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O dia estava quase amanhecendo, o céu escuro dava espaço para um sol
tímido que vinha surgindo aos poucos. Depois de uma noite em claro me
sentia cansado, mas não deixava que isso transparecesse, na minha linha de
trabalho era sempre importante manter as aparências. Você podia estar
ferrado, ferido, à beira da morte, desde que ninguém percebesse uma
fraqueza, estava tudo bem.
— Vocês podem calar a boca por um segundo?! — falo alto o suficiente
para que o silêncio se instaure rapidamente em meu escritório no terceiro
andar da The Hell. Nesse momento desvio o olhar da vista espetacular de
Nova Iorque amanhecendo, e volto minha atenção para o grupo reunido.
Caminho pela ampla sala, todos desviam os olhos dos meus, Helena é a
única que precisa se conter e contorcer os lábios para não deixar transparecer
seu desagrado. Lupi está sentada ao seu lado, uma mão apertando com
firmeza o braço da namorada.
— O que devemos fazer a seguir, Stephanos? O atirador está morto —
um corajoso rompeu o silêncio.
Encarei Orfeu Demetrion, um dos chefes da Aderfia, o homem é pouco
mais jovem do que eu, contudo, é um bastardo bom nos negócios. Não me
estranha que esteja aqui logo que soube do atentado que sofri noite passada.
Esse idiota controlador não ficaria longe, ainda mais depois de ter me
alertado por meses sobre algumas movimentações estranhas dentro da
organização, coisa que já estou bem ciente.
Sempre tem algum desgraçado traiçoeiro tramando pelas minhas costas.
A porra da “cadeira” onde me sento é muito almejada.
— Meus homens descobriram a identidade dele — falo, me referindo
ao homem morto. Era um profissional, não havia nada com ele que o
identificasse, levou horas e muito trabalho por parte dos meus homens até
chegarmos em um nome. — Egorov Semyonova.
— O atirador da máfia? — questionou Helena com certa surpresa.
Assinto.
Novamente a sala fica em silêncio.
Zeus está distante dos outros, encostado próximo a uma das janelas olha
para o longe com o olhar vazio. Nessas horas nem mesmo eu sei o que o
homem está pensando. Se não fosse pelo incidente de horas antes, esse
bastardo já estaria em um avião rumo a Los Angelis, onde está a frente de
um empreendimento há alguns meses.
Eu sempre tenho que estar atento ao meu redor, nem mesmo Helena
tem minha confiança total. É assim que precisa ser quando você está no topo
da cadeia alimentar. Zeus é um homem de confiança, sua palavra tem poder.
Isso não quer dizer que eu baixe a guarda, ele pode ser tão assustador quanto
eu, manter os olhos atentos é minha melhor arma.
— O que você pensa, Zeus? — direciono a pergunta a ele, o homem me
encara na mesma hora provando que apesar de parecer distraído estava
atento a cada palavra dita na sala onde estamos nós dois, Helena, Lupi,
Orfeu e Atlas, o chefe da minha segurança privada.
— Está claro que foi alguém de dentro, com influência suficiente para
colocar um assassino de aluguel dentro da boate. O homem tinha acesso ao
prédio e informações privilegiadas. Além de ser um notório assassino de
aluguel dentro da máfia, seu serviço não é barato. Você tem sorte de ainda
estar respirando.
Não chamo essa merda de sorte, apesar de um rápido flash passar por
minha mente, nele Perseu está se jogando por cima de mim e no momento
seguinte eu o estou enforcando. Teria quebrado seu pescoço se não tivesse
ouvido o som de tiros.
Só de pensar nisso sinto minha mão formigar e aperto-a com força.
Essas merdas que fogem ao controle não são divertidas.
— Também penso assim, isso é trabalho interno — concorda Helena.
— Não podemos esquecer que nos últimos meses várias das nossas
cargas foram interceptadas pela polícia, tivemos muita dor de cabeça e até
perdemos algumas mercadorias — completou Lupi.
— Você sabe o que penso sobre isso — emendou Orfeu, o homem foi o
primeiro a me atentar para essa movimentação estranha na Aderfia.
É claro que eu já havia notado certo descontentamento de alguns dos
meus homens, em específico aqueles com maior poder. Quanto mais se tem,
mais se quer ter. Até mesmo Orfeu estava sob o meu radar.
As cargas de contrabando sendo interceptadas, vistorias não planejadas
em cargas que deveriam passar despercebidas. O crescimento rápido de um
Cartel insignificante, mas que logo se tornou uma pedra no meu sapato.
Existia um limite naquilo que um homem pode chamar de coincidência.
— Eu estou bem ciente de que algum “aliado” meu quer ter mais poder
do que eu estou dando-lhe — respondo as suas inquietações. — Ficaria
surpreso se isso não acontecesse.
Disputas dentro da máfia são mais comuns do que se pensa, a grande
questão é saber quando cortar o mal pela raiz. Isso deve ser sempre no início
e de forma impiedosa. Faça um exemplo, imponha respeito e não deixe que
o caos se instale. Grande parte da minha força está no fato de que sou temido
e respeitado, se isso for desacreditado por um minuto que seja, será um
grande problema.
— O que pretende fazer? Precisa que eu fique por mais algum tempo?
Dispenso a oferta de Orfeu com um gesto de mão, precisava dele em
Albany. Não é como se alguns ratos tentando começar uma revolta fossem
interferir no andamento dos nossos negócios.
— Siga com seus planos, podemos resolver tudo por aqui.
Ele assente, não é um homem que gosta de contrariar ordens, pelo
menos não quando está disposto a segui-las.
Rapidamente dispenso todos, que vão aos poucos saindo do meu
escritório. Helena ainda estava irritada por não ter tido a chance de
interrogar o assassino de aluguel, apaziguei sua frustração atribuindo o
serviço de buscar mais informações sobre seu contratante, isso era trabalho
para Zeus, mas sei que os dois trabalham bem juntas.
Ao final, me encontrei a sós no amplo escritório. O dia já havia
amanhecido, a luz da manhã entrava pelas grandes janelas panorâmicas e
quase conseguiam trazer um pouco de serenidade para meu escritório. Uma
tolice se você pensar em tudo que esse lugar já presenciou.
Esse pensamento me faz lembrar do apartamento medíocre onde vive
Perseu, o lugar está caindo aos pedaços e caberia facilmente dentro dessa
sala.
Se eu fizesse uma gaiola de ouro para ele, aposto que seria melhor do
que o lugar que ele chama de casa.
— Ai, ai, Stephanos, não vá ter ideias tão cedo. Você ainda nem dormiu
— comento com diversão, enquanto abotoo os botões da minha camisa
social e deixo o escritório para trás.
O tempo todo sinto a contração dos meus dedos, ansiando, lembrando
do momento em que essa mesma mão se envolvendo em volta do pescoço de
Perseu e tirou seu ar, sentiu a maciez da pele e trouxe medo aos olhos
escuros... e porra se essa merda quase me deixou excitado.
Minhas mãos suaram frio por boa parte da manhã, a todo momento
pensava que que seriamos chamados para atender a denúncia anônima
relatando uma suposta invasão a um prédio comercial. Quando isso
acontecesse eu temia o que nos esperava.
Andrea tinha falado por horas sobre uma peça de teatro que teria na
escola de uma de suas filhas, ela até tentou me convencer a ir. O que eu faria
se minha parceira se machucasse? Eu não devia confiar em Stephanos, não
confio nele! Mas também não posso deixar de lado a sua “ajuda”, terei que
seguir por caminhos que não quero, que certamente serão minha ruína total.
Stephanos Paraskevas é só um deles.
— Você está mais calado hoje do que nos outros dias, e ainda está com
essa marca estranha no pescoço. Tem certeza de que não está tendo
problemas no bairro onde mora? Eu já disse que podemos nos apertar em
minha casa e...
— Está tudo bem, Andrea — digo, se não estivesse com as mãos no
volante as teria levado até meu pescoço. No local tinha ficado manchas
horríveis do incidente com Paraskevas. O desgraçado quase me sufocou até a
morte quando tudo que eu fiz foi salvar a sua vida.
Tenho que parar de me meter nesses assuntos.
— Espero que não esteja mais vendo esse cara que te deixou desse
jeito! — ela retruca com os braços cruzados.
Eu tinha dito que saí com um homem que tinha gostos um pouco
violentos. Chame isso de humilhação, o tempo todo em que contava essa
mentira me lembrava do maldito Paraskevas, como se fosse uma vingança
do destino por contar uma mentira a Andrea, essa mulher que só quer me
ajudar. Ela nem mesmo piscou um olho quando eu falei que sou gay, coisa
que não pode ser dita de todos os meus colegas.
Certo que não saio por aí com uma placa no pescoço, “oi, eu sou gay”,
mas sempre que algum colega da delegacia descobre, já que não tento
esconder, rende piadinhas e insultos homofóbicos. Em Staten Ville era a
mesma merda, Ducan foi um dos poucos que nunca me olhou diferente por
causa da minha sexualidade. De resto, o departamento de polícia costuma ser
um lugar repleto de homens tentando provar alguma coisa, seja a sua
masculinidade ou o fato de que são melhores do que as mulheres. Poucos
conseguem não pensar assim.
O ambiente é machista, misógino e homofóbico. O combo perfeito.
— Eu te disse que foi coisa de uma noite — tento brincar para ver se
ela esquece desse assunto. Por mais que sinta um gosto amargo na boca
sempre que associo sexo e Paraskevas.
“Por favor, deuses, que meu pau murche e caía se eu algum dia tiver
uma ereção por causa daquele homem. Minha cota de heteros estúpidos foi
extrapolada há muito tempo.”
— Nunca vi um policial se arriscar tanto como você faz, Perseu...
Sua “bronca” foi interrompida pelo rádio da polícia.
— Viatura 135... Viatura 135, responda.
— Aqui é da viatura 135 — foi Andrea quem respondeu.
O tempo todo engoli em seco e apertei o volante entre os meus dedos.
Havia chegado a hora.
— Temos uma denúncia de invasão no 1224 da rua Charlington, vocês
são a viatura mais próxima ao local.
— Entendido central, estamos a caminho.
Rapidamente girei o volante e nos coloquei a caminho do endereço
citado. Como o esperado era um velho prédio, supostamente vazio. Andrea
desceu do carro e eu a acompanhei. Entramos no local depois de uma rápida
vistoria na parte externa. A rua em volta estava vazia, o lugar silencioso.
Tudo parecia normal até entrarmos com nossas armas em punho.
Eu queria avisar Andrea, pedir para que ela se preparasse para o que
pudéssemos encontrar, mas sabia que se fizesse isso levantaria suspeitas.
Teria que falar de coisas que não posso, por isso me limitei a seguir na sua
frente e dizer:
— Fique atenta, acho que ouvi um barulho vindo da parte de trás.
Minha parceira assentiu e caminhou logo atrás.
O prédio era antigo e não tinha elevador, por dentro estava
malconservado e parecia abandonado. Tinha um segundo andar, mas não
fomos para ele antes de vistoriar todo o andar de baixo. Para a nossa sorte,
assim como tinha dito Stephanos, o lugar estava quase vazio. Ao chegarmos
na parte de trás surpreendemos dois homens que estavam pesando e
embalando metanfetamina.
Eles ficaram tão surpresos com nossa chegada que demoraram a reagir.
— Polícia, mãos para cima! — gritei.
Um deles fez exatamente o que pedi, o outro tentou correr e foi
interceptado por Andrea. Ela foi rápida ao colocá-lo contra a parede e o
algemar. A essa altura eu temia que tivesse mais alguém no prédio e pudesse
nos surpreender, enquanto minha parceira estava incrédula sobre o que
tínhamos acabado de encontrar.
Ela começou a tagarelar sem parar sobre as drogas, eu fui rápido em
pedir reforços. Penso que estava tão nervoso, temendo que algo desse errado,
que Paraskevas estivesse brincando comigo, que não tive noção do que tinha
acabado de acontecer até que os reforços chegaram e começaram a vistoriar
o resto prédio e a separar a droga para apreensão.
O total de cem quilos de metanfetamina foram encontrados no local.
Cheguei a ser parabenizado por pessoas que antes nem olhavam na minha
cara quando eu passava. Andrea estava agindo como se fosse algum tipo de
estrela. Deixei que ela tirasse a foto para o jornal, não era uma primeira
página, mas teria repercussão suficiente para que eu conseguisse chamar a
atenção dos meus superiores.
— Você e Andrea fizeram um ótimo trabalho hoje.
Tentei sorrir e parecer satisfeito diante do chefe, John Meyer era um
policial das antigas, eu realmente acreditava na dignidade do homem depois
de poucos meses trabalhando sob suas ordens. Se o mundo fosse um lugar
diferente, se meus objetivos fossem diferentes, John seria o tipo de homem
em quem confiar. Infelizmente as coisas não são assim, e tudo que posso
fazer é tentar impressioná-lo e usar disso ao meu favor.
— Nós tivemos sorte, chefe, o lugar estava quase vazio e não teve troca
de tiros.
Isso tudo se devia a influência de Paraskevas, e isso eu manteria em
segredo.
— Você está certo, no entanto, isso não muda o grande feito. Essa foi a
maior apreensão de drogas do ano. Você deve saber que o prefeito pretende
se candidatar para as reeleições, com isso o comissário Hawking anda
pressionando o departamento em busca de resultados, ainda mais depois do
banho de sangue que aquele maldito Cartel e a máfia protagonizaram.
Andrea e você vão ficar sob os holofotes por um tempo, era de algo assim
que o departamento precisava para limpar um pouco a nossa imagem.
Eu podia dizer que ele estava descontente com a situação, que estava
fora de suas mãos. Para um homem como John, desviar a atenção da
população era puro jogo político. Para mim também era, sempre detestei
essas coisas, até precisar fazer uso delas.
— O que estou tentando dizer é que você deve ser esperto, cuidado para
não se deixar levar por todos os elogios que vai ouvir daqui pra frente,
mantenha a cabeça no lugar e vai conseguir tirar proveito da situação.
Assinto.
— Entendo, chefe.
Ele me olha com desconfiança por alguns segundos, depois respira
fundo, parecendo cansado.
— Dentro de alguns dias vai ter um evento de caridade onde todos os
figurões da cidade marcaram presença. O prefeito vai fazer uma fala, o
comissário vai estar lá, ele ligou pessoalmente para mim e disse que quer
Andrea e você presentes. Esteja preparado para ser usado por essa gente em
meio a manobras políticas.
Quase sorri diante de sua tentativa de me abrir os olhos.
Algum dia já fui um policial jovem e inexperiente? Penso que até nos
meus primeiros dias de trabalho já estava calejado pela vida para saber que
nem todo mundo que sorri e te dá tapinhas nas costas, de fato, acredita em
você.
— Eu estarei lá, chefe.
Ele me estudou por mais alguns segundos, então assentiu.
— Bom trabalho, Perseu.
Essas palavras quiseram ter algum efeito em mim, rapidamente as
suprimi.
Não havia sido um bom trabalho, tinha sido o começo do fim para mim.
— Perseu, cara!
Ao sair da sala do chefe fui recebido por vários rostos familiares,
muitos sorridentes como eu nunca tinha visto antes. Até alguns detetives do
departamento tinham se juntado aos pobres mortais.
— Hoje você precisa sair e comemorar com a gente.
Tentei negar e fui interrompido por um colega que jogou um braço por
cima dos meus ombros e começou a me levar para a porta. O tempo todo
Andrea estava observando todo com um sorriso no rosto. A mulher vivia me
dizendo para sair mais, ir beber com os colegas depois do trabalho.
“Você é muito solitário, Perseu, precisa fazer amigos!” dizia sempre, e
dessa vez se aproveitou da situação e nem tentou vir ao meu socorro. Na
verdade, minha parceira nos acompanhou até o bar localizado na esquina,
era o ponto de encontro preferido dos policiais locais, assim como o café um
pouco acima na rua. Esses dois lugares viviam lotados de policiais.
Naquela noite não foi uma exceção, poderia até apostar que o lugar
estava mais cheio que o normal. Quando passamos pela porta fui
cumprimentado por homens que nunca tinha visto antes, eles fizeram
perguntas e me pagaram bebidas como se fossemos velhos amigos, ou
melhor, como se eu fosse algum tipo de herói. Queriam saber detalhes da
apreensão de drogas, e não acreditavam na simplicidade dos fatos que eu
relatava. Nem eu mesmo conseguia acreditar que tudo tinha sido tão fácil.
Esse é o tipo de poder que Stephanos Paraskevas possui, ele pode
transformar um simples e lamentável policial de Nova Iorque em uma
“estrela” do dia para a noite.
Eu ainda estava incrédulo com a situação quando cheguei em casa mais
tarde do que o normal. Muitos pensamentos entravam em conflito em minha
mente.
Aquilo era “bom demais” para ser verdade.
O que Stephanos tinha ganhado com uma apreensão de drogas como
aquela?
Os traficantes eram seus inimigos?
De uma coisa eu tinha certeza, ele estava me usando. Não era porque o
dia tinha acabado bem para mim que eu deveria abaixar a guarda.
Nesse jogo eu sou o peão, e ele é o rei.
Me arrastei para dentro do meu apartamento, bêbado demais para
pensar racionalmente. Meu subconsciente ainda tentou me pregar uma peça,
tem que ser isso, pois jurava que encontraria Paraskevas me esperando
quando passei pela porta. E mesmo ao não o ver, procurei por cada canto do
espaço pequeno e decadente até me dar por vencido e me jogar na cama de
roupa e tudo.
— Você é patético, Perseu — resmunguei para mim mesmo, a cara
enfiada nos travesseiros.
Rolei na cama de um lado para o outro, pensando no dia, na conversa
com o chefe, na tal festa de arrecadação para a caridade... No maldito
Stephanos Paraskevas!
O sombra
Era assim que apelidaram o atual chefe da Aderfia. Muito se diziam
sobre o início desse nome peculiar. Alguns diriam que o homem era
praticamente invisível, poucos conheciam seu rosto. Nos inquéritos policiais
não tinha fotos ou descrições. O homem era realmente uma sombra que se
misturava na escuridão e atacava seus inimigos sem a mínima misericórdia.
Depois de conhecer a real identidade desse homem: Stephanos
Paraskevas, um empresário influente em Nova Iorque, em todo o país e fora
dele, não me estranha que o chamem de sombra. É assim que ele age, para o
resto do mundo é um sujeito respeitado, mas nas sombras se esconde um
criminoso sem escrúpulos.
— Por que estou fazendo isso?
Me arrasto para fora da cama, pego meu celular e entro na internet.
Digito seu nome como se isso fosse me dar mais informações do que já
tenho. Que estupidez. A quem eu quero enganar.
— Ele é gostoso.
De uma forma sombria e totalmente diferente de tudo que já
experimentei.
— Eu não quero experimentar, Stephanos Paraskevas! — resmungo
com uma voz bêbada, me jogando de volta na cama com o celular ainda em
mãos e aberto em uma maldita foto onde o homem aparece em um terno
elegante, ao lado de algum político importante.
Ele está tão polido, sorridente e elegante. Nem parece o bastardo que eu
conheço.
— É por isso que você sempre se ferra, Perseu.
Jogo o celular na cama, por sorte ele cai no colchão, estou sem dinheiro
para comprar um novo.
— Tem que ser o álcool para eu estar achando esse filho da puta bonito,
é isso...
Resmungo e me aconchego na cama, caindo no sono em poucos e
minutos. Mais sorte ainda é que foi um sono pesado o suficiente para que
não tivesse sonhos, odiaria que “esses pensamentos de merda” se
prolongassem mais.
CAPÍTULO 6
Meu irmão está acostumado a fazer o quer, ele nunca foi do tipo que
segue regras, Stephanos as crias e faz com que aqueles abaixo dele as
obedeçam. No entanto, isso nunca o tornou um idiota descuidado. Ele estava
dando um show diante dos olhos de homens e mulheres que não hesitariam
antes de usar qualquer pequena informação contra o temido mafioso.
— Não temos nada para ver aqui — falo, tomando toda a atenção para
mim enquanto vejo meu irmão arrastando o policial para fora do salão
principal localizado no terceiro andar da The Hell.
Concordo que Hector Petrov é um idiota, eu mesma desejaria quebrar
sua cara até que ela virasse uma papa sangrenta, mas de preferência faria
isso sem agir como um homem das cavernas defendendo sua... seja lá o que
Perseu é.
O que está acontecendo com você, Stephanos?
— Como ele está? — pergunto para Lupi, ela está abaixada ao lado do
corpo inerte e sangrento de Petrov.
— Vai sobreviver — responde, se levantando e fazendo um gesto para
que dois seguranças se aproximem. — Vou levá-lo para um dos quartos
privados.
Assinto, sabendo que ele precisava de atendimento. Minha mulher é
boa demais para atender um lixo como esse, ainda assim deixo que ela o
faça. Petrov foi ferido em nossa boate, pelo meu irmão, bem diante dos olhos
dos nossos clientes, e não é como se pudéssemos chamar a polícia ou o levar
até um hospital.
Vendo Lupi seguir atrás dos seguranças que carregavam Petrov, falo
mais uma vez para nossos clientes voltarem a beber e aproveitar a noite e
com um enorme sorriso sedutor no rosto sei que consegui meu objetivo. Aos
poucos eles voltam as suas atividades como se nada tivesse acontecido,
passo pelos empregados que limpavam o sangue do chão e sigo direto pelo
corredor restrito ao público, foi por lá que Stephanos levou Perseu.
— Por onde ele foi? — questiono ao soldado fazendo a segurança do
corredor.
— Para o elevador, senhora — respondeu, baixando a cabeça em sinal
de respeito.
Passei direto por ele e caminhei até o elevador. Sabia que Stephanos
ficaria ainda mais puto se eu o interrompesse, isso não me impediu de descer
até a garagem, local para onde ele certamente iria se quisesse tirar Perseu da
The Hell.
Normalmente tento me manter a parte, não me meto em suas decisões e
ele faz o mesmo por mim. Contudo, nos momentos em que o idiota perde a
razão e está prestes a fazer uma grande besteira, eu tenho que ser a voz da
razão e impedir. E os deuses sabem como odeio ter que fazer essa merda de
papel, Stephanos desgraçado!
— Eu disse pra você soltar, porra!
Escutei os gritos de Perseu logo que as portas do elevador se abriram. A
garagem estava silenciosa, com exceção dos dois homens adultos brigando.
Stephanos arrastava Perseu como se o policial fosse um boneco de pano, em
contrapartida o homem lutava contra o aperto em seu braço e se recusava a
segui-lo até o carro.
— Eu faria isso caso não queira deslocar o ombro dele — falo, ouvindo
o ressoar dos meus saltos ao caminhar pela garagem.
— Não se meta, Helena! — meu irmão berra, como eu sabia que ele
faria.
— É melhor ouvir a sua irmã, caso ainda não tenha percebido, eu sou
bem grandinho e dispenso sua proteção.
Aquele olhar louco nos olhos de Stephanos nunca era um bom sinal.
— Quem disse que estou protegendo você? — O balançou pelo braço.
