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A CONCORRÊNCIA DESLEAL

Diego Gomes Ferreira Leite*

RESUMO
Mercado e concorrência são fenômenos econômicos, e não jurídicos. Contudo, a Constituição
elencou a livre concorrência como um princípio que rege todo o sistema econômico. A razão
disso não é outra senão a de que isso fortalece o desenvolvimento econômico capitalista do
país. Contudo, o fortalecimento do sistema capitalista e a crescente concorrência fazem com
que alguns agentes econômicos busquem alternativas desleais nas condutas comerciais. Tais
abusos são chamados de abuso do poder econômico e geram a concorrência desleal.

Palavras-chave: Concorrência. Concorrência Desleal. Livre Iniciativa. Livre concorrência.


Abuso do poder econômico.

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* Advogado formado pela UFRJ, Auditor Interno no BNDES, especialista em direito público pela UVA.
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1) INTRODUÇÃO
A livre concorrência está embutida na atividade empresarial de tal forma que se
apresenta como fator importante para o crescimento da economia de mercado e como
princípio vital da ordem econômica e financeira de qualquer Estado capitalista. A razão de ser
disso está no fato de que a concorrência, quando regularmente praticada, beneficia tanto o
consumidor, vez que poderá adquirir produtos e serviços a preços mais baratos, como também
o empresário, que poderá maximizar a oferta de bens e serviços.
Dessa feita, o princípio da livre concorrência vem esculpido no art. 170, inciso IV, da
Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) que se baseou na livre iniciativa como pilar da
ordem econômica e financeira.
A liberdade é fundamental para a caracterização da concorrência saudável, uma vez que
somente assim poderá surgir uma miríade de produtores e prestadores de serviços interessados
em praticar as mais diversas atividades econômicas.
A livre concorrência acirra a competição entre empresários que lutam bravamente pelos
mesmos consumidores. Assim, a disputa pela clientela, e também pela ampliação de mercado,
são a base do sistema capitalista, de modo que constituem para o consumidor um fator
benéfico, já que estes encontram à disposição no mercado inúmeras opções de escolha entre
serviços e bens com qualidade e preços cada vez menores.
Diante disso, faz-se necessário tutelar esses princípios, a fim de que se possibilite o
desenvolvimento do livre mercado e das bases do capitalismo.

2) TEORIA DA CONCORRÊNCIA
O capítulo I do título VII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
(CRFB/88) trata da “Ordem Econômica e Financeira”, elencando princípios dirigentes da
atividade econômica do Estado e do ordenamento jurídico econômico. Os princípios
constitucionais, nos dizeres de Luís Roberto Barroso (BARROSO, pg 206, 2010) identificam
normas “que expressam decisões políticas fundamentais – República, Estado democrático de
direito, Federação -, valores a serem observados em razão de sua dimensão ética – dignidade
humana, segurança jurídica, razoabilidade – ou fins públicos a serem realizados”. Assim,
pode-se dizer que os princípios conferem ao ordenamento jurídico uma estrutura coesa, o que
é fundamental para a eficiência do ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, a CRFB/88 consagrara, em seu artigo 170, a tutela da ordem econômica,
estabelecendo os fundamentos do sistema econômico, dentre as quais se destacam: a
valorização do trabalho humano e a livre iniciativa. Noutros termos, estabeleceu-se uma
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preocupação com a valorização do trabalho, em que pese determinar-se uma economia de


mercado. A Constituição, portanto, fez questão de proteger a ideia liberal de “livre mercado”,
da livre iniciativa.
Conceituar “livre iniciativa” mostra-se essencial para a compreensão do sistema,
portanto. A liberdade de iniciativa econômica, em um conceito clássico, pode ser entendida
como a “garantia aos proprietários da possibilidade de usar e trocar seus bens; garantia,
portanto, do caráter absoluto da propriedade; garantia de autonomia jurídica e, por isso,
garantia aos sujeitos da possibilidade de regular suas relações do modo que tivessem por
mais conveniente; garantia a cada um para desenvolver livremente a atividade escolhida”
(SILVA, pg 772, 2001). Em termos mais simples, pode-se dizer que livre iniciativa é a
liberdade de atuação na economia, abarcando a liberdade de praticar a mercancia e a indústria,
significando que a todos é dado o direito de livre exercício de qualquer atividade econômica,
independente de autorização prévia do Estado, ainda que na forma regulamentada por ele.
Um dos princípios protegidos pelo artigo 170 é a “livre concorrência”. Segundo leciona
José Afonso da Silva, ela é um corolário da livre iniciativa (SILVA, pg 773, 2001). Desse
modo, a livre iniciativa e a livre concorrência complementam-se, de modo que ambos têm por
objetivo tutelar a existência do livre mercado, protegendo todo o sistema contra a tendência de
concentração que sói ocorrer em um sistema capitalista. Leciona Isabel Vaz que a noção
tradicional de concorrência pressupõe

“(...) uma ação desenvolvida por um grande número de competidores, atuando livremente no
mercado de um mesmo produto, de maneira que a oferta e a procura provenham de
compradores ou de vendedores cuja igualdade de condições os impeça de influir, de modo
permanente ou duradouro, no preço dos bens ou serviços” (VAZ, pg27, 1993).

A livre concorrência, portanto, é a manifestação da liberdade de iniciativa, sendo um


fenômeno natural e indispensável para o progresso de uma nação, bem como para o bem-estar
da sociedade. Trata-se de uma liberdade fundamental do indivíduo. Seu elemento fundamental
é a intenção de ampliação da clientela em detrimento de concorrentes dedicados ao mesmo
ramo ou segmento do mercado, de modo que o empresário tem por fulcro cativar mais
consumidores do que seus concorrentes.
O contrário da livre concorrência seria um mercado monopolizado ou oligopolizado.
Ambas as situações são danosas ao consumidor, e contrárias a ideia de livre mercado, que é o
pilar de uma sociedade capitalista. Nas regras normais de um livre mercado, o princípio da
livre concorrência não admite, em princípio, exclusividade e privilégios, visto que essa seria
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uma maneira de restringir a pluralidade, na medida em que se cerceia a competitividade.


