresas recursos humanos com formação pós-gra-
com pelo menos um diplomado aumenta duada, pode dizer-se que estão finalmente
sempre nas empresas de criação mais re- criadas condições reais que possibilitam a
cente, em todos os ramos de actividade e colocação no tecido empresarial de qua-
escalões de dimensão das empresas. dros altamente qualificados de forma mais
Esta tendência é decisiva, não só porque significativa.
os recursos humanos com formação supe- Por outro lado, é interessante observar
rior são agentes imprescindíveis para o que o aumento na despesa de I&D nas em-
processo de inovação tecnológica dentro presas entre 1995 e 2002 se deve funda-
das empresas e na relação destas com as mentalmente a novas empresas que não
universidades e as instituições científicas, existiam ou não declaravam actividades de
como pelo que indicia de mudança de ati- I&D em 1995, as quais iniciaram activida-

Produção científica portuguesa:


número de publicações* por ano, por área e por tipo de documento

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Publicações em revistas classificadas

Physical, Chemical and Earth Sciences 329 392 436 509 541 573 668 788 879 1071 1123 1382

Life Sciences 230 242 298 353 426 511 513 628 699 854 835 894

Clinical Medicine 75 104 125 135 168 207 181 271 274 352 351 356

Agriculture, Biology, and Environmental Sci. 98 103 168 156 209 258 272 317 388 424 468 550

Engineering, Computing & Technology 160 152 184 180 218 271 340 349 416 510 549 555

Social and Behavioral Sciences 26 24 50 47 50 61 92 52 72 85 163 110

Arts & Humanities 8 24 19 19 34 18 28 22 22 37 44 32

[1] Subtotal 925 1040 1279 1398 1645 1899 2093 2427 2749 3333 3533 3878

[2] Publicações não classificadas 48 55 70 145 238 316 310 391 445 490 576 508

Total de Publicações [1] + [2] 973 1095 1349 1543 1883 2215 2403 2818 3194 3823 4109 4386

Artigo 735 844 945 1088 1333 1555 1906 2164 2293 2709 3047 3214

Artigo em actas 97 107 140 205 213 257 229 300 434 548 473 601

Nota 62 45 82 68 125 103

Recensão 6 8 16 17 27 23 40 32 38 54 79 79

Outras 74 92 167 167 183 276 227 321 430 511 510 488

(*) Método de contagem fraccionada.


Fonte: Institute for Scientific Information, National Citation Report for Portugal, 1981-2001.

140
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

des com recursos humanos mais qualifica- período, o crescimento em publicações foi
dos e em sectores de actividade tecnologi- o dobro do crescimento em investigadores
camente avançados. (EC, 2001).
Por outro lado, a produção científica em
Produção científica co-autoria é um bom indicador de coopera-
A produção científica referenciada interna- ção internacional. Em 1997, 41 % dos arti-
cionalmente, ou seja, os trabalhos de gos com participação portuguesa referen-
investigadores de instituições científicas ciados internacionalmente foram trabalhos
portuguesas publicados em revistas de re- de cooperação internacional, o que traduz
conhecido mérito internacional, é um im- um aumento significativo face aos 28 % re-
portante indicador do desempenho dos gistados em 1980/1981. No período 1995-
sistemas científicos. -1999, os artigos em co-autoria de investi-
A produtividade científica nacional tem gadores em Portugal com investigadores
crescido significativamente. No período no estrangeiro foram 51 % do total de arti-
1990-1995, Portugal foi o primeiro país da gos publicados, destacadamente o maior
UE em crescimento do número de publica- valor observado na UE15 (EC, 2003). É um
ções científicas referenciadas no Science evidente sintoma de uma crescente abertu-
Citation Index ( SCI ) — um crescimento ra científica e tecnológica do país e de uma
anual médio de 12 %, triplo da OCDE e posição favorável em termos de coopera-
mais que duplo da UE (OCDE, 1999). En- ção científica internacional num contexto
quanto o número de investigadores em de globalização.
Portugal duplicou de 1988 para 1997, o As parcerias científicas do país alarga-
número de publicações referenciadas no ram-se após a adesão à UE: cresce signi-
SCI mais que triplicou, na verdade foi 3,5 ficativamente a colaboração com a Ale-
vezes superior (OCT, 1999b). No período manha, Espanha e Itália. As colaborações
1995-1999, Portugal voltou a ser o primei- com o Reino Unido, os Estados Unidos da
ro país da UE em crescimento do número América (EUA) e a França continuam, con-
de publicações científicas referenciadas tudo, a ser as mais frequentes.
ao SCI, com um crescimento anual médio Por domínios científicos a cooperação
de 16 %, mais de cinco vezes e meia su- científica de equipas portuguesas com
perior à média da UE15 e mais do dobro equipas de instituições do Reino Unido é
do país com o segundo maior valor. Neste particularmente importante nas Ciências

Produção científica portuguesa: cooperação internacional


4500
Publicações em co-autoria com instituições estrangeiras
4000
Publicações exclusivamente de instituições portuguesas
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001

Fonte: Institute for Scientific Information, National Citation Report for Portugal, 1990-2002.

141
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

da Terra, Ciências Médicas, Ciências Quí- evolução da C&T em Portugal, que entra
micas, Biomédicas e Biologia. Os EUA têm agora, talvez, numa nova etapa da sua
um lugar importante na cooperação em história.
Ciências Biomédicas, Ciências Químicas
e Física. A França está presente sobretu- Garantir a qualidade e o crescimento
do na cooperação científica em Ciências sustentado
do Universo e tem um lugar significativo Se é indiscutível o crescimento e a abertu-
em Física, Ciências Médicas e Ciências ra do sistema científico nacional nos últi-
Químicas. mos quinze anos, o crescimento sustenta-
O alargamento da cooperação internacio- do não está ainda garantido e não se
nal é evidente também na participação de alcança automaticamente.
equipas de investigação portuguesas em Os principais indicadores estatísticos
projectos internacionais como o EUREKA. revelam que o sistema científico está ain-
No 4.o Programa-Quadro de Investiga- da longe da robustez necessária à sobre-
ção da UE (1994-1998), o número de parti- vivência e auto-reprodução independen-
cipações de instituições portuguesas foi de tes, dadas a sua actual dimensão, o
1551 em 1117 projectos, 158 dos quais co- acelerado crescimento e a fragilidade e ju-
mo instituições-líderes, quando o número ventude de grande parte das instituições
total de projectos aprovados no âmbito que o constituem.
desse programa-quadro foi 13 738 (OCT, A quebra no crescimento da despesa
1999c). No 5.o Programa-Quadro de Inves- de I&D, entre 1992 e 1995, não traduz
tigação da UE (1999-2002), o número de apenas hesitações da acção política, mas
projectos com participação de instituições também revela as dificuldades do sistema
portuguesas foi 1442 em 1071 projectos, científico, ainda frágil, para se afirmar e
158 dos quais como instituições-líderes, defender dessas mesmas hesitações.
num total de 11 327 projectos. O programa político para a C&T seguido
O crescimento e a abertura científica e de 1995 a 2002 propôs, justamente, uma
tecnológica do país à colaboração inter- estratégia para superar definitivamente o
nacional são os dois traços distintivos da atraso, reforçar as instituições e garantir a
qualidade.
Inclusão de embriões em meio.
Vejamos as suas principais linhas de
orientação:
— aumento e qualificação dos recursos
humanos afectos a actividades de I&D,
como base e garantia de um crescimento
sustentado;
— desenvolvimento e consolidação de
uma cultura de avaliação externa e inde-
pendente e institucionalização de meca-
nismos de auto-avaliação e de acompa-
nhamento externo;
— reforço e qualificação das instituições
científicas e tecnológicas, da sua organi-
zação, liderança e capacidade de progra-
mação estratégica;
— reforço da internacionalização e da
participação de Portugal nos grandes or-

142
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

de informação sobre o seu estado e ten-


dências e para apoio à definição da políti-
ca científica e tecnológica;
— recuperação do atraso no lançamento
das fundações para a sociedade da infor-
mação, através da generalização das
acessibilidades e competências básicas
na população, do desenvolvimento das
ciências e tecnologias da informação e da
comunicação, do estímulo à disponibiliza-
ção de conteúdos na Internet.
Preparação de embriões de codorniz para A observação dos volumes financeiros
injecção de DNA.
investidos no período referido nos progra-
ganismos internacionais de I&D, com vista mas de formação avançada, no reforço das
a assegurar níveis de qualidade segundo instituições científicas, no apoio a projectos
padrões internacionais; de investigação científica e desenvolvimen-
— promoção de projectos de investiga- to tecnológico, no alargamento da partici-
ção científica e tecnológica de elevada qua- pação portuguesa em organizações cientí-
lidade internacional, num quadro de estabi- ficas intergovernamentais, na promoção da
lidade e rigor de avaliação, contemplando cultura e da educação científica são talvez
projectos orientados para temas de interes- a expressão mais evidente da importância
se público e associados ao reforço da ca- que se atribui a estas componentes do de-
pacidade de participação nos grandes or- senvolvimento científico e da vontade políti-
ganismos científicos internacionais; ca de centrar nelas o esforço para vencer o
— estímulo à investigação tecnológica atraso científico.
aplicada e à inovação, em particular atra-
vés de projectos de investigação em con- Aumento dos recursos humanos com
sórcio entre instituições científicas e em- elevadas qualificações científicas
presas, liderados e comparticipados pelas Entre 1994 e 2002 foram financiadas 11 950
empresas; bolsas de formação avançada, das quais
— promoção da cultura científica junto 2670 de mestrado e 5900 de doutoramento.
das populações mais jovens através do de- Do total das bolsas de doutoramento con-
senvolvimento do ensino experimental das cedidas, 46 % foram para doutoramentos
ciências e outras iniciativas, em articulação no estrangeiro, correspondendo ao objecti-
com as instituições científicas; vo de continuar a estimular uma contribui-
— reforma legislativa do sistema científi- ção significativa de doutoramentos nas me-
co e tecnológico, contemplando a criação lhores universidades estrangeiras, como
de instituições de administração da política factor de internacionalização, relaciona-
científica e tecnológica adaptadas à nova mento directo com as redes científicas in-
realidade nacional, a definição do regime ternacionais e de importação de práticas
jurídico das instituições de investigação, a diferentes na nossa sociedade.
revisão do estatuto da carreira de investi-
gação e a revisão do estatuto do bolseiro Avaliação, qualidade, rigor e
de investigação; transparência
— institucionalização de mecanismos re- Os sistemas de avaliação são de importân-
gulares de observação e análise do siste- cia central para a qualidade, internacionali-
ma científico e tecnológico para divulgação zação e funcionamento geral dos sistemas

143
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

científicos. Visam sempre a tomada de de- A avaliação das instituições científicas


cisões relativamente à optimização dos re- que envolveu todos os laboratórios do Es-
cursos financeiros, à racionalização ou tado e mais de 350 unidades de investiga-
reforma das instituições, ao aumento da ção, de todas as áreas do conhecimento,
produtividade e qualidade da produção e financiadas pela FCT, seguiu os princípios
da actividade científica. enunciados.
Como vimos, a partir de 1964 os progra- Do processo de avaliação dos laborató-
mas de avaliação do sistema científico na- rios do Estado resultaram algumas medi-
cional e das políticas governamentais, mo- das que integraram a primeira fase de um
nitorizados pela OCDE, foram decisivos programa de apoio à sua reforma, iniciado
para o arranque do desenvolvimento cientí- em 1998 com constituição de equipas de
fico do país. projecto orientadas para temas específicos
De novo, a partir de 1996 foi desenca- de interesse público: prevenção e redução
deada uma profunda mudança do sistema de riscos (sísmico, radiológico e nuclear,
de avaliação, considerando que esta é um de degradação das construções), ciências
elemento essencial para o desenvolvi- e tecnologias do mar, investigação científi-
mento do sistema científico e tecnológico ca tropical. O estímulo ao rejuvenescimen-
nacional e uma garantia da sua qualida- to dos investigadores e à modernização e
de. Tal mudança, desencadeada pela flexibilização da gestão de projectos de in-
FCT, consistiu basicamente na revisão, vestigação nos laboratórios do Estado é
clarificação e divulgação dos procedi- concretizado pela disponibilização de fi-
mentos de avaliação de instituições cien- nanciamentos, em parte condicionados ao
tíficas, de projectos de investigação e recrutamento de novos investigadores e à
de candidaturas a bolsas. A avaliação de adopção de regras de autonomia de ges-
projectos e instituições apoia-se essen- tão pelos investigadores responsáveis pe-
cialmente em painéis de avaliadores los projectos. Por outro lado, também as
maioritariamente compostos por cientistas promulgações do Regime Jurídico das Ins-
de instituições estrangeiras; e envolvem a tituições de Investigação e da revisão do
interacção directa entre proponentes e Estatuto da Carreira de Investigação deter-
avaliadores em sessões de apresentação minaram a reformulação da orgânica inter-
pública das candidaturas de projectos ou na dos laboratórios e da sua gestão e fun-
unidades de investigação. Outro aspecto cionamento.
importante foi a inclusão nos critérios de Da avaliação das unidades de investiga-
avaliação da qualidade dos resultados ção resultou um conhecimento mais por-
de projectos financiados anteriormente menorizado do estado do sistema científico
em que a equipa participou e da contri- e tecnológico nacional, não só a nível de
buição dos projectos para a integração de cada unidade, mas também de cada domí-
novos investigadores. nio científico e do conjunto do sistema.
Assim, foi concretizado um processo de O processo de avaliação estimulou, tam-
avaliação coerente e transparente, cuja bém, a mudança de lideranças científicas,
qualidade é reconhecida pela comunidade a definição de orientações estratégicas, a
científica nacional e sublinhada internacio- internacionalização das actividades, a qua-
nalmente, o que permitiu encetar um mode- lificação das actividades científicas, a
lo regular e responsável de financiamento organização e o alargamento de oportuni-
de I&D, conferindo condições de estabili- dades de formação de doutoramento e
dade e responsabilização às instituições pós-doutoramento e a participação na pro-
de investigação. moção da cultura científica.

144
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

Foi constatado um elevado potencial pa- tantes das avaliações periódicas interna-
ra uma actividade científica de grande qua- cionais.
lidade internacional, ainda que entravado Toda a informação relativa ao processo
por alguns factores. Em primeiro lugar, de- de avaliação tem sido publicada e ampla-
ficiências estruturais na organização e mente divulgada. Tanto os resultados das
constituição das unidades, atribuíveis a po- avaliações como a informação geral sobre
líticas anteriores de financiamento que pri- as unidades de investigação são também
vilegiavam a dimensão e a inserção em disponibilizados na Internet. A informação
certas áreas prioritárias, em detrimento da sobre as unidades, incluindo listas exausti-
qualidade e dos resultados da investiga- vas das suas equipas de investigação, res-
ção. Em segundo lugar, dificuldades de pectivas áreas de interesse e endereços
compatibilização da actividade científica de correio electrónico é actualizada anual-
com a actual organização do ensino univer- mente pelas próprias unidades através da
sitário, nomeadamente a exígua disponibili- Internet e depois tornada pública. Consti-
dade de tempo dos docentes para a inves- tuiu-se, assim, um eficaz instrumento de in-
tigação resultante de cargas lectivas terligação e comunicação entre os investi-
excessivas, a falta de apoio administrativo gadores e entre as instituições.
e técnico e a rigidez nas contratações de
recursos humanos. Reforço da internacionalização
científica e tecnológica
Reforço e qualificação das instituições O reconhecimento da importância da coo-
científicas peração internacional como instrumento
O Programa de Financiamento Plurianual essencial no desenvolvimento e na melho-
de Unidades de I&D, talvez o mais impor- ria da qualidade do sistema científico e tec-
tante programa de reforço das instituições nológico — no quadro da crescente globa-
científicas, passou a disponibilizar financia- lização social e económica — conduziu à
mentos de base e programático definidos promoção de uma política de cooperação
na sequência de avaliação internacional internacional.
periódica. Integram o programa cerca de Um conjunto de grandes laboratórios in-
335 unidades de todas as áreas do conhe- ternacionais desempenha um papel des-
cimento. O montante global de financia- tacado na abertura de novas perspectivas
mento do programa aumentou signifi- científicas, no acesso a instrumentação
cativamente no período 1995-2002: passou avançada e no reforço e qualificação de
de 7,5 milhões de euros em 1995 e 1996 competências das comunidades científi-
para 20 milhões de euros em 1997, 28 mi- cas participantes. Por estas razões, desde
lhões de euros em 1999, 30 milhões de eu- 1995 foi desenvolvida uma política de
ros em 2000 e 35 milhões de euros em adesão e participação de Portugal nas
2001 (OCT, 2002). grandes instalações científicas internacio-
Além de dotar as unidades de recursos nais:
financeiros para o seu funcionamento, este — renovação do mandato do Comité
programa tem servido de estímulo para a Misto Portugal-CERN até 2007, asseguran-
reorganização interna e orientação progra- do a continuação do aconselhamento no fi-
mática das instituições, o reforço da sua nanciamento das actividades científicas
autonomia e capacidade de captação de nos domínios do CERN e o prosseguimento
fundos no exterior do sistema, e das condi- do acordo sobre o treino de jovens enge-
ções para geração de emprego científico, nheiros portugueses no CERN, instituição a
na sequência das recomendações resul- que Portugal aderiu em 1985;

145
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Medição simultânea de velocidade e concentrações pontuais num jacto de CO2.

— iniciativa para a criação de uma Agên- ao Ocean Drilling Programme através do


cia Europeia dos Oceanos; consórcio europeu formado na Fundação
— acordo entre Portugal e a Agência Es- Europeia da Ciência e ao Grupo Consulti-
pacial Europeia (ESA) em 1996, abrindo a vo para a Investigação Agrária Internacio-
possibilidade de participação de empresas nal;
e instituições de investigação em progra- — abertura das negociações para a ade-
mas opcionais, nomeadamente no pro- são plena de Portugal ao Observatório Eu-
grama ARTES, e subsequente negociação ropeu do Sul (ESO);
e concretização da adesão plena de Portu- — participação nas redes fundamentais
gal à ESA em 1999; de cooperação científica multilateral como
— adesão de Portugal ao Laboratório a iniciativa EUREKA, COST (nomeadamen-
Europeu de Biologia Molecular, ao Labo- te nos domínios de telecomunicações,
ratório Europeu de Radiação Sincrotrão, transportes, produtos florestais, biotecnolo-
gia e agricultura) e CYTED-IBEROEKA.
Ensaios de combustão e desenvolvimento
de queimadores.
Promoção de projectos de investigação
de elevada qualidade
O financiamento de projectos de I&D cres-
ceu substancialmente em todas as áreas
científicas e tecnológicas, acompanhado
da clarificação dos processos de concurso
e avaliação, bem como da adopção de re-
gras mais adequadas de disponibilização
de financiamentos.
Para além dos concursos de projectos
abertos a todas as áreas científicas, foram
promovidos concursos orientados para do-
mínios específicos de interesse público,
em parceria e comparticipação com outras

146
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

entidades. Salientam-se deste conjunto os Inserção das ciências sociais e


seguintes programas: Investigação Científi- humanas na política científica
ca Aplicada a Incêndios Florestais, Investi- As Ciências Sociais e Humanas foram ao
gação sobre a Comunidade Cigana, Inves- longo da história de desenvolvimento cien-
tigação Científica no Domínio das Relações tífico do país objecto de secundarização ou
Sociais de Género e das Políticas para a mesmo marginalização sistemática. Parti-
Igualdade entre Homens e Mulheres, In- cularmente negativa foi a definição de prio-
vestigação no Domínio da Segurança ridades do Programa Ciência, que excluiu
Social e das Políticas Sociais, Programa as Ciências Sociais e Humanas de todos
Integrado para as Ciências Sociais e Hu- os programas-financiamento para a cria-
manas, Investigação Científica e Desen- ção de infraestruturas, para apoio a projec-
volvimento Tecnológico no Domínio da tos de investigação e programas de forma-
Conservação da Natureza, Investigação ção avançada.
Científica e Tecnológica em Temas Rela- No período 1995-2002 foram lançadas
cionados com a Promoção da Língua e da várias iniciativas tendentes a colocar estes
Cultura Portuguesa no Estrangeiro (Pro- domínios do conhecimento em plano de
grama Lusitânia). igualdade de oportunidades no que respei-
São, também, de natureza específica os ta à política científica. Em particular, foram
concursos abertos anualmente para pro- tomadas medidas visando o reforço das
jectos no quadro de programas de coope- unidades de investigação, o aumento do
ração internacional, nomeadamente: Inves- número de doutorados e investigadores, o
tigação Científica e Tecnológica no Âmbito apoio a projectos de investigação e estímu-
do Acordo de Cooperação com o European lo à internacionalização. Destacam-se o
Laboratory for Particle Physics (CERN), lançamento em 1996 do Programa Integrado
Acções de Ciência e Tecnologia em Astro- para as Ciências Sociais e Humanas e o le-
nomia no Âmbito do Acordo de Coopera- vantamento da produção científica nacional
ção com o European Southern Observatory em publicações nacionais e estrangeiras.
(ESO). Todos os programas para apoio a pro-
Foram, ainda, preparados novos progra- jectos, formação avançada e apoio ao fun-
mas orientados para algumas áreas de cionamento das unidades de investigação
importância significativa: Ciências e Tecno- passaram a abranger todas as áreas do
logias do Mar, Processamento Computa- saber, sendo esta considerada uma con-
cional da Língua Portuguesa, Ciências e dição essencial para o desenvolvimento
Tecnologias Aeroespaciais. No âmbito dos equilibrado do sistema científico.
dois primeiros programas foram já abertos
concursos específicos para projectos de Estímulo à investigação tecnológica
investigação. aplicada e à inovação
Adicionando a tudo isto os projectos de Como vimos, as questões relacionadas
investigação com participação empresa- com a capacidade tecnológica e a inova-
rial, apoiados através da Agência de Inova- ção empresarial no nosso país estão estrei-
ção, encontravam-se em curso no ano tamente associadas à história da nossa in-
2001 cerca de 2326 projectos de investiga- dústria, inscrevem-se na própria estrutura
ção (a maioria de dois ou três anos de du- industrial e no tradicional défice de recur-
ração), totalizando um financiamento total sos humanos nos diferentes níveis de quali-
da ordem dos 200 milhões de euros distri- ficações.
buídos por todas as áreas científicas numa A modernização e abertura da socieda-
base concorrencial e competitiva. de portuguesa em geral e as transforma-

147
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

ções de natureza estrutural que ocorrem entre o mundo empresarial e a investiga-


lenta mas solidamente permitem algum ção e estimulando as relações e a transfe-
optimismo nesta matéria. Estas transfor- rência de conhecimentos, competências
mações são visíveis em alguns indicado- e tecnologias. Estes aspectos têm a maior
res gerais. Por exemplo, Portugal foi em importância quando se reconhece clara-
1985-1996 o país da UE com mais eleva- mente que «a inovação já não depende
do crescimento anual de valor acrescen- apenas do desempenho independente
tado em indústrias baseadas em conheci- das empresas, universidades e institutos
mento ( knowledge-based industries ): o de investigação, mas, crescentemente,
dobro do global da OCDE e mais do do- de como estas instituições cooperam»
bro da UE. (OCDE, 1999).
Neste processo de modernização foi cer- A Agência de Inovação assegurou, com
tamente decisiva a democratização e o grande sucesso, a promoção da indústria
alargamento do sistema de ensino supe- portuguesa no CERN, promovendo um au-
rior, mas foi também determinante o benefí- mento acentuado da venda de bens e ser-
cio da acção de muitos outros agentes e viços portugueses àquela prestigiada e
sectores. exigente organização científica. Depois de
Através da Agência de Inovação foi de- ter permanecido em valores muito baixos
senvolvido um vasto conjunto de iniciati- durante um longo período desde a adesão
vas, visando reforçar a capacidade tecno- de Portugal ao CERN em 1985, o valor dos
lógica e a inovação empresarial. Foram contratos aumentou 10 vezes de 1996 para
desenvolvidos mecanismos de apoio às 2001, altura em que atingiu 6,8 milhões de
empresas na identificação de problemas e euros (OCT, 2002).
necessidades através da realização de au- Por outro lado, foi aplicado em 1997 um
ditorias tecnológicas; a identificação de re- sistema de benefícios fiscais às activida-
sultados de investigação e de tecnologias des de I&D de empresas, o qual veio a ser
com interesse para o tecido empresarial; o fortemente responsável por Portugal ter si-
apoio à circulação dessa informação e ao do o país da OCDE onde, entre 1990 e
encontro entre a oferta e a procura de tec- 1998, se verificou um maior crescimento
nologias, nomeadamente pela organização dos incentivos fiscais desta natureza, o que
de bolsas de contacto. o colocou como terceiro país da OCDE nos
O emprego científico nas empresas foi incentivos fiscais às actividades de I&D, a
promovido através de incentivos à mobili- seguir à Espanha e ao Canadá (OCDE,
dade dos recursos humanos entre as uni- 1999).
versidades e as empresas, de apoios à
contratação de doutores e mestres pelas Promoção da cultura científica e
empresas, à formação avançada (em parti- tecnológica: o Programa Ciência Viva
cular em mestrados e cursos de especiali- Ao longo dos anos 90 foram realizados vá-
zação na indústria com a colaboração das rios inquéritos à cultura científica dos Euro-
universidades) e a estágios de engenhei- peus, aplicados também em Portugal, inci-
ros em instituições científicas estrangeiras dindo sobre os conhecimentos científicos,
com tecnologias de ponta, como é o caso mas também sobre atitudes e representa-
do CERN, ESO e NASA. ções perante a ciência (OCT, 1998). Os
A investigação tecnológica aplicada resultados relativos a Portugal, no quadro
tem sido directamente apoiada, sobretu- da comparação internacional, confirmam
do os projectos realizados em consórcio, a necessidade de um programa especial
criando laços e hábitos de cooperação de reforço da cultura científica e tecnoló-

148
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

Robótica submarina: catamarã Delfim.

gica e de enraizamento da ciência na so- oportunidades de aprendizagem e sociali-


ciedade em geral. Arrisca-se pouco ao zação que a escola proporciona, era a va-
afirmar que este é talvez o campo onde os riável que mais explicava os diferentes ní-
objectivos e a acção política, nos últimos veis de conhecimento científico, bem como
anos, têm sido mais inovadores a nível in- as representações e atitudes perante a
ternacional e reveladores de uma larga vi- ciência; o conhecimento, em particular,
são estratégica. distinguia-se por um défice quase total de
Em termos evolutivos, a situação da po- ensino experimental das ciências e por
pulação portuguesa tinha melhorado no uma reduzida afirmação do ensino tecnoló-
que respeita aos indicadores de conheci- gico.
mento e de compreensão dos métodos Segundo os resultados do inquérito in-
científicos, bem como no que respeita à ternacional de caracterização dos níveis
confiança na ciência, mas tinha-se agrava- de desempenho dos alunos (de 9 e 13
do no que respeita à insegurança cognitiva anos), os desempenhos médios das crian-
e a um conjunto de indicadores de atitu- ças portuguesas, tanto em matemática
des, relativos ao interesse e à curiosidade como em ciências, eram particularmente
pelos temas científicos. fracos, embora tivessem apresentado me-
O estado da cultura científica dos Portu- lhores resultados os alunos que afirmavam
gueses era em primeiro lugar explicado pe- realizar ou assistir a experiências na sala
las condições da sua aprendizagem, bem de aula.
como pela escassez das oportunidades de No que respeita a outras oportunidades
contacto com o mundo da ciência e da tec- de contacto com o mundo da ciência e da
nologia: os resultados dos inquéritos mos- tecnologia, registava-se a escassez de mu-
traram que o nível de escolaridade, pelas seus, revistas de divulgação, programas

149
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

de televisão e rádio, etc., sejam eles desti- mas de desenvolvimento regional científico,
nados à população adulta ou mais jovem. cultural e económico, através do envolvi-
Foi lançado em Junho de 1996 o Progra- mento dos actores regionais mais activos
ma Ciência Viva, que elegeu como princí- nestas áreas, sendo objectivo deste instru-
pios orientadores a importância da escola mento criar nos próximos anos uma rede
e do ensino experimental das ciências na de centros com nós em todos os distritos.
formação da cultura científica e tecnoló- O primeiro centro foi inaugurado em 1997
gica. no Algarve, ao qual se seguiram o Planetá-
A política de difusão da cultura científica rio do Porto, o Exploratório Infante D. Hen-
e tecnológica em Portugal envolveu duas rique de Coimbra, o Centro de Ciência do
dimensões: os jovens como alvo e o envol- Europarque da Feira. No Parque das Na-
vimento de instituições científicas como es- ções, em Lisboa, foi criado o Pavilhão do
tratégia para a promoção da qualidade. Is- Conhecimento — Ciência Viva, como cen-
to é, o envolvimento dos cientistas e das tro nacional de recursos para toda a rede
instituições científicas nas várias iniciativas, de centros Ciência Viva, o qual abriu ao
e a importação, para esta linha de interven- público com um conjunto de exposições
ção, dos mecanismos de concurso, avalia- apresentadas pelos melhores centros de
ção independente, acompanhamento e ciência de todo o mundo. Em 2002 foi
apresentação pública de resultados, práti- aberto o Centro Ciência Viva de Vila do
cas que são há longa data seguidas pelas Conde;
instituições científicas. — a organização de campanhas nacio-
Foram quatro os instrumentos fundamen- nais de divulgação científica, estimulando
tais de acção do Programa Ciência Viva: o associativismo científico e proporcionan-
— um programa — Ciência Viva na Es- do à população oportunidades de observa-
cola — de apoio e financiamento de pro- ção e de contacto directo e pessoal com
jectos para o desenvolvimento do ensino cientistas e instituições científicas de dife-
experimental das ciências, com o envolvi- rentes áreas do saber. Estas campanhas
mento da comunidade científica e educati- de âmbito nacional e de acesso livre e gra-
va. Entre 1996 e 2001 foram realizados cin- tuito decorrem sob o signo da experimenta-
co concursos anuais, de que resultaram ção, entendida como verificação empírica
cerca de 3120 projectos, abrangendo mais do saber, confrontação da teoria com a
de 2000 escolas, 5000 professores e meio prática e observação activa em interacção
milhão de jovens (cerca de 40 % de toda a com especialistas das áreas do saber
população escolar correspondente), o que abrangidas.
representou um investimento de 24 milhões
de euros (OCT, 2002); Recuperação do atraso no lançamento
— o programa de Geminação Escolas- das fundações para a sociedade da
-Instituições Científicas, para realização de informação
actividades conjuntas e disponibilização A emergência da sociedade da informação
de apoio técnico e científico, que consagra resulta da crescente importância, centrali-
uma perspectiva de colaboração regular e dade, transversalidade e presença da in-
partilha de recursos e conhecimentos entre formação nos mais variados domínios da
escolas e instituições científicas; acção social, marcando a configuração as-
— uma rede nacional de centros Ciência sumida pelas modernas sociedades con-
Viva, concebidos como espaços interacti- temporâneas.
vos de divulgação científica para a popula- Neste contexto, a capacidade de pro-
ção em geral, mas também como platafor- dução, acumulação, processamento e tro-

150
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

ca da informação tem vindo gradualmente


a constituir-se como factor determinante
da produtividade e competitividade das
economias numa rede integrada, geome-
tricamente variável e global. É claro que a
capacidade de produção, gestão e disse-
minação da informação depende, em
grande medida, da capacidade tecnológi-
ca evidenciada pelas unidades económi-
co-sociais, condicionando-se fortemente,
por essa via, o grau de desenvolvimento e
implantação da sociedade da informação.
A capacidade tecnológica não se cir- Gel de agarose com DNA digerido com
enzimas de restrição.
cunscreve ao grau de desenvolvimento da
dimensão infra-estrutural da sociedade da é decisivo o investimento em saber e co-
informação, ou seja, ao investimento na nhecimento, nomeadamente em investiga-
criação e permanente expansão de redes ção, no desenvolvimento de aplicações, de
de comunicação e informação. A potencia- software e de conteúdos informacionais, a
ção destas infra-estruturas por uma articu- par da formação dos recursos humanos e
lação com o sistema de I&D é condição es- criação de competências em todos os ní-
sencial para a permanente criação de veis de ensino e qualificação.
conhecimento, processos e produtos e Em Portugal, como em outros países, os
para a formação dos recursos humanos desafios de um programa político para de-
necessários à inovação tecnológica e à senvolvimento da sociedade da informação
consolidação do processo produtivo ba- são inúmeros.
seado no conhecimento científico. Por ou- A partir de 1995, o reconhecimento políti-
tro lado, a capacidade tecnológica é ain- co da centralidade da informação e do co-
da subsidiária do grau de disseminação nhecimento nas sociedades contemporâ-
das tecnologias e do grau de utilização ou neas, força motriz do desenvolvimento,
apropriação social das mesmas, sendo, conduziu à definição da sociedade da in-
neste capítulo, decisivo o papel do siste- formação como novo sector público de in-
ma de ensino na formação qualificada dos tervenção, transversal e prioritário, que
recursos humanos e a acessibilidade ge- passou a figurar nos instrumentos de pla-
neralizada e simples dos sistemas de in- neamento da acção governativa e nos ins-
formação e comunicação à população trumentos de concertação social.
geral. As medidas de intervenção centraram-se
A articulação virtuosa destes sistemas re- numa primeira fase em:
quer uma particular atenção dos decisores — criação da Missão para a Sociedade
públicos e privados. No cerne desta articu- da Informação e elaboração do Livro Verde
lação estão as condições de distribuição e da Sociedade da Informação, aprovado
de acesso dos utilizadores a equipamentos, pelo governo em 1997 e subsequentemen-
serviços e conteúdos; o desenvolvimento, te apresentado à Assembleia da Repúbli-
interconectividade e disponibilidade das ca, no qual se combinaram grandes op-
redes; os custos e outras condições gerais ções estratégicas e um corpo articulado de
de utilização e acesso. medidas concretas de acção;
Assim, para além do esforço de investi- — melhoria da rede de computação
mento em capital fixo e em infra-estruturas, científica e seu alargamento a laboratórios

151
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Carro ecológico construído no âmbito de um projecto de ensino experimental das ciências.

do Estado, institutos politécnicos, museus dades científica, tecnológica, escolar e so-


e centros de ciência, associações científi- ciocultural: docentes e alunos das várias
cas, educativas e culturais, escolas do 1.o escolas, assim como utilizadores das bi-
ao 12.o anos e bibliotecas públicas, consti- bliotecas municipais, têm hoje possibilida-
tuindo-se na infra-estrutura de comunica- de de acesso à Internet, reduzindo-se, por
ção para uma verdadeira rede nacional de essa via, as desigualdades resultantes dos
conhecimento; diferentes graus de acesso à informação.
— dinamização de iniciativas para as es-
colas, a administração pública, as insti- O Programa Internet na Escola
tuições produtoras ou utilizadoras de infor- Em 1997, foi criado no seio do Ministério da
mação e as empresas. Ciência e da Tecnologia a Unidade de
Dum conjunto vasto de iniciativas desta- Apoio à Rede Telemática Educativa (UAR-
cam-se seguidamente aquelas que vieram TE), com o objectivo de desenvolver o Pro-
a revelar-se decisivas para o processo de grama Internet na Escola em colaboração
desenvolvimento. com a Fundação para a Computação Cien-
tífica Nacional (FCCN), entidade responsá-
A Rede Ciência, Tecnologia e Sociedade vel pela gestão da RCTS e pelo registo dos
A criação da Rede Ciência, Tecnologia e domínios .pt de Internet. Este programa
Sociedade (RCTS) suportou-se num signifi- visou a ligação das escolas à Internet, atra-
cativo alargamento de larguras de banda e vés da instalação de computadores multi-
acessibilidades ao estrangeiro e no reforço média nas bibliotecas/mediatecas das es-
decisivo da rede científica nacional, que, colas e da manutenção funcional deste
para além das universidades, institutos e sistema. Desta forma, todos os jovens, ao
centros de I&D a elas associados, passou longo do seu percurso escolar, passaram a
também a incluir laboratórios do Estado, ter não só acesso a obras em CD-ROM co-
institutos politécnicos, escolas do 1.o ao mo também à possibilidade de recorrer ao
12.o ano, associações científicas, educati- uso da Internet como espaço privilegiado
vas e culturais, bibliotecas públicas e mu- de recursos de informação e expressão.
seus, à medida que estas entidades eram Em Setembro de 1999 estava já assegu-
ligadas à Internet. rada a ligação à Internet de todas as cerca
A rede permite o crescente desenvolvi- de 1700 escolas do 5.o ao 12.o anos, públi-
mento das comunicações entre as comuni- cas e privadas, 220 escolas do 1.o ciclo, 80

152
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

entidades de natureza associativa cultural, net, ao mesmo tempo que introduziu novas
científica e educativa, cerca de 250 biblio- formas de apropriação e generalização
tecas públicas e 15 museus. das tecnologias de informação e comuni-
A partir de 1998 foram lançadas as bases cação (TIC) e o conceito inovador de uma
de expansão faseada a todas as escolas rede computacional que junta instituições
primárias, que se realizará em colaboração do ensino superior, outras instituições cien-
com as entidades promotoras, designa- tíficas, escolas, bibliotecas públicas, mu-
damente as autarquias, e incluirá os cen- seus e associações científicas, educativas
tros de Formação de Professores. e culturais — uma verdadeira Rede Nacio-
Milhares de alunos e professores foram nal do Conhecimento.
sensibilizados, de forma sistemática e prá- Em 2001 foi concluída a ligação à Inter-
tica, para as potencialidades pedagógicas net de todas as escolas do 1.o ciclo do en-
da Internet: maior amplitude e rapidez nos sino básico, também através da RCTS, fa-
processos de pesquisa e recolha da infor- zendo com que Portugal fosse um dos
mação, maior autonomização e democrati- primeiros países do mundo a assegurar a
cidade no acesso à informação e na comu- ligação à Internet de todas as escolas do
nicação entre escolas e com a sociedade, 1.o ao 12.o ano.
familiarização da população discente com
as tecnologias e processos tecnológicos A Iniciativa Nacional para os Cidadãos
que encontrarão numa futura inserção pro- com Necessidades Especiais
fissional. O programa Iniciativa Nacional para os Ci-
Portugal juntou-se, assim, aos países na dadãos com Necessidades Especiais teve
vanguarda da ligação das escolas à Inter- como objectivo contribuir para que esses

Percentagem de escolas ligadas à Internet no ensino secundário

Coreia 22 1997 1998


12
Japão 23
França 63

Holanda 72

Bélgica 72

Áustria 75

Reino Unido 87

Itália 84

Suécia 91

Nova Zelândia 94
89
Estados Unidos 94
Finlândia 95

Noruega 90
98
Portugal 30
100
Irlanda 69
100
Dinamarca 100
100
0 20 40 60 80 100

Fonte: Secretariado da OCDE, de acordo com dados nacionais.

153
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

cidadãos pudessem usufruir dos benefí- trução de um modelo de acompanhamento


cios das novas TIC, como factor de integra- e estímulo ao uso generalizado de meios
ção social e de melhoria da respectiva telemáticos, especialmente da Internet, em
qualidade de vida. Além de outras medidas todo o tipo de instituições, do ensino à vida
foi determinado que as direcções-gerais, empresarial, com o objectivo de combater
serviços equiparados e os institutos públi- a interioridade;
cos disponibilizem a sua informação na In- — Guarda; tem também como principal
ternet de forma a que a mesma possa ser objectivo o combate à interioridade;
acedida, efectivamente, pelos cidadãos — Grande Lisboa e Setúbal; procura con-
com necessidades especiais. tribuir para a integração de minorias étni-
Assim, Portugal colocou-se na vanguarda cas, em colaboração com o Alto Comissa-
das preocupações com a acessibilidade riado para a Imigração e Minorias Étnicas.
de cidadãos com necessidades especiais O projecto Com as Minorias foi desenvolvi-
às modernas TIC, liderando a nível europeu do por sete associações de imigrantes na
as iniciativas nesta matéria. Área Metropolitana de Lisboa que funcio-
nam como pólos difusores.
O Programa Cidades Digitais
O Programa Cidades Digitais, lançado em A Iniciativa Nacional para o Comércio
1998, é um conjunto articulado de projec- Electrónico
tos centrados, numa primeira fase-piloto, No plano da promoção da Economia Digi-
em cidades pré-seleccionadas e hoje já tal, destaca-se a Iniciativa Nacional para o
aberto a outras cidades do país. Trata-se Comércio Electrónico.
de projectos demonstrativos cujas aplica- O regime jurídico dos documentos elec-
ções vão desde a melhoria da vida urbana trónicos e da assinatura digital veio a ser
ao combate à exclusão social, passando aprovado em decreto-lei a 2 de Agosto de
pelo combate à interioridade e pela melho- 1999. Portugal colocou-se, assim, entre os
ria da competitividade de sectores econó- três primeiros países europeus a definirem
micos integrados na economia digital. legislação explícita e inovadora sobre a
Na primeira fase do programa foram matéria, significativamente antes das pri-
aprovados os seguintes projectos: meiras iniciativas reguladoras da Comissão
— Aveiro; integração de serviços públi- Europeia.
cos por redes telemáticas para melhorar a Foi, também, aprovada a equiparação
vida urbana nas suas diversas vertentes, da factura electrónica emitida e transmitida
envolvendo um vasto número de agentes por via electrónica, à factura em papel, re-
locais; gulando igualmente a sua forma de conser-
— Marinha Grande; destinado à indústria vação.
dos moldes, visa, em parceria com as as- A par da generalização das práticas de
sociações representativas do sector, refor- comércio electrónico no tecido empresarial
çar a competitividade económica através português, o Estado também foi envolvido
de processos avançados de telecomunica- nesta dinâmica modernizadora, ao estimu-
ções e de novos serviços digitais e de co- lar-se a utilização do comércio electrónico
municação que permitam trabalho simultâ- por parte da administração pública.
neo de concepção e análise entre clientes
e fornecedores situados em pontos diver- A promoção do crescimento de conteúdos
sos do globo; portugueses na Internet
— Bragança; a colaboração entre vários Considerando essencial que Portugal tenha
agentes locais visa especialmente a cons- na Internet a máxima visibilidade e projec-

154
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

ção possíveis, foi definido como objectivo


estratégico multiplicar por mil os conteúdos
portugueses no ciberespaço, num prazo
curto.
Trata-se de um objectivo cuja concreti-
zação exige a mobilização nacional de re-
cursos e esforços. Considerando, porém,
a utilidade de que se reveste a informação
detida por entidades públicas, o governo
consagrou em Agosto de 1999 a obrigato-
riedade de as direcções-gerais e serviços
equiparados, bem como os institutos públi-
cos, disponibilizarem em formato digital na
Internet as respectivas publicações, os for- Projecto de ensino experimental de
estatística.
mulários que utilizam e ainda toda a infor-
mação que produzam e seja objecto de em língua portuguesa da informação dis-
publicação. ponível em formato electrónico noutras lín-
guas.
O Programa de I&D em Processamento Constituiu-se, também, um centro de re-
Computacional da Língua Portuguesa cursos para o processamento computacio-
Considerando que o desenvolvimento e a nal da língua portuguesa que mantém per-
disponibilidade de instrumentos computa- manentemente acessíveis na Internet um
cionais de tratamento da língua portuguesa catálogo de corpora, léxicos, dicionários e
escrita e falada, e a sua disponibilização ferramentas computacionais, um catálogo
no mercado mundial, é uma questão estra- de instituições, projectos e investigadores,
tégica para o próprio futuro da língua portu- uma lista de publicações, um serviço de
guesa e, simultaneamente, para o desenvol- acesso remoto a corpora de português, um
vimento económico e social em Portugal, foi repositório de teses e outros trabalhos,
iniciado um programa de investigação e de- um sistema de procura e um forum sobre
senvolvimento em processamento computa- assuntos relacionados com o processa-
cional da língua portuguesa. O programa a mento computacional da língua.
desenvolver em parceria com entidades Trata-se de um acervo sistemático e mui-
nacionais e estrangeiras visa a criação de to completo de recursos que, embora tra-
produtos de software, de tratamento da es- duzindo uma situação modesta relativa-
crita e da voz em português e a sua difusão mente à disponibilidade de materiais na
e utilização mundiais. Foram já abertos área e à dimensão da comunidade que ne-
concursos para projectos de I&D. la trabalha, situa Portugal entre os poucos
O programa tem como objectivos princi- países que dispõem de tão exaustiva infor-
pais desenvolver sistemas computacionais mação aberta, na Internet, sobre o proces-
que conheçam e reconheçam a língua por- samento computacional da sua língua. Os
tuguesa, permitindo compreender melhor a recursos existentes são claramente muito
estrutura da língua portuguesa, a sua evo- insuficientes, mas a sua inventariação, dis-
lução e relações com outras línguas, e ponibilização aberta e manutenção de ser-
desenvolver instrumentos de melhoria da viços de pesquisa e interligação fácil com
comunicação homem-máquina e da comu- os vários actores constitui um ponto de
nicação humana com o auxílio do computa- partida imprescindível para desenvolvi-
dor, e instrumentos de procura e acesso mentos futuros.

155
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Planeamento do desenvolvimento qualificação, a criação de emprego científi-


científico e tecnológico para 2000-2006 co, a inserção de doutorados nas empre-
A preparação do Livro Branco do Desenvol- sas e nas instituições científicas e tecnoló-
vimento Científico e Tecnológico Português gicas e o reforço das lideranças científicas.
(2000-2006), em particular os documentos Pretendem-se atingir os níveis médios eu-
e análises elaborados na sequência das ropeus de qualificação científica ampliando
avaliações de instituições científicas e e consolidando a dinâmica de crescimento
tecnológicas, as discussões e debates em dos últimos anos;
variadas sessões organizadas em vários — criar uma rede moderna e coerente de
pontos do país e o debate suscitado no instituições científicas, através do desen-
Forum Permanente da Política Científica e volvimento de uma rede coerente de insti-
Tecnológica, desde Julho de 1998, permi- tuições de C&T, devidamente articuladas
tiram uma participação alargada da comu- entre si e com o tecido social e económico,
nidade científica e tecnológica e de outros e embebidas nas redes europeias de C&T.
agentes sociais e económicos na identifi- Destaca-se neste contexto a criação da re-
cação das necessidades e oportunidades de de laboratórios associados, o lança-
de desenvolvimento científico e tecnoló- mento da Biblioteca Nacional de C&T em
gico no futuro próximo. Os resultados des- Rede [em 2003 designada Biblioteca do
te processo de planeamento e consulta Conhecimento Online (b-on)] e a previsão
vieram a integrar o Plano de Desenvolvi- de redes de Observação e Monitorização,
mento Regional para 2000-2006 e propos- suportadas por laboratórios de referência,
tas para o novo Quadro Comunitário de especialmente no domínio do controlo am-
Apoio. biental e da saúde pública;
O Programa Ciência, Tecnologia e Ino- — estimular a cooperação entre insti-
vação e o Programa Sociedade da Infor- tuições de I&D e empresas e criar uma re-
mação visaram responder aos pontos le- de de centros de valorização dos resulta-
vantados no processo descrito definindo dos da investigação científica, reforçando
os instrumentos de acção para desenvol- o impacte da investigação em consórcio
ver as condições do florescimento da so- entre empresas e instituições científicas
ciedade do conhecimento e da informação. com a abertura de concursos orientados,
De um ponto de vista financeiro, corres- nomeadamente com o lançamento de pro-
ponderam a mais do que duplicar para o gramas intersectoriais de carácter estrutu-
período 2000-2006 as dotações que estive- rante e maior alcance estratégico. Criar
ram disponíveis em 1994-1999. uma rede de centros de valorização, junto
O Programa Operacional Ciência, Tecno- às instituições científicas ligadas ao ensino
logia e Inovação (em 2004 designado Pro- superior, com uma forma organizativa ligei-
grama Operacional Ciência e Inovação) te- ra e permitindo uma melhor cobertura do
ve como orientação estratégica de médio espaço nacional. Apoiar a integração das
prazo vencer o atraso científico do país, oportunidades de I&D nos grandes progra-
aproximando-o da média dos países da mas de investimento público;
UE. Para além do aprofundamento das li- — pôr a tecnologia no mapa da cultura:
nhas de acção desenvolvidas e aplicadas Como Se Fazem as Coisas? Promover a
de 1995 a 1999 e descritas na secção an- ciência para todos, no âmbito do Programa
terior, foram previstos novos aspectos que Ciência Viva, a iniciativa Como Se Fazem
se indicam a seguir. as Coisas? estimulará, de forma organiza-
— formar, qualificar e criar emprego da à escala nacional, visitas guiadas às
científico, promovendo uma sólida base de empresas e outras instituições tecnológi-

156
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

Projecto de ensino experimental à distância.

cas, produção de materiais de apoio e di- cias básicas em tecnologias da informação


vulgação e disponibilização telemática de e associar um diploma de competências
conteúdos formativos relativos às tecnolo- básicas em tecnologias da informação à
gias e aos processos de produção. Impor- conclusão da escolaridade obrigatória, de
tante é ainda o estímulo ao desenvolvimento modo a que nenhum aluno a termine sem
de conteúdos de divulgação científica e tec- certificação de competências nessas tec-
nológica, designadamente para as redes te- nologias;
lemáticas e os media, com o objectivo de — aumentar a acessibilidade e os con-
promover o acesso da divulgação da ciên- teúdos em formato digital, criando condi-
cia a todos os cidadãos. ções para a generalização do uso de com-
O Programa Sociedade da Informação putadores e da Internet, a multiplicação
(em 2004 designado Programa Operacio- dos conteúdos portugueses na Internet, a
nal Sociedade do Conhecimento) foi orien- oferta maciça de produtos adaptados ao
tado para estimular a acessibilidade e a mercado familiar, a instalação de espaços
participação, assim como o desenvolvi- públicos de acesso à Internet em todas as
mento e a experimentação, estimulando freguesias do país e a disponibilização livre
ainda a coordenação estratégica das inter- de informação pública em formato digital,
venções sectoriais e regionais de promoção para uso de cidadania assim como para a
do uso social das tecnologias da informa- produção de conteúdos de valor acrescen-
ção. Este programa-base pressupôs a com- tado;
plementaridade com outros instrumentos e — promover a utilização e interconexão
programas sectoriais (na economia, edu- de redes de alto débito, através do lança-
cação e formação, saúde, cultura, trans- mento e execução do primeiro Plano Na-
portes, administração pública, justiça, am- cional das Auto-Estradas da Informação e
biente, etc.). As principais linhas de acção do estímulo à oferta, à interconexão, ao uso
foram as seguintes: e à regulação das redes de banda larga.
— desenvolver competências, através É importante ainda o programa de disponi-
do lançamento de um processo nacional bilização de uma rede de alto débito para
de formação e certificação de competên- fins científicos e educativos assim como

157
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

para demonstração de serviços novos de Esta iniciativa foi aprovada pelo governo
grande utilidade social (RCTS-2) e sua arti- com o objectivo de massificar o acesso e a
culação com os programas internacionais utilização da banda larga em Portugal, con-
(Programa Internet 2, etc.); tribuindo, por um lado, para «o aumento
— estender o Programa Cidades Digitais dos níveis de produtividade e a competitivi-
a todo o país, privilegiando os eixos da Ini- dade da economia nacional» e, por outro,
ciativa Nacional para a Sociedade da Infor- para «uma maior coesão social».
mação. As orientações referidas foram adopta-
das para a reprogramação do POSI, que
recebeu um apreciável reforço financeiro
A sociedade
em 2004, com base na reserva de progra-
da informação
mação aprovada nas negociações com a
e a ciência e a
Comissão Europeia em 2000, e passou
tecnologia no período
a designar-se Programa Operacional So-
2002-2005
ciedade do Conhecimento (POSC).
No âmbito do Programa Operacional So- As actividades da UMIC organizaram-se
ciedade da Informação (POSI) foi lançado em torno de iniciativas de carácter legislati-
em 2001 o concurso público para a gene- vo e em projectos específicos para atingir
ralização do Programa Cidades Digitais, e os objectivos enunciados na Iniciativa Na-
criados os primeiros espaços Internet pú- cional para a Banda Larga. As medidas le-
blicos, que ainda hoje são um dos mais im- gislativas cobriram áreas como o governo
portantes meios de acesso à Internet em electrónico, cidadãos com necessidades
Portugal. Também em 2001 foi aprovado o especiais, assinatura e factura electróni-
decreto-lei que criou o Diploma de Compe- cas, direitos de autor, dados pessoais e
tências Básicas em Tecnologias de Infor- privacidade, comércio electrónico, com-
mação, e a Comissão Interministerial para pras públicas electrónicas, acesso ao Diá-
a Sociedade de Informação lançou um rio da República, reutilização de informa-
concurso para avaliação dos sítios na Inter- ção pública e direitos para passagem de
net de organismos integrados na adminis- infra-estruturas de banda larga. Outras das
tração directa e indirecta do Estado. Muito medidas de natureza programática incluí-
em especial, todas as escolas do país es- ram a redefinição da linha de acção Cida-
tavam ligadas à Internet no final de 2001. des Digitais, que passou a designar-se Re-
Em Novembro de 2002 foi estabelecida a giões Digitais, o lançamento do Campus
Unidade de Missão Inovação Conhecimen- Virtual do ensino superior (e-U) e da b-on,
to (UMIC) para definir e orientar as políticas concretizando a Biblioteca Nacional de
da Sociedade de Informação e Governo C&T em Rede prevista em 1999 nos pro-
Electrónico em Portugal. O seu plano de gramas operacionais preparados para o
acção, aprovado em Junho de 2003, esta- Quadro Comunitário de Apoio III e prepara-
va assente em sete pilares de actuação: i) da de 2000 a 2003 pelo Observatório das
uma sociedade da informação para todos; Ciências e Tecnologias/da Ciência e do En-
ii) novas capacidades; iii) qualidade e efi- sino Superior, e vários programas no âmbi-
ciência dos serviços públicos; iv) melhor ci- to da administração pública (nomeada-
dadania; v) saúde ao alcance de todos; vi) mente através do portal do cidadão e da
novas formas de criar valor económico; e dinamização do sistema de compras públi-
vii) conteúdos atractivos. cas electrónicas).
A UMIC apresentou a Iniciativa Nacional Na área da ciência, o período 2002-2005
para a Banda Larga em Agosto de 2003. correspondeu a uma retracção do desen-

158
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

volvimento que se vinha sentindo desde ra aos laboratórios do Estado quando a


1995. A despesa em I&D, que em 2001 ti- Comissão Internacional recomendava mais
nha chegado a 0,85 % do PIB, desceu para autonomia.
0,78 % do PIB em 2003. O orçamento da O concurso anual para projectos Ciência
FCT, a preços constantes de 2003, decaiu Viva na Escola não deixou de ser aberto
de 2002 até 2004, descendo para 220 mi- depois de 2002. O Orçamento do Estado
lhões de euros, valor da ordem de grande- para o Programa Ciência Viva teve um cor-
za do orçamento dessa agência quatro te de 60 % de 2002 para 2003. Foi posta
anos antes, no ano 2000. Mas mais grave em causa a possibilidade de manter o prin-
ainda, a execução financeira efectiva da cipal Centro Ciência Viva — o Pavilhão do
FCT, a preços constantes, decresceu em Conhecimento, no Parque das Nações, em
2002 e 2003 a ponto de neste último ano Lisboa.
ter sido inferior ao que tinha sido cinco
anos antes, em 1998. As dotações orça-
Ciência, tecnologia,
mentais públicas para actividades de I&D
sociedade da informação
relativamente ao PIB indicam que em 2005
e qualificação de
Portugal (0,73 %) se situava um pouco
recursos humanos no
abaixo da média da UE25 (0,74 %) e da
centro da estratégia
UE15 (0,76 %), mas muito abaixo de países
política
como a França (0,94 %) e a Finlândia
(1,04 %) (Eurostat, 2006). No âmbito das eleições legislativas de
A despesa em I&D nas empresas de- 2005 foi proposto um ambicioso Plano Tec-
cresceu de 0,27 % do PIB em 2001 para nológico com as seguintes linhas de orien-
0,26 % do PIB em 2003. O sistema de in- tação: convocar Portugal para a sociedade
centivos fiscais à I&D empresarial foi des- da informação, imprimir um novo impulso à
continuado em 2003. inovação empresarial, vencer o atraso
O número de bolsas atribuídas para dou- científico e tecnológico e qualificar os re-
toramento e pós-doutoramento diminuiu cursos humanos.
significativamente, assim como as bolsas No final de Julho de 2005 foi lançada a
de investigação atribuídas no âmbito de iniciativa Ligar Portugal, que estabelece as
projectos e unidades de I&D. Foi interrom- orientações gerais para as políticas de pro-
pido o estímulo à inserção de doutorados moção da sociedade da informação em
nas instituições de I&D e foi abrandada a Portugal com o horizonte de 2010, e res-
inserção de doutorados nas empresas. ponde aos desafios colocados pela inicia-
A contratação de investigadores no âmbito tiva da Comissão Europeia i2010 — Socie-
dos programas de apoio às instituições de dade de Informação Europeia para o
I&D (unidades de I&D, laboratórios do Es- Crescimento e Emprego. Os seus objecti-
tado e laboratórios associados) foi fragili- vos gerais incluem: promover uma cidada-
zada por atrasos e reduções de financia- nia moderna, garantir a competitividade
mento. do mercado nacional de telecomunica-
Foram interrompidos os Projectos de ções, assegurar a transparência da admi-
Apoio à Reforma dos Laboratórios do Esta- nistração pública, promover a utilização
do previstos no Quadro Comunitário de crescente das TIC pelo tecido empre-
Apoio III, inactivada a Comissão Interna- sarial, assegurar o desenvolvimento de
cional de Aconselhamento e Avaliação, novas empresas de base tecnológica, es-
suspensa a concretização das suas reco- timular o desenvolvimento científico e tec-
mendações e retirada autonomia financei- nológico.

159
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Entre as múltiplas áreas a explorar como — em Novembro de 2005 foi aprovado


particularmente apropriadas a beneficiar um sistema de deduções fiscais para facili-
de um aproveitamento intenso das TIC sa- tar a compra de computadores por famílias
lientam-se: a modernização e abertura do com estudantes, por dedução fiscal até
ambiente escolar; a modernização da ad- 250 euros e metade do custo de computa-
ministração pública; a distribuição de in- dor e ligação de terminal, numa aquisição
formação de interesse público, designa- realizada num período de três anos a partir
damente sobre riscos públicos, ambiente, de 1 de Dezembro de 2005;
segurança alimentar, saúde, ou seguran- — em 2005/2006, no âmbito da Equipa
ça interna; a sistematização de rotinas de de Missão Computadores, Redes e Internet
monitorização e acompanhamento para na Escola (CRIE) houve mais de 11 000
correcção de políticas e actualização de actividades dirigidas à construção de por-
acções. tefólios electrónicos, 11 600 à construção
No programa Ligar Portugal é sublinhado de páginas da escola na Internet, 5400 a
que as oportunidades proporcionadas pe- projectos em colaboração, com o envolvi-
las TIC devem contribuir para qualificar as mento de 18 instituições do ensino supe-
organizações portuguesas elevando-as rior, 18 centros de recursos virtuais, 6583
aos níveis de exigência, eficiência, compe- escolas (89 % de todas as escolas do
tência e produtividade dos países mais de- 1.o ciclo), 17 417 professores, 967 monito-
senvolvidos, posicionando-nos colectiva- res, 175 111 alunos, 27 517 visitas a esco-
mente como uma sociedade onde: las com uma duração conjunta de cerca de
— o conhecimento e a informação são 137 000 horas, tendo sido atribuídos no
valores culturais, sociais e económicos fun- seu âmbito mais de 71 274 diplomas de
damentais; competências básicas em TIC, dos quais
— se promove a inclusão social de todos mais de ¾ a alunos do 4.o ano de escolari-
os cidadãos, a colaboração entre pessoas dade, mas também a 2207 professores;
e instituições, o trabalho cooperativo em — também em 2005/2006, a CRIE pro-
rede; moveu a formação de formadores de pro-
— o desenvolvimento tecnológico se tor- fessores em TIC, envolvendo 573 partici-
na um poderoso instrumento de criação de pantes, 228 entidades formadoras, 34
riqueza, crescimento económico e empre- acções de formação, 18 centros de Com-
go, e é elemento crucial da competitivida- petência em TIC com plataforma colabo-
de do sector empresarial nacional; rativa Moodle, e também promoveu a for-
— a apropriação social das TIC é asso- mação de 15 109 professores, em 175
ciada a uma cultura de verdade e transpa- projectos, e a disseminação da utilização
rência, de avaliação lúcida e objectiva, de de plataformas colaborativas Moodle a
liberdade de expressão e acesso à infor- 2940 professores. Também foram apetre-
mação, de eficiência organizativa e de chadas 1309 salas de TIC com 19 635
abertura internacional. computadores, em 1159 escolas;
Mencionam-se algumas concretizações — em 2006, a iniciativa Escolas, Profes-
das orientações da iniciativa Ligar Portugal sores e Computadores Portáteis do Ministé-
(UMIC, 2006): rio da Educação reforçou 1100 escolas com
— em Janeiro de 2006 ficaram ligadas 26 000 computadores portáteis para cerca
em banda larga todas as escolas públicas de 11 600 professores e para actividades
do 1.o ao 12.o ano, com excepção de um práticas com cerca de 200 000 alunos;
pequeno número das que iam deixar de — em 2005/2006 foram criados 32 cur-
funcionar no Verão de 2006; sos de especialização tecnológica (CET)

160
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

em TIC, envolvendo 16 escolas do ensino gurar um anel redundante de ligação em


superior, em 11 localidades; fibra, com vantagens mútuas em termos de
— em 2005, o número de instituições do aumento da ligação internacional em ban-
ensino superior com redes sem fios no âm- da larga e de segurança de persistência
bito da iniciativa e-U passou de 8 para 57, de ligações se houver um corte na linha.
chegando a uma cobertura de 85 % de to- Os concursos para aquisição destas insta-
do o ensino superior, um conjunto de esco- lações já foram abertos. Estas ligações vão
las com mais de 300 000 estudantes que finalmente permitir ligar a RCTS à rede
inclui todas as instituições públicas de en- GÉANT2 da União Europeia a 10 Gbps, re-
sino superior. Dado que esta rede tem roa- solvendo o problema que se arrastava há
ming interinstitucional, ficou assegurada a vários anos de Portugal ser o único país da
integração de todas as universidades e po- UE15, com a excepção da Grécia, que não
litécnicos num campus virtual único; tinha acesso a esta largura de banda para
— organizou-se a Rede de Espaços In- ligação às redes de investigação e educa-
ternet, que tem por objectivo integrar numa ção dos outros países. Também está em
comunidade organizada o actual conjunto preparação a extensão da fibra óptica da
de 840 espaços Internet em efectivo fun- RCTS a todas as capitais de distrito, permi-
cionamento em vários pontos no país com tindo assegurar este tipo de ligação a to-
vários tipos de origem que constituem a das as instituições do ensino superior pú-
mais ampla rede de locais de acesso públi- blico;
co gratuito na Europa onde se disponibiliza — o número de registos de domínios na
regularmente a utilização de computadores Internet em .pt cresceu 36 % do início ao
e da Internet, com apoio por pessoal pró- fim de 2005, tendo atingido cerca de
prio (monitores); 80 000 domínios. Em Março de 2006 entra-
— em 2005 foi mais que duplicada a lar- ram em vigor novas regras com o objectivo
gura de banda das ligações internacionais de facilitar o registo de domínios e permitir
à RCTS, atingindo 2,5 Gbps, e a largura reduzir em 40 % os custos de registo ao
de banda entre Lisboa e Braga passou de passar-se para um sistema de registo total-
1 Gbps para 10 Gbps, em consequência mente online. Estas alterações permitiram
da instalação e aquisição pela FCCN de em Agosto de 2006 ultrapassar 100 000
uma ligação em fibra óptica entre as duas domínios registados, antecipando a meta
cidades, o que permitiu assegurar ligações estipulada para o final de 2006. Foi, tam-
a 10 Gbps às sete maiores universidades bém, assegurado o registo automático de
— de Lisboa, Técnica de Lisboa, Nova de domínios .pt para empresas constituídas
Lisboa, de Coimbra, de Aveiro, do Porto e pelo sistema Empresa na Hora e Empresa
do Minho — e, portanto, a 60 % do sistema Online;
do ensino superior e a 78 % das universi- — a b-on disponibiliza o acesso ilimitado
dades com unidades de investigação apro- e permanente nas instituições de investiga-
vadas pela FCT, e ainda alargar a banda ção e do ensino superior aos textos inte-
das ligações aos institutos politécnicos do grais de mais de 16 750 publicações cientí-
Porto e Coimbra; ficas internacionais de 16 editoras, através
— na Cimeira Portugal-Espanha de No- de assinaturas negociadas a nível nacional
vembro de 2005 ficou acordado que os com essas editoras. Em 2005, o número de
dois países completariam as suas redes de artigos descarregados por utilizadores
educação e investigação em fibra óptica desta biblioteca foi de 3,4 milhões, quando
até às respectivas fronteiras Alentejo-Extre- em 2004 tinha sido 2,1 milhões, números
madura e Minho-Galiza, de forma a asse- que ilustram uma utilização muito elevada;

161
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

— em Abril de 2006 foi lançada a Iniciati- tando o acesso gratuito ao Diário da Repú-
va Nacional GRID. Presentemente estão li- blica integral na Internet e permitindo
gados em GRID mais de 2000 computado- poupar 27 toneladas de papel por dia;
res, estando previsto o seu alargamento — em 2006, além de uma reorganização
para 5000 a breve trecho. A FCT abriu um destinada a facilitar a utilização pelos cida-
concurso público para projectos no âmbito dãos, o Portal do Cidadão passou a inte-
desta iniciativa; grar uma Plataforma de Pagamentos Elec-
— foi assegurada a adaptação para Por- trónicos que, entre outras possibilidades,
tugal das Licenças Creative Commons que permite emitir referências para pagamen-
permitem a partilha aberta de conhecimen- tos pelo Multibanco e, portanto, também a
to e obras pelos seus autores de uma for- partir de casa ou do trabalho através de
ma simples, eficaz e muito flexível, disponi- homebanking. A utilização do Portal do Ci-
bilizando um conjunto de licenças-padrão dadão cresceu significativamente do prin-
que garantem protecção e liberdade, com cípio ao fim de 2005, nomeadamente 46 %
alguns direitos reservados. A versão portu- em tráfego, 32 % em sessões e 29 % em vi-
guesa destas licenças foi lançada a 13 de sitantes únicos;
Novembro de 2006; — o Portal da Empresa foi disponibiliza-
— foi iniciado em meados de 2005 o pro- do publicamente no final de Junho de
jecto de desenvolvimento do cartão do ci- 2006. Entre outros serviços, ficaram dispo-
dadão com o objectivo de começar a ser níveis a criação completa de uma empresa
disponibilizado em 2007, permitindo a Por- pela Internet — Empresa Online —, um
tugal integrar o grupo dos primeiros países consultório electrónico para assuntos rela-
da UE a disponibilizarem um cartão de cionados de actividade empresarial em
identificação electrónico e ser um dos paí- que as respostas a solicitações são asse-
ses com mais serviços desmaterializados guradas pelo Instituto de Apoio às Peque-
que utilizam este tipo de cartões; nas e Médias Empresas e ao Investimento
— o passaporte electrónico português foi e o Dossier Electrónico da Empresa, onde
disponibilizado em 28 de Agosto de 2006, os vários processos de cada empresa
depois de o respectivo projecto ter sido ini- com a AP são reunidos e disponibilizados
ciado apenas no 2.o trimestre de 2005, per- de forma fácil e segura aos sócios da em-
mitindo a Portugal recuperar o atraso a presa;
ponto de ser o 11.o país da UE a emitir pas- — do início ao fim de 2005 verificou-se o
saportes electrónicos; alargamento significativo do Programa Na-
— o Sistema de Certificação Electrónica cional de Compras Electrónicas (PNCE): o
do Estado foi criado em Junho de 2006, na número de processos de agregação e ne-
sequência de um processo iniciado em No- gociação realizados passou de 27 para 52,
vembro de 2005, com o objectivo de asse- o número de organismos envolvidos pas-
gurar a emissão e gestão de assinaturas sou de 19 para 370 e o número de catego-
electrónicas na administração pública, as- rias de produtos consideradas passou de
segurando o funcionamento de uma infra- quatro para 12. Em 2006, o PNCE foi esten-
-estrutura de chaves públicas (PKI — Public dido a todos os ministérios e generalizado
Key Infrastructure) própria, o que, além de no seio de cada ministério, contando já
outras aplicações, vai permitir a desmateria- com o envolvimento de cerca de 800 orga-
lização completa do processo legislativo; nismos e com a realização de mais de 94
— em Junho de 2006 foi substituída a processos de agregação e negociação.
publicação do Diário da República em pa- Têm sido constituídas unidades ministeriais
pel pela sua publicação electrónica, facili- de compras que centralizam os processos

162
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

de compra ao nível dos correspondentes — a utilização de computadores pela po-


ministérios e foi constituída a Agência Na- pulação com nível educacional secundário
cional de Compras Públicas, que irá iniciar e superior é das mais elevadas da UE25,
funções em 2007; respectivamente 87 % e 91 %;
— o valor total negociado no PNCE desde — a utilização de Internet pela popula-
o início do programa já atingiu 40 milhões ção com nível educacional secundário e
de euros, com cerca de 20 % de poupança. superior é das mais elevadas da UE25, res-
Do início ao fim de 2005 verificou-se um pectivamente 80 % e 87 %;
crescimento de 33 % no valor total negocia- — verificou-se de 2005 para 2006 um
do no programa em relação à soma dos crescimento de 32 % nos organismos da
dois anos anteriores, e só no 1.o semestre administração pública central com ligações
de 2006 o valor das compras públicas elec- em banda larga superiores a 2 Mbps;
trónicas foi cerca do dobro da soma dos — verificou-se de 2005 para 2006 um
três anos anteriores, o que ilustra a recente crescimento de 68 % das câmaras munici-
aceleração da evolução do programa; pais com ligações em banda larga superio-
— o governo determinou em Agosto de res a 2 Mbps;
2005 que a administração pública deve — verificou-se no último ano um cresci-
adoptar a emissão e o recebimento prefe- mento de 40 % nas câmaras municipais
rencial de facturas electrónicas a partir do com fóruns de discussão entre o executivo
início de 2007. Foi preparada por um grupo camarário e os cidadãos na Internet;
de trabalho, com a participação de entida- — verificou-se um crescimento anual
des da administração pública e individuali- médio de 2004 para 2006 de 118 % nos
dades da sociedade civil, a revisão de pro- hospitais com ligações em banda larga su-
jectos de legislação relativos à factura periores a 2 Mbps;
electrónica e a elaboração de um Guia da — os sítios de hospitais na Internet com
Factura Electrónica. Entre Julho e Novem- informação sobre prevenção e cuidados
bro, decorreram projectos-piloto com o en- de saúde duplicaram de 2004 para 2006
volvimento de dezenas de entidades públi- (agora em 50 % dos sítios);
cas de quase todos os ministérios, várias — os sítios de hospitais na Internet com
entidades prestadoras de serviços de fac- indicações sobre procedimentos em caso
turação electrónica e vários fornecedores. de emergência médica quadruplicaram de
Com estes projectos-piloto demonstrou-se 2004 para 2006 (agora 30 % dos sítios);
concretamente o funcionamento de vários — um terço dos hospitais fez encomen-
sistemas de recepção e emissão de factu- das online em 2005, dos quais um terço
ras electrónicas pela administração pública também efectuou pagamentos online;
e uma filosofia de partilha de serviços com — 96 % das grandes empresas, 83 %
sede nas secretarias-gerais dos vários mi- das médias empresas e 59 % das peque-
nistérios que permite formas práticas de nas empresas estão ligadas à Internet por
generalização de facturas electrónicas em banda larga; no ranking da UE25 para as
toda a administração pública, sendo que grandes empresas Portugal está no 2.o lu-
as entidades envolvidas nos projectos- gar (com outros dois países);
-piloto já permitem a adopção de facturas — 48 % das grandes empresas, 31 %
electrónicas para os organismos de todos das médias empresas e 25 % das peque-
os ministérios envolvidos. nas empresas utilizam a Internet ou outras
Relativamente à observação e benchmar- redes electrónicas para efectuar e/ou re-
king da sociedade da informação, desta- ceber encomendas de bens e/ou ser-
camos: viços;

163
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

— Portugal subiu muito no Ranking de — apostar na internacionalização, na exi-


Disponibilização Completa Online de Servi- gência e na avaliação;
ços Públicos Básicos, de Outubro de 2004 — apostar na valorização económica da
para Abril de 2006: i) de 15.o para 11.o nos investigação;
28 países da UE25 + Noruega, Islândia e A concretização desta iniciativa envolve
Suíça; ii) de 13.o para 10.o na UE25; iii) de reforçar já o orçamento público de C&T pa-
11.o para 7.o na UE15. Estes dados da últi- ra 2007, com 250 milhões de euros mais do
ma avaliação da disponibilização online que em 2006 (aumento de 77 % do finan-
dos serviços públicos básicos, relativos a ciamento competitivo do sistema de C&T
Abril de 2006, foram disponibilizados pela pela FCT).
Comissão Europeia a 29 de Junho de 2006. Entre as medidas da iniciativa Compro-
De Outubro de 2004 a Abril de 2005, Portu- misso com a Ciência para o Futuro de Por-
gal ultrapassou no indicador de disponibili- tugal, referem-se algumas das suas primei-
zação completa a Alemanha, a Espanha, a ras concretizações:
Irlanda, a Islândia e a Itália, e no indicador — lançamento em Abril de 2006 dos pri-
de sofisticação a Espanha, a Holanda, a Is- meiros concursos para contratos-programa
lândia e a Itália. Os valores de Portugal nos com instituições científicas, públicas ou pri-
dois indicadores são agora superiores à vadas, visando o financiamento de contra-
média dos países em todos os grupos con- tos individuais de trabalho de investigação
siderados. A subida de Portugal foi a 5.a para doutorados através de competição
maior dos 28 países nos dois indicadores; aberta e avaliação internacional de mérito.
— de acordo com o Eurostat, no envio de Os contratos-programa permitirão a contra-
formulários electrónicos a organismos pú- tação nova de pelo menos 1000 doutora-
blicos em países da UE15, Portugal encon- dos até 2009 e serão orientados com vista
tra-se entre os cinco primeiros na percenta- ao reforço de massas críticas ou à criação
gem de indivíduos e entre os três primeiros de novas equipas, assim como à mobilida-
na percentagem de empresas; de dos investigadores;
— a entrega de declarações de IRS pela — aumento em 60 % do número de no-
Internet em 2006 ultrapassou 2,2 milhões, vas bolsas de doutoramento e pós-douto-
um valor muito elevado em âmbito interna- ramento e antecipação de cinco meses do
cional, dado que corresponde a mais de início das bolsas do concurso aberto em
40 % da população activa; todo o IVA é tra- 2006;
tado exclusivamente pela Internet. — criação em 2006/2007 de um progra-
Em Março de 2006 foi lançada a iniciati- ma de doutoramento em investigação clíni-
va Compromisso com a Ciência para o Fu- ca associado aos estágios da carreira mé-
turo de Portugal. Com metas ambiciosas já dica, com o objectivo de envolver 300
para 2009, esta iniciativa adopta as seguin- doutorandos até 2009 e criar bolsas de in-
tes cinco grandes orientações: tegração na investigação (em centros de
— apostar no conhecimento científico e I&D reconhecidos) de estudantes de mes-
na competência científica e técnica, medi- trado e licenciatura;
dos ao mais alto nível internacional; — criação do Laboratório Internacional
— apostar nos recursos humanos e na Ibérico de Nanotecnologia, sediado em
cultura científica e tecnológica; Braga, como organização internacional de
— apostar nas instituições de I&D, públi- excelência promovida por Espanha e Por-
cas e privadas, no seu reforço, responsabi- tugal, mas aberta à adesão ulterior de ou-
lidade, organização e infra-estruturação em tros países, prevista para 200 investigado-
rede; res a serem recrutados internacionalmente;

164
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

— criação de quatro novos laboratórios e técnico internacional para acompanha-


associados nas áreas de nanotecnologia e mento da reforma;
energia e transportes; — apoio à criação de 75 novas empre-
— criação da rede de parcerias inter- sas de base tecnológica, spin offs de uni-
nacionais de C&T de grande dimensão, versidades, desde meados de 2005;
compreendendo instituições de ensino su- — criação de 22 centros de valorização
perior e de investigação, assim como em- de resultados de investigação e transferên-
presas, em associação com organizações cia de ideias e conceitos inovadores para o
científicas internacionais, universidades tecido empresarial que integram uma rede
estrangeiras e outras entidades científicas que opera em instituições do ensino supe-
e tecnológicas de excelência mundial. rior, incluindo todas as 14 universidades
A primeira destas parcerias foi o Progra- públicas;
ma MIT-Portugal, a que se seguiram acor- — criação de nove redes de colaboração
dos de parceria com a Carnegie Mellon com objectivos de excelência e o desenvol-
University e a Universidade do Texas em vimento de clusters de inovação e conheci-
Austin; mento que integram empresas, centros e
— reforma dos laboratórios do Estado institutos de investigação, universidades,
com base nas recomendações de um gru- politécnicos, centros tecnológicos, organis-
po internacional de trabalho: cinco labora- mos públicos e associações empresariais,
tórios do Estado foram extintos ou integra- as quais envolvem 158 entidades, incluin-
dos noutras instituições; dois foram criados do 87 empresas;
(Laboratório Nacional de Energia e Geolo- — retomou-se a realização de concursos
gia, Laboratório de Recursos Biológicos para projectos Ciência Viva nas escolas,
Nacionais); foi concedido o estatuto de la- com a aprovação em 2006 de cerca de 900
boratório do Estado ao Instituto de Medici- projectos. Realizaram-se cerca de 700 es-
na Legal; foi decidida a instituição do mo- tágios de estudantes em laboratórios de in-
delo inovador de consórcio de I&D, com a vestigação durante os meses de Verão de
natureza de entidade privada sem fins lu- 2006. A Ciência Viva no Verão mobilizou
crativos, articulando laboratórios do Esta- milhares de portugueses, nos meses de
do, laboratórios associados, empresas e Agosto e Setembro, nomeadamente em ac-
outras entidades nacionais ou estrangeiras, tividades de astronomia, biologia, geologia,
começando com a constituição de quatro visitas a faróis e engenharia. Procedeu-se à
consórcios (BIOPLIS para biologia e bio- actualização e expansão da Rede de Cen-
tecnologia, Física-N para física nuclear e tros Ciência Viva, que agora tem 13 centros
de altas energias e computação distribuí- em vários pontos do país, estando prevista
da, RISCOS para prevenção e mitigação a abertura de mais cinco até final de 2008.
de riscos naturais e ambientais, OCEANO O sistema de incentivos fiscais à I&D em-
para oceanografia); foi criado o Centro In- presarial, descontinuado em 2003, foi reto-
ternacional de Vulcanologia nos Açores; foi mado e reforçado em 2005, colocando no-
criado na FCT um Programa Mobilizador vamente Portugal entre os países da OCDE
dos Laboratórios do Estado, centrado no com sistemas mais significativos de incen-
apoio ao desenvolvimento de núcleos e re- tivos fiscais às actividades de I&D em em-
des de I&D, no seu envolvimento em par- presas.
cerias nacionais e internacionais e na mo- Sabe-se que o aumento significativo do
bilização competitiva das capacidades de orçamento público para C&T de 2005 para
I&D mais relevantes em cada instituição; foi 2006 (11 %) e o aumento ainda maior de
decidida a criação de um comité científico 2006 para 2007 (22 %) iniciaram a retoma

165
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

do crescimento do financiamento das acti- manos e em investimento público em C&T.


vidades de I&D. É, ainda, necessário ajustar os valores da
Depois de um decréscimo entre 2002 e despesa em I&D por investigador e asse-
2003, as dotações públicas para C&T vol- gurar o crescimento da despesa de I&D
taram a crescer mas só em 2005 chegaram nas empresas, mas no essencial pode di-
ao valor que tinham tido três anos antes, a zer-se que o dinamismo e o ritmo de cres-
preços constantes, tendo depois crescido cimento mantidos no período 1995-2001 e
acentuadamente para 2006 e para 2007. retomados desde 2005 constituíram um
A partir de 2004, o orçamento da FCT teve motor que nos poderá colocar em 2010
aumentos significativos, embora só em muito próximo dos restantes países da Eu-
2006 tenha ultrapassado o valor que tinha ropa.
tido em 2002. No âmbito da iniciativa Com- Fragilidades crónicas das instituições
promisso com a Ciência para o Futuro de científicas, escassez e instabilidade nas
Portugal, a FCT teve um crescimento orça- dotações públicas para C&T, concentração
mental para 2007 muito elevado, com o seu geográfica e fraca participação das empre-
orçamento a atingir 543 milhões de euros, sas nas actividades de investigação come-
a preços correntes. çam também a ser ultrapassadas.
Mas o crescimento sustentado não se al-
cança automaticamente. Aos progressos
O desafio de ultrapassar
registados é necessário adicionar um es-
os obstáculos no caminho
forço continuado, sem abrandamentos.
da sociedade do
A falta de persistência pode fazer correr
conhecimento
riscos graves, como aconteceu com a in-
Portugal poderá dispor em 2010 de um sis- terrupção do crescimento do investimento
tema científico de dimensão equivalente à em C&T em 1992-1995 e, depois, em 2002-
média dos países da UE em recursos hu- -2005.

