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1 - Ordem Econômica, Financeira e Arranjos Empresariais: Livre Iniciativa, Constituição da

Pessoa Jurídica e Tipos Societários;

A intervenção do Estado na economia sempre existiu. Até mesmo na


transição do absolutismo para um estado centrado na lei, é possível visualizar uma atuação
estatal visando proteger as relações privadas, e mais especificamente, as econômicas. O
próprio Direito Civil nasce para resguardar as propriedades e os acordos entre indivíduos que
decidiram viver em comunidade e até mesmo a 1ª geração de direitos fundamentais, apesar
de tratar de direitos relacionados à liberdade frente ao estado, não nega a necessidade de
existência deste mesmo Estado como garantidor do direito de propriedade.

Não seria possível ao Estado se excluir da atividade econômica (economia


aqui entendida como capacidade de gerar lucros) ou financeira (finanças aqui como
gestão/administração de recursos), a grande questão sempre foi: “até onde o estado pode
intervir nas relações econômicas e financeiras, de forma legitima?

A necessidade de uma intervenção realmente intensa (inclusive com


construção normativa mais complexa) do Estado na economia e mais especificamente no
mercado/comércio, somente ocorreu no século 20. A quebra da bolsa de Nova York em 1929 é
apontada por considerável parte da doutrina como a crise que influenciou diretamente as
nações, demonstrando que questões econômicas podem pôr em risco a existência e
funcionamento de Estados inteiros. Coincidentemente, poucos anos depois em 1934 a
Constituição Federal Brasileira positivou a participação estatal na ordem econômica, adotando
um modelo essencialmente intervencionista, preocupado com a proteção de interesses
coletivo e tendo como objetivo a busca por justiça social. Todas nossas constituições
posteriores também trouxeram de forma positivada tais fundamentos.

A Constituição Federal de 1988 (nossa atual Constituição), consagra uma


economia de livre mercado de natureza capitalista, aonde os meios de produção pertencem
aos particulares e qualquer particular tem a liberdade de escolher que atividade econômica irá
desenvolver e como irá desenvolve-la, a chamada “livre iniciativa econômica privada “.

De forma mais especifica, a livre iniciativa está diretamente ligada à


atividade empresarial, que nada mais é do que qualquer atividade humana, devidamente
organizada, com o intuito de gerar lucros através da circulação de bens ou serviços. É com base
no princípio da livre iniciativa que qualquer pessoa capaz pode ingressar na atividade
empresarial, e também é com base no mesmo princípio que não se exige qualificação
profissional para que qualquer pessoa possa exercer atividade empresarial.

Mesmo havendo esta liberdade atribuída às atividades econômicas dentro


do Brasil, conforme exposto, vivemos em um Estado pautado no intervencionismo econômico,
havendo previsão para tanto no artigo 174 da CF/88, que diz expressamente que o Estado é
“agente normativo e regulador da atividade econômica” exercendo papel de incentivar,
fiscalizar e planejar a atividade econômica dentro do País, sendo o planejamento somente
indicativo para o setor privado.

As bases que fundamentam este intervencionismo estatal se encontram


dispostas no artigo 170 da Constituição Federal de 1988. Tal artigo dispõe ser nossa ordem
econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e ter como
finalidade proporcionar a todos existência digna pautada em justiça social, sendo o
intervencionismo estatal na economia direcionado e limitado pelos princípios da soberania
nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do
consumidor, proteção do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca
do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte com sede e
administração nacionais.

É possível identificar quão importante a livre iniciativa é dentro do Estado


Brasileiro quando se destaca sua localização no texto constitucional. Logo no primeiro artigo
da Constituição Federal de 1988 se encontra a indicação da livre iniciativa como Fundamento
da República Federativa do Brasil. Desta forma, trata-se de um dos valores sob o qual se apoia
toda a constituição e consequentemente todo o Estado. Posteriormente o texto constitucional
mais uma vez faz referência à livre iniciativa em seu artigo 170, como sendo fundamento
também da ordem econômica.

Dentro do Direito Empresarial, a livre iniciativa pode ser reconhecida como


um direito que todos tem de explorarem as já conceituadas atividades empresariais, e além
disso, também gera um dever para todos de respeitarem a liberdade dos demais, sendo um
dever imposto inclusive frente ao Estado, que só pode interferir na ordem econômica dentro
dos limites fixados constitucionalmente, a exemplo do disposto nos artigos 170 e 174 da
Constituição, logo, também existe a possibilidade de interferência do Estado na livre iniciativa,
desta forma não se trata de um direito absoluto. Mesmo podendo haver interferência estatal,
esta deve ser legitima, podendo haver controle judicial se houver ato do poder público que
venha a interferir de forma injusta. A título de exemplo poderíamos citar a sumula 646 do STF,
que dispõe ser ofensa à livre concorrência quando lei municipal impede a instalação de
empresas do mesmo ramo em determinada área.

