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Copyright© 2023 Gabby Santos

Todos os direitos reservados


Criado no Brasil
Capa: Katy Branco
Revisão: Jaque Brito
Ilustrações: Aika Ilustra e Ursula Gomes

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com datas, locais,


nomes e acontecimentos reais são mera coincidência. É proibido o
armazenamento e/ou reprodução total ou parcial de qualquer parte desta
obra, através de quaisquer meios sem o consentimento por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei Nº 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do código penal.
Sumário
NOTA DA AUTORA
SINOPSE
PLAYLIST
GLOSÁRIO DE TERMOS
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
EPÍLOGO
SOBRE O PROJETO
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
Dedico a mim, que cansada de me foder na vida, decidi foder com o
psicológico de vocês. Boa leitura.
NOTA DA AUTORA
Este livro faz parte de um universo de máfia, desta forma traz
elementos que podem causar desconforto em leitores mais sensíveis. Não é
um DARK ROMANCE extremamente pesado, mas o classifico como Dark.
ALERTA DE GATILHOS:
- Violência física e psicológica.
-Tortura.
- Assassinatos.
- Menção a estupro.
- Presença de drogas licitas e ilícitas.
SINOPSE
Perseu Lykaios é um jovem policial devastado pela corrupção que
assola seu próprio departamento. Marcado pela dor da perda, ele embarca
em um caminho de autodestruição. Enquanto se afunda cada vez mais em
um mundo obscuro do qual jamais imaginou um dia fazer parte, começa a
perceber uma gaiola se formando em volta de si, ela não é feita de ouro, é
feita de sombras.
No caminho por respostas, a justiça foi largada ao chão, e a vingança se
tornou um objetivo. No entanto, Perseu era um pequeno “passarinho” que
cruzou o caminho de um homem conhecido como a própria escuridão: O
sombra.
Stephanos Peraskevas é o atual chefe da máfia Aderfia, um
criminoso, uma lenda, um fantasma escondido no escuro com o propósito de
lutar apenas pelos seus interesses. Ele não sente, não ama, não acolhe e não
perdoa.
Acostumado a ter tudo o que quer, suas mãos estão ansiosas para
envolver e aprisionar um bonito passarinho.
É um jogo, uma guerra, uma luta sem vencedores no final.
Dois homens quebrados à sua própria maneira.
Dois insanos dispostos a qualquer coisa pelo que desejam.
Não existe escapatória para o passarinho.
Como usar a escuridão para se esconder quando as próprias “sombras”
o perseguem?
Não existe fuga para o mafioso.
Como entender que de caçador, você pode virar a caça?
PLAYLIST
- Believer – Imagine Dragons.
- Birds – Imagine Dragons.
- Don’t stop believin’ – Journey.
- Dear God – Avenged sevenfold.
- City of angels – Thirty seconds to mars.
- Bed of roses – Bon Jovi.
- Alone – Heart.
- The Flame – Cheap Trick.
- Monster – Imagine Dragons.
Para ouvir a Playlist completa, basta apontar a câmera do seu
celular para o código abaixo:
GLOSÁRIO DE TERMOS
ADERFIA: O nome que recebe esse grupo mafioso em específico. É
uma poderosa máfia que controla todo o submundo do estado de Nova
Iorque, e até alguns pontos fora dele.
OBS: Neste livro os mafiosos da Aderfia, em sua grande maioria,
começando pelo cabeça da organização, são gregos. Por conta disso, os
termos usados serão em grego ou português para distinguir do mais usado:
italiano.
Nesta máfia os cargos de poder são:
Igétis: Significa líder em grego. Sendo este o termo utilizado para se
referir ao Don (termo mais usado em livros de máfia.)
Conselheiro: Segundo em comando, o homem de confiança do Igétis,
podendo assumir a liderança da máfia na ausência dele.
Chefes: Devido a influência da máfia existem chefes espalhados em
diversas regiões, liderando os soldados e ficando à frente dos negócios, que
são reportados diretamente ao Igétis.
Soldados: São os responsáveis por todo tipo de trabalho sujo, estão na
base da pirâmide. Devem obediência e lealdade aos seus superiores. Podem
desenvolver trabalhos desde a manutenção das residências até assassinatos,
etc.
Executor: O cobrador de dívidas, o carrasco. Uma pessoa fria e
determinada que fica à frente de situações como torturas e interrogatórios.
Este “cargo” em específico não pode ser transferido de um familiar para
outro, ele precisa ser conquistado. Um executor precisa ter as qualidades
necessárias para o trabalho.
Associados: Qualquer aliado que trabalhe junto a máfia, mas não faça
parte dela oficialmente. Eles podem ser políticos, empresários, matadores de
aluguel, etc.
Estações, elas vão mudar
A vida vai fazer você crescer
A morte pode te deixar duro, duro, duro
Tudo é temporário
Tudo vai passar
O amor nunca morrerá, morrerá, morrerá
Eu sei que
Pássaros voam em direções diferentes.
- Birds, Imagine Dragons.
PRÓLOGO

Sempre soube que não deveria me apegar as coisas ou pessoas, tudo é


tão passageiro. Crescer em lares temporários te ensina esse tipo de lição,
você aprende que nada é realmente seu, “temporário” isso se aplica a tudo,
os irmãos que você encontra pelo caminho, a cama onde dorme, a comida
que te dão, os “pais”. Deve ter sido por isso que eu sempre estivesse tão
propenso a arrumar as malas e partir sempre que fosse necessário.
Só houve uma vez que cometi o erro de me apegar, deixei que os
sorrisos carinhosos, as palavras amorosas e os abraços acolhedores me
fizessem acreditar que tinha encontrado algo meu, e não estou falando
apenas do trabalho que tanto lutei para conquistar na força policial de Staten
Ville, a pequena cidade localizada ao sul de Nova Iorque.
Pela primeira vez na vida sentia que tinha encontrado o meu lugar, eu
gostava do trabalho, estava ganhando respeito em um lugar onde eu era bem
mais do que a cor da minha pele, fui aceito pela comunidade, pelos colegas
de trabalho. O xerife tinha me chamado em sua sala poucas semanas antes
para me falar de uma promoção que tinha meu nome nela, palavras dele, eu
só precisava continuar com o bom trabalho por mais alguns meses.
De certa forma foi minha culpa, não consigo parar de pensar dessa
forma. Tinha que ser responsabilidade minha ignorar anos de aprendizado
duro, acreditar nos sorrisos bem treinados e nos tapinhas nas costas. Era bom
demais para ser verdade.
— Você devia ir jantar lá em casa esta noite, Julie está com saudades do
tio favorito dela — disse Ducan Ropkins, meu parceiro e melhor amigo
desde que eu entrei na força policial de Staten Ville.
Ele era três anos mais velho do que eu, tinha completado vinte e nove
anos no começo daquele mesmo mês. Ainda assim se considerava um tipo
de “irmão mais velho”. Ele tinha vindo do sistema de adoção, e assim como
eu jamais foi adotado.
Quando nos conhecemos éramos dois entre os poucos policiais negros
da cidade, pouco depois compartilharmos de nossas vivências e rapidamente
nos tornamos amigos. Eu era uma pessoa calejada, apesar da pouca idade,
mas Ducan era insistente o suficiente para quebrar minhas barreiras aos
poucos. Boa parte disso se devia a sua esposa, Sarah e a pequena filha do
casal, Julie. A garotinha tinha completado cinco anos pouco tempo atrás, era
como uma verdadeira sobrinha para mim. Eu a amava.
— Estou cansado, quero me jogar na cama e dormir durante todo o
feriado.
Penso que tenha sido isso que respondi a sua pergunta sobre jantar na
casa dele. Estava cansado depois de um turno exaustivo em uma sexta-feira
antes de um feriado prolongado. Tinha sorte de poder tirar um dia de folga
no sábado. Apesar de não lembrar bem sobre as palavras que trocamos nesse
momento, enquanto Ducan dirigia a viatura em direção a minha casa, onde
me deixaria antes de seguir para a sua casa, de uma coisa nunca vou
esquecer. Ele ligou para casa e Julie atendeu com sua costumeira voz
animada e inocente. O idiota sabia que eu não negava nada a minha
garotinha.
— Papai!
— Oi, bebê, o papai precisa da sua ajuda para que você convença o tio
Perseu a ir jantar com a gente esta noite.
Revirei os olhos diante de sua cara de triunfo, mas sorri quando Julie
falou:
— Tio Perseu! Eu estou com saudades, tio, o senhor não quer me ver?
Onde ela estava aprendendo essas coisas?
Ducan ao meu lado ria como um idiota.
— É claro que eu quero ver a minha garotinha.
— Ele vem para o jantar, papai! — disse Julie com uma voz de triunfo,
Ducan riu ainda mais.
— Vocês dois estão contra mim — resmunguei.
Os dois riram e minha indignação se foi na mesma hora.
Queria lembrar com tanta clareza o que conversamos depois disso. Sei
que Julie queria me mostrar alguma coisa que ela tinha feito na escola aquele
dia. Ela tagarelou sem parar, me distrai em algum momento, apenas
resmungando respostas curtas entre sorrisos involuntários. Não podia
imaginar que passaria tanto tempo revisitando aquela conversa tão simples e
cotidiana. Sei que não tinha como adivinhar o que viria depois.
— Vou dormir um pouco e apareço lá antes do jantar — eu disse ao sair
do carro na frente do prédio de apartamentos baratos onde eu morava.
Lembro da expressão cética no rosto de Ducan quando ele se curvou em
direção a janela do carro e apontou para mim.
— Não vá furar essa.
— Você é quem anda cheio de segredos! — retruquei.
Meu parceiro sempre tinha sido um livro aberto até pouco tempo antes
quando começou a esconder coisas de mim, no início pensei se tratar de algo
relacionado ao seu casamento, por isso não insisti, mas agora penso que é
bem maior e obscuro. Insisto para que Ducan me deixe ajudar, seja lá no que
ele tenha se metido, mas o homem sempre nega dizendo que está tudo bem.
Pensei que ele faria exatamente isso quando um suspiro deixa seus lábios, o
olhar cansado e as olheiras embaixo dos olhos foi algo que não pude deixar
de notar.
— É perigoso.
Me curvei em direção a janela do carro.
— Por isso mesmo precisa me deixar ajudar, eu não sou um moleque,
sou seu parceiro!
Ele me encarou por mais de um minuto antes de assentir.
— Venha jantar esta noite e eu te conto tudo o que descobri até o
momento.
Vi a viatura partir, desaparecendo ao virar da esquina. Tinha um
sentimento incomodo no peito, mas também deixei isso de lado quando me
arrastei em direção as escadas do prédio. Tentava me convencer de que tudo
ficaria bem, iria arrancar a verdade dele ainda aquela noite. Foi com esse
pensamento em mente que entrei em casa, tomei um banho e caí na cama.
A próxima vez que abri os olhos passava das oito da noite, xinguei alto
e saltei da cama. Apenas vesti uma roupa antes de partir em direção a casa
de Ducan e Sarah, estranhando que mesmo atrasado para o jantar não tivesse
uma série de ligações e mensagens.
— Ele quer tanto assim continuar escondendo coisas de mim? — me
questionei a caminho dos subúrbios onde o casal morava. Meu carro velho
estava nas últimas, vivia dando problema, mas naquela noite ele não deu
trabalho nem para ligar, cheguei na casa do meu parceiro em menos de vinte
minutos.
As luzes estavam acesas e do gramado da frente pude sentir o cheiro de
carne. Sarah era uma cozinheira maravilhosa, um enorme sorriso tomou
conta do meu rosto ao pensar nisso. Saltei os degraus da frente e bati na
porta, devo ter continuado a bater por mais de dois minutos até me irritar.
— Eu sei que estou atrasado, mas precisa me deixar esperando do lado
de fora? — gritei, batendo na porta com mais força. Foi nessa hora que virei
a maçaneta e a encontrei aberta. Até esse momento nada tinha ativado meus
alertas, eu entrei na casa tranquilamente, apesar de estar irritado por ter sido
deixado esperando do lado de fora.
As coisas que aconteceram depois disso, o que eu vi ao passar por
aquela porta, isso é algo que ficou marcado de tal forma em minha mente
que poderia facilmente fechar os olhos e estaria de volta aquela casa,
naquela noite.
O cheiro de carne assada tomava conta do lugar, a televisão estava
ligada e passava algum desenho infantil que Julie gostava, seus brinquedos
estavam espalhados pela sala marcando sua presença. Isso deve ter sido a
única coisa normal no local. A primeira coisa que me fez entrar em alerta e
procurar a arma no coldre em minha cintura foi o abajur quebrado.
Infelizmente não estava de serviço e deixei a arma em casa, foi um erro,
confiei que estaria seguro na casa do meu parceiro, ele próprio mantinha
armas na casa.
Agarrei a primeira coisa que vi pela frente, um peso de papel, e
comecei a andar pela casa. Na cozinha havia alguns alimentos jogados pelo
chão, como se Sarah tivesse sido surpreendida enquanto preparava o jantar.
Fora isso tudo estava impecável. O meu coração batia com força no peito a
cada novo passo que dei, andando em direção ao corredor dos quartos,
torcendo para que tivesse sido um assalto e que eu encontrasse Ducan e sua
família presos em um dos quartos.
Nós iriamos procurar os responsáveis e mostrar que ninguém poderia
ter tanta confiança, ou estupidez, para assaltar um policial de Staten Ville.
Era nisso que tentava me convencer enquanto andava até o quarto principal.
A porta estava fechada, segurei a maçaneta com as mãos trêmulas, não sei
dizer se naquele momento eu senti cheiro de sangue, mas se pensar hoje
naquele momento exato, juro que ainda sinto o cheiro forte que embrulha
meu estômago e me faz querer vomitar.
Empurrei a porta entreaberta e senti minhas pernas falharem, caí com as
costas batendo na porta de madeira que tinha acabado de abrir. Escutei o
peso de papel bater no chão e se quebrar com um estalo alto, isso não me fez
reagir. Depois de estar presente em diversas cenas de crime, muitas delas
com homicídios, nada me preparou para o horror que encontrei naquele
quarto.
Tinha tanto sangue que era difícil dizer que aquelas pessoas um dia
tinham sido os humanos mais felizes e iluminados que já conheci. Ducan
estava amarrado em uma cadeira posicionada em frente a cama do casal,
tinha um buraco sangrento no meio do rosto. O ferimento o desfigurou o
suficiente para que eu só o reconhecesse pelo corte de cabelo em estilo
militar e a grossa aliança dourada no dedo anelar. Ao direcionar o olhar para
a cama, eu soube o que tinham feito ele assistir antes de ser morto, Sarah
estava deitada atravessada na cama, nua da cintura para baixo. A mão com a
aliança pendia para fora da cama, os olhos mortos me encaravam junto ao
buraco de bala em sua testa.
Me afastei para longe, me arrastando pelo chão porque não tinha força
nas pernas para me levantar. Vomitei no corredor mesmo, apenas água saía já
que eu não comia nada há horas. Todo o meu corpo tremia quando me
segurei nas paredes e fui até o quarto de Julie.
O meu bebê.
Empurrei a porta com um estrondo, implorando para quem quer que
pudesse me ouvir intercedesse por mim.
“Por favor, por favor, o meu bebê não!”
Eu a vi deitada na cama quando passei pela porta aberta, ela estava
coberta por seu lençol amarelo, o ursinho marrom fortemente preso entre
seus bracinhos finos. Ela parecia um anjinho dormindo pacificamente.
— Ah! — o grito de dor e devastação deixou os meus lábios quando caí
de joelhos ao lado de sua cama. O buraco de bala entre seus olhos me dizia
que eu jamais veria aquele sorriso que iluminou o meu mundo e me fez
acreditar que eu tinha encontrado um lar.
Aquelas pessoas me receberam quando eu não tinha nada, eu aprendi a
criar raízes com eles. Ducan não tinha tido uma família, ele conhecia a
minha dor e me presentou com anos compartilhados ao lado da família que
ele construiu.
Eu não fui amado sequer pelas pessoas que compartilham meu DNA,
mas aquela família, aquelas três pessoas maravilhosas conquistaram meu
coração. Me deram amor e me deixaram amá-los. Jamais recebi algo tão
precioso, e desconfio que não vou receber novamente.
Chorei ao lado de seus corpos, implorei a Deus para trazê-los de volta,
pedi por um milagre que nunca veio. E quando percebi isso, me arrastei em
busca de ajuda, acreditei que tinha a quem recorrer. Minhas barreiras
estavam destruídas, eu confiei cegamente nos homens e mulheres que
trabalhavam ao meu lado dia após dia. Todos iriam querer justiça por Ducan
e sua família. Algo diferente disso era impensado.
Lembro claramente dos primeiros policiais a chegarem na casa, as
expressões deles estão gravadas na minha mente. Ainda sinto o toque firme
de Edmundo Clifford em meu ombro. O homem me consolou enquanto eu
chorei desolado, sentado nos degraus da frente da casa. Seu parceiro, Jacob
Vitale foi quem entrou na casa, averiguou tudo e fechou a cena do crime.
Depois deles muitos vieram com palavras de consolo que jamais
tocaram meu coração. Lembro de todos aqueles rostos no velório que parou
a cidade. Muitos chegaram a levar flores e confortar os pais e irmãos de
Sarah que estavam chocados com tanta barbaridade. Naquele mesmo dia
prometi a eles que não descansaria até o dia em que encontrasse os
responsáveis. Meus dias depois disso se resumiram a dar tudo de mim na
tarefa de cumprir com a minha palavra. Ainda estava certo de que meus
colegas me apoiariam.
— O caso é de Edmundo e Vitale, Perseu. Você tem que se afastar! —
disse o xerife algumas semanas depois, foi um pouco antes de ele promover
outro policial para a promoção que supostamente tinha o meu nome nela.
Deixei isso de lado, por mais que começasse a me ressentir com as
viradas de rosto dos meus colegas e o descaso do xerife. Levei tantos meses
para perceber algo que eles já sabiam. Ducan percebeu antes de mim que não
poderia contar com um xerife que tinha o “rabo preso” com os poderosos da
cidade, tampouco poderia confiar cegamente em nossos colegas.
Meu parceiro era um homem íntegro demais para aceitar injustiças, ele
jamais ficaria calado diante de uma situação errada. Ele esbarrou em algo
grande demais, contudo, não pode fechar os olhos e deixar que aqueles que
deveriam proteger as pessoas da cidade fossem quem cometessem os piores
crimes.
A delegacia do xerife de Staten Ville estava soterrada em corrupção,
tráfico de drogas, subornos, isso era apenas aponta do iceberg. Ducan tinha
descoberto algo bem maior e mais obscuro que pequenos traficantes locais
subornando policiais corruptos. E ao final das minhas investigações consegui
diversos resultados:
1 – Edmundo e Vitale estavam enterrados até o pescoço nos
acontecimentos daquela noite, eu não duvidava que os dois malditos
estivessem na casa e tivessem participado de tudo.
2 – Não fui o único a perceber tal coisa, mas era o único disposto a
seguir em frente e partir para cima deles.
3 – Para os meus colegas e o xerife, eu era a pedra no sapato, a pessoa
que tentava desenterrar algo que todos queriam bem enterrado. Mesmo os
que não tinham envolvimento direto preferiam ficar calados e proteger a si
mesmos.
Vocês acreditariam se eu disse que Edmundo e Vitale ganharam uma
festa de despedida no dia em que deixaram Staten Ville em busca de uma
oportunidade melhor de emprego em Nova Iorque? Pois bem, se isso é
difícil de acreditar, então acreditem que eu fui demitido nessa mesma
semana. Segundo o xerife a morte do meu parceiro mexeu demais comigo e
eu precisava procurar ajuda antes de pensar em voltar a ser um bom policial.
Sinto lhes dizer que minha saída foi acompanhada de suspiros de alívio
por parte dos meus colegas, dessa vez não teve bolo ou tapinhas nas costas.
Um ano, tinha se passado, um ano! As lembranças daquela noite
horrorosa ainda me acompanhavam em forma de pesadelos mesmo quando
eu estava de olhos abertos. Eu bem sabia quem eram os responsáveis, eles se
colocaram ao lado da lei, senão, por cima dela.
Cabia a mim fazer alguma coisa, eu devia isso as únicas pessoas que me
ensinaram o significado de ser amado por uma família.
No dia em que deixei Staten Ville para trás, e segui rumo a Nova
Iorque, reafirmei a promessa que fiz quando eles foram mortos, a mesma
promessa que fiz a mãe de Sarah durante o velório. Eu faria os responsáveis
pagarem, mesmo que para isso tivesse que quebrar o juramente que fiz
quando vesti meu uniforme pela primeira vez.
Os mocinhos falharam comigo, então eu me voltei para os vilões.
Se a justiça era inalcançável, eu venderia minha alma em busca de
vingança!
CAPÍTULO 1

A cidade de Nova Iorque estava um caos, eu estava trabalhando como


oficial de polícia, andava fardado fazendo rondas pelas ruas da cidade, nada
glamuroso o suficiente para estar na primeira página dos jornais ou de frente
para a ação. Tinha ficado com as ruas mais periféricas, onde a violência e o
descaso público podiam ser vistos a cada esquina, isso não iria me render
uma página sequer no jornal local.
Não que esse fosse o meu objetivo, preferia continuar a espreita, sem
levantar muitas suspeitas. Queria que as pessoas com quem bati de frente em
Staten Ville me esquecessem, pensassem que desisti de procurar a verdade.
Só assim conseguiria fazer Edmundo, Vitale e os malditos figurões por trás
deles pagarem pelo que fizeram com Ducan e sua família. Esse era meu
novo objetivo de vida.
— Esse lugar está pior do que o normal — reclamou Andrea voltando
para a viatura, estávamos parados em uma das ruas mais carentes da cidade.
Normalmente você encontraria prostitutas na esquina, e traficantes de drogas
circulando por entre os carros, esta noite tudo está frio e silencioso. Tem sido
assim por três dias seguidos desde que o inferno estouro em Nova Iorque.
— Olhe pelo lado bom, nosso turno está acabando — brinco.
Andrea ri, a mulher tem seus quarenta e poucos anos, é negra como eu e
está na polícia há cerca de dez anos. Ela é mãe de cinco filhos em diferentes
idades, o mais velho tem vinte anos e o mais novo apenas seis. Ela é do tipo
acolhedora, me colocou debaixo da sua asa assim que cheguei na cidade e
fui atribuído como seu novo parceiro. É difícil manter certa distância para
não ser ferido mais uma vez.
— Seu turno acabou, bonito, eu tenho muitas crianças em casa para ter
um descanso decente.
Olho para o relógio, passa das seis da noite. Temos apenas mais uma
hora de patrulha antes de encerrar esse turno.
— Você devia ir para casa, eu cuido das coisas por aqui.
Andrea me olha com ceticismo.
— Você é só um garotinho, Perseu, como pensa em lidar com as coisas
do jeito que elas estão? — Ela revira os olhos e continua falando antes que
eu possa responder. — Essa maldita guerra de gangues!
— Eles não são apenas gangues, Andrea. É uma briga de peixes
grandes, máfia contra Cartel.
Todos na cidade sabiam sobre o banho de sangue organizado pela máfia
local, a Aderfia praticamente controla Nova Iorque, os malditos mafiosos
eram lendas, quase deuses. Nenhum peixe pequeno tinha visto seus rostos e
saído com vida. Recentemente um Cartel local bateu de frente com esses
mafiosos, sabe-se lá o que estavam pensando, o resultado foi uma carnificina
louca. A população está com medo, a polícia encobrindo a situação ou com
as mãos atadas.
A homicídios está com as mãos cheias. Tenho visto aqueles malditos
Edmundo e Vitale ao lado do comissário de polícia com frequência na
televisão. Aqueles dois estão subindo rápido na hierarquia, isso me deixa
cada vez mais longe de conseguir meus objetivos, mas não posso ser
impulsivo, a essa altura sei que tem gente muito grande por trás deles, se
quero ter chance contra essas pessoas preciso começar de baixo e ganhar
poder. Não importa quanto tempo isso leve.
— Você fica falando de máfia como se não fosse grande coisa —
resmunga Andrea me tirando dos meus pensamentos. — Essa porra é grande
demais para alguém como nós, Perseu. Não pense que vou te deixar sozinho.
Teria insistido se pensasse que isso me levaria a algum lugar, pelo
menos ela me deixou lhe dar uma carona para casa quando nosso turno
terminou. Andrea me chamou para entrar e jantar, eu estava cansado e
morrendo de fome, mas recusei. Pretendia seguir um caminho cada vez mais
perigoso, não levaria pessoas inocentes comigo.
— Dirija com cuidado, garoto! — ela disse a medida em que eu me
afastava.
Minha parceira morava em uma casa modesta nos subúrbios, enquanto
eu morava em um prédio de apartamentos em um bairro decadente. Era tudo
que podia pagar por hora, o local era pequeno, barato e caindo aos pedaços.
Nem mesmo o zelador parecia ser alguém confiável, a primeira coisa que fiz
ao me mudar foi colocar trancas extras na porta, não que pensasse que isso
adiantaria de alguma coisa.
Só o fato de ser policial já me torna um alvo naquele lugar.
Meu carro também não estava no melhor estado, era um velho Honda
Civic que já tinha visto dias melhores, ainda assim doía ter que deixá-lo na
rua, pois o prédio onde estava morando não tinha garagem para os
moradores. Tenho certeza de que vários olhos estavam sobre meu carro toda
vez que eu estacionava na minha rua. Algum dia acordaria para não
encontrar sequer os pneus.
Como de costume paro meu carro no final da rua, esta se encontra cheia
de outros carros estacionados. Desço e começo a caminhar até o meu prédio,
a essa altura estou vestido em jeans e camiseta, sempre troco de roupa no
vestiário da estação quando meu turno acaba, é mais seguro tendo em vista o
local onde moro. Apesar disso mantenho minha arma sempre comigo, me
sinto inseguro o tempo todo depois do que aconteceu com Ducan.
— Este é o lugar, estou certo disso! — ouvi a voz irritada, discussões
eram bem comuns nesse bairro, por isso tentei ignorar enquanto continuava
andando em direção ao prédio amarelo com pintura desgastada.
— Essa porra vai dar muito errado! — uma segunda voz se juntou a
primeira e tive que olhar por cima do ombro. Poucos carros abaixo estava
uma dupla muito suspeita. Eles pareciam latinos, estavam nervosos, olhando
para todos os lados e falando alto demais. meus instintos entraram em alerta
na mesma hora.
O policial que existe em mim não consegue ignorar essa merda mesmo
quando parece ser a coisa mais sensata a se fazer. Estou sozinho, sem ter
como chamar reforços, meu horário de serviço terminou, mas é claro que eu
tinha que interromper meus passos e prestar mais atenção nos movimentos
dos dois homens.
Vi o momento em que um deles deu a volta no carro e abriu o porta-
malas, meus pés estavam andando apressados na direção do veículo antes
mesmo de ver uma garota saltando para fora, ela tinha as mãos amarradas
com lacres de plástico, mas havia conseguido soltar as pernas e com isso
chutou o sujeito que abriu o porta-malas. Ele caiu para trás, xingando alto.
Eu não falava espanhol, mas passei tempo suficiente em bairros periféricos
para entender que o desgraçado a chamou de puta antes de puxar uma arma e
apontar em sua direção.
Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, certamente estava me
metendo na maior loucura da minha vida, ainda assim corri enquanto
também sacava minha arma e atirava no sujeito mais próximo da jovem
mulher. Ela era pequena e pensei se tratar de uma adolescente até chegar
perto e notar que era uma mulher adulta, provavelmente da minha idade, ela
também tinha traços latinos e me encarou com espanto quando o homem
apontando uma arma para ela caiu no chão, gritando de dor e segurando o
braço.
— Polícia! — gritei.
O segundo homem sacou a arma e estava pronto para atirar, fui rápido
em disparar primeiro, acertando seu peito. Ele caiu e a arma escorregou para
debaixo do carro, me aproximei com cuidado para ter certeza de que
estavam sozinhos e não atirariam de volta.
— Você está bem? — questionei a mulher escorada na lataria do carro.
Havia verificado o pulso do segundo homem e constatei que ele estava
morto, então caminhei até o primeiro em quem atirei e peguei sua arma
enquanto ele resmungava de dor. O ferimento no braço estava sangrando
muito, ele precisava de um médico ou também morreria.
Coloquei a mão no bolso para pegar meu celular e ligar para a
emergência, nessa hora percebo que a mulher ainda estava em silêncio, uma
rápida olhada para ela e percebi que não tinha ferimentos aparentes, além do
fato de ela não demonstrar estar em choque.
Eu sabia, sabia que não deveria me envolver. Pena que agi por impulso
e me dei conta do meu erro apenas quando vários carros escuros entraram
pela rua de baixo. Eram todos Suv pretos muito parecidos com os usados
pelo FBI, mas eu tinha certeza de que todos aqueles homens armados e
cobertos de tatuagens não eram agentes federais.
Antes que pudesse reagir tinham várias armas apontadas na minha
direção. Pensei que morreria na mesma hora, a questão era o que me mataria
primeiro, se eles pensassem que eu era parte da equipe de sequestradores ou
se descobrissem que sou policial?
— Lupi! — uma mulher gritou, ela saltou de um dos Suv e correu até a
jovem ainda amarrada. Está segurou seu rosto e fez várias perguntas uma
atrás da outra, sua preocupação era evidente. Ela beijou os lábios da mulher
sem qualquer cerimônia ou pudor, deixando claro que tipo de relação as duas
tinham.
Nem tive tempo de analisar isso ou ficar surpreso, não quando o
homem mais alto e assustador pra porra que eu já vi na vida, saiu de um dos
carros, abrindo caminho por entre os homens armados e chegando até mim.
Filho da puta, ele tinha que ter pelo menos dois metros de altura, tenho um
metro e setenta e nove e mal chegava nos seus ombros.
Ele era branco, com uma barba grande e escura assim como seus
cabelos lisos que eram raspados dos lados e formavam um topete bem
arrumado e penteado para trás. O sujeito vestia roupas de grife, sapatos caros
e tinha um perfume que gritava sobre riqueza. As pernas longas e grossas
mal cabiam na calça de alfaiataria, da mesma forma eram os braços grossos
presos na camisa social que tinha as mangas dobradas deixando à mostra
ambos os braços cobertos de tatuagens.
Porra!
Eu tinha certeza de que já vi aquele homem antes, em algum jornal,
revista, ou na televisão. E com certeza na ocasião ninguém falou que ele era
a porra de um criminoso.
Odeio admitir, mas senti medo e engoli em seco quando os olhos
escuros e sem vida focaram nos meus.
— Você tem que ser muito corajoso para se meter com a minha família,
garoto, a quem pensa que está servindo quando esmagamos o Cartel de
merda que você fazia parte?
A voz era tão grossa e dura como eu tinha pensado que seria, isso me
deixou sem voz. Precisei respirar fundo para que as palavras saíssem:
— Não faço ideia do que está falando, senhor. Eu sou um policial e
estou ligando para a emergência!
Apenas uma de suas sobrancelhas se ergueu diante das minhas palavras,
não sei se ele acreditou em mim. Agarrei com força meu celular e nessa hora
não foi um dos seus homens que reagiu primeiro, todos se mantiveram
parados como perfeitas estatuas. O brutamontes diante de mim se moveu
com uma rapidez impressionante para o seu tamanho, ele prendeu meu braço
nas costas e me fez soltar o celular quando escutei um estalar, pela dor que
senti se meu pulso não estivesse quebrado andaria bem perto disso.
— Policial? — a palavra praticamente dançou em sua língua antes de
sair dos seus lábios. Engoli em seco novamente com a nossa proximidade.
— Ele salvou a minha vida — ouvi uma voz feminina dizer, certamente
foi a mulher chamada Lupi.
Tenho certeza de que ele pouco se importava se eu tinha ajudado ou
não, ainda estamos de lados completamente opostos. Vejo em seus olhos que
o desgraçado me mataria em um piscar de olhos.
Eu estava morrendo de medo, confesso, mas também me enchi de
vontade de viver quando lembrei de Julie, Sarah e Ducan, seus olhos mortos
me encarando acompanhavam meus sonhos e pesadelos. Eu precisava viver
por eles, não posso morrer tão facilmente.
— Solte, filho da puta! — disse por entre dentes, minha arma
fortemente pressionada contra seu estômago. Ele não deu um passo para trás,
o aperto no meu braço aumentando, tive que me segurar para não gemer de
dor.
— Você realmente tem muita coragem, ou é o maior idiota que eu já vi.
Por acaso sabe quem eu sou? Acredita mesmo que vai conseguir sair vivo
daqui?
Tive que erguer o rosto para que nossos olhos se encontrassem, preto no
castanho. Escurão entrando em choque.
— Se eu tiver que morrer aqui, juro que no mínimo coloco uma bala em
você antes!
Ele sorriu, um sorriso aberto e cheio de dentes brancos. A escuridão nos
olhos pretos se aprofundou, mas o sorriso era quase real, predador, cheio de
desafio.
Meu dedo pressionou o gatilho, ele deu um passo para trás. Levantou as
mãos e sorriu mais uma vez.
— Está disposto a pagar o preço por sair vivo hoje?
— Pouco me importa quem porra você é, tenho algo muito importante
para fazer nessa vida, não quero te dever favores ou aceitar a morte de forma
tão fácil.
— Como se você tivesse escolha, Pouláki.
Eu tinha identificado um certo sotaque em sua voz, depois da última
palavra proferida, que eu não fazia ideia do que se tratava, tive certeza de
que o homem era estrangeiro. Isso foi como um tapa na cara, algumas peças
se juntaram em minha cabeça, a menção de um Cartel, os homens armados
em volta que se destacavam como perfeitos mafiosos, o sotaque do sujeito
em minha frente.
Sim, eu devia ser a pessoa mais estupida do mundo, porque em minha
busca por vingança passei longe do meu objetivo e terminei envolvido com a
máfia justamente quando eles estão fazendo um banho de sangue em Nova
Iorque.
Só continuei com a arma apontada para o mafioso diante de mim
porque se fosse morrer ali, então morreria lutando, pelo menos Ducan, Sarah
e Julie saberiam que fiz tudo que pude para trazer justiça por eles.
— Tenho uma escolha bem aqui. — Ergo a arma. — Não tenho medo
de morrer e não vou me curvar para você, desgraçado. Quer me matar? Faça
isso, mas saiba que vou me assegurar de te levar junto!
Ergo a arma na altura do seu rosto, nesse momento os homens em volta
dão um passo à frente, escuto o clique das armas. Nada me faz vacilar, o
grandalhão tatuado também não se move mais do que um braço erguido para
mandar seus subordinados se afastarem.
— Se você sair vivo disso, vai perceber que eu não sou a presa,
Pouláki, sou um maldito caçador muito bom no que faço! — O sorriso
predador em seu rosto falava exatamente disso.
Depois de vários anos na polícia, sendo designado para os piores
bairros, cercado pela criminalidade e a miséria, pensei que já tinha visto o
mal de perto. Estava tão enganado, esse homem parado diante de mim é
facilmente o sujeito mais perverso que meus olhos viram nessa vida. Suas
roupas caras, o perfume bom e a expressão inabalável não conseguem
esconder o animal predador que espreita através dos olhos escuros.
Eu queria correr, no entanto, sabia que ele me alcançaria.
— Eu não tenho a menor vocação para ser caçado — respondo,
estranhando a frieza em minha própria voz.
Vi tanta merda nessa vida, fui tratado como lixo durante quase todos os
meus vinte e sete anos. Nem mesmo a farda que visto é capaz de mudar o
fato de que nasci pobre e preto em uma sociedade de merda. Perdi de forma
brutal as únicas pessoas que me viram como um ser humano de valor. Me
resta algo que não seja esse desejo louco de me manter vivo a qualquer
custo?
— Igétis.
Não sei por quanto tempo estávamos no encarando em um empasse
quando fomos interrompidos por um dos homens armados. Ele estava tão
bem-vestido quanto o chefe mafioso diante de mim, devia ser alguém
importante.
— Vamos! — respondeu o homem, sendo necessária essa única palavra
para que todos os homens em volta se movessem, entrando nos carros de
onde tinham vindo.
O tal Igétis, sei lá se esse era seu nome, foi o último a entrar em um dos
Suv antes que todos partissem. Levou mais uns cinco minutos para que meu
corpo travado de medo pudesse se mover. Durante todo esse tempo ninguém
apareceu para ver o que tinha acontecido, as coisas funcionam assim nesse
bairro, o que eu até agradeci quando notei que os dois corpos, o homem
morto e o ferido, tinham sido levados sem que eu notasse.
Guardando a arma no cos da calça jeans, passei as mãos pelo rosto e
respirei fundo. Era difícil acreditar que tinha saído vivo de uma situação
dessas. Além disso, algo nos olhos daquele homem me diziam que essa não
seria a última vez que nos veríamos. Ele teve um motivo para me deixar vivo
quando claramente poderia ter me matado e sumido com meu corpo sem
deixar rastros, eu tinha medo de descobrir suas motivações.
Alisando o pulso machucado, que certamente ficaria roxo, pensei em
ligar para a central e pedir ajuda, mas o que diria? Como reportaria aquela
situação sem me tornar o alvo de investigações?
A corda sempre arrebenta para o lado mais fraco.
Se quero ter alguma chance de passar despercebido e ganhar poder para
acabar com Edmundo, Vitale e seus cumplices, tenho que manter um perfil
baixo. Me envolver em uma confusão dessas seria o mesmo que assinar uma
sentença de morte, e está não viria por parte da máfia, senão pelos meus
próprios colegas de farda.
— Que isso sirva de lição para você não se meter onde não é chamado!
— resmungo para mim mesmo ao subir as escadas em direção ao segundo
andar onde fica meu apartamento.
Pelo caminho nem mesmo o zelador pode ser visto, todos tinham se
trancado em suas casas depois da confusão e dos tiros. Eu me preocuparia
em ter que dar explicações caso alguém fosse chamar a polícia, mas em um
bairro como esse todo mundo tem seus segredos. Vão ficar calados enquanto
isso salvar suas peles.
Entro em casa e me certifico de fechar todas as trancas da porta. Chego
a empurrar uma mesinha em direção a porta para formar uma barreira caso
algum intruso tente entrar.
Reviro os olhos ao pensar no brutamontes de minutos antes, ele
derrubaria aquilo com facilidade.
Caminho até as janelas e fecho as cortinas, a tempo de ver um carro
estranho parado no final da rua. O carro dos latinos envolvidos na confusão
tinha sido levado também, em seu lugar tinha um Suv preto com as janelas
escuras e fechadas. Senti todos os pelos do meu corpo se arrepiarem e com
certeza não consegui dormir depois disso.
Eu tinha pulado direto na cova de um leão, um muito perigoso e
sanguinário.
— Porra, o quão ferrado estou?
CAPÍTULO 2

Caminhei pelos corredores de pedra, toda a parte subterrânea da


mansão é fria e cheia de corredores onde você pode facilmente se perder.
Antes de me mudar para esse país e adquirir a propriedade, ela havia sido de
um gangster famoso nos anos 50 e 60. Diziam as lendas que os túneis e salas
subterrâneas foram usadas para seus mais diversos propósitos, desde prender
inimigos até o armazenamento de drogas. Antes disso, a mansão pertenceu a
um nobre inglês durante o século XIX, este também construiu suas próprias
lendas sobre as atividades criminosas realizadas no local. Vejam bem, eu não
poderia fugir a essa “regra”.
— Vejo que terminou — falo ao entrar em um dos quartos.
Helena, minha irmã mais nova e executora dentro da Aderfia, tinha
terminado com o nosso convidado. O sujeito chegou com um tiro no braço,
estava pálido e quase desmaiado. Isso não comoveu minha irmãzinha, o
resto sangrento que estava no chão da sala era difícil de ser descrito como
humano. Helena podia ser cruel quando queria, tinha sido isso que a tornou a
executora quando outros homens tremiam diante do que essa mulher pode
fazer.
Ainda mais quando Lupi está envolvida.
— Consegui os nomes e endereços dos últimos ratos que sobraram dos
Los Hermanos — respondeu, mantendo sua atenção no bisturi que limpava.
Uma grande caixa de “ferramentas”, estava aberta em cima da mesa.
Helena limpava seu material de trabalho depois de terminar com o sujeito,
agora morto e atirado no chão de pedras, ao lado da cadeira banhada de
sangue onde esteve amarrado até pouco tempo atrás.
— Passei as informações para o Zeus.
Zeus Daskalakis era o conselheiro da Aderfia, meu homem de maior
confiança. Um bastardo tão sanguinário quanto Helena.
— Algo mais que eu deva saber?
Ela para o que está fazendo e me encara de frente. Helena é uma das
poucas pessoas que tem essa coragem, e não se deve ao fato de sermos
irmãos, ela conquistou seu próprio espaço e respeito dentro da máfia.
— Aqueles ratos esqueceram o lugar ao qual pertencem, tiveram a
ousadia de nos atacar, foram exterminados e voltaram querendo vingança?
— Ela dá um passo em minha direção. — Eles foram atrás da minha mulher,
bateram nela, eu fiz esse lixo pagar — apontou para o corpo descartado no
chão —, o que mais quer ouvir?
— O respeito em sua voz? — Ergo uma sobrancelha, ela dá um passo
para trás. Helena chegou tão longe porque sabe exatamente a hora de atacar
e quando deve recuar.
— Não vamos mais ouvir falar nesses ratos.
Assinto.
A jogada idiota de ir atrás de Lupi foi algo inesperado, meus homens
relaxaram cedo demais depois que lhes dei a ordem para esmagar aquele
Cartel insignificante. Eu os faria entender seu erro.
— Volte para a sua mulher — falo, virando de costas para deixar a sala.
Helena solta um riso baixo.
— Você quase parece doce, tem certeza de que aquele policial abusado
não te bateu na cabeça?
Paro, de costas para ela. A lembrança do rapaz que apontou uma arma
para mim horas antes não me irrita, por mais que Helena possa pensar assim.
Depois de conhecer o peão que Afonso Gutierrez colocou debaixo do braço,
pensei que não me divertiria tanto tão cedo. Estava enganado?
Não é sempre que alguém me desafia com olhos tão mortos como os
meus.
Eles falavam de dor, abandono, desespero.
O rapaz estava pronto para cair, mas não sem me levar com ele.
Isso quase me excita.
Aquele passarinho... O quão divertido seria quebrar suas asas até que
ele não pudesse mais sair do chão?
Um sorriso desliza por meus lábios, ignoro o que Helena ainda dizia e
saio da sala.

Parei em frente ao velho prédio de apartamentos, o lugar parecia prestes


a desabar. A pintura amarela estava descascando por todo lugar, marcas de
infiltração podiam ser vistas ao longe, sem falar que não se tinha o mínimo
de segurança, entrei no prédio sem que ninguém questionasse a minha
presença. Um assassino de aluguel teria uma tarefa fácil em um lugar como
esse.
A essa altura sabia qual era seu apartamento, meus homens tinham o
vigiado ao longo da semana após a confusão envolvendo os dois soldados
dos Los Hermanos. Eu sabia seus horários, onde trabalhava, o nome de sua
parceira, até mesmo o que comprou de comida nos últimos sete dias, por isso
não me surpreendeu a simplicidade do apartamento quando arrombei a porta
e entrei.
Poderia ter entrado discretamente para que ele jamais soubesse que
estivesse lá, mas que graça isso teria?
Eu queria que Perseu Lykaios passasse mais algumas noites em claro
temendo o momento em que eu viesse para tirar sua vida.
Órfão, foi criado em lares adotivos, sempre jogado de um lado para
o outro sem poder criar raízes.
Foi uma das primeiras informações que li ao ter sua vida investigada.
Isso se podia comprovar pela falta de objetos pessoais no apartamento de
dois cômodos e banheiro. O lugar era tão pequeno que seria desconfortável
para uma única pessoa viver ali. A presença de móveis era quase um luxo, e
até mesmo esses eram de segunda mão, desgastados pelo tempo.
Pelo menos a geladeira estava cheia.
O garoto viveu uma vida de maus tratos, não me surpreenderia se
tivesse passado fome enquanto crescia.
Outro detalhe importante era que não havia nada que indicasse que era
um policial. Nenhuma foto, recorte de jornal. Nada!
Eu começava a confirmar as conclusões que tinha chegada ao ler as
informações sobre sua vida. Cinco anos na polícia, um policial exemplar até
a morte de seu parceiro e da família dele. Depois disso não teve mais nada
relevante, era como se Perseu tivesse morrido junto. O fato da investigação
do triplo assassinato ser uma vergonha marcada por descaso e
incompetência, provavelmente eram os responsáveis pela mudança de vida
do jovem policial.
Até mesmo eu tive dificuldades de encontrar informações sobre o caso,
nenhuma foto, laudo do legista, depoimentos. Era tudo inexistente, estava
óbvio que alguém se empenhou em encobrir esses crimes.
Roupas simples mal ocupavam as gavetas da cômoda ao lado da cama,
o armário estava vazio.
— Você é uma incógnita, Perseu Lykaios — falo para mim mesmo ao
final da minha “inspeção”. Era hora de ir, ele voltaria em cerca de uma hora
considerando o trânsito quando encerasse o turno na delegacia e deixasse sua
parceira em casa.
Contudo, invés de sair, me sentei na poltrona desgastada que tinha sido
colocada ao lado da janela do quarto e dali observei a rua enquanto
lentamente escurecia. Vi a movimentação suspeita, os traficantes vendendo
drogas e algumas prostitutas na esquina.
— Que lugar decadente.
Me perguntei mais de uma vez se valia a pena estar ali. Eu já tinha me
certificado de que Perseu não estava associado aos Los Hermanos, além
disso, minhas fontes estavam seguras de que o policial não relatou o
ocorrido aos seus superiores. A coisa mais sensata a se fazer era deixá-lo
para trás e seguir em frente. Eu não conseguira tirar nada de valioso de
alguém como Perseu, o homem estava à margem da sociedade.
Ainda assim, senti uma corrente elétrica passando pelo meu corpo no
momento em que o velho Honda parou no final da rua e o mesmo homem
que apontou uma arma para a minha cara dias antes começou a andar em
direção ao prédio de apartamentos. Eu podia dizer que ele estava cansado,
não dormiu muito nas últimas noites, os homens que vigiaram seu
apartamento disseram que as luzes permaneceram acesas noite após noite.
— Droga!
O lugar era pequeno e as paredes finas o suficiente para que eu ouvisse
sua exclamação quando encontrou a porta arrombada.
Sorri, mas não me ergui de onde estava.
Ouvi seus passos cautelosos, a respiração pesada. Perseu logo apareceu
na porta do quarto minúsculo, a arma apontada para frente, os olhos duros
quando focaram em mim. Não havia surpresa, apenas medo que era
mascarado pela expressão furiosa.
— Você sempre apontando uma arma para mim, até quando pensa que
vai sair impune disso?
Seu dedo estava firme no gatilho quando ele se aproximou.
— O que porra você está fazendo na minha casa?
— Veja bem, você está respirando mesmo depois que eu investiguei
seus antecedentes. Não acha que deveria começar me agradecendo?
— Filho da puta lunático! — Ele sorri de forma fria. — Se eu atirasse
em um criminoso que invadiu a minha casa, acha que alguém me
responsabilizaria por isso?
Me ergo da poltrona e começo a caminhar em sua direção. O primeiro
erro que Perseu cometeu foi dar um passo para trás quando poderia ter me
acertado com um tiro certeiro.
— Fique parado!
Continuei me aproximando e quando ele disparou, eu tinha segurado
sua mão e a bala acertou o armário atrás de nós. Ele ainda tentou se soltar do
meu aperto, mas sua força física não poderia se comparar a minha, eu o tinha
de joelhos com uma mão torcida nas costas antes que ele pudesse me acertar
qualquer golpe. Aproveitei essa situação para pegar sua arma e guardá-la na
parte de trás da minha calça.
— Maldito! — gritou, se contorcendo para se soltar.
Eu poderia facilmente quebrar um braço, ou até mesmo seu pescoço.
Mas esse desejo não passou pela minha mente. Perseu era um Pouláki tão
arrisco, eu não tinha vontade de esmagá-lo até a morte, queria quebrar suas
asas aos poucos até que não fosse preciso uma gaiola para mantê-lo rendido
as minhas vontades.
Nunca tive qualquer interesse sexual em homens, e não sinto vontade
de foder com o policial. É algo mais primal que isso, quero domar a fera que
vejo nesses olhos escuros. Quebrar seu espírito até que ele se renda a mim de
bom grado.
— Eu vou soltar você e quero que se sente na cama de forma
comportada.
— Por que eu faria isso? — retrucou, se debatendo com mais força, isso
só fez com que eu aumentasse o aperto em seu braço e ele reclamasse de dor.
— Porque você não tem a mínima chance contra mim, eu quebraria seu
pescoço antes que você pudesse me acertar com um soco — sussurro rente
ao seu ouvido, ao mesmo tempo que solto seu braço e levo minha mão em
direção a sua nuca, segurando com força.
O pescoço do rapaz quase é totalmente envolto por minha mão, tenho
vontade de apertar até que ele implore para que eu pare, mas não o faço. Me
ergo e caminho de volta para a poltrona, Perseu permanece ajoelhado no
chão.
— Ou pode ficar ajoelhado na minha frente, também gostaria disso.
Minhas palavras tiveram o efeito desejado, o rapaz saltou em pé e logo
estava sentado na beirada da velha cama de casal. Um olhar cheio de ódio
era direcionado a mim.
Eu já estava acostumado com aquele sentimento, fiz por merecer todo o
ódio que recebo nessa vida. Então o que tem de diferente nele? Deve ser
esses olhos que parecem tanto com os meus e me atormentam ao mesmo
tempo que instigam a ir mais além. Quero ver mais desses olhos escuros,
quero sentir sua dor na minha pele, seu ódio arrepia os pelos do meu braço,
me movem para ir em frente.
Faz tempo que não me sinto ansioso dessa forma, e quero mais.
Sua dor é doce porque seus olhos parecem os meus. Essa janela para
uma alma quebrada em milhões de pequenos pedaços.
— Se veio me matar, faça isso! Eu não vou participar dos seus jogos
doentios.
Sorrio, cruzando as pernas e me recostando na poltrona desconfortável.
— Já que você parece gostar de escolhas, eu vou te dar uma. Apareça
na The Hell, a boate no centro da cidade, dê seu nome na entrada e vão te
deixar entrar. — Ele abre a boca para me contrariar, ergo um dedo o
silenciando. — É claro que você só precisa fazer isso se não quiser que sua
arma de serviço seja usada em diversos assassinatos relacionados a máfia.
Seus olhos se ampliam por alguns segundos, ele logo disfarça e volta a
me encarar com raiva.
— Te deixo livre para fazer suas escolhas, mas estarei esperando por
você amanhã à noite.
Me ergo da poltrona e caminho até a porta do quarto, passando por ele
que não tenta me deter. Pelo menos já entendeu que não teria chance em uma
luta corpo a corpo.
— E antes que eu me esqueça, você já está participando do meu jogo
desde o momento em que se meteu em algo que não te dizia respeito.
Pisco um olho em sua direção e deixo o apartamento para trás.
Como o bom jogador que sou, tenho certeza de que esse passarinho vai
aparecer na minha boate.

