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Planejamento Tributário sobre ICMS e ISS incidentes sobre operações com Softwares
RESUMO
1
Bacharel em Direito pela UFRJ. Membro da OAB/RJ. Auditor Interno no BNDES e Sócio no escritório Maciel
& Figueiredo Advogados Associados. Especialista em Direito Público (UVA). Especialista em Direito para
Startups e Empreendedores (FGV).
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1- INTRODUÇÃO
Segundo um estudo feito pela Associação Brasileira de Empresa de Softwares (ABES) 2,
em 2018, a somatória dos investimentos em Tecnologia da Informação entre os países
analisados, chegou a US$2,23 trilhões, o que corresponde a um valor 6,7% superior ao do ano
anterior. Os EUA persistem no topo do ranking mundial com US$ 822 bilhões, seguidos por
China e Japão com US$250 bilhões e US$140 bilhões, respectivamente.
Contudo, na América Latina, o Brasil se manteve em primeiro lugar, sendo responsável
por 42,8% dos investimentos em TI, mais que o dobro registrado pelo México (20%), que
ficou em segundo lugar. Na sequência, mas bem mais longe, seguem Argentina (7,5%) e
Colômbia (7,1%). A título de curiosidade, ao considerarmos o mercado de TIC (equivalente a
"ICT", do inglês "Information and Communication Technologies"), que inclui TI e Telecom, o
Brasil mantém o 7º lugar no ranking mundial, com US$ 97 bilhões investidos, seguindo uma
tendência do setor relacionada à transição de voz para dados.
No que concerne ao mercado brasileiro, o supracitado estudo apresentou algumas
tendências interessantes, como por exemplo, no que toca às soluções para segurança de
informação. A tendência apresentada é pela adoção de soluções inteligentes e serviços
gerenciados. Esse mercado deve atingir US$ 671 milhões, em 2019, crescendo 2,5 vezes mais
rápido se comparado às soluções tradicionais.
Em relação ao uso da Inteligência Artificial (IA), o estudo indica que, no Brasil, 15,3%
das médias e grandes empresas têm dado enfoque a essa tecnologia. Estima-se, inclusive, que
isso dobre nos próximos quatro anos. A tendência neste mercado é de que ocorra a adoção de
agentes automáticos de atendimento à clientes, bots para a análise e investigação de fraudes,
bem como a automação e diagnósticos e tratamento. Por conta disso, há uma estimativa de
que esse percentual de empresas médias e grandes duplique até 2023.
No que toca ao mercado de Big Data e Data Analytics, o desafio do setor está na
mudança da cultura empresarial quanto a analytic context, de modo que é esperado que ele
alcance, neste ano, cerca de US$ 4,2 bilhões.
O mercado de Nuvem (Cloud Computing) no Brasil tem muito espaço para expansão,
uma vez que há o aumento de demanda por serviços gerenciados através de Brokers e
Managed Cloud Services Providers. Assim, estima-se que esse mercado chegará a US$ 2,3
bilhões em 2019.
2
Disponível em <http://www.abessoftware.com.br/noticias/investimentos-em-ti-no-brasil-crescem-98-em-
2018>, acesso em 19/01/2019.
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O ecossistema de Internet das Coisas ("Internet das Coisas" - IoT, em inglês) deve
movimentar US$ 9 bilhões neste ano, podendo crescer acima de 20% ao ano pelos próximos
anos. Contudo, esse setor em especial, tem sua evolução lenta no âmbito regulatório nacional,
vez que ainda não fora materializado Plano Nacional de IoT. Não obstante isso, o Mercado já
implanta diversos projetos e o BNDES vem estruturando diversas linhas de financiamento
para este setor.
O mercado de hardware deve representar 38% de todo o investimento em TI no Brasil, o
que significa cerca de US$ 24,5 bilhões. Esse mercado, em particular mostra a tendência de
incremento nas vendas de dispositivos de maior valor.
Assim, a expectativa de crescimento para os investimentos em Tecnologia da
Informação, no Brasil, em 2019 é de 10,5%, podendo ainda ser impulsionada pela venda de
devices. A título comparativo, a expectativa de crescimento mundial é de 4,9%, na média.
Esses dados mostram o país crescendo o dobro da média mundial, fato que não ocorria desde
2013.
Segundo outro estudo, também da ABES (ABES,2017, pág, 10), havia, no ano de 2016,
cerca de 15.700 empresas atuando no setor de softwares e serviços no Brasil, sendo quase a
metade delas afetas a distribuição e comercialização.
3
Fonte: ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software, 2017. Disponível em:
http://central.abessoftware.com.br/Content/UploadedFiles/Arquivos/Dados%202011/ABES-EstudoMercado
BrasileirodeSoftware-2019-Parcial-Ingles-Abr-2019.pdf>. Acesso em 04/05/2019.
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http://br.idclatin.com/
5
Conforme notícia, disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/idc-mais-da-metade-do-pib-
da-america-latina-vira-de-investimentos-em-tecnologia-ate-2022-23547030>.
5
Assim, parece restar evidente que o mundo dos bens digitais veio para ficar. Mais ainda,
ele veio para transformar. Transformar a vida humana, sobretudo suas relações. Neste sentido,
o presente trabalho se propôs a analisar as oportunidades tributárias afetas ao mercado de bens
digitais brasileiro. Para esse fim, faz-se necessário conceituar juridicamente "bem digital". A
fim de traçar um
Sob a alcunha "bens digitais" encontram-se uma miríade de bens e direitos de formas e
naturezas tão distintas que seria necessário um estudo infinitamente mais amplo do que este.
Destarte, o escopo do presente trabalho recairá especificamente sobre os softwares e a
prestação de serviços de bens digitais, bem como algumas atividades a estes conexas.
Contudo, segundo leciona Emerenciano
Prima facie, a doutrina especializada sobre o tema diverge sobre a natureza o regime
jurídicos referentes aos bens digitais. Carlos Alberto Bittar professa a respeito dessa
divergência, alertando que, nos cenários nacional e internacional, distribuindo-se os
operadores do direito em quatro correntes diferentes, que defendem: a) que esses bens
deveriam estar submetidos a um regime jurídico próprio; b) a sua subsunção ao Direito
Autoral; c) sua submissão ao regime jurídico da propriedade industrial; e d) a sua disciplina
por uma normatividade mista.