Ressalte-se, contudo, que não se trata de uma incompatibilidade absoluta, mas apenas nas
situações em que a restrição da competitividade termina por gerar situações de monopólio em
um mercado passível de haver competição, o que violaria, em última ratio, o próprio interesse
público afeto ao sistema.
Frequentemente, verifica-se que a tendência extrema da livre concorrência é o seu
abuso, o que termina por exigir a intervenção estatal com o fulcro de contê-la dentro de certas
regras e princípios maiores e balizadores, como a lealdade, a boa-fé e até o interesse social.
Assim, pode-se dizer que a competitividade deve ser estimulada e protegida e isso ocorrerá
tanto quanto seja garantida a livre iniciativa aos agentes do mercado. Noutros termos,
objetiva-se evitar a concentração de mercados, seja ela de direito ou meramente de fato.
Diante dessa ideia, o Direito também se preocupa em tutelar a união entre empresas
para evitar a concentração de mercado, seja esta realizada por meio de fusões e aquisições, ou
meramente de fato, como o caso da formação de cartéis e trustes. Segundo a lição de Vicente
Bagnoli (BAGNOLI, pág 231, 2006) as concentrações de empresas:

“(...) da mesma forma que podem gerar eficiências ao mercado e benefícios ao consumidor,
podem também limitar a concorrência, razão pela qual devem ser analisadas e avaliadas antes
de serem aprovadas, à luz das legislações que procedem na análise estrutural de mercado.
O termo concentração na maioria das vezes significa perda da autonomia decisória de uma das
partes envolvidas na operação (ou até mesmo as partes), ou a implantação de um controle
decisório compartilhado, ou ainda quando uma parte adquire ativos ou fração do patrimônio
da outra parte”.

A análise dos atos de concentração pelo Estado tem por objetivo fomentar o
crescimento eficiente das empresas no mercado, de modo a fomentar a concorrência e
evitando os abusos do poder econômico. Assim, o intuito é reprimir o abuso do poder
econômico, que segundo lição de José Cretella Júnior é “toda ação ou manobra do
empresário ou de seu representante legal que, dominando o mercado e a concorrência, tenha
por objetivo a obtenção de lucros excessivos, causando dano a outras pessoas, físicas ou
jurídicas, e ao Estado” (CRETELLA JÚNIOR, pág 13, 1996).
Quando o poder econômico é utilizado de forma abusiva, passa a haver um dano para a
sociedade, para os consumidores e para o próprio Estado. Surge, assim, a necessidade de
intervenção estatal para garantir que exista a competitividade, pois do contrário, haveria a
concentração de mercado, os preços das mercadorias e serviços tenderiam a subir, a qualidade
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dos produtos tenderia a cair e a evolução tecnológica restaria estagnada (pois qual seria a
motivação do monopolista em inovar?).
A competitividade gera o surgimento de novas tecnologias, na medida em que obriga o
empresário a buscar métodos produtivos mais eficientes e produtos mais capazes. Sem o
ambiente favorável à livre competição, à livre concorrência e à livre iniciativa, perde a
coletividade e também o país, que fica impossibilitado de inserir-se no mercado internacional.
Sob um prisma econômico, a concentração que leva ao poder de mercado está atrelada à
possibilidade de que determinada empresa ou agente econômico cobre preços superiores
àqueles que seriam os esperados em um ambiente de concorrência perfeita. Tais preços, em
uma ideia aproximada, equivaleriam aos custos médios de produção mais a remuneração
normal do capital (GOLDBERG, pág 35, 2004).
Assim, nota-se que a repressão ao abuso do poder econômico é necessária à busca pela
livre concorrência. A rigor, a livre concorrência e a livre iniciativa estão interligadas. A livre
iniciativa, fundamento da República, traz um direito a liberdade de o empresário poder
ingressar no mercado, sem barreiras ou limitações, para exercer a atividade econômica. A
livre concorrência, portanto, complementa a livre iniciativa, na medida em que se presta a
manter a saúde e a sobrevivência do mercado, se ocupando de manter vigente a ideia de livre
oferta e procura. Não se pretende, destarte, uma interferência na livre iniciativa ou ainda na
liberdade de concorrência, mas evitar os exageros da utilização abusiva do poder do capital,
que pode gerar uma eliminação da concorrência. Em termos mais simples, o abuso de poder
econômico, em última análise, traduz-se em um abuso de direito. Portanto, os princípios da
livre iniciativa e da livre concorrência não serão sempre o motor do livre mercado porque este
pode proporcionar certas distorções que, em um limite extremo, venham a aniquilar a
concorrência. De outro prisma, a tutela do livre mercado (com as devidas regulamentações
estatais) proporciona a livre iniciativa, que fomenta a livre concorrência, o que se dá
essencialmente pela repressão ao abuso do poder econômico, este uma espécie do gênero
abuso de direito.
Nesse sentido, é interessante a lição do mestre Miguel Reale Júnior, que demonstra ser a
proteção a concorrência um resguardo aos direitos difusos dos consumidores:

“Há, de conseguinte, ao lado do dano sofrido pelo empresário, em razão de uma prática
concorrencial desonesta, um prejuízo para os consumidores. Se há dano, muitas vezes
economicamente vultoso, para o empresário cujo concorrente agiu deslealmente, não deixa de
haver lesão ao interesse difuso dos consumidores.
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Pode ser irrisório o interesse de cada qual dos compradores, mas é de relevo o prejuízo quando
vislumbramos o desrespeito à honestidade que frauda e ludibria a massa de consumidores, que
escolhem no pressuposto de uma verdade de informação.
Tendo a propriedade uma função social, não pode a massa consumidora ser enganada, pois
seria supervalorizar a livre iniciativa, sobrepondo-a ao interesse geral”. (REALE JÚNIOR,
pág. 10, 1983)

O professor Denis Borges Barbosa, conceitua “concorrência” relevante ao estudo


jurídico, como aquele

“fenômeno pelo qual distintos agentes econômicos disputam a entrada, manutenção ou


predomínio num mercado, definido por serviços ou produtos que sejam iguais ou – do ponto de
vista do consumidor – substituíveis entre si; definido ainda pela efetividade dessa disputa num
espaço geográfico e temporal determinado” (BARBOSA, pág.457, 2017).

