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Planejamento Tributário sobre ICMS e ISS incidentes sobre operações com Softwares

Diego Gomes Ferreira Leite1

RESUMO

O presente trabalho procurou analisar as perspectivas sobre a tributação de ICMS e ISS


incidente sobre operações com softwares em diversas de suas formas. Identificaram-se
oportunidades para o planejamento diante de posicionamentos tributários que se pautam em
referenciais não contemporâneos. Buscou-se identificar as vicissitudes da tributação na seara
desses tributos em operações de comercialização de softwares por encomenda, ou no mercado
varejo, bem como quanto ao uso das plataformas de comercialização, como a Google Play e a
App Store (Apple).

Palavras-chave: ICMS. Software de prateleira Software personalizado. ISS. Serviços.


Mercadorias. Conceito econômico. Tecnologias. Disrupção. Internet. Download. Plataformas
de aplicativos. Marketplace.

1
Bacharel em Direito pela UFRJ. Membro da OAB/RJ. Auditor Interno no BNDES e Sócio no escritório Maciel
& Figueiredo Advogados Associados. Especialista em Direito Público (UVA). Especialista em Direito para
Startups e Empreendedores (FGV).
2

1- INTRODUÇÃO
Segundo um estudo feito pela Associação Brasileira de Empresa de Softwares (ABES) 2,
em 2018, a somatória dos investimentos em Tecnologia da Informação entre os países
analisados, chegou a US$2,23 trilhões, o que corresponde a um valor 6,7% superior ao do ano
anterior. Os EUA persistem no topo do ranking mundial com US$ 822 bilhões, seguidos por
China e Japão com US$250 bilhões e US$140 bilhões, respectivamente.
Contudo, na América Latina, o Brasil se manteve em primeiro lugar, sendo responsável
por 42,8% dos investimentos em TI, mais que o dobro registrado pelo México (20%), que
ficou em segundo lugar. Na sequência, mas bem mais longe, seguem Argentina (7,5%) e
Colômbia (7,1%). A título de curiosidade, ao considerarmos o mercado de TIC (equivalente a
"ICT", do inglês "Information and Communication Technologies"), que inclui TI e Telecom, o
Brasil mantém o 7º lugar no ranking mundial, com US$ 97 bilhões investidos, seguindo uma
tendência do setor relacionada à transição de voz para dados.
No que concerne ao mercado brasileiro, o supracitado estudo apresentou algumas
tendências interessantes, como por exemplo, no que toca às soluções para segurança de
informação. A tendência apresentada é pela adoção de soluções inteligentes e serviços
gerenciados. Esse mercado deve atingir US$ 671 milhões, em 2019, crescendo 2,5 vezes mais
rápido se comparado às soluções tradicionais.
Em relação ao uso da Inteligência Artificial (IA), o estudo indica que, no Brasil, 15,3%
das médias e grandes empresas têm dado enfoque a essa tecnologia. Estima-se, inclusive, que
isso dobre nos próximos quatro anos. A tendência neste mercado é de que ocorra a adoção de
agentes automáticos de atendimento à clientes, bots para a análise e investigação de fraudes,
bem como a automação e diagnósticos e tratamento. Por conta disso, há uma estimativa de
que esse percentual de empresas médias e grandes duplique até 2023.
No que toca ao mercado de Big Data e Data Analytics, o desafio do setor está na
mudança da cultura empresarial quanto a analytic context, de modo que é esperado que ele
alcance, neste ano, cerca de US$ 4,2 bilhões.
O mercado de Nuvem (Cloud Computing) no Brasil tem muito espaço para expansão,
uma vez que há o aumento de demanda por serviços gerenciados através de Brokers e
Managed Cloud Services Providers. Assim, estima-se que esse mercado chegará a US$ 2,3
bilhões em 2019.

2
Disponível em <http://www.abessoftware.com.br/noticias/investimentos-em-ti-no-brasil-crescem-98-em-
2018>, acesso em 19/01/2019.
3

O ecossistema de Internet das Coisas ("Internet das Coisas" - IoT, em inglês) deve
movimentar US$ 9 bilhões neste ano, podendo crescer acima de 20% ao ano pelos próximos
anos. Contudo, esse setor em especial, tem sua evolução lenta no âmbito regulatório nacional,
vez que ainda não fora materializado Plano Nacional de IoT. Não obstante isso, o Mercado já
implanta diversos projetos e o BNDES vem estruturando diversas linhas de financiamento
para este setor.
O mercado de hardware deve representar 38% de todo o investimento em TI no Brasil, o
que significa cerca de US$ 24,5 bilhões. Esse mercado, em particular mostra a tendência de
incremento nas vendas de dispositivos de maior valor.
Assim, a expectativa de crescimento para os investimentos em Tecnologia da
Informação, no Brasil, em 2019 é de 10,5%, podendo ainda ser impulsionada pela venda de
devices. A título comparativo, a expectativa de crescimento mundial é de 4,9%, na média.
Esses dados mostram o país crescendo o dobro da média mundial, fato que não ocorria desde
2013.
Segundo outro estudo, também da ABES (ABES,2017, pág, 10), havia, no ano de 2016,
cerca de 15.700 empresas atuando no setor de softwares e serviços no Brasil, sendo quase a
metade delas afetas a distribuição e comercialização.

Empresas Quantidade Fatia do mercado


Desenvolvimento e Produção 4.872 31%
Distribuição e Comercialização 6.365 40,5%
Prestação de serviços 4.470 28,5%
TOTAL 15.707 100%

Analisando somente as empresas ao desenvolvimento e produção (4.872 empresas),


considerando-se o seu porte, temos o seguinte:
4

Figura 1 – A composição do mercado brasileiro de Software3

Segundo a consultoria IDC4, o investimento em tecnologia e inovação vai representar


mais de 50% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina nos dos próximos três anos.
Segundo um relatório da consultoria5, os investimentos em tecnologia entre 2019 e 2022
chegarão a algo em torno de US$ 380 bilhões. Cerca de 76% das empresas sobre o qual o
estudo recaiu afirmam que vão aumentar seus gastos em Tecnologia da Informação. A citada
consultoria estima que o foco maior desses investimentos devem estar nas "tecnologias de
terceira plataforma". Tal conceito abarca quatro pilares, quais sejam: computação na nuvem
(cloud computig), mobilidade (mobility), big data e mídias sociais. A estimativa é a de que
esses pilares vão abranger boa parte dos investimentos das empresas latino-americanas entre
2019 e o ano de 2022.

3
Fonte: ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software, 2017. Disponível em:
http://central.abessoftware.com.br/Content/UploadedFiles/Arquivos/Dados%202011/ABES-EstudoMercado
BrasileirodeSoftware-2019-Parcial-Ingles-Abr-2019.pdf>. Acesso em 04/05/2019.
4
http://br.idclatin.com/
5
Conforme notícia, disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/idc-mais-da-metade-do-pib-
da-america-latina-vira-de-investimentos-em-tecnologia-ate-2022-23547030>.
5

Figura 2- O mercado mundial de softwares6

Assim, parece restar evidente que o mundo dos bens digitais veio para ficar. Mais ainda,
ele veio para transformar. Transformar a vida humana, sobretudo suas relações. Neste sentido,
o presente trabalho se propôs a analisar as oportunidades tributárias afetas ao mercado de bens
digitais brasileiro. Para esse fim, faz-se necessário conceituar juridicamente "bem digital". A
fim de traçar um
Sob a alcunha "bens digitais" encontram-se uma miríade de bens e direitos de formas e
naturezas tão distintas que seria necessário um estudo infinitamente mais amplo do que este.
Destarte, o escopo do presente trabalho recairá especificamente sobre os softwares e a
prestação de serviços de bens digitais, bem como algumas atividades a estes conexas.
Contudo, segundo leciona Emerenciano
Prima facie, a doutrina especializada sobre o tema diverge sobre a natureza o regime
jurídicos referentes aos bens digitais. Carlos Alberto Bittar professa a respeito dessa
divergência, alertando que, nos cenários nacional e internacional, distribuindo-se os
operadores do direito em quatro correntes diferentes, que defendem: a) que esses bens
deveriam estar submetidos a um regime jurídico próprio; b) a sua subsunção ao Direito
Autoral; c) sua submissão ao regime jurídico da propriedade industrial; e d) a sua disciplina
por uma normatividade mista.

6
Fonte: ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software, 2017. Disponível em:
http://central.abessoftware.com.br/Content/UploadedFiles/Arquivos/Dados%202011/ABES-EstudoMercado
BrasileirodeSoftware- 2019-Parcial-Ingles-Abr-2019.pdf>. Acesso em 04/05/2019.
6

No ordenamento jurídico pátrio, os direitos que recaem sobre um software são direitos
autorais. Tal natureza decorre de previsão legal dos artigos 7, XII da lei n 9.610/98 e 2da
lei n 9.609/98:
Lei n 9.609/98. Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de
programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação
de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta
Lei.
§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas
aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de
reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor
de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem
deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador,
que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.
§ 2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de
computador pelo prazo de cinqüenta anos, contados a partir de 1º de janeiro
do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua
criação.
§ 3º A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.
§ 4º Os direitos atribuídos por esta Lei ficam assegurados aos estrangeiros
domiciliados no exterior, desde que o país de origem do programa conceda,
aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no Brasil, direitos equivalentes.
§ 5º Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei e pela legislação
de direitos autorais e conexos vigentes no País aquele direito exclusivo de
autorizar ou proibir o aluguel comercial, não sendo esse direito exaurível
pela venda, licença ou outra forma de transferência da cópia do programa.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos casos em que o
programa em si não seja objeto essencial do aluguel.

Lei n 9.610/98. Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do


espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte,
tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:
XII - os programas de computador;

Neste ponto, a doutrina pátria majoritária parece ser consentânea no sentido de que a
natureza jurídica dos bens digitais é de um direito autoral, conforme leciona Arnoldo Wald,
7

que "igualmente, em nosso país, a doutrina inclina-se no sentido de considerar a proteção do


software como matéria de direito autoral" (WALD, 2002, pág.167).
Em que pese a posição do renomado jurista, pensarmos que deva ser feita uma
distinção entre a natureza jurídica do bem digital e a proteção jurídica que este merece. Quer
nos parecer que, via de regra, os bens digitais têm a natureza jurídica de bens, enquanto
objetos de direito. E, enquanto bem, parece-nos ser um bem incorpóreo. Contudo, este não é o
propósito do presente trabalho. A relevância está em estabelecer-se o regime jurídico
aplicável sobre o software, não só no que toca ao estudo de sua tributação, mas também
quanto ao fato de que sua comercialização ser feita, exclusivamente, por meio de licença de
uso.
De todo modo, para os fins deste estudo, importa-nos estabelecer os regimes jurídicos
aplicáveis aos bens digitais e suas respectivas incidências tributárias.

2 – O conceito de softwares no Brasil e suas consequências tributárias


Atinente aos fins deste trabalho é o estudo da percepção da jurisprudência e dos
entendimentos reinantes nos tribunais administrativos a respeito da tributação incidente sobre
softwares. Contudo, é necessário atentar para o conceito que traz a Lei do Software (Lei nº
9.609/98), que conceitua o programa de computador nos seguintes termos:
“Art. 1º - Programa de computador é a expressão de um conjunto
organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em
suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas
automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou
equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para
fazê-los funcionar de modo e para fins determinados”.
Com o advento da Emenda Constitucional nº 18/1965 7, surgiu no âmbito do Direito
Tributário Brasileiro a segregação dos conceitos de “mercadoria” e “serviço” para o fim de
definir os tributos incidentes sobre os negócios envolvendo ambos (SILVA, ALMEIDA,
MARTINS, pág.29, 2017). Classicamente, a circulação de mercadorias sempre fora vista
como uma “obrigação de dar”, no sentido de entregar algo a alguém, enquanto a prestação de
serviços constituir-se-ia de uma “obrigação de fazer”, uma prestação positiva de alguém com
a finalidade de realizar algo para alguém.
O mestre Hugo de Brito Machado, conceitua “mercadoria” tendo a natureza jurídica de

7
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc18-65.htm.
8

“coisas móveis. São coisas porque bens corpóreos, que vale por si e não
pelo que representam. Coisas, portanto, em sentido restrito, no qual não se
incluem os bens tais como créditos, as ações, o dinheiro, entre outros. E
coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis recebem
disciplinamento legal diverso, o que os exclui do conceito de mercadorias ”
(MACHADO, pág 379, 2006).
Contudo, com a evolução tecnológica, e com as consequentes alterações das relações
humanas ditas “tradicionais”, tais conceitos não se mostram como a mesma rigidez de
outrora. Zonas cinzentas surgiram entre ambos, gerando hipóteses híbridas ou mesmo novas
de mercadorias e de serviços. Tome-se como exemplo o mercado de softwares. Nos
primórdios, um software era vendido em mídias (os famigerados “disquetes”) de pouca
capacidade, sendo necessário dividi-lo em diversas partes para que o mesmo pudesse ser
instalado em um computador de uso pessoal. Posteriormente, tais mídias ampliaram sua
capacidade, de modo que tais softwares pudessem ser disponibilizados em uma única. Esses
softwares eram padronizados, vendidos da mesma forma e com o mesmo conteúdo a todo o
mercado. Eram tradicionalmente chamados de “softwares de prateleira”. Em paralelo,
surgiram players nesse mercado que passaram a atuar personalizando softwares para seus
clientes, geralmente grandes corporações. Surge, então, a ideia de software personalizado.
Nesse último caso, a classificação de mercadoria e serviço parece não bastar para
classificar essa sorte de software. Ao adaptá-lo a necessidade de seu cliente, haveria uma
prestação positiva pelo programador, podendo ser classificada como uma prestação de
serviços.
Verifica-se, portanto, que os bens digitais aqui analisados podem ser enquadrados tanto
em “mercadorias”, quanto em “serviços”. Assim, passa-se a analisar as diferentes formas de
tributação e modelo de softwares.
Um dos julgados mais emblemáticos a respeito do tema fora o RE nº 176.626/SP 8, no
qual o STF passou a reconhecer a necessidade de distinguir-se a espécie de softwares para fins
de tributação. Inicialmente, os autores das ações pretendiam que fosse declarada a imunidade
tributária do artigo 150, VI, “d” da CRFB para os softwares vendidos por meio de mídia física
(CD-ROM). Vejamos um trecho do RE nº 176.626/SP:
“(...) fixou jurisprudência no sentido de que ‘não tendo por objeto uma
mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento
ou cessão de direito de uso de programas de computador’ – matéria

