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Análise da cantiga de amor «A dona que eu am’ e tenho por senhor».

A dona que eu am’ e tenho por senhor


amostrade-me-a, Deus, se vos en prazer for,
se non dade-me a morte.

A que tenh’ eu por lume1 d’estes olhos meus


e por que choram sempre, amostrade-me-a, Deus,
se non dade-me a morte.

Essa que Vós fezestes melhor parecer2


de quantas sei, ai Deus, fazede-me-aveer,
se non dade-me a morte.

Ai Deus que me-a fezeste mais ca min amar3,


mostrade-me-a u possa com ela falar,
se non dade-me a morte.

Bernardo Bonaval, in Alexandre Pinheiro Torres, Antologia da Poesia Trovadoresca Galego-Portuguesa,


Porto: Lello & Irmão, 1977, p. 96.

1. Esta cantiga de amor transmite uma intensidade sentimental que vai evoluindo ao longo da
mesma.
Com efeito, o sujeito poético, na primeira estrofe, roga a Deus para ver a sua dona, se tal for do
seu agrado. Em seguida, insistindo no mesmo pedido, justifica que ela é a luz dos seus olhos e a causa
do seu sofrimento. Na terceira estrofe, reforça o seu rogo a Deus para ver a sua amada porque ela é a
mulher mais perfeita que Deus criou. Por último, o trovador não só pede para ver mas também para falar
com a mulher que ele ama mais do que a si mesmo.
Concluindo, dominado por tais atributos da sua dona, ausente, distante e inatingível, o sujeito
poético, saudosamente desesperado, pede insistentemente a Deus para a ver e falar com ela.

2. O pedido formulado no refrão contraste com o pedido que o sujeito poético faz a Deus ao longo
desta cantiga.
De facto, o trovador, nos dísticos que compõem o corpo das estrofes, apela à boa vontade de
Deus para ver e falar com a dona que ama. No entanto, no refrão, a palavra inicial “senon” remete-nos
para a possibilidade de a sua prece não ser atendida por Deus. Então, neste caso, pede-Lhe a morte, ou
seja, se não puder ver e falar com a sua amada e “senhor”, o trovador não encontra razões para viver.

3. Temas possíveis: amor cortês, coita de amor, saudade …

4. Esta cantiga de amor é uma cantiga de refrão (“senon, dade-mi a morte”). É constituída por
quatro estrofes, em que cada estrofe é formada por um dístico, seguido de refrão monóstico.
Quanto à rima, esta é emparelhada, conforme consta no seguinte esquema rimático:
aaR/bbR/ccR/ddR.
Por outro lado, os dísticos têm versos alexandrinos (doze sílabas métricas) e o refrão apresenta
um verso hexassílabo (seis sílabas métricas).

5. Este poema insere-se na tipologia das cantigas de amor.


Na verdade, apresenta várias características que permitem identificar o poema como uma cantiga
de amor: a voz masculina do sujeito poético; o tema do amor tratado segundo o ideal do amor cortês; o
elogio da dama, caracterizada pelo sujeito poético como «Essa que vós fezestes melhor parecer/de
1
luz.
2
rosto.
3
Ai Deus que fizeste com que eu a amasse mais do que a mim próprio.
quantas sei» (vv. 7 e 8); a vassalagem amorosa: «A dona que eu am’ e tenho por senhor» (v. 1); e a coita
de amor: «senon, dade-mi a morte» (v. 3) e «e por que choram sempr’» (v. 5).

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