— Te dei liberdade o suficiente para que esquecesse o seu lugar, Pouláki?
Se você quer ser uma das minhas prostitutas é só dizer, mas não pense que
vai se vender na minha boate como estava fazendo agora pouco!
Eu sabia que era a coisa errada a se dizer antes mesmo de ver o ódio
brilhando nos olhos de Perseu antes que o homem usasse o braço livre para
acertar um soco no queixo de Stephanos. E tenho que admitir, o homem era
mais forte do que aparentava, conseguiu que meu irmão o soltasse enquanto
dava um passo para trás, uma mão cobrindo o queixo, sangue escorrendo do
local.
— Seu filho da puta! — a voz de Perseu não foi gritada, o homem
estava calmo e frio. Permaneci parada onde estava, temendo dar um passo à
frente, meu irmão tinha se recuperado do golpe e o encarava com uma frieza
semelhante no olhar. — Eu sou gay, isso não me torna uma vagabunda, ou
por acaso você também é uma? Se formos olhar por esse lado era você quem
estava lá cercado de mulheres.
Oh, oh, oh... o que temos aqui?
— Passarinho!
Perseu estremeceu diante do tom de aviso de Stephanos, e deu um
passo para trás quando meu irmão foi em sua direção.
— Pode me chamar de passarinho o quanto quiser, mas se pretende
quebrar as minhas asas, te garanto que vou fincar minhas garras fundo o
suficiente para perfurar seu maldito coração!
Contrariando até as minhas próprias expectativas, Stephanos foi
abrindo um sorriso que se ampliou de um lado ao outro de seu rosto.
Esse imbecil ficou completamente insano, é a única explicação.
E essa insanidade deveria ser contagiosa porque Perseu não estava tão
alheio a isso tudo. O homem tentava disfarçar, mas aquele sorriso o afetou.
Soltei um riso alto e atraí a atenção de ambos.
— O que é tão engraçado?!
Ah o esquentadinho, como esse homem conseguiu entrar na polícia?
Ele tem um espírito combativo demais para ser chamado de mocinho.
— Me diga você, o que acha que é tão engraçado?
O homem contorce os lábios em desagrado. Sim, ele sabe. E pelo olhar
no rosto de Stephanos, ele também está ciente do que acontece aqui.
E eu que pensei que ele era reto como uma flecha.
— Seja lá qual for a merda que tenham para resolver, façam isso longe
dos olhos alheios. Ninguém aqui quer dar a impressão errada para todos os
abutres que esperam ansiosos por um sinal de fraqueza, não é mesmo? —
faço a pergunta olhando diretamente para os olhos do meu irmão. Seriedade
toma conta de seu rosto.
— Vamos, Pouláki!
Mesmo que a poucos minutos os dois estivessem espumando de ódio,
de forma surpreendente, o policial o seguiu sem mais questionamentos.
São dois doentes, tenho certeza de que se procurar vou encontrar mais
semelhanças entre eles do que diferenças.
— O que houve, linda? — a pergunta de Lupi vem junto de seus braços
envolvendo minha cintura. Ela para atrás de mim, nossos corpos se tocando
e seu rosto afundando em meu pescoço.
— Meu irmão enlouqueceu de vez.
— O policial?
Assinto.
— Ainda acho arriscado colocar um policial no meio de operações tão
sigilosas.
Tinha que concordar com minha mulher, Perseu salvou sua vida quando
Lupi foi sequestrada por remanescentes do extinto Cartel Los Hermanos. Era
por isso que eu tolerava sua presença. Stephanos parecia querer o rapaz
como um bichinho de estimação, achei isso um jogo arriscado, mas é justo o
tipo de coisa que meu irmão gosta, então fechei os olhos para isso. Contudo,
ele está inserindo o policial em nossos negócios agora, deixando-o ter
informações que não deveriam sair da cúpula principal de Aderfia.
Tal coisa é arriscada demais. Stephanos sabe disso, e parece gostar do
risco.
— Tentei dizer isso a ele, as coisas aconteceram como o esperado com
o laboratório de metanfetamina e por isso meu irmão pensa que é uma boa
ideia ir ainda mais longe.
— Estamos falando de traição, uma conspiração para tirar o Igétis do
poder. Stephanos deveria entender isso e dar a devida atenção a situação.
— Ele não é idiota, sei que pensa ter tudo sobre controle.
— Não colocando tanta confiança em um completo desconhecido!
Sorrio diante da sua preocupação, ela é sempre assim, a pessoa com
mais juízo entre todos nós. Lupi age de forma racional, pensando no bem da
Aderfia.
— Vamos ficar de olho no policial e garantir que nada saía do controle
— falo, girando em seus braços até ficar de frente para ela.
Minha borboleta é baixinha mesmo em seus saltos, eu acho fofo, por
mais que Lupi me encare com olhos apertados sempre que menciono isso.
— Você também desconfia dele? — questiona com uma sobrancelha
arqueada, o rosto contorcido mostrando seu desagrado.
Roço meus lábios nos seus, fazendo-a suspirar e relaxar quando
envolvo seu corpo com meus braços.
— Pode não parecer, mas Stephanos sabe o que faz.
Por mais que nesse momento ele esteja navegando por águas
desconhecidas. Olhar para os olhos castanhos da minha Petaloúda me faz
pensar no quanto tive sorte nessa merda de vida. Tive que construir meu
lugar dentro da Aderfia em cima de uma pilha de corpos cercados por um
mar vermelho de sangue. Nunca foi fácil, eu sabia disso quando percebi que
deseja bem mais do que ser uma “princesinha” da máfia.
Alguém dissimulada como eu jamais deveria conhecer a doçura de
amar e ser amada. Então Guadalupe apareceu na minha vida, uma jovem
médica de espírito forte que foi capaz de se voltar para o que acreditava
apenas para poder estar ao meu lado. Ainda é difícil de acreditar que alguém
como ela possa amar uma pessoa como eu.
É possível mesmo ver além dessas rachaduras manchadas de sangue e
corrupção?⁹
Lupi conseguiu esse feito, e merecendo ou não, sou amada por ela. Esse
ser falho que nem mesmo merece conhecer o amor, o tem de sobra.
Estou mesmo surpresa por meu irmão estar tendo sua vida virada de
cabeça para baixo?
Esse filho da puta é pior do que eu, um poço de egoísmo, alguém que
só se preocupa consigo mesmo. Será capaz de segurar entre suas mãos algo
tão precioso sem correr o risco de o sufocar até a morte?
— Por que está suspirando?
Nego com a cabeça, tentando fugir da pergunta de Lupi. Ela é esperta e
em pouco tempo, se as coisas continuarem como estão, vai perceber que
Stephanos está perdido em meio a uma realidade que ele desconhece: o
desejo de possuir algo que não pode ter.
Não pode ter... já faz algum tempo que cheguei a uma conclusão sobre
essa frase.
Nós podemos ter qualquer coisa, até seres obscuros como nós. A
questão é conseguir manter, estamos tão acostumados a matar tudo que se
aproxima, que é difícil manter vivo mesmo aquilo que nos faz bem. Acima
de tudo é assustador, e nós atacamos o que nos assusta.
Boa sorte, irmão, eu penso o jogo virou e não consigo ver um vencedor
até o momento. Você e Perseu são dois loucos fodidos mesmo.
CAPÍTULO 9
Levou exatas cinco semanas para que todo o passando de Perseu fosse
completamente escavado. Cheguei a mandar um dos meus homens para
Staten Ville em busca de informações, queria preencher todas as lacunas que
o primeiro relatório deixou. Dessa vez tinha um interesse pessoal em tais
informações, desejava saber sobre a raiz do problema e o que tinha
atormentado Perseu aquela noite na The Hell.
E no momento em que tive tais informações em minhas mãos pude
entender com riqueza de detalhes o que deixou um vazio em sua alma.
