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SINOPSE

Quando Emily Claxon recebeu a missão mais importante em sua

carreira como agente, ela nunca imaginou que a levaria a um caminho

sombrio, mas emocionante. Infiltrada na máfia russa em Moscou sob

uma identidade falsa, descobrirá que seu primeiro objetivo de

investigação é apenas uma ilusão, porque há coisas muito mais

profundas do que se pode ver a olho nu. No entanto, será a mão direita

do vor que a colocará em uma verdadeira encruzilhada, uma vez que o

belo e enigmático russo não irá abalar seus valores.

No meio desse caso criminal complicado, Emily, agora com outro

nome, tentará desativar a organização, cujo objetivo não é apenas vender

drogas e traficar mulheres, mas colocar o mundo inteiro sob controle. Ela

estará tão envolvida na situação que terá um dilema entre suas

convicções e os sentimentos que estão se formando dentro dela.

Parece que dentro deste mundo caótico o amor é inviável. Seus

sentimentos prevalecerão? O certo e o errado podem coexistir na mesma

linha? Porque nada é o que parece nesta história de perigos e decisões

arriscadas, onde a vida e a morte se enfrentam a cada minuto e onde, no

final, uma dívida de sangue terá que ser paga.


PRIMEIRA PARTE
Capítulo 01

Exausta, cansada e com o punho machucado, Ira entrou em seu quarto,

ligou o iPad e entrou no banheiro para tomar um banho, esta noite precisava

realmente de um. Com raiva retirou toda a roupa, até ficar completamente nua e

poder limpar sua mente sob a água, que desejava que estivesse ainda mais

quente, mas não era muito mais o que podia pedir, não naquele lugar, não

naquele quarto, não em Moscou, não na Rússia.

Terminou de enxaguar o shampoo do cabelo sem deixar de cantar Animals

do Maroon 5, tentava não pensar no que acabava de fazer, e no que poderia ter

lhe acontecido se não estivesse preparada. Não quis analisar mais a situação,

depois de tudo, estava treinada para isso.

Apesar do frio que fazia, saiu do banheiro envolta em sua toalha azul. Sua

roupa, claramente suja com sangue, já não poderia mais usar e nem sequer se

preocuparia em lavá-la, simplesmente a atiraria no cesto de lixo.

Assim que entrou no quarto, notou algo estranho, então ligou novamente o

chuveiro e, antes de que o indivíduo pudesse reagir, lançou-se sobre ele com um

objeto pesado para atacá-lo.

— Mulher! Pare, quase me mata!

— Porra, Brad! O que faz aqui? — Perguntou.

— Sério? Realmente está me perguntando isso depois do que acaba de

fazer?

— Ah, não, — sorriu levantando as mãos em forma teatral. — me declaro

inocente.

— Inocente! — Exclamou. — Acaba de deixar um pobre homem

inconsciente.
— Pobre homem? — Perguntou, ajustando a toalha para sair de cima de

Brad. — Esse homem não tem nada de inocente, passou a mão na minha bunda e

tentou me agarrar.

Brad a olhou atônito, ela parecia estar totalmente tranquila e sem um pingo

de culpa depois de deixar um homem de uns trinta e cinco anos, com o dobro de

seu tamanho, inconsciente e sangrando no chão, mas a verdade é que não devia

ficar surpreso, sua parceira era capaz disso e muito mais.

Ira era uma agente, e uma das boas, prática, versátil e muito disciplinada, o

que a tornou uma das melhores de sua turma e agora, com seus trinta e um anos

que não aparentava, estava em uma das missões mais importantes de sua vida,

que a promoveria se tudo corresse bem, caso contrário, nem ela nem seus

parceiros sobreviveriam. Sem dúvidas era a missão mais perigosa de toda sua

vida.

Por isso, quando o FBI lhe atribuiu o caso e sabendo que seu oficial

responsável seria Brad Cambell, ela não hesitou nem por um segundo, e agora

levavam dois árduos meses em um dos países mais perigosos do Leste Europeu.

— Caralho, Ira, bateu em um diplomata!

— Ótimo! Ponto para mim, — ironizou — acabo de fazer um favor a

perestroika1, deveriam me dar um troféu ou ao menos uma medalha.

— Não, não está tudo bem, não posso continuar encobrindo seus acessos

de raiva, ou está preparada ou não para seguir neste caso. Eu sei que é difícil, e

nem imagino como consegue aguentar cada…

— Chega! — Deteve-o séria, já não como Irina, mas sim como agente. Uma

das coisas que levava muito a sério e não admitia enganos nem questionamentos

era seu trabalho. — Minha permanência neste caso não está em discussão, porque

sob nenhum ponto de vista renunciarei, também consegui mais informação do

que vocês da van. — Levantou a mão lhe lançando um olhar furioso para sossegá-

1
Política de reforma governamental e reorganização do sistema econômico iniciada por Mikhail
Gorbatchov, em 1985, na União Soviética.
lo quando seu superior ia protestar. — E não me arrependo de nada do que

aconteceu, não só porque ele agarrou a minha bunda sem meu consentimento,

mas sim porque esse filho da... esse diplomata que você fala como se fosse uma

deidade, o merecia. Eu estava no beco porque o desgraçado estava abusando de

uma menor — comentou colocando a calcinha sob seu olhar atento. Quando Ira

defendia os direitos dos necessitados não só se convertia em outra, como usava

palavras de baixo calão, e ele, que a conhecia há mais de dez anos, comprovou em

primeira mão. — E o que acontecerá? Nada! Ou vai negar isso? Então não venha

com lição de moral. Muito menos para mim!

— Não pode salvar…

— E antes que vá embora, — anunciou sem escutá-lo enquanto se dirigia à

porta para abri-la — que fique bem claro que embora vocês tenham olhos e

ouvidos — falou indicando o colar que não tirava nunca por precaução e para

deixá-los cientes de tudo — não têm a mínima ideia do que acontece a cada noite!

— Ira… — pediu Brad um tanto envergonhado e arrependido.

— Estou cansada, vou dormir — respondeu já quase expulsando-o.

— Não quero ir quando ainda estou com raiva.

— OH…! Com isso terei pesadelos, não poderei dormir — debochou.

— Vá se foder — respondeu Brad já zangado. Tinha paciência, mas não era

um santo.

— Vá se foder você! — Gritou de volta batendo a porta.

Mais calma, terminou de se vestir para dormir, ou tentar fazê-lo, já que

desde que chegou na Rússia, era quase impossível.

Ela sim tinha pesadelos e dos piores.

Quando amanheceu se alegrou de não ver neve caindo, isso significava

uma coisa: sairia para correr.

Calçou o tênis, vestiu as calças e a jaqueta, então começou a correr, com os

fones a isolando do mundo.


Escutava rock com o coração totalmente acelerado, quase na garganta, mas

isso não importava, tinha uma rotina e diariamente tentava superar a si mesma.

Mesmo que tivesse armas ou que seus companheiros a vigiassem, se precisava

correr, somente seus pés e sua rapidez a salvariam de alguma situação extrema.

E embora não gostasse de admitir, adorava os parques dessa cidade que

tanto odiava. O verde era sem igual, exuberante e totalmente diferente de tudo o

que já conheceu.

Corria rápido quando alguém a alcançou e lhe ofereceu uma garrafa de

água, que ela a princípio ignorou. Continuou correndo por vários minutos mais, e

embora estivesse quase sem fôlego, correu ainda mais rápido.

— Chega! — Chiou Brad levantando as mãos totalmente extenuado e

suado, com a boina negra era impossível que alguém o reconhecesse.

Vários metros mais à frente se deteve e esticou o braço, fazendo-a parar de

correr. O agente estava esgotado, claramente sua condição física era deplorável.

— Você é má — anunciou entre ofegos.

— Nem imagina o quanto… — respondeu pegando a garrafa, tomando

todo seu conteúdo rapidamente. — Agora, vá. Está arriscando a missão —

informou olhando-o de soslaio, voltando a correr deixando-o para atrás.

Ele sorriu. Às vezes Brad se perguntava quem era o agente responsável.

Claro que se arriscou! Mas com ela não podia ficar zangado, e ter aparecido ali,

era para ser perdoado.

Algumas horas mais tarde, Ira retornou ao quarto, entrou no banheiro,

ligou a água e esperou que o vapor nublasse o espelho, aproximou-se e olhando

diretamente escreveu:

TE PERDOO VOYEUR.

Brad, que nesse momento estava vigiando do prédio em frente, quase se

engasgou com o café que estava bebendo, mas também soube que tudo estava

bem.
Aproximou-se do monitor que lhe mostrava todos os movimentos de Ira, e

a tela estava escura, isso significava que tirou o colar. Somente o fazia para dormir

ou para tomar banho, somente nesse momento era permitido tirá-lo.

— Voyeur… eu? — Sussurrou, sendo observado por seus companheiros

que também tinham visto o monitor.

Inevitavelmente a noite chegou, e com isso começava outra árdua tarefa.

Para Ira não importava se era terça-feira ou domingo, para ela cada jornada

noturna era igual, começava a ação e foi para isso que treinou durante anos.

Um dia mais para chegar à verdade, um dia menos para chegar ao final.

Chegou no horário ao seu trabalho, como a cada noite e Zhenya a recebeu

com um copo de vodca na mão, o único que lhe permitia tomar durante a noite

“para aquecer”, como diziam os russos.

— Se apresse, hoje teremos visitas muito importantes e tudo tem que estar

perfeito.

— E quem são esses visitantes?

— Menina, não seja curiosa, somente mova essa bunda o melhor que

puder, que hoje o vor2 descerá dos céus para nos honrar com sua presença.

Isso alertou não só a Ira, mas também a Brad, que estava escutando tudo

pelo nano microfone do colar.

Porra, vor estará aqui, pensou Ira lambendo os lábios, essa era uma

oportunidade única, uma que estavam esperando fazia muito tempo. Tinha que

conhecê-lo, e assim poder identificá-lo de uma vez por todas, finalmente o

homem pelo qual estava nessa missão teria um rosto, e com muita sorte, uma

identificação positiva.

E a poucos quarteirões de distância, os agentes fizeram gestos de felicidade

com as mãos, não podiam fazer barulho e a van que estava camuflada como

veículo de entregas, era um esconderijo perfeito. Embora Brad não estivesse

2
Vor. Senhor da máfia russa.
totalmente tranquilo, sabia como era Vadik e o que o chefe da máfia russa era

capaz de fazer quando queria alguma coisa.

**************

Conforme Ira adentrou o clube, começou a sentir a mudança no ambiente,

mudança que ainda não era capaz de acostumar-se, apesar do tempo que estava

trabalhando. O clube deixava de ser um lugar luxuoso onde homens desfrutavam

de bebidas e de mulheres para converter-se em uma espécie de prostíbulo que

cheirava a sexo e a excessos por todos os lados.

Enquanto caminhava escutava gemidos de mulheres que desfrutavam do

que lhes faziam. Naquele lugar, tudo era permitido, todo o tipo de sexo que

existisse ou se pudesse imaginar, ou neste caso pagar. Um calafrio percorreu seu

corpo quando escutou como um homem falava todo tipo de obscenidades a uma

das garotas, especificamente a uma de suas colegas de trabalho.

Imbecil, como se uma mulher quisesse escutar esse tipo de… vulgaridades, pensou

enquanto virava o rosto para não ver como o homem urinava em cima dela e

dizia que adorava fazer isso. Mas o pior não era isso, era que a garota gostava e

estava extasiada.

Para ela todo o lugar cheirava a sexo e a degradação, a enojava, mais de

uma vez vomitou, mas como tudo, inexoravelmente com o passar do tempo se

acostumou.

Continuou subindo até chegar ao andar seguinte. Então novamente o

ambiente mudou, tudo era em tons vermelhos, dourados e a elegância reinava.

Todas as noites os homens mais importantes da Rússia se reuniam para assistir

diferentes shows, nos quais ela participava dançando e mostrando… seu corpo.

Jamais imaginou que ter estudado todo tipo de danças em sua

adolescência, para acalmar seu desejo de ser bailarina, a ajudaria tanto em sua

verdadeira vocação.
Não quis distrair-se mais e rapidamente caminhou até o camarim. As

garotas, suas companheiras, já estavam prontas e todas muito animadas, porque o

grande chefe estaria presente esta noite. Queriam ser escolhidas, vistas, e talvez

converter-se em parte de seu harém e sair daquele lugar, trocá-lo por um que lhes

daria posição e estabilidade.

— Hoje teremos concorrência — protestou uma jovem entrando com algo

nas mãos.

— O quê?

— Sim, trouxeram algumas meninas para o entretenimento desta noite.

— Com certeza preferirão carne fresca — comentou outra das garotas

fazendo um beicinho.

Ira tirou suas roupas para vestir o que deixaram naquele dia, era diferente

do que costumava usar.

Sem nenhuma expressão em seu rosto e como se adorasse, colocou um

espartilho transparente, preto, que realçava seus seios de uma maneira espantosa,

acompanhado de uma minúscula calcinha também transparente, que com certeza

esta noite lhe traria muitos problemas, para terminar colocou as ligas, e saltos, que

a deixavam ainda mais alta.

Ela media um metro e setenta e cinco, magra, com o cabelo castanho e

impressionantes olhos claros, mas o que mais chamava atenção em seu corpo era

sua bunda, que em algumas ocasiões amava e em outras, como esta noite, odiava.

Deixou o cabelo solto e bagunçado, já que isso lhe ajudava a esconder seu rosto.

Sempre estava pensando em proteger-se.

Assim que estava arrumada saiu, precisava gravar tudo e enviar a

informação para seus colegas. Não estava nesse caso pela prostituição, nem pelo

tráfico de mulheres, infelizmente, mas por algo muito maior, porém quanto mais

tivessem para culpá-lo, melhor seria, e um leilão como o que se faria hoje, e com

menores de idade, era uma prova garantida para condená-lo.


Seguiu caminhando decidida até o interior. O ar já não recendia a sexo, e

sim a charutos, perfumes caros e elegantes, tudo acompanhado de música

clássica, a qual os homens aristocráticos e com dinheiro escutavam enquanto

torturavam suas vítimas, porque para Ira, todas essas mulheres,

independentemente da idade, eram vítimas, já que os homens as compravam ou

pagavam para fodê-las, usar e abusar, sem importar seus sentimentos, inclusive

muitas vezes eram drogadas para que seus corpos fossem imunes à dor e assim

poderem resistir muito mais.

— O vor as quer conscientes, — escutou Ira quando caminhava por um

corredor — então injete apenas metade da dose.

Determinada, abriu a porta e viu várias menores de idade, que estavam

completamente drogadas e se esfregavam umas nas outras, enquanto alguns

homens tiravam suas roupas para que uma mulher gorda as vestisse com algo

parecido a um biquíni, se é que se podia chamar de biquíni esse pedaço de tecido.

De repente sentiu um empurrão que a enviou direto ao chão, um homem

corpulento passou e aproveitou para olhar seu corpo descaradamente.

Ira não se zangou, nem se sentiu humilhada por aquele sujeito, e não

precisou se virar para saber que estava olhando sua bunda. A isso, mesmo que

não gostasse, já estava acostumada, e nesse momento tinha coisas mais

importantes com as quais se preocupar.

O homem, que a observava com as sobrancelhas franzidas depois de olhá-

la lascivamente, estendeu-lhe a mão e, assim que a agarrou, a puxou, colando-a ao

corpo dele, e a girando para colocar as costas dela em seu torso e passar os dedos

por entre seus seios.

Ira tentou acalmar sua respiração e se comportar o mais natural possível.

— Está um pouco velha para se sentar junto às garotas — lhe indicou

fazendo que as olhasse.


“É claro que sim, filho da puta estúpido!” pensou sem poder falar, ao invés

disso, assentiu com um falso sorriso e tentou separar-se para romper o contato.

— Não quero ver você por aqui novamente, e não vou falar de novo, —

disse empurrando-a brandamente.

Quando a soltou, olhou-o diretamente aos olhos, teve que levantar a

cabeça, coisa que não acontecia com muita frequência, e muito menos sobre esses

saltos assassinos que estava usando.

O homem se surpreendeu, Ira pôde notar em seu rosto, devia o enfrentar o

maior tempo possível, para estudar suas tatuagens e para saber que lugar

ocupava na organização. Nas bratvas3 as tatuagens falavam por si só, e claramente

o homem à sua frente era alguém importante, mas principalmente perigoso. Para

saber, só precisava ver a quantidade de caveiras que tinha tatuado, tanto nos

dedos como nos ombros.

Quando Ira recuou, ele estendeu sua mão para tocá-la, sua expressão

mudou, e com um rápido movimento a atraiu para si. Seu braço musculoso a

rodeou pelo pescoço, fazendo pressão, mas sem força suficiente para estrangulá-

la, somente com a pressão adequada que lhe indicava quem tinha o poder e quem

devia estar a sua mercê.

— A próxima vez, nem pense em se mover — sussurrou em seu ouvido

provocando um arrepio que não soube como decifrar, mas antes que aproximasse

sua boca, sentiu como os homens o chamavam, com muito respeito para seu

gosto.

— Misha. Já estão prontas para que as verifique.

Um dos homens que Ira tinha visto injetando droga às meninas era o que

agora se dirigia ao russo musculoso.

— Acredito que são todas virgens, foi uma boa pesca — brincou o outro.

“Filhos da puta, logo eu vou pescar vocês”, pensou Ira ocultando um arrepio.

3
Bratvas. Irmandades.
— Vou me certificar disso, não quero enganos como a vez anterior.

— Misha, eu…

— Não quero ouvir, Blasko, já sabe como os erros são pagos — falou

dirigindo-se ao homem, que apenas por escutá-lo tremia de medo, olhando-a

sussurrou. — Vá embora.

Ira apertou os lábios com tanta força que sentiu seus próprios dentes

chiarem enquanto saía do quarto, e antes de dar o primeiro passo sentiu como o

tal Misha lhe dava uma palmada na bunda. Ela não se virou e agiu como se fosse

a coisa mais normal do mundo.

Ao sair finalmente pôde respirar, mas agora seu coração pulsava acelerado

somente por imaginar o que estaria ocorrendo naquele quarto.

Foi rapidamente introduzida no que seria o show da noite, e entrou no

palco com suas companheiras.

Quando terminou de dançar Army of Me da Bjork, Zhenya se aproximou

dela com essa expressão indecifrável que sempre tinha no rosto. Ira a tentou

decifrar muitas vezes, e a única conclusão que chegou era que sua cara era de

aborrecimento com a vida e com tudo o que uma mulher dessa idade tinha visto,

e principalmente por ocupar o cargo que ela tinha naquele clube.

— Deve levar vodca à cabine 3.

— Eu? — Perguntou, não era garçonete e nesse lugar nunca assistiam as

bailarinas como ela.

— Se não fosse você, não estaria dizendo.

— Está bem — assentiu caminhando à barra.

— Ira — a deteve com sua voz rouca de fumante. — A vodca é para o vor.

— Ela agiu como se não importasse, não podia mostrar sentimentos. — Não

arruíne o que será possivelmente a única oportunidade que tem para sair daqui.

— Tem certeza de que eu devo ir?


Zhenya deu um sorriso torto. Por alguma estranha razão, gostava dessa

garota, apesar do pouco tempo que a conhecia, embora não deixasse de pensar

que havia alguma coisa estranha.

— O próprio Misha quem pediu.

— Misha? — Perguntou, precisava de informações.

— O próximo sucessor de Vadik, um que com certeza será muito diferente.

— Diferente? Para o bem ou para o mal? — Perguntei, sabia que estava me

arriscando, mas precisava tentar.

— Nem melhor, nem pior. — Encolheu os ombros. — Ele é do velho

mundo, mas com métodos atuais — confirmou e se afastou.

Enquanto Ira caminhava até o bar tirava suas próprias conclusões, e não

gostava absolutamente. Já sabia quem era o homem, e agora sim encaixava as

tatuagens que tinha em seu corpo, ao menos o que pôde vislumbrar.

Também pensava que sua apreciação de “nem melhor, nem pior” era muito

diferente da de Zhenya. O velho mundo era o pior, homens acostumados a fazer

sua vontade, sem se importar com sentimentos, e o que era muito pior, sem

remorsos, para eles as pessoas eram objetos utilizados para um propósito e a

escravidão parte normal da vida.

********************

Dentro da van, Brad estava nervoso, embora não quisesse que seus

companheiros notassem, era evidente. Seus olhos estavam colados na tela e nem

sequer havia piscado uma só vez, que sua parceira estivesse sozinha com o vor e

com o outro homem o assustava.

— Se acalme, Brad. Ira sabe o que faz.

— Não estou preocupado.

— Chefe, — riu o jovem que se ocupava da comunicação — então respira!

— É verdade, — falou Blake acomodando a beretta que levava nas costas

— estamos a dois minutos de distância.


— Cento e vinte segundos muito longe — suspirou Brad pesaroso.

— Um voto de confiança para nossa garota superpoderosa! Sem ela não

estaríamos aqui.

— Nem diga, — comentou rindo Blake para aliviar a situação tensa — se

duvidar ela será nossa superior na próxima missão.

— Volte a fita! — Cortou-os Brad, vendo algo que chamou sua atenção.

Peter rapidamente obedeceu e notou o que seu chefe queria ver. Ira

embaçou um copo para desenhar uma carinha feliz, isso significava que ela estava

bem e tranquila e isso, especialmente para Brad, devolvia a alma ao corpo. Eles

podiam ver e escutar, ela não estava sozinha naquele antro de vaidades.

— Essa é minha garota superpoderosa! — Exclamou baixinho Jeff,

tranquilizando-se também.

*********************

Com a garrafa de vodca sobre a bandeja caminhou com segurança,

entrando pelos corredores que a levavam direto às cabines. Os seguranças já

estavam advertidos de sua visita, então a deixaram passar deleitando-se quando a

viram caminhar. Ira, entretanto, caminhava xingando mentalmente cada um

deles, e seus antepassados enquanto via a quantidade de armas de última geração

que eles carregavam. Pensou que somente com uma dessas poderia acabar com

todos e um pequeno sorriso lhe escapou dos lábios.

Com esse pensamento se deteve em frente à cabine número 3. Com cautela

e dando um profundo suspiro, girou o trinco, que com certeza era banhado em

ouro. Não terminou de girá-lo quando alguém do interior a abriu, convidando-a a

passar.

Seu olhar se dirigiu direto à uma mulher, que nesse momento estava

fazendo sexo oral em um homem que estava sentado em uma grande poltrona

vermelha estilo realeza.


Só uma pequena luz iluminava a cabine, mas isso não lhe impediu de notar

várias fotografias dispersas sobre uma mesa, era como uma espécie de catálogo

que mostrava diversas mulheres que possuíam um número e um valor.

“Porcos, isto não é uma loja onde tudo é chegar e levar!”.

De repente sentiu como a mão robusta do mesmo homem que já a havia

tocado a fez entrar para fechar a porta detrás de si.

— Deixe-os na mesa e fique em frente à janela — lhe ordenou.

Ira tragou saliva dissimulando seu nervosismo e obedeceu sem entender

nada, mas quando ficou em frente à janela, viu como uma jovem de não mais de

dezesseis anos caminhava balançando-se de um lado a outro somente em roupa

interior. A jovem subiu a uma espécie de palco e girou para mostrar seu corpo em

todo seu esplendor. Viu como várias luzes vermelhas se acenderam e como um

homem apareceu de repente para tirá-la do lugar. Ela baixou o olhar e escutou

como o outro russo lhe falava.

— Não te ordenei que deixasse de olhar, puta.

“Não sou puta, idiota.”

— Separa as pernas.

— Vadik…

— Sei, sei, só quero ver até onde a puta está disposta a chegar para agradar

a seu vor. E sua bunda parece deliciosa, se não tivéssemos conversado, estaria

encantado de fodê-la tão forte por trás que não duraria mais do que alguns meses

ao meu serviço.

Ira apertou a mandíbula, sentindo-se ultrajada verbalmente, esse ser não

era um homem, era um porco que estaria imensamente feliz de levar a prisão para

que ele fosse fodido em todos os lugares até que suplicasse clemência.

Isso era a única coisa que lhe dava forças para continuar, queria acabar

com aquela organização, somente deviam esperar o momento certo, e esperava

que fosse o mais breve possível.


— Porra! — Escutou distraindo-a de seus pensamentos ainda olhando pela

janela. — Puta, roçou-me com os dentes! — Exclamou para depois dar um golpe à

mulher, que a derrubou.

Rapidamente e sem dizer uma palavra, o musculoso ficou diante dele e

ajudou à moça a se levantar. Então, Ira viu que era uma de suas companheiras a

que lentamente se levantava.

— Me traga uma que valha a pena, Misha, antes de que quebre a promessa

que te fiz.

— Fora! — Gritou o russo dirigindo-se a Ira, que ainda estava parada em

frente à janela, mas quando virou ficou olhando alguns segundos ao homem que

ainda permanecia sentado.

— Tem coragem, puta, mas está velha para o que eu gosto.

“Porco asqueroso.”

Misha agarrou a ambas pelo braço para as tirar dali, Ira segurou pela

cintura sua companheira e rapidamente a tirou da cabine.

— Está bem? Dói alguma coisa?

— Quero voltar — pediu detendo-se.

— Está louca, mulher! Quer que esse homem a mate?

— Esse homem é o vor, e eu já estou morta, é você que não entende! Levo

minha vida toda nisto e esse homem, qualquer um dos dois, é a única saída que

tenho para ter a minha liberdade.

— Uma falsa liberdade, Erika.

— Ira… — Voltou a deter-se para olhá-la aos olhos — vá embora daqui

antes que seja muito tarde.

— Por que… por que está me dizendo isso? O que escutou, Erika?

— Nada — respondeu e virou o rosto para o outro lado, com isso Ira soube

que já não diria mais nada. Seguiu caminhando com ela até levá-la ao camarim
para que descansasse, mas antes de chegar escutou como detrás de uma porta

meninas choravam, ou melhor dizendo, soluçavam.

Deixou Erika sentada e voltou a sair para dirigir-se para onde vinha o

soluço, abriu a porta e viu duas meninas abraçadas chorando.

— O que acontece? Estão bem? — Sabia que a pergunta era estúpida, mas

não podia deixar de fazê-la.

— O vor nos comprou, isso nos disseram, agora estão… — murmurou

apontando para outra porta, — preparando outras garotas, o homem disse que as

foderia por trás para deixar o hímen intacto… — Não conseguiu terminar quando

começou a chorar de novo.

Ira já não conseguiu escutar mais e, embora arriscada, tomou uma decisão.

Agarrou às meninas pela mão, saiu e começou a caminhar para chegar às escadas

de emergência.

Utilizando toda a sua força conseguiu abrir a pesada porta. O frio que a

recebeu a fez tremer, agora sim estava nevando, e nenhuma das três usava mais

que roupa íntima, agarrou a jovem que estava mais lúcida e sacudindo-a pelos

ombros falou muito claramente:

— Vão descer pelas escadas de emergência sem olhar para cima ou parar,

entendeu? — A jovem assentiu com a cabeça. — Quando chegar ao final correrão

para essa esquina, um amigo meu estará esperando e as levará de volta para casa.

— Sou ucraniana — sussurrou a menor, que até então não tinha falado. Ira

lhe deu um sorriso e explicou o mesmo em seu idioma e finalmente viu um

sorriso naqueles rostos pequenos tingidos de dor e tristeza.

Ambas deram um passo à frente para dar-lhe um abraço, mas rapidamente

ela as afastou e as apressou para que começassem a descer enquanto vigiava a

porta e a escada, tinham pouquíssimo tempo.


Quando já estavam nas escadas de emergência, ajoelhou e escreveu para

assegurar-se que seus amigos a entendessem, o vento soprava muito forte e não

estava segura se seria ouvida.

VOAM DOIS PASSARINHOS

*******************

— Brad! — Gritou Blake, que neste momento não podia acreditar em tudo

o que escutou, para posteriormente ler a mensagem.

Com a nevasca lá fora mal se podia ouvir através do microfone, mas

quando leu o que Ira escreveu no chão soube o que deviam fazer.

Brad, que nesse momento estava totalmente concentrado nos aparelhos de

escuta e em outro computador analisando a voz e o perfil do Vadik, demorou

alguns segundos a entender o que seu parceiro lhe dizia, mas quando olhou o

monitor entendeu tudo.

— Caralho, Ira! — Exclamou baixinho ficando de pé e agarrando duas

jaquetas, para rapidamente sair do ninho e encontrar esse par de pássaros.

******************

Congelando, e tremendo, Ira viu as meninas serem interceptadas por Brad

e, apesar de estar a vários metros, era capaz de ver sua cara de irritação naquela

noite de nevasca.

Quando voltou para a porta, notou que estava mais difícil abri-la. Claro, já

quase nem sentia os dedos, inclusive era doloroso caminhar, mas uma vez que

entrou, sentiu como o calor proveniente do interior invadia seu corpo, apoiou-se

na parede e baixando as costas lentamente sentiu que tocava o chão, estava

tremendo, precisava se aquecer e sair o quanto antes desse piso.

Passaram-se vários minutos até que se sentiu capaz de caminhar de novo,

mas ainda estava gelada. Começou a descer pelas escadas até que chegou ao piso

inferior, onde vários clientes jogavam pôquer, apostando grandes somas de


dinheiro, entre outras coisas. Nesse lugar ao menos só se apostava, e as únicas

mulheres que havia eram para repartir cartas.

Aproximou-se de uma mesa e viu a única coisa que com certeza poderia

aquecê-la, pegou um copo de vodca e em um só gole o engoliu, o líquido queimou

sua garganta, esôfago, até alojar-se em seu estômago. Então fez o mesmo com

outro copo que estava também sobre a mesa. Quando acabou, em agradecimento

e para não levantar suspeitas, pegou o homem mais velho pela cara gorda e o

beijou nos lábios, repetindo a operação com seu competidor no jogo. Ambos

ficaram felizes e aclamaram umas palavras de agradecimento, mas Ira já estava a

ponto de chegar à porta.

— Ei, puta! Se te der uma garrafa de vodca cheia, o que me dá em troca?

Antes de se virar, fechou os olhos por uma fração de segundo para se

acalmar, e assim poder virar com o mais falso de seus sorrisos.

E ao fazê-lo, o viu.

O russo tatuado.

O musculoso.

Misha a olhava com os braços cruzados à altura do peito, com um sorriso

malicioso, rindo dela.

— Você também não é um homem para estar neste lugar.

Ira o olhou e sorriu antes de se virar para sair deste lugar e para parar de

olhar para as novas tatuagens que agora estavam expostas, já que estava somente

de calça preta apertada. Em seu braço esquerdo tinha um arame tatuado que lhe

rodeava o bíceps. Este tinha cinco farpas, isso significava que passou cinco anos

na prisão, com isso certamente forjou sua posição.

Finalmente, saiu de sua visão e alcance. Não gostava desse homem, algo

acontecia quando estava junto a ele, e essa noite já o tinha visto demais, inclusive

o frio foi afastado, ou esquecido?


Capítulo 02

Finalmente saiu da boate na qual trabalha todas as noites, mas esta vez

tinha em mente uma rota muito diferente. Fechou sua jaqueta e apressada

começou a caminhar. Quando estava distante do clube, fez parar um táxi para que

a levasse a nova direção.

Assim que chegou à porta Jeff a recebeu com um amável sorriso.

— Brad está furioso contigo, está no estacionamento.

— Boa noite, Jeff, eu também estou muito feliz de ver você — saudou com

sarcasmo.

— Me alegro! — Exclamou levantando as mãos. — Somente estou te

avisando.

Não terminou de responder quando de repente a porta se abriu,

distraindo-os.

— Que porra pensa que está fazendo?!

— Agora? Bom, tentando….

— Foda-se, Emily. Não estou brincando.

Fazia dois meses que não escutava seu nome verdadeiro, isso só podia

significar uma coisa: Brad Cambell estava furioso.

— Foda-se? Vá se foder você me perguntando coisas idiotas! E me fale se as

meninas estão bem — lhe respondeu igualmente furiosa.

— Caralho, quando vai meter nessa cabecinha sua que não está aqui para

salvar menores? — Gritou. Felizmente, esse apartamento era a prova de som, se

não todo o prédio teria escutado.

— Pessoal… — interveio Jeff, que conhecia o gênio de ambos — podemos

nos tranquilizar?
Ira virou de costas, necessitava urgentemente se acalmar. Não porque não

soubesse o que dizer, porque sabia claramente, mas isso não dizia respeito a

nenhum deles.

— As garotas estão na embaixada — Brad revelou após alguns segundos,

sentando-se na frente dos computadores, — a ucraniana amanhã deverá estar de

volta ao seu país. E espero… — parou para ver se Ira iria se virar, mas nada —

que seu deslize não traga consequências.

— Ninguém notou nada, todos estavam muito ocupados atendendo ao vor.

— E falando disso, — continuou Jeff — agora por causa desta pequena

maravilha — referindo-se ao computador de última geração que eles tinham à sua

disposição — poderemos fazer o reconhecimento facial. Foi muito inteligente de

sua parte olhá-lo, Ira.

— Faço meu trabalho, embora alguns acreditem que não tenho nada na

cabeça!

— Ira…

— Também precisa descobrir quem é o outro russo, Zhenya me disse que

será o sucessor do Vadik.

— Ou seja, estamos procurando as identidades dos homens mais

importantes desta bratva — reconheceu Jeff tocando seu queixo. — Sim, você

realmente fez um bom trabalho, garota superpoderosa.

— Já disse isso, — se gabou — tenho cérebro, embora alguns não o notem.

Só se escutou um grunhido vindo de Brad, que agora estava sentado, muito

concentrado, transferindo toda a informação para começar a analisá-la.

Cada um desses homens começou a fazer seu trabalho, não estavam de

férias, e cada um deles tinha um lugar atribuído naquela investigação. Jeff era

cientista da computação; Blake, áudio e comunicações; Peter recolhia e analisava

informações criptografadas; Ira, além de ser uma hacker muito boa, era a agente

de campo, todos comandados por Brad Cambell, um dos melhores agentes que a
agência possuía. Em todos os seus anos de serviço não houve nenhuma operação

em que não tivesse saído vitorioso, inclusive obteve grandes conquistas com o

Oriente Médio, mas sobre isso Brad não falava. Nessa ocasião, ele tinha sido o

agente de campo.

Ira se sentou no braço da poltrona esfregando as mãos, ainda sentia frio,

não podia esquentar-se totalmente, o que não passou despercebido por Jeff, que

estendeu a mão e a levou até a parte de trás, onde estavam os quartos que usavam

para descansar.

— Tire o casaco e se deite de bruços. — Ira levantou uma sobrancelha e

uma careta apareceu em seu rosto. — Não pense besteira, trabalhar na noite está

te afetando. Vou apenas te esquentar.

Obedeceu e rapidamente se deitou e, antes de perguntar, Jeff estava na

cama sentado escarranchado sobre suas costas, massageando-a.

— Deus! — murmurou.

— Isso é o que Annie diz, só que você não vai me pagar como ela faz.

— Mmm! — Respondeu querendo lhe dizer que não, que somente sua

esposa o pagava com sexo.

— Annie diz isso também. — Riu.

Depois de vários minutos de silêncio, Ira perguntou:

— Você também acha que eu errei em salvar essas garotas?

— Não sei se você agiu certo ou errado, se arriscou e arriscou a missão,

mas…

— Mas? — Perguntou tentando levantar a cabeça, algo que Jeff não lhe

permitiu.

— Mas eu agiria do mesmo jeito. — Isso a tranquilizou. — E embora Brad

não o reconheça, ele também teria.


Agora sim fechou os olhos absolutamente tranquila. Sabia que tinha feito a

coisa certa, não tinha duvidado nem por um minuto, mas que sua equipe a

corroborasse era importante para ela.

Jeff voltou para a sala de comunicações, e começou a transferir toda a

informação do colar de sua parceira e amiga. Ela estava tão cansada que nem

sequer se deu conta de que ele o removera.

— Eu não gosto desse tal Misha — falou rompendo a concentração e o

silêncio que reinava no lugar.

— Se você gostasse seria gay — brincou Brad muito mais relaxado.

— Engraçadinho — respondeu áspero. Quando ele trabalhava se

concentrava profundamente, era por isso que o consideravam um dos melhores

em seu campo, além de ter estudado psicologia, por isso todo mundo lhe dizia

que era o melhor compreendendo os problemas alheios. — A conversa entre o

Vadik e o Misha eu não gostei nem um pouco. Sobre o que eles falavam? Que

promessa lhe fez sobre Ira?

— Quando falaram de Ira? — Perguntou Peter, agora sim prestando

atenção, deixando de limpar as armas.

— Quando ela foi à cabine, Misha lhe disse algo, por isso o vor não

continuou.

— Eu não gosto dele.

— Eu também não.

— Mas sabem o que mais me preocupa?

— Nos ilumine— disse Brad ao Jeff.

— Ele não existe, nem sequer suas impressões digitais estão registradas.

— E onde você conseguiu suas impressões digitais? — Questionou muito

interessado o agente responsável.

— De Ira.

— Como? Quando lhe entregou isso?


— Não me entregou.

— Explique-se — disse Brad, dando-lhe toda a atenção.

— O russo a tocou, suas impressões digitais ficaram marcadas, pensei que

poderia funcionar, arrisquei e bom… funcionou.

— Você tocou a bunda de Ira! — Exclamou Blake rindo. — Como não

arrancou suas bolas.

Não era necessário dar mais explicações, esses quatro homens viram o

mesmo, e como se isso não bastasse, se conheciam muito bem.

— Agora está dormindo, eu precisava fazer isso. Isto é mais difícil do que

ela quer aceitar.

— É uma agente, está preparada para isso — afirmou Brad, incômodo pela

conversa.

— É a garota superpoderosa — disse outro.

— Sim — falou Jeff baixinho, olhando-os, — mas quando isto acabar, sua

mente estará atormentada.

— Tolices, Jeff.

— Não Brad, não são, ou acaso você não tem pesadelos com a missão do

Iraque? Porque eu tenho, e estivemos lá a mesma quantidade de tempo.

Se fez silêncio na sala e todos seguiram trabalhando na identificação dos

rostos. Ficariam um pouco mais e então iriam dormir.

Ira acordou bem cedo e totalmente descansada, e descobriu que todos

ainda dormiam, então decidiu sair e comprar algumas coisas para acordá-los com

um bom café da manhã.

Já tinha tudo preparado quando, sonâmbulo, Brad apareceu vestido apenas

com sua boxer. Coçando a cabeça, e ainda com os olhos fechados, caminhou

direto até a cafeteira de última geração. Esse era o único luxo que se permitiam,

mais que um luxo era necessidade, principalmente para aguentar as últimas horas
do dia. Mas antes de ligá-la, Ira estendeu seu braço com uma xícara de café

fumegante, bem forte, sem açúcar, do jeito que ele gostava.

— Bom dia, agente.

— Ira? O que faz aqui?

— Dormi aqui, não se lembra?

— Deus! — Suspirou esfregando o rosto, passou quase toda a noite

acordado. — Tem toda a razão, o sono não me deixa pensar direito — reconheceu,

aceitando a xícara com um grande sorriso.

Os outros não demoraram para despertar e se juntarem ao majestoso café

da manhã que Ira preparou para eles com muito carinho. Tudo era paz e

tranquilidade até que um sinal sonoro proveniente de um dos computadores os

alertou.

Blake foi o primeiro a chegar.

— Caralho! Porra!

— Mas que educados estamos hoje! — Exclamou Ira divertida,

aproximando-se dele.

— Definitivamente o filho da puta do Misha não existe, verificamos suas

impressões digitais nos bancos de dados internacionais e nada, não existe, é um

fantasma.

— E como conseguiram suas impressões digitais?

— Não pergunte — disse Brad aproximando-se dela, e colocando a mão na

parte inferior de suas costas.

Ira não demorou nem dois segundos para sair disparada da sala e ir para a

cozinha. Enquanto seus companheiros, que estavam atentos aos computadores,

escutavam como Jeff choramingava implorando clemência. Quando retornou para

sala já estava mais calma, embora ainda estivesse irritada.

— E do vor temos algo?


— Tudo e nada. Tudo porque sabemos perfeitamente quem ele é, mas nada

para prendê-lo, não tem família, e está mais limpo que um menino de três anos.

— É obvio — Ira suspirou desanimada, sentando-se sobre a mesa. — A

pessoa escolhida para ser o vor, deve cumprir certas normas: não pode ter

problemas com a lei, nem participar diretamente das atividades ilegais, deve

manter em segredo os nomes de seus cúmplices, clubes, lugares… mas deve ter

informações das outras máfias, e embora não trabalhe de forma ilegal, sempre

ganha muito dinheiro, não é necessário dizer como, certo?

— Se pensarem bem, o vor é um fantoche.

— Com certeza, — riu Blake — mas com muito poder e vontade de foder

com o mundo.

— Não estamos aqui para analisar o que é um vor, — os cortou Brad —

mas para detê-lo e fazer justiça.

Todos assentiram e continuaram trabalhando arduamente, até que chegou

a hora de Ira ir embora. Colocou o colar e se despediu de todos os seus

companheiros.

Enquanto caminhava pela rua viu quão bela era a paisagem. Gostava dos

edifícios com cúpulas sobre seus telhados coloridos, inclusive o verde dava ao

local uma fachada de cartão postal muito bonita. Sorriu com o pensamento, não

podia continuar negando, havia coisas na Rússia que a agradavam, é claro,

gostaria mais se estivesse como turista.

“Algum dia voltarei.”

Quando chegou em casa, a primeira coisa que fez foi entrar no banheiro e

ligar a água bem quente. Quando o vapor cobriu o espelho escreveu:

JÁ ESTOU NO NINHO E EM 20 VOU VOAR.


Esta noite tinha um comportamento diferente, estava mais calma e não era

tão desagradável ter que ir trabalhar, estava tão tranquila que tinha vontade de

dançar.

Como sempre, Zhenya a recebeu na entrada, mas não com a cara de

sempre. Na verdade, não lhe disse nem uma palavra, pediu para a seguir até um

dos escritórios. Dentro estava o chefe, ou aquele que ela devia respeitar como tal.

Não era o dono, porque esse era o Vadik, embora não estivesse escrito em

nenhum lugar.

— Sabe as regras, certo?

— Sim, senhor.

— Então por que foi encontrar um cliente ontem à noite?

— Como?

— Não tente me enganar, puta! — Ira reprimiu o desejo de bater nele com a

estátua de leão que estava em sua mesa, como a incomodava que a chamassem

assim... — Ontem à noite não dormiu em seu apartamento, e nem sequer tente

negar.

— Não, não o fiz — respondeu olhando diretamente em seus olhos, sem

um pingo de culpa.

— Não queira me enganar, Ira. Sabe as regras e o que acontece quando não

são cumpridas, não tolerarei nenhuma desobediência, e se não tivesse um

compromisso neste momento, eu mesmo lhe daria uma surra que a deixaria sem

trabalhar, — riu com malícia, percorrendo-a com o olhar — mas sei quem vai te

dar um jeito. Estão atrasadas, se encarregue de que tudo esteja organizado —

falou olhando a Zhenya.

Então elas saíram do escritório, e Ira foi a primeira a falar.

— Zhenya, ontem à noite não estava com…

— Não tente arrumar desculpas, — disse sem sequer olhá-la — acreditava

que era inteligente, mas parece que estava errada.


— Me escute…

— Não — disse parando de repente e se virando. — Me escute você. Aqui,

— disse gesticulando ao redor do lugar — não acontece nada sem que eu saiba,

garota estúpida, não é a primeira que se acha uma heroína. Mas deixe te dizer

uma coisa, as heroínas só existem nos filmes da Marvel, assim como as princesas

só existem nos contos da Disney, então faça um favor a si mesma, não tente ser

algo que não é — concluiu e continuou caminhando.

Ira rapidamente começou a analisar o que ela havia dito. Sabia o que

aconteceu ontem à noite com as meninas? Se sim, por que não a delatou?

De repente, uma de suas companheiras a tirou de seu devaneio.

— Não está feliz? Estou super animada, vamos para a casa do Misha!

Como ele é gostoso, sua barba por fazer, seus olhos, suas mãos, mmm! Seu corpo,

tudo!

— Dizem que é um bom amante.

— Dos melhores.

— Um pervertido — falou sem perceber em voz alta, pensando no que ele

fazia com menores.

— O que eu acabei de dizer — falou Zhenya passando ao seu lado, e

dando-lhe um empurrão. — Pensei que era inteligente. Você fala demais e as

paredes têm ouvidos.

Todas entraram no camarim e trocaram de roupa para uma que já estava

preparada para elas: vestidos de látex branco.

Ira suspirou, mas ao menos esta noite estaria vestida.

Uma limusine as esperava na porta. Elas eram invejadas por suas

companheiras. As seis garotas estavam animadas, e quando subiram no luxuoso

carro que as esperava ficaram ainda mais.

Ira olhava tudo ao seu redor, e apesar de que ria igual a suas amigas,

estava observando tudo e enviando informações. Ela até incentivou duas das
garotas para que levantassem e olhassem pela abertura do teto para aproveitar o

ar. Assim marcou a localização.

Quando saíram da rodovia pegaram uma estradinha no meio do nada.

Dirigiram vários quilômetros até que avistaram um muro. Mais ou menos

duzentos metros de largura por três metros de altura. A primeira vista não se via

nada de diferente, mas o olho treinado de Ira conseguiu captar orifícios na

parede, por onde saíam pontas do que com certeza seriam metralhadoras

apontando para qualquer coisa que se aproximasse.

O portão foi aberto e o carro entrou, ficando em um espaço vazio, ainda

sem entrar na propriedade. Fizeram-nas descer, e os homens que verificavam o

carro as olhavam constantemente. Eram todos altos, musculosos e com tatuagens.

— Abra! — Um deles gritou, e as garotas entraram novamente no carro.

Agora sim entraram, e como se fossem transportadas para outro planeta, tudo o

que viam era diferente. Uma mansão de três andares apareceu, era como um

castelo russo, com suas cúpulas, e parados em cada lado da escada curva, vários

homens também armados faziam a segurança.

As garotas entraram sem perder tempo, mas Ira ficou para trás, e caminhou

lentamente gravando tudo.

Quando entrou no lobby, suspirou ao ver tanta opulência, tudo em tons

dourados e uma grande mesa redonda no centro. Mas não foi o luxo o que

chamou sua atenção, mas a garotinha com cara de anjo que a olhava escondida

entre as grades da escada, e Ira não pôde evitar caminhar até ela.

— Olá, o que faz aqui sozinha? — Perguntou com um sorriso doce à

menina, que estava de camisola, e a olhava, tentando se esconder.

— Chissst! — Disse franzindo a testa de forma cômica. — Estou olhando às

fadas.
— Ah…— Ira segurou a risada e entendeu a que se referia a menina, ela

acreditava que as pessoas que entravam, que certamente estariam muito bem

vestidas, seriam fadas, então continuou com o jogo. — E como sabe que são fadas?

— Porque brilham — respondeu olhando seu colar, e claro, entendeu

novamente, quando as pedras refletiam a luz elas brilhavam, por isso pensou que

fossem fadas.

— Você é uma fada muito linda — sussurrou tocando seu colar, e o

manchando de chocolate. Ira sorriu pensando na cara dos agentes, com certeza

agora não veriam direito.

— Não deveria estar aqui, esta é uma reunião para adultos.

A pequena assentiu com a cabeça e colocou o dedo na boca.

— Quer que a leve ao seu quarto?

Essa garotinha em questão de segundos lhe roubou o coração, essa criança

inocente nesse mundo turvo e escuro a comoveu até os ossos. Sem pensar duas

vezes, como muitas das coisas que fazia, tirou os sapatos de salto e a pegou no

colo para levá-la ao quarto.

Ira parecia a fada madrinha da garotinha com camisola rosa, que nesse

momento voltava a tocar seu colar.

— É um colar mágico, — revelou sem querer — cuida de mim.

— Minha mamãe me cuida do céu — suspirou agarrando-se ao seu

pescoço.

— Muito bem, então, agora você vai para a cama e sonhará com ela — disse

enquanto a garotinha a guiava pela mansão, até que chegaram a uma porta. Ao

entrar, percebeu que era o seu quarto. E entendeu por que a garotinha acreditava

em fadas, entrar nesse quarto era como ingressar em uma estória, um universo

paralelo.

— Agora deve ficar aqui, me prometa que não descerá, as fadas estarão

muita ocupadas. Me promete que...?


Antes de terminar a frase, sentiu que alguém a estava olhando, ao mesmo

tempo que escutou como uma voz masculina e forte falava, a deixando nervosa,

não só a ela, mas a garotinha também:

— O que está fazendo aqui?

Engoliu em seco e, antes de se virar, deu um beijo na testa da garotinha.

— Você não pode ver? — Disse com raiva, sem perceber o que seu

descontrole poderia causar.

Quatro palavras, só quatro foram suficientes para deixar Misha sem

palavras. Aquelas palavras pronunciadas em um tom baixo pareciam um convite

ao pecado e tornava insignificante a muitas das mulheres que utilizavam sua voz

para seduzir.

Essa era a mulher que ele estava esperando, a mesma da noite anterior, e

que não conseguia parar de pensar, mesmo sabendo o quanto era arriscado.

Sim, estava cometendo uma estupidez.

— As putas estão lá embaixo.

“Idiota”.

Ira arregalou os olhos para que ele soubesse o quanto foi inapropriado o

seu comentário, e esperava sinceramente que a garotinha não tenha ouvido.

Ficou de pé, e sem sapatos mal chegava ao seu ombro, mas nem por isso se

intimidou, nem desviou o olhar. Saiu do quarto jogando um beijo, que a garotinha

apanhou encantada.

— O que pensa que está fazendo? — Falou entre dentes.

— Acabei de colocá-la na cama, não vou machucar ela, não sou um

monstro.

“Como você”.

Misha não estava acostumado que alguém falasse assim com ele, nem que

o olhassem daquela maneira. Agarrou seu braço para tirá-la dali e, quando o fez,

sentiu seu corpo aquecer. Quando ela se virou para se soltar, seu rosto suave e o
sorriso angélico de segundos atrás se transformaram em um penetrante olhar

de… ódio?

Ele se virou e, dirigindo-se de novo ao quarto, falou alto e claro.

— Katiuska, não volte a sair deste quarto.

— Sim… — sussurrou a garotinha, partindo o coração de Ira, aquela

menininha não devia ter mais de cinco anos.

Desceram em silêncio até que ele a deixou com suas companheiras, que

esperavam em um quarto tão luxuoso quanto a casa, e saiu.

— Eu poderia viver neste palácio — disse uma das garotas, se jogando na

cama.

— Eu também — comentou outra.

— Alguém sabe o que estamos fazendo aqui? Para que nos trouxeram?

— Não me importa para que, só que nos vão pagar o dobro.

Antes de continuarem a conversa, Zhenya, usando um vestido preto e

arrumada como nunca a tinham visto, entrou no quarto.

— Imagino que estão se perguntando para que vieram.

— Sim — todas responderam em uníssono.

— Vieram para servir.

— Servir? — Perguntou uma das garotas, tocando o corpo.

— Não — a interrompeu Zhenya, irritada. — Ali fora se encontram pessoas

importantes, de diferentes círculos sociais. Vocês serão as responsáveis por

atendê-los, e se por acaso suas cabeças ocas não entenderem o conceito de “servir”

— disse fazendo um gesto com os dedos, — servirão os coquetéis. Qualquer outra

proposta será fiscalizada pelo vor. Não tentem bancar as espertas, desta vez não

haverá nem perdão, nem esquecimento — disse olhando para Ira.

Sem mais preâmbulos, as mulheres saíram para fazer seu trabalho. Ira

recebeu uma bandeja que continha o que Zhenya chamou “coquetéis”, nada

poderia estar mais longe do que ela entendia por esse conceito. Sobre a bandeja
que carregava estavam diversos tipos de pílulas e garrafinhas com um líquido

transparente, mas não eram essas drogas as que chamaram sua atenção. Podia

distinguir claramente o que eram, mas havia algumas que jamais tinha visto, e

que pareciam bastante desejáveis. Sem que ninguém percebesse, pegou uma e a

escondeu sob o vestido.

Então continuou passando entre os convidados, colocando seu melhor

sorriso. Podia reconhecer políticos de diferentes países, empresários, artistas,

modelos e, é obvio, vários homens pertencentes à máfia russa.

Enquanto caminhava pensou que uma operação, nesse momento, levaria

vários deles para a prisão, mas é claro, não chegariam a colocar um pé na prisão

quando já estariam de volta as ruas.

Sem algo realmente contundente, não tinham nada.

À distância viu como o vor, Misha e alguns homens, que provavelmente

seriam do Oriente Médio, subiam por uma escada que até então ela não percebeu

que existia.

Esse era seu objetivo agora, mas como poderia entrar nesse lugar? Seguiu

caminhando sem perceber que a bandeja estava esvaziando, até que de repente

um homem, um que ela e qualquer pessoa que assistissem televisão

reconheceriam facilmente, se aproximou.

— Estive observando você a noite toda. O que preciso fazer para que me

consiga um desses frasquinhos com LSD?

“Tudo o que tem de bonito tem de… idiota!”

— Estou indo buscar — disse e foi até Zhenya, e ao dizer de quem se

tratava, não só deu a droga, mas também um incentivo extra.

Ela voltou e entregou o conteúdo, e o ator a agradeceu com um grande

sorriso que Ira foi incapaz de não devolver, afinal, esse homem era um dos mais

desejados. Quando contasse a sua melhor amiga Annie, esposa do Jeff, que

conheceu o Ray, com certeza morreria de inveja.


Vários minutos passaram, e eles conversavam como se já se conhecessem.

Ele era muito mais simpático e amável do que falavam os tabloides.

— O que preciso fazer para irmos para um lugar mais… tranquilo?

— Nada, porque isso é impossível — respondeu, mas ele não estava

disposto a desistir tão facilmente, a agarrou pela cintura e a atraiu suavemente

para sussurrar em seus lábios:

— Vamos, não é todos os dias que conhece um ator de Hollywood.

“Arrogante”, pensou lhe dando de presente um de seus melhores sorrisos.

— Eu adoraria, não sabe o quanto, mas…

— Que porra pensa que está fazendo? — Perguntou o russo, mais irritado

do que queria demonstrar na frente de um convidado, mas o incomodava demais

vê-la flertando com outro homem.

Ira se virou, nervosa, por que esse homem tinha a capacidade de deixá-la

nervosa? Quando a reunião acabou?

— Estou trabalhando — respondeu, e pela extremidade do olho viu como

os homens do Oriente Médio saíam da mansão.

A oportunidade de saber o que estava acontecendo e de gravar seus rostos

estava desaparecendo diante de seus olhos, e tudo por culpa do russo. Aquilo não

podia estar acontecendo, tanto tempo esperando a oportunidade para saber quem

eram os contatos do vor para que agora, por uma estupidez, colocasse tudo a

perder.

— Zhenya não te ensinou as regras?

— Sim, sim, Zhenya, Zhenya… me explicou — respondeu pensando em

alternativas para salvar a situação, ainda não podia acreditar que perdeu essa

oportunidade.

— Nem perdão, nem esquecimento, vadia, essas quatro palavras são as que

deveria gravar para continuar viva, e desde ontem à noite não as está cumprindo.

Entendeu?
Ira suspirou algumas vezes para engolir a raiva que sentia nesse momento,

e então poder responder com uma amabilidade que, é obvio, não sentia.

— Não voltará a acontecer, mas apenas fazia o meu trabalho — respondeu

e não demorou para perceber o grande erro que cometeu. Não estava prestando

atenção, estava muito longe, junto com os árabes, mas pensou que seria melhor

não corrigir. “Trabalho” para ele era muito diferente do que para ela.

E, é obvio, que o russo o interpretou errado. Apertou os olhos olhando-a,

furioso. Sem o menor cuidado a agarrou pelo braço, tirou-lhe a bandeja,

entregando a um dos convidados, e a tirou dali rapidamente.

Procurou um lugar mais tranquilo para ficarem a sós, o salão já estava

lotado, e o único local que viu foi a cozinha.

A puxou firmemente para que o seguisse, a advertindo com o olhar que

caminhasse com naturalidade entre os convidados. Olhou a entrada, e com a raiva

que estava não conseguia pensar claramente.

— Fora! — Foi a única coisa que ele disse. Cozinheiros e empregados, que

estavam trabalhando, pararam o que estavam fazendo e saíram o mais rápido

possível do lugar, deixaram até mesmo os fogões ligados.

Ira sabia que no ponto em que estava, tudo poderia se complicar em

questão de segundos. Esse homem era perigoso. O que Misha pretendia fazer com

ela? Também sabia que desta vez estava sozinha. Por mais protegida que estivesse

por seus parceiros, eles não poderiam entrar, não em cento e vinte segundos, não

em uma hora, essa era sua propriedade e nem mesmo com um pequeno exército,

devido à quantidade de homens armados, poderiam resgatá-la. Mas não o temia,

ela não morreria sem se defender, inclusive já sabia onde estavam as facas e tinha

uma frigideira por perto, para se defender se fosse necessário. Era uma agente

treinada, lutou corpo a corpo várias vezes, e embora esse homem cheio de

músculos fosse o dobro de seu tamanho, tentaria se defender.


A cozinha era enorme, com uma grande ilha no meio, mas Misha a levou

ao lugar mais afastado e infelizmente longe do que ela queria usar como armas de

defesas.

— Esta será a última vez que vou explicar isso e, para o seu próprio bem,

espero que o entenda…

*************

Brad, que ouviu e viu tudo pela tela, não estava gostando nem um pouco

da situação, e ao escutar essa frase começou a gritar como um louco para o

computador.

*************

Quando ela não respondeu, ele a pegou pelo pescoço, cobrindo o visor do

colar, não exerceu pressão, só a estava intimidando, para que o respondesse.

Ira engoliu em seco para desfazer o nó que sentia na garganta, que se

formou só de pensar em como estariam Brad e os rapazes, eles deviam se sentir

impotentes, e sinceramente esperava que o agente responsável não fizesse

nenhuma loucura que acabasse em um grande tiroteio.

— Estou esperando, caralho, ou quer que a torture para que me responda?

— Perguntou entre dentes aprisionando-a contra a parede, agora com mais força.

— Entendi, e assim como disse a Zhenya esta tarde, não fui para minha

casa, mas não sai com um cliente. Aprecio minha vida e entendo as regras —

respondeu nervosa e, embora não quisesse admitir, assustada. Engoliu em seco e

fechou os olhos para continuar falando e assim poder se acalmar, mas quando os

abriu se encontrou com um olhar cinza que emitia um brilho diferente, e em seus

lábios, algo parecido com um sorriso triunfal.

Ira tentou se afastar um pouco mais, mas era impossível, já que o russo

começou a se aproximar. Misha soltou seu pescoço e pôs uma mão em sua nuca e

a outra em seu rosto. Deteve-se um segundo, indeciso, para observá-la enquanto

ela voltava a fechar os olhos. De repente, seus lábios úmidos e quentes estavam
sobre os dela, a devorando. Sentiu como se estivessem queimando-a e uma

corrente percorresse seu corpo, a impedindo de pensar, e então espalhou-se por

todo seu corpo.

O braço de Misha a apertava contra ele. Seus seios colidiram com seu tórax

duro e definido. Ira abriu a boca para falar, mas ele aproveitou esse momento

para introduzir a língua, que deslizou como seda entre seus lábios. Foi então que

se esqueceu de Brad e da festa e se deixou levar pelo prazer que seu corpo estava

sentindo. Passaram-se séculos desde a última vez que a beijaram, e nenhum

daqueles beijos podia sequer se comparar com esse que estava nublando sua

razão. Quando voltou a recuperar a sanidade, separou-se e ofegando falou:

— Não, não… Há câmaras, não posso. Nem perdão, nem esquecimento —

o lembrou usando suas próprias palavras para sair dali o mais rápido possível.

Mas em vez disso, irritado, Misha a olhou nos olhos por um momento,

pegou sua mão e a puxou para fora, guiando-a pela mesma escada que os tinha

visto subir anteriormente.

Seu coração começou a bombear apressadamente e sua mente começou a

tecer uma rede de esperanças.

Dois homens, ao vê-lo, baixaram o olhar e o deixaram passar pelo

comprido corredor que os levava direto até uma última porta, onde outro guarda

com metralhadora os esperava, mas que ao vê-lo rapidamente se afastou.

— Este é o único lugar onde não há câmaras.

Ira observou a porta que tinha em frente com um tremor percorrendo-a

completamente. Ele estava digitando um código de acesso, e ao terminar um

clique e um som pressurizado se escutou, a porta abriu os deixando entrar.

Fechou os olhos enquanto pensava no que aconteceria a seguir. Não era a

primeira vez que precisava fazer sexo com alguém por causa de alguma missão.

Tinha feito anteriormente, então eliminou qualquer sentimento que se interpôs


em sua mente e se concentrou na única oportunidade que teria, e uma muito, mas

muito boa.

Não se permitiria desperdiçar o momento. Apesar de que a missão se

centrava em expropriar um importante carregamento de drogas, para ela também

era importante colaborar, embora fosse com um grão de areia, para acabar com a

escravidão sexual.

Caminhou decidida até que Misha pegou sua mão, para colocá-la no meio

da sala.

— Esta sala está livre de câmaras, à prova de som e possui um anulador de

sinal. Tudo o que ocorrer aqui ficará entre nós.

“Porra, estou sozinha e incomunicável”, pensou engolindo em seco, fechando

os olhos enquanto Misha estava de costas para ela digitando um novo código,

impossível de ver.

“Perfeito, e agora estou presa.”

Nenhum ruído se escutava, nem de fora, nem de dentro. A sala estava

escura, apenas o reflexo das luzes provenientes do exterior a iluminava.

Sem mais demora, Misha tirou a camisa, ficando nu da cintura para acima.

Não queria continuar esperando, essa mulher o descontrolava, e a queria agora.

Ira se virou. Sabia que precisava se despir, mas primeiro devia tirar a droga

que escondia entre seus seios, e quando levava a mão ao decote, sentiu a mão dele

a segurar.

— O que tem aí? — Repreendeu-a.

Ao contrário do que ele pensava, Ira se virou e entregou a droga que

escondia.

— Eu não gosto de mulheres drogadas — falou pegando a droga e a

jogando longe. — Outra falta que não tolerarei.


Até agora nada estava saindo como queria, o único que lhe dava forças e

uma adrenalina que a deixou nas nuvens era ver um tesouro a poucos metros

deles: um computador.

Ele começou a abrir o zíper do vestido, a deixando só com a pequena

calcinha branca que usava.

— Tem uma bunda deliciosa.

Sua voz, seu tato… tudo a estava excitando, mesmo sabendo que dizia isso

a todas e ela não estava em um encontro romântico. Agradeceu que os rapazes

não pudessem ver nem ouvir nada, pois ela já estava totalmente imersa no papel

de Ira, uma prostituta croata. À medida que ele a tocava ia dizendo palavras

sujas, que sabia que seduziam a qualquer homem, além disso, assim a ensinaram.

— Não fale.

— Você não gosta da minha voz? — Ronronou em seu ouvido.

Misha não respondeu, não era isso, mas justamente o contrário, sua voz

sim era um problema, chegaria ao clímax antes do que ele esperava, e isso não

permitiria.

— Não está aqui para falar, nem para pensar, somente para servir —

murmurou virando-a para que o olhasse. Ela, corajosamente, sustentou seu olhar

e começou a percorrer seu peito perfeito, passando lentamente as mãos pela

tatuagem. Agora o estava gravando, mas em sua mente, já que a câmara não

estava funcionando.

Acabava de descobrir algo novo. Ele tinha sido viciado em drogas, ao

menos isso o demonstrava a teia de aranha tatuada em um dos flancos. E muito

grande, em seu peitoral direito, uma insígnia militar com um SS dentro. Ou seja,

nunca na vida traiu alguém. Esse homem não era apenas um fantasma para o

sistema, mas também alguém muito poderoso.

Misha a percorreu com o olhar, deleitando-se com seu corpo bem definido.

Tinha as pernas torneadas e músculos que a faziam uma mulher muito sexy, até
que notou uma pequena marca que quis examinar mais de perto. ajoelhou-se e

passou um de seus dedos pela cicatriz. Ira rezou para que ele não percebesse o

que era, mas incrivelmente isso lhe deu mais força para se concentrar em sua

missão.

Balançando os cabelos, sentou-se na mesa e abriu as pernas, convidando-o

a se aproximar. Misha a encontrou totalmente nua e começou a acariciar suas

coxas, beijando-as e cada vez que o fazia sentia como seu corpo correspondia

arrepiando sua pele. Mas quando acariciou seus mamilos, mordeu o lábio para

não gemer. Ira o rodeou com suas pernas ao redor de sua cintura, fazendo com

que sua ereção crescesse mais a cada segundo. Quando o russo respirou

profundamente, embriagou-se com seu cheiro, um aroma muito peculiar que ele

nunca tinha sentido, mas gostou, e não seria difícil convertê-lo em seu vício.

Enquanto Ira o beijava e acariciava, ele entrava em seu corpo com seus

dedos, e com cada centímetro que entrava o calor que sentia ficava mais

insuportável. Ele nunca se perdeu tanto com uma mulher, como com ela, por quê?

Ira arqueou o corpo, convidando-o a saboreá-la ainda mais, deixando um

de seus seios ao alcance de seus lábios, oportunidade que ele não desperdiçou.

Duro, como poucas vezes já esteve, inclinou-se para beijá-la, queria

descobrir todos os pontos sensíveis dessa mulher, enquanto ela baixava o zíper da

sua calça pondo sua mão dentro. Quando seus dedos se fecharam na ereção

pulsante, Misha ficou sem respiração. Esqueceu o que estava fazendo, soltou seus

seios para se afastar dela e tirar a calça, os sapatos e se livrar de sua boxer,

retirando tudo que o incomodava.

— Estou limpo. — Foi a única coisa que disse com uma voz tão rouca que

até ele teve dificuldade em reconhecê-la. Quando se virou novamente para olhá-

la, ela tinha as pernas abertas em um claro convite. Agora era Ira que se entregava

completamente, utilizando a língua com audácia e perfeição dentro dessa boca

russa que a estava fazendo tocar o céu.


Sem esperar mais tempo, e faminto por possui-la, colocou a cabeça de seu

pau em sua boceta, e com um único impulso a penetrou até o fundo, fazendo-a

gemer.

— Deus! — Expressou em seu idioma incapaz de se conter, mas Misha

estava muito ocupado para entendê-la. Ele tinha a respiração acelerada e se movia

a um ritmo frenético, se continuasse assim, a deixaria louca de prazer e a faria

entregar-se por completo, mas embora estivesse no sétimo céu, ela tinha um

propósito, e quem deveria ficar totalmente esgotado naquela equação não era

exatamente ela.

Seus olhares se conectaram e ela assumiu o controle da situação. Beijou-o

com tanta paixão que Misha não conseguiu continuar se segurando e terminou

por render-se, caindo no precipício, enquanto Ira escondia uma risada triunfal a

suas costas.

“Homens, básicos e previsíveis.”

Muito tempo depois, quando ambos saciaram seus instintos mais básicos

sobre a poltrona, Ira descansava, acariciando sua cabeça, em uma espécie de

massagem de relaxamento. Ela olhava seu rosto e o percorria com a ponta de seus

dedos, até que de repente sua respiração compassada lhe indicou que estava

profundamente adormecido.

Levantou-se silenciosamente assim que esteva totalmente segura de que ele

dormia. Descalça e sem fazer barulho, aproximou-se do computador e o ligou

deixando a tela abaixada para não emitir luz. Pegou o colar, e tirou de debaixo da

pedra que servia como câmara um pen-drive minúsculo e o conectou à entrada

USB, inseriu as senhas e rapidamente a informação começou a ser gravada.

Não tinha tempo para organizá-la, não, tudo o que se pudesse gravar

serviria. O que conseguiu ver foi que se copiavam arquivos criptografados. Peter

ficaria feliz. Decidiu deixar de lado esses pensamentos, olhando ao homem que

ainda dormia pacificamente e feliz. O tempo avançava devagar, não se passaram


cinco minutos e ela já estava nervosa, não podia esquecer que Misha não era um

novato, provavelmente tinha tanto conhecimento quanto ela, ou mais.

O arquivo que estava copiando do disco rígido era bastante extenso, e

quando viu que o russo se moveu a adrenalina lhe subiu à cabeça. Sem querer

arriscar-se mais, retirou o dispositivo e o colocou novamente dentro de seu colar.

Assim que saísse daquela sala, o colar começaria a dar a seus parceiros toda a

informação. Rapidamente correu para sentar-se no chão, ao lado da poltrona e

começou a brincar com uma mecha rebelde de seu cabelo, bocejando como se

estivesse entediada.

Misha despertou, e nos primeiros segundos estava desconcertado,

perdendo a relação de tempo e espaço, enquanto Ira mordia o interior da

bochecha rezando para que não notasse nada de estranho.

— Tenho que voltar — sussurrou com voz aveludada. — Zhenya me

procurará, estivemos muito tempo ausentes.

Irritado porque era ela quem queria ir e não desejasse ficar um pouco mais,

levantou-se lhe atirando o vestido, que em um rápido movimento ela pegou e

calmamente o vestiu diante de seus olhos. Quando estava pronta, ele se levantou

somente com o boxer, abriu a porta e disse:

— Já sabe o caminho de volta.

— Obrigada, espero que tenha dormido bem — respondeu, saindo com um

sorriso impossível de dissimular, ouvindo a suas costas apenas uma portada de

despedida.

Ao chegar ao primeiro andar respirou mais calma, mas com uma dor no

peito que nunca havia sentido. Devia sair dali o mais rápido possível, tinha que

chegar em casa e entregar a informação.

Sim, ela fez o certo.


Capítulo 03

Com um copo de vodca nas mãos, Misha viu da janela como a limusine

levava de volta as mulheres ao clube, e por mais que pensasse, não entendia como

adormeceu e o que aquela mulher o fez sentir. Não era um menino, e muito

menos um adolescente com os hormônios em ebulição para não conseguir se

controlar.

O que estava acontecendo com ele?

Ouviu que a porta se abria atrás dele. Nem sequer se incomodou em ver

quem era, havia apenas uma pessoa que sabia aquela combinação, e precisamente

neste momento não o queria ver.

— Imagino que a puta valeu a pena, esteve mais de duas horas trancado

com ela, e embora eu goste das garotas jovens, quero foder esta.

— Não.

— Não?

— Desta vez não quero compartilhar — esclareceu imediatamente, com

tanta convicção que até mesmo ele se surpreendeu.

Vadik parecia incrédulo com o que acabava de escutar.

— O quê? Vai me dizer que essa mulher tem droga entre suas pernas e

voltou para o vício? — Perguntou em tom de brincadeira, aspirando uma linha

branca que estendeu sobre a mesa.

— Não estou para brincadeiras, Vadik. me deixe sozinho.

— Que porra está acontecendo com você? Temos que celebrar o negócio

que acabamos de realizar.

Em resposta a isso, Misha levantou o copo e, de repente, alguns golpes se

escutaram na porta. Com tranquilidade, o vor foi abrir e três loiras

impressionantes entraram na sala.

— Que comece a festa!


******************

Com resignação, Ira teve que ir para sua casa. Sabia que de alguma forma a

estavam vigiando, o comprovou.

Entrou no banheiro, ligou o chuveiro e escreveu:

NOTÍCIAS!!

Depois disso entrou na água morna, precisava se livrar desse cheiro, o

cheiro de Misha, esse que ficou sob sua pele. Vestiu-se com o roupão, e com o

colar na mão saiu, encontrando-se com um de seus companheiros.

— Jeff! Haverá um dia em que batam na porta antes de entrar?

— Garota superpoderosa — sorriu divertido, sentando-se em sua cama. —

Você fez um trabalho incrível — reconheceu com orgulho.

— Me fale, a informação é importante? Conseguiram identificar as

pessoas? A visibilidade da câmera estava boa? Por que Brad não veio?

— Wow! Mulher, o que você é, jornalista ou agente? A todas suas

perguntas, sim, estamos trabalhando, e no que diz respeito a Brad, não sei se devo

comentar…

— Fale — insistiu preocupada.

— Vimos tudo e mais do que nós gostaríamos de ter visto. Está claro

assim?

— Suponho que não me dirá mais, certo?

— Exatamente, a única coisa que vou dizer é que se não quer nos matar de

um ataque cardíaco, tente se afastar do russo, cada vez eu gosto menos dele. Os

fantasmas não existem.

— Ainda não encontraram nada dele?

— Nada de nada.

— E se conseguirmos seu DNA? Fluídos?


— Sêmen, você quer dizer?

— Jeff! — Exclamou jogando o travesseiro nele, irritada. — Não, idiota.

Sangue, saliva… o outro não existe — respondeu com confiança, virando de

costas.

— Recorda que sou um gênio da informática — a lembrou levantando as

sobrancelhas.

— Quanto você viu?

— Agora vá descansar, amanhã nos reuniremos aqui — a informou

beijando sua bochecha e lhe entregando um papel com um endereço. — Você

deve agradecer que eu não gosto de filmes pornográficos.

Essa foi toda a comunicação que tiveram e Ira foi dormir, esta noite tinha

muito no que pensar. Não demorou muito para que lembranças ardentes da noite

viessem à sua mente. Foi a primeira vez que se envolveu dessa maneira. Não

importa o quanto dissesse e mentisse para si mesma dizendo que foi por causa da

missão, também o fez por ela. O encontro foi rápido, direto, frio e sem

preliminares, deixando-a querendo mais. A única coisa boa foi ter alcançado o seu

objetivo.

O que não estava claro era onde se encaixava Katiuska na equação. Como

ele poderia ser o próximo vor se tinha uma filha? E se tinha uma festa privada em

sua casa, com todos os excessos que ela viu, onde estavam as menores? Não

conseguia resolver essas duas questões, e as duas coisas não poderiam existir ao

mesmo tempo.

Apesar de estar muito cansada não conseguia dormir, dava voltas na cama,

e pela primeira vez sentiu calor, muito calor, embora a noite estivesse

extremamente fria.

Deu um soco na cama e bufou:

— Caralho, não sou assim!


Precisava fazer alguma coisa, sair, ir trabalhar com os rapazes se fosse

possível, mas não podia se arriscar. Manter sua vida, concentrar-se em seu

trabalho, parar de pensar, era o que devia fazer e como se o universo resolvesse

lembrá-la que era uma pessoa e não a garota superpoderosa que pensava ser, de

repente sua cicatriz começou a coçar.

— Não, Elisa, agora não — murmurou levantando-se. Um banho frio, que a

fizesse esquecer tudo, junto com um par de pílulas para dormir era o que

precisava. A ordem, o cálculo e ter o dia planejado era o que sempre a ajudava a

lidar com sua vida, isso lhe dava estabilidade e agora era a única coisa que

poderia vencer a batalha que travava com sua mente.

O dia para Ira começou depois do meio-dia. Como se tivesse um relógio

biológico, despertou uma hora antes da reunião. vestiu-se com uma calça preta e

um suéter da mesma cor e saiu.

Chegou antes da hora marcada, sentou-se na parte de trás e com um café

bem quente começou a ler o jornal. Foi direto para a parte de “Lazer e

Entretenimento”, queria ver se havia alguma coisa sobre a festa da noite anterior,

mas nada.

— Descansou? — Perguntou Brad, jogando alguns papéis sobre a mesa.

— Porra! Vai me matar de um enfarte — gritou quase soltando a xícara de

café que segurava entre as mãos.

Brad a olhou com o cenho franzido sem dizer nada, até que Blake chegou

junto a eles.

— Como diria minha irmã caçula, a noite está cobrando seu preço, tem um

aspecto que não invejo.

— Não é a noite, — disse Jeff sentando-se ao seu lado — é…

Recebeu só uma cotovelada de Ira, entendendo imediatamente a

mensagem.
— Isto é pior do que pensávamos, os árabes já fecharam o acordo, e não é a

droga o que me preocupa.

— Não? — Ele negou com a cabeça. — E o que é então?

— Urânio enriquecido com 90%.

— O quê?!

— Sim. — continuou Jeff, adotando uma postura séria. — Estamos falando

de uma bomba nuclear.

— Caralho!

— O que não sabemos é quando será a entrega, nem a quantidade.

— Então, pode não ser para uma bomba? — Ira perguntou intrigada.

— Foder com o russo queimou seus neurônios? — Atacou Brad, olhando

diretamente para ela. — Ou você acha que para fazer pão não precisa de farinha?

— Graças a isso você tem a informação — falou empurrando os papéis

para ele. — Não questione meus métodos. Eu não questiono os seus, e estou

fazendo o meu trabalho.

— Nós teríamos conseguido de outra maneira.

— Sim? Como? Vamos, quero escutar sua teoria para saber como entraria

nessa sala, que se você não percebeu tem leitor de impressão digital, e se por

acaso isso parece pouco, está guardada por dois homens armados com

metralhadoras PKM. Ah…! Já sei! Com a capa mágica do Harry Potter —

zombou, fulminando-o com o olhar. — Vá se foder, Brad Cambell, e reconheça

que tudo saiu melhor do que o esperado. Não foi você quem me ensinou que

neste trabalho se separa a vida pessoal do dever? Senão como consegue conviver

consigo mesmo cada vez que se olha no espelho pela manhã? Ou quando olha a

Mary? Porque ela não tem ideia de sua vida dupla, ou contou a ela e eu não

soube? — Respondeu irritada. — Porque se for assim, me avise para deixar de ser

a aeromoça que ela pensa que eu sou e você o capitão.


— Chega! — Falou batendo na mesa. Os rapazes se olharam e decidiram

caminhar até o bar. Adoravam a garota superpoderosa, e um de seus

superpoderes era acabar com a paciência de Brad, e quando a briga começava era

melhor não estar por perto, as balas sempre disparavam em todas direções.

— Não quero que questione o meu trabalho.

— E eu não quero que se arrisque desnecessariamente, porra! Quando vai

entender?

— Nunca! Estou fazendo o melhor que posso, estou me esforçando ao

máximo. Ou acredita que não quero ir embora? Quero que toda essa merda

termine para que possa voltar para casa, tirar umas férias no campo e esquecer de

tudo, e de todos!

— Mentira.

— Você não sabe de nada.

— Tudo o que você quer é vingar a morte de Elisa! Por isso se interessou

por esta missão. Você acha que pode acabar com todos os estupradores deste

mundo? Não! Até quando tenho que repetir isso. Aceite isso de uma vez para que

possa seguir com sua vida.

— Não fale! Você não estava lá!

— Não. — Voltou a bater na mesa, chamando a atenção de todos. — E me

arrependo cada maldito dia por não ter estado, mas sigo em frente e não tento me

matar para vingar Elisa, e você deve fazer o mesmo, já faz três anos!

— E mesmo que passe cem anos, Brad. Sempre vou lembrar que não pude

fazer nada.

O agente suspirou pegando suas mãos, ela estava tremendo e tinha o olhar

perdido.

— Escute, Ems. Naquele dia estávamos todos juntos, era impossível saber

que se encontraria com esse desgraçado na rua.

— Devia ter ido com ela, não ficar no bar com vocês.
— E o que teria feito?

— Matá-lo! Sim, já disse isso, e daí! Se eu estivesse com ela o teria matado

com minhas próprias mãos. Do que me serve que esse filho da puta esteja na

prisão?! Vamos, me responda!

— Essa não é a melhor resposta para uma agente que trabalha para o

departamento de justiça.

— Não enche, Brad, qualquer pessoa com sentimentos e nossos

conhecimentos faria o que eu quis fazer. E se não for assim, é porque já perderam

seu coração e são apenas robôs servindo seu país. Você já se tornou um?

— Você acha que não tenho coração por querer fazer o que é certo e levá-lo

a justiça? Somos agentes, não super-heróis que fazem justiça com suas próprias

mãos.

— Não sei, estou lhe perguntando isso — falou, desviando o olhar, estava

com tanta raiva que não conseguia esconder. — Mas o que eu sei é que se

estivesse ao meu alcance, não teria esperado que outros com suas leis tenham

vingado a minha irmã, e se não o matasse, pelo menos o teria deixado todo

machucado, e depois o teria mandado para a prisão com uma tatuagem escrita

“estuprador”, então todos foderiam com esse desgraçado.

— Não está falando sério?

— Não faria a mesma coisa se tivessem estuprado e matado a sua irmã,

Brad? — Perguntou, procurando a sua compreensão. Ela falava das profundezas

de seu ser, ainda com raiva e dor porque um sádico filho da puta estuprou sua

irmã mais nova no mesmo dia que celebravam seu aniversário e ela, apesar de ser

agente, não conseguiu fazer nada para salvá-la.

— Não, Emily, já te disse o que penso e o que faria, e não posso acreditar

que você — apontou — ainda guarde rancor.

— Rancor? Não é rancor o que guardo, é ódio o que sinto e…


— E o quê? — Cortou-a nervoso com o que tinha certeza de que ela estava

pensando.

“E no dia em que sair, ele vai pagar por tudo!”

— Nada, nada, esquece.

— Não pode ser tão vingativa.

— Não sou — disse entre dentes, limpando rapidamente uma lágrima que

escapava pelo canto do olho. — E agora, por favor, peço que me deixe fazer o meu

trabalho o melhor que posso. E pare de me questionar por tudo.

— Quando o caso terminar, irá para terapia, e não aceito qualquer

discussão, ou escreverei um relatório dizendo que não está apta para nenhuma

outra missão.

Ira semicerrou os olhos fulminando-o com o olhar, mas engoliu todas as

suas palavras, discutir com Brad não a levaria a lugar nenhum.

Os rapazes, vendo-os mais calmos, aproximaram-se e começaram a

trabalhar, tinham muitas coisas para fazer, e muitas outras para analisar.

De todas as informações recolhidas, eles sabiam agora no que consistia o

carregamento e o que continha, mas não sabiam a data nem o local, isso teriam

que descobrir, e embora não gostassem, Ira era a única que poderia descobrir, e

infelizmente através do russo.

— Não acredito que seja tão complicado voltar para aquela sala.

— Ele não vai voltar a dormir, e mesmo assim, nada nos assegura que

voltem para o mesmo lugar, tendo o clube ou qualquer outro maldito hotel nesta

porra de cidade — reconheceu Brad olhando-a.

— Tentarei voltar para sua casa.

— Eu acho melhor não— resmungou o agente encarregado, recostando-se

para trás para olhar para os quatro.

— Não vejo uma alternativa, e não sei se é um grande sacrifício para… —

Jeff levou outra cotovelada de Ira.


Depois de um tempo se despediram como sempre. Ela devia voltar para o

trabalho. Um dia mais para descobrir, um dia menos para o final da missão.

***************

Com um copo de vodca, Ira se sentou no bar. Assim que terminou de

dançar, Zhenya como incentivo, lhe deu um segundo copo de vodca. A mulher

estava falando sobre o quão bem ela dançou, mas Ira não estava prestando

atenção, não conseguia parar de pensar em como se aproximar desse maldito

russo.

Uma semana se passou desde a festa e ele só a observava dançar. Às vezes,

ele levava algumas meninas para sua cabine, mas agia como se não se importasse,

inclusive as compartilhava com seus companheiros. Ela descobriu que isso

acontecia diversas vezes, mas sabia que isso o atraía. Ela o pegou olhando para

ela, mas ele não disse nada. O que estava passando pela cabeça daquele russo?

Como ela poderia fazer para se aproximar dele? Ela tinha que chamar sua atenção

novamente, mas como?

Tomou um gole de sua bebida olhando como uma de suas companheiras

flertava com um cliente abertamente. Em questão de minutos Zhenya apareceu

irritada. Pegou a bandeja e caminhou diretamente até onde ela estava sentada.

— Você leva isso a cabine cinco onde está a jacuzzi.

— Terminei meu turno, — e olhando seu relógio continuou — faz cinco

minutos.

— Preciso falar de novo?

— Não. — Sorriu a Zhenya, estendendo a mão para que entregasse a

bandeja. — Não fique nervosa, te deixará com cabelos brancos.

— Vocês farão que fique velha antes do tempo. — Deu algo parecido a um

sorriso. — Agora vá, os árabes não gostam de esperar.

— Árabes? — Isso sim despertou sua curiosidade, poderiam ser os

mesmos?
— Bom, árabes, muçulmanos, iraquianos, iranianos, não sei de onde são

exatamente, só que são convidados do vor e são preferenciais.

— Bom, então não vou fazê-los esperar mais — disse, e decidida caminhou

para a cabine, mas antes escreveu em um copo:

OS ÁRABES ESTÃO AQUI, PREPAREM O IDENTIFICADOR

BIOMÉTRICO

Na cabine não estavam apenas os árabes, estavam com companhia. Do lado

da sala, Misha observava como duas mulheres se tocavam e depois entraram na

jacuzzi, onde Vadik não demorou a se juntar a elas.

