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RELAÇÃO DE CONSUMO
Desde o início dos anos de 1990 e, por força da própria Constituição de 1998,
especificamente de seu art. 5º, inciso XXXII que determina ao Estado Brasileiro a
incumbência de salvaguardar o consumidor na relação de consumo, defendendo-o, está em
vigência o Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8079/1990). Esse diploma legal concebe,
em seu art. 2º, como consumidor como toda pessoa, seja física ou jurídica, que consome
determinado produto ou faz uso de certo serviço como seu destinatário final. O conceito
esculpido no art. 2ª do CDC é estendido, a seu turno e à luz de seu parágrafo único, a uma
coletividade de pessoas, ainda que não determinadas que estejam imbricadas em relações de
consumo – outro conceito nevrálgico do direito consumerista.
Nessa esteira, a relação de consumo seria o estabelecimento de um vínculo de caráter
econômico entre um fornecedor e um ou mais consumidores, sendo este o destinatário final
do bem ou serviço a ser consumido/utilizado é que disponibilizado pelo fornecedor.
Fornecedor, pela legislação consumerista em seu art. 3º, é conceituado como:
toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou
estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de
serviços. (BRASIL, 1990).
Vê-se que a relação de consumo se constitui entre dois polos e envolve o
fornecimento de determinado bem ou serviço. O polo ativo é representado pelo consumidor.
Já o passivo, o fornecedor. Há na relação de consumo um caráter econômico em que um dos
polos, o consumidor, é iminentemente hipossuficiente e outro, o fornecedor, mais abastado.
Vale ressaltar que o consumidor adquirente pode obter o produto e serviço para uso próprio
ou de terceiros, como um familiar, ou firma um contrato de serviço para uso próprio – como
um morador que adquire um serviço de internet para se entreter. Esse é o aspecto subjetivo
da relação consumerista que envolve necessariamente bens de consumo. (LIMA, 2014).
Lima (2014), em análise sobre o conceito de consumidor como sendo o destinatário
final de determinado produto ou serviço, enfatiza a profunda divergência que existe no
âmbito doutrinário acerca da conceituação de consumidor. Diversos doutrinadores se
debruçaram sobre o tema, intentando delimitar os contornos do que vem a ser o destinatário
final da relação consumerista. Uns dizem que o consumidor seria toda aquela pessoa física
ou jurídica que obtém para uso privado bem ou serviço enquanto outros questionam o fato
de a lei incluir pessoas jurídicas como consumidoras, delimitando o conceito apenas às
pessoas físicas, por conceberem que pessoas jurídicas não são hipossuficientes frente a seus
fornecedores.
Visando dirimir a controvérsia existente, doutrinariamente, criou-se três teorias
visando determinar a conceituação dada ao consumidor em si enquanto destinatário final: a
finalista, maximalista e finalista mitigada as quais serão elucidadas no tópico posterior deste
estudo.
Em ambos os julgados, a relação de consumo não foi reconhecida pela Corte, sob
argumento pautado na teoria finalista.
Outrossim, há a teoria maximalista, a qual considera como destinatário final da
relação de consumo todo aquele a que adquire o produto ou serviço independentemente de
seu intuito – se é destinatário final ou econômico do bem, se pretende consumi-lo, cedê-lo
gratuitamente ou não, ou utilizá-lo visando unicamente obter lucro. Tal teoria amplia o
conceito de consumidor a todo o mercado consumidor, enquanto que sua equivalente
finalista intenta limitá-lo. Os consumidores profissionais, como o mecânico e o barbeiro
citados anteriormente, seriam amparados pelo CDC, à luz desse arcabouço teórico. O que
importa para a teoria maximalista é o objeto (produto ou serviço fornecido) da relação
consumerista, não os personagens envolvidos. Conforme argumenta Lima (2014, p. 1):
Por fim, há a teoria finalista mitigada, a qual a jurisprudência mais recorre para
dirimir litígios envolvendo supostas relações de consumo. Tal escopo teórico concebe a
relação de consumo de forma relativizada em relação à sua equivalente finalista pura,
incluindo pessoas físicas e jurídicas que não necessariamente são consumidoras no sentido
estrito senso do conceito. Nisso, a relação, por exemplo, entre consumidores profissionais,
sejam pessoas físicas ou jurídicas, sobretudo, com um fornecedor pode ser regulada pelo
CDC se houver posição de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática ou econômica dos
primeiros em relação aos últimos – isto é, flagrante superioridade do fornecedor face o
adquirente. (LIMA, 2014). O STJ requer, conforme entendimento firmado em diversos
julgados, prova da vulnerabilidade para se reconhecer a relação entre determinada pessoa
jurídica com um fornecedor como sendo de consumo. Alguns julgados da Corte
reconheceram a relação de consumo envolvendo pessoas jurídicas em que a aquisição do
produto ou serviço se deu com o intuito de atender necessidade própria da pessoa jurídica:
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL Nº 0087622-9/PR – 2012. REL. MIN.
PAULO DE TARSO SANSEVERINO. CIVIL. DIREITO DO
CONSUMIDOR. COMPRA DE AERONAVE POR EMPRESA
ADMINISTRADORA DE IMÓVEIS. AQUISIÇÃO COMO
DESTINATÁRIA FINAL. EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE
CONSUMO.
1. Controvérsia acerca da existência de relação de consumo na
aquisição de aeronave por empresa administradora de imóveis.
2. Produto adquirido para atender a uma necessidade própria da
pessoa jurídica, não se incorporando ao serviço prestado aos clientes.
3. Existência de relação de consumo, à luz da teoria finalista mitigada.
Precedentes.
4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL 733560/RJ -
2005. Rel. Min NANCY ANDRIGHI. Consumidor. Recurso especial.
Pessoa jurídica. Seguro contra roubo e furto de patrimônio próprio.
Aplicação do CDC.- O que qualifica uma pessoa jurídica como
consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em
benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades
pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-
los na geração de outros bens ou serviços.- Se a pessoa jurídica
contrata o seguro visando a proteção contra roubo e furto do
patrimônio próprio dela e não o dos clientes que se utilizam dos seus
serviços, ela é considerada consumidora nos termos do art. 2.° do
CDC. Recurso especial conhecido parcialmente, mas improvido.
Nisso, vê-se que a Corte adota, a depender do caso concreto, a teoria finalista
mitigada, admitindo a existência de relação de consumo envolvendo pessoas jurídicas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Erika Cordeiro Albuquerque Santos Silva. Teorias acerca do conceito de consumidor
e sua aplicação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In: Revista Jus Navigandi,
Teresina, PI, ano 19, n. 4153, 14 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30052.
Acesso em: 12 mar. 2024.
SILVA, Angeline. O que é relação de consumo, seus elementos e como funciona no CDC. In:
AURUM, 9 jun, 2023. Disponível em: https://www.aurum.com.br/blog/relacao-de-consumo/.
Acesso em: 13 mar 2024