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Como escrever certo: Literatura e a

Norma Culta
REDAÇÃO  1 DE AGOSTO DE 2018 6 COMENTÁRIOS  TUTORIAIS


 


 


 


Saber como escrever certo é uma preocupação comum entre
escritores, mas qual o verdadeiro papel da gramática na literatura?
Para publicar livro, é necessário escrevê-lo todo em “bom
português”? Não existe uma resposta simples para essas perguntas.

O objetivo das regras gramaticais é organizar um padrão na


linguagem, para que as pessoas falem de maneira semelhante e
possam se compreender. Esse idioma padrão é a norma culta da
língua portuguesa. Isto é, “o português correto”, que segue regras
gramaticais e ortográficas.

O português que falamos todos os dias é muito diferente dessa norma.


Em cada lugar do Brasil, as pessoas têm sotaques diversos,
estruturam suas frases de maneira única e quase sempre quebram
essas regras. É comum chamar de “erro” aquilo que se destoa do
nosso jeito de se expressar, mas não há uma pessoa que siga essas
regras a todo momento.

Por exemplo, a estrutura “nós vai” é vista como um erro. Não há


concordância entre o sujeito, que está na primeira pessoa do plural, e
o verbo, que está conjugado na terceira pessoa do singular.

Contudo, a frase “Vem pra Caixa você também”, slogan da Caixa


Econômica Federal, também não apresenta concordância e é aceita
pelo público. O gramaticalmente correto seria “Venha para a Caixa
você também”, mas o banco optou por utilizar uma estrutura mais
comum, que o aproxima do seu consumidor, o “povão”.

O que observamos  no slogan da Caixa Econômica Federal é uma


licença poética. Segundo Marjorie Perloff, crítica e estudiosa de
poesia:

A licença poética é a liberdade concedida a um artista, não


necessariamente um poeta, para se expressar criativamente, sem
obediência rígida a um cânone, a uma gramática, a um código ou a
um modelo convencional de escrita.

No caso de um slogan, o “artista” é um publicitário. De uma maneira


ou de outra, o objetivo da licença poética é conceder ao locutor a
liberdade para melhor se expressar, de maneira que ele consiga
transmitir com perfeição a mensagem desejada ao público-alvo.

Na poesia, a licença poética muitas vezes se mostra de maneira


óbvia, como um jogo de palavras que não pertence nem à norma
culta, nem ao português falado pelo povo. É o caso do primeiro verso
do poema “Indivisíveis”, de Mário Quintana:

“O meu primeiro amor sentávamos numa pedra”

Sendo o sujeito “o meu primeiro amor”, a conjugação correta do verbo


seria “sentava”. No entanto, o poeta queria transmitir a ideia de união
inseparável entre o eu lírico e seu primeiro amor. Logo, o eu lírico se
inclui implicitamente no sujeito.

Na narrativa, por outro lado, o mais comum é encontrar licenças


poéticas que visam aproximar o livro do seu leitor, assim como no
slogan da Caixa Econômica Federal, e regionalismos, isto é, escrever
o texto no dialeto de uma região específica.

Tendo em vista o papel da licença poética na literatura, onde se


encaixa a norma culta e suas regras? Até onde um autor
independente precisa se preocupar com as regras gramaticais na
hora de editar seu próprio livro para autopublicação?

A importância de “escrever certo” na literatura


Quando escrevemos de acordo com a norma culta, estamos nos
comunicando com o público na linguagem padrão do país. Esse
padrão existe para facilitar a compreensão, pois minimiza as
diferenças na maneira que cada um tem de se expressar.