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Fonte: ABES – Associação Brasileira das Empresas de Software, 2017. Disponível em:
http://central.abessoftware.com.br/Content/UploadedFiles/Arquivos/Dados%202011/ABES-EstudoMercado
BrasileirodeSoftware- 2019-Parcial-Ingles-Abr-2019.pdf>. Acesso em 04/05/2019.
6
No ordenamento jurídico pátrio, os direitos que recaem sobre um software são direitos
autorais. Tal natureza decorre de previsão legal dos artigos 7, XII da lei n 9.610/98 e 2da
lei n 9.609/98:
Lei n 9.609/98. Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de
programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação
de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta
Lei.
§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas
aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de
reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor
de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem
deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador,
que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação.
§ 2º Fica assegurada a tutela dos direitos relativos a programa de
computador pelo prazo de cinqüenta anos, contados a partir de 1º de janeiro
do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua
criação.
§ 3º A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.
§ 4º Os direitos atribuídos por esta Lei ficam assegurados aos estrangeiros
domiciliados no exterior, desde que o país de origem do programa conceda,
aos brasileiros e estrangeiros domiciliados no Brasil, direitos equivalentes.
§ 5º Inclui-se dentre os direitos assegurados por esta Lei e pela legislação
de direitos autorais e conexos vigentes no País aquele direito exclusivo de
autorizar ou proibir o aluguel comercial, não sendo esse direito exaurível
pela venda, licença ou outra forma de transferência da cópia do programa.
§ 6º O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos casos em que o
programa em si não seja objeto essencial do aluguel.
Neste ponto, a doutrina pátria majoritária parece ser consentânea no sentido de que a
natureza jurídica dos bens digitais é de um direito autoral, conforme leciona Arnoldo Wald,
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7
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc18-65.htm.
8
“coisas móveis. São coisas porque bens corpóreos, que vale por si e não
pelo que representam. Coisas, portanto, em sentido restrito, no qual não se
incluem os bens tais como créditos, as ações, o dinheiro, entre outros. E
coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis recebem
disciplinamento legal diverso, o que os exclui do conceito de mercadorias ”
(MACHADO, pág 379, 2006).
Contudo, com a evolução tecnológica, e com as consequentes alterações das relações
humanas ditas “tradicionais”, tais conceitos não se mostram como a mesma rigidez de
outrora. Zonas cinzentas surgiram entre ambos, gerando hipóteses híbridas ou mesmo novas
de mercadorias e de serviços. Tome-se como exemplo o mercado de softwares. Nos
primórdios, um software era vendido em mídias (os famigerados “disquetes”) de pouca
capacidade, sendo necessário dividi-lo em diversas partes para que o mesmo pudesse ser
instalado em um computador de uso pessoal. Posteriormente, tais mídias ampliaram sua
capacidade, de modo que tais softwares pudessem ser disponibilizados em uma única. Esses
softwares eram padronizados, vendidos da mesma forma e com o mesmo conteúdo a todo o
mercado. Eram tradicionalmente chamados de “softwares de prateleira”. Em paralelo,
surgiram players nesse mercado que passaram a atuar personalizando softwares para seus
clientes, geralmente grandes corporações. Surge, então, a ideia de software personalizado.
Nesse último caso, a classificação de mercadoria e serviço parece não bastar para
classificar essa sorte de software. Ao adaptá-lo a necessidade de seu cliente, haveria uma
prestação positiva pelo programador, podendo ser classificada como uma prestação de
serviços.
Verifica-se, portanto, que os bens digitais aqui analisados podem ser enquadrados tanto
em “mercadorias”, quanto em “serviços”. Assim, passa-se a analisar as diferentes formas de
tributação e modelo de softwares.
Um dos julgados mais emblemáticos a respeito do tema fora o RE nº 176.626/SP 8, no
qual o STF passou a reconhecer a necessidade de distinguir-se a espécie de softwares para fins
de tributação. Inicialmente, os autores das ações pretendiam que fosse declarada a imunidade
tributária do artigo 150, VI, “d” da CRFB para os softwares vendidos por meio de mídia física
(CD-ROM). Vejamos um trecho do RE nº 176.626/SP:
“(...) fixou jurisprudência no sentido de que ‘não tendo por objeto uma
mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de ‘licenciamento
ou cessão de direito de uso de programas de computador’ – matéria
8
Recurso Extraordinário nº 176.626/SP, Primeira Turma do STF, DJe 11.12.1998.
9
9
Recurso Extraordinário nº 199.464/SP, Primeira Turma do STF, DJe 30.04.1999.
10
Súmula Vinculante 31: “É inconstitucional a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza - ISS
sobre operações de locação de bens móveis”.
11
No que concerne aos contratos que tem por objeto um direito de propriedade intelectual, “Licença” (ou cessão
do direito de uso) é tradicionalmente o nome dado ao contrato que exprime uma autorização para o uso, ou uso e
gozo (fruição) de direitos de propriedade intelectual, que pode ser onerosa ou gratuita, exclusiva ou limitada,
tomando o caráter de uma locação (se for onerosa) ou comodato (se for gratuita); a retribuição é designada por
royalty, que é calculado com a incidência de um percentil sobre a obtenção de um ganho econômico sobre este
bem ou direito. Já “cessão” seria a disposição plena dos direitos de propriedade intelectual. No contrato de
cessão, ao contrário do licenciamento, o titular dos direitos de propriedade intelectual transfere a outrem a sua
propriedade.
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3 – O ICMS
O artigo 155, II da CRFB/88 dispõe que os Estados deterão a competência para instituir
impostos sobre “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de
serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as
operações e as prestações se iniciem no exterior”12. Partindo dessa premissa, nota-se que os
bens digitais (lato sensu) poderiam estar enquadrados em operações de circulação de
mercadorias ou na categoria de serviços de comunicação.
