Código de Defesa do Consumidor: Relação de consumo, consumidor por
equiparação e proteção contratual do consumidor.
A Constituição Federal de 1988, no capítulo dos direitos e garantias
fundamentais, estabelece que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. A Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, isto é, normas indisponíveis e inafastáveis, pois resguardam valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social. O Código Consumerista assegura o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo. Desse modo, para justificar a incidência do CDC, é preciso compreender a estrutura da relação jurídica de consumo, na perspectiva de seus elementos subjetivos e objetivos, ou seja, das partes relacionadas e do seu conteúdo. Do ponto de vista subjetivo, a relação jurídica de consumo se estabelece entre o fornecedor de produtos e o prestador de serviços – de um lado – e o consumidor – do outro lado. Na grande maioria das vezes, as partes são credoras e devedoras entre si, eis que prevalecem nas relações de consumo as hipóteses em que há proporcionalidade das prestações. Isso ocorre, por exemplo, na compra e venda de consumo e na prestação de serviços, principais situações negociais típicas de consumo. Quanto aos elementos objetivos, que formam a prestação da relação jurídica de consumo, tem-se o produto e o serviço. Desse modo, o consumidor pode exigir a entrega do produto ou a prestação de serviço, conforme consta no CDC. A relação de consumo pressupõe, também, a formação de um negócio jurídico, guiado pela autonomia privada, que é o direito que a pessoa tem de se autorregulamentar no plano contratual. Em relação ao fornecedor ou prestador, o CDC define como toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. O que interessa mesmo na caracterização do fornecedor ou prestador é o fato de ele desenvolver uma atividade, que vem a ser a soma de atos coordenados para uma finalidade específica, com habitualidade, e voltada para o mercado de consumo. O CDC define como consumidor toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Em relação à inclusão das pessoas jurídicas igualmente como consumidoras de produtos e serviços, estas devem ser entendidas como destinatárias finais destes produtos e serviços que, por sua vez, não são insumos necessários ao desempenho de sua atividade lucrativa. O consumidor pode ser ainda um ente despersonalizado, bem como pessoa de Direito Privado ou de Direito Público, pessoa nacional ou estrangeira, em virtude da equivalência das posições jurídicas, uma vez que tais entes e pessoas podem ser fornecedores. Há diversas teorias sobre a qualificação do consumidor. Para a teoria finalista ou subjetiva, adotada pelo CDC, o consumidor se qualifica pela presença do elemento da destinação final do produto ou do serviço, que se dá em duas dimensões: 1º) Destinação final fática – o consumidor é o último da cadeia de consumo, ou seja, depois dele, não há ninguém na transmissão do produto ou do serviço; 2º) Destinação final econômica – o consumidor não utiliza o produto ou o serviço para o lucro, repasse ou transmissão onerosa. A teoria maximalista ou objetiva procura ampliar o conceito de consumidor e a construção da relação jurídica de consumo. Segundo essa teoria, o CDC seria um código geral sobre o consumo, para regulamentar o mercado de consumo brasileiro, que institui normas e princípios para todos os agentes do mercado, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. Já a teoria finalista aprofundada está concentrada nas noções de consumidor final imediato e de vulnerabilidade. Esta teoria, portanto, aprofunda a teoria finalista, por acrescentar ao conceito de consumidor, além da condição de destinatário final do produto ou serviço, o fato de ser parte vulnerável na relação de consumo. Assim, tem-se admitido que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço possa ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, a qual legitima toda a proteção conferida ao consumidor. A doutrina consumerista, tradicionalmente, aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem sido incluída também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). Em relação ao consumidor equiparado ou por equiparação, este pode assumir diferentes conotações, a partir do próprio CDC. Primeiro, se considera como consumidor equiparado a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Neste caso, como bem pondera o autor José Geraldo Brito Filomeno, equipara-se ao conceito de consumidor o conjunto de consumidores de produtos e serviços, ou mesmo grupo, classe ou categoria deles, e desde que relacionados a um determinado produto ou serviço, considerando uma situação em que se previna o consumo de produtos e serviços perigosos ou então nocivos, beneficiando-se, assim, abstratamente, essa coletividade; ou, então, se já provocado o dano efetivo pelo consumo de tais produtos ou serviços, levando em conta uma situação em que se busque conferir os devidos instrumentos jurídico-processuais para que essa coletividade possa obter a justa e mais completa possível reparação dos responsáveis. Há ainda outros dois conceitos de consumidor equiparado: para os fins de responsabilidade civil, o art. 17 do CDC considera como consumidor qualquer vítima da relação de consumo; e o art. 29 do CDC, segundo o qual se equiparam aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e empresariais nele previstas, como por exemplo, a veiculação de informação ou publicidade, por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados. Em relação à definição dos elementos objetivos da relação de consumo, produto é qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial, colocado no mercado de consumo. Como exemplo de bem material (corpóreo ou tangível) pode-se citar um veículo ou apartamento. Já o bem imaterial (incorpóreo ou