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Ficha Catalográfica:

Essa é uma obra de ficção e de universo original.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos são frutos de minha
própria imaginação. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Proibido, sem autorização prévia da autora, a reprodução, ou
imitação de qualquer parte dessa obra, através de qualquer meio. A
violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Certificado de registro – Avctoris
Capa: Stephanie Santos
Revisão: Patrícia Suellen
Diagramação: Mary Barcelos
Betagem: Alessandra Queiroz

Índice para catálogo sistemático


Paes Leme, Kamila
Prometida – Um Amor Selado com Sangue (Saga As Destinadas -
Vol 3)
Vampiros 2. Romance 3. Ficção 4. Fantasia
1° Edição
ISBN: 978-65-00-71489-0
Direitos Reservados ® Kamila Paes Leme
2023, Rio de Janeiro – Brasil
Copyright © 2023 – Kamila Paes Leme.
Esse é o terceiro volume de uma Saga.
É imprescindível e recomendado que leia o primeiro livro para uma
compreensão melhor da história.
Para todos que já sentiram suas vontades e escolhas tiradas de si.
Tome o controle, somente você pode ditar seu próprio caminho e
fazer suas próprias escolhas.
Predestinados – Um amor para toda vida (Volume 1) (Publicado)
Predestinados – Pela Eternidade (Volume 2) (Publicado)
Prometida – Um amor selado com sangue (Volume 3) (Publicado)
Opostos – Ligada ao meu inimigo (Volume 4) (Em Breve)
Acorrentados – Unidos por uma marca (Volume 5) (Em Breve)
Para você que acabou de chegar aqui!!

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que ele está protegido pela lei nº 9.610/98. A única plataforma que
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qualquer tipo, é punida pelo artigo 184 do código penal. Está
proibida a reprodução gratuita ou comercial dessa obra sem a
autorização da autora. Proibida a reprodução parcial da obra,
mesmo que de forma gratuita.

Pirataria e plágio são crimes!


“Destino, um laço que nos une com o futuro num nó apertado. Eu
sabia que não havia escapatória, meu destino estava selado com
sangue. “
Existia algo sobre meu mundo, um mundo que um dia faria
parte do dela... Algo instigante e misterioso.
Meu nome era William Vlad, era um vampiro puro-sangue,
nascido de uma união de puros-sangues. Meu pai, Vladimir Vlad,
neto do grande conde Vlad Tepes, ocupava o lugar do seu avô
como conde da Nova Romênia. Já minha mãe, Lydia Vlad, morreu
durante um conflito entre vampiros rebeldes e nossa família, que
ocupava o segundo lugar na hierarquia de comando no Novo
Mundo. Minha família pertencia à linhagem original de vampiros,
aqueles que não foram mordidos ou transformados. Tive algumas
mulheres em minha vida, todas eram casos de uma noite, nada
mais, já que meu destino estava traçado desde meu nascimento,
amarrado a outra pessoa. A doce e linda, Seline. Uma humana
marcada pela profecia para pertencer a mim, somente a mim.
Ela era minha destinada e eu seu prometido.
Nossos caminhos se cruzaram quando ela ainda era um bebê e
eu um vampiro adolescente, perto de alcançar a maturidade.
Vampiros puros continham uma adolescência longa, claro, isso
dentro dos parâmetros vampíricos. Enquanto os mestiços
alcançavam a maturidade cinco anos após seu nascimento, nós, os
puros, parávamos de envelhecer em seis. A vi pela primeira vez no
parque, passeando com seus pais em seu carrinho, em uma tarde
de verão. Na época, até me perguntei o porquê tal cena havia
capturado minha atenção, até Seline ser tirada do carrinho e erguida
nos braços do pai. Meus olhos foram atraídos diretamente para a
pequena e delicada marca de nascença em sua nuca, exposta para
mim naquele movimento. Uma estrela de cinco pontas, idêntica à
minha, ilustrada em meu peito. Fui atingido por aquela imagem,
absorvido pela sensação de ter algo dentro de mim acordado.
Depois daquele dia, tudo mudou. Acompanhei seu crescimento de
longe, assistindo-a crescer linda, forte e inteligente. Tudo começou
de forma fraternal, despertando em mim o instinto de cuidar e
proteger. Em sua infância, eu me considerava um amigo, um
protetor que a guardava de longe e, então, ela foi crescendo e fui
me apaixonando pouco a pouco por ela, à medida que ela se
tornava uma mulher. Seus pais conheciam as regras, foram
avisados pelo Conselho e quando tiveram a dimensão do que
aguardava a filha no futuro, a mantiveram sobre uma rédea curta –
contra a vontade –, mantendo-a em um colégio só para meninas
durante grande parte de sua vida, mas sem de fato contar a ela
sobre o motivo. Até que ela completou 15 anos e eles foram
forçados a fazê-lo.
Eles odiavam tudo o que nós, vampiros, representamos. Sua
submissão era forçada e eu sabia muito bem disso, já que os vi
tentando envenenar a cabeça de minha destinada contra a minha
espécie durante seu crescimento e só piorou quando ela finalmente
descobriu o motivo de sua marca. Seline era muito subserviente aos
pais, sempre inclinada a fazer o que eles mandavam, a agradá-los.
Por isso, me manter longe todos aqueles anos, foi a decisão mais
inteligente, se eles soubessem quem eu era, tornariam a minha
aproximação impossível. Seus pais já haviam decretado que Seline
nunca poderia optar por aceitar seu prometido, caso um dia ele
aparecesse em sua vida, ela tinha que se manter o mais longe
possível. E para se certificarem disso, eles contaram a ela o básico
a respeito de sua marca e a profecia que nos unia, as regras que
teria que seguir até chegar a hora de me negar.
Minha destinada não sabia de nada que poderia ser
considerado importante sobre nossa ligação. O que só dificultaria as
coisas para mim. Afastá-la de sua família era o primeiro passo que
precisava tomar, antes de tentar uma aproximação e ganhar sua
confiança.
A inauguração da U.E.M.R surgira num momento oportuno.
Minha destinada tinha as melhores notas, conseguir uma carta de
admissão para ela não foi difícil, mas sabia que teria que recorrer ao
meu pai para mais benefícios, do tipo que fariam os pais de Seline
tolerarem sua ida para uma universidade mista. Os tipos de
benefícios que ela não ganharia em outras. Seline queria cursar
medicina – como o pai, que estava desempregado há quase dois
anos depois de ter sido flagrado contrabandeando medicamentos do
hospital onde trabalhava –, o curso mais caro e disputado em nosso
país e que seus pais não tinham condições de pagar naquele
momento, devido aos seus problemas financeiros. Foi então que
decidi pagar por ele e com meu pai sendo o dono da universidade e
amigo do reitor, alegamos em sua carta que ela fora a sortuda
selecionada – entre tantos outros –, que ganhou uma bolsa para
cursar medicina sem qualquer custo. Uma promoção única, em
comemoração à inauguração da primeira universidade mista do
mundo. Seus pais não puderam negar aquilo, mesmo que
desejassem isso e eu assisti tudo, das sombras de seu quintal com
um sorriso no rosto, quando eles não tiveram outra escolha a não
ser aceitar sua ida para a nova e renomada U.E.M.R. Onde também
cursaria minha pós-graduação, que era nada mais, nada menos que
um pretexto para estar perto dela.
Longe das influências dos seus pais e nesse momento com 19
anos, Seline finalmente estava pronta para mim. Nossos caminhos
se cruzariam e eu daria o meu melhor para conquistá-la e ganhar
seu coração.
Uma forte e contínua chuva caía ao lado de fora, uma que
poderia ser considerada uma parcela da real tempestade que
parecia ameaçar desabar sobre nós, de acordo com a coloração do
céu e as previsões para aquele dia. Pingos escorriam por minha
janela, à medida que minha respiração se condensava pelo vidro.
Amanhã era um dia importante, meu primeiro dia na
universidade. Estava feliz por não estar nessa sozinha, minha amiga
de infância também fora admitida, assim como eu, com exceção da
bolsa. Tive muita sorte, caso contrário teria que tirar mais um ano
sabático. Estudar em um colégio só para meninas por grande parte
de sua vida, tinha mais pontos negativos do que positivos. Essa era
a primeira vez que conviveria, diariamente, não só com uma grande
parcela do sexo masculino, como com vampiros. Não sabia se isso
me deixava nervosa ou animada. Meus pais odiavam tudo a respeito
da espécie que nos governava, mas eu não o fazia. Quando
completei 10 anos, comecei a ter sonhos com um misterioso e lindo
vampiro. Sonhos que foram mudando conforme eu crescia, mas que
giravam em torno do mesmo homem. No começo, eram sonhos
ternos, onde meu intrigante e belo estranho só me olhava de longe e
conforme ia crescendo, ele se aproximava cada vez mais, até que
estabelecesse seu primeiro contato comigo. Eles não eram
frequentes no início, não como eram atualmente. Na noite passada,
sonhei com ele de novo, mas diferente dos outros sonhos, aquele
tinha sido extremamente arrebatador. Os olhos azuis, que brilhavam
como duas safiras, olhavam-me com mais intensidade e os toques,
que antes pareciam tão tímidos e suaves, transformaram-se em
exploratórios, firmes e reivindicativos. Acordei naquela manhã mais
agitada que o normal, uma camada de suor me cobria e meu interior
parecia queimar como brasa ardente. Foram aqueles mesmos
sonhos que me levaram a ignorar secretamente os avisos dos meus
pais, que me deixaram fascinada por aquela espécie que conhecia
tão pouco. Existia algo de intrigante nos vampiros, convidativo e, ao
mesmo tempo, assustador. Estar nessa universidade me daria a
oportunidade de tirar minhas próprias conclusões a respeito deles,
de estudá-los, longe das opiniões dos meus pais e de suas
exigências.
Rabisquei algumas palavras em meu caderno de anotações,
ainda distraída com os meus pensamentos e com a chuva lá fora.
Quando me dei conta do que anotava, me perguntei o que
exatamente me levou a estabelecer metas e desejos para aquele
ano e anotá-los ali.
● Pensar que o primeiro dia de aula será
maravilhoso.
● Acreditar que esse ano vou viver aventuras.
● Viver uma paixão?
Ok, a terceira e última linha era bobagem. Uma grande e
impossível bobagem de acordo com a minha situação.
Aquele desejo estava fora de questão até minha marca ser
removida. Meus pais nunca admitiriam que eu aceitasse me unir a
um vampiro e não queria deixá-los chateados, ou ser odiada por
eles. Não, não podia deixá-los, ainda mais após se sacrificarem
tanto por mim. A família sempre vinha em primeiro lugar, não
importava se a ideia de ter minha própria alma gêmea era, no
mínimo, extasiante.
Balancei minha cabeça em negativa, rindo dos meus próprios
pensamentos, enquanto jogava meus longos cabelos pretos de lado,
encostando minha cabeça na parede atrás de mim.
— Amanhã será incrível. — Estimei para mim mesma,
pensando e desejando o melhor, como sempre costumava fazer.

— Primeiro dia de aula na única universidade do mundo que


permite humanos e vampiros conviverem no mesmo ambiente —
Jude comemorou ao meu lado, conforme me ajudava a levar minha
bagagem para o dormitório.
Podia dizer que minha melhor amiga era uma fã e tanto de
vampiros. Ela sabia basicamente tudo a respeito deles, tanto ela
quanto sua família, idolatravam as três famílias supremas, que
governavam nosso mundo. Éramos amigas desde o berço e apesar
de meus pais não se agradarem do apreço aos vampiros que Jude e
sua família possuíam, eles não me privaram de continuar mantendo
nossa amizade, mesmo quando minha melhor amiga odiava tudo o
que meus pais representavam.
— Estou surpresa que seus pais ditadores permitiram sua
vinda. Pensei que o poder deles sobre você a faria recuar, abaixar a
cabeça e permitir, mais uma vez, que eles ditassem o que você tem
que fazer da sua vida — minha amiga atirou, fazendo-me revirar os
olhos.
— Eu ganhei uma bolsa para cursar medicina que cobria todos
os custos do curso e desse dormitório, eles sabiam que era uma
oportunidade única, ainda mais na situação financeira que estamos
— remediei.
— Por Drácula, Seline! Você tem 19 anos, mesmo que eles
tivessem dito não, está mais do que na hora de você assumir o
controle da sua própria vida — Jude exclamou, erguendo as mãos
no ar, fazendo-me ter que prender a risada por um momento ao
ouvir aquela expressão, usada tantas vezes por ela. — Sinto te dizer
isso, de novo, mas seus pais não estão apenas te reprimindo, como
te atrasando — pontuou, soltando minha mala e me encarando de
frente, com suas mãos apoiadas nos quadris e com aquela
expressão irritada que ela sempre fazia quando o assunto em
questão era meus pais.
Suspirei.
— Eles são meus pais, Jude — lembrei-a, ouvindo-a bufar. —
Podemos não falar nisso, agora? Estou aqui não estou?
— Tudo bem, vou te dar um desconto porque hoje é nosso
primeiro dia — cedeu, fazendo-me sorrir.
Jude olhou ao redor e eu segui seu olhar, admirando meu
dormitório. U.E.M.R possuía dormitórios individuais para cada
estudante, o que era maravilhoso. Todos aparentemente seguiam o
mesmo estilo, eram pequenos, com banheiros privativos e algumas
mobílias, como uma cama, um armário grande para roupas e uma
escrivaninha simples. O banheiro era composto por um boxe com
chuveiro, vaso sanitário, pia e um armário com espelho. Tudo seguia
uma coloração clean, com piso de madeira escura, que se
harmonizava com os móveis. Uma janela média, do lado da minha
escrivaninha, dava a visão para uma parte do gramado do campus.
— O bom é que ficaremos uma ao lado da outra — Jude
observou, risonha, voltando-se para mim, no exato momento que
me virava para encará-la.
— Pelo menos não serei vizinha de uma maluca qualquer —
provoquei, dando língua para ela, que ofegou, levando a mão ao
peito de forma dramática.
— Bom saber que não sou uma maluca qualquer para você —
murmurou, fingindo estar ofendida.
— Uma qualquer não, maluca, talvez — gracejei, vendo um
bico se formar em seus lábios.
— Você tem sorte que eu te amo — ela destacou, apontando
um dedo para mim em forma de acusação. — Bom, vamos às
atualizações. Pelo que pude levantar nas horas que passei aqui,
esperando você chegar, descobri que a maioria das aulas dos
noturnos são à noite, esbarramos mais com eles durante os
intervalos e refeições — anunciou, mudando drasticamente de
assunto, enquanto se jogava em minha cama.
Franzi o cenho.
— Noturnos? — indaguei.
— É como outros de nós estão chamando nossos colegas
vampiros por aqui — Jude explicou, como se amasse o termo
recém-descoberto.
Ri da situação, balançando minha cabeça em negativa. Será
que os vampiros estavam cientes daquilo? Me perguntava como
essa situação estava sendo para eles. Desde que os vampiros
assumiram o controle, optaram por formarem escolas e
universidades separadas, evitando o desconforto que aquela fusão
poderia causar naquela época, tudo era muito recente. Em uma
entrevista com o novo rei – o príncipe que subira ao trono mais cedo
do que todos esperavam –, ele disse que a ideia sempre foi
implantar tal método nas escolas e universidades, criando algumas
com ensino misto, para que assim, humanos e vampiros pudessem
convergir mais. Julgava que a U.E.M.R estava sendo um
experimento e tanto para eles. Acreditava que dependendo dos
resultados que obtiverem aqui, mais escolas e universidades como
essa, seriam construídas e implantadas no mundo todo.

O primeiro dia havia sido uma loucura. Me orientar naquele


lugar imenso e achar as minhas salas foi um desafio e tanto, assim
como chegar no horário em cada uma de minhas aulas. O dia voou,
de forma que quando me dei conta, já era noite e eu estava me
encaminhando até o refeitório para encontrar Jude. A U.E.M.R
oferecia aos alunos, humanos três refeições por dia. Café da
manhã, almoço e jantar. Não me esbarrei com nenhum vampiro nos
dois primeiros horários, mas acreditava que o faria logo, afinal, se
tinha uma refeição que desconfiava que eles não pulariam, seria o
jantar. Jude me contara que comida humana não era a única coisa
que eles serviam no cardápio.
— Finalmente esse dia acabou — Jude soltou, jogando-me na
cadeira, ao mesmo tempo em que depositava sua bandeja de
comida na mesa que escolhemos nos sentar. — Essas últimas aulas
foram uma tortura, estava morrendo de fome — reclamou,
preparando-se para devorar tudo que havia colocado em sua
bandeja.
— Você está sempre com fome, Jude — atestei.
— Imagina, como tão pouco — disparou, fazendo-se de
desentendida.
Olhei para seu prato cheio e ergui uma sobrancelha para ela.
— Vai ficar me controlando agora? — perguntou, emburrada, e
eu ergui meus braços em rendição.
Era melhor não mexer com Jude e sua comida.
Minha amiga era linda e naturalmente sexy. Seus cabelos eram
longos, lisos, ruivos e chegavam até a altura de sua cintura. Seus
olhos eram castanho-claros e em seu rosto, algumas sardas
pintavam sobre sua pele o que muitas vezes parecia ser sua própria
constelação. Seu corpo era voluptuoso, seios fartos e quadris
avantajados que traziam como complemento uma bunda de dar
inveja e coxas torneadas. Ela era linda exatamente à sua maneira e
não se deixava intimidar por nenhum comentário que as pessoas
poderiam ter de seu corpo. Ela era tão autoconfiante e segura de si,
que, na maioria das vezes, me inspirava tremendamente.
Conforme comíamos e conversávamos sobre nossas aulas,
professores e colegas de classe, o refeitório foi enchendo. Não
demorou para eu começar a identificar alguns vampiros entre a
população humana que comia e tagarelava alegremente por ali.
Suas belezas gritantes se sobressaíam entre nós, meros mortais.
Homens, mulheres, todos lindos, intrigantes e misteriosos.
— Olha, eles apareceram... Estava começando a me perguntar
quando veria mais deles por aqui — Jude comentou, seguindo meu
olhar. — Descobri que maioria das aulas dos noturnos não ocorre só
à noite, como de manhã e tarde também. Ouvi dizer que o reitor
optou por não misturar as classes no primeiro ano, por isso não
temos colegas vampiros em nossa turma, pelo menos não ainda. O
grande prédio preto do outro lado do gramado principal, é onde
ocorre praticamente todas as aulas deles — revelou, atraindo minha
atenção para ela, que tinha um brilho no olhar e um sorriso contido,
que deixava claro que ela estava segurando sua empolgação.
— Como você teve acesso a tanta informação em tão pouco
tempo? — questionei, divertida, vendo-a dar de ombros.
— É só saber como perguntar e para quem perguntar —
suscitou, piscando para mim.
Sorri, balançando minha cabeça em negativa. Ela era
incorrigível.
Olhei ao redor, estudando cuidadosamente todas aquelas
pessoas ali, até que me encontrei com dois pares – muito familiares
–, de lindos olhos azuis. Paralisei, sendo instantaneamente
absorvida. O dono deles me observava de longe, em uma mesa
onde outros vampiros – que nem me preocupei em analisar –, se
encontravam. Ele me olhava como se pudesse desnudar a minha
alma, como se decorasse cada traço, cada detalhe de mim. Da
mesma forma que fazia em meus sonhos. O choque me consumiu,
era ele, o belo e misterioso vampiro dos meus sonhos. Havia uma
intensidade quase sufocante naquele olhar, como se ele fosse
capaz de roubar cada uma de minhas respirações, à medida que
continuava a me estudar daquele jeito. Estava hipnotizada,
petrificada por aquelas lindas orbes azuis. Ele era real e não apenas
um fruto da minha imaginação e de alguma forma, havia sonhado
com ele sem o ter o visto antes.
Senti todo meu corpo se arrepiar, em simultâneo a uma
sensação estranha que descarregou por meu corpo, subindo em
espiral por minha espinha. De repente, era como se tudo me
puxasse para ele. As sensações da realidade conseguiram ser mais
intensas do que as fantasias daqueles sonhos.
— Ah, droga! — Acordei do meu transe com Jude praguejando
ao meu lado.
Voltei-me rapidamente para ela, que, sem saber, quebrara o
que quer que fosse aquilo, que me mantinha presa ao homem
misterioso.
— Eles não estavam mentindo, ele realmente está aqui —
minha amiga balbuciou, com seu olhar fixo na mesa que alguns
segundos atrás, eu também encarava.
— Do que você está falando? — inqueri, confusa.
— Do filho do conde Vlad, ele realmente está estudando aqui —
ela respondeu como se fosse óbvio, me encarando com um misto
de surpresa e animação. — Ouvi alguns boatos de que ele escolheu
a U.E.M.R para concluir sua pós-graduação. Não que ele precise, se
a ascensão de William for igual a do rei Lucius, ele assumirá o título
do seu pai logo — complementou, praticamente divagando.
— Vlad? — indaguei, ainda confusa com a situação.
— Sim, é o sobrenome importante do bonitão dos olhos azuis
ali. — Jude apontou para a mesa a qual estava olhando e,
rapidamente, tratei de abaixar seu dedo. — Aquele é William Vlad,
filho do conde Vladimir Vlad. Os Vlad’s são os segundos no
comando do novo mundo. Como você não sabe disso? — Corei,
evitando olhar para mesa do vampiro que fez morada em meus
sonhos por grande parte da minha vida.
William, então aquele era seu nome.
Meus pais odiavam os vampiros, não era como se eu pudesse
buscar com frequência informações sobre eles. Eu não era idiota,
sabia que existiam três famílias supremas, mas nunca me atentei
aos sobrenomes delas, pelo menos não das outras duas. A família
mais importante, era aquela que nos regia da Inglaterra, os Black’s,
a família real. O que vinha após deles, nunca me interessou tanto,
não a ponto de me arriscar ser flagrada por meus pais, lendo sobre
os vampiros. Eu sabia o básico e com ele, poderia sobreviver
tranquilamente.
Estremeci ao constatar que me sentira atraída não apenas por
um vampiro que saiu dos meus sonhos, como também pelo filho de
um dos líderes supremos da dinastia vampírica que governava o
novo mundo. Só que, dessa vez, não podia usar argumentos do
tipo: “Foi apenas um sonho, ele não é real.” Ele era real, muito real e
eu estava atraída por ele de uma forma muito mais íntima e intensa
do que antes.
— Os Vlad’s fazem parte de umas das famílias mais
importantes dos vampiros da história. Por isso estão em segundo
lugar na hierarquia de comando. Eles são os legítimos puros-
sangues, o conde era neto de Vlad Tepes, mais conhecido como
conde Drácula por aqui. Depois que a existência dos vampiros veio
à tona, algumas lendas foram descartadas e outras, confirmadas.
Vlad Tepes, o empalador, era realmente um vampiro e a partir dele,
vieram muitos outros. Os nascidos puros, como o conde Vladmir e
sua família, e os transformados, que se espalharam por todo o
mundo — contou, me fazendo arregalar os olhos.
Isso só deixava bem claro o quanto o conde atual era velho.
— Ok, muita informação. — Arfei desnorteada. — Como sabe
de tudo isso?
— Pesquisa, muita pesquisa. — Deu de ombros, como se
aquilo não fosse nada. — Você sabe que sou uma fã, não fique tão
surpresa — ralhou ao perceber que eu a encarava em choque.
— Acho que você deu um novo sentido à palavra fã, quando se
trata de vampiros, amiga — analisei, vendo-a forçar um sorriso
sombrio.
Voltei meu olhar disfarçadamente para mesa onde o filho do
conde – que durante muito tempo foi apenas um estranho para mim,
um estranho criado pelo meu subconsciente –, se encontrava e me
permitir estudá-lo, já que não era mais uma refém de seu olhar, que
estava voltando para a conversa que seus colegas mantinham na
mesa. Sua aparência era idêntica a dos meus sonhos. Seus cabelos
eram de um loiro-escuro, curtos e aparentemente lisos. Seu rosto
arredondado, continha traços simétricos e harmoniosos, formando
uma fisionomia perfeita para pertencer a um anjo. Seus olhos, de
um azul-claro, hipnotizante, capaz de arrancar o fôlego de qualquer
uma, pareciam conter mil segredos. Por último, seu corpo, forte e
esguio na medida certa. Não havia nada de exagerado nele. Seus
ombros largos e delimitados denunciavam isso, seguido por seus
braços fortes, que descansavam sobre a mesa, destacados pela
jaqueta de couro.
Com medo de ser flagrada novamente pela prisão que era seu
olhar, me voltei para minha comida. Aquele era o vampiro mais lindo
que já tinha visto em toda minha vida, – não que eu tivesse visto
muitos para comparar –, o sonho não fantasiara aquilo também,
nem um pouco.
— Eles estão há muito tempo por aqui, não é mesmo? — Me
ouvi indagar para minha amiga, conforme brincava com a minha
comida.
Estava divagando após todas aquelas informações que Jude
lançara sobre mim e pela minha recente descoberta.
Como eu poderia sonhar com alguém que nunca conheci?
— É o que dizem... um dia eles simplesmente cansaram de se
esconder e resolveram sair das sombras. Então começou uma
guerra, até que perdemos e um acordo de paz foi selado. Assim, os
grandes tomaram a liderança do mundo e de nós...
Ergui meu olhar para encarar minha amiga, que olhava ao
redor, estudando cada estudante, cada vampiro.
— Longa história — murmuramos juntas, como sempre
fazíamos e rimos logo depois.
Jude encontrou meu olhar e suspirou.
— Isso pode soar meio tiete, mas o mundo está muito melhor
hoje em dia com eles no comando — concluiu, fazendo-me acenar
em concordância.
Não importava se não era ideal, aquilo era um fato. Os livros de
histórias, o que usamos para aprender sobre o velho mundo na
escola, deixava claro que tudo estava praticamente ruindo antes da
guerra. Nosso mundo estava sendo destruído. Tudo mudou depois
que os governos foram derrubados, então as leis foram refeitas. As
armas – as piores delas –, foram extinguidas, assim como a
violência e o crime. A fome já não era algo comum como antes e
nem o desmatamento ameaçava destruir o planeta. A tecnologia
evoluiu para um novo nível, usando energia sustentável, que se
agregava bem ao meio ambiente, sem prejudicar os nossos
recursos naturais. Levou tempo, mas eles conseguiram consertar
nossa bagunça. Meus pais não concordavam, assim como outros
humanos. Não importava se o mundo estava em uma situação
caótica, para eles, estávamos melhor sem os vampiros.
— Você já viu o conde? — perguntei, curiosa, mudando de
assunto.
— Infelizmente, não. Tudo o que vi daquele rostinho lindo foi
nas manchetes. Tanto dele, quanto dos filhos — ela respondeu com
desânimo.
— Filhos? — Pude notar o tom de surpresa escapar carregado
de meus lábios, fazendo minha amiga rir.
— Sim, mas só o William é o biológico. Viktor foi adotado pelo
conde antes do nascimento de seu primogênito. A mídia conta que
Vladimir o encontrou quando criança, quase morrendo no meio da
guerra e o transformou quando atingiu a maioridade. Desde então, o
trata como filho, mesmo quando todos sabem que não é e que
William será aquele que assumirá o título — elucidou.
— Ele também veio para cá?
— Rezam as más-línguas que sim, mas, ao contrário do irmão
adotivo, está lecionando — confidenciou. — Viktor não é tão amado
pelo povo como William, ele tem, digamos que, uma fama ruim.
Esteve envolvido em muitos escândalos, até que sumiu da mídia
completamente. Isso faz mais de dois anos. Pena que não teremos
aula com nenhum professor vampiro, eu ia amar assistir uma aula
dele. Viktor é realmente um colírio para os olhos.
— Todos os vampiros são — observei com humor.
— Os Vlad’s passam longe de serem vampiros comuns, Seline.
Tire pelos Black’s, os Queen’s. A soberania vampírica realmente
tem seu diferencial — decretou, fazendo-me rir.
Ela era, com toda certeza, incorrigível.
Jude estava errada quando alegou que o prédio preto, do outro
lado do gramado principal, era exclusivo para os noturnos. O papel
em minhas mãos, que continha meus horários e grade, dizia que eu
possuía duas classes diferentes nele, logo após o horário do
almoço. Imunologia na quarta e Mastologia na sexta.
Estava receosa quando o adentrei naquele dia, tentando não
pensar que estava em um prédio cheio de vampiros. Havia alguns
humanos ali também, aqueles que possuíam as mesmas aulas que
eu e outros que tiveram a “sorte” – como nós –, de terem classes ali
também. Estava tentando me orientar naquele lugar enorme,
procurando o número da minha sala, quando esbarrei brutalmente
com alguém. A colisão foi tão forte que fui ao chão, caindo de
bunda. O barulho dos meus livros se chocando contra o piso ecoou
por aquele corredor, fazendo todos pararem o que estavam fazendo
para me olhar. Corei, desviando meu olhar para o chão, antes de
encarar a pessoa que esbarrei.
— Olha para onde anda, bolsa de sangue. — A loira
deslumbrante, em pé, diante de mim, se parecia com as típicas
garotas malvadas que costumamos encontrar em filmes
adolescentes de colegial.
Ela era linda, cabelos lisos e longos. Unhas impecavelmente
pintadas, grandes e pontiagudas. Roupas aparentemente finas e
caras. Seus olhos verdes, pareciam me fuzilar, ao mesmo tempo em
que me encaravam com desdém. Sua pele era pálida, pálida demais
para ser humana. Foi quando constatei que acabara de esbarrar em
uma vampira e que ela não parecia nem um pouco feliz com isso.
— Sinto muito, não estava prestando atenção — desculpei-me,
tentando manter minha voz baixa, de forma que ela conseguisse me
ouvir, mas que não atraísse mais atenção para mim.
Meu rosto ainda queimava pela vergonha e meu coração
parecia querer sair pela boca, quando a percepção de que uma
vampira irritada estava bem diante de mim. Tentei reprimir a vontade
de me encolher, mas a forma como ela estava me olhando, só
parecia aumentar aquela sensação de autopreservação.
— Percebi — ela praticamente grunhiu, entredentes, como se
eu fosse um inseto irritante que ela estava louca para esmagar com
seus saltos altos e finos.
— Senhorita Dumitru! — Uma voz firme e grave soou atrás de
mim, antes que eu pudesse formular algo para dizer ou pensar em
levantar e dar o fora dali.
O chamado atraiu a loira, que rapidamente se empertigou.
— Professor Viktor, eu... — Um sorriso sem graça se estendeu
por seu rosto e logo sumiu, fazendo-me deduzir que fosse lá a
maneira que o tal professor estava olhando para ela, não era nada
boa.
— Para você, é professor Vlad. Agora vá para a sua classe,
conversaremos depois sobre essa sua atitude. — Demorei para me
lembrar de que conhecia aquele nome, principalmente aquele
sobrenome.
Não me atrevi a olhar para loira, mas fui curiosa o suficiente
para checar a figura que estava atrás de mim, olhando-o por cima
do ombro.
Viktor Vlad realmente era um colírio para os olhos, ele possuía
uma beleza diferente do irmão adotivo, mas, ainda assim, marcante.
Seus cabelos negros, volumosos e curtos estavam domados e
penteados para trás. Uma blusa social preta, com suas mangas
repulsadas nos antebraços, destacava seu corpo esguio e delineado
nos lugares certos. Ele não era tão forte como o irmão, mas
definido. Os olhos escuros, profundos e enigmáticos, lhe traziam
uma aparência mais sombria. As feições rígidas e maiúsculas
levavam ele a ser o oposto de William.
Um possuía uma beleza extremamente angelical e o outro...
— Você está bem, senhorita Constantin? — Fui arrancada de
minha análise, com a visão dele se aproximando e se abaixando
para me ajudar com meus livros.
— Estou... eu... eu estou bem — respondi com dificuldade,
claramente desnorteada demais com a situação, o que o levou a
sorrir.
Um sorriso mínimo, sem dentes, mesmo assim, bonito.
Viktor rapidamente recolheu minhas coisas e se ergueu,
estendeu-me a mão, que aceitei de forma hesitante. Ele ainda era
um vampiro e eu estava sozinha com ele naquele corredor, dessa
vez, deserto.
— Não precisa ter medo, não vou te machucar — ele
assegurou, entregando-me meus livros. — Sinto muito que a Hilary
tenha se comportado dessa forma, infelizmente há muitos aqui
como ela, que não são tão tolerantes com humanos. Eu sugiro você
ter mais cuidado e tentar evitá-los o máximo possível. As regras os
impedem de machucá-la, mas nós dois sabemos o quanto palavras
podem ser cruéis. Se tiver mais algum problema como esse, sugiro
que procure a direção — complementou, afastando-se alguns
passos, enquanto afundava suas mãos nos bolsos dianteiros de sua
calça jeans.
Acenei, incapaz de dizer qualquer coisa. Estava assustada e
desconfortável.
— Te vejo por aí, senhorita Constantin — dito isso, ele se
afastou, levando toda sua aura sufocante com ele.
Eu poderia estar louca, mas havia algo em suas palavras que
fizeram um calafrio subir por minha espinha e se instalar ali. Uma
promessa, oculta e subentendida.
Vampiros... Eles não podiam me machucar, mas sem dúvidas
me assustavam. Pensei.

— Você é uma maldita sortuda, não acredito que teve a sorte


de falar com Viktor Vlad e, ainda por cima, ser defendida por ele —
Jude exclamou naquele fim de tarde, conforme dávamos um
passeio pelo campus em nosso tempo livre.
— Acredite, eu gostaria que nada daquilo tivesse acontecido.
Aquela vampira... só de pensar nela... sinto calafrios — murmurei,
encolhendo os ombros e chacoalhando minha cabeça em negativa.
— Não se preocupe, eles não podem nos machucar — lembrou
minha amiga, tentando me tranquilizar.
— Cuidado! — Uma voz ao longe gritou, antes que eu pudesse
sequer responder minha amiga ou me preparar pelo que viria a
seguir.
Fui surpreendida com algo duro atingindo dolorosamente a
lateral da minha cabeça, fazendo-me perder o equilíbrio diante da
colisão repentina. Pude ver o chão se aproximando, mas antes que
meu corpo se chocasse contra a grama, braços fortes, frios e firmes
envolveram minha cintura, impedindo minha queda. Assisti
mortificada meu corpo facilmente maleável ser puxado contra um
peito duro, ao mesmo tempo em que um par de lindas orbes azuis
entravam em meu campo de visão.
Arfei, ainda desnorteada com o ataque, a quase queda e por
ele, que me olhava daquela maneira que sempre me fez cativa em
meus sonhos, assim como também no refeitório, quando nossos
olhares se cruzaram pela primeira vez na realidade. Meu peito subia
e descia de forma desregulada. Quanto mais eu tomava ciência de
seu corpo quase colado ao meu e de seus braços ao redor de mim,
mais aquele contato me atingia. Uma corrente de eletricidade me
consumiu em ondas, fazendo-me estremecer, à medida que aqueles
pequenos choques se espalhavam por minha pele, percorrendo
minhas veias e se transformando em fogo líquido, depois senti subir
pela minha espinha e se concentrar em minha nuca, que nesse
momento queimava como brasa e coçava de uma forma quase
torturante. Sensações que nunca experimentei durante nossas
interações em meus sonhos. Com meus olhos presos naquele mar
cristalino, pude acompanhar cada sentimento que transbordava
dele, conforme aquelas sensações me engoliam. Intensidade, pura
e bruta. Projetada de uma forma que nunca vira alguém fazer.
A realidade, com certeza, era completamente diferente.
William inclinou seu rosto para baixo, trazendo seu cheiro mais
para perto, forçando-me a inspirá-lo profundamente. Uma mistura
distinta de especiarias frescas, como em meus sonhos. Apesar da
frieza em sua pele, ela era quase imperceptível para mim naquela
altura, que parecia queimar internamente de uma forma inexplicável.
— Você está bem? — Demorei para entender que ele estava
mexendo aqueles lábios convidativos para mim, porque estava
falando comigo. Sua voz rouca e aveludada adentrou meus ouvidos
e reverberou por tempo demais pelo meu corpo, fazendo-me
estremecer novamente em seus braços, levando cada micro pelo
dele se arrepiar.
Céus, ele era lindo! Pensei, ainda inebriada por ele, por seu
toque, olhar e presença.
— Por Drácula! Seline, Seline você está bem? Vou acabar com
a raça desses atletas engomadinhos que acham que podem ficar
jogando esse projeto de bola ridícula por aí, como se não pudessem
acertar alguém. — Podia ouvir minha amiga vociferar ao meu lado,
mas não era capaz de respondê-la ou de me virar para encará-la.
O mundo pareceu desacelerar quando William sorriu, um
sorriso contido, mas que não deixava de ser completamente
ofuscante. A sugestão de seus dentes perfeitos, brancos e
enfileirados, apareceram sutilmente para mim, enquanto aquele
esticar de lábios, transformava-se em um sorriso torto e divertido.
— Eu... eu... eu estou... estou bem — gaguejei, forçando
aquelas palavras para fora.
Mordi meu lábio inferior quando senti sua mão se mover sobre
a pele nua de minha cintura, onde minha blusa com certeza havia
subido um pouco, fazendo seus dedos projetarem um leve aperto
sobre aquele pedaço de carne, um contato que quase me causou
uma combustão. Um barulho baixo e completamente vergonhoso
ficou preso em minha garganta, quando mais uma onda de choques
descarregou pelas minhas cavidades mais profundas, intensificando
aquela queimação e coceira.
— Ela está bem — William confirmou para minha amiga, que
continuava a tagarelar, antes de me puxar com ele, de forma que
meus pés estivessem novamente firmes no chão.
Pude senti-lo hesitar, antes de se afastar, como se estivesse
com medo de que se me soltasse, eu pudesse cair. Seu aperto
afrouxou, testando meu equilíbrio e quando se deu por vencido, que
eu conseguiria me manter em pé sem sua ajuda, me deixou ir. Seu
libertar veio de forma lenta, como se a perda de contato fosse quase
dolorosa para ele, como se estivesse se obrigando àquilo.
— Obrigada — consegui murmurar, ainda presa em seu olhar.
Uma nova sensação me consumiu, um sentimento de vazio, de
anseio por algo que não conseguia entender, mas de forma curiosa
estava ali, pulsando, puxando-me e me atraindo em direção de seu
toque novamente.
— Obrigada por ajudá-la, você chegou tão rápido e a pegou tão
depressa, que mal pude registrar seu aproximar, da bola que a
atingiu — Jude disparou para ele, atraindo seu olhar por um
segundo para ela, livrando-me do poder que aqueles olhos tinham
sobre mim e meu corpo.
Exalei, longa e profundamente, levando minha mão até minha
nuca a fim de passar meus dedos por minha pele, sentindo-a mais
quente do que o habitual naquela área. Minhas unhas rasparam a
carne, tentando me livrar da coceira, ao mesmo tempo em que me
voltava para a minha amiga, notando-a tentar conter a euforia que
parecia exalar de seu corpo, por estar se dirigindo ao filho do conde.
— Não foi nada, eu estava por perto. — Aquela voz era capaz
de se infiltrar em meu sistema e me despertar sensações
desconhecidas, soou de forma simpática.
Voltei meu olhar para ele, como uma viciada, esperando
encontrar alívio de uma necessidade incompreendida e
desconhecida.
Ele é um vampiro, Seline. Isso, com certeza, faz parte de quem
ele é, da beleza convidativa que eles possuem para nós, humanos,
lembrei a mim mesma.
— A propósito, como está a cabeça? Aquela bola pareceu te
atingir com bastante força — inquiriu, dando um passo em minha
direção ao mesmo tempo em que erguia sua mão, levando-a até a
lateral de minha cabeça, no exato lugar onde a bola tinha acertado.
Seus dedos em meus cabelos, fez uma espécie de dormência
consumir a região do meu couro cabeludo, espalhando-se por
aquela área até que alcançasse aquele ponto específico em minha
nuca, o que me fez ofegar baixo.
— Dói quando eu toco? — A preocupação se espalhou por seu
rosto, fazendo-o afastar seu toque por um segundo.
Eu queria que ele continuasse me tocando, queria que seus
dedos voltassem a se enterrar em meus cabelos, mesmo quando
tudo o que seu toque me causava, na realidade, era aquela
sensação torturante de queimação e coceira.
— Um pouco, mas nada fora do normal. É uma dor
momentânea devido à pancada, logo vai passar — consegui dizer,
movida a necessidade de afastar aquela preocupação de seu olhar,
que nublava todo aquele azul exuberante.
Senti seus dedos voltarem a me tocar, fazendo uma pequena
pressão naquela área, como se estivesse se certificando se eu
estava de fato falando a verdade e quando não conseguiu de mim
nenhum sinal de dor, escorregou aqueles mesmos dedos por uma
de minhas mechas que caía sobre meu rosto e, delicadamente, a
prendeu atrás de minha orelha, um ato que causou uma espécie de
déjà vu em mim. Estremeci, entreabrindo os lábios e senti seu
polegar roçar em minha nuca. O mundo girou ao meu redor e uma
sensação avassaladora de ser sugada e logo depois ser trazida de
volta para meu corpo, me engoliu. Fui arrebatada, feita e desfeita.
Meus olhos giraram em sua órbita, o que me fez inclinar para frente,
completamente sem equilíbrio. Braços fortes me agarraram antes
que eu caísse, içando-me contra aquele corpo firme nos lugares
certos.
O que estava acontecendo comigo?
— Acho que deveríamos levá-la até a enfermaria. Você não
parece bem, Sel — Jude analisou ao meu lado, mas a ignorei,
fixando meu olhar em William, que olhava bem no fundo dos meus
olhos, como se pudesse ler minha mente e alma. Como se
soubesse exatamente o que eu estava sentindo.
— Foi apenas uma tontura passageira, estou bem agora —
forcei-me a dizer, sentindo os braços de William hesitarem
novamente antes de me soltarem.
Livre do seu toque entorpecedor, consegui me orientar melhor.
Jude se aproximou e entrelaçou nossos braços, garantindo que eu
não desabaria de novo.
— Venha, Sel. Vou levá-la ao dormitório e te fazer deitar por
alguns minutos — Jude informou, puxando-me com ela, antes de se
virar para o vampiro atrás de nós, que me enfeitiçara de algum jeito.
Talvez, realmente fosse melhor me afastar dele e do que sua
presença causava em mim, pensei, evitando seu olhar, sabendo que
se o encarasse de novo, me perderia naquele mar cristalino e
expressivo que era seus olhos.
— Obrigada mais uma vez, foi muito gentil da sua parte, senhor
Vlad. — Jude fez questão de agradecê-lo novamente, sorrindo para
ele, que acenou para ela de forma cortês.
— Imagina, me chame apenas de William — disse, desviando
seu olhar de minha amiga, para mim, que o observava sem de fato
olhar diretamente em seus olhos. — Te desejo melhoras, Seline. —
Havia algo nele e na forma como ele disse me nome, que fez algo
dentro de mim ganhar vida.
E entonação arrastada, apreciativa, causou uma sensação de
familiaridade em mim, como se eu existisse para ouvi-lo dizer meu
nome daquela maneira.
— Obrigada — agradeci, claramente desconcertada.
Vi pelo canto do olho minha amiga me encarar com curiosidade,
enquanto um sorriso mais largo e amplo se abria nos lábios de
William. Um sorriso ofuscante, genuíno, que só realçava ainda mais
aquele rosto. Um anjo, o filho do conde passava longe de ser um
demônio, como muitos humanos – inclusive meus pais –,
costumavam comparar os vampiros. Ele tinha a aparência
arrebatadora e angelical de um ser celestial. O tipo de beleza que
deveria ser considerada um crime.
— Te vejo por aí, Seline — dito isso, sem deixar de arrastar
aquelas palavras que formavam meu nome como quem, claramente,
degustava ao dizê-lo, ele virou as costas e caminhou para longe,
fazendo-me não só respirar normalmente longe de sua presença,
como ser atingida por aquela percepção de vazio mais uma vez.
Um vazio que não entendia, que não sabia que existia antes
daquele dia e que gritava, como se precisasse, de alguma forma,
ser preenchido.
— Dois Vlad’s no mesmo dia, hein — Jude comentou de forma
maliciosa. — Você realmente é uma maldita sortuda, amiga....
— Como estão as coisas por aí? Sabe que não precisa ficar
nesse lugar se não quiser, não é? Você não é obrigada a conviver
com todos esses sugadores de sangue à sua volta. Bolsa nenhuma
vale esse tormento, nem mesmo uma que cubra todos os custos da
faculdade dos seus sonhos, Seline — minha mãe tagarelou
livremente do outro lado da linha, após eu atendê-la naquela tarde.
Ela vinha tentando me ligar desde que deixei nossa casa, mas
estava tão cansada com as aulas, que esperei estar totalmente
descansada antes de atender alguns de seus telefonemas
insistentes, uma semana depois que engrenei na universidade
mista. Sabia que ela me bombardearia com inúmeras perguntas,
assim como aproveitaria cada segundo de nossa ligação para
ressaltar mais uma vez o quanto odiava os vampiros. Um monólogo
que era obrigada a ouvir desde pequena. Por isso me limitei em
responder apenas suas mensagens, sendo o mais monossilábica
possível.
— Onde já se viu, uma universidade mista. O que eles estavam
pensando? Juntar humanos e vampiros em um único lugar, como se
essa fantasia que eles pintam para o povo realmente fosse possível.
Todos nós sabemos que vampiros foram programados para nos
caçar e matar, se fartando de nossos sangues como se não
fôssemos nada além de comida para eles. Demônios malditos, é
isso que eles são, deveriam voltar para o inferno e nos deixarem em
paz — ela prosseguiu com seu descontentamento, sem fazer uma
única pausa para respirar.
Essa era a minha mãe, se ela tinha algo para dizer, nada e nem
ninguém poderia impedi-la.
— Mãe — resmunguei, finalmente querendo dar voz ao meu
pensamento. — Eu estou bem, a universidade é ótima, as aulas são
incríveis e os professores muito competentes. Todos convivem bem
aqui... — tranquilizei-a, deixando de fora o episódio da vampira
irritada que havia trombado na primeira semana. — Mesmo quando
vampiros e humanos seguem rotinas de aulas diferentes, assim
como horários. Não quero mais falar sobre isso, é uma oportunidade
única e eu vou aproveitá-la até o fim, você e papai devem se
conformar com isso — declarei de forma incisiva, dando um basta
naquele assunto de uma vez por todas. — Me conte como estão as
coisas em casa? Papai está bem? — Sem permitir que ela tentasse
refutar, troquei de assunto rapidamente, ouvindo apenas um suspiro
frustrado soar do outro lado da linha, antes que ela pudesse me
responder.
— Estamos bem, querida. Ele ainda está procurando emprego
em outros hospitais da região, mas com sua reputação manchada,
acho difícil qualquer um deles o aceitar. Talvez nos mudar para
outra cidade ou, sei lá, seu pai desistir dessa coisa de médico e
tentar outras coisas, seja a solução.
Depois das acusações e da comprovação dos contrabandos de
remédios que meu pai cometeu no antigo hospital onde trabalhava,
toda nossa vida mudou. Ele teve que responder por suas atitudes,
assim como indenizar o hospital. Isso nos levou rapidamente para o
caminho da ruína, a ponto de meus pais terem que mexer no meu
fundo universitário, para que conseguíssemos sobreviver. Foi difícil,
ainda era com minha mãe sendo a única que estava empregada.
Depois do ensino médio, tirei um ano sabático e trabalhei durante
todo ele, na tentativa de contribuir com algo, até a carta da U.E.M.R
chegar no ano seguinte. Foi por isso que meus pais – mesmo
odiando os vampiros –, não se opuseram à minha vinda, eles
sabiam que era uma oportunidade única. Entretanto, isso não os
impediu de tentarem me fazer mudar de ideia algumas vezes. Meu
pai, com sua ganância, não só colocou todo meu futuro em risco,
como quase destruiu a nossa família. Fiquei por um longo tempo
sem conseguir olhar em seus olhos, enojada de sua atitude, mas a
situação foi mudando, à medida que vi seu arrependimento se tornar
visível com o passar dos meses. Ele, mais do que ninguém, sentiu
na pele as consequências de seus atos quando todas as nossas
regalias e nossa antiga vida foram arrancadas de nós.
Felizmente, nunca fui uma garota fútil e mimada, apesar do
estilo de vida que costumava levar antes. Perder aquilo foi chocante,
ainda mais quando tive que presenciar meu pai ser algemado na
minha frente e levado pela CTF, mas estava feliz que, pelo menos,
apesar dos pesares, nós conseguimos sobreviver. Meus pais
estavam bem e eu não me importava de viver uma vida simples,
desde que tivéssemos paz. Nunca me opus ao trabalho duro.
Estava fazendo isso por eles, eu me formaria e estabeleceria a
honra de minha família de novo sendo a médica que meu pai nunca
foi.