O ilustre mestre acresce que é necessário identificar a concorrência relevante para o


Direito por meio de quatro requisitos, quais sejam: i) existência real de competição; ii)
atualidade da competição; iii) concorrência sobre um mesmo produto ou serviço; e iv)
definição geográfica da concorrência. O primeiro requisito traz a ideia de que a competição
deve existir e estar sendo efetivamente exercida. O segundo requisito refere-se a um elemento
temporal, querendo significar que a concorrência deve se dar no presente, entre agentes que já
disputem, efetivamente, o mesmo mercado. O terceiro requisito trata da noção de que a
competição ocorrerá entre produtos ou serviços efetivamente iguais ou substituíveis, ou seja,
que atentam a algum desejo ou necessidade comum. O quarto, e último, requisito trata dos
“fatores geográficos, tecnológicos e principalmente históricos”. Em apertada síntese esse
requisito significa que deve ser analisado se existe interseção nas áreas geográficas de atuação
das empresas (BARBOSA, págs.457-466).

3) DISTINÇÃO ENTRE CONCORRÊNCIA ILÍCITA E CONCORRÊNCIA DESLEAL


Importante a explanação acerca da distinção entre “concorrência desleal” e
“concorrência ilícita”. Concorrência Ilícita seria a negação do princípio da livre iniciativa e
pode ser entendida como toda forma de ilicitude praticada contra esse princípio sancionada
em lei. Nas palavras de Comparato ela é “enquadrada na categoria geral do ilícito civil,
consoante as regras ordinárias de responsabilidade” (COMPARATO, pág 915, 2010).
Já a concorrência desleal seria uma espécie do gênero concorrência ilícita, submetida a
um regime particular. Nas palavras de Maria Antonieta Lynch de Moraes a concorrência
desleal é “uma das modalidades de concorrência ilícita, assumindo características próprias na
medida em que os danos dela decorrentes atingem apenas os interesses do empresário
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diretamente vitimado pela prática irregular, diferentemente das infrações de ordem econômica
que ameaçam as estruturas econômicas do Estado” (MORAES, pág.83, 2004). Em linhas
gerais, para a autora, a concorrência desleal não afeta as estruturas do livre mercado, mas sim
a competitividade, objetivando a conquista de clientela por meios desonestos, afetando um
empresário ou um grupo específico de empresários.
Em suma, a doutrina leciona que a concorrência desleal é mais corriqueira, mais
atrelada à prática comercial cotidiana. É aquela verificada entre dois ou mais empresários,
cuja conexão por uma prática ilícita realizada por um de seus concorrentes, que possui o
objetivo de denegrir a imagem da concorrência, confundir os clientes da concorrência, ou
seja, busca angariar clientes por meio de práticas desleais, utilizando-se de subterfúgios que
extrapolam a simples prática comercial.
Já no que concerne a “concorrência ilícita”, em que pese tal nomenclatura não ser
unânime da doutrina, representa uma infração à ordem econômica. Esta, portanto, extrapola a
simples relação entre os empresários concorrentes, de forma que se caracteriza por uma
agressão à economia de mercado, vez que objetiva a destruição das empresas concorrentes,
visando criar um monopólio ou oligopólio. Nesta espécie de infração há uma violação direta à
livre da concorrência. Como exemplo de concorrência ilícita, pode-se citar a hipótese em que
uma empresa que entra em determinado mercado com grande poder econômico e inicia suas
atividades com preços muito inferiores aos praticados pelos seus concorrentes, aceitando
perdas operacionais por um longo período. Tal prática faz com que seus concorrentes tenham
os seus negócios inviabilizados, e a partir deste momento passa a monopolizar o mercado, vez
que elimina a concorrência. Esta espécie de ilicitude está, portanto, atrelada ao abuso do poder
econômico.
Destarte, ambas as medidas são ilícitas e condenadas pela legislação brasileira,
entretanto, a concorrência desleal, abrange uma pequena gama de empresários, vez que busca
angariar de forma ilícita determinados clientes. Já infração à ordem econômica (rectius:
concorrência ilícita) é uma medida muito mais agressiva que busca a eliminação da
concorrência e um verdadeiro monopólio do mercado.
Como exemplos de prática de concorrência desleal, podemos citar a confusão entre
produtos e estabelecimentos, desrespeito à cláusula contratual e a concorrência parasitária,
sendo que cada uma delas restará abordada separadamente e de forma mais detida.
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4) CONCORRÊNCIA DESLEAL
O mestre Miguel Reale Júnior busca guarida no direito comparado para conceituar a
concorrência desleal. Segundo leciona o autor:

“Por fixar a Constituição italiana o princípio da ´utilidade social´, entende Ghidini, que em
interpretação sistemática, tal diretriz deve presidir à análise das hipóteses concretas de
concorrência desleal, devendo-se considerar ilícito o comportamento concorrencial que fira o
princípio da utilidade social e mais amplamente ´os interesses constitucionalmente garantidos
´”.