8
Recurso Extraordinário nº 176.626/SP, Primeira Turma do STF, DJe 11.12.1998.
9

exclusiva da lide -, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa


impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a
subtrair do campo constitucional da incidência do ICMS a circulação de
cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e
comercializados no varejo – como a do chamado software de prateleira (off
the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação
intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio”.
Na sequência, veio o RE nº 199.464-9/SP9, que corroborou o entendimento da Corte
neste sentido. Em termos bastante simples, a corte magna entendeu que era necessário
diferenciar-se os negócios jurídicos cujo objeto seja um software standard (ou seja, aquele
padronizado, feito para um público indeterminado) daquele no qual se negocia um
“licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador”. Tal distinção
perpassa, necessariamente, pela dicotomia do Direito Civil entre “obrigação de fazer” e
“obrigação de dar”, para definir-se a incidência de ISS (“obrigação de fazer”, pois seria
serviço) e ICMS (“obrigação de dar”, pois seria mercadoria), que já fora, inclusive, delineado
nas razões da súmula vinculante 3110. Tal julgado da Corte Suprema expôs que, além de ser
necessário o meio físico para que haja a incidência de ICMS, também é necessário que tal
obrigação seja classificada como “de dar”, segundo conceito civilista.
Os ditos softwares de prateleira teriam por característica principal o fato de serem
elaborados e vendidos em larga escala, de maneira uniforme e visando a uma coletividade
geral do mercado, que adquirem suas cópias geralmente dentro de um suporte físico (corpus
mechanicum). Adiante veremos que o suporte físico não é mais necessário. Já o “software
personalizado” pode ser definido como uma espécie de programa de computador produzido
sob encomenda para atender a necessidade específica de determinado usuário. Tal bem
intangível é negociado mediante cessão de direito de uso, comumente chamadas de “licenças
de uso”11.

9
Recurso Extraordinário nº 199.464/SP, Primeira Turma do STF, DJe 30.04.1999.
10
Súmula Vinculante 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS
sobre operações de locação de bens móveis”.
11
No que concerne aos contratos que tem por objeto um direito de propriedade intelectual, “Licença” (ou cessão
do direito de uso) é tradicionalmente o nome dado ao contrato que exprime uma autorização para o uso, ou uso e
gozo (fruição) de direitos de propriedade intelectual, que pode ser onerosa ou gratuita, exclusiva ou limitada,
tomando o caráter de uma locação (se for onerosa) ou comodato (se for gratuita); a retribuição é designada por
royalty, que é calculado com a incidência de um percentil sobre a obtenção de um ganho econômico sobre este
bem ou direito. Já “cessão” seria a disposição plena dos direitos de propriedade intelectual. No contrato de
cessão, ao contrário do licenciamento, o titular dos direitos de propriedade intelectual transfere a outrem a sua
propriedade.
10

3 – O ICMS
O artigo 155, II da CRFB/88 dispõe que os Estados deterão a competência para instituir
impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior”12. Partindo dessa premissa, nota-se que os
bens digitais (lato sensu) poderiam estar enquadrados em operações de circulação de
mercadorias ou na categoria de serviços de comunicação.
Conforme exposto alhures, para que ocorra a materialidade de ICMS sobre softwares, é
necessário, inicialmente, que tal bem seja uma mercadoria. Assim, segundo o entendimento
jurisprudencial reinante, incide ICMS-Mercadorias sobre o software de prateleira, que pode
ser conceituado como aquele que possui suporte físico e é vendido de forma não-customizada
(standard) ao mercado. Nesse sentido, um julgado emblemático fora o RE nº 199.464-9/SP 13
que corroborou o entendimento já consolidado no STF a respeito da configuração do software
standard (ou “de prateleira”) como aquele dotado de corpus mechanicum e que se materializa
como mercadoria. Destarte, a circulação desse software configuraria hipótese de incidência de
ICMS, vez que restaria classificado como “circulação de mercadorias”.
No que concerne às vendas não presenciais realizadas a consumidor final, a Emenda
Constitucional nº 87/2015 alterou sua sistemática quanto a tributação do ICMS. Vejamos o
que dispõe o artigo 155, § 2º, VII da CRFB/88:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor
final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-
se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do
destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna
do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
Nos termos do supracitado dispositivo constitucional, será adotada a alíquota
interestadual nas operações a que se destinem bens e serviços a um consumidor final,
localizado em outro Estado da federação. Nessa hipótese, caberá ao Estado em que estiver
situado o destinatário o montante correspondente a diferença entre a sua própria alíquota
interna e a alíquota interestadual. Já ao Estado de origem, caberá o montante equivalente a
alíquota interestadual.
12
Artigo 155, II da CRFB/88.
13
Recurso Extraordinário nº 199.464/SP, Primeira Turma do STF, DJe 30.04.1999.
11

Note-se que tal sistemática é aplicada tanto aos softwares que são negociados por meio
de suporte físico, quanto àqueles negociados por meio de download. Contudo, essa hipótese
será estudada mais adiante, vez que possui certas especificidades.
Outra hipótese de incidência possível, em tese, seria classificar o software como um
“serviço de telecomunicação”. Ocorre que, na prática, alguns bens digitais são oferecidos
pelas empresas de telecomunicações juntamente com o próprio serviço, fato esse que tem
levado a alguns fiscos estaduais a tributá-los conjuntamente. O artigo 2º da lei complementar
nº 87/1996 dispõe que:
“Art. 2° O imposto incide sobre:
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio,
inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão,
a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;”.
Para que possamos compreender a natureza do serviço de telecomunicações, vejamos o
que define o artigos 60 e 61 da Lei nº 9.472/199714:
“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que
possibilita a oferta de telecomunicação.
§1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo
eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza.
§2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou
aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de
telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as
instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um


serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se
confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento,
apresentação, movimentação ou recuperação de informações.
§1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações,
classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações
que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.
§2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de
telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo
à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim

14
Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações.
12

como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de


telecomunicações”.
De plano, nota-se a complexidade do tema, haja vista ter que ser feita uma distinção
entre serviço de telecomunicações e serviço de valor adicionado (“SVA”), este último, fora
da hipótese de incidência do ICMS. Desta feita, por tratar-se de tema tão complexo, e ainda
sem uma posição firme da doutrina e mesmo da jurisprudência, não há uma definição clara do
que seria “serviço de telecomunicações” para fins de incidência (ou não) de ICMS. Quanto
aos embates jurisprudenciais, podemos citar a ADI 6.124/SC cujo autor sustenta que aquele
Estado construiu um arcabouço para tratar todos os valores recebidos pelas provedoras de
internet como se fossem provenientes da prestação dos serviços de telecomunicações,
possibilitando, assim, a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS). Tal ADI, todavia, ainda não transitou em definitivo.
Outra polêmica recente sobre o tema fora consubstanciada no RE 912.888/RS 15, que
tratou da incidência de ICMS sobre a tarifa básica mensal. Em que pese tal tema não ter
qualquer relação com o objeto de nosso estudo, a ratio decidendi é deveras interessante para
nossos fins. Vejamos sua ementa:
Ementa: TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS SOBRE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO. TARIFA DE
ASSINATURA BÁSICA MENSAL. CONTRAPRESTAÇÃO AO SERVIÇO DE
COMUNICAÇÃO PROPRIAMENTE DITO PRESTADO PELAS
CONCESSIONÁRIAS DE TELEFONIA. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. 1. O
Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 572.020 (Rel.
Min. MARCO AURÉLIO, Rel. p/ acórdão Min. LUIZ FUX, DJe de
13/10/2014), assentou que o ICMS não incide sobre serviços preparatórios
aos de comunicação, tais quais o de habilitação, instalação, disponibilidade,
assinatura (= contratação do serviço), cadastro de usuário e equipamento,
etc., já que tais serviços são suplementares ou configuram atividade-meio. 2.
A tarifa de assinatura básica mensal não é serviço (muito menos serviço
preparatório), mas sim a contraprestação pelo serviço de comunicação
propriamente dito prestado pela concessionárias de telefonia, consistente no
fornecimento, em caráter continuado, das condições materiais para que
ocorra a comunicação entre o usuário e terceiro, o que atrai a incidência do
ICMS. 3. Fica aprovada a seguinte tese de repercussão geral: “O Imposto
de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incide sobre a tarifa de

15
Recurso Extraordinário nº 912.888/RS, Órgão Pleno (Repercussão Geral 827), DJe 10;05.2017.
13

assinatura básica mensal cobrada pelas prestadoras de serviço de telefonia,


independentemente da franquia de minutos conferida ou não ao usuário”. 4.
Recurso extraordinário provido”.
O STF, ao tratar do tema, sempre faz essa distinção entre os serviços de
telecomunicações ou seus serviços agregados (rectius: serviço preparatório ou de valor
adicionado). Infelizmente, na doutrina a compreensão do tema está longe de ser unânime
(BARROS, pág. 1, 2018).
Para alguns, ocorreria a confusão entre os dois grupos de serviços, o que faria com que
o ICMS somente pudesse atingir os serviços que se enquadrassem como “telecomunicações”,
conforme artigo 60, da Lei 9.472/97, excluindo-se os “serviços de valor adicionado”.
Para outros, os serviços ditos de “telecomunicações” são espécie do gênero
“comunicações”, de modo que poderia haver a incidência do ICMS sobre atividade de
telecomunicações. Para estes, o SVA estaria abarcado dentro do conceito de
“telecomunicações”, de modo que tudo isso estaria dentro da hipótese de incidência do ICMS.
Um terceiro posicionamento seria no sentido oposto, ou seja: de que todos os serviços
de comunicação estão contidos nos serviços de telecomunicação. Logo, há uma miríade de
serviços que estariam fora da hipótese de incidência do ICMS. Para essa corrente, a Lei
9.472/97 conceitua “serviço de telecomunicação” como o “conjunto de atividades que
possibilita a oferta de telecomunicação”. Ora, então os serviços “básicos” e que não
acarretam a totalidade das etapas da comunicação (emissão, transmissão e recepção das
mensagens) poderiam ser classificados como “serviços de telecomunicação”, ou seja: fora do
grupo dito “serviços de comunicação”. Por consequência haveria o afastamento da incidência
do ICMS. Indo mais além, os serviços de valor adicionado (SVA) devem ser excluídos da
incidência do ICMS, já que não se enquadram na definição legal de “serviços de
telecomunicação”.
Há, ainda, uma quarta corrente, que passa ao largo das definições legais da Lei
9.472/97, de modo que, para estes, apenas os serviços que viabilizem a emissão, transmissão e
recepção de mensagens, cumulativamente, podem ser chamados de “serviço de
comunicação”, e somente estes seriam tributáveis pelo ICMS. A ideia-força desta corrente é a
de que só haveria “comunicação” quando o emissor e receptor forem identificados e possam
interagir na troca de mensagens. Esta é, certamente, a posição mais restritiva quanto ao campo
material de incidência do ICMS.
Infelizmente, essa confusão conceitual tem acarretado as mais diversas interpretações
por parte dos Fiscos Estaduais, que tendem a tributar quaisquer serviços que se utilizem de
14

meios de comunicação como elementos, ainda que não primordiais, e ainda que a
comunicação não seja o substrato econômico (rectius: a causa negocial) buscada pelas partes.
Esta é uma interpretação, sem dúvida, bastante ampliativa e que termina por acarretar a
cobrança de ICMS em situações bastante questionáveis, do ponto de vista da tipicidade
tributária.
Deste modo, nossa posição é a de que resta afastada a materialidade do ICMS sobre os
softwares, ainda que negociados por empresa prestadora de serviço de telecomunicação, haja
vista que este não apesenta os elementos dos serviços sobre os quais este tributo incidiria.
Contudo, existem Fiscos estaduais que sói tributarem bens digitais por meio do ICMS-
Comunicação, uma vez que muitos dos serviços são oferecidos por empresas de
telecomunicações, e desta feita, há uma espécie de equiparação aos serviços desta natureza.
Tal entendimento, contudo, não tem prosperado na jurisprudência, visto que não se verificam
nos bens digitais os elementos necessários a configuração de um serviço de telecomunicações.
Contudo, tendo em vista que o tema do presente trabalho é a incidência de tributos sobre uma
espécie de bens digitais (softwares), importa-nos dizer que parece estar afastada a
materialidade do ICMS.
Existe um último aspecto relevante a ser tratado em sede de ICMS, que diz respeito ao
seu elemento temporal: a questão do deslocamento da mercadoria. Tal questão parece ter mais
relevância no que toca aos softwares adquiridos por downlods, que serão estudados em
capítulo próprio. Ainda que seja possível pensar-se na personalização de software prestado a
distância, para fins de incidência de ICMS, a hipótese relevante seria o deslocamento do
software de prateleira.
Sobre o tema, o STJ exarara sua súmula 166, que dispõe: "Não constitui fato gerador do
ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo
contribuinte". Tal entendimento foi corroborado pelo STF em diversos outros julgados, dentre
os quais, podemos destacar o RE 158.834/SP16, de 2002.
No referido RE, o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator, professou:
“(...) se o deslocamento físico de matéria-prima entre unidades de uma
mesma empresa não constituía, no regime pretérito, operação relativa a
circulação de mercadorias, é no mínimo razoável a assertiva de que, na
sistemática atual, a integração no ativo fixo de bens produzidos no próprio
estabelecimento não configura hipótese de incidência que possa derivar da
matriz constitucional do ICMS (art 155, I, b CRFB/88)”.