— Você tem certeza disso? — questionei para o homem parado diante
da minha mesa, ele havia entregado um relatório detalhado sobre a vida de
Perseu, incluindo o caso sem solução do assassinato de seu parceiro e toda a
sua família.
Essa informação estava fragmentada no primeiro relatório que consegui
sobre o passarinho, por causa disso não dei tanta importância e não fiz
qualquer associação. Dessa vez as informações estão claras o suficiente para
que não restem dúvidas.
— Sim, Igétis, verifiquei tudo em Staten Ville e depois preenchi as
lacunas com informações vindas de dentro da Aderfia.
Apertei com tanta força o tablet em minhas mãos que parti a tela,
atirando-o do outro lado da sala logo em seguida.
— Senhor...
— Saía!
Assentindo, o soldado se retirou sem qualquer outra palavra dita. Então,
como se sentisse o cheiro da minha raiva e frustração, Perseu passou pela
porta do escritório da mansão. Ele tinha uma expressão entediada no rosto e
me encarou com desgosto, como costuma fazer sempre.
Parei alguns segundos, o encarando. Se fosse qualquer outra pessoa eu
teria atirado o objeto mais próximo a mim, mirando sua cabeça por se
atrever a entrar sem ser convidado, justamente em um momento em que me
sinto tão fora de mim.
Entretanto, o que fiz foi o chamar com o dedo.
Perseu me encarou de volta, torceu os lábios, mas veio até mim.
Sentou-se em meu colo e passou os braços em volta do meu pescoço. Em
seu rosto permaneceu a expressão de desagrado, mesmo que os olhos
castanhos mostrassem outra coisa, algo que eu tenho visto muito nas últimas
semanas. Uma maldita coisa que eu amo e odeio na mesma proporção.
— Por que parece a ponto de matar alguém?
Sorrio ao invés de responder, sei que é um sorriso frio.
Perseu não se incomoda com ele, tampouco tenta fugir das minhas
mãos quando uma delas vai em direção ao seu pescoço, lento, acariciando a
pele antes de começar a apertar aos poucos. Suas mãos apertam meus
ombros e ele abre a boca puxando o ar quando o meu aperto se intensifica.
Em momento algum vejo medo da morte em seus olhos, mesmo quando ele
crava as unhas com força e luta por ar.
Por que não o mato aqui e agora, acabando com essa história de uma
vez por todas?
Faltava tão pouco para ver a luz se apagando dos seus olhos, mas o que
fiz foi colocar ar em seus pulmões, tirando da minha própria boca. Um ato
insano, um desejo egoísta de mantê-lo vivo.
O que eu faria com um passarinho morto?
— Louco — sussurra com meus lábios ainda grudados nos seus, ele
luta em busca de ar, a cor voltando para suas bochechas. Minha mão agora
está em sua nuca e o puxa para mim.
Quando a poucos minutos estava a ponto de matá-lo, acabei beijando-o.
E continuei beijando quando ele novamente ficou sem ar, prolonguei o
beijo em meio ao gosto de sangue fluindo dos seus lábios partidos pela
minha brutalidade. Ele era todo meu, seus gemidos de prazer e os de dor
também.
Não havia como ser diferente, esse lindo passarinho não nasceu para
voar livre, ele nasceu para pertencer a essa gaiola.
O que você faria, passarinho?
O que você faria se descobrisse que precisa colocar mais um nome em
sua lista de vingança?
CAPÍTULO 18
— Vai sair?
Tal pergunta me faz interromper o passo e olhar por cima dos ombros,
xingando em minha mente. Apesar de estar reticente com relação a ajudar
Helena com os preparativos da tal festa de aniversário para Paraskevas, é
bom poder sair dessas paredes onde estou praticamente trancafiado desde
que fui incriminado e minha morte foi forjada, tudo isso pelo mesmo homem
que me mantém cativo.
Veja bem, as portas da mansão não estão trancadas, mas eu não tenho
para onde ir ou com quem contar a não ser Paraskevas. Ele sabe muito bem
disso, talvez essa seja a razão para não ter uma corrente de ferro presa ao
meu tornozelo.
— Helena quer visitar pessoalmente um buffet, eu vou acompanhá-la
— respondo, vendo o homem enorme se aproximar.
Stephanos permanece uma figura impressionando com seus músculos
enormes quase estourando a costura das roupas caras. Posso vê-lo mil vezes,
inclusive sem qualquer roupa em seu corpo, e ainda assim a sua presença vai
continuar sendo impactante.
Estou fodido em tantos níveis.
— Por acaso estou proibido de colocar os pés para fora? — emendo,
com um tom provocador. Ele permanece sério quando chega diante de mim e
suas mãos vem até o meu corpo.
Como um idiota, espero por esse contato. Stephanos está sempre me
tocando, segurando, apertando, ele é bruto ao ponto de deixar marcas que
duram dias. Meus quadris carregam as marcas de seus dedos como se fossem
uma tatuagem. De uma forma louca e retorcida, gosto disso. Gosto mais do
que seria saudável, não tem nada de bom nascendo de algo assim, então por
que me sinto tão vivo quando estou sendo visto por esse homem com olhos
que refletem a própria morte?
— Cuidado com a língua, passarinho — adverte, suas mãos deslizando
até a parte de trás da minha calça, ele ergue a camisa e sinto o frio da arma
que é colocada no cós da calça.
— Se vai me manter prisioneiro deveria colocar uma algema me
prendendo a você — resmungo.
Atacar, retrucar, mostrar as garras e tentar ferir de volta é tudo que eu
posso fazer.
Entendo a situação em que me encontro. Dependo desse homem, ele é a
única pessoa que pode me ajudar agora, por outro lado ele me vê como uma
coisa, algo que deseja possuir. Se eu abaixar a cabeça e aceitar tudo, onde
vou chegar?
— Não me dê ideias, Pouláki — responde, segurando meu queixo com
firmeza e me fazendo o encarar.
— Como se eu precisasse fazer isso, seu fodido de merda.
Ele sorri, um sorriso amplo e predador. Meu estômago se contrai, o
corpo esquenta, a boca seca. Eu queria ter outro gosto dele, ser puxado com
força e fodido com aquela maestria que me fazia perder todo o orgulho e
gritar por seu pau.
— Você tem sorte que estou ocupado agora, Passarinho, caso contrário
acabaria preso no meu pau... — A última palavra é sussurrada em meu
ouvido, e sem sequer um beijo, ele me dá as costas e sai andando. Tudo que
me resta é frustração e um desejo que não foi atendido. — Volte logo, e
poderá ter tudo o que quiser.
Ele não precisa fazer tal promessa, quem é esse homem que tanto me
confunde?
Parece até que ele quer me dar algo quando sempre toma tanto de mim.
— Pronto para ir? — Sou recebido por Helena que me esperava na
frente do seu carro, o veículo vermelho era uma Ferrari luxuosa e estava
parada em frente a porta principal da mansão Paraskevas.
— Vamos só nós dois? — questiono, entrando no veículo enquanto
sinto desconforto tomar conta de mim. Helena me detesta, o que planeja ao
pedir me ajuda?
— Gosto de dirigir, apesar disso um carro com seguranças vem logo
atrás. Meu irmão é inflexível com essas coisas. — Ela liga o carro e saímos
pela estrada de cascalho que se estende por quase um quilometro antes de
um grande portão aparecer. A propriedade é enorme e isolada.
Um pedaço do paraíso, ou do inferno se você preferir, livre dos olhos
curiosos e com toda a privacidade que a família de mafiosos poderia desejar.
— Desconfio até que tem mais de dois seguranças no seguindo hoje, ele
me deu todo um sermão sobre essa nossa saída. Parece até que eu estava
saindo por aí com o seu bem mais precioso, acredita?
Dou de ombros, acreditar em suas palavras seria perigoso.
