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A Gramática divide-se em três grandes partes:
Fonologia/Fonética, Morfologia e Sintaxe.
Como assim, sonoro? A Gramática não é aquele troço que estuda a língua
escrita? Que fica lá caçando pelo em ovo nas letrinhas dos livros?
Sozinho, até onde eu saiba, não. A não ser que estejamos falando de
audiobooks, a nova moda do verão; ou de um livro saído do Harry Potter.1
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Leia-se "do universo fantástico criado por J. K. Rowling, cujo personagem principal é um fedelho
com uma cicatriz de relâmpago na testa”. Em vez de escrever tudo isso, coisa que arruinaria a piada,
escrevi só Harry Potter para significá-lo inteiro. Parabéns, você acabou de aprender uma nova figura
de linguagem: a metonímia.
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A leitura mental, por exemplo, em oposição à leitura em voz alta, não foi prática corrente durante
séculos. Só quando ela começou a ser mais praticada é que foram surgindo sinais de pontuação e
até mesmo os espaços entre as palavras. É isso aí: antes, não havia espaço entre as palavras, e
quase não havia sinais de pontuação. O leitor tinha de ler o texto em voz alta e adivinhar-lhe as
pausas, ênfases e sentido com o auxílio da voz. Quando os monges e pensadores cristãos
começaram a praticar a leitura mental, ao longo do tempo foram-se criando ferramentas de
pontuação para suprir a lacuna da voz.
Depois, temos a boca inteira. Tente falar aí sem mover a língua ou com os
lábios trancados.
Que raios isso quer dizer? Quer dizer que se você fatiar uma palavra,
dividindo-a em partes até chegar àquelas partes mínimas que têm
significado, terá chegado aos fonemas.
Fonemas são sons, e não letras. As letras são a representação gráfica dos
fonemas. “Gráfica” porque são sinais que exprimem por escrito realidades
sonoras.4 Fonemas falam-se e escutam-se; letras escrevem-se e são lidas.
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Aliás, nunca é demais lembrar que o princípio alfabético é precisamente este: que cada símbolo
gráfico (letra) representa um fonema. Um som.
Antes, o que tínhamos eram ou pictogramas, desenhos que se assemelhavam às formas por eles
designados (como o desenho de um boi, ou o desenho de ondas para representar água); ou
ideogramas, imagens conceituais de ideias abstratas.
Isso não quer dizer que cada fonema corresponda perfeitamente a uma letra, e vice-versa. Há
incongruências, sim. O “h” de “homem”, por exemplo: é escrito, mas não pronunciado. Inversamente,
o ditongo no final de cantavam é pronunciado, mas não escrito.
Já as semivogais são os fonemas que não cortam nem pra lá, nem pra cá.
Nem são vogais completas, se bem tenham som vocálico, nem são
consoantes completas, se bem precisem do apoio de outra vogal “cheia”
para que existam. São o meio-termo entre vogais e consoantes. Têm
características de ambas. Semivogais são as vogais i e u quando
acompanham alguma das outras três vogais numa só sílaba (calma, já
falaremos sobre isso).
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Aliás: não temos 5 vogais, e sim 12. Por quê? Porque temos 12 sons diferentes. Temos sete vogais
orais (a, e, é, i, ô, ó, u) e cinco nasais (an, en, in, on, un).
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Importante: às vezes, alguns professores dizem que as vogais são os fonemas que se produzem
"sem qualquer obstrução à passagem do ar”. Isso é falso. Tanto as vogais quanto as consoantes são
fonemas sonoros — isto é, fonemas que são produzidos com as cordas vocais mais ou menos
fechadas, causando-lhes vibrações. E mesmo os fonemas surdos (/s/, /f/, /x/, /t/, /k/, etc.), que
são produzidos sem roçar nas cordas vocais, têm de vencer alguma obstrução criada na boca.
Não, ué. Não existem sílabas sem vogais porque não existe emissão sonora
sem vogal, lembra-se? As consoantes e semivogais têm de se escorar nas
vogais para que possam ser ditas. Sozinhas, são fraquinhas. Tênues. Quase
uns fantasmas. Precisam do som encorpado das vogais.
Uma sílaba pode ser uma só vogal, por exemplo: aí, com acento agudo no
“i”, tem duas sílabas. 8 Não acontece o mesmo com o “ai” interjeição,
palavrinha que as moças de família dizem quanto metem o dedão na quina
do móvel (homens soltam outra interjeição, menos amigável). Por quê? Não
saberemos hoje. Ainda não chegamos aos acentos.
Voltemos às sílabas.
Uma sílaba pode ser a junção de uma consoante + uma vogal. É a estrutura
silábica mais frequente em português. ca.sa.co, por exemplo. Pode também
ser invertida, e a vogal anteceder a consoante: ar, por exemplo.
Lembra-se de que eu lhe disse que uma semivogal tem som vocálico, mas
como as consoantes precisa do apoio de uma outra vogal para ser dita? Isso
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Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, pág. 24.
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Tecnicamente, um hiato. Mas já vamos chegar lá.
Lembra-se do “aí" com acento agudo? Pois é. Eis um hiato. Repare que, para
dizê-lo, são precisas duas emissões de ar. Já o “ai” sem o acento é uma sílaba
só; portanto, um ditongo decrescente.
Para terminar a história: todas as palavras9 têm uma sílaba tônica. Em todas
as palavras, uma das sílabas sai mais forte e proeminente do que as outras.
Só entendemos uma palavra quando captamos qual é sua sílaba tônica.10
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Isto sem contar, claro, as monossilábicas, que têm uma só sílaba: oi, sim, réu, pó, sul, etc.
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A intelecção que têm as crianças, por exemplo, de suas primeiras palavras dá-se por meio do
reconhecimento da SÍLABA TÔNICA. É a diferença entre repetir a-ba-ca-te, dando a todas as
sílabas igual peso e importância, e dizer abacate com plena e exata carga semântica.