Conforme exposto alhures, para que ocorra a materialidade de ICMS sobre softwares, é
necessário, inicialmente, que tal bem seja uma mercadoria. Assim, segundo o entendimento
jurisprudencial reinante, incide ICMS-Mercadorias sobre o software de prateleira, que pode
ser conceituado como aquele que possui suporte físico e é vendido de forma não-customizada
(standard) ao mercado. Nesse sentido, um julgado emblemático fora o RE nº 199.464-9/SP 13
que corroborou o entendimento já consolidado no STF a respeito da configuração do software
standard (ou “de prateleira”) como aquele dotado de corpus mechanicum e que se materializa
como mercadoria. Destarte, a circulação desse software configuraria hipótese de incidência de
ICMS, vez que restaria classificado como “circulação de mercadorias”.
No que concerne às vendas não presenciais realizadas a consumidor final, a Emenda
Constitucional nº 87/2015 alterou sua sistemática quanto a tributação do ICMS. Vejamos o
que dispõe o artigo 155, § 2º, VII da CRFB/88:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos
sobre:
§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor
final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-
se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do
destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna
do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
Nos termos do supracitado dispositivo constitucional, será adotada a alíquota
interestadual nas operações a que se destinem bens e serviços a um consumidor final,
localizado em outro Estado da federação. Nessa hipótese, caberá ao Estado em que estiver
situado o destinatário o montante correspondente a diferença entre a sua própria alíquota
interna e a alíquota interestadual. Já ao Estado de origem, caberá o montante equivalente a
alíquota interestadual.
12
Artigo 155, II da CRFB/88.
13
Recurso Extraordinário nº 199.464/SP, Primeira Turma do STF, DJe 30.04.1999.
11
Note-se que tal sistemática é aplicada tanto aos softwares que são negociados por meio
de suporte físico, quanto àqueles negociados por meio de download. Contudo, essa hipótese
será estudada mais adiante, vez que possui certas especificidades.
Outra hipótese de incidência possível, em tese, seria classificar o software como um
“serviço de telecomunicação”. Ocorre que, na prática, alguns bens digitais são oferecidos
pelas empresas de telecomunicações juntamente com o próprio serviço, fato esse que tem
levado a alguns fiscos estaduais a tributá-los conjuntamente. O artigo 2º da lei complementar
nº 87/1996 dispõe que:
“Art. 2° O imposto incide sobre:
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio,
inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão,
a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;”.
Para que possamos compreender a natureza do serviço de telecomunicações, vejamos o
que define o artigos 60 e 61 da Lei nº 9.472/199714:
“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que
possibilita a oferta de telecomunicação.
§1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo
eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza.
§2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou
aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de
telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as
instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.
14
Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações.
12
15
Recurso Extraordinário nº 912.888/RS, Órgão Pleno (Repercussão Geral 827), DJe 10;05.2017.
13
meios de comunicação como elementos, ainda que não primordiais, e ainda que a
comunicação não seja o substrato econômico (rectius: a causa negocial) buscada pelas partes.
Esta é uma interpretação, sem dúvida, bastante ampliativa e que termina por acarretar a
cobrança de ICMS em situações bastante questionáveis, do ponto de vista da tipicidade
tributária.
Deste modo, nossa posição é a de que resta afastada a materialidade do ICMS sobre os
softwares, ainda que negociados por empresa prestadora de serviço de telecomunicação, haja
vista que este não apesenta os elementos dos serviços sobre os quais este tributo incidiria.
Contudo, existem Fiscos estaduais que sói tributarem bens digitais por meio do ICMS-
Comunicação, uma vez que muitos dos serviços são oferecidos por empresas de
telecomunicações, e desta feita, há uma espécie de equiparação aos serviços desta natureza.
Tal entendimento, contudo, não tem prosperado na jurisprudência, visto que não se verificam
nos bens digitais os elementos necessários a configuração de um serviço de telecomunicações.
Contudo, tendo em vista que o tema do presente trabalho é a incidência de tributos sobre uma
espécie de bens digitais (softwares), importa-nos dizer que parece estar afastada a
materialidade do ICMS.
Existe um último aspecto relevante a ser tratado em sede de ICMS, que diz respeito ao
seu elemento temporal: a questão do deslocamento da mercadoria. Tal questão parece ter mais
relevância no que toca aos softwares adquiridos por downlods, que serão estudados em
capítulo próprio. Ainda que seja possível pensar-se na personalização de software prestado a
distância, para fins de incidência de ICMS, a hipótese relevante seria o deslocamento do
software de prateleira.
Sobre o tema, o STJ exarara sua súmula 166, que dispõe: "Não constitui fato gerador do
ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo
contribuinte". Tal entendimento foi corroborado pelo STF em diversos outros julgados, dentre
os quais, podemos destacar o RE 158.834/SP16, de 2002.
No referido RE, o Ministro Sepúlveda Pertence, Relator, professou:
“(...) se o deslocamento físico de matéria-prima entre unidades de uma
mesma empresa não constituía, no regime pretérito, operação relativa a
circulação de mercadorias, é no mínimo razoável a assertiva de que, na
sistemática atual, a integração no ativo fixo de bens produzidos no próprio
estabelecimento não configura hipótese de incidência que possa derivar da
matriz constitucional do ICMS (art 155, I, b CRFB/88)”.
16
RE nº 158.834-9/SP, Relator Min. Sepúlveda Pertence, em 23/10/2002.
15
No mesmo sentido, a Ministra Ellen Gracie professou seu voto no Ag. Reg. no RE
267.599/MG17:
“A pretensão não merece acolhida. Tal como constatou a decisão agravada,
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende o simples
deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma
empresa, sem a transferência de propriedade, não caracteriza a hipótese de
incidência do ICMS, ainda que se trate de circulação interestadual de
mercadoria”.
O professor Roque Antônio Carraza, no mesmo sentido, professa que:
“(...) tal ‘operação relativa à circulação de mercadorias’ só pode ser
jurídica (e não meramente física) o que, evidentemente, pressupõe a
transferência, de uma pessoa para a outra e pelos meios adequados, da
titularidade de uma mercadoria – vale dizer, dos poderes de disponibilidade
sobre ela. Sem essa mudança de titularidade não há que se falar em
tributação válida por meio de ICMS” (CARRAZA, 2012, pág 523).