— Hoje só vai assistir? — Perguntou seu amigo, indicando a uma das

garotas para entretê-lo, e ela obedeceu alegremente.

Misha sorriu, era típico do vor acreditar que o sexo era tudo, isso seria sua

ruína, no entanto, para Misha só existia uma coisa importante: ele e somente ele.

Enquanto os observava se beijar dentro da jacuzzi, a ideia de compartilhá-

la com Ira passou por sua mente, brevemente.

Essa mulher que não conseguia esquecer.

Estava excitado assistindo, não podia negar. Vadik estava fodendo uma

mulher dentro da água enquanto Ahmed a possuía por trás.

Quando a garota se aproximou, decidiu se entregar ao jogo e sussurrou:

— Me faça esquecer quem sou.

Querendo cumprir seu desejo, a garota começou a seduzi-lo, ofegando

enquanto se aproximava de sua boca, mas ele a retirou.

— Não me beije e me mostre o que sabe fazer.

Isso foi tudo o que precisou dizer, e a garota começou a fazer o que sabia.

Durante vários minutos ele se esqueceu do mundo, caindo naquele jogo mórbido

de desejo e sedução.
*************

Uma, duas, três vezes Ira bateu na porta da cabine, que era uma pequena

sala com jacuzzi e cama incluída, e ao ver que ninguém atendia, decidiu entrar.

Deixou a bandeja em um dos lados, mas ao ver o vor e o árabe não podia

desperdiçar a oportunidade, tinha-os à vista. O árabe ocupava todo o seu campo

de visão, tinha que gravá-lo, mas algo chamou sua atenção, e sem virar seu corpo,

pelo canto do olho viu-o.

Essa voz, esse gemido eram inconfundíveis para ela, rouca, masculina e

muito a seu pesar… sua perdição.

A mulher estava dando um boquete a Misha, enquanto ele mantinha os

olhos fechados apressando-a ainda mais, mas como se algo o impedisse de se

concentrar e gozar, abriu os olhos e viu-a. Seus olhares se fixaram e ele sorriu com

arrogância sem deixar de olhá-la nem um único segundo.

Ira sentiu um pulsar de prazer se alojar entre suas pernas quando Misha

pegou a mulher e sentou-a de costas sobre ele, segurando-a pelos cabelos para

que ela olhasse para o teto da sala.

— Quer mais forte? — Perguntou à garota e ela assentiu, enquanto Ira

engolia em seco e cruzava as pernas para esconder sua excitação.

A partir desse instante, o corpo da agente começou a tremer, e tudo o que a

mulher sentia, ela sentia também. Um calor intenso se apoderou de seu corpo.

Misha entrava e saía do corpo da mulher enquanto ela ofegava de puro prazer.

Quando a mulher atingiu um clímax arrasador, o russo levantou-a

cuidadosamente, e colocou-a na cama, para então caminhar para ela.

— Não se mova — ordenou em um tom frio e aterrador, atraindo a

curiosidade de todos, exatamente no momento que ela começava a dar o primeiro

passo para trás.

— Ei… você, puta — disse o árabe, chamando sua atenção. — Entre aqui.

— Esqueça — explicou Vadik. — Essa puta tem dono.


Ira negou com a cabeça as palavras desses homens, uma coisa era fazer isso

com Misha e outra muito diferente com algum deles. Deu mais um passo

desobedecendo a ordem e colidiu com um corpo duro como uma parede, que a

deteve pressionando uma mão em sua cintura.

— Você não gosta do que vê?

Ela não conseguiu responder. Quando ouviu esse homem, muitas imagens

passaram por sua mente, assustando-a.

— Vamos — falou, movendo-a ainda mais para frente para que a vissem.

— Responda.

— Não… eu… por favor… não posso.

Surpreso ao escutar a fragilidade dessa resposta e que foi difícil até mesmo

falar, mas especialmente irritado porque essa idiota chamou a atenção do Ahmed,

ele perguntou:

— Que porra faz você aqui, puta? Você está sempre em lugares que não lhe

diz respeito. Sabe que eu poderia fazer que fosse expulsa agora mesmo, não é?

Ela engoliu em seco, assentindo e depois de alguns segundos murmurou:

— Zhenya me enviou, mas…, mas não diga a ela que fiquei… por favor.

Levantando-se para ficar mais alto e intimidá-la, e totalmente nu, virou-a

para que o olhasse nos olhos.

— Por que não quer que eu conte a ela? Você não faz o mesmo que elas?

Agora estava realmente nervosa, precisava sair desse lugar, mas não podia,

Misha não a soltava, e sussurrando sobre seus lábios disse:

— Ela informou que te pagariam muito bem, especialmente Ahmed.

Inclusive poderia contar para suas companheiras que você fodeu o árabe mais

importante deste país. Não é isso o que vocês fazem? Você já não contou a Zhenya

que nós fodemos…?

Semicerrando os olhos, e irritada por essa afirmação tão venenosa, tentou

se soltar com todas as suas forças e murmurou:


— Eu… eu não contei a ninguém.

— Não?

— Não. E agora me solte.

É claro que não o fez, desejava despi-la, levá-la a alguma sala privada e

usá-la até se cansar. Desejava-a mais que qualquer coisa nesse momento, e sem

hesitar, pegou sua mão e a levou até sua ereção. Ao sentir seu toque, sussurrou

em seu ouvido, lhe provocando arrepios:

— Você me deve um orgasmo, e vai me dar agora.

— Não… — gaguejou, uma coisa era foder com o russo por um propósito

em seu escritório, e outra muito diferente era fazer isso naquele lugar onde não

podia obter nenhuma informação.

Misha aproximou sua boca da dela, e depois de passar sua língua por seus

lábios falou:

— Não estou pedindo, puta, estou mandando.

Essa voz… Essa entonação não a deixava pensar direito. Uma parte dela

queria dizer que sim e se entregar ao prazer que sabia que obteria, o mesmo que

tinha sentido em sua casa. Deus… desejava senti-lo, e antes que pudesse

responder, sentiu como encontrava seus lábios e a beijava. Colocou a língua com

tal intensidade que foi impossível recusar, o sabor de Misha era cativante e,

pegando-se mais a seu corpo, aproximou-se dele para lhe devolver o beijo com a

mesma intensidade.

Misha soltou um gemido de puro prazer enquanto sentia como cada parte

do seu corpo reagia a esse beijo arrebatador que agora estava retribuindo.

Quando Ira sentiu que lhe faltava o ar, e ele baixava toda a guarda, se

afastou mordendo o lábio inferior, e o olhando nos olhos, falou:

— Sou uma puta com horário estabelecido, e terminou há mais de meia

hora, se quer ter seu orgasmo, peça a alguém que esteja trabalhando a esta hora.
Surpresa pelo que acabava de fazer, e antes de que o musculoso pudesse

reagir, correu pelo corredor que levava à saída. Foi direto para o vestiário, pegou

suas coisas e saiu do clube.

“Que porra está acontecendo comigo?” perguntou-se com o coração acelerado.

****************

Quando vários segundos depois Misha se deu conta do que aconteceu,

golpeou a parede com força. Algumas mulheres que passavam se assustaram, não

só pelo golpe, mas principalmente pela expressão do homem. E muito consciente

da ereção que ainda possuía, e que agora chegava a doer, voltou a entrar na sala

onde continuaria jogando.

Agora sim ia jogar!

Ele saberia esperar, se a puta queria jogar, ele iria mostrar quem sairia

vencedor.

*************

No dia seguinte, bem cedo, antes das sete da manhã, alguém bateu na

porta do apartamento de Ira. Isso alertou-a. Procurou a arma que guardava

debaixo da cama e caminhou decidida para olhar pelo visor. Quando viu quem

era, relaxou.

— Se não for realmente importante, Jeff, eu mesma vou te matar.

— Vista-se, vamos correr.

— O quê? Está louco, está nevando — disse apontando para a janela.

— Preciso repetir?

— O que Brad quer? — Perguntou resignada. — O que fiz agora?

— Brad agora está no sétimo sono, sou eu quem está ordenando.

— Não é meu superior — comentou enquanto vestia a calça.


— Tem cinco minutos, se não sair, eu vou carregá-la para fora e não me

importa se estiver de calcinha e congelar sua bunda — afirmou, e saiu dando uma

portada que fez estremecer toda a sala.

Vestida como se estivesse no polo norte, Ira saiu para se encontrar com o

agente, que esperava-a na esquina, assim como ele havia dito. Começaram a

correr pelo parque, até que quase uma hora depois Ira, exausta, incapaz de dar

um único passo, pediu clemência.

Jeff desacelerou, mas não parou de correr até que chegaram a uma

cafeteria.

A garota ao vê-lo, com um sorriso maravilhoso, aproximou-se para atendê-

los, é claro, primeiro a ele.

— O que deseja?

— Dois cafés, duas torradas e ovos mexidos.

Ira levantou uma sobrancelha repreendendo-o, mas Jeff não se importou.

— Como foi com a identificação do árabe?

— Ahmed Zeliff, quarenta e três anos, sunita, um dos terroristas mais

procurados no mundo. Tem em seu país mais de 75 % de aprovação. Sabe o que

isso significa?

— Que vamos pegar um dos maiores filhos da puta do mundo?

— Não, que seu povo o considera um deus, então ouça bem. Cenário

hipotético: conseguimos capturá-lo e entregá-lo às autoridades. Agentes: são

felicitados pela missão.

— Isso me parece fabuloso — reconheceu Ira com um sorriso de satisfação

nos lábios, quando a garota servia os cafés.

— Agora, cenário real: conseguimos capturá-lo sem ter baixas

“consideráveis”. — Ira não gostou do consideráveis, mas ficou em silêncio. — O

entregamos às autoridades sem sermos interceptados por nenhum grupo


terrorista, nem por russos, nem pela máfia vermelha. Agentes: jamais serão

parabenizados em público para proteger sua identidade.

— Jeff, eu entendo. Se quer abortar a missão para não envolver a Annie…

— Está me escutando, Emily?

— Jeff! — Exclamou Ira.

— Jeff nada, me escute, e me escute bem. Eu estive disfarçado no Paquistão

e você sabe, mas ao contrário desta missão, lá fui agente de campo, e jamais temi

por minha vida, porque o único lado perigoso tínhamos coberto, mas aqui não é

assim. Não temos nem um caralho de lado coberto, porque cada dia aparecem

mais. Um é este terrorista, outro é a máfia vermelha, nem sequer o pacto entre

eles é confiável, pode quebrar a qualquer momento, ou pior ainda, se outra bratva

descobre, oferece mais dinheiro e o urânio vai com o melhor lance…

— Não entendo o que você quer me dizer — reconheceu prestando muita

atenção.

Jeff suspirou profundamente antes de continuar.

— Sei que não importa o que eu diga não fará com que abandone essa

missão, que se falharmos ou não, ninguém saberá. Mas eu quero que se cuide

200%, e que não confie em ninguém.

— Não confio em ninguém — se defendeu.

— E quero que fique com isto — lhe disse entregando um telefone celular

de última geração.

— Um celular?

— Não é um celular qualquer e, além de ter o nome de todos nós como de

mulher, se pressionar o zero, um explosivo será ativado em dez segundos. É uma

pequena bomba, deve se esconder porque a onda expansiva é de dez metros, um

metro por segundo, entendeu?

— Sim, mas calma…


— Ems, apenas me escute, e agora vamos aproveitar esse café da manhã

e…

— Ainda há mais? — Perguntou realmente interessada, tudo o que ele

disse era realmente perturbador, mas agora não podia deixar que o medo

interferisse.

— Cuidado com o fantasma, eu não gosto dele.

— Você não gosta de ninguém.

— Misha menos ainda, acredito que quando voltarmos ao nosso país vou

inscrever você nesses encontros rápidos, onde se encontram em um bar e se fazem

perguntas durante um determinado tempo.

— O quê? Você não seria capaz, certo?

— Oh, sim, com certeza, inclusive Annie está de acordo. Precisa de um

homem, um normal com nome e sobrenome, quem sabe um rapaz certinho, que

tenha um trabalho comum em um escritório e que seu horário seja das nove a

cinco.

— Melhor procurar um aposentado para mim — zombou.

— Está louca, não quero que a levem para a prisão por assassinato.

— E por que levariam? — Perguntou arregalando os olhos enquanto ele

mordia sua torrada.

— Porque o mataria de enfarte quando fizessem sexo — disse e ambos

começaram a rir.

A manhã transcorreu normalmente, entre eles apenas reinava a paz, eram

amigos íntimos, inclusive lhe apresentou sua melhor amiga, que hoje era sua

esposa, Annie. Entre eles não havia segredos. Para a equipe era um dos principais

requisitos, honestidade em primeiro lugar.

De volta a sua realidade, e depois de ter passado toda a tarde trabalhando

com os rapazes, Ira voltou para o seu apartamento, vestiu um short de látex preto

e um Top que mostrava seus seios. Esta noite se promovia uma festa BDSM.
Quando entrou no clube, viu que predominava as cores preta e vermelha, o

ambiente era de dominação e submissão, um calafrio percorreu seu corpo ao

escutar o tilintar de colares de escravos e o som de chicotes batendo no de

mulheres e homens.

Ira gostava de sexo, não podia negar, mas não conseguia entender o gosto

pelo sadomasoquismo e olhava espantada as cenas que se apresentavam diante

dela. Esta noite teria uma rotina diferente, mas sabia que os casais estariam

concentrados em si mesmos.

Quando terminou de dançar percorreu o lugar como fazia todas as noites,

interagindo com alguns clientes, aguentando com seu melhor sorriso algumas

palmadas na bunda, mas o que não foi capaz de tolerar foi uma chicotada na

bunda. Ela se virou e antes de receber a segunda chicotada, pegou o chicote e

açoitou o corpo do homem, que o recebeu com prazer, inclusive pedindo mais,

então Ira começou a descarregar sua raiva e sua fúria nele.

***********

Misha esteve reunido com Vadik grande parte da noite e estava impaciente

para descer e poder vê-la, mas a reunião demorou além do esperado. Quando

finalmente conseguiu descer, sabia exatamente o que queria fazer, desta vez nem

mesmo o horário a salvaria de suas mãos.

A primeira coisa que fez foi procurá-la, e como se tivesse um radar, antes

de chegar ao último degrau, a viu chicoteando um homem. Como se seus

pensamentos se conectassem, ela o olhou, e ao vê-lo, como se lhe queimasse as

mãos, deixou cair o chicote no chão.

Misha caminhou entre as pessoas com um sorriso triunfal. Com o ego sobre

as nuvens, ele foi até onde ela estava, pegou o chicote do chão e pegou sua mão.

Ira não teve a possibilidade de resistir ao seu controle.

Entraram em uma sala, e com um olhar que não admitia desafio, ordenou:
— Tire a roupa e nem pense em me dizer que não está em horário de

trabalho.

Ira engoliu em seco e hesitou, especialmente quando viu como Misha

estava batendo o chicote em sua mão, fazendo com que sua pele arrepiasse.

Nunca tentou o sado, e não pensava em começar agora.

Enquanto estava tirando suas roupas, Misha olhava seu corpo. Não podia

negar que essa mulher o enlouquecia e era tremendamente tentadora, até mesmo

para um homem como ele. Quando terminou de olhá-la, deixou seus olhos

cravados em sua boceta e se aproximou dela.

Ira estava parada como uma estaca, nem um músculo se movia, mas todo o

seu corpo tremeu quando passou o chicote pelas costas, mal a tocou e ela pulou:

— Pensei que fosse muitas coisas, mas não um covarde que gosta de bater

em mulheres, as fazendo acreditar que sentirão prazer ao serem golpeadas.

— Você não gosta de BDSM, não é? Isso assusta você — afirmou

percorrendo-a agora com o cabo verticalmente.

— Deixa de perguntar coisas estúpidas e faça o que tem que fazer.

Esse orgulho e segurança que possuía era o que adorava nela. Sorriu, e

ansioso para entrar em seu jogo, tirou a camiseta com movimentos lentos e

estudados, e então começou a desabotoar um a um os botões de sua calça.

— Você gosta do que vê?

Claro que gostava, ele era gostoso e, apesar de estar coberto por tatuagens,

que foram feitas principalmente na prisão, ele parecia sexy e másculo, mas não

pensava em enaltecer ainda mais seu ego.

— Já vi melhores, não seja arrogante — respondeu, e caminhou até uma

das mesas para pegar um preservativo e entregar a ele.

Quando ele pegou, atirou-o no chão com desdém.

— Não vou usar isso.


Ira abriu a boca, então percebeu que era isso o que ele queria, que

protestasse, mas não faria isso. Ela se cuidava e estava claro que ele também, ou

pelo menos era o que esperava.

— Se deite na cama e feche os olhos.

Obedeceu e ele se dedicou a olhá-la. Queria contemplá-la, embeber-se de

seu corpo, e esta vez queria desfrutá-la. Era linda, tudo nela era perfeito, até

mesmo os músculos que formavam suas coxas e o pequeno tremor que tinha em

seus pés.

Sim, estava nervosa.

— Você vai ficar me olhando o tempo todo? Isso não funciona assim, —

protestou — não tenho a noite toda para você — falou. Precisava sair dali o mais

rápido possível.

— Tenho todas as horas que quiser, puta.

“Puta é a sua mãe, idiota”, pensou fechando os olhos, um sinal que não

passou despercebido, isso a incomodava. A cada segundo que passava a conhecia

um pouco mais, e quando ela, cansada de esperar, já ia abrir os olhos, sentiu como

Misha colocava seu corpo em cima do dela.

Vários segundos depois, excitada por tudo o que o russo dizia, obedeceu a

todas as suas ordens, se esquecendo de tudo e de todos. Caralho, esse homem a

fazia arder de prazer!

Em um momento de consciência tentou tirar o colar, mas Misha não

permitiu, prendendo suas mãos acima de sua cabeça.

— Não... eu gosto dele — murmurou entusiasmado.

“É uma câmera, idiota!”

Se seu cheiro era incrível, seu sabor terminaria por deixá-lo viciado. Era

melhor que droga, poderia até ser sua heroína pessoal.

Esta noite e todas as da semana seguinte, Misha fez tudo o que quis com

Ira, ela era somente dele e ninguém mais poderia tocá-la.


Adotaram uma espécie de rotina, e apesar da reprovação de seus parceiros,

cada vez que Misha esperava-a depois de dançar, ela tirava o colar e só voltava a

colocar quando ele saía pela porta do quarto, deixando-a completamente sozinha.

Desejo, paixão, desafio, mas acima de tudo contradição era o que cada

noite passava pela mente da agente, e embora não houvesse noite em que a

solidão de seu apartamento não a recriminasse por sua maneira de agir, só

precisava vê-lo para esquecer tudo… e a todos.


Capítulo 04

Depois de vários dias de ausência, Misha voltou para o clube. Desta vez,

embora acompanhado do vor, decidiu procurá-la primeiro. Quando a viu

conversando com um cliente, olhou-a com desejo. Não conseguiu tirá-la de sua

mente, a imaginava olhando em seus olhos desse jeito tão especial… que o

fascinava completamente.

Como ele esperava, quando Ira o viu sorriu, e não demorou nem dois

segundos para que ela se despedisse e caminhasse para a cabine onde sempre se

encontravam.

Vadik levantou a mão e um de seus homens veio correndo.

— Está tudo preparado para o leilão?

— Em uma hora tudo estará preparado, senhor.

— E as devochki4 já estão aqui?

— Estarão em menos de uma hora, senhor.

— Perfeito, — e olhando para Misha continuou — tem meia hora com sua

puta, então tem trabalho, estarei na cabine de sempre. Desta vez vou deixar você

escolher para mim, e eu quero uma boa.

Misha apenas o olhou, e assentiu com a cabeça então partiu até onde sabia

que Ira o esperava.

Quando dois homens se aproximaram para falar com ele, apenas levantou

a mão, e os silenciou com um olhar e continuou caminhando até onde estava ela.

O tesão por não foder com ela há alguns dias o estava matando.

Ao entrar a viu de costas olhando pela janela, olhou seu relógio e depois

falou.

— Tire sua roupa, tenho meia hora.

4
Devochki: Garotas
O coração de Ira começou a bater acelerado. Não queria nada além de fazer

isso, adorava a ideia e o que certamente viria a seguir, mas não gostou da maneira

como ele falou, e quando ia protestar, Misha passou ao seu lado e lhe deu um

tapa na bunda e repetiu:

— Se apresse, não tenho tempo.

Com a respiração acelerada ao sentir como Misha se aproximava e

começava a tocá-la, sem poder se negar começou a tirar o vestido, ao mesmo

tempo que dizia palavras sujas em seu ouvido. Como a enlouquecia esse russo!

— Sim… sim, quero — murmurou ao que ele perguntava nesse momento.

E sem esperar mais, começou a descer, beijando seu peito já nu.

— Eu gosto de seus lábios… seu corpo…

Excitada pelo que sentia, quando esteve a ponto de se ajoelhar, ao mover

sua mão sentiu o colar. Isso trouxe de volta sua sensatez, e com toda a força de

vontade que pôde reunir em questão de segundos, se separou dele e disse:

— Acredito que é melhor deixarmos para outra ocasião, você tem que

trabalhar e eu tenho que ir, meu horário já terminou.

Irritado e muito chateado porque ela não continuava com o que estava

fazendo, resmungou e amaldiçoou. Queria senti-la, queria seus lábios,

principalmente ele a queria, mas apesar disso não insistiria.

— Vire-se, é uma ordem, e as putas obedecem a ordens, além disso, você

não vai fazer isso de graça — disse girando-a ele mesmo.

“Idiota! Vou te dizer onde enfiar esse maldito dinheiro”, pensou enquanto sentia

como Misha se acomodava atrás de seu corpo, tocando seus mamilos com os

dedos até deixá-los totalmente eretos.

— Até que não estão ruins.

Isso realmente a incomodou. Resmungou indignada e ele, ao ver que se

retirava de seu alcance, deu um tapa em sua bunda.

— Bata na minha bunda novamente e vai se arrepender.


Misha riu, e bateu novamente em sua bunda dizendo:

— Eu pago por sua bunda, assim não seja puritana, porque freira você não

é.

— Puta! Já sei, pare de repetir isso!

— Você não gosta que te chame de puta?

— Não — mentiu, tentando se acalmar. — Me incomoda que me bata e….

— olhando para o relógio continuou, — você tem que ir, passou sua meia hora, se

quiser digo a alguma de minhas companheiras “putas” — falou — que quando

terminar de fazer seu trabalho uma delas venha ficar contigo.

Misha a olhou com raiva, ela tinha razão, seu tempo acabou.

— Vou ao leilão — anunciou colocando sua camisa.

Ao escutar essas palavras, seus sentidos ficaram alertas, começando a

vestir-se rapidamente, inclusive saindo antes que ele.

Quase correndo, foi em busca de alguém que pudesse lhe dar mais

informações. Não demorou muito, já que no camarim uma de suas companheiras

estava justamente discutindo com Zhenya sobre isso.

— Ira — a deteve Zhenya. — Viu o Misha? O vor necessita que fiscalize e

etiquete a mercadoria.

“Mercadoria e etiquetar” essas palavras revolveram seu estômago, e uma

careta de nojo, impossível de dissimular, apareceu em seu rosto.

— Até quando elas nos tirarão o trabalho?

— Cale a boca, Rachel — a cortou Zhenya com raiva olhando como Ira ia

embora — há convidados importantes esta noite, não quero que faça nenhum

escândalo, se não se entenderá comigo — falou e saiu dali. Se sua intuição

estivesse certa, esta noite estaria mais ocupada do que de costume, e uma das

coisas que ela mais detestava era ser babá.


Depois de ter vomitado no banheiro se refrescou com água fria. Precisava

se acalmar e pensar muito bem, não tinha tempo nem para avisar a sua equipe,

apenas confiava que eles estivessem vendo e ouvindo o mesmo que ela.

Sem perder mais tempo, dirigiu-se para onde tinha certeza de que estariam

as meninas, naquele lugar onde a música clássica reinava, mas agora não podia e

nem queria pensar.

Finalmente chegou, parando diante da mesma porta que encontrou as

meninas da outra vez, mas desta vez não ouviu ruído algum. Por um momento

seu coração acelerou, pensando que chegou muito tarde, lentamente girou o

trinco e sua alma voltou ao corpo quando viu uma das garotas enrolada sobre

uma poltrona.

Ira caminhou apressadamente para ela e a levantou para ver como ela

estava, mas essa não era uma garota, era um zumbi de tantas drogas.

— Você pode andar?

— Minha… minha amiga — gaguejou apontando em um fio de voz para

outra porta, uma que ela jamais tinha reparado. — Está… está com o russo.

O russo só podia ser Misha, ela sabia, não negaria isso e não negaria a si

mesma, só que não conseguia entender. Sem pensar em nada, e com um único

objetivo, dirigiu-se à porta. Uma parte dela desejava encontrá-lo ali e pegá-lo em

flagrante, mas por outro lado rezava para que não fosse assim. O que estava

acontecendo com ela?

Entrou decidida, e o que viu a deixou alguns segundos paralisada na porta.

Uma garota sentada, com os olhos fechados e os pés amarrados, mas o que a

paralisou foi vê-la nua, tremendo. Era difícil para ela respirar, estava até

enjoando. Tudo estava acontecendo de novo, estava recordando tudo, mas não

era Lisa quem estava naquela sala. Tudo passou diante de seus olhos. O que

aconteceu com Lisa a machucou como pessoa e como irmã, e a marcou como

agente, mas principalmente a destruiu como mulher. Um gemido a tirou de seu


devaneio e correu para a cadeira para ajudá-la. Raiva e dor corriam por suas

veias, estava disposta a arruinar a missão para salvar a essas garotas, disposta a

enfrentar tudo.

Pegou a roupa que estava dobrada e ajudou à menina a se vestir, enquanto

lágrimas de impotência cobriam seu rosto.

A angústia que a menina viu no rosto de Ira foi tão grande que, apesar de

ter medo, era ela quem falava.

— Ele… ele me salvou.

— Como? — Perguntou cortando as amarras, e abrindo suas pernas para

ver se estava bem, e ao se certificar de que sim, pôde voltar a respirar…

novamente.

— O homem me disse que se ficasse aqui, não me aconteceria nada, que

não entraria no leilão.

— Você está bem? Ele te… tocou? — Até mesmo a machucava fazer essa

pergunta.

— Ne, ne5… — sussurrou agora assustada, mas ficou calma novamente ao

ver que o rosto de sua salvadora voltava a ser o mesmo. — Apenas estou enjoada

e vejo… tudo em dobro.

— Me escute, vou tirar você daqui, mas preciso que me ajude, pode

caminhar?

A garota assentiu com a cabeça e as duas saíram da sala. Esperaram

sentadas enquanto a agente verificava se a saída estava segura, uma vez que o

comprovou voltou para ajudar as menores. Pegou a de cabelo azulado, que era a

que estava mais dopada, ajudando-a a caminhar, mas quando abriu a porta se

encontrou com seu pior pesadelo e antes de que pudesse falar ou reagir, levantou

o braço e cravou uma seringa em seu pescoço.

5
Ne, ne: Não, não.
— Filha da puta! — Foi a única coisa que conseguiu falar antes de desabar,

enquanto escutava ao longe o grito de terror das garotas que tentava salvar.

Rapidamente a pegaram pela cintura, levando-a por uma porta lateral,

deixando às meninas aos cuidados de alguém.

Não soube quanto tempo esteve dormindo, até que sentiu uma dor no

pescoço e começou a acordar. Lentamente levantou a cabeça, e ao tentar abrir os

olhos se deu conta de que eles estavam vendados. Seu primeiro instinto foi mover

as mãos, mas estavam amarradas igual aos pés.

Escutava os murmúrios entre duas mulheres, uma conhecida e a outra não,

até que de repente sentiu que caminhavam em sua direção, e com um único

movimento arrancavam a venda de seus olhos. Então ficou assustada. “Nem

perdão, nem esquecimento”, essa frase foi a primeira coisa que lhe veio à mente.

— Você é uma idiota, Ira, — disse Zhenya olhando-a de cima — acredita

que é a única puta que quer salvar essas vadias? Acha mesmo que são umas

santas?

— São meninas! — Gritou com raiva tentando se soltar.

— Meninas! Elas sabem mais do que você certamente sabia nessa idade —

respondeu com desdém.

— São virgens — disse olhando diretamente em seus olhos, precisava ver

sua reação e além disso, sair dali antes que os rapazes viessem atrás dela.

— E por essa razão estavam separadas do grupo, — disse entre dentes e,

aproximando-se dela para sussurrar ao seu ouvido, continuou — não volte a se

intrometer, senão eu mesma vou apagar você deste mundo, e se você não fosse

importante para Misha, acabaria contigo agora mesmo. Agora suma daqui —

disse com desprezo, ao mesmo tempo que a soltava com uma navalha que não

sabia que levava escondida.

— Onde estão? Onde as levaram?! — Exigiu saber Ira, enquanto

rapidamente se levantava para repreendê-la, mas Zhenya a deteve.


— Estão bem, isso é tudo o que você precisa saber. E isto que acaba de

acontecer ficará somente entre nós, espero por seu próprio bem que saiba

entender. Agora saia daqui — a apressou levando-a até a porta, e antes de abri-la

entregou um pedaço de papel.

— O que é isto?

— Misha me pediu para entregar.

Ira rapidamente saiu da sala, um sentimento de mágoa e raiva a dominava,

caminhou sem olhar para nada ou para ninguém. Correu ao camarim para

procurar suas coisas, nem sequer se trocou, apenas queria sair dali e avisar que

estava bem.

No momento em que cruzava o grande salão, viu como seus parceiros,

Peter e Jeff, entravam correndo. Ira começou a correr, e sem poder evitar,

procurou Brad com o olhar, sabia que se eles estavam entrando, o agente

encarregado já estava aqui, e o que menos queria nesse momento era problemas

ou um confronto.

— Estou bem, Brad, estou bem! — Repetiu exclamando, quase se jogando

sobre ele quando o viu. — Mas vamos sair daqui, por favor.

— Estou a ponto de matar você eu mesmo — ele recriminou enquanto

tirava sua jaqueta para verificar seu pescoço, e quando notou o ponto que estava

ficando roxo, exclamou com raiva e desespero. — Que porra tem na cabeça?

— Vamos, estão nos olhando — falou Jeff, que tinha chegado junto a eles,

pegando possessivamente ao redor da cintura de Ira, para simular proximidade e

assim poder sair sem levantar suspeitas.

Não conseguiram dar nem cinco passos quando dois homens, mostrando

suas armas, os bloquearam.

— Aonde você pensa que está indo? — Ira ouviu o que eles falaram para

ela com total clareza, enquanto seus amigos e companheiros ficaram na frente

dela para protegê-la do russo.


Ira não podia acreditar em como as coisas estavam ficando tão

complicadas, e o que temia que acontecesse estava a ponto de ocorrer.

— Já cumpri meu horário, estou indo embora — explicou aparentando uma

calma que não sentia.

— Você me disse isso duas horas atrás.

“Duas horas! Por isso todos estavam tão nervosos, caralho, agora sim que ocorreria

uma matança se não agisse rápido”, pensou.

— Estava conversando com eles, — apontou a cada um de seus

companheiros — são amigos de Zhenya, e já estavam indo embora, certo?

Sem muita vontade e dispostos a brigar, eles assentiram com algo parecido

a uma afirmação, e foi ela quem deu o primeiro passo para se soltar e ir embora.

— Agora realmente vou embora, — anunciou — apenas vim acompanhá-

los até a porta.

Mas Misha não estava disposto a deixá-la ir, não assim tão fácil, então sem

se preocupar com esses homens, a puxou entre seus braços, notando também a

marca em seu pescoço, mas não disse nada, embora achasse mais do que suspeito.

— Você sabe as regras, ou quer que eu a lembre delas?

— Não, eu lembro, e se você não está por perto para me recordar, Zhenya

está. Posso ir agora?

Quando seus companheiros se retiraram, os homens armados também o

fizeram, deixando-os sozinhos.

— Só eu pago para ter você. Escutou bem? Entendeu bem? Não quero que

ninguém tenha o que é meu.

Ira não sabia o que dizer, o que responder, realmente esse homem tirava

sua razão e perturbava seus pensamentos. Horas antes estava disposta a enfrentá-

lo e agora, depois de suas últimas descobertas, não sabia o que fazer.

— Tenho que ir embora.


— Não me deixe com raiva, Ira, não vai querer ver o demônio que tenho

dentro de mim — falou, e depois de olhá-la fixamente nos olhos, fez um sinal a

um de seus homens para que a acompanhasse, e apesar de Ira ter protestado, foi

impossível persuadi-lo.

Agora estava em um carro a caminho de seu apartamento escoltada por

dois guarda-costas, nem mesmo seu apartamento seria mais um local

desconhecido.

Os homens garantiram que ela entrasse e então partiram. A primeira coisa

que Ira fez foi procurar o telefone que Jeff lhe deu e ligar para o Brad. Não

terminou o primeiro toque quando escutou:

— Onde está?!

— Calma, estou em casa…

— Calma? Calma?! Como quer que esteja calmo? Perdemos você por quase

duas horas, e sabe por quê?! Porque você insiste em fazer coisas estúpidas. Até

quando, Emily! — Gritou como um louco do outro lado da linha.

— Brad… — falou e um silêncio se escutou em resposta — hoje não pude

ajudar aquelas garotas e…

— Escutamos toda a conversa, Ira. O colar nunca deixou de transmitir o

sinal, agora Jeff está investigando essa tal Zhenya, logo saberemos mais sobre ela.

Descansa e amanhã conversaremos no parque, no mesmo lugar de sempre.

— Brad, eu…

— Não quero escutar, a única coisa que vou dizer é que na próxima vez

que tirar o maldito colar, estará fora da missão e não irá trabalhar novamente na

agência em toda a sua vida. Ficou claro, Emily Claxon?

Se usou seu nome e sobrenome era porque estava realmente irritado.

— Sim.

— Sim o quê?!

— Sim, senhor, entendi.


— Boa noite.

Ela desligou o telefone e ligou para Jeff. Ele, igual ao seu parceiro, atendeu

imediatamente, mas seu tom de voz não admitia discussão alguma.

— Estou ocupado, acima de tudo irritado, não quero falar com você,

colocou em risco a missão e só pensou em você, acho que não entende o conceito

de companheirismo, deveria procurar no dicionário. Boa noite.

Agora se sentia perdida e completamente sozinha, e angustiada. Tirou de

dentro do armário a única coisa que podia acalmá-la nesse momento. Tirou o

vestido com raiva ficando só de calcinha, colocou uma camiseta, e pendurou o

saco de boxe sobre um gancho que utilizava para treinar, tinha que extravasar de

alguma forma.

Quando estava pronta, nem mesmo olhou as luvas brancas e roxas que

costumava usar.

O primeiro soco sentiu em todo seu corpo, foi tanta a força que o saco

quase a golpeia de volta, mas o segundo e terceiro fizeram que a adrenalina

começasse a percorrer suas veias. Um soco abaixo! Um acima! Estava usando suas

pernas e punhos.

Que porra Zhenya quis dizer? Sabia que via algo estranho em seus olhos,

mas até que ponto ela estava envolvida com o tráfico de mulheres? As ajudava ou

prejudicava ainda mais?

Pensava, e quanto mais pensava mais o buraco que estava se formando em

seu estômago aumentava, e por isso chutava e chutava cada vez com mais força,

repetidas vezes.

Onde estavam essas meninas agora? E o que era isso de que o russo não a

havia tocado? Ele as salvou? Quem caralho era esse fantasma?

Grito, soco e chute foi o que nasceu agora das profundezas de seu ser ao

sentir tanta frustração.


E seus amigos, companheiros e agentes, por que não podiam compreendê-

la? Se inclusive Jeff havia dito que faria o mesmo a vez anterior, por que agora

reagia assim? Além disso, se estavam escutando tudo, por que tanto alarme? Ela

se perguntava tantas coisas, e para nenhuma delas tinha resposta, ou pelo menos

não a encontrou.

Direto, um, dois, três e chute um, dois, três.

Que porra todos tinham nas suas cabeças? Ninguém queria fazer nada?

Enquanto batia no saco, a imagem de Lisa passou por sua mente. Voltou a vê-la,

agora como se fosse uma mera espectadora, via como ela se aproximava de sua

irmã, pegando-a entre seus braços para que dissesse algo. Nesse momento Lisa

tinha a roupa rasgada e seu rosto estava desfigurado. Recordou também o cheiro

que emanava do corpo de sua irmã, mas quando baixou seu olhar até suas pernas,

seu estômago não aguentou mais e teve que correr ao banheiro para vomitar.

Vomitou até esvaziar seu estômago. Como pôde, depois de muito tempo

vomitando, se levantou com dificuldade e ao se olhar no espelho viu que a

mulher que devolvia o olhar era outra, não era Emily, muito menos Ira, era

alguém abatida e sem vida.

Molhou o rosto, e com muita dificuldade caminhou de volta a sua cama.

Agora estava esgotada, tanto, que nem sequer foi capaz de atender ao telefone,

que começou a tocar.

— Vá se foder — foi a única coisa que ela disse quando desabou na cama,

sendo vencida quase imediatamente por um sono devastador.

*******************

Misha, desde que tinha visto Ira com esses homens, começou a se sentir

possessivo, o que jamais sentiu por nada, nem por ninguém. E ele, que era um

homem duro, sem emoções, não conseguia entender.

Vadik, entretanto, celebrava feliz e ele não era capaz de se concentrar,

inclusive sabia que havia sido mal-educado quando respondeu as duas únicas
perguntas que ele tinha feito, mas quando tudo acabou, já não pôde mais

aguentar, foi até onde seus homens estavam para que lhe dessem a direção de

onde morava Ira, e agora como um idiota caminhava ao seu encontro.

“To, chto, chert voz´mi, ty delayesh´mne, Devochka6”, pensou enquanto abria a

porta sem fazer qualquer ruído.

Quando entrou, a primeira coisa que viu foi um saco de boxe, que

rapidamente segurou para que a corrente não soasse. Então viu pela extremidade

do olho como sua devochka7 dormia sobre a cama. Ficou totalmente hipnotizado

por sua bunda. Além de fazer alguém ter um enfarte, a calcinha preta que a cobria

era minúscula.

— Acorda — disse, dando um tapa mais forte do que em realidade queria

em sua bunda.

Ira pulou na cama, e quase ao mesmo tempo que ele retirava a mão, graças

a seus hábeis reflexos, ela levava a sua para sua arma, mas em uma fração de

segundo, ao vê-lo pela extremidade do olho, a soltou.

— Que caralho está fazendo aqui?

— Vim para ter certeza de que estava sozinha — respondeu em tom de

recriminação, a impedindo de se levantar.

— Quem lhe deu o direito de entrar sem bater? — Lutou com ele, mas

Misha tinha muita mais força. — Me solte!

Ele aproximou seu rosto do dela inalando esse aroma que o embriagava, e

perto de seus lábios murmurou:

— Não deveria dormir assim — Reprovou começando a percorrer com a

ponta de seus dedos o corpo de Ira — é perigoso, qualquer um poderia entrar.

— Só um idiota entra sem bater na porta — falou irritada. — Agora vá

embora! Esta é minha casa, e não é o maldito clube. Você não manda aqui, russo.

E não estou em horário de trabalho!

6
To, chto, chert voz´meu, ty delayesh´mne, Devochka: Que porra está fazendo comigo, garota?
7
Devochka: Garota.
Misha começou a gargalhar, como gostava desse temperamento e dessa

coragem, foi isso que o cativou. Mas a cada momento mais irritada Ira ficava, sem

pensar nas consequências, em um rápido movimento passou uma perna sobre sua

cabeça e depois deu um salto, apesar de estar presa por suas mãos para que não

se movesse, ela o atirou de costas à cama obrigando-o a soltá-la, ficando agora

escarranchada sobre ele.

— Você acha engraçado agora? — Ela disse.

— Quero foder você — ele respondeu sem se importar com sua pergunta.

— E não estou mandando, estou pedindo, sei que este não é o clube, é seu… lar?

— Disse olhando o lugar, que mais parecia um quarto grande.

Ira não soube o que responder diante dessas palavras sinceras. Com o

coração batendo acelerado, aproximou seus lábios dos dele e os beijou. O

sentimento desconhecido que ele provocava nublava sua razão.

Hipnotizado pela sensação que ela proporcionava, capturou com desespero

sua boca para retornar o beijo que estava lhe dando. Fazendo-o com carinho, com

amor e sem pressa alguma, ambos se esquecendo de tudo o que carregavam nas

costas, se deram o deleite da paixão em um momento em que só os dois existiam.

Ira deixou de pensar na missão… no colar… na Rússia…

Misha se esqueceu de quem era… de sua verdade… de seu segredo…

Ela se entregou ao prazer que eles estavam proporcionando um ao outro

enquanto o russo não parou de beijá-la em nenhum momento. Sem saber como ou

por que aquele homem a completava e apesar de tudo não queria se separar dele,

e ele queria protegê-la do mundo no qual ele vivia, inclusive se assustava de seus

próprios pensamentos.

Tudo estava acontecendo muito rápido entre eles, sentiam tudo ao

extremo, mas acima de tudo... eles queriam muito.

Beijos, toque e carícias se repetiam sem parar, tudo no silêncio do

apartamento. Se olhavam com adoração, e se beijavam com paixão. Palavras não


eram necessárias, seus corpos falavam por eles, fazendo com que aproveitassem o

momento, eles eram iguais, simplesmente dois corpos entregando-se ao prazer. O

clímax chegou para ambos, enquanto se perdiam em um dos beijos mais intensos

que já compartilharam.

Misha, com cuidado para não a esmagar, beijou sua testa, colocando-a

sobre seu peito, e acariciando suas costas enquanto Ira estremecia entre seus

braços. Respirou algumas vezes e com cuidado se virou para olhar em seus olhos

e perguntar o que estava em sua mente.

— Esteve no leilão?

— Sempre estou no leilão — respondeu olhando-a nos olhos, mas o que viu

nessas safiras o fez estremecer, nunca sentiu culpa por nada do que fez em sua

vida, mas nesse momento algo mudou, sentiu algo diferente. Vergonha?

Com esse sentimento e com muito cuidado, mas sem dizer nada, ele a

colocou de lado e se vestiu. Agora nem mesmo podia olhar para ela, não depois

do que ocorreu.

Não depois de tanta conexão.

Ira, no entanto, sentia que estava despedaçando por dentro. Agarrou os

lençóis e se cobriu até o pescoço virando-se para não olhar para ele, mas apesar

disso, sentiu como terminava de se vestir e caminhava até a porta.

— Zhenya entregou uma mensagem para você?

Sem ser capaz de falar, Ira apenas balançou a mão para que soubesse que

sim.

— Então vou esperar você em algumas horas, seja pontual — ordenou e

fechou a porta deixando o lugar.

Com os olhos tristes e pensando em tudo o que ocorreu aquela noite, mas

principalmente com mais incerteza que antes, decidiu dormir, e desta vez

esperava fazê-lo sem interrupções.


No dia seguinte, bem cedo, batidas na porta a despertaram.

Definitivamente, esse lugar era tudo, menos seu refúgio pessoal.

Colocou uma calça e foi abrir a porta. Não se incomodou em ver quem era,

já sabia que seria algum de seus companheiros.

Quando abriu a porta com calma, Jeff entrou com um sorriso fingido.

— Se apresse, espero você na esquina, nós vamos correr.

— Se quer me dizer algo importante, diga isso aqui e agora, não

precisamos correr mil quilômetros para que o faça. Além disso, estou exausta e

depois tenho que sair — falou.

— Vejo que você gosta que repitam as coisas. Cinco minutos, Ira e

contando.

— Não entendo como Annie o suporta.

— Ela não tem que me suportar neste estado. Ela faz as coisas direito — a

repreendeu.

— Idiota — foi o que respondeu enquanto uma almofada voava e batia na

porta que segundos antes Jeff tinha fechado.

Amaldiçoando, e relutantemente, se vestiu. Se o dia já começava assim,

nada de bom aconteceria mais tarde, se era um presságio do que viria, tudo iria

de mal a pior.

Graças à neve que caía, misturada com diminutas gotas de chuva, não

correram muito, apenas algumas quadras até que chegassem a uma cafeteria. Ira

se sentou enquanto seu amigo pedia dois cafés e algumas torradas.

Uma vez acomodados e sem poder aguentar mais a incerteza ela rompeu o

silêncio.

— Você vai me repreender pelo que aconteceu na noite passada?

— Não.

— Não?
— Não. Agora se cale e escute que não tenho muito tempo, seu colar está

desativado e estará assim somente por vinte minutos, e já usamos dez.

— E por que está desativado? — Perguntou o tocando, incrivelmente, se

sentiu insegura.

— Porque o que eu vou dizer é somente entre nós, assim faz o favor de se

calar, estamos entendidos? — Ela assentiu e ele começou a falar. — Cenário: A

agente se apaixona pelo russo. Russo, que não é idiota, em algum momento

percebe quem você é. O vor descobre, e o que ele faz? Se vinga da única maneira

que a máfia russa faz — levantou a mão quando Ira ia protestar e ela se calou. —

Eu vou te lembrar que Vadik não vai matá-la, você é problema do russo, mas se

vingará em sua família, ou seja, com seus pais. Quer que eu fale o que fazem às

mulheres?

— E o cenário real? — Perguntou engolindo com dificuldade enquanto um

calafrio percorria seu corpo.

— Essa é a porra do cenário real, Emily! Não há outro!

— Isso não faz sentido, está criando um filme do Quentin Tarantino em sua

mente.

— Sim? Não faz sentido! — Ele se exaltou chamando a atenção de alguns

clientes. — Faz dias que escondo informações dos outros agentes, cobrindo suas

costas. Vemos e ouvimos tudo, Ira, não se esqueça — recordou tocando o colar.

— Isso não vai se repetir, — respondeu retorcendo as mãos aflita — farei as

coisas direito para que não tenha que me cobrir.

— Foda-se, Emily, se quer um relacionamento compra um cão.

Ira abriu a boca, uma, duas e três vezes, mas não tinha nada para dizer, e

tudo o que diria seria mentira e não poderia mentir para ele.

— Ontem à noite falei com Annie, — ele disse muito tempo depois

mudando de assunto — ela manda beijos.


— Como você falou com Annie? Não pode! — Ela o repreendeu. Uma das

coisas que não podiam fazer quando estavam em missão era falar com seus

familiares, acima de tudo, era para a segurança deles. Ser agente secreto ou de

campo envolvia muitos riscos, então a verdadeira identidade, quase sempre, se

mantinha em completo segredo, mas neste caso, Annie sempre soube quem era e

o que fazia seu marido.

— Calma. Annie não corre nenhum risco. Tenho um IP fantasma, se ativa e

desativa, só nos comunicamos assim uma vez por semana — explicou.

— Ou seja, não sou a única que faço coisas erradas — murmurou dando

voltas ao líquido que estava a ponto de acabar, mas em vez de responder alguma

coisa, Jeff olhou para o seu relógio e com os dedos indicou silêncio e depois

apontou para o seu colar, isso significava que agora a conversa era entre três

pessoas.

Seguiram conversando mais meia hora até que voltaram caminhando. Era

quase a hora de Ira ir para onde a tinham chamado. Um restaurante no centro da

cidade. Um que para qualquer pessoa seria considerado apenas elegante, refinado

e seleto, mas para eles, que investigaram tudo, não era assim. “Tuchska” era um

restaurante distinto, sim, isso não podia se negar, destilava opulência, mas o mais

importante era que esse lugar era um ponto neutro onde diferentes personagens

da máfia russa frequentavam. Nesse lugar as brigas ficavam de fora, mas também

não se encontravam frequentemente, porque, embora houvesse códigos de honra

entre a máfia, nem sempre eram cumpridos.


Capítulo 05

Se Ira negasse que estava nervosa, se tornaria a mulher mais mentirosa de

todo o mundo, começando porque, além disso, estaria mentindo a si mesma, e

isso em sua profissão não deveria fazer.

Perdeu muito tempo em seu apartamento refletindo se deveria levar uma

arma ou não, mas depois de muito pensar, rejeitou a ideia e agora caminhava com

um vestido preto colado ao corpo sem qualquer meio para se defender até o

restaurante onde certamente todos portariam armas.

Enquanto caminhava observava o que a olhos de qualquer pessoa seria

normal, mas estava longe da realidade. Postados sobre um telhado, em frente,

dois homens se escondiam apontando para a porta do “Tuchska” e, de um lado,

sentado como se estivesse apenas lendo, outro homem observava e protegia o

lugar, e claro, no estacionamento vários carros de luxo esperando a seus donos.

O mais provável é que assim que entrasse pela porta qualquer tipo de

comunicação entre ela e seus companheiros fosse totalmente cortada. Com certeza

existiam dispositivos internos que fariam interferências no sinal, ela sabia disso e

os agentes que a protegiam também. O menos satisfeito era Brad, mas ele

guardava suas apreensões para si.

Ao chegar à porta dois homens a olharam dos pés à cabeça, e ela com seu

sorriso falso e russo perfeito falou:

— Misha me convidou.

Os russos, que pareciam lutadores de boxe, se olharam. Um, com um gesto

de cabeça indicou ao outro que confirmasse a informação. Em poucos minutos ele

retornou e deu a entender que podia passar. Mas depois de alguns passos, outro

destacamento de segurança a deteve para revistá-la.

Agora estava parada na frente de uma parede sendo revistada por uma

mulher, que mais parecia um robô, já que não possuía nenhuma expressão em seu
rosto. Agradeceu em silêncio a decisão de ter ido desarmada, senão,

provavelmente, nesse momento a missão estaria arruinada.

Com a cabeça erguida e rebolando os quadris de propósito, finalmente

entrou, chamando a atenção de alguns homens.

Um homem com um traje preto se aproximou dela para solicitar seu casaco

e ao entregar, terminou de deslumbrar a quem ainda não tinha feito.

A opulência se manifestava até nos mínimos detalhes, a cor dourada junto

com o vermelho eram o que predominavam no lugar, no fundo vários homens

estavam reunidos. Não foi difícil identificar que havia vários grupos de máfias

diferentes. Mas por que estavam todas reunidas? Isso só podia significar algo

realmente importante. Mas, o quê?

Continuou caminhando, esperando sinceramente estar mandando o

máximo de informação possível, caso contrário, sabia que ao sair o aparelho

começaria a enviar os dados, é claro, se ela fosse embora e tudo transcorresse sem

qualquer problema.

Já havia identificado dois grandes chefes da máfia, mas um chamou mais

sua atenção. Acreditava-se que estava morto, mas se seus olhos não a enganavam

e ele não era um fantasma, Yuri Antonov estava vivinho e abanando o rabo diante

de seus olhos. Quando se virou para captar mais alguma coisa, a suas costas

escutou:

— Fada! Você veio!

Não precisou ver para saber a quem pertencia essa voz tão especial, que

deu um sopro de paz em seu interior. Agachou-se para recebê-la e olhá-la, a

garotinha estava vestida impecavelmente com um vestido roxo rodeado por um

tule.

— Que princesa mais linda! — sorriu beijando-a com carinho.

— Você está muito linda, mas… não brilha.


Ira riu alegremente, desta vez estava vestida normalmente, muito melhor

que a vez anterior quando a conheceu e estava usando um vestido de látex, e ela

agradecia imensamente por isso. Acariciando sua cabeça se levantou para ser

guiada pela menina, mas não pôde dar dois passos quando viu Misha, que

caminhava sem um mínimo de felicidade em sua direção.

— Você está atrasada — falou em seu tom habitual e olhando à pequena

continuou. — Vá com as outras meninas.

— Mas…

— Katiuska, não me faça repetir.

A garotinha, com uma carinha de decepção, caminhou de volta enquanto

Ira o reprovava com o olhar.

— Cheguei na hora, mas os gorilas da entrada demoraram além do

habitual para me revistar. Não pode me culpar por isso.

Ele não gostou disso, nem sequer quis pensar o motivo de demorarem

tanto, embora é claro, vendo-a vestida assim não era difícil imaginar. Além de

estar linda, porque realmente estava, ela era totalmente impressionante. Nada

nela era exagerado, apesar de usar um vestido simples, nela fica estonteante,

principalmente com essa voz que incitava à luxúria.

— Vamos.

— O que está acontecendo?

Misha se virou para olhá-la ironicamente, é claro, não respondeu, guiando-

a em completo silêncio até a mesa que era liderada pelo vor.

— Não posso acreditar, — foi tudo o que Vadik murmurou ao ver a

acompanhante de Misha, levando apenas um olhar de reprovação dele — meu

amigo… as mulheres matam mais que a própria máfia — sussurrou para si

mesmo.
— E isso, — respondeu no mesmo modo — você sabe muito bem moy

dorogoy drug.8

O vor não pôde evitar gargalhar quando o ouviu dizer “meu querido

amigo” dando um golpe na mesa, demonstrando sua felicidade. É por isso que o

russo que não temia nada era sua mão direita, era capaz de enfrentar qualquer

coisa, inclusive a seu próprio vor.

Os convidados à mesa reagiram alegremente, por que o que o vor dizia era

lei, Ira no entanto, olhava tudo tirando suas próprias conclusões, até que de

repente apareceu com uma jovem que não devia ter mais de quinze anos, Ahmed,

o sunita que estava se associando com eles.

Ira, por debaixo da mesa, apertou os punhos quando aquele filho da puta a

beijou na boca, e dando um tapa em sua bunda a mandou embora.

Queria saltar sobre ele e enterrar em seu pescoço a faca que agora segurava

em suas mãos.

— Você está muito tensa, relaxe — ordenou Misha severamente, para o

qual Ira lhe deu de presente um maravilhoso sorriso e então levantou sua mão

para acariciar sua cabeça, produzindo algo que ele jamais havia sentido. Algo tão

forte que inclusive fechou os olhos engolindo um suspiro, mas não gostava do

que via em seu olhar.

— A que horas começará a cerimônia? — Perguntou o sunita, que não tirou

os olhos de sua acompanhante. — Tenho coisas realmente prazenteiras para fazer.

— Vejo que você gostou do presente que lhe oferecemos, Ahmed.

— É um diamante bruto, mas nada que não se possa melhorar.

— Se precisar de ajuda, Misha é um especialista, posso atestar isso.

A cabeça de Ira virou, como se ela fosse a própria menina do exorcista,

para olhar para Misha, que permanecia corajoso ao seu lado. Se antes o olhava

8
Moy dorogoy drug. Meu querido, amigo.
estranho, agora era pior. O pouco que tinha comido lhe estava subindo pela

garganta e se não queria dar um show devia sair já desse lugar.

— Aonde você está indo?

— Preciso ir ao banheiro.

— Agora?

— Quer que dê um show aqui?

Misha resmungou e sem dizer nada se levantou para dar permissão para

ela passar, mas não sem antes falar:

— A coroação do vor zakone9 está para começar, não demore.

Finalmente descobriu o que estava acontecendo, um novo vor ou ladrão da

lei seria eleito. Ira ficou surpresa por alguns segundos, teve que disfarçar muito

bem para não ser descoberta, agora não só ia ao banheiro para remover a sensação

de nojo que sentia, mas também precisava avisar aos seus companheiros o que

estavam celebrando no restaurante. Entrou no banheiro quase correndo, fechou a

porta travando-a com a cadeira, que estava ao lado, tinha apenas alguns segundos

para os avisar.

Ligou a torneira de água quente, esperou impaciente que o vapor cobrisse

o espelho, e quando estava pronto escreveu, rezando para que pudessem lê-lo.

HOJE É A COROAÇÃO DE UM “VOR ZAKONE”. ESTE SERÁ O SUBSTITUTO

DO PADRINHO DA MÁFIA RUSSA QUE FOI MORTO A TIROS NA SEMANA

PASSADA. AGORA SABEREMOS QUEM É!!

Esperou alguns segundos e começou a jogar água no espelho para não

deixar vestígios. O que estava acontecendo era muito importante, eles

escolheriam o próximo chefe da máfia ou ladrão de lei, o que significava que não

demorariam para identificá-lo e colocá-lo na lista dos mais procurados.

9
Vor zakone: Ladrão procurado pela lei.
Agitada saiu do banheiro, e como não poderia ser de outra maneira,

pensando que o destino sempre a colocava a prova. A mesma garota que tinha

visto com Ahmed esperava com a cabeça abaixada que o banheiro desocupasse.

— Você está bem? — Perguntou olhando em todas direções para se

certificar que ninguém as visse.

Ela apenas assentiu, mas isso não era nem remotamente o suficiente para

Ira.

— Me escute, — pediu levantando seu queixo para que a olhasse — se

quiser conversar ou se você se sentir… — Como dizia sem soar cruel? —

Desconfortável com ele, pode confiar em mim e me dizer.

— Ele… ele é meu dono, sou de sua propriedade e, além disso, ele protege

a minha família.

“Não! Caralho, não!”

— Me escute, pode memorizar um número? — A garota assentiu e Ira

recitou os números de um telefone celular. — Esse número tem conexão vinte e

quatro horas por dia, os sete dias da semana. Enquanto estiver em Moscou posso

te ajudar.

— Obrigada — disse a garota com seus olhos brilhantes e Ira não pôde

evitar lhe dar um abraço antes de voltar para a mesa, bem no momento que todos

aplaudiam.

Um dos chefes mais importantes da máfia estava falando nesse momento,

dando as boas-vindas à família a um novo vor que não pertencia à capital, era de

uma grande cidade do norte. Ao terminar, todos explodiram em aplausos e Ira

não conseguiu parar de pensar que logo Misha também estaria lá, mas… o que

aconteceria com Katiuska? Os vor não podiam ter família.

Com a gritaria seu atraso passou despercebido, agora todos comentavam

deixando-a um pouco mais livre, ela só queria se afastar, assim não duvidou em

se aproximar de Katiuska, mas se surpreendeu quando viu Zhenya.


O que Zhenya estava fazendo com outro vor? Cada segundo que passava

descobria uma nova informação. Essa noite seria longa, muito longa.

— Por que você não está do meu lado?

— Não queria incomodar você.

— Pois não a trouxe para que andasse como se fosse livre.

— Sou livre! — Exclamou. — Se quiser uma escrava, vá e compre uma no

leilão — disse sarcasticamente.

— Não sabe o que está dizendo.

— Não? Claro que sim, não sou surda e…

Não conseguiu terminar quando ele cravou seus lábios sobre os seus, sem

se importar que seus dentes se chocassem, então enfiou a língua em sua boca e

provou o sabor que desejava por horas. Continuou beijando-a enquanto ela lutava

para afastá-lo com as mãos, mas a força de Misha não permitia, e quando ele

decidiu finalizar o beijo, enroscando a mão em seu cabelo e se separando alguns

milímetros de seus lábios, sussurrou:

— Não tem sabor de leite, e isso é o que me excita.

— É um porco.

— Mas este porco é o que paga por você. Mova sua bunda e me

acompanhe.

— Não estou trabalhando.

— Não? E para o que você veio?

Por que ela veio? Ela não sabia responder. Estava trabalhando? Sem nada

para objetar, seguiu-o. Permaneceu ao seu lado todo o tempo que ele determinou.

Bebia quando Misha o permitia e comia quando ele ordenava. Ao anoitecer, já

estava irritada, quando Misha não a deixou tomar um copo de vodca, respondeu:

— Quer colocar uma coleira em mim e me tratar como um cão também?

— Como a uma cadela, você quer dizer — a corrigiu.


Ira começou a respirar com dificuldade, inclusive as aletas de seu nariz se

dilatavam pela força que utilizava. Não respondeu nada, apenas o olhou

fixamente, imobilizando-o com seu olhar frio e cheia de recriminação, consumida

pela raiva e fúria. Por que tinha que chamá-la de cadela?

Precisava sair dali e respirar ar fresco, se afastar o mais rápido possível,

onde não pudesse falar nada. Porque conhecendo-se sabia que ia gritar, que

Misha a irritaria e terminariam brigando. Devia ir embora, se livrar da raiva que

sentia, e que era muita.

Misha precisava achar um jeito de fazê-la acreditar nele. O que começava a

sentir por ela estava nublando seu juízo, um que ele jamais poderia perder, não

levando a vida que ele levava, então olhou-a com a mesma raiva que ela o olhava,

e antes que desse o primeiro passo, a pegou pelo braço com o desejo de carregá-la

em seu ombro, mas com tantas pessoas importantes não podia, por isso, teve que

se contentar em pegar sua mão e arrastá-la pelo salão.

— Me solte agora mesmo!

— O quê? Está latindo para mim? Não entendo o idioma dos animais —

falou dando um tapa em sua bunda para que se apressasse.

O olhou com um olhar vingativo e fincou as unhas em seu braço. Misha

quase nem sentiu, e se o fez disfarçou muito bem, porque nenhum músculo de

seu rosto se moveu de seu lugar.

Quando saíram da vista de todos, o russo abriu uma porta, obrigando-a a

entrar, mas com o que não contava era sentir a mão de Ira batendo em sua

bochecha. Ela tinha muita força para a diferença de tamanho que possuíam. E isso

chamou sua atenção.

Rapidamente segurou suas mãos, pressionando-as contra sua cintura.

— Me solte!

— Não!

— É um… — Não chegou a terminar quando a beijou.


— O que é que eu sou? — Perguntou separando-se dela.

— É um…

Misha voltou a beijar seus lábios, deixando-a impossibilitada de responder.

Ele estava gostando tanto que não se lembrava de ter disfrutado dessa maneira

antes. Ela tentava se soltar, mas como ele a imobilizou não tinha forças para

soltar-se.

— Acho que não entendo você, definitivamente é uma cadela.

— E você é um… — O maldito russo a beijou novamente, aprisionando

seus lábios para que não pudesse nem o morder.

— Quando falar como um ser humano, vou escutar você — sussurrou

excitado enquanto afastava suas bocas, porque ela estava o enlouquecendo.

Não falaria mais nada, não daria o gosto a ele, precisava se controlar e isso

era exatamente o que estava fazendo, apenas olhando para ele sem falar.

— Agora podemos conversar. Não sabe o quanto desejava ter você assim,

entre meus braços outra vez — resmungou sobre seus lábios. — Não suporto que

me olhe como fez na mesa ou ontem à noite em sua casa. Não permito que você

faça isso de novo!

Como o olhou? Mas rapidamente o recordou.

— Não me faça dizer o porquê — soltou com raiva — olho como você

merece.

— Não.

— Como não?! Você mesmo me confirmou isso ontem e hoje o vor

confirmou — protestou. — O que você quer que eu pense?

— Porra! — Gritou, tudo estava ficando fora de controle, tudo estava

resultando contra ele, não podia continuar assim.

Pegou seu braço para sair do quarto, mas para uma direção muito

diferente. Estavam quase correndo pelo corredor que os levava à entrada. Apenas
os seguranças os olhavam, mas não se atreveriam a parar o temível Misha, ainda

mais quando tinha esse olhar homicida.

Sem pronunciar uma palavra, abriu as portas do restaurante para saírem,

mas Ira não conseguia andar tão rápido.

— Estou usando saltos! Não posso correr!

Sem se preocupar com nada ou com ninguém, e antes de atravessar a rua,

colocou-a em seu ombro para levá-la mais rápido, e quando gritou a silenciou,

dando um forte tapa em sua bunda.

Do lado de fora, o frio penetrava até os ossos, agora nevava e ela estava

apenas com um vestido sem mangas, e parecia que o russo também não se

importava com isso.

Caminhou quase dois quarteirões com ela sobre seu ombro até que,

quando chegou a um beco escuro, a desceu, prendendo-a contra a parede. Ira

tremia, e não apenas de frio. Medo?

—Você acha que sou um maldito pedófilo?

— E não é isso o que você faz com as meninas dos leilões? — Perguntou

com uma voz chorosa, se esquecendo de tudo, inclusive de que estava do lado de

fora e que o colar voltava a emitir sinal. — Para isso Zhenya estava procurando

por você ontem à noite e faz isso cada vez que há um leilão. Eu vi, Misha, e você

não negou ontem à noite. São apenas adolescentes, caralho!

Misha, com a respiração agitada, apertou-a contra seu peito, capturando-a

com seus braços.

— Eu não toquei nelas, Ira… — disse sem rodeios, mas com uma

suavidade incomum. — Acredite, por favor. E não volte a me olhar assim.

Entendeu?

— Você acha que eu sou estúpida? Pensa que vou acreditar em você

porque está mandando? Ou porque sou uma puta e tenho que achar normal.

— Porque eu estou dizendo isso! — Sentenciou.


— Pois não acredito em você! O que vai fazer? Vai me entregar para

Zhenya? Para o vor? Você sabe o que, Misha? Tanto faz! Depois do que eu vi, e

descobri hoje, pode apodrecer no inferno!

“Caralho! Sua boca e sua raiva a traíram.”

— O quê? O que você descobriu?

— Não sou idiota, — se retratou — e não sou cega, sei o que eu vi.

Misha soltou o ar contido em seus pulmões e deu um golpe à parede de

tijolo que tinha em frente a ele.

— Preciso que confie em mim.

— Eu tento, — suspirou confessando ao vê-lo tão abatido — apesar de

tudo, eu tento.

— Não volte a me questionar — ordenou passando a mão pela cabeça,

tinha os nódulos ensanguentados. — Desde ontem à noite não consegui esquecer

seu olhar.

— Se não confiasse em você, não estaria aqui hoje.

— Não minta, você veio obrigada.

— Não me chame de mentirosa — respondeu irritada, tentando escapar de

seu controle.

— Não é? O que pensa que eu sou? Imbecil? Você acha que não sei o que vi

ontem, você e aqueles homens! Eles não eram clientes? Vi como comiam você com

os olhos.

— Não são meus clientes, expliquei isso ontem à noite. Mas se não quer

acreditar…

— Quase fiquei louco pensando que estava com eles, — reconheceu

fechando os olhos para depois apoiar o queixo em seu ombro — não era a

primeira vez que os via, não pareciam ser desconhecidos.

— Você mesmo me repete isso sempre. Sou uma puta! De onde você acha

que os conheço? São clientes do clube! E… eu também não gosto de pensar que
algum dia terei que ir com algum deles — respondeu envergonhada. Ela não era

uma puta apesar do que ele acreditava. — Sei que é meu trabalho…

— Nenhum outro homem além de mim a tocará — silenciou-a antes de

continuar, mas… o que ele estava fazendo? Dizendo?

— Deve entender — respondeu. — É meu trabalho. E você não é o único

chateado, eu também não gosto quando uma das minhas companheiras falam

sobre você ou o quanto é bom amante. Ou acredita que não falam? Ou que não

me importo? Todas falam sobre suas qualidades… — Mas nesse momento uma

pergunta cruzou sua mente e não podia deixar de fazê-la. — Misha... por que diz

que nenhum outro homem tocará? Você está com ciúmes?

O russo ficou tenso, mas negou com a cabeça e erguendo-se diante dela

respondeu:

— Não estou com ciúmes. Apenas me preocupo que as regras do clube

sejam cumpridas, isso é tudo e…

— Conheço as regras de cor, não preciso que você cuide de mim para que

as cumpra — respondeu decepcionada.

— E, além disso, porque eu não gosto que toquem o que é meu —

reconheceu abatido olhando-a com doçura.

Ira balançou a cabeça, ela estava errada, sua proximidade a estava afetando

muito.

— O frio vai me matar.

— Pode ser, mas tenho uma solução para te aquecer.

— E vão me levar presa por desacato à moral e aos bons costumes?

— Não fale — a silenciou com um beijo intenso que fez os dois tremerem,

com sentimentos que fluíam livremente. — Eu preciso de você — sussurrou

apaixonadamente.

— Mas…
— Olhe nos meus olhos e me diga que não me deseja — falou enquanto

levantava sua perna, expondo sua pele nua ao vento gelado, que não esfriava seus

corpos. Firmou seu joelho em seu quadril enquanto baixava sua mão, e em um

único movimento, abriu sua calça e baixou sua boxer, liberando sua ereção,

esfregando-a contra sua pélvis. Agora tinha a calça à altura dos quadris e de longe

parecia como se estivessem simplesmente se beijando, mas isso estava muito

longe da realidade, Misha estava a ponto de fodê-la diante de quem passasse por

esse lugar.

— Pare de pensar, Ira, e simplesmente aproveite — falou como se fosse

uma ordem. Levantou sua outra perna apoiando suas costas contra os tijolos e

depois de alguns segundos, movendo sua calcinha para o lado, a penetrou com

força, soltando alguns gemidos de satisfação, a levando para um mundo onde só

podia sentir, jogando-a em um abismo onde a sensatez já não existia.

Misha aumentou a pressão e milhares de sensações começaram a percorrer

seu corpo, terminando em seu ventre, com tanta força que teve que silenciar um

grito no ombro dele.

O som gutural que emanou da garganta de Ira deu a entender que ela

estava totalmente perdida no prazer enquanto ele afundava os dedos em seus

quadris, enquanto se movia ritmicamente, delicadamente. A duração do orgasmo

de Ira era estranha, nem bom, nem ruim, inclusive estava entre o limite da dor e

do prazer. Cada impulso a jogava para outra dimensão e Misha sabia, porque ele

estava gostando tanto quanto ela, até que não conseguiu aguentar mais, e com um

grito, arremetendo com toda sua força, beirando a dor, meteu mais rápido,

alcançando um êxtase dilacerador, que inclusive o fez respirar com dificuldade.

— Não era minha intenção fazer isto — reconheceu. — Mas quando eu vi

você entrar… a desejei com todo meu corpo. Quero você por inteira, de todas as

formas possíveis e, apesar de tê-la, sinto que nunca a entendo, você me

desconcerta e não posso decifrar seu… — teve que se calar de repente, o que
estava confessando era mais do que Ira devia saber, ou o que qualquer ser

humano deveria ouvir. — Contigo nada é suficiente.

— Está me analisando? — Perguntou duvidosa. Essas palavras detonaram

algo em seu interior.

— Não — negou. — Só estou tentando entender você— afirmou atraindo-a

para ele, para depois de alguns minutos se separar e baixar suas pernas ao chão

com cuidado.

— Vá embora!

— Irei procurar minha jaqueta — respondeu tentando compreender sua

mudança de humor, mas o homem que tinha na frente dela, já não era o de

segundos atrás, era… uma máquina?

— Não — falou e começou a tirar sua camisa, entregando-a para que a

colocasse, ficando totalmente nu da cintura para acima, pegou sua mão sem dizer

nada e caminhando com decisão à rua fez parar um táxi, pegou dinheiro em seu

bolso e entregou ao condutor para que a levasse a sua casa.

Sem beijo, sem despedida, e sem olhá-la, Misha bateu no teto do carro e

partiu, deixando a ambos com um amontoado de pensamentos.

Ao chegar em seu apartamento, rapidamente tomou banho, trocou de

roupa e saiu, tinha uma longa noite pela frente.

Disfarçada e cuidando para que ninguém a seguisse, andando por becos,

chegou ao prédio sujo onde viviam seus parceiros. Não chegou a bater na porta

quando Peter a abriu.

— Garota superpoderosa! Parabéns — anunciou enquanto lhe dava um

grande abraço. Ira seguiu até onde estavam seus companheiros, concentrados

recebendo dados e enviando relatórios. Jeff não a olhou e Brad, com um rosto

indecifrável, foi o primeiro a falar com ela, enquanto segurava com força alguns

papéis em sua mão direita.


— Os chefes da máfia russa mais importante estavam reunidos esta noite,

alguns deles acreditavam-se mortos. O SVR está recebendo os dados para

atualizar suas informações, para que possam começar a capturá-los com suas

próprias estratégias. Não nos corresponde essa missão. A CIA também começou

seus trabalhos de inteligência, você economizou anos ao desmascarar suas

identidades — anunciou levantando-se para se aproximar dela, mas estava longe

de estar feliz. — O subdiretor Krause nos chamou pessoalmente para nos

parabenizar pelo rumo que está tomando esta missão, e me pediu que a coloque

em contato com ele assim que aparecesse. Quer parabenizá-la, — confessou

entregando um telefone via satélite — é uma pena que eu não possa dizer o

mesmo — disse com arrependimento e Ira entendeu tudo. Mas não conseguiu

dizer nada, já que nesse momento o telefone começou a tocar.

Removeu qualquer pensamento de sua cabeça e escutou atentamente tudo

o que o subdiretor dizia. Ele se derretia em elogios. Isso significava que, além de

estar muito bem posicionada na agência, isso com certeza, serviria para uma

futura promoção.

— Muito obrigada, senhor, mas esta é uma missão conjunta — o recordou e

depois se despediu, cortando a comunicação.

Dirigiu-se à cozinha em busca de um café, e foi o próprio Jeff quem o

entregou, murmurando em seu ouvido:

— Pretende libertar outro passarinho?

— Eu apenas dei o número a ela em caso de emergência.

— Então você acha que é a Madre Teresa de Calcutá — suspirou negando

com a cabeça. — Espero que seu altruísmo não nos ferre.

— Ela não nos trairá.

— Desculpe, me esqueci que, além de tudo, você é vidente — falou

passando do seu lado, mas antes de sair da cozinha voltou a falar. — Os rapazes

não sabem, consegui remover do áudio para que não tivesse mais problemas.
— Obrigada.

— Não me agradeça e vá pensando em que maldito cão vai comprar —

resmungou deixando-a sozinha, mas se Ira pensava que agora poderia trabalhar,

estava muito enganada. Passando pela porta com cara de poucos amigos apareceu

Brad.

— Vá para casa, agente Claxon.

— O quê? Está me dispensando?

— Sim, não preciso de você aqui, esse não é o seu trabalho.

— Está me dizendo tudo isto porque fiz sexo com o russo? — Não podia

acreditar, estava excluindo-a!

— Não — falou entre dentes. — Eu faço isso porque não quero ver você,

porque o que tenho frente a meus olhos é algo que jamais esperei de você. Está se

comportando igual às putas do clube.

Que no clube a chamassem de puta podia suportar, que seus companheiros

a tratassem como tal não podia tolerar, que o russo a lembrasse a cada momento

podia aguentar, mas que ele, seu amigo, companheiro e superior a ofendesse

dessa maneira, isso não ia aguentar.

Brad nem sequer foi capaz de reagir quando de repente sentiu a mão de Ira

acertar seu rosto em uma bofetada e sentir o corpo dela sobre o seu,

desestabilizando-o, fazendo com que ambos caíssem no chão, levando com eles

vários utensílios.

— Não vou permitir que volte a me insultar! — Gritou enquanto caía sobre

ele, lhe dando a vantagem.

— E não é isso o que está fazendo? — Gritou, segurando suas mãos, e

ficando em cima dela, ao que Ira respondeu levantando sua perna com força para

empurrá-lo para frente e assumir a liderança novamente.


Os dois agentes estavam lutando com todas as suas forças e se não fosse

por seus companheiros, que ao escutarem o barulho, chegaram rapidamente,

ainda estariam lutando.

Jeff agarrou Ira pela cintura para separá-la enquanto ela esperneava e

tentava se soltar sem sucesso.

— Você vai engolir todas as suas palavras, Brad Cambell!

— E com isso aprenderá a se comportar como uma mulher decente?! —

Gritou de volta.

— Brad! — Peter o silenciou, segurando-o.

— Qual é o seu maldito problema, covarde? A boceta é minha e eu dou

para quem eu quiser! — Falou com raiva enquanto Jeff implorava em seu ouvido

que se acalmasse.

Brad, ao escutá-la, conseguiu se soltar fazendo uma chave de braço em seu

companheiro, e como se fosse um cão com raiva, veio até ela tão rápido que Jeff

não teve tempo de soltá-la.

— Você é meu problema, caralho! Você! Você não percebe nada!

Após essas palavras, um silêncio sepulcral se fez na cozinha. Brad fechou

os olhos e batendo a porta saiu do apartamento. Apenas alguns segundos se

passaram até que o corpo da agente começasse a tremer, a adrenalina já tinha

passado e agora voltava para a realidade.

Peter não sabia o que fazer, jamais tinha visto Brad descontrolado dessa

maneira e com cuidado entregou a Ira um copo com água que ela não aceitou.

Jeff, mais sensato, a pegou no colo e a levou até a sala.

Depois de vários minutos de silêncio, enquanto Jeff acariciava as costas de

Ira, ela suspirou e falou:

— Não entendo o que aconteceu — disse negando com a cabeça. — Brad…

Brad não é assim. Você sabe alguma coisa?

— Nada — respondeu sem olhá-la.


— Acha que sou idiota, Jeff, — afastando-se, respondeu com uma voz

irônica — vocês são amigos, passam o dia todo juntos, e se isso não for suficiente,

se não estou enlouquecendo, você tem um mestrado em psicologia. Você ainda

vai me dizer que não sabe nada? — Repreendeu-o.

— O que você está querendo dizer? Você acha que eu sei de algo que você

não sabe?

— É claro que sabe, não negue, somos amigos!

Jeff a olhou furioso, apertando os dentes. Não podia trair Brad, porque ele

não havia confessado nada, mas realmente sabia o que estava acontecendo, sabia

como homem e como amigo. A único coisa ruim é que se sentia desleal a sua

amiga.

— Acho que é melhor você se acalmar, eu irei procurar o Brad.

— Você vai atrás dele para não falar comigo, não é? — Afirmou com tanta

veemência que Jeff não quis mentir.

— Vou porque estou preocupado, vá para casa, os rapazes trabalharão a

noite toda e você precisa descansar.

— Perfeito, se for isso o que você quer, vá atrás do seu amigo — disse,

saindo da sala rapidamente.

Quando os rapazes a viram passar quiseram detê-la, mas a conheciam e

sabiam que isso seria pior. A única coisa que Peter fez foi entregar uma jaqueta a

ela, estava nevando e ela estava usando somente um vestido e uma camisa.

Do lado de fora o vento aumentava e, para sua má sorte, nenhum táxi

passava pelo lugar. Estava perto de sua casa, então decidiu caminhar. Abraçou a

si mesma e, como se usasse sapatilhas e não sapatos de salto, começou a correr.

Como o vestido era tão colado ao corpo que lhe incomodava, sem duvidar, o

rasgou para estar mais confortável.

Depois de dez minutos correndo chegou ao edifício, e com o coração

batendo a mil quilômetros por hora entrou em seu apartamento.


A primeira coisa que fez foi ligar a água quente, estava gelada até os ossos.

Então tomou um longo banho.

Ao sair se sentia um pouco mais calma, mas não totalmente relaxada, e sem

medir os riscos, pegou seu telefone e discou.

Do outro lado da linha estavam demorando muito, ela sabia que era por

causa da hora, e quando atenderam, a alma voltou para seu corpo.

— Alô?

— Mãe!

— Minha menina! — Exclamou sua mãe. — Você está bem? Aconteceu

alguma coisa…?

— Não, — a cortou antes que continuasse com o interrogatório — estou

bem — mentiu, sufocando um gemido, escutá-la a afetou mais do que pensava. —

Apenas senti saudades...

— Gatinha! — Escutar isso quase a matou, e suas lágrimas a traíram,

apenas sua família a chamava assim, por causa de seus olhos e porque quando era

pequena vivia escalando as árvores. — Está tudo bem na missão?

— Sim, — mentiu de novo — eu disse que era muito fácil, apenas seguir

alguns traficantes para a América Central. — Se fosse Pinóquio, seu nariz mediria

quilômetros. Sua mãe sabia que era uma agente, mas não estava ciente da

verdadeira missão. Como diria que exercia o papel de uma prostituta? —

Precisava ouvir sua voz.

— Aqui estão todos muito bem, sentindo muitas saudades, quando voltar

iremos ao campo por alguns dias, seus tios ficarão felizes.

— Eu também estou ansiosa para isso. Não posso falar muito, o pai está?

— Sim, me dê um segundo. Albert! — Gritou. — Vou passar para ele.

— Obrigada, e não esqueça que eu te amo muito.

— Eu mais ainda.
— Gatinha! — Falou seu pai e ela teve que morder o punho para que não a

ouvisse chorar. — Como você está suportando o calor? Brad está cuidando bem

de você? Está tudo certo com a missão? Por que está nos ligando? Não é perigoso

para você?

— Vou te responder por partes, pai — sorriu para mentir outra vez. —

Com o calor tudo bem, suportável. Brad sempre cuida de mim, é um grande

amigo. — Seus olhos voltaram a se encher de lágrimas. — A missão é incrível. —

Pelo menos isso era verdade. — Estou ligando porque precisava falar com vocês,

dizer que eu amo vocês e não, não há perigo algum, apenas vigio de longe.

— Emily, sabe que eu conheço você como se fosse seu pai — ironizou,

ambos tinham o mesmo senso de humor.

— É meu pai — sorriu, fungando o nariz, antes que o líquido que emanava

caísse.

— Então pare de mentir, está chorando, você não está bem.

— Pai! — Gritou, como se ele estivesse atrapalhando sua mentira. — Estou

bem, é o ar condicionado. Apenas queria conversar. Agora preciso desligar. Um

beijo, amo você.

— Eu também te amo, lave o seu rosto e sorria, é muito bonita para ficar

triste.

— Pai, não…

— Eu sei, gatinha, simplesmente sei, agasalhe-se e quando você voltar

falaremos do que aconteceu. Só quero saber uma coisa.

“Deus, não posso esconder nada dele, é como se tivesse um radar detector de

mentiras, deveria trabalhar para a agência.”

— Pode falar, pai.

— Se você se sentisse insegura na missão, você a abortaria?

— Sim, pai. — Foi a resposta mais sincera que ela deu. — Agora preciso

desligar.
— Te amo…

— Eu também amo você — desligou o telefone, e finalmente soltou o

soluço que estava mantendo preso. Depois de alguns minutos escutou:

— É consciente de que acaba de colocar seus pais em perigo?

— Caralho! — Gritou Ira, ficando em pé de um salto. — O que faz aqui?

Por que entrou sem bater? Jeff está procurando por você.

— Vou te responder por partes — comentou exatamente igual ela havia

dito a seu pai. — Estou aqui para conversarmos.

— Veio para continuar me insultando?

— Vim para conversarmos — a interrompeu. — Entrei sem bater porque se

o fizesse, você não iria abrir, e com o Jeff não se preocupe, já disse que viria falar

contigo.

— Perfeito, já me disse, agora vá, não quero te escutar. E nem pense em me

ofender novamente!

— Essa não foi a minha intenção.

— Mas ofendeu — respondeu ela cravando seus olhos nos dele. — Me

chamou de puta e você sabe que não sou. Mas sabe o quê?

Brad negou com a cabeça. Estava afetado, mas principalmente

arrependido, agiu motivado pela raiva.

— Não me importa porra nenhuma o que pensa de mim, espero que esta

missão acabe logo para pedir outro agente encarregado.

— Não. Prometi a seu pai que cuidaria de você e farei isso enquanto estiver

no serviço, já perdi uma de suas filhas, não deixarei nada acontecer com você.

— Não coloque a minha irmã nisto, e o resto não é sua decisão.

— Emily…

— Não use meu nome.


— Me escute, não estou pedindo que me perdoe, apenas espero que me

deixe tentar me desculpar. Não há necessidade de proximidade entre nós, eu só

peço que continuemos trabalhando juntos.

Isso a deixou com raiva e Brad notou.

— Você sabe que não estou entendendo nada? Se estou metida nisso até o

pescoço é porque confio em você!

— Está me dizendo que…?

— Chega! — Gritou perdendo toda a paciência que restava. — Vá embora!

Este é o meu espaço, meu lugar e não aceito que esteja aqui, agente Cambell.

— Você é impossível.

— E você um mentiroso incapaz de me dizer o que acontece com você.

— Você não sabe?

— Claro que não sei, Brad. Temos um relacionamento de…

— Não confunda as coisas, Emily. Eu não sou Jeff, não vai me manipular

com nada emocional, — esclareceu com ironia e rancor — sou o agente

encarregado desta missão e sou responsável por você porque prometi a seu pai.

— É um mentiroso.

— Como queira — falou afastando-se dela com as mãos dentro dos bolsos.

Respirou fundo e resmungou mais aliviado.

— Não te reconheço, Brad — murmurou com tristeza. — Esta missão está

destruindo seu coração.

— E os seus neurônios, Emily.

— Prefiro que sejam os meus neurônios do que o meu coração, não quero

ser um robô, não quero que a vida passe e não me importe com mais nada —

disse com raiva, mas com a calma incomum que vem com a derrota.

— Eu me importo com tudo, e mais do que você pensa.

— Brad… por favor.


— Prepare-se — anunciou sem olhá-la. — Os rapazes irão ao porto verificar

uma informação e como sei que você gosta de ação…

— Estarei pronta em cinco minutos, senhor.