16
RE nº 158.834-9/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, em 23/10/2002.
15

No mesmo sentido, a Ministra Ellen Gracie professou seu voto no Ag. Reg. no RE
267.599/MG17:
“A pretensão não merece acolhida. Tal como constatou a decisão agravada,
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende o simples
deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma
empresa, sem a transferência de propriedade, não caracteriza a hipótese de
incidência do ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual de
mercadoria”.
O professor Roque Antônio Carraza, no mesmo sentido, professa que:
“(...) tal ‘operação relativa à circulação de mercadorias’ só pode ser
jurídica (e não meramente física) o que, evidentemente, pressupõe a
transferência, de uma pessoa para a outra e pelos meios adequados, da
titularidade de uma mercadoria – vale dizer, dos poderes de disponibilidade
sobre ela. Sem essa mudança de titularidade não há que se falar em
tributação válida por meio de ICMS” (CARRAZA, 2012, pág 523).
Contudo, com o advento da Lei Complementar nº 87/1996 (lei Kandir), passou-se a
questionar se, diante de seu novel inciso I, do artigo 12, tal entendimento estaria legalmente
alterado. Dispõe tal dispositivo:
“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que
para outro estabelecimento do mesmo titular;”
No âmbito do STJ, o RE 1.125.133/SP terminou por firmar a tese de Recurso Repetitivo
nº 25918. A questão trazida a julgamento fora referente a não-incidência do ICMS sobre o
mero deslocamento de equipamentos ou mercadorias entre estabelecimentos da titularidade do
mesmo contribuinte, em razão da ausência de circulação econômica para fins de transferência
de propriedade. O entendimento da corte fora no sentido de corroborar sua própria súmula
166.
Indo um pouco mais além, a tese de Recurso Repetitivo de nº 367, consubstanciada no
julgamento do RE nº 1.116.792/PB19, trata da análise da necessidade de o contribuinte
cumprir com as obrigações tributárias acessórias na hipótese de deslocamento de mercadorias
entre seus próprios estabelecimentos. Vejamos a tese firmada.
“Ainda que, em tese, o deslocamento de bens do ativo imobilizado e de
material de uso e consumo entre estabelecimentos de uma mesma

17
Ag. Reg. no RE nº 267.599/MG, Rel. Min Ellen Gracie, em 24/11/2009.
18
RE nº 1.125.133/SP, Relator Min. Luiz Fux, em 10/09/2010.
19
RE 1.116.792/PB, Rel. Min. Nunes Maia Filho, em 05/03/2010.
16

instituição financeira não configure hipótese de incidência do ICMS,


compete ao Fisco Estadual averiguar a veracidade da aludida operação,
sobressaindo a razoabilidade e proporcionalidade da norma jurídica que
tão-somente exige que os bens da pessoa jurídica sejam acompanhados das
respectivas notas fiscais”.
Assim diante de um estudo das jurisprudências dos tribunais superiores, é possível
constatar-se que tanto o STF quanto o STJ ainda mantém o entendimento de que só ocorrerá
fato gerador do ICMS quando houver a efetiva circulação jurídica da mercadoria, na forma da
súmula nº 166 do STJ.
Porém, apesar de aparentemente a questão encontrar-se pacificada no Judiciário, o tema
ainda continua a gerar discussões. Não raro os Fiscos estaduais defendem que tal
posicionamento adotado pelos tribunais superiores fora firmado antes do advento da Lei
Kandir (LC 87/1996), publicada em 15/09/1996.
O Estado do Rio Grande do Norte, em 02/10/2017, ajuizou uma Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) junto ao STF buscando a declaração de constitucionalidade de
dispositivos da Lei Kandir, dentre os quais, o inciso I do artigo 12. Assim, pretende tal ente
federativo que seja mantida no ordenamento a ocorrência de fato gerador do ICMS sobre a
transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Em sua inicial, a PGE/RN defende que a opção pela incidência do ICMS nessas
operações não traz prejuízo para os contribuintes, na medida em que o montante de tributo
debitado no estabelecimento remetente é contabilizado no destinatário. Mas faria diferença
para o fisco estadual, pois “a operação que envolve estabelecimentos situados em distintos
estados da Federação assegura a cada unidade partícipe parcela da receita tributária”, e
importa no rateio do ICMS entre os estados de origem e destino. Outro argumento importante
pela Procuradoria é o de que o entendimento adotado pelo STJ, no sentido de privilegiar o
enfoque sobre a circulação jurídica da mercadoria (transferência de titularidade) em
detrimento da circulação física ou mesmo a econômica não encontra amparo na CRFB/88.
Nosso entendimento é de que tal posicionamento da PGE/RN não deve prosperar, visto
que seria totalmente teratológico entender-se que houve circulação de mercadorias em uma
mera transferência física entre estabelecimentos do mesmo titular. Tal entendimento
deturparia os conceitos dos demais ramos do Direito, violando diretamente o artigo 110 do
CTN20. Razão assiste, destarte, ao posicionamento atual de STF e STJ, portanto.
20
CTN. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e
formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições
dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências
tributárias.
17

4- O ISS
O artigo 156 da CRFB/88 trouxe as hipóteses dos tributos sobre competência dos
Municípios. No que concerne a materialidade do ISS, o inciso II deste artigo, assim dispõe:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar;
Em termos simples, a hipótese de incidência do ISS é a prestação de serviços de
qualquer natureza, desde que atendam às seguintes condições: a) não estejam inseridos no
campo do ICMS (ou seja: transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação); e b)
esteja previsto em lei complementar. No caso, trata-se da Lei Complementar nº 116/2003, que
traz em seu bojo uma lista anexa de serviços passíveis de incidência do tributo.
A pedra de toque deste tributo, portanto, é a “prestação de serviços”, que em termos
simples, pode ser entendida como a ação de fazer algo, fornecer, uma atividade, ou um
trabalho a ser executado. Contudo, em uma concepção mais técnica, a definição tanto do
termo “prestação” quanto do termo “serviço” deverá advir do Direito Privado, na forma do
que dispõe o artigo 110 do CTN. Assim, tradicionalmente a doutrina especializada conceitua
a prestação de serviços como uma “obrigação de fazer”21.
O jurista José Eduardo Soares Melo, leciona que:
“O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em
comento não se circunscreve a 'serviço, mas a uma 'prestação de serviço',
compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de
'fazer', de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado.”
(MELO, 2003, pág. 33).
Nota-se a clara distinção deste tributo para o ICMS, o qual o núcleo de sua hipótese de
incidência é a obrigação de dar um objeto.
No que toca a “serviço, o ilustre mestre Aires F. Barreto, nos ensina que:
“(...) não é todo e qualquer 'fazer' que se subsume ao conceito, ainda que
genérico, desse preceito constitucional. Serviço é conceito menos amplo,
mais estrito que o conceito de trabalho constitucionalmente pressuposto. É
como se víssemos o conceito de trabalho como gênero e o de serviço como
espécie desse gênero. De toda a sorte, uma afirmação que parece evidente, a
partir da consideração dos textos constitucionais que fazem referencia
ampla aos conceitos, é a de que a noção de trabalho corresponde,

21
Dentro do conceito de obrigação de fazer (obligatio faciendi) pode ser compreendido o serviço humano em
geral, seja material ou imaterial, a realização de obras e artefatos, ou a prestação de fatos que tenham utilidade
para o credor. A prestação consiste, assim, em atos ou serviços a serem executados pelo devedor.
18

genericamente, a um 'fazer'. Pode-se mesmo dizer que trabalho é todo o


esforço humano, ampla e genericamente considerado. (...)
O conceito de serviço supõe uma relação com outra pessoa, a quem serve.
Efetivamente, se é possível dizer-se que se fez um trabalho 'para si mesmo',
não o é afirmar-se que se prestou serviço 'a si próprio'. Em outras palavras,
pode haver trabalho sem que haja relação jurídica, mas só haverá serviço
no bojo de uma relação jurídica. Num primeiro momento, pode-se
conceituar serviço como todos o esforço humano desenvolvido em benefício
de outra pessoa (em favor de outrem). (BARRETO,2003, pág. 29).”
A prestação de serviço, desta feita, é um negócio jurídico, cujo objeto é uma obrigação
de fazer, com pelo menos duas partes, uma delas possuindo um dever jurídico de prestar a
obrigação de fazer (prestador do serviço), e da outra, em contrapartida, com o direito
subjetivo de exigi-la (tomador do serviço). O objeto da obrigação de fazer é a prestação do
serviço, portanto, contudo, ao seu término pode ser entregue um bem, em que pese este ser
incorpóreo22 e infungível23.
Destarte, na medida em que já foram dissecadas as expressões inseridas no núcleo da
hipótese de incidência do ISS, pode-se concluir que: a) sua materialidade reside em uma
obrigação de fazer (rectius: “prestação de serviço”); b) o conceito de “serviço” deve ser
entendido consoante com o Direito Privado 24; c) trata-se de um negócio jurídico; d) esse
negócio jurídico tem, necessariamente, conteúdo econômico; e) a prestação do serviço não
pode ter cunho empregatício.
Dessa feita, para que haja a materialidade do tributo, deve-se analisar a lista anexa da
Lei Complementar que regulamenta o ISS, dentre os quais, destacam-se:
1 – Serviços de informática e congêneres.
1.01 – Análise e desenvolvimento de sistemas.
1.02 – Programação.
1.03 – Processamento de dados e congêneres.
1.04 – Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos
eletrônicos.
1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos,
imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação,
entre outros formatos, e congêneres.

22
O bem é incorpóreo quando inexistente fisicamente. Abstrato, por exemplo, fruto do intelecto
23
O bem é infugível quando personalíssimo, impossível de substituição em razão de suas características,
qualidades e quantidades, como uma pintura de Rembrant, por exemplo.
24
Como consequência disso haverá a exclusão do serviço público de sua hipótese de incidência.
19

1.04 - Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos


eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em
que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e
congêneres.
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de
computação.
1.06 – Assessoria e consultoria em informática.
1.07 – Suporte técnico em informática, inclusive instalação, configuração e
manutenção de programas de computação e bancos de dados.
1.08 – Planejamento, confecção, manutenção e atualização de páginas
eletrônicas.
1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo,
imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros,
jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras
de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de
setembro de 2011, sujeita ao ICMS). (...)
17.25 - Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e
publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas
modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de
recepção livre e gratuita).
A elaboração de software, portanto, parece estar tipificada claramente no item 1.04,
contudo, a depender da espécie de software elaborado este poderia incidir em quaisquer das
hipóteses acima, até mesmo na hipótese de propaganda e publicidade. Dentre as hipóteses
elencadas acima, pode-se vislumbrar uma hipótese de planejamento específico no que toca às
“comunicações audiovisuais de acesso condicionado”, que estaria, em tese, no âmbito do
ICMS.
Outro ponto relevante quanto a esse tributo fora o entendimento do STJ exarado no
REsp nº 456.650/PR1 que entendeu no sentido de que os provedores de acesso à Internet não
prestam serviços de comunicação ou de telecomunicação, mas, sim, “serviço de valor
adicionado”, e por isso não se sujeitam à incidência de ICMS 25. O que há de importante a se
notar neste julgado é o fato de que não houve a exclusão da possibilidade de tributação do
ISS. Posteriormente, houve alguns acórdãos no sentido de que não incidiria o ISS sobre estes
serviços, por pura omissão da lista anexa da Lei 116/2003. Dentre estes acórdãos, podem ser

25
Art. 61, § 1º, da Lei n. 9.472/1997.
20

citados: o REsp nº 719.635/RS26, o REsp nº 1.183.611/PR27 e o REsp nº 658626/MG28. Em


síntese, tais julgados proferiram o entendimento nos seguintes sentidos: a) não incide o ICMS
sobre o serviço prestado pelos provedores de acesso à internet, uma vez que a atividade
desenvolvida por eles constitui mero “serviço de valor adicionado” (art. 61 da Lei nº.
9.472/97, e atualmente posicionamento conforme a Súmula nº 334/STJ); b) em tese, seria
possível falar-se em incidência do ISS, haja vista não incidir o ICMS; c) nos casos concretos
analisados, entendeu-se não haver a hipótese de incidência de ICMS, em razão de tais
serviços não estaria elencado na lista de serviços de sua lei reguladora.
Assim, diante dos itens supra expostos da LC nº 116/03 29, em nossa opinião, ocorre a
incidência do ISS sobre toda e qualquer sorte de programa de computador (ex: aplicativos de
celular, softwares disponibilizados via browser, disponibilizados por download, etc), desde
que: a) fora da hipótese de incidência do ICMS, ou seja, não seja mercadoria e nem os
serviços a este afetos; e b) esteja elencado na lista anexa a LC nº 116/03. Noutros termos, em
nossa opinião, tanto o software personalizado (e por isso com a natureza de serviço), quanto
os serviços de atualização ou personalização de software, são passíveis de tributação por ISS.
Assim, em síntese, incidirão os impostos:
i. ICMS-Mercadoria: quando da comercialização do “software de prateleira”,
padronizado;
ii. ICMS-Comunicação: quando o bem digital (do qual software é espécie),
quando este puder, de algum modo, efetuar a comunicação entre seus usuários;
iii. ISS: quando o software for um bem criado de forma customizada para aquele
usuário específico; ou também sobre qualquer serviço de atualização contínua
do mesmo (ideia-força de prestação de serviço).
Contudo, a determinação dessa natureza no âmbito das negociações feitas via internet não é
fácil. A própria definição da natureza dos ativos negociados como “mercadoria” ou “serviço”
é bastante diferente do que foi outrora. Cada bem digital pode ser disponibilizado e até
usufruído de modos completamente novos e cada vez mais intangíveis, o que dificulta a
manutenção dos entendimentos até aqui exarados em um futuro talvez não tão longe assim.