Estava ocorrendo uma festa no extenso gramado do campus


naquela noite. Da minha janela, eu podia ver perfeitamente a grande
pilha de madeira queimando lá embaixo. Sua fumaça se espalhava
pelo ar noturno e os estalos crepitantes do fogo, devorando a
madeira, dava para se ouvir de longe. Uma enorme fogueira havia
sido montada e iluminava todo o gramado, assim como as pessoas
que dançavam e bebiam. O céu estava limpo e não havia um mísero
sinal de uma brisa traiçoeira. A noite estava quente e perfeita para
aquele evento. Se era uma festa aprovada pela direção ou não, eu
não sabia. Mas me senti tentada a descer e participar.
Jude veio me buscar uma hora depois, surpreendendo-se ao
me encontrar devidamente vestida. Minha amiga achou mesmo que
teria que travar uma batalha para me convencer a ir com ela e ficou
chocada quando caminhei para fora do quarto sem questionar para
onde íamos. Ela sabia que não negava uma boa festa, contudo,
imaginou que eu não estaria disposta a participar de uma em
nossas primeiras semanas ali. Quando nos aproximamos da grande
aglomeração, fui envolvida pela música eletrônica, alta e retumbante
que parecia causar uma comoção em meus quadris, despertando
dentro de mim a vontade de mexê-los no compasso das batidas
vibrantes e envolventes. Havia vampiros e humanos ali, todos
misturados e interagindo. Isso me surpreendeu por um segundo.
Jude estava eufórica ao meu lado e diferente de mim, se mexia
livremente ao som da música, enquanto me puxava pelo pulso, em
direção à mesa de bebidas. Eu não era uma principiante naquela
área, como meus pais deviam imaginar, eu e Jude sempre fugíamos
para seu quarto quando éramos mais novas para beber escondidas,
até que nossas festas do pijama se tornaram nosso álibi para fugir
durante a noite e ir à boate, onde dançávamos a noite toda e
bebíamos até nossos corpos não aguentarem mais.
Meus pais me matariam se soubessem que eu passava longe
de ser a filha modelo que eles criaram e que costumavam exibir em
seus círculos de amizades.
Depois de Jude e eu nos servimos, ela me puxou para o meio
dos corpos que dividiam um único espaço, dançando tão próximos
um dos outros, que formavam – visualmente –, uma confusão de
membros agitados que se esfregavam entre si. Desfrutei de minha
bebida, enquanto me permitia ser embalada pela música
envolvente. O pulsar de meu coração seguia o ritmo ditado pelas
batidas, assim como os meus quadris. O álcool que descia por
minha garganta deixava minha língua parcialmente dormente e
alimentava a vontade de ficar ali e dançar até o amanhecer.
Pela primeira vez desde que cheguei ali, estava relaxada.
Os minutos pareceram se arrastar, à medida que esperava o
cansaço me abater, mas não foi ele que me tirou da pista, mas, sim,
o descontentamento do meu copo vazio. Jude estava envolvida
pelos braços de um cara, que se esfregava contra ela em uma
dança um tanto insinuativa. Preferi não os interromper, ainda mais
quando notei que eles estavam prestes a engolir um ao outro. Não
era necessário avisá-la que ia atrás de mais bebida quando tinha a
intenção de voltar para aquele emaranhado de corpos em
movimento e dançar mais um pouco.
Sorri, conforme me afastava, balançando minha cabeça em
negativa.
Jude não perdia uma.
Estava tão distraída com meus pensamentos que não prestei
atenção para onde estava indo, até me chocar contra um peito duro
e frio. Antes que pudesse cambalear para trás, devido à brusca
colisão, mãos grandes e firmes me firmaram pelos ombros, fazendo-
me erguer meus olhos – levemente arregalados –, para analisar o
indivíduo à minha frente.
— Professor... — As palavras escaparam de forma arfante dos
meus lábios.
Viktor Vlad me checou dos pés à cabeça, fazendo um calafrio
subir pela minha espinha quando me dei conta do peso que sua
figura sombria parecia exalar.
— Não estamos em horário de aula, Seline, e eu não sou seu
professor. Apenas Viktor, por favor — ele proferiu, soltando meus
ombros quando percebeu que eu estava firme em meus pés.
Não, ele não era. Todavia, eu realmente achei que tal título
prevalecia de forma geral na universidade, afinal, ele era um
professor, dando aula apenas para vampiros ou não.
Crispei os lábios, obrigando-me a deixar aqueles
questionamentos apenas em minha mente, enquanto me forçava a
assenti.
— Você não parece o tipo de garota que frequenta festas como
essa — ele observou, casualmente, fazendo uma rápida varredura
ao redor, antes de fixar seu olhar em mim.
Impedi-me de estremecer diante da força de seu olhar
penetrante, ele não precisava saber que me intimidava e assustava,
mesmo quando tinha certeza de que ele podia farejar aquilo em
mim.
— É o que sempre me dizem — repliquei, ganhando um
arquear de sobrancelha dele. — Se me permite perguntar, o que faz
aqui? Você também não parece o tipo de professor que monitora
uma festa como essa — questionei, arrancando um sorriso mínimo
dele, sem dentes.
— É porque não sou — respondeu, sucinto.
Franzi o cenho, confusa não só com sua presença ali, como
curiosa com as palavras não ditas que pareciam cintilar em seu
olhar.
— Você está sendo fortemente vigiada, Seline, e isso acontece
há muito tempo. — A declaração que deixou seus lábios a seguir,
me paralisou. — Você é importante para alguém, então sugiro que
tome cuidado com a bebida. O álcool muitas vezes nubla os
sentidos dos humanos, os fazendo tomar atitudes que não fariam
caso estivessem sóbrios e devido à sua situação... — Uma pausa,
seguido de uma clara insinuação. — Julgo que você não gostaria de
quebrar nenhuma regra imposta pelo destino. — De repente, o ar
parecia difícil demais de respirar.
Viktor sorriu, dessa vez, revelando uma fileira de dentes
brancos e perfeitos. Engoli em seco, tendo a total certeza de que ele
estava querendo me dar um aviso. Suas íris, escuras, cintilavam em
um prazer quase perverso e isso fez alertas soarem em minha
mente.
— Viktor. — Uma voz grave e familiar soou atrás de mim,
trazendo uma nova onda de calafrios consigo. O tom imperioso,
austero, destacava toda a aspereza em sua entonação.
Os olhos cobertos de mistérios e maldade de Viktor, deixaram
os meus para encarar aquele que estava bem atrás de mim. Não
precisava me virar para saber quem era, eu conhecia muito bem
aquela voz – apesar de só a ter escutado uma vez –, e ao que
parecia, meu corpo também era capaz de identificar a energia que
sua presença carregava. Havia um tipo de censura em seu tom,
algo que parecia divertir o vampiro diante de mim que o encarava
com uma animalidade crua e faceira.
Um predador, pude constatar. Esse era quem Viktor era, um
predador que gostava de brincar com a presa e exibi-la, antes de
devorá-la.
— Irmão — Viktor o saudou, inabalável, como se o tom
repreensivo dele e sua presença não o perturbasse. — Te vejo por
aí, Seline — completou por fim, voltando a sua atenção para mim,
antes de se afastar, sumindo entre os corpos que ainda dançavam,
completamente alheios a nós.
Novamente, existia algo em seu olhar e em sua voz, uma
promessa, algo subentendido que me deixou ainda mais confusa e
temente com a situação que se desenrolara entre nós.
— Você está bem? — Aquela voz soou novamente, acordando-
me de meus devaneios. A suavidade retornara ao tom, me
envolvendo e acalmando meus sentidos agitados.
Virei-me e encontrei o olhar preocupado de William. Fui atingida
pela visão dele, de pé, tão lindo e tão próximo de mim. William era
algo aliciante demais, como se tudo nele fosse programado para
atrair, mas de uma forma completamente diferente do irmão.
Enquanto Viktor era uma tempestade ambulante e destrutiva,
William era a calmaria que se estabelecia após ela.
— Eu... Sim, estou bem — consegui respondê-lo, limpando
sutilmente a minha garganta.
Infelizmente, minha entonação soara mais relutante do que
gostaria, algo que não passou despercebido por William. Seus olhos
azuis me estudaram por longos segundos, como se pudessem me
ler por completo, ler o que eu não deixava à mostra para as
pessoas.
— Fique longe do meu irmão, Seline. Ele não é... bom. — Havia
cautela em sua voz e ela estava coberta de significados ocultos. Um
novo aviso, dessa vez, vindo diretamente de William.
Havia algo errado ali, entre aqueles dois.
— Eu... eu não... — tentei me explicar, sentindo a conotação
subjugada do meu tom, fazendo minha voz sair quase trêmula.
Entretanto, antes que pudesse organizar meus pensamentos e
reformular as minhas palavras, fui silenciada quando William fechou
o restante da distância que existia entre nós e tomou meu rosto em
uma de suas mãos.
Algo explodiu em mim, desencadeado por aquele mísero
contato. Por um momento, fechei meus olhos, sentindo aquelas
sensações desconcertantes e desconhecidas me consumirem. Uma
onda de calor, seguida por uma corrente elétrica varreu minhas
veias, alcançando um ponto específico em minha nuca.
— Você ainda não está pronta para entender isso, mas vai estar
— seu sussurro, próximo ao meu rosto me desnorteou, assim como
suas palavras, que pareciam estar afirmando aquilo mais para si
mesmo, do que para mim. — Fique longe do Viktor. — Desta vez,
não fora um aviso, mas, sim, uma ordem.
Meu cérebro demorou para digerir sua exigência, já que estava
afundada demais nas sensações que ele estava me causando.
Semicerrei os olhos, pronta para questioná-lo, para refutar, mas
antes que eu pudesse de fato o fazer, William me soltou e
desapareceu num piscar de olhos, deixando para trás apenas a
brisa causada pelo deslocamento de ar, criado sempre quando
vampiros usavam sua supervelocidade.
Aspirei profundamente, soltando todo ar que havia prendido em
meus pulmões. Meu corpo estava trêmulo, minha nuca ardia e
coçava de uma forma quase insuportável. Levei meus dedos até o
local, na intenção de aliviar os sintomas, e cocei minha pele com
minhas unhas, depositando mais força do que o necessário no ato.
Por um momento achei que havia bebido demais e imaginado
tudo aquilo, mas não teria sentido, não só com um copo, não
quando eu parecia tão sóbria.
Estava perdida e confusa, tão confusa.
William, Viktor, ambos pareciam saber de algo, me conhecer
em um nível muito profundo. Eles só haviam falado comigo duas
vezes, então por que parecia que eles sabiam mais coisas a meu
respeito do que eu deles?
Você está sendo fortemente vigiada, Seline, e isso acontece há
muito tempo...
Fique longe do meu irmão, Seline. Ele não é... bom. Você ainda
não está pronta para entender isso, mas vai estar em um futuro
próximo.
Algo não estava certo sobre aqueles dois.
Os alunos podiam deixar a universidade aos finais de semana –
se assim desejassem –, fosse para passá-lo em casa ao lado de
seus entes queridos ou apenas sair e curtir por aí. Eu não voltei
para casa no final de semana antes do telefonema da minha mãe,
eu e Jude ainda estávamos nos acomodando e com a primeira
semana agitada, com todas as aulas e a nova rotina que ainda
estávamos nos ajustando, então não vi a necessidade.
Principalmente, porque estava aproveitando o máximo da minha
autonomia, longe dos olhares sufocantes dos meus pais. Eu os
amava, mas sair de casa causou uma certa sensação de alívio,
como se eu estivesse finalmente livre do peso que era manter a
fachada da filha perfeita que eles tanto esperavam e exigiam de
mim. Isso me levou a tomar a decisão de não ir para casa no final
de semana passado também, após a noite da fogueira na sexta,
frustrando ambos mais uma vez.
Não voltei a ver o William e nem o Viktor, o que, de certa forma,
agradeci. Os eventos que ocorreram há duas noites atrás ainda
pareciam se repetir em minha mente. Eu seguia muito confusa com
o ocorrido, mas tentei a todo o custo tirá-lo da minha cabeça.
Empenhei-me em encarar minha rotina e as aulas na segunda,
afundando-me em meus estudos. Havia tanto para se aprender,
tanto a se decorar. Medicina passava longe de ser fácil, na verdade,
apenas naquelas primeiras semanas, toda a minha grade, aulas e
tarefas estavam me consumindo e enlouquecendo.
— Você poderia tirar os olhos desse livro por um segundo e me
explicar novamente a bagunça que você se meteu na noite da
fogueira, com aqueles dois pedaços de mau caminho? — Jude
exigiu pela milésima vez, fazendo-me revirar os olhos.
Estávamos acomodadas na enorme sala de jogos, onde a
maioria dos universitários vinham para passar seu tempo livre.
Estava tentando ler a tese de um fisiologista, que explicava sua
descoberta a respeito da estrutura de um microrganismo inteligente
usado para destruir tumores de diversos tipos, direto de sua raiz,
evitando assim o crescimento, reprodução e agravamento em
diversos casos. Um microrganismo formado a partir das células de
vampiros e programado para ser um tipo de autodefesa, um tipo de
bactéria caçadora que não causava nenhum dano ao hospedeiro.
Uma das grandes evoluções da medicina que quando criada, anos
atrás, se mostrou inovadora e eficaz na cura para o câncer.
— Estou começando a me arrepender de ter te contado sobre
isso — resmunguei, ainda com meus olhos e minha atenção, fixa no
livro em minhas mãos.
— Corta essa! — Jude exclamou, arrancando-o dos meus
dedos, fazendo-me soltar um grunhido frustrado. — O que você não
está me contando, Sel? — inquiriu, enviando-me um olhar severo, o
que me fez bufar.
Ela não deixaria aquele assunto morrer tão facilmente.
— Você se lembra do vampiro dos meus sonhos? Aquele que
sonhei por grande parte da minha vida? — comecei, vendo-a pensar
um pouco, antes de acenar. — Ele não era apenas um fruto da
minha imaginação, ele existe e está aqui. É o William — revelei,
vendo os olhos da minha amiga se arregalarem e sua boca se
escancarar em um perfeito O.
— Por Drácula! — Ela arfou, levando as duas mãos à boca. —
Seu lado médium atacou de novo.
Suspirei, levando uma de minhas mãos aos olhos, à medida
que jogava minha cabeça para trás, apoiando-a no encosto da
poltrona onde estava sentada.
— Eu não sou médium, Jude — quase gemi aquela negação,
objetando o comentário dela.
Ela adquirira a mania de me chamar de médium desde que me
tornei capaz de sonhar com coisas que, às vezes, aconteciam.
Assim como costumava ter a impressão de que já tinha vivido ou
visto determinados momentos acontecerem antes. Nesse caso, eu
conseguia facilmente explicar a situação. Déjà vus, que era nada
mais do que um fenômeno psicológico muito comum, experimentado
por 96% da população, onde nosso giro para-hipocampal era
ativado na presença de nosso totalmente funcional córtex pré-
frontal. Quanto aos sonhos, eu não sabia bem como explicá-los. Na
maioria das vezes não me lembrava direito deles, não até que
acontecessem – com a exceção de uma pequena minoria, assim
como aqueles que William aparecia –, porque eles costumavam ser
uma variação de imagens confusas e desfocadas. Os poucos que
me lembrei, contei a Jude e ela não conseguiu esquecê-los quando,
por coincidência, alguns deles aconteceram.
Coincidências aconteciam o tempo todo, não era mesmo? Isso
não me tornava uma vidente. Todavia, Jude não acreditava naquilo,
ela adorava a ideia de ter uma amiga que era capaz de prever o
futuro.
— Negue o quanto quiser, isso não vai mudar o fato de que
você sonhou com William Vlad por grande parte da sua vida, sem
nunca o ter visto antes, para agora o encontrá-lo aqui. Isso, amiga, é
o que chamo de destino. — Estremeci ao notar o peso de suas
palavras, aparentemente inocentes, mas que tinham me atingido
profundamente.
“Julgo que você não gostaria de quebrar nenhuma regra
imposta pelo destino”, as palavras de Viktor ressurgiram em minha
mente, ampliando aquela sensação fria e arrepiante que parecia
rastejar por minha espinha.
— Você acha que ele... — balbuciei, incapaz de seguir adiante,
levando minha mão até minha nuca de forma intuitiva, atraindo o
olhar de Jude que perdeu todo o brilho de diversão ao compreender
o que eu estava querendo dizer.
— Eu não sei, Sel. — O tom sempre seguro de Jude, de
repente, parecia coberto de incertezas, enquanto eu continuava a
esfregar a marca de nascença que continha naquela região, muitas
vezes escondida pelos meus próprios cabelos.
Uma estrela de cinco pontas em traços tribais. A marca que
sempre teve seu próprio peso contra minha pele, desde que
descobri seu real significado.
— Mas tenho que concordar, havia algo muito errado na atitude
dos dois com você naquela noite — comentou. — Droga, quando eu
falei em destino nem pensei nessa possibilidade e agora que você
trouxe isso à tona, percebo que faria total sentido você estar
sonhando com seu prometido, antes de fato encontrá-lo.
Empertiguei-me na poltrona ao soar de sua observação,
balançando minha cabeça em negativa.
Não, aquilo não podia ser verdade. Não aqui, não agora, não
ele, pensei.
— Não quero pensar nisso, não quero mais falar sobre isso.
Vamos olhar para essa situação como realmente ela é, uma
tremenda coincidência — decretei, vendo Jude me enviar um olhar
compassivo, que fingi não notar, antes de puxar meu livro que ainda
estava em suas mãos.
— Ora, ora, ora, o que temos aqui? — Antes que pudesse
voltar a minha leitura, uma voz feminina e provocativa ecoou pela
sala, chamando não só a minha atenção, como a de Jude, que se
virou, assim como eu, para encarar a linda e familiar vampira que se
aproximava de nós. — A bolsista nerd e sua amiguinha gorda — ela
concluiu, venenosa, nos olhando como se nos repudiasse, como se
nos conhecesse.
Era a vampira do corredor, aquela que tive a infelicidade de
esbarrar. Como ela sabia que eu era uma bolsista? Eu não fazia a
mínima ideia.
— Sério? Esperava uma ofensa mais original vindo de uma
vampira — Jude ironizou, me surpreendo ao responder de forma tão
petulante a vampira que poderia facilmente quebrar nossos
pescoços.
— Cuidado, porquinha. — Hilary, era o nome que Viktor a
chamara no corredor. A linda e intimidante vampira loira que parecia
odiar humanos, murmurou em ameaça para minha amiga, que não
pareceu nem um pouco intimidada.
— Ok, estou vendo que até mesmo vocês, que se dizem uma
espécie tão evoluída, ainda estão presos a comentários
gordofóbicos, pejorativos e antiquados — Jude pontuou com
eloquência, fazendo um sorriso assustadoramente predatório se
esticar nos lábios da vampira.
— Ah, não, porquinha. Você me entendeu mal. Isso é um
apelido carinhoso. Eu gosto muito da sua espécie. Quando mando
meus empregados irem até o banco de sangue, abastecer meu
estoque, exijo que meu sangue seja exclusivamente de doadores
como você. Seu tipo de sangue é o meu preferido, rico em sabor. —
Engoli em seco, encarando a vampira como se não acreditasse nas
palavras que haviam saído de sua boca.
— Olha, agora você realmente me fez me sentir importante.
Sério. — O escárnio estava evidente no tom da minha amiga, que
não demonstrava estar nem um pouco abalada com a declaração de
Hilary.
Jude era um exemplo de autocontrole e segurança. Nenhum
idiota que usasse seu corpo como argumento para rebaixá-la ou
fazê-la se sentir inferior, conseguia aquilo com facilidade. Jude
cursava direito e sua eloquência dava-lhe muita base para fazer
uma defesa arrasadora. Ela era boa em discussões e,
principalmente, em tirar seus opressores do sério, antes que eles
chegassem perto de desmontá-la.
— Sou uma doadora também, se quiser posso te passar a
numeração do meu setor. Assim você pode degustar do meu
sangue rico em sabor e gordura — atirou com petulância, fingindo
falsa empatia. — Não é querendo me gabar, mas sigo uma dieta
especial para que ele possa agradar a todos os vampiros que o
adquirirem no banco de sangue. Sou extremamente deliciosa.
Exigiu tudo de mim, continuar com minha expressão neutra ao
perceber a irritação tomar todas as feições de Hilary. Ela não
conseguiria o que veio buscar, não da minha amiga.
— É seu dia de sorte, porquinha. Não vim por você hoje — a
loira disparou, entredentes, causando um alargamento no sorriso
provocativo de Jude.
— Que pena, estou me sentindo tão inspirada por sua presença
— seu deboche, com toda certeza, era sua maior arma para tirar um
oponente dos trilhos.
Fechando as mãos em punhos, a vampira forçou um sorriso,
que só deixava mais claro seu nojo por minha amiga, antes de se
virar para mim. Vi seu olhar mudar quando se fixou em minha figura,
ainda confortavelmente sentada em minha poltrona. Seus olhos se
estreitaram, direcionando toda sua aversão a mim.
— Fique longe do William, ele é meu. — Não precisava
conhecê-la para saber que ela estava falando sério e que seu alerta
vinha acompanhado de uma ameaça subentendida que ela teria
todo o prazer de cumprir.
De alguma forma, ela sabia que estava acontecendo algo
estranho entre nós, fatalmente o tinha visto comigo na festa. Se eles
possuíam algum tipo de relacionamento, eu não sabia dizer, mas
não ficaria me sentindo culpada e nem deixaria ela me intimidar por
uma situação que não fora criada por mim. William veio ao meu
encontro, eu não o estava perseguindo.
— Eu aposto que você e muitas dessa universidade acreditam
nisso — Jude provocou de forma jocosa, atraindo o olhar glacial de
Hilary por um segundo.
— Precisa da sua amiguinha gorda para responder por você,
bolsista? — questionou com desdém, voltando-se para mim com
toda aquela animalidade crua, em seu olhar.
— Não, apenas decidi que você ou seu aviso não valem uma
resposta — finalmente me pronunciei, deixando meu tom soar tão
apático e impassível quanto a expressão em meu rosto.
De uma forma um tanto surpreendente, não estava mais com
medo dela e Hilary pareceu notar isso em meu olhar e postura
incomumente calma. Ela parecia insultada, ultrajada por não
conseguir usar sua natureza para nos dobrar, principalmente a mim,
a quem ela estava dando um aviso.
— Sabe, a universidade tem uma certa tolerância ao bullying,
você sabia disso, Sel? —Jude soltou de repente, curvando seus
lábios em um sorriso faceiro. — Principalmente quando se trata de
humanos sendo perseguidos e ameaçados por vampiros. Sabe
como é, somos inferiores a vocês em muitos quesitos e isso nos faz
ser um pouco privilegiados — pontuou, fazendo a atenção de Hilary
se focar nela.
Dessa vez, seus olhos continham um brilho profano e
assustador. Suas mãos continuavam fechadas em punhos ao lado
de seu corpo e eu podia jurar que ouvir um grunhido baixo e
arrepiante escapar de seus lábios. Lábios que estavam fechados em
uma linha dura, escondendo a existência de suas presas fatais e
afiadas de nós.
— Será o quê? Uma segunda advertência na sua ficha, caso
minha amiga vá até a direção reportar esse pequeno teor de
ameaça que identifiquei em sua voz? Eu sou uma testemunha e,
facilmente, poderia apoiar ela nisso. Assim como o professor Vlad,
que testemunhou pessoalmente aquela situação no corredor. Não
será bom para ela, não é mesmo, Sel — Jude acrescentou, naquele
tom despreocupado e humorado, mas que deixava bem claro a
ameaça velada que suas palavras possuíam.
Enquanto estivéssemos dentro do território da universidade,
tínhamos proteção. Jude sabia disso, eu sabia disso e apostava que
Hilary também. Não seria nada inteligente enfrentar uma vampira ao
lado de fora. Por outro lado, mesmo com as inúmeras regras que
protegiam humanos de vampiros, sabíamos que se algum deles
resolvesse sair dos trilhos, o fariam de forma bem-feita, sem
testemunhas, sem rastros.
— Não, não será — concordei, cruzando meus braços em meu
peito, mantendo meu olhar sobre a figura da vampira que estava
prestes a perder o controle.
Seus olhos se voltaram para mim, como adagas afiadas,
deixando visível para mim as promessas sangrentas que estavam
sendo proferidas em minha direção naquele momento.
— O recado está dado — decretou, em um tom baixo, letal e
gélido.
— Ah, com certeza, e foi computado com sucesso. Adeus,
queridinha — Jude escarneceu, à medida que ela se afastava de
nós, furiosa e deixava a sala em passos largos e duros.
Inspirei, soltando todo o ar que estava prendendo, enquanto
encontrava o olhar de minha amiga, que finalmente baixara suas
defesas.
— Acho que acabamos de assinar a nossa sentença de morte
— ela analisou por fim, fazendo-me rir, mesmo quando eu sabia que
era uma péssima hora para o fazê-lo.
Jude estava certa, Hilary não deixaria aquilo barato.
Tudo mudou na medicina depois que os vampiros assumiram o
controle. Com seus genomas especiais, os estudos para encontrar a
cura de doenças autoimunes e letais deu um salto gigantesco.
Tínhamos, enfim, a cura para algumas das doenças que durante
muito tempo assombraram a população humana e estávamos muito
perto de encontrar para tantas outras. O que fazia deles uma
espécie extremamente evoluída, forte, rápida e imbatível, foi o que
levou a medicina do novo mundo a um novo patamar.
Na minha aula de mais cedo, o professor passou um trabalho
para toda a classe, dividindo os assuntos que seriam trabalhados e
sorteando-os para cada aluno. Fiquei surpresa quando li o papel
que havia tirado e percebi que teria que fazer um comparativo da
medicina do velho mundo, para a da atualidade, destacando os
avanços mais significativos. O que me levou a ficar presa na
biblioteca por horas, afundada em pesquisas e livros. Eu tinha
bastante material, o difícil era filtrar os que seriam relevantes e os
que não valiam a pena ser destacados no trabalho.
A mesa que reivindicara para mim ficava perto do setor de
estudos científicos. Pilhas e mais pilhas de livros se mesclavam a
uma montanha de papéis, recheados de anotações e meu notebook.
Depois de ler o último livro da pilha à minha direita, levantei-me e
adentrei o primeiro corredor, formado por estantes gigantescas, que
comportavam inúmeros livros, principalmente aquele que precisava.
Estendi-me, alcançando a lombada grossa e puxei a quase
enciclopédia para fora, plantando meus pés no chão, já que tive que
ficar na ponta dos pés para pegá-lo da prateleira mais alta.
— A medicina do velho mundo. — Uma voz, baixa e rouca soou
atrás de mim, perto demais do meu ouvido, lendo o título do livro
que segurava em minhas mãos.
Uma voz familiar demais a ponto de cada cavidade em mim,
reconhecê-la de imediato.
— Leitura interessante — William prosseguiu quando me virei
de abrupto, deparando-me não só com seu olhar hipnotizante, como
seu corpo, próximo demais do meu.
Arfei, levemente assustada com sua presença repentina, como
também com aquela sensação quase esmagadora que parecia me
consumir cada vez que um pequeno contato se estabelecia entre
nós. Um contato com meu abdômen roçando levemente contra seu
tronco naquela virada brusca.
— Olá! — ele me saudou naquela cadência intoxicante e
arrastada, à medida que seus olhos azuis se iluminavam, ao se
fixarem em meu rosto.
Inspirei, soltando uma longa lufada de ar, enquanto o encarava
de volta, ainda desconcertada com sua presença.
— Oi! — consegui dizer, notando seu corpo levemente inclinado
em minha direção, mais próximo do que constatei no primeiro
momento. — Eu... err... é para um trabalho. Estou fazendo uma
análise de comparação entre a medicina do velho mundo para as
inovações feitas nessa área na atualidade — expliquei, perdendo-
me na minha própria tagarelice, que era algo que costumava fazer
muito quando estava nervosa. Algo que pareceu divertir William,
quando reparei o lento e largo sorriso que se abriu em seus lábios.
— É bastante material — analisou, referindo-se ao tanto de
leitura que eu teria pela frente, algo que já sabia no momento que
peguei aquele papelzinho sorteado na aula mais cedo.
— É... eu... eu perderei algumas horas de sono nos próximos
dias — concluiu, vendo-o acenar.
— Tenho certeza de que vai dar conta — estimou, encarando-
me daquela forma consumidora que conseguia me absorver por
inteira.
Pisquei, abaixando a cabeça rapidamente, tentando fugir da
prisão que era seu olhar. Agarrei o livro, segurando-o contra meu
peito, sentindo-me corar. Eu precisava me afastar dele e das
sensações que pareciam querer me engolir toda vez que ele estava
próximo. Com isso em mente, dei alguns passos para o lado,
distanciando-me do estreito espaço que antes estava presa entre
ele e a estante nas minhas costas. Com meu olhar ainda fixo no
chão, caminhei de volta para a minha mesa, parando ao lado da
cadeira onde estava sentada, totalmente ciente de que William havia
me seguido.
Ok, eu não me livraria dele tão fácil.
Felizmente, ele passou direto por mim, estabelecendo-se do
outro lado, estudando as pilhas de livros e papéis que se
encontravam ali. Agradeci internamente pela mesa se encontrar
entre nós naquele momento, assim eu poderia respirar com alguns
espaços a mais entre nossos corpos.
— Percebi que não tive a chance de me desculpar pela atitude
do meu irmão na outra noite — pontuou, atraindo minha atenção.
Encarei-o, vendo-o ainda analisar a bagunça exposta na mesa
à nossa frente, evitando meu olhar.
— Vocês não parecem se dar muito bem — observei.
— Sim, mas nem sempre foi assim — revelou, finalmente
erguendo seus olhos para me encarar.
Suas palavras soavam vagas, no entanto, eu era capaz de
identificar aquele tom coberto de coisas não ditas, que parecia
alimentar minha curiosidade.
— Minha amiga é uma fã, ama tudo a respeito dos vampiros.
Principalmente, aqueles que fazem parte das três famílias
supremas. Ela sabe tudo sobre vocês, o que, às vezes, é
assustador e bizarro, então eu, como amiga, sou obrigada a ouvir
todas as informações que ela consegue acumular — iniciei,
abaixando meu olhar para onde organizava a pilha de papéis que
estavam recheados de minhas anotações, sabendo que só seria
capaz de continuar falando sobre aquilo, se não estivesse o
encarando. — Na primeira semana, Jude estava tagarelando sobre
você e seu irmão no refeitório, após te ver sentado lá e eu... eu me
lembro muito bem do que ela disse. Ele foi adotado e você foi o filho
biológico que veio depois. Me pergunto se essa não é a verdadeira
razão para vocês não se darem bem. — Um silêncio pareceu se
estender entre nós depois de minhas palavras. Um silêncio
incômodo e inquietante.
Depois de cansar de fingir que ainda estava organizando meu
lugar de estudo, ergui meu olhar e o encontrei me estudando.
— Vai ver você está certa — ele proferiu, por fim, olhando ao
redor. — Os vampiros foram agraciados pela bênção de poderem se
reproduzir, no entanto, o número de vezes que isso poderia ocorrer
foi limitado para, no máximo, duas. Algumas vampiras conseguiram
conceber uma criança e outras, mais afortunadas, duas. Todavia,
existem aquelas vampiras que por mais que tentassem, nunca
chegaram a dar à luz. Felizmente, estas faziam parte de uma
pequena, e quase inexistência, minoria. Isso fez alguns de nós nos
perguntarmos se essa bênção se estendia para todos da nossa
espécie. — Fui surpreendida quando ele começou a compartilhar
aquelas informações comigo. — Minha mãe, depois de séculos
tentando, achou que fazia parte daquela pequena porcentagem que
nunca seria capaz de conceber. Quando meu pai salvou a vida de
Viktor e o levou para casa, ela assumiu tal situação como seu
pequeno milagre. Ela não podia engravidar, mas poderia adotar um
menino órfão e criá-lo como seu próprio filho. Minha mãe tinha
facilidade em amar e dar amor a todos que ela dizia especialmente
gostar. Viktor foi criado para ser o sucessor do meu pai, mas então
um novo milagre aconteceu...
— Sua mãe engravidou de você — constatei, finalmente
compreendendo o impacto daquela situação.
—Por questões titulares, pela lei, eu deveria assumir, por ter o
sangue do meu pai, por ser um verdadeiro Vlad. Eu gostando ou
não. Meu pai desejando isso ou não. Não sei se esse foi o real
motivo que o fez me odiar, mas não o culparia se fosse. Tudo o que
eu aprendi, ele aprendeu antes. Posso imaginar como é viver anos
para aquilo que julgou ser o motivo da sua existência e depois, de
uma hora para outra, perder tudo — explicou.
Pressionei meus lábios um contra o outro, enviando um olhar
compassivo para William, que sorriu levemente para mim. Eu
também podia entender, assim como imaginar como era difícil ser
visto como aquele que chegou e arruinou tudo.
— Você me disse para ficar longe dele naquela noite —
lembrei-o, vendo seu olhar, antes límpido, se tornar sombrio. — Me
disse que ele não era bom.
— Meu irmão adquiriu uma predisposição em usar coisas e
pessoas para me atingir. Coisas significativas — disse, fazendo-me
arregalar os olhos com as suas palavras.
Sentir o mundo à minha volta desacelerar, enquanto meu
coração parecia pulsar com mais velocidade em meu peito. O
significado oculto naquelas palavras, que pareciam tão claros para
mim, me atordoaram completamente nos segundos que se
seguiram. Corei, conforme assistia àquele ar sombrio esvaecer dele
e um sorriso genuíno, de tirar o fôlego, ressurgir em seus lábios,
refletindo não só em seus olhos, como por toda sua feição.
— Você sabe quais foram as suposições que os humanos
fizeram, para tentar explicar nossa existência, Seline? — Lá estava,
aquele tom arrastado novamente, reverberando por meus ouvidos e
me enchendo daquela sensação intoxicante que sua voz parecia
causar em meu corpo. Ele estava mudando de assunto, mas algo
em seu olhar me dizia que ele sabia com exatidão para onde estava
levando àquela conversa.
O magnetismo que me puxava para ele não era comum, não
era como a atração funcionava entre os humanos.
— Eu... eu não... — as palavras soaram trôpegas, fazendo-me
enrubescer mais ainda. — Uma anomalia genética para medicina —
consegui responder, vendo-o acenar como quem pedia para eu
prosseguir. — Uma maldição para todos que não conseguiram
explicar ou entender. De acordo com a história, tudo começou com...
— hesitei, sabendo o peso do nome que citaria a seguir e o que ele
significava para William. Ele, no entanto, não parecia incomodado,
continuou me olhando daquela forma que me incitava a continuar,
como se me ouvir fosse fascinante demais para ele. — Vlad Tepes.
— O bisavô de William, o nome mais importante e influente naquela
cidade, na história dos vampiros. — As escrituras mais antigas
relatam todos os seus atos cruéis e seu prazer ao cometê-los.
Dizem que ele foi amaldiçoado por algo ou alguém, e isso o
transformou em outra coisa — concluí, surpreendendo-me por ter
conseguido seguir adiante sem gaguejar desta vez.
— Bruxas, elas estão por aí há mais tempo que nós e amam
lançar profecias e maldições, ao que parece. Mesmo quando, na
maioria das vezes, não fazem ideia das consequências catastróficas
que elas podem causar. — Pude sentir uma nota de humor sombrio
em suas palavras, mesmo quando seus olhos e sua expressão
permaneciam suaves. — Você acredita em destino, Seline? — ele
inquiriu por fim.
Sua pergunta era inesperada e complexa para ser respondida
de pronto. Isso me fez pensar nela por alguns segundos, tentando
juntar tudo o que sabia a respeito daquela palavra e seu significado.
Eu seria uma médica um dia e isso me fazia uma amante da
ciência. E na ciência, nós lidávamos com fatos, acreditávamos que
tudo ao nosso redor continha uma explicação lógica e racional, algo
que podíamos comprovar e provar dentro daqueles parâmetros. O
que era o destino, se não uma explicação ilógica que os humanos
costumavam usar para acreditar que uma força maior – responsável
por todos os fenômenos que a ciência não podia comprovar –, regia
esse mundo por trás de grandes cortinas de fumaça.
— Acredita que tudo acontece por um motivo e que não importa
o curso, seja ele o mais inesperado ou não, ele nos levará
diretamente ao lugar onde todos nós devemos pertencer? —
acrescentou, insistindo naquela pergunta que não importava o
quanto eu pensasse a respeito, não conseguia encontrar uma
resposta boa o bastante para dar.
— Eu não saberia responder, não sendo uma racionalista que
ama tudo a respeito da ciência, tudo que pode ser comprovado e
explicado. Mas olhando pela perspectiva de quem ganhou uma
bolsa que cobre todos os custos do meu curso, no lugar de tantos
outros candidatos, talvez essa seja a palavra certa para se usar
nessa situação. Vai ver era o meu destino estar aqui — salientei,
vendo aquele sorriso ofuscante e lindo dele, se alargar ainda mais.
— Você está onde deve estar, Seline. — A certeza em sua voz,
a força da entonação naquela afirmação, fez algo dentro de mim se
aquecer. — Acredito no destino, mas também sei que não dá para
esperar que ele faça todos os movimentos, às vezes, tem que partir
de nós também. Como a própria física explica, ação e reação —
completou de forma distante, olhando ao redor, como se estivesse
divagando, deixando no ar mais uma dose daquelas palavras não
ditas, que vinham acompanhadas de sua declaração.
Franzi o cenho, notando que sempre parecia que ele e seu
irmão queriam dizer mais do que verdadeiramente falavam. As
insinuações ocultas, os pontos de reticências e aqueles olhares,
olhares profundos que guardavam inúmeros segredos.
— Você acredita que foi o destino? Que sua espécie nasceu
para reinar? Que a anomalia ou maldição, surgiu para que hoje
vocês estivessem aqui? Vivendo entre nós, nos liderando? —
questionei, claramente curiosa com a direção que nossa conversa
estava tomando, atraindo sua atenção.
Ele dizia acreditar no destino, mas também acreditava na ação,
que gerava reação. Será que ele via a ascensão de sua espécie
como uma consequência da ignorância mundana ou uma
intervenção do destino?
Esperei por sua resposta, mas ela não veio, então prossegui.
— Era disso que se tratava, não é mesmo? Toda essa conversa
sobre o surgimento de sua espécie, até mesmo do seu nascimento.
Você acredita na lei da ação e reação, mas também no que está
destinado a acontecer pelo destino. Que não importa o quanto a
situação possa parecer ruim, tudo tem um motivo para acontecer.
Estou supondo agora, que em alguns momentos, isso te leva a não
se culpar ou odiar o fato de que sua existência tenha estragado as
coisas para o Viktor. Mas é justamente por acreditar nas duas
verdades opostas que também existem aqueles momentos de
martírio sem-fim e culpa. Mesmo quando você sabe que não foi sua
escolha nascer — conjecturei, tentando achar uma explicação,
tentando preencher aqueles vazios e atar aquelas pontas soltas que
pareciam continuar aparecendo sempre que eu e William
conversávamos.
Eu queria entendê-lo, no entanto, mais do que isso, eu
continuava a questionar o motivo que o fazia ser capaz de causar
aquelas sensações em mim. O fascínio e o motivo de me sentir tão
atraída por ele. Do que o levava a ver algo interessante em mim, a
continuar se aproximando e, principalmente, o significado daquela
resposta que ele deixou no ar. De eu ser significativa para ele, a
ponto de Viktor ver em mim uma ferramenta para conseguir
machucar o próprio irmão.
William me estudou calado por longos segundos, como se
estivesse digerindo minhas palavras. Nesse ínterim, seus olhos me
consumiram, penetrando tão fundo em minha alma, como se
pudesse me ler, ouvir toda a bagunça que acontecia em minha
mente.
— Talvez você esteja certa — ele concluiu finalmente, mas foi
algo em seu tom, naquele quase ronronar sedutor e nos passos
seguros que deu ao circular a mesa, para vim até mim, que fez um
arrepio percorrer por minha espinha.
De repente, uma sensação de ansiedade e euforia me dominou.
Meu corpo coçava e ansiava por sua aproximação, assim como
existia uma parte dentro de mim – antes desconhecida –, selvagem,
que estava suplicando por seu toque, o toque eletrizante que
desencadeava calor e coceira em partes específicas em mim.
— Ou talvez, falar sobre isso seja só uma desculpa para
conversar com você, para conhecê-la melhor — ele quase
sussurrou aquelas palavras quando parou atrás de mim, deixando-
me bem ciente de sua proximidade, mas sem de fato me tocar.
— Por quê? Por que eu? Eu não entendo. — Ouvi-me sibilar,
fechando meus olhos por um segundo, sentindo seu cheiro me
envolver e adentrar minhas narinas. O cheiro levemente picante e
intoxicante de especiarias.
— Você ainda não está pronta para essa resposta, Seline. —
Pude senti aquela sugestão de roçar de dedos em meus cabelos. —
Não ainda — reiterou, deixando-me ouvi-lo inspirar profundamente
meu cheiro, como quem degustava-o, antes de se afastar.
Não tive coragem de me virar para vê-lo partir, não quando só a
ameaça de seu toque parecia ter deixado minhas pernas bambas.
— Tem uma vampira, ela... ela me enquadrou na sala de jogos
ontem e me deu um ultimato para ficar longe, que você pertencia a
ela — disparei aquelas palavras, antes que pudesse pensar melhor
a respeito delas. — Eu não quero problemas e sua atenção vai me
trazer exatamente isso, eu estando pronta para entendê-la ou não.
— Sabia que minha revelação inesperada, tinha o feito paralisar no
lugar. Não precisava me virar para me certificar disso, não quando o
som de seus passos cessou. Não podia ver seu rosto, mas sabia
que uma força furiosa estava emanando dele naquele momento.
Agradeci internamente por não haver pessoas naquele setor,
ninguém para testemunhar tudo que tinha sido dito e feito.
— Qual era o nome dela? — ele quis saber, com uma voz
claramente contida, mas que ainda assim não era capaz de
esconder toda sua irritação.
— Hilary — o nome escapou de meus lábios com peso,
trêmulo.
— Estou prometido a outra pessoa. É com ela que meu destino
está selado e marcado sobre minha pele. Essa é a primeira coisa
que deve saber, Seline. Agora, quem é a pessoa, você descobrirá
quando estiver pronta — dito isso, ele se foi, deixando-me para trás
com mais dúvidas do que respostas.
Então havia alguém...
O que não entendia, era que se ele estava de fato ligado a
outra pessoa de forma tão poderosa, o que queria comigo? Por que
seu irmão não usava essa pessoa para atingi-lo? Vi-me cair sentada
na cadeira, sentindo o peso que me fazia refém e vulnerável a sua
presença, se esvair por completo do ambiente, drenando minhas
forças.
O que ele fazia comigo, sem precisar nem sequer me tocar, não
era normal. Isso poderia ser um sinal? O sinal de que William
poderia ser meu prometido? Não, estava fora de questão aquela
probabilidade, como ele mesmo disse, já estava ligado a outra
pessoa.
Uma semana se passou desde o meu encontro com William na
biblioteca. Depois de tanto evitar, finalmente fui para casa no final de
semana para uma visita aos meus pais, arrependi-me amargamente
quando voltei no domingo para a universidade. Algumas coisas não
mudavam e uma delas eram meus pais e seus monólogos anti-
vampiros que fizeram parte de todas nossas conversas da sexta à
noite, quando adentrei a casa onde cresci, até o domingo, quando
os deixei para trás, entrei em meu carro e dirigi até a faculdade. Eu
os amava e tudo o que queria era compartilhar mais momentos com
eles, onde o assunto: “eu odeio vampiros”, não se fizesse presente
a cada dois minutos.
A segunda-feira havia passado como um borrão e quando a
terça chegou, um grande alvoroço se espalhou pela universidade,
deixando todos os universitários agitados. A direção havia
preparado uma palestra no grande auditório, onde tanto humanos,
quanto vampiros compartilhariam o mesmo espaço. A palestra
falaria sobre a queda do antigo governo, antes liderado pelos
humanos e a ascensão dos vampiros, que tomaram o controle após
a grande guerra. Apesar de muitos de nós já sabermos de cor essa
história, o conteúdo extra que o palestrante – um grande estudioso
humano, que tinha ao seu lado um vampiro como parceiro –, trouxe,
era a verdadeira cereja do bolo. As evoluções que o mundo passou
e como elas tiveram seu impacto nas áreas principais que
construíam toda uma sociedade, seriam detalhadas de forma
resumida para todos nós, assim como rumores que nunca foram
confirmados, profecias e mitos a respeito dos vampiros que foram
comprovados e outros descartados totalmente.
Na verdade, aquela palestra era mais para humanos que
vampiros, mas olhando para eles, percebi que estavam tão
empolgados quanto nós. Se a empolgação deles era verdadeira, ou
fingida, não sabia dizer. Só sabia que estava agradecida por não ser
aquele palestrante. Mesmo ele tendo um vampiro como parceiro, se
ele dissesse qualquer coisa errada, os outros vampiros que
estudavam ali não titubeariam em corrigi-lo.
Tudo começou em 2030, quando nossos recursos naturais
começaram a se extinguir pouco a pouco. Doenças novas e virais
começaram a se espalhar, atingindo um pico catastrófico e mundial,
matando milhares e milhares de pessoas. A medicina começou a
não ser capaz de encontrar a cura para algumas dessas doenças e
foi quando o mundo inteiro entrou em lockdown. Os animais
começaram a migrar de seus habitats naturais e adentrarem cada
vez mais nos centros urbanos, aqueles que eram considerados
grandes predadores, começaram a matar tudo o que se movia.
— Com a extinção de muitas espécies que serviam de alimento
para outras, houve um desequilíbrio na cadeia alimentar e com a
escassez de comida, humanos se tornaram alimentos para os
grandes predadores que costumavam a ocupar o topo dela. Viramos
as presas que eles gostavam de caçar — o palestrante humano
contou, apontando para os grandes hologramas que estavam
expostos à sua volta, onde podíamos ver as manchetes daquele
ano, em exibição.
Ele prosseguiu, nos contando que a natureza começou a cobrar
seu preço, causando cada vez mais desastres naturais. Os líderes,
aqueles que estavam no poder, depois de tomarem de seu povo
mais do que deveriam, não possuíam mais recursos nem para eles
mesmos sobreviverem, quem dirá o mundo inteiro. A economia foi
quebrada, levando os humanos daquela época à miséria. Foi então
que os vampiros se revelaram, saindo das sombras. Eles viveram
décadas, se não milênios, escondidos entre nós, passando-se por
humanos. Os palestrantes revelaram que registros do passado
contavam que houve uma época em que caçadores de vampiros
existiram e que foram responsáveis por provarem a existência de
tais seres, quando tudo a respeito deles era considerado um mito,
histórias de terror para o cinema, quentes e românticas para livros.
Famílias de caçadores foram levantadas, passando de geração em
geração suas práticas de caça, afirmando que haviam nascido com
o propósito de exterminá-los.
As escrituras antigas que eram mostradas nos hologramas para
nós, citavam uma arma, uma fraqueza – além das estacas de
madeira –, que fora compartilhada só entre aquelas famílias que os
caçavam e os matavam. Os que foram descobertos e capturados,
eram mortos e queimados em praças públicas, como as bruxas
costumavam ser, até que o jogo mudou e os vampiros conseguiram
se livrar dos caçadores, matando seu legado e destruindo a tal
arma, que nunca ninguém soube do que se tratava e se de fato ela
existiu. Serem caçados por séculos, fez com que eles se
mantivessem escondidos, adequando-se cada vez mais as práticas
humanas, vivendo entre nós, temendo a volta dos caçadores, até
que tudo aconteceu, dando a eles a confiança para deixarem para
trás seus disfarces e se revelarem para o mundo. Ao que parecia,
foi a sombra da existência dos caçadores e a tal arma que os
manteve escondidos, mesmo quando sabiam que eram superiores
aos humanos em muitos quesitos. A conquista fora só adiada, eles
poderiam ter tomado o controle muito antes, mas optaram por não
fazer, pelo menos até aquele momento.
O que sobrou dos humanos, aqueles que ainda tinham forças
para lutar, tentaram resistir, mas não havia como lutar contra algo
daquele tipo, algo que, por muito tempo, foi tachado como lenda,
uma fantasia. Os vampiros tomaram o poder e com eles, uma nova
era se instalou. Nos primeiros anos, mesmo depois da ascensão
deles, ainda houve guerra e revoltas. O mundo estava a ponto de
ruptura e a humanidade prestes a entrar em extinção, mas de
alguma forma, eles conseguiram reverter o quadro. Sua biologia, o
que existia em seu DNA, foi responsável por colocar um fim às
doenças que quase levaram embora a parte restante da população
humana. A economia foi reconstruída do zero e a tecnologia deu um
salto gigantesco, nascendo de meios sustentáveis que deram aos
nossos recursos naturais chance de se recuperarem. Demorou
anos, décadas, mas o nosso mundo renasceu. Os antigos cargos
foram extinguidos, novas leis foram criadas e, entre inúmeras
famílias vampíricas, três foram erguidas e colocadas no poder, as
mesmas que foram responsáveis por liderarem a linha de frente na
batalha que colocou homens contra vampiros no campo de guerra.
Os palestrantes também colocaram em pauta um dos rumores
que bruxas e uma espécie misteriosa estiveram presentes naquela
batalha por poder, mas que não havia provas o suficiente para
comprovar se aqueles relatos eram reais ou não. Eles continuaram
dividindo-se entre eles, horas o humano falando e outras o vampiro,
vagando entre os anos até chegar ao nosso, 2230. Dois séculos se
passaram e com eles, inúmeras evoluções históricas aconteceram,
entre elas, inovações sociais que trouxeram o equilíbrio que faltava
e profecias criadas por bruxas, que surtiram seu peso sobre a
humanidade.
Algumas que nunca se concretizaram e outras...
— A mais famosa e, também, uma das poucas que se mostrou
verdadeira foi aquela que unia vampiros a humanas, através de uma
marca — o humano declarou, atraindo ainda mais a minha atenção.
— Uma ligação de almas, extremamente genuína e forte. —
Estremeci, levando automaticamente uma das minhas mãos a nuca,
olhando de esguelha, Jude acompanhar meu movimento. — Com
humanas nascendo com marcas que as ligavam a vampiros, um
conselho se formou, para cuidar pessoalmente de tal assunto.
Principalmente, porque tal união tinha que passar por etapas e estas
tinham que ser acompanhadas de perto. Afinal, nem sempre uma
humana se sentia inclinada a aceitar seu destino e quando chegava
a tal extremo, medidas tinham que ser tomadas. — Meus dedos
tocaram minha pele dali, sabendo que por baixo das pontas deles,
uma estrela de cinco pontas se encontrava, aquela que comprovava
que eu fazia parte daquilo. — A remoção da marca é extremamente
dolorosa para a humana, mas para o vampiro, é mil vezes pior. A
humana só sente dor até a remoção completa da marca, depois
disso, ela pode seguir livre, vivendo sua vida, tendo agora a
permissão de ter outros parceiros, contudo, para o vampiro,
dependendo do grau da conexão, aquele tormento não acaba no
apagar de sua marca. No melhor dos cenários, o vampiro teria que
conviver com um vazio excruciante, no pior, ele morreria, totalmente
consumido pela loucura de se sentir incompleto. — Afastei minha
mão de abrupto de minha marca, como se ela tivesse me queimado
e encarei a palestrante com os olhos levemente arregalados.
Meus pais nunca me contaram que ao não aceitar o vínculo, eu
poderia estar condenando meu prometido a um tormento sem-fim ou
pior, a morte certa.
Foi então que aluno, após aluno – todos humanos –,
começaram a erguer suas mãos e perguntarem sobre a profecia das
destinadas, suas leis, etapas...
Comecei a tremer, enquanto absorvia as informações vitais que
meus pais nunca me contaram, percebendo de cara como algumas
foram mudadas por eles e outras ocultadas completamente de mim.
Eu sabia que não podia ser tomada intimamente por outro homem,
enquanto não negasse meu vampiro. Coisas como beijos poderiam
passar, mas não relações sexuais. Eles me contaram todas as
regras que eu deveria saber, para que nem eu ou eles fossem
punidos com a morte, mas deixaram para trás coisas extremamente
importantes como as etapas da ligação e as consequências delas
em geral. Em como toques – principalmente o primeiro contato –,
ligava os predestinados pouco a pouco e tinham um impacto
tremendo nos prometidos. Toques, os pequenos toques podiam
levá-los para mais perto da loucura, daquele rompimento doloroso,
caso sua destinada não o aceitasse. As etapas eram complexas,
nunca soube muito a respeito delas, porque meus pais já haviam
presumido que eu nunca aceitaria meu prometido, deduzindo que,
consequentemente, não precisava saber mais a respeito delas.
Quanto mais eu descobria, mais minha cabeça dava voltas. Um
mal-estar me atingiu, junto com o gosto amargo da mágoa. Meus
pais, eles não deixaram de me contar aquelas coisas porque
achavam que não eram úteis, mas para estabelecerem ainda mais
seu controle sobre mim, sobre minha decisão. Nunca achei que teria
uma, porque estava vivendo sob um véu de ignorância. Eu não
sabia a respeito dos danos colaterais, nunca pensei que tal ligação
poderia gerar algo assim, nunca soube que estava escolhendo não
só para mim, mas para a outra parte também e que essa mesma
escolha, poderia desencadear a ruína do outro alguém.
A ignorância poderia parecer uma bênção na maior parte das
vezes, mas, na verdade, era uma maldição. Ela nos cegava para a
verdade que muitas vezes não queremos enxergar. Você poderia
matar alguém, sem ao menos se dar conta que o fez, sem sofrer o
devido impacto, graças à cegueira da ignorância, mas, no fim, isso
não arrancava de você a responsabilidade de cometer o ato. A
cegueira era pessoal, mas a mancha do erro ainda permanecia lá,
oculta de nossos olhos, mas visíveis para os outros, sobre nossa
pele e mais cedo ou mais tarde, pagaríamos por ela.
— Essa é uma boa pergunta. — Fui acordada de meu torpor,
com o palestrante vampiro respondendo animadamente à pergunta
de uma das garotas humanas que estava a duas fileiras à frente de
mim e de Jude. — Tivemos um caso recente que ganhou grande
destaque na mídia, por acontecer com indivíduos extremamente
influentes. Como muitos de vocês devem saber, o rei Lucius é um
prometido, como seu pai, e não só encontrou sua destinada, como
foi aceito por ela e a fez sua rainha. Assim como aconteceu com
seus pais. A partir dessa união, a profecia ganhou ainda mais
visibilidade, as pessoas, principalmente os fãs, começaram a
procurar mais informações sobre a tal. Estudiosos foram até o
castelo, querendo saber mais detalhes de como funcionava a
ligação, coisas que nem o próprio conselho das destinadas se
preocuparam em compartilhar. A rainha Megan e o rei Lucius
alegaram que por um tempo foram cegos aos sentimentos que
causavam um ao outro, até perceberem que não eram comuns.
Uma das muitas sensações que eles causavam um no outro era
uma queimação e coceira em suas marcas, algo que eles revelaram
ser o sintoma principal e mais importante para se concluir quando
uma destinada ou prometido estavam na presença um do outro. —
Prendi a respiração, sentindo de maneira visceral o impacto daquela
revelação.
Jude agarrou minha mão, como se soubesse o que aquilo
significava, mas ela não tinha ideia. Afastei-me dela e de seu toque
de forma brusca, levantando-me, passei pelas pessoas que estavam
na minha fileira com os olhos grudados no chão, agradecendo por
todos estarem com suas atenções fixadas nos palestrantes, a ponto
de não notarem meu estado. Saí do auditório em passos trôpegos,
tão desestabilizada quanto estava lá dentro. Andei alguns metros
pelo corredor, sentindo que estava perdendo o controle de minhas
pernas, até ter que me encostar em uma das paredes para me
firmar. As memórias me puxaram para longe da realidade,
afundando-me e me empurrando para o fundo de minha própria
mente, em formas de ondas e flashes dos últimos acontecimentos.
A queimação, a coceira, só existia uma única pessoa que era
capaz de causar aquelas reações em mim.
William.
Sua presença em meus sonhos não era uma simples obra do
acaso. Eu sonhei com ele, como costumava sonhar com coisas que
aconteciam. Sonhei com ele, pois estávamos ligados e algo, essa
parte que de alguma forma previa coisas que estavam prestes a
acontecer, sabia disso bem antes de mim. Os sonhos foram
mudando conforme crescia, porque eu também mudei. Amadureci.
Os contatos ternos para a mente de uma criança e os ousados para
a mente de uma adulta. Mas as sensações que seus toques me
causavam nunca foram tão fortes na irrealidade de meus sonhos,
como eram na realidade acordada.
Seu toque, o primeiro toque. Eu deveria saber, deveria ter
notado. No fundo, eu sabia que não era normal, lembrava-me de
pensar nisso com frequência, de até supor tal coisa, mas novamente
minha ignorância, o querer interno de que não fosse verdade, me
cegou. Não quis ver, não quis aceitar. Todavia, tudo estava
malditamente claro desde a primeira vez que nós nos tocamos,
quando ele me tomou em seus braços, evitando minha queda. Seu
toque acidental em minha nuca, a forma como ele pareceu me
absorver, a forma como me senti ser atada a algo que não conhecia,
a sensação de vazio quando ele não estava por perto. Algo dentro
de mim sempre o reconheceu como aquela parte que preenchia
algo e que me completava. Seus olhos sempre me fizeram refém,
como se ele fosse tudo o que eu deveria ver. Algo poderoso e
inexplicável sempre me atraiu para ele, suplicando seu toque. Os
vampiros sempre pareceram deslumbrantes, mas para mim, William
sempre foi mais, ele sempre foi tudo o que conseguia ver, desejar –
inconscientemente –, e ansiar. Era louco, perturbador e
desconcertante. Como se uma força maior regesse meu mundo,
programando-me para aquilo. O que me fazia questionar o que era
real e o que era causado pela ligação.
Por último, recordei-me de tudo o que foi dito, todas aquelas
palavras que sempre acreditei conter algo a mais do que
verdadeiramente estavam dizendo.
“Você está sendo fortemente vigiada, Seline, e isso acontece há
muito tempo. Você é importante para alguém, então sugiro que tome
cuidado com a bebida. O álcool muitas vezes nubla os sentidos dos
humanos, os fazendo tomar atitudes que não fariam caso
estivessem sóbrios e devido à sua situação... Julgo que você não
gostaria de quebrar nenhuma regra imposta pelo destino.” As
palavras de Viktor me vieram à mente novamente. Ele sabia, de
alguma forma, ele sabia que eu era uma destinada, a destinada de
seu...
Balancei a cabeça em negativa, levando minha mão trêmula até
meus lábios.
“Negue o quanto quiser, isso não vai mudar o fato de que você
sonhou com William Vlad por grande parte da sua vida, sem nunca
o ter visto antes, para agora o encontrá-lo aqui. Isso, amiga, é o que
chamo de destino”. Jude, a minha própria amiga, percebera aquilo
que eu não queria ver e que estava claro desde o início, desde que
cheguei a esse lugar e o encontrei fora dos meus sonhos.
Fechei os olhos debilmente, sendo consumida por mais
lembranças.
“Meu irmão adquiriu uma predisposição em usar coisas e
pessoas para me atingir, em especial coisas significativas”. William
me confundira com suas palavras não ditas, que mesmo
mascaradas, continham significados reveladores. De repente, tudo
fazia sentido. Finalmente, eu havia entendido o porquê Viktor me via
como uma ferramenta perfeita para machucar o irmão.
William conhecia o perigo e me alertou dele.
A veracidade da situação me atingiu como um relâmpago.
Contudo, me dizer que seu irmão não era bom e me ordenar a
ficar longe dele não fora um aviso claro o bastante para uma
situação como aquela, constatei.
“Você acredita em destino, Seline? Acredita que tudo acontece
por um motivo e que não importa o curso, seja ele o mais
inesperado ou não, ele nos levará diretamente ao lugar onde todos
nós devemos pertencer?” Sua pergunta, naquela tarde na
biblioteca... Pensei que havia entendido, mas estava tão enganada.
Nossa conversa nunca se tratou do destino de seu nascimento, do
que ele causou ao irmão.
O sonho, o nosso encontro estava destinado, era disso que se
tratava suas palavras.
“Talvez você esteja certa ou falar sobre isso seja só uma
desculpa para conversar com você, para conhecê-la melhor”. Era
sobre isso que sempre se tratou seu aproximar, me conhecer. Ele
sabia, William sabia.
A bolada que recebi andando pelo campus, como ele chegou
tão rápido e me pegou tão depressa. Esse tempo todo William
estava me observando. Ele descobrira, bem antes de mim. Como?
Quando? Eu não fazia ideia. Vampiros não sabiam tão pouco,
quanto suas destinadas, da existência um do outro?
Minha cabeça começava a rodar mais uma vez, à medida que
eu me desencostava da parede daquele corredor e voltava a andar,
mais oscilante e perturbada do que antes, totalmente perdida em
minha mente.
“Você ainda não está pronta para essa resposta, Seline. Não
ainda.” Ele me dissera aquilo quando questionei o motivo de ele
querer me conhecer. Talvez eu não estivesse de fato pronta para
saber, talvez nunca estaria, mas surpreendentemente, ele sabia,
sabia quem eu era para ele e, mesmo assim, optou por não me
contar.
“Estou prometido a outra pessoa. É com ela que meu destino
está selado e marcado sobre minha pele. Essa é a primeira coisa
que deve saber, Seline. Agora, quem é, você descobrirá quando
estiver pronta”. Nunca existiu outra pessoa, não como pensei. Era
eu, sempre fui eu, William sabia disso e me manteve no escuro,
brincando comigo com suas palavras não ditas, suas insinuações,
me observando e me estudando.
William Vlad era meu prometido e ele, de alguma forma,
descobrira bem antes da minha entrada na universidade que eu era
sua destinada. Essa era a única explicação.
— Então ela, finalmente, descobriu. — A voz sombria e
divertida ecoou ao dobrar em um dos corredores.
Estaquei no lugar, deparando-me com a figura de Viktor,
despreocupadamente encostada em uma das pilastras. Um sorriso,
sem dente, diabólico, estava retorcido em seus lábios. Ele me
encarava com uma perversidade maliciosa em seus olhos escuros,
como quem acabara de acertar uma jogada calculada.
Estremeci, dando-me conta de que estava sozinha com aquele
que desde o início foi o único a representar uma verdadeira ameaça
para mim, que me usaria sem pensar duas vezes, para atingir o
irmão. Isso se Viktor, brincando comigo, o atingiria mesmo. Naquele
momento, estava começando a questionar se eu era realmente
importante para William, depois de seus joguinhos mentais.
— Essa palestra se mostrou realmente proveitosa, no final de
tudo. — Ele analisou em deleite, esquadrinhando-me com seus
olhos de predadores.
— Eu não entendo, o que você ganha com isso? — indaguei
com a voz estrangulada.
Um sorriso cruel se alargou em seu rosto, à medida que ele se
desencostava da pilastra e caminhava sem pressa até mim.
Reprimir a vontade de me virar e correr para longe dele, pois isso só
alimentaria o seu instinto de caçador. Ele me alcançaria antes que
eu pudesse piscar.
Viktor parou com seu rosto a centímetros do meu, com seu
corpo quase me cobrindo totalmente. Sua aproximação era uma
ameaça e meu corpo estava a tomando como tal, exalando medo e
apreensão. Sentimentos que ele poderia captar com facilidade de
mim, naquele momento.
— Tudo — sibilou, vitorioso. — Meu irmãozinho tinha um plano,
fazer você se apaixonar por ele antes de descobrir a verdade. Bom,
parece que isso não vai ser mais possível, não é mesmo — ralhou,
aproximando mais seu rosto do meu e inspirando profundamente
meu cheiro.
Não ousei me mexer, mas podia sentir cada membro meu
enrijecer com sua atitude.
— Agora que você sabe, gatinha assustada. Por que não vai
até ele e pergunta sobre sua entrada nessa universidade, cujo
nosso pai construiu? — ele atirou, insinuativo, erguendo um dos
dedos para acariciar minha bochecha esquerda. — Melhor ainda,
questione a ele, como você, dentre tantas outras pessoas,
conseguiu uma bolsa que pagava todos os custos do seu curso? —
Havia uma espécie de prazer perverso em seu tom, o tipo de
veneno que adentrou meus ouvidos e fez uma constatação pulsar
em meu interior.
Seu golpe me atingiu certeiramente.
“Você está onde deve estar, Seline.”
“Acredito no destino, mas também sei que não dá para esperar
que ele faça todos os movimentos, às vezes, tem que partir de nós
também. Como a própria física explica, ação e reação.”
Suas palavras se repetiram em minha mente, trazendo um novo
significado consigo.
Não, ele não havia feito aquilo, neguei a mim mesma, conforme
cambaleava para trás, encarando Viktor com horror.
A universidade, a carta, a bolsa, ele. A percepção me
nocauteou e Viktor pôde acompanhar como um telespectador muito
satisfeito, o véu de minha ignorância ser rasgado ao meio.
Tudo o que vivi, desde que cheguei naquele lugar, fora uma
mentira. Uma mentira coordenada por William Vlad, meu prometido.
Desde pequena, sempre senti a necessidade de consertar
coisas que estavam quebradas, afinal, nada para mim veio inteiro ou
intacto. Durante minha infância, todos os meus brinquedos novos,
vinham com algum tipo de defeito de fábrica. Meus pais nunca
ligaram, até porque não eram eles que brincavam com aquelas
coisas, como costumavam se referir a eles. Mas aquilo me
incomodava, pelo menos nas primeiras vezes. Não importava o
preço deles, dos mais baratos, aos mais caros, todos eles vinham
com algum tipo de problema. Fosse no defeito mísero – quase não
visível –, na falha da sua pintura, até algo extremamente gritante no
seu funcionamento. Não importava, assim que meu
descontentamento passava, eu começava a vê-los por outra
perspectiva e a amá-los. Seus defeitos, às vezes, por menores que
fossem, os tornavam diferentes entre tantos outros que eram iguais.
Como eu, uma garota aparentemente comum, mas que tinha o
costume de sonhar com coisas, antes que estas acontecessem.
Com o passar dos anos, me adequei àquela sorte, ao invés de
procurar por brinquedos ou coisas perfeitas, comecei a buscar pelas
imperfeições que os faziam singulares. Contentando-me com o que
não era inteiro e bom. Até que um dia, quando já era um pouco mais
velha, me perguntei se era uma sina – a minha sina –, ver a beleza
no que estava quebrado ou arruinado. Uma sina que persistiu, até
eu ser madura o suficiente para entender que fui sobrepujada a
gostar daquilo, a aprender a amar e admirar as imperfeições, as
rachaduras, as faltas das peças que se perderam no caminho e que,
no fim, não deixavam as coisas apenas quebradas, como
incompletas, porque nunca tive a chance de ter algo inteiro para
entender que estava tudo bem gostar da perfeição também. Como
se uma força maior já tivesse definido que eu não poderia ter o que
era bom e perfeito. Presumi que era importante existir alguém nesse
mundo que valorizasse a imperfeição, afinal, nada e nem ninguém
era totalmente perfeito. Pensei que minha vocação sempre foi lidar
com danos, remendos, cacos, fragmentos, pois era boa com eles.
Isso me aproximou do amor pela medicina, por curar e cuidar de
pessoas que precisavam de ajuda, em resumo, que precisavam de
conserto. Algo que se concretizou ainda mais em minha mente
quando tive que arcar com as consequências e me adaptar à crise
que as atitudes desonestas do meu pai imperfeito causou em nossa
família, em nossa vida. Aprendi a tentar encontrar a beleza no caos,
a me adaptar a ele, usando a esperança de dias melhores, como
uma muleta para me manter firme. Mas a verdade era que estava
cansada. Cansei de remendar, de consertar as coisas e as pessoas
da minha vida. Cansei de viver no caos. Cansei de perder um pouco
de mim mesma nos reparos dos outros.
Cansei da suposta vocação que tomei para mim.
Meus pais ocultaram coisas de mim, com intenção de me
manipular. Algo que eles fizeram a vida inteira e eu, subserviente
demais, permiti, mesmo quando isso tirou coisas de mim, que me
fez perder um pouco de quem eu era, ou quem deveria ser. William,
meu prometido, usou sua influência para me ter por perto,
arrancando de mim meu orgulho próprio e méritos. Não fui cotada
para esse lugar por minhas notas, por merecer estar entre os
candidatos que concorreram a bolsa premiada. Estava aqui porque
ele assim o quis.
William realmente me conhecia, pois sabia como uma bolsa
daquela e o que ela significava para mim não apenas me atrairia
diretamente para sua teia, como desmontaria meus pais, que
odiavam tudo o que ele era e o que essa universidade representava.
Mentiras, não importava para onde eu olhasse, em quais
ângulos procurasse por algo belo naquele cenário quebrado, não
conseguia ver beleza naquele caos que começava a se espalhar
dentro de mim e consumir tudo.