Paraskevas me deseja, eu sei disso, mas não enxergo algo a mais. O
homem me vê como sua propriedade não como um amante que ele aprecia.
— O que pretende com isso? Eu sei que você me odeia.
Ela sorri, um sorriso que lembra muito o do irmão, Helena é uma
mulher estonteante, isso é inegável.
— Te odiar? Claro que não, apenas não confio em você e por isso vou
te manter o mais próximo que puder. Assim saberei se você merece alguma
confiança ou se apenas terei que te matar lenta e dolorosamente.
De fato, esses irmãos são muito parecidos.
Seu telefone começa a tocar antes que eu possa lhe responder, ela o
conecta ao carro e logo podemos ouvir a voz de um dos seguranças que
estavam no carro logo atrás.
— Senhora, tem dois Suv nos seguindo, fique atenta, eles devem tentar
uma emboscada no túnel à frente.
— Certo. — Depois de uma resposta curta, a mulher tinha deixado de
lado toda a diversão que refletia em seu rosto momentos antes e se tornou
fria como um cubo de gelo. Na mesma hora saquei a arma que Stephanos
tinha colocado no cós da minha calça e me preparei. — Fique abaixado e
fora do caminho — disse quando entramos no túnel e percebemos um
terceiro Suv obstruindo a saída.
— Eu era um policial até pouco tempo atrás!
— Desde que não fique no caminho e não morra para que eu tenha que
ouvir merda de Stephanos, faça o que quiser.
Ela pisa no freio e o carro para. Uma pistola está em sua mão antes que
eu possa acompanhar seus movimentos.
Olho para trás e percebo que os dois Suv que nos seguiam estão
obstruindo a entrada do túnel e não demora para que comecem a trocar tiros
com o carro dos seguranças. Estávamos encurralados, em menor número,
totalmente em desvantagem. Teríamos muita sorte se não acabássemos
mortos ali mesmo.
— Aquele desgraçado! — diz Helena com ódio escorrendo de suas
palavras. Vi que um homem saiu do Suv parado a nossa frente e rapidamente
o reconheci como o mafioso que vi na The Hell, Constantin, o braço direito
do homem que Stephanos quer destruir.
— Helena! — falo, homens armados estavam se aproximando pela
parte de trás do carro. A essa altura poderia tentar atirar, contudo, seriamos
rapidamente abatidos por estarmos em menor número.
— Fique calmo, ele deve estar atrás de mim. Se você continuar vivo
entre em contato com o meu irmão.
Dito isso, ela abre a porta do carro e sai.
Xingando alto, a acompanho.
— É sempre um prazer te encontrar, senhorita Paraskevas.
Constantin se aproximou de onde estávamos e estendeu a mão na
direção de Helena, ela ergue a arma e atira, acertando um dos homens
armados. Entretanto, antes que eu pudesse tentar ajudá-la, a mulher recebeu
um forte golpe na cabeça ao ser acertada com a coronha de uma arma. Ela
caiu no chão desacordada enquanto eu tentava inutilmente seguir até ela e fui
impedido pelos homens que haviam nos cercados.
— Abaixe a arma — disse Constantin apontando sua arma em direção
ao corpo caído de Helena.
Relutei por alguns segundos, pensando se poderia tentar atirar, logo
percebi que isso seria inútil. Sozinho eu não conseguiria derrubar ninguém
antes de estar morto com um tiro no peito. Abaixei a arma que foi tirada das
minhas mãos, em troca recebi um golpe na nuca e também apaguei.
Era um adeus tão quente e sedutor que se pudesse jamais sairia de seus
braços.
Ah, como eu queria ter esse poder.
Enquanto Helena dormia esparramada em nossa cama, seu corpo nu
contrastando lindamente com o branco dos lençóis e o castanho de seus
cabelos, eu me levantei e caminhei até próximo a janela. Estava escuro do
lado de fora, na tela do meu celular marcava uma da manhã. Abri o
aplicativo de mensagens e enviei uma mensagem curta para uma linha
segura.
Era a minha “resposta”, mesmo que não estivessem me dando escolhas.
“Quando devo ir?”
— Espero que um dia eu possa ser uma lembrança distante em seu
coração, linda, por mais que não seja digna disso.
CAPÍTULO 25
O sangue nunca me incomodou até estar coberto por ele e saber a quem
pertence. O tiro acertou pouco abaixo de seu pescoço, Perseu mal conseguia
respirar. Ele perdeu a consciência enquanto eu tentava desesperadamente
conter o sangramento.
Onde estava Lupi quando mais precisávamos dela?
— O helicóptero está pronto, vamos, Stephanos!
Helena era a única pessoa racional naquele momento, sei que ouvi
também a voz de Hades e que ele ofereceu ajuda para levar Perseu até o
helicóptero, o que recusei. Depois disso as coisas ficaram confusas e
embaçadas. Jamais agi daquela forma em toda a minha vida, mesmo quando
a morte estava diante dos meus olhos.
Perder o meu passarinho era algo inconcebível.
A viagem até o hospital foi rápida, tínhamos contatos de emergência
para situações como aquela. Uma equipe médica estava a espera quando
pousamos. Perseu foi tirado dos meus braços e levado para longe enquanto
Helena xingava e me mandava reagir.
Minhas mãos tremiam e meus olhos não conseguiam se desviar do
sangue seco em minhas mãos.
— Você precisa voltar! — Senti um forte impacto em meu rosto, ela
tinha me batido. — Perseu vai ficar bem, ele está nas mãos de médicos
muito competentes. Agora você precisa se limpar e voltar a si, entendeu?
Assenti, ainda silencioso.
Fomos levados para uma sala de espera ampla e confortável. Ela tinha
sido reservada para nós. Privilégios que o dinheiro pode comprar. Vir a um
hospital era uma coisa de último caso, para isso tínhamos Lupi e todo o seu
aparato médico na mansão. Contudo, em casos urgentes se fazia necessário
equipamentos e uma equipe mais completa, tudo com a garantia de que nada
seria registrado oficialmente.
— Lave as mãos, eu vou conseguir roupas limpas para você.
Entrei no banheiro anexo a sala de espera, limpei as mãos no
automático e por fim encarei meu reflexo no espelho.
Como tinha deixado aquilo acontecer?
Mal consigo reagir agora quando meu peito está oprimido ao ponto em
que é difícil respirar. A cena de Perseu com a arma que eu lhe dei, apontando
para si mesmo e disparando. Aquilo vai atormentar os meus pesadelos a
partir de agora.
— Eu deveria ter caçado Edmundo e o matado antes que ele tivesse a
chance de contar algo ao meu passarinho.
Tinha que ter sido ele, quem mais contaria a Perseu a verdade sobre
aquela infeliz coincidência? Foi um erro meu, algo do qual jamais vou me
perdoar. Quando descobri sobre o que motivava a vingança do meu Pouláki
eu devia ter agido, rastreado aqueles dois infelizes e cortado suas gargantas.
Dessa forma nada disso teria acontecido.
— Ele não precisava saber a verdade, saber que eu dei a ordem para
que seu parceiro fosse morto só traria dor e sofrimento. Não é como se
pudesse mudar quem sou ou o que fiz no passado. A ignorância era uma
dadiva e ao ter isso arrancado dele, Perseu perdeu tudo...
Um toque na porta me tira da minha miséria.
— As roupas — diz Helena estendendo uma pequena mala. Pego e
rapidamente me troco.
Ela tinha razão, eu precisava me recompor. Se me render agora jamais
vou ter o meu passarinho de volta. Mas o que devo fazer? Aquele olhar
morto foi a última coisa que ele me deu, como posso fazer o calor voltar para
os olhos escuros que aprendi a amar?
— O que eu faço, Helena? — questiono, voltando para a sala de espera
e me sentando ao seu lado.