Brad olhou para ela, admirando-a ainda mais do que já fazia… entre outras

coisas. Emily era uma das agentes mais corajosas com quem já trabalhou, mas

principalmente, era determinada em seu trabalho e sempre dava tudo de si,

inclusive agora, até o último minuto tentava resolver o problema e encontrar uma

solução. A questão era que não tinha solução e o problema era ele.

Aquela que saiu do banheiro não era a mulher deslumbrante que se

convertia quando era Ira, nem a garota superpoderosa Emily. Era uma agente de

campo pronta para a ação. Vestia uma calça e uma camiseta preta. Sem vergonha,

tirou sua arma do esconderijo, levantou a camiseta e colocou sua arma, completou

com um casaco de pele preto que tinha um gorro que só deixava seus olhos livres.

— Estou pronta.

Ele negou com a cabeça.

— Você não está com o colete à prova de balas.

— Eu não tenho um e você sabe, mas você também não está usando, e

realmente não estou usando nada escrito “estou aqui”, “me vejam”.

— Eu não preciso — respondeu enfiando a camisa dentro da calça, e

fechando os botões de sua jaqueta azul. — Além disso, passo despercebido.

Você… não, inclusive assim chama atenção — resmungou.

— E isso, de acordo com você, seria bom ou ruim? Porque se o antigo Brad

me dissesse isso, acreditaria que é bom, mas você… — respondeu com desdém.

— Lembre-se que não vai a um desfile de moda.

— Não me diga, e eu que pensei que parecia tão bem… — insinuou

passando as mãos sobre seu corpo. Brad a olhou, vestida assim não passaria

despercebida nem para um cego.


“Caralho! Tenho que parar de olhá-la”, pensou e desviou o olhar, era o mais

sensato. Mas por que era tão difícil?

— Vamos, os rapazes estão nos esperando.

Saíram separadamente. Brad desceu pelas escadas e ela pelo elevador,

todas as medidas de precaução que tomassem eram bem-vindas. Era melhor do

que serem mortos.

A duas quadras a van estava esperando por eles. Todos vestidos iguais, de

preto. Assim que o oficial responsável chegou, ele jogou um colete à prova de

balas que ela colocou sem questionar.

— Me informe — Ira pediu a Jeff, que terminava de ajustar sua mira

telescópica10 de visão noturna.

— A informação é simples, clara e concisa. Blake interceptou uma conversa

entre Lastinni e um dos convidados da cerimônia de hoje, onde ele dizia a hora e

local da troca.

— Eu estava sentada ao lado do Lastinni — disse surpresa, pois ela não

escutou nada.

— O microfone do colar detecta todos os tipos de ruídos, Ira — explicou

Blake, que era o perito em comunicações. — Enquanto falava com seu russo, nós

separávamos as diferentes conversas da mesa, por isso detectamos a entrega desse

carregamento.

— Primeiro, não é meu russo, e segundo, como? Vadik sabe?

— Não! Isso é o interessante, e logo descobriremos, é uma pena que…

— O quê? —Ira perguntou com sua curiosidade de sempre.

— Não estaremos sozinhos.

— Não?

10
Mira telescópica: é um instrumento óptico, parecido com um pequeno monóculo, utilizado em armas de
fogo. Sua principal utilização é para tiros a longa distância. Algumas dessas miras vêm acompanhadas de
lasers e lanternas e/ou possuem visão noturna.
— Não — respondeu Brad tomando conta da situação. — Não temos

jurisdição nesta missão, o SVR também participará.

— Agora?

— Veremos o que acontece.

— Preciso de ação! — Exclamou Peter, levantando sua arma. — E matar

alguns desses filhos da puta não me fará nada mal.

— Isto não é um confronto, Peter, — Brad falou alto e claro — nosso

objetivo não é esse, se estamos aqui hoje é porque estamos em missão conjunta e o

FBI não confia cegamente no SVR.

— Mas… — Ira ia reclamar.

— Chega, e agora espero que estejam preparados para a missão,

cavalheiros.

*****************

Essas eram suas ordens e as seguiriam. Trinta minutos depois, a van foi

estacionada e seus cinco integrantes desceram. Jeff, Emily e Peter com um único

gesto entenderam para onde precisavam ir. Se tudo ocorresse conforme o

planejado, em três horas Lastinni chegaria.

Brad, corajoso, e convertendo-se no temível e admirado agente Cambell,

caminhou em direção ao contato russo. Depois de trocar duas palavras, deram-se

as mãos e ele voltou para onde estava sua equipe, conduzindo-os até o teto, esse

seria o lugar de onde observariam.

Os rapazes pareciam gatos subindo em muros, esquivando buracos, até

que se situaram sobre as vigas de ferro. Mas Ira, que era muito mais magra,

vislumbrou um lugar estrategicamente melhor, onde certamente poderia colocar a

câmera e gravar com melhor nitidez.

— Aonde você pensa que vai? — Falou Brad quando Ira pegou a câmera e

a pôs no cinto.

— Daquela viga terei uma visão melhor.


— Ficará desprotegida.

— Você mesmo disse que somos unicamente espectadores, Brad. O que

pode acontecer?

Isso era verdade, não iriam intervir, só gravariam, e os russos se

comprometeram a fazer o mesmo. Mas, e se algo desse errado?

— Tem razão, — interveio Jeff — verá melhor dessa posição.

— Blake, — ele falou devagar, mas enérgico — você é mais magro, vá com

ela.

Sem oportunidade de protestar, Blake se levantou e ambos começaram a

rastejar sobre as vigas. Não eram muitos metros que os separavam dos outros, só

quinze… quinze largos metros para os rapazes, que os viam afastar-se e se

proteger apenas com a grossa barra de metal.

Os intercomunicadores foram ligados, e agora todos estavam conectados.

— Vamos, Blake, — brincou John — pare de ofegar, está me excitando.

— Sua condição física é lamentável — repreendeu Brad, que não perdia

nenhum detalhe dos rapazes.

— Não ofego por causa da minha condição física, é culpa da Emily e suas

calças — riu e teve apenas dois segundos para desviar de um chute que sua

parceria lhe deu.

— Comportem-se, — os cortou Brad — não estamos brincando.

— Então diga ao Blake para parar de olhar a minha bunda — respondeu.

Sabia que era tudo uma brincadeira, e como tal, só estava brincando, mas Brad

não.

— Falei para vir discreta — resmungou.

— Você queria que eu viesse com uma saia para que pudesse ver…

— Emily! — Cortou-a seu amigo Jeff, que já imaginava o que viria a seguir.

— Ok, ok, estou concentrada na missão — respondeu quando chegou e se

acomodou sobre a viga.


— Estamos todos de acordo com o que vamos fazer? — Brad perguntou —

Olhar, gravar e observar.

— Sim, senhor — responderam todos, concentrando-se realmente na

missão. Sem mais brincadeiras, só concentração.

Brad ficou olhando para Emily, que estava concentrada, arrumando a

câmera ajudada por Blake.

— Tudo bem, Brad?

— É claro, Jeff.

— Então, redirecione a direção de sua visão.

Apenas um olhar penetrante em resposta, ele não precisava muito mais

para expressar o que queria dizer sem palavras.

As próximas horas passaram lentamente até que de repente, Brad recebeu

uma mensagem que leu em voz alta para que toda sua equipe escutasse.

— Dois Hummers se aproximam, seis homens armados em cada um,

Lastinni vem em um carro blindado, em três minutos os veremos entrar no

hangar.

Isso foi tudo o que precisaram para ficar em alerta. Finalmente começava a

ação.

— Emily, — falou baixinho Brad — não tente ser heroína. — Silêncio

absoluto. — Me responda.

— Sim, senhor, apenas gravar e observar.

— Boa garota, comunicação cortada até novo aviso em três… e dois…

um…

Pronto, agora estavam sozinhos ao mesmo tempo que acompanhados, os

faróis dos carros apareceram quase no horário combinado, e antes de que

estacionassem, os primeiros seis homens rastrearam o lugar, se certificando de

que estivesse vazio.


Do teto, ela observava como os outros também se saíram. Mas o chefe

principal não aparecia, e isso era o que precisavam.

Mas a adrenalina que percorria suas veias a deixava inquieta. Camuflada,

levantou-se para começar a engatinhar e antes de dar o primeiro passo, seu

parceiro agarrou seu pé e fez que não com a cabeça. Então ela abriu a jaqueta e

mostrou o colar para que entendesse que ia gravar. Com um movimento

veemente, seu parceiro disse que não, mas já era tarde, Emily se soltou e

engatinhava pela viga.

Antes que continuasse, outro carro completamente preto entrou no hangar.

Ira já o tinha visto antes, mas onde?

Imediatamente as luzes provenientes dos Hummers se apagaram, ficando

acesas apenas as deste novo veículo. Quando as portas se abriram, a garota

superpoderosa não acreditou no que viu. O vor que coroaram essa mesma tarde

era quem fazia negócios com Lastinni, que pertencia à bratva do Vadik. Isso era

traição!

De sua posição privilegiada podia gravar tudo, mas não escutar, e isso a

estava deixando louca. Sabia que mesmo que eles falassem muito baixo, o colar

captaria tudo, não podia ficar de braços cruzados, olhou para frente e viu a

possibilidade de descer pelo pilar.

— Nem pense nisso — murmurou um grito sufocado de Brad rompendo

todo o protocolo, tanto que Jeff, que estava ao seu lado, lhe deu uma cotovelada

para que se calasse, não porque o escutariam, mas sim porque podiam escutar a

ela.

Brad ficou pálido quando seus olhares se cruzaram e então, como a gata

que seu pai dizia que era, descia por um pilar que estava mais ou menos a doze

metros de altura, mas para ela parecia apenas dois.

O protocolo não importava mais, nem o que ele havia dito, agora tirou a

metralhadora de suas costas e a carregou.


Quando chegou ao chão, se virou e se escondeu atrás de uns tambores.

Agora ela ouvia claramente a conversa.

Blake também começou a avançar, ele estava no comando da câmera, então

ele ligou o botão do amplificador para captar o máximo que pudesse e todos

começaram a escutar:

— Preciso proteção para minha família.

— Isso não faz parte do acordo — respondeu o novo vor.

— Mas estou traindo o Vadik — comentou nervoso Lastinni.

— E estamos pagando muito bem. Agora me responda, onde está meu

novo brinquedo?

Nervoso, Lastinni caminhou em direção a um dos Hummers e dois gorilas

baixaram uma caixa de metal que devia pesar vários quilos, mesmo esses dois

gigantes tiveram dificuldade em manobrar a caixa. Quando a colocaram no chão e

abriram, nenhum dos agentes podia acreditar no que viam seus olhos. Frente a

eles havia um drone de combate11 com dois lançadores.

— Cumpriu muito bem sua parte, Lastinni, — o parabenizou com os olhos

brilhantes e observadores — em alguns momentos duvidei disso — falou

enquanto acariciava o drone como se fosse um menino pequeno com um

brinquedo novo. — Afinal, darei proteção para sua família.

Isso pôs um grande sorriso no rosto de Lastinni, que satisfeito se dirigiu ao

SUV e agora trazia em suas mãos uma pequena mala prata, que cuidadosamente

colocava sobre o carro blindado do vor.

“Caralho, são os códigos de lançamento”, pensou Emily olhando para Brad.

Nesse momento seus olhos se encontraram. Se os entregava, o drone poderia ser

11
É uma aeronave desenvolvida pela empresa americana General Atomics, e é usada principalmente pela
Força Aérea Americana (USAF) e pela CIA nos ataques a alvos terroristas em países árabes.
ativado. De cima, o agente lhe fez um sinal, mostrando a metralhadora com mira

telescópica para que entendesse que ele atiraria, que agora devia se esconder.

Estrategicamente estavam mais bem localizados que os homens do SVR.

O vor mostrou cinco malas cheias de dinheiro. Lastinni passou por sobre

elas um aparelho para ver se o dinheiro tinha um rastreador, e quando

comprovou que não, fez um gesto a seus homens para que se aproximassem e as

levassem. Carregaram-nas em um dos Hummers e saíram do hangar

apressadamente.

— Isso merece um incentivo — reconheceu o vor, movendo sua mão.

Rapidamente apareceu um de seus homens, entregando outra mala. — Agora me

dê os códigos de acesso.

Lastinni respondeu com um sorriso e caminhou direto até ele para digitar a

senha que a abriria. Quando o fez, a agente pôde ver perfeitamente um

computador com o símbolo do país.

— Bem, coloque o código e terminemos com isto de uma vez por todas — o

apressou.

Antes que ele digitasse, um ruído ensurdecedor proveniente das costas de

Emily foi ouvido, mas antes que qualquer um pudesse perceber, uma bala atingiu

a cabeça de Lastinni, desatando na escuridão um tiroteio descomunal.

O vor e seus capangas levantaram as armas e começaram a atirar contra os

homens de Lastinni.

Emily rapidamente baixou seus óculos de visão noturna para poder

enxergar e assim se proteger. Não estava entre o fogo cruzado, mas perto de onde

tinha desatado o caos.

O tiroteio estava em pleno andamento. Brad de sua posição matou dois

homens de Lastinni, atirando em suas cabeças.

— Saia daí, Emily, agora! — Gritou pelo intercomunicador.


Quando ela se levantou para correr encontrou com um dos gorilas, que

tentou matá-la quando ela o golpeou com a perna e depois atirou nele, e em

instantes sentiu como da escuridão atiravam novamente, agora em direção ao

novo vor. Saiu de seu esconderijo e matou mais um, precisava sair rapidamente,

mas por onde? Estava presa, até que viu a solução. Começou a subir por um

poste, se chegasse à rua poderia sair ilesa do lugar. Com a arma entre os dentes

começou a subir.

Enquanto ia subindo, viu o SVR aparecer. Odiou-os com toda sua alma,

eles demoraram para entrar e com certeza foi de propósito.

Quando finalmente se pendurou na viga, conseguiu ver quem era que

atirava das sombras.

— Vamos! Se apresse — gritou Jeff desesperado, não queria vê-la no meio

do tiroteio, embora agora não corria tanto perigo.

— Cuidado, Brad! — Gritou assustada ao ver como um dos gorilas

apontava e disparava contra ele, perdendo por um segundo seu objetivo, mas ela

salvou a vida de seu amigo e isso era o que importava.

Pouco antes de chegar a um lugar seguro, Peter escorregou, caindo vários

metros até um piso de grade de metal.

— Peter! — Blake exclamou ao perceber, mas todos estavam longe demais.

Somente Emily, que vinha por trás, podia fazer alguma coisa. Não pensou duas

vezes e, balançando-se na viga, impulsionou-se com todas as suas forças para cair

o mais perto possível.

O golpe foi seco e muito forte para não ter consequências. Caiu rodando

violentamente até que um tambor a deteve.

— Eu os cubro daqui — gritou Jeff, que tentava dar a eles uma saída

diferente, mas isso devia ser por terra.

— Peter, me responda, caralho! — Exclamou tocando seu rosto enquanto o

analisava em todos os lugares. Como não respirava, e ao ver uma bala incrustada
em seu peito, não teve mais opções que remover seu colete e tentar reanimá-lo,

precisava removê-lo de seu estado de letargia.

Peter, tomando uma grande baforada de ar, abriu os olhos e respirou,

sentindo-se mais calmo quando a viu.

— Pode andar?

O agente olhou sua perna. Estava quebrada, mas caminharia mesmo assim.

Assentiu com a cabeça, enquanto ela o agarrava pela cintura e com muita

dificuldade o arrastava para longe.

Entre os barris estava Brad para cobri-los atirando em sua direção,

protegendo-os.

— Emily! Está bem?

Ela assentiu com a cabeça. Estava bem, o ferido era Peter. Agora estavam

cada um de um lado. Podiam se mover mais rápido e juntos começaram a

caminhar. Enquanto estavam correndo, ela conseguiu ver como seu objetivo

anterior lutava corpo a corpo com um dos gorilas, então por detrás se aproximava

outro, ficando em posição para atirar. Seu estômago se contraiu ao saber o que ia

acontecer. Soltou o Peter e correu para ficar em posição. Em milésimos de

segundos, enfocou seu objetivo e atirou diretamente em sua testa. Caiu

imediatamente.

O olhar sombrio do homem que salvou cruzou com o dela, produzindo

milhares de sensações. Ele tentava descobrir através desses visores quem era, mas

era impossível.

Emily reagiu rapidamente e voltou junto aos seus parceiros para continuar

seu caminho em meio as balas e o fogo cruzado, até que de repente uma grande

explosão fez com que os agentes saíssem voando. Brad manobrou como se fosse

um jogador de rugby, Peter fez o mesmo, mas ela não conseguiu se proteger e foi

jogada do outro lado, lançada pela força da explosão.


— Emily! — Gritou Brad, desesperado ao não a encontrar ao lado dele,

procurando-a.

Jeff, ao escutar o grito dilacerador do agente responsável, temeu o pior.

Deixou de avançar para a saída, precisava encontrá-la e a tirar daí. Mais calmo

que o agente começou a falar pelo intercomunicador.

— Ems, me responda, está bem? Vamos garota superpoderosa. Responda!

A garota superpoderosa foi jogada para o lado, e vários tambores caíram

sobre ela, deixando-a inconsciente por alguns segundos. A fumaça a asfixiava e

não a deixava pensar direito. O calor era sufocante. Tirou a jaqueta, precisava

baixar sua temperatura corporal e sair do lugar, sabia que quanto mais perto do

chão, mais oxigênio encontraria, mas suas forças acabavam, até que de repente

sentiu como alguém a jogava sobre o ombro, tirando-a do lugar. Com a cabeça

para o chão e os óculos de visão noturna quebrados não podia ver nada, não sabia

quem era, até que viu seus dedos e finalmente confirmou tudo. Não podia ser!

O homem que ela salvou, e que nesse momento a estava salvando, era nada

mais e nada menos, que o russo. Um calafrio percorreu seu corpo. Agora estava

segura, mas se a reconhecia estaria perdida, a mataria a sangue frio, assim como

matou Lastinni, seu amigo e companheiro, por traí-lo.

Em um movimento ágil tirou a faca que tinha no cinto e a enterrou em sua

coxa, fazendo-o cair.

O som gutural vindo do interior de Misha a fez tremer, mas caiu no chão

junto com ele, afastando-a também. Apesar de estar mancando, correu com todas

as suas forças até o que ela acreditava ser a saída, encontrando-se com Jeff, que a

procurava desesperado; sem sequer perguntar, a pegou em seus braços e

começaram a correr para o ponto de encontro.

— A garota superpoderosa está a salvo!

— Estamos logo atrás! — Confirmou Blake. — Estamos vendo vocês.

— Está bem, gatinha?


— Brad, seu intercomunicador não funciona, ela está bem.

Quase ao mesmo tempo todos chegaram à van, entrando rapidamente para

sair do lugar. O hangar estava quase destruído, e agora patrulhas policiais e

sirenes de bombeiros apareciam pela estrada.

— Porra! — Gritou Peter, que sempre era o mais tranquilo. — Os russos

não fizeram nada, nos deixaram como isca.

— Deveria ter adivinhado — se culpou Brad olhando para Emily, que

mantinha os olhos fechados, sem deixar de tossir.

— O drone foi o que causou a explosão, — confirmou Jeff — isso ao menos

nos dá a segurança de que não será utilizado.

— Até quando? — Perguntou a agente tossindo. — Se Vadik tinha um em

seu poder, deve ter mais.

— Pare de falar, — repreendeu com carinho — precisa oxigenar seus

pulmões, logo chegaremos em casa.

— É verdade, Ems, não fale mais.

— Mas o que é isso…?

— Acabei de dar uma ordem, agente, não fale até que cheguemos em casa

— disse em tom severo, era a única forma de ela obedecer.

Ficou em silêncio escutando como o agente responsável conversava com o

agente responsável do SVR. A cada segundo sua voz subia de tom. O inegável era

que, depois da discussão, as comunicações ficariam um tanto estremecidas. Isso

com certeza chegaria a níveis superiores, mas não os afetaria, apenas aos russos,

eles tinham feito um excelente trabalho.

Abrigada na escuridão da viagem, pensou em Misha. Como se informou a

respeito da traição do Lastinni? Era cruel na luta, como um animal que

machucava sua presa antes de matá-la, inclusive de longe ela pôde sentir a raiva

com a qual ele lutava. Esse homem era mais perigoso do que ela pensava.
Ao chegar, foi Brad quem a carregou e disse ao Blake para levar Peter ao

lugar especial que tinham destinado para curar-se se algo acontecesse.

Quando entraram no apartamento, levou-a até o quarto. Emily se jogou na

cama, literalmente, mas inclusive essa pequena queda doeu, tinha contusões por

todo o corpo.

Minutos depois, Jeff saiu revigorado depois de um banho com água quente

e era a vez de Brad, que desde que entrou estava taciturno, nenhum deles quis

perguntar o porquê.

Imaginavam.

Estava irritado pelo fracasso da missão.

Dentro do banho, o agente deixou aflorar sua raiva. Estava avermelhado

pela impotência, esteve a ponto de perder algo muito importante para ele. No

começo, queria matá-la por ser imprudente, mas não porque não trabalhasse bem,

era excelente, mas sempre corria riscos desnecessários. E desta vez, a única coisa

que não podia controlar era a outra equipe, falhou com seus homens, deixando-os

sozinhos. Isso era algo que ele resolveria no dia seguinte, apresentando-se

formalmente ao serviço secreto russo. Quando saiu, viu que a agente dormia. Não

queria acordá-la. Decidiu ir para sala e recolher os dados, encontrando-se com

Jeff, que já os examinava.

— Emily dormiu.

— Não! Acorde-a, ela precisa tomar banho e verificar suas feridas.

— Você não pode fazer isso? — Pediu sem ânimo.

— Tudo bem — respondeu voltando a entrar no quarto para acordar sua

amiga. Ela com preguiça entrou no banheiro. Agora que tinha os músculos

relaxados, tudo doía muito mais, e teve que pedir ajuda para tirar o colete à prova

de balas.

— Jeff, — o chamou e ele imediatamente entrou — preciso de ajuda para

tirar isto — apontou.


O agente tirou seu colete e a camiseta com cuidado para não a machucar

mais, mas quando terminou de tirar percebeu quão machucada estava.

— Porra, Ems, parece um mapa, — disse abatido — venha, me deixe ajudá-

la — disse ajudando-a a se despir completamente, inclusive a ajudou a entrar no

chuveiro.

— Ai! — Reclamou e ele rapidamente afastou a cortina para ver o que

acontecia. — Dói tudo, mas calma, estou bem.

— Duvido disso, termina o banho e verei o que posso fazer por você.

— Uma massagem seria perfeita e meu corpo agradeceria.

Quando terminou, ele entregou a toalha, embora no começo ela estivesse

com vergonha por estar no banheiro com ele, sabia que não havia motivo para

protestar, ele não a olhava com luxúria. Ele entregou a calcinha e, ao passar o

sutiã, ambos começaram a rir, estava quebrado e era inútil.

— Para que você não diga que não sou um cavalheiro — falou, mas o

objeto não servia, então ela teve que se conformar em ficar na frente dele apenas

de calcinha para que pudesse ajudá-la. Levou-a até o quarto e começou a

inspecionar suas costas primeiro, enquanto ela cobria seus seios como podia.

Tirou do armário uma caixa com todos os tipos de remédios, colocando na

cama os que ia precisar. Tinha arranhões em ambos os braços e no lado esquerdo

do corpo também.

Com uma pinça, e como se fosse um perito, começou a tirar as pequenas

pedras que estavam cravadas em seu braço.

— Preciso que abaixe os braços, não vou ver nada que Annie não tenha.

— Mas esses não são da Annie — respondeu, sem estar convencida.

— É obvio, porque minha Annie está em casa dormindo, enquanto sua

amiga louca, está aqui do outro lado do mundo sendo socorrida por seu

maravilhoso marido — zombou pegando seu braço para que relaxasse. — Vamos,

quanto mais rápido começarmos, mais rápido terminaremos, não seja criança.
Sem outra opção, deixou de se cobrir para que Jeff pudesse cuidar de seus

ferimentos enquanto fechava os olhos como se com isso sentisse menos vergonha.

— Ai! Aí dói muito.

— Essa ferida precisa de pontos.

— Porra, Emily, desculpa! — Exclamou Brad ao entrar no quarto e vê-la

nua, essa era uma imagem que não esqueceria.

— Ai! — Gritou novamente tentado se cobrir, agora doía muito mais.

— É… eu… é melhor eu ir.

— Não!

— Não? — Perguntou Brad.

— Não, a garota superpoderosa precisa de pontos aqui — indicou girando-

a para que ele pudesse ver do que falava. A ferida estava em um dos lados de seu

corpo.

Com todo o profissionalismo que pôde reunir em segundos, e mais nervoso

do que se tivesse que enfrentar um pelotão de fuzilamento, Brad tirou do estojo

de primeiros socorros a seringa para lhe injetar um analgésico e se sentou na

frente dela.

— Vamos, respire ou morrerá asfixiada.

Jeff se aproximou dela e com cuidado começou a tirar as pedrinhas no

outro lado enquanto Brad dava os últimos pontos.

Já estava amanhecendo quando eles terminaram e entregaram uma

camiseta para vestir, que se manchou de iodo instantaneamente, já que ela estava

quase totalmente coberta por esse líquido.

— Você não pode ir trabalhar — disse Brad.

— E o que quer que eu faça?

— Ira Trinovich tem a sua mãe na Croácia, a senhora acaba de falecer de

uma infecção respiratória e você precisou viajar para o seu funeral.

— E você acha que Zhenya se importa com isso?


— Sua mãe acabou de morrer! Claro que se importará. Vamos, ligue para

ela.

— Eu? — Perguntou de um jeito estúpido, mas não estava preparada.

— Sim, tem que ser agora, acabam de te avisar.

— Tudo bem — concordou enquanto Jeff lhe entregava um telefone para

ligar, com um número privado impossível de rastrear. Discou, e ao quinto toque,

como se estivesse dormindo, ela respondeu.

— Zhenya?

— E quem mais poderia ser às seis da manhã e com meu telefone? —

Resmungou.

— Zhenya, sou eu, Ira, estou ligando por que… — Nesse momento Jeff se

sentou ao seu lado e apertou sua ferida causando dor real, e sua voz mudou —

minha… mãe faleceu, acabaram de me avisar. Tenho… tenho que ir vê-la… por

favor.

— Acalme-se, garota, pare de chorar, tire alguns dias de folga, é claro, sem

pagamento, e quando voltar conversaremos.

— Obrigada — disse aguentando a dor que Jeff estava causando, e quando

desligou gritou. — Idiota, pare de me apertar!

O idiota riu e a abraçou.

— Se acalme, apenas estava te ajudando. É uma agente, não atriz.

— Isso dói — reclamou com dor em sua voz.

— Vem aqui — disse Brad triste, oferecendo seus braços de uma maneira

paterna.

— Brad, poderia atirar no braço deste imbecil para que sofra?

Agora os três riam, precisavam disso, e abraçada a seu amigo e parceiro,

Emily entrou em um profundo sono reparador, sem pensar em nada, esquecendo-

se de tudo. Não sabia se era produto dos analgésicos ou do cansaço, sabia apenas

que precisava dormir.


Capítulo 06

Os dias após a explosão, Emily passou junto com seus parceiros, supunha-

se que assistiu ao funeral de sua mãe, então não podia estar visível para ninguém.

Entre os cinco trabalhavam arduamente tentando decifrar tudo o que

aconteceu, depuravam12 o material e desencriptavam13 toda a informação que a

garota superpoderosa coletou na celebração da coroação do novo vor.

Tinham muito material e tudo o que descobriam superava a ficção. Não só

os russos estavam dentro das bratvas, mas também pessoas muito influentes de

outros países.

Mas, infelizmente, no dia seguinte voltava a se converter em Ira, embora

desta vez quisesse, não conseguiu parar de pensar em Misha, claro, era seu

segredo mais bem guardado, mas o único que não podia enganar era ao Jeff, que a

surpreendeu várias vezes olhando para o nada. Ele não precisava falar com ela

para dizer o que pensava, apenas um olhar era suficiente.

O relacionamento entre Emily e Brad voltou a ser o de antigamente.

Compartilhar vinte e quatro horas diárias os ajudou enormemente, foi assim que

o oficial responsável se acalmou, mantendo-a sob controle e seu olhar atento.

***************

A tarde estava ensolarada, isso deu coragem a Ira enquanto caminhava

para o clube e não podia negar que estava ansiosa para chegar lá.

Ficou surpresa ao ver vários homens postados na porta e quando estava a

ponto de entrar um a deteve.

— Não pode passar.

— Não? Eu trabalho aqui — respondeu levantando o rosto para olhá-lo nos

olhos.

12
Depuravam: Procurar, encontrar e corrigir, pela examinação do código de um programa, as falhas ou
erros de um computador.
13
Desencriptavam: Decifrar dados que estão em código.
— Quem é?

— Não, quem é você? Eu trabalho aqui há vários meses e nunca o vi antes.

Quero falar com a Zhenya.

Os homens se olharam e não disseram nada.

— Você vai me deixar passar ou não? Se perder meu trabalho será sua

culpa — os repreendeu irritada, precisava entrar, não era apenas seu trabalho que

estava em jogo, era a missão.

— Entre — disse um deles sério, então a pegou pelo braço e a pôs de frente

para a parede.

— Que porra você acha…?

— Silêncio, vou te revisar, se não encontrar nada poderá passar, não

queremos ter problemas com a Zhenya.

Sem alternativa, tirou o casaco e ergueu as mãos. Os homens quando viram

seu corpo ficaram olhando, essa parte do trabalho seria muito agradável,

especialmente quando começassem a tocá-la, porque isso é o que fariam.

Ira sentiu como lentamente passavam as mãos por seu braço, para depois

baixar por suas costas e continuar baixando devagar.

Para aplacar sua raiva começou a contar, tinha a mandíbula apertada e seu

coração estava acelerando.

— Se me tocar eu mato você — murmurou.

— Uh…! — Eles riram. O que a revistava se aproximou ainda mais e

sussurrou em seu ouvido. — Eu gosto das putas ardentes.

— Me toque e eu juro que mato você.

— Sim? — Riu. — Você e quem mais? — Sussurrou e colocou uma mão em

suas costas para que não se movesse, continuou com a outra até chegar à sua

bunda e parou. — Tem uma bunda grande.


De repente e sem que ninguém percebesse um punho acertou precisamente

o homem, atirando-o ao chão, e quando caiu recebeu um chute no estômago que o

dobrou em dois.

— Não escutou o que ela disse? — Grunhiu apertando os dentes desatando

uma fúria demoníaca em seu interior.

— O quê? — Perguntou agarrando o estômago para tomar ar antes de que

outro chute voltasse a golpear contra ele.

— Eu disse que deveria tê-la escutado, ela disse que se a tocasse te mataria,

pois bem, agora eu vou te matar — murmurou em seu ouvido enquanto o

agarrava pelo cabelo e o dobrava para trás, agarrando-o pelo pescoço com um

movimento rápido, levantando-o.

O homem abriu os olhos assustado, era um homem acostumado a lutar e

jamais temeu à morte, mas nunca em seus anos tinha visto esse olhar, era insano.

Buscando suas forças de dentro levantou sua perna e golpeou onde Misha estava

ferido, fazendo-o cair, mas com um movimento que Ira em todos os seus anos

como uma agente jamais viu, ele se virou e com um golpe sem violência, cravou

dois dedos entre seu pescoço e ombro deixando-o sem respiração.

O segurança levou as mãos ao pescoço com os olhos arregalados tentando

respirar, mas era inútil, apenas um mísero som emanava de sua boca.

— Misha, ele está se asfixiando! — Exclamou como se ele não soubesse,

mas o russo nem se alterou, pegou sua mão com força e a puxou para que

caminhasse junto com ele. — Misha… — voltou a pedir olhando-o.

— Silêncio.

— Misha, por favor — suplicou. — Faça alguma coisa.

O olhou com tanta intensidade que o russo bufou, grunhiu, mas apesar

disso se virou e foi até onde o homem se contorcia no chão, enquanto seus

companheiros tentavam ajudá-lo.


Ele se abaixou e deu um golpe seco, e em questão de segundos puxou o ar

com força e então voltou a respirar.

— Se voltar a tocá-la, deixarei que se asfixie — falou e olhando para seu

companheiro continuou. — Ficou claro?

O homem assentiu violentamente, então Misha caminhou de volta até onde

Ira estava, agradecida, esperando-o.

— Obrigada — disse sorrindo. — Sei que você não se importa com o que eu

digo, mas… eu agradeço.

Essas simples palavras interromperam seu andar, deteve-se e a olhou

fixamente arregalando os olhos, até que um som gutural emanou de seu interior.

Ira assustada tentou se afastar um pouco dele. Nunca o viu assim antes.

— O que está…?

Não conseguiu terminar a pergunta quando sentiu como se equilibrava

sobre ela, agarrava-a pela nuca e a beijava sem compaixão alguma, com um desejo

impensável para um homem como ele.

Tentou se separar no início, não estava preparada para isso, mas ele era

mais forte e mesmo tentando resistir, ele a imobilizou cobrindo-a com todo seu

corpo. Então segurou suas mãos por cima de sua cabeça e começou a tocá-la como

tanto desejava.

Estava se comportando de um modo animal, sentiu sua falta demais,

deixando-o incapaz de pensar e agir. Não entendia o que sentia, mas sabia que

esse instinto de possuir, era apenas com ela. Sabia que essa podia ser sua queda,

mas desde que a deixou algumas noites atrás não conseguiu parar de pensar nela,

dia e noite, mas agora era o momento de pôr fim a sua agonia. Definitivamente,

essa mulher o tornou vulnerável.

O que ela estava fazendo com ele? O que significava para ele? Pensava enquanto

introduzia a mão por debaixo de seu vestido e finalmente tocava sua pele nua.

Por que se desesperou por não poder vê-la nesses últimos dias? Isso jamais
aconteceu antes, mas com ela não podia resistir, já teve que suportar o suficiente e

agora não podia possui-la da maneira como pretendia, e como se tudo isso não

fosse suficiente, precisaria se controlar quando ela fosse dançar. Não, dessa vez

tinha certeza de que não poderia suportar. Mas o que poderia fazer? Nada.

— Eu preciso de você — disse com a mandíbula apertada enquanto seu

pau ameaçava explodir.

— Você sentiu minha falta? — Perguntou com os olhos fechados. —

Pensou em mim?

— Devochka — sussurrou contra seus lábios, depois a virou e cobriu sua

boca com a mão, batendo seu corpo contra o dela. Seus dedos desfrutavam do

contato de seus lábios enquanto seu braço exercia pressão em seu pescoço sem

chegar a machucá-la, mas com a clara intenção de mostrar quem era seu superior,

quem tomava as decisões.

Ira não se sentiu degradada, por alguma estranha razão, precisava dele

tanto quanto ele precisava dela e se nesse momento não o olhasse nos olhos…

melhor.

Ela estava feliz por sentir seu corpo e seu desespero em possuí-la, porque

era isso o que estava fazendo na escuridão do corredor que levava ao salão

principal. Era uma loucura, qualquer um podia vê-los, mas a adrenalina do

momento estava lhe dando a excitação necessária para não pensar e apenas se

permitir sentir, e realmente estava sentindo!

— Preciso te foder, puta — sussurrou em sua orelha, mordendo o lóbulo,

recordando a si mesmo o que ela era.

Ira fechou os olhos com força e apertou a mandíbula.

“Não sou puta!”, gritou em seu interior tentando se acalmar.

Misha em um movimento violento a puxou para seu corpo o máximo que

pôde, puxou seu cabelo forçando-a para que o olhasse, sabendo imediatamente o

que seus olhos diziam.


— Não estou te fodendo como puta, estou fodendo a mulher — esclareceu

tirando os dedos de seus lábios para beijá-la.

O calor que provinha de seus corpos era capaz de incendiar Moscou e seus

arredores, o coração deles palpitava em uníssono terminando o percurso em seus

sexos. Misha acariciou com a mão livre seus seios, sorrindo.

A cada investida que o russo dava, Ira sentia que a dividia em duas,

tentava escapar, mas nada, até que sentiu como um tremor se apoderava de seu

corpo.

— Todos os seus orgasmos me pertencem — grunhiu em seu ouvido. — E

não voltará a partir sem que eu saiba. Entendeu? — Disse parando de repente,

deixando-a querendo mais. Mas ela não iria ficar assim, não senhor, jogou seus

quadris para trás, mas ele a deteve. — Me responda.

“Não é meu dono, idiota, não sou sua puta.”

Misha estreitou os olhos, sabia o que estava pensando e com maestria

mordeu seu ombro lhe causando dor para que esquecesse sua excitação, e com

um único movimento a penetrou até o fundo, atingindo um clímax arrasador.

Com movimentos oscilantes terminou, e tão inesperadamente como a penetrou,

saiu de seu corpo, deixando-a completamente vazia e querendo mais.

Misha estava suando e seu coração acelerado não o deixava nem pensar,

tudo nessa mulher o enchia: seu corpo, seu aroma, sua voz… tudo penetrava em

seu interior.

— Se você acha que vou ficar assim, está muito enganado — falou

baixando o vestido, olhando-o com olhos raivosos. — Jamais, me escute bem,

jamais vou te obedecer!

Misha ficou surpreso por sua coragem e bravura, realmente era uma

mulher única. Sem querer revelar sua vulnerabilidade, começou a rir alto, faz

anos que não se soltava assim e com um gesto com a mão indicou que partisse. E
quando a viu ir embora, não perdeu nem dois segundos para ir procurar a

Zhenya.

Amaldiçoando em silêncio, Ira foi embora. Não era seu costume ser mal-

educada, mas passou ao lado de alguns clientes sem sequer olhá-los. Nesse

momento odiava qualquer espécie masculina sobre a face da terra.

“Então é isso que você quer? O que mais quer de mim, russo do caralho? Bem,

foda-se!”

Enquanto falava sozinha, olhou a folha onde estava seu nome e a posição

em que saía para dançar. Não o encontrou, leu várias vezes para se certificar e

nada.

Agora realmente não estava entendendo nada e grunhiu com raiva, trocou

de roupa e com a folha na mão foi procurar a Zhenya. Não foi difícil localizá-la,

ela sempre estava no bar conversando com os clientes.

Ela ao vê-la chegar com a folha sorriu imediatamente, sabia perfeitamente

por que vinha.

— Espero que tenha descansado, sinto por sua mãe.

— Ah… — recordou de repente, já tinha esquecido que estava sofrendo e

de luto. — Obrigada, mas não é sobre isso que quero falar. Por que não apareço

na lista?

— Porque hoje você não dança.

— Não?! E o que farei então? Eu não sairei com nenhum cliente — afirmou.

Zhenya riu abruptamente, qualquer uma das outras garotas estaria feliz,

com um cliente ganhavam mais do que faziam dançando em uma semana.

— Atenderá no bar esta noite.

— Eu? Nunca fiz um coquetel em minha vida.

— Bem, você também não fará isso esta noite, é para isso que serve o

barman, você apenas ... mova seus peitos e sorria, isso não é tão difícil, certo?

Você consegue fazer isso, não consegue?


— Eu posso entregar as bebidas e conversar com os clientes — disse parada

atrás do bar.

— Perfeito, então vá trabalhar.

Dito isso, Ira foi até onde estava o barman. Ela gostava de fazer as coisas

direito, então, conversando com ele aprendeu o básico para começar.

A verdade é que até mesmo se distraiu conversando com vários homens,

não podia negar que gostava mais disso do que dançar.

A noite estava passando rapidamente, igual a sua enorme raiva com Misha,

mas estava agradecida por não o ver. Quem ela viu foi o vor, estava sentado com

dois de seus companheiros e falava animadamente com alguém, que daquela

distância não podia ver.

Estava muito intrigada. A ordem que todos receberam era que deviam

atendê-lo muito bem, como se fosse um czar russo. Mas quem era?

— Este pedido é para o vor — anunciou uma das garotas, e foi nesse

momento que Ira pensou que, finalmente, satisfaria sua curiosidade.

— Perfeito, o levo imediatamente.

— Posso esperar — disse paquerando com outro cliente.

— Não se preocupe, — respondeu piscando um olho — vá cuidar do que é

realmente interessante, eu o levo.

— Obrigada, Ira. É a melhor.

“Claro que sou a melhor”, pensou e entregou a ordem. Quando estavam

prontos, ela mesma caminhou em direção à mesa do vor com a bandeja em suas

mãos.

Queria chamar a atenção, então rebolou exageradamente para que a

olhassem, parou de caminhar a poucos passos de onde o vor estava, e seus olhos

não acreditaram no que viram.

Sentado com o Vadik estava Ilenko Kozlov, capitão da polícia russa.


Agora realmente precisava escutar sobre o que falavam. Precisava fazer

alguma coisa, então usando todo seu poder feminino e utilizando a voz ainda

mais rouca do que o normal, falou:

— Senhor, — flertou, batendo seus cílios enquanto virava de costas para o

vor — precisa de mais alguma coisa?

Ilenko ao escutar aquela voz ficou instantaneamente atraído, inclusive

deixou de abraçar à garota que tinha ao seu lado para se sentar na ponta do sofá, e

depois de pigarrear falou:

— Sim, eu gostaria de obter de você algo mais que uma bebida —

respondeu estendendo sua mão para que se sentasse em sua perna. Ira hesitou

por alguns segundos, mas vendo que era a única possibilidade de permanecer ali,

aceitou.

— Ilenko, se quer sair inteiro daqui, é melhor deixar a puta ir embora.

— Eu a quero.

— Você e todos aqui, mas a cadela tem dono.

— Pagarei por ela.

— Ei, puta, saia daqui.

Ira tentou se levantar, mas a mão de Ilenko a impediu.

— Eu não disse para você se levantar.

— Bom, — aceitou o vor levantando as mãos — depois não diga que não

avisei. Vamos continuar o que estávamos fazendo. O que dizia sobre o hangar?

— Que com essa explosão tenho a Assuntos Internos presos aos meus

calcanhares, não pode usar o porto por esses dias — comentou sério, acomodando

Ira melhor em sua perna e de passagem aproveitando para passar a mão em sua

bunda.

Ela apertou os dentes contendo a vontade de golpeá-lo, maldita hora que

colocou esses shorts tão curto.

“Não continue me tocando, filho da puta.”


— Não o usarei por esses dias, mas em algumas semanas preciso dele

liberado, receberei um carregamento especial.

Ilenko assentiu com a cabeça, isso dava tempo para que as coisas se

acalmassem um pouco. Então pegou um gelo do copo que tinha sobre a mesa e

começou a passá-lo pelas costas de Ira enquanto cheirava seu pescoço.

Ela não moveu um músculo, mas estava apertando os dentes tão forte que

chegava a doer.

— Tem meu dinheiro? — Perguntou Ilenko sem vergonha, deixando o gelo

cair dentro de seus shorts, molhando-a.

O vor sorriu com petulância, pegando uma maleta que estava do seu lado.

Ira nem sequer tinha notado e quando a abriu um grande sorriso apareceu em seu

rosto.

“Agora te pegamos por suborno, idiota.”

— Pode contar.

— Confio em você, como você confia em mim — murmurou tirando um

maço de dinheiro, e colocando entre os seios de Ira. — Você nunca viu tanto

dinheiro junto, não é? Pois eu poderia te dar isto se você…

— Ilenko, — o cortou enérgico — fui claro contigo. Se quiser, posso te

conseguir uma das garotas dos leilões.

— Essas que escolhe esse homem? Sua mão direita? — O vor assentiu. —

Dizem que as prepara bem, é um dos melhores, faz que… durem. Escutei vários

de seus clientes elogiá-lo. — O vor assentiu. — E ele poderia preparar uma para

mim? Para que tenha resistência, não quero ter que encobrir nada depois, e se for

virgem me excita mais.

“Do que estavam falando? Para que preparavam essas meninas?”

— Misha pode fazer isso e muito mais, jamais tivemos queixas sobre ele,

gosta de disciplina e leva anos construindo uma trajetória e… — de repente ficou

em silêncio. A distância viu Misha se aproximando com grandes passadas, e ele


que o conhecia muito bem, sabia o porquê. — Antes de enlouquecer, — disse

esticando o braço com a palma da mão estendida — me deixe dizer que

precisamos dele vivo para a transação.

Misha respirou fundo e puxou Ira de Ilenko, pegou-a pelo braço e a sentou

sobre suas pernas com raiva e falou:

— E poderia saber por que é tão importante este… senhor?

— Sou Ilenko Kozlov, chefe…

— Não preciso de mais informações, sei quem é, e por ser quem diz que é,

você é bastante descuidado, as paredes ouvem e a discrição é fundamental em seu

trabalho — falou com raiva deixando-o sem nada para responder.

O vor começou a explicar no que consistia a ajuda que Ilenko lhes daria,

enquanto Ira tentava ouvir e prestar atenção, já que Misha agora tinha o braço em

volta de seu pescoço, exercendo pressão e começou a sussurrar em seu ouvido:

— Devia ficar no bar… não devia estar aqui e menos ainda sentada na

perna dele — grunhiu apertando-a mais. Ira tentava se mover, mas era

impossível, de repente com a mão que tinha livre agarrou seu cabelo e puxou sua

cabeça para trás, beijou sua bochecha e passou seus dentes pelo seu pescoço. Ela

respirou fundo porque agora voltava a apertar seu pescoço. — Você quer que

Ilenko a foda? Quer que a prepare para ele? — Perguntou apertando-a um pouco

mais. — Você não tem o suficiente comigo, por isso está flertando com ele?

— Não estou flertando — disse enquanto tossia.

— Estava sim, eu vi, disse que não trabalharia enquanto estivesse comigo.

Não me faça ficar com raiva, Ira, não sou um homem paciente, sou um assassino,

um mercenário e não vou duvidar em matá-la por me trair, porque isso é o que eu

faço com os que me traem… — Ira fechou os olhos recordando o que tinha visto

dias atrás e tremeu.

— Vá se foder, Misha…
— Farei o que eu quiser e quando quiser — bufou lambendo sua orelha, até

que um comentário de Ilenko o tirou de sua batalha particular.

— Se continuar fazendo isso com a puta vou gozar aqui mesmo — brincou,

ajustando as calças.

E antes que o vor pudesse responder, Misha o fez. Finalmente soltou o

pescoço de Ira, olhando-o com cara de poucos amigos.

— Se você olhar para ela novamente, me importa um caralho que seja o

chefe de polícia, vou asfixiar você e não precisamente para dar prazer. A asfixia

autoerótica14 me é repugnante, igual as pessoas que a praticam — falou sem

desviar o olhar.

Agora Ira arregalou os olhos e instintivamente levou as mãos ao pescoço.

Misha sorriu, ele, a sua maneira, a estava protegendo.

— Cavalheiros, por favor, este é um lugar de paz, vamos mantê-lo assim —

pediu enquanto se aproximava da mesa e aspirava uma linha branca que a garota

que estava com ele espalhava. Eram pequenos cristais que inclusive brilhavam,

demonstrando sua alta qualidade e pureza. Depois foi a vez de Ilenko.

A conversa durou mais um pouco, até que o vor, depois de receber um

telefonema, se levantou rapidamente.

— Vamos — anunciou, se levantando, em seguida Misha se levantou, mas

sem soltar a mão de Ira.

Ilenko compreendeu que devia ir, despediram-se e alguns homens o

acompanharam à saída. Quando ficaram sozinhos Vadik falou:

— Prepare uma das meninas do próximo leilão, temos que mantê-lo feliz.

Misha só assentiu.

— Agora vamos, problemas em casa.

14
Asfixia auto-erótica: ou “scarfing”, é o processo de cortar a alimentação de ar para aumentar a
intensidade do orgasmo durante o prazer. A teoria é que o seu cérebro, faltando o oxigênio, ficaria
desorientado, quando confrontado, criando um clímax, ao mesmo tempo.
Ira estava escutando tudo e analisando, algo realmente aconteceu para que

terminassem a reunião, e o vor não parecia feliz.

Misha levantou a mão e rapidamente dois de seus homens se

aproximaram.

— Senhor.

— Leva-a para casa.

— Mas…

— Mas nada, e se cala — respondeu apertando os dentes e fingindo que

não estava interessado em mais nada, caminhou em direção à porta.

Escoltada por dois gorilas Ira era levada para sua casa, pensando no que

essa atitude da Misha denotava. Ele tentava se mostrar como um verdadeiro filho

da puta, mas algo lhe dizia que não era assim. Tinha atitudes que demonstravam

o contrário, mas quanto mais sabia sobre ele, mais confusa ficava. Do que ela

realmente estava com medo? Ela tentou esquecê-lo, inclusive não pensava em ter

alguma coisa com ele novamente, mas foi preciso apenas vê-lo e esquecer de tudo,

precisa se afastar, a missão tinha que acabar, cada segundo que passava ficava

mais claro que desta vez haveria feridos, e esse seria, para seu pesar, o seu

coração.

*************

Misha por outro lado, tinha sido blindado por muitos anos e esperava

continuar assim, mas cada vez que a via ou estava com ela algo rachava em sua

blindagem, precisava que ela o desprezasse, mas apesar de suas palavras havia

algo em seu olhar que o atraía como um ímã e fazia que seu corpo começasse a se

mover em direção a ela.

Moveu a cabeça descartando todo tipo de ideias irreais que ele não podia

nem se permitiria sentir, talvez deveria deixar que outro a usasse para tirá-la da

cabeça.
— O caralho! Sobre o meu cadáver! — Exclamou chamando a atenção do

vor, que estava ao seu lado.

— Essa mulher será a sua queda.

— Não diga besteira, vamos nos concentrar no que é importante.

— Então preciso de sua mente aqui, não pensando nela — bufou em

desaprovação o vor.

Nesse momento seu semblante mudou e se concentrou no que viria a

seguir. Deixaram uma caixa na porta da casa do vor, e dentro dela estava a cabeça

de um de seus homens de confiança com uma nota que dizia que Vadik seria o

próximo.

Nisso que ele devia se concentrar.

*****************

Quando chegou em sua casa Ira começou a enviar todos os dados a seus

parceiros, esta vez não queria conversar, não queria escutar nenhuma repreensão

da parte deles embora a merecesse, afinal ela sabia que estava fazendo bem seu

trabalho. Enquanto escrevia um relatório, uma mensagem apareceu em seu

telefone celular que estava criptografado.

03:14 - De que cor quer o cão?

Mesmo que não tivesse remetente, sabia perfeitamente de quem era.

03:15 - Não vou correr amanhã às sete da manhã?

03:16 - Nem a maratona de Nova Iorque seria suficiente desta vez.

03:16 - Sou adulta.

03:17 - Omitirei meu comentário… Durma, já é tarde.

03:18 - Pare de falar comigo.

03:18 - Hoje se arriscou muito.

03:19 - Temos fortes evidências contra Ilenko.

03:20 - Não estou dizendo isso por causa dele.

03:21 – Então por quê?


03:22 - Digo por causa do segurança na entrada.

03:23 - Não fiz nada!!

03:24 - Se o russo não aparecesse, você… o mataria.

03:25 - Não tenho tanta força.

03:25 - É a garota superpoderosa… você teria feito isso.

03:30 - Jeff… obrigada.

03:31 – Não quero agradecimentos. Agora durma.

03:32 – Pare de falar comigo.

Essa foi a última mensagem que recebeu, mas ficou mais calma, pelo

menos eles não estavam em seu apartamento. Ela gostava de trabalhar em equipe,

principalmente com seus amigos, mas ultimamente discutiam mais que

conversavam.

Logo cedo na manhã seguinte, enquanto dormia agradavelmente, começou

a ouvir ruídos. A princípio não soube identificar o que eram ou de onde vinham,

mas cada vez aumentavam mais, não queria levantar, então os ignorou, sabia que

eram seus companheiros, mas… por que não entravam? Eles sempre faziam isso.

De repente os ruídos pararam e ela agradeceu, se virou e se acomodou para

continuar dormindo. Ela tinha ido dormir quase às seis da manhã, desobedecendo

a ordem de Jeff, mas ela estava trabalhando diretamente com o Brad.

Quando acreditou que finalmente podia voltar para os braços quentes de

Morfeu, um novo golpe a assustou. Desta vez foi duro e seco, quase derrubou a

porta.

Com raiva por essa atitude de alguém que não podia ser outro além de

Brad, e sem entender o porquê, levantou-se furiosa e foi até a porta para abrir,

gritando enquanto caminhava.

— Pare de bater, vou chutar sua bunda… — Não conseguiu terminar

quando a porta se abriu de repente e atrás dela aparecia Misha como um touro a
ponto de atacar. Ira recuou dois passos instintivamente pensando em todo o

material que tinha espalhado por sua cama.

Nervosa por ser descoberta optou por tomar as rédeas da situação.

— Com quem falava com tanta intimidade? — Bufou entrando, mas ela o

deteve com seu corpo, o impedindo de avançar. Como estavam, ela descalça,

chegava um pouco abaixo do ombro.

— Com você! Você é o único capaz chegar assim, quebrando a porta e

entrar como se essa fosse a sua casa, o que não é!

Ante a veemência de suas palavras, ele pela primeira vez em sua vida

retrocedeu se sentindo um invasor, alguém não bem-vindo.

— Saia daqui e bata na porta como deve ser, sou uma puta, mas decente,

e… não estou trabalhando neste momento!

Misha só arregalou os olhos. Estava o expulsando!

Sem se intimidar, agarrou-o pelo braço e começou a puxá-lo, quando esteve

fora, fechou a porta com um grande golpe, deixando-o do lado de fora atordoado.

Por fim, respirou mais aliviada. Correu para tirar os papéis que tinha sobre

a cama e os jogou no chão, escondendo-os, enquanto na porta se escutava suaves,

mas enérgicos golpes.

— Sim? — Perguntou como se não soubesse quem era.

— Poderia abrir? — Misha perguntou do outro lado, se sentindo o homem

mais idiota do mundo. Melhor que seus homens estavam esperando-o lá embaixo,

porque realmente sentia que estava fazendo uma enorme besteira, mas deixou de

pensar quando Ira abriu a porta.

— Entre.

— Está nua! — Foi a primeira coisa que ele disse respirando com

dificuldade, não com luxúria, estava ainda tentando se acalmar.

Ira fez uma careta e depois falou.


— Não estou nua e já me viu com menos que isto. O que quer? Não

trabalho até daqui algumas horas e gostaria de descansar, não sei o que Zhenya

vai querer que eu faça hoje.

— Não trabalhará esta noite, vai fazer isso agora.

— O quê? Não! Quem você pensa que é?

— Vista-se — disse sem responder a nenhuma de suas perguntas.

Ira lhe deu as costas e se sentou em sua cama como se ele falasse com

vento, enquanto rapidamente procurava o colar para colocar. Porra! Ele estava na

mesa de cabeceira recarregando, o russo não podia vê-lo.

Pegou o travesseiro e o colocou entre as pernas, cobrindo-as, enquanto com

a outra mão embaixo do travesseiro, com suavidade, o desconectava sem que ele

notasse.

— Ira… — suspirou — estou tentando ser… gentil, vista-se.

— Não sem saber aonde vou, trabalho de noite, sou puta — falou,

lembrando-o.

— Para alguém que não gosta que a chamem assim, você lembra disso

demais, teme que se não o disser se esqueça?

— Estou dizendo para que você não se esqueça.

— Eu não esqueço, pago por você.

Isso a irritou, incomodou e a humilhou, era verdade que ele pagava, mas

ela não tocava em um centavo desse dinheiro.

Misha, com desprezo, tirou um maço de notas do bolso e as deixou

educadamente sobre a mesa, depois falou:

— Espero você em dez minutos, vista-se.

— Aonde vamos? — Falou abatida olhando o dinheiro.

— Comer. — Essa foi a única informação que lhe deu e saiu do

apartamento, deixando-a ainda mais confusa.


Em quinze minutos tomou banho, se vestiu com umas calças pretas, um

suéter vermelho e uma jaqueta escura. Colocou em sua carteira o telefone via

satélite e o colar em seu pescoço, mas antes ligou para o Brad.

— Devia estar dormindo, é cedo, ainda não tenho novidades — respondeu

sorrido, pensando que ela nunca deixava de trabalhar.

— Brad, não é isso, vou sair e não sei para onde, o russo veio me buscar,

não posso continuar falando, um beijo.

— Ira…! — Chamou, mas já era tarde, já tinha desligado e só escutava o

som característico de uma chamada finalizada.

Lá embaixo Misha a esperava impaciente, estava a ponto de subir para

procurá-la. Quando finalmente ela apareceu, conseguiu se acalmar.

— Demorou — a repreendeu em seu tom característico.

Ira simplesmente o olhou sem dizer nada. Desta vez ele tinha razão, mas

ela também não concordaria.

— Você vai me dizer para onde vamos?

— Ao clube.

— Ao clube? A esta hora?

— Você acha que durante o dia o clube desaparece e reaparece à noite? —

Zombou ante o assombro de sua pergunta.

— Não sou estúpida, — falou — agora se não tem a capacidade de

responder uma simples pergunta, quem tem o déficit aqui não sou eu.

Misha sorriu para si mesmo, essa resposta o agradou.

— Haverá um almoço.

Ira não respondeu, estava olhando pela janela. Como estava chateada,

quase nem se tocaram, o que o incomodava muito.

Depois de vários minutos de silêncio, ele foi o primeiro a falar.

— Sinto muito por sua mãe.


— Obrigada. — O que mais podia dizer? Sua mãe estava viva e,

certamente, nesse momento estava muito feliz com seu pai, eles tinham um

casamento exemplar.

Quando chegaram ao clube, novamente chamou a atenção de Ira a

quantidade de guardas no local e Misha percebeu, colocou a mão em sua perna e

explicou:

— É por segurança.

Ira apenas levantou as sobrancelhas. Essa informação era muito ambígua e

queria saber mais.

— Nunca precisamos disso antes.

— Vocês, não. O vor, sim — falou saindo do carro e pegando sua mão. Ao

passar pela porta, os homens da tarde anterior baixaram o olhar em sinal de

submissão. O russo nem sequer os olhou.

Caminharam lentamente pelo corredor até que chegaram ao primeiro

salão, que geralmente se utilizava para receber os clientes importantes e onde

nada era diferente do normal, mas esta vez era diferente. Estava decorado com

almofadas no chão, mesas baixas e os tons sobressalentes do lugar eram amarelos,

roxos e muito branco, mas o que a perturbou foi ver mulheres, algumas muito

jovens, que esperava sinceramente fossem maiores de idade, movendo-se pelo

lugar vestidas apenas com sutiãs brilhantes e saias de tule transparente em

diferentes cores. Elas dançavam, enquanto homens vestidos com túnicas brancas

podiam tocá-las e elas nem se importavam.

Pareciam desinibidas, enquanto iam embora movendo os quadris e a

bunda ao ritmo de uma música que elas mesmas tocavam.

— O que é isso? — Ira quis saber, muito interessada em não perder

nenhum detalhe e percebeu que ao fundo estava a mesma menina que tinha visto

na coroação, mas o maldito porco não estava prestando atenção a ela, estava com

outra garota que devia ser pelo menos alguns anos mais velha.
— Uma celebração para Ahmed. Nosso vor o está agradando com o melhor

que possui.

Ira apertou os dentes tentando manter o controle. Se o vor o estava

agradando com o melhor que possui, não podia significar outra coisa além de que

estava lhe dando de presente escravas, e que todas as garotas que estavam nesse

lugar não imaginavam o que aconteceria a elas.

Deu uma volta de cento e oitenta graus esperando que o colar gravasse

tudo e depois o programa de identificação do Jeff pudesse fazer seu trabalho. Nos

países do Oriente todos os dias desapareciam garotas e ninguém denunciava, e as

que estavam dançando eram sem dúvida dessas nações.

Caminharam até à mesa onde os esperava o vor, as putas que sempre o

acompanhavam, e o sunita com suas mulheres.

— Finalmente… veio acompanhado — comentou Vadik movendo a cabeça

negativamente e sorrindo.

— Eu te disse que viria.

O vor levantou as mãos ao céu, rindo da situação.

— Vamos, homem, muda essa cara, sente-se conosco e aprecie o show que

está para começar.

Ahmed olhou para Ira como tinha feito antes, e se aproveitando de seu

status de convidado exigiu:

— É um insulto para minha religião que as mulheres usem calças, eu

gostaria de vê-la com um bedlah15. Isso me agradaria muito.

Vadik que conhecia Misha, colocou sua pesada mão sobre seu ombro e

apertou, depois deu dois tapinhas e falou:

— Acredito que seria uma boa ideia — disse, e sussurrou em seu ouvido.

— De qualquer forma, estará com mais roupa do que usa sempre, não irrite ao

Ahmed.

15
Bedlah: O termo bedlah refere-se ao traje que uma dançarina árabe usa.
Misha respirou fundo, mas sabia que ele tinha razão e falou diretamente

com Ahmed segurando a mão de Ira.

— Eu não gostaria de te ofender, — e apertando a mão dela continuou — e

acho que também gostaria de vê-la com um desses trajes.

Ira virou a cabeça em direção a ele querendo matá-lo na frente de todos,

mas teve que se conter para não dar um grande show e pôr em risco a missão.

— Amira, — falou Ahmed e uma mulher mais ou menos de sua idade com

uma criança nos braços se aproximou — prepare-a como eu gosto. — Ordenou

em seu idioma pensando que os russos não entenderiam, mas ela entendia

perfeitamente… e não só ela.

Amira se levantou e acatou a ordem com uma pequena reverência,

estendeu a mão a Ira, e ela antes de segui-la olhou para os escuros olhos de Misha

para transmitir o ódio que sentia por ele nesse momento.

O russo se levantou, e com um movimento ágil agarrou sua mão e

sussurrou contra seus lábios:

— Calma, tudo ficará bem.

Com essas palavras sinceras, Ira encontrou calma para a ansiedade que

estava sentindo. Afinal, colocar esse traje não podia ser tão terrível.

Estava em uma missão, tinha um objetivo, e tudo o que fizesse daria

resultados positivos, finalmente acabariam com o vor e no processo capturariam

um dos terroristas do Oriente Médio mais procurados do mundo.

Sim, precisava se concentrar nisso, ela não podia esquecer que era uma

agente infiltrada que devia observar e enviar informações. Logo tudo terminaria e

isso seria apenas um episódio ruim em sua vida.

Enquanto escutava às mulheres elogiá-la em seu idioma, ela as ignorava e

só respondia com um sorriso. Em outro momento teria tentado tirar informações

de todas, mas pelo que pôde notar, elas pertenciam ao harém pessoal do Ahmed,

eram mulheres leais e muito importantes para aquele árabe. Eram suas esposas.
Estavam em um dos quartos que ela já havia visitado. Sobre a cama havia

muitos tecidos de diferentes cores e principalmente joias e ouro, e infelizmente,

drogas, várias pílulas sobre uma bandeja de prata.

Enquanto uma das garotas pintava suas mãos com desenhos de henna.

Outra garota, a que ela tentou ajudar, aproximou-se com algo entre as mãos e

falou com ela em russo.

— Beba isso, ajudará a entrar em um transe onde nada é realidade.

Ira arregalou os olhos, mas claro, por isso pareciam distraídas, estavam

todas drogadas.

— Não, prefiro ser consciente de todos os meus atos.

A garota negou com a cabeça e um gesto de amargura escureceu seu rosto.

— Você se lembra do número? — Perguntou, segurando-a pelos ombros

com força. — O memorizou?

Ela assentiu brevemente.

— E então?

— Minha família nunca esteve melhor que agora e… estou feliz por eles —

sorriu sem iluminar seu rosto.

“Caralho! Porra, porra!”, gritou em pensamento, mas de repente, como se

nada pudesse ser mais irreal, viu como várias crianças pequenas entravam

gritando e cantando no quarto, e entre todas, uma iluminou sua alma.

— Fada! — Gritou a garotinha que corria para ela no meio das outras.

Parecia como se voasse com aquele vestido de gaze lilás e enfeites brilhantes, que

a faziam parecer realmente um anjo.

— Katiuska! — Gritou muito alto, nervosa, elevando-a no ar, as outras

garotas ficaram olhando. Então a apertou contra seu corpo como se a estivesse

protegendo.

— O que faz aqui?


— Eu quero ir para a outra sala, mas não podemos. Vem… vem conosco, —

pediu quando se abaixou — quero te mostrar uma coisa — falou balançando os

longos cílios que possuía. — Elas, — apontou com seu dedo — estão nos

ensinando a dançar.

Como podia negar alguma coisa a essa garotinha? Então, sem mais

remédio, e apesar das negativas das demais mulheres, caminhou com Katiuska

pela mão.

Efetivamente no salão contiguo, onde de noite várias mulheres dançavam

nuas sobre a plataforma, agora havia meninas de diferentes idades dançando ao

som da música árabe enquanto mulheres mais velhas cuidavam delas e as

ensinavam.

— Dança! — Falou a garotinha com sua voz angelical, levando-a até o

centro do salão.

— Não…! Não sei como dançar esse tipo de dança — encolheu os ombros.

— É fácil — disse e começou a mover os quadris com a graça que somente

as crianças possuíam. Ira começou a rir esquecendo-se de tudo, estar com ela lhe

dava paz e a levava a um mundo de inocência.

— Tem jeito para dançar — comentou Zhenya, assustando-a.

— Sim, ela é incrível, mas não deveria estar em um lugar como este.

— Por quê? Este é tanto o mundo dela quanto o seu, passou toda sua vida

nele.

— Toda sua vida? Katiuska é uma criança, deveria viver em um mundo de

princesas, fadas… — sorriu com amargura, — não neste onde o sexo é vendido

como em um mercado cheio de drogas.

— O que você vê aqui é família, essas meninas são filhas dos mesmos

homens que estão no outro salão.


— Sim? — Zombou. — E vai me dizer que está tudo bem o que seus pais

fazem, drogar as garotas para utilizá-las a seu desejo e ter várias mulheres ao

mesmo tempo. Não me diga coisas estúpidas.

— É a cultura deles, foi assim por gerações, você não vai mudar isso e

pensar assim também não ajudará Katiuska. Nunca viu “A vida é bela”?

Ira virou a cabeça olhando-a sem entender o que queria dizer.

— Pensei que fosse mais inteligente, Ira. O que quero dizer é que a melhor

maneira para que Katiuska tenha uma infância normal, feliz, é fazê-la acreditar

nela assim, maquiar a realidade e contar uma ficção. Nem tudo é ruim, nem tudo

é bom. Entende agora?

Ela assentiu com a cabeça.

— Agora vá, não quer que os verdadeiros monstros que estão do outro

lado venham atrás de você e contaminem este lugar.

— Por que está me dizendo isso?

— Porque sou mais inteligente que você, podem ser os anos, a

experiência… não sei, — reconheceu com um movimento de ombros. — Vá.

Ira fez um movimento para se despedir de Katiuska, que dançava feliz,

mas Zhenya a deteve olhando-a com cara feia e ela entendeu que devia ir em

silêncio.

Enquanto caminhava de volta pensava no que ela havia dito, tinha razão,

mas por que o dizia? Quem era Zhenya realmente? Agora sim estava totalmente

intrigada.

Por alguma razão enquanto retornava se sentia exposta, e para falar a

verdade não estava, vestia um sutiã com uma espécie de medalhas penduradas

que balançavam ao ritmo de cada passo que dava, e uma saia de tule vermelha

que a cobria mais do que sua roupa de trabalho, mas mesmo assim se sentia

insegura. Levou as mãos ao colar instintivamente.


Do outro lado, Brad, que a conhecia bem, sabia como estava se sentindo, e

teria dado qualquer coisa para estar ali com ela. O que estava acontecendo com a

sua garota superpoderosa? Tinha medo?

Ira estava angustiada, não podia negar, a situação era maior do que

conseguia enfrentar, uma coisa era ver mulheres e outra muito diferente menores,

principalmente tão pequenas como Katiuska. Porra! Havia tantas coisas que a

distraiam do seu objetivo que sentia que estava perdendo as forças e era difícil

assimilar tudo. Estava em um momento no qual queria apenas ler seus direitos e

prendê-los, mas sabia que essa não era a missão, não, era algo muito maior. Tinha

que se concentrar e descobrir o máximo possível. Sim, ela estava lá para isso e

nada mais.

Quando chegou onde estavam todos reunidos, o sunita aplaudiu feliz,

Vadik fez o mesmo assombrado pelo resultado, mas o que Misha pensava era

indecifrável. Sentou-se ao seu lado no chão, da mesma forma como estavam o

resto das mulheres.

Misha pegou sua mão, imerso em uma conversa importante onde estavam

coordenando pontos estratégicos da operação. Para onde enviavam às mulheres

como escravas sexuais? O que fazia exatamente o árabe com elas? E o mais

importante, de onde tirava o urânio? Estava pensando em tudo isso, e esperava

que o colar estivesse transmitindo tudo, porque sua mente estava cheia de

perguntas.

Misha, apesar de estar muito interessado na conversa, de vez em quando a

fazia saber que ele estava ali com ela, ao menos era assim que Ira sentia cada vez

que ele apertava sua mão e a olhava. Talvez fosse apenas sua imaginação, afinal

era o russo quem as preparava e as entregava. Era, como ele mesmo havia dito,

um assassino, um mercenário cuja mão não tremeria na hora de matá-la, inclusive

já tinha visto com seus próprios olhos.


— Você está bem? — Perguntou se aproximando dela enquanto estava

concentrada olhando uma azeitona, como se ela tivesse todas as respostas da

origem do universo.

— Eh… sim, sim, estou perfeitamente bem.

— Não está comendo — disse pegando azeitona e colocando em sua boca,

depois esperando que devolvesse o caroço. — Abre a boca e cospe-o —

demandou com os olhos brilhantes.

Ira obedeceu. Precisou mantê-la aberta porque agora Misha, sem se

importar que o vor e Ahmed os olhassem em estado de choque, dava-lhe outra

porção da mesa. Depois, com a tranquilidade que o caracterizava, olhou-os e

respondeu:

— Se não comer… não tem forças, e assim não me serve.

A agente o olhou com raiva, mas engoliu seu desconforto junto com o

queijo que estava mastigando.

— Tem algum problema? Quer me dizer alguma coisa? — Perguntou

maliciosamente, podia ler seus pensamentos perfeitamente.

— Eu? Não. — Disse relutantemente, estreitando os olhos.

Misha, para irritá-la ainda mais do que estava, segurou seu pescoço

aproximando-a mais e passou a língua pelos seus lábios, não tinha deixado de

observar enquanto mastigava.

Ira ficou atordoada, mas nem por isso submissa como ele estava dizendo

que que ela deveria ser. Assim que o russo introduziu a língua em sua boca, ela a

apanhou com os dentes sem machucá-lo. Misha arregalou os olhos encontrando o

olhar triunfante de Ira. Para ele, bastaria apenas um ágil movimento e ela estaria

imobilizada, mas a verdade é que estava apreciando sua coragem.

Até que de repente um ruído ensurdecedor os tirou de seu devaneio e

cristais voaram ao redor deles, enquanto a luz piscava, oscilando.


A explosão os separou e os jogou no chão. O silêncio foi alterado por gritos

e explosões em todos os lugares.

Eles foram atacados!

Sem pensar duas vezes Ira se levantou para ajudar e ver o que podia fazer.

Os homens que estavam se recuperando da explosão já pegavam suas armas e

começavam a disparar em direção à saída e tentavam repelir o ataque, até que de

um momento para o outro, uma nova explosão ocorreu no salão. Um projétil

disparado do exterior agora incendiava tudo.

O fogo começou a arder com fúria e quando Ira se levantou viu uma das

meninas do árabe sangrando no chão enquanto ele era escoltado por seus

homens. Engatinhou rapidamente para ir socorrê-la, agachou-se para ver se

respirava, mas já era tarde, a garota já estava morta. Nesse momento pensou em

Katiuska. Parecia que a guerra tinha explodido e eles só pensavam em lutar e se

proteger, sem pensar em mais ninguém, muito menos em mulheres e crianças.

— Ira! — Gritou quando percebeu que ela não estava ao seu lado.

— Vou buscar a Katiuska, — gritou por cima do tiroteio — o lugar está

incendiando.

— Não! Fique comigo. Meus homens se encarregarão dela.

— Está louco! É apenas uma criança!

— É uma ordem!

— Você não me dá ordens! — Respondeu soltando-se para correr para o

salão contíguo, abandonando-o.

Quando chegou ao outro salão, o sangue de Ira gelou, estava tudo sendo

consumido pelas chamas. Descalça, caminhou rapidamente machucando os pés.

— Katiuska! — Chamou-a em um grito dilacerador, mas ficou paralisada

quando viu uma das crianças no chão, enquanto nesse mesmo instante outro

estrondo se escutava do outro lado da parede.


Um novo míssil se estatelava contra o edifício. Estavam em um

bombardeio em grande escala e seu instinto lhe dizia que se não fosse embora,

ninguém sobreviveria.

Ela a viu de longe, encolhida atrás de uma cadeira. Foram seus cabelos

loiros, que se sobressaíam naquele salão, os que a ajudaram a encontrá-la.

— Não se mova!

Correu por entre as cadeiras, pisando em cristais. Quando chegou até ela, a

pegou em seus braços e ela imediatamente começou a chorar desconsoladamente.

— Shhh… calma — disse acariciando seu cabelo. A garotinha não

conseguia parar de chorar e Ira precisava pensar. Precisava de sua bolsa, nela

estava seu telefone. Como pôde, chegou ao quarto onde se trocou, finalmente

encontrou sua bolsa e a cruzou pelas costas. Tinha que sair dali, e encontrar uma

saída. Já!

— Meu filho... meu filho! — Gritava uma mulher com seu bebê nos braços.

Ira não podia ignorá-los, com a menina agarrada ao seu pescoço foi ajudá-la, foi

quando Misha entrou no salão.

— Tem que sair agora. Por trás!

— Não posso deixá-la!

— Saia agora! Leve a menina, nos encontraremos lá fora.

— Não! Por ali não.

— Sim!

— Caralho, russo! Estarão nos esperando — falou furiosa enquanto ele a

pegava pelo braço e a separava da mãe e seu bebê, deixando-a impossibilitada de

ajudá-la.

— Você vai me ouvir, mesmo que seja a última coisa que eu faça. Caralho!

Agora vá… Porra!

— Me dê uma arma — pediu antes de ele desaparecer pela porta.

— Para que, se não sabe como usá-la.


“Claro que sei, idiota.”

— Misha… — falou novamente quase implorando. Ela já tinha um plano.

— Não quero morrer sem ter como me defender.

O russo pensou por um segundo, até que finalmente cedeu, e entregou sua

makarov16.

— Isso não é como nos filmes, as balas acabam — falou. — Apenas atire

quando estiver segura, aponte, feche os olhos e dispare.

— O quê?!

— Aponte…

— Não! — Falou horrorizada. — Como vou fechar os olhos?!

— Não quero que veja um homem morrer, isso… isso nunca esquecerá —

reconheceu com dor sem soltá-la ainda. Apesar de que as explosões e as balas se

aproximavam cada vez mais e os gritos se mesclavam com prantos, eles não se

afastaram mesmo que dentro do outro salão estava ocorrendo um massacre.

Essas palavras a emocionaram. Sem mediar as consequências se jogou em

seus braços e, segurando-o pelo pescoço com uma mão, beijou-o.

Misha não demorou nem dois segundos para reagir. Atacou-a com sua

língua fazendo o mesmo ela, precisava senti-la, marcá-la, possuí-la. Não entendia,

mas com ela nada era suficiente.

Quando se separaram bufou:

— Se alguma coisa acontecer com você, eu vou matá-la. Vá agora!

Saiu abraçada com Katiuska, que depois de ser beijada por Misha deixou

de chorar. Ao atravessar a porta Ira mudou de direção, sair pela cozinha era

impensável, provavelmente os emboscariam. Ficou alguns segundos atrás de uma

porta, pegou seu telefone e discou. Não terminou o primeiro toque quando

alguém alterado respondeu:


16
Makarov: Pistola rápida de fabricação russa, também chamada makarova.
— Saia daí agora!

— Brad. — disse assustada. — Por onde?

— Calma, querida, me escute, estão atacando de fora, a polícia está sendo

interceptada, suba! O telhado é a única solução, o primeiro andar está destruído.

— Brad… diga aos meus pais…

— Não, porra! Nem pense nisso…

Enquanto escutava seu superior viu como um homem se aproximava dela.

Sem hesitar apertou o gatilho, matando-o imediatamente.

Então se agachou para deixar Katiuska no chão, tirou algo de sua bolsa e o

entregou.

— Me escute bem, vai colocar esses fones de ouvido e vai fechar os olhos,

me prometa que não vai abrir.

— Mas… — choramingou.

— Prometa. — A repreendeu enérgica e quando ela aceitou, colocou os

fones de ouvido e pegou uma parte do tule rasgado e amarrou ao redor dos seus

olhos. Agora ela apenas escutaria música e não veria nada.

Guardou o telefone, e com ela agarrada como se fosse um Coala começou a

subir as escadas, atirando em tudo o que se aproximava.

Tossindo chegou até o telhado. A fumaça já cobria quase tudo e, quando

finalmente abriu a porta, pôde respirar. A menina fez o mesmo. Levou um minuto

para respirar grandes baforadas de ar, nem o frio espantoso a fez tremer. O que

percorria suas veias não era sangue, era adrenalina pura. Caminhou até o

corrimão e viu que o prédio estava cercado.

— Brad — voltou a discar. — Por onde?!

Jeff pegou o telefone de Brad, que via o mapa no monitor e agarrava a

cabeça com as duas mãos. Do quarto andar para baixo tudo estava destruído e o

fogo estava consumindo rapidamente os três pisos que faltavam até o telhado.

— Emily, está me ouvindo?


— Por onde?! — Repetiu nervosa. Ela via como a fumaça preta saía pela

mesma porta que ela passou segundos antes.

— Deve pular para o outro prédio.

— O quê?! Está louco! — Exclamou parada no final do telhado. — São mais

de três metros de distância!

Essa informação não era nova para Jeff, esse era o problema que Brad via

na tela, eram quase cinco. E o pior era que sabiam que também não havia tempo

para tirá-la de helicóptero.

— São dois metros e cinquenta centímetros, — mentiu para lhe dar

coragem — não me diga que não pode, porque até mesmo Annie consegue.

— Jeff…

— Caralho! Estou dizendo que você consegue! Não queria ser agente?! Se

não saltar juro por Deus que eu mesmo vou chamar Annie para lhe dizer que é

uma completa covarde e que não será capaz de cumprir a promessa a sua irmã.

Anda, me diga o que vai fazer? Deixará que esse sunita filho da puta continue

abusando de menores? Você vai levar isso em sua consciência? — Brad o olhava

horrorizado pelo que estava dizendo, mas quando ia pegar o telefone, Jeff

levantou a mão, precisava aumentar sua adrenalina ainda mais, já que misturada

com a raiva era capaz de produzir forças impensáveis. Essa era a única saída para

a agente, agora sim tinha que se tornar a garota superpoderosa, sabia disso como

psicólogo, mas principalmente como amigo, porque se ela tivesse medo, ele tinha

ainda mais. — Me ouviu?! — Voltou a falar. — Sua irmã deve estar revirando no

túmulo por quão covarde é, não se atreve a pular…

Quanto mais Ira escutava, mais seu corpo começava a tremer. Retrocedeu

vários passos refletindo sobre a situação, até que esteve o suficientemente

afastada, enquanto Jeff continuava dizendo coisas cada vez piores, deu um beijo

na cabeça de Katiuska, apertou-a ainda mais ao seu corpo, soltou o telefone e

começou a correr alcançando uma grande velocidade até que chegou à borda e
sem fechar os olhos em nenhum momento, saltou. Como se estivesse em câmera

lenta viu como voava entre um prédio e outro até que de repente sentiu um golpe

seco ao cair de bruços sobre o telhado. Seus reflexos rapidamente a fizeram rodar

sobre suas costas para proteger à menina.

Poucos segundos depois soltou um grito do mais profundo de sua alma.

— Sim! Sim, porra, eu consegui!

E então começou a rir como uma louca, até que sentiu a menina se

mexendo ainda abraçada ao seu corpo, restaurando sua sanidade.

Rapidamente tirou os fones e o tecido que cobria seus olhos e a beijou. A

garotinha não entendia nada, e com o mesmo amor devolvia o abraço.

— Estamos bem? — Perguntou baixinho quase em suspiro.

— Sim, linda, sempre estivemos, agora não devemos fazer barulho, fecha

os olhos.

— Mas…

— Shhh… está tudo bem, logo vamos para casa. — Voltou a pegá-la em

seus braços e se escondeu atrás de um parapeito que servia de refúgio.

— Dois metros e cinquenta centímetros… — sussurrou sabendo que a

estavam escutando — vai me pagar por isso, no entanto… obrigada, já não precisa

ligar para Annie, mas o chute na bunda que vou…

— Com quem você fala? — Interrompeu-a Katiuska.

— Eh… eu… sozinha, desde quando está me ouvindo?

— Você nunca ligou a música — respondeu como desculpa e isso a fez rir,

a verdade é que parecia uma louca.

Minutos mais tarde, deixou-a sentada e caminhou até borda. As coisas

ainda estavam complicadas, estava cheio de policiais, caminhões de bombeiros e

ambulâncias, mas elas tinham que descer, sabia que Misha a estava procurando,

pelo menos seus parceiros sabiam que estava bem, e embora soubesse que a única

coisa que eles queriam era levá-la para casa, não podiam, estava com a garotinha.
Voltou a pegá-la em seus braços, mas desta vez foi um pouco mais difícil,

seu ombro doía e claro, tinha uma ferida grande aberta que, além disso, sangrava

profusamente. E para terminar, agora mancava.

Começou a descer os sete andares com bastante dificuldade, a única coisa

que a confortava era escutar a respiração calma da garotinha como um ronrono

em seu pescoço.

***************

Misha acabava de descer do carro do vor, e apesar da ordem para partir

com ele, o russo desobedeceu. Estava na parte traseira do prédio, ou do que

restava da construção, as esperando, mas estava claro que Ira não tinha saído.

Com cuidado começou a rodeá-lo, a polícia já estava no lugar. Para

disfarçar pegou de um dos caminhões de bombeiros uma capa de chuva amarela,

mas nem sequer o cobria já que levava em sua mão direita uma metralhadora

PKM17 pronta para atirar.

A raiva o consumia, os atacaram em seus domínios, ele nem sequer

conseguia imaginar isso, apesar das advertências que tinham deixado. Sentia que

estava falhando e sabia a razão, era a mesma pela qual nesse momento parecia um

cão raivoso tentando encontrá-la, mas agora a mataria por desobedecê-lo.

Caminhava procurando uma entrada, só se respirava fumaça no ambiente,

a situação era caótica, a polícia tinha vários árabes e russos algemados enquanto

vários corpos estavam sendo carregados em furgões especiais. A polícia não sabia

o que fazer com tantos presos, então os colocou em fila esperando a van que os

levaria à prisão. Misha olhava a vários de seus homens, que baixavam a cabeça

quando passava. Eles não sabiam o que era pior, se estarem detidos ou que seu

chefe olhasse para eles dessa maneira. Definitivamente, a segunda opção era a

17
pior, já que o russo logo se encarregaria deles, inclusive alguns teriam preferido

morrer no incêndio antes de decepcionar Misha ou a seu vor.

Alguns corpos estavam cobertos, eram pequenos, mas ele não olhava para

nenhum. Algo dentro dele, que se supunha que era seu coração, lhe dizia que

estavam vivas. Não era um homem de crenças, mas desta vez estava acreditando.

Escondeu um pouco melhor a arma, cobrindo-a com a capa amarela, e

ficou perto do capitão dos bombeiros para poder escutar o que estavam falando e

assim obter informações.

— Se alguém estivesse vivo, a fumaça o sufocou ou o fogo o queimou. E

nenhum desses homens disse o que estavam fazendo lá dentro.

Apertou mais a metralhadora contra seu corpo, queria agarrar esse homem

com suas próprias mãos e obrigá-lo a entrar no prédio, era um bombeiro! Não

podia desistir.

Não queria continuar perdendo tempo. Caminhou às pressas procurando

uma entrada, se o ataque ocorreu pela porta principal, a parte traseira devia lhe

ser útil. Precisava manter a cabeça fria e seus pensamentos em ordem, não podia

perder o controle e repetia para si mesmo que Ira era uma mulher esperta, que

provavelmente encontrou uma saída, mas como? Qual? Se não a encontrasse com

vida, já tinha forjado um novo objetivo em sua vida.

Sabia perfeitamente como as bratvas agiam e que isto era uma vingança de

pleno direito, sua mente já estava idealizando vários planos para atacá-los. Já

entrou em contato com alguns de seus homens, que o esperavam no lugar secreto,

mas não chegaria sozinho.