Segundo leciona Gustavo Ghidini (GHIDINI, pág 120, 1978), o princípio da utilidade
social seria uma espécie de limitador, de modo que haveria uma “imposição de respeito
absoluto”1 ao mesmo. Ele seria um valor que se incorpora ao da liberdade empresarial, sendo
ambos tutelados pelo ordenamento.
Luigi Di Franco (DI FRANCO, pág 435, 1928) leciona que

"O conceito jurídico de concorrência desleal se deve, de certo modo, ao destino econômico da
concorrência e mais precisamente à livre concorrência, que constitui um desvio perturbador do
sentido moral que deve prescrever as relações de indústria e comércio, e cuja não observância
se torna fonte de ilícito"2.

Deste modo, a concorrência deve se manifestar a luz de certos preceitos que regem o
mundo negocial e dialogam com a função social embutida no mesmo, de modo a harmonizar-
se com a proteção ao consumidor, elo notoriamente mais fraco desta corrente.
Neste sentido, Carlos Alberto Bittar nos ensina que o mundo empresarial deve ser
regido por um preceito moral de honestidade, que é um pressuposto para a existência do
princípio da livre concorrência (BITTAR, pág 21, 1981). Contudo, o acirramento dos
mercados, o surgimento cada vez mais veloz de novas tecnologias e a voracidade dos
negócios vem aumentando gradativamente, o que gerou novas formas de violação àqueles
princípios.
Segundo o mesmo autor, a fim de fundamentar a Teoria da Concorrência Desleal,
“diferentes teorias têm procurado explicar a natureza do direito protegido, podendo centrar-
se em duas posições principais e antagônicas: teoria do direito de propriedade e do direito
da personalidade”. Em síntese, há doutrina que entenda a concorrência desleal como um

1
Traduzido pelo autor.
2
Tradução nossa. Do original: “Il concetto giuridico di concorrenza sleale a per pressuposto il fato econômico
dela concorrenza e più precisamente della libera concorrenza dela quale costituice uma deviazione turbatrice
del sendo morale che deve prescedere ai rapporti dell´industria e del commercio, e la cui inoservanza assurge a
fonte di illicito”
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direito da personalidade3, enquanto outros a entendem como um direito patrimonial 4.


Contudo, na opinião deste autor, o objetivo máximo desse direito está em proteger as criações
humanas, o que tangencia um direito a personalidade, contudo existe uma forte conotação
patrimonial, o que lhe imprime uma conotação sui generis (BITTAR, pág 23, 1981).
Há, portanto, uma dificuldade de se enquadrar os atos de concorrência desleal nas
molduras das categorias jurídicas tradicionais. Fábio Konder Comparato traçando um estudo a
respeito da qualificação jurídica dos atos de concorrência desleal (COMPARATO, pág 915,
2010), ensina que, inicialmente, a qualificação jurídica dos atos de concorrência desleal
surgira nas cortes francesas que a entendiam como um ato ilícito.
Assim, em um primeiro momento, pareceu acima de dúvida que o ato de concorrência
desleal deveria ser regido pela Teoria do Ato Ilícito e suas sanções decorreriam das regras
definidoras da responsabilidade civil. Contudo, havia o problema de ser possível identificar
qual o bem jurídico ofendido, visto que não há que se falar em ilicitude se não houver um bem
jurídico afetado. Algumas vozes levantaram-se no sentido de que esse direito seria o direito a
individualização das obras do autor. Tal visão tinha, obviamente, um cunho mais personalista,
subjetivista. Outros manifestaram-se no sentido de que a concorrência desleal violaria direitos
patrimoniais, visto que neste direito está intrínseca a exploração econômica e a obtenção de
lucro. Tal característica, portanto, não se coaduna com a natureza incessível dos direitos da
personalidade. Assim, o debate acerca do que seria bem juridicamente protegido, uma vez que
patrimonial, trouxe a baila a ideia de que este seria o estabelecimento comercial e o direito a
clientela.
Essa visão, de que a concorrência desleal seria regida pela Teoria do Ato Ilícito, e
sancionada pela responsabilidade civil comum, terminou por ser bastante criticada. Tal teoria
não explicava, de forma convincente, fato de que nem todo ato danoso de concorrência era
vedado pelo Direito. Em verdade, segundo Fábio Konder Comparato “toda nova concorrência
é, em princípio, suscetível de causar prejuízo econômico a um concorrente anterior”
(COMPARATO, pág 915, 2010). Em termos simples, quer-se dizer que a essência da
concorrência é buscar o prejuízo ao concorrente, visto que visa a vencer uma batalha pelos
consumidores. Dessa forma, não seria razoável centrar a discussão em torno do dano, uma vez
que ele é a regra.
Com base nessas ponderações, segundo relata Fábio Konder Comparato
(COMPARATO, pág 915, 2010), Giueppe Ferri terminou por elaborar sua teoria de

3
Autores como Vivante e Zavala Rodrigues.
4
O mestre Túlio Ascarelli endossa essa tese.
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antijuridicidade objetiva dos atos de concorrência desleal. Segundo tal teoria, não existe
concorrência desleal, não existe a violação ao bem jurídico, se tais fatos e atos estiverem
dentro das “regras do jogo econômico”. Ademais, não é necessária a análise do elemento
subjetivo do agente, devendo ser punido o ato de forma objetiva.
Comparato, ao analisar o artigo 178 do Decreto-Lei nº 7.903/45 (revogado pelo artigo
195 da lei nº 9.279/96) diz que:

“Uma análise ainda que perfunctória do art. 178 do nosso Código da Propriedade Industrial
nos convence desde logo de que, pelo menos para o direito positivo brasileiro, a teoria da
antijuricidade objetiva de Ferri é inaceitável. Pelo conjunto das definições de figuras delituosas
aí catalogadas vê-se que se tem em mira não só a especial intenção de prejudicar e a
consciência subjetiva da desonestidade, como o emprêgo de meios ou processos
particularmente aberrantes. Assim é, por exemplo, em relação àquele que publica pela
imprensa, ou por outro modo, falsa afirmação, em detrimento do concorrente, com o fim de
obter vantagem indevida (art. 178, n. I), como, por outro lado, em relação àquele que emprega
meio fraudulento para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem (art. 178, n.
III)” (COMPARATO, pág 916, 2010).

