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Se você chegou até aqui por meio de um anúncio, o que nas atuais

circunstâncias é muitíssimo provável, sabe que eu fiz uma promessa.

Promessa feita em tudo quanto é canto, e aliás com letras garrafais.


Promessa de libertação. Promessa entusiasmada e enfática; tão inédita
quanto difícil de acreditar.

Promessa feita com a empolgação (alguns diriam histeria) e ênfase de um


pastor da Universal — com a diferença de ser uma promessa verdadeira.

Eu não me esqueci da promessa.

2
Irei cumpri-la logo no “Como pegar um assunto que
comecinho desta aula. Antes, é um porre e deixá-lo
porém, quero bater um papo interessante? Como pegar
rápido e reto aqui. Uma algo complicado e deixá-lo
conversa cara a cara — ou cara fácil? Como pegar algo que
a página, já que você não exige vários conhecimentos
conseguirá ver minha bela e prévios e explicá-lo do zero,
barbuda cara quando estiver de um jeito que todo mundo
lendo este PDF. entenda e os alunos não saiam
da aula com um monte de
Eu separei uma parte do meu macetezinhos com meias-
tempo, que hoje em dia é verdades e músicas
beeeem corrido e escasso, a abestalhadas?”
fim de PREPARAR-LHE A
MELHOR AULA DE Foi o que tentei fazer com essa
PORTUGUÊS QUE VOCÊ JÁ aula.
VIU NA VIDA.
O que me leva a dois pontos:
Sem brincadeira. O espírito
com que preparei este
conteúdo foi “como posso dar
a melhor aula da minha vida?”

3
Para ser bem sincero, eu
também não gosto muito
não.
E justamente porque não
sou um entusiasta, como
aqueles professores cujos
olhinhos refulgem e
resplandecem diante da
segunda pessoa do plural
do pronome pessoal
oblíquo tônico, é que sei em
quais partes a coisa vira um
porre, E CONSIGO
PRENDER SUA ATENÇÃO
COM UMA INESGOTÁVEL
VARIEDADE DE
PIADINHAS CRETINAS,
HISTÓRIAS CURIOSAS E
ANEDOTAS 110%
INVENTADAS PARA AS
MINHAS AULAS.

4
Olha aqui pra mim: eu sei
como é não saber NADA de
português. Na escola, não
fui um daqueles alunos que
todas as aulas levavam
maçãs para os professores.

Ou era um aluno
completamente morno,
fazendo o mínimo dos
mínimos para não bombar;
ou, quando cheguei ao
segundo ano do ensino
médio e arranjei emprego
num mercadinho perto de
casa, era um daqueles
alunos “não dou a mínima” e
dormia todos os dias na
sala.

Reprovei duas vezes.


Terminei o ensino médio
fazendo supletivo.

Ou seja: o que aprendi de


português foi mais tarde,
fora da escola.

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Eu tive de bater muito a cabeça para começar a entender esse negócio.

Como não tinha nenhuma bagagem escolar, não sabia nenhuma


terminologia e não me lembrava de nada.

Estava seco. Puro. Começando do zero.

E o que eu fiz? Tive de acessar aquelas terminologias e abstrações por


outros caminhos. Não sabia o que significavam direito palavras como
“morfologia” ou “preposição” ou até mesmo “pronome”.

Então pesquisei se a origem dos nomes tinha algo a ver com seu sentido.
Muitas vezes, criei analogias para entender funções que desconhecia: as
preposições são como porcas, pregos e dobradiças, que usamos para ligar
as palavras umas às outras de certos modos específicos; os pronomes são
como canos, vazios até que os enchamos com o sentido das palavras a que
estão ligados, e por aí vai.
Ou seja: SEMPRE QUE EU PUDER FUGIR À TERMINOLOGIA E EXPLICAR
ALGO PARA VOCÊ DA FORMA MAIS SIMPLES POSSÍVEL, EU O FAREI.

E por que estou lhe contando tudo isso? Para que você entenda melhor o
que vou dizer agora:

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Mas não quero você no celular, no zap ou no Youtube. Não quero sua meia
atenção. Eu garanto meu método. Garanto minha didática e meu conteúdo.
MAS NÃO TENHO COMO GARANTIR SEU COMPROMETIMENTO.

Não tenho como garantir que você fique focado. Não tenho como saber se
haverá mais 15 abas abertas aí na internet enquanto a aula está rodando.
Não tenho como garantir que você fará os exercícios.