Ele viria até mim, eu sabia que viria. Por isso não me dei o
trabalho de procurá-lo.
No dia seguinte, ao entardecer, caminhei pelo campus sozinha
e procurei por um lugar longe dos olhares curiosos, onde sabia que
ele me encontraria. Não compareceu às minhas aulas naquele dia,
desde a palestra e meu encontro com Viktor no corredor, mantive-
me trancada em meu quarto, absorvendo tudo, lidando com os
meus pensamentos conflitantes. Se William tinha mesmo seus olhos
sobre mim o tempo todo, ele soubera daquilo e, com certeza, havia
ficado intrigado. Por isso ele viria até mim, quando notasse que eu
estava fora do meu quarto e andando sozinha pelo campus antes do
anoitecer. Não sabia como funcionava aquela ligação entre nós e
esperava fortemente que nossos pequenos encontros e míseros
contatos físicos não tivessem alimentado aquele vínculo, não de
forma significativa pelo menos.
Em uma parte mais ampla do campus, existia um salgueiro-
chorão. Ele era enorme, arriscava dizer que tinha de 20 a 25 metros
de altura. Ele ficava perto do pequeno lago que havia naquela parte
da propriedade. Seus rebentos eram delgados, longos e muito
flexíveis, formando uma copa arredondada. Seus galhos eram
longos, coberto de folhas verdes que traziam um caimento natural,
chegando a encostar no solo. Não era segredo algum que alguns
universitários o usavam para dar amassos e fazer outras coisas,
aproveitando-se do esconderijo perfeito que aquelas folhas
proporcionaram. Nesse momento, eu o usaria para ter um pouco de
privacidade com o meu prometido.
Caminhei determinada até ele, não arriscando um único olhar
por cima do ombro, para conferir se estava sendo seguida. Estendi
minhas mãos, surpresa por ver ambas firmes, afastando os galhos e
folhas afrontosas, à medida que eu adentrava a parte debaixo da
árvore. A coloração alaranjada do crepúsculo passava pelas
pequenas aberturas das folhas, iluminando o suficiente a parte de
dentro do salgueiro, causando um efeito assombreado. Olhei ao
redor, encantada com as pequenas flores brancas que brotavam por
ali. Era lindo, um lugar ideal para se ter um tempo sozinha. Devia
haver pássaros pousados nos galhos mais altos que formavam a
copa do salgueiro, eu podia ouvir seus cantos ressonantes e
harmônicos dali debaixo. A grama embaixo de mim era um pouco
mais alta, provavelmente quem cuidava de mantê-la aparada por
todo campus, esquecia-se com frequência daquela parte.
Senti a aproximação de William, sem de fato precisar vê-lo. Sua
presença era marcante, principalmente para mim, que de uma forma
curiosa sempre conseguia detectá-la. Provavelmente uma
habilidade gerada pela conexão.
— Você pretendia me contar? — questionei quando ouvir o
farfalhar daquela cortina de folhas se fechar atrás dele.
O silêncio se perpetuou entre nós durante longos segundos,
segundos que não me atrevi a me virar para encará-lo.
— Como você descobriu? — contrapôs.
Ri amarga, balançando minha cabeça em negativa.
— Então é assim que vai ser? Eu faço uma pergunta e você me
responde com outra? — objetei, finalmente me virando para
enfrentá-lo.
Esforcei-me em me manter firme, em passar pelas minhas
feições e olhos o quanto estava irritada com ele, não permitindo me
deixar amolecer diante de sua proximidade. Ele estava lindo, como
de costume. Sua altura intimidante, suas expressões suaves e
aquele olhar paciente, eram tudo que eu não queria ver naquele
momento. Não queria sua compassividade e nem sua calma
inquietante.
Suas mãos estavam cruzadas nas costas, naquela pose cordial,
que deixava bem claro que ele vinha da nobreza. William não me
respondeu, manteve seus olhos em mim, estudando-me e isso
alimentou ainda mais a minha frustração.
— Na palestra de terça. Quando eles falaram a respeito da
profecia das destinadas, coisas que não sabia, eu... fui capaz de
juntar as peças, mas foi seu irmão e as insinuações dele que fez
elas se encaixarem completamente — disse, sabendo que se não o
respondesse, ele não falaria.
Vi uma surpresa feroz cintilar em seus olhos azuis. Citar Viktor
cumprira seu propósito, eu podia ver perfeitamente sua pose
inabalável oscilar.
— Descobri por uma maldita palestra que você era meu
prometido, então agora responda a droga da minha pergunta. Você
pretendia me contar? — Havia perdido minha compostura e aquilo
estava claro em meu tom duro e exigente.
William piscou, empertigando-se, e ergueu seu queixo nobre,
como se estivesse lutando para não deixar suas verdadeiras
emoções transparecerem.
— Não — sua resposta escapara de seus lábios facilmente,
com uma sinceridade que me atingiu como um soco.
Fechei minhas mãos em punhos, deixando minha mágoa e
raiva nítidas. Sentimentos que naquele momento pareciam exalar de
mim com intensidade, atingindo-o como adagas. Ele podia sentir
tudo aquilo não só por estar ligado a mim, mas porque os vampiros
podiam farejar emoções como ninguém, mesmo quando prometidos
faziam de forma muito mais profunda, como pude confirmar em
minhas pesquisas.
— Existem muitas coisas que você não sabe a respeito da
profecia, de nós, das regras e etapas. Não pretendia te contar, pois
não podia e não por vontade própria. É uma regra, devemos
descobrir por nós mesmos a quem estamos ligados. Dependendo
do que Viktor disse a você ou como disse, pode haver
consequências — ele prosseguiu, saindo de sua pose e arriscando
um passo para mais perto de mim, que respondi com um recuar. —
Eu sei que está com raiva e, provavelmente, tirando um monte de
conclusões precipitadas a meu respeito, que espero ter a chance de
mudá-las se você me permitir me explicar. Sei o que parece, mas
eles saberiam, eles sempre sabem quando regras são quebradas,
assim como sabem quando predestinados se encontram. Quando
eles vêm até nós, exigindo saber a escolha da destinada, o fazem
por um motivo. É um conselho feito não só de vampiros, como
bruxas, bruxas oráculos, que não tem visões apenas dos nossos
nascimentos, como de momentos específicos de nossas vidas —
revelou, fazendo-me fechar os olhos e me virar, tentando me manter
centrada. Não podia permitir que ele me manipulasse de novo com
seus olhos gentis e cheios de intensidade.
— Nada disso foi dito a mim, nem mesmo os palestrantes
comentaram sobre algo parecido ou minhas pesquisas — refutei,
ouvindo seus passos se aproximarem pelas minhas costas.
Eu tivera tempo para pesquisar sobre tudo relacionado as
destinadas, tudo que consegui achar na internet. Algo que nunca fiz
antes, por viver presa a ignorância de que meus pais tinham me dito
tudo que deveria saber. Eu estava tão errada.
— Existe muito da profecia que poucos sabem. O conselho não
se preocupa em contar, pelo menos não o que seja realmente
necessário. Seus pais não foram capazes de compartilhar com você
tudo o que sabiam, tudo que ocultaram de você propositalmente,
quem dirá isso — ele pontuou, havia acusação em seu tom, o
primeiro traço de irritação que identifiquei nele. — Minha família
sabe de coisas que muitos não sabem, isso inclui até a família real e
os Queen’s, nossos aliados. É por isso que ocupamos o segundo
lugar na hierarquia, não somos só responsáveis pela saúde e
educação do mundo, como temos em nossa posse livros, registros e
escrituras antigas, coisas que não são encontradas em nenhum
outro lugar. Quando algo precisa ser confirmado, estudado, é a nós
que o rei chama. — Virei-me bruscamente, quase me chocando
contra seu peito, estava farta daquele assunto.
Ele queria se explicar, então teria sua chance. Eu precisava
entender outras coisas, coisas realmente importantes.
— Desde quando? — inquiri com aspereza.
William piscou novamente, dando um passo para trás,
mostrando-se confuso com meu questionamento por um segundo,
até que o entendimento pareceu cintilar naquele mar azul.
— Não sei se você está pronta ou aberta para essa resposta. —
Tentou me dissuadir.
Uma risada irônica e anasalada escapou de mim.
— Assim como você deduziu que eu não estava pronta para
entender todos os seus discursos vagos e manipulativos? Me diga,
William, você também acha que não estou pronta para saber que
você orquestrou tudo isso desde o início? Que comprou minha vaga
nesse lugar, fazendo seu pai pagar por minha bolsa para que eu
pudesse estar por perto, dentro de seu território, indefesa e
vulnerável o suficiente para você encontrar seu caminho até mim?
— Praticamente rosnei aquelas palavras para ele, vendo o choque
atingir seu rosto ao mesmo tempo em que minhas palavras eram
disparadas. — Eu trabalhei duro por esses méritos, para ter notas
exemplares que me fariam ser aceita em qualquer universidade. Eu
me orgulhava delas, até você aparecer e destruir meu orgulho
próprio, comprando um lugar para mim aqui, aproveitando-se de sua
influência. — Eu estava ensandecida, como ele se atrevia a
pressupor coisas sobre mim depois de tudo?
O motivo da minha revolta finalmente ficara claro para ele, tão
claro que pude ver a compreensão se estabelecer por todo seu
rosto.
— Viktor. — A constatação deixou seus lábios com amargor, vi
um meio-sorriso entristecido se formar em sua boca, à medida que
ele desviava seu olhar de mim para longe. — Meu pai não pagou
pelo seu curso, eu paguei. A bolsa premiada foi um pretexto para
ninguém ou seus pais serem capazes de descobrir, ou questionar a
legitimidade da sua vinda para universidade — elucidou, passando
as mãos por seus cabelos, fazendo as curtas mechas castanhas
ganharem um leve tom de loiro sobre a luz do entardecer. — Seus
pais odeiam vampiros, Seline, eu nunca conseguiria me aproximar
de você com eles por perto. Não depois de eles passarem grande
parte da sua vida envenenando sua cabeça contra minha espécie,
ou contra seu prometido. — Franzi o cenho, surpresa por ele saber
daquilo.
Ele tinha um ponto, seria realmente difícil ele se aproximar caso
o cenário fosse outro, mas isso não melhorava a situação, isso não
o justificava suas manipulações.
— Sim, eu orquestrei tudo isso para te ter por perto, para ter a
chance de me aproximar e conhecê-la. Mas isso não tira seus
méritos, se você não fosse minha destinada, fatalmente teria sido
selecionada e cotada para estar aqui do mesmo jeito. Foi seu
histórico perfeito que facilitou tudo, na verdade. Como fiz as coisas,
não muda isso, não muda seu valor. — Bufei, ele não tinha como
saber daquilo. — Eu ia te contar sobre a bolsa ocasionalmente,
quando tudo viesse à tona, quando você descobrisse o que éramos.
Não sou o vilão que está presumindo que sou. Nunca foi minha
intenção te manipular, reconheço que meus discursos foram um
tanto enigmáticos, mas estava instigando sua curiosidade, não
tentando exercer algum tipo de controle sobre você. Eu poderia ter
me aproveitado das sensações que causamos um ao outro, para
provar um ponto, mas não o fiz, pelo contrário, evitei o máximo de
contato possível quando tudo o que eu queria era te tocar em cada
maldito segundo. — Encarei-o mais fixamente, sentindo meu
coração errar uma batida após suas palavras.
Ele fez uma pausa, como se não fosse capaz de prosseguir,
como se o errar da batida de meu coração tivesse o distraído.
Tomei um fôlego profundo, tentando não me deixar abater por
sua confissão, que aquecera algo dentro de mim, algo que estava
negando existir. Não podia confiar nele, não depois de tudo. Sua
presença e suas palavras tiveram controle sobre mim desde o início,
se ele estava fazendo de propósito ou não, não importava, não
mais. O que William era, a influência que ele tinha, eu queria
distância daquilo e do seu mundo. Se eu me deixasse levar, seria
arrastada para aquela bagunça pelo que éramos um para o outro e
não por vontade própria. A ligação, ela era a força maior que nos
regia e não nosso coração. Não seria manipulada por minha marca,
ou por uma profecia. Quando amasse alguém, queria que esse
sentimento viesse de mim e não porque fui programada para aquilo.
— Eu sempre soube das consequências que vinham
acompanhadas dos toques, do que isso significaria para mim e não
para você. A ligação é sempre pior para nós, por isso evitei ao
máximo. Você não precisa se preocupar com o estágio que
estamos, mesmo que eu tivesse o costume de te tocar, isso só teria
danos colaterais para mim. Destinadas podem se sentir mais
atraídas por seus prometidos com toques e beijos, mas é só quando
ela realmente o escolhe, que isso muda algo significativo nela. A
coceira, a queimação e todas as outras sensações são só reações
que uma destinada tem quando está próxima ou sendo tocada pelo
vampiro com quem compartilha a mesma marca — ele tratou de
explicar, como se soubesse que aquela era uma das minhas
preocupações. — Eu estava tentando te dizer, mesmo que do meu
jeito, quem eu era. A intenção era que você conseguisse interpretar
pelas minhas palavras e por essa força que sempre nos puxava um
para o outro, quem você era para mim, assim como quem eu era
para você. — Desviei meu olhar dele, estava sendo demais lidar
com suas palavras, com o peso de seu olhar.
William abandonara de vez sua pose inabalável, a passividade.
Ele estava deixando tudo vim à tona, tudo ficar visível para mim. Eu
o vi em meus sonhos a vida toda, mas faz apenas algumas
semanas que tive a oportunidade de realmente conhecê-lo, mas
William agia como se me conhecesse há mais tempo, como se
tivesse sentimentos reais por mim. Se eram alimentos pela nossa
ligação ou não, era um mistério, mas estava se tornando demais
lidar com ele naquele momento, com tudo o que ele estava
despejando em mim.
— Além disso, era o mínimo que eu podia fazer. Ajudá-la a
realizar seu sonho de cursar medicina, depois do que seu pai fez, a
bagunça que ele causou na sua vida. Ele usou seu fundo
universitário para corrigir os impulsos que sua ambição causou.
Você não merecia isso, ter seu sonho destruído pelos erros de
outros — completou, atraindo bruscamente meu olhar para ele, algo
que estava evitando até aquelas palavras deixarem seus lábios.
— Como você... — balbuciei, desconcertada por ele saber
daquilo, saber de algo tão pessoal.
— Você me perguntou desde quando. — Ele trouxe meu
questionamento à tona, hesitando por um segundo antes de
continuar. — Desde que você era apenas um bebê. — A revelação
me atingiu como um carro em alta velocidade, fazendo-me dar
passos trôpegos para trás.
Arfei, levando uma de minhas mãos à boca.
Não, não, aquilo não era possível.
— Eu era jovem, ainda não havia alcançado a maturidade
quando nossos caminhos se cruzaram anos atrás, há 19 anos para
ser mais específico. Estava vagando pelo parque, após uma
discussão idiota com Viktor quando te vi com seus pais. Eles te
tiraram do carrinho e eu me perguntei por um segundo o que me fez
refém daquela cena tão mundana, até que eu vi sua marca. A
estrela em sua nuca, idêntica à minha. — Ele ergueu a mão,
tocando em seu peito esquerdo, antes de puxar a gola de sua blusa
para baixo, expondo aquilo que não queria ver, aquilo que só
reafirmara o que já sabia.
Em seu peito esquerdo – diferente do lugar onde a minha se
encontrava –, estava a estrela de cinco pontas, com traços tribais,
perfeitamente gravada em sua pele pálida.
Ofeguei, incapaz de dizer qualquer coisa, incapaz de desviar
meu olhar daquela prova incontestável.
— Pertencemos um ao outro, Seline — ele sussurrou,
aproximando-se mais do que eu permitiria caso não estivesse tão
submersa na avalanche de emoções que me atingira. — Depois que
te vi naquele parque, não consegui me manter longe. Passei a
observar você de longe, acompanhei todo seu crescimento, sem
ousar fazer um único contato. Aprendi tudo sobre você, fiz parte de
sua vida como um telespectador, vivendo nos bastidores dela. —
Suas mãos envolveram meu rosto, arrancando um gemido meu.
Uma corrente elétrica percorreu meu corpo, trazendo todas
aquelas sensações inebriantes consigo. A ardência e coceira
estavam lá, fazendo-se presente, confirmando mais uma vez o que
já sabia, o que a marca reafirmara.
— Tive todo o tempo do mundo para me apaixonar por você,
para ter certeza de que esse sentimento que aumentava a cada dia,
não era só causado pela ligação. — Estremeci, arregalando meus
olhos quando me dei conta do que ele acabara de dizer, do peso
daquelas palavras. — É você, sempre foi você. A profecia, nossas
marcas, são só consequências. Isso é real, você é real. — Seu
hálito bateu contra meu rosto, deixando-me bem ciente do quanto
ele estava perto.
O anseio queimou ardentemente dentro de mim, aquele que
implorava para eu fechar aquela distância e beijá-lo. Cada pequena
cavidade em mim implorava por mais, por mais toque, por mais
dele. Fechei os olhos com força, lutando contra aqueles
sentimentos, contra aquela névoa de desejo que seu toque
despertava em mim. A coceira estava piorando, a queimaram
beirava já o insuportável. Eu precisava me afastar, precisava dele
longe, não conseguia pensar claramente com ele tocando em mim.
“Tive todo o tempo do mundo para me apaixonar por você.”
Suas palavras se repetiram em minha mente, reverberando por todo
meu corpo.
— Não! — Neguei a ele, neguei os sentimentos que ele estava
me causando, o mais alto que consegui, antes de me lançar para
longe, cambaleando alguns passos. — Você não pode fazer isso,
não pode me tocar enquanto diz essas coisas — declarei,
severamente, sentindo as lágrimas se acumularem em meus olhos.
Negá-lo daquela forma, atingiu-o profundamente. Pude ver isso
em seu olhar lânguido, na postura derrotada que ele assumira.
— Seline, tente compreender — ele tentou dizer, mas foi
subjugado quando eu o interrompi.
— Não parece real quando você me toca, parece algo
programado e parece que você se aproveita disso para conseguir
entrar, para colocar abaixo minhas defesas. É invasivo, porque não
consigo raciocinar direito quando você o faz. Seu toque me tira a
razão e isso não é natural, não é certo — murmurei, meu tom
estrangulado deixava bem claro o quanto estava lutando para não
chorar na frente dele.
Eu odiava isso, odiava me afogar nas incertezas do que era real
e o que não era. Desde nova sempre gostei do controle, dos fatos,
do que podia afirmar e confirmar com provas e certezas. Mas
quando se tratava disso, da ligação e daquelas reações, eu não
conseguia discernir o que vinha de mim e do que era provocado por
ele, pela marca.
— Para você pode ser real, porque teve tempo de desenvolver
seus sentimentos por mim sem me tocar primeiro, sem estar
próximo o suficiente para ser afetado por essas sensações. Não foi
o mesmo comigo, não sem essas reações causadas por nossas
marcas no meio. Já não sei o que é real, pois você manipulou tudo,
William. Não foi o destino, foi você. Plantou essas dúvidas e agora
não sei se serei capaz de acreditar em você e no que quer que
posso sentir em relação a nós — confessei, finalmente liberando
minhas emoções, minhas dúvidas.
— Seline, por favor. — Seu tom débil, seus olhos que lutavam
para segurar as lágrimas que começavam a se tornar visíveis para
mim, me faziam me sentir pior.
Estava machucando-o e não sabia se negá-lo na cerimônia de
escolha seria pior do que estava fazendo naquele momento.
— Estou indo embora, William, estou saindo dessa
universidade, vou me afastar de você antes que isso o destrua. Não
vou ser responsável por levá-lo à loucura ou por matá-lo — decretei,
reunindo o pouco de força que havia em mim para dizer aquelas
palavras, para trazer firmeza a elas.
— Não, por favor. Seline, você está confusa, eu entendo, mas
você nem sequer está me dando uma chance. Sei que tudo isso te
chateou, plantou dúvidas em sua cabeça, mas... — Seu desespero
era evidente, o que só piorava mais a situação, a forma como
estava me sentindo.
William tentou se aproximar de novo, mas me afastei, erguendo
uma mão para ele em aviso, um aviso que foi o golpe final na estaca
que estava cravada em seu peito. Ele viu, viu em meus olhos que eu
não queria mais ouvir nada daquilo e que o queria distante. Pior, que
não queria que ele me tocasse. Consternado, ele fechou os olhos
por um momento, forçando-me a testemunhar as duas lágrimas
solitárias que rolaram por suas bochechas.
— Irei te respeitar, não vou mais me aproximar ou forçar uma
conversa, mas fique, termine seu curso. Você merece isso. — Seus
olhos se abriram e ele me encarou fixamente. — Completarei esse
semestre, depois vou trancar o meu curso e sair da universidade. O
motivo de eu estar aqui sempre foi você, mas já que deixou bem
claro sua decisão, não há mais nada que me mantenha aqui —
anunciou, derrotado.
Toda aquela dor, a sua dor, estava me afogando. Ele abrira
mão, fosse lá o que ele viu em meu rosto, quando me afastei dele, o
levou ao limite. Ele não seguiria implorando, não mais.
— Está tudo quitado de qualquer maneira, seria um desperdício
— acrescentou, empertigando sua postura, fechando-se
completamente para mim.
Digerir suas palavras por um momento... Se tudo já estava
quitado, não havia muito o que fazer. Apesar das atitudes de William
terem sido em benefício próprio, ele me dera algo inestimável como
consequência, a oportunidade de realizar meu sonho, um sonho que
pensei estar perdido quando meu pai cometeu aquele crime. Me
formar me dava também a chance de finalmente quebrar o controle
deles sobre mim, que havia me ferido mais do que o vampiro em pé
diante de mim.
Eles também não sairiam isentos da minha raiva e mágoa.
— Eu vou pensar — sibilei, tirando de mim mesma a obrigação
de chegar a um veredito naquele instante.
Foram coisas demais por um dia, eu precisava estar calma e
longe dele para tomar uma decisão. William deve ter visto isso em
meu olhar, como aquilo o atingiu, não sabia dizer, ele estava
trancado para mim. Seu rosto era tomado por uma máscara
impenetrável, seu maxilar estava trincado e suas mãos cruzadas
atrás das costas de novo. Seus olhos azuis estavam obscurecidos e
sua postura rígida. O vampiro de pé diante de mim não era mais
aquele que chorou e implorou que eu o escutasse, era filho de
Vladmir Vlad, o futuro conde. Quem ele sempre esteve destinado a
ser.
William não me respondeu, apenas acenou cordialmente,
concordando com meus termos. Então ele se virou e caminhou até
as folhas, prestes a afastá-las de seu caminho para ele se retirar
dali o mais rápido possível, no entanto, antes que pudesse de fato o
fazê-lo, ele hesitou.
— Você decidindo ficar ou não, se precisar de alguma coisa,
qualquer coisa, não hesite em me procurar. Saiba que tudo o que eu
fizer por você, Seline, nunca vai ser esperando algo em troca e sim
porque me importo com você. Quando amamos, ver a felicidade da
pessoa já é a maior recompensa que podemos querer, mesmo
quando não estamos incluídos nessa felicidade — dito isso, ele se
foi, sem olhar para trás e sem se despedir.
Eu o quebrara, isso estava evidente. Mas o que estava
realmente me perguntando naquele momento, enquanto fechava
meus olhos e me abraçava, permitindo que as lágrimas rolassem
por minhas bochechas livremente, era se tinha tomado a decisão
certa. Se ao quebrá-lo, não quebrei a mim mesma...
Eu conhecia os riscos, sempre estive ciente de cada um deles.
Sabia que encontrar minha destinada mais cedo do que os outros
prometidos, poderia ser uma dádiva ou maldição. Tive tempo para
pensar em tudo, no entanto, isso não diminuiu as chances de
cometer um erro.
Fui refém da frustração de não poder tocá-la durante muitos
anos, frustração que pareceu triplicar quando mantive minhas mãos
para mim com mais frequência do que gostaria quando nossos
caminhos finalmente se cruzaram. Com afinco, eu me segurei para
não agir como um louco, necessitado e faminto por ela. Seu sangue
nunca me atingira tão fortemente antes, como foi nessas últimas
semanas. Seu cheiro era intoxicante, doce e cantava para mim
como uma maldita canção de sereia, atraindo-me cada vez mais
para fundo, instigando-me a me afogar nela, no seu toque, na sua
presença. Estar ao lado dela era como lutar inúmeras batalhas
diferentes em uma fração de segundos e todas elas colocavam em
questionamento o autocontrole que sempre julguei possuir.
Entendi sua revolta, fora coisas demais para se lidar. A imagem
que ela tinha construído de seus pais estava desmoronando
gradativamente há muito tempo. Seline sempre fora subserviente,
não via o que estava à sua frente ou talvez não quisesse ver. Seus
pais sempre mantiveram um pulso firme sobre ela, sobre suas
escolhas, do que era tolerado ela gostar ou não. Os lugares que
frequentava e os amigos que tinha, com exceção de Jude, que eles
nunca conseguiram afastar dela. Não contar a ela partes
importantes da profecia, de sua marca, foi só mais um de seus
artifícios para manter o controle sobre sua escolha, a escolha que já
haviam feito por ela. Seline fora empurrada para aquela borda
pouco a pouco, presumia que saber quem eu era e o que fiz para tê-
la por perto, foi o ápice que a levou a cair em queda livre.
Eu não fizera pior que seus pais, minhas intenções sempre
foram as melhores, mas reconhecia que não pesei o fato de que
facilitando sua entrada aqui e cercando-a de enigmas, poderia fazê-
la se sentir manipulada, muito menos que isso fosse de fato atingir
seu orgulho próprio. Pensando bem, seus pais provavelmente
também julgavam suas atitudes e intenções boas, era por isso que
seguiram fazendo tais coisas. Isso, o que eu fiz, não me tornava
diferente deles. Havia tirado de certa forma algo dela. Eu sabia mais
do que qualquer outro que grande parte de sua vida, Seline se
dedicou as suas notas e para onde elas a levariam no futuro. Aquilo
sempre foi algo que ela nunca deixou ninguém tirar dela, seus
méritos. Seline sabia exatamente quem era e no que era boa, sabia
que com seu histórico perfeito, não existiria nenhuma universidade
no mundo que seria louca em não a aceitar. Algo que só foi
reforçado com a pequena mentira que criara para trazê-la para cá,
algo que desmoronou e a atingiu fortemente quando descobriu o
verdadeiro motivo de sua presença aqui.
Seline me odiaria por um tempo, mas tinha esperanças de que
se ela resolvesse ficar, conseguiria inverter essa situação. Não
importava quanto mais tivesse que esperar, eu esperaria por ela,
lutaria por ela.
Foi egoísta, eu fui egoísta. A trouxe para cá pensando em mim
e, por um momento, me esqueci de algo muito importante. Para um
prometido, a felicidade e bem-estar de sua destinada era prioridade,
e eu falhara terrivelmente em proporcionar isso a ela. Não seria
mais egoísta. Desse momento em diante, tudo se trataria dela, se
tivesse a chance de conquistá-la, faria isso de outra forma, nem que
tivesse que prometer que nunca mais a tocaria, não sem
consentimento. Não queria que Seline pensasse novamente que eu
estava usando as sensações que causávamos um no outro para
manipulá-la. Sua rejeição quase me colocara de joelhos embaixo
daquele salgueiro. Lutei para não ceder àquela dor que crescera em
meu interior, lutei para não demonstrar nem uma pequena fração
dela antes de me virar e partir. Ainda não podia senti-la com
precisão – não sem mais contatos íntimos estabelecidos –, ainda
não conseguia determinar seus sentimentos com clareza, apenas
farejá-los e ler os seus sinais corporais, como qualquer outro
vampiro, mas, ainda assim, pude ser capaz de julgar que tal
situação não estava sendo fácil para ela também. Havia mágoa, dor
e raiva em seus olhos, exalando de seus poros. Não gostei de
assistir aquilo, não gostei de ser a causa de seu sofrimento, mesmo
que tivesse sido só uma parcela.
Seline não fazia ideia, mas nunca fui o manipular e sim o
manipulado. Ela sempre esteve no controle, nunca eu. Seline era o
captor e eu o cárcere. Não me incomodava nenhum pouco estar à
sua mercê. Ela tinha poder sobre mim, tinha meu coração morto em
mãos e nem imaginava. Eu não era capaz de machucá-la – não de
propósito –, ela, por outro lado, tinha o poder de me destruir. Isso
ficou ainda mais claro quando o fez, com míseras palavras, embaixo
daquele salgueiro. Eu estava deliberadamente apaixonado por ela e
isso, seria minha ruína caso não conseguisse fazê-la me perdoar.
Estava saindo da universidade por alguns dias, precisava estar
longe dela para pensar, para colocar minha cabeça no lugar.
Ninguém se importaria de todo jeito. Perder algumas aulas não
mudariam nada para mim, esse era o benefício de ser quem eu era,
mesmo quando não me agradava usar tal influência. Todavia,
agarraria tais privilégios sem hesitar naquele momento. Ficar ali, só
me levaria a travar outra batalha, uma que perderia se não
conseguisse me recompor. Não podia ir atrás dela, não ainda.
Estava deixando meu quarto quando meus olhos caíram sobre
a figura que estava me aguardando no corredor. Estive a sua
procurando desde que Seline me contou sobre o que ela fez, mas
Hilary esteve fora da universidade desde então. Analisando-a,
trajando um vestido justo e curto, encostada na parede ao lado da
minha porta, olhando-me como se eu fosse sua próxima refeição,
não demorei para constatar que ela fora informada sobre isso e
deduzira algo completamente diferente das minhas reais intenções.
Não era um bom momento, percebi, mas, infelizmente, não
tinha escolha. Hilary não deixaria passar, eu tinha que fazer aquilo,
resolver aquela situação de uma vez por todas, assim Seline ficaria
segura enquanto estivesse fora.
— Soube que estava me procurando, você precisa de algo de
mim, Will? — Seu tom arrastado e sedutor combinava com seu olhar
coberto de malícia e segundas intenções.
Encarei-a, cerrando meus molares, mas mantendo minha raiva
fora dos meus olhos e de minhas feições. Algo que só pareceu
incitá-la ainda mais, dando coragem a ela para se aproximar e tocar
meu peito como se tivesse liberdade para isso.
Olhar para Hilary me lembrava de uma época em que cometi
um erro, um erro em me deixar levar por suas artimanhas de
sedução e manipulações. Transei com ela em uma noite que estava
frustrado, frustrado por ter que esperar por Seline. Ela ainda era
muito nova, mas velha o suficiente para me atrair como nenhuma
outra mulher foi capaz. Seline tinha apenas 15 anos na época e eu
me sentia sujo por desejá-la arduamente. Meus sentimentos por ela
sempre foram ternos quando ela era uma criança, guiados pelo
respeito e proteção. Pelo que ela significava para mim e o que
significaria ainda mais no futuro. No entanto, esses sentimentos
mudaram quando ela começou a amadurecer, mais rápidos do que
eu desejava, do que achava permitido e isso, por um momento, me
frustrou tremendamente. Então, Hilary apareceu. Seu pai estava
tratando de negócios no andar debaixo com o meu e ela aproveitou
a oportunidade para se esgueirar até o meu quarto e me tentar. Fora
uma única vez, um momento de fraqueza. Foi rápido e sujo. Ela não
fez barulho e nem eu, sabíamos que isso só nos apontaria como
culpados para nossos pais e eu não queria dever nada a Hilary, nem
que seu pai se aproveitasse de qualquer situação para amarrá-la
mim, meu status de prometido não era algo que todos sabiam e eu
preferia dessa forma. Ele podia não saber das indulgências dela,
mas eu sabia muito bem que não era seu primeiro e, dificilmente,
seria o último.
— Estive, mas não pelos motivos que você acha — respondi,
contido, pegando em seu pulso com mais firmeza do que o
necessário e o empurrando para longe. Um ato que fez sua postura
desabar.
Seus olhos se arregalaram levemente e pude ver Hilary assumir
uma postura cautelosa.
— Eu sou um cavaleiro, Hilary, mas não pense que vou te
poupar de minha ira caso descubra que você foi atrás da Seline de
novo. Você não quer comprar uma briga comigo. — A aspereza em
meu tom soara tão afiada, que era capaz de cortar aço.
Hilary teve o bom senso de estremecer diante de minhas
palavras e dar um passo para trás, totalmente ciente da minha
ameaça, de que eu era o tipo de inimigo que ela deveria temer em
ter. Infelizmente, o medo e o choque presente em seu rosto duraram
pouco e logo a consternação a consumiu. Sendo guiada pela
incredulidade e a raiva, Hilary se empertigou e fechou as mãos em
punhos, pronta para dar o bote.
— Ela é a porra de uma bolsista, uma humana inferior. Ela não
está no seu nível, Will — pontuou, como se aquilo fosse tão óbvio
que chegava a ser insultante da minha parte estar a defendendo. —
Nós nos conhecemos há muito tempo, nossos pais fizeram
inúmeros negócios...
— Exatamente, seu pai e meu pai sendo ótimos negociadores
sabem perfeitamente que não se mistura negócios com prazer —
cortei-a, incisivo. — Não tenho interesse em você, Hilary, e não use
os privilégios que sua família tem para chegar à minha cama. Não
vai acontecer, não novamente. Aquilo foi um erro que não voltei a
cometer em todos esses anos e não vou. Então, estou te avisando
mais uma vez. — Vi o medo cruzar seu olhar, quando dei um passo
em sua direção, fechando completamente a distância entre nós,
encurralando-a contra a parede.
Não precisava me olhar no espelho para saber que veias
negras subiam pela parte de baixo de meus olhos e os injetaram
com uma fúria letal, deixando o azul deles mais escuro e minhas
presas quase completamente à mostra. Podia sentir as pontas
afiadas delas rasparem em meu lábio inferior, servindo de alerta,
uma ênfase de que não estava brincando.
— Não olhe para ela, não chegue perto dela e muito menos fale
com ela de novo — ordenei, glacialmente. — Se você atravessar
esse limite, eu mesmo vou atrás de você e acredite, o fato de seu
pai ter negócios com o meu, não vai me impedir de quebrar seu
pescoço e arrancar seu coração. Eu fui claro? — Praticamente
rosnei aquelas últimas palavras, tão perto de seu rosto, que pude
assistir em tempo real o terror e a mágoa oscilarem, brilhando em
seus olhos.
Hilary não respondeu, mas manteve meu olhar. Ela não estava
dobrando, queria provar algo a si mesma, ainda estava certa de que
eu não a machucaria para defender uma humana. Ela estava tão
malditamente errada. Eu morreria e mataria por aquela humana.
— Eu fui claro, porra? — vociferei com altivez, agarrando seu
pescoço com uma de minhas mãos, depositando a força necessária
para provar meu ponto.
Dessa vez, minhas presas estavam completamente expostas
para ela, prontas para estripá-la se eu achasse preciso, se
deduzisse que ela representaria um mísero risco ao bem-estar de
minha destinada.
Hilary viu isso, apesar de todo ceticismo de antes, finalmente
sua ficha havia caído, não a deixando apenas mais assustada,
como descrente.
— Cristalino — ela murmurou, entredentes, a contragosto,
depois de longos segundos em silêncio, onde pude ver seu conflito
interno se desenrolar por seu olhar e expressão.
— Estamos entendidos então — decretei, soltando-a
rapidamente e me retirei dali, sem me preocupar em olhá-la
novamente ou me despedir.
Aquele assunto estava encerrado.