Um largo sorriso se estendeu por meus lábios na noite seguinte, e não


tinha nada a ver com a mulher acariciando meu pau por cima da calça em
uma tentativa nada sutil de despertar meu interesse. Esse sorriso se devia a
expressão de desagrado no rosto do policial que caminhava em direção a
minha mesa, sendo acompanhado por um dos soldados da Aderfia.
Ele olhava para os lados, torcendo os lábios em desagrado diante do
que via: drogas, prostituição, diversos criminosos reunidos no mesmo lugar.
Zeus estava em uma mesa ao lado, conversando com um político
influente em Nova Iorque, que tinha seus segredinhos muito bem
“guardados” pela máfia. Ele veio até minha mesa quando viu quem se
aproximava.
— Deixe-o para mim, eu dobro esse homem rapidinho — disse Zeus
com um sorriso malicioso em seus lábios. Eu bem sabia de suas perversões
mais obscuras. O homem não se importava com o que seu parceiro tinha
entre as pernas, homens e mulheres eram apenas objetos para serem usados
por ele.
— Não se atreva a colocar as mãos no que é meu.
Ele assentiu sem qualquer tentativa de retrucar.
Posso não ter interesse sexual no jovem policial, mas cortaria as mãos
de qualquer bastardo que tocasse no bonito passarinho que eu estava prestes
a domar.
Um jogo.
Um momento de diversão.
O prazer de quebrar suas asas e tê-lo aos meus pés.
Eu ainda não sabia bem o que desejava de Perseu, mas não importava
muito, no final teria tudo, mesmo que fosse preciso devastá-lo pedaço a
pedaço.
CAPÍTULO 3

Agora tinha um nome para aquele maldito, depois de invadir meu


apartamento e levar minha arma deixando para trás ameaças, pesquisei pela
tal boate The Hell, descobrindo o nome do proprietário, Stephanos
Paraskevas. O homem era um conhecido bilionário que detinha diversas
propriedades e negócios em Nova Iorque. Sabia que tinha visto seu rosto em
algum lugar antes daquela noite quando nos conhecemos.
Rico, influente, amigo de políticos e empresários, o que não era dito nas
buscas feitas na internet, é que o desgraçado é um mafioso.
— O senhor Paraskevas o espera — disse um homem quase da minha
altura. Ele tinha sido chamado quando revelei meu nome ao segurança na
porta da boate.
Todos eram tão bem-vestidos, os funcionários com terno e gravata.
Mesmo os jovens bêbados e curtindo a noite estava bem-vestidos em roupas
de marca. Era um lugar para gente rica e importante. Me sentia um peixe
fora d’água com meus jeans velhos, camisa e jaqueta. Tinha tomado um
banho na delegacia antes de seguir direto até a The Hell, estava ansioso pelo
fato da minha arma de trabalho estar nas mãos de Stephanos.
Sim, eu poderia ter comunicado um roubo ou algo do tipo, mas e se ele
cumprisse com sua palavra e minha arma fosse usada em assassinatos da
máfia? Nem queria pensar nos problemas que me meteria. No mínimo teria
uma investigação interna, meu nome circularia entre os chefões, coisa que
não quero por hora.
Me manter nas sombras é minha melhor arma enquanto continuar sendo
fraco demais para encarar meus adversários.
— Por ali, senhor.
O funcionário que me guiou até o terceiro andar da boate apontou em
direção a uma grande mesa ao centro do espaço elegante. Tinha bem menos
pessoas nesse andar, não havia música alta tocando, e juro que reconheci
algumas figuras importantes sentadas ao longo das mesas. O deputado
conservador que vi outro dia fazendo um discurso odioso na televisão,
dizendo o quanto os gays estavam destruindo as famílias tradicionais, se
encontrava bebendo em uma mesa cercado de prostitutas enquanto algumas
fileiras de pó branco estavam em sua frente.
Foi impossível não torcer os lábios cheio de desgosto, ainda mais
quando vi a figura imponente na mesa ao centro da sala. Novamente,
Stephanos Paraskevas vestia roupas sociais, calça e camisa escura, dessa vez
as mangas não estavam dobradas, mas os primeiros botões se encontravam
abertos revelando um peito largo e malhado. Curiosamente não vi tatuagens
naquela área.
Mas o que merda estou pensando?
— Você veio — ele me cumprimentou com um tom caloroso, quem
visse diria que somos velhos conhecidos. Ao mesmo tempo fez um gesto de
mão mandando embora a mulher que estava praticamente sentada em seu
colo. Era uma loira bonita, parecia uma celebridade, e me olhou com
desgosto quando teve que se afastar.
Quase revirei os olhos, não é como se estivesse ali por vontade própria.
E ela não precisava se preocupar, preferiria que meu pau caísse antes de
foder com Stephanos Paraskevas. Tenho gostos melhores do que isso, nem
mesmo a seca que dura quase um ano me faria ter uma ereção por um
bastardo como esse.
— Minha arma. — Estendo a mão, ele a ignora e aponta para o espaço
vazio ao seu lado.
— Tudo ao seu tempo, não quero que você aponte sua arma para meus
clientes. Não posso garantir sua segurança caso o faça.
Me sentei muito a contragosto. Nessa hora percebo o outro homem
também sentado à mesa. Eu tinha visto o sujeito em algumas fotos ao lado
de Paraskevas, claro que também era um maldito mafioso.
Seu nome era Zeus Daskalakis, ele estava na casa dos trinta e poucos
anos, era branco, com cabelos e olhos castanhos. Uma barba rala cobria o
queixo firme, era um homem bonito, alto e muito elegante em seu terno sem
gravata. Eu facilmente poderia olhar um pouco mais para ele se não
soubesse que é um maldito mafioso, além disso, tinha algo em seu rosto que
não conseguia esconder a viscosidade que escapava do homem. Algo me
dizia que por baixo do rosto bonito e dos olhos “gentis” havia um monstro.
— Se eu fosse atirar em alguém, atiraria em você — respondo a
Stephanos, desviando meu olhar de Zeus. Ter a atenção indesejada de um
mafioso era demais para mim, não estava procurando um segundo.
— Pelo visto ele tem coragem — disse Zeus, se pronunciando pela
primeira vez. Ele tinha um sorriso malicioso no rosto, mas não tentou fazer
qualquer outra coisa além desse comentário.
Eu podia dizer pela forma como Stephanos ignorou as palavras do outro
homem, que Zeus estava sendo mantido em rédea curta. O desgraçado mal
conseguia esconder o tom lascivo de suas palavras.
Nessa hora minha arma fez tanta falta.
— Gostaria que conhecesse minha boate antes de qualquer coisa, venha
comigo — disse o mafioso depois de alguns segundos e nem esperou por
uma resposta antes de se levantar e sair andando.
Eu não sabia suas intenções, estava odiando seus joguinhos e tendo
mais raiva ainda pelo fato de que não me restou alternativa a não ser o
seguir. Pelo menos Zeus e seus olhos pervertidos ficaram para trás.
Ao caminharmos pelo espaçoso terceiro andar da boate praticamente
todos os olhos estavam sobre nós, ninguém questionou a minha presença ou
me olhou por mais do que alguns segundos. Talvez eu fosse muito
desinteressante em comparação a Stephanos, ou ninguém ali queria dar a
entender que estava questionando as ações do mafioso, afinal, eu estava com
ele, era seu suposto convidado.
Outra coisa que notei foi como o homem parou para falar com algumas
pessoas, falou de forma mansa com elas e até mesmo direcionou sorrisos. Eu
sabia que aquilo era pura fachada, o frio de seu olhar não podia ser apagado
por um sorriso falso. Todos podiam perceber isso, mas estavam muito
satisfeitos em fazer parte do espetáculo que Paraskevas parecia gostar de dar.
— Eu não tenho tempo para isso, você pode me devolver logo a minha
arma? — questionei, sendo esperto o suficiente para só fazer isso quando
entramos em um corredor vazio, nem mesmo os homens que o seguiam de
perto, seus seguranças, nos acompanharam, todos ficaram na porta de acesso
ao amplo corredor.
— Onde você pretende chegar sendo tão impaciente? — respondeu,
sem olhar para trás.
Ele entrou em uma porta no final do corredor e eu o segui. Era um
grande escritório luxuoso do tipo que você só vê em filmes. Todo o espaço
tinha cores escuras desde os sofás no lado esquerdo, passando pela grande
mesa de centro e chegando as enormes prateleiras repletas de livros. A mesa
e a cadeira para onde Stephanos seguiu também eram pretas. Apesar disso, o
ambiente era requintado e com uma ótima iluminação. Não era para menos
com as janelas panorâmicas que cercavam três dos lados do cômodo, sendo
um deles a parede atrás de sua mesa de escritório.
A vista de uma Nova Iorque iluminada por milhões de luzes era de tirar
o fôlego, mesmo diante das circunstâncias onde me encontrava, confesso,
perdi alguns minutos admirando a vista.
Eu não me importaria de morar em um lugar assim, com uma vista
diferente da decadência que vejo todas as vezes em que abro minhas janelas.
Que besteira, algo assim é tão irreal para mim.
— Pode se sentar se quiser — falou, apontando para os sofás.
Nesse meio tempo o mafioso se sentou atrás de sua mesa e começou a
digitar alguma coisa em seu computador. O encarei incrédulo, ele pretendia
o quê? Que eu ficasse sentado o esperando acabar de trabalhar?
— O que você quer com isso? Qual o seu jogo?
Stephanos levantou apenas os olhos, me encarando com uma expressão
em branco. Não havia mais uma diversão fingida.
— Sou um homem que costuma ficar entediado facilmente —
respondeu quando pensei que não o faria, em seguida voltou a olhar para a
tela do computador.
— E o que eu tenho a ver com isso? Você é rico! Use seu dinheiro para
se divertir.
Ele ri.
— Estou falando sério, se você pensa que vai encontrar alguma
diversão comigo, é melhor repensar isso.
— Por que pensa que continua vivo?
Paro, erguendo uma sobrancelha diante dessa pergunta. Stephanos
ignora seu próprio questionamento e volta a sorrir com diversão quando
finalmente deixa de lado a tela do computador e vem até a frente da mesa,
onde escorra seu enorme corpo. As pernas grossas lutam contra a costura da
calça quando estas são dobradas uma por cima da outra, imitando o cruzar de
braços.
— Sabe, estou curioso... O que faz um policial ser assim? — Apontou
para mim com desdém. — Você matou um homem e nem mesmo reportou o
acontecimento, nos encontramos duas vezes antes dessa noite e nenhuma
palavra deixou a sua boca.
Os olhos escuros parecem querer ver a minha alma quando o homem
questiona:
— O que é tão importante que você está jogando de lado seus próprios
princípios? Me diga o que você tanto quer, e eu direi se acho divertido ou
não.
— Vá se foder — resmungo.
Ele sorri como um maldito predador. Sua postura imponente me deixa
nervoso e preciso lutar com cada grama de autocontrole que tenho. Não
posso deixar que ele perceba. Stephanos é como um animal, ao menor sinal
de medo, ele ataca.
— É simples, Perseu, seja sincero consigo mesmo e me diga, o que
você quer?
— Vingança! — a palavra escorregou para fora dos meus lábios sem
qualquer cerimônia.
Eu devia esperar algo assim de um sujeito como ele, Stephanos
Paraskevas está acostumado a tirar o pior das pessoas, é claro que gostaria da
minha resposta.
— Por que tanto interesse? Por acaso pretende me ajudar? — Ele ri.
— Não.
— Então, por quê?
O homem se curva até seu rosto estar muito próximo ao meu.
— Porque algo me diz que você vai acabar queimando suas asas
sozinho, Pouláki, e eu quero estar lá para ver.
— Bastardo sádico!
— Esse é Zeus, eu sou aquele que sabe muito bem apreciar o doce
sabor do caos e desespero.
Dou um passo para trás mesmo quando não queria ter feito isso. Seu
sorriso se amplia, xingo em minha mente.
— Doente!
— Pode pensar assim se quiser. — Dá de ombros com descaso. — Mas
deixe que eu te esclareça algo.
Dou outro passo para trás quando ele se aproxima e continuo fazendo
isso a cada palavra que deixa seus lábios.
— Fui moldado para ser o que conquista, destrói, comanda, e eu gosto
disso. Aprecio o cheiro do sangue, o som dos gritos, a visão do puro
desespero. Isso me deixa elétrico, querendo ir mais longe, devastar um
pouco mais. Se isso me tornar um bastardo doente... — Ele ri, minhas coxas
batem de encontro ao sofá, não tenho mais para onde ir. — Aceito isso, é o
que sou, o que quero ser. Mas e você, passarinho, está pronto para se destruir
a cada novo passo? Vai aguentar a dor? Será capaz de apreciá-la como eu
faço?
Minha mão está tremendo, sua respiração toca meu rosto, seus olhos
travados nos meus. Respiro fundo e assinto.
— Sim!
Não sei se minha resposta o surpreendeu, ou se Stephanos percebeu o
quão próximos estávamos um do outro, tudo que sei é que seus olhos se
apertaram por alguns segundos e junto disso o rosto duro e coberto pela
barba espeça tombou de lado. Ele parecia concentrado em alguma coisa
antes de se afastar de forma relutante. Nessa hora segurei no sofá atrás de
mim porque minhas pernas estavam fracas e a boca seca.
— Passarinho... — Ele me encara quando deixo escapar a palavra.
Coço a garganta, precisa mudar de assunto, não gostei nada da porra que
acabou de acontecer. — É isso que significa Pouláki?
— Sim, penso que combina, não acha?
Queria mandá-lo a merda, mas acho que isso o faria se divertir ainda
mais.
— Pode devolver a minha arma agora?
— Claro.
Sou surpreendido pela resposta positiva, e me aproximo com cautela
quando o mafioso retira minha arma da gaveta de sua mesa e estende em
minha direção. O cano da arma está apontado para mim, a cada passo que
dou espero pelo som do tiro. Ele tinha tido a diversão que queria? Iria me
matar ali onde ninguém sequer saberia?
Segurei a arma pelo cano, ele a soltou e começou a andar em direção a
porta do escritório. Ao conferir meu revólver notei que ele continuava
carregado. Que tipo de autoconfiança é essa? Não tem medo de que eu atire
pelas costas?
— Vamos, Perseu, você está ansioso para deixar minha boate, não é
assim?
Me xinguei ao correr logo após suas palavras.
Passamos pelo mesmo corredor vazio, mas dessa vez nosso destino não
foi o terceiro andar cheio de seus “clientes”, passamos por outra porta que
dava acesso a um elevador privado. Nele estavam dois homens enormes,
armados e impecáveis em seus ternos pretos.
— Igétis — falaram com a chegada de Stephanos, este apenas deu um
curto aceno com a cabeça e permaneceu em silêncio enquanto o elevador
descia. Na minha cabeça eu ainda não estava a salvo, mais uma vez me
sentia no caminho rumo a morte certa.
Nosso destino foi um estacionamento subterrâneo. Havia vários carros
luxuosos, desconfio que pertencessem aos seus clientes mais... “sigilosos”,
aqueles que não queriam ter seus nomes associados a boate.
Ao deixarmos o elevador os dois soldados seguiram na frente como se
estivesse fazendo uma varredura antes do seu Igétis seguir até o carro. Nesse
tempo, o mafioso voltou sua atenção para mim, o sorriso provocador de
volta aos lábios cheios. Eu queria bater nele com a coronha da minha arma.
Desgraçado!
Quando foi que a simples presença de alguém me irritou tanto como
está acontecendo agora?
— O que você ainda quer? Eu tenho carro, dispenso sua carona.
— Não fale daquele lixo sobre quatro rodas, estou preocupado,
Pouláki, e se ele te mata? Quem vai me divertir tanto se você morrer tão
cedo?
Mostro o dedo do meio, e me odeio por isso, mas foi a melhor coisa que
eu pude fazer para não acabar com um tiro no meio dos olhos.
— Pode ir, eu vou te fazer saber quando quiser a sua companhia.
Mordi os lábios com força para não deixar escapar uma resposta
grosseira. Sei que era seu objetivo. Ele gosta de me ver contorcer de raiva.
— Se quiser companhia contrate uma prostituta para chupar seu pau, eu
tenho um trabalho sério para fazer.
Queria vê-lo com raiva, arrancar o sorriso estupido de seus lábios,
contudo, não tive essa chance. Primeiro, o maldito se manteve imperturbável
diante das minhas palavras. Segundo, vi o brilho do cano de uma arma vindo
de trás de um dos carros estacionados perto de onde estávamos. Agi por puro
instinto e me joguei sobre ele.
Caímos com um baque duro, seu corpo grande estava cobrindo o meu,
segundos depois uma mão grande envolveu o meu pescoço e apertou sem
pena. Pensei que iria morrer quando o barulho de tiros interrompeu suas
ações. Ouvi gritos, mais tiros e alguém dizendo que o atirador estava morto.
Em seguida algumas palavras, no que pensei ser grego, foram proferidas
pelos soldados de Paraskevas que queriam saber se seu líder estava ferido.
O rosto de Stephanos estava a centímetros do meu, senti seu hálito em
minha pele quando o homem respondeu em grego. O tempo todo sua mão
estava em meu pescoço, mas agora já não apertava, voltei a respirar da
forma que deu com o peso do enorme corpo me esmagando.
— Pouláki o que você fez? — Ignorei o tremor que sua voz, ainda mais
rouca no momento, me causou.
— Salvei a sua vida, seu maldito idiota, então saía de cima de mim,
porra!
Ele o fez, com muita relutância, e eu odiei cada segundo disso porque
estava suado e trêmulo ao final. Coisa que não tinha relação com os tiros
disparados.
Como se fosse pouco, me odiei ainda mais pela forma como corri para
longe na primeira oportunidade que tive. Parecia um animal assustado, e o
que tanto queria evitar aconteceu, enquanto me afastava pude sentir o olhar
predador queimando em minhas costas.
CAPÍTULO 4

O dia estava quase amanhecendo, o céu escuro dava espaço para um sol
tímido que vinha surgindo aos poucos. Depois de uma noite em claro me
sentia cansado, mas não deixava que isso transparecesse, na minha linha de
trabalho era sempre importante manter as aparências. Você podia estar
ferrado, ferido, à beira da morte, desde que ninguém percebesse uma
fraqueza, estava tudo bem.
— Vocês podem calar a boca por um segundo?! — falo alto o suficiente
para que o silêncio se instaure rapidamente em meu escritório no terceiro
andar da The Hell. Nesse momento desvio o olhar da vista espetacular de
Nova Iorque amanhecendo, e volto minha atenção para o grupo reunido.
Caminho pela ampla sala, todos desviam os olhos dos meus, Helena é a
única que precisa se conter e contorcer os lábios para não deixar transparecer
seu desagrado. Lupi está sentada ao seu lado, uma mão apertando com
firmeza o braço da namorada.
— O que devemos fazer a seguir, Stephanos? O atirador está morto —
um corajoso rompeu o silêncio.
Encarei Orfeu Demetrion, um dos chefes da Aderfia, o homem é pouco
mais jovem do que eu, contudo, é um bastardo bom nos negócios. Não me
estranha que esteja aqui logo que soube do atentado que sofri noite passada.
Esse idiota controlador não ficaria longe, ainda mais depois de ter me
alertado por meses sobre algumas movimentações estranhas dentro da
organização, coisa que já estou bem ciente.
Sempre tem algum desgraçado traiçoeiro tramando pelas minhas costas.
A porra da “cadeira” onde me sento é muito almejada.
— Meus homens descobriram a identidade dele — falo, me referindo
ao homem morto. Era um profissional, não havia nada com ele que o
identificasse, levou horas e muito trabalho por parte dos meus homens até
chegarmos em um nome. — Egorov Semyonova.
— O atirador da máfia? — questionou Helena com certa surpresa.
Assinto.
Novamente a sala fica em silêncio.
Zeus está distante dos outros, encostado próximo a uma das janelas olha
para o longe com o olhar vazio. Nessas horas nem mesmo eu sei o que o
homem está pensando. Se não fosse pelo incidente de horas antes, esse
bastardo já estaria em um avião rumo a Los Angelis, onde está a frente de
um empreendimento há alguns meses.
Eu sempre tenho que estar atento ao meu redor, nem mesmo Helena
tem minha confiança total. É assim que precisa ser quando você está no topo
da cadeia alimentar. Zeus é um homem de confiança, sua palavra tem poder.
Isso não quer dizer que eu baixe a guarda, ele pode ser tão assustador quanto
eu, manter os olhos atentos é minha melhor arma.
— O que você pensa, Zeus? — direciono a pergunta a ele, o homem me
encara na mesma hora provando que apesar de parecer distraído estava
atento a cada palavra dita na sala onde estamos nós dois, Helena, Lupi,
Orfeu e Atlas, o chefe da minha segurança privada.
— Está claro que foi alguém de dentro, com influência suficiente para
colocar um assassino de aluguel dentro da boate. O homem tinha acesso ao
prédio e informações privilegiadas. Além de ser um notório assassino de
aluguel dentro da máfia, seu serviço não é barato. Você tem sorte de ainda
estar respirando.
Não chamo essa merda de sorte, apesar de um rápido flash passar por
minha mente, nele Perseu está se jogando por cima de mim e no momento
seguinte eu o estou enforcando. Teria quebrado seu pescoço se não tivesse
ouvido o som de tiros.
Só de pensar nisso sinto minha mão formigar e aperto-a com força.
Essas merdas que fogem ao controle não são divertidas.
— Também penso assim, isso é trabalho interno — concorda Helena.
— Não podemos esquecer que nos últimos meses várias das nossas
cargas foram interceptadas pela polícia, tivemos muita dor de cabeça e até
perdemos algumas mercadorias — completou Lupi.
— Você sabe o que penso sobre isso — emendou Orfeu, o homem foi o
primeiro a me atentar para essa movimentação estranha na Aderfia.
É claro que eu já havia notado certo descontentamento de alguns dos
meus homens, em específico aqueles com maior poder. Quanto mais se tem,
mais se quer ter. Até mesmo Orfeu estava sob o meu radar.
As cargas de contrabando sendo interceptadas, vistorias não planejadas
em cargas que deveriam passar despercebidas. O crescimento rápido de um
Cartel insignificante, mas que logo se tornou uma pedra no meu sapato.
Existia um limite naquilo que um homem pode chamar de coincidência.
— Eu estou bem ciente de que algum “aliado” meu quer ter mais poder
do que eu estou dando-lhe — respondo as suas inquietações. — Ficaria
surpreso se isso não acontecesse.
Disputas dentro da máfia são mais comuns do que se pensa, a grande
questão é saber quando cortar o mal pela raiz. Isso deve ser sempre no início
e de forma impiedosa. Faça um exemplo, imponha respeito e não deixe que
o caos se instale. Grande parte da minha força está no fato de que sou temido
e respeitado, se isso for desacreditado por um minuto que seja, será um
grande problema.
— O que pretende fazer? Precisa que eu fique por mais algum tempo?
Dispenso a oferta de Orfeu com um gesto de mão, precisava dele em
Albany. Não é como se alguns ratos tentando começar uma revolta fossem
interferir no andamento dos nossos negócios.
— Siga com seus planos, podemos resolver tudo por aqui.
Ele assente, não é um homem que gosta de contrariar ordens, pelo
menos não quando está disposto a segui-las.
Rapidamente dispenso todos, que vão aos poucos saindo do meu
escritório. Helena ainda estava irritada por não ter tido a chance de
interrogar o assassino de aluguel, apaziguei sua frustração atribuindo o
serviço de buscar mais informações sobre seu contratante, isso era trabalho
para Zeus, mas sei que os dois trabalham bem juntas.
Ao final, me encontrei a sós no amplo escritório. O dia já havia
amanhecido, a luz da manhã entrava pelas grandes janelas panorâmicas e
quase conseguiam trazer um pouco de serenidade para meu escritório. Uma
tolice se você pensar em tudo que esse lugar já presenciou.
Esse pensamento me faz lembrar do apartamento medíocre onde vive
Perseu, o lugar está caindo aos pedaços e caberia facilmente dentro dessa
sala.
Se eu fizesse uma gaiola de ouro para ele, aposto que seria melhor do
que o lugar que ele chama de casa.
— Ai, ai, Stephanos, não vá ter ideias tão cedo. Você ainda nem dormiu
— comento com diversão, enquanto abotoo os botões da minha camisa
social e deixo o escritório para trás.
O tempo todo sinto a contração dos meus dedos, ansiando, lembrando
do momento em que essa mesma mão se envolvendo em volta do pescoço de
Perseu e tirou seu ar, sentiu a maciez da pele e trouxe medo aos olhos
escuros... e porra se essa merda quase me deixou excitado.

Estava parado na frente do prédio de Perseu quando este desceu a rua


com seu carro velho, a coisa fazia um barulho estranho no motor, era difícil
dizer como ainda andava. O policial saiu do veículo e veio andando pela
calçada do outro lado da rua. Tomei meu tempo observando as roupas
simples que usava, nada diferente do que eu tinha visto nas últimas vezes,
com exceção da camisa com a gola mais alta.
Sorri, poderia apostar que deixei marcas em seu pescoço.
Perseu me viu quando estava próximo ao meu carro e eu baixei o vidro,
ele não conseguiu esconder a expressão de desagrado ao atravessar a rua e
entrar no veículo.
— O que está fazendo aqui? Quer que todos os meus vizinhos comecem
a comentar que tenho associações com a máfia?
— Ninguém aqui sabe quem sou, a maioria deles tem suas próprias
associações criminosos e não vão se meter em sua vida. Além disso. — Sorri
querendo provocá-lo. — Tendo em vista o lugar onde você mora, desconfio
que não ligariam para a polícia mesmo que eu te desse um tiro agora e te
deixasse para morrer.
O homem nem vacilou quando me encarou com raiva.
— O que quer?
— Amanhã o departamento de polícia vai receber uma denúncia
anônima sobre um suposto crime de invasão em um prédio comercial em sua
área de patrulha. Você deve estar ciente que vai encontrar muito mais do que
isso.
Com uma sobrancelha arqueada, Perseu demonstra desconfiança.
— E como você sabe de tudo isso?
Dou de ombros.
— A denúncia será feita por um dos meus homens, o prédio em questão
está funcionando como um pequeno laboratório de metanfetamina...
— E o que você espera que eu faça? Quer que eu acredite que você está
tentando me ajudar? — Ele ri. — Preciso comunicar isso a central, minha
parceira e eu poderíamos morrer ao entrar lá...
— Fique calado e escute — o interrompo com impaciência. — Vocês
devem ir logo que receberem a chamada, nesse horário meus homens vão se
certificar de que o local esteja quase vazio, você e sua parceira não terão
problemas ao renderem um ou dos traficantes. A sua preocupação precisa ser
com o que vem depois disso. Apesar do lugar estar quase vazio a apreensão
vai ser grande o suficiente para criar um pequeno caos no submundo das
drogas, além de te render alguns pontos positivos com seus superiores.
— Quer que eu acredite nisso? O que pretende me “ajudando”? E por
que estamos falando disso aqui no seu carro ao invés de subir para o meu
apartamento?
Novamente tenho que o interromper, o homem não sabe ficar calado e
ouvir.
— Primeiro, a lataria do meu carro é mais grossa que as paredes do seu
“apartamento”, e não quero ninguém ouvindo sobre o que estamos falando.
Segundo, estou te ajudando porque quero me ajudar.
— Não vou te dever favores!
O ignoro.
— Estou montando uma pequena armadilha para alguns ratos que tem
tentado criar problemas para mim, você vai me ajudar nisso e como
recompensa ganha certo reconhecimento com seus superiores.
— Por que devo acreditar nisso?
O encaro com impaciência.
— Pouco me importa no que você acredita, estou te oferecendo algo
muito valioso, acredite que outros morreriam apenas por tentar conseguir tal
coisa vindo de mim.
— O preço para isso é vender minha alma para um filho da puta como
você!
Sorrio, enorme, faminto, predador.
Ele teria dado um passo para trás se tivesse espaço para isso.
— Você quer vingança? Então acostume-se, venda sua alma pelo maior
preço que conseguir. Eu estou te oferecendo o meu apoio porque te acho
muito divertido para morrer tão jovem. Vá em frente, torne-se algo além
desse policial medíocre que nem mesmo pode encarar seus inimigos de
frente, nessa hora você será muito mais útil do que é agora.
Penso que ele vai retrucar, xingar, ou qualquer coisa do tipo. Contudo, o
que recebo é um olhar duro e morto por dentro, o mesmo olhar que me
capturou na primeira vez em que nos vimos, o reflexo da minha própria alma
atormentada.
Demônios se escondem atrás desse olhar devastado, não importa se
estamos em lados apostos, se “vestimos” uniformes rivais, no final somos
dois malditos fodidos.
Talvez seja isso que me faz continuar olhando em sua direção quando
normalmente não tenho tanto interesse em pessoas tão lamentáveis.
— Eu posso estar vendendo minha alma, mas não se engane, o preço
que vou cobrar é muito alto.
Certa dose de emoção ameaçou percorrer o meu corpo, eu gostava
dessa sensação. Me sinto morto na maior parte do tempo, os segundos de
“vida” que tenho quando estou com Perseu são como uma droga. Eu posso
até odiar ter que voltar para mais uma dose, mas com certeza farei isso.
— Apenas faça o que eu te disse, e quando você for forte o suficiente
para me encarar como um igual, nos conversaremos sobre um “preço”,
Pouláki.
Um raro sorriso divertido escapou de seus lábios, me fazendo franzir as
sobrancelhas quando meus olhos foram capturados pelo mexer dos lábios
grossos. Não consegui desviar o olhar até que uma frase deixasse sua boca.
— Darei o meu melhor, Skiá.
Quando Perseu saiu do meu carro e andou para seu prédio sem olhar
para trás uma vez sequer, fui deixado com um sentimento que raras vezes
sinto: surpresa.
Skiá significa sombra.
Sorrio.
Alguém andou fazendo o trabalho de casa, agora o meu passarinho
sabe até a forma como sou conhecido no submundo do crime, o sombra.
CAPÍTULO 5

Minhas mãos suaram frio por boa parte da manhã, a todo momento
pensava que que seriamos chamados para atender a denúncia anônima
relatando uma suposta invasão a um prédio comercial. Quando isso
acontecesse eu temia o que nos esperava.
Andrea tinha falado por horas sobre uma peça de teatro que teria na
escola de uma de suas filhas, ela até tentou me convencer a ir. O que eu faria
se minha parceira se machucasse? Eu não devia confiar em Stephanos, não
confio nele! Mas também não posso deixar de lado a sua “ajuda”, terei que
seguir por caminhos que não quero, que certamente serão minha ruína total.
Stephanos Paraskevas é só um deles.
— Você está mais calado hoje do que nos outros dias, e ainda está com
essa marca estranha no pescoço. Tem certeza de que não está tendo
problemas no bairro onde mora? Eu já disse que podemos nos apertar em
minha casa e...
— Está tudo bem, Andrea — digo, se não estivesse com as mãos no
volante as teria levado até meu pescoço. No local tinha ficado manchas
horríveis do incidente com Paraskevas. O desgraçado quase me sufocou até a
morte quando tudo que eu fiz foi salvar a sua vida.
Tenho que parar de me meter nesses assuntos.
— Espero que não esteja mais vendo esse cara que te deixou desse
jeito! — ela retruca com os braços cruzados.
Eu tinha dito que saí com um homem que tinha gostos um pouco
violentos. Chame isso de humilhação, o tempo todo em que contava essa
mentira me lembrava do maldito Paraskevas, como se fosse uma vingança
do destino por contar uma mentira a Andrea, essa mulher que só quer me
ajudar. Ela nem mesmo piscou um olho quando eu falei que sou gay, coisa
que não pode ser dita de todos os meus colegas.
Certo que não saio por aí com uma placa no pescoço, “oi, eu sou gay”,
mas sempre que algum colega da delegacia descobre, já que não tento
esconder, rende piadinhas e insultos homofóbicos. Em Staten Ville era a
mesma merda, Ducan foi um dos poucos que nunca me olhou diferente por
causa da minha sexualidade. De resto, o departamento de polícia costuma ser
um lugar repleto de homens tentando provar alguma coisa, seja a sua
masculinidade ou o fato de que são melhores do que as mulheres. Poucos
conseguem não pensar assim.
O ambiente é machista, misógino e homofóbico. O combo perfeito.
— Eu te disse que foi coisa de uma noite — tento brincar para ver se
ela esquece desse assunto. Por mais que sinta um gosto amargo na boca
sempre que associo sexo e Paraskevas.
“Por favor, deuses, que meu pau murche e caía se eu algum dia tiver
uma ereção por causa daquele homem. Minha cota de heteros estúpidos foi
extrapolada há muito tempo.”
— Nunca vi um policial se arriscar tanto como você faz, Perseu...
Sua “bronca” foi interrompida pelo rádio da polícia.
— Viatura 135... Viatura 135, responda.
— Aqui é da viatura 135 — foi Andrea quem respondeu.
O tempo todo engoli em seco e apertei o volante entre os meus dedos.
Havia chegado a hora.
— Temos uma denúncia de invasão no 1224 da rua Charlington, vocês
são a viatura mais próxima ao local.
— Entendido central, estamos a caminho.
Rapidamente girei o volante e nos coloquei a caminho do endereço
citado. Como o esperado era um velho prédio, supostamente vazio. Andrea
desceu do carro e eu a acompanhei. Entramos no local depois de uma rápida
vistoria na parte externa. A rua em volta estava vazia, o lugar silencioso.
Tudo parecia normal até entrarmos com nossas armas em punho.
Eu queria avisar Andrea, pedir para que ela se preparasse para o que
pudéssemos encontrar, mas sabia que se fizesse isso levantaria suspeitas.
Teria que falar de coisas que não posso, por isso me limitei a seguir na sua
frente e dizer:
— Fique atenta, acho que ouvi um barulho vindo da parte de trás.
Minha parceira assentiu e caminhou logo atrás.
O prédio era antigo e não tinha elevador, por dentro estava
malconservado e parecia abandonado. Tinha um segundo andar, mas não
fomos para ele antes de vistoriar todo o andar de baixo. Para a nossa sorte,
assim como tinha dito Stephanos, o lugar estava quase vazio. Ao chegarmos
na parte de trás surpreendemos dois homens que estavam pesando e
embalando metanfetamina.
Eles ficaram tão surpresos com nossa chegada que demoraram a reagir.
— Polícia, mãos para cima! — gritei.
Um deles fez exatamente o que pedi, o outro tentou correr e foi
interceptado por Andrea. Ela foi rápida ao colocá-lo contra a parede e o
algemar. A essa altura eu temia que tivesse mais alguém no prédio e pudesse
nos surpreender, enquanto minha parceira estava incrédula sobre o que
tínhamos acabado de encontrar.
Ela começou a tagarelar sem parar sobre as drogas, eu fui rápido em
pedir reforços. Penso que estava tão nervoso, temendo que algo desse errado,
que Paraskevas estivesse brincando comigo, que não tive noção do que tinha
acabado de acontecer até que os reforços chegaram e começaram a vistoriar
o resto prédio e a separar a droga para apreensão.
O total de cem quilos de metanfetamina foram encontrados no local.
Cheguei a ser parabenizado por pessoas que antes nem olhavam na minha
cara quando eu passava. Andrea estava agindo como se fosse algum tipo de
estrela. Deixei que ela tirasse a foto para o jornal, não era uma primeira
página, mas teria repercussão suficiente para que eu conseguisse chamar a
atenção dos meus superiores.
— Você e Andrea fizeram um ótimo trabalho hoje.
Tentei sorrir e parecer satisfeito diante do chefe, John Meyer era um
policial das antigas, eu realmente acreditava na dignidade do homem depois
de poucos meses trabalhando sob suas ordens. Se o mundo fosse um lugar
diferente, se meus objetivos fossem diferentes, John seria o tipo de homem
em quem confiar. Infelizmente as coisas não são assim, e tudo que posso
fazer é tentar impressioná-lo e usar disso ao meu favor.
— Nós tivemos sorte, chefe, o lugar estava quase vazio e não teve troca
de tiros.
Isso tudo se devia a influência de Paraskevas, e isso eu manteria em
segredo.
— Você está certo, no entanto, isso não muda o grande feito. Essa foi a
maior apreensão de drogas do ano. Você deve saber que o prefeito pretende
se candidatar para as reeleições, com isso o comissário Hawking anda
pressionando o departamento em busca de resultados, ainda mais depois do
banho de sangue que aquele maldito Cartel e a máfia protagonizaram.
Andrea e você vão ficar sob os holofotes por um tempo, era de algo assim
que o departamento precisava para limpar um pouco a nossa imagem.
Eu podia dizer que ele estava descontente com a situação, que estava
fora de suas mãos. Para um homem como John, desviar a atenção da
população era puro jogo político. Para mim também era, sempre detestei
essas coisas, até precisar fazer uso delas.
— O que estou tentando dizer é que você deve ser esperto, cuidado para
não se deixar levar por todos os elogios que vai ouvir daqui pra frente,
mantenha a cabeça no lugar e vai conseguir tirar proveito da situação.
Assinto.
— Entendo, chefe.
Ele me olha com desconfiança por alguns segundos, depois respira
fundo, parecendo cansado.
— Dentro de alguns dias vai ter um evento de caridade onde todos os
figurões da cidade marcaram presença. O prefeito vai fazer uma fala, o
comissário vai estar lá, ele ligou pessoalmente para mim e disse que quer
Andrea e você presentes. Esteja preparado para ser usado por essa gente em
meio a manobras políticas.
Quase sorri diante de sua tentativa de me abrir os olhos.
Algum dia já fui um policial jovem e inexperiente? Penso que até nos
meus primeiros dias de trabalho já estava calejado pela vida para saber que
nem todo mundo que sorri e te dá tapinhas nas costas, de fato, acredita em
você.
— Eu estarei lá, chefe.
Ele me estudou por mais alguns segundos, então assentiu.
— Bom trabalho, Perseu.
Essas palavras quiseram ter algum efeito em mim, rapidamente as
suprimi.
Não havia sido um bom trabalho, tinha sido o começo do fim para mim.
— Perseu, cara!
Ao sair da sala do chefe fui recebido por vários rostos familiares,
muitos sorridentes como eu nunca tinha visto antes. Até alguns detetives do
departamento tinham se juntado aos pobres mortais.
— Hoje você precisa sair e comemorar com a gente.
Tentei negar e fui interrompido por um colega que jogou um braço por
cima dos meus ombros e começou a me levar para a porta. O tempo todo
Andrea estava observando todo com um sorriso no rosto. A mulher vivia me
dizendo para sair mais, ir beber com os colegas depois do trabalho.
“Você é muito solitário, Perseu, precisa fazer amigos!” dizia sempre, e
dessa vez se aproveitou da situação e nem tentou vir ao meu socorro. Na
verdade, minha parceira nos acompanhou até o bar localizado na esquina,
era o ponto de encontro preferido dos policiais locais, assim como o café um
pouco acima na rua. Esses dois lugares viviam lotados de policiais.
Naquela noite não foi uma exceção, poderia até apostar que o lugar
estava mais cheio que o normal. Quando passamos pela porta fui
cumprimentado por homens que nunca tinha visto antes, eles fizeram
perguntas e me pagaram bebidas como se fossemos velhos amigos, ou
melhor, como se eu fosse algum tipo de herói. Queriam saber detalhes da
apreensão de drogas, e não acreditavam na simplicidade dos fatos que eu
relatava. Nem eu mesmo conseguia acreditar que tudo tinha sido tão fácil.
Esse é o tipo de poder que Stephanos Paraskevas possui, ele pode
transformar um simples e lamentável policial de Nova Iorque em uma
“estrela” do dia para a noite.
Eu ainda estava incrédulo com a situação quando cheguei em casa mais
tarde do que o normal. Muitos pensamentos entravam em conflito em minha
mente.
Aquilo era “bom demais” para ser verdade.
O que Stephanos tinha ganhado com uma apreensão de drogas como
aquela?
Os traficantes eram seus inimigos?
De uma coisa eu tinha certeza, ele estava me usando. Não era porque o
dia tinha acabado bem para mim que eu deveria abaixar a guarda.
Nesse jogo eu sou o peão, e ele é o rei.
Me arrastei para dentro do meu apartamento, bêbado demais para
pensar racionalmente. Meu subconsciente ainda tentou me pregar uma peça,
tem que ser isso, pois jurava que encontraria Paraskevas me esperando
quando passei pela porta. E mesmo ao não o ver, procurei por cada canto do
espaço pequeno e decadente até me dar por vencido e me jogar na cama de
roupa e tudo.
— Você é patético, Perseu — resmunguei para mim mesmo, a cara
enfiada nos travesseiros.
Rolei na cama de um lado para o outro, pensando no dia, na conversa
com o chefe, na tal festa de arrecadação para a caridade... No maldito
Stephanos Paraskevas!
O sombra
Era assim que apelidaram o atual chefe da Aderfia. Muito se diziam
sobre o início desse nome peculiar. Alguns diriam que o homem era
praticamente invisível, poucos conheciam seu rosto. Nos inquéritos policiais
não tinha fotos ou descrições. O homem era realmente uma sombra que se
misturava na escuridão e atacava seus inimigos sem a mínima misericórdia.
Depois de conhecer a real identidade desse homem: Stephanos
Paraskevas, um empresário influente em Nova Iorque, em todo o país e fora
dele, não me estranha que o chamem de sombra. É assim que ele age, para o
resto do mundo é um sujeito respeitado, mas nas sombras se esconde um
criminoso sem escrúpulos.
— Por que estou fazendo isso?
Me arrasto para fora da cama, pego meu celular e entro na internet.
Digito seu nome como se isso fosse me dar mais informações do que já
tenho. Que estupidez. A quem eu quero enganar.
— Ele é gostoso.
De uma forma sombria e totalmente diferente de tudo que já
experimentei.
— Eu não quero experimentar, Stephanos Paraskevas! — resmungo
com uma voz bêbada, me jogando de volta na cama com o celular ainda em
mãos e aberto em uma maldita foto onde o homem aparece em um terno
elegante, ao lado de algum político importante.
Ele está tão polido, sorridente e elegante. Nem parece o bastardo que eu
conheço.
— É por isso que você sempre se ferra, Perseu.
Jogo o celular na cama, por sorte ele cai no colchão, estou sem dinheiro
para comprar um novo.
— Tem que ser o álcool para eu estar achando esse filho da puta bonito,
é isso...
Resmungo e me aconchego na cama, caindo no sono em poucos e
minutos. Mais sorte ainda é que foi um sono pesado o suficiente para que
não tivesse sonhos, odiaria que “esses pensamentos de merda” se
prolongassem mais.
CAPÍTULO 6

Entrei no salão de festas conduzindo Helena pelo braço, ela estava


deslumbrante o suficiente para fazer com que todos os homens, e algumas
mulheres, virassem o rosto para olhar a recém-chegada. Era sempre assim,
minha irmã não conseguiria passar despercebida mesmo que tentasse, e ela
não tenta.
— Eu odeio essas festas — resmungou baixo para que só eu a
escutasse, o tempo todo um sorriso se mantinha em seu rosto.
— Você é boa em esconder isso, por esse motivo é a melhor das
acompanhantes.
O fato de ela detestar esses eventos também contribui para que eu
sempre a traga comigo. Pois os detesto de forma semelhante, então pelo
menos terei alguém sofrendo tanto quanto eu, se puder ser a mulher que me
irrita com mais frequência do que deveria, melhor ainda.
— Deveria aceitar logo a mão de uma dessas princesinhas da máfia que
tanto tentam empurrar para você, pelo menos teria alguém para te
acompanhar nesses eventos.
Sorrio.
— Nem sonhe.
Por mais vantajoso que possa parecer um casamento de conveniência
dentro da máfia, não estou ansioso para ser controlado dessa forma.
Construir família, ter filhos e formar a próxima geração de líderes, nada me
entedia mais. Quando chegar a hora certa vou buscar um herdeiro, para isso
ele não precisa ter o meu sangue, eu nunca fui do tipo paternal mesmo.
— O país manda seus soldados para a guerra e depois os deixa
abandonados, por que somos nós quem tem que se preocupar com eles? —
resmungou mais uma vez, agora se referindo ao motivo de estarmos reunidos
esta noite.
É mais um evento anual para arrecadar fundos para a fundação Lamar,
uma das tantas que se dedica a cuidar dos veteranos de guerra. Aqueles
abandonados por suas famílias e seu país.
— Você sabe que ninguém aqui está realmente preocupado com essas
pessoas — sussurro, acenando com a mão para alguns políticos que conheço.
— É quase uma reunião social, ainda mais com os políticos eriçados graças
ao começo do período de campanha. Muitos aqui querem tentar a reeleição e
para isso precisam demonstrar serviço.
— Eu digo que é besteira, poderíamos apenas mandar um generoso
cheque e todos lembrarão do nosso nome na hora certa.
Eu até concordaria com essa afirmação se nessa hora não tivesse
encontrado quem estava procurando. Perseu estava junto de um grupo de
homens que incluía o prefeito, o comissário e o chefe do departamento de
polícia. Era visível em seu rosto todo o desconforto que sentia ao receber
tapinhas nas costas e palavras de incentivo. Podia estar longe, mas
imaginava qual era o teor da conversa.
— Então é por isso que você veio?
Volto minha atenção para Helena, ela tem um olhar de desinteresse ao
encarar Perseu.
— Preciso saber como está meu passarinho.
Minha irmã contêm o riso.
— Você não vale nada, sempre arriscando muito por alguns momentos
de diversão.
— Quem disse que é apenas isso?
Sua sobrancelha arqueada em questionamento me faz querer sorrir.
— Estou investindo em uma nova aposta, espero ter bons resultados.
Novamente encaramos Perseu, ele mal se contém para não revirar os
olhos ao ser bajulado mais uma vez pelo comissário. O homem o apresenta
para todos em volta como se Perseu fosse algum tipo de salvação para o caos
que se instaurou na força policial da cidade.
Curioso que coloquem tanta responsabilidade nas costas de um único
homem e justamente por questões políticas, quando na realidade esses
homens aqui reunidos poderiam fazer muito mais. Se investissem tanto em
segurança pública como eu invisto em meus homens e nossos negócios, a
taxa de criminalidade seria quase nula. Todavia, é claro que eles não estão
dispostos a fazer isso, e eu estou feliz com os resultados.
— Sei que está se divertindo muito, mas tome cuidado. Esse homem já
provou que é esperto e perigoso, se baixar muito a guarda quem vai acabar
em uma gaiola será você.
Ignoro as provocações de Helena, e volto a caminhar pelo salão de
festas. Apesar de odiar esses ventos, ela sabe ser uma perfeita dama quando
quer. Distribuiu sorrisos e falou com a eloquência de uma líder. Para todos,
ou quase todos, com quem conversamos minha irmã trabalha junto comigo
nas empresas da família. Graças a isso ninguém demonstra surpresa ao ver o
espírito de liderança que emana dela.
Isso sempre acaba ficando ao meu favor quando quero escapar para um
canto e beber um copo de vodca em paz. O mesmo serve para os momentos
em que quero conversar a sós com alguém sem ser cercado por pessoas
querendo atenção para falar sobre suas empresas e como podemos fazer
negócios juntos.
Para esta noite em questão, a forma como Helena cativou as pessoas em
volta me caiu muito bem ao poder caminhar discretamente pelo salão e
alcançar Perseu, que tentava se esconder em um canto próximo a porta de
saída mais próxima.
— Sabia que você viria — ele disse logo que parei em sua frente, na
mão tinha uma taça de champanhe e no rosto uma expressão de desgosto.
Que triste, Pouláki sempre tem essa expressão quando me vê, até
parece que não gosta de mim.
— Estava procurando por mim, passarinho? — questionei, me
curvando em sua direção para que conseguisse sussurrar em seu ouvido.
Estávamos próximos, não havia música alta no ambiente, ainda assim não
resisti a provocá-lo.
O homem estremeceu depois da minha pergunta e sua carranca se
aprofundou. Escondi um sorriso atrás do copo que ainda estava em minhas
mãos.
É cada vez mais divertido arrancar essas expressões perturbadas e
irritadas dele, por isso continuo investindo tanto no rapaz. Afinal, nem
mesmo lembro da última vez que fiquei interessado em alguém por tanto
tempo.
Zeus soltou uma piadinha na última vez que nos vimos, o idiota disse
que se Perseu fosse uma mulher eu estaria em apuros. Revirei os olhos e ri
de sua insinuação. Agora, encarando os olhos escuros e a forma como o
corpo menor tentar ficar o mais longe de mim que é possível no momento,
passo a me questionar se ele precisaria ser uma mulher para me colocar em
apuros?
— Tem algo no meu rosto? — questiona de mal humor, chegando a
limpar o rosto com a mão livre.
Contenho o sorriso, ele sempre está com essa expressão azeda, como se
precisasse afugentar as pessoas. Contudo, esses olhos têm tanto desespero e
solidão.
— Você quer dizer, além dessa expressão azeda? — retruco, ele abre a
boca pronto para me xingar, sei disso por causa das sobrancelhas franzidas.
No entanto, antes que isso aconteça a porta atrás de nós é aberta por um
garçom carregando uma bandeja.
Eu estava de costas para a porta e de frente para Perseu, acabei
trombando no homem que instintivamente me empurrou, fazendo com que
sua taça de champanhe pela metade entornasse por cima do meu terno feito
sob medida. O arregalar de seus olhos e o suspiro chocado que deixou os
lábios grossos quase fizeram a irritação deixar meu corpo.
— Porra! — xinguei.
— Desculpa, você veio... — Suas mãos esfregaram o tecido em meu
peito, foi inútil.
— Isso não vai adiantar de nada — falo, segurando suas mãos. Ele olha
para cima, o desespero em seus olhos se aprofundou. Duvido que seja apenas
por conta da camisa.
Perseu não queria estar nesse lugar, nem mesmo sei ao certo o que se
passa em sua cabeça. O homem está claramente lutando contra demônios
que ameaçam o engolir por inteiro. Vingança não é fácil, nem para qualquer
um. Você pode se quebrar aos poucos no processo, é isso que está
acontecendo com Perseu. E ao mesmo tempo que quero ver mais desses
pedaços quebrados, sinto vontade de quebrar em pedaços menores ainda os
desgraçados que colocaram um olhar tão desesperado nos olhos desse
Pouláki.
— Pare com isso, vai acabar sujo também — resmungo, me sentindo
mais frustrado do que irritado.
Estou totalmente consciente de que continuo segurando sua mão
quando o puxo para fora do salão. Ele tropeça em seus próprios pés, mas me
segue sem reclamar.
— Onde tem um banheiro? — questiono ao primeiro garçom que vejo
pelo caminho. O homem dá as indicações e sigo junto de Perseu até o local
próximo onde estávamos.
O lugar estava vazio e silencioso quando entramos, Perseu se encostou
na parede contraria as pias, eu tratei de abrir meu terno e tirar a camisa
molhada de champanhe, ficaria uma mancha horrível. Perfeccionista como
sou vou acabar jogando a peça de roupa fora antes do final da noite. Uma
pena, já que só esse terno custa quase três meses de salário de um policial
como Perseu. Se soubesse disso, se eu o fizesse me pagar pela peça de
roupa, o que ele faria?
Levanto os olhos, encontrando seu olhar através do espelho. Ele tem os
braços cruzados por cima do peito.
— Não me olhe assim, a culpa foi sua por ficar tão perto! — foi logo
dizendo, como se pudesse ler a minha mente e soubesse o que eu estava
pensando em fazer.
Sorrio, negando com a cabeça enquanto passo um pouco de água na
minha camisa.
— Você tem que se tornar responsável pelos seus atos.
— Não quando se trata de você!
Novamente levanto os olhos, ele me encarava e rapidamente desvia o
olhar, engolindo em seco por ter sido pego no flagrar. Era para as minhas
largas costas tatuadas que ele olhava com um interesse mal disfarçado. Sim,
eu já tinha percebido que Pouláki me acha atraente. Muitos homens o
fazem, não apenas as mulheres, a questão é que em dias normais ignoro o
olhar de outros homens, mas agora me sinto cada vez mais tentado a
provocá-lo.
Não sou o tipo de homem que me contenho ou me nego a algo que
quero.
Talvez Helena tenha razão e muito em breve eu termine queimado em
minha própria armadilha.
— Devo dar o primeiro passo e garantir que isso não aconteça? —
questiono em voz alta.
— Do que está falando?
Ainda com a camisa molhada entre meus dedos, viro de frente para
Perseu. Ele engole em seco, novamente sendo pego olhando para o meu
corpo.
Eu gosto de testar limites, trazer à tona a verdadeira personalidade das
pessoas. Como seria fazer isso com Perseu? Eu sei que ele é gay, os
relatórios sobre sua vida em Staten Ville foram bem claros quanto a isso...
Jamais cogitei estar com um homem porque o desejo não surgiu, ainda não
sei ao certo se quero fazer tal coisa com esse passarinho selvagem. O que
não posso negar é que minhas mãos praticamente formigam em sua
presença.
Quero ver até onde ele aguenta, o que suporta, como posso moldá-lo em
minhas mãos. Ninguém jamais aguentou tudo de mim, nem mesmo as
minhas amantes mais dispostas. Eu sei que tenho um puta lado obscuro, que
aterroriza as pessoas a minha volta.
O que Perseu faria se soubesse o quanto eu quero quebrar cada pedaço
dele até tê-lo implorando por mim?
Meu prazer é destrutivo.
No entanto, algo nesses malditos olhos escuros me diz que Perseu
aguentaria tudo que eu estivesse disposto a lhe dar, e ainda tentaria me
quebrar de volta.
— Como se sente sendo a nova celebridade do departamento de
polícia?
— Ah — ele solta uma respiração alta, chega a dar um pequeno pulo no
lugar. Tinha ficado tão preso na intensidade do meu olhar que se assustou
com minha pergunta.
Sorrio ainda mais, escorando as costas na pia atrás de mim e abrindo
bem as pernas, sei que a pose deixa meu corpo em total evidência. É isso que
quero.
“Se perca mais um pouco, Perseu. Continue me divertindo, Pouláki.”
— Ainda não entendo o que você ganha com isso — deixou escapar por
entre os lábios seco, que logo são lambidos pela ponta de uma língua rosada.
Aperto a camisa entre meus dedos.
— Além de ter um passarinho mais influente dentro do departamento
de polícia? — Ergo uma sobrancelha, ele revira os olhos.
— Sei que tem gente muito mais influente do que eu trabalhando para
você.
Dou de ombros, era a pura verdade.
— Nenhum deles me diverte como você, passarinho, mas se sente que
está em dívida comigo eu vou te deixar equilibrar um pouco a balança. A
apreensão das drogas mexeu com aqueles que estão tentando acabar comigo
pelas minhas costas, agora é hora de dar o próximo passo. Você quer fazer
isso?
Visto minha camisa enquanto espero uma resposta. Tenho acabado de
colocar o terno quando ele assente e diz:
— O que vai fazer?
— Esteja preparado amanhã no início da noite.
Vejo desconfiança em seus olhos, ele não retruca.
Logo em seguida deixamos o banheiro e retornamos ao salão de festas.
Perseu permaneceu em silêncio, pensativo, deixei que ele o fizesse. O que
queria dele, por hora, era que fizesse o que eu lhe disse. Isso iria envolver o
rapaz cada vez mais profundamente no mundo do crime, não sei se ele já
tem noção disso ou se vai perceber aos poucos.
Outros, como Helena, me chamarão de louco, mas eu estou ansioso
para vê-lo assim, sem poder escapar, incapaz de voar para longe.
Quem precisa de gaiola? Eu vou o envolver com as sombras que saem
de mim.
CAPÍTULO 7

