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Ministério da Justiça

CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA - CADE


Gabinete do Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado

Processo Administrativo nº 08012.008024/1998-49


Representante: SDE “Ex Ofício”
Representadas: Microsoft Informática Ltda. e TBA Informática Ltda.
Relator: Conselheiro Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer

VOTO VOGAL

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Meu voto fundamenta-se na discussão das condutas lesivas à


ordem econômica tais como tipificadas nos artigos 20 e 21 da Lei nº8.884/94.

Para tanto é necessário discutir a natureza das práticas que a


legislação de defesa econômica pretende reprimir.

2. O DIREITO DA CONCORRÊNCIA

A Constituição Federal estabelece que a ordem econômica é


fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. O princípio geral
da tradição jurídica brasileira é a não intervenção das relações econômicas
privadas. No entanto, o mesmo artigo constitucional estabelece como princípios da
ordem econômica: a função social da propriedade e a livre concorrência.

Para os países de economia de mercado a preservação da


concorrência visa preservar o papel da competição como promotora de bem-estar
social, ou seja, na indução à alocação ótima dos recursos econômicos. O
pressuposto da existência de um direito da concorrência é que o mercado não é

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auto-regulado. Isto é, a competição econômica tem efeitos positivos para os
consumidores, mas ao produzir ganhadores e perdedores no mundo empresarial
pode levar a concentração econômica. Um efeito possível da concentração
econômica é a redução da concorrência, permitindo que a preservação do market
share de grandes empresas ocorra pelo poder de mercado, e não pela eficiência
microeconômica.

O conceito jurídico de concorrência não se confunde com o


conceito econômico. A maneira sintética em que o texto legal dispõe sobre a
manutenção da concorrência trata esse conceito complexo de forma simplificada. O
conceito jurídico de direito da concorrência é finalista. Este pode ser definido como
o conjunto de regras de direito cuja finalidade é contribuir para a “concorrência”.
Discutindo o direito de concorrência francês o professor David Katz afirma que a
concorrência:

“Em linguagem corrente, como na linguagem jurídica,


esse termo genérico designa a competição dos agentes
econômicos oferecendo bens ou serviços com o fim de
satisfazer uma demanda particular. Assim é necessário
esclarecer que, nas sociedades que optaram pelo
liberalismo econômico, esse termo ‘concorrência’
contém com freqüência em seu conceito, o pressuposto
da liberdade como condição de bem–estar social: a
competição entre agentes econômicos deve realizar-se
sem obstáculos”1

Portanto, o direito da concorrência para preservar o bem


maior, a competição entre agentes econômico que contribuiria para o bem-estar
econômico, aceitaria o mal menor: a intervenção do estado restringindo e
regulando a liberdade de ação dos agentes econômicos.

Os textos jurídicos tratam do problema da concorrência de


forma simplificada. Os modelos subjacente nas normas jurídicas são consistentes

1 - Katz, David, Juge Administrative et Droit de la Concurrence, Presses Universitaires D’ Aix

Maiseille, 2004, p.20. Tradução livre.

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com as abordagens neoclássicas de concorrência perfeita e monopólio, caso em que
a concentração econômica leva ao poder de mercado e a possibilidade de geração
de quase-renda. Na moderna literatura econômica, no entanto, há muitos tipos de
concorrência e a competição dá-se normalmente em condições de concorrência
imperfeita. O debate econômico, desde dos trabalhos clássicos de Schumpeter
(Teoria do Desenvolvimento Econômico, 1911), Joan Robinson (The Economics of
Imperfect Competition, 1933) e Edward Chamberlain (The Theory of Monopolist
Competition, 1933), ressalta a importancia de diversas formas de competição
distintas do modelo de concorrência perfeita. Em especial, são particularmente
relevantes para o direito da concorrência os modelos de concorrência oligopolista,
onde os preços de mercado são alterados pelos produtores, e, no caso em discussão,
os modelos de concorrência por inovação, onde a competição baseia-se na
capacidade de inovação da empresa.