— Você precisa ser sábio, meu filho. Sabíamos que ela poderia
não lidar muito bem com a situação, quando a descobrisse — meu
pai pontuou, reticente.
Sim, nós sabíamos disso, mas eu estava seguro de que
conseguiria lidar com a situação se tivesse tido um pouco mais de
tempo para alcançá-la, para conquistá-la devidamente.
Mas a verdade era que, havia errado em supor tal coisa, não
existia e nem nunca existiu nenhuma garantia – em quaisquer
aspectos –, quando se tratava da vida ou do amor, principalmente
nenhuma que confirmaria que teria conseguido tal coisa.
— Eu esperava que quando ela descobrisse, as coisas entre
nós estivessem mais evoluídas — confessei, movendo minha mão
de forma que o líquido âmbar dentro do copo que segurava se
agitasse.
Já faz quase uma hora que estava sentado naquela poltrona,
de frente ao meu pai, em nossa sala, ao lado da lareira, afogando-
me em meu Bourbon. O álcool era bom ao nosso paladar,
infelizmente seus efeitos eram paliativos. Mestiços podiam ficar
bêbados, mas nós, vampiros puros, não éramos capazes nem se
tomássemos uma tonelada daquele Bourbon, por exemplo.
Entretanto, eu apreciava o sabor e a mentira que contei para mim
mesmo de que cada gole daquele líquido – que era normalmente o
maior inimigo dos humanos –, pudesse me relaxar.
— Viktor não tinha o direito de fazer as coisas como as fez, vou
me certificar de dizer isso a ele e repreendê-lo devidamente. Ambos
sabemos que isso poderia ter gerado um problema ainda maior com
o conselho das destinadas — salientou, claramente mais perturbado
com a atitude do meu irmão, do que com a ameaça do conselho se
envolvendo naquela situação.
Meu pai realmente achou que lecionar na universidade daria a
ele algo mais para pensar, que seria bom para mantê-lo ocupado e
na linha. De certa forma foi, por um curto período.
— O senhor vive dizendo que ele não me odeia, que seus
ataques não são direcionados a mim e sim a você. Que me
atingindo, ele está te atingindo, mas nunca me explicou o motivo —
disse com placidez. — Sinceramente, faz muito mais sentido ele se
ressentir de mim, do que do senhor.
Os olhos azuis de meu pai, antes límpidos, rapidamente se
tornaram enevoados. Ele parecia distante e mais frio do que o
comum, como se meu comentário tivesse desencadeado uma
memória infeliz.
— Existem coisas que devem ficar no passado, William. — A
neutralidade controlada dele, era claramente falsa. Constatei isso
quando vi seu agarro sobre o copo de bebida que também tinha em
mãos, se intensificar. — Você não deve se preocupar com seu
irmão, ele é minha responsabilidade, não sua. Vou cuidar disso,
foque em sua destinada e em tentar reverter essa situação. — Não
era um conselho, seu tom austero, dirigido a mim naquele momento,
acompanhado de um olhar firme e altivo, deixou bem evidente que
aquilo era uma ordem.
Eu amava meu pai, ele não era cruel como a maioria pensava,
não como meu avô e meu bisavô. Ele quebrara o ciclo da crueldade,
era um conde honrado e honesto, no entanto, a perda da minha
mãe, o desempenhar do seu papel e criar dois filhos sozinhos, o
endureceu. Ele era racional, objetivo e tentara me moldar à sua
imagem e semelhança. Com Viktor não foi diferente, mas um dia,
algo nele mudou, algo que ainda não conseguia entender. A
hereditariedade e o título, apesar de ser uma boa justificativa, não
parecia ser o bastante para explicar suas atitudes. Houve um tempo
em que fomos bons amigos, até isso mudar repentinamente. Meu
pai podia continuar me dizendo que Viktor não era minha
responsabilidade, mas ele não era só perigoso em relação a Seline,
como para todos nós. Talvez meu pai soubesse disso ou apenas
não quisesse enxergar, mas algo mais estava movendo meu irmão
adotivo. Ele não estava mais apenas sendo rebelde e querendo
chamar atenção. Existia algo estratégico e meticuloso em suas
atitudes, em sua maneira de agir, como se já tivesse um alvo
específico marcado e esse não era minha destinada, mas ele a
usaria para atingir seu objetivo se fosse necessário, usaria a todos
nós.
— Confio em seu julgamento, meu pai, no entanto, lembre-se
bem de que não somos mais apenas eu, você e Viktor nessa
equação — alertei-o, mantendo meu tom controlado, mas firme o
bastante para fortalecer meu ponto. — Seline está envolvida agora
também, então não espere me ver sentado, aguardando uma atitude
sua ou sua permissão se ele representar algum mísero risco a
integridade dela. — Minha implicação era clara e ele estava bem
ciente disso quando me levantei, deixando meu copo vazio sobre a
mesinha de centro, antes de me retirar dali, sem esperar por sua
resposta.
Abotoei meu blazer com calma, conforme me dirigia até o
jardim. Era noite e o céu noturno estava iluminado pela enorme lua
cheia e as inúmeras estrelas. Eu não precisava respirar, mas
gostava de fazê-lo ali, para sentir o cheiro de ar fresco e orvalho,
que pareciam estranhamente me acalmar.
Retirei meu telefone do bolso da minha calça jeans, fazendo a
ligação que debati comigo mesmo durante um longo tempo se
deveria. O toque soou três vezes, antes das duas vozes soarem do
outro lado.
Ótimo, eles haviam atendido ao mesmo tempo. Isso facilitaria
as coisas.
— Preciso de um conselho. — Fui direto ao ponto, sabendo que
quando se tratava deles, a enrolação não funcionava.
— Que merda você aprontou, Vlad? — A voz grave e
acusatória de Lucian ecoou do outro lado, fatalmente deduzindo o
pior, como ele sempre o fazia.
— Por que você acha que ele aprontou algo? — Lucius o
retrucou, não porque estava esperando o melhor, mas por gostar de
contradizê-lo sempre que podia.
Aqueles dois viviam se implicando mais do que eu gostaria e
mais do tinha paciência para lidar.
— Ele está fazendo uma ligação conjunta e iniciou ela pedindo
um conselho com um tom que diz claramente que ele aprontou algo
— Lucian indicou como se fosse óbvio. — Fora que você fez a
mesma coisa quando descobriu que a Megan era sua destinada e
não sabia como lidar com a situação, porque achava que já tinha
estragado tudo com ela quando a ameaçou e a aterrorizou na época
em que se conheceram. — O desgraçado tinha uma boa memória,
sempre teve, assim como sempre conseguiu nos ler facilmente.
— Você tem tão pouca fé em nós, Queen — Lucius desdenhou,
provocando-o sem reservas.
— O que você fez, William? — Ele voltou a perguntar,
ignorando completamente nosso amigo, que era nada mais, nada
menos que o rei.
— Eu gostaria de saber — confessei, passando minha mão livre
por meus cabelos, nervosamente, tão perturbado com toda aquela
situação, que começava a me questionar se sabia de fato a resposta
para todas as perguntas que me fiz desde a minha última conversa
com a minha destinada.
— Bom, pela sua voz deprimente vou deduzir que o Lucian está
perto de ganhar nossa aposta — Lucius constatou, fazendo-me por
um momento esquecer de toda aquela droga.
— Você realmente apostou contra mim? — questionei,
dirigindo-me diretamente ao meu amigo mais taciturno.
— Não, eu apostei contra o destino — corrigiu-me, fazendo-me
bufar.
Soltei uma risada vazia, anasalada, sem qualquer vestígio de
alegria.
É claro que ele o fez.
— Quer saber, não me importa. De todo modo, acho que
estraguei as coisas tentando fazer o que julguei ser o certo —
confidenciei, com cuidado para que minhas palavras soassem mais
forte do que estava realmente me sentindo.
— Deixa eu adivinhar, a Seline finalmente descobriu que é sua
destinada e que você praticamente comprou a vaga dela na
universidade para ela estar perto de você? — Lucian deduziu, tão
seguro de seu chute que, de repente, me senti muito tentado em
viajar até a Inglaterra e socá-lo, já que ele não estava mais na
Rússia.
— Eu não comprei, facilitei. É diferente — contrapus, ouvindo
uma gargalhada sarcástica soar do lado dele da linha.
— Não para ela. — Ele estava claramente se divertindo com a
situação.
Lucian era um idiota e, infelizmente, eu me esquecia disso com
frequência.
— O Lucian tem um ponto, mas eu faria o mesmo se estivesse
em seu lugar — Lucius finalmente se pronunciou, saindo em minha
defesa, tentando me consolar.
Desde que Megan entrara em sua vida, ele começara a se
tornar mais compassivo. Ainda era um idiota com um humor
irritante, mas graças a sua destinada e de tudo o que passaram,
Lucius começou a ver muitas coisas de forma diferente e com mais
empatia, principalmente a minha situação. Tinha que me lembrar de
agradecê-la novamente por fazer dele alguém melhor, não só nos
aspectos pessoais, mas como líder. Lucius vinha se mostrando um
bom rei naqueles dois anos, não só por ter tido Chris como espelho,
mas por ter uma rainha como Megan ao seu lado. Ela era calma e
sábia, enquanto ele era a força bruta e a mente brilhante, fosse em
fatores políticos ou estratégicos. Eles se completavam de uma
maneira que sempre desejei que eu e Seline pudéssemos nos
completar um dia.
— O que explica porque a Megan te odiou no início e a Seline
está, provavelmente, odiando-o agora. Mulheres não gostam de
mentiras e nem de se sentirem manipuladas — Lucian ressaltou,
fazendo-me suspirar.
— Diz o Romeu que prefere estar no campo de batalha do que
nos braços daquela que foi destinada a ele — Lucius alfinetou,
fazendo uma risada ficar presa em minha garganta.
Era óbvio que ele não perderia a oportunidade de levantar
aquele assunto de novo, para cutucá-lo. A destinada de Lucian,
assim como sua marca, fora um assunto que ele exigiu ser abolido
entre nós, mas Lucius era... bem, Lucius. Ele não era bom em
receber ordens, muito menos ter alguém dizendo a ele o que fazer.
Pelo menos não alguém que não fosse sua esposa. Ele também
não perderia a chance de usar a situação como piada, em especial
para provocar Lucian com ela.
— Eu prefiro estar em um campo de batalha e foder muitas
mulheres, obrigado. Me recuso a aceitar que algo ou alguém já
tenha decidido com quem eu deva passar a minha eternidade e
como farei isso. Já tenho meu pai me obrigando a aceitar o meu
título e minha herança para isso e já é mais que o suficiente. Uma
mulher que terei de seguir um monte de regras idiotas e completar
etapas como se estivesse em um maldito jogo, para transar com ela,
é ridículo. — A objeção de Lucian viera de forma firme e resoluta.
Ele estava bem certo do que queria e isso era ficar bem longe da
humana com quem compartilhava uma marca.
Entretanto, Lucian se esquecera de que a relação de
predestinados não se tratava de algo apenas carnal. Ele esteve
tanto tempo em campos de batalha, dedicando-se em ser o melhor
guerreiro que esquecera a importância de ter sentimentos que não
fossem aqueles que ele usava para desempenhar seu papel. Para
ele, mulheres eram apenas ferramentas para aplacar suas
necessidades básicas. Às vezes eu julgava que meu amigo era mais
animal, do que, bem, não éramos humanos, mas éramos capazes
de adquirir princípios e até humanidade, se nos importássemos o
suficiente. Mas Lucian, ele parecia longe de se sentir assim quando
não se tratava de sua família e das pessoas com quem se
importava.
— Você sabe que a relação de predestinados não se limita só
sexo, não é? — perguntei, tentando estabelecer um ponto.
— Sexo bom para caralho, tenho que ressaltar — Lucius
acrescentou, fazendo-me rir por um momento. Ele era impossível.
— Mas, sim, não se define a só isso. Trata-se de ter alguém para
dividir algo único. Ter aquele vazio, que carregamos desde que
nascemos, preenchido.
— Pensei que o foco aqui era o William e sabe lá a merda que
ele fez. Não eu e minha maldita marca — Lucian retrucou, seu tom
impaciente deixava bem claro o quanto ele achava tudo aquilo uma
baboseira e perda de tempo.
— Sabe, Lucian, eu vou me deliciar em acompanhar a batalha
que você travará contra sua cabeça-dura e esse coração que finge
não ter quando sua destinada, enfim, aparecer. — Lucius, não
satisfeito, empurrou mais um pouco, provavelmente atingindo um
nervo.
— Com todo o respeito, vossa majestade — Lucian iniciou,
arrastando as palavras com todo o escárnio que era capaz de reunir
— Vá se foder! — rosnou, arrancando uma gargalhada estrondosa
de Lucius.
Balancei minha cabeça em negativa, eu não sabia dizer como
aqueles dois ainda eram amigos. Sabia que apesar de Lucian ser
um velho turrão e mal-humorado, ele morreria por nós, lutaria
nossas batalhas sem pestanejar. Ele fizera por Lucius, apesar de
todas as implicâncias. Quando soube que a filha dele tinha sido
levada e que Lucius precisava dele para resgatá-la, mantê-la segura
e liderar sua guarda contra seu tio e seu exército, ele voou da
Rússia até a Inglaterra imediatamente após desligar o telefone. Ele
não o fizera porque o futuro rei havia pedido, mas por ser Lucius e
ele precisava dele. Eu queria ter estado lá para ajudá-los, mas
Lucius não permitiu. Ele me assegurou que tinha as coisas sob
controle e quando tudo finalmente acabou, voei para me juntar a
eles. Sua família era a nossa, Megan e Lucy se tornaram tão
importantes para nós, como eram para ele. Morreríamos para
protegê-las, principalmente a nossa garotinha, que a cada dia
estava mais linda, crescendo mais rápido do que gostaríamos.
— Sou um vampiro puro, meu coração não bate e só está ainda
dentro de mim, porque preciso dele — ele complementou, após a
risada de Lucius se extinguir.
— Vocês são ótimos amigos — murmurei, irônico, percebendo
que o real motivo para ligar para aqueles idiotas se perdera no meio
de suas provocações infantis.
— A gente tenta. Agora nos conte, que merda aconteceu? —
Lucius inquiriu, deixando de lado seu passatempo preferido que era
perturbar Lucian, voltando-se para mim.
Lucian, por outro lado, sabiamente se manteve em silêncio, ele
não falaria até eu ter acabado de explicar aquela bagunça e Lucius,
com certeza, faria o mesmo.
Existia um motivo para eu ligar para eles. Lucius havia passado
por algo parecido com Megan no início, ele melhor que ninguém
sabia o que eu estava passando. Com sua experiência, ele poderia
me dizer o que fazer, me apontar uma direção. Já Lucian, apesar de
não ser muito adepto a ideia de ser um prometido, ele seria único
que poderia olhar para aquela situação de maneira imparcial. Sem o
interesse de prometido envolvido. Seu conselho seria estruturado
em uma base neutra e racional. Com isso, eu teria uma combinação
perfeita entre a experiência de um e a sabedoria de outro.
Todavia, a pergunta que ecoava em minha mente era frustrante
e perturbadora.
Por onde eu começava?
Eu liguei para meus pais quando a minha discussão com
William não foi o suficiente para aplacar a tempestade dentro de
mim. Minha mãe me atendeu da mesma forma como sempre fazia,
suas palavras foram doces e acolhedoras nos cumprimentos, até a
pergunta rotineira que fazia parte de todas nossas conversas ao
telefone soar.
“Como esses sanguessugas estão te tratando? Você sabe que
não precisa ficar aí se não quiser, não é mesmo, querida?”
Achei que estava sob controle, até aquelas palavras escaparem
de seus lábios e, então, explodi. Não foi bonito, papai teve que tirar
o telefone das mãos da mamãe e colocar no viva-voz, para que
assim os dois tentassem combinar suas forças para justificar suas
ocultações de mim.
“Fizemos isso para o seu bem, Seline. Não queríamos que
esses pontos específicos sobre essa maldita profecia e a essa
marca amaldiçoada a fizesse titubear, seja por pena ou por
deslumbramento. Não se trata de destino, isso é magia, não é certo
ou normal. É maligna.”
Meu pai não era diferente da minha mãe, para ele, alguns fins
justificavam os meios, mas para mim isso não era certo ou justo.
Meus pais não ficaram felizes em saber que depois da palestra
que me abriu os olhos para suas mentiras, eu andei pesquisando
mais sobre a marca que carregava e a profecia a qual fazia parte.
Os inervou mais ainda descobrir que havia encontrado meu
prometido – que optei por não revelar seu nome e identidade –,
principalmente que ele estava aqui, na universidade. Eles sentiram o
poder deles sobre a coleira que colocaram em meu pescoço desde
que nasci, escorregar e isso aflorou um lado neles que nunca tinha
visto até então.
“Você vai trancar seu curso nessa maldita universidade e vai
voltar para casa, Seline. Não tem mais nossa permissão para se
manter nesse lugar.”
A exigência veio tão afiada como a ponta de um punhal
corrosível como ácido.
A perda de um controle imposto por muito tempo, pôde ser
esclarecedora. Percebi isso quando eles se tornaram mais
agressivos ao telefone comigo, não só exigindo que eu abrisse mão
do meu sonho por motivos mesquinhos, como me diminuindo para
alcançarem alguma razão naquela situação distorcida.
“Você é ingênua e burra demais, seu coração mole a guiará
para um caminho sem volta, Seline. Por isso contamos o que
julgamos ser necessário para que nem você e nem nós fôssemos
punidos, pois sabíamos o quanto você era facilmente manipulável.
Está com raiva de nós por isso? Fique! Não nos importa, desde que
você faça o que estamos te ordenando. Não terei uma puta de
vampiro como filha.”
Minha mãe não tentou ser gentil, não tentou apelar para
chantagens emocionais e pressões psicológicas como sempre fazia,
com intenção de me fazer me sentir mal pela situação onde eu não
era a culpada, mas, sim, eles. Ela estava com raiva e esse
sentimento sempre fora um combustível para alimentar o fogo de
seu temperamento dominante. Ela não toleraria minha rebeldia, não
aceitaria que eu fosse contra eles. Todavia, eles se esqueceram de
que eu não era mais uma criança. Meu curso estava quitado e
mesmo que odiasse o que William fez, isso me deu autonomia o
suficiente para romper o controle e destruir tudo que meus pais
poderiam usar contra mim. Morando e comendo na universidade,
facilitava as coisas para mim, principalmente porque a bolsa que
ganhei da universidade cobria todas as minhas despesas,
disponibilizando-me também uma espécie de auxílio estudantil que
se agregaria às minhas economias guardadas do tempo que
trabalhei para ajudar em casa. Isso me daria tempo para decidir o
que faria com a minha vida, pelo menos até me formar. Não era
mais uma criança, era uma mulher de 19 anos que não aceitaria
mais ser manipulada e controlada por ninguém.
Eu poderia ainda estar com raiva de William e de como ele fez
as coisas, mas, no fim, ele havia respeitado a minha decisão,
William não se forçou sobre mim, não voltou a me procurar nos dias
que se sucederam ao nosso último encontro. Eu amava meus pais,
mas isso não dava a eles o direito de fazer aquilo comigo, ainda
mais por serem quem eram. Se naquele momento eu tivesse que
escolher um deles, escolheria aquele que me desse a autonomia de
tomar as minhas próprias decisões. William agira errado, mas
depois de algumas pesquisas, descobri muito sobre ele, sobre como
o povo o via.
O filho do conde era conhecido por seu altruísmo e nobreza.
Não duvidava disso, não quando o vi se afastar de mim
completamente despedaçado após eu negá-lo, entregando-me o
controle. Diferente dos meus pais, ele não tentaria me controlar ou
forçar. Ele era o mal menor que estava escolhendo, não para ficar
ao seu lado, mas para aceitar o recurso que me ofereceu, para
permanecer na universidade.
“Não, não vou trancar o meu curso, não vou voltar para casa.
Não agora pelo menos. Ainda pretendo ir buscar mais roupas e
conversar melhor sobre isso com vocês, pessoalmente, mas não
será hoje, nem amanhã e muito menos nos próximos finais de
semana. Peço que me deem espaço para lidar com a bagunça
criada pelas mentiras contadas por vocês a vida inteira. Já está na
hora de eu pensar por mim mesma, tomar o controle da minha vida
e fazer minhas próprias escolhas. Eu amo vocês e apesar de tudo o
que me disseram, isso não mudou. Entretanto, meus sentimentos e
respeito por vocês não influenciarão mais no que penso e faço. Isso
não é amor, é controle. E eu cansei de ser controlada e
manipulada.”
Quando a sentença final deixou os meus lábios, não esperei
uma resposta, apenas desliguei o telefone e, finalmente, fui capaz
de respirar. A tempestade dentro de mim se acalmou e com ela
extinguida, comecei a traçar planos do que faria a seguir.

— Ainda estou assimilando toda essa loucura com seus pais e


o William — Jude admitiu, enviando-me um olhar compassivo.
Eu, enfim, havia contato para ela, colocando para fora tudo que
tinha guardado por todo aquele tempo. Tudo que tinha lidado
sozinha, até o momento.
Uma semana havia se passado desde minha discussão com
William e três dias após meu telefonema com meus pais. Eu estava
estranhamente mais calma, pensando de maneira mais racional.
Ainda estava chateada e magoada com os meus pais, mas não com
o William. Não sabia ao certo como estava me sentindo sobre ele.
Nossa última conversa ainda ficava se repetindo em minha cabeça,
assim como suas palavras e elas apenas serviam para me deixar
mais confusa. Não sabia ao certo como deveria estar me sentindo
sobre ele, sobre as suas atitudes que apesar de terem sido erradas,
não chegavam a ponto de me fazer odiá-lo.
Talvez eu tivesse reagido mal, mesmo que estivesse no meu
direito, poderia ter tentado escutá-lo e entender o seu lado, no
entanto, também sabia que pensar naquilo não mudaria nada. Não
dava para voltar atrás e fazer as coisas de forma diferente. Eu só
podia exercer o controle sobre as coisas e meus atos no presente.
O futuro não me cabia, não ainda, e o passado não podia ser
mudado, mesmo quando desejasse arduamente o fazê-lo.
— Você já se perguntou se fez a escolha certa ao negá-lo tão
rápido? Já chegou a pensar que poderia estar desperdiçando a
chance de finalmente ser feliz, Seline? — Jude levantou a questão
com certa cautela, arrancando-me de meus pensamentos e me
fazendo encará-la. — Nós, que não fomos agraciados pela dádiva
de possuir uma alma gêmea, predestinada a nós pelo destino,
passamos quase a vida toda procurando por uma pessoa que pelo
menos nos faça sentir vivos. Mas você tem algo realmente genuíno,
algo que foi feito para você, moldado e traçado por uma força maior.
Eu não acredito que o destino é capaz de cometer erros. A profecia
pode ter sido criada pela magia, mas a magia deu a essa força que
nos rege o poder de juntar duas almas de maneira sublime. Acho
que você, minha amiga, deveria considerar isso. William errou, mas
pelo que você me contou, ele levou anos para se apaixonar por
você, admirando-a de longe, vendo como seus pais te tratavam sem
poder fazer um único movimento. Imagine o quanto isso foi difícil
para ele? Esperar por você por 19 anos. Eu não o julgo por cometer
um erro por estar ansioso demais para te ter por perto. Sei que tudo
está uma bagunça dentro de você agora e eu te aconselho a lidar
com essa bagunça antes de pensar em se permitir qualquer coisa.
Também apoio que se você decidir dar uma segunda chance a ele,
que aproveite a oportunidade de conhecê-lo verdadeiramente, antes
de chegar a uma decisão. Agora que já sabe quem é seu prometido,
terá cerca de dois meses antes que o conselho venha atrás de você
querendo uma resposta — elucidou.
Encarei minha amiga fixamente, enquanto digeria suas
palavras. Eu sabia que a areia da minha ampulheta de destinada
começara a escorrer no momento em que descobri que William era
meu prometido e apesar de dizer aquelas coisas para ele, de negá-
lo, não sabia se minhas palavras foram sinceras, ou só se lançaram
para fora de meus lábios devido à raiva e a mágoa que queimavam
dentro de mim naquele momento.
Eu não era o tipo de pessoa que julgava o caráter de outras por
uma atitude específica, um único erro. Não fui justa com o William e
com seus sentimentos. Jude levantar a questão de como deve ter
sido difícil para ele em todos aqueles anos, só me fez me sentir pior
sobre isso.
Em minhas pesquisas, descobri muitas coisas, claro, tudo que
era superficial, mas uma delas deixava claro os quanto prometidos
eram extremamente dependentes de suas destinadas a ponto de
sentir de forma visceral o que recebia delas. Fosse amor ou repúdio.
Era exatamente por isso que alguns enlouqueciam, outros entravam
em uma depressão profunda causada pelo vazio e nos piores casos,
morriam após o recusar do vínculo.
— Só estou dizendo isso, porque talvez ter sido criada por pais
que odiavam tudo a respeito dos vampiros e por terem sempre
pressuposto que você não aceitaria seu prometido, por já terem
meio que feito essa escolha por você, possa a ter feito esquecer que
ainda pode fazer uma escolha diferente se assim desejar. Você já
tem os motivos para não o aceitar, isso torna fácil a situação, mas
não se esqueça de que em uma encruzilhada, há sempre duas
opções de caminho para se seguir. Assim como na cerimônia de
escolha, o sim e o não. Para que essa escolha seja justa para os
dois, já que você está escolhendo por ele também, você deve
descobrir os motivos que a levaria a aceitá-lo desta vez. Você detém
o poder da situação, Seline. A profecia não é justa com eles nesse
sentido e você deve concordar. No fim, o que eles querem, o que
escolheram, não vale de nada quando é a destinada que dá o
veredito. Seja justa com ele, é o mínimo que você pode fazer — ela
acrescentou, inclinando-se para pegar minha mão e apertá-la em
consolo.
Suas palavras traziam verdades incontestáveis, verdades duras
e a sabedoria que sempre era capaz de encontrar em seus
conselhos. Eu não podia ser obtusa em relação a tudo aquilo, mas
também precisava de tempo para lidar com a bagunça que ficou
dentro de mim. Eu tinha dois meses para decidir e, infelizmente,
menos que isso para chegar a um veredito sobre aquele ponto que
Jude levantara.
Deter o poder de suas próprias escolhas já era difícil, imagina
ter que escolher por outro alguém? Jude estava certa, a profecia
não era justa com os prometidos em algumas situações, mas
também não era com as destinadas em outras.
No fim, nada era perfeito, nem mesmo quando se tratava de
magia e destino.
Eu pude ouvir seus gritos, antes de vê-lo. William estava
deitado no chão, encolhido em uma posição que demonstrava pura
vulnerabilidade. Seus braços estavam enrolados em volta do próprio
corpo, enquanto ele convulsionava. Seus gritos eram dolorosos de
se ouvir, tão dolorosos que me levaram diretamente até ele.
Ajoelhei-me ao seu lado, sentindo lágrimas queimarem em meus
olhos ao presenciar seu sofrimento. Agarrei seus braços, que se
soltaram e chicotearam o ar cegamente em defesa, quando fiz
menção de tocá-lo.
— William, sou eu — elevei minha voz por cima de seus gritos,
tentando acalmá-lo.
— Não toque em mim — ele rugiu, expondo suas presas
afiadas, no entanto, sua força não parecia ser equivalente à da sua
natureza. Eu lutava com ele, contra seus braços, como se ele fosse
humano, de igual para igual.
Ele parecia ferido de uma forma profunda, mas, além disso, ele
parecia sentir uma dor estarrecedora.
Eu não sabia ao certo como, mas, de alguma forma, soube
exatamente onde ela estava localizada, já que com um movimento
rápido o suficiente a ponto de ele não ser capaz de pará-lo, minhas
mãos agarraram sua camisa social branca que já estava
desabotoada, expondo seu peito onde sua marca costumava se
encontrar. Costumava, porque naquele momento, ela estava se
apagando diante de meus olhos, conforme um fogo invisível
queimava sua pele avermelhada, fazendo as linhas e as formas que
antes constituíam a estrela de cinco pontas, irem desaparecendo
lentamente. Seus gritos ficaram mais altos, mais brutais, fazendo-
me cair sentada, horrorizada com o que estava vendo, com a tortura
que ele estava sendo sentenciado.
— Foi você, você fez isso comigo. Você me arruinou — William
vociferou, seus olhos azuis estavam vítreos, lágrimas desciam
violentamente por suas bochechas, enquanto ele me encarava com
um misto de ódio e dor.
Solucei, levando minhas mãos aos lábios, à medida que negava
com a cabeça. Eu não fiz aquilo, eu... eu não tinha escolhido.
Chorei, assistindo seu tormento, incapaz de me mover e quando sua
marca finalmente sumira por completo, ele parou. Seu corpo já não
se chacoalhava ou convulsionava. Seus gritos morreram, assim
como o brilho em seu olhar. De repente, sua pele pálida se tornou
cinza. Então eu soube, soube que ele estava morto.
Uma tempestade se formou dentro de mim, uma tão brutal que
empurrei para fora em forma de grito e foi assim....
Que acordei, despertando em um sobressalto abrupto, ainda
gritando, ainda sob os efeitos daquele sonho e daquelas imagens.

Depois do sonho, não consegui voltar a dormir, isso me levou a


sair do meu quarto e caminhar até o lado de fora do prédio onde
ficavam os dormitórios dos universitários. Sobre o céu noturno,
encostei-me em um dos alpendres e encarei as estrelas. Elas ainda
estavam lá, brilhando fortemente, mesmo quando sabia que
passava das 02h. Minha mente ficou repassando aquele sonho
horrível, mesmo quando tinha ciência de que ele mostrava uma
realidade, a consequência do que ocorreria se escolhesse negá-lo.
Claro que William não morreria, aquele sonho só pintara a pior e a
mais cruel das situações, mesmo assim, William sentiria dor, aquela
dor tão dura e crua.
— Você não deveria estar sozinha aqui fora, não a essa hora,
Seline. — Sua voz, tão viva como no sonho, soou atrás de mim,
fazendo-me virar rapidamente para encará-lo, com o coração quase
saltando pela boca.
Ele estava ali, tão real, lindo e sem dor. Meu olhar percorreu
seu torso nu, exposto, deixando à mostra sua marca, idêntica à
minha – que diferente do sonho, se encontrava intacta,
perfeitamente marcada em sua pele –, seguindo até a calça de
moletom preta que era a única coisa que ele usava e parando em
seus pés descalços. Ele não parecia com frio, diferente de mim que
estava agarrada ao meu roupão de dormir, com meus braços
traspassados em frente ao meu corpo, envolvendo meus próprios
braços. Foi impossível não o admirar sobre aquele feixe de luz lunar.
Braços fortes, peitoral definido e aquele conjunto de quatro
gominhos, delimitados, que formavam seu abdômen. William era
magro, mas forte nos lugares certos, sem parecer exagerado. Seus
cabelos estavam bagunçados e seus olhos azuis pareciam refletir a
luz da lua e das estrelas como se fossem safiras.
— William, céus! Você me assustou. — Ofeguei, levando minha
mão ao peito.
Ele não me respondeu de imediato, seus olhos me estudavam
de forma profunda, como se estivesse bem ciente de que eu o
estava admirando antes.
— Você parece agitada — analisou, mantendo uma certa
distância de mim, como se não se atrevesse a se aproximar.
Perguntei-me o que fez manter aquela postura. Ele estava
fazendo aquilo por ele, por estar magoado ou por mim, que em
nosso último encontro exigi que se mantivesse fisicamente longe?
— Tive um pesadelo e não consegui voltar a dormir, então vim
respirar um pouco de ar fresco. Isso sempre me ajuda depois de
sonhos assim — expliquei, surpreendendo-me de como aquela
admissão escapara tão facilmente dos meus lábios.
Apesar dos pesares, sempre me senti confortável na presença
dele e, por um momento, me esqueci de como era estar daquele
jeito sem sentir raiva ou mágoa.
— Você sempre teve problemas com pesadelos — comentou,
surpreendendo-me por um segundo, antes que meu inconsciente
me lembrasse de que William passou grande parte da minha vida
me observando, era óbvio que ele saberia sobre os pesadelos. —
Esse deve ter sido bem ruim, você só precisa de ar puro quando o
pesadelo é tão ruim a ponto de consumir seus pensamentos e tirar
seu sono — concluiu, fazendo-me piscar em choque.
Por aquela eu não esperava.
— Você realmente me conhece — murmurei, sorrindo
tristemente para ele depois de me recuperar do choque que suas
palavras me causaram.
William não sorriu, mas vi uma sombra de dor passar por seus
olhos. Isso fez com que me sentisse ainda pior, eu havia sido tão
insensível e dura com ele.
— Sonhei com você, com a cerimônia de escolha, com a
remoção da marca — confessei, desviando meu olhar para o céu
novamente, incapaz de encará-lo enquanto admitia aquilo. — Seus
gritos... eles... — Não fui capaz de concluir, não sem sentir um nó se
formar em minha garganta, embargando minha voz.
Eu podia sentir seu olhar queimando sobre mim, mas não tive
coragem de me virar.
— Você morreu antes que eu acordasse gritando em plenos
pulmões — concluí, notando meu tom soar baixo e fraco.
Um silêncio incômodo perpetuou entre nós por alguns
segundos, antes que seu suspiro soasse, fazendo-me finalmente
reunir a coragem para encará-lo.
— Será doloroso, mas não vai me matar, Seline. Nosso vínculo
não está forte o bastante para isso. — As palavras de conforto que
ele proferiu com tanta firmeza, não combinavam com seu olhar
quebrado.
Balancei minha cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa a mais
sobre aquilo.
— Acredito que você chegou a conhecer um pouco dos meus
pais nos anos que passou me olhando de longe. — Optei por mudar
de assunto, dirigindo-me a um dos quatros degraus da pequena
varanda, sentando-me ali, sentindo-o se mover em minhas costas,
um pouco mais próximo, mas não o suficiente.
Virei-me, sentando-me de lado de forma que pudesse olhar
para ele. Seus movimentos eram cautelosos e coordenados. William
estudou meu rosto, meu corpo, procurando por qualquer sinal que
demonstrasse que não aprovava seu aproximar e quando não
encontrou, se permitiu dar mais alguns passos, encostando-se,
ainda de pé, no alpendre oposto, ainda mantendo uma distância
segura e confortável entre os nossos corpos.
Ele estava fazendo aquilo por mim, pude constatar.
— Sinceramente? Sim, e posso dizer que o que conheci foi o
suficiente para chegar à conclusão de que não gostava nem um
pouco deles e da forma como tratavam você — admitiu, fixando seu
olhar no céu noturno.
Ele parecia distante, como se estivesse preso em uma memória
ou em seus próprios pensamentos. Devia ser difícil para ele se
manter distante quando cada partícula do seu corpo implorava para
se aproximar, para me tocar. Eu podia dizer aquilo por mim mesma,
que ainda era a parte mais forte daquele elo, mas que, mesmo
assim, era capaz de identificar o magnetismo presente entre nós,
que me atraía para ele, pulsando vivo, desejando o que pudesse
obter dele.
— Julgo que todos acham a mesma coisa — concordei,
decidida a não ceder aquele impulso, a distância entre nós era
necessária por enquanto. — Assim como acredito que sempre
estive ciente de como isso era tóxico para mim, mesmo que de
forma inconsciente. Eu não queria admitir, por isso continuava
permitindo, dizendo a mim mesma que eles eram meus pais e só
queriam meu bem. Demorei para entender que o excesso de amor e
proteção também podiam se tornar uma doença.
— Você parece cansada e agora, isso não tem nada a ver com
o pesadelo ou com a falta de sono — avaliou, fazendo-me sorrir
minimamente.
Ele me conhecia tão bem, conseguia me ler de uma forma que
deveria me assustar, no entanto, me fazia respirar aliviada. Era tão
bom, pela primeira vez, não precisar fingir ou esconder meus
sentimentos.
— É porque estou — sibilei, deixando meu tom soar tão
cansado como me encontrava mentalmente.
— Como estão as coisas com seus pais, Seline? — Como se
ele soubesse a verdadeira raiz do problema, William me estendeu
aquela pergunta como uma corda de salvamento, percebendo que
eu só precisava colocar para fora aquilo que estava me afogando
por dentro. Ele me deu seu tempo, sua presença, de forma que eu
pudesse desabafar sem receio algum.
— Sinceramente? — gracejei, imitando-o, vendo a pequena
sombra de um sorriso se curvar em seus lábios. — Nada bem.
Digamos que você não foi o único que descontei minha fúria e eles
não estão nada felizes com o meu comportamento, principalmente
com minha decisão de ficar aqui e de tomar as rédeas da minha
própria vida.
Vi a surpresa se estabelecer em seu rosto por alguns
segundos, como se ele não esperasse aquela decisão. A decisão de
ficar, mesmo depois de tudo.
— É por isso que resolveu ficar? Para tomar as rédeas de sua
própria vida e acabar de vez com o controle que seus pais exerciam
sobre você e suas decisões? — perguntou, não havia nenhum
interesse pessoal naquela pergunta, ele só estava tentando
entender meus motivos.
— Sim, isso é um dos motivos — admiti, vendo-o inclinar a
cabeça levemente para o lado, avaliando-me como se eu fosse um
quebra-cabeça cujas peças estavam confusas de se entender. — Eu
peguei pesado, William, admito isso, mas ainda não confio em você,
no entanto, ficar aqui lhe dará tempo e a oportunidade de mudar
minha opinião sobre isso. — As palavras escaparam de mim sem
reservas, sem eu hesitar ou titubear, fazendo William enrijecer sua
postura, conforme me olhava com mais atenção, mais profundidade,
como se não acreditasse no que eu estava dizendo. — Quando eu
te disse tudo aquilo, quando te neguei, eu vi a dor em seu olhar, vi
também que você queria continuar lutando para me explicar seu
ponto e, mesmo assim, não o fez. Você me olhou nos olhos e
percebeu que espaço era tudo o que eu precisava. Respeitou minha
decisão e isso te tornou alguém melhor que meus próprios pais. —
Levantei-me, vendo-o se empertigar, desencostando-se de onde
estava, mas se mantendo no lugar. — Escolhi o mal menor e apesar
de estar aqui te dando a chance de mudar o que penso ao seu
respeito, ainda mantenho meu posicionamento de antes. Sei o
quanto isso pode ser difícil para vocês, prometidos, mas gostaria
que evitasse me tocar — acrescentei, mesmo quando dei um passo
em sua direção, que ainda tinha aquele olhar em seus olhos. Como
se eu fosse algo irreal demais para se acreditar.
Ele me observou, com um misto de surpresa, confusão e
esperança cintilando nas profundezas oceânicas que eram suas íris.
Seu olhar desceu pelo meu corpo, mas rapidamente se voltou para
meu rosto. Parei a poucos centímetros dele, sentindo-me
estupidamente segura de que ele não avançaria. William não me
tocaria, mesmo quando cada fibra do corpo dele desejava isso. Algo
que era perceptível na forma como ele estava apertando suas mãos
em punhos ao lado do corpo.
— Eu quero mesmo me dar a chance de te conhecer
verdadeiramente, mas quando você me toca, as coisas se
bagunçam dentro de mim, o que é real e o que é apenas uma
reação causada por nossas marcas se confundem, e se tornam uma
linha tênue demais — expliquei meu ponto de vista, tentando deixar
meu ponto claro, vendo-o acenar quase imperceptivelmente como
quem entendia. — Eu preciso tentar te sentir primeiro sem isso tudo
no meio e falo sério quando digo que vou fazê-lo, mas também
preciso ser sincera com você e dizer que isso não é uma garantia de
que...
— Eu sei — ele me cortou, com uma voz tão rouca que fez
cada micro pelo do meu corpo se arrepiar. Não precisava terminar
aquela frase, ele sabia que dar uma chance para ele não era uma
garantia que o escolheria no fim. — Vou aceitar o que me oferecer,
Seline. Vou respeitá-la e respeitar os limites impostos. Você está no
controle. Sempre esteve — proferiu, abrindo-se para mim de forma
que eu podia ver tudo, tudo naquele olhar, naquele rosto.
Lutei contra o impulso que se acendeu em meu interior, o
impulso de acabar com aquela distância entre nós e tocá-lo.
— Aprecio de verdade isso, William, mas não quero estar no
controle, só quero levar isso no meu tempo, nos meus limites —
salientei.
— Eu te admiro por isso, mas se me permite ser sincero, estou
me perguntando o que a fez mudar de ideia? Você parecia bem
certa do que queria quando me negou naquele dia, negou nossa
ligação — quis saber, não deixando de se demonstrar cauteloso
com a mudança de meu discurso.
— Eu estava com raiva e magoada. Além disso, nunca fui do
tipo que julga o caráter de uma pessoa por uma única atitude. Não
acho justo eu ser aquela que vai escolher por nós dois no final disso
tudo, mas se vou fazer isso, devo ser justa com você e permitir que
me mostre o porquê deveria escolhê-lo, o porquê vale a pena dar
uma chance a isso, a nós, a você, já que meus pais foram os
responsáveis por apontar o oposto desde que eu tinha 15 anos.
Quero ser justa com você, conosco. Não me sentiria bem ficando
diante daquele conselho e o negando sem ter te oferecido essa
chance. Seria cruel e frio demais. Não sou essa pessoa e nem
quero ser — fui sincera, vendo a percepção o atingi-lo.
Ele finalmente entendera.
— Ouso dizer, Seline... — William se inclinou, arrastando as
palavras naquela cadência aveludada e sedutora que sempre me
desestabilizou. — Que me apaixonei um pouco mais por você nesse
momento. — Lá estava, o golpe final para que borboletas
crescessem e dançassem em espirais dentro do meu estômago.
Senti-me enrubescer, mas não fui capaz de desviar o olhar dele
e nem de responder tal declaração. Não quando um sorriso genuíno
se alargou em seus lábios, bonito demais para ser ignorado, para
não me atingir de forma tão inebriadora. Ele estava inclinado em
minha direção, porém, sem invadir meu espaço, no entanto, aquilo
já era o suficiente para tornar minha mente uma bagunça.
Percebi, naquele momento, que a sugestão de seu toque era
mais difícil de se ignorar e lidar, do que o próprio sobre minha pele.
Toda a universidade parecia agitada naquele dia, burburinhos
tomavam os corredores e os professores pareciam tensos durante
as aulas. Nunca fui muito adepta à fofoca, isso era mais a cara de
Jude. Se ela estivesse ao meu lado, eu provavelmente já saberia o
motivo de toda aquela agitação, mas como ela não estava, optei por
só ignorar o que estava acontecendo ao meu redor.
Tudo só foi fazer sentido quando ao dobrar um corredor às
cegas, com minha atenção fixa no interior da minha bolsa – à
procura do meu celular que vibrava horrores em seu interior –, me
choquei contra um corpo sólido e frio. A colisão foi tão forte que se o
indivíduo não tivesse me segurado pelo braço, eu teria caído de
bunda no chão.
Arfei, erguendo meu olhar para encarar aquele que tinha dado
um encontrão, perdendo a habilidade de fala em seguida, diante da
imagem à minha frente.
Os olhos azuis e intensos pareciam familiar, apesar do rosto e o
corpo pertencerem a alguém que nunca tinha visto antes. Ele era
lindo, absurdamente lindo. Seus cabelos seguiam um corte militar,
os traços de seu rosto, apesar de serem rígidos eram simétricos e
exorbitantes. Seu porte era mediano, ele era alto e passava uma
vibe quase aristocrática. O homem vestia um sobretudo preto e por
baixo dele, dava para ver o terno aparentemente caro e fino. Apesar
de nunca o ter visto, ele parecia familiar de uma maneira que não
conseguia explicar.
— Perdão, senhor... eu... eu não estava. — Encontrei
finalmente minha voz, atrapalhando-me em minhas palavras,
enquanto tentava me desculpar.
No entanto, não fui capaz de prosseguir, quando um sorriso
ofuscante de tão bonito se alargou em seus lábios cheios e bem
desenhados.
— Está tudo bem, senhorita Constantin. — Sua voz melódica
soou como música em meus ouvidos. Ela possuía um equilíbrio
perfeito entre o grave e suave, entorpecendo por um segundo meus
sentidos.
Merda, aquele vampiro estava coberto de glamour imortal.
Aquele tipo de glamour que vinha com aquela aparência convidativa
que só os mais velhos possuíam, os originais. Fosse quem fosse,
ele era antigo, antigo e de linhagem pura. Jude sempre falou que
quanto mais velho o vampiro, mas ele tinha aquele impacto, era
perceptível para alguns, para outros nem tanto, dependia muito da
sensibilidade sensorial do humano e no meu caso, além de sonhar
com coisas que estavam para acontecer, eu vinha me tornando
muito facilmente impressionável por aqueles seres.
— Como... o senhor sabe quem eu sou? — indaguei, ainda
aturdida com o vampiro à minha frente, que soltou meu braço
quando percebeu que já me encontrava firme em meus pés.
— É meu trabalho conhecer os alunos que frequentam a minha
universidade, principalmente aquela que é a destinada do meu filho.
— E foi com aquelas palavras que tudo se encaixou.
Pude ouvir um “click” soar em minha mente ao mesmo tempo
em que um misto de choque e surpresa me nocauteou. Arregalei
meus olhos, vendo o vampiro à minha frente sorrir mais largamente.
Não, não qualquer vampiro, o pai de William, o conde Vladmir Vlad.
Os olhos, os malditos olhos azuis e aqueles traços, era por isso
que ele parecia tão familiar, pensei.
— Senhor Vlad. — Atrapalhei-me fazendo uma pequena
mesura, sem saber ao certo como me comportar.
Eu estava diante de um dos membros da dinastia vampírica que
governava nosso mundo.
— Não é necessário tal cordialidade, minha querida, guarde as
mesuras para a família real. — Ele delicadamente me parou,
segurando em um dos meus ombros antes que eu pudesse me
inclinar ainda mais para a frente naquela reverência desajeitada que
estava fazendo. — Estou feliz que nossos caminhos se cruzaram,
depois de ouvir durante anos sobre você e sua beleza pela boca do
meu filho, fiquei me perguntando quanto teria a chance de
finalmente conhecê-la — comentou, afastando-se para me avaliar
dos pés à cabeça, com aqueles olhos azuis que muito me
lembravam seu filho. — Ouso dizer que William não exagerou em
nada, sua beleza realmente é inegável. Posso entender o fascínio
dele — acrescentou, ainda sorrindo daquela maneira para mim.
Não havia malícia em suas palavras, apenas fascínio. A forma
como ele me olhava era quase como se eu fosse alguém especial,
da família. Um olhar paternal e admirado.
Senti-me enrubescer, abaixando meu olhar por um segundo,
antes de acenar agradecida. Não confiava em nada que pudesse
sair dos meus lábios naquele momento, diante daquele vampiro que
um dia poderia chegar a ser meu sogro ou não.
— Senhor Vlad, o reitor está à sua espera. — Felizmente
aquele momento um tanto embaraçoso foi interrompido quando uma
voz chamou pelo conde.
Virei-me, deparando-me com um homem atrás de mim, que
deduzi trabalhar para o reitor, sorrindo respeitosamente para o
vampiro ao meu lado.
— Perfeito — Vladmir murmurou, alegremente, atraindo minha
atenção para ele, que rapidamente alcançou uma de minhas mãos e
levou até seus lábios, depositando um beijo cortês nas costas dela.
— Foi um prazer, senhorita Constantin — ele se despediu,
como o perfeito cavalheiro que era.
Ele estava mais próximo e isso me permitiu constatar que seus
olhos não eram totalmente azuis, diferente do filho, Vladmir possuía
um leve tom de verde misturado ao azul que só podia ser
identificado de mais perto.
— Espero que possamos nos ver de novo, quem sabe em um
jantar em minha casa um dia desses, sim? Combinarei os detalhes
com o William e peço para ele passá-los para você — dito isso, ele
soltou minha mão e caminhou para longe de mim com toda sua
glória aristocrática, seguindo o outro homem, sem me dar a chance
de eu negar seu convite.
Passei a mão pelo meu rosto, olhando ao redor e me dando
conta pela primeira vez da quantidade de olhos curiosos que
estavam sobre mim naquele momento. Corei, passando minha mão
por meus cabelos, afastando-o do meu rosto, forçando meus pés a
se moverem de forma que conseguisse me afastar de todos aqueles
olhos e cochichos.
Puxei meu celular para fora de minha bolsa, vendo uma
mensagem de Jude em letras garrafais, deixando claro para mim
que ela estava gritando mentalmente conforme a escrevia.
O conde está na universidade para uma visita.
Fique em alerta, talvez hoje você tenha a sorte
de conhecer seu futuro sogro – Jude
Ela não fazia ideia de quanto a palavra sorte poderia ser
subjetiva.
Aqueles Vlad’s, eles realmente tinham uma coisa só deles, um
impacto que era difícil de tirar do nosso sistema, pensei.
— Eu odeio o fato de você ser tão sortuda — Jude se queixou
quando a encontrei no refeitório naquele mesmo dia e contei a ela
sobre meu encontro com o conde mais cedo.
— Acredite, teria evitado tal situação se pudesse. Foi
extremamente constrangedora — declarei, ganhando um revirar de
olhos dela.
— Você se deu a chance de conhecê-lo, nada mais justo do
que o homem que o criou ser incluído nesse pacote — pontuou,
dando uma mordida enfática no cupcake que estava em sua mão,
gemendo em seguida ao degustar de seu sabor.
— Ele é tão diferente do... — Não fui capaz de continuar com
minha observação, pois um calafrio repentino fez meu corpo
estremecer ao me lembrar dele.
Não precisei de toda forma o fazê-lo, Jude havia entendido a
quem estava me referindo.
— Sabemos que o Viktor odeia o irmão, ele queria machucá-lo
ao revelar tudo aquilo para você, com intenção de fazê-la odiar o
William, mas comecei a me perguntar de um tempo para cá se não
havia outro motivo por trás de tudo isso — refletiu.
— O que quer dizer? — indaguei, confusa.
— Viktor é um manipulador, sinto que ele está jogando um jogo
muito maior do que esse de fazer a vida do irmão um inferno. Se
William esteve nos bastidores de sua vida durante todos esses
anos, significa que Viktor também esteve lá. Ele te conhece tão bem
quanto o irmão, é por isso que soube exatamente como manipulá-la
— Jude explanou seu ponto de vista com um olhar perdido, como se
estivesse presa em seus próprios pensamentos. — O que estou
realmente me perguntando é por que agora? Óbvio que estamos
supondo tudo isso, mas por que não chegar até você antes que
viesse para cá? Por que não fazer sua mente contra o William
antes? Não acho que Viktor esteja apenas brincando de estragar a
vida de seu irmão por puro capricho de ter seus direitos de
primogênito revogados. Existe muito mais abaixo da superfície
dessa rixa do que parece e ouso dizer que nem mesmo o William
faz ideia do que seja.
Refleti sobre isso, digerindo as palavras de Jude por um tempo,
enquanto ela voltava a sua atenção para seu cupcake.
Viktor havia articulado toda a situação a seu favor. Ele
realmente se aproveitara do quanto eu estava confusa e aturdida
naquele dia – após aquelas descobertas –, para alimentar minha
raiva contra o William. Conseguia enxergar isso com mais clareza,
do que antes. Contudo, Jude estava certa em pontuar certos
aspectos naquela situação. Aspectos que naquele momento
começaram a consumir minha mente, criando mais perguntas, do
que respondendo-as.