Dotações orçamentais da JNICT/FCT+ICTT/GRICES


(milhões de euros, preços constantes de 2007)
550

500

450

400

350

300

250

200

150

100

50

0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: OCT/OCES. Dotações orçamentais da JNICT até 1997, da FCT de 1998 a 2007, a que foram acrescidas
as dotações orçamentais do ICCTI de 1998 a 2002 e do GRICES de 2003 a 2006 (as funções de cooperação in-
ternacional em C&T passaram da JNICT para o ICCTI em 1997, transitaram deste para o GRICES em 2003 e pa-
ra a FCT em 2007).

166
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

Na verdade, são vários e difíceis os obs- contratação de investigadores e de técni-


táculos que é necessário vencer no futuro cos de apoio à investigação. É necessário
imediato em Portugal para se atingir o de- ultrapassar as dificuldades que se obser-
senvolvimento científico e tecnológico vam na contratação de investigadores,
avançado necessário para obter os eleva- abrindo oportunidades para jovens cientis-
dos benefícios da sociedade do conheci- tas e a possibilidade de rejuvenescimento
mento e da informação: das equipas de investigadores com estabi-
— disponibilidade apropriada de tempo lidade contratual. O baixo número de técni-
de docentes universitários para a investiga- cos envolvidos no apoio às actividades de
ção. Alguns dos principais obstáculos que investigação em Portugal constitui outro
é necessário ultrapassar, sublinhados nas obstáculo cuja ultrapassagem não se situa
avaliações internacionais dos institutos e apenas ao nível dos recursos financeiros e
centros de investigação associados às uni- das oportunidades de formação, parecen-
versidades, situam-se ao nível da gestão do requerer formas flexíveis de enquadra-
universitária. Em particular, é necessário mento e contratação;
que, ao contrário do que se verifica presen- — inserção rápida e flexível de jovens
temente, a excelência científica dentro das doutorados. A inserção rápida e flexível de
universidades tenha representação e de- jovens doutorados nas várias entidades
termine de forma decisiva a gestão das com actividades de I&D, públicas e priva-
universidades, ou seja, que a ciência assu- das, é crítica para a evolução do sistema
ma um lugar na orientação das universida- científico e tecnológico. O sistema universi-
des. É essencial uma gestão moderna e tário encontra-se, em algumas instituições,
eficiente dos recursos humanos docentes ainda fortemente carente deste tipo de re-
e discentes, em termos do impacte final cursos, comparativamente ao que se verifi-
dos resultados das actividades universitá- ca em muitos dos países da OCDE, mas as
rias nas componentes de ensino/aprendi- carências são mais evidentes nos institutos
zagem, investigação e prestação de servi- politécnicos, nas empresas e nos laborató-
ços à sociedade. Elevadas cargas lectivas rios do Estado. Enfrentam-se obstáculos de
e prolongados períodos escolares de aulas natureza institucional e estrutural que é ne-
e exames constituem sérias limitações a cessário remover. É de salientar que não
uma disponibilidade apropriada para acti- se trata apenas de oportunidades de con-
vidades de investigação, num contexto tratação, mas também de efectivas oportu-
competitivo global, sem que se revelem nidades para trabalho de investigação com
funcionais em termos de oportunidades de tempo apropriado e de alta produtividade,
aprendizagem acrescidas. Este ponto as- para a afirmação de percursos científicos e
sume maior relevo quando se tem em con- tecnológicos próprios e para a liderança de
ta o muito elevado peso dos doutorados a actividades de I&D ao alcance dos douto-
trabalhar nas universidades ou em insti- rados mais novos. Não se devem subesti-
tuições privadas sem fins lucrativos a elas mar as dificuldades de equilíbrio institucio-
associadas em relação ao total do país, nal associadas ao influxo acentuado de
pois fica então claro que a eficiência do novos investigadores e à substituição de li-
sistema científico e tecnológico nacional deranças. Estas dificuldades terão de ser
depende de forma crítica da disponibilida- resolvidas nos próximos anos para que as
de de tempo de docentes universitários pa- oportunidades que resultam da jovem e di-
ra actividades científicas e tecnológicas e nâmica força de trabalho científico que se
da eficiência da investigação universitária; tem constituído sejam adequadamente
— formas flexíveis de enquadramento e aproveitadas;

167
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

— mobilidade institucional dos investiga- senta valores muito baixos relativamente à


dores. Um outro obstáculo de monta é o maioria dos países da UE e da OCDE. Este
que se depara à mobilidade de investiga- é um obstáculo que não pode ser ultrapas-
dores entre diferentes instituições e secto- sado num período curto, mas que está sub-
res. Sabendo-se a importância da diversi- jacente à baixa qualificação média dos re-
dade de experiências e da expansão de cursos humanos em todos os sectores da
redes de relações pessoais numa socieda- actividade económica, em particular nas
de do conhecimento e da informação, esta empresas. A inovação e a incorporação de
questão assume uma importância crucial. conhecimento nas várias actividades eco-
No entanto, a mobilidade em Portugal é di- nómicas e sociais ficam claramente limita-
minuta. É, portanto, essencial remover os das por esta situação. Ultrapassar este
obstáculos à mobilidade de docentes e in- obstáculo, com níveis de qualidade de for-
vestigadores entre universidades dos vá- mação superior elevados, constitui um
rios pontos do país, e entre universidades, enorme desafio;
empresas, laboratórios do Estado e institu- — enraizamento social e robustez do de-
tos politécnicos; senvolvimento científico e tecnológico. Aos
— reforço do investimento privado em aspectos referidos, é necessário acrescen-
C&T. No que respeita ao investimento pri- tar o factor anteriormente identificado como
vado em ciência e tecnologia, as expectati- de fragilidade do desenvolvimento científico
vas devem ter em conta que Portugal não e tecnológico. Efectivamente, a vulnerabili-
dispõe de uma indústria dependente da in- dade deste desenvolvimento a alterações
vestigação científica, e que não é previsível políticas, revelada há bem pouco tempo e
que venha a dispor a curto prazo, seja por já ilustrada neste texto, mostra que o de-
deslocação das indústrias actualmente senvolvimento presente se encontra de-
noutras localizações geográficas seja por pendente de orientações políticas, da mili-
alteração profunda da actual estrutura in- tância de vários actores e de um ambiente
dustrial. Apesar de a evolução mais recen- geral de reconhecimento da importância
te no sector empresarial relacionado com do investimento no desenvolvimento cientí-
altas tecnologias e com a constituição de fico que foi possível constituir, e que, em
novas empresas inovadoras ser muito ani- conjunto, formam uma conjuntura favo-
madora, o baixo peso relativo do sector pri- rável.
vado nas despesas de I&D traduz, sem dú- Numa fase em que não está assegurada
vida, um obstáculo de monta que necessita a estabilidade e o enraizamento social
de ser progressivamente ultrapassado. Da- profundo do sistema de C&T, não é claro
do que o investimento em I&D depende es- que este sistema, deixado a si próprio em
sencialmente dos recursos humanos de condições mais habituais, não regrida
I&D, um aumento significativo do investi- mesmo no que respeita aos seus presen-
mento privado em C&T está essencialmen- tes pontos de apoio fundamentais: avalia-
te ligado à capacidade e ao interesse de ção independente por pares qualificados,
aumentar significativamente os recursos rigor e estabilidade de procedimentos,
humanos de I&D em empresas; transparência dos processos de decisão,
— formação superior de elevada quali- ampla e aberta informação pública, refor-
dade para uma fracção maior da popula- ço da internacionalização, convergência
ção. A um nível mais geral encontramos o dos níveis de financiamento para os valo-
obstáculo, já sublinhado anteriormente, da res observados nos países mais avança-
baixa qualificação geral da população por- dos, ligação do sistema científico à inova-
tuguesa, onde a formação superior apre- ção empresarial, ao desenvolvimento da

168
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A sociedade do conhecimento e da informação

sociedade da informação, à educação e grandes e rápidas mudanças institucio-


científica e à difusão da cultura científica e nais.
tecnológica, aprofundamento das parce- Os problemas que se enfrentam são ain-
rias com outros actores sociais (escolas, da grandes e de resolução complexa.
empresas, autarquias, outras entidades A novidade, porém, é que há bem poucos
da administração pública, etc.). Esta re- anos o atraso era enorme e não se adivi-
ferência, mantida na íntegra a partir da nhava sequer que a ciência, a tecnologia, a
edição deste texto em 2000, não só se re- sociedade da informação e a qualificação
velou premonitora como, infelizmente, pa- de recursos humanos assumissem o papel
rece manter a actualidade. central na estratégia política nacional e que
Em suma, como se referiu no início, en- fosse possível ambicionar num prazo relati-
contramo-nos perante uma janela estreita vamente curto o desenvolvimento científico
que dá acesso às oportunidades da socie- e tecnológico que se encontra agora ao al-
dade e economia do conhecimento. Para cance, se soubermos ultrapassar os obstá-
as aproveitar é necessária a contribuição culos que ainda se encontram no nosso ca-
empenhada de todos os actores e insti- minho para a sociedade e a economia do
tuições do sistema científico e tecnológico conhecimento.

169
Sociedade
O desporto
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Ilídio Trindade

A leste algo de novo

O motorista do autocarro baixou o


som do rádio, falou com o intér-
prete e deu a novidade: «Há uma
revolução em Portugal!»
A equipa de futebol do Sporting deixava
des resultantes de uma revolução: as fron-
teiras estavam fechadas e a tropa nas
ruas.
As dúvidas que, naqueles momentos,
terão percorrido os sportinguistas eram
a cidade de Madeburgo, onde, na noite an- semelhantes às que se sentiam em Lis-
terior, fora afastada da final da Taça dos boa, às primeiras horas dessa manhã.
Vencedores das Taças. Muito rapidamente, porém, deram lugar a
A presença do Sporting numa estrada uma esmagadora onda de adesão popular
da então Alemanha de Leste acabou por ao movimento militar, pondo termo a um
ser a notícia que marcou desportivamente regime marcado pela Guerra Colonial, pe-
o 25 de Abril de 1974. A comitiva queria la censura e pelo controlo da sociedade
regressar ao país, mas havia as dificulda- pelo Estado, a que naturalmente não fugia
o desporto.
Portugal foi campeão mundial de hóquei em
patins em 1947. A actividade do desporto escolar até
então tinha sido praticamente controlada
pela organização de juventude criada pelo
regime de Salazar, a Mocidade Portugue-
sa, mas o seu raio de acção era curto, pois
a escolaridade era baixa.
O desporto assentava nos clubes, nas
associações e federações. A prática des-
portiva resumia-se às competições federa-
das e em todo o país não havia mais de
130 000 praticantes distribuídos por 39 fe-
derações. Três jornais desportivos saíam
três vezes por semana e o canal da televi-
são estatal dedicava meia hora ao despor-
to, à segunda-feira, e dois blocos informati-
vos ao domingo, de 10 minutos, à tarde, e
de meia hora, à noite, quase inteiramente
preenchidos com futebol.
O hóquei em patins era a modalidade
nacional por excelência, somando vitórias
em mundiais e europeus e alimentando
grande rivalidade com a Espanha.
O ciclismo tivera os seus tempos herói-
cos com os despiques entre José Maria

170
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O desporto

Nicolau (Benfica) e Alfredo Trindade


(Sporting), que foram decisivos para a im-
plantação nacional dos dois clubes de Lis-
boa. Seguiu-se Alves Barbosa, com um
décimo lugar na Volta a França. O último
rei das estradas foi Joaquim Agostinho,
que já tinha ganho três Voltas a Portugal
quando se deu o 25 de Abril e iria depois
afirmar-se como grande trepador na Vuel-
ta e no Tour
Nos Jogos Olímpicos, Portugal conquis-
tara sete medalhas, em desportos conside-
rados elitistas: três em hipismo, três em ve-
la e uma em esgrima.
O futebol dominava. Primeiro com as
equipas do Sporting, nos anos 40 e 50.
Dessa época recorda-se um quinteto ata- Eusébio, o Pantera Negra, ícone do futebol
português.
cante conhecido pelos «cinco violinos»,
onde pontificava José Travassos, o pri- criavam-se laços de solidariedade e mui-
meiro português a entrar numa selecção tos jovens tinham a rara oportunidade de
da Europa. Seguiu-se o Benfica: uma vitó- uma vivência cívica. O controlo da activi-
ria na Taça Latina (1950), duas vitórias na dade associativa do desporto escapava
Taça dos Campeões Europeus (1961 e um pouco ao governo — apesar de todos
1962) e mais três presenças em finais eu- os dirigentes terem de ser aprovados pela
ropeias. O Sporting também entrou na his- Direcção-Geral dos Desportos, as paixões
tória com a vitória na Taça dos Vencedo- da defesa dos emblemas tinham mais for-
res das Taças (1964). Mas foi no Mundial ça que as desgastadas convicções do Es-
de Inglaterra que o futebol pôs o país a tado Novo.
seus pés. Uma recuperação sensacional
frente à Coreia do Sul (de 0-3 para 5-3), o
Contra os desportistas
terceiro lugar no campeonato e as exibi-
de bancada
ções de Eusébio, eleito como melhor joga-
dor do torneio, foram arrasadores. Portu- Quando se dá o 25 de Abril faltam três jor-
gal, cercado e criticado praticamente pelo nadas para o final do campeonato, o Spor-
resto do mundo, devido à Guerra Colonial, ting tem mais um ponto que o Benfica, mais
empolgava-se com a magia do seu fute- dois que o Setúbal e mais três que o Fute-
bol. E assistia com deleite à afirmação in- bol Clube do Porto. E mantém o avanço até
ternacional que lhe era negada noutros final. São muitos os milhares de apoiantes
campos. sportinguistas que festejam no seu estádio
Os clubes viviam a sua época de ouro. o título de campeão nacional, mas muitos
Eram dos poucos espaços onde havia al- outros milhares terão estado na mesma al-
guma liberdade: os cidadãos elegiam tura em manifestações, comícios, reuniões
directamente dirigentes e lutavam por de esclarecimento, plenários sindicais, a
causas comuns, ao contrário do que acon- viver os primeiros dias de liberdade.
tecia na restante sociedade. Debaixo do Aqueles tempos são de mobilização políti-
guarda-chuva dos clubes e do futebol de- ca, que afasta gente dos clubes e das
senvolviam-se as outras modalidades, bancadas.

171
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A revolução também destrói importan- los Lopes ganha uma medalha de prata
tes apoios do futebol. As nacionalizações nos 10 000 metros dos Jogos de Montreal
que se seguem põem em causa muito do (1976) e dá o tiro de partida para as gran-
seu suporte económico. A descolonização des vitórias internacionais do meio-fundo
seca os viveiros africanos de grandes fute- português. Seguem-se o triunfo de Rosa
bolistas, bem como de outros atletas que Mota, em Atenas, na primeira maratona dos
rumavam das colónias para a metrópole. Campeonatos da Europa (1982) e, depois,
O país defronta-se com sérios problemas e três medalhas nos Jogos Olímpicos de
aplica energias e dinheiro no saneamento Los Angeles: o ouro de Lopes, na mara-
básico, estradas, reformas, pensões e au- tona, e o bronze de Rosa Mota e António
mentos salariais. Leitão, respectivamente na maratona e
Mas há a outra face. Os cidadãos to- nos 5000 metros.
mam consciência dos benefícios que po- Chega a altura de olhar para as carên-
dem retirar do desporto. São lançadas cias do parque desportivo. A medida mais
campanhas de promoção desportiva. visível é a obrigatoriedade do arrelvamento
O atletismo, o futebol, o ciclismo e o bad- dos campos de futebol. Mas os grandes in-
minton são as modalidades mais divulga- vestimentos só irão ser feitos com a entra-
das. Os jornais escrevem contra os des- da de Portugal na Comunidade Europeia
portistas de bancada, apelando à prática (1986) e com os fundos europeus.
desportiva.
Sem dinheiro e sem recurso às coló-
Portugal, destino
nias, o futebol português começa a impor-
desportivo
tar maciçamente jogadores brasileiros, a
maioria sem qualidade técnica. O próprio No final de Dezembro de 1985, quando os
Benfica, que se gabava de só ter jogado- contabilistas se desdobravam na assistên-
res portugueses, acaba com essa tradição. cia a seminários — para dominarem as re-
Os primeiros indícios de que a travessia do gras da aplicação de um novo imposto, o
deserto estava a chegar ao fim só surgem IVA, que passaria a vigorar no dia 1 de Ja-
com o apuramento do Benfica para a final neiro seguinte, com a entrada de Portugal
da Taça UEFA (1983) e do Futebol Clube na Comunidade Económica Europeia
do Porto para a final da Taça das Taças (CEE) —, reúnem-se em Coimbra os presi-
(1984). Finalmente, no Europeu de 1984 a dentes dos 16 clubes da primeira divisão
selecção nacional recupera prestígio, sen- do Campeonato Nacional de Futebol. Ob-
do afastada da final pela França, que viria jectivo: criar uma associação dos clubes
a ser campeã. profissionais portugueses.
Os ventos sopram de feição para o A associação lá se formou. E no essen-
aumento de praticantes. O número de cial serviu de alavanca à Liga, que hoje é
federados duplica de 1974 para 1985 responsável pela organização dos cam-
(260 000). As federações passam de 38 peonatos profissionais. As grandes mu-
para 46 e os clubes com actividade federa- danças no futebol internacional estavam a
da de 2400 para 4000. O investimento dos chegar.
dinheiros públicos no desporto aumenta As transmissões televisivas trazem di-
e a partir de 1978 há um novo objectivo: a nheiro ao futebol na mesma proporção que
formação. afastam espectadores das bancadas.
Surgem também os primeiros progra- O acórdão Bosman, do Tribunal Europeu,
mas de apoio à alta competição, que se re- consagra a liberdade contratual dos profis-
flectem particularmente no atletismo. Car- sionais do desporto e cria a influente «clas-

172
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O desporto

se» dos empresários. As grandes equipas parte desse apoio é encaminhada para a
são vistas como grandes companhias pro- preparação dos atletas integrados na alta
dutoras de espectáculos. Acaba aquilo competição.
que se designava «por amor à camisola». A participação portuguesa nos Jogos
As novas orientações políticas e os Olímpicos de Atlanta é bem o espelho da
apoios comunitários canalizam avultados evolução do desporto português, que dei-
meios para as regiões e autarquias. A cria- xou de estar assente no futebol e no meio-
ção de riqueza passa a ser mais descon- -fundo do atletismo. Além de uma medalha
centrada. A hegemonia dos dois grandes de ouro no atletismo (Fernanda Ribeiro, nos
clubes de Lisboa é sucessivamente enfra- 10 000 metros) e de uma medalha de bron-
quecida. Surge um grande poder desporti- ze na vela, os Portugueses obtêm dois
vo, o Futebol Clube do Porto, que conquis- quartos lugares (futebol e voleibol de
ta um título europeu de futebol (1987) e praia), um sexto lugar (disco feminino) e
cinco títulos de campeão nacional conse- mais quatro sétimos lugares (atletismo, fos-
cutivos, entre 1995 e 1999. so olímpico e duas disciplinas de vela).
Com a liberdade contratual, os melho- A mesma diversidade surge a nível asso-
res futebolistas portugueses passam a jo- ciativo. Há clubes que se dedicam apenas a
gar no estrangeiro. Portugal é cada vez uma modalidade, e com grande sucesso,
mais um país com uma boa escola de for- como o ABC de Braga (já chegou à final da
mação de jogadores e uma selecção na- Taça dos Campeões Europeus de andebol)
cional bem cotada. A equipa principal che- ou o Maratona de Portugal (várias vezes
ga às meias-finais do Europeu de 2000 e campeão europeu de corta-mato). Clubes
entre 1989 e 2000 são ganhos dois títulos dos Açores e Madeira ascendem aos esca-
mundiais de sub-20 e cinco títulos euro- lões principais do futebol e conquistam títu-
peus de juniores. los nacionais em várias modalidades.
A melhoria das condições de vida e o Os grandes clubes fazem «curas de
aumento dos tempos livres levam mais pes- emagrecimento» e optam por especializar-
soas à prática desportiva. Surgem novos -se em duas ou três modalidades. Outros
desportos ligados à aventura, ao mar e à constituíram sociedades desportivas para
natureza e em muitos casos apoiados por as áreas profissionais. Enfim, deixaram de
sectores empresariais. As empresas de pro- ser «clubes guarda-chuva».
dutos e serviços desportivos também emer- A Carta das Instalações Desportivas Ar-
gem. A procura desportiva é diversificada e tificiais de 1998, elaborada pelo Instituto
a estrutura tradicional do desporto federado Nacional do Desporto, mostra o crescimen-
deixa de ser dominante. Um estudo oficial to exponencial de equipamentos que têm
divulgado no final da década de 90 mostra entrado ao serviço das populações. Em pa-
que, da faixa etária dos 15 aos 74 anos, em vilhões e salas de desporto, os metros qua-
cada 100 portugueses 27 procuram a práti- drados construídos por habitante ultrapas-
ca desportiva e 23 são praticantes regula- sam o índice de referência europeu acon-
res. Mas destes 23 apenas quatro estão in- selhado. Curiosamente, nas regiões do
tegrados no desporto federado. litoral, em particular Lisboa e Setúbal, onde
O apoio directo do Estado ao desporto há mais praticantes desportivos, encon-
federado eleva-se a sete milhões de contos tram-se os mais baixos índices de constru-
(35 milhões de euros) em 1989. A maior ção desportiva por habitante. Em contra-
parte desse montante destina-se à activi- partida, as regiões do interior ou mais
dade administrativa e competitiva das fe- deprimidas, como os distritos da Guarda,
derações, que são agora 68. Uma outra Beja, Vila Real, Évora e Castelo Branco,

173
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A euforia do Euro 2004: milhares de apoiantes saúdam a selecção nacional por onde quer que
ela passe.

apresentam os maiores índices de constru- corrida à organização do Campeonato da


ção desportiva. Europa de Futebol de 2004 em competição
A Expo 98 acaba por ter também um com a Espanha e com a candidatura con-
papel decisivo para o desporto português. junta da Áustria e da Hungria. No mesmo
Dando como exemplo o êxito da Exposição contexto se pode ver a realização em Por-
Mundial de Lisboa, governo e dirigentes tugal do Mundial de Crosse e do Master de
desportivos entram na corrida à organiza- Ténis (2000), do Mundial de Pista Coberta
ção das grandes competições desportivas. e do Mundial de Ciclismo (2001), da Gym-
Além de dezenas de bons campos de gol- naestrada e do Mundial de Andebol (2003)
fe, Portugal tem agora modernas insta- e do Europeu de Judo (2004).
lações em diversas áreas. Portugal, depois de ser um destino tu-
É neste contexto que Portugal ganha a rístico, é também um destino desportivo.

A euforia do Europeu
Poucos acontecimentos terão mobilizado
tanto a atenção dos Portugueses como o
Campeonato Europeu de Futebol de 2004 4 i.

Oito estádios novos e dois recuperados


serviram de palco a uma competição que
recebeu elogios organizativos de todos os
quadrantes e propiciou momentos de
exemplar convívio entre os adeptos dos 16
países finalistas.
Luís Figo, antigo capitão e número 7 da
selecção nacional.

174
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O desporto

Com o treinador José Mourinho, o F.C. Porto


venceu a Taça UEFA (2003) e a Liga dos
Campeões (2004).

Portugal e a Grécia chegaram à final,


acabando o triunfo (1-0) por pertencer ao
onze helénico. O estádio novo do Benfica
(duas vezes campeão europeu de clubes e
cinco vice-campeão) recebeu em clima de
festa o encontro, depois de, ao longo de to-
do o campeonato, as ruas das cidades
portuguesas terem ostentado muitos milha-
res de bandeiras nacionais, num ambiente
inabitual em Portugal.
O Campeonato Mundial de Futebol da
Alemanha (2006) provocou idêntica eufo-
ria. A equipa portuguesa fez uma campa- despedia-se das grandes competições
nha exemplar, tendo chegado às meias-fi- com um segundo lugar no Europeu e um
nais. A geração de Luís Figo e Rui Costa quarto no Mundial.
Cristiano Ronaldo disputa a posse da bola com Georgios Seitaridis durante a final
Portugal-Grécia do Euro 2004.

175
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

triunfou na Taça UEFA (2003) e na Liga


dos Campeões (2004). O Sporting, no seu
novo estádio, foi finalista vencido na Taça
UEFA (2005).
A realização de grandes acontecimen-
tos continuou a diversificar-se. Em 2006 e
2007, Lisboa foi o ponto de partida do his-
tórico rali que termina em Dakar 4 i . O Tall

Ships Race, a regata dos grandes veleiros,


passou por Lisboa no Verão de 2006.
Nos Jogos Olímpicos, a participação em
Sydney foi modesta, com duas medalhas de
bronze, apesar de uma delas ter sido pela
primeira vez no judo (Nuno Delgado). Já em
Atenas ocorreu uma das melhores presen-
ças olímpicas de sempre. Francis Obikwelu,
nos 100 metros, e Sérgio Paulinho, na prova
Sérgio Paulinho (à esquerda), vencedor da de estrada do ciclismo, ganharam meda-
medalha de prata da prova de estrada nos lhas de prata, e Rui Silva, nos 1500 metros,
Jogos Olímpicos de Atenas 2004.
a medalha de bronze. Desta participação
No que respeita a clubes continuou a destaca-se também o alargamento das mo-
afirmação internacional do Futebol Clube dalidades que obtiveram classificações en-
do Porto: orientado por José Mourinho, tre o quarto e o oitavo lugares: atletismo
Chegada de veleiros ao porto de Lisboa para participar na apresentação da Tall Ships Race 2006.

176
Sociedade
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O desporto

mento da jovem atleta do triatlo, Vanessa


Fernandes, que apenas com 21 anos é tri-
campeã europeia e vice-campeã mundial.
Em termos quantitativos, o desporto fe-
derado também cresce. Dados divulgados
pelo Instituto do Desporto de Portugal mos-
tram que, no final de 2004, há quase
402 000 praticantes federados. Em relação
a 1986 regista-se um aumento de 50 por
cento. Nestes oito anos, o futebol (28,4 %),
o voleibol (15,7 %) e o andebol (10,2 %) fo-
ram as modalidades que mais progrediram.
Fora da área federada, os desportos in-
dividuais e de contacto com a natureza
( surf ou caminhada) ganham cada vez
mais praticantes informais. Nos centros ur-
banos assiste-se ao aparecimento explosi-
Vanessa Fernandes celebra a vitória no vo de ginásios e de clubes de bem-estar.
Campeonato Europeu de Triatlo Feminino A Associação de Ginásios e Academias de
(2006).
Portugal estima que, em 2006, haja mais
(duas vezes), canoagem, judo (duas vezes), de mil desses espaços, com 500 000 asso-
trampolins, vela (três vezes) e triatlo. Os re- ciados, o que representa uma facturação
sultados traduzem a continuada afirmação anual de 300 milhões de euros. Um bom
internacional do judo e da vela e o apareci- negócio.

177
Sociedade
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Viriato Soromenho-Marques

Esboço geográfico de Portugal

S obre Portugal escreveu o filósofo


Hegel nas suas Lições sobre Filo-
sofia da História Universal (Vorle-
sungen über die Philosophie der Weltges-
chichte): «É em Portugal que os rios de
culo XV, e que se prolongaria nos feitos de
Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Álvares
Cabral, e muitos outros navegadores e
guerreiros.
A geografia de Portugal — mesmo de-
Espanha encontram a sua saída para o pois de o ciclo imperial se ter cumprido en-
mar. Dever-se-ia crer que, tendo a Espa- tre o reconhecimento da independência da
nha rios, deveria ter também uma relação Guiné-Bissau, em 10 de Setembro de 1974,
com o mar; mas essa relação foi especial- e a devolução da administração de Macau
mente desenvolvida por Portugal» (Hegel,
1968: 197).
Na verdade, se Portugal, para além de
ser um dos mais antigos estados-nação
do mundo, desempenhou na história da
humanidade um papel de significado uni-
versal, capaz de transcender a sua pe-
quena dimensão territorial e demográfica,
tal facto ficou a dever-se, entre outras cau-
sas, como argutamente sublinha Hegel, à
relação especial com o mar, que atingiu o
seu auge no longo período dos Descobri-
mentos, iniciado no primeiro quartel do sé-

181
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

à República Popular da China, em 20 de de-se por 832 km) faz de Portugal o país
Dezembro de 1999 — continua a ser mar- da União Europeia (UE) com a mais exten-
cada por uma (des)continuidade onde o sa Zona Económica Exclusiva (ZEE).
Atlântico assume a nota dominante. A visão mais compreensiva da geogra-
O tronco essencial do território portu- fia portuguesa, entendida na sua multiplici-
guês situa-se no extremo ocidental da Pe- dade de aspectos, do revelo à biogeogra-
nínsula Ibérica, com uma latitude definida fia, passando pela caracterização cultural
pelos paralelos 37o N e 42o N e uma longi- das suas populações, está hoje acessível
tude que varia entre os 6o W e 9o 30’ W. nas obras de grandes mestres como Orlan-
Contudo, 1240 km para oeste da massa do Ribeiro, Hermann Lautensach (que ini-
continental estende-se o arquipélago dos ciou a sua carreira científica, como profes-
Açores, com as suas nove ilhas organiza- sor de Geografia, em Hannover, antes da
das em três grupos (Oriental, Central e Oci- Primeira Guerra Mundial), Suzanne Daveau
dental). Mais a sul, distando 900 km de e Manuel Viegas Guerreiro, entre outros.
Portugal Continental, e a 600 km do litoral Orlando Ribeiro oferece-nos uma im-
marroquino, localiza-se o arquipélago da pressionante representação geográfica
Madeira, constituído pelas ilhas habitadas quando nos propõe ver a terra e a cultura
da Madeira e Porto Santo, e pelos ilhéus portuguesas marcadas por uma dialéctica
desabitados das Desertas e Selvagens. No entre as características predominantemen-
total, o território português estende-se por te atlânticas do Norte litoral e as compo-
91 905,955 km2, com uma população que, nentes mediterrânicas, dominantes na par-
devido a um recente fluxo de imigração, já te mais extensa do território. A Cordilheira
ultrapassa os 10 milhões de habitantes. Central, que é o fenómeno marcante do re-
A sua disseminação pelo Atlântico (só no levo continental português, não seria, as-
território continental a linha costeira esten- sim, um factor de abrupta separação entre
um Norte mais montanhoso e um Sul de re-
Inverno no Nordeste Trasmontano.
levos mais suaves, mas antes um elemento
de mediação para o factor mais actuante
na paisagem portuguesa: o trabalho huma-
no que se perde na bruma de muitos milé-
nios de ocupação humana.
A dialéctica atlântico-mediterrânica se-
ria a base para uma identificação das três
divisões regionais fundamentais do territó-
rio continental português: o Norte Atlântico,
o Norte Transmontano e o Sul. Contudo,
numa análise mais fina, Orlando Ribeiro
identifica um total de 23 sub-regiões (ver
mapa da p. 184), o que nos dá uma ima-
gem da grande diversidade do território
português. Outras linhas de contraste po-
dem ser identificadas em Portugal Conti-
nental: a) o contraste entre um Norte, com
grande disponibilidade hídrica e maior
densidade demográfica, e um Sul mais se-
co e mais escasso do ponto de vista popu-
lacional; b) o contraste entre o Litoral e o

182
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

A serra da Arrábida: paisagem mediterrânica portuguesa.

Interior, que explica, por um lado, o modo floresta de laurissilva, que a UNESCO (Uni-
como a ocupação humana se debruça nu- ted Nations Educational, Scientific and Cul-
ma linha litoral que vai de Braga a Setúbal, tural Organization, Organização das Na-
complementada por uma mais recente que ções Unidas para a Educação, Ciência e
coincide com o litoral algarvio, e por outro, Cultura) classificou em Dezembro de 1999
certos aspectos da continuidade do reves- como de interesse mundial. A laurissilva
timento arbóreo desde Trás-os-Montes ao madeirense, composta por espécies como
Alentejo e Algarve, onde se observam, en- o til, vinhático, loureiros e os raros cedros,
tre outras espécies, carvalhos, castanhei- é uma relíquia viva de uma floresta outrora
ros, sobreiros, azinheiras, oliveiras, figuei- dominante numa vasta zona que se esten-
ras e amendoeiras; c) o contraste entre as dia a grande parte da Europa meridional.
Terras Altas e as Terras Baixas, onde se Com as alterações climáticas, nomeada-
destacam os arcaicos contornos da vida mente, a sucessão de períodos glaciares,
agropastoril, das plantações de vinha e de esta flora resistiu apenas na região maca-
árvores de fruto (Ribeiro, 1991: 131 ss.). ronésia (Quintal, 1999: 16).
De excepcional interesse e beleza são No que concerne ao povo, talvez se
os dois arquipélagos atlânticos portugue- possa afirmar que a mais marcante carac-
ses. Ambos se situam na região biogeográ- terística da identidade cultural portuguesa
fica da Macaronésia (arquipélagos dos reside, por um lado, na antiguidade do po-
Açores, Madeira, Canárias, Cabo Verde e voamento do seu território continental ma-
algumas zonas do litoral norte-africano). Os tricial, e no profundo cruzamento de povos
Açores, fruto de um vulcanismo mais re- e etnias, desde os Celtas e os Iberos, aos
cente, surpreendem pela diversidade das Romanos, Germanos (em particular, os
paisagens. A Madeira destaca-se pela sua Suevos), Árabes, e todos os outros povos

183
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

que a Reconquista e a era dos Descobri- da modernidade, com o seu cortejo de re-
mentos e do império fizeram convergir com voluções industriais, que marcaram a as-
o destino português. censão da vaga de destruição e alteração
dos ecossistemas planetários que caracte-
riza a história dos últimos dois séculos.
Consciência ambiental
Em relação à política de conservação
e sociedade em Portugal
da natureza, salienta-se o trabalho pioneiro
Portugal não foi pioneiro da consciência das personalidades, quase todas prove-
ambiental, porque também não foi pioneiro nientes do meio académico e científico,

As regiões de Portugal
1 Entre Douro e Minho
segundo Orlando Ribeiro
2 Montanhas do Minho
3 Montanhas do Norte da Beira
e do Douro 2
4 Terras de média altitude
da Beira Litoral 8
5 Planaltos da Beira Alta 1
6 Beira Litoral 10
7 Cordilheira Central
8 Planaltos e montanhas
de Trás-os-Montes 3
9 Planaltos e montanhas
da Beira transmontana 4
10 Alto Douro e depressões anexas
11 Baixo Mondego 5 9
12 Estremadura setentrional, 3
geralmente baixa 6
13 Maciços calcários da Estremadura
e Arrábida
14 Depressões e colinas entre 7 e 13 11 7
15 Estremadura meridional
geralmente acidentada 12
16 Beira Baixa 16
17 Ribatejo 14
13
18 Alentejo de planície com raras
elevações isoladas
19 Alto Alentejo
20 Alentejo litoral com elevações
21 Depressão do Sado
22 Serra algarvia 17
23 Algarve litoral 19
ou Baixo Algarve 15

15
13
21
18

20

22

23
Limite entre o Norte e o Sul
Limite entre as áreas atlântica e transmontana
Outros limites importantes determinados pelo relevo ou pela natureza das rochas
Limite entre áreas pertencentes ao mesmo conjunto de paisagens

Fonte: adaptado de Ribeiro, 1991, 173.

184
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

Ilha da Madeira: paisagem laurissilva na ribeira da Janela.

que em 1948 fundaram a Liga para a Pro- Na literatura encontramos, entre outras,
tecção da Natureza (LPN). Um pouco an- duas obras pioneiras da consciência am-
tes, destaque-se o excelente estudo de biental: Os Pescadores de Raul Brandão
Francisco Flores, que, num ensaio publica- (1923), uma verdadeira e premonitória de-
do em 1939 pela Revista Agronómica, faz o núncia do que é a destruição dos recursos
balanço, possível na altura, das doutrinas e piscícolas por uma pesca industrial sem
políticas de conservação da natureza à es- escrúpulos, e a grande obra de Aquilino Ri-
cala internacional (Flores, 1939). beiro Quando os Lobos Uivam (1958), que

Açores: lagoa do Fogo, em São Miguel. Um ecossistema belo e frágil.

185
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

mostra a forma como as políticas florestais O governo de Marcelo Caetano, isola-


intensivas, ligadas em especial à expansão do na cena internacional devido à sua po-
da indústria das celuloses, são também lítica colonial, levou a sério o convite. Por-
ameaças para as formas culturais ligadas à tugal far-se-ia representar por amplas e
vida serrana e ao mundo rural (Queirós, qualificadas delegações, tanto na Confe-
1997: 175-180). rência de Estocolmo, como nas diversas
Os principais obstáculos ao desenvol- reuniões preparatórias entretanto realiza-
vimento precoce tanto de uma consciên- das. No âmbito da preparação da referida
cia como de uma política ambientais em conferência foi, igualmente, redigido o pri-
Portugal explicam-se pela longa persis- meiro relatório sobre o estado do ambien-
tência de características pré-modernas na te, que seria publicado também no ano de
sociedade portuguesa: desde o forte 1971.
acento rural, até à baixa competitividade Há um quarto de século, Portugal se-
do frágil tecido industrial, não esquecen- guia a tendência mundial para a criação de
do a incapacidade do Estado em matéria estruturas que progressivamente tornariam
de educação pública. A existência de o ambiente num horizonte integrador de
quase meio século de ditadura (1926- políticas públicas, anteriormente omissas
-1974) veio ainda agravar mais o défice ou fragmentadas por outros organismos
de participação cívica, que é um dos fac- executivos. No entanto, a semelhança da
tores capitais para a formação das políti- realidade portuguesa com a de outros paí-
cas ambientais. ses da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico (OCDE) não
era isenta de limites claros e fundamentais.
A primeira fase da política
Enquanto a criação de estruturas políticas
pública de ambiente em
na área do ambiente por parte de governos
Portugal
como o dos EUA, da Suécia, da Alemanha,
Em 19 de Junho de 1971 foi criada a Co- etc., era o resultado de uma década de
missão Nacional do Ambiente — presidida movimentações cívicas e democráticas in-
antes e após o 25 de Abril de 1974, por Jo- tensas, realizadas ao longo dos anos 60, a
sé Correia da Cunha — que pode ser con- criação da Comissão Nacional do Ambien-
siderada como a primeira instituição portu- te, em Portugal, resultava dominantemente
guesa responsável pela orientação de uma não de uma pressão endógena irreprimível
política pública de ambiente. da sociedade civil — cuja capacidade de
expressão democrática estava bloqueada
Embarcações pesqueiras em Sesimbra:
a pesca, um desafio ecológico e social. pela longa letargia de uma ditadura policial
repressiva —, mas era o efeito, inversa-
mente, de uma reacção a um impulso ex-
terno.
Outro momento capital da presença
do «impulso externo», com tudo o que
tem de implicações positivas e negativas,
ocorre no estudo da integração portugue-
sa na então Comunidade Europeia. Algu-
mas das condições políticas fundamen-
tais para se poder falar de uma política de
ambiente já existiam nos anos 70, logo
após a revolução de Abril, nomeadamen-

186
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

te o pioneiro reconhecimento de direitos todos os problemas que lhe estão asso-


do ambiente na sua Constituição, em ciados em termos de resíduos urbanos e
1976. Por outro lado, e trata-se de mais industriais.
um traço positivo, Portugal dispõe desde Importa averiguar as grandes linhas de
1983 de um importante e original instru- força que caracterizam o estado do am-
mento de ordenamento do território: a Re- biente em Portugal.
serva Ecológica Nacional. Contudo, só a
partir de 1986, na sequência da adesão Alterações climáticas
à Comunidade Europeia, é que assistimos Em termos comparativos o contributo de
a uma aceleração dos dispositivos ten- Portugal para as alterações climáticas é
dentes a permitir uma mais ágil política de sensivelmente inferior ao do dos seus con-
ambiente. géneres europeus. Por essa razão, Portu-
gal conseguiu obter, no Acordo de Partilha
de Responsabilidades (2002), assinado en-
O estado do ambiente
tre os países da UE no âmbito do cumpri-
em Portugal: breve visão
mento conjunto do Protocolo de Quioto
de conjunto
(1997), autorização para aumentar em
Apesar do declínio de alguns indicadores 27 % a sua emissão dos seis gases de es-
económicos nos últimos anos, Portugal tem tufa objecto de acordo, entre 1990 e 2012.
conhecido taxas de crescimento muito ele- Estudos recentes, contudo, revelam que as
vadas, não apenas desde a entrada na Co- tendências apontam para um resvalar mui-
munidade Europeia, mas no decurso de to significativo nestas metas podendo atin-
um longo período iniciado uma década an- gir 53 % a mais em relação aos dados-
tes da revolução de 1974: os indicadores -base de emissão em 1990 (mais 26 % que
económicos e sociais provam-no ampla- o nível autorizado). O governo assumiu já
mente (Barreto, 1996). O impacte ambien- uma ultrapassagem de aproximadamente
tal desse crescimento deve ser meditado 10 % (5,8 milhões de toneladas/ano de dió-
com prudência. xido de carbono equivalente), que será co-
Esse crescimento tem sido conseguido berta através dos mecanismos previstos no
à custa de uma alta intensidade energéti- Protocolo de Quioto. Em 2004, de acordo
ca, com um excessivo consumo de maté- com o Instituto do Ambiente, o aumento na-
rias-primas no processo de transformação cional das emissões de gases com efeito
industrial, à custa também da produção de estufa (GEE) já tinha ultrapassado os 41
de elevadas quantidades de resíduos, por cento.
mesmo de resíduos perigosos, para não Apesar da existência e actualização de
falarmos do crescimento exponencial de instrumentos de política pública que visam
resíduos sólidos urbanos, onde Portugal o combate às alterações climáticas no
apresenta uma das situações mais críticas nosso país, como sejam o Programa Na-
no quadro da OCDE. Isso significa que o cional para as Alterações Climáticas
aumento do produto interno bruto portu- (PNAC) (com duas versões publicadas em
guês está a ser conseguido, comparativa- 2004 e 2006) e o Plano Nacional de Aloca-
mente com a média dos outros países da ção de Licenças de Emissão (PNALE), cu-
UE ou da OCDE, à custa de um maior des- ja segunda versão, para o período 2008-
perdício de energia, tanto na produção -2012, foi produzida em 2006, a verdade é
como, e sobretudo, nos transportes, e que as razões para o desvio ascendente
através de uma mais acentuada pressão nas emissões de GEE continuam a man-
sobre os recursos e matérias-primas, com ter-se. As causas situam-se, essencial-

187
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Petroquı́mica em Sines: dificuldades em cumprir as metas do Protocolo de Quioto.

mente, nos sectores da produção de ener- Entre 1990 e 2004 Portugal aumentou
gia eléctrica (a queima de combustíveis os seus consumos primários de energia em
fósseis nas centrais termoeléctricas) e dos 50 por cento. Tal crescimento traduz-se,
transportes, em particular a combinação igualmente, no aumento excessivo da in-
das emissões crescentes dos automóveis tensidade energética da nossa economia,
particulares e do transporte rodoviário de apesar de alguns factos positivos ocorridos
mercadorias. Para corrigir estas tendên- nos últimos anos: entraram em funciona-
cias negativas terão de ser tomadas medi- mento duas centrais termoeléctricas de ci-
das rigorosas e radicais na alteração da clo combinado a gás natural (Tapada do
política de transportes, principalmente nas Outeiro e Carregado); verifica-se desde en-
áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, tão um maior recurso à co-geração (com
apostando na melhoria dos meios colecti- gases quentes aumenta-se a produção de
vos e no incremento da circulação de mer- electricidade) para a produção de energia.
cadorias por caminho-de-ferro e por via Ainda que Portugal não seja rico em
marítima. combustíveis fósseis, o mesmo não se po-
de dizer das energias renováveis, cuja utili-
Energia zação não só é recente como está ainda
O sistema energético nacional é caracteri- longe do seu grande potencial, com excep-
zado por uma forte dependência externa e ção da hidroeléctrica. As medidas até aqui
consequente crescimento da factura ener- tomadas têm-se cingido, essencialmente,
gética. Em 2001, 84 % da energia consumi- ao sector da produção eléctrica. Tal é o ca-
da no nosso país foi importada. Na UE, so do Programa E4, Eficiência Energética,
apenas o Luxemburgo ultrapassa Portugal Energias Endógenas, que visa atingir em
na dependência do petróleo: cerca de 2010, o valor de 39 % de toda a electricida-
70 % do total da energia primária, contra de produzida a partir de origem renovável.
40 % da média da União. Mais recentemente, novas iniciativas foram

188
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

tomadas, prevendo-se um forte incremento portados registou um acréscimo claro entre


na energia eólica e solar fotovoltaica. o ano de 1991 e o ano de 2001. A compo-
nente doméstica teve contudo uma redu-
Transportes ção, a que não será estranho o desenvolvi-
As emissões de poluentes associadas aos mento de auto-estradas. A opção pela
transportes têm vindo a aumentar. Como construção de um novo Aeroporto Interna-
já vimos, em conjunto com o sector da cional de Lisboa, na Ota, continua a causar
produção energética, são os responsáveis acesas discussões e está longe de reunir o
pelas emissões de GEE. Para além do dió- consenso nacional desejável.
xido de carbono, os transportes são ainda
responsáveis por emissões de monóxido Conservação da natureza
de carbono, óxidos de azoto e partículas, Portugal apresenta, em comparação com
poluentes igualmente precursores do ozo- outros parceiros da UE, um património na-
no de superfície. Estudos recentes confir- tural relativamente rico e diversificado, o
mam o forte impacto negativo da poluição que confere ao país uma particular respon-
rodoviária sobre a saúde pública, em par- sabilidade na protecção de uma riqueza
ticular nos centros urbanos. que deve ser considerada património co-
No que toca à sinistralidade rodoviária, mum dos Europeus.
tem-se registado uma tendência positiva A conservação da natureza em Portugal
que importa acentuar. Portugal passou de resulta da conjugação de uma variada le-
2262 mortos em 1980 para 1316 em 2001. gislação nacional e internacional, onde se
Em 2006 esta tendência aprofundou-se incluem as directivas sobre habitats e aves
ainda mais no sentido positivo. (de cuja conjugação resulta a Rede Natura
No domínio do transporte ferroviário, ao 2000), a Convenção de Ramsar, assim co-
longo da última década o total da extensão mo diversos programas e iniciativas do
das linhas ferroviárias em operação tem Conselho da Europa e da UNESCO. A Lei-
vindo a diminuir (menos 302,8 km entre -Quadro das Áreas Protegidas (1993) con-
1991 e 2001). Mas o investimento aumen- sagra uma tipologia com quatro categorias
tou na modernização: a extensão de linhas principais de áreas, da qual sobressai a
electrificadas cresceu significativamente Rede Nacional de Áreas Protegidas, que
(mais 443,7 km entre 1991 e 2001), sobre- integra um parque nacional, 13 parques
tudo em áreas de grande densidade popu- naturais, nove reservas naturais, seis pai-
lacional. sagens protegidas e cinco monumentos
No que respeita à actividade portuária e naturais. A estas áreas juntam-se, ainda,
transporte marítimo importa referir que, vários sítios classificados. Se contarmos to-
apesar da publicação do livro branco do dos os modelos de protecção, incluindo a
sector em 1997, têm continuado a existir Rede Natura 2000, Portugal tem mais de
muitas hesitações quanto ao verdadeiro 20 % do seu território abrangido por algum
potencial deste modo, nomeadamente estatuto de protecção.
quanto ao transporte marítimo de curta dis- Apesar da entrada em vigor, em 2001,
tância: os nossos portos perderam compe- da Estratégia Nacional de Conservação da
titividade no que concerne ao comprimento Natureza e da Biodiversidade (ENCNB), a
e profundidade dos cais e na estrutura do política pública neste domínio continua
parque de máquinas de manobra e trans- a apresentar dificuldades cuja superação
porte que os servem. tarda a ocorrer. Entre elas devem destacar-
No domínio dos transportes aéreos, a -se: contraste significativo entre as com-
evolução do número de passageiros trans- petências e os meios materiais e humanos

189
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Tradicionalmente, a área de exploração


agrícola tem sido muito superior aos 10 %
de solo considerados com aptidão agríco-
la. Com a entrada na Comunidade Euro-
peia temos assistido a uma diminuição da
área cultivada e a um aumento da área flo-
restada.
As espécies arbóreas dominantes em
Portugal Continental são o pinheiro-bravo,
o sobreiro, o eucalipto (cujo crescimento
exponencial tem revelado impactes am-
bientais muito negativos), a azinheira e o
pinheiro-manso. Apesar de Portugal partici-
par nas iniciativas internacionais que visam
promover a floresta de uso múltiplo, e o
Cegonhas-brancas em Alcácer do Sal: a respeito pela floresta como habitat e ecos-
diversidade biológica que é preciso sistema, a verdade é que as grandes ex-
defender.
tensões de monocultura de pinheiro-bravo
colocados à disposição do Instituto de e eucalipto estão na origem de grandes in-
Conservação da Natureza (ICN) para o de- cêndios estivais, que, nos últimos anos,
sempenho da sua ampla missão (alargada, têm diminuído, em virtude de uma estraté-
há já alguns anos, à gestão do litoral); gia mais organizada de combate.
atraso crónico na entrada em vigor de ins- Grandes mudanças sociais e demográ-
trumentos reguladores essenciais para a ficas levaram a grandes alterações neste
conservação da natureza; insuficiente ca- domínio. A superfície agrícola e florestal
pacidade de implementação e fiscalização corresponde a cerca de 71 % do território
dos planos já existentes; dificuldades continental, nas regiões de Entre Douro e
endémicas na coordenação com as activi- Minho, na Beira Litoral e no Algarve. Entre
dades agrícola, florestal, cinegética, ex- 1989 e 1999 registou-se um decréscimo de
tractiva, turística e energética (incluindo as 31 % no número de explorações agrícolas
energias renováveis). Na gestão das áreas e de 3,6 % no total da superfície agrícola
protegidas ocorre, regra geral, um baixo ní- utilizada (SAU).
vel de adesão aos objectivos de conserva- Um dos maiores riscos para os solos
ção por parte das autarquias e populações agrícolas reside no facto de uma grande
residentes nas respectivas áreas. parte das áreas de maior produtividade,
como é o caso do Ribatejo Oeste e da Orla
Solos, florestas e agricultura Costeira Algarvia, se encontrarem em zo-
O uso do solo em Portugal está condiciona- nas de forte pressão para a mudança de
do por limitações naturais significativas. uso de solo, nomeadamente a expansão
Sessenta por cento é originado a partir de urbana e industrial, empreendimentos turís-
xistos, grauvaques e granitos, são solos ticos, procura de segunda habitação, entre
delgados, de baixa fertilidade e facilmente outros fins.
vítimas de erosão. Quinze por cento da Um terço do território nacional está ex-
área total dos solos é proveniente de areias posto a um grave processo de desertifica-
e arenitos, dificilmente retendo água e nu- ção, que acaba por interagir negativamente
trientes. Cerca de 10 % derivam de calcá- com a forte tendência para o despovoamen-
rios, sendo delgados e pedregosos. to do interior e do mundo rural em geral.

190
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

A área florestal abrange cerca de 38 % realizados (ver caixa na p. 192), a verdade


do território continental, correspondendo é que Portugal continua a enfrentar uma
a 12 400 empresas, responsáveis por 3 % série de desafios significativos neste do-
do emprego e 11 % das exportações. mínio:
A fragilidade do sector florestal, em parti- — a enorme dependência portuguesa
cular face aos incêndios estivais, está for- face a Espanha (o país da UE com maior
temente relacionada com o elevado grau capacidade de armazenamento hídrico)
de desordenamento do sector, que se tra- quanto aos caudais dos rios internacionais.
duz em vastas áreas de plantio monoes- Foi assinada em 1998 uma nova conven-
pecífico (sobretudo de pinheiro-bravo e ção para a gestão das bacias luso-espa-
eucalipto), com escassa ou nula manu- nholas, cujo alcance tem sido encarado
tenção. Uma das raízes fundamentais com algum cepticismo por muitos especia-
deste desordenamento reside na pulveri- listas (ver mapa na p. 193);
zação da propriedade. Apesar da produ- — o atraso crónico na elaboração de
ção de numerosos diplomas, a capacida- instrumentos estratégicos de planeamento,
de de dar uma resposta à degradação do como ocorreu com o Plano Nacional da
sector florestal continua marcada pelo in- Água (2001) e os Planos de Bacia Hidro-
sucesso, como as calamitosas áreas ári- gráfica;
das em 2003 e 2005, infelizmente, o de- — a insuficiente monitorização da quali-
monstram. dade das águas subterrâneas, apesar de
muitos municípios continuarem a depender
Recursos hídricos de aquíferos para assegurar o abasteci-
As deficiências estruturais na política da mento para consumo humano;
água foram o objectivo estratégico prin- — a dificuldade em garantir um abaste-
cipal dos investimentos efectuados no âm- cimento de água à população em perfeitas
bito dos Quadros Comunitários de Apoio II condições de qualidade. Calcula-se que
e III (1994-2006). Apesar dos progressos existam 200 000 pessoas servidas por

Paisagem agrícola no Alentejo: o futuro do ambiente passa por um melhor ordenamento do


território.

191
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Visão geral sobre a situação da política hídrica


portuguesa em 1995-2004

5 Um valor muito apreciável na disponibi- lor subia para próximo de 90 por cento;
lidade hídrica (6200 m3/per capita/ano); 5 apenas 55 % da população era servida
5 um contraste profundo entre as áreas em 1995 por sistema de drenagem de
do Norte e Sul do país (nas regiões me- águas residuais. Em 1998 este valor su-
ridionais ocorrem secas cíclicas e regis- biu para cerca de 65 por cento;
tam-se períodos de intensa escassez hí- 5 apenas 21 % da população se encon-
drica); trava servida em 1995 por um adequa-
5 Portugal é um país de jusante, que par- do sistema de tratamento de águas resi-
tilha com a Espanha as bacias hidrográ- duais. Em 1998 este valor subiu para
ficas de cinco importantes rios interna- cerca de 40 por cento;
cionais: Minho, Lima, Douro, Tejo e 5 em 2003, no âmbito do Plano Estratégico
Guadiana. Aproximadamente 56 % dos de Abastecimento de Água e de Sanea-
recursos hídricos anualmente disponí- mento de Águas Residuais (2000-2006),
veis em Portugal são gerados a montan- atingiram-se os seguintes valores: 92 %
te, em Espanha (ver mapa na pág. 193); da população servida com água potável
5 em 1995, apenas 79,6 % da população no domicílio; 74 % da população servi-
portuguesa se encontrava ligada a siste- da por sistemas de drenagem de águas
mas de abastecimento de água para residuais; 60 % da população servida
consumo humano. Em 1984 esse valor por sistemas de drenagem de águas
era bastante menor: 52 %. A média na residuais ligadas a sistemas de trata-
UE é de 91,5 por cento. Em 1998 este va- mento.

Fontes: MARN, Instituto da Água, Recursos Hídricos de Portugal Continental e Sua Utilização, vol. 1, Lisboa,
1995; Direcção-Geral do Ambiente, Relatório sobre o Estado do Ambiente, 1998; Instituto do Ambiente, Relatório
do Estado do Ambiente, 2004.

água de qualidade deficiente, sobretudo Litoral e oceanos


em concelhos do interior; Com a maior ZEE da Europa, pela conjuga-
— uma visão restritiva do planeamento ção entre a sua vasta linha de costa conti-
hídrico, tendendo a concentrar-se nos usos nental e a extensa área oceânica corres-
agrícola, industrial e para consumo huma- pondente aos arquipélagos dos Açores e
no, subestimando-se a importância da di- Madeira, Portugal tem todas as condições
mensão ecológica. Essa tem sido a razão físicas e naturais para ser o país europeu
principal de uma polémica persistente em onde uma visão integrada da gestão do li-
torno dos limites do regadio, no âmbito da toral e dos oceanos mais se justificaria in-
futura e gigantesca barragem do Alqueva teiramente.
(rio Guadiana); Passemos em revista algumas das prin-
— fortes desperdícios de água, tanto cipais características do estado do am-
nos usos agrícolas, como nas perdas nos biente neste domínio:
sistemas de distribuição de água para con- — Portugal tem no seu litoral zonas par-
sumo humano. Por negligência continua- ticularmente sensíveis, protegidas por con-
mos a perder cerca de 40 % da água para venções internacionais, como a de Ramsar
consumo humano na rede de distribuição, para a salvaguarda das zonas húmidas.
assim como na actividade agrícola; Destacam-se, de norte para sul, a ria de
— lentidão na transposição do exigente Aveiro, os estuários do Tejo e do Sado e a
enquadramento jurídico europeu da água, ria Formosa;
bem como dificuldades na adopção da vi- — o litoral português é particularmente
são integrada que este promove. Continua vulnerável à poluição por hidrocarbonetos,
por preencher a necessidade de uma ex- devido à travessia diária de centenas de
tensa e coerente adopção dos princípios do petroleiros. Um dos doze maiores derra-
poluidor-pagador e do utilizador-pagador. mes da história ocorreu na costa portu-

192
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

guesa, em Janeiro de 1975, com o petro- maior interesse comercial. Por outro lado,
leiro Jacob Maesk , responsável pela as situações de deficiente qualidade das
descarga de 84 000 toneladas de crude. águas balneares têm um reflexo negativo
Também em 2002, o país esteve muito na importante actividade turística. Outro
perto de sofrer graves danos na sequên- aspecto, que tem sido relevante para a di-
cia do naufrágio do Prestige na costa da minuição dos impactes ambientais nas zo-
Galiza; nas costeiras, é o processo de profunda
— o nosso litoral regista elevados níveis reestruturação da política portuária nacio-
de erosão (como é o caso do troço abran- nal, onde a protecção ambiental e uma
gendo Espinho, Cortegaça e Furadouro): maior racionalização dos recursos têm sido
registam-se pressões dos sectores do tu- duas prioridades estratégicas;
rismo e da construção; tem ocorrido uma — as pressões turísticas são também
forte diminuição da deposição de sedimen- responsáveis por alguns conflitos signifi-
tos em virtude da alteração do caudal de cativos no que concerne ao ordenamento
rios fortemente intervencionados por obras do litoral. Os planos de ordenamento da or-
hidráulicas (< 85 % da área drenada) e, la costeira (POOC) têm enfrentado resis-
eventualmente, no âmbito de mudanças tências fortes por parte de governos muni-
globais profundas, associadas às altera- cipais e de alguns grupos económicos;
ções climáticas; — Portugal tem lutado para manter a
— do ponto de vista económico, Portu- protecção dos oceanos como um tópico
gal é particularmente sensível à evolução em aberto na agenda ambiental internacio-
dos stocks das espécies piscícolas com nal. Nesse sentido, podemos registar como

Fontes: adaptado de VEIGA DA CUNHA et al., 1980, e de CORREIA; SILVA, 1996.

193
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A costa algarvia: exemplo da pressão turística sobre o litoral.

positivo o facto de ter sido atribuída a Por- (IQar). Os poluentes abrangidos nesse ín-
tugal, no âmbito da UE, a Agência Euro- dice são os seguintes: o dióxido de azoto,
peia para a Segurança Marítima, que, infe- o dióxido de enxofre, o ozono, o monóxido
lizmente, continua sem ter instalações de carbono e partículas inaláveis. Apesar
adequadas ao seu pleno funcionamento. das insuficiências de cobertura, tem-se re-
gistado uma melhoria no funcionamento
O ar dos mecanismos de informação à popula-
Apesar da exposição das áreas mais den- ção em caso de ultrapassagem dos valo-
samente povoadas de Portugal aos ventos res-limite, efectuando-se já diariamente
oceânicos, o país apresenta algumas áreas uma previsão da qualidade do ar para o
críticas em matéria de poluição atmosféri- dia seguinte. No que respeita à qualidade
ca. O aumento da urbanização e o grande do ar, Portugal tem um contencioso com a
incremento do transporte rodoviário estão Comissão Europeia dados os elevados ní-
entre as causas principais para a degrada- veis de partículas inaláveis nalgumas esta-
ção da qualidade do ar na Europa e em ções de monitorização: tem de diminuir
Portugal. imenso as emissões de partículas inalá-
As áreas mais sensíveis, às quais cor- veis, em particular com origem no tráfego
respondem as estações de uma rede de (em Lisboa e Porto).
medição da qualidade de ar, que se deve Entre 1990 e 2003 houve uma redução
considerar insuficiente, são as áreas urba- significativa da emissão de substâncias
nas, em particular Lisboa e Porto, e algu- acidificantes (da ordem dos 15 %), nomea-
mas zonas industriais, como é o caso de damente pelo significativo decréscimo nas
Barreiro-Seixal, Estarreja e Sines. A rede emissões de dióxido de enxofre, que tem
de medição da qualidade do ar está a cargo sido objecto de reduções nos combustíveis
das comissões de coordenação e desen- usados nas centrais térmicas e na gasolina
volvimento regional (CCDR), e o resultado e gasóleo. Registou-se, igualmente, um li-
do tratamento da informação traduz-se na geiro aumento nos últimos anos na emissão
produção do índice da qualidade do ar das substâncias precursoras do ozono tro-

194
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

posférico, a saber, óxidos de azoto, com- resíduos de embalagem) terá ainda de se


postos orgânicos voláteis não metálicos, o esforçar muito de modo a poder contribuir
monóxido de carbono e o metano, o que para uma efectiva mudança de curso num
compromete o cumprimento por Portugal sentido mais favorável, permitindo ao país
tanto das metas do Protocolo de Gotem- o atingir das metas de reciclagem fixadas
burgo para 2010 como dos objectivos da no quadro europeu.
directiva da UE sobre tectos de emissão Alguns progressos têm, igualmente,
nacionais para o mesmo ano. ocorrido nos resíduos hospitalares, com o
No que ao ozono estratosférico diz res- encerramento de obsoletos sistemas de in-
peito, as avaliações efectuadas pelo Ins- cineração localizados em numerosas uni-
tituto de Meteorologia (IM) indicam que dades hospitalares. Contudo, a situação já
Portugal tem sofrido perdas de 3 % por não é tão favorável no que respeita aos re-
década, ao longo dos últimos trinta anos, síduos industriais perigosos. Por duas ve-
valores semelhantes aos obtidos em outras zes, em finais da década de 80 e em 1994-
regiões do hemisfério norte, situadas à -1995, foi tentada a construção de um
mesma latitude. Por outro lado, o estudo do sistema de incineração dedicada para este
processo de implementação do Protocolo tipo de resíduos. Entre 1998 e 2002 foi ten-
de Montreal (1987) mostra que o combate tada uma solução na base da co-incine-
às substâncias responsáveis pela deple- ração em duas unidades cimenteiras. As
ção da camada de ozono se tem limitado à soluções alternativas para os diferentes
adopção das directivas europeias nesse segmentos de resíduos, como os solventes
domínio. ou os óleos usados, têm suscitado debate
e iniciativas. O XV Governo Constitucional,
Resíduos por seu turno, pretendeu implementar uma
Os maiores sucessos têm ocorrido na área opção distinta baseada em Centros Inte-
dos resíduos sólidos urbanos (RSU). A par- grados de Recuperação, Valorização e Eli-
tir de 1996 foi lançado um Plano Estratégi- minação de Resíduos Perigosos. Em 2006,
co de Resíduos Sólidos Urbanos (PERSU). o governo voltou à opção da co-incine-
Em Janeiro de 2002, a última de 328 lixei- ração, sem que os protestos de autarcas e
ras municipais, no continente português, associações cívicas tivessem conhecido
deixou de receber resíduos. Repare-se que abrandamento.
em 1997 apenas 48 % dos RSU tinham um
destino final considerado aceitável. Encon- Prevenção e mitigação de riscos
tra-se, actualmente, em preparação a se- naturais e ambientais
gunda versão desta estratégia (PERSU II). Entre os principais riscos naturais e am-
Os aspectos negativos no que concer- bientais identificáveis no nosso país devem
ne aos RSU situam-se no enorme incre- destacar-se:
mento da sua capitação ao longo da última — o risco sísmico. Em Portugal é uma
década, em paralelo com o aumento da ameaça latente, imprevisível no tempo,
capacidade aquisitiva da população portu- com repercussões potencialmente catas-
guesa. As medidas tomadas no sentido de tróficas na parte sudoeste do território, par-
uma estratégia preventiva fundada na trilo- ticularmente em Lisboa e Vale do Tejo e no
gia da redução-reutilização-reciclagem Algarve. Na faixa litoral algarvia e no litoral
têm-se revelado insuficientes. As metas de ocidental a sul de Peniche acrescenta-se o
reutilização estão longe do estabelecido perigo de maremoto;
pelo governo e a criação da Sociedade — os incêndios florestais, que consti-
Ponto Verde (voltada para a reciclagem de tuem o maior risco das florestas portugue-

195
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Os incêndios florestais: gravíssimos prejuízos ambientais, económicos e sociais.

sas. Deles têm resultado um número eleva- — a desertificação : trata-se de um pro-


do de acidentes pessoais (mais de 50 cesso complexo que abrange cerca de um
mortos nas últimas décadas) e prejuízos terço da área continental do país. As situa-
económicos de centenas de milhões de eu- ções de risco mais grave situam-se no
ros. Em três anos (2003 a 2005) arderam Alentejo, particularmente na bacia do Gua-
aproximadamente 8 % de todo o território diana, no litoral algarvio, vale do Douro, em
nacional (não só florestas, mas sim toda a Trás-os-Montes e zona da raia na Beira
área, incluindo Açores e Madeira): cerca Baixa;
de 880 000 hectares!; — as alterações climáticas : para além
— as cheias e inundações, que no terri- dos impactes económicos negativos, cons-
tório de Portugal Continental se verificam so-
Cheias na bacia do Tejo.
bretudo nas áreas urbanizadas das planí-
cies aluviais dos principais rios do país (ex:
Tejo, Douro, Mondego, Sado e Guadiana),
mas também em pequenas bacias hidrográ-
ficas sujeitas a cheias rápidas ou repentinas;
— os fenómenos de erosão no litoral,
que no último século têm uma etiologia
complexa: i) a diminuição do afluxo de se-
dimentos, sobretudo a partir dos anos
1950, na sequência da construção de bar-
ragens; ii) a ocupação desregrada da faixa
litoral, com construção de habitações e in-
fra-estruturas; iii) a subida eustática do ní-
vel do mar em consequência da expansão
térmica oceânica;
— a erosão hídrica do solo, que se ca-
racteriza pela remoção do material superfi-
cial do solo, conduzindo à degradação dos
seus potenciais agrícola e ecológico;

196
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

A desertificação dos solos: uma das consequências das alterações climáticas.

tituem um factor transversal e catalisador ções climáticas, seriam muito graves, con-
no incremento de múltiplos riscos. No lon- tando-se entre elas: a) mais desertifica-
go prazo, e de acordo com os resultados ção; b) mais incêndios; c) mais fenómenos
do Projecto SIAM Climate Change in Portu- extremos (tal foi o caso da onda de calor
gal. Scenarios, Impacts and Adaptation de Julho-Agosto de 2003, que terá causa-
Measures (publicados em dois relatórios, do, só em Portugal, um excesso de cerca
em 2002 e 2006), as consequências pro- de 2000 mortes; d) propagação de vecto-
jectadas para o nosso país, incluindo as res de doenças hoje consideradas extin-
regiões autónomas da Madeira e Açores, tas ou controladas (como é o caso da ma-
como resultado do incremento das altera- lária).

Conclusões
e perspectivas
Em síntese, apesar dos passos institucio-
nais positivos já levados a cabo nas políti-
cas públicas de ambiente, Portugal conti-
nua a manifestar grandes dificuldades em
enfrentar as maiores ameaças ambientais,
em particular as que se prendem com cin-
co domínios fundamentais: a) contribuição
para as alterações climáticas; b) erosão
costeira e desertificação; c) perda de bio-
diversidade; d) expansão descontrolada
da área construída; e) excessivo desperdí-
cio de água nos usos urbano e agrícola.
Para se poder inverter esta situação,
poderemos reduzir a cinco as grandes
prioridades de longo prazo da política am-
biental portuguesa:

197
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Almada: um pormenor da desarmonia urbana.

— mais e melhor informação : Portugal mínio do urbanismo, transportes e infra-


tem de se apetrechar com os meios cientí- -estruturas; no horizonte fundamental da
ficos e técnicos para ser capaz de ter uma política hídrica, envolvendo as águas inte-
imagem permanentemente actualizada do riores, mas também a orla costeira e os
estado do ambiente, nas suas diversas oceanos. Para dar coerência e cimentar to-
frentes. Sem uma base de dados ambien- dos esses planos Portugal necessita de
tal permanentemente actualizada não será uma verdadeira e operacional Estratégia
possível abandonar o campo inseguro das Nacional de Desenvolvimento Sustentável;
decisões políticas tomadas sem uma fun- — mais e melhor coordenação : a políti-
damentação objectiva suficiente; ca de ambiente não é da exclusiva com-
— mais e melhor planificação : Portugal petência do Ministério do Ambiente. Ela
precisa de planos para serem efectivamen- deve ser pensada e executada como polí-
te executados. Planos nas áreas do de- tica do conjunto do governo e baseada em
senvolvimento sustentável, de modo a in- largos consensos políticos e sociais. To-
troduzir a fiscalidade verde como meio de dos os segmentos da administração públi-
concretizar os princípios consagrados do ca, nomeadamente as autarquias, devem
poluidor-pagador e do utilizador-pagador; estabelecer objectivos ambientais e for-
na área dos resíduos de todos os tipos; nas mas de coordenação para o seu cumpri-
esferas da educação ambiental e da con- mento. Sem essa coordenação, a produ-
servação da natureza; nos domínios da se- ção de planos, programas e estratégias
gurança no trabalho, saúde pública (atra- não se traduzirá na modelagem positiva e
vés de programas de acção nas áreas do transformadora da realidade, mas antes
ambiente e saúde), agricultura; padrões de numa ruidosa ineficácia burocrática;
consumo; no âmbito da conservação, efi- — melhor participação : a política de
ciência e substituição energéticas; no do- ambiente visa atingir a sustentabilidade,

198
O ambiente
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O ambiente

isto é, contrariar a presente rota de colisão de Estudos do Ordenamento do Território


entre a nossa civilização tecnocientífica e e Ambiente (GEOTA);
os ecossistemas naturais de que depen- — maior responsabilização : é preciso
demos. A sociedade civil tem de ter, quer que os responsáveis e agentes políticos e
através de cada cidadão, quer por via dos económicos sejam responsabilizados pe-
diversos tipos de associativismo, uma pa- los seus actos. As políticas têm de ser mo-
lavra a dizer tanto na formulação como na nitorizadas e avaliadas. Isso implica, entre
implementação das políticas sectoriais e outras coisas, uma maior celeridade nos
globais do ambiente. A participação das mecanismos da justiça, sem o que o Esta-
organizações não governamentais de am- do de direito não passará de pura retórica.
biente (ONGA) deve ser ampliada e a sua Um mais rigoroso acompanhamento da
voz escutada, em particular a daquelas execução das políticas permitirá verificar
cujo contributo para a agenda ambiental qual o grau de fiabilidade da informação
portuguesa tem sido mais relevante, como usada, qual o êxito dos planos e da sua im-
é o caso da Quercus-Associação Nacional plementação, e quais os resultados permi-
de Conservação da natureza, da Liga para tidos por modalidades crescentemente
a Protecção da natureza (LPN) e do Grupo complexas de coordenação e participação.

199
O ambiente
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
João Ferreira do Amaral

A descrição da evolução da econo-


mia portuguesa nos últimos trinta
anos pode ser facilitada pela parti-
ção deste período em quatro subperíodos.
Consideraremos, em primeiro lugar, o pe-
aumentado a uma taxa média anual de 6 %
anuais, o que permitiu que o rendimento
per capita tivesse triplicado nesses vinte
anos. No entanto, este forte crescimento foi
acompanhado por desequilíbrios crescen-
ríodo dos quase doze anos que vão da revo- tes em diversos domínios. A agricultura
lução de 25 de Abril de 1974 à adesão à en- quase estagnou e viu o seu peso no PIB di-
tão Comunidade Económica Europeia (CEE) minuir de 26 % em 1953 para 11 % vinte
(1986), em que o país, ao mesmo tempo que anos depois, sendo o crescimento induzido
instituía o poder democrático, teve de en- fundamentalmente pela indústria transfor-
frentar dois choques petrolíferos e as conse- madora e pela construção, a que se juntou
quências imediatas da descolonização. o turismo já na década de 60. Foi um perío-
No segundo período — 1986-1990 — a do de intensa industrialização, acompa-
economia portuguesa beneficiou de um nhada pelo correspondente urbanismo,
conjunto extremamente favorável de condi- bem expresso no crescimento do peso na
ções, que resultaram da melhoria do fun- economia do investimento em habitação.
cionamento da economia mundial e dos im- Foram-se assim desenvolvendo as
pactes positivos imediatos da adesão à áreas metropolitanas de Lisboa e Porto,
CEE. constituindo este desenvolvimento um dos
O terceiro período, que vai de 1991 a factores do rápido crescimento do sector
1998, foi o da política de convergência da construção civil, sendo, ao mesmo tem-
destinada a permitir a adesão do país à zo- po, causa de significativa concentração de
na do euro, o que efectivamente veio a su- meios financeiros na actividade especulati-
ceder. va sobre preços de terrenos.
Finalmente, o último período, de 1999 à A industrialização trouxe consigo um
actualidade, é o da inserção da economia forte acréscimo da produtividade e de
europeia na moeda única. bem-estar.
No entanto, só foi possível financiar esta
industrialização de forma relativamente
A evolução económica
suave devido à emigração, não só por esta
do 25 de Abril à adesão
resolver eventuais problemas de desem-
à CEE
prego, como também pelas remessas que
Quando se dá a revolução de Abril de 1974 os emigrantes continuavam a enviar para
a economia portuguesa encontra-se em Portugal a partir dos países onde trabalha-
profundo desequilíbrio (Amaral, 1999). vam. A emigração tinha aumentado princi-
O crescimento económico das duas déca- palmente a partir da década de 60, tendo
das anteriores tinha sido, é certo, muito rá- desde essa altura e até 1973 saído para a
pido, tendo o produto interno bruto (PIB) Europa, em particular França, cerca de um

203
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

quarto da população activa portuguesa. Com uma agricultura estagnada e uma


A necessidade de importar matérias-primas mão-de-obra rural que emigrava para o ex-
e equipamentos decorrente da industriali- terior ou para as áreas metropolitanas, o
zação e a relativa estagnação da agricul- crescimento tornou-se também muito dese-
tura agravaram significativamente o défice quilibrado em termos espaciais, tendo lar-
comercial com o exterior. No entanto, este gas zonas do interior sofrido um forte des-
défice, na década de 60, era mais que povoamento, enquanto as actividades
compensado pelas remessas dos emigran- industriais se concentravam no litoral. Era,
tes, cujo saldo chegou a atingir 8 % do PIB pois, um crescimento rápido mas que esta-
em 1973. Nestas condições, encontrava-se va minado por desequilíbrios profundos
escondida uma situação de grande vulne- que tornavam a economia muito vulnerável
rabilidade, pois a economia estava cada a qualquer crise conjuntural que entretanto
vez mais dependente da importação de surgisse. E isso sucedeu, de facto, em
produtos essenciais sem que as receitas 1973, com a primeira crise do petróleo.
das exportações permitissem uma cobertu- O aumento do preço internacional do
ra adequada. petróleo registado naquele ano levou ao
Um outro desequilíbrio estrutural era o acelerar de tensões inflacionistas já exis-
relativo ao capital humano. A Guerra Colo- tentes, tendo o crescimento dos preços
nial, desencadeada a partir de 1961, ia exi- atingido mais de 25 % nos finais de 1973,
gindo um esforço financeiro crescente do inícios de 1974. Ao mesmo tempo, a balan-
Estado, deixando para plano secundário o ça comercial desequilibrava-se ainda mais
investimento público em infra-estruturas e em virtude da quadruplicação da factura
em educação. Mas mesmo antes da guerra petrolífera, tudo isto num clima de especu-
a educação estivera longe de constituir uma lação financeira proporcionado pelos movi-
prioridade do regime ditatorial. Isso levou a mentos de fusão no sector bancário, que
que no início dos anos 70 a população por- acima referimos.
tuguesa apresentasse um baixíssimo nível Dá-se então neste contexto a revolução
de escolaridade por comparação com os de 25 de Abril de 1974.
restantes países europeus. Aos governos saídos da revolução de-
Este período assistiu também a uma parava-se, assim, uma economia em crise,
abertura significativa da economia portu- a que se juntaram novos problemas que
guesa em relação ao exterior, através da surgiram na sequência da mudança de re-
participação na Associação Europeia de gime. Destes, o mais grave foi porventura o
Comércio Livre (EFTA) desde o início, em do retorno, durante 1974 e 1975, de mais
1960, o que proporcionou um crescimento de 500 000 retornados das ex-colónias
muito rápido das exportações de mercado- (mais de 5 % da população portuguesa;
rias. ver Pires et al., 1984) fugindo das dificulda-
Mas o crescimento mais rápido veio não des decorrentes da descolonização.
das exportações de mercadorias mas sim A partir de certa fase da revolução, as
dos serviços, em particular do turismo. As autoridades consideraram que para con-
exportações de serviços passaram de solidar o novo regime era necessário des-
3,2 % do PIB em 1953 para 5,4 % em 1973. truir a base económica de apoio ao ante-
No entanto, e como se referiu acima, ape- rior, que se considerava residir no poder
sar de rápido, o crescimento das exporta- dos grandes grupos económico-financei-
ções de mercadorias e de serviços não foi ros e dos grandes proprietários rurais. Daí
suficiente para compensar o maior aumen- que, no seguimento do golpe militar abor-
to das importações. tado de 11 de Março de 1975, as autorida-

204
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

A redução da emigração em meados dos anos 70 mostrou até que ponto esse factor social era
fundamental para a economia portuguesa.

des tivessem decidido nacionalizar todas Quando, em 1976, se instituiu o regime


as instituições bancárias portuguesas e a constitucional com a entrada em funções
maior parte da indústria de base e dos do I Governo Constitucional, presidido por
grandes serviços públicos. O sector na- Mário Soares, a situação económica portu-
cionalizado, ou sector empresarial do Es- guesa apresentava-se muito difícil. As na-
tado, como veio a ser chamado, passou a turais perturbações da revolução e a crise
representar 8 % do PIB e 18 % do investi- internacional decorrente do choque petrolí-
mento do país. fero tinham feito baixar o PIB em 1975 quase
Por outro lado, tentou-se resolver o 5 por cento. A inflação continuava elevada,
problema do sector agrícola através de embora tivesse sofrido uma desaceleração
uma reforma agrária, que se entendeu em 1975 em relação a 1974. O problema do
principalmente como a expropriação de desemprego apresentava-se muito comple-
latifúndios na zona sul do país. Assim, cer- xo, com os retornos das ex-colónias e com
ca de um milhão de hectares passaram a redução drástica da emigração imposta
para propriedade do Estado (embora tem- pelas autoridades dos países de destino
porariamente, como se verificaria mais tar- normal da emigração portuguesa para a
de), tendo a exploração dessas terras Europa, países que estavam, eles próprios,
passado a ser realizada por unidades co- a braços com aumentos significativos do
lectivas de produção. desemprego. A redução do fluxo de emi-
Entretanto, a inflação que vinha da crise gração, só por si, punha em causa o precá-
do petróleo provocou um surto de reivindi- rio equilíbrio do modelo de crescimento
cações salariais que, conjuntamente com a prosseguido antes do 25 de Abril, em que,
fixação de um salário mínimo logo em como se viu, a emigração tinha um papel
1974, levou, no período de 1974-1976, a amortecedor fundamental.
um aumento de 51 % nas remunerações Dadas estas dificuldades, não é de ad-
pagas, fazendo crescer muito o peso das mirar que entre 1974 e 1976 o nível de vida
remunerações no rendimento nacional, tenha descido, uma vez que a população
mas pondo em risco a competitividade das cresceu cerca de 7,7 % nesse período e o
indústrias de exportação. consumo privado apenas 4,4 por cento.

205
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Vista em perspectiva, no entanto, a que- da balança de pagamentos. Esse acordo


da foi inferior ao que as dificuldades pode- foi assinado em Maio de 1978 já pelo go-
riam fazer prever. Isso só foi possível devi- verno seguinte (II Governo Constitucional,
do a um aumento grande do défice com o de novo presidido por Mário Soares), e veio
exterior, tendo a taxa de cobertura das im- a revelar-se um instrumento eficaz para re-
portações pelas exportações, agravada duzir o desequilíbrio externo. Na realidade,
pela perda das exportações para as anti- no ano seguinte, 1979, em resultado da
gas colónias, descido de 60 % em 1973 aplicação do programa resultante do acor-
para 41 % em 1976. Foi no entanto possí- do, a balança de transacções correntes es-
vel, durante algum tempo, sustentar este tava de novo equilibrada. Para isso, tinha
desequilíbrio com o exterior utilizando as sido necessário desvalorizar mais o escu-
reservas de ouro e divisas acumuladas do e impor limites rigorosos ao crédito ban-
desde a década de 60 e recorrendo ao en- cário.
dividamento no exterior. Quanto ao défice público em 1978, em
No entanto, rapidamente se estava che- vez de diminuir aumentou e manteve-se
gando aos limites das possibilidades de fi- elevado em 1979, não contribuindo assim
nanciar os défices crescentes da balança para o equilíbrio externo.
de transacções correntes (8,2 % do PIB em O problema que se tinha agravado em
1976 e 9,2 % em 1977). Alguma coisa teria 1977-1979 era a inflação, devido à necessi-
de ser feita para reduzir decisivamente o dade de desvalorizar mais o escudo, pelo
défice. que o novo governo que entretanto tomara
Assim, logo em Fevereiro de 1977 o go- posse deu, em 1980, prioridade à redução
verno decidiu desvalorizar 15 % o escudo da inflação. Este objectivo foi, na verdade,
(Lopes, 1996) para tentar incentivar as ex- conseguido através de uma valorização
portações, ao mesmo tempo que reforçava pontual do escudo. No entanto, por esse
algumas restrições às importações e impu- ano de 1980, começavam-se a sentir as
nha um tecto salarial também de 15 por consequências do segundo choque petrolí-
cento. Simultaneamente, para evitar conse- fero. De novo, o aumento geral de preços
quências sociais demasiado negativas, ins- do petróleo e o crescimento da respectiva
tituía-se um cabaz de compras de produtos factura vieram perturbar intensamente o
essenciais a preços subsidiados. funcionamento da economia portuguesa,
Entretanto, o crescimento económico num momento em que mal estava refeita
tinha voltado a ser positivo em 1976 e em ainda dos efeitos do programa de 1978.
1977, muito sustentado pelo aumento da Mas a situação internacional piorou ainda
despesa pública. Este crescimento não de outra forma.
induzido pelas exportações acabava, po- Registavam-se então uma apreciação
rém, por agravar o défice externo em vir- do dólar e um aumento significativo das ta-
tude do aumento que provocava nas im- xas de juro internacionais, o que constituía
portações de matérias-primas e de bens um peso adicional sobre os encargos que
de consumo. a economia portuguesa tinha de pagar pe-
Confrontadas com o nível excessivo de lo seu endividamento no exterior. A juntar
défice externo, que a desvalorização do ao défice acrescido da balança comercial,
escudo em Fevereiro de 1977 não conse- tudo isto se traduziu, assim, num agrava-
guira inflectir, as autoridades intensificaram mento do desequilíbrio da balança de tran-
negociações com o Fundo Monetário Inter- sacções correntes com o exterior. Desta
nacional (FMI) com vista à obtenção de um forma, a partir de 1980 a economia portu-
acordo para um programa de estabilização guesa começou a acumular défices exter-

206
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

nos que, numa primeira fase, foram sendo que não se verificava desde 1975, o perío-
cobertos através do recurso à dívida exter- do mais instável da revolução. A formação
na, que duplicou em pouco mais de quatro bruta de capital fixo desceu 25 % em 1983-
anos. Em 1982 o défice da balança de tran- -1984, atrasando a modernização da eco-
sacções correntes representava 13,8 % do nomia e prejudicando o crescimento futuro.
PIB e começava a ser difícil encontrar fi- A queda do PIB levou a um aumento do de-
nanciadores externos que não exigissem semprego para quase 9 % da população
garantias excessivas para realizarem os activa, ao mesmo tempo que muitos traba-
empréstimos. lhadores preferiam trabalhar sem recebe-
Em meados de 1983, o novo governo rem temporariamente o seu salário, para
saído das eleições entretanto realizadas, manterem os seus postos de trabalho. O ní-
dirigido de novo por Mário Soares, consi- vel de vida desceu significativamente, tendo
derou o reequilíbrio externo a prioridade o consumo privado registado uma quebra
absoluta da política económica e acordou de quase 3 por cento. Surgiram situações
novo programa de estabilização com o FMI sociais muito difíceis, tendo-se detectado
(Lopes, 1996), o qual deveria abranger o numerosos casos de subnutrição nalgumas
restante do ano de 1983 e a totalidade de zonas do país, em particular na península
1984. O programa impunha uma forte des- de Setúbal.
valorização do escudo, um aumento da ta- Enquanto se realizava esta difícil políti-
xa de juro, limites mais estritos ao crédito ca de reequilíbrio externo, com as conse-
bancário e uma significativa redução da quências sociais que descrevemos, pros-
despesa pública, em particular do investi- seguiam a bom ritmo as negociações finais
mento e dos subsídios aos preços de cer- para a entrada na CEE, a qual Portugal ti-
tos bens. Impunha também um imposto nha solicitado desde 1977. As negocia-
extraordinário sobre o rendimento e, ao ções foram terminadas a tempo de o trata-
mesmo tempo, as negociações salariais do de adesão vir a ser assinado em 1985,
para 1984 fizeram-se com base em valores sendo Portugal um dos membros da CEE,
muito inferiores à inflação esperada. O pro- em adesão simultânea com a Espanha, a
grama teve um enorme sucesso do ponto partir de 1986.
de vista do reequilíbrio externo, pois o défi- É possível, em perspectiva, ter uma vi-
ce da balança de transacções correntes são geral do período de 1974 a 1985.
desceu drasticamente em 1984 e registou- A economia portuguesa demonstrou
-se em 1985 um pequeno saldo positivo. uma notável flexibilidade, conseguindo com
No entanto, os custos sociais e económi- êxito absorver choques de grande dimen-
cos resultantes do programa foram tam- são: os dois choques petrolíferos e as prin-
bém muito elevados. cipais consequências da descolonização.
Devido ao acelerar da desvalorização O choque petrolífero de 1973-1974 teve
do escudo, a inflação cresceu até cerca de como consequência acabar com os equilí-
30 %, o que levou os salários reais a des- brios precários das décadas anteriores,
cerem em 1984 cerca de 8 %, valor que di- criando uma situação de aberto desequilí-
ficilmente encontra paralelo na Europa em brio que obrigou a um ajustamento de
situações de paz. A redução da procura in- grande dimensão, agravado pelo segundo
terna devido ao aumento da taxa de juro, à choque, cujos efeitos se fizeram sentir a
limitação do crédito e à redução do défice partir de 1980. Com respeito à descoloni-
público (desta vez efectivamente consegui- zação, a economia conseguiu integrar no
da, ao contrário de 1978) levou a que o va- mercado de trabalho grande parte dos re-
lor do PIB em 1984 descesse quase 2 %, o tornados e ultrapassar a perda dos merca-

207
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

dos privilegiados das ex-colónias, de uma teve, sendo o sector perturbado pela
forma que se revelou muito mais eficaz do instabilidade resultante da polémica sobre
que noutros países europeus que sofreram a reforma agrária.
situações semelhantes. Tudo isto enquanto Por outro lado, a necessidade de absor-
se instalavam as novas instituições demo- ver as consequências da descolonização,
cráticas e se tentava democratizar o poder apoiando os retornados e integrando os
económico. funcionários públicos das ex-colónias, a
Nestas condições e dadas as circuns- subida das despesas sociais e o saldo ne-
tâncias adversas, o crescimento global po- gativo de algumas empresas públicas fize-
de ser considerado muito satisfatório, com ram elevar o défice do sector público admi-
uma taxa média anual de crescimento do nistrativo.
PIB de 2,2 % entre 1974 e 1985, da mesma Finalmente, mas não em último lugar, os
ordem de grandeza da média comunitária. custos dos ajustamentos conjunturais inci-
Os sectores sociais, educação, saúde e, diram principalmente sobre os salários. Em
especialmente, segurança social desenvol- parte este ajustamento justificava-se, uma
veram-se em grande ritmo e o sector públi- vez que os aumentos salariais de 1974 fo-
co empresarial manteve um alto nível de in- ram claramente excessivos. Porém, a ver-
vestimento, embora nem sempre bem dade é que, na globalidade, os salários
orientado. acabaram por sofrer mais que o previsível,
Mas os aspectos negativos são também o que terá provavelmente a ver com o facto
patentes. As dificuldades políticas torna- de os trabalhadores privilegiarem mais o
ram impossível a existência de governos emprego que os aumentos salariais.
estáveis que executassem uma política de Na realidade, embora a taxa de desem-
médio prazo que permitisse desfazer blo- prego tivesse subido, principalmente em
queios tradicionais, em particular o da qua- 1984, o certo é que não atingiu níveis in-
se estagnação da agricultura, que se man- comportáveis e nem sequer os valores de

Manifestação pela reforma agrária.

208
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

Cerimónia de assinatura da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia.

outros países europeus que enfrentaram em relação aos países comunitários Portu-
neste período condições muito menos ad- gal era uma economia relativamente aberta
versas. (Mateus, 1998). A CEE era, aliás, já na altu-
Com a adesão à CEE uma nova era vai ra, o principal destino das exportações por-
começar. tuguesas. A adesão implicou o abatimento
das restrições ainda existentes e a adop-
ção da pauta exterior comum, o que se rea-
Da adesão à CEE à
lizou dentro do calendário previsto sem
política de convergência
consequências de maior.
(1986-1990)
Já no que respeita às relações com Es-
A adesão de Portugal à CEE coincide com panha se verificou um impacte muito signifi-
a adesão da Espanha e é praticamente si- cativo. Embora vizinhos, os países ibéricos
multânea também da entrada em vigor do constituíam duas economias praticamente
Acto Único Europeu. Ambas estas coinci- de costas voltadas. Assim, ainda em 1985
dências vão ter grandes consequências as exportações portuguesas para Espanha
sobre a evolução da economia portuguesa, não ultrapassavam 4 % do total. Com a
embora a segunda, na sua maior parte, se adesão simultânea dos dois países tudo se
faça sentir apenas depois de 1990. modificou. Abateram-se as barreiras co-
Quando da adesão, Portugal tinha já merciais e rapidamente a Espanha passou
uma larga experiência de condições de li- a ser o principal fornecedor de Portugal e o
vre comércio na Europa. Membro fundador seu segundo maior cliente, a seguir à Ale-
da EFTA em 1960 (onde, contudo, gozava manha (na actualidade, é já a Espanha o
de um regime especial), tinha assinado em país nosso maior cliente). A adesão trouxe,
1972 um acordo comercial com a CEE. assim, um impacte imediato positivo na
E embora durante o período mais aflitivo de criação de comércio entre os dois países.
desequilíbrio externo tivesse aumentado al- O segundo impacte imediato de grande
gumas das suas barreiras ao comércio, in- importância foi o dos fundos estruturais.
troduzindo uma sobretaxa à importação e A entrada de fundos estruturais desde
restrições quantitativas, pode dizer-se que 1986, a que se seguiu a respectiva dupli-

209
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

cação em 1989 e de novo uma duplicação para Espanha), ambos com taxas de cres-
em 1994 (invocando o princípio do reforço cimento anual próximas dos 10 por cento.
da coesão económica e social constante A inflação anual, embora ainda elevada
do Acto Único Europeu), teve um duplo (11 % na média dos cinco anos) foi muito
efeito positivo: permitiu, em primeiro lugar, inferior à média do período anterior (supe-
um crescimento muito rápido do investi- rior a 20 %), e o défice do sector público
mento em infra-estruturas públicas, que ti- não excedeu em nenhum ano os 8 % do
nha sido reduzido, principalmente em 1983 PIB contra uma média superior a 10 % nos
e 1984 devido às restrições orçamentais cinco anos anteriores. As taxas de escola-
derivadas do programa de reequilíbrio ex- rização a partir do 8.o ano de escolaridade
terno, assim como a realização de um aumentaram muito significativamente,
grande número de acções de formação com especial relevância para o ensino su-
profissional, domínio que até aí era quase perior, que registou um aumento de 40 %
inexistente. no número de alunos entre 1986 e 1990.
O segundo aspecto positivo foi o de os O investimento público em vias de co-
fundos comunitários terem permitido um fi- municação teve um grande impulso e os
nanciamento externo sem custo na altura indicadores sociais melhoraram substan-
em que as remessas dos emigrantes per- cialmente, registando, por exemplo, a
diam peso relativo no PIB (de 9 % em 1985 mortalidade infantil uma diminuição de
para 6,7 % em 1990), acompanhando a 17,8 por mil em 1985 para 10,9 por mil em
progressiva saída da vida activa no estran- 1990 (INE, 1992).
geiro dos emigrantes que tinham abando- O crescimento continuava assente basi-
nado o país na década de 60. camente na indústria (esta apoiada por um
Estes estímulos próprios da economia programa especial financiado pela Comu-
portuguesa, acompanhados pelo bom mo- nidade Europeia, o Programa Estratégico
mento da economia internacional (em parti- de Dinamização e Modernização da Indús-
cular da europeia), pelas quedas do preço tria Portuguesa — PEDIP), na construção
do petróleo e do dólar (que provocaram um civil (em resposta ao investimento público)
enorme ganho de razões de troca com o e no turismo, enquanto a agricultura reve-
exterior) e ainda pela descida das taxas de lava dificuldades de adaptação à política
juro internacionais, permitiram que a eco- agrícola comum, apesar de também
nomia portuguesa crescesse muito rapida- apoiada num programa especial comuni-
mente sem problemas externos pela pri- tário para Portugal, o PEDAP, para além
meira vez desde o 25 de Abril. Foi um de receber os apoios gerais do Fundo Eu-
período de grande optimismo, que ficou ropeu de Orientação e Garantia Agrícola
conhecido pelo período áureo do «cava- (FEOGA).
quismo», do nome do então primeiro-mi- Novos grupos económicos se foram se-
nistro Cavaco Silva, que, permanecendo dimentando em torno da grande distribui-
dez anos seguidos à frente do governo, re- ção, da construção civil e de alguns secto-
flectiu uma estabilidade política desconhe- res industriais. No entanto, e apesar da
cida desde 1974. Entre 1986 e 1990 o PIB instalação de novos bancos privados, o
cresceu ao ritmo de 5,5 % ao ano, o que o sector financeiro continuava a ser maiorita-
aproximou do crescimento que se registara riamente público, uma vez que as privatiza-
durante o «arranque» da economia portu- ções só se realizariam nos anos 90.
guesa nos anos 50 e 60. Este crescimento O impacte dos fundos estruturais comu-
foi induzido fundamentalmente pelo inves- nitários tornou-se sensível não só nos res-
timento e pelas exportações (em particular pectivos sectores como também a nível

210
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

macroeconómico, passando a soma do produzia nesse ano 48 % do valor acres-


Fundo Especial para o Desenvolvimento centado nacional.
Regional (FEDER), FEOGA-orientação e Esta distribuição desequilibrada da po-
PEDIP de 2,4 % da formação bruta de capi- pulação e das actividades económicas
tal fixo em 1986 para 6 % em 1990. agravou o congestionamento das áreas
Neste período, os salários reais cres- metropolitanas de Lisboa e Porto, sem que
ceram cerca de 4 % ao ano, o que permi- fosse possível às autoridades responder
tiu que o consumo privado aumentasse com a criação de uma dotação convenien-
5 % ao ano, reflectindo um aumento de te de infra-estruturas. Alargou-se assim a
bem-estar também traduzido por outros in- cintura de pobreza e de inferior qualidade
dicadores, como o aumento de 15 % na de vida nas zonas da Grande Lisboa e do
proporção de famílias possuidoras de au- Grande Porto. No entanto, estes anos de
tomóvel ou o de 42 % das que dispunham aumento rápido da prosperidade iriam bre-
de telefone. vemente chegar ao fim devido à mudança
Graças ao crescimento económico ele- do enquadramento comunitário.
vado, o desemprego baixou, passando de Em 1988, a actual União Europeia (UE)
quase 9 % da população activa em 1985 decidiu avançar para a realização da moe-
para 4,6 % em 1990. da única. As autoridades portuguesas deci-
Foi possível introduzir uma maior disci- diram que Portugal devia aderir rapidamen-
plina orçamental, embora o défice conti- te, o que levou a que a política económica
nuasse elevado, e duas reformas fiscais de portuguesa passasse a ser fortemente con-
tomo foram introduzidas: a aplicação do dicionada por este objectivo a partir dessa
imposto sobre o valor acrescentado (IVA) altura e, em particular, a partir da aprova-
desde 1986 e a aplicação dos impostos so- ção do Acordo de Maastricht nos finais de
bre o rendimento das pessoas singulares 1991.
(IRS) e colectivas (IRC) a partir de 1989.
Beneficiando de um crescimento eco-
Da política de
nómico rápido, auferindo um ganho de 15
convergência à moeda
pontos percentuais nas suas razões de tro-
única (1991-1998)
ca com o exterior e um montante signifi-
cativo de fundos estruturais, o país vivia o Não foi a adesão à moeda única o único
seu melhor momento de prosperidade des- factor condicionante da política macroeco-
de o 25 de Abril, a que se vinha juntar uma nómica neste período. Em consequência
estabilidade governamental por que muitos da realização do mercado interno estabele-
ansiavam. cido pelo Acto Único Europeu de 1987,
No entanto, apesar desta prosperidade Portugal, tal como todos os restantes paí-
global, persistiam ou agravavam-se alguns ses da então CEE, tinha-se comprometido
problemas estruturais: a agricultura não a liberalizar os movimentos de pessoas,
conseguiu sair da sua crise estrutural, ago- bens, serviços e capitais. A liberalização
ra agravada pela perda de razões de troca de mercadorias não foi especialmente im-
nos preços dos produtos agrícolas, e conti- portante dada a longa tradição de comércio
nuou o despovoamento demográfico e livre a que já fizemos referência, embora te-
económico do interior. nham sido eliminadas algumas barreiras
Em 1990, cerca de três quartos da po- que ainda persistiam.
pulação concentrava-se em zonas do litoral Como se disse, o impacte mais impor-
correspondentes a 30 % da área do conti- tante em termos de comércio externo tinha
nente. Só a região de Lisboa e Vale do Tejo sido o resultante das relações com a Espa-

211
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

nha, e derivou mais da adesão à CEE dos passassem a ser determinadas no merca-
dois países que da realização do mercado do monetário. As consequências foram
interno. muito profundas, em particular na forma de
A liberalização de serviços não foi tam- actuação da política económica.
bém muito actuante neste período, com ex- As intervenções do Banco de Portugal
cepção da que se refere aos serviços fi- na política monetária passaram a ser indi-
nanceiros. rectas, abandonando-se desde 1991 os li-
A liberalização da circulação de pes- mites ao crédito bancário (que, como se
soas podia ter tido um efeito pronunciado viu, tinham sido um eficaz instrumento de
face à tradição da emigração portuguesa política nas situações de dificuldade da ba-
para países europeus, em particular Fran- lança de pagamentos, e o valor da taxa de
ça e Alemanha. Tanto assim era que no tra- câmbio do escudo passou a estar depen-
tado de adesão foi estabelecido um perío- dente da política monetária e, em particu-
do de transição para a liberalização do lar, do valor que esta conseguisse para a
movimento de trabalhadores de Portugal taxa de juro. Para além disso, o carácter
para os países da CEE. especulativo dos mercados cambiais em
A verdade é que a realização do merca- todo o mundo tornava o valor da taxa de
do interno veio a acabar com essas restri- câmbio do escudo muito incerto, mesmo
ções mas nem por isso se notou um efeito apesar das intervenções do Banco de Por-
muito significativo de recrudescimento da tugal no mercado monetário ou nos merca-
emigração, embora alguns indicadores dos cambiais.
apontem para a sua manutenção em níveis No início dos anos 90 estava, assim,
significativos, em particular no que respeita posta em causa a utilização da taxa de
à emigração sazonal. câmbio para melhorar rapidamente a com-
A difícil situação de emprego nas eco- petitividade externa da economia portu-
nomias europeias e o crescimento rápido guesa, instrumento que tinha sido muito efi-
do salário real em Portugal na segunda caz em 1977-1978 e 1983-1984 para repôr
metade da década de 80 poderão explicar o equilíbrio da balança de transacções cor-
esta relativa contenção da emigração, em- rentes. Esta perda do instrumento cambial
bora esta não deixe de constituir uma pos- tornou-se definitiva a partir de 1999 com a
sibilidade sempre presente na sociedade adesão à moeda única.
portuguesa. Foi, no entanto, a adesão à moeda úni-
O impacte mais significativo da realiza- ca que atraiu a maior parte das atenções
ção do mercado interno foi indubitavelmente da política económica portuguesa a partir
a liberalização do movimento de capitais. do início da década.
Portugal tinha adoptado tradicionalmente Embora as condições de adesão à
um regime muito restritivo nesta matéria. moeda única só se tornassem plenamente
A exportação e importação de capitais era definidas com a aprovação do Tratado de
sujeita a autorização por parte do Banco Maastricht, já se sabia, em 1990, que para
de Portugal, a taxa de câmbio e alguns va- Portugal poder entrar teria de reduzir o seu
lores das taxas de juro eram também fixa- ritmo de inflação pois o diferencial de cres-
dos pelo Banco de Portugal. A liberaliza- cimento de preços então existente entre
ção do movimento de capitais foi gradual a Portugal e a média comunitária era dema-
partir de 1990, estando concluída em De- siado elevado para permitir uma inserção
zembro de 1992. Implicou, evidentemente, suave na moeda única, qualquer que fosse
que o valor do escudo deixasse de ser fixa- o seu processo de criação.
do administrativamente e as taxas de juro Acresce que a liberalização do movi-

212
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

Edifício do Banco de Portugal.

mento de capitais exigia, também, alguma portações permitiria às empresas portu-


estabilização do valor externo do escudo guesas alguma descompressão dos custos
para fazer ganhar credibilidade às autori- e portanto um menor crescimento de pre-
dades monetárias portuguesas e tornar o ços, o que, por sua vez, levaria a um menor
escudo menos vulnerável a especulações crescimento de salários e assim sucessiva-
nos mercados cambiais. Essa estabiliza- mente. Para estabilizar o escudo era ne-
ção implicava também, necessariamente, cessário seguir uma política monetária res-
uma redução do ritmo da inflação. O com- tritiva, fazendo aumentar a taxa de juro o
bate anti-inflacionista passou, pois, a cons- suficiente para incentivar a procura de acti-
tituir um objectivo da política macroeconó- vos em escudos e fazer subir o valor des-
mica com uma prioridade que nunca tinha tes. Mas este aumento inicial da taxa de ju-
tido desde o 25 de Abril, embora, como se ro, que certamente iria ter efeitos negativos
viu acima, já tivesse condicionado de algu- sobre o crescimento e o investimento, po-
ma forma a política económica em 1980. deria mais tarde ser eliminado desde que o
A estratégia seguida para a redução da escudo estabilizasse, a inflação descesse
inflação foi a estabilização da taxa de câm- e a política económica das autoridades
bio nominal do escudo. O fundamento des- portuguesas ganhasse credibilidade. A po-
ta estratégia era facilmente compreensível. lítica orçamental e a política de rendimen-
Sendo Portugal uma economia aberta, se tos, por seu turno, deveriam complementar
fosse possível estabilizar o escudo, isso a política monetária fazendo, respectiva-
permitiria então que os preços das importa- mente, reduzir o défice orçamental e mode-
ções crescessem menos, apenas ao ritmo rar a evolução dos salários.
de crescimento dos preços internacionais, Esta política anti-inflacionista veio a
muito inferior ao da inflação portuguesa. ser reforçada após serem conhecidas as
Esse menor crescimento de preços das im- condições que o Tratado de Maastricht im-

213
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

pôs para a adesão dos estados à moeda A partir do conhecimento destas condi-
única. ções, a política monetária, no seguimento
Recordemos essas condições: do que já vinha fazendo desde 1990, man-
— ingresso no mecanismo das taxas de teve um valor elevado da taxa de juro e is-
câmbio no Sistema Monetário Europeu so permitiu uma grande entrada de capitais
(SME) e estabilidade cambial, ou seja, não que levou à estabilização da taxa de câm-
desvalorização das respectivas paridades bio nominal do escudo em 1991.
desde pelo menos dois anos antes da data Esta estabilização permitiu, em Abril de
de realização da moeda única; 1992, a entrada do escudo na banda larga
— inflação não superior ao valor, acres- do mecanismo das taxas de câmbio do
cido de 1,5 pontos percentuais e taxa SME. O escudo sofreu as vicissitudes des-
de juro não superior ao valor, acrescido de te sistema entre 1992 e 1994, o que levou,
dois pontos percentuais de, respectiva- por duas vezes, à desvalorização da sua
mente, a média dos ritmos inflacionistas e a paridade de entrada no SME (Novembro
taxa de juro dos três países com menor in- de 1992 e Maio de 1993), mas, a partir de
flação; 1994, a taxa de câmbio do escudo estabili-
— dívida pública não superior a 60 % zou definitivamente.
do PIB; Os resultados desta política sobre a in-
— défice orçamental não superior a 3 % flação foram os previstos. O índice de pre-
do PIB. ços no consumidor desacelerou gradual-
Estes critérios deveriam verificar-se no mente de cerca de 11 % em 1991 para
período de referência, que, tirando a esta- pouco mais de 4 % em 1995 e menos de
bilidade cambial, era o ano anterior à deci- 3 % em 1997 e 1998, o que permitiu cum-
são sobre quem entraria na moeda única, prir os critérios de Maastricht relativos à in-
podendo ser este 1996 ou 1998 (como flação e à taxa de juro.
acabou por ser na realidade). Assim, a
prioridade anti-inflacionista veio a ser refor- Estrutura da despesa interna (%)
çada, pois Portugal tinha na altura um dife-
rencial superior a oito pontos percentuais 1973 2005
relativamente à média dos três países de Consumo privado 65,0 65,2
menor inflação, muito acima, portanto, dos
Consumo público 10,9 21,1
1,5 pontos percentuais admissíveis.
Mas, ao mesmo tempo, tornava-se im- Investimento 33,0 22,3

periosa a adesão ao SME para cumprir o Exportações 18,7 28,6


critério da estabilidade cambial. Importações (-) 27,6 37,3
Para além disso era necessário, tam-
PIB 100 100
bém, conseguir uma redução do défice or-
çamental, embora esta fosse, à partida, Fontes: Banco de Portugal, Séries Longas, 1973;
Banco de Portugal, Relatório de 2005, 2005.
mais fácil de obter, uma vez que o défice
em 1991 era de 6,7 % do PIB, não parecen- Já quanto à redução do défice do sec-
do demasiado afastado do máximo admissí- tor público, ela revelou-se ao princípio sur-
vel de 3 % do PIB (o critério da dívida públi- preendentemente difícil. Ainda em 1993 o
ca, cuja inclusão no tratado na forma em défice rondava os 7 % do PIB e só em
que o foi é dificilmente compreensível, veio 1997 se cumpriu o critério dos 3 por cento.
a ser gradualmente posto para segundo A redução ficou a dever-se, em grande
plano como condição de acesso à moeda parte, à diminuição dos encargos da dívi-
única). da pública, redução derivada directamen-

214
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

te da redução da taxa de juro proporcio- da taxa de câmbio numa situação de infla-


nada pela redução da inflação e indirecta- ção interna, os preços dos bens transac-
mente pela redução do stock de dívida cionáveis cresceram muito menos que os
pública em resultado das receitas das pri- preços dos bens protegidos da concorrên-
vatizações, começadas em 1989 mas ace- cia externa, incentivando assim as activida-
leradas desde 1995, que foram na sua des não afectadas por esta, ligadas ao
maior parte aplicadas na redução da dívi- mercado interno, em prejuízo das outras,
da pública. com consequências importantes, no ime-
Outro factor de redução do défice foi o diato e a prazo, sobre o agravamento do
aumento de cobrança de impostos, sensí- défice da balança comercial.
vel principalmente a partir de 1996 e resul- Sem surpresa, face ao grau de abertura
tado da melhoria da situação económica e da economia portuguesa, o crescimento
das medidas tomadas de combate à eva- global desacelerou fortemente em 1991-
são fiscal. -1998 relativamente ao período de 1986-
Em 1998 constatava-se que, indubita- -1990. A taxa média de crescimento anual
velmente, a política de convergência, do PIB entre 1991 e 1998 foi apenas de
prosseguida desde 1990 por dois gover- 2,6 %, pouco superior à média comunitária
nos sucessivos de base partidária diferente (2 %) e pouco superior também à taxa do
(dirigidos por Cavaco Silva, primeiro, e An- período entre 1974 e 1985 (2,2 %), em que
tónio Guterres, depois), tinha sido um êxito o país tinha enfrentado dificuldades de to-
face à finalidade pretendida. E, por isso, a da a ordem.
economia portuguesa, contrariando o que,
no início, tinha sido a previsão de muitos, Taxas de crescimento
foi admitida em 1998 na moeda única sem médio anual (%)
que fossem levantados obstáculos a essa
PIB Emprego Produtividade
admissão.
(vol.) (vol.)
No entanto, os custos associados à po-
lítica de convergência foram também muito 1974-1985 2,2 -0,4 2,6

elevados. 1986-1990 5,5 1,1 4,4


A estabilização da taxa de câmbio do
1991-1998 2,6 0,3 2,3
escudo quando a inflação interna era muito
superior à dos países nossos parceiros ou 1999-2005 1,5 0,8 0,7

concorrentes comerciais levou a uma per- Fonte: Economie Européenne, n.o 65 e suplemento
da de competitividade das empresas por- A, Outono/1999; Banco de Portugal, Relatório de
2005 [para 1999-2005].
tuguesas face ao exterior. Isso traduziu-se
numa desaceleração pronunciada do cres- O crescimento não foi mais baixo ainda
cimento das exportações e também na pe- devido à entrada reforçada de fundos co-
netração facilitada no mercado português munitários no âmbito dos I e II Quadros Co-
de produtos estrangeiros, principalmente munitários de Apoio (1989-1993 e 1994-
oriundos de Espanha, eliminando alguma -1999, respectivamente) — que permitiram
produção interna. um crescimento importante de sectores de
Verificou-se, assim, imediatamente, bens não transaccionáveis com o exterior
uma desaceleração ou mesmo quebra da como a construção civil e certos serviços
produção de bens transaccionáveis com o — e devido também à explosão, a partir de
exterior, em particular da indústria e agri- 1996, do crédito ao consumo e à habitação
cultura. em resultado da redução das taxas de juro
Por outro lado, devido à estabilização então verificada.

215
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

No início da política de convergência e


face às dificuldades dos sectores produto-
res de bens transaccionáveis, o desempre-
go aumentou gradualmente, chegando a
7,3 % da população activa em 1996. A par-
tir desse ano e devido à reanimação eco-
nómica resultante da expansão do consu-
mo e do investimento em habitação o
desemprego baixou e rapidamente, não ul-
trapassando em 1999 4,6 % dos activos.
No entanto, a relativa penalização dos
sectores de bens transaccionáveis fez
Ponte Vasco da Gama.
agravar o défice comercial e de forma mais
pronunciada assim que a procura interna sional, também aqui constituindo um factor
acelerou a partir de 1996. Este défice foi muito favorável para o desenvolvimento fu-
em parte coberto pelo aumento de fundos turo da economia portuguesa.
estruturais comunitários, mas isso não foi Foi neste período que se aceleraram as
suficiente para evitar a ocorrência desde privatizações. Iniciadas em 1989, elas per-
essa altura de défices crescentes na balan- mitiram ao Estado português arrecadar, até
ça de transacções correntes. 1998, cerca de 3500 milhões de contos
Um outro motivo de preocupação neste (Ministério das Finanças, 1999), o equiva-
período foi o relativamente baixo cresci- lente a cerca de 18 % do PIB deste último
mento da produtividade global (2,3 % em ano), sendo um factor importante na redu-
média anual), não muito superior ao da mé- ção da dívida pública, uma vez que, como
dia comunitária (1,7 %) e certamente insufi- se disse, as respectivas receitas foram
ciente para reduzir significativamente o maioritariamente aplicadas nessa redução.
desnível de produtividade média que exis- Desta forma foi possível, no período, redu-
te entre a economia portuguesa e a média zir por esta via a dívida pública em cerca
comunitária. de 1800 milhões de contos (quase 10 % do
Este baixo crescimento da produtivida- PIB de 1998).
de terá ficado a dever-se em parte ao redu- A privatização dos bancos permitiu, por
zido crescimento, entre 1991 e 1995, da outro lado, a criação ou o desenvolvimento
formação de capital fixo em equipamento de grupos financeiros, algumas vezes as-
(1,9 % em média anual), fruto do baixo sociados a outras actividades, em particu-
crescimento global desse período e das lar aquelas que mais tinham proporcionado
elevadas taxas de juro próprias da política o desenvolvimento de grupos no período
de convergência. anterior.
A partir de 1996, porém, o investimento O poder das instituições financeiras foi
em equipamento apresentou um cresci- reforçado no início da década de 90 pela
mento muito rápido, cerca de 10 % ao ano, enorme transferência de dinheiro da eco-
o que abre boas perspectivas para o cres- nomia para o sistema bancário, que ocor-
cimento futuro da produtividade. reu devido ao grande diferencial entre ta-
Ao mesmo tempo, os investimentos em xas de juro activas e passivas, que foi
capital humano continuaram, em todo este então tolerado pelas autoridades monetá-
período, a um ritmo muito intenso, aumen- rias e que resultava da deficiente concor-
tando de novo as taxas de escolarização e rência do sector. Embora isso tivesse tor-
o volume das acções de formação profis- nado mais sólido o sistema financeiro, nas

216
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

da década um dos sectores de maior ren-


dibilidade e expansão.
A privatização dirigiu-se também noutro
sentido, ou seja, para a atribuição a entida-
des privadas da construção e exploração
de infra-estruturas, nomeadamente pontes
(como a de Vasco da Gama, sobre o Tejo)
e auto-estradas.
As privatizações e a política seguida
para algumas das empresas que ainda se
mantinham com forte participação pública
levaram, na segunda metade da década,
a um aumento muito grande do investi-
fases iniciais do processo de privatizações, mento de empresas portuguesas no es-
a verdade é que prejudicou a actividade trangeiro, em particular em países como o
económica empresarial, que teve de supor- Brasil, Moçambique e alguns países do
tar taxas de juro, sobre o crédito que con- Leste europeu.
traía, muito superiores às que os deposi- A dimensão que o fenómeno tomou
tantes obtinham pela remuneração dos constituiu uma novidade na economia portu-
seus depósitos. guesa, tradicionalmente avessa ao investi-
À medida que esta concorrência se de- mento no estrangeiro. Ao mesmo tempo,
senvolveu, o diferencial foi-se reduzindo, constituiu um sinal positivo das novas capa-
estando de novo, no final do período, den- cidades empresariais portuguesas no senti-
tro de níveis normais. do de uma internacionalização que ultra-
Para além do sector financeiro, extre- passa a tradicional abertura comercial.
mamente dinâmico neste período, com o No entanto, já o investimento estrangeiro
desenvolvimento do mercado de capitais não revelou a dimensão que se esperaria e
(em parte ligado às privatizações), de que as boas condições do país justifica-
fundos de investimento e do crédito ao riam.
consumo, também o sector das telecomu- Depois de um crescimento muito acen-
nicações, objecto de privatização e de libe- tuado na primeira metade da década, de
ralização no âmbito comunitário, tem reve- que o exemplo mais evidente é o da insta-
lado um grande dinamismo, sendo no final lação, em 1995, pela Ford e pela Volkswa-

A Autoeuropa, fábrica de veículos automóveis instalada em Portugal pela Ford e pela Volkswagen.

217
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

gen, da Autoeuropa, empresa exportadora quer redução apreciável, pese embora o


de veículos automóveis, que representou o novo dinamismo de algumas áreas até aí
maior investimento estrangeiro em Portugal consideradas do «interior» como Viseu,
(395 milhões de contos, 2,5 % do PIB) com fruto em grande parte da melhoria das
grande impacte na balança comercial por- vias de comunicação, especialmente sen-
tuguesa (10 % das exportações de merca- sível nesta fase.
dorias), a verdade é que o investimento es- Avaliado em conjunto, este período po-
trangeiro em Portugal se reduziu, sendo até, de caracterizar-se como da convergência
em 1998, inferior ao investimento português nominal, do crescimento e modernização
no estrangeiro. do sector financeiro, das privatizações, do
Para lá de todas estas transformações, desenvolvimento de grupos económico-
algumas delas traduzindo uma profunda -financeiros, do investimento português no
modificação de comportamentos anteriores, estrangeiro e da crise dos sectores tra-
mantinham-se dificuldades no sector agrí- dicionais produtores de bens transaccio-
cola, em crise persistente, e o próprio sector náveis.
industrial, muito afectado pela apreciação Em 1999 realiza-se a moeda única.
real do escudo causada pela política de É um novo período que começa, e em que
convergência, viu a sua produção reduzir- novos desafios se desenham no hori-
-se nos anos de 1992 a 1994. zonte.
Em compensação, a construção, o turis-
mo, os serviços financeiros, a grande distri-
Balanço e perspectivas
buição, as telecomunicações e os serviços
prestados às empresas, muitas vezes em Ao entrar na moeda única, a economia por-
resultado de outsourcing, tiveram um de- tuguesa enfrentou uma situação inédita,
senvolvimento muito rápido e, em geral, tanto ao nível interno como internacional.
criador de emprego, nalguns casos de ele- A nível internacional, a globalização da
vado nível de qualificação. economia, assente na globalização finan-
A redução da inflação permitiu que, ao ceira, no poder crescente das empresas
longo da década, os salários reais cresces- transnacionais e em novos impulsos à libe-
sem com a produtividade, não se podendo ralização do comércio mundial, com a en-
dizer, portanto, que tenham sido os salários trada em força da China e também da Índia
a suportar o essencial do custo do ajusta- nesse comércio, criou um ambiente com-
mento, ao contrário do que tinha sucedido petitivo mais difícil mas, ao mesmo tempo,
até 1985. gerador de novas oportunidades. Neste ti-
No entanto, a política de convergência, po de ambiente, a reduzida dimensão eco-
como se disse, penalizou significativamente nómica torna-se muitas vezes uma condi-
o emprego e essa foi a principal causa do ção adversa, principalmente quando se
agravamento das desigualdades registado verifica um movimento geral de fusões e
na primeira metade da década. Porém, a aquisições de alguns gigantes empresa-
subsequente melhoria do emprego e a cria- riais.
ção do Rendimento Mínimo Garantido em Mas também é verdade que alguns dos
1996 tiveram um efeito redutor das desi- grupos económicos portugueses se têm
gualdades. mostrado, nos últimos tempos, bastante di-
Outra fonte de desigualdades não re- nâmicos a nível internacional, chegando
gistou, contudo, melhorias assinaláveis. por vezes a atingir um peso significativo
Referimo-nos à resultante das assimetrias em alguns produtos dos respectivos secto-
litoral-interior, que não registaram qual- res de actividade.

218
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

O sector das telecomunicações é um dos que mais se modernizou nos últimos anos.
Edifício PT-TMN.

A nível interno a principal novidade re- litando assim um bom apoio à actividade
sulta da união monetária. Portugal deixou produtiva.
de ter uma política monetária e cambial au- Outro trunfo importante são os elevados
tónoma e a política orçamental tem a sua financiamentos de fundos comunitários que
margem de manobra muito reduzida devi- continuaram e continuarão a beneficiar a
do ao Pacto de Estabilidade e Crescimento economia portuguesa, permitindo prosse-
(que impõe um limite máximo ao défice das guir os esforços de modernização de in-
contas públicas) e também à inevitável har- fra-estruturas e de desenvolvimento da so-
monização fiscal. Isso significa que o país ciedade de informação, o que não deixará
deixou de ter autonomia no essencial da de ter, directa ou indirectamente, um im-
política económica e que são as políticas pacte significativo na competitividade em-
de âmbito microeconómico as que terão presarial.
possibilidade de ter efeitos sobre as melho- Um domínio que do ponto de vista mi-
rias de competitividade da economia portu- croeconómico pode assumir muita impor-
guesa. tância é o das relações das empresas com
Neste nível, as melhorias dos últimos o Estado. E, nesse aspecto, é geralmente
anos têm sido patentes, ainda que insufi- reconhecida a necessidade de profundas
cientes. transformações na forma de funcionamento
As atitudes empresariais têm-se moder- da administração pública e na justiça de
nizado de forma muito sensível, a mão-de- forma a poderem acompanhar a moderni-
-obra é hoje muito mais qualificada do que zação que ocorre na actividade privada.
antes da adesão à CEE, as novas gerações O recente aligeiramento dos processos bu-
beneficiam de elevadas taxas de escolari- rocráticos que permitem, desde agora, a
zação. criação de uma empresa em uma hora
O sector financeiro e as telecomuni- apenas são um bom exemplo de medidas
cações são dois dos sectores onde a mo- desburocratizadoras com real impacte po-
dernização foi mais profunda, possibi- sitivo na vida empresarial.

219
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

No entanto, todas estas melhorias não


Estrutura sectorial do PIB (%)
têm sido suficientes para permitir um cres-
cimento satisfatório da economia portu- 1973 2003
guesa.
Agricultura e pesca 12 4
Com efeito, desde 2002 que a nossa
economia diverge da média comunitária. Indústria e energia 29 20
As razões desta divergência devem ser Construção 11 7
procuradas no impacte negativo das trans-
Serviços 49 69
formações que entretanto ocorreram no
contexto mundial e europeu. A concorrên- Fontes: Banco de Portugal, Séries Longas, 1973;
Banco de Portugal, Relatório de 2004.
cia dos novos países emergentes no co-
mércio mundial como a China, e o alarga- com resultados positivos já significativos,
mento da UE aos países do Leste da estimando-se que o défice possa alcançar
Europa vieram criar uma situação difícil ao um valor inferior a 3 % do PIB já em 2008.
nosso sector exportador, que tem sofrido Parece evidente que a economia portugue-
quebras importantes nas suas quotas de sa não está a adaptar-se bem ao novo en-
mercado. Por outro lado, a política de con- quadramento resultante da globalização e
vergência para a moeda única e a ausên- da moeda única, o que leva muitos a inter-
cia do instrumento cambial têm impedido rogar-se se será possível, sem política ma-
que se restabeleça de novo o equilíbrio croeconómica própria, garantir condições
entre a produção de bens transaccioná- de crescimento estável a uma economia
veis e não transaccionáveis, rompido a fa- sujeita a choques frequentes e intensos de-
vor destes desde o início da década correntes da globalização.
de 90. Vista em perspectiva, a evolução eco-
O resultado tem sido o acumular de dé- nómica desde o 25 de Abril é, no entanto,
fices da balança corrente externa e um francamente positiva, pesem embora as di-
consequente aumento rápido do endivida- fíceis condições que a sociedade portu-
mento da economia portuguesa em relação guesa enfrentou em boa parte desse perío-
ao exterior, que tem como contrapartida in- do e que enfrenta actualmente.
terna um aumento do endividamento dos A primeira constatação que se pode as-
agentes económicos, em particular das fa- sinalar é que a economia e a sociedade
mílias. O endividamento das famílias é hoje portuguesas se modernizaram acelerada-
equivalente a 117 % do rendimento dispo- mente. O nível de vida, medido pelo rendi-
nível, o que torna a economia familiar muito mento per capita , aumentou a 2 % ao
vulnerável a aumentos da taxa de juro e a ano e convergiu para a média comunitária
aumentos do desemprego, cuja taxa, en- (UE15), representando agora 65 % desta
tretanto, em resultado do fraco crescimento média (mais 5 pontos que em 1973).
económico, registou um incremento rápido A protecção social alargou-se extraordi-
de 3,9 % da população activa em 2000 pa- nariamente, o horário de trabalho diminuiu,
ra 7,6 % em 2005. os indicadores sociais melhoraram em bom
O défice do sector público manteve-se ritmo e as taxas de escolarização tiveram
em nível elevado (em alguns anos bastan- um aumento impressionante, colocando-se
te superior a 3 % do PIB) até 2005, em ao nível europeu. O número de doutorados
parte devido à própria desaceleração da quintuplicou.
economia. Desde aquele ano, no entanto, A economia abriu-se mais ao exterior, o
o governo de José Sócrates tem dado Estado aumentou a sua despesa em edu-
prioridade à redução do défice público, cação e saúde, o que fez aumentar o peso

220
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

A criação de parques de escritórios de serviços denota o crescimento do sector terciário.


Arquiparque, Oeiras.

do consumo público na despesa interna. 2003). Também em termos de emprego o


Continuou a investir-se uma parcela impor- sector terciário ganhou peso (actualmente
tante do PIB. 57 % do total), por compensação da perda
do primário e do secundário.
Taxa de desemprego (%) No sector industrial, perderam peso as
indústrias tradicionais e ganharam impor-
1974-1985 6,9
tância sectores de mais elevado nível tec-
1986-1990 6,1 nológico, em particular o sector das máqui-
1991-1998 5,9 nas e do material de transporte, que é hoje
o de maior peso na indústria.
1999-2005 5,4

Fontes: European Economy, suplemento A, Outo-


no/1999; Banco de Portugal, Relatório de 2005 [para Inflação (deflacionador do
1999-2005]. consumo privado) — taxa de
variação média anual (%)
Novos comportamentos foram, entretan- 1974-1985 1986-1990 1991-1998 1999-2005
to, surgindo mais próximos de países de
22,2 12,2 5,8 3,0
mais alto nível de vida. Os valores próprios
do mundo rural perderam peso, a taxa da Fontes: European Economy, suplemento A, Outo-
no/1999; Banco de Portugal Relatório de 2005 [para
poupança das famílias desceu de 24 % para 1999-2005].
cerca de 9 % do rendimento disponível, o
respectivo endividamento aumentou muito Emprego por grandes sectores.
nos últimos três anos e os empresários portu- Estrutura (%)
gueses começaram a investir no estrangeiro.
1973 2004
A economia terciarizou-se. A estrutura
produtiva alterou-se, reforçando o peso Primário 24,2 12,0
dos serviços (49 % do PIB em 1973 e 69 %
Secundário 35,8 31,1
em 2003), reduzindo-se significativamente
Terciário 40,0 56,8
o da indústria e energia (29 % em 1973,
20 % em 2003) e diminuindo o da constru- Total 100 100
ção (11 % em 1973, 7 % em 2003) e da Fontes: Banco de Portugal, Séries Longas, 1973;
agricultura e pesca (12 % em 1973, 4 % em DPP, Informação Económica, 2004.

221
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A economia soube adaptar-se a impac- transferível para outros sectores de activi-


tes exógenos negativos como os dos cho- dade.
ques petrolíferos e dos efeitos da descolo- Continua a verificar-se um grande des-
nização, sem quedas insuportáveis do nível entre a produtividade média portu-
nível de vida nem aumentos incomportá- guesa e a comunitária. O crescimento da
veis do desemprego, embora tenham sido produtividade em Portugal tem sido insufi-
os salários reais a suportar o essencial dos ciente, em particular nos últimos seis anos,
ajustamentos. Tem tido, contudo, muito pesem embora os grandes investimentos
mais dificuldade em adaptar-se ao choque em capital físico e humano, o que tem co-
global actual. mo consequência uma menor competitivi-
O processo de redução da inflação, ne- dade externa.
cessário para aderir à moeda única, conse- Finalmente, o tradicional défice comer-
guiu plenamente os seus objectivos. cial da economia portuguesa tem-se agra-
A adesão à CEE foi um sucesso e o país vado, e as exportações, que em cerca de
soube aproveitar bem os fundos comunitá- 80 % se dirigem para países da União Eu-
rios que foram postos à sua disposição, ropeia, apesar da muito significativa mu-
em particular no que respeita às infra- dança nos últimos anos (com o aumento de
-estruturas. Em especial a construção de peso das máquinas e dos veículos e a re-
estradas permitiu uma grande redução do dução dos sectores mais tradicionais, co-
tempo dos transportes terrestres, contri- mo por exemplo o vestuário e calçado, que
buindo para a maior comunicação entre re- reduziu o seu peso de 30 % para 13 % do
giões e para menores custos de transporte. total das exportações nos últimos quinze
No entanto, neste início de século são anos), continuam ainda muito dependentes
também visíveis desequilíbrios importantes: de produtos tradicionais ou utilizadores de
A sociedade portuguesa aprofundou o recursos naturais que estão a sofrer uma
seu dualismo entre as novas gerações, concorrência acrescida de países com
com alto nível de escolaridade e com fácil custo de mão-de-obra muito baixos com a
acesso à informática, e os mais idosos, de liberalização do comércio mundial (fileira
relativamente fraco nível de instrução, com têxtil e calçado, 18 % das exportações, fi-
uma taxa de analfabetismo ainda elevada. leira florestal, 9 %).
Outro dualismo, que se foi aprofundan- Em relação aos serviços, o turismo, que
do ao longo do tempo, é o relativo ao agra- corresponde a cerca de 3 % do PIB, conti-
vamento da desertificação económica e nua a afirmar-se como uma actividade di-
demográfica do interior face ao litoral nâmica de exportação, sendo responsável
e principalmente às áreas metropolitanas. (com as viagens) por um saldo líquido po-
Nem a actuação geralmente dinâmica do sitivo na balança corrente de cerca de
poder local democrático criado depois 2,7 % do PIB.
do 25 de Abril nem as novas vias de comu- Por outro lado, as formas de financia-
nicação têm sido suficientes para contra- mento, sem encargos, dos défices da ba-
riar este processo. lança corrente com o exterior actuantes
Em particular o sector agrícola continua neste período (remessas de emigrantes e
a evidenciar baixos níveis de produtivida- depois fundos comunitários) perdem peso
de/homem e a empregar uma proporção em relação à dimensão da economia.
ainda elevada (11,6 %) do total do empre- A sociedade portuguesa regista tam-
go. Esta mão-de-obra é relativamente ido- bém, à semelhança de muitas outras, um
sa e apresenta um nível de instrução infe- processo acelerado de envelhecimento (o
rior à média nacional, sendo dificilmente peso da população de 65 e mais anos no

222
A economia
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A economia

Estrutura do comércio externo em 2005 (%)

Exportações Importações

Agrícolas e alimentares 8,8 12,0

Energia 4,3 14,7

Químicos 10,5 13,6

Têxteis, peles e couro 5,4 4,2

Madeira, cortiça, pasta e papel 9,1 4,2

Vestuário e calçado 12,6 3,4

Minérios e metais 9,0 9,2

Máquinas e aparelhos 18,7 19,9

Veículos e outros materiais de transporte. 14,0 12,5

Outros 7,8 6,2

Total 100 100

Fonte: Ministério da Economia, GEE.

total quase duplicou nos últimos trinta de formas utilizadas no passado para o fi-
anos), o que origina uma pressão intensa nanciamento do défice comercial, como
sobre o sistema de segurança social. Me- sejam as remessas de emigrantes e os fun-
didas recentemente tomadas permitem dos estruturais, e os efeitos polarizadores
garantir a sustentação do sistema por al- da própria integração europeia, reforçando
gumas décadas, mas a questão do enve- o centro face às periferias, são os principais
lhecimento continua a constituir um desa- factores condicionantes a ter em conta.
fio difícil para a economia portuguesa, No entanto, a impressionante capacida-
principalmente porque coincide com as de que a economia portuguesa tem mos-
dificuldades competitivas acima referen- trado de vencer os difíceis desafios que
ciadas. nos últimos trinta anos se lhe têm posto for-
Neste contexto, a liberalização do co- nece um bom apoio aos muitos que pen-
mércio mundial, a ausência de política ma- sam que saberá corresponder da melhor
croeconómica própria, a redução do peso forma a estes novos desafios.