Estava me sentindo um idiota, precisava me afastar de Stephanos antes


que deixasse ainda mais claro que sinto tesão por ele. Sim, meu pau pode
cair agora!
Por sorte, o homem foi levado para longe de mim por sua irmã logo que
retornamos ao salão de festas, pude respirar novamente. E eu que pensava
que ter de aguentar a bajulação do comissário de polícia fosse o ponto mais
baixo da noite.
— O que será que ele planeja fazer? — resmungo, me referindo ao seu
“pedido” para que me junte a ele amanhã à noite, com certeza vai ser algo
ilegal.
— Você está bem, Perseu? — Andrea estava bem-vestida, toda elegante
e sorridente. Ela tinha vindo na companhia do marido e ao contrário de mim,
amou a atenção que recebeu durante toda a noite.
— Sim. — Forço um sorriso e a acompanho de volta até onde está seu
marido e alguns ilustres policiais aposentados de Nova Iorque.
Pela forma como o prefeito e o comissário falavam sobre a apreensão
de metanfetamina que fizemos, quase parecia que todos os problemas com a
segurança pública da cidade haviam sido resolvidos. E o pior é que algumas
pessoas demonstram comprar essa ideia. É por isso que tenho que manter os
olhos bem abertos, ou mesmo com a “ajuda” de Stephanos Paraskevas, ao
invés de subir na cadeia alimentar vou acabar morto e comido por “lobos”
logo no início.
Uma coisa é clara para mim, sou dispensável para esses homens,
preciso mostrar serviço se quiser continuar entre eles e ter a chance de
chegar em Edmundo, Vitale e qualquer pessoa acima deles.
Desvio os olhos pelo salão e encontro Stephanos. Ele está rindo junto
com alguns homens que acredito serem empresários, já vi alguns deles em
revistas. Como se sentisse meu olhar, ele vira a cabeça em minha direção. É
inútil tentar olhar para o outro lado, estou preso naquela imensidão escura.
Aperto as mãos em punhos e respiro fundo.
Esse é um homem perigoso, ele vai me destruir sem piedade. Quando
não for mais “divertido” para ele serei descartado. Então por que sinto que
devo segui-lo? Depositar minhas esperanças nele?
Ah, por favor, os homens da lei, os mocinhos são estes com quem
conversei por boa parte da noite, esse desgraçado que me encara como se
pudesse ver a minha alma é alguém que vai me afundar no mais profundo
que um ser humano pode ir... eu já devo estar no caminho para isso, só pode,
porque nem estou bêbado e quero deixar que me segure pelo braço e me
mostre o caminho como fez quando fomos ao banheiro.
Preciso ser forte logo, necessito destruir meus inimigos enquanto posso,
porque sinto que não vai demorar muito... Stephanos Paraskevas vai me
alcançar em breve, e eu não sei o que vou ser depois de encarar de frente a
escuridão que reside nele.
Ele estava esperando por mim em seu carro do outro lado da rua do
meu prédio. Consegui vê-lo através da janela enquanto o homem parecia não
ter qualquer preocupação nessa vida. Stephanos estava fumando com as
janelas abertas e os olhos fechados. Devia se considerar algum deus
inalcançável para fazer semelhante coisa em um bairro tão perigoso.
Contrariado, vesti um casaco por cima da camisa fina e peguei minha
arma antes de trancar a porta e descer as escadas. O zelador do prédio me
encarou com desconfiança quando passei por ele, que conversava com um
dos moradores, um homem mais velho que sempre andava pelos corredores
com um cachorro pequeno em uma coleira. Era um intrometido, não
negando isso quando correu até a entrada do prédio para me ver seguindo até
o outro lado da rua onde estava Paraskevas.
— Você não tem medo algum de se expor? — resmungo, parando
diante da janela do motorista. Ele sorriu, ligando o motor e fazendo um gesto
para que eu entrasse no carro.
— Se está tão preocupado comigo, por que demorou tanto?
— Sou seu cachorrinho que tenho que vir correndo sempre que você
chegar?
Estremeço no banco quando um sorriso lascivo desliza por seus lábios.
Devo estar vendo coisas, só pode.
— Não me tente, Pouláki.
— Tentar? — repito como um idiota, querendo me chutar logo em
seguida.
É por isso que sempre me ferro quando se trata de homens, busco os
piores tipos e me iludo com o primeiro hetero gostoso que flerta comigo.
Agora fazer isso até com um desgraçado como Paraskevas tem que ser o
maior karma da minha vida.
— Sim, tentar, penso que você ficaria muito bem com uma coleira em
volta do pescoço — respondeu com uma tranquilidade que me deixou sem
palavras, mal conseguia acreditar que isso saiu da sua boca.
O homem sempre foi um idiota que fala o que bem quer e quando quer,
mas isso já não pode ser apenas minha imaginação, eu ouvi o flerte
descarado em sua voz. É parte de seu jogo doentio?
Preferi ficar em silêncio e deixá-lo dirigir.
Talvez precise acabar logo com o tempo de seca, quem sabe assim
esqueço essa merda envolvendo Stephanos Paraskevas. Esse homem coloca
em risco tudo pelo que tenho me dedicado, o desejo de vingança que me
motiva a seguir em frente desde que encontrei Ducan, Sarah e Julie mortos.
— Esse olhar nos seus olhos é deprimente.
Sua voz me desperta do vazio onde entrei ao lembrar daquela noite,
normalmente levaria muito mais do que poucas palavras para conseguir isso,
mas Paraskevas o fez, e junto disso roubou toda a minha atenção. Sua fala
não era questionadora, ele demonstrava compressão diante da dor
devastando minha alma, não me estranha que um homem como ele conheça
o inferno de perto.
— O que estamos fazendo aqui? — questiono, olhando para a rua
pouco movimentada. Tínhamos saído de um bairro decadente para cair em
outro.
O lugar tinha prédios antigos e malconservados, a maioria deles eram
estabelecimentos comerciais tentando sobreviver ao tempo. Contudo, um
detalhe era difícil de ignorar, em uma rua tão decadente os carros de luxo
entrando na garagem do último prédio antes da esquina, era no mínimo
curioso. Apenas no tempo em que estávamos parados ali, vi quatro luxuosos
veículos descerem a rua, diminuir a velocidade e entrar na garagem. Os dois
homens enormes que verificavam as identidades também chamavam muito
atenção, tudo aquilo destoava do lugar onde estávamos.
— Você percebeu?
Assenti.
— O que é isso? O que está acontecendo ali?
O encaro, a expressão que encontro não é a normalmente provocadora e
divertida, Stephanos está sério. É todo um mafioso e homem de negócios
nesse momento.
— O laboratório de metanfetamina que você desmantelou no outro dia,
ele estava fazendo negócios por baixo dos panos. Eu tinha ciência de sua
existência, todavia os números não estavam batendo. Tem alguém no meu
território tentando me desacreditar, comendo pelas beiradas, se rastejando
como um verme e tentando me tirar do poder.
— A tentativa de assassinato?
Ele assente.
— Estão desesperados para me verem morto, eu não vou facilitar as
coisas para eles. Quando o laboratório foi fechado muita gente ficou
desesperada, recorreram a mim como eu esperava que o fizessem. Tirei uma
valiosa fonte de renda dos meus inimigos e estendi a mão quando me
procuraram, fingindo não estar ciente de que eles adulteravam os números.
As pessoas quando ficam gananciosas cometem erros tolos.
— Então por isso você me deu aquela informação.
— Eram peixes pequenos, um grão de areia no oceano, mas para os
envolvidos representava muito. O suficiente para que viessem até mim,
expostos, desesperados, assim foi fácil jogar a isca. — Ele aponta para o
prédio onde os carros estavam entrando. — Tem negócios muito mais
obscuros acontecendo nessa cidade. Coisas que fogem as regras da Aderfia.
— Vocês têm regras? — minha pergunta saiu com um tom de deboche
que foi ignorado quando ele continuou:
— Como você aplica uma punição se não estabelece previamente as
regras?
— Hum... e quais são as suas? — Me viro no banco, o encarando com
interesse.
Stephanos sorri, o filho da puta sabe que...
— Helena cortaria fora o pau de qualquer homem que abusasse de uma
mulher, crianças também estão fora do jogo.
Volto a encarar o prédio no final da rua.
— É isso que está acontecendo lá? — Um cenário começa a se formar
em minha mente. Sinto raiva e enjoo embrulhando meu estômago. Só
consigo pensar em Sarah e Julie.
Quando minha mão está na porta do carro pronta para abri-la, sinto o
corpo de Stephanos praticamente cobrir o meu, assim como sua mão faz com
a minha.
— Não é hora para isso — a frase é sussurrada junto ao meu ouvido.
Um pouco do enjoo diminui quando estremeço.
— Isso eu não vou aceitar!
Ele aperta minha mão com mais força, podia jurar que senti seu nariz
encostar em meus cabelos. Ele tinha respirado fundo? Sentindo meu cheiro?
— E nem precisa, apenas tenha calma, Pouláki. Meus homens estão
vigiando o lugar por semanas desde que confirmamos a localização. E
devido aos recentes acontecimentos consegui disseminar a informação de
que estou disposto a ampliar os negócios.
— O que isso quer dizer?
Decepção toma conta do meu corpo quando o seu se afasta. Sinto a falta
do peso sobre mim na mesma hora.
— Recebi um convite, muito em breve estaremos nos juntando a eles.
— Aponta para o prédio.
Minha mandíbula trava de raiva.
— E como isso vai ajudar em alguma coisa? Tem mulheres e crianças
sofrendo sabe-se Deus o que, bem ali!
— Você não pode fazer nada, até se tentar ligar para o departamento de
polícia o máximo que vai acontecer é acabar morto pelas mãos dos policiais
que são subornados pelos homens a frente desse negócio. Seja esperto,
passarinho, você entrou em mundo sujo e perverso, se quer ter a chance de
ajudar alguém deve escolher o lado que melhor te possibilite isso.
— O seu? — debocho.
— Sim, ou por acaso eu não tenho sido mais sincero do que seus
colegas de farda?
Com as mãos em punho me recuso a responder. No fundo, ele tinha
razão. Se eu abrisse a boca agora tudo que conseguiria é acabar morto como
meu antigo parceiro. Gostando ou não disso, é Stephanos e seus objetivos
ocultos que melhor podem “ajudar” nesse caso.
Ele está buscando benefício próprio, e eu posso aceitar isso se no final
esse lugar for fechado e essas pessoas pagarem pelo que estão fazendo.
— Vou ajudar.
Ele sorri, ligando o motor do carro.
— Sei disso.
Coloco o cinto e tento afastar da minha mente os pensamentos que
zombam de mim. Sou fraco, muito fraco, não tenho a força para salvar
alguém por mais que essas pessoas estejam tão próximas de mim. É nisso
que penso quando nos afastamos do prédio onde não para de entrar carros
luxuosos.
— Você precisa de uma bebida — ele diz, os olhos atentos no trânsito,
isso me dá a chance de encarar seu rosto.
A barba grande, os lábios cheios, sobrancelhas grossas, grandes olhos
escuros. Eu gosto do que vejo, ainda mais se descer o olhar pelos ombros
enormes que preenchem a camisa social. Um pouco mais abaixo estão as
coxas grossas, e as pernas longas, até os pés do homem são enormes. E não
vamos fingir que eu não vi o pau enchendo a calça, mesmo que estivesse
mole era evidente seu tamanho. Poderia estremecer só de pensar em tal
coisa.
Sim, estou em uma seca louca.
— Por que está sorrindo?
Sou pego no pulo e desvio o olhar.
— Nada, só espero que você pague pela bebida.
Ele ri.
— Se o salário de policial é tão miserável, sempre tem um lugar para
você na minha empresa, Pouláki.
— Olha que eu posso aceitar se continuar vivo quando terminar de
enterrar alguns desgraçados.
Stephanos me encara com os profundos olhos escuros e enigmáticos. É
difícil dizer o que ele está pensando, mas de uma coisa tenho certeza, algo
em minhas palavras o desagradou, o homem está apertando com força o
volante do carro.
No entanto, ele ficou em silêncio, sem retrucar minhas palavras.
Respeitei seu silêncio e assim permanecemos até que o veículo parasse na
garagem subterrânea da The Hell. Sabia que estávamos vindo para cá.
O segui sem a necessidade de palavras, ele subiu diretamente por seu
elevador privado, sendo recebido pelos soldados da Aderfia que faziam a
segurança. Ouvi alguns Igétis até chegarmos ao terceiro andar da boate. Era
como seu reino particular, o homem entrou com uma presença esmagadora
no local, diminui o passo nesse momento, admirando seu caminhar assim
como as pessoas presentes fizeram. Várias cabeças girando para ver o
mafioso passar.
Naquele momento Stephanos parecia outra pessoa, ainda mais distante
e inalcançável do que o normal. Quando estamos só nós dois, em seu carro
ou em qualquer outro lugar onde seu sorriso estupido me tira do sério e o
desejo de dar-lhe um tiro é muito forte, eu quase esqueço que ser hetero é o
menor dos problemas.
Foi inevitável, senti um enjoo revirar meu estômago a cada novo passo
dado. Um grupo de mulheres belíssimas se aproximaram de Stephanos
quando ele chegou a sua mesa, o mafioso as recebeu com um sorriso,
acenando para que elas se sentassem. Senti como se estivesse ainda mais
distante do meu habitat natural.
O que merda estava fazendo ali?
— Uma vodca, por favor — pedi, me aproximando do balcão de
bebidas no canto do enorme salão. Queria fugir para o lugar mais distante
possível naquele momento. Seria muito estranho me juntar a mesa de
Paraskevas quando estou me sentindo um completo estupido.
Um copo de vodca foi colocado em minha frente e o agarrei, tomando
um gole longo. Tudo queimou por dentro de mim.
Foi difícil, mas desviei o olhar da mesa de Stephanos.
— Foda-se, eu mereço isso por me deixar levar tão facilmente. Que
droga é essa carência?
Eu sabia, no fundo eu sabia que estava perdido, caindo sem conseguir
me agarrar a nada. Era por isso que detestava tanto aquele maldito mafioso,
porque ao olhar dentro de seus olhos reconhecia o mesmo vazio
desesperador que reinava no meu olhar. Não era como se a queda parasse,
era como se já não estivesse mais caindo sozinho.
— Duas vodcas.
Uma voz atrás de mim pediu, reconheci que se tratava de um homem.
Era estranho ter alguém pedido uma bebida no balcão quando garçons
circulavam por entre as mesas, pensei que teria um momento de paz se me
“escondesse” ali.
Ergui uma sobrancelha quando um copo foi deslizado pelo balcão até
parar na minha frente. Levantei os olhos e foquei no rosto do sujeito. Era um
pouco mais velho do que eu, grande, elegante e sorridente. Eu duvidava que
fosse um mafioso, tampouco era um político. Empresário talvez?
— Não aceito bebidas de estranhos.
Tento mostrar desinteresse para que ela vá embora. Certo que mais cedo
pensei em acabar com o meu período de seca, no entanto, pretendo fazer isso
com alguém que não seja um criminoso.
— Hector Petrov — estendeu a mão em minha direção, invadindo um
pouco mais do meu espaço.
O homem era grande, notei isso mais uma vez, apesar de que Stephanos
era bem maior. O tal Hector lembrava mais a figura polida e sofisticada de
Zeus, o mafioso que conheci da última vez em que estive aqui.
— Bom para você — respondo, nem faço questão de segurar sua mão.
Ele ri.
— Esse é o seu jogo? — Encostou o lado direito do corpo no balcão do
bar. — Você trabalha aqui?
Como eu não estava servindo bebidas, para trabalhar ali só se fosse
como prostituto. A resposta para isso era bem obvia levando em conta a
forma desleixada como estava vestido. Se fosse me prostituir em um lugar
como esse me vestiria um pouco melhor, ou por acaso existe algum fetiche
estranho envolvendo roupas de assalariado?
— Cara, se manda!
— Com quem você pensa que está falando?
Eu iria socar o filho da puta que teve a ousadia de agarrar meu pulso e
torcer com força.
— Você perdeu o pouco de noção que ainda te resta, Petrov?
Meu corpo estava quente e preparado para uma briga, contudo, esfrio
rápido diante da voz dura como aço. Hector nem mesmo teve chance de
soltar meu pulso antes que Stephanos agarrasse seu braço e o torcesse atrás
das costas.
Engoli em seco, parado, de boca aberta como idiota. Nem sabia o que
fazer quando um homem estava sendo colocado de joelhos ao ter seu braço
torcido de uma forma que com certeza tinha quebrado o osso, e outro
homem com uma expressão selvagem parecia a ponto de arrancar a pele
deste sujeito com os dentes se fosse preciso.
É isso que significa ser Skiá?
O maldito mafioso não apenas está coberto pelas sombras, ele é a
própria “sombra”.
— Paraskevas? — disse Hector com um tom chocado e cheio de dor.
Seu braço ainda era fortemente torcido atrás das costas.
— O que foi? Até pouco tempo atrás você estava corajoso o suficiente
para colocar a mão no que é meu!
Todo o salão estava em silêncio, apenas os resmungos dolorosos de
Hector eram ouvidos. O homem tentou falar alguma coisa, sendo impedido
por um golpe certeiro em seu queixo. O joelho do mafioso acerto-o em
cheio, fazendo sua cabeça virar para trás e um som nauseante de ossos
quebrando foi ouvido. Hector caiu no chão desacordado, sangue escorria
pelo rosto vindo da boca e do nariz. Eu ficaria chocado com aquilo se já não
estivesse totalmente paralisado diante do que aconteceu.
Mas que porra?!
CAPÍTULO 8

Meu irmão está acostumado a fazer o quer, ele nunca foi do tipo que
segue regras, Stephanos as crias e faz com que aqueles abaixo dele as
obedeçam. No entanto, isso nunca o tornou um idiota descuidado. Ele estava
dando um show diante dos olhos de homens e mulheres que não hesitariam
antes de usar qualquer pequena informação contra o temido mafioso.
— Não temos nada para ver aqui — falo, tomando toda a atenção para
mim enquanto vejo meu irmão arrastando o policial para fora do salão
principal localizado no terceiro andar da The Hell.
Concordo que Hector Petrov é um idiota, eu mesma desejaria quebrar
sua cara até que ela virasse uma papa sangrenta, mas de preferência faria
isso sem agir como um homem das cavernas defendendo sua... seja lá o que
Perseu é.
O que está acontecendo com você, Stephanos?
— Como ele está? — pergunto para Lupi, ela está abaixada ao lado do
corpo inerte e sangrento de Petrov.
— Vai sobreviver — responde, se levantando e fazendo um gesto para
que dois seguranças se aproximem. — Vou levá-lo para um dos quartos
privados.
Assinto, sabendo que ele precisava de atendimento. Minha mulher é
boa demais para atender um lixo como esse, ainda assim deixo que ela o
faça. Petrov foi ferido em nossa boate, pelo meu irmão, bem diante dos olhos
dos nossos clientes, e não é como se pudéssemos chamar a polícia ou o levar
até um hospital.
Vendo Lupi seguir atrás dos seguranças que carregavam Petrov, falo
mais uma vez para nossos clientes voltarem a beber e aproveitar a noite e
com um enorme sorriso sedutor no rosto sei que consegui meu objetivo. Aos
poucos eles voltam as suas atividades como se nada tivesse acontecido,
passo pelos empregados que limpavam o sangue do chão e sigo direto pelo
corredor restrito ao público, foi por lá que Stephanos levou Perseu.
— Por onde ele foi? — questiono ao soldado fazendo a segurança do
corredor.
— Para o elevador, senhora — respondeu, baixando a cabeça em sinal
de respeito.
Passei direto por ele e caminhei até o elevador. Sabia que Stephanos
ficaria ainda mais puto se eu o interrompesse, isso não me impediu de descer
até a garagem, local para onde ele certamente iria se quisesse tirar Perseu da
The Hell.
Normalmente tento me manter a parte, não me meto em suas decisões e
ele faz o mesmo por mim. Contudo, nos momentos em que o idiota perde a
razão e está prestes a fazer uma grande besteira, eu tenho que ser a voz da
razão e impedir. E os deuses sabem como odeio ter que fazer essa merda de
papel, Stephanos desgraçado!
— Eu disse pra você soltar, porra!
Escutei os gritos de Perseu logo que as portas do elevador se abriram. A
garagem estava silenciosa, com exceção dos dois homens adultos brigando.
Stephanos arrastava Perseu como se o policial fosse um boneco de pano, em
contrapartida o homem lutava contra o aperto em seu braço e se recusava a
segui-lo até o carro.
— Eu faria isso caso não queira deslocar o ombro dele — falo, ouvindo
o ressoar dos meus saltos ao caminhar pela garagem.
— Não se meta, Helena! — meu irmão berra, como eu sabia que ele
faria.
— É melhor ouvir a sua irmã, caso ainda não tenha percebido, eu sou
bem grandinho e dispenso sua proteção.
Aquele olhar louco nos olhos de Stephanos nunca era um bom sinal.
— Quem disse que estou protegendo você? — O balançou pelo braço.
— Te dei liberdade o suficiente para que esquecesse o seu lugar, Pouláki?
Se você quer ser uma das minhas prostitutas é só dizer, mas não pense que
vai se vender na minha boate como estava fazendo agora pouco!
Eu sabia que era a coisa errada a se dizer antes mesmo de ver o ódio
brilhando nos olhos de Perseu antes que o homem usasse o braço livre para
acertar um soco no queixo de Stephanos. E tenho que admitir, o homem era
mais forte do que aparentava, conseguiu que meu irmão o soltasse enquanto
dava um passo para trás, uma mão cobrindo o queixo, sangue escorrendo do
local.
— Seu filho da puta! — a voz de Perseu não foi gritada, o homem
estava calmo e frio. Permaneci parada onde estava, temendo dar um passo à
frente, meu irmão tinha se recuperado do golpe e o encarava com uma frieza
semelhante no olhar. — Eu sou gay, isso não me torna uma vagabunda, ou
por acaso você também é uma? Se formos olhar por esse lado era você quem
estava lá cercado de mulheres.
Oh, oh, oh... o que temos aqui?
— Passarinho!
Perseu estremeceu diante do tom de aviso de Stephanos, e deu um
passo para trás quando meu irmão foi em sua direção.
— Pode me chamar de passarinho o quanto quiser, mas se pretende
quebrar as minhas asas, te garanto que vou fincar minhas garras fundo o
suficiente para perfurar seu maldito coração!
Contrariando até as minhas próprias expectativas, Stephanos foi
abrindo um sorriso que se ampliou de um lado ao outro de seu rosto.
Esse imbecil ficou completamente insano, é a única explicação.
E essa insanidade deveria ser contagiosa porque Perseu não estava tão
alheio a isso tudo. O homem tentava disfarçar, mas aquele sorriso o afetou.
Soltei um riso alto e atraí a atenção de ambos.
— O que é tão engraçado?!
Ah o esquentadinho, como esse homem conseguiu entrar na polícia?
Ele tem um espírito combativo demais para ser chamado de mocinho.
— Me diga você, o que acha que é tão engraçado?
O homem contorce os lábios em desagrado. Sim, ele sabe. E pelo olhar
no rosto de Stephanos, ele também está ciente do que acontece aqui.
E eu que pensei que ele era reto como uma flecha.
— Seja lá qual for a merda que tenham para resolver, façam isso longe
dos olhos alheios. Ninguém aqui quer dar a impressão errada para todos os
abutres que esperam ansiosos por um sinal de fraqueza, não é mesmo? —
faço a pergunta olhando diretamente para os olhos do meu irmão. Seriedade
toma conta de seu rosto.
— Vamos, Pouláki!
Mesmo que a poucos minutos os dois estivessem espumando de ódio,
de forma surpreendente, o policial o seguiu sem mais questionamentos.
São dois doentes, tenho certeza de que se procurar vou encontrar mais
semelhanças entre eles do que diferenças.
— O que houve, linda? — a pergunta de Lupi vem junto de seus braços
envolvendo minha cintura. Ela para atrás de mim, nossos corpos se tocando
e seu rosto afundando em meu pescoço.
— Meu irmão enlouqueceu de vez.
— O policial?
Assinto.
— Ainda acho arriscado colocar um policial no meio de operações tão
sigilosas.
Tinha que concordar com minha mulher, Perseu salvou sua vida quando
Lupi foi sequestrada por remanescentes do extinto Cartel Los Hermanos. Era
por isso que eu tolerava sua presença. Stephanos parecia querer o rapaz
como um bichinho de estimação, achei isso um jogo arriscado, mas é justo o
tipo de coisa que meu irmão gosta, então fechei os olhos para isso. Contudo,
ele está inserindo o policial em nossos negócios agora, deixando-o ter
informações que não deveriam sair da cúpula principal de Aderfia.
Tal coisa é arriscada demais. Stephanos sabe disso, e parece gostar do
risco.
— Tentei dizer isso a ele, as coisas aconteceram como o esperado com
o laboratório de metanfetamina e por isso meu irmão pensa que é uma boa
ideia ir ainda mais longe.
— Estamos falando de traição, uma conspiração para tirar o Igétis do
poder. Stephanos deveria entender isso e dar a devida atenção a situação.
— Ele não é idiota, sei que pensa ter tudo sobre controle.
— Não colocando tanta confiança em um completo desconhecido!
Sorrio diante da sua preocupação, ela é sempre assim, a pessoa com
mais juízo entre todos nós. Lupi age de forma racional, pensando no bem da
Aderfia.
— Vamos ficar de olho no policial e garantir que nada saía do controle
— falo, girando em seus braços até ficar de frente para ela.
Minha borboleta é baixinha mesmo em seus saltos, eu acho fofo, por
mais que Lupi me encare com olhos apertados sempre que menciono isso.
— Você também desconfia dele? — questiona com uma sobrancelha
arqueada, o rosto contorcido mostrando seu desagrado.
Roço meus lábios nos seus, fazendo-a suspirar e relaxar quando
envolvo seu corpo com meus braços.
— Pode não parecer, mas Stephanos sabe o que faz.
Por mais que nesse momento ele esteja navegando por águas
desconhecidas. Olhar para os olhos castanhos da minha Petaloúda me faz
pensar no quanto tive sorte nessa merda de vida. Tive que construir meu
lugar dentro da Aderfia em cima de uma pilha de corpos cercados por um
mar vermelho de sangue. Nunca foi fácil, eu sabia disso quando percebi que
deseja bem mais do que ser uma “princesinha” da máfia.
Alguém dissimulada como eu jamais deveria conhecer a doçura de
amar e ser amada. Então Guadalupe apareceu na minha vida, uma jovem
médica de espírito forte que foi capaz de se voltar para o que acreditava
apenas para poder estar ao meu lado. Ainda é difícil de acreditar que alguém
como ela possa amar uma pessoa como eu.
É possível mesmo ver além dessas rachaduras manchadas de sangue e
corrupção?⁹
Lupi conseguiu esse feito, e merecendo ou não, sou amada por ela. Esse
ser falho que nem mesmo merece conhecer o amor, o tem de sobra.
Estou mesmo surpresa por meu irmão estar tendo sua vida virada de
cabeça para baixo?
Esse filho da puta é pior do que eu, um poço de egoísmo, alguém que
só se preocupa consigo mesmo. Será capaz de segurar entre suas mãos algo
tão precioso sem correr o risco de o sufocar até a morte?
— Por que está suspirando?
Nego com a cabeça, tentando fugir da pergunta de Lupi. Ela é esperta e
em pouco tempo, se as coisas continuarem como estão, vai perceber que
Stephanos está perdido em meio a uma realidade que ele desconhece: o
desejo de possuir algo que não pode ter.
Não pode ter... já faz algum tempo que cheguei a uma conclusão sobre
essa frase.
Nós podemos ter qualquer coisa, até seres obscuros como nós. A
questão é conseguir manter, estamos tão acostumados a matar tudo que se
aproxima, que é difícil manter vivo mesmo aquilo que nos faz bem. Acima
de tudo é assustador, e nós atacamos o que nos assusta.
Boa sorte, irmão, eu penso o jogo virou e não consigo ver um vencedor
até o momento. Você e Perseu são dois loucos fodidos mesmo.
CAPÍTULO 9

Eu sabia que alguém tinha entrado no meu apartamento, a porta tinha


sido arrombada novamente, entrei com a arma em punho, esperando
encontrar Stephanos. Dessa vez iria atirar no infeliz. Tudo estava silencioso,
nada fora do lugar o que descartava roubo.
Quando percorri o pequeno espaço do apartamento até chegar no
quarto, o mafioso não estava lá, ao invés disso encontrei um terno preto
cuidadosamente arrumado em cima da minha cama.
Depois da noite desastrosa na boate The Hell, duas semanas de relativa
paz tinham transcorrido. Se é que eu poderia chamá-las assim. As coisas no
trabalho tinham voltado ao normal, já sem tanto alvoroço e especulação dos
meus colegas sobre a grande apreensão de drogas que Andrea e eu fizemos.
Eu preferia assim, tinha tido um gosto do que é ser o centro das atenções e
não gostei disso.
Ao vir para Nova Iorque pensei que se tivesse êxito em meu trabalho
poderia conquistar aliados importantes e assim alcançar meu objetivo
principal, acabar com todos os envolvidos na morte do meu parceiro e sua
família. Contudo, notei rápido que para esses homens não passo de mais um,
alguém para ser usado quando for conveniente. A melhor saída que encontrei
foi recorrer a Paraskevas, independe do quanto isso me custe, apenas ele
pode me ajudar a conquistar meu objetivo.
— Esteja pronto às dez — li em voz alta o bilhete que estava em cima
do terno. Nem foi preciso uma assinatura para saber quem o tinha mandado.
— O que ele está planejando?
Analiso mais de perto o terno, reconhecendo a marca caríssima que eu
jamais poderia pagar com o meu salário atual. Sem falar que era no meu
tamanho, como se tivesse sido feito sob medida para mim. Que ele soubesse
qual tamanho eu uso nem é uma surpresa, o que realmente surpreende é que
Stephanos tenha se preocupado com algo assim.
— Como se ele tivesse feito isso por mim — resmungo, largando o
terno sobre a cama e guardando a arma antes de seguir para o banho. Tinha
terminado meu turno muito tarde e peguei trânsito no caminho por conta de
um acidente que causou engavetamento de carros próximo onde moro,
sequer tive como contornar.
Estava cansado o suficiente para só desejar um banho e minha cama, no
entanto, ao sair do banho tratei de me vestir. Não ficaria de fora justamente
quando Stephanos vai até aquele lugar, meu corpo coça com a sensação de
impotência, sou um policial e não posso fazer nada quando meus maiores
inimigos, para todo lugar que olho, são colegas que vestem a mesma farda
que eu e fizeram o mesmo juramento de defender as leis.
O terno vestiu perfeitamente como eu sabia que faria, junto dele tinha
um par de sapatos sociais, tão luxuosos quanto, eu me certificaria de
devolver tudo depois dessa noite. Por fim, não era como se quisesse ficar
mais apresentável nem nada disso, mas como ganhei um terno caríssimo quis
ficar todo à altura da situação, então gastei algum tempo nos cachos do meu
cabelo, eles nunca tinham cooperado tanto comigo como esta noite. Cheguei
a passar um pouco de perfume, ignorando totalmente a imagem do homem
que veio em minha mente nesse momento.
Não desejo agradá-lo!
Dez horas em ponto olhei pela janela e um carro luxuoso demais para o
bairro decadente onde moro estava estacionado em frente ao meu prédio.
Tinha que ser ele.
— O que merda eu estou pensando? — resmungo ao deixar o
apartamento. — Estou imerso nisso demais para desistir agora. Seja lá o que
o destino me reserva, vou pelo menos tentar dar o melhor de mim pelas
pessoas que conseguir ajudar no processo. Não é porque estou em queda
livre que vou fechar os olhos para quem precisa, como acontecerá esta noite.
Passei pela portaria e como sempre tinha alguns moradores
conversando, os olhos cravados no carro luxuoso parado do outro lado da
rua. Percebi os olhares que recebi ao caminhar até o veículo, sei que falam
de mim, do meu trabalho, das visitas que recebo, e agora da forma luxuosa
como estava vestido. Imagino os comentários que circulam pelos corredores,
no mínimo devem dizer que estou me prostituindo para algum velho rico.
— Isso tudo é alegria em me ver? — questiona Stephanos, o
desgraçado tinha que sair do carro e manter a porta aberta para mim?
Ah, por favor, até parece que ele é algum tipo de cavalheiro.
— Entra na droga do carro — resmungo, entrando no banco de trás.
Quem dirigia era um dos seus soldados e não me passou despercebido o
carro escuro parado na esquina. A segurança estava reforçada para a noite.
Era de si imaginar tendo em vista o lugar para onde estamos indo.
— Não esqueça que você é meu convidado esta noite — diz o mafioso
se juntando a mim no banco de trás.
Sua expressão era séria, o sorriso de segundos antes foi esquecido.
Quando estávamos a sós ele relevava muitas das minhas grosserias, eu bem
sabia disso. Mas se estávamos em público a questão era bem diferente. Às
vezes esqueço disso pela forma como me trata com “gentileza”, coisa que
você não espera de um criminoso no nível de Paraskevas.
“Entenda, vocês não são amigos. Ele está usando você para sua própria
diversão. Use-o para conseguir sua vingança.” Pensava comigo mesmo,
mantendo silêncio depois que o carro começou a se mover.
Nesse meio tempo olhei de forma disfarçada para a figura ao meu lado,
que falava ao telefone. Sua voz ficava mais rouca, o sotaque mais
pronunciado quando falava seu idioma de origem, o grego, do qual eu não
entendia uma única palavra. Seu longo topete estava penteado para trás, a
barba bem arrumada, o corpo preenchendo um terno tão caro quanto o que
eu usava. Sem falar no cheiro que exalava de seu corpo, se eu pudesse
compraria um perfume igual, era muito bom, cheguei a desviar o rosto na
direção da janela apenas para dar uma respirada profunda e não ser notado.
Havia tatuagens cobrindo ambas as suas mãos e pelo pouco que eu
tinha visto escapar pela gola de suas camisas das últimas vezes que nos
vimos, desconfio que seus braços também estavam cobertos de tinta. Talvez
as costas, o abdômen, as coxas. Meus olhos desviam para os pés enormes em
um sapato de grife, aquela parte de seu corpo também tinha tatuagens?
— Meus homens vão estar próximos ao local da festa, mas apenas nós
dois vamos entrar. É tudo muito controlado, meu contato conseguiu apenas
dois convites para mim.
Suas palavras foram ditas enquanto ele guardava o celular no bolso,
engoli em seco e ergui os olhos.
“Por favor, que ele não tenha me visto encarando seus pés...”
— É arriscado — comento.
Ele assente, então me pega totalmente desprevenido quando seu corpo
se curva em direção ao meu. Um suspiro chocado deixou meus lábios
quando as mãos grandes que admirei até pouco tempo antes, entraram por
baixo do terno preto e alcançaram a arma presa no cós da calça.
— Ei! — tentei protestar e fui impedido ao sentir uma mão tirando
minha arma e a outra mão encaixando uma arma diferente no local. Engoli
em seco para não deixar um som vergonhoso escapar por entre meus lábios.
O desgraçado faz isso de propósito!
Eu tenho certeza!
— Temos que estar preparados, não vão nos revistar na entrada, nem
recolher nossas armas — ele sussurra rente ao meu ouvido, sem se afastar
depois de fazer a troca das armas —, e não queremos que sua arma acabe
envolvida em um tiroteio em um local como aquele.
Assinto. É claro que ele tinha razão.
— Você tem que me devolvê-la no final da noite.
Vejo seu sorriso passando diante dos meus olhos quando ele afasta seu
rosto do meu, a barba grossa chega a pinicar a pele da minha bochecha, o
que fez meu pau quase acordar dentro das calças.
De volta ao seu lugar no banco do carro, Stephanos arrumou seu terno
feito sob medida e só então me deu uma resposta.
— É claro, mas gostaria que a partir de agora você a deixasse em casa.
Fique com essa que te dei, pode usá-la sempre que necessário. Não tem
registro e o número de série foi apagado. Ninguém vai chegar até você por
conta dela.
Mordi os lábios, me recusando a agradecê-lo. Ele fazia tanto por mim
que me custava acreditar nas suas boas intenções, talvez porque elas não
existam. Cada passo, gesto e “favor” feito por esse homem tem um preço.
Temo saber o que ele vai querer em troca quando começar a cobrar.
— Chegamos, Igétis — disse o motorista quando o carro começou a
diminuir a velocidade.
Tínhamos voltado para o mesmo bairro onde estivemos na outra noite,
dessa vez fizemos o mesmo caminho que os outros carros luxuosos que
entravam na garagem do prédio no final da rua. O motorista parou, falando o
nome de Paraskevas para o primeiro segurança na entrada, ele verificou em
seu tablet e assentiu, deixando o veículo passar.
— Fique no carro, e preparado para uma saída rápida — disse
Stephanos para o motorista, o homem fez um sinal de entendimento ao
mesmo tempo que seu chefe se voltava novamente em minha direção.
Dessa vez ele não se curvou quase se deitando por cima de mim,
Paraskevas abriu um compartimento no carro e tirou o que identifiquei como
duas máscaras. Eram luxuosas como o resto das roupas que usávamos.
Ambas na cor prata, com detalhes dourados, cobririam boa parte de nossos
rostos.
A que ele colocou em seu rosto tinha algumas gravuras na parte de
cima em alto relevo, se não estivesse enganado era algo relacionado aos
deuses gregos. Já a máscara que me ofereceu era quase igual, exceto pelo
fato de que no lugar das gravuras tinha penas em alto relevo.
— Vire-se, passarinho — disse quando estendi a mão em direção ao
objeto. Percebendo que lutar contra isso seria perda de tempo, apenas fiz o
que pediu e deixei que ele a colocasse em meu rosto, amarrando a fita que a
prendia no lugar. — Não tire por nada, todos no local vão estar usando-as.
— Certo — respondi, me apressando a abrir a porta. O local era
apertado demais para que eu continuasse mais tempo junto de Paraskevas.
Por falar nele, o mafioso deixou o veículo com toda a sua imponência e
liderou o caminhou, me apressei em segui-lo. Cheguei ao seu lado quando
estávamos próximos de um elevador, lá havia dois guardas armados
conferindo convites antes de deixar as pessoas entrarem. Stephanos diminuiu
o passo, envolvendo seu braço em torno do meu e me puxando para mais
perto.
— Fique próximo, estamos entrando em um lugar que mesmo alguém
como você nunca viu.
Engoli em seco, odiando me sentir fraco. Ainda assim assenti e deixei
que ele tomasse à frente da situação, parando na porta do elevador e
entregando o convite impresso em um papel elegante como se fosse a porra
de um convite de casamento. Pouco depois fomos instruídos a entrar no
elevador. Éramos um grupo de oito pessoas quando as portas se fecharam e
começamos a subir.
Quarto andar, foi onde as portas se abriram e deixamos o espaço
silencioso para entrar em um ambiente barulhento. Diante dos meus olhos
estava um enorme salão, praticamente todo o andar tinha sido esvaziado, eu
só conseguia ver pilastras de sustentação e poucas paredes, quase todo o
espaço era aberto, tendo uma espécie de palco mais à frente, diante dele
estavam filas e mais filas de cadeiras. O cenário quase lembrava uma sala de
aula nas grandes universidades que só vi nos filmes.
— Senhor?
Fomos parados mais uma vez, dessa vez uma mulher mascarada
verificou o convite de Paraskevas e com um enorme sorriso nos entregou
pulseiras, semelhantes àquelas de shows. Nas nossas tinham números,
rapidamente entendi que eram referentes aos nossos lugares.
— O que planeja fazer? — questionei ao nos sentarmos na terceira
fileira da frente, bem próximos ao palco.
Até então estava no escuro, não sabia dos planos de Paraskevas ou
porque ele tinha me convidado para o acompanhar. Sei que alguém está
tentando tirá-lo do poder, só não entendo o que ele pretende vindo aqui está
noite.
— Preciso conhecer meu inimigo se quiser esmagá-lo — sua resposta
foi baixa, eu podia ver o sorriso por entre a máscara cobrindo metade do seu
rosto.
Podia confiar que não seria usado como uma isca esta noite?
A resposta era “não”!
Só me restava manter a calma, observar o que aconteceria, e esperar
que para o bem dos planos de Paraskevas ele acabasse com esse maldito
lugar. Me dá ânsia de vômito ao ver tanta gente “elegante” animada como se
esperasse um show, quando o que lhes vai ser apresentado é uma barbárie.
— Não faça nada idiota — me alertou, queria retrucar, mas fui
interrompido por uma voz masculina que vinha do palco a nossa frente. Lá
estava mais um homem mascarado.
— Sejam todos bem-vindos ao evento desta noite!
Uma comoção percorreu a sala, isso divertiu o apresentador e me fez
apertar os punhos com raiva.
— Se sirvam do melhor champanhe, e se acomodem em suas cadeiras,
os lances da noite vão começar.
Eu permanecia sentado na maldita cadeira da terceira fileira, bem
próximo ao palco, vestia roupas que deviam custar pelo menos uns dois
meses do meu salário, me foi oferecida uma taça de champanhe que eu
agarrei para não chamar atenção, mas deixei de lado no minuto seguinte. As
pessoas a minha volta sorriam, brincavam e faziam comentários sobre a
ansiedade para ver as “peças” da noite. Eu estava além de enojado.
Como se isso fosse pouco, a primeira pessoa que pisou naquele palco,
totalmente nua e com um olhar assombrado, dificilmente era algo mais do
que uma criança.
— Como sempre, vamos começar com nossas peças mais jovens,
lembrem-se, elas têm os maiores lances!
Antes mesmo que o apresentador terminasse de falar a idade, peso, e
outras informações que eu nem ouvi depois do “10 anos”, algumas pessoas
já começaram a se mover, falando alto e levantando suas plaquinhas para dar
um lance logo que foi anunciado o valor inicial. Cem mil dólares.
— Duzentos! — gritou uma mulher jovem e risonha, ela estava
acompanhada por um homem de sua idade.
Os lances seguintes se dividiram entre homens velhos e jovens, uns
sujeitinhos nojentos que me faziam querer levantar e atirar no meio de seus
olhos.
— Acalme-se — sussurrou Paraskevas, apertando firme minha coxa.
O olhei com raiva.
— Como pode me dizer para ter calma?! — grunhi por entre os dentes.
— Levanta-se dessa cadeira e estará morto, e sabe o que vai conseguir
fazer por aquela criança? Nada!
— Também não vou fazer nada se continuar sentado!
Ele apertou com mais força minha coxa, ao ponto de causar dor. Isso
meio que me acalmou um pouco, consegui pensar racionalmente.
— Isso não é justo...
— O mundo não é justo, Pouláki. — Seus sombrios olhos escuros me
encararam por baixo da máscara. — Você vai chorar por causa disso? Morrer
feito um idiota? Ou vai foder com essa porra de injustiça?
Meus dentes estavam travados de raiva.
Coloquei a mão por cima da sua e apertei minhas unhas na carne que
encontrei. Ele não recuou, eu finquei com mais força querendo lhe causar a
mesma dor que seu aperto me causou.
— E como devo fazer isso?
— Justiça, perdão, misericórdia... Essas são as desculpas dos fracos,
quer conseguir acabar com isso? — Acenou com um movimento sutil de
cabeça. — Se torne mais forte do que eles, os esmague sem piedade.
— Isso não serve pra mim — murmurei por entre dentes.
Ele sorriu como um predador, seu rosto se aproximando do meu. A mão
que antes apertava minha coxa, a soltou e girou, tomando minha mão entre
os dedos longos, espremendo-a, me impedindo de puxá-la para longe.
— Então levante-se e morra agora mesmo, eu não quero perder meu
tempo com um pássaro burro!
Tremi, engolindo em seco.
Estava com raiva dele, dos malditos a nossa volta, de mim que não
queria morrer e por isso engoli tudo que estava sentindo e me sentei reto.
— Se algum dia eu me tornar tão forte a ponto de destruir malditos
como esses, quem garante que o primeiro desgraçado a sofrer com a minha
ira não será você? — deixei escapar, Stephanos me encarou por um longo
minuto.
— Esperarei ansioso por esse dia, Pouláki.
Eu o odiava!
Definitivamente o odiava, e ainda assim o desgraçado conseguia ser o
porto que me atracava, impedindo que eu me perdesse em alto mar. Ele era
obscuro, destrutivo, me fazia querer atirar nele, não me acalmava, não
confortava. Paraskevas me tira da zona de conforto, desafia, irrita, me faz
pular quando eu sei que a queda vai ser dolorosa. E mesmo com tudo isso eu
sinto que vou continuar o seguindo, porque na escuridão onde me encontro,
ele é o único guia disponível, pois sabe exatamente o caminho a seguir.
O Sombra? Talvez.
Ou quem sabe é apenas um carrasco filho da puta.
— Eu... — abro a boca para retrucar sua declaração quando o som de
um tiro gela a minha espinha. Segundos depois escuto uma série de gritos,
alguns deles sendo claros o suficiente para que eu os entendesse:
— FBI, todos parados, mãos pra cima!
CAPÍTULO 10

Estava tentando processar o que acontecia com todos aqueles agentes


armados invadindo o lugar, caos tinha se instaurado, os homens que faziam a
segurança estavam sendo rendidos um a um. Então um tiro soou, este foi
acompanhado de vários outros e com isso os presentes começaram a correr
na tentativa de fugir do local. Foi nessa hora que a mão se Stephanos veio
parar no centro das minhas costas, me empurrando com força em direção ao
lado contrário a confusão.
Não pensava que conseguiríamos sair, estava certo de que seríamos
presos, caso não acabássemos pegos no meio do fogo cruzado. Ele estava
bem atrás de mim, sua orelha se aproximou do meu ouvido enquanto sua
mão permanecia em minhas costas, me empurrando até a saída, foi então que
sussurrou:
— É hora de colocar seus princípios de lado, Pouláki. Você não é um
policial aqui.
De relance vi o movimento de seu braço direito, estendido para a frente,
uma arma em punho. O som de tiros ficou ensurdecedor. Ele abriu caminho
para nós, enquanto minhas mãos tremiam quando também puxei minha
arma.
Era como se estivesse em uma prova de fogo, bastava um movimento,
um puxar de gatilho e cruzaria uma linha sem volta. Nossos corpos giraram
em meio aos passos apressados, um agente do FBI caiu pouco mais a frente,
Stephanos tinha atirado em sua cabeça. Antes que eu pudesse decidir como
me sentia com relação a isso, me vi atirando no braço do homem que mirava
Paraskevas.
Todo o meu corpo tremia quando vi o agente do FBI gritar e agarrar o
braço sangrento, foram segundos dessa visão perturbadora antes que me
puxassem para fora. O único elevador do andar estava barrado pelos
federais, mas nas laterais do salão havia duas portas, uma de cada lado, elas
davam acesso as escadas de emergência.
Por dois ou três minutos o único som que ouvi foi o dos passos nas
escadas, havia várias pessoas correndo por elas, não apenas Paraskevas e eu.
Isso nos deu certa cobertura quando cruzávamos com algum federal. Parecia
uma eternidade até que passamos por uma porta e chegamos à garagem, um
outro pandemônio tinha se instaurado no local. Uma troca de tiros intensa
estava acontecendo, a maioria dos carros que antes estavam ali tinham
simplesmente desaparecido.
— Apenas ande, não pare por nada!
A voz de Paraskevas era carregada de autoridade, o homem não dava
brechas para questionamentos. Fiz o que me disse, caminhei ao seu lado
enquanto nos mantínhamos o mais próximo possível de uma das paredes da
garagem, nos abaixando para não ser acertados pelos tiros. Eu estava certo
de que não conseguiria sobreviver aquilo quando fui empurrado por uma
porta ampla o suficiente para dar passagem a um carro. Era um tipo de saída
de emergência localizada na parte oposta a entrada do local.
— O que...
— Continue andando, Pouláki! — sua voz foi grunhida em meu
ouvido, uma mão grande agarrando meu braço e me puxando com ainda
mais impaciência.
O som dos tiros e das sirenes da polícia eram tão altos que ainda me
deixavam desorientado.
— Malditos, filhos de uma puta! — grunhia Paraskevas, ele continuava
andando, sempre atento ao seu redor, eu tentava o acompanhar. — Na rua de
trás! — gritou, só então me dei conta de que ele estava ao telefone.
Eu teria feito perguntas se não estivesse com os olhos amplos em
direção a uma viatura e três Suv preto com sirenes na parte de cima, os
veículos haviam sido metralhados, corpos podiam ser vistos próximos a eles
e alguns na parte dentro. Todos estavam fardados, eram agentes. Junto
desses corpos havia alguns bem-vestidos em trajes de gala e máscaras no
rosto, esses estavam largados no chão da rua atrás do prédio. Toda aquela
carnificina tinha sido feita para abrir uma rota de fuga para os homens e
mulheres presentes no leilão.
— Você fez bem até aqui, passarinho — disse uma voz mais tranquila,
era quase como se ele estivesse tentando me confortar ao ver minhas mãos
tremerem. — Apenas siga andando — emendou, uma mão grande subindo
pela minha nuca e encontrando meus cabelos, ele apertou o local.
Queria afastar sua mão com violência, na mesma proporção em que
desejava me afundar um pouco mais nela. Estranhamente, depois de toda a
merda que tinha acabado de presenciar e participar, era a mim mesmo quem
estava odiando no momento, não Paraskevas.
Ergui a arma quando vi um carro se aproximando de onde estávamos,
ele parou no final da rua, impedido de passar por conta de um dos Suv
metralhados. Stephanos segurou minha mão e me fez abaixar a arma.
— É a nossa carona para fora daqui.
Me apressei a junto dele, estávamos tão perto que saltei de susto
quando um barulho de tiro passou rente a mim, e respingos quentes
acertaram meu rosto. Pensei que tinha sido atingido até que um resmungo de
dor deixou os lábios da pessoa ao meu lado e seu corpo caiu com força no
chão, o barulho alto me fazendo parar e encará-lo.
Eu estava chocado, nervoso, me odiando a cada novo passo, ainda
assim consegui reagir rápido quando o som de passos atrás de mim se fez
presente. Girei com a arma em punho, e dessa vez mirei na cabeça da pessoa
quando puxei o gatilho. Ele conseguiu dar mais dois tiros, nenhum deles me
atingiu, mas o meu tiro único foi certeiro e o homem enorme que estava
vestido como um dos seguranças da casa de leilão, caiu no chão com a
cabeça ensanguentada.
Stephanos estava caído, uma mancha vermelha crescendo de forma
alarmante na região do peito. Tinha tanto sangue que eu não saberia dizer se
o tiro pegou no ombro ou direto no coração.
— Fique no carro! — berrei ao ouvir o som da porta abrindo, o
motorista de Stephanos relutou por dois segundos antes de assentir e entrar
novamente no veículo.
Eu agarrei o homem enorme pelas axilas, tentando arrastá-lo comigo. O
maldito parecia pesar uma tonelada e não se movia. Ouvi mais tiros, gritos e
sirenes, isso junto de algumas pessoas correndo pela porta de saída do prédio
foi o combustível que eu precisava para jogar o corpo inerte do mafioso no
banco de trás do carro.
— Vai! — gritei com o motorista antes mesmo de ter a porta fechada.
No espaço apertado dos bancos de trás tentei segurar o corpo enorme de
Paraskevas, o desgraçado parece uma montanha mais caiu no primeiro tiro e
ficou desacordado para que eu tivesse que cuidar da merda toda.
— Ele está vivo? — questionou o homem dirigindo feito um louco
pelas ruas decadentes do bairro onde estávamos.
Verifiquei seu pulso e respiração antes de confirmar.
Ele estava perdendo muito sangue, a esse ritmo não sobreviveria por
muito tempo. Tirei as presas o terno caro que vestia e o usei para estancar o
sangue na ferida, pareceu funcionar a princípio. Nesse meio tempo o
motorista de Paraskevas conseguiu sair do bairro onde estávamos e passou a
dirigir de forma menos caótica para não chamar tanta atenção. Ele também
fez uma ligação da qual não entendi muita coisa, pois falava em um tom
apressado no que imaginei ser grego.
— O helicóptero vai estar nos esperando no hotel Carter — disse ao
final da ligação, como se eu soubesse do que ele falava.
Apenas assenti e continue fazendo pressão no ferimento do mafioso,
menos de 10 minutos depois estávamos entrando na garagem de um prédio
luxuoso, eu pude ver o nome “Carter hotel” quando passamos em frente.
Bastou entrarmos na garagem para que um grupo com quatro pessoas
aparecessem. A porta do carro foi aberta antes que eu pudesse reagir e um
homem e uma mulher começaram a examinar Stephanos.
Eles estavam fazendo primeiros socorros apressados enquanto éramos
levados em direção a um elevador privado, com acesso restrito a
funcionários. Eu estava com as mãos trêmulas e ensanguentadas, não tinha o
que fazer quanto a isso, também não afastei os olhos de Stephanos mesmo
depois que as portas do elevador se abriram quando chegamos ao terraço
onde um helicóptero nos esperava.
— A equipe médica do senhor Paraskevas está esperando sua chegada,
o mantenham estável durante o percurso — disse o homem de terno, ele era
uma figura imponente de meia idade e com cara de poucos amigos, em
momento algum olhou para mim, mas me empurrou em direção ao
helicóptero quando Stephanos foi colocado nele.
Depois disso estávamos no ar, e minha mente ficou em branco pelos
minutos que se seguiram. Ouvia as vozes dos dois socorristas que tentavam
estabilizar Paraskevas, mas não posso dizer que entendia o que eles estavam
dizendo. Nem mesmo saberia dizer quanto tempo passamos no ar antes que
o helicóptero pousasse em uma propriedade particular localizada nos
arredores de Nova Iorque, longe o suficiente do centro caótico.
Era noite, e mesmo assim consegui identificar o grande lago próximo a
casa, a construção enorme lembrava um castelo antigo. Era gigantesca, com
jardins por todos os lados, o lugar exalava riqueza e poder. Bem o que eu
esperava da casa de alguém como Stephanos Paraskevas.
— A sala de cirurgia está pronta! — uma mulher disse em voz alta, ela
estava esperando por nós quando pousamos e foi logo dando ordens. O
mafioso foi deitado em uma maca e levado as presas para dentro da casa.
Na mesma hora reconheci a mulher que foi o começo de toda essa
confusão, seu nome era Lupi, ou algo assim. Pelo visto ela era médica.
— Você!
Fui puxado do para fora da aeronave, um rosto furioso me esperava.
Aquela mulher eu também reconhecia, era Helena Paraskevas, a irmã de
Stephanos. Algo me dizia que ela não gostava de mim.
— Você filho da puta, eu sabia que você não era confiável! — berrou
apontando um dedo em minha direção. Afastei sua mão sem muita
delicadeza.
— Foda-se você, não tenho nada a ver com isso. Só para você saber eu
estava no mesmo barco que seu irmão, por pouco não morri naquele lugar.
Ela deu um sorriso de escarnio, fazendo um gesto para que alguns
soldados se aproximassem, eu sabia que estava em problemas. A arma que
Stephanos me deu ainda estava comigo, mas não faria muito contra todas
aquelas pessoas armadas, por isso nem tentei quando me renderam. Meus
braços sendo segurados para trás de uma forma que quase ocasionou uma
fratura. Me recusei a soltar um resmungo de dor, não daria esse prazer para a
mulher que me olhava com um sorriso divertido.
Desgraçada, é tão demente quanto o irmão.
— É claro que eu não sou Stephanos que acredita nas besteiras que sai
da sua boca, o que foi? Gostou dos cinco minutos de fama e tentou ganhar
mais disso entregando a cabeça dele em uma bandeja de prata?
Nada que eu dissesse iria convencê-la, a mulher tinha um olhar louco.
Eu poderia apostar que ela gostava de ver a dor e o sofrimento humano.
— Pergunte ao seu irmão quando ele acordar, ele poderá lhe dizer tudo
que você quer saber. Eu fui levado até lá, não sabia de nada, não tinha como
planejar tudo aquilo, quase fui morto esta noite!
Ela riu, fazendo um sinal para que dois soldados brutamontes me
arrastassem para dentro da casa.
— Ah, eu vou perguntar a ele, mas talvez você não esteja mais aqui
para colocar merdas na cabeça do meu irmão.
— Espero sinceramente que você tenha autoridade para passar por cima
das ordens do seu irmão — debochei, sabia que era a coisa errada a se fazer
quando estava em desvantagem, contudo, foi difícil segurar a língua diante
da imponência irritante da mulher.
Ela queria me causar medo quase tanto quanto desejava me machucar,
eu só podia esperar que Paraskevas não desejasse as mesmas coisas, e
acordasse logo. Era ridículo e digno de riso, entretanto, aquele desgraçado
era o único que poderia me salvar da morte agora.
— Talvez eu deva começar arrancando sua língua fora — ela
respondeu, andando a nossa frente depois de entrar por uma passagem que
levava a uma parte subterrânea na propriedade. O lugar mais parecia um
calabouço daqueles que você vê nos filmes antigos. Era úmido, frio e tinha
um cheiro ruim de urina e sangue. — E acredite, eu faria isso se não quisesse
arrancar lentamente toda informação que você tem.
Entramos em um dos “quartos”, não tinha nada nele com exceção de
uma cadeira fixada no chão, uma mesa também fixada no chão e um gancho
com correntes que estava pendurado no teto. Foi para ele que fui levado,
minhas mãos presas nas algemas, mas não fui erguido a princípio.
— Saíam! — Ela só disse uma vez e fomos deixados a sós. — Bem-
vindo a sua nova casa — disse sorrindo, com os braços abertos mostrando o
quarto minúsculo.
— Doente! — falei por entre os dentes, raiva passou por seus olhos
verdes. Durou segundos antes que um sorriso predador, muito semelhante ao
de Stephanos, surgisse no rosto bonito de Helena.
— Eu certamente vou ter o prazer de cortar essa maldita língua fora
logo que tirar de você o que quero. — Ela caminhou pelo quarto e agarrou
em cima da mesa uma espécie de gorro. Era sujo e fedorento, ele foi
colocado em minha cabeça, cobrindo minha visão e dificultando a
respiração. — Vou te dar algumas horas para pensar, imaginar tudo que eu
vou fazer com você quando voltar. Aproveite, Perseu Lykaios, serão as
últimas horas de “paz” que você conhecerá em sua maldita vida!
Ouvi o som de seus saltos batendo no chão duro quando ela se afastou,
me deixando preso, privado de visão e lutando para respirar com aquele
pano cobrindo a cabeça. Ouvi a porta bater, e seus passos se afastando,
depois tudo se resumiu a um maldito silêncio quebrado apenas por minha
respiração parcial. Era isso que ela queria, me fazer temer pela morte, tremer
no minuto em que ouvisse o som de seus passos se aproximando.
CAPÍTULO 11

Stephanos pode ser um grande idiota quando coloca algo na cabeça, e


se for assim eu também sou. Isso deve ser um mal de família, essa
insistência de ir até o final quando algo nos interessa, é como se não
pudéssemos deixar para lá. No final, nem mesmo posso jogar isso na cara do
meu Igétis, pois tenho os mesmos maus hábitos.
Quantos vezes já nos metemos em problemas? Vimos a morte de perto
e sorrimos para ela?
Que idiotice!
— Consegui retirar a bala de seu ombro — disse, Lupi saindo do quarto
de Stephanos. Eles tinham estado lá por horas. — Ele está recebendo uma
transfusão de sangue.
Solto um suspiro alto. Pensei que dessa vez aquele desgraçado ia direto
para o inferno.
Queria entrar em seu quarto e meter outra bala nele pelo susto que me
deu.
— Como ele está? Acordado?
Ela nega, uma expressão cansada em seu rosto. Caminho até minha
mulher e a puxo para um abraço, precisava ser egoísta e tirar um pouco mais
dela, seu acalento, sua calma. Estava com os nervos à flor da pele.
— Está medicado, dentro de algumas horas deve estar acordando.
— Alguma sequela?
Um maldito tiro no ombro, ele tem que estar brincando comigo.
— A bala atravessou e não atingiu nenhum órgão vital, ele teve sorte,
um pouco mais abaixo e poderia ter sido fatal. Por hora precisamos ver como
ele vai acordar, a perda de sangue foi grande, e houve o rompimento de
alguns ligamentos.
Fecho os olhos, passando as mãos pelo rosto de forma preocupada.
— A cirurgia correu bem, Stephanos vai precisar de repouso e...
Reviro os olhos.
— Se esse desgraçado está vivo e respirando, você acha mesmo que ele
vai fazer repouso?
Lupi se afasta do meu abraço com uma expressão severa.
— Você fala, mas é igual a ele, linda, ou por acaso já se esqueceu da
facada que levou no ano passado?
Evitei responder, lembrando claramente da ocasião em que quase morri,
e no dia seguinte estava saindo escondida da minha namorada para torturar o
bastardo que me esfaqueou. Quase fui apunhalada por seu bisturi quando
Lupi teve que refazer meus pontos.
— São coisas diferentes, você nunca me viu andando por aí com um
buraco de bala. — Não que algo assim nunca tenha acontecido antes de nós
nos conhecermos, isso eu vou deixar de fora da conversa, pois estou vendo
seus olhos apertados. — O ponto da questão é, você deve deixá-lo sedado o
maior tempo possível para ver se ele se recupera, e quando o idiota acordar
coloque o maior medo nele... Sei lá, diz que os ligamentos rompidos têm
ligação com o pau e que se ele não se comportar vai acabar impotente.
Ela riu.
— Seu irmão não é burro.
Reviro os olhos mais uma vez.
— Há controvérsias.
— Vou insistir para que ele faça repouso e garantirei que faça
fisioterapia para se recuperar mais rápido. Basta dizer que ele não vai mais
conseguir acertar um tiro, isso vai fazer a mágica acontecer.
Prontamente concordei, algo assim me faria ir correndo para a
fisioterapia.
— Onde está Perseu?
Contorço os lábios em desgosto.
— Onde mais?
Uma expressão estranha passa por seu rosto. Franzo as sobrancelhas
diante disso, Lupi entende nosso estilo de vida, ela está comigo por quase
três anos agora, falar sobre as “masmorras” da propriedade não a deixa mais
enjoada.
— Não faça besteira. Seu irmão tolera muito da sua “rebeldia”, ele
contudo, é o nosso Igétis, devemos lealdade aquele homem. Deixe que ele
acorde e averigue o que aconteceu antes de levar seus “brinquedinhos” até
Perseu.
Suas palavras me desagradam.
— Está óbvio o que aconteceu, aquele policialzinho não é confiável,
nenhum deles é. Ele viu o interesse do meu irmão e resolveu se aproveitar
disso, o que mais explicaria o fato de que o FBI invadiu a casa de leilões
justamente na noite em que Stephanos estava lá? Foram meses investigando
as movimentações no local, e justamente hoje isso aconteceu e meu irmão
acabou ferido? Eu não acredito em coincidências. Alguém nos prejudicou
quando estávamos a um passo de identificar todos os ratos que estão sujando
a Aderfia.
Lupi engole em seco pouco antes de me puxar para um abraço apertado.
— Não se preocupe, Petaloúda, eu não falho quando se trata da nossa
família. Muito em breve vamos resolver isso.
— Tudo bem, só me prometa que vai ficar longe do policial até que seu
irmão acorde e decida o destino dele. A essa altura todos sabemos que
Perseu não é confiável.
Assenti, muito a contragosto, e apesar de desejar arrancar a verdade do
maldito policial, iria cumprir com minha palavra. Jamais mentiria para Lupi.
Stephanos acordou no dia seguinte, estava pálido mesmo depois da
transfusão de sangue. Era evidente em seu rosto o quanto a situação tinha o
desgastado. Ele fez diversas perguntas e me deixou furiosa quando quase
todas eram relacionadas a Perseu. Eu pensei que ele iria querer a cabeça do
desgraçado, no entanto não foi isso que me pediu para fazer.
— Você só pode estar brincando! O que pretende fazer com isso?
Stephanos me olhou com olhos mortos e frios, um tipo de olhar que
recebo em raras ocasiões. Era um olhar que me fazia dar um passo atrás. Ele
não pouparia nem mesmo a mim se eu desafiasse sua liderança.
— Vai continuar questionando minhas ordens até quando? — O tom
frio me fez engolir qualquer outra coisa que queria dizer.
Nessa hora nem parecia que o homem esteve à beira da morte na noite
anterior.
— Farei o que pede, será fácil. Havia outros policiais no local.
Stephanos se recostou na cama, satisfeito com minha resposta.
— Onde ele está?
Troquei um olhar com Lupi que verificava o soro.
— Bem acomodado em um dos aposentos da casa, esperando até que
você possa ir vê-lo.
Eu apenas omiti qual era o “aposento”.
— Ótimo.
— Zeus está à frente de tudo enquanto você se recupera, ele voltou de
Los Angeles logo que soube do ocorrido. Está tratando de acalmar os ânimos
e tentando salvar algo do que passamos tanto tempo coletando.
Stephanos me encara como se dissesse “cale a boca”, no fundo ambos
sabíamos que eu o estava acusando de acabar com as investigações que
estávamos fazendo em buscas dos traidores dentro da Aderfia. Se meu
irmão não estivesse arrastando aquele maldito policial para todos os lados
como se ele merecesse alguma confiança...
— Apenas faça o que mandei, e avise a Zeus que quero falar com ele.
Assenti, logo me retirando de seu quarto.
Ele levaria mais um dia antes de recuperar suas forças e sair da cama,
mesmo com todas as recomendações médicas, eu o conhecia bem. Ele é forte
como um touro, vai estar de pé e arrancando algumas cabeça em pouco
tempo. Mas enquanto isso não acontece, vou garantir que seu “passarinho’
tenha ótimas acomodações. Eu não pretendo colocar os pés onde ele está, ou
corro o risco de matá-lo com minhas próprias mãos, isso não quer dizer que
as recomendações de seu “ótimo tratamento” deixaram de ser feitas.
Sem água, comida e pendurado feito um animal, aquele guardinha deve
estar apreciando muito os “luxos” da nossa mansão.
Stephanos pode ficar puto com isso depois, eu não ligo, esse é o
tratamento que aqueles que traem a minha família merecem.
Meu irmão me defendeu a vida toda, de seu jeito malditamente ruim. O
Igétis da Aderfia permitiu que sua irmã mais nova tomasse o controle da
própria vida, me apoiou quando mostrei que sou útil como executora da
máfia. E nunca abaixou a cabeça quando lhe foi questionado sobre a minha
“exibição” pública do meu relacionamento lésbico. De um jeito quebrado e
torto, ele me mostrou o que é ser cuidada, e eu sempre vou fazer o mesmo
por ele.
CAPÍTULO 12

Eu soube que Helena estava mentindo quando falou das acomodações


de Perseu, a conhecia o suficiente para notar a satisfação mal disfarçada em
seus olhos. Pelo menos meu passarinho continua vivo, nem mesmo Helena
teria coragem de matar algo no qual tenho posto tanto empenho.
— Você investigou bem em tão pouco tempo — falo, depois de analisar
as informações passadas por Zeus. Ele estava em pé próximo a janela do
meu quarto, fazia três dias desde que fui baleado e quase morri. Tenho me
recuperado bem o suficiente para não aguentar mais estar na cama.
Lupi tem estado a frente de todas as questões relacionadas a minha
saúde, ela pode ser uma carrasca quando quer. Só assim para suportar uma
vida ao lado de Helena.
— Pena que isso chegou atrasado — disse, apontando para as ataduras
à vista. Meu ombro e parte do peito estavam cobertos por ataduras, por estar
sem camisa elas se destacavam ainda mais.
— Ócios do ofício. — Dou de ombros. — Sabemos como as coisas
funcionam, e no momento o que mais me interessa é colocar a corda no
pescoço desses malditos, garantindo que eles próprios se enforquem com ela.
Zeus sorri de uma forma obscura, sem esconder o prazer que minhas
palavras lhe trouxeram. O homem deseja aproveitar do sofrimento alheio.
Bastardo louco, eu o entendo bem.
Volto meu olhar para o tablet em minhas mãos, nele estavam contidas
informações e fotos. Muitos rostos conhecidos, homens com poder dentro da
Aderfia, em especial um que tinha o interessante cargo de chefe em Utica.
Era um sujeito escorregadio e muito bom no que fazia, algo em mim sempre
foi muito atento aos seus passos. Lealdade não é uma boa característica de
Ícaro Kokkimos.
O homem tem quase a minha idade, crescemos disputando poder dentro
da máfia, não é de se estranhar que ele esteja infiltrando seus homens na
cidade de Nova Iorque, começando negócios que não aprovei, tentando me
desacreditar perante a Aderfia. O desgraçado quer morder mais do que seus
pequenos dentes conseguem. Terei que lhe mostrar a dura verdade.
— Está confirmado, os homens responsáveis pela casa de leilão tinham
ligações com Constantin, o braço direito de Ícaro.
Eu tinha visto os jornais nos últimos dias, Helena fez como foi
orientada por mim, espalhando o máximo de informação sobre os presentes
no leilão. Seus contatos com a mídia tendenciosa serviram bem ao nosso
propósito. Havia tantas matérias chocantes sobre uma atriz famosa que foi
morta no local, e um político conservador e influente no senado que foi
preso em flagrante, que a situação virou um circo, ninguém falava de outra
coisa e assim foi fácil virar a situação ao nosso favor, enquanto recolhíamos
as informações que tinham me levado até aquele lugar.
— As coisas estão calmas em Los Angeles por hora, então vou ficar na
cidade para darmos continuidade ao plano... Você ainda planejava deixá-lo
tão à vontade depois de estarmos confirmando que Ícaro por trás de tudo
isso?
Me recosto na cama, sentindo uma pontada no ombro. Está na hora do
meu remédio, odeio aquela coisa que me deixa sonolento e indefeso como
um recém-nascido.
— Claro que sim, não desejo apenas dar uma morte lenta e dolorosa a
Ícaro Kokkimos, eu quero que ele se sinta vitorioso, que seu ego fale mais
alto e ele venha até mim. Espero pelo dia em que Ícaro pare de se esconder
atrás dos seus ratos e venha cortar minha garganta com suas próprias mãos,
nesse dia eu vou mostrar quem realmente é a presa e quem é o caçador nessa
história.
Zeus sorri.
— Você quer torná-lo um exemplo para os outros.
Assinto diante de sua afirmação. Aprendi muito cedo que se quero
continuar no poder é preciso mostrar para meus adversários que eles não
podem me vencer e que qualquer sinal de traição será apagado com sangue.
— E quanto ao policial? Helena me falou o que você pediu para ela
fazer.
Reviro os olhos, é claro que ela contou.
— Ele pode ter sido colocado dentro da Aderfia para te espionar.
Eu tinha certa dúvida quanto a isso, mas não a expressei em voz alta.
— Ele não tem mais saída depois do que aconteceu, e sinceramente não
me importo quais seus motivos para vir até mim.
Zeus sorri de uma maldita forma que me irrita. Se ele pensa que vou lhe
entregar Perseu para seus prazeres sórdidos, está muito enganado.
Perseu é uma peça valiosa demais até para Zeus sonhar em possui-lo.
— Perseu sequer já teve alguma chance de partir?
Ignoro sua pergunta.
— Você sabe onde ele está?
O sorriso de Zeus se amplia.
— Onde mais você acha que sua doce irmãzinha colocaria alguém que
ela acredita ser um traidor responsável por seu ferimento?
Solto um suspiro alto e contenho um resmungo de dor ao me levantar
da cama. maldito ferimento, se o bastardo que me acertou já não estivesse
morto, eu o torturaria até a morte.
— Vá com calma — diz Zeus, sem dar um passo de onde permanecia
próximo a janela. — Se você terminar mais fraco do que já está, eu posso me
sentir tentado a tomar o seu lugar.
Contenho o desejo de o ameaçar e sigo para fora. No caminho calço um
par de sandálias e continuo meu caminho da forma como estava, vestido
apenas em uma calça preta de pijama, o torço nu e o ombro coberto de faixas
brancas.
— Senhor.
Encontro Atlas ao descer as escadas, apertando os dentes por causa da
dor. O chefe de segurança está de cabeça baixa, deve estar se sentindo um
idiota por deixar uma coisa como essa acontecer com seu Igétis, afinal, ele
estava dirigindo aquela noite e tudo que pode fazer foi servir como piloto de
fuga enquanto eu sangrava como um porco no banco de trás.
— Onde ele está?
Seus olhos desviam para longe.
— Onde porra ele está? — grunhi.
— Siga-me, senhor.
Contendo minha raiva o segui em direção as masmorras no subsolo da
casa. É claro que Helena faria isso, eu teria sorte se encontrasse Perseu
inteiro. Se ela ousou torturá-lo, eu juro que vou fazê-la pagar onde mais dói,
Lupi.
Perseu poderia ser a porra de um traidor, a bala que quase me matou
poderia ter saído da arma que eu mesmo dei a ele, e ainda assim apenas eu
posso colocar a mão sobre ele e o castigar. Qualquer um que sonhar que tem
esse mesmo direito vai descobrir da pior forma que não o tem.
Cada novo passo no local frio, sujo e escuro vai me enfurecendo. Uma
ânsia de vômito revirando meu estômago. Poucas vezes já me senti tão
irritado.
— Ele está aqui, senhor — diz Atlas parando em frente a uma porta no
amplo corredor. O local estava tão silencioso que o barulho da porta batendo
contra a parede quando foi aberta, reverberou por todo o local.
No pequeno cômodo com cheiro de urina havia uma cadeira fixada ao
chão, uma mesa também fixada e um gancho com correntes grossas que
normalmente eram usados nas torturas mais intensas e demoradas. Foi lá que
meus olhos encontraram o corpo inerte de Perseu. Ele estava vestido no
mesmo terno estupidamente caro que mandei fazer de acordo com suas
medidas.
A peça era luxuosa, e se destacou no corpo de homem, meus olhos
aproveitaram alguns pequenos segundos de distração para observar cada
traço, cada curva moldada na peça ao longo da noite. Juro que consegui um
pau duro quando deveria estar totalmente focado no que estávamos fazendo.
Se isso me surpreendeu? Não muito, não sou cego ou tolo. Sou um
homem em todos os sentidos e costumo ir atrás do que quero, não importa o
que seja ou o preço disso.
Caso tivéssemos tido a chance, certamente eu teria o tirado daquelas
roupas ao final da noite, e desconfio que Perseu apreciaria cada segundo
disso. Contudo, ele estava ali parado diante de mim parecendo desacordado,
tinha um capuz cobrindo seu rosto e o terno estava desalinhado e sujo de
grandes machas de sangue seco, o meu próprio sangue.
Seus braços foram erguidos, os pulsos presos por algemas grossas, os
pés balançando fora do chão.
— Senhor... — a voz de Atlas estava instável. Ele deu um passo para
trás quando girei a cabeça e o encarei.
Meus dedos estavam tremendo tamanha era a vontade de bater em
alguma coisa.
Imaginar que alguém o tinha ferido me deixou frustrado pôr dias.
Ver que alguém o feriu me deixou insano.
— Você só tem duas coisas para fazer agora, Atlas, então escute com
muita atenção.
Ele assentiu, eu dei as ordens e rapidamente o chefe de segurança
deixou o cômodo apertado.
Agarrei as chaves que estavam penduradas na parede ao lado da porta e
caminhei até Perseu, que ainda estava desacordado, baixei o gancho onde as
correntes estavam presas e soltei suas mãos das algemas. Ele resmungou
quando tirei o capuz de sua cabeça, sem conseguir abrir os olhos.
Todo o seu corpo estava suado e quente, uma febre intensa o fazia
estremecer quase tanto quanto os pulsos em carne viva. A pele havia sigo
rasgada aos poucos devido ao tempo em que ficou preso e erguido do chão.
Havia manchas de sangue seco que escorreriam para baixo em ambos os
braços, esse sangue não era meu.
— Hum... — resmungou de dor quando as duas mãos estavam livres.
Eu toquei seus lábios os sentindo secos, desidratados como se não vissem
água por alguns dias, ele tentou agarrar meu dedo em meio a uma semi
consciência, querendo o chupar para dentro da boca seca como se isso fosse
trazer algum alívio.
Travei o maxilar, os dedos apertados de raiva.
Respirei fundo, afastei os cachos bagunçados para longe de seu rosto e
desci o meu, passando a ponta da língua pelos lábios ressecados. Ele
resmungou, trazendo a língua para fora, desesperado. Parecia um filhote
ferido e faminto.
— Meu pobre passarinho, o que fizeram com você? — questiono,
ignorando a dor em meu ombro e os seus resmungos de dor quando o peguei
em meus braços e nos ergui. Poucos passos depois encontrei a cadeira fixada
no chão, e me sentei, acomodando seu corpo inconsciente junto ao meu
peito.
Foi assim que os homens e mulheres que entraram na sala pouco depois
nos encontraram. Atlas caminhou para frente, uma expressão séria quando
me entregou a tesoura de jardinagem. O objeto não estava em seus melhores
dias, a lâmina tinha dificuldade em cortar, era exatamente o que eu queria
naquele momento.
— Veja bem, eu pedi que vocês fossem reunidos aqui por conta de algo
muito simples. — Abro um largo sorriso, ninguém consegue permanecer me
encarando nos olhos, nem mesmo Helena. — Quero que as pessoas que
tocaram em Perseu desde que ele chegou nesta casa, deem um passo à frente.
— Stephanos, ele é um traidor, e mesmo assim ninguém o torturou!
Reconheço a coragem de Helena, e é só por isso que respondo:
— E?
Ela me encara com incredulidade.
— O que tem esse maldito policial que te deixou assim? — grita
enfurecida. — Nem mesmo o fato de que ele pode ser um traidor te faz...
Ergo um dedo para que ela se cale, Lupi, que estava logo atrás, segura a
namorada pelos ombros e a impede de continuar falando besteira.
— Mesmo que Perseu fosse um traidor, quem entre vocês têm
autoridade para decidir qual o destino do meu passarinho?
Ninguém responde.
Me irrito ainda mais.
— Estavam seguindo ordens quando o ergueram como um animal
naquelas correntes? Seguiram ordens quando o deixaram sangrar enquanto
morria de sede? Eram as ordens de quem que estavam seguindo quando
ousaram quebrar o meu bonito Pouláki?
Todas as cabeças estavam baixas, até mesmo a de Helena.
— Vou repetir apenas mais uma vez, um passo à frente quem escutou as
tolas ordens da minha irmã, esquecendo que eu sou o Igétis da Aderfia.
Sem qualquer nova palavra dita, cinco pessoas, quatro homens e uma
mulher deram um passo à frente, se ajoelhando diante de mim em uma
fileira.
— Perdão, Igétis — pronunciaram em coro.
— Desde quando eu perdoo?
— Stephanos!
Aponto em direção a Helena com a tesoura de jardinagem em mãos.
— Fique quieta e observe as consequências de esquecer quem é o chefe
dessa família. Que as minhas ordens são as únicas que devem ser seguidas à
risca. Que eu posso fazer o que bem entender com Perseu, mas ninguém
mais nessa porra de mundo tem o mesmo direito!
Helena engoliu em seco, mantendo o olhar concentrado na cena diante
dela. Bom, eu queria que ela visse o que causou.
— Estenda a mão, soldado — falei para o primeiro, que fez o que pedi.
— Você sabe qual foi o seu erro?
Ele assentiu, eu encaixei o alicate no dedo anelar da mão esquerda onde
estava uma bela aliança de ouro.
— Com palavras.
— Conduzi Perseu a força até aqui... — o grito de dor ficou preso em
sua garganta quando o dedo foi cortado, de forma bem lenta por conta da
lâmina mal afiada. Ao final um rastro de sangue chegou ao chão pouco
depois do tilintar da aliança que rolou por todo o cômodo até parar próximo
a uma das paredes.
— Vai repetir esse erro, soldado?
Ele levou alguns segundos para responder, enquanto engolia a dor.
— Não, Igétis.
Dessa forma segui para a segunda pessoa e fui assim até ter cinco dedos
e três aliança sangrentas no chão do cômodo nojento. Só então entreguei a
tesoura a Atlas, e me ergui, passando pelos soldados ainda ajoelhados no
chão.
Ao chegar na porta encontrei Helena me encarando com ódio.
Tínhamos esses momentos entre nós, era impossível viver em um mar de
rosas quando somos dois demônios que amam o cheiro do sangue.
Segurei Perseu com mais força junto ao meu peito, e me abaixando
sussurrei junto ao seu ouvido:
— Dessa vez você escapou fácil, mas volte a quebrar meu passarinho e
eu esmago a sua borboleta.
Ela ficou dura, o ódio brilhando em seus olhos quando assentiu e me
deixou passar.
— Mantenha os olhos abertos, irmão, eu vou estar desejando que esse
policial corte sua garganta enquanto você dorme.
Solto um riso alto que reverbera pelo corredor silencioso por onde ando
com o corpo maltratado de Perseu.
— E eu vivo para ver o dia em que Guadalupe vai atirar em você pelas
costas.
Se existiam votos de amor mais reais, eu desconhecia.
CAPÍTULO 13

Acordo desorientado, a cabeça doendo assim como o resto do meu


corpo. Tento abrir a boca e sinto meus lábios ressecados, doidos. Então,
como um tapa na cara lembro do que aconteceu nos últimos dias, o leilão
aonde fui com Stephanos, o FBI invadindo o local, ele levando um tiro e
todo o borrão que foi depois disso até que eu estivesse acorrentado naquela
sala de tortura. De forma surpreendente, Helena não retornou, por outro lado
fui deixado preso em algemas de ferro que rasgaram pouco a pouco a carne
dos meus pulsos, passei fome, sede, frio, sangrei e senti dor enquanto minha
cabeça era coberta por um pano imundo. Pensei que me deixariam lá até
morrer.
Dito isso, é surpreendente que acorde em um quarto luxuoso.
As paredes são pintadas em um tom claro que parece uma variação de
branco, o chão brilha com a luz que entra através da janela aberta. Os lençóis
que envolvem meu corpo certamente custam mais do que a lata velha que
chamo de carro. Tudo é cheiroso e arejado, totalmente o contrário do
cômodo infernal onde estive encerrado por dias a fio.
— Eu estou mesmo vivo? — questiono para o quarto vazio, o único
barulho que escuto vem do lado de fora da janela.
Respiro fundo e me levanto, minhas pernas doem, só não mais do que
os meus pulsos. Solto um resmungo de dor, não deixando passar as ataduras
que estão em ambos os pulsos. Eu fui tirado do quarto de tortura e minhas
feridas foram curadas? O que é isso algum tipo de novo de tortura? Planejam
me fazer baixar a guarda antes de vir com o pior que possuem?
Cambaleio até a janela, ou o que eu pensei ser uma, era na verdade uma
porta de vidro que dava acesso a uma varanda ampla. Nela havia uma mesa
de café da manhã com dois lugares e do lado aposto um pequeno sofá com
almofadas, só tinha visto coisas assim antes em filmes. A vista também era
de outro mundo, nada de carros velhos estacionados na rua e lixo nas
calçadas, tinha verde para onde quer que olhasse, havia árvores de um lado
no que eu poderia dizer que era uma espécie de bosque particular. Além
disso, mais ao longe estava o rio que vi durante a viagem de helicóptero,
muita grama verde e jardins bem cuidados.
— Esse lugar parece um castelo — resmungo, esfregando os braços
nus. Percebi que o terno que usava foi substituído por uma calça de moletom
e mais nada. Até podia sentir que estava sem cueca. — Se isso for um
castelo, Paraskevas tem que ser a fera.
Solto um riso baixo quando a comparação boba passa por minha
cabeça.
— E você é a bela, Pouláki?
Tomo um pequeno susto e giro em direção a porta de vidro, lá estava o
homem enorme. Também vestindo apenas uma calça e deixando todo o torso
escupido e cheio de músculos a mostra. De uma forma que não pude evitar
meus olhos rapidamente percorreram todos os detalhes, passando pelos
braços tatuados até chegarem no peitoral limpo. Este era coberto apenas de
um lado, por bandagens brancas que passavam pelo ombro ferido.
Maldito, senti a garganta seca mais uma vez, e dessa vez a causa não
era sede.
— Vejo que está melhor, você dormiu por um dia inteiro depois que eu
te tirei do calabouço.
Tentei puxar na mente esse acontecimento, o que foi inútil, era tudo um
borrão preto. Depois do que pareceram dias amarrado naquele lugar, fui
perdendo a consciência aos poucos até acordar nesse quarto.
— Eu... — Minha fala é interrompida por a chegada de duas
empregadas. As mulheres estão vestidas em uniformes perfeitamente
alinhados e sequer olham em nossa direção enquanto servem um farto café
da manhã na pequena mesa de dois lugares. Após isso, elas saem tão
silenciosas quanto entraram. Se eu fosse pensar bem nisso acharia
assustador.
— Sente-se — disse Stephanos puxando uma cadeira para mim, a essa
altura comecei a pensar que tudo não passava de um delírio da minha mente
fragilizada. Eu devia estar morrendo naquele cômodo nojento, então por que
não aproveitar?
— Obrigado.
Stephanos sorri quando me sento, e contorna a mesa para assumir seu
lugar. Nessa hora sinto meu estômago roncar de fome, eu nem sei por quanto
tempo fiquei sem comer, por isso começo a comer como um dragão. O
tempo todo o mafioso me observa com interesse, em silêncio, apreciando
uma xicara de café, a única coisa da qual ele se serviu enquanto eu devorava
o resto dos alimentos.
— O que está planejando? — pergunto vários minutos depois,
finalizando um copo de suco, minha garganta ainda estava tão seca. —
Mudou de ideia sobre eu ser um traidor?
Ele ergue uma sobrancelha, muito calmo para o meu gosto. Essa
característica dele é o que mais me irrita, pois enquanto eu estou suando frio
e pensando uma besteira atrás da outra o maldito homem que causa essas
sensações em mim permanece imperturbável. É tão injusto!
— Nunca disse que você era um traidor, minha irmã tem um gênio
difícil e por vezes esquece quem é o chefe dessa família. Helena se
aproveitou disso para dar ordens com as quais eu não concordei.
É a minha vez de erguer uma sobrancelha.
— Você vai confiar em mim?
Ele sorri como um maldito predador, outra coisa que me irrita.
Se hoje o simples fato de ele respirar está me irritando, depois de toda a
merda que eu passei por causa desse desgraçado é difícil aceitar que em meu
corpo e mente tão fragilizados naqueles momentos esperavam com ânsia
para que esse mafioso fosse até mim. Que estúpido, eu realmente achei que
ele fosse me salvar.
E ele foi.
Merda!
— Não sou um homem que confia em alguém, jamais confiei em você e
certamente não chegara o dia em que isso vai acontecer. O que estou dizendo
é que pouco me importa se você tramou uma emboscada, isso só te deixou
ainda mais preso a mim.
Me irrito, erguendo-me da mesa ao mesmo tempo que bato ambas as
mãos contra a superfície dura, fazendo com que os objetos em cima dela
caiam para os lados. um copo chega a se espatifar no chão. Stephanos
permanece imperturbável com sua maldita xícara de café em mãos.
— Eu não fiz isso. Se existe alguém que poderia estar por trás daquela
merda, esse alguém é você, não é como se fosse a primeira vez que usa
agentes da lei a seu favor! — Ele sorri, deixando a xícara em cima da mesa e
se erguendo da cadeira. — Eu devia ter deixado você morrer lá, maldito
Skiá!
— Perdeu uma chance valiosa, Pouláki — ele diz lentamente, adorando
ver a raiva refletida em meus olhos. Quando seus passos se aproximam eu
tremo sem controle, odiando cada segundo dessa maldita fraqueza.
Nem mesmo sabia ao certo o que ele pretendia até ter uma mão grande
segurando meu quadril, apertando a carne no local e me fazendo reunir todas
as forças para não soltar algum som patético de apreciação.
O que está acontecendo comigo?
Por que justo com esse homem?
É algum tipo de castigo por causa dos meus pecados?
— Vamos, passarinho, você já dormiu demais.
Quase tropeço nos meus pés depois das palavras sussurradas em meu
ouvido. Ele começa a andar de volta para dentro do quarto, o sigo de perto
com sua mão firme em meu quadril e nossas peles nuas se encontrando a
cada novo passo.
Por conta de nossas alturas desiguais meu ombro nu toca em seu peito,
nossos braços roçando e sua mão deslizando quase imperceptivelmente em
meu quadril. Era um movimento contínuo e não sei dizer se foi intencional.
Stephanos poderia estar fazendo um carinho no local, ou era coisa da minha
imaginação louca.
Levamos quase dois minutos andando por um longo corredor e
descendo um lance de escadas antes de entrar em outro amplo corredor,
Paraskevas estava nos levando para seu escritório, percebi isso quando
entrei, mesmo que me cérebro tenha levado vários segundos para esquecer a
tortura que era ter aquele homem me segurando e analisar o espaço luxuoso
a nossa volta.
Por um momento cheguei a pensar que o tinha irritado e estava sendo
levado de volta para aquele lugar horroroso, um suspiro de alívio deixou
meus lábios quando percebi que estava enganado, embora esses segundos de
alívio tenham passado muito rápido, já que pouco depois uma nova
tempestade de emoções saiu devastando tudo pelo caminho, começando por
mim.
A mão que permanecia em meu quadril apertou o local com força
suficiente para me fazer resmungar de dor e tentar me afastar, contudo, esse
gesto foi impedido por outra mão agarrando minha nuca e me fazendo olhar
para os olhos escuros que me encaravam. Engoli em seco, minhas mãos
formigaram para também me agarrar a algo, mas tentei me conter, usei todas
as minhas forças em forma de autocontrole. Eu tentei, juro que tentei...
— Uh — um som esquisito deixou meus lábios enquanto meus olhos
estavam amplos pelo choque e a ansiedade, ao mesmo tempo que lutava por
autocontrole ansiava que o fio fosse rompido.
Dê o primeiro passo e eu posso ceder também, pensei.
E como se tivesse livre acesso aos meus pensamentos, Paraskevas
sorriu de um canto ao outro dos lábios, mostrando os dentes brancos antes de
baixar a cabeça e me beijar.
Stephanos era um homem bruto e impulsivo, senti isso nos primeiros
segundos em que seus lábios encontraram os meus. Foi uma mistura de
lábios e dentes que me deixaram confuso sobre o que ele pretendia, me
causar prazer ou dor? Talvez ambos, já que o maldito se divertia com isso.
Não deixei por menos, ele havia rompido meus limites com muito
sucesso, então joguei sobre ele toda a intensidade que tinha em mim,
empurrei quando fui empurrado e mesmo que não pudesse competir com seu
físico fiz o homem reconhecer minha força. Ele mordeu, lambeu e devorou
meus lábios, eu amei cada maldito segundo disso, tanto que quase esqueci o
quanto ele me tira do sério.
E quando eu pensei que nada poderia superar aquele beijo devastador,
Stephanos se afastou de mim, com os olhos serrados e um sorriso
animalesco nos lábios. Senti em meus ossos que algo estava por vir.
— Ei! — Me agarrei em seus ombros quando o mafioso segurou minha
bunda e impulsionou meu corpo para cima, não me dando muita escolha
além de envolver sua cintura com as pernas. Em um piscar de olhos
estávamos nos chocando contra a porta do escritório. O som alto não nos
parou, se fez algo foi com que os toques ficassem mais duros, rápidos e
intensos.
Ele beijou meus lábios, lambeu minhas bochechas e mordeu meu
pescoço. Eu comecei a esfregar meu pau duro contra ele, sentindo algo
consideravelmente grande encontrando-o. Tremi, engolindo em seco, estava
dividido entre o desejo e o medo, jamais tinha estado com um cara daquele
tamanho, e certamente seu pau era proporcional a todo o resto.
Foda-se, eu estaria ferrado se um dia chegássemos a isso.
Ele riu contra a pele do meu queixo, como se soubesse o que eu estava
pensando, devo ter ficado tenso depois de sentir o tamanho da coisa.
— Por que não o toca? — provocou, lambendo meu queixo.
— Você está pronto para ter outro homem tocando seu pau? — retruco.
Ele ri, um riso rouco.
— Estou pronto para ter meu pau enfiado no seu cu.
Engasgo com o ar, ele sorri, quero bater nele, mas me contento em
apenas agarrar o pau gigante por cima da calça de pijama.
Ele suspira com seus lábios voltando aos meus, roçando por cima,
ambos respirando o mesmo ar.
— Cadê o mafioso hetero que eu conheci? — Preciso o provocar, sua
pose de superioridade é meu ponto fraco.
— Foder é gostoso, independente de qual buraco seja. Se me pau sobe
por você, por que devo esconder isso?
Seu raciocínio era estranhamente correto, coisa que eu não diria em voz
alta enquanto quisesse manter um pingo de orgulho em mim. Ao invés disso,
segurei uma de suas mãos e o fiz agarrar meu próprio pau por cima da calça
de moletom. Queria ver se suas palavras se mantinham quando ele tivesse
minha carne pulsando de encontro a sua mão.
— Se quer gozar, faça algo de útil e me deixe gozar também — exijo,
levando minha mão que estava por cima de sua calça para dentro dela.
Ele era enorme como eu pensei, grande grosso e quente. Caralho, eu
queria aquilo dentro de mim com uma ânsia que quase superava o medo de
ser partido ao meio.
— O quê? — Travei quando minha mão encontrou algo estranho na
cabeça de seu mastro, era duro e frio, parecia com um... piercing?
Eu só tinha ouvido falar dessas coisas, Príncipe Albert, mas nunca tive
o prazer de conhecer um homem que tivesse coragem de perfurar seu pau.
Sem poder ver por baixo da calça, o puxei para fora, era uma peça dourada e
grande, com uma bola na parte de cima e um círculo embaixo, estava na
pontinha do pênis, dando uma visão ainda mais impressionante para o
membro bem acima da média.
— Foda-se! — sussurrei, engasgando com o próprio ar no momento em
que a mão gigante de Paraskevas fez o mesmo caminho que eu e agarrou
meu pau, o puxando para fora da calça.
— Vamos fazer muito disso — disse provocativo, começando a
acariciar meu mastro. Temi que ele aplicasse força demais por ser a primeira
vez que estava fazendo isso, mas fui surpreendido por uma mão habilidosa
que até nos momentos mais ásperos arrancava gemidos de prazer. Ele olhou
para os meus olhos e sorriu de lado. — Me dei prazer o suficiente nessa vida
para saber como segurar um pau.
Seus lábios lambem minha orelha ao mesmo tempo que apertam a
cabeça do meu pênis, gemo alto, fechando os olhos e buscando mais desses
toques.
— Também sei comer um cu, antão não se preocupe, passarinho, você
está bem servido, é um homem de sorte.
— Você é um grande babaca!
— Nunca neguei esse fato, você quem gosta de se iludir.
O aperto em meu pau ficou insuportável de tão gostoso, comecei a
foder sua mão no mesmo ritmo louco em que puxava seu membro.
Masturbando-o, acariciando, descobrindo todos os pontos sensíveis, a pele
lisa, o piercing frio. Ele começou a babar melando a cabecinha e me fazendo
querer ficar de joelhos e o levar em minha boca.
Calma, você vai fazer isso, temos tempo, ele acabou de dizer que vamos
fazer muito disso.
Ah, mente filha da puta!
Corpo traidor!
Por que esse filho da puta tem que ser tão gostoso?
— Ah! — grito, mordendo seu ombro bom, mordo com tanta força que
chega a romper a pele. Stephanos não reclama, o maldito goza em minha
mão como se amasse a dor que eu estava lhe proporcionando. Esse
conhecimento mexeu com uma parte retorcida dentro de mim porque acabei
gozando em sua mão.
Stephanos permaneceu nos segurando pelo tempo em que nadamos
naquela onde deliciosa de prazer, nossos corpos ainda em frenesi, as
respirações afoitas. Meu corpo sentia falta de sexo, mas devo confessar que
nunca fui levado ao limite dessa forma, o mafioso não tinha medo de que eu
quebrasse caso seu aperto fosse esmagador, ele continuou me segurando e
me puxando direto para um abismo, e quando eu o puxei para uma queda
livre, ele veio de bom grado.
Somos dois loucos, e eu que pensei nele como um ser detestável, que de
fato é, o que eu não havia me atentado é a forma como somos tão parecidos.
São nossos olhos escuros, as torções que carregamos conosco... Somos
dois malditos prontos para quebrar e ansiosos para serem quebrados.
Abri meus olhos quando sua mão largou meu pau flácido, nem percebi
quando os fechei. A essa altura minha respiração estava voltando ao normal
e minha mente conseguia assimilar melhor o nosso entorno. Olhei com
atenção para o enorme escritório luxuoso, ele tinha o mesmo estilo do resto
da casa, pelo menos o que vi até o momento, os quadros nas paredes, os
móveis, tudo me lembrava os filmes de época.
Devo estar mesmo em algum tipo de castelo antigo, o lugar exala uma
aura de dinheiro.
— O que é isso? — me vi questionando ao parar os olhos em uma urna.
Era enorme, preta e estava posta no centro de sua mesa de escritório.
Paraskevas se afastou de mim, colocando seu pau de volta nas calças
antes de caminhar até sua mesa, e apontar para a urna funerária com um
sorriso tranquilo e quase gracioso.
— São as suas cinzas, Pouláki.
CAPÍTULO 14

— Minhas cinzas? — questiono em voz alta, pensando que certamente


ouvi errado. Devo ainda estar sob o efeito de ter gozado tão gostoso pouco
antes.
— Veja bem, um doador anônimo fez uma generosa doação para que o
corpo do jovem policial Perseu Lykaios pudesse ser cremado ao invés de
acabar enterrado como um indigente.
Ele caminhou de volta para mim, me ajudando a colocar minha calça de
moletom de volta no lugar antes de continuar falando com tanta
tranquilidade.
— Sei que é triste ter que ouvir isso, passarinho, ninguém reclamou o
seu corpo. Nem mesmo aquela mulher que era sua parceira, depois que você
foi morto em um confronto com o FBI e seu nome caiu em descredito, o
policial corrupto foi descartado por todos que o conheciam. Mas devo dizer,
sua parceira ainda tentou falar por você antes de ser silenciada pelo seu
chefe, ela tem filhos para criar e uma carreira, não podia se dar ao luxo de te
defender com unhas e dentes.
— Do que merda você está falando? — grito, batendo sua mão longe
quando ele tenta tocar em meu rosto. O homem era tão falso que chegou a
expressar tristeza a medida em que falava. — Essa brincadeira não tem
graça!
Paraskevas dá de ombros, voltando para sua mesa e pegando um
envelope que é estendido em minha direção.
— Seu atestado de óbito, foi tudo providenciado por Helena nos dias
em que eu estava me recuperando. Agora é oficial, sinto muito pela forma
como você saiu da polícia, mas vamos ser sinceros, você se perdeu para o
mundo da lei há bastante tempo, eu só oficializei isso na primeira
oportunidade que tive. E você nem foi primeira página, era só mais um dos
policiais corruptos que foram mortos no confronto com o FBI na casa de
leilões.
Todo o meu corpo tremia de raiva quando arranquei o envelope de sua
mão e li o papel que estava dentro. A menos que Stephanos tivesse se
esforçado muito para fazer aquela brincadeira, era tudo verdade. Ele forjou a
minha morte na casa de leilões, jogou o pouco que ainda me restava na lama
e tudo isso por algum motivo egoísta do caralho que apenas ele sabia.
— Vá se foder seu maluco de merda! — grito, rasgando o envelope
com o que tinha dentro. — O que estava pensando? Eu tinha planos,
objetivos!
Stephanos permaneceu parado, tranquilo. Eu queria perfurar seu outro
ombro com um tiro!
— Vamos ser sinceros, você não tinha nada, Pouláki. Os seus
conhecidos vão te esquecer em um piscar de olhos, seus colegas de trabalho
acreditaram no pior de você sem grande esforço. Seu apartamento é um
cubículo em um bairro horroroso, seus pertences couberam em uma caixa de
papelão que está guardada no armário do quarto. O que foi que você perdeu
de tão importante?
Doeu como um tapa.
Ele tinha sua razão, mesmo Andrea, minha parceira, iria esquecer
rápido de mim. Era o melhor para ela e sua família. Jamais poderíamos ser
tão próximos como eu fui de Ducan, Sarah e Julie.
Entretanto, o pouco que eu tinha, minha identidade, minha vingança,
Stephanos tirou tudo isso como se não fosse nada. Como posso aceitar isso
tão facilmente?
— Você não tinha esse direito, jamais esteve tão baixo como eu. —
Aponto para a sua cara. — Meu nome, a farda que eu vestia, a vingança que
estava perseguindo, isso parece nada para você, mas era tudo que eu tinha!
— Você vai ter muito mais ao meu lado, trabalhando comigo...
Empurro no chão a maldita urna com as cinzas, fazendo com que ela se
espatife e cinzas manchem o carpete caro. De fato, havia um corpo naquela
coisa.
— Seu maldito filho da puta, pensa que eu não sei o desgraçado
retorcido que você é? Fez isso por si mesmo, para seu próprio prazer. Queria
me deixar sem escolha, sem saída! É isso que sempre quis fazer desde que
nos conhecemos, e parabéns, você conseguiu!
Empurro novamente sua mão para longe quando ele tenta se aproximar,
vejo o momento em que seu maxilar trava, raiva brilhando nos olhos
escuros. Eu quero mais é que ele se foda, pouco me importa a sua raiva.
Nesse momento eu o odeio com todas as forças que me restam, parece
que é a única coisa que posso fazer quando nem um nome eu tenho mais.
— O que planeja? — Rio sem humor. — Vai me colocar em uma gaiola
de ouro?
— Você já está em uma gaiola, Pouláki, a única coisa que pode decidir
agora é o tamanho que ela vai ter.
Dou um passo para trás, respirando com dificuldade.
É isso, eu deixei me enganar minutos atrás, me deixei levar e quase
esqueci quem é o desgraçado egoísta diante de mim.
Sim, ele me quer. Quer o meu corpo, quer me foder.
Hoje, agora, Stephanos Paraskevas me deseja, e por isso ele foi capaz
de esmagar todas as minhas rotas de fuga.
Por quanto tempo esse querer vai durar? Não sei dizer.
Eu sou uma coisa para ele, vou ficar preso ao seu lado pelo tempo que o
mafioso desejar e quando esse tempo acabar o que vai me restar?
Ele me tirou tudo.
— Vingança era a única coisa que me movia... — deixo escapar, e um
pouco da raiva brilhando em seus olhos desaparece.
Sua mão vem de encontro ao meu rosto mais uma vez, eu o deixo me
tocar. Estava cansado, perdido.
— Eu vou te dar isso, passarinho, vou construir a estrada que você
precisa seguir, te darei a arma para atirar, e mesmo depois disso eu limparei
o sangue que você derramar pelo caminho. Essa vingança já é sua.
Quis acreditar nisso, era a única coisa que me restava.
— Você já é meu, Pouláki, aceite o que eu te dou, receba de bom
grado... não percebe? Eu sou a sua gaiola.

Eu sou a sua gaiola


Essas palavras ressoam em minha mente a cada novo passo que dou
pelos corredores da mansão, o lugar é grande o suficiente para que me sinta
perdido, ainda assim me recuso a pedir ajuda a Stephanos quando o deixei
para trás em seu escritório após ouvir sobre tudo que ele fez. Encontro
alguns empregados pelo caminho, todos me olham de forma pouco discreta,
mas nenhum mínimo cochicho pode ser ouvido, acredito que seja assim
quando você trabalha para um mafioso, manter a boca fechada salva sua
vida.
— Mas que droga, acho que passei por esse corredor — resmungo
depois de subir um lanche de escadas. Se tivesse prestado atenção no
caminho que fizemos ao deixar o quarto onde eu estava. É claro que naquela
hora era mais importante o fato de Stephanos estar me segurando pelo
quadril. — Com licença.
Me apresso na direção de um homem com uniforme, ele havia acabado
de sair de um dos quartos e carregava consigo uma bandeja com pratos e
copos vazios.
— Você saberia me dizer onde fica o quarto onde eu estou... ficando?
Minha mão está estendida em sua direção, foi mais um gesto instintivo
do que vontade de o tocar, contudo, o homem arregalou os olhos e deu
passos bambos para trás, como se me tocar fosse arrancar sua mão fora. A
bandeja que carregava vacilou e um copo caiu no chão, se espatifando.
— Desculpe, senhor — diz ele, se apressando para limpar a bagunça.
Que estranho.
Devem pensar mesmo que sou um traidor.
Nunca tinha colocado tanto medo em um homem antes, apenas por
estender uma mão em sua direção.
— Vire à direita no corredor, seu quarto é a segunda porta a esquerda.
Vendo que o homem estava nervoso com a minha presença, apenas o
agradeci e me apressei pelo corredor, logo encontrando o quarto que por
hora chamaria de meu. O ambiente permanecia tão luxuoso como quando o
deixei, a cama havia sido feita, os lençóis trocados, e a mesa de café da
manhã foi retirada. Aquela era uma realidade que o pobre Perseu jamais
pode conheceu até aqui, não quando era uma criança lutando para sobreviver
sozinha ou quando tinha apenas um salário de policial para se manter.
Se essa realidade não fosse tão sufocante, facilmente eu poderia
aproveitar dela.
Ser servido uma vez na vida.
— Minha vida coube em uma caixa de papelão — sussurro,
caminhando até uma das portas presentes no quarto, eram três no total, todas
iguais, a primeira delas era o banheiro, a segunda estava trancada e não
consegui abrir por não encontrar uma chave por perto, a terceira e última
dava acesso a um closet enorme.
Armários e mais armários, o local era quase do tamanho do
apartamento onde morei nos últimos meses. E para não dizer que estava
totalmente vazio havia algumas toalhas, cobertores e pijamas, devia ser para
os hospedes. Nada era do meu tamanho exato, e tinha um emblema nas
camisas de pijama, eu tinha visto aquilo quando pesquisei sobre Stephanos
Paraskevas. O homem era rico e vinha de uma família antiga o suficiente
para terem um brasão.
A única coisa que era realmente minha foi encontrada no fundo dos
armários, uma caixa pequena de papelão, que com um sorriso amargo
constatei que, de fato, continha minhas poucas posses. Nela estava meu
distintivo, celular, algumas poucas roupas e dois pares de sapato.
Foi por já ter tido menos do que isso que não cheguei a me desesperar
com a minha nova realidade. Estou preso aquele homem, jogando um jogo
que nem mesmo conheço as regras.
Poderei me vingar das pessoas que causaram a morte de Ducan e sua
família, antes de sofrer uma derrota final de Stephanos Paraskevas?
— Eu vou continuar lutando, Ducan, Sarah e Julie, pelo menos isso
posso prometer a vocês.
Agarro o celular de dentro da caixa e ao tocar na tela percebo que
apesar de ser o mesmo modelo que eu tinha, a tela de bloqueio está com uma
imagem de fábrica. Me apresso em desbloquear para procurar as fotos,
praticamente a única coisa de grande valor que ainda tenho. Percebo que
estão todas lá, mas depois de uma inspeção mais detalhada chego à
conclusão de que fizeram algo com o aparelho. Certamente tem o dedo de
Paraskevas e sua irmã lunática.
— Será que colocaram alguma escuta? — resmungo para mim mesmo
ao deixar o closet.
— Na verdade seu celular foi descartado para evitar qualquer tipo de
conexão com sua vida anterior, o que tem em suas mãos é um aparelho novo
que já recebeu seus arquivos e foi configurado para atender as suas
necessidades. Embora, eu não possa afirmar que ele está livre de
rastreadores e escutas. Stephanos tem demonstrado uma possessividade
muito grande para com você.
Fico parado no centro do quarto, o celular em mãos enquanto encaro a
mulher, que já sei se chamar Lupi.
Foi sua namorada quem me deixou para morrer naquela cela de tortura,
no que me diz respeito, Lupi concorda com as decisões de sua mulher.
— Está tudo bem. — Ela sorri com as mãos erguida na frente do corpo.
— Eu vim em missão de paz, sou a médica responsável pelos Paraskevas e
tratei das suas feridas quando Stephanos te tirou das masmorras.
— Local para onde sua namorada me levou.
Essa declaração é recebida com um sorriso divertido, se minhas
palavras a afetaram, ela disfarça muito bem.
— Helena pegou leve com você, pode se sentar aqui? — Apontou para
a cama. — Vim ver como estão as suas feridas e a febre.
Faço o que me pede e logo a mulher começa a tirar as gazes em volta
dos meus pulsos. Esse simples ato dói pra caralho.
— Quando você a conhecer melhor vai perceber que Helena não tem
um osso suave em seu corpo, o desejo dela era te torturar até a morte, se não
fez isso foi porque tinha um pouco de consciência. No caso, eu a aconselhei
a esperar por ordens diretas de Stephanos. Isso se provou a coisa certa a
fazer, Igétis ficou furioso com o que fizeram com você, vários soldados
foram punidos.
Suas palavras me surpreenderam ao ponto de ela rir da minha
expressão.
— Não estranhe se eles começarem a te evitar depois das palavras duras
de Stephanos.
O empregado que vi mais cedo, era isso então? Ele estava com medo de
se aproximar de mim por causa de Stephanos?
O que o homem fez?
— São dois insanos! — digo me referindo aos irmãos Paraskevas.
Lupi sorri, voltando a colocar gazes por cima das feridas em meu pulso.
Ela também passou uma espécie de pomada que aos poucos estava
diminuindo a dor.
— Isso é um fato com o qual você precisa lidar, eu nunca tinha visto
aquele homem tão interessado em algo ou alguém antes. Por isso é difícil
dizer quais a consequências disso.
— Ele me incriminou, jogou meu nome e carreira na lama, forjou a
minha morte para me ter preso ao seu lado. O que mais ele pode fazer?
Ele riu, algo obscuro brilhando em seus olhos.
— Você está mesmo disposto a descobrir?
Demoro a responder.
— Eu te disse, essa é a primeira vez que Stephanos Paraskevas
demonstra tanto interesse em alguém. Ainda mais um homem! Só o tempo
vai dizer quais as consequências disso, mas eu penso que aquela muralha
pode ter encontrado a primeira pessoa capaz de a atravessar.
Engulo em seco por conta de suas palavras.
Nesse momento raiva e desejo duelam dentro de mim.
Eu quero matá-lo pelo que ele fez, enquanto tem uma parte minha que
deseja se rebelar e fazer com que ele fique tão preso a mim quanto eu estou
preso a ele.
Mesmo que não deseje aceitar por hora, no mais profundo da minha
alma eu sei que tem outro sentimento se arrastando para a superfície, algo
que vai se juntar a sede de vingança e se tornar minha força de vida.
Stephanos Paraskevas, eu vou precisar arrancar pedaços de você para
preencher os pedaços que você está arrancando de mim?
CAPÍTULO 15