Para Comparato, razão assistia a Waldemar Ferreira que entendia no sentido de que a
qualificação jurídica mais conveniente para a repressão a concorrência desleal, em nosso
ordenamento, parece ser a Teoria do Abuso de Direito. Assim, a tese de que a concorrência
desleal deveria ser compreendida através da noção de abuso de direito, seja em relação ao
elemento subjetivo – intenção de prejudicar, seja em relação aos meios empregados pelo
agente, é a prevalente na doutrina pátria até os dias atuais.

5) ATOS CARACTERIZADORES DA CONCORRÊNCIA DESLEAL


Segundo leciona Carlos Alberto Bittar, para que se caracterize a concorrência desleal, é
necessário o preenchimento dos seguintes pressupostos: a) desnecessidade de dolo ou de
fraude, bastando a culpa do agente; b) desnecessidade de verificação de dano em concreto; c)
necessidade de existência de colisão; d) necessidade de existência de clientela; e) ato ou
procedimento suscetível de repreensão (BITTAR, 2005, p.47).
A desnecessidade de dolo ou fraude traz a ideia de que para a caracterização da
concorrência desleal basta a culpa, de modo que não é necessário aferir-se a real intenção do
agente. Ademais, é dispensável a efetivação do dano, bastando para a configuração da
concorrência desleal a possibilidade ou iminência de resultado gravoso para o concorrente. A
razão disso é que o importante é a configuração e interrupção dos atos indevidos, pouco
importando a existência ou o vulto dos prejuízos causados. O pressuposto seguinte trata do
fato de que somente haverá a concorrência desleal se houver “a possibilidade de
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competitividade entre os fornecedores de um mesmo bem ou serviço, com objetivo de trazer


para si o maior número de consumidores” (BITTAR, pág 48, 2005). O pressuposto referente
a necessidade de existência de clientela quer significar que deve haver, no mínimo, a
possibilidade de existirem clientes a serem ludibriados ou surrupiados. O último pressuposto,
em que pese ter um caráter um tanto subjetivo, significa que não se poderá falar em punição
àquele que agir em conformidade com as práticas negociais normais de determinado mercado.
Com o fulcro de identificar a concorrência desleal, a doutrina mais especializada elenca
como espécies de atos que desrespeitam o livre funcionamento do mercado em: i) atos
capazes de criar confusão, também chamada de confusão entre produtos ou estabelecimento;
ii) difamação (ou denigração) do concorrente; iii) desrespeito da cláusula contratual e a iv)
concorrência parasitária.

5.1) CONFUSÃO ENTRE PRODUTOS OU ESTABELECIMENTO


A confusão entre produtos ou estabelecimento é a forma mais comezinha de
concorrência desleal que vemos em nossos tribunais. Quem a comete se propõe a obter
vantagens da confusão provocada intencionalmente entre a empresa ou seus produtos, e a
empresa ou os produtos de um competidor. No mais das vezes, o agente desleal, aproveita-se
da homonímia ou provocando-a (REQUIÃO, pág. 356, 2007).
Assim, trata-se de atos desleais capazes de confundir, ludibriando o consumidor, de
modo a leva-lo a erro, tanto em relação aos produtos, como ao estabelecimento de
determinada sociedade empresarial.
Destarte, atos tendentes a criar confusão entre estabelecimentos comerciais são aqueles
praticados por um comerciante que utiliza a denominação, ou a insígnia, igual ou parecida de
um concorrente, de modo a induzir a clientela a erro. Em termos mais simples, a confusão
caracteriza-se, por de práticas tendentes a captar, ilicitamente, clientela alheia, aproveitando-
se da imagem do concorrente, mediante assimilação indevida de seu nome empresarial, de seu
estabelecimento, ou mesmo de seu produto, com a finalidade de apropriar-se de prestígio
comercial para o qual não concorreu.
No que tange aos pressupostos para a caracterização da confusão, Bittar elenca: i) a
anterioridade do produto concorrente, ii) a presença de imitação e a ii) possibilidade de existir
a confusão (BITTAR, pág. 60, 2005).
Neste sentido, a jurisprudência abaixo transcrita, ilustra um caso de confusão. Ei-la:
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“PROPRIEDADE INDUSTRIAL – MARCA –EVIDÊNCIAS DE SEMELHANÇA ENTRE AS


MARCAS ´TEXXCO´ E ´TEXACO´, APTA A CAUSAR CONFUSÃO NO CONSUMIDOR –
CARACTERIZAÇÃO DE CONCORRÊNCIA DESLEAL – UTILIZAÇÃO DE DENOMINAÇÃO
SEMELHANTE DE MARCA ALHEIA COM EVENTUAIS PREJUÍZOS – IMPOSIÇÃO DE
INDENIZAÇÃO – DESTRUIÇÃO DE EMBALAGENS E RÓTULOS – IRRELEVÂNCIA –
MEDIDA QUE VISA TÃO-SOMENTE A DAR EFETIVIDADE AO JULGADO – RECURSO
DAS AUTORAS PARCIALMENTE PROVIDO, IMPROVIDO O DA RÉ.(...)
Como já decidido anteriormente, no agravo, quando foi concedida antecipação de tutela no
âmbito recursal, ´o uso da marca Texxco como designativa de produto lubrificante destinado a
veículos automotores possui extrema semelhança à marca Texaco, de propriedade da autora,
também indicativas de produtos destinados à veículos automotores, notoriamente conhecida do
público consumidor´. Assim, ao chegar ao final da ação, restou evidenciada que a semelhança
é apta a causar confusão ao consumidor, estabelecendo com relação à autora concorrência
desleal, por apropriação, pela ré, de prestígio comercial para o qual não concorreu.
A comercialização de produto automotivo com a marca TEXXCO, precedida pela palavra
power em menor destaque, evidencia o objetivo de aferir ganhos financeiros por conta da
associação possível com a marca TEXACO, mundialmente conhecida como fabricante, dentre
outros, de óleos lubrificantes.
Neste particular importante consignar que, mesmo que a autora comercialize seus lubrificantes
com a marca VALVOLINE, para o consumidor, é sempre possível a associação entre TEXACO
e TEXXCO, levando-o a crer que este é marca denominativa de produtos daquela. Daí porque
correta a medida inibitória imposta na R.sentença”. (TJ/SP, Apelação Cível nº 662.348-4/0-00,
julgado em 04/11/2009).