Depois do jantar, passei na biblioteca para pegar um livro que


estava precisando para uma tarefa, quando acabei me deparando
com William ao virar em um dos corredores, formados por estantes.
Ele estava lindamente concentrado em um livro que estava em suas
mãos, encostado, despreocupadamente, em uma das estantes.
Pelos seus trajes casuais, estava supondo que estava de passagem
por ali, assim como eu, em busca de um livro. Seus cabelos
estavam charmosamente bagunçados e a camiseta preta,
acompanhada de um jeans escuro, acentuava todas as partes
certas de seu corpo.
Como se pudesse sentir minha presença, seus olhos se
ergueram do livro e se fixaram em mim. Fui nocauteada pela
intensidade que eles pareciam sempre carregar, quando se
direcionavam a mim daquela maneira. William tinha muitos olhares,
percebi isso nas vezes que o admirava de longe, interagindo com
outras pessoas, mas nenhum deles se pareciam com aqueles que
ele sempre endereçava a mim.
— Eu esbarrei com seu pai mais cedo — contei, sem me
preocupar em cumprimentá-lo.
Exigiu tudo de mim me libertar daquela prisão que era seus
olhos e formar aquelas palavras.
— É mesmo? E ele te impressionou? — William perguntou com
diversão, fechando o livro e cruzando seus braços a frente do peito,
o que fez seus músculos contraírem e incharem ainda mais naquela
região, assim como em seus bíceps.
— Sinceramente? — repliquei, retoricamente, encaminhando-
me até a fileira de livros que estava ao seu lado, puxando aquele
que vim exclusivamente buscar e já sabia onde encontrar. — Antes
de saber quem ele era, fiquei babando por ele por longos segundos
— confessei, carregando meu tom com humor, arrancando dele uma
gargalhada rouca e bonita.
Desde aquela noite, o clima entre nós havia melhorado
gritantemente. William manteve a restrição de toque, como
prometeu. Ele parecia sempre saber quando eu estava confortável
com sua aproximação e quando devia manter distância. Quando
nossos caminhos se cruzavam pela universidade, ele sorria e me
cumprimentava, dependendo de minha resposta a isso ou ele se
aproximava para iniciar uma conversa banal, ou se mantinha onde
estava, permitindo-me espaço. Eu gostava disso, da forma como ele
conseguia me ler facilmente, da forma como me oferecia o controle
e respeitava minhas decisões.
— Ele costuma ter esse impacto sobre as mulheres — admitiu,
ainda me presenteando com o som de sua risada, que se tornou
mais uma das coisas que gostava nele.
— Ele é extremamente educado e intenso também, de uma
forma um tanto desconcertante. Muito requintado, eu diria —
analisei, abraçando o livro contra meu peito, conforme me permitia
me encostar contra a estrutura lateral da estante, mantendo-me
próxima a ele, mas com um espaço confortável entre nós e nossos
corpos.
— Faz parte da etiqueta que ele sempre segue à risca e me
obrigou a segui-la também — comentou, naquela altura ele havia
parado de rir, no entanto, um sorriso lindo e ofuscante ainda estava
presente em seus lábios
— Agora eu entendo esse seu jeito todo cavaleiresco e fino —
comentei, medindo-o rapidamente dos pés à cabeça, uma atitude
que fez aquele sorriso dele se alargar, como se isso fosse possível.
Ele não me corrigiu, nem negou que possuía tais modos.
— Ele compartilhou comigo o fato de você falar muito sobre
mim. Na verdade, ele concordou com você a respeito da minha
beleza. — Tentei trazer à tona o assunto que mais me surpreendera
na conversa com o conde, de forma desinteressada e descontraída,
mas a verdade era que eu gostaria de confirmar se William
realmente tinha dito todas aquelas coisas para o pai.
Estudei seu rosto, vendo algo brilhar naquelas profundezas
oceânicas, convertendo o sorriso divertido de antes, em ladino.
— Se ele disse isso, é porque te aprovou nos critérios visuais,
agora ele só precisa te conhecer melhor para aprovar as outras
partes encantadoras de você — soltou, de forma um tanto atrevida,
fazendo minha boca se abrir em um perfeito O.
Eu não esperava tal resposta e isso me fez enrubescer de
imediato. Sem graça, empertiguei-me, afastando-me da estante,
enquanto limpava sutilmente a garganta.
— Ele deixou esse desejo bem claro, quando me convidou para
jantar em sua casa um dia desses, um convite que nem pude negar,
já que ele saiu às pressas para uma reunião com o reitor — revelei,
passando uma de minhas mãos em meu braço, em uma forma de
me distrair, evitando seu olhar.
Algo que, com certeza, ele percebera, já que podia sentir o
peso de seu olhar sobre mim e meus movimentos.
— Meu pai não é do tipo que recebe um não como resposta, no
entanto, direi a ele que espere um pouco mais até que você esteja
confortável e pronta para isso. — Suas palavras, cobertas de
confiança, me fizeram semicerrar os olhos e encará-lo, vendo um
sorriso amplo ainda estampado naqueles lábios carnudos e tão bem
desenhados como de seu pai.
— Você parece irritantemente presunçoso agora — observei,
erguendo uma sobrancelha para ele.
— Esperançoso é a palavra correta — corrigiu, enviando-me
uma piscadela.
Mordi meu lábio inferior, reparando o quanto aquela maldita
piscada o deixou ainda mais atraente.
Senti o clima pesar entre nós quando seu olhar foi atraído para
minha boca, onde eu tinha meu lábio inferior ainda preso em meus
dentes. Fora um movimento totalmente inocente e automático, algo
que fazia sempre que estava nervosa ou pensativa, mas que mudou
rapidamente o clima entre nós. Seus olhos pareciam mais escuros e
o sorriso desaparecera totalmente. O magnetismo estava lá de
novo, puxando-me para ele, exigindo sentir seu toque, desejando-o.
William voltou seu olhar para os meus olhos longos segundos
depois de fixá-lo em minha boca, permitindo-me ver todo o desejo
que se acumulava ali, naquele mar azul.
Alertas começaram a ser acionados em minha mente, alertas
que, por um momento, pensei em ignorar, mas então William deu
um passo em minha direção, um passo para mais perto e isso me
acordou.
— Acho melhor eu voltar para meu quarto — soltei, afastando-
me alguns passos, antes de me virar e correr para longe de William,
sem esperar por sua resposta.
Estava fugindo dele e das reações que ele causava em mim,
mesmo sem me tocar e não me preocupei em disfarçar, pois ele
sabia, William sempre sabia, pois conseguia me ler como ninguém.
O final de semana chegou rápido e com ele eu percebi que não
podia mais adiar o inevitável. Precisava ir para casa buscar algumas
coisas e, acima de tudo, enfrentar os meus pais.
A tarde de sábado foi marcada por um raro dia ensolarado,
após uma semana fria e chuvosa. Dirigi pelas ruas da Transilvânia,
sendo bombardeada por aquela agitação rotineira dos finais de
semanas. Música, cor e vida preenchiam as ruas. A casa dos meus
pais ficava bem no centro, onde os grandes comércios,
monumentos e construções históricas – ainda muito bem
conservados –, se encontravam no atravessar de uma rua. Prédios,
restaurantes, pubs, boates, lojas e todo o tipo de coisas que você
poderia necessitar se encontrava ali. No pulsar do coração daquela
cidade.
Nosso país ainda era conhecido por suas tradições folclóricas,
encontradas nas cerâmicas, danças, bordados e até mesmo no
cemitério feliz, o Merry Cemetery de Săpânța, localizado no
condado de maramureş, na Romênia, que possuía poemas e piadas
marcadas nas lápides dos entes queridos dos moradores. Algo que
não mudou com o passar dos anos. Nossa história ainda era
calçada na divisão de três grandes principados: a Valáquia, a
Moldávia e a Transilvânia, onde eu e minha família vivia. Da
universidade – que tinha sido construída na capital da Romênia,
Bucareste –, até a Transilvânia, eram mais ou menos três de
viagem. O motivo que me levou no início a não fazer aquele
percurso com frequência – todos os finais de semanas –, um
também dos muitos motivos dos lapsos nervosos dos meus pais, a
distância. Sua primeira unificação ocorreu no século XVI, sendo
consolidada posteriormente entre 1859 e 1918. No entanto, a figura
mais emblemática do país foi, sem sombra de dúvidas, a de Vlad III:
o príncipe da Valáquia, popularmente conhecido como O Empalador,
pela forma brutal com a qual aniquilava suas vítimas. O bisavô de
William. No passado, tudo a respeito dele se tratava de histórias de
terror para assustar as criancinhas e lendas urbanas, mas com o
despertar dos vampiros e a tomada de nosso mundo e governo,
tudo sobre ele fora confirmado. Algo que só o tornou ainda mais
popular e em outros casos, ainda mais odiado e temido. Todavia, o
grande conde Vlad Tepes já não se encontrava mais entre nós,
quando os vampiros assumiram o poder, e poucos sabem o que
realmente aconteceu com ele. Sua morte, porém, não mudou esse
atrativo que era despertado nos turistas do mundo inteiro, que
continuavam chegando ao nosso país em busca de mais histórias e
do famoso Castelo de Bran, onde viveu o conde. Por um tempo ele
esteve aberto a exibição para quem quisesse visitá-lo, tornando-se
uma espécie de museu, mas com o passar dos anos isso mudou,
principalmente quando o novo conde assumiu. Vladmir, o pai de
William. A construção histórica que ainda causava curiosidade na
população turista, foi muito bem conservada durante séculos – como
tudo ali –, até que Vladmir assumiu a propriedade anos atrás,
fazendo-a passar por uma grande reforma que foi comentada por
todo o mundo afora. Não sabia onde eles viviam antes disso, mas
sabia que após a reforma, eles se mudaram para o castelo.
Lembrava-me de ouvir os murmúrios a respeito da grandiosa
obra, mas com os meus pais censurando tudo que tinha a ver com
vampiros em minha vida naquela época, eu não soube da
magnitude, pelo menos até as minhas pesquisas recentes.
Depois de descobrir mais a respeito de minha marca, de tudo o
que meus pais ocultaram de mim e que William era meu prometido,
passei a ampliar minhas pesquisas em meu tempo livre, aprendendo
tudo o que eu podia sobre o mundo dos vampiros, tudo que podia
ser encontrado pela internet. Inclusive sobre as três famílias
supremas que nos governavam. Pesquisas que mantive ocultas de
Jude, ela fatalmente não deixaria aquilo passar e me atormentaria
para sempre, alegando que eu me tornara uma tiete de vampiros,
assim como ela. Pelas fotos que encontrei, as melhorias deixaram o
lugar mais moderno, ainda mantendo um pouco do estilo medieval e
meio gótico, ressaltando-o e atualizando-o com nossa nova
tecnologia. O castelo era localizado próximo de Bran, na vizinhança
da cidade de Brașov, no condado com o mesmo nome. Situada na
fronteira entre a Transilvânia e a Valáquia, pela estrada 73, erigido
na floresta de sopés dos montes Cárpatos. Um lugar que só vi de
longe e por aquelas fotos, mas que começava a me perguntar se
chegaria a conhecer, após descobrir a ligação que compartilhava
com William. Vladmir havia me convidado, mas eu estava realmente
pronta para aquele passo, era a pergunta que me fazia todos os
dias.
Com os vidros abertos do meu carro, pude sentir o cheiro de
especiarias e da comida boa que não era só vendida em
restaurantes como em barraquinhas e food trucks espalhados por
ali. Nossa culinária era muito rica e diversificada, com pratos
herdados de turcos, romanos, gregos e búlgaros. Um dos nossos
pratos mais famosos, mundialmente, era o moussaka – uma receita
constituída de carne de carneiro, berinjelas e tomate, condimentada
com azeite, cebola, ervas e pimenta, e os mititeis – uma espécie de
bolinhos de carne fritos, servidos com batatas, como
acompanhamentos.
O frio habitual de nossa região acabava convidando nossos
turistas a provar diversos pratos de sopas romenos. Como tocanita,
um refogado de carnes bem temperadas e muito tradicional, que era
meu preferido.
Continuei dirigindo, até que pude avistar a casa de meus pais.
Uma modesta moradia de esquina, de dois andares, com janelas
grandes e um pequeno jardim de entrada que dava acesso a uma
garagem fechada. Estacionei no meio-fio, tomando uma respiração
profunda antes de sair do carro, com uma pequena mochila nas
costas. Eles não sabiam que eu estava vindo e arriscava dizer que
isso não os deixariam muito felizes. Caminhei pelo pequeno jardim,
notando as roseiras de minha mãe tão saudáveis quanto da última
vez que as vi. Elas estavam aguentando bem o frio daquela época
do ano, mas, com certeza, não resistiriam à neve que estava a
caminho para cobrir cada centímetro daquele solo.
O tempo ensolarado daquele dia, provavelmente seria o último
que teríamos por um longo tempo.
— Estou em casa — anunciei após usar minha digital para abrir
a porta da frente, fechando-a atrás de mim.
O sistema integrado no painel eletrônico das novas portas,
continha gravado as digitais dos moradores da residência em
questão e das pessoas mais próximas que podiam ter livre acesso à
casa.
O hall estava vazio, assim como a sala à esquerda. Passei os
olhos pelo mural de fotos da família que ficava em exposição,
próximo à escada e sorri por um momento. A minha eu mais nova –
que sorria largamente naquelas fotos –, mal teria imaginado o que
estava a aguardando no futuro.
— Seline? — Fui despertada dos meus pensamentos por uma
voz conhecida, que não ouvia há algum tempo.
Surgindo do corredor à direita, que levava até a cozinha, minha
tia Luana, gêmea da minha mãe, caminhou até mim. Elas eram
gêmeas univitelinas, idênticas em todos os aspectos, com exceção
dos cabelos. Lana, minha mãe, mantivera seus cabelos negros,
como os meus, já minha tia optou por descolorir suas madeixas
escuras, tornando-as loiras para que assim tivesse algo que a
deixasse diferente de sua irmã.
— Tia Lu! — saudei com suavidade, recebendo um sorriso largo
dela antes que me alcançasse, puxando-me para um abraço.
— Seus pais ficarão loucos — ela apontou o óbvio.
Era claro que ficariam. A última vez que falei com eles
estávamos discutindo ao telefone um assunto que era um tanto
delicado em nossa família. Não voltei a falar com eles depois disso,
não os avisei sobre minha vinda e pelo comentário da minha tia, ela
não estava apenas por dentro das novidades, como também estava
bem ciente do quanto eles ainda estavam chateados comigo.
— Onde eles estão? — perguntei, pronta para acabar logo com
aquilo.
Tia Luana se afastou, ainda sorrindo para mim, dessa vez com
menos entusiasmo. Ela sabia perfeitamente que o clima agradável
naquela casa estava prestes a mudar.
— Na cozinha, sua mãe está fazendo sarmale para o jantar,
enquanto seu pai está preparando seu famoso papanaşi para
comermos de sobremesa — ela informou, passando suas mãos
pelos meus cabelos.
Acenei, rapidamente entendendo que era uma ocasião
especial. Minha tia estava visitando, minha mãe estava bancando a
boa anfitriã – assim como meu pai –, e eu acabara de chegar para
estragar o clima.
— Vou deixar as minhas coisas no quarto — avisei, sabendo
que estava empurrado para ela a responsabilidade de contar aos
meus pais que estava em casa.
Não esperei sua resposta, sabia que ela viria em forma de um
olhar enviesado, pois estava me aproveitando de sua presença para
amenizar o impacto da tempestade que estava por vir, e não estava
nem um pouco arrependida por isso. Subi para meu quarto e deixei
minha mochila em minha cama. Puxei meu celular do bolso e enviei
uma mensagem rápida para Jude, notificando-a que tinha chegado
bem e que estava me preparando para travar a minha primeira
batalha.
Jude optou por não vir para casa esse final de semana, ela
tinha muito estudo e pesquisa para lidar. Depois de ler sua resposta
atrevida, que chegou quase instantaneamente após o envio da
minha – aconselhando-me a afiar minha espada e me desejando
sorte –, bloqueei a tela do meu celular, colocando-o no bolso
traseiro do meu jeans e desci para encarar meus carrascos de
frente.
— Aí está ela! — disse tia Luana quando adentrei a cozinha,
seu tom era exagerado e pela sua expressão, ela parecia
desconfortável.
Fosse lá o que estavam dizendo antes de eu aparecer, minha
tia foi a responsável por pensar rápido e mudar de assunto na
mesma velocidade.
— Como está a faculdade? O curso de medicina é como você
sempre sonhou? — Ela prosseguiu em sua missão.
Encarei-a por um segundo, antes de lançar um olhar para meus
pais, que se encontravam atrás da grande ilha, dividindo a bancada
e o fogão. Ambos sincronizados como sempre, focados em seus
trabalhos, evitando me olhar.
— Está tudo bem e o curso é exatamente como pensei, difícil,
complexo e tem tomado muito do meu tempo — respondi,
aproximando-me de minha tia e me sentando ao seu lado, em uma
das banquetas que eram embutidas na ilha.
Tão rápido como as palavras deixaram meus lábios, minha mãe
reagiu a elas, soltando uma risada baixa de escárnio.
— São seus estudos que tem tomado tanto do seu tempo a
ponto de você não conseguir avisar seus pais que estava vindo para
casa, após semanas de pirraça ou o maldito vampiro com quem
você compartilha essa marca amaldiçoada que já está mexendo
com sua cabeça? — Seu golpe foi transferido com precisão e afiado
como a ponta de uma faca.
Voltei meu olhar devagar para ela, sentindo minha tia ao meu
lado prender a respiração. Meu pai se manteve calado, com seus
olhos voltados para a calda do papanaşi que estava mexendo na
panela à sua frente, de costas para mim, no fogão. Uma calda
deliciosa a base de geleia de morango e mirtilo que ele mesmo fazia
e que modificara ao longo dos anos, dando seu próprio diferencial a
receita que costumava ser uma das minhas sobremesas preferidas.
Os olhos da minha mãe estavam sobre mim quando a encarei
desta vez, fuzilando-me da forma como ela sempre fazia quando
achava que eu precisava ser advertida. O tique em seu olho direito
já era familiar, assim como aquela carranca que tornava todo seu
rosto franzido, ressaltando as poucas rugas que ela possuía,
causadas pelo tempo e idade.
— Minhas prioridades estão muito bem estabelecidas, como
sempre estiveram, assim como a minha cabeça. Não liguei porque
foi uma decisão tomada de última hora e não, eu não estava de
pirraça, estava dando um tempo a mim mesma para digerir tudo o
que aconteceu, assim como esperava que vocês fizessem o
mesmo, o que está claro que não aconteceu — contra-ataquei, não
me importando que meu tom tenha soado extremamente acusatório.
Vi a carranca de minha mãe se aprofundar, à medida que ela
intensificava seu aperto no cabo da faca que usava para cortar as
ervas que usaria na receita do sarmale. Sua expressão e postura
teria me assustado um tempo atrás. Elas seriam o suficiente para eu
abaixar minha cabeça, pedir desculpas e engolir qualquer merda
que eles atirassem em mim, assim como acatar qualquer ordem que
disparassem em seguida, no entanto, isso tinha mudado.
— Cuidado com o tom, Seline. Somos seus pais e você nos
deve respeito — meu pai finalmente se pronunciou, depois desligou
o fogo e se virou para me encarar com suas mãos apoiadas em
seus quadris.
O olhar censurador, assim como o tom que um tempo atrás
teria feito eu me encolher estavam lá, deixando claro o quanto o
doutor Adrian Constantin, estava infeliz com minha atitude,
decepcionado comigo.
— Respeito, é sobre isso que vocês querem falar? Isso é uma
coisa que deve ser dada mutuamente, que deve ser conquistada.
Onde estava o respeito de vocês por mim quando me ocultaram
coisas? Quando me manipularam todos esses anos? — atirei,
quase entredentes, não fazendo nada para amenizar a aspereza em
minha voz.
— Basta — meu pai vociferou, batendo com seu punho contra a
bancada.
Vi pelo canto do olho minha tia sobressaltar em sua banqueta,
assustada com a atitude de seu cunhado, algo que eu também teria
feito um tempo atrás.
— Você não será a pessoa que nos censurará ou questionará
nossas atitudes, não vou permitir isso. — Havia fogo em seus olhos
e ele queimava com toda a fúria que eu incitara no meu pai.
Fechei minhas mãos em punhos, sacudindo minha cabeça em
descrença. Eles nunca mudariam, nunca reconheceriam seus erros.
— Isso foi uma perda de tempo — murmurei com um amargor
presente não só em minha entonação, como também em minha
boca.
Levantei-me, incapaz de continuar ali, olhando e falando com
eles. Voltei a subir para meu quarto, onde tomei um banho
demorado em meu banheiro, mantendo a porta do meu quarto
trancada. Pude ouvir em algum momento minha tia me chamando
através dela, tentando me convencer a voltar para a cozinha e
comer com eles, apelos que ignorei. Comeria fora e ficaria na rua
até ter certeza de que meus pais estavam presos em seu décimo
sono, antes de voltar para casa.
Enchi três malas grandes e uma pequena com tudo que era
importante, dizendo a mim mesma que não voltaria para aquela
casa novamente. Iria embora amanhã mesmo, ao amanhecer, antes
dos meus pais acordarem. Levaria todas as minhas roupas, meus
objetos pessoais e tudo que era indispensável para mim. Que nunca
deixaria para trás. Depois de terminar de arrumar as minhas coisas,
vesti um vestido justo na cor vermelha, que chegava no meio das
minhas coxas, calcei minhas botas de salto médio na cor preta e
arrumei meus cabelos, passei uma maquiagem básica e alcancei o
sobretudo também preto que deixei separado para usar naquela
noite.
O dia poderia ter sido ensolarado, mas a noite estava fria, como
se fosse um prelúdio para o inverno que estava chegando.
O cano de minhas botas alcançava a região abaixo de meus
joelhos, dando a meu look um ar sexy. Peguei minha bolsa, onde
minha carteira, celular e chave do carro estavam e marchei para o
andar de baixo, saindo daquela casa o mais rápido possível,
empenhada em curtir a noite e relaxar antes de voltar para a
universidade. Entrei em meu carro sem olhar para trás e dirigi até
um dos meus restaurantes preferidos. Eu comeria primeiro, antes de
sair para dançar.
As ruas estavam agitadas, pulsando vida. Jude e eu
costumávamos nos perder em tudo o que aquele lugar nos oferecia,
desfrutando de toda vida e alegria que éramos capazes de ter por
uma noite, aos finais de semanas, quando conseguíamos escapar
dos meus pais e dos estudos. Queria que ela estivesse comigo
naquela noite, estava precisando de seus conselhos cobertos de
sabedoria e palavras de estímulos mais do que nunca. Infelizmente,
era impossível, então me empenharia em desfrutar daquela noite
por nos duas.

A boate estava lotada, como das outras vezes que vim aqui
com Jude. Foram poucas, infelizmente, a antiga eu não curtia muito
o ambiente misto, que tanto humanos, quanto vampiros podiam
frequentar. Ela sempre se sentia como se estivesse traindo a
confiança dos pais, sempre subserviente demais para fazer as suas
próprias escolhas com base no que queria e não o seus pais. Retirei
meu sobretudo, sentindo a temperatura daquele lugar nas alturas,
devido ao acúmulo de pessoas e provavelmente ao aquecedor do
lugar. Caminho até o bar, pedindo uma bebida ao bartender que não
se preocupou em ser sutil, enquanto flertava descaradamente
comigo, à medida que preparava meu drink. Limitei-me a ser apenas
educada. Antes de pegar meu drink, deixei meu sobretudo e bolsa
em um lugar seguro e me dirigi até a pista, a fim de descarregar
toda minha frustração na dança.
Havia pequenas comportas, que pareciam armários onde
podíamos trancar nossas coisas para curtir a noite livremente. Cada
nicho possuía uma comporta dupla, uma para introduzir e outra para
retirar. A tecnologia gerava uma senha que durava pelo tempo que
suas coisas ficassem lá dentro. Uma senha que lhe era oferecida
em forma de uma pulseira neon que poderia ser descartada após o
uso, já que a senha seria trocada novamente assim que você
recolhesse seus pertencesses. A pulseira era gerada e entregue por
um orifício lateral. Bastava só encostar seu código de barra no leitor
da porta e pronto, ela abriria e você poderia recolher suas coisas.
Ao fechar, ela selaria automaticamente, pronta para ser usada por
outra pessoa. Era uma tecnologia um tanto promissora e
supernecessária, ao meu ver. Não conseguia imaginar um mundo
onde as pessoas vinham a lugares como esses e tinham que ficar
carregando suas coisas de um lado para o outro, com medo de
serem roubadas.
A música alta explodia em meus ouvidos, reverberando pelo
meu corpo e forçando meus quadris a se moverem em seu ritmo.
Quanto mais eu tomava do meu drink, mais leve eu me sentia. Voltei
ao bar mais duas vezes para pedir mais bebida. Dancei até que tudo
ao meu redor sumisse, até que meus pés doessem e minha última
bebida acabasse. Estava quase me virando para abastecer meu
copo, quando duas mãos fortes me seguraram pelos quadris,
prensando-me contra um corpo sólido e frio. Não precisava me virar
para saber que era um vampiro, aquilo estava claro pela
temperatura corporal dele, em contraste com a minha. Tomei um
fôlego profundo, sentindo o suor escorrer por minhas têmporas. Era
estranho ser tocada por um vampiro que não era o William, por
alguém que não despertava as sensações que ele me causava, na
verdade, era quase como se tal contato fosse vazio e oco quando
ele não provocava nada além das reações normais que um toque
causava.
— Eu me pergunto o que meu irmão pensaria ao ver sua
destinada frequentando um lugar como esse, sozinha, levemente
alcoolizada e tão suscetível a qualquer um que desejasse fazer
coisas com ela, e com seu belo corpo, trajando esse projeto de
vestido vermelho. — Enrijeci ao reconhecer instantaneamente a voz
que sussurrou tais coisas em meus ouvidos.
— Viktor. — Seu nome escapou de meus lábios com peso,
seguido de um arrepio que subiu por minha coluna, um arrepio que
ele sem dúvidas sentiu quando meu corpo estremeceu contra ele.
— Olá, Seline — ele murmurou em saudação contra a base de
minha orelha esquerda, roçando seus lábios naquela região em uma
clara provocação.
Tentei me virar, tentei fugir de seu aperto, mas ele me manteve
exatamente onde eu estava, com minhas costas coladas em seu
peito e suas mãos segurando com firmeza meus quadris, forçando-
me a voltar a dançar, a seguir o ritmo que ele estava ditando.
— Eu gosto de você, Seline. Como meu irmão tive muito tempo
para o fazê-lo, para te estudar e é por isso que estou te oferecendo
algo aqui, agora, um aviso de quem gosta de você e não a quer ver
machucada — alertou, ainda mantendo aquela cadência arrastada e
sedutora. — Tentei te assustar, tentei te mostrar a verdade da pior
forma possível achando que você seria inteligente o suficiente para
correr, mas você não foi, então tentarei ser claro e direto desta vez.
— Minha respiração se tornou mais pesada diante da ameaça
velada que continha em suas palavras. — Se afaste do meu irmão,
negue a ligação, corra para longe e não olhe para trás. Eu odiaria
ver você se tornando um dano colateral, pagando por erros que não
são seus e caso isso aconteça, não poderei te ajudar, mesmo que
eu queira muito fazê-lo.
Meu cérebro, levemente alcoolizado, demorou não só para
registrar as palavras, como para entender a magnitude delas. Viktor
estava preparando algo, algo contra seu irmão e quem sabe, seu
próprio pai.
— Queria que as coisas fossem diferentes para nós, que eu
pudesse me provar para você e demonstrar de várias maneiras o
quanto eu poderia ser melhor que meu irmão, mas é tarde e estou
sem tempo. Há coisas maiores que nós em jogo, maiores que você,
doce veneno. — Sua voz estava mais profunda naquele momento,
esfumaçada, mortal. — Você sabe por que te considero um veneno?
— ele perguntou por fim, descendo seus lábios que se mantiveram
até aquele momento colados contra a base da minha orelha,
chegando até curvatura do meu pescoço, onde aspirou meu cheiro
profundamente, deliciando-se com ele.
Fechei minhas mãos em punhos, travando meu corpo, parando
de dançar. A vontade de afastá-lo era gigantesca, tão grande que
estava fazendo lágrimas se acumularem em meus olhos e estava
lutando bravamente para impedir que escorressem por minhas
bochechas. Seu aperto sobre mim era como aço, não para
machucar, mas para me manter refém dele.
Viktor esperou por minha resposta, conforme depositava beijos
pela extensão do meu pescoço. Sabendo que ele não pararia,
enquanto não tivesse de mim o que queria, balancei a cabeça,
quase imperceptivelmente, negando.
— Porque é exatamente o que você e seu sangue é para mim,
um veneno mortal, aquele que me levará a ruína se eu a escolher
acima da minha missão. — Franzi o cenho, confusa demais com
suas palavras e com a mudança repentina de seu tom, que se
tornou urgente e amargo. — Vá para casa, Seline, antes que se
machuque — dito aquilo, eu senti a pressão de seu agarro, que me
mantinha refém, desaparecer.
Virei-me às pressas, perscrutando ao redor, à procura dele,
encontrando apenas corpos de estranhos em movimento ao meu
redor. Suspirei, parecia que minha tentativa de relaxar fora arruinada
completamente.
O que mais poderia acontecer de ruim naquele dia?
Determinada a ir embora, movi-me para fora da pista, em
direção do lugar onde minhas coisas foram guardadas. Recolhi-as
rapidamente e caminhei para fora da boate, seguindo até o lugar
onde meu carro estava estacionado com um único pensamento
insistente se repetindo em minha mente.
Jude estava certa quando levantou todas aquelas coisas a
respeito de Viktor. Ele estava tramando algo, assim como assumiu
que me manipulou. Viktor era perigoso e eu estava extremamente
preocupada com o que ele estava orquestrando contra o irmão
adotivo ou pior, contra toda sua família.
Quando voltei para a universidade no domingo, depois de
deixar a casa dos meus pais quando o sol mal havia nascido,
surpreendi-me ao encontrar William esperando por mim sentado no
corredor, bem ao lado da porta do meu quarto. Eu levara mais
tempo do que o esperado para chegar, devido a algumas paradas
que fiz no caminho. Já passara da hora do almoço e era exatamente
por isso que me assustei em encontrá-lo ali. Ele usou palavras como
pressentimento e intuição para me explicar como sabia que eu
precisaria de alguém para conversar e desabafar naquele momento,
alguém que eu soube que não teria quando estava a poucos
quilômetros daqui, após ler a mensagem que Jude deixara para
mim. Ela estava fora, divertindo-se na festa de uma colega de
classe para qual foi convidada de última hora. Ela não sabia que eu
estava voltando e nem imaginava o que se sucedeu a minha visita
aos meus pais, tinha decidido não contar para ela por mensagem,
assim não estragaria seu momento de distração. Eu estava
conformada que chegaria e teria um tempo para mim mesma para
lidar com tudo que tinha acontecido – sozinha –, mas ao virar o
corredor onde meu dormitório se encontrava, encontrei a última
pessoa que imaginaria, à minha espera, pronta para me ouvir se eu
precisasse.
Larguei as duas malas de rodinhas e a mochila que estava em
minhas costas no corredor, as únicas que consegui trazer sozinha,
decidida a deixá-las no quarto e depois voltar para buscar as outras
duas que restaram no carro, no entanto, ver William ali atrasou
meus planos. Não sabia que precisava desesperadamente
desabafar, até que ele me ofereceu seus ouvidos para me ouvir e
sua completa atenção em apoio. Sentei-me ao seu lado naquele
corredor, mantendo uma distância segura entre nossos corpos,
enquanto despejava sobre ele todas as minhas frustrações e
mágoas, a respeito do que aconteceu entre mim e meus pais
durante aquela bendita visita. William me ouviu por um longo tempo,
em silêncio, sem demonstrar uma única reação negativa sequer
referente às atitudes dos meus pais, uma coisa que sabia que exigiu
de todo o seu autocontrole para isso. Não era nenhum segredo –
não quando ele mesmo me confessara –, que William não era um
grande fã dos meus pais. Mesmo assim, ele respeitou meu
momento, sabendo que aquilo se tratava exclusivamente de mim e
não dele ou do que ele pensava a respeito deles e de suas atitudes
de merda.
William não forçou nenhum contato, nem quando chorei com
meu rosto afundado em minhas próprias mãos. Ele não atravessou
a linha e sabia que não o faria, não sem a minha permissão, mesmo
quando eu via a luta que ele travava contra seu corpo para manter
suas mãos longe de mim, visível em seus olhos. Ele apenas me
ofereceu seu lenço – que nem sabia que ele tinha costume de
carregar consigo – para que pudesse secar minhas lágrimas e
trabalhou para melhorar meu humor quando meu choro se acalmou,
tentando me fazer rir com piadas idiotas que nunca pensei que
ouviria dele.
E foi naquele momento que passei a olhá-lo com outros olhos.
Senti-me um pouco culpada depois por ter omitido a parte de Viktor
dele, mas sabia que era o certo a se fazer. Eu precisava repassar
todo o ocorrido com calma, para ter certeza de que o álcool que
ingeri não havia potencializado ou deturpado toda a situação,
precisava estar com a mente no lugar e certa cem por cento de tudo
o que foi falado por ele, antes de jogar aquela bomba em William,
sabendo que era um assunto sério demais para ser tratado com
banalidade.
Depois do desabafo e do choro, William se prontificou em ir até
meu carro e pegar o restante de minhas bagagens para mim,
dando-me a liberdade de tomar um banho e trocar de roupa. Estava
exausta da viagem e não havia me dado conta de que estava tão
faminta, até sair do banheiro e encontrar os meus venenos favoritos,
à minha espera, em cima da minha cama. Hambúrguer, batatas
fritas e um grande milkshake de morango.
— Como você sabia? — perguntei a ele, mesmo sabendo a
resposta para aquela pergunta.
William me conhecia, teve muito tempo para o fazê-lo, era por
isso que ele sabia que eu sempre precisava daquela combinação de
porcarias gordurosas após um dia ruim.
Ele se sentou na beira da minha cama, assistindo-me devorar
tudo aquilo em minutos, com um sorriso satisfeito no rosto.
Conversamos amenidades por horas e eu pude sentir meu humor
melhorar consideravelmente, assim como o que restou do
desconforto entre nós, desaparecer.
Quando William foi embora, mesmo quando eu disse que ele
não precisava, tive tempo de sobra para pensar em como nossa
relação havia dado um salto gigantesco em frações de poucas
horas. Não esperava sua atitude, não quando o laço de nossa
ligação não fora alimentado o suficiente para ele ser capaz de
pressentir aquele tipo de coisa e, mesmo assim, ele o havia feito, o
que me fez me perguntar se me conhecer há tanto tempo e me
estudar de longe durante anos, deu a ele aquela habilidade fora do
vínculo que compartilhávamos e que, por enquanto, estava
completamente adormecido. Pensar naquilo me fez constatar algo
que antes não via claramente, por estar muito chocada com a
revelação de que ele era meu prometido, envenenada pelas
insinuações de Viktor. Desde que cheguei aqui e o conheci, William
não havia me tocado com frequência. A verdade era que ele mal me
tocara – antes de eu saber a verdade –, para eu ter o acusado tão
injustamente de ter se aproveitado das reações que me causava
como meu prometido. Ele me tocou no nosso primeiro encontro, no
dia em que eu recebi a bolada, e na noite da fogueira, mas não o fez
na biblioteca e não voltou a fazê-lo desde que estipulei a restrição
de toques entre nós. Nesse momento, entendo que no dia de nossa
briga, William não me tocou daquela forma com pretensão de me
manipular, de usar aqueles sentimentos provocados por nossas
marcas para me fazer mudar de ideia, mas, sim, por desespero. Ele
se desesperara com a ideia de me perder para sempre, de minha
decisão ter sido de alguma forma decisiva. Ele se desesperou com a
negação.
Percebi no dia seguinte e nos próximos que se sucederam –
quando voltamos a nos encontrar e fazer daqueles pequenos
momentos de conversas triviais e risadas, uma rotina diária – que
aquela restrição de toques não me impediu de me sentir da forma
como me sentia antes e mais ainda recentemente, como me sentia
todas as vezes que estava com ele... Não impediu que aqueles
sentimentos se aprofundassem, de forma que se tornasse quase
impossível de se negar e ignorar, após sua atitude no domingo.
William não precisou me tocar para se apaixonar por mim, ele o
fez pouco a pouco, enquanto me observava de longe,
acompanhando meu crescimento, minha vida, conhecendo-me e o
fez melhor do que qualquer outra pessoa, mesmo quando não
estava inserido da forma correta na minha vida. Entender todas
essas vertentes, foi como constatar algo que estava negando e nem
sabia. Seu toque não mudaria o que estava começando a sentir por
William também, que começou bem antes de tê-lo tocado, nos
sonhos que tive com ele por toda a minha vida. Talvez o laço que
compartilhávamos não nos influenciasse da maneira como eu
acreditei que o fazia, talvez ele só existisse para ampliar aquilo que
o destino sempre soube que cresceria entre nós naturalmente.
Assim como qualquer outro humano e vampiro, que não continham
uma marca para provar que pertenciam um ao outro, eu e William
estivemos destinados a nos encontrar desde que nascemos, com ou
sem marca.
— Seline, Seline. — Estava distraída, andando pelos
corredores da universidade, tentando encontrar meu celular na
bagunça do interior de minha bolsa, quando pude ouvir Jude me
chamando ao longe de uma maneira quase histérica.
Virei-me, vendo-a driblar os alunos que estavam em seu
caminho, enquanto corria até mim. Naquele momento, eu não sabia
se ria da situação que era um tanto cômica ou me assustava com
sua atitude.
— Me diga, por favor, que o William não te contou sobre isso.
Porque se ele contou e você esqueceu de me informar, eu vou
matá-la, aqui mesmo. — Franzi meu cenho, ainda desnorteada com
a maneira que ela me alcançou e confusa com as suas palavras.
Jude parecia agitada, tão agitada quanto seu tom.
— Contou o quê? Do que você está falando? — indaguei,
segurando-a no lugar pelos ombros, para que ela parasse de saltitar
na minha frente como um grilo enlouquecido.
— Sobre a vinda do rei, Seline. Ele foi visto passeando pela
universidade há poucos minutos, ao que parece veio conhecer o
lugar e William estava bem ao seu lado, acompanhado do reitor —
Jude anunciou, havia um brilho quase maníaco em seus olhos, o
tipo de brilho que ela adquiria sempre que estava prestes a ficar
cara a cara com algum de seus ídolos.
Digeri suas palavras, sentindo-me de repente, estranhamente
nervosa. Não pela presença do rei em nossa universidade e sim
pelo que ele representava para o William. Lucius Black era seu
amigo e se ele sabia sobre mim, fatalmente tentaria me conhecer, o
que esperava estar muito enganada. Não estava pronta para aquilo,
não estava pronta para encarar o rei e melhor amigo do meu
prometido, que também era um prometido.
— Ele não... — tentei dizer, mas o pânico começou a me
consumir com a ideia de continuar parada no meio daquele corredor,
onde William e o rei poderiam passar a qualquer momento.
Eu preciso sair daqui.
— Pela sua expressão, vou assumir que ele não te contou —
minha amiga observou, mudando rapidamente de postura, olhando-
me preocupada.
— Não acho que ele teve oportunidade, ele teria falado se
tivesse. Estou deduzindo que o rei o tenha feito uma surpresa —
supus, tentando normalizar minha respiração que começou a se
tornar desregulada.
Ele o teria feito, não arriscaria correr o risco de me chatear, não
depois de tudo. William havia adquirido o hábito de compartilhar
comigo tudo sobre seu dia e sua vida em nossos encontros diários.
Era como se ele quisesse me provar que estava deixando tudo às
claras entre nós. Sem mais omissões e segredos. Passei a achar
aquilo fofo, ainda mais quando ele simplesmente resolvia se sentar
comigo e Jude no refeitório de vez em quando, respondendo,
pacientemente e com diversão, as perguntas e curiosidades da
minha melhor amiga sobre os vampiros.
— Ok, você não está pronta para esse encontro, eu entendi.
Vá, se esconda no quarto, te dou cobertura e envio uma mensagem
quando ele já tiver ido embora — Jude demandou, fazendo-me
abraçá-la agradecida, antes de fugir o mais rápido possível dali.
Infelizmente, o destino parecia ter outros planos, porque antes
que pudesse chegar ao prédio onde se localizava os dormitórios,
deparei-me com William e o rei conversando sobre a sombra de
uma das árvores espalhadas pelo campus.
Droga!
Qual era a chance de eu conseguir passar por eles sem ser
vista?
Nulas.
Sabia bem disso, pois não existiu um único momento que
consegui passar despercebida por William. Seu radar de prometido
era infalível quando se tratava de mim e pude comprovar mais uma
vez isso, assim que seu rosto se virou, olhando ao redor como se
pressentisse minha presença. Não demorou para seus olhos me
encontrarem, fazendo-os se iluminarem de imediato e um sorriso se
curvar em seus lábios.
Se eu pude notar aquilo em uma distância significativa, seu
amigo também notaria.
Petrificada no lugar, pude assistir quando o rei se virou,
buscando o que atraiu a atenção do amigo, fixando seus olhos em
mim no mesmo minuto.
Merda, aqui vamos nós.
Tudo o que tinha visto dele, eram de fotos espalhadas pela
internet. Sabia que Lucius Black era bonito, mas percebi que as
fotos não faziam totalmente jus a sua beleza. Na minha humilde
opinião, elas não poderiam mesmo se tentassem, mesmo que
fossem feitas de uma tecnologia de ponta. Nada seria capaz de
capturar o impacto de ver aquele que era metade humano e metade
vampiro, ao vivo e em cores, como estava vendo naquele momento.
Pisquei, ainda petrificada no lugar, vendo-os se moverem, vindo
até mim. Contudo, surpreendentemente, não fora William que deu o
primeiro passo e sim o rei, com um sorriso desconcertante –
aparentemente endereçado a mim –, estampado em seus lábios.
Os cabelos dourados como o próprio sol e os olhos marcados
por uma coloração de âmbar viva, que muito se assemelhavam a
ouro derretido, só tornavam suas outras características faciais e
físicas uma extensão de sua beleza total e gritante. Como Jude
diria: “Por drácula! Ele era lindo.” Lindo demais para ser um mestiço
e talvez esse era o verdadeiro mistério por trás de sua aparência.
Ele possuía o melhor dos dois lados.
Lucius era bem mais forte que o William, perdendo apenas em
quesitos físicos para o outro herdeiro que representava a terceira
família suprema vampírica que governava o novo mundo. Se Lucius
era forte, de uma forma um tanto chamativa, Lucian era um armário
ambulante, pelo que pude ver nas fotos que encontrei dele na
internet. Lucian também aparentava ter uma aparência bem
diferente de Lucius e de William. Ele era bonito, mas de uma forma
selvagem e indomável que me assustava mais do que me atraia.
Em todas as fotos que vi dele, havia um olhar glacial presente em
seus olhos e uma máscara de irritação estampada em seu rosto. Ele
olhava para câmera como se quisesse matar o fotógrafo, como se
sua impertinência, ao fotografá-lo, fosse motivo o suficiente para ele
o fazê-lo. Ele era bonito, sem dúvidas, mas me causava arrepios
profundos que eram o suficiente para me fazer constatar que eu
nunca ousaria entrar no caminho daquele vampiro.
— Seline Constantin, é bom finalmente conhecê-la. — A voz do
rei era tão bonita quanto ele, aveludada, esfumaçada e sedutora.
Dava para ver que ele não forçava tal impacto, era natural.
Corei, vendo-o parar a poucos centímetros de distância de mim,
com William a reboque. Ele vestia um terno – aparentemente bem
caro – de três peças, todo preto, o que fazia seus cabelos e olhos
dourados se destacarem.
— Rei Black — cumprimentei-o, finalmente acordando de meu
torpor paralisante.
Ainda sem graça com a situação e me sentindo muito
intimidada com a presença de Lucius, me inclinei em uma pequena
mesura, abaixando um pouco o rosto para que ele não pudesse ver
o rubor em minhas bochechas.
— Você não precisa se curvar para mim, Seline. Sem
formalidades, me chame apenas de Lucius, afinal, ouvi falar tanto de
você que já a considero alguém próxima — Lucius gracejou,
olhando para William e piscando para ele, que respondeu ao amigo
com um revirar de olhos.
É claro que ele ouviu.
— Pare de constrangê-la, seu idiota — William atirou, fazendo-
me arregalar os olhos, enquanto ajeitava minha postura.
Ele acabou de chamar o rei de idiota?
Lucius, por outro lado, pareceu não se importar com a atitude
do amigo. Ele apenas soltou uma gargalhada alta e contagiosa,
antes de me enviar um olhar de quem estava se desculpando.
— Eu sinto muito, Seline. William me fez prometer que me
comportaria, mas infelizmente, alguns impulsos são mais fortes do
que eu. Em outras palavras, ele me fez prometer que evitaria
piadinhas idiotas em sua presença — comentou, sorrindo
largamente, um sorriso que se estivesse realmente chateada com
ele, não me lembraria do porquê e decerto não me manteria do
mesmo jeito.
Vampiros e suas belezas convidativas, resmunguei
mentalmente.
— Já tinha um tempo que Lucius estava programando uma
visita a universidade, mas ele resolveu me fazer uma surpresa hoje,
vindo sem avisar. Tenho certeza de que se o reitor não fosse um
vampiro, teria tido uma síncope — William esclareceu a situação,
enviando um olhar enviesado para o amigo, que apenas deu de
ombros.
— Eu gosto de surpreender, pergunte à minha esposa quando a
vir no jantar amanhã à noite. Ela está ansiosa para conhecê-la
também — Lucius declarou, fazendo todo o sangue do meu rosto
sumir.
Desviei meu olhar assustado para o William, que praguejou
baixinho.
— Eu não sei por que ainda perco meu tempo fazendo-o
prometer coisas, para assisti-lo quebrar sua promessa logo em
seguida. Eu te pedi para me deixar conversar com ela primeiro,
Lucius — William protestou, encarando o amigo seriamente, que
mais uma vez deu de ombros.
— Aposto que ela negaria o seu pedido quase que
imediatamente. Diferente do meu, não é mesmo, Seline? — Lucius
questionou, divertindo, lançando-me um olhar vitorioso e
convencido.
Merda, ele era bom.
Lucius sabia que eu titubearia ao negar um pedido feito pelo
próprio rei, o que eu não faria com William.
— Convite? — indaguei, forçando minhas palavras a saírem
dos meus lábios, torcendo para que elas não soassem gagas.
Lidar com William já era desconcertante o suficiente, mas com
Lucius e ele juntos, era quase enlouquecedor. Sentia como se
estivesse muito perto de ter a síncope que o reitor não era capaz de
ter.
— Minha esposa e filha estão me acompanhando na viagem e
Vladmir, gentilmente, ofereceu sua casa para que ficássemos
durante nossa estadia aqui. Ele também fará um grande jantar
amanhã à noite e, então, todos nós concordamos que seria
maravilhoso se você pudesse se juntar a nós — Lucius explicou.
Novamente, meus olhos se arregalaram. Busquei pelo olhar de
William, que levou uma das mãos ao rosto, provavelmente frustrado
com a atitude do amigo, que passou sua frente ao explicar a
situação.
— Você não precisa aceitar, Seline. Não deixe esse idiota de
palavras mansas e charme real te convencer se não é isso que você
quer. Desde que meu pai te conheceu, ele vem insistindo para ter
sua presença para um jantar em nossa casa e, obviamente, meu
amigo aqui e sua esposa, que estão ansiosos para ter um tempo
com você, alimentaram ainda mais essa ideia na cabeça dele,
mesmo depois de eu insistir que esperassem — William explicou.
— Ei! Cadê o respeito pelo seu rei? — Lucius questionou,
virando-se para o amigo e fingindo um olhar ultrajado.
William não o respondeu, apenas revirou os olhos para ele
novamente.
Apesar de ter sido surpreendida por toda aquela situação, não
podia negar que vê-los interagindo era muito divertido.
— Ok, William não vai confessar que está louco para que você
aceite o convite. O lado cavalheiresco dele o impede disso. Como
também sou um cavalheiro, não tentarei persuadi-la usando meu
título e autoridade de rei, caso contrário teria que sofrer não só a
fúria de William, como de minha esposa e acredite, entre os dois, eu
tenho muito mais medo dela — confessou a última parte como se
fosse algo sigiloso, o que arrancou de mim uma risada.
De repente, o choque e o desconforto haviam passado. Lucius
sabia como deixar alguém confortável, o que era um tanto curioso
vindo de um rei. Acreditava que as provocações entre eles também
ajudaram a quebrar qualquer clima pesado.
— No entanto, volto a repetir que gostaríamos muito de poder
contar com sua presença, amanhã à noite. Megan está realmente
ansiosa para conhecê-la — proferiu, sorrindo genuinamente para
mim, o tipo de sorriso que me fazia ser incapaz de negar aquele
convite a ele.
Encarei William, que me observava com seus lindos olhos
azuis, cobertos daquela intensidade que sempre causava
sensações estranhas na boca do meu estômago. Em seu olhar eu
encontrei tudo o que precisava, principalmente a liberdade de tomar
aquela decisão sem me preocupar com nada. William não me
forçaria a ir e por mais que ele quisesse muito que eu aceitasse o
convite, não ficaria chateado se eu o negasse. Olhando para Lucius,
constatei a mesma coisa. Ele tinha um humor envolvente, que
combinava com seu charme. Ele podia me impor aquele jantar,
como o poder e autoridade que possuía como rei, mas não o faria.
Apesar de gostar de provocar o amigo e ter medo de sua esposa,
ele também era um cavalheiro.
— Claro, seria uma honra. — As palavras que escaparam dos
meus lábios não pareceram só surpreender ao William, como a mim
mesma.
Mas não Lucius, havia algo naquele olhar que me dizia que ele
sabia perfeitamente qual seria minha resposta no fim, desde o início.
Aprendi naquele dia que Lucius Black era um manipulador
engenhoso e muito inteligente. Um ótimo estrategista e,
principalmente, muito convincente. Pensei que isso me faria odiá-lo,
mas, de maneira surpreendente, havia gostado dele. Lucius era real,
sincero, não fingia ser alguém diferente do que era e não pedia
desculpas por fazer de tudo para conseguir o que queria.
Eu realmente estava fazendo aquilo? Estava dentro do carro de
William, indo passar um final de semana em sua casa, com seu pai,
o rei, a rainha e sua filha?
Estou enlouquecendo... Onde estava com a cabeça quando
aceitei aquele convite?
— Parece que você vai vomitar a qualquer momento — William
comentou com divertimento, fazendo-me encará-lo, ele estava
lindamente acomodado no banco do motorista, segurando o volante
com uma das mãos, enquanto a outra se encontrava repousada
despreocupadamente em sua coxa.
— Eu sinto que vou vomitar a qualquer momento — confessei,
engolindo minha própria saliva com dificuldade.
— Parece que há uma corrida de cavalos acontecendo em seu
peito, tem certeza de que quer seguir com isso? Todos entenderiam
se você desistisse, eu entenderia. Dá tempo de voltar ainda —
sugeriu, como o perfeito cavalheiro que eu sabia que ele era e que
sempre colocava minhas necessidades em primeiro lugar.
Aspirei profundamente, fechando meus olhos por um segundo,
tentando alguns exercícios de mentalização e respiração para me
recompor em seguida.
Não era como se eu não quisesse ir, eu sabia que era uma
oportunidade única para ver mais de William em seu próprio
ambiente, de conhecer alguém que era como eu e que poderia me
ajudar com as inúmeras dúvidas que tinha. Eu só estava nervosa e
insegura, ainda mais nervosa do que qualquer outra coisa.
— Não, está tudo bem. Eu... eu quero fazer isso — tratei de
tranquilizá-lo, deixando aquela verdade jorrar de meus lábios,
enquanto abria meus olhos e me deparava com aquelas lindas
órbitas oceânicas, cobertas de emoção, fixas em mim.
Um sorriso lindo se curvou nos lábios de William, como se
minha resposta fosse o que ele precisava para demonstrar o quanto
estava feliz com minha decisão, ou com a ideia de me ter em sua
casa. Sorri de volta, incapaz de não o corresponder.
Algo dentro de mim pulsava com uma certeza quase enervante
de que tudo entre nós mudaria naquele final de semana, se era para
bom ou ruim, eu não saberia dizer.