intangível) seria, por exemplo, o lazer, que envolve diversas situações contemporâneas, entre elas, jogos de futebol, casas noturnas e de espetáculos. Quanto ao serviço, este é definido como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Cabe observar que, apesar de a lei mencionar expressamente a remuneração, dando um caráter oneroso ao negócio, admite-se que o prestador tenha vantagens indiretas, sem que isso prejudique a qualificação da relação consumerista. Como exemplo, invoca-se o caso do estacionamento gratuito em lojas, shoppings centers, supermercados e afins. O contrato de consumo constitui “a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros”. A autonomia privada, isto é, o direito da parte de autorregulamentar os seus interesses, encontra limitações em normas de ordem pública, particularmente no princípio da função social do contrato. Este princípio está relacionado com o princípio da proteção individual da dignidade humana e dos interesses difusos e coletivos, de modo que o Código de Defesa do Consumidor trará várias regras de proteção aos consumidores, especialmente no âmbito contratual. Da relação entre o princípio da função social do contrato e a manutenção do equilíbrio do negócio, origina-se a eficácia interna da função social do contrato, que veda a onerosidade excessiva e o enriquecimento sem causa. Nesse sentido que o Código de Defesa do Consumidor traz, entre os direitos básicos do consumidor, a modificação das cláusulas contratuais que estabelecem prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Importante pontuar que, diferentemente do Código Civil, o CDC não exige o fator imprevisibilidade, bastando que o desequilíbrio negocial ou a onerosidade excessiva decorra de um fato superveniente, ou seja, um fato novo não existente quando da contratação original. Assim, o CDC segue a teoria da base objetiva do negócio jurídico, relacionada à quebra do seu equilíbrio intrínseco. Ainda em relação à proteção contratual dos consumidores, o CDC dispõe que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. A norma prevê a não vinculação do consumidor a determinadas cláusulas, que são consideradas como não escritas ou inexistentes, seja por não ter se oportunizado ao consumidor conhecê-las (cláusulas desconhecidas) ou pelo fato de serem cláusulas incompreensíveis ou ininteligíveis, geralmente mal redigidas, visando enganar o consumidor (dolo contratual). Há também o princípio do in dubio pro consumidor, segundo o qual as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor. Aqui, o princípio da função social do contrato, em sua eficácia interna, é flagrante pela preocupação em se proteger o consumidor como parte vulnerável da relação negocial, o que repercute na hermenêutica (interpretação) do negócio jurídico. Além do princípio da função social do contrato, a boa-fé objetiva constitui outro pilar fundamental do CDC, integrando-se a todas as fases contratuais: fase pré- contratual, fase contratual e fase pós-contratual. Nesse sentido, o CDC dispõe que as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando, em caso de descumprimento do negócio celebrado, a aplicação das medidas de tutela específica tratadas pelo referido diploma legal, inclusive com a possibilidade de fixação de multa diária ou astreintes e de indenização dos danos causados ao consumidor. Em relação à fase pós-contratual, o CDC faz menção expressa ao recibo, que tem notória força vinculativa. Sendo assim, em regra, não cabe ao prestador fazer cobrança de valor a mais, alegando que o montante pago pelo consumidor não cobriu todos os serviços prestados. Neste caso, a boa-fé objetiva veda o comportamento contraditório, consubstanciada na expressão venire contra factum proprium non potest. Outra disposição que garante proteção contratual ao consumidor, é a relativa ao direito de arrependimento nos contratos de consumo. Por meio desta, o CDC confere ao consumidor um prazo de reflexão (prazo para desistir do contrato) de sete dias, contados de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone, a domicílio, com interpretação extensiva para as vendas realizadas pela internet ou outro meio similar. Ressalta-se que para o exercício do arrependimento dentro do prazo de reflexão, dispensa-se qualquer motivação ou justificativa por parte do consumidor. O consumidor, ao exercer o referido direito de arrependimento, receberá de volta, imediatamente e monetariamente atualizados, todos os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão – período de sete dias –, entendendo-se incluídos nestes valores todas as despesas decorrentes da utilização do serviço postal para a devolução do produto. Esta norma visa a afastar o enriquecimento sem causa ou indevido do fornecedor. O CDC também prevê a garantia contratual, prazo concedido geralmente pelo vendedor para ampliar o direito potestativo dado pela lei ao comprador de determinado bem de consumo. Pode-se citar, como exemplo, a comum garantia estendida, fornecida quando da venda de eletrodomésticos ou da prestação de serviços cotidianos. Essa garantia contratual tem caráter complementar em relação à garantia legal, sendo que esta consiste no direito de reclamar pelos vícios aparentes de produtos ou serviços, cujo prazo decadencial é de trinta dias para os bens não duráveis e de noventa dias para os bens duráveis. Se existir garantia contratual, o início da contagem do prazo legal se dará depois de encerrada a garantia contratual (garantia contratual + garantia legal). Ainda o CDC determina que a garantia contratual deve ser concebida por escrito pelo fornecedor de produtos ou prestador de serviços, o que é denominado como termo de garantia, devendo este evidenciar em que consiste a garantia, especialmente o seu lapso temporal, além de indicar a forma e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor.