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IV CEFLE
No início, Eva não queria comer a maçã.
− Come − disse a serpente − e serás como
os anjos!
− Não − respondeu Eva.
− Terás o conhecimento do Bem e do Mal −
insistiu a víbora.
− Não!
− Serás imortal.
− Não!
− Serás como Deus!
− Não, e não!
Irritadíssima, quase enfiando a maçã goela abaixo, a serpente
já estava desesperada e não sabia mais o que fazer para que
aquela mulher, de princípios tão rígidos e personalidade tão forte,
comesse a maçã. Até que teve uma ideia, já que nenhum dos
argumentos havia funcionado... Ofereceu-lhe novamente a fruta
e disse com um sorrisinho maroto:
E assim, dizem, surgiu a
− Come, boba!!! Emagrece!
argumentação...
http://wwwgestar-linguaportuguesa-leize.blogspot.com/
O QUE É RETÓRICA?
O QUE É ARGUMENTAÇÃO?
Arte, discurso e persuasão
ParaReboul (2004, p.XIV), Retórica é a “arte de
persuadir pelo discurso” enquanto toda
produção verbal, escrita ou oral.
Gêneros e domínios alcançados pela
retórica, segundo Reboul:
Disputa jurídica
Petição
Alocução política
Sermão
Folheto, cartaz de publicidade, panfleto
Fábula
Tratados teológicos, filosóficos e
científicos
Drama e romance
Poema satírico
Arte, discurso e persuasão
Quais seriam os discursos não retóricos?
Gêneros e domínios sem a pretensão de
persuadir:
Poema lírico
Tragédia sem pretensão de lição moral
Melodrama
Comédia
Romance
Contos populares
Piadas
Manual de instruções
Sentença judicial
Proibição injustificada ou ordem
Argumentação ou retórica?
Ao perseguir o convencimento, a retórica escolhe
um de meios de competência:
Se a escolha é a razão pura, usam-se os
argumentos que podem ser baseados em silogismos
/ entimemas (lógico-racionais) ou em exemplos que
são raciocínios preferíveis porque são mais afetivos
que os silogismos e afetam ao público em geral, não
especializado.
Portanto, se o discurso persuasivo for mais racional
ou técnico pode ser chamado de argumentativo,
senão, caso seja mais eclético, genérico, menos
racional e mais afetivo pode ser chamado de oratório.
A retórica também é hermenêutica
A intertextualidade e a polifonia retiram do discurso
a chance de um monólogo persuasivo.
Todo discurso opõe-se a outros discursos anteriores
ou posteriores a ele. O orador jamais está só,
enuncia ou silencia em favor ou em oposição a
outros.
Na retórica, a hermenêutica é a arte da interpretação
do discurso/texto alheio. O ser humano torna-se um
hermeneuta na infância, quando tem que interpretar
os outros que o cercam. Logo, o bom orador é um
cartógrafo dos discursos e argumentos que
tangenciam (pró ou contra) a sua própria retórica.
A retórica também é heurística
No mundo da vida, a ciência não é capaz de fazer
previsões assertivas sobre o futuro. O caos
existencial é aleatório e só comporta certa
previsibilidade probabilística.
O orador nunca está só. O professor confronta
outro, o eleitor confronta outro e assim, o papel
da retórica é iluminar o caminho, na falta de
evidência, sobre quem deve dar a palavra final,
sobre qual o caminho deve ser trilhado.
Esta é a terceira função da retórica: descobrir,
antecipar, contribuir para a tomada de decisões
sem o uso da violência.
Retórica: pedagogia transdisciplinar
A visão até aqui apresentada deve-se à
contribuição de Olivier Reboul (2004) e é de
extrema vanguarda nos estudos clássicos da
retórica.
Habitualmente, como abordaremos doravante,
a retórica é estudada em relação à função
persuasiva.
A heurística costuma ser abordada nos
estudos da dialética.
A hermenêutica tende a ser tratada nos
estudos gramáticos.
1
PERCURSO HISTÓRICO:
DAS ORIGENS AOS DIAS ATUAIS
Retórica
Significação fundamental → “arte de
falar”, instrumento de construção do
discurso como arte política e técnica de
educação, artisticamente ornamentado
Significação moderna:
→arte de persuadir (levar a crer) pelo
discurso
→teoria do discurso persuasivo
→estudo de possibilidades e recursos com
vistas à persuasão (aceitação) e a seus
efeitos
Não há como se pensar em retórica
sem o seu papel no nascimento e
maturação da democracia e da
liberdade cidadã, via Direito, ao debate
público, características da organização
política do mundo grego.
1.1
O ADVENTO DA RETÓRICA
1.1.1Retórica grega
“Invenção grega”?
Popular/oral: habilidade de
técnica defender qualquer causa e
tese.
Retórica
Ensino como uma reflexão
teoria com vistas à compreensão.
Mais elitizada.
Clareza
Correção gramatical
Ritmo
Uso de metáforas
Partes do discurso
Exórdio:
Narração:
Demonstração:
Peroração:
Questões de estilo e discurso:
ENTIMEMA
Premissa maior
Todas as portas se abrem, todos os corações batem
diante de uma mãe que só pede a verdade para que
suas crianças possam viver
https://blogreflexoes.wixsite.com/reflexoes/single-post/2015/08/03/n%C3%A3o-cometer%C3%A1s-nenhuma-dessas-24-
fal%C3%A1cias-l%C3%B3gicas
Paralogismos Frequentes
de Copi e Burgess-Jackson (1992, p.99-162)
Equívoco: Apoia-se em uma ambiguidade. “O poder tende a
corromper” (premissa maior). “O saber é um poder” (premissa
menor). Portanto, “o saber tende a corromper” (conclusão).
Círculo vicioso: apresenta a conclusão como se fosse uma
premissa. Seria o argumento proposto a um ateu. “Deus existe
porque a Bíblia o afirma, e deve-se acreditar na Bíblia porque é
a palavra de Deus.”.
Questão complexa: contém pressupostos que já apresentam
uma conclusão. “Quando você decidiu matar sua mulher?”.
Falsa dicotomia: ou...ou. “É preciso aumentar os impostos ou
baixa-los.” Na verdade os impostos não precisariam ser
modificados. A dicotomia foi criada artificialmente pela falácia
argumentativa.
Paralogismos Frequentes
de Copi e Burgess-Jackson (1992, p.99-162)
Não pertinência: consiste em distrair o auditório para afastá-lo
do ponto discutido.
Espantalho: ataca-se o adversário acerca de um argumento
sobre o qual não se tem o conhecimento adequado.
Divisão: transfere-se uma propriedade exclusiva do todo a um
elemento unitário quando isso não é possível. “Meu carro é
pesado, portanto cada uma das peças que o compõem é
pesada.”. “Cada membro da equipe é um bom jogador, portanto
a equipe é boa.”.
Generalização abusiva.
Falsa causalidade: post hoc ergo propter hoc.
Descida escorregadia: “Se permitimo a um jovem fumar,
permitiremos sair tarde, beber e não se levantar para trabalhar.”.
Se A, então B e C poderiam ser deduzidos.
Paralogismos Frequentes
de Copi e Burgess-Jackson (1992, p.99-162)
Falácias ad hominem: atacam o homem
Falácias ad veredictum: apelo ao argumento de
autoridade ou respeito que se tem por uma pessoa
importante para endossar o argumento.
Falácias ad ignorantium: argumenta-se que a coisa é
verdadeira por não ter sido demonstrada sua falsidade.
Falácias ad populum: apela-se a multidão (sentimento e
apoio das massas) para validar um argumento insólito.
Falácias ad misericordiam: apelo à piedade, à
compaixão do alocutário.
Falácias ad baculum: argumento sustentado pela
ameaça ou possibilidade de violência.
argumentum ad hominem
https://www.youtube.com/watch?v=rouzWOcXo-w
Ainda para Aristóteles, a
essência da retórica é a ARTE
DA CONTROVÉRSIA.
Testemunhos
Não técnicas
Contratos
Confissões
sob tortura
Provas
Argumentativas
Entimema
Logos
Exemplo
Técnicas Ethos
Pathos
Partes da retórica
A invenção: descoberta e concepção dos argumentos
(topoi argumentativos) mais apropriados à tese que se
quer defender.
A disposição: determinação da forma como os
argumentos devem estar ordenados no discurso
(exórdio, narração, confirmação ou prova, refutação e
peroração ou epílogo).
A elocução: redação e estilo do discurso (simples,
médio e elevado) centrados em duas questões
essenciais: clareza de expressão e ornamento.
A memória: os longos discursos exigiam memorização,
que é considerada, por uns, como técnica e, por outros,
como aptidão.
A ação: pronunciação efetiva do discurso.
PREMISSAS E PROVAS
CORRELATIVAS
1.1.2 A retórica latina
Período latino
“[...] o que poderia ser mais régio, mais liberal, mais nobre do
que a arte retórica, a arte que nos faculta conceder súplicas,
animar os aflitos, garantir a segurança, libertar as pessoas do
perigo e mantê-las em estado civilizado?”
(CÍCERO apud PINTO, 2006, p. 94)
Grandes oradores romanos que
escreveram obras sobre retórica
Idade moderna
http://www.infoescola.com/filosofos/rene-descartes/
Condenação da retórica: anteparo artificial entre o
espírito e a verdade.
Declínio da retórica: tendência agravada pelo
predomínio do pensamento cartesiano-positivista na
filosofia e na ciência moderna.
Retórica: rejeitada pelo positivismo, em nome da
verdade científica; pelo romantismo, em nome da
sinceridade; pelo racionalismo, em nome das “noções
claras e distintas”.
Descartes, Pascal, Leibniz, Bacon, Vico
Para os racionalistas, as verdades são tão evidentes e
claras que não há necessidade de se perder tempo com
argumentos, destinados a convencer o interlocutor de
"nossas" verdades, especialmente o juiz.
1885: desaparecimento da retórica no ensino francês.
1.2 A retórica moderna /
contemporânea
Reabilitação da retórica
A NOVA RETÓRICA
Movimento da “nova
retórica” (heterogêneo)
(Final dos anos 1950 e início da década de 1960)
Particular Universal
Variedade infinita Constituído por todos
aqueles que são capazes
Constituído por um único de seguir uma
indivíduo ou um grupo argumentação
restrito de pessoas O acordo determina o que
é verdade objetiva
Quase lógicos
Fundados na
Argumentos estrutura do
real
Fundam a
estrutura do
real
2 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Funções da retórica:
(MOSCA, 2004, p. 49-51)
• suscitar o comentário, a discussão e, portanto, a argumentação;
• inocular a dúvida, levando à reflexão crítica;
• conhecer os modos de organização retórica dos gêneros em
determinada cultura;
• examinar criticamente a argumentação e os apelos do interlocutor, suas
propostas e contrapropostas, explicações e justificativas;
• enriquecer a visão de mundo pela diversidade de confrontos e colaborar
para a construção de um pluralismo fundamentado numa lógica dos
valores;
• estabelecer o diálogo na busca do verossímil (valor heurístico);
• estruturar, por meio da argumentação, toda troca comunicativa;
• levar ao posicionamento diante das situações de conflito e,
consequentemente, à tomada de decisões e à busca de soluções.
“A retórica em si mesma é neutra, podendo ser
mal ou bem usada. A única forma de alertar para
o potencial lesivo da retórica e evitar que ela
cause danos às pessoas é levar ao conhecimento
do maior número de pessoas as técnicas
argumentativas e esperar que, com isso, sejam
evitados os efeitos nefastos que a retórica pode
causar e de cujos exemplos a História está
cheia.”
(PACHECO, 1997)
Referências
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ARISTÓTELES. Retórica. [Livro digital]. São Paulo: Edipro, 2019.
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CÍCERO, Marcus Tullius. Retórica a Herênio. São Paulo: Editora Hedra, 2005.
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