5- Tributação sobre download de softwares

26
Recurso Especial nº 719.635-RS, Min. Relator Eliana Calmon, DJe.07/04/2009.
27
Recurso Especial nº 1.183.611-PR, Min. Relator Eliana Calmon, DJe.22/06/2010.
28
Recurso Especial nº 658.626-MG, Min. Relatora Deise Arruda, DJe. 22/09/2008.
29
É importante notar que a lista anexa foi alterada pela LC nº 157/2016.
21

Com o advento de novas tecnologias digitais, antigas classificações ou visões sobre os


bens necessitam ser revistas. No que toca às negociações de softwares, em quaisquer de suas
espécies (ex: games, aplicativos de celular, utilitários de computadores, etc) o uso da internet
certamente alterou completamente as relações humanas, e não só nesse aspecto. Desta feita, o
Direito, que sempre tenta adaptar-se às mudanças impostas pela sociedade, parece não estar
conseguindo atualizar-se em velocidade compatível com as inovações contemporâneas.
O principal catalizador desta revolução tecnológico-social fora, sem dúvida, o advento
da internet, que veio permitir o acesso quase ilimitado a uma imensa quantidade de
informações, de forma instantânea e, em geral, gratuita, em um ambiente sem barreiras
físicas. Com o advento da lei nº 12.965/14 (Marco Civil da Internet), o acesso a internet
passou a ser “direito essencial ao exercício da cidadania”30. Houve, ainda, o Projeto de
Emenda Constitucional (PEC) nº 06/201131 que pretendia incluir o acesso à Internet no rol do
artigo 6º da CRFB/88, qualificando-o como uma espécie de direito social. Resta comprovado,
portanto, que o acesso a rede mundial de computadores tornou-se de tanta importância que já
é considerado por muitos como um direito fundamental.
A internet foi configurada de forma que fosse praticamente impossível ser controlada
por um único agente. Ela, atualmente, é o que o cientista Paul Baran 32 chama de “rede
distribuída”.
A internet adquiriu, portanto, peculiaridades únicas, exclusivas, cujas características
poderiam ser sintetizadas da seguinte maneira: a) uma rede, regra geral, aberta a todos os
usuários; b) interativa; c) internacional; d) não possuidora de uma autoridade central; e)
distribuída ou descentralizada33; e) que cria limites a partir dos costumes de uso de seus
usuários; f) operada por uma multiplicidade de agentes; g) e que diminui os custos de
transação.

30
Vide seu art. 7º.
31
Infelizmente tal emenda fora arquivada em 21/12/2018, conforme pode-se comprovar em
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/99334>.
32
Paul Baran (nascido na cidade de Hrodna, na época pertencente à Polônia, em 29 de abril de 1926, e falecido
em Palo Alto, em 26 de março de 2011) foi um dos inventores da rede de comutação de pacotes, juntamente com
Donald Davies e Leonard Kleinrock.
33
Há divergências nesse ponto.
22

Figura 3 - Rede Centralizada, Rede Descentralizada e Rede Distribuída – Classificação de Paul


Baran

Vivemos, portanto, na chamada “Era da Informação”, que gerou a “Sociedade da


Informação”, que segundo Guerra é a “corporificação de um processo continuado de
destruição das fronteiras físicas traçadas no nível jurídico -político pelo imperativo de uma
ordem econômica nova que tornou transnacional o fluxo internacional de capitais”
(GUERRA, 2004, pág. 23).
A internet, portanto, gerou um espaço próprio, ou “ambiente virtual”, um locus comum
e intangível, onde os indivíduos interagem mutuamente. É nesse “lugar” que ocorrem as
situações de interesse jurídico. Em um lugar “virtual”, que não é sequer assemelhado ao
espaço real, porque não está fixo, nem é localizável mediante os sentidos empíricos. Noutros
termos, não é possível determinar-se onde se situa a internet, logo, há uma evidente
problemática a ser tratada pelo o Direito Tributário.
Conforme fora exposto exaustivamente, para fins de determinação dos tributos
incidentes sobre a negociação de um software, de plano é necessário saber a natureza deste: se
mercadoria ou serviço. Sobre o software de prateleira, incidirá ICMS, pois é uma mercadoria.
Já sobre o software personalizado incidirá ISS, vez que este é prestação de serviço. Essa é a
visão clássica formada pelos Tribunais Superiores, conforme os julgados supracitados.
Contudo, tal distinção não é tão clara atualmente. Com o advento da indústria digital e
da quarta revolução industrial, os conceitos clássicos vêm sendo revistos na doutrina.
Segundo lições do professor Roque Antônio Carraza, “mercadoria” seria “um bem móvel
23

corpóreo adquirido pelo comerciante, industrial ou produtor, para servir de objeto a seu
comércio, isto é, para ser revendido” (CARRAZA, pág. 190,2012).
Desse modo, em um primeiro olhar, poder-se-ia pensar que não há que se falar na
incidência de ICMS sobre softwares. No entanto, atualmente discute-se nos tribunais
superiores a possibilidade de incidir o ICMS no download de softwares. Tal discussão tem
seu centro nervoso decorrente da ADI 1.945-7/MS 34, que aguarda julgamento há quase 20
anos. O cerne da celeuma reside em duas questões principais: a) haver, ou não, a transferência
de titularidade, uma vez que nesses casos, os softwares são objeto de contrato de licença
(rectius: cessão de direito de uso) e não de compra e venda; b) a possibilidade de o ICMS
poder incidir sobre bens imateriais. Em razão do escopo deste trabalho, tratar-se-á somente da
segunda questão.
Nos idos de 2010, o STF sinalizara no sentido de que, face ao avanço tecnológico, o
conceito tradicional de mercadoria não se mostraria mais atrelada à necessidade de um
suporte físico. Tal entendimento abriria a possibilidade para a incidência de ICMS sobre o
download de programas de computador. Assim, fica evidente que há, na verdade, uma
relativização do conceito de mercadoria, vez que ela vem se aproximando do que
conhecíamos como serviço, e vice-versa.
Contudo, a jurisprudência até o momento, conforme demonstrada na ADI 1.945-7/MS 35,
parece ter tido bastante foco em debater a questão de conceituar “circulação de mercadorias”
para fins de incidência de ICMS. Tal debate refere-se a definir se bastaria haver a mera
circulação jurídica, ou seria necessária a efetiva circulação física (rectius: transferência de
titularidade) para fins de incidência de ICMS36. Contudo, para os fins a que se destina o
presente estudo, é mais importante conceituarmos mercadoria, com o fulcro de aferir se há
materialidade suficiente para incidir o ICMS sobre o download de softwares.
O mestre Hugo de Brito Machado (seguindo a mesma linha do supracitado mestre
Roque Antônio Carraza) conceitua “mercadoria” como
“coisas móveis. São coisas porque bens corpóreos, que vale por si e não
pelo que representam. Coisas, portanto, em sentido restrito, no qual não se
incluem os bens tais como os créditos, as ações, o dinheiro, entre outros. E
coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis recebem

34
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945. Requerente: PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro). Requerido: Estado do Mato Grosso do Sul – MS. Relator: Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno.
35
A ADI fora conclusa ao Relator em 25/03/2019.
36
Vide súmula 166 do STJ e RE 267.599/MG (Relatora: Min Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 06/04/2010, DJ
30/04/2010).
24

disciplinamento legal diverso, o que os exclui do conceito de mercadorias


(MACHADO, pág. 379, 2006).
Em que pese o calibre do autor, não se pode negar que as novas tecnologias nos forçam
a refletir se a característica de bem corpóreo poderia persistir nos dias atuais.
A manifestação mais recente desse novo paradigma foi exarado na Medida Cautelar na
ADI 1.945-7/MS, proferida pelo Plenário do STF, que concluíra por não ser necessária a
corporificação do bem para fins de incidência do ICMS. Na linha desse posicionamento
diversas legislações estaduais têm assim considerado, fato que nos leva a concluir no sentido
de que o ICMS deve ser uma preocupação daqueles que transacionam softwares por meio de
download, até o presente momento.
Segundo essa linha de raciocínio, um bem corpóreo e móvel seria conditio sine qua non
para que determinado ativo fosse considerado mercadoria. No entanto, tal conceituação não
pode ser mais vista de forma tão objetiva, principalmente após a edição da Emenda
Constitucional nº 87, de 16/04/2015, que alterou o procedimento do recolhimento de ICMS
incidente sobre vendas não presenciais realizadas por meio eletrônico (artigo 155, § 2º, VII da
CRFB/8837). Tal alteração é eivada de bastante relevância no que concerne ao download de
softwares. Nesse sentido, o ICMS devido nessas operações passou a ser partilhado entre o
Estado de origem (a quem caberá o valor resultante da alíquota interestadual), e o Estado de
destino (que terá direito ao valor resultante da diferença entre a sua própria alíquota interna e
a alíquota interestadual).
Além disso, a tributação de softwares distribuídos por meio de downloads passou a ser
uma realidade regulamentada pelo Convênio nº 181 do Conselho Nacional de Política
Fazendária (CONFAZ), exarado em 29/12/2015. Tal Convênio autoriza que os Estados
possam promover reduções nas bases de cálculo do ICMS incidente sobre softwares, de modo
que a carga tributária corresponda ao percentual mínimo de 5% (cinco por cento) do valor da
operação, relativo às operações com softwares padronizados disponibilizados por qualquer
meio, inclusive nas operações efetuadas por meio da transferência eletrônica de dados.
O Estado de São Paulo foi um dos Estados que se aproveitou do Convênio (SILVA,
ALMEIDA, MARTINS, 2017, pág.33), editando o Decreto nº 61.791, de 12/01/2016, que
alterou o RICMS, e reduziu a base de cálculo nas operações com software (e com outras

37
CRFB/88. Art 155, §2º, VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final,
contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao
Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado
destinatário e a alíquota interestadual.
25

espécies de bens digitais, a rigor) para 5% do valor da operação. Tal decreto, aliás, traz
algumas disposições bastante interessantes:
“I - o artigo 37 às Disposições Transitórias: Artigo 37 (DDTT) - Não será
exigido o imposto em relação às operações com softwares, programas,
aplicativos, arquivos eletrônicos, e jogos eletrônicos, padronizados, ainda
que sejam ou possam ser adaptados, quando disponibilizados por meio de
transferência eletrônica de dados (download ou streaming), até que fique
definido o local de ocorrência do fato gerador para determinação do
estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto”. (...)
II - o artigo 73 ao Anexo II: “Artigo 73 (SOFTWARES) - Fica reduzida a
base de cálculo do imposto incidente nas operações com softwares,
programas, aplicativos e arquivos eletrônicos, padronizados, ainda que
sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, de
forma que a carga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento)
(Convênio ICMS-181/15).
Parágrafo único - O disposto no “caput” não se aplica aos jogos
eletrônicos, ainda que educativos, independentemente da natureza do seu
suporte físico e do equipamento no qual sejam empregados”.
Em termos simples, parece evidente que esse Fisco Estadual entende ser tributável a
transferência de bens digitais via download.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, seu Decreto nº 27.307, de 20/10/2000 tinha um
tratamento similar. Contudo tal ao normativo fora revogado expressamente pelo Decreto nº
46.543/2018, de 28/12/2018, fato que, em certa medida, abre caminho para que este ente
federativo se reposicione quanto à incidência do ICMS sobre downloads.
Outra referência relevante sobre o tema fora a edição do Convênio nº 106 do CONFAZ,
exarado em 29/09/2017. Nos termos do Convênio, incidiria ICMS sobre qualquer operação
com bens digitais, devendo o tributo ser recolhido no local de domicílio ou estabelecimento
do adquirente do bem, por ocasião da “saída interna ou importação”, desde que por meio de
qualquer espécie de plataforma eletrônica ou sítio eletrônico que realize a venda on-line,
incluindo aquelas realizadas por pagamento periódico.
No entanto, no dia 15/03/2018, fora proferida uma decisão liminar em juízo do Estado
de São Paulo, em sede de Mandado de Segurança Coletivo, para que fosse sustada a
incidência de ICMS sobre a operação mercantil de download de software padronizado. O writ
fora impetrado por uma associação civil, e fora acolhido. Em suas teses a impetrante alegou a
inconstitucionalidade e a ilegalidade tanto do Decreto Estadual paulista nº 63.099/2017
26

quanto do Convênio CONFAZ nº 106/2017. A Associação sustenta, em resumo, que o


Convênio 106/2017 e o Decreto nº 63.099/2017 invadiram campo de atuação de lei
complementar no que toca aos artigos 146, III e 155, § 2º, XII, ambos da CRFB/88, uma vez
que estabelecerem procedimentos de recolhimento de ICMS sobre bens digitais,
disponibilizados por qualquer meio. Aos olhos do impetrante tais atos determinaram uma
nova incidência tributária, sem qualquer respaldo na Constituição Federal e na Lei
Complementar 87/1996. Além disso, ainda fez menção a hipótese de incidência de ISS, face
aos itens 1.03, 1.05 e 1.09 da lista anexa da Lei Complementar nº 116/2003, o que
evidenciaria a bitributação, denunciando uma evidente afronta ao Pacto Federativo, na medida
em que haveria distorção das competências tributárias. Ponto interessante na decisão do juízo,
ainda que em tutela precária, foi o fato de que não só acatara os argumentos do contribuinte,
como também fizera menção a ADI 1945-MS, (referida acima) em seus fundamentos. Pode-se
concluir, portanto, que a referida ADI será o julgado que determinará o paradigma a ser
seguido.
Vejamos o que dispõe a Lei Complementar de ISS:
Lista Anexa a Lei Complementar nº 116/2003
1 – Serviços de informática e congêneres.(...)
1.03 - Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos,
imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação,
entre outros formatos, e congêneres.
1.04 - Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos
eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em
que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e
congêneres.
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de
computação.
(...)
1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio,
vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de
livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas
prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no
12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS). (...)
Portanto, tais bens digitais, disponibilizados por meio de plataforma eletrônica, parecem
estar claramente incluídos na hipótese de incidência do ISS. Contudo, tal celeuma parece estar
intimamente ligada à própria semântica de “serviços” na atualidade. Melhor ainda, conforme
27

exposto alhures, parece estar ligada a dicotomia entre os conceitos de “mercadoria” e