Um ótimo exemplo de como a gramática pode nos ajudar a interpretar


um texto de maneira adequada é pelo uso das vírgulas. Embora exista
a concepção errada de que a função da vírgula é determinar as
pausas em nossa fala, o verdadeiro objetivo da vírgula é organizar as
orações dentro de uma frase. Quando você muda uma vírgula de
lugar, todo o significado é alterado. Observe a diferença entre os
seguintes pares de frases:

1. Luana, a diretora da escola, ligou.


2. Luana, a diretora da escola ligou.

Ambas as frases estão corretas, mas transmitem informações


diferentes. Na frase 1, “Luana” é o sujeito da oração. Ela é a diretora
da escola e fez uma ligação. Na frase 2, por sua vez, “Luana” é um
vocativo. O interlocutor está avisando à Luana que a diretora da
escola ligou.

1. Vou ali comer gente.


2. Vou ali comer, gente.

Podemos observar uma alteração de significado da mesma natureza


nesse par de frases. Na frase 1, observamos um caso de canibalismo.
Na frase 2, o interlocutor está avisando que vai fazer uma refeição às
pessoas.

De maneira geral, é recomendado seguir a norma culta ao escrever


e publicar ebook para que o seu texto seja de fácil compreensão
para o maior público possível. Contudo, é aceitável desviar da norma
quando a estrutura desviante é mais utilizada pelo público-alvo do que
a recomendada pelas gramáticas (Ex.: “Vem pra Caixa você também”)
e quando o desvio cumpre uma função específica no seu texto (Ex.:
uso de regionalismo em diálogos).

Apesar de existirem situações onde desviar da norma culta seja


adequado, é fundamental aprender como escrever certo se você
deseja se comunicar de maneira precisa e eficiente com seus leitores.
Para se tornar um mestre das letras, você deve buscar ser fluente em
todas as formas de se falar português. É um projeto ambicioso, mas
que concederá a você as ferramentas necessárias para jogar com as
palavras com maestria.

Quero aprender como escrever certo. O que eu


faço?
Muito bem. Você quer dominar a norma culta da língua portuguesa e
“escrever certo”. O primeiro conselho, e mais comum, é ler muitos
textos que seguem a norma culta. Quanto mais contato você tiver com
a língua, mais você poderá internalizá-la. Contudo, isso não é o
suficiente.

É preciso ter senso crítico e sede de conhecimento para sempre


analisar seus erros e tentar melhorar. Por exemplo, a maioria das
pessoas não sabe como escrever certo usando crases. Aqui vão
algumas dicas para não errar mais:

A crase é a junção da preposição “a” com o artigo feminino “a”. Em


vez de falar “a” duas vezes seguidas, juntamos os dois em uma
palavra só. Por isso, uma das ocasiões em que usamos a crase é
quando o verbo da oração exige a preposição “a” e, em seguida, há
um artigo com substantivo “a”. Por exemplo:

João levou sua irmã à escola.


Uma maneira simples de conferir se a frase leva crase é substituindo o
substantivo feminino por um masculino, que é antecedido pelo artigo
“o”. Observe:

João levou sua irmã ao shopping.

Como você pode observar, a junção da preposição “a” com o artigo “o”
é “ao”. Quando você realizar essa substituição e encontrar um “ao”, é
sinal de que a frase original, com substantivo feminino, leva crase.

Esse é apenas um exemplo de erro gramatical comum. Existem


incontáveis possibilidades que não cabem em apenas um artigo. O
melhor caminho é realizar uma correção ortográfica em seus textos,
observar quais erros você cometeu e, em seguida, pesquisar as
regras gramaticais referentes. Só assim você aprenderá como
escrever certo.

Lembre-se sempre de que a leitura do seu texto deve ser simples,


acima de tudo. Até mesmo Stephen King, considerado um gênio da
literatura, acredita que estabelecer uma comunicação fluente e eficaz
é mais importante do que seguir as regras gramaticais estritamente.

Escreva no português que seus leitores entendem. Brinque com as


palavras em sua poesia. Use regionalismos em seus diálogos. Seja
sincero na maneira de se expressar. E siga a norma culta quando isso
for ajudar na compreensão.

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