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UMA BREVE ANÁLISE ECONÔMICA DA PATENTE

Diego Gomes Ferreira Leite1;e

RESUMO
A proposta do presente artigo é apresentar uma visão econômica do sistema de
proteção da propriedade intelectual de forma breve. A visão do Direito sob um
enfoque econômico corrobora a tendência da doutrina mais especializada e
contemporânea no sentido de que ela não pode existir ignorando o mundo que a
cerca e a compõe. Dentro desse foco, o sistema de proteção das patentes, por ser
um dos mais emblemáticos, é analisado.

Palavras-chave: Análise Econômica do Direito. Patentes. Bens. Proteção Jurídica.


Direito de Propriedade. Inovação.

1
Advogado formado pela UFRJ. Auditor Interno no BNDES. Especialista em direito público pela UVA.
2

1) INTRODUÇÃO
A visão do Direito sob uma perspectiva econômica é relativamente nova. A
rigor, há muito se debate acerca de uma existência polarizada entre Direito e
Economia, como se as duas ciências fossem dicotômicas e antíteses uma da outra.
Deste modo, ao olhar incauto, a ciência jurídica se ocuparia, prioritariamente, de
temas relacionados à justiça, ao passo que a economia teria caráter positivo, com a
busca de tão-só de eficiência dos agentes econômicos. Essa visão resta vencida,
vez que a doutrina jurídica mais moderna, tanto de uma ciência como de outra,
passam a enxergar os dois campos de conhecimento como complementares, e, por
vezes, possuindo até o mesmo propósito.
Um dos principais expoentes da Análise Econômica do Direito é Coase, que
demonstra ser possível pensar os direitos de propriedade sobre a ótica da
economia. O raciocínio do autor é no sentido de que, na ausência de custos de
transação, não importa como seria feita a distribuição dos direitos de propriedade.
Sendo os direitos de propriedade bem definidos, em um ambiente de livre-mercado,
a eficiência econômica será sempre alcançada. Nesse cenário, os custos de
transação (rectius: os custos em que os agentes incorrem para poder realizar trocas
em uma economia) passaram a desempenhar papel relevante na avaliação das leis
e políticas públicas (COASE, pág 35, 2004).
Existem várias espécies de custos de transação em uma economia, mas em
linhas gerais, podem ser enumerados como os mais importantes: as assimetrias
informacionais, os custos de barganha, os custos legais e os custos de busca. A
importância dos custos de transação reside no fato de que eles podem levar a
hipossuficiência econômica, à situação em que a economia tenda a ser menos
eficiente do que pode, revelando ineficiências importantes que, na ausência desses,
poderiam ser eliminadas. Corolário disso é que as proposições legislativas e as
políticas públicas devem sempre buscar reduzir os custos de transação.
Destarte, um dos principais objetivos das políticas públicas é aumentar a
eficiência da economia, levando a maior bem-estar. Não é difícil notar que a ciência
jurídica é um ator principal nesta peça, portanto.
A fim de conceituar a “eficiência econômica”, os economistas, tradicionalmente
utilizam-se do conceito de Pareto2 é muito utilizado pelos economistas para denotar
2
Wilfried Fritz Pareto, foi um renomado economista que nasceu na França, de pais italianos da Ligúria; sua
família detinha o título de nobreza desde o início do século XVIII. Seu avô, Giovanni Benedetto Pareto, foi
nomeado barão do império por Napoleão Bonaparte em 1811. Seu pai recebeu asilo em Paris devido às suas
3