Minha irmã me encara por um longo tempo, como se não acreditasse
que eu estava lhe pedindo conselhos. Era uma surpresa para mim também,
contudo, nas circunstâncias nas quais nos encontrávamos ela era a pessoa
que melhor deveria entender sobre amor. Apesar de sermos feito da mesma
matéria destrutiva, Helena deu o primeiro passo para encontrar a sua
felicidade ao lado da mulher que ama.
Posso eu fazer o mesmo depois de tudo que tirei de Perseu?
Sou uma pessoa tão vazia de sentimentos, serei capaz de preencher suas
rachaduras com o pouco que carrego comigo?
— Isso é uma coisa que você precisa descobrir sozinho, irmão. Seus
demônios são seus, e você é o único responsável pelos atos deles.
Abro um sorriso amargo.
A quem eu quero enganar, nem mesmo meu Pouláki seria capaz de
continuar amando um monstro como eu. No final eu não teria mais daqueles
olhares quentes. Só existe uma forma de continuar com Perseu, teria que
trancá-lo em uma gaiola da qual ele jamais poderá sair, ou vai voar para
longe de mim. E sendo assim. A única coisa que terei a partir de agora é seu
ódio.
Três dias.
Três longos e infernais dias e ele não acordou depois da cirurgia onde
seu coração parou duas vezes. Era como se não quisesse acordar porque
sabia que eu estava agarrado a sua mão, me recusando a deixar o seu lado
por mais tempo do que o necessário.
— As coisas estão finalmente se acalmando, o nome que você propôs
para assumir a área que antes estava sob o comando de Ícaro foi bem aceito
pelos demais chefes. Penso que isso estabilizará o poder dentro da Aderfia
por algum tempo.
Assinto, devolvendo a pasta que Zeus tinha me entregado. Nela
estavam os últimos relatórios da situação que enfrentávamos. Se de um lado
tudo estava se desenvolvendo como o esperado, do outro...
— Como ele está?
Penso por um tempo se devo responder, até então Zeus se limitou a vir
ao hospital e se reunir comigo na sala de espera. Ele não fez perguntas e não
apontou nada com relação a minha permanência nesse local.
— Ainda não acordou — acabo respondendo.
— O homem e forte, tenho certeza de que...
Antes que pudesse terminar suas palavras, Helena entra pela porta com
uma expressão que me faz ficar de pé e em alerta. Quase não encontro voz
para perguntar:
— Perseu? — Minha irmã tinha ficado com ele enquanto eu recebia
Zeus.
Não sou uma pessoa religiosa e jamais vou ser, mas nesse momento me
encontrei implorando para qualquer um que ouvisse: Por favor, não!
— S-Sinto muito — deixou escapar.
Eu já estava correndo para fora da sala quando ela completou com uma
vez instável.
— Ele está morto, Stephanos!
Corri sem me importar com mais nada, seu quarto ficava naquele
mesmo andar e eu bati a porta contra a parede quando entrei no cômodo frio
e exageradamente branco. Aquele maldito lugar estava me deixando doente,
ainda assim nada me preparou para ver meu passarinho tão pálido na cama
de hospital.
— Por que desligaram os aparelhos? — gritei, caminhando até eles, não
sabia como funcionavam aquelas merdas, e ainda assim tentei os religar.
— Stephanos! — Helena tentou me impedir e eu a empurrei para longe.
— Ele se foi, irmão... ele se foi!
— Calada! — berrei, a droga da máquina tinha tantos botões eu não
sabia como colocar aquilo de volta e fazê-la funcionar, acabei socando-a
com força o suficiente para quebrar e continuei socando até minha mão ficar
vermelha com o meu próprio sangue.
Ouvi cochichos ao redor, sabia que alguns enfermeiros estavam se
amontoando na porta, felizmente foram esperto o suficiente para não
tentarem se aproximar.
— Ele está com frio — falei, tocando a mão gelada de Perseu. O cobri
até o pescoço com o cobertor, o maldito era tão fino que não iria o aquecer.
— Por que deixam essa porra de quarto tão frio?!
Encarei Helena e ela tinha uma expressão marcada pela dor, eu não
queria ver seus olhos, então berrei para que saísse e me deixasse sozinho.
Ela o fez, a porta fechou atrás de seu corpo, tudo ficou silencioso depois
disso.
— Eu não posso deixar você ir, passarinho — sussurrei de encontro a
sua testa fria.
A cama do hospital era pequena demais, ainda assim consegui me
juntar a ele, agarrar seu corpo com intensidade me recusando e deixá-lo
partir por mais que meu lado racional já soubesse... Soubesse que eu estava
sozinho.
— Eu sou a sua gaiola, você não pode ir porque eu não te libertei. Eu
cortei suas asas, por que você pensa que pode voar para longe?
Quando fechei meus olhos desejei que a morte viesse para mim
também, mas não recebi esse alento. Quando acordei naquela cama pequena
e fria, o corpo de Perseu não estava mais. Helena tinha agido pelas minhas
costas, ela o tirou de mim.
Eu a odiei por isso.
Sabia que sua atitude foi a correta ao cuidar do corpo do meu
passarinho e dar um final digno a ele, isso não me impediu de a odiar.
Eu teria o prendido a mim, mesmo após a morte, se tivesse tido a
chance.
Contudo, o que me restou no final foi uma maldita urna cheia de cinzas.
— Pronto, está finalizada, senhor Paraskevas.
Levanto da cadeira e procuro um espelho, meu peito ainda doía quando
meus olhos comtemplaram as linhas bonitas que formavam a mais nova
tatuagem feita em meu corpo. A gaiola vazia estava bem em cima do meu
coração, mais para o lado dois pássaros voavam para longe.
Meu coração estava vazio tal como aquela gaiola, o dono deles havia
partido. Eu teria ido com ele se acreditasse existir algo após a morte, como
não é esse o caso prefiro continuar vivo e me agarrar a qualquer coisa que
meu passarinho deixou, mesmo que seja em sua maioria uma dor que quase
me incapacita. Se fosse possível escolher eu queria estar junto dele, voando
com meu passarinho, mas isso cabe apenas aos meus sonhos.
— Ficou ótima — falo, acenando com a mão para que Atlas leve o
tatuador embora. Meu chefe de segurança prontamente atende ao pedido e
fico sozinho em meu quarto. O quarto que um dia foi de Perseu.
Sim, eu me agarrei a qualquer coisa que restou dele. Primeiro me
agarrei ao seu cheiro até que ele desaparecesse com o passar dos meses.
Depois me agarrei a cada mínimo detalhe e lembrança que podia conseguir.
Foi isso que me manteve andando, por mais insano que tenha ficado.
A notificação de mensagem chegando ao meu celular me fez desviar os
olhos da nova tatuagem.
“RUA MARSHEL, 4001, APART. 205, NOVE HORA.”
Encarei com estranheza a mensagem de Helena, era difícil saber o que
minha irmã estava pensando. Ela tinha estava tão perdida quanto eu no
último ano. Lembro-me exatamente do momento em que a vida também
deixou seus olhos. Foi poucos dias depois da morte de Perseu.
— Não! Isso não pode ser, você tem que ter cometido um erro! — seus
gritos podiam ser ouvidos por toda a mansão, foi isso que me fez sair do meu
escritório depois de quase uma semana trancado nele. Fedia a cigarros e
álcool quando me arrastei pelos corredores até encontrar a fonte dos gritos.
Helena estava agarrada a gola da camisa de um soldado da Aderfia, ela
berrava enquanto o sacodia. Eu me escorei na parede e observei a cena,
tentando entender o que acontecia.
— O carro da doutora Guadalupe foi encontrado queimado próximo ao
território onde Ícaro Kokkimos estava hospedado em Nova Iorque. O corpo
carbonizado dentro do veículo foi identificado como pertencendo a
Guadalupe Sanchez. Por conta do estado do corpo e do carro a identificação
levou alguns dias, quando foi feita o nosso contato da polícia nos comunicou
imediatamente.
— Não! — Helena desabou no chão, sem se importar com quem
estivesse vendo-a naquele estado.
Aquela foi a primeira vez em toda a minha vida que consegui entender
perfeitamente como outra pessoa estava se sentindo. Foi por isso que
caminhei até ela, sem ter qualquer palavra de conforto, apenas a abracei e
deixei que minha irmã chorasse sua dor em meu ombro. Era a primeira vez
que fazíamos algo do tipo, talvez a única.
No final éramos mais parecidos do que pensávamos. Deve ser o nosso
sangue, a escuridão em nossas almas, a podridão em nossas vidas, isso torna
impossível ser merecedor de amor e felicidade. Nós até o encontramos com
muito custo, para no final perdemos por conta das nossas próprias atitudes.
Depois daquele dia em que soube da morte da mulher que amava,
Helena se fechou em si mesma e deixou que o caos que habitava seu coração
tomasse as rédeas de sua vida. O mundo obscuro de Nova Iorque tremia
sempre que o nome Helena Paraskevas, a executora da Aderfia, era
pronunciado.
— O que será que ela aprontou agora? — solto a pergunta no ar, ainda
encarando a mensagem de texto com um endereço e um horário.
Justo hoje?
Faz um ano, exatamente um ano desde que a única luz em minha vida
partiu, deixando apenas sombras em minha alma. Me sinto instável, a ponto
de explodir com a menor das provocações.
O que Helena pode estar aprontando hoje?
Suspiro, pegando uma camisa que visto cobrindo a tatuagem. Então
reviso meu celular mais uma vez, confirmando que nenhuma outra
mensagem foi enviada e assim posso ir ao seu encontro.
Faço o caminho sozinho, eu mesmo dirijo. Dispensei todos os
seguranças por querer estar sozinho, seja lá o que minha irmã estivesse
planejando. Acabo parando em um bairro decadente, uma rua pobre e cheia
de prédios caindo aos pedaços. Tem alguns carros na rua, algumas pessoas
na esquina e muitos olhos sobre mim. Reconheci na mesma hora que lugar
era aquele e meu coração acelerou no peito.
O prédio ainda era amarelo e a pintura continuava desgastada.
Novamente revisei a mensagem de Helena, apartamento 2005, era o
apartamento dele naquela época?
Caminhei para dentro do prédio, subindo as escadas de dois em dois
degraus. As mãos trêmulas quando cheguei ao andar correto e tentei abrir a
porta do 2005, ela estava fechada, o que me fez sorrir com a lembrança.
Levei menos de dois minutos para arrombar a maldita coisa e entrar.
Os móveis eram os mesmos, as paredes estavam da forma que eu
lembrava. Era como voltar no tempo. Caminhei distraído, perdido em
pensamentos, dessa forma não sei dizer o que meu cérebro processou
primeiro, a porta batendo fechada atrás de mim, ou o clique da arma que
encostou na parte de trás da minha cabeça.
— Você não perde os velhos costume, Skiá.
CAPÍTULO 28
— Então você está decidido a voltar? Sabe que aquele bastardo está
mais louco do que nunca, né?
Sorrio diante de suas palavras, tenho uma boa noção de que o aviso não
é um exagero.
— Estou falando sério, você precisa ter certeza disso, afinal, uma vez
que mostre sua carinha de novo ele nunca vai te deixar partir. Aquele
lunático possessivo vai fazer uma gaiola de ouro e te colocar dentro.
Solto um riso alto.
Considerei isso por algum tempo, principalmente quando a dor e a raiva
se sobressaiam dentro de mim. Seu sofrimento era a minha vingança. Agora
que me sinto em paz com a promessa que fiz para Ducan, Sarah e Julie, é
como se pudesse deixá-los descansar em paz. Quanto a mim preciso seguir
com o caminho que escolhi e esse caminho parece sempre me levar de volta
para a minha gaiola.
— Está preparado para enfrentar a reação de Stephanos quando ele
souber que eu te ajudei a forjar sua morte?
— Vou me certificar de que a responsabilidade recaía apenas sobre
mim.
Helena revira os olhos.
— Como se isso fosse possível, Stephanos vai me fazer pagar de uma
forma ou de outra. — Ela dá de ombros com descaso. — Mas não é como se
isso me importasse, não temo suas represálias. Você é meu valioso amigo e
estava me implorando por ajuda, eu tinha que fazer algo, certo?
Assinto.
Quando acordei naquele hospital estava em pedaços, nem mesmo
morrer eu tinha conseguido. Sentia que tinha falhado mais uma vez com
eles, aqueles que jurei vingar. Então em um momento de puro desespero
implorei para que Helena me ajudasse a forjar minha morte, ela já tinha feito
isso uma vez a pedido do irmão. O plano foi arriscado e feito as presas, temi
não funcionar, um dos médicos foi subornado, eu recebi uma dose de drogas
que simularam uma parada cardíaca e quando acordei estava sendo levado
para uma nova vida.
Se quisesse poderia nunca mais olhar para trás, no entanto, olha onde
vim parar. Como se contasse os dias, um ano após a minha “morte” estou
pronto para voltar para o meu mafioso.
— Se é isso que você quer só posso desejar um, bem-vindo de volta,
cunhado. Por favor, coloque meu irmão de volta nos trilhos.
Rindo, assinto.
— Conto com a sua ajuda para isso.
Explico o que tenho planejado e deixo Helena cuidando de tudo
enquanto caminho pelo espaço pequeno e caindo aos pedaços. Quando
pensei que voltaria para esse lugar, o começo de tudo? Foi aqui que vi
Stephanos pela primeira vez, foi aqui que nossos destinos se cruzaram para o
bem e para o mau.
Durante o último ano me recuperei do ferimento de bala, e comecei a
trabalhar nas sombras. Sendo assessorado por Helena pude pegar trabalhos a
serviço da máfia sem ter meu nome associado a eles. Consegui reunir
dinheiro, contatos e experiência. Se quisesse sumir no mundo para nunca
mais ser encontrado, poderia fazer.
— Que pena que quero algo bem mais insano... — resmungo para mim
mesmo.
— Muito bem, ele está vindo. Você tem algum tempo para se
arrepender e fugir, caso decida ficar é por sua conta e risco.
Vejo Helena pronta para sair e meu coração aperta com o que tenho que
fazer. Caminho até minha bagagem de mão que estava ao lado do sofá velho,
dela tiro uma pasta com todas as informações que consegui reunir sobre
aquela mulher. Minha amiga tinha pedido que eu fizesse isso, que
descobrisse tudo sobre o assassinato de sua namorada. Ela tinha ficado
arrasada ao perder a mulher que amava. O que nenhum de nós esperava era
encontrar uma verdade tão devastadora.
Confesso que relutei muito em entregar esse dossiê a Helena, mas devo
fazer isso. Essa mulher se tornou a melhor amiga que eu poderia desejar. O
que descobri sobre “Guadalupe Sanchez” vai devastá-la, e ainda assim
precisa ser dito.
— Isso é para você. — Estendo a pasta, ela a toma em suas mãos. — É
o que você me pediu.
Vejo um flash de dor passar pelo rosto bonito.
— Só te aviso para pensar um pouco antes de abrir essa pasta e ler o
que eu descobri. O que tem aí pode muito bem continuar guardado e você
pode seguir sua vida com a imagem e as lembranças que guarda da sua
mulher, no entanto, caso decida abrir eu vou te apoiar no que você quiser
fazer.
Depois de um longo minuto, ela engole em seco e assente antes de
deixar o apartamento decadente.
Eu sabia sua escolha sem a necessidade de que ela me dissesse. Ao final
do dia não seria apenas Stephanos quem iria descobrir que “enterrou” um
caixão vazio.