Eu estava de volta a minha cidade natal, mas, dessa vez, não


era para visitar meus pais e sim para estar com a família e amigos
de William. Era estranho como tudo poderia mudar em uma
semana.
A viagem tinha sido tranquila e eu havia cochilado a maior parte
dela, o que William pareceu não se importar. Quando chegamos ao
topo da montanha de Cárpatos, já eram quase 14h. Pude avistar
quase de imediato os enormes portões duplos de ferro, que
guardavam o Castelo de Bran e por trás deles, erguia-se a enorme
estrutura vitoriana, recentemente reformada. Os vampiros que
guardavam os portões do castelo – que foi tantas vezes o cenário
de filmes e livros de terror –, ao avistarem o carro de William,
rapidamente nos concederam passagem. A estrada de pedra se
elevava em uma subida, nos levando por um jardim muito bem-
cuidado que se estendia por aquele caminho, direto até o castelo,
que se encontrava encravado em uma rocha, onde um rio logo
abaixo podia ser visto e ouvido. Encarei a grande estrutura, com
suas inúmeras torres altas, que eram distintas por sua variedade de
tamanhos. A reforma dera ao lugar um estilo gótico e vitoriano mais
atual, modernizado, destacando aquilo que já era bonito, mas sem
perder de fato tudo aquilo que ele representava. História e cultura.
A região era enorme, os jardins se estendiam por grande parte
do território, tornando-o bem arborizado. Eu conseguia ver um
pequeno lago de peixes mais à frente, pontes e passadiços que
levavam a outras áreas ali, principalmente aquela que nos dava a
visão do grande rio que se situava na lateral da estrutura logo
abaixo dela. Rapidamente constatei que seria uma queda e tanto –
do ângulo de onde estava – caso alguém se lançasse de uma das
janelas laterais. Havia um caminho, por entre as pontes que
circulavam a propriedade, uma escada que levava para baixo, até
as margens do rio que naquela época do ano deveria estar
congelante.
William estacionou o carro próximo à entrada principal do
castelo, virando-se para me encarar, quando desligou a ignição
— Você está pronta? — perguntou, estudando meu rosto
atentamente, em busca de qualquer sinal em minha expressão que
comprovasse que eu estava prestes a pirar.
Tomei um longo fôlego, voltando meu olhar para fora por um
segundo a fim de contemplar toda beleza daquele lugar que apenas
fui capaz de ver por fotos e que, naquele momento, estava bem
diante de mim.
Não havia mais volta depois daqui.
Ali, durante aquela breve momento, antes de me virar para
William e responder sua pergunta, prometi a mim mesma que
desfrutaria de toda aquela experiência. Eu tinha um propósito e me
certificaria de agarrar todas as chances, de aprender mais sobre
quem eu era com aquela que um dia esteve em meu lugar e
conhecer William mais afundo. A minha próxima escolha dependia
de como aquele final de semana se desenrolaria e eu daria o meu
melhor para me certificar de que ela seria a escolha certa.
— Estou — declarei, resoluta, voltando meu olhar para ele, que
sorriu, antes de deixar o carro, dar a volta nele e vir abrir a porta
para mim.
Como um perfeito cavalheiro, pensei, rindo internamente.
William não me ofereceu sua mão, nem ao menos tentou,
quando deixei o carro e caminhei ao seu lado até a grande porta de
entrada que nos levaria para o interior do castelo. Ele nunca
esquecia a restrição de toque e nem tentava me dissuadir a quebrá-
la. Seu autocontrole, referente a mim, era impressionante.
Assim que a atravessamos, fui atingida pela visão de um
grande hall, moderno e luxuoso, coberto de pinturas históricas,
tapeçarias e peças de artes por todo o lado. Claro, fora o gigantesco
lustre de cristais que ocupava o centro do hall, estendendo-se
majestosamente em uma cascata a quase cinco metros do teto, até
o chão. Tudo era de tirar o fôlego, as cores, os móveis. Até mesmo
a larga e longa escada, que possuía um tapete vermelho,
impecavelmente acomodado entre seus degraus.
— Tio Will, tio Will! — Uma voz estridente e infantil ecoou pelo
cômodo, arrancando-me de minha avaliação.
Virei-me – ao mesmo tempo que William –, vendo uma
garotinha loira correr em direção a nós, vindo de um dos corredores
à esquerda. Sem que nenhum de nós pudéssemos processar direito
sua aparição repentina, ela se lançou em William que a pegou nos
braços com uma facilidade e rapidez surpreendente, um movimento
que quase não fui capaz de acompanhar com os meus olhos
humanos.
— Hey, docinho! — ele a saudou, calorosamente, com um
sorriso amável e contagiante em seus lábios, enquanto trazia o
rostinho da garotinha para perto, para que pudesse encher suas
bochechas de beijos.
A cena era tão encantadora, a ponto de me deixar hipnotizada e
sorrindo feito boba. Era estranho ver William desempenhando
aquele papel tão fraternal, com uma postura tão relaxada e leve.
— Estava com tantas saudades, você cresceu o quê? Uns três
centímetros desde a última vez que te vi? — perguntou a ela, que
soltou uma risadinha fofa, quando ele, com sua mão livre, fez
cócegas em sua barriguinha.
A beleza daquela garotinha – que aparentava ter uns 6 ou 7
anos –, já era extremamente marcante, apesar de seu tamanho.
Seus cabelos longos, loiros e encaracolados, caíam como cascatas
por suas costas e ela trajava um lindo vestido azul e branco, que
chegava abaixo de seus joelhos, onde a barra se encontrava com
meias brancas, que mais pareciam uma meia-calça grossa, e em
seus pés um par de sapatilhas Mary Jane se encontravam,
completando o look.
— Não seja bobo, titio. Foram três e meio — ela o corrigiu,
como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, arrancando dele uma
gargalhada alta e bonita.
Pisquei, fascinada com aquele som e em quanto William ficava
ainda mais bonito rindo daquela forma.
— Está certo — ele murmurou, quando aquele som tão novo e
que rapidamente se tornara meu favorito, se extinguiu por completo.
William se inclinou, colocando a garotinha no chão, que ainda
estampava um lindo sorriso no rosto direcionado ao tio.
— Lucy, o que foi que eu disse sobre atacar seu tio William
dessa forma, toda vez que o vê? — Uma voz melodiosa, mas, ao
mesmo tempo, firme, proferiu em seguida, fazendo-me desviar o
olhar da garotinha para o mesmo corredor de onde ela surgiu,
deparando-me com uma linda e familiar mulher vindo até nós.
Não demorei para identificá-la, eu havia pesquisado mais sobre
ela do que gostava de admitir. Megan Black, a rainha e destinada de
Lucius. Como o marido, as fotos que vi dela não faziam jus a sua
beleza. Ela era deslumbrante, o que me fazia compreender como
aquela garotinha, ainda tão pequena, continha traços tão bonitos.
Ela teve uma genética e tanto para puxar. A mãe e o pai. Os cabelos
negros que se fundiam a finas mechas loiras eram volumosos e
ondulados. Ela era curvilínea em todas as partes certas e pelas
fotos que achei dela quando ainda era humana, a imortalidade só
destacara ainda mais a beleza natural que ela já possuía antes de
se transformar. Seus olhos verdes eram claros e intensos, idênticos
aos da garotinha que, apesar de ter alguns traços parecidos com os
da mãe, lembrava muito mais o pai.
— Desculpe, mamãe. — A garotinha, que descobrir ser a
princesa Lucy, que tanto ouvi falar, se desculpou quase que
imediatamente.
Seus bracinhos se cruzaram atrás das costas, enquanto ela se
balançava no lugar, abaixando seus olhinhos e fazendo um biquinho
fofo que desestabilizaria qualquer um que estivesse a censurando.
Inclusive a mãe, que riu, incapaz de manter a pose autoritária.
— É bom te ver, William. — Megan se virou para ele, que sorria
de forma boba para a sobrinha.
Vi sua mão tocar a cabecinha de Lucy e bagunçar seus cabelos
de brincadeira, antes de se aproximar de Megan, para abraçá-la
carinhosamente.
— É bom te ver também, Meg. Você está linda, como sempre,
aposto que tem dado mais trabalho ao Lucius agora que tem estado
mais à frente das responsabilidades na corte do que antes — disse
de forma divertida, depois de se afastar dela, segurando suas mãos.
— Fiquei sabendo que o representou em uma reunião do conselho
semana passada, que ele não pôde comparecer. Meu pai disse que
você brilhou e mostrou a todos aqueles governantes petulantes,
quem é que manda — comentou, surpreendendo-me com tal relato.
A antiga rainha não era muito vista à frente, ela preferia estar
ligada a outras coisas, como organizações de eventos e tudo aquilo
que evitava sua exposição em massa. Pelo que li, funções que
dependiam de diplomacia e estratégias ficavam por conta do rei,
mas Megan não era como Susan, ao que parecia. Ela dividia as
funções de um governante com Lucius por igual.
— O que posso dizer, eles mereceram. — Ela sorriu de forma
cúmplice para ele, que soltou mais uma gargalhada estridente.
— Aposto que sim, a única coisa que lamento é não ter tido a
chance de presenciar essa cena. Lucius deve ter ficado radiante, ele
adora ver você empunhando sua autoridade de rainha. — Desta
vez, foi a vez de Megan gargalhar com as palavras de William.
Uma gargalhada alta, sonora e tão melodiosa como sua voz.
— Ele me disse que eu deveria ter os ameaçado ao invés de só
os advertir — revelou e William sorriu, balançando a cabeça como
quem dizia que aquilo era a cara do amigo.
Mantive-me onde estava, assistindo à interação dos dois, até
que o olhar de Megan capturou o meu. Seus olhos verdes me
estudaram dos pés à cabeça, mas não havia nenhum traço de
superioridade ou arrogância em seu rosto enquanto ela o fazia.
Apenas simpatia e curiosidade.
— Você deve ser a Seline — pontuou, afastando-se de William
e vindo até mim, com toda sua elegância e graça.
Aquela mulher estava vestindo nada além de uma calça jeans
skinny e um suéter, justo, de gola alta e preto, que ficara
extremamente bonito nela. Em seus pés, botas de cano alto e salto
médio completavam o look.
Não tive tempo de respondê-la, pois logo seus braços me
envolveram, puxando-me para um abraço caloroso. Enrijecer por um
segundo, totalmente surpresa com sua atitude, mas logo relaxei,
abraçando-a de volta. Não sabia dizer por que ou como, mas algo
no abraço de Megan foi extremamente reconfortante.
— Estou muito feliz por finalmente, conhecê-la — ela declarou
de forma amável, à medida que se afastava, mantendo suas mãos
sobre meus ombros.
Sorri timidamente para ela, era estranho estar na frente daquela
que passei muito tempo, pesquisando sobre.
— É uma honra para mim conhecê-la também, senhora Black
— respondi de forma respeitosa, inclinando-me com a intenção de
fazer uma mesura, que ela impediu rapidamente, com um leve
pressionar de dedos em meus ombros.
— Por favor, sem formalidades. Me chame de Megan — pediu e
eu acenei, sorrindo para ela, ainda me sentindo tímida em sua
presença.
— Seline minha querida. Como é bom poder finalmente recebê-
la em minha casa — Vladmir me saudou, descendo as escadas e
vindo diretamente até mim.
Ele estava tão lindo, como da última vez que o vi.
Impecavelmente arrumado, trajando um terno cinza de três peças e
que ressaltava seus olhos. Suas mãos alcançaram uma das minhas,
que ele levou aos lábios e a beijou em cumprimento.
Sorri para ele, sentindo um calor se apoderar de minhas
bochechas.
— É um prazer revê-lo, Vladmir, e obrigada pelo convite —
agradeci, tentando manter uma neutralidade controlada, assim eles
não achariam que estavam lidando com uma adolescente tímida,
que corava a cada mínima interação.
— Imagina, quero que se sinta em casa — assegurou.
Vladmir se afastou de mim e foi cumprimentar seu filho, que o
abraçou rapidamente, recebendo duas batidinhas carinhosas do pai
em suas costas.
— Tio William, agora que você chegou pode me levar para ver a
coleção de adagas do titio Vladimir? Eu pedi para ele me mostrar e
me contar as histórias sobre elas, mas ele falou que você poderia
fazer isso quando chegasse. — Lucy, que se manteve calada até
aquele momento, observando nossas interações, finalmente se
pronunciou.
Arregalei meus olhos, completamente em choque de ver uma
criança interessada em uma coleção de adagas e, principalmente,
por descobrir que Vladmir possuía uma.
— Ah, ele disse? — William indagou, lançando um olhar
divertido para o pai.
Vê-los juntos, lado a lado, era como ter uma overdose de
beleza. Era muito para lidar.
— Sim, ele estava pensando que se meu papai não gostasse
da ideia, era sua mente que ele ia bagunçar e não a dele — ela
contou, como se fosse um segredo, mas todos nós que ouvimos,
fomos incapazes de segurar as risadas, com exceção de Vladmir,
que arregalou os olhos sem jeito com a situação.
Em seguida, uma nova risada – que beirava uma quase
gargalhada – se juntou a nós, fazendo-me virar para escada, onde
um Lucius descia, trajando uma roupa tão casual como da esposa,
mas que, ainda assim, o deixava elegante e charmoso o suficiente.
—Vladimir, eu nunca bagunçaria sua mente e nem a do William
por cederem ao charme da minha garotinha curiosa, sei bem como
ela pode ser bem convincente quando faz essa carinha — ele
proferiu, enquanto passava por mim, tocando em meu ombro em
sinal cumprimento e me lançando um de seus sorrisos genuínos,
antes de parar ao lado de Megan, passando um de seus fortes
braços por cima de seus ombros, abraçando-a de lado.
Eles eram uma visão e tanta, juntos.
— Foi um pensamento irônico, Lucius. Conheço você desde
que usava fraldas, sei bem que não seria capaz disso — Vladmir se
explicou, ao se empertigar, retornando a sua postura impecável que
fora abalada por um segundo, por uma pequena e inteligente
garotinha.
— O que conversamos também sobre ler os pensamentos das
pessoas sem a autorização delas, Lucy? — Megan a advertiu, mais
uma vez.
Engasguei-me silenciosamente, mais uma vez sendo
surpreendido.
Aquela garotinha podia ler mentes?
Como se tivesse compartilhado tal pensamento em voz alta – o
que eu sabia que não tinha feito –, Lucy se voltou para mim com um
sorriso sapeca, estendendo-se por seus lábios.
Droga, ela tinha acabado de ler minha mente também.
— Desculpe, mamãe, foi sem querer, às vezes eu perco o
controle. — Aquela carinha, ela realmente era irresistível,
principalmente quando ela suavizava a voz daquela maneira doce e
infantil.
Lucius e Megan deviam ter muitos problemas quando se tratava
de censurar sua filha, quando ela, claramente, conseguia dobrá-los
com aquela voz e aqueles olhinhos. Lucy não era só fisicamente
parecida mais com o pai, como também herdara a arte de
manipulação dele.
— Tudo bem, que tal o titio Vladimir te levar para ver as adagas
enquanto eu coloco essas mochilas lá em cima? Prometo que te
encontro lá em seguida, para te contar aquelas histórias — William
sugeriu para ela, quebrando o silêncio que se estabilizou entre todos
nós, após as palavras dela.
Eu mal havia registrado que ele tinha pegado a minha mochila e
a dele do carro, e que as estava segurando esse tempo todo.
— Combinado, titio. Mas não demore, papai e mamãe sempre
me ensinaram que é indelicado deixar uma pessoa esperando — ela
salientou, erguendo um de seus dedos para ele, que a encarou
surpreso por um segundo, antes de assim como nós, rir das
palavras que ela havia escolhido de forma tão eloquente.
— E eles estão certos, docinho, é indelicado, ainda mais
quando se trata de mocinhas lindas e inteligentes como você —
William concordou, inclinando-se para a sobrinha e beliscando seu
narizinho, arrancando dela mais uma risadinha fofa.
Lucy podia já ser uma criança relativamente grande, mas ela
era tão encantadora e fofa, como um bebê.
— Venha, querida. Vou te mostrar minha coleção de adagas e
outros tesouros que tenho escondido — Vladmir sussurrou para ela,
como se tais palavras fossem um segredo precioso, conforme lhe
oferecia sua mão, que ela prontamente aceitou, animada e
genuinamente curiosa para ver tudo que ele estava disposto a
mostrá-la.
Assistimos eles se afastarem, sumindo em um dos corredores.
Megan e Lucius estampavam um sorriso bobo e amoroso, enquanto
observavam a filha. Dava para ver todo o amor que eles sentiam por
ela, jorrando de seus olhos. Perguntei-me se um dia desfrutaria de
tal sensação, de amar alguém assim tão genuinamente. Alguém que
cresceria dentro de mim pouco a pouco e que transformaria todo
meu mundo quando nascesse. Eu sempre me peguei pensando
sobre a maternidade, um pensamento que foi se perdendo com o
tempo, mas que, naquele momento, após presenciar Lucius e
Megan interagindo com sua filha, voltara a se fazer presente.
— Ela viu a esposa do meu primo Adam, arremessando adagas
em um alvo no jardim e desde então passou a ter uma obsessão por
elas — Lucius explicou, voltando-se para mim e para o William,
ainda com aquele sorriso bobo de pai, estampado em seus lábios.
— Toda semana ela fica obcecada com algo novo, estou
preocupada com o que será a seguir — Megan complementou,
olhando para o marido, que sorriu mais largamente para ela, um
sorriso diferente daquele que foi endereçado à filha.
Havia ternura e paixão, faiscando em seus olhos, enquanto se
inclinava para deixar um beijo terno na testa de Megan.
— Espero que não seja um unicórnio, na verdade, espero que
não seja nenhum tipo de animal selvagem ou teremos problemas —
Lucius desejou, encarando-me com um olhar divertido, que desde
que o conheci, percebi que era sua marca registrada.
Seu bom humor era realmente estimulante, ele levava embora
todo o clima pesado e desconfortável, nos fazendo sentir
estranhamente relaxados.
— Claro, até porque um unicórnio não é tão fácil de se achar e
isso poderia partir o coraçãozinho dela. Também não vejo como um
elefante, por exemplo, caberia dentro do castelo — William
provocou, fazendo Lucius enviá-lo um olhar enviesado.
— Talvez eu devesse reconsiderar bagunçar um pouco sua
mente — ele ponderou, forçando uma expressão pensativa,
conforme carregava seu tom em uma falsa ameaça.
William sorriu matreiro, desviando de mim ao passar por Lucius,
socando-o de brincadeira no braço, antes de se virar e correr
escada acima, usando sua velocidade vampírica – que nunca havia
presenciado antes –, provavelmente para escapar da fúria do amigo.
— Seu... — Lucius grunhiu, fazendo o mesmo, provavelmente
indo atrás de William para retribuir o gesto.
De repente, peguei-me rindo da situação e sendo
acompanhada por Megan. Para mim, a atitude de William poderia
ter se mostrado um tanto inofensiva e matreira, mas estávamos
falando de vampiros e graças a Jude, eu sabia muito bem o tipo de
força que eles podiam projetar em um movimento como aquele, a
ponto de causar algum tipo de dor ao outro sem parecer. Era
realmente estranho e um tanto novo, ver William fora do papel que
estava acostumada a vê-lo desempenhar na universidade. Apesar
de termos tidos momentos de descontração naquela semana, eu
nunca o tinha visto daquela forma antes. Tão decomposto, divertido
e leve.
— Esses dois — Megan murmurou, balançando a cabeça em
negativa, enquanto ainda ria, assim como eu, da atitude infantil dos
dois. — Venha, Seline. Caminhe comigo um pouco no jardim. Estou
ansiosa para saber tudo sobre você — convidou por fim,
entrelaçando seu braço com o meu e me puxando com ela pela
mesma porta que havia entrado minutos atrás.
A caminhada com Megan pelo jardim fora surpreendentemente
agradável, como Lucius, ela parecia possuir um dom especial
quando se tratava de deixar as pessoas confortáveis. Respondi a
todas as suas perguntas e curiosidades, contando mais sobre mim e
o que estava cursando na universidade. Havia uma leveza nela, que
me acalmava. Sem que eu percebesse, estava me abrindo para ela
com uma facilidade que nunca conseguir antes com outra pessoa,
que não fosse a Jude, e quando o assunto se voltou para meus
pais, Megan foi amável e compreensiva o suficiente para me ouvir e
me confortar, me dizendo que eu não estava sendo injusta. Ela
disse que entendia a preocupação, por também ser mãe, mas não a
ignorância. Ela também acreditava que eles poderiam ter feito a
coisa de forma diferente. Que estava tudo bem ter suas crenças e
não gostar de vampiros, ninguém era obrigado a isso, mas que eu,
ainda era filha deles, independentemente de minha marca e fosse
qual fosse a minha escolha no fim, eles deveriam respeitá-la e
continuar me amando, pois isso era o que os pais faziam.
— As pessoas às vezes se esquecem do quanto o sangue é
precioso e de como a família deveria ser valorizada. Ninguém é
igual a ninguém, mas independentemente das escolhas que
fazemos durante a nossa trajetória na vida, quem nos ama de
verdade as respeitará, mesmo que não concordem. Isso também
deveria contar para os defeitos. É por isso que em alguns casos,
existem ligações que são mais fortes que o próprio sangue, pois
elas crescem do nada e se fortalecem naturalmente. Não existe
nada que as impulsionem para isso, nenhuma obrigação causada
por laços familiares e, por incrível que possa parecer, às vezes elas
duram mais do qualquer vínculo de parentesco — Megan refletiu, à
medida que caminhávamos pela ponte que se estendia pela lateral
do castelo, que ficava a alguns bons metros acima do rio corrente.
Uma pequena queda d’água, formava uma espécie de cachoeira
que parecia brotar da mesma rocha onde o castelo fora construído.
Havia muitas pedras e rochas, ladeando as margens do rio lá
embaixo, e apesar do tempo, ele ainda não estava completamente
congelado, mas não demoraria muito para isso acontecer.
Digeri suas palavras, eu sabia bem como era aquilo, possuir
uma conexão extremamente forte com uma pessoa que não
compartilhava do mesmo sangue que o meu, mas que me entendia
melhor que meus próprios pais. Jude fora minha pessoa, desde a
infância. Aquela que sabia me ler como ninguém e que me conhecia
do normal ao avesso. Pensei que nunca teria outra pessoa assim
em minha vida, até William aparecer que, como Jude, parecia me
conhecer em níveis profundos.
— Eu sinto uma tensão crescente entre você e o William, o que
me faz deduzir que não estabeleceram nenhum contato íntimo
ainda. A ligação de vocês não parece sólida, é forte, está lá, mas ela
ainda é representada por fios distintos, que nunca sequer chegaram
a se encontrarem totalmente — ela avaliou, virando-se para mim,
enquanto encostava a lateral de seu corpo, contra o corrimão largo
da ponte de pedra.
— Você consegue ver isso? — questionei, chocada, arrancando
um sorriso dela.
— É algo que só casais de Predestinados, totalmente
consumados, conseguem identificar em outros. Acredito que a visão
vampírica, que nos dá o poder de enxergar coisas que humanos não
podem, ajuda também — explicou.
Acenei, como quem entendia, ainda surpresa com tal
informação.
Suspirei e, então, contei a ela tudo sobre mim e o William. Cada
momento, cada situação que se sucedeu após nosso primeiro
encontro, até nossa situação atual.
— Então você leu sobre mim, hein? — ela indagou, divertida,
quando eu terminei, arrancando de mim uma risada sem graça,
seguida por um confirmar de cabeça. — Você está realmente
confusa, não é? — observou por fim, quando o clima divertido entre
nós se foi e eu olhei para longe, sentindo-me ser tomada por todas
aquelas inseguranças e confusões que estava lidando desde que
descobrir que William era meu prometido.
— São tantas coisas, as marcas, as sensações, o deixar da
minha vida humana para trás, quem ele é e o papel que terei que
assumir quando ele se tornar um conde no futuro. Eu não sei se
entendo tudo isso ainda ou se estou pronta para lidar com todas
essas coisas — confessei, enfim pude me abrir e colocar para fora
tudo aquilo que a cada dia, parecia me devorar mais por dentro.
Muitas daquelas coisas eu não compartilhei nem mesmo com a
Jude, ela não entenderia, mas Megan sim, porque ela já esteve em
meu lugar.
— Eu já estive na sua posição, Seline. Questionei se o que eu
sentia por Lucius era real ou só algo alimentado por nossas marcas.
Titubeei ao ter que escolher entre ele e minha vida humana, aos
meus sonhos e planos. Cheguei até mesmo acreditar que nunca
poderia ser o que ele precisava, a rainha que todos esperavam de
mim. Eu nunca gostei dos holofotes e quando me juntei a ele, tive
que lidar com toda a exposição em massa devido a quem ele era,
mas percebi que meu amor por Lucius era maior que meu medo de
encarar meu destino, de encarar tudo aquilo. Foi quando constatei
que o escolher não significava que teria que abrir mão de mim e dos
meus sonhos. Isso era algo que eu mesma tinha determinado como
uma condição e, com o passar do tempo, Lucius me provou o
quanto eu estava errada. Eu dei um passo de cada vez e em todos
eles, Lucius estava ao meu lado. Ele nunca me impôs nada, como
acredito que o William nunca o faria com você. Hoje percebo que
como humana, nunca havia me encaixado de verdade no mundo,
não tanto como me encaixo como vampira agora — contou e eu a
encarei.
Dava para ver que ela se lembrava daquele período da sua vida
com carinho e me perguntei se no futuro, caso eu aceitasse a
ligação, faria o mesmo.
— Nossa história não foi fácil, tive que passar pela experiência
da quase morte muitas vezes, inclusive da própria morte, para
entender o propósito da minha existência. E posso te afirmar que
não mudaria nada. Cada escolha, cada caminho que tomei me
trouxe até aqui e me presenteou com coisas inestimáveis —
concluiu.
— Sua filha — pontuei, sabendo que ela era um desses
presentes.
— Sim, o maior e melhor presente de todos. Um símbolo do
que o nosso amor foi capaz de criar — concordou, sorrindo. Um tipo
de sorriso que não foi só capaz de iluminar todo seu rosto, como
seus olhos verdes. — Deixe-me te contar uma coisa, que talvez vá
ajudá-la a eliminar algumas de suas inseguranças, sim? — disse,
antes de prosseguir. — Eu lutei muito tempo contra o Lucius, antes
de ceder. Você conheceu um pouco do meu marido, mas já deve ter
percebido que ele e o William são completamente diferentes.
William é um cavalheiro, ele não vai se forçar sobre você, já Lucius
tinha o hábito de atravessar todas as barreiras que construía à
minha volta para me proteger dele. Ele as derrubava toda vez que
eu tentava levantá-las de novo. Sua ousadia, teimosia,
determinação e presunção o ajudaram nisso, mas William não é
assim e se você não se permitir tentar, ele nunca terá a chance de
mostrar a você o que podem ser, juntos — salientou. — Ele é do tipo
que pede permissão para entrar, para criar caos em sua vida, pois
seu consentimento, desejos e vontades são suas principais
prioridades. Eu posso te dizer com precisão, Seline, que as reações
causadas por nossas marcas, não são capazes de prejudicar nosso
julgamento. Em todas as minhas brigas com Lucius, que felizmente
foram poucas, não importava o quanto ele me tocasse e me fizesse
sentir bem, eu ainda queria bater nele, esfaqueá-lo e gritar com ele
— revelou, o que me fez rir, ao imaginar aquela cena.
Então era por isso que Lucius temia tanto a fúria de sua
destinada, pensei divertida.
Megan me acompanhou em seguida, fazendo uma pausa,
antes de continuar.
— Nós, melhor do que eles, conseguimos ter uma autonomia
mais racional quando se trata de pensar com a nossa própria
cabeça e tomar decisões referentes ao laço. É por isso que são as
destinadas que dão a palavra final, são elas que escolhem. Mesmo
quando um prometido não sente nada por sua destinada, ainda
assim haverá um instinto forte o suficiente para nublar um pouco
seu julgamento. Eles são sempre o elo mais fraco da ligação. O
puxão está lá, incitando-os a serem provedores e protetores, gostem
eles ou não, o que se torna um alívio para eles quando desaparece
ao remover da marca. É raro, mas pode acontecer e por sermos
mais racionais, mesmo quando nos sentimos atraídas e percebemos
que nosso prometido não deseja sequer explorar as possibilidades
daquela ligação, os libertamos, sabendo que nem ele ou nós
seremos felizes em uma relação que agiria como uma via de mão
única. As relações de predestinados não foram feitas para serem
assim. Acredite em mim quando digo que sua marca não a forçará a
se apaixonar por ele, não a empurrará para isso, apenas ampliará o
que já existe. Ela pode provocar efeitos em seu corpo, mas se você
não sentisse nada por ele, seriam apenas isso, reações, como
quaisquer outras, provocadas por situações adversas. Você tem o
controle, Seline, a escolha é sua. Nunca se esqueça disso.
Independentemente do que você escolher, pode ter certeza, ele vai
entender e te respeitar — completou, aproximando-se de mim e
tocando em meu ombro, em conforto.
Suas palavras se estabeleceram dentro de mim, como o
encaixar de uma peça daquele enorme quebra-cabeça que estava
montando.
— Obrigada — agradeci, sorrindo para ela.
Megan não fazia ideia, mas suas palavras, aquela conversa,
foram fundamentais para mim. Essenciais.