uma situação em que não é possível melhorar a situação de um agente sem piorar a
situação de, ao menos, um outro agente. Noutros termos, o conceito de “eficiência
de Pareto” pode ser resumido ao conceito de melhoria da unanimidade. Ao introduzir
determinada política pública ou norma legal, o sistema é eficiente se todos os
agentes que são afetados estão em situação melhor ou pelo menos igual a anterior.
O problema dessa definição é que, em geral, a introdução de normas jurídicas
leva existência de ganhadores e perdedores. Por isso, há outros conceitos de
“eficiência” que são utilizados na análise econômica do direito, como o de Kaldor-
Hicks (BOTELHO, pág 02, 2016), que é definido como a confrontação dos benefícios
e custos sociais de determinada norma. Se o benefício total for maior que o custo
total de sua introdução, essa será eficiente.
Em linhas gerais, a noção de eficiência está diretamente relacionada a ideia de
maximização de bem-estar social, no sentido de que, se uma lei é eficiente, então
ela proporciona um aumento de bem-estar para a sociedade. Contudo, se existir no
caso concreto, uma assimetria entre os agentes, uma vez que a haverá o benefício
de alguns, com o prejuízo de outros, a situação ainda pode ser eficiente no sentido
de Kaldor-Hicks, já que os benefícios sociais podem ser maiores que os custos
sociais.
Assim, embora o conceito de eficiência de Kaldor-Hicks exija que a maioria se
beneficie com determinada medida e que possa haver agentes que saiam perdendo,
é sempre possível realizar uma redistribuição dos recursos de forma a tornar essa
medida eficiente no sentido de Pareto.
Forçoso notar-se que a análise econômica do Direito fornece terreno fértil para
uma discussão mais técnica de proposições legislativas e políticas públicas em
geral, tendo como norte a ideia de que as inovações no ordenamento jurídico deve
maximizar o bem-estar da sociedade, ou em termos econômicos, “provocar aumento
da eficiência”. O debate dessas proposições implica levantar todos os potenciais
custos e benefícios das proposições e políticas.

2) A PROPRIEDADE E O CONHECIMENTO EM UMA PERSPECTIVA


ECONÔMICA

ideias republicanas e antipiemontesas. Lá se casou com Marie Méténier. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/


Vilfredo_Pareto (disponível em 12/01/2019).
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Para a ciência econômica o conhecimento é reconhecidamente um bem


público3. A economia do conhecimento e a economia da informação, de uma forma
geral, baseiam-se nos mesmos argumentos quando tratam do conhecimento e da
informação como bens públicos (WAGNER, págs. 9 e 21, 2010). Os principais
atributos do conhecimento humano que fundamentam tal conclusão são: a
impossibilidade de exclusão de usuários e a ausência de rivalidade.
A falta de possibilidade de exclusão de usuários está diretamente relacionada à
qualidade dele de ser acessível a todos, de forma que há impossibilidade, ou ao
menos dificuldade, de se excluir as pessoas ao seu acesso, independentemente de
tal acesso ser tarifado.
No que toca à ausência de rivalidade, significa dizer que o uso do bem por uma
pessoa não o esgota ao ponto de impedir que outro o acesse. Dessa forma, os
indivíduos poderão usá-lo, consumi-lo ou dele dispor sem ser necessária uma
disputa. A título ilustrativo, o aluno que conhece da fórmula de Báskara, não se
assenhora da prerrogativa de ser o único ser humano a poder solucionar uma
equação algébrica de segundo grau.
Por conta desses atributos, o conhecimento é considerado um bem público.
Melhor dizendo, ele é considerado um “bem público mudial impuro” (STIGLITZ, pág
333, 1999).
Sob o aspecto econômico, os bens públicos distinguem-se dos bens
produzidos por indivíduos ou empresas privadas (ditos “bens privados”). Os bens
privados, regra geral, apresentam um custo marginal positivo com relação à
produção de uma unidade. Assim, o nível eficiente de oferta de um bem (chamado
de “custo marginal nulo”) é determinado pela relação custo-benefício de produção de
uma unidade a mais daquele bem. A eficiência será alcançada quando dessa
comparação resultar zero. Essa é a lógica de Pareto, mencionada alhures.
Contudo, essa lógica se inverte quando uma empresa privada busca produzir
bens eminentemente públicos, pois esses não apresentam um custo marginal
positivo com relação à produção de uma unidade a mais, e sim um custo marginal
nulo (rectius: igual à zero). Assim, nota-se que os bens públicos, quando fornecidos
por empresas privadas serão subutilizados, uma vez que se houver cobrança pelo
seu uso, o preço cobrado dissuadirá os consumidores a utilizá-lo, ou o utilizarão sem

3
Note-se que quer se referir ao conceito econômico, e não a dicotomia entre bem público bem privado. Tais
conceitos, apesar de possuírem relação, não se confundem.
5

pagar. Noutros termos, bens públicos são de tal natureza que não seriam ofertados
pelo mercado ou, pelo menos, não o seriam em quantidade suficiente, tal como a
oferta de Iluminação pública. Assim, ele possui duas propriedades essenciais: não
se incorre em custos adicionais quando se inclui mais um beneficiário do bem
público (ou seja: seu custo marginal será nulo); e há a dificuldade (ou mesmo a
impossibilidade) de excluir indivíduos de usufruí-lo (MANKIW, págs 227 a 230,
2001).
Assim, forçoso concluir que quando os bens públicos são fornecidos por
empresas privadas eles são subutilizados, uma vez que se houver cobrança pelo
seu uso, o preço cobrado dissuadirá os consumidores a utilizá-lo, ou o utilizarão sem
pagar. Haveria, portanto, uma perda de bem-estar, o que sinaliza para o fato de que
os bens cujo custo marginal de fornecimento é zero devem ser fornecidos
gratuitamente, independentemente de que seja viável ou não cobrar por eles
(MANKIW, pág 217, 2001).
Nesse contexto, ocorre uma externalidade 4, pois mesmo que seja mais
eficiente haver a provisão pública, ela não necessariamente ocorrerá. Assim,
havendo falta de interesse de provisão privada, o conhecimento como um bem
público torna por se defrontar com problemas de provisão no mercado.
Outra questão a ser considerada é a do beneficiário gratuito, também
conhecido como “carona” ou “free riding”. Ora, uma vez que o custo de produção de
uma unidade a mais (rectius:custo marginal) será zero para um consumidor adicional
que desfrute do bem, a produção do conhecimento por algumas pessoas, termina
por levar a reboque outras (“de carona”) que não empreendem quaisquer de seus
recursos, seja seu tempo, dinheiro, ou qualquer outro visando cooperar para a sua
produção. Assim, passa a não ter mais atratividade pagar pelo uso do bem público,
já que há a opção individualmente mais atrativa de aproveitar-se gratuitamente do
mesmo.
Como corolário, o bem público (como o conhecimento) é tratado como uma
falha de mercado, como externalidade. A partir da perspectiva econômica, no que
concerne ao seu acesso e uso, o conhecimento se caracteriza pela não exclusão e
pela ausência de rivalidade, mas também possui outra característica: seu caráter
cumulativo. As duas primeiras características se relacionam com a indivisibilidade do

4
Segundo leciona Mankiw “externalidade é o impacto das ações de uma pessoa sobre o bem-estar de outras que
não participam da ação” (MANKIW, pág 208, 2001).
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conhecimento e com seu caráter de bem público; enquanto a cumulatividade é uma


característica peculiar pelo fato de não se poder controlar plenamente suas
modalidades de apropriação, produzindo desse modo externalidades positivas.
As externalidades se referem aos efeitos de atividades de produção e consumo
que não se refletem diretamente no mercado, são externas a ele. Quando houver
externalidades, sejam elas positivas ou negativas, a destinação de recursos pode
não ser eficiente. Como as externalidades não estão refletidas nos preços de
mercado, elas terminam por afetá-lo, gerando ineficiência econômica.
Há externalidades positivas e negativas, as quais podem surgir entre
produtores, entre consumidores ou entre ambos. As negativas surgem no instante
em que a ação de uma das partes impõe custos sobre a outra, ou seja, refere-se aos
custos de produção ou de consumo que não são assumidos pelo produtor ou quem
o utilizar, como exemplo a poluição (MANKIW, pág. 208 e 209, 2001).
Já no que tange às externalidades positivas, essas existem quando a ação de
uma das partes traz benefício à outra, e o produtor é incapaz de aproveitar-se de
todos os benefícios do que foi produzido. Logo, toda atividade produtiva que gera
externalidade positiva produz, necessariamente, um benefício social maior do que o
privado (rectius: maior do que o apropriado pelo produtor).
Destarte, ao analisar-se a relação custo-benefício referente à produção de um
bem, o agente econômico privado compara o benefício privado com o custo privado.
Como consequência o produtor produzirá menos do que o ótimo, ou deixará de
produzir o bem ainda que o resultado seja socialmente vantajoso, ainda que o
benefício social seja maior do que o seu custo social. Nesse sentido, faz sentido que
aqueles que utilizem uma externalidade positiva, paguem por sua utilização.
Ao analisar-se individualmente o conhecimento, pode-se concluir que ele é
insumo para a produção de novos conhecimentos (característica da cumulatividade),
o que gera externalidades positivas, vez que aumenta a produtividade na descoberta
de novos conhecimentos. Com certeza por conta desse fato as grandes empresas
investem bastante em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Contudo, prima facie, as
inovações resultantes não poderiam ser protegidas do interesse das outras
empresas. Assim, parece justo, no sentido estritamente jurídico, de que deve haver
a possibilidade de o produto ser protegido por direitos de exclusividade. Noutros
termos, a empresa que investiu poderá, por meio da produção e comercialização
exclusivas, obter lucros justos por seu esforço. Se tal proteção não fosse possível, e
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o produto puder ser legalmente reproduzido pelas demais empresas (“caronas”),