“serviços”. Tradicionalmente a distinção entre mercadoria e serviço é feita pela dicotomia
“obrigação de dar” (bem móvel e corpóreo) e “obrigação de fazer”. Contudo, tal paradigma
não pode ser suportado nos dias atuais, sobretudo diante das novas espécies de bens que
surgem.
Sob o tema, é importante o estudo dos fundamentos da Súmula Vinculante nº 31, que
dispõe “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS
sobre operações de locação de bens móveis”. Um de seus precedentes fora o RE nº 116.121-
SP38, no qual o SFT decidiu pela inconstitucionalidade da expressão “locação de bens
móveis”, do item 79 do Decreto-lei nº 406/1968 (posteriormente revogado pela LC
nº 116/2003).
TRIBUTO - FIGURINO CONSTITUCIONAL. A supremacia da Carta
Federal é conducente a glosar-se a cobrança de tributo discrepante
daqueles nela previstos. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS - CONTRATO DE
LOCAÇÃO. A terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela
o objeto da tributação. Conflita com a Lei Maior dispositivo que imponha o
tributo considerado contrato de locação de bem móvel. Em Direito, os
institutos, as expressões e os vocábulos têm sentido próprio, descabendo
confundir a locação de serviços com a de móveis, práticas diversas regidas
pelo Código Civil, cujas definições são de observância inafastável - artigo
110 do Código Tributário Nacional.
Em tal julgado, o voto do Ministro Celso de Mello ilustra bastante claramente o
entendimento clássico. Vejamos:
Cabe advertir, neste ponto, que a locação de bens móveis não se identifica e
nem se qualifica, para efeitos constitucionais, como serviço, pois esse
negócio jurídico - considerados os elementos essenciais que lhe compõem a
estrutura material - não envolve a prática de atos que consubstanciam um
praestare ou um facere.
Na realidade, a locação de bens móveis configura verdadeira obrigação de
dar, como resulta claro do art. 1.188 do Código Civil: "Na locação de
coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado, ou
não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição".
Esse entendimento - que identifica, na figura contratual da locação de bens
móveis, a presença de uma típica obrigação de dar, fundada na cessão de
coisa não fungível (...).
38
Recurso Extraordinário nº 116.121-3SP, Relator Min. Octavio Gallotti. Dje em: 11/10/2000.
28

No entanto, essa visão parece não ser mais unânime. É o que se pode concluir do voto
do ministro Luiz Fux no Embargo de Declaração em RE 651.703-PR 39, o ministro pronunciou
seu voto evidenciando tal mudança de perspectiva:
“(...)Por último, é de se destacar que, assim como não houve alteração
jurisprudencial, mas apenas a aplicação dos critérios interpretativos fixados
no julgamento dos RE´s 547.245 e 592.905, não houve igualmente
superação do entendimento esposado pela Sumula Vinculante nº 31 deste
Egrégio Tribunal (“É inconstitucional a incidência do imposto sobre
serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens
móveis.”), porquanto este Colegiado limitou-se a identificar a prevalência
de verdadeira prestação de serviço nas atividades desenvolvidas pelas
operadoras de planos de saúde, nas quais os aspectos inerentes ao “dar” e
ao “fazer” encontram-se indissociavelmente ligados, o que, como já dito,
não impossibilita o seu enquadramento nos termos do art. 156, III, da
Constituição Federal.
E aqui tomo a liberdade de fazer um importante esclarecimento em respeito
à confiança que se espera da atuação judicial. Apesar de ressalvar o meu
ponto de vista pessoal durante o julgamento de mérito, no sentido de que a
classificação dicotômica entre “obrigação de dar” e “obrigação de fazer”,
com o pretenso objetivo de recortar a realidade econômica em duas
categorias estanques, possui cunho eminentemente civilista e não
corresponde à classificação efetuada pelo constituinte ao atribuir
competências aos entes federados, assumo que essa não foi a ratio
decidendi de todos os votos proferidos na sessão de 29/09/16.
Esse é o principal ponto que denota a não superação ainda do precedente
do RE 116.121 (Tribunal Pleno, Rel. Min. Octávio Gallotti, Rel.p/ acórdão
Min. Marco Aurélio, DJ de 25/05/01), relativo à incidência do ISSQN sobre
a atividade de locação de guindastes, bem como da Súmula Vinculante nº
31, editada por esta Corte com amparo no mencionado julgamento. Dos
excertos abaixo, extraídos do voto que proferi na ocasião do julgamento de
mérito do RE 651.703, fica clara a inclinação pelo reconhecimento da
necessidade de superação da linha de pensamento que se criou no âmbito
desta Corte a partir do julgamento do RE 116.121: “Com efeito, a
classificação das obrigações em ‘obrigação de dar’, de ‘fazer’ e ‘não
fazer’, tem cunho eminentemente civilista. De fato, a disposição no Título

39
Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário nº 651.703-PR, Relator Min. Luiz Fux. Dje em:
28/02/2019.
29

‘Das Modalidades das Obrigações’, no Código Civil de 2002 (que seguiu a


classificação do Código Civil de 1916), em: (i) obrigação de dar (coisa
certa ou incerta) (arts. 233 a 246, CC); (ii) obrigação de fazer (arts. 247 a
249, CC); e (iii) obrigação de não fazer (arts. 250 e 251, CC), não é a mais
apropriada para o enquadramento dos produtos e serviços resultantes da
atividade econômica, pelo que deve ser apreciada cum grano salis.
[...]
A finalidade dessa classificação (obrigação de dar e obrigação de fazer)
escapa totalmente àquela que o legislador constitucional pretendeu
alcançar, ao elencar os serviços no texto constitucional tributáveis pelos
impostos (por exemplo, serviços de comunicação – tributáveis pelo ICMS;
serviços financeiros e securitários – tributáveis pelo IOF; e, residualmente,
os demais serviços de qualquer natureza – tributáveis pelo ISS), qual seja, a
de captar todas as atividades empresariais cujos produtos fossem serviços,
bens imateriais em contraposição aos bens materiais, sujeitos a
remuneração no mercado. Reconheci, ademais, a existência de diferentes
correntes na doutrina quanto ao tema e, conscientemente, segui o
entendimento que reputo mais adequado às transformações tecnológicas
atuais, que necessariamente se refletem no campo do Direito, sobretudo do
Direito Tributário, concluindo que o conceito de serviço, para fins
tributários, está relacionado ao oferecimento de uma utilidade para
outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais, prestados com
habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou não com a
entrega de bens ao tomador.
Assim, é de clareza solar que o Ministro Fux tem um entendimento diferente no que
toca a dicotomia entre “produtos” e “serviços”. Mais interessante ainda é notar que ele traz
para o centro da discussão o “oferecimento de uma utilidade” para a definição do campo de
incidência tributária, o que vai de encontro aos ensinamentos do mestre Marco Aurélio Greco.
Sobre o tema, o eminente jurista leciona que:
O mundo moderno tem mostrado que a atividade não é mais o único
elemento relevante para definir os valores das negociações realizadas.
Se olhar do ângulo do produtor que levou à identificação da atividade
exercida como elemento relevante (inclusive para fins de tributação), olhar
do ângulo do cliente leva ao surgimento de uma outra figura, que é a
utilidade. Muito frequentemente, as pessoas se dispõem a pagar
determinada remuneração não pela natureza ou dimensão da atividade
30

exercida pela outra pessoa, mas, principalmente, pela utilidade que vão
obter. O valor não está mais apenas na atividade do prestador, mas
também na utilidade obtida pelo cliente.
Diante dessa realidade, utilizar o conceito de serviço (como expressivo de
uma atividade) para fins de qualificação da matéria tributável é, também,
deixar à margem da tributação significativa parcela da atividade econômica
exercida no mercado e que é formada pelo fornecimento de utilidades, no
mais das vezes imateriais e que resultam de atividades novas, não
alcançadas pelo conceito tradicionalmente utilizado. Por isso, sem prejuízo
dos avanços que a interpretação pode trazer, entendo pertinente uma
alteração na norma constitucional atributiva de competência tributária
relativa a serviços para substituir o conceito de serviço pelo de “utilidade”,
mais consentâneo com a realidade atual, inclusive tecnológica (GRECO,
págs 54-55,2000).
Tanto o citado jurista quanto o ministro Luiz Fux, trazem a tona uma visão do conceito
de serviços que transborda o Direito Civil, deitando fundações em um campo ainda mais
amplo: o próprio Direito Privado. Sob esse prisma, o Direito Privado tem um conceito mais
abrangente de “serviços”, com forte influência das ciências econômicas. Para esses autores, o
cunho econômico dessa amplitude do conceito constitucional de serviço se fundamenta na
própria definição de empresário, da atividade econômica empresarial e dos produtos dela
resultantes. Para essa corrente, a própria dicotomia das expressões “bens e serviços” revela o
conceito econômico de serviços, na medida em que são produtos da atividade empresarial.
Para fins tributários, tudo o que for excluído do conceito de bens corpóreos resultantes da
atividade empresarial (salvo as exceções constitucionais), e por isso tributáveis por ICMS,
estariam incluídos no campo dos serviços, entrando no campo de tributação do ISS. Para os
defensores desta corrente, o conceito econômico de serviços estaria evidenciado tanto na
expressão “serviços de qualquer natureza” constante do artigo 156, inciso III da CRFB/88 40,
quanto no próprio conceito de empresário, constante do artigo 966 do CC/02. Tal lição é
tratada brilhantemente por Alberto Macedo:
“Essa adjetivação “de qualquer natureza”, aliás, faz muito mais sentido
quando se entende que o constituinte incorporou o conceito econômico de
serviços. Isso porque, diferentemente do conceito de serviços no Direito
Civil (e não no Direito Privado como um todo) –que não demanda maiores
exercícios interpretativos, por ser facilmente apreensível (embora
40
CRFB/88. Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza,
não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
31

dificilmente aplicável numa série de atividades econômicas) – o conceito de


serviços na Economia, de maneira distinta, já apresenta, de pronto, uma
vagueza semântica caracterizada pelo conjunto de atividades econômicas
que não consubstanciam, como produtos, bem materiais. Tal vagueza, ao ser
acompanhada da expressão `de qualquer natureza`, denota que é tributável
pelo ISS toda a residualidade desse conceito no universo da atividade
econômica, (...) (MACEDO, págs 71 a 79, 2015).
O mesmo autor leciona, também que:
O exposto no tópico acima, de serviço como bem imaterial, prevaleceu no
STF até o RE 116.121 SP, de 2000, onde, por seis a cinco, venceu a
equivocada teoria da obrigação de fazer, passando pela Súmula Vinculante
31, de 2010, a qual foi perdendo força com a Rcl 8.623 AgRg RJ, de 2011, e
com os RREE 547.245 e 592.905 SC, de 2009, voltando a prevalecer o
conceito de serviço como bem imaterial no STF, com o RE 651.703 PR, de
2016, (...)
De fato, enquanto o Direito Civil, que sequer apresenta positivada a
definição de serviço como obrigação de fazer, nunca se prestou a regular as
atividades econômicas de circulação de bens e serviços, o Direito
Comercial, depois Direito Empresarial, surgiu justamente para
desempenhar esse papel. Assim, natural que a definição de empresário
(núcleo do Direito Empresarial), consubstanciada no artigo 966 do Código
Civil, tenha incorporado três conceitos econômicos, quais sejam,
“empresário”, “atividade econômica” e “bens e serviços”. E esta última
expressão dicotômica revela que como resultado da produção econômica,
ou se circulam bens materiais (mercadorias) ou bens imateriais (serviços),
neste último enquadrando-se o licenciamento de software, não havendo um
tertius genus, exatamente como é na Economia, e que a Constituição
incorporou (MACEDO, pág 78, 2015).
Sob esse prisma, portanto, o conceito constitucional de serviço não se fundamentaria no
Direito Civil, mas sim traria uma alma mais econômica, incorporada não só pelo Direito
Privado, mas pelo próprio texto constitucional, no sentido de uma utilidade ofertada
decorrente de um conjunto de relações econômicas. Reforçando a tendência moderna de que
essa tese torne-se a predominante, novamente o Ministro Luiz Fux, em seu voto no já citado
RE 651.703-PR professa que:
A doutrina cita como paradigmático nesse tema, o RE 116.121, relativo à
incidência do ISSQN sobre a atividade de locação de guindastes. Depois de
32