Não importava o quanto tentasse, não encontrava nenhuma entrada, até

que de repente ao longe escutou o grito de um velho que pedia ajuda para uma

mulher e sua filha. Não provinha do lugar do caos, mas alguma coisa o fez se

virar, e ao fazê-lo a viu.


Que o velho gritasse não era bom, atrairia os paramédicos e ele se

asseguraria de que ninguém tocasse em sua mulher.

Misha mudou de direção caminhando rápido, furioso e calmo, tudo ao

mesmo tempo, já não se importava que vissem a arma. Enquanto se aproximava

notava como Ira tentava se afastar do velho, mas com cada passo que dava perdia

um pouco mais as forças, inclusive mancava e seu braço sangrava.

Ela tentava caminhar o mais reta possível para não chamar atenção, mas

agora era difícil até mesmo olhar para cima enquanto procurava seus parceiros

para fazer contato visual e dizer que estava bem, estava fazendo um esforço

sobre-humano. De repente, como se nada mais existisse e o caos, a fumaça, os

gritos, e tudo fosse irreal, viu como agilmente Misha, o russo, caminhava em

direção a ela com uma metralhadora na mão, semblante sério e um rosto que não

mostrava compaixão alguma por ninguém, como se tudo o que estivesse

acontecendo fosse algo normal, rotineiro.

Ambos se olharam e nunca se sentiu tão calma, até que Misha a abraçou

forte e pegou Katiuska para que não carregasse peso.

— Não disse para sair pelos fundos…

— E você ainda não entendeu que não me dá ordens — foi a última coisa

que disse antes de desmaiar em seus braços.

*************

Em frente à calçada, Brad apertava tão forte o volante da van que inclusive

os nódulos de seus dedos estavam brancos, golpeou algumas vezes o painel e,

apesar de xingar mil vezes, nada o acalmou, era ele quem deveria encontrá-la,

protegê-la e… cuidá-la.

Os rapazes o olhavam sem dizer nada, sabiam perfeitamente como se

sentia, eles sentiam o mesmo, queriam sua parceira com eles, mas entendiam que

dadas as circunstâncias, não era possível.


O único que verdadeiramente o entendia, porque sabia realmente como se

sentia e a verdadeira impotência que estava sentindo, era Jeff, que também não

desviava a vista de sua amiga, que agora era carregada nos braços pelo russo para

um carro, partindo para um rumo desconhecido. Não podiam segui-lo, esse russo

era uma máquina de guerra, e se antes tinha os cinco sentidos aguçados, agora

certamente estava muito mais atento a tudo e a todos que se aproximassem, por

menor que fosse, ele saberia, e para piorar, o colar só tinha bateria para mais duas

horas, mas isso ele ainda não havia contado para seus parceiros.

A única coisa que tranquilizava Jeff era que sua amiga estava viva, e

mesmo não querendo admitir, não poderia estar mais segura do que com o russo.

— Um cão não será suficiente… — murmurou para si mesmo, sendo

observado pelo Peter, que não entendeu nada.


Capítulo 07

Ira lentamente começou a recuperar os sentidos, e a capacidade de pensar

e, apesar de que estava sumida como em uma espécie de nebulosa, tentava abrir

os olhos.

O primeiro que sentiu foi aroma de fumaça. Isso lhe apertou a garganta e a

fez respirar com muita força, fazendo-a tossir. Sentia que se afogava e, apesar de

estar quase acordada, via-se envolta em chamas, rodeada por essa fumaça negra

que agora cheirava perfeitamente bem.

De um golpe se sentou e viu que estava dentro de uma habitação com

paredes de madeira, iluminada apenas por uma luz tênue proveniente da

mesinha de cabeceira. O primeiro que fez foi levar a mão ao pescoço.

«Merda! Não tenho o colar», gritou em seu interior.

E foi nesse momento quando se precaveu que estava deitada em uma

cama. Atirou da colcha a um lado para ficar de pé e averiguar onde estava e, ante

o primeiro passo que deu, caiu violentamente sentindo uma dor que jamais antes

havia sentido.

— Ai! — chiou levando as mãos à planta dos pés, olhando com horror que

usava um moletom e nada mais. Também percebeu que tinha os pés enfaixados e

as feridas cuidadas, mas seu corpo estava sujo, a fuligem cobria grande parte dele.

A porta se abriu quando ainda estava caída no chão.

— O que faz levantada? — interrogou-a um homem que ela jamais tinha

visto em sua vida.

— Onde estou? Quem é você? — Perguntou atropelando-se com as

palavras.

— Calma, sou o médico que te curou — esclareceu apontando a seus pés.

— Tinha vidro e alguns metais cravados, tirei-os e curei seu ombro — explicou

quando se agachava para ajudá-la a levantar-se.


— Não me toque! — exclamou assustada apoiando o pé para levantar-se,

sem êxito. — Merda! — voltou a chiar de dor.

— Calma, a dor passará em umas horas, tinha os pés completamente

feridos.

— Onde está Katiuska?

— Ela está bem, está dormindo.

— Quanto tempo faz que estou aqui?

— Várias horas…

— Impossível — o cortou antes que continuasse.

— Desmaiou, assim que te sedamos para poder te curar.

— Quanto tempo?

— Aproximadamente leva seis horas dormindo.

— Maldição! — chiou e em silêncio pensou nos meninos, levando

novamente a mão ao pescoço.

O médico se assustou e decidiu sair por ajuda, era claro que ela não ia

raciocinar com ele. Deixou-a sozinha e minutos depois a porta voltou a se abrir.

Misha a encontrou deitada com as mãos tampando a cara, e ao vê-la, essa

imagem lhe produziu um calafrio. Ternura?

— Ira… — falou baixinho, — o que faz no chão?

— Não posso caminhar — respondeu sem olhá-lo nem se mover.

Com um suspiro que não soube de que parte de seu ser vinha, agachou

tomando-a nos braços para deixá-la de novo sobre a cama.

— Assim está melhor?

Negou com a cabeça.

— Necessito meu… colar, minha mãe me deu de presente — mentiu

nervosa.
Misha sorriu e sem falar se aproximou até uma cômoda que estava ao

fundo, abriu uma gaveta e o entregou. Ira, em um ato reflexo, o atou ao pescoço e

finalmente pôde suspirar.

— Obrigada…

— Necessita algo mais?

— Ir para minha casa, tomar um banho… preciso tirar este cheiro de mim.

Agora foi Misha quem negou com a cabeça.

— Como não?! Claro que sim! — chiou e tentou levantar-se de novo. Esteve

a ponto de cair, se não tivesse sido pelos braços fortes do russo, que a retiveram.

— Disse que não, amanhã falaremos. Agora dormirá, são três da

madrugada e…

— Não pode me manter aqui! Não sou de sua propriedade! E muito menos

sua…

— Cale-se, Ira — a cortou enérgico. Por que tudo lhe resultava tão difícil

com ela? Por que não só acatava a ordem e pronto? Qualquer mulher teria estado

feliz, exceto… ela. — Se não puder dormir, direi ao médico que te sedar outra vez.

— Mas você está…

Não terminou de falar quando Misha, em um gesto rápido, indicou-lhe ao

homem que lhe injetasse um sonífero, e em coisa de segundos ela dormiu. Logo

lhe ordenou que partisse.

Depois de terminar de acomodá-la ficou um bom momento observando-a.

O que tinha essa mulher que não a podia tirar da cabeça? Não quis pensar muito

mais, se não aumentaria o saco descomunal já cheio que possuía, como se isso

fosse possível.

Preocupou-se de limpá-la cuidadosamente, inclusive reprimiu as vontades

de tocá-la, e enquanto o fazia se fixou em várias marcas diminutas que tinha em

sua perna, mas uma lhe chamou poderosamente a atenção. Era maior e estava em

sua panturrilha, parecia uma ferida de bala e isso sim achou estranho.
Decidiu deixar de olhá-la e voltar para o seu quarto. Ao sair, Joshua, o

médico, perguntou-lhe como estava e ele em resposta só bufou. Sim,

definitivamente, essa mulher tinha algo que atraía aos homens como abelhas ao

mel.

À manhã seguinte, quando Emily despertou, desviou a vista a seus pés

enfaixados, com cuidado os tocou e notou que a dor era bastante suportável, e

isso a alegrou.

— Ótimo, posso caminhar — sussurrou e logo olhando o corpo franziu o

cenho, agora estava totalmente limpa e com uma camiseta folgada que claramente

não era dela. Imediatamente pensou que o mais provável era que Misha a tinha

trocado e sentiu um grande calafrio. Que mais tinha acontecido enquanto dormia?

Não se podia confiar nele, e menos depois de havê-la sedado sem nenhuma

explicação.

Com a mente um pouco mais acalmada, começou a estudar o lugar onde

estava. Tinha que sair daí, com certeza os moços a estariam procurando e

esperava que isso não significasse arruinar a missão.

Com cuidado ficou de pé e foi então quando escutou o chiar de uns passos

fora do quarto.

Voltou para a cama em seguida, seguro alguém apareceria pela porta a

qualquer momento. Com o coração pulsando rapidamente, tentou acalmar sua

respiração para que parecesse que ainda estava sob o efeito do tranquilizador.

Pelo modo de caminhar soube que não era o russo, ele pisava forte e

seguro, em troca os passos que escutava eram lentos, inclusive podia dizer que

inseguros, e o comprovou quando este lhe falou. Era a voz do médico. Sentou-se

na cama e a examinou protocolarmente. Primeiro tocou seu pescoço para sentir

seu pulso e enquanto a revisava tentou mentalizar-se para controlar seu estado,

mas…
De repente sentiu como a mão do Joshua começava a descer por seu

pescoço até alojar-se em seu peito direito. A única coisa que tinha vontade era de

lhe tirar a mão de um só tapa. Sabia que não podia, inclusive esteve a ponto de

perder o controle quando lhe beliscou o mamilo.

— Agora sei por que Misha cuida tanto de você, puta, vale seu peso em

rublos.

Emily sentiu que seu estômago se revolvia quando sua mão seguiu

baixando, estava a ponto de desmascarar-se quando escutou que a porta se abriu.

— Joshua, desça, Misha precisa falar com você agora, é a menina.

O médico, ao sentir seu companheiro, amaldiçoou em voz baixa, mas se

Misha o necessitava, devia ir, a ele não podia fazê-lo esperar, menos depois do

que tinha acontecido a noite anterior; vários homens tinham pago caro o engano

de não ter o restaurante resguardado, na bratva estavam pagando justos por

pecadores sem olhares.

— Logo seguirei contigo, o dia é comprido… — comentou antes de ir-se

definitivamente do quarto.

Ao sentir a porta fechar-se, Emily golpeou duramente a cama e sufocou o

grito de raiva que começou a emanar desde seu interior. Agora sim que tinha que

ir embora, não só por seus amigos, mas sim por sua própria segurança.

Aproximou-se da janela para tentar abri-la e estava fechada. Porra! Utilizou

toda sua potência e nada. Estava tentando com todas suas forças quando viu

carros blindados do lado de fora e logo vários homens entraram, para segundos

depois perdê-los de vista no caminho nevado que descia a colina. Não sabia se

Misha estava com eles, pois todos estavam vestidos de negro, o que sim sabia era

que o infame do médico não os acompanhava, já que todos os homens eram de

compleição ampla e ele era magro.

Emily estava perdendo o controle. Contava mentalmente os segundos e seu

coração estava a ponto de sair pela boca. Em qualquer momento ele poderia
entrar e, embora lutaria até o final, sabia que bastava uma só espetada para deixá-

la sem vontade, completamente a sua mercê.

Em um intento desesperado tirou o lençol, enrolando-o no punho, para

golpear com todas as suas forças ao vidro, mas nada aconteceu. Uma, duas e três

vezes tentou, mas o único que conseguiu foi quebrar as juntas dos dedos.

Frustrada, deixou-se cair sobre seus calcanhares e por uns minutos tentou

acalmar-se. Do lado de fora estava nevando e a pouca luz do dia se estava

ocultando. Nisso estava quando sentiu que a porta voltava a abrir-se, tomando-a

por surpresa. Sentiu que devia defender-se, mas como?! De repente viu que quão

único a poderia ajudar era a pequena mesinha de cabeceira. Tomou com força ao

mesmo tempo que se protegia no canto da porta.

Com lentidão, a porta se abriu e um homem ingressou, detendo-se

imediatamente ao não ver ninguém na cama.

Emily, ao notar seu grave engano, não esperou que ele entrasse

completamente, era agora ou nunca! Levantou a mesinha e se inclinou para dar

mais força ao golpe.

Mas nesse momento, como pressentindo o que vinha, o homem se agachou

e, girando sobre seu corpo, em um movimento ágil agarrou-a pelo braço com

força, detendo a investida.

Só um grito gutural foi o que emanou do interior da agente, fazendo que o

homem rapidamente tampasse sua boca. Ela em resposta o mordeu, mas não

contava que, embora sabia que estava deixando uma marca, inclusive podia

chegar a lhe tirar um pedaço de pele. Este a empurrou contra a parede, exercendo

a pressão justa para não machucá-la, mas sim para detê-la.

— Mi… Misha? — perguntou assombrada, tremendo, assustada, mas não

por isso deixou de morder ou lutar.

— É obvio, mulher! Quem mais poderia ser? Sou eu… — informou

agarrando-a pelos ombros. —Olhe para mim.


— Pensei… pensei que era… — gaguejou e logo, recuperando o sentido,

levantou o queixo e respondeu. — Nada, nada.

— Está bem, estamos a salvo — disse com a voz muito doce para um

homem como ele, — nada passará aqui. Devo ir à cidade, deixarei Joshua

encarregado por você.

— Não! — Chiou e suas pupilas se dilataram imediatamente pelo medo e

começou a tremer, — por favor, não.

Misha, ao vê-la assim, entendeu imediatamente que algo acontecia, ela não

era covarde e jamais a tinha visto tremer. Sem sequer lhe perguntar a deixou na

cama e rapidamente desceu em busca de alguém que sabia que sim lhe daria uma

explicação.

Joshua, que estava sentado no salão, apenas o viu baixar e soube que algo

acontecia, não necessitou palavras para entendê-lo, já que via a fúria em seus

olhos vermelhos como se fora o demônio disseram.

— Não, não fiz nada — se defendeu o médico, enquanto Misha o olhava

impassível com as aletas do nariz dilatadas.

Sem sequer utilizar muita força o dobrou e pressionando dois de seus

dedos em seu ombro ele se ajoelhou.

Joshua agarrou ar e com uma careta de dor lhe falou.

— O que a puta disse é mentira!

Essa era a última confirmação que necessitava para saber que sim, havia

acontecido algo. Abriu e fechou sua mão algumas vezes antes de bater com tudo

na cara de seu agora inimigo.

— Essa puta como você diz… — bufou Misha baixando a voz até convertê-

la em um sussurrou, — não me disse nada.

O médico empalideceu nesse instante, delatou-se sozinho e ante isso, e com

a única possibilidade de salvar-se, decidiu trocar de atitude.

— Eu só a toquei, pensei que estava dormindo, mas não lhe fiz nada!
— Sabendo que essa mulher me pertence, desobedeceu-me! — Grunhiu

com o olhar severo.

Joshua baixou os olhos assumindo a culpa, como se isso fosse livrá-lo do

castigo de seu chefe.

— O que você esperava conseguir? — Perguntou logo depois de um longo

momento.

— Nada… — sussurrou com a voz entrecortada.

— Nada! E devo acreditar que você está tremendo por nada? Quer que eu

tire a informação de outra maneira? — Demandou agachando-se para ficar a sua

altura e logo em um sussurro prosseguiu. — Estou esperando sua resposta.

— É uma puta! Só queria prová-la! — Gritou a todo pulmão.

Misha não lhe respondeu nada e, com uma calma incomum, deu dois

passos para trás. O silêncio no salão foi sepulcral. Parecia que não havia ninguém

mais, quando em realidade havia três pares de olhos vendo-os.

— Joshua, Joshua — repetiu caminhando pelo salão, sem deixar de olhá-lo,

— apenas te autorizei a se encarregar das feridas dessa mulher. Mas em vez disso

decidiu desobedecer a uma simples regra, e a mais importante de todas. O

respeito pela mulher de um companheiro…

— Misha, imploro que você me perdoe — o interrompeu começando a

falar, atropelando-se com suas palavras, — nunca mais voltarei a tocá-la, nem

sequer a olhá-la se você…

Nesse momento o russo se volteou com brutalidade e o olhou com cólera,

fazendo-o calar com apenas um gesto. Ele já tinha ouvido muito, e se não

suportava algo era a traição.

— Joshua Ilivich, você só tinha que respeitar as regras e em vez disso,

acreditando que ela dormia, você se aproveitou. Passou sobre mim e nem sequer

te importou, falhaste-me e por isso te declaro culpado de traição.


Nesse momento Joshua se levantou e tentou atacá-lo, mas antes de dar o

primeiro passo, dois homens o sustentaram pelos braços.

Misha nem sequer se moveu ante o tumulto, demonstrando porque era a

mão direita do vor, não titubeava ante nada e parecia como se fora uma máquina

e não um ser humano com sangue correndo por suas veias.

— Levo oito anos trabalhando para o vor! — Gritou desesperado tentando

encontrar apoio em seus companheiros, mas estes baixaram a cabeça. — Sou o

único que sabe seu segredo! — grunhiu em tom ameaçador.

Ao escutá-lo, Misha retrocedeu dois passos até situar-se em frente a ele.

— Guarda silêncio. Aceite seu castigo como um homem, não como um

covarde. Nada do que diga alterará este resultado.

Nesse momento as portas do salão se abriram e o olhar do médico se

iluminou, recuperando a esperança ao ver quem entrava.

— Senhor! — exclamou fazendo com que todos os homens se

endireitassem diante do vor, que acabava de chegar.

— O que está acontecendo aqui? — grunhiu olhando a Misha, mas antes de

que ele pudesse responder, Joshua se apressou para acusá-lo.

— Está me condenando por querer me aproveitar da puta que está no

andar de cima, senhor.

— Isso é verdade? — Perguntou a seu amigo, que tinha tanta raiva que

apenas assentiu. Que Vadik estivesse aí só pioraria as coisas.

— Disse a ele que eu era importante na organização — prosseguiu com

traição, sentindo-se vencedor ante a mão direita de seu vor, — que eu era o único

que sabia seu segredo.

Nesse momento a cara do vor mudou e com sigilo se aproximou.

— Vadik — falou Misha, mas foi sossegado com um simples gesto de

levantamento de punho, e com outro gesto seus homens se aproximaram.


— Soltem-no — ordenou com o olhar fixo em seus olhos. — Os segredos —

suspirou arregaçando o punho de sua camisa, — deixam de ser segredos quando

se esboça a existência deles, mas como em meu caso quero que este siga sendo

um, você o guardará na tumba.

— Se… senhor… — gaguejou abrindo muito os olhos, — servi-lhe

fielmente todos estes anos, mereço uma oportunidade! — Pediu dando-se conta

de seu terrível engano, ter falado demais. — Lhe suplico misericórdia.

Vadik, olhando-o com frieza, respondeu:

— Adula-me que me compare com Deus me pedindo misericórdia, mas

não te confunda, eu não sou ele — comentou enquanto com o olhar ordenava a

seus homens que o capturassem.

Os homens obedeceram, enquanto Joshua seguia suplicando por perdão.

— Sempre estive às suas ordens, sem minha ajuda Anastasia não teria

morrido! Isto é injusto! Tudo isto é por uma puta! Que vale uma puta comparado

com tudo o que eu tenho feito pela bratva?!

— Sem a lealdade, esta organização não existiria — reconheceu movendo a

cabeça de um lado a outro, — assim, além de ser um imbecil, está enganado, isto é

para dar uma lição — sussurrou em seu ouvido.

— Por favor… — suplicou. — Desculpe-me.

— Não sei o que significa essa palavra — disse e se volteou para olhar a

seus homens e deteve o olhar uns segundos em Misha, queria assegurar-se que

todos aprendessem a lição, e quando o fez, com um ágil movimento se girou e,

tirando uma adaga de sua calça, cravou-a diretamente no coração do Ilivich e

sussurrou:

— Segredos, são segredos. — Logo, com uma calma incrível, dirigiu-se a

um dos homens que sustentava ao médico. — Estes homens poderiam ter

guardado o segredo, se não tivessem morrido — sentenciou.


Nesse momento, os guarda-costas tiraram suas armas e a sangue frio

dispararam aos homens que anteriormente tinham escutado toda a conversa.

— Misha — falou, — agora quero escutar suas explicações — espetou e

imediatamente, com cara de asco, dirigiu-se a seus homens. — Vocês limpem este

desperdício, odeio ver sangue fresco.

Em silêncio, os dois homens subiram e se trancaram em um quarto. O

primeiro em falar foi o vor, com um tom de advertência que não admitia

discussão.

— Espero que saiba o que está fazendo com essa mulher, ou será sua

perdição.

— Essa mulher salvou a Katiuska.

— E é por isso que estou perdoando sua vida Misha, mas não te confunda.

— Vadik…

— Silêncio, agora temos que trabalhar e ver como caralhos fomos atacados

em terreno neutro.

— Já tenho uma teoria — assegurou e começou a lhe contar tudo o que em

poucas horas tinha descoberto. Agora eles dois se entrelaçavam em uma animada

conversação de vingança, como se nada tivesse acontecido minutos anteriores no

primeiro piso dessa casa.

*************

Uns metros mais à frente, Emily tampava a própria boca com o punho.

Ante os gritos tinha decidido sair, e ao fazê-lo ficou paralisada com a frieza desses

homens. Sabia que eram perigosos e que tomavam represálias se se rompiam seus

códigos, mas jamais imaginou até que ponto. Voltou em completo sigilo ao quarto

e quando esteve dentro se desmoronou, tremendo como uma folha de papel.

Estava totalmente perdida se Misha ou o vor a descobrissem, seu instinto de

sobrevivência lhe gritava que tinha que sair dali, enquanto sua veia de polícia lhe
exigia chegar ao final do caso. Qual era o segredo pelo qual o vor tinha matado a

quatro homens sem titubear? Quem era Anastasia?

Esgotada, e sem saber quanto tempo transcorreu, no mesmo lugar em que

estava apoiada dormiu.

De repente sentiu como uns fortes braços a levantavam do chão, levando-a

novamente até a cama, e o que viu nesses olhos não gostou.

Eram uns olhos inertes, sem expressão, nada se podia ler neles. Quando

esteve convexo sobre ela, começou a lhe reprovar:

— Pode-me explicar por que merda não se defendeu?

— O que está dizendo? — perguntou sem entendê-lo. Sentia-se indefesa e

nem sequer se podia mover.

— Digo… porra! — resmungou entre dentes — que você deixou que

Joshua te tocasse — a repreendeu penetrando-a com o olhar, sem tirar a vista

desses lábios que tanto desejava beijar.

— Está louco!

— Não, não estou, sei perfeitamente que sabe se defender.

— Esse filho de puta queria me estuprar! Pensava que estava inconsciente!

— exclamou com tanta força que conseguiu separar alguns centímetros do russo.

— Então reconhece que estava acordada — vaiou furioso.

— E como queria que me defendesse, Misha?! Anda, me diga! Ele podia me

sedar a qualquer momento e eu teria ficado à mercê dele, como queria que me

defendesse?! Com o que?! Esse desgraçado já tinha me cravado por tua ordem, ou

não o recorda?

— Sim, Ira, me lembro — afirmou ao lembrar-se, arrependendo-se de suas

palavras.

— Por acaso acredita que eu queria que me tocasse? — alegou com raiva

mesclada de pena. — Me tocou, Misha! E… e se não… o tivessem vindo a


procurar… não sei o que teria acontecido! — Gritou assustada. — Não queria que

me passasse nada!

Misha, sem duvidar, a tomou com força e a segurou até ficar

completamente pego a ela. Em coisa de segundos Ira aceitou seu amparo e se

derrubou, entregando-se a seus braços como se lhe estivesse pedindo ajuda.

— Eu não gosto do que acontece aqui, não quero estar aqui, não sei nem

onde estou…

— Shhh, calma, tudo está bem — sussurrou lhe acariciando o rosto. Não

recordava quando havia tocado a uma mulher assim, com tanta ternura. A

verdade é que nunca havia sentido nada parecido, não era apenas desejo, era

muito mais e isso, apesar de ser um homem forte, aterrorizava lhe. — Aqui não

acontecerá nada contigo, fique calma, por favor… eu cuidarei de você.

— Não quero estar aqui! Quero ir para a minha casa — suplicou do mais

profundo de seu coração. Era a absoluta verdade, não queria seguir na Rússia,

queria voltar com seus pais, estava totalmente ultrapassada nesse momento.

— Eu cuidarei de você — assegurou apoiando a frente sobre a sua.

— Não! Maldição! Não! Você precisamente não pode dizer isso a mim!

— Sim posso, e o farei — sussurrou sem deixar de olhá-la, sentindo um

amontoado de sensações em seu interior.

— Claro que pode, se para ti sou uma puta pela qual pode pagar! E… e o

pior é que, apesar disso, quero que seja o único homem que me toque —

confessou abatida fechando os olhos, sentindo-se humilhada por seus próprios

desejos.

Misha se sentou sobre ela.

— Olhe para mim — lhe ordenou e quando o fez prosseguiu com um

sorriso malévolo, — não te fodo porque é uma puta, faço porque eu gosto e não

permitirei que outro o faça.

— Mas você sempre me diz que…


— Que se dane o que eu te disse, que se dane o que pense o resto, que se

dane a organização, que dane tudo!

Nesse momento, e ignorando todas os alertas de sua mente, beijou-a como

se estivesse possuído pelo próprio diabo. Talvez se equivocasse e Vadik tinha

razão, essa mulher seria sua perdição, mas nesse momento não lhe importava

nada, só queria possui-la como homem, ele já tinha decidido que Ira era sua desde

o primeiro momento em que a viu.

Era tanto o ardor do momento que ela deixou de raciocinar, se dedicou

apenas a sentir como o russo fazia mil e uma coisas de uma vez, apenas era

consciente da realidade já que estava sentindo coisas que antes jamais havia

sentido. Suas mãos eram exigentes, igual a suas carícias, tocavam cada lugar de

seu corpo sem sequer lhe pedir permissão, com tal intensidade que embora

quisesse não poderia se negar.

Em um rápido movimento, Ira ficou sobre ele e foi o instante em que pôde

deleitar-se e sentir-se poderosa. Era como ter um caramelo e estava disposta a

desfrutá-lo e, como se fora uma menina pequena, começou a comer-lhe inteiro.

Os sons que provinham do interior desse homem, longe de assustá-la, a

estimulavam e quando este já não pôde mais a tomou pelos quadris, baixando-a

para seu corpo. Agora desfrutaria dele.

Era tanto o calor que emanava desses dois corpos nus que eram capazes de

derreter a neve que se encontrava ao redor da casa.

A situação era irreal. A noite anterior tinham estado a ponto de morrer pela

explosão de uma bomba e agora, como se o mundo estivesse em calma, estavam

se entregando aos prazeres carnais da vida, como se fossem simplesmente duas

pessoas normais, sem nada a perder. Que equivocados estavam! Embora de todas

as formas, e como se fora um radar, Misha tinha tudo controlado, sabia e era

consciente de cada palavra que lhe dizia, porque se tinha certeza de algo, era que

não a deixaria ir.


— O que faz comigo, devochka? — perguntou-lhe enquanto lambia e

puxava sua orelha ao mesmo tempo.

— O mesmo que você faz comigo — respondeu enquanto tomava ar, sentia

que lhe escapava dos pulmões, — mas agora não é importante, quero que me foda

como só você sabe fazer — pediu sossegando-o com um beijo. Não queria falar,

não queria pensar em nada, só queria entregar-se, perder-se nele, sobretudo,

esquecer.

Depois de vários segundos Misha pôde reagir a essas palavras, a verdade é

que essa voz rouca, como o mesmo diabo lhe nublava até o pensamento.

— E como te fodo, Ira?

— Como uma besta, russo, e das piores.

Ante essas palavras se transformou na besta que ela queria ter. Abriu-lhe as

pernas e colocou suas mãos sob seu traseiro, aproximando-a ainda mais, para

penetrá-la de uma só vez.

Ira começou a gemer ao ritmo de seus movimentos enquanto suas costas se

arqueavam de prazer. Seus quadris empurravam com movimentos enérgicos, era

como uma guerra em que ambos queriam sair vitoriosos. Quando Misha

finalmente ejaculou seguiu investindo algumas vezes mais, até cair exausto sobre

ela.

—Você se rende? — Afastou-lhe o cabelo, mas o que não esperava era que,

em menos de um segundo, Misha a girou, colocando-a de costas para ele. Se ela

acreditava que isso tinha sido tudo, estava muito equivocada.

— Não conheço essa palavra — lhe respondeu e com sua mão esquerda

começou a percorrê-la de novo. Sem vacilar nem um segundo mais, voltou a

investi-la até o fundo, de tal maneira que seus testículos ficaram pegos ao traseiro

dela.
Ira ao senti-lo tentou endireitar-se, mas foi impossível. A mão da Misha

pressionava suas costas, enquanto com a outra começava a lhe acariciar o clitóris,

ao mesmo tempo que a penetrava por trás.

Seus sons se escutavam por toda a habitação, toda a paixão contida

começou a transbordar sem controle, seus quadris se balançavam violentamente

para frente e para trás. Enquanto Ira sentia que se partia literalmente em duas,

desfrutando dessa paixão desenfreada que a levava a uma galáxia repleta de

estrelas.

Misha estava desfrutando como nunca, tudo o que sentia ela o estava

fazendo sentir também, tinha estado muito tempo atormentado esperando algo

como aquilo, assim agora não ficaria satisfeito facilmente. A cada queixa ou

suspiro dela ele recuperava ainda mais as forças, não a deixaria até conseguir que

ela explodisse como nunca tinha feito em sua vida. Ambos sabiam.

Em coisa de segundos, quando os experientes dedos do russo começaram

um novo trabalho, e entre investidas mais prolongadas, rápidas, e bruscas, o

corpo de Ira se começou a contorcer enquanto chocava seu traseiro contra o

membro ereto dele, que sentiu que com um estremecimento se descarregava,

levando-a também em um estalo pior do que tinha presenciado no dia anterior.

Desabou-se para trás com a cabeça apoiada em seu ombro, enquanto as

convulsões ainda lhe percorriam o corpo de forma lenta, como se fora uma

agradável tortura.

Durante um momento ficaram olhando aos olhos, até que ele a empurrou

brandamente à cama e se volteou para a janela, como se estivesse liberando uma

batalha interior. Ira sentiu que devia falar algo, lhe perguntar algo, mas não se

atrevia. Se centrou apenas em acalmar os batimentos de seu coração e recuperar

sua prudência. Ela sabia perfeitamente o que tinha feito, tinha entregado algo que

jamais deveria entregar. Era o princípio básico de uma missão encoberta, mas o
que tinha feito estava acima de todos os limites. Agora sim necessitaria um cão,

disso sim estava segura.

Quando se sentiu tranquila e muito consciente do que fazia se girou para

ele, que seguia com o olhar perdido em um ponto inexistente, inclinou-se e o

beijou no ombro. Como o russo não se moveu, a agente seguiu descendo por seu

peito nu, beijando cada uma de suas tatuagens, memorizando cada uma delas.

Beijá-lo não era apenas um prazer para a vista, também para seus lábios. Misha

possuía um tórax esculpido à mão, sem pelos nem marcas. Tudo nesse corpo era

duro, parecia uma estátua. Enquanto descia para sua cintura, sentiu como seu

membro se agitava sob os lençóis. Longe de deter seu percurso, prosseguiu com

um pícaro sorriso na cara.

«Se for ter que comprar um cão, que valha o esforço», pensou e com uma mão

tomou seu pênis já ereto. Sem apartar o olhar dele, e sem esperar uma

autorização, beijou-o da ponta até a base. Logo seguiu com seu testículo, e quando

ele gemeu sentiu que chegava à glória, sentia-se poderosa, e como não se sentiria?

Sim, tinha-o a sua completa disposição.

Tudo o que antes o russo se recriminou se esfumou em coisa de segundos.

Jamais se tinha permitido tanto, e agora o estava fazendo de novo. Separou

ligeiramente as pernas para lhe dar livre acesso a tudo o que ela quisesse. De

repente sentiu como essa boca carnuda começava a sugá-lo de uma maneira

sublime, obrigando-o a fazer provisão de todo seu autocontrole, permitindo-se

sentir.

Ira lentamente se deslizou por cima dele com a suavidade de um gato até

situar-se sobre suas pernas, e então escutou a voz rouca e aveludada.

— Pode possuir cada parte de meu corpo e eu não saberia como te deter,

Ira.

Ao escutar aquelas palavras ela o olhou assombrada, sentindo que se

paralisava ao momento.
— Misha…

Em resposta a isso o russo, com um sorriso doce, acariciou sua cara com

ternura, ajudando-a a acomodar-se, para que finalmente fora ela a que com

lentidão descesse por seu membro até o ter completamente dentro, como se

fossem um só ser.

Ira encolheu-se um pouco quando chegou ao final, jamais tinham estado

nessa posição. Seu pênis era muito grande e sua vagina muito estreita e deliciosa

para ele.

Quando se acomodou, começou a deslizar-se para frente e atrás. Com as

mãos se agarrou a seu peito e começou a cavalgar, enquanto ele a ajudava com as

mãos nos quadris e começou a entregar-se, enquanto sentia como em cada salto se

introduzia um pouco mais, entre gemidos e sons de prazer, até que o escutou

gritar a todo pulmão, e então se descarregou em seu interior.

Mas essa vez Misha o fez olhando-a aos olhos, beijando-a com sentimentos,

e quando a tombou a seu lado, ela soube que dormiriam. Doíam-lhe os joelhos,

sentia cada parte de seu corpo, mas estava satisfeita, feliz e, embora estivesse

cansada, notou como ele subia a colcha e depois de um quente beijo sussurrava

em sua fronte:

— Sabe o que tem feito, verdade?

— Dei-te um bom orgasmo? — respondeu lhe tirando importância a sua

pergunta. Sabia que essa não era a resposta.

— Tem certeza? — inquiriu levantando uma sobrancelha, surpreso. Não

esperava essa frieza e se incomodou.

— Sabe o que sou e o que faço.

— Desde hoje as coisas mudaram.

— Não… não é necessário que mude nada.


— Faz tempo que desejava que as coisas mudassem — reconheceu

esboçando um sorriso de sinceridade que removeu até o último dos alicerces de

Ira. A situação estava se tornando sombria para ela.

— Não nos conhecemos a tanto tempo — brincou fazendo-o perder a

paciência.

— Suficiente para mim — grunhiu segurando-a ainda mais próximo, —

agora já não voltará a escapar.

Merda! Todos seus radares de alerta se acenderam. O que tinha feito?

— Não vou escapar — voltou a brincar tentando separar-se, — e você não

me dá ordens, eu não sou de sua propriedade.

— Agora sim, mulher — afirmou levando as mãos até seus glúteos,

massageando lhe como se fossem massa. — E sim me obedecerá.

— Está louco! Não sou de sua propriedade.

— Já paguei por ti.

— O que! — exclamou mais desesperada do que queria parecer, enquanto

os olhos da Misha a olhavam com satisfação e luxúria.

— Preferiria que o vor tivesse pagado por ti?

— Não! Nem ele, nem você, nem ninguém, eu sou livre! Livre!

— Pois já não é mais — sentenciou tomando-a pela nuca para que se

apoiasse em seu peito. Por que simplesmente não ficava feliz?

— Misha, eu…

— Não te dei permissão para falar — espetou com essa voz que não

admitia discussão alguma, e nesse momento, Emily Claxon soube que estava em

um verdadeiro problema. Como adagas de fogo cruzando os rostos de sua

equipe, de seus amigos e sobretudo a cara do Brad.

O que ia dizer a eles agora? E pensando nisso dormiu profundamente a seu

lado, sem sequer recordar porque estava na Rússia.


Tinham passado horas desde que ele tinha tomado uma drástica decisão

em sua vida, saltando-se assim todas e cada uma das regras que lhe tinham

ensinado. Talvez estivesse sendo egoísta pensando apenas nele, mas tinha uma

ilusão. Se tudo saía bem ele teria uma esperança, porque ao fim e ao cabo, a

esperança é o último que se perde. Só procuraria não a perder nesse intento.

Algo muito estranho, e que não acreditava, começou a forjar-se em seu

interior, algo para o que ninguém o tinha preparado jamais e, sentindo-se

estranho, fechou os olhos, embalando-a contra seu peito.

Sim, agora se sentia em paz. Nem sequer pensou em seu vor, em suas

obrigações, nem muito menos no massacre que poucas horas atrás tinha

acontecido no salão, já não lhe importava. Era tanto assim que nem sequer lhe

interessava o que a pobre de Ira havia feito para sobreviver. Talvez ela já tivesse

tido muitos homens, mas se de algo estava seguro era de que com ele desfrutava

como com nenhum e assim seguiria sendo.

Lá fora nevava com vontades e a tempestade de neve quase não deixava

ver nem a cinco centímetros de distância, mesmo assim dentro dessa habitação ela

tinha calor. despertou suada, estava completamente apanhada pelo braço

musculoso e relaxado do russo, que agora dormia. Parecia um homem totalmente

indefeso, nada mais longe da realidade.

Enquanto o acariciava, tratava de pôr a realidade em ordem e gerar um

plano de ação. Recordou o que seu grande amigo lhe dizia de sua mulher, da paz

que sempre experimentava com ela e desse sentimento tão atordoado do que ela

sempre se burlava. Mas agora sentia coisas, coisas que jamais antes experimentou.

Toda sua vida tinha lutado para ser uma agente reconhecida e salvar o mundo da

escória humana que o habitava, e precisamente agora estava desfrutando como

nunca de alguém que não era precisamente da equipe dos bons.

«Porra!», repreendeu-se internamente. Nunca tinha sido sonhadora e agora

até se imaginava caminhando de mãos dadas pela Praça Vermelha. Não, isso
estava mal, devia centrar-se na missão, no urânio e em descobrir o lugar exato da

entrega, mas… não queria que Misha saísse prejudicado, não queria traí-lo, mas

tampouco podia trair a sua equipe, seus princípios… Deus! O que ia fazer agora?

Separou-se com cuidado de não despertá-lo. Precisava fazê-lo, e

principalmente precisava voltar para sua equipe, ou de alguma forma, comunicar-

se com eles.

Ao levantar-se notou que Misha se movia procurando-a. Rapidamente pôs

sua mão sobre a dele que se tranquilizou como se fora um gato procurando calor.

Quando se assegurou de que podia caminhar e já não lhe doía tanto, saiu do

quarto encontrando-se com um corredor de madeira que tinha várias portas. O

silêncio era entristecedor, nem um só som. Seguiu caminhando e abrindo portas.

Teve que abrir três antes de encontrar um quarto com um computador. Vigiou

para que não houvesse ninguém e entrou.

Em menos de cinco segundos já tinha o aparelho ligado e seus dedos

voavam silenciosos pelo teclado. Não importava se existia conexão, tinha um

código que a conectava à rede de uma IP fantasma, uma que apenas os agentes

infiltrados conheciam. Escreveu uma rápida mensagem a seus amigos, lhes

dizendo que estava bem e que logo retornaria.

Ao terminar, tão silenciosa como entrou, saiu, mas uma porta entreaberta

lhe chamou a atenção, e seu instinto de gata curiosa tomou conta.

Caminhou sem deter-se até chegar à soleira e o que viu lhe enterneceu

tanto que correu sem olhar nada ao pequeno vulto que descansava sobre a cama.

— Ira! — chiou a pequena quando a viu aproximar-se, chamando a atenção

de seu cuidador, que até esse minuto dormia.

Antes de que chegasse à cama sentiu uma voz dura que a repreendia.

— O que acha que está fazendo aqui?

Ira se girou com uma falsa careta de desculpa na cara. Diante dela tinha ao

vor, que a olhava com reprovação.


— Senhor… eu…

— Não tem nada que fazer aqui — espetou tomando-a pelo braço, tirando-

a com brutalidade do lugar, — você já causou muitos problemas.

— Eu não fiz nada.

— Sim fez, e se dependesse de mim, puta de merda, estaria muito longe

daqui.

— Então deixe que vá para minha casa.

Nesse momento sua risada retumbou por todo o lugar, atraindo o olhar de

seus homens.

— Sou um homem de palavra e já dei a minha, embora acredite em mim,

contigo estou tentado a quebrá-la — sussurrou em seu ouvido.

— Vadik — Misha falou alto e claro, que vinha saindo do quarto somente

com a boxer posta.

O aludido levantou as mãos e com brutalidade a empurrou. Ira esteve a

ponto de cair de bruços ao chão.

— Vigia que não esteja rondando pela casa. Se você não fizer, farei eu da

minha forma e com meus métodos — advertiu, — e eu gostaria mais que nada

atar uma coleira em seu pescoço e vê-la arrastar-se como a cadela que é.

«Babaca sádico!», gritou Ira em seu interior, sentindo medo de suas palavras,

sentia-se desprotegida naquele lugar.

Antes de recuperar o equilíbrio por completo, Misha a tomou a contra

gosto, empurrando para o quarto.

— Que merda crê que fazia?

— Nada! Só caminhava e vi a porta de sua filha aberta. — Isso lhe

surpreendeu, mas não disse nada e, como ficou calado, ela seguiu falando. — Não

sabia nada dela e quando a vi quis ver como estava, não estava pululando por

nenhum lugar.
— Se não quiser usar uma coleira como disse o vor, será melhor que não

saia deste quarto.

— Está louco! — exclamou encarando-se a ele. — Eu não vou ficar aqui

porque não sou nem sua prisioneira nem sua escrava. Você não manda em mim!

E me importa uma merda o que você queira acreditar, quero ir para a minha casa,

agora! Quero sair daqui já! — gritou irritada.

Misha simplesmente a olhou, e depois de lamber os lábios e comer-lhe com

o olhar, falou-lhe.

— Tem razão, vamos para a minha casa.

— Não! A sua casa não, a minha casa.

Sem dizer nada mais saiu, deixando-a só para que se trocasse. Se em algo

ela tinha razão era que devia tirá-la dali, mas por seu próprio bem.
Capítulo 08

Se a casa em que estava trancada a considerava segura, ao lugar onde

entravam agora parecia um verdadeiro forte impenetrável. A primeira vez que

entrou não teve a mesma noção, já que agora tinha luz do dia. Realmente sair ou

entrar sem autorização dessa mansão, com cúpulas douradas no teto, era

impensável inclusive para uma agente como ela.

Não disse nem olhou nada enquanto seguia a Misha. Ele em seu tom

habitual lhe tinha ordenado que o seguisse e ela, que estava irritada, nem sequer

lhe dirigiu a palavra, embora esteve tentada em fazê-lo quando duas mulheres

vestidas com quase nada de roupa saíram a seu encontro, derretendo-se ante ele

para que lhes desse atenção.

— Elas são Keyla e Anika, pode pedir o que necessite que elas trarão.

— Quero ir para a minha casa — respondeu sentando-se no tamborete

negro do bar que estava ao fundo do salão.

— Amanhã recolherá suas coisas e se mudará definitivamente para cá —

bufou saindo do salão deixando-a completamente sozinha, sumida em seus

pensamentos.

As garotas o seguiram imediatamente. Para elas parecia que ele era seu

czar. Ira não se preocupou já que em seguida vários homens armados se uniram a

ele.

Apesar de que a mansão era bonita e opulenta possuía grande segurança,

vários homens armados a resguardavam. Decidiu caminhar e examinar um

pouco, se no outro dia voltava para seu lar devia aproveitar e tirar o máximo de

informação, de dia todo se via diferente. Ao subir ao segundo andar se deu conta

que por cima dos muito altos muros podia distinguir um edifício em particular.

Memorizou-o para buscá-lo depois.


Não soube quanto tempo esteve movendo-se sem rumo até que seus pés

começaram a doer. Sem mais se sentou no chão, tirando os sapatos para

massagear os próprios pés. Ao fazê-lo se deu conta de que estes sangravam.

Tinha estado tão preocupada por todo que se esqueceu até de sua própria

dor. Apoiou a cabeça entre suas pernas e ficou assim até que a única voz que lhe

alegrava o coração se aproximou dela.

— Está chorando?

— Não! — sorriu fingindo felicidade, mas depois de abraçá-la se sentiu

verdadeiramente em paz.

— Me alegro que esteja bem. Quer que te cure?

— Quando chegou?

— Faz um momento — disse lhe acariciando os pés da mesma forma que

ela o estava fazendo anteriormente.

— Obrigada.

— Não me agradeça, você é minha amiga e agora minha fada madrinha.

Pode caminhar?

Ira afirmou com a cabeça e com uma careta de dor começou a dar passos

até chegar ao quarto, que parecia tirado de um conto.

Sentou-se na cama enquanto Katiuska entrava no banheiro, vertia espumas

sobre a água e levava umas almofadas. Minutos depois Ira tinha os pés no quente

líquido rosa que se formava pelas essências que a pequena punha.

— OH, sim… — murmurou de puro prazer ao contato, necessitava disso

para acalmar sua agonia.

— O que faz aí? — As duas levaram um susto ao ouvir as duras palavras

da Misha, que as olhava da porta. A pequena se escondeu atrás de sua amiga e

respondeu:

— Os pés da fada sangram.


— Como? — bufou entrando e sem nenhuma vergonha lhe tirou os pés

para certificar-se por si mesmo de seu estado.

— Estou bem.

— Não, eu te vi chorar. — Voltou a responder a pequena.

Misha a tomou entre seus braços e a embalou contra ele para tirá-la do

banheiro da pequena.

— Durma, é tarde.

— Mas…

— Sem, mas, Katiuska.

— É um ditador, quando crescer não te respeitará — refutou zangada por

como tratava a sua filha, — um dia terá quinze anos com os cabelos verdes e um

piercing em sinal de rebeldia.

— Você fez isso com seu pai? — Riu divertido diante da situação, que é

obvio nunca, jamais aconteceria a ele.

— Não, meu pai é o melhor.

— Seu pai existe? — perguntou estranhando. Supunha-se que não tinha a

ninguém, tinha investigado.

Dando-se conta de seu grande engano, como se não lhe importasse nada

aquele homem, fingiu uma total despreocupação e respondeu:

— Não sou filha do ar tenho um pai, um biológico que nem sequer sei se

existe, mas minha mãe nunca falou mal dele, assim em minha cabeça é o melhor

dos homens.

— Ah…! — respondeu sorrindo. Descobrir coisas diferentes dela agradava,

ao mesmo tempo que o assustava, — acredito que chamarei um médico.

— Não! — chiou assustada. — Não quero que nenhum médico, já… já

sabemos o que aconteceu da última vez.

— Disse que não voltaria a acontecer nada com você. Disso me assegurarei.

A meu modo, da minha forma.


O russo não brincava com o que lhe dizia, parecia tão tranquilo como um

estrategista refletindo uma manobra, e tão confiável como um guerreiro.

— Também me disse que me deixaria ir para casa — recriminou enquanto

a levava até seu quarto, um que ela jamais havia visto, e o que viu estava longe do

que alguma vez imaginou.

— O que? — repreendeu-a divertido ao ver sua expressão. — Acreditava

que foste encontrar correntes penduradas, arma na parede…? — sorriu malicioso.

Ela apenas encolheu os ombros, não lhe daria o gosto, porque ao menos

esperava encontrar armas ou objetos femininos, mas ao contrário era um quarto

com uma grande cama no meio, uma escrivaninha, uma chaminé e uma poltrona

muito cômoda aonde sua imaginação imediatamente lhe jogou uma má ideia e

imaginou a eles em frente ao fogo… acariciando-se.

— Dado que não vai me responder, darei por afirmativo — gargalhou com

vontades esta vez, enquanto ela com o cenho franzido lhe respondia:

— Você tampouco responde a minhas perguntas.

— Agora descansará, amanhã irá com meus homens a isso que você chama

lar a recolher suas coisas.

— É meu lar — se defendeu dando um salto ao chão para separar-se dele,

— e não te permito que o insulte.

— Ira… — Misha se aproximou dela pegando sua frente para lhe falar com

a voz suave e com mais sinceridade da que queria aparentar. — Não foi minha

intenção te insultar nem a ti nem a seu lar, mas desde hoje esta será sua casa. Não

pode apenas… estar feliz?

— Quer que esteja feliz quando você mesmo ontem me disse que agora era

tua, que pagou por mim? Por Deus, Misha, o que tem na cabeça? Esta não é minha

casa nem será jamais.

— Nunca vivi com ninguém o que vamos experimentar a partir de agora e

descobriremos juntos, simplesmente não quero te perder e se esta é a forma que


tenho para que você esteja somente comigo, não me arrependo nem da forma nem

de como.

Ira moveu a cabeça de um lado a outro, não podia acreditar. Seu sentido da

razão lhe dizia que tinha que fugir daquela casa, dele. Não podia estar com um

homem que, além de estar sendo investigado, era um criminoso que não aparecia

em nenhum lugar, um fantasma, não existia. Mas por outro lado sua consciência

recriminava-a que esse era seu trabalho, era uma agente federal que devia

representar um papel de agente de campo, que devia ganhar toda a confiança

daquele russo para impedir o golpe terrorista que se estava forjando, para isso se

infiltrou, não para deixar-se enrolar por um homem. Entretanto seu coração, um

que não escutava muito frequentemente para não sair machucada, tinha vibrado

com frenesi com cada uma dessas palavras, que representavam muito para um

homem como esse. Era um futuro incerto cheio de riscos que ele estava disposto a

levar. Isso era o que lhe desarmava todas as teorias que se fazia, por isso não

podia deixar de pensar nele. Isso era o que a atraía com uma força sobre-humana

para ele e… essa mesma força era a que a levaria a salvá-lo, porque por muito que

seu coração a traísse, não podia pôr em jogo a milhares de vítimas inocentes, as

mesmas que cairiam se o urânio chegasse às mãos do vor, às da Misha… e isso

sim era bastante claro.

O que ia fazer agora?

— Está bem, Misha — respondeu logo depois de um comprido silêncio em

que não deixaram de olhar-se nem um segundo sequer, — mas não serei sua

prisioneira, quero minha vida de volta.

— O clube explodiu, não pode seguir trabalhando lá nem em nenhum

outro lugar como esse. É minha mulher.

— E o que você pretende que faça?

— Você não gosta tanto de estar com a Katiuska? Pois bem, agora tem uma

nova ocupação.
— Quer que seja babá? — Perguntou com horror de todo coração, para isso

sim que não estava preparada nem em um milhão de anos e pelo resto distava

muito de sua missão.

A risada que emanou do interior do russo nesse momento pôde ser ouvida

claramente em toda a mansão. Ele nunca tinha rido com tanta vontade e com…

tanta felicidade.

— Não, quero que seja minha mulher.

Sim, estava totalmente perdida, e em resposta a isso se lançou a seus braços

para beijá-lo, beijo que é obvio terminou na cama e se prolongou por várias horas

até o anoitecer.

Emily Claxon nunca se relaxava, mas agora algo tinha acontecido que sim o

tinha feito, e olha de que forma. Abriu os olhos encontrando-se em completa

escuridão, apenas uma tênue luz proveniente do exterior. Sentou-se um tanto

desorientada na cama e, quando conseguiu sair da sonolência, apurou sua

audição e começou a escutar música.

Voltou a colocar sua roupa e caminhou até a porta. Quando a abriu o ruído

já era muito mais forte. Demorou apenas dois segundos em dar-se conta que

naquela casa estava se celebrando uma grande festa. Rapidamente foi ao quarto

da Katiuska. Ali não se escutava nada e a pequena dormia como o anjinho que

era, feliz e alheia a tudo, isso a tranquilizou, saiu e caminhou até o corrimão do

segundo piso e claro, aí entendeu e viu tudo.

No andar de baixo mulheres e homens riam, bebiam e consumiam todo

tipo de substâncias que eram subministradas nada mais e nada menos que por

suas próprias companheiras, também conseguiu ver a Zhenya, que conversava

animadamente. Deixou de olhar quando notou que não só suas companheiras

estavam no lugar, mas sim também o vor. Não gostava nada desse homem e

preferiu voltar para o quarto e tentar dormir.


Mas claro, sua mente lhe pregava peças e imaginava ao maldito russo se

divertindo com alguma das garotas em algum lugar. É que ele não se cansava?

Vários minutos esteve recriando em sua mente mil e uma cenas. Ela não desceria,

se Misha não a tinha despertado era porque simplesmente não a queria com ele.

Sentou-se no sofá e viu como as limusines entravam e saíam, inclusive quando os

seguranças abriam as portas e revisavam exaustivamente a todos. Os convidados

se vestiam elegantemente, acompanhados de sexys mulheres enquanto eles

mostravam sorrisos manifestando o poderio e superioridade que possuíam.

Por outro lado, no escritório, Misha terminava de afinar os últimos

detalhes da operação com o Ahmed. Estavam reunidos a mais de duas horas. Por

fim se puseram de acordo, sobretudo, agora o russo conhecia um pouco mais ao

sunita e seus mais escuros segredos. Apesar de pertencer a uma das máfias mais

perigosas do mundo, tinham códigos e estes eram não se trair e principalmente

respeitar os entendimentos, e disso era o que Misha não estava seguro, algo lhe

dizia que não confiasse naquele homem. Agora só lhes faltava definir o quando,

mas isso o veria diretamente com o Vadik, e embora queria estar feliz depois de

ter feito o trato do século, não podia.

Ele o único que tinha em mente era na mulher que o esperava no quarto,

nunca tinha tido tanta vontade de viver experiências novas e estava disposto a

entregar-se por completo, mas ela não estava. Não compreendia o que a freava,

por que não só se limitava a viver tudo o que lhe podia entregar se ela não tinha

nada e agora sim poderia ter tudo? Mas também por outro lado sua irritação era

monumental, não era a primeira vez que Ahmed ou seu vor expressavam

opiniões que queriam viver com Ira e ele não permitiria.

Vadik entrou no quarto com várias mulheres dispostas a celebrar com eles

e realizar os caprichos que quisessem. Mas ele não dava atenção, isso também o

deixava de mau humor, não parava de pensar nela, inclusive imaginava-a aí

compartilhando, mas não podia expô-la com esses homens.


Depois do quarto copo de vodca no corpo ainda se sentia estranho. Ele

sempre tão controlador de todas as situações, agora se sentia exposto e não

conseguia encontrar uma explicação lógica e racional sobre o que acontecia com

Ira. Ao tomar a última gota do líquido transparente de seu copo e ao escutar o

desafortunado comentário de seu vor que fazia alusão de que quando se

aborrecesse da puta a passasse, levantou-se com decisão e caminhou até seu

quarto.

Ao abrir a porta e não vê-la, sua irritação aumentou bruscamente em

segundos, nem quando viu-a aninhada olhando pela janela pôde serenar-se,

justamente o contrário, via-a observando com melancolia.

Sem mediar palavra a carregou nos braços, sem se importar com os

protestos dela e que estivesse vestida apenas com uma fina camisola.

— O que você está fazendo? Onde está me levando?

— Cale a boca, Ira, será o melhor neste momento — respondeu agarrando

seu braço para que não se movesse.

— Me solte — espetou contorcendo-se. — Volte para a festa onde não quer

que eu esteja — jogou em sua cara com o orgulho ferido de mulher.

— O que foi que você disse? — Não entendia nada. — Por acaso você me

viu?

— O que?! Vai me dizer que não estava desfrutando da festa?! — Gritou

sem importar as pessoas olhando. Misha caminhava com ela entre todos os

convidados como se fosse a coisa mais normal. — Que não estava aqui?!

Misha franziu o cenho e apertou os olhos. Ele não tinha colocado um pé na

festa nem sabia quem estava, embora isso pouco lhe importava, quando Vadik

queria fazer uma festa não se importava com gastos e muito menos pedia

permissão a ele para usar sua própria casa, depois de todo ele era o vor.

— Você desceu? — Quis saber zangado, ela não tinha por que ter feito.
— Não, imbecil — bufou, — te vi do andar de acima — lhe recriminou

soltando de seu agarre.

— Não minta para mim — grunhiu.

— Não estou mentindo — se defendeu.

Nesse momento Misha baixou-a com brutalidade, colocando-a diante dele

para repreendê-la.

— Me escute bem porque será a única vez que lhe diga — chiou entre

dentes. — Não suporto mentiras e não vou permitir que você minta para mim, e

se o fizer, atente às consequências.

— Eu não minto!

— Você está fazendo — murmurou aproximando-se dela enquanto as

pessoas formavam redemoinhos para vê-los. — Porque se não escutei mal está me

dizendo que eu estava aqui embaixo na festa. Acredita que estava com outra

mulher? — Perguntou em um tom que não admitia discussão, — e pensa bem na

resposta, Ira — lhe advertiu, — porque não vou tolerar que me ofenda

impunemente nem que minta na minha cara. Fui claro com o que sentia por você

e com o que quero te oferecer, assim pensa bem nessa resposta ou… você não

acreditou em nada do que te disse? Não confia em mim? Prefere ser puta a levar

uma vida comigo? — Cada uma de suas palavras eram dolorosas.

Com essas palavras ela tremeu, um calafrio percorreu seu corpo, estava a

ponto de explodir, mas devia tranquilizar-se, ela era uma mulher sensata que

jamais teve esse tipo de sentimentos, mas foi impossível.

— E por que não me avisou? Porque preferia te divertir sozinho, verdade?

Perfeito! Segue o que estava fazendo, mas não me busque — exclamou com

impotência a ponto de chorar, e ela não era uma mulher de derramar lágrimas, o

que estava acontecendo com ela?


Com toda a tranquilidade de alguém que sabia o que estava fazendo a

agarrou pelos braços colocando-a sobre seu ombro para seguir caminhando,

apesar dos protestos de Ira, que agora estava vermelha de impotência.

— Onde está Dimitri? — vociferou buscando-o com o olhar. Se havia festa

e Vadik a fazia, seguro de que o ucraniano estaria e nunca se alegrou tanto de ver

que ele aparecia entre os convidados com duas belas mulheres.

— Aqui — respondeu com um gesto de mãos e um grande sorriso por ver

quem o necessitava.

— Trouxe a máquina?

— Sempre — esboçou um grande sorriso e esfregou as mãos sabendo o que

viria a seguir.

— Vamos.

Ira a cada segundo entendia menos e de barriga para baixo perdia

rapidamente o sentido de orientação já que o russo caminhava rápido entre as

pessoas que se abriam a seu passo como se fosse uma divindade, e bem, para

quase todos ele era. Ao chegar a uma porta de uma só patada ele a abriu e ao

acender a luz a agente ficou cegada por uns segundos. Passar de luzes coloridas e

escuridão a uma luz branca de néon lhe afetou a vista. Só sentiu quando ainda

com ela no ombro Misha, arrastou a cadeira e a sentou com a frente para o

respaldo.

— O que pensa que está fazendo? — chiou quando ele com uma só de suas

mãos apanhou com força as suas.

Não lhe respondeu, em troca se dirigiu ao Dimitri que com cuidado tirava

as coisas de sua maleta.

— Pistola fina ou grossa?

Ao escutá-lo falar Ira se alertou, tentou com todas suas forças levantar-se,

mas com a mão que o russo tinha livre voltou a pegá-la, não tinha nenhuma só
possibilidade de mover-se assim como estava, nem sequer as pernas podia mover

já que também estavam agarradas pelas coxas dele.

— Me solte, maldito idiota! Se for matar faz de frente para…

Apesar do surpreso que estava pela raiva e a veemência de suas palavras,

mas sobretudo pela valentia dessa mulher, lançou-se a seus lábios para devorá-

los. Não tinha costume de tratar com gente que o insultasse ou que simplesmente

se negasse a suas ordens, mas ela era diferente, era a única que lhe enfrentava, a

única que discutia com ele, a única que não lhe respeitava e a única que o fazia

perder a razão para que lhe dominasse o coração. Por isso e por muitas coisas

mais que ainda não tinha definido, tinha decidido fazê-la sua, e a única forma

válida no mundo que ele se movia era o que ia fazer a seguir.

Quando separou seus lábios dos de Ira pôde sentir o sabor metálico de seu

sangue e com um gesto despreocupado lambeu seu próprio sabor e lhe falou em

ucraniano, olhando-a direto aos olhos furiosos dela.

— Quero que sua liberdade pertença apenas a mim.

Não fizeram falta mais palavras, Dimitri assentiu com a cabeça entendendo

perfeitamente e ligou a pistola.

— E que todo mundo que o veja saiba.

— Irmão…

— Não sou seu irmão.

— Senhor, para isso teria que tatuá-la na frente, como as minhas garotas.

— O que?! — chiou. Agora Ira saía de seu estupor e um grande tremor

sacudia seu corpo. — Não!

— Dimitri é o melhor tatuador do Leste da Europa, fará uma obra de arte

em sua pele, a ver se assim te convence de quem você pertence.

— Não! Esqueça, russo. — Saber que não ia morrer de um tiro na cabeça

lhe tranquilizava, mas saber que ia ser tatuada a deixava nervosa. Só de escutar a
ordem de Misha já sabia o que lhe iriam tatuar, isso ela não poderia disfarçar

ainda que quisesse.

— Você é um idiota sádico — cuspiu direto em sua cara.

Misha se limpou com o antebraço e sorriu maquiavelicamente antes de

responder:

— Se fosse um sádico — refutou enérgico, — desfrutaria vendo sua dor e

gozaria te vendo sofrer, mas não sou, o que me excita é ver sua cara quando te

fodo e você perde a noção, porque embora me diga que não e lhe negue isso a

você mesma, isso é o que acontece.

Assustada e sentindo o primeiro contato da agulha em sua pele o olhou

com ódio, e tragou a dor que a máquina lhe estava produzindo. A verdade é que

doía muito, estava tensa e não havia maneira que pudesse relaxar. Tentou

recordar quando sua irmã fez uma e tinha pedido a ela que também se tatuasse

para ficarem iguais, e não tinha sido capaz, foi sentir a primeira espetada e sair

apavorada do local, e agora vários anos depois a estavam tatuando contra sua

vontade.

Várias horas depois, exatamente quase três, levantou-se da cadeira com as

pernas intumescidas e sem olhar a nenhum dos presentes que se estavam

regozijando com o trabalho do artista, saiu do lugar e subiu ao quarto.

Rapidamente chegou até o banheiro com a dor instalada no corpo. Com as

mãos tremendo arrancou o plástico que cobria grande parte de suas costas.

— Ai! Não… — murmurou começando a desesperar-se. A imagem que o

espelho lhe devolvia era de suas costas completamente tatuadas com um

entardecer colorido e no meio, com letras vermelhas sobressalentes, o nome

“Misha” em russo.

Fechou os olhos um momento e ao fazê-lo uma lágrima rodou pela

primeira vez em muito tempo por sua bochecha.


Misha, que tinha subido atrás dela, ficou paralisado olhando-a soluçar.

Sentiu-se um intruso em sua própria casa e pela primeira vez quis aproximar-se

de alguém e embalá-lo, sentindo-se em parte culpado por sua dor, mas não por

havê-la tatuado. Tão silencioso como entrou se retirou, era melhor deixá-la

sozinha e que aceitasse rapidamente seu destino.

Logo, quando esteve tranquila, lavou a cara e foi se deitar. A cabeça

explodia da dor que sentia, só queria fechar os olhos e dormir. Não soube nada

dele até que amanheceu e a primeira coisa que viu sobre a cama foi um pote com

pomada e uma nota de Misha lhe ordenando que a usasse.

A princípio pensou em atirá-la longe, mas desistiu pensando que se teria

que levar esse desenho por um longo tempo seria melhor que cuidasse dele, se

não as consequências seriam piores e provavelmente para sempre.

Sabia muito de tatuagens, mas pouco e nada de seus cuidados, assim

decidiu vestir uma camiseta de Misha para que não lhe roçasse a pele, depois

desceu. Esse dia iria a sua casa pegar suas coisas.

Uma vez que esteve no primeiro piso estranhou não ver o russo, mas

internamente agradeceu. Antes de que pudesse pensar, dois homens se

aproximaram dela e lhe disseram que tinham ordens de levá-la a sua casa. Isso

alegrou seu dia e a fez esquecer em parte sua dor.

O que Ira não esperava foi que, ao descer do carro, ambos os guarda-costas

o fizessem também.

— Aonde acreditam que vão? — Perguntou altiva olhando-os de cara feia.

— Você sobe… nós também — respondeu um deles lhe mostrando sua

arma, como se isso a amedrontasse.

«Idiota», pensou.

— Não entrarão em minha casa.


— Me escute bem, — disse o outro aproximando-se perigosamente a ela

para intimidá-la. — Misha nos ordenou cuidar de você e faremos isso, importa-

me uma merda o que você diga ou queira e…

— Sergei — o cortou Mijaíl, — deixa que suba — e dirigindo-se a ela

continuou. — Tem trinta minutos para recolher suas coisas, puta. Nem um a mais

ou irá com o que tiver.

Sem intimidar-se nem um pouco, mas lhes dando de presente um sorriso

que os deixaram nervosos, assentiu com a cabeça. Ela já tinha um plano e

esperava que trinta minutos fossem suficientes.

Rapidamente correu pelas escadas até que chegou a sua casa. Era a

primeira vez desde que tinha chegado a Rússia que o fato de entrar nesse

pequeno apartamento lhe produzia tanta alegria.

Pegou seu computador e teclou uma mensagem direta, sabia que seus

amigos estavam vigiando o lugar.

Depois disso trocou de roupa, vestiu outro traje sobre o que já tinha e logo,

calçando seus tênis, abriu a janela. Seu plano era simples: devia passar ao outro

apartamento e sair pela escada de emergência, cruzar a rua e correr até onde

estavam seus amigos, tudo isto sem ser vista pelos guarda-costas. Simples, muito

simples para uma agente tão capaz como ela.

— Bem! — sussurrou para si ao entrar no apartamento contiguo. Tudo

estava saindo como tinha planejado.

Cansada e respirando com dificuldade ia bater na porta. Não deu o

primeiro golpe quando esta se abriu e sentiu como uns fortes braços a apertavam

contra um corpo duro.

— Emily!

Diante desse primeiro contato tão forte ela pigarreou, não lhe doíam os

machucados da explosão que ainda tinha visíveis, mas sim lhe ardia as costas.
— Garota, superpoderosa! — continuou Jeff feliz por vê-la. — Ainda está

em forma.

Separando-se um pouco para abraçá-lo foi até seu grande amigo, mas este

ao sentir que se queixava como se fosse uma boneca de trapo e sem que

alcançasse a protestar, levantou sua roupa. O rugido de Brad os alertou a todos.

— Que merda lhe fizeram nas costas?!

— Está marcada — comentou Peter. Ele sabia tanto de tatuagens como ela,

de fato as tinham estudado juntos.

— Deus, Emily — sussurrou Brad compungido, nem em um milhão de

anos esperou ver algo assim.

— Não é… não é para tanto — respondeu ficando um pouco nervosa, não

esperava aquela reação.

— Como que não é para tanto?! — vociferou Brad. — Que merda fizeram

com você?

Peter, aproximando-se até suas costas, agachou-se e como se examinasse

uma obra de arte, começou a relatar a todos:

— O que Emily leva nas costas é uma marca de propriedade.

— Como? — falou Brad em um tom pétreo esperando que Peter lhe desse

toda a informação e não omitisse nada. — Quero saber tudo.

— Primeiro deve saber, para a tranquilidade de todos, que essa tatuagem

foi feita por um dos melhores tatuadores do Leste da Europa.

— E? — quis saber Jeff, que nesse momento sustentava os ombros de sua

amiga que, embora não notasse, estava tremendo, não estava preparada para

aceitar toda a informação que sabia viria a seguir.

— Não te infectará nem te produzirá nenhum problema de saúde, mas…

— Mas o que?! — apressaram-no ao uníssono Jeff e Brad.

— Mas isto é para sempre, indelével. — Apenas um grunhido se escutou

na habitação.
Ela simplesmente fechou os olhos, já temia uma coisa assim e apertou forte

a mandíbula para que não lhe tremesse e seus amigos não a vissem tão

vulnerável.

— Embora se pode transformar e...

— Isso não é importante agora — Jeff o cortou. — nos diga algo mais sobre

a maldita tatuagem.

— Como já sabemos, os integrantes das bratvas se tatuam para contar sua

história através de seu corpo. — Todos assentiram. — E embora não é comum que

as mulheres se tatuem ou sejam tatuadas — disse isto olhando para ela, — às

vezes acontece e o fazem para demonstrar algo. Neste caso o entardecer com aves

voando significa que a pessoa nasceu para ser livre, mas… — Fez uma pausa, —

neste caso significa que sua liberdade termina e começa com Misha. É de sua

propriedade e ninguém exceto ele poderá te tocar. É… sua escrava.

— Estupidezes — respondeu Jeff, agora sim notoriamente nervoso.

— Não Jeff, não para eles, inclusive as consequências da rebelião destas

mulheres podem ser castigadas da pior maneira e não me refiro a que sejam

fatais, a não ser muito pior em vida. Se seu dono não voltar a aceitá-las, podem

terminar como escravas sexuais de outro homem ou de vários, inclusive formar

parte de uma rede de prostituição e se tiverem melhor sorte alcançar a morte, mas

jamais serão livres de novo.

Emily levou as mãos à boca para aplacar um grito.

— Isso não acontecerá, voltará para casa agora — sentenciou Brad tomando

seu telefone via satélite para informar a seus superiores que Emily Claxon

abortava a missão. Ele não a arriscaria, a tiraria daqui.

— Brad — falou a agente aproximando-se dele, estava igual de impactada,

— me escute — pediu tirando o telefone dele. O rosto do agente era

imperturbável e sob esse olhar se escondia uma férrea determinação. — Estamos a


ponto de saber a localização exata da entrega de urânio, não podemos desperdiçar

a única oportunidade que temos.

— Esquece! — rugiu sabendo o que lhe estava pedindo.

— Brad — interveio Jeff, — Emily tem razão.

— Razão, uma merda! — explodiu ao fim sentindo-se julgado por todos

por como o estavam olhando. — Não vou arriscar sua vida como se fosse uma

isca.

— Levo meses me arriscando, Brad! — comentou a aludida sentindo-se

perdedora e não queria, — não pode me enviar de volta para casa, isto vai muito

além de uma simples tatuagem que... que depois não terá importância quando

acabar a missão.

— Não vou me arriscar.

— Esta não é sua decisão, é minha, nossa! Somos uma equipe —apontou a

todos olhando-os nos olhos, devia mostrar-se forte ou realmente todos os

sacrifícios feitos seriam em vão. — Quantas vidas vamos salvar? A quantas

mulheres vamos proteger? Não é para isso que nós treinamos. Não é por isso que

viemos. Isto… isto é circunstancial.

— Circunstancial? Circunstancial! Mas você é tola ou o russo já lavou seu

cérebro? Não entende que agora pertence a ele?! — Esse era o ponto que

enlouquecia Brad. — Sua vida está correndo perigo.

— Não! Tudo segue igual a antes — interveio Peter aplacando os ânimos.

— Emily tem razão, estamos a poucos dias de descobrir o lugar e hora do

intercâmbio e com isso poderemos deter uma das bratvas mais poderosas da

Rússia.

— E evitar um desastre nuclear — comentou Blake, que tinha se mantido

em silêncio. Ele era um perito em comunicações, não em conversa.


— Exato! Por isso estamos aqui — prosseguiu a agente, — não podemos

nos cegar agora, inclusive… inclusive agora temos mais oportunidades de

informação.

— Estou de acordo — concluiu Jeff. Ele pensava que quanto mais rápido

acabassem a missão, mais rápido Emily estaria longe e a salvo. Agora sim que

tinham que deter essa bratva, não só pela humanidade, mas sim pela

tranquilidade e vitalidade da garota superpoderosa.

— Pois eu não! E sou o superior nesta missão.

A agente olhou seu relógio. Restavam poucos minutos e já começava a se

desesperar, assim recorrendo a uma última estratégia falou:

— Votemos, os que estão a favor de continuar a missão levantem a mão.

Todos, exceto Brad o fizeram, não necessitaram mais palavras para deixar

resolvido o tema em questão. Logo rapidamente Blake se aproximou lhe

entregando uns brincos de cristal de cor negra.

— O colar não serve porque não tem autonomia própria, mas estes brincos

— indicou olhando-os, — têm cento e sessenta e oito horas de gravação

autônoma. Tudo o que você ouça ouviremos nós e… — anunciou agora tirando

uma pequena pistola tipo seringa de injeção que lhe aproximou do braço, — isto

— disse cravando-a de improviso, — é um chip que nos mostrará sua localização

24/7, estará sempre monitorada.

Emily assentiu tateando o braço.

— Se você tirar….

— Se você tirar — se interpôs Brad ante o Jeff, — os brincos embora seja

uma só vez não haverá nada que lhe salve de abortar a missão.

— Estou de acordo — afirmou Jeff muito sério, — o que você escute, nós

escutaremos também.

— Está bem — afirmou com a cabeça e um meio sorriso, — enviarei

informação logo que possa, estando na casa tenho acesso às redes.


— Vivam os hackers! — exclamou Peter. — E recorda que o melhor será

nos mandar tudo sem desencriptar, nós o arrumamos aqui, assim não perderá

tempo nisso e… será muito mais seguro para ti.

Sem sequer despedir-se Brad deu a volta para sair, não podia ficar, o medo

que sentia por ela o impedia de sentir-se orgulhoso pelo que estava fazendo,

sabia, mas não podia evitar. Ela estava se comportando como uma autêntica

agente.

Logo depois de alinhar os últimos detalhes todos se despediram e, sem

importar o protesto ou o risco que significava, Jeff a acompanhou à entrada do

edifício e quando a abraçou para despedir-se sussurrou em seu ouvido:

— Não tente ser a garota superpoderosa. Se te disparam, sangrará e se

sangrar... você morre.

— Jeff, eu…

— Vai, restam poucos minutos e… — baixou a voz lhe entregando um

passador para o cabelo, — basta um clique eu estarei a seu lado em dez minutos,

esteja onde estiver, faça o que fizer. Isto é entre você e eu. Estamos de acordo?

— Obrigada…

— Vai.
Capítulo 09

Da mesma forma que saiu voltou a entrar em sua casa, mas agora tinha o

semblante triste. Não queria estar zangada com o Brad, isso a afetava, tampouco

podia abortar a missão mais importante de sua vida.

Justo quando fechava a janela a porta se abriu, entrando Sergei, que a

olhava com cara de poucos amigos.

Só demorou dois minutos em recuperar-se do susto e responder muito a

seu estilo, tomando o abajur que descansava na mesa de noite.

— Sai de minha casa agora, faltam dois minutos! — gritou lançando o

objeto que chocou com a parede, fazendo que o guarda-costas fechasse a porta.

Rapidamente colocou umas coisas na bolsa e olhando uma última vez sua

casa saiu. Os homens a olharam surpreendidos, mas não disseram nada.

Em casa, Misha a esperava ansioso. Acreditava que ao trazer uma parte

dela a sua nova casa estaria mais feliz, mas se surpreendeu ao ver que não era

assim.

— Por que foi para sua casa se não trouxe nada?

— Não se supõe que você vai se encarregar de mim? — respondeu altiva,

— pois bem, começa com a roupa — disse para diminur a tensão do assunto. Ela

só havia trazido o que considerava necessário, já que o tempo não foi suficiente

para trazer nada mais.

— Hoje terei uma reunião importante com o Vadik e Ahmed, depois eles

jantarão aqui e necessito que você se comporte como uma mulher normal, que os

atenda como minha mulher.

Ira só o fulminou com o olhar. Uma mulher normal? Uma merda! Mas sem

dúvida, essa era uma grande oportunidade.


De forma rápida, subiu ao quarto para não estar perto dele, isso lhe

produzia um sem-fim de sensações contraditórias que não queria elucidar nesse

momento.

Não, agora tinha que pensar como obter mais informação. Seu cérebro de

agente começou a trabalhar formando um plano. Isso lhe deu calafrios, mas

também uma ideia, arriscada, mas ideia ao final.

— Brad — sussurrou, sabendo que seus companheiros a escutavam. — Sei

o que faço, não estou perdendo a cabeça e… se não for pedir muito, não escutem o

áudio ao menos por vinte minutos.

*************

Do outro lado Brad, que é obvio a estava escutando, golpeou a mesa.

Conhecia a agente e conhecia a mulher que habitava nela, por isso depois de

escutar ao russo, não lhe custou nada adivinhar o que a garota superpoderosa ia

fazer.

*************

Tomou ar só um par de vezes para desprender-se de toda a roupa que

vestia. Quis com todo seu ser poder ser capaz de tirar a calcinha também, mas era

impossível, um pouco de pudor ficava, embora esperasse que sumisse quando

chegasse a seu objetivo. A cada passo que dava sentia que o coração acelerava um

pouco mais. Voltou a arrumar o coque pela enésima vez em três minutos e ao fim,

decidida, bateu na porta.

Uma vez… duas vezes… e nada, até que finalmente um Misha mal-

humorado abriu, ficando um segundo impactado com o que viam seus olhos.

— Posso passar?

«Claro, é obvio», quis lhe dizer, mas em vez disso apenas respondeu:

— Entra.

Ira estava diante da grande porta reforçada apenas com uma bata de seda

negra e uns impressionantes saltos da mesma cor, que faziam que suas pernas
parecessem totalmente perfeitas e torneadas. Avançou dois passos até situar-se no

meio do cômodo. Tomou o cinto com delicadeza, aproximando-se até roçá-lo, e

quando esteve segura de que tinha toda sua atenção, deixou que o objeto se

deslizasse por todo seu corpo até chegar ao chão, enquanto um calafrio percorria

sua coluna vertebral, deixando a pele arrepiada sem poder evitar.

— Não tenho nada para usar esta noite.

Misha, ofuscado pelo que via, atraiu-a pela cintura até ficar totalmente

colado a seu corpo.

— Solucionarei o problema do vestido — murmurou em seu ouvido justo

antes de que Ira capturasse sua boca, o agarrasse pela nuca por surpresa e o

beijasse com toda a paixão que podia reunir em segundos, manipulando-o com a

esperança de despertar nele todas as terminações de seu corpo e, se tivesse sorte,

que era o que necessitava, tomar sua cara com veemência.

Enquanto acariciava ansiosamente seu corpo sentiu como o russo

começava a vibrar com o contato. Apressada para que as coisas saíssem bem e,

embora não quisesse reconhecer, excitada pelas coisas que Misha lhe estava

fazendo, entregou-se ao momento, sem lhe negar nada de nada. Não estava

pensando, simplesmente estava atuando conforme seus desejos demandavam, o

único que esperava era que seus amigos lhe tivessem feito caso e não a estivessem

escutando pelo menos… por vinte minutos.

Em um movimento inesperado para Misha, ela desabotoou o botão de sua

calça liberando finalmente sua ereção, acariciando-a. Ele apertou-a com

desespero, essa mulher o fazia perder o controle. Acariciou seus seios, queria

possuir seu corpo, nem sequer pretendia dissimular seu desejo, desejava de

qualquer maneira deixar seu rastro nela.

Desesperado e possuído pela paixão, demonstrou em segundos quanto a

desejava, penetrando-a de uma só vez. Ambos respiravam com dificuldade, e


mesmo assim nenhum diminuiu a velocidade, nem sequer tinha tirado a calcinha,

nem ele tirado a calça, apenas a tinha baixado.

Em uma última estocada que se levaria tudo, Misha agarrou com força sua

cabeça e, segurando-a, introduziu-se nela até o final, sem um ápice de cansaço,

para que nesse preciso momento ambos chegassem ao clímax, proferindo seus

nomes ao tempo que alcançavam um êxtase, onde não existe a razão e à

consciência ganha o esquecimento.

Ofegando, Ira foi a primeira em retirar-se enquanto ele a sustentava pelas

costas e caminhava como se não tivesse acontecido nada até sentá-la sobre a mesa

do escritório. Sem fôlego e com as pernas tremendo apoiou os pés no chão,

enquanto com um movimento sexy retirava o cabelo da cara.

«Sim…», pensou esboçando um sexy e triunfal sorriso, tinha alcançado seu

objetivo.

— Pode me interromper assim quantas vezes quiser — comentou Misha,

ainda lambendo seu pescoço, regozijando-se com as prazenteiras sensações que

seu corpo experimentava.

— Só vim te dizer que preciso de roupa para atender a seus convidados

como… — fez uma pausa e com um ágil movimento desceu da mesa, — uma

mulher normal.

Ao ouvir essas palavras tão frias e o olhar que agora lhe dava, sem denotar

sua raiva nem sua decepção, subiu as calças, rodeou a mesa e se sentou, para logo

depois de uns segundos, que lhe fizeram eternos a ambos, falar.

— Você terá roupa para vestir, direi a uma das garotas que leve algo para

você.

— Obrigada — respondeu-o sustentando o olhar. Apesar de querer ser

dura e parecer despreocupada, não conseguia diante desses olhos. Esperou

pacientemente que ele se levantasse para teclar o código na parede e, antes de que
ele fechasse definitivamente, escutou como lhe dizia diante dos dois homens que

custodiavam essa entrada:

— Ira — a chamou, — esteve bem, mas poderia estar melhor.

Quis dar a volta e gritar com ele, inclusive chutá-lo, mas em vez disso

seguiu caminhado como se não tivesse dito nada, embora em realidade fervia de

raiva por dentro. Não podia seguir negando o que já sabia e seu corpo lhe dizia:

esse russo era o único que a fazia voar e sentir como nenhum outro homem fez.

Sabia que quando acabasse a missão, muito a seu pesar, necessitaria um

cão.

Enquanto tomava um banho com água fria para esquecer o vivido, não

deixava de pensar nessas mãos, nesses olhos, nessa pele… Suas mãos a

acalmavam, esses olhos a transportavam e… essa pele a deixava louca de prazer.

Cansada de recordar saiu do banho, encontrando-se com Keyla, que

segurava algo entre as mãos.

— Você não sabe bater? — recriminou-a, atando ainda mais forte a toalha

ao corpo.

— Você não é a proprietária do Misha — respondeu a garota, que a olhava

com mal humor.

— Isso não está em discussão. O que faz aqui?

— Vim te trazer isto — disse lançando algo ao chão, mas com o que Keyla

não contava era com os bons reflexos de Ira, quem pegou a roupa em segundos,

surpreendendo-a.

— Agora você já pode sair.

— Misha está em uma reunião e te espera dentro de uma hora no salão.

Sem dizer nada mais a garota se foi, olhando-a com desprezo. Estava claro

que ela não era de seu agrado e a razão não era muito difícil de adivinhar.
Com toda a tranquilidade do mundo Ira se vestiu, não tinha nenhum

interesse em ir a esse jantar e quando estava pronta contou até dez para não soltar

o grito contido que emanava do mais profundo de seu interior.

— Maldito seja, russo… — chiou entre dentes enquanto dava voltas na

frente do espelho, observando como a tatuagem que levava nas costas se via

completamente. O vestido era simples e se pegava completamente a seu corpo. O

único decote que tinha era nas costas, que a deixava totalmente descoberta. —

Assim quer que todo mundo veja a quem pertenço — murmurou em voz alta.

Resignada, fez uma trança no cabelo em um coque juvenil que cobria a

orelha e para adorná-lo colocou o passador que seu amigo havia presenteado. Por

alguma razão com o objeto no cabelo se sentia mais segura.

Uma vez que esteve pronta foi até o quarto de Katiuska. Ela ao vê-la se

lançou a seus braços para que a embalasse. O amor que tinham se podia apalpar,

até um cego podia ver!

— Fada! Está… negra?

Isso a fez rir e esquecer por segundos a raiva que sentia do russo.

— Você não gosta?

A pequena negou com a cabeça e, separando-se um pouco dela, deu uma

volta sobre si mesma para que a visse com seu belo vestido celeste, que fazia

perfeita combinação com seus olhos cristalinos e puros.

— Como estou?!

Ira fechou os olhos um momento. Como diria o que tinha que comunicar a

seguir sem estragar a ilusão de uma criança? Impossível, mas era por seu bem.

Com cuidado a tomou em seus braços e a levou até o banheiro, sentou-a

sobre a louça e, agarrando um de seus maravilhosos cachos recém feitos, começou

a falar o mais suave possível.

— Se te pedir um favor, mas um muito, muito grande, você faria?


A pequena sorriu com vontade ao ver a possibilidade de fazer um favor a

sua fada madrinha.

— Necessito que esta noite fique deitada, que não desça para jantar

conosco. Se o fizer, amanhã brincarei de boneca contigo toda a tarde.

— Mas eu quero descer como princesa — respondeu fazendo biquinho,

inclusive com um brilho aquoso em seus olhos.

— Você é uma princesa e a mais linda da Rússia, mas por favor… esta noite

fica neste quarto.