Aí é com você.

Eu não consigo fazer milagres. O que consigo fazer é tirar você daquelas
diquinhas infernais, salvá-lo daqueles becos sem saída e mostrar-lhe a
LÓGICA da língua.

Você quer aprender esse negócio de uma vez por todas? Então me dê uma
hora e pouco do seu tempo. Dê-me seu tempo de verdade. Caso contrário,
eu e você só iremos perder tempo. Você vai assistir mal, entender mal e
aprender pouco ou nada.

Eu vou ter gravado uma baita aula de besta. Aula com material escrito
autoral. Com exercícios. Até com bônus. Coisa grátis com bônus. É bônus
do bônus. Inception dos bônus.

Então a escolha é sua: ou me dá uma hora e pouquinho do seu tempo e


aprende REALMENTE a crase; ou… para todo o sempre fique com as
diquinhas de cinco minutos, sem aprender nada. VOCÊ É QUEM SABE.

Então bora. Vamos acabar de uma vez por todas com essa crase maledita!
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Em primeiríssimo lugar, Feche os olhinhos e limpe sua
finjamos que somos todos mente. Faça uma faxina geral
monges budistas e façamos aí na ca-beça. Tire as tralhas.
uma daquelas meditações que Deixe tudo limpo, feito uma
a gente vê em filmes. paisagem verdejante sob um
luminoso e vazio céu azul…
Cruze as pernas uma sobre a especialmente, tire da cabeça
outra, sente-se no chão e tu-do o que você acha que
ponha a palma de sua mão sabe em relação à crase.
direita aberta contra a palma
de sua mão esquerda aberta. E APAGUE. DELETE.
comece a entoar aqueles
mantras místicos: Sabe aquelas regrinhas?
Aquelas “facilitadoras” que
óóóóóóónnnnnnnnn tanto encontra-mos em vídeos
no YouTube e artigos na
óóóóóóónnnnnnnnn internet? Tipo estas:

óóóóóóónnnnnnnnn

Respire, inspire. Respire,


inspire.

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NÃO PODE CRASE ANTES DE PALAVRA
MASCULINA;

NÃO PODE CRASE ANTES DE PALAVRA NO


PLURAL;

NÃO PODE CRASE ANTES DE PRONOME


INDEFINIDO;

NÃO PODE CRASE ANTES DE NUMERAIS…

Então… jogue todas num lençol velho, amarre-o com cuidado, lambuze a
coisa inteira com gasolina e taque fogo sem dó. Não existem mais essas
regrinhas. Acabou. Game over.

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Na verdade, como você deve ter percebido, nem chega a ser uma “regra”.
É a descrição de um fenômeno. Só estou explicando o que é a tal da crase.

Vamos devagar.

Primeiro, de onde raios surgiu esse nome estranho? “Crase”. Parece até que
a gente tá falando grego. E é porque estamos mesmo.

CRASE vem de krásis: “mistura”, “fusão” ou “junção”.

Digamos que na época dos gregos já existissem Red Bull e uísque. Um


moleque grego, todo malandrão, queria juntar os dois e encher a cara. Se
você misturar uísque com Red Bull, as duas bebidas se fundem. Viram uma
só, não é? Pois bem. O grego malandrão usaria krásis para explicar sua ideia
da mistura a algum outro grego beberrão.

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Veja: o primeiríssimo erro de muita gente já começa pelo nome.

CRASE não é o nome do acento. Afinal de contas, o que diabos teria a ver
um nome desses com aquele risquinho para a esquerda em cima de
algumas palavras? Nada.

Crase não é o acento. A crase é a fusão. A MISTURA OU JUNÇÃO DE DOIS


“A”. O acento serve para AVISAR o leitor de que houve a tal fusão. É um x-
9 gramatical. Um dedo-duro (só que do bem).

O acento acena. Pula e estica os braços para que os olhos do leitor não
passem batidos por aquela letra.

“Ei! Tem alguma coisa aqui”, diz o acento. “Eu juro que tinha dois ‘a’ aqui,
bicho! Juro mesmo! Deram sumiço em um deles!”

O sumiço de um dos “a” é a fusão. É a própria crase. Havia dois, agora só


existe um.

“Mas, Raul, então como a gente deve chamar esses negócios tudo aí?”

Se estiver falando do ACENTO, diga ACENTO INDICATIVO DE CRASE.

Se estiver falando da FUSÃO, diga A CRASEADO, ou simples e mais


facilmente: CRASE.

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Agora, que eu já lhe disse qual é a única regra da crase, surge a outra
questão: POR QUE DOIS “A” PRECISARIAM SER FUNDIDOS?

Pra quê? De onde vem essa necessidade? Algum gramático desocupado,


virjão, inventou isso aí para levarmos bomba em provas e passarmos
vergonha escrevendo errado?

Há TRÊS CASOS PRINCIPAIS em que isso é preciso. E já lhe adianto que só


o primeiro é mais comum.

Ou seja: é bem mais baixa a probabilidade de você ter problemas com os


outros dois.

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Uma regra geral. Três casos específicos.

“Ah, Raul, você tá de treta com a minha cara. Vai dizer que são três casos e
logo depois vai enfiar um milhão de casos diferentes aqui. Se é tão fácil
assim, por que tantas regrinhas?”

Porque nego só sabe ensinar macetes, porca miséria. Musiquinhas, rimas,


tiradas espertonas para facilitar a memorização de um caso isolado. Casos
isolados, casos isolados, casos isolados. É que hoje em dia aluno nenhum
vai seguir uma explicação de mais de cinco linhas, né?

Então o negócio é ensinar sem nunca explicar. Explicar sem nunca ligar um
caso aos outros. Ensinar sem… ensinar.

Repito: há uma regra e três casos específicos em que ela se aplica.

Vamos a eles de uma vez.

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Calma, não precisa largar o material porque não sabe o que diabos é uma
preposição ou um artigo. Confia em mim. Vamos devagar.

Imagine que eu quero dar as boas-vindas a vocês, alunos desta aula.

Eu escreveria algo como “Sejam bem-vindos ao aulão sobre crase!”

Bem-vindos AO. Reparou? Beleza.

Mas por que não escrever BEM-VINDOS A AULÃO ou BEM-VINDOS O


AULÃO?

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FICARIA ESTRANHO, NÃO É? Ficaria frouxo, vazio, como se algo estivesse
faltando. E você perceberia isso imediatamente, mesmo sem saber explicar
o que são artigos ou preposições. Algum radarzinho aí começaria a apitar.

Provavelmente, você até corrigiria a frase na cabeça: “bem-vindos ao”.

Agora me diga se você sente qualquer estranhamento diante desta frase:


“eu adorei o aulão!”

Aí a frase soa completa, não é? Redondinha. E está mesmo. Certíssima.


Ninguém pensaria em escrever “adorei AO aulão”.

Você achou estranha a primeira frase e não achou estranha a segunda.

Com isso já aprendemos algo importantíssimo. Sabe o que é?

SABE ESSA ESTRANHEZA? ESSE RADARZINHO QUE APITA E VOCÊ NÃO


SABE DE ONDE? É SUA MEMÓRIA ENTRANDO EM AÇÃO. Quer você esteja
consciente disto, quer não, a verdade é que, na sua memória, existe um
montaréu de padrões frasais, coletados ao longo do tempo com suas
leituras e ali sedimentados de forma inconsciente.

Quando você lê uma frase e sente que algo nela está estranho ou fora do
lugar ou incompleto, é porque sua memória entrou em ação, automática e
imediatamente a comparou com incontáveis outros exemplos e percebeu
algo de diferente. Mas a memória só vai até aí.

É aquele algo que você não consegue apontar, sabe? Igual quando a sua
esposa, sem te contar nada, corta sutilmente o cabelo e chega em casa
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toda sorridente — e você sabe que tem alguma coisa diferente; um ar que
não é dela; algum detalhe fora do lugar. Só não sabe o que é. Onde está.
Não sabe por que de repente surgiu um tesão maluco pela patroa.

Mas o tesão e a intuição estão lá.

Doidera, né? Se você duvida, vou te provar. Aqui a gente mata a cobra e
mostra o pau.

Por que o certo é bem-vindo ao aulão?

Porque, na língua, as palavras não ficam soltas. Você não pode pegar
qualquer palavra e ligá-la a qualquer outra palavra. Há padrões de ligações
que se repetem. SÃO OS BANDOS DE PALAVRAS. AS PANELINHAS.

