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A EFICIÊNCIA E A APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO

CONSUMIDOR NO SOBREPREÇO DE PRODUTOS EM TEMPOS DE


EMERGÊNCIA

Fabíola Rabelo França*

RESUMO

O presente estudo visa traçar uma análise acerca do sobrepreço de produtos à luz
do Código de Defesa do Consumidor em circunstâncias atípicas. A relevância do
tema mostra-se imperiosa: assolados pelo surto pandêmico da COVID-19, todos os
setores da sociedade encontram-se em constantes enfrentamentos. A
desinformação alia-se ao oportunismo, e produtos que antes eram ofertados a
preços normais sofrem reajustes bruscos, aproveitando-se da profunda necessidade
para majorar lucro. Portanto, o artigo elucidará as nuances do rearranjo de preços
pelos fornecedores à medida que esclarecerá quando o Direito do Consumidor
surgirá como resposta para a solução destes conflitos durante tempos de
emergência.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Sobrepreço. Surto Pandêmico.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Reajustes nos preços, comumente os elevando, ocorrem com periodicidade.


É um assunto que, à primeira vista, concerne àqueles que detêm os fatores de
produção. Entretanto, o impacto gerado pela majoração dos preços impacta
negativamente a vida dos consumidores. Preços flutuam de acordo com os custos
da matéria-prima, da mão-de-obra, a carga tributária, os preços ofertados pela
concorrência etc. A oferta e a demanda é um dos fatores que traduz com exatidão
uma conjuntura econômica: a excessiva quantidade de determinado produto no
mercado normalmente provoca a redução de seu preço, enquanto a falta ou a
escassez incita o inverso.
____________________________

* Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduada em


Processo Civil pelo Centro de Estudos na Área Jurídica Federal (CEAJUFE) e pós-graduanda em
Direito Bancário pela Escola Superior de Advocacia (ESA). Endereço eletrônico:
fabiolafranca80@gmail.com
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A economia não é, pois, estanque: ela flui, permutando-se conforme novos


enfrentamentos surgem diante dos fornecedores e dos consumidores. Apesar de
existir repreensão social, o reajuste de preço não é ilícito, considerado em si mesmo,
haja vista que, geralmente, busca-se a equiparação dele com o produto, levando em
consideração uma série de custos de produção e, mesmo, fatores imprevisíveis.
Estes, que são situações as quais destoam da normalidade do mercado econômico,
identificam-se como tempos de emergências.
Atualmente, o mundo sofre com o surto causado pelo novo coronavírus, que
gerou uma Pandemia. Medidas preventivas são tomadas; a economia é acometida
pela repercussão da doença. Nestas circunstâncias, onde há atipicidade das
relações de produção e de consumo, questiona-se o oportunismo em relação à
dificuldade ou à extrema necessidade dos consumidores. Estudos apontam que o
consumidor mostra novo comportamento diante da Pandemia (SEBRAE, 2020).
Além da valoração negativa atinente aos desígnios egoísticos daqueles que, em
tempos de crise, majoram preços a fim de ampliar lucros, o consumidor busca
respaldo no Ordenamento Jurídico: que o Direito, frente a estas condutas, em
circunstâncias tão sombrias, regula? Há reprovação nas condutas praticadas pelos
fornecedores?
O acesso das pessoas a uma infinidade de produtos e de serviços ampliou-
se ao passo que houve um avanço exponencial da industrialização, do acesso a
novas formas de comunicação e do desenvolvimento técnico-científico. O modelo de
sociedade capitalista como se conhece hodiernamente aprimorou-se com a
Revolução Tecnológica oriunda do período pós-Segunda Guerra Mundial. A partir
deste momento, a expectativa do consumidor era alta, e, portanto, a demanda era
quantitativa.
A escolha pela quantidade em detrimento da qualidade gerou problemas.
Produtos ou serviços viciados, que eram frequentes, ameaçavam tanto a ordem
econômica quanto a ordem social. No Brasil, até 1990, duas leis resguardavam os
direitos daqueles que adquiriam no mercado de consumo: a Lei 3.071/1916 (o antigo
Código Civil) e a Lei 1.521/1951 (Crimes Contra a Economia Popular). À medida que
a sociedade transmutou-se, a incoerência e a ineficiência destas leis tornaram-se
nítidas. Por exemplo, o Código Civil de 1916, infundido em seus preceitos pelo
liberalismo econômico, apregoava o equilíbrio entre os sujeitos de uma relação
jurídica. Hoje, o entendimento é pacífico: os sujeitos da relação de consumo estão
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em desigualdade. Por isso, à época houve fomento para a revisão do modelo


jurídico.
Entre tantos adventos, a Constituição Federal de 1988 elegeu os Direitos do
Consumidor a categoria de direitos e garantias fundamentais, a ser promovida pelo
Estado. A vulnerabilidade do consumidor foi, pois, reconhecida. Não apenas isto: os
Direitos do Consumidor tornou-se princípio da ordem econômica. Por conseguinte, a
Lei 8.078/1990, atual Código de Defesa do Consumidor (CDC), emergiu por força do
comando de elaboração do artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias.
A legislação, que adveio para regular uma realidade desfavorável,
caracteriza-se por ser uma lei principiológica, trazendo em seu bojo normas de
ordem pública e de interesse social. Ela é, também, um microssistema
multidisciplinar. Primeiro: o Código de Defesa do Consumidor constrói-se com uma
série de princípios que, juntos, objetivam conferir direitos aos consumidores
(vulneráveis das relações) e impor deveres aos fornecedores. Tais direitos e deveres
são abarcados pela Política Nacional de Relações de Consumo. Segundo: o
conteúdo de natureza pública e interesse geral preenchem o código, reverberando
em consequências, como o reconhecimento de ofício dos direitos do consumidor
pelo magistrado, sentenças que não se limitam apenas às partes envolvidas em
litígio (caráter educativo e preventivo) e, sobretudo, direitos irrenunciáveis. Por fim: a
variedade de ramos do Direito albergados na legislação consumerista forma um
sistema que regula desde o administrativo ao penal.
Assim, resta compreender qual é o posicionamento da referida lei frente à
majoração de preços em tempos de emergência.

2. DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO DA CONCORRÊNCIA: ANÁLISE DO


SOBREPREÇO DE PRODUTOS EM TEMPOS DE EMERGÊNCIA

Caso recente: em Recife, o preço de máscaras subiu em 316%, enquanto o


do álcool em gel aumentou 194% (G1, 2020). Não é um caso isolado da capital
pernambucana. A demanda por estes produtos durante a Pandemia da COVID-19
cresceu excessivamente, logo a oferta diminuiu, o que ocasionou o reajuste dos
preços. O consumidor sente-se lesado diante dos preços, muitas vezes absurdos e
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que não resguardam quaisquer relações de proporcionalidade. Logo, o Direito é


acionado frente a tais impasses.
Cumpre ressaltar que o sistema econômico da República Federativa do
Brasil baseia-se na livre iniciativa, de acordo com o artigo 170 da Constituição
Federal de 1988 (BRASIL, 1988). Conquanto a análise da livre iniciativa deva estar
em consonância com os demais princípios do texto constitucional, a intervenção do
Estado no domínio econômico é autorizada somente quando expressa
constitucionalmente, sobretudo com observância da proporcionalidade. Tecendo a
respeito disto, Grau (1998, p. 212-213) leciona que:

A ordem econômica na Constituição de 1988 consagra um regime de


mercado organizado, entendido como tal aquele afetado pelos
preceitos da ordem pública clássica (Geraldo Vidigal); opta pelo tipo
liberal do processo econômico, que só admite a intervenção do
Estado para coibir abusos e preservar a livre concorrência de quais
interferências, quer do próprio Estado, quer do embate econômico
que pode levar à formação de monopólios e ao abuso de poder
econômico visando aumento arbitrário dos lucros – mas sua posição
corresponde ao do neoliberalismo ou social-liberalismo, como a
defesa da livre iniciativa (Miguel Reale); [...]; a Constituição repudia o
dirigismo, porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se
faz contra o mercado, mas a seu favor (Tércio Sampaio Ferraz
Júnior); a Constituição é capitalista, mas a liberdade apenas é
admitida enquanto exercida no interesse da justiça social e confere
prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais
valores da economia de mercado (José Afonso da Silva).

Não obstante a ordem econômica brasileira apregoe a livre iniciativa,


observa-se que ela não deve ser assimilada como um conceito absoluto, isolado dos
demais. Especialmente quanto à majoração de preços, a Constituição Federal de
1988 deu caráter fundamental à promoção dos direitos do consumidor, logo a
intervenção estatal é autorizada.
A este respeito, a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica (Lei
13.874/2019) abarca, em seu artigo 2º, o ensinamento constitucional:

Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:


I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades
econômicas;
II – a boa-fé do particular perante o poder público;
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o
exercício de atividades econômicas;
IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o
Estado. [...]
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O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, exemplifica um rol de


práticas abusivas exercidas pelos fornecedores. A prevista no inciso X proíbe a
conduta de ‘’elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços’’. A proibição
em questão foi introduzida pelo artigo 87 da Lei 8.884/1994, antiga Lei de Defesa da
Concorrência. A fim de ilustrar que a tradição legislativa brasileira é a da repressão
ao aumento arbitrário de preços, perceba que o artigo 2º, inciso II, da revogada Lei
4.371/1962, ensinava que era forma de abuso de poder ‘’elevar sem justa causa os
preços, no caso de monopólio natural ou de fato, com objetivo de aumentar
arbitrariamente os lucros sem aumentar a produção’’. Tal preceito satisfazia, à
época, o artigo 149 da Constituição brasileira de 1946.
Em vigor, a Lei 12.529/2011 estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da
Concorrência. Seu artigo 36, à luz do referido entendimento da dissertação acima,
em seu inciso III, aduz que é infração da ordem econômica, sem depender de culpa,
atos que, não importando a maneira com que se manifestem, tenham por objetivo ou
tentem produzir aumento arbitrário dos lucros. Destarte, nota-se que o repúdio às
práticas que, em tese, priorizam oportunismos acerca dos sujeitos menos
favorecidos em uma relação reverberam não somente na legislação consumerista,
mas também em outros ramos do Direito, entrecortados pelas máximas
constitucionais.
Consoante ao assunto, o professor Bruno Miragem (2016, p. 329) expõe
que:

Os conceitos do direito da concorrência e do direito do consumidor se


associam até certo ponto, em diversas situações fáticas nas quais
incidem em comum, embora com as naturais dificuldades de
demonstração no caso concreto. A pergunta é se a definição prevista
na legislação de proteção do consumidor conquistou autonomia em
relação àquela que da evolução das normais concorrenciais.

À vista da natureza similar, deste ponto, das matérias, é imperioso ressaltar


as diferenciações terminológicas que podem apresentar certos equívocos na praxe.
De um lado, a vedação consumerista à elevação sem justa causa do preço
de produtos ou de serviços; de outro, a infração de aumentar arbitrariamente os
lucros. Há uma aparente relação de causalidade entre elas: se há aumento dos
preços, haverá também aprimoramento dos lucros. A lógica aparente neste axioma
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nem sempre se confirma, pois esta pode não ser consequência daquela. Acerca
deste entendimento, o julgado abaixo é esclarecedor:

BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Décima Sétima


Câmara Cível). Apelação Cível nº 70059453456. Apelante: Ministério
Público. Apelada: Garagem Record LTDA. Relatora: Des.ª Liége
Puricelli Pires. Porto Alegre, 25 de setembro de 2014.
DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO COLETIVA DE
CONSUMO. INFRAÇÃO À ORDEM ECONÔMICA. AUMENTO
ARBITRÁRIO DE LUCROS. POSTO DE COMBUSTÍVEL.
TRANSGRESSÃO À ORDEM ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA.
SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. [...] adianto que, para
o caso dos autos, não se extrai o alegado abuso. Começa eu a
margem bruta de lucro – critério adotado pelo autor, e que é
verificada computando-se a diferença entre o preço de aquisição (PA)
e o preço de venda (PV) – não se mostra como adequada para
demonstrar a alegada vantagem excessiva auferida pela ré. A
perscrutação mais consetânea seria aquela baseada no lucro líquido,
e que considera o resultado, depois de deduzidas todos os custos,
inclusive operacionais.
[...] Bem de lembrar que a própria Lei de regência, nº 12.529/2011, no
seu art. 1º, pauta-se ‘’pelos ditames constitucionais de liberdade, de
iniciativa e de livre concorrência’’.
Consabido que o mercado regula-se pela lei – inderrogável – da
oferta e procura (a propósito, veja-se no que deu a antiga redação do
art. 192, 3§, da CF, que pretendeu limitar os juros).
Se a demanda permanece a mesma, mas a oferta diminui,
consequência certa é o aumento dos preços, dentro, por certo, dos
substratos legais.