Depois do meu passeio com Megan, retornamos ao castelo,


onde encontramos Lucius conversando com Vladmir perto da
escada e com uma Lucy agitada em seu colo, que chacoalhava
seus pezinhos no ar e olhava ao redor com pressa.
— Ela realmente consegue ler mentes? — questionei a Megan,
antes que adentrássemos totalmente no hall.
— As habilidades dela despertaram recentemente, ainda é um
tanto novo para ela e para todos nós. Mas, ao que parece, elas
ainda estão em desenvolvimento. Sabíamos que poderia ocorrer,
devido ao dom que Lucius tem, mas não imaginávamos que seria
tão... mais forte que o dele — Megan explicou, fazendo-me franzir o
cenho, desviando meu olhar para linda garotinha que, naquele
momento, tinha seus olhos fixos em mim, me estudando.
Ou minha mente.
— Quão fortes? — Ousei perguntar.
— O poder de Lucius se limita a invadir a mente de qualquer
um apenas para gerar dor, já o de Lucy, não permite que ela apenas
cause dor, assim como pode ler mentes e viajar por ela, tendo
acesso total a sentimentos, lembranças... Pensávamos que ele se
limitaria apenas a isso, ao controle total da mente de um indivíduo,
até que, recentemente, ela começou a quebrar as coisas com um
grito, causar problemas de estática com seu choro e durante seu
último pesadelo, ela... fez os móveis de seu quarto levitarem —
contou, seu rosto ficou sombrio por um momento, fazendo seus
olhos perderem aquela alegria habitual e contagiante.
Ela estava preocupada, isso era visível.
Sem pensar muito, peguei sua mão, esquecendo-me por um
segundo que Megan era uma rainha, a minha rainha. Seus olhos
deixaram a filha se voltaram para mim, surpresos, mas agradecidos
pela atitude de conforto.
— Eu tenho certeza de que vocês vão conseguir lidar com isso,
que Lucy vai aprender a controlar seu poder e vai ficar bem. Ela não
parece só esperta demais para sua idade, como extremamente
forte. — Minhas palavras serviam para um único propósito, consolá-
la e fazê-la se sentir melhor, mas não eram mentiras bonitas, eu
realmente acreditava em cada uma daquelas palavras, quando as
atirei para ela.
Megan sorriu, parecendo grata, enquanto apertava minha mão.
Voltei meu olhar para garotinha, conforme voltamos a andar, nos
aproximando deles e ela, surpreendentemente, sorriu para mim, um
sorriso agradecido e cúmplice. Algo que foi o suficiente para eu
saber que ela estava lá, na minha cabeça, não só lendo meus
pensamentos, como talvez vasculhando minhas emoções. Sorri de
volta para ela, notando um entendimento mútuo se estabelecer
entre nós e de uma forma um tanto estranha, senti algo mais, quase
como uma conexão.
Infeliz ou felizmente, não tive muito tempo para pensar naquilo,
pois logo estávamos ao lado de Lucius e Vladmir, que, com certeza,
já haviam notado nossa presença antes, mas se mantiveram
concentrados em sua conversa, nos dando espaço. Megan e Lucius
se despediram de mim e subiram para se aprontarem para o jantar,
levando Lucy com eles. Vladmir demonstrou que queria um tempo
comigo, mas foi impedido de começar uma conversa por seu celular
tocando. Ele me apontou a direção da biblioteca, dizendo que eu
encontraria William lá e foi naquela direção que segui, em seguida.
Quando adentrei a grandiosa biblioteca, quase perdi o fôlego.
Havia mais quadros e obras de artes ali, assim como muitos
mezaninos, corredores e estantes, abarrotadas de livros. Ela era
duas vezes maior que a biblioteca da universidade e era uma visão
e tanta. Encontrei William arrumado alguns livros em um dos
setores, ele sorriu ao me ver, como se bebesse de minha presença
como água, após inúmeras noites no deserto. Ainda era
desconcertante a forma como ele deixava seus sentimentos por mim
tão visíveis, mas era fofo e, também, fazia com que me sentisse
importante e amada, de um jeito que eu gostava muito, mas não
estava pronta para admitir.
— Lucy ficou eufórica com as adagas, então....
— Ela derrubou esses livros com o poder dela? — inquiri,
notando que a estante ao lado estava levemente envergada e com
metade de seus livros no chão.
— Megan te contou? — perguntou de volta e eu assenti,
pegando um vislumbre de surpresa, passar por seus olhos, antes
dele prosseguir. — Meu pai pediu que eu esperasse, que ia mandar
alguém vir arrumar, mas Lucy estava se sentindo tão mal, que me
peguei dizendo para ela que havia me feito um favor, que estava
louco para trocar alguns livros de lugar fazia um tempo e que
poderia fazer isso agora. Lucius estava preocupado, mas também
aliviado por eu ter tomado à frente e feito ela se sentir melhor. Ela é
tão nova e já tem que lidar com coisas assim — contou com um
misto de tristeza e preocupação não só presentes em seu tom,
como naqueles lindos olhos azuis. — Eu odeio ver aquela garotinha
triste e se preciso arrumar essa bagunça sozinho para fazê-la se
sentir melhor, eu o farei — concluiu, apontando para a bagunça ao
seu redor.
Sorri, William era realmente incrível e ele nunca conseguia
parar de me surpreender. Ele amava de fato a filha de seu amigo,
como se ela fosse sua sobrinha de sangue. De repente, peguei-me
lembrando das palavras de Megan sobre alguns laços serem mais
fortes do que o próprio sangue... Acho que era exatamente isso que
acontecia entre aquelas duas famílias e eu estava feliz por ter
aceitado o convite de vir e poder desfrutar daquele final de semana
com eles. Eu estava aprendendo tanto e me sentindo tão à vontade.
— Eu te ajudo com isso — ofereci, vendo um lindo sorriso se
alargar em seus lábios.
Foi quando percebi a grande gafe que estava cometendo.
— Quer dizer... eu sei que com sua velocidade vampírica você
poderia terminar isso em um segundo, mas...
— Seline — ele me chamou, interrompendo-me no meio da
minha reformulação ridícula e desajeitada. — Não me importo de ir
devagar e fazer isso à moda antiga, contanto que eu possa desfrutar
de sua presença e companhia enquanto o faço — declarou,
engolindo-me com aquela intensidade que sempre parecia fazer
morada daqueles olhos.
Sua voz rouca e aveludada – que proferira aquelas palavras
cheias de significado –, adentrou meus ouvidos, reverberando por
tempo demais dentro de mim, fazendo aquela familiar sensação de
ter borboletas voando dentro do meu estômago surgir. Senti minhas
bochechas esquentarem e desviei o olhar, abaixando-me para pegar
alguns livros que estavam espalhados pelo chão, tentando esconder
meu embaraço dele.
Mas William sabia, ele sempre sabia quando me desestruturava
com suas atitudes e palavras, e ousava dizer que ele gostava muito
disso, porque aquilo, dizia ele o que eu ainda não estava pronta
para confessar.
— Minha família tem de pose muitos textos antigos, registros
históricos e todo tipo de coisa velha que foi escrita e contada antes
e depois no novo mundo. E todas elas estão aqui, preenchendo
algumas dessas estantes — William revelou, conforme nos
dividíamos para tornar aquela tarefa mais rápida, óbvio, dentro dos
padrões humanos. — Nós nos tornamos responsáveis por guardá-
las e cuidar para que fossem bem preservadas, e protegidas. É o
nosso trabalho como uma das famílias supremas, que governa o
novo mundo. — Alcancei um dos exemplares com mais cuidado do
que o estava fazendo antes, se eram livros importantes, eu não
queria cometer o erro de causar nenhum tipo de dano a eles.
Saber que aquela biblioteca era, na verdade, um tesouro, me
fez questionar se deveria mesmo estar tocando naqueles livros, por
outro lado, me fez também ansiar para vasculhar entre eles, em
busca de tudo que poderia ser interessante. Só de imaginar o tanto
de conhecimento que eu tinha ao alcance de minhas mãos, fazia
meu lado pesquisadora se contorcer dentro de mim.
— Você deve saber absolutamente de tudo que envolve seu
mundo — comentei, fascinada, à medida que lhe entregava o livro
que tinha em mãos, para que ele colocasse em seu devido lugar.
— Um pouco de tudo — concordou, sorrindo genuinamente
para mim, me enviando uma piscadela.
William tocou a outra borda do livro, tomando-o de mim com
todo cuidado para que nossas mãos não se tocassem por acidente.
Sorri com sua atitude, seu autocontrole realmente era
surpreendente. Isso me fez lembrar de uma parte específica de
minha conversa com Megan mais cedo. William realmente era o tipo
que pedia permissão para entrar no seu mundo e sacudi-lo, mas mal
sabia ele que não estava precisando pedir permissão e nem entrar
para começar a causar pequenos terremotos no meu.
— Seu bisavô devia ser um pouco assustador, todas as
histórias por trás do grande conde Drácula fazem sucesso até os
dias de hoje — comentei, após ler o título de um dos livros que
estavam espalhados pelo chão, antes de entregá-lo ao William. Um
que tinha um nome bastante familiar, destacado na capa.
Vlad Tepes
Faz tempo que queria perguntar a ele sobre aquela figura
histórica, mas nunca tive a chance. Não sem parecer invasiva.
— Nunca cheguei a conhecê-lo, assim como meu avô e meu
pai, era muito pequeno quando ele morreu. Mas meu avô
costumava dizer a ele que Vlad Tepes era um indivíduo muito
amargurado, nunca de fato encontrou alguém que o suportasse e a
sua crueldade. Ele deu a continuidade a nossa espécie e criou seu
herdeiro, mas não teve muitos feitos além daqueles que destacavam
o pior de sua natureza — contou, com sua atenção fixa no que
estava fazendo. — Ele sonhava em conquistar o mundo, de reduzir
a população humana para nada além de comida, mas nunca
conseguiu alcançar tal feito. O que sou grato, caso contrário,
viveríamos outra realidade hoje e talvez seríamos os monstros que
muitos humanos, que odeiam os vampiros, pregam que somos.
Seguíamos um ritmo, relativamente, bom. Eu resgatava os
livros do chão e passava para ele, que os arrumava devidamente
em seus lugares. Parecia que aquela biblioteca continha todo um
sistema de numeração, onde os livros deveriam ser arrumados da
forma correta, respeitando os números que havia em suas
lombadas.
Ainda bem que deixei isso para William, caso contrário, eu
bagunçaria toda aquela ordem.
— E seu avô? — Ousei prosseguir com as minhas perguntas,
não querendo perder a chance de conhecer mais daquela história.
— Depois que meu avô estava pronto para assumir seu lugar
de direito como conde, meu bisavô enfiou uma estaca no próprio
peito, desistindo enfim de sua existência. Meu pai alega que talvez
ele tenha cansado, cansado de ser odiado e tantos fracassos. Meu
avô não se abateu, meu pai conta que seu avô costumava ser muito
cruel com o filho também. Então, quando a guerra explodiu, meu
avô morreu protegendo sua espécie e meu pai assumiu o título,
continuando seu legado — concluiu, com uma leve nota de pesar
em seu tom.
Uma vez ele me dissera que seu pai havia quebrado o ciclo de
crueldade de sua família, o que me fazia deduzir que seu avô talvez
não fosse tão bom quanto seu pai, mesmo assim, era perceptível,
pelo seu tom que William gostaria de tê-lo conhecido.
— Qual foi a descoberta mais fascinante que você fez ao ler
esses livros? Claro, uma que possa me contar e que é de pouco
conhecimento público — perguntei de forma animada, mudando de
assunto.
Não queria deixá-lo triste, então tentaria distraí-lo com outros
assuntos.
William me encarou, estudando-me, como se tivesse se
perguntando se poderia confiar a mim o segredo que estava prestes
a revelar. Isso me pegou de surpresa, ele faria isso? Me contaria
algo tão importante, a ponto de ter que sopesar se confiava em mim
o suficiente para manter o que quer que fosse aquilo que ele estava
querendo me contar em segredo.
— Muitas histórias e profecias tiveram sua existência ocultada
pelo conselho e por nós, a dinastia vampírica. Histórias que não
acreditávamos serem seguras, necessárias ou importantes para
serem reveladas a todos, principalmente aos humanos. A profecia
das destinadas foi por um longo tempo um segredo, até que passou
a não ser mais, quando a incidência de humanas nascendo com
marcas, destinadas a vampiros, aumentou notoriamente — revelou,
tomando enfim sua decisão. — Quando eu era pequeno, meu pai
me contou sobre a existência de uma profecia similar às das
destinadas, que fora lançada sobre nosso mundo para manter o
equilíbrio entre duas espécies específicas. — Arregalei meus olhos,
vendo-o parar por um momento o que estava fazendo, para voltar
toda a sua atenção para mim.
— Duas espécies específicas? — indaguei, confusa, repetindo
suas palavras como se ao fazê-lo, entenderia melhor o que ele
estava querendo dizer.
— Sim, como as bruxas e os lobisomens, por exemplo —
esclareceu, fazendo-me quase me engasgar com a minha própria
saliva.
Eu sabia sobre as bruxas, em minhas pesquisas aprendi como
algumas delas – que faziam parte do conselho das destinadas –,
eram necessárias. Também descobri que nem todas gostavam de
se revelar ao mundo, apesar de saberem que sua existência não era
mais um segredo. Mas lobisomens? A existência deles nunca fora
citada antes, o que me fazia perceber que William acabara de
responder a minha pergunta de alguns minutos atrás.
— Lo... lobisomens? — gaguejei, de forma patética, como se
não pudesse acreditar.
A descrença estava presente em meu tom e isso pareceu
diverti-lo. De repente, lembrei-me da palestra na universidade, a
mesma palestra onde descobri que William poderia ser meu
prometido.
— A palestra... — sibilei, pensativa. — Um dos palestrantes
pontuou que desconfiava que outra espécie tinha participado da
grande guerra que colocou os vampiros no poder, uma espécie que
teve toda sua existência apagada.
— Foi necessário, os lobisomens eram perigosos, na maioria
das vezes se comportavam mais como bestas do que homens.
Quando ganhamos, os exilamos — elucidou. — Diferente dos
humanos, eles tinham uma chance real de nos vencer. Meu pai
disse que não foi bonito, mas quando acabou, medidas tiveram que
ser tomadas para que assim nosso reinado não fosse mais
ameaçado e que a existência deles fosse apagada da memória dos
humanos para sempre. E esse é nosso maior segredo.
— Espera, quando você disse que uma profecia foi criada para
manter o equilíbrio entre duas espécies específicas, você estava
querendo dizer que humanas também foram destinadas a
lobisomens? Como humanas foram para vampiros? — inquiri em
choque, não sabendo o certo como reagir aquela descoberta.
William estava me confidenciando um dos maiores segredos
dos vampiros e se isso não era a maior prova que ele havia me
dado que confiava em mim, cegamente, eu não sabia dizer qual era.
— Não sei quanto a humanas, mas um desses livros relatam
que uma profecia foi lançada para acabar com a guerra entre
lobisomens e vampiros. Ele dizia que uma vampira nasceria ligada a
um lobisomem e que o laço que compartilhariam seria tão forte, que
diante de tal amor as espécies se curvariam e deixariam de ser
rivais — confidenciou, recostando-se contra a lateral da estante e
cruzando seus braços sobre o peito.
Seu olhar estava fixo em meu rosto, provavelmente
acompanhando em tempo real cada emoção que eu transparecia.
— Como a profecia das destinadas — balbuciei, em um misto
de choque e fascínio.
— Ou algo similar, o livro não me deu tantos detalhes. Acredito
que possa haver outro por aqui que deixe claro melhor todas as
estruturas da profecia, mas não me interessei o suficiente para
procurar ou me aprofundar no assunto, principalmente quando
descobrir que a profecia não vingou — comentou, dando de ombros.
Era claro que para ele aquilo não era nada mais do que um
segredo de família, já para mim, uma humana curiosa, com alma de
pesquisadora, era tudo chocante e incrível.
— Por que não? — perguntei, franzindo o cenho.
— Ao que parece, profecias podem ser quebradas quando algo
maior, algo capaz de selar o destino de toda uma espécie, acontece.
Exilar os lobisomens, sentenciá-los a viver em um mísero pedaço de
terra, em uma ilha que não aparece nem mesmo nos nossos mapas,
fez isso acontecer. Depois de séculos, não acredito que tenham
sobrevivido e nenhuma profecia pode vingar após a morte do seu
principal elemento — explicou, e eu me peguei refletindo sobre
aquilo.
Sempre julguei que profecias eram poderosas demais para
serem quebradas. Se eles foram banidos há tanto tempo e ninguém
soube mais nada sobre eles, principalmente os vampiros, não me
admirava que algo daquele tipo poderia ter ocorrido. Sobreviver em
uma região inóspita, principalmente depois de tanto tempo, sem
muitos recursos e uma variedade limitada de alimentos, eles não
durariam muito, mesmo se a reprodução entre eles fosse frequente.
Fui arrancada de meus pensamentos, pela risada de William.
Encarei-o, notando seus olhos azuis mais brilhantes do que nunca.
— O que foi? — indaguei sem graça, identificando rapidamente
a forma como ele me encarava naquele momento. Com fascínio,
como se eu fosse a coisa mais bonita e única que ele já tinha visto.
Constatar aquilo, me fez corar intensamente.
— Nada, vamos voltar ao trabalho, de repente conseguimos
terminar isso antes do jantar — gracejou, fazendo-me rir e quase
ceder a vontade de atingi-lo com uma cotovelada em sua costela de
brincadeira.
Um impulso que rapidamente reprimi, não estava pronta para
lidar com aquele lance de toque, pelo menos não ainda.
Existia algo sobre Lucius e Megan... Eles eram sem dúvidas um
casal poderoso e possuíam um impacto só deles quando estavam
assim, lado a lado. Não sabia como explicar, mas havia algo mais
que os tornavam desconcertantes e isso não tinha nada a ver com a
beleza deles, juntos ou separados. Era a conexão que
compartilhavam, ela parecia quase palpável de uma forma um tanto
intrigante. Existia compasso, ela se movia, ele seguia. Ele se
inclinava e ela o acompanhava. Como uma dança, como o ato de
respirar, quando as narinas se inflavam e puxavam o ar ao mesmo
tempo em que os pulmões se expandiam para recebê-lo. Era
involuntário e natural. Bonito e desconcertante. Seus olhos sempre
se buscavam, como se a necessidade de olhar um para o outro
fosse sobrepujante a qualquer outra coisa e eles pareciam ter uma
conversa mentalmente quando isso acontecia. Lucius não
conseguia manter as mãos longe dela, estava sempre a tocando,
sempre estabelecendo contato físico como se precisasse disso. Seu
braço quando não estava ao redor do encosto da cadeira dela,
acariciando a pele exposta do ombro de sua rainha e destinada,
estava posicionado em direção a ela, por debaixo da mesa. Pelo
ângulo, não era difícil deduzir que sua mão estava sobre a coxa
dela. O fogo que fazia morada no olhar dele, toda vez que ele a
encarava, enquanto ela falava, deixava não só claro o quanto ele a
desejava, como a admirava profundamente. Um fogo que ela
correspondia, quando seus olhares se encontravam. Nem o
casamento e os anos que tinham juntos, nem mesmo a filha, esfriou
aquela ânsia que parecia emanar deles. Eles eram uma coisa só.
Depois de ajudar William com os livros, ele me levou até o
quarto onde ficaria. Um quarto grande demais para se parecer com
um simples quarto de hóspedes, mas que, com certeza, não devia
chegar nem perto dos quartos principais, apesar de possuir uma
suíte. Tirei o tempo que me restava para tomar uma ducha rápida e
trocar de roupa, antes de descer e encontrar William esperando por
mim, para me acompanhar até a sala de jantar, onde todos já nos
aguardavam, sentados à mesa. Somente eu, Lucius e Lucy
desfrutamos do banquete que estava exposto naquela mesa.
William, Vladmir e Megan se limitaram a degustar apenas da
sobremesa. Preparei-me psicologicamente para ver cálices com
sangues em cima da mesa, mas não os vi, isso me fez deduzir que
todos eles estavam mantendo aquela parte de sua dieta escondida
de mim, para não assustar a única humana – no caso eu –, presente
no recinto.
Senti William se mover ao meu lado, ajeitando-se em sua
cadeira. Um movimento que atraiu minha atenção para ele, que me
observava com um sorriso e um olhar que deixava bem claro que
ele sabia o que eu estava olhando e pensando. A diversão
consumiu sua expressão, enquanto ele enviava para mim um olhar
que gritava: "Eu sei", como se concordasse o quanto Lucius e
Megan eram uma visão e tanta juntos. Ele os conhecia bem,
acompanhou o início da relação deles e saber disso, fez crescer em
mim uma curiosidade inquietante, que tive que conter, até que o
momento se tornasse propício para fazer aquela pergunta.
A conversa à mesa estava fluida e eu me sentia
surpreendentemente incluída nela, graças a todos ali presentes, que
sempre perguntavam minha opinião ou faziam perguntas banais a
mim. Lucy parecia ser bem comunicativa, já que também
aproveitava qualquer brecha para comentar sobre o assunto que era
discutido, mesmo quando ela não entendia nada sobre ele e
passava a disparar inúmeras perguntas, para que assim, o pudesse
fazê-lo. Isso divertia a todos nós.
Tudo estava bastante agradável, até a figura de Viktor irromper
pela porta, fazendo o clima pesar quase que de imediato. Olhar para
ele, foi como abrir um álbum de fotos, onde cada fotografia
guardava uma lembrança e aquela que ele acionara, foi nosso
último momento juntos. Seu olhar treinado vasculhou toda a mesa e
os rostos que ali estavam, até parar em mim. Paralisei em meu
assento, sentindo cada membro meu enrijecer com o peso de seu
olhar. Ele estava trajado todo de preto, como de costume, uma cor
que caía muito bem a ele, como também lhe dava todo aquele ar
misterioso e sombrio.
— Não sabia que teríamos companhia para o jantar —
observou num tom meticulosamente controlado.
Não havia nada em seu olhar que me dissesse que ele estava
incomodado com a situação ou comigo, bem ali, sentada entre
William e Lucy, mesmo quando em nosso último encontro ele
praticamente ordenou que eu me mantivesse longe.
— Você saberia, se passasse mais tempo em casa, meu filho.
— Havia uma leve nota de censura no tom de Vladmir, mesmo
quando ele pareceu ter se esforçado para mantê-lo calmo.
— Perdoe-me, meu pai, infelizmente tenho andado
sobrecarregado com as minhas aulas na universidade e alguns
outros assuntos pessoais. Regalias como as que meu irmão possui
de conseguir estar em casa todos os finais de semanas, não é algo
que posso compartilhar com ele. — Lá estava, não só o sorriso
provocador, como a entonação carregada de escárnio, quando
Viktor deu sua resposta ao pai.
Desviei o olhar para meu prato, vendo pelo canto do olho
William e Lucius se moverem quase que juntos, em suas cadeiras,
deixando bem claro que estavam desconfortáveis com a presença
de Viktor.
— Acho que ficar muito tempo dentro de uma sala de aula,
lidando com adolescentes, tem interferido em sua educação, meu
filho. Não me envergonhe assim, não quando tenho certeza de que
te ensinei direito. Seu rei e sua rainha estão esperando que você os
cumprimente devidamente — Vladmir atirou, fazendo-me notar a
rispidez que sua voz havia assumido.
Ergui meus olhos, intercalando minha atenção de um para o
outro. Toda a calma de Vladmir parecia estar por um fio e Viktor
devia ter percebido o mesmo, pois rapidamente mudou sua postura,
forçando um sorriso, enquanto se virava para Lucius e Megan.
— Rei Lucius, rainha Megan, é um prazer revê-los e uma honra
recebê-los em nossa casa. — O tom cortês, que nunca ouvira antes,
escapou com facilidade dos lábios de Viktor, o que me pegou de
surpresa por um momento.
Lucius se limitou a respondê-lo com um parco aceno de
cabeça, Megan por outro lado, sorriu para o irmão de William.
— Viktor, que bom que se juntou a nós. — Enquanto Lucius
parecia não gostar nenhum pouco de Viktor, Megan não pareceu se
deixar levar pelos sentimentos do marido, dando ao irmão adotivo
de William toda sua educação e gentileza em troca.
— Estou feliz por tê-lo feito. Com todo o respeito ao Lucius,
mas você está ainda mais deslumbrante desde a última vez que a
vi, Megan — Viktor elogiou, enviando um olhar nada inocente a ela,
depois de percorrer seu corpo lentamente com seus olhos.
Arregalei levemente os olhos, desviando meu olhar para Lucius,
que semicerrou seu olhar para Viktor, ao mesmo tempo em que
pude ver uma de suas mãos, que estava repousada sobre a mesa,
se fechar em punho.
O elogio fora proposital, Viktor estava provocando Lucius, sem
um mínimo de pudor ou amor à própria vida, ao que parecia.
— Cuidado, Viktor. — O aviso de Lucius veio de forma lenta,
mas com intensidade o suficiente para eu notar toda a letalidade por
trás dele.
Como um leão, avisando a sua presa para correr, vi os olhos de
Lucius cintilarem, mudando por uma fração de segundos do
dourado, para o vermelho, à medida que ele o mantinha fixo em
Viktor. Ali, naquele momento, eu não vi mais o bem-humorado,
melhor amigo de William. Eu vi o rei, vi o mestiço poderoso que
muitos temiam.
— Você tem muita sorte de ser filho do Vladmir, outros foram
punidos por menos. Olhe para minha mulher assim de novo, com
intenção de me provocar, e vou me esquecer de que você é o irmão
do meu melhor amigo e te relembrar como se deve tratar sua rainha.
— Engoli em seco, intercalando meu olhar receoso entre Viktor e
Lucius, que se olhavam como se quisessem se matar.
Oh, merda! Isso não vai acabar bem.
Diferente do que pensei, Viktor não teve o bom senso de
estremecer ou abaixar a cabeça, quem dirá pedir desculpas. Ele
sustentou o olhar mortal de Lucius e sorriu para ele, antes de
desviar sua atenção para Megan.
— Peço perdão pelo meu atrevimento, minha rainha. — Megan
não sorriu dessa vez, ela finalmente tinha se dado conta de que fora
usada para provocar seu marido e parecia não ter gostado nada
disso.
— Se eu fosse você, eu pensaria bem antes de fazer isso de
novo, Viktor. Lucius pode bagunçar com sua mente sem sujar as
mãos, mas eu posso ter que recorrer a métodos piores para te dar
uma lição, caso me use novamente desse jeito, não só para
provocar seu rei, como para usar todo esse despeito para enfrentar
a autoridade de seu pai nessa casa. — O alerta de Megan soara tão
letal, como de seu prometido. Letal em um nível que somente uma
rainha poderia proferir. Havia um equilíbrio entre a falsa suavidade,
a ameaça e o impacto aterrorizante que vinha com um quê de mais,
o tipo de mais que ficaria sobre a responsabilidade de Viktor
descobrir ou não, e algo me dizia que não havia nada de bom ou
inofensivo nele.
Viktor não a respondeu, mas pareceu ter aceitado a derrota
naquele embate, como se soubesse que tipo de batalhas ele
poderia ganhar e quais não, e ir contra o rei ou rainha, parecia
conter um preço que ele não estava disposto a pagar, pelo menos
nesse momento.
Quando que pensei que ele se viraria e partiria, ele se voltou
para Lucy, ao meu lado, que o encarava fixamente. O olhar que ele
endereçou a ela, antes de mudar o foco de sua atenção para mim,
fez com que cada micro pelo do meu corpo se arrepiasse. Ele olhou
para ela como se ela fosse um trunfo, um tesouro, uma peça muito
importante para o jogo distorcido que ele estava jogando.
Felizmente, nem Megan ou Lucius repararam no olhar que Viktor
endereçou a sua filha, caso contrário, aquele jantar acabaria em um
banho de sangue.
— Bom te ver por aqui, Seline. Vejo que já está se
familiarizando com tudo, de como é estar entre nós. — Apesar de
seu tom parecer inofensivo, assim como seu rosto trajava uma
máscara de imparcialidade, eu sabia muito bem o que ele queria
dizer.
Ele estava me lembrando de seu último aviso e não estava
nada feliz por eu ter o ignorado. Se antes eu achava que o álcool
poderia ter potencializado tudo o que aconteceu entre nós naquela
boate, nesse momento eu não pensava mais. Fora tudo real.
Não o respondi, mesmo quando podia sentir o impacto de suas
palavras, as palavras não ditas. Senti o peso do olhar de William,
queimar sobre mim, mas não o encarei, voltei meu olhar para
comida novamente, negando-me a responder Viktor ou deixar minha
confusão e receio visíveis para todos naquela mesa.
— Estou de saída, tenham um bom jantar — dito isso, sem se
importar de deixar todo seu sarcasmo claro, em seu tom, Viktor se
virou e se retirou do cômodo, fazendo todos suspirarem aliviados ao
meu redor.
— O irmão do titio William não é bom como ele. Por que ele tem
tanta raiva e pensamentos ruins sobre nós, mamãe? — Lucy
perguntou de forma inocente, quebrando o silêncio que se fez no
recinto quando Viktor se foi.
Vi Megan e Lucius arregalarem seus olhos, enquanto William e
Vladmir enrijeceram em suas cadeiras.
— Que tipo de pensamentos, querida? — Megan perguntou à
filha, receosa.
— A mente dele é estranha, não consegui ler os pensamentos
dele como costumo ler das outras pessoas — Lucy explicou,
mostrando-se estar frustrada com a situação, frustrada de um jeito
que só uma criança ficaria, quando um doce que ela quer muito, lhe
era negado. — Era como se tudo tivesse escuro lá dentro, mas eu
consegui captar a raiva e essa sensação de ele não gostar nenhum
pouquinho da gente — completou, brincando com seu talher com
uma das mãos, enquanto a outra servia de apoio para seu
queixinho.
Foi impossível não ficar surpresa diante das palavras daquela
garotinha e não me sentir responsável ou culpada por não
aproveitar aquela situação e compartilhar o que aconteceu comigo e
com Viktor naquela boate. Mesmo sabendo o quanto aquilo poderia
ser importante, eu me mantive calada, vendo Lucius e Vladmir
trocarem olhares, à medida que William e Megan mantinham sua
atenção em Lucy. Ambos tinham seus cenhos franzidos,
visivelmente preocupados com o que mais a garotinha podia ter
captado de Viktor e que tipo de ameaça ele poderia se tornar.
A verdade, era que nenhum deles tinha ideia. Eu precisava
urgentemente ficar sozinha e pensar em tudo, reaver cada palavra
que Viktor tinha usado naquela noite e ponderar com racionalidade,
se deveria jogar aquela bomba em cima de William ou não. Aquelas
palavras poderiam não significar nada e eu estaria alimentando o
fogo de uma guerra que poderia nem chegar a acontecer, ou elas
poderiam significar tudo e eu os estaria avisando de uma possível
traição. Do pior tipo delas.
Encontrei-me com o olhar de Lucy e a peguei me estudando
com sua cabecinha levemente inclinada. Se a idade real de um
mestiço fosse levada em conta – o que na maioria das vezes não
era, devido ao crescimento acelerado –, Lucy teria três anos de
idade. Praticamente um bebê ainda, preso a um corpo seis.
Contudo, a idade de um mestiço não era medida pelos anos e sim
pelo seu crescimento, já que não só o corpo, como a mente
amadurecia com eles e, mesmo assim, eu ainda a achava
inteligente demais para sua idade de mestiça. O crescimento
acelerado e os dons, a fizeram ter que amadurecer mais do que sua
idade exigia. Ali, enquanto ela mantinha meu olhar, eu soube... Ela
descobrira meu segredo, mas não estava me julgando por ele, ela
praticamente estava me olhando como quem dizia: “Seu segredo
está a salvo comigo.” O motivo disso? Eu não fazia ideia, tudo o que
eu sabia, era que existia uma conexão estranha entre nós e que
estava me sentindo ligada de alguma forma com aquela menina.
Na manhã de domingo – no dia seguinte – foi o dia de nos
despedirmos de Megan, Lucius e Lucy, que não puderam estender
muito de seu tempo conosco, já que tinham responsabilidades e
muito trabalho para fazer na Inglaterra. O café da manhã – que
novamente, somente eu, Lucius e Lucy desfrutamos –, teve todo um
clima de despedida. Diferente do jantar, tive mais tempo para
conversar com Megan, antes que ela partisse. Uma conversa que
não envolveu quem éramos, mas, sim, o que gostávamos de fazer,
lugares que ela tinha visitado e que eu gostaria de fazê-lo um dia.
Conversas banais e leves, que em alguns momentos, Lucius se
metia, para soltar algum comentário idiota, que fazia William o
censurá-lo quase que de imediato. Aquilo nunca deixaria de ser
engraçado, a dinâmica entre eles e o quanto, às vezes, William
parecia ser o irmão mais velho do seu melhor amigo. Lucy estava
tão comunicativa, quanto no dia anterior, bombardeando todos nós
com perguntas e com os planos que ela mesma havia tecido para si,
quando chegasse em casa. Ela ainda estava impressionada com a
coleção de adagas de Vladmir e parecia lembrar a história de cada
uma, que prometeu contar a toda sua família na Inglaterra.
Quando chegou a hora de nós nos despedirmos, Lucius me
surpreendeu com um abraço caloroso, que muito me remeteu a um
abraço de irmão mais velho, caso eu tivesse um. Com Megan não
foi diferente, ela me envolveu em um abraço que não era apenas
caloroso, mas que trazia muitos significados a mais. Ela havia me
dado seu número, fazendo-me prometer que manteríamos contato e
que não hesitaria em procurá-la, caso precisasse de alguma coisa.
Em outras palavras, caso precisasse de algum outro conselho de
destinada. Um dia fora o suficiente para algo entre mim e Megan se
solidificar, talvez tivesse sido pelo fato de sermos destinadas e
estarmos ligadas de alguma forma por aquela situação, mas fosse
qual fosse realmente o motivo, eu era grata a ela, por toda
sabedoria que ela pôde me passar e pelo carinho que ela e Lucius
pareciam já nutrir por mim, mesmo quando mal me conheciam.
Depois de Jude e William, eles foram os primeiros a me deixar à
vontade, como se fizesse parte, pelo que eu realmente era. Não
pela aquela falsa imagem de perfeição que era obrigada a sustentar
para agradar as pessoas, ou aos meus pais.
Quando me virei, depois de abraçar Megan, me deparei com
Lucy me observando.
— Foi legal te conhecer, tia Seline. Espero que possamos nos
ver de novo, em breve. — Fui surpreendida por um segundo, pelas
palavras daquela garotinha.
Não era surpresa para mim que Lucy era inteligente demais
para sua idade, assim como bem eloquente, mas não tivemos
tempo de conversar, não diretamente pelo menos, então sua atitude
fora um tanto inesperada por mim, principalmente a palavra que ela
usara para se referir a mim.
— Foi muito bom conhecer você também, querida — murmurei,
mesmo ainda desconsertada, mas sincera, enquanto me abaixava
para ficar na sua altura. Ela me surpreendeu novamente ao jogar
seus bracinhos ao redor do meu pescoço, dando-me um abraço que
pareceu engatilhar algo dentro de mim, despertar o que parecia
estar adormecido.
Um flash, uma imagem fugaz piscou em minha mente,
assustando-me por um segundo. Fora muito rápido, mas também
demorou tempo o suficiente para eu entender. O abraço de Lucy me
fez sonhar acordada, concedendo-me uma visão, algo que
costumava ter em meus sonhos, mas com ela, algo mais foi trazido
à tona, uma outra lembrança, juntamente com um sentimento, um
tipo de premonição, algo tão forte e claro, uma certeza que se
estabeleceu e se assentou dentro de mim de forma natural, mesmo
quando eu não a entendia direito.
— Espero que você e o titio Will fiquem juntos, eu realmente
gostei de você. Você é como eu, é especial — ela completou, mas,
dessa vez, suas palavras não foram verbalizadas por sua boca e
sim por sua mente, que lançou aquelas palavras para mim, fazendo-
as ecoarem em minha cabeça.
Ainda estava sob o efeito da visão, que mal pude me assustar
com sua atitude. A troca entre nós se desenrolou normalmente aos
olhos dos outros, que conversavam e se despediam ao nosso redor,
mas para mim, levou muito mais do que apenas alguns segundos.
Lucy se afastou, encarando-me fixamente, como quem dizia que
aquilo, aquela situação, era um segredo nosso. Mesmo ela sendo
uma criança, houve um entendimento mútuo ali.
A ideia de que aquilo poderia ter sido só uma impressão ou
uma peça pregada por minha própria mente, não passou pela minha
cabeça em um minuto sequer. O sentimento e a veracidade da
situação, daquela imagem, foram inquestionáveis para mim e eu
sequer compreendia por que, apenas sentia aquilo visceralmente
em meu interior, algo que ainda não conseguia explicar.
Num piscar de olhos, após ela sorrir para mim, Lucy se afastou
e foi até seu pai, pegando em sua mão. Ele sorriu para ela, com
aqueles olhos dourados que transbordavam amor por sua filhinha,
Lucius mataria e morreria por ela. Empertiguei-me, ainda confusa e
em choque com que compartilhamos, que quando Megan pegou em
minha mão, em um último ato de despedida – antes de se afastar
com seu marido e filha, e se dirigirem até o carro que alugaram e
que os levariam até o aeroporto, onde o jato real os esperava – eu
sussurrei algo para ela, depois de ceder ao ímpeto crescente em
meu peito e puxá-la para um último abraço.
— Sua filha é especial, Megan — declarei, pegando-a de
surpresa.
Quando me afastei, permitindo-a ir, Megan manteve seu olhar
no meu por mais alguns segundos, confusa com a minha atitude e
minhas palavras, mas grata, pelo que ela julgou ser um elogio. Não
a corrigi, no meu íntimo, sabia que não poderia revelar o que havia
sentido e visto sobre sua filha, mas também sabia que Megan se
lembraria de minhas palavras, algum dia, quando fosse a hora certa.
Antes de entrar no carro com seus pais, Lucy me enviou um
último olhar e eu o sustentei, sorrindo levemente para ela, como
alguém que também dizia que, por enquanto, aquele segredinho
seria apenas nosso. Sabia que ela havia lido minha mente, mesmo
que ela não entendesse – assim como eu –, ao certo o que aquela
imagem significava, por ser nova demais, apesar de ser muito
inteligente, também acreditava que fora o suficiente para mim e ela
sabermos que algo grande a aguardava no futuro.