Contudo, com o advento da Lei Complementar nº 87/1996 (lei Kandir), passou-se a
questionar se, diante de seu novel inciso I, do artigo 12, tal entendimento estaria legalmente
alterado. Dispõe tal dispositivo:
“Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
I - da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que
para outro estabelecimento do mesmo titular;”
No âmbito do STJ, o RE 1.125.133/SP terminou por firmar a tese de Recurso Repetitivo
nº 25918. A questão trazida a julgamento fora referente a não-incidência do ICMS sobre o
mero deslocamento de equipamentos ou mercadorias entre estabelecimentos da titularidade do
mesmo contribuinte, em razão da ausência de circulação econômica para fins de transferência
de propriedade. O entendimento da corte fora no sentido de corroborar sua própria súmula
166.
Indo um pouco mais além, a tese de Recurso Repetitivo de nº 367, consubstanciada no
julgamento do RE nº 1.116.792/PB19, trata da análise da necessidade de o contribuinte
cumprir com as obrigações tributárias acessórias na hipótese de deslocamento de mercadorias
entre seus próprios estabelecimentos. Vejamos a tese firmada.
“Ainda que, em tese, o deslocamento de bens do ativo imobilizado e de
material de uso e consumo entre estabelecimentos de uma mesma
17
Ag. Reg. no RE nº 267.599/MG, Rel. Min Ellen Gracie, em 24/11/2009.
18
RE nº 1.125.133/SP, Relator Min. Luiz Fux, em 10/09/2010.
19
RE 1.116.792/PB, Rel. Min. Nunes Maia Filho, em 05/03/2010.
16
4- O ISS
O artigo 156 da CRFB/88 trouxe as hipóteses dos tributos sobre competência dos
Municípios. No que concerne a materialidade do ISS, o inciso II deste artigo, assim dispõe:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II,
definidos em lei complementar;
Em termos simples, a hipótese de incidência do ISS é a prestação de serviços de
qualquer natureza, desde que atendam às seguintes condições: a) não estejam inseridos no
campo do ICMS (ou seja: transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação); e b)
esteja previsto em lei complementar. No caso, trata-se da Lei Complementar nº 116/2003, que
traz em seu bojo uma lista anexa de serviços passíveis de incidência do tributo.
A pedra de toque deste tributo, portanto, é a “prestação de serviços”, que em termos
simples, pode ser entendida como a ação de fazer algo, fornecer, uma atividade, ou um
trabalho a ser executado. Contudo, em uma concepção mais técnica, a definição tanto do
termo “prestação” quanto do termo “serviço” deverá advir do Direito Privado, na forma do
que dispõe o artigo 110 do CTN. Assim, tradicionalmente a doutrina especializada conceitua
a prestação de serviços como uma “obrigação de fazer”21.
O jurista José Eduardo Soares Melo, leciona que:
“O cerne da materialidade da hipótese de incidência do imposto em
comento não se circunscreve a 'serviço, mas a uma 'prestação de serviço',
compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de
'fazer', de conformidade com os postulados e diretrizes do direito privado.”
(MELO, 2003, pág. 33).
Nota-se a clara distinção deste tributo para o ICMS, o qual o núcleo de sua hipótese de
incidência é a obrigação de dar um objeto.
No que toca a “serviço, o ilustre mestre Aires F. Barreto, nos ensina que:
“(...) não é todo e qualquer 'fazer' que se subsume ao conceito, ainda que
genérico, desse preceito constitucional. Serviço é conceito menos amplo,
mais estrito que o conceito de trabalho constitucionalmente pressuposto. É
como se víssemos o conceito de trabalho como gênero e o de serviço como
espécie desse gênero. De toda a sorte, uma afirmação que parece evidente, a
partir da consideração dos textos constitucionais que fazem referencia
ampla aos conceitos, é a de que a noção de trabalho corresponde,
21
Dentro do conceito de obrigação de fazer (obligatio faciendi) pode ser compreendido o serviço humano em
geral, seja material ou imaterial, a realização de obras e artefatos, ou a prestação de fatos que tenham utilidade
para o credor. A prestação consiste, assim, em atos ou serviços a serem executados pelo devedor.
18
22
O bem é incorpóreo quando inexistente fisicamente. Abstrato, por exemplo, fruto do intelecto
23
O bem é infugível quando personalíssimo, impossível de substituição em razão de suas características,
qualidades e quantidades, como uma pintura de Rembrant, por exemplo.
24
Como consequência disso haverá a exclusão do serviço público de sua hipótese de incidência.
19
25
Art. 61, § 1º, da Lei n. 9.472/1997.
20
26
Recurso Especial nº 719.635-RS, Min. Relator Eliana Calmon, DJe.07/04/2009.
27
Recurso Especial nº 1.183.611-PR, Min. Relator Eliana Calmon, DJe.22/06/2010.
28
Recurso Especial nº 658.626-MG, Min. Relatora Deise Arruda, DJe. 22/09/2008.
29
É importante notar que a lista anexa foi alterada pela LC nº 157/2016.
21
30
Vide seu art. 7º.
31
Infelizmente tal emenda fora arquivada em 21/12/2018, conforme pode-se comprovar em
<https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/99334>.
32
Paul Baran (nascido na cidade de Hrodna, na época pertencente à Polônia, em 29 de abril de 1926, e falecido
em Palo Alto, em 26 de março de 2011) foi um dos inventores da rede de comutação de pacotes, juntamente com
Donald Davies e Leonard Kleinrock.
33
Há divergências nesse ponto.
22
corpóreo adquirido pelo comerciante, industrial ou produtor, para servir de objeto a seu
comércio, isto é, para ser revendido” (CARRAZA, pág. 190,2012).
Desse modo, em um primeiro olhar, poder-se-ia pensar que não há que se falar na
incidência de ICMS sobre softwares. No entanto, atualmente discute-se nos tribunais
superiores a possibilidade de incidir o ICMS no download de softwares. Tal discussão tem
seu centro nervoso decorrente da ADI 1.945-7/MS 34, que aguarda julgamento há quase 20
anos. O cerne da celeuma reside em duas questões principais: a) haver, ou não, a transferência
de titularidade, uma vez que nesses casos, os softwares são objeto de contrato de licença
(rectius: cessão de direito de uso) e não de compra e venda; b) a possibilidade de o ICMS
poder incidir sobre bens imateriais. Em razão do escopo deste trabalho, tratar-se-á somente da
segunda questão.