aproximadamente trinta anos acolhendo a incidência de ISSQN sobre


locação de bens móveis, o referido acórdão representou uma guinada na
jurisprudência a respeito da interpretação do conceito de serviço tão
somente à luz dos conceitos do Direito Privado (...)
Essa assertiva conduz à conclusão de que não deve ser excluída, a priori, a
possibilidade de o Direito Tributário ter conceitos implícitos próprios ou
mesmo fazer remissão, de forma tácita, a conceitos diversos daqueles
constantes na legislação infraconstitucional, mormente quando se trata de
interpretação do texto constitucional.(...)
Com efeito, deve-se ressaltar que o art. 110, do CTN, não veicula norma de
interpretação constitucional, posto evidente que não é possível engendrar-
se interpretação autêntica da Constituição feita pelo legislador
infraconstitucional, na medida em que este não pode balizar ou direcionar o
intérprete da Constituição. (...)
Destarte, o art. 110, do CTN, não tem a amplitude que dele se possa extrair
por interpretação literal, porquanto qualquer conceito jurídico, seja ele do
Direito Privado ou não, ou extrajurídico, advindo ele da Economia ou de
qualquer ramo do conhecimento, que tenha sido utilizado pelo constituinte
para definir competências tributárias não pode ser alterado por legislação
infraconstitucional. (...)
Ou seja, enquanto o art. 109, do CTN, deu prevalência ao método
teleológico, o art. 110, do CTN, enfatizou o método sistemático – aquele
pelo qual os conceitos do sistema do Direito Privado empregados no Direito
Tributário conservam o seu sentido originário. Dessa forma, o CTN houve
por bem dividir os métodos de interpretação, a depender de os conceitos
tributários terem ou não estatura constitucional (TORRES, Ricardo Lobo.
Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2006, p.145).
Deveras, mercê de ostentar o status de lei complementar, não poderia o
código estabelecer normas sobre a interpretação da Constituição, sob pena
de restar vulnerado o princípio da sua supremacia. (...)
Desta sorte, conclui-se que, embora os conceitos de Direito Civil exerçam
um papel importante na interpretação dos conceitos constitucionais
tributários, eles não exaurem a atividade interpretativa. (...)
Destarte, a interpretação dos conceitos de Direito Tributário segue três
princípios (BEISSE, Heinrich. O critério econômico na interpretação das
leis tributárias segundo a mais recente jurisprudência Alemão in Brandão
33

Machado (coord.) Estudos em Homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira.


São Paulo: Saraiva, 1984, p. 21/23).
O primeiro deles indica que conceitos econômicos de Direito Tributário,
que tenham sido criados pelo legislador tributário ou por ele convertidos
para os seus objetivos, devem ser interpretados segundo critério
econômico. Para tanto, cita como exemplo a expressão “renda e proventos
de qualquer natureza”, que não é encontrada no Direito Civil, sendo
delineada pelo legislador tributário.
O segundo princípio delineia que conceitos de Direito Civil devem ser
interpretados economicamente – embora respeitado o sentido literal
possível das palavras – quando o objetivo da lei tributária imponha, de
forma objetivamente justificada, um desvio do conteúdo de Direito
Privado, em nome do princípio da igualdade, v.g., o exemplo trazido pelo
autor é o da expressão “empregadores”, utilizada no art. 195, da CRFB/88,
para definir os contribuintes das contribuições da seguridade social, que
não tem o sentido do Direito do Trabalho, abarcando empresas que não
mantêm empregados próprios.
O terceiro princípio é o de que os conceitos de Direito Civil devem ser
interpretados de acordo com a definição dada pela legislação civil quando,
conforme o sentido e o objetivo da lei tributária, existe certeza de que o
legislador cogitou exatamente do conceito de Direito Privado ou,
alternativamente, quando o sentido literal possível da norma tributária não
confere outra possibilidade interpretativa. Nesse sentido, tem-se como
exemplo o fato gerador do ITR (art. 153, VI, CRFB/88), pelo qual a
tributação circunscreve-se à propriedade imóvel por natureza, não
alcançando os imóveis por acessão. (...)
A finalidade dessa classificação (obrigação de dar e obrigação de fazer)
escapa totalmente àquela que o legislador constitucional pretendeu
alcançar, ao elencar os serviços no texto constitucional tributáveis pelos
impostos (por exemplo, serviços de comunicação – tributáveis pelo ICMS;
serviços financeiros e securitários – tributáveis pelo IOF; e, residualmente,
os demais serviços de qualquer natureza – tributáveis pelo ISS), qual seja, a
de captar todas as atividades empresariais cujos produtos fossem serviços,
bens imateriais em contraposição aos bens materiais, sujeitos a
remuneração no mercado. (...)
Assim, embora seja possível verificar a existência de corrente doutrinária a
identificar o conceito de serviços com obrigação de fazer, há também
34

categorização no sentido de que o conceito econômico de prestação de


serviço não se confunde com o conceito de prestação de serviço de Direito
Civil, (...)
Sob este ângulo, o conceito de prestação de serviços não tem por premissa a
configuração dada pelo Direito Civil, mas relacionado ao oferecimento de
uma utilidade para outrem, a partir de um conjunto de atividades imateriais,
prestados com habitualidade e intuito de lucro, podendo estar conjugada ou
não com a entrega de bens ao tomador.
O Ministro parece encampar a tese ampliativa do conceito de “serviços”, no sentido
econômico do termo, qual seja: falar-se-á em serviços quando existir uma prestação de
utilidade ao cliente, adquirente, beneficiado, podendo estar conjugada ou não a entrega de
bens. Em síntese, o Ministro Fux, em seu voto, exarou os seguintes entendimentos:
a) O artigo 110 do CTN não pode balizar o conceito de serviços trazido pela CRFB/88,
pois a interpretação deve ser conforme a Constituição, e não o contrário;
b) Os conceitos do Direito Civil não exaurem as hipóteses interpretativas, de modo que
outras fontes podem ser usadas, tal como o próprio Direito Privado e as ciências
econômicas;
c) Existem três princípios pelos quais o Direito Tributário é interpretado, um dentre
estes preceitua que os conceitos econômicos devem ser respeitados em sua essência;
d) Afirma, peremptoriamente, que a finalidade da classificação de serviço e mercadoria
por meio da dicotomia entre obrigação de dar e obrigação de fazer escapa totalmente
àquela que o legislador constitucional pretendeu alcançar.
Deste modo, ao analisar-se o software por download sob o prisma do ISS, parece restar
claro que incide tal imposto, e não o ICMS. Em primeiro lugar, um ponto relevante reside no
fato de que o Convênio ICMS nº 106/2017 parece ter extrapolado os limites da função
atribuíra aos convênios, que nos termos do artigo 100, inciso IV, do Código Tributário
Nacional (CTN), são normas complementares das leis, dos tratados e das convenções
internacionais e dos decretos.
Ainda, considerando-se o conceito constitucional de “operação de circulação de
mercadoria”, parece claro que para haver “circulação” há a necessidade de efetiva
transferência de titularidade do bem, não só juridicamente (ex: pela celebração de contrato de
compra e venda), como também faticamente, in concreto, o que ocorreria com a efetiva
circulação, com a tradição. No mercado de software, pode-se dizer que este jamais foi objeto
alienação, e sim de “licença de uso”, na forma do que dispõe o artigo 9º da Lei 9.609/1998,
35

que diz que “o uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença”.
A rigor, há uma cessão de direito de uso, e não transferência de titularidade, vez que o
software, seu código-fonte, sua engenharia, continua na titularidade do cedente. Assim, se não
há transferência de titularidade, faltaria um dos requisitos para que o mesmo possa ser
chamado de mercadoria.
Note-se que tampouco importa se a licença é cedida a título perpétuo. Esse modelo é um
resquício da época em que os softwares necessitavam do suporte físico para materializar-se
(como o disquete e o CD). Mas ainda nesta época do download, o fato de o usuário pagar
somente uma vez para poder usar eternamente o software, não faz dele seu dono. Cessionário
não é titular da propriedade.
Finalmente, a Lei Complementar nº 116/2003 claramente dispõe que haverá hipótese de
incidência do ISS sobre as operações realizadas no ambiente digital, principalmente após as
alterações promovidas pela Lei Complementar n° 157/2016 e, sobretudo, do item 1.05, já
mencionado alhures.
Portanto, nosso posicionamento, em que pese toda essa celeuma jurisprudencial, é no
sentido de que o software adquirido por download deveria ser tratado como se mercadoria
fosse, incidindo os tributos dessa relação correspondente. No entanto, parece-nos que mais
coerente unificar em um só tributo as hipóteses de incidência mercadoria e serviços, visto que
cada vez mais se torna difícil distingui-las, e o Direito Tributário é regido pelo Princípio da
Legalidade estrita, de modo que o Contribuinte deveria ter a plena certeza das hipóteses de
incidência dos tributos. Nossa visão leva em conta, portanto, uma necessidade de reforma
tributária com a finalidade, sobretudo, de dar mais transparência e clareza ao contribuinte, que
é o maior afetado por um Sistema Tributário complexo e confuso.
Contudo, considerando o direito positivo atual, nosso posicionamento é no sentido da
incidência do ISS sobre a tributação de softwares por download, e não do ICMS. Nosso
posicionamento leva em consideração não só o atual ordenamento jurídico, como também a
jurisprudência. No entanto, reiteramos que melhor seria uma reforma tributária que eliminasse
a dicotomia entre “mercadorias” e “serviços”, quiçá criando um imposto único, que incluísse
ambas bases tributárias, em razão de atualmente existir mais interseções do que distinções
entre elas. A rigor, parece-nos que o software por donwload é, via de regra, uma mercadoria,
um bem digital. No entanto, não mais sob o aspecto do clássico Direito Civil, mas sob o
prisma da moderna Economia, que cria novos bens e ativos sem as mesmas características dos
antigos. Contudo, na atual situação, parece-nos ser mais fácil defender a incidência do ISS do
que do ICMS nos softwares adquiridos por meio de downloads.
36

Um exemplo disso é que cada vez mais se torna relevante o mercado dos “softwares por
assinatura”, modelo de negócio em que a empresa proprietária licencia o software por tempo
determinado. Esse modelo, mostra que o software não pode ser considerado uma mera
mercadoria no sentido de “uma obrigação de dar”, sob pena de se admitir o absurdo de que o
usuário (rectius: cessionário, e não adquirente) teria a mercadoria tempo determinado. Resta
claro, portanto, que toda a visão sobre estes bens deve ser revista. Concordamos, portanto,
com o raciocínio do Ministro Luiz Fux.
Assim, para fins de planejamento tributário, atualmente, parece ser mais seguro ao
contribuinte proceder ao recolhimento do ISS, na forma da LC nº 116/2003, buscando
observar a legislação estadual com a devida cautela, em busca de eventuais incidências de
ICMS (e as impugnando, quando for o caso). De fato, essa miríade de posicionamentos não
terminou por criar outro efeito senão o de fulminar a segurança jurídica nesse tema. De todo
modo, é imperioso acompanhar o desfecho dos julgados supracitados, para que se possa ter
(ao menos um pouco) de segurança jurídica nesse caso.

6-Tributação na venda de aplicativos via plataformas (Google Play/App Store/Microsoft


Store)
Outro tema que se mostra uma zona cinzenta em tributação de bens digitais é aquela
incidente sobre transações comerciais de aplicativos (softwares) por meio de plataforma
eletrônica. Nada mais comum e corriqueiro atualmente do que a compra de um aplicativo de
celular, ou mesmo de computador, por meio de plataformas como Google Play ou a App
Store. Contudo, tais operações, do ponto de vista tributário, são mais diversas e complexas do
que pode parecer à primeira vista. Para que se trace um estudo é necessário que sejam
analisadas minuciosamente suas naturezas e peculiaridades.
De plano, é necessário analisar a natureza da própria plataforma de negociação. O
business da plataforma é, basicamente, proceder a intermediação entre o comprador e o
vendedor dos softwares. Ela não produz ou sequer altera o aplicativo, mas tão-somente o
expõe a venda para potenciais compradores. Ela pode ser enquadrada no que se chama
“marketplace”, que em termos bastante simples é um facilitador do contato entre
desenvolvedor/autor do aplicativo e seus consumidores. A função do marketplace é a de ser
um mero expositor do produto, de modo que oferece um espaço virtual para o produto ter
mais visibilidade ao seu mercado consumidor. Importante notar que, exatamente por isso, o
desenvolvedor/autor do software continua responsável pelas obrigações decorrentes da venda,
incluindo a responsabilidade pelas obrigações tributárias.
37

Há que se analisar, também, o objeto da negociação. Neste ponto, importante lição de


Gustavo Lian Haddad e Vinícius Nogueira, que ensinam que o software
“pode ser classificado em três categorias distintas, à razão inversa de sua
operacionalidade pelo usuário final de computador: (i) firmware; (ii)
sistemas operacionais; e (iii) programas aplicativos.
Os firmwares são programas inseridos dentro do próprio hardware, ou seja,
são instruções gravadas no próprio chip do computador e que se prestam
apenas à leitura (...).
Os programas operacionais são sistemas que gerenciam o funcionamento da
máquina, permitem a comunicação geral entre ela e seu operador,
escalonando entradas e saídas, e alocando seus recursos físicos (sobretudo
memória) de forma a permitir que unidades de processamento recebam e
executem as instruções de programas aplicativos simultaneamente.
Os programas aplicativos, por sua vez, são aqueles relativos à execução de
tarefas específicas, que visam a solucionar os problemas do usuário do
computador (...)” (HADDAD e NOGUEIRA, pág 60, 2018).
Conclui-se que das espécies de softwares que podem ser negociados, o firmware não faz
parte do escopo deste trabalho, visto que este viria necessariamente incluído no hardware. No
que toca aos demais tipos (programas operacionais e aplicativos) não há diferença prática para
fins de tributação. Tradicionalmente, no entanto, as plataformas comercializam aplicativos.
Tal lição é bem explorada por Carla Eugênia Caldas Barros, que nos ensina o seguinte:
“Os tipos mais frequentes de contratos que envolvem informática que as
relações de consumo são mais visíveis são mais visíveis, são aqueles que
envolvem compra e venda seja de software, seja de hardware, bem como
assistência técnica e contrato de prestação de serviço. São os tipos de
freeware41, semi-freeware42, shareware43, shareware em domínio público 44,