— Você não gosta das pessoas que jantarão aqui hoje? — perguntou

surpreendendo-a. Às vezes as crianças entendiam melhor que os adultos e para

não insultar sua inteligência decidiu falar quase com a verdade.

— O jantar será chato e…

— Mas haverá crianças — a interrompeu, —as meninas que estavam no

clube virão — assegurou.

— Katiuska, por favor, te imploro.

Depois de uns longos minutos, nos quais a menina a olhou como se

estivesse analisando seus pensamentos, suspirou e falou.

— E o que vou dizer para ficar aqui deitada?

Antes de que pudesse responder a abraçou com força, com amor e com

toda a ternura do mundo, soltando assim o ar que nem sequer sabia que tinha

contido nos pulmões.

— Obrigada! Obrigada! Amanhã brincaremos de tudo o que queira.

— De verdade?

— Tudo, preciosa, tudo o você quiser, mas agora vem, deixa eu molhar um

pouco seu cabelo. Agora você está com febre e sua cabeça dói, será nosso segredo.

Katiuska, encantada por ver a alegria de sua amiga, deixou-a fazer o que

queria. Logo com cuidado a levou à cama, tirou-lhe o vestido e a deitou, e ao dar a

volta para partir, disse:


— Wow! Que lindo o desenho que tem nas costas! Eu quero um de um

castelo, pode fazer um para mim amanhã?

Mordendo o lábio para não rir de sua idéia deu a volta e lhe disse:

— Não grite, que se não vai doer mais sua cabeça.

Saiu do quarto e, é obvio, estava atrasada. Não era sua intenção atrasar-se

tanto com a Katiuska, mas era tarde para lamentar porque no meio do corredor, e

olhando-a com arrogância e aborrecimento, estava Misha com os braços cruzados

à altura do peito.

— Onde está Katiuska?

— Está… deitada, não se sentia bem.

— Acredito ter sido claro contigo e ter dito que eu não gosto das mentiras.

— Pode verificar por você mesmo se não acredita em mim — respondeu

muito segura de suas palavras, mas quando Misha começou a caminhar para a

porta decidiu voltar a falar.

— É uma menina!

Ao escutá-la, ele se girou para olhar com mal humor.

— E por isso mesmo estou buscando-a para ir jantar.

— Sim? E com um homem que tem filhos com diferentes mulheres?

— É a cultura dele — contra-atacou irritado.

— A cultura dele é ter a uma menina que não chega a dezesseis anos como

escrava, porque foi comprada…?

— Ira! — cortou-a para que se calasse de uma vez por todas.

— Misha… — sussurrou aproximando-se com cara de súplica, — por

favor, deixa que fique aqui em uma realidade diferente da que está acontecendo

lá embaixo, deixa que conserve sua inocência pelo maior tempo possível. Não

digo que viva enganada, mas é uma menina e em seus curtos seis anos passou

inclusive por mais que alguns adultos.


— Que seja a última vez que você mente para mim — respondeu tomando-

a pelo braço para descerem. Odiava quando o olhava com esses olhos que podiam

transpassar todas as suas barreiras, esses olhos que o deixavam com o coração

exposto, que se empenhava em ocultar.

Com a mão de Ira tomada muito forte, desceram até chegar ao salão onde

todos já estavam reunidos. O primeiro em fazer um gesto de arrogância ao vê-los

de mãos dadas foi Vadik, que moveu a cabeça em forma de reprovação, mas

quando a viu passar e notou suas costas exclamou:

— Não acredito no que estou vendo! — disse levantando-se para sem

nenhuma vergonha tomá-la pela cintura e examinar sua tatuagem. Em poucos

segundos Ahmed também se uniu, mais que olhar o desenho estava olhando seu

traseiro.

— Eu te falei que ela tinha dono —Vadik falou olhando a Misha pelo canto

dos olhos, — você já perdeu a puta.

— Você quer me foder?

— Eu?! — zombou o vor muito tranquilo, mas com um pouco de

amargura, — eu não vou foder você, a que te fode os miolos é… esta — concluiu

levantando-se para alcançar o copo de vodca que uma das garotas lhe trazia.

Misha não só ignorou seu comentário, mas se esforçou para não dizer nada

aos homens que comiam com os olhos a mulher que ele pensava ser de sua

propriedade. A escolha do vestido tinha sido péssima, as costas descobertas em

um decote que terminava na parte baixa de suas costas faziam que todas as

olhadas nada dissimuladas se fossem a seu traseiro, o irritando ainda mais.

Ira estava fazendo exatamente o que havia dito, estava se comportando

como uma anfitriã estupenda, inclusive ela mesma entregou um copo ao sunita,

coisa que também o incomodou. Por que tinha que sorrir para ele?

Por outro lado a agente fervia de raiva, sabia que era o objeto de vários

murmúrios. Sempre tinha odiado que dissessem coisas a suas costas e mais ainda
ser o foco de atenção desse tipo de homens. No clube era diferente, não se sentia

tão fora de lugar como nesse momento. Mas o que acabou com sua paciência foi

ver como Ahmed manuseava a garota que tanto estimava. Ela se sentia incômoda

e mais ainda quando Vadik a fez aproximar-se. Sentiu vontade de lançar nele o

copo que segurava, quebrá-lo e passar pela garganta de ambos homens. Nesse

momento estava sentindo um instinto primitivo e animal. Concentrou-se em não

reagir de maneira nenhuma, mas não pôde evitar olhar a Misha com olhos

questionadores e ele afastou o olhar.

O jantar transcorreu com toda tranquilidade. Era uma celebração, ao final

tinham data de entrega e tudo perfeitamente estudado, não havia nada que

pudesse sair mal. Ahmed celebrava vociferando suas façanhas e contando suas

proezas como um mercenário ditador. Enquanto Vadik, raposa velha na matéria,

estimulava-o a que contasse mais, quanto mais soubesse de seu agora aliado mais

fácil seria encontrar seu ponto fraco se chegava o momento, e era claro que o

desse homem eram as adolescentes, gosto que ele também compartilhava, só que

por razões muito diferentes. Ele apenas as utilizava para esquecer a uma, em troca

Ahmed as utilizava como meras escravas sexuais, drogando-as para que

aguentassem todas as humilhações e inclusive pedissem mais.

— Para celebrar você poderia ter me trazido um presente, Vadik — disse o

novo sócio acariciando a uma de suas garotas diante de todos.

— Você pede e Misha te concederá — respondeu malicioso. Ele também

queria uma diversão de última hora, ver sua mão direita nessa posição trazia

lembranças que corroíam sua alma de forma perigosa.

— Que tipo de mulher você quer? — perguntou Misha tirando o celular do

bolso, digitar algo e entregar-lhe. Ira, que estava a seu lado, teve que apertar os

dentes para tranquilizar-se, pelo canto do olho tinha visto como na tela apareciam

fotos de mulheres de muita novas.


— Tem uma boa seleção, eu gosto de cabelo comprido — e levantando a

vista prosseguiu, — você me entende verdade? Assim é mais fácil domá-las.

— Por isso todas têm o cabelo comprido — demarcou Misha olhando-a.

Ele, lambendo os lábios, entregou o celular à garota, e abraçando-a

começou a passar as imagens.

— Escolha a uma, depois de tudo brincaremos nós três.

A garota abriu os olhos envergonhada e assombrada. Com dedos tremendo

passou por cada uma das imagens até que tocou uma e ampliou a imagem. A

garota que aparecia ante eles tinha o cabelo comprido, olhos grandes,

inexpressivos e devia ter mais ou menos sua idade.

— Ninoska — comentou quase em um sussurro.

— Maravilhosa escolha — aplaudiu o vor exaltado, — essa garota aguenta

tudo o que você quiser colocar e sempre pede mais, tem uma tolerância à dor que

poucas têm e não é necessário drogá-la até as sobrancelhas para que se renda.

A Ira nesse momento lhe percorreu um grande calafrio por todo o corpo ao

pensar nessas mulheres, que certamente aguentavam todo tipo de ofensas ao estar

drogadas e em um mundo paralelo à realidade.

— Não fale mais então. Providencie, Misha — ordenou Vadik olhando a

reação de Ira. Não tinha tirado os olhos dela em toda a noite.

O russo se levantou da mesa tomando seu telefone ao tempo que digitava e

diante de todos combinava com Zhenya, enquanto Ira retorcia as mãos pensando

em que ele não tinha remorsos e muito menos sentimentos. Quando voltou a

sentar-se a seu lado soltou um suspiro que tinha contido, olhando-o com

desprezo.

— O que? — espetou incomodado, sentindo-se julgado.

Ira nem se intimidou, meramente segurou o garfo com mais força e

respondeu:

— Oh! Nada, nada, eu não disse nada. O que eu poderia pensar?


— Nada — bufou irritado, — por isso você subirá para se trocar, nós os

acompanharemos.

— Você está brincado comigo? — saiu sem poder evitar.

— Eu jamais brinco — respondeu levantando-a pelo braço. — Agora sobe,

que nos esperam.

— Idiota — soltou entre dentes ao passar.

— E não sabe quanto mais posso chegar a ser — o ouviu dizer enquanto

saía do salão com a mente nublada e a raiva correndo pelas veias.

Não chegou a entrar quando a peituda que tinha uma queda pelo russo

entrou também, entregando outro vestido. Este era de um azul brilhante, claro,

muito mais curto que o anterior. Ao vesti-lo como não era dela, inevitavelmente

vestiu como uma luva.

A meia hora que demoraram para chegar ao novo clube foi uma eternidade

para Ira, sobretudo porque teve que aguentar a festa privada que faziam as

amigas de Misha, o vor, Ahmed e Lea, a moça, que ao menos parecia desfrutar,

embora ela não entendia porquê.

O clube, que apresentava grandes letras vermelhas em neon “V & M”,

estava abarrotado de gente. Ao entrar foram atendidos imediatamente, como se

fossem os donos do lugar e não estava longe da realidade. Havia uma zona

bastante grande com um cenário central e mesas a seu redor e ao fundo um

cenário privado fechado com um biombo de espelhos que só permitia ver de

dentro para fora. Em um canto uma zona muito mais elegante que dava a entrada

a um quarto com vistas a uma espécie de cubículo com diferentes artefatos para

distintos tipos de jogos sexuais.

Ira não demorou nada em divisar Zhenya ao fundo desse quarto, e a seu

lado outra mulher que parecia beber algo. Sem perder mais tempo, Ahmed

agarrou a mão de Lea e caminhou com passo firme à habitação, enquanto o vor

fazia o seu com um par de garotas que o estavam atendendo.


— Pagaria por saber o que você está pensando — sussurrou Misha

chamando uma garçonete para que trouxesse uma garrafa de vodca que nem

sequer se incomodou em servir em um copo. Tomou diretamente da garrafa.

— Nada. O que eu vou pensar?

— Este é seu mundo — comentou mais para ele que para ela.

Ira só lhe respondeu com esse olhar depreciativo e de reprovação que tanto

o incomodava. Ele agarrou sua mão e a tirou do lugar.

Passear-se como se fosse uma avenida não era normal naquele clube, todo

mundo os observava e se dirigiam a Misha como se este fosse um semideus.

— Sempre te tratam assim?

— Me respeitam.

— Te temem — atacou com ironia.

— Você deveria fazer o mesmo.

— O respeito se ganha não se infunde exercendo temor a outros ou…

matando para consegui-lo.

Misha franziu o cenho e a agarrou ainda mais forte pela mão. Odiava

quando ficava assim, não havia forma de impor nada a essa mulher, nunca tinha

acontecido, nem sentido aquela necessidade por fazê-lo.

— Assim que isso é o que você pensa… perfeito — bufou dando a volta até

onde estavam antes.

Ira sentia que o maldito percurso não terminava nunca e o russo, além de

irritado, já estava perdendo a paciência. Não havia ninguém nesse clube que não

olhasse o traseiro dessa mulher. O vestido não estava colado, era pior, era como

uma continuação de sua própria pele.

Ao chegar tirou as garotas que o estavam esperando, sentou-se na única

poltrona que havia e com as mãos cruzadas falou.

— Sobe, quero te ver dançar.

— O que?
— Bem, você vai ficar muito tempo aí? Ou dançará como te ordenei?

Contar até dez não seria suficiente. Subiu ao cenário e quando chegava ao

número vinte, escutou:

— Você vai dançar assim?

Misha apontou para ela com a garrafa que ainda segurava.

— Como assim? — Perguntou olhando-se sem entender nada e logo olhou

para ele.

— Tire o vestido — apontou como se o acariciasse. — Agora.

Ira abriu muito os olhos e olhou para todos os lados antes de começar a

tirá-lo. Quando estava na altura da cintura pensou em que certamente os meninos

estavam ouvindo tudo. Um tremor percorreu seu corpo.

— Pare — ordenou observando-a. Segundos depois caminhou com a calma

de um felino que estuda a sua presa, parando em cada degrau que dava a

plataforma. Logo ele, com suas próprias mãos, de um só puxão, arrancou o

vestido. — Não se cubra — disse detendo a mão que ia em direção a cobrir seus

seios.

Com cuidado e lentidão Ira baixou sua mão, sentia-se totalmente exposta a

ele parada sobre uma plataforma.

— Quantas vezes eu te vi nua, Ira?

— O que você não entende…

— Responde.

Ira tomou ar, precisava encher seus pulmões e assim poder aplacar o que

sentia nesse momento.

— Muitas… não sei, não contei.

— Esse é o problema — soprou lançando o vestido longe, — você não

escuta, não observa e só julga.

— Como que eu…?


Não pôde seguir falando, Misha levantou a mão e ela automaticamente

emudeceu. Não era respeito, era medo à forma em que a estava olhando e ao

sobressaltada que se sentia.

— Você e sempre você, eu disse coisas a você que nem sequer sabe

valorizar, jamais te vi nua desta forma, Ira — expressou segurando a lateral de

sua calcinha e, como se fosse papel, rasgou o tecido, para agora sim deixá-la

completamente nua sem deixar de olhá-la, enquanto com muita dificuldade

sustentava o olhar. — Sem que seja um trabalho é mais difícil, certo?

Afastou-se um pouco e de repente as luzes do cenário se acenderam

completamente, iluminando-a.

— Se unicamente se submetesse a seguir as ordens tudo seria muito mais

fácil para você, porque só obedeceria, deixaria sua vontade de lado e não teria que

pensar.

Misha voltou a caminhar até o painel para pressionar outro interruptor,

agora já não havia luzes coloridas, era uma luz que não deixava nada sem

iluminar.

Ira começou a sentir mais que sua cara se tingia de vermelho, inclusive seu

peito subia e descia rapidamente. Ao ver que o russo ia pressionar outro botão

instintivamente se cobriu, já se imaginava exposta a todo mundo.

— Nem pense nisso — sussurrou entre dentes sem deixar de observá-la, —

tire a mão. Você acha que eu sou um monstro, seus olhos me dizem isso.

— Misha… por favor.

Clique. Escutou e olhou em direção à sala contigua, onde se podia observar

perfeitamente como o vor e Ahmed jogavam. Ao russo não lhe moveu nem um

músculo, seu semblante era pétreo e indecifrável.

— Veem — ordenou estirando a mão. — Você sabe a diferença entre olhar

e observar?
O que significava isso? Que merda importava aquela diferença? Tremendo

obedeceu e com brutalidade ele a aproximou do vidro que separava as salas.

Ficou colada ao vidro, não se atreveu nem sequer a fechar os olhos por

temor a sua reação.

Com cuidado deixou a garrafa no corrimão, qualquer movimento brusco a

faria cair e quebrar em mil pedaços. Lentamente passou um de seus largos dedos

pela tatuagem, regozijando-se pelo que lia.

— Minha… — ronronou. — Dói?

«Sim, maldito louco!».

— Não.

— Não minta para mim.

— Se te dissesse que me dói estaria mentindo.

Só sorriu.

— Separa as pernas — mandou descendo por sua coluna até situar-se na

parte avermelhada de seu nome. — E aqui?

— Um pouco…

— Dimitri é o melhor — comentou regozijando-se com um largo sorriso. —

Teria gostado ter tatuado meu nome em outro lugar, mas o ucraniano teria visto

algo que pertence apenas a mim.

— Você está realmente fodido da cabeça — grunhiu apertando a palma

contra o vidro. As mãos do russo a estavam deixando nervosa, já não tocavam

apenas as costas.

— Me diga o que vê — a apressou irritado, apertando-a contra o vidro, a

garrafa esteve a ponto de cair.

— Ao vor fodendo como um animal e ao degenerado Ahmed

aproveitando-se da garota que você lhe facilitou.


— Mentira! — exclamou junto a sua orelha, percorrendo o meio de suas

pernas. — A diferença entre olhar e observar é olhar atentamente com os cinco

sentidos. Agora… — anunciou tocando seu sexo, — me diga o que observa.

— Oh Por Deus, dói! — saltou quando Misha a apertou.

— Me diga o que observa! — insistiu-a com severidade sem diminuir a

pressão, — e não volte a se mover.

Ira apertou os dentes, sentia dor, não uma que não pudesse suportar, mas

sim uma que se mesclava com um prazer que roçava a excitação, uma que sabia

que não poderia deter.

— Vejo… vejo…

— O que? — Voltou para a carga, mas desta vez Ira se apertou mais ao

vidro para não chiar e ao fazê-lo escutou a voz do árabe dirigir-se à garota. E

colocando seus cinco sentidos em alerta pôde fixar-se na mulher, que estava

emitindo todo tipo de sons pedindo para ser golpeada para estimular ainda mais

seu prazer.

— Deus santo… — murmurou para ela. A mulher que via não era uma

menina, isso podia notar agora que estava realmente observando, não tinha um

corpo infantil nem tinha esse tipo de compleição, nem traços. Ofegou quando

Misha tirou a pressão de seu sexo. Ele a olhou ameaçador para que lhe dissesse de

uma vez por todas o que via, e tomando a sua cara sussurrou em seu ouvido:

— Sou um monstro como acredita que sou…? Me diga, sou esse tipo de

degenerado que sua cabeça tenta demonstrar? — Ira negou com a cabeça, a

verdade é que não podia nem pensar. — Nem sequer fale, nem sequer respire,

esta sala não é à prova de som e o que fizer será visto, chamará a atenção deles e

eu não vou desobedecer a meu vor… entende?

Não conseguiu respirar quando sentiu seus dedos outra vez, inclinou a

cara, mordeu-se os lábios e se aferrou ao corrimão com todas as forças, arqueando

as costas para não gritar e atrair a atenção das pessoas. De repente sentiu como
Misha baixava o zíper de sua calça, introduzindo seu membro onde segundos

antes seu dedo esteve. Um gemido lhe saiu ao primeiro contato e foi Misha, com

um olhar agora brincalhão, quem colocou um dedo nos lábios para que se calasse,

o mesmo dedo que antes estava em seu interior, esse mesmo que logo lambeu sem

nenhum pudor.

— Silêncio…

Eles podiam escutar perfeitamente o que diziam e como gemiam, o que Ira

não sabia nem imaginava era que seus vizinhos não podiam vê-los e, como não

sabia, quando Vadik olhou para a janela, ela tentou afastar-se, assustada,

engolindo um grito que foi sossegado pela mão do russo, quem estava

desfrutando enormemente com a situação.

— Não faça ruído — sussurrou em seu ouvido, — ou já sabe o que vai

acontecer — anunciou enredando os dedos em seu cabelo fazendo-a sentir.

Ela negou com a cabeça enquanto Misha investia com gosto um par de

vezes para saciar sua sede.

Era espantoso, custoso e quase impossível suportar aquelas investidas sem

dizer nada, sem poder gritar, sem poder ofegar, o prazer que estava lhe

proporcionando só se expressava de uma maneira e era justamente como não

podia fazê-lo. Sua respiração se acelerava a cada segundo mais excitando-o, ele

estava a ponto de gritar como um possesso. De repente já não pôde aguentar-se

mais e um som gutural emanou dele como um verdadeiro animal, levando-a

consigo, caindo ao chão ambos de joelho.

Quando ela se deu conta o primeiro que fez foi cobrir-se e olhar pela

janela, para ver quem estava olhando para eles.

Antes que pudesse se afastar ele a rodeou com os braços, levantando-a,

para logo deixá-la cair lentamente, desfrutando de tudo o que intensamente lhe

estava proporcionando. Agora ele estava do outro lado, apoiado na parede de

vidro enquanto Ira tinha a metade do corpo no chão. Rapidamente lhe deu a volta
e antes de que ela pudesse falar colocou a língua em sua boca, agarrou-lhe a cara

com firmeza e a fez abandonar-se, bebendo cada um de seus gemidos. O destino

para ela era inevitável, impossível fugir e com desespero chegou ao final do

abismo, mas antes lhe soltou a boca.

— Agora sim pode gritar, e eu vou desfrutar.

Agarrou seus punhos por sobre sua cabeça com uma mão e começou a

meter-se nela novamente. Ira não conseguia pensar, não podia, suas sensações

falavam por ela, seus ofegos gritavam por ela e seus olhos diziam o que sentia.

— Quer gritar? — perguntou-lhe em um sussurro, — pois pode fazê-lo.

De uma última investida a fez desfrutar colocando-se sobre ela,

esvaziando-se completamente em seu interior. Ira podia fixar-se em cada

movimento de seu corpo, a luz iluminava aos dois sem deixar nenhuma sombra a

seu redor. Ela se retorceu sob seu corpo gritando de prazer, nunca em sua vida

havia sentido tanto, nunca em sua vida tinha estado tão exposta, nunca em sua

vida tinha feito uma coisa assim.

Com cuidado Misha se separou. Esperando sua reação, aferrou-a com força

e lhe beijou a testa. Ira ficou com os olhos fechados pensando em tudo o que tinha

acontecido. Não entendia nada, tinha enganado ao vor e ao Ahmed? Não só a

eles, mas também a ela, tinha-a feito acreditar que seriam escutados e tinha

acreditado nele, isso era melhor que uma atuação para obter o Óscar, era… muito

mais.

Estava totalmente instável, sem nada claro, não entendia nada. Sentiu

temor de tudo o que tinha acontecido. E se um dia ele simplesmente se cansava e

lhe dava uma verdadeira lição? Ou acreditava que era e não o era? Apertou os

olhos mais fortes quando Misha passou seu cabelo por detrás da orelha, recordou

a sua equipe e foram os inquisidores olhos do Brad os que lhe apareceram.

— Deixa de pensar tanto — lhe disse como se estivesse lendo seu

pensamento. — Espero que agora possa confiar um pouco mais em mim.


— Tem certeza de que você não gosta de mentiras?

— Ira…

Logo depois disso soltou uma grande gargalhada que retumbou por todo o

lugar, fazendo em parte que ela esquecesse tudo o que pensava.

Quase duas horas depois, incrivelmente ele seguia acariciando suas costas.

Foi o sonoro ruído da porta o que os fez ficar de pé de um salto. Em coisa de

segundos Ira se vestiu, enquanto com toda a calma do mundo Misha vestia as

calças.

— Poderiam ter se unido à festa — falou Vadik observando-a com o olhar,

— com a sua experiência poderia ter nos dado uma aula.

— Vadik…

— Bom, acredito que eu poderia dar aulas para você, afinal essa é uma das

obrigações do trabalho do vor — expressou passando pelo lado de Ira, e ao fazê-lo

agarrando sua bunda e beliscando-o — logo a terei… — sussurrou sem parar-se.

E pela primeira vez Ira temeu ante uma ameaça velada.

Dentro da limusine que os levava de volta só foram eles dois, o árabe se

retirou a seu hotel e o vor a um destino desconhecido, ele continuaria a festa em

algum outro lugar, ele ainda tinha que apagar sua sede.

Ao chegar à mansão, em um arranque de espontaneidade, Misha a agarrou

pela nuca e a beijou com ferocidade, e ao soltá-la notou que algo lhe faltava.

— Você perdeu um brinco.

— Oh…! — exclamou Ira fingindo surpresa, claro, ela não ganharia um

Óscar, mas ao menos sim uma nominação aos “Globos de Ouro”. — Misha, era de

minha mãe.

— Quantas coisas herdou de sua mãe? — Riu com humor pensando no

colar.

— Não terei nada mais dela se o perco — suspirou com nostalgia.

— Me espere no quarto, ligarei para o clube para que o busquem.


— E… em seu escritório? — murmurou mais baixo afastando o olhar dele,

podia ser atriz, mas não uma desavergonhada sem memória.

Sem lhe dizer nada a agarrou pelo braço para dirigir-se à escada que levava

ao segundo andar. Apesar de ter passado várias vezes por aí Ira ainda se

surpreendia da segurança desse corredor, definitivamente era infranqueável, não

só pelos dois gorilas que custodiavam a entrada e os outros dois que estavam na

porta do escritório, mas sim também pela porta de acesso com leitor digital, e

somado a isso, um código de mais de dez dígitos e… alfanumérico!

Ao sentir a despressurização da porta ambos entraram. Ira imediatamente

se deu conta de que sobre a mesa havia uns planos. Claramente eram de um

hangar e rapidamente memorizou o número que estava nele. Era um código de

acesso e junto a ele uma direção de correio eletrônico mais uma chave.

— Vamos, se apresse, não tenho o tempo todo.

Fingiu que buscava um pouco mais. Sabia perfeitamente onde estava, e

quando o encontrou deu um grito de autêntica alegria.

Uma vez que saíram, ele voltou a fechar com mesmo cuidado que entrou.

Ira sorriu, sabia que ao pôr um pé fora desse escritório o microfone começaria a

transmitir toda a informação, isso se é que não o tinha feito já ao vivo e em direto.

Quando chegaram ao quarto, Misha caminhou atirando-se direto à cama.

Ira, embora não quisesse reconhecer, estava nervosa, não desejava deitar-se a seu

lado, o que fariam, “dormiriam de conchinha”?

— Está com fome? — perguntou ainda da entrada.

— De você… sempre. — Abriu os olhos, fazendo-o rir novamente a

gargalhadas.

— Vem, deite-se.

No dia seguinte, inclusive antes de que amanhecesse, Misha se levantou,

deu-lhe um beijo na testa e partiu, tinha muitas coisas que fazer.


Por sua parte Ira não tinha dormido nada, sua mente corria com mil e uma

opções da conversação. Tinha que informar-se de algum jeito, por isso quando

terminou de amanhecer se vestiu, procurou a Katiuska e, com a promessa de ir

comprar bonecas no centro comercial, saíram nessa direção, mas não foram

sozinhas, a babá as acompanhava e os mesmos dois grandes gorilas que a

escoltaram no dia anterior exercendo de guarda-costas.

Durante todo o trajeto foi transmitindo sua localização e esperava que seus

companheiros entendessem a mensagem subliminar que estava enviando a eles.

Meia hora depois chegaram a um concorrido centro comercial. A pequena

estava feliz, nunca tinha tido uma saída assim, não foi difícil despistar os guarda-

costas e entrar em uma grande loja de bonecas, onde se podia escolher de tudo

tanto para ela como para o brinquedo.

Enquanto estavam escolhendo Ira, melosa, aproximou-se da babá.

— Escolham o que queiram, eu voltarei dentro de um momento.

— Onde você vai? — quis saber a garota russa muito interessada.

Depois de pensar uns segundos respondeu:

— Vou comprar lingerie para mostrar ao Misha, você… você me entende,

certo?

A moça se ruborizou pelo que escutava e feliz assentiu com a cabeça.

Justo antes de sair viu como Sergei e Mijaíl flanqueavam a entrada.

Amaldiçoou um momento até que pensou em um novo plano.

Comprou uma boina fúcsia, um casaco da mesma cor e junto a um grupo

de meninas com suas mães saiu totalmente camuflada entre a multidão.

Correu como uma louca pelos corredores, as pessoas as olhavam sem

entender nada, até que de repente se topou totalmente com a loja de lingerie, tirou

a boina, arrumou seu cabelo e entrou. As vendedoras do lugar estavam ocupadas

atendendo a uma modelo que tinha chegado minutos antes assim, aproveitando-
se dessa oportunidade, agarrou um par de objetos e entrou em setor de

provadores.

Só dois segundos passaram até que tocaram a sua porta.

Jeff e Blake entraram como um furacão, agora conversavam os três dentro

de um pequeno cubículo com um grande espelho.

— Você está bem? — foi o primeiro que perguntou seu amigo.

— Me digam, o que sabem? — pediu evitando a resposta, sabia a que se

referia e não estava preparada para responder. — Quando e onde será a entrega?

E Brad?

— Vamos por partes, garota superpoderosa. Antes de mais nada,

felicitações pelo brinco, muito inteligente de sua parte.

— Sou muito profissional — comentou piscando um olho para aliviar o

ambiente, que se podia cortar com faca.

— Sim, muito profissional — zombou Jeff.

Só o olhou e com isso transmitiu tudo o que desejava, eles não

necessitavam de palavras.

— Se já terminaram, agora nos ponhamos sérios, isto é grave. O maldito

idiota usou um porto franco como base de operações. O melhor ponto para

esconder coisas ilegais é junto a coisas legais.

— Um porto franco? — bisbilhotou Emily sem entender.

— Chama-se assim aos armazéns de mercadoria em trânsito entre os

destinos internacionais, ou seja, se usam para armazenamento por vários dias. É

terra do país que o usa por dizê-lo de algum modo, entende? — perguntou para

assegurar-se. Chegado a esse ponto não podia ficar nada sem esclarecer. —

Perfeito —disse ficando sério quando ela assentiu e olhando aos dois continuou.

— Ahmed já introduziu o urânio, isso quer dizer que não podemos confiar

cegamente em nossos contatos russos. — Emily fechou os olhos, infelizmente já o

esperava. — Isso quer dizer também que o maldito não só está negociando com o
Vadik, mas sim com o melhor comprador, não sabemos quem é sua outra opção e

não temos tempo para averiguar.

— Merda — protestou ela. — Mas o que sim sabemos é que a mercadoria

está e ele mesmo a introduziu no país por uma enorme soma de dinheiro.

— Sim e não.

— O que?

— Não é só dinheiro o que Ahmed levará da Rússia — prosseguiu Jeff, —

também negociou por outro tipo de mercadoria.

— O que… que outro tipo de mercadoria? — gaguejou com o olhar fixo na

porta do provador, já quase podia adivinhar a resposta.

— Uma vintena de mulheres e homens serão entregues para usá-los como

escravos. Esse desgraçado… — vaiou furioso, — trafica seres humanos, isso foi o

que veio buscar nos países do Leste. Só aceitou o trato com o Vadik porque o filho

de puta, além disso, entregou-lhe como bônus extra uma certa quantidade de

virgens, que serão entregues no mesmo dia.

— Meu Deus! — exclamou a agente tampando a boca. De repente havia

sentido uma vontade espantosa de vomitar, a mesma vontade que havia sentido

antes.

— Emily, necessito que você se concentre — Jeff a trouxe para a realidade.

— A entrega será dentro de três dias. O sunita enviará uma mensagem a um

endereço de correio que só eles conhecem definindo a hora exata da transação.

— Não é necessário que você nos dê — interveio Blake ao ver sua cara,

pensando em que ela não sabia como conseguir. — Estaremos infiltrados com

uma unidade de apoio a partir de amanhã no porto.

— O serviço russo é confiável? — quis saber aniquilada.

— Não — negou Jeff com a cabeça, — o apoio são forças especiais do nosso

país, chegam esta noite.

— Nossas ordens mudaram?


— Sim. Não podemos confiar em ninguém, nem na polícia. O país está

sendo praticamente dirigido por homens como Vadik. Multinacionais, bancos e

comércios estão protegidos pela máfia vermelha, inclusive estão coagindo na

política. Os vor zakone estão em todo lugar, não sabemos qual é sua verdadeira

implicação no SVR, por isso atuamos sozinhos.

— E como vão julgá-los? Se a política está implicada, a justiça também

pode ser corrompida — falou exasperando-se. Tantos meses para nada, tanto

esforço seria jogado no lixo.

Novamente Jeff negou com a cabeça, sabia que não gostaria do que ouviria

a seguir.

— Não ficará ninguém a quem julgar.

— Por isso, você — se apressou a falar o outro agente, — sairá dessa casa

assim que o russo partir. Não vamos correr nenhum risco, você me entende?

Devemos ir essa mesma noite porque o país entrará em caos.

— E… e Katiuska?

— Você não pode fazer nada! Não é uma super heroína, Emily! — gritou

sem importar o lugar.

— Merda, Jeff, baixa a voz —repreendeu seu companheiro.

— Agente — disse falando com ela como superior nesse momento, — Brad

queria tirar você do caso ontem, desde que sabe o que acontecerá. Nós estamos

colocando tudo neste caso, e se você ainda fica é porque precisamos saber se algo

vai mudar. Há muito em jogo. Podemos confiar em você?

Emily olhou-o. O que acabam de lhe dizer era brutal, a bratva do Vadik e

todos seus integrantes, inclusive Misha deixariam de existir em três dias. Como

pôde assentiu com a cabeça e nesse momento a porta se abriu.

Jeff a abraçou com carinho e sussurrou em seu ouvido:

— Um clique e estarei contigo. Não esqueça, Ems.


Capítulo 10

Saiu pensando em tudo o que lhe haviam dito, não havia como voltar atrás,

se converteriam em caçadores. Com dissimulação limpou as lágrimas que caíam

por sua bochecha. Sem ser vista por ninguém entrou na loja de bonecas e o

primeiro que fez foi abraçar a Katiuska.

— Não comprou nada? — perguntou a babá tirando a de seu estupor.

— Não… não havia nada — e levantando-se rapidamente perguntou. —

Você tem família aqui?

— Meus pais vivem em Volgogrado, no interior, é muito bonito.

Isso a deixou mais tranquila, podia ver o amor que a menina lhe professava

e queria pensar que se algo acontecia ela poderia ficar bem.

— Perfeito.

Bem entrada a tarde retornaram à mansão. Não tinha vontade de brincar,

mas tinha prometido, assim sem demora, foi ao quarto e tiraram as lindas bonecas

que tinham comprado.

Brincaram por muito tempo, inclusive riu com as ideias da Katiuska

quando lhe perguntou como queria chamá-la.

— Me diga, me diga um nome que não seja o teu, assim poremos a esta

boneca.

— Ems… — suspirou pensando em lhe deixar alguma lembrança.

— Eu gosto!

Depois disso ambas ficaram a rir, fazia tanto tempo que não dizia seu

próprio nome que se afligiu ao pensar que Misha soubesse.

Nisso estava pensando quando escutou:

— Veem para cá.

Katiuska ao vê-lo aparecer assim, do nada, atirou-se aos braços dela como

lhe pedindo amparo, coisa que lhe chegou até a medula dos ossos.
Ira franziu o cenho reprovando sua atitude, alguma vez ia ter uma atitude

carinhosa para sua pequena?

Ele a olhou zangado, embora minutos antes a estivesse observando

enquanto uma estranha sensação lhe invadia o corpo.

— Não vou repetir.

Levantou-se com parcimônia e deixou as bonecas de lado sentindo uma

irritação descomunal. Tinha em seu interior uma pequena esperança de que

sorriria à pequena, que ainda estava assustada, mas não, em realidade não podia

esperar nada de um homem assim, um homem que por um lado dizia que ia

cuidar dela e por outro era capaz de entregar pessoas em troca de um poderoso

elemento capaz de fazer voar milhares de quilômetros quadrados. Estava errado,

como podia sentir coisas por um homem assim? Porque podia negar-lhe ao

mundo, mas não a ela mesma. O que sentia por Misha jamais havia sentido, e

agora o fazia precisamente com um terrorista.

— Onde foi hoje?

— Ao centro comercial — respondeu soltando-se de seu agarre, estava

ainda confundida com o que sabia.

— E essa é a forma que tem de ensiná-la? — grunhiu molesto, ocultando as

verdadeiras razões de seu desgosto.

— Só saímos umas horas.

— Eu não te autorizei a sair.

Ira abriu os olhos como se lhe fossem sair.

— Não vou ficar trancada aqui — espetou com frieza, estava odiando-o.

— Ficará aqui nos próximos dias com a cria porque eu estou ordenando

isso.

— Pelo menos poderia chamar a sua filha pelo nome — murmurou raivosa,

— poderia lhe demonstrar um pouco de carinho, um pouco de humanidade…

algo que pelo visto você não tem.


— O que está querendo me dizer?

— O que escutou.

— Chega, estou farto! — gritou perdendo os estribos e ele nunca os perdia,

mas Ira estava zangada, ferida, sobretudo afligida pelo que sabia. — Não sou o

que você pensa que sou!

Ira fechou os olhos. Como queria acreditar nele, mas rapidamente surgiram

imagens das vinte pessoas em sua mente, e ao voltar a olhá-lo o fez com ódio.

— E… como penso eu que é, Misha? — perguntou em um fio de voz. Isto a

estava rasgando por dentro. — Porque como eu te vejo você não gostaria de sabê-

lo. Não tem nem ideia de como te vejo.

— Não tem nem puta ideia de como sou, maldita seja! Não me conhece!

— Nem você tampouco a mim, russo de merda — expulsou com toda a

raiva que podia sentir.

Enquanto a discussão subia de tom algo aconteceu. De repente Katiuska

apareceu atirando-se a seus braços, desarmando aos dois.

Nesse momento ambos se calaram e Ira lhe fez um gesto para que as

deixasse. Ela arrumaria o problema, agarrou-a em seus braços e a levou de volta a

seu quarto.

Depois de quase uma hora ela saiu, e é obvio ele a estava esperando com os

braços cruzados para seguir a discussão.

— Rendo-me — disse levantando as mãos ao vê-lo com a mesma cara de

besta de antes. — Me diga o que queira — continuou fulminando-o com um olhar

inexpressivo.

— Temos uma conversa pendente — foi quão único disse e a segurou pela

mão até que chegaram a seu escritório. Era tal a cara que trazia que nenhum dos

homens sequer o olhou, simplesmente lhe abriram caminho e se pudessem virar

fumaça certamente teriam feito.


Uma vez dentro Ira se sentou afastada dele, que dava voltas como um leão

enjaulado a olhando pelo canto do olho.

— Você dirá.

— Não ficou claro ontem o que viu?

Ela não falou, a verdade é que não entendia nada.

— Me olhe! Estou perguntando a você, Ira.

— O que quer que te diga? Ontem vi uma mulher, não a uma menina, está

contente?!

— Sim, maldição, sim — disse ajoelhando-se frente a ela. — Necessito que

confie em mim apenas por uns dias, logo tudo será diferente.

Ela negou com a cabeça sem entender nada e antes de que voltasse a falar

pôs dois dedos em seus lábios. Sabia que tudo o que dissesse o estariam

escutando, agora mais que nunca.

Misha sustentou seu rosto com suas grandes mãos. Desejava e precisava

lhe transmitir muitas coisas, principalmente lhe rogar uns dias e que confiasse

nele. Isso era pedir muito?

Tinha que fazer algo. A fez se levantar e ele caminhou até seu computador,

teclou um código de acesso que ela memorizou sem que se desse conta, abriu uma

pasta e viu fotos de várias meninas.

— Observa — lhe disse quase em um sussurro.

Ira posou o cursor sobre as fotos e… observou, observou atenta e

cuidadosamente utilizando os cinco sentidos. Não eram meninas, eram adultas.

Não que isso não fosse um delito, mas ao menos não era um capital. Levantou a

vista e ele a estava olhando de uma forma meio estranha. Acariciou a bochecha

dela com delicadeza. Não o interrompeu, apenas se deixou acariciar sentindo

como algo doloroso abria caminho em seu peito. Quem esse homem era

realmente? Era tão mau como ele queria que todos acreditassem?
— O que sou não vou mudar nem me arrependo, mas isso sim que não sou

— murmurou olhando-a com doçura.

Ira lhe sustentou o olhar, e podia notar que em seus olhos havia

sinceridade. Isso a rasgou ainda mais, mas devia continuar, era uma agente

qualificada e a missão já estava chegando a seu fim, por muito que ela desejasse

com todas suas forças que fosse diferente.

Logo depois disso se abateu um silêncio estranho sobre eles, somente se

olharam sem mediar palavra. Nisso estavam quando a porta de repente se abriu e

era o próprio Vadik, que com um grande sorriso ingressava.

— Têm festa e não me convidaram? — zombou repetindo o que sempre

dizia quando os via juntos, enquanto Ira ficava de pé rapidamente.

— Não, me diga, o que necessita?

— Muitas coisas, querido amigo, muitas coisas que você me pode dar,

embora uma… — disse olhando-a, — eu duvido.

— Vai —Misha ordenou a Ira, quem saiu o mais rapidamente possível. Ela

já tinha tomado uma grande decisão.

Sua mente trabalhava a milhares de quilômetros por hora. Desejou com

todas as suas forças ter um computador para poder as pôr em ordem, mas não

tinha.

Como autômato perambulou pela casa, devia pensar, o tempo estava

contra ela. Talvez não fosse o melhor plano e não sobrevivesse, depois de tudo o

faria sozinha, sem equipe, especialmente sem que ninguém soubesse. Era muito

complicado, mas ainda difícil mais de entender, simplesmente seguiria uma

intuição pela primeira vez e esperava ser a garota superpoderosa para poder

resistir, quebraria muitas regras tanto pessoais como profissionais. Mas não

importava, havia algo que lhe dizia que devia fazê-lo e o único que jogava a seu

favor era que ela tinha os dados do correio, e o mais importante: a chave que

devia pôr nele.


*************

Muito entrada a noite, Misha ingressou no quarto, Ira dormia

profundamente, e ele se dedicou a observá-la, não havia nada nessa mulher que

não lhe chamasse a atenção. Ficou pensativo e caminhou até sentar-se a seu lado,

era como se algo o obrigasse a chegar até ela. Tentou não atender o que sua mente

e algo a mais lhe diziam, mas era impossível, o que sentia para aquela mulher era

superior à sua vontade, não sabia como definir, mas com ela lhe tinham

acontecido coisas por dizê-lo de algum jeito, “estranhas”.

Ele sempre tinha acreditado que podia controlar os sentimentos, que ele

podia, de fato assim o tinha feito durante toda sua vida, já que via como homens

se envolviam nessa teia de aranha e não saíam jamais, inclusive alguns eram

absorvidos tendo o mesmo resultado. Por isso há muitos anos tinha decidido

fechar todo tipo de sentimentos e concentrar-se em seu trabalho por isso era um

dos melhores, ninguém podia negar. Mas de repente, de um nada Ira apareceu e

todas as suas regras internas começaram a rachar-se, nem sequer lhe importou

que fora prostituta e muito menos o trabalho que exercia, bastava um só de seus

olhares e algo acontecia em seu interior. Tampouco lhe importou ter que comprá-

la para poder estar com ela, sabia que essa seria a única maneira. Não fazia as

coisas pela metade na vida, era tudo ou nada, e ela tinha dono com nome e

sobrenome, inclusive o tinha tatuado em sua pele.

Começou com cuidado a tirar os lençóis e a lhe acariciar a pele, era tersa e

suave. Logo aproximou seus lábios, desejava senti-la e como sempre passava se

queimou ao primeiro contato, mas já não se importava.

— O que faz comigo, devochka…?


Ira tremeu ao sentir aquele sussurro quente perto de seu ouvido e foi nesse

momento que Misha aproveitou para estreitá-la entre seus fortes braços.

— Só uns dias e tudo mudará…

E assim começou a lhe dar quentes beijos por todo seu corpo. Queria

despertá-la, vê-la e é obvio enterrar-se em seu corpo.

Despertou um tanto desorientada, envolta naquele homem que respirava

agitado e tinha o coração acelerado.

— O que… o que passa?

Não obteve resposta, ao menos verbal, porque em troca recebeu uma muito

corporal. Misha começou a mover os quadris para ao fim encontrar o alívio que

procurava. Com mestria e uma delicadeza que jamais antes tinha tido a penetrou

lentamente sem deixar de olhá-la aos olhos, mas o que ela via em seu olhar era

martírio, uma grande tortura.

— Misha… o que acontece? Está bem? Em mim pode confiar — assegurou

tragando o nó de sua garganta.

— Não, Ira. Não posso.

— Confia em mim, por favor — pediu com a última esperança que tinha.

Ele negou com a cabeça e em coisa de segundos seu rosto mudou, agora

ante ela aparecia o homem insensível e poderoso de sempre.

— Não preciso compartilhar nada contigo que não seja isto — respondeu

penetrando-a ainda mais, ficando à defensiva.

— Então acaba de uma vez o que está fazendo — respondeu decepcionada,

mas sem lhe mostrar nenhum pingo do que verdadeiramente sentia, — e me

deixe dormir.

Depois de escutá-la Misha apertou os dentes quadrando sua mandíbula,

irritado ante o que ouvia. Começou a possui-la como tanto o necessitava, sem lhe

dar trégua, de uma forma brutal. Nem sequer se deteve quando ela chegou ao

orgasmo, mas sim seguiu inclusive muito além de seu próprio final. Em nenhum
momento deixou de beijá-la, inclusive com desespero. Lhe doía tudo, mas não

importava, a dor passaria, essa seria a última vez que estaria com ele e

aproveitaria ao máximo. Nenhum dos dois fechou os olhos em toda a noite,

nenhum dos dois voltou a dormir.

— Me diga seu nome — pediu em meio ao ardor que se estavam

professando. Ela o olhou sem entender nada e ele com a voz carregada lhe

esclareceu. — Não Ira, seu nome… por favor.

Deus! Tinha-lhe pedido “por favor”. Como lhe pedia isso? E em um

momento assim onde era quase impossível negar algo. Não podia lhe dar essa

informação tão confidencial, muito menos a ele, mas já que não haveria um

amanhã, fechando os olhos como se lhe custasse, pronunciou:

— Ems…

— Como o nome da boneca — sussurrou tremendo entre seus braços,

sacudindo-se no último estertor que seu corpo produzia, beijando-a imensamente

com muita suavidade. E assim, com beijos tenros, adormeceu, enquanto Ira

riscava círculos imaginários em suas costas, enquanto se recriminava com o que

acabava de fazer. Tinha lhe dado seu nome. Fechou os olhos pensando em tudo o

que Brad e seus companheiros estariam fazendo nesse momento.

*************

Logo que amanheceu o russo deixou de estar no corpo de Ira. Ao levantar-

se sentiu pela primeira vez o formigamento de suas extremidades. Estava

totalmente extenuado fisicamente, mas totalmente rejuvenescido em seu interior.

Não sabia como exteriorizar o que sentia, mas tinha que lhe dar uma ordem, e se

algo saía mau, seria a mais importante.

— Acorda — espetou sem indício de carinho. Quando ela abriu os olhos,

avermelhados pelo cansaço, ordenou-lhe. — Preciso ir, se não retornar em três

dias quero que tire tudo da caixa forte e parta para longe.
— Mas…

— Não há mais, porra! Com o que encontrará aí pode viver e se dedicar ao

que quiser — anunciou enquanto anotava uma série de números sobre um papel

e entregava a ela. Não podia nem queria ficar e falar mais com ela. Levava anos

ocultando sua verdade, anos forjando um nome e anos despojando-se de todo

tipo de sentimentos até que tinha chegado ela. Três letras de um nome que lhe

tinham desordenado a vida, implicando-o em problemas que ela nem sequer era

capaz de imaginar.

Ems, esse era seu princípio e seu final.

Com um beijo na testa se despediu dela e antes de que atravessasse o

quarto escutou:

— Me despeça da Katiuska.

Ante isso apenas seguiu, sem olhar para trás, sem remorsos. Assim Misha

saiu desse quarto, e com isso também do mundo de Ira e da vida do Emily

Claxon.

Mas…

Agora era sua vez de atuar.

Assim que a porta se fechou um silêncio entristecedor se abateu sobre essas

quatro paredes. Sem adiar mais a situação se levantou, tinha menos de quarenta e

oito horas para executar o plano mais arriscado de sua vida. Depois de banhar-se

tirou um dos vestidos Misha tinha lhe presenteado, escolheu o mais chamativo,

justo o que Emily Claxon não usaria jamais, e o vestiu. Maquiou-se acentuando os

traços da cara e pôs sobretudo ênfase em seus lábios. Sim, era uma Ira 2.0 a que

lhe devolvia o olhar do espelho.

Com cuidado, e sabedora do que fazia e suas consequências, tirou os

brincos, deixando-os sobre a mesa de noite. Quão único rogava era que os

meninos pensassem que ainda dormia depois da amalucada noite que teve.

Nada mais longe da realidade.


Tomou seu casaco e baixou. Os guarda-costas que cuidavam dela ficaram

pasmados ao vê-la, jamais a tinham visto assim, e isso era todo um privilégio para

a vista.

Por fora parecia que estava controlada, com um olhar duro e tão frio como

a Rússia, quando em realidade era justamente o contrário. Foi tão cortante e direta

a ordem que deu aos gorilas que estes apenas assentiram com a cabeça. Seu

destino, um concorrido restaurante localizado na Praça Vermelha de Moscou.

Ao descer, só com o olhar, disse aos homens que a acompanhavam que

ficassem. Ela entraria sozinha.

O restaurante era um dos melhores de toda a cidade. Cozinhavam-se os

pratos típicos da Rússia, que eram servidos com toda a distinção e

aprimoramento do lugar. Sentou-se segura em uma das mesas do fundo, onde

ninguém a podia ver. Com elegância pediu ao garçom e este se desfez em

adulações por atendê-la. Uma vez que se foi, rapidamente sua cabeça começou a

dar passo à primeira parte do plano.

Foi muito simples sair pela porta traseira do local, e só lhe bastou abrir o

casaco para parar ao primeiro táxi que passava por aí.

Dez minutos depois chegavam ao lugar indicado, seu verdadeiro destino.

— Me espere vinte minutos, se não retornar pode ir embora — ordenou

com o olhar pétreo, lhe entregando um maço de dinheiro.

Deixou o casaco e caminhou erguida até a porta do edifício branco que

tinha em frente. Quatro homens de terno custodiavam a porta e duas luxuosas

Mercedes Benz estavam paradas em um canto, preparadas para sair em qualquer

momento.

Já estava quase nas garras do lobo.

Enquanto avançava se fixou em dois franco-atiradores posicionados no

parapeito.
«Imbecis, posso vê-los a quilômetros », pensou enquanto avançava, até que de

repente dois homens saíram a seu encontro, apontando-a com suas metralhadoras

PKM carregadas.

— Pare!

— Venho ver ao Zakhar.

Os homens se olharam entre si e logo começaram a rir. Quem acreditaria

nela? Ira o notou, assim rapidamente optou por trocar de tática.

— O vor não gosta de esperar, deixa de me olhar e vá avisar lhe que seu

presente de natal antecipado o está esperando.

Os homens voltaram a se olhar e, antes de que alguém respondesse, Ira

voltou a falar.

— Tenho notícias do Ahmed.

Os gorilas se olharam sem entender nada, mas foi o que estava mais atrás o

que se aproximou agora até ela.

— O que disse, puta?

— A você não tenho que dizer nada. Quero ver o vor, diga a ele que tenho

notícias sobre o que tanto busca. Será acaso um… mineral?

O homem sem nenhum cuidado a pegou pelo braço e começou a arrastar

pelo edifício. O que disse era totalmente confidencial.

— Me solte, disse-te que quero falar com seu vor.

— É a puta do Misha — a reconheceu falando com respeito, não a ela, mas

sim ao russo que tinha uma grande fama que o precedia. — Não deveria estar

aqui.

— E você tampouco — vaiou entre dentes. Ela o tinha estudado e sabia

perfeitamente quem era esse homem, de fato seu plano já estava marchando sobre

rodas. Era ele, a mão direita do vor, a quem tinha que lhe chamar a atenção, e já o

tinha conseguido. — A delegacia está meio longe daqui. Verdade?


Ivano apenas a olhou, essa mulherzinha sabia demais. Seguiu arrastando-a

até que a deixou sozinha em uma habitação, custodiada por dois camaradas mais.

O homem saiu da habitação e depois de vários minutos, que a Ira lhe fizera

eternos, voltou a entrar, mas esta vez não vinha sozinho, mas sim nada menos

que com o vor. Sim! Esse era seu objetivo final.

— Não acredito no que vejo. Sim que é preciosa — falou com total

parcimônia Zakhar entrando na habitação, depois de fazer um gesto a seu

guarda-costas para que a revistasse completamente. Ele, com a tranquilidade que

o caracterizava, olhou a operação sentando-se no fundo sobre um grande sofá de

cor vermelha.

Ira prendeu o ar enquanto a revistavam… e de passagem a tocavam um

pouco mais. Quando acabaram, ela, com um elegante caminhar, chegou até seu

lado e teve que deixar de respirar quando o vor acendeu um charuto lhe largando

a fumaça na cara.

— Zakhar Milav, vor zakone — se apresentou com superioridade, — mas

isso você já sabia, certo?

— Irina ou Ira, como preferir me chamar — respondeu improvisando, não

esperava nem contava com apresentações. Tinha os minutos contados e os estava

perdendo. — Sei quem é e o que lhe interessa, por isso vim.

— Negócios ou prazer? Por qual dessas duas coisas vieste? — perguntou

escrutinando completamente.

Esteve a ponto de lhe apagar a expressão maliciosa do rosto com uma só

bofetada, mas em vez disso lhe dedicou seu melhor sorriso antes de responder,

não podia falhar, tinha uma só oportunidade.

— Negócios — respondeu com tranquilidade e a seguir olhou a seus

homens, era muita gente a que estava nesse lugar, — e não acredito que deseje

que tanta gente escute o que vim a oferecer.

Com arrogância o vor fez um gesto e todos menos Ivano saíram da sala.
— Estou ouvindo — a apressou enquanto aspirava novamente seu charuto.

Era agora ou nunca.

Agora se jogaria sua vida como Ira, como agente, e o mais importante,

como pessoa, já que seus valores estariam implicados.

— Sei do trato que perdeu com o Ahmed Zeliff e eu sou a pessoa que pode

lhe ajudar a recuperá-lo.

Nesse momento deixou de fumar e um ambiente tenso se fez na habitação.

Lentamente se endireitou descruzando as pernas, lhe fazendo agora gestos a sua

mão direita para que saísse, isso veria sozinho e diretamente com ela.

— Me escute bem — vaiou completamente atento a ela, — se está

brincando comigo ou me faz perder tempo não sairá daqui e me importa uma

merda que seja a puta de vez de Misha e que Vadik seja seu vor. Estamos claros?

— Toda a informação que tenho é de primeira fonte — começou a dizer

olhando-o de frente, enquanto ele passava a mão pelo próprio pescoço, — sei que

perdeu o trato porque Ahmed não só queria um pagamento em efetivo…, mas

sim também um de carne e osso. — Isso fez que o vor levantasse as sobrancelhas

surpreso. — E como se isso fosse pouco, obteve como prêmio a algumas menores

que foram treinadas e adestradas pelo Misha.

— Vá… vá, agora sim captou minha atenção — murmurou surpreso ante

tanta informação. Ele e seu bratva traficavam principalmente com drogas e armas,

mas seu negócio não era nem a prostituição nem o tráfico mulheres, isso deixaria

para a outras organizações com menos escrúpulos, como a do Vadik, que era se

não a mais, uma das mais importantes de todo o país e seus arredores, inclusive

se comentava que até na América Latina se estendiam suas redes.

— Além disso, sei o lugar e hora da entrega — continuou Ira sem revelar

que ela tinha o único código de comunicação. —Agora lhe parece importante

minha informação?
O vor afirmou com a cabeça e se aproximou dela agarrando-a pelos

ombros, pondo seus cinco sentidos em alerta. Se tentava algo não duvidaria em

responder, embora toda sua operação fosse a merda por isso, não perderia a vida

sem defender-se ao menos.

— E se já negociou com o Vadik, como vou obter eu esse carregamento? E o

mais importante — sussurrou em seu ouvido, — em troca do que?

— Porque eu lhe darei a hora e o lugar da entrega, o que faça com o sunita

não me importa.

— E o que quer em troca?

— Nada.

Um grande estrondo em forma de risada se ouviu por toda a habitação, foi

tanto que inclusive a fez tremer.

— Sempre disse e hoje reafirmo, o inferno não tem tanta fúria como a de

uma mulher despeitada — reconheceu afastando-se para ver a cara dela,

entrecerrando os olhos. — Me diga, o que esse homem te fez pelo qual todas

morrem?

— Simplesmente me comprou — suspirou teatralmente, — sou puta, mas

livre e não devia falar de meus problemas com você — bufou olhando o relógio.

— Tenho pouco tempo, toma ou o deixa?

Já era o momento de ficar sérios na conversação e ele sabia, mas queria

prová-la.

— Sou sua única opção, cadela.

— Para falar a verdade não. Sei que o último vor designado também estaria

feliz de receber esta informação, se vim aqui é porque sei que você também

negociou e… — Tomou seu tempo, o que lhe diria a seguir sabia como agente,

não como Ira. — Tem contas pendentes com o Vadik, uma com corpo e nome de

mulher, ou me engano?

— Não — respondeu apertando os dentes com fúria.


— A justiça é a vingança do homem normal, mas… a vingança é sua

justiça. Já lhe arrebataram algo uma vez que considerava seu, deixará que Vadik

ganhe de novo?

— Trato feito — falou sério estirando a mão, — embora não deseje nada

agora, pode me pedir o que queira depois. E agora me diga onde e quando.

Nesse momento Ira começou a lhe relatar seu plano. Em rigor era bastante

singelo, lhe daria a hora e o lugar exato, o resto sabia que seus companheiros o

fariam. Eles e as forças de apoio estariam esperando a bratva do Vadik, e o que

não se imaginavam era que estariam longe de capturá-los a eles.

Quando terminou apertou os lábios esperando sua resposta, também para

eles era arriscado e sobretudo tinham poucas horas para igualar o pagamento, o

terrorista sunita não lhes entregaria nada se isso acontecia.

— Está bem — afirmou logo depois de uns segundos eternos, — posso

conseguir tudo — e chamando um de seus homens voltou a falar, recebendo algo

em suas mãos. — Me localize com este telefone, tem uma linha fantasma,

encriptada, ninguém saberá a quem chamas.

Ao recebê-lo e com um apertão de mãos fechou o trato e saiu do lugar.

Quando pôs um pé fora do edifício sentiu que a alma lhe voltava para corpo, ao

menos salvaria a Misha e a Katiuska, embora não voltaria a vê-los nunca mais.

Fazia isso por eles, embora arriscasse a vida nisso.

Correu até onde estava o taxista. Tinha passado o tempo, mas o homem de

igual forma a estava esperando, e em recompensa lhe entregou o dobro do

pagamento quando a deixou de novo na parte traseira do restaurante.

Ela era perita em muitas coisas, inclusive em escapulir-se entre as pessoas e

passar desapercebida.

Com uma parcimônia que não tinha nesse momento saiu do luxuoso

restaurante, e o primeiro que fez para distrair aos gorilas foi soltar:

— Que asco de comida a sua!


Os homens se olharam sem entender nada, e ela rapidamente se meteu ao

carro e prosseguiu:

— Ninguém come algo tão asqueroso, denigre a seu país, em troca no meu

sim se come bem.

Desde esse minuto em diante, os três sustentavam uma acalorada conversa

sobre comida. Eles defendiam suas posturas, enfurecendo-se a cada segundo

mais, enquanto Ira já estava ganhando o Óscar por sua atuação, mas sua mente

estava muito longe dali. Era agora quando tinha que seguir com a segunda parte

de seu plano, que não era precisamente a mais fácil, a não ser justamente o

contrário. Agora, ao chegar à mansão, tinha que acessar ao computador de Misha,

burlar a segurança, mandar daí a nova informação, intersectar o correio com a

hora da entrega, falsificar o verdadeiro e atrasá-lo para só ela ter a verdadeira

hora da entrega. Para qualquer ser humano normal isso seria quase impossível,

mas não para ela, e não por ser a garota superpoderosa, mas sim porque era uma

das melhores Hacker de seu país e, por que não dizer, do mundo também.

Em seu histórico como Hacker podia atribuir-se ser quão única tinha

burlado o código de acesso do próprio Pentágono e do Banco Central, inclusive

havia desencriptado os códigos de acesso de detonadores nucleares, claro, todo

isso antes de trabalhar para o lado correto da lei. Isso tinha acontecido quando era

jovem, ansiosa e só queria demonstrar que podia tudo, logo se revelou

ingressando no FBI e desde esse dia fazia tudo sob as normas da lei… exceto

agora, que não romperia uma, a não ser todas as regras estabelecidas, jogando-se,

além da vida, sua carreira como agente. Quão único necessitava agora era entrar

no CCTV da mansão do russo e para isso… também tinha um plano.

Ao chegar correu para o quarto, não queria ser incomodada por ninguém,

as mulheres do russo a olharam com desprezo. Para elas, Ira só era um estorvo,

assim nem se preocuparam de lhe perguntar pelo motivo de seu aborrecimento.

Melhor para ela.


Quando chegou, fechou a porta, lançou-se à cama e o primeiro que fez foi

recolocar os brincos e simular que acabava de acordar. Sim, agora não só ganhava

o Óscar, o Globo de Ouro, o Altazor e o Goya.

Não tinha tempo de trocar de roupa, odiava esse vestido, mas nem modo.

Saiu sem ser vista para seguir executando a segunda parte de seu plano. Apesar

de que as câmeras estavam posicionadas estrategicamente, ela já as tinha divisado

em várias oportunidades e sabia perfeitamente onde estavam os pontos cegos.

Tirando o cortador de unhas que tinha escondido em suas mãos, cortou os

cabos da câmara que dava ao corredor e assim seguiu cortando até que apagou

seis de diferentes lugares, para logo baixar e esperar a que os gorilas descessem

correndo pelas escadas que estavam pelo lado onde se encontrava o escritório.

Os homens não demoraram para descer, e foi nesse momento que ela

aproveitou para subir sorrindo. Quando eles detectassem a primeira falha e

voltassem a pôr os cabos, causariam um curto-circuito, fazendo baixar os fusíveis

da casa. Ninguém contaria com que os cabos estivessem cruzados e dirigidos

diretamente à fonte de poder da eletricidade, o cobre era um excelente condutor

de energia, e ela tinha vários brincos desse material que agora, ao ouvir os gritos e

queixas dos homens, estava se certificando de sua utilidade.

Rapov, que era o chefe de segurança, foi o último em sair do escritório

blasfemando, agora não tinha visão alguma no perímetro interior da casa. Ele

pensava que era pelos ineptos de seus homens, quem sabia utilizar armas,

torturar e matar, mas nada de tecnologia de câmeras de vigilância.

Com cuidado e olhando para todos lados Ira ingressou no cômodo, era a

primeira vez que via e ficou pasma ao ver a quantidade de tecnologia que tinham.

Várias telas estavam totalmente sincronizadas, podia ver tanto o exterior como o

interior da mansão. Assim pôde também certificar-se de que todos corriam

tentando solucionar a imperfeição.


Sentou-se diante da mesa dos computadores, todos de última geração, mas

russa, ou seja, nada que umas simples “tecladinhas” não pudessem averiguar.

Com fluidez teclou códigos e como se fossem luzes de árvores de Natal as telas

foram se acendendo. Os monitores começaram a dançar no ritmo que ela lhes

estava dando, magia para seus dedos. Desencriptou um a um os códigos de

acesso do computador de Misha, mas se deteve ante uma ameaça de alerta, se não

introduzia o último código o computador se auto destruiria, essa era sua grande

medida de segurança.

— Não acredito nisso — sussurrou para si, — isto é como no “Inspetor

Bugiganga”, esta mensagem se auto destruirá em 5… 4… 3… 2…1, bingo! —

exclamou quando o código lhe deu luz verde para acessar a todos os arquivos do

computador do russo. Inclusive um grande sorriso apareceu em seu rosto, parecia

um cego que acaba de ver a luz.

Tinha todos os segredos do fantasma a sua total disposição, como lhe

diziam seus amigos, e ao pensar neles voltou a ficar cega, já não lhe iluminou o

rosto, o peso da culpa e a traição a embargaram em coisa de segundos. Deixou de

lado todo esse tesouro virtual para concentrar-se no correio. Abriu-o, e teclando

os códigos memorizados ingressou no correio onde estava a localização e a hora

da entrega.

— Merda!

Com isso sim que não contava, ela esperava que o encontro fosse à noite e

em dois dias, não dentro de tão pouco tempo. Tudo tinha sido adiantado, a

entrega seria em algumas horas.

Com as mãos trêmulas pelo que faria a seguir, enviou uma nova hora de

entrega e esperou.

Esperou apenas cinco longos segundos até que a resposta chegou em forma

de chave, aonde o interlocutor lhe pedia um código de oito dígitos para

autentificar a informação.
Um calafrio percorreu seu corpo, agora tinha uma só oportunidade para

responder, se se equivocava, tudo se ia simplesmente à merda.

Onde estava esse código numérico?!

Não se desesperou, mordeu o lábio, e procurou entre os arquivos

encriptados do computador. Milhares de séries numéricas passavam por seus

olhos, até que como se encontrasse uma agulha em um palheiro este se deteve e

viu como vários números apareciam diante de seus olhos. Sim! Tinha conseguido,

ou melhor dizendo, o troiano que tinha inventado sobre chaves encriptadas tinha

feito, com certeza Jeff estaria orgulhoso dela, mas novamente ao pensar neles o

sorriso se apagou dos lábios.

Ingressou o código, e novamente em cinco segundos recebeu uma

afirmação direta.

Agora sim que já estava tudo preparado. Quão último fez antes de desviar

o correio fantasma ao telefone que tinha foi trocar o IP desse computador. Toda a

informação que possuía se auto destruiria assim que alguém acessasse

diretamente. Reiniciaria do zero. Desde esse minuto qualquer mudança de planos,

via mensagem, chegaria a ela e só ela o receberia. Agora todos jogariam o jogo

que Emily Claxon queria jogar.

Já não havia retorno.

Quando soltou o agarre por seu lábio sentiu como um sabor metalizado se

mesclava com sua saliva, não tinha notado quanta pressão tinha utilizado, tanta,

que o tinha cortado.

Antes de sair, teclou a nova hora e a direção.

O trato estava feito.

Agora só dependia do novo comprador, Zakhar Milav.

Misha e Katiuska se salvariam.

Isso ao menos a fez respirar em paz, embora a cada passo que dava sentia

que todos os anos de serviço, de sacrifício, estavam indo para o lixo, e, por quê?
Por amor.

Um puro e o outro carnal. Mas sim, tudo era por amor.

Desceu pelas escadas sem dar-se conta de que era observada até que

chegou a seu quarto. Meteu-se no banheiro e tirou o espantoso vestido que trazia.

Deu-se uma ducha purificadora, e enrolada numa toalha saiu, agora deveria sair

daquela mansão… seu trabalho estava concluído. Já não tinha nada mais que

fazer ali.

Ficou espantada, e seu corpo não deu nem um passo mais. Vendo-a com

um grande sorriso de suficiência estava Vadik.

— Que sorte a minha, entrar e te encontrar assim — expressou com as

mãos nos bolsos enquanto avançava lentamente para ela, com temor ela dava dois

passos para trás.

— Misha não está.

— Eu sei — respondeu olhando-a de cima a baixo, tirando as mãos dos

bolsos, — está recebendo um pacote para mim, demorará alguns dias em retornar.

— Se me necessitar para algo em seguida sairei — respondeu apertando

mais a toalha a seu corpo.

— Sim, necessito-te…, mas não é preciso que saia — sorriu ladino.

O tom, a forma e seu olhar foi o que a puseram em guarda.

— Sou o vor de Misha e… o seu também. Talvez seja de sua propriedade,

mas enfim — suspirou, — tudo me pertence — anunciou pondo a mão sobre seu

ombro nu.

O coração de Ira se acelerou em coisa de segundos, em sua vida se havia

sentido assim, assustada, mas bem aterrada.

— O que? Me dirá que não sabia? Isto — indicou ao redor do quarto, —

tudo isto é de minha propriedade e há algumas coisas que quero provar.


Todos seus sentidos ficaram em alerta, mas algo dentro dela a fizeram ser

incapaz de reagir. Imagens da morte de sua irmã lhe vieram imediatamente à

memória deixando-a nocauteada.

— Oh!… não sabe que dizer? — burlou-se afastando-se para caminhar para

a porta e deixar a mão posta sobre o trinco, isso embora por um segundo breve a

tranquilizou. — Depois de tudo é ao que te dedica não?

— Maldito filho de puta! — pronunciou com raiva desde suas vísceras.

— Sim, a verdade é que sim… entre outras coisas também, mas não estou

aqui para ser analisado, e muito menos por alguém como você — comentou sem

nenhum tipo de arrependimento. — Assim nos evitemos o melodrama e tire a

toalha.

— Como…?

— Ah! Bom, imaginei que não seria tão fácil — disse abrindo a porta, e

nesse momento dois dos homens que sempre o acompanhavam ingressaram no

quarto. Não lhe deu tempo nem sequer de reagir, um a cada flanco seguraram

seus braços. Vadik, aproximou-se, e de um puxão arrancou a toalha. — Agora sim

eu gosto mais.

Embora tentou cobrir-se, foi impossível, retorcia-se completamente, mas

não podia se soltar do agarre desses homens que tinham olhos apenas para seu

vor.

— Deixa de te mover, não lute contra o inevitável. Eu só quero foder seu

traseiro, esse que todos olham. O resto não me importa, você está velha para o

que eu gosto — afirmou arqueando as sobrancelhas como lhe dizendo que aquela

informação não era nova, nem para ela, nem para ninguém. — Mas devo

reconhecer que você me põe, esquenta-me como faz anos ninguém o fazia —

recordou, e seu semblante se encheu de amargura.

— Não… — sussurrou.
— Não? Bom — suspirou, — então terei que procurar a alguém que não

oponha resistência e sei exatamente onde a encontrarei. É uma pessoa ruim,

cuidá-la tanto, lhe salvar a vida e tudo para que? Para entregá-la às garras do

lobo…

— Não! Não seria capaz!

— É obvio que sim — sorriu retrocedendo dois passos.

— Vadik, não… — suplicou ofegante.

— Então deixa lutar — vaiou aproximando-se de novo, — porque o

primeiro que farei se opuser um mínimo de resistência é sair deste quarto, e já

sabe o que farei — comentou passando um de seus dedos por entre seus seios. —

Vou foder seu traseiro, mas antes — prendeu a respiração e acertou sua cara com

uma bofetada, o golpe foi tão forte que se não tivesse sido porque estava

sustentada teria ido dar ao chão, —vai pedir desculpas por levantar a voz para

mim.

Vadik olhou a seus homens e estes a soltaram, ela cambaleou, mas não

caiu.

— Beija meus sapatos!

Não foi necessário repetir de novo, Ira se ajoelhou, beijou-os

imediatamente e o olhou.

— Bem, é uma cadela boa, eu gosto assim, e agora engatinha até a cama e te

deite de barriga para baixo — lhe falou como quem fala com alguém que não

entende, logo olhou a seus homens e estes saíram, deixando-os completamente

sozinhos.

Caminhou, enquanto se desabotoava a calça, agarrou-a pelo cabelo e a fez

ficar em quatro, para isso sim que era muito hábil.

— Assim eu gosto, cadela — grunhiu em seu ouvido enquanto a

aproximava de seus quadris, — quietinha, embora… — passou a língua pelo

pescoço dela, — se gritar, nada acontecerá, tanto você, como eu, sabemos que
ninguém aparecerá por essa porta e tampouco ninguém te escutará — advertiu

lhe separando as pernas de repente. — Sim, tem uma bunda incrível.

Ira tremia, estava completamente em choque, do minuto em que lhe havia

dito que ninguém a escutaria pensou em que sim… sim a estavam escutando,

sabia que quatro pares de ouvidos estavam sendo testemunhas auditivas do que

aconteceria a seguir, e quando sentiu o som do metal do zíper baixar, soube que

seu final viria a seguir.

Não sabia como preparar-se para isso, apenas fechou os olhos, e o primeiro

que viu foram os olhos de sua irmã que de algum jeito lhe davam força para

aguentar.

Todo seu corpo estava contraído, rígido e assim não facilitaria o trabalho

de Vadik, por isso ele, ao notar, puxou mais seu cabelo e voltou a lhe falar no

ouvido:

— Ou te relaxa ou sofrerá, não vou ter compaixão com uma puta como

você — lhe indicou e em coisa de segundos a penetrou até o final.

Ira apertou a mandíbula.

Emily se desconectou.

E ela como mulher nem sequer se moveu, não daria esse gosto a ele, nem

nessa nem nas investidas seguiram à primeira, e assim esperou a que Vadik

acabasse de manchar sua honra.

— Isto ficará apenas entre você e eu — ofegou ao compasso de seus

movimentos, — porque se abrir a boca não duvidarei em acabar com sua vida —

puxou seu cabelo com tanta força que a chegou a levantar, Ira se aferrou aos

lençóis mas mesmo assim sentiu como estes se rasgavam pela força que utilizava

seu torturante.

Passados uns minutos, logo depois de lhe dar um beijo no cabelo que

segundos antes tinha agarrado, separou-se dela atirando-a na cama. Subiu as

calças, foi ao banheiro e quando saiu lhe lançou a toalha ao corpo.


— Foi melhor do que imaginava, Misha é um bode com sorte, acredito que

voltarei por mais. É uma boa cadela, embora esteja seguro de que a próxima vez

suplicará por mais.

Depois dessas palavras ameaçadoras saiu com um sorriso feliz em seu

rosto, tinha conseguido o que queria, e o tinha desfrutado.

Ao ouvir a porta fechar-se, Emily desmoronou completamente, tirou-se os

brincos com raiva, atirando-os longe, e para aplacar o grito de suas vísceras o

sossegou com o travesseiro. Ela queria desafogar-se sozinha, em completa

intimidade, uma que sabia não tinha nem menos possuía. Tinham-na humilhado

da pior forma possível. O vor a tinha violado e ela, para salvar a Katiuska, tinha

aceitado.
Capítulo 11

Vadik caminhou pelo corredor com um sorriso impossível de dissimular e

enquanto rememorava o vivido, encontrou-se com esse anjo que lhe dava luz a

sua vida e que também lembrava o passado que tanto o torturava.

— O que você tem nas mãos? — perguntou sorrindo.

— Uma boneca! — respondeu a menina mostrando-lhe feliz. — Se chama

Ems.

— Wow! Que lindo nome, você não gostaria de ter outra?

— Sim, uma morena que vimos ontem no centro comercial.

Vadik se agachou para agarrá-la e quando a teve acomodada em seus

braços exclamou:

— Vamos comprar a morena no centro comercial!

A pequena o abraçou com vontade, agradecida até o infinito e além pelo

gesto. E como quase nunca fazia, o vor saiu com a pequena para satisfazê-la.

Esse dia para ele estava saindo melhor que o planejado e tinha que celebrá-

lo. Assim escoltado apenas por dois de seus guarda-costas e acompanhados pela

babá saíram da mansão.

*************

Embora tentasse com todas suas forças, algo em seu interior não a deixava

parar de chorar, já não tinha lágrimas, era um aperto incontrolável o que sentia. A

agente estava nua com o cabelo emaranhado e espalhado na cama. Tinha o rímel

borrado e mal podia ver, seus olhos estavam inchados de tanto chorar. Agora

sabia como sua irmã havia se sentido, e como tantas mulheres se sentiam que

passavam pela mesma situação.

Não soube se foram segundos ou minutos quando se sentou sobre a cama,

levantou-se com dor e caminhou até onde estava o telefone que Zakhar tinha lhe
entregue. Sem titubear, nem tremer, marcou seu número e ao segundo toque, ele

respondeu:

— Tudo recebido e disposto, vamos em caminho.

— Ainda está em pé o oferecimento de te pedir o que for?

— Para você sempre, me diga, quanto dinheiro quer?

— Quero que mate a Vadik — demandou com uma voz tão cortante e

gélida que o deixou sem palavras, e nesse mesmo instante, no interior de Zakhar

se voltou a solidificar-se, em segundos, a sede de vingança que estava

adormecida. Há anos, ele tinha perdido a uma amiga muito querida nas mãos

desse homem, mas ele não pôde fazer nada, simplesmente se resignou a perdê-la,

mas agora tinha a oportunidade de vingá-la, e desta vez não falharia, depois de

tudo, não havia ninguém que o defendesse.

Depois de vários segundos de silêncio, o vor lhe respondeu:

— Em umas horas você terá minhas notícias. Necessita algo mais?

— Que não falhe — disse cortando a comunicação.

*************

Todas as crenças, os valores aos que sempre se apegou se viam

desvanecidos em segundos, agora uma completa escuridão monopolizava seu

interior, se permitiu derramar somente uma lágrima mais. A vida como tinha

vivido até agora tinha mudado, seu plano mestre poderia funcionar, mas sua vida

estava quebrada, feito tiras em segundos. Sempre soube os riscos, sempre os

assumiu, mas cometeu um grande engano, o mais terrível de todos. Apaixonou-se

e baixou as defesas, que não só foram derrubadas, senão destruídas totalmente.

Mas era momento de reagir, primeiro por ela e segundo… por ela também.

Depois da ducha fria que tomou, vestiu uma calça, um casaco e apertou o

clique de seu passador.

Rússia, agora tinha se acabado.


Sua tortura tinha terminado.

Saiu da mansão sem sequer despedir-se, caminhou em uma única direção

até o portão, e com tão só duas palavras, este se abriu diante de seus olhos, uns

que agora estavam totalmente avermelhados pela dor.

Não foi necessário avançar mais, antes que percebesse, uma caminhonete

negra se deteve, rapidamente e sem ser consciente de como, uns braços a levaram

até o interior, cobrindo-a.

— Ems… — abraçou-a, balançando com carinho.

Mas ela não necessitava disso, não agora ou terminaria de desmoronar-se

sem acabar a missão, a sua missão pessoal.

— Jeff, me tire daqui — ordenou olhando à frente, a um ponto cego.

Ante essas frias palavras, seu amigo e companheiro arrancou o motor

saindo a toda velocidade do lugar.

O silêncio era esmagador, se escutavam apenas suas respirações, isso o

estava matando. Queria abraçá-la, apoiá-la, mas a conhecia, e isso era o que

menos necessitava nesse instante. Morreria em vida se alguém, sobretudo seus

companheiros chegassem a sentir lástima dela, mas isso…, isso não era o que eles

sentiam por ela, a não ser uma profunda admiração, mas… até que ponto?

— Brad vai se encarregar pessoalmente do Vadik. Quer ir ao porto?

Ela negou com a cabeça.

— Ele não estará no porto.

— Mas seus homens sim… — chiou com raiva apertando o volante com

tanta força que suas juntas ficaram brancas.

— Tampouco estarão.

A freada que deu Jeff nesse momento poderia ter causado um acidente se

não estivessem com o cinto de segurança, mas isso não era o mais grave da

situação, virou para olhar a Emily, e ela com olhos culpados devolveu o olhar.

— O que você fez…?


Antes de que ela pudesse responder, a voz de Brad se escutou pelo rádio,

interrompendo-os.

— Chegaram. Isto será por você, agente — falou com voz de autoridade,

uma voz rasgada também pela dor.

E desde esse momento em diante, ambos de mãos dadas escutaram tudo o

que estava passando, apenas poucos quilômetros dali.

Brad terminou de carregar sua metralhadora enquanto se certificava que

Peter fizesse o mesmo, os três agentes estavam completamente concentrados,

posicionados em um lugar estratégico, enquanto as forças especiais de apoio se

resguardavam no primeiro piso do hangar.

Ninguém seria tomado cativo, seria uma caçada, um ajuste de contas e não

só pelo dever de proteger seu país, mas também por um companheiro. As bratvas

atuavam sem modéstia e jamais eram julgadas, mas aí estavam eles dispostos a

acabar vitoriosos nessa missão. Deviam ser precavidos, um dos terroristas mais

procurados estaria aí, e eliminá-lo era a parte primordial, uma escória menos no

mundo, um psicopata menos que vigiar, e se a isso somavam que um dos vor

mais influentes também cairia, seria “a glória”.

Brad, Peter e Blake se olharam pela última vez, levando a mão ao coração

em sinal de irmandade, agora chegava o momento da verdade.

Nesse momento viram como duas grandes caminhonetes blindadas

entravam no hangar por uma porta traseira, seguidas de uma limusine branca e

um grande caminhão logo atrás.

Ao estacionar, vários homens com túnicas foram os primeiros em descer,

claramente eram parte da comitiva do sunita, embora de Ahmed não havia rastro.

E de repente, surpreendendo-os, vários homens armados saíram das

caminhonetes.
— Mas que merda…? — sussurrou Brad ao ver esses russos com cara

desconhecida para eles. Fechou os olhos e não demorou nada em tirar suas

próprias conclusões. Emily Claxon, agente encoberta na missão, tinha-os traído.

Isso doía como superior, mas, sobretudo como homem, porque só existia

uma razão para isso e tinha nome e sobrenome.

Não teve tempo de pensar mais, já que imediatamente teve que voltar para

a realidade e concentrar-se em reagir. A mesma expressão que havia tido, tinham

agora os sunitas.

Como já tinha entardecido a visibilidade não era tão boa, mas sim,

suficientemente clara para ver aqueles rostos cheios de confusão e de raiva, eles

também se sentiam enganados.

— O que está acontecendo? —Brad escutou pelo intercomunicador. —As

verificações de identidade não batem — manifestou o oficial a cargo das forças

especiais quem estava fazendo um reconhecimento facial.

— Zakhar, vor zakone — começou a recitar com o ânimo de um homem

traído, — um dos traficantes mais procurados do Leste da Europa, conhecido

também como “o amo das armas”, fornecedor de todo tipo de munições às

guerrilhas e organizações paramilitares. — Brad sabia perfeitamente de quem se

tratava, também porque Emily o tinha escolhido, esse homem era tão procurado

quanto Vadik, só que não era seu objetivo, nem sua missão. — Em suas mãos o

urânio seria o começo da Terceira Guerra Mundial.

— Senhor — voltou a falar quando confirmou, em segundos, que tudo o

que dizia era verdade. — Tudo segue igual, confirmam nossas ordens desde a

unidade, mas…

Isso sim alertou aos agentes, um, ‘mas’ não podia significar nada bom.

— Temos nossas ordens e necessitamos sua colaboração. — Brad bufou, já

sabia ele que trazer ajuda no último minuto podia sair mais caro do que benéfico.

— E é nossa prioridade, senhor.


— Colaboraremos. Adiante, nos informe.

— Ahmed Zeliff deve ser capturado com vida.

Os agentes se olharam, a missão tinha mudado tanto que torcê-la um

pouco mais em realidade dava o mesmo, o único que sabiam era que o sunita

preferiria a morte antes do que seguramente viveria como prisioneiro.

— Todo seu, o moço — entrou em linha Peter. — Agora ao sinal, ataquem,

não haverá uma segunda oportunidade de capturá-lo com vida, o carro é

blindado a prova de mísseis, se entra, o perderão — anunciou fazendo uma

identificação em seu computador.

Depois do intercâmbio acalorado que estavam tendo abaixo, a mão direita

do russo, Ivano, tirou várias malas metálicas com dinheiro, gabando-se de como

com era fácil conseguir uma boa mercadoria em seu país.

Ao vê-lo, Ahmed, fez um sinal para que baixassem a caixa que continha o

urânio, uma mala negra com o símbolo em amarelo de radioatividade.

— Merda… — falou Brad, — com isso já podem começar a Terceira Guerra

Mundial.

Mas isso não foi tudo, de repente das caminhonetes começaram a sair

pessoas vestidas com túnicas brancas.

— Filhos da puta… — grunhiu Peter, — trazem meninas…

Nesse momento, ao escutá-lo, o estômago de Emily se revolveu, abriu a

janela do carro e vomitou. Esvaziou em segundos tudo o que tinha no interior,

enquanto Jeff segurava seus cabelos e acariciava suas costas, era totalmente

consciente do que estava passando pela mente da agente nesse momento.

Que houvessem menores implicadas já era arriscado e sabiam, inclusive

haviam imaginado, mas que descessem como se isso fosse uma passarela de

exibição era ainda pior, por isso, e antes que as garotas dessem um passo, Brad

deu a ordem de atacar.


Em segundos o caos se desatou, o enfrentamento que todos esperavam

começou sem mais demora.

As forças especiais saíram de dentro do contêiner, disparando em todas as

direções, enquanto um grupo de homens escapava para capturar ao terrorista.

De cima, os agentes dispararam às rodas dos veículos deixando-os

impossibilitados de escapar.

O ataque vinha de todas as direções, tinham tudo coberto, os cantos eram

das forças especiais, enquanto do céu os agentes disparavam com precisão.

Como uma gazela, Brad caminhou por sobre o trilho do teto até chegar a

seu objetivo, o vor, e sem pestanejar, nem vacilar disparou em seu coração. Este

caiu imediatamente sem sequer saber quem foi seu agressor.

Não era com ele com quem queria descarregar sua arma, mas Zakhar de

igual modo era uma escória digna de eliminar.

Os russos feridos gemiam de dor, mas isto durava pouco, já que à medida

que os soldados se aproximavam iam dando fim a sua eterna agonia, matando-os

sem compaixão.

Ao perceber o que estava acontecendo, Ahmed tomou a uma das meninas

que em vez de sair correndo, protegidas pelos soldados, ficou petrificada sem

poder mover-se.

Ele a usaria como escudo humano, e por que não, como segurança para

sua fuga.

Brad de cima, deu um salto até chegar ao chão e em meio ao tiroteio, sem

titubear lhe disparou agora direto na testa. O mundo tampouco necessitava um

infame como esse, nem sequer para ser torturado, ele sabia muito bem que

embora o torturassem, jamais diria nenhuma só palavra, e pior ainda, que podia

ser alvo de extorsão para seu país, e ele não estava disposto a uma coisa assim.

Simplesmente, ele não negociava com ninguém.


A garota que segurava correu apavorada a seus braços, deixando-o

momentaneamente desconcertado, mas ao olhar em seus olhos soube tudo o que

sua amiga sentia por ajudá-las, entendeu que ao ver o terror dessas garotas

alguém tinha que fazer algo, e como ninguém o fazia, era a garota superpoderosa

quem se convertia na heroína delas.

Com cuidado a tirou do tiroteio, ainda não tinha terminado, ele tinha que

voltar. Sua equipe estava se desenvolvendo perfeitamente, apesar de que tinha

sido um massacre, não havia baixas, e o objetivo, que era recuperar o urânio,

cumpriu-se.

Enquanto avançava para a saída para reunir-se com seus homens sentiu

como o hangar explodia, obra de sua equipe, eles não deixariam rastro algum de

sua estadia na Rússia.

— Se acabou, voltamos para casa rapazes — falou levando a mão ao

ouvido — missão cumprida, agentes — e se referindo à Emily disse. — Creio que

você nos deve uma explicação e espero que seja uma muito boa.

— Ei… garota superpoderosa! — Blake falou acelerado pela adrenalina do

momento. — Para a próxima te farei uns brincos explosivos.

Com lágrimas nos olhos, Emily tomou o radiotransmissor, esta vez sim

suas mãos tremiam, e a voz saía entrecortada:

— Tenho uma razão.

— Garota superpoderosa… — suspirou Peter, — simplesmente não seria

você se não o tivesse feito.

— Vamos para o avião manada de bichinhas choronas — anunciou Jeff

cortando a comunicação para falar com sua amiga. — Pronta para voltar para casa

e escolher um cão?

Antes de que pudesse responder, novamente um som os interrompeu, mas

esta vez provinha de seu bolso, levou as mãos a ele, e tirou o telefone que soava e

vibrava.
— Irina?

— Sim…

— Seu pedido está cumprido —falou uma voz rouca do outro lado,

fazendo que um pequeno sorriso ao fim se formasse em seu rosto.

E logo depois disso, segurou o aparelho sobre o painel do carro, e de um só

golpe, descarregando toda sua força, destruiu-o.

Jeff, que a olhava de soslaio, soube que agora sua amiga já começaria a

respirar em paz, embora nem se imaginava o que ela acaba de fazer.

*************

Mas o que ela, nem ninguém sabia era que, justo no momento em que

Vadik estava sentado com Katiuska e seus homens em um bonito café do centro

comercial, depois de ter comprado a boneca morena, tinha recebido uma chamada

telefônica, informando-o de movimentos na zona portuária. Ele para falar com

mais tranquilidade se levantou junto a seus homens e foi nesse momento em que

um projétil de um lança-foguetes se chocou com pequeno café, acabando com

tudo e todos a seu passo.

A força centrífuga foi tão grande, que Vadik nem sequer foi capaz de

reagir, voou pelo céu caindo a vários metros de distância.


Capítulo 12

Algumas horas atrás era simplesmente Ira, assim tinha vivido por seis

longos meses em um dos países mais frios do Leste da Europa, infiltrada na

missão mais importante de sua vida, a que a levaria a subir de posição no FBI,

aonde não só ela estava orgulhosa, mas seus companheiros também. Sabiam que

tinha aptidões de sobra para o caso, era a melhor, a garota superpoderosa como a

chamavam com carinho.

Mas o destino, a vida e os sentimentos que sempre pensou que não

possuía, apareceram no pior momento, e seu coração nem sequer se resguardou

ante essas sensações, simplesmente se entregou, e o fez por completo sem guardar

nada, assumindo todos os riscos.

O problema é que esta vez tinha cruzado a linha, prejudicando finalmente

sua missão, desobedecendo suas próprias regras. Mas isso não era o único mau

que tinha acontecido, ela mesma se converteu em vítima… e da pior maneira.

Reuniu-se com seus companheiros que estavam a par de tudo o que tinha

lhe acontecido, e muito pelo contrário do que ela pensava, os quatro a apoiaram,

inclusive foi Brad o primeiro em dizer a ela que ele como agente superior,

esclareceria todo o mal entendido, depois de tudo a missão tinha saído bem, não

haviam baixas, tinham recuperado o urânio, assassinado a um dos homens mais

procurados por terrorismo e como se isso ainda fosse pouco, não tinham deixado

nenhum rastro de sua estadia na Rússia. Sua lembrança se desvaneceria com os

dias, porque deles já nada existia nesse longínquo país.

Mas Emily Claxon não ia permitir que nenhum de seus amigos se culpasse

por ela, assim enquanto viajava na parte traseira do avião tinha sido ela mesma

quem tinha relatado os fatos a Hardy Krause, sem lhe ocultar nada, nem sequer

sua própria violação.


Muitas horas depois quando aterrissaram no aeroporto privado da agência,

todos estranharam ver alguns militares armados e o próprio subdiretor do FBI, a

única que não se surpreendeu foi ela.

Ao descer do avião, Emily se apressou e ultrapassou seus amigos, sabia

que esses homens estavam ali por ela.

O subdiretor se aproximou e imediatamente os militares a flanquearam.

Enquanto isso, Brad correu a seu lado, ele não permitiria que nada lhe

acontecesse.

— Calma, Brad — disse Emily, — já falei com o subdiretor, agora só vou

assinar minha confissão.

— Não! — gritou interpondo-se, — o oficial a cargo sou eu, e não vou

permitir…

— Agente Cambell — Hardy o cortou, — isto já não está em sua jurisdição,

agora levaremos a senhorita Claxon ao escritório para que revise sua confissão e

se está tudo como ela me relatou por telefone, assinará. Logo iremos ao hospital

para lhe realizar as provas de rigor.

Nesse momento Emily, que não esperava ter que ir a nenhum hospital, com

a cara vermelha de vergonha abaixou a cabeça.

Brad olhou-a verdadeiramente pesaroso e embora eles, depois de

preencher os informes podiam ir para casa, nenhum dos três aceitou. Ficariam

com a garota superpoderosa até o final.

*************

Algumas horas mais tarde os quatro estavam esperando a análise de

sangue de sua amiga sentados nas incômodas cadeiras do hospital.

— O que foi que o subdiretor te disse, Ems? — perguntou Jeff, abraçando-

a, — não te promoverão?
— Não permitiremos que te julguem, esquece! — gritou Brad alterado. —

A missão em si saiu como devia.

— Acalmem-se— disse a todos ficando de pé. — Não terei julgamento,

apenas…

Era muito duro o que tinha que comunicar a eles a seguir, seu castigo tinha

sido implacável, e devastador para ela em sua carreira profissional.

— Garota superpoderosa — murmurou Peter que já estava perdendo os

nervos. — Conte-nos o que está acontecendo.

— Serei transferida para San Francisco, a delegacia de polícia da Estação

Central.

— Você se… será policial? — gaguejou Jeff movendo a cabeça de um lado a

outro em forma de negação. — Te rebaixarão!

— Que merda você vai fazer na Estação Central?! — exclamou, o calmo

Blake, que jamais subia a voz. — Esses policiais se dedicam ao turismo! Cuidam

da cidade em bicicleta! Você… você não serve para isso, vai me dizer que terá que

fazer rondas às atrações do parque? Não!

— Blake — tentou tranquilizá-lo, isso lhe doía tanto como a eles, mas

estava assumindo as consequências de seus próprios atos, — também patrulham

no distrito financeiro e…

— E uma merda! — explodiu Brad calando a todos, parecia uma besta, um

energúmeno.

Sem dizer nada mais caminhou até um canto onde o subdiretor da

organização estava falando, recebendo a análise do médico.

Krause o viu vir pelo canto do olho e inclusive se assustou ao ver sua

reação.

—Você pode me explicar — espetou entre dentes, — o que significa

tamanha estupidez de mandar a Emily a San Francisco?


— Agora não — respondeu olhando os resultados, havia algo neles que a

agente devia saber imediatamente, por isso apesar da raiva que via em seu

subordinado caminhou até onde ela mantinha uma acalorada conversa com seus

companheiros.

— Precisamos falar. Agora.

— Tudo o que tenha que dizer a ela faça-o diante de nós — ordenou Brad

agarrando-a pelo ombro para lhe dar segurança. Emily ao vê-lo assim assentiu

com a cabeça.

O subdiretor tomou ar e soltou de uma só vez tudo o que estava nos

informes.

Emily só conseguiu escutar as primeiras palavras enquanto via que a sala

começava a girar a seu redor, e um calafrio subia por sua coluna vertebral até que

desabou, como peso morto, sem ser consciente de nada mais.

Se não tivesse sido pela rápida reação de Brad, com certeza teria se

machucado mais.

Muito mais.
SEGUNDA PARTE
Quatro anos depois…

San Francisco.

Os dias se transformaram em semanas, as semanas em meses e assim


inexoravelmente se tornaram em anos.

Consumida e devastada pela dor e a raiva, Emily abandonou tudo o que a fazia
recordar para começar uma nova vida, em um lugar afastado do que até esse
minuto conhecia para começar de zero.
Capítulo 13

A delegacia de polícia onde Emily Claxon agora trabalhava era bastante

tranquila. Recebia o nome de “Estação Central” precisamente por estar no meio

de San Francisco, no centro nevrálgico do turismo, do entretenimento e dos

centros cívicos da cidade.

Sete dos dez lugares mais turísticos eram resguardados por eles.

Agora já não tinha casos perigosos, nem muito menos onde sua vida

estivesse em risco, não, agora ela era diferente, muito mais tranquila que a Emily

de antes.

Sim, desejava um pouco mais de ação em sua vida, mas se conformava com

a que lhe davam os traficantes de vez em quando.

Desde que ela tinha chegado à delegacia, converteu-se no centro de atenção

e de admiração, e não só por sua cara bonita, mas sim todos sabiam das proezas

da garota superpoderosa, o que eles não sabiam era a verdadeira razão de sua

estadia na estação. Esse tinha sido um dos benefícios que tinha obtido graças ao

bom trabalho que tinha realizado na Rússia, país que, embora tentasse esquecer

com todas suas forças, não podia, havia algo que a fazia recordá-lo dia a dia, e

assim seria até o último de seus dias sobre a face da terra.

Do lado de fora o vento aumentava e estava se aproximando uma grande

tormenta, que certamente jogaria por terra todos os seus planos. Por isso, mal-

humorada, Emily caminhou apressada com um homem algemado à frente,

levando-o direto à estação.

— Colocarei uma denúncia por mau trato — se queixou o delinquente.

— Pois… — disse fazendo-o dobrar-se pelo joelho, — agora você pode

adicionar isto também.

— Isso dói!
— Não me diga? — zombou, era a terceira vez em menos de dois meses

que capturava esse ladrão, capturavam-no, e poucos dias depois voltava para as

ruas, o problema é que agora não só o tinha pego em um roubo com intimidação,

mas sim estava segura que se não tivesse chegado a tempo, a moça a que estava

furtando teria uma sorte muito diferente.

Uma que só de pensar ficava mal do estômago.

Ao entrar na Delegacia de Polícia seus companheiros a olharam. A verdade

é que estavam se deleitando com ela, as gotas de chuva tinham molhado seu

corpo e a camiseta branca que levava tinha grudado completamente em sua pele.

A contra gosto fez o detido se sentar para, pela terceira vez, tirar suas

impressões digitais.

— Merda! — exclamou manchando o papel, com a vontade que tinha de ir-

se nem sequer se secou as mãos. Olhou o relógio de parede e voltou a bufar. Meia

hora de atraso seria o menos que conseguiria, embora informasse rápido seus

dados, o processo demoraria igual.

— Não se esforce tanto, belezura — falou malicioso, — em dois dias estarei

livre, terminarei o que comecei e…

Antes que acabasse, Emily agarrou sua cabeça chocando-a contra a mesa,

rompendo seu nariz.

— Você quebrou meu nariz, animal! — gritou levantando-se enquanto

levava as mãos algemadas à cara. — Filha da puta!

Nesse momento Emily voltou a se girar, levantou o joelho e o fez dobrar-se

em dois em segundos. Logo se agachou e sussurrou em seu ouvido:

— Primeiro, não sou um animal e segundo, eu não gosto que me chamem

de puta.

Antes que o homem pudesse responder outro policial o afastou, conheciam

o caráter de Emily, era tenaz e uma das melhores, mas havia delitos que ela

simplesmente não passava por cima, ou palavras, como tinha sido esta vez.
— Eu termino com ele, Claxon.

— Não se preocupe, posso me encarregar deste inseto pessoalmente. Ao

menos, como diz ele — o olhou com desdém, — sairá em três dias, porém em

boas condições? Já veremos — presumiu recebendo um pano para secar-se.

Uma vez que o teve preso e entregue ao encarregado que o levaria a cela

para que esperasse sua transferência à corte, e logo à prisão, um de seus

companheiros policiais se aproximou dela.

— Temos uma conversa pendente, você me deve uma resposta.

Digel era o sargento na unidade, um loiro alto, possuidor de uns

maravilhosos olhos capazes de eclipsar a qualquer um… menos a ela.

— Acredito que entre nós ficou tudo claro, companheiro.

— Ems…

— Preciso repetir em chinês mandarim?

Rapidamente Digel, que era vários centímetros mais alto, aproximou-se até

ela para tomá-la pelos ombros. Esse gesto tão inesperado a fez estremecer, odiava

ter essa sensação, mas acontecia cada vez que algo ou alguém a surpreendia.

— Me solte… — grunhiu apertando os dentes, — levo três anos te dando a

mesma resposta, Digel. Acredite em mim que não mudará — espetou saindo de

seu alcance. Como odiava essas situações!

Enquanto caminhava ao banheiro para refrescar-se, outro de seus

companheiros aproximou-se dela para dizer que o capitão Avalos a necessitava.

Emily Claxon suspirou, já imaginava a bronca que levaria.

«Maldição, assim não irei nunca!», pensou enquanto caminhava decidida a

expor os fatos primeiro, depois de tudo não tinha quebrado o nariz de uma santa

pomba inocente.

Entrou sem sequer bater, deixando a porta totalmente aberta. Quando

chegou a uma distância prudente, colocou-se em posição ante seu superior.


— Capitão… primeiro de tudo, nada do que tenham dito é como

aconteceu.

O capitão, um homem mais velho, olhou-a com esses suspicazes olhos café

que a admiravam, ele era o único que sabia do verdadeiro motivo pelo qual

estava ali, e tal como o tinha prometido, se dependia dele, ninguém ia saber

jamais.

— Tenente — a cortou, — poderia deixar sua arma sobre a mesa, por

favor?

No fundo do escritório do capitão de polícia, surpreso e sem poder dizer

nenhuma palavra, havia dois pares de olhos que a olhavam desde atrás. Um com

mais interesse que o outro é obvio.

Quatro longos anos tinham se passado até chegar a esse momento. Quatros

anos sem saber o que tinha acontecido e por quê. Quatro anos procurando uma

agulha em um palheiro. Quatro anos recordando a traição.

Estava observando-a como um caçador estuda a sua presa antes de atacar

e, apesar de estar vestida com um uniforme de polícia este ficava incrível nela,

moldava perigosamente ao seu corpo, inclusive a essa zona que tanto gostava de

olhar.

Agora usava o cabelo curto, não chegava ao pescoço, isso estranhou. Mas o

que terminou de aluciná-lo foi ver quando levantou a camiseta e notar ainda a

tatuagem em suas costas. Engoliu um suspiro quando inclinou o pescoço e logo o

esfregou, percebeu que estava tensa e pela forma como se movia, estava ansiosa.

— Agora necessito que me escute… com tranquilidade.

— Capitão, tudo o que acaba de acontecer está totalmente justificado, além

disso, só quebrei o nariz dele, o que devia ter feito foi…

— Emily! — deteve-a enérgico. — O que você acaba de me dizer?

— Não… não é esse o motivo pelo qual me chamou? — perguntou agora

confusa, dando um passo para trás.


— Não, mas disso sim que vamos falar em outro momento. Necessito que

você se concentre, eles virão agora…

— Ah, não! — interrompeu-o, — nem que venha o presidente ficarei.

Venho planejando isto com o amor da minha vida faz mais de um ano, e nem ele

nem Odie me perdoariam jamais…

Justo quando ia voltar a falar, ambos sentiram como a porta se fechava de

um forte golpe, fazendo que o som retumbasse por toda a sala.

O salto que Emily deu não teve comparação com o do capitão, que sentiu

nesse momento que não seria capaz de lidar com a situação.

Sem lhe dar tempo a nada, Emily se girou para ver de onde provinha o

ruído, e ao fazê-lo ficou petrificada.

Dias, semanas, meses, anos tentando apagar seu passado para que agora

voltasse a aparecer frente a ela. Sentiu que seu peito se oprimia, que seu sangue

deixava de circular e que seus pulmões se fechavam por completo. Em segundos

viu dentro de sua mente tudo o que seu terapeuta lhe ajudava a esquecer.

Porque, embora ninguém soubesse, ela ia uma vez por semana a uma

especialista, que a estas alturas já se converteu em uma amiga.

Quando pôde recuperar a lucidez, rapidamente agarrou a arma que estava

sobre a mesa e apontou-lhes.

— Não se movam!

— Tenente Claxon! Baixe a arma!

— Capitão, você não sabe quem são! — chiou tentando controlar o tremor

de suas mãos.

Com um olhar furioso, mas muito controlada, o motivo de seu tremor

caminhou direto até ela sem vacilar nem se intimidar, até situar-se justo em sua

frente.

Provocando-a.

— Se for disparar, faça, mas de frente, me olhando nos olhos.


Ambos os titãs estavam desafiando-se, e embora Emily fosse alta, seu corpo

se via bastante menor ao lado deste que a estava fulminando com o olhar.

Depois de uns segundos de desafiar-se, com um olhar intenso e carregado

de recriminações, a porta voltou a se abrir e uma voz suave se dirigiu a ela.

— Ems — falou Brad, que vinha acompanhado pelo subdiretor do FBI. —

Não faça algo que depois possa se arrepender — pediu com voz baixa, mas

carregada de autoridade.

E aproveitando-se desse minuto de incerteza, ele a surpreendeu com um

movimento inesperado e brusco agarrando seu braço, fazendo-a soltar a arma, o

dobrou-o com a força justa para não causar danos nas suas costas, e lhe falou em

um tom arrepiante, justo no momento em que Jeff também entrava e lhe apontava

com sua arma. Nada do que estava acontecendo estava saindo conforme o

planejado por Brad Cambell.

— Não volte a apontar com uma arma para mim nunca mais.

— Senhores… — começou o subdiretor, — calma, que estamos aqui por

um fato importante — e olhando ao homem que ainda a segurava continuou. —

Agente, aqui não aceitamos a violência de nenhum tipo — desviou o olhar para o

Jeff para seguir energicamente. — Você, baixe a arma.

— Agente? — perguntou Emily olhando, intercaladamente, a seu melhor

amigo e ao que alguma vez foi seu chefe.

— Que merda eles fazem aqui?! — grunhiu Jeff ficando ao lado de Emily,

que ainda tremia.

— Do jeito que as coisas estão, e ninguém me apresentou, terei que fazer eu

mesmo — fez uma pausa para olhá-los com arrogância e continuou erguendo-se o

máximo que pôde. — Misha Novikov, agente do SVR.

— E que merda faz um agente do serviço secreto russo aqui? — vaiou Jeff

entre dentes, apertando a mão de Emily, que agora tremia como uma folha de
papel sem poder falar pela impressão. Se antes lhe custava respirar, agora

simplesmente não podia.

— Porque, além disso, — falou Brad fechando a porta, entando com brio,

olhando-o pejorativamente. Estava zangado, não, furioso em realidade, o

subdiretor devia tê-los esperado, e mais, o russo que tanto odiava devia ter

esperado. Eles já se reuniram no dia anterior e assim não era como as coisas

deviam acontecer, — é um agente do FBI.

— Um agente duplo — continuou Krause, orgulhoso de seu homem, —

assim como o SVR prepara homens para que se infiltrem com a máfia russa, nós

também o fazemos para que nos informem. É um processo de anos, infiltram-se

desde muito tenra idade e passam as provas como qualquer mortal, só são

ativados quando um caso o merece, como…

— Como o era o caso do “Projeto Russo” — o cortou Misha. — Levo anos

infiltrado para ser aceito, e desbaratar uma das organizações mais importantes da

Rússia, e do mundo! Para que vocês… — apontou aos três agentes— venham com

ar de super-heróis e me arruínem a missão — e olhando agora a ela bramou, —

arriscando-se desnecessariamente, mandando a merda tudo pelo que tanto

trabalhamos! — gritou perdendo os estribos, uma raiva o percorria por dentro.

sentia-se estúpido pela primeira vez em sua vida, jamais percebeu quem eram

eles, mas o que mais lhe corroía, como veneno pelas veias, era não ter percebido

que ela, Ira, a mulher pela qual se arriscou tanto, também era agente, e pior ainda,

tinha-o enganado.

— Você acredita que nós fomos brincar, imbecil?! — bufou Brad

adiantando-se. Estava a ponto de a situação tornar-se muito perigosa para todos.

— Vocês arruinaram a missão! — falou a segunda voz, que até o minuto se

manteve em silencio. — Você! — apontou a Emily. — Não só arriscou sua vida,

rompendo toda classe de protocolos, expôs a seus companheiros e, como se isso

fosse pouco, vidas inocentes se perderam com isso!


— Cavalheiros… — o subdiretor tentou diminuir a tensão novamente.

— Não! Vocês americanos, acostumados a ir de ganhadores, jogando com

aparelhos milagrosos, acreditando-se superagentes, enquanto nos infiltramos por

anos para saber como dirigir as organizações de tráfico de pessoas, as que movem

mulheres que logo vendem como escravas sexuais, e para que?!

— Nós também cumpríamos uma ordem — Brad falou forte e claro, depois

de tudo, ele tinha sido o agente a cargo da missão.

— Sua missão era o urânio… — grunhiu Misha, — não fazer acordos com o

Zakhar Milav — espetou olhando diretamente a ela.

Emily deu um passo para trás, assustada. Isto não podia estar acontecendo

a ela, não depois de tantos anos.

Tudo pelo que tanto tinha lutado para esquecer estava diante de seus

olhos. Ele, Misha, estava fazendo-a recordando tudo em segundos. O bom e o

mau de tantos meses de trabalho estavam aí.

— E nem sequer são capazes de guardar suas identidades — cuspiu

Zhenya.

Emily e Jeff olharam para Brad, que nesse momento baixava a cabeça,

sentindo-se pesaroso pela situação.

Na4o era assim que as coisas tinham que ocorrer, e o que lhes contaria a

seguir mudaria tudo.

— Faz uns meses voltamos para a Rússia com o Peter, tínhamos que

monitorar alguns movimentos do Vadik. — Ao escutar esse nome e tudo o que

significava, a agora policial teve que agarrar-se para não cair. — Estávamos em

uma missão, muito perto de agarrá-lo… — falou entre dentes, — mas ele foi

descoberto por este…

— E como saberia que ele era infiltrado? — rugiu desafiante. — O agente…

— pronunciou pesaroso com o olhar apagado.

— Peter foi capturado e torturado.


— Não…! — exclamou Emily levando as mãos à boca para sossegar um

uivo dilacerador desde seu interior.

— Perdemos ao agente — o subdiretor do FBI retomou a conversa, — e em

sua tortura ele revelou sua identidade e…

— A de todos vocês — prosseguiu Misha abrindo e fechando os punhos, —

por isso estamos aqui.

— Oh, Meu Deus! — voltou a exclamar ela.

— Brad — comentou Jeff exigindo a ele, como seu chefe direto, uma

explicação.

— A máfia russa, ou melhor dizendo Vadik, começou a vingar-se.

encarregou-se de Peter, e agora da mulher de Blake. Violaram-na e logo a

asfixiaram até matá-la, deixando uma gravação e uma mensagem para nós.

— Maldito filho da puta! — precipitou-se Jeff avançando para Misha, sua

raiva era tanta que estava cego. O russo, de um ágil movimento, deteve o golpe,

mas tiveram que ser Brad e o subdiretor os que os separassem.

Emily tinha ficado tão impactada com a última informação que nem sequer

se percebeu o que acontecia frente a seus olhos. Imaginou o medo da mulher de

Blake, ela mesma tinha sofrido as consequências de uma verdadeira escória, claro,

não a tinham torturado, embora psicologicamente estivesse mais que danificada.

O tumulto que se armou era tão grande, que os policiais que estavam de

guarda, ao ouvir o barulho no escritório de seu capitão, também entraram. Digel,

ao ver Emily paralisada em um canto, aproximou-se até ela, nunca em todo o

tempo que se conheciam a tinha visto assim: vulnerável.

— Emily, você está bem? Me diz o que está acontecendo — perguntou

acariciando o rosto dela, ato que não passou desapercebido para Misha, que nesse

momento estava sendo levado para um canto, e por alguma maldita razão não

podia deixar de olhá-la, ainda estava muito impressionado.


Ele, ao saber que Peter era um agente do FBI, rompeu todo protocolo e,

depois de muitos anos, comunicou-se com seu único contato, informando-o o que

estava acontecendo, colocando-o em alerta de tudo o que tinha descoberto, mas

jamais soube da existência do Emily Claxon, ou Ira, como a recordava, mas sim

tinha sido o próprio subdiretor da agência e seu único contato quem tinha lhe

mostrado os documentos aonde saíam todos os integrantes da missão “Projeto

Russo”, ficando impactado ao reconhecê-la.

Tantos anos procurando-a para exigir uma explicação, e agora quando

novamente estava em um caso complicado, um que o levaria a aposentadoria com

a glória incluída, aparecia ela em toda sua expressão, por isso a noite anterior não

pôde dormir, as ânsias eram tão grandes que em vez de tomar o voo da manhã,

que levaria a todos até San Francisco para abordar a situação como equipe,

decidiu fazê-lo de carro e percorrer por mais de doze horas seguidas a estrada que

o levaria até ela, deixando a Hardy Krause e a Brad Cambell plantados,

esperando-o.

Se quando a viu na fotografia ficou impactado, ao vê-la ao vivo e em cores

ficou atônito, teve que fazer um grande esforço para não a encarar, porque isso é o

que tinha pensado fazer durante quatro longos anos quando a encontrasse, exigir

respostas. Mas o fez? Não, impossível, foi vê-la e esquecer tudo. Ela não era a

mesma de antes, seu corpo perfeito tinha mudado, mas isso era algo que agora lhe

atraía muito mais, queria fundir-se nela e fazê-la entender que pertencia somente

a ele.

Quando viu como prendia a um homem, soube que essa mulher só se

deixava levar por impulsos. Tinha quebrado mais de cinco protocolos, e ainda por

cima todos seus companheiros a olhavam muito mais do que devia, sobretudo

um, que precisamente estava consolando-a agora.

Para Misha o cúmulo foi ver a tatuagem, essa que deveria recordar a quem

ela pertencia. Mas ao escutá-la falar do amor de sua vida, e um tal Odie, tinha
vontade de matar aos dois e de ensinar a ela, não de boa maneira, as regras de seu

próprio jogo.

Todos estavam em perigo e Vadik não pararia até cobrar todas as dívidas

pendentes que tinha com eles. E se chegava a descobrir que Ira, Emily, ou como se

chamasse agora, ainda existia sobre a face da terra, se vingaria pessoalmente, ele a

culpava do fato mais doloroso de sua vida.

Isso era o que Misha temia, e por isso, desde que soube que ela tinha sido

parte do “Projeto Russo”, encontrá-la de novo, tornou-se uma missão diferente,

uma muito pessoal.

Apertou os punhos para controlar-se e, com ajuda de Zhenya, sua amiga e

companheira, tranquilizou-se.

— Necessito que se comportem como seres humanos civilizados —

grasnou Krause irritado, olhando a seus homens. — Isto não é um jogo,

cavalheiros, e vocês — exigiu olhando aos policiais, que ainda estavam

aglomerados olhando, — fora! Você também capitão — lhe ordenou.

Quando os policiais abandonaram a sala, passando um par de vezes a mão

pelo cabelo e soltando a gravata, o subinspetor se sentou atrás da mesa, olhando a

todos com severidade.

— Senhor — falou Jeff arrumando a roupa, — o que está acontecendo é

grave e não entendo o que os russos têm que fazer aqui.

O subdiretor soube que tinha chegado a hora de falar e de lhes confessar

absolutamente tudo, e tirando um tablet de seu bolso deslizou seu dedo e uma

imagem apareceu ante eles.

O que os agentes viram horrorizados foi a uma mulher ao fundo, a noiva

de Blake, com uma sacola na cabeça, nua, e na parede fotografias de Brad com a

Mary, e de Jeff junto a Annie com uma inscrição em letras vermelhas, que

certamente devia ser sangue, que dizia:

“Vocês são os próximos” “Desfrutarei com suas mulheres”


Emily olhou para Brad, quem não necessitou palavras para entender o que

sua boa amiga tinha que saber.

— Peter delatou apenas a nós. Minha mulher está sob proteção, e neste

momento estão fazendo o mesmo com a Annie — disse isto olhando para Jeff.

— Filho da puta, você deveria ter-me dito ontem à noite quando me

contatou! — soltou tirando um telefone celular de seu bolso.

— Agente Rosell — Krause o cortou, — você ontem à noite vinha viajando

do Brasil, não vimos necessidade de… preocupá-lo. Graças a Misha e Zhenya

sabemos que estarão bem, elas e vocês.

— Como?! — grunhiu como se fosse um animal, sabia que não podia fazer

nada e isso o estava enlouquecendo, o que o tranquilizou nesse momento foi a

cara de Brad lhe pedindo calma.

— Eu sou o encarregado de me desfazer de vocês, de matá-los — soltou

como se fosse nada.

— Vou embora — falou Emily saindo de seu estado de choque. Já tinha

escutado o bastante, e se ela não estava nessa lista não tinha nada mais que fazer

nessa sala, porque o que devia fazer agora era mais importante que todos eles.

— Não!

— É obvio que vou — advertiu tomando sua arma, mas não conseguiu dar

um só passo mais quando foi detida por uns braços.

— Me solte, Brad! Devo ir por Miko, o que você não entende?

— Ninguém se moverá daqui.

— Você está louco se acha que vou ficar aqui, com você russo, depois do

que fez com o Peter.

— Não vim para que me julguem — sentenciou Misha em um tom

ameaçador, — vim ajudá-los, porque assim me ordenou meu superior. — Isso não

era de tudo certo, só estava aqui por ela, ele apenas pensava em lhes dar toda a
informação e logo voltar para o que o interessava. Brad, Blake e Jeff não

importavam nada, para isso eles tinham proteção da agência.

Zhenya se surpreendeu com o que escutou, ela não tinha nem ideia das

mudanças de planos de seu companheiro, mas não demonstrou nenhuma

emoção, simplesmente assentiu.

— ME importa uma merda o motivo pelo qual tenha vindo, não estão me

procurando — e olhando para Brad pediu, — ou me solta ou te juro pelo amor e a

amizade que tenho por ti que se arrependerá — anunciou levando a mão até sua

arma.

Brad a soltou, não por medo à arma, mas sim porque via o terror nos olhos

de sua amiga e sabia que não a deixariam sair, junto a ele tinham chegado vários

agentes que estariam à disposição para sua proteção.

Não chegou a dar dois passos quando viu que vários homens se

posicionavam na porta, impedindo-a de passar.

— A segurança de todos vocês é responsabilidade da agência, e como

subdiretor não permitirei que nenhum integrante mais desta missão padeça em

mãos inimigas, já nos encarregamos de Blake, está em um lugar seguro e

resguardado.

— Senhor… — suplicou, — Miko…

— Estará bem, nos encarregaremos dele.

— Mas é meu filho! — soltou sem poder se controlar mais, — nem você,

nem ninguém têm direito sobre ele, eu já não pertenço à agência.

Zhenya olhou a Misha, que tinha ficado pálido com essa informação que

tampouco conhecia. Ao parecer a senhorita Claxon era, além de uma incógnita,

uma verdadeira caixa de Pandora. E uma… senhora?

— Emily — Brad se aproximou com cuidado, — por favor, o melhor que

podemos fazer agora é permanecer juntos.

— Juntos, uma merda! Vou sair agora mesmo daqui.


— Você não irá a nenhuma parte! E vai deixar que a agência te proteja,

assim como o fará com Markov. Pensa com a cabeça, raciocina!

Emily começou a mover a cabeça de um lado a outro, não podia raciocinar,

estando impossibilitada de agir.

Jeff, que nesse instante tinha deixado de falar e tranquilizar a sua mulher,

aproximou-se dela para abraçá-la e estender o celular que sempre levava consigo,

que era impossível de rastrear.

— Chame-o para que você se tranquilize.

— Diga a ele que sua mãe irá buscá-lo — interveio Brad, — que irá a um

passeio com sua avó.

— Amanhã é… é o aniversário dele — disse a seus amigos com a voz

rasgada, enquanto uma lágrima ameaçava descer por sua bochecha.

— Sim, preciosa, e você agora deve ser a garota superpoderosa, por ele —

afirmou Brad marcando o número de sua casa.

O silêncio na sala era sepulcral, nada se escutava, inclusive podia se ouvir o

repique do telefone, até que uma voz de menino invadiu todo o lugar.

— Sim?

— Miko!

— Mamãe! Odie e eu estamos te esperando, já estamos preparados.

— Miko, me escute — pediu quase sem voz, — os avós irão te buscar, eu…

— Não, mamãe! Você me prometeu! — chiou e começou a protestar.

— Markov, me escute — o repreendeu, mesmo que partisse seu coração, —

sei que prometi isso. Algo surgiu na delegacia de polícia, devo resolver.

— Você jurou!

Nesse momento Jeff arrebatou o telefone de Emily, quem agora tinha a cara

alagada em lágrimas, mas resistia estoica sem emitir nenhum som.

— Olá, campeão! Como está o super menino? Preparado para uma nova

aventura?
— Não — resmungou, — íamos ao bosque com minha mamãe, íamos

acampar no lago.

— Wow! Mas se sua mamãe tem medo de formigas — sorriu com tristeza

olhando-a. — Tem certeza de que ela prometeu isso?

— Sim — soluçou do outro lado da linha, estava segurando o pranto, — e

eu fiz um repelente especial para ela.

Todos sentiram o grito sufocado que Emily deu nesse momento.

— Em uns dias sua mamãe irá te buscar e vocês passarão toda a semana no

lago, o que você acha?

— Você me promete isso?

— Quando eu não cumpri uma promessa que fiz, campeão?

Miko pensou um pouco, era um menino, mas não por isso era tolo, mas sim

justamente o contrário, esse menino era muito especial.

— Lembre-se do nosso segredo — Jeff o pressionou, necessitava que seu

afilhado se sentisse confiante e bem, — a pistola lança água que te dei de

presente…

— Tio! — repreendeu o pequeno, já sem sombra de tristeza em sua voz. —

Os segredos não se dizem.

— Então, estamos bem?

O pequeno moveu a cabeça, ao tempo que respondia afirmativamente e

pedia para falar com sua mãe. Emily se aproximou do telefone e prometeu a ele

que acampariam uma semana no lago. Logo desligou e com autorização do

subdiretor chamou a seus pais.

Depois de dar um relatório não tão detalhado a seu pai, que sempre a

entendia e apoiava, pediu que fossem pelo Miko, que seriam apenas uns dias. É

obvio que ele aceitou sem falar, conhecia sua filha e seu trabalho, mas antes de

desligar pediu para falar com Brad Cambell.

— Diga, senhor Claxon, estou escutando.


— você cuidará de minha gatinha?

— Jamais deixei de cuidar de sua gatinha, senhor — respondeu olhando-a,

que com os olhos avermelhados olhava ao chão.

— Então confio em que tudo estará bem.

Logo depois de tão particular conversa, o subdiretor voltou a tomar a

direção da organização.

— vocês partirão para umas instalações secretas, aí ficarão até que tudo isto

termine.

A essas alturas só podiam se olhar, não tinham nada que objetar.


Capítulo 14

Depois de receber as ordens imediatas do subdiretor do FBI, os cinco

agentes foram conduzidos em uma caminhonete blindada até um hangar, aí

embarcariam em um avião que os levaria a umas dependências especiais para

protegê-los enquanto solucionavam o problema ocasionado por Peter.

Brad não falou durante o trajeto, olhava para Emily de soslaio e sabia

perfeitamente como estava se sentindo: enganada.

Por outro lado, por mais que Jeff tentasse procurá-la, ela se afastava, não

queria falar com nenhum deles, saber que o homem que tinha marcado sua vida

estava vivo era muito.

Tantos anos acreditando estar morto tinham servido para viver em paz,

mas… agora? O que faria agora?

O voo durou duas horas, nas quais foram informados dos últimos

acontecimentos relacionados à Vadik. Ele tinha abandonado Moscou para

refugiar-se em um destino que apenas Misha como sua mão direita conhecia,

onde esperaria que levasse as boas notícias de que tinha acabado com seus

inimigos, os agentes.

Se antes as caminhonetes chamavam a atenção, as que agora os

transportavam faziam muito mais, não por seu tamanho, mas sim pela proteção

que levavam. Eram blindadas e por onde as olhassem aparecia o nome da

agência.

Misha, ao vê-las, bufou movendo a cabeça, para ele tudo isso não era mais

que chamar a atenção, essa era uma das grandes diferenças entre ambas as

organizações, e embora não gostasse, devia reconhecer, o SVR era muito mais

precavido e discreto, bom, eram os Ex-KGB e não por nada tinham conseguido

tanto e chegado tão longe no mundo.


Seguindo todas as normas e protocolos, a viagem realizou-se sem

contratempos. Ao sair da estrada avançaram por um caminho de terra onde

realmente não se via nada, exceto terra, quilômetros de terra, e de fundo uma

montanha que lhes cortava o caminho, não se via nenhum caminho aparente.

De repente as caminhonetes deram um giro brusco, deixando-os frente a

um enorme muro de rochas, uma grande montanha, mas ao dar um novo giro,

frente a eles apareceu um complexo militar, que foi construída dentro dela.

Estavam em uma das bases secretas do governo, a grande lenda do

“Cheyenne Mountain”, que se supunha ser uma instalação preparada para uma

explosão nuclear com capacidade para albergar oitocentas pessoas durante trinta

dias completamente isolados do mundo exterior.

Possuía portas de vinte e cinco toneladas blindadas que garantiam que

nenhum intruso pudesse entrar nas instalações, que estavam a meio quilômetro,

de puro granito. Uma cúpula para sobreviventes, ou neste caso, uma para

escondê-los.

Quatro militares com coletes à prova de balas e metralhadoras em mãos os

receberam, verificaram suas identificações e como se isso não bastasse, a cada um

deles os revisaram como se fossem delinquentes.

Os primeiros em resmungar foram Misha e Brad, que embora fizeram

notar sua moléstia, não foram escutados. Emily, que era a única mulher, já que

Zhenya tinha sido chamada no último momento, trataram-na com mais respeito,

só a revisaram por cima. Ela sorriu com amargura, que idiotas podiam ser às

vezes os homens!

Tudo o que possuíam nesse momento foi requisitado: documentos,

telefones, cartões, tudo. Agora entravam como quatro NN, unicamente lhes

deram um cartão de visita que se prendi à roupa com um broche, nela um

número de identificação.

«Fantástico», pensou Emily, «agora somos apenas um código».


— Boa noite, senhores, esperam-nos dentro do recinto para uma segunda

identificação.

Misha se aproximou perigosamente a um dos homens, que ao ver sua

atitude levantou a metralhadora apontando para ele, mas antes que pudesse

avançar mais, um dos agentes que os transladavam e estava a cargo se aproximou

para detê-lo e tranquilizá-lo.

Retrocedeu amaldiçoando em russo, não sem antes olhá-los com ódio, um

que fez estremecer inclusive a Emily.

No segundo posto de segurança quatro militares os receberam igualmente

armados como os anteriores, só que estes lhe entregaram uns trajes de uma só

peça de cor negra.

Quando os entregaram ordenou que todos os vestissem imediatamente.

Estavam em uma espécie de sala com janelas, onde em todo momento estavam

sendo monitorados, embora não vissem ninguém, sim se detectavam câmeras que

se agitavam ante qualquer movimento que eles fizessem.

Os olhos de Emily se conectaram com os de Jeff, não era fácil ter que

despir-se ante todos eles. Seu amigo a compreendeu perfeitamente e ficou diante

dela de costas para assim poder cobri-la. Embora cobrisse apenas um pouco.

Em um movimento rápido tirou a roupa, esta caiu ao chão e embora Jeff

tentou tampá-la o melhor possível, Misha pôde ver mais do que desejava e

merecia, ele por sua parte estava controlando-se para não tirá-lo de lá e poder

olhá-la em todo seu esplendor.

Sabia que não era o momento para ter esse tipo de pensamentos, mas sua

parte dominante não o abandonava inclusive nessas circunstâncias, ademais, sua

parte animal lhe indicava que essa mulher era de sua propriedade, por isso levava

a tatuagem em suas costas.

Minutos depois, quando vestidos com roupas iguais, um novo militar

chegou até eles, muito amavelmente cumprimentou a todos com a mão e um


gesto de cabeça, por fim lhes dando passe às instalações, para posteriormente

parar em posição de sentido frente a Brad Cambell, lhe entregando uma nova

identificação e uma corrente com um código que não passou despercebido para

ninguém.

— Me alegro por sua volta, senhor. Bem-vindo.

Dito isto, vários homens ficaram em posição de sentido frente a Brad, para

prestar-lhe continência.

— O que foi que perdi? — perguntou Jeff aproximando-se, confundido.

Brad olhou sua identificação sentindo o poder que este lhe outorgava, fazia

muitos anos que não a tinha. Com um sorriso de orgulho, sustentando-a para

mostrar a eles.

Agora voltava a ser um oficial operativo.

— Então… isto que sustento é nosso salvo-conduto — respondeu com

cuidado, não podia dizer tudo. — Pertenço, ou melhor dizendo, volto a pertencer

ao Destacamento Operacional das Forças Especiais Delta.

— É um Delta Force? — Jeff piscou incrédulo.

— Sim — respondeu com orgulho, — embora tenha trabalhado anos para o

FBI agora volto para minhas origens para vingar a nossos amigos e de uma vez

por todas…

— Ou seja — Emily o cortou, ferida, — enganou a todos durante todo este

tempo fingindo ser alguém que não foi.

— Não. Somos homens treinados para combater o terrorismo, por isso me

uni posteriormente ao FBI.

— Olha, Brad, isto sim que eu não esperava — concluiu Jeff, tomando a

identificação de metal brilhante com bordas de borracha negra em suas mãos para

admirá-lo.

Jeff e Emily estavam totalmente surpreendidos. Anos compartilhando,

pensando que eram como uma grande família e que entre eles não existiam
segredos, para que de repente toda essa confiança se quebrasse. Brad não só era

um agente do FBI, mas sim também um Delta Force. Doía-lhes, essa era a

verdade, embora nesse momento estavam dissimulando muito bem.

— Devemos te render homenagem ou seguir avançando? — bufou Misha,

olhando-o com a insolência que o caracterizava.

— Nem um nem outro, russo — soltou com desprezo, mantendo a calma

quando foram por eles.

Ao entrar na base militar perceberam quanta segurança havia, e isso que

não se viam homens armados, só quartos codificados e monitores em qualquer

parte.

— Bem-vindos —um homem grisalho com uniforme militar os

cumprimentou, o único que se vestia diferente.

Ele e Brad se fundiram em um abraço fraterno por uns segundos. Logo o

apresentou a seus companheiros, que foram cumprimentados com a mão, exceto

Emily, que foi beijada na bochecha.

— Alegrou-me muito a notícia de sua reincorporação, é melhor jogar nas

ligas maiores, não o fazer na segunda divisão.

— A segunda divisão, como você diz — interveio Misha, — existe para

indagar delitos, e com informação privilegiada vocês poderem proceder, porque

investigar não é o mesmo que agir, senhor — respondeu em sentido com um

perfeito estilo militar.

O coronel sorriu ante a resposta. Esse moço com sotaque russo tinha

culhões e gostava.

Não sabia quem eram, só tinha recebido a ordem de protegê-los, e ao saber

que Brad Cambell, um de seus melhores homens, estava entre eles, abriu-lhes a

porta do recinto sem perder mais tempo. Se com isso recuperava a seu homem,

todo o esforço seria mínimo e a recompensa totalmente excessiva.


— Bom, acredito que devem estar cansados, serão levados a uma ala

afastada com acesso a comunicações via satélite onde poderão estar conectados

com o mundo exterior — explicou. — Com estes cartões codificados poderão

pulular pelas instalações comuns. Tenho entendido que pela manhã receberemos

a visita do Krause para que em conjunto armemos um plano de ação — e olhando

a Brad com um sorriso continuou, — mostre a eles o lugar, você já o conhece,

amanhã nos reuniremos aqui às zero e oitocentas em ponto.

Brad, que nesse momento se fez o oficial a cargo, guiou-os até onde lhes

tinham indicado. Apesar de estar abaixo da terra, a luminosidade os fazia saber

que ainda era de dia, embora o anoitecer estivesse próximo a chegar.

Caminharam uns metros até que chegaram à zona indicada. O local que

tinham atribuído a eles era amplo, possuía dormitórios individuais e um lugar

para exercitar-se. Estava claro que não era a primeira vez que eram utilizadas, e

estava tudo pensado para que os homens e mulheres que o usavam, além de

trabalhar com os equipamentos de alta tecnologia que estavam dispostos, podiam

aliviar as tensões com o exercício.

Os olhos de Emily se foram diretos a um saco de boxe. Indevidamente.

Foi diretamente até ele, abriu o armário e tirou exatamente o que

necessitava. Logo se foi a um dos quartos mais afastados, não queria ver nem

pensar em ninguém, só precisava desafogar e com sorte esquecer, durante cinco

minutos, onde se encontrava e o pesadelo que se aproximava.

Brad e Jeff caminharam diretos onde estavam os modernos computadores,

com teclados embutidos na mesa e várias telas encostadas à parede. O escritório

estava limpo e organizado, contava com vários aparelhos tecnológicos e parecia

uma espécie de centro de operações como os que se via nos filmes, inclusive

contava com uma mesa holográfica que projetava diversos cenários. Jeff se sentiu

no paraíso, com o que tinha em frente podia fazer maravilhas, assim rapidamente

se sentou para trabalhar.


Por outro lado, Misha caminhou para outro local igualmente preparado.

Ele devia começar já a rastrear Vadik, e esperava não se equivocar, tinha motivos

pessoais esta vez para encontrá-lo no menor tempo possível.

*************

Vários minutos depois, quando Emily saiu do quarto, já não vestia o

macacão escuro e largo, mas sim umas leggings negras e um Top da mesma cor.

Caminhou sem olhar a ninguém, enfaixou as mãos com parcimônia e começou a

golpear o saco, liberando a raiva, a pena e a angústia. Sentia-se enganada e isso

era o que mais lhe doía, isso e bom, ter ao russo que se jurou uma vez não voltar a

ver nunca mais.

Tudo tinha passado muito rápido. De manhã estava feliz porque

certamente a essas horas já estaria com seu filho começando a celebração de seu

aniversário no bosque, que era o que mais adorava a seu pequeno, e com quem

estava agora? Com o pai de Miko.

Um murro mais forte, seguido de um grande chute, foi o que fez o saco dar

voltas, mas com agilidade o esquivou, e ao se afastar para trás sentiu como uns

braços a tomaram pela cintura e a ajudavam a recuperar o equilíbrio.

— Não está em muito boa forma.

— Me solte! — ofegou pelo esforço, em parte tinha razão, já não estava em

tão boa forma. Fazia muito tempo que não praticava. Agora nadava, porque

assim, quando estava mergulhando, era a única forma que tinha para encontrar

paz e esquecer.

— Nós temos que conversar, você está batendo nesse saco há uma hora.

— É porque não posso bater em você.

— Tem certeza? — perguntou levantando uma sobrancelha.

Não esperou que a outra sobrancelha subisse, como se fosse um vendaval

se lançou para ele, Brad não a viu vir, Emily colidiu contra seu corpo.
Rapidamente ficou em posição para defender-se, e assim, como se

estivessem praticando, ela começou a golpeá-lo enquanto o recriminava por seu

comportamento.

— Você mentiu para mim! — Golpe em um ombro.

— Não! Jamais.

— Sim! — Golpeou-o no peito. Seus olhos se encheram de raiva, cegando-a,

impedindo que lágrimas de ressentimento brotassem de seu peito e se alojassem

em um lugar de seu coração.

— Estava te protegendo!

— Protegendo? Protegendo? Do que?!

— De você mesma, mulher, por Deus! Você não pode ver? — exclamou

tomando as mãos, deixando-a impossibilitada de responder.

Jeff, ao dar-se conta do que ocorria, levantou-se rapidamente para ver o

que acontecia e não gostou do que viu. Ela tinha a cara vermelha pelo esforço,

sobretudo pela raiva que sentia, olhava Brad com recriminação, mas mais que isso

era pena, uma profunda e tremenda pena.

— Ems… — falou quando chegou a seu lado.

— Você sabia?

— Sim, Ems, sempre soubemos. — Envergonhado afirmou com a cabeça, já

não podiam seguir mentindo — Foi por seu bem.

— Me enganar foi por meu bem?

— Você não estava bem, se trancou na casa de seus pais, e com o que você

tinha passado com…

— Cale a boca! — gritou assustada, isso sim que não queria recordar, —

não há uma só puta razão para que todos tenham mentido para mim com algo

assim, vivi quatro anos sem preocupações pensando que tudo tinha acabado, e

em realidade foi uma mentira.

Brad soltou-a e não deixou que Jeff a tocasse.


— Agora já sabe — anunciou a devolvendo à realidade, não havia tempo

para lamentar, agora todos corriam perigo, — você tem que se centrar no que

vamos fazer, ter a mente limpa para tomar decisões.

— Não fale como se fosse meu superior porque já não é, e não tem nem

ideia do que estou sentindo neste momento.

— Sim, eu sei.

— Se soubesse, jamais teria escondido isso de mim, me deixando

desprotegida de saber a verdade, deixando que acreditasse que tudo estava bem

enquanto esse mal nascido seguia vivo.

— Você nunca esteve desprotegida, Ems. Sempre…

— Não quero saber, Brad Cambell, se é que esse seja seu verdadeiro nome

— lhe cuspiu fazendo alusão a seu recente descobrimento como agente do Delta

Force.

— Eu sempre soube quem você é, embora faça quatro anos nos traiu como

companheiros, mas, sobretudo como amigos — soltou de repente. Já estava dito,

essas palavras que nunca tinham sido pronunciadas em voz alta, agora tinha

soltado de repente e de uma só vez, sem anestesia.

— E paguei por isso — respondeu com uma lágrima em seu rosto. Esse

golpe tinha sido duro, a desconfiança na amizade era um golpe cruel. Ela sabia

que tinha cometido um engano, mas seu coração nesse momento estava dividido.

— E não me arrependo, porque tenho desse tempo o melhor que pôde ter ficado.

— Emily, Brad, não podemos nos desunir neste momento, isso é o que

Vadik quer conseguir, que nos assustemos e com isso sim nos destruirá.

— É verdade — o apoiou Brad olhando-a.

— Não quero mais mentiras — disse e tragou saliva, — já pedi perdão a

vocês pelo que aconteceu há quatro anos, e se hoje não estamos unidos… — A voz

lhe quebrou, que estivessem sendo caçados era muito grave e ela não queria

sequer imaginar o que aconteceria se os encontravam.


— Sempre fomos unidos — comentou Jeff esticando seu braço para tocá-la,

mas ela deu um passo atrás.

— Me deixe continuar. — Olhou a ambos. — Se não formos francos, isto

não resultará. Há algo mais que eu deva saber?

Brad e Jeff se olharam, estavam ocultando informação dela, mas

acreditavam que não vinha ao caso comentar nesse momento, assim ambos

negaram com a cabeça.

— Está bem, confio em vocês.

Logo depois de olhá-los aos olhos, como se fechasse um pacto, saiu da sala,

precisava estar ao ar livre. «Oxalá pudesse ir nadar», pensou, coisa que era

impossível nesse lugar. Por isso se foi para seu quarto, ligou a ducha e sob as

gotas de água chorou por pena, por medo, por culpa.

Ainda estava pagando um alto preço por seu erro.

Por outro lado, Misha não perdeu nem um só detalhe da conversa,

escutando-os atentamente, e agora via como esses homens se debatiam em uma

discussão acalorada. Por isso, sem querer esperar mais, pensou que já era hora de

esclarecer suas dúvidas.

Com raiva levantou-se para ir ao único lugar onde sabia, finalmente,

poderia ter suas respostas.

Sob a ducha, Emily lutava contra as lembranças e uma crise de ansiedade

estava a ponto de alcançá-la. Maldição! Não tinha seus medicamentos, estava lhe

custando respirar, estava sufocando-se. Como pôde desligou o chuveiro e

caminhou para a cama, sentou-se e começou a balançar-se de um lado a outro,

contando desde cem para trás. Isso deveria ajudá-la, pelo menos isso foi o que sua

doutora disse.

Mas as lembranças a golpearam, tudo o que tinha enterrado agora estava

sendo arrastado por um rio, voltando-se contra ela, bem diante de seus olhos.
Tinha uma mescla de sentimentos: escutar que Brad a culpava, que seu

pior pesadelo estava vivo e que Misha estava a metros dela era muito espantoso

para ser verdade. Era uma realidade que tinha querido cobrir. Principalmente, era

uma realidade que não estava preparada para confrontar.

— Aaahh… — tentou tomar ar, logo tossiu para voltar a inspirar, sua pele

clara estava ficando roxa. Deus… estava se sufocando. O ar já não chegava a seus

pulmões e com isso sabia que desmaiaria, tinha que pedir ajuda, era consciente

que não poderia controlar essa crise sem seus medicamentos.

Como pôde caminhou até a porta, e justo quando estava a ponto de girar a

fechadura a mesma se abriu, dando passo a um irritado Misha, que estava

totalmente fora de si.

Entrou sem sequer olhá-la, não podia se queria falar com ela, por isso

olhando para a parede começou:

— Quatro anos — vaiou com a mandíbula apertada, — te busquei pelos

países do Leste da Europa movendo céu, mar e terra para te encontrar, e resulta

que você — falou mais alto, socando a parede, — estava na América! E não é órfã,

nem bailarina, é… é… — Um grunhido saiu do fundo de seu interior, nem sequer

podia pronunciá-lo.

Emily da porta, ao vê-lo aparecer, tinha conseguido tragar um sopro de ar,

mas a porta se fechou e não tinha forças para voltar a abri-la. Assim só pôde fazer

um pequeno som.

— Aaahh…

— Te entreguei minha confiança. — Voltou a atacar fechando os olhos,

precisava tranquilizar-se para encará-la, não queria ser violento e sabia que se

desse a volta o seria, porque durante essas horas cada vez que essa mulher tinha

olhado para ele, tinha sentido sua aversão, e isso o estava matando lentamente. —

Te disse inúmeras vezes, te protegi de tudo e de todos, tatuei sua pele para que

ninguém te fizesse mal…


— Mish… — tentou dizer com o pouco ar que absorvia. Estava apoiada na

parede e seu corpo lentamente ia ficando mole.

— Não! —a calou ainda mais forte. — Agora que sei toda a verdade, quero

que me esclareça o que me falta por entender. Por que você me enganou?! Por que

mentiu para mim?! Tão pouca confiança te inspirava?! Ou é que sempre me viu

como um degenerado da pior índole!

— Aaahh… — respirou com força, agora a seu sufoco se somava que seus

olhos eram duas represas, tanto tempo pensando que ele a tinha esquecido,

aferrando-se a isso para tirá-lo de suas lembranças, para dar-se conta que nunca

tinha sido assim.

— Por acaso nada teve importância para você?! — gritou com a voz

rasgada pela emoção. — Me apaixonei por você, porra, e estava disposto a

mandar tudo a merda por você, por nós, só necessitava mais uns dias!

Nesse momento já não aguentou mais, desmoronou-se no piso sem poder

se segurar. Misha, ao escutar o golpe, ficou alguns segundos paralisado, Ira ou

Emily estava no chão com os lábios roxos, totalmente nua. Bastaram-lhe apenas

dois grandes passos para chegar até ela e embalá-la entre seus braços. Ao sentir

que não se movia, a raiva, o ódio e o rancor desapareceram como água entre os

dedos dando passo a um medo inimaginável.

Seu coração começou a bater com força, colocando todos seus sentidos em

alerta. Não houve tempo de deitá-la quando a porta do quarto se abriu

abruptamente, golpeando a lateral do seu corpo.

— O que você fez?! — gritou Brad vendo-a no chão.

Ao escutar gritos provenientes do quarto, tinha ido junto com Jeff verificar

o que estava acontecendo.

Misha levantou o rosto, em seus olhos havia incerteza, assim foi Jeff quem

se agachou para ver se respirava. Tomou-a nos braços e a levou até a cama.
— Vamos, Ems… — começou a dizer. Ao ver seus lábios soube o que lhe

acontecia, — respira, Ems, vamos, conta, você está comigo, tudo estará bem agora,

você não está sozinha.

Lentamente todos viram como ela logo começou a respirar, devolvendo a

tranquilidade a todos.

— Brad, consegue chocolate, e você — disse a Misha, —prepare um banho

com água morna para ela. — Logo voltou com ela. — Isso aí, Ems… conta, dez,

nove…

— O que você está fazendo?

— Ela tem uma crise de pânico — afirmou massageando suas têmporas.

— O que? Impossível, Emily jamais padeceu disso — grunhiu incrédulo

pelo que Jeff dizia, enquanto Misha já tinha ido ligar a água.

— Claro que sim! — elevou a voz vaiando entre dentes. — depois do que

Vadik fez a ela, Emily tem sofrido, disse a você que isto traria consequências.

— Maldito filho de puta — grunhiu agora entendendo muitas coisas,

principalmente os comprimidos que sempre levava em sua bolsa. — Tudo isso é

por culpa sua — vaiou olhando ao russo, que nesse momento saía do banheiro

para perguntar o que tinha acontecido.

— O que você disse sobre Vadik?

— Agora vai defender ele?

— Exijo que me diga agora o que foi que aconteceu.

— Vadik…

— Não… por favor, Brad — Emily suplicou em um sussurro triste, abrindo

apenas os olhos, — não diga nada.

— Emily… — vaiou com raiva, mal podia controlar a ira que esse tema o

fazia sentir.
— Cale a boca, Brad — Jeff o cortou forte e claro. Via o terror nos olhos de

sua amiga, agora ao menos respirava, mas tremia como uma folha em plena

tormenta.

Misha apertou os punhos, olhando-os com raiva, em um estado entre

angústia, raiva e impotência.

— Diga a porra da verdade a este imbecil para que de uma puta vez saiba o

que aguentou por ele.

— Brad… — grunhiu Jeff realmente irritado.

— O que! Não é verdade o que estou dizendo?

— Não mais… não mais, por favor — suplicou em um soluço.

Sem lhe importar quem a estivesse vendo, porque já não aguentava mais,

perdendo toda a força começou a chorar, sua antiga ferida de guerra se abriu e

agora sangrava sem deter-se, manchando tudo a seu passo, rasgando sua alma e

seu coração.

— Fora! — gritou Jeff ficando de pé com ela entre seus braços. — Saiam

daqui. Agora!

Foi tal a magnitude da força que usou em suas palavras que ambos os

homens saíram do quarto, deixando-os sozinhos.

Misha foi o primeiro, queria explicações, precisava informações do que

tinha acontecido, queria respostas e agora tinha mil e uma dúvidas, começando

pela existência de Miko. Seria filho desse tal Odie?

Ofuscado como estava, sentou-se em um dos computadores. Mudou

totalmente sua busca, não lhe interessava Vadik, nem Rússia, nem a morte do

agente. Agora tinha outro propósito, um muito mais imediato.

Pulsou um código de cinco letras, e segundos depois o monitor cobrou

vida, mostrando o símbolo da organização russa, uma estrela com cinco pontas

rodeando uma esfera.


Sempre quis separar as coisas, por isso tinha se negado a utilizar esse

recurso na busca de Ira, mas agora tudo era diferente, queria respostas e se sua

própria agência, a que tinha servido, respeitado e entregue sua vida o tinha

oculto, sabia que os russos o entregariam.

Não só tinha entregado anos de sua vida a eles, mas sim também

desmantelado várias bratvas, redes de tráfico de armas, de tráfico de pessoas, e

quando pediu respostas, estas foram negadas, o subdiretor da agência não lhe

havia dito nada. Sim, o FBI o tinha abandonado, assim era como se sentia.

Ele guiaria sua lealdade. Não seguiria os protocolos estabelecidos para

conseguir informação, iria direto à fonte. Depois veria o que fazer no futuro, sabia

que agir como estava a ponto de fazê-lo traria consequências, muitas comportas

se fechariam para ele.

Uma vez dentro da página, com seu código que o validava como agente,

voltou a teclar um par de números mais, estes foram à agência de inteligência

russa. Em dois segundos recebeu um alerta aonde devia pôr um único código de

acesso. Sem titubear nem se intimidar teclou o código e…. voilà, toda a

informação necessária estaria a seu alcance em tão só uns minutos.

Estava nos arquivos secretos da agência governamental.

Bastou-lhe teclar “Projeto Russo”, e ante seus olhos encontrou todo o

necessário. Sim, ele era invencível, ao menos assim se sentia. Agora que tinha os

nomes verdadeiros, nada o deteria.

Apesar de suas ânsias, com um ligeiro tremor nos dedos escreveu o nome e

o número de identificação de Emily Claxon, e ao fim apareceu.

EXPLORADOR PROCURANDO IDENTIFICAÇÃO…

— Vamos… vamos. — Tamborilou seus dedos sobre a escrivaninha. Sentia-

se inquieto, até que de repente ante ele apareceu o histórico completo da ex


agente. Ficou uns segundos estudando o que ali dizia até que compreendeu. O

copo de água que segurava entre suas mãos caiu, espatifando-se com força no

chão.

Um calafrio percorreu seu corpo, acompanhado de uma ansiedade que

não havia sentido jamais. Ante seus olhos se confirmava que ela tinha um filho

chamado Markov Claxon, cuja idade coincidia exatamente com o tempo em que a

tinha estado procurando, e como se isso fosse pouco, tinha sido rebaixada depois

da última missão por razões confidenciais.

— Confidencial, uma merda! — grunhiu devagar pondo um novo código,

batendo nas letras para obter maior informação.

Uma janela se abriu em um canto. Esta chamou poderosamente sua

atenção. “Antecedentes médicos”. “Tratamento em curso”. Que merda significava

isso? E por que ele não podia ter acesso? Seguiu lendo e a frase “Danos colaterais”

voltou a chamar sua atenção. Que merda aconteceu com ela? Pela primeira vez

em sua vida se tocou o coração, este pulsava tão às pressas que inclusive estava

enjoando-o.

O que sentia não era normal, algo lhe dizia que “Danos colaterais” era

mais do que podia imaginar. E se Vadik…? Não, negou veementemente com a

cabeça, isso não podia ter acontecido. Apertou os dentes com tanta força que estes

chiaram e o teclado do computador recebeu o resultado de seu mau humor.

Sem perder mais tempo se levantou, queria respostas e as queria já.

Caminhou com grandes passos para onde certamente estaria o único que

seria capaz de lhe dar respostas, e antes de chegar até onde Brad se encontrava,

olhou-o colérico. Tinha os olhos tão avermelhados que seu aspecto era de temer.

O Delta Force ao vê-lo se aprumou para recebê-lo, já sabia para que vinha,

mas apesar de querer gritar a ele com aversão o que tinha acontecido por sua

culpa, sabia que não correspondia a ele fazer isso, e só por Emily, e o amor
incondicional que lhe professava, não a delataria, embora suas vísceras o

recriminassem por dentro.

— Exijo saber a verdade e a quero agora.

— Não sou quem pode… — Não pôde dizer nem meia palavra mais

quando, ante a negativa de seguir, Misha arremeteu contra ele com o ombro,

golpeando-o nos rins.

Ambos caíram ao chão e começaram a golpear-se duramente.

— Me diga o que aconteceu agora! — pediu o russo com raiva mesclada

com dor.

Com uma joelhada Brad o afastou, ficando agora escarranchado sobre ele.

— Gostaria muito de dizer a você, mas não serei eu quem o faça —

respondeu com o rosto compungido.

Assim seguiram se golpeando uns minutos até que Jeff, alertado pelos

ruídos, saiu do quarto de Emily.

— Vocês são imbecis? — protestou tentando separá-los, mas nenhum se

soltava e Jeff com todas suas forças os afastava.

— Por que não me dizem a verdade?! O que aconteceu?!

— Quem deve contar o que aconteceu é a Emily — lhe disse tomando o

punho do russo, apertando-lhe com força, detendo em parte sua fúria. — Não

faça que algo tão importante para ela e tão doloroso saia á luz, sem necessidade—

sorriu com tristeza, — nenhum de nós é seu inimigo, essa mulher que está aí

dentro é nossa amiga, e faremos tudo por ela, hoje e sempre, e se você — disse

olhando-o nos olhos com valor, — a respeita ou sente algo por ela, deixe que seja

Ems a que fale.

— Se está aqui é porque o destino te colocou no caminho dela de novo —

prosseguiu Brad, cortando Jeff. — Emily sofreu muitos danos para que, além

disso, agora você exija verdades que ela tenta enterrar. Você, o primeiro deles —
finalizou com veneno em sua voz, — porque com um dedo não se pode tampar o

sol.

Ao escutar essas palavras, Misha deixou de lutar, levantou-se absorto, não

entendia o que tinha acontecido, apenas esperava ferventemente que não fosse o

que seu coração estava gritando para si. Porque se fosse assim, isso jamais se

perdoaria, nem nesta vida nem na seguinte.

Brad não aceitou a mão que o russo estendeu para ele, levantou-se com

lentidão, e com a palma limpou o sangue que corria pelo canto de seus lábios, e

sem lhe dizer nem meia palavra mais saiu, deixando-os sozinhos. Não tinha

gostado de Misha nem antes nem agora, ainda seguia sendo um fantasma.

— Deixa Emily descansar, não é fácil saber que os mortos voltam para a

vida — falou Jeff com um tom que não admitia recriminações.

— Necessito respostas.

— Acaso não são óbvias, o que quer, cavar mais profundo?

Misha empunhou as mãos e se ergueu para demonstrar sua estatura.

«Óbvias?» Pensou, nada era óbvio para ele, não queria tirar conjeturas,

necessitava respostas e as queria, já!

*************

Dentro do quarto, Emily finalmente pôde dormir, já estava um pouco mais

tranquila. Jeff com uma massagem, depois do banho quente, tinha conseguido

que relaxasse, mas não aguentou assim por muito tempo. Seu estômago

reclamava por comida, ajustou-se uma bata e decidiu ver se encontrava algo,

sabia que tinha que descansar, o dia seguinte seria uma jornada dura e devia estar

concentrada para o que viesse, e para piorar, esse dia era o aniversário de seu

precioso menino.

A única luz acesa da ala estava ao final. Amaldiçoou internamente, não

bastava estar a centenas de metros abaixo da terra, mas sim também os tinham às
escuras. Chegou ao que parecia uma cozinha, não tinha nada de aconchegante

como a sua, que estava cheia de desenhos e adesivos. Esta possuía alguns móveis

modulares em cor metálica e alguns utensílios que podiam se assemelhar a louças.

Acendeu o fogão e começou a preparar um chá. Daria qualquer coisa por

uma água aromatizada, mas como não tinha, teve que se conformar.

Antes que a água fervesse o apagou.

— Odeio estar embaixo da terra — murmurou enquanto vertia o líquido,

— odeio beber neste caneca de metal, odeio este lugar, odeio não poder estar

fazendo o bolo…

— Não acha que seus ódios estão muito dispersos? — sussurrou o russo

colocando-se a seu lado, surpreendendo-a.

— Não, todo meu ódio provém da mesma causa — vaiou esticando-se, não

esperava vê-lo e menos ainda tê-lo tão perto.

— Nós temos que conversar — Falou sem rodeios.

— Não sei nada diferente do que você sabe, em umas horas nos reuniremos

com o coronel e o subdiretor, eles nos darão um plano de ação — respondeu

evadindo o tema importante, porque não queria referir-se a nada do que havia

dito anteriormente, não estava preparada para processar essa informação.

— Ira…

— Meu nome é Emily Claxon, e agradeceria que me chamasse assim — o

cortou.

— Perfeito — afirmou aproximando-se o suficiente, — já que estamos

falando a verdade, quero saber quando pensava em me dizer que Markov é meu

filho.

Se não tivesse sido por seus rápidos reflexos, a caneca que segurava entre

suas mãos teria caído ao chão. Com uma reserva abismal virou para vê-lo, com

um olhar capaz de derreter os gelos do polo norte e sul juntos.

— Não permito que você fale do meu filho!


— Você não é um ser que se reproduz de forma assexual, você é…

— Me escute bem, russo de merda — vaiou segurando-o pela lapela, com

toda a força que pôde reunir nesse momento. Ante essa reação, Misha ficou

pasmado, — não permito que você volte sequer a pensar uma coisa assim.

— Controle-se.

— Que se dane o controle — repetiu ficando nas pontas dos pés para ficar a

sua altura, — se você está aqui é unicamente pelo “Projeto Russo”, não venha

buscar nada, porque aqui não encontrará.

— O que perdi já encontrei — bramou a escassos centímetros de seus

lábios, — e não vou voltar a perder. Quero… não, exijo respostas, e as quero

agora, não esgote minha paciência, ou senão…

— Ou senão o que?

Nesse momento, e sem poder conter mais seus instintos primitivos, Misha

calou o resto de suas palavras jogando-se contra ela, deixando-a tão surpreendida

que não foi capaz sequer de reagir, inclusive seus lábios a traíram abrindo-se para

ele, enquanto passava a língua por seu lábio inferior, observando o brilho de seus

olhos, que estavam tão abertos que inclusive podia ver seu reflexo.

Só milésimos de segundos bastaram para que o neandertal que habitava

nele saísse à luz e possuísse sua boca como tanto desejava, com um beijo

demonstraria a quem pertencia, ao menos assim pensava.

Esse beijo demonstraria a química que existia, o desejo que ele tinha e o

mais importante, que estava reclamando-a novamente para ele.

Mas não esperava pelo que recebeu em troca, nesse contato de pele contra

pele, Emily, a mulher, a amante, a mãe, a agente, transportou-se para o baú das

lembranças, acendendo depois de tantos anos a chama que estava totalmente

apagada. Não só era algo químico, era celestial, era como se todo seu corpo

reagisse a esse homem, apagando todo o sofrimento vivido, bloqueando-o para


deixá-la desfrutar, como se pela primeira vez estivessem se entregando sem

segredos entre eles, só homem e mulher… como a última vez.

Ao pensar nisso os olhos dela encheram de lágrimas, trazendo-a de volta a

realidade do momento, do lugar e do tempo.

Esse tinha sido seu ponto de quebra, o momento em que tudo mudou, e

que logo transformaria sua vida para sempre.

Com uma dificuldade que não esperava que seu corpo lhe desse, retirou-se

afligida, ferida, ressentida, sobretudo confusa, esse prazer que acreditou jamais

voltar a ter o havia sentido outra vez, e com ele, com o russo, com Misha… com o

pai de seu filho.

Antes que se retirasse completamente ele a aferrou a seu corpo, impedindo

que escapasse, apertando-a tanto que inclusive Emily pôde sentir como o corpo

viril desse homem a estava reclamando, suplicando por apagar a chama acesa da

luxúria e da paixão. E o que ela fez? Ficou? Não, não podia voltar a viver de novo

essa vida que tinha esquecido, não queria estar em risco e menos em perigo,

porque esse homem significava isso, e há quase quatro anos ela já tinha

abandonado a adrenalina desse momento.

— Não… — murmurou Misha, usando um tom novo para ela, não era

súplica, nem ordem, eram palavras expressas do mais profundo de seu ser, que

era capaz de esquecer rancores só para avançar pelo caminho do amor, —deixe-

me te querer para querer te respeitar, para respeitar e… te aceitar para aceitar,

ninguém me deu o que você me dá.

— Devemos… devemos dormir, em umas horas nos prepararemos e

receberemos ordens — repetiu como um robô e com dificuldade, separando-se

completamente, ou saía dali ou certamente as coisas terminariam de outra

maneira.
— Não necessito que me ratifique o que já sei, e o que não sei o averiguarei,

isso tenha certeza — respondeu com um tom muito tranquilo, mas, sobretudo,

seguro e arrogante.

Emily não disse nada, só um tremor percorreu seu corpo e partiu,

deixando-o sozinho, sumido em seus próprios pensamentos e conjeturas.

Quando chegou ao seu quarto, fechou a porta com chave, e como se seu

corpo pesasse toneladas arrastou suas costas pela parede até ficar totalmente

sentada no chão.

— Isto não pode estar acontecendo comigo…


Capítulo 15

Às seis da manhã em ponto, e sem que ninguém os ordenasse, Jeff, Brad,

Misha e Emily estavam reunidos na cozinha com uma caneca de café fumegante,

sem trocar uma palavra entre eles.

A primeira a sair foi ela, esse era um dia muito especial e Brad sabia, por

isso deixou-a retirar-se sem repreendê-la. Ele sempre a tinha admirado, não só

porque se destacava nas operações, mas sim pelo grande caráter que possuía, o

que nunca imaginou foi o grande sentimento que tinha por ela. Apaixonou-se em

pouco tempo de conhecê-la, mas como homem inteligente, também soube que

jamais seria correspondido, e ante o medo de perdê-la se o confessava, ocultou o

que sentia e refez sua vida, inclusive estava felizmente casado.

Tomou ar e valor para avançar até onde estava sentada, olhando um ponto

qualquer na parede.

— Você deve tentar relaxar — repreendeu-a. Sabia, porque a conhecia, que

não tinha dormido em toda a noite.

— Farei quando sairmos daqui — respondeu ausente. Ela estava com sua

mente no lago, junto ao seu filho.

— Será apenas uns dias, gatinha.

— Brad… ele… ele já matou ao Peter, à mulher do Blake, e se…

— Não — a cortou, deixando que a frase se perdesse no ar, — isso não vai

acontecer. Além disso, Emily, esse bastardo não sabe que você e Miko existem,

estão completamente a salvo.

— Tenho tanto medo…

— Shhh, calma, esta vez não falharemos.

Ante essas palavras, Emily abraçou a seu amigo, e este feliz lhe

correspondeu, enquanto do outro extremo da sala Misha os olhava, sentindo-se

um estranho nessa equação.


— A próxima vez que você tentar ameaçar a Emily, não contará para você.

Nesse momento o russo saiu de seu devaneio e se percebeu que Jeff o

estava ameaçando em toda regra.

— Sim, não me olhe assim, te escutei ontem à noite e te direi apenas, e não

por lealdade a ti, que a deixe em paz. Se te interessa saber a verdade, dê tempo a

ela.

— Tempo é o que não temos.

— Não — o repreendeu, — tempo é o que temos se você está aqui e faz

bem seu trabalho, o que precisamos saber é se está com o Vadik ou deste lado.

— Estou aqui, não?

— Melhor que esteja — sussurrou afastando-se para chegar até sua amiga e

unir-se ao abraço.

Definitivamente, quem não cabia na equação era ele.

«Quantas missões fizeram juntos?», pensou. Isso era camaradagem,

irmandade, algo que em seu mundo não existia. Nem sequer com a Zhenya, a que

conhecia desde muitos anos, tinha-o conseguido jamais.

O resto do tempo passou com celeridade. Agora estavam reunidos no

escritório do coronel junto a quatro homens, eram membros da equipe Delta

Force. Brad conhecia a todos, e assim tinham notado seus companheiros pela

saudação amistosa que se haviam propinado minutos antes.

— Pelo que o coronel Hunger nos disse, nós devemos terminar uma missão

que vocês falharam — expressou um dos homens, que tinha a cabeça raspada e

uma tatuagem que subia pelo seu pescoço até a nuca.

— Não falhamos, Stark — asseverou Brad, olhando-o inquisitivamente.

— Mas nós devemos terminar a missão porque um de seus homens

cacarejou como uma galinha choca — criticou Cooper, em tom de zombaria. Esses

homens eram assim, se acreditavam superiores a todos, como se fossem de outro


mundo, inclusive havia filmes apoiados em Delta Force, por isso eles acreditavam

que eram de uma raça imensamente superior, bom, não por menos eram

escolhidos de diferentes destacamentos, e só os melhores obtinham o posto e a

honra de pertencer a esse ramo militar.

Antes que Brad pudesse defender a seu amigo e companheiro, uma voz ao

fundo se fez notar.

— Queria te ver nessa situação, onde te sodomizam com uma garrafa de

champanhe no traseiro e te golpeiam até fazê-la quebrar, ou sobre uma

churrasqueira…

A mão de Emily apertou a de Misha para que se calasse, arcadas tinham

começado a alojar-se em sua garganta com o simples fato de imaginar o que seu

amigo tinha vivido.

Incrivelmente, Misha se calou.

— Cavalheiros, por favor — sugeriu o coronel, convidando-os a sentar-se,

— não estamos aqui para julgar ninguém, a não ser para iniciar um plano de

ataque. O subdiretor não pôde vir, mas me deixou a cargo de tudo.

Imediatamente, ante a voz de mando de seu coronel, todos os homens do

Delta Force se calaram, inclusive Brad. Em troca, os agentes se olharam, que

Krause não estivesse não era bom sinal.

Quando se sentaram todos observaram Emily, fazendo que o russo

imediatamente ficasse em guarda, sentando-se a seu lado, e como se isso fosse

pouco, passou o braço por detrás do respaldo da cadeira.

Emily estava nervosa, esses homens não tinham vontade de ajudá-los, só

seguiriam ordens e, segundo ela acreditava, se fosse assim nada funcionaria.

Brad, com apenas um olhar de assentimento de seu coronel, ficou de pé e

caminhou para a tela, que nesse momento baixava e lhes mostrava um mapa com

uma região da Rússia marcada em cor cinza.


— Como verão aqui — começou a falar com segurança, — nesta cadeia

montanhosa se encontra a localização exata do Vadik. Nosso trabalho será limpo,

eliminar o alvo sem deixar rastros. Missão de entrada e de saída.

O coronel ficou de pé agora, intervindo no tema, afinando alguns detalhes

técnicos.

— Você está bem? — Jeff perguntou muito baixinho a sua amiga, vendo-a

retorcer as mãos uma e outra vez, sem perder atenção de tudo o que se dizia.

— Sim… — sussurrou, — mas confio mais em mim.

— Eu sei, mas você estará aqui porque não pode se arriscar, deve isso ao

Miko, e principalmente a Odie.

— Odie foi meu fiel companheiro, não sei o que teria feito sem ele, você

sempre teve razão.

— Quando eu não tive razão?

«Maldição, outra vez esse maldito nome», pensou o russo. Quem era esse tal

Odie? E o que significava em sua vida?

— Tem razão — respondeu ainda mais baixinho.

Nesse momento os decibéis do tom de voz do Hunger subiram, e olhando

a cada um de seus homens prosseguiu:

— Como verão, não só vingaremos a morte de nossos compatriotas, mas

também acabaremos com uma segunda missão inconclusa, acabando de uma vez

por todas com uma das máfias mais importantes da Rússia. Assim, eles estarão

em dívida conosco uma vez mais.

— Segunda? — perguntou um dos Delta Force.

— A primeira não teve o êxito desejado, impediram a entrega de um

carregamento de urânio e com isso se destruiu uma bratva que se dedicava ao

tráfico de armas — concluiu o coronel, passando a palavra a Brad para que

prosseguisse.
— Há quatro anos, a operação “Projeto Russo” foi terminada com alguns

contratempos, mas não por isso menos bem-sucedida, não só se extinguiu a

bratva, mas também capturamos com vida parte de uma das células terroristas

mais importantes do Oriente Médio, embora infelizmente — ironizou, — seu

cabeça morreu no ato, mas graças a isso, durante este tempo, controlamos essa

parte do mundo. Eles são, por assim dizer, muito colaboradores com a CIA.

Ante esse comentário sarcástico todos os homens riram, sabiam

perfeitamente como essa entidade obtinha informação, e não era precisamente da

melhor maneira.

— O problema — continuou o coronel, ficando de pé de novo para

caminhar em volta da tela e indicar agora um mapa com pontos vermelhos em

distintos distritos estratégicos, — é que não estivemos isentos de danos colaterais.

Com o desaparecimento dessa bratva, a do Vadik se encarregou do tráfico de

armas, incrementando o armamento em grupos ilegais do Oriente Médio.

Portanto, seus cofres cresceram substancialmente e neste momento, além de ser

um dos homens mais poderosos da Rússia, é um dos mais ricos.

— Segundo o que investigamos em uma segunda missão — retomou Brad,

olhando para Emily, sentindo-se culpado, — Vadik se tornou mais forte e está

trocando seus negócios, já que o tráfico de mulheres não está sendo tão lucrativo,

mas o que ainda não podemos averiguar é para que está reunindo tanto dinheiro.

— O dinheiro reunido —Misha os surpreendeu sem sequer ficar de pé, — é

para fabricar droga, que será vendida na América e seus arredores, partindo da

Colômbia, já que Vadik fez uma aliança com um poderoso narcotraficante que

dirige um dos cartéis mais cotados que, além disso, dá acesso completo ao

México. Tendo de seu lado o mercado armamentista e controlando o narcotráfico,

Vadik seria invencível.


Todos seguiam muito atentos a informação nova que Misha estava

contribuindo, ninguém sabia disso. Como não tinham tanto conhecimento,

rapidamente deviam compilar todas as informações.

— Então temos que acabar com ele já! — grunhiu Stark.

— Não é tão fácil como vocês acreditam cavalheiros — o russo voltou a

falar, agora com soberba, levantando-se com um lápis para começar a riscar a tela

digital, deixando assombrado ao coronel. — O que seu companheiro propõe —

recordou olhando ao Brad, — é atacar ao Vadik e sair da zona sem ser vistos,

mas… — voltou a olhá-los e riscou outra parte, — nenhum veículo aéreo pode

sobrevoar este diâmetro — disse apontando a um círculo, — está completamente

monitorado por radares via satélite particulares que jamais darão acesso a sua

monitorização, já que ele e Vadik são a mesma pessoa. — Um murmúrio

generalizado se escutou e ele prosseguiu, sentindo-se ainda mais arrogante. — A

única forma de atacar é por terra, pelas montanhas rochosas, atravessando este

descampado. E para sair, a única forma será fazê-lo no único aparelho autorizado

para voar: um helicóptero, que é propriedade do vor, que deve fazer escala para

reabastecer em um ponto que também é controlado por ele. Vocês têm alguma

ideia de como pode ter êxito na missão? — Olhou a todos e a cada um deles aos

olhos, tinha acabado com seus planos em menos de cinco minutos.

— A única forma de fazê-lo é por terra, pelos caminhos estabelecidos —

respondeu muito segura Emily.

Misha se virou para vê-la, vislumbrando por onde ia sua ideia.

Todos sem exceção a olharam como se estivesse louca e lhe saíssem cobras

pela cabeça ou não soubesse nada, mas como sempre, sua inteligência se antepôs

aos fatos, por isso era uma das melhores, embora hoje em dia não fosse

considerada em nenhum destacamento governamental, mas não por isso ia ficar

calada ou como mera espectadora se a vida de todos estava em perigo, já que em

certa forma se sentia culpada.


— E como você pretende que não nos massacrem, docinho? O que pensa

sua linda cabecinha? Porque isto não é um filme do Tom Cruise, nem James Bond

nos ajudará.

— Primeiro de tudo, meu nome é Emily Claxon, e não acredito que isto seja

um filme de ação, a não ser a realidade, e se por acaso não você não se percebeu,

fomos nós os que estivemos nessa missão infiltrados... Ah! Claro, você não sabe o

que significa infiltrados porque não se preparam para isso, certo?