Nos idos de 2010, o STF sinalizara no sentido de que, face ao avanço tecnológico, o
conceito tradicional de mercadoria não se mostraria mais atrelada à necessidade de um
suporte físico. Tal entendimento abriria a possibilidade para a incidência de ICMS sobre o
download de programas de computador. Assim, fica evidente que há, na verdade, uma
relativização do conceito de mercadoria, vez que ela vem se aproximando do que
conhecíamos como serviço, e vice-versa.
Contudo, a jurisprudência até o momento, conforme demonstrada na ADI 1.945-7/MS 35,
parece ter tido bastante foco em debater a questão de conceituar “circulação de mercadorias”
para fins de incidência de ICMS. Tal debate refere-se a definir se bastaria haver a mera
circulação jurídica, ou seria necessária a efetiva circulação física (rectius: transferência de
titularidade) para fins de incidência de ICMS36. Contudo, para os fins a que se destina o
presente estudo, é mais importante conceituarmos mercadoria, com o fulcro de aferir se há
materialidade suficiente para incidir o ICMS sobre o download de softwares.
O mestre Hugo de Brito Machado (seguindo a mesma linha do supracitado mestre
Roque Antônio Carraza) conceitua “mercadoria” como
“coisas móveis. São coisas porque bens corpóreos, que vale por si e não
pelo que representam. Coisas, portanto, em sentido restrito, no qual não se
incluem os bens tais como os créditos, as ações, o dinheiro, entre outros. E
coisas móveis porque em nosso sistema jurídico os imóveis recebem
34
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.945. Requerente: PMDB (Partido do Movimento Democrático
Brasileiro). Requerido: Estado do Mato Grosso do Sul – MS. Relator: Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno.
35
A ADI fora conclusa ao Relator em 25/03/2019.
36
Vide súmula 166 do STJ e RE 267.599/MG (Relatora: Min Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 06/04/2010, DJ
30/04/2010).
24
37
CRFB/88. Art 155, §2º, VII - nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final,
contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao
Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado
destinatário e a alíquota interestadual.
25
espécies de bens digitais, a rigor) para 5% do valor da operação. Tal decreto, aliás, traz
algumas disposições bastante interessantes:
“I - o artigo 37 às Disposições Transitórias: Artigo 37 (DDTT) - Não será
exigido o imposto em relação às operações com softwares, programas,
aplicativos, arquivos eletrônicos, e jogos eletrônicos, padronizados, ainda
que sejam ou possam ser adaptados, quando disponibilizados por meio de
transferência eletrônica de dados (download ou streaming), até que fique
definido o local de ocorrência do fato gerador para determinação do
estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto”. (...)
II - o artigo 73 ao Anexo II: “Artigo 73 (SOFTWARES) - Fica reduzida a
base de cálculo do imposto incidente nas operações com softwares,
programas, aplicativos e arquivos eletrônicos, padronizados, ainda que
sejam ou possam ser adaptados, disponibilizados por qualquer meio, de
forma que a carga tributária resulte no percentual de 5% (cinco por cento)
(Convênio ICMS-181/15).
Parágrafo único - O disposto no “caput” não se aplica aos jogos
eletrônicos, ainda que educativos, independentemente da natureza do seu
suporte físico e do equipamento no qual sejam empregados”.
Em termos simples, parece evidente que esse Fisco Estadual entende ser tributável a
transferência de bens digitais via download.
No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, seu Decreto nº 27.307, de 20/10/2000 tinha um
tratamento similar. Contudo tal ao normativo fora revogado expressamente pelo Decreto nº
46.543/2018, de 28/12/2018, fato que, em certa medida, abre caminho para que este ente
federativo se reposicione quanto à incidência do ICMS sobre downloads.
Outra referência relevante sobre o tema fora a edição do Convênio nº 106 do CONFAZ,
exarado em 29/09/2017. Nos termos do Convênio, incidiria ICMS sobre qualquer operação
com bens digitais, devendo o tributo ser recolhido no local de domicílio ou estabelecimento
do adquirente do bem, por ocasião da “saída interna ou importação”, desde que por meio de
qualquer espécie de plataforma eletrônica ou sítio eletrônico que realize a venda on-line,
incluindo aquelas realizadas por pagamento periódico.
No entanto, no dia 15/03/2018, fora proferida uma decisão liminar em juízo do Estado
de São Paulo, em sede de Mandado de Segurança Coletivo, para que fosse sustada a
incidência de ICMS sobre a operação mercantil de download de software padronizado. O writ
fora impetrado por uma associação civil, e fora acolhido. Em suas teses a impetrante alegou a
inconstitucionalidade e a ilegalidade tanto do Decreto Estadual paulista nº 63.099/2017
26
No entanto, essa visão parece não ser mais unânime. É o que se pode concluir do voto
do ministro Luiz Fux no Embargo de Declaração em RE 651.703-PR 39, o ministro pronunciou
seu voto evidenciando tal mudança de perspectiva:
“(...)Por último, é de se destacar que, assim como não houve alteração
jurisprudencial, mas apenas a aplicação dos critérios interpretativos fixados
no julgamento dos RE´s 547.245 e 592.905, não houve igualmente
superação do entendimento esposado pela Sumula Vinculante nº 31 deste
Egrégio Tribunal (“É inconstitucional a incidência do imposto sobre
serviços de qualquer natureza - ISS sobre operações de locação de bens
móveis.”), porquanto este Colegiado limitou-se a identificar a prevalência
de verdadeira prestação de serviço nas atividades desenvolvidas pelas
operadoras de planos de saúde, nas quais os aspectos inerentes ao “dar” e
ao “fazer” encontram-se indissociavelmente ligados, o que, como já dito,
não impossibilita o seu enquadramento nos termos do art. 156, III, da
Constituição Federal.
