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BREVE CONCEITO HISTÓRICO

Desde a década de 60 já se discutia a proteção do consumidor no


mercado de consumo no país, em razão de sua vulnerabilidade frente às grandes
corporações que surgiam. Por meio da Lei Delegada nº 4/1962 o Brasil passa, de
forma inicial, a permitir a intervenção do Estado no domínio econômico (leia-se, nas
relações jurídicas de caráter privado), visando assegurar a livre distribuição de
produtos necessários ao consumo da população.

A regulamentação vem de uma crescente industrialização pela qual


passava o Brasil, o que fazia aumentar o custo de vida aliado ao crescente processo
inflacionário.

Em 24 de julho de 1985 era criado o Conselho Nacional do


Consumidor por meio do Decreto 91.469/85, cuja criação vem de um passo dado
pela ONU ao estabelecer, por meio da Resolução 39-248 de 1985, as diretrizes para
a efetiva proteção do consumidor.

Tais fatos, somados com as movimentações sociais e a intensa


participação cívica em busca da redemocratização, tornaram o terreno fértil para a
discussão da necessária proteção ao consumidor dentro da Constituição Federal,
formulada em 1988.
O texto constitucional consagra a defesa do consumidor tanto como
um direito fundamental como valor fundante da ordem econômica, conforme
dispõem os artigos 5º, XXXII e 170, V da CF.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e


na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
V - defesa do consumidor;

A defesa do consumidor é um direito fundamental, tido como um


direito humano de nova geração, social e econômico.

Porém, a materialização da proteção constitucional se deu anos


depois, com a Lei 8.078/90, nomeada como Código de Defesa do Consumidor
(CDC).

O CDC traz normas de ordem pública e interesse social, que são


inderrogáveis e inafastáveis por vontade das partes envolvidas na relação de
consumo.

Privilegiando a parte mais frágil, este ramo do direito procura


equilibrar os pratos da balança, oferecendo proteção jurídica ao consumidor ante as
contratações com fornecedores. Para Nelson Nery Jr, inclusive, o CDC deve ser
considerado norma de principiológica, com eficácia supralegal, da qual irradiam
diversas orientações para a produção de outras leis que protejam os interesses dos
Consumidores (TARTUCE, 2016, pg. 11).

FONTES DO DIREITO DO CONSUMIDOR

A jurisprudência é a melhor aliada da interpretação das normas do


CDC, aliada aos princípios do CDC (os quais ainda serão analisados em aula),
estabelecidos nos arts. 4º a 6º do Código.

O direito comparado também é uma boa luz de proa para


estabelecer a interpretação de normas de proteção do consumidor, ao importar
interpretações já conferidas a relações similares, lembrando das interconexões que
a tecnologia imprime aos cidadãos mundialmente.

Portanto, quando há dilema sobre qual normativo aplicar para a


relação jurídica consumerista, em caso de inexistência de norma específica, buscar
a interpretação da relação nos princípios é um modo seguro para se proceder.

RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO: CONSUMIDOR E


FORNECEDOR

A relação jurídica de consumo é formada por: consumidor, fornecedor


e o objeto jurídico da relação (produtos e/ou serviços).

CONSUMIDOR (Art. 2º, CDC): Consumidor é toda pessoa física ou


jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Equipara-
se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja
intervindo nas relações de consumo.

Existem quatro definições de consumidor:

1) Consumidor strictu sensu ou standard – Art. 2º, caput, CDC;

2) Consumidor retratado como uma coletividade de pessoas – Art.


2º, parágrafo único do CDC;

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,


ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

3) O bystander que iguala todas as vítimas de acidente de consumo


ao consumidor – Art. 17 do CDC;

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores


todas as vítimas do evento.

4) Consumidor por equiparação – todas aquelas pessoas expostas às


práticas abusivas – Art. 29 do CDC.

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos


consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às
práticas nele previstas.

Além disso, para a caracterização do consumidor, a doutrina e


jurisprudência desenvolveram as seguintes correntes:
 TEORIA MAXIMALISTA: Dispõe que são consumidores
aqueles que adquirem o produto ou serviço, usam produto ou
serviço, utilizando de forma profissional, independentemente
de ser pessoa física ou jurídica, desde que não tenha
finalidade de revenda.

 TEORIA FINALISTA: Considera que será consumidor aquele


que retira o produto ou serviço do mercado como destinatário
final, sem fins lucrativos, destinando-o para si, sua família e
seu uso doméstico.

 TEORIA FINALISTA MITIGADA: Ficará caracterizada a


relação de consumo, mesmo que a destinação do produto ou
serviço seja a fins profissionais (para empresas), assim
incidindo o CDC se verificada a vulnerabilidade e que o
produto adquirido não integre os serviços prestados ao cliente,
mas como destinatária final.

A TEORIA FINALISTA prevalece para definir consumidor pessoa


física (destinatário final do bem, isto é, não o reintroduz no mercado) e TEORIA
DO FINALISMO APROFUNDADO ou finalismo mitigado para pessoa jurídica (pode
figurar como consumidora, desde que não aplique o bem como insumo da produção
ou comprovada a sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor)

STJ, 3ª T., REsp. 1.195.642/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi,


RECURSO ESPECIAL N.º 1.195.642/RJ (2010/0094391-6)
EMENTA CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA.
REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR
EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que
a determinação o da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita
mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art.
2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e
econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo
intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as
cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço
final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado
consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a
função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do
mercado de consumo.
3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de
consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para
uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num
processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado,
consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica
adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de
consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade,
que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo,
premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a
proteção conferida ao consumidor.
4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três
modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento
específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de
conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação
de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou
até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente
ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a
vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço
capazes de influenciar no processo decisório de compra).
5. A despeito da identificação in abstracto dessas espécies de
vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de
vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo.
Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já
consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de
uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma
vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os
rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica
compradora à condição de consumidora.
6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por
danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando
inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de
atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia
não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido
serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à
consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma
vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à
prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do
direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a
condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do
CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à
existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas
telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela
revendedora de veículos.
7. Recurso especial a que se nega provimento.

FORNECEDOR: pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional


ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação,
exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
É aquele que atua no mercado realizando atividade econômica mediante
disponibilização de bens ou serviços de forma profissional e habitual (art. 3º, CDC).

Percebam que não há exceções para quem poderá ser classificado ou


não como fornecedor. Assim, aquele que exerça atividade com intuito de lucro
poderá ser considerado fornecedor, independente de estar com sua situação
regularizada ou não.

A grande e a pequena indústria, a grande e a pequena loja, a grande


fábrica de doces e a doceira que trabalha em casa, todos são considerados
fornecedores pelo CDC, acaso trabalhem com o intuito de lucro. O CDC, inclusive
(LAGES, 2014, pg. 29): “enquadrou como fornecedores os entes despersonalizados
(o espólio, a massa falida e o consórcio de empresas) eis que são sujeitos de
direito. A massa falida pode ser demandada com base no CDC, por exemplo, caso
ocorra um acidente de consumo envolvendo produtos ou serviços comercializados
antes da decretação da falência”.

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENTIDADE


DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE A
ENTIDADE E SEUS PARTICIPANTES. MUTUALISMO. COOPERATIVISMO.
RELAÇÃO DE CONSUMO NÃO CONFIGURADA. COMPETÊNCIA DAS CÂMARAS
ESPECIALIZADAS EM DIREITO DO CONSUMIDOR. SÚMULA N. 321/STJ. NÃO
INCIDÊNCIA. 1. O CDC não se aplica a relação jurídica existente entre
entidade fechada de previdência privada e seus participantes em razão do
não enquadramento do fundo de pensão no conceito consumerista de
fornecedor e ante o mutualismo e cooperativismo que regem a relação entre
as partes. 2.A Súmula n. 321/STJ ("O Código de Defesa do Consumidor é
aplicável à relação jurídica entre a entidade de previdência privada e seus
participantes") apenas se aplica às entidades abertas de previdência
complementar. 3. Afastada a incidência do Código de Defesa do Consumidor,
não cabe declinar a competência para a apreciação da demanda para umas
das Câmaras Especializadas em Direito do Consumidor. 4. Agravo regimental
desprovido.(STJ - AgRg no AREsp: 727968 RJ 2015/0143484-3, Relator:
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 01/12/2015, T3 -
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/12/2015)

PRODUTO: qualquer bem móvel, imóvel, material ou imaterial


(art.3º, §1º do CDC). Brindes, as amostras grátis e todos os artifícios usados para
o fomento da clientela merecem a proteção da legislação protetiva consumerista,
sendo considerados, portanto, produtos. No caso de amostra grátis (gratuidade
aparente), inclusive, há entendimento pacífico tanto no STJ quanto no STF de que
estas se enquadram no conceito de produto.

SERVIÇO: qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,


mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e
securitária, salvo as decorrentes de nas relações de caráter trabalhista (art.3º,
§2º, CDC). O conceito de remuneração deve ser interpretado no sentido genérico,
abrangendo serviços que pareçam “gratuitos”, mas que fazem parte do fomento da
atividade.
A título de exemplo, deve ser aplicado o CDC (LAGES, 2014, pg. 30):

i. No estacionamento gratuito oferecido por lojas e centros


comerciais;

ii. Na instalação gratuita quando da aquisição de determinados


produtos;

iii.Nos serviços de manobrista, ainda que gratuitos;

iv.Nos programas de milhagem oferecidos por cartões de crédito;

Tais hipóteses enquadram-se em relação de consumo, ainda que o


serviço seja fornecido gratuitamente. Isto porque os serviços nada mais são que o
reforço embutido na venda de outros produtos. Neste sentido:

Súmula 130 – STJ - A empresa responde, perante o cliente, pela


reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento.

Além disso, o dispositivo legal incluiu uma ampla gama de serviços ao


âmbito de aplicação do CDC, inclusive os serviços bancários, financeiros e de
natureza securitária. De toda forma, é preciso sempre pesquisar o entendimento da
jurisprudência dos Tribunais superiores para enquadramento, ou não, como serviço

APLICABILIDADE DO CDC

ENTE APLICABILIDADE PREVISÃO

Instituições Financeiras Sim Súmula 297, STJ

Contratos de Plano de Saúde Sim* Súmula 469, STJ*

Entidade Aberta de Previdência


Sim Súmula 563, STJ
complementar

Entidades Fechadas com plano de


Não Súmula 563, STJ
previdência

Legislação própria (Lei.


Relação Cliente X Advogado Não
9.806/94)

Legislação própria (Lei.


Contratos de Locação Não
8.245/91)

Entendimento pacificado
Relação Condômino e Condomínio Não
Jurisprudência STJ
* Ressalva para planos de saúde de autogestão (aqueles estruturados
não para obter lucro, mas para diminuir os custos com despesas médicas de um
determinado grupo que obtém diversos descontos por fechar contratos mais
vultuosos com hospitais e médicos).

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