essas poderiam se locupletar dos esforços de outro. A título reflexivo, poder-se-ia
pensar em uma ideia próxima do enriquecimento sem causa, se não o próprio.
Na economia, por definição, se estuda os direitos de propriedade sobre os
recursos escassos (Teoria da Escassez). Diante do que foi dito, importa notar que,
economicamente, convém à sociedade definir e proteger o direito a propriedade
privada porque os bens são escassos. A ideia é que a propriedade privada garanta
que os bens escassos sejam usados de forma mais eficiente e produtiva.
Contudo, há dificuldade de se justificar os direitos de propriedade intelectual
sob essa definição, tendo em vista que eles não surgem da escassez dos bens
(intelectuais) apropriados. Ocorre então que o propósito desse direito é justamente
criar uma escassez artificial. Noutros termos, neste caso a lei não protege a
propriedade de um bem naturalmente escasso, mas criada por ela própria. Trata-se
de uma escassez artificial, portanto. Com isso, possibilita-se precificar o direito de
propriedade sobre o conhecimento, tornando possível a sua mercantilização (ou,
como se diz atualmente: “commoditification”), e deste modo gerar uma renda
exclusiva para seus titulares.
Se a informação (conhecimento) não for um bem apropriável, os incentivos
para criá-la faltarão. Então, patentes e direitos autorais, por exemplo, são inovações
sociais projetadas para criar escassezes artificiais onde ela não existe naturalmente,
a fim de criar a necessidade de incentivos para adquirir a informação.
Assim, se há a noção de que a propriedade se propõe a cumprir a alocação
eficiente de recursos econômicos escassos, então, o argumento que justifica a
proteção jurídica dada à propriedade intelectual deve seguir a lógica de que a
eficiência econômica depende dos mercados. Contudo, como somente os recursos
escassos podem ser alocados através dos mercados, o conhecimento deve ser
tratado como a propriedade porque, apenas nessa hipótese ele será escasso e
consequentemente, trazido ao mercado a fim de que possa gerar benefício social.
O problema alocativo (em termos de eficiência, portanto) com o qual a
propriedade intelectual trata é o fato de que os mercados podem gerar investimentos
inadequados em inovação porque, sem a existência da proteção jurídica afeta a
propriedade intelectual, haverá sempre a presença do “carona”. E se assim for, os
inovadores serão incapazes de internalizar alguma retribuição sobre seus
investimentos.
8

Assim, pode-se concluir que a justificativa econômica argumenta que a


propriedade busca a alocação ótima dos recursos e o bem-estar social buscando um
equilíbrio, de um lado, concedendo exclusividade suficiente para suprir o incentivo
necessário para encorajar a inovação e, de outro, assegurando adequado acesso e
preparo para combater do conhecimento potencial desenvolvido, evitando assim o
acesso gratuito, desnecessário ou a excessiva proteção, provendo informação sobre
inovações e protegendo o domínio público (MAY, pág 3, 2001).

4) A “TRAGÉDIA DOS COMMONS” E OS “ANTI-COMMONS”


Uma famosa metáfora se mostra importante para metrificar a importância da
questão da propriedade é, sem dúvida, a da chamada “Tragédia dos Comuns”5. Em
sua alegoria Garret Hardin traça uma perspectiva do uso exagerado e da
degradação de recursos ambientais. O autor infere que uma vez que se mantenha o
elevado crescimento populacional, com o consequente declínio da mortalidade dos
humanos, a vida em um mundo finito (com recursos limitados) em que a população
combina o uso da capacidade máxima que pode ser suportada pelo bem comum,
tende a se tornar insustentável.
A “tragédia dos comuns” traz a ideia de que a procura constante por ganhos
individuais com a utilização excessiva dos recursos comuns limitados (escassos), na
ausência de regras para seu uso, ocasionará o esgotamento da capacidade
regenerativa desses recursos. A tragédia dos recursos comuns seria, então,
inevitável. Assim, se o estímulo seguir no sentido de meros interesses individuais,
ocasionalmente tal efeito ocorrerá (HARDIN, págs 1243 a 1246, 1968).
Em termos mais simples, Rolf Dobelli explica a alegoria:
“Imagine um belo pedaço de terra disponível a todos os camponeses de uma cidade.
É de se esperar que cada um deles mande o maior número possível de gado para
esse pasto. No entanto, isso é viável quando há doenças disseminadas e algumas
cabeças de gado acabam morrendo. Em resumo: enquanto o número de vacas não
ultrapassar certa quantidade e, portanto, o pasto não tiver uma superpopulação. No
entanto, se o gado estiver em boas condições de saúde, a bela ideia do pasto
comunitário se transformará em uma tragédia. Como ser racional, todo camponês
tentará maximizar seu lucro. Irá se perguntar: ´Qual não será meu proveito se eu
mandar mais uma vaca para o pasto comunitário?´. Esse camponês terá um proveito
adicional de uma vaca, que ele poderá vender, portanto, ´+1´. A desvantagem de
5
Em inglês, The Tragedy of Commons.
9

explorar o pasto em demasia com uma vaca a mais será arcada por todos. Para o
camponês em questão, a perda relacionada à vaca será apenas uma fração de `-1´.
De seu ponto de vista, é racional mandar o animal extra para o pasto. E mais outro. E
mais outro. Até o pasto entrar em colapso” (DOBELLI, pág. 64, 2014).

A ideia central é a de que quando o proveito recai sobre o indivíduo, mas os


custos recaem sobre a comunidade, a tendência é de que ocorra a tragédia dos
comuns, ou seja: a escassez dos recursos e a falha do sistema como um todo.
Contudo, isso não significa que o comportamento com fulcro em proveito próprio
seja absolutamente inútil ou imoral. A tragédia seria, portanto, um mero efeito que
surge quando o tamanho do aproveitamento individual supera o limite de capacidade
de regeneração do sistema.
Assim, segundo Hardin, é imperativo limitar ou anular o livre acesso aos
recursos comuns, o que pode ser feito, basicamente, por meio da regulamentação
da apropriação dos bens. Ele defende a necessidade de direitos de propriedade
legalmente instituídos.
Complementar a ideia, mas sob outro enfoque, Christopher May (MAY, págs 1
a 4, 2001) argumenta que com a instituição dos direitos de propriedade intelectual
pode ocorrer uma reversão desse problema, mas propõe a possibilidade de ocorrer
um problema diferente, o que ele chama de “a tragédia dos anti-commons”. Tal
tragédia seria aquela em que os indivíduos subutilizam os recursos escassos (no
caso, artificialmente escassos), como o conhecimento, porque possuem a
possibilidade de excluir o acesso de outros e impedir seu consumo. A ideia é oposta
ao que ocorre nos commons, onde ninguém tem esse direito.
Uma ilustração da “tragédia dos anti-commons” seria a situação na qual
titulares múltiplos possuíssem direitos de propriedade intelectual (patentes, por
exemplo) excessivamente fragmentadas, assim nenhum dos proprietários
possuiriam um conjunto significativo de direitos comerciáveis. Ora, nessa hipótese,
ocorreria um bloqueio entre as patentes (blocking patents)6, em razão de as
reivindicações de patentes de diferentes titulares bloquearem uma a outra, o que

6
“Blocking patent refers to one of two patents, both of which cannot be effectively practiced without infringing
the other. For instance, suppose John patents an improvement of George’s patented invention, then John will not
be able to practice his improvement without infringing George’s patent. George also would not be able to use
the improvement without infringing John’s patent. Therefore, in many instances owners of blocking patents
cross-license each other.”. Disponível em < https://definitions.uslegal.com/b/blocking-patent/>, acesso em
02/01/2019.
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poderia levar a menor utilidade dos bens. Um exemplo desta hipótese seria quando
um titular possuísse uma reivindicação de patente de uma inovação básica e outros
titulares possuíssem reivindicações de patente de aperfeiçoamentos. Um não
conseguiria exercer seu direito sem violar o direito do outro.
Tal situação pode ser solucionada pelo acordo entre as partes, ou seja, pela
comunhão de patentes ou pela a realização de mecanismos contratuais entre os
possuidores de patentes complementares. Aqui nasce a ideia de “licença-cruzada”,
que seria uma troca mútua de licenças entre partes não-relacionadas, a fim de
superar os problemas dos anti-commons. Isso cria uma forma de gestão comum (no
sentido de coletiva) dos direitos de propriedade intelectual, que via de regra, são
regulados por meio de contratos privados dentro das necessidades de mercado e
dos limites da regulação estatal7.

5) O SISTEMA DE PATENTE DENTRO DA LÓGICA ECONÔMICA


Conforme visto alhures, em uma visão econômica, a propriedade é analisada
com base em uma distinção quanto àqueles que a possuem ou a ela tem acesso.
Assim, para fins didáticos, ela pode se subdividida em: propriedade de livre acesso,
propriedade pública (no sentido de estatal), propriedade comunal e propriedade
privada8.
Os bens de livre acesso são aqueles a que todo homem tem acesso,
independentemente de condições. Tem-se que este sistema apresenta maior
suscetibilidade à tragédia dos “commons” ou, melhor dizendo, ao esgotamento dos
recursos comuns, em razão de não haver regulamentação sobre o acesso e uso.
Revela-se, deste modo, a importância da exclusão ao uso de recursos escassos,
como justifica Hardin, a partir da imposição legal de um regime de propriedade
(HARDIN, pág. 1244, 1995). Frise-se que nessa modalidade de apropriação pode
ser enquadrado o conhecimento considerado de domínio público.
O regime de propriedade estatal seria aquele no qual a ficção jurídica “Estado”
dá ao bem a função que melhor apraz o interesse público 9. Ele se revela
7
Como exemplo pode ser citado o caso do DVD que, dentre outros, envolveu essencialmente a criação de
padrões tecnológicos mais apurados.
8
Essa classificação não é unânime. N. Gregory Mankin classifica os bens como: privados, públicos, recursos
comuns e “excluível, mas não-rival” (Mankin, pág 228, 2001).
9
Importante salientar a distinção que se faz na doutrina entre o interesse público primário (que é o verdadeiro
interesse a que se destina a Administração Pública, alçando o interesse da coletividade e possuindo supremacia
sobre o particular); e o interesse público secundário (que diz respeito ao interesse patrimonial do Estado). No
caso ora tratado, obviamente, trata-se do interesse primário.
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extremamente importante quando o bem comum não pode ser confiado a outros
regimes de apropriação. Implica que o estado pode excluir qualquer pessoa do uso
de um direito na medida em que atende aos procedimentos politicamente aceitos
que definem quem pode ou não utilizar o bem estatal.
Quanto aos regimes de propriedade comunal, a exclusão refere-se às pessoas
que não pertencem ao grupo que controla determinados recursos, ou seja, que não
participa de sua estrutura organizacional comunitária. Há, portanto, o poder de um
grupo excluir terceiros. Os conhecimentos das comunidades tradicionais enquadrar-
se-iam nesse regime de apropriação, por exemplo. A permanência do processo de
exclusão estabelecido no regime comunal de apropriação de bens comuns está
pautada na necessidade de seu reconhecimento legal ou moral pelos membros do
grupo e, principalmente, por aqueles não-membros do grupo comunal.
Segundo Demsetz, essa forma de propriedade falha na possibilidade de não
concentrar em uma só pessoa o exercício do direito comunal, tornando os custos de
negociação sobre os bens e direitos de propriedade comunais altos e mais
demorados porque o exercício do direito por uma comunidade em geral dificulta o
alcance um acordo mutuamente satisfatório (DEMSETZ, pág 08, 1960).
Considerando que ainda que exista um acordo para uso desses bens, ninguém
poderá utilizá-lo privadamente, forçoso concluir-se que o regime de propriedade
comunal resulta em grandes externalidades.
O desenvolvimento de direitos privados (rectius: propriedade privada) permite
que seu titular limite o uso do bem, vez que, enquanto proprietário, tem o poder de
restringir o acesso dos demais. Se a titularidade se limitar a apenas um indivíduo,
ele buscará sempre a maximização de seu valor. Neste caso haverá uma
concentração de custos e benefícios sobre a mesma pessoa, o que geraria
incentivos para utilizar os recursos de forma mais eficiente.
Entretanto, a propriedade privada lida com algumas externalidades. O
proprietário arcará sozinho com os chamados “custos de exclusão”. Tais custos
referem-se àqueles relacionados ao monitoramento, à concessão de direitos de
utilização do bem a terceiros. A privatização de acesso aos recursos termina por
promover a regulamentação de uso e acesso desses bens, que termina por ocorrer
com fulcro em objetivos privados.
Assim, muito embora o problema de cumprimento de legislação seja comum a
todos os regimes de apropriação de recursos, tal questão é mais latente no regime
12

de propriedade privada, em que a legitimação dos direitos de apropriação privada


aumenta, em grau maior, os custos de fiscalização para se fazer cumprir a
exclusividade.
Ainda assim, grande parte dos analistas econômicos do direito concorda que a
apropriação privada da propriedade é a forma que mais gera incentivos econômicos
eficientes. Quando se trata de direitos de propriedade intelectual, essa afirmação
merece um olhar ainda mais apurado. Nesse sentido, como bem professa Ricardo
Dutra Nunes:
“(...) acredita-se que, na ausência de algum sistema de incentivo, não haveria
investimento em inovação em níveis socialmente desejados. O sistema de patentes é
um dos principais mecanismos pelo qual se incentiva o investimento em inovação, pois
o direito de exclusividade conferido pela patente permite que seu titular cobre um
preço-prêmio em troca de sua invenção, isto é, um preço superior ao que seria fixado
em um ambiente de equilíbrio competitivo, de forma a recuperar os investimentos em
inovação” (NUNES, pág 31, 2016).

Destarte, pode-se concluir que a instituição de direitos de propriedade sobre a


criação intelectual resulta em benefícios e custos sociais, e justamente por isso sua
regulação dever ser de tal forma que vise encontrar um equilíbrio entre a
maximização do benefício público e a redução dos custos sociais. É nesse contexto,
que a Patente se insere. Para tanto, preciosíssima é a lição de Denis Borges
Barbosa, o qual leciona que Patente é
“ (...) um direito, conferido pelo Estado, que dá ao seu titular a exclusividade da
exploração de uma tecnologia. Como contrapartida pelo acesso do público ao
conhecimento dos pontos essenciais do invento, a lei dá ao titular da patente um
direito limitado no tempo, no pressuposto de que é socialmente mais produtiva em tais
condições a troca da exclusividade de fato (a do segredo da tecnologia) pela
exclusividade temporária de direito” (BARBOSA, pág 1099, 2017).

O sistema de patentes é estruturado com base em normas jurídicas que afetam


de forma evidente os incentivos e custos advindos desse sistema, conferindo ao
titular da patente direito de exclusão de terceiros da utilização, fabricação e
comercialização da invenção que lhe pertence.
O primeiro aspecto relevante ao tecer uma visão econômica sobre o Direito de
Patente é o fato de que seu titular recebe um privilégio temporário. Corolário disso é
13

que, a alteração do prazo de proteção conferido pela patente é capaz de influenciar


diretamente os fins do próprio sistema de patentes, uma vez que estimula ou freia os
bens de inovação, alterando diretamente os custos inerentes a esse sistema. Há, na
verdade, enorme discussão doutrinária acerca do prazo de proteção ideal de uma
patente, vez que quanto maior o prazo, tanto maior será o incentivo à inovação,
contudo um período de proteção demasiadamente extenso pode ter o efeito inverso,
servindo de freio à inovação (NUNES, pág 35, 2016).
Nesse contexto, não só o prazo de proteção é um elemento deveras debatido
acerca do sistema de patentes. Há divergências quanto ao modelo one size fits all,
que rege o atual sistema. Há certa divergência sobre o fato de o prazo de proteção
conferido pelo sistema de patentes ser o mesmo, independentemente da sorte da
invenção ou de seu setor.
Outros elementos importantes do sistema de patentes são o escopo de sua
proteção e os requisitos legais exigidos para sua obtenção. Na prática, mostra-se
certa dificuldade em se determinar quais atos de reprodução da tecnologia
patenteada são lícitos ou não. Primeiro, porque diferentes escopos de proteção,
naturalmente, criam diferentes incentivos e custos para os particulares. Em segundo
lugar, porque a evidente dificuldade em descrever com exatidão a proteção que se
pretende, torna o sistema, por vezes, burocrático e demorado. No entanto, esse
modelo tem suas qualidades, vez que permite ao examinador saber com precisão
aquilo que o requerente acredita ser novo e inventivo, e que será objeto de exame.
Em adição, uma vez concedida a patente, esse sistema possibilita que tanto o titular
quanto o restante da sociedade saibam com maior precisão a matéria objeto de
proteção. Há, portanto, um cuidado para que o objeto não seja reproduzido sem
autorização do titular.
Outro elemento importante é a solução técnica. Esta é entendida como
inovadora quando estiver compreendida fora do estado da técnica, quando for
distinta de tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data em que o
requerimento é feito junto ao escritório de patentes, no Brasil ou no exterior.
O elemento da novidade presta-se para garantir que o direito de exclusividade
conferido ao titular do direito não englobará as tecnologias já existentes, protegendo
os esforços e investimentos de outros.
O requisito da atividade inventiva refere-se ao fato de que, para um técnico no
assunto, não pode decorrer de maneira óbvia do estado da técnica. Esse elemento é
14

essencial ao sistema de patentes, pois evita a concessão de proteção às soluções


óbvias, que não fariam sentido possuir uma proteção jurídica.
Finalmente, a solução é dita como “de aplicação industrial” quando puder ser
utilizada ou produzida em qualquer tipo de indústria (NUNES, pág 45, 2016).

6) CONCLUSÃO
O sistema de proteção a propriedade intelectual, e principalmente o sistema de
proteção das patentes, é praticamente indissociável de uma análise econômica. Na
medida em que as próprias proteções jurídicas ao sistema interferem nos estímulos
necessários ao desenvolvimento de tecnologias e inventos, tal arcabouço regulatório
está diretamente ligado utilidade social e às políticas públicas referentes a essa
sorte de direitos e bens.
Na medida em que impõe algum ônus a ser suportado pelos agentes que
desenvolvem novas tecnologias, resta evidente que esse sistema deve conseguir
balancear o incentivo a inovação, de um lado, e de outro os benefícios sociais por
ele gerados.
Os requisitos exigidos para a concessão do direito pelo sistema jurídico acaba
não se diferenciando muito ao longo do globo. Os requisitos terminam por servir
para minimizar custos sociais do direito de patentes.
Dessa forma, percebe-se há diversos elementos que, uma vez inseridos no
escopo de proteção da patente, ou mesmo nos próprios requisitos para sua
concessão, são relevantes para parametrizar os incentivos que decorrem do
sistema.
Na medida em que guardam relação com os custos e benefícios do sistema de
patentes, o escopo de proteção e os requisitos de patenteabilidade são relevantes
para a análise das alegadas ineficiências decorrentes da situação de corridas por
patentes.
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