41
Significa que é permitida a distribuição do software , mas não sua modificação. Nessa espécie, o código-fonte
não é aberto, ou seja, não é disponibilizado. É distinto do conceito de software livre.
42
É concedida a permissão para uso, cópia, distribuição e modificação, desde que por propósitos filantrópicos e
sem aferição de lucro.
43
Trata-se do software disponibilizado com a permissão de redistribuição, mas o código-fonte não é
disponibilizado, e há o pagamento da licença.
44
Cremos que neste ponto, a autora quis referir-se a “software em domínio público”, que é aquele em que o autor
do software relega a propriedade do programa e este se torna bem comum, ou seja, não possui copyright. O
autor, entretanto, pode restringir que modificações sejam feitas.
38

software livre45, software comercia46l, software proprietário47”. (BARROS,


pág., 2007).
Além disso, há que se observar o ditame do caput do artigo 9º da lei 9.609/1998: “O uso
de programa de computador no País será objeto de contrato de licença”. Destarte, é
importante traçar a distinção entre a licença de software, da cessão do software. Nas palavras
do mestre Denis Borges Barbosa, a licença
“é precisamente uma autorização, dada por quem tem o direito sobre o
software, para que uma pessoa faça uso do objeto de seu direito. Esta
autorização tem um aspecto puramente negativo: o titular do software
promete não empregar os seus poderes legais para proibir a pessoa
autorizada do uso do objeto de seu direito. Tem, porém, um aspecto positivo,
qual seja, o titular dá ao licenciado o direito de explorar o software, com
todos os poderes, instrumentos e meios que disto decorram ” (BARBOSA,
pág 2015, 2017).
As licenças podem ser simples ou exclusivas, em que pese a possibilidade de haver
diversas espécies delas, como vimos acima. As licenças simples seriam como uma
autorização de exploração ou uso, sem que o licenciador abdique do direito de não mais
utilizar-se do software, ou mesmo explorá-lo direta ou indiretamente. O segundo tipo, as
licenças exclusivas, seriam o mais próximo da alienação do direito, uma vez que implica em
renúncia do direito de exploração por parte do titular do direito (autor). Note-se, no entanto, a
sutil diferença: o desenvolvedor/autor licenciante permanece como titular do direito.
Outro negócio jurídico tendo como objeto os softwares é a cessão. Segundo Denis
Borges Barbosa, trata-se de “um acordo entre as partes que tem como propósito a mudança
do titular dos direitos sobre programas, transferindo de uma pessoa para outra a
propriedade sobre o mesmo” (BARBOSA, págs 2031-2012, 2017). Na cessão, há a
transferência dos direitos patrimoniais sobre o software, portanto48.
Seguindo o raciocínio, é importante notar que há as mais diversas possibilidades de
negócios jurídicos envolvendo softwares. Contudo, interessam ao presente estudo, aqueles
passíveis de serem feitos por meio destas plataformas de negociação. É possível, por exemplo,

45
Qualquer programa que se tenha a liberdade de ser usar, copiar, modificar e redistribuir. Opõe-se ao conceito
de software proprietário. Pode ser vendido ou disponibilizado gratuitamente.
46
Aquele software desenvolvido com o objetivo de expô-lo ao mercado e obter lucros.
47
Aquele cuja cópia, redistribuição ou modificação são vedados pelo autor em determinado grau. É necessário
solicitar permissão ou pagar para utilizar. Pode ser freeware, shareware, trial ou demo.
48
Contudo, como se trata de um Direito Autoral, os direitos da personalidade incidentes sobre o software
quedam-se com o autor. São os direitos ligados a paternidade da obra, chamados na doutrina especializada de
“direito moral do autor”.
39

haver a oferta de softwares gratuitos, cujo objetivo do desenvolvedor/autor é obter


remuneração pelas propagandas neles inseridos. Outra espécie seria aquele disponibilizado,
gratuitamente ou não, com o fulcro de distribuir conteúdo ao usuário (ex: notícias sobre
finanças), o qual seria posteriormente remunerado, ou contaria com um valor adicional. No
entanto, a relação mais contumaz nas plataformas seria a licença de uso do software. Nesta
espécie encontram-se, certamente, a imensa maioria dos casos de aplicativos negociados
nestas plataformas. O consumidor/licenciado, portanto, busca adquirir uma funcionalidade do
desenvolvedor/autor, que dá àquele uma autorização para que faça uso dessa funcionalidade.
Outro ponto relevante para a compreensão da dinâmica do tema é o procedimento para a
publicação do aplicativo nas plataformas. Cada plataforma tem suas peculiaridades nos
procedimentos, contudo, a essência deles é a mesma. Via de regra, o autor do aplicativo
deverá se cadastrar na plataforma, pagando uma assinatura (geralmente anual). Após isso, há
uma fase de testes, na qual a equipe da plataforma verifica se o programa viola Direitos
Autorais, ou mesmo Direitos Personalíssimos do usuário/consumidor (ex: aplicativo acionar a
câmera do celular, ou o microfone, sem sua autorização). Além disso, há uma verificação
técnica (verificação de “bugs”). Passando nos testes, a plataforma emite uma espécie de
certificação ou anuência, e somente a partir deste ponto, e estando a identificação do autor
confirmada, o aplicativo pode ser enviado à plataforma (upload). A relação jurídica entre o
autor e a plataforma, portanto, parece ser de evidente prestação de serviço.
A dinâmica da comercialização do software em toda essa cadeia, desde a sua criação até
a efetiva aquisição pelo consumidor/usuário, também é complexa. Na figura abaixo, ilustram-
se as possibilidades.
40

Figura 4 - As diversas hipóteses de transações entre desenvolvedores, plataformas e


compradores de softwares

Destarte, para que se tenha um estudo completo da tributação incidente sobre as


operações comerciais de software via plataformas, seria necessário analisar cada uma dessas
relações. Noutros termos, seria necessário entender a natureza das relações jurídicas de cada
uma dessas operações (rectius: relações jurídicas), para que seja possível conhecer os tributos
incidentes.
Passaremos, então, a analisar as relações jurídicas existentes na cadeia. No que toca a
etapa inicial, de upload do software, conforme afirmamos acima, de plano há um contrato de
prestação de serviços firmado entre o autor-vendedor e a plataforma. O serviço ofertado pela
plataforma, como já sinalizamos acima, é bastante próximo de um contrato de agência 49.
Assim, a plataforma nada mais seria do que um marketplace para o software do autor. Noutros
termos, as empresas de marketplace digital são prestadoras de serviços de intermediação, não
importando o que será transacionado, ela estará sempre na posição de agenciadora de
compradores e vendedores50. Importante notar-se que a plataforma se remunera, via de regra,

49
CC/02. Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de
dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios,
em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser
negociada.
50
Não deve ser confundida, portanto, com empresas de e-commerce. A sociedade empresarial cujo objeto social
for operacionalizar um marketplace não será jamais uma prestadora de serviços de transporte, ou mesmo de
vendedora de um produto. Ela jamais será a detentora o dona do bem negociado.
41

pela assinatura dos vendedores (rectius: desenvolvedores ou autores) do software, bem como
por um percentual incidente sobre o valor da venda.
Assim sendo, os tributos incidentes em razão da prestação de serviço de
intermediação, seriam: PIS, COFINS51, CSLL e IRPJ. Além desses, incide o ISS, pois o fato
gerador aqui tratado é a prestação de um serviço pela plataforma. Importante notar, contudo,
que todos os tributos têm como base de cálculo somente os valores efetivamente cobrados
pela plataforma, e não a totalidade dos valores transacionados pela plataforma. A rigor, os
valores efetivamente pagos pelo comprador terminam por transitar na Contabilidade da
plataforma, mas somente o que efetivamente é pago a ela (preço pelo serviço) deverá constar
na Demonstração de Resultados do Exercício (DRE).
Tal modelo tributário seria o padrão para o caso de a plataforma pertencer a uma
sociedade empresarial com sede no Brasil, contudo, as principais encontram-se em território
estrangeiro. Nesse caso, em tese, haveria uma importação de serviço. Como consequência há
a incidência de mais um tributo: o IOF. Embora o IOF não seja diretamente incidente sobre as
operações de comércio exterior, ele tem como fato gerador as operações de câmbio, nas quais
há a troca de moeda estrangeira por nacional e vice-versa (BROGINI, pág 70, 2013) 52. A
alíquota do IOF-Câmbio nesses casos de importação de serviços está sujeita a alíquota de
0,38%, e seu elemento temporal é a data de liquidação da operação de câmbio, pouco
importando quando foi contratada. Sua base de cálculo é o montante correspondente ao valor,
em moeda nacional, correspondente ao valor da operação de câmbio53.
Nesse caso, note que não há a incidência nem de Imposto de Importação (II), e
tampouco de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), uma vez que estes tributos não
incidem sobre serviços, mas somente sobre produtos (bens).
Questão um pouco mais tormentosa é a relação entre a plataforma e o
adquirente/consumidor do software. Neste ponto, é necessário retornar ao debate sobre a
natureza do software: se feito sobre encomenda (ou personalizado); de prateleira (ou produto);
ou misto. Sobre o tema, vejamos o que diz a doutrina especializada.
"(...) as transações comerciais com software podem ter como objeto um
software-produto, software sob encomenda, ou ainda, um software

51
Importante perceber que, na qualidade de prestadoras de serviços, essas empresas podem calcular créditos de
PIS e COFINS em relação às despesas com bens e serviços utilizados como insumo na realização desse serviço.
Não se aplica a essas empresas o debate doutrinário e jurisprudencial acerca da impossibilidade de apuração de
créditos de PIS e COFINS sobre insumos na atividade de revenda.
52
Sua base legal está no artigo 153, V da CRFB/88, c/c o artigo 63 do CTN. Ele conta, ainda, com a lei n 
8.894/1994.
53
Essa é a regra geral, o artigo 15-A do Decreto n 6.306, de 2007 elenca algumas exceções.
42

adaptável. A depender do tipo de software negociado entre as partes, as


formas jurídicas do negócio tendem a variar substancialmente. (...)
Quanto aos negócios envolvendo software adaptável, posto que ele envolve
um mix entre a transferência de utilidades ou direitos relativos ao software-
produto e a prestação de serviços de adaptação do programa às
necessidades do contratante, as transações a ele relativas assumirão
características de negócios envolvendo software-produto e/ou prestação de
serviços, conforme as diferentes pactuações entre desenvolvedor e
usuário/adquirente" (HADDAD e NOGUEIRA, págs 65-66, 2018).
Destarte, no que toca a relação jurídica referente a etapa da venda do software ao
consumidor final, a mesma celeuma relatada quanto ao download se apresenta. Há que ser
verificado se o software possui as características de uma mercadoria, ou de uma prestação de
serviços, ou mesmo uma mescla de ambos, a fim de que se descubra o tratamento jurídico
dado à hipótese. Ocorrendo a hipótese mista, incidirá o ICMS a parte referente àquilo que for
padronizado no software. De igual modo, tudo o que for personalizado (ou adaptável) no
software, será tributado pelo ISS, vez que constituirá um serviço54.
Há outras situações nas quais o desenvolvedor oferece o software (gratuitamente ou
não), mas além disso oferece um benefício mediante o pagamento de assinatura. Tais
benefícios podem variar, podendo ser um conteúdo (ex: notícias sobre séries de televisão, ou
indicadores financeiros) ou mesmo atualizações (ex: software de contabilidade que gera notas
fiscais automaticamente). Parece claro como um dia de verão que tais benefícios têm a
natureza de serviços, conforme exposto acima, devendo ser tributados pelo ISS, portanto.
Também é oportuno salientar que a natureza do serviço prestado pela plataforma em
nada se assemelha a um serviço de comunicação, assim não há que se falar em incidência do
ICMS-Comunicação. Assim, sendo serviço comum, o benefício será reconhecido no Brasil,
uma vez que o adquirente do software está em território nacional, e destarte, a tributação seria
no município de domicílio deste. Ainda, sendo um software de prateleira, ele foi "entregue"
(por meio virtual) em território nacional, logo, a incidência do ICMS se dará no Estado do
domicílio do adquirente. Em que pese a obviedade desses dados, eles mostram-se essenciais
para um planejamento tributário, em razão das diferentes alíquotas, ou eventuais benefícios
fiscais, dos diferentes Estados da Federação.
54
Segundo a lista anexa à LC 116/2003: 1.09 - Disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio,
vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a
distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei n 12.485, de
12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS).
43