223
A economia
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Guilherme d’Oliveira Martins

A educação como prioridade1

A educação constitui a primeira priori-


dade das políticas públicas. Tal exi-
gência resulta da consciência de
que o atraso acumulado ao longo de déca-
das só poderá ser superado com um esfor-
criação de condições para o desenvolvi-
mento da sociedade da informação.
Entenda-se, desta forma, que à lógica
do sistema abstracto se contrapõe hoje a
perspectiva da escola como espaço de re-
ço redobrado do Estado e da sociedade na lação, de aquisição de conhecimentos e
qualificação das pessoas como factor de transmissão de saberes, de compreensão,
dignificação, de eficiência e de equidade. tolerância e respeito mútuo. E se, muitas
O desenvolvimento da educação e da vezes, se refere o atraso educativo portu-
formação das pessoas, o progresso nas guês, a verdade é que este resulta de fac-
qualificações dos cidadãos e a aposta nas tores acumulados e de uma desvalorização
pessoas exigem um forte compromisso da durante muitas décadas da função formati-
sociedade. Trata-se de compreender, an- va, a que hoje se somam a abertura de
tes do mais, que a educação e a formação fronteiras, a comparação com os melhores
das pessoas constituem os modos de sistemas e a competição internacional, que
transformar as atitudes e os comportamen- exigem esforços ainda mais intensos nas
tos sociais e humanos no sentido de esta- aprendizagens, para que o atraso não se
belecer uma relação fecunda e criadora na agrave, já que os países mais desenvolvi-
sociedade e com a natureza, colocando os dos não param nem esperam por nós...
escassos recursos disponíveis e os frutos Vislumbram-se, assim, novos horizontes
do progresso ao serviço da sociedade e inerentes à afirmação e consolidação de
das pessoas. uma «sociedade aberta», na qual a igual-
A sociedade do conhecimento e da dade de oportunidades se deve abrir à li-
aprendizagem está a constituir-se num pro- berdade de iniciativa e a regulação de polí-
cesso que obriga: à melhoria de qualidade ticas públicas completa a concorrência e a
da educação básica, na lógica da criação competitividade.
de uma cultura de iniciativa, de responsabi- É neste sentido que a educação, como
lidade e de cidadania activa; à expansão e primeira prioridade, se adequa às exigên-
diversificação da formação inicial dos jo- cias do desenvolvimento humano num
vens com a criação de um ensino secundá- mundo e numa Europa em que a mobilida-
rio que prepare melhor para a vida activa, de e a complexidade caracterizam as rela-
apostando na qualificação, na relevância ções sociais e em que a inovação e o co-
das formações, na produtividade e elevada nhecimento são factores essenciais do
empregabilidade das novas gerações; à
promoção de uma autêntica aprendizagem 1 A actualização bibliográfica deste texto, baseou-se
ao longo da vida, na lógica da educação em elementos estatísticos das seguintes entidades:
permanente e do reconhecimento das Instituto Nacional de Estatística; Ministério da Ciên-
cia, Tecnologia e Ensino Superior; Ministério da Edu-
aprendizagens adquiridas, bem como à cação; OCDE («Education at a Glance»);

227
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

progresso. Educação para todos, constru-


ção de uma sociedade educativa ou de Taxa de analfabetismo
(10 e mais anos)
aprendizagem, valorização da formação ao
longo da vida e da relevância dos conheci- Ano Taxa
mentos e aprendizagens, educação básica 1991 11,0
de qualidade e ensino secundário com 2001 9,0
maior ligação à vida activa, ensino superior Fonte: INE (Recensamento da população).
para o maior número nas melhores condi-
ções, forte aposta no rigor científico, nas Partindo de níveis baixos de qualifica-
tecnologias e nas artes — eis alguns dos ção, a sociedade portuguesa está hoje
pontos fundamentais dos quais temos de confrontada com a exigência de dar conti-
partir. nuidade ao esforço muito significativo que
A noção moderna de desenvolvimento foi levado a cabo com resultados práticos
sustentável e a exigência da mobilização positivos na última década — quer no lan-
de recursos disponíveis em torno do «capi- çamento da rede nacional de educação
tal social» obrigam a dar à educação e à pré-escolar, que permitiu um efectivo au-
formação maior importância. A coesão so- mento na pré-escolarização (58 % em
cial, a qualidade das instituições, o desen- 1995, 77 % em 2003) entre os três e os cin-
volvimento de uma cidadania activa, o rigor co anos de idade em jardins-de-infância,
económico, a empregabilidade, a cons- quer na forte valorização operada nos ensi-
ciência da necessidade de dar combate a nos básico e secundário e na expansão e
todas as formas de exclusão exigem que consolidação do ensino superior, na valori-
as políticas públicas de educação e forma- zação das carreiras docentes, na formação
ção se constituam em instrumentos funda- contínua de professores e na concretiza-
mentais de desenvolvimento. ção de uma cultura de avaliação — quer
institucional, quer relativamente à docên-
Educação pré-escolar1
(crianças inscritas) cia, aos conhecimentos e aprendizagens.
300 000 Os estudos realizados sobre a história
da educação revelam, ao longo do tempo,
uma persistente ineficácia das políticas pos-
250 000
tas em prática, designadamente no sé-
culo XX, quando até havia uma forte cons-
200 000 ciência sobre a importância da instrução
pública. Infelizmente, apesar de todos os
150 000
esforços e da intencionalidade reformadora,
mantiveram-se os níveis elevados de analfa-
betismo (75 % em 1900, 25 % em 1972) e
100 000
os baixos níveis de escolarização — a que
houve que responder com muita persistên-
50 000 cia e determinação. No início dos anos 70, a
escolaridade obrigatória passou de quatro
para seis anos, e com a Lei de Bases do
0
Sistema Educativo (LBSE) de 1986 viria a
1977-78

1986-87

1994-95

2000-01

2006-07

ser alargada para nove anos. A abertura rá-


pida do sistema gerou naturais dificuldades,
1 2005-06 e 2006-07: dados preliminares.
antes do mais pelas carências em infra-
Fonte: GIASE — Gabinete de Informação e Avalia-
ção do Sistema Educativo. -estruturas e em pessoal docente, verifican-

228
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

do-se, a partir de meados dos anos 90, uma no produto interno bruto (PIB). Com mais
estabilização geral quer pelo aumento das alunos, mais escolas e exigências de me-
taxas de escolarização, a atingirem pratica- lhor formação de educadores e professores,
mente os 100 % nos 15 anos de idade, quer tornou-se indispensável dar um salto na
pela ligação positiva entre medidas sociais qualificação da rede educativa. Assim, a ta-
(rendimento mínimo) e prevenção do aban- xa de escolarização aos 18 anos passou de
dono escolar precoce, quer ainda pela me- 45 % em 1991 para 62 % em 2001 e a per-
lhoria dos níveis de formação inicial de edu- centagem da população com nível de ins-
cadores e professores. Apesar de haver trução médio e superior evoluiu no mesmo
ainda um esforço intenso a levar a efeito período de 6,3 % para 10 por cento. Por ou-
com vista a garantir a consagração de ins- tro lado, a população entre os 18 e os 24
trumentos de avaliação da qualidade e a as- anos que não se encontra a frequentar qual-
sunção de uma cultura de responsabilida- quer grau de ensino, segundo o nível de
de, de eficiência e de justiça, o certo é que instrução, registou uma evolução de 1991
a situação alcançada permite um balanço para 2001 de 64 % com formação inferior ao
positivo dos resultados obtidos. secundário, para 45 % — o que constitui,
apesar do grande avanço, um valor muito
alto se comparado com os outros países da
Escolarização e
Organização para a Cooperação e Desen-
qualificação
volvimento Económico (OCDE).
Verifiquemos, através de alguns indicado- Este esforço levou, aliás, a que os índi-
res, a evolução ocorrida nos anos 90 no sis- ces mais elevados de insucesso escolar se
tema educativo português, que justificou um tenham deslocado do 1.o e 3.o ciclos do en-
forte investimento traduzido no crescimento sino básico para o ensino secundário e que
de 1 % do peso das despesas da educação o máximo de abandono escolar tenha deixa-

Taxa real de escolarização


(%)
100

90 Pré-escolar
1.º ciclo
80 2.º ciclo
3.º ciclo
70 Secundário
Superior
60

50

40

30

20

10

0
1977-78
1978-79
1979-80
1980-81
1981-82
1982-83
1983-84
1984-85
1985-86
1986-87
1987-88
1988-89
1989-90
1990-91
1991-92
1992-93
1993-94
1994-95
1995-96
1996-97
1997-98
1998-99
1999-00
2000-01
2001-02
2002-03
2003-04
2004-05

Para os anos lectivos de 1977-78 a 1987-88 incluiu-se os alunos do Ensino Médio.


Fonte: GIASE — Gabinete de Informação e Avaliação do Sistema Educativo.

229
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

do de se situar no ensino básico para se si- registada em Portugal na frequência do en-


tuar no ensino secundário. O facto de os ín- sino superior.
dices de insucesso escolar e do abandono Estes dados levam-nos a pôr a ênfase
se terem reduzido significativamente no en- na necessidade de continuidade na apos-
sino básico (as taxas de retenção e de de- ta estratégica na prioridade educação/for-
sistência registaram em 1996-1997 o valor mação — com especial atenção à existên-
de 15,2 %, contra 13 % em 2002-2003) e de cia de ofertas formativas diversificadas no
o ensino secundário registar agora as maio- ensino secundário. Do mesmo modo, im-
res taxas relativas de insucesso e abandono põe-se uma forte aposta na relevância das
(35,7 % em 1996-1997 contra 33,7 % em formações secundárias e superiores e na
2002-2003) determina que este nível de en- valorização do binómio avaliação/empre-
sino e a faixa etária 15-18 anos sejam hoje gabilidade, desde que ligado às priorida-
considerados estratégicos e prioritários. des estratégicas de desenvolvimento do
Para esta evolução positiva contribuí- país. Daí a necessidade de promoção da
ram a consolidação da escolaridade obri- qualidade e de contrariar activamente os
gatória de nove anos, as concepções e elevados níveis de insucesso e de aban-
aplicações de programas interministeriais dono nas formações pós-secundárias —
contra o insucesso e o crescente peso dos articulando mais intensamente políticas
serviços na economia portuguesa, corres- de educação/formação profissional — e
pondendo ao incremento de 12 % do peso de prosseguir com a criação de instru-
relativo do sector terciário de 1985 e 1997 mentos de observação de entradas na vi-
(42,4 % para 54,9 %) e à redução do sector da activa e de orientação vocacional e
primário de 10 % (de 23,8 % para 13,5 %, profissional. Com efeito, a existência de
nos mesmos períodos), que determinou desempregados com formações superio-
uma maior importância da questão das res não se deve ao excesso global de di-
competências e capacidades da popula- plomados, mas a uma irregular distribui-
ção activa e das responsabilidades do sis- ção dos mesmos.
tema educativo, em especial do ensino se- Importa agora tirar consequências
cundário. adequadas, designadamente quanto à
Actualmente, continuam a ser áreas de evolução demográfica. A quebra na taxa
particular vulnerabilidade da situação edu- de natalidade, a redução da taxa de cres-
cativa portuguesa: a saída de jovens do cimento migratório e uma evolução que
sistema sem preparação ou qualificação acentua a redução da importância relativa
profissional; a estrutura de habilitações da dos jovens entre os 0 e os 14 anos e a ele-
população caracterizada pela existência vação da proporção de indivíduos com 65
de 80 % dos activos com formação até aos e mais anos conduz-nos, ainda, à valoriza-
nove anos de escolaridade, com inexpres- ção da educação de adultos e à criação
siva representação das formações secun- de instrumentos de certificação de adqui-
dárias ou de qualificação profissional de ridos.
nível III; a produtividade dos activos portu- Por outro lado, a irregular distribuição
gueses ser de apenas 66 % do valor médio da população nas diferentes regiões, a fal-
da produtividade do espaço da União Eu- ta de mobilidade e a forte tendência para a
ropeia (UE); uma convergência menos ace- concentração urbana determinam a neces-
lerada em Portugal do que nos restantes sidade de dar resposta através da adequa-
países da coesão, no que respeita à pro- ção do parque escolar às novas neces-
porção de empregados com formações su- sidades educativas e de formação e da
periores, apesar da evolução muito rápida criação de escolas completas, nas áreas

230
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

Aula de educação para adultos.

metropolitanas de Lisboa e Porto e nas a tomada de consciência da necessidade


principais cidades do litoral. Enquanto até de coordenação entre as políticas de edu-
ao final dos anos 90 houve que dar respos- cação, formação e emprego, o equilíbrio
ta ao crescimento da população escolar, entre o progresso científico e a compreen-
depois dessa altura do que se trata é de são da importância das tecnologias, entre
reorganizar a rede existente. Também a re- a teoria e a prática — tudo isso nos conduz
dução da população em áreas rurais, de- à atribuição de crescente importância no
signadamente do interior, e a pulverização investimento no factor humano como recur-
da rede escolar do 1.o ciclo (com 60 % das so insubstituível, para o qual é indispensá-
escolas com um ou dois lugares docentes vel haver referenciais de qualidade.
e cerca de metade das escolas com me- Revela-se, pois, indispensável: a estrei-
nos de 16 alunos) conduziu ao processo ta articulação dos sistemas educativo e for-
de encerramento das escolas de menor di- mativo, mobilização de recursos e a procu-
mensão e de agrupamento horizontal e ver- ra conjunta de respostas diversificadas
tical de estabelecimentos de ensino, poten- que visem a melhoria generalizada das
ciado pelo regime de autonomia escolar e qualificações dos jovens e dos activos por-
pela criação de centros de recursos e de tugueses; a reorientação da oferta do siste-
uma gestão integrada, de modo a garantir ma educativo nas formações recorrentes,
uma maior ligação da escola ao meio, uma visando a construção de respostas diversi-
melhor utilização das instalações e do pes- ficadas destinadas a apoiar a reinserção
soal docente, em ligação estreita com as no mercado de trabalho dos activos que,
orientações no domínio do ordenamento do ao longo da vida, mudam de emprego ou
território. mesmo de profissão; a valorização da per-
Importa ainda referir a necessidade de tinência e da qualidade das formações em
uma ligação cada vez mais estreita entre a função do dinamismo desejado para a acti-
evolução do sistema educativo e as opções vidade económica e a preocupação de
nos campos social e económico. A vida co- apoiar os jovens na transição para a vida
munitária, a articulação com as decisões activa, bem como a renovação dos proces-
das empresas e dos agentes económicos, sos e tempos escolares, pela integração e

231
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

utilização no processo de aprendizagem central, regional ou local e de outras enti-


dos alunos e formandos de todas as poten- dades, colectivas ou individuais, designa-
cialidades das tecnologias, em especial as damente associações de pais e morado-
da informação e comunicação, e de uma res, organizações cívicas e confessionais,
concepção dos perfis de docência ade- organizações sindicais e de empresa e de
quados às novas exigências. instituições de solidariedade social»
Olhando o futuro — considerando os (art.o 5.o, n.o 5). A frequência deste nível
factores mobilizadores das energias dispo- de educação é facultativa, «no reconheci-
níveis, no sentido de uma mudança orien- mento de que à família cabe um papel es-
tada para a qualidade, para a exigência e sencial no processo da educação pré-
para o rigor —, constituem objectivos funda- -escolar» (art.o 5.o, n.o 8) — ainda que o
mentais de acção: não só prosseguir na Estado apoie as instituições integradas na
melhoria da qualidade da educação básica rede pública.
e secundária, contribuindo para uma cultura A Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar
de iniciativa, de responsabilidade e de cida- (Lei n.o 5/97, de 10 de Fevereiro) estipula a
dania activa; mas também guiar e promover complementaridade com a acção educati-
o desenvolvimento da sociedade da infor- va da família e o favorecimento da forma-
mação e do conhecimento em Portugal. ção e do desenvolvimento equilibrado da
No fundo, a escola é o centro da vida criança, «tendo em vista a plena inserção
educativa; o aluno é o objectivo fundamen- na sociedade como ser autónomo, livre e
tal de todas as acções da educação; o co- solidário». Compete ao Estado contribuir
nhecimento e a compreensão do mundo «activamente para a universalização da
que nos rodeia visam incentivar a cidada- oferta da educação pré-escolar.
nia livre e responsável, o espírito autónomo Por estabelecimento de educação pré-
e crítico, o rigor científico e a sensibilidade -escolar entende-se a instituição que pres-
artística — aqui está a força essencial de ta «serviços vocacionados para o desen-
uma aposta séria no factor humano e no volvimento da criança, proporcionando
diálogo entre saberes e culturas. actividades educativas e actividades de
apoio à família». Cabe aos pais e encarre-
gados de educação participar na direcção
O sistema educativo
dos estabelecimentos, desenvolver uma re-
Em Portugal, o sistema educativo com- lação de cooperação com agentes educa-
preende a educação pré-escolar, a educa- tivos numa perspectiva formativa, dar pare-
ção escolar e a educação extra-escolar. cer sobre o horário de funcionamento e
participar, em regime de voluntariado e sob
A educação pré-escolar a orientação da direcção pedagógica da
A educação pré-escolar é a primeira etapa instituição, em actividades educativas de
da educação básica, complementar da ac- animação e atendimento. Por seu turno, ca-
ção educativa da família, e destina-se às be ao Estado criar uma rede pública de
crianças com idades compreendidas entre educação pré-escolar, generalizando a
os três anos e a idade de ingresso no ensi- oferta dos respectivos serviços de acordo
no básico. Segundo a LBSE (Lei n.o 46/86, com as necessidades, apoiar a criação de
de 14 de Outubro, alterada pela Lei n.o 115/ estabelecimentos de educação pré-escolar
/1997, de 19 de Setembro, e pela Lei n.o 49/ por outras entidades da sociedade civil,
/2005, de 30 de Agosto), «a rede da educa- definir as normas gerais a que obedece o
ção pré-escolar é constituída por insti- subsistema e prestar apoio às zonas caren-
tuições próprias, de iniciativa do poder ciadas. A participação das autarquias e a

232
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

iniciativa das instituições da sociedade civil tem seis anos até 15 de Setembro do ano
no desenvolvimento da educação pré- de inscrição, podendo, a requerimento dos
-escolar é expressamente referenciada co- pais, inscrever-se as crianças que perfa-
mo muito relevante (art.os 7.o e 8.o). çam seis anos entre 16 de Setembro e 31
Consagra-se uma tutela pedagógica de Dezembro. A frequência do ensino bási-
única do Ministério da Educação, o que co é obrigatória até aos 15 anos de idade.
não se verificava antes da lei de 1997, A gratuitidade abrange propinas, taxas e
sendo as redes da educação pré-escolar emolumentos relacionados com a matrícu-
constituídas por uma rede pública e uma la, frequência e certificação, podendo ain-
rede privada, complementares entre si, vi- da os alunos dispor gratuitamente do uso
sando a oferta universal e a boa gestão de livros e material escolar, bem como de
dos recursos públicos. Havendo uma transporte, alimentação e alojamento, se
complementaridade entre as funções edu- necessários.
cativa e social, consagrou-se também
uma cooperação entre os ministérios da O ensino básico
Educação e do Trabalho e da Solidarieda- O ensino básico compreende três ciclos: o
de Social, de modo a assegurar a qualida- 1.o ciclo, de quatro anos, é da responsabili-
de pedagógica e o apoio aos pais e famí- dade de um professor único, que pode ser
lias na componente socioeducativa, de auxiliado por outros professores em áreas
acordo com o princípio da diferenciação especializadas; o 2.o ciclo, de dois anos,
positiva. Assim, a componente educativa organiza-se por «áreas interdisciplinares
da educação pré-escolar é gratuita e as de formação básica», havendo, predomi-
restantes componentes são comparticipa- nantemente, um professor por área; o 3.o
das pelo Estado, de acordo com as condi- ciclo, de três anos, é organizado «segundo
ções socioeconómicas das famílias, com o um plano curricular unificado, integrando
objectivo de promover a igualdade de áreas vocacionais diversificadas», com um
oportunidades. professor por disciplina ou grupo de disci-
plinas. No 1.o ciclo, pretende-se assegurar
A educação escolar «o desenvolvimento da linguagem oral e a
A educação escolar compreende o ensino iniciação e progressivo domínio da leitura e
básico, secundário e superior. O ensino bá- da escrita, das noções essenciais da arit-
sico — universal, obrigatório e gratuito mética e do cálculo, do meio físico e social,
— tem a duração de nove anos. Ingressam das expressões plástica, dramática, musi-
no ensino básico as crianças que comple- cal e motora» — tendo, a partir de 2005, si-

Estabelecimento escolar integrado. Jardim-de-Infância/Escola Básica do 1.o Ciclo Prof. João


Dias Agudo, Mafra.

233
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

do introduzido o ensino do inglês para os básico, ainda que em «escolas especiali-


alunos do ciclo inicial, considerando a ne- zadas», podem ser reforçadas diversas
cessidade de responder aos desejos da componentes — como o ensino artístico ou
mundialização. No 2.o ciclo, aponta-se para a educação física e desportiva.
a «formação humanística e artística, física e
desportiva, científica e tecnológica e a edu- O ensino secundário
cação moral e cívica, visando habilitar os O ensino secundário, com a duração de
alunos a assimilar e interpretar crítica e três anos, organiza-se segundo formas di-
criativamente a informação, de modo a ferenciadas. A identidade própria deste ní-
possibilitar a aquisição de métodos e ins- vel de ensino levou a que seja caracteriza-
trumentos de trabalho e de conhecimento do não apenas por constituir uma via para
que permitam o prosseguimento da sua prosseguimento de estudos, mas também
formação numa perspectiva do desenvolvi- por representar o termo de estudos formais
mento de atitudes positivas e conscientes, em vias predominantemente orientadas pa-
perante a comunidade e os seus proble- ra a vida activa — em especial profissionais,
mas reais importantes». Por fim, o 3.o ciclo tecnológicas e artísticas. Nesse sentido, há
visa a «aquisição sistemática e diferencia- um especial incentivo às «componentes de
da da cultura moderna, nas suas dimen- formação de sentido técnico, tecnológico e
sões humanística, literária, artística, física e profissionalizantes e de língua e cultura
desportiva, científica e tecnológica, indis- portuguesas adequadas à natureza dos di-
pensável ao ingresso na vida activa e ao versos cursos». Há, assim, permeabilidade
prosseguimento de estudos, bem como a e intercomunicabilidade entre os diversos
orientação escolar e profissional que facul- cursos — quer orientados para a vida acti-
te a opção de formação subsequente ou va, quer para o prosseguimento de estu-
de inscrição na vida activa, com respeito dos. No ensino secundário, cada professor
pela realização autónoma de pessoa hu- é responsável por uma só disciplina e po-
mana» (cf. art.o 8.o da LBSE). No ensino dem ser criados estabelecimentos espe-
Escola Secundária José Gomes Ferreira, Lisboa.

234
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

cializados, «destinados ao ensino e à práti-


ca de cursos de natureza técnica ou de
índole artística».
Visa-se, deste modo, valorizar a forma-
ção básica, em condições de igualdade de
oportunidades e complementá-la com uma
formação secundária orientada para a in-
serção na vida activa ou para o prossegui-
mento de estudos. Neste sentido, a educa-
ção para todos, como objectivo geral, é
orientada por uma forte preocupação de
relevância de formação no processo de de-
senvolvimento na sociedade. Compreen- Jovens surdos-mudos obtendo formação
de-se, assim, que, teoricamente, se dê profissional como encadernadores no
Centro de Formação de Beja.
realce à autonomia individual do aluno e ao
respeito da autonomia dos outros, a um mente o exijam o tipo e grau de deficiência
perfil activo e empreendedor e a uma preo- do educando», mas também se prevê a or-
cupação de qualidade e rigor, do mesmo ganização de formas de educação espe-
modo que se valoriza a cultura humanística cial que visem a integração do deficiente,
e científica, o espírito crítico, a boa utiliza- numa perspectiva de educação inclusiva.
ção das línguas e das linguagens, a liga- Há ainda os cursos de educação e for-
ção entre teoria e a prática e a percepção mação e o «ensino recorrente», para pes-
da complexidade, do pluralismo e do diálo- soas que já não se encontram na idade de
go entre saberes e culturas. frequência dos ensinos básico e secundá-
Hoje, a experiência positiva das escolas rio — a que têm acesso, no nível básico, os
profissionais, que atribuem simultaneamente alunos a partir dos 15 anos, e, no nível se-
o diploma do ensino secundário e uma certi- cundário, a partir dos 18 anos.
ficação profissional de nível III, determinou a Pretende-se garantir que este ensino
definição de um objectivo de alargamento não seja apenas de segunda oportunidade
desse ensino à rede pública de modo a ob- nem constitua um factor de exclusão, ha-
ter uma maior relevância nas formações e vendo que distinguir a resposta para os jo-
uma mais fácil entrada na vida activa — a vens com insucesso escolar, para quem
partir de uma coordenação das políticas importa encontrar soluções motivadoras de
educativas e de formação profissional. uma melhoria das aprendizagens relevan-
A educação especial, o ensino de adul- tes e orientadas para uma rápida inserção
tos, o ensino à distância, o ensino portu- na vida activa, da resposta para os adultos
guês no estrangeiro, bem como a formação que regressam à vida escolar, para quem
profissional constituem «modalidades es- tem de haver o reconhecimento e a certifi-
peciais de educação escolar». Há, portan- cação de formações adquiridas informal-
to, um tratamento específico de determina- mente e o apoio a iniciativas descentraliza-
das categorias de alunos — atendendo, no das de educação e formação.
caso da educação especial, às necessida- Nesta linha de preocupações, a iniciativa
des educativas especiais devidas a defi- Novas Oportunidades, lançada em Dezem-
ciências físicas e mentais ou a meras difi- bro de 2005, visa reforçar o ensino profissio-
culdades de aprendizagem. Assim, não só nalizante de nível secundário. O objectivo
a educação especial se processa em insti- definido é o de envolver mais de 650 000 jo-
tuições específicas «quando comprovada- vens em cursos técnicos e profissionais,

235
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

pretendendo-se que em 2010 metade do sos e actividades promovidas nos países


total das vagas de nível secundário corres- de emigração em regime de integração
ponda a este segmento. Por outro lado, há ou de complementaridade relativamente
também o objectivo de formar os activos aos respectivos sistemas educativos»
que entraram na vida profissional com bai- (n.o 3). Acresce que o Estado promove
xos níveis de escolaridade, pretendendo- ainda a divulgação e o estudo da língua e
-se qualificar um milhão de activos até da cultura portuguesas no estrangeiro
2010 — o que obriga a incrementar a oferta mediante acções e meios diversificados
de cursos de Educação e Formação de que visem, nomeadamente, a sua inclusão
Adultos (EFA) e a alargar a rede de centros nos planos curriculares de outros países e
de reconhecimento, validação e certifica- a criação e manutenção de leitorados de
ção de competências. português, sob a orientação de professo-
A preparação para a vida activa exige, res portugueses em universidades estran-
assim, que a formação profissional seja geiras.
considerada também uma modalidade es- Importa ainda referir a educação extra-
pecial de acção educativa. Trata-se de -escolar — abrangendo esta a luta contra o
abranger não só quem não concluiu ainda analfabetismo literal e funcional, a promo-
a escolaridade obrigatória, mas também ção da literacia, a necessidade de corrigir
os que já a concluíram — sendo neste últi- desigualdades de oportunidades educati-
mo caso especialmente importantes os as- vas e profissionais, o favorecimento de ati-
pectos relativos ao aperfeiçoamento e à tudes de solidariedade social e da partici-
reconversão profissionais. O sistema por- pação na vida comunitária, a preparação
tuguês prevê expressamente a inclusão profissional e técnica e a ocupação dos
da formação profissional na lógica educa- tempos livres. Estamos perante a educa-
tiva — com base na articulação entre as ção e formação ao longo da vida ou a edu-
políticas da educação e a acção dos orga- cação permanente — que visa uma conti-
nismos especificamente encarregados nuidade da acção educativa, o aumento
das questões do emprego e da formação dos conhecimentos, o desenvolvimento
profissional. das potencialidades dos indivíduos e a su-
Por outro lado, prevê-se o ensino à dis- peração de carências educacionais.
tância, «mediante o recurso aos multimédia Os planos curriculares dos ensinos bá-
e às novas tecnologias da informação» — sicos e secundário, apesar de estabeleci-
em termos de complementaridade no ensi- dos à escala nacional, comportam a exis-
no regular ou em alternativa à educação tência de conteúdos flexíveis, susceptíveis
escolar. O ensino à distância privilegia a de integrar componentes de índole regio-
educação de adultos e a formação contí- nal e local. Inclui-se em todos os ciclos
nua de professores. uma área de formação pessoal e social —
Considerando a expansão da língua que pode ter componentes ecológicas, de
portuguesa no mundo e a proliferação de defesa do consumidor, de educação fami-
comunidades de emigrantes portugueses, liar e sexual, a prevenção de acidentes, a
o Estado incentiva a «criação de escolas educação para a saúde ou a educação cí-
portuguesas nos países de língua oficial vica para a participação nas instituições
portuguesa e junto das comunidades de democráticas. O ensino da moral e da reli-
emigrantes portugueses» (art.o 25.o, n.o 2, gião das diversas confissões religiosas in-
da LBSE). O «ensino da língua e da cultura tegra-se nos currículos mas é facultativo —
portuguesas aos trabalhadores emigrantes com base no reconhecimento constitucio-
e seus filhos» deverá corresponder a «cur- nal da liberdade religiosa.

236
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

A administração e a gestão dos estabe- destes parâmetros, quer pedagógica quer


lecimentos de ensino orienta-se por princí- tecnicamente, o ensino particular e coope-
pios de democraticidade e de participação rativo.
de todos os implicados no processo edu- Saliente-se ainda que, na perspectiva
cativo. A direcção de cada estabelecimen- de rede integrada, são celebrados com es-
to ou agrupamento de estabelecimentos tabelecimentos do ensino particular e coo-
dos ensinos básico e secundário é assegu- perativo contratos de associação, que per-
rada por órgãos próprios — com represen- mitem a satisfação das necessidades do
tantes eleitos de professores, alunos e pes- serviço público com financiamento do Or-
soal não docente. Segundo a lei em vigor, çamento de Estado.
a participação dos alunos circunscreve-se
ao ensino secundário. O ensino superior
Em lugar de um modelo único de ges- O ensino superior compreende o ensino
tão, adoptou-se uma matriz flexível, a partir universitário e o ensino politécnico, corres-
da ideia de que a «escola, enquanto centro pondendo desde 2002 ao Ministério da
das políticas educativas, tem [...] de cons- Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
truir a sua autonomia a partir da comunida- Segundo a LBSE, o primeiro «visa asse-
de em que se insere, dos seus problemas e gurar uma sólida preparação científica e
potencialidades, contando com uma nova cultural e proporcionar uma formação téc-
atitude de administração central, regional e nica que habilite para o exercício de activi-
local, que possibilite uma melhor resposta dades profissionais e culturais e fomente o
aos desafios da mudança» (Decreto-Lei desenvolvimento das capacidades de con-
n.o 115-A, de 4 de Maio) — prevendo-se cepção, de inovação e de análise crítica» e
designadamente a celebração de «contra- o segundo «visa proporcionar uma sólida
tos de autonomia», que visam reforçar o formação cultural e técnica de nível supe-
autogoverno e a responsabilização nos es- rior» (art.o 11.o, n.os 3 e 4).
tabelecimentos educativos. O acesso ao ensino superior está aber-
A LBSE instituiu ainda o Conselho Nacio- to a todos os que estejam habilitados com
nal de Educação, com funções consultivas um curso secundário ou equivalente e que,
relativamente à política de ensino, estando cumulativamente, façam prova de capaci-
nele representadas, além da Assembleia da dade para a sua frequência. O regime de
República, forças sociais, culturais e econó- acesso deverá obedecer aos princípios de:
micas «na procura de consensos alarga- democraticidade, equidade e igualdade de
dos» na área da educação. oportunidades; objectividade dos critérios
O Estado reconhece ainda um estatuto utilizados para a selecção e seriação dos
especial ao ensino particular e cooperati- candidatos; universalidade de regras para
vo — «como uma expressão concreta da cada um dos subsistemas de ensino supe-
liberdade de aprender e ensinar e do di- rior; valorização do percurso educativo do
reito da família a orientar a educação dos candidato do ensino secundário, nas suas
filhos» (art.o 57.o, n.o 1, da LBSE). Quando componentes de avaliação contínua e pro-
os estabelecimentos de ensino particular vas nacionais, traduzindo-se a relevância
e cooperativo adoptem planos e progra- para o acesso ao ensino superior do siste-
mas próprios, o seu reconhecimento care- ma de certificação nacional do ensino se-
ce de análise, caso a caso, considerando cundário no processo de seriação; coor-
a qualidade dos respectivos currículos e denação dos estabelecimentos de ensino
as condições pedagógicas da sua aplica- superior para a realização da avaliação;
ção. O Estado fiscaliza e apoia, dentro selecção e seriação, de forma a evitar a

237
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

proliferação de provas a que os candida- vação do nível educativo, cultural e cientí-


tos venham a submeter-se; carácter nacio- fico do país.
nal do processo de candidatura à matrí- Têm ainda acesso ao ensino superior os
cula e inscrição nos estabelecimentos de indivíduos maiores de 23 anos que, não es-
ensino superior público, sem prejuízo da tando habilitados com um curso do ensino
realização, em casos devidamente funda- secundário ou equivalente e não sendo titu-
mentados, de concursos de natureza lo- lares de um curso do ensino superior, fa-
cal; e a realização das operações da can- çam prova da capacidade para a sua fre-
didatura pelos serviços da administração quência.
central e regional da educação (art.o 12.o No ensino superior são conferidos os
da LBSE). graus académicos de licenciado, mestre
Dentro do respeito dos princípios indi- e doutor. Na sequência da Declaração de
cados, o processo de avaliação da capaci- Bolonha para o ensino superior e respecti-
dade para a frequência, bem como o de va alteração da LBSE, foi suprimido o
selecção e seriação dos candidatos ao in- grau académico de bacharel, no ensino
gresso em cada curso e estabelecimento superior, quer universitário, quer politécni-
de ensino superior é da competência des- co (Decreto-Lei n.o 74/2006, de 24 de
ses mesmos estabelecimentos. Março).
Cabe ao Estado, além da criação de O grau de licenciado, conferido no ensi-
condições de igualdade de oportunida- no universitário e politécnico, corresponde
des, assegurar progressivamente a elimi- agora a um período de estudos compreen-
nação de restrições quantitativas de ca- dido entre seis e oito semestres curricula-
rácter global no acesso ao ensino superior res. O grau de mestre é adquirido através
(numerus clausus) e estabelecer as condi- do ensino universitário e politécnico, e é
ções para que os cursos existentes e a conferido (concluída a licenciatura) após
criar correspondam globalmente às ne- um novo ciclo de estudos com uma dura-
cessidades sociais de formação e qualifi- ção compreendida entre três e quatro se-
cação, às aspirações individuais e à ele- mestres. Já o grau de doutor só pode ser

Edifício do Departamento de Engenharia Electrónica da Universidade de Coimbra, Pólo II.

238
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

conferido pelo ensino superior universitário escolas superiores especializadas nos do-
(LBSE, art.os 14.o e 15.o). mínios da tecnologia, das artes e da edu-
Os estabelecimentos de ensino superior cação, entre outros. As universidades po-
podem realizar cursos não conferentes de dem ser constituídas por escolas, institutos
grau académico cuja conclusão com apro- ou faculdades diferenciados por departa-
veitamento conduza à atribuição de diplo- mentos e por outras unidades, podendo in-
ma. Prevê-se ainda o princípio do reconhe- tegrar escolas superiores do ensino poli-
cimento mútuo do valor de formação e técnico. As escolas do ensino politécnico
competências adquiridas entre os ensinos podem ser associadas em unidades mais
universitário e politécnico. amplas, segundo critérios de interesse re-
Ainda de acordo com a redacção do gional e/ou da natureza das escolas.
art.o 34.o da LBSE, os educadores de infân- A articulação entre o ensino superior e a
cia e os professores dos ensinos básico e investigação científica é especialmente
secundário adquirem a qualificação profis- posta em destaque no sistema português.
sional através de cursos superiores organi- Assim, a LBSE prevê que «nas instituições
zados de acordo com as necessidades do de ensino superior serão criadas as condi-
desempenho profissional no respectivo ní- ções para a formação de investigação
vel de educação e ensino. científica e para a realização de activida-
A formação dos educadores de infância des de investigação e desenvolvimento»
e professores dos 1.o, 2.o e 3.o ciclos do en- (art.o 18.o, n.o 2). Deste modo, é atribuída
sino básico realiza-se em escolas superio- ao Estado a competência para «incentivar
res de educação e em estabelecimentos a colaboração entre as entidades públicas,
de ensino universitário (art.o 34.o, n.os 3 e 5, privadas e cooperativas, no sentido de fo-
da LBSE). mentar o desenvolvimento da ciência, da
O ensino universitário é ministrado em tecnologia e da cultura tendo particular-
universidades e em escolas universitárias mente em vista os interesses da colectivi-
não integradas e o ensino politécnico em dade» (art.o 18.o, n.o 5).

239
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

As universidades públicas portuguesas bastião José de Carvalho e Melo, de cariz


beneficiam de um regime constitucional de iluminista e centralizador — influenciando
autonomia — «são pessoas colectivas de decisivamente a vida das instituições uni-
direito público e gozam de autonomia esta- versitárias, a partir de então. Refira-se, ain-
tutária, científica, pedagógica, administrati- da, a criação em 1558 dos Estudos de Évo-
va, financeira e disciplinar» (art.o 3.o, n.o 1, ra, cuja responsabilidade foi entregue aos
Lei n.o 108/88, de 24 de Setembro). padres jesuítas.
Esta autonomia assenta na tradição his- No século XX, a moderna Universidade
tórica da universidade portuguesa, que de Lisboa e a Universidade do Porto foram
tem a sua origem na fundação, pelo rei constituídas, respectivamente, pelos de-
D. Dinis, do Estudo Geral, em data próxima cretos de 22 de Março e 19 de Abril de
de 1290, o qual se situou primeiro em Lis- 1911, e a Universidade Técnica de Lisboa
boa, vindo a ser transferido para Coimbra pelo de 2 de Dezembro de 1930.
(1308). Até ao século XVI, a universidade Nos últimos anos assistiu-se ao surgi-
seria sediada ora em Lisboa ora em Coim- mento de novas universidades públicas e
bra, onde D. João III a viria fixar definitiva- privadas, designadamente nos grandes
mente no ano de 1537. Em 1598 a insti- centros. Merecem destaque, no início dos
tuição seria dotada de novos estatutos, que anos 70, a entrada em funcionamento da
vigorariam com pequenas alterações até Universidade Católica Portuguesa, ao
1772, altura em que se operou a chamada abrigo do art.o XX da Concordata entre Por-
«reforma pombalina» conduzida por Se- tugal e a Santa Sé, e a criação da Univer-

Aspecto do edifício principal da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade


Nova de Lisboa.

240
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

Universidade de Aveiro.

sidade Nova de Lisboa, bem como das demais actividades científicas e culturais
universidades de Aveiro e do Minho e ain- (autonomia científica);
da do Instituto Universitário de Évora (hoje — a faculdade de criação, suspensão e
universidade). extinção de cursos bem como a competên-
Também nos anos 70, verificou-se o cia para a elaboração de planos de estudo
surgimento, no sector público, dos institu- e programas das disciplinas e definição
tos universitários de Trás-os-Montes e Alto dos métodos de ensino, estando o ensino
Douro, Beira Interior, Açores e Madeira médico submetido a legislação especial
(que passarão, posteriormente, a universi- (autonomia pedagógica);
dades) e da Universidade do Algarve. — o poder de dispor de património pró-
Após a publicação da Lei n.o 108/88, de prio, de gerir verbas anuais atribuídas pelo
24 de Setembro, as universidades públicas Orçamento do Estado, de obter receitas
têm o direito de elaborar os seus estatutos, próprias e de as gerir anualmente através
sujeitos a homologação do ministro da de orçamentos privativos — num contexto
Educação, que apenas pode ser recusada de autonomia administrativa e financeira;
por desrespeito à Constituição e às leis — o poder de punir, nos termos da lei,
aplicáveis. as infracções disciplinares praticadas por
O Conselho de Reitores das Universida- docentes, investigadores e demais funcio-
des Portuguesas (CRUP) assegura global- nários e agentes (autonomia disciplinar).
mente a coordenação e a representação O Estado assume a responsabilidade
das universidades. Estas colaboram na for- de garantir às universidades as verbas ne-
mulação de políticas nacionais de educa- cessárias ao seu funcionamento — nos li-
ção, ciência e cultura e são ouvidas no pro- mites das disponibilidades orçamentais.
cesso de criação pelo Estado de novas São órgãos do governo das universida-
universidades. des: a Assembleia da Universidade, o rei-
A autonomia universitária abrange os tor, o Senado Universitário e o Conselho
seguintes aspectos: Administrativo. A Assembleia da Universi-
— a capacidade de livre definição, pro- dade assegura a representação por elei-
gramação e execução da investigação e ção dos diferentes corpos da instituição

241
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

(professores, restantes docentes, investi- mais elevada, e ainda por um representan-


gadores, estudantes e funcionários), exis- te dos estudantes.
tindo paridade entre docentes e estudan- Em cada faculdade ou unidade orgânica
tes eleitos e equilíbrio na representação da Universidade deverão existir obrigatoria-
das unidades orgânicas independente- mente os seguintes órgãos: assembleia de
mente da sua dimensão; a estes acrescem representantes, conselho directivo, conse-
os membros por inerência (p. ex., reitor, vi- lho pedagógico e conselho científico ou
ce-reitores, presidentes dos órgãos de conselho pedagógico-científico.
gestão das unidades orgânicas e os ór- O ensino superior politécnico foi criado
gãos de governo dos estabelecimentos in- em 1979 e 1980 com o objectivo de apetre-
tegrados, presidentes das associações de char o país com cursos de formação mais
estudantes). A Assembleia da Universida- curta e profissionalizantes, concebidos
de discute e apura os estatutos da universi- como instrumentos de desenvolvimento
dade e suas alterações, elege o reitor e de- regional. Por outro lado, o ensino politécni-
cide sobre a sua substituição. O reitor é co deverá construir um elo privilegiado nas
eleito para um mandato de quatro anos pe- relações entre o sistema educativo e o teci-
la Assembleia da Universidade, por escru- do económico e empresarial. A sua criação
tínio secreto, de entre os professores cate- envolveu 13 institutos, integrando escolas
dráticos de nomeação definitiva, nos de nível médio já existentes — constituin-
termos estabelecidos pelos estatutos de do-se, deste modo, um sistema binário de
cada universidade. O ministro só pode re- ensino superior que a LBSE consagrou.
cusar a nomeação do reitor com base em A lei de gestão e autonomia dos institutos
vício de forma do processo eleitoral. Os vi- politécnicos mantém orientações existen-
ce-reitores são nomeados pelo reitor. Este tes para as universidades, como o da cria-
representa e dirige a universidade, pro- ção de cursos, que permaneçam sujeitos a
pondo, designadamente, velando pela ob- aprovação pelo Ministério da Educação.
servância das leis e dos regulamentos e O Estatuto do Ensino Superior Particular
superintendendo na gestão académica, e Cooperativo (Decreto-Lei n.o 16/94, alte-
administrativa e financeira. rado pela Lei n.o 37/94 e pelo Decreto-Lei
O Senado Universitário aprova, entre n.o 94/99) consagra que as instituições de
outras medidas, as linhas gerais de orien- ensino não estatal (onde não se inclui a
tação da universidade, os projectos orça- Universidade Católica Portuguesa, por ser
mentais, os relatórios e as contas bem co- concordatária) são de iniciativa de empre-
mo a criação, suspensão e extinção de sas, cooperativas ou fundações criadas es-
cursos, estabelecimentos e estruturas da pecialmente para o desenvolvimento do
universidade; exerce ainda o poder disci- ensino superior, exigindo-se o reconheci-
plinar e fixa o valor das propinas a pagar mento oficial de interesse público para po-
pelos alunos. A composição do Senado derem atribuir graus académicos. O pro-
Universitário é definida pelos estatutos de cesso de reconhecimento da instituição é
cada universidade, devendo a representa- apreciado pela Direcção-Geral do Ensino
ção dos diversos corpos respeitar regras Superior, estando sujeito a uma apreciação
aplicáveis à Assembleia da Universidade. final de uma comissão de especialistas.
O Conselho Administrativo tem a seu O reconhecimento dos cursos segue um
cargo a gestão administrativa, patrimonial processo semelhante, envolvendo a apre-
e financeira e é composto pelo reitor, por ciação dos requisitos legais aplicáveis.
um vice-reitor, pelo administrador ou pelo A organização das instituições do sector
funcionário administrativo de categoria particular e cooperativo é mais flexível do

242
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

que as da rede pública, assentando, porém, O financiamento do ensino superior ba-


na separação entre os órgãos de natureza seia-se numa relação triangular Estado-ins-
científica ou pedagógica e órgãos de natu- tituição-alunos e no pagamento de uma
reza administrativa e financeira. Dispõem propina de valor moderado anual, o que
obrigatoriamente de reitor ou presidente, define o Estado como o principal financia-
director, conselho científico e conselho pe- dor da componente educativa. Os fundos
dagógico. A autonomia do ensino superior canalizados pelo Orçamento de Estado são
é completada pela existência de um siste- orientados para as actividades educativas e
ma nacional de avaliação que abrange to- de investigação. As instituições dispõem
das as instituições de ensino superior, inci- ainda de receitas próprias que decorrem
dindo sobre a qualidade do respectivo de contratos de prestação de serviços que
desempenho pedagógico e científico. Este celebrem.
sistema (criado pela Lei n.o 38/94) assenta Desde 1994 existe uma fórmula acorda-
num processo de auto-avaliação, avaliação da com as instituições para determinar o
externa e meta-avaliação, cabendo ao orçamento de funcionamento, que trouxe
Conselho Nacional de Avaliação do Ensino maior transparência e equidade na distri-
Superior o acompanhamento e harmoniza- buição do financiamento pelas instituições.
ção do processo. O sistema baseia-se na A legislação sobre financiamento introduziu
participação das instituições avaliadas, na a possibilidade da celebração de contra-
autonomia e imparcialidade da entidade tos-programa e de desenvolvimento entre o
avaliadora, na audição de docentes, bem Estado e as instituições de ensino, dando
como na divulgação dos relatórios de ava- um passo importante no sentido da progra-
liação correspondentes a cada instituição. mação plurianual das escolas bem como
As actividades de avaliação iniciaram-se medidas significativas no sentido de con-
nas universidades públicas e foram gene- sagrar a flexibilização da gestão financeira
ralizadas às restantes instituições de ensi- e administrativa, o que permitiu a consoli-
no superior. dação da autonomia universitária.

Instituto Politécnico da Guarda.

243
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A acção social escolar no ensino supe- politécnicas não integradas em institutos


rior registou um incremento muito signifi- politécnicos ou universidades.
cativo nos últimos anos. A partir de 1999
foi introduzido um sistema de empréstimos
Educação para todos e
aos estudantes, com o objectivo de possi-
escola democrática
bilitar a sua autonomização financeira. Es-
te instrumento, aplicável aos estudantes A educação para todos e a escola demo-
carenciados e com aproveitamento esco- crática são peças fundamentais para a
lar, destina-se, numa primeira fase, aos consolidação do nosso processo de de-
alunos dos últimos anos dos cursos de li- senvolvimento e para a resposta ao desíg-
cenciatura, prevendo-se um posterior alar- nio nacional de vencer o atraso estrutural
gamento. que nos separa dos países europeus mais
A evolução do ensino superior foi domi- desenvolvidos, no prazo de uma geração.
nada no final dos anos 80 pela forte ex- A qualidade, o combate à ignorância, a luta
pansão da iniciativa particular e cooperati- à uniformidade, à indiferença e à exclusão,
va. Entre 1987 e 1992, o número de vagas a valorização da liberdade, da autonomia
do ensino superior público aumentou cer- individual, da solidariedade e de um senti-
ca de 40 % enquanto as vagas do privado do aberto de comunidade — eis o que tem
aumentaram 250 por cento. Em 1995 a in- de constituir prioridade absoluta de uma
trodução de exames obrigatórios para sociedade desenvolvida. Daí a necessida-
conclusão do ensino secundário fez dimi- de de, cada vez melhor, assegurar a liga-
nuir os candidatos nos anos seguintes. ção entre educação e formação, o apoio às
A partir de 1996 a procura do ensino supe- vias tecnológicas, profissionalizantes e ar-
rior passou a ser menor do que as vagas tísticas no ensino secundário e a concreti-
oferecidas conjuntamente pelos ensinos zação de uma ideia mobilizadora de edu-
público e privado. cação permanente.
A redução do número de candidatos Educar é suscitar a autonomia e a res-
conjugada com o crescimento das vagas ponsabilidade — mas é também dar res-
do ensino superior público introduziu uma posta activa às necessidades de criativida-
redução da importância relativa do sector de social. Em Portugal, no fim do século XX
privado, que representa actualmente cerca e no limiar de um novo tempo, precisamos
de um terço do total de alunos. de qualificações relevantes para os nossos
Em suma, o sistema público de ensino jovens. A competitividade, a mobilidade e a
superior, compreendendo as instituições concorrência exigem-no.
sob tutela exclusiva do Ministério da Ciên- A qualidade das aprendizagens, a exi-
cia, Tecnologia e Ensino Superior, bem co- gência na avaliação, a internacionalização,
mo outras tuteladas conjuntamente com a capacidade de competir, a empregabili-
outros ministérios, é constituído por 49 ins- dade constituem desafios a que não pode-
tituições: 14 universidades, cinco insti- remos deixar de corresponder. Só podere-
tuições universitárias não integradas, 15 mos superar o atraso, bem evidente nos
institutos politécnicos e 15 escolas politéc- elevados níveis de abandono escolar, de
nicas não integradas. O sistema privado, saídas antecipadas e precoces e do insu-
por seu lado, compreende 103 instituições: cesso educativo, através de mais trabalho,
14 universidades (onde se inclui a Universi- melhor organização e de objectivos mais
dade Católica Portuguesa), 33 escolas uni- ambiciosos.
versitárias não integradas em universida- Hoje, na Europa, o fundamental do que
des, dois institutos politécnicos e 54 escolas está a ocorrer já não tem só a ver com a

244
A educação
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A educação

criação de instrumentos económicos e mo- crescente como oportunidade, estímulo e


netários, mas com a sua consolidação atra- desafio a todos os países europeus, uma
vés de mais e melhor formação das pessoas vez que a inovação e conhecimento, o rigor
que livremente circulam e que dão o melhor e a equidade são a chave do desenvolvi-
de si ao projecto comum que estamos a mento e da modernização nos dias de hoje.
construir. E é preocupante verificar que na «Nós somos, em última análise, o méto-
UE se acumulam atrasos que importa ultra- do, o processo, a forma e o modo» — di-
passar. A livre circulação das pessoas obri- zia-nos Rómulo de Carvalho, educador e
ga a uma maior qualidade dos sistemas de cientista. A educação tem esse acicate —
ensino, ao incentivo à convergência entre o de partir das pessoas concretas, do pro-
eles e ao reconhecimento mútuo de diplo- fessor, do aluno, do educador, da escola.
mas e formações. Eis porque a dimensão Raízes e horizontes, presente e futuro en-
europeia na educação terá uma importância contram-se permanentemente...

245
A educação
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

O património cultural
A literatura
A arquitectura
As artes visuais
As artes do espectáculo
O cinema
Design e moda
O património cultural
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Fernando Pereira Marques

E m Portugal, o processo de constru-


ção da ideia de património, en-
quanto legado das gerações pas-
sadas indispensável para preservar a
memória e cimentar a identidade nacional,
na centúria seguinte, outras ganhariam um
carácter público.
Homens de letras e de acção, como os
românticos Almeida Garrett e Alexandre
Herculano, contribuiriam para a formação
não foi muito diferente do observável um de uma consciência patrimonial nesse sé-
pouco por toda a Europa, sobretudo a par- culo XIX em que as guerras civis, mas so-
tir do Renascimento. André de Resende bretudo a incúria e a ignorância, provoca-
(1500?-1573), erasmista e espírito cosmo- ram inúmeras delapidações e destruições
polita perseguido pela Inquisição, foi um de bens arquitectónicos e artísticos. Em
precursor dos estudos arqueológicos (De 1836, o espólio proveniente das ordens re-
antiquitatibus Lusitaniae). Quase dois sé- ligiosas extintas foi guardado na Academia
culos mais tarde, no reinado de D. João V, de Belas-Artes de Lisboa, entretanto surgi-
sob o impulso da então recém-criada Aca- da. Mostrado, a partir de 1869, na chama-
demia Real de História Portuguesa Ecle- da Galeria Nacional de Pintura, situada nas
siástica e Secular, o decreto régio de 13 instalações dessa academia (antigo Con-
de Agosto de 1721 prefiguraria a primeira vento de São Francisco), viria a constituir o
legislação portuguesa de protecção do essencial do recheio do Museu de Belas-
património cultural, essencialmente na sua -Artes e Arqueologia inaugurado, com
componente arqueológica. Ainda no sécu- pompa e circunstância, em 1884, num edi-
lo XVIII constituíram-se colecções particula- fício — conhecido por Palácio das Janelas
res na Universidade de Coimbra, na Aca- Verdes — que fora dos condes de Alvor,
demia das Ciências, no Paço da Ajuda e, antes de nele se instalar o marquês de

O Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

249
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Pombal. É hoje o Museu Nacional de Arte reflectirem laivos de uma visão da cultura
Antiga. — e da língua — predominante e até ins-
Anos mais tarde (1893) foi criado o Mu- trumentalmente nacionalista, o que não
seu Etnográfico Português, que teria su- era de estranhar naquele contexto de tran-
cessivas designações até adoptar a actual sição.
de Museu Nacional de Arqueologia. Está Com efeito, em coerência com a natu-
instalado desde 1903 no Mosteiro dos Je- reza autoritária do regime derrubado em
rónimos. 1974, fora uma concepção de política cul-
Nesta segunda metade de Oitocentos, tural enquanto propaganda que prevale-
estabilizadas as instituições monárquicas cera durante toda a sua vigência. Nesta
constitucionais, o país envereda por um perspectiva, o Estado tinha em relação ao
período de relativo desenvolvimento e mo- património responsabilidades de preser-
dernização, mesmo se a uma escala e a vação e até de restauro, na medida em
um ritmo distintos do que se passava no que «Os monumentos que o Passado nos
resto da Europa, tornada mais próxima pe- legou constituem, como se sabe, um dos
lo telégrafo e os caminhos-de-ferro. Come- mais preciosos quinhões da nossa heran-
çar-se-á a proceder ao levantamento e ça de povo civilizador, de povo-guia; são,
classificação dos monumentos, e à criação por assim dizer, páginas vivas da história
de instrumentos legislativos e funcionais da nacionalidade», ao que o autor deste
capazes de permitir a sua salvaguarda. Ta- texto, que durante muito tempo funcionou
refas que prosseguirão com a I República como base programática da política do
(1910-1926), durante a qual se empreen- Estado Novo no domínio do património ar-
derá mesmo um inventário geral e sistemá- quitectónico, acrescentava referindo-se
tico dos bens móveis e imóveis existentes a ao trabalho efectuado pela Direcção-Geral
nível nacional. dos Edifícios e Monumentos Nacionais
No discurso da tomada de posse do (DGEMN): «Uma nova actividade se de-
primeiro governo que Portugal teve após a senvolveu então, à sombra do Estado,
revolução democrática de 25 de Abril de guiada pelo dever, engrandecida pelo cul-
1974, o general António de Spínola, presi- to da Arte e da Tradição, aquecida pela
dente da República, disse a dado passo: mais viva fé nacionalista» ( Boletim dos
«Terão de facultar-se a todos idênticas Monumentos Nacionais, n.o 1, Setembro
oportunidades de acesso aos bens da cul- de 1935: 5-7).
tura e da educação, estimulando paralela- Os primeiros anos de institucionaliza-
mente o florescimento do nosso património ção e de estabilização da democracia fo-
cultural. Neste domínio, há que consolidar ram difíceis e complexos. Não obstante,
a força vinculadora da língua portuguesa começaria a ganhar consistência, ao nível
como afirmação de uma História de que do poder, mesmo se de forma não linear,
nos honramos e traço da união das comu- uma política cultural norteada por outros
nidades lusíadas ou lusófilas que por essa valores e objectivos, assentando em estru-
via se manterão unidas independentemen- turas e normas adequadas às novas reali-
te dos estatutos políticos.» dades democráticas. Neste quadro, a pró-
Era significativa esta referência à im- pria ideia de património cultural evoluiu,
portância do património cultural nesse ac- deixou de estar sujeita ao espartilho predo-
to oficial, realizado num momento ainda minantemente monumental em que estivera
de grande agitação e quando prioridades durante o Estado Novo, alargando-se para
de gestão política imediata se impunham. outros horizontes e linguagens, expressões
Isto apesar de, nos termos utilizados, se artísticas e saberes que, quando muito, a

250
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

ditadura confinara ao papel de decoração Imediatamente após o derrube da dita-


folclórica com fins turísticos. Recorde-se, dura viveu-se uma fase de radicalização e
a talhe de foice, o contributo que deu para de profunda ideologização dos conflitos,
a dignificação, a divulgação e o estudo da de eclosão de lutas sociais e de inevitável
cultura popular portuguesa, nomeadamen- instabilidade governativa. Não obstante, lo-
te no que concerne à música, a vasta e pa- go em Novembro de 1974 foi nomeada
ciente recolha iniciada nos anos 60, em to- uma comissão interministerial de conserva-
do o país, à margem dos organismos ção do património. Esta comissão, como
oficiais, pelo etnólogo de origem corsa Mi- muitas outras então constituídas, teria pou-
chel Giacometti. cas hipóteses de desenvolver uma acção
Estes factos virão a reflectir-se na for- minimamente eficaz na situação existente.
ma como a Constituição de 1976 reconhe- No plano da orgânica do Estado era neces-
ce a importância do património que, des- sário romper com o passado e criar insti-
de logo, é considerado matéria na esfera tuições renovadas. Mas a efervescência de
de reserva relativa de competência legis- tipo revolucionário em que o país vivia im-
lativa da Assembleia da República. O arti- punha outras prioridades a nível do poder
go 78.o («Fruição e criação cultural»), no ou que, pelo menos, assim eram conside-
seu n.o 1, enuncia o direito «à fruição e radas por quem o exercia.
criação cultural» dos cidadãos, ao mesmo Apesar disto foi ganhando forma e con-
tempo que prescreve o «dever de preser- sistência a actuação da administração em
var, defender e valorizar o património cul- relação ao património nas suas diversas
tural». No n.o 2, alínea c), entre várias in- componentes. Tanto mais que surgia uma
cumbências do Estado, consigna-se a de nova geração de técnicos e de especialis-
«Promover a salvaguarda e a valorização tas, com competência e vontade para ino-
do património cultural, tornando-o elemen- var e renovar. No que se refere aos arqui-
to vivificador da identidade cultural co- vos, por exemplo, no início da década de
mum». De notar, ainda, que no artigo 52.o, 80 deram-se os primeiros passos para a
n.o 3, alínea a), é explicitado o direito de construção de instalações condignas desti-
acção popular, pessoalmente ou através nadas ao Arquivo Nacional da Torre do
de associações, visando a defesa do pa- Tombo, o arquivo central nacional. Na sua
trimónio. génese este estava instalado numa das tor-
Preconiza-se, deste modo, no texto res do castelo de Lisboa destruída pelo ter-
constitucional, a participação dos cida- ramoto de 1755 («tombo» significava um
dãos, suportada por direitos e por deveres cadastro de propriedades e direitos). Na
indissociáveis de um feixe de responsabili- sequência deste evento, os documentos
dades que cabe ao Estado e aos poderes da Coroa e da administração régia que se
públicos assumir. Por outro lado, adoptam- conseguiram salvar foram transferidos para
-se noções mais amplas e ideologicamente o Mosteiro de São Bento, onde também
neutrais, como a de «identidade cultural veio a funcionar o Parlamento com o ad-
comum», bem distinta da «fé nacionalista» vento do liberalismo no século XIX. Actual-
constante na doutrina do regime anterior. mente, nas novas instalações situadas na
Mas uma vez enunciados estes princípios Cidade Universitária de Lisboa, inaugura-
enformadores do que se poderá considerar das em 1990, ao arquivo régio dos primór-
uma política cultural democrática, faltava dios juntaram-se o fundo da Inquisição, do-
agora transcrevê-los para a lei ordinária e, cumentos medievais de mosteiros e ordens
sobretudo, para a prática governativa quo- religiosas extintas, da polícia política do Es-
tidiana. tado Novo, de ministérios e organismos ofi-

251
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que alberga toda a documentação histórica oficial
portuguesa.

ciais, de personalidades públicas, como cias técnicas e científicas. No início da dé-


Salazar, e vários acervos relativos a África, cada de 80 foram tomadas medidas para
ao Brasil e ao Oriente. alterar tal estado de coisas.
Os problemas neste sector dos arquivos Em Junho de 1980 foi reaberto ao públi-
não se resumiam só às instalações, uma co (estava encerrado desde 1973), com
vez que se herdara do passado recente duas exposições temporárias (uma sobre
enormes fragilidades no que se refere a mé- Columbano e outra subordinada ao tema
todos, a técnicas, ao enquadramento nor- Meio Século de Arte Portuguesa 1900-
mativo e à definição de critérios de preser- -1950), o Museu Nacional de Arte Contem-
vação dos documentos. O que principiou a
ser suprido através de vária legislação que Painéis de São Vicente, atribuídos a Nuno
Gonçalves. Museu Nacional de Arte Antiga,
foi elaborada, nomeadamente a que estabe- Lisboa.
lece o regime geral dos arquivos e patrimó-
nio arquivístico nacionais (Decreto-Lei
n.o 16/93, de 23 de Janeiro), assim como de
um maior investimento dos governos, inclu-
sive nos arquivos distritais. De registar tam-
bém um maior interesse e empenhamento
por parte dos municípios e entidades priva-
das (empresas, universidades, fundações),
o que explica que se registe um significativo
aumento do número de arquivos existentes
em todo o país: 88 em 1988, quase três
centenas na década seguinte, segundo o
Instituto Nacional de Estatística (INE).
A situação dos museus, incluindo os na-
cionais, tornara-se muito crítica nos anos
após a revolução e vários encontravam-se
mesmo encerrados por falta de meios, de
pessoal ou por causa de outras insuficiên-

252
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

porânea. Este foi fundado em 1911 para em 1994 muito transformado, melhorando-
reunir as obras — pinturas, esculturas e de- -se, significativamente, o aproveitamento
senhos — que, sendo posteriores a 1850, do antigo palácio onde se mantém instala-
se encontravam no então Museu de Belas- do e a qualidade da exposição das suas
-Artes (das Janelas Verdes), cobrindo o pe- colecções. A de pintura reúne obras que
ríodo que vai do romantismo à actualidade. vão do século XIV ao XIX, oriundas das diver-
Hoje em dia, na sequência de uma interven- sas escolas europeias. Entre as portugue-
ção projectada pelo arquitecto francês Jean sas, de origem marcadamente conventual,
Wilmotte, as suas instalações foram profun- destacam-se os famosos Painéis de São Vi-
damente remodeladas e melhoradas. cente de Fora — do nome do convento de
O Museu Nacional de Arqueologia e Et- Lisboa onde no século passado foram des-
nologia também passaria por uma impor- cobertos —, cuja autoria é atribuída a Nuno
tante fase de reestruturação. Fundado por Gonçalves (século XV). Muitas mais obras-
José Leite de Vasconcelos, insigne etnólo- -primas nele existem, como as Tentações
go e autor de obras de referência — como de Santo Antão, de Jerónimo Bosch — é
As Religiões da Lusitânia —, possui um bastante forte a presença flamenga do sé-
vasto e diversificado acervo que vai desde culo XVI —, o São Jerónimo, de Albrecht Dü-
os mais antigos vestígios da ocupação hu- rer, a Fonte da Vida, de Hans Holbein, e
mana do território português até ao final da são múltiplos os autores de primeira plana,
época romana. Urgia reorganizá-lo, assim como, percorrendo os séculos, Quentin
como repensar os seus espaços e servi- Metsys, Hans Memling, Lucas Cranach,
ços. Neste momento esse museu evidencia Francisco Zurbaran, Pieter de Hooch, Fra-
um grande dinamismo, patente nas exposi- gonard, Tiepolo ou Gustave Courbet.
ções e nas actividades que promove. Está Não menos relevantes são as demais
planeada a sua ampliação. colecções: a de desenhos e de estampas;
Igualmente por esta altura entraria em a de escultura, que reúne milhares de pe-
execução a primeira fase das obras de be- ças, na sua maioria de carácter religioso e
neficiação e de ampliação das instalações que cobre o período que vai de finais do
do Museu Nacional de Arte Antiga. Reabriu século XII ao início do século XIX; a de ouri-

253
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

vesaria, que abrange os mesmos oitocen- Maria da Vitória (na Batalha). Por outro la-
tos anos, cujas peças são essencialmente do, o Museu do Azulejo foi autonomizado
de feitura nacional, apesar de reunir tam- em relação ao Museu de Arte Antiga, de
bém valiosos trabalhos devidos a artífices forma a potenciar condignamente a cres-
estrangeiros; a de cerâmica, formada por cente importância do seu recheio. Este
cerca de 7500 peças portuguesas e es- museu, instalado no quinhentista Convento
trangeiras, incluindo muitas oriundas do da Madre de Deus (Lisboa), contém um
Extremo Oriente; a de têxteis, composta dos mais valiosos e originais acervos do
por peças muito diferenciadas pela técnica património artístico português, que permite
e função, que vão do século XIV até ao XIX; a seguir a história do azulejo até aos nossos
de mobiliário português de várias épocas; dias, ilustrada por muitos espécimes de di-
as designadas por orientais, que reúnem versos padrões e técnicas, assim como ad-
peças marcadas pelo relacionamento esta- mirar magníficos painéis recuperados de
belecido, aquando dos Descobrimentos, igrejas desaparecidas ou de outras ori-
entre os Portugueses e os povos do Orien- gens. Aliás, o próprio convento e a sua
te, onde se podem realçar os biombos ja- igreja são repositórios de azulejaria dos sé-
poneses de arte namban (séculos XVI-XVII). culos XVII, XVIII e XIX.
Nos últimos tempos, uma nova e empreen- Oportunas foram também as medidas to-
dedora direcção tem procurado inserir este madas, ou pelo menos iniciadas, na área
museu nos circuitos internacionais, possi- fundamental da conservação e restauro, co-
bilitando que nele fosse exposta, em 2006, mo a reformulação do quadro de pessoal e
a rica colecção de pintura doada pelo a redefinição da orgânica do Instituto de Jo-
Dr. Gustav Rau à UNICEF (United Nations sé de Figueiredo, a elaboração de protoco-
International Children’s Emergency Fund, los com outros serviços para formar técni-
Fundo Internacional de Emergência para a cos, e outras concernentes à carreira dos
Infância das Nações Unidas) e estabele- profissionais dessa área. Este instituto, fun-
cendo um protocolo de cooperação com o dado em 1936 pelo crítico de arte e antigo
Museu do Ermitage, de Sampetersburgo, director do Museu de Arte Antiga que lhe
para periodicamente serem promovidas, deu o nome, é a mais qualificada instituição
em Lisboa, mostras de algumas das suas nacional nos domínios da conservação e
imensas riquezas patrimoniais. restauro, da investigação e da formação, o
Ainda nos anos 80, no sentido de reunir, interlocutor credenciado dos seus congéne-
salvaguardar e permitir o acesso do públi- res a nível internacional e de instituições co-
co a alguns acervos artísticos e históricos mo a UNESCO (United Nations Educational,
dispersos, foram criados a Casa-Museu de Scientific and Cultural Organization, Organi-
Anastácio Gonçalves (em Lisboa, cujo re- zação das Nações Unidas para a Educação,
cheio é composto por uma colecção de Ciência e Cultura) e o Conselho da Europa.
pintura portuguesa, porcelana chinesa dos Passou a designar-se Instituto Português de
séculos XIII a XVIII, mobiliário nacional e es- Conservação e Restauro até ser integrado
trangeiro dos séculos XVII e XVIII, além de num novo organismo em 2006.
ourivesaria, têxteis, relojoaria, vidros e me- De referir que, neste mesmo contexto, o
dalhística), o Museu D. Diogo de Sousa Estado interveio de forma a que a Funda-
(em Braga, que reúne colecções de ar- ção Ricardo Espírito Santo, instituição cria-
queologia do Norte do país e peças de da em 1953 e dedicada especialmente ao
arte sacra medieval, tendo-lhe ainda sido estudo e defesa das artes decorativas, pu-
atribuída a tutela das ruínas de Bracara desse superar a grave crise financeira com
Augusta) e o Museu do Mosteiro de Santa que se deparava. O que aconteceu man-

254
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

tendo-se ela em actividade, assim como o ção de muitas das metas traçadas pelos
seu Museu-Escola de Artes Decorativas governos que se iam sucedendo, as dificul-
Portuguesas (Lisboa). dades em superar ancilosamentos estrutu-
Com a extinção da Junta Nacional de rais e os meios escassos disponibilizados
Educação — vinda da orgânica da ditadura para a área da cultura, observou-se, a partir
—, em 1977, e a dissolução das comissões dos anos 80, como que a assunção de uma
municipais de arte e arqueologia, abrira-se nova vontade política. Mudança também
um vazio no que se refere à tutela político- observável no que concerne à sensibilidade
-administrativa das actividades arqueológi- da sociedade global, como era provado pe-
cas. No ano seguinte foi criada uma comis- lo aparecimento de múltiplas associações
são ad hoc que elaborou um Regulamento locais ou regionais dedicadas à defesa dos
de Trabalhos Arqueológicos, publicado logo respectivos legados patrimoniais, facto este
de seguida. Entretanto, autarquias mais sen- incentivado por campanhas animadas pela
sibilizadas para estas questões voltaram a administração central e até pelo maior inte-
constituir, sobre bases diferentes, comis- resse que o ainda emergente poder autár-
sões municipais com objectivos idênticos quico democrático começava a manifestar
aos das que tinham sido dissolvidas. Mas foi em relação a tais assuntos.
com a formação, em 1980, do Instituto Portu- Em 1985 deu-se mais um passo impor-
guês do Património Cultural (IPPC), depois tante na construção do enquadramento ad-
Instituto Português do Património Arquitectó- ministrativo e legislativo para a protecção
nico (IPPAR), e no quadro do seu Departa- do património cultural, capaz de corres-
mento de Arqueologia, que se avançou na ponder às exigências dos novos tempos.
descentralização das tarefas de defesa e Com efeito, em 8 de Julho seria promulga-
conservação do património arqueológico, da a Lei do Património Cultural (Lei n.o 13/
criando-se serviços regionais em três zonas /85), emanada da Assembleia da Repúbli-
do país: Norte, Centro e Sul. Por esta altura ca e votada favoravelmente por todos os
foi finalmente elaborado um Plano Nacional grupos parlamentares. Tratava-se de um
de Escavações, já previsto numa lei datada esforço sério de actualização e sistemati-
de... 1965 (Decreto n.o 46 349, de 22 de zação jurídica, dada a dispersão e, em
Maio). Em 1997 a arqueologia viria a autono- muitos casos, a desactualização das leis
mizar-se com um organismo próprio, o Insti- existentes herdadas da I República ou do
tuto Português de Arqueologia (IPA). Estado Novo.
Em 2006 a orgânica do Ministério da Nessa lei adoptava-se uma definição de
Cultura e dos seus serviços sofreu uma património que incluía a noção de bens
profunda alteração. No que concerne à imateriais; introduziam-se novos critérios e
área que aqui nos ocupa, o IPPAR deu ori- uma nova tipologia de classificação (monu-
gem ao Instituto de Gestão do Património mentos, conjuntos e sítios), assim como de
Arquitectónico e Arqueológico (IGPAA), processamento da mesma; enunciavam-
que absorveu o IPA e a pioneira Direcção- -se, em coerência com a Constituição, os
-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacio- direitos e os deveres dos cidadãos na pro-
nais. Por sua vez, o Instituto Português de tecção do património, quer recorrendo a
Museus (IPM) fundiu-se com o Instituto Por- institutos como a acção popular, quer orga-
tuguês de Conservação e Restauro, trans- nizando-se em associações; definiam-se
formando-se no Instituto dos Museus e da regimes fiscais que propiciassem as tare-
Conservação (IMC). fas de defesa do património; estabeleciam-
Poder-se-á dizer que, não obstante a -se as formas e o regime de protecção e as
lentidão crónica do Estado na concretiza- responsabilidades de autarquias, de pro-

255
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

prietários ou de detentores de bens. Um terior e proceder a actualizações necessá-


capítulo definia o regime específico para o rias no que concerne ao conceito e âmbito
património arqueológico, contendo disposi- do património cultural, às garantias, direi-
ções como a da figura de «reserva arqueo- tos e deveres dos cidadãos nesta matéria,
lógica de protecção» ou a da obrigação às formas e regimes de protecção, à valori-
em formular, anualmente, um plano de tra- zação, às atribuições do Estado, regiões e
balhos arqueológicos, entre muitos outros autarquias, aos benefícios e incentivos fis-
aspectos. cais e, finalmente, à tutela penal e contra-
Algumas vozes se elevaram contra esta -ordenacional.
lei considerando-a excessivamente estati- Diga-se, a este propósito, que a assina-
zante e interventiva, nomeadamente no tura de uma nova Concordata com a Santa
que se refere à Igreja. A verdade, porém, é Sé, em 2003, transferiu para a responsabili-
que não obstante a sua eficácia ter sofrido dade directa do Estado a gestão do valioso
pelo facto de nunca haver sido regulamen- património da Igreja Católica. Realce-se,
tada, ela desempenhou um decisivo papel também, a entrada em vigor, em 2004, de
fundador. Diversas circunstâncias não per- uma lei-quadro que, entre outros aspectos,
mitiram a recriação de um clima favorável e institucionaliza a rede portuguesa de mu-
consensual semelhante ao que esteve na seus nacionais (120 na actualidade) e pre-
génese dessa lei, pelo que foi entre acesas vê um conselho, na dependência directa
controvérsias técnicas e político-partidárias do(a) ministro(a) da Cultura, pelo qual, en-
que, em 2001, foi promulgada uma nova lei tre outras atribuições, deverá passar a cre-
de Protecção e Valorização do Património denciação dos mesmos.
Cultural. Trata-se de um texto, neste mo- Em 1976 Portugal foi admitido no Con-
mento ainda por regulamentar, que vem selho da Europa, o que lhe permitiria vincu-
suprir algumas carências da legislação an- lar-se às principais convenções e acordos

As ruínas romanas de Conímbriga, um dos mais belos testemunhos da presença romana no


território português.

256
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

Museu de Tavares Proença, em Castelo Branco.

emanados dessa organização, associan- arte portuguesa nos séculos XII a XV, a arte
do-se aos esforços desenvolvidos por ela indo-portuguesa, a arte na vida quotidiana
em prol da salvaguarda e valorização do no Brasil, a arte no apogeu do barroco, a
património cultural dos estados-membros, sociedade e a arte no tempo das feitorias
no âmbito mais geral da defesa da herança dos séculos XV e XVI, entre outros temas.
civilizacional do espírito europeu. Dez anos Não faltaram iniciativas sobre criadores
mais tarde, num acto decisivo para passar contemporâneos, como os pintores Ama-
a ocupar o lugar que lhe cabe no concerto deu de Sousa Cardoso, Eduardo Viana ou
das nações que compõem o Velho Conti- Vieira da Silva; entre muitas outras nos do-
nente, Portugal integrava, oficialmente e mínios da música, do teatro, da dança e da
como membro de pleno direito, a Comuni- literatura.
dade Europeia. Punha-se fim ao isolamento Neste contexto da internacionalização
a que o país fora condenado por quase da cultura portuguesa, devem-se ainda re-
meio século de ditadura, criavam-se as ferir a presença imaginosa e criativa na Ex-
condições para se abrir à Europa e ao po 92 de Sevilha e na 2000 em Hannover, a
mundo, para projectar internacionalmente realização de Lisboa Capital Europeia da
a sua identidade cultural. Cultura, em 1994, as actividades desenvol-
Em 1982 realizou-se em Portugal a XVII vidas no quadro das comemorações dos
Exposição Europeia de Arte, centrada no Descobrimentos, assim como, na sua di-
tema dos Descobrimentos e do Renasci- versidade de linguagens e particular di-
mento na Europa, permitindo mostrar e va- mensão, o grande evento que foi a Exposi-
lorizar a cultura nacional, nas suas várias ção Universal de 1998.
expressões, incluindo a do património his- O impacte de algumas destas realiza-
tórico. Nove anos depois Portugal foi o país ções, reforçado pelo afluxo de fundos co-
convidado do festival Europália, que se munitários, no âmbito de programas como
realizou na Bélgica. Graças a isto exibiram- o Prodiatec e o Programa Operacional da
-se, no coração da Europa em construção, Cultura (POC) (351 milhões de euros de
os mais relevantes aspectos da cultura na- 2000 a 2006), ajudou a uma continuada
cional, desde a Idade Média até aos nos- mobilização de esforços e a que se proce-
sos dias, através de dezoito exposições: a desse a importantes intervenções em mo-

257
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

numentos, conjuntos e sítios. Prosseguiria século XVIII até ao XX e pintura dos sécu-
a acção de requalificação de vários mu- los XVIII e XIX); o Museu Machado de Castro
seus nacionais, como o Museu de Etnolo- (Coimbra, assente sobre um dos mais mo-
gia (Lisboa), que entre as suas várias co- numentais criptopórticos conhecidos do
lecções possui uma de arte africana muito mundo romano, destacando-se, das suas
valiosa, composta por milhares de peças; o valiosas colecções, a de escultura, com
Museu Monográfico de Conímbriga, cujo peças que vão da Idade Média ao Renas-
espólio provém, na sua maior parte, das cimento). Entre outros museus e monumen-
escavações efectuadas nas ruínas de um tos nacionais onde há intervenções em cur-
dos mais valiosos sítios arqueológicos exis- so, estão também o Museu dos Coches
tentes em território português, a cidade ro- (instalado, desde a sua fundação, em
mana desse nome situada perto da actual 1905, no antigo picadeiro do Palácio de
Coimbra; o Museu de Soares dos Reis (no Belém), que reúne uma rara e preciosa co-
Porto, cujo acervo é composto por pintura lecção de carruagens e outras viaturas dos
do século XVI à actualidade, por escultura séculos XVII ao XX (existe uma extensão des-
dos séculos XIII, XIV e XIX — onde se desta- te museu no Palácio Ducal de Vila Viçosa),
cam obras do artista que deu o nome ao e o magnífico Convento de Cristo, em To-
museu —, mas também por peças de artes mar, cuja irradiação internacional aumenta-
decorativas, joalharia, ourivesaria, cerâ- ria ao tornar-se cenário de grande parte do
mica e mobiliário); o Museu de Tavares romance de Umberto Eco O Pêndulo de
Proença (Castelo Branco, em cujo acervo Foucault.
se destacam peças de arqueologia de vá- Refira-se, também, a abertura de novos
rias épocas, colecções de pintura, escultu- museus nacionais, como o Museu do Traje
ra, tecidos, bordados, mobiliário, cerâmica, (inaugurado em 1977 e premiado pelo Con-
numismática, utensílios e trajes regionais); selho da Europa no ano seguinte) e o Mu-
o Museu do Abade Baçal (Bragança, que seu do Teatro (1985), ambos em Lisboa.
possui colecções de arqueologia, arte sa- Mais recentemente (1999), num outro qua-
cra, epigrafia, numismática, etnografia do dro institucional, fruto da colaboração entre

O Cromeleque de Almendres, perto de Évora.

258
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

Fachada principal do Convento de Mafra, cuja construção inspirou Memorial do Convento de


José Saramago.

o Ministério da Cultura e a Fundação de mais de 4000 imóveis classificados a nível


Serralves, realce-se a criação do Museu nacional... Tudo isto corresponde a uma ri-
de Arte Contemporânea do Porto, instalado queza patrimonial difícil de sintetizar nestas
num edifício construído de raiz segundo páginas e que obriga o Estado a manter
projecto do arquitecto Álvaro Siza Vieira, e, um empenhamento financeiro que tem au-
ainda nesses anos 90, do museu da Funda- mentado nos últimos anos: entre 1995 e
ção Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lis-
A Igreja dos Clérigos e a sua emblemática
boa, dedicado à obra desses dois pintores. torre, no centro do Porto.
Vestígios das populações mais remo-
tas, como dólmenes ou antas neolíticas,
restos de povoados (castros ou citânias);
ruínas deixadas pelas civilizações que pre-
cederam a nacionalidade portuguesa —
romanos, visigodos, árabes —; arquitectu-
ra religiosa: conventos e mosteiros de Cis-
ter e dos Templários, templos românicos
dos paroquiais e conventuais às sés cate-
drais de Braga, Lamego, Porto, Coimbra,
Lisboa; obras-primas do gótico, de Alcoba-
ça à Batalha ou à Sé da Guarda, e do ma-
nuelino (transição nacional do gótico para
o Renascimento), do barroco do século XVII,
do rocaille no século seguinte (do célebre
Convento de Mafra — que inspirou Sara-
mago — à Torre e Igreja dos Clérigos no
Porto); arquitectura militar, de que estão in-
ventariados mais de 150 castelos e fortale-
zas, dos quais 85 monumentos nacionais;

259
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

1999 correspondeu, só no orçamento do inclusive no que se refere à formação de


Ministério da Cultura, a cerca de 67,7 mi- técnicos —, sem esquecer o prossegui-
lhões de contos (sem arquivos). O IPM, pa- mento da inventariação de bens móveis e
ra os equipamentos museológicos que tu- imóveis, para o que importa estreitar a co-
tela (29), dispôs, entre 2000 e 2006, além laboração entre organismos do Estado,
das dotações do Orçamento de Estado, de particulares e a Igreja Católica. Ainda hoje,
cerca de 26 milhões de contos do III Qua- e por exemplo no âmbito da arqueologia,
dro Comunitário de Apoio. No entanto, a sítios pré-históricos em várias regiões do
actual situação de crise e de contenção or- país, ou romanos, como na península de
çamental conduziu a uma retracção nesse Tróia ou na ria Formosa (perto de Tavira,
empenhamento: em 2006 o orçamento do ruínas da cidade de Balsa, do século I
IPPAR sofreu um decréscimo, somando a. C.), só para citar estes casos, não estão,
cerca de 42,6 milhões de euros (3,5 mi- infelizmente, devidamente protegidos nem
lhões para os serviços dependentes); o do valorizados.
IPM registou um aumento (26,7 milhões de Neste sentido da valorização e da pro-
euros e 11,9 para os serviços dependen- tecção, após o roubo de algumas jóias da
tes); o do Instituto dos Arquivos Nacionais/ Coroa aquando de uma exposição na Ho-
/Torre do Tombo (IAN/TT) tinha atribuídos landa, avançou-se, finalmente, com a elabo-
8,7 milhões de euros (2,9 para os serviços ração de uma Lista de Tesouros Nacionais.
dependentes); o IPA contava com uns 5,3 Ou seja, de bens que pela sua «exemplari-
milhões para despesas correntes e investi- dade única, raridade, valor testemunhal de
mento. cultura ou civilização, relevância patrimo-
Meios sempre escassos face ao muito nial e qualidade artística» exigem espe-
que há para fazer, como a constituição de ciais condições de conservação. Esta lista
reservas nacionais, a reestruturação das foi adoptada e publicada em 2006, com-
actividades de conservação e restauro — preendendo 1696 peças organizadas em

As ruínas romanas de Tróia.

260
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

Edifício do Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves.

414 conjuntos e estando, uma parte subs- museus existentes no país recenseados
tancial delas, nas colecções dos museus pelo INE (258, 120 integrando a rede na-
Nacional de Arqueologia, de Arte Antiga e cional), o que permite, paulatinamente,
Machado de Castro. acabar com o desequilíbrio entre a con-
Um acontecimento como a descoberta centração de equipamentos culturais em
das gravuras pré-históricas no vale do Côa, Lisboa e Vale do Tejo e a escassez regis-
que deu origem a vivas polémicas que ul- tada no resto do território.
trapassaram fronteiras, obrigou o poder De entre os museus privados é impossí-
político a opções de grande significado vel não citar o Museu Calouste Gulbenkian
cultural, a uma actuação mais expedita e (Lisboa), que reúne excepcionais colec-
sensibilizou a sociedade civil em geral para ções de pintura e escultura, tapeçarias,
a importância da cultura enquanto factor porcelanas de várias épocas e origens. Al-
de desenvolvimento. Em Foz Côa foi criado guns dos mais recentes equipamentos mu-
um parque abrangendo a área onde se nicipais ou particulares tornam-se verda-
concentram núcleos diversificados de arte deiros pólos de dinamização cultural, em
rupestre, há visitas guiadas e está prevista zonas durante muito tempo carenciadas
a criação de um museu, apesar de não se neste domínio, e não só. É o caso do Mu-
terem concretizado algumas expectativas seu e Campo Arqueológico de Mértola —
mais ambiciosas quanto ao afluxo de visi- para citar um exemplo —, ou de outros vo-
tantes e ao impacte dessa descoberta na cacionados para a etnologia, o artesanato,
região. os saberes e as tradições locais, como, a
Diversos aspectos ilustram uma evolu- título de ilustração, o Ecomuseu Municipal
ção positiva na relação do país e dos po- do Seixal (1982) ou o Museu do Trabalho
deres com o património, como o ter-se Michel Giacometti (1995), em Setúbal, ins-
consolidado, nos últimos anos, o acompa- talado numa antiga fábrica de conservas e
nhamento arqueológico na elaboração que já foi premiado pelo Conselho da Euro-
dos planos directores municipais, e o ob- pa (1998).
servar-se um crescente investimento na O Museu de Arte Contemporânea da
renovação dos museus das autarquias, Fundação de Serralves, no Porto, tornou-se
fundações, associações, universidades, um fenómeno de impacte cultural, se se ti-
ou até a criação de outros novos. Actual- ver em conta que, em 2005, ultrapassou a
mente já ultrapassam as duas centenas os maior parte dos museus a nível nacional,

261
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Algumas exposições do Centro de Exposições do Centro Cultural de Belém têm registado


grandes êxitos no domínio da afluência de visitantes.

com 362 904 visitantes. Mas é positiva, em que lhes cabe na sensibilização e cons-
geral, a evolução dos indicadores referen- ciencialização das novas gerações em re-
tes a outros, como o Museu Nacional dos lação à riqueza patrimonial do seu país.
Coches (356 322), os museus da Fundação Facto que contribui, certamente, para que
Calouste Gulbenkian (201 655), o Museu cresça de ano para ano o número de visi-
Nacional de Arte Antiga (143 784) e o Cen- tantes dos museus (3,8 milhões em 1984,
tro de Exposições e Museu do Design do 8,97 milhões em 2004, segundo o INE) as-
Centro Cultural de Belém (144 638). sim como de monumentos e sítios (1,8 mi-
Graças ao incremento da cooperação lhões em 1995, 2,7 milhões em 1998, se-
entre o Estado, municípios e privados atra- gundo o último apuramento do INE).
vés do mecenato, vários projectos têm sido Nesta linha se situa a evolução do asso-
viabilizados ou se anunciam cheios de po- ciativismo dedicado à temática do patrimó-
tencialidades. É o caso da instalação no nio, em sentido lato, sustentado no sentido
Centro Cultural de Belém da valiosa colec- cívico de cidadãos organizados, infeliz-
ção do empresário Joe Berardo (já parcial- mente nem sempre devidamente incenti-
mente exposta no Museu de Arte Contem- vados e apoiados. É possível estimar em
porânea de Sintra), sobre a qual assentará, cerca de centena e meia as associações
a partir de 2007, o Museu-Colecção Berar- existentes a nível nacional, havendo algu-
do de Arte Moderna e Contemporânea. mas a destacar pelo seu pioneirismo, como
Neste mesmo âmbito, assinale-se que vai a Comissão de Vigilância do Castelo de
ser construída em Cascais, com traça do Santa Maria da Feira, activa desde 1909
arquitecto Eduardo Souto de Moura, uma (se bem que só com estatutos publicados
Casa das Histórias e Desenhos de Paula em 1982), cujos membros, residentes na
Rego, que contará, à partida, com cento e localidade, zelam por esse monumento
vinte obras cedidas pela pintora. que a embeleza. Releve-se, ainda, o signifi-
As escolas começam a desempenhar, cado do aparecimento em vários museus
de forma sempre mais efectiva, o papel de grupos de amigos, por vezes bastante

262
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O património cultural

activos, como é o do Museu Nacional de essa distinção o centro histórico de Angra


Arqueologia. do Heroísmo (em 1983), o centro histórico
Entre as várias convenções subscritas e de Évora (1986), o Mosteiro de Alcobaça
ratificadas (1979) pelo Estado democrático (1989), a paisagem cultural de Sintra e o
nesta área, encontra-se a Convenção para centro histórico do Porto (1996). Mais re-
a Protecção do Património Mundial, Cultu- centemente foram distinguidos as gravuras
ral e Natural, da UNESCO. Desde então foi de arte rupestre do vale do Côa (1998) a
atribuída dimensão mundial e a qualidade floresta laurissilva da Madeira (1999), a Re-
de património da humanidade a vários mo- gião Vinícola do Alto Douro (2001), o Cen-
numentos e sítios 4 i . Monumentos — todos tro Histórico de Guimarães (2001) e a pai-
classificados em 1983 — são o Convento sagem dos vinhedos do Pico (2004).
de Cristo, em Tomar (começado a construir Território situado no extremo ocidental
no século XII pelos Templários, nele se en- da Europa, cruzamento de povos e cultu-
contram plasmados estilos de vários perío- ras, país cioso da sua independência e
dos, nomeadamente o manuelino), o Mos- identidade cujas fronteiras se mantêm prati-
teiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha camente inamovíveis desde o século XIII,
(complexo monacal dos mais ricos do ponto Portugal possui, de norte a sul, do Minho ao
de vista arquitectónico, começou a ser cons- Algarve e às ilhas atlânticas, um rico patri-
truído em finais do século XIV e é considera- mónio cultural acumulado no decurso dos
do o berço do manuelino), o Mosteiro dos tempos que sofreu os efeitos de guerras, in-
Jerónimos (que, mandado construir por vasões, catástrofes naturais, mas também,
D. Manuel I para os monges hieronimitas, por vezes sobretudo, as consequências da
no primeiro quartel do século XVI, apesar ignorância e da incúria dos seus próprios
das destruições sofridas, é uma obra-prima habitantes e governantes. Agora, consoli-
do manuelino no seu apogeu) e a Torre de dados os valores da democracia e da cida-
Belém (verdadeiro ex libris de Lisboa, forta- dania, tem-se recuperado muito do tempo
leza construída entre 1515 e 1521, com ob- perdido, preservando, salvaguardando e
jectivos de defesa do porto, é considerada valorizando tudo o que de material e imate-
um dos exemplares mais típicos da arte rial são bens de história, de memória e de
manuelina). Quanto aos sítios, mereceram cultura. Para melhor construir o futuro.

263
Cultura
A literatura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Fernando Pinto do Amaral

T alvez o aspecto mais importante das


transformações sofridas pela literatu-
ra portuguesa nos últimos trinta anos
consista na perda de importância da ideia
de vanguarda e no progressivo desapare-
paisagem poética está disseminada por um
mosaico em que se destacam, por exem-
plo, dois autores recentemente falecidos —
Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugé-
nio de Andrade. Este último cultivou uma
cimento dos movimentos literários que mar- depuração que o levou à expressão lírica
caram o século XX até aos anos 1960/1970 de um erotismo que traduz um conheci-
(modernismo, neo-realismo, surrealismo, mento poético da existência e tem descido
experimentalismo, etc.). De facto, cada es- cada vez mais à simplicidade do real, aus-
critor não se apresenta hoje como o porta- cultando os elementos terrestres. Também
-voz de uma mensagem colectiva, mas muito depurada se apresenta a obra de
simplesmente como o detentor de um olhar Sophia, cujo rigor clássico confere limpidez
pessoal, que procura exprimir o seu univer- e autonomia às suas palavras, fazendo-as
so, numa atmosfera plural e marcada por penetrar na substância de cada sensação
algum decréscimo de confiança na leitura ou de cada objecto, numa respiração que
da história e na ideia de futuro — um futuro eleva a sua linguagem acima das flutua-
que nos reserva uma incógnita e que se ções afectivas do «eu».
mostra aberto a certas pulsões irracionais Outros nomes fundamentais da nossa
que voltam à superfície e se condensam, poesia neste início de milénio são alguns
ao nível político, em conflitos nacionalistas dos sobreviventes da década de 50, que
ou religiosos que o início do século XXI veio poderão dividir-se em vários sectores: por
infelizmente agravar. um lado, os que pretenderam revalorizar a
Agora que se encontra já integrada (ou linguagem poética, como Pedro Tamen
exorcizada) a sombra tutelar de Fernando (que joga, de forma inventiva, lúdica e lúci-
Pessoa — que é hoje considerado um dos da, com as palavras, adivinhando-lhes um
maiores poetas europeus do século XX —, a sentido e transmitindo-o de modo irónico

Fernando Pessoa Sophia de Mello Breyner Eugénio de Andrade

264
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A literatura

David Mourão-Ferreira Natália Correia Alexandre O’Neill

ou oblíquo), Fernando Guimarães (cuja E assim chegamos aos anos 60, perío-
poesia se abre a uma dimensão estética, do em que é possível identificar três gran-
auto-reflexiva e simbólica) ou Fernando des linhas na poesia portuguesa: uma de-
Echevarría, permeável a um apelo metafísi- las configura-se na luta política (sobretudo
co no rendilhado neo-barroco dos seus estudantil) contra o regime de Salazar.
versos; noutros poetas agudizou-se uma Nesta tendência (muitas vezes musicada
consciência trágica da existência, carrega- através de canções de protesto) salientam-
da de memórias (António M. Couto Viana, -se as obras de Manuel Alegre e Fernando
Raul de Carvalho, José Bento), enquanto Assis Pacheco — o primeiro mais clássico
um lirismo erótico surgia, por exemplo, em e o segundo mais auto-irónico; a segunda
Alberto de Lacerda ou no malogrado David corrente («poesia experimental») procla-
Mourão-Ferreira, autor cuja oficina poética mava a necessidade de uma pesquisa lin-
se sustenta numa força emocional que ul- guística a nível fonético, morfo-sintáctico
trapassa em muito a faceta amorosa que ou mesmo gráfico, na linha da poesia con-
em geral lhe é associada. creta brasileira (casos de Ana Hatherly,
Quanto às heranças do surrealismo, E. M. Melo e Castro ou Alberto Pimenta); fi-
além de Natália Correia e Alexandre nalmente, avultaram as propostas agrupa-
O’Neill (que ocupou um lugar único pelo das sob o conjunto de plaquettes Poesia-
modo como soube retratar com ironia cor- -61, influenciadas pelas obras de Sophia,
rosiva mas enternecida as peculiaridades Eugénio de Andrade e por outro autor ain-
portuguesas), deve sublinhar-se o nome da muito prolífico nos nossos dias, António
de Mário Cesariny de Vasconcelos, recen- Ramos Rosa, cuja poesia corresponde a
temente falecido, cuja escrita oscila entre uma poética e se define por uma constante
um registo sarcástico ou de paródia face interrogação das relações entre o real e a
às convenções sociais e um lirismo amo- linguagem. Deste modo, a atitude dos poe-
roso de recorte bretoniano, embora de tas de 61 (Gastão Cruz, Fiama Hasse Pais
perfil homossexual. Já sem qualquer liga- Brandão, a já malograda Luiza Neto Jorge,
ção a este movimento se situa a magnifi- além de Casimiro de Brito e Maria Teresa
cente obra de Herberto Helder, neste mo- Horta) atribuía grande ênfase à linguagem
mento reconhecido como um dos nossos e caracterizava-se por uma desconfiança
maiores poetas vivos, cujos textos cortam perante as convenções de um subjectivis-
o fôlego ao leitor graças à energia das mo na altura sentido como demasiado sen-
imagens e das metáforas, deixando-o à timental.
mercê de uma linguagem simultaneamen- Este pendor para a rarefacção do sen-
te alquímica e vulcânica. tido não subsistiu na escrita dos poetas de

265
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Fernando Assis Pacheco Ruy Belo Al Berto

61 ou dos seus próximos (p. ex. Armando lação tardia e discreta de António Osório:
Silva Carvalho), vindo a desembocar em cultor de um estilo humilde e rente às coi-
estilos mais fluentes, como veio a aconte- sas naturais e humanas, também ele veio a
cer com Fiama ou Gastão Cruz — Fiama ser relevante na renovação ocorrida nos úl-
apostando numa «metafísica humilde» e timos trinta anos, protagonizada por vozes
Gastão mais disfórico, com uma atitude hoje em dia já consagradas, como as de
por vezes melancólica e ultimamente se- Nuno Júdice (talvez o mais prolífico e tra-
duzida pela revisitação da infância. De duzido poeta desta geração, cujos textos
qualquer modo, começou a gerar-se a reintegram de modo muito criativo numero-
partir da década de 70 uma certa renova- sas tradições literárias, num processo por
ção, talvez mais sensível após a revolução vezes contaminado por uma ironia que
de 25 de Abril de 1974, mas não apenas vampiricamente se alimenta desses códi-
derivada da mudança política. Tal viragem gos e produz belíssimos resultados), João
pode ser parcialmente compreendida em Miguel Fernandes Jorge (que vagueia ao
função de uma certa asfixia do lirismo ou sabor de uma memória circunstancial e se
do recalcamento da subjectividade, fenó- dispersa pelos mil fragmentos de um quoti-
meno que chegara a provocar um comple- diano sobre o qual vai reflectindo), Vasco
xo de inferioridade do coração em face do Graça Moura (encarando a realidade sob
intelecto. As causas têm raízes amplas, um permanente véu de ironia, melancolica-
mas o facto é que alguns autores regres- mente apta a recuperar uma atitude manei-
saram a uma efusão lírica mais próxima de rista e carregada de referências culturais),
uma experiência partilhável com o leitor. Joaquim Manuel Magalhães (que, além de
Tal regresso vinha já sendo antecipado um intenso poeta lírico, tem representado
por Ruy Belo (morto em 1978), a cujos tex- uma das vozes críticas de maior relevo) ou
tos foram alguns jovens poetas colher, por ainda o já desaparecido Al Berto, cujo nar-
um lado, um fôlego discursivo capaz de li- císico pathos homossexual se alarga numa
dar com os grandes temas do amor, do fecunda imaginação onírica e em reminis-
tempo ou da morte e, por outro lado, um cências eróticas em que o sentido do ex-
à-vontade coloquial ligado às emoções do cesso alterna com a mais profunda melan-
quotidiano. colia.
Perante a multiplicidade de valores des- Apesar desta recuperação da experiên-
de então divulgados, parece tarefa inglória cia humana, a poesia actual mantém-se
qualquer esquematização de temas ou mo- ciente das questões da (in)comunicabilida-
tivos atribuíveis em conjunto aos poetas. de da escrita e da sua (in)adequação ao
Em todo o caso, começaria por citar a reve- real. Basta ver um caso tão notável como o

266
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A literatura

de António Franco Alexandre, portador da ferente é a que encara a poesia como reac-
inquietação de uma fala por vezes suspen- ção satírica à sociedade, utilizando um hu-
sa num quase-silêncio em que o que fica mor e uma ironia por vezes próximos do
dito se subentende de modo subtil. nonsense — vejam-se os casos de Jorge
Seja como for, diversas linhas de rumo de Sousa Braga, em que essa vertente hu-
se poderiam ainda traçar na poesia mais morística se alia a uma certa dose de ternu-
recente, alguma já revelada nas décadas ra, ou de Adília Lopes, cuja poesia joga
de 80 e 90: uma delas assume contornos com a sabotagem de alguns valores tradi-
neo-expressionistas em que o essencial cionais, desconstruindo-os de um modo
tem a ver com a intensificação do sentido perversamente infantil.
no texto. Aí se situam os dilacerantes per- A diversidade destes nomes não esgo-
cursos eróticos de Isabel de Sá, Fátima ta, no entanto, um panorama poético onde
Maldonado, Eduardo Pitta, Helga Moreira, ressaltam autores tão diferentes como Ma-
Fernando Luís Sampaio ou, last but not the nuel Gusmão (com o seu discurso tenso e
least, Luís Miguel Nava (assassinado em por vezes quase orquestral), Carlos Poças
Bruxelas em 1995), que em poucos anos Falcão, Jorge Fazenda Lourenço, António
construiu uma obra escassa mas plena de Manuel Pires Cabral, Eduardo Guerra Car-
coerência e densidade, veiculando um neiro, Gil de Carvalho, Teresa Rita Lopes,
imaginário pessoal fortemente erótico. Uma Inês Lourenço, Rosa Alice Branco, Laurea-
tendência mais suave tende a evocar me- no Silveira, António Cabrita, António Mega
mórias de um passado afectivo algo tran- Ferreira, Francisco José Viegas, Jaime Ro-
quilo ou cicatrizado, exprimindo-se por cha ou as recentes revelações de uma no-
exemplo nas obras de Hélder Moura Perei- víssima geração que surgiu em força já no
ra, João Camilo dos Santos ou Miguel Ser- dealbar do século XXI. Um fenómeno recen-
ras Pereira, mas também no alcance ele- te e interessante — talvez consequência da
gíaco que atravessa a poesia de Paulo mudança de milénio — consistiu na publi-
Teixeira, ocupada num exaustivo «inventá- cação de diversas antologias, de que sa-
rio» da herança cultural do Ocidente. liento apenas duas, aliás motivando algu-
Um regresso brilhantemente consegui- ma polémica: Anos 90 e agora, vinda a
do a formas legadas pela tradição lírica lume em 2001 pela mão de Jorge Reis-Sá,
portuguesa é o que se verifica na lingua- e Poetas sem Qualidades, editada pelo
gem sóbria mas intensa de Luís Filipe Cas- poeta Manuel de Freitas em 2002. Uma
tro Mendes, enquanto Manuel António Pina tentativa de sistematização foi, enfim, le-
realiza, por sua vez, a reactualização de vada a cabo em 2002 por José Ricardo
um labirinto reflexivo de recorte pós-pes- Nunes — também ele um autor da mesma
soano. José Agostinho Baptista faz ecoar geração — no ensaio 9 Poetas para o Sé-
a sua voz mágica e deambulatória por um culo XXI, em que dedica capítulos indi-
universo de recorte mexicano ou madei- vidualizados a Luís Quintais, Paulo José
rense e Ana Luísa Amaral (uma das me- Miranda, Pedro Mexia, João Luís Barreto
lhores vozes femininas mais recentes) Guimarães, Carlos Bessa, Rui Pires Cabral,
mostra-nos o seu olhar terno, mas impiedo- Jorge Gomes Miranda, Daniel Faria e José
samente lúcido, sobre um quotidiano pro- Tolentino Mendonça.
positadamente banal ou familiar. Outra mu- No domínio da prosa narrativa, um dos
lher, Maria do Rosário Pedreira, tem vindo dados curiosos da situação portuguesa
a destacar-se por um lirismo próximo da corresponde ao número de poetas que se
experiência do sofrimento, da solidão e do deixam seduzir pela ficção, alcançando
abandono amoroso. Uma sensibilidade di- por vezes excelentes resultados. Desde os

267
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Vitorino Nemésio Jorge de Sena Agustina Bessa-Luís

já clássicos Mau Tempo no Canal (1942), Talvez menos inovadores quanto à es-
de Vitorino Nemésio, Finisterra (1978), de trutura, mas sem dúvida fascinantes e de-
Carlos de Oliveira, e Sinais de Fogo (1979, tentores de grande lucidez quanto à natu-
póstumo), de Jorge de Sena, até ao rela- reza humana e às forças que a movem,
tivamente recente Um Amor Feliz (1986), são os romances de uma figura central
de David Mourão-Ferreira, muitos são os dos nossos dias, Agustina Bessa Luís.
casos em que o género lírico se prolonga Atraída por atmosferas e personagens ma-
no narrativo: foi o que sucedeu com Yvette gistralmente recriadas por uma escrita
K. Centeno, Ana Hatherly, com os magnífi- aberta ao segredo que parece movê-las
cos contos de Sophia de Mello Breyner ou entre os fios das enigmáticas histórias em
com as obsessivas prosas de Herberto que se enredam, os livros de Agustina são
Helder. Outros poetas também envereda- portadores de um sopro irracional, expres-
ram num ou noutro momento pela narrativa so numa linguagem que tece sabiamente
— Nuno Júdice, Vasco Graça Moura, Ar- a sua teia sem fim, ao sabor de fulgura-
mando Silva Carvalho, João Miguel Fer- ções da memória e da imaginação, que se
nandes Jorge, Al Berto, Luís Filipe Castro desdobram em luminosos aforismos,
Mendes ou Fernando Assis Pacheco —, cheios de um Witz muito especial, um es-
mas o problema da separação entre os pírito que observa o lado trágico mas tam-
géneros literários continua a colocar-se bém irrisório das relações afectivas e das
em alguns textos contemporâneos difíceis paixões que comandam os actos decisi-
de classificar segundo os modelos tradi- vos das personagens.
cionais. Se nos lembrarmos de um escritor Num plano diferente se colocaram os li-
algo hermético como Rui Nunes ou da vros de Vergílio Ferreira, que, partindo das
obra de Maria Gabriela Llansol, verifica- preocupações existencialistas dos anos
mos que fazem estilhaçar quaisquer fron- 50, encontrou o seu caminho graças a uma
teiras entre o que designamos por ficção, escrita por onde perpassa a «angústia uni-
ensaio, diário, poesia, memórias, etc. No versal e metafísica» de que falava Her-
que toca a esta autora, estamos perante mann Broch. A situação-limite das suas
um magma de vozes que dialogam umas obras coloca-nos perante a vida e a morte,
com as outras, convergindo para um cau- perante o monólogo de um homem no li-
dal cuja beleza progride através de «ce- miar dessa evidência, face a face consigo
nas-fulgor» que irradiam uma energia pró- mesmo. Num mundo desertado por Deus
pria e que se repercutem por tempos, (que faz sentir a sua ausência), o refúgio
lugares e figuras capazes de gerarem dos protagonistas de Vergílio Ferreira resi-
uma harmonia para lá do humano. de na força de um amor capaz de resistir a

268
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A literatura

Vergílio Ferreira José Cardoso Pires António Lobo Antunes

tudo, fora do tempo e do espaço, na eterni- modo inédito entre nós, uma técnica de-
dade de uma memória onde surgem ideali- senvolta da montagem e da elaboração ro-
zadas as imagens de mulheres sempre um manesca — com uma boa noção dos diálo-
tanto irreais ou inacessíveis, mas por isso gos — a uma fulgurante capacidade para
mesmo projectadas num horizonte que res- retratar com fino sentido de humor certos
gata o conjunto da existência. comportamentos ou mudanças sociais das
Também oriundo dos anos 50, Urbano últimas décadas, com destaque para uma
Tavares Rodrigues encontra-se no cruza- acerba crítica do marialvismo português.
mento das influências da filosofia existen- Num terreno não muito afastado se si-
cialista e da orientação marxista que mol- tuou a obra prematuramente interrompida
dou a sua visão do mundo, mesclando na de Nuno Bragança: dando-nos um roteiro
sua obra pulsões eróticas e políticas, en- das expectativas, medos, entusiasmos ou
quanto Augusto Abelaira explorou as cir- conflitos de uma geração marcada pelo
cunstâncias da vida quotidiana graças a questionar do catolicismo, o romance A Noi-
um subtil humor e a um sentido reflexivo te e o Riso (1969) subsistiu como um sinal
muito lúdico e acutilante, problematizando da época atravessada pelo país pouco an-
algumas grandes questões contemporâ- tes do 25 de Abril.
neas. Ainda no âmbito desta geração, de- Tendo-se revelado há várias décadas
vem apontar-se duas autoras importantes como poeta, dramaturgo e ficcionista, José
a partir dos anos 50: Maria Judite de Car- Saramago constitui um caso à parte na no-
valho, com a sua arte pessoalíssima para velística contemporânea, culminado com o
dar conta de um universo feminino em que Prémio Nobel da Literatura em 1998. Foi
melancolicamente se saboreia um sofri- sobretudo a partir de 1982, com Memorial
mento íntimo, discreto, quase silencioso; e do Convento, que a sua escrita ganhou um
Fernanda Botelho, mais voltada para o ex- impulso decisivo, espraiando-se segundo
terior e para uma análise por vezes impla- uma linha de subversão dos dados históri-
cável de certas máscaras ou hipocrisias cos, num processo em que personagens
sociais. aparentemente comuns adquirem papéis
Um dos maiores escritores da segunda ou poderes relevantes e em que os pontos
metade do século XX foi José Cardoso Pi- de vista do narrador se fundem com os
res. Detentor de uma escrita contida e ci- dessas personagens, por vezes carrega-
rúrgica, avessa ao derrame sentimental e à das de um estranho magnetismo. Os ro-
profusão de adjectivos, Cardoso Pires foi mances de Saramago partem geralmente
influenciado pelo dinamismo de alguma de ideias originais e muito imaginativas em
narrativa norte-americana e soube aliar, de que a verosimilhança realista flutua até

269
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

José Saramago, galardoado com o Prémio Nobel da Literatura de 1998.

mergulhar no fantástico, num ritmo que tura, Alexandre Pinheiro Torres, Manuel
mistura elementos coloquiais e quase bar- Tiago (pseudónimo do dirigente comunista
rocos, muito peculiares ao seu estilo. Álvaro Cunhal), A. Rebordão Navarro ou, já
Outro autor que tem obtido êxito junto noutro plano, Armando Baptista-Bastos,
de um largo público internacional é António que tem explorado um universo basica-
Lobo Antunes, cujos textos espelham uma mente lisboeta, recortado num fundo colec-
variada gama de experiências sexuais, po- tivo por onde passa a evolução social do
líticas ou simplesmente humanas, colhidas país. Noutro pólo político se situaram as ex-
na memória da guerra colonial africana, na periências ficcionais de António Alçada
prática clínica psiquiátrica ou numa imagi- Baptista, cuja escrita ilumina uma aprendi-
nação que se afirma com exuberância me- zagem interior cuja componente religiosa
tafórica, numa tendência para o excesso manifesta vestígios autobiográficos.
que tanto cai em efeitos de caricatura co- Dois casos notáveis de prosadores sur-
mo alcança uma brilhante penetração psi- gidos nos anos 60 e aplaudidos pelas ino-
cológica das personagens, geralmente vações da sua escrita são Almeida Faria e
pertencentes a mundos de recorte célinia- Maria Velho da Costa: enquanto no primei-
no, por vezes degradados ou viciosos, mas ro deparamos com a exploração de densos
reflectindo um universo tipicamente portu- monólogos interiores e de diferentes ângu-
guês. Nos últimos anos adensou-se a pe- los de visão das personagens, tentando re-
netração no interior das personagens, gra- pensar as bases de alguns mitos portugue-
ças à plasticidade de uma escrita herdeira ses como o sebastianismo, em Maria Velho
de Faulkner e próxima de fluxos incons- da Costa ocorre uma complexa elaboração
cientes. textual intensificada graças ao cruzamento
Também subvertendo os modelos nar- de diferentes registos de linguagem, arras-
rativos tradicionais escreveram Ruben A., tando a escrita por zonas cegas e alucina-
João Palma-Ferreira, Álvaro Guerra ou Di- das onde a loucura acaba por conseguir
nis Machado, enquanto, pelo contrário, ou- uma cirúrgica clarividência na percepção
tros autores permaneceram fiéis a um neo- do universo e do seu aparente absurdo. Foi
-realismo que assim evoluiu e aproveitou talvez esta autora a que mais longe levou
certas aquisições estilísticas mais recentes os processos de desconstrução da escrita
— por exemplo, Orlando Costa, Mário Ven- típicos dos anos 60 e 70, num discurso ren-

270
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A literatura

te ao fluxo do pensamento e às suas pul- de as personagens parecem recuperar as


sões mais inconscientes. vivências de uma ruralidade misteriosa e
Tem sido Maria Velho da Costa a mais carregada de uma simbologia sexual, que
poderosa vocação narrativa de entre as a têm aproximado quer da poesia, quer da
«três Marias», um grupo também integrado literatura fantástica, numa atmosfera por
por Maria Teresa Horta e Maria Isabel Bar- vezes próxima da loucura.
reno, que deu à estampa em 1972 as céle- Duas autoras consideravelmente prolífi-
bres Novas Cartas Portuguesas, livro que cas têm sido Clara Pinto Correia e Luísa
constituiu a afirmação de uma atitude femi- Costa Gomes: a primeira mantém um assí-
nista nessa época causadora de escânda- duo ritmo de publicação, entremeando
lo pela sua carga erótica, mas depois acei- obras científicas (biologia, embriologia), li-
te e incorporada nas posições de autoras vros infantis, crónicas, etc., num caudal
mais novas. Enquanto Teresa Horta tem discursivo que toma o pulso a um certo
publicado textos marcados pelo erotismo, Portugal posterior às mudanças de 1974.
Isabel Barreno move-se num território de Luísa Costa Gomes individualiza-se pelo
observação sociológica com ocasionais in- tom céptico com que descreve pensamen-
tromissões no fantástico. tos e emoções, vividos quase como jogos
Talvez na sequência desse livro e de al- de linguagem, sob uma inteligente ironia
gumas ficcionistas mais antigas que fun- reflexiva, numa atitude que parece filosofi-
cionaram como precursoras (Graça Pina camente próxima de Wittgenstein. Nunca
de Morais, Isabel da Nóbrega, Luísa Da- nada de ninguém (1991) é o título de uma
costa, Maria Ondina Braga ou Natália Nu- sua peça de teatro e pode apontar-se co-
nes), é importante sublinhar o aparecimen- mo paradigma da posição de quem já não
to de diversas escritoras a partir dos anos se ilude com quaisquer soluções para os
80: aí ressalta a intensidade do discurso de problemas contemporâneos.
Lídia Jorge, indo beber parte da sua força No diversificado panorama actual avulta
a mitos populares. Saudada desde 1980 o denso e obsessivo trabalho literário de
como uma das grandes vocações literárias Mário Cláudio, apostado em conciliar o vir-
das últimas décadas, Lídia Jorge evoluiu tuosismo da escrita e a rigorosa fidelidade
desde essa fase inicial, próxima de um rea- aos dados biográficos de que se serve.
lismo mágico em ambientes rurais algar- Também poeta e dramaturgo, Mário Cláu-
vios, para histórias ligadas aos problemas dio tem publicado sobretudo ficção narrati-
da sociedade actual, passando por um ro- va, construindo uma obra notável que, sem
mance que descreve a Guerra Colonial perder de vista um apurado sentido estéti-
através do olhar das mulheres dos oficiais co, se tem deixado regularmente seduzir
portugueses. Importante é também a rique- pelo romance histórico.
za simbólica inerente ao ângulo de visão Outro percurso extremamente singular
feminino de Teolinda Gersão, ao explorar, é o de Mário de Carvalho, num domínio
por exemplo, o universo das relações pessoal onde mistura a reflexão filosófica, a
humanas e da tensão entre os dois sexos. abertura ao fantástico, a paródia e uma efi-
Numa escrita feita de reminiscências la- caz dimensão satírica face às contradições
cunares sobrepostas na memória, as suas do nosso tempo. Revelado em 1981 como
narrativas compõem um quadro por vezes um exímio contista, este autor destaca-se
melancólico dos afectos humanos, numa es- como uma das nossas vozes mais estimu-
crita fiel à respiração do seu tempo subjecti- lantes, explorando uma fértil imaginação,
vo. Quanto a Hélia Correia, tem conseguido sempre aliada à ironia. Cultivando o roman-
recriar um mundo mágico e ritualizado, on- ce histórico ou a desconstrução dos rituais

271
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

quotidianos, Mário de Carvalho analisa E eis-nos chegados à etapa final desta


com um humor subtil e queirosiano algu- viagem, com obras ainda em formação,
mas realidades da sociedade portuguesa que marcam o início do século XXI. Mais
contemporânea. cosmopolitas e menos presos aos grandes
Dois autores entretanto despertados temas da identidade nacional que preocu-
para a narrativa foram Hélder Macedo e param gerações antecedentes, estes no-
Paulo Castilho: no primeiro caso, estamos vos escritores situam-se numa perspectiva
perante alguém já antes consagrado no en- histórica em que as mudanças políticas de
saio e na poesia, mas que nos anos 90 nos 1974 foram absorvidas e integradas no
deu narrativas que interpelam os dilemas quotidiano de um país democrático euro-
de personagens da história portuguesa re- peu, como é Portugal nos nossos dias, es-
cente. Quanto à escrita de Paulo Castilho, crevendo já descomplexados e em pé de
rejeitou um peso retórico tradicional e igualdade com os seus congéneres de ou-
adoptou um estilo mais linear, contando tros países europeus.
histórias por vezes ligadas à sua experiên- Estamos, portanto, em face de autores
cia de diplomata e ao seu conhecimento que reflectem as influências de um ambien-
do mundo. te cultural aberto ao exterior, dialogando
Noutro registo se situa a prosa de João com as literaturas estrangeiras mais conhe-
de Melo, que se tem distinguido pela evo- cidas — sobretudo as anglo-saxónicas ho-
cação das memórias da guerra nas ex-co- je dominantes, mas também a espanhola
lónias africanas, mas também pela emocio- ou hispano-americanas, a francesa, a bra-
nada recuperação da realidade açoriana. sileira, a alemã, a italiana, as africanas, etc.
Poderiam ainda citar-se o impulso con- — e integrando tudo isso numa visão do
testatário geracional de Eduarda Dionísio, mundo que, sem deixar de ser portuguesa,
a interrogação da identidade nacional e da se inscreve no quadro de uma vocação
«saudade» portuguesa levada a cabo por universal, de resto acentuada pelo irrever-
Fernando Dacosta, o universo regionalista sível processo da globalização. Tal diálogo
de A. M. Pires Cabral ou Bento da Cruz, os estabelece-se igualmente com outras artes
imaginativos romances históricos de Fer- e formas estéticas às quais a literatura se
nando Campos ou João Aguiar — precur- mostra hoje permeável — o cinema, a tele-
sores da actual voga deste género ficcio- visão, a banda desenhada, o vídeo, o jor-
nal —, a elegância cosmopolita e blasée nalismo, a publicidade, etc.
de Amadeu Lopes Sabino ou António Mega É nesta atmosfera já claramente pós-
Ferreira, a escrita sóbria e discreta de Te- -moderna ou de realismo urbano que têm
resa Veiga, a sensibilidade assumidamente florescido algumas das propostas novelísti-
homossexual de Guilherme de Melo, o cas dos últimos tempos, podendo citar-se
olhar feminino de Olga Gonçalves ou de os casos de Pedro Paixão — cujos textos
Wanda Ramos, ou ainda vozes tão singula- se apoiam num estilo fragmentário, com
res como as de Júlio Moreira, J. Viale Mou- histórias quase sempre amorosas, emocio-
tinho, Américo Guerreiro de Sousa ou José nalmente intensas —, Inês Pedrosa — que
Manuel Mendes. Finalmente, lembraria al- tem traçado um mapa dos afectos contem-
guns textos inclassificáveis, por vezes si- porâneos, revelando uma sabedoria intuiti-
tuados perto do inconsciente, como os de va e por vezes aforística das relações hu-
José Amaro Dionísio, Silvina Rodrigues Lo- manas, sobretudo quanto ao tema da
pes ou Jaime Rocha, que perturbam os có- intimidade entre os dois sexos —, Rui Zink
digos narrativos e mantêm viva uma atitude — cujo discurso reflecte com humor e de-
de vanguarda. senvoltura algumas idiossincrasias do Por-

272
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A literatura

tugal contemporâneo —, Jacinto Lucas longo de romances que extravasam essa


Pires — perseguindo fragmentos do quoti- faceta e observam com ironia todo o pano-
diano e mostrando uma boa técnica descri- rama da sociedade portuguesa. Convirá
tiva, quase cinematográfica —, Possidónio ainda não esquecer o impacto que tiveram
Cachapa — que surpreendeu o público e a duas revelações vindas da área do jornalis-
crítica pela densidade de algumas perso- mo — as de Filipa Melo, com uma escrita
nagens — ou Julieta Monginho, construin- segura, e de Pedro Rosa Mendes, que no
do uma notável obra narrativa, por vezes li- romance A Baía dos Tigres (1999) transfi-
gada aos meios judiciais. gura literariamente uma viagem capaz de
Num pólo quase oposto se tem desen- nos fornecer o retrato de uma certa África
volvido o itinerário ficcional de José Riço contemporânea.
Direitinho, que tem reactualizado de um Destaque-se ainda o recente surgimen-
modo pessoal as experiências de uma ru- to de um outro jornalista, Miguel Sousa Ta-
ralidade perdida, recuperando saberes an- vares, no domínio do romance — oferecen-
cestrais e transmitidos de geração em ge- do-nos em Equador (2003) o relato de uma
ração. Sem essa marca rural, mas dentro história bem alicerçada no ambiente dos
de um universo algo mágico, podem situar- finais da monarquia —, bem como de Fre-
-se as obras narrativas de Abel Neves ou o derico Lourenço, que nos deu uma notável
romance de estreia de Henrique Monteiro trilogia de romances em que retrata o am-
— revisitação pessoal da Beira Alta, onde o biente académico com lucidez e desenvol-
protagonista reconstitui a história da sua vi- tura narrativa, abordando-o à luz da ho-
da —, assim como a fulgurante revelação mossexualidade de algumas personagens.
de José Luís Peixoto, que rapidamente se Finalmente, tem sobressaído já neste sécu-
notabilizou como detentor de uma escrita lo a forte presença de Gonçalo M. Tavares,
cuja intensidade atinge por vezes um plano que em poucos anos se afirmou decisiva-
quase alucinatório. mente nos domínios da ficção, da poesia e
Igualmente perturbadores são os ro- de outros géneros literários.
mances da autora madeirense Ana Teresa Um fenómeno mais sociológico do que
Pereira, de Dulce Maria Cardoso ou de Ma- estritamente literário da viragem do milénio
falda Ivo Cruz: enquanto a primeira, na li- consistiu no aparecimento de uma tendência
nha da britânica Iris Murdoch, delimita um conhecida por literatura light ou pop: trata-se
microcosmo carregado de presságios e de romances concebidos para um consumo
segredos que ficam por desvendar, em rápido, cujas histórias captam um público
Mafalda Ivo Cruz é o movimento da escrita que nelas procura algum entretenimento.
a desencadear um lastro de memórias cujo A pioneira a afirmar-se nesse campo foi Rita
caleidoscópio interior se concentra em cer- Ferro, autora de obra já vasta, tendo-se-lhe
tos momentos-chave de narrativas que fo- seguido Margarida Rebelo Pinto e Maria
gem a um encadeamento linear. João Lopo de Carvalho, entre outras.
No campo do romance histórico ou si- Refira-se ainda a escrita bem arquitec-
milar — hoje muito procurado pelo público tada de certas vozes femininas recente-
— podem referir-se Francisco Duarte Man- mente surgidas na nossa literatura, contan-
gas, Pedro Almeida Vieira, Miguel Real, do-nos por vezes apaixonantes sagas
Cristina Norton, Pedro Canais, Paulo José familiares — casos de Rosa Lobato de Fa-
Miranda, José Manuel Saraiva ou José Ro- ria, Helena Marques ou Luísa Beltrão —, o
drigues dos Santos, enquanto o género po- humor corrosivo daquele que foi um lúcido
licial surge recuperado por Miguel Miranda cronista da sociedade portuguesa dos
e sobretudo por Francisco José Viegas, ao anos 80 e 90, Miguel Esteves Cardoso, a

273
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Jacinto Lucas Pires José Luís Peixoto Gonçalo M. Tavares

inspiração subtilmente queirosiana de Fer- do Lourenço, José Gil ou Eduardo Prado


nando Venâncio, a fértil imaginação roma- Coelho, entre muitos outros —, gostaria de
nesca de Catarina Fonseca ou ainda mui- concluir sublinhando a actual vitalidade da
tos outros nomes que têm contribuído para literatura portuguesa: na multiplicidade das
alargar a riqueza e a diversidade da actual suas vozes, ela continua a exprimir os de-
literatura portuguesa, por vezes não ape- safios, as seduções ou os problemas de
nas no domínio da ficção narrativa, como uma sociedade que mudou muito nas últi-
Maria de Fátima Borges, António Cabrita, F. mas décadas, embora ainda mostre índi-
Cabral Martins, Luís Carmelo, Ernesto Ro- ces de leitura comparativamente baixos no
drigues, José Dinis Fidalgo, Laura Gil, Ana contexto europeu. Seja como for, é plena-
Nobre de Gusmão, Alberto Oliveira Pinto, mente integrada nesse contexto que ela se
José António Saraiva, Miguel Viqueira, An- abre ao terceiro milénio, com essa espécie
tónio Vieira, Leonel Brim, Leonor Xavier, de verdade incerta que de vez em quando
Fernando Fonseca Santos, Isabel Cristina sabe transmitir aos que a lêem, com uma
Pires, António Manuel Venda, Miguel Ra- força que vive de tudo o que nas suas pa-
malho Santos, Maria João Lehning, Rui Mi- lavras somos capazes de projectar, com os
guel Saramago, José Pinto Carneiro, Dóris nossos desejos, os nossos medos, os nos-
Graça Dias, Manuel Jorge Marmelo, Rodri- sos sonhos mais recônditos ou as nossas
go Guedes de Carvalho, Domingos Amaral, angústias mais inconfessáveis — enfim, to-
João Rosas, Patrícia Reis, etc. das as emoções que alimentam o mistério
Não havendo espaço para abordar o de cada leitura e prolongam o texto nesse
ensaísmo literário — no qual destacaria, território desconhecido e sempre novo que
apesar de tudo, nomes como os de Eduar- é o olhar de cada leitor.

274
Cultura
A arquitectura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
José Manuel Fernandes

Transformações com o 25 de Abril de 1974

A partir do processo de transição de-


mocrática de 1974-1976, pode di-
zer-se que a arquitectura portugue-
sa foi dos campos da actividade nacional
que soube traduzir ou reflectir de modo
Falar do pós-25 de Abril de 1974 impli-
ca referir em primeiro lugar o original pro-
cesso de autoconstrução de habitação co-
lectiva para os grupos mais pobres da
sociedade, apoiado pelos novos governos
claro e intenso a nova abertura de Portugal desejadamente socialistas, e conhecido
ao exterior — num contraste, esse sim, cul- em Portugal como «Operações das Briga-
turalmente «revolucionário», com a situa- das SAAL».
ção do meio século anterior. Seguindo as tendências arquitectónicas
De facto, nesta área com vastas implica- contemporâneas, sejam as de cariz neo-
ções políticas e sociais, foram inúmeras as -racionalista/rossiano (Porto: São Vítor, por
novas tendências e as transformações pro- Siza Vieira; Lisboa: Quinta do Bacalhau,
fundas que se operaram — e acentuaram já por Manuel Vicente; Quinta das Fonsecas,
na década de 80 — com o percorrer de re- por Hestnes Ferreira) ou as de expressão
novados caminhos e plurais áreas (e geogra- neovernacular (Alto do Moinho, Alfragide,
fias) de actuação, com a crescente diversi- por Silva Dias; Antas, no Porto, por Pedro
dade de linguagens plásticas, com o gradual Ramalho), ou mesmo de procura mais con-
internacionalismo dos autores e suas obras, textualista/territorial (em Setúbal, por Gon-
e ainda com as inovadoras e criativas atitu- çalo Byrne), todas estas acções de fundo
des perante o espaço, a cidade e o território. social-colectivista, métodos político-socio-

Malagueira, bairro de habitação cooperativa em Évora, projecto de Siza Vieira, 1978-1998.

275
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

logistas e preocupação antropológico-cul- tos e espaços públicos, despontou nas ilhas


turalista marcaram, ao menos simbolica- atlânticas da Madeira e Açores, sob a égide
mente, um tempo de mudança, entre 1974 dos novos governos regionais, dotados de
e 1976. Abortado em 1976-1977 pela nova autonomia alargada e ansiosos por recupe-
directriz política anticomunista, a experiên- rar o enorme atraso civilizacional (sobretudo
cia SAAL compensou em parte a classe depois da importante acção de reconstru-
dos arquitectos pela crise profunda de falta ção da cidade de Angra do Heroísmo, na
de trabalho e desemprego que se seguiu a sequência do terramoto de 1980). Nestes
1974, e foi uma experiência única no reno- arquipélagos foram assim surgindo, ao lon-
var da relação com a construção, o cliente go da década de 80, os primeiros autores
e a cidade. de geração insular, como João Francisco
No final da década de 70 e inícios da Caires (Madeira), ou João Maia Macedo e
de 80, depois do regresso maciço de mui- Paulo Gouveia, nos míticos Açores.
tos profissionais de arquitectura das ex- Também foi crescendo, no Portugal ibé-
-colónias africanas, uma nova frente de rico, adentro da «província profunda» do
actividade arquitectónica despontou no Ex- interior, nas cidades do Nordeste às Beiras
tremo Oriente, com a retoma da actividade e ao Alentejo, uma nova actividade edifica-
económica e desenvolvimentista da China, tória, mercê de uma recente geração de ar-
sediada no território sob a secular adminis- quitectos aí nascidos e depois profissional-
tração portuguesa de Macau. mente aí sediados (é exemplar o caso de
E, do «lado de cá» dos oceanos, em es- Trás-os-Montes, com o novo grupo de ar-
cala mais reduzida, uma crescente activida- quitectos sediados em Vila Real, formando
de edificatória, sobretudo dos equipamen- na década de 80 o ateliê Pioledo, liderado
por António Belém Lima). Este fenómeno,
Edifício dos correios em Santa Marta de
Penaguião, Vila Real de Trás-os-Montes. apoiado em novo investimento privado lo-
Projecto do grupo Pioledo, 1984-1985. cal mas sobretudo dinamizado depois da
integração portuguesa na União Europeia
(UE), levou a transmigrações de muitos ar-
quitectos e empresas ligadas à constru-
ção. Assim, pouco a pouco, as pequenas
cidades lusitanas foram ganhando os seus
arquitectos, vivendo e habitando na comu-
nidade urbana local.
Uma verdadeira comunidade autónoma
de autores residentes (vindos da ex-África
portuguesa, de Angola e Moçambique, ou
do Portugal em plena crise de desemprego
nos inícios dos anos 80) foi surgindo em
Macau, e perdurou até 1999, quando o ter-
ritório foi finalmente devolvido à China. Esta
comunidade profissional, com resultados
de desigual qualidade e esforço, foi mes-
mo assim produzindo ao longo de um quar-
to de século um conjunto significativo de
obras naquela cidade e ilhas vizinhas. Refi-
ram-se, desenhando e construindo em Ma-
cau — a título meramente exemplificativo

276
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A arquitectura

— autores como Irene Ó e Bruno Soares,


ou como Carlos Marreiros (macaenses ou
com eles trabalhando); e ainda Adalberto
Tenreiro (natural de São Tomé e com um
percurso que passa por Hong Kong), Fran-
cisco Figueira (trabalhando na área do pa-
trimónio) e sobretudo Manuel Vicente (de
Lisboa), o mais polémico mas também o
mais interessante e internacionalizado au-
tor (conjunto de habitação social Fai-Chi-
-Kei, Macau, 1978-1982).

A fase de ingresso
na União Europeia,
depois de 1985-1986
A arquitectura portuguesa desta fase, des-
cobrindo novos caminhos com sentido
«aberto», operando em áreas e geografias
tão diversas, e possuindo um potencial cria-
tivo multifacetado e dinâmico, foi singrando
ao longo dos anos 80, mas com especial rit-
mo depois dos meados da década. Os
anos de 1985-1986 (o tempo da integração Conjunto comercial e residencial das
europeia, com Espanha) marcam de facto Amoreiras, Lisboa. Da autoria de Tomás
Taveira, 1980-1985.
um relançamento da actividade urbana e
construtiva, e um paralelo caminho para o nacular e concepção moderna (por João
reinício da liderança cultural e profissional Paulo Conceição e António Braga, 1980-
das cidades maiores de Lisboa e Porto, no -1985). Estas obras exemplificam do mais
campo da arquitectura e do urbanismo. Por interessante que se edificou em Lisboa
um lado, as correntes estéticas do pós- neste tempo de mudança — a que se jun-
-modernismo tinham então plena aceitação, tam os Arquivos Nacionais/Torre do Tombo
sobretudo nos autores da capital; e, por ou- (por Arsénio Cordeiro e Nunes de Almeida,
tro, a maturidade da escola de arquitectura 1982-1985).
moderna no Porto foi ganhando um estatuto Mas 1985-1986 marcam igualmente um
internacional de nível europeu. tempo de crise urbanística, com uma ges-
Em Lisboa, 1985 foi «o ano das Amorei- tão tardo-desenvolvimentista do município
ras», primeiro centro comercial de icono- de Lisboa (que não soube preparar a cida-
grafia arrojadamente pós-moderna, cujo de para as transformações que se avizi-
sucesso financeiro e popular ajudou a vei- nhavam, de sentido mais cultural e patrimo-
cular aquela nova linguagem arquitectónica nial). Esta gestão, se produziu equívocos
(por Tomás Taveira, 1980-1985). Com Luís como as esplanadas da Rua do Carmo
Cunha floresceu um gosto pós-moderno de (kitsch e fora de época), teve resultados
cunho original e pessoal, que atingiu o me- claramente negativos, como foi o acentuar
lhor resultado na nova Igreja da Portela da «renovação selvagem», urbana e arqui-
(1982-1992). Refira-se também a nova Mes- tectónica, das belíssimas avenidas de fim
quita de Lisboa, de seguro desenho neover- do século XIX, pontuada pela traumática de-

277
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

molição do cinema/teatro Monumental, em


1984, e pela emergência de uma arquitec-
tura desqualificadora. Um caminho que, de
modo quase brutal e simbólico, terminou
com o grande incêndio do Chiado (1988),
prova irreversível de que algo estava defini-
tivamente errado no uso e funcionamento
do extenso centro histórico da cidade.
Com a nova gestão socialista munici-
pal de 1990, uma correcção gradual foi
imposta à situação, quer com o incentivo
do planeamento estratégico da cidade,
quer com o apoio à reabilitação dos vários
núcleos históricos da urbe (Alfama, Mou-
raria, Bairro Alto, Castelo, Madragoa, Oli-
vais), quer ainda com a preparação de
eventos culturais e de lazer, motivadores
de uma nova atitude face à cidade (reutili-
zação da área portuária de Lisboa, pro- Pavilhão de Portugal na Expo 98, Lisboa.
Projecto de Siza Vieira, 1996-1998.
grama da Sétima Colina).
Na cidade do Porto e área nortenha, a Eduardo Souto de Moura), quer pela sua
situação de produção arquitectónica, mais articulação com uma escola de «regionalis-
periférica, teve novas marcas qualificado- mo crítico» mais genericamente portugue-
ras: o completamento da Estalagem de sa (Gonçalo Byrne, João Luís Carrilho da
Santa Marinha da Costa (por Fernando Tá- Graça), quer mercê da qualificada actua-
vora, 1972-1985), obra notável de recupe- ção pessoal de autores estrangeiradamen-
ração-inovação, como que anunciava o te cultos (José Paulo dos Santos).
progressivo predomínio, cultural/concep- Na transição dos anos 80-90, o panora-
tual, da escola do Porto nos planos nacio- ma cultural interno foi tentando acompa-
nal e internacional. Igualmente a obra da nhar este progressivo afirmar, qualificado,
nova Câmara Municipal de Matosinhos, ar- da nova arquitectura portuguesa: de cariz
ticulando recuperação do existente e nova universal, viajada e culta — sem deixar de
arquitectura moderna, foi um trabalho con- se ater a uma enraizada expressão deli-
temporâneo e significante (por Alcino Sou- cada, e de estar atenta às realidades do
tinho, 1981-1987). necessário desenvolvimento nacional.
Foi também por esta época que as pri- O reavivar de acções nacionais, como os
meiras obras europeias de Siza, em Berlim prémios AICA — Secretaria de Estado da
e na Holanda, lhe deram um sinal de in- Cultura (SEC) —, ou da Associação de Ar-
ternacionalização, depois confirmado na quitectos Portugueses, ou de galardões lo-
própria capital lusa (com o seu plano de cais, como o Prémio Valmor e Municipal de
recuperação do Chiado, 1988-1989), e Lisboa, deram uma nova atenção ao papel
consagrado no plano europeu com a con- da arquitectura e do urbanismo no país.
cessão do Prémio Pritzker ao autor norte- Estes aspectos foram complementados pe-
nho. Depressa — já na década seguinte — la criação de mais escolas de arquitectura
outros autores ganhariam reputação ou en- por todo o território (públicas e privadas),
comendas internacionais, quer na ligação com a diversificação de revistas e de publi-
directa à mítica escola do Porto (como cações sobre cidade e arquitectura, e ain-

278
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A arquitectura

1986-1995; Igreja de Marco de Canaveses,


1990-1996; Pavilhão de Portugal na Expo 98,
em Lisboa, 1996-1998; Museu de Serralves,
Porto, 1999).
Eduardo Souto de Moura, discípulo de
Siza (consagrado com o Prémio Pessoa
1998, galardão máximo da cultura portu-
guesa atribuído pela primeira vez a um ar-
quitecto), tem obra muito própria e inova-
dora (Edifício de Geociências de Aveiro,
cerca de 1993; prédio na Rua do Teatro, na
Foz, Porto, cerca de 1994; Pousada de
Santa Maria do Bouro, 1989-1997).
João Luís Carrilho da Graça vê uma
carreira de valor crescente premiada com
o Prémio FAD da Catalunha, em 1999, na
sequência de obras marcantes (Pousada
da Flor da Rosa, 1990-1995; Escola de Tu-
da com as várias exposições e eventos de- rismo/Hotelaria, Faro, 1993-1995; Pavilhão
dicados ao tema da arquitectura, no país e do Conhecimento, Lisboa, 1994-1998).
além-fronteiras. Estes três autores receberam na mesma
década um significativo prémio da arqui-
tectura nacional: o Prémio SECIL, atribuído
Os anos 90: significação
em 1992 a Souto de Moura (pela Casa das
internacional da
Artes da SEC no Porto, 1981-1991), em
arquitectura portuguesa
1994 a Carrilho da Graça (pela Escola de
A década de 90 pode considerar-se mar- Comunicação Social de Benfica, 1988-1993)
cada pelo relativo apogeu do papel cultu-
Edifício na Rua do Teatro, Porto, por
ral, político, social — e até comunicacional Eduardo Souto de Moura, 1994-1995.
— desempenhado pela arquitectura portu-
guesa moderna, quer no plano nacional
quer no internacional. Curiosa e até contra-
ditoriamente, uma arquitectura e um urba-
nismo em geral com graves deficiências
médias, praticado em todo o país (com mui-
tas obras por não arquitectos), não tem im-
pedido a existência de obras isoladas de
grande qualidade, e a prática de experiên-
cias arquitectónicas e urbanísticas excep-
cionais e notáveis (pavilhão da Expo 92, Lis-
boa Capital da Cultura 1994, Expo 98, Porto
Capital da Cultura 2001).
A consagração de Álvaro Siza Vieira co-
mo um dos grandes autores mundiais de-
corre com a execução de sucessivas obras
de sentido experimental e profunda quali-
dade (Escola de Educação de Setúbal,

279
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Pousada da Flor da Rosa, Crato. por João Luís Carrilho da Graça, 1990.

e a Siza Vieira (pelo edifício no Chiado, Outro galardão importante, o Prémio


1996). Em 1998 o mesmo prémio foi para AICA-MC (Associação Internacional de
Vítor Figueiredo, um experimentado autor, Críticos de Arte/Secção Portuguesa, com
pela sua Escola de Arte e Design, Caldas o Ministério da Cultura), foi premiando no-
da Rainha, 1993-1997). mes incontornáveis, em função da obra
extensa realizada, como Manuel Tainha,
Escola de Artes nas Caldas da Rainha.
Projecto de Vítor Figueiredo, 1993-1997. Frederico George, Amâncio Guedes e
Raul Chorão Ramalho, para além de ou-
tras atribuições.
No tema dos equipamentos colectivos,
ressalte-se a importância das novas arqui-
tecturas universitárias, com sucessivas rea-
lizações de diversificados programas nas
principais cidades portuguesas. São exem-
plos: Faculdade de Psicologia de Lisboa
(1987-1991, Manuel Tainha); pólo da Mitra
da Universidade de Évora (1990-1996, Vítor
Figueiredo); Instituto Superior de Economia
de Lisboa e departamentos de Engenharia
e Informática de Coimbra (1989-1992, Gon-
çalo Byrne/Manuel Mateus); Departamento
de Engenharia Mecânica e residência de
estudantes da Universidade de Aveiro
(1988-1991, Adalberto Dias).
Algumas grandes obras institucionais/
/públicas constituíram marcos nos anos 90
— por vezes com polémicas nos media,
dado o seu evidente significado político-
-social e a dimensão material: refiram-se a

280
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A arquitectura

nova sede da Caixa Geral de Depósitos tectos Portugueses, Lisboa, 1991-1994;


(Arsénio Cordeiro com Nunes de Almeida proposta Urbanização da Lisnave, Alma-
e Barreiros Ferreira, cerca de 1985-1992), da, 1999).
o Centro Cultural de Belém (Vittorio Gre- Nas áreas atlânticas e transatlânticas,
gotti com Manuel Salgado, 1988-1992) e a das ilhas e de Macau, haveria que referir
nova Feira Internacional de Lisboa, 1996- muitos nomes recentes; fiquemos pelo
-1998 (Barreiros Ferreira com França Dó- apontar de dois autores exemplares: Paulo
ria). Gouveia, nos Açores, com dois museus de-
Em Lisboa e no Porto prosseguiram as licadamente neovernaculares (Museu dos
obras de base municipal para a recupera- Baleeiros, 1986-1989, e Museu do Vinho,
ção arquitectónica/social nos principais Pico, 1991-1999), e Manuel Vicente, em
bairros históricos, mas o tema da recupera- Macau (Quartel dos Bombeiros da Areia
ção generalizou-se às cidades de dimen- Preta, cerca de 1991-1996; World Trade
são média, sendo de destacar a obra reali- Center, cerca de 1994-1995, e o inovador
zada em Guimarães, cujo centro histórico Plano da Baía da Praia Grande, 1990-
foi por isso premiado (reabilitação do cen- -1995). Neste território, e assinalando a
tro histórico, 1987-1992, por Fernando Tá- passagem à administração chinesa, há
vora/GTL, com Alexandra Gesta, Bernardo que ressaltar simbolicamente o elegante
Távora, Fernando Barroso, Carlos Martins e Centro Cultural de Macau (INTERGAUP/
Giovanni Muzio). /Bruno Soares e Irene Ó, 1996-1999).
Participações em obras internacionais O futuro é um dos temas mais fortes
permitiram destacar um dos mais inventi- numa avaliação finimilenar da nossa ar-
vos e heterodoxos ateliês de arquitectura, quitectura recente, com os mais novos e
o de Manuel Graça Dias e Egas José Viei- promissores autores. A título de exemplo,
ra (Pavilhão de Portugal na Expo 92, Sevi- refiram-se: Manuel Mateus e Francisco
lha, 1989-1992; sede da Ordem dos Arqui- Mateus (ampliação da sede da Ordem dos

Edifício do World Trade Center, em Macau, por Manuel Vicente, 1994-1995.

281
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Engenheiros, Lisboa, 1994-1998; Museu dinâmica de algumas linhas de força bem


do Brinquedo, Sintra, 1995-1997), João características da arquitectura portuguesa.
Santa Rita (recuperação do Museu do Fa- Em primeiro lugar, a continuidade da con-
do e da Guitarra, Alfama, 1995-1998), o solidação dos talentos de autores «fortes»,
ateliê ARX Portugal, Nuno Mateus e José como Siza Vieira (conjunto habitacional dos
Mateus (exposição do Pavilhão do Conhe- Terraços de Bragança, Lisboa; Museu da
cimento dos Mares da Expo 98, 1997- Fundação Camargo, Porto Alegre, Brasil),
-1998), João Paulo Providência e José Fer- Souto de Moura (Estádio de Braga para o
nando Gonçalves (convento dominicano Euro 2004, Prémio Secil), Carrilho da Graça
em Lisboa, 1989-1995), Fernando Salva- (Centro de Documentação da Presidência
dor e Margarida Nunes (Bar Lux em Lis- da República, Belém, Lisboa; Teatro e Au-
boa, cerca de 1998; lar em Tomar, 1998) e ditório para Poitiers, França), Graça Dias e
José Paulo dos Santos (pousada no con- Egas Vieira (Teatro de Almada), Gonçalo
vento dos Lóios em Arraiolos, cerca de Byrne (Torre de Controlo Marítimo, Algés),
1995). Este último autor recebeu em 1998 António Lima (Conservatório de Vila Real) e
o importante prémio de arquitectura da Hestnes Ferreira (edifícios do ISCTE, Cida-
Ordem dos Arquitectos em Berlim (com a de Universitária de Lisboa).
creche em Karow, Alemanha). Também constatamos a consagração
Inquieta e multifacetada, como sempre, de autores um pouco mais recentes, como
a arquitectura portuguesa aprofunda os Francisco e Manuel Aires Mateus (reitoria
seus caminhos. da Universidade Nova de Lisboa, Centro
Cultural de Sines) e Nuno e José Mateus
(Museu do Mar em Ílhavo), premiados mui-
Os primeiros anos
to recentemente com o Prémio Valmor e
do século XXI
Municipal de Lisboa e/ou com o Prémio AI-
Nesta perspectiva, e em relação aos temas CA /Ministério da Cultura. Exposições indi-
provindos do final do século XX, constata- viduais de retrospectiva marcaram presen-
-se, olhando para os anos de 2001-2006, a ça nestes anos, nomeadamente dedicadas

Estádio de Braga, da autoria de Eduardo Souto de Moura.

282
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
A arquitectura

Torre de Controlo do Porto de Lisboa, projecto de Gonçalo Byrne.

a Hestnes Ferreira, Aires Mateus e Siza com: Inês Lobo (auditórios da Universida-
Vieira, Gonçalo Byrne e Silva Dias. de dos Açores), João Mendes Ribeiro
Numa outra linha, têm-se afirmado uma (Centro de Artes Visuais de Coimbra), Pe-
série de autores de formação mais jovem, dro Costa e Célia Gomes (Biblioteca da
que Portugal tem amplamente apresenta- Universidade dos Açores), Promontório
do internacionalmente, nas bienais de ar- Arquitectos (conjuntos habitacionais no
quitectura em Veneza e São Paulo. Neste Parque das Nações, Lisboa), Paulo David
conjunto de criadores, ressalte-se a inova- (Casa das Mudas/Centro de Artes na Ca-
dora revelação de arquitectas, a impor- lheta, Madeira), Bernardo Rodrigues (casa
tância que assumem as ilhas atlânticas em São Miguel, Açores) e Inês Vieira da
(Madeira e Açores), bem como as áreas Silva e Miguel Vieira (Gruta das Torres, Pi-
regionais do continente, entre autores e co, Açores).
obras, e a originalidade de programa Termine-se esta resenha apenas indica-
e sentido imaginativo de muitas soluções tiva — mesmo assim significativa de um
espaciais. Exemplifiquemos, entre vários, processo de produção arquitectónica reno-

Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, de Francisco e Manuel Aires Mateus.

283
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Casa das Mudas na Calheta, Madeira, projecto de Paulo David.

vado, amplo, aberto e internacionalizado — por Manuel Vicente, Rui Leão e Francesca
com a referência à obra de autores paisa- Bruni).
gistas (Gomes da Silva, João Nunes, em A arquitectura do Portugal europeu ex-
Portugal e Itália, etc.) e à emergência de pande-se e reafirma-se hoje na Europa,
uma primeira arquitectura lusófona pós- mas também, naturalmente, no quadro da
-colonial qualificada, em Timor Leste (co- sua longa e ampla tradição geo-histórica,
mo o projecto da igreja de Quelicai, por do Atlântico e da América ao Extremo
Pedro Reis) e em Macau (Praça Nam Van, Oriente.

284
Cultura
As artes visuais
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
João Lima Pinharanda

Anos 70

E m termos artísticos, 1974, marcado


pela revolução que derrubou o Esta-
do Novo, não alterou estruturalmente
nada. As transformações imediatas foram
políticas e económico-sociais. No momento
encontrando imediato eco crítico exterior a
si mesmos, serviram-se de um veterano, Jo-
sé Ernesto de Sousa, como enquadramento
das suas acções. António Palolo, Ângelo de
Sousa ou Alberto Carneiro cavalgaram as
da revolução a classe artística podia dividir- duas situações.
-se entre os que geriam a carreira na conti- À vertigem revolucionária, a globalida-
nuidade das rupturas «neofigurativas» dos de dos artistas deu respostas raramente in-
anos 60 — cruzando a pop anglo-america- teressantes e muitas vezes ilustrativas.
na com as linhas europeias do nouveau réa- O painel que meia centena deles pintou (10
lisme (Lourdes Castro, René Bertholo, João de Junho de 1974) em Lisboa é exemplar
Vieira, João Cutileiro, Joaquim Rodrigo, do desfasamento entre generosidade e efi-
Nikias Skapinakis ou Paula Rego) e a inquie- cácia estética. Revolução política e crise
tação dos que recebiam e trabalhavam as dos meios de subsistência (desabamento
escassas informações relativas à nova con- do mercado) aguçaram a consciência críti-
juntura internacional pós-minimalista e pós- ca da classe.
-conceptual. Jovens como Fernando Ca- O vasto, abrangente e difuso grupo de
lhau, Julião Sarmento, Vítor Pomar, Leonel criadores que estrutural ou conjunturalmen-
Moura, Cerveira Pinto ou José Barrias, não te enveredou por linhas de experimentação

Aspecto da exposição Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna. Lisboa, 1977. Em
primeiro plano Uma Floresta para os Teus Sonhos, de Alberto Carneiro.

285
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

não-mercantil (radicalização dos meios e onde o final do franquismo provocara gene-


linguagens) ou insistiu na coincidência da ralizado frenesi criativo: um discurso eufóri-
arte com a revolução foi reunido por Ernes- co, superficial e veloz mas também angus-
to de Sousa na exposição Alternativa Zero tiado, intenso e marcante. Os modos de
(Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna, expressão exacerbaram-se, seguindo sen-
1977). Três anos depois de 1974, temos fi- sibilidades internacionais (transvanguardia
nalmente o marco da revolução possível italiana ou novos expressionismos alemão e
(como todas, não consensual) dos criado- americano) e buscando um genius locci
res visuais. Comissariada por um crítico (por exemplo, Graça Morais) que, afinal, se
vindo do neo-realismo e que, depois de co- revelou inútil perante a afirmação do poder
nhecer a arte underground inglesa e os criativo das autorias individuais.
projectos Fluxus, se deixou fascinar pela Alguns artistas vindos dos anos 40 (Jú-
fusão entre arte e vida, foi um balanço plu- lio Pomar e António Dacosta) ou dos 60
ral de atitudes inconformistas. O tempo re- coincidem com o «espírito dos tempos» ou
velaria que a reunião se revelou — sem mantêm a independência que lhes confere
que isso diminua a sua importância — mais mais-valias éticas e perenidade estética.
um fecho de contas. A revolução terminara Pomar renovou, em figuração luxuriante, al-
em conformismo democrático (1976) e não guns mitos culturais nacionais; Dacosta (fa-
se poderia generalizar nem gerir a sua uto- lecido em 1990) renovou o seu surrealismo
pia em acomodação institucional. em temáticas míticas e narrativas. Um mes-
Alguns dos jovens expositores (Sar- mo papel desempenhou Joaquim Rodrigo
mento, Moura, Cerveira) serão, aliás, pri- (falecido em 1997), que, desde 60, desen-
meiros protagonistas da nova conjuntura volvia mitografias pessoais segundo um
dos anos 80. Nela se revelarão os efeitos «primitivismo» formal que a nova década
da integração europeia e do período de es- recuperou. Confirmou-se a visibilidade (final-
tratégias internacionais de expansão capi- mente internacional) de Paula Rego 4 i , em

talista e liberal (governos do Bloco Central Londres desde os anos 50, em delirantes fi-
e Cavaco Silva) e a cada vez maior veloci- gurações narrativas cobrindo inquietantes
dade de circulação da informação artística. universos pessoais e femininos. Também
O pós-conceptual deu lugar à discussão importa considerar Alberto Carneiro, que,
do pós-modernismo. da relação estreita com a land art, regressa
ao trabalho directo sobre a madeira — nun-
ca se afastando de uma visão ecológica,
Anos 80
política e poética de espiritualidade zen; a
A segunda data desta história é 1983/1984. continuidade conceptual da pintura «mo-
Coincide com as ondas de choque da ex- nocromática» de Ângelo de Sousa (com
posição Depois do Modernismo (Lisboa, So- obra só revista em profundidade em retros-
ciedade Nacional de Belas-Artes), onde, pectivas dos anos 2000); as pesquisas lu-
sem clara consciência geracional (são mais mínicas de Jorge Martins, entre Paris e No-
os nomes do «passado» que os do «futu- va Iorque (revisto em exposições dos anos
ro»), mas pela primeira vez, artes visuais e 90 e 2000); a profunda pesquisa de Antó-
arquitectura, moda e música, dança e teatro nio Sena, autonomizando a escrita como
ou design se reuniam numa iniciativa global pintura (em dimensão diversa da determi-
mobilizadora de públicos vastos num con- nante poesia visual de Ana Hatherly); a ra-
texto cultural e socialmente activo. O meio dicalização neofigurativa de António Areal
lisboeta — também o do Porto — adoptam (falecido em 1978); a assumpção dos auto-
um modelo próximo da movida madrilena, -retratos fotográficos, pintados e desenha-

286
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes visuais

Vista parcial da exposição Depois do Modernismo, Sociedade Nacional de Belas-Artes, 1983.

dos, de Helena Almeida 4 i ; a deriva abs- conceptual dos anos 70), da ficção policial
tracta e lucidamente irónica de Eduardo ou erótica, numa atitude de permanente
Batarda. Ou, finalmente, João Cutileiro, em voyeurismo sobre o feminino, o sexo, a vio-
relação frontal com o corpo erótico e a pro- lência e o prazer; Cabrita Reis 4i , numa pin-

dução massiva e mecanizada da pedra, e tura metafórica e escultura depurada e mo-


mestre de alguns dos mais interessantes numental, cruzando figuração e abstrac-
escultores dos anos 80. ção, usando materiais pobres (materiais de
Sensualidade, violência e luxo (Sarmen- construção civil e lixo urbano), recriando
to, Gerardo Burmester ou Cabrita Reis), memórias da urbanidade contemporânea;
nostalgia (Dacosta, Albuquerque Mendes, Calapez constrói espaços arquitectónicos
Manuel Rosa ou Ilda David), diferentes ní- ou paisagísticos pela citação truncada de
veis de construção e desconstrução de lin- obras pré-renascentistas ou maneiristas, em
guagens e modos de representação do cor- pinturas desabitadas, intensamente cromá-
po, do espaço e da arquitectura (Cabrita ticas. Proença recupera valores da cultura
Reis, Calapez, José Pedro Croft, Rui San- clássica ocidental e oriental, estabelecendo
ches, Pedro Tudela ou Sebastião Resende), dinâmicas de desconstrução satírica ou lú-
humor e ironia (Albuquerque, Pedro Cas- dica dessas referências. Finalmente, Cas-
queiro e Ana Vidigal, Pedro Proença, Pedro queiro cria uma pintura de sentidos compo-
Portugal, António Olaio, Manuel João Vieira sitivos, texturais, cromáticos, espaciais e
e Xana) definem, em complexa rede, linhas decorativos, alheios à discursividade literá-
das novas autorias da conjuntura. Calhau e ria onde a velocidade e inesperado das si-
Vítor Pomar prosseguem trabalhos singula- tuações plásticas abstractas dominam.
res (de rigor conceptual ou excesso ges- Na escultura, Croft 4 i parte de figura-

tual) e sem eco interno imediato. ções primordiais (totémicas) para formas
Nos decénios seguintes, Sarmento 4 i matriciais (bacias, cadeiras, bancos, me-
trabalha em torno do corpo e em constante sas), aprofundando o (des)equilíbrio das
evocação de imagens da cultura fílmica e formas através do uso de frágeis estruturas
fotográfica (notoriamente no seu período metálicas e espelhos (anos 90 e 2000); Rui

287
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Visita do antigo primeiro-ministro António Guterres à Feira ARCO, em Madrid, em 1998, ano em
que Portugal foi país convidado. É patente o papel da feira madrilena para as galerias nacionais.

Sanches, através de materiais pobres inabituais às actividades e protagonismos


(aglomerados de madeira), glosa e fragiliza das artes, acompanhando um fenómeno
os referentes temáticos e formais do neo- socialmente relevante e contribuindo para
classicismo; e Rui Chafes 4 i acentua, em a sua socialização. A consagração definiti-
esculturas de ferro negro (objectos e am- va das carreiras históricas citadas e a recu-
bientes de clausura, máscaras ou próteses peração de outras quase desconhecidas
impossíveis), o seu neo-romantismo de re- (Joaquim Bravo, Álvaro Lapa), saídas de
ferência germânica. recente crise conjuntural (Palolo) ou o in-
O mercado reanimou-se com clientes cessante fluxo de novos autores, são da-
gerados pelos lucros do rápido crescimento dos de euforia.
económico e, com ele, novo espectro de es-
peculação. As galerias multiplicaram-se Nova mudança de paradigma
com apostas internacionais garantidas pela Portugal encontra estabilidade governativa
presença maciça em Madrid (Feira ARCO) e económica prolongando no poder (1985-
e outras, eventuais, em redes internacio- -1995) o Partido Social-Democrata (PSD) e
nais. Para além da Galeria 111 (única que Cavaco Silva. Mas este período foi cortado
resistiu com êxito à crise dos anos 70) e das a meio pela crise da primeira Guerra do
pioneiras Quadrum e Módulo, surgem, após Golfo, travando a euforia inicial. Em mea-
1984, a Cómicos (hoje Luís Serpa), logo de- dos da segunda metade de 80 é possível
pois a EMI-Valentim de Carvalho, em Lis- detectar já indícios de mudança de para-
boa, e a Nasoni, no Porto e Lisboa. digma. Uma série de artistas, em sintonia
Algumas carreiras internacionais (Julião com movimentações críticas internacionais
Sarmento e José de Guimarães, cultivando mais precoces (especialmente america-
um cruzamento de primitivismo e erudição) nas), iniciou, a partir de 1986/1987, uma al-
começaram a estruturar-se a partir das par- teração expressiva.
ticipações das galerias mas baseando-se Leonel Moura, neoconceptualista nos
principalmente em esforços individuais, anos 70 e «regressado à pintura» nos anos
superando o facto de Portugal não ter de- 80, passou a apropriar-se de imagens foto-
senvolvido políticas oficiais de afirmação gráficas de valor icónico nacional (Amália
internacional. Internamente, a imprensa ge- Rodrigues ou Fernando Pessoa) e interna-
neralista, com novos críticos e observado- cional (Kant ou arranha-céus americanos)
res culturais, passou a dedicar espaços sobrepondo-lhes palavras-chave (SIM ou

288
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes visuais

North Territory); Pedro Portugal canalizou a onde o pensamento sobre o mundo e a arte
sua veia irónica para a citação formalista se faz a partir do corpo e da palavra; Joa-
dos grandes mestres da modernidade, quim Bravo (falecido em 1990), cuja pintura
com comentários circunstanciais à realida- solar, quase só desenho, é atravessada
de nacional e, nos anos 90, usou de modo por intensos jogos de linguagem; ou Jorge
pioneiro a Internet criando pinturas à medi- Pinheiro, que transpõe numa «figuração
da do cliente. Dois emigrados, nunca re- anacrónica» profundos valores da sua re-
gressados (Júlia Ventura na Holanda, e flexão abstracta.
João Penalva em Londres) integram as
suas fotos (auto-representações) e vídeo-
Anos 90
-instalações narrativas no contexto nacio-
nal. Finalmente, Tudela, Olaio ou João Pau- A esperança política inicial dos anos 90
lo Feliciano, mantendo ligações à pintura (desabamento do Leste e fim da Guerra
mas aprofundando experiências de insta- Fria) desagua numa instabilidade a que a
lação, som e vídeo, glosam temas orienta- sida (consciencializada em meados de 80)
dos em redor do corpo doente ou de jogos acrescentou um medo universal. Os artis-
duchampianos de linguagem, explorando tas voltam a pôr em causa as linguagens
em paralelo artes plásticas e recursos mu- tradicionais (reavaliando Duchamp e os
sicais (pop, folk e electrónica). anos 70), os fundamentos do mercado e da
Neste contexto, alguns artistas de longo sociedade capitalista (revivalismo do situa-
curriculum readquirem produtividade ime- cionismo de Guy Débord), substituindo os
diata: Helena Almeida, com a sua investi- valores subjectivos dominantes por atitudes
gação em torno das (im)possibilidades da de análise sociológica e política. A data
(auto-)representação e do cruzamento de inaugural simbólica da década é o ano de
disciplinas (fotografia, desenho, pintura, 1993, quando se realizou em Serralves (sob
colagem), definindo um dos mais sólidos comissariado de Fernando Pernes, director,
discursos do feminino na arte portuguesa; e Miguel von Haffe Perez) a exposição Ima-
Álvaro Lapa (falecido em 2006), usando as gens para os Anos 90, que, apesar da inde-
imagens como signos, criando uma pintura finição de poéticos, apresentava alguns dos

Museu da Casa de Serralves, Porto.

289
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Aspecto do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, da Fundação Calouste


Gulbenkian.

principais artistas que protagonizaram a ainda fundado um Museu de Arte Contem-


ruptura violenta com o subjectivismo dos porânea havia já um projecto em funciona-
anos 80 (por exemplo, Paulo Mendes, João mento (Casa de Serralves, Porto, só concre-
Louro, João Tabarra ou Carlos Vidal). Mes- tizado em 1999) e a Fundação Calouste
mo em artistas que rejeitaram os funda- Gulbenkian (FCG) tinha criado já (1984) o
mentos programáticos deste corte se verifi- seu Centro de Arte Moderna (CAM, dirigido
ca um esfriamento expressivo. por Sommer Ribeiro). Apesar de a direcção
A conjuntura é porém diversa da crise governamental da cultura (Santana Lopes)
de 1974-1977. Apesar de o Estado não ter ter malbaratado nos últimos anos do cava-

Centro Cultural de Belém.

290
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes visuais

quismo o capital acumulado anteriormente pois (2007), no CCB, como veremos, ou da


(Teresa Patrício Gouveia), criara-se um es- nacional aposta de António Cachola (org.
paço com potencial, o Centro Cultural de inicial João Pinharanda).
Belém (CCB, Lisboa, dir. Monterroso Teixei- Apesar do centralismo (Lisboa e Porto),
ra), integrara-se coerentemente uma série foi possível potenciar iniciativas surgidas
de iniciativas internacionais (Europália 91, desde a Bienal de Vila Nova de Cerveira
Bélgica e Expo 92, Sevilha), lançara-se a (1978 e seg.), multiplicando, por vezes efe-
acção de reabilitação urbana e artística de meramente, galerias, centros de arte muni-
que resultou a Expo 98 (Lisboa) e regressa- cipais e museus (Beja, Coimbra, Faro, Fun-
ra-se mesmo à Bienal de Veneza (1995). chal, Lagos, São João da Madeira, Sines,
Apesar da fragilidade das colecções Tavira...), bienais regionais (Caldas da Rai-
públicas e privadas constituiu-se uma co- nha, Lagos, Maia, Óbidos, Marinha Gran-
lecção (Fundação Luso-Americana para o de, Famalicão ou Vila Franca de Xira) ou
Desenvolvimento — FLAD) (dir. Manuel galerias (Braga, Funchal, Guimarães, Tor-
Castro Caldas) com visão coerente dos res Novas). Mas a permanência de muitas
anos 70/80 portugueses e reabilitando o delas é enganadora, minadas por falta de
desenho; e surgiram novos coleccionis- verbas, desnorte de programação, fragili-
mos: de empresa, como a Colecção da dade de públicos e mercado.
Caixa Geral de Depósitos (prosseguida até O ensino manteve dificuldades mas foi
à actualidade, embora com diferentes cri- possível generalizar bolsas artísticas (às
térios, por Calhau, António Pinto Ribeiro e da FCG, acrescentam-se as da FLAD,
Miguel Wandschneider), a da Portugal Te- Fundação Carmona e Costa ou Bolsa Er-
lecom (final de 90, dir. Pedro Portugal e nesto de Sousa), reorientar os seus desti-
Marina Bairrão Ruivo) ou a da EDP (desde nos (EUA, Reino Unido e Alemanha), recru-
2000, dir. João Pinharanda); e privados, tar novos professores e criar alternativas às
através da internacionalizada Colecção Be- escolas tradicionais: Ar.Co (Lisboa, dir.
rardo (dir. inicial Francisco Capelo), instala- Manuel Costa Cabral, anos 70, e Castro
da no Sintra Museu de Arte Moderna e, de- Caldas, desde os anos 90) ou ESTGAD

Museu de Arte Moderna de Sintra, que até 2007 albergou a Colecção Berardo.

291
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

(Caldas da Rainha), desde o final dessa do (IAC, dir. Isabel Carlos); reorientação
década. programática do CCB. Temos ainda a cria-
A fotografia, apesar das ambiguidades ção de museus particulares (o citado Sintra
de estatuto, da divisão da crítica especiali- Museu e o Museu do Design, alojado no
zada e da interrupção de uma colecção CCB, com colecção de Francisco Capelo
nacional iniciada no final dos anos 80 (dir. (e deslocado para edifício próprio, em Lis-
Jorge Calado), alcançou estatuto de pari- boa, a inaugurar em 2009 juntamente com
dade artística. Essa mudança justifica a uma colecção de moda do mesmo colec-
criação, após 1995, de um Centro Portu- cionador) e uma reorientação do CAM (dir.
guês de Fotografia (CPF, com sede no edi- Jorge Molder), que estabelecerá uma coe-
fício da Cadeia da Relação, Porto, dir. Te- rente e esclarecida programação. Através
resa Siza). dos seus serviços educativos todos estes
Finalmente, as falências comerciais pro- espaços reforçam novos públicos numa
vocadas ou precipitadas pela crise, em- profundidade que necessita de ser sociolo-
bora significativas (galerias Alda Cortez, gicamente considerada.
Graça Fonseca ou Valentim de Carvalho, Afinal, os anos 90 permitem-nos certifi-
Lisboa, e Nasoni, Porto e Lisboa), são me- car a existência, pela primeira vez no meio
nos numerosas e catastróficas que as dos nacional, de continuidades criativas: per-
anos 70 e, a partir de meados de 90, surge cursos individuais produtivos dos anos 40,
um número igualmente significativo de no- coleccionadores que alargam os seus gos-
vos espaços comerciais, embora de futuro tos e intervenção para além dos limites da
desigual (Pedro Cera e João Graça, Lis- sua própria geração ou públicos que se fi-
boa, ou Presença, Canvas, Fernando San- delizam a instituições (tomemos o exemplo
tos e André Viana, Porto, por exemplo), e das enchentes mediáticas do CCB ou de
expande-se a acção de outros (Quadrado Serralves). Rompe-se, finalmente, a falta
Azul, Porto). de durée cultural com que o crítico José-
A partir de 1995 verifica-se a reavalia- -Augusto França caracterizou a cultura ar-
ção da política cultural pelos governos so- tística nacional? Uma incoerência porém se
cialistas: criação do Ministério da Cultura instala: a comunicação social, desinvestin-
(dir. inicial Manuel Maria Carrilho); criação do nas áreas da crítica, passou a interes-
do Instituto de Arte Contemporânea (IAC, sar-se mais pelos efeitos mediáticos que
dir. Fernando Calhau), que, mais tarde, sob pela leitura crítica dos factos.
governo PSD (Durão Barroso), foi fundido Outro dado é a retoma de protagonismo
com o organismo tutelar das artes do es- do Porto, favorecido pelas sinergias de
pectáculo (Instituto das Artes — IA); refor- Serralves e um mercado sustentado por
ço do prestígio do Instituto Português dos uma burguesia habituada ao valor social
Museus (IPM, sob a direcção de Raquel da arte. A reunião, numa mesma rua (Rua
Henriques da Silva). Há um aprofundamen- Miguel Bombarda), a partir de 1997/1998,
to do apoio aos museus nacionais, onde se da maioria das galerias, a proliferação de
destaca o do Chiado, Lisboa (dir. Pedro iniciativas culturais mistas (moda, música,
Lapa, que o reorienta para um modelo teatro, arquitectura) e o acolhimento de no-
Kunsthalle), inauguração do edifício do Mu- vos artistas tem expressão numa miríade
seu de Arte Contemporânea de Serralves, de locais alternativos (Arte em Partes,
Porto (projecto Siza Vieira, dir. internacional Maus Hábitos, Salão Olímpico, Pêssegos
Vicente Todolí) com colecção euro-ameri- para a Semana, etc.) que se prolongam no
cana fundada nos anos 60/70; reinício da novo século e que podem encontrar ponto
colecção de arte contemporânea do Esta- simbólico de convergência nas múltiplas

292
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes visuais

As sucessivas expansões do Metropolitano de Lisboa têm contado com trabalhos de diversos


artistas portugueses. No caso, instalação da autoria de Jorge Martins na estação Chelas.

iniciativas que comemoraram os 25 anos efémeros ou realizações permanentes:


do 25 de Abril (1999, Quartel, org. Óscar Festas de Lisboa (1991-1994), Jornadas de
Faria) ou numa iniciativa institucional (Ser- Arte Contemporânea, Porto (1993 e seg.,
ralves) de ocupação internacional da cida- dir. João Fernandes), Lisboa, Capital Cultu-
de (Squaters, 2001, Porto, Capital Cultural). ral (1994), Expo 98, Metro de Lisboa, etc.
Estas realidades sustentam a multiplica- A ambiguidade de estatuto (entre a consa-
ção de iniciativas alternativas, que os anos gração do poder e a ruptura estética) não
90 generalizam como seu traço mais criati- cria um balanço favorável à maioria das
vo. Referimo-nos a exposições temáticas obras. À parte iniciativas de dimensão local
em lugares não convencionais (Convento presas ao trabalho de materiais locais (a
de São Francisco ou Metalúrgica Alenteja- pedra) e à ocupação de rotundas conce-
na, Beja, Estufa Fria, Lisboa, Fundição de lhias há uma iniciativa nacional coerente
Oeiras, Oeiras, Moagens Harmonia e Edifí- (Prémio Tabaqueira), mesmo assim sujeita
cio da Alfândega, Porto, Sala do Veado, às vicissitudes de obras não construídas e
Lisboa, associação Art Attack, Caldas da degradação de outras, por desajustes en-
Rainha), a galeria Zé dos Bois, Lisboa, ou a tre as entidades envolvidas.
reactivação do Centro de Artes Plásticas A fotografia conquistara nos anos 80
de Coimbra (CAPC). O fenómeno articulou- autonomia de mercado (galeria Módulo,
-se com a figura do artista-comissário, em- dir. Teixeira da Silva, é fundamental) e críti-
penhado ideologicamente no seu trabalho, ca (pela acção pioneira da galeria Ether,
ao contrário do que sucedera na década dir. António Sena). E, nos anos 90 — defen-
anterior, sendo Paulo Mendes o mais des- dida com numerosas iniciativas, encontros,
tacado de todos, principalmente em inicia- festivais e bienais —, posiciona-se em defi-
tivas temáticas que vem desenvolvendo na nitivo como arte maior.
antiga Fundição de Oeiras. Mas o carácter minoritário do mercado
A generalização social do objecto artís- e da crítica especializada (Sena, Calado,
tico prova-se ainda pelo que se passou a Alexandre Pomar, o precocemente falecido
designar pelo equívoco conceito de «arte Pedro Miguel Frade, Margarida Medeiros e,
pública»: a obra de arte, como instrumento mais recentemente, Sérgio Mah, que dirigiu
de prestígio, leva à multiplicação de enco- a última edição do Festival Lisboafoto, em
mendas municipais, particulares e estatais 2005 prejudica a integração, de protago-
que enchem espaços públicos em festivais nistas tão decisivos como Jorge Molder e

293
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Paulo Nozolino (vindos dos anos 70 e 80), lógica conforme ao espírito da década e
Augusto Alves da Silva e Daniel Blaufuks, muitas vezes articulada com o vídeo.
António Júlio Duarte e Daniel Malhão, José
Luís Neto e Duarte Amaral, Netto e outros.
Anos 2000
Apesar das iniciativas em Braga e Vila
Franca de Xira, o protagonismo quase ex- O pendor sociológico da maioria dos jovens
clusivo dos Encontros de Fotografia de surgidos nos primeiros anos da década de
Coimbra (que deram origem a um Centro 90 originou obras onde predominam as ins-
de Artes Visuais (CAV) sob dir. de Albano talações mixed media, utilização preferen-
da Silva Pereira), neste momento suspen- cial da fotografia, do vídeo e das tecnologias
sos, e a incapacidade orçamental do CPF electrónicas com mais raro recurso à Inter-
e de outras iniciativas regionais e centrais net e à performance. Destacaram-se Miguel
(fim anunciado da Lisboafoto em 2007) Palma, Paulo Mendes, João Tabarra, Maças
colocam problemas graves à fotografia. de Carvalho, Miguel Leal, André Sousa, Cris-
Molder 4 i tem séries de narrativas aber- tina Mateus, Fernando José Pereira (revela-
tas, de cenário policial, onde as persona- dos em redor da referida exposição de
gens questionam o estatuto do auto-retrato 1993), ou mais novos, Nuno Ramalho, San-
usando a morte como tema central. Nozoli- tos Maia ou Susana Mendes da Silva, cuja
no, viajante por cenários nocturnos e de cri- obra tem vindo a complexificar as relações
se, cria um nomadismo que radicaliza a re- com o corpo feminino e o espaço habitacio-
lação do fotógrafo com o mundo até um nal. João Louro avançou para uma comple-
negrume onde as imagens da sua vida e a xa reflexão em torno da linguagem articulan-
vida dos outros se cruzam. Mais recente, do pensamento verbal erudito com soluções
Augusto Alves da Silva assume a fotografia gráficas e visuais de cultura de massas.
como proposta documental e sociológica Muitos outros desenvolvem áreas autó-
embora encene as suas obras e os seus te- nomas relativamente a essas preocupa-
mas (a cidade anónima, a suburbanidade ções: conceitos musicais derivados, em si-
depressiva, a natureza ameaçada, o vigor multâneo, de John Cage e do rock ’n’ roll,
construtivo das cidades) no cruzamento assumem a instalação multimédia e a per-
mais vasto das artes visuais. Já Blaufuks formance (João Paulo Feliciano, Olaio ou
articula imagens fotográficas e de outras Tudela, já referidos). Outros, mais jovens
origens (fotocópias, radiografias, vídeos) (Rui Toscano, Rui Valério, Carlos Roque ou
com som (gravações) em instalações vi- Ricardo Jacinto), exploram de modo igual-
suais: o seu registo é de viagem e memória mente complexo relações entre som, lin-
pessoal, resolvendo-se em paralelo em in- guagem e espaço arquitectónico, podendo
tensos diários poéticos editados em forma usar o desenho nos seus temas urbanos —
de livro. ou mantêm-se mais performativos e pura-
Neste contexto Gérard Castello-Lopes mente musicais (Rui Toral ou Adriana Sá).
ou José Manuel Rodrigues protagonizam Por outro lado, há percursos profunda-
um entendimento da imagem fotográfica, mente reflexivos, gerados num vazio de re-
numa linha estética que se encontra com a presentação e/ou de pura validação da ac-
da sua história tradicional. E Luís Palma, ção performativa, como o de Francisco
Luís Campos, Valente Alves, André Gomes, Tropa 4 i , cuja obra firma uma densidade

João Tabarra ou João Paulo Serafim enve- plástica e filosófica, raras na arte portugue-
redam por modalidades de utilização do sa. O tema das instalações deve ser segui-
medium fotográfico conferindo-lhe uma di- do em Suzanne Themlitz, suas personagens,
mensão plástica e/ou documental e socio- jardins e narrativas feéricas e perturbado-

294
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes visuais

ras; João Pedro Vale, seus cenários e figu- tentado em Sena ou Ângelo e, em muitos ca-
ras de onírica e desconcertante ironia sos recentes, centrado no ensino do Ar.Co:
kitsch; ou Carlos Bunga, capaz de convo- Alexandre Conefrey, Pedro Gomes, Adriana
car (desde um zero absoluto) todas as re- Molder, Jorge Queiroz, Pedro Barateiro, Da-
ferências que a arquitectura pode conter. niel Barroca ou Diogo Pimentão, cultivando
Outros percursos independentes — al- diferentes níveis discursivos, exploram valo-
guns vindos de 80 — seguram pontas res intrínsecos do desenho ou adaptam às
soltas da década ou referidas a outras suas investigações temas tradicionais (paisa-
tradições. Temos um notável grupo de gem), literários, narrativos, ilustrativos, iróni-
escultoras: Gabriela Albergaria trabalha a cos. João Queiroz parte deste medium para
escultura como paisagem ficcionada; Fer- a pintura aprofundando de modo intenso (in-
nanda Fragateiro intervém na arquitectura telectual e fisicamente) o tema paisagístico.
como meio de integração arte-vida; Leonor O vídeo e a vídeo-instalação, por vezes
Antunes desenvolve meios de reflexão da articulado com a fotografia, revela-se no uni-
arquitectura sobre si mesma; Ângela Fer- verso de ficção científica e política de Miguel
reira concentra-se no estudo formal e ideo- Soares, no experimentalismo reflexivo (uni-
lógico de espaços reais (histórica, estética versos da própria linguagem e media utiliza-
e socialmente significativos); Patrícia Garri- dos) de Alexandre Estrela, ou na metaforiza-
do gere a escultura como corpo do seu ção da luz e das trevas (fotos e vídeos de
próprio corpo físico e social; ou Joana Vas- Nuno Cera), nas narratividades exemplares
concelos, num equilíbrio tenso entre ludici- de João Onofre, Rui Calçada Bastos, Cata-
dade kitsch e crítica do gosto. Miguel Ân- rina Campino ou Pedro Diniz Reis, que ex-
gelo Rocha, finalmente, faz uma escultura ploram lógicas abstractas e frias, absolu-
(e um desenho) onde corpo, arquitectura/ tamente pessoalizadas e românticas ou em
/construção e paisagem não são separá- desagregação emotiva, ou nas obras de
veis. Mais novos, Hugo Canoilas, Sancho Vasco Araújo, Filipa César ou Maria Lusita-
Silva, André Guedes, Vasco Costa, Gonça- no, capazes de combinar as dimensões nar-
lo Barreiros ou, ainda mais recentemente, rativas de forma controlada e espectacular:
Inês Botelho exploram também temas de entre a encenação operática, a estranheza
arquitectura e espaço. Xana, surgido como do banal urbano ou a simulação documen-
contraponto anti-intelectual nos anos 80, tal. Finalmente, temos João Maria Gusmão e
opta em definitivo pela coincidência matis- Pedro Paiva 4 i , recém-revelados, ou Noé

siana cor-forma, cruzando a pintura com a Sendas, já consolidado. Os primeiros partem


escultura-instalação. de uma ciência de ficção e ironia e expõem
Já José Loureiro 4
i e José Jacinto, com a torsões e ilusionismos ópticos e de sentido
profunda exploração de todas as possibili- que questionam os fundamentos da normali-
dades da abstracção, da forma, do gesto e dade. O segundo constrói um universo aten-
da cor, Manuel Botelho, Gil Heitor Cortesão, to à linguagem, à exclusão e ao sonho, en-
João Jacinto, Manuel Gantes, Fátima Men- cenando situações onde solidão e liberdade
donça, Sofia Areal e Ana Vidigal, explorando individual definem os campos da reflexão.
novas possibilidades da figuração e/ou da
narratividade, ou José Lourenço e Manuel
Conclusão provisória
Caeiro continuam, renovam ou revelam o
(2006)
seu trabalho reenviando-nos para uma pro-
vada continuidade da produção pictórica. Sem rupturas de conjunto ainda perceptí-
O desenho, revelação subterrânea da veis e reduzida a dominante política e so-
década anterior, surgira historicamente sus- ciológica dos anos 90, a produção portu-

295
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

A exposição Diálogos de Vanguarda, do Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, foi
um marco no panorama cultural de 2006.

guesa mantém, por conservadorismo ção Berardo, por sua vez instalada (por um
intrínseco, uma discreta presença (implíci- contestado acordo com o Estado) no Módu-
ta, assimilável e não provocatória) do femi- lo de Exposições do CCB. António Prates
nismo ou da militância gay e uma dominan- (galerista com fundação a inaugurar em
te dimensão metafórica e poética, expres- Ponte de Sor) e António Cachola, que ocu-
siva e lírica, erudita ou cromática. pará um novo museu municipal, em Elvas,
Continua a não se alargar o campo de apresentam as suas colecções em 2007 e
reflexão teórica, crítica e mesmo historiográ- em circuitos de interioridade.
fica. Mas colecções e museus parecem agi- A Feira de Lisboa expõe anualmente as
tar-se: Serralves (dir. João Fernandes) alar- fraquezas do mercado, ao mesmo tempo
ga a sua implantação e espalha delegações que algumas galerias vão à feira de Miami
pelo país (de Bragança a Lisboa); o CAM (Cristina Guerra) e que a política oficial de
produziu a mais significativa proposta do internacionalização, mercê reduções finan-
cinquentenário da FCG (Diálogos de Van- ceiras extremas (mantendo-se, porém, as
guarda, sob comissariado de Helena de bienais, Veneza e São Paulo, produzidas pe-
Freitas), onde Amadeo de Souza-Cardoso é, lo IA ou iniciativas do Instituto Camões), se
pela primeira vez, confrontado com a sua encontra em expectativa. Os museus esta-
contemporaneidade internacional, e prepa- tais estão orçamentalmente estrangulados, e
ra-se para um ano de workshops que inter- o ensino sem inovações excepto na multipli-
rompem a normal programação e reflectem cação de cursos de curadoria; mas as bol-
a ambição de nos dar «o Estado do Mundo» sas oficiais e de fundações particulares con-
(dir. António Pinto Ribeiro). A Ellypse Foun- tinuam a distribuir, de modo vasto, artistas
dation (que partiu de um projecto de investi- pela Europa e EUA. Também as carreiras de
mento do banqueiro João Rendeiro) abre veteranos ou jovens parecem fluir bem na
portas (Cascais) com uma colecção interna- complexidade dos circuitos globalizados —
cional de absoluta actualidade mediática e, desde Amadeo, sabemos que sempre se
(dir. Alexandre Melo e Pedro Lapa) que ficou a dever ao protagonismo individual a
completa o sentido mais histórico da Colec- razão última dos êxitos nacionais...

296
Cultura
As artes
do espectáculo
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Rui Vieira Nery

As transformações do processo revolucionário

A s artes do espectáculo participam


activamente no fenómeno geral de
ruptura das rotinas institucionais e
das dinâmicas socioculturais estabeleci-
das que é desencadeado pelo 25 de Abril
de todos os géneros da cultura popular ur-
bana tradicionalmente mais próximos de
uma vertente de mero entretenimento, co-
mo o fado de Lisboa e de Coimbra, a can-
ção ligeira (ou, como se designa então, o
de 1974. Também neste sector, depois de «nacional-cançonetismo»), as marchas po-
décadas de silêncio imposto e de restri- pulares ou o teatro de revista.
ções de toda a ordem à liberdade de ex- Nos primeiros meses do processo de-
pressão e ao direito de reunião, se dá por mocrático verifica-se neste campo uma re-
todo o país, tanto no sector público como lativa unidade informal de propósitos reno-
no privado, uma explosão de assembleias vadores, até porque a queda do regime
gerais, de conselhos de gestão eleitos, de parece ter deixado sem voz os sectores ar-
comissões consultivas, de novas associa- tísticos mais afectos à direita ou ao próprio
ções socioprofissionais, de manifestos polí- centro. Contudo, a rápida radicalização do
tico-culturais e de múltiplas e variadas pla- processo revolucionário e a consequente
taformas de debate estético, ideológico e transferência crescente para a esquerda
político apaixonado. Deste processo vai da dinâmica política vêm abrir no seio des-
emergindo, por sua vez, uma nova realida- sa mesma esquerda uma oposição cada
de artística e cultural que se manifesta tan- vez mais acesa entre os sectores de orien-
to ao nível da criação e produção artísticas tações ideológicas afectas a uma gama de
no terreno quer no plano do aparelho insti- referências mais radicais (desde os movi-
tucional público para a cultura. mentos autogestionários ao trotskismo e ao
Os protagonistas desta transformação maoísmo) e os ligados ao projecto de po-
são sobretudo os artistas e intelectuais de der do Partido Comunista, que entretanto
uma geração muito ligada aos movimentos adquirira um forte peso em todas as insti-
associativos estudantis desde as greves tuições culturais do Estado.
académicas de 1962, e muito marcada, de A ala mais radical dos oficiais do Movi-
um modo geral, por um empenhamento po- mento das Forças Armadas promove por
lítico activo forjado na luta pelas liberdades todo o país campanhas de «dinamização
democráticas, pela mudança social pro- cultural» que mobilizam grande número
gressista e pela resistência à Guerra Colo- de músicos, actores e bailarinos, e os pró-
nial. Essa dimensão militante herdada da prios partidos políticos com frequência en-
oposição antifascista converte-se agora — volvem artistas nas suas acções de campa-
também no campo das artes do espectá- nha. Em ambos os casos se dão fenómenos
culo — numa regra que é então considera- de clara rejeição, por parte das populações
da inerente ao próprio princípio da constru- das zonas rurais, de muitas das tentativas
ção de uma nova sociedade democrática. de penetração de manifestações artísticas
Dela deriva igualmente uma rejeição activa vindas dos grandes centros urbanos que

297
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

violentam desajeitadamente o habitus cul- ordem democrática constitucional pós-re-


tural local, e mesmo nas grandes cidades a volucionária é a Fundação Calouste Gul-
generalização de um conceito de interven- benkian (FCG), cujo peso no panorama
ção artística obsessivamente militante des- português das artes performativas e cujas
perta resistências. Tendo começado num características institucionais únicas justifi-
ambiente generalizado de generosidade e cam uma abordagem separada. A nomea-
de empenhamento genuíno no progresso ção de Luís Pereira Leal para a direcção
cultural do país, o saldo do processo revo- do Serviço de Música, em 1976, traduzir-
lucionário no sector das artes performati- -se-á gradualmente numa concentração
vas, à data da vitória das forças militares crescente de meios no reforço da tempo-
afectas aos sectores democráticos mode- rada de concertos da FCG, convertida ca-
rados, em Novembro de 1975, traduz-se da vez mais na espinha dorsal da própria
em cisões graves — e em alguns casos irre- internacionalização da vida musical portu-
cuperáveis —, tanto num bloco intelectual guesa. A solidez financeira da instituição e
que conseguira manter uma forte unidade a credibilidade da sua programação artís-
ao longo do período da luta antifascista tica convertem-na no elo português por
como no seio de uma população que rece- excelência da rede europeia de circulação
bera com manifesto entusiasmo coeso a de música erudita, capaz de atrair e fixar a
transição para a democracia mas que logo colaboração regular dos maiores nomes
em seguida se viria a fracturar de novo ao do panorama musical internacional, de
longo da velha cesura entre esquerda e di- Pierre Boulez a Maurizio Pollini, de Alfred
reita herdada já da ruptura liberal nos alvo- Brendel a Gustav Leonhardt e de Mstislav
res do século XIX. Rostropovitch a Anne-Sophie von Otter, ao
Neste contexto de agitação revolucio- mesmo tempo que constitui a plataforma
nária são naturalmente o teatro e canção de apresentação constante dos principais
de intervenção os géneros mais interve- intérpretes portugueses de projecção in-
nientes e de maior visibilidade. A música e ternacional, como os pianistas Sequeira
a dança eruditas não têm um papel de par- Costa e Maria João Pires ou o violinista
ticular relevo, limitando-se a administrar co- Gerardo Ribeiro.
mo vão podendo as suas próprias rotinas A programação geral da temporada de
anteriores ao sabor da agitação permanen- música da FCG manter-se-á relativamente
te das novas práticas de autogestão. Com estável no seu padrão essencial, apesar
o estabelecimento da Secretaria de Estado de alterações ocasionais nos formatos das
da Cultura (SEC), por sua vez, o Estado co- séries e ciclos apresentados. Assim, a
meça a definir as bases de uma política de partir de 1977 o repertório posterior à Se-
intervenção no tecido artístico nacional, gunda Guerra Mundial será concentrado
através de programas de apoio financeiro num ciclo anual, os Encontros Gulbenkian
sustentado a grupos de teatro independen- de Música Contemporânea, e a partir de
te e a diversos tipos de associações cultu- 1980 o mesmo sucederá com o repertório
rais privadas. pré-romântico, apresentado nas Jornadas
Gulbenkian de Música Antiga. Em 2004
ambos os ciclos são integrados na progra-
Uma ilha de estabilidade:
mação regular da temporada, ao longo do
o fenómeno Gulbenkian
ano. No que respeita à música contempo-
A primeira grande instituição artística a rânea, para lá da vinda regular a Portugal
reencontrar uma linha de estabilidade de de intérpretes e compositores (Boulez,
actuação no quadro do enraizamento da Stockhausen, Xenakis, Cage) de primeiro

298
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

Edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

plano internacional, deve sublinhar-se a dade contínua dos seus agrupamentos ar-
importância da presença dos criadores tísticos permanentes, a Orquestra, o Coro e
portugueses de sucessivas gerações, o Ballet Gulbenkian. A Orquestra Gulben-
abrangidos por frequentes encomendas e kian (cujos mais recentes maestros titulares
estreias absolutas das suas obras (Luís Fi- foram, sucessivamente, Claudio Scimone,
lipe Pires, Jorge Peixinho, Constança Cap- Muhai Tang e Lawrence Foster) é ainda di-
deville, Emmanuel Nunes, Álvaro Salazar, rigida regularmente por um conjunto distin-
Clotilde Rosa, e as gerações mais recen- to de directores convidados e tem feito
tes de António Pinho Vargas, João Pedro múltiplas digressões pela Europa, Estados
Oliveira, António Chagas Rosa, João Ra- Unidos, América Latina e Extremo Oriente,
fael, Miguel Azguime ou Pedro Amaral, en- sendo nos últimos anos convidada fre-
tre muitos outros). A estas iniciativas se quente de salas como a Philarmonie de
deve juntar, desde 1990, o ciclo Grandes Berlim ou o Concertgebouw de Amester-
Orquestras Mundiais, promovido conjunta- dão. Gravou uma extensa discografia para
mente pela FCG e por diversos parceiros algumas das principais editoras fonográfi-
mecenáticos empresariais, que tem trazi- cas, nomeadamente com repertório inter-
do regularmente a Lisboa os maiores nacional do século XX e obras de autores
agrupamentos sinfónicos (entre eles as fi- portugueses. Por sua vez, o Coro Gulben-
larmónicas de Viena, Munique e Nova Ior- kian (dirigido há mais de duas décadas pe-
que, o Concertgebouw de Amesterdão, as lo suíço Michel Corboz), tem-se afirmado
sinfónicas de Chicago e da Rádio da Ba- como um agrupamento internacionalmente
viera, ou a Philharmonia Orchestra) e os reconhecido na execução de música anti-
maiores maestros (Sergiu Celibidache, ga e contemporânea. Para lá da sua asso-
Claudio Abbado, Carlo Maria Giulini, Da- ciação tradicional à Orquestra Gulbenkian,
niel Baremboim, Riccardo Chailly ou Kurt tem realizado também ele inúmeras apre-
Masur) do nosso tempo. sentações no país e digressões internacio-
Mas a actividade musical da FCG cen- nais como parceiro regular de muitas das
tra-se sobretudo, neste período, na activi- principais orquestras da actualidade, da

299
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Orquestra do Século XVIII à Filarmónica de contenção de encargos fixos da insti-


Berlim. tuição.
O Ballet Gulbenkian, depois de um pe- Fora do âmbito do seu Serviço de Mú-
ríodo de indefinição gerado pela saída do sica, a FCG assegura ainda, a partir de
seu director, Milko Sparemblek, em 1975, meados da década de 1980, um outro pa-
passa em 1977 a ser dirigido por Jorge pel também ele decisivo no enraizamento
Salavisa, a que sucedem em 1996 a baila- da Nova Dança. Este fenómeno assenta,
rina brasileira Iracity Cardoso e em 2003 o por um lado, numa vertente internacional,
coreógrafo Paulo Ribeiro. Caracterizando- trazida para Portugal a partir de 1983 pela
-se durante anos por uma associação pre- programação do ACARTE, o serviço de
ferencial à linha de evolução da Modern animação artística estabelecido nesse ano
Dance (Jiri Kilian, Hans von Manen, Lars pela FCG em ligação ao seu novo Centro
Lubovitch, Nacho Duato), abre-se tam- de Arte Moderna e confiado primeiro a
bém na última década a coreógrafos da Madalena de Azeredo Perdigão e em se-
chamada «Nova Dança» (William Forsyth, guida, após a morte desta, em 1989, a Jo-
Marie Chouinard), e ao mesmo tempo vai sé Sasportes. As companhias de Anne
desenvolvendo uma política de formação Thérèse de Keersmaeker, Karine Saporta,
e apresentação de novos coreógrafos, Trisha Brown, Giorgio Corsetti, Wim Van-
começando, logo nos anos 70, com Vas- derkeybus, Susanne Linke, Christine Bru-
co Wellemkamp ou Olga Roriz e prosse- nel e Pina Baush (1989), trazidas todas
guindo esse percurso com muitos dos no- elas pelo ACARTE, abrem o gosto do pú-
mes mais representativos da Nova Dança blico português para um novo conceito de
portuguesa. Em 2005, contudo, o Conse- dança eminentemente interdisciplinar, nos
lho de Administração da FCG toma a de- antípodas da técnica e da estética baléti-
cisão polémica de extinguir a companhia, cas académicas e assumindo antes, pelo
medida geralmente entendida como de contrário, uma forte componente teatral.
Coro e orquestra da Fundação Calouste Gulbenkian.

300
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

Elementos do Ballet Gulbenkian em actuação em 1978, na altura sob direcção de Jorge


Salavisa.

E esta nova dinâmica, fora já do âmbito tão secretário de Estado da Cultura, o poe-
estético tradicional de um público habitua- ta David Mourão-Ferreira, para substituir o
do aos cânones do Ballet Gulbenkian, que ainda restava do velho grupo Verde
abre igualmente as portas a toda uma ge- Gaio, dando corpo à ambição antiga de se
ração de novos criadores coreográficos constituir finalmente em Portugal uma com-
portugueses inseridos precisamente neste panhia estável de ballet clássico. O seu fi-
universo artístico renovador. gurino institucional evoluirá de forma des-
contínua ao longo dos anos: em regime de
instalação até à sua institucionalizção, em
O sector público das artes
1982, é integrada em 1985 na empresa pú-
do espectáculo
blica do Teatro Nacional de São Carlos
Em termos da massa crítica da actividade (TNSC), regressa ao estatuto anterior em
promovida, o leque dos organismos públi- 1992, é confiada à tutela de um organismo
cos de produção artística não sofre nas de direito privado (o Instituto Português do
três décadas do regime democrático alte- Bailado e da Dança) em 1994, e só em
rações de monta, com excepção da cria- 1998 termina o seu processo de conversão
ção de três novas instituições — a Com- em instituto público, anunciando-se agora
panhia Nacional de Bailado (CNB), em a intenção de a fundir uma vez mais com o
Lisboa, e o Teatro Nacional de São João e TNSC. Inicialmente dirigida por uma comis-
a Casa da Música, ambos no Porto — e do são artística, a sua direcção artística virá
desaparecimento de um dos dois agrupa- logo em seguida a recair no bailarino e co-
mentos sinfónicos estatais anteriormente reógrafo Armando Jorge, a quem sucede-
existentes na capital — a Orquestra Sin- rão Isabel Santa Rosa, Jorge Salavisa, Luí-
fónica da Radiodifusão Portuguesa. Nos sa Taveira, Marc Jonkers e Mehmet Balkan.
demais casos, têm-se verificado apenas Assentando desde o início o essencial da
sucessivas reestruturações orgânicas e sua programação na tradição do ballet ro-
reorientações da política artística do cor- mântico, o que lhe vale desde logo uma
pus de instituições herdado nesta área do forte adesão do público mas também algu-
regime anterior. mas reservas da crítica especializada, que
O primeiro dos organismos citados, a sublinha ser esse precisamente o repertó-
CNB, é criado em 1977 por iniciativa do en- rio onde os termos de comparação interna-

301
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

cionais de alto nível mais evidenciam algu- gestão de uma entidade de produção artís-
mas das suas limitações técnicas, a CNB tica.
aborda ocasionalmente um repertório de Por uma cruel ironia, João Paes será a
vertente estética mais contemporânea (Wil- primeira vítima desta renovação intensa do
liam Forsyth, Anne Thérèse de Keersmae- TNSC, sendo logo em 1981 substituído na
ker), sobretudo sob a direcção de Salavisa. presidência do conselho de administração
O apoio mecenático da EDP ao longo da da nova empresa pública pelo jurista Serra
última década tem-se revelado fundamen- Formigal, que fora até 1974 o responsável
tal para a sua subsistência e para a sua im- pela Companhia Portuguesa de Ópera
portante actividade de digressão por todo (CPO), estabelecida pela Fundação Nacio-
o país. nal para a Alegria no Trabalho (FNAT) no
Igualmente acidentado tem sido o per- Teatro da Trindade e extinta pouco depois
curso orgânico do TNSC. Repartição públi- do 25 de Abril. A extinção da CPO fora in-
ca tutelada pelos ministérios da Educação discutivelmente um erro grave do regime
e das Finanças, desde a sua reabertura na democrático, porque deixava por ocupar a
década de 40, é esse ainda o seu estatuto função de um teatro de ópera vocacionado
em 1974, quando se dá a saída de João de para a revelação e profissionalização dos
Freitas Branco do cargo de director, para cantores líricos portugueses e criava ne-
ocupar funções governativas, deixando cessariamente, a partir daí, uma forte pres-
nessas funções o crítico musical João são sobre o TNSC para ser este teatro a
Paes. Este prosseguirá e expandirá as prin- assumir aquela responsabilidade. Será
cipais linhas de orientação lançadas pelo precisamente esta a tese que passará
seu antecessor, em particular a diversifica- a presidir à nova orientação artística do
ção e actualização do repertório (em 1979, TNSC, com considerável sacrifício da histó-
por exemplo, o TNSC será um dos primei- rica vocação internacional da instituição,
ros teatros mundiais a apresentar a versão agravando-se esta tendência ainda mais
integral da Lulu de Alban Berg, completada pelas severas limitações orçamentais que
por Friedrich Cehra, logo após a estreia pa- a situação de grave crise financeira do país
risiense regida por Pierre Boulez) e a pro- no início da década de 80 projecta sobre
cura de uma maior coerência na respectiva as instituições culturais do Estado.
concepção músico-teatral. O novo director Só em 1988, sob uma nova administra-
investe igualmente de forma decisiva em ção em que é director artístico o crítico mu-
dotar o TNSC de uma estrutura residente sical José Ribeiro da Fonte, o teatro retoma
de produção, através da aquisição de uma activamente o seu lugar na rede de produ-
orquestra própria (pela integração da Or- ção operática europeia. Em 1993 o modelo
questra Filarmónica de Lisboa), da profis- da empresa pública é substituído por um
sionalização e qualificação graduais do organismo de direito privado, a Fundação
seu coro, e da constituição de um núcleo de São Carlos, sob cuja administração se
residente de cantores solistas. Esta política sucedem como directores artísticos Paulo
permite que, a par da temporada interna- Ferreira de Castro (1993-1995 e 1996-
cional tradicional, o TNSC passe a ter uma -1998) e João Pereira Bastos (1995-1996).
componente significativa de produção pró- Ferreira de Castro transita para o novo es-
pria e uma actividade relevante de descen- tatuto de instituto público do teatro, promul-
tralização até então nunca realizada. Em gado em 1998, e mantém-se como director
1980, por fim, o teatro adoptará o novo per- artístico até 2000, sucedendo-lhe transito-
fil jurídico de empresa pública, tornando riamente Jorge Matta (2001) até à nomea-
mais fácil a maleabilidade indispensável à ção para este cargo de Paolo Pinamonti

302
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

Bailado Pedro e Inês, pela Companhia Nacional de Bailado.

(2001-2007). Debatendo-se com proble- moribundas por um novo quadro institucio-


mas orçamentais crescentes, que incidem nal, a chamada Régie Cooperativa Sinfo-
sobretudo nas dotações destinadas à pro- nia, participada pelo Estado central, pela
dução, o TNSC tem procurado, com Ribei- televisão e rádio públicas e pelas autar-
ro da Fonte, Ferreira de Castro e Pinamonti, quias de Lisboa, Porto e Braga, à qual é
manter o seu lugar no circuito operático cometida a missão de constituir dois novos
europeu, com uma programação de quali- agrupamentos sinfónicos, um na capital e o
dade assinalável mas cada vez mais amea- outro no Porto. É por este último que se ini-
çada pela dificuldade de assunção atem- cia a tarefa da Régie, com o estabeleci-
pada de compromissos financeiros e pelos mento da Orquestra do Porto, sob a direc-
frequentes cortes inesperados nas suas ção do maestro inglês Jan Latham-Koenig,
verbas. a partir de um processo de selecção rigo-
A situação das duas velhas orquestras rosa dos instrumentistas participantes e da
estatais, as sinfónicas de Lisboa e Porto da aplicação de uma tabela salarial muito
Radiodifusão Portuguesa (nova desig- mais favorável, conduzindo a uma forma-
nação pós-25 de Abril da antiga Emissora ção de qualidade artística incontestada.
Nacional) agrava-se a partir de meados da Chega a projectar-se para um futuro próxi-
década de 1970. A degradação comparati- mo a sua expansão a uma formação plena-
va dos seus níveis salariais, à escala euro- mente sinfónica e a constituição de um co-
peia, e o não preenchimento das vagas ro profissional que com ela colabore, ao
dos seus quadros comprometem grave- mesmo tempo que se anuncia a intenção
mente o nível artístico do conjunto e a qua- de avançar em breve com idêntico projecto
lidade dos seus solistas e maestros convi- em Lisboa.
dados, conduzindo os dois agrupamentos Em 1993, no entanto, depois de cortes
a um clima de verdadeira desmoralização. orçamentais significativos desde 1990, o
Em 1989, por fim, a secretária de Estado novo secretário de Estado, Pedro Santana
da Cultura, Teresa Gouveia, toma a iniciati- Lopes, decidirá liquidar a Régie, e conver-
va da substituição das duas orquestras ter a Orquestra do Porto num projecto de

303
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

contornos institucionais indefinidos (Or- a de que o financiamento governamental


questra Clássica do Porto), com instru- inicial vá progressivamente diminuindo até
mentistas contratados em moldes precá- desaparecer no final de três anos. Um pri-
rios e mediante salários muito mais baixos meiro agrupamento, a Orquestra do Norte,
do que os iniciais. Latham-Koenig é afas- é constituído nesta base, acabando por se
tado e o nível geral das contratações de lhe seguir anos mais tarde a Filarmonia das
maestros e solistas convidados baixa Beiras (1997) e a Orquestra do Algarve
igualmente de forma acelerada. Só em (2002). Mas o suporte orçamental mínimo
1997 o agrupamento se converterá em ins- destes agrupamentos limita-os a forma-
tituto público, sob a designação de Or- ções instrumentais de câmara e dá-lhes
questra Nacional do Porto (ONP), dotado uma capacidade muito reduzida de contra-
de estabilidade institucional e financeira, tação de maestros e solistas, além de as
vindo depois em 2001, no quadro dos pro- forçar a um número exagerado de apresen-
jectos artísticos do Porto 2001 — Capital tações públicas em condições logísticas
Europeia da Cultura, a ser expandido a muitas vezes inadequadas, de forma a ga-
uma dimensão sinfónica. A crise financei- rantir uma soma de pequenos apoios autár-
ra dos últimos anos tem impedido, porém, quicos indispensáveis à sua sobrevivência.
uma verdadeira programação plurianual à Permanentemente ameaçados de insolvên-
altura do potencial artístico desta forma- cia financeira, os três conjuntos prestam,
ção. Está prevista para breve a integração em qualquer caso, um assinalável serviço
da ONP na estrutura da nova Casa da Mú- público de divulgação musical longe dos
sica, como orquestra residente e pilar da grandes centros urbanos.
programação desta sala. Com base num protocolo entre os mi-
A antiga Orquestra Sinfónica da Radiodi- nistérios da Educação, Cultura, Trabalho,
fusão Portuguesa, extinta em simultâneo Segurança Social e Ciência, da Secretaria
com a sua congénere do Porto, não chegará de Estado da Juventude e da Câmara Mu-
a ser substituída por um novo agrupamen- nicipal de Lisboa, a que se virão a associar
to. Em 1993, ao estabelecer a Fundação de diversos outros municípios e algumas insti-
São Carlos, a SEC prefere reestruturar a tuições bancárias e financeiras, cria-se em
antiga orquestra do teatro, sob a desig- 1992, por iniciativa do maestro Miguel Gra-
nação de Orquestra Sinfónica Portuguesa ça Moura, a Associação Música-Educação
(OSP) e atribuir-lhe a função cumulativa de e Cultura, responsável pela gestão de uma
suporte da temporada de ópera e de prota- Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML) e
gonista de uma temporada sinfónica. Ape- de uma rede de escolas de música que vai
sar do bom nível artístico do agrupamento da iniciação infantil ao ensino superior.
esta acumulação revela-se excessiva para Apesar de vicissitudes financeiras e de cri-
garantir uma oferta sinfónica de suficiente ses internas que levarão inclusive à demis-
regularidade, já que a actividade extra- são do seu fundador, a OML assegura uma
-operática da OSP se tem de subordinar importante temporada de concertos sinfó-
aos intervalos da preparação das produ- nicos e recitais de música de câmara em
ções do TNSC. toda a região da Grande Lisboa.
O Estado lança ainda, em 1992, um A última das grandes instituições musi-
programa de constituição de orquestras re- cais públicas criadas após 1974 é a Casa
gionais mediante concurso público dos da Música (CM), projecto concebido pela
projectos interessados e a celebração de equipa de programação musical do Porto
acordos entre o Estado central e as autar- 2001 — Capital Europeia da Cultura, coor-
quias proponentes. A intenção anunciada é denada por Pedro Burmester. O atraso no

304
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

A Casa da Música, no Porto.

seu processo atribulado de construção, mizado como instituto público em 1998, é


segundo um projecto arquitectónico arro- transformado em 2004 numa instituição de
jado do holandês Rem Koolhaas, leva logo direito privado. Na direcção do TNDM co-
nesse ano ao arranque das suas activida- meçam por se suceder Francisco Ribeiro
des musicais ainda antes da conclusão (Ribeirinho) e Afonso Botelho, verificando-
definitiva do edifício (2005), sob a forma -se uma importante renovação estética do
de uma temporada de concertos multifa- repertório e da programação com Ricardo
cetada que abrange tanto a música erudi- Pais, e um período de intensa programa-
ta como as músicas populares urbanas, o ção em salas múltiplas na gestão de Carlos
jazz e a world music, e das apresentações Avilez, aos quais por sua vez se sucederão
regulares de um notável agrupamento re- João Grosso, António Lagarto e o recém-
sidente especializado em música contem-
Pormenor da fachada do Teatro D. Maria II,
porânea, o Remix Ensemble, e de um es- em Lisboa.
túdio de ópera destinado à formação de
jovens cantores. Apesar de o seu financia-
mento advir maioritariamente das insti-
tuições públicas, a CM é gerida por uma
fundação que agrupa o Estado, através do
Ministério da Cultura, a câmara municipal
e a Junta Metropolitana do Porto, e um
conjunto de grandes grupos empresariais
do Norte.
O Teatro Nacional de D. Maria II (TNDM)
só reabre em 1978, uma vez terminadas as
obras de recuperação do impacte do in-
cêndio de 1964. Mantém-se como organis-
mo autónomo até 1993, quando é subordi-
nado a um organismo de cúpula, o Instituto
das Artes Cénicas (IAC), encarregue tam-
bém de distribuir os apoios públicos ao
teatro independente e de gerir o novo Tea-
tro Nacional de São João (TNSJ). Autono-

305
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Teatro de São João, no Porto.

-nomeado Carlos Fragateiro. Dotado inicial- cional Carlos Alberto), que funcionara so-
mente de uma vasta companhia residente bretudo durante duas décadas como sala
(Eunice Muñoz, Rui de Carvalho, Catarina de concertos.
Avelar, Fernanda Borsatti, etc.), o TNDM Por outro lado, o projecto de alojar a
dispõe hoje apenas do remanescente des- Presidência portuguesa da União Euro-
sa estrutura, após um processo de resci- peia em 1992 num novo edifício especial-
são negociada dos contratos com a maio- mente concebido para esse fim conduz
ria dos actores. em 1988 à ideia, na vigência de Teresa
Quanto ao TNSJ, é adquirido em 1992 Gouveia como secretária de Estado da
pela SEC e inaugurado simbolicamente Cultura, da respectiva conversão posterior
ainda nesse ano, entrando depois em num espaço cultural de usos múltiplos —
obras para reabrir definitivamente em 1995, o Centro Cultural de Belém (CCB) — dota-
ainda no âmbito do IAC, antes de se con- do de um centro de espectáculos com
verter também ele em instituto público au- uma sala de 1500 lugares e de uma sala-
tónomo em 1998. A sua história recente é -estúdio polivalente, ambas destinadas às
particularmente marcada pela acção de Ri- artes performativas. O complexo é gerido
cardo Pais, seu director em 1996-2000 e por uma fundação de direito privado maio-
desde 2002 (com um breve interregno em ritariamente financiada pelo Estado, cuja
que a direcção é assegurada por José estrutura interna foi sendo alterada ao lon-
Wallenstein, em 2000-2002), o qual impri- go dos anos. Na gestão cultural do CCB
me à sua programação uma linha coerente sucedem-se Maria José Stock, Miguel Lo-
de criação artística pessoal mas consegue bo Antunes, Francisco Motta Veiga e Antó-
articular-se, ao mesmo tempo, com o teci- nio Mega Ferreira. A ocupação intensiva
do teatral do Porto, para além de promover do auditório principal pelas actividades
bianualmente com particular sucesso o fes- económicas igualmente acolhidas pelo
tival internacional PoNTI (Porto. Natal. Tea- CCB e o seu aluguer frequente a produto-
tro. Internacional). Dede 2002 o TNSJ ad- res de espectáculos privados tornam, con-
ministra igualmente uma segunda sala, o tudo, difícil a afirmação de uma linha de
Teatro Carlos Alberto (antigo Auditório Na- programação identitária da própria insti-

306
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

tuição, apesar do importante impulso lan- Lourenço e outros (1967), a Comuna, de


çado nesse sentido por Lobo Antunes. João Mota (1973), e a Cornucópia, de Luís
Particular impacte tem entre 2000 e 2006 a Miguel Cintra e Jorge Silva Melo (1973) —
promoção da Festa da Música, réplica lis- e a criação de novas companhias, logo em
boeta das Folles Journées organizadas 1974 (o Bando, de João Brites, e a Casa da
em Nantes pelo programador René Martin, Comédia, de Norberto Barroca) e em 1975
que concentram em três dias intensos (a Barraca, de Hélder Costa e Maria do
de programação de música erudita mais Céu Guerra, os Cómicos, de Ricardo Pais,
de 40 000 espectadores. Mas de igual o Grupo de Teatro Hoje, de Gastão Cruz e
destaque se reveste o programa educati- Carlos Fernando, ou os casos peculiares
vo para as áreas do espectáculo, da res- do Centro Cultural de Évora, de Mário Bar-
ponsabilidade de Madalena Vitorino. radas, a primeira companhia profissional
de descentralização teatral, ou do Adóque,
de Francisco Nicholson, que procura uma
A expansão
proposta de teatro de revista de ideário
da vida artística
progressista).
O sector do teatro dá no período revolucio- Este primeiro tecido continua a expan-
nário de 1974-1975 um considerável salto dir-se a partir daí e ao longo da década de
em frente na sua dinâmica e na sua própria 80, quer por cisões nos grupos existentes
dimensão, com a institucionalização de al- que conduzem à constituição de novas
guns dos grupos independentes fundados companhias quer pela simples conse-
anteriormente — o Teatro Estúdio de Lis- quência natural da formação de novos ac-
boa, de Luzia Maria Martins (1964), o Tea- tores no Conservatório, na escola do Cen-
tro Experimental de Cascais, de Carlos tro Cultural de Évora ou nas iniciativas de
Avilez (1965), o Grupo Quatro, de João formação levadas a cabo por João Mota

Concerto de violino tocado por crianças, no Centro Cultural de Belém durante a Festa da
Música de 2006.

307
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

na Comuna ou por Adolfo Gutkin no Insti- que em 1990 se fundirá com o Centro Cul-
tuto de Formação, Investigação e Criação tural de Évora para formar o Centro Dra-
Teatral (IFICT). Em Lisboa Jorge Silva mático de Évora (CENDREV); em Setúbal
Melo deixa o Teatro da Cornucópia (que o Teatro de Animação de Setúbal. Na Ma-
passará a assentar na dupla Luís Miguel laposta uma associação de municípios da
Cintra/Cristina Reis) e acabará por estabe- periferia de Lisboa, a Amascultura, esta-
lecer na década de 90 os Artistas Unidos; belece um centro de produção teatral per-
o antigo Grupo Quatro dá lugar ao Novo manente. Por último, multiplicam-se os
Grupo (João Lourenço, Irene Cruz) e sur- projectos pontuais de produção teatral e
gem sucessivamente o Teatro do Século desenha-se um novo perfil de carreira pa-
(Inês Câmara Pestana), o Teatro Maizum ra criadores não associados a uma estru-
(Silvina Pereira), o Teatro Meridional (Mi- tura de produção fixa, como é o caso de
guel Seabra), o Teatro da Garagem (Car- Ricardo Pais até à sua nomeação para o
los Pessoa), o grupo Meia Preta (Filipe TNDM e TNSJ.
Crawford), a Companhia Teatral do Chia- Por último, na década de 90 emergem
do (Mário Viegas) ou a Escola de Mulheres os projectos de uma nova geração de artis-
(Fernanda Lapa). tas e criadores formados pelas várias esco-
O Grupo de Campolide (Joaquim Beni- las profissionais e/ou superiores de Lisboa,
te) e a Centelha saem de Lisboa, o primei- Porto, Cascais e Évora: é o caso do Olho,
ro para se estabelecer na Margem Sul co- em Lisboa, ou do Teatro Bruto e de As
mo Companhia de Teatro de Almada, a Boas Raparigas Vão para o Céu, no Porto,
segunda rumo a Viseu (até 1992). No Por- entre muitos outros. E multiplicam-se tam-
to, a acrescentarem-se ao velho Teatro Ex- bém os produtores e actores free lancers
perimental do Porto, nascem os grupos interessados numa maior viabilização de
Seiva Trupe e Pé de Vento. Em Braga sur- projectos teatrais esporádicos, à margem
ge a Companhia de Teatro de Braga; em da organização tradicional em companhias
Viana do Castelo o Teatro do Noroeste; permanentes (alguns deles, como Miguel
em Aveiro o Teatro Efémero; em Coimbra a Guilherme, José Pedro Gomes, António
Escola da Noite; em Tondela o Acert-Trigo Feio, Ricardo Carriço ou Francisco Luís,
Limpo; nas Caldas o Teatro da Rainha, celebrizados entretanto junto do público

A participação de actores de teatro em séries televisivas pode gerar novos públicos para o
teatro. Miguel Guilherme em Conta-me Como Foi (2007).

308
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

através de aparições frequentes em pro-


gramas televisivos e capazes, por isso
mesmo, de mobilizar novos espectadores
para o teatro).
A partir dos anos 80 o teatro de revista
entra igualmente numa situação de crise
de sobrevivência aguda, que se agrava na
década seguinte. Já desde finais da déca-
da de 70 as novas produções tendem ca-
da vez mais a passar da graça brejeira
tradicional do género à exploração de si-
tuações de uma quase pornografia gratui-
ta e a adoptar uma postura política profun-
damente reaccionária, que aliena uma
grande parte do seu público. A revista res-
sente-se igualmente da subida em flecha
dos custos de produção, que a condenam
a um aparato cenográfico cada vez mais
Cartaz de Passa por Mim no Rossio.
pobre, e — muito em especial — do apa-
recimento de novos fenómenos de entrete- Um crescimento surpreendente é o da
nimento popular que disputam decisiva- Nova Dança portuguesa a partir do início
mente o público às salas de espectáculos: dos anos 80, desde uma Olga Roriz, con-
as telenovelas brasileiras da Rede Globo sagrada pela sua passagem pelo Ballet
na RTP e a expansão dos videoclubes. Em Gulbenkian, a um Rui Horta, que, após criar
1982, com a dissolução da cooperativa em 1979 o Grupo Experimental de Dança
Adóque, a revista reduz-se aos palcos dos Jazz, lança em 1984 o projecto mais ambi-
teatros Maria Vitória e ABC, com orçamen- cioso da Companhia de Dança de Lisboa,
tos de produção e elencos crescentemen- ou ainda à Companhia de Dança Contem-
te desfalcados e incapazes de chamarem porânea de Setúbal com que Graça Bessa
de novo os espectadores. O enorme su- e António Rodrigues criam simultaneamen-
cesso de público de uma antologia reviva- te a primeira companhia de dança da des-
lista do género produzida com grande centralização e uma das mais competentes
aparato cénico e elenco de luxo, graças escolas de formação de bailarinos do país.
aos recursos orçamentais do TNDM (Pas- O fenómeno expande-se com os projectos
sa por Mim no Rossio, de Filipe la Féria) de Paula Massano, João Fiadeiro, Clara
apenas condena ainda mais as réplicas Andermatt, Margarida Bettencourt, Vera
pobres que o sector é capaz de oferecer Mantero, Paulo Ribeiro, Joana Providência,
nos seus espaços próprios. O próprio La Madalena Vitorino, ou, já na geração se-
Féria, ao procurar transpor para o Teatro guinte, Francisco Camacho ou Aldara Bi-
Politeama uma operação similar à que fora zarro, que conquistam uma aceitação na-
viabilizada pelo orçamento do TNDM de- cional e internacional generalizada.
pressa se vê a braços com custos de ex- Para esta afirmação é decisiva em ter-
ploração incomportáveis, mesmo com for- mos institucionais, depois do papel funda-
tes apoios da SEC, e só com uma redução dor do ACARTE, a programação da Cultur-
considerável da escala de produção con- gest, empresa de produção e gestão
seguirá manter com altos e baixos um pro- cultural criada em 1993 por Rui Vilar na
jecto de teatro ligeiro. nova sede de Lisboa da Caixa Geral de

309
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Depósitos e dirigida por um dos anteriores do pianista Artur Pizarro, do percussionista


colaboradores directos de Madalena Perdi- Pedro Carneiro, da maestrina Joana Car-
gão, António Pinto Ribeiro, a que se vem neiro ou de outros ainda mais novos em
somar igualmente, sob a direcção de Mi- processo de afirmação nacional e interna-
guel Lobo Antunes, a acção no mesmo cional, surgem constantemente jovens va-
sentido do CCB. Os pequenos projectos in- lores cheios de talento, num número e com
dividuais depressa vão dando lugar a es- uma média qualitativa impensáveis nas dé-
tratégias de criação mais estruturadas e cadas de 60 e 70.
mais contínuas, mas sem perderem nunca O circuito profissional tem demonstra-
a maleabilidade orgânica, nem se cristali- do, no entanto, dificuldade em acolher e in-
zarem em modelos organizativos pesados tegrar devidamente esta produção cres-
e financeiramente insustentáveis. O sector cente de jovens músicos. À escassez de
encontra modalidades de organização e fi- orquestras profissionais e à debilidade das
nanciamento particularmente flexíveis e efi- poucas existentes soma-se o reduzido nú-
cazes, cruzando recursos comunitários, es- mero de pólos de programação musical re-
tatais, autárquicos e mecenáticos de uma gular, apesar da rede de pequenos festi-
forma criativa e altamente eficiente, e con- vais que se vai espalhando pelo país, em
seguindo pouco a pouco estabelecer no especial ao longo do litoral (aos festivais
terreno iniciativas estáveis e estruturantes: tradicionais de Sintra e do Estoril juntaram-
é o caso da acção de investigação e cria- -se entretanto os do Algarve, de Coimbra,
ção da RE.AL (João Fiadeiro), da estrutura dos Capuchos, da Figueira da Foz, de Gui-
de acolhimento e produção do Espaço do marães, de Leiria, de Mateus, da Póvoa de
Tempo (Rui Horta), em Montemor-o-Novo, Varzim ou do Baixo Alentejo, entre outros).
da «casa-mãe» de formação do Fórum- Começam a surgir, no entanto, algumas ini-
-Dança, da iniciativa de articulação entre ciativas relevantes de auto-organização,
os vários organismos consubstanciada na como sejam, no campo da música contem-
associação Rede, ou do festival internacio- porânea, a Orquestra Utópica ou as várias
nal Danças na Cidade, hoje designado por iniciativas do Miso Ensemble, entidade res-
Alkantara Festival. ponsável, designadamente, pelo lança-
No campo da música a principal altera- mento do Centro de Informação da Música
ção qualitativa das últimas décadas tem si- Portuguesa, a que acresce um número
do a do alargamento e consolidação da re- crescente de agrupamentos de câmara co-
de de estabelecimentos de ensino musical brindo as formações vocal-instrumentais e
de todos os níveis, com destaque para as os repertórios mais diversificados.
escolas profissionais criadas na década de
80 e para o ensino superior assegurado
As políticas culturais do
pelos institutos politécnicos de Lisboa, Por-
Estado e as artes
to e Castelo Branco e pelas universidades
performativas
Nova de Lisboa, de Évora, de Aveiro e do
Minho. Como consequência deste proces- O apoio do Estado aos criadores indepen-
so tem-se vindo a elevar significativamente dentes no sector das artes performativas é
a capacidade de recrutamento e o nível de confiado primordialmente, no período de
formação de jovens músicos portugueses, 1974-1975, às várias divisões disciplinares
que por sua vez se reinveste na capacita- (música, teatro, dança) da Direcção-Geral
ção da rede de ensino. Desde a geração da Acção Cultural, na SEC, e nessa ou nou-
dos pianistas Pedro Burmester e António tras direcções-gerais equivalentes no seio
Rosado ou do clarinetista António Saiote às da mesma SEC se mantém de forma quase

310
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

inalterada até às reformas de Santana Lo- tica já não é compatível com os níveis de
pes, nos inícios da década de 1990. Opta- financiamento estatal disponíveis. Por ou-
-se então por confiar a gestão desses tro lado, torna-se igualmente clara a visibi-
apoios aos organismos centrais aos quais lidade política e mediática cada vez maior
é entregue agora a administração da pro- da tutela do sector, o que explica que uma
dução artística do sector público nas mes- figura político-partidária ascendente como
mas disciplinas artísticas (o teatro no IAC, Pedro Santana Lopes tenha aceite esta
que administra os teatros nacionais, a dan- pasta até então de reduzido peso no con-
ça no Instituto Português do Bailado e da texto governamental. Tanto Santana Lo-
Dança, responsável pela CNB, e a música pes como o seu sucessor no Ministério da
na Fundação de São Carlos, que tutela o Cultura socialista entre 1995 e 2000, Ma-
teatro nacional de ópera). Em 1995 o go- nuel Maria Carrilho, procurarão por todos
verno socialista de António Guterres, ao re- os meios atrair investimentos reforçados
criar o Ministério da Cultura, prevê à parti- na cultura, ainda que por vias opostas:
da a criação de um Instituto Português das Santana pela tentativa de privatização de
Artes do Espectáculo (IPAE), para cuja co- responsabilidades tradicionais do Estado
missão instaladora transita desde logo a no sector e pela procura de mecenatos
gestão dos apoios nestes domínios, e essa privados canalizáveis para os objectivos
responsabilidade passará em 2003 para o do governo neste sector, Carrilho pela
respectivo sucessor orgânico, o actual Ins- consolidação da dotação para o seu mi-
tituto das Artes, resultante da fusão do IPAE nistério no Orçamento de Estado e pelo
com o Instituto de Arte Contemporânea. recurso a novas linhas de finaciamento
De 1974 a 1990 as políticas de apoio comunitário (Plano Operacional da Cul-
governamentais para este sector mantêm- tura).
-se no essencial inalteradas em relação às A década de 90, sob ambos os gover-
linhas de fundo definidas ainda no período nos, é marcada por grandes acontecimen-
de constituição da SEC, apesar das flu- tos culturais isolados de forte impacte
tuações ideológicas dos sucessivos go- mediático que mobilizam recursos e pro-
vernos provisórios e constitucionais (de- jectos de grande dimensão. É o caso da
signadamente na inflexão patrimonialista Europália 91, que leva à Bélgica um pro-
predominante das opções de investimento grama intenso de acontecimentos artísti-
cultural dos governos mais conservado- cos performativos; do Festival Internacio-
res, em desfavor do apoio à criação artísti- nal de Teatro, organizado a partir de 1991;
ca actual favorecida pela esquerda). A par das capitais europeias da Cultura de Lis-
com algumas linhas estruturantes no plano boa 94 e do Porto 2001 4 i , ou ainda da Ex-

da encomenda aos autores e da edição, po 98, também em Lisboa, em todos os


há uma verba reduzida para apoios aos casos com uma programação artística bri-
agentes culturais no terreno, que é distri- lhante na esfera da música, do teatro e da
buída segundo critérios que — esses sim dança. Os sectores artísticos profissionais
— vão variando, ora procurando fixar criticam, contudo, a estratégia descontí-
metas no plano dos conteúdos e da inten- nua de stop and go destas grandes inicia-
sidade da programação ora insistindo an- tivas e a desproporção entre o gigantismo
tes no factor da capacidade de gerar dos meios despendidos em acontecimen-
audiências. tos de natureza efémera e os montantes
Na viragem para os anos 90, no entan- reduzidos investidos nas estruturas per-
to, torna-se evidente que o próprio cresci- manentes de produção do tecido artístico
mento da massa crítica da produção artís- português.

311
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

É também um período de grandes in- mais draconiana quanto as economias


vestimentos em infra-estruturas logísticas, efectivas assim realizadas pelas finanças
em particular na construção de auditórios e públicas são, por ironia, de um montante
teatros em várias cidades do país, que en- em última análise irrelevante em termos
tretanto vão sendo inaugurados por quem dos objectivos macro-orçamentais preten-
desempenhe, no final da obra, as funções didos para o conjunto da administração pú-
governamentais adequadas. Mas são raros blica. A suborçamentação crescente do
os novos espaços que dispõem de uma sector tem vindo a provocar uma diminui-
equipa técnica permanente, de programa- ção acentuada da capacidade de produ-
dores competentes e sobretudo de orça- ção dos organismos artísticos estatais, au-
mentos estáveis que permitam uma con- mentando a desproporção entre os custos
cepção de projectos de actividade artística fixos, muitas vezes elevadíssimos, e os or-
plurianuais e atempadamente definidos, çamentos de produção, e tornando assim,
negociados com os respectivos participan- por curiosa contradição, os espectáculos
tes e anunciados ao público. produzidos em objectos de um custo pro-
Com a viragem para os anos 2000 e o porcional muito mais elevado do que em
agravamento da crise financeira do Esta- qualquer instituição congénere no plano in-
do-providência as ilusões da década ante- ternacional.
rior desfazem-se face às necessidades de Por sua vez, os montantes disponíveis
uma política de contenção orçamental que para apoio a produtores e criadores artísti-
encontra na cultura uma aplicação tanto cos do sector privado têm vindo também
eles a diminuir em cada novo orçamento
O grupo O Bando em espectáculo
de rua durante a iniciativa Lisboa Capital anual, num contraste irresolúvel com o
Europeia da Cultura 94. crescimento natural do sector das artes
performativas em todos os domínios. Torna-
-se impossível institucionalizar devidamente
os projectos mais antigos com provas da-
das de qualidade artística continuada, e
ainda mais abrir espaço de enraizamento
para novos projectos de carácter estrutu-
rante ou criar oportunidades pontuais efi-
cazes para a revelação e encorajamento
de novos valores. Num quadro de estran-
gulamento orçamental cada vez mais agra-
vado procura-se iludir a questão com su-
cessivas alterações dos regulamentos de
concurso ou com tentativas pouco hábeis
de fazer transitar as responsabiliades do
Estado central neste domínio para as autar-
quias.
Tampouco se tem conseguido definir
modalidades eficazes de atracção de me-
cenatos privados para o sector das artes
do espectáculo, excepto quando estes são
desviados para complementar os orçamen-
tos correntes dos organismos públicos
desta área. E por último, no que respeita ao

312
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
As artes do espectáculo

O Teatro Municipal de Bragança, um exemplo da criação de novas infra-estruturas culturais no


interior do país.

perfil orgânico das instituições que inte- quadro de um desenvolvimento socioeconó-


gram o sector público de produção artísti- mico equilibrado e sustentável para o país,
ca continua a oscilar-se pendularmente mobilizando meios orçamentais que permi-
entre soluções estatizantes fortemente bu- tam neste sector uma intervenção efectiva,
rocratizadas e alternativas utópicas do foro atempada e programada a médio e longo
privado, em ambos os casos geralmente prazo. E dependerá, sobretudo, ao mesmo
improvisadas, como se estas mudanças in- tempo, de uma nova capacidade de articu-
génuas e improvisadas de estatuto trou- lação das políticas da cultura com as da
xessem consigo, por si só, o remédio para educação, visando a formação simultânea
os problemas de um subfinanciamento ga- da generalidade dos cidadãos no sentido
lopante e desestruturador de qualquer polí- da sensibilização para a prática e a fruição
tica cultural séria. artísticas, e de um maior número de profis-
A solução do problema não pode deixar sionais competentes, informados, críticos,
de vir a passar pela verdadeira assunção da criativos e conscientes do papel e do per-
desejada — e tantas vezes apregoada — curso das artes do espectáculo na socieda-
centralidade programática da cultura, no de portuguesa e europeia contemporânea.

313
Cultura
O cinema
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Jorge Leitão Ramos

Oliveira, César, Rocha, Teresa e os outros

Q uando, em 25 de Abril de 1974, o


Movimento das Forças Armadas
derrubou o caduco regime autori-
tário e antidemocrático que vigorava em
Portugal desde 1926, o cinema português
celos), fruto de intervenção mecenática da
Fundação Calouste Gulbenkian. Acres-
cendo ao cerco financeiro, a censura zela-
va para que Portugal não saísse de baias
estritas, condicionando, mutilando, proi-
encontrava-se num momento de mudança bindo.
que vinha já de anos anteriores. Depois de A queda do Estado Novo, ocorrida em
muita indecisão, o governo de Marcelo Abril de 1974, veio abrir as portas da liber-
Caetano fizera aprovar uma Lei de Cinema dade para o país — e também para os
(datada de 1971, mas cujos efeitos práti- cineastas. O primeiro resultado foi a «liber-
cos só começaram a tomar corpo no início tação» de alguns filmes. Mas também,
de 1974) que criara um organismo público aproveitando as estruturas administrativas
— o Instituto Português de Cinema — a e os mecanismos de financiamento criados
que era atribuída, entre outras funções, nos últimos tempos do regime, se verificou
a missão de conceder subsídios à produ- um incremento forte da produção. O que
ção de filmes. Era, no fundo, o reconheci- permaneceu sem visível alteração foram as
mento oficial da impossibilidade da exis- condições de mercado e ainda um assina-
tência de cinema em Portugal sem uma lável divórcio entre o público e os filmes
intervenção financiadora do Estado. Com muito singulares que se foram fazendo
efeito, com um mercado interno muito es- («Autos da Alma» lhes chamou Paulo Filipe
treito (383 salas, em 1973) e uma empresa Monteiro em título de tese de doutoramen-
de televisão completamente arredada da to, muitos anos depois). Singularidade que
produção de cinema, a rentabilização do despertou a atenção dos meios culturais
cinema português estava fora de questão. europeus e que deu ao cinema português
Era um problema que se arrastava há lon- uma aura muito particular e a alguns dos
gos anos — e que acarretara um outro: fo- seus criadores uma assinalável e justa
ra de qualquer lógica de mercado, o mais proeminência.
interessante cinema português (praticado Quando em 1982 o ministro da Cultura
por uma geração de realizadores que des- português autorizou um subsídio excepcio-
pontara como uma «nouvelle vague» por- nal para que Manoel de Oliveira filmasse
tuguesa, ao longo dos anos 60) desistira Visita ou Memórias e Confissões (um filme
de intentar filmes que tivessem o público tão íntimo e autobiográfico que se destina-
como fonte de legitimação, procurando va a só ser publicamente mostrado após a
um cinema que a encontrasse nos meios morte do cineasta — intenção que perma-
da intelligentsia, da crítica, dos festivais. nece, apesar de, a 15 de Outubro de 1993,
O ano de 1973 não fora um ano bom: es- o filme ter tido uma antestreia restrita, com
treara-se uma única longa-metragem (Per- acesso apenas por convite do próprio rea-
dido por Cem..., de António Pedro Vascon- lizador, na Cinemateca Portuguesa), o

314
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O cinema

gesto excepcional afirmava implicitamente cional. Desde o início dos anos 90 conse-
a presunção de se estar perante o fecho guirá a proeza de dirigir pelo menos uma
da obra de um cineasta respeitado unani- longa-metragem em cada ano, com acesso
memente como a grande figura da cine- a elencos com vedetas internacionais (Ca-
matografia portuguesa. Oliveira começara therine Deneuve, John Malkovich, Irene Pa-
a filmar quando o cinema — em Portugal pas, Marcello Mastroianni, Marisa Paredes,
— era ainda silencioso (Douro, Faina Flu- Michel Piccoli, Lima Duarte...). No momen-
vial começou a ser rodado em 1929). Tive- to em que escrevo, prestes a completar 98
ra longos hiatos na carreira, motivados anos de idade, acaba de estrear, no Festi-
também por uma singularidade de postura val de Veneza e logo a seguir nas salas por
que não se enquadrava por inteiro nos cri- toda a Itália, Belle Toujours. A sua filmogra-
térios dos funcionários do regime salazaris- fia tem uma estatura que largamente sobre-
ta, apesar do apreço do mentor cultural do leva a de qualquer outro cineasta portu-
regime (Ferro, 1950: 65). Mas acabara de guês, seja pela quantidade de obras, seja
conhecer, com Francisca (1981), o estimá- pela fulgurância com que continua a sur-
vel reconhecimento do público português preender-nos, a apostar numa modernida-
(80 000 espectadores), que sempre dele se de que não conhece regras senão as que
arredara, ultrapassara o cabo dos 70 anos ele próprio assume. Após 1982 tentará o
de idade, parecia lógica uma retirada de impossível (pôr em filme a integralidade do
cena em grande prestígio. Redondíssimo texto de Claudel, quase sete horas de du-
engano: Oliveira não estava sequer a meio ração para Le Soulier de Satin, 1985) e o
da sua obra e é a partir daí que, num ritmo insólito (uma ópera expressamente escrita
absolutamente sem precedentes, nem pa- para cinema — Os Canibais, 1988), o inti-
res, ele vai engrenar filme atrás de filme, re- mismo teatral (Mon Cas, 1986) e a grande
colher preitos, prémios (em sítios tão diver- saga histórica (Non ou a Vã Glória de Man-
sos quanto os festivais de Cannes, Veneza, dar , 1990), o romanesco ( Vale Abraão ,
Locarno ou Salónica), condecorações de 1993), o pícaro (A Caixa, 1994) e o confes-
governos e divulgação e renome interna- sional ( Porto da Minha Infância , 2001),
Manoel de Oliveira durante as filmagens de Espelho Mágico, em Veneza (2005).

315
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

tocará infinitas variações da paleta dos de Cannes de 1999, secção Un Certain Re-
sentimentos e das ideias com resultados gard). Mas esse alter-ego empurrou-o para
desiguais, todavia sempre de forma a des- um território de crise. Depois de desistir de
concertar admiradores e adversários. Terá, pôr em cinema um texto de Sade e do mo-
ainda, disponibilidade e engenho para ex- mento de pânico criativo materializado em
perimentar o teatro (em Itália, encena a sua Branca de Neve (2000), a partir do texto de
peça De Profundis no Festival de Teatro de Robert Walser, volta a filmar-se a si próprio
Santarcangelo di Romagna, em 1987, e nesse filme testamental e agónico que se
Mário ou Eu-Próprio o Outro de José Régio, chamou Vai-e-Vem, rodado quando César
apresentado em Pontedera e Roma, em Monteiro se sabia condenado por doença
2003). do foro oncológico. Quando o filme estreou
João César Monteiro é outra das figuras — na Selecção Oficial do Festival de Can-
maiores do cinema português a firmar-se nes, em Maio de 2003 — já o realizador ha-
nos anos 80/90. Pertencente à geração do via falecido, provocando um vazio no cine-
«cinema novo» que tem o seu alvor duran- ma português impossível de preencher.
te os anos 60, só consegue aceder à lon- Como todos os génios, João César Montei-
ga-metragem em 1972, mas em condições ro não deixou descendência, apenas uma
financeiras e técnicas que impedem o filme obra impressionantemente singular e apai-
de estrear (por isso ele mesmo lhe chama- xonante.
rá Fragmentos de Um Filme-Esmola). Ci- Também da geração do «cinema no-
neasta culto, à tradição literária, fílmica e vo», Paulo Rocha teve, após 1974, carreira
musical arrancará um conjunto de filmes assaz agitada. Demorou oito anos a erguer
notáveis — Que Farei com Esta Espada? A Ilha dos Amores (1982), largo e ambicio-
(1975), Veredas (1977), Silvestre (1981), so fresco sobre um escritor português em
À flor do Mar (1986) — mas cuja repercus- voluntário exílio nipónico — Wenceslau de
são (nacional e internacional) ficará limita- Moraes (1854-1929) —, a que se seguiu
da (Silvestre esteve, contudo, presente no uma parábola de cariz político (O Desejado
Festival de Veneza de 1982). A sua obra
João César Monteiro.
conhece assinalado revigoramento a partir
de 1989, quando cria uma espécie de al-
ter-ego (João de Deus), lhe empresta o
próprio corpo como actor e inflecte o tom
do seu cinema para um registo de tragico-
média que ele esticará até aos limites do
sublime, da provocação e do patético nu-
ma série de filmes iconoclastas, extrema-
dos, convulsivamente belos que estarão
presentes nos principais festivais de cine-
ma, alguns deles premiados (Recordações
da Casa Amarela, 1989, Leão de Prata no
Festival de Veneza; O Último Mergulho,
1992, prémio da crítica italiana no Festival
de Veneza; A Comédia de Deus, 1995, Pré-
mio Especial do Júri no Festival de Veneza;
Le Bassin de J. W., 1997, estreia mundial
no Festival de Toronto; As Bodas de
Deus 4 i , 1998, estreia mundial no Festival

316
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O cinema

ou As Montanhas da Lua, 1987), filmes A estes nomes há


que, apesar de terem estado presentes em que juntar um conjun-
festivais e terem conhecido estreia interna- to apreciável de rea-
cional, permaneceram longamente arreda- lizadores com obra
dos das salas portuguesas. A Ilha dos feita e reconhecida,
Amores foi apresentado em Cannes (1982) como João Botelho,
e teve estreia comercial no Japão em 1982 João Mário Grilo, José
e em França em 1986; O Desejado ou As Álvaro Morais (1943-
Montanhas da Lua esteve presente no Fes- -2004), Alberto Seixas
tival de Veneza de 1987 e estreou em Fran- Santos, Fernando Lo-
ça em 1988; ambos só teriam estreia co- pes, José Fonseca e
mercial em Portugal em 1991. Depois, Costa, António Pedro
Paulo Rocha virou-se para o documentário, Vasconcelos, Pedro
Paulo Rocha.
experimentou o vídeo, deixou-se fascinar Costa, Luís Filipe
pelas tecnologias e, no final dos anos 90, Rocha ou João Canijo, alguns deles alvo
regressou à longa-metragem com os con- também de reconhecimento internacional
vulsos e visionários O Rio do Ouro (1998) 4 i, (citemos apenas, a título de exemplo, a re-
A Raiz do Coração (2000) e Vanitas ou trospectiva dedicada a João Botelho em
O Outro Mundo (2004). Bergamo, em 1996).
Outra figura que importa relevar no ci- Um dos elementos que permaneceu na
nema português dos últimos anos é Teresa ordem do dia nos últimos 25 anos foi a
Villaverde. Tendo-se iniciado no cinema questão da legitimação. A maior parte dos
como episódica actriz de César Monteiro cineastas continuou a praticar o cinema co-
(À flor do Mar), Teresa Villaverde acederá à mo uma produção artística, sem preocupa-
realização em 1990 (A Idade Maior) e edifi- ções de carácter comercial, alicerçada nas
cará uma obra em crescendo (Três Irmãos, boas razões da impossibilidade de um ci-
1994; Os Mutantes, 1998 4 i ), num estilo de nema que se rentabilizasse nas salas. Mas
narração que encontra mistérios no real e sempre houve um outro grupo de realiza-
os sussurra mais que desvenda, com uma dores que insistiu que o ganho de audiên-
atenção particular ao mundo obscuro e do- cia era a melhor forma de legitimar uma
loroso da infância e adolescência, que la- produção de cinema fundada sobre finan-
vra com minúcia e sensibilidade. As suas ciamentos públicos. E, episodicamente,
produções, filhas já dos regimes integrado- conseguiram-se alguns êxitos: Kilas, o Mau
res da Europa comunitária, serão desde o da Fita de José Fonseca e Costa (1980),
início internacionais (A Idade Maior terá, de com 121 269 espectadores, inaugurou o
resto, a sua estreia mundial, a 12 de Feve- que parecia ser uma viragem; A Vida É Be-
reiro de 1991, no canal de televisão ZDF, la!? de Luís Galvão Teles (1981), Os Abis-
Alemanha), o que não tem impedido que mos da Meia-Noite de António de Macedo
os seus filmes se afigurem, sem excepção, (1983) ou O Querido Lilás de Artur Semedo
filhos legítimos da realidade (social e cine- (1987) ultrapassaram também a marca dos
matográfica) portuguesa. O seu mais re- 100 000 espectadores; a euforia chegaria
cente trabalho — Transe (2006) — é já com O Lugar do Morto de A. P. Vasconce-
francamente transnacional (falado sobretu- los (1984), que obteve mais de 300 000 bi-
do em russo e filmado em vários países), lhetes vendidos e constituiu, à data, o
uma dimensão anímica que torna Teresa maior êxito de sempre do cinema portu-
Villaverde um caso sem paralelo no cinema guês. Mas esse período foi sol de pouca
português. dura. No princípio dos anos 90, era o desa-

317
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

lento nas bilheteiras; mesmo realizadores mes portugueses. Um outro elemento de


considerados de êxito viram chegar o peso faria, entretanto, a sua aparição: a te-
amargo sabor do mais fundo fracasso levisão privada.
(Fonseca e Costa com Os Cornos de Cro- Na Primavera de 1994 aceitei integrar
nos, Artur Semedo com Um Crime de Luxo, um debate entre criadores e críticos de vá-
e António de Macedo com Chá Forte com rias especialidades artísticas, no Canal 2
Limão não atingiram sequer os 5000 es- da empresa de televisão pública portugue-
pectadores na estreia). Nada que espan- sa. No campo do cinema encontrei-me
tasse, porque as mudanças ocorridas frente a frente com Joaquim Leitão, que há
durante o último quarto de século nas con- pouco estreara a sua terceira longa-metra-
dições de mercado não foram de molde a gem, Uma Vida Normal, com resultados
favorecer o cinema português. Depois de desastrosos (menos de 8000 espectado-
um período de desinvestimento, os anos 90 res). Lembro-me que nos envolvemos nu-
viram crescer o parque exibicional (em ma discussão acesa e que uma das ques-
1998, segundo dados do Instituto de Cine- tões que o meu interlocutor levantava era
ma, Audiovisual e Multimédia, ICAM, exis- não apenas o espaço, mas o tipo de pági-
tiam em Portugal 419 salas — a que corres- na (par ou ímpar) onde o jornal onde escre-
pondem 562 ecrãs); mas as estruturas da vo (Expresso, o mais importante semanário
distribuição/exibição sofreram ao longo português) tinha colocado o texto sobre es-
deste período um fortíssimo fenómeno de se seu filme... Era o tempo em que à crítica
concentração e um incremento da domina- se pedia que fizesse também uma tarefa
ção do cinema americano. Muitos filmes de promoção. Meia dúzia de anos volvidos
portugueses dos anos 70/80 não consegui- tal discussão seria impensável. A principal
ram sequer exibição comercial — o que razão não ancora no cinema, mas na televi-
aconteceu a cerca de um terço da produ- são. Aberto o espaço televisivo à iniciativa
ção portuguesa entre 1974 e 1989 (Costa, privada, em 1992, um dos canais emergen-
1991: 166). Foi neste contexto que, no final tes (a Sociedade Independente de Comu-
da década de 80, o mais importante produ- nicação — SIC) muito rapidamente se tor-
tor português (Paulo Branco) encetou a nou um fenómeno de popularidade — a
verticalização empresarial, tornando-se, si- meio da década tinha 50 % de audiência,
multaneamente, distribuidor e exibidor (o caso único no panorama audiovisual euro-
que vai ser fundamental para a oferta de fil- peu. Precisamente em 1995, a SIC decide
mes em Portugal, que conhecerá saudável virar os olhos para o cinema e entrar na co-
diversificação: será graças a Paulo Branco -produção de alguns filmes. Mas, mais im-
que chegarão ao mercado obras de Kia- portante que o pequeno contributo finan-
rostami, Yimou, Imamura, Kitano, Rohmer, ceiro, relevou sobretudo o eficaz esforço
Moretti, Godard...). Num reforço de implan- promocional que pôs em marcha para
tação ao longo de toda a década de 90, apoiar a estreia em sala desses filmes.
Paulo Branco tornou-se, no fim do século, o Com resultados espectaculares: Adão e
segundo mais importante exibidor do país, Eva, de Joaquim Leitão (1995): 254 925 es-
antes de conhecer dificuldades financeiras pectadores; Tentação 4 i , de Joaquim Lei-

graves, em 2006, que viriam alterar profun- tão (1997): 361 312; Sweet Nightmare, de
damente a sua dimensão empresarial. Mas Fernando Fragata (1998): 185 472; Jaime,
a dinâmica introduzida por Branco trouxe de António Pedro Vasconcelos (1999):
uma assinalável modificação da realidade 200 605. (A propósito destes números e da
do mercado, permitindo uma situação de sua fiabilidade lembre-se que em Portugal
relativa normalidade na divulgação dos fil- não existia, à época, um mecanismo de

318
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
O cinema

filmes em sala, número extraordinário nos


mais de 100 anos do cinema português.
Também pela primeira vez, Portugal teve
filmes em competição nos três principais
festivais europeus (Glória, de Manuela Vie-
gas, em Berlim, La Lettre 4 i , de Oliveira,

em Cannes, e Mal, de Alberto Seixas San-


tos, em Veneza). Houve prémios de relevo
(com destaque para o de Cannes para La
Lettre e o de San Sebastian para Jaime,
de António Pedro Vasconcelos (que, an-
tes, fora um êxito de público). Mesmo no
fim do ano, uma grande homenagem a to-
da a cinematografia portuguesa decorreu
no Festival de Turim. Ainda nesse ano, a
SIC entrou na produção directa de telefil-
mes, com exibição ao ritmo de um por
Cartaz do filme Tentação, de Joaquim Leitão, mês — e assombroso sucesso de audiên-
êxito de bilheteira do moderno cinema cias: o primeiro a ser emitido, em Janeiro
português.
de 2000, Amo-te, Teresa, realizado por
controlo rigoroso da afluência às salas de Cristina Boavida e Ricardo Espírito Santo,
cinema. Os números referidos são de ori- foi visto por quase dois milhões e meio de
gem oficial, do ICAM, mas foram-lhe for- telespectadores, conseguindo 70,9 de
necidos pelos distribuidores, sem que o share de audiência. Os títulos seguintes
ICAM possuísse qualquer forma de aferir continuariam a ser um sucesso, mas a
a sua exactidão. Esta situação modificou- produção de telefilmes havia de se ver
-se, entretanto, existindo hoje uma estrutu- metida no colapso de audiência que a SIC
ra fiável de verificação das bilheteiras.) sofreu no Outono desse ano (com o êxito
Apoiado pelo mais poderoso dos veículos do reality show Big Brother na Televisão
promocionais e tendo-se tornado, comer- Independente — TVI) e terminar, em 2001,
cialmente, o cineasta português mais bem- sem glória. Mas a força empenhada da
-sucedido intramuros (mas, estreado em promoção da SIC voltaria a ser demons-
Espanha, Adão e Eva ainda lá obteve trada, em 2005, quando a estação produ-
89 589 espectadores), a Joaquim Leitão ziu o seu primeiro filme para exibição em
importa hoje muito pouco onde, quanto e o sala — O Crime do Padre Amaro, realizado
que se escreve nos jornais a respeito dos por Carlos Coelho da Silva — e conseguiu
seus filmes. a proeza de o tornar o maior sucesso de
Em concomitância com estas mudan- sempre do cinema português: 380 652 es-
ças, também o poder político resolveu pectadores.
olhar o cinema com outra atenção: aumen- Os mais de cinco anos decorridos des-
tou-se o financiamento dedicado à produ- te terceiro milénio foram, todavia, anos con-
ção de longas-metragens, instalou-se uma turbados, em parte explicáveis pela crise
linha de financiamento para curtas-metra- económica e financeira que Portugal vem
gens, documentários e animação, reforça- atravessando, com as inevitáveis contrac-
ram-se as ajudas referentes à promoção e ções de verbas canalizadas para o cinema.
à presença em festivais. Os resultados co- Uma mera observação do número de fil-
meçaram a ver-se. Em 1999 estrearam 13 mes estreados deixa perceber esse facto.

319
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

João Pedro Rodrigues ou Inês de Medei-


Ano Longas-metragens Telefilmes
ros. Assim haja condições de produção pa-
de ficção estreados
estreadas em sala (RTP e SIC) ra tanta e tão florescente gente. E há uma
diversidade de modos de praticar cinema
2000 11 11 que se augura capaz de resistir às forças
2001 9 11 homogeneizantes que, um pouco por todo
o mundo, tendem a fazer do audiovisual,
2002 13 5
em geral, e do cinema, em particular, uma
2003 15 4 espécie de fast food narrativo.
A grande questão que permanece em
2004 15 0
aberto é a do financiamento, agora que
2005 11 7 uma nova Lei de Arte Cinematográfica e do
Audiovisual (de 2004) se arrasta há mais
O futuro próximo pode esperar-se posi- de dois anos sem regulamentação, mos-
tivo. Há uma nova leva de realizadores a fa- trando que esta não é uma prioridade polí-
zer caminho. Elenquemos os nomes de tica. Essa lei prevê que o actual modelo do-
Sandro Aguilar, Miguel Gomes, Raquel minante de financiamento estatal se altere,
Freire, Marco Martins, Teresa Prata, Tiago mercê da entrada dos operadores de tele-
Guedes, Frederico Serra, Fátima Ribeiro, visão (hertziana e por cabo) num fundo de
Luís Fonseca e, sobretudo, Edgar Pêra, que se espera uma abertura de portas. Es-
Catarina Ruivo, Margarida Cardoso 4 i , Joa- sa é a grande interrogação do presente —
quim Sapinho, Jeanne Waltz, Maria de Me- e dela depende grande parte do futuro do
deiros, António Ferreira, Sérgio Tréfaut, cinema português.

320
Cultura
Design e moda
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Rui Afonso Santos

A primeira geração de designers portugueses

U m processo industrial incipiente, o


atraso tecnológico, a desactualiza-
ção do ensino artístico e a existên-
cia de uma longa ditadura de direita (1926-
-1974), fortemente isolacionista, colonial,
da Silva (1926-2004), Cruz de Carvalho
(n. 1930), Carmo Valente (n. 1930), Miria
Toivola (n. 1933) ou Eduardo Afonso Dias
(n. 1938).
Com actividade repartida pelo design
repressiva e economicamente proteccio- de interiores, equipamentos, mobiliário e
nista marcaram decisivamente a eclosão iluminação (para hotelaria, habitação e ser-
tardia do design em Portugal. Remonta, po- viços), bem como de vidros e cristais, cerâ-
rém, aos anos 50-60 a implementação da- micas, têxteis ou cutelaria, estes designers
quela disciplina, mediante o notável esfor- contaram com uma secular tradição de ar-
ço pioneiro do arquitecto Conceição Silva tes decorativas e, sobretudo, com a prover-
(Exposição de Decoração Moderna, Casa bial qualidade das manufacturas portugue-
Jalco, 1951; Loja Rampa, 1956) e, sobretu- sas (mobiliário, marcenaria, metais, vidro e
do, de uma efectiva 1.a geração de desig- cristal, faiança e porcelana, têxteis), que
ners portugueses, entre os quais se citam renovaram formalmente e impulsionaram
os nomes incontornáveis de Daciano da pela criação de novos produtos especifica-
Costa (1930-2005), Maria Helena Matos mente desenhados, destinados à produção
(n. 1924), António Garcia (n. 1925), Sena industrial.

Aspecto da Loja Rampa (1956).

321
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Daciano da Costa foi a figura preponde- (J. P. Martins). O processo desenvolveu-se


rante da 1.a geração de designers portu- no mobiliário desenhado para integrar os in-
gueses: criou interiores de espaços públi- teriores do Centro Cultural de Belém (pro-
cos (Reitoria da Universidade de Lisboa, jecto de arquitectura vencido em 1989 pe-
1960-1961; Teatro Villaret, 1964-1965; Bi- los arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel
blioteca Nacional de Lisboa, 1965-1968; Salgado, em cuja equipa Daciano da Costa
etc.) e privados (Vestíbulo, Grande Auditó- se integrou), das áreas públicas, do módulo
rio, Biblioteca, Refeitório e Bar da Fundação de reuniões, do Grande Auditório e da Sala
Calouste Gulbenkian, 1966-1969; Hotel Ma- de Jantar da Presidência e culminou em
deira Hilton, 1970-1971; hotéis Altis e Penta, modelos de mobiliário urbano (Banco Urbis,
1971-1975) — derrogando a habitual cola- 1994, produção Julcar), doméstico (Cadeira
gem decorativa a favor do entendimento do da Série Sancho, 1995, produção Ângelo de
design como prolongamento da própria ar- Sousa Braga) e destinado a espaços públi-
quitectura — e, sobretudo, as primeiras li- cos (Cadeira Coliseu//Café, 1994, produção
nhas seriadas de mobiliário de trabalho e de Julcar; Cadeira Coliseu/Camarote, 1994,
escritório (Linha Cortez, 1962; Linha Prestí- produção Olaio).
gio, 1962; Linha Dfi, 1971; Linha LNEC/CB, A revolução de Abril de 1974 assinalou
1971, produção Longra). O seu trabalho foi o fim da ditadura do Estado Novo, pondo
marcado por uma pesquisa formal raciona- igualmente termo à Guerra Colonial (1961-
lista, de herança bauhausiana mas recepti- -1974) e marcando o processo de transição
va às propostas da Escola de Ulm e, parti- para uma futura III República democrática.
cularmente, de Tomás Maldonado e Max Se os factores de ordem externa tinham si-
Bill, atenta às insuficiências do panorama in- do preponderantes no progresso da econo-
dustrial coevo e ao desafio criativo e social mia portuguesa durante os anos 60, os cho-
da sua ultrapassagem — aliada, desde os ques petrolíferos de 1973-1974 e de 1979
anos 80, a uma «redescoberta (pós-moder- afrouxaram esse crescimento e agravaram
na) do humor, do inesperado e de algumas a instabilidade económica (que se prolon-
tradições ancestrais das artes decorativas» garia até aos meados da década de 80), já
de si reforçada, ao nível interno, pelas con-
Cadeira empilhável da autoria
de Sena da Silva. sequências da descolonização, das pertur-
bações revolucionárias que se seguiram
(1974-1975) à mudança de regime político,
bem como pela adopção de uma Constitui-
ção (1976) de modelo socialista e por uma
ruinosa política de nacionalizações.
Como resposta ao consequente pano-
rama económico fortemente crítico, em
1982 a Associação Portuguesa de Desig-
ners (fundada em 1976), sob direcção de
Sena da Silva, promoveu na Sociedade Na-
cional de Belas-Artes a exposição Design
& Circunstância. O certame propôs-se
«glosar alguns motes sugeridos pelo Nú-
cleo de Design» do Instituto Nacional de
Investigação Industrial e homenagear si-
multaneamente a importante acção da de-
signer Maria Helena Matos, que, na direc-

322
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

Linha de mobiliário Cortez, de Daciano da Costa (1962).

ção daquele organismo entre 1969 e 1976, poética racionalista, tanto na arquitectura
foi a grande empreendedora da conscien- como no design, através da revisitação das
cialização e promoção empresarial do de- origens do movimento moderno (Casa de
sign em Portugal. Chá da Boa Nova, 1958-1963, com mobiliá-
Num quadro de crise económica gene- rio e candeeiros expressamente desenha-
ralizada (fruto do 2.o choque petrolífero e dos), num percurso cuja produção assume
da má política económica prosseguida, em assinaláveis implicações éticas. A notorie-
1980, pelo governo português), a exposi- dade que conheceu entre nós nos anos 80,
ção apresentou 38 designers (entre os fruto do reconhecimento internacional, le-
quais António Garcia, Daciano da Costa, vou à reedição de objectos que Siza Vieira
Eduardo Afonso Dias, Jorge Pacheco no desenhara anteriormente, como o candeei-
design industrial e de equipamento, bem ro Flamingo (1972, edição De Facto, 1985),
como Sebastião Rodrigues, João Macha- despojada obra de grande unidade formal,
do, José Brandão, Luís Carrolo, Assunção características que se estendem também
Cordovil no design gráfico ou Cristina Reis ao candeeiro de mesa Fil (1990, edição
na cenografia), numa nítida unidade em M114).
termos de produção, atitude, prática e dig- Este rigor projectual e ascético, de ver-
nificação profissional (e até geracional), tente neomoderna, é assinalável nas de-
reunidos perante um panorama onde, con- puradas Cadeiras C1 (1986); no conjunto
tudo, emergiam já outras posturas e enten- de Estirador e Banco (1988, edição Carva-
dimentos do design, anunciando a abertu- lho Araújo) que o arquitecto desenhou pa-
ra de um novo ciclo, doravante marcado ra a Faculdade de Arquitectura do Porto,
por designers especificamente formados também por ele riscada; na depurada Ca-
pelas escolas de belas-artes. deira Empilhável (1994); na Cadeira Marco
(1996), versátil peça que serve em simul-
tâneo de genuflexório, destinada à Igreja
Os arquitectos
de Marco de Canaveses, integralmente
e o design: dos anos 80
desenhada também; no conjunto de Sofá
ao fim do século
e Mesa editados (1994) pela Altamira; tu-
Desde os anos 50, aliás, o arquitecto Siza do desenhado com um rigor constante,
Vieira (n. 1933) praticou exemplarmente a numa verdadeira poética neomoderna —

323
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

e que Siza Vieira prosseguiu noutros ob- Escolar, 1988, Produção Iduna), sinteti-
jectos, de candeeiros a fechos e puxado- zando pesquisas do passado sem deixar
res de porta, cinzeiros, jarras, solitários, de inovar (Cadeira Tronco, 1990, produ-
fruteiras, acessórios de banho, espelhos, ção Iduna), explorando contrastes formais
faqueiros, cálices de porto, serviços de e de materiais (Cadeira «T», 1993, série li-
chá — o que não impediu que nas céle- mitada), em crescente depuração (Cadei-
bres Cómoda 1 (1985) e Cómoda 2 (1990), ras Lambrikas, 1994; sistema modular Ar-
editadas pela Fago, o arquitecto revisitas- co, 1996, ambos Produção Iduna) que
se, depurando-a, a memória dos antigos culminou numa dimensão quase minimal
contadores. Frequente nos arquitectos e (candeeiro Pilo, 1994; Cinzeiro Portacene-
designers formados na Escola do Porto, re, 1995).
encontramos a estética neomoderna do Na obra de Alcino Soutinho (n. 1930),
despojamento e do rigor racionalista em fi- arquitecto pela Escola Superior de Belas-
guras também nossas conhecidas como -Artes de Lisboa, encontra-se outro es-
Fernando Távora (1923-2005), já de uma clarecedor exemplo do racionalismo fun-
geração anterior, tanto na sua arquitectura cionalista (Mesa de Apoio, edição Fago;
como no design (Mesa de Abas, edição Cinzeiro, 1994), aliado porém a um notório
Fago), onde procedeu a novos entendi- sentido de elegância e consciência das
mentos das técnicas e materiais tradicio- funções práticas e sociais dos móveis de
nais, senão mesmo das formas antigas, assento (Cadeira Empilhável e Poltrona
em depurada revisitação do passado para a Câmara Municipal de Matosinhos,
(cadeiras desenhadas para a Casa Primo edição de 1987). O arquitecto Miguel Ar-
Madeira, 1980-1987); em Eduardo Souto ruda, por seu turno, manteve a sua linha
de Moura (n. 1952), que a estendeu ao de- de discreta e eficaz contenção, em fun-
sign de equipamentos (Candeeiro de Me- cionais móveis articulados (Banco e Ca-
sa, 1988), com risco de sóbrios objectos deira Linha Golf, 1983, edição Planiforma)
de magníficas proporções (Mesas Série 3, ou desmontáveis (Linha Vila Nova, 1985),
edição José Filipe & Filho, 1993; Mesa Me- realçando a importância das madeiras
sotta 1, 1997, edição DDI) e também de in- tradicionais.
teriores (Companhia de Seguros Real, Já Tomás Taveira (n. 1938), cujo prota-
Évora, 1992-1993), com pontual irrupção gonismo no ateliê Conceição Silva/Maurí-
de humor (Candeeiro de Mesa Piu-Piu, c. cio de Vasconcelos foi marcado por exce-
1997, edição Loja da Atalaia e DDI); em lentes projectos, desde logo a obra-prima
Adalberto Dias (n. 1953), que também ex- que foi a Loja Valentim de Carvalho em
plora a diversidade dos materiais (Maple, Cascais (1969), incontornável obra pop,
edição Fago; candeeiro de secretária Car- na qual o risco arquitectural e a importân-
tola, 1991, edição Carvalho Baptista), en- cia pioneira dedicada ao design, de exte-
veredando por uma linha ascética (Cadei- riores e interiores, gráfico e de equipamen-
ra (e Mesa) para Computador Ria, 1995, tos, culminaram numa unidade inteiramen-
edição Mobapec) que origina singulares te nova, conceptualmente revolucionária,
soluções funcionais (Cadeira de Auditório minando os valores da racionalidade e uni-
Vai e Vem, 1996, edição Mobapec); e, so- versalidade que haviam moldado o mo-
bretudo, em José Manuel Carvalho Araújo vimento moderno, praticado pela 1.a gera-
(n. 1961), arquitecto portuense e também ção de designers portugueses, na busca
designer da empresa familiar (linha Arpa, de uma aproximação expressiva capaz de
1989-1993, edição Carvalho Araújo), inte- conciliar a aspiração dos novos tempos
ressado na depuração racional (Cadeira aos valores democráticos — particularmen-

324
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

te relevante quando inserida num meio que estendeu a cenografias de programas tele-
vivia o drama agravado da Guerra Colonial visivos.
e de um sistema e regime político conser-
vador, autoritário e moribundo, gorada que
Manuel Reis
foi (e como cedo logo se revelou) a pro-
e o novo design
messa ilusória da chamada «Primavera
marcelista». Este período conheceu, contudo, a suplanta-
Posteriormente, no seu próprio ateliê, T. ção da simples dicotomia modernismo/pós-
Taveira desenvolveu uma linguagem arqui- -modernismo através de um considerável
tectural progressivamente exuberante, re- número de factores. Ainda na década de
ceptiva a diversas influências em diluição 80 assinalou-se, aliás, uma nova fase da
actualizada das fronteiras estilísticas tradi- economia portuguesa (desde 1985), mar-
cionais, como no Complexo de Edifícios cada pela adesão do país à CEE (1986),
Comerciais, de Escritórios e de Habitação pela estabilidade política assegurada por
das Amoreiras (1980), com equipamentos um governo de maiorias parlamentares ab-
especialmente desenhados, assinalando o solutas e pela importante melhoria no nível
acerto da arquitectura portuguesa com a de vida (desde 1986), assinalando um pe-
prática pós-moderna internacional. Pionei- ríodo de evidente prosperidade entre 1985
ro do novo design , caracterizadamente e o começo dos anos 90.
plástico, Tomás Taveira concebeu, em A redução do intervencionismo do Esta-
1985, as Cadeiras Marcelo I, Marcelo II, III do, o reforço da actuação das forças de
e Fórum, em madeira policromada a esmal- mercado, o optimismo e as melhorias no
te, numa atenção dada à relação sensorial consumo privado estiveram, naturalmente,
entre o objecto e o seu utilizador como antí- ligadas à expansão da produção e ao inte-
doto eficaz contra o funcionalismo — e em resse renascido pelo design em Portugal
1985, o galerista Luís Serpa promoveu na — embora o design português continuasse
sua Galeria Cómicos a exposição New a assinalar uma especificidade notória, fru-
Transfigurations, onde T. Taveira descons- to dos difíceis condicionalismos anteriores
truiu objectos supostamente identitários co- e da persistência das rotinas industriais e
mo o galo de Barcelos. Estas características tecnológicas associados, paradoxal e sin-
foram depois demonstradas nas cadeiras gularmente, ao desejo contínuo de acerto
que T. Taveira concebeu em 1989: a icóni- com o panorama internacional. Na verda-
ca Cadeira Rick, e, ainda, a espectacular de, como falar de sociedade de consumo
Cadeira Sandman, na qual a ênfase multi- num país onde tanto tardou o modelo capi-
disciplinar recorreu ao design gráfico. Nos talista e onde a abundância foi recente e
anos 90, Tomás Taveira desenvolveu estas relativa, de pós-modernismo numa socie-
características como metáfora cenográfica dade onde o próprio modernismo teve uma
da efemeridade (Cadeira Sílvia, 1990), co- expressão limitada, ou de era pós-indus-
mo revisitação estilizada e actualizada do trial num meio onde a indústria jamais atin-
passado (Cadeira Mackintosh I, 1993), co- giu a expressão de grandes corporações?
mo transfiguração das memórias e dos íco- Verdadeiro desafio para os designers por-
nes historicistas (Série de Cadeiras D. Di- tugueses, tais condicionantes foram, po-
nis, D. João I, D. Pedro I e D. Maria I, rém, por eles suplantadas, em virtude do
edição Dimensão, 1992-1993), senão do seu talento criativo, da postura profissional
próprio modernismo (versões da Cadeira adoptada e da inerente qualidade do seu
Laura, 1993, edição Caligaris) e como de- trabalho, de relevância internacionalmente
mostração do californiano free-style, que reconhecida. Ao longo deste período, mo-

325
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

delos tradicionalmente associados à pintu- bretudo, com a abertura, em 1982, do icó-


ra, escultura, ourivesaria, fotografia e às nico Bar Frágil, com as suas decorações-
próprias artes da decoração intervieram no -instalações de grande impacto plástico
âmbito do design; fenómenos como o sty- periodicamente renovadas, na criação de
ling foram reavaliados, muitas vezes através ambientes inovadores por artistas visuais
da revisitação do passado ou da emergên- (Pedro Cabrita Reis, Francisco Rocha) per-
cia de poéticas que retomaram o streamli- mitiu reunir e concentrar uma elite de, entre
ning; a moda emergiu como um fenómeno outros, criadores, arquitectos, artistas vi-
marcante, associado a novos hábitos de re- suais, músicos, designers gráficos, de
presentação, utência e consumo; o design equipamento e moda, professores universi-
adquiriu um forte estatuto de distinção e tários, joalheiros, jornalistas, cineastas, DJ,
promoção social; a crónica insuficiência in- manequins e fotógrafos — e, entre 1985 e
dustrial do país obrigou ao recurso a maté- 1995, Manuel Reis promoveu um movimen-
rias e processos artesanais; e, frequente- to cultural sem paralelo no país, determinou
mente, o debate teórico fundador foi prete- um impacto considerável na renovação
rido. Tudo isto é reflexo de uma era cujo cosmopolita do gosto e dos hábitos e pro-
individualismo fomentou a diversidade, ul- moveu, ainda, a recuperação e vivência de
trapassando a universalidade e ortodoxia uma zona urbana (o Bairro Alto), de outro
modernista e promovendo o novo design, modo irremediavelmente degradada.
praticado por uma nova geração, a segun- Na 2.a geração, destaca-se a personali-
da, de designers portugueses, criadores dade de Pedro Silva Dias (n. 1963), com
de verdadeiros objectos icónicos. trabalho desenvolvido nas áreas da arqui-
No lançamento e promoção do novo de- tectura de interiores, grafismo, design in-
sign, caracterizadamente plástico e multi- dustrial, sinalética e cenografia. A quase
disciplinar, foi fundamental a acção em- totalidade das peças que desenhou, de
preendedora de Manuel Reis na sua Loja acerto internacional, constituem já verda-
da Atalaia (fundada em 1981), na homóni- deiros ícones (Cadeira Mitsuhirato, 1987;
ma rua lisboeta. Em 1988, Manuel Reis lan- Móvel Igor, 1991, ed. Loja da Atalaia).
çou naquele espaço-laboratório uma revo- O seu trabalho caracteriza-se pela extrema
lucionária colecção-revelação de design, sofisticação de formas (Cadeira Mitsuhira-
de edição limitada, da autoria de desig- to, 1987; Móvel Igor, 1991, ed. Loja da Ata-
ners, arquitectos e artistas plásticos, mui- laia), a par de uma vertente sempre funcio-
tos dos quais se contam entre os maiores nal, em soluções de grande simplicidade
designers portugueses da segunda gera- formal (Nichos e Cabines para instalação
ção: Pedro Silva Dias, Filipe Alarcão, Fer- de telefones públicos da Portugal Telecom,
nando Sanchez Salvador, Margarida Grácio 1997-1998; Bloco sanitário integrado IES-
Nunes, Eduardo Souto de Moura, Francis- SE, 2003, produção M.A.), que chega a
co Rocha, Leonaldo de Almeida (mesas, uma leveza desmaterializada (Cadeira Bac-
cadeiras, sofás, aparadores, secretárias, carat, edição Loja da Atalaia, 1996) ou de
consolas, estantes, biombos, móveis de escultórica vocação minimal (Cadeira Alcati-
gavetas, candeeiros de pé e de parede, fa, edição Altamira, 2001; Cadeira DeLux,
jarras) e Jwow Basto (tapetes). Loja da Atalaia/M.U., 2004; Cadeira Lami-
A acção concertada desenvolvida por nar, 2004, ed./prod. M.U.).
Manuel Reis na Loja da Atalaia em simultâ- A qualidade artesanal também se
neo com o Restaurante Pap’Açorda (1985), encontra no trabalho de Filipe Alarcão
dos food-designers Fernando Fernandes (n. 1963), que desenvolve projectos de de-
(n. 1957) e José Miranda (n. 1943) e, so- sign industrial, design de mobiliário, design

326
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

urbano, design de produto, iluminação, ce-


râmica, vidro e cristal, bem como interiores
de apuro minimal (Loja ModaLisboaDesign,
2000; Mercearia DeliDeLux, 2004), também
desmaterializado em luz e transparências
(Loja/Galeria Atlantis Crystal, 2000). O seu
design de cerâmicas (Prémio Nacional de
Design do Centro Português de Design,
1992) apresenta grande apuro formal e fun-
cional, de pontual vertente reciclada (Prato
Dominó, edição Hand Matters, 1999) e
sempre de grande delicadeza, evidente
também no domínio dos metais (Peças de
Secretária Bend, edição Hand Matters,
1995). O arquitecto Fernando Sanchez Sal-
vador (n. 1953) revisitou o passado em cer-
tas obras (Cadeira Atalaia, edição Loja da
Atalaia, 1988) e explorou a tradição artesa-
nal (Móvel TR, edição do designer), reve-
lando a preferência por formas amplas e
espacialmente impositivas, lineares e simul-
taneamente escultóricas (aparador Entre-
muros, 1988; poltrona Onda, 1990, ambos
editados por Loja da Atalaia), de acentuado
rigor, cuja linguagem estendeu a outras pe-
ças (Candeeiro Candlesemtom, protótipo,
1999). Já a obra da arquitecta Margarida
Grácio Nunes (n. 1953) alia a qualidade ar-
tesanal ao contraste de materiais, numa
Móvel Igor, de Pedro Silva Dias (1991).
pesquisa rigorosa que se assume como
metáfora da era industrial. De formas estru- comercializado em pequenas séries, numa
turadas (Estante Pap’Açorda, peça única, linha receptiva aos estímulos da cultura vi-
1992), os seus móveis e objectos associam sual contemporânea e dotada de uma ver-
diferentes materiais (Jarras Maria Pia e Ma- tente lúdica de redesign (Sofás Rómulo e
ria da Fonte, edição Loja da Atalaia, 1988), Remo, 1994; Mesa de Apoio Madonna,
num conjunto de acentuada unidade formal 1994) que assume uma notável condição
e cromática (Candeeiro Fresta de Luz), de- francamente escultórica associada a pro-
monstrando requintado acerto na prosse- postas provocadoras de uso e fruição (Cor-
cução de uma obra global caracteristica- vo, Cadeira de piscina para tomar duche
mente contemporânea. Noutra vertente sentado, 1999). Assinalou-se ainda a eclo-
formal encontra-se o trabalho dos desig- são do Movimento de Criadores de Moda:
ners Luísa Coder e José Russel (n. 1953), Ana Salazar (n. 1941) foi, desde os anos
criadores, em 1987, do Grupo Infracções, 70, pioneira do movimento em Portugal, li-
que desenvolve projectos no campo do bertando-a dos tradicionais constrangi-
mobiliário, objectos e joalharia, bem como mentos do plagiato da haute couture, pelo
de reciclagem de «móveis perdidos». O fa- que o movimento adquiriu um estatuto até
brico das suas peças é semi-artesanal e então inédito. Iniciando o processo com a

327
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

joalharia foi também renovada, num pro-


cesso que se iniciou em 1963 com Alberto
Gordillo (n. 1943) e Kukas (n. 1928), pio-
neiros da joalharia moderna que repudia-
ram o historicismo e o folclorismo domi-
nantes, desenvolvendo, respectivamente,
uma pesquisa formal neobarroca, ou um
rigor formal crescentemente depurado.
Igualmente importante foi o contributo pio-
neiro do escultor José Aurélio (n. 1938),
que, entre as décadas de 60 e 70, criou
jóias onde aliou metais preciosos e gemas
a materiais não-convencionais. Novo impul-
so nasceu em 1977 com a vinda para Portu-
gal das joalheiras Tereza Seabra (n. 1944) e
Alexandra Serpa Pimentel (n. 1954), res-
pectivamente dos EUA e Inglaterra, onde
receberam formação no âmbito do Movi-
mento Internacional da Nova Joalharia.
A sua prática profissional, reforçada pela
docência de Tereza Seabra no AR.CO
(desde 1978), revelou a proposta de uma
produção marcada pela quebra de enten-
dimentos e práticas tradicionais e pelo re-
púdio da vertente comercial, aliada à
Ana Salazar, colecção 1987.
receptividade a processos específicos de
abertura da loja A Maçã (1972), e lançando outras áreas (pintura, escultura, cerâmica,
posteriormente as colecções Harlow (1978) têxteis) e à exploração de novas técnicas,
e Ana Salazar (1979), desenvolveria a sua materiais e formas. A criação da galeria de
actividade na edição de roupas de casa, jóias Artefacto 3 (1984) pelas joalheiras re-
perfumes e cerâmicas, numa eficaz con- feridas e pelo discípulo Pedro Cruz (n. 1960)
tenção de vocação minimal, pontuada por iniciou o processo de divulgação da nova
súbitas irrupções neo-românticas. joalharia.
Neste domínio formal destacar-se-iam, No AR.CO ensinou também (1982-1988)
desde os anos 80, Manuela Gonçalves Filomeno Pereira de Sousa, autor de escul-
(n. 1945), com as suas peças fortemente tóricas jóias de materiais não-tradicionais
estruturadas e de cariz nipónico, as duplas que, em 1988-1989, inaugurou a galeria-
Manuel Alves (n. 1952)/José Manuel Gon- -escola de formação de joalheiros Contacto
çalves (n. 1961), atentos a sugestões inter- Directo. Desde então, de ambas as escolas
nacionais, Eduarda Abbondanza (n. 1959)/ saíram novas gerações de joalheiros, no
/Mário Matos Ribeiro (n. 1959) e José Antó- contexto de um verdadeiro movimento da
nio Tenente (n. 1966), de um minimalismo moderna joalharia portuguesa, como Paula
pontualmente festivo e neo-romântico, en- Crespo (n. 1947), Marília Maria Mira
tre outros, cuja interligação a joalheiros, (n. 1962), Luís Moreira (n. 1964) e Cristina
fotógrafos de moda e designers gráficos Filipe (n. 1965). A actividade das esculto-
criou uma dinâmica fortemente mediática. ras/joalheiras Ana Silva e Sousa (n. 1953)
Indústria artística tradicional e correlativa, a e da portuense Ana Fernandes (n. 1945)

328
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

enriqueceu este panorama, contribuindo guesa Contemporânea (Bruxelas, Festival


também para o esbatimento das fronteiras Europália 1991), onde se apresentou o
entre a joalharia, a ourivesaria e a escultu- marcante grupo Ex-Machina (1989-1992),
ra, e conferindo ainda uma inusitada efe- reunindo os jovens designers José Viana
meridade à jóia, entendida ainda como (n. 1960), Paulo Parra (n. 1961), Marco de
parte integrante da moda e suas colec- Sousa Santos (n. 1962) e Raul Cunca (n.
ções anuais — e a estas autoras se deve- 1963) — autores de singulares obras de
ram ainda, já nos anos 90, os contributos design biomórfico (Serviço de chá Nave,
mais interessantes na renovação da ouri- 1991, edição Secretaria de Estado da Cul-
vesaria. tura) ou de acento vincadamente tecnológi-
Na arquitectura, o novo design reflectiu- co (Telefone Nó, 1990, Sony Design Vision
-se no trabalho de Miguel Arruda (loja Va- 90) —, Diseño Português (Madrid, 1992), El
lentim de Carvalho, 1990) e, sobretudo, no Diseño Portugues en Movimiento (Barcelo-
trabalho dos arquitectos Manuel Graça na, 1995) e Design aus Portugal (Frankfurt,
Dias (n. 1953) — que, logo em 1984, apre- 1997). Entre a multiplicidade de propostas
sentou com José Caldeira a exposição Mó- e discursos que caracterizaram o design
veis & Móveis na Galeria Cómicos — e em Portugal nos anos 90, e na esteira das
Egas José Vieira (n. 1962), autores de ce- sugestões internacionais da alternativa de
nográficas obras (Pavilhão de Portugal na um design mais pragmático e responsável,
Expo de Sevilha, 1992) e também de equi- assumiram particular importância as preo-
pamentos de notória eficácia comunicacio- cupações de índole ecológica através do
nal, cujos interiores, por vezes integralmen- reaproveitamento criativo de objectos. Sig-
te desenhados, assumem pontualmente a nificativa deste facto foi a inauguração,
dimensão de um work in progress em logo em 1994, na Loja da Atalaia, da expo-
constante transformação (restaurante Ca- sição Qualquer Semelhança É Inevitável
sanostra, 1985, ampliado em 1993-1994; (comissário: Filipe Alarcão): 40 personali-
loja Ana Salazar, desde 1988). dades vindas do design, da arquitectura,
Candeeiro Cartucho, de Filipe Alarcão.
Do ateliê Protodesign
ao século XXI
Factores positivos foram ainda a afirmação
do Centro Português de Design (1990), na
ligação e estímulo, sempre insuficientes,
entre o design e a indústria portuguesa,
bem como a divulgação regular do design
português em exposições internacionais
promovidas pelo ICEP/Investimentos, Co-
mércio e Turismo de Portugal.
Do lado das exposições, se a exposi-
ção Design Lisboa 94 se assemelhou a
uma mostra comercial na sua procura exa-
cerbada de estabelecimento dos necessá-
rios vínculos com a indústria e pugnou pela
ausência de espírito crítico e de reflexão
teórica, devem assinalar-se as exposições
internacionais Manufacturas-Criação Portu-

329
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

da escultura, da pintura, da joalharia e da visibilidade inéditas, reflectindo-se na pos-


moda apresentaram uma produção onde o terior renovação do vidro, da cristalaria e
ready-made, a arte povera, o conceptualis- da cerâmica em Portugal.
mo, a instalação, o artesanato, a pintura, a Marco Sousa Santos (n. 1962), profes-
escultura, o design, a decoração, a joalha- sor na Fbaul, Ecal de Lausanne e Esads de
ria e a moda proporcionaram uma constru- Estrasburgo, desenvolve no seu trabalho
ção e desconstrução do próprio design — (equipamento, exposições, mobiliário, ilu-
e como objectos icónicos, editados pela minação, cerâmica, vidro e cristal) um con-
Loja da Atalaia, podemos eleger os can- ceito de criatividade sistemática, com
deeiros Peúgo de Pedro Silva Dias e Cartu- grande apuro e racionalidade de formas
cho de Filipe Alarcão. Entretanto, Marco numa vertente minimal (Mesa Metamax,
Sousa Santos fundou o ateliê Protodesign edição Protodesign, 1999), características
(1992-2002), onde trabalhou como desig- que se apuraram na icónica Cadeira Alma
ner, coordenador de projectos especiais e (edição Alma Home, 2003), conceptual-
director. A Protodesign desenvolveu impor- mente inovadora — sem esquecer uma di-
tantes projectos internacionais multi-autor, mensão experimental e de sofisticação de
de aspiração democrática e difusão além- formas (candelabro Incomplete, edição Sá-
-fronteiras, como o Ultra-Luz (1996), pro- tira, 2005). José Viana (n. 1960), designer
grama coordenado por M. Sousa Santos, de singular rigor e experimentalismo, foi
juntamente com José Viana, que se desti- autor da humanizante Cadeira Complanar
nou à criação de candeeiros inovadores Facie (Protodesign, 1991), redutível a uma
em polipropileno (design de M. Sousa San- simples folha de matéria-prima em econo-
tos, J. Viana, Raul Cunca, Miguel Vieira mia de matéria-prima e redução volumétri-
Baptista, P. Silva Dias, F. Alarcão, Ricardo ca, obedecendo ao critério de sustentabili-
Custódio e Alexandre Cardoso); o progra- dade e ao conceito de complanaridade
ma Terra (1997), conjunto de candeeiros (accionamento por uma só mão) que têm
de cerâmica entregues a 12 designers dife- orientado o seu trabalho — sem excluir
rentes (P. Silva Dias, F. Alarcão, José Via- pontual vertente irónica, visível no seu Can-
na, M. Vieira Baptista, Raul Cunca, Uwe deeiro de Mesa (edição Protodesign,
Fischer, Konstantin Grcic, Mats Theselius, 1999).
Fernando Brízio, Sebastian Bergne, Arik Paulo Parra (n. 1961), com trabalho de-
Levy e o próprio M. Sousa Santos); ou, ain- senvolvido nas áreas de iluminação, mobi-
da, o programa Sweet Revolution (1999), liário, produto e sistemas de comunicação,
de objectos em tradicional vidro soprado assume uma atitude especulativa com cor-
mas de forma revolucionária (com autorias respondência formal na redução expressi-
de Elder Monteiro, F. Brízio, F. Alarcão, va e na preferência por materiais simples,
Paulo Parra, Raul Cunca, João Felix, Eliane aliados a uma atitude ecológica. Tais ca-
Marques, Luís Pessanha, M. Vieira Baptis- racterísticas são evidentes nas cadeiras
ta, Francisco Providência, Rita Filipe, J. Via- Perfil (1991) e Mínima (1996), ambas de
na e novamente M. Sousa Santos). Uma edição do autor, num minimalismo formal
qualidade formal revolucionária, concep- revisto na icónica Cadeira Água (edição In-
tualmente rica e de apuro minimal, caracte- fusão, 1998), em chapa de vidro termomol-
rizou esta produção do ateliê Protodesign, dada, segundo uma sofisticação formal e
com colaboração de alguns dos mais des- produtiva que resulta de um programa con-
tacados designers da actualidade, cujo su- ceptual onde são renovadas e estreitadas
cesso em exposições e feiras internacio- as relações entre o homem e os objectos,
nais proporcionou uma rede de contactos e sendo o corpo entendido como prolonga-

330
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

mento daqueles (Programa O Homem Sim- objectos do quotidiano (Copo Duplo, protó-
biótico, desde 2002) — tendo o designer tipo, 1999; Bloco de Notas Furo, edição
reunido uma rara colecção de design técni- ModaLisboa Design, 2001).
co de nível internacional que, exposta em Francisco Providência (n. 1961) é autor
2003 na Casa da Cerca, aguarda a mereci- de projectos de design de comunicação,
da musealização. muitos deles dotados de fina ironia e senti-
Miguel Vieira Baptista (n. 1968) integrou do de humor (Cartaz Cigadania, proposta
a equipa do ateliê Protodesign e desenvol- recusada pelo Governo Civil de Braga) ou
veu trabalho de comissariado (com Ma- de grande eficácia comunicacional (Ima-
tthias Dietz e Mats Theselius, Low Budget gem Corporativa da Câmara Municipal de
— Objectos do Quotidiano, 1997; a icónica Guimarães, 1999; Tapumes Porto 2001) —,
Dieter Rams Haus, 2001, ambas no Centro bem como de equipamento para insti-
Cultural de Belém; Montra, Helsínquia, tuições, empresas comerciais e industriais.
2003), desenho de exposições (Project 01, Entre este, avultam as cadeiras Delicates-
para a Atlantis; exposição/instalação Voya- sen (edição Julcar/Sátira, 1997) e Natura
ger, para ExperimentaDesign 2001) e pro- (edição In-Úteis, 1998), a mesa Natura
jectos de interiores e ambientes (18.a edi- (edição Julcar, 1998) e o mobiliário infantil
ção e seguintes da ModaLisboa, 2002- para biblioteca Liber (edição Julcar, 2001),
-2004). A contenção expressiva, a par de cuja simplicidade formal ilustra uma poéti-
uma inequívoca sofisticação formal (Tapete ca minimalista na medida em que a forma
Handle-It, edição Asplund, 2001), caracte- se reduz à sua menor expressão, de acor-
riza a sua produção, geralmente numa ver- do com um programa pessoal de «eco-de-
tente de eficácia minimal (Tabuleiro Pile, sign» que evidencia uma aproximação à
edição Authentics, 2001) que, por vezes, economia da natureza.
assume um pontual acento irónico mas fun- No domínio do design gráfico, a 2.a ge-
cional na reutilização e reinterpretação de ração é marcada pela figura tutelar de

Cadeira Alma, de Marco Sousa Santos (2003).