Em mercados caracterizados por concorrência oligopolista, e


em especial em mercados caracterizados por competição por inovação, tentar
impor um modelo de concorrência perfeita é inviavel economicamente e nocivo à
promoção do bem-estar econômico, que é o objetivo final do direito da
concorrência. Há situações, portanto, em que a legislação autoriza atos que possam
limitar ou prejudicar a livre concorrência desde que os benefícios gerados superem
os custos gerados por essas práticas – esta é uma situação prevista no artigo 54 da
Lei 8.884/94.

O mercado de informática é um caso clássico de competição


por inovação. Portanto, a discussão relevante para esse mercado é se a prática
comercial da Microsoft pode ser justificada pelos ganhos de eficiência e de bem-
estar, compensando eventuais efeitos deletérios na redução da competição.

O problema pode ser colocado da seguinte forma: a política


de distribuição corporativa da Microsoft, operacionalizada por revendedores
denominados LARS (Large Account Resellers), e especialmente a forma como essa
política foi implementada nas vendas para o governo, pode ser justificada

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recorrendo-se ao argumento da concorrência por inovação, ou o poder de mercado
produzido pelo monopólio de fato no fornecimento dos produtos da Microsoft tem
efeitos anti-concorrenciais?

3. ASPECTOS CONCORRENCIAIS DOS CONTRATOS DE DISTRIBUIÇÃO

Como reconhece a Microsoft, a venda operacionalizada


através dos LARS caracteriza-se como um contrato de distribuição, onde uma
empresa revendedora credenciada assume um conjunto de obrigações perante o
fornecedor.

O Código Civil brasileiro trata do contrato de distribuição no


capítulo XII, e no artigo 710 diferencia o contrato de agência do contrato de
distribuição. O texto legal não é particularmente elucidativo e não distingue
claramente a figura do agente e do distribuidor. Esta ausência de sistematização
legislativa dos contratos de distribuição, como mostrou em dissertação de
mestrado apresentada a USP Priscila Brólio Gonçalves2, tem sido dirimida pela
doutrina e jurisprudência.

Uma definição de distribuição bem formulada, que usarei


neste voto, foi proposta por Claudineu de Melo como aquele em que o “fabricante
obriga-se a vender, continuadamente ao distribuidor, que se obriga a comprar,
com vantagens especiais, produtos de sua fabricação, para posterior revenda, em
zona determinada3”.

Portanto, adaptando-se a definição de Melo para o caso em


discussão, pode-se afirmar que os elementos fundamentais desses contratos são: (i)
a existência de um fornecedor; (ii) a compra e venda continuada, com garantia de

2 -Gonçalves, Priscila- Fixação e Sugestão de Preços de Revenda em Contratos de Distribuição,

Ed.Singular, 2002.
3 - Melo, Claudinei, citado no livro de Priscila Brólio Gonçalves, op.cit ; p.40.

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apoio técnico e/ou comercial do fornecedor; (iii) a concessão de condições especiais
de fornecimento, distinguindo esse distribuidor de outros revendedores; (iv) a
necessidade de que o produto ou serviço adquirido seja revendido: ou seja, o preço
de venda ao consumidor final é formado pelo preço do fornecedor, acrescido da
margem do distribuidor; (v) uma área ou um setor de atuação, com ou sem
exclusividade de ambas as partes.

O distribuidor ao comercializar produtos de um fornecedor


exerce uma atividade distinta desse. Sua margem de comercialização é justificada
pelo serviço de disponibilizar o produto ao consumidor final, expor as qualidade
desse produto e quando cabível, prestar assistência técnica.

Portanto, como a atividade de distribuição não se confunde


com a atividade do fornecedor, a natureza das questões concorrênciais do mercado
de revenda é distinta do mercado de produção.

IV- SOBRE O MÉRITO DA DENÚNCIA

A concorrência entre plataformas de software pode ser


caracterizado como um modelo de concorrência por inovação. Nesse sentido a
escolha dos consumidores entre produtos alternativos dá-se pela possibilidade de
comprar produtos Microsoft ou de outros fornecedores com produtos similares.