Inclusive ao Brad lhe escapou um sorriso de satisfação e todos a deixaram

prosseguir. Misha agora olhava-a com orgulho e se sentia completamente

embevecido ao escutá-la falar, essa mescla de voz rouca com a segurança de suas

palavras era uma poderosa combinação.

— Como lhes dizia anteriormente, nenhum de nós pode entrar nem por

terra nem por ar sem sermos descobertos. Nesse lugar só podemos ser apoio desta

operação, não os heróis que tanto gostam de ser.

O coronel lhe fez um gesto com a mão para que prosseguisse, por alguma

razão seu desplante lhe parecia interessante.

— Sabem o que é um Cavalo de Tróia?

Os homens se olharam entre si. O que lhes estava perguntando? Como

ninguém abriu a boca, de forma sarcástica ela prosseguiu.

— Ah…! Porque não é só um filme protagonizado pelo Brad Pitt, é um fato

histórico, estratégia de guerra para ser mais precisa, onde um grupo de homens se

escondeu dentro de um cavalo de madeira e esperou a que todo mundo dormisse

para atacar e assim obter a vitória.

— Você está louca… — murmurou Stark, um pouco furioso por ser tratado

como idiota.

— Para sua desgraça, não.


— E qual seria nosso suposto cavalo…? — falou outro dos homens, que a

tinha olhado com respeito e muita atenção durante a longa hora que levavam

conversando.

— Nosso Cavalo de Tróia será… — se deteve olhando a Misha, que nesse

momento se sentiu capaz de tudo e de muito mais, e embora não estava

acostumado a acatar planos de ninguém que não fora ele, este lhe pareceu genial e

completamente inteligente.

— Eu.

— Você? — perguntaram todos, sem exceção, ao uníssono.

— Sim, sou o brigadir18 do Pakhan19— comentou e como viu que esses

homens fornidos e altivos que se acreditavam os heróis da América não

entendiam nada, ele com a insolência que o caracterizava, respondeu como se

fosse um catedrático na matéria, burlando-se deles. — Pakhan, significa pai, e a

sua vez é o vor, neste caso Vadik, suponho que agora já nos estamos entendendo.

— Apenas um brilho feroz divisou naqueles olhos, mas não lhe importava. — E o

brigadir é sua mão direita e esse, como saberão, cavalheiros… sou eu.

Na sala se fez o silêncio e todos o olharam como se fosse um extraterrestre.

— Você, russo, é um espião — disse Stark, cortante.

— Não.

— Explique-se então — pediu Cooper, o outro Delta Force, que estava

totalmente imerso na conversa.

— Levo quinze anos infiltrado na máfia russa — relatou com parcimônia,

— passei cinco anos na prisão fingindo ser um ladrão entre os homens mais

perigosos, para poder chegar a ser um vor zakone e assim ter informação de

primeira mão para extinguir em parte a corrupção das bratvas.

— E o que é que você fez? — perguntou Stark muito interessado, quinze

anos era uma vida e esse russo, que em um princípio tinha subestimado, era toda

18
Brigadir: Membro de uma brigada.
19
Pakhan: É outra forma de chamar ao Vor.
uma lenda. Era sabido por todos que a KGB utilizava esse tipo de homens para

infiltrar-se, mas de que existissem e fossem reais, nada se sabia… até agora.

— Não tenho que te dar explicação sobre nada do que tenho feito, Stark,

nem a você nem a ninguém. Só me reporto com meu oficial, que pertence ao

serviço de inteligência, entende? Isto não é um jogo de meninos com super armas,

ou de agentes superpoderosas, que não sangram quando lhes disparam — disse

olhando para Emily. — Muitos de meus companheiros morrem em missões, e a

diferença de vocês — apontou a todos, — ninguém sabe jamais, porque a missão é

secreta até o final. O único que sim, gostaria de dizer, é que tudo o que tenho

feito nesta vida é o que me faz ser quem sou hoje.

— E quem supostamente você é? — zombou Cooper.

— A única pessoa capaz de levá-los até onde Vadik está e arrumar o

bagunça em que hoje estão metidos seus compatriotas porque, além disso, sou o

encarregado de acabar com suas vidas. Está claro ou preciso desenhar para que o

entenda?

O aludido ficou de pé de um salto, não permitiria que ninguém o

humilhasse, e menos um russo, que se acreditava claramente superior a todos os

que estavam ali presentes.

— Basta já! — cortou-os o superior ao mando, ele não estava tratando com

meninos, a não ser com peritos, especialmente com seus egos, e ele sabia muito

bem. Tinha-os observado reagir e os tinha deixado opinar, precisava ter uma

estratégia clara, muitas frentes estavam abertas, e embora estava acostumado a

agir sozinho com seus homens, esta vez necessitava a colaboração dos agentes,

principalmente a do russo, embora lhe pesasse. — Entendo então que a única

forma de atacar é utilizando “O Cavalo de Tróia” — reconheceu olhando ao que

acreditava ser estrangeiro e este afirmou, — mas o que quero saber é, se o

incluirmos nesta missão, você obedecerá apenas às minhas ordens?


Misha sempre tinha trabalhado sozinho, não gostava de seguir ordens de

ninguém, mas desta vez tudo era diferente, e porra, tudo era distinto e a culpada

tinha nome e sobrenome, ele não teria se envolvido se ela não estivesse correndo

perigo, sabia que embora não a tivessem delatado, Vadik demoraria pouco ou

nada em encontrá-la, e principalmente, cobrar a ela dívida que tinha pendente.

— Não obedecerei às suas ordens, mas sim me guiarei pelo protocolo que

você disponha — respondeu muito seguro, sem querer explicar-se mais.

— Não vou mentir para você, se fosse por mim ou meus homens não

pediríamos ajuda a você, mas sei que é o único capaz de chegar até o vor, e pelo

que tenho nestes documentos — indicou fazendo alusão a uns papéis que lhe

tinham chegado recentemente e que tinha lido enquanto eles estavam falando, —

é o homem indicado, com habilidades qualificadas para esta missão, mas aqui não

aceitamos a dupla militância, ou está conosco ou com ele.

— Não repetirei minha resposta, coronel. Estou aqui.

Emily e Jeff se olharam dando-se conta da animosidade que havia entre

esses dois, outros olharam a conversa com expectativa.

— Perfeito — disse lhe dando a mão, selando um pacto de honra entre

cavalheiros, com códigos implícitos que iam muito além do escrito. Era a lei da

palavra pronunciada.

Logo se engajaram em todos os detalhes da missão, atando todos os cabos

soltos e criando alternativas de ataque e diferentes opções se por acaso um plano

falhava.

Os homens em volta da mesa eram preparados para salvar o mundo da

escória. Eram todos muito parecidos e muito diferentes ao mesmo tempo, mas

tinham um único objetivo e como sempre dariam sua vida pela nova missão.

Depois de quase quatro horas trabalhando cotovelo com cotovelo, o

coronel juntou as palmas e se levantou da mesa.


— Agora, senhores, só nos resta esperar que o relatório climatológico seja

favorável para ter uma complicação menos na missão. Você — anunciou olhando

a Misha, — assegure-se de confirmar que esse desgraçado esteja na cova, todos

nossos rastreadores estão a sua disposição, e você, docinho, faz a magia que sabe

fazer com os computadores e nos dê tudo o que nos seja de ajuda, quero que

procure até debaixo das pedras. De acordo com o que Brad me disse, é a garota

que entrou no pentágono faz…

— Senhor! — Brad o deteve, tinha contado em forma confidencial.

— Tranquilo, soldado — falou chamando-o como chamava a seus homens,

depois de tudo, Brad Cambell já não era agente, voltava para seu rebanho, —

tenho o perfil de cada um de vocês e, se a ex agente Claxon tivesse sido minha

ajudante, não a teria degradado fazendo-a uma simples policial.

— Eu gosto do meu trabalho, senhor, a polícia de nosso país é tão

importante como o trabalho que seus homens ou os agentes de campo realizam. A

cidade não se cuida sozinha.

— Essa é minha garota superpoderosa! — exclamou Jeff abraçando-a e

beijando seu cabelo, coisa que o russo não gostou e o fez notar com um gesto

sério.

Todos saíram do escritório pensando no que tinham que fazer a seguir, as

ordens já estavam dadas. Agora começava a ação, deviam agir rápido, quanto

menos se atrasassem, menos tempo estariam escondidos, e assim cada um

poderia voltar para sua vida.


Capítulo 16

Assim que Emily saiu da sala de reuniões, foi diretamente até os

computadores. Ela tinha um só objetivo: acabar o mais rápido possível e voltar

para seu filho, não tinha tempo a perder conversando nem com os homens que

acreditavam ser o Rambo nem com seus antigos companheiros, que tinham

ocultado dela a existência do Vadik, e muito menos para o russo, que não deixava

de observá-la em nenhum momento.

Atormentando-a mais do que já estava.

Mas antes de dirigir-se ao cubículo, sem que ninguém a visse, ou ao menos

isso acreditava, foi até onde estava a zona de enfermaria. Depois de vinte minutos

lá dentro saiu renovada, não com um sorriso, mas sim com um semblante mais

tranquilo.

O que ela não imaginava era que, bem de perto, Misha seguia

absolutamente todos os seus movimentos.

O russo a viu sentar-se muito diligente, colocar uns óculos que a faziam

parecer uma mulher diferente, concentrada, mas o que passou em sua cabeça foi

uma imagem muito diferente dessa. Para ele, ela estava mais que sexy e

apetecível, ainda mais, quando Emily sentou, estirou os braços e jogou as costas

para trás, lugares de seu corpo que acreditava adormecidos voltaram a despertar.

Ficou espreitando-a durante um longo momento, tratando de procurar uma

desculpa acreditável para aproximar-se.

Emily estava totalmente concentrada em frente ao computador, teclando

com velocidade diferentes tipos de códigos, absolutamente concentrada, até que

de repente se sobressaltou quando sentiu algo a seu lado.

— O que você quer? — perguntou nervosa, tentando não demonstrar o

tremor de sua voz, enquanto se dizia mentalmente que tudo estava bem.
Com a arrogância que o caracterizava, o russo esboçou um meio sorriso.

Observou-a sem perder os detalhes e quando notou um ligeiro tremor no dedo

indicador, que estava a ponto de cair sobre uma tecla, sentou-se na cadeira ao

lado.

— Nada, também sigo ordens — respondeu olhando-a de soslaio por

alguns segundos. Em seguida, como se fosse o autocontrole absoluto, ligou o

computador e começou a baixar imagens via satélite de possíveis entradas e

saídas as quais era capaz de acessar. Queria conhecer todas as opções, o plano

embora parecesse simples não era, e ele queria estar totalmente seguro.

Não sabia se podia confiar nesses homens, depois de tudo há anos

trabalhava sozinho, sendo unicamente ele contra a máfia e, muito mais

importante, sendo seu próprio superior de missões, agora tinha um oficial direto

ao que lhe reportar seus avanços, e pior ainda… obedecer.

Tanto Misha como Emily sabiam que estavam seguindo ordens, assim que

cada um seguiu no seu trabalho tentando se concentrar o máximo possível,

porque nenhum deles queria mostrar-se fraco frente ao outro.

— Vamos… vamos… — Emily murmurou muito baixinho para si mesma,

esperando um código que estava demorando mais do que o normal, enquanto

Misha, que não perdia um detalhe, olhou de esguelha primeiro a ela e logo à tela.

Sua expressão dava medo, por isso ela nem sequer se virava para olhá-lo.

Mas de repente ficou nervosa ao sentir-se observada, sabia que o que

estava fazendo não era correto, mas ela não estava aqui para isso, tinha um

objetivo e conseguiria de qualquer jeito. Saberia tudo do Vadik, até o que havia no

lixo de sua casa se o propunha.

Essa era a magia do que falava o coronel. Era uma de suas virtudes, ser um

hacker, podia ver tudo e mais de quem quiser, e há quatro anos tinha

memorizado mais de um código que lhe serviria de utilidade.

Teclar código de acesso…


O sorriso de Misha se estendeu essa chave de nove dígitos e letras só o vor

a possuía. Nem ele, que era seu homem de confiança, sabia.

— Vamos… você pode — voltou a sussurrar, mas esta vez fechando os

olhos. Levou a mão à testa e, como se apertasse um interruptor de lembranças,

voltou-os a abrir e digitou o que sua mente lhe ordenava e começou a contar os

segundos.

Um… dois… e não conseguiu chegar ao número três quando a tela se

iluminou completamente, dando acesso a dados classificados que só o vor e Misha

sabiam.

Várias janelas com informação começaram a aparecer como se fosse um

circuito elétrico.

— Te peguei idiota! — exclamou feliz sem deixar rastro de nada.

— Como você fez isso? — grunhiu afastando a cadeira da mesa para poder

comprovar com seus próprios olhos, não acreditava no que via. Todos os

relatórios financeiros, negócios, transações, correios eletrônicos, inclusive

mensagens de voz estavam frente a seus olhos.

— Por acaso você não sabe que está falando com a garota superpoderosa?

— disse Jeff com orgulho desde atrás.

— Isso é ilegal — voltou a grunhir e desta vez as risadas de Jeff se

escutaram por todo o lugar.

— Eles necessitavam dados, é nisso que estou trabalhando e não perdendo

o tempo me fixando no que está fazendo meu companheiro — debochou mal-

humorada, afastando-o para voltar para sua posição original.

— As pessoas que trabalham para o Vadik poderiam rastrear a saída desses

dados e chegar até você em segundos — falou lambendo os lábios com soberba.

— Você está segura de querer enfurecê-los?

Os olhos escuros do russo estavam avaliando a resposta, ansioso de ver um

pouco de arrependimento em sua ação, até talvez um pouco de medo.


— Eles jamais perceberão o que acabo de fazer, trabalho com uma IP

fantasma que funciona mediante um algoritmo assistemático que não se detém —

respondeu olhando-o agora com soberba. — E bastaria apenas apertar algumas

teclas para saber absolutamente tudo de você.

— Impossível, não puderam me descobrir antes, menos agora — se burlou

deles, desafiando-os com o olhar.

— Tem certeza? — levantou uma sobrancelha.

— Totalmente.

Emily suspirou, o que ele não sabia é que enquanto ele a olhava de

esguelha e se concentrava em sua figura, ela o fazia em seus dedos, memorizando

também seus códigos pessoais de acesso.

— Não tenho tempo para te demonstrar do que sou capaz, russo, mas te

direi que Alfa 3 Gama 5 Beta, Bromo 34569 já não é uma chave segura para você

Diante disso o russo ficou totalmente em silêncio, esse era mais que um

código de segurança, era sua verdadeira identidade ante o mundo.

— Mas…

— Fique tranquilo, não tenho nenhum interesse em você, ex fantasma —

zombou aproximando-se de novo à tela.

— Garota superpoderosa, necessito de seus serviços por cinco minutos,

tenho algo que você nunca sonhou nem em suas melhores noites.

— Uma massagem?

— Não, com a de ontem à noite você cumpriu a cota do mês — sorriu,

enquanto ela fazia beicinho em forma de protesto, fazendo o sangue de Misha

esquentar a níveis abismais.

O russo ficou incapaz de dizer nada, nem sequer de olhar a tela do

computador que tinha deixado com todos os dados abertos, só se dedicou a segui-

los sem perder detalhes de como Jeff a abraçava com muita confiança para seu

gosto.
Vários metros mais à frente, depois de felicitá-la pelo êxito, pediu-lhe que

fechasse os olhos um segundo. Emily não estava para jogos, tinha seus cinco

sentidos alerta, mas a voz tão tranquila de seu amigo a fez obedecê-lo.

— Pronto… agora pode falar.

— Mamãe! —Emily Claxon escutou que lhe diziam, e assim que abriu os

olhos viu frente a ela o ser humano que mais amava sobre a face da terra. — Eu te

vejo!

— Miko, meu menino! Feliz aniversário! — exclamou apalpando a tela

como se assim pudesse tocar seu rostinho.

— Vou com os avós ao campo! Vovô me disse que podíamos dormir na

barraca e brincar de caçadores.

— Hoje você pode fazer tudo o que quiser — lembrou engolindo o nó da

garganta, — é seu dia campeão!

— Sim! E sou Batman, o vovô vai me comprar uma capa e o tio Jeff uma

moto de verdade.

— Não…! De brinquedo — se defendeu o aludido piscando um olho para o

menino, já que via a cara de Emily, que o olhava de soslaio, repreendendo-o.

— Tio, isso é como o da metralhadora? — respondeu-lhe fechando também

o olho. A cumplicidade entre eles era incrível.

Assim seguiram conversando durante alguns minutos, rindo pelas coisas

que o pequeno dizia. Miko era um menino ativo que não tinha medo de nada nem

de ninguém, ele queria ser um super policial quando fosse grande.

Misha, que os seguiu, ficou petrificado quando viu a cara desse pequeno,

foi vê-lo e voltar a sua infância, a mesma forma segura de falar, esse mesmo

sorriso pícaro que via ante o espelho, mas, sobretudo, era o mesmo olhar doce, tão

igual ao de sua mãe.

Não podia acreditar.

Não podia ser.


Era impossível.

Sentiu que desfalecia pela primeira vez em sua vida, suas vísceras se

revolveram. Seu peito se oprimiu imediatamente, sentindo que não podia

respirar. Tentou falar, mas nem meia palavra saiu de seu interior.

Estava hipnotizado, escutando-o dar ordens ocultas, igual como ele fazia

sempre.

Não era capaz de racionalizar em sua cabeça como esse pequeno era seu

filho, mas estava totalmente seguro de que era.

Ele, que tinha derramado tanto sangue, marcado sua vida pela máfia, um

homem ao que muitos temiam, sentiu uma vontade louca de chorar e de gritar a

ele que era seu pai, mas a sua vez o medo de ser rejeitado o invadiu,

principalmente quando o escutou falar do tal Odie com tanto carinho. Sentiu-se

destronado, excluído. Jamais quis se envolver com ninguém, por isso tampouco

falava mais de duas palavras com a Katiuska, mas agora era diferente, era sangue

de seu sangue.

Encontrar Emily tinha sido seu objetivo durante anos, mas não para formar

uma família nem nada parecido, só a queria para ele e ninguém mais, sem ter que

compartilhá-la nunca mais, mas agora…

«O que aconteceria se Vadik descobrisse a existência do menino?».

«Dívida de sangue», pensou imediatamente, entrando em pânico.

Esse menino seria a culminação da vingança do Vadik, se ele descobrisse

sua existência.

Esse menino pagaria com sua vida a raiva de tantos anos acumulada pelo

vor.

Esse menino seria a vitória do Vadik se ele falhasse na missão.

Esse menino deveria desaparecer, deveria ser um NN, ninguém podia

saber sobre sua existência, senão as consequências seriam muito… não, nem

sequer se atrevia a pensar.


De repente, e como se o mundo estivesse contra ele, seus olhos se cruzaram

com os do pequeno, mas quando o escutou perguntar a sua mãe por ele, o russo

sentiu que o lugar dava voltas.

Ao escutá-lo, Emily e Jeff se viraram ao mesmo tempo.

— Mamãe?

— Ele… ele é…

— O Capitão a América! — exclamou ao ver seu tamanho, sua envergadura

e a quantidade de tatuagens que cobriam seus braços e parte de seu pescoço.

— Não, é apenas um companheiro — Jeff tentou tranquilizá-lo, mas sabia

que o menino era curioso e não ficaria com isso.

— Mas ele é muito grande — respondeu se aproximando mais do monitor

para vê-lo de perto, enquanto Misha não saía de seu assombro, e é obvio Emily

tampouco.

— O nome dele é Misha — continuou Jeff, lhe esclarecendo que era

humano igual a eles, olhando com cara feia para o russo.

— Olá, senhor Misha! Eu gosto das tatuagens, minha mamãe tem uma nas

costas e… — ficou em silêncio um minuto até que quase gritou, chamando a

atenção de todos. — Mamãe, o nome dele é igual do seu amigo especial!

Agora Emily sentiu-se desolada, apanhada em sua própria mentira. Tentou

engolir saliva, já que agora Jeff tampouco entendia nada e ficou mudo.

Era incapaz de seguir inventando outra mentira para cobrir a anterior, seu

cérebro entrou em curto circuito imediatamente no momento em que tinha visto o

russo atrás deles. Ela, que sempre tinha tudo claro, que sempre tinha um plano B

em sua vida, agora estava sendo apanhada por um menino de quatro anos.

Tampouco podia desdizer tudo o que tinha contado a ele sobre a tatuagem que

ele mesmo tantas vezes tinha pintado.

«Por que isso acontece comigo, porra!», gritou em sua mente enquanto tratava

de recuperar a razão.
— Ahn, ele não… não… — gaguejou movendo a cabeça de um lado a

outro, — não é…

— Não sou o Capitão América — falou por fim Misha, salvando a situação

com uma voz apenas plausível.

— Então, quem você é? — interrogou-o franzindo o cenho, um gesto tão

típico do russo, — e por que o seu nome é igual ao do amigo especial da minha

mamãe?

Já não havia sombra do menino amoroso de minutos antes. Quem lhe

falava era todo um homem, protegendo o que considerava dele e disso o russo

gostou, não, adorou.

— Sou um amigo de seu tio Jeff e da Emily…

— E meu também, campeão — falou Brad pondo a mão sob a nuca do

russo, apertando seu pescoço, dizendo que não dissesse nada mais ou se veria

com ele, — e agora, Miko, devemos seguir trabalhando, se despeça de sua mãe.

Lembre-se que quanto mais rápido terminemos, mais cedo ela voltará com você.

— Bom, mas eu pensava que seu amigo especial tivesse morrido, por isso

tinha seu nome escrito nas costas — expressou para Emily ignorando Brad, coisa

que fez graça a Misha, que sentia que a alma voltava ao seu para corpo.

« “Amigo especial”», pensou.

— É verdade o que Brad diz, vá com os avós, em alguns dias nos veremos

— continuou sua mãe aproximando-se do monitor para ver somente a ele, e como

se seu filho pressentisse o que ia fazer, ambos ao mesmo tempo beijaram a tela,

sentindo um ao outro, apesar da distância que os separava. Depois de uns

segundos a tela se apagou, cortando a comunicação, mas Emily permaneceu ali.

— Pode-se saber que merda você acaba de fazer, Jeff? — repreendeu-o

Brad com raiva. — Está proibido todo tipo de comunicação com o exterior. Por

acaso você não pode seguir uma ordem simples?


— Eu já não sigo suas ordens, Brad, não desde que é um Delta Force. Aqui

estamos todos como iguais, além disso, é o aniversário de Miko, não me peça que

não faça um simples contato, que por sinal ninguém seria capaz de rastrear.

— Você é imbecil!

— Meninos… — Emily chegou até eles, pressentindo o que viria, não

queria que Jeff sofresse as penas do inferno por sua culpa, não era justo.

— Contigo vou falar depois, não temos tempo! Os minutos são ouro e

vocês estão perdendo um tempo valioso. O coronel já tem o relatório

climatológico, vocês partirão em dois dias — anunciou dando a volta para ver o

russo, mas ele já não estava.

Assim que a tela se apagou ele tinha voltado para seu computador, agora

trabalhava com mais afinco, não podia falhar, nada podia terminar mal.

Nesse momento Emily assentiu olhando a Brad, que de tranquilo não tinha

nada, e como se sentia descoberta pediu ao Jeff que a acompanhasse até o

computador. Desde esse minuto em adiante, ambos como equipe e amigos que

eram, ajustando-se à perfeição, começaram a trabalhar.

Poucos minutos depois, Misha não pôde suportar mais e decidiu sair do

lugar, ele não queria ser testemunha nem podia desconcentrar-se de seu objetivo,

havia algo que não gostava, algo não encaixava e não sabia decifrar bem o que.

A noite deu passo a um novo dia. Embora as condições atmosféricas

tivessem melhorado, não era o momento exato para iniciar um ataque, ainda

deviam esperar, e se tivessem sorte, em dois dias o tempo melhoraria.

Tudo estava claro e decidido, seriam formadas duas equipes: a equipe

denominada “Tróia” seria comandada por Misha, e a equipe “Terra” seria o

apoio, liderada por Brad. Ambos os homens já tinham tomado seus cargos e

posições e repassavam exaustivamente o plano de ataque sem deixar nenhum

ponto ao azar.

Nada tomaria por surpresa.


Brad observava uma grande quantidade de armamento que estava sobre a

mesa, escolheria só o melhor e a sua vez percebiam como um antigo sentimento

começava a forjar-se em seu interior. Apesar de querer esquecer, ele sempre seria

um Delta Force, era sua natureza e por mais que tentasse atuar de modo diferente,

esse sentimento sempre esteve presente.

Em cada caso do FBI sempre quis chegar ao final da missão, preparando-se

ao máximo, já que quando algum imprevisto aparecia, só disparava à queima-

roupa, sendo sempre o ganhador.

Passou a mão por um par de armas até que chegou a sua favorita, uma

pistola semiautomática Colt M1911, muito potente em munições. Já estava

preparado, e como era costume, eles não levavam nada que os pudesse delatar,

assim caminhou até parar em frente ao espelho, e olhando-se através do vidro

tirou a única coisa que o unia à realidade, e a sua esposa.

Sim, agora sim, estava completo.

Quando voltou escutou ao Jeff:

— Agora nada te une ao mundo real, comete um grande engano —

reprovou movendo a cabeça negativamente. Não é que não aprovasse seu

destacamento, mas tinha muitas preocupações sobre eles, eram homens criados

para o combate, inclusive corriam risco de vida no treinamento, não estavam

preparados para pensar, apenas para reagir e atacar, não era por nada que eram a

melhor arma do pentágono, e ele como homem e, sobretudo como amigo sabia

que agora Brad Cambell deixava seu nome para converter-se em um ser ávido de

vingança, e isso não ajudaria a ninguém.

**************

Emily estava sentada sobre a mesa com uma xícara de chá entre as mãos

quando o viu chegar. Soube imediatamente que Brad já não era o mesmo e em um

ato reflexo, que para ele teve sabor de glória, estendeu-lhe a xícara.
— Está… está seguro de que isto é o que você quer?

Brad assentiu com a cabeça, tomou um gole e a devolveu.

— Isto tem que acabar de uma vez por todas, e não me olhe como se

estivesse com pena, Emily Claxon, não depois de ter escondido de você que Vadik

estava vivo todos estes anos.

De um ágil salto desceu da mesa e acariciou seu dedo indicador, aonde

sempre tinha levado um anel. Ele não se separou nem tirou a mão, só a observou.

— O que você me escondeu todos estes anos suponho que foi para me

proteger. Embora teria gostado de ser consciente da verdade, e que não me

considerasse tão idiota para não ter notado que você me vigiava… então, não me

dá pena. Só tem que me prometer que voltar a ser um Delta Force é o que

realmente quer em sua vida, que de verdade quer deixar de ser o agente Cambell

e que isto não é para pagar o engano que eu e só eu cometi faz anos deixando-o

vivo. Isso sim que me daria pena, e não por ti, mas por mim.

— E por que sentiria pena… por você? — perguntou tragando saliva.

— Porque isso significa apenas que me considera uma estúpida que

necessita proteção e isso sim me mataria. Embora te admire por tomar uma

decisão assim, não é o que espero de você para mim.

Brad tomou ar com uma expressão indecifrável em seus olhos e retirou o

braço. Isso só podia significar que a conversa tinha chegado a seu fim.

Mas não para Emily que prosseguiu apesar da negativa dele.

— Não se preocupe, jamais voltarei a perguntar isso a você — esclareceu

para ele antes que o caráter explosivo de Brad estalasse. — Mas saiba que eu sei

me cuidar e não necessito de nenhuma babá a meu lado. E que se estamos todos

aqui é porque estão nos caçando, e como a agente ou a policial que sou vou me

defender com minhas próprias armas, não vou deixar que um punhado de

Rambos cuide do meu traseiro. — Ele assentiu com aparente calma, uma que é

obvio não sentia, mas se mostraria seguro e frio ante a decisão. Ele sempre estaria
cuidando dela, mais da posição de Rambo que estava tomando, embora não se

visse nem de longe como Sylvester Stallone, ele se via como ele, como Brad

Cambell. — Não quero ter problemas com você depois, está claro, soldado? Não

quero que me proteja de nada, que me vigie nem que minta para me ocultar a

realidade da situação.

Estava lhe dando ordens tão claras como a água, mas ele não era capaz de

olhá-la e afirmar positivamente algo ao que não se podia comprometer. Aquelas

palavras significavam deixá-la ir para sempre, deixar que voasse livre e ele não

estava preparado para isso. Durante anos sua forma de… amá-la tinha sido essa,

cuidá-la de longe ou, simplesmente, observá-la quando nem ela mesma

imaginava.

Realmente tudo estava saindo do controle, não queria nem pensar o que

aconteceria ou como ficaria quando terminasse de saber toda a verdade.

— Não te prometerei nada até que esse filho da puta esteja acabado, e antes

que siga falando… fim da conversa! — bufou e saiu deixando-a sozinha, sumida

em seus próprios pensamentos.

**************

A terceira noite já estava caindo, não sabiam por que a viam, mas sim pela

intensidade das luzes que já estava baixando, e Emily necessitava imperiosamente

ver o sol. Estava totalmente segura de que estar a setecentos metros abaixo da

terra estava afetando seu estado de ânimo. Levava mais de dez minutos sumida

em seus próprios pensamentos, lançando uma pequena bolinha de borracha azul

contra a parede. Enquanto os meninos, Jeff e Brad, jogavam como pirralhos um

jogo do PlayStation, aonde só se escutavam balas e bombas. Mas muito pelo

contrário do que se pensa, essa era sua forma de soltar adrenalina, de manter a

mente ativa e limpa, se não, esses homens de ação ficariam loucos.


Coisa muito distinta era a que acontecia a poucos metros daí. Misha estava

praticamente destruindo o saco de boxe, inclusive seus nódulos estavam

começando a sangrar, mas não lhe importava, de algum jeito devia tirar a raiva e

a angústia que lhe produzia não poder corroborar a verdade da própria Emily,

isso era o que o tinha irritado totalmente.

Em um momento, o telefone que a garota superpoderosa tinha levado às

escondidas, e que os soldados da entrada não descobriram começou a vibrar

dentro de sua calça. Alegrou sua alma, esse número só seu filho o tinha, era sua

conexão especial e, como Jeff o tinha presenteado, tinha cobertura inclusive

debaixo das pedras.

Sem olhá-lo com efusividade, mas devagar para que ninguém percebesse

que o levava, exclamou:

— Miko!

— Nunca imaginei que você tivesse um filho tão inteligente — escutou, —

claro, desafia toda lógica, mas vindo de seu DNA não me surpreende. — A voz

arrepiou sua pele e fez que o rebote da bola chocasse diretamente no seu peito,

fazendo-a reagir. — Então, não tem nada que me dizer, puta?

Como se fosse um robô, Emily se ergueu na cadeira e tentou que sua voz

saísse o mais clara possível.

—Matarei você. Se tocar um só fio de cabelo dele te assassinarei.

Depois de uma grande gargalhada, finalmente do outro lado essa voz

estrangeira lhe respondeu:

— Vejo que me recorda… Ira? Ou devo te chamar Emily Claxon? — Fez

uma pausa que pareceu eterna e logo com uma risada amarga continuou. — Que

gracioso, não? Tudo se volta em meu favor, como nunca deveria deixar de ser.

Assim agora me escute bem, cadela de merda. Sairá ao exterior, Zhenya estará te

esperando e te trará para mim. Agora eu dirijo o espetáculo, Emily — espetou em

um tom grave. — Você não imagina a minha surpresa quando soube de você,
mas… me parece que não tão surpreso como parece estar você agora. Se te servir

de consolo, foi seu adorado Misha quem me levou até você. Deveria se sentir

orgulhosa, fez bem, não? Encontrei seu calcanhar de Aquiles, puta, embora não

estivesse seguro de que… o tivesse.

— Sim, o russo o fez bem.

— Bem! Mais que bem, mas agora não estamos falando dele, você tem uma

dívida importante a pagar, e assim como eu vi minha filha morrer em meus

braços, você o verá com o bastardo — voltou a rir, — que nem sequer sabe quem é

o pai. Você sabe, puta? Porque meu não pode ser, eu só fodi seu traseiro.

— Não se atreva a tocá-lo… — ameaçou-o entre dentes.

— Não me faça rir, cadela — cortou-a e ele prosseguiu. — Não preciso te

dizer que isto é apenas entre você e eu, igual como aquela vez que me apoderei de

seu traseiro, e se você se comportar bem…

Não conseguiu terminar de falar quando Emily cortou a chamada e ficou

de pé, nem sequer olhou o telefone, agora tinha que agir. Uma sensação de terror

que jamais tinha sentido dominou seu corpo, mas rapidamente foi substituída

pela adrenalina e a necessidade de sair correndo dali.

Caminhou o mais lento possível até onde estavam os quartos. Tinha que

entrar no de Brad de qualquer forma, e pegar a única arma disponível a seu

alcance.

Os meninos nem sequer a viram atravessar o salão. Logo depois de tomar

o que necessitava, agarrou uma jaqueta e avançou como se nada acontecesse até o

outro extremo da ala onde estavam trancados.

Qualquer um que a visse pensaria que estava feliz, levava um sorriso

deslumbrante e saudava todos com quem cruzava, enquanto ia formulando um

plano para salvar seu filho, embora o único que podia pensar era em matar Vadik.

Precisava de tempo, um que claramente não tinha.


Digitou os códigos que tinha visto Brad digitar à medida que as comportas

pediam, a verdade é que tudo estava sendo muito fácil, coisa que a assustava, não

sabia como ia evitar o controle de saída nem o que diria, mas aí estava a ponto de

sair ao exterior quando de repente…

— Senhorita, Claxon — lhe falou um soldado, em posição ante ela. — A

esperam na saída três para levá-la para seu depoimento.

«A depor?», pensou, mas não disse nada, agiu o mais normal possível e

seguiu as instruções.

Uma vez fora Zhenya, que vinha totalmente uniformizada, exibiu uma

ordem ao último guarda e este a deixou sair livremente, mas antes que avançasse

um passo mais, a russa puxou-a fortemente pelo braço, levando-a até a

caminhonete negra que esperava por ela.

— Como pode mudar a vida em um instante, né? — zombou. —

Certamente está dizendo a si mesma que tudo vai sair bem, que ninguém sairá

machucado, verdade?

— Cale a boca e faz seu trabalho, me leve até seu vor, traidora.

— Não tão rápido, puta — disse ao mesmo tempo em que a segurava pelo

cabelo e a colocava no veículo com brutalidade, colocando-a no assento do

condutor, — não é você que dá as ordens aqui.

— Você sim? — cuspiu com raiva, jamais pensou que essa mulher era uma

espiã, uma traidora.

— Sabe o que Vadik vai fazer assim que esteja em seu poder? Vingará a sua

filha, e sabe por quê? Porque desde que descobriu que foi você a que falou com o

Zakhar Milav para que atentassem contra ele não passou nem um só minuto do

dia em que não pensasse em vingança, é o que o manteve vivo todos estes anos, e

agora por fim se fará justiça.

— Você está pior do que pensei se crê que vou acreditar em algo do que

diz.
— Ah não? Acha que minto? Pois não, o dia do atentado a Vadik ele

decidiu ir com Katiuska ao centro comercial, onde você! — repreendeu-a,

obrigando-a a dar partida na caminhonete, — fez um acordo com a bratva do

Milav para que matassem a meu vor pelo que te fez, mas errou, cadela, todos

erraram! Vadik não estava lá quando o míssil explodiu destruindo tudo a seu

passo, matando-a!

A mente de Emily começou a girar a toda velocidade, entendendo agora

muitas coisas, destampando informação que novamente seus amigos tinham

escondido dela. Seu estômago se revolveu ao pensar em que sim era a causadora

da morte da pequena, mas era a filha do vor? Respirou fundo para não vomitar e

assim controlar um pouco do pânico que estava sentindo por dentro, porque a

única coisa que soava em sua cabeça era “Dívida de sangue”. Sabia que a máfia

atuava assim, vingando-se com os familiares, não com o agressor.

Quais eram suas possibilidades reais de vencê-lo?

Nenhuma.

— Quero…

— Quer uma prova de vida? — adiantou-se Zhenya tomando o telefone,

marcando um número que não foi capaz de memorizar.

Olhando as centenas de quilômetros de estrada que estavam diante dela,

sem desviar a vista, agarrou o aparelho que agora lhe estendiam.

— Olá…

— Mamãe… mamãe…! É você? — respondeu choroso seu filho.

— Miko, meu amor, como você está?

— Estou assustado… tenho medio.

— Não se assuste meu amor, estou indo aí agora, não acontecerá nada… —

começou a lhe dizer para que se tranquilizasse, seu filho chorava do outro lado da

linha e ela, acreditando que estava a milhares de quilômetros de distância, não


podia fazer nada, impotência era o que sentia, —te amo, minha vida e… — não

pôde seguir falando porque Zhenya arrancou o telefone dela.

— Pronto, aí estava seu bastardo, vivo… ao menos por agora.

— Como voaremos a Rússia? O tempo está instável — disse para não

escutar nada mais sobre seu pequeno, só pensar destroçava seu coração e isso não

a estava deixando pensar.

— Mas você é realmente idiota. Quem te disse que voaríamos a Rússia?

Vadik está aqui, te esperando, só segue dirigindo até onde te ordene e não tente

nada, porque sou capaz de desobedecer e te matar eu mesma pelo que fez a

minha menina Katiuska.

— Se tanto a queria, deveria tê-la defendido do mundo em que vivia —

soltou com raiva, mas nada obteve por parte da russa, parecia um robô que

apenas cumpria ordens.

Esteve conduzindo pela estrada por quase uma hora até que Zhenya lhe

indicou que virasse bruscamente para as montanhas. Sem perguntar nada, com a

perícia que ela tinha, o fez e a russa teve que segurar-se para não cair.

— Para onde vamos? Já é hora que me diga, não será tão idiota e acreditará

que vou escapar, não é? — falou-lhe utilizando suas mesmas palavras. Zhenya

sopesou por um momento, até que decidiu lhe responder.

— Ao final do caminho está o hangar que os militares utilizaram para a

chegada de seus aviões durante a construção da base secreta em que vocês estão

agora — zombou fazendo alusão ao secretismo que havia em torno da montanha,

como se eles fossem uns gênios ao tê-la descoberto. — Aí estão te esperam meu

vor e o bastardo do seu filho.

Com essa nova informação o primeiro plano coerente começava a forjar-se

em sua cabeça, ao menos agora sabia por onde começar. Zhenya lhe falava, mas

agora ela já estava convertida na garota superpoderosa, totalmente concentrada,

idealizando um plano para salvar o único ser que lhe importava.


Com um movimento absolutamente controlado colocou o cinto de

segurança e, com uma tranquilidade assombrosa, colocou uma moeda no broche

do assento da Zhenya e logo pisou a fundo o acelerador.

— O que você está fazendo?! — chiou a russa se segurando no painel. —

Diminua a velocidade!

Ante essa ordem Emily nem se alterou, só fez movimentos bruscos e

acelerou ainda mais, a agulha do velocímetro estava chegando ao final.

Zhenya tirou uma pistola do meio de sua roupa e apontou à sua cabeça

gritando:

— Desacelere! Agora!

— Preciso chegar logo, apenas coloque o cinto de segurança — espetou

sem sequer olhá-la, agora sim que parecia um autômato.

A russa, sem deixar de lhe apontar, tomou o cinto e tratou sem sucesso

encaixá-lo. Estava desesperada, não havia forma de encaixá-lo e ela não diminuía

a velocidade.

— Pare, porra!

Com um movimento digno da menina do exorcista, Emily girou a cabeça e,

com um meio sorriso, falou de maneira horripilante.

— Colisão.

Não conseguiu reagir quando ambas sentiram que chocavam contra uma

gigantesca rocha a que Emily tinha direcionado o veículo. Em milésimos de

segundos foram disparadas para frente. A russa saiu voando pelo para-brisa e

Emily impedida pela airbag.

Vários segundos transcorreram até que Emily recuperou de novo a

consciência.

— Deus…! — chiou a garota superpoderosa quando jogou a cabeça para

trás, em seguida limpou o sangue que corria de seu lábio. — Que dor…!
Com cuidado e cambaleando desceu da caminhonete, deu a volta e

percebeu que se livrou de Zhenya que estava caída no chão. Sim, seu plano tinha

funcionado. Moveu-a com o pé e ela abriu os olhos.

— Espero que Vadik mate a seu bastardo e te deixe viva para sofrer…

A raiva se apoderou dela ao escutá-la e, com toda a força que pôde reunir

nesse instante, chutou-a no estômago. Logo se agachou e retirou o telefone

celular, destruindo-o com a sola de sua bota, e começou a procurar a arma, quanto

mais recursos tivesse para defender-se, seria muito melhor.

Uma vez que teve a arma em seu poder, em meio da noite, protegida pela

mais absoluta escuridão, começou a correr para chegar ao hangar.


Capítulo 17

Se Misha tinha aprendido algo durante todos esses anos oculto dentro de

uma das máfias mais perigosas do mundo era a observar, e isso tinha feito com

Emily, viu-a deixar de lançar a bola e falar por telefone muito concentrada.

Possivelmente para qualquer um esse ato tivesse passado despercebido, mas não

para ele.

Confirmou que algo andava mal quando a viu caminhar com um sorriso

muito intenso para o momento tenso que estavam vivendo.

Por isso, e porque pela primeira vez esse músculo que tinha no meio do

peito pulsava para algo mais que para bombear seu sangue, tinha decidido

obedecer a sua intuição e segui-la.

Mas quando viu Zhenya, sua companheira, e porque não dizer, também

sua amiga, mostrar um papel ao soldado, soube imediatamente que algo andava

mau.

Elas apenas se afastaram pela estrada, ele analisou qual veículo pegar, e o

rosto lhe iluminou quando viu uma motocicleta camuflada perfeitamente

estacionada, nada mais e nada menos que uma Hayes M1030, uma das últimas

invenções em motocicletas, uma versão melhorada da Kawasaki KLR 650, capaz

de funcionar com sete tipos diferentes de combustíveis, antibalas e apta para

terrenos arenosos e pedregosos, era o melhor para as zonas escarpadas como a

que estavam, seguramente seriam a que os militares usavam para patrulhar os

arredores e, sem pensar duas vezes, caminhou decidido até ela.

Subiu e antes que o guarda pudesse dizer algo acelerou, passando ao lado

dele, ao tempo que lhe dava um chute certeiro no peito, fazendo-o cair.

Agora avançava a toda velocidade, sem as luzes acesas, seguindo a seu

único objetivo.

Já não tinha dúvida, isso só podia ser obra do Vadik.


Enquanto avançava disse a si mesmo que não ia voltar a perdê-la, e que

não era momento para conceber o medo profundo que sentia. Sabia que a única

razão para que Emily abandonasse tudo e a todos não podia ser outra que seu

filho.

Miko estava em perigo.

Se algo acontecia com essa mulher ou a esse menino, ele não se perdoaria

jamais, certamente ficaria louco e perderia o pouco coração que estava

recuperando. Há muito tempo tinha aprendido uma dura lição: para viver tinha

que matar ou inclusive torturar, o problema é que desde que essa mulher se

apresentou em sua vida anos atrás, tinha começado a questionar sua forma de

agir.

Não temia a nada nem a ninguém, mas agora tudo era diferente. Emily, Ira,

ou como queria chamar-se, tocava em um lugar que não havia sentido jamais,

amou-a acreditando ser uma prostituta e agora que sabia que não era, e que, além

disso, tinha algo que segundo ele também lhe pertencia, seria impossível deixá-la

escapar, era um sentimento que ia além de toda lógica, já não só lhe bastava estar

tatuado em sua pele, não, agora queria tudo e mais.

Sentia-se estranho porque, ao pensar nela, enchia-se de inseguranças que

não o ajudavam a manter sua mente em branco, principalmente agora que era

quando mais necessitava.

— Maldita seja, Emily Claxon, maldita seja pela segunda vez! — gritou

quando viu o que essa insensata estava tentando fazer ao acelerar a caminhonete

ao máximo e dirigi-la diretamente a uma rocha. Essa mulher estava louca de

verdade, disso não dúvida alguma.

Seu coração se acelerou em segundos ao ver o veículo colidir. Tinha a

motocicleta acelerada ao máximo para chegar mais rápido. Pilotar sem proteção

dificultava sua visão, mas sentiu um alívio incrível quando a viu sair,

cambaleando.
«Mas o que está fazendo?», pensou quando ela chutou a Zhenya e começou a

correr sem nenhuma direção aparente.

Quando chegou até onde jazia a russa, quase saltou da motocicleta e se

agachou para interrogá-la.

— Onde está Vadik? — grunhiu alienado.

— Acha que vou te dizer isso? — cuspiu com ódio, — precisamente a você.

Nesse momento o punho de Misha chocou-se contra sua antiga

companheira, que o olhava com ódio.

— Me dirá agora? — Atingindo esta vez sua cara para que reagisse.

Zhenya piscou um par de vezes e seu semblante mudou completamente ao

escutá-lo.

— Já é muito tarde, querido Misha, Vadik tem o único que destruirá a essa

cadela e se fará justiça pela morte da Katiuska, esse maldito bastardo pagará com

a vida.

Essas palavras o atingiram como balas diretas ao coração, uma atrás da

outra, agora sim tinha a confirmação de todas suas suspeitas.

Já não havia retorno.

— Eu mesma o entreguei ao Vadik depois de matar a seus avós, e devo

reconhecer que esse pirralho tem coragem igual à mãe dele, inclusive tentou

defender-se.

Misha apertou os punhos e chiou os dentes, sabendo de tudo o que eram

capazes de fazer ao pequeno, sobretudo se Emily estava presente para ver a

destruição de seu filho, já que com isso a destruía a ela, fazendo-a pagar pelo

acidente de Katiuska. Voltou a olhar furioso para Zhenya, em troca na cara dela

havia apenas tranquilidade e um tremendo regozijo pelo que ia acontecer.

— Você vai pagar pelo que fez.

— Me mate! — provocou-o, mas ele, que era como uma máquina, nesse

momento, sabia que isso era o que ela queria uma morte rápida para deixar de
sofrer, e olhando-a aos olhos tirou a faca que tinha escondido na bota e a cravou

direto debaixo das costelas, justo no fígado. Logo, sem deixar de olhá-la, tomou

sua própria mão e a colocou sobre a ferida, que agora sangrava copiosamente.

— Seu fígado está perfurado, você terá o que merece.

— Sua puta e seu bastardo também o terão.

— Esse bastardo… — vaiou entre dentes, — é meu filho!

Os olhos da Zhenya se abriram como pratos, esse dado era totalmente

desconhecido para ela e uma informação valiosa que seu vor devia saber, mas

agora para ela, ao menos, já era tarde, sabia que sangraria até morrer dentro dos

próximos trinta minutos, sabia que viriam cãibras, a falta de ar e mesmo assim seu

corpo seguiria funcionado até que se esvaziasse completamente.

Sua morte não seria digna.

Morreria por hemorragia.

Misha se levantou desprezando-a, agora tinha que encontrar Emily, isso

era o mais importante nesse momento para ele. Olhou uma última vez à pessoa

que o tinha traído e seguiu seu caminho como o assassino que era.

Não deixaria a Zhenya viva para que fosse julgada e levada a prisão, uma

que de uma ou outra maneira sairia ou conseguiria benefícios, benefício que ele

não estava disposto a outorgar.

Agora sabia perfeitamente o que ia fazer, se converteria em um vingador,

decidiria a quem matava ou a quem deixava viver, faria esses homens pagarem

da única forma possível, nenhum ia se regenerar. Os homens da máfia eram

ladrões, estelionatários, violadores e coisas piores, sim, para ele, nenhum merecia

viver.

Com esse pensamento voltou para o veículo que o levaria até Emily.

Pilotava tão rápido que quando a viu ao longe ao girar a motocicleta derrapou.

Isso a pôs em alerta, ela imediatamente soube que alguém a seguia, agachou-se

para que não a vissem e assim poder se esconder na escuridão. Esperou…


esperou, e quando teve a seu alvo relativamente perto, sem poder divisar bem a

sua presa, disparou.

Misha só viu o resplendor sair do canhão da arma e sem pensar saltou da

moto, impulsionado pela velocidade, para cair sobre ela.

Com o impacto, ambos se precipitaram ao solo rodando vários metros até

que Misha com força a apanhou entre seus braços e gritou:

— Sou eu, Emily, sou eu!

Esperou que ela reagisse e assimilasse o que acabava de dizer. Ela era uma

mulher não só inteligente, mas, além disso, totalmente preparada para a batalha,

por isso devia estar em guarda, apesar de tê-la entre seus braços.

De repente, inesperadamente, Emily se aferrou a ele e começou a chorar

sem controle, até que com lágrimas de resignação se separou, impotente, para

começar a soluçar:

— Vadik tem meu filho, ele vai matá-lo, Misha… ele vai matá-lo…

— Shhh — a embalou de novo entre seus fortes braços, jamais a tinha visto

chorar assim e não era bom que se sentisse perdedora antes de começar a batalha.

— vamos acabar com isto, mas necessito que esteja concentrada, necessito que seja

a garota superpoderosa que todos dizem que é.

— Não sou a garota superpoderosa — esclareceu limpando as lágrimas

com o dorso da mão — sou apenas uma mãe que está disposta a dar a vida pelo

seu filho.

— Não! Você sabe que Vadik jamais o permitirá, reage Ira, por favor — lhe

disse sinceramente, necessitava-a, pela primeira vez necessitava uma

companheira para agir. Estava esgotado emocionalmente, ele era um mercenário,

um assassino que agia sem consciência, não um homem embargado por diferentes

sentimentos. Que ela estivesse rendendo-se sem brigar a ponto de entregar-se ao

vor para ser torturada cruelmente até ficar como um trapo humano tinha-o

deixado perplexo, não sabia como lhe fazer frente. Além disso, agora ele contava
com o que Zhenya havia dito que fariam com seu filho, todas essas emoções

estavam devastando-o.

Por outro lado ela estava agindo, seguia seu instinto de leoa, defendendo

seu filhote, disposta a tudo e mais, mas sabia que o russo tinha razão, e como a

profissional era, limpou as lágrimas e se concentrou.

Agora a que se dirigia a ele era outra.

— Você viu a Zhenya?

— Sim.

Só isso lhe respondeu e Emily soube por sua resposta que certamente ela já

não existiria, não foram necessárias mais palavras.

— Ela te disse algo?

Agora o russo só afirmou positivamente, dirigindo sua vista para o

horizonte.

— O que?! — repreendeu-o irritada, — você não vai me dizer nada? Você

não pode ocultar as coisas de mim! Vadik não quer você, ele quer a mim.

— Não vou permitir que você vá sozinha, eu sei o que Vadik fará, porra!

Sei o que acontecerá! — grunhiu.

— Ele nos assassinará, aos dois, certo? — perguntou-lhe com tanta

segurança que foi impossível lhe mentir.

— É uma possibilidade.

— O que sentiremos? — quis saber, fazendo uma pergunta muito estúpida

para alguém tão preparado como ela, mas precisava escutar, precisava saber para

reafirmar sua convicção.

— Nada.

— Impossível.

— Uma bala viaja a mil e duzentos metros por segundo, quatro vezes mais

rápido que a velocidade do som, o efeito da velocidade é absoluto, só… deixa de

existir.
— E sabendo tudo isso ainda quer me ocultar informação?

— Não sei nada diferente do que você sabe, e agora, quer seguir falando ou

agir?

— Quero resgatar Miko e matar a Vadik — espetou tão decidida que não

admitia discussão, enquanto começava a caminhar.

— Que merda, mulher! — gritou-lhe detendo-a. — Primeiro necessitamos

um plano! Ou você está pensando, chegar até lá, golpear a porta e começar a

disparar? — ironizou molesto, — porque se é assim, deixe-me dizer que antes que

você se aproxime eles te pegarão.

Emily ficou olhando-o um momento pensando nessa possibilidade, até que

soltou:

— Sim!

— O que? Está doida?

— Não, tenho um plano para…

— Silêncio — lhe indicou interrompendo-a, e antes que fosse protestar se

aproximou dela lhe tampando a boca deixando-a impossibilitada para falar, —

alguém está vindo.

E de repente, pegando-os totalmente despreparados, dois faróis os

deslumbraram como coelhos, apanhando-os imediatamente, não puderam reagir

quando de frente um veículo SUV parecido a um tanque se deteve diante deles.

Rapidamente as comportas se abriram e ambos sentiram um grito raivoso.

— Quando vai entender que não está sozinha nisto?! Que somos

companheiros, caralho — vaiou Brad aproximando-se de Emily sem lhe importar

que estivesse nos braços de Misha, separando-a para sacudi-la.

— Como… como me encontraram? — perguntou sem terminar de

compreender a situação. Agora frente a ela estavam Brad e Jeff, que a olhavam

com cara amarrada.


— Porque seu telefone celular tem um GPS instalado — respondeu Jeff sem

um pingo de arrependimento.

— Está me espionando! — repreendeu-o.

— Sim, e graças a isso sei a insensata que você é…

— No que você estava pensando ao sair sozinha e…?

— Vadik a ameaçou — Misha cortou a todos, defendendo-a, — e agora não

temos tempo para dar explicações, Emily — olhou diretamente a ela, — estava me

explicando seu plano para resgatar a Miko.

— Esse bastardo pegou o Miko? — perguntou e grunhiu Jeff ao mesmo

tempo.

— E te repito — voltou a dizer o russo, agora com a voz rouca, — a garota

superpoderosa está a ponto de nos dizer seu grande plano — zombou.

— Bem, este não é um grande plano, mas é o que tenho — informou sem

nenhum preâmbulo, — quem falhou no “Projeto Russo” fui eu e por isso estamos

aqui, hoje e agora, independente de tudo o que tenhamos conseguido — recalcou

ao ver que Brad ia recordar. — O único que sabemos é que Vadik está na antiga

base militar e tem meu filho como refém e eu vou entrar por ele — comunicou

olhando a todos atentamente. — Não temos tempo para um plano elaborado, ele

está me esperando agora e não vou passar mais tempo conversando com vocês,

porque todos os minutos em que estou aqui Miko está com ele e… não sei em que

condições vou encontrá-lo.

— Vadik não lhe fará nada — vaiou Brad, apertando os punhos de raiva.

— Você não pode supor esse tipo de hipóteses — interveio Misha, ele

preferia dizer a verdade nesse momento a ocultar informação, ninguém conhecia

o vor melhor que ele, — Vadik está cego pela raiva e cobrará a vida da Katiuska,

esse é seu objetivo agora.

— Por isso devemos nos mover agora, me entregarei ao Vadik pela vida do

Miko e vocês… bem, vocês farão o melhor que sabem fazer e sairemos todos dali.
— Esse é seu plano? — ironizou Jeff, que tinha se mantido em silêncio

analisando a situação.

— Sim, e é o que farei, com vocês ou sozinha, e não tentem me deter

porque não conseguirão. Meu filho não morrerá nas mãos desse desgraçado —

sentenciou.

— E você sim?

— Eu não…

— Não me venha com estupidezes, Emily, não somos idiotas, você crê que

pode chegar, bater na porta e se apresentar ante o Vadik e lhe dizer “minha vida

pela do meu filho”? Você é tola ou acha que pode nos enganar?!

— E o que quer que eu faça? — estalou ao fim com todas suas forças. — Eu

jamais pensei em ferir a Katiuska! Essa é uma morte que levarei em minha

consciência toda a vida, mas não vou entregar a vida do Miko em troca da vida de

ninguém.

— Esse babaca merece tudo e mais pelo que te fez.

—Cale a boca, Brad!

— Bom, não queria falar a verdade?

Emily abriu os olhos implorando que se calasse, mas já era tarde. Brad não

queria guardar nada, não quando sentia que o culpado de tudo era esse maldito

russo que tinha em frente a seus olhos.

— Brad… — vaiou Jeff ficando diante dele, tratando de fazê-lo repensar.

Ele não precisava olhar para Emily para saber como se sentia, além disso, não era

o melhor momento para que Misha descobrisse a verdade — isso é algo que não

nos concerne revelar — esclareceu com voz suplicante, petrificando-o com o

olhar, — não diga nada.

— Por que não? Se tudo isto é por culpa dele — o apontou.

— Cale a boca, idiota, a sua impulsividade vai prejudicar a Emily! — gritou

encarando-o, queria golpeá-lo pela primeira vez para ver se assim entendia.
Ambos eram amigos, mas agora se desafiavam com o olhar, estavam a

menos de um palmo de distância e estavam a ponto de começar uma briga.

Emily caminhou direto até eles.

— Pare!

— Não! Acabou esta merda, acabaram-se as mentiras. Se iremos pôr fim a

isto, que este filho da puta saiba o que você sofreu por ele.

— Me diga de uma vez o que é isso que tenho que saber, idiota — grunhiu

atrevido Misha chegando até eles, afastando Emily de um só empurrão.

— Claro que vou te dizer isso —assegurou olhando-o com aversão.

— Não! — gritou Emily com todas suas forças.

A ordem que Emily deu não deteria Brad, quem tinha as pupilas dilatadas

pela raiva e a tensão acumulada pela adrenalina, mas, sobretudo, pela culpa que

lhe corroía a alma porque não estava ao seu lado, porque sim o tinha escutado

tudo e essa lembrança jamais poderia apagar.

— Sinto muito, Ems… — murmurou olhando-a, enquanto Jeff a abraçava

para o que viria, para isso ela nunca estaria preparada, não havia maneira menos

dolorosa para revelar uma verdade assim.

Nem agora nem nunca.

— Você vai me matar… — sussurrou estremecendo-se ante essas duras

palavras, abrindo os olhos para dizer uma última suplica, que nunca chegou

porque Brad lhe adiantou.

— Não siga protegendo-o! — exclamou, não era capaz de compreender por

que não queria desenterrar ao culpado de todos seus maus, — ele merece saber

pela merda que passou pela merda que ele tem feito você passar.

Ante tanto besteira sem explicação, Misha reagiu, agarrando-o pela lapela

de uma boa vez. Ver o olhar triste de Emily tinha que ter uma razão e ele queria

saber para acabar com sua tortura, porque pela primeira vez em sua vida não

queria ter razão no que intuía.


— Me diga de uma vez a verdade! — apressou-o com veemência, — eu a

protegi sempre!

— Protegeu-a? Não, imbecil, não foi assim.

— Claro que sim! — retificou.

— Sim? Uma merda que a protegeu!

— Sabe por que ela se arriscou e foi com outro vor? — gritou na sua cara e

ante o silêncio do assombro continuou, — sabe por quê? Porque se você a tivesse

protegido como diz, Vadik nunca a teria violado… Em sua cama e em sua própria

casa, filho de puta!

A confusão se notou em seu rosto. Por um segundo não soube o que dizer e

baixou o punho ameaçador que mantinha no ar.

— O que…?

— O que você ouviu, Vadik a…

Antes que repetisse essa fatídica verdade pela segunda vez, o punho de Jeff

chocou em sua cara, atirando-o ao chão. Brad se incorporou sobre seus cotovelos,

pedindo desculpas a Emily, que o olhava arrasada, tudo era muito surrealista

para ser verdade, sobretudo, para estar acontecendo a ela.

Quando ao fim pôde reagir, Misha caminhou até Emily, que não separava a

vista do chão, nem sequer se atreveu a tocá-la.

— É verdade? — perguntou em um tom tão baixinho que chegava a ser

horripilante. Emily levantou lentamente a cara até que seus olhos conectaram e

isso bastou ao russo para saber que Brad não mentia. Não pôde seguir

aguentando, seu estômago se revolveu, separou-se dela como se agora não

pudesse nem sequer olhá-la aos olhos pela culpa.

Retrocedeu quase cambaleando-se e, protegido pela escuridão, quase

perdendo o equilíbrio, chegou até a moto, que jazia caída a alguns metros.

Agarrando-se como pôde agarrou ao volante, tragando a bílis amarga que subia

por sua garganta.


Acelerou o máximo que podia, inclusive foi tanta a força empregada que o

pneu dianteiro chegou a levantar.

Agora Misha voava sobre o caminho, já nem sequer escutava os gritos que

lhe pediam que se detivesse, ele já não era um homem normal, nem um que

simplesmente queria proteger a uma mulher e quem acreditava ser seu filho,

quem voava na motocicleta era um homem cheio de ódio, rancor e de vingança,

não tinha nada claro, em sua mente só havia escuridão.

Como podia ser possível? Ele o tinha advertido, não podia tocá-la, e mais,

tinham inclusive um trato. Ainda não era capaz de dimensionar todo o ocorrido,

só queria acabar com Vadik.

Seu corpo tremia de impotência de simplesmente pensar, e apesar de que

inspirava ar, sentia-se sufocado e estava seguro de que só respiraria quando

estivessem frente a frente.

À velocidade que ia, tinha pouca visibilidade, o vento quase lhe impedia de

ter os olhos abertos, mas era tal sua raiva que nada lhe importava, tinha um único

objetivo: chegar até o hangar abandonado.

De repente, sem sequer pensar, freou a motocicleta, fazendo que esta

derrapasse por vários metros, deixando uma esteira de terra a seu passo. Com a

raiva que ainda sentia acelerou várias vezes, queria sentir o rugir do motor para

acalmar suas ânsias. Estava realmente transformado em uma besta, embora não

quisesse, devia recuperar a prudência para poder agir, unicamente por isso agora

estava detido… tentando retomar o controle.

Depois de alguns minutos sentiu como o utilitário se aproximava, nem

sequer deu a volta, sabia perfeitamente quem eram, e muito a seu pesar os

necessitava.

Pela última vez acelerou o motor, e esta vez o acompanhou com um

rugido gutural do mais profundo de seu interior.


Frustrado e irritado saltou da motocicleta, não sabia o que esperar dos

rapazes, mas estava disposto a enfrentar o que fosse. Tudo tinha caído sobre ele

em muito pouco tempo, agora não só se centrava em seu trabalho, em sua missão

de tantos anos, tratava-se de algo muito mais importante, algo que lhe

correspondia como homem, inclusive era mais que uma vingança, apenas

recordar se arrepiou e um calafrio gelado percorreu sua coluna, fechou os olhos

um segundo só e apesar de tudo a viu.

Emily e Jeff, agilmente, lançaram-se do veículo para chegar até ele.

Misha rapidamente afastou qualquer ideia de sua cabeça e decidiu centrar-

se neles.

— Vocês demoraram.

— Nós? — Zombou Jeff ficando diante de Emily, protegendo-a.

— Não temos tempo para desperdiçar em seus arranques de…

— Cale-se, Brad — cortou seu amigo, não queria começar a batalha no

lugar equivocado, — o que necessitamos agora é nos unir e agir como equipe,

separados não conseguiremos nada, russo, você está de acordo?

— Sou o único que pode entrar.

— Sim? E pretende tirar o Miko e acabar com todos? Com o que? —

bramou Brad, esse homem não sabia o que era trabalhar em equipe.

Misha fixou a vista em Emily, que o olhava apenas a ele, esperando sua

resposta. Vários segundos passaram até que finalmente disse:

— Somos uma equipe.

— Perfeito, aqui — ensinou Jeff abrindo um computador de dentro de

carro, — esta é a localização exata do hangar, o satélite nos proporciona uma

imagem calórica, segundo isto Vadik está acompanhado por…

— Doze homens — interrompeu Brad, acostumado a ser o superior da

equipe, — segundo isto nosso alvo deveria estar aqui — apontou olhando Emily

de soslaio para ver sua reação, mas ela estava estoica, uma razão mais para
admirá-la. — Quando entrarmos, teremos uma vantagem máxima de um minuto,

será tudo o que o estalo do gerador nos proporcionará, nesse tempo devemos

chegar até nosso objetivo e resgatá-lo.

— Miko — murmurou Emily referindo-se a seu filho, não queria que fosse

apenas um objetivo.

— Na escuridão também estaremos em desvantagem? — perguntou Misha,

essa parte não entendia.

— Não — respondeu Jeff aproximando-se, — destruiremos o gerador e

com isto — explicou tirando uns dispositivos de visão noturna, — teremos a

vantagem do fator surpresa.

— Você pode saber muito do Vadik, mas nós, os militares americanos,

temos a tecnologia necessária.

— Não é o momento de ser Rambo, Brad.

Emily negou com a cabeça, não era o momento de medir forças nem

conhecimento, a situação não estava para brincadeiras e ela não sabia quanto

tempo mais poderia aguentar, já que um amontoado de sentimentos a estava

percorrendo, o único que sim sabia era que tinha que respirar, não podia sofrer

um novo ataque de pânico.

Levantou a cabeça olhando ao céu, apertou os punhos e tentou não pensar

em tudo o que se aproximava. Precisava estar calma, como se fosse qualquer

outra missão. Tinham que trabalhar juntos, senão jamais conseguiriam, tudo o

que diziam em teoria resultava maravilhoso, fácil e eficaz, mas em combate ou no

momento tudo podia ser muito diferente, inclusive resultar desastroso.

— Precisamos estar unidos — insistiu, — todos temos capacidades

diferentes e agora é o momento de demonstrar. Brad, de você necessitamos a sua

força e perícia; Jeff, necessitamos de sua paciência, sua calma e da magia que sabe

fazer; e de você… — se deteve olhando ao russo, — necessitamos seus

conhecimentos, mas por favor — expressou olhando-os a todos atentamente, —


não desperdicem o tempo me protegendo. Isto pode sair de controle em qualquer

instante e necessito imperiosamente saber que seguirão concentrados em salvar a

Markov. Vocês o farão? Preciso saber que seguirão até resgatar meu filho, que não

vão deixa-lo nas mãos de...

A voz de Emily se quebrou, ficando difícil continuar com a frase. Todos

eram conscientes dos riscos da operação e de que esta podia ser a última, o que

pretendiam fazer era realmente arriscado e só possuíam as armas que estavam no

veículo de comando.

— Misha…? — perguntou depois de ver a resposta afirmativa de Jeff e

Brad, precisava escutar de sua boca.

O russo, tragando os próprios sentimentos, assentiu guardando o que

sentia realmente, ele não estava disposto a falhar em sua verdadeira missão.

Emily sabia que essa seria toda a resposta que obteria dele, agora só tinha

que acreditar nele e confiar em seus companheiros, terminariam a missão a

qualquer custo.

Dissimuladamente secou a lágrima que não pôde conter, enquanto via

como Jeff agora ficava no meio para terminar de explicar a operação.

Ao terminar, Brad negou com a cabeça, soprando. Não gostava de ter só

uma oportunidade, o gerador estava em um lugar aberto, certamente estaria

vigiado.

— Não! — exclamou exaltado. — Não vou deixar o começo da missão nas

mãos do russo! Tem que ter outra forma.

Emily e Jeff se olharam, sabiam que Brad gostava de fazer tudo e não

confiava em ninguém mais, essa mesma exaltação já a tinham vivido em antigas

missões.

— Não temos nem tempo nem outra opção.

— Sim há, somos quatro.


— Sim — se adiantou Jeff, — mas eu dirijo, você cobrirá a Emily e o russo

nos dará a vantagem do fator surpresa.

Brad voltou a negar com a cabeça. Emily abriu os olhos incrédula pelo que

via. O que acontecia com Brad?

Jeff, que também o conhecia, irritado, estava a ponto de voltar a explicar

quando escutou:

— Que merda você tem na cabeça, filho da puta! — gritou-lhe Misha

avançando sobre ele, mas a rápida reação de Jeff impediu que o alcançasse.

— Basta! O que têm na cabeça vocês dois?

— Não me venha com os discursinhos de sempre, Jeff — lhe devolveu o

grito, irritado.

— Aqui todos temos o mesmo objetivo, ou estamos nisto juntos ou matam

o Miko, é isso o que querem? — perguntou-lhes, — porque a cada minuto que

passa estamos perdendo um tempo valioso, e tudo porque vocês, imbecis, não

sabem lutar com seus egos. O que acreditam que são? Animais?! Porque não são!

Emily se girou para eles, não necessitava dessa absurda discussão, e menos

dos ataques de testosterona desses machos alfas. Decidida, ficou frente a eles, que

ainda permaneciam agarrados e com fúria vaiou:

— Olhem, estúpidos, não tenho tempo a perder. Você, Rambo de quarta

categoria, e você, espião falso, se querem vir, vamos agora mesmo! Se não, podem

ir à merda, mas não me atrasarei nem um só minuto mais por culpa de vocês,

porque é a vida do meu filho que está em jogo — bramou, pondo ênfase em seu

filho.

Essa força, essa entrega e esse jogo na batalha era uma das características

que mais gostavam, mas nesse momento tinha razão, nada era mais importante

que o pequeno Miko. Não era uma simples missão, era “A missão”, uma que se

saía mal podia mudar a vida de todos e para sempre.


Sem mediar mais palavras os homens se separaram, voltando-se para ela

em sinal de obediência e aceitação. Logo, com todo o respeito do mundo, Brad

tirou de sua roupa um pequeno aparelho com sinal via satélite e o entregou ao

Jeff.

— Se conseguir o número de celular do Vadik, com isto poderemos vê-lo.

— Isto é o que acredito que é? Um transmissor via satélite com acesso à

rede móvel? De onde você o tirou?

— Não pergunte tanto e faz a magia que tanto diz a garota superpoderosa

que sabe fazer, e vejamos o que está fazendo esse babaca do vor — assinalou Brad,

lhe entregando o aparelho que havia trazido.

— O que isso faz? — Misha perguntou áspero sem entender nada de

tecnologia.

— Me dê o número de seu chefe e lhe explicarei. — Assim que teve a

informação, começou a digitar e assim, em segundos, acessou do computador

portátil o telefone celular do Vadik. Nesse momento não lhe interessavam nem os

dados nem as fotos que como formigas começaram a ser gravados, o que lhe

interessava era poder acessar a câmera do aparelho, e não só desse celular, mas

sim de toda câmera que houvesse num raio de trinta metros.

A verdade é que Jeff só tinha escutado falar desse sistema, além do mais,

acreditava que só era um protótipo, mas jamais imaginou ter um em suas mãos e

menos nesse momento. Graças ao Brad, agora já não veriam apenas pontos

marcados em cor vermelha sem rosto no monitor, pois agora lhes poderiam pôr

cara, e o mais importante… ter visão a vários quilômetros de distância.

Agora sim que contavam com o fator surpresa!

— Você consegue? — perguntou impaciente Emily.

— Garota superpoderosa… está duvidando do mago? — respondeu sem

olhá-la. Estava muito concentrado no programa para distrair-se, até que de

repente a tela se iluminou de forma diferente.


— Meu Deus! — exclamou ela levando a mão à boca. — Miko…

— Calma, Ems — Brad tentou tocá-la, mas ela não o permitiu. Com as

mãos tremendo pegou o celular do Jeff para assim poder ver melhor a seu filho.

Ele estava sentado em uma espécie de cama sobre uns suportes de metal. Apesar

de que a luz era tênue, podia ver sua cara aflita, isso triturou seu coração.

— Agora já sabemos qual é a habitação onde Vadik está com o Miko —

continuou Jeff, que agora com outro programa colocava cara às luzes vermelhas.

Tudo parecia um videogame, só que aqui as balas seriam de verdade.

Brad junto à Misha observava o que Jeff estava fazendo, enquanto Emily

seguia contemplando a seu pequeno, que agora segurava os joelhos com seus

bracinhos.

A habitação não era muito grande, ainda assim estava resguardada por

dois homens visivelmente armados. Segundo o que podiam notar, nesse

momento, era que o lugar estava equipado com aparelhos de última geração, e

graças a isso eles podiam ter um plano geral. O russo olhou para Jeff, lhe

transmitindo seus pensamentos, o vor planejava algo mais, mas o que?

Segundos depois, graças a um programa em 3D, as linhas começaram a

tomar forma ante seus olhos em forma de plano. A verdade que o programa era

de última geração, embora os meninos já o tivessem utilizado outras vezes, nunca

tinham agradecido tanto por ele, sobretudo agora que estavam recebendo dados

de todas as câmeras Web existentes no lugar.

A porta principal estava resguardada apenas por dois homens e logo um

corredor longo sem entradas nem saídas, de aproximadamente uns trinta metros.

Continuando, um espaço aberto que se dividia em duas plantas. Se Vadik

encontrava-se na subterrânea, isso lhes dava a vantagem da total escuridão

quando fosse o momento.

Emily já tinha deixado de olhar seu filho, agora se concentrava em guardar

em sua retina toda a informação, já não havia mais pena nem tristeza e muito
menos algum outro tipo de sentimento, agora sim era a verdadeira garota

superpoderosa que retornaria com seu pequeno e acabaria com o desgraçado do

Vadik.

— Misha… — Jeff quis saber com seriedade, enquanto passava os dados ao

programa de reconhecimento facial, — reconhece a algum deles?

— São todos aliados do Vadik.

— Certeza? — perguntou agora muito interessado, tinha obtido a

informação de todos, exceto de um, que era um… fantasma? Outro? — e esse daí

também? — inquiriu apontando-o.

— É um dos espiões dos Bairros Vermelhos do Vadik, não sei o que está

fazendo aqui, mas é dos nossos… — No momento que terminou a frase se

arrependeu, mas fiel a sua natureza não se corrigiu.

Brad só levantou a sobrancelha em sinal de reprovação, de certa forma até

compreendia essa linguagem.

— Bem, esses são nossos objetivos, estamos preparados?

Todos, um a um e com solenidade, assentiram com a cabeça, logo

chocaram os punhos levando-lhe ao coração em sinal de unidade. Misha, sentiu-

se um pouco sem jeito nesse juramento especial, apenas assentiu positivamente,

nada mais.

— Vamos — anunciou Emily colocando os óculos noturnos, para em

seguida carregar sua arma e a colocar no cinto.

Brad repetiu a mesma operação, enquanto Jeff, antes de subir ao veículo,

caminhou até Misha, que ajustava os próprios óculos. Logo depois de uns

minutos em que ambos conversaram, retornou.

— Tudo bem? — perguntou Brad, conhecendo seu amigo e companheiro.

— Tudo bem, agora conectemos os aparelhos auriculares. Estão me

ouvindo?

— Forte e claro, Jeff.


— Afirmativo.

— Ponimat20.

20
Ponimat: Entendido.
Capítulo 18

Depois da pequena conversa com o Jeff, Misha mudou rapidamente de

objetivo, esquecendo assim seu alvo primário. Em um princípio lhe resultou

impensável, mas logo depois de analisá-lo a fundo soube que essa seria a melhor

saída para ele, dando-se conta de que com esse detalhe alteraria tudo, e para

sempre.

Fiel a sua forma de agir montou em sua Hayes M1030, saindo a toda

velocidade do lugar, já não precisava esperá-los mais, cada um tinha um

propósito que realizar.

Não podia cometer erros, porque falhar seria mortal, e não só para ele.

— Que merda o russo está fazendo? — gritou Brad, consciente que se

estava saltando as normas.

— Coloque seu cinto, vamos — tranquilizou Jeff, ligando o motor.

— O que foi que você disse ao russo?!

— Comunique-se com outros Rambos e lhes dê a localização,

necessitaremos de reforços.

— Você vai estragar a missão! Você será o culpado de tudo o que aconteça.

— Assumirei a responsabilidade e a culpa — assegurou olhando para

Emily pelo espelho retrovisor, que não entendia nada.

— Jeff…

— Confia em mim, garota superpoderosa.

Sem mais que dizer, pisou no acelerador o máximo que podia. Como tinha

a vantagem de um utilitário, Jeff tomou outro caminho, um que lhes assegurava

seguir sem ser vistos, enquanto Brad lhe dava ordens a seus companheiros Delta

Force, que reclamavam do outro lado, irritados pela falta de informação.


Antes de desligar o rádio, os três escutaram os primeiros disparos, e a

seguir fogo, acompanhado de brilhos de faíscas pelos ares. Isso significava apenas

uma coisa, o russo tinha completado a primeira parte de sua missão.

A toda velocidade, apesar de que lhes faltava caminho, os meninos

entraram, disparando para tudo o que se movia, como se seu único objetivo fosse

fazer uma carnificina.

A perícia de Jeff ao volante os fez salvar-se de um projétil de bazuca que ia

bem na direção deles, mas com tão má sorte que ao roçá-los perdeu o controle,

chocando de frente contra uma muralha. O tiroteio era impressionante, dantesco,

agora só viam balas dirigindo-se para eles.

— Estão todos bem? — perguntou Brad gritando pronto para reagir. Tudo

a seu redor era escuro, só podiam ver através dos óculos e o panorama não era

nada animador. — Cubram-se!

Alguns homens armados com metralhadoras e várias granadas

caminharam disparando para eles. Em segundos, os pneus estouraram e os vidros

explodiram em milhares de pedaços. Os russos os superavam em número, sem

contar que estavam duplamente equipados em armas.

Os meninos rapidamente se protegeram atrás dos assentos, ao tempo que

as balas furavam o metal do veículo. Tinham que agir rapidamente, embora o

veículo fosse blindado, sabiam que não resistiria muito tempo estando virado.

Brad, ao soltar o cinto caiu, embora tivesse um grande corte do lado, posicionou a

metralhadora e começou a disparar à queima-roupa, igual ao Rambo que

acreditava ser.

De repente o som de um motor em meio ao tiroteio os distraiu, dando uma

pausa aos agentes, que nesse instante aproveitaram para soltar os cintos e sair

para ficar a salvo.

O russo tinha chegado em sua ajuda, aparecendo como se fosse o deus da

guerra, disparando direto à frente dos que alguma vez foram seus companheiros.
Não pensava, só disparava, derrubando um a um aos homens que apontavam

para eles. O primeiro em morrer foi vítima de um tiro na cabeça, o outro direto ao

coração e o terceiro que estava escondido atrás, que não o viu vir, errou

disparando em seu braço, mas sem deixar sequer de agir, lançou-se contra ele,

agarrando-o com as pernas para logo lhe fazer estalar o pescoço. Logo levantou a

vista, precisava saber apenas que ela estava bem, e quando fizeram contato visual,

ambos voltaram a respirar tranquilos de novo.

— Você está bem? — gritou Jeff por sobre as chamas e explosões, chegando

até Emily, que tinha um corte feio sobre a testa e o visor dos óculos despedaçados.

— Temos que seguir — assinalou começando a correr, mas justo quando

estavam a ponto de entrar, uma rajada de disparos os fez cair.

Misha apareceu de repente, arrastando-a pela perna para tirá-la do campo

de visão dos russos. Quando a teve a escassos centímetros, sem lhe importar

nada, tirou-lhe o visor noturno para comprovar a gravidade de sua ferida, que

agora livre sangrava profusamente.

— Você pode ver? — perguntou pensando que tinha perdido a visão. Seu

olho estava completamente injetado em sangue e mal podia abrir.

— Sim, um pouco — respondeu Emily com a cara visivelmente contraída

de dor, mesmo assim levantando-se. Os segundos transcorriam rapidamente e

eles ainda não conseguiam entrar no hangar.

— Temos que entrar agora — bramou Brad ao ver o russo segurando

Emily. Não gostava desse homem antes e menos agora, mas não obteve resposta

alguma. Misha se levantou veloz e correu em direção à porta, deixando-os atrás.

— Você ficará bem, Ems…

— Eu estou bem, vamos! Sigamos — Emily voltou a repetir, começando a

correr junto a seus amigos. Mas de repente, um novo tiroteio os separou, e já não

contavam com a escuridão, agora o lugar voltava a estar completamente

iluminado, parecia como se a noite fosse dia e um muito ensolarado.


Os disparos do lado inimigo não cessavam, enquanto eles avançavam ao

tempo que respondiam com suas metralhadoras, deixando uma nuvem de

fumaça a seu passo.

Justo quando um dos homens do Vadik apareceu para investir contra

Emily, ela rapidamente se agachou, apanhando-o pelas costas, colocando uma

adaga em sua garganta.

Tomando-o como refém.

— Não tente nada ou mato você — lhe ordenou pressionando o metal em

seu pescoço. — me leve até seu vor.

O homem tentou escapar, mas Emily em um movimento ágil o apertou

ainda mais a ela, deixando-o agora completamente impossibilitado de mover-se.

— Suponho que não precisa saber que, ante qualquer tentativa de escapar,

seu pescoço sofrerá as consequências. Certo?

O russo, que era bastante corpulento, ante essas palavras temeu por sua

vida, não pela faca que a garota superpoderosa sustentava, mas sim pelo que

sabia o que faria seu vor se não fosse capaz de levá-la ante ele. Ele tinha uma

oportunidade e não a desperdiçaria, embora perdesse sua vida nisso.

Emily ouviu os gritos dos homens do Vadik, que se escutavam por todos os

lados. Estavam caindo um a um às mãos dos seus, claramente o fator surpresa os

tinha desestabilizado e a missão estava sendo favorável para eles, ao menos nesse

instante, embora não por isso relaxava, sabia que a qualquer momento a situação

podia sair de controle. Com cuidado começou a avançar, utilizando ao russo

como escudo humano, em cada esquina era ele quem se mostrava primeiro.

Tinha-o colado a seu corpo, como se fosse uma extensão dela. Cada passo que

davam retumbava no lugar. Podia cheirar o fogo e a fumaça diminuía a

visibilidade, o eco dos disparos se escutava muito forte no subterrâneo e tinha

muito claro que seu refém não se deixaria mostrar ante o Vadik.
Justo antes de virar a esquina, viu como um guarda protegia a última porta

onde seguramente estaria seu filho. Seu coração se acelerou segundos, suas mãos

começaram a suar e um ligeiro tremor produziu um corte no pescoço de seu

prisioneiro, que o fez chiar, avisando com isso ao homem que custodiava a porta,

quem rapidamente sacou sua arma e disparou contra eles, mas em segundos a

garota superpoderosa reagiu e se colocou-se atrás dele.

As balas que seguiram impactaram diretamente no peito do russo, tal como

ela o tinha suposto.

Pegando-o com toda a força que restava, o segurou e correu para colidir

com o guarda. Quando esteve a escassos centímetros soltou o corpo e se

equilibrou com a faca na mão, enterrando-a diretamente no peito dele, sem sequer

deixá-lo reagir.

O guarda soltou sua arma e levou as mãos ao pescoço de Emily, apertando-

lhe espremendo lhe. Tentou escapar, mas o homem ganhava em envergadura,

sobretudo em forças. Sentiu como a respiração lhe faltava, sua vista começava a

nublar-se e suas pernas começavam a dobrar-se. Enquanto o grandalhão a deitava

no chão sem soltá-la, ela com perícia e sem desesperar-se começou a tatear o piso

para encontrar a arma, um… dois… e na terceira tentativa tocou algo duro. Quase

com o último fôlego tirou suas próprias mãos de seu atacante e com o pulso firme,

sem titubear, olhando-o nos olhos, descarregou a arma no estômago de seu

captor.

Emily se permitiu só um segundo antes de voltar a ficar de pé. Estava

ferida, mas sua vontade era mais forte. Com um golpe duro e certeiro abriu a

porta, mas o que viu a deixou totalmente paralisada, sem reação.

Seu corpo já não quis lhe obedecer.

Arregalou os olhos, não acreditava no que via, meneou a cabeça

negativamente, inclusive piscou um par de vezes para enfocar melhor.


Miko, seu filho pequeno, estava frente a seus olhos, com uma arma

apontada a sua cabeça, ao mesmo tempo que Vadik possuía um sorriso triunfal no

rosto.

Ele já se achava ganhador.

— Olha… olha — sussurrou ao ouvido do pequeno, — sua mamãe veio te

resgatar —disse ele colocando o menino de pé. O pequeno olhou a sua mãe, que

ainda não saía de seu assombro, mas como digno filho dela, e apesar de ter tão só

quatro anos, falou-lhe:

— Mamãe…

— O que? — cuspiu com ironia, — ainda não pode acreditar? Pois acredite

nisso. Seu bastardo pagará pela vida da minha filha!

— Não…! Foi um acidente…!

— Me importa uma merda! Levo anos pensando em como me vingar, mas

jamais sequer imaginei um final como este. Sabe? Inclusive cheguei a pensar que

você tinha desaparecido da face da terra —falou enquanto passava o canhão da

pistola pelo cabelo do pequeno, bagunçando-o.

— Deixe que ele se vá — ordenou tremendo por dentro. Qualquer

movimento brusco ou premeditado podia estragar tudo, e em um movimento

rápido tirou a pistola do cinto e, antes de poder apontar a ele, Vadik com perícia

agarrou a Miko, colocando-o como escudo entre eles.

— Vamos, dispara, não é tão valente? — insistiu, agora encostando a arma

na têmpora do pequeno.

— Mamãe…!

Nesse momento Emily lançou a pistola ao chão, chutando-a em sua

direção, levantando as mãos em forma de rendição.