Bem-vindo ao aulão.

ao é a junção de duas palavras diferentes, ainda que só tenham uma letra.


a é uma coisa, o é outra. O a está ligado ao bem-vindos. São uma panelinha.
o está ligado a aulão. São outra panelinha.

Quem é bem-vindo, é bem-vindo a alguma coisa. O a faz parte da


expressão. É errado dizê-la sem essa bendita palavrinha. Daí que você

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provavelmente tenha achado estranho bem-vindo o, ainda que não saiba
explicar por quê. Sua memória entrou em ação.

Beleza. Temos um a e um o. Na hora de escrevê-los, o que a gente faz?


Juntamos os dois, oras. Ninguém escreve “sejam bem-vindos a o”, igual um
palhaço. Já que ambas as partículas1 são obrigatórias, o jeito mais elegante
e sensato de escrevê-las é colando uma na outra.

E aí vem o pulo do gato.

E, se em vez de aulão, tivéssemos alguma palavra feminina depois de


bem-vindos a? E se fosse aula, por exemplo? O que iria acontecer?

Rufem os tambores, segurem as tripas, tirem as crianças da sala:

“SEJAM BEM-VINDOS À AULA."

Eeeeeeeeepa!

De onde surgiu essa crase aí? Agora você já sabe a resposta.

O a de bem-vindo continua igual. Mas o artigo, que está pregado ao


substantivo, não. No primeiro exemplo, tínhamos um artigo masculino (o)
ligado a aulão. Agora, porém, a palavra é aula, e o artigo que está colado
em aula é feminino. É um a.

1
Nome gramatical pomposo para “palavrinha pequena que nunca muda”.

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Ficamos, portanto, com isto aqui: “Bem-vindos a a aula”. Dois a. E o que
fazemos com dois a?

Nós os fundimos.

Em vez do vergonhoso, brega e caricato “bem-vindo a a aula” ficamos com


o elegantérrimo bem-vindos à aula.
2

Entendeu por que a crase foi criada? Porque ficaria ridículo, além de
confuso, escrever “a a”. A crase foi criada para FACILITAR a vida do leitor.

Agora você entende por que dizem que existe uma “regra” “proibindo”
crases antes de palavras masculinas? Não existe regra nenhuma e ninguém
proibindo crase alguma. O que existe é falta de necessidade.

Não é que você esteja proibido de colocar crase em “à todos”; é que não
faz sentido. Não existe por quê.

Isso é como dizer que você está PROIBIDO de pular da ponte. Ué, você não
pula da ponte porque não é tonto. Porque sabe que a força da gravidade
aumenta de acordo com a altura e poderá espatifá-lo irremediavelmente
no chão.

Igualmente, quem aprendeu como funciona a crase não a usa em “louvor à


Deus” porque sabe que ali não existem dois a. Tudo faz perfeito sentido.

2
E a crase não resolve só um problema de feiura e compreensão no texto. Também na fala a crase nos salva de ter que
repetir “a a” feito uns bananas. Dizemos um só “a”, normalmente. Talvez, com um pouco mais de ênfase para deixar claro ao
ouvinte que se trata de uma crase.

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E assim se explicam quase todos as deslizadas crasísticas:

“Robertinho declarou-se à ela”.

Errado. Quem se declara, se declara a alguém. Maravilha. Temos um a. Mas


existe algum outro a? Ela é pronome e não exige artigo. Não se fala “a ela
gosta de sorvete” como “o Português é uma língua maravilhosa”.3

“Robertinho declarou-se a ela.”

Haveria crase se algo assim estivesse escrito: “Robertinho declarou-se à


amada”.

“Ele já viajou à capitais enormes.”

Errado. Verdade, existe um a colado em viajar a. Mas “capitais enormes” é


uma expressão indeterminada e, portanto, não leva artigo.

“Eu gosto de capitais enormes.”

Haveria crase aqui: “Ele já viajou às capitais enormes da Ásia.”4

3
Outra porcaria de consequência daquela história de “proibido” é que os alunos começam a imaginar que o contrário
sempre se aplica: “Ah, se não pode usar crase antes de palavras masculinas a gente tem de usá-la antes de palavras
femininas”.

Não. Ela é palavra feminina. Só que não tem um a pra chamar de seu.

4
Por quê? Porque é uma exceção? Não.

Porque dizer “capitais” e dizer “as capitais” são duas coisas diferentes. No segundo caso, estamos determinando as capitais;
sabemos quais são. E o segundo caso… adivinha? Leva artigo. Artigo + preposição = crase.