Entretanto, corroborando o que fora dito acima, a situação torna-se ligeiramente mais
complexa na hipótese (que é a regra, no mundo dos fatos) de a plataforma encontrar-se no
exterior. Neste caso, a dinâmica da operação, novamente, ganhará relevância. Assim, uma vez
que a plataforma apenas intermedia o encontro entre o comprador (usuário final) e o vendedor
(desenvolvedor/autor), ela estaria, em tese, oferecendo um serviço de intermediação.
Diante do que fora exposto no estudo sobre download de softwares, há situações em que
a jurisprudência e os Fiscos têm entendido o software como mercadoria (os exaustivamente
tratado "software de prateleira"). Se assim for o entendimento, não parece ilógico pensar que,
no momento em que o usuário final efetua um download do aplicativo para seu celular (ou
qualquer outro gadget), estar-se-ia diante de uma importação de mercadoria. Se esse for o
entendimento, ainda que não possua o substrato físico (que como vimos é despiciendo), na
hipótese deveria incidir todos os tributos incidentes sobre a importação de mercadoria
cabíveis, tais como o II e o ICMS-Importação.
Assim, na hipótese de o objeto negociado ser um software "personalizado", em tese,
seria incidente o ISS, vez que esta espécie é considerada como serviço. Inclusive, a LC nº
116/2003, dispõe que há a incidência de ISS sobre a importação de serviços do exterior, nos
seguintes termos: "§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do
País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País." O ato normativo impõe,
também, a responsabilidade aos tomadores ou intermediários de serviços provenientes do
exterior. Vejamos:
"Artigo 6º - Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão
atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a
terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,
excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em
caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação,
inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais. (...)
§ 2º - Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, são
responsáveis:
I - o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou
cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; (...)"
Nesse sentido, consideram-se "serviços provenientes do exterior", para fins tributários,
aqueles prestados exclusivamente fora do território brasileiro, em benefício de pessoa física
ou jurídica estabelecida no país.
Contudo o ISS é um tributo sujeito ao princípio da territorialidade, o que signica dizer
que o elemento espacial/geográfico da sua incidência deve se limitar às relações jurídico-
44

tributárias pertencentes ao ordenamento jurídico pátrio. Nesse raciocínio, apenas os serviços


prestados dentro do território brasileiro poderiam estar sujeitos ao imposto. Os serviços que
não forem prestados dentro do território nacional, por sua vez, estariam fora do campo de
incidência determinado pelo artigo 156 da CRFB/88.
Nos tribunais de justiça estaduais, afloram decisões contra a incidência de ISS nesses
casos. Desde as Varas Federais do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS) 55, até o Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP)56 podem ser encontradas decisões neste sentido. A
título de exemplo, em mais de uma oportunidade, reconheceu-se ser indevida a incidência do
ISS sobre importação de serviços, por ofensa ao princípio da territorialidade. Essas decisões
proferidas levam em conta a análise dos serviços prestados e dos contratos celebrados, com o
fulcro de verificar-se se, de fato, a prestação ocorrera no exterior.
De qualquer forma, essa nova celeuma serve para comprovar como o ordenamento
jurídico pátrio é arcaico para suportar as novas tecnologias e as noveis relações humanas que
despontam a cada dia.
Por fim, recentemente o STF entendeu que o ICMS não integra a base de cálculo do
PIS/CONFINS, sendo o entendimento aplicável também para o ISS 57 cabendo assim o direito
dos agentes dessa cadeia (sellers e marketplaces) de buscarem a repetição dos valores
indevidamente pagos , além de terem declarada sua inexigibilidade.

7- CONCLUSÃO
Qualquer país que busca o desenvolvimento tem como preocupação o fomento a novas
tecnologias próprias. Por isso, a proteção, a promoção e o incentivo a criação de novas
tecnologias vem arraigada na CRFB/88. A proteção à tecnologia nacional vem esculpida nos
artigos 5º, XXIX e 216, III. Já os artigos 23, V; 24, IX e o 200, V trazem a ideia de promoção
e fomento da tecnologia nacional. Ainda, a ideia de incentivo à pesquisa e a produção
tecnológica vem arraigadas nos seus artigos 179, III; 213, §2º; 217/ 218 e 219.
Assim, diversos aspectos devem ser considerados ao se tratar de inovação tecnológica
no Brasil, sendo a questão tributária somente um deles. Outros seriam a proteção a

55
Decisão do juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, entendendo pela inexistência
de previsão legal para o tomador de serviço brasileiro pagar tributo em razão da prestação do serviço praticado
por terceiro estrangeiro, não sendo ele nem contribuinte, nem mesmo substituto tributário. Processo nº
001/1.15.0192786-9.
56
Apelação no 9221533- 34.2007.8.26.0000, Rel. João Alberto Pezarini, 14a Câmara, 4.10.2012; Apelação no
0155480-98.2005, Rel. Des. Gonçalves Rostey, 14a Câmara, j. 14.07.2011; Apelação no 0101584-09.2006, Rel.
Des. Gonçalves Rostey, 14a Câmara, j. 30.06.2011.
57
Recurso Extraordinário nº º 574.706-PR, Relator Min. Carmen Lúcia. Dje em: 15/03/2017.
45

propriedade intelectual, as relações trabalhistas, os aspectos regulatórios específicos, apenas


para citar alguns. Fato é que a economia digital tende a alterar a tributação de modo bastante
radical, sobretudo a tributação incidente sobre o consumo.
Tanto é assim, que a OCDE vem se ocupando do tema há anos. Insurgiu-se dentro da
instituição a ideia de estamos passando por uma mudança estrutural no modo de se fazer
negócios, fato que foi evidenciado com a criação do “Plano BEPS (Base Erosion and Profit
Shifting)”, que basicamente trata-se de um grupo de trabalho para estudar as consequências
das inovações disruptivas para o mundo dos negócios, mormente tributárias. Segundo os
estudos, o mundo passa por um fenômeno de decommoditise, ou decomoditização, pelo qual a
contínua e acentuada redução dos custos de produção, em razão do emprego de novas
tecnologias, tem imposto aos agentes econômicos uma constante busca por novas formas de
vantagens econômicas. Isso demonstra a importância cada vez maior de um planejamento
tributário eficiente.
Contudo, traçar um planejamento tributário eficiente no cenário em que os bens digitais
nem mesmo são completamente compreendidos pelos Fiscos do mundo inteiro, não é uma
tarefa tão simples assim. Há, inclusive, vários fatores a serem considerados, como realidades
próprias e que apesar de tangenciar aspectos tributários, são independentes e autônomos,
como, por exemplo, o fomento ao desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento do livre
comércio mundial. E em um mundo cada vez mais integrado e sem fronteiras, há um desafio
ainda maior no que toca aos tributos incidentes sobre o consumo. A busca pelo equilíbrio da
capacidade contributiva nos tributos sobre esta base de tributação sempre foi uma questão a
ser enfrentada, atualmente, todavia seja a própria relevância de persistir na lógica de tributá-
la. Paulo Caliendo traz pertinente lição sobre esse tema, e que ilustra a necessidade de adaptar
o Sistema Tributário Nacional a esses novos tempos:
A nova economia digital irá questionar os mais profundos princípios do
IVA. Será cada vez mais difícil determinar onde as operações foram
realizadas em operações cross-borders. Onde se devem coletar os tributos?
Onde o produto ou o serviço foi consumido? O que ocorre quando não
houver materialidade, presença física e mesmo territorialidade da prestação
claramente definida?
Todos esses questionamentos imporão novos desafios, muito distintos
daqueles surgidos durante a história do tributo. Duas soluções têm sido
apontadas: a tributação no local onde o consumidor é residente ou no local
onde o prestador é residente. O primeiro modelo tem sido utilizado
especialmente quando o fornecedor é cadastrado no local de presença do
46

consumidor e lá deve recolher tributos. No segundo modelo, o fornecedor


será tributado no local da sua residência, mesmo que a operação seja
realizada em outra jurisdição (CALIENDO, pág797, 2018).
Segundo o autor, o Brasil tem um enorme trabalho pela frente para tentar adequar sua
legislação a esses novos tempos digitais. Em sua opinião, com a qual concordamos, tal
dificuldade de adaptação legislativa se dá essencialmente em razão de o Brasil não adotar um
modelo de IVA na tributação sobre o consumo. A rigor, o Brasil possui um sistema tributário
arcaico e confuso, principalmente no que toca a tributação sobre o consumo, uma vez que
possui c tributos incidindo sobre essa base: ICMS, ISS, IPI e PIS/COFINS. Conforme
esperamos ter demonstrado no presente estudo, basta uma breve análise dos dois primeiros
para demonstrar a total inaptidão do Sistema Tributário para gerar Segurança Jurídica ao
Contribuinte.
Ao adotar o ICM, criado pela Emenda Constitucional nº 18/1965, o legislador nacional
pareceu estar receptivo ao IVA, bem como a ideia de eliminar a cumulatividade nos tributos
sobre o consumo. Assim, o ICM nasce como um imposto inovador, visto que possuía base
ampla, permitia o crédito, além de ser a materialização da descentralização tributária, haja
vista que um tributo estadual. Contudo, ele nasceu sem incluir os serviços.
Com a Constituinte de 1988, adveio o fortalecimento da seguridade social e o
federalismo fiscal, o que ocasionou uma forte alteração na repartição do bolo tributário, com a
União perdendo espaço para Estados e Municípios. Sumiram os impostos seletivos, de
competência da União (sobre a energia elétrica, os combustíveis, os minerais, os transportes e
os serviços de comunicação), e suas bases passaram a integrar o ICMS. Novamente, nas
palavras de Paulo Caliendo, podemos compreender os acontecimentos que levaram ao caos no
nosso Sistema Tributário:
Os sinais da crise não tardaram a aparecer e novamente os desejos de
reformas tributárias tímidas, quase remendos, foram surgindo. Nada de uma
revisão radical do sistema, mas tão somente ajustes fiscais. A inércia foi
fatal, e os golpes vieram de todos os lados, criação incessante de novas
contribuições não partilháveis, a reforma dos regimes do PIS/COFINS
(2002/2003), aumento brutal da base de substituição tributária,
desonerações fiscais do IPI e IR, criação e ampliação do Simples Nacional,
cobrança do Diferencial de Alíquotas, entre outros. (...)
A cada medida da União, havia uma reação dos Estados tentando preservar
o pouco que conquistaram na Carta de 1988. O resultado não poderia ser
47

mais desastroso: Estados falidos, União esgotada e Municípios em regime


de quase insolvência (CALIENDO, pág 801, 2018).
Tamanho caos ocorrera, essencialmente, em razão de nosso IVA ter sido fatiado entre
União (IPI e PIS/COFINS), Estados (ICMS) e Municípios (ISS). Tal cenário gerou um
terreno fértil para as criatividades fiscais, que sempre buscam uma forma de aumentar seu
butim na repartição de receitas, e para a miríade de ações judiciais que dessa disputa foram
geradas. Nosso Sistema Tributário, portanto, mostra-se fortemente incompatível com a
realidade trazida pelas novas tecnologias, principalmente em razão dessa pulverização do
tributo sobre o consumo pelas três espécies de entes federativos.
Em termos mundiais, tanto a ONU, quanto a OCDE já vem trabalhando para tratar do
comércio eletrônico cross-borders. A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial
Internacional (UNCITRAL) foi uma das primeiras organizações internacionais a tratar do
tema comércio eletrônico, vindo a adotar, em 1996, um modelo de lei sobre as alternativas de
intercâmbio e informações digitais. O modelo tem seu foco voltado para as relações de
consumo e a segurança jurídica do meio, buscando a adaptação da legislação interna de vários
países, visando regular e fiscalizar as operações, ela também apresenta um esboço sobre a
tributação na internet. Também a OCDE vem propondo modelos de tributação , cuja base a
maioria dos países está seguindo. Para eles, deve-se buscar o que se chama de “tributação
ótima”, entendendo-se com isso aquela que permite ao governo alcançar seus objetivos ao
menor custo possível em termos de eficiência.
Contudo, há uma grande dificuldade no que toca aos bens intangíveis. Ainda existem
inúmeros debates sobre como se dará esta tributação sobre essa espécie de bens. A discussão
na entidade ainda perdura, mas já foram dados alguns passos a respeito. Um dos debates
importantes é para definir o “consumo de serviços intangíveis”. Até o momento ele está
definido como como aquele realizado no local em que o consumidor efetivamente utiliza o
serviço.
Porém, o Action 1 não define o que se deve entender por economia digital, optando por
destacar as características centrais desse mercado. Na realidade, há ainda bastante abstração
pairando sobre diversos temas relevantes, como por exemplo sobre a questão da mobilidade
de bens intangíveis, usuários e até mesmo do negócio em si, que podem se fazer presentes em
diferentes jurisdições, com imensa volatilidade. Fica claro, portanto, que uma das grandes
celeumas da economia digital será a determinação do local em que se dará a criação de valor e
o consumo desses bens.
48

Assim, urge que seja realizada uma reforma tributária revolucionária no Brasil, que
possa resolver não somente a partição de receitas entre os Entes Federativos, bem como
modernize as bases tributárias, de modo que se adapte o Sistema Tributário às novas
realidades tecnológicas mundiais, buscando a transparência e a Segurança Jurídica para o
contribuinte, sem se desapegar do incentivo a produção econômica. Para tanto, parece ser
inegável que, dentro da realidade pátria, devam ser unificados os tributos sobre o consumo.
No entanto, até que isso ocorra, a melhor cautela do contribuinte deverá ser observar os
leading cases tratados neste trabalho, sobretudo a ADI nº 1.945-MS.
49

REFERÊNCIAS

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Market: scenario and trends, 2017 ) – 1a. ed. – São Paulo: ABES – Associação Brasileira
das Empresas de Software, 2017. Disponível em:
http://central.abessoftware.com.br/Content/UploadedFiles/Arquivos/Dados%202011/ABES-
EstudoMercadoBrasileirodeSoftware-2019-Parcial-Ingles-Abr-2019.pdf>. Acesso em
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