5.2) DIFAMAÇÃO (OU DENIGRAÇÃO) DO CONCORRENTE


A denigração, ou difamação, do concorrente visa desviar a clientela mediante o fomento
da depreciação do empresário rival ou de seus produtos e serviços. O objetivo último deste ato
é prejudicar a reputação de um concorrente para angariar sua clientela. A concretude de tais
atos ocorre quando se tornar pública a falsa informação sobre o concorrente.
Este ato pode ser entendido como aquele que pode atingir tanto a pessoa do concorrente,
como seu negócio ou seus produtos. Esse ato tem um viés de dano moral ao patrimônio
imaterial ou ao próprio titular do empreendimento concorrente através da divulgação de
publicidade que faça alusões, comparações, ou mesmo confronto direto dos produtos, com a
finalidade maliciosa de afastar a clientela.
Para a sua configuração, não se requer a existência do dolo. Também não é necessária a
prova do prejuízo, bastando a possibilidade de dano. Igualmente não importa a veracidade do
fato na comparação ostensiva, porque não é o concorrente, mas o consumidor que deve, em
concreto, julgar os produtos de cada um.
Além disso, é imprescindível que a mensagem denigridora identifique o concorrente,
possuindo conteúdo imoral ou desleal. No entanto, não é toda comparação que será entendida
como ilícita, pois a comparação pode fazer parte do marketing da empresa e não configurar
ato de concorrência desleal, desde que a publicidade paute-se pelos princípios éticos, não
vindo a causar prejuízos a imagem e ao estabelecimento do concorrente (ULHÔA, pág.
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369,2008). Poderia, contudo, constituir em ato de concorrência desleal se ela for capaz de
induzir o consumidor ao erro por meio do descrédito do concorrente, divulgando fatos que
rebaixam a reputação do concorrente ou do seu patrimônio imaterial. Nesse sentido, foi o
julgado do TJ/RJ:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACÓRDÃO PROFERIDO QUANDO DO JULGAMENTO


DE APELAÇÃO CÍVEL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, OBSCURIDADE E CONTRADIÇÃO
A ENSEJAR A INTERPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. PRETENSÃO DA
PARTE RECORRENTE DE REDISCUTIR A MATÉRIA ANALISADA QUANDO DO
JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(...)
Tal alegação não se sustenta, pois o acórdão embargado foi claro na análise das questões
ventiladas no recurso, destacando as provas produzidas ao longo da instrução. Quanto à
questão central objeto de discussão, restou elucidado:
´Dentre os atos caracterizadores da concorrência desleal apontados pela doutrina está a
denigração do concorrente, em que, dentre outras hipóteses, caracteriza-se por tornar público
falsa informação do concorrente, a fim de causar-lhe prejuízo. Este é o caso dos autos, uma vez
que a empresa autora afirma que prepostos das rés (dentre eles o terceiro réu) teriam veiculado
a falsa notícia aos seus clientes de que a apelante deixaria o mercado por falta de recursos
para atender a demanda.
A única prova presente nos autos que poderia corroborar tal tese é o depoimento da Sra. Ana
Maria Aparecida Campos Calife Correa, qualificada como comerciante em Ribeirão Preto, que
afirma ter adquirido os doces da autora por muitos anos, sendo posteriormente procurada por
representante da ré, tendo afirmado em juízo que (indexador 00377/378) “A ré disse que era a
fabricante do doce da roça e que não estava mais fornecendo tal produto a autora...”.
Esta afirmação não se revela notícia falsa e com o intuito de angariar clientes de forma desleal.
De fato, as rés eram as fabricantes dos produtos comercializados pela marca “Doce da Roça”
e deixaram de fornecê-lo à autora, continuando a realizar suas tratativas empresariais com
outros comerciantes.
Ou seja, não restou comprovada movimentação ardilosa por parte das rés no sentido de desviar
a clientela da autora. O fato de prepostos das rés terem procurado comerciantes esclarecendo
que os produtos por elas fabricados passariam a ser comercializados diretamente, sem a
intermediação da autora, não faz surgir a alegada concorrência desleal tratada pela Lei
9.279/96 que regula direitos e obrigações relativos à propriedade indústria´”. (TJ/RJ.
Embargos de Declaração na Apelação nº 0009295-22.2011.8.19.0212, julgado em 07/07/2015)

5.3) DESRESPEITO A CLÁUSULA CONTRATUAL


Este item trata da hipótese decorrente da violação da cláusula de não restabelecimento
ou interdição de concorrência presente em um contrato de compra e venda de estabelecimento
(contrato de trespasse) ou do controle de sociedade empresarial.
Pela cláusula de não-concorrência, o alienante compromete-se a não estabelecer o
mesmo negócio, em certa área ou em qualquer território, por determinado período de tempo,
com o objetivo de que o comprador possa promover a absorção da respectiva clientela.
Interessante notar que, por ter valor etéreo, a clientela não é passível de ingressar no negócio
jurídico. Assim, ela figura, pois, embutida no negócio (BITTAR, pág. 66, 2005).
14