William e eu também estávamos de partida naquele dia, mas


optamos por pegar a estrada após o almoço, assim passaríamos
mais algumas horas com seu pai. Viktor não voltou aparecer desde
a noite passada e eu não sabia dizer se isso era bom ou ruim.
Vladmir foi atender alguns telefonemas, depois da partida dos
Black’s, enquanto eu e William dávamos uma volta pela
propriedade, antes que o almoço fosse servido. Obviamente,
somente eu desfrutaria dele e era por esse mesmo motivo que
Vladmir havia mandado a comida ser preparada. Nos primeiros
minutos de nossa caminhada, William explicou que quando se
tratava de responsabilidades e trabalho, seu pai não se dava ao luxo
de descansar nem aos finais de semana, caso sua anuência fosse
necessária para resolver algum tipo de problema inesperado.
— Então, o que achou deles? — ele finalmente me perguntou, à
medida que andávamos lado a lado, pelo extenso jardim do Castelo
de Bran.
Sorri levemente, estava me questionando quando ele teria a
coragem de me perguntar sobre seus amigos, sobre o tempo que
passei ali. Era da natureza de William ser um provedor, de se
preocupar se as pessoas que ele gostava, estavam se sentindo bem
e confortáveis. Não seria diferente comigo, na verdade, achava que
era ainda pior. Eu vinha de períodos conturbados e, no fundo, eu
sabia que William estava dando o seu melhor para tornar aquele
final de semana tudo o que eu precisava, relaxante e divertido.
— Eles são ótimos, a pequena Lucy também, mas... Lucius e
Megan são... intensos, nunca vi um casal com tamanha intensidade
assim antes. Era como se exalasse deles, como se a laço que os
unisse fosse palpável e estivesse ao alcance das mãos, para tocar,
medir a força e a extensão de seu vínculo — confessei, tentando
passar para aquelas palavras as sensações e o que pude observar
de Lucius e Megan nas horas que passamos no mesmo ambiente.
Encarei William que mantinha as mãos cruzadas atrás das
costas, em uma pose cavalheiresca. Naquele momento, me
perguntei se já era natural dele ou uma tática para se impedir de me
tocar, de que nossas mãos ou braços se roçassem por acidente,
durante a caminhada. Seu olhar estava no chão, mas em seus
lábios crescia um sorriso satisfeito, como se minha avaliação sobre
seus amigos, o tivesse agradado.
—Ao longo dos anos, cruzei com poucos casais de
Predestinados e nenhum era como eles. Nenhum era capaz de
projetar a ligação dessa forma — revelou, desviando o olhar da
grama perfeitamente amparada, abaixo de nossos pés, para olhar
para o caminho a nossa frente. — Algo que todos nós, inclusive meu
pai que tem o peso de ter vivido alguns milênios em suas costas e
que já viu de tudo, concordou. Cada laço e casal se comporta de
uma forma, é o que difere todos nós, nossas relações e as
habilidades que podemos adquirir quando o vínculo é consumado,
mas Lucius e Megan parecem compartilhar algo que está bem
acima do que pode ser considerado normal entre nós. São uma
força da natureza, uma... — Ele fez uma pausa, como se estivesse
tentando encontrar a palavra certa para descrever o vínculo que seu
melhor amigo compartilhava com sua destinada.
— Variante — arrisquei, vendo-o me encarar.
— Isso, mas não de forma ruim — concordou, pontuando em
seguida o que queria dizer. — É ofuscante, genuíno. Faz que muitos
de nós os inveje por ter algo assim. É comum para nós, prometidos,
não conseguirmos manter as mãos longe de nossas destinadas,
principalmente no início da relação, entre o assentar e encaixar do
laço. Pior ainda após a consumação, quando os corpos dos
predestinados ficam presos a um frenesi enlouquecedor, que é nada
mais, nada menos que o vínculo lutando para conquistar e concluir o
próximo passo, que é para gerar a prole. Contudo, tudo isso se
equilibra com o tempo, pelo menos em casais de predestinados
normais. — Riu, enquanto balançava a cabeça em negativa,
provavelmente se lembrando de algo divertido que presenciou
deles. — Ainda é forte e quase sufocante a forma como os corpos
se atraem um para o outro e compartilham o desejo de permanecem
juntos, de precisarem de contato, como se ele fosse o alimento de
todo dia. Mas, ainda assim, é mais fácil de se lidar, é claro, isso
dentro dos parâmetros de predestinados. Mas como você pôde ver,
Lucius e Megan não chegaram a esse equilíbrio, mesmo depois de
se unirem permanentemente e completarem todas as etapas, seus
corpos e laço se comportam como se estivessem presos ainda
naquele frenesi. Eles se controlam bem perto das pessoas e de
Lucy, mas se você prestar atenção, é quase como se fosse doloroso
para eles, por isso recorrem aos contatos físicos frequentes. Lucius
me disse que as coisas entre eles, em momentos assim, é como um
ingerir de água contínuo quando se não tem comida e está
morrendo de fome. Ela enche seu estômago, dando a falsa
impressão de que ele está cheio, mas não sacia completamente a
fome — elucidou.
— Isso é... intenso — murmurei, enfiando minhas mãos nos
bolsos traseiros de minha calça jeans.
Um estranho formigamento estava consumindo minhas palmas
desde ontem e pareceu triplicar naquele momento, andando tão
próxima de William. Uma ânsia repentina de tocá-lo, que havia
surgido após a minha conversa com Megan. Suas palavras se
repetiram muitas vezes em minha cabeça, quando me recolhi para
dormir, fazendo um entendimento se estabelecer em meu peito,
assim como o crescer daquela vontade de acabar de uma vez por
todas com aquela restrição de toque e conferir por mim mesma, se o
que Megan disse era verdade, se valia realmente a pena explorar
outras áreas de nossa relação. Se já era hora de dar um novo
passo, de quebrar mais uma barreira entre nós.
— Sim, bem, eles são únicos e especiais — William declarou,
totalmente alheio a minha mudança comportamental e meu dilema
interno. — É por isso que são tão bons governantes. São uma
unidade, se equilibram e se completam não só quando se trata da
ligação única que compartilham, como também como rei e rainha —
prosseguiu e eu, mesmo que ainda atenta ao que ele falava, me
permiti admirá-lo descaradamente, enquanto ele o fazia. — As
ideias deles para tornar esse mundo melhor estão sempre,
insuportavelmente, alinhadas. — De repente, me encontrei
fortemente distraída pela forma como a boca dele se movia, como
os olhos dele pareciam ainda mais azuis, mais claro e límpidos
sobre aquela luz. — Chega a ser frustrante em alguns momentos,
porque até mesmo quando discordam, conseguem contornar a
situação e chegam a um veredito que satisfaça ambos. — Pela
forma como os músculos de seus braços se tensionavam e
contraíam, conforme ele usava um ou outro para gesticular, antes de
cruzá-los novamente atrás das costas, como quem se lembrava de
que era perigoso não manter suas mãos ocupadas, tão perto de
mim. — Nunca pensei que chegaria o dia que eu veria Lucius assim,
tão responsável, tão bom no que faz, que é sem dúvidas governar.
Megan trouxe foco a ele, equilíbrio e ele externa isso de volta para
ela, que sempre foi uma humana de bons princípios, amorosa,
preocupada com o bem-estar das pessoas e com sede de fazer a
diferença. — Cada palavra que saía da sua boca, todo o carinho
que ele deixava aparente, que sentia por seus amigos, só tornavam
aquela imagem dele ainda mais bonita para mim.
O sorriso dele, suas madeixas impecavelmente arrumadas, de
um loiro-escuro. Seu corpo. A forma como ele se movia. O tom
aveludado e cristalino de sua voz. Tudo nele estava, malditamente,
me atraindo ainda mais nesse momento.
— O que eles compartilham, só a tornou mais sábia,
determinada, corajosa e forte, uma rainha perfeita para se sentar ao
lado dele e reinar o novo mundo — contou, fazendo-me ter a
certeza de toda sua admiração por Megan e pelo que ela fazia, tanto
como governante, como na vida de seu amigo. — Isso é tudo o que
uma relação deve ter, para se tornar genuína. Isso é o mínimo que
faz todos nós ansiarmos, sendo predestinados ou não. — Suas
palavras, me fizeram voltar meu olhar para suas mãos, cruzadas
atrás das costas, no movimento nervoso de seus dedos.
Suas mãos coçavam como as minhas para me tocar, como eu
queria tocá-lo? Seu corpo queimava como o meu estava queimando
para sentir meu toque, como eu queria sentir o dele?
— Eles se tornaram ícones e exemplos de tudo o que nós,
vampiros ou humanos, desejamos viver ao encontrar alguém —
concluiu, ainda alheio ao meu estado, como se tivesse se perdido
em seus próprios pensamentos, em suas palavras, e não tivesse
prestado atenção no que meus olhos, fixos nele, gritavam, assim
como o que minha linguagem corporal, que ele tantas vezes leu com
tanta facilidade, falava para ele.
— É assim que você sempre desejou que nós nos
tornássemos? — A pergunta escapou de meus lábios sem que eu
pudesse sequer pensar em impedi-la.
Contudo, não foi de fato ela que atraiu aqueles olhos azuis
surpresos para mim, mas, sim, o tom arrastado e levemente
ofegante que as envolveu, enquanto eu as lançava para ele.
William não me encarou, ele me contemplou, como se a venda
que estivesse sobre seus olhos até aquele momento, fosse
arrancada. Como se sua distração fosse quebrada. Ele me mediu e
me estudou, captando tudo o que meu corpo e olhos estavam
gritando para ele há minutos, mas que ele estava muito alheio para
reparar. Nós paramos de andar, como se o aviso que meu cérebro
deu ao meu corpo para fazê-lo – sem que eu o processasse direito
–, fizesse o mesmo com ele. Estávamos frente a frente, com poucos
centímetros de distância nos separando. O azul-claro em seus olhos
ganhou mais intensidade, escurecendo de forma gradativa,
conforme lia o desejo nos meus. Seus lábios carnudos se
entreabriam, à medida que ele soltava o ar que não precisava
respirar em uma longa lufada, antes de puxá-lo de volta pelo nariz,
fazendo suas narinas se inflarem, não para respirar e sim para me
aspirar, eu e meu cheiro.
Vi seus olhos se fecharem por um segundo e seus braços se
moverem atrás de seu corpo, indicando que seus dedos ainda
brincavam um com os outros de forma agitada, lutando contra o
impulso de se soltarem e virem ao encontro de minha pele. Ele
estava lutando contra os instintos de prometido que pareciam
queimar aquela necessidade no seu interior e pelo seu rosto, que,
dessa vez, não foi capaz de esconder nada de mim, eu pude ver o
quão doloroso aquilo era para ele e o quão torturante estava sendo.
William não se deixaria mover por qualquer coisa em meu rosto
ou por algo que pudesse captar de mim. Ele precisava de minhas
palavras, ele precisava que eu tomasse à frente e quebrasse aquela
restrição.
— Sim, talvez com um pouco menos de intensidade — ele
finalmente se pronunciou, abrindo seus olhos, recuperando o
controle. — Não acho que seria divertido ter minha capacidade de
pensar e agir prejudicados com frequência quando estou com você,
como Lucius tem quando está com Megan. Acredito que não seja
agradável desfilar com você por aí, com uma ereção contínua
também. — Seu tom divertido e a piada lançada para suavizar o
clima entre nós não fora o suficiente para esconder de mim o desejo
que ainda queimava em seus olhos.
O mesmo desejo ardente que estava me abrasando por inteira.
— Com certeza não, na verdade, parece bem doloroso e
vergonhoso — soltei, sorrindo largamente para ele, que pareceu
engolir com dificuldade, quando seus olhos acompanharam o
retorcer de meus lábios.
Não percebi se de fato Lucius exibiu uma ereção persistente no
jantar, meus olhos não ousaram seguir a linha abaixo de seus
quadris, pois não era o tipo de pessoa que checava essas coisas –
não como Jude –, não era educado, principalmente respeitoso,
quando a mulher dele estavam bem ao seu lado. Eu também sabia
que ele poderia facilmente disfarçar aquilo dos meus olhos humanos
caso eu tivesse o feito por acidente, mas nunca dos vampiros
presentes no recinto, não quando ele podia exalar tal reação. Um
cheiro que não era facilmente disfarçável quando se tratava de
vampiros e seus olfatos apurados. Era por isso que William, mesmo
não tendo me tocado o suficiente para criar uma conexão mais forte
entre nós, conseguia me ler com facilidade. Ele cheirava minhas
emoções e as comparava com as expressões do meu rosto, minha
postura corporal. Ele me lia, sem pressa e com cuidado.
Provavelmente algo que fizera há poucos minutos e, talvez, fora
justamente isso que o empurrou para tão perto da borda de seu
descontrole.
Então, por um segundo, ao pensar na conexão de Lucius e
Megan, meus pensamentos mudaram de direção. Pensei em Lucy,
na reação que ela despertaria em mim, naquele pressentimento
estranho e naquele lampejo, que quase soou como as visões que
costumava ter em meus sonhos, só que pela primeira vez, eu estava
acordada quando aconteceu. Ainda não entendia tudo o que tinha
visto, porque era como se algo faltasse para trazer ainda mais
sentido aquela visão. No entanto, uma coisa estava bem clara para
mim, tratava-se de algo grande, algo significativo, algo que a
tornavam especial, tão especial quanto a ligação de Lucius e
Megan. Algo que justificava talvez a forma como o laço deles se
comportava.
Não precisava entender de feitiços para chegar àquela
conclusão, a própria ciência explicava e afirmava que algo ainda
mais especial, podia surgir do unir de coisas raras. Lucy era uma
extensão da união genuína de Lucius e Megan e como uma boa
adepta da ciência, estava intrigada e curiosa com o que ela se
tornaria e o que poderia fazer, quando terminasse de evoluir. Ela já
se mostrava notável com tão pouca idade, seus poderes eram
surpreendentes e sua inteligência admirável, em um mundo onde
crianças, sejam vampiras ou humanas, já cresciam reféns da
tecnologia. Não Lucy, ela não tinha a cara afundada em um celular
ou qualquer outro aparelho tecnológico, pelo contrário, ela gostava
de observar as pessoas e de interagir. E a forma como às vezes ela
nos estudava, era um pouco assustadora, porque ela não parecia
tentar ler nossa mente e desvendar nossos segredos mais
profundos, enquanto nos encarava daquela forma, ela de fato o
fazia e isso era intimidade demais vindo de uma garotinha como ela.
Voltei meu olhar para William, percebendo que ele me
observava, fatalmente notando minha mudança comportamental.
Em um momento eu estava em chamas por ele e no outro, meus
pensamentos conflitantes a respeito da visão misteriosa que havia
tido sobre Lucy, me distraíra tanto a ponto de fazer aquele fogo se
acalmar. Todavia, não por muito tempo. Bastou olhar para ele de
novo e me tornar consciente de sua presença, para aquelas
sensações voltarem com força total. Foi como alimentar aquele fogo
baixo e brando, que estava perto de se apagar, com gasolina.
— Seline. — Meu nome escapou de seus lábios com peso, se
dividindo entre um tom de aviso e uma súplica.
Meus olhos o resvalaram dos pés à cabeça, notando seu corpo
enrijecer e seus pés se fincarem com mais força no chão. Ele não
se moveria e se fosse alguns dias atrás, eu também não o faria,
mesmo quando sentia a atração crescer entre nós, porque alguns
dias atrás eu ainda estava afundada em minhas inseguranças e
receios sobre nossa ligação, sobre os toques e o que eles
causavam em nós. Naquele momento? Não mais, não depois de
Megan. Se William precisava de uma permissão – da minha
permissão –, eu o daria algo muito melhor a ele, algo que mostrasse
com clareza minhas intenções e que não deixasse dúvidas a ele.
William não se moveu quando eu dei os passos que faltavam
para encerrar aquela distância entre nós, nem quando minhas mãos
alcançaram seu rosto e o puxaram para mim. Ele também não se
moveu nos primeiros segundos quando meus lábios tocaram os
seus, levou mais meio segundo para ele processar o que eu havia
feito e uma fração dele para, finalmente, mover.
Seus braços me circularam, agarrando-me com uma força que
beirava a necessidade pura e bruta, mas, ao mesmo tempo,
cuidadosa o suficiente para não me machucar. Seus lábios
reivindicaram os meus, tão inexperientes ainda, que só foram
capazes de se colarem aos deles, mantendo-os unidos, até que ele
tomasse o controle. Um som rouco, vindo direto de sua garganta
soou no momento em que ele abriu seus lábios sobre os meus e os
sugou, guiando-me a fazer o mesmo, concedendo passagem para a
sua língua, que não titubeou mais nenhum segundo para invadir
minha boca e me provar. O calor que antes eu sentia quando ele me
tocava, não chegava perto daquele que, naquele momento, me
consumiu por inteira. Cada micro pelo do meu corpo se arrepiou,
quando aquela corrente elétrica encheu minhas veias, espalhando-
se por cada cavidade interna, subindo para região de minha nuca e
concentrando toda sua potência ali.
Gemi contra os lábios de William, conforme era consumida por
aquela mistura de ardência e coceira que eram dolorosamente
prazerosas. William parecia sentir o mesmo, já que seu aperto sobre
mim se intensificou. Ele soltou um dos braços que estavam ao redor
de mim, amparando minhas costas e escorregou seus dedos pela
minha nuca, tocando a exata região que clamava por ele, por seu
toque. Minha marca. O contato fez a mais visceral e intensa
sensação me engolir. Fui desfeita e feita em questão de segundos,
mas que ao mesmo tempo, pareceram durar horas. A reação em
cadeia que seu toque sobre minha marca causou, foi tão forte que
não fui capaz de continuar beijando-o. Nossas bocas se
desgrudaram, ao mesmo tempo em que minhas pernas se
transformaram em gelatina. Se William não me tivesse entre seus
braços, eu provavelmente teria caído. Ele me segurou, apoiando-me
em seu peito que era tão silencioso, comparado ao meu. Meus
olhos estavam fechados, enquanto aquela descarga elétrica e
abrasadora varria tudo dentro de mim.
No vazio que antes minha alma fazia morada sozinha, pude
sentir algo se esticar e encontrar uma outra parte de si para
enroscar suas pontas, uma parte que ela foi feita para se fundir por
completo.
Ofeguei, completamente consumida e abatida pela fraqueza
que dominou meus músculos. Eu ainda podia sentir o toque gelado
de seus lábios sobre os meus, de sua mão que ainda segurava
minha nuca e seu polegar que continuava a acariciar minha marca,
aplacando a queimação e a coceira que começou a diminuir de
maneira gradativa. Meu coração parecia querer saltar pela minha
boca, causando um efeito que William descreveria como eu ter uma
corrida de cavalo acontecendo dentro do meu peito.
Quando as sensações e a tempestade enlouquecera que ele
causara em mim, finalmente, se acalmou, eu fui capaz de abrir os
olhos para procurar pelos seus. A intensidade do que parecia
pertencer um céu azul, limpo de nuvens ou um mar tranquilo, sem
ondas, me fitou de volta. O sorriso que ele estampava, parecia irreal
demais de tão bonito.
— Você está bem? — ele perguntou, trazendo à tona o William
que eu sabia que sempre se colocaria à frente dos seus desejos e
vontades de prometido.
Ele queria me beijar de novo, eu podia ver aquilo em seus olhos
e explícito em toda sua linguagem corporal, mas William não o faria
até ter a certeza de que eu estava bem ou que não havia me
arrependido.
— Estarei assim que você me beijar de novo — declarei,
passando meus braços por seus ombros, guiando minhas mãos até
seus cabelos que resisti por tanto tempo a vontade de tocar.
Por meio segundo, ele se surpreendeu com a minha resposta e
por mais meio segundo, ele sorriu, um sorriso coberto de promessas
ocultas e, então, ele me beijou, tomando meus lábios com os seus e
me fazendo me perder de novo em seu gosto, no frio de sua pele,
que era a única coisa capaz de acalmar o fogo que fazia morada
sob a minha.
Perdi-me e me encontrei nele, naquele beijo. William me beijou
com fome e com amor, dividindo-se entre aquelas duas intensidades
como se elas representassem uma extensão dos seus próprios
sentimentos. A fome e a vontade que ele reprimiu por todo aquele
tempo e o amor que cultivou por mim por anos, em segredo, até que
fosse o momento certo, aquele momento em específico, onde a
primeira etapa de nossa ligação se iniciara.
O primeiro contato.
O conectar das pontas, daquelas linhas invisíveis.
O primeiro estabelecer de nosso vínculo.
Se uma vez eu me importei com o que ele poderia me provocar
e o quanto aquilo poderia mexer comigo, eu não me lembrava. Eu
nunca estive tão acordada, tão alerta e tão viva como estava,
naquele momento, em seus braços.
— Então finalmente vou ter a honra de desfrutar de sua
presença por algumas horas, sem ter minha melhor amiga tirada de
mim para mais sessões de amassos e todas aquelas outras coisas
melosas que você e o Vlad vivem fazendo por aí desde que
voltaram daquele final de semana? — Jude ironizou, uma semana
depois dos acontecimentos que marcaram aquele primeiro final de
semana na casa dos Vlad, após o beijo.
Estávamos aproveitando nosso tempo livre em uma daquelas
salas de jogos, onde alguns alunos iam para conversar e relaxar.
— Não seja dramática, estou sempre com você, Jude —
respondi, rindo do pequeno bico que se formou nos lábios da minha
amiga.
Jude não estava incomodada com meu novo status de
relacionamento – se era que podia denominá-lo assim –, com Will.
Ela só gostava de tirar sarro da gente e me deixar constrangida,
assim como soltar aqueles pequenos comentários para iniciar uma
conversa sobre Will, que ela poderia me interrogar para saber em
que pé estávamos em nossa relação.
Havia se passado duas semanas após nosso primeiro beijo e
desde então, muitas sessões deles tem preenchido nosso dia a dia.
A verdade era que por todo tempo que Will passou se segurando
para não me tocar, ele estava o fazendo nesses dias, algo que não
me importava nem um pouco, pois desde que os beijos começaram,
aquela ânsia latente por senti-lo, vinha se tornando uma quase
necessidade, como se sentir seu toque, fosse o mesmo que respirar.
Era intenso, nada normal, mas, ao mesmo tempo, tão certo como se
fosse para ser assim.
Apesar dos toques e beijos terem sido incluídos na nova fase
do nosso relacionamento, Will ainda era o mesmo. Dedicado e
altruísta. Ele ainda gostava de saber como foi o meu dia, o que
aprendi de novo nas aulas ou nos livros onde passava a maior parte
do tempo – quando não estava com ele e Jude –, com a cabeça
enfiada. Ele vinha se preocupando mais abertamente com as horas
que passava estudando e não comendo, que tinha que confessar,
se tornaram frequentes. Eu, simplesmente, esquecia de comer
quando estava estudando e isso fez Will ou Jude criarem uma
espécie de complô contra mim. Um dos dois sempre aparecia com
algo para eu comer, arrancando-me por alguns minutos de minhas
anotações e livros, certificando-se de que eu comeria o que quer
que eles trouxessem, antes de voltar a estudar.
Aquilo era fofo e irritante ao mesmo tempo.
As provas do primeiro semestre estavam se aproximando e eu
precisava estar preparada, era por isso que estava algumas horas a
mais, todos os dias, revezando-me entre as classes, meus
momentos com Will e minhas horas com a minha melhor amiga.
Fora isso, Will também continuava colocando minhas
necessidades acima das suas. Ele cuidava de mim, de uma forma
como nunca fui cuidada e isso fazia com que me sentisse segura, e
acolhida, de um jeito que não sabia ainda colocar em palavras.
Nada entre nós era concreto, mas passava a ter mais significado
todo dia. As coisas entre nós, fluiriam de forma natural, já que
tivemos tempo para nos conhecer e estabelecer uma relação – não
física –, antes. Cada dia que passava, eu tentava me agarrar as
pequenas dúvidas que restaram, as inseguras, podia parecer
estranho, mas elas me traziam lucidez, quando tudo o que queria e
enxergava era ele. O vínculo entre nós estava forte e se fortalecia
cada dia mais, e era aí que parte da minha razão ainda se esforçava
para ficar no controle. Mesmo quando Megan me disse que isso não
criaria nenhum sentimento a mais, que já não estivesse lá ou
nublaria meus julgamentos, ainda assim, preferia não me lançar de
cabeça. Eu não estava contando, com os passar dos dias após a
descoberta, perdi a noção do tempo, mas sabia que tinha um mês
ou talvez menos que isso, para tomar uma decisão, mas ainda
queria levar as coisas entre nós com calma e Will respeitava isso,
ele sempre me leu muito bem e desde nosso beijou, tornou-se ainda
melhor nisso.
— E como estão as coisas? Você já está sofrendo de SCDCM?
— Jude perguntou, indo direto ao ponto que ela queria desde o
início.
Enruguei o cenho em confusão, enquanto meus lábios se
retorciam em uma careta.
— SCDCM? E que diabos seria isso? — questionei, rindo do
que seria a próxima loucura inventada pela sua mente genial e, às
vezes, não tão genial assim.
— Síndrome constante da calcinha molhada — esclareceu,
como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
Uma gargalhada sem graça escapou de meus lábios, ao
mesmo tempo em que um rubor consumia minhas bochechas. Eu
estava dividida entre achar graça da abreviação ridícula que ela
criara para se referir àquilo e me sentir extremamente encabulada
com o significado dela.
— Não vou te responder isso — desconversei, conforme minha
crise de riso ia diminuindo.
— Não precisa, pela sua cara, vou deduzir que sim. Para nós,
meros mortais que não temos essa ligação genuína, já temos que
lidar com essas situações, imagine vocês? — comentou, fazendo-
me balançar a cabeça em negativa.
Ela era incorrigível.
— Julgo que o pobre William deve estar tendo dificuldades para
lidar com os problemas contínuos de bolas roxas — divagou,
fazendo-me corar mais ainda ao pensar naquela probabilidade. —
Espera... Vampiros podem ter bolas roxas? Vou anotar essa
pergunta para fazer para ele depois...
— Jude, você não.... — comecei a adverti-la, mas ela
simplesmente abanou sua mão no ar, como se estivesse
dispensando minhas próximas palavras.
Ela faria aquilo, querendo eu ou não.
Levei uma de minhas mãos ao rosto, desejando internamente
que ela fizesse isso quando eu não estivesse por perto. Quando
Jude colocava algo na cabeça, ninguém era capaz de tirar e ela não
tinha que lidar com sentimentos como vergonha, para impedi-la de
fazer algo que ela queria. Jude não era fã de palavras como
descrição e sutileza. Eu a amava e a odiava por isso às vezes.
— E então? Está ou não está? — Era óbvio que ela não
desistiria da sua pergunta anterior e se eu não desse algo para
satisfazer sua curiosidade invasiva, ela não me deixaria em paz até
que eu desse o que ela queria.
— Eu não... — Jude ergueu uma sobrancelha para mim como
quem dizia: “Sério? Vai mesmo negar?” — Tudo isso ainda é muito
novo para mim. — Suspirei derrotada, ganhando um sorriso de
orelha a orelha de Jude, um sorriso que deixava bem claro o quanto
ela estava satisfeita por conseguir o que queria. — Por incrível que
possa parecer, Will é o mais controlado de nós dois. Quando as
coisas ficam um pouco... intensas, ele é o primeiro a se afastar,
enquanto eu fico ali, tentando recuperar meu fôlego e lidando com
os meus hormônios que gritam para trazê-lo de volta e me perder
nele. — Vi a surpresa cintilar no olhar da minha amiga, enquanto
sua boca se escancarava em um “uau” não dito. — Não é algo que
eu seja capaz de explicar, é como se cada toque e beijo dele
pudesse ser sentido em todos os lugares, como se cada cavidade
profunda mim, o sentisse e reagisse a ele em conjunto. E ainda tem
aquela sensação... — hesitei por um segundo —, toda vez que seus
lábios se aproximam do meu pescoço, eu sinto um desejo visceral
de ser mordida. Às vezes, me pego quase dizendo isso a ele,
desejando que ele só me morda... Isso é tão louco e intenso. Sinto
que nada, nenhuma palavra ou definição seja capaz de ser usada
por mim, para entender como essa coisa toda funciona. Estou tão
acostumada a ter uma resposta lógica para tudo, uma explicação
plausível na ponta da língua, fatos memorizados para comparar e
quando se trata dele, de nós eu... eu só me sinto tão ignorante.
— Ok, isso parece estarrecedor — Jude murmurou, piscando
os olhos algumas vezes, como quem digeria minhas palavras com
calma. — Você é tão malditamente sortuda! — E lá vamos nós de
novo. — Imagina como é gozar com uma ligação dessas? Deve
ser... de outro mundo. Com um vampiro ainda que nunca se cansa...
Por Drácula! Esse homem deve ser insaciável na cama. Sua maldita
sortuda, ele tem a cara que te dará múltiplos orgasmos até que você
não seja mais capaz de andar, pensar ou falar. — Gemi
constrangida, afundando minha cara em minhas mãos.
Por que ela tinha que ser tão... específica?
— Ah! Você está pensando nisso agora, não é? — ela acusou,
sugestiva, cutucando-me com seus dedos, arrancando um
resmungo meu.
Eu estava e graças a Jude, eu pensaria nisso com frequência,
principalmente quando a boca de Will estivesse devorando a minha
e suas mãos estivessem apertando minha cintura, ou seus dedos
afundados em meus cabelos, puxando-me mais para ele.
— E não pense que não notei que de um tempo para cá, você
reduziu a verbalização do nome dele. De William, fomos para Will.
Bem íntimo, não é mesmo? — Abri um vão entre meus dedos,
deixando apenas um dos meus olhos à mostra para encará-la. Ela e
aquele sorriso malicioso que tomava todo seu rosto.
O apelido viera de forma natural e escapara de meus lábios
sem que eu pudesse pensar muito a respeito. Lembrava-me de
enrubescer, enquanto ele achava graça do meu estado acanhado.
Somente seus amigos, Lucy e seu pai o chamavam assim, e eu não
queria que ele achasse que estava os copiando, mas Will não me
deixou explicar isso para ele e nem me desculpar pela liberdade
tomada tão cedo, ele apenas me beijou, longa e profundamente,
sussurrando contra meus lábios que tinha amado a forma como
aquele apelido soara em meus lábios. Então ele trilhou aqueles
beijos para meu pescoço, como sempre o fazia, aproveitando a
deixa para aspirar meu cheiro, que ele dizia ser sua droga particular
e preferida. Ele sussurrou perto do meu ouvido, antes de mordiscar
meu lóbulo – fazendo meus olhos revirarem e meu corpo todo
acender, como um milhão de fogos de artifício –, para eu repetir, de
novo e de novo. Eu o fiz, de maneira arrastada, enquanto ele me
torturava com aquela boca pecaminosa. Seus dedos aliviavam a
coceira e queimação quando ela se tornava demais e se afastavam
minutos depois, sem parar de me tocar e beijar, permitindo que
aquelas sensações, dolorosamente prazerosas, voltassem, para que
ele pudesse aliviá-las mais uma vez.
Era o meu tipo preferido de tortura, o tipo que só ele poderia me
causar e isso soava tão masoquista e louco. Tão cedo, mas tão
certo e natural.
Às vezes sentia como se estivesse vivendo dentro dos livros de
romance que li toda minha vida, só que com aqueles sentimentos e
sensações triplicadas. E quando tinha essa impressão, constatava
que todo mundo tinha ou teria, em algum momento da sua vida,
alguém ou um nome que nos fazia parar para ouvir. Uma
combinação de vogais e consoantes unidas para fazer nosso
coração acelerar, nossas pernas e mãos tremerem, e cada parte de
nós reagir, criando uma teia inteira de memórias, sentimentos e
pensamentos. Para mim, essas letras sempre iriam soletrar William
Vlad.
— Você realmente está pensando no que falei — Jude acusou
mais uma vez, sua voz continha aquele misto de euforia e
divertimento que sempre me arrancava um sorriso.
Ela puxou minhas mãos para longe do meu rosto, enviando-me
mais um de seus sorrisos maliciosos.
— Seline, sua safada! Tenho que dar créditos ao Vlad, ele
realmente está fazendo um ótimo trabalho em desvirtuá-la —
provocou, fazendo-me revirar os olhos e dar língua para ela.
Uma atitude nada madura, mas que quando se tratava de nós
duas, era algo bastante natural.
Jude gargalhou, tacando-me uma almofada, que consegui
pegar antes que atingisse meu rosto e quando fui arremessá-la de
volta para ela, uma figura um tanto furiosa e familiar, chamou minha
atenção, irrompendo pela porta e caminhando até nós. Forcei-me a
não me encolher ou demonstrar medo, quando pude ver as presas
pontiagudas à mostra acompanhada de olhos vítreos e faiscando de
ódio.
— Ele nunca vai ser seu! — Hilary cuspiu aquelas palavras,
rosnando-as para mim, sem se preocupar com a atenção que
estava atraindo para nós naquela sala. — Ele está usando você, se
divertindo e quando enjoar, o terei de volta. — Suas palavras
pareciam mais uma coisa que ela tentava se autoafirmar, do que me
atingir.
Hilary não sabia sobre o que eu e William compartilhávamos,
ela e nem outros ali. Não era algo que queríamos sair gritando aos
quatro ventos. Depois do final de semana no castelo de Bran,
depois de nosso beijo, Will não se preocupou em parecer discreto.
Ele andava comigo de mãos dadas por toda a universidade e me
beijava em qualquer lugar, para quem quisesse ver, assim como se
sentava comigo e com Jude todas as noites no refeitório, com seu
braço apoiado no encosto de minha cadeira, com seus dedos e
mãos sempre me tocando. Para todos, éramos só uma humana e
um vampiro comum em um relacionamento. Nossos nomes viraram
burburinhos pelos corredores durante uma semana inteira e não nos
importamos nem um pouco com isso. Pelo menos Will não se
importou, eu, no entanto, no início, tive que lidar com muitos
rubores, ao ser encarada por tantas pessoas e ter meu nome
correndo por inúmeras bocas. Mesmo desconfortável, trabalhei para
não deixar nada transparecer, além do mais, Will e Jude me
ajudaram com isso, distraindo-me todas às vezes, até que me
acostumasse e passasse a não ligar mais.
— Quem você pensa... — Jude fez menção de se levantar,
pronta para colocar a vampira em seu lugar, na tentativa de me
proteger, como a melhor amiga que ela era, mas eu a impedi.
Eu e Will prevemos isso, pois um dia ele me contou sobre o tipo
de relação que ele e Hilary tiveram. Prevemos que ela diria todo o
tipo de coisa para me atingir e insinuaria que eles tiveram mais do
que realmente tiveram. Que ela tentaria me rebaixar, me deixar
insegura e me intimidar por ser quem era. Chegamos a um acordo
que eu daria a ela apenas meu silêncio como resposta, assim como
minha indiferença e que essa era a melhor resposta para ela, que
era o melhor jeito de atingi-la. Hilary gostava de palco e sempre se
prevalecia das reações das pessoas, mas quando ela não
conseguia nenhuma das duas coisas, isso a atingia melhor e mais
profundamente do que qualquer palavra ou atitude.
Jude me encarou incrédula, por a ter impedido e eu apenas
neguei com a cabeça, enviando a ela um olhar que dizia: “confie em
mim”. Ela não gostou, mas voltou a se sentar e ficou em silêncio,
fuzilando a vampira com os olhos. Retornei meu olhar para Hilary,
que revezava o seu entre nós, tentando entender nossa interação.
Ergui meu queixo, deixando bem claro que suas palavras não me
atingiam e sustentei seu olhar, até que ela fosse compelida a atacar
novamente.
— Vamos ver se toda essa confiança vai prevalecer quando ele
acabar com você, bolsa de sangue ambulante — vociferou, ainda
mais decomposta do que antes.
Nada, nenhuma resposta ou reação.
— Por que você? O que diabos você tem? — De repente, toda
sua agressividade ruiu e a insegurança, mesclada a mágoa ficaram
visíveis tanto em seu tom, como em seu rosto. — Ele não será seu,
me ouviu? Aproveite enquanto pode, a sua hora vai chegar. — E
com último aviso, que mais parecia uma ameaça, ela se empertigou,
recuperando-se do seu pequeno lapso de fraqueza e se retirou da
sala, como um tufão, deixando para trás apenas uma brisa causada
pelo deslocamento de ar que sua velocidade vampírica, provocou.
Jude bufou ao meu lado, atraindo a minha atenção.
— Alguém realmente não sabe lidar com rejeição — murmurou
em tom de troça, o que arrancou de mim uma pequena e anasalada
risada.
Eu tinha mais pena do que raiva da Hilary. Surpreendi-me de ter
conseguido me manter calma e indiferente a ela, de forma que nem
minha respiração ou meu coração mundano entregasse a parte
racional do meu cérebro que ficou me relembrando, a cada dois
minutos, que estava lidando com uma vampira furiosa, que poderia
facilmente quebrar meu pescoço ou drenar o meu sangue em
questão de segundos.
Aposto que ela não se importaria de lidar com as
consequências depois. Para pessoas como Hilary, que sempre
tiveram tudo o que queriam, uma rejeição como aquela, de William,
era capaz de trazer o pior dela à tona. Para Hilary, ser trocada por
uma humana era um insulto. Eu me tornei seu alvo, por ser fácil de
se amedrontar e descartar. Não dar a ela o que ela veio buscar, faria
só aquele sentimento piorar. Para um coração partido, sedento de
vingança, a ideia de ter uma ameaça eliminada para sempre,
compensava as consequências que ela sofreria depois.
William poderia continuar reafirmando que Hilary era do tipo
que ladrava, mas não mordia, mas eu sabia perfeitamente bem –
ainda mais depois daquele dia, quando olhei profundamente
naqueles olhos –, que minha atitude só a empurrara para mais perto
da borda, daquele precipício de insensatez. Uma hora, ela tomaria
uma decisão e dependendo do que fosse, viria até mim para um
acerto de contas.
Tudo o que eu poderia fazer, era torcer para eu ser capaz de
sobreviver a sua vingança ferina, quando chegasse a hora.
Era absurdo de imaginar, o quanto alguém tão pequena –
comparada a mim –, e tão frágil, poderia me consumir por inteiro e
me colocar de joelhos com um mísero sorriso, uma olhada fugaz e
um simples roçar de lábios. Fui tão inocente por acreditar que sabia
o que era se sentir completo quando a encontrei, quando toquei nela
pela primeira vez ou até mesmo quando tive a oportunidade de
poder desfrutar de sua presença todos os dias. Não, aquilo fora
incrível, sem dúvidas, qualquer pequeno momento ao lado de Seline
era uma dádiva, mas completo? Inteiramente? Só descobri o que
era de fato me sentir completo ou perto de estar, quando aquela
boca tomou meus lábios para si. Quando me perdi em seu gosto e
quando pude, devidamente, tocá-la, testar a maciez de sua pele tão
quente, em contraste a minha.
Ela me consumia todos os dias e Seline mal se dava conta
disso. Ela tomava mais de mim do que percebia. Ela me tinha em
suas mãos e eu, aceitava muito bem meu estado de cárcere, desde
que minha prisão fosse em seus braços. Eu me faria, me perder
todos os dias, a caminhar sem rumo, desde que o lugar que
estivesse perdido, fosse em seus lábios, nas curvas de seu corpo,
ainda não devidamente explorado por mim. Tudo o que eu via, era
ela, tudo o que eu respirava – sem ter necessidade de fazê-lo –, era
ela. Seline virou meu mundo inteiro.
— Você está me olhando daquele jeito de novo — ela pontuou,
sorrindo para mim, enquanto mordia seu lábio inferior.
Estávamos deitados sobre uma manta, embaixo daquele
mesmo salgueiro-chorão onde tivemos nossa primeira briga,
desfrutando da privacidade que aquelas folhas nos davam, nos
escondendo dos olhares curiosos. Aquele lugar, sem nos darmos
conta, tornou-se nosso refúgio secreto. Inclinei-me, tocando sua
bochecha, antes de empurrar uma mecha de seu cabelo para trás
de sua orelha, expondo mais daquele rosto que se tornara minha
paisagem preferida. A única coisa que não me importaria de me
sentar e admirar por horas.
Seline estava deitada ao meu lado, enquanto eu usava um de
meus cotovelos, para apoiar o peso do meu próprio corpo – que
estava de lado, voltado para o seu –, para permanecer inclinado
sobre ela, estudando-a.
— Que jeito? — quis saber, aproximando meu rosto do seu e
beijando a ponta do seu nariz, arrancando uma risadinha dela. Eu
estava hipnotizado, hipnotizado pelo modo como sua pele era macia
sob meu toque. Como seu perfume de frutas vermelhas se tornava
ainda mais doce, misturado ao seu sangue, quando alcançava
minhas narinas. Como sua boca era carnuda, rosada e parecia viver
me chamando a todo momento.
— Daquele jeito intenso, como se eu fosse a coisa mais linda
que você já viu — esclareceu, erguendo sua mão e acariciando meu
maxilar com a ponta de seus dedos.
— É porque você é a coisa mais linda e mais importante desse
mundo, pelo menos para mim. — Não me preocupei em resguardar
os meus sentimentos, Seline sabia sobre eles, sempre soube. Não o
fiz durante o período que passei ao seu lado, sem poder tocá-la e
não começaria a fazê-lo depois de nosso beijo.
Vi aquele pequeno sorriso que se encontrava em seus lábios,
crescer, assim como um rubor, já tão conhecido, cobrir suas
bochechas. Aspirei, permitindo que seu cheiro invadisse minhas
narinas, preparado para queimação que ele sempre provocava,
quando descia por minha garganta. Era como engolir mil alfinetes,
ainda mais quando seu rubor parecia só potencializar o odor de seu
sangue, que cantava para mim como a canção de uma sereia.
Suave, forte e levemente adocicado, um equilíbrio perfeito. Uma
junção deliciosa que fazia crescer em mim a ânsia de me inclinar e
enterrar minhas presas em sua jugular. Se sem provar de seu
sangue eu já me encontrava completamente perdido nela, tomar
dele, me sentenciaria a ruína certa.
Abaixei-me e corri meu nariz pela sua bochecha, descendo pelo
seu maxilar e como um maldito masoquista viciado, afundando-o na
curvatura de seu pescoço logo depois, aspirei mais de seu cheiro,
ignorando completamente a sede quase debilitante que ele me
causava e me foquei naquele prazer doloroso que era saber que
cada canto dela foi feito para pertencer a mim. Senti seu corpo
estremecer embaixo de mim, quando soprei a pele sensível daquela
região, antes de plantar um beijo longo e suave sobre sua epiderme.
Sua mão que estava em meu maxilar, rapidamente, subiu para
meus cabelos, enterrando seus dedos no meu couro cabeludo,
exigindo algo, à medida que me puxava mais para ela. Seu corpo
cantava uma canção silenciosa que somente eu poderia escutar e
entender, toda vez que a tocava. Um tipo de canção que exigia tudo
de mim, para não me deixar ser seduzido. Ali, enquanto ela me
puxava, inconscientemente, empurrando mais a pele de seu
pescoço contra meus lábios, cedendo mais espaço, eu sabia que
ela estava implorando para ser mordida. Uma reação natural da
nossa ligação, que após o primeiro contato, começou a exigir que
cumpríssemos a próxima etapa.
Escutei um gemido baixo e sôfrego escapar de seus lábios,
conforme meu corpo pressionava o seu levemente, fazendo-me
sorrir contra a sua carne, que mordisquei levemente, antes de me
afastar, lutando contra seu aperto que se intensificou ao meu redor,
que não era nada para mim, mas que por medo de machucá-la,
dediquei-me ao encontrar um nível de força tolerável, mesmo que
ainda superasse a dela, mas sem causar nenhum dano. Resistindo,
afastei-me antes que perdesse meu controle, pairando com meu
rosto sobre o seu, perdendo-me em seus olhos castanhos que me
encaravam encobertos de desejo. Seus lábios estavam
entreabertos, por onde uma respiração superficial escapava,
fazendo seu peito se erguer e abaixar de forma um pouco mais
rápida. Um movimento que atraiu meu olhar diretamente para o
decote em V, que marcava as elevações de seus seios
arredondados, não muito grandes e nem muito pequenos, perfeitos
para serem engolidos por minhas mãos e boca.
Passei a língua por meus lábios, não para umedecê-los, mas,
sim, em um movimento que deixava claro para ela o quanto eu
estava tentado a provar sua pele dali. De repente, não era mais do
seu sangue que eu precisava, era de outras partes dela, do gosto de
outros lugares que estava desesperado para provar. Guiei meu olhar
de volta para o seu e lá pude encontrar tudo o que eu precisava
para seguir em frente. Seline desejava aquilo tanto quanto eu, mas
não o faria, pelo menos não ainda, não quando ainda existia uma
linha entre nós, que não podia ultrapassar, não sem ter certeza de
que ao brincar muito perto daqueles limites, eu não perderia o
controle por completo.
Aproximei-me de sua boca, capturando seu lábio inferior entre
meus dentes, antes de beijá-la com profundidade, arrancando dela
um suspiro que fez a rigidez dentro de minha calça piorar. Não me
importei, por enquanto eu tinha aqueles lábios e eles já eram mais
do que o suficiente. Senti os braços de Seline abraçarem meu
pescoço, conforme ela me beijava de volta com uma necessidade
equivalente à minha. Nossas bocas tinham o encaixe perfeito e se
moldavam de forma que fazia cada mísera parte em mim, se tornar
consciente de que cada pequena parte dela estava queimando por
minha causa, ardendo e coçando. O desconforto no lado esquerdo
do meu peito, já não era algo que me incomodava. A ardência e a
coceira eram as reações que, às vezes, poderiam não ser tão
agradáveis, mas que desfrutaria todos os dias com prazer, desde
que fosse por ela, por Seline. Aquelas sensações me reafirmavam
todas as vezes que ela estava assim em meus braços, que isso era
real. Eu me permitiria ser torturado por elas, quantas vezes
necessário, desde que isso me desse a certeza de que teria Seline
por toda a eternidade.
Um gemido baixo e rouco escapou dos lábios de minha
destinada, que arqueou suas costas em busca de alguma fricção e
de mais contato. Movi meus lábios, tomando mais dela, sugando,
pressionando e degustando, antes de me afastar. Com minha mão
livre, – que não estava em sua cintura, apertando sua pele dali, por
cima da blusa –, escorreguei meus dedos até sua nuca, tocando sua
marca que queimava para mim, arrancando mais gemidos e
suspiros dela. Plantei mais alguns selinhos demorados em seus
lábios entreabertos, dando a ela a chance de recuperar o fôlego,
conforme aliviava sua agonia, aplacando a minha também.
— Você é um perigo para a minha razão, William Vlad — ela
murmurou com aquela voz melodiosa, esfumaçada pela luxúria.
Sorri, enquanto inspirava profundamente – sem ela se dar conta
–, sentindo o cheiro doce de sua excitação me consumir. Se eu
deslizasse meus dedos para dentro de sua calça jeans justa, eu a
encontraria totalmente encharcada e pronta para mim. Aquilo não
era um palpite, mas, sim, uma certeza. Não precisava fazê-lo para
comprovar, seu cheiro já confirmava isso.
— Vou tomar isso como um elogio — atirei de volta para ela,
antes de roubar mais uma prova de seus lábios, mais um selinho,
antes de me afastar, trazendo sua cabeça para meu peito. — Me
conte como foram suas aulas, existe algo novo e fascinante que
você aprendeu, que deseja dividir comigo? — perguntei,
acariciando seus cabelos com uma mão, usando a outra para apoiar
minha cabeça.
Escutei-a ri baixinho, sentindo em seguida sua mão me
estapear no peito, punindo-me por achar que estava debochando
dela e de sua fascinação por tudo que aprendia de novo. Não
estava, nada me fascinava mais do que a ver fascinada. Eu poderia
passar horas ouvindo-a falar sobre suas paixões e nunca me
cansaria, pois era aquela nota de alegria, coberta de empolgação, e
aquele sorriso lindo, que sempre surgia em seus lábios, quando ela
o fazia, que me deixava hipnotizado. Que me fazia me apaixonar por
ela, mais e mais, todos os dias.
— Te vejo mais tarde? — Seline indagou, após eu deixá-la na
frente do prédio onde ficava os dormitórios dos universitários.
Ela estava parada em um dos degraus mais altos, que a
possibilitava de emparelhar comigo – no quesito altura – e seus
cabelos se encontravam em uma graciosa desordem, que a deixava
ainda mais linda, principalmente por saber que eu era o culpado por
aquela desordem, assim como aqueles lábios, levemente inchados.
— No jantar — prometi, encurtando a distância entre nós, para
lhe roubar um último beijo de despedida.
— Até lá então — ela sussurrou contra minha boca,
mordiscando meu lábio inferior daquele jeito provocativo que ela
começou a fazer, todas as vezes que estava se despedindo de mim,
o que me deixava com uma vontade louca de beijá-la de novo e de
novo.
Seline soltou lentamente meu lábio, por entre seus dentes,
sorrindo de forma matreira para mim, antes de se virar e ir embora,
deixando-me para trás com um sorriso idiota estampado no rosto e
um desejo abrasador de persegui-la e exigir mais beijos, como
punição de sua ousadia ao me provocar assim e partir, sem sequer
dar a chance de retaliação.
Depois de vê-la sumir por entre as portas duplas, virei-me,
ainda sorrindo, pronto para ir até a biblioteca e trabalhar na minha
tese, quando me deparei com a figura de Viktor atrás de mim,
apoiado em uma das árvores próximas, observando-me como um
leão da montanha. Estava tão entretido com a presença da Seline,
que não notei sua aproximação e isso era um erro, um erro que não
poderia cometer de novo.
Fazia um tempo, desde que passei a ver meu irmão como uma
ameaça e não me orgulhava nem um pouco disso. Viktor estava
escondendo algo de nós e algo me dizia que ele estava jogando um
jogo muito perigoso ao fazê-lo. Não entendia suas atitudes, sua
revolta e nem sua sede de vingança que começara surgir de uns
anos para cá. Meu pai não falava a respeito, o que me fazia deduzir
que ela surgira em uma de suas discussões. Já não sabia dizer se a
raiva de meu irmão adotivo de mim, era exclusivamente pelo título
que ele não teve mais direito, quando meu pai foi presenteado por
minha mãe com um herdeiro legítimo. Eu não me importava com
nada daquilo, se pudesse, eu mesmo abriria mão de tal
responsabilidade e a ofereceria a ele se isso o fizesse feliz, mas,
infelizmente, estava fora do meu poder, fazer qualquer coisa para
mudar aquela lei. Mas, não, não era mais o título que incomodava o
Viktor e sim aquela que antes, ele via só como um fantoche para me
atingir e que de um tempo para cá, passou a olhar de outra forma.
Seline.
Viktor podia fazer o que quisesse comigo, eu não me
importaria, não me preocuparia em retaliá-lo, mas quando se tratava
da Seline, a situação mudava completamente. Saber de seu
interesse por ela, me fez colocá-lo em uma posição que nunca o
coloquei antes, o de ameaça. Não por ter certeza de que ele a
queria ou por achar que ele tinha alguma chance com ela, mas por
ter certeza de que isso também não o impediria de usá-la para me
machucar, mesmo que isso a machucasse no processo. Ela era
minha e por mais que meu lado prometido não estivesse nada feliz
com a ideia de meu irmão querendo roubá-la de mim, o que mais
me preocupava – além de sua proteção e bem-estar –, era ideia de
até onde ele estava disposto a ir, para conseguir aquilo.
— Você parece radiante, irmão. — A nota de escárnio que ele
carregara seu tom não passou despercebido por mim, assim como
era da sua intenção.
— O que você quer, Viktor? — Fui direto ao ponto, determinado
a não me perder em seus joguinhos mentais que ele tinha a
facilidade de nos enredar, sem nos dar conta.
— Ela nunca vai te escolher, sabe disso, não é? — Lá estava,
as palavras certas para me ferir, o movimento silencioso e, ao
mesmo tempo, rápido o suficiente para eu não ver, até que ele
estivesse balançando meu coração, arrancado do meu peito, na
frente dos meus olhos.
Senti um músculo pulsar em minha mandíbula e isso me fez
retesar o corpo e o encará-lo mais firmemente, trancando meus
sentimentos a sete chaves dentro de mim. Não daria a ele o que
veio buscar.
— Eu não ligo. Se não me escolher, significará que ela será
feliz, então eu irei respeitar sua decisão. Até lá, continuarei lutando
por ela e nem você, nem ninguém, vai me impedir disso — disparei,
em uma calma letal, deixando bem claro o que eu queria dizer. Não
era uma indireta, mas um aviso.
Viktor sorriu, um sorriso de quem estava aceitando o desafio.
— Como é a sensação de saber que é uma criatura
extremamente poderosa, quase invencível, mas que possui um
grande calcanhar de Aquiles. — A referência a figura que foi vencido
por uma miséria flecha, atravessada em seu calcanhar, não deixou
espaços para dúvidas.
Eu sabia perfeitamente bem o que, ou melhor, a quem ele
estava se referindo. Seline era meu calcanhar de Aquiles, minha
fraqueza. Para chegar até a mim, para me destruir, ela seria o alvo
mais óbvio, mais acessível e aquele que mais doeria.
— Cuidado — alertei, entredentes, expondo minhas presas pela
primeira vez para meu irmão.
O ato não o incomodou, apenas o divertiu mais ainda.
Novamente, eu havia caído em mais um de seus joguinhos de
manipulação.
— Quando a sua hora chegar, irmão — ele proferiu,
caminhando até mim e parando por um segundo, próximo o
suficiente de meu ouvido. — Vou me certificar de cuidar muito bem
de sua destinada. — Sua promessa era sugestiva, mas também
carregava consigo inúmeros outros significados e ameaças ocultas.
Fechei minhas mãos em punhos, ao lado do meu corpo,
cerrando meus molares com tanta força, que fui capaz de sentir o
gosto do meu próprio sangue em minha boca. Eu o mataria, antes
que ele fizesse qualquer movimento sobre ela, de qualquer tipo.
Sabendo que ele havia tido sucesso em sua distorcida
empreitada, Viktor soltou uma risada debochada, que soou
anasalada, antes de seguir seu caminho, passando por mim e me
deixando para trás. Exigiu tudo de mim não ceder ao monstro que
ele acordara e incitara em meu interior, o tipo de monstro que
estaria disposto a fazer coisas inimagináveis, só para proteger sua
destinada. Coisas que me levariam a alcançá-lo naquele exato
momento e tirar sua vida, independentemente de parte de mim
ainda o reconhecê-lo como meu irmão.
Minhas aulas naquele dia estavam mais agitadas do que o
normal. O professor de uma das minhas classes, havia saído um
pouco da parte teórica e nos feito colocar a mão na massa. Depois
de duas aulas consecutivas, aprendendo sobre traqueostomia, fui
obrigada a engolir minha insegurança e a praticar o procedimento
em um boneco, durante a aula prática. Existiam inúmeros
procedimentos invasivos na área da medicina e esse era um deles,
um erro e o profissional poderia causar alguma lesão no paciente.
Tudo dependia de você ter uma boa visão, mãos firmes e, claro,
aquela habilidade invejável de se manter calma e concentrada,
mesmo sob pressão. A traqueostomia era nada mais, nada menos
do que um procedimento cirúrgico, no qual onde temos que fazer
uma abertura frontal na traqueia do paciente, que ficava localizada
entre a laringe e os tubos bronquiais. Basicamente, sua função era
levar o ar até os pulmões no processo de respiração, quando o
indivíduo apresentava alguma incapacidade de utilização das vias
áreas. Os casos mais comuns eram aqueles em que o paciente não
conseguia respirar normalmente devido a uma lesão ou acidente.
Outra situação que necessitava da traqueostomia era quando os
músculos responsáveis pela respiração estavam muito fracos. O
procedimento era indicado sempre quando existia necessidade de
ventilação mecânica por tempo prolongado em paciente intubado;
presença de secreções excessivas nos brônquios; obstrução das
vias aéreas altas – boca e nariz –; doenças ou traumas
neuromusculares; queimaduras; anomalias congênitas que afetam a
respiração e edemas de glote.
O que pude aprender na parte teórica era que a traqueostomia
era um procedimento médico que visava a proteção das vias áreas,
além de possibilitar a respiração para os pacientes que não
conseguiam realizá-la de maneira natural. Ainda que fosse um
procedimento cirúrgico invasivo, ele trazia inúmeros benefícios,
quando realizado com as técnicas corretas e por profissionais
especializados, além de reduzir os riscos de complicações e
infecções. Além disso, a traqueostomia facilitava a alimentação do
paciente também e possibilitava um retorno mais rápido da fala.
Já na parte prática, aprendi que quando a traqueostomia era
utilizada, o médico precisava fazer uma incisão externa na traqueia
e inserir uma cânula para que o ar pudesse entrar por ali. A cânula
utilizada no procedimento podia ser metálica ou plástica, dependia
muito do caso e qual se ajustaria melhor a situação do paciente.
Também se levava em consideração as condições individuais e as
necessidades fisiológicas de cada um. O procedimento podia ser
feito de maneira emergencial, como acontecia em casos de
acidentes ou complicações não previstas, ou eletiva, quando o
médico decidia utilizar este procedimento para evitar complicações
mais graves. Além disso, seu tempo de permanência podia ser
temporário ou definitivo. Aprendemos também que somente
determinados tipos de médicos continham autorização para realizar
a traqueostomia e eles eram: cirurgião torácico; cirurgião geral;
otorrinolaringologista e cirurgião de cabeça e pescoço. Porém, por
ser uma intervenção cirúrgica invasiva, outros profissionais também
acabavam se envolvendo durante o procedimento, tais como:
técnicos de enfermagem, enfermeiros, psicólogos e assistentes
sociais acompanhavam o paciente durante e após o procedimento.
Durante as obras que passei praticando aquele procedimento
em um boneco, me vi frustrada muitas vezes por não conseguir
acertar a técnica nas duas primeiras tentativas. Levou quase seis
delas, até eu conseguir finalizar o procedimento. O que me
confortou no fim, foi que não fui a única em minha classe com
dificuldade e passei longe de ser a pior. Quando finalmente fomos
dispensados, um suspiro – alto demais e nada apropriado –, quase
escapou de meus lábios. Recolhi meu material com pressa e me
retirei da sala com uma única intenção, chegar ao refeitório e comer
alguma coisa, pois estava faminta. Eram quase 17h e eu já podia
ouvir meu celular tocando em minha bolsa, indicando a chegada de
algumas mensagens, que provavelmente seriam de Will ou Jude.
Não me preocupei em pegá-lo para respondê-los, afinal, logo estaria
com eles. Apertei meu passo, desviando de algumas pessoas e
quando dobrei o corredor à esquerda, pegando um atalho para o
refeitório, onde havia menos fluxo de universitários e me dava um
caminho mais curto para lá, paralisei no lugar ao me deparar com
uma figura bastante familiar e que, aparentemente, parecia estar me
esperando.
— Olá, Seline! — Aquela voz, ela conseguia ser lindamente
assustadora às vezes.
Viktor não estava sorrindo, sua expressão estava séria e a
maneira como ele me olhava, deixava bem claro todo seu
descontentamento.
Depois do jantar na casa do Will, me perguntei quanto tempo
levaria para ele vir até mim e me questionar. Ainda não havia
contato para o Will sobre o nosso breve encontro na boate e nem
revelado o ultimato que seu irmão adotivo me dera. Toda a vez que
pensava em trazer o assunto à tona, não parecia ser o momento
certo ou a hora adequada.
— Viktor. — Seu nome escapou de meus lábios em um sopro
de voz.
Olhei ao redor, vendo os poucos universitários que transitavam
no corredor, passarem por nós, sem se tornarem ciente de nossa
presença.
— O que você pensa que está fazendo, Seline? — A pergunta
me pegara desprevenida, confusa, olhei para ele com o cenho
franzido.
— Eu estava indo até o refeitório...
— Não banque a idiota, não comigo. Você sabe perfeitamente a
que estou me referindo. — Engoli em seco, notando aquela máscara
de irritação se intensificar em seu rosto. — Pensei que estivesse
sido claro e que tínhamos chegado a um acordo... — Impulsionada
por uma onda de ímpeto suicida, tratei de cortá-lo, antes que ele
pudesse terminar aquela frase.
— Você supôs isso sozinho, Viktor. Eu mal consegui formular
uma única frase aquela noite, porque estava completamente em
choque. — Meu tom incisivo o pegou de guarda baixa, pude ver isso
na forma como ele ergueu as sobrancelhas e deu um passo para
trás, não de medo, mas por estar claramente desconcertado. — Não
recebo mais ultimatos, cansei desse papel. Você não vai ditar o que
posso ou não fazer. Principalmente quando se trata da minha
relação com seu irmão. Você está muito longe de ser a pessoa que
poderia interferir nisso — acrescentei, permitindo que aquela
coragem repentina, que não sabia ao certo de onde surgira, me
dominasse por completo.
O choque perpetuou por mais alguns segundos, consumindo
cada um de seus traços e quando ele finalmente desapareceu, me
preparei para o pior, mas o que veio a seguir, me surpreendeu
tremendamente.
— Não faça isso, Seline. Não me obrigue a fazer o que terei
que fazer, se você prosseguir com essa ideia — Não era mais raiva
ou imperiosidade que consumia sua voz e sim urgência...
desespero?
Vi seus olhos escuros cintilarem, encobertos por uma
necessidade que nunca vira antes nele. Viktor sempre demonstrou
uma fachada misteriosa e perigosa. Ele sempre usou o escárnio, as
ameaças veladas e o deboche como arma. Ele era o melhor quando
se tratava de joguinhos mentais, principalmente manipulações, mas
nunca... nunca ele pareceu tão desesperado e vulnerável como
naquele momento.
— Fazer o quê? Viktor, o que você... o que você fez? — A
preocupação me tomou. Se Viktor sendo sucinto e ameaçador já me
assustava, ele se comportando daquela forma, me deixava em
pânico.
Algo estava errado, muito errado.
Então, sem que eu esperasse, em um piscar de olhos, ele
apareceu bem na minha frente, com seu rosto a centímetros de
distância do meu. Sua mão alcançou um dos meus pulsos e o
segurou com firmeza, o tipo de firmeza que me lembrava o abraço
mortal de uma serpente.
— Viktor, me solta — exigi, entredentes, sentindo a pressão que
seus dedos aplicaram em minha pele, se tornar rapidamente
dolorida.
— Você precisa terminar isso, precisa ir embora dessa cidade
— Não era um pedido, pude ver isso quando seus olhos se
tornaram tão sombrios, ao ponto de acionarem alertas de perigo por
todo meu corpo.
Se eu não o conhecesse, poderia pensar que ele estava
tentando me proteger, tentando me alertar de algo que estava vindo,
algo que mudaria tudo, algo terrível.
Eu realmente o conhecia tão bem assim?
— O que você fez? — O questionei novamente, num fio de voz.
Viktor não respondeu, mas pude identificar a resposta em seu
olhar, uma que me assustou. “Algo terrível e que não pode ser
desfeito.” Era isso que seus olhos gritavam para mim.
— Não importa, está feito e se você preza pela sua vida, vai me
ouvir e fugir antes que seja tarde demais — Proferiu, suas palavras
eram afiadas e frias, como lascas de gelo.
Estremeci, esquecendo a dor em meu pulso por um momento,
conforme era consumida pelo temor do que quer, que Viktor
arrastara até nossa porta.
Acorda, Seline! Ele pode estar te manipulando, tudo isso pode
não passar de um novo jogo para ele, uma voz sussurrou em minha
mente, uma voz que deduzi ser minha razão.
— Não vou abandonar minha vida aqui, meus estudos, minha
melhor amiga e nem seu irmão, porque está pedindo isso para mim
— determinei, forçando meu tom a soar firme o suficiente para ele
entender que não estava conseguindo me assustar.
O que não passava de puro blefe. Ele me assustou e bastante.
— Você não se importa comigo, Viktor. Nunca se importou.
Você me usou e me manipulou desde o início e está fazendo isso de
novo, porque quer machucar seu irmão. Não vou te ajudar nisso,
não vou ser mais uma peça que você mexe nesse tabuleiro de
xadrez distorcido que está jogando. Seja lá o que esteja fazendo,
pare. — Vi um músculo saltar em sua mandíbula e seus dedos se
fecharem com mais intensidade ao redor de minha pele, arrancando
um gemido meu.
Em um momento, tudo o que podia sentir era o aperto de ferro
de sua mão, que engolira meu pulso e no outro, alívio. Pisquei,
confusa, ouvindo um baque soar distante, ao mesmo tempo que
uma ventania repentina me atingiu. Foi quando notei as costas de
Will cobrir todo meu campo de visão, com seus músculos retesados
e rígidos. Inclinei-me para o lado, olhando para além dele, vendo
Viktor se erguer do chão. Um dos armários em suas costas estava
amassado, o que me fez deduzir o que tinha acabado de acontecer.
William provavelmente deve ter saído à minha procura, depois de
não ter respondido suas mensagens. Ele chegou rapidamente até
mim e empurrou seu irmão, afastando-o de mim, assim que
removeu meu pulso de seu domínio. Tudo isso, em uma fração de
segundos. Consequentemente, devido à força sobre-humana que
usou para o fazê-lo, ele enviou o irmão para longe, fazendo-o se
chocar contra um dos armários e desabar no chão a alguns bons
metros à frente.
Mexi meu pulso lesionado, abrindo e fechando meus dedos
para testar a intensidade da dor. A região latejava, mas não me
preocupei em olhar, sabia que encontraria um grande hematoma
que faria Will querer matar o irmão. Por isso, mantive meu olhar
nele, evitando atrair sua atenção para aquela parte minha.
— Fique longe dela, Viktor, ou vai se arrepender. — A voz de
William soou trovejante e assustadora, ao ponto de fazer cada micro
pelo meu, se arrepiar.
Ela trazia consigo promessas de uma tempestade violenta, o
tipo de tempestade que eu gostaria de evitar. Vladmir não ficaria
nada feliz se seus filhos resolvessem se atracar naquele corredor e,
principalmente, se um deles machucasse o outro. Determinada a
impedir um derramamento de sangue, toquei as costas de Will, que
pareceu instantaneamente relaxar quando sentiu meu toque. Era
estranho vê-lo tão decomposto daquela forma, Will era sempre tão
calmo, complacente e paciente. Eu invejava seu controle na maioria
das vezes, mas, ao que parecia, quando o assunto era eu, seu
pavio se tornava extremamente curto.
— Will — chamei por ele, com intenção de atrair sua atenção e
acalmá-lo, mas ele não se moveu, sequer virou para me checar. Sua
atenção predatória estava toda focada no irmão.
Não precisava olhar em seu rosto, para saber que ele o
fuzilava, ferozmente. Viktor por outro lado, já havia se recomposto e
correspondia, com a mesma intensidade, toda a fúria de Will,
refletindo-a de volta para ele. O vi lamber seu lábio inferior, atraindo
minha atenção para o ferimento que fora aberto ali por um segundo
e que começava a fechar.
Parece que Will não havia só o empurrado, como o socado
também.
— Você foi avisado, irmão. Curta enquanto pode, sua hora está
chegando, na verdade, de você e dos vampiros dessa cidade e do
mundo inteiro. — Sua ameaça final enviou arrepios por todo o meu
ser, fazendo aquela sensação de que algo muito ruim estava prestes
acontecer, retornar com tudo.
Viktor não esperou uma resposta ou sequer devolveu na
mesma moeda o ataque de Will. Ele apenas me lançou um último
olhar, um olhar carregado de significados e promessas ocultas,
antes de virar as costas e desaparecer.
Sua ausência fez com que eu voltasse a respirar novamente, no
entanto, não levou consigo o nó que se formou em minha garganta
e na boca do meu estômago.
— Vou matá-lo se ele encostar em você de novo. — Pisquei,
percebendo que por um momento, havia ficado perdida em meus
próprios pensamentos, que não notei Will se virando para mim e
pegando meu pulso machucado, delicadamente, em suas mãos.
Abaixei meu olhar, notando a coloração arroxeada começar a
ficar visível, contrastando sobre a minha pele. Will tinha a mandíbula
travada e os olhos cobertos de uma fúria mal contida, uma fúria que
prometia derramamento de sangue. Suspirei, observando-o acariciar
a pele marcada, antes de levá-la aos próprios lábios, como se um
beijo dele fosse o suficiente para me livrar do hematoma e da dor
causada por ele. Quase sorri, ao constatar que até mesmo quando
ele parecia perigosamente letal, ele ainda conseguia guardar sua
raiva para ele, mantendo-me segura dela.
Meu pulso já não incomodava mais, porque desde que Will
começou a me tocar, minha marca e as sensações que ela me
causava – sempre que sentia seu toque – começou a engolir o
desconforto causado pelo aperto mortal de Viktor. Inundada por
aquela corrente elétrica já tão familiar, e aquela queimação e coceira
impertinente em minha nuca, cheguei à conclusão de que o
momento certo tinha chegado. Ele precisava saber, eu já havia
escondido aquilo por muito tempo. Não mais, não depois de tudo o
que Viktor falou. Will e Vladmir precisavam saber, para que
pudessem se preparar para o que Viktor estava planejando.
— Precisamos conversar — declarei, quando seus olhos azuis,
finalmente se encontraram com os meus.
A fúria mal contida que havia ali, foi rapidamente substituída por
uma preocupação latente. Então, sem mais delongas, eu contei tudo
a ele.
Will não pareceu surpreso quando contei a ele sobre o Viktor,
na verdade, o que realmente o irritou não foi a ideia de o irmão
adotivo ter os traído ou armar algo contra eles, mas sim tudo o que
Viktor falou para mim, o que fez comigo. Esperei por uma explosão
quando terminei, mas tudo o que ganhei foi um beijo de tirar o
fôlego, urgente e exigente, que me fez por um segundo esquecer
tudo ao meu redor. Que me liquefez e, principalmente, que me
deixou queimando e coçando por ele, por mais contato, por algo a
mais que não consegui identificar na hora, pois tudo o que queria
era em seus lábios e mãos em meus cabelos. Quando Will
finalmente me deixou ir, eu me encontrava uma bagunça, uma
bagunça que ele fez questão de estimar.
— Você é a mais linda e a mais quente desordem que eu já vi.
A única que não teria problema nenhum de manter na minha vida.
Então depois de me roubar mais um beijo, ele simplesmente se
levantou e disse que precisava ir, que precisava alertar o pai, para
que pudessem decidir o que fazer com Viktor. Ele me alertou que
ficaria dois dias fora, dois dias que seriam uma tortura para ele,
passar longe de mim. Pisquei, ainda desorientada por seu beijo, por
suas palavras e sua atitude. Eu ainda estava me acostumando com
sua intensidade, com a forma como ele verbalizava os seus
sentimentos e pensamentos para mim tão abertamente, sem
reservas ou sem pudor. Will nunca parecia preocupado com a ideia
de eu optar por não o escolher no fim, tivemos poucas conversas
sobre isso e tudo o que ele disse, quando expressei preocupação
sobre seu bem-estar, foi que ele ficaria bem e que minha felicidade
era o que mais importava para ele, ele estando incluída ou não nela.
Pensei que ele ficaria chateado com a minha omissão e antes que
ele partisse, comentei sobre isso com ele, porém, como sempre ele
só me deu boas palavras como resposta.
— Eu entendo por que o fez, além disso, sou incapaz de
cultivar qualquer tipo de sentimento ruim por você, Seline. Nenhum
que não seja doce e genuíno.
Um romântico incurável, era isso que William Vlad era.

— Você o ama? — Jude perguntou de rompante, no dia


seguinte, quando estávamos almoçando no refeitório.
Tal pergunta me pegou desprevenida, tão desprevenida que me
engasguei ao engolir de forma muito rápida o que estava
mastigando. Encarei minha amiga com os olhos levemente
arregalados e pensei que minha expressão arrancaria uma risada
dela ou um sorriso zombeteiro, mas tudo que recebi dela foi aquele
olhar compenetrado. Abaixei o garfo para meu prato e alcancei meu
copo de suco, tomando um longo gole para aliviar aquela sensação
de sufocamento que sentia em minha garganta. As palavras de Jude
se repetiram em minha mente, ecoando de novo e de novo,
enquanto ela seguia, pacientemente, esperando minha resposta.
Eu o amava?
Aquela era uma pergunta perigosa, perigosa porque era capaz
de engatilhar tudo aquilo que estava mantendo guardado, dentro de
uma caixinha, no fundo da minha mente. Pensar sobre aquilo, fazia
aquela caixinha se abrir e minha mente começar a trabalhar, a fim
de descobrir a resposta para aquela pergunta e dependendo de qual
fosse ela, isso mudaria tudo, tudo o que, talvez, eu não estava
preparada para ver mudado.
— Seu tempo está acabando, amiga, já está na hora de você
parar de fugir e descobrir a resposta para essa pergunta, porque é
ela que vai ditar todo o seu futuro. Não precisa me responder,
responda para si mesma quando souber a resposta — dito isso, ela
sorriu para mim, enquanto tocava minha mão com sua, por cima da
mesa.
Jude poderia ser louca na maior parte do tempo, mas ela era
também extremamente sábia, quando necessário. Ele me dava foco,
quando estava perdida e me dizia o que eu precisava ouvir, mesmo
quando eu estