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Centro Federal de Ensino Tecnológico de Minas Gerais – CEFET-MG


Curso de Graduação em Engenharia Civil
Disciplina: Tópicos especiais em línguas: o discurso na/da Engenharia Civil
Docente responsável pela disciplina: Profª. Érika Kress
Discente: Maiara Cristina de Oliveira

Resenha do livro “Análise de discurso: princípios e procedimentos”

O livro “Análise de discurso: princípios e procedimentos” traz a importância em


pensar sobre as diferentes manifestações da linguagem, o que exige do analista de
discurso compreendê-la como um objeto de estudo que não é neutro, nem mesmo nos
usos mais simples realizados no cotidiano. Nesta obra, Orlandi (2010) descreve, a
princípio, o que é discurso para, em seguida, apresentar de que forma o sujeito, a história
e a linguagem se relacionam no processo de constituição do discurso. Além disso, a autora
apresenta para o leitor, com linguagem clara e objetiva, um dispositivo de análise de
discurso que envolve a observação de elementos como: textualidade e discursividade,
tipologias e relações entre discursos, formação discursiva, argumentação, enunciação,
discurso e ideologia.
Ao tratar do conceito sobre discurso, Orlandi (2010) destaca que a Análise de
Discurso (AD), como o próprio termo designa, não tem em seu bojo estudar a gramática
ou a própria estrutura da língua. Seu principal objetivo é o discurso em si, isto é, a palavra
em movimento, como uma prática de linguagem, que pode ser observada nos diferentes
contextos em que se manifesta. Na análise de discurso, é essencial compreender a língua
como um elemento simbólico que retrata o social de um modo geral, revelando, em seu
âmbito, o próprio processo constitutivo do ser humano e de sua relação com a história.
Para a AD, a linguagem é um instrumento de mediação entre o homem e sua realidade
social e natural.
Para a AD, como afirma a autora, analisar uma determinada mensagem não é
somente perceber o processo de codificação e decodificação, mas compreender o que está
subentendido a essas mensagens e aos discursos que podem ser percebidos. A
manifestação do discurso, nos diferentes usos que fazemos da linguagem, se materializa
de forma não linear, pois a língua não é só um código, mas traz consigo aspectos culturais,
juízos de valor, ideologias e elementos do contexto social, que podem ser percebidos pela
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forma como o sujeito organiza os enunciados. “As relações de linguagem são relações de
sujeitos e de sentidos e seus efeitos são múltiplos e variados” (ORLANDI, 2010, p. 21).
Por isso, discurso e língua não podem ser compreendidos e analisados separadamente,
mas como elementos que se complementam, pois a língua é um instrumento
condicionante que, além de mediar a relação do indivíduo com o social, traz consigo a
possibilidade para a manifestação do discurso.
No que diz respeito à relação entre sujeito, língua e história, Orlandi (2010) aponta
que existem condições de produção do discurso, as quais compreendem os sujeitos e a
situação em que se encontram, o que inclui o contexto sócio-histórico e o ideológico. Do
mesmo modo, ao mencionar a memória do indivíduo, a pesquisadora descreve que as
lembranças têm as próprias características, as quais podem ser percebidas no/pelo
discurso. Ela deve ser tratada como interdiscurso, ou seja, aquilo que vem antes e que
possui um lugar independente. Essa memória, ou saber discursivo, torna realidade aquilo
que já foi dito e revela discursos em uma forma que se caracteriza como um elemento
pré-construído. Esse interdiscurso disponibiliza discursos que já foram produzidos em
uma dada circunstância sócio-histórica, assumindo uma ressignificação no momento em
que é percebido.
Para demostrar essa relação entre discurso e interdiscurso, Orlandi (2010) cita o
exemplo do enunciado “vote sem medo”. Neste contexto, o que marca a produção do
texto não é somente as escolhas linguísticas realizadas, mas o interdiscurso que atravessa
os dizeres ali presentes. Ele dispõe de dizeres que afetam o modo como o sujeito constrói
a significação das coisas em uma dada circunstância sociocomunicativa. Por este
exemplo, a autora mostra que em uma dada formulação linguística, como esta do voto, o
que pode ser percebido são outros sentidos que, na formulação apresentada, revelam uma
experiência política do nosso país. As pessoas, geralmente, ainda têm medo de votar e
não exercem esse direito livremente, como comprovam experiências do passado, pelas
quais muitas pessoas foram reprimidas e não puderam manifestar suas ideias.
(ORLANDI, 2010, p. 31)
Esse saber discursivo faz com que o indivíduo construa certos enunciados que
revelam marcas sociais, históricas e ideológicas. Outro exemplo que vai ao encontro
destes aspectos do discurso e do interdiscurso apresentados por Orlandi (2010) são os
movimentos separatistas, os quais trazem, em sua base, características discursivas que
marcam um comportamento, em geral, organizado em torno de discursos xenofóbicos e
radicais. Entretanto, nem sempre existe uma intencionalidade consciente no que se refere
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a essas manifestações discursivas. O sujeito, muitas vezes, reproduz certos discursos sem
perceber essa não neutralidade daquilo que é dito. Ao retomar os estudos de Peucheux
(1975), a autora descreve que esse esquecimento do qual estamos sujeitos pode ocorrer
de duas maneiras: no ato da enunciação, ou seja, ao falarmos de uma maneira e não de
outra, e também pela força da ideologia. No que compete a segunda forma de
esquecimento, Orlandi (2010) compreende que ela é um mecanismo produzido por nosso
inconsciente que faz com que o sujeito pense ser ele a origem daquilo que é dito, quando,
na realidade, apenas refletimos elementos discursivos pré-existentes.
Por essa razão, o livro mostra que não só a constituição sócio-histórica do sujeito
é fator determinante para revelar os discursos dos quais nos apropriamos no cotidiano.
Seja de forma consciente ou não, o próprio lugar em que o sujeito está inserido o atravessa
constantemente, determinado aquilo que pode ou não ser dito, e como deve ser dito. Um
exemplo disso é o sujeito que, a partir do lugar de professor, usa palavras de forma
diferente e que, se estivesse no lugar de aluno, as significariam de uma outra maneira.
Como nossa sociedade segue uma hierarquia e se organiza com base em relações de
poder, esses lugares de fala são considerados como uma força determinante para definir
quem pode ou não pode dizer determinadas coisas, como é o caso da relação entre
professor e aluno, na qual a fala do professor, “aparentemente”, possui mais significado
do que a do aluno (ORLANDI, 2010 p. 40).
Por isso, ao analisarmos uma dada formação discursiva (FD), é fundamental
compreender que ela é considerada como uma ramificação do interdiscurso. Nela,
podemos analisar aquilo que já foi dito, outros dizeres percebidos na materialidade do
discurso. Os sentidos construídos pelas palavras não podem ser analisados como algo pré-
determinado pelas propriedades da língua, mas pela relação do sujeito com o meio e com
outras formações discursivas que se entrecruzam na forma como o ser se comunica. Neste
sentido, entende-se que o sujeito é atravessado o tempo todo por vários discursos e que
uma FD, independente do contexto, será sempre percebida como um elemento
heterogêneo, pois traz consigo outros discursos em sua constituição.
Por esta razão, Orlandi (2010) pontua de forma clara que todo texto traz uma
historicidade, isto é, marcas do contexto em que foi produzido, elementos que revelam,
como dito anteriormente, valores sociais, ideologias, juízos de valor, apagamentos,
relações de poder, silenciamentos, que podem ser observados e analisados na
materialidade do discurso, manifesta nos textos que produzimos. Um texto só é texto
porque carrega consigo significados e o que importa para a AD não é a organização
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linguística do texto, mas a forma como ele revela a relação da língua com a história,
mostrando também as diferentes formas como o sujeito se relaciona com o mundo.
(ORLANDI, 2010, p.68-69). Por exemplo, ao dizer “lugar de criança é na escola”, o que
fica implícito não é somente o fato de que uma criança deve estar na escola, mas que, por
trás do que foi dito, subjazem várias ideias como: o Brasil ainda valoriza pouco a infância;
o direito de estudar ainda é pouco respeitado no país; muitas crianças ainda estão fora da
escola. Este enunciado revela outros saberes que podem ser percebidos na relação entre
o discurso e o interdiscurso.
Portanto, a obra mostra que a relação entre ideologia e discurso não pode ser vista
somente do ponto de vista sociológico, mas também pela forma como organizamos a
linguagem e, por ela, nos manifestamos. A ideologia não promove uma ocultação do
mundo e da realidade, mas revela uma visão de mundo, estruturada a partir de um
processo de significação. A Analise de Discurso permite que possamos compreender não
só as ideologias que nos cercam, mas o seu funcionamento dentro do próprio discurso,
ela nos proporciona uma visão mais ampla e profunda do Não Dito, é como se ela tirasse
a viseira que nos fazia olhar apenas o óbvio, e passasse a nos mostrar a verdadeira
intenção e mensagem oculta no discurso.

Referência bibliográfica

ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 9ª ed.


Pontes Editoras: Campinas, 2010.

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