No entanto, dado a problemas de economia de redes (ver


Jorge Brito, Cooperação Interindustrial e redes de Empresas, em Economia
Industrial), uma vez escolhida a plataforma Microsoft, o custo de mudança é muito
elevado, e o consumidor é condicionado pela sua escolha prévia.

Como o trabalho do distribuidor não se confunde com o papel


do fornecedor, que é o detentor de patentes e, ainda, o responsável pelo
desenvolvimento tecnológico, a existencia de vários revendedores reduz o custo

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desse serviço para o consumidor final. Isto é, quando uma empresa como a
Microsoft permite que em um mercado atue apenas um distribuidor, está
facultando a este beneficiar-se de um grande poder de mercado entre os usuários
desse produto.

A Microsoft entendeu designar, através de critérios de sua


exclusiva responsabilidade, uma empresa (a TBA) para atuar junto a entidades
governamentais. As provas nos autos mostram que essa não atuava apenas no
Distrito federal. Nas folhas 740 consta carta da Microsoft à DATAPREV, sediada na
Rua Cosme Velho no Rio de Janeiro, que declara que “a empresa TBA Informática
LTDA com escritórias à Rua do Mercado, 11, 16º andar, Centro, Rio de Janeiro e
sede em Brasília, é a empresa credenciada junto à Microsoft Corporation, sob o
Select Program com a DATAPREV e afiliados (INSS, MPAS e quaisquer outros
órgãos ligados ao Sistema Previdenciário que venham a ser incluídos no acordo
em pauta)”.

A concessão de exclusividade à TBA não pode ser justificada


pelo argumento de concorrência por inovação. O serviço prestado pela TBA é o de
distribuição e assistência técnica, que poderia ser igualmente prestado por várias
empresas no Brasil. A maior concorrência entre distribuidoras poderia permitir
redução de margens e melhoria de serviço de distribuição nessa área.

Portanto, a política de distribuição da Microsoft pode ser


enquadrada no artigo 20, da Lei 8.8884/1994, inciso I e inciso IV. Mas, como a
decisão da Microsoft de credenciar apenas uma empresa nesse mercado também
tem o efeito potencial de limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao
mercado, sua política também infringiu o artigo 21, inciso IV, da citada Lei.

Observe-se que segundo o artigo 20 da citada Lei,


“constituem infração da ordem econômica, independente de culpa os atos sob
qualqauer forma manifestados que tenham por objeto ou possam produzir os
seguintes efeitos, ainda que não tenham sido alcançados”.

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Portanto, não há que ser provado que a Microsoft ou a TBA
tenha de alguma forma se beneficiado da Política de Distribuição, para obter lucros
excessivos ou quaisquer vantagens. Há apenas que ser demonstrado que tal política
tenha os efeitos anti-concorrenciais estabelecidos no texto legal, o que foi
amplamente provado nos autos.

Finalmente, há que se estabelecer as responsabilidades entre


a Microsoft e a TBA. É meu entendimento que a responsabilidade maior recai sobre
a Microsoft que é a única que tinha o poder de desenhar outra política de
distribuição. No entanto, por ter se beneficiado desse modelo, entendo que a TBA é
também responsável por essa conduta, embora de forma mitigada, uma vez que tal
política não seria viável sem uma empresa de distribuição que assumisse o
monopólio da venda de produtos Microsoft para o setor público.

Pelo exposto condeno a Microsoft Informática Ltda pela


infração da Lei 8.884/94 artigo 20, inciso I e IV e artigo 21, inciso IV e a empresa
TBA informática Ltda pela infração da citada Lei artigo 20, inciso II e artigo 21,
inciso IV e V.

É o voto.

Brasília – DF, 25 de agosto de 2004.

LUIZ CARLOS DELORME PRADO


Conselheiro do CADE

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