— Deixe-o ir, imploro-lhe isso, por favor, não faça mal a ele… — suplicou

com os olhos cheios em lágrimas.


Miko olhava a sua mãe sem compreender bem a situação, jamais tinha

visto sua mãe chorar, e ele, como seu filho, o único que desejava nesse momento

era poder abraçá-la, apesar da força que fazia para correr a seu lado, o aperto por

vor não diminuía.

— Te suplico! — insistiu Emily, — deixe-me pagar pela morte de Katiuska.

— Não se atreva a dizer o nome dela! — gritou ele exasperado, agarrando

ao Miko, que não deixava de mover-se.

**************

Por outro lado, sem titubear nem um segundo só, Misha caminhava ao

mesmo tempo que disparava. Homem que aparecia, homem que caía a seu passo.

Ele não estava ileso, tinha um corte no ombro, embora nem isso o detinha. Vários

dos russos, ao vê-lo se surpreendiam, mas isso não lhes impedia de atacá-lo.

Abriu várias portas antes de encontrar seu alvo principal. Não encontrava

ao vor por nenhuma parte, e claramente no lugar indicado já não estava. A cada

passo que dava, analisava ainda mais a situação. Isto não era um simples

sequestro, as câmeras de televisão disseminadas nesse cômodo eram um claro

sinal do que Vadik pretendia fazer com Ira ou com o Miko. Ele, o grande vor da

Rússia, mostraria ao mundo inteiro que com ele, um homem poderoso, não se

brincava, e demonstraria ao vivo e em direto a ameaça.

O simples pensamento produziu um calafrio em sua pele.

De repente, e sem que ele o notasse, uma bala proveniente da escuridão

acertou seu ombro. Misha, apesar de reagir rápido, não foi capaz de repeli-lo com

um novo tiro. O homem, que era o mais novo na organização do Vadik,

conseguiu sair do lugar, deixando-o ferido, mas não por isso impedido. Mesmo

assim seguiu adiante, já não podia se mover com tanta agilidade, mas tinha a

certeza de que na última porta que restava encontraria seu objetivo pessoal.

Tinha chegado a hora de vingar-se por tantos anos, e ele era um vingador.
Abriu a porta com ímpeto, e o primeiro que recebeu foi uma bala direta no

antebraço. O impacto o fez retroceder um passo e, sem que ninguém pudesse

sequer suspeitar, segurou Emily pelo pescoço, colocando-a como escudo.

Vadik não acreditava no que seus olhos viam. O homem que tinha sido sua

mão direita durante anos e agora acreditava ser um traidor, apresentava-se ante

ele e nada mais e nada menos que utilizando como refém a mulher que acreditava

que ele amava.

Impressionado ainda seguia apontando-o com a arma, ziguezagueando

entre Misha e Emily.

O vor não era capaz de entender como finalmente ambos tinham chegado

até ele, que era resguardado por mais de doze homens armados até os dentes,

mas não só isso.

O que fazia Misha apontando para a cabeça de Ira?

**************

Por outro lado, não muito longe dali, o agente e o Delta Force lutavam para

defender sua vida e avançar para resgatar o Miko, sabiam que os minutos que

perdiam eram ouro, e embora acreditassem que seria mais fácil, estava lhes

custando seguir, era como se os russos se multiplicassem à medida que

avançavam.

**************

Emily sentiu um antebraço pesado e com força apertar seu pescoço sem

poder acreditar. Misha… o russo, seu russo a tinha traído. Agora sim que estava

totalmente segura de uma coisa: ia morrer, só esperava que seu filho não

padecesse, e por isso tinha que fazer seu máximo esforço.

Uma última jogada.


— Não acredito no que vejo — falou Vadik sem deixar de apontar a Misha,

enquanto movia a cabeça de um lado a outro.

O pequeno era o que menos entendia algo nesse quarto, só tinha olhos para

sua mãe, que lhe devolvia um olhar seguro e tranquilizador, como lhe dizendo

que nada mal ia acontecer, embora por dentro, Emily sabia que nada ia acabar

bem.

Em um acesso de raiva, tentando conseguir um milésimo de tempo, Emily

tirou de dentro de sua bota a faca que Jeff a tinha entregado para atacá-lo, mas

Misha, em um movimento que ela não contava, girou-se fazendo que a lâmina de

metal nem sequer o tocasse. Por um instante perdeu o equilíbrio, mas

rapidamente o recuperou. Quando levantou o braço para devolver Emily a sua

posição inicial escutou:

— Mamãe…!

Deteve seu braço em segundos ao escutar a súplica amarga do pequeno,

que nesse momento não derramava nenhuma lágrima pelo rosto. Apesar das

circunstâncias, ele queria defender a sua mãe, remexendo-se implacavelmente

entre os braços do Vadik.

— Deixa que o bastardo da puta saia — disse Misha, com um sorriso

sardônico em seus lábios.

— Não! Pagarei com ele a morte da minha filha.

— O pirralho não tem a culpa da morte da Katiuska. A puta sim, e ela é

quem vai pagar… e muito caro.

O corpo de Emily paralisou imediatamente, seu coração deixou de

bombear e seus pulmões deixaram de respirar, ela morreria? A torturariam até

matá-la? Tudo valia a pena se deixassem seu filho livre.

— Deixem que meu filho se vá, deixem que eu tome seu lugar.

— Cale a boca! Você já falou demais — Misha vaiou entre dentes puxando-

a pelo cabelo, movendo com brutalidade sua cabeça para trás. — Foi você a
culpada? — Perguntou, colocando sua própria faca no pescoço com a qual o tinha

atacado alguns segundos antes.

— Sim… — respondeu com amargura em suas palavras, — e estou

disposta a pagar por isso, mas…

— Vadik, deixa que o bastardo se vá.

— Você não me dá ordens, me traiu — afirmou levantando a mão, para que

um homem que nenhum deles viu entrar, se aproximasse, era o mesmo que tinha

disparado anteriormente a Misha, o jovem desajeitado que se escapou em seguida

na escuridão. — Leve ele ao helicóptero, me espere lá.

Como se fosse um saco, o vor entregou Miko ao homem, que sem machucá-

lo o agarrou entre seus braços para logo, apesar dos gritos do pequeno, sair da

habitação.

— Eu jamais te traí — falou uma vez que os gritos do Miko deixaram de

escutar-se e pôde sossegar a Emily, pressionando a garganta dela com seus dedos.

— De verdade pensa que vou acreditar em você? Sério? — perguntou

olhando-o nos olhos, mas já sem apontar a arma.

— Te levei até eles ou não? Encontrei-a para você!

— Você me ocultou informação! Zhenya me disse toda a verdade.

— Sim? Ela, que era uma agente americana trabalhando para o SVR? Ela

que sempre soube onde esteve esta puta? — cuspiu soltando o agarre do pescoço

para que assim pudesse respirar.

— Mentira!

— Quem descobriu que estávamos sendo investigados? Quem torturou ao

agente para tirar informação dele, Vadik? Eu quero ser o próximo vor! Esse é meu

único objetivo nesta vida.

Os olhos incrédulos do Vadik o olharam de maneira inquisidora, mas foi

no instante em que o viu titubear que prosseguiu, estirando seu punho para que o

visse.
— Matei por você — assegurou exibindo as caveiras de seus dedos, —

torturei, assassinei em seu nome. E cuidei da Katiuska por seis anos porque o vor

não tem filhos, nem esposa. Lembra? E você está julgando a mim!

— Katiuska não merecia morrer assim! Era uma menina…

— E por isso o culpado pagará, agora, ante seus olhos — anunciou

voltando a agarrá-la pelo cabelo. Emily já não tinha forças nem para sustentar-se

em pé.

— Quero que o mundo inteiro veja! — exclamou apontando às câmeras.

— Para que? Para que nossos inimigos saibam que somos vulneráveis, que

temos pontos fracos? — falou com voz autoritária, como se o vor fosse ele, — para

que escavem em nosso passado, desenterrando enganos como o da Anastasia, a

mãe de sua filha?

— Cale-se! Isso foi apenas um engano.

— Um que não pode voltar a repetir-se, nos custou muito silenciar a todos

os que sabiam de seu segredo para agora voltar a abrir a cripta. Isso tem que

acabar já.

Misha, com decisão, começou a baixar a faca pelo peito de Emily, porém

não deixava de olhar ao vor e falar olhando-o aos olhos.

— Esta puta pagará por tudo o que tem feito, o que me fez, e é obvio o que

fez a você, pagará com sua vida a morte da Katiuska.

— Eu a matarei— afirmou aproximando-se com a pistola agora apontando

para ela.

— Não! Meu vor não manchará as mãos por uma mulher como esta.

— Manchei-me muito mais com essa mulher.

Misha apenas o olhou, mostrando algo parecido a um sorriso. Logo a girou

e pôde ver o terror que seus olhos emanavam.

— Misha… por favor, me escute — sussurrou tomando um último fôlego, o

russo quase não a deixava respirar.


O vor sorriu com vontade ante a cena que via, adorava ver as pessoas

suplicarem por suas vidas, as mulheres mais ainda, assim mesmo tinha feito com

a mãe de sua filha, tinha-a obrigado a suplicar até o último momento, inclusive

enquanto a violava, obrigava-a a lhe pedir clemência, por isso agora estava se

regozijando… outra vez.

— Você acaso não se cansa, garota superpoderosa? Não fale mais… —

Misha tentou sossegá-la.

— Deixe, quero escutá-la, quero ouvir sua súplica, seus gemidos…

Antes que o vor continuasse falando, e para acabar de uma vez com o

martírio de Emily, terminou de deslizar a faca até situá-la na parte esquerda de

seu estômago e, com precisão, a enterrá-la até o fundo.

Emily abriu os olhos, surpreendida com o que acabava de acontecer, tentou

lutar para separar-se, mas a cada movimento o metal se enterrava um pouco mais.

— Ah…! — conseguiu chiar enquanto o russo olhava como uma lágrima

lhe caía por seus preciosos olhos, que agora estavam perdendo a vida.

— Esta missão nunca te pertenceu — explicou enquanto a acomodava no

chão, deixando-a perfeitamente deitada, inclinada de lado.

Um aplauso magnânimo rompeu o silêncio, acompanhado de uma rajada

de disparos ao ar. Vadik estava celebrando a morte da mulher que tinha matado a

sua filha, da mulher que esteve a ponto de apanhá-lo e da única mulher que

jamais se rendeu ante ele. Sim, Emily Claxon merecia morrer.

De repente, interrompendo a gritaria, ao longe se ouviam sirenes. Era o

momento que tinham para escapar. Sem duvidar nem um segundo, Misha se

encarregou da situação, tomando ao Vadik por surpresa.

Tinham que sair já!

— Vamos ao helicóptero — bramou enfurecido, tinham os segundos

contados e o tempo não pararia, tinham que sair.


Saíram correndo do lugar, disparando a tudo o que cruzava seus caminhos.

Os Delta Force já tinham chegado e estavam tomado o lugar. Uma fumaça branca

proveniente das bombas lacrimogêneas era tudo o que se respirava, retardando-

os em sua ação.

Tropeçando subiram as escadas para chegar ao terraço. O helicóptero já os

esperava com as hélices girando, e espreitando esperando ver sua mãe aparecer

estava Markov.

Os disparos chocavam contra o metal blindado do helicóptero, que já

estava a ponto de decolar, deixando um rastro de faíscas.

Antes que Vadik pusesse o primeiro pé no patim de aterrissagem, a fúria

de Misha o lançou para trás, fazendo-o cair ao chão. Nunca tinha esperado tanto

por uma vingança, mas já tinha visto e desejado muito, agora nenhuma arma

bastaria para acabar o que com suas mãos faria pessoalmente.

Inicialmente, Vadik não se deu conta de quem o atacava, mas ao ver que

era seu próprio homem, seu amigo, que minutos antes tinha jurado que não era

um traidor, não pôde acreditar. Como pôde, começou a lutar para tirar sua arma,

conseguindo forças de onde não tinha. O que o golpeava era uma besta

enfurecida que não o deixava respirar. Levantou a perna para deter um golpe,

acertando-o precisamente nas costelas, isso fez que Misha retrocedesse ao ficar

sem ar com muita dor.

— Vou te matar traidor! — exclamou finalmente tirando a pistola, o

disparo apenas lhe roçou a lateral do corpo, mas o seguinte impacto acertou na

coxa saudável, fazendo-o cair de joelhos no chão, apoiando-se só com as palmas

de suas mãos.

Em seguida, pressionando a mão sobre a ferida de bala na coxa, levantou-

se fazendo um som gutural de dor, parecia um animal a ponto de atacar, uma

verdadeira máquina de destruição, e assim foi. Com tudo o que tinha, arremeteu

contra Vadik, levando-o ao chão, ficando sobre ele. O primeiro que fez foi lhe tirar
a pistola, que voou longe, logo começou a lhe dar golpes certeiros no rosto, sem se

importar que seus nódulos sangrassem, e uma vez que descarregou sua ira,

agarrou-o pelo cabelo e vaiou:

— Você chegou até aqui, desgraçado! Acabou seu jogo, maldito filho da

puta.

O vor negou com a cabeça, rindo dele.

— Tudo isto por uma puta e seu bastardo?

— Essa puta, como você diz, é minha mulher e esse bastardo é meu filho —

afirmou nocauteando-o com sua própria testa. Tinha recuperado todas as suas

forças e não precisou um segundo contato para saber que Vadik já tinha morrido,

já que depois de golpeá-lo com suas próprias mãos, e sem nenhum remorso, tinha

girado sua cabeça primeiro à direita e logo para a esquerda para assegurar-se.

Depois deu a volta para ver o Miko, que estava abraçado ao russo que

pilotaria o helicóptero. Só queria correr e abraçá-lo, para logo descer e ver a mãe

do menino, rogando em silêncio que tudo tivesse saído conforme o planejado com

o Jeff.

— Solte-o… — foi tudo o que disse, enquanto apertava os punhos e se

preparava para uma segunda batalha.

O russo se separou do pequeno, ao mesmo tempo que Miko tentava

segurar-se com todas as suas forças.

— Eu disse para você soltá-lo — voltou a rugir agora com o meio corpo

dentro, tomando-o pelo braço, amedrontando-o.

O piloto, ao ver os olhos e a cercania da besta que lhe falava, afastou o

pequeno com suas próprias mãos, era isso ou padecer sob essas garras animais.

— Miko… vem, eu… — Nunca lhe custou tanto ter que dialogar, o mais

fácil seria tirá-lo e carregá-lo à força, mas sabia que essa não era a solução, e muito

menos para infundir confiança a um pequeno que tinha vivido em poucas horas

situações que alguns seres humanos não viveriam jamais.


— Você é o amigo especial de minha mamãe…? — perguntou com tanta

ternura que, pela primeira vez em sua vida, comoveu-se e em um ato reflexo o

abraçou com todas suas forças, para segundos depois beijar sua cabecinha.

O abraço não durou muito. De repente vários homens, vestidos

completamente de negro, apareceram com metralhadoras nas mãos.

Encabeçando-os estava Stark, quem tinha disparado ao piloto, que agora

apertava o ombro com dor.

Sem soltar ao Miko se levantou com ele, nem sequer deixou que os

inspecionassem, só se certificou que seu pequeno estivesse bem.

— Você está bem, Miko? — perguntou realmente preocupado.

— Sim…, mas quero a minha mamãe — respondeu se fazendo de valente.

Misha podia ver o medo e o desconcerto através de seus olhos, mas igual a sua

mãe, era uma pessoa muito forte, jamais se deixavam ver vulneráveis ante

ninguém.

Não eram necessárias mais palavras. Colocando-o contra seu corpo se

levantou, sentindo uma grande dor, sentia que a cada passo que dava sua coxa

rasgava um pouco mais, mas já não importava, finalmente tinha liberado Emily

da máfia russa, agora nunca mais lhe fariam mal, ela poderia viver em paz. Uma

paz que ele mesmo lhe tinha presenteado, apenas esperava que ela entendesse

suas explicações e não o julgasse por isso.

Enquanto baixava não podia deixar de recordar uma e outra vez a súplica

dela, mas isso não era o que mais lhe doía, a não ser a decepção que viu em seus

olhos. Mas estava seguro de que ela entenderia sua explicação.

Quando ao fim chegou até o lugar que tinha deixado Emily, um tremor

percorreu seu corpo ao vê-la estirada nos braços do Jeff.

— Não…! — sussurrou com um suspiro quase sufocado, apertando ao

Miko ainda mais contra seu corpo.


— Sinto muito — lamentou Jeff em tom arrependido sem olhá-lo fixo aos

olhos.

Como se um muro aparecesse em frente a ele tentou dar um passo, mas

suas pernas, que agora tremiam, não lhe responderam. Fechou os olhos um

momento para ter força e fazer frente ao que seus olhos viam e ele se negava a

aceitar.

Transcorreram alguns segundos antes que tivesse valor para abri-los, e

quando o fez sentiu que algo dentro de seu peito se partia. Sacudiu a cabeça

negando o evidente, rechaçando a só possibilidade de aceita-lo.

A culpa o estava matando.

Tinha-a matado de verdade.

De repente, e devolvendo-o à realidade abruptamente, sentiu como uma

massa de músculo se chocava, gritando contra ele.

— Filho da puta! — Misha tentou receber a investida o melhor possível,

sobretudo para proteger seu filho, que nesse momento se aferrou a ele com todas

suas forças, como se sua vida dependesse disso.

O golpe o fez cair, mas se Brad pensava que isso o deteria estava muito

enganado. A raiva que estava consumindo-o por dentro fez que Misha se

levantasse e protegesse ao pequeno, que o Delta Force cegado pela raiva não via.

Os golpes provinham de ambos os lados, descarregando assim a pena, a

fúria e o desgosto que ambos sentiam. Um porque sentia que tinha perdido uma

das coisas mais valiosas de sua vida, e o outro porque precisava saciar sua sede de

sangue por seu incomensurável engano.

Misha tinha planejado com o Jeff uma estratégia para salvar Emily da

máfia russa para sempre. Faria parecer que ele mesmo tirava a vida dela ante o

vor para ganhar novamente sua confiança e assim ninguém no Leste nem sobre a

face da Terra a buscaria jamais. Logo Jeff teria que encarregar-se de que ela

soubesse que tudo tinha sido uma armadilha, um engano. Por isso inicialmente a
segurou pelo pescoço, para diminuir sua respiração, e assim logo poder cravar-lhe

a faca sem tocar nenhum órgão vital, mas…

Jamais pensou sequer na possibilidade de que algo resultasse mal, jamais

pensou em falhar. Em um movimento inesperado Brad o golpeou, jogando-o de

bruços ao chão, e aí, em um momento, como se nada mais existisse, como se não

estivesse sendo golpeado brutalmente por um homem, sua mente recordou.

Rememorando assim as primeiras lembranças em que Ira apareceu em sua vida

pela primeira vez. Viu-a quando ambos colidiram e ele, com o impacto, enviou-a

ao chão, para logo passar por ela sem nenhum pudor. Em frente à janela,

apoiando ambas as mãos no vidro, o dia que ele mesmo tinha pedido

explicitamente que aquela moça levasse os coquetéis ao vor. Sentiu o primeiro

beijo que a tinha obrigado a dar. Via seu olhar quando chegava ao clímax sempre

querendo dizer algo mais, mas ao mesmo tempo contendo-se. Via a determinação

em seus olhos, uns que jamais o temeram, apesar de tudo o que pudesse fazer.

Não, Ira ou Emily jamais se rendeu ante ele, mas sim se entregou, e o mais

importante, tinha-o salvado de si mesmo justo no momento que lhe havia

devolvido a vontade de viver. Porque isso era o que essa mulher representava

para ele, por isso tinha estado disposto faz anos a abandonar a missão mais

importante de sua vida, por isso a tinha procurado incansavelmente durante

quatro anos e por isso tinha aceitado o plano desatinado do Jeff, e para que?

Tudo o que estava acontecendo era irônico, tantos anos sozinho, sem se

importar com nada nem ninguém, e agora que queria tudo e podia ser capaz de

ter, não era o destino quem o arrebatava, mas sim ele com suas próprias mãos o

tinha destruído.

Quando sentiu o grito reprimido de Miko abriu os olhos, vendo como um

homem o segurava para tirá-lo dali, mas ele não voltaria a perder a ninguém que

lhe importasse de verdade, e esse pequeno era dele, tão dele como o tinha sido

Emily Claxon.
— Detenham-no — escutou que diziam, sem poder reagir ante alguns

homens que saltaram sobre ele, detendo-o, impedindo de segurar Miko, que

chamava por ele.

Com a adrenalina que irradiava de seu corpo foram necessários dois

homens mais para detê-lo. Nesse momento viu como, além de levarem seu filho,

Jeff segurava Emily e a tirava dali.

Lutou com toda a sua energia, mas era inútil, estava totalmente

imobilizado e impotente. Agora sim estava perdendo-a e para sempre.

Então, de repente e contra todo prognóstico, reunindo forças de fraqueza,

conseguiu escapar de seus atacantes, golpeando-os ao uníssono, com tal

veemência que Jeff, ao escutar o som gutural da besta que lhe pedia que se

detivesse, não pôde fazer outra coisa mais que obedecer. Quase deixou de respirar

ao girar-se com sua amiga entre seus braços, mas agora era o momento da

verdade, a prova de fogo.

— Vá com o Miko, seu filho é quem te necessita agora.

— Não… — grasnou Brad, mas nesse momento o pescoço de Misha se

arqueou como se fosse realmente um demônio, para ameaçá-lo com apenas um

olhar.

— Markov é filho dele, Brad, e você sabe— murmurou seu amigo e

companheiro, tinha que sair imperiosamente daí, já haviam perdido muito tempo.

Um silêncio sepulcral se fez no quarto. Ambos os homens, que minutos

antes queriam matar um ao outro, apenas se olharam pelo bem do pequeno.

Nenhum dos dois falou, mas se entenderam perfeitamente.

Misha, com as mãos tremulas, tirou o cabelo da cara de Emily, afastando-o

para logo beijar seus lábios inertes e sussurrar sobre eles:

— Me perdoe…
O tempo que o russo observou a garota superpoderosa pareceu uma

eternidade para Jeff, mas sabia que não podia dizer nada a ele, a culpa também

estava matando-o por dentro.

Repentinamente, como se já não tivesse nada mais que fazer nesse lugar,

Misha deu a volta como se uma voz à distância o estivesse chamando.

E ele, fazia poucas horas, estava fazendo caso aos desejos de seu coração.

Só a uns metros de distância, no meio do caos, encontrava-se o pequeno,

agarrado a suas próprias pernas. Não deixava que ninguém o tocasse, tinha o

olhar perdido, mas quando viu aparecer ao amigo especial de sua mamãe, correu

a seu encontro, enquanto Misha, como pôde, fez o mesmo até chegar a abraçá-lo.
Capítulo 19

Em uma sala especialmente acondicionada para eles, depois de vinte e

quatro horas se encontravam reunidos os integrantes da missão “Projeto Russo” e,

acompanhando-os, Misha Novikov, que a diferença de outros não se sentou nem

um segundo sequer, parecia um leão enjaulado de tantas voltas que dava. Por fora

podia ter a aparência de um homem tranquilo, inclusive com nervos de aço, mas

em realidade por dentro estava em frangalhos. O único que sabia era Jeff, que

desde o dia anterior se sentia responsável por seu estado.

— Cavalheiros — o subdiretor Hardy Krause saudou, no momento que

entrava com vários papéis na mão, — temos pouco tempo antes do funeral.

Todos, com dor em seu olhar, assentiram, nenhum queria estar ali entre

essas quatro paredes. Essa manhã fria seriam o funeral com honras da ex-agente

do FBI e policial Emily Claxon.

Brad observava com o canto dos olhos todos os movimentos do russo, sem

dissimular sua irritação por tê-lo a tão poucos metros. Enquanto, Jeff estava

concentrado, olhando os papéis que o subdiretor tinha entre as mãos.

Sem postergar mais a situação, Krause abriu a pasta, deixando-a visível

para todos e levantou a vista para olhar por um segundo a cada um deles.

— Infelizmente — murmurou subindo o tom de voz para parecer mais

enérgico, — estamos reunidos aqui pelo caso “Projeto Russo”, que ao longo dos

anos teve algumas… variações. Apesar de que a missão terminou com êxito faz

algum tempo, os danos colaterais nos afetaram hoje, nos alcançando como equipe

— pigarreou para poder seguir, — concluindo assim finalmente a missão. A

colaboração do SVR foi fundamental neste caso, ajudado, claro, por nossos

homens do FBI atuando como agentes encobertos, mas infelizmente não

contávamos com agentes duplos. — fez-se um silêncio na sala. — Embora

também devemos reconhecer que para tão perigosa missão tivemos baixas
aceitáveis. — Um grunhido foi o que realmente todos escutaram e se giraram

rapidamente para o Misha, que tinha as mãos empunhadas nos bolsos de sua

calça. — Cavalheiros, devemos nos enfocar com muita atenção. O caso está

legalmente fechado — assegurou, estampando o visto de um certificado que dava

fé do que acaba de dizer. — Agora, por favor, não façamos esperar ao cortejo

fúnebre que nos levará até o cemitério para nos despedir de um companheiro com

honras, por ter sacrificado sua vida…

— Não sacrificou nada, a…

— Cavalheiros — voltou a falar o subdiretor, olhando especificamente para

Brad, que nesse momento era contido por seu capitão. — Não imagino o estresse

que estão passando, mas depois de hoje poderão retirar-se a umas merecidas

férias — concluiu fechando a pasta de repente, para logo olhar ao russo, — mas

antes, Misha, queria que ficasse um segundo.

— Devo tomar um avião junto ao meu filho.

— Insensato! Como não o levará ao funeral da mãe dele? — Brad grunhiu

sem poder conter-se, que rodeava perigosamente a mesa para chegar até ele.

— Brad, amigo, o melhor é que Miko fique com uma lembrança alegre da

Emily, ele nas últimas horas passou por muito, precisa ter uma lembrança normal.

— Não me parece…

— Não tem que parecer nada a você… — bufou Misha, contendo-se sem

sequer olhá-lo, precisava sair. — Markov é meu filho.

O subdiretor não se surpreendeu da animosidade que tinham esses dois

homens, e tampouco teria que ser um perito para saber por que, embora não por

isso deixaria que a situação ficasse ainda mais insustentável.

Uma vez que ficaram sozinhos, Krause lhe ofereceu a cadeira de frente a

Misha e tirou uma nova pasta de sua maleta, com parcimônia a abriu e começou a

manusear as folhas como se estas contivessem escritos realmente importantes,

mas sobretudo absolutamente confidenciais.


— Você tem tudo o que acordamos por telefone? — falou o russo,

erguendo-se em sua posição.

— Não foi fácil — respondeu sem olhá-lo, — são muitos documentos…

— Não foi fácil? — interrompeu-o aproximando-se ainda mais à mesa,

jogando seu corpo para frente. — Sabe o que não foi fácil? Passar dezoito anos

infiltrado para uma agência respondendo a outra, isso não foi fácil. Sabe que mais

não foi fácil? Entregar-se por completo à organização e ser um protótipo

experimental, onde só fui um número que reporta feitos importantes para que

outros possam atuar sem que ninguém me informe nada — murmurou muito

baixo, — e sabe que mais não foi fácil? Passar cinco anos na prisão forjando um

nome, para ser reconhecido pelo vor. Roubei, torturei e matei para me fazer um

nome e chegar até onde estou. Por minha agência traí meus princípios como

infiltrado russo, enganando-os para estar dentro de sua organização — disse

subindo o tom de voz, — e jamais nestes putos anos lhes pedi um favor. Agi

sozinho, lhes entregando muito mais do que correspondia a minha missão, mas

desde ontem se acabou. Já não mais, não quero esperar mais. Quero que você

cumpra sua palavra, assim como eu cumpri a minha, e me dê a puta identidade

com a que possa ir junto ao Markov.

— O que você está me pedindo não é uma simples transcrição de nome —

afirmou Krause levantando uma sobrancelha.

— Mas é o que deve fazer se quer obter sua recompensa — ironizou Misha,

metendo a mão no bolso, para logo tirar um chip e colcá-lo sobre a mesa à vista

do subdiretor, que ao vê-lo seus olhos brilharam como vaga-lumes em uma noite

sem lua — Isto contém as contas dos homens mais influentes da Rússia que têm

contato direto com a máfia: empresários, diplomáticos, inclusive gente do

governo, além disso, contém a única prova que você necessita para que o mundo

saiba que sua agência é a melhor, apesar dos buracos que esta possa ter.

— Você averiguou sobre a corrupção no SVR?


— Mais que isso, Krause.

— Você está seguro que não quer ficar comigo? Você terá um escritório…

no mesmo andar que eu, mais dinheiro, um posto importante...

— No mesmo andar que o seu? — refletiu apertando os dentes.

— Exato e não deveria pensar tanto — afirmou colcando a mão sobre o

chip, — ou poderia tomá-lo como um insulto. Além disso… — continuou

olhando-o aos olhos, — não crê que o melhor lugar para vigiar a vida de seu filho

seja conosco?

— Com vocês… claro — vaiou, afirmando positivamente. — E o que

acontece se quero fazê-lo a meu modo?

Hardy Krause começou a rir depreciativamente, ele era um homem seguro

de si mesmo, sobretudo, um que ninguém jamais lhe negava nem contradizia, por

isso tinha chegado ao cargo que exercia.

— Ninguém pode estar desprotegido.

— Mas esse é meu problema, não, Hardy?

— Ah… meu querido Misha, é meu melhor homem e sabe que não é fácil

para mim reconhecer isso.

— Boa sorte então e quem sabe encontre um novo homem que me

substitua, que sirva para fazer o trabalho… difícil, e espero que todo mundo

acredite que o fez sozinho — rematou com um sorriso sardônico nos lábios,

metendo a outra mão no bolso da calça.

— Você não estará protegido. Será um alvo fácil.

— Protegi-me sozinho desde que entrei neste jogo.

— Se você for e deixa a agência, sabe o que significa? — perguntou subindo

em um tom os decibéis de sua voz.

— O que? O que significa? — respondeu raivoso ao estar escutando tantas

ameaças ocultas.
— Que está abandonando o seu país, a organização…, mas, sobretudo a

mim.

— Tome cuidado acreditando que você e só você é a agência, porque a

organização é muito mais que um só homem — afirmou chamando-o, ao

momento que ficava de pé e tirava o que tinha no outro bolso.

— Eu te fiz! E eu te destruirei quando cruzar essa porta!

Tentando ser um homem racional e jogando a última carta para ser um

homem livre e sem passado, ao fim estendeu os dedos de sua mão mostrando um

chip exatamente igual ao que ele já tinha em seu poder, só que este de cor

vermelha, e olhando-o aos olhos falou.

— Não repetirei o que você já sabe, subdiretor. Nosso trato, e o quero antes

das seis. Isto que vê aqui é meu passaporte ao anonimato, é informação

privilegiada de minha agência, onde tenho certeza, não só os russos estariam

desejosos de saber. Se algo acontecer a mim ou a meu filho, em menos de duas

horas isto estará em todas as redes governamentais dos países mais influentes do

mundo.

— Filho da… — espetou apertando a mandíbula com raiva, mas antes de

terminar viu enfurecido como Misha, o russo, seu fantasma, colocava o chip na

porta USB e, tal como tinha anunciado, informação privilegiada e muito perigosa

capaz não só de começar uma guerra, mas sim também de afundá-lo até o mais

profundo da terra, aparecia ante seus olhos.

— Adeus, Krause, que tenha uma boa volta a casa, ah! Saúde sua esposa e a

seus filhos, e diga a ela de minha parte que acredito que o corte de cabelo que fez

ontem não lhe fica tão bem como o anterior.

— Não coloque inocentes nesta merda.

— Ninguém é inocente nesta merda, Krause — foi o último que disse antes

de sair pela porta e deixá-lo sumido em seus pensamentos, agarrando a cabeça

com as duas mãos.


Krause, pela primeira vez em sua vida, devia acatar as ordens de um

homem que não fosse as dele mesmo. Nem sequer o próprio diretor da agência

lhe ordenava coisas, apenas o consultava, mas agora, o mesmo homem que ele

tinha criado e forjado, tinha-o colocado em xeque, e não só isso, estava

completamente em suas mãos.

Com raiva, mas principalmente, saboreando a derrota, agarrou o

computador, tirou o chip para guardar em um lugar seguro, logo veria como

escondê-lo para sempre, e a seguir fez o único que não queria fazer: apagar todos

os antecedentes da existência de Misha Novikov e de Markov Claxon. Agora

nenhum dos dois existia, nada, nenhum sinal ficaria depois de que ele digitasse

seu código pessoal.

Depois de uns segundos digitou e tudo ficou em branco. Por último,

introduzindo um novo código, acessou o departamento de identidades especiais.

Nem sequer tinha que preocupar-se com procurar uma nova identidade, pois

Misha se encarregou de tudo, tinha-lhe entregado ele mesmo os nomes e cédulas

de seu filho e dele.

O russo tinha feito tudo e, com pesar reconhecia que era digno de se

admirar. Só por um segundo se permitiu pensar no que teria acontecido se Emily

Claxon não tivesse morrido, não tivesse sido um dano colateral, e sim, voltou a

golpear a mesa, porque certamente tudo teria sido muito diferente. Ambos

certamente trabalhariam para ele, fazendo-o tão invencível que inclusive lhe

dariam boas-vindas à presidência da república, mas agora tudo estava acabado.

**************

Quando o ar frio tocou a cara de Misha por fim pôde respirar em paz.

Nunca em toda sua vida tinha estado tão nervoso, jogou uma carta que jamais

pensou utilizar, ameaçar à agência não era algo pequeno, mas ele, tal como o
havia dito, não era um inocente, só estava sendo precavido. Devia começar uma

nova vida, levar para longe o único bonito e puro que possuía, mas mais que isso,

era o único que restava do amor de sua vida.

Jamais se perdoaria o dano que lhe fez ou que lhe fizeram por sua culpa,

mas ele cuidaria do Miko com sua vida se fosse necessário.

Agora era um homem novo, ou em realidade, às seis da tarde quando

tomasse o avião com destino a sua liberdade, muito longe de onde estava agora.

Jeff, nervoso, terminava de dar a última tragada a um cigarro quando viu

ao russo sair. Estava esperando por ele.

— Você conseguiu negociar com o Krause? Ele aceitou? — perguntou a par

de tudo o que ele queria fazer. Afinal, tinha-o ajudado em cada passo para obter

sua liberdade. O único que não sabia era o “ás” sob a manga que Misha guardava.

— A liberdade nunca esteve fora de questão para mim — explicou

enquanto subia ao carro para ir buscar ao Markov. — De hoje em diante serei um

homem novo. Não mais FBI, não mais SVR, renunciei a tudo e exigi o que me

corresponde. Sou um homem livre, sem passado, para começar uma nova vida —

asseverou com os olhos frágeis, ainda não podia acreditar que Emily já não

existisse sobre a face da terra. — Iremos às seis.

— Você está seguro que não quer ir ao funeral de…?

— Irei procurar meu filho — o cortou antes de que terminasse de falar.

Arrancou com o carro e, frente ao atônito olhar de alguns oficiais, foi rumo à casa

do Jeff, onde Annie e Markov o esperavam, Jeff chegaria logo depois dos funerais.
Capítulo 20

O dia estava cinza. Umas gotas de chuva eram o único que embaçavam o

para-brisa do carro que levava a Jeff e Brad, cada um em um lado do assento,

sumidos em seus próprios pensamentos, um com uma tristeza amarga e o outro

com culpa.

Ao chegar ao cemitério de Arlington ambos desceram ao mesmo tempo,

unindo-se ao resto dos oficiais que levariam o caixão, que já possuía a bandeira

caprichosamente estendida.

Era impressionante e comovedora a cena que estavam presenciando.

Ninguém pensou jamais que a vida de um deles acabaria assim, por isso agora

estavam rendendo homenagem a sua grande amiga, e com todas as honras que dá

a um membro da força caído em ação.

Quatro homens a cada lado, seguidos por companheiros do FBI e da

Delegacia de Polícia, eram os únicos que se encontravam no lugar. Tinham

decidido fazer algo íntimo. Os pais de Emily tinham morrido dias antes por

ordens do Vadik e em um comunicado à imprensa mundial haviam dito que tinha

sido um acidente automobilístico, até isso a agência se preocupou de cobrir.

No meio do cemitério, uma vez que se detiveram, o silêncio foi

interrompido pelo pelotão de atiradores, vinte e um tiros ao céu anunciavam a

partida, acompanhados da música do toque do clarim.

Umas poucas palavras foram ditas pelo sacerdote, para em seguida deixar

o subdiretor Krause falar, quem era o encarregado, além disso, de entregar a

bandeira à família. Como Emily já não tinha família e Jeff, seu quase irmão,

negou-se, era Brad quem se colocava em posição de sentido diante do oficial

maior e recebia o pano cuidadosamente dobrado doze vezes, representando assim

cada um dos sentidos que este tinha.


Brad, sem lhe importar o protocolo, levou a bandeira ao peito e a beijou.

Teve que ser Jeff quem o contivera. Ele se sentia um homem derrotado, seus olhos

aquosos já quase não lhe permitiam distinguir.

A vários metros, escondido atrás de uma árvore, Misha tinha quebrado seu

próprio juramento e estava observando tudo com uma solenidade digna de

admirar, recitando um por um cada um dos votos nas dobras da bandeira, lhe

adicionando suas próprias palavras, enquanto lágrimas de pena e dor não

deixavam de correr por suas bochechas. Pela primeira vez, ele estava chorando,

não podia e nem queria se conter.

— “A primeira dobra é o símbolo da vida”, a que entregou, se dedicando

cem por cem ao que amava, Ira. “A segunda é a crença na vida eterna”, porque

estou seguro de que você viverá em nossos corações. Eu jamais serei capaz de te

esquecer, e te juro não haverá dia em que nosso filho não te recorde. “A terceira é

honra e lembrança dos veteranos que deixaram as filas”, em seu caso, na

plenitude da vida. “A quarta representa nossa natureza. Como cidadãos,

acreditamos em Deus”. — Apertou os punhos ao nomear a um ente supremo em

que não acreditava, mas ao que sim tinha suplicado piedade. — Esse Deus que

não me ajudou a te salvar — concluiu comprimindo a mandíbula. — “A quinta é

o tributo ao país”, país ao que você deu tudo e mais, e deveria sentir-se

agradecido de tudo o que você tem feito. “A sexta é para o lugar no que nosso

coração jaz. É com nosso coração, que lhe prometemos nossa aliança à bandeira”,

mas aqui frente a ela, eu te prometo meu coração eterno. “A sétima é um tributo

às forças armadas”. “A oitava é um tributo aos novos membros que entrarão no

vale de sombras da morte”, que estou seguro revolucionará com sua valentia e

beleza, garota superpoderosa — recordou com amargura. — “A nona é um

tributo a feminilidade. Este é seu tributo, Emily Claxon, foi a força, a feminilidade

feita mulher, lutando até o… final. “A décima é um tributo ao pai, porque ele

também deu seus filhos e filhas para a defesa do país”. Seus pais estão orgulhosos
de você, estejam onde estiver. “A décima primeira, aos olhos dos cidadãos judeus,

representa a porção baixa do selo do Rei David e do Rei Salomão”. “A décima

segunda, aos olhos dos cidadãos cristãos, representa o emblema da eternidade”.

Descansa em paz, Ira. Voa tranquila, Emily, e… me ajude a viver sem você, meu

amor — terminou dizendo ao mesmo tempo que via como Brad segurava a

bandeira sobre o peito. Não foi capaz de ver o que seguia, foi em busca de um

pedacinho dela.

Depois do funeral, Jeff se despediu afetuosamente de Brad. Ele voltaria

para os Delta Force, mas antes tomaria um tempo para recuperar-se e

principalmente para estar com sua esposa, já tinha chegado o momento de falar e

de enfrentar-se a sua própria verdade, eram muitos anos ocultando tudo e a

todos. Ele acreditava que tudo isto lhe tinha deixado uma lição: viver.

— Adeus, Jeff — lhe disse abraçando-o com carinho.

— Até logo, Brad, espero que algum dia voltemos a trabalhar juntos.

Ante essa resposta seu amigo não soube o que dizer, só agarrou a mão de

sua esposa firmemente e caminhou para o exterior do cemitério Arlington. Mary o

olhou com carinho, mas mais que nada com admiração, seu marido tinha contado

toda a verdade, inclusive seus sentimentos, e ela, ao contrário de zangar-se, em

certa forma tinha entendido. Toda sua vida tinha representado um papel e ela

estava disposta a conquistar sabendo toda sua verdade. Deu-lhe um apertão a sua

mão, e logo um bonito sorriso fez que seus olhos brilhassem, e Brad, pela primeira

vez, e no meio da dor de suas vísceras, viu uma oportunidade.

— Obrigado…

— Ainda não me agradeça, Rambo.

Rambo? Havia-lhe chamado Rambo? Sim! Tinha-lhe chamado exatamente

igual a Emily, mas pelos lábios da Mary tinha soado diferente, a… esperança?
Uma vez que a última pessoa deixou o cemitério Jeff o abandonou também,

nem sequer olhou o ataúde. Embora seu estômago não deixasse de lhe dar voltas,

ele jamais olhou para trás, não podia.

Em tempo recorde chegou até sua casa, onde Annie estava esperando-o

junto à Misha, que parecia uma estátua olhando um ponto cego da sala. Esse

homem carecia de emoções visíveis, embora nesse momento a léguas se notava

que estava destruído.

— Jeff! — exclamou Annie ao vê-lo. Não se sentia cômoda estando com

aquele russo, que apesar de seu estado, exsudava poder e testosteronas.

— Amor… — respondeu beijando-a, embalando-a entre seus braços,

necessitava força para seguir representando seu papel e só sua mulher era capaz

de dar-lhe. —Tudo bem?

— Miko está lá encima, não quer descer — respondeu desculpando-se. Ela

tinha tentado falar com ele, tentado tranquilizá-lo, e mais, tinha estado a ponto de

dizer à ele a verdade algumas vezes, mas se conteve, embora isso partisse o

coração.

— Se não descer em dez minutos subirei por ele, Jeff, não resta mais tempo

— comentou Misha olhando seu telefone celular com um pequeno sorriso. Krause

tinha feito o que pediu, nem Misha e nem Markov existiam para o mundo a partir

desse momento.

— Russo, você necessita inteligência emocional para isto e para tudo o que

virá — o repreendeu. Apesar de saber que esse homem era como um demônio e

não duvidava que fosse um assassino, que para seu sobrinho não haveria lugar

melhor se não fosse ao lado dele.

Markov estava sentado abraçando a Odie como se este lhe desse o calor

que lhe dava sua mãe, sua carinha de menino estava de causar pena e sua alma
muita angustiada, mas mesmo assim teve a integridade para dedicar um sorriso a

seu tio Jeff quando o viu.

— Olá, campeão, o que faz aqui?

— Não quero ir com ele — apontou para a porta, aferrando-se mais ainda a

Odie.

— Ele… ele é o amigo especial de sua mamãe.

— Mas ele não é meu amigo, ele não ri.

Jeff se aproximou dele, apertando-o em seus braços, Deus! Que difícil

estava sendo tudo. Suas emoções também o traíam, sentiu vontades de chorar e

de rir ao mesmo tempo. Esperava estar fazendo o correto, senão sabia que de

todas formas o matariam. Ele, um psicólogo conotado na agência com missões

importantes em seu currículo, não sabia o que dizer a um menino de quatro anos,

sem contar que o pânico o invadiu ante o que ainda ficava por fazer. De todas as

formas, Markov já era o filho oficial do russo e da garota superpoderosa.

— Se lhe conto um segredo, você promete que não contará a ninguém?

Sem um sorriso nesse belo rosto, Markov afirmou.

— Se você me prometer que se comportará bem com o ru… com Misha, eu

te prometo que muito em breve te darei uma grande, grandíssima surpresa.

A cara de Markov foi impávida, nem um músculo se moveu, nem sequer

Odie se moveu.

— Vamos, campeão, sei que você gostará.

— Não quero ir com ele, eu não gosto dele — sussurrou e desta vez uma

lágrima rodou por sua bochecha.

— Maldição! — exclamou Jeff, apertando-o contra seu peito, a situação já

tinha saído de controle e, sabia, porque o conhecia, que Misha em qualquer

momento apareceria pela porta buscando-o e nem ele nem um exército completo

poderiam impedir a esse homem que levasse ao seu filho. — Markov, escuta —
começou colocando-o frente a ele, — você tem que me prometer que o que vou te

contar não dirá a ninguém, jura-me isso por Odie.

«Deus, sim, sou idiota», pensou.

Depois de uns segundos, que pareceram eternos, Markov aceitou e Jeff

soltou o ar que nem sequer sabia que tinha contido.

— Sua mamãe irá te buscar.

— O que?! — gritou e com isso atraiu imediatamente a atenção de Misha,

que não demorou em subir para ver o que acontecia. Jeff abriu os olhos e só com

um olhar pediu silêncio ao pequeno, não tinha sido a forma correta, mas sim a

única que encontrou para tranquilizá-lo.

— Assim agora você irá com o Misha e lhe obedecerá, não esqueça que ele

é o amigo especial de sua mamãe.

— Sim, eu sou — respondeu entrando como se fosse um robô. Sim,

definitivamente, ele carecia de inteligência emocional.

Annie, que vinha logo atrás, também negou com a cabeça e Odie, ao vê-lo,

grunhiu ao robô.

— O que? — bufou olhando-os, e surpreendendo a todos se agachou, algo

havia nesse pequeno que o enchia de ternura, obrigando-o a tirar a couraça que

sempre possuía, — Miko, eu sou o amigo especial de sua mamãe, recorda o que

tinha desenhado nas costas?

Markov apertou os olhos como se o estivesse escrutinando, separou-se dos

braços de Jeff e caminhou com desplante para o russo, que até agachado era

muito mais alto.

— Podemos ir com Odie?

— Mas…!

— Odie é o cão! — Jeff apressou-se a dizer, imaginou imediatamente o

rosário de impropérios que o russo diria a seguir.


— Um… um animal? — gaguejou pela primeira vez em sua vida, dirigindo

seus olhos até o cão, que lhe mostrava suas pequenas presas.

— O que você pensava que era? — perguntou Miko, — é russo como você,

minha mamãe o comprou quando esteve na Rússia estudando — contou como se

fosse nada, e Jeff adicionou:

— O único que sempre a conectou com a Rússia foi Odie, além disso, foi

seu fiel e único companheiro todos estes anos.

Misha olhou para o chão e viu a pequena bola de pelos que sem saber o

que era tinha odiado tanto, enquanto o cão o olhava também observando-o.

Ambos, cada um à sua maneira, estavam se conhecendo.

Mas de repente, ele, e ainda em estado de surpresa, agarrou ao cão,

abraçando-o junto a seu peito. Estranhamente o cão nem sequer ladrou, só se

deixou acariciar e ficou ainda mais perplexo quando Markov se aproximou dele,

rodeando-o pelas pernas.

Ele, um gigante.

Um espião.

Um robô, não soube o que fazer.

— Vamos — propôs Markov com um grande sorriso que mostrava seus

diminutos dentes brancos, um sorriso que inclusive o encheu de esperanças de

um novo futuro.

— Misha. — Jeff tentou tirá-lo de seu estupor para fazer a situação um

pouco mais normal, — agora vocês devem ir, o avião sairá as oito — e olhando a

seu sobrinho prosseguiu, — e você, Miko, será um bom menino, obedecerá ao

Misha e não se separará de seu lado.

O russo, sem esperar mais tempo, agarrou seu filho. Agora tinha em um

lado ao Markov e ao outro lado o Odie, o único que lhe tinha ficado de seu amor.

Mas quando sentiu um quente beijo em sua bochecha voltou a ficar impactado.
Estava acontecendo tudo de verdade? Foi como sentir sobre sua pele os lábios

dela, de Ira, de Emily, de sua devochka.

Esqueceu-se de todos os presentes, não lhe saíram as palavras, seu filho era

tão perfeito… Mas o mais importante é que estava junto a ele, jamais imaginou ser

pai, menos de uma criatura tão perfeita provindo dele. Apesar de saber como era

seu trabalho, dentro de si sempre se sentiu um monstro, um ser que não podia

amar, mas até isso Emily lhe tinha ensinado, foi vê-la e saber que dentro de seu

peito existia um músculo que não só servia para bombear sangue e mantê-lo vivo,

mas sim lhe dava esperanças ao mesmo tempo que conhecia o amor, por isso ela

tinha sido tão importante para sua vida e agora só ficava esse pequeno. Teria

alguém a quem cuidar, a quem amar, principalmente, a quem ensinar a ser um

bom homem, afastados do mundo, onde cada vez a corrupção estava acima da

justiça, a tecnologia avançava a passos aumentados, devorando tudo a seu passo,

por isso seu destino mais do que longe, seria uma regressão ao passado, um lugar

que sempre viu por fotografias e ao mesmo tempo invejou, uma ilha no meio do

Pacifico Sul aonde nem sequer suas águas eram cristalinas, mas a beleza de suas

costas e a história que o envolvia também o tinha envolto a ele.

Além de ser um homem novo seria responsável por outro ser e claro, desse

cão que também certamente amaria. Já não tinha nada mais que fazer, devia

partir, estava ansioso para começar de novo e já procuraria a forma de dizer a seu

filho que ele era seu pai. Isso sim lhe dava verdadeiro pavor, e se não o aceitava?

Realmente Markov era assombroso, despediu-se de seus tios como se fosse

um homem adulto e ante essa incredulidade Jeff, antes que saísse pela porta,

disse-lhe:

— Não se esqueça de nosso segredo.

— Nunca, tio! — gritou o pirralho, aferrando-se novamente a Misha.

Quando os viram desaparecer, ao dobrar a esquina, Annie agarrou sua

mão e tentando soar séria e zangada lhe soltou:


— Assim que o russo devia ter inteligência emocional, né…?

— Eu… eu a tive — defendeu-se, essa era a única pessoa no mundo que o

deixava nervoso e… adorava.

— Mmmm, e por isso você disse a ele que Emily iria procurá-lo.

— E como você sabe disso? — exaltou-se soltando sua mão, inclusive seu

coração tinha começado a pulsar mais rápido.

— Jeff — sussurrou em seu ouvido, fazendo-o estremecer, — não sou um

agente encoberto, mas te conheço muito e estou segura de que contou parte da

verdade ao Miko e não o fez com Misha porque não teve tempo — sorriu. — Vi a

cara de culpa que tinha ao olhá-lo.

— Annie, é que…

— Shhh, não diga nada, não seria o homem por quem me apaixonei se

tivesse agido diferente, mas agora acredito que temos assuntos mais importantes

dos que nos preocupar.

— Sim — afirmou com a cabeça, apertando-a contra ele, — e não sei se será

tão fácil como com o Markov.

— Fácil? Não, minha vida, será tudo, menos fácil, e se fosse você entraria

na sala com colete antibalas e… ah! Também deveria cobrir certas partes —

indicou apontando a seus genitais, — quero ter filhos algum dia, agente.

Rindo entraram de novo em casa. Subiram direto ao quarto. O dia seguinte

seria decisivo e difícil, mas já era hora, não era necessário esperar mais.

Depois de ter tomar o café da manhã, em que cada um quase nem tocou

seu prato, decidiram que já era o momento. Moveram uma prateleira que estava

ao fundo do salão e uma porta metálica codificada apareceu ante eles.

Annie digitou apenas doze números para que esta magicamente se

despressurizasse e abrisse, dando entrada a um quarto que só era visto em filmes.

Um quarto igual ao de um hospital, com uma cama com tudo o que se necessitava
no meio, e nela uma mulher conectada a um monitor que vigiava seu coração, um

soro que entrava pela veia de seu braço e uma máscara que lhe permitia respirar.

Ante eles, e sumida em seus próprios sonhos, descansava a garota

superpoderosa, alheia ao mundo, e sepultada fazia várias horas.

Se eles acreditavam que pelos batimentos pausados do coração e pela

pressão estável Emily estava descansando, estavam realmente enganados, ela

estava imersa em uma lembrança que aparecia uma e outra vez desde que tinha

visto os olhos obscurecidos de Misha, para logo sentir como uma faca entrava al

lado de seu estômago, deixando-a sem respiração. Sentiu novamente como perdia

a força de suas pernas e como, não contente por tê-la apunhalado, o russo… seu

russo a asfixiava, pondo dois dedos em sua traqueia. Lentamente sua respiração

começou a cessar e, ao não lhe chegar ar ao cérebro, este se foi apagando,

deixando-a literalmente na escuridão. Moveu-se um pouco agora tentando

esquivar uns braços que, em vez de ajudá-la, introduziam um líquido que a

estava deixando impossibilitada de mover-se. Soube nesse instante que ia morrer,

disse a si mesma cheia de pânico, mas inclusive nesse momento tentou

concentrar-se para abrir seus olhos e ver seu filho pela última vez, mas o único

que pôde ver, e muito disperso, foi o reflexo do Jeff, que a sustentava entre seus

braços. Viu também como ele mesmo lhe voltava a fechar os olhos com suas

próprias mãos, até que finalmente tudo se esfumava e se voltava negro e assumia

que realmente tinha chegado seu momento final, impossibilitada de agir.

Mas a dor que sentia nesse momento a desconcertava. Os mortos sentiam

dor? Onde estava? Tinha tentado abrir os olhos, mas em cada tentativa tinha

fracassado, acreditava também que alguém a sedava cada certo tempo, porque

quando começava a sentir desconforto, um novo líquido entrava por suas veias,

lhe devolvendo a paz e, é obvio, à escuridão.

Sua mente dividia o momento em dois, a irrealidade de ver tudo negro e

sem dor e a realidade que lhe dizia que com dor existia possibilidade, mas…
quem a estava retendo assim? Vadik a torturaria a seguir? Se era assim queria

recuperar-se porque, apesar de saber as aberrações que esses homens cometiam,

viva tinha uma oportunidade para lutar por seu filho, seu suporte, e se lhe restava

vida, para se vingar do russo, que não só lhe tinha arrebatado o coração, também

a tinha traído, mas e… Jeff? Por que não a tinha ajudado?

A luz do quarto se acendeu completamente, fazendo que ela, em um ato

reflexo, apertasse seus olhos.

— Ela despertará logo — falou Annie, acariciando seu rosto branco que

parecia inerte.

— Quanto tempo mais? — Jeff quis saber, tinha se sentado em uma

poltrona e tinha suas mãos dentro dos bolsos de sua calça, para dissimular seu

nervosismo e o tremor de seus dedos.

— Sou enfermeira, não adivinha, mas o fará em uns minutos, acredito

que… seria melhor se te visse. — Ele negou com a cabeça, sim, sentia-se covarde.

— Você é amigo dela, ela o entenderá.

Ante a negativa de seu querido marido, Annie soube que teria que

terminar o trabalho sozinha. Umedeceu um pedaço de algodão em água e com

carinho passou pelos lábios, mas nada, não havia reação.

Passaram-se setenta e duas horas desde que o russo a tinha apunhalado

com um talento especial para esfaqueá-la do modo correto, deixando uma

quantidade convincente de sangue para qualquer que a visse, mas sem chegar a

assassiná-la. Jeff, por sua parte, quando tinha falado fora da caminhonete, tinha

lhe contado seu plano. Era arriscado, mas simples, Misha devia fazer o vor

acreditar que a tinha matado, para logo ir atrás dele, mas o que Jeff não contou a

ninguém foi a segunda parte de seu plano. Ele mesmo havia coberto a faca dela

com um bloqueador beta, que fazia que os batimentos do coração diminuíssem,

dando a ilusão de uma morte. Assim todos acreditariam que Emily Claxon
haveria falecido e isso significaria que ninguém a buscaria jamais, seria livre para

começar uma nova vida. Tinha-o feito sem perguntar a ninguém, ele

simplesmente tinha tomado a decisão, acreditava que assim seria a única forma

de dar uma vida a sua amiga, uma que merecia para vivê-la junto ao russo,

porque ele sabia que, por muitos cães que comprasse, Misha era seu único amor.

Ele a salvou sem ter que revelar seu plano completo a ninguém, esta vez devia

atuar sozinho e fazer ao mundo acreditar que ela havia falecido. Por isso agora ela

estava nessa cama recuperando-se, e já era hora de que ela voltasse para mundo

dos vivos, e assim que se recuperasse ir em busca dos homens que significavam

tudo para ela.

Vê-la sumida nesse estado indefeso era dilacerador para ele, não suportava

mais olhá-la assim, sentia-se inútil por não poder fazer nada, embora soubesse

que a ferida estava sanando bem. Annie fez um trabalho incrível, depois que ele

mesmo assegurou a todos que estava morta. Como seu amigo mais próximo tinha

ordenado que ninguém a tocasse, que ele se encarregaria de tudo, para ninguém

era um segredo que ela e sua mulher eram grandes amigas, assim que a verdade é

que, com a situação que se suscitava, ninguém colocou objeção, inclusive Brad o

tinha agradecido. Rapidamente Annie conseguiu um atestado de óbito e, em vez

de levá-la para o hospital, levou-a direto até sua casa, onde junto a um amigo

médico a tinha curado. O desconhecido tinha jurado que jamais revelaria nada,

claro, também tinha sido um pouco coagido pelo Jeff, que jurou que o mataria se

falasse, mas agora já nada importava, só que despertasse de uma boa vez.

**************

Com grande esforço e lentidão, depois de escutar reiteradamente seu

nome, Emily começou a abrir suas pálpebras, sentia que tinha dormido por uma

eternidade. Olhou a seu redor e se assustou ao não reconhecer onde estava, mas
rapidamente viu sua boa amiga, que lhe dava de presente um maravilhoso

sorriso, para logo abraçá-la e beijá-la como se fosse a ultima vez que a abraçava na

vida. Ela tentou fazer o mesmo, mas não tinha forças nem para levantar a mão, e

isso a assustou.

— Finalmente! — gritou Jeff lançando-se sobre ela, esquecendo-se de tudo,

era tal sua felicidade que não tinha medo de ser recriminado, agora o único que

importava é que tinha despertado. Beijou-a enquanto pedia perdão a ela, e é obvio

ela não entendia nada, apenas olhava para Annie, e quando pôde falar sussurrou:

— Miko…

— Calma, amiga, Miko está bem.

— Misha — enunciou com terror e seu corpo começou a tremer. Nesse

momento voltou a reviver tudo em câmera lenta. Jeff, como psicólogo, soube

imediatamente o que acontecia e, embora lhe doesse, tinha que contar a verdade o

mais breve possível, antes que entrasse em choque.

— Ems, necessito que me escute — começou ficando ao seu lado, tomando

uma mão, enquanto Annie lhe dava um calmante para que não se estressasse

muito com o que já começava a relatar Jeff.

— Meu Deus …! Meu menino viu tudo — expressou esgotada fechando os

olhos, estava entendendo tudo perfeitamente bem. Embora inicialmente lhes

custou convencê-la, já sabia que devia estar tranquila, já que pelo resto a dor

estava ficando insuportável. — Preciso de água — pediu quase em um murmúrio

e com a voz mais rouca do normal.

— Não ainda — respondeu sua amiga, empapando seus lábios com o

algodão.

— Meus pais… — voltou a murmurar com lágrimas visíveis em seus olhos.

— Sinto muito, Ems, eles faleceram.

— Por que, Jeff? Meus pais não tinham nada a ver…


— Não pense nisso agora, não se angustie, pensa que tudo já acabou. Vadik

já não existe mais, e te asseguro que já me ocupei de tudo. Quando você estiver

bem, poderá ir procurar ao Miko.

— Como assim o procurar? Onde ele está?

Deus, claro que não tinha inteligência emocional! Agora faltava a segunda

parte, e tal como imaginou, assim que terminou de contar, reunindo toda a força

que pôde e aguentando a dor, deu um pequeno golpe em seu ombro. É obvio que

não doeu nada, mas para ela foi como se batesse nele com a força do Hulk.

Depois de oito longos dias, por fim Emily esteve mais recuperada e

conseguiu sair daquele quarto. Já tinha ponderado toda a situação, inclusive já

tinha sofrido por seus pais. Ainda não podia ir buscá-los, devia seguir em

repouso, mas logo se recuperaria e voltaria a ser a de sempre.

— O que vocês estão fazendo? — perguntou a Jeff, que trabalhava em seu

computador.

— Se você me prometer não se exaltar, posso fazer que os veja neste

momento.

— Eu quero!!
Dois meses depois.

Logo depois que Jeff mostrou, mediante uma imagem via satélite tomada

por um drone, em que lugar se encontrava seu filho e o que estava fazendo, não

havia dia em que ela não os espiasse, sabia perfeitamente o que seus homens

faziam. Jeff tinha conseguido acesso de um satélite privado e obtinha conexão

duas horas ao dia, horas que é obvio eram muito bem utilizadas por Emily, que já

não aguentava mais o isolamento.

Cada dia que passava voltava a se apaixonar um pouco mais por seu russo,

e cada vez que pensava nele tocava as costas para recordá-lo. Ele, ao final, tinha

resultado ser um excelente pai, e Miko um excelente filho. Ambos se conectaram

imediatamente, não podia ouvir o que falavam, e não porque não tentava, mas

porque era muito perigoso. Não podia fazer nada que chamasse a atenção de

alguma agência, e a NSA registrava tudo e mais, por isso eram tão cautelosos com

a informação.

Mas essa madrugada em particular estava nervosa. Despertou suando no

meio da noite e, sem que ninguém percebesse, acessou ao computador. Sabia que

não os veria essa hora, já que só podia ver o exterior. Dirigiu o drone via satélite a

três mil e seiscentos metros de altura e sim, seu coração começou a bombear como

há muito que não fazia. Ali, a milhares de quilômetros de distância, seu russo, seu

homem, estava sentado olhando ao horizonte e, por uma fração de segundos, ele

olhou ao céu e foi como se ambos se conectassem quando ele levou a mão ao

coração, enquanto ela o olhava através da tela do monitor.

Com lágrimas nos olhos subiu até onde seus amigos dormiam e acendeu a

luz abruptamente.

— Pronto, acabou! Não posso aguentar nem um só dia mais — ofegou pelo

esforço. Ela ainda não estava totalmente bem, — quero ir a Ilha de Páscoa

amanhã.
— O que? Mas você está louca? — gritou Annie cobrindo-se, ela dormia

nua junto ao seu marido.

— Pensa o que você quiser, mas se não quiserem que enlouqueça de

verdade, preciso ir vê-los — e aproximando-se como um gatinho suplicando

carinho chegou até a cama, — eu não aguento mais… — pediu e começou a

chorar, — preciso ir com eles, Jeff. Terminarei de me recuperar lá. Ninguém está

me procurando — continuou para convencê-lo, — farei tudo o que você quiser, se

quiser não sairei dessa casa em um ano, mas me ajude a voar até o Pacífico Sul…

— Está bem — assegurou Annie tomando as mãos.

— O que? Mas…

— Mas nada — o cortou sua mulher enérgica, — você não diz que é a

melhor? Pois agora vai nos demonstrar isso e amanhã conseguirá uma passagem

para… como você quer se chamar, Ems?

Emily não pensou duas vezes, e pensando no lugar ao que iria soltou:

— Ulani21

— Ulani?

— Sim, significa alegre, com o coração cheio de luz, e é assim como me

sinto — reconheceu abraçando a ambos. Sem eles teria sido impossível suportar

tanto, eles tinham sido seus pilares fundamentais.

— Bom, como diz minha querida mulher — suspirou Jeff, entregue ao

amor dessas duas mulheres tão importantes em sua vida, — amanhã você viajará

à ilha, e você — continuou olhando para Annie, — pagará pela viagem de…

— Ulani! — exclamaram as duas ao uníssono, fazendo-o rir com vontade.

**************

21
Ulani: nome havaiano que significa alegre, animado.
Tal como sua amiga tinha prometido, agora ela viajava há mais de dezoito

horas, com escala de duas horas, literalmente ao fim do mundo, mas não se

importava, e enquanto observava as nuvens começou a pensar em como sua vida

tinha mudado em tão poucos anos, de ser uma agente infiltrada tinha passado a

ser oficial de polícia, e agora, depois de quase perder a vida, já nem sequer era

isso. Agora era uma mulher polinésia, com um futuro totalmente incerto e um

passado a apagar.

Fazia poucos meses só tinha um homem em sua vida pelo qual vivia e

agora seu coração se dividia em dois, e esperava fervorosamente que ele a

escutasse, mas sobretudo também a entendesse e perdoasse, porque se ela tinha

algo claro é que o tinha enganado e da pior maneira, por isso agora novamente

em um avião tentava colocar sua cabeça em ordem e recuperar forças, porque

embora tinha jurado a seus amigos que estava bem e que nada lhe doía, era

mentira.

Sentia-se cansada, inclusive se olhasse ao espelho se via abatida, nem

sequer gostava do novo corte e tintura de cabelo, embora claro, isso apenas ela

acreditava, porque sabia que vários homens tinham ficado olhando ao entrar a

bordo, mas claro, quem não olhava a uma loira alta com cabelo curto marcando

tendência? Sim, até isso tinha mudado, sua aparência era outra, só esperava que

não chocasse muito ao seu filho e que Misha gostasse assim como estava.

Ao cruzar a Cordilheira dos Andes sentiu as primeiras turbulências e isso a

assustou, contraiu o estômago e uma careta de dor apareceu em seu rosto, o que

mais lhe tinham recomendado era não contraí-lo e ela, desde fazia uma hora, não

podia relaxar-se, a isso somado que odiava voar. Mas aí estava… por eles e para

eles.

Como era muito dedicada, tinha levado como companheiro de viagem um

livro que falava da ilha, de seu idioma e de seus costumes, para ao menos assim

passar o mais desapercebida possível. Esperava que o russo lhe ajudasse e a


guiasse em tudo o que lhe faltava. Ela sabia muitos idiomas, embora jamais

tivesse aprendido espanhol, mas já acreditava saber o necessário para chegar.

Enquanto esperava o trasbordo ao segundo avião, que ao fim a levaria a

seu destino, vestiu um simples vestido branco que lhe chegava até o chão. Para

ela a cor significava muito, era uma mudança e um novo renascer, e assim queria

chegar à ilha.

Ao chegar, o primeiro que fizeram os ilhéus foi colocar um colar de flores

ao redor do pescoço para lhe dar a bem-vinda.

Foi uma das primeiras em sair do aeroporto. Não levava bagagem, apenas

uma bolsa de mão.

O sol a recebeu dando cor a suas pálidas bochechas e o aroma de mar

imediatamente a rejuvenesceu. Olhou para todos os lados em busca de um táxi,

mas claramente a ilha não funcionava assim. Cada pessoa que chegava era

esperada por alguém, em troca ela estava sozinha.

Valendo-se de sua audácia, caminhou até um menino que lia um jornal

apoiado sobre uma motocicleta celeste e lhe falou.

— Iorana22.

O menino quase se engasgou ao vê-la. Não era apenas seu porte, era

inclusive sua voz, o sonho erótico de qualquer adolescente, principalmente de um

com dezoito anos como ele.

Como não falava bem ainda, tirou o livro para lhe mostrar um lugar. O

menino imediatamente soube aonde queria dirigir-se, e claro, não estranhou, o

lugar era de um americano que recentemente tinha aberto um local no que se

vendiam sucos. Claro, o homem era um pouco áspero, mas tinha grande êxito

com os turistas, sobretudo com as mulheres, e como não, agora bronzeado parecia

um modelo de trajes de banho.

22
Iorana: palavra do idioma Rapa Nui que apresenta significados variando desde olá, bom dia e tchau.
Com os dentes apertados, percorreu estoica o caminho até “Praia Ovahe”,

uma das mais afastadas e virgens do lugar. Ao chegar, o primeiro em senti-lo foi

seu coração. Ao longe os viu, inclusive o menino a ajudou para não cair, e nem

sequer escutou quando lhe perguntou se necessitava ajuda. Ela, fiel a seu apelido,

a garota superpoderosa, começou a descer para a areia para chegar à lanchonete

onde já os podia ver.

O vento nessa praia aumentava, assim teve que segurar o chapéu com suas

duas mãos enquanto caminhava.

Essa manhã em particular Misha, agora chamado Alex Williams, acordou

inquieto. A noite anterior quase não tinha podido dormir, a lembrança de Emily

rondava em sua cabeça e não o deixava tranquilo, ainda mais, se repreendia

porque se sentia um completo idiota, inclusive seu filho assumia a perda como

um homem, nunca uma cara triste ou um pranto, justamente o contrário, era ele

quem lhe dava ânimos todas as noites e todas as manhãs. Ambos tinham-se

compenetrado de uma maneira sem igual e cada dia ele tentava ser melhor para

Marco, seu filho. Já tinham tido “a conversa”, não porque ele queria adiantar-se,

mas sim Marco, como se chamava agora, era muito inteligente. Uma noite em

frente ao mar parou diante dele e tinha perguntado, olhando-o aos olhos, se ele

era seu pai, com tanta segurança que Misha não foi capaz sequer de demorar a

responder. Imediatamente tinha contado a verdade e essa noite ambos tinham

chorado, mas também tinha sido um novo começo.

Seu começo.

Vestido apenas com uma bermuda negra e uma camiseta sem mangas que

deixava ver todas as suas tatuagens, apoiado sobre a barra, ele olhava um grupo

de meninos jogar bola com seu filho na beira da praia, enquanto duas mulheres

sentadas muito perto não deixavam de comê-lo com o olhar, mas a ele nada

interessava.
Com seu olhar relaxado seguiu a bola que caiu ao mar e que, é obvio, o

valente de seu filho correu para buscar. Suspirou pensando em Emily ao mesmo

tempo que negava com a cabeça, não queria pensar mais nela, doía muito e só lhe

causava sofrimento. Tinha que acabar já. Com brutalidade colocou a mão sobre a

tampa do espremedor e pressionou o botão para que este girasse, preparando um

delicioso suco de abacaxi misturado com coco. Algo tinha que refrescá-lo, embora

fosse só sua garganta. Verteu-o em um copo e sem sequer saborear o bebeu, mas

por alguma estranha razão seu coração começou a palpitar fortemente.

— Maldição! — bufou batendo tão forte no balcão que atraiu o olhar de

todas as garotas. — Desculpem — falou zangado, mas foi aí, nesse preciso

momento, que seu coração se deteve, deixou de pulsar. Era uma soberana

estupidez, sabia, mas sua vista dirigiu-se para uma mulher que caminhava com

um vestido branco ao vento, segurando um chapéu que ameaçava voar. Até que

de repente aconteceu, o chapéu de palha voou direto para a água, deixando a uma

loira com grandes óculos de sol totalmente descoberta.

Pestanejou uma, duas e três vezes. O que acontecia a ele que não podia

deixar de olhá-la?

«Que merda…?!».

**************

Emily ouviu os gritos de alguns meninos que jogavam, e o viu. Seu filho

corria atrás da bola, sendo perseguido por vários pequenos mais, mas ele era o

vencedor. Curiosa seguiu-o com o olhar, não queria distrai-lo, não podia

surpreendê-lo assim, e menos envergonhá-lo na frente de seus novos amigos.

Apesar de ter o cabelo curto, este caía desordenado sobre seu rosto. Era tanta a

vontade que tinha de correr e abraçá-lo que levou a mão ao peito para

tranquilizar-se. Restavam poucos metros para chegar ao local, mas de repente já

não aguentou mais, seu coração simplesmente explodiu quando viu ao seu russo
caminhar com passos decididos para ela, mas sentiu que morria quando, sem

saber como, escutou:

— Mamãe… mamãe…! — gritou seu pequeno. Seus pés não foram capazes

de avançar um só passo mais. Em frente tinha a ele e a sua direita ao seu filho,

ambos caminhavam ao seu encontro.

**************

Misha, Alex ou como quisessem chamá-lo, ao escutar seu filho não

demorou nada em compreender. Correu como se o diabo o perseguisse para a

mulher loira de branco com grandes óculos de sol. Ele sim que parecia um

menino, embora claro, um pouco mais robusto e um pouquinho maior que os

outros.

— Emily?

Enquanto corria pôde perceber que sim, sim era sua Emily e… viva! Pôde

vê-la com completa claridade, sua mulher estava com os “moais”. Parada,

olhando a ambos sem saber o que fazer ou como reagir, mas ele sim sabia, trocou

de direção até chegar ao seu filho e agarrá-lo em seus braços, para logo correr ao

seu encontro.

Deus! Essa mulher estava viva, o mesmo cheiro que recordava e,

sobretudo, devolvia suas forças e confirmava que não a tinha matado. Quanto a

tinha necessitado…! Durante vários segundos, inclusive minutos, permaneceram

os três abraçados, cheirando-se, respirando-se, sentindo-se, até que foi Miko

quem, muito a sua maneira especial, disse-lhes:

— Mamãe, já sei que ele não é seu amigo especial, que é o meu papai.

Seu sorriso e cara de menino sábio a deixou completamente desconcertada.

Em realidade, já fazia um tempo que não tinha palavras a dizer.

— Você está viva…

— Ela só estava dormindo, isso me disse meu tio Jeff.


— Eu vou matá-lo…

— Misha!

— Ele não se chama assim, seu nome é Alex e eu me chamo Marco — lhe

afirmou, explicando a modo de repreensão.

— E eu me chamo Ulani.

— Ulani? — disseram os dois torcendo o nariz ao mesmo tempo, até nisso

se pareciam.

— O que… não gostaram?

Ambos se olharam e responderam.

— Não!

— Pois tampouco eu gosto dos seus nomes — disse enquanto outra lágrima

caía por seu rosto e em seguida, olhando para o céu, levantou sua mão, fazendo

um sinal aos que sabia estavam olhando-a desde o céu.

Agora sim que tudo estava bem. Estava em casa e com os homens que

amava, agora sim começaria uma nova vida, e não só para ela, mas sim para os

três.

— Bom, Ulani, ou como quer se chamar, nós devemos ter uma conversa —

reconheceu Misha depois de beijá-la novamente nos lábios. Parecia uma abelha

grudada ao mel, e isso que até o Miko já havia voltado a jogar com seus amigos.

— Devemo-nos mais que uma conversação, russo — respondeu com um

pícaro sorriso impossível de apagar.

Quando entraram na cabana, Emily sentia que seu coração inchado de

felicidade sairia do seu peito. Tantos dias desejando-os, olhando-os apenas

algumas horas e agora finalmente estava com eles, com o amor de sua vida e com

o mais maravilhoso que tinha, seu filho. E o que mais a deixava tranquila era que

esse pequeno estava bem apesar de tudo o que tinha acontecido… Sim, o pequeno

era um valente de verdade.


Logo depois de vários beijos, carinhos e até um conto, Miko finalmente

dormiu segurando sua mão, inclusive tinha jurado e voltado a prometer que eles

iriam acampar como presente atrasado do seu aniversário.

Por outro lado, olhando-a como se nada mais existisse no mundo e vendo a

cena como um mero espectador, estava Misha. Não se sentia alheio, mas sim com

muitos temores para ser aceito tal qual era.

Com sigilo se aproximou até sua mulher, porque uma coisa sim estava

clara, ela sempre seria sua mulher.

— Emily… — sussurrou a suas costas deixando-a tensa, era a primeira vez

que a chamava assim, por seu nome verdadeiro. Já não era Ira, era simplesmente

ela. — Acredito que agora por fim, depois de tantos anos, é tempo de falar. Eu

tenho e você tem muitas coisas que me dizer, sei que algumas serão mais difíceis

que outras, mas eu estou aqui, no fim do mundo, por e para você.

— Eu… não sei por onde começar — disse olhando ao Miko, que dormia

placidamente e já tinha soltado sua mão.

— Pelo começo —ajudou olhando-a com tanta intensidade que ela tremeu,

finalmente, chegaria o momento de tirar as máscaras de uma vez por todas.

Falariam sem mentiras, sem ocultar informação.

Uma vez que estiveram no salão, Ems esperava guardar um pouco de

distância, ao menos com uma mesa entre eles. Mas claro, estava muito

equivocada. Misha se sentou na cadeira em frente a ela e colocou suas pernas

separadas a seu redor.

— Preciso te pedir perdão… por favor, não se afaste — pediu em um rogo

que antes jamais tinha pronunciado. Emily queria afastar-se e ele não só sabia,

mas sim o sentia. — Passei quatro anos te buscando, nunca te esqueci. Quatro

anos tentando entender o que tinha acontecido, como tinha desaparecido e por

que, mas nenhuma vez imaginei algo parecido à verdade.


— Misha… — sussurrou tocando seu rosto, nunca o tinha visto tão

vulnerável. Frente a ela não estava o russo que todos temiam, tinha a um homem

de carne e osso e que, se cortasse, sangrava.

— Miko é incrível, é tão puro, tão nobre e é… meu — pronunciou

demorando uns segundos, não porque não o sentisse assim, mas sim porque

necessitava que esses lábios, que o tinham totalmente desesperado, o

confirmassem. Imperiosamente precisava escutar dela.

— Sim, Markov é nosso filho.

Deus, ele ia ficar louco, não só pelo que tinha escutado, mas sim porque

tinha uma vontade incrível de beijá-la, tê-la entre seus braços e fazê-la esquecer

todo o sofrimento que via em seus olhos. Maldita seja, devia acalmar-se e ser o

homem que ela necessitava, não um brutamontes que, além de tudo, queria fazê-

la sua uma e outra vez até que nenhum dos dois tivesse fôlego.

— Quando retornei de Moscou, não sabia que estava grávida, me fizeram

exames no mesmo dia porque…— Uma lágrima percorreu seu rosto, essa maldita

verdade ainda lhe doía muito. Um nó obstruiu sua garganta, levou a mão ao peito

para respirar e ele a olhou aniquilado, impressionado, ela era muito forte.

— Nada importa, nada do que aconteceu na Rússia manchará o que sinto e

o que senti sempre por você. Me dê a possibilidade de formar parte de sua vida,

da vida do nosso filho, me dê a possibilidade de te proteger inclusive de mim,

mas por favor, não volte a me abandonar, você é para mim o complemento que

necessito para respirar. Estes meses fui um morto em vida, só respirei e me

aconcheguei nos braços do Miko… sem ele eu não existiria hoje.

— Mi…sha — gaguejou chorando. — Tenho tanto que te explicar e não sei,

não sei nem como começar.

— Não chore, porque você parte meu coração. Se alguém te fizer mal, a

você ou ao meu menino, eu vou matar — afirmou pensando no Vadik e ela o


entendeu, — mas isto — disse limpando as lágrimas dela, — não sei como

confrontar, não posso lutar assim.

Emily estava muito exposta, muito sensível, muito feliz, muito tudo… e

pela primeira vez em tantos anos não sabia como controlar.

— Ems — falou Misha, deixando a prudência de lado, levantado ela de sua

cadeira para seu colo. Necessitava seu contato e já não queria reprimir-se mais. —

Quero que nossa vida juntos comece hoje. Somos três nesta ilha e te juro que nada

vai acontecer conosco. Não fica nenhum registro sobre nós e Markov não existe

para ninguém, apenas para nós dois.

— Misha…

— Confia em mim, Ems — ordenou de uma maneira muito especial, ou

melhor, dizendo, muito a sua maneira. — Sei tudo o que fui no passado: um

assassino, um ladrão, um traficante e muitas coisas mais. Fui juiz e carrasco, deus

e demônio, me arrependo de muitas coisas e situações, mas de outras não, e

inclusive eu gostaria de repeti-las. Também sei o que sou hoje, e eu gosto, sei o

que serei no futuro porque tenho a você e ao meu filho e sei o que não tenho que

fazer, porque esse pequeno, que dorme calmamente, necessita de pais que o

protejam, que o amem, principalmente que o cuidem, porque tanto você como eu

sabemos que o que se vive lá fora não é sempre maravilhoso. — Voltou a limpar

uma lágrima dela. — Mas para isso estamos, para entregar a ele ferramentas

sólidas para enfrentar, juntos você e eu. Porque o que passamos nos ensinou a

sobreviver, mas agora é tempo de viver. — Olhou em seus olhos e colocou ambas

as mãos ao redor de sua cara para que não desviasse sua vista. — Não me importa

nada do que tenha sido antes, quero escutar o que você queira me dizer e essa

será minha verdade. O que aconteceu há quatro anos será um segredo até que

você queira me revelar, nunca te forçarei a me contar. Você escolherá o dia, a

forma, o como…, mas se não quiser ou não se sentir preparada jamais, não

importa. E não me importa não porque não me interessa, mas sim porque eu amo
você, Emily Claxon. Te amei como Ira, sabendo tudo o que significava, e te amo

agora, à mulher, à garota superpoderosa que foi capaz de trair seus valores por

um rato como eu, sem saber quem era realmente. Minha lealdade, minha devoção

e minha vida estão para te servir hoje, amanhã e sempre. Se me diz salta, eu o

farei, e sabe por quê? — Ela negou com a cabeça. — Porque confio em você que é

minha dona desde o dia em que te conheci. Quero passar o resto de vida que

tenho ao seu lado. Sei que não sou um santo e que você tampouco é a Madre

Teresa, mas sim sei que juntos seremos pessoas melhores, porque não estamos

sozinhos e… porque não somos três.

— Não? — perguntou com o queixo tremente, acabava de escutar as

palavras mais bonitas do mundo.

— Se não conto a bola de pelos, meu filho me mata. Tive ciúmes dele pelo

carinho que você tinha por ele, tenho ciúmes por como Miko olha para ele, assim

que embora eu adoraria às vezes e só às vezes estrangulá-lo, sei que é parte de

nós.

— Misha!

— Eu te disse que não era um santo — sorriu beijando brandamente seus

olhos umedecidos, — mas sim quero ser uma pessoa melhor para você e fazer as

coisas como se devem.

— E como seria isso?

— Primeiro conversarei com meu filho que, além de tudo, é um mandão,

não sei a quem ele puxou — sorriu — mas o que sim quero te dizer, porque não

quero mentir para você nunca mais, é que Jeff me pagará por isso.

— Ele me salvou — o defendeu passando as mãos por seu pescoço.

— Mas o único que te salvará de hoje em diante serei eu, e me importa uma

merda que Brad seja um puto Delta Force, estou seguro que mesmo assim posso

vencê-lo.

— Misha!
— O que? Só te digo a verdade, ninguém toca o que é meu, e sim, soa

neandertal, mas é o que sinto. Te amo mais do que você possa imaginar e não

haverá um dia que você não se sinta amada por este bruto que está seguro que

errará muitas vezes mais.

— Misha, eu também te amo mais do que pode imaginar.

— Sei, Ems, e não posso entender, só agradecer. — E assim como

irrompendo tudo uma lágrima caiu pela bochecha da Misha, lhe entregando não

só seu corpo a essa mulher, mas também sua alma. Sentiu-se em paz, pleno, assim

como nunca pensou que sentiria. Há apenas algumas horas acreditava que tinha

perdido a felicidade, que só respirava por seu filho, e agora, como se tudo fosse

um sonho, estava com a mulher que era dona disso que se chamava coração, e

que só há muito pouco sabia que existia não só para bombear sangue.

Tinha uma vida por diante, um propósito e ia alcançá-lo. Não permitiria

que nada e nem ninguém estragasse sua felicidade.

Esta vez não se submeteria à agência nem à máfia, se submeteria ao amor, a

esse amor verdadeiro que todo ser humano queria experimentar. E o aproveitaria

e aprenderia da melhor forma, porque Misha tinha certeza de algo.

Sempre que se propunha algo na vida, ele era o melhor, e aqui ele

novamente seria e esperava que fosse eterno, porque Emily Claxon era seu

verdadeiro amor.

— Não posso esperar mais para tê-la. E posso garantir que esperava ser

mais racional, mas é que você…

— Faz o que você quiser comigo, russo.

Quase sem deixá-la terminar levantou-a em seus braços e a levou ao

quarto. Dava igual a cama que os esperava, para ele bastavam seus braços para

sustentá-la contra a parede. Assaltou sua boca e as carícias começaram a fazer o

resto. Seu vestido branco ficou à altura da cintura e se aferrou a esse traseiro que

tanto gostava, e que tinha sentido tanta falta! Emily envolveu suas pernas ao
redor de sua cintura e deixou de pensar. Apenas se deixou levar, rendendo-se

ante ele.

As pupilas dilatadas do seu russo eram uma confirmação do momento.

Aproximou-se de novo e em um beijo luxurioso e terno se entregou com

solenidade, enquanto um amontoado de sensações se tomava conta da situação, e

quando o sentiu em seu interior tremeu. Nesse instante abriu os olhos,

demonstrando a ele todas suas emoções, enquanto ele, com a mandíbula apertada

e um rosto extasiado pelo amor, estava lhe entregando seu coração.

— Você é meu lar, Ems, é tudo o que necessito para respirar.

Fim.

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