E aqui tomo a liberdade de fazer um importante esclarecimento em respeito
à confiança que se espera da atuação judicial. Apesar de ressalvar o meu
ponto de vista pessoal durante o julgamento de mérito, no sentido de que a
classificação dicotômica entre “obrigação de dar” e “obrigação de fazer”,
com o pretenso objetivo de recortar a realidade econômica em duas
categorias estanques, possui cunho eminentemente civilista e não
corresponde à classificação efetuada pelo constituinte ao atribuir
competências aos entes federados, assumo que essa não foi a ratio
decidendi de todos os votos proferidos na sessão de 29/09/16.
Esse é o principal ponto que denota a não superação ainda do precedente
do RE 116.121 (Tribunal Pleno, Rel. Min. Octávio Gallotti, Rel.p/ acórdão
Min. Marco Aurélio, DJ de 25/05/01), relativo à incidência do ISSQN sobre
a atividade de locação de guindastes, bem como da Súmula Vinculante nº
31, editada por esta Corte com amparo no mencionado julgamento. Dos
excertos abaixo, extraídos do voto que proferi na ocasião do julgamento de
mérito do RE 651.703, fica clara a inclinação pelo reconhecimento da
necessidade de superação da linha de pensamento que se criou no âmbito
desta Corte a partir do julgamento do RE 116.121: “Com efeito, a
classificação das obrigações em ‘obrigação de dar’, de ‘fazer’ e ‘não
fazer’, tem cunho eminentemente civilista. De fato, a disposição no Título
39
Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário nº 651.703-PR, Relator Min. Luiz Fux. Dje em:
28/02/2019.
29
exercida pela outra pessoa, mas, principalmente, pela utilidade que vão
obter. O valor não está mais apenas na atividade do prestador, mas
também na utilidade obtida pelo cliente.
Diante dessa realidade, utilizar o conceito de serviço (como expressivo de
uma atividade) para fins de qualificação da matéria tributável é, também,
deixar à margem da tributação significativa parcela da atividade econômica
exercida no mercado e que é formada pelo fornecimento de utilidades, no
mais das vezes imateriais e que resultam de atividades novas, não
alcançadas pelo conceito tradicionalmente utilizado. Por isso, sem prejuízo
dos avanços que a interpretação pode trazer, entendo pertinente uma
alteração na norma constitucional atributiva de competência tributária
relativa a serviços para substituir o conceito de serviço pelo de “utilidade”,
mais consentâneo com a realidade atual, inclusive tecnológica (GRECO,
págs 54-55,2000).
Tanto o citado jurista quanto o ministro Luiz Fux, trazem a tona uma visão do conceito
de serviços que transborda o Direito Civil, deitando fundações em um campo ainda mais
amplo: o próprio Direito Privado. Sob esse prisma, o Direito Privado tem um conceito mais
abrangente de “serviços”, com forte influência das ciências econômicas. Para esses autores, o
cunho econômico dessa amplitude do conceito constitucional de serviço se fundamenta na
própria definição de empresário, da atividade econômica empresarial e dos produtos dela
resultantes. Para essa corrente, a própria dicotomia das expressões “bens e serviços” revela o
conceito econômico de serviços, na medida em que são produtos da atividade empresarial.
Para fins tributários, tudo o que for excluído do conceito de bens corpóreos resultantes da
atividade empresarial (salvo as exceções constitucionais), e por isso tributáveis por ICMS,
estariam incluídos no campo dos serviços, entrando no campo de tributação do ISS. Para os
defensores desta corrente, o conceito econômico de serviços estaria evidenciado tanto na
expressão “serviços de qualquer natureza” constante do artigo 156, inciso III da CRFB/88 40,
quanto no próprio conceito de empresário, constante do artigo 966 do CC/02. Tal lição é
tratada brilhantemente por Alberto Macedo:
“Essa adjetivação “de qualquer natureza”, aliás, faz muito mais sentido
quando se entende que o constituinte incorporou o conceito econômico de
serviços. Isso porque, diferentemente do conceito de serviços no Direito
Civil (e não no Direito Privado como um todo) –que não demanda maiores
exercícios interpretativos, por ser facilmente apreensível (embora
40
CRFB/88. Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) III - serviços de qualquer natureza,
não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
31
que diz que “o uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença”.
A rigor, há uma cessão de direito de uso, e não transferência de titularidade, vez que o
software, seu código-fonte, sua engenharia, continua na titularidade do cedente. Assim, se não
há transferência de titularidade, faltaria um dos requisitos para que o mesmo possa ser
chamado de mercadoria.
Note-se que tampouco importa se a licença é cedida a título perpétuo. Esse modelo é um
resquício da época em que os softwares necessitavam do suporte físico para materializar-se
(como o disquete e o CD). Mas ainda nesta época do download, o fato de o usuário pagar
somente uma vez para poder usar eternamente o software, não faz dele seu dono. Cessionário
não é titular da propriedade.
Finalmente, a Lei Complementar nº 116/2003 claramente dispõe que haverá hipótese de
incidência do ISS sobre as operações realizadas no ambiente digital, principalmente após as
alterações promovidas pela Lei Complementar n° 157/2016 e, sobretudo, do item 1.05, já
mencionado alhures.
Portanto, nosso posicionamento, em que pese toda essa celeuma jurisprudencial, é no
sentido de que o software adquirido por download deveria ser tratado como se mercadoria
fosse, incidindo os tributos dessa relação correspondente. No entanto, parece-nos que mais
coerente unificar em um só tributo as hipóteses de incidência mercadoria e serviços, visto que
cada vez mais se torna difícil distingui-las, e o Direito Tributário é regido pelo Princípio da
Legalidade estrita, de modo que o Contribuinte deveria ter a plena certeza das hipóteses de
incidência dos tributos. Nossa visão leva em conta, portanto, uma necessidade de reforma
tributária com a finalidade, sobretudo, de dar mais transparência e clareza ao contribuinte, que
é o maior afetado por um Sistema Tributário complexo e confuso.
Contudo, considerando o direito positivo atual, nosso posicionamento é no sentido da
incidência do ISS sobre a tributação de softwares por download, e não do ICMS. Nosso
posicionamento leva em consideração não só o atual ordenamento jurídico, como também a
jurisprudência. No entanto, reiteramos que melhor seria uma reforma tributária que eliminasse
a dicotomia entre “mercadorias” e “serviços”, quiçá criando um imposto único, que incluísse
ambas bases tributárias, em razão de atualmente existir mais interseções do que distinções
entre elas. A rigor, parece-nos que o software por donwload é, via de regra, uma mercadoria,
um bem digital. No entanto, não mais sob o aspecto do clássico Direito Civil, mas sob o
prisma da moderna Economia, que cria novos bens e ativos sem as mesmas características dos
antigos. Contudo, na atual situação, parece-nos ser mais fácil defender a incidência do ISS do
que do ICMS nos softwares adquiridos por meio de downloads.
36
Um exemplo disso é que cada vez mais se torna relevante o mercado dos “softwares por
assinatura”, modelo de negócio em que a empresa proprietária licencia o software por tempo
determinado. Esse modelo, mostra que o software não pode ser considerado uma mera
mercadoria no sentido de “uma obrigação de dar”, sob pena de se admitir o absurdo de que o
usuário (rectius: cessionário, e não adquirente) teria a mercadoria tempo determinado. Resta
claro, portanto, que toda a visão sobre estes bens deve ser revista. Concordamos, portanto,
com o raciocínio do Ministro Luiz Fux.
Assim, para fins de planejamento tributário, atualmente, parece ser mais seguro ao
contribuinte proceder ao recolhimento do ISS, na forma da LC nº 116/2003, buscando
observar a legislação estadual com a devida cautela, em busca de eventuais incidências de
ICMS (e as impugnando, quando for o caso). De fato, essa miríade de posicionamentos não
terminou por criar outro efeito senão o de fulminar a segurança jurídica nesse tema. De todo
modo, é imperioso acompanhar o desfecho dos julgados supracitados, para que se possa ter
(ao menos um pouco) de segurança jurídica nesse caso.
41
Significa que é permitida a distribuição do software , mas não sua modificação. Nessa espécie, o código-fonte
não é aberto, ou seja, não é disponibilizado. É distinto do conceito de software livre.
42
É concedida a permissão para uso, cópia, distribuição e modificação, desde que por propósitos filantrópicos e
sem aferição de lucro.
43
Trata-se do software disponibilizado com a permissão de redistribuição, mas o código-fonte não é
disponibilizado, e há o pagamento da licença.
44
Cremos que neste ponto, a autora quis referir-se a “software em domínio público”, que é aquele em que o autor
do software relega a propriedade do programa e este se torna bem comum, ou seja, não possui copyright. O
autor, entretanto, pode restringir que modificações sejam feitas.
38
45
Qualquer programa que se tenha a liberdade de ser usar, copiar, modificar e redistribuir. Opõe-se ao conceito
de software proprietário. Pode ser vendido ou disponibilizado gratuitamente.
46
Aquele software desenvolvido com o objetivo de expô-lo ao mercado e obter lucros.
47
Aquele cuja cópia, redistribuição ou modificação são vedados pelo autor em determinado grau. É necessário
solicitar permissão ou pagar para utilizar. Pode ser freeware, shareware, trial ou demo.
48
Contudo, como se trata de um Direito Autoral, os direitos da personalidade incidentes sobre o software
quedam-se com o autor. São os direitos ligados a paternidade da obra, chamados na doutrina especializada de
“direito moral do autor”.
39
49
CC/02. Art. 710. Pelo contrato de agência, uma pessoa assume, em caráter não eventual e sem vínculos de
dependência, a obrigação de promover, à conta de outra, mediante retribuição, a realização de certos negócios,
em zona determinada, caracterizando-se a distribuição quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser
negociada.
50
Não deve ser confundida, portanto, com empresas de e-commerce. A sociedade empresarial cujo objeto social
for operacionalizar um marketplace não será jamais uma prestadora de serviços de transporte, ou mesmo de
vendedora de um produto. Ela jamais será a detentora o dona do bem negociado.
41
pela assinatura dos vendedores (rectius: desenvolvedores ou autores) do software, bem como
por um percentual incidente sobre o valor da venda.
Assim sendo, os tributos incidentes em razão da prestação de serviço de
intermediação, seriam: PIS, COFINS51, CSLL e IRPJ. Além desses, incide o ISS, pois o fato
gerador aqui tratado é a prestação de um serviço pela plataforma. Importante notar, contudo,
que todos os tributos têm como base de cálculo somente os valores efetivamente cobrados
pela plataforma, e não a totalidade dos valores transacionados pela plataforma. A rigor, os
valores efetivamente pagos pelo comprador terminam por transitar na Contabilidade da
plataforma, mas somente o que efetivamente é pago a ela (preço pelo serviço) deverá constar
na Demonstração de Resultados do Exercício (DRE).
Tal modelo tributário seria o padrão para o caso de a plataforma pertencer a uma
sociedade empresarial com sede no Brasil, contudo, as principais encontram-se em território
estrangeiro. Nesse caso, em tese, haveria uma importação de serviço. Como consequência há
a incidência de mais um tributo: o IOF. Embora o IOF não seja diretamente incidente sobre as
operações de comércio exterior, ele tem como fato gerador as operações de câmbio, nas quais
há a troca de moeda estrangeira por nacional e vice-versa (BROGINI, pág 70, 2013) 52. A
alíquota do IOF-Câmbio nesses casos de importação de serviços está sujeita a alíquota de
0,38%, e seu elemento temporal é a data de liquidação da operação de câmbio, pouco
importando quando foi contratada. Sua base de cálculo é o montante correspondente ao valor,
em moeda nacional, correspondente ao valor da operação de câmbio53.
Nesse caso, note que não há a incidência nem de Imposto de Importação (II), e
tampouco de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), uma vez que estes tributos não
incidem sobre serviços, mas somente sobre produtos (bens).
Questão um pouco mais tormentosa é a relação entre a plataforma e o
adquirente/consumidor do software. Neste ponto, é necessário retornar ao debate sobre a
natureza do software: se feito sobre encomenda (ou personalizado); de prateleira (ou produto);
ou misto. Sobre o tema, vejamos o que diz a doutrina especializada.
"(...) as transações comerciais com software podem ter como objeto um
software-produto, software sob encomenda, ou ainda, um software
51
Importante perceber que, na qualidade de prestadoras de serviços, essas empresas podem calcular créditos de
PIS e COFINS em relação às despesas com bens e serviços utilizados como insumo na realização desse serviço.
Não se aplica a essas empresas o debate doutrinário e jurisprudencial acerca da impossibilidade de apuração de
créditos de PIS e COFINS sobre insumos na atividade de revenda.
52
Sua base legal está no artigo 153, V da CRFB/88, c/c o artigo 63 do CTN. Ele conta, ainda, com a lei n
8.894/1994.
53
Essa é a regra geral, o artigo 15-A do Decreto n 6.306, de 2007 elenca algumas exceções.
42
Entretanto, corroborando o que fora dito acima, a situação torna-se ligeiramente mais
complexa na hipótese (que é a regra, no mundo dos fatos) de a plataforma encontrar-se no
exterior. Neste caso, a dinâmica da operação, novamente, ganhará relevância. Assim, uma vez
que a plataforma apenas intermedia o encontro entre o comprador (usuário final) e o vendedor
(desenvolvedor/autor), ela estaria, em tese, oferecendo um serviço de intermediação.
Diante do que fora exposto no estudo sobre download de softwares, há situações em que
a jurisprudência e os Fiscos têm entendido o software como mercadoria (os exaustivamente
tratado "software de prateleira"). Se assim for o entendimento, não parece ilógico pensar que,
no momento em que o usuário final efetua um download do aplicativo para seu celular (ou
qualquer outro gadget), estar-se-ia diante de uma importação de mercadoria. Se esse for o
entendimento, ainda que não possua o substrato físico (que como vimos é despiciendo), na
hipótese deveria incidir todos os tributos incidentes sobre a importação de mercadoria
cabíveis, tais como o II e o ICMS-Importação.
Assim, na hipótese de o objeto negociado ser um software "personalizado", em tese,
seria incidente o ISS, vez que esta espécie é considerada como serviço. Inclusive, a LC nº
116/2003, dispõe que há a incidência de ISS sobre a importação de serviços do exterior, nos
seguintes termos: "§ 1º O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do
País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País." O ato normativo impõe,
também, a responsabilidade aos tomadores ou intermediários de serviços provenientes do
exterior. Vejamos:
"Artigo 6º - Os Municípios e o Distrito Federal, mediante lei, poderão
atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a
terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação,
excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em
caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação,
inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais. (...)
§ 2º - Sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, são
responsáveis:
I - o tomador ou intermediário de serviço proveniente do exterior do País ou
cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País; (...)"
Nesse sentido, consideram-se "serviços provenientes do exterior", para fins tributários,
aqueles prestados exclusivamente fora do território brasileiro, em benefício de pessoa física
ou jurídica estabelecida no país.
Contudo o ISS é um tributo sujeito ao princípio da territorialidade, o que signica dizer
que o elemento espacial/geográfico da sua incidência deve se limitar às relações jurídico-
44
7- CONCLUSÃO
Qualquer país que busca o desenvolvimento tem como preocupação o fomento a novas
tecnologias próprias. Por isso, a proteção, a promoção e o incentivo a criação de novas
tecnologias vem arraigada na CRFB/88. A proteção à tecnologia nacional vem esculpida nos
artigos 5º, XXIX e 216, III. Já os artigos 23, V; 24, IX e o 200, V trazem a ideia de promoção
e fomento da tecnologia nacional. Ainda, a ideia de incentivo à pesquisa e a produção
tecnológica vem arraigadas nos seus artigos 179, III; 213, §2º; 217/ 218 e 219.
Assim, diversos aspectos devem ser considerados ao se tratar de inovação tecnológica
no Brasil, sendo a questão tributária somente um deles. Outros seriam a proteção a
55
Decisão do juízo da 8ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central de Porto Alegre, entendendo pela inexistência
de previsão legal para o tomador de serviço brasileiro pagar tributo em razão da prestação do serviço praticado
por terceiro estrangeiro, não sendo ele nem contribuinte, nem mesmo substituto tributário. Processo nº
001/1.15.0192786-9.
56
Apelação no 9221533- 34.2007.8.26.0000, Rel. João Alberto Pezarini, 14a Câmara, 4.10.2012; Apelação no
0155480-98.2005, Rel. Des. Gonçalves Rostey, 14a Câmara, j. 14.07.2011; Apelação no 0101584-09.2006, Rel.
Des. Gonçalves Rostey, 14a Câmara, j. 30.06.2011.
57
Recurso Extraordinário nº º 574.706-PR, Relator Min. Carmen Lúcia. Dje em: 15/03/2017.
45
Assim, urge que seja realizada uma reforma tributária revolucionária no Brasil, que
possa resolver não somente a partição de receitas entre os Entes Federativos, bem como
modernize as bases tributárias, de modo que se adapte o Sistema Tributário às novas
realidades tecnológicas mundiais, buscando a transparência e a Segurança Jurídica para o
contribuinte, sem se desapegar do incentivo a produção econômica. Para tanto, parece ser
inegável que, dentro da realidade pátria, devam ser unificados os tributos sobre o consumo.
No entanto, até que isso ocorra, a melhor cautela do contribuinte deverá ser observar os
leading cases tratados neste trabalho, sobretudo a ADI nº 1.945-MS.
49
REFERÊNCIAS
BARROS, Maurício. Uma análise das decisões do TIT/SP sobre provimento de acesso à
internet, gerenciamento de rede e outros temas. Disponível em
https://gsga.com.br/observatorio-do-tit-icms-comunicacao/, acesso em 25/05/2019.
CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 17ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28ª ed. São
Paulo:Malheiros Editores, 2012.
GRECO, Marco Aurélio. Internet e Direito. 2ª ed. São Paulo:Dialética, 2000 apud
AMARAL, Thiago Abiatar Lopes. O ICMS e a tributação do download de softwares no
Estado de São Paulo, 2018, págs 39 a 40.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 27ª ed. São Paulo:Malheiros,
2006.
SILVA, Alice Marinho Corrêa, ALMEIDA, Mariana Quintanilha de, MARTINS, Vitor
Teixeira Pereira. Computação, Comércio Eletrônico e Prestação de Serviços Digitais.1ª ed.
São Paulo: Almedina, 2017.
WALD, Arnoldo. Direito Civil – Introdução e Parte Geral. 9ªed. São Paulo: Saraiva, 2002.