Normalmente considerada, a majoração de preço pode ser ocasionada pelo


aumento da demanda. Todavia, questiona-se o limite para o sobrepreço em vista da
busca por determinado produto. Reinserindo o caso de Recife, apresentado pelo site
G1, o reajuste de 316% para as máscaras e 194% para o álcool em gel translada a
dois caminhos: o primeiro, valoração ético-social, que é, em termos práticos, a
reprovação dos consumidores, os quais se sentem prejudicados e vítimas do
oportunismo de uma circunstância grave e atípica; o segundo, valoração econômico-
financeira, que percebe nesta circunstância um degrau a fim de alçar maiores lucros.
De acordo com Bruno Miragem (2016, p. 330), ‘’o mercado se autorregula.
Se um fornecedor aumentar os preços de modo excessivo, perderá consumidores’’.
A esta situação aplica-se o que Álvaro Almeida denomina de metodologia da
concorrência perfeita – ou concorrência pura –, em que ‘’nenhum participante tem
tamanho suficiente para ter o poder de mercado para definir o preço de um produto
homogêneo’’ (2007, p. 37). A vedação consumerista a este respeito não se emprega
a tais circunstâncias, mas sim àquelas em que o preço estipulado, sendo excessivo,
ainda mantém a clientela, mormente em razão de sua extrema necessidade.
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Portanto, é fundamental a compreensão de que a elevação sem justa causa


de preços, prática considerada abusiva e elencada no rol exemplificativo do artigo 39
do CDC, não se confunde com o aumento arbitrário de lucros augurado na
legislação concorrencial. O abuso no exercício da liberdade negocial é o gênero do
qual a majoração sem justa causa de preços faz-se de espécie. A mera constatação
de aumento de preços (ainda que se obtenha maximização de lucros) não configura,
por si só, a abusividade. Tal prática gravita, essencialmente, à volta da ausência de
justificativa, associando-se ela com a carência de boa-fé objetiva e desprezo quanto
à condição de vulnerabilidade do consumidor.

2.1. PRÁTICAS ABUSIVAS

O entendimento acerca das práticas abusivas deriva da noção de


hipossuficiência do consumidor. Finkelstein e Neto (2010, p. 16) expõem três formas
básicas de hipossuficiência do consumidor, conforme ilustra o quadro da figura
abaixo:
Quadro 1 – Formas básicas da hipossuficiência do consumidor

Fonte: Manual de Direito do Consumidor, FINKELSTEIN; NETO; 2010, p. 16.

Se não há hipossuficiência, independente de qual forma ela se manifeste


(jurídica, técnica ou econômica), não há que se falar da abusividade. As práticas
abusivas nem sempre se apresentam como atividades enganosas. Em geral, elas
são imorais e abarcam, pois, a opressão mercadológica, embora lastreiem
veracidade. Muitas vezes, suas repercussões geram danos substanciais aos
consumidores, que são a parte frágil da relação de consumo.
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A respeito do tema, o doutrinador Nunes (2000, p. 477) preleciona que:

As chamadas ‘’práticas abusivas’’ são ações e/ou condutas que, uma


vez existentes, caracterizam-se como ilícitas independentemente de
se encontrar ou não algum consumidor lesado ou que se sinta lesado.
São ilícitas em si, apenas por existirem de fato no mundo fenomênico.

Logo, os comportamentos desacordados dos fornecedores àquilo que se


aguarda deles quanto à conduta correta (isto é, a boa-fé objetiva) serão abusivos.
Não por menos, sendo o mercado de consumo uma realidade mutável, seria
impossível a tarefa legislativa de elencar todas as possibilidades de práticas
abusivas, uma vez eu elas sofrem constante variação. Sendo assim, o rol do artigo
39 do CDC é mera exemplificação de algumas das condutas que lesionam a
vulnerabilidade dos consumidores, encontrando-se tantas outras em medidas
provisórias. Abaixo, cita-se o referido artigo e seus incisos:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre


outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na
exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de
conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor,
tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social,
para impingir-lhe seus produtos ou serviços;
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e
autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de
práticas anteriores entre as partes;
VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado
pelo consumidor no exercício de seus direitos;
VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou
serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais
competentes ou, se normas específicas não existirem, pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade
credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e
Qualidade Industrial (Conmetro);
IX - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua
obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo
critério;
IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços,
diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto
pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis
especiais;
X - (Vetado).
X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.
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XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999,


transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870,
de 23.11.1999.
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua
obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo
critério;
XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou
contratualmente estabelecido;
XIV - permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de
serviços de um número maior de consumidores que o fixado pela
autoridade administrativa como máximo.

As práticas abusivas são classificadas quanto ao momento do processo


econômico e quanto à fase da relação contratual. Aquela se subdivide em: práticas
abusivas produtivas, relacionadas à fase de produção do produto ou do serviço que
destoam das normas expedidas pelos órgãos oficiais; práticas abusivas comerciais,
relacionadas ao momento que, imediatamente, sucede a produção, como é o caso
do inciso IV do artigo acima citado. Esta, por sua vez, se subdivide em: fase pré-
contratual, que é o momento anterior à formação do contrato; contratual, o próprio
contrato; fase pós-contratual, que é após a finalização da relação de consumo.
À luz disto, Almeida (2013, p. 484) alerta que ‘’qualquer que seja o momento
de sua manifestação, o abuso estará relacionado com a situação de inferioridade
técnica, econômica, jurídica ou informacional do consumidor’’.

2.2. COMPREENSÃO DA HIPÓTESE DO ARTIGO 39, X, DO CÓDIGO DE


DEFESA DO CONSUMIDOR

A fim de interpretar e aplicar corretamente a hipótese do inciso X elencada


pelo artigo 39 da legislação consumerista, mister se faz sua adequada identificação
e, consequentemente, entendimento do elemento que aduz à elevação do preço sua
condição de abusividade: inexistência de justa causa. O professor Bruno Miragem
(2016, p. 331) leciona com acuidade que:

Há larga tradição, no direito ocidental, na definição jurídica de justa


causa e justo preço. A noção de causa, em direito privado, embora
tenha sentido plurissignificativo, mereceu maior acolhida em nosso
sistema a partir da noção objetiva, funcional – sobretudo no exame da
causa dos contratos. De modo a identificar-se como a razão objetiva
pela qual se reconhece dada solução de direito, ou o ajuste e
prestações das partes nos contratos (causa sinalagmática). Nesta
visão, a causa dos contratos é identificada segundo sua função. A
noção de uma justa causa, em matéria de elevação de preços,
contudo, vai associar-se à formação do princípio da equivalência
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material, que acompanha todo o desenvolvimento do direito privado,


com fases de maior ou menor destaque ao longo da história.

Desta maneira, observa-se que o sentido de justa causa assinalado no


inciso X do art. 39 está estritamente correlacionado à noção de proporção material: o
princípio da justiça contratual. Conquanto este não seja bem acolhido pela doutrina
brasileira, optando-se pelo instituto do equilíbrio contratual, o professor Fernando
Martins (2010) elencou sete critérios comuns a ela – observando normas
infraconstitucionais. Elas são:

1) Reciprocidade;
2) Comutatividade;
3) Equivalência material;
4) Proporcionalidade;
5) Proibição do enriquecimento sem causa;
6) Função social do contrato; e
7) Distribuição de riscos e ônus.

Necessária é a existência de uma relação de equidade entre o valor do


produto e o valor do que se pode adquirir. Em outras palavras: consenso dos
sujeitos envolvidos na relação. A violação do critério da equivalência material e,
portanto, do princípio da justiça contratual aponta para as desvantagens exageradas
ou desequilíbrios significativos. Esta pode ser compreendida quanto à moralidade ou
quanto à economicidade: exige-se para a primeira o abuso daquele que detém o
poder para fixação e reajuste do preço, comumente comportamentos nada pareados
com a noção de boa-fé; para a segunda, o desequilíbrio revela-se pelas flutuações
dos custos à luz dos riscos operacionais.
De acordo com Benjamin (2005, p. 381), ‘’numa economia estabilizada,
elevação superior aos índices de inflação gera uma presunção – relativa, é verdade
– de carência de justa causa’’. No entanto, rememorando a noção de ordem
econômica pautada pela livre iniciativa, não se pode retirar do fornecedor a
possibilidade de readequar os preços de seus produtos. O abuso de que trata a
hipótese do inciso X estará preenchido quando o readequamento estiver eivado de
dissimulação, ou, ainda, quando restar claro o aproveitamento da posição dominante
em que o fornecedor exerce frente à hipossuficiência do consumidor. A deslealdade
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no trato da relação consumerista é o norte para a identificação da inexistência da


justa causa na elevação de preços.
Logo, o caso de majoração dos preços das máscaras e do álcool em gel em
Recife, capital de Pernambuco, qualifica-se como uma anormalidade pelo excesso,
aproveitando-se da extrema necessidade pelos produtos para angariar lucro. É uma
prática abusiva e repreendida pelo Direito vigente, sujeitando-a a sanções
administrativas que o órgão competente providenciará. Assim, o peso do
entendimento não recai sobre juízo de valor a respeito de acreditar que o aumento
seja excessivo ou não, mas sim de que este tem ou não resguardo em motivações
racionais e econômicas, de modo a serem apreciadas e acolhidas pelo
Ordenamento Jurídico.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A correção de preços em tempos de emergência, tema debatido durante o


presente artigo, é consequência da conjuntura econômica. Inúmeros fatores, como
abordado, oportunizam a manutenção deles pelo fornecedor de produtos ou de
serviços. Percebe-se, desta maneira, que o seu reajuste não implica, a priori, em
uma prática vedada pelo Direito. Ao contrário: a base da ordem econômica pauta-se
pela livre iniciativa.
Esta, por sua vez, não funciona como máxima absoluta de orientação. Deve-
se observar o corpo constitucional, conjugando a livre iniciativa com os direitos de
natureza consumerista. Direito fundamental e, também, princípio do sistema
econômico, o Direito do Consumidor emergiu a fim de equalizar uma relação
desfavorável: a do consumidor, vulnerável, frente ao fornecedor, detentor dos meios
de produção. Ainda assim, o consumidor sente-se lesado quando, em tempos de
emergências, são confrontados por preços maiores que os usuais. É neste aspecto,
da abusividade destas práticas, que o artigo se aprofundou.
A majoração de preços – como visto – deve ser fundamentada à luz da justa
causa. Ela tem estrita relação com a equivalência material (um dos critérios
interpretativos aos quais se analisam as relações negociais pelo viés da justiça
contratual), um dos pilares da boa-fé objetiva. Se ela não existir, o consumidor
estará oprimido pela abusividade de um mercado que resguarda o poder às mãos
dos fornecedores. Logo, a elevação de preços sem a justa causa é a prática
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repreendida pelo Direito, expressa pelo artigo 39, inciso X, do Código de Defesa do
Consumidor.
O cenário agrava-se devido ao surto pandêmico do novo coronavírus. A
procura por certos produtos, como as máscaras e o álcool em gel, cresce e gera
sobrepreço. Nem sempre, porém, a elevação do valor tem causalidade com a
escassez do produto. A hipótese do referido inciso da legislação consumerista
reverbera, não poucas vezes, no claro assentamento do desequilíbrio significativo
quanto à moralidade, aproveitando-se da extrema necessidade para o aumento dos
lucros.
Conquanto o mero readequamento de preços por si só não se caracteriza a
prática abusiva, ainda que haja majoração de lucros, a ausência de justa causa é a
pedra angular sob a qual a interpretação legislativa sobre o tema deve ser orientada.
Neste caso, o consumidor pode e deve acionar as autoridades fiscalizadoras.

THE EFFICIENCY AND THE APPLICABILITY OF THE CUSTOMER DEFENSE


CODE IN OVERHEADING OF PRODUCTS IN EMERGENCY TIMES

ABSTRACT

The present study aims to outline an analysis of the overpricing of products in the
light of the Consumer Protection Code in atypical circumstances. The relevance of
the theme is imperative: beset by the pandemic outbreak of COVID-19, all sectors of
society are in constant confrontation. Disinformation is combined with opportunism,
and products that were previously offered at normal prices undergo sudden
adjustments, taking advantage of the profound need to increase profits. Therefore,
the article will elucidate the nuances of price rearrangement by suppliers as it will
clarify when Consumer Law will emerge as an answer to the solution of these
conflicts during times of emergency.

Keywords: Consumer Law. Overprice. Pandemic Outbreak.


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REFERÊNCIAS

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