331
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

Henrique Cayatte (n. 1953), que, vindo da te (sistema tipográfico Projecto Morgan,
ilustração, desenvolve igualmente projec- 2001). Ricardo Mealha (n. 1968) criou com
tos de comissariado e desenho de exposi- Ana Cunha (n. 1971) a empresa RMAC,
ções, bem como de sinalética (co-autor tendo desenvolvido projectos de design
com Pierluigi Cerri da sinalética da Expo gráfico, industrial e de interiores, e tendo
98), sendo o actual presidente do Centro como trabalho referencial o grafismo e ima-
Português de Design. Autor do icónico gra- gem da Discoteca Lux (desde 1998).
fismo do jornal Público (1989), conheceu O crescente interesse pelo design cul-
desde aí uma carreira ascendente da qual minou na abertura (1999) do Museu do
se destacam o design da revista Ler (até Design no Centro Cultural de Belém (mu-
2001), dos catálogos publicados por oca- seologia de Rui Afonso Santos; museogra-
sião da Lisboa, Capital Europeia da Cultura fia arq. Paul van Derbotemet), que, reunin-
(1994) ou, mais recentemente, do grafismo do a colecção de Francisco Capelo, permi-
sofisticado da revista Egoísta (2000). tiu a apresentação pública de um acervo
Destacado cineasta, João Botelho de design internacional de grande relevân-
(n. 1949) concebeu o marcante design da cia, «de 1937 até hoje» — e nele, a par dos
revista K (1989), bem como a imagem grá- objectos icónicos universalmente reco-
fica dos romances da editorial Cotovia nhecidos dos maiores designers mundiais,
(desde 1992). Jorge Silva (n. 1958), direc- entre mobiliário, equipamento, vidros, ce-
tor artístico de publicações como os jornais râmicas e metais, contaram-se algumas
O Independente e Público (suplementos qualificadas marcações portuguesas. Até
Mil Folhas e Y e revista Pública), criou em ao seu encerramento (2006) o museu foi
2001 o ateliê Silva!designers, responsável importante sucesso junto do público (mé-
por publicações periódicas como Ler, Jor- dia de 200 visitantes por dia), embora a
nal Arquitectos, Serralves, Agenda Lx, re- ausência de direcção e programação es-
cebendo numerosos prémios. Luís Miguel pecíficas cerceassem a sua vocação mu-
Castro (n. 1956) destacou-se, desde 1983, seológica.
como designer de numerosos catálogos Igualmente a nível institucional, e no se-
referenciais editados pela Cinemateca Por- guimento das acções da Protodesign, ex-
tuguesa, tendo sido igualmente director tremamente importante foi a realização, em
gráfico e artístico da revista K (1989) e de- Setembro de 1999, da primeira edição da
signer, entre outros, do livro Fotobiografia bienal sobre cultura material, de âmbito in-
(2005) de Agustina Bessa Luís. Manuel Ro- ternacional, ExperimentaDesign 99, dirigi-
sa (n. 1953), escultor de formação, produ- da pelos designers Marco Sousa Santos e
tor editorial da Assírio & Alvim desde 1975, Guta Moura Guedes, sob o tema genérico
concebeu, nomeadamente, o grafismo do Intersecções do Design, num entendimento
livro Alguns Motetos (1999) de José Bento alargado do processo. A aposta expositiva
ou o álbum de fotografias de Jorge Molder no design feito em Portugal foi aí largamen-
Luxury Bound . Luís Moreira (n. 1965), te celebrada, em exposições de design in-
director criativo da TVM Designers, des- dustrial e de produto, demonstrando-se
tacou-se como autor do grafismo das re- igualmente a interpenetração entre os uni-
vistas Oceanos e Camões (1998). Mário versos do design, da arquitectura e das ar-
Feliciano (n. 1969) iniciou o seu trabalho na tes visuais, enquanto numerosos eventos
revista Surf Portugal (1993), fundou (1994) especiais e paralelos, entre exposições,
o estúdio gráfico Secretonix para depois instalações, workshops, ciclos de cinema,
criar (2002) a sua editora de tipos, a Feli- conferências e debates, sedimentaram Lis-
ciano Type Foundry, com trabalho marcan- boa como um lugar privilegiado de experi-

332
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

mentação, reflexão e divulgação sobre o por Marco Sousa Santos, que, ao longo de
design. duas edições (2003-2004), apresentou o
A segunda edição da bienal (2001), melhor do design português nos produtos
concebida por Guta Moura Guedes, pelo da fileira casa, através da colaboração ac-
artista visual João Paulo Feliciano e pelo ar- tiva entre empresas e designers. A In’Nova
quitecto Pedro Gadanho, alargou ainda promoveu o desenvolvimento de 150 novos
mais as áreas disciplinares envolvidas e re- produtos, apresentou protótipos de jovens
flectiu sobre o tema Modus Operandi. designers portugueses passíveis de produ-
O projecto foi coroado de sucesso, pela ção imediata, promoveu consultadoria de
qualidade dos eventos, e apresentou a icó- imagem corporativa junto de empresas,
nica embaixada cultural autotransportável projectos experimentais com ateliês inter-
Voyager, veículo desenhado por Miguel nacionais (Vogt & Weizenegger, Radi De-
Vieira Baptista. signers, Atelier Dallas, etc.) e exposições
Ressurgida em 2003 como Bienal de icónicas (exposição-instalação de Fernan-
Lisboa, e desde então dirigida por Guta do Brízio), entre outras actividades, num
Moura Guedes e J. Paulo Feliciano, a Expe- estreitamento efectivo dos laços entre pro-
rimentaDesign obliterou contudo a sua vo- dutores, industriais, designers e consumido-
cação pública de promoção e internacio- res. Apesar destes indispensáveis esforços,
nalização de uma cultura do design num e da reconhecida qualidade dos designers
meio proverbialmente adverso, através do portugueses, persistem em Portugal as roti-
envolvimento activo das escolas, das em- nas industriais e continua a não existir uma
presas e das instituições culturais, a favor política empresarial consciente do valor do
da vertente didáctica desenvolvida em design e do marketing como instrumentos
conferências e workshops e da promoção fundamentais de desenvolvimento, consti-
internacional — mas em 2003 a Experimen- tuindo excepções as empresas Cutipol
ta apresentou, no Hangar K7 da Fundição (com design de José Joaquim Ribeiro),
de Oeiras, a excelente exposição Linha de Vista Alegre/Atlantis, Molde Cerâmicas,
Água — Perspectivas sobre a Requalifica- Cerâmicas São Bernardo, Designwise
ção da Orla Costeira de Oeiras, comissa- (marca da Experimenta), Pal (design de
riada por Henrique Ralheta e José Viana, Paulo Vale), Silampos, Sátira (criada pelo
reunindo as propostas de destacados de- designer Pedro Sottomayor, n. 1973) e Sa-
signers de produto, gráfico, arquitectos, ar- nindusa.
tistas visuais, fotógrafos e cenógrafos Entretanto, surgiram igualmente desig-
(P. Silva Dias, Fernando Brízio/ateliê NPK; ners que, pela sua idade e qualidade de
Elder Monteiro/João Pedro Vale; Luís Pes- trabalho desenvolvido, serão já inseríveis
sanha/Flúor; Sara Nobre/Carlos Guerreiro; numa 3.a geração de designers portugue-
Alexandra Cruz/Victor Diniz; Cristóvão Pe- ses. O mais paradigmático destes será Fer-
reira/Sérgio Vicente; ateliê BRDG/Sílvia nando Brízio (n. 1968), que, desde 1997,
Barradas; Ateliersdesantacatarina/Nuno desenvolve actividade marcante na área
Horta Santos/ateliê LSD), tal como depois o de design de produto, mobiliário e desenho
voltaria a fazer, de parceria com o Centro de espaços para exposição. O seu traba-
Português de Design, na exposição Transit lho é profundamente original e comunicati-
— Contributos para Um Universo TAP, vo, recorrendo a processos vindos do uni-
apresentada (2005) por ocasião da exposi- verso das artes visuais e a estratégias
ção Voa Portugal no Museu da Cidade. singulares como a fusão ou incorporação
Diversa foi a feira de âmbito internacio- de partes de um objecto noutro que lhe é
nal IN’Nova, ocorrida na FIL, programada estranho (Prateleira com Nível, Designwise,

333
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Retrato de Portugal

1999; Garrafa com Copo, Protodesign, vas utilizações (Estante de Livros, protóti-
1999), inversões de género de finíssima iro- po, 2001), enquanto Henrique Ralheta
nia (Bancos com Dedeira Masculino e Fe- (n. 1975) alia a vertente sociológica e dis-
minino, 1999; Toalha de mesa Tableshirt, cursiva do design a real sofisticação de for-
edição Details, 2000), princípios de física mas (Mesas Oreo, protótipo, 2001), desen-
como equilíbrio e desequilíbrio (Bowl with volvendo igualmente projectos de espaços
Pin, protótipo, 2000) ou impressão de ac- para exposição.
ções directamente no objecto (Quadro Hi- Fundada em 2001, a empresa CalDe-
drossensível Paisagem Invisível, Designwi- sign é constituída por Sérgio Gonçalves
se, 2000), características prosseguidas (n. 1975), Eduardo Sousa (n. 1973), Raquel
com uma funcionalidade notória que torna Abreu (n. 1975) e Nuno Fernandes (n. 1976).
estas criações perfeitamente industrializá- O seu trabalho desenvolve-se em duas ver-
veis e nos antípodas do formalismo, segun- tentes: o desenvolvimento e edição de pro-
do um método de trabalho que procura es- jectos próprios (o que permite um trabalho
tabelecer uma estratégia de produção de especulativo, de investigação de conceitos,
meios — e icónica foi a exposição-instala- materiais e técnicas) e a colaboração com
ção Sound System (2003), tradução tridi- as empresas (com abertura ao reencontro
mensional das ondas sonoras envolvidas com a indústria, assimilando linguagens e
na nomeação de objectos. processos industriais) — materializando-se
Elder Monteiro (n. 1973) desenvolve um nos domínios da cerâmica, alumínio, vidro,
trabalho revolucionário na forma e nos con- plástico e mobiliário. Um lado de alegoria,
teúdos, sendo também capaz de gerar no- humor e de insólito caracteriza certos ob-
vos programas (Limpo, DieImaginäreManu- jectos (Copos, Marinha Grande MGlass,
faktur, 2000) e hábitos de sociabilidade e 2004), alguns de uma sofisticada funciona-
consumo (Cesto de pão, WickerGames, lidade, atenta à cultura urbana contempo-
2002). Internacionalmente confirmado por rânea (Mobiliário de casa-escritório Mobil-
ocasião da ExperimentaDesign 2003 (Stand system, edição Hydro Alumínios Portalex,
Renault) e pela feira In’Nova (2003-2004), 2004), ou de hiperversatilidade (Mobiliário
Elder Monteiro apresentou neste último cer- para quartos de crianças 4 Ever, Exagô,
tame um projecto experimental de vidro, de 2005).
técnicas de fusing (Guelas, Sopro, 2004). No domínio do design gráfico e de co-
Recentemente, associou-se ao designer municação destacam-se na 3.a geração,
Toni Grilo (n. 1979), formando o projecto entre outros, os ateliês Barbara Says (Antó-
Objection, propondo o desenho de objec- nio Silveira Gomes, Mafalda Anjos, Francis-
tos, interiores e espaços efémeros para ca Mendonça), Flúor Design (Pedro San-
empresas nacionais e internacionais, sob tos, Filipe Lizardo e outros) e R Dois Design
critérios de grande qualidade. A prepara- (Artur Rebelo e Lizá Ramalho).
ção do lançamento de duas marcas de mo- Quanto à moda, os anos 90 sedimenta-
biliário urbano nacionais, ou a prototipagem ram um evento regular como a ModaLis-
do primeiro computador desenhado em boa, dirigido pela dupla Abbondanza/Ma-
Portugal, são actividades actuais desta par- tos Ribeiro, como o palco privilegiado de
ceria. consagração e revelação de novos talentos
Luís Pessanha (n. 1974) prossegue a (enquanto um certame como o Portugal-
simplicidade processual em objectos ino- Fashion procurou o estreitamento de laços
vadores (Banco, protótipo, 1999) que po- com a indústria numa perspectiva mais co-
dem, igualmente, assumir uma vertente mercial), e assinalaram a eclosão de uma
conceptual e crítica materializada em no- 2.a geração de designers , como Maria

334
Cultura
% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %
Design e moda

Gambina (n. 1968), Miguel Flor (n. 1972),


Dino Alves (n. 1967) ou Luís Buchinho
(n. 1968), cujo trabalho se caracteriza, res-
pectivamente, pelo eclectismo da subver-
são entre a haute couture e o sporstswear,
ou da estrutura do clássico masculino, pelo
cruzamento entre a roupa, o styling e a ati-
tude à luz de uma tónica performativa ou,
ainda, pela aliança entre o rigor, o desenho
e a feminilidade.
Posteriormente, do fim de século aos
anos 2000, notabilizaram-se Lidija Kolovrat
(n. 1962), que aliou o design de moda ao
universo das artes visuais contemporâneas,
com predomínio da instalação conceptual-
mente rica; Osvaldo Martins (n. 1972), com
comentários críticos à realidade da globali-
zação contemporânea e conceptualização
de modas e costumes urbanos, trazendo ri-
tualmente o privado para a esfera do domí-
nio público; Alexandra Moura (n. 1973), au-
tora de um mix formal e conceptual das
diferentes culturas, com grande sofistica-
ção, qualidade de detalhe e recorte profun- Peça da autoria de Dino Alves
(ModaLisboa 2004).
damente urbano e, mais recentemente, o jo-
vem Ricardo Dourado. quintado Restaurante Bica do Sapato
Manuel Reis, por seu turno, concebeu (1999, ambos com risco de F. Sanchez
e impulsionou uma série de espaços de Salvador/M. Grácio Nunes) —, e disponí-
grande qualidade e de cariz cosmopolita, veis, juntamente com ícones do design in-
de sabor nova-iorquino, revitalizando a zo- ternacional, na nova e depurada Loja da
na do Cais da Pedra, a Santa Apolónia: a Atalaia (arq. Alberto Caetano, 2000-2001).
excelente megadiscoteca Lux (1998), com Em 2004, Manuel Reis regressou à edição
cuidada programação musical, de even- com o lançamento da colecção Absolux,
tos e espectáculos, onde o reforço do au- linha de mobiliário e objectos de diversas
diovisual e a renovação regular dos espa- tipologias, como mesas e cadeiras de sala,
ços-ambientes por artistas visuais (Joana café e reuniões, bandejas e cinzeiros com
Vasconcelos, João Pedro Vale, Paulo Sea- autorias de P. Silva Dias, Filipe Alarcão,
bra) se aliou a criteriosa selecção de Fernando Brízio, Miguel Vieira Baptista e
peças vintage — também presentes no re- Henrique Ralheta.

335
Cultura
Bibliografias

O Estado
CARRILHO, Maria (1994) — As Forças Armadas, in Portugal 20 Anos de Democracia,
coordenação de António Reis, Lisboa, Círculo de Leitores.
Colóquio «A Justiça em Portugal» (1999), Lisboa, Conselho Económico e Social.
CRUZ, Manuel Braga da (1994) — A Participação Social e Política, in Portugal Hoje,
Instituto Nacional de Administração.
FREIRE, André (2001) — Mudança Eleitoral em Portugal: Clivagens, Economia e Voto
em Eleições Legislativas, 1983-1999, Oeiras, Celta.
LOPES, Fernando F.; FREIRE, André (2002) — Partidos Políticos e Sistemas Eleitorais.
Uma Introdução, Oeiras, Celta.
MAGALHÃES, José — A Constituição e as Suas Revisões, a Lei e a Justiça, in Portugal
20 Anos de Democracia, ed. cit.
MARTINS, Guilherme de Oliveira — Os Partidos Políticos, in Portugal 20 Anos de Demo-
cracia, ed. cit.
Nato’s Sixteen Nations and Partners for Peace (1998) — Defence and Economics in
Portugal, Special Issue.
REIS, António — O Poder Central, in Portugal 20 Anos de Democracia, ed. cit.
VITORINO, António — A Democracia Representativa, in Portugal Hoje, ed. cit.
VITORINO, António (1998) — O Estatuto Constitucional das Forças Armadas, in Janus
98 — As Forças Armadas Portuguesas no novo contexto internacional, Público-UAL.

A sociedade
AAVV (1999) — Traços e Riscos de Vida, coord. José Machado Pais, Porto, Ambar.
ABOIM, S. (2003) — «Evolução das Estruturas Domésticas», K. Wall (org.) Dossiê Fa-
mília in Sociologia Problemas e Práticas, n.o 43, pp. 13-30.
ALMEIDA, Ana Nunes e GUERREIRO, M.a das Dores (1993) — «A Família», in Luís de
França (coord.) — Portugal, Valores Europeus Identidade Cultural, Lisboa, IED.
ALMEIDA, Ana Nunes; GUERREIRO, M.a das Dores; LOBO, Cristina; TORRES, Anália e WALL,
Karin (1998) — «Relações Familiares: Mudança e Modernidade», in José M. L. Viegas e
António Firmino da Costa — Portugal, Que Modernidade?, Oeiras, Celta Editora.
ALMEIDA, João Ferreira de (1990) — Valores e Representações Sociais, Lisboa, Fun-
dação Calouste Gulbenkian.
ALMEIDA, João Ferreira de; COSTA, António Firmino da e MACHADO, Fernando Luís (1988)
— «Famílias, Estudantes e Universidade. Painéis de Observação Sociográfica», Sociolo-
gia, Problemas e Práticas, n.o 4.
ALMEIDA, João Ferreira de; COSTA, António Firmino da e MACHADO, Fernando Luís (1994)
— «Recomposição socioprofissional e novos protagonismos», in António Reis (coord.)
— Portugal, 20 Anos de Democracia, Lisboa, Círculo de Leitores.
AMÂNCIO, L. (2003) — «Gender and Science in Portugal», in Portuguese Journal of So-
cial Science, Volume 1, (3) pp. 185-189.
AMARO, Rogério Roque (1985) — «Reestruturações demográficas, económicas e so-
cioculturais em curso na sociedade portuguesa: o caso dos emigrantes regressados»,
Análise Social, n.o 87-88-89, pp. 605-677.
BAGANHA, Maria Ioannis e PEIXOTO, João (1996) — «O estudo das migrações nacio-
nais», in J. M. Carvalho Ferreira, Rafael Marques, João Peixoto e Rita Raposo (org.) —
Entre a Economia e a Sociologia, Oeiras, Celta Editora, pp. 233-239.
BAGANHA, Maria Ioannis; GÓIS, Pedro; MARQUES, José Carlos (2004) — «Novas migra-
ções, novos desafios: a imigração do Leste europeu», Revista Crítica de Ciências So-
ciais, 69, pp. 95-115.
CAPUCHA, Luís (1998) — «Pobreza, exclusão social e marginalidades», in José Ma-
nuel Leite Viegas e António Firmino da Costa (org.) — Portugal, Que Modernidade?, Oei-
ras, Celta Editora.
CARREIRA, Henrique Medina (1996) — As Políticas Sociais em Portugal, Lisboa, Gra-
diva.
CARRILHO, M. J. (2004) — Situação demográfica, www.ine.pt

337
Bibliografias
Communautés Européennes (1999) — Statistiques démographiques — donnés
1995-1998, Eurostat, Thème 3
COSTA, António Firmino da; ALMEIDA, João Ferreira de; MACHADO, Fernando Luís; MAR-
TINS, Susana da Cruz; MAURITTI, Rosário (2002) — «Social Classes in Europe», Portuguese
Journal of Social Science, 1 (1).
European Comission, Directorate-Generale for Research, She Figures 2003 ,
www.oces.mctes.pt
ESTER, P.; HALMAN, L. e DE MOOR, R. (1994) – The Individualising Society, Value Change
in Europe and North America, Tilburg, Tilburg University Press.
ESTEVES, Maria do Céu (org.) (1991) – Portugal, País de Imigração, Lisboa, Instituto de
Estudos para o Desenvolvimento.
FIGUEIREDO, Alexandra Lemos; FERREIRA, Vítor Sérgio e SILVA, Catarina Lorga da (1999) –
Jovens em Portugal, Análise Longitudinal de Fontes Estatísticas 1960-1997, Oeiras, Celta.
LOURENÇO, Nelson; LISBOA, Manuel e PAIS, Elza (1997) – Violência contra as Mulheres,
Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, Cadernos Condição Femi-
nina n.o 48.
MACHADO, Fernando Luís (1992) – «Etnicidade em Portugal: contrastes e politização»,
Sociologia problemas e práticas, n.o 12, pp. 123-136.
MACHADO, Fernando Luís (1997) – «Contornos e especificidades da imigração em
Portugal», Sociologia – problemas e práticas, n.o 24, pp. 9-44.
MACHADO, Fernando Luís e COSTA, António Firmino da (1998) – «Processos de uma
modernidade inacabada: mudanças estruturais e mobilidade social», in José Manuel
Leite Viegas e António Firmino da Costa (org.) – Portugal, Que Modernidade?, Oeiras,
Celta Editora.
MACHADO, Fernando Luís (2002) — Contrastes e Continuidades. Migração, Etnicidade
e Integração dos Guineenses em Portugal, Oeiras, Celta.
MACHADO, Fernando Luís — «Processos de integração social e simbólica dos filhos de
imigrantes africanos em Portugal», no prelo.
MACHADO, Fernando Luís; LEAL, Sofia; MATIAS, Ana Raquel (2005) — «Desigualdades
sociais e diferenças culturais: os resultados escolares dos filhos de imigrantes africa-
nos», Análise Social, 176, pp. 695-714.
MALHEIROS, Jorge Macaísta (1996) – Imigrantes na Região de Lisboa. Os Anos da Mu-
dança, Lisboa, Edições Colibri.
PAIS, José Machado (1998a) – «Transitions to Adult Life: The Games and the Thrills»,
Leisure Studies, vol. 1, n.o 1.
PAIS, José Machado (coord.) (1998b) – Gerações e Valores na Sociedade Portuguesa
Contemporânea, Lisboa, ICS-UL.
PAIS, José Machado (1999) – Consciência Histórica e Identidade, Oeiras, Celta.
PEIXOTO, João (1999) – «A Emigração», in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri
(dir.) – História da Expansão Portuguesa, vol. V, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 152-
-181.
PIRES, Rui Pena; MARANHÃO, Maria José; MONIZ, Fernando; PISCO, Manuel e QUINTELA,
João P. (1984) – Os Retornados. Um Estudo Sociográfico, Lisboa, Instituto de Estudos
para o Desenvolvimento.
PIRES, Rui Pena (1999) – «Imigração», in Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri (dir.)
– História da Expansão Portuguesa, vol. V, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 197-211.
PIRES, Rui Pena (2002) — «Mudanças na imigração: uma análise das estatísticas so-
bre a população estrangeira em Portugal, 1998-2001», Sociologia, Problemas e Práti-
cas, 39, pp. 151-166.
PIRES, Rui Pena (2003) — Migrações e Integração. Teoria e Aplicações à Sociedade
Portuguesa, Oeiras, Celta.
SAINT-MAURICE, Ana de (1997) – Identidades Reconstruídas. Cabo-verdianos em Por-
tugal, Oeiras, Celta.
TORRES, Anália (1996) – Divórcio em Portugal Ditos e Interditos, Oeiras, Celta Editora.
TORRES, Anália e SILVA, Francisco V. (1998) – «Guarda das Crianças e Divisão do Tra-
balho entre Homens e Mulheres», in Sociologia, Problemas e Práticas, n.o 28.
TORRES, A. (2002) — Casamento em Portugal. Uma Análise Sociológica, Oeiras, Celta
Editora.
TORRES, A. (2004) — Vida Conjugal e Trabalho. Uma perspectiva sociológica, Oeiras,
Celta Editora.
TORRES, A.; CABRITA, M.; MONTEIRO, T. Líbano; SILVA, F. Vieira da (2004) — Homens e
Mulheres entre Família e Trabalho, Lisboa, Comissão para Igualdade no Trabalho e no
Emprego (CITE).
TORRES, Mendes e Lapa (2006) — in J. Vala e A. Torres (org.) Contextos e Atitudes So-
ciais na Europa, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, Instituto de Ciências Sociais (no
prelo).
VIEGAS, J. Manuel e FARIA, Sérgio (1999) – «Participação política feminina: percursos,
constrangimentos e incentivos», in Sociologia, Problemas e Práticas, n.o 30.

338
Bibliografias
O território
ALMEIDA, J. Ferreira; COSTA, A. Firmino da; MACHADO F. Luís (1994) — «Recomposição
sócio-profissional e novos protagonismos» in António Reis (Coord.), Portugal — 20 anos
de Democracia, Lisboa, Circulo de Leitores.
BAPTISTA, A. Mendes (1995) — «Rede urbana nacional: problemas, dinâmicas, pers-
pectivas» in MPAT, Ciclo de Colóquios: A Política Urbana e o Ordenamento do Território,
Lisboa, MPAT-SEALOT.
DGOTDU (1997) — Sistema Urbano Nacional. Cidades Médias e Dinâmicas Territo-
riais, Lisboa, Direcção Geral do Ordenamento Territorial e Desenvolvimento Urbano.
FERRÃO, João (1997) — «Rede urbana, instrumento de equidade, coesão e desenvol-
vimento?» in Conselho Económico e Social, A Política das Cidades, Lisboa.
FERRÃO, João (Coord) (2002) — As Regiões Metropolitanas Portuguesas no Contexto
Ibérico, Lisboa, Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano.
FERRÃO, João; MARQUES, T. Sá (2002) — Sistema Urbano Nacional — Síntese, Lisboa,
Direcção Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano.
FERRÃO, João (Coord) (2004) — Municípios, Sustentabilidade e Qualidade de Vida,
ICS, Instituto do Ambiente (Documento obtido através da Internet).
FERRÃO, João (s/d) — Dinâmicas Territoriais e Trajectórias de Desenvolvimento: Portu-
gal, 1991-2001, ICS (Documento obtido através da Internet)
FERREIRA, V. Matias (1998) — «Portugal XXI — da Urbanização ao Reencontro da Ur-
banidade?» in Rosas, Fernando (Coord), Portugal na Transição do Milénio, Lisboa, Fim
de Século Edições.
FERREIRA, V. Matias (2000) — «Cidade e Democracia. Ambiente, Património e Espaço
Público», Cidades. Comunidades e Territórios, 1, Lisboa, Centro de Estudos Territoriais,
pp. 9-35.
FERREIRA, V. Matias (2004) — Fascínio da Cidade. Memória e Projecto da Urbanidade,
Lisboa, Ler Devagar.
I.N.E. (2004) — Sistema Urbano: Áreas de Influência e Marginalidade Funcional, Ins-
tituto Nacional de Estatística (Documento obtido através da Internet).
MACHADO, F. Luís; COSTA, A. Firmino da (1998) — «Processos de uma modernidade
inacabada» in Portugal. Que Modernidade?, Oeiras, Celta Editora.
M.E.P.A.T. (1998) — O Território para o Século XXI, Seminário Internacional, Lisboa,
Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
M.E.P.A.T. (1999) — Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social, 2000-
-2006, Lisboa, Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território.
M.P.A.T. (1993) — Preparar Portugal para o século XXI, Lisboa, Ministério do Planea-
mento e da Administração do Território.
PORTAS, Nuno et al (2002) — Políticas Urbanas. «Documento de Apoio ao Colóquio
sobre Políticas Urbanas», Lisboa, Junho, Centro de Estudos da Faculdade de Arquitec-
tura da Universidade do Porto, Fundação Calouste Gulbenkian. Uma versão mais de-
senvolvida foi posteriormente (2003) editada, com o mesmo título.
RIBEIRO, J. Félix (1998) — «O Plano Nacional de Desenvolvimento Económico e Social
(PNDES). Implicações para o Ordenamento do Território — uma Leitura» in MEPAT,
O Território para o Século XXI. Seminário Internacional, Lisboa.

A língua portuguesa
CASTRO, Ivo (2006) — Introdução à História do Português, Lisboa, Colibri.
CINTRA, L. F. Lindley (1971) — «Nova proposta de classificação dos dialectos galego-
-portugueses». Estudos de Dialectologia Portuguesa. Lisboa, Sá da Costa (1983, ed. ori-
ginal 1971).
CINTRA, L. F. Lindley (1983) — Estudos de Dialectologia Portuguesa, Lisboa, Sá da Costa.
LOURENÇO, Eduardo (1999) — A Nau de Ícaro, Lisboa, Gradiva.
RIBEIRO, Orlando (1955) — Portugal, vol. V de Geografia de España y Portugal, Barce-
lona.
RIBEIRO, Orlando (1974) — Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico. Lisboa, Sá da Costa
(1986, 4.a ed.).
SEGURA, Luísa e SARAMAGO, João (2001) — «Variedades dialectais portuguesas». Ca-
minhos do Português: Exposição Comemorativa do Ano Europeu das Línguas. (Maria
Helena Mira Mateus, org.) Catálogo. Lisboa, Biblioteca Nacional, pp. 219-237.
TEYSSIER, Paul (1982) — História da Língua Portuguesa, Lisboa, Sá da Costa.
TEYSSIER, Paul (1989) — Manual de Língua Portuguesa (Portugal-Brasil), Coimbra,
Coimbra Ed.

A sociedade do conhecimento
AGUDO, Fernando Dias (1998) — Portugal 45-95 nas Artes e nas Letras e nas Ideias,
Centro Nacional de Cultura, 1998.

339
Bibliografias
FERNANDES, Lino (1998) — Política de Inovação Tecnológica, Agência de Inovação, 1998.
GAGO, José Mariano (1990) — Manifesto para a Ciência em Portugal, Gradiva, Outu-
bro 1990.
GAGO, José Mariano (coord.) (1991) — Ciência em Portugal. Sínteses da cultura por-
tuguesa, Comissariado para a Europália, 1991.
OCDE (1999) — OCDE Science, Technology and Industry Scoreboard 1999: Ben-
chmarking Knowledge-based Economies, OCDE, 1999.
RUIVO, Beatriz (1998) — As Políticas de Ciência e Tecnologia e o Sistema de Investi-
gação, Imprensa Nacional, Março de 1998.
UMIC (2006) — Mobilizar a Sociedade da Informação e do Conhecimento, UMIC —
Agência para a Sociedade do Conhecimento, 2006.

Publicações da União Europeia:


EC (2001) — Benchmarking National Research Policies, Directorate-General for Re-
search, European Commission, 2001.
EC (2003) — Third European Report on Science & Technology Indicators 2003, To-
wards a knowledge-based economy, Directorate-General for Research, European Com-
mission, 2003.
EC (2005) — Key Figures 2005, Towards a European Research Area, Science, Te-
chnology and Innovation, Strengthning the Foundations of the European Research Area,
Directorate-General for Research, European Commission, 2005.
Eurostat, 2006.
Publicações do Observatório das Ciências e das Tecnologias e do Observatório das
Ciências e do Ensino Superior:
OCT (1997) — Principais Indicadores de Ciência e Tecnologia em Portugal — 1988-
-1995, Lisboa, OCT, 1997.
OCT (1998) — Dotações Orçamentais — 1986-1999, Lisboa, OCT, 1998.
OCT (1999a) — Doutoramentos por Universidades Portuguesas — 1970-1997, Lis-
boa, OCT, 1999.
OCT (1999b) — Produção Científica Nacional Referenciada Internacionalmente —
1980-1997, Lisboa, OCT, 1999.
OCT (1999c) — Programas de Formação Avançada de Recursos Humanos em C&T
— 1990-1998, Lisboa, OCT, 1999.
OCT (1999d) — Portugal na Sociedade da Informação, Lisboa, OCT, 1999.
OCT (1999e) — Sumários Estatísticos — 1997, Lisboa, OCT, 1999.
OCT (2002) — Cinco Anos de Actividades — Relatório 1997-2001, FCT — Fundação
para a Ciência e a Tecnologia, Ed. Observatório das Ciências e das Tecnologias, 2002.
OCES (2003) — Potencial Científico e Tecnológico Nacional 1982-2001 — Duas dé-
cadas de evolução do esforço em I&D em Portugal, OCES, 2003.
OCES (2006a) — Doutoramentos Realizados ou Reconhecidos por Universidades
Portuguesas (1970-2005), OCES, 2006.
OCES (2006b) — Evolução das Dotações Orçamentais Públicas (Orçamento Inicial)
para I&D (1986-2005), OCES, 2006.
OCES (2006c) — Programas de Formação Avançada de Recursos Humanos em
C&T (2000-2004) — POCTI/POSI, OCES, 2006.
OCES (2006c) — Sumários Estatísticos — IPCTN 03 (Inquérito ao Potencial Científico
e Tecnológico Nacional 2003), Lisboa, OCES, 2006.

O ambiente
ANDRADE E SILVA, José Bonifácio (1815) — Memória sobre a Necessidade e Utilidade
do Plantio de novos Bosques em Portugal, Lisboa, Academia Real das Sciencias.
BARRETO, António (org.) (1996) — A Situação Social em Portugal, 1960-1995, Lisboa,
Instituto de Ciências Sociais-Universidade de Lisboa.
CORREIA, Francisco Nunes; SILVA, J. E. (1996) — «Transboundary Issues in Water Re-
sources», comunicação apresentada na NATO Advanced Research Workshop in Con-
flict ad the Environment, Bolkesjo, 12-16 de Junho.
European Environment Agency (1998) — Europe’s Environment: the Second Asses-
sment, Oxford, Elsevier Science Ltd.
European Environment Agency (1999) — Environment in the European Union at the Turn
of the Century, Luxembourg, Office for Official Publications of the European Communities.
European Environment Agency (2005) — The European Environment — State and
Outlook 2005, Copenhagen, EEA.
HEGEL (1968) — Vorlesungen über die Philosophie der Weltgeschichte, volume I, ed.
Johannes Hoffmeister, Hamburg, Felix Meiner [reimpressão da 5.a edição de 1955].
Instituto do Ambiente — (2005) Portugal. Relatório do Estado do Ambiente 2004, Lis-
boa (outros documentos de política pública podem ser consultados electronicamente no
Portal do Governo português).

340
Bibliografias
Ministério do Ambiente (2001) — Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e
da Biodiversidade, Lisboa.
MOTA, Isabel et al. (2005) — Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável
2005-2015, Lisboa, Pandora.
OECD (2001) — Portugal. Environmental Performance Reviews, Paris, OECD.
QUEIRÓS, António dos Santos (1997) — «A Contribuição da Obra de Aquilino para a
Consciência Ambiental Contemporânea», Cadernos Aquilinianos, n.o 5, pp. 175-180.
QUINTAL, Raimundo (1999) — Levadas e Veredas da Madeira, 2.a ed., Funchal, Edi-
ções Francisco Ribeiro.
RIBEIRO, Orlando (1991) — Portugal. O Mediterrâneo e o Atlântico, 6.a ed., Lisboa, Li-
vraria Sá da Costa Editora.
RIBEIRO, Orlando (1997) — Hermann Lautensach e Suzanne Daveau, Geografia de
Portugal. II. O Ritmo Climático e a Paisagem, 3.a ed., Lisboa, Edições João Sá da Costa.
RIBEIRO, Orlando; DAVEAU, Suzanne; LAUTENSACH, Hermann (1998) — Geografia de Por-
tugal. I. A Posição Geográfica e o Território, 4.a ed., Lisboa, Edições João Sá da Costa.
SANTOS, F. Duarte et al. (2002) — Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and
Adaptation Measures. SIAM Project, Lisboa, Gradiva/F.C. Gulbenkian/FCT.
SANTOS, F. Duarte; MIRANDA, P. (2006) — Alterações Climáticas em Portugal. Cenários,
Impactos e Medidas de Adaptação. Projecto SIAM II, Lisboa, Gradiva.
SOROMENHO-MARQUES, Viriato (1998) — O Futuro Frágil. Os Desafios da Crise Global do
Ambiente, Mem Martins, Publicações Europa-América.
SOROMENHO-MARQUES, Viriato (2005) — Metamorfoses. Entre o Colapso e o Desenvolvi-
mento Sustentável, Mem Martins, Publicações Europa-América.
VEIGA DA CUNHA, Luís, et al. (1980) — A Gestão da Água. Princípios Fundamentais e
sua Aplicação em Portugal, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.

A economia
AMARAL, João Ferreira do (1999) — entrada Desenvolvimento Económico em Dicioná-
rio de História de Portugal, Suplemento, coordenação de António Barreto e Maria Filo-
mena Mónica.Livraria Figueirinhas.
LOPES, José da Silva (1996) — A Economia Portuguesa desde 1960. Gradiva.
MATEUS, Abel (1998) — Economia Portuguesa: crescimento no contexto internacional
(1910-1998). Verbo.
Ministério das Finanças (1999) — Privatizações e Regulação — a experiência portu-
guesa.
PIRES, Rui Pena (coord., 1984) — A Os Retornados-um estudo sociográfico. Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento.

A educação
AAVV (1999) — O Ensino Secundário em Portugal, Conselho Nacional de Educação.
CAMPOS, Bártolo Paiva e COSTA, António Almeida (relatores) (1994) — Relatório so-
bre a Reforma dos Ensinos Básico e Secundário — 1989-1992, Conselho Nacional de
Educação.
CARNEIRO, Roberto (1988) — Educação e Emprego em Portugal — Uma Leitura de
Modernização, Fundação Calouste Gulbenkian.
CARVALHO, Rómulo de (1986) — História do Ensino em Portugal, Fundação Calouste
Gulbenkian.
GAGO, José Mariano (1994) — Perspectiva do Ensino Superior em Portugal, DepGef,
Ministério da Educação, Instituto de Prospectiva.
REIS, Jaime (1993) — O Atraso Económico Português — 1850-1930, INCM.
SILVA, Manuela e Támen, M. Isabel (1981) — Sistema de Ensino em Portugal, Funda-
ção Calouste Gulbenkian.

O património cultural
Boletim da Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (1998) — Números
1 ao 131 — CD-ROM. Lisboa: DGEMN.
Boletim informativo, GAMNA (2006) — N.o 7, Setembro.
(A) Cultura Portuguesa e o Estado. (1946) Lisboa: Edições SNI.
DIONÍSIO, Eduarda (1993) — Títulos, Acções, Obrigações (Sobre a Cultura em Portu-
gal 1974-1994). Lisboa: Edições Salamandra.
FRANÇA, José Augusto (1990) — A Arte em Portugal no Século XIX. 1.o e 2.o volumes.
Venda Nova: Bertrand Editora.
FRANÇA, José Augusto (1991) — A Arte em Portugal no Século XX. Venda Nova: Ber-
trand Editora.
GARRETT, Almeida (1972) — Viagens na Minha Terra. Lisboa: Europa América.
Grandes Museus de Portugal. (1992) Lisboa: Público.

341
Bibliografias
Les Politiques de Développement Culturel des États Membres (1998) — Portugal
(Rapport National). Strasbourg: Conseil de l’Europe, (policopiado).
MARQUES, Fernando Pereira (1995) — De Que Falamos Quando Falamos de Cultura?.
Lisboa: Editorial Presença.
Museus com Colecções de Arqueologia (1993) — «Al-Madan». Centro de Arqueolo-
gia de Almada: n.o 2, Julho.
(O) Património Cultural em Portugal (1993) — «Vértice». N.o 54, Maio — Junho.
Património e Associativismo (1997) — «Al-Madan». Centro de Arqueologia de Alma-
da: N.o 6, Outubro.
Relatório Intercalar (1998) — Proposta de Lei de Bases do Património Cultural. Lis-
boa: Ministério da Cultura.

A literatura
AAVV — Biblos — Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, Lisboa
/ São Paulo, Ed. Verbo, 5 vols.
AAVV — História da Literatura Portuguesa, Lisboa, Publicações Alfa, 8 vols.
LISBOA, Eugénio (org.) — Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Lisboa, Ins-
tituto Português do Livro e das Bibliotecas / Publicações Europa-América (5 vols. publi-
cados), ainda em curso de publicação.
REIS, Carlos (org.) (2006) — História Crítica da Literatura Portuguesa, Lisboa, Ed. Ver-
bo (9 vols. publicados). Ver especialmente o volume IX, «Do Neo-realismo ao Post-mo-
dernismo», Lisboa, Verbo.
ROCHA, Ilídio (1995) — Roteiro da Literatura Portuguesa, Frankfurt am Main, TFM Ver-
lag, (edições em Português e Alemão).
SARAIVA, António José; LOPES, Óscar — História da Literatura Portuguesa, Porto, Porto
Editora, s/data (sucessivamente reeditada e actualizada, vai na 17.a edição).

A arquitectura
Arquitectura do Século XX (1997) — Portugal / Architektur im 20.Jahrhundert-
-Portugal (catálogo de exposição, coord. Annette Becker, Ana Tostões, Wilfried Wang).
Deutsches Architektur-Museum Prestel / Portugal-Frankfurt 97, Frankfurt.
DIAS, Manuel Graça (2004) — 30 Exemplos (Arquitectura Portuguesa no Virar do Sé-
culo XX). Relógio D’Água, Lisboa.
FERNANDES, Fátima; CANNATÁ, Michele (2001) — Arquitectura Portuguesa Contemporâ-
nea / Contemporary Architecture in Portugal 1991-2001. Edições ASA, Porto.
FERNANDES, José Manuel (2000) — A Arquitectura. In Portugal Anos 2000. Retrato de
um País em Mudança. Círculo de Leitores e Comissariado de Portugal para a Expo 2000
Hannover, Lisboa, pp. 244-251.
FERNANDES, José Manuel (2001) — Arquitectura Religiosa. In A Igreja e a Cultura Con-
temporânea em Portugal 1950-2000, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, pp. 13-
-51 (coord. Manuel Braga da Cruz e Natália Correia Guedes).
FERNANDES, José Manuel (2003) — Arquitectura e Indústria em Portugal no Século XX.
SECIL, Lisboa.
FERNANDES, José Manuel; JANEIRO, Ana (2005) — Arquitectura no Algarve. Dos Primór-
dios à Actualidade, Uma Leitura de Síntese. Comissão de Coordenação e Desenvolvi-
mento Regional do Algarve, Lisboa.
FERNANDES, José Manuel (1991) — Sínteses da Cultura Portuguesa — A Arquitectura /
Synthèses de la Culture Portugaise-L’Architecture / Synthesis of Portuguese Culture-Ar-
chitecture. Imprensa Nacional-Casa da Moeda-Comissariado para a Europalia 91-Portu-
gal, Lisboa, (2a. edição, actualizada, com o título Arquitectura Portuguesa. Uma Síntese,
2000; 3.a edição, 2006).
IAP XX. (2006) Inquérito à Arquitectura do Século XX em Portugal. Ordem dos Arqui-
tectos c/ Instituto das Artes e Fundação Mies de Barcelona, Lisboa.
LAND, Carsten; HUCKING, Klaus J.: TRIGUEIROS, Luiz (2005) — Arquitectura em Lisboa e
Sul de Portugal desde 1974 / Architecture in Lisbon and the South of Portugal Since
1974. Blau, Lisboa.
Metaflux (2004) — Catálogo da Representação Portuguesa na 9a. Bienal de Arqui-
tectura de Veneza. Instituto das Artes, Ministério da Cultura, Lisboa.
Portugal 1990-2004 / Portogallo 1990-2004/ Trienalle di Milano: Presidência da Repú-
blica, Lisboa, 12/2004 (catálogo de exposição de arquitectura e design, org. Henrique
Cayatte).

As artes visuais
PINHARANDA, João; CARLOS, Isabel (2007) — «O declínio das vanguardas: dos anos 50
ao fim do milénio» in História da Arte Portuguesa (dir. Paulo Pereira), Lisboa, Círculo de
Leitores (reed. da ed. de 1997).

342
Bibliografias
O cinema
BAECQUE, Antoine de; PARSI, Jacques (1996) — Conversations avec Manoel de Olivei-
ra, Cahiers du Cinema, Paris.
BARRETO, António (org.) (1999) — A Situação Social em Portugal, 1960/1998 — II volu-
me, Lisboa, dados sobre cinema consultáveis via Internet (http://www.ics.ul.pt/sit-
soc/0811.htm).
CABRITA, António; LOPES, João; RAMOS, Jorge Leitão; FERREIRA, Manuel Cintra (1995) —
Os Anos do Cinema — 1895/1995, publicado em fascículos no jornal «Expresso», Lis-
boa.
COSTA, João Bénard da (1991) — Histórias do Cinema, INCM, Lisboa.
CRUZ, José de Matos (1996) — Manoel de Oliveira e a Montra das Tentações, Dom
Quixote, Lisboa.
CRUZ, José de Matos — O Cais do Olhar (1999) — O Cinema Português de Longa-
-metragem e a Ficção Muda, Cinemateca Portuguesa, Lisboa.
FERRO, António (1950) — Teatro e Cinema, SNI, Lisboa.
MONTEIRO, Paulo Filipe (1995) — Autos da Alma — Os guiões do cinema português
entre 1961 e 1990, tese de doutoramento em Ciências da Comunicação, Universidade
Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.
RAMOS, Jorge Leitão (1989) — Dicionário do Cinema Português 1962-1988, Caminho,
Lisboa.
RAMOS, Jorge Leitão (2006) — Dicionário do Cinema Português 1989-2003, Caminho,
Lisboa.
SEABRA, Augusto M. (org.) (1988) — Portogallo — «Cinema Novo» e Oltre..., Marsilio,
Venezia.
TURIGLIATTO, Roberto (org.) (1995) — Paulo Rocha, Lindau, Torino.

Design e moda
AAVV (Coordenação de João Paulo Martins), COSTA, Daciano da (2001) — Designer,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
AAVV As Artes da Mesa e o design do vidro e cristal portugueses contemporâneos.
À Volta da Mesa (2004) Lisboa: Instituto do Emprego e Formação Profissional.
AAVV Actualidade e internacionalização do design em Portugal (2004) Portugal,
1990-2004 Trienale di Milano. Milão: Trienale di Milano, Palazzo dell’Arte.
AAVV Vidro e cristal portugueses contemporâneos. ArteTeoria, n.o 5 (2004) Lisboa:
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
A Altamira nos Percursos do Design em Portugal. Altamira/50 Anos/10 Olhares
(2001) Lisboa: Estar Editora.
A Cadeira Contemporânea em Portugal. Cadeiras Portuguesas Contemporâneas
(2003) Porto: Edições ASA.
COSTA, Daciano da (1998) — Design e Mal-Estar, Lisboa, Centro Português de De-
sign.
Design / Arte — Arte / Design. Reflex,O (2000) — Experimentadesign 99. Lisboa: Ex-
perimenta — Associação para a Divulgação do Design.
Design e Moda. Portugal Anos 2000, Retrato de um País em Mudança (Coordenação
de António Reis) (2000) Lisboa: Círculo de Leitores e Comissariado de Portugal para a
Expo 2000 Hannover.
Joalharia Contemporânea no MNAA (2005) Mais Perto / Closer. Instituto Português
de Museus / Pin — Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea.
MATOS, Maria Helena (2001) — Escultura, Vidros e Design. Maria Helena Matos, Re-
trospectiva. Marinha Grande: Museu do Vidro da Marinha Grande.
Museu do Design — Colecção Francisco Capelo (1999) Lisboa, Ministério da Cultu-
ra/Centro Cultural de Belém.
O Desafio do Design Português. Montra (2002) — Exposição de Design Português-
-Helsínquia. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros.
O Design em Portugal no Século XX (2002) Panorama da Cultura Portuguesa. Porto:
Fundação de Serralves/Editorial Afrontamento.
Os Metais e a joalharia portuguesa contemporânea. As Idades do Fogo (2005) Lis-
boa: Instituto do Emprego e Formação Profissional.
SANTOS, Rui Afonso (1995) — «O Design e a Decoração em Portugal, 1900-1994» in
Paulo Pereira (Direcção), História da Arte Portuguesa, Vol. III, Lisboa, Círculo de Leitores.
VALENTE, Carmo — Vidros, Equipamento e Design. VALENTE, Carmo (2000) — Retros-
pectiva. Marinha Grande: Museu do Vidro da Marinha Grande.

343
Bibliografias
Autores

Alexandra Castro. Investigadora e membro da direcção do Centro de Estudos Terri-


toriais, centro de investigação associado ao ISCTE. Tem desenvolvido várias investiga-
ções sobre a comunidade cigana, os imigrantes de Leste, os espaços públicos e o
ambiente urbano. Actualmente é doutoranda do Programa Internacional de Doutora-
mento em Antropologia Urbana entre o ISCTE e a Universidade Rovira i Virgili, desen-
volvendo um projecto centrado na relação dos ciganos com o território e o espaço de
habitat. Em 1999, concluiu o mestrado em Sociologia do Território. Foi assistente convi-
dada do curso de Sociologia da Universidade Lusófona, do mestrado Cidade, Território
e Requalificação e técnica superior do Instituto da Segurança Social.
Anália Maria Cardoso Torres (n. 1954). Doutorada em Sociologia. Professora no
Departamento de Sociologia do ISCTE. Investigadora no CIES, centro associado do
ISCTE. Ex-presidente da Associação Portuguesa de Sociologia (2002-2006). Membro
do Executive Commitee e do Publications Commitee da ESA, European Sociological
Association e do Editorial Board da revista European Societies. Investiga, dirigindo e
participando em equipas nacionais e internacionais, em áreas como família, casamen-
to, divórcio, género, crianças, exclusão social, jovens e consumos de drogas. É autora
de diversos livros e artigos científicos publicados em Portugal e no estrangeiro.
António Firmino da Costa (n. 1950). Doutorado em Sociologia. Professor do De-
partamento de Sociologia do ISCTE. Investigador e presidente do Conselho Científico
do CIES-ISCTE. Coordenador do Programa de Doutoramento em Sociologia do ISCTE.
Membro fundador da Associação Portuguesa de Sociologia. Áreas de investigação:
classes sociais e desigualdades; identidades culturais e estilos de vida urbanos; litera-
cia e competências; ciência e sociedade; educação e ensino superior. Autor de diver-
sos livros e artigos de revistas científicas, publicados em Portugal e no estrangeiro.
António Reis (n. 1948). Professor de História Contemporânea, presidente do Depar-
tamento de História e vice-presidente do Instituto de História Contemporânea da Facul-
dade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi secretário
de Estado da Cultura em 1978 e é director-adjunto da revista Finisterra desde 1988.
Principais obras publicadas: Portugal Contemporâneo (1820-1995), 6 vols. (direcção e
co-autoria), 1990-1993; Portugal: 20 Anos de Democracia (coordenação e co-autoria),
1994; Portugal Ano(s) 2000 (coordenação e co-autoria), 2000; Raul Proença: Biografia
de Um Intelectual Político Republicano, 2 vols., 2003.
Fernando Luís Machado (n. 1959). Doutorado em Sociologia. Professor auxiliar do
Departamento de Sociologia do ISCTE. Presidente e investigador do CIES, centro asso-
ciado do ISCTE. Trabalhos de investigação nas seguintes áreas: classes sociais e es-
tratificação; migrações e etnicidade; exclusão social; educação; ciência. Autor e co-
-autor de livros e artigos, nacionais e estrangeiros.
Fernando (Alberto) Pereira Marques (n. 1948). Doutor de Estado em Sociologia
pela Universidade de Amiens (França), professor catedrático convidado na Universida-
de Lusófona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa) e investigador no Instituto de
História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa. Deputado à Assembleia da
República, durante as VI e VII Legislaturas, foi presidente da Subcomissão de Cultura e

345
Autores
membro da Comissão de Cultura e de Educação da Assembleia Parlamentar do Con-
selho da Europa. Tem várias obras publicadas e é director-adjunto das revistas Finis-
terra e Res Publica.
Fernando Pinto do Amaral (n. Lisboa, 1960). Escritor e professor universitário, fre-
quentou a Faculdade de Medicina, mas licenciou-se e concluiu o mestrado e o douto-
ramento na área das literaturas românicas, sendo professor da Faculdade de Letras de
Lisboa. Publicou cinco livros de poesia (Acédia, 1990; A Escada de Jacob, 1993; Às
Cegas, 1997; Poesia Reunida, 2000, Pena Suspensa, 2004), dois de ensaio (O Mosaico
Fluido, 1991; Na Órbita de Saturno, 1992) e traduziu As Flores do Mal de Baudelaire,
os Poemas Saturnianos de Verlaine e toda a poesia de Jorge Luis Borges. Publicou o
álbum 100 Livros Portugueses do Século XX (Instituto Camões, 2002) e o livro de con-
tos Área de Serviço e Outras Histórias de Amor (2006). Foi comissário da exposição
100 Livros do Século (CCB, 1998), bem como das participações de Portugal na Feira
do Livro de Frankfurt (1998 e 1999), no Salão do Livro de Genebra (2001) e na Liber de
Barcelona (2002). Recebeu diversos prémios literários e colabora regularmente como
crítico em diversas publicações.
Guilherme d’Oliveira Martins (n. 1952). Licenciado e mestre em Direito. Foi se-
cretário de Estado da Administração Educativa (1995-1999), ministro da Educação
(1999-2000), ministro da Presidência (2000-2002) e ministro das Finanças (2001-2002).
Foi presidente da SEDES. É presidente do Tribunal de Contas e presidente do Centro
Nacional de Cultura. Professor universitário. Autor de diversas obras, entre as quais:
Oliveira Martins: Uma Biografia (1986); Ministério das Finanças: Subsídios para a Sua
História no Bicentenário da Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda (1988); Es-
cola de Cidadãos (1992); O Enigma Europeu (1994); Educação ou Barbárie? (1999);
O Novo Tratado Constitucional Europeu (2004).

Ilídio Trindade (n. 1953). É jornalista dos quadros da RDP desde Junho de 1985,
acompanhando para esta rádio temas relacionados com a Defesa, tendo feito o Curso
de Segurança e Defesa para Jornalistas do Instituto da Defesa Nacional. Frequenta ac-
tualmente o Curso de Auditores de Defesa Nacional do citado instituto. Começou a sua
carreira como jornalista desportivo no diário A Luta, tendo passado pelos jornais Mun-
do Desportivo, O Golo e Off-Side, de que foi um dos fundadores. Foi assessor do se-
cretário de Estado do Desporto do governo do Bloco Central, adjunto do secretário de
Estado do Desporto do XIII Governo Constitucional e adjunto do secretário de Estado
da Defesa Nacional do XIV Governo Constitucional. Foi director para as actividades
amadoras (1988-1989) e vice-presidente administrativo (1990-1993) do Sport Lisboa e
Benfica e membro da Comissão Executiva da Candidatura de Portugal à Organização
do Campeonato da Europa de Futebol de 2004, o Euro 2004. Recebeu o Prémio Olím-
pico de Jornalismo (1977) atribuído pelo Comité Olímpico de Portugal pela reportagem
dos Jogos de Montréal e foi eleito «O Dirigente do Ano» (1992) do S. L. Benfica pelo
jornal do clube.

Ivo Castro (n. 1945). Professor catedrático da Faculdade de Letras da Universidade


de Lisboa, onde ensina História da Língua Portuguesa e Crítica Textual. Dirige desde
1988 a Equipa Pessoa, constituída pelo Ministério da Cultura para publicar a edição
crítica de Fernando Pessoa (15 vols. publicados até 2006 pela Imprensa Nacional-
-Casa da Moeda). Livros publicados: A Demanda da Ortografia Portuguesa, com
I. Duarte e I. Leiria (1987); Editar Pessoa (1990); Curso de História da Língua Portugue-
sa, com R. Marquilhas e L. Acosta, (1991); Introdução à História do Português (2004,
2.a ed. 2006). Edições: O Manuscrito de «O Guardador de Rebanhos» de Alberto Caei-
ro, (1986); Poemas de Fernando Pessoa: 1921-1930 (2001); Poemas de Fernando Pes-
soa: 1931-1933 (2004); Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (2006).

346
Autores
João Ferreira de Almeida (n. 1941). Doutorado e agregado em Sociologia. Profes-
sor catedrático. Membro fundador e primeiro presidente da Associação Portuguesa de
Sociologia. Editor da revista Portuguese Journal of Social Science. Investigação em
áreas como: valores e representações sociais; classes sociais e mobilidade; espaços
rurais e ambiente; exclusão social; juventude e universidade. Autor de diversas publi-
cações (livros e artigos) em Portugal e no estrangeiro.
João Lima Pinharanda (n. Moçambique, 1957). Mestrado em História da Arte
(1985). Director de programação do Museu de Arte Contemporânea de Elvas-Colecção
António Cachola (desde 2006). Presidente da secção portuguesa da AICA (Associação
Internacional de Críticos de Arte) (triénio 2004-2007). Professor auxiliar do Departamen-
to de Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa (desde 1998). Colaborador
permanente do JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias (1984-1990). Responsável pela sec-
ção de artes, no jornal Público (1990-1998), onde se mantém como colaborador. Para-
lelamente, numerosas colaborações em jornais de âmbito generalista e revistas espe-
cializadas nacionais e internacionais. Responsável por numerosas exposições em
Portugal e no estrangeiro. Autor de numerosos textos historiográficos sobre arte e artis-
tas portugueses.
Jorge Leitão Ramos (n. 1952). Licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo Insti-
tuto Superior Técnico (Lisboa) em 1975. Professor efectivo do ensino secundário (Es-
cola Secundária Marquês de Pombal, em Lisboa), na área da Electrotecnia e Electróni-
ca. Iniciou a actividade profissional, como crítico de cinema, em 1975 no Expresso,
tendo-a exercido, com continuidade, na imprensa (Jornal Novo, 1975-1976, Diário de
Lisboa, 1976-1988), para além de colaborações na RTP e RDP. Em 1980 estende o
seu campo de análise à crítica de televisão (Expresso, 1980-1983 e 1987-1999, Se7e,
1983-1986, TSF, 1993). É colaborador permanente, desde 1988, na área da crítica de
cinema do Expresso. Especialista em cinema português, fez parte da equipa responsá-
vel pelas fichas dos cineastas portugueses na edição portuguesa do Dicionário dos Ci-
neastas de Georges Sadoul (ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1980), foi responsável pela
entrada referente ao cinema militante português em Cinemas d’Avant-Garde (ed. Papy-
rus, Paris, 1980), colaborou em Portogallo: «Cinema Novo» e Oltre... a cura de Augusto
M. Seabra (Marsilio Editori, Venezia, 1988), em Lisboa a 24 Imagens, org. Manuel Cos-
ta e Silva (Caminho, Lisboa, 1994), escreveu o artigo «O cinema salazarista» para a
História de Portugal, direcção de João Medina (ed. Ediclube, 1993), elaborou uma his-
tória breve do cinema português para a obra colectiva Os Anos do Cinema (publicada
em fascículos pelo Expresso, em 1995), escreveu o artigo referente a esse tema na
obra colectiva Portugal: Anos 2000 (Círculo de Leitores, 2000), a convite do Comissa-
riado de Portugal para a Expo 2000 Hannover e no Dicionário Temático da Lusofonia
(Texto Editores, 2005), e publicou Dicionário do Cinema Português: 1962-1988 (Cami-
nho, 1989) e Dicionário do Cinema Português: 1989-2003 (Caminho, 2005).
José Manuel Fernandes (n. Lisboa, 1953). Arquitecto pela Escola de Belas-Artes
de Lisboa, 1977. Doutorado em História de Arquitectura pela Faculdade de Arquitectu-
ra de Lisboa, 1993, e seu professor agregado em 1999. Director do Departamento de
Arquitectura da Universidade Autónoma de Lisboa, em 1998-2000. Director do Instituto
de Arte Contemporânea do Ministério da Cultura em 2001-2003. Investiga, escreve e
publica regularmente sobre temas de arquitectura e urbanismo. Das obras mais recen-
tes destaca-se Arquitectos do Século XX, Lisboa, 2006.
Luís Manuel Antunes Capucha (n. 1957). Doutorado em Sociologia. Professor do
Departamento de Sociologia do ISCTE (Lisboa). Investigador do Centro de Investiga-
ção e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE). Director-geral da Inovação e Desenvolvi-
mento Curricular no Ministério da Educação. Entre 1998 e 2001 foi director-geral do

347
Autores
Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento do Ministério do Trabalho e da
Solidariedade, do Comité de Emprego da União Europeia e do Conselho Económico e
Social. Pesquisa científica em áreas como emprego e mercado de trabalho; pobreza
e exclusão social; educação; qualificação e educação de activos; políticas sociais com-
paradas; reabilitação de pessoas com deficiência; culturas populares e desenvolvi-
mento comunitário; metodologias de avaliação e de planeamento. Conferencista e au-
tor de diversas publicações científicas (livros e revistas) em Portugal, Espanha, França,
Reino Unido, Alemanha, Grécia, Áustria, Itália e Brasil.
Luís T. Magalhães é, desde Julho de 2005, presidente da UMIC — Agência para a
Sociedade do Conhecimento. É membro da Rede de Coordenação da Estratégia de
Lisboa e do Plano Tecnológico, membro do National IST RTD Directors Forum e do
i2010 High Level Group da União Europeia, membro do Conselho Consultivo da Funda-
ção Luso-Americana para o Desenvolvimento (1997-), membro correspondente da
Academia das Ciências de Lisboa (1995-) e professor catedrático de Matemática do
Instituto Superior Técnico (IST) (1993-). Foi presidente da Fundação para a Ciência e a
Tecnologia (1997-2002) e membro do Governing Council da European Science Foun-
dation (2000-2002). Obteve os graus académicos de licenciado em Engenharia Elec-
trotécnica — Telecomunicações e Electrónica pelo IST (1975), Master of Science
(1980) e Doctor of Philosophy (1982) em Matemática Aplicada pela Brown University,
EUA. Exerceu actividades científicas no IST (1972-); Centro de Biologia do Instituto
Gulbenkian de Ciência (1972-1978), Division of Applied Mathematics, Brown University
(1978-1983); Institute for Mathematics and Its Applications, University of Minnesota
(1982-1983 e 1985).
Maria de Lurdes Rodrigues é, desde Março de 2005, ministra da Educação. Foi
presidente do Observatório das Ciências e das Tecnologias do Ministério da Ciência e
da Tecnologia (1997-2003). Obteve os graus académicos de licenciatura em Sociolo-
gia (1984) e doutoramento em Sociologia das Profissões (1996) pelo Instituto Superior
de Ciências do Trabalho e da Empresa. Professora associada com agregação do De-
partamento de Sociologia, no ISCTE (1986-1997). Investigadora do CIES (1986-1996) e
do CISEP (1986-1996). Autora de diversas publicações: Os Engenheiros em Portugal,
1999, e A Sociologia das Profissões, 1997.
Rui Afonso Martins dos Santos (n. 1963). Mestre em História da Arte Contempo-
rânea (1994) pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, onde lecciona História do Design em Portugal (de que é considerado o funda-
dor). Técnico superior principal do Instituto Português de Museus, comissariou, entre
outras, as exposições Veloso Salgado: 1864-1945, Museu do Chiado/Faculdade de
Ciências Médicas da Universidade de Lisboa (1999) e Universo Visual e Artístico, Co-
lecção Berardo de Arte Publicitária, CAE, Figueira da Foz (2006). Historiador de arte e
do design, possui cerca de 80 títulos publicados em volumes e dezenas de artigos em
periódicos. Autor (1999) do programa museológico do Museu do Design — Colecção
de Francisco Capelo. Articulista da revista L+ Arte, é consultor e apresentador do pro-
grama Câmara Clara (RTP2).
Rui Assis Ferreira (n. Lisboa, 1952). Licenciou-se em Direito (1975) pela Universi-
dade de Lisboa. Iniciou o exercício de funções públicas, em 1976, no departamento
governamental responsável pela área da comunicação social, a cujo quadro pertence.
Neste contexto, participou em diversas actividades da União Europeia e do Conselho
da Europa, tendo presidido a comités de peritos desta última organização incumbidos
do estudo das políticas da comunicação social e da concentração no sector dos me-
dia. Foi membro da Comissão Nacional de Eleições, em dois dos seus mandatos (1979
e 1984), e vogal do Conselho de Administração da RTP (2001). No domínio da regula-

348
Autores
ção dos mass media, foi presidente do Instituto da Comunicação Social (1997-1999) e,
sucessivamente, membro (1994-1997) e vice-presidente (1999-2001) da Alta Autorida-
de para a Comunicação Social. Desempenha, presentemente, o cargo de membro do
Conselho Regulador da ERC — Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para
que foi eleito pela Assembleia da República. Exerceu ainda funções docentes no Insti-
tuto Jurídico da Comunicação, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Rui Vieira Nery (n. Lisboa, 1957). Licenciado em História pela Faculdade de Letras
de Lisboa e doutorado em Musicologia pela Universidade do Texas em Austin, é ac-
tualmente professor associado do Departamento de Artes da Universidade de Évora e
director-adjunto do Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, desenvol-
vendo ainda uma actividade intensa como investigador e conferencista, tanto em Por-
tugal como em diversos países europeus, nos EUA e no Brasil. Desempenhou entre
1995 e 1997 o cargo de secretário de Estado da Cultura, com a tutela do sector das
Artes do Espectáculo. Em 2003 foi condecorado com a Comenda da Ordem do Infante
D. Henrique por serviços prestados ao estudo da cultura portuguesa.
Viriato Soromenho-Marques (n. Setúbal, 1957). Professor catedrático da Universi-
dade de Lisboa. Activista ambiental desde 1978. Foi presidente nacional da Quercus
de 1992 a 1995. Foi membro do Conselho de Imprensa (1985-1987) e do Conselho
Económico e Social (1992-1996). É actualmente membro do Conselho Nacional do Am-
biente e Desenvolvimento Sustentável e foi vice-presidente da Rede Europeia de Con-
selhos do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (EEAC), entre 2001 e 2006. Orien-
tou dezenas de cursos breves e proferiu centenas de conferências em Portugal e
dezanove outros países. Publicou cerca de três centenas de estudos, abordando te-
mas filosóficos, político-estratégicos e ambientais. É grande oficial da Ordem do Infan-
te D. Henrique.
Vítor Matias Ferreira. Professor catedrático de Sociologia (aposentado) do ISCTE.
Foi coordenador e docente do mestrado Cidade, Território e Requalificação do Depar-
tamento de Sociologia do ISCTE. Coordenou um programa Erasmus/Sócrates (mobili-
dade europeia de docentes e de estudantes), no campo disciplinar da sociologia (ur-
bana e rural, do trabalho e da política). É actualmente coordenador de investigação no
Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, de que foi co-fundador, e cuja revista Cida-
des: Comunidades e Territórios dirigiu durante alguns anos. De uma vasta produção
editorial destacam-se os trabalhos mais recentes: Lisboa: De Capital do Império a Cen-
tro da Metrópole (1986); Lisboa: A Metrópole e o Rio (coord.) (1997); A Cidade da Ex-
po ’98 (em colaboração com Francesco Indovina) (1999), Fascínio da Cidade: Memória
e Projecto da Urbanidade (2004). Refira-se, entre outras, a sua participação com arti-
gos nas obras Portugal na Transição do Milénio, Urban Landscape Dynamics, Do Mundo
da Imaginação à Imaginação do Mundo, Atlas Histórico de Ciudades Europeas (co-au-
toria), Urbanidade e Património, Un Futuro Amico: Sostenibilità ed Equità, Lisboa/Lis-
bonne, Novas Formas de Mobilização Popular, Em Trânsito, Nuovo Lessico Urbano.
Tem artigos publicados, entre outras referências, em diversas revistas da sua especia-
lidade.

349
Autores
Créditos fotográficos

A. Brito: 299; Alceu Bett/Agência Espetaculum: 303; A. Ramos Pereira: 196;


A. Sequeira: 213, 274 (ao centro e à direita); Arquivo Fotográfico de Lisboa/Centro
Português de Fotografia/Ministério da Cultura: 21, 208; António Pedro Ferreira/Arquivo
Jornal Expresso: 77; Arquivo Círculo de Leitores: 209, 290 (em cima); Arquivo Diário de
Notícias: 59, 83, 205, 246-247; Arquivo RTP: 27; Autoeuropa: 217; Biblioteca Nacional,
Lisboa: 309; C.M. do Seixal e de Matosinhos: 85; Sérgio Guerra: 284; Colecção
Particular: 109, 114, 170, 171, 264 (esquerda e direita), 265, 266, 268, 269, 319;
Direcção-Geral de Recursos Florestais: 196; Entidade Reguladora da Comnunicação
Social: 129; Filipe Mendes: 18-19, 39, 56, 115, 119, 197, 249, 259 (em cima), 282, 283;
Fundação Calouste Gulbenkian: 300; Gattel/Gabinete de Travessia do Tejo: 216-217;
Helena Cruz: 289; Ilídio Teixeira: 35; Instituto Politécnico da Guarda: 243; Ernesto de
Sousa (Espólio): 285; J. M. Simões: 40-41, 66, 67, 84, 103, 234, 239, 241, 252, 257, 261,
290 (em baixo), 305 (em cima), 308, 313; Livros Cotovia: 274 (à esquerda); João Luís
Dória: 221, 233; Jorge Barros: sobrecapa, 102; Jorge Gaspar: 46; José Alfredo/Teatro
Viriato: 90; José António Silva/Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo: 108;
José Manuel Fernandes: 275, 276, 277, 278-279, 279, 280, 281; José Manuel
Oliveira/Arquivo Círculo de Leitores: 219, 238, 240, 259 (em baixo), 306; José
Pessoa/Divisão de Documentação Fotográfica/Instituto Português de Museus: 252-253;
Luís Ramos: 269 (à direita); Luís Ramos/Arquivo Jornal Expresso : 231; Luís
Ramos/Arquivo Jornal Público: 56; Luís Silva/Ministério da Defesa: 36; Luísa Ferreira:
132, 142, 143, 146, 149, 151, 152, 155, 157; Lusa: 26, 37, 270; Lusa/Alberto Frias: 312;
Lusa/André Kosters: 174 (em baixo), 288, 316; Lusa/AFP Photo/Javier Soriano: 175 (em
cima); Lusa/António Cotrim: 262, 264 (ao centro), 317; Lusa/EPA/Andrea Merola: 315;
Lusa/EPA/António Simões: 175 (em baixo); Lusa/EPA/DPA/Tim de Waele: 176 (em cima);
Lusa/EPA/Manuel de Almeida: 176 (em baixo), 291; Lusa/EPA/Thierry Deketelaere: 177;
Lusa/Inácio Rosa: 25, 307; Lusa/João Relvas: 93 (em baixo), 116, 174 (em cima);
Lusa/Manuel Moura: 61, 301, 305 (em baixo); Lusa/Nuno Veiga: 235; Lusa/Tiago Petinga:
28, 32, 296; Manuel Ribeiro: 258; Mário Cabrita Gil (1983): 287; Maurício Abreu: 182, 183,
185, 186, 188, 190, 191, 194, 198, 256; MESATIS, ESA: 81; Metropolitano de Lisboa,
EP/José Carlos Nascimento: 293; Nuno Marques da Costa: 93 (em cima); Paulo Pereira:
260; Pedro Letria: 63; Penaguião & Burnay: 87, 97, 98, 101; RTP: 27 (em cima), 121, 123
(logo), 308; Rui Coutinho: 27; SIC: 123 (logo); Tiago Venâncio/Arquivo Parque Expo: 44;
TSF: 120; TVI: 122, 123 (logo).

351
Créditos fotográficos
Breve Retrato de Portugal

Nome oficial: República Portuguesa. de segunda instância e tribunais de primeira


Língua oficial: português. instância).
Símbolos nacionais: bandeira nacional Serviço militar: De acordo com a Lei
(v. mapa ao lado) e hino A Portuguesa. n.o 174/99 de 21 de Setembro, em tempo de
Localização e coordenadas geográficas: paz, o serviço militar baseia-se no volunta-
Sudoeste da Europa, banhado pelo oceano riado. Contudo, é obrigatório o recensea-
Atlântico; 39o30 N, 8o00 O. mento militar masculino aos 18 anos.
Clima: temperado mediterrânico; temperatu- Fundação da Nacionalidade: 1143.
ras médias: costa e arquipélagos — Inverno: Instauração da República: 1910.
12 oC; Verão: 21 oC; interior e zonas monta- Moeda: euro.
nhosas: Inverno: 5 oC; Verão: 25 oC. População: 10 569 592 (estim. 2005).
Fronteiras: a N e a E com a Espanha Homens: 5 115 742 (estim. 2005).
(c. 1214 km); banhado a Oeste e a Sul pelo Mulheres: 5 453 850 (estim. 2005).
oceano Atlântico (c. 1793 km). Densidade populacional: 114 por km2
Divisão territorial: 18 distritos no continente e (2004).
duas regiões autónomas (Açores e Madeira). Taxa bruta de natalidade: 10,4 ‰ (estim.
Superfície: 92 117,5 km2. 2005).
Capital: Lisboa. Taxa bruta de mortalidade infantil: 3,5 ‰
Cidades com mais de 20 000 hab. (em (estim. 2005).
2001): Lisboa, Porto, Vila Nova de Gaia, Ama- Esperança de vida à nascença: 78,2 (es-
dora, Braga, Almada, Coimbra, Funchal, Se- tim. 2005).
túbal, Agualva-Cacém, Queluz, Aveiro, Gui- Homens: 74,9; Mulheres: 81,4.
marães, Odivelas, Rio Tinto, Viseu, Ponta População activa: 5581,1 milhares (média
Delgada, Matosinhos, Amora, Leiria, Faro, 2005).
Évora, Barreiro, Póvoa do Varzim, Ermesinde, Homens: 2963,5 milhares; Mulheres:
Viana do Castelo, Maia, Covilhã, Portimão, 2581,3 milhares (média 2005).
Castelo Branco, Santarém, Alverca do Riba- Taxa de desemprego: 7,6 % (média 2005).
tejo, Vila Nova de Famalicão, Figueira da Foz, PIB/capita (x 1000): 13,6 ¤ (2004).
Guarda, Vila do Conde, Montijo, Gondomar, Inflação: 3,1 % (2006).
Seixal, Caldas da Rainha, Olhão, Santo Tirso, IDH (índice de desenvolvimento humano):
Vila Real, Póvoa de Santa Iria, São Mamede 0,904, elevado desenvolvimento humano
de Infesta, Beja, Espinho, São João da Ma- (2004). Fonte: Human Development Report,
deira, Barcelos, Bragança. 2006.
Regime político: república democrática Utilizadores de computadores (16-74
parlamentar. anos): 42 %.
Sistema constitucional: Presidente da Re- Utilizadores de Internet (16-74 anos): 36 %.
pública (eleito por sufrágio universal cada Assinantes de telemóveis (2004): 93/100
cinco anos), Assembleia da República (elei- hab.
ta por sufrágio universal cada quatro anos), Número telefónico nacional: + 351.
Governo (constituído com base na eleição Código de Internet: .pt
para a Assembleia da República), Tribunais Fuso horário: UTC/GMT +1 hora.
(Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal
de Justiça, tribunais superiores especializa- Fontes: www.portugal.gov.pt; INE, excepto onde in-
dos [Administrativo e de Contas], tribunais dicada outra fonte.

352
Breve Retrato de Portugal

Você também pode gostar