— Penso que isso é uma grande perda de tempo — o resmungo irritado


me fez sorrir. Perseu é uma figura curiosa, ele é a única pessoa até hoje que
consegue arrancar um sorriso de mim quando está agindo como um
merdinha.
— Você prefere andar nu para todos os lugares? — questiono com
tranquilidade, saímos do elevador e começamos a andar pelo shopping vazio.
Era de madrugada, mas o local estava em pleno funcionamento,
vantagens de ser o sócio majoritário da rede de shoppings ao qual este
pertence. Posso fazer minhas compras com tranquilidade, mesmo que prefira
ser atendido no conforto da minha casa. Entrar e sair de lojas, provar roupas,
isso tudo sempre me pareceu um desperdício de tempo, então Perseu aparece
e me vejo o arrastando até esse lugar.
— Eu tinha roupas, se todas tivessem sido trazidas quando você
resolveu acabar com a minha vida...
— Trapos, você tinha trapos de péssima qualidade — digo de mau-
humor, o homem não perde uma oportunidade para trazer esse assunto à
tona, mesmo que faça mais de uma semana desde que ele soube de tudo.
Ah, vamos ser sinceros, o que tinha naquela vidinha de merda que tanto
lhe agradava? Eu estou sendo generoso e oferecendo uma vida de luxo que
Perseu jamais teve. O que mais preciso fazer para que ele pare de tentar
arrancar minha garganta todas as vezes que me aproximo?
Frustração percorre meu corpo.
Nunca foi tão difícil, sempre que quis enfiar meu pau em alguma boceta
havia uma fila de mulheres dispostas a me oferecer prazer, para muitas delas
eu sequer tive que mostrar qualquer sinal de cavalheirismo.
— Essa merda! — resmungo e Perseu me encara por cima dos ombros.
Um olhar duro em minha direção.
Ele está bonito com o novo corte de cabelo. Meu barbeiro particular o
atendeu faz alguns dias, seu cabelo cacheado está mais curto o que deu um
destaque ainda maior para o rosto de traços fortes, marcado por bochechas
altas e lábios grossos.
Eu nunca tinha pensado em um homem como bonito até agora.
— Você está me chamando de merda? — questionou com os lábios
torcidos de raiva. Isso me fez querer agarrar sua bunda, fincar meus dedos
por cima da calça jeans e...
— Pare de reclamar como uma criancinha malcriada, Pouláki.
O conduzo para dentro de uma das minhas lojas preferidas, ele
permanece com a cara emburrada, odiou a ideia de vir as compras, ainda
mais quando eu disse que estaria pagando por tudo. Perseu estava me dando
um tratamento de silêncio, coisa que simplesmente odeio, é preferível seus
insultos, eles me excitam bem mais.
— Senhor Paraskevas.
Somos recebidos por um grupo seleto de funcionários, eles não fazem
perguntas e rapidamente se movem para atender nossas necessidades quando
eu falo que quero um guarda-roupa completo para Perseu. Desde roupa
intima até sapatos. Tinha gostado de vê-lo em roupas finas no dia do leilão,
agora me pergunto como seria o ver vestido assim o tempo todo. Por mais
que a perspectiva de o ter nu ao meu redor seja bem tentadora.
— O senhor pode esperar aqui — disse umas das funcionárias, fui
conduzido até uma confortável poltrona escura e uma taça de champanhe me
foi servida enquanto Perseu era bombardeado por roupas para diversas
ocasiões diferentes. A única coisa que não iriamos levar seriam ternos, esses
eu os encomendei ao mesmo estilista que cuida dos meus ternos feitos sob
medida.
— Me recuso a provar tudo isso! — Ele virou em minha direção,
praticamente batendo o pé no chão como um garotinho mimado.
— Eu estou a ponto de dobrar você por cima das minhas coxas e
espancar a sua bunda malcriada na frente dos funcionários da loja e dos
meus seguranças. Você pode me dar esse prazer, ou provar as roupas que tão
gentilmente estou comprando para você.
Se olhar pudesse matar...
— Maldito, filho da puta.
Fingi não ouvir seus xingamentos sussurrados.
Perseu entrou no provador e começou a provar as roupas.
— Quero ver quando estiver pronto.
— Tá achando isso divertido? Você tem algum fetiche estranho em
comprar roupas para seus amantes?
Amantes
Fico em silêncio diante de sua declaração.
Posso chamar de amantes mulheres das quais nem mesmo lembro de
seus rostos, nomes ou qualquer coisa além de uma foda? Duvido muito que
algo assim se encaixe no conceito de se ter um amante.
Deixo a taça de champanhe de lado e me levanto, seguinte até o
provador onde ele estava. Suas palavras ainda rondam minha mente, mas
não me sinto inquieto quando entro no provador e o encontro terminando de
abotoar os botões de uma camisa vermelha de magas longas. A cor destaca o
marrom de sua pele, realça os grandes olhos escuros e me tenta a tocá-lo no
peito, por cima do tecido mole.
— Você devia esperar do lado de fora! — resmunga, sem muito calor
em sua voz, ao contrário dos olhos castanhos que parecem me queimar
inteiro.
Contenho um sorriso.
Por mais que ele odeie as minhas atitudes, das quais não sinto o menor
arrependimento, Perseu ainda me deseja.
Amantes... não podemos ser chamados disso, certo?
Pensar nisso me parece uma tolice, então por que estou abaixando a
cabeça, beijando seu pescoço por baixo da gola da camisa e levando ambas
as mãos para tocar a frente de seu peito?
Eu pensei que queria quebrar suas asas para que Perseu não tivesse
mais escolhas, para que ficasse ao meu lado pelo tempo que eu quisesse.
Contudo, isso é insuficiente nesse momento. Sei que sou um homem
ganancioso, mas isso? Essa possessão louca... desejo enterrar meus dedos em
sua pele profundo o suficiente para entrar em sua carne, fazer parte dele.
— Solte! — O que me surpreendeu mais não foi a força em suas
palavras quando ele me disse para soltar, foi a forma como afastei minhas
mãos tão rápido. Fiquei confuso por alguns segundos, o que estava fazendo?
Recuar é algo desconhecido para mim, por isso me mantenho de pé
atrás dele.
— Você sabia que me confunde, passarinho?
Com uma sobrancelha erguida, ele me olha através do reflexo no
espelho diante de nós.
— Eu? É você quem parece ter todas as cartas na mão, no momento eu
mal tenho um nome para chamar de meu. Além disso, fico me questionando
se você sempre se esforça tanto por causa de uma foda ou se está apaixonado
por mim.
Algo em seu tom de voz dizia que Perseu estava brincando com relação
a última frase, ao mesmo tempo que seus olhos me desafiavam a contestá-la.
Ele era sempre corajoso, mesmo que essa coragem beirasse a burrice.
— Apaixonado? — solto com um tom jocoso, ele entorta os lábios com
desagrado. Eu volto a tocá-lo, dessa vez segurando seus ombros. — Jamais
conheci tal coisa, você não acha que está sonhando alto demais para um
passarinho que perdeu suas asas?
Suas mãos vêm parar em cima das minhas, apertando-as, fincando as
unhas em minha pele. Me recuso a afastá-las.
— Perdeu as asas? — Ele ri. — Você as arrancou quando forjou minha
morte? É isso que quer dizer?
Assinto.
Um sorriso surge no canto esquerdo de sua boca, as unhas apertando
com mais força, logo iriam romper a pele.
— Você pode tirar tudo de mim, pode colocar seu nome gravado em
minha pele e ainda assim eu serei apenas meu. Penso que é isso que você
realmente quer, Paraskevas, você quer possuir porque é a única forma de
manter que você conhece, mas entenda logo uma coisa, o que eu sou e o que
posso dar a alguém é uma decisão que cabe somente a mim. Pode quebrar
minhas asas quantas vezes quiser e eu ainda vou arrumar uma forma de
voltar a voar.
— Tem certeza disso? — questiono, levando uma mão para o seu
pescoço. Aperto o local, ele se mantém calmo, me encarando direto nos
olhos através do espelho do provador. — Eu posso acabar com você, e se
fizer isso, como vai voar para longe?
— Faça, e veja se você vai conseguir me manter — desafia —, a morte
seria uma liberdade oferecida pelas suas próprias mãos.
Engulo em seco, me sentindo acuado como nunca antes.
Parece que entrei na gaiola que estou tentando o manter.
— Como posso manter um passarinho selvagem preso em minha
gaiola?
— O faça querer ficar, então mesmo que a porta da gaiola seja aberta,
ele vai voltar.
Jamais abri mão do controle, é isso que me mantém no topo onde estou.
A forma como Perseu me enlouquece também é única, como poderia o
deixar livre sabendo que o homem não hesitaria antes de abrir as asas e voar
para longe?
Eu me importo com isso?
— Um pássaro não nasceu para ficar em uma gaiola, ele sempre vai
querer ser livre. Como eu sou um homem sem escrúpulos, vou continuar
prendendo-o a mim, apenas assim terei certeza de que ele é meu. Meu
Pouláki pode me odiar, fincar suas garras em mim até o sangue escorrer,
suportarei isso como o preço por manter no chão algo que nasceu para estar
nos céus.
Suas unhas param de me ferir, meu aperto em seus ombros se torna um
abraço que os envolvem e puxa seu corpo de encontro ao meu. Olho mais
uma vez para o conjunto completo das roupas que está usando. Calça de
alfaiataria, camisa vermelha.
— Está ótimo, prove mais algumas.
Meu celular toca no bolso de trás da calça, como é o aparelho que tenho
para chamadas pessoais, sei que se trata de algo importante. São poucas as
pessoas que têm esse número.
— Termine de escolher suas roupas, estarei do lado de fora.
Me afasto de seu corpo, mas antes de deixar o provador, escuto:
— Se torne responsável pelo que você cativa.
Suspiro.
— Cuidado passarinho, se repetir coisas como essa eu vou começar a
pensar que você está sendo cativado por mim, mesmo que minhas ações
supostamente só tenham despertado seu ódio até aqui.
Sem receber uma resposta volto para a poltrona onde estava antes,
deixando Perseu continuar provando suas roupas. Tiro o celular do bolso e
constato que ele está tocando mais uma vez, é Patrick, o gerente da The Hell.
— Igétis, receio que teremos problemas com uma presença ilustre.
Com os ombros restos, respondo:
— Estou ouvindo...
CAPÍTULO 16

Estava me sentindo uma boneca de pano sendo arrastado para todos os


lados por Stephanos Paraskevas, ele era o homem responsável pelo fim
prematuro da minha carreira e “vida”. Foi ele também que me proporcionou
uma casa, comida, roupas e documentos novos após os acontecimentos na
noite do leilão.
Generosidade?
Longe disso, o mafioso estava acostumado a controlar tudo e todos ao
seu redor. Ele está ciente de que não tenho mais a quem recorrer, apenas ele
pode me proporcionar uma nova vida agora que sou um homem “morto’, ao
mesmo tempo que é a única pessoa com poder suficiente para facilitar a
minha vingança.
Posso mesmo reclamar?
Estava disposto a vender minha alma para conquistar meus objetivos.
Paraskevas se interpôs no caminho e deu o maior lance. Eu deveria aceitar o
que ele tem para mim, e cobrar o que me é de direito na hora certa, contudo,
tem algo dentro de mim que cresce com força a cada dia que passa, um
desejo louco de ir contra ele, me chocar ao seu corpo e agarrar firme.
— Tudo vai correr bem esta noite, enquanto estiver comigo você estará
seguro. Basta lembrar que é um homem “morto”, que manter a descrição é
de grande ajuda, o caso da casa de leilões está aparecendo com força na
mídia e podem vincular fotos suas.
— Conseguiria fazer isso se você não estivesse me levando para
passear o tempo todo — resmungo com os braços cruzados.
Estamos em um espaço muito apertado para o meu gosto, o banco de
trás de seu carro, enquanto seguimos para sua boate The Hell. Reclamar é
tudo que posso fazer no momento quando me sinto tão exposto e vulnerável.
Dependo totalmente de um homem em quem não posso confiar, mas que tem
mexido com cada maldita parte do meu corpo. Mostrar a garras e o ferir
quanto tenta se aproximar é a forma que encontrei de continuar resistindo.
Ele já me tem na palma da mão, quero mesmo entregar o resto que
ainda tenho?
— Admita, você se sentiria solitário se eu te deixasse em casa, meu
passarinho.
O sorriso que acompanha a frase é carregado de autoconfiança, suas
palavras foram uma afirmação, ele sabe como me sinto por mais que tente
esconder com todas as minhas forças.
Sinto que estou por um fio... Meu orgulho duelando contra um desejo
louco. Quero esse homem, sei disso, a grande questão é que se me deixar
levar jamais vou sair dessa gaiola de sombras.
“Admita, você gosta de receber a atenção desse mafioso, seu ego adora
ser acariciado ao saber que ele está indo tão longe para te manter. Você
caiu fundo o suficiente para alcançar o lugar onde esse demônio reside, e o
que te assusta não é o quão fundo caiu, mas sim a possibilidade de ser
esquecido em breve. O que fara quando Paraskevas perder o interesse em
você, passarinho?”
— Perseu. — O toque em meu braço me faz saltar no banco do carro,
Stephanos está me encarando com uma sobrancelha arqueada, a porta do seu
lado está aberta e percebo que estamos no estacionamento privado da boate.
Perdido em meus pensamentos nem vi que tínhamos chegado.
— Vamos! — falo, saindo do veículo logo atrás dele.
The Hell estava da forma como me lembrava, pelo menos o terceiro
andar para onde subimos direto usando o elevador particular de Stephanos.
Caminhei sempre um passo atrás, querendo chamar o mínimo de atenção
para mim. O mafioso havia dito que estaria tudo bem vir está noite, a The
Hell mantinha regras estritas para aqueles que queriam ter acesso ao terceiro
andar, ninguém via nada ou ouvia nada. Ou seja, não haveria boatos sobre a
presença de um policial que supostamente morreu ao se envolver em atos
criminosos, ainda assim me sentia estranho tendo tantos pares de olhos
desconhecidos me olhando a cada novo passo.
Paraskevas, por outro lado, desfilava pelo local com sua costumeira
pose de rei da porra toda. Ele tinha um sorriso devastador e uma expressão
confiante, todos os homens e mulheres no local viraram suas cabeças com a
chegada do mafioso, podia jurar que até as conversas sessaram por alguns
segundos.
Quem poderia os culpar?
É difícil para mim admitir, mas Stephanos é bom para se olhar em suas
roupas elegantes que se esforçam para conter os músculos inchados. O
caminhar confiante, o sorriso presunçoso, tudo nele é magnético.
— Você quer uma bebida, Pouláki? — questionou, olhando para mim.
Estávamos a poucos passos de sua costumeira mesa, o lugar estava vazio até
nossa chegada e eu já havia percebido que ninguém ousaria sentar ali sem
ser convidado pelo Igétis.
— Pode ser.
Fui o primeiro a sentar, e pela sua postura poderia jurar que ele teria
puxado a cadeira para mim como um perfeito cavalheiro, caso a mesa tivesse
cadeiras e não poltronas de couro em um meio círculo em volta da mesa de
madeira.
— Receio que terei visitas hoje, você pode me esperar aqui.
Ergui os olhos para o encontrar ainda de pé ao lado de onde eu tinha me
sentado. Seu olhar estava cravado na porta principal do local, por ela passava
um homem de meia idade, com cabelos grisalhos e um terno elegante. O
sujeito olhou na direção de Stephanos e acenou com um gesto de cabeça, um
enorme sorriso aparecendo em seu rosto. Algo naquele homem me
desagradou imediatamente.
— Não saía daqui passarinho — disse o mafioso, uma mão apertando
meu ombro com força antes de o liberar e sair andando na direção do recém-
chegado.
Nem tentei disfarçar meu olhar o seguindo por todo o caminho,
Stephanos cumprimentou o homem grisalho com um aperto de mão e um
sorriso aberto. Franzi as sobrancelhas, eu conhecia aquela expressão e o
sorriso, Stephanos estava em seu modo todo... fingido, por falta de uma
palavra melhor. Naquele momento nada nele era real, a não ser a frieza
contida nos olhos pretos.
Hum... quem será o sujeito que tanto o desagradou?
Os dois homens trocam rápidas palavras e saem em direção ao corredor
que leva diretamente para o elevador particular e o escritório de Paraskevas,
onde desconfio que seja o destino deles. Ainda estava olhando nessa direção
quando um outro homem passou pela porta de entrada acompanhado por
duas mulheres lindíssimas. Uma loira e uma ruiva, ele sorria quando apontou
na direção para onde Paraskevas e seu “convidado” foram, as duas mulheres
seguiram logo atrás.
— Sua bebida, senhor.
Desviei os olhos da cena e vi um garçom parando diante da mesa onde
estava sentado sozinho. Ele colocou uma taça diante de mim, me servindo
com o que parecia ser algum vinho caro, não que eu conheça algum. A
garrafa por si só deveria valer uma fortuna de tão ornamentada que era.
Duvido que os vinhos baratos que comprei no supermercado tenham o
mesmo gosto.
— É o preferido do senhor Paraskevas, espero que goste.
Assenti, aceitando a taça e tomando um gole, ao mesmo tempo que
voltava o olhar para o corredor onde estava o mafioso, e aquelas mulheres.
Sim, o vinho era bom, melhor do que qualquer outro que já provei, no
entanto, no final da taça o que ficou foi um gosto ruim na boca por perceber
que vinte minutos tinham se passado e ninguém tinha saído daquele
corredor.
O que eu esperava?
Fidelidade quando não somos porra nenhuma?
— Você deveria se levantar e ir até lá.
Tomei um susto com a voz sussurrada quase no meu ouvido, por sorte a
taça estava vazia em minhas mãos ou teria deixado cair na roupa.
— Desculpe? — Olhei para cima e vi o exato momento em que Zeus
Doskalakis se sentou junto a mim.
O homem é o conselheiro da Aderfia, alguém em quem Stephanos
supostamente tem certa confiança. Ele esteve na mansão de Stephanos
algumas vezes desde que estou morando lá, os homens se trancam no
escritório do mafioso e passam horas em algum tipo de reunião secreta da
máfia. Nunca trocamos mais do que duas palavras, para o meu total agrado.
Apesar disso, sua mera presença e o olhar que me dá arrepia meus pelos
de uma forma desagradável.
— Você é o novo bichinho do Stephanos, eu sei disso, todos aqui
devem estar pensando o mesmo. Então por que não se levanta e vai atrás
dele? — Ele tinha um copo em mãos e tomou um longo gole enquanto dava
de ombros com um falso descaso. — Só não posso te garantir que o nosso
Igétis vai gostar de ser interrompido, se é que você me entende.
Meus lábios se contorceram diante da clara insinuação.
— Não vejo o porquê de isso ser da sua conta.
Seu sorriso se ampliou.
— Bem que ouvi que você tem garras.
— Agora que sabe, poderia me deixar sozinho?
Ignorando meu pedido, Zeus se recosta na poltrona.
Eu não ficaria ali fazendo papel de idiota, tratei de ficar de pé, mas
antes que pudesse fazer alguma coisa meu pulso foi segurado com força e
cai de encontro a Zeus. Bati de volta na grande poltrona de couro, nossos
corpos se tocando, sua mão ainda espremendo meu braço como se o seu
objetivo fosse quebrar o osso. Toda a calma e gentileza que sua expressão
tentava passara era uma faixada rasa.
— Me solte! — exigi, tendo meu braço torcido quando tentei o puxar
para longe de seu aperto. Lutei para conter o gemido de dor, sei que ele
adoraria ver meu sofrimento, isso estava escrito por todo o seu rosto.
— Por que quer ir embora tão rápido? — perguntou, aproximando seu
rosto do meu, não consegui me afastar a tempo e sua língua asquerosa
lambeu a pele da minha bochecha direita. Com a mão livre acertei um soco
em seu estômago, isso pouco efeito teve sobre ele que sorriu com satisfação
e apenas afastou o rosto, ainda segurando meu pulso em um aperto infernal.
— Constantin precisava testar o terreno e descobrir o que nosso Igétis sabe.
Os dois vão conversar por algum tempo, depois Stephanos vai comer aquelas
bocetas apertadinhas que Constantin tão gentilmente lhe ofereceu, só então
ele vai lembrar que o cachorrinho dele está aqui... Ops, devo dizer
passarinho?
Engoli em seco, suas palavras formaram uma cena em minha mente de
revirou o estômago.
Stephanos fez tantos absurdos porque supostamente quer que eu seja
dele, então por que não pode fazer algo simples, ser apenas meu?
— Eu posso cuidar de você enquanto ele está se divertindo. Tem o quê?
Hum, meia hora que estão por lá? Conhecendo aquele homem sei que ele é
um animal quando se trata de sexo, vai levar mais algumas horas antes de se
dar por satisfeito, nesse meio tempo posso te ajudar a relaxar e esquecer essa
vida miserável que está levando ao lado daquele mafioso.
Com a mão livre agarrei a sua mão que subia de forma indesejada pela
parte interna da minha coxa, almejando chegar ao meu pau coberto pela
calça jeans. Apertei com força a carne, queria que ele soubesse que não é o
único que pode causar dor.
— Sugiro que tire essas mãos porcas de cima de mim enquanto elas
ainda estão presas ao resto do corpo! — grunhi por entre dentes.
O maldito sorrio com excitação brilhando em seus olhos, pouco antes
de olhar por cima dos meus ombros e finalmente me soltar. Foi um gesto
rápido, que só ampliou o sorriso satisfeito em seus lábios e me encheu de
confusão até ouvir passos pesados seguidos por uma voz estrondosa:
— Eu já te disse para guardar suas mãos para você, desgraçado!
Engoli em seco, olhando para cima e encontrando Stephanos com um
olhar assassino. Tal olhar foi direcionado a Zeus, o homem que se mantinha
imperturbável com seu sorriso satisfeito. Se o conhecesse melhor poderia
jurar que o mafioso fez tudo isso para irritar seu líder.
— Passarinho e eu só estávamos conversando sobre os nossos
interesses — gracejou, sem qualquer medo da figura furiosa que era
Paraskevas nesse momento.
— Não o chame assim. — Cada palavra foi dita com uma frieza e
lentidão tamanha que Zeus endireitou as costas e assentiu, já sem o sorriso
brincalhão no rosto.
A essa altura vários olhares estavam focados em nós, o que me
lembrava muita da cena que aconteceu na última vez em que estive nesse
lugar. Stephanos fez uma cena porque tinha um cara dando em cima de mim,
e como naquela vez o mafioso se mostra um filho da puta possessivo, quase
gritando a plenos pulmões que eu sou dele, enquanto o maldito estava
fodendo com alguma puta até pouco tempo atrás.
Naquela noite fiquei furioso e nem entendo o porquê, dessa vez estou
ainda mais irritado e aceito o motivo para isso: Estou enciumando, com ódio
por ele preferir foder outra pessoa quando poderia ser meu, já que insiste
tanto que eu sou a porra de um passarinho que pertence a ele!
— Para onde vai, Perseu?
Sua voz era como um trovão, uma mão segurando firme em meu ombro
quando tentei me levantar e sair. Com brutalidade bati a mão para longe de
mim e apontei um dedo na sua cara.
— Foda-se você, não tenho que te dar satisfação da merda que chamo
de vida!
Com os olhos ampliados, ele deu um passo para trás. Estava tão
chocado com minhas palavras que eu queria rir de satisfação.
Tentei me afastar novamente, andando de costas, pois era impossível
desviar meus olhos dos seus. Foi então que os olhos já escuros ficaram tal
como o puro breu e uma raiva sem igual brilho neles. Engoli em seco, pronto
para correr, mas fui impedido por sua mão agarrando meu braço e me
puxando para fora do amplo salão.
Passamos por olhares curiosos. Poderia jurar que vi uma pessoa
conhecia entre aqueles estranhos, mas estava sendo consumido pela raiva de
Stephanos e só pensaria nisso bem depois que aplacasse toda a sua raiva, e a
minha também.
Sou arrastado sem cerimônia pelo corredor vazio que leva ao escritório
de Stephanos, não tenho qualquer chance de lutar contra o homem furioso,
ele sequer se incomoda em ligar as luzes quando passamos pela porta, só
parando quando meu corpo se choca contra a madeira de sua mesa. Escuto o
som de alguns objetos caindo, o que é ignorado por ambos.
Se ele acha que está furioso é porque não sabe como me sinto agora.
Queria quebrar alguma coisa, gritar com ele, o mandar a merda por ter
fodido com aquelas mulheres. Jamais me senti tão ciumento antes.
— Porra! O que te deu para falar comigo daquele jeito na frente de
todas aquelas pessoas? — a pergunta é sussurrada por entre dentes serradas.
Uma de suas mãos repousa em cima da mesa, se juntando ao corpo grande
na tarefa de me manter preso naquele espaço. Enquanto isso sua outra mão
está em meu queixo, apertando-o ao ponto de causar dor.
Os olhos pretos me encaram em meio a sala parcialmente escura, são as
luzes que atravessam as janelas panorâmicas que garantem um pouco de luz
ao cômodo, isso torna sua figura ainda mais assustadora.
— Me responda, passarinho! — grunhiu, sua mão descendo para o meu
pescoço, ele não o apertou como eu achei que faria, apenas acariciou o local
como se decidisse o que fazer. — Estou te dando liberdade demais? Você
esqueceu o seu lugar?
Passo a língua por cima dos meus lábios ressecados, odiando-me pôr o
desejar tanto em um momento como esse, ainda mais quando deveria sentir
nojo por saber que ele estava com aquelas mulheres até pouco antes.
No entanto, saber que essas mãos que agora me tocam antes estavam
dando prazer a outra pessoa não me enoja, me irrita. Me deixa cego de ódio.
Seguro a mão que está em meu pescoço, vendo-o encarar o movimento
que minha língua faz ao lamber os lábios secos.
— Qual é o meu lugar? — desafio —, me diga qual é esse lugar que eu
esqueci que pertenço!
Ele solta uma respiração longa, a mão em meu pescoço desce até
agarrar meu quadril e puxá-lo de encontro ao seu. O pau duro se choca com
o meu, ele geme com os lábios próximos aos meus, mordo meus lábios com
força para não gemer em resposta.
— Você pertence a mim, Pouláki, está proibido de deixar outro homem
te tocar como fez esta noite. Use essas suas malditas garras para os afastar,
você não tem permissão para fugir, para ser tocado, para pertencer a
qualquer outra pessoa que não seja eu.
Meu corpo treme diante de suas palavras ao mesmo tempo que raiva e
mágoa crescem em meu peito.
— Dana-se você, se pensa que serei um buraco exclusivo seu está
muito engando. Eu posso até ceder em algum momento, mas enquanto você
foder por aí eu terei os mesmos direitos!
Uma de suas mãos se choca com força contra a mesa, derrubando mais
alguns objetos, a outra me aperta com mais força como se pudesse unir
nossos corpos em um.
— Eu não estava fazendo merda nenhuma, você viu as putas que
entraram aqui? ótimo, eu as teria comido se quisesse, mas não o fiz.
— Pensa que vou acreditar nisso? — debocho.
Ele avança em minha direção, sua boca vem parar sobre a minha, mas
não para um beijo.
— Ah! — grito, conseguindo desviar a cabeça, meus lábios ardendo por
conta da mordida perversa que arrancou sangue. O gosto metálico é
inegável.
— Você vai acreditar quando tiver meu pau socando fundo em sua
garganta e perceber que ele não esteve em qualquer outro lugar esta noite. Se
eu comi alguém? Não, mas vou comer seu rabo muito em breve. É isso que
você queria, passarinho? Porque é exatamente o que vou te dar, te foder tão
profundamente que vou enfiar nessa cabeça dura que você é meu. Eu sou a
sua gaiola, esqueceu? — sussurra com a voz rouca vindo de encontro a
minha orelha, perco a força nas pernas e isso facilita para ele segurar meus
ombros e me fazer ficar de joelhos.
A figura diante de mim é tão imponente e obscura.
Confiar nele é uma péssima ideia.
— Vamos lá, tire ele para fora — instiga, segurando uma das minhas
mãos e a levando para o zíper de sua calça. — Leve ele em sua boca, eu sei
que você quer isso desde que o viu pela primeira vez.
Negar seria uma perda de tempo, me apressei em abrir o zíper e puxei
seu pau enorme para fora. Era tão grande quanto eu me lembrava, um
monstro cheio de veias e adornado por um piercing na ponta. A primeira
coisa que fiz depois de admirá-lo foi sentir seu cheiro, respirando fundo o
aroma limpo de sabonete junto com o cheiro característico de Stephanos. Era
todo ele, não havia um traço sequer da presença de outra pessoa,
lubrificante, camisinha ou gozo.
Eu poderia continuar duvidando de suas palavras, no entanto, me deixei
invadir pelo alívio.
— Chupe! — disse, uma mão agarrando meus cabelos e segurando com
força.
Minha boca foi toda preenchida de pau, um pau grande o suficiente
para me fazer engasgar e querer puxar a cabeça para trás, coisa que fui
impedido de fazer. Estava preso por ambos os lados, sua mão me
empurrando para frente e seu pau invadindo minha boca sem piedade.
— Hoje você se comportou tão mal, passarinho...
— Hum! — Apertei com força suas coxas ainda cobertas pela calça,
isso parece ter o incentivado a socar com mais força em minha boca,
ignorando o fato de que eu estava quase sem ar. Tentei relaxar a garganta e
deixar que seu mastro duro entrasse e saísse, deslizando pela cavidade úmida
da minha boca, o piercing na ponta tocando o fundo da minha garganta e
causando um tremor louco em seu corpo.
— Ah, porra de boca gostosa!
A forma como ele não segurava seus gemidos e o prazer que estava
sentindo era um espetáculo à parte. Eu poderia me tocar observando aquilo e
gozar em minhas mãos.
— Não ouse tocar seu pau agora, Pouláki, você será castigado se fizer
isso.
Queria mandá-lo a merda. Ele estava suado e com um sorriso largo no
rosto enquanto socava com força em minha garganta. Pelo tremor que sentia
através de seu membro sabia que o maldito despejaria sua porra em minha
garganta a qualquer momento, ainda assim agia de forma tão egoísta não me
deixando ter prazer também.
— Ah!
Ele segurou com mais força a minha cabeça quando se derramou em
minha boca, de forma proposital deixei que o gozo escorresse para fora dos
meus lábios. Queria o irritar, mas tudo que vi foi satisfação nos olhos
escuros quando viu meu rosto sujo pelos rastros de sua porra quente.
— Só vou te deixar gozar uma vez hoje, Perseu. Será o seu castigo pela
desobediência de mais cedo. — Stephanos me faz ficar de pé, diminuindo a
distância entre nossos rostos. — Seja lá por qual motivo eu esteja permitindo
isso, vou te deixar mostrar as garrinhas quando estivermos a sós, mas
quando for em público entenda que só existe um Igétis na Aderfia, e ele vai
te punir severamente quando você ousar esquecer. O que vou te dar hoje
sequer pode ser chamado de castigo.
Apesar do calor contido em tal declaração, a frieza em seus olhos me
fez engolir em seco. Eu sabia que teria que me conter a partir dali. Desafiar
publicamente a força desse homem é um caminho perigoso a seguir.
— Você entendeu, passarinho?
Assinto.
— Sim...
Ele sorri com satisfação, pouco antes de girar meu corpo e me conduzir
para a parte de trás da sua mesa, a cadeira sendo empurrada longe onde só
ouvi o som dela batendo contra alguma superfície dura.
— Tem certeza de que sabe o que está fazendo? — questionei quando
seu corpo grande cobriu as minhas costas, e mãos ágeis começaram a abrir a
calça que estava vestindo.
Paraskevas me disse outro dia que sabe comer um cu, isso não me faz
temer menos o monstro que ele tem entre as pernas. Morreria caso o homem
decidisse me curvar sobre a mesa e enfiar aquela coisa em mim sem
qualquer preparação.
— Você pretende me irritar novamente, Pouláki? — grunhiu de
encontro a pele da minha nuca. Suas mãos trabalhando de forma incansável,
em pouco tempo minha calça está pendendo em meus tornozelos junto da
cueca, sou rápido em jogá-las de lado junto dos sapatos.
— Você já esteve com outro homem? — retruco, virando o pescoço
para poder olhar em seus olhos. Tinha tanta confiança e diversão neles que
me irritava. — Comer uma mulher não é o mesmo que comer um homem!
Stephanos ignora minhas palavras, suas mãos encontram minhas costas
e me curvam sobre a mesa, estou tenso nesse momento, espero por qualquer
coisa menos o deslizar de suas mãos por minhas costas até chegar nas
nádegas, que são apertadas com força antes de serem abertas, expondo meu
cu.
— O quê? Ah! — As palavras ficam presas na garganta quando sinto
seu hálito quente roçando meu buraco. Duvido das minhas próprias
percepções até ter o contato inconfundível de uma língua quente com a
costura do meu rabo apertado. — Porra!
Afundo meu rosto na madeira da mesa, meu pau implorando para ser
tocado e meu cu piscando graças ao estímulo que recebe. Jamais imaginei
que Stephanos Paraskevas faria algo assim em mim, comer meu cu com a
boca, metendo a língua grossa em meu rabo, sugando a cada oportunidade,
lambendo, me devorando e levando a loucura.
Me transformei em uma bagunça confusa e cheia de gemidos, ele era
incansável, devastador, duro e poderoso, isso não diminuiu por um só
segundo enquanto estava atrás de mim, me fodendo com sua língua quente e
úmida. O tempo todo suas mãos afastavam minhas nádegas o máximo que
podiam para ter mais livre acesso.
Eu estava tão perto de me desmanchar em cima daquela mesa quando o
infeliz se levantou, deixando meu rabo apertando em volta de si mesmo,
louco para continuar sendo fodido.
— Você não pode! — grunhi, esparramado na madeira fria, a boca
aberta e baba escorrendo onde estava com o rosto pressionado. Ele me
encarou por um longo momento antes de mover sua mão para o lado, o
barulho de algo caindo se seguiu, e Stephanos voltou com algo em mãos.
Eram camisinhas e lubrificante. Quase suspirei de alívio.
— Olha só para você, passarinho... — Enquanto seus olhos estavam nos
meus, as mãos voltaram a afastar minhas nádegas, dessa vez senti algo frio
entrar em contato pouco antes de um dedo grosso invadir minha bunda. Foi
áspero, duro, entrou e saiu várias vezes até que outro dedo entrasse e fizesse
o mesmo percurso, logo sendo seguido por um terceiro dedo.
Eu estava tão esticado, queimava e me enlouquecia. Comecei a ir de
encontro a esses dedos, ao mesmo tempo que gemia sem qualquer pudor. O
tempo todo seus olhos estavam cravados nos meus com um prazer inegável
refletido neles. O mafioso estava fazendo um show e apreciando cada
segundo disso.
— Você só pode gozar com o meu pau, nada de se tocar — avisou,
retirando os dedos do meu rabo.
Neguei freneticamente, meu pau queimava. Eu queria tanto gozar
gostoso em cima daquela mesa onde o mafioso costumava trabalhar.
Desejava que fosse em mim que ele pensasse a partir daquele momento, que
todas as vezes em que se sentar em sua cadeira, atrás dessa mesa seja o meu
rosto que veja, os meus gemidos que escute, a sensação do meu cu engolindo
seu pau que sinta.
— Não é um pedido, Pouláki!
Engoli em seco, vendo-o tirar a gravata vermelha que estava em volta
de seu pescoço, Stephanos se curva por cima de mim, seu pau roçando
minha bunda quando junta minhas mãos na frente do meu corpo e amarra
meus pulsos com a gravata.
— Eu vou ser a única pessoa te tocando esta noite — sussurra em meu
ouvido, mordendo a orelha em seguida.
Engasgo com um forte gemido, ouvindo o som da embalagem da
camisinha sendo rasgada. Aguardo com ansiedade, poucos segundos depois
a cabeça de seu pau está roçando meu buraquinho, ao mesmo tempo uma de
suas mãos agarra minha perna esquerda e a ergue do chão, fico totalmente
exposto e é assim que ele entra em mim.
— Ah! — grito sem controle, a queimação de seus dedos nem ao menos
se comparou ao ter aquele pau enorme me rasgando por dentro, invadindo
cada centímetro do meu corpo como se fosse o único senhor e dono dele.
— Ah — Seu gemido foi longo, profundo e cheio de alívio. O homem
estava se segurando até aquele momento e quando se viu dentro de mim o
fio de autocontrole que tinha se rompeu.
Paraskevas não me perguntou se eu estava bem ou me deu tempo para
me acostumar com seu tamanho, ele me comeu como um homem faminto.
Pegou tudo que queria de mim, e em troca me deu a melhor foda da minha
vida. Aquele maldito piercing se sentia tão bem quando chegava lá no fundo
e acertava minha próstata, eu queria me empalar nele, cavalgar seu pau, ser
fodido por ele em todas as posições e por cima de todas as superfícies que
encontrássemos.
— Droga, assim... mais forte, eu quero mais fundo!
Fui atendido, mesmo que seu pau estivesse acertando todos os pontos
corretos, o homem conseguia fazer melhor a cada segundo que passava. Eu
poderia chorar naquele mastro, nada nunca foi tão bom assim antes.
— Você tem o cu mais guloso que já comi, sabia disso, passarinho? —
falou, mordendo minha nuca.
Um sentimento idiota de possessividade não me deixava ouvir
tranquilamente enquanto ele falava sobre comer outro cu que não fosse o
meu.
Sim, estou me tornando um bastando doente igual Paraskevas!
— Você disse que me faria gozar em seu pau, me faça gozar só com o
seu pau! — exigi por entre dentes serrados.
Seu corpo travou atrás de mim, segundos depois uma mão veio de
encontro ao meu pescoço e o segurou. Eu lutava por ar enquanto era comido
com ainda mais força, meu corpo deslizando para a frente e para trás na
mesa de madeira tamanha era a brutalidade do mafioso. Teria sorte se ainda
conseguisse andar depois disso. Mas não o detive, me sentia a beira da morte
e ansiava por mais, estava à beira da insanidade e cai de encontro a ele
quando tremi, gritando seu nome e gozando forte.
A mão que estava em meu pescoço desapareceu, suas estocadas ficaram
mais lentas, senti como o corpo grande também amoleceu aos poucos e em
meio ao prazer que me deixava aérea ao que acontecia ao meu redor, me dei
conta de que Paraskevas também tinha gozado.
Abri a boca para dizer alguma coisa e um gemido longo e sofrido saiu
dos meus lábios ressecados. Por que ele continuava entrando e saindo de
mim com tanta lentidão?
Minhas pálpebras ficaram pesadas e em algum lugar da minha mente
me amaldiçoei por estar desmaiando de exaustão. Então senti como se um
beijo demorado tivesse sido deixado no topo da minha cabeça quando
aqueles movimentos de vai e vem continuavam dentro de mim, mas isso
deve ter sido imaginação da minha mente cansada. Stephanos não é o tipo de
homem que fode loucamente alguém para depois a segurar como se fosse
algo importante.
Não é verdade?
CAPÍTULO 17

Fios de cabelo estão grudados em sua testa quando trato de limpar


Perseu e o levanto da mesa onde estava deitado, sua respiração calma me diz
que ele permanece adormecido. Solto um riso baixo pensando em que
expressão irritada ele fara quando eu o provocar por ter desmaiado de
exaustão, talvez sugira que precisamos “treinar muito” até que ele consiga
uma boa resistência.
— Hum...
Um resmungo deixa seus lábios quando me sento em minha cadeira e
trago seu corpo para os meus braços. Com uma perna de cada lado, o peito
colado ao meu e o resto descansando em meu ombro, Perseu novamente
resmunga ainda adormecido.
Passo as mãos por suas costas, sentindo-as quentes e úmidas. Nesse
momento ignoro o latejar incômodo em meu ombro, o buraco do tiro estava
quase cicatrizado, mesmo assim fiz mais esforço do que Lupi teria
recomendado.
— Entre — falo ao ouvir alguém batendo na porta, pouco depois, Zeus
entra em meu escritório.
O homem não se incomoda em ligar as luzes, apenas caminha até parar
em frente à minha mesa e se senta em uma das cadeiras ali presentes. Graças
a luz entrando pelas janelas panorâmicas localizadas atrás da minha mesa,
pude ver o sorriso que Zeus nem ao menos tentava esconder.
— Cheira a sexo puro — comenta com casualidade, não me digno a
responder.
O maldito queria me irritar, tocando meu passarinho e falando merda
para ele. Esse idiota gosta de viver brincando com o perigo, algum dia vou
acabar metendo uma bala no meio de sua testa, no momento ele tem muita
sorte de ser útil.
— O que você quer? — questiono com impaciência, Perseu se mexe em
me colo, acaricio seus cabelos e o gesto não passa despercebido pelos olhos
sagazes de Zeus, que é inteligente o suficiente para guardar qualquer
comentário que tenha a respeito.
— Constantin se foi, ele tentou falar comigo depois que você saiu
arrastando seu passarinho. Estava tentando sondar o que eu sabia, o homem
está desconfiado e temeroso quanto ao que sabemos de seu envolvimento
com o grupo que está tramando contra você, Igétis.
Assinto.
— Constantin é esperto o suficiente para temer o que seu chefe vai
fazer caso descubra que ele vem estragando tudo nos últimos meses.
O sorriso frio de Zeus mostrava o quanto o homem queria ver a
desgraça de Constantin, se possível seria ele próprio a trazer tal desgraça
para o mafioso.
— Vamos manter homens vigiando cada passo de Constantin, é hora de
deixá-lo encurralado como um rato. Quero ver o que Ícaro fará quando
perceber que nem tudo caminha como o planejado.
— Vamos sair à caça de sua cabeça? — pergunta, uma sobrancelha
arqueada.
Um largo sorriso desliza pelos meus lábios, o que atiça o brilho sádico
nos olhos de Zeus.
— Oh, nós vamos caçar alguém muito em breve...
Constantin teve a ousadia de me sondar, sei que foi ele quem passou
por cima das ordens de seu chefe e mandou um de seus homens me matar
em meio à confusão na casa de leilões, naquela ocasião, Perseu salvou minha
vida e com isso tive a oportunidade de ver Constantin se retorcendo feito um
verme.
Por fora o mafioso era todo um homem de negócios, respeitando seu
Igétis e tentando me bajular ao “oferecer” prostitutas da melhor qualidade
como se eu precisasse dessa merda para comer uma boceta. O dispensar
rendeu a perda de um tempo precioso e uma dor de cabeça dos infernos
depois, quando saí do meu escritório para encontrar as mãos imundas de
Zeus em cima do que é meu.
Perseu teve muita sorte, eu estava por um fio depois de ouvir as merdas
de Constantin, engoli as provocações de Zeus e ainda tive que ver aquele
passarinho mostrando suas garras na frente de um bando de abutres ansiosos
para ter algo que possa ser usado contra mim.
Me surpreende que eu não tenha quebrado seu pescoço naquele exato
momento.
Talvez as preocupações de Helena não sejam tão infundadas e alguma
merda muita errada esteja acontecendo comigo.

— A boate tem câmeras de segurança? — A pergunta de Perseu me fez


sair dos meus pensamentos. Estávamos de volta ao banco de trás do meu
carro, era de madrugada quando deixamos a The Hell em direção a mansão.
Meu passarinho tinha estado muito silencioso por todo o caminho,
pensei que era seu ego ferido depois de ter cedido todo o controle para mim.
O homem me deseja, isso é inegável, mas aceitar esse desejo e deixar que eu
o comesse em cima da minha mesa até que desmaiasse de exaustão, digamos
que mexeu com esse serzinho orgulhoso do caralho.
O que me diverte e faz querer repetir tudo novamente, e mais uma vez.
— Você acha que teria? — retruco. — Meus clientes querem acima de
tudo descrição.
Ele solta uma respiração frustrada, concentro minha atenção nele.
O que encontro nos olhos escuros e atormentados é mais do que ego
ferido.
— O que houve? — minha voz sai em um tom rouco e sério, o que faz
com que Perseu me encare por alguns segundos.
Inquietação percorre meu corpo nesse momento, por um lado me sinto
irritado pelo fato de que tudo e qualquer coisa que envolva esse homem me
deixa em alerta, querendo saltar para uma guerra sangrenta se for preciso.
Outra parte, uma bem inconsequente, quer mandar tudo para o inferno e
matar com minhas próprias mãos todos os desgraçados que ousarem colocar
uma única ruga de preocupação nesse rosto tão bonito.
Sua alegria, sua raiva, sua dor, felicidade, tristeza. Tudo, até mesmo sua
vida só pode ser tomada por mim.
— Parece preocupado comigo — brinca, um sorriso de lado cheio de
provocação. — Seja rápido e esconda essa expressão preocupada, caso
contrário podem pensar mal de você.
Ignoro a provocação, agarrando sua nuca quando ele tenta desviar o
rosto, fazendo assim com que me encare.
— O que houve?
— Pensei ter visto alguém conhecido no meio daquela confusão toda de
você me arrastando para o seu escritório.
Pela forma como o escuro de seus olhos se aprofundou fiquei em alerta.
— Quem?
— Um antigo colega com quem trabalhei em Staten Ville, Jacob Vitale.
Ver raiva expressa em seu rosto era algo corriqueiro, mas o ódio puro
que enxerguei quando tal nome deixou seus lábios era um sinal claro e
brilhante. Jacob Vitale é parte da vingança pela qual Perseu está disposto a
vender sua alma para um demônio como eu.
— Devo me preocupar com isso?
Ele ri sem humor.
— Por hora é coisa minha, quando eu precisar de ajuda vou pedir.
Assinto, sem conseguir desviar os olhos dele mesmo quando Perseu
volta a se perder em seus pensamentos.
Em uma situação normal eu teria deixado essa história de lado, sei que
meu passarinho pode se cuidar sozinho. Quando ele precisar da minha ajuda
vai pedir, afinal, só tem a mim para recorrer. Contudo, a inquietação que seu
silêncio me causou foi tanta que simplesmente não pude o ignorar.
E lá estava aquela parte inconsequente dando as caras novamente,
querendo mandar tudo à merda, agarrar as preocupações de Perseu entre
meus dedos e estrangulá-las.
Preciso tirar esse peso que oprime seus ombros, espantar seus
fantasmas, quero limpar sua mente de todas as preocupações. Não porque
seja um homem bom, digno ou qualquer porra do tipo, mas sim porque
Pouláki é meu, e tudo dele pertence unicamente a mim.
Se ele quiser ter raiva, essa raiva deve ser direcionada a mim, se quiser
rir, seus sorrisos serão apenas meus, e se preferir chorar serei eu o causador
de suas lágrimas e quem as recolhe.
Mesmo os seus sonhos e pesadelos devem pertencer a mim.
— Vou matar todos os seus demônios, esse título é meu a partir de
agora.

Levou exatas cinco semanas para que todo o passando de Perseu fosse
completamente escavado. Cheguei a mandar um dos meus homens para
Staten Ville em busca de informações, queria preencher todas as lacunas que
o primeiro relatório deixou. Dessa vez tinha um interesse pessoal em tais
informações, desejava saber sobre a raiz do problema e o que tinha
atormentado Perseu aquela noite na The Hell.
E no momento em que tive tais informações em minhas mãos pude
entender com riqueza de detalhes o que deixou um vazio em sua alma.
— Você tem certeza disso? — questionei para o homem parado diante
da minha mesa, ele havia entregado um relatório detalhado sobre a vida de
Perseu, incluindo o caso sem solução do assassinato de seu parceiro e toda a
sua família.
Essa informação estava fragmentada no primeiro relatório que consegui
sobre o passarinho, por causa disso não dei tanta importância e não fiz
qualquer associação. Dessa vez as informações estão claras o suficiente para
que não restem dúvidas.
— Sim, Igétis, verifiquei tudo em Staten Ville e depois preenchi as
lacunas com informações vindas de dentro da Aderfia.
Apertei com tanta força o tablet em minhas mãos que parti a tela,
atirando-o do outro lado da sala logo em seguida.
— Senhor...
— Saía!
Assentindo, o soldado se retirou sem qualquer outra palavra dita. Então,
como se sentisse o cheiro da minha raiva e frustração, Perseu passou pela
porta do escritório da mansão. Ele tinha uma expressão entediada no rosto e
me encarou com desgosto, como costuma fazer sempre.
Parei alguns segundos, o encarando. Se fosse qualquer outra pessoa eu
teria atirado o objeto mais próximo a mim, mirando sua cabeça por se
atrever a entrar sem ser convidado, justamente em um momento em que me
sinto tão fora de mim.
Entretanto, o que fiz foi o chamar com o dedo.
Perseu me encarou de volta, torceu os lábios, mas veio até mim.
Sentou-se em meu colo e passou os braços em volta do meu pescoço. Em
seu rosto permaneceu a expressão de desagrado, mesmo que os olhos
castanhos mostrassem outra coisa, algo que eu tenho visto muito nas últimas
semanas. Uma maldita coisa que eu amo e odeio na mesma proporção.
— Por que parece a ponto de matar alguém?
Sorrio ao invés de responder, sei que é um sorriso frio.
Perseu não se incomoda com ele, tampouco tenta fugir das minhas
mãos quando uma delas vai em direção ao seu pescoço, lento, acariciando a
pele antes de começar a apertar aos poucos. Suas mãos apertam meus
ombros e ele abre a boca puxando o ar quando o meu aperto se intensifica.
Em momento algum vejo medo da morte em seus olhos, mesmo quando ele
crava as unhas com força e luta por ar.
Por que não o mato aqui e agora, acabando com essa história de uma
vez por todas?
Faltava tão pouco para ver a luz se apagando dos seus olhos, mas o que
fiz foi colocar ar em seus pulmões, tirando da minha própria boca. Um ato
insano, um desejo egoísta de mantê-lo vivo.
O que eu faria com um passarinho morto?
— Louco — sussurra com meus lábios ainda grudados nos seus, ele
luta em busca de ar, a cor voltando para suas bochechas. Minha mão agora
está em sua nuca e o puxa para mim.
Quando a poucos minutos estava a ponto de matá-lo, acabei beijando-o.
E continuei beijando quando ele novamente ficou sem ar, prolonguei o
beijo em meio ao gosto de sangue fluindo dos seus lábios partidos pela
minha brutalidade. Ele era todo meu, seus gemidos de prazer e os de dor
também.
Não havia como ser diferente, esse lindo passarinho não nasceu para
voar livre, ele nasceu para pertencer a essa gaiola.
O que você faria, passarinho?
O que você faria se descobrisse que precisa colocar mais um nome em
sua lista de vingança?
CAPÍTULO 18

O dia amanhece aos poucos, o sol nascendo por entre as árvores do


bosque que se estende por quilômetros a partir da propriedade Paraskevas.
Aposto que vai ser mais um dia quente pra caralho, o calor me irrita e
aumenta a maldita dor de cabeça que me consome por dias a fio.
— O que está fazendo, linda?
Os braços de Lupi envolvem minha cintura e seu rosto repousa em meu
pescoço, sua pele está fria e os cabelos molhados por ter acabado de sair do
chuveiro. Ser abraçada por ela é uma sensação tão familiar que acalma todo
o meu corpo, até mesmo a dor de cabeça diminui aos poucos.
— Pensando.
— Continua com enxaqueca? Percebi que dormiu mal essa noite.
Não queria conversar agora, mas me vejo fazendo isso por conta de seu
tom preocupado. Mesmo que três anos tenham se passado desde que conheci
essa mulher ainda é difícil deixar-me ser cuidada por alguém. Desde que
nasci só tive a mim mesma para confiar, nem mesmo Stephanos tinha minha
total confiança, esse é um privilégio que apenas minha Petaloúda
conquistou.
— Estou preocupada com o rumo que as coisas estão tomando.
— Perseu?
Assinto.
— Seu irmão pode ser impulsivo as vezes, mas ele é esperto e jamais
colocaria em risco a Aderfia. Se Perseu está entre nós, deve ter um bom
motivo para isso.
Queria que as coisas fossem tão simples.
— Você sabe por que ele está aqui, meu irmão ficou louco, do nada ele
descobriu que gosta de pau?
Lupi ri da minha indignação.
— Seja franca consigo mesmo, linda, seu irmão alguma vez se deixou
enganar por alguma mulher? Stephanos é do tipo que deixa uma boceta virar
sua cabeça?
— Não é a mesma coisa!
— Para mim parece a mesma coisa. Sim, ele está louco por aquele ex-
policial, nós nunca o vimos doido por alguém dessa forma e isso é estranho
pra caralho, confesso que fui pega de surpresa com o envolvimento dele com
Perseu porque sempre acreditei que seu irmão fosse um hetero convicto, e é
apenas isso. Você melhor do que ninguém deveria entender o que está
acontecendo.
— Eu sempre soube que gostava de mulheres — resmungo, os braços
cruzados mostrando toda a minha maturidade.
Ela ri.
— Estamos mesmo falando da sexualidade do seu irmão, ou você está
irritada por não estar no comando? Sei que quanto mais imprevisíveis as
coisas, mais irritada você fica.
— Levou dois anos e meio até que Stephanos te aceitasse por completo
na família, antes disso eu era proibida de sequer comentar a respeito de
operações secretas e informações sigilosas da Aderfia. Você começou a
acompanhar algumas reuniões da cúpula não tem seis meses. Como é que
Perseu está entre nós desde o primeiro dia e você acha isso normal? Eu não
consigo confiar naquele homem só porque meu irmão idiota quer nos enfiar
seu policial goela abaixo.
Lupi dá de ombros antes de soltar uma longa respiração.
— Aquela muralha sem sentimentos está caindo aos poucos, linda, cabe
a nós vigiarmos de perto e ter certeza de que Perseu é confiável. Se você
pensa que seu irmão não pode fazer um bom julgamento no momento, faça-o
você.
A encaro com desconfiança.
— O que houve com você, Guadalupe? Antes seria a primeira a me
apoiar com relação as desconfianças quanto a Perseu, agora está toda
amiguinha dele.
Ela sorri com descaso.
— Ele não é mais um policial.
Ergo uma sobrancelha, confusa por ver algo de relance em seus olhos
apesar do tom de voz coberto de brincadeira.
— O que quer dizer?
Ignorando minha pergunta, Lupi beija meus lábios, sugando o lábio
inferior e mordendo-o ao final. Gemo em seus braços, odiando que ela se
afaste tão rápido.
— Quero dizer que você está atrasada, não tem uma reunião hoje cedo
com a cúpula?
Merda!
— Você vem?
Ela nega.
— Tenho que sair hoje.
— Devo saber para onde?
— Não seja curiosa, cariño.
Recebo mais um beijo rápido e a vejo andando em direção ao nosso
closet, é minha deixa para sair em direção a sala de reuniões no terceiro
andar. Normalmente as reuniões da cúpula acontecem na mansão, afinal
temos que ter certeza da segurança e o mais importante, que nada do que
seja dito possa sair dessa sala.
A cúpula da Aderfia é um nome “chique” que damos aos cabeças da
organização. Stephanos, Zeus, os cinco chefes que controlam zonas
especificas dentro do estado de Nova Iorque, e eu. Contudo, hoje temos uma
pequena alteração na cúpula, primeiro que dentre os chefes apenas um está
conosco, Orfeu Demetrion um dos poucos homens que tem uma “relativa”
confiança por parte do Igétis.
O fato de estar trabalhando junto com Stephanos desde o começo dessa
conspiração orquestrada por Ícaro Kokkimos é o porquê de sua presença
hoje. Além dele tem apenas mais três pessoas quando chego a sala de
reuniões, são elas Zeus, meu irmão e Perseu.
Sem dizer uma palavra caminho até a grande mesa no centro da sala e
puxo a cadeira mais próxima, Stephanos estava falando e não parou com a
minha chegada.
— Os homens que estão vigiando Constantin dizem que ele está
inquieto e mobilizando os soldados ao seu serviço — diz Zeus.
— Ele não seria idiota o suficiente para tentar atacar de frente, deve
estar tentando se proteger — analisa Orfeu. — Meus informantes relataram
que Ícaro começou a se mover com mais descrição, algumas rotas de drogas
foram interrompidas. Ele sabe que estamos chegando perto.
— Concordo, não vai demorar para colocar suas cartas em cima da
mesa. Adônis e Apolo tem se mostrado contrários as ideias dele, falei com
ambos por telefone nos últimos dias, eles me procuraram para alertar sobre
as investidas pouco sutis de Ícaro. Quanto a Hades, ele é uma incógnita.
Adônis Katsaros, Hades Megalos e Apolo Iaonnou são os demais
chefes da Aderfia, junto de Orfeu e Ícaro.
— Posso tentar sondar a situação — comenta Zeus com uma expressão
de desagrado. — Hades é sempre muito fechado, mas seus negócios estão
em contato direto com Ícaro, é possível que os dois tenham algum acordo.
Várias cabeças assentem ao redor da mesa.
— Penso que é chegada a hora de eliminarmos Constantin — tomo a
palavra. — Isso vai fazer com que Ícaro saía da “toca”, uma vez que perca
seu braço direito, estando preparado ou não, ele vai ter que agir. Estou
cansada de continuar esperando que eles deem o primeiro passo, dessa vez
vamos fazer isso!
— Você tem razão, vamos começar a fechar o cerco.
Tais palavras vindas de Stephanos me surpreendem. Ele é um bastardo
que adora brincar com suas presas, queria atormentar Ícaro aos poucos, fazê-
lo cair em uma armadilha sem volta, então por que concordou tão rápido
com minha ideia?
O que mudou para que o mafioso queira encerrar essa história o mais
rápido possível?
Um olhar para a pessoa sentada ao seu lado, e me questiono se Perseu
tem alguma coisa a ver com essa mudança. Mas como poderia? Ele sequer
tem um envolvimento com Ícaro.
— O que devemos fazer, Igétis? — questiona Orfeu.
— Um convite.
Trocamos olhares depois da declaração de Stephanos, sendo Zeus quem
toma a palavra:
— Convite?
— Sim, dentro de dois meses estarei completando trinta e nove anos,
penso que é tempo suficiente para nos organizarmos e garantir que Ícaro
Kokkimos seja a única pessoa a receber um presente inesquecível. — Ele
volta sua atenção para mim. — O que acha de fazermos uma grande festa,
minha irmã?
Abro um largo sorriso, as mãos tremendo de antecipação.
Já podia sentir a emoção que se espalhava por todo o meu corpo.
— Não precisa se preocupar, você terá a maior festa que essa cidade já
viu.
Ele ri.
— Estarei feliz se garantir que nossos convidados tenham uma noite
agradável, se as coisas correrem bem até podemos fazer uma caçada ao final.
Vários sorrisos se espalham ao redor da mesa, Perseu é o único que está
alheio ao que tais palavras significam.
— Entendi, o mais importante é a lista de convidados. — Volto minha
atenção para o homem silencioso ao lado do Igétis. — Você quer me ajudar
com isso, Perseu?
Ele tem uma expressão confusa quando me encara.
— Não sei como poderia fazer isso...
Ergo uma mão o interrompendo.
— Desde que meu irmão confia tanto em você para te trazer para dentro
da família Paraskevas, pode ter certeza de que sua ajuda será indispensável.
Ele contorce os lábios, sei que quer negar meu pedido, mas acaba
aceitando-o.
— Vou dar o meu melhor.
Retribuo seu sorriso forçado com um amplo sorriso animado. Lupi me
disse para dar uma chance, conhecer o que tanto Stephanos vê nesse homem,
então vou fazer isso. Até porque, mantê-lo perto de mim vai facilitar tudo
caso eu descubra que Perseu é um traidor, e precise matá-lo.
CAPÍTULO 19