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“Eu gosto das capitais enormes da Ásia.”

“Os alunos são levados à acreditar…”.

Errado. De novo, só existe um a na história. Acreditar é verbo e não exige


artigo.5 Macetinho pra você: ANTES DE VERBOS, NÃO USE CRASE. NUNCA.

Haveria crase aqui: “Os alunos são levados à crença”.

“Quero contar algo à você”.

Errado. Você é pronome de tratamento e não leva artigo. Cadê o segundo


a?

Haveria crase em: “Quero contar algo à vizinha”.

“Vou à Paris”.

Errado. Ir exige preposição a. O substantivo Paris não exige artigo a.

5
“Mas, Raul, você não falou que alguns verbos exigem a?”

Falei, criatura. Mas presta atenção: exigem um a PREPOSIÇÃO. Como o a de “ser levado a”. Mas não fundimos nunca duas
preposições. Lembra-se da primeiro caso de fusão? É “preposição + artigo”. Aqui, falta o artigo porque verbos não exigem
artigo.

Dito de outro modo, mais fácil: antes de verbos, não use crase.

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Haveria crase aqui: “Vou à Bahia”.6

Está percebendo o padrão? Está percebendo de onde vêm aquelas


proibiçõezinhas? Vêm do fato ridiculamente simples de que NÃO TEMOS
DOIS A EM NENHUM DESSES CASOS.

Pois bem. Esse foi o primeiro caso de fusão — e o mais longo. PREPOSIÇÃO
+ ARTIGO.

VAMOS AGORA AO SEGUNDO. BEM MAIS


TRANQUILO, BEM MAIS FÁCIL E LIVRE DE
ARMADILHAS.

6
Alguns nomes de cidades e estados levam artigo, outros não. Sim. É uma porcaria. Sim, é algo aleatório que foi consagrado
apenas pelo uso. Mas isso não muda a natureza da crase. Para verificar se a palavra leva artigo, imagine uma frase
começando com: “A Bahia é linda”; “Paris é linda”.

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Aqui a coisa é mais simples porque você não precisa verificar se existe UMA
PREPOSIÇÃO E UM ARTIGO: basta saber se EXISTE A PREPOSIÇÃO E
AQUELE, AQUELA OU AQUILO. É metade do trabalho.7

“Hoje vou àquele bar de que você tanto me falou


ontem.”

Ir quando designa movimento exige o a preposição. Junta com aquele e é


só sucesso crasístico.

7
Duas observações: 1) a regra da fusão de dois a se mantém; 2) palavras como “alguma”, “algo” e semelhantes não
entram aqui.

25
“Entregue isso aqui àquela moça.”

Quem entrega, entrega algo a alguém. Põe aquela na história e logo surge
a crase, aquela lambisgoia (sim, rimei de propósito).

“Fez referência àquilo que tínhamos decidido na


última reunião.”

Quem faz referência, faz referência A alguma coisa ou alguém. Com o


AQUILO… bem, cê já sabe.

Pronto, é isso. Eu avisei que seria fácil. Só precisa verificar se existe o A


PREPOSIÇÃO e… pronto!

Ah, e mais uma coisa: essas crases são obrigatórias. Você não pode
escrever “a aquele” ou “a aquilo”.

Beleza? Então só nos resta o terceiro caso.

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Lembra-se de que eu falei só existir uma regra para o uso da crase? Pois é.
Não estava de gogó não. Leia as seguintes frases:

“Essa reclamação é semelhante à de muitos outros


alunos.”

“Foram à Brigadeiro Faria Lima para encher o rabo


de pinga no happy hour.”

Nos dois exemplo a crase está perfeita, maravilhosa e elegantemente


CERTA.
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“Mas, Raul do céu! ‘Que’ exige um a e eu não tô
sabendo? E esse ‘de’? O que raios tá
acontecendo?”

Chega a ser ridículo de tão simples, ó pupilo: nas duas frases, há um


substantivo feminino escondido. Subentendido. Está lá, só não aparece. E a
crase surge porque a regra está sendo aplicada àquele substantivo
escondido.

“Essa reclamação é semelhante à [reclamação] de


muitos outros alunos.”

“Foram à [avenida] Brigadeiro Faria Lima para


encher o rabo de pinga no happy hour.”