Caso o direito à liberdade de iniciativa de alguém esbarre no interesse


social ou caso o direito à livre iniciativa esbarre em outro direito constitucionalmente
garantido, poderá haver restrição/limitação da livre iniciativa. O mais comum caso onde este
tipo de conflito ocorre, se dá no atrito entre a livre iniciativa e a chamada livre concorrência. O
estado interfere diretamente no mercado proibindo, por exemplo, a criação de empresas ou
união entre empresas quando identificada a ocorrência, ou potencial ocorrência, do chamado
abuso econômico, caracterizador de violação à livre concorrência, identificado quando ocorre
aumento arbitrário de lucros, domínio de mercado ou eliminação de concorrência.

Dentro de uma econômica de mercado, deve haver o incentivo à


concorrência, de forma a impulsionar o desenvolvimento das empresas e também a fixação de
preços justos ao consumidor. Caso o estado não pudesse intervir, proibindo o crescimento
desregrado de certas empresas ou proibindo certas pratica de grandes empresas, estaríamos
impossibilitando que os pequenos empresários entrassem ou permanecessem no mercado, e
logo estaríamos violando o direito das pessoas de exercerem a livre iniciativa empresarial. Para
esta finalidade de garantir a livre concorrência, existe o CADE (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica) entidade estatal responsável por fiscalizar e regular a livre concorrência no
mercado.

Conforme exposto, o artigo 174 da CF/88 diz ser dever do estado


“incentivar” a atividade econômica. Ao prever meios legais que estimulem as pessoas a
ingressarem na economia de mercado, na condição de empresários ou de investidores, o
Estado cumpre com sua atribuição Constitucional. Um desses estímulos é a chamada limitação
de responsabilidade, ou autonomia patrimonial da pessoa jurídica. A atividade empresarial,
por sua própria natureza, é uma atividade arriscada e de forma a incentivar novos empresários
a ingressarem no mercado, o Estado possibilita que as pessoas físicas criem as chamadas
“pessoas jurídicas” e que estas últimas possam contrair direitos e deveres, não só isso,
possibilita que mesmo não dando certo determinada empreitada empresarial, não venha o
empresário a perder seu patrimônio ou dever qualquer obrigação a terceiro, pois a pessoa
jurídica será responsável com seu próprio patrimônio e terá que cumprir as obrigações
contraídas em seu próprio nome. Em outra palavras, ao se dividir o patrimônio da pessoa
jurídica do patrimônio da pessoa física, e ao se limitar a responsabilidade da pessoa física,
protegendo seu patrimônio caso a atividade econômica não dê certo, vem o Estado a estimular
que as pessoas ingressem no mercado, pois estarão seguras de que este ingresso não irá por
em risco seu patrimônio pessoal e inclusive possibilitando que caso não dê certo em um
primeiro momento, seja possível uma nova tentativa.

Além da limitação de responsabilidade, o Estado também regula a criação


das chamadas “sociedades”, que nada mais são do que a união de duas ou mais pessoas que
colaboram aplicando esforços e/ou recursos em atividade econômica, visando obter lucro e
repartir este lucro. Uma sociedade nem sempre será uma empresa. Para que uma sociedade
se torne uma empresa, logo uma sociedade empresaria, ela precisará possuir as características
da atividade empresarial, ou seja, a sociedade deve exercer atividade econômica (buscar lucro)
devidamente organizada e destinada à circulação de bens ou serviços (com exceção da
sociedade por ações, que mesmo que não possua essas características será considerada
empresária por força da lei que assim o diz). Um exemplo de sociedade não empresaria,
chamada de sociedade simples, seria a união de dois médicos em um consultório para
trabalharem juntos. Tal atividade só seria considerada empresária se ganhasse características
de empresa, segundo parte da doutrina, ao desenvolver maior complexidade e porte ou
segundo outra corrente doutrinária, caso incorporasse diversos tipos de atividades comerciais
à atividade intelectual, como por exemplo, mantivesse uma farmácia, com funcionários,
funcionando junto ao consultório.

Também não se deve confundir sociedade com personalidade jurídica, pois


nem toda sociedade irá possuir personalidade jurídica própria, podendo haver sociedades
aonde as pessoas físicas responderão diretamente frente à terceiros pela obrigações
contraídas no exercício desta. O nascimento da Pessoa Jurídica se dá através de um ato
negocial entre aqueles que desejam a criação do ente, tal ato é denominado “ato
constitutivo”.

Conforme o artigo 45 de nosso atual Código Civil, a pessoa jurídica nasce


para o Direito quando tem seu ato constitutivo registrado. O ato negocial (o ato constitutivo)
que irá criar a Pessoa Jurídica nas sociedades, será o chamado contrato social ( com exceção
das chamadas sociedades anônimas que possuirão estatutos). As sociedades que possuem
personalidade jurídica serão chamadas de “personalizadas” e aquelas que não possuem serão
chamadas de “despersonalizadas”. Conforme o artigo 46 do nosso Código Civil, o ato de
registro das sociedades basicamente deverá conter a descrição da pessoa jurídica, os
responsáveis por sua criação, a finalidade dela, sua duração, de que forma será administrada e
qual a responsabilidade de seus criadores, podendo a lei acrescentar algum outro requisito.
O local adequado para registro das sociedades em regra será a junta
comercial (as sociedades que não desenvolvem atividade empresarial irão ser registradas no
registro civil de pessoas jurídicas). São dois órgãos que irão organizar esses registros,
inicialmente as já mencionadas juntas comerciais e além delas o DNRC (Departamento
Nacional de Registro do Comércio). As juntas irão efetivamente realizar o registro dos atos
constitutivos das sociedades e estão submetidas hierarquicamente ao DNRC, este faz a gestão
a nível nacional dos registros. Segundo a lei, deve haver uma junta comercial em cada unidade
federativa, e é obrigatória para as sociedades empresarias que seja feito o registro de seu ato
constitutivo antes do início de suas atividades, conforme disposição expressa do Código Civil.

Os tipos societários previstos na Lei podem ser classificados inicialmente de


acordo com a atividade que desempenham, em Sociedades Simples (aquelas que não exercem
atividade empresarial), Sociedades Empresárias (aquelas que exercem atividade empresarial).
Quanto à importância dos sócios e do capital investido podem ser classificadas em sociedade
de pessoas (quando as pessoas que fazem parte da sociedade importam) e sociedade de
capitais ( quando as pessoas que fazem parte não são tão importantes quanto o capital
investido. Também é possível classificar as sociedades pela limitação de responsabilidade dos
sócios frente às obrigações contraídas pela sociedade. E por fim pode se classificar os tipos
societários conforme a sociedade possua personalidade jurídica (chamadas de sociedades
personificadas) ou não possuam (as chamadas sociedades não personificadas).

Os tipos societários trazidos pelo código civil, são: a sociedade comum, a


sociedade em conta de participação, sociedade simples, sociedade limitada, sociedade
anônima, sociedade em nome coletivo, sociedade em comandita simples e sociedade em
comandita por ações. É importante ressaltar que a figura chamada de EIRELI (empresário
individual de responsabilidade limitada) não é considerado pela doutrina como um tipo
societário pois não reúne pessoas conforme as características já apontadas da sociedade,
sendo constituída unicamente por um indivíduo, trata-se sim de uma nova modalidade de
pessoa jurídica privada destinada à pratica de atividade empresarial.

As sociedades comuns são aquelas aonde não existe contrato social


(chamadas sociedades de fato) ou aonde existe o contrato mas este não foi devidamente
registrado antes do início das atividades da sociedade, ou tendo sido registrado, o foi no local
errado (as chamadas sociedades irregulares). São sociedades que não possuem personalidade
jurídica, pois não registraram seu ato constitutivo, mesmo assim não poderiam deixar de ter
seus atos regulados pelo Direito. A importância de tal regulação é evidente quando se imagina
a quantidade de sociedades irregulares ou de fato que atualmente fazem parte do mercado
Brasileiro. Não se poderia deixar de prever responsabilidades frente a terceiros, diante da falta
de registro da sociedade, pois estaríamos dando vantagens àqueles que estão atuando de
forma irregular. Nas sociedades comuns, os débitos contraídos pela empresa podem ser
diretamente cobrados dos sócios.

As sociedades em conta de participação também não possuem


personalidade jurídica própria, mas não pela irregularidade ou falta do registro. Aqui a falta de
personalidade se dá pela própria natureza da sociedade. Este tipo societário é formado por
duas espécies de sócios, o sócio ostensivo e o sócio participante (ou sócio oculto). Somente o
sócio ostensivo desempenha as atividades da sociedade e assume em seu nome as
responsabilidades dela. O sócio oculto só tem de colher os lucros alcançados pelo sócio
participante, em virtude disto parte da doutrina diz inclusive não tratar-se de sociedade, mas
sim de contrato de investimento O sócio ostensivo tem responsabilidade ilimitada perante
terceiros enquanto que o sócio oculto só tem responsabilidade perante o sócio ostensivo e
somente nos limites impostos pelo acordo feito entre eles (contrato). Esse tipo de sociedade é
visto com frequência no ramo imobiliário, aonde a construtora realiza as obras e espera de
alguns sócios apenas o investimento. A doutrina caracteriza este tipo de sociedade como
empresária.

As sociedade simples, além do já exposto, são caracterizadas em geral pelas


chamadas atividades intelectuais, de natureza artística, cientifica ou literária. São dois médicos
ou dois advogados, por exemplo, que resolvem trabalhar juntos. Aqui a atividade se
caracteriza predominantemente pelas características do profissional, e pela atividade que ele
desenvolverá de forma individualizada. Na atividade empresarial, quem entrega (as
características da pessoa) o produto ou o serviço, em regra, não importa, o que importará será
o nível de organização e profissionalização na entrega do bem ou serviço.

A sociedade limitada, é uma sociedade empresária aonde o capital social (o


valor dos bens ou o dinheiro com que os sócios contribuem para uma empresa sem direito de
devolução e que se tornarão patrimônio de titularidade da própria empresa) será dividido em
quotas (estas cotas são indivisíveis, conforme previsão legal), e cada sócio responde pelo valor
de sua quota (ou seja, o tamanho da responsabilidade do sócio é proporcional ao investimento
realizado na integralização do capital social), porém todos os sócios são responsáveis
solidariamente pela integralização do capital social. Uma das principais características da
sociedade limitada é a limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações contraídas
pela sociedade, não havendo responsabilidade de sócio além do valor de sua respectiva quota.
A sociedade limitada foi criada como uma opção frente à sociedade anônima, com intuito de
oferecer um tipo societário menos burocrático e destinado a investimentos de pequeno e
médio porte de capital. A integralização do capital poder ser feita tanto com dinheiro como
com bens, mas não será possível a integralização de quota com serviços. E é uma característica
marcante deste tipo societário a importância dada aos sócios quotistas, não é livre a entrada e
saída de sócios quotistas ou cessão das quotas integralizadas, existindo aqui o chamado
affectio societatis, ou seja, as pessoas que fazem parte da sociedade fazem diferença e não
podem ser trocadas livremente.

A Sociedade anônima é considerada o tipo societário mais complexo do


ordenamento jurídico Brasileiro. Esta tradicionalmente associada a investimentos elevados de
capital. Ela é regida pela lei 6.404/76. Aqui o capital social será dividido em partes iguais que
serão chamadas de ações, e a responsabilidade dos sócios é limitada ao preço de emissão das
ações subscritas ou adquiridas. Diferente da sociedade limitada, nesse tipo societário não
existe qualquer responsabilidade solidária dos sócios pela integralização do capital social e as
ações são mais importantes do que os sócios, não havendo aqui a chamada “affectio
societatis”. As sociedades anônimas podem ser de capital aberto ou de capital fechado. Caso
sejam de capital aberto, poderão negociar suas ações no mercado de capital e terão que ser
fiscalizadas por uma autarquia Federal, a CVM (Comissão de valores mobiliários) frente aos
grandes impactos gerados pelo comércio de ações de empresas no mercado de capitais. As
famosas Bolsas de Valores são os locais aonde acontecem as negociações de ações das
sociedades anônimas.

Já em relação a sociedade em comandita simples, sociedade em nome


coletivo e sociedade em comandita por ações a doutrina informa serem tipos societários de
menor importância e menor frequência tendo em vista a impossibilidade de limitação da
responsabilidade social nelas. A sociedade em nome coletivo é caracterizada por somente
pessoas físicas poderem integra-las e por todos os sócios serem solidariamente e
ilimitadamente responsáveis pelas obrigações da sociedade. A sociedade em comandita
simples é aquela aonde existem dois tipos de sócios, os comanditados, responsáveis
ilimitadamente pelas obrigações da sociedade e responsáveis também pela administração
desta e os comanditários, que não possuem poderes de gerência e só respondem na medida
do capital investido. Já na sociedade em comandita por ações, serão utilizadas as regras das
sociedades anônimas tendo como única diferença a restrição de que somente os acionistas
poderão ser diretores e estes responderão ilimitadamente pelas obrigações da sociedade ,
enquanto que os sócios que não participam da administração possuem responsabilidade
limitada ao capital social.

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