— Vai sair?
Tal pergunta me faz interromper o passo e olhar por cima dos ombros,
xingando em minha mente. Apesar de estar reticente com relação a ajudar
Helena com os preparativos da tal festa de aniversário para Paraskevas, é
bom poder sair dessas paredes onde estou praticamente trancafiado desde
que fui incriminado e minha morte foi forjada, tudo isso pelo mesmo homem
que me mantém cativo.
Veja bem, as portas da mansão não estão trancadas, mas eu não tenho
para onde ir ou com quem contar a não ser Paraskevas. Ele sabe muito bem
disso, talvez essa seja a razão para não ter uma corrente de ferro presa ao
meu tornozelo.
— Helena quer visitar pessoalmente um buffet, eu vou acompanhá-la
— respondo, vendo o homem enorme se aproximar.
Stephanos permanece uma figura impressionando com seus músculos
enormes quase estourando a costura das roupas caras. Posso vê-lo mil vezes,
inclusive sem qualquer roupa em seu corpo, e ainda assim a sua presença vai
continuar sendo impactante.
Estou fodido em tantos níveis.
— Por acaso estou proibido de colocar os pés para fora? — emendo,
com um tom provocador. Ele permanece sério quando chega diante de mim e
suas mãos vem até o meu corpo.
Como um idiota, espero por esse contato. Stephanos está sempre me
tocando, segurando, apertando, ele é bruto ao ponto de deixar marcas que
duram dias. Meus quadris carregam as marcas de seus dedos como se fossem
uma tatuagem. De uma forma louca e retorcida, gosto disso. Gosto mais do
que seria saudável, não tem nada de bom nascendo de algo assim, então por
que me sinto tão vivo quando estou sendo visto por esse homem com olhos
que refletem a própria morte?
— Cuidado com a língua, passarinho — adverte, suas mãos deslizando
até a parte de trás da minha calça, ele ergue a camisa e sinto o frio da arma
que é colocada no cós da calça.
— Se vai me manter prisioneiro deveria colocar uma algema me
prendendo a você — resmungo.
Atacar, retrucar, mostrar as garras e tentar ferir de volta é tudo que eu
posso fazer.
Entendo a situação em que me encontro. Dependo desse homem, ele é a
única pessoa que pode me ajudar agora, por outro lado ele me vê como uma
coisa, algo que deseja possuir. Se eu abaixar a cabeça e aceitar tudo, onde
vou chegar?
— Não me dê ideias, Pouláki — responde, segurando meu queixo com
firmeza e me fazendo o encarar.
— Como se eu precisasse fazer isso, seu fodido de merda.
Ele sorri, um sorriso amplo e predador. Meu estômago se contrai, o
corpo esquenta, a boca seca. Eu queria ter outro gosto dele, ser puxado com
força e fodido com aquela maestria que me fazia perder todo o orgulho e
gritar por seu pau.
— Você tem sorte que estou ocupado agora, Passarinho, caso contrário
acabaria preso no meu pau... — A última palavra é sussurrada em meu
ouvido, e sem sequer um beijo, ele me dá as costas e sai andando. Tudo que
me resta é frustração e um desejo que não foi atendido. — Volte logo, e
poderá ter tudo o que quiser.
Ele não precisa fazer tal promessa, quem é esse homem que tanto me
confunde?
Parece até que ele quer me dar algo quando sempre toma tanto de mim.
— Pronto para ir? — Sou recebido por Helena que me esperava na
frente do seu carro, o veículo vermelho era uma Ferrari luxuosa e estava
parada em frente a porta principal da mansão Paraskevas.
— Vamos só nós dois? — questiono, entrando no veículo enquanto
sinto desconforto tomar conta de mim. Helena me detesta, o que planeja ao
pedir me ajuda?
— Gosto de dirigir, apesar disso um carro com seguranças vem logo
atrás. Meu irmão é inflexível com essas coisas. — Ela liga o carro e saímos
pela estrada de cascalho que se estende por quase um quilometro antes de
um grande portão aparecer. A propriedade é enorme e isolada.
Um pedaço do paraíso, ou do inferno se você preferir, livre dos olhos
curiosos e com toda a privacidade que a família de mafiosos poderia desejar.
— Desconfio até que tem mais de dois seguranças no seguindo hoje, ele
me deu todo um sermão sobre essa nossa saída. Parece até que eu estava
saindo por aí com o seu bem mais precioso, acredita?
Dou de ombros, acreditar em suas palavras seria perigoso.
Paraskevas me deseja, eu sei disso, mas não enxergo algo a mais. O
homem me vê como sua propriedade não como um amante que ele aprecia.
— O que pretende com isso? Eu sei que você me odeia.
Ela sorri, um sorriso que lembra muito o do irmão, Helena é uma
mulher estonteante, isso é inegável.
— Te odiar? Claro que não, apenas não confio em você e por isso vou
te manter o mais próximo que puder. Assim saberei se você merece alguma
confiança ou se apenas terei que te matar lenta e dolorosamente.
De fato, esses irmãos são muito parecidos.
Seu telefone começa a tocar antes que eu possa lhe responder, ela o
conecta ao carro e logo podemos ouvir a voz de um dos seguranças que
estavam no carro logo atrás.
— Senhora, tem dois Suv nos seguindo, fique atenta, eles devem tentar
uma emboscada no túnel à frente.
— Certo. — Depois de uma resposta curta, a mulher tinha deixado de
lado toda a diversão que refletia em seu rosto momentos antes e se tornou
fria como um cubo de gelo. Na mesma hora saquei a arma que Stephanos
tinha colocado no cós da minha calça e me preparei. — Fique abaixado e
fora do caminho — disse quando entramos no túnel e percebemos um
terceiro Suv obstruindo a saída.
— Eu era um policial até pouco tempo atrás!
— Desde que não fique no caminho e não morra para que eu tenha que
ouvir merda de Stephanos, faça o que quiser.
Ela pisa no freio e o carro para. Uma pistola está em sua mão antes que
eu possa acompanhar seus movimentos.
Olho para trás e percebo que os dois Suv que nos seguiam estão
obstruindo a entrada do túnel e não demora para que comecem a trocar tiros
com o carro dos seguranças. Estávamos encurralados, em menor número,
totalmente em desvantagem. Teríamos muita sorte se não acabássemos
mortos ali mesmo.
— Aquele desgraçado! — diz Helena com ódio escorrendo de suas
palavras. Vi que um homem saiu do Suv parado a nossa frente e rapidamente
o reconheci como o mafioso que vi na The Hell, Constantin, o braço direito
do homem que Stephanos quer destruir.
— Helena! — falo, homens armados estavam se aproximando pela
parte de trás do carro. A essa altura poderia tentar atirar, contudo, seriamos
rapidamente abatidos por estarmos em menor número.
— Fique calmo, ele deve estar atrás de mim. Se você continuar vivo
entre em contato com o meu irmão.
Dito isso, ela abre a porta do carro e sai.
Xingando alto, a acompanho.
— É sempre um prazer te encontrar, senhorita Paraskevas.
Constantin se aproximou de onde estávamos e estendeu a mão na
direção de Helena, ela ergue a arma e atira, acertando um dos homens
armados. Entretanto, antes que eu pudesse tentar ajudá-la, a mulher recebeu
um forte golpe na cabeça ao ser acertada com a coronha de uma arma. Ela
caiu no chão desacordada enquanto eu tentava inutilmente seguir até ela e fui
impedido pelos homens que haviam nos cercados.
— Abaixe a arma — disse Constantin apontando sua arma em direção
ao corpo caído de Helena.
Relutei por alguns segundos, pensando se poderia tentar atirar, logo
percebi que isso seria inútil. Sozinho eu não conseguiria derrubar ninguém
antes de estar morto com um tiro no peito. Abaixei a arma que foi tirada das
minhas mãos, em troca recebi um golpe na nuca e também apaguei.

Sentia uma forte dor na parte de trás da cabeça quando minha


consciência foi retornando aos poucos, abrir os olhos se mostrou uma tarefa
difícil, ainda mais por causa da luz forte no ambiente onde estava. O resto da
sensação dolorosa que se espalhava pelo meu corpo era conhecido por mim,
afinal, aquela não era a primeira vez que era erguido em um gancho de carne
como se fosse um porco abatido.
Meus pulsos doíam, estava tão frio.
— O quê? — sussurrei com a garganta seca, os lábios ressacados.
— Estamos em um frigorífico.
Ouvi a voz de Helena e me forcei a abrir os olhos e a encarar, ela tinha
uma expressão dura no rosto. Presa por correntes e suspensa no ar, a mulher
estava poucos metros a minha frente.
— Frigorífico?
Uma rápida olhada em volta e notei os ganchos de carne pendurados no
teto, todos vazios com exceção dos dois onde Helena e eu estávamos presos.
Também explicava o porquê de estar tão frio.
— Se eles te trouxeram junto é porque sabem da sua relação com
Stephanos e vão te usar para chegar nele.
Abri a boca para dizer que ela não deveria se preocupar com isso
quando o som alto da porta de metal abrindo nos interrompeu. Por ela
passaram dois homens conhecidos por mim. Constantin vinha na frente
carregando uma grande maleta consigo, e logo atrás dele estava um homem
que mais parecia um fantasma aos meus olhos.
Não foi um engano, eu tinha visto Jacob Vitale na The Hell aquela
noite, ele estava trabalhando para Constantin.
— Olha só quem temos aqui, eu bem sabia que você não poderia ter
morrido na casa de leilões — disse, se aproximando com um sorriso podre.
O desgraçado sabia que eu não tinha morrido aquela noite porque certamente
estava trabalhando para aqueles homens.
Ele esteve tão perto todo esse tempo. Não apenas no departamento de
polícia como também no mundo do crime.
— Ainda pensa em acertar as contas, Perseu? — questionou com um
sorriso. — Seu parceiro e a familiazinha dele valem tanto assim?
Minha mandíbula estava travada de raiva. Queria matá-lo nesse exato
momento, mas não podia, estava preso e a sua mercê.
— Você devia ter esquecido aquilo, se fosse mais esperto que seu
amiguinho cheio de moral, não teria acabado assim.
— Ah! — o grito de Helena me fez olhar em sua direção. Constantin
estava abaixado na frente dela e fumaça escapa dos pés da mulher que
estavam tendo as solas queimadas com um maçarico. Mesmo que quisesse se
manter forte, era impossível conter os gritos de dor.
— Se preocupe com você mesmo, Perseu!
— Hum! — Um som agudo e sem ar deixou meus lábios quando um
forte soco acertou meu estômago. Vitale estava rindo quando me acertou
com outra série de três socos. — Aquela vadia gosta disso, ela vive para
torturar as pessoas, provar do próprio remédio é bem-merecido. Quanto a
você, deixa eu colocar um pouco de noção na sua cabeça, estava precisando
mesmo descontar minhas frustrações.
Enquanto o som dos socos que Vitale me dava se misturou com os sons
doloroso que saiam da minha boca, tentei manter os olhos abertos focando
em Helena. Ela era forte pra caralho, eu tive certeza disso depois que a
mulher teve os dois pés queimados e continuou em silêncio enquanto
Constantin xingava, estapeava seu rosto e exigia que ela falasse o que
Stephanos sabia sobre as operações nas quais ele estava envolvido.
Eu fui socado até a exaustão, meu estômago, peito, rosto, Vitale me
bateu como se eu fosse um saco de pancadas e só parou quando sua mão
estava vermelha e sangrando. Ele respirava com dificuldade e cuspiu na
minha direção antes de sair do local de armazenamento. Se por um lado eu
fui espancado, Helena foi torturada até quase perder os sentidos e se
manteve firme e de boca fechada o que irritou ainda mais Constantin.
— Essa puta desgraçada! — ele berrava quando também saiu, nos
deixando a sós, sangrando, com dor e quase congelando.
— Helena — sussurrei por cima da dor. — Helena? Você consegue me
escutar?
O cheiro de carne queimada embrulhava meu estômago dolorido, sentia
que iria vomitar a qualquer momento.
— Por favor, Helena...
— Não fale nada — ela responde, me encarando através de um olho
que estava inchando graças aos golpes de Constantin. Eu não estava muito
melhor devido aos socos de Vitale.
Assinto, é o que posso fazer quando ela demonstra tanta força em uma
situação como essa. Estou a ponto de desmaiar e ela se mantém firme, se
existia algo em mim que não a respeitava isso acabou de mudar.
Devo ter perdido a consciência, pois acordei com uma série de
xingamentos e risos baixos, junto disso um gemido de dor vindo de Helena.
Abri os olhos sentindo meu rosto doer, o olho esquerdo quase não abriu,
ainda assim pude ver que Helena se debatia presa nas correntes, junto dela
estavam dois homens que eu ainda não tinha visto. Eles riam enquanto
tentando mantê-la contida.
— O chefe disse para deixá-la viva! — diz um deles quando seu
comparsa dá um forte tapa no rosto de Helena, ela o mordeu quando ele
tentou enfiar a língua na boca dela. Pude ver que a mulher ficou desorientada
com o tapa e quase não teve resistência quando o segundo homem começou
a puxar para cima o vestido que ela vestia.
— Eu não vou matar essa puta se ela ficar quieta! — resmungou o
primeiro homem, agarrando um dos seios de Helena, sua brutalidade foi
tanta que a mulher gritou e se debateu.
Comecei a me debater nas correntes que me prendiam.
— Deixem-na seus bostas! Soltem ela! — berrei, o que os irritou.
O mesmo homem que bateu em Helena virou em minha direção e
acertou um soco tão forte em meu estômago que fiquei sem ar. O local já
ferido pelos golpes de Vitale se revirou com a nova agressão e não consegui
segurar o que tinha em meu estômago, despejando vômito na camisa do meu
agressor.
— AH porra! — O sujeito saltou para trás, berrando xingamentos e
pronto para me acertar novamente.
A essa altura, Helena continuava gritando e se debatendo, o segundo
homem ali presente tinha rasgado sua calcinha e erguido seu vestido acima
da cintura. Ele puxava o pau para fora da calça e só não tinha começado a
violentá-la porque tentava conter os movimentos da mulher.
Ignorei toda a dor em meu corpo, e o medo que estava sentindo, fixei a
ponta dos pés no chão e me impulsionei para a frente conseguindo chutar o
lado do seu corpo. Ele xingou e me olhou com ódio, seu pau nojento
balançando para o lado de fora foi tudo que eu precisei e vi quando ele
tentou vir me acertar também, o segundo impulso que dei para a frente tinha
um alvo certo. O acertei em cheio, ele agarrou os ovos e gritou enquanto se
curvava.
— Esse filho da puta! — O primeiro homem tinha uma expressão
enojada por estar coberto pelo meu vômito e veio até mim, continuei me
impulsionando para a frente e chutando o mais forte que consegui, em uma
dessas tentativas ele agarrou uma das minhas pernas e eu usei disso para
puxá-lo para perto e passar a outra perna por cima de seu ombro. Com isso
tive o impulso que precisava para ergui ambas as pernas e improvisar um
mata leão.
Sei que o sujeito não esperava por isso já que teve dificuldade em se
soltar do meu agarre. Ele bateu em minhas pernas e estômago na tentativa de
se soltar, apesar da dor que percorria todo o meu corpo me mantive firme e o
sufoquei até que seu corpo parou de se mover e ficou mole entre as minhas
pernas, depois disso ainda continuei o segurando por mais uns dois minutos
até que seu parceiro se recuperou do golpe que tinha levado e se arrastou até
mim, acertando um forte golpe no lado direito do meu corpo, só então soltei
o corpo imóvel.
— Filho da puta, você o matou! — ele berrou ao verificar o pulso do
sujeito caído no chão. — Dane-se o que Constantin disse, eu vou estripar
você!
Eu estava sem ar, vendo pontos pretos diante dos meus olhos e todo o
meu corpo sentia dor. Ainda assim estava pronto para reagir quando ele se
aproximou, com um novo impulso chutei para a frente, ele se esquivou com
um movimento rápido pulando para trás. Seu erro foi esquecer que Helena
estava logo atrás, ela imitou meu gesto e o chutou para a frente, nesse
momento eu estava pronto para agarrá-lo com as pernas.
— Malditos! — Só consegui envolver sua cintura, o que o manteve
preso, mas ainda se movendo.
Nessa hora a porta de ferro se abriu e um terceiro homem entrou,
olhando em volta com um olhar chocado.
— O que porra vocês fizeram, Martim?
— Me ajude, filho da puta! Vou matar esses dois desgraçados!
O homem era jovem, devia ser um soldado novo pois se aproximou na
mesma hora, os olhos arregalados.
— O chefe disse...
— Foda-se o que o chefe disse! — berrou o tal Martin, novamente me
acertando com o soco no lado direito do corpo. Estava tão cansado daquilo
que o soltei de repetente e usei o resto da força em meu corpo para pegá-lo
desprevenido por conta do meu gesto brusco, e assim consegui o chutar bem
no estômago.
Ele urrou de dor e deu alguns passos para trás, o próximo chutei que dei
tinha menos força, mas ele perdeu o resto do equilibro, tropeçando no corpo
do soldado morto e caindo para trás. Sua cabeça bateu com força contra o
chão duro, o som causou um novo embrulho em meu estômago. O sujeito
não se levantou.
— O que eu faço? — O jovem soldado tremia diante da cena.
— Eles desobedeceram às ordens de Constantin, iam nos matar — falo,
puxando ar em meu corpo. Precisava usar dessa oportunidade. — Você tem
que ajudar Helena, ela está muito ferida.
Seus olhos arregalados focaram na figura de Helena, ela tinha vários
machucados no rosto, seu estado era lamentável. O soldado não sabia que a
maior parte desses machucados foram causados pelo próprio Constantin e se
desesperou.
— Me tire do gancho, eu vou ajudar, não posso deixar que minha amiga
morra!
Ele me olhou com dúvida e medo.
— Você vai ser responsabilizado por tudo isso caso não faça algo
rápido, olhe para mim eu estou ferido e mal consigo me mover. Você pode
comigo, eu só quero ajudar minha amiga.
Xingando, ele veio em minha direção e me tirou do gancho,
infelizmente foi esperto o suficiente para não tirar as algemas que prendiam
meus pulsos.
— Vamos tirá-la também — falo, tropeçando em direção a Helena.
Ele assentiu e me ajudou a baixá-la. O corpo da mulher caiu mole no
chão, sua respiração irregular.
— Eu preciso pedir ajuda...
Acertei um golpe em seu rosto, tentando pegar principalmente a parte
metálica das algemas em meu pulso. Ele caiu, mas não estava inconsciente,
tentou pegar a arma presa em sua cintura e eu pulei em cima dele. Jamais
vou saber como ainda consegui reunir forças para isso quando meu corpo
implorava para se render. Era um instinto louco que lutava pela vida. A
minha e a de Helena.
— Não... — O som ficou preso em sua garganta quando segurei a arma
e apertei o gatilho, ela estava perto de sua pélvis e ele arregalou os olhos nos
dois disparos que dei. Enquanto se contorcia de dor e sangrava no chão frio
do frigorífico, eu me ergui com meu corpo maltratado e atirei em sua cabeça.
Sangue escorreu pelo chão ao mesmo tempo que um cheiro metálico se
espalhava pelo ar.
— Perseu... — Helena gemeu onde estava caída. Eu fui em sua direção,
ela forçou os olhos abertos. — Vá, você precisa ir,
Olhei para o estado deplorável que seu corpo se encontrava, os pés em
carne viva. Ela não conseguiria andar sozinha e eu não tinha forças para a
carregar e enfrentar quem quer que encontrássemos pelo caminho.
— Como se eu fosse te deixar sozinha — resmungo, ao mesmo tempo
que ajeito seu vestido para cobrir suas partes íntimas.
Ela engoliu em seco e desviou os olhos dos meus.
— Você é um idiota...
Apesar de tudo consegui sorrir com amargura.
— É uma verdade inegável.
— Feche a porta então, isso vai os atrasar.
Fiz como pediu e cambaleie até a porta do frízer, fechando-a por dentro.
— Eles devem voltar logo — falo, me arrastando de volta até onde ela
estava sentada, com as costas escoradas na parede. Seu corpo tremia assim
como o meu, por isso passei os braços por cima de seus ombros.
— Meu irmão já deve ter a nossa localização.
— Como?
— É um segredo bem guardado para a nossa proteção, ambos temos
chips localizadores implantados em nossos corpos. Desde que nos
mantenhamos vivos, ele vai nos encontrar.
Um bolo se formou em minha garganta, pela primeira vez desde que
acordei nesse lugar tive esperança de sair vivo.
O que é isso? Estou esperando que Stephanos venha por mim mais uma
vez?
— Ele gosta de você, agora eu sei o porquê.
Nego com a cabeça.
— Sou um objeto nas mãos do seu irmão.
— Ele é como eu, não sabe o que é amar alguém. Fui assim até
conhecer a minha Lupi, ela me salvou.
Solto um riso baixo.
— Não posso salvar nem a mim mesmo, quem dirá o seu irmão.
— Então deixe que ele faça parte do seu mundo destruído. Os dois
combinam bem, são dois loucos com uma escuridão tremenda dentro de si.
Acredite, eu sei o que meu irmão faz com as coisas dele, usa, destrói,
descarta, você ele agarrou entre as mãos e prefere sufocar até a morte antes
de te libertar. Stephanos pode não saber o que é amor, mas do jeito
destorcido que conhece, aquele homem está começando a te amar.
Engulo em seco, respirando com dificuldade.
Eu quero ser amado por aquele monstro?
Olho em volta, tem três corpos de homens que eu mesmo matei. Meu
corpo está destruído a socos e uma mulher que foi torturada e quase
violentada está com seu corpo ferido colado ao meu.
Sinto como se tivesse entrado no inferno, então por que não deixar que
um demônio me ame?
Uma forte batida na porta de metal nos fez pular no local onde
estávamos sentados. Trocamos um olhar tenso e depois uma voz conhecida
se fez presente.
— Perseu! Helena!
Tremi por inteiro, meu corpo agiu como se tivesse esquecido os golpes
que levou, me ergui e caminhei até a porta, abrindo-a e deixando que puro
alívio tomasse conta de mim quando vi a figura assustadora do outro lado.
— Ah! — gemi de dor ao ter meu corpo tomado pelos braços de
Stephanos.
Aquilo era real?
— Helena! — o grito de Lupi seguiu os passos apressados da mulher.
Ela também estava ali, assim como uma dezena de soldados a serviço de
Stephanos, eles estavam espalhados pelo local.
— Ste... — as palavras ficaram presas em minha garganta seca, o
mafioso me agarrou em seus braços e me ergueu. Tudo em mim doía e soltei
sons dolorosos a cada passo dado por ele, que me levava para fora.
Estava escuro, era uma rua deserta com prédios abandonados ao redor,
não pude ter uma visão melhor do local, mas consegui ver vários homens
ajoelhados no chão enquanto os soldados de Stephanos apontavam armas
para suas cabeças. Constantin era um deles, o sujeito estava ajoelhado ao
lado de um carro, o motorista morto por cima do volante mostrava que
tinham sido emboscados quando voltavam para o frigorifico.
Stephanos não parou para falar com ninguém, com passos decididos me
levou até um carro que nos esperava. A última coisa que vi no local foi um
corpo morto ao lado da porta de passageiro do carro de Constantin, percebi
se tratar de Vitali e uma onda de desespero tomou conta de mim.
Por que o mataram?
Eu tinha que fazer isso!
Devia essa vingança a Ducan, Sarah e Julie...
Precisava arrancar a verdade de Vitale, quem mais estava por trás
daquela monstruosidade?
Tinha que ter sido pelas minhas mãos a chegada de sua morte!
— Por quê? — sussurrei inconformado, lágrimas escorrendo pelo meu
rosto.
— Tudo vai acabar em breve, passarinho — respondeu Stephanos, sua
mão virando minha cabeça de encontro ao seu peito largo, me impedindo de
continuar a ver o corpo sem vida.
— Não...
As palavras morreram em minha boca e perdi a consciência. Meu corpo
exausto e machucado se sentia seguro nos braços do meu mafioso, e com
isso deixei todo o resto de lado e cedi a escuridão.
CAPÍTULO 20

— Como você está se sentindo? — pergunto, vendo o rosto de minha


irmã marcado por tons amarelados. Ela está deitada em sua cama tomando
sorro, os pés cobertos pelo cobertor, o que não é suficiente para me fazer
esquecer o que lhes aconteceu. Ela vai ficar na cama por alguns dias, por
hora sequer consegue ficar de pé sozinha.
— Já estive melhor — resmungou, sempre com uma pose firme. —
Perseu está bem?
Arqueio uma sobrancelha em sua direção, até pouco tempo ela era a
primeira a atirar uma pedra na direção do meu passarinho.
— Não me olhe assim, aquele idiota quase morreu espancado por
minha causa.
— Você sabe que a culpa não foi sua! — intervêm Lupi, ela tem
olheiras profundas embaixo dos olhos. Tenho certeza de que não dormiu essa
noite. — Aqueles desgraçados iam ferir os dois, independente do que
acontecesse.
— Você não estava lá. — Um brilho obscuro passa rapidamente por
seus olhos. — Acredite, Perseu poderia ter ignorado tudo que estava
acontecendo comigo, ele podia ter me deixado para trás quando teve a
chance, mas não fez. Isso me diz tudo que eu precisava saber sobre aquele
homem, foda-se que ele foi policial um dia, e se alguém tiver algo contra ele
que venha falar diretamente comigo!
Escondo um sorriso, tais palavras me agradam de alguma forma.
Perseu veio para ficar, então é bom que Helena o veja como algo mais
do que um inimigo.
— Assim você me deixa ainda mais em débito com Perseu, linda.
Guadalupe caminha até o lado da cama e se senta, agarrando uma mão
de Helena. Até a expressão cheia de dor e cansaço que minha irmã luta para
esconder dá uma relaxada. Por algum motivo me lembro do meu passarinho
e sinto um aperto no peito, jamais confortei alguém, sequer senti vontade de
fazer... até agora.
Como ele está?
Será que acordou?
Passei algumas vezes em seu quarto ao longo da noite depois que o
trouxe de volta para a mansão, seus ferimentos foram tratados, ele foi
medicado e dormiu pelas horas que se seguiram. Achei melhor assim, queria
que descansasse para se recuperar.
Devo estar lá quando ele acordar?
Minha presença vai trazer algum conforto ou apenas mais estresse?
Por que estou pensando tanto nessa merda?!
— Eu vi o dossiê que foi feito sobre o passado de Perseu.
Paro no centro do quarto, encarando Helena sem dizer uma só palavra.
Lupi estava em silêncio e assim permaneceu, apesar de que seus olhos
diziam que ela estava ciente do que sua namorada falava.
— Você tinha que saber que eu olharia em algum momento, tudo
relacionado a Perseu estava me irritando.
— Não era assunto seu! — digo por entre dentes, ela não se encolhe.
— Se diz respeito a Aderfia é assunto meu!
Nos encaramos por alguns segundos, ambos se recusando a recuar.
— Eu sei o porquê de você ter matado aquele sujeito, Jacob Vitale era
um dos policiais corruptos atuando nas rotas de tráfico ao norte de Nova
Iorque. Por mais que ache pouco o final que ele teve, você não tinha como
saber que foi aquele desgraçado quem espancou Perseu, sua atitude
impulsiva ao matá-lo ali mesmo revelou mais do que sua cara fechada está
revelando agora.
Meus punhos estão apertados por causa da raiva. Odeia a sensação de
me sentir tão exposto.
— Fique calada, Helena, isso não é assunto seu. Você pode pensar que
agora é amiguinha do Perseu, pode até ter uma dívida com ele, mas eu não
vou tolerar que se meta nesse assunto.
Ela dá de ombros, me olhando com uma raiva que mal consegue
esconder.
— Faça como quiser, agora é impossível esconder o quanto se importa
com aquele passarinho. No final quem vai se ferrar é você mesmo.
Irritado, deixo seu quarto sem qualquer outro comentário.
Começo a andar pelos longos corredores da casa até me dar conta que
de maneira inconsciente estava me aproximando do quarto do meu Pouláki.
Me xingo mentalmente, paro no meio do corredor e soco a parede mais
próxima a mim.
— Porra!
Passo as mãos pelo rosto, respiro fundo e dou meia volta, descendo as
escadas em direção ao térreo. Nesse momento só tenho uma coisa a fazer, e
felizmente essa coisa vai tirar todo o estresse que montou em minhas costas
desde o momento em que fui informado sobre o sequestro de Helena e
Perseu. Foram horas torturantes, meus nervos ficaram à flor da pele, pensei
que iria enlouquecer. E quando enfim os encontrei e vi o estado do meu
passarinho não fui capaz de sentir qualquer alívio por tê-lo encontrado vivo,
só sabia sentir um ódio tremendo pelo que tinham feito com ele.
Tal ódio ainda não passou, e desconfio que só será amenizado quando
eu fizer todos os responsáveis pagarem: olho por olho, dente por dente!
Entro no cômodo onde Constantin está, a ele foi dado um tratamento
parecido com o que ofereceu ao meu passarinho e Helena, sendo isto apenas
o começo dos seus pesadelos. Todos os soldados que estavam com ele foram
mortos, resta apenas sua vida medíocre que já não lhe pertence, ela está em
minhas mãos para fazer o que quiser, afinal, ele se esforçou tanto para
chegar até mim.
— Por que não me mata logo? — berrou com ódio nos olhos quando
me viu entrar sendo seguido por Atlas.
Meu chefe de segurança ficou parado junto a porta enquanto eu me
aproximei da figura desnuda e presa na parede. Seu corpo estava preso por
grilhões fixados na parede, ambos os tornozelos e os pulsos que se
encontravam erguidos acima da cabeça.
— Desde quando sou um homem tão generoso, Constantin?
— Filho da puta!
Jamais tinha ouvido palavras tão desrespeitosas vindas desse homem,
ele sempre soube ser um cachorro obediente. Contudo, agora que foi pego e
sabe que sua vida pertence a mim para dar um fim nela quando bem quiser,
ele tenta conseguir um fim rápido em sua existência patética.
Permanecer vivo nessas circunstâncias só pode significar uma coisa:
mais dor do que um ser humano seria capaz de suportar.
— Veja bem, você deu um tratamento “atencioso” a minha irmã, por
isso ela não pode estar aqui. Dessa forma serei o único a te dar boas-vindas
aos calabouços da mansão Paraskevas.
Atlas tinha uma grande bolsa preta com ele o tempo todo, e depois de
um gesto meu, ele se aproximou colocando-a em cima da pequena mesa de
madeira que tinha os pés fixados no chão. Era um dos poucos móveis
recorrentes em todos os cômodos do calabouço.
— Se pensa que eu vou dizer alguma coisa...
Sorrio sentindo um fio de emoção percorrer todo o meu corpo ao tirar
um maçarico da bolsa.
— Você falaria o que eu quisesse, se esse fosse meu objetivo.
Coloco o maçarico em cima da mesa, tinha que seguir os passos à risca,
primeiro amassaria sua carne. Desabotoo os punhos da minha camisa branca,
sentindo lastima por saber que em breve uma peça tão bonita vai estar
estragada.
— Seja um pouco mais esperto. — Com tranquilidade dobro os punhos
da camisa. — Informações eu já tenho aos montes, agora é a hora de caçar
os cachorros que acham que podem morder a garganta de seu dono. Você
será o primeiro, Constantin, porque achou que tinha o direito de colocar suas
mãos imundas naquilo que me pertence.
— Ah!
Acerto o primeiro soco em seu estômago, tomando cuidado para acertar
de forma precisa os lugares onde causaria mais dor. Foram cinco socos
perfeitos antes que ele xingasse alto com um sorriso provocador no rosto.
— De quem você está falando? A puta da sua irmã ou aquele viadinho
que você está comendo?
Em retribuição abro um sorriso ainda maior.
— Quanto mais tentar me irritar, mais vou me certificar de te causar dor
sem matar. Te garanto que vamos passar um longo tempo juntos.
Acertei mais socos em várias partes do seu corpo, quebrei seu nariz e
continuei batendo até que sangue e saliva escorriam pela boca quase
esmagada de Constantin. Ver isso me impulsionava a fazer mais, causar mais
dor. O sangue derramado por ele era pouco quando lembrava da dor e do
desespero que vi no rosto machucado de Perseu quando ele abriu aquela
maldita porta de metal.
— Ele tem que permanecer vivo, Igétis — disse Atlas em algum
momento, sua voz mal entrando em minha mente que era consumida pelo
ódio.
— Tem razão.
Me afastei sentindo suor escorrer pela testa. Meus punhos estavam
vermelhos de sangue, a carne da minha mão ferida depois de tantos golpes
que havia perdido a conta.
— Ainda temos tanto a fazer apenas para começar a retribuir o que
ofereceu a Helena e Perseu.
Volto para a pequena mesa de madeira e agarro o maçarico.
— Não se preocupe vou manter seus pés intactos — disse, apontando
para os pés descalços. Um sorriso cruel se estendendo pelos meus lábios. —
Você vai precisar deles muito em breve. Então deixe-me tirar algo que você
não precisa mais.
— Ah! — seu grito foi um berro ensurdecedor quando sem aviso prévio
coloquei a chama do maçarico em sua mão esquerda.
O cheiro de carne queimando perfumou o ar, junto de seus gritos
desesperados e do barulho do metal dos grilhões. Constantin se debatia,
gritava, puxava as mãos, mas era tudo inútil, o sujeito estava preso a parede.
Os grilhões eram resistentes o suficiente para segurá-lo por todos os minutos
que levei queimando uma mão antes de partir para a próxima. Deixando-as
uma bagunça de carne vermelha, sangrenta e queimada.
Estava tão absorvido pelo momento que foi preciso Atlas me chamar
mais uma vez para que eu me afastasse, comtemplando minha obra
inacabada.
— Eu quero que ele seja alimentado e tenha água em abundância.
Também fiquem de olho nos machucados e caso seja necessário chamem um
médico para atendê-lo.
Por mais que quisesse infligir dor, queimar seus pés como ele fez com a
minha irmã e arrancar algumas partes de seu corpo com uma navalha para
que ele jamais pudesse colocar as mãos imundas naquilo que é meu, tive que
me controlar e pensar racionalmente.
O importante agora é o manter vivo e que seu corpo esteja saudável.
Até porque, que graça teria se ele sequer conseguisse correr quando o dia da
caça chegasse?

Ao deixar Constantin para trás a necessidade de estar com Perseu


aumentou, tentei ignorar isso por algum tempo enquanto tomava uma ducha
e me limpava da sujeira e sangue seco. Ao final disso, vestido apenas com
uma calça de pijama, com os pés descalços e os cabelos molhados e
pingando a cada novo passo, deixei meu quarto e fui atrás da pessoa que
mais queria ver naquele momento.
Retardei esse momento, deixe que ele fosse tratado, cuidei dos assuntos
mais urgentes envolvendo Constantin e seus homens. Tudo isso em uma
tentativa inútil de esquecer o desespero que tomou conta de mim quando
soube que Perseu havia sido levado. Helena era útil para eles, mas o meu
passarinho era alguém descartável, pensamentos sombrios tomaram conta da
minha cabeça por todo o tempo em que levei até o encontrar.
— Pouláki?
Seu quarto estava silencioso, a cama desfeita, um lençol jogado no
chão, as portas da varanda abertas, nenhum sinal dele podia ser visto.
— Perseu?!
Uma nova inquietação tomou conta de mim.
Caminhei pelo quarto até alcançar a porta do banheiro, este se
encontrava vazio. Com os punhos travados olhei em volta, notando um
barulho baixinho que vinha do closet, a porta dele estava fechada, mas
bastou passar por ela e o vi, encolhido na outra extremidade do cômodo,
sentado no chão com a cabeça entre as pernas, todo o seu corpo tremia. O
barulho que ouvi antes era o puxar forte de sua respiração.
— Passarinho...
De forma incerta caminhei até ele, que nem ao menos parecia notar a
minha presença. Tinha visto situações como aquela antes, apesar de jamais
ter tentado fazer qualquer coisa para ajudar. Perseu estava no meio de uma
crise de ansiedade, algo bem justificado depois de tudo pelo que passou.
— Passarinho — sussurrei, parando em sua frente, o espaço de dois ou
três passos nos separava. Não sabia se deveria me aproximar.
Eu não sou o que acalenta, sou o que causa dor.
Como posso oferecer qualquer coisa a ele quando sou o que sempre tira
de forma egoísta?
Engulo em seco, chego a dar um passo para trás pronto para sair e
deixá-lo resolver seus problemas sozinho.
— Merda! — Irritado, me sento ao seu lado e sem dizer nada trago seu
corpo trêmulo para os meus braços.
Não tenho qualquer palavra que possa ajudar, até mesmo o acariciar em
suas costas é incerto, desajeitado. Isso não o impede de se encolher em meu
peito à medida que sua respiração vai se normalizando. Duvido muito que
tenha sido de grande ajuda, todavia fiquei com ele porque não poderia me
afastar quando meu passarinho sofria sozinho.
Com Perseu pressionado contra meu peito pude notar a forma como
nossos corpos eram distintos. Ele sempre foi tão pequeno? Pouláki vive
batendo de frente comigo, apontando o dedo na minha cara e mostrando suas
garras, deve ser por isso que jamais percebi o quanto ele pode ser frágil com
seu corpo que mal chega na altura dos meus ombros.
Que sensação estranha, essas mãos tão acostumadas a matar se sentem
cômodas acariciando, trazendo acalento.
— Está melhor, Pouláki?
— Skiá...
Abri um sorriso sem conseguir me conter, era raro que ele me chamasse
por minha alcunha. Tê-la saindo de seus lábios parece dar um novo
significado.
— Era a minha vingança — disse com a voz rouca sendo sussurrada
contra a pele exposta do meu pescoço.
Então esse foi o gatilho para essa crise de ansiedade? O fato de que
matei aquele homem.
— Saber que ele está morto não é suficiente? — questionei, me
recostando contra a parede atrás de mim, enquanto puxava seu corpo mais
para cima do meu. Perseu estava totalmente relaxado, aceitando meus
toques, suspirando com eles como se isso afastasse a dor que sentia minutos
antes.
Tenho mesmo esse poder?
— Era a minha vingança!
Fecho os olhos, soltando o ar com força.
Posso tentar enganar quem eu quiser, mas no fundo tenho que admitir,
sei muito bem por que atirei naquele infeliz antes que ele sequer pudesse dar
uma boa olhada no meu rosto. É pelo mesmo motivo que vou matar seu
parceiro e qualquer outra pessoa que possa dizer uma só palavra sobre
aquele ocorrido.
— Você é meu, passarinho, qualquer pessoa que arrisque te tirar de
mim merece a morte.
Ele não responde, tenho certeza de que não entende a complexidade
dessa declaração. E no que depender de mim jamais vai saber.
— Você é um egoísta filho da puta. — Seus olhos inflamados de raiva
me encaram pela primeira vez desde que entrei nesse closet.
— Sou sim. — Seguro uma de suas mãos, beijando-a de forma
demorada. Até a pele das mãos está machucada. — Te ver assim me faz
querer ressuscitar aqueles malditos, lhes infringir muita dor e os matar
novamente.
Estranhamente, ele sorri.
— Pretende tomar a minha vingança como sua?
Deixando de lado meus próprios desejos egoístas e focando unicamente
no rosto bonito machucado diante de mim, com marcas que não fui eu quem
deixei, sinto meus dentes travados de raiva. Sim, eu tomaria entre as minhas
próprias mãos uma retaliação pesada contra qualquer pessoa que sonhar em
o ferir novamente.
— Me use — deixo escapar.
Sua expressão é confusa.
— Me use na sua vingança, me use quando estiver sofrendo, me use
quando desejar conquistar alguma coisa, me use sempre e quando assim o
desejar. Esse Skiá pertence a você Pouláki.
Sua boca abre em choque, para falar a verdade nem mesmo eu acredito
no que acabei de dizer e em como não desejo retirar uma só palavra.
Pela primeira vez em minha vida estou bem em dar algo a alguém, ao
invés de apenas tirar de forma egoísta e sem oferecer nada em troca.
— O que está me oferecendo? — Seus olhos escuros estão nos meus,
suas mãos apertando ambos os meus ombros ao mesmo tempo que seu corpo
se acomoda por cima do meu, uma perna de cada lado, nossos torços se
encontrando.
— Tudo... eu estou te oferecendo tudo.
Ele sorri, um sorriso perigoso com uma promessa de que eu iria me
arrepender de tais palavras.
— Você tem que honrar com suas palavras! — disse com o rosto se
aproximando do meu, foi impossível não olhar para os lábios grossos,
mesmo com o machucado no canto de sua boca eu queria desesperadamente
um gosto daqueles lábios.
Eles chegaram até mim, tocaram com curiosidade, a princípio apenas
roçando nossas bocas quentes e macias uma na outra. Suspirei, abrindo os
lábios e pedindo por mais, sem exigir, era a primeira vez que estava sendo
tão “submisso” a outra pessoa. Perseu sorriu com isso, um baixo riso
podendo ser ouvido, isso arrepiou todos os pelos do meu corpo e me deixou
ainda mais relaxado e disposto a ceder o controle.
Sua língua serpenteou dentro da minha boca, explorando a cavidade,
marcando-a com sua saliva quente. Suguei o gosto único daquele homem
dentro da minha boca, estava tão louco por ele que era difícil manter o
controle de mim mesmo.
— Você tem que honrar com as suas palavras, Skiá! — falou, puxando
seus lábios longe dos meus para tirar a camisa que vestia, atirando-a longe.
Pele escura apareceu diante dos meus olhos, os mamilos marrons pareciam
me chamar e eu caí de boca neles, puxando com os dentes para logo em
seguida os sugar dentro da minha boca e os lambuzar com a língua. — Ah!
Seus gemidos eram como música para os meus ouvidos, um vício
delicioso. Quanto mais os ouvia mais desejava ouvir.
Os chupei com fome, mordendo a pele sem medo de deixar marcas.
Eram os meus mamilos, o meu delicioso corpo, meu saboroso passarinho.
Poderia comê-lo por inteiro.
Cedo demais mãos firmes empurraram meus ombros e Perseu saiu do
meu colo. Ficando de pé em minha frente enquanto tirava a calça que cobria
suas partes intimas. Apreciando a vista também tratei de tirar a única peça de
roupa em meu corpo, a calça de moletom, meu pau saltou livre quase ao
mesmo tempo que seu pau o fez. O mastro duro, de um bom tamanho e com
a cabeça babada balançou diante dos meus olhos e regou minha boca de
água. Desejei sugá-lo como tinha feito com seus mamilos, e o faria em outra
ocasião, por hora estava deixando Perseu no comando e ele voltou a se
sentar em meu colo.
Quis outro gosto de sua língua, mas ele enfiou dois dedos em minha
boca, dizendo:
— Lamba-os!
Fiz o que pediu, observando o prazer claro em sua expressão. Meu
passarinho tinha uma veia autoritária. Eu teria que ter muito cuidado com
isso antes que ele estivesse tomando todas as ordens enquanto eu apenas
balançava a cabeça feito um idiota.
Quando seus dedos deixaram minha boca eu sabia exatamente para
onde estavam indo, pude ver em sua expressão dolorida, que estes tinham
encontrado seu destino. Se possível meu pau ficou ainda mais duro.
— Você é um passarinho muito travesso — falo, acariciando seu corpo,
apertando os mamilos sensíveis e vermelhos. Ele geme, choraminga, se
contorce em cima de mim e seu mastro babado roça a pele do meu abdômen.
— O que está fazendo com esses dedos, Pouláki?
Um olhar atravessado me faz sorrir ainda mais.
— O que acha?
Ainda sorrindo, mordo sua orelha esquerda antes de a lamber. Seu
corpo se arrepia todo.
— Eu acho que você está socando tudo no seu cuzinho guloso, mas
sabe que isso não vai adiantar, certo? — Encaro seu rosto contorcido por dor
e prazer. — Meu pau é bem maior que seus dedos, quando eu estiver te
rasgando por dentro você vai ver...
Com uma expressão irritada, mas sem retrucar, Perseu empurra meu
peito com força, fazendo-me bater contra a parede atrás de mim. Resmungo
por causa da dor, segundos depois um gemido de prazer pode ser ouvido
quando meu mastro é segurado entre suas mãos e posicionada na portinha do
seu cu que piscava sem parar, querendo seu preenchido de novo.
Nessa hora usei todo o meu autocontrole para me manter firme e não
enfiar com força. Ele tinha se preparado com os dedos, isso era quase nada
para receber um pau como o meu. Vi seu rosto se contorcer de dor a cada
centímetro que entrava, ele não parou, eu me contive e deixei que fizesse do
seu jeito.
— Ah! — Suor escorria por sua testa, dor era presente no rosto bonito,
ainda assim ele começou a se mover quando eu estava totalmente dentro do
canal apertado. Aquilo estava me esmagando de todos os lados, eu mal
conseguia me manter consciente, quem dirá parado.
— Perseu! — Mordi com força a pele do seu ombro, sentindo o gosto
de sangue serpenteando em minha língua. A pressão do seu canal era
absurda e quando ele se moveu subindo e descendo com força suficiente
para o som de sua bunda se chocando com as minhas coxas reverberar por
todo o closet, eu percebi, estava ferrado além da conta.
Tinha cedido o controle, deixei que tirasse de mim o que queria, prazer,
dor, gemidos e gritos, permiti que montasse meu pau como se fosse seu
brinquedo particular. Não exige nada, não tentei fazer no meu ritmo, peguei
o que ele me deu, apenas isso. E o mais surpreendente é que não havia um só
traço de arrependimento em meu corpo.
Eu tinha uma visão privilegiada daquele homem lindo e forte que subia
e descia em meu pau. Podia ver suas bochechas coradas, a boca aberta, os
gemidos estavam tão próximos aos meus ouvidos que meu corpo inteiro
reagia a cada novo som. Vi de perto cada expressão de dor e prazer, senti a
forma como seu corpo reagia a cada vez que subia para descer com força,
amei os sons que produzimos juntos. E gozei como um adolescente
transando pela primeira vez, porque foi impossível me conter quando diante
de mim, preso entre os meus braços, Pouláki se derretia em um imenso
prazer, sussurrando meu nome quase sem pensar “Stephanos”.
Eu tinha feito de tudo, de forma egoísta pra caralho, só para poder
prendê-lo a mim. Curiosamente, o momento em que o senti verdadeiramente
meu foi quando abri mão das correntes e dei uma parte minha em troca.
CAPÍTULO 21