Em ambos os casos está presente a regra da fusão: reclamação, avenida e


calça exigem artigo. Artigo a + preposição dá no quê? Cê já sabe.

DÁ EM CRASE.

Pronto. Acabei de ensinar-lhe o que raios é a crase e provei, por A+B, que
os três casos principais em que ela surge são apenas consequências de
sua natureza. Ou, dito de outro modo, são aplicações práticas da única
regra.
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Como tudo no português é interligado e uma coisa explica-se pela sua
relação com outras coisas, seria uma baita pilantragem minha dizer que
“você nunca mais vai errar a crase com essas 15 dicas” e sei lá o quê.

É bem verdade que você irá precisar ter pelo menos alguma ideia de quais
palavras exigem a preposição e quais palavras exigem o artigo. Mas isso
não é coisa de outro mundo. Não é um conhecimento esotérico, inacessível
a quaisquer seres que estejam abaixo dos anjos.

Com um pouco de esforço, daqui a pouco você estará raciocinando


gramaticalmente. Isto é: estará analisando se existe ou não uma crase em
tal frase apelando aos conceitos gramaticais, em vez de a simples macetes.

“Mas, Raul, quer dizer que não existe nenhum outro caso de crase? Nem um
único sequer? Encerramos tudo? Passa a régua? Nunca mais encontrarei por
aí nada que não tenha sido explicado aqui?”

Olha… eu realmente gostaria de responder um retumbante e triunfal SIM.


Mas estaria mentindo. Existem alguns casos especiais que exigirão só mais
um pouquinho de esforço.

O que prometo é isto: O PIOR JÁ PASSOU.

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Agora você já sabe, de cor e salteado, qual é a única regra da crase. Mas há
casos e casos. Nesta última seção, para facilitar sua vida, eu separei os
casos em OBRIGATÓRIOS, PROIBITIVOS E FACULTATIVOS.

Às vezes, DEVE haver a crase. Às vezes, NÃO PODE haver crase. Às vezes,
você tem que SE VIRAR para escolher se quer a crase ou não. Ou seja:
existem casos em que o trambolho é obrigatório, casos em que é proibido
e casos em que é facultativo.

Logo você vai ver, com minhas explicações, que: nos casos obrigatórios, há
obrigatoriamente dois a; nos casos proibitivos, não temos dois a; nos casos
facultativos, o artigo a pode ou não ser usado.

Ou seja, prepare-se para a última rodada de aplicações da nossa única e


maravilhosa regra. Então bora.

30
“Ensino à distância” está errado.

Sim. Eu também acho estranho. Sim, também me parece haver algo


faltando. Mas não há. DISTÂNCIA não está sendo usada de modo

31
determinado. Isto é: não existem metros, quilômetros ou anos-luz exatos ou
aproximados. A palavra foi usada só como inverso de “presencial”.

“Eu vejo um aluno do Raul à distância de 30


metros: está radiante e nunca vi alguém mais feliz
em toda minha vida.”

A crase está certa e a vista, 100%. Não precisa nem de professor de


português, nem de oftalmologista.

Não me vá confundir à medida que com na medida em que, faz favor.


Também não me vá escrever à medida em que.

À medida que (sem o “em”) designa proporcionalidade. Alguma coisa


acontece proporcionalmente a outra. “À medida que o tempo passa,
ficamos mais carrancudos.”

32
E o que são locuções adverbiais? São conjuntos de palavras que fazem o
papel de um advérbio. Em vez de dizer confortavelmente, pode-se dizer à
vontade. Em vez de dizer cegamente, pode-se dizer às cegas. Logo, em
princípio as locuções adverbiais podem tudo quanto os advérbios podem
expressar: tempo, modo, intensidade, lugar…

à noite, às cegas, às tontas, à meia-noite, à vontade, à uma, à toa, à beira de,


à custa de, à mercê de, à moda de, à maneira de…

Imagine que você está naquela peladinha de final de semana, todo mundo
jogando mal como sempre, e eis que de repente baixa no seu amigo um
santo futebolístico que o faz dar caneta em dois sujeitos, um chapeuzinho
no terceiro e de bicicleta meter um gol na gaveta. Você, assombrado, diria:

“Puta merda, que gol lindo. Foi um gol à Ronaldinho


Gaúcho!”

A crase está CERTA. Por que é uma exceção? Não. Porque aí houve uma
elipse. Isto é dizer: há palavras que estão na frase, só não aparecem.

33
“Gol à Ronaldinho Gaúcho” é na verdade “Gol à [moda de] Ronaldinho
Gaúcho”. Um gol como o que o próprio bruxo faria. E já vimos que “à moda
de” leva crase, não é?

“Bife à milanesa” tem crase? Tem. Porque seu sentido é “bife à maneira
milanesa” ou, ainda, “bife à maneira de Milão”. Um bife como os de Milão.

“Bife a cavalo” tem crase? Não. Porque não existe uma receita especial que
os cavalos usam para fazer o bife. O “a cavalo” provavelmente veio da ideia
de que o ovo (que fica em cima do bife) monta a carne como se estivesse
sobre um cavalo — como se estivesse a cavalo. Em “bife a cavalo” não há
moda/maneira nenhuma.

34
Não dá, não rola. Sem exceções. Por quê? Porque não se usam artigos antes
de verbos. Sem artigo, sem crase.

“O Raul se propôs à dar a melhor aula sobre crase


de todos os tempos!”

35
Quem se propõe, propõe-se a alguma coisa. Temos o a preposição. Mas
não o a artigo.

“O Raul se propôs a dar a melhor aula sobre crase


de todos os tempos!”

Mesmo que uma palavra masculina exija artigo, será um artigo o quê?
Exato: masculino. Será um o. Não um a.

“Seja bem-vindo à aulão."

“Fulano não assiste à novelas.”

Novelas é uma palavra genérica, que não designa nenhuma novela


específica. É como dizer “você gosta de novelas?” ou “novelas prestam?”
Repare que em ambos os casos não existe artigo.
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Coisa bem diferente seria dizer “você gosta das novelas da Globo?” ou “as

novelas da Record prestam?” Se a palavra for determinada, tem artigo. Se


houver artigo e uma preposição…

“Fulano não assiste às novelas da Globo.”

“Fulano deu um presente à mim.” Ai, meu


pâncreas.

“Sicrano fez alusão à ela.” Ai, meu rim.

37
“Mande um abraço à eles!” Ai, meu coração, minha
próstata, meu esôfago e, sim: meu saco.

Será que eu preciso explicar de novo por que não existe crase aí? Preciso.
Pra você nunca mais se esquecer desse negócio. Para que a regra puxe o
seu pezinho de madrugada. SE NÃO TEM ARTIGO, NADA DE CRASE.

Listinha procê: ele, ela, mim, eles, nós, esta, essa, quem, quanta, cuja, toda,
alguma, nenhuma, qualquer, certa…

Outra listinha procê: cara a cara, mano a mano, dia a dia, frente a frente, gota
a gota, passo a passo, de mais a mais…

E é isso. Zerou. Viu como na verdade não existe proibição nenhuma?


Só o que existe é a crase que não existe.

38
“Referimo-nos a sua irmã” ou “referimo-nos à sua irmã” — ambos os
exemplos estão certos, e isto porque o artigo antes desses pronomes
também é facultativo. Podemos dizer “sua irmã” ou “a sua irmã”.

Se escolhemos não usar o artigo, o a preposição fica sozinho e não existe


crase. Se escolhemos usá-lo, cê já sabe no que dá artigo + preposição.

39
O raciocínio é o mesmíssimo do anterior: pode-se usar ou não o artigo antes
de nomes próprios femininos. No geral, os gramáticos recomendam que
não se use o artigo definido diante de um nome… definido. A depender de
sua escolha, consequentemente haverá ou não a crase.

“Fizeram uma homenagem a Bianca” ou “fizeram


uma homenagem à Bianca”.

Leia esta frase: “A chuvarada de ontem alagou tudo, até a casa do coitado!”

Escrita como está, a frase pode significar duas coisas: ou que a chuva
chegou até junto da casa, que nela colou e chegou a “lamber”, ou que a
água da chuva entrou na casa.

No primeiro caso, até significa “extensão ou movimento com limite


determinado”: significa que a água moveu-se até encostar na casa, mas

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parou ali. No segundo, é palavra inclusiva, equivalente a “mesmo” ou
“inclusive”: significa que a água alagou tudo, inclusive a casa.

Quando usar crase então? Quando o “até” significar “extensão ou


movimento”. Se o até indicar MOVIMENTO, e não inclusão, terá de levar
crase.

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EXERCÍCIOS

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44
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46
RESPOSTAS

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