Dessa feita, tal cláusula, bastante comum no do contrato de trespasse, é indispensável


para a preservação da integridade do potencial econômico do bem alienado, haja vista que na
hipótese de o alienante concorrer com o adquirente, parte do potencial, ou até mesmo sua
totalidade seria comprometido pelo desvio de clientela (ULHÔA, 2008, p. 247).
Há, entretanto, limitações a esta espécie de cláusula. No que concerne aos limites
materiais, observa-se que cláusula disciplinando a concorrência é inválida, se impede o
contratante de explorar qualquer atividade econômica. É necessário, portanto circunscrever-se
a determinados ramos de comércio, indústria ou serviços. Também deve se considerar
inválida a cláusula que impeça uma pessoa física de exercer a sua profissão. O sócio retirante
da sociedade pode ficar impedido de competir com a sociedade, desde que os termos
contratados não alcancem todas as atividades empresariais para as quais o retirante se
encontra profissionalmente habilitado (ULHÔA, pág. 247, 2008).
Ademais, a cláusula de não-reestabelecimento não poderá ser infinita no tempo e no
espaço, sendo inválida a cláusula que vede a concorrência para sempre ou em qualquer lugar.
É imperioso que sejam estabelecidos limites temporais ou espaciais bem definidos, portanto.
Nesse sentido é a jurisprudência.

OBRIGAÇÃO LEGAL DE NÃO CONCORRÊNCIA DURANTE DETERMINADO PRAZO.


LOJA DE MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO. RESOLUÇÃO. ADMISSIBILIDADE.
PROSSEGUIMENTO DO ALIENANTE NO MESMO RAMO EMPRESARIAL E ÂMBITO
TERRITORIAL EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL PERTENCENTE À SUA IRMÃ.
VIOLAÇÃO POSITIVA DO CONTRATO. AUSÊNCIA DE EMPRESA EM NOME DO
ALIENANTE. IRRELEVÂNCIA. A VEDAÇÃO DO ART. 1.147 É AMPLA, À CONCORRÊNCIA
DE MODO GERAL, E NÃO APENAS À CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA
CONCORRENTE. VIOLAÇÃO DA CLÁUSULA DE NÃO-CONCORRÊNCIA E DOS DEVERES
ANEXOS DE LEALDADE E DE INFORMAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO
PROVIDO. (...)
As partes celebraram em 14 de agosto de 2.012 contrato de trespasse, cujo objeto era o
estabelecimento empresarial no ramo de loja de materiais de construção, pelo valor de R$
225.000,00 (fls. 08/10). (...)
Nos termos do art. 1.147 do Código Civil, não havendo autorização expressa, o alienante do
estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à
transferência. Cuida-se de vedação legal, independentemente de cláusula expressa ajustada
entre as partes.
No caso concreto, o contrato é omisso quanto à cláusula de não concorrência, razão pela qual
a obrigação deriva diretamente da lei, pois não afastada expressamente pela vontade das
partes.
A razão de ser da regra é simples. A alienação do estabelecimento acarreta a transferência de
propriedade imaterial em constante mutação, inclusive do aviamento. Se o alienante, ato
contínuo, criar outro estabelecimento idêntico ou semelhante ao anterior e voltar a exercer o
mesmo ramo de atividade, fatalmente provocará a perda das qualidades daquilo que vendeu e
cujo preço já embolsou (Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Direito de Empresa, 2ª. Edição RT,
p. 598). (...)
15

Destaque-se que o simples exercício da mesma atividade no mesmo contexto territorial pelo
alienante, formal ou informalmente, de boa-fé ou má-fé, inevitavelmente levará ao desvio de
clientela, de modo a configurar concorrência desleal. (TJ/SP. Apelação nº 4010017-
16.2013.8.26.0602, julgado em 07/07/2015)

5.4) CONCORRÊNCIA PARASITÁRIA


Esta hipótese difere das anteriores pelo fato de sua sutileza. Tal forma de concorrência
desleal se instala de forma quase despercebida. Nela, a vantagem advinda da atividade
praticada pelo concorrente advém de um aproveitamento do concorrente, de forma que o autor
retira aquilo que interessa sem, contudo, realizar qualquer esforço para consegui-lo.
Nesta modalidade de concorrência não se busca a ruína total de seu concorrente, ao
contrário, a conduta do parasita está presente no aproveitamento indevido do sucesso e do
esforço empregado por algum agente econômico de renome na elaboração e comercialização
de seu produto. Noutros termos, o parasita sempre espera que o empresário lance seu produto
para posteriormente aproveitar-se das características do mesmo e simplesmente copiar, não
empregando, dessa forma, nenhum gasto com pesquisas, testes ou publicidade. Ele
simplesmente locupleta-se do esforço já empregado por seu concorrente.
Como consequência da prática empregada pelo concorrente parasita, o produto por este
lançado tende a ter um valor mais baixo, porém também sua qualidade será inferior. Apesar
disso, o produto do parasita termina por retirar parte da clientela do empresário parasitado, de
modo que tais atos quase sempre aliados a violação de segredo comprometem o próprio
negócio do titular, apesar de não ser este o intuito do parasita (BITTAR, pág. 57, 2005).
Em síntese, a concorrência parasitária estará configurada quando o parasita lançar
produtos análogos, utilizar idênticas técnicas de comercialização, independentemente de
causar confusão, mas sem ter que suportar as despesas e os riscos do negócio com intuito de
angariar clientela. Vejamos o entendimento do STJ sobre o assunto:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MARCA.


COMERCIALIZAÇÃO DE CERVEJA. LATA COM COR VERMELHA. ART. 124, VIII, DA LEI
N. 9.279/1996 (LPI). SINAIS NÃO REGISTRÁVEIS COMO MARCA. PRÁTICA DE ATOS
TIPIFICADOS NO ART. 195, III E IV, DA LPI. CONCORRÊNCIA DESLEAL.
DESCARACTERIZAÇÃO. OFENSA AO DIREITO DE MARCA. NÃO OCORRÊNCIA.
CONDENAÇÃO INDENIZATÓRIA. AFASTAMENTO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. Por força do art. 124, VIII, da Lei n. 9.279/1996 (LPI), a identidade de cores de embalagens,
principalmente com variação de tons, de um produto em relação a outro, sem constituir o
conjunto da imagem ou trade dress da marca do concorrente - isto é, cores "dispostas ou
combinadas de modo peculiar e distintivo" -, não é hipótese legalmente capitulada como
concorrência desleal ou parasitária. 2. A simples cor da lata de cerveja não permite nenhuma
relação com a distinção do produto nem designa isoladamente suas características - natureza,
época de produção, sabor, etc. -, de modo que não enseja a confusão entre as marcas,
16

sobretudo quando suficiente o seu principal e notório elemento distintivo, a denominação. 3.


Para que se materialize a concorrência desleal, além de visar à captação da clientela de
concorrente, causando-lhe danos e prejuízos ao seu negócio, é preciso que essa conduta se
traduza em manifesto emprego de meio fraudulento, voltado tanto para confundir o consumidor
quanto para obter vantagem ou proveito econômico. 4. O propósito ou tentativa de vincular
produtos à marca de terceiros, que se convencionou denominar de associação parasitária, não
se configura quando inexiste ato que denote o uso por uma empresa da notoriedade e prestígio
mercadológico alheios para se destacar no âmbito de sua atuação concorrencial. 5. A norma
prescrita no inciso VIII do art. 124 da LPI - Seção II, "Dos Sinais Não Registráveis como
Marca" - é bastante, por si só, para elidir a prática de atos de concorrência desleal tipificados
no art. 195, III e IV, do mesmo diploma, cujo alcance se arrefece ainda mais em face da
inexistência de elementos fático-jurídicos caracterizadores de proveito parasitário que
evidenciem que a empresa, por meio fraudulento, tenha criado confusão entre produtos no
mercado com o objetivo de desviar a clientela de outrem em proveito próprio. 6.
Descaracterizada a concorrência desleal, não há falar em ofensa ao direito de marca,
impondo-se o afastamento da condenação indenizatória por falta de um dos elementos
essenciais à constituição da responsabilidade civil - o dano. 7. Recurso especial conhecido e
provido. (STJ - REsp: 1376264 RJ 2013/0087236-8, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA, Data de Julgamento: 09/12/2014, T3 - TERCEIRA TURMA)

6) CONCLUSÃO
A CRFB/88 consagrara, em seu artigo 170, a tutela da ordem econômica, estabelecendo
os fundamentos do sistema econômico. Dentro dos princípios protegidos pelo artigo está o da
“livre concorrência”. Antes disso, no seu artigo 1º, ela traz a Livre Iniciativa como um dos
pilares da própria República.
O contrário da livre concorrência seria um mercado monopolizado ou oligopolizado,
controlado por um ou alguns agentes, em detrimento do consumidor e do próprio
desenvolvimento da economia. A competitividade gera o surgimento de novas tecnologias, na
medida em que obriga o empresário a buscar métodos produtivos mais eficientes e produtos
mais capazes. Tal fato, por si só, faz com que seja louvável e nobre proteger as leis de
mercado de práticas abusivas.
A livre iniciativa e a livre concorrência complementam-se, de modo que ambos têm por
objetivo tutelar a existência do livre mercado. Na verdade, a livre concorrência está
correlacionada com o princípio da livre iniciativa, na medida em que, quando existe um
mercado competitivo, quando os empresários podem livremente atuar em suas atividades, há
uma tendência de que utilizem perfeitamente todos os recursos lícitos para que desenvolvam
da melhor maneira possível sua atividade econômica. Assim, a concorrência real permite que
o mercado se mantenha com aqueles agentes que são os mais capacitados, os mais eficientes,
para fornecer produtos e serviços diferenciados e cada vez melhores à clientela.
17

Para que seja protegida a concorrência e o livre mercado, é necessário combater o abuso
do poder econômico. Dito de outra forma é necessário combater a concorrência desleal. A
teoria dominante em nosso direito para conceitua-la é a Teoria do Abuso de Direito.
Para caracterizá-la, a doutrina mais especializada enumera algumas características, que
se materializam em quatro atos essenciais: i) atos capazes de criar confusão, também chamada
de confusão entre produtos ou estabelecimento; ii) difamação (ou denigração) do concorrente;
iii) desrespeito da cláusula contratual e a iv) concorrência parasitária.
18

REFERÊNCIAS

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fundamentais e a construção do novo modelo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 1 v.

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Européia-Mercosul-ALCA. São Paulo: Singular, 2005 apud BAGNOLI, Vicente. Breve
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1967, apud Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 2. São Paulo, dez. 2010, págs.
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pág 120 apud REALE JÚNIOR, Miguel. Concorrência Desleal e interesse difuso no Direito
brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº.49. São
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BARBOSA, Denis Borges. Tratado da Propriedade Intelectual. 2ª. ed. Rio de Janeiro:
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19

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MORAES, Maria Antonieta Lynch de. Considerações acerca da disciplina da concorrência


desleal e do direito patentário. Revista dos Tribunais, vol. 820. São Paulo, dez. 2010, págs
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REALE JÚNIOR, Miguel. Concorrência Desleal e interesse difuso no Direito brasileiro.


Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº.49. São Paulo, mar.
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