Parado em frente ao espelho de corpo inteiro, ajeito a gravata pela


milionésima vez, a coisa parece não ficar certa de jeito algum. Em
contrapartida, me encontro sorrindo feito um idiota ao invés de ficar irritado.
— Que a deusa nos ajude, você está pior do que o Stephanos! — O tom
brincalhão me faz olhar para a porta do closet, Helena está parada lá com o
auxílio das moletas que passou a usar na última semana.
Ela é teimosa o suficiente para testar a paciência de Lupi. A médica a
manteve na cama pelo tempo que conseguiu, até Helena começar a ameaçar
todos com sua arma, chegou a atirar contra um funcionário que foi levar seu
almoço. Por fim, conseguiu a autorização de deixar a cama, mesmo que
tenha que usar moletas para se locomover, três semanas após os ocorridos
horríveis envolvendo nosso sequestro e tortura, seus pés não estão
totalmente recuperados.
— Poderia me ajudar com a gravata? — questiono, me aproximando
dela.
A mulher sorri e me ajuda a dar um nó decente. Quem a vê tão serena
perto de mim nem imagina que até pouco tempo atrás éramos praticamente
inimigos. Pelo menos agora consegui enxergar a mulher incrível que existe
por baixo de muitas camadas. Muitas mesmo!
— Não sei por que tenho que acompanhar Stephanos nessas ocasiões
— resmungo.
Helena me encara com desdém.
— Porque você é o homem dele, então tire essa cara de bunda e apareça
muito gostoso. Esse é um evento organizado pela máfia, quem vai estar
dando o ar da graça é o Igétis da Aderfia, o poderoso Stephanos Paraskevas.
Mesmo que as pessoas presentes naquele local tenham o rabo preso com o
mundo do crime, as aparências são importantes.
Contorço o rosto.
— Por isso mesmo penso que vai ser uma péssima ideia que ele me leve
como acompanhante. Fale sobre sair do armário publicamente.
— Meu irmão não liga pra essas merdas, ele está com você, ele come
você, por que vai ter vergonha do que um bando de pau no cu tem para
dizer?
A encaro com impaciência.
— Obrigado por acalmar o meu coração.
Ela dá de ombros.
— Pode contar comigo para isso, cunhado.
Abro a boca para dizer que não sou o seu cunhado, mas fecho-a logo
em seguida. Afinal, o que Stephanos e eu somos?
No princípio eu o detestei com todas as minhas forças e mesmo depois
que transamos pela primeira vez isso não mudou. Eu sabia o meu lugar em
sua vida, era um objeto para ele, algo que tinha sua atenção no momento,
mas até quando duraria uma relação tão unilateral?
Paraskevas apenas tirava de mim, eu não tinha nada a oferecer a não ser
meu corpo. Contudo, algo mudou nas últimas semanas e quase posso pensar
que somos alguma coisa. Já vi lados dele que não são mostrados a todos,
tenho recebido quase na mesma proporção que ofereço. Sinto que posso me
apaixonar e não vou me foder tanto com isso.
Talvez essas escolhas se mostrem um erro no futuro, estou seriamente
arriscando minha sorte.
— Jamais vou entender como podem aceitar tão fácil a sexualidade de
vocês dentro da máfia.
— Estamos no topo da cadeia alimentar, podem desgostar o quanto
quiserem, no entanto caso não tenham força suficiente para fazer alguma
coisa é melhor guardar suas merdas e balançar o rabinho quando passarmos.
É assim que as coisas funcionam, e não se engane, nada é tão fácil, eu
mesma tive que lutar muito para me impor.
— Você é uma força da natureza.
Ela ri.
— Nunca tive paciência para ser um bibelô. Meu pai, o antigo Igétis,
percebeu isso cedo e tentou me aprisionar nas malditas tradições da máfia.
Quando eu tinha quatorze anos fui “vendida” para um dos seus homens de
confiança, meu marido tinha o triplo da minha idade, era um sujeitinho
asqueroso. Lutei com todas as minhas forças para evitar tal destino, o que se
mostrou uma perda de tempo, eu era uma mulher em um mundo governado
por homens sem escrúpulos como o meu pai, ele me disse “— Você só sai
desse casamento morta ou viúva.”, no dia seguinte eu estava viúva. Foi aí
que comecei a trilhar meu próprio caminho, mostrando que as mulheres
merecem respeito, dentro ou fora da máfia. O velho morreu mais cedo por
causa das minhas ações, e já foi tarde!
Ela terminou rindo.
— É por isso que mulheres e crianças estão fora dos limites na
Aderfia?
Helena assente.
— Nem todos seguem as regras. — Um sorriso perverso surge em seu
rosto me lembrando quem é esta mulher. — É por isso que adoro ser a
executora da máfia.
— Está colocando merdas na cabeça do meu passarinho?
Somos interrompidos pela chegada do mafioso, que mal bate na porta
antes de entrar. A essa altura tínhamos deixado o closet e conversávamos em
meu quarto.
Stephanos estava tão bem-vestido que eu quase me sentia usando
trapos, isso porque todo o meu guarda-roupa devia valer mais do que todos
os apartamentos onde já morei e o carro velho que tinha antes de ter minha
vida virada de cabeça para baixo por esse mafioso.
— Vocês podem ir, não quero os atrasar.
Ela vacila quando dá um passo, tento ajudá-la, parando diante de sua
mão erguida. Tão orgulhosa!
— Vou procurar minha namorada, divirtam-se.
Ao sermos deixados a sós, Stephanos exibiu um de seus raros sorrisos
que não continham alguma intensão perversa por trás. Certo ego se inflou
dentro de mim por saber que eu era uma das únicas pessoas, senão a única,
que era capaz de apreciar aquele sorriso.
— Pronto, passarinho?
Seguro a mão que é me oferecida, dessa vez com segurança e
determinação. É como se algo estivesse mudando entre nós, um laço mais
intenso se formando, era assustador e emocionante ao mesmo tempo.
— Não se preocupe, só temos que aparecer no evento.
Ergo uma sobrancelha enquanto andamos pelo largo corredor de
quartos, meu braço está preso ao seu, me sinto como se estivesse
participando de uma comédia romântica. E se esse fosse o caso devia ser
uma releitura da bela e a fera, por sorte ou azar acabei com uma fera que não
tem possibilidade de retornar à humanidade.
— Me informei sobre o evento desta noite, Helena tentou me deixar
preparado. — Se é que existe uma forma de se estar preparado para
socializar em meio a um monte de mafiosos. — Ela também me falou que
você participa de diversos outros eventos ao longo do ano, incluindo eventos
de caridade, isso me surpreendeu. Quem diria que Stephanos Paraskevas está
ajudando com a causa dos refugiados.
Ele me encara com estranheza, temos chegado no topo das escadas.
— É para isso que estou doando?
Dessa vez sou eu quem não posso acreditar no que ouvi. Isso se nota
em meu rosto e o mafioso ri.
— Estou brincando, é claro que sei do que se trata, apenas não me
importo com essa merda. Tais doações são benéficas para mim e toda a
fachada legal das empresas no nome da família Paraskevas, não tem nada de
bom samaritano.
Reviro os olhos.
— Imaginei isso, pelo menos seu dinheiro vai ter um bom destino.
Stephanos dá de ombros.
— Está tentando me enxergar como um homem bom?
— Não sou adepto a esse tipo de fantasias.
Ele ri.
Passamos pelas enormes portas da entrada, Atlas, o chefe de segurança,
nos esperava. Ele assentiu com um gesto de cabeça na direção de Stephanos
e começamos a caminhar pelo jardim da frente, seu carro não podia ser visto
e logo entendi o porquê, o helicóptero estava a nossa espera.
— Vamos de helicóptero?
— O trânsito está infernal hoje e o evento é do outro lado da cidade,
será um passeio mais tranquilo se formos pelos ares e trocamos por um carro
quando estivermos próximos ao local.
Quem sou eu para reclamar?
Seguimos até o helicóptero, aceitei sua ajuda para subir a bordo e
poucos minutos depois deixamos para trás a paisagem calma de sua casa
reclusa para sobrevoarmos os céus noturnos de uma Nova Iorque agitada e
iluminada. A viagem foi curta, durou poucos minutos até estarmos pousando
no terraço de um prédio comercial. Fomos recebidos por alguns soldados
que cumprimentaram Stephanos com respeito, depois disso, Atlas, que nos
acompanhava seguiu na frente para verificar nosso transporte. Só então
fomos autorizados a descer pelo elevador privado do prédio, na garagem
estava o carro de Stephanos.
A partir disso levamos mais vinte minutos até chegarmos ao local do
evento.
No salão de festa de um hotel cinco estrelas estavam reunidas homens e
mulheres que em dias normais se veriam nas capas de revistas e sites de
fofocas. Um rápido olhar e reconheci vários deles como figuras importantes,
o que tornava tudo ainda mais chocante se você considerar que todos que
estavam ali tinham ligações com a máfia.
— Helena disse que você não costuma vir a esses eventos, pelo menos
não com frequência, então por que veio esta noite? Você está enfrentando um
traidor entre os seus homens, não seria essa a hora perfeita para se manter
afastado de eventos como esse? — questiono enquanto entramos no salão
luxuoso, vários olhares sendo direcionados a nós.
Eu sabia que isso aconteceria quando Stephanos Paraskevas, o Igétis da
Aderfia entrasse de braços dados com outro homem. Isso porque essas
pessoas não sabem do meu passado como policial. Caso soubessem
poderiam pensar que Stephanos está louco, o que é bem verdade, vamos
convir.
— Pelo contrário, Pouláki, essa é a hora perfeita para aparecer.
Demonstrar fraqueza em meio a esse bando de lobos é algo impensável.
Ícaro está se movendo como um verme, as escondidas, desesperado agora
que seu braço direito desapareceu sem deixar rastros. Eu não posso ficar
para trás, preciso mostrar força e liderança, para isso vou ter certeza de
identificar meus aliados e inimigos.
— Então estamos em uma missão?
Ele sorri como o predador que eu sei que é.
— Mantenha os olhos atentos, passarinho, você está em um ninho de
cobras.
Como se fosse preciso me alertar, por conta dos olhares que recebia
todos os pelos do meu corpo estavam arrepiados.
— Basta ficar ao meu lado o tempo todo e tudo ficará bem.
Mesmo que fosse difícil acreditar, essas palavras realmente me deram
confiança e acalmaram meus temores. Espero não terminar morto por isso,
mas confio nesse homem. Eu paguei com a língua todos os meus pecados,
sim, confio em Stephanos para me proteger.
Passamos a próxima meia hora circulando pelo salão, fomos parados
por diversas pessoas, todas disposta a conversar e muitas vezes bajular o
mafioso. Ninguém estava muito interessado em mim, e só me direcionavam
a palavra por conta da presença de Paraskevas. Isso foi muito bem-vindo,
não fazia questão de encontrar “amigos” entre quem estava presente.
— Mais quarenta minutos e podemos ir embora — sussurrou Stephanos
em meu ouvido, talvez notando a expressão de desinteresse que eu estava
fazendo para a conversa que acontecia no círculo onde estávamos.
Assenti antes de o ouvir xingando baixo. Olhei na direção onde o
homem encarava e vi dois homens caminhando até nós. Inicialmente pensei
que se tratava de Ícaro que tinha vindo ao evento, mesmo que Paraskevas
tivesse dito antes que seu inimigo não confirmou presença. Contudo, rápido
esse pensamento se desfez quando constatei que conhecia o homem alto de
traços latino, era uma figura de destaque, chamava bastante atenção seu
porte alto e elegante, os cabelos e olhos escuros contrastando com a pele
também mais escura.
Já o homem ao seu lado era o completo oposto, loiro com grandes olhos
azuis e uma expressão quase temerosa ao olhar de forma pouco discreta para
as pessoas assustadoras em volta.
“Te entendo bem, rapaz.”
Se isso já me chamou atenção, me demorei um pouco mais nos braços
unidos. Os dois eram um casal e deixavam isso óbvio para quem quisesse
ver.
Se eu estivesse certo o homem latino se chamava...
— Afonso Gutierrez, eu não sabia que você viria esta noite. —
Stephanos interrompeu os meus pensamentos ao dar um passo à frente,
cumprimento o recém-chegado. — Pensei que continuaria aproveitando a
vida de fazendeiro.
Afonso, que agora eu tinha certeza se tratar do milionário dono de uma
grande transportadora conhecida em todo o país, aceitou a mão oferecida por
Stephanos, apesar de manter uma expressão de poucos amigos e puxar mais
para perto de si o corpo do loiro. Este, por sua vez, tinha um olhar afiado na
direção do mafioso que continuava sorrindo para o casal.
— Paraskevas, vejo que as notícias são corretas. — Ignorando o
cumprimento anterior e as provocações, Afonso direcionou um olhar afiado
em minha direção. Quase me encolhi nessa hora. — Então, como é ter uma
fraqueza também?
O sorriso de Stephanos morreu quando um enorme sorriso enfeitou o
rosto de Afonso.
Pareciam dois lobos esperando a chance perfeita pular no pescoço um
do outro.
Malditos alfas e seus egos grandes!
Troquei um olhar com o loiro, ele tinha uma expressão quase simpática
direcionada a mim. Decidi ignorar os dois idiotas e estendi a mão em sua
direção.
— Prazer, meu nome é Perseu. — Me contive para não deixar escapar o
sobrenome que agora não me pertence mais.
— Zac Gutierrez!
Afonso puxou Zac para trás antes que nossas mãos pudessem se tocar,
até parece que eu iria esfaquear o garoto. Por outro lado, Stephanos me
surpreendeu ao atrair meu corpo para junto do dele, meu ombro indo de
encontro ao seu peito largo ao mesmo tempo que uma de suas mãos encontra
lugar em minha cintura.
— Felicitações pelo seu casamento — disse Paraskevas.
— Estou muito feliz por te ver cuspindo no olho — retrucou Afonso. —
Espero que a segurança dele seja muito boa, odiaria saber que você o perdeu
tão facilmente depois de levar tanto tempo para descobrir um lado mais
humano.
Stephanos solta um riso baixo, pela forma como sua mão está apertando
minha cintura com força, ele está puto pra caralho. Notando isso é de forma
instintiva que elevo minha mão e acaricio seu peito. O que me surpreende é
que esse simples gesto tem efeito sobre o mafioso que respira fundo,
aliviando o ódio que brilhava em seus olhos.
Afonso ri disso, o homem não tem medo do perigo, ou tem muito
ressentimento por Stephanos.
— Isso não é uma ameaça, Paraskevas, é um aviso assim como você foi
tão gentil em me “avisar” no passado. Tenham um boa noite... E, é bom te
ver amando.
Stephanos não reage a essa declaração, muito menos eu. Sinto que nem
ao menos posso respirar depois disso.
Amar?
Do que porra aquele louco estava falando?
A festa que estava incomoda antes da chegada de Afonso Gutierrez e
seu marido, se tornou silenciosa depois de sua declaração. Paraskevas sequer
olhou em minha direção pelos trinta minutos que se seguiram, por mais que
sua mão tenha se mantido segura em volta da minha cintura.
Enquanto isso me aliviou, pois não saberia o que dizer, também me
irritou. Encheu de raiva e frustração uma parte minha que era tonta o
suficiente para ficar fantasiando coisas.
Amor?
Estou mesmo pensando tão alto?
Tentei afastar tais pensamentos, o que se mostrou inútil, continuei
remoendo isso mesmo depois que deixamos o local do evento e seguimos em
seu carro na direção do prédio comercial onde o helicóptero nos esperava.
— Você continua pensando no que Gutierrez disse? — sua pergunta me
pega de surpresa, por quanto tempo fiquei olhando para o nada e pensando
besteira?
Me sinto um idiota agora!
É que algo assim é...
— Passarinho!
Sou atraído para ele por uma mão que segurou minha nuca e me puxou
para trás. A última coisa que esperava naquele momento era ser beijado com
tamanha intensidade. Seu beijo foi tão duro, a forma como sua língua me
invadiu como se quisesse foder a minha boca... foi louco! Era quase
punitivo.
O que eu tinha feito para merecer aquilo?
Stephanos era sempre falador, gostava de me deixar exposto e corado,
estranhamente dessa vez ele se manteve em silêncio quando fui parar em seu
colo, beijando e sendo beijado. Tocando e sendo tocado. Afastando seu terno
chique ao mesmo tempo que ele arrancava o botão da minha calça cara.
Por que estamos assim?
De onde vem esse desespero?
Por que parecemos dois loucos um pelo outro?
O carro continuava em movimento pelas ruas movimentadas de Nova
Iorque, os vidros escuros impediam que alguém nos visse do lado de fora. O
mesmo não podia ser dito de Atlas que dirigia o carro em silêncio. Eu sequer
pude olhar em sua direção enquanto estava enganchado no colo de
Stephanos, tendo minha língua chupada por ele e seus dedos grossos
invadindo a minha cueca.
Desconfio que nem estava pensando direito para deixar as coisas irem
tão longe, e se pudesse ser mais racional duvido que mudasse alguma coisa.
O simples fato de ter aquelas mãos em mim, com um desejo desesperado que
espelhava o meu, isso era o suficiente para me fazer aceitar tudo que o
mafioso me dava, e se possível implorar por mais.
— Hum! — Saliva escorria pelo meu queixo quando sua boca
finalmente se afastou da minha. Me sentia tonto, aéreo, já não era dono dos
meus sentidos e ações. Era tudo tão instintivo a forma como eu precisava
dele.
Como queria ser tocado por ele.
— Aí — Alguns sons estranhos deixaram a minha boca, o barulho de
tecido rasgando foi captado por mim ao mesmo tempo que sentia a pele
arder por causa do puxão. Minha calça foi abaixada, já a cueca ficou em
farrapos.
Engoli em seco, erguendo as mãos para tentar evitar que a cabeça se
chocasse com o teto de metal, suas mãos grandes se encheram com as
minhas nádegas nuas, as apertaram e beliscaram até que eu reclamei. Depois
com a força de seus braços o mafioso me empurrou para cima, precisei
curvar um pouco as costas para conseguir ficar na posição que ele queria.
Era estranho, incômodo, apertado, e tudo isso ficou em segundo plano
quando seu hálito quente encontrou a cabecinha sensível do meu pau.
Isso estava mesmo acontecendo?
Olhei para baixo sem poder acreditar que o mafioso estava encarando
meu pau com tanto desejo. Fiquei hipnotizado com a cena, desejando que se
aproximasse um pouco mais, bastava só um pouquinho e então...
— Ah! Isso! — Uma respiração pesada deixou meus lábios seguida por
uma série de gemidos que não puderam ser contidos. Ele estava mesmo me
chupando.
Me levou dentro de sua boca quente, testou o gosto, sugou a cabecinha,
passou a língua pelas veias salientes e nem mesmo o roçar dos dentes foi
capaz de baixar minha ereção. Eu estava em completo êxtase, poderia gozar
a qualquer momento. O conhecimento de que aquele homem estava com
meu pau em sua boca e mantinha uma expressão tão cheia de puro prazer
cru, era tudo que eu precisava para gozar como um louco, e teria feito isso se
o abrir e fechar da porta do carro não tivesse chamado a nossa atenção.
Tínhamos parado na garagem do prédio comercial onde o helicóptero
de Stephanos estava nos esperando?
Minha mente estava tão confusa.
Até minha visão desfocava quando sua boca se afastou do meu pau e
fui colocado de volta em seu colo.
— Stephanos? — sussurrei confuso, e tive como resposta uma boca
colando na minha. Abri para sentir meu gosto em sua língua. — Hum! —
gemi necessitado de mais.
— Como um homem pode ser uma visão tão erótica? — Tal pergunta
saiu em um tom severo, como se fosse um xingamento.
— Estou tão duro! — foi minha resposta, o que o fez xingar alto e abrir
a própria calça. Apressado, desleixado, o homem levou mais tempo do que
eu gostaria para colocar para fora aquele mastro longo.
O prince albert brilhou na ponta babada, eu amava a sensação daquela
coisinha fria dentro de mim, fosse na minha boca ou socado no meu rabo.
— Você quer isso, não é? — provocou, segurando a base e socando
duas vezes, para baixo e para cima, deixando a cabecinha à mostra.
— Sim! — respondi sem fôlego, era tão fraco diante de suas
provocações.
Maldito corpo traidor!
— Vem pegar!
Eu fui, sem me importar se estávamos em um lugar tão apertado, se
Atlas tinha visto seu patrão chupar o meu pau ou se tinha diversos soldados
nos esperando do lado de fora do carro. Deixei todas essas preocupações de
lado e fui em busca do que era meu. Abri meu cu com meu próprio pré-
sêmen e ao me dar por satisfeito me sentei em sua vara.
— Mexa essa bunda gostosa, você tem que fazer isso se me quer dentro
de você, Perseu.
Queria chorar de frustração com essa maldita voz sussurrada em meu
ouvido, ainda assim fiz o que ele pediu. Movi a bunda de um lado para o
outro me acostumando com o tamanho de seu pau. Dor e prazer, já tão
conhecidos, se fizeram presentes e isso me estimulou a ir mais além. Mover
mais rápido, sentar com mais força, apreciar o choque e o som da minha pele
de encontro as suas coxas grossas.
— Você é tão lascivo, o que vai fazer agora que meus soldados te viram
assim? Eles devem pensar que você seduziu o Igétis deles com esse cuzinho
provocador.
— Ah! — gritei ao ter um de seus dedos entrando em minha bunda, se
juntando ao pau monstro que já me partia ao meio. — Filho da puta!
Ele riu, o som rouco de encontro a pele do meu pescoço molhado de
suor.
— É isso que você quer, né? — desafiei, a respiração afoita. — Que
seus homens me vejam gritar porque você está me comendo tão gostoso?
O travar de seus dentes me disse que eu tinha atingido o ponto que
queria. Sorri triunfante, ao mesmo tempo que ergui uma mão até alcançar o
teto do carro e a outra segurou meu pau e começou a bombear com força.
Então o que eu esperava aconteceu e a parte inferior de seu corpo começou a
avançar sem piedade, subindo de encontro ao meu quadril, seu pau entrou
fundo, acertou todos os pontos precisos e me fez ver estrelas.
Foder no carro poderia facilmente se tornar um vício, independente de
quem pudesse ver ou do quanto fosse apertado.
— Goze em mim! — gritei, sentindo meu próprio gozo vindo e
manchando sua camisa elegante.
Stephanos grunhiu alto, e socou fundo em meu rabo gozando tão
profundamente que mais parecia que queria manter seu gozo dentro de mim,
evitando que escorresse para fora.
Depois disso o som de nossos corpos batendo foi substituído por nossas
respirações afoitas. Eu estava tão cansado e satisfeito na mesma proporção.
Poderia rir como um idiota naquele exato momento. Nem parece que saímos
de um evento onde me senti um peixe fora d’água.
Como esse homem tem um poder tão grande sobre mim?
Amor... Não pode ser, certo?
— Meu passarinho — sussurrou enquanto buscava pela minha boca
mais uma vez, e quando a encontrou eu deixei que me beijasse, esquecendo
qualquer pensamento que pudesse estragar aquele beijo, aquele corpo quente
dentro de mim, ao meu redor, me segurando.
Se eu te der tudo de mim, você vai continuar querendo me quebrar por
inteiro, Skiá?
CAPÍTULO 22

Antes de declarar abertamente guerra a Ícaro e seus aliados, eu tinha


que firmar bem as minhas armadilhas. Ter certeza de quem está do meu lado
e quem precisa ser eliminado. Estar à frente da Aderfia é estar preparado
para ser apunhalado pelas costas a qualquer momento, da mesma forma é
necessário se manter vivo para devolver a punhalada e dessa vez se certificar
que o traidor não continue respirando.
Enquanto Helena e Perseu se dividiam para organizar a minha festa de
aniversário, tratei dos detalhes mais obscuros da comemoração.
— É certo, esse sujeito continua trabalhando com Ícaro — disse Orfeu,
a pessoa que estava verificando de perto todos os passos de Ícaro e seus
homens. Ele parecia alheio a informação que tinha me trazido, certamente
era uma fachada, afinal, seu Igétis tinha pedido informações especificas
sobre soldado que sequer estava entre os homens de confiança de Ícaro.
— Parece que ele não teve muito hesito crescendo na máfia —
resmungo, observando a foto em meu tablet.
Meu alvo era um homem branco de meia idade, ele tinha um nariz
grande que era a única coisa que se destacava em sua aparência tão comum.
Fora isso os olhos eram como uma janela para a alma, facilmente vi malícia
nos olhos claros. Eu nem precisava estar frente a frente com o policial
corrupto para saber que tipo de homem ele era.
Edmundo Clifford, a última ponta solta em meu caminho.
— Ele está trabalhando sob as ordens do comissário de polícia, que foi
comprado pela Aderfia, é o mais alto que chegou. Depois da morte de seu
parceiro, Jacob Vitale, ele se tornou mais instável e sua ligação com Ícaro se
tornou cada vez mais aparente, ao que tudo indica o homem é...
— Um grande idiota — termino a frase. Alguém assim tem mais ego do
que conquistas. Certamente pensa que babando os ovos do chefe vai subir
dentro da máfia, não poderia estar mais enganado.
— Precisa que meus homens investiguem mais alguém, Igétis?
Nego.
— Mantenham os olhos abertos em Ícaro e seus homens, isso basta por
hora.
Ele assente antes de questionar:
— Hades?
Levo um longo minuto antes de responder:
— Ele não será um problema... Ouvi dizer que está pronto para ser o
apoio de Ícaro nesta guerra.
Um largo sorriso se espalha pelo rosto de Orfeu, tal como está no meu
próprio rosto.
Antes que possamos dizer mais alguma coisa, Perseu entra no
escritório. Meu passarinho está passando tempo demais com Helena, isso se
nota pela forma como bate na porta uma vez e sequer espera por permissão
antes de entrar e caminhar em minha direção. Tal ato me irrita sempre que
parte da minha irmã, mas quando é esse passarinho desbocado... Sim, sou
mole quando se trata dele.
— Eu vou beber alguma coisa antes de ir — comenta Orfeu se
levantando e mal consegue esconder o sorriso zombeteiro quando deixa o
escritório.
— Assim você me deixa em maus lençóis, Pouláki. — Era para
repreendê-lo, mas duvido que tenha tido esse efeito quando estava de braços
abertos em um convite para que ele viesse até mim.
Perseu se sentou em meu colo, uma perna de cada lado, as mãos vindo
de encontro ao meu peito. Girei a cadeira onde estava sentado e paramos de
frente para as grandes janelas do meu escritório na The Hell. Era possível ver
as luzes da cidade brilhando abaixo de nós, elas entravam pelas janelas e
davam a Perseu, em meu colo, a aparência de um deus grego. Seus olhos
ficavam quase da cor de ouro, os cachos emoldurando o rosto de traços
fortes e bonitos, os lábios grossos e beijáveis.
O que era aquilo que oprimia meu peito?
Medo?
Desde quando eu conheço esse sentimento?
— Skiá? — questionou, estranhando o meu silêncio.
Levei mais um tempo hipnotizado pelos olhos dourados.
Pela primeira vez na vida eu tinha algo precioso, alguém que queria
desesperadamente manter. Não se tratava mais de prender a mim, eliminar
suas escolhas. Eu queria continuar sendo tocado daquela forma, olhado por
aqueles olhos quentes, beijado por aquela boca doce, desejava poder ouvir
mais de sua voz carregada de sentimentos.
Sei que não mereço, mas o quero para mim.
Somos a peça quebrada que faltava um no outro. Ela não encaixa
perfeitamente, não completa porra nenhuma, ela “tapa” um buraco que antes
sangrava de forma dolorosa.
— Meu passarinho — digo, atraindo seu rosto de encontro ao meu para
conseguir o beijo que tanto desejava.
Fique, deixe que esse Skiá continue sendo a sua gaiola.

— Eu tenho um presente para você — diz Helena entrando em meu


quarto, eu já estava atrasado para a maldita festa da qual sou o centro das
atenções.
Desvio os olhos da janela por onde observava o movimento de carros
na frente da mansão, aposto que a casa está cheia. Odeio a maioria desses
bastardos e agora tenho que os aturar em minha casa. Respire, é tudo por um
“bem” maior.
— Quem disse que quero um presente?
Essa “festa” não passa de uma desculpa para reunir todos os mafiosos e
associados da Aderfia em um lugar só. Chame de uma grande exibição
pública, um alerta, uma declaração.
— Deixe para dizer isso quando ver o seu presente... — cantarola,
muito satisfeita consigo mesma.
Minha irmã estava linda e vestida para “matar”, Helena ama um vestido
vermelho e sempre completo o look com um batom da mesma cor. Até seus
saltos ela está usando esta noite, depois de quase dois meses de recuperação
após ter os pés queimados. Penso que ainda seja desconfortável os usar,
apesar de ela se mostrar irredutível, quando põe algo na cabeça nem mesmo
Lupi consegue dissuadi-la.
— O que está aprontando?
Ela ri, se dirigindo a porta do quarto.
— Pergunte ao Perseu mais tarde.
Agora sim estou curioso.
— Vamos, seus convidados te esperam, Igétis.
— Pouláki...
— Ele está no salão de recepção, vamos antes que aqueles lobos
devorem seu passarinho.
Ofereço um braço, que ela rapidamente aceita e descemos juntos as
escadarias que dão acesso direto ao andar térreo. Nossos “convidados” já se
encontravam a espera. Apesar de odiar esse tipo de situação, ninguém pode
dizer que eu sou um péssimo anfitrião, consigo sorrir com facilidade e
roubar toda a atenção dos presentes logo que chego ao local. É quase
irritante a forma como se amontoam em volta.
— Você ganhou alguns presentes generosos o suficiente para que
entendamos como declarações abertas de seus convidados — sussurrou
Helena para que apenas eu possa ouvir.
— Como estamos? — questiono, caminhando por entre as pessoas
reunidas.
A festa aconteceria principalmente no salão de visitas. Os móveis foram
retirados para abrir espaço, garçons circulam com bebidas. A um primeiro
olhar parece uma festa elegante, mas basta uma análise mais cuidadosa e é
possível observar as salas laterais com um clima bem menos sofisticado.
Alguns dos meus associados nem ao menos tentam esconder o quanto estão
se divertindo com as drogas oferecidas na sala a esquerda. Enquanto outros
demonstrar estar bem alegrinhos comas prostitutas que foram chamadas para
“distrai-los”.
Quero que todos se divirtam antes que chegue a minha vez.
— Três de nossos associados estão relutantes, aquelas cobras querem
ver em quem devem depositar seu apoio. O senador Rodrigues mandou um
presente, no entanto, nossos homens interceptaram mensagens entre seu
gabinete e Ícaro. Hades não apareceu.
— Hum... tudo caminhando como o esperado. Ícaro já chegou?
— Dez minutos atrás. Então começou a circular pelo salão como se
fosse o dono do lugar.
Abro um sorriso divertido, excitado.
“Ah, as coisas estão começando a ficar interessantes.”
— Vou até Perseu, garanta que tudo esteja pronto para a atração da
festa.
Helena retribui minhas palavras com seu sorriso sádico e um aceno de
cabeça.
— Como desejar, Igétis.
A vejo saindo por entre as pessoas e passo a caminhar em busca do meu
passarinho. Devo mantê-lo ao alcance do meu braço enquanto estivermos em
um ninho de cobras.
O encontrei encostado em uma parede, tentando parecer invisível.
Como se isso fosse possível. Não quando ele é a própria encarnação do
pecado tão bem-vestido como está. Muito menos quando as fofocas se
espalharam o suficiente para cada pessoa nessa festa saber que Perseu é meu
amante.
Seu ponto fraco, foram as palavras de Afonso.
Eu teria rido disso meses atrás, agora sinto as mãos suadas se ele passa
muito tempo longe dos meus olhos.
— O que está fazendo aqui, Pouláki? — questiono, prendendo-o junto
a parede onde está encostado. Posso sentir os olhares em volta cravarem em
minhas costas, os ignoro diante do olhar ansioso do meu passarinho. Ele toca
meu braço de força inconsciente, é muito orgulhoso para dizer que necessita
da minha presença.
— Por que eu tenho que ficar aqui?
— Acostume-se.
Engancho seu braço no meu, tirando-o do canto da sala e o
transformando no segundo protagonista da noite. Perseu não nasceu para
ficar de lado, escondido. Começamos a andar juntos por entre os convidados,
paro para falar com alguns e aproveito a oportunidade para introduzir Perseu
de uma forma “muito sutil”, para que saibam exatamente como se dirigir a
ele, eu estando ao seu lado ou não.
Estava dizendo: “Esse homem é importante para mim, quem esquecer
dessas palavras vai pagar com a maldita vida.”
— Estou dizendo, nós temos total controle das rotas marítimas em...
A conversa foi interrompida no momento em que os homens em volta
da “rodinha” perceberam minha aproximação. Seus rostos rapidamente
assumindo uma expressão que variava entre desconforto e medo diante do
olhar afiado que lhes dei. Ícaro Kokkimos foi o último a me encarar, o
sorrindo em seu rosto morrendo aos poucos enquanto ele tentava esconder o
desagrado que sentia ao me ver.
— Stephanos! — falou, exibindo uma falsa alegria. — Deixe-me te dar
os parabéns.
Aceitei seu aperto de mão, vendo-o direcionar um olhar desgostoso
para Perseu, que permanecia ao meu lado. Sei muito bem os comentários que
ele deixou escapar desde que soube do meu amante homem.
Ícaro tinha quase a minha idade, apesar de parecer bem mais jovem por
conta da expressão sempre “divertida”, e da escolha duvidosa de roupas.
Esse homem jamais soube o que era classe, aposta no exagero como se isso
pudesse provar alguma coisa. O relógio enorme em seu pulso fala
exatamente disso, os diamantes podem ser vistos de longe, e o homem faz
questão de ficar falando enquanto gesticula de forma exagerada com a mão.
— Fico feliz que tenha vindo, contava com a sua presença — digo, um
sorriso predador se espalhando pelo meu rosto.
Ele teria dado um passo para trás pelo desconforto se a expressão de
desagrado não tivesse se aprofundando em seu rosto quando passei um braço
por cima do ombro de Perseu, evitando que ele continuasse se escondendo
atrás de mim. Tinha notado seus passos para trás e o impedi de fugir, Ícaro
encarou isso com nojo refletindo por todos os lados.
— Você vai mesmo se prestar a esse papel, Stephanos? — Minha
demonstração pública foi demais para um merda como aquele. — Ninguém
está dizendo para você deixar de fazer o que quiser, é apenas uma questão de
entender o lugar para tais “atos”.
Vejam só, um rato que está se sentindo tão confiante que tem coragem
de despejar merda no seu mestre e senhor.
Ele deveria ter aprendido seu lugar quando Constantin sumiu sem
deixar rastros, mas claro que o ego gigantesco desse homem não permitiu tal
coisa.
— Seja mais claro, Ícaro, deixe-me saber o que te desagrada tanto! —
instiguei, apertando o ombro de Perseu com mais força.
O sujeito diante de mim inflou o peito como se eu estivesse dando-lhe
total liberdade para falar merda.
— Esse não é o lugar para uma bicha — deixou escapar.
Até os homens em volta se encolheram diante do sorriso sanguinário
que dei nesse momento.
— Você está mesmo chamando seu Igétis de bicha?
Com os olhos amplos, ele deu um passo para trás, logo se recompondo
de queixo erguido.
— Não me referia a você — disse, apontando para Perseu, que estava
tenso ao meu lado. Tratei de acariciar sua nuca quando voltei meus olhos
para Ícaro, dizendo:
— Se o meu passarinho é uma bicha porque dá o rabo, eu que como
esse rabo sou tão bicha quanto.
Olhares cheios de desconforto foram sendo afastados de mim, Ícaro até
tentou, mas foi impossível esconder o ódio brilhando em seus olhos. Pobre
tolo, sua queda vai ser saborosa.
— Lamento pelo que disse, Igétis.
Assinto, não dando muita importância, isso iria ferir ainda mais seu ego
frágil.
— Então senhores sobre o que estavam conversando antes da minha
chegada?
Tão rápido quanto Kokkimos era o centro das atenções, eu roubei seus
cinco minutos de fama. Com o canto do olho percebi quando se afastou com
uma expressão dura e cheia de raiva. Estava cada vez mais ansioso pelo
ápice da festa. Quanto a Perseu, ele relaxou ao meu lado, um sorriso discreto
no canto dos lábios. Eu deslizei minha mão pelas suas costas e a alojei em
seu quadril, foi ali que permaneceu por um longo tempo.
Deixei que todos os meus convidados se divertissem com o que
tínhamos a oferecer, apenas quando era tarde o suficiente para que alguns
começassem a demonstrar vontade de partir foi que a atração da festa foi
anunciada. O palco estava preparado, os funcionários da casa começaram a
conduzir os convidados para a parte de trás da propriedade. Um amplo
espaço iluminado havia sido montado próximo a entrada do bosque que se
estende por quilômetros a partir da mansão Paraskevas.
— O que está acontecendo? — questionou Perseu, que seguia junto
comigo, seu braço preso ao meu. Caminhamos até a única cadeira presente
no local antes que eu respondesse:
— É apenas um esporte divertido, Pouláki.
Duas fileiras de soldados estavam franqueando a cadeira acolchoada
que mais lembrava um trono. Foi nela que me sentei, puxando Perseu para o
meu colo.
— Aprecie o show, passarinho — sussurrei no seu ouvido, sentindo seu
corpo tenso por estarmos em tal posição quando dezenas de convidados
tinham os olhos em nós dois.
Uma série de suspiros chocados deixou os lábios dos presentes quando
Helena abriu passagem na multidão, praticamente arrastando um corpo meio
morto. Pelas feridas abertas no torço e pernas, eu bem sabia que minha irmã
tomou seu tempo com Constantin.
— Meus caros amigos, vamos aproveitar esta noite para julgar um
traidor!
Foi o que disse, ao mesmo tempo que o corpo de Constantin caía de
joelhos aos meus pés. Ergui os olhos e encarei a expressão de Ícaro.
Sim, meu caro, isso é uma declaração de guerra. E espero que esteja
pronto para perder sua cabeça.
CAPÍTULO 23

Eu estava sentado no colo de Stephanos, o desgraçado mais parecia o


rei em seu trono, enquanto julgava o traidor. Constantin nem de longe
lembrava o homem que nos sequestrou e torturou Helena. Mais magro,
coberto de feridas e sangue seco, o sujeito estava à beira da morte e seus
olhos refletiam esse conhecimento.
Ele estava de joelhos na frente do seu Igétis, sem emitir uma só palavra
até que seus olhos pousaram na figura de Ícaro Kokkimos, o sujeitinho
asqueroso a quem Constantin servia.
— Chefe! — pronunciou através dos lábios secos.
Com as mãos em punhos e os lábios apertados, Ícaro desviou o olhar
como se não conhecesse o homem implorando por sua ajuda. Se possível, tal
gesto fez com que o sorriso de Stephanos aumentasse.
— Constantin Moslataki atentou contra o seu Igétis, sequestrou minha
irmã em um claro sinal de traição. Cabe dizer que todos aqueles que o
ajudaram estão mortos, ele é o “último” que ainda respira.
Com um gesto de mão Stephanos disse para que as correntes nos
calcanhares e pulsos de Constantin fossem retiradas. Ao mesmo tempo que
isso acontecia vários funcionários uniformizados começaram a trazer
cadeiras e as colocar em fileiras atrás do “trono” de Stephanos. Entendendo
o que seu Igétis desejava sem que ele precisasse dizer, os convidados ali
reunidos, com os olhos amplos de medo, se sentaram. Satisfeito o mafioso
continuou falando:
— Hoje eu lhes trago Constantin como um exemplo para que vocês
possam dormir tranquilos em suas casas, nenhuma traição passará!
Helena empurrou o mafioso ferido em direção a entrada do bosque,
alguns soldados ali reunidos também deram um passo à frente, em suas mãos
estavam diversos tipos de armas desde revolveres até facas longas como a
que a própria Helena carregava.
— Ele é de vocês, um presente meu — foram as palavras de Stephanos
antes que Constantin começasse a correr por entre as árvores. — Sejam
cuidadosos e lhe deem uma morte lenta.
Helena foi a primeira a começar com a caça, os outros soldados a
seguiram.
Stephanos se colocou de pé, segurou minha mão e se voltou para os
convidados que permaneciam ali sentados, sem conseguir encarar seu líder.
Ao redor deles estavam mais soldados de Paraskevas, como se para impedir
que eles saíssem antes do final da caçada.
— Apreciem o show, espero que dos seus lugares seja possível ouvir os
gritos.
Sem se importar com o que tinham para dizer, o mafioso me levou
consigo por entre as árvores. Lutei para acompanhar seus passos no terreno
irregular e cheio de raízes, tendo a lua cheia como única fonte de luz quanto
mais entravámos no bosque.
— Temos mesmo que nos unir a caçada? — questionei irritado. —
Helena e os outros vão acabar com isso logo.
— Eu tenho uma presa especial em mente.
— O quê? Ah!... — As palavras foram cortadas de forma abrupta
quando minhas costas bateram de encontro a uma árvore.
— Estou mais interessando no presente que Helena disse que você tem
para mim.
Estava parcialmente escuro, frio, a situação era desagradável e mesmo
assim as minhas bochechas coraram por lembrar do que Helena me
convenceu a fazer. Sério, jamais pensei que faria algo tão vergonhoso em
minha vida. Seria mais fácil fingir que aquilo nunca aconteceu e tentar
desconversar, isso se os olhos afiados do mafioso não estivessem cravados
em mim.
— Você pode me mostrar agora? — perguntou, seu corpo pressionando
o meu de encontro a árvore.
Xinguei baixo, enquanto erguia a cabeça para os céus e respirava fundo.
O simples ato de contorcer meu corpo em meio aquela posição
desconfortável estava tornando tudo ainda pior, tive que segurar um gemido
que quis escapar por entre meus lábios.
— Não aqui — respondo, desviando os olhos.
Sua barba roçou a pele do meu queixo e fez cócegas no local, as mãos
descendo pelas laterais do meu corpo me deixaram distraído ao ponto em
que saltei de susto e um alto gemido escapou quando as mãos grandes se
encheram com as minhas nádegas, apertando-as firme e em consequência
empurrando mais fundo o plug dentro de mim.
— Hum... — Ele repetiu o ato só para me ver tendo a mesma reação,
me contorcendo e gemendo ainda mais alto. Era inútil tentar empurrar longe
a grande parede de músculos. — O que você fez, passarinho? — soprou o
hálito quente em meu ouvido.
— Por favor... — Estava com tanta vergonha, como foi que acabei
fazendo isso?
— Deixe-me ver.
Lutar contra isso só me faria sentir ainda mais vergonha, dessa forma
consegui o afastar o suficiente para abrir o zíper da calça e baixá-la. O tempo
todo seus olhos estavam atentos aos meus gestos. Então antes de perder a
coragem me virei de costas e me curvei o suficiente para que ele pudesse ver
o que tanto me afligia.
Um longo minuto se passou enquanto eu estava ali com a bunda para
frente mostrando o plug com uma pedra vermelha ridícula na ponta. Helena
me convenceu de que isso seria um ótimo presente para Paraskevas, o
desgraçado tem tudo que o dinheiro pode comprar, eu não poderia concorrer
com isso. Então sua ideia me pareceu boa de início, ainda mais porque só
conseguia pensar no Prince Albert na ponta de seu pau. Eu gosto daquela
coisa, ele certamente gostaria do plug.
Onde eu estava com a cabeça quando pensei isso?
Com sua demora em falar qualquer coisa que fosse, eu estava pronto
para puxar minha calça para cima, contudo, fui impedido por uma mão
grande no meio das minhas costas, me curvando ainda mais enquanto a outra
mão apertava uma nádega, abrindo-a, me expondo como se já não fosse o
suficiente.
— Esse é o meu presente?
De costas para ele era difícil dizer o que causou a voz rouca. Foi
excitação? Eu esperava que sim.
— Esqueça se parece idiota! — resmungo e novamente sou impedido
de me erguer.
— Me atormenta... — resmungou, dessa vez eu tive que olhar por cima
dos ombros.
Encontrei uma expressão atormentada em seu rosto que focava meu
rabo sem ao menos piscar.
— O quê?
— Estava pensando no quanto ele ficou bonito isso, socado no seu cu.
Pensei que seria uma pena tirá-lo, mesmo que queira tanto enfiar meu pau
em você e te foder aqui.
Engoli em seco, meu pau dando um pinote animado.
— Mas sabe de uma coisa, eu sempre posso te encher de porra e depois
colocar o plug de volta. Vai ser lindo te ver andando por aí e saber que está
marcado por mim.
— Louco — resmungo sem muito calor, não queria que soubesse o
quanto suas palavras me afetavam, o quanto queria tudo aquilo que estava
me prometendo. — Faça!
Seus olhos alcançaram os meus quando eu disse essa simples
palavrinha, estava tão louco quanto ele. Stephanos abriu um largo sorriso
pervertido e sacou o plug de dentro de mim sem qualquer aviso prévio.
Gritei, o ar deixando meus pulmões meu pau tão sensível que se encostasse
nele seria capaz de gozar em seguida.
— Você estava com ele socado nesse cuzinho apertado a noite toda?
Assenti, as bochechas queimando de vergonha, a boca seca quando
senti a ponta de seu pau encostando na porta do meu cu, o piercing frio era
um contraste excitante com o calor de seu mastro.
— Espero que tenha gostado da experiência, Pouláki, porque eu
pretendo te fazer andar por aí com essa belezinha no rabo o tempo todo. Já
imaginou?
— Ah! — grito com a estocada dura que tem seu pau me invadindo de
uma única vez. Por sorte eu estava bem lubrificado e esticado por causa do
plug. Isso não impediu que uma pontada de dor se estendesse pelas minhas
costas. Seu pau era um verdadeiro monstro cheio de veias.
— Imagine só que eu posso tirá-lo de você e socar meu mastro de uma
vez, sem medo de te quebrar ao meio. Depois é só colocar de volta e você
vai estar levando minha porra dentro de você para todos os lados. Vai ser tão
lindo, passarinho.
O tom sonhador em sua voz enquanto uma mão apertava meu pescoço e
a outra segurava minha cintura para que pudesse meter com força, mostrava
o quanto o homem era insano. E devo dizer que estou indo pelo mesmo
caminho, pois conseguia imaginar o que ele dizia, e meu pau depravado
ficava ainda mais duro com isso.
É tudo culpa de Stephanos, ele fez isso comigo. Me quebrou para todos
os outros homens, me deixou no formato perfeito apenas para ele.
Esse desgraçado tem que assumir a responsabilidade daqui em diante.
Eu não vou deixá-lo escapar!
— Isso, assim... bem aí, me come com força!
Meus gritos se misturaram com gritos de medo e dor, seguidos pelo
som de risos e tiros. Constantin tinha sido encontrado, e enquanto o homem
gritava a beira da morte eu estava agarrado com meu pau, bombeando com
força e gozando gostoso. Ao mesmo tempo era fodido com selvageria pelo
mafioso que queria me marcar como dele de todas as formas.
Se havia uma parte minha que não tivesse se perdido nas sombras que
compõem Stephanos Paraskevas, essa parte acabou de ser encontrada por
seu predador e se rendeu com satisfação. Recebendo o gozo dele dentro de
mim, e amando quando o plug foi colocado de volta.
— O que você fez comigo? — perguntei chocado com minhas próprias
reações.
Ele me beijou com uma delicadeza que contrariava a forma como me
comeu com intensidade contra aquela árvore, então respondeu:
— Eu te fodi gostoso, você adorou cada segundo disso e vai pedir mais
porra quando voltar para o seu quarto.
Queria negar, xingar, mandá-lo a merda como tinha feito no passado.
Mas a quem iria enganar? Foi exatamente o que fiz.
CAPÍTULO 24

Era sempre desconfortável ter que me encontrar com o meu contato,


fazíamos esses encontros em raras ocasiões em que eu precisava passar os
relatórios sobre o que tinha conseguido reunir sobre a Aderfia. Fazíamos
isso para evitar que meu disfarce fosse descoberto, em muito tempo eu tinha
sido a pessoa que conseguiu chegar mais longe dentro da cúpula da máfia.
Mesmo que tivesse demora anos para conseguir tal feito.
— Você precisa abandonar seu disfarce.
As palavras do agente foram como um soco em meu estômago.
Estávamos em uma igreja nos subúrbios, eu queria entrar e sair o mais
rápido possível. Com o passar dos anos odiava cada vez mais ter que fazer
aquilo, passar informações que me foram confiadas por ela.
— Mas...
— Deveríamos ter recuado quando aquele policial chegou tão perto,
mas depois da ação em conjunto com o FBI e o fato de ele ter sido dado
como morto facilitou as coisas. Seu disfarce estava seguro, as chances de
que ele descobrisse sobre você diminuíram. Contudo, as coisas voltaram a se
complicar com essa guerra iminente dentro da máfia, a agência não quer
arriscar e prefere que você se retire. Vamos fazer em poucas semanas.
— Isso é um erro, eu posso continuar onde estou. Não existem risco
para o meu disfarce!
— A decisão não é sua. Esteja preparada e cuidamos do resto,
Guadalupe Sanchez deve morrer.
Para quem entrou naquela igreja querendo ir embora o mais rápido
possível, eu estava presa aquele banco de madeira bem depois que o meu
contato foi embora. Me sentia devastada como não havia ficado mesmo no
dia em que Guadalupe Sanchez nasceu com o único propósito de seduzir
Helena Paraskevas e entrar na Aderfia.
O que eu devo fazer quando o que começou como uma mentira tem que
acabar em uma mentira?

— Meus pés doem... Você ouviu, Petaloúda?


— Sim?
Sua expressão bicuda é a primeira coisa que vejo quando olho para
cima. Estava deitada em nossa cama com um livro no colo. Desconfio que
passei vários minutos encarando a mesma página sem ler uma palavra
sequer.
— O que houve? Você tem estado com esse olhar distante desde que
voltou para casa.
Desvio os olhos dos seus, forçando um sorriso. Ela me conhece bem,
conhece meu interior, meus gostos, meus medos. Conhece a minha alma
mesmo que não saiba o meu nome de verdade.
— Só estou preocupada com essa situação toda.
— Confie na sua namorada, essa não é a primeira vez que temos um
traidor dentro da máfia. — Engulo em seco diante de suas palavras. —
Vamos fazer o que fazemos de melhor, acabar com sua maldita vida.
Forço um outro sorriso quando ela bica um selinho em meus lábios.
Fecho os olhos diante desse gesto, adorando a maciez de seus lábios e o
cheiro gostoso que vem dos seus cabelos.
“Quando foi que eu comecei a amar você, linda?”
O questionamento vem a minha mente enquanto a observo vestir seu
pijama, curto demais para deixar pouco para a imaginação. Adoro a forma
como suas pernas longas ficam à mostra e os seios redondos preenchem a
blusa fina. Helena sempre foi uma mulher deslumbrante. Quando a vi pela
primeira vez pensei que as fotos não faziam jus a pessoa, cheguei a duvidar
de que poderia chamar sua atenção.
Mas então eu comecei a ver um outro lado dessa mulher cuja mera
presença é esmagadora.
Minha linda namorada consegue ser uma mulher fatal, em todos os
sentidos da palavra, diante de todos. Ao mesmo tempo que é uma gatinha
manhosa e resmungona quando se trata de mim.
Sempre me sinto a rabugenta entre nós duas, o que não é uma coisa
necessariamente ruim. Sou possessiva o suficiente para adorar o fato de que
Helena mostra seu lado amável e sensível apenas para mim. De alguma
forma consegui romper as barreiras dessa mulher incrível e cheguei ao seu
coração. Assim como ela chegou ao meu.
— Se continuar me olhando assim vou pensar que você quer um beijo
— provoca, caminhando de voltar até mim.
Sorrio com isso, aceitando que ela suba em meu colo e beijei meus
lábios. Só de ter mais um gosto da sua boca, pode tocar seus cabelos macios,
ouvir seus gemidos e sentir o corpo quente roçando no meu... Ah, me sentia
indo do céu ao inferno. Eu tinha tudo naquele exato momento, e nada era de
fato meu.
— Eu cometi muitos erros nessa vida, mas você não foi um deles —
sussurro com meus lábios ainda nos seus.
Ela ri.
— Como devo tomar isso?
Seus olhos sempre foram tão bonitos?
Coloco uma mecha de seu cabelo castanho atrás da orelha antes de
responder:
— Em meio a uma vida cheia de erros você é o meu melhor acerto,
linda. Nunca se esqueça disso.
Um olhar de desconfiança cruza seus belos olhos verdes, isso é tudo
que quero evitar no momento. Então a beijo mais uma vez, com a
intensidade e a iniciativa que sei que ela ama. Meu amor se derrete em meus
braços me incitando a ter um pouco mais.
Mais um gosto
Prove mais uma vez
Tenha um pouco mais
Mais, mais, mais...
Guarde como recordação.
Esse último pensamento me devasta, eu a beijo com intensidade.
Como poderei dizer adeus?
— Eu te amo — deixo escapar quando ela está esparrama em nossa
cama, com os cabelos em volta do rosto bonito e um sorriso deslumbrante
nos lábios vermelhinhos que acabei de beijar.
— Você está toda apaixonada hoje, Petaloúda.
Fecho os olhos por alguns segundos quando sua mão toca meu rosto,
mas não espero que continue falando, tenho que mantê-la distraída para
poder guardar essa última linda recordação ao invés de passarmos a noite em
meio a mentiras e meias explicações da minha parte.
— Lupi... — Interrompo suas palavras com mais um beijo, e assim vou
beijando-a por inteiro.
Amo o sabor de sua pele, o calor que quase derrete a minha boca
quando tiro sua blusa e abocanho seus seios redondos. Ela é tão bonita que
as vezes é difícil de acreditar. Adoro seu cheiro, cada mínimo detalhe sobre
ela. E em especial sou viciada em seus gemidos, dos mais tímidos, quando
estou mamando seus peitos, aos mais devassos quando estou comendo sua
boceta molhadinha.
Helena é perfeita para mim, infelizmente eu não sou perfeita para ela. E
quando minha mulher goza seu meu quentinho em minha língua eu o devoro
com gosto, enquanto engulo à vontade dolorosa de chorar.

Era um adeus tão quente e sedutor que se pudesse jamais sairia de seus
braços.
Ah, como eu queria ter esse poder.
Enquanto Helena dormia esparramada em nossa cama, seu corpo nu
contrastando lindamente com o branco dos lençóis e o castanho de seus
cabelos, eu me levantei e caminhei até próximo a janela. Estava escuro do
lado de fora, na tela do meu celular marcava uma da manhã. Abri o
aplicativo de mensagens e enviei uma mensagem curta para uma linha
segura.
Era a minha “resposta”, mesmo que não estivessem me dando escolhas.
“Quando devo ir?”
— Espero que um dia eu possa ser uma lembrança distante em seu
coração, linda, por mais que não seja digna disso.
CAPÍTULO 25

Após minha festa de aniversário e o “espetáculo que se se seguiu”,


todas as cartas estavam sobre a mesa, Ícaro parou de se esconder e começou
a se mover a plena luz do dia. Aqueles que viam nele uma oportunidade de
ascender não tardaram a mostrar apoio, em contrapartida fortaleci o meu
lado.
A tensão podia ser sentida no ar, o céu estava cheio de nuvens, escuro,
por quase uma semana não se podia ver o sol, no entanto, nem uma só gota
de água havia caído mesmo que pudesse sentir a mudança de tempo no ar.
Perseu disse que era a calmaria antes da tempestade. Me vi tendo que
concordar.
A armadilha estava no lugar certo, apenas esperando o rato que seria
pego nela, uma tempestade vindo logo após seria bom para limpar a trilha de
sangue.
— Você passou muito tempo conversando ao telefone com Zeus.
Desvio minha atenção da janela, estar no quarto de Perseu se tornou
algo corriqueiro. Sequer lembro de ter entrado no meu quarto nos últimos
dias, até roupas minhas estão em seu closet. É aqui que ele está, seu cheiro
se espalha nesse ambiente, por que eu voltaria para aquele quarto escuro e
solitário?
— Ícaro está na cidade, se escondendo junto a um de seus apoiadores.
Os lábios do meu passarinho se contorceram, não gostava de ver o rosto
bonito cheio de angústia.
Caminhei até ele e acariciei suas bochechas, amassei seus lábios com a
ponta dos meus dedos e por fim os beijei.
— Tudo ficará bem, Pouláki.
— Como pode ter tanta confiança nisso? — retruca, esmurrando meu
peito. — Ele quer a sua cabeça, conseguiu aliados e a confiança necessária
para bater de frente com o Igétis da Aderfia! Pare de rir como um idiota e
leve a situação a sério, e se você acabar ferido ou morto?
Seguro suas mãos quando ele tenta me acertar com mais golpes duros
no peito. Seu olhar está mais escuro do que o normal, em compensação
quase não parece o olhar morto de quando nos conhecemos. Seus olhos estão
carregados de desespero porque se importa profundamente comigo... Talvez
até me ame.
“Espere só mais um pouco, Pouláki, eu vou acabar com tudo isso e
poderei te dar o que você me implora com esses olhos sedutores.”
— Se continuar assim pensarei que está preocupado comigo — brinco.
— Idiota!
O agarro pela cintura quando ele tenta se afastar, seguro apertado e
impeço que parta. Quero continuar segurando-o junto a mim.
— Ícaro não é o único querendo pôr um fim nessa merda toda, ele tem
aliados fortes e é disso que provem tanta confiança para vir atrás da cabeça
do seu Igétis. Mas não se preocupe, eu tenho motivos mais fortes para sair
vitorioso.
Finalmente o solto, deixando-o parado no meio do quarto enquanto
caminho até o closet. De fato, tem muita coisa minha espalhada pelo local,
isso me faz sorrir enquanto pego a caixa de madeira que vim buscar.
— Quero que esteja preparado para tudo. — Abro a caixa diante de
seus olhos, revelando uma arma que mandei fazer exclusivamente para meu
Pouláki. Era é linda, com o cabo de madeira onde pode-se ver um
passarinho entalhado.
Perseu pega a arma, examinando-a com cuidado. Parece admirado com
a quantidade de detalhes.
— Vou lutar ao seu lado?
Novamente acaricio seu rosto.
— Dessa vez não, quero que se mantenha seguro enquanto eu resolvo
essa situação. — Olho em direção a porta de vidro que dá acesso a varanda
do quarto, vejo que o sol está nascendo. Se tudo correr como o planejado,
antes que um novo dia amanheça, Ícaro e todos ao seu comando estarão
mortos. — No futuro espero que você esteja comigo a cada nova “luta”.
Perseu aperta a arma em suas mãos, reluta por alguns segundos e
finalmente assente. Solto o ar com força.
O quero longe dessa situação para que nosso passado em comum não
respingue para fora desse balde de merda. Agora falta pouco, quando todos
eles estiverem mortos o meu passarinho vai poder deixar para trás a sua
vingança e eu não terei mais preocupações com esse assunto.
— Seja bom, passarinho, estou confiando em você.

— Eu preciso que você fique com o Perseu! — repito com impaciência.


Helena anda um lado para o outro na sala de visitas. Atlas é a única
pessoa no local além de nós e o homem permanece parado próximo a uma
das janelas, um olhar atento aos jardins da frente. Todos sabemos o que está
prestes a acontecer, e justamente em um momento tão importante Helena
resolve perder o controle.
— Guadalupe não atende as minhas ligações, ela não está na casa e o
GPS do carro parou de funcionar. Tem quase cinco horas que a vi, eu sei que
aconteceu alguma coisa!
Entendia suas preocupações, mas aquele não era o momento.
— Igétis, eles passaram pelos portões.
Reviro os olhos diante das palavras de Atlas.
— Então Ícaro teve coragem de me atacar de frente... E os homens de
Hades?
— Se aproximam pelo bosque e pelo lago.
Assinto, voltando minha atenção para Helena, ela sequer tinha prestado
atenção em nossa conversa e continuava andando de um lado para o outro, o
celular na mão. Que hora maravilhosa para Lupi desaparecer, apenas aquela
mulher consegue desestabilizar minha irmã.
— Escute bem. — A agarro pelos ombros, forçando seu olhar para
cima. — Você deve ficar com Perseu até que Ícaro esteja acabado. Eu pedi
para que ele ficasse em seu quarto, mas nós sabemos que meu passarinho
não é do tipo que obedece cegamente.
— Eu preciso encontrar minha Petaloúda! — retrucou, tentando se
afastar das minhas mãos. — Tem algo de errado, eu sinto!
— Você precisa ouvir as ordens do seu Igétis! — sentenciei sem espaço
para negativas.
— E se fosse alguém que você ama? E se fosse Perseu quem
desapareceu, você ficaria ouvindo ordens de quem quer que fosse?
Travo o maxilar com força, odiando não ter palavras para retrucar. Nos
encaramos por longos segundos até que o som de carros parando na frente da
casa chamasse a nossa atenção.
— Senhor...
Levanto a mão silenciando Atlas.
— Perseu é a pessoa mais importante para mim nesse momento, então
faça o que estou pedindo. Cuide para que ele fique bem, e longe do que está
prestes a acontecer. Então eu juro que vou mover céus e terras se for preciso,
e vamos encontrar Guadalupe.
Ainda havia angústia em seus olhos, contudo, ela finalmente assentiu e
subiu as escadas em direção ao andar dos quartos. Com isso resolvido voltei
minha atenção para Atlas, ele acenou com a cabeça depois de olhar para a
tela de seu celular.
Está tudo pronto para colocar um ponto final nessa história.
Ao sair pela porta da frente com vinte dos meus homens me
flanqueando, encontrei Ícaro com uma expressão cheia de satisfação, com
ele estavam cerca de dez dos seus homens. Todos haviam chegado em três
carros diferentes e se prostraram diante da mansão. Você poderia pensar que
não passava de uma estupidez um ato como aquele, caso não soubesse dos
homens de Hades invadindo a propriedade por todos os lados.
Por falar em Hades, o mafioso foi o último a sair de um dos veículos.
Assim como me lembrava, Hades Megalos era o filho adotivo de Ares
Megalos, um dos velhos amigos do meu falecido pai. Era dez anos mais
jovem do que eu e se comparado a Ícaro poderia ser chamado de um homem
refinado e cheio de classe. O porte elegante, o queixo sempre erguido, os
olhos afiados, ele sabia impor sua presença sem a necessidade de um grande
espetáculo.
Olhando bem poderia entender as palavras que Zeus usou para o definir
alguns anos atrás: Misterioso como a noite, sexy como o inferno. Desde o
bico de seus sapatos caros, passando pelo longo corpo de pele negra até
chegar no rosto de traços simétricos, Hades era alguém que não passava
despercebido. Ainda mais se tratando de um leão no mundo dos negócios,
por mais obscuros que esses fossem.
— Não fui comunicado sobre a sua visita, Ícaro, e ainda trouxe nosso
amigo, Hades. Como devo encarar isso? — questiono com uma sobrancelha
erguida.
Os olhos cheios de ódio agora não precisam ser disfarçados.
Ícaro sempre teve mais ambição do que cérebro.
— Você é inteligente o suficiente para saber isso — retrucou com
impaciência, na mesma hora sacou sua arma e apontou em minha direção.
Em resposta os meus soldados apontaram suas armas para nossos
convidados, que retribuíram o gesto.
Estávamos em um impasse.
— Tem certeza do que está fazendo? — pergunto, descendo os degraus
da frente até parar próximo a ele. — E você, Hades? Já esqueceu quem te
colocou no cargo que você ocupa hoje?
— Foda-se! — grita Ícaro. — Isso não se trata mais de você, Stephanos,
você não serve para ser o Igétis. Jamais serviu.
Solto um riso de puro escárnio.
— E quem serve? Um verme como você?
— Vou te fazer se arrepender de todas as humilhações que me fez
passar.
— Recomendo que abaixe sua arma e entenda o lugar em que você está.
Com um gesto de mão dou o sinal para que mais dos meus homens
apareçam. Eles saem pela lateral da casa, todos armados e cercando o grupo
em menor número. Com isso sorrio ainda mais.
— Te daria os parabéns pela coragem de me encarar de frente quando
quer a minha cabeça em uma bandeja de prata, já estava ficando cansado de
ter você e seus homens atuando feito vermes, as escondidas. Mas no fundo é
apenas burrice mesmo. Tragam todos!
Meus homens assentem, rendendo os soldados de Ícaro e o próprio.
Com isso gesticulo para que me sigam e começo a caminhar por entre o
jardim lateral querendo chegar na parte de trás da propriedade. No caminho
passo embaixo da sacada do quarto de Perseu e o encontro me encarando
através da porta de vidro, pisco um olho em sua direção como um sinal de
que tudo acabaria em breve.
Finalmente chegamos à parte de trás, o palco para o ato final estava
montado.
— Parece que teremos outro julgamento, você está pronto para começar
a correr, Ícaro? — aponto para o busque.
Um largo sorriso perverso se espalha por seu rosto, escuto os farfalhar
das folhas antes de ver pelo menos trinta homens saindo do bosque e mais
dez se aproximando pelo lado oposto onde sabia ficar o lago. Estávamos
totalmente cercados, os homens de Ícaro tinham sorrisos semelhantes aos de
seu chefe, crentes na vitória. Apenas uma pessoa se mantinha neutra: Hades.
— Parece que você me subestimou, Igétis. — Riu. — Pensou mesmo
que eu arriscaria meu pescoço sem ter a certeza de que você seria o único a
perder a cabeça?
— Parece que você tinha tudo preparado — comento, sem dar grande
importância. Isso o irrita ainda mais, pois ele está certo de sua vitória e deve
desejar que eu me ajoelhe e implore pela minha vida.
Imbecil, não faria tal coisa mesmo que estivesse de frente para a morte
certa.
— Me diga, como se sente agora que percebeu onde seu orgulho te
levou? O que tem a dizer antes que eu meta uma bala na sua cabeça e suba
para fazer o mesmo com aquela bicha. — Apontou para a sacada do quarto
onde pouco antes meu passarinho estava, enquanto ria e seus homens o
acompanhavam. — Mas não antes de deixar meus homens se divertirem um
pouco. O que acham? Querem meter no mesmo buraco que Stephanos
Paraskevas meteu?
Com os punhos serrados não tive mais vontade de ver o verme se
arrastar pelo chão antes de sua morte. Queria brincar com ele, o humilhar
antes de colocar uma bala em seu maldito corpo, mas ao ouvi tais palavras
nojentas deixarem sua boca tudo que conseguia ver na minha frente era um
sujeitinho que precisava ter uma morte rápida para parar de falar merda.
— Eu penso que você não sabe qual é o seu lugar, no entanto, está
prestes a descobrir.
Minhas palavras foram seguidas por uma série de “cliques” de armas.
Ícaro deu um passo para trás, em completo estado de choque. Seus
olhos caçaram Hades e se ampliaram ao ver o mafioso se colocar ao meu
lado enquanto seus homens, que antes miravam a mim, agora tinham suas
armas apontadas para o traidor e seus homens.
— Você... — suas palavras foram cortadas por Atlas que chutou a parte
de trás de um dos seus joelhos, fazendo com que o homem caísse diante de
mim.
Estendi a mão para um dos soldados armados que prontamente me
entregou seu revólver.
— Deixe-me esclarecer as coisas caso não tenha ficado claro ainda.
Você é um rato miserável que decidiu morder a mão daquele que te colocou
onde você está. Constantin não foi o único tolo que tentou abocanhar mais
do que podia comer, eu sempre soube disso. Segui cada um dos seus passos
e deixei você continuar com essa merda porque era divertido te ver se
contorcendo por aí como se fosse grande coisa. Mas no fundo. — Aponto a
arma em direção a sua cabeça. — Você não passa de lixo facilmente
substituível.
Ele abriu a boca para dizer algo e foi a última coisa que fez antes que
uma bala atravessasse seu cérebro, praticamente explodindo sua cabeça.
Uma bagunça sangrenta caiu próximo aos meus pés, sujando a barra da
minha calça e meus sapatos. O desgraçado nem na morte consegue parar de
me causar problemas.
— Não. — Ergo uma mão quando os soldados estão prestes a
executarem os homens de Ícaro. Sinto a viscosidade do meu próprio sorriso
quando falo: — Eles têm muita familiaridade com a tráfico humano, e
estavam tão ansiosos para terem algo metido em seus buracos... ou algo
assim, então por que não atendemos a esse pedido?
Atlas dá um de seus raros sorrisos antes de assentir e começar a dar
ordens. Ignoro os pedidos e súplicas dos homens que estão sendo arrastados
para o seu destino, assim como ignoro o corpo aos meus pés, volto minha
atenção para Hades. Ele tem uma expressão de desgosto por fitar a barra de
sua calça que agora contém respingos de sangue e massa cerebral.
— É bom saber que você continua o homem sensato que eu coloquei
como um dos chefes dentro da Aderfia.
Estendo uma mão em sua direção, ele a aperta.
— Vou levar isso como um elogio.
Sorrio.
— Deixarei que Zeus transmita minha gratidão pela sua lealdade.
Ele assente novamente.
A essa altura Zeus já deve ter eliminado os demais associados a Ícaro,
assim como Orfeu está limpando o antigo território do mafioso morto.
Existem muitas coisas para fazer a seguir, devo estar à frente de tudo, mas
por hora tem algo que requer minha atenção...
O som de um tiro, seguido por outros disparos interrompe os meus
pensamentos. Encaro a mansão em minha frente como se não pudesse
compreender o que tinha acabado de ouvir.
— Igétis! — Foi a mão de Hades em meu ombro que me despertou e
me fez correr em direção a casa.
CAPÍTULO 26

Me sentia inquieto, odiava que Stephanos me deixasse de fora da


situação envolvendo Ícaro como se eu não pudesse ajudar. No mínimo posso
cuidar de mim mesmo. Ficar trancado no quarto com uma Helena silenciosa
e que não para de encarar seu celular é no mínimo enlouquecedor.
— Eu deveria... — não chego a concluir a frase quando um tiro é
disparado. Todo o meu corpo se arrepia, olho em direção a Helena que
finalmente tem deixado de lado a tela do celular.
— Fique aí! — Aponta para mim e se aproxima com cuidado da porta
de vidro, a expressão de alívio em seu rosto me faz suspirar. — Acabou.
Ao ouvir isso caminho apressado em direção a porta, precisava ver com
meus próprios olhos que Stephanos estava bem. Meu coração estava
acelerado no peito desde o momento em que ele saiu desse quarto me
deixando para trás.
Nunca mais vou permitir que ele me deixe para trás, bateremos de
frente, mas eu vou estar sempre ao seu lado. Preciso disso!
— Perseu! — a voz alarmada de Helena chegou aos meus ouvidos ao
mesmo tempo que dei um passo para trás, voltando para o quarto ao registrar
o cano da arma que era apontado diretamente para a minha cabeça.
— Que coisa feia, Perseu, eu quase chorei quando soube da sua
“morte”.
Meus punhos estavam serrados quando encarei o rosto sorridente de
Edmundo Clifford. Era como se uma vida tivesse se passado desde a última
vez em que nos vimos, mesmo assim só conseguia pensar naquela noite em
que ele atravessou o jardim da casa do meu parceiro morto e me deu
tapinhas nas costas enquanto prometia que aquele crime não ficaria impune.
— Seu chefe está morto, você vai ter o mesmo destino — disse Helena.
Os lábios de Edmundo se comprimiram por alguns segundos, mas ele
não desfez a posse de superioridade, tampouco abaixou a arma que
continuava apontada para o meu rosto. Dessa forma eu não conseguiria
alcançar a arma presa a parte de trás da minha calça. Se tivesse qualquer
chance não hesitaria antes de explodir seus miolos.
— Então que bom que eu estou com algo valioso aqui — disse,
balançando o cano da arma em minha direção.
— Se pensa que vai se safar disso você só pode estar louco — as
palavras saíram duras, eu estava com tanta raiva e tanta dor. Meu peito
oprimido com os flashs horríveis daquela noite.
Parado diante de mim estava um dos responsáveis por toda aquela
barbárie.
— Você deveria ter aceitado nosso conselho e sido mais esperto que o
“herói” Ducan. Aquele idiota foi avisado mais de uma vez e não deu
ouvidos. Preferiu arriscar a vida dele e da família.
Aperto meus punhos, engolindo em seco.
— Foram você e Vitale?
Ele dá de ombros.
— Alguém tinha que fazer o trabalho sujo.
— Filho da puta!
Edmundo ri.
— Olha quem fala, você vai ser o meu bilhete de saída daqui porque
virou a puta daquele mafioso, acha que seu amigo ficaria feliz em saber que
ele morreu defendendo o que era certo só para que seu parceiro se tornasse a
vadia do mafioso que ordenou sua morte.
Dou um passo para trás, confusão tomando lugar em meio a raiva que
sentia.
— Do que merda está falando? — grito.
Edmundo ri mais alto.
— Estou falando sobre você abrir as pernas para o homem que deu a
ordem para que Ducan Ropkins fosse morto quando o infeliz descobriu
sobre a rota de drogas que estava funcionando através de Staten Ville. Ele
recebeu muitos conselhos para ficar fora e continuar com a vidinha de merda
dele, mas preferiu dar uma de bom moço e acabou morto.
— Não pode ser verdade... — Puxo o ar com força.
Isso diverte Edmundo, talvez o desgraçado já soubesse que seu destino
seria muito parecido com o de seu antigo parceiro e por isso estava se
divertindo com a minha miséria.
— É a pura verdade, Perseu, o seu macho é tão culpado pela morte de
Ducan e sua família quanto Vitale e eu somos.
Puxo minha arma sem medo de receber um tiro no processo, queria
acabar com aquela dor de alguma forma. Edmundo tentou reagir, contudo, o
primeiro tiro ainda o acertou. Ele veio de trás, Helena tinha atirado em seu
braço num momento de distração do homem. A arma caiu de sua mão e os
tiros que se seguiram foram dados por mim. Não sei ao certo quantas vezes
disparei, Edmundo estava caído no chão em cima de uma poça de seu
próprio sangue quando parei.
— Perseu... — Helena se aproximou temerosa, a essa altura eu estava
com a arma apontada para o chão, e a segurava com força.
— Você sabia disso?
Ela ficou em silêncio, o que me deixou ainda mais enjoado.
— Você sabia? — grito.
Ela assente, uma expressão de dor em seu rosto.
Preciso puxar o ar com força, pois tem pontos escuros na frente dos
meus olhos. Passo por cima do corpo caído de Edmundo, me escoro nas
paredes do corredor e tropeço em direção as escadas.
Escuto os passos de Helena logo atrás de mim, ela não tem nada a dizer,
apenas me segue em silêncio até chegarmos no andar de baixo onde
Stephanos rompe pela porta com um homem desconhecido vindo logo atrás.
Ele tem uma expressão de medo que desaparece ao me ver.
— Passarinho...
Ergo a arma em sua direção quando ele tenta vir até mim, isso o pega
de surpresa.
— Perseu?
— Foi você, você mandou matar meu antigo parceiro e a família dele.
Stephanos não esperava me ouvir dizendo aquilo, eu vi a surpresa que
passou através de seus olhos escuros. Da mesma forma como vi o medo se
esgueirando por cada ponto de seu corpo.
Era verdade.
— Quando matou Vitale, quando me deixou de fora do plano para parar
Ícaro... Tudo isso foi por mim ou para proteger a si mesmo?
Ele engole em seco, as mãos erguidas na frente do corpo como se
precisasse me acalmar.
— Sinto muito.
— Foda-se! — grito, lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto.
Eu beijei esse homem, o abracei, confiei nele... Eu o amei, e o tempo
todo ele era o meu maior inimigo.
— Desde quando você sabe?
Stephanos passa as mãos pelo rosto, puxa a barba, bagunça o cabelo.
Tenta se aproximar novamente e eu o afasto com a arma erguida em direção
ao seu peito.
— Dei a ordem para que limpassem a bagunça com a rota de tráfico de
drogas. Os homens de Ícaro tinham feito uma bagunça na época, um policial
que não podia ser comprado foi envolvido, eu disse para eliminarem as
pontas soltas. Jamais dei a ordem para que dizimassem sua família inteira,
mulheres e crianças estão fora dos limites da Aderfia, você sabe...
— Desde quando você sabe? — repeti por entre dentes, sem desejo de
continuar ouvindo suas desculpas.
— Quando te conheci um relatório foi feito sobre você, era superficial e
tive pouca informação. Mas depois daquela noite na The Hell onde você
pensou ter visto o Vitale e ficou abalado com isso, eu pedi para que um
relatório bem detalhado fosse feito, foi então que entendi tudo.
Solto um riso histérico.
— Você sabia por meses e ficou em silêncio, deixou que eu... — Perco
o ar, minha visão borrada pelas lágrimas.
— Pouláki, por favor, abaixe essa arma.
— Não se aproximei!
Ele parou no meio do passo que estava dando.
Minha cabeça começa a dar voltas, eu percorri um caminho sem volta.
Não existe retorno, tudo que posso fazer agora é honrar com a promessa que
fiz para Ducan, Sarah e Julie. Preciso me vingar de todos os responsáveis
pela morte deles.
— Eu jurei diante de seus corpos violados e assassinados, jurei que os
vingaria. A justiça foi impossível de ser alcançada e você me roubou parte
da minha vingança, mas ainda resta algo que eu posso fazer... — O encarei
nos olhos escuros que sempre foram uma tormenta para mim. Eu os odiei a
princípio e depois os amei com loucura. — Você merece sentir a mesma dor,
a dor de perder algo precioso.
Levanto a arma até que ela esteja encostada em meu queixo. Seus olhos
se ampliam e ar saí por entre os lábios de forma dura.
— Não faça isso, eu te amo, passarinho...
Diante de mim estava uma coisa que eu jamais esperei ver nessa vida, o
gigante cheio de sombras e orgulho caiu em seus joelhos implorando pela
minha vida.
— Eu sei que só tem uma coisa que você ama de verdade nessa vida.
— Perseu! — ele grita e se atira na minha direção quando meu dedo
aperta o gatilho, sinto o solavanco da arma quando Stephanos a agarra,
contudo, ela não vai muito longe e em seguida sinto a dor perfurando
próximo a minha garganta.
Algo quente escorrendo pela minha pela. Dor. Gritos. Mãos fortes me
segurando. O gosto de sangue em meus lábios. Eu vejo seus olhos, dor é
tudo que está refletido neles, com isso posso sorrir uma última vez.
— Eu também amo você, Skiá — são minhas últimas palavras nesse
mundo.
CAPÍTULO 27

O sangue nunca me incomodou até estar coberto por ele e saber a quem
pertence. O tiro acertou pouco abaixo de seu pescoço, Perseu mal conseguia
respirar. Ele perdeu a consciência enquanto eu tentava desesperadamente
conter o sangramento.
Onde estava Lupi quando mais precisávamos dela?
— O helicóptero está pronto, vamos, Stephanos!
Helena era a única pessoa racional naquele momento, sei que ouvi
também a voz de Hades e que ele ofereceu ajuda para levar Perseu até o
helicóptero, o que recusei. Depois disso as coisas ficaram confusas e
embaçadas. Jamais agi daquela forma em toda a minha vida, mesmo quando
a morte estava diante dos meus olhos.
Perder o meu passarinho era algo inconcebível.
A viagem até o hospital foi rápida, tínhamos contatos de emergência
para situações como aquela. Uma equipe médica estava a espera quando
pousamos. Perseu foi tirado dos meus braços e levado para longe enquanto
Helena xingava e me mandava reagir.
Minhas mãos tremiam e meus olhos não conseguiam se desviar do
sangue seco em minhas mãos.
— Você precisa voltar! — Senti um forte impacto em meu rosto, ela
tinha me batido. — Perseu vai ficar bem, ele está nas mãos de médicos
muito competentes. Agora você precisa se limpar e voltar a si, entendeu?
Assenti, ainda silencioso.
Fomos levados para uma sala de espera ampla e confortável. Ela tinha
sido reservada para nós. Privilégios que o dinheiro pode comprar. Vir a um
hospital era uma coisa de último caso, para isso tínhamos Lupi e todo o seu
aparato médico na mansão. Contudo, em casos urgentes se fazia necessário
equipamentos e uma equipe mais completa, tudo com a garantia de que nada
seria registrado oficialmente.
— Lave as mãos, eu vou conseguir roupas limpas para você.
Entrei no banheiro anexo a sala de espera, limpei as mãos no
automático e por fim encarei meu reflexo no espelho.
Como tinha deixado aquilo acontecer?
Mal consigo reagir agora quando meu peito está oprimido ao ponto em
que é difícil respirar. A cena de Perseu com a arma que eu lhe dei, apontando
para si mesmo e disparando. Aquilo vai atormentar os meus pesadelos a
partir de agora.
— Eu deveria ter caçado Edmundo e o matado antes que ele tivesse a
chance de contar algo ao meu passarinho.
Tinha que ter sido ele, quem mais contaria a Perseu a verdade sobre
aquela infeliz coincidência? Foi um erro meu, algo do qual jamais vou me
perdoar. Quando descobri sobre o que motivava a vingança do meu Pouláki
eu devia ter agido, rastreado aqueles dois infelizes e cortado suas gargantas.
Dessa forma nada disso teria acontecido.
— Ele não precisava saber a verdade, saber que eu dei a ordem para
que seu parceiro fosse morto só traria dor e sofrimento. Não é como se
pudesse mudar quem sou ou o que fiz no passado. A ignorância era uma
dadiva e ao ter isso arrancado dele, Perseu perdeu tudo...
Um toque na porta me tira da minha miséria.
— As roupas — diz Helena estendendo uma pequena mala. Pego e
rapidamente me troco.
Ela tinha razão, eu precisava me recompor. Se me render agora jamais
vou ter o meu passarinho de volta. Mas o que devo fazer? Aquele olhar
morto foi a última coisa que ele me deu, como posso fazer o calor voltar para
os olhos escuros que aprendi a amar?
— O que eu faço, Helena? — questiono, voltando para a sala de espera
e me sentando ao seu lado.
Minha irmã me encara por um longo tempo, como se não acreditasse
que eu estava lhe pedindo conselhos. Era uma surpresa para mim também,
contudo, nas circunstâncias nas quais nos encontrávamos ela era a pessoa
que melhor deveria entender sobre amor. Apesar de sermos feito da mesma
matéria destrutiva, Helena deu o primeiro passo para encontrar a sua
felicidade ao lado da mulher que ama.
Posso eu fazer o mesmo depois de tudo que tirei de Perseu?
Sou uma pessoa tão vazia de sentimentos, serei capaz de preencher suas
rachaduras com o pouco que carrego comigo?
— Isso é uma coisa que você precisa descobrir sozinho, irmão. Seus
demônios são seus, e você é o único responsável pelos atos deles.
Abro um sorriso amargo.
A quem eu quero enganar, nem mesmo meu Pouláki seria capaz de
continuar amando um monstro como eu. No final eu não teria mais daqueles
olhares quentes. Só existe uma forma de continuar com Perseu, teria que
trancá-lo em uma gaiola da qual ele jamais poderá sair, ou vai voar para
longe de mim. E sendo assim. A única coisa que terei a partir de agora é seu
ódio.

Três dias.
Três longos e infernais dias e ele não acordou depois da cirurgia onde
seu coração parou duas vezes. Era como se não quisesse acordar porque
sabia que eu estava agarrado a sua mão, me recusando a deixar o seu lado
por mais tempo do que o necessário.
— As coisas estão finalmente se acalmando, o nome que você propôs
para assumir a área que antes estava sob o comando de Ícaro foi bem aceito
pelos demais chefes. Penso que isso estabilizará o poder dentro da Aderfia
por algum tempo.
Assinto, devolvendo a pasta que Zeus tinha me entregado. Nela
estavam os últimos relatórios da situação que enfrentávamos. Se de um lado
tudo estava se desenvolvendo como o esperado, do outro...
— Como ele está?
Penso por um tempo se devo responder, até então Zeus se limitou a vir
ao hospital e se reunir comigo na sala de espera. Ele não fez perguntas e não
apontou nada com relação a minha permanência nesse local.
— Ainda não acordou — acabo respondendo.
— O homem e forte, tenho certeza de que...
Antes que pudesse terminar suas palavras, Helena entra pela porta com
uma expressão que me faz ficar de pé e em alerta. Quase não encontro voz
para perguntar:
— Perseu? — Minha irmã tinha ficado com ele enquanto eu recebia
Zeus.
Não sou uma pessoa religiosa e jamais vou ser, mas nesse momento me
encontrei implorando para qualquer um que ouvisse: Por favor, não!
— S-Sinto muito — deixou escapar.
Eu já estava correndo para fora da sala quando ela completou com uma
vez instável.
— Ele está morto, Stephanos!
Corri sem me importar com mais nada, seu quarto ficava naquele
mesmo andar e eu bati a porta contra a parede quando entrei no cômodo frio
e exageradamente branco. Aquele maldito lugar estava me deixando doente,
ainda assim nada me preparou para ver meu passarinho tão pálido na cama
de hospital.
— Por que desligaram os aparelhos? — gritei, caminhando até eles, não
sabia como funcionavam aquelas merdas, e ainda assim tentei os religar.
— Stephanos! — Helena tentou me impedir e eu a empurrei para longe.
— Ele se foi, irmão... ele se foi!
— Calada! — berrei, a droga da máquina tinha tantos botões eu não
sabia como colocar aquilo de volta e fazê-la funcionar, acabei socando-a
com força o suficiente para quebrar e continuei socando até minha mão ficar
vermelha com o meu próprio sangue.
Ouvi cochichos ao redor, sabia que alguns enfermeiros estavam se
amontoando na porta, felizmente foram esperto o suficiente para não
tentarem se aproximar.
— Ele está com frio — falei, tocando a mão gelada de Perseu. O cobri
até o pescoço com o cobertor, o maldito era tão fino que não iria o aquecer.
— Por que deixam essa porra de quarto tão frio?!
Encarei Helena e ela tinha uma expressão marcada pela dor, eu não
queria ver seus olhos, então berrei para que saísse e me deixasse sozinho.
Ela o fez, a porta fechou atrás de seu corpo, tudo ficou silencioso depois
disso.
— Eu não posso deixar você ir, passarinho — sussurrei de encontro a
sua testa fria.
A cama do hospital era pequena demais, ainda assim consegui me
juntar a ele, agarrar seu corpo com intensidade me recusando e deixá-lo
partir por mais que meu lado racional já soubesse... Soubesse que eu estava
sozinho.
— Eu sou a sua gaiola, você não pode ir porque eu não te libertei. Eu
cortei suas asas, por que você pensa que pode voar para longe?
Quando fechei meus olhos desejei que a morte viesse para mim
também, mas não recebi esse alento. Quando acordei naquela cama pequena
e fria, o corpo de Perseu não estava mais. Helena tinha agido pelas minhas
costas, ela o tirou de mim.
Eu a odiei por isso.
Sabia que sua atitude foi a correta ao cuidar do corpo do meu
passarinho e dar um final digno a ele, isso não me impediu de a odiar.
Eu teria o prendido a mim, mesmo após a morte, se tivesse tido a
chance.
Contudo, o que me restou no final foi uma maldita urna cheia de cinzas.
— Pronto, está finalizada, senhor Paraskevas.
Levanto da cadeira e procuro um espelho, meu peito ainda doía quando
meus olhos comtemplaram as linhas bonitas que formavam a mais nova
tatuagem feita em meu corpo. A gaiola vazia estava bem em cima do meu
coração, mais para o lado dois pássaros voavam para longe.
Meu coração estava vazio tal como aquela gaiola, o dono deles havia
partido. Eu teria ido com ele se acreditasse existir algo após a morte, como
não é esse o caso prefiro continuar vivo e me agarrar a qualquer coisa que
meu passarinho deixou, mesmo que seja em sua maioria uma dor que quase
me incapacita. Se fosse possível escolher eu queria estar junto dele, voando
com meu passarinho, mas isso cabe apenas aos meus sonhos.
— Ficou ótima — falo, acenando com a mão para que Atlas leve o
tatuador embora. Meu chefe de segurança prontamente atende ao pedido e
fico sozinho em meu quarto. O quarto que um dia foi de Perseu.
Sim, eu me agarrei a qualquer coisa que restou dele. Primeiro me
agarrei ao seu cheiro até que ele desaparecesse com o passar dos meses.
Depois me agarrei a cada mínimo detalhe e lembrança que podia conseguir.
Foi isso que me manteve andando, por mais insano que tenha ficado.
A notificação de mensagem chegando ao meu celular me fez desviar os
olhos da nova tatuagem.
“RUA MARSHEL, 4001, APART. 205, NOVE HORA.”
Encarei com estranheza a mensagem de Helena, era difícil saber o que
minha irmã estava pensando. Ela tinha estava tão perdida quanto eu no
último ano. Lembro-me exatamente do momento em que a vida também
deixou seus olhos. Foi poucos dias depois da morte de Perseu.
— Não! Isso não pode ser, você tem que ter cometido um erro! — seus
gritos podiam ser ouvidos por toda a mansão, foi isso que me fez sair do meu
escritório depois de quase uma semana trancado nele. Fedia a cigarros e
álcool quando me arrastei pelos corredores até encontrar a fonte dos gritos.
Helena estava agarrada a gola da camisa de um soldado da Aderfia, ela
berrava enquanto o sacodia. Eu me escorei na parede e observei a cena,
tentando entender o que acontecia.
— O carro da doutora Guadalupe foi encontrado queimado próximo ao
território onde Ícaro Kokkimos estava hospedado em Nova Iorque. O corpo
carbonizado dentro do veículo foi identificado como pertencendo a
Guadalupe Sanchez. Por conta do estado do corpo e do carro a identificação
levou alguns dias, quando foi feita o nosso contato da polícia nos comunicou
imediatamente.
— Não! — Helena desabou no chão, sem se importar com quem
estivesse vendo-a naquele estado.
Aquela foi a primeira vez em toda a minha vida que consegui entender
perfeitamente como outra pessoa estava se sentindo. Foi por isso que
caminhei até ela, sem ter qualquer palavra de conforto, apenas a abracei e
deixei que minha irmã chorasse sua dor em meu ombro. Era a primeira vez
que fazíamos algo do tipo, talvez a única.
No final éramos mais parecidos do que pensávamos. Deve ser o nosso
sangue, a escuridão em nossas almas, a podridão em nossas vidas, isso torna
impossível ser merecedor de amor e felicidade. Nós até o encontramos com
muito custo, para no final perdemos por conta das nossas próprias atitudes.
Depois daquele dia em que soube da morte da mulher que amava,
Helena se fechou em si mesma e deixou que o caos que habitava seu coração
tomasse as rédeas de sua vida. O mundo obscuro de Nova Iorque tremia
sempre que o nome Helena Paraskevas, a executora da Aderfia, era
pronunciado.
— O que será que ela aprontou agora? — solto a pergunta no ar, ainda
encarando a mensagem de texto com um endereço e um horário.
Justo hoje?
Faz um ano, exatamente um ano desde que a única luz em minha vida
partiu, deixando apenas sombras em minha alma. Me sinto instável, a ponto
de explodir com a menor das provocações.
O que Helena pode estar aprontando hoje?
Suspiro, pegando uma camisa que visto cobrindo a tatuagem. Então
reviso meu celular mais uma vez, confirmando que nenhuma outra
mensagem foi enviada e assim posso ir ao seu encontro.
Faço o caminho sozinho, eu mesmo dirijo. Dispensei todos os
seguranças por querer estar sozinho, seja lá o que minha irmã estivesse
planejando. Acabo parando em um bairro decadente, uma rua pobre e cheia
de prédios caindo aos pedaços. Tem alguns carros na rua, algumas pessoas
na esquina e muitos olhos sobre mim. Reconheci na mesma hora que lugar
era aquele e meu coração acelerou no peito.
O prédio ainda era amarelo e a pintura continuava desgastada.
Novamente revisei a mensagem de Helena, apartamento 2005, era o
apartamento dele naquela época?
Caminhei para dentro do prédio, subindo as escadas de dois em dois
degraus. As mãos trêmulas quando cheguei ao andar correto e tentei abrir a
porta do 2005, ela estava fechada, o que me fez sorrir com a lembrança.
Levei menos de dois minutos para arrombar a maldita coisa e entrar.
Os móveis eram os mesmos, as paredes estavam da forma que eu
lembrava. Era como voltar no tempo. Caminhei distraído, perdido em
pensamentos, dessa forma não sei dizer o que meu cérebro processou
primeiro, a porta batendo fechada atrás de mim, ou o clique da arma que
encostou na parte de trás da minha cabeça.
— Você não perde os velhos costume, Skiá.
CAPÍTULO 28

— Então você está decidido a voltar? Sabe que aquele bastardo está
mais louco do que nunca, né?
Sorrio diante de suas palavras, tenho uma boa noção de que o aviso não
é um exagero.
— Estou falando sério, você precisa ter certeza disso, afinal, uma vez
que mostre sua carinha de novo ele nunca vai te deixar partir. Aquele
lunático possessivo vai fazer uma gaiola de ouro e te colocar dentro.
Solto um riso alto.
Considerei isso por algum tempo, principalmente quando a dor e a raiva
se sobressaiam dentro de mim. Seu sofrimento era a minha vingança. Agora
que me sinto em paz com a promessa que fiz para Ducan, Sarah e Julie, é
como se pudesse deixá-los descansar em paz. Quanto a mim preciso seguir
com o caminho que escolhi e esse caminho parece sempre me levar de volta
para a minha gaiola.
— Está preparado para enfrentar a reação de Stephanos quando ele
souber que eu te ajudei a forjar sua morte?
— Vou me certificar de que a responsabilidade recaía apenas sobre
mim.
Helena revira os olhos.
— Como se isso fosse possível, Stephanos vai me fazer pagar de uma
forma ou de outra. — Ela dá de ombros com descaso. — Mas não é como se
isso me importasse, não temo suas represálias. Você é meu valioso amigo e
estava me implorando por ajuda, eu tinha que fazer algo, certo?
Assinto.
Quando acordei naquele hospital estava em pedaços, nem mesmo
morrer eu tinha conseguido. Sentia que tinha falhado mais uma vez com
eles, aqueles que jurei vingar. Então em um momento de puro desespero
implorei para que Helena me ajudasse a forjar minha morte, ela já tinha feito
isso uma vez a pedido do irmão. O plano foi arriscado e feito as presas, temi
não funcionar, um dos médicos foi subornado, eu recebi uma dose de drogas
que simularam uma parada cardíaca e quando acordei estava sendo levado
para uma nova vida.
Se quisesse poderia nunca mais olhar para trás, no entanto, olha onde
vim parar. Como se contasse os dias, um ano após a minha “morte” estou
pronto para voltar para o meu mafioso.
— Se é isso que você quer só posso desejar um, bem-vindo de volta,
cunhado. Por favor, coloque meu irmão de volta nos trilhos.
Rindo, assinto.
— Conto com a sua ajuda para isso.
Explico o que tenho planejado e deixo Helena cuidando de tudo
enquanto caminho pelo espaço pequeno e caindo aos pedaços. Quando
pensei que voltaria para esse lugar, o começo de tudo? Foi aqui que vi
Stephanos pela primeira vez, foi aqui que nossos destinos se cruzaram para o
bem e para o mau.
Durante o último ano me recuperei do ferimento de bala, e comecei a
trabalhar nas sombras. Sendo assessorado por Helena pude pegar trabalhos a
serviço da máfia sem ter meu nome associado a eles. Consegui reunir
dinheiro, contatos e experiência. Se quisesse sumir no mundo para nunca
mais ser encontrado, poderia fazer.
— Que pena que quero algo bem mais insano... — resmungo para mim
mesmo.
— Muito bem, ele está vindo. Você tem algum tempo para se
arrepender e fugir, caso decida ficar é por sua conta e risco.
Vejo Helena pronta para sair e meu coração aperta com o que tenho que
fazer. Caminho até minha bagagem de mão que estava ao lado do sofá velho,
dela tiro uma pasta com todas as informações que consegui reunir sobre
aquela mulher. Minha amiga tinha pedido que eu fizesse isso, que
descobrisse tudo sobre o assassinato de sua namorada. Ela tinha ficado
arrasada ao perder a mulher que amava. O que nenhum de nós esperava era
encontrar uma verdade tão devastadora.
Confesso que relutei muito em entregar esse dossiê a Helena, mas devo
fazer isso. Essa mulher se tornou a melhor amiga que eu poderia desejar. O
que descobri sobre “Guadalupe Sanchez” vai devastá-la, e ainda assim
precisa ser dito.
— Isso é para você. — Estendo a pasta, ela a toma em suas mãos. — É
o que você me pediu.
Vejo um flash de dor passar pelo rosto bonito.
— Só te aviso para pensar um pouco antes de abrir essa pasta e ler o
que eu descobri. O que tem aí pode muito bem continuar guardado e você
pode seguir sua vida com a imagem e as lembranças que guarda da sua
mulher, no entanto, caso decida abrir eu vou te apoiar no que você quiser
fazer.
Depois de um longo minuto, ela engole em seco e assente antes de
deixar o apartamento decadente.
Eu sabia sua escolha sem a necessidade de que ela me dissesse. Ao final
do dia não seria apenas Stephanos quem iria descobrir que “enterrou” um
caixão vazio.

— Você não perde os velhos costumes, Skiá.


As minhas mãos tremiam, não conseguia evitar ao estar em sua
presença depois de um ano. Deve ser por isso que resolvi voltar “dos
mortos”, ninguém mais tem essa capacidade de me desestabilizar sem a
necessidade uma única palavra.
Tenho certeza de que ele reconheceu minha voz, seu corpo inteiro ficou
tenso e por alguns segundos nenhum som foi emitido, então com um golpe
rápido sua mão empurrou o meu braço com força suficiente para que a arma
caísse longe. Deveria ter esperado por algo assim, fui imprudente ao não
considerar o efeito que sua presença teria sobre o meu corpo.
Quando me dei conta do meu erro estava com um braço sendo
pressionado atrás das costas, e meu corpo era esmagado contra a porta do
apartamento. Seu corpo muito maior veio por cima do meu, causando dor e
me roubando todo o ar dos pulmões.
— Quem? — Pude notar pelo tom de voz o quanto ele estava fora de si,
e comprovei isso pela instabilidade que vi nos olhos escuros quando girei a
cabeça para o encarar.
Era como se Stephanos não fosse capaz de me enxergar, tudo que ele
via era dor e ódio. Prova disso foi a grande mão que agarrou a parte de trás
da minha nuca e me sufocou sem piedade.
Era para isso que eu tinha voltado? Para morrer por suas mãos?
— Stephanos! — guinchei sem ar, me contorcendo para escapar de suas
garras.
Isso teve o mesmo efeito de um tapa na cara, tão rápido quanto ele veio
para mim, o mafioso se afastou. tropeçou para trás com uma cara de
assombro. Podia imaginar como era ver diante de si um fantasma.
Me encostei na porta, uma mão no pescoço massageando o local. Meu
braço tinha sido torcido e por pouco não foi quebrado. Bastardo forte do
caralho.
— É assim que você me recebe depois de tanto tempo? — perguntei
com um sorriso.
Paraskevas me encarou com incredulidade pelo que pareceram vários
minutos, então seu corpo enorme se precipitou em minha direção. Me
preparei para ser golpeado novamente, contudo, fui pego de surpreso pelas
mãos que me puxaram para ele e os lábios que se chocaram aos meus.
— Hum...
É assim o gosto da saudade?
— Hum... — ele também gemeu, aprofundando nosso beijo e metendo
sua língua dentro da minha boca.
Eu senti falta daquele corpo enorme me esmagando enquanto buscava
seu próprio prazer egoísta. Senti falta de cada pequeno detalhe, das mãos
grandes, dos músculos sobressalientes que gritavam por baixo da camisa
branca tão elegante. Saudades era o que eu sentia daquele beijo tão intenso
que tinha gosto de sangue, e do toque tão áspero que me deixava marcado
pôr dias.
Eu queria continuar sentindo aquilo, como se meu corpo não pesasse
nada quando ele me erguia do chão, fazendo minhas pernas envolverem a
cintura larga. Me agarrava a ele com todas as minhas forças, jogando a
cabeça para trás e deixando que seus beijos alcançassem também o meu
pescoço. Até a minha pele sentiu falta dele.
— Pouláki...
Ah, aquela palavra, meu pau deu um salto dentro da calça. Eu queria
tanto estar livre daquelas roupas para poder tocar e ser tocado sem restrições.
Por isso que me apressei em tirar tudo do caminho quando tropeçamos em
direção ao sofá velho. A coisa era pequena demais para dois homens adultos,
sem falar que eu temia que não fosse aguentar o que estávamos prestes a
fazer, isso não me impediu de arrancar fora toda a roupa que vestia,
enquanto Stephanos lutava com suas próprias roupas.
— Stephanos! — gritei, ele veio com força por cima de mim, um sapato
voou pelo cômodo e bateu na parede, acho que era um dos dele, não que
tenha parado para conferir, estava mais preocupado em tirar seu pau para
fora da calça meio aberta.
Grande, grosso e com aquele maldito piercing, com certeza foi a coisa
que mais senti falta e me esforçaria para passar um longo tempo com ele
pelos próximos dias.
Stephanos riu do meu olhar vidrado em seu mastro duro. O acariciei
entre meus dedos, partindo para suas bolas quando o corpo grande tremeu,
um gemido cheio de prazer deixando os lábios que eu não cansava de beijar.
— Como? — Os olhos escuros mostravam toda a descrença que suas
mãos ansiosas me tocando em todos os lugares tentava compensar.
Apesar de toda a confusão que devia estar passando por sua mente, ele
se mantinha ali querendo cada vez mais de mim.
Deveria estar tão feliz por essa ser a sua primeira reação ao me ver
vivo?
— Isso é o mais importante agora? — questionei passando a língua por
seu queixo barbado ao mesmo tempo que rolei suas bolas entre meus dedos.
— Ah — ele gemeu alto, a cabeça caindo de encontro ao meu ombro.
Ri alto, nem mesmo conseguia me lembrar de já ter estado tão feliz na
presença desse homem antes.
— Você está aqui, passarinho. — Tal frase foi precedida por uma forte
mordida em meu ombro. Ele mordeu com tamanha força que eu gritei, isso
não o fez se afastar e pensei que queria tirar um pedaço de mim. Quando se
deu por satisfeito e largou meu ombro, no local tinha a perfeita marca de
seus dentes em meio ao sangue.
— Louco! — xinguei sem ar.
Um sorriso perverso apareceu no rosto bonito.
Tremi por inteiro, mole, à mercê de suas mãos quando afastaram
minhas pernas e as empurrou para cima. Fiquei tão exposto, e só conseguia
pensar no quão excitado estava. Foi Stephanos que me transformou nesse
pervertido, que bom que ele está aqui para aplacar esse fogo que me
consegue em todos os lugares.
— Faça — implorei com a voz falha, ele soprou rente ao meu cu.
Estava tão ansioso por aqui que deixei todos os meus gemidos saíram ao ter
sua boca me comendo naquele lugar.
Quem ligava para as malditas paredes finas quando o meu mafioso
gostoso pra caralho estava metendo sua língua e seus dedos em meu cu?
Os vizinhos que se fodessem, ou melhor, que encontrassem alguém
para foder tão gostoso quanto eu estava.
— Assim, tão bom!
Stephanos me lambeu e chupou até que os dedos dos meus pés
estivessem se contorcendo e prazer se espalhasse pelas minhas costas me
fazendo curvar o corpo e gritar alto, liberando meu gozo para todos os lados,
acertando inclusive seu rosto e barba. Era uma visão tão linda que não perdi
tempo, atraindo-o para mim, lambendo meu próprio sêmen e beijando-o ao
final para que ele também sentisse o gosto do seu homem.
O homem que era louco o suficiente para voltar para um insano como
ele.
— Meu passarinho... — seu clamor me acertou em cheio, eu o segurei
entre meus braços e o recebi dentro de mim quando seu pau buscou caminho
por entre minhas pernas.
Era tão bom quanto nas minhas lembranças. Aquelas que me
mantinham acordado durante a noite, me masturbando como um adolescente
idiota.
Seus braços me apertaram, me sufocaram, me espremeram enquanto ele
me fodia com força. Lutei de encontro ao seu aperto, movendo meus
quadris, o levando mais para dentro, mais fundo. Caímos no chão, eu fiquei
por cima e passei a cavalgar em seu mastro, sentindo-o pegar bem fundo
dentro de mim, tocando nos pontos mais sensíveis e me deixando
desesperado para gozar novamente.
Nessa hora toquei seu peito, engolindo em seco ao ver o que estava
marcado em sua pele. Uma gaiola bem em cima do coração e dois pássaros
voando para longe. Coloquei a mão por cima e ele sorriu, agarrando-a para
que eu não pudesse afastá-la.
— Meu amor.
Essas palavras saíram de sua boca, pouco depois ele se sentou comigo
em seu colo, agarrou meu rosto entre suas mãos grandes e me beijou.
Estávamos tão colados um ao outro que meu pau roçava em seu estômago
duro, me deixando na borda mais uma vez.
— Venha para mim, meu amor, você fica tão lindo quando está
gozando.
Eu fui, fiz o que ele estava pedindo e lhe dei essa visão bem diante de
seu rosto. Amando ver suas próprias expressões repletas de prazer e
satisfação. Foi então que ele me encheu com seu gozo quente na primeira de
muitas vezes aquela noite.
Tantas vezes quanto o meu corpo aguentou antes de colapsar em cima
da velha cama no único quarto do minúsculo apartamento que um dia
chamei de casa.
— Foi Helena quem te ajudou? — questionou quando estávamos
deitados na cama, muitas horas depois. Nesse momento nossas pernas
estavam entrelaçadas e suas mãos não me deixavam ir muito longe.
— Sim.
— Eu deveria...
— Deve ficar quieto e aceitar essa merda! — corto logo suas palavras.
— Você não teria me deixado ir nunca, me privou da minha vingança,
escondeu a verdade de mim. Acha mesmo que pode reclamar algum direito?
Você sofreu durante esse ano? Ótimo!
Seu riso é rouco ao ouvir tais palavras.
— Você se tornou alguém perverso, Pouláki.
— Nada que você não mereça, Skiá.
Ficamos em silêncio por longos minutos depois disso. O tempo todo
seu aperto era esmagador.
— Sabe que jamais te deixarei partir depois disso, não é?
— Sim, eu sabia muito bem a pessoa insana para quem estava
retornando. Pensa que me enganou em algum momento? Sempre soube que
você é um poço de sombras e estava disposto a aceitá-las antes de saber que
você deu a ordem para matar meu antigo parceiro. Ao saber daquilo precisei
fazer algo, conviver com essa verdade esmagadora seria impossível. Da
mesma forma que você não se arrepende do seu passado, eu não me
arrependo da vingança que trouxe para Ducan e sua família.
— Está satisfeito agora? — questionou, deixando um beijo demorado, e
estranhamente carinhoso em minha testa.
— O quanto você sofreu depois de saber que eu tinha morrido?
Seu corpo fica tenso, ele demora a responder e a dor contida em cada
palavra é um sinal da verdade por trás delas.
— Senti como se tivessem tirado meu ar, arrancado meu coração...
Nada jamais foi tão doloroso e nada jamais vai ser tão devastador quanto
saber que perdi para sempre o meu lindo passarinho.
Por mais que sua dor também doesse em mim, ela começou a cicatrizar
uma ferida dolorosa. Fechou uma porta aberta que dava acesso ao meu
passado. E me permitiu aceitar novamente o que sentia por aquele homem
que não tinha nada de bom em si mesmo.
— Eu vim para ficar, Skiá.
O alívio que vi em seus olhos serviu para afrouxar o aperto em volta do
meu corpo. Ele deve ter finalmente entendido que não precisava mais de
uma gaiola para manter esse passarinho cativo, pois...
— Bem-vindo de volta a sua casa, meu lindo passarinho.
Sem mais relutância, fui de encontro aos seus braços abertos.
EPÍLOGO

Recostando em minha cadeira abro a gaveta da mesa, dela tiro a caixa


de madeira que contém a arma que mandei fazer especialmente para o meu
passarinho. Guardei esse maldito objeto como uma lembrança dos meus
próprios erros, aqueles que haviam me levado ao fim onde perdi Perseu
diante dos meus olhos.
Mesmo depois de sua volta dos “mortos”, não fui capaz de devolver a
arma, a lembrança dele com essa coisa apontada para sua cabeça me causa
pesadelos.
— Estou exausto!
Sua entrada repentina em meu escritório me pega de surpresa e mal
tenho tempo de guardar a arma de volta na gaveta antes que Perseu esteja
contornando a mesa para chegar até mim.
— O que tem aí?
Seguro sua mão que tenta abrir a gaveta, por sorte ela tem senha e vou
mantê-la bem segura longe de seus olhos e mãos curiosas. Jamais permitirei
que ele toque essa arma novamente.
— Já ouviu falar que a curiosidade custou uma mão ao passarinho?
Ele solta um bufo cheio de desdém e se senta na minha mesa.
— Se eu perdesse uma das minhas mãos como poderia masturbar tão
bem o seu pau gigante?
Rio alto diante de tal atrevimento. Quando nos conhecemos havia muita
luta e raiva dentro dele, mas esse fogo, a língua afiada e sem vergonha veio
depois. O ano que Perseu passou longe trouxe muito aprendizado e
amadurecimento. Mesmo depois de dez meses da sua volta ainda me pego
surpreso com novas camadas que me são apresentadas.
É cada vez mais óbvio que ele já não precisa de mim em sua vida,
Perseu tem escolhas que podem levá-lo para longe. Sinto que posso
enlouquecer se pensar muito nisso, então ele vai me fazer encarar seus olhos
dourados e me dizer que voltou porque quis.
— O que está fazendo aqui? — mudo o rumo da conversa. — Pensei
que ficaria na boate com Helena.
— Ela teve que ir.
Contorço o rosto com desgosto puro.
— Com aquela mulher?
Perseu revira os olhos.
— Deixe que Helena tome suas próprias decisões.
— Quando envolvem aquela mulher já não são apenas decisões dela.
Helena foi enganada uma vez, é tolice acreditar de novo. Ainda mais nessas
circunstâncias.
Estou irredutível com relação a isso. É apenas porque Perseu insistiu
que eu permiti que Helena trouxesse aquela mulher para uma das minhas
boates, caso contrário sua presença não seria permitida.
— Sua irmã entende muito bem as consequências de estar namorando a
Sofia. Até agora ela não tentou trazê-la para dentro de assuntos referentes a
máfia. Então deixe-as em paz.
Cruzo os braços, irredutível.
— Não confio nela, minha irmã é uma tola que acreditar naquela
sujeita. Quem garante que não seja mais um engano?
Perseu sorri com descrença.
— Então o que eu sou? — Dessa vez ele também tem os braços
cruzados.
— É diferente, meu bem.
— Enfie essa diferença no rabo! Já que estamos falando de não poder
confiar, que tal lembrar sobre mentir? Omitir? Ser um filho da puta
manipulador? O que você fez é menos grave, é isso que está me dizendo?
Jamais veria o final daquilo, nos últimos meses sempre que eu tentava
impor alguma coisa, Perseu tirava suas garrinhas para fora e passava na
minha cara tudo que fiz. É como se estivesse me mostrando que não tenho
moral para julgar ninguém.
Foda-se isso, chutaria o balde caso não fosse deixá-lo irritado.
— Sinto muito, meu amor — tento com a voz macia, minha cadeira
deslizando para chegar entre suas pernas. Seguro em ambos os lados de sua
cintura e acaricio o local. — Estou deixando as duas resolverem seus
problemas, não estou?
Ele sorri, sabendo que me tem na palma da mão. Para minha sorte esse
passarinho safado só tem mostrado as garras quando estamos a sós, caso
contrário eu já teria perdido todo o meu orgulho diante da máfia e nossos
associados.
— Continue assim, Skiá — responde, dando alguns tapinhas em minha
bochecha. Então se levanta da mesa e caminha até parar diante de uma das
janelas panorâmicas. Ao mesmo tempo que ignora minha presença com um
sorriso vitorioso no rosto.
Se eu não amasse tanto esse homem...
Solto uma respiração profunda, me ergo da cadeira e caminho até ele.
Passo os braços em volta de seu corpo, sentindo o calor do mesmo
quando este se encosta em mim. Observo seus olhos refletidos no vidro da
janela.
— O que você quiser, Pouláki.
Meu orgulho? Que se dane. Sou capaz de dar tudo a ele. Porque eu
pensei que conhecia o inferno e já não temia nada, então acreditei tê-lo
perdido para sempre e vi o que realmente significa sentir dor.
Pelo prazer que é dormir e acordar todos os dias com a certeza de que
Perseu Paraskevas é meu, vale a pena qualquer sacrifício. Posso abrir mão de
tudo se for isso que ele deseja.
— O que você quiser — repito, beijando seu pescoço, o tempo todo
mantenho os olhos abertos para não perder nenhum detalhe do rosto
sorridente que me encara refletido na janela.
No final, eu fiz uma gaiola para o meu precioso passarinho e acabei me
juntando a ele.
SOBRE O PROJETO
Querido leitor, gostaríamos de te agradecer por fazer parte da 6° edição
do Projeto Contos SOS. Se você chegou até aqui e ainda não o conhece,
deixe-nos apresentar esse projeto que surgiu em 2020 no wattpad e desde
então conta com um total de 6° edições. Sendo elas: 1° Contos de fadas ou
contos clássicos, 2° Vampiros, 3° Realeza, 4° Cowboys, 5° Natal e a 6°
Protetores.
Destas, as 4 primeiras foram publicadas no wattpad, tendo alguns livros
sendo lançados na amazon (para mais informações consulte as autoras
Gabby Santos e Rose Moraes). Já a 5° e 6° edições foram lançadas
diretamente na amazon, iniciando assim uma nova jornada para o SOS.
Desde já agradecemos aos nossos maravilhosos leitores, principalmente
aqueles que acompanham todas as edições, mas também agradecemos a
quem está chegando agora e planeja continuar por um longo tempo.
Agora somos um projeto anual e com data marcada!
Com temas diversos, reunindo contos curtos e livros longos, além de
contar com a ilustre participação de autores incríveis a cada nova edição, o
Projeto Contos SOS te convida a ler todas as obras participantes da nossa 6°
edição: PROTETORES.
Nossa gratidão e carinho.
Autoras: Gabby Santos e Rose Moraes.

AUTORES E LIVROS PARTICIPANTES:


GABBY SANTOS – Um Pássaro nas Sombras.
ROSE MORAES – O Guarda-costas.
ROSA MARTINE – Em Busca do Amanhã.
STRAMBERY BLACK – FLETCHER – Contra ataque do amor.
ANA VIEIRA – Juliana me Corrompeu.
FLÁVIA GUIMARÃES – Um Salto Para o Amor
FRAN BUARQUE – Um Bombeiro em Minha Vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a você leitor que deu uma chance a UPNS, espero que tenha
passado por uma montanha-russa de emoções, tal como eu quando escrevi o
livro. Obrigada por sua leitura.
Também agradeço a todos que contribuíram para que UPNS nascesse,
as betas, parceiras, meninas da divulgação, minha revisora, designe de
banners, capista, as ilustradoras que deram uma carinha (e apimentaram um
pouco mais as coisas).
Em especial também agradeço as meninas que se juntaram a nós em
mais uma edição do PROJETO CONTOS SOS: Fran, Rosa, Strambery, Ana
e Flávia. Sem esquecer da Rose, minha amiga e parceira na organização do
SOS. Minha gratidão a todas vocês.
Se você chegou até aqui, gostou do livro e quer ajudar a autora, não
deixe de avaliar o livro. Coloque uma resenha no site da amazon, é rápido,
fácil e gratuito. E não esquece de compartilhar com os amigos.
Um beijão da Gabby.
SOBRE A AUTORA
Nasceu no agreste Alagoano em 02 de dezembro de 1997, e teve pouco
acesso e incentivo à leitura e à escrita nos primeiros anos de sua vida. Ainda
assim, sempre foi apaixonada por histórias e não demorou muito para
escrever as suas. Foi no wattpad em 2017 que surgiu o pseudônimo Gabby
Santos, e com ele a grande paixão de sua vida, os romances LGBTQIAPN +.
Acompanhe as redes sociais da autora:
✔ Instagram (gabbysantos_autora)
✔ Wattpad (gabrisantos123)
✔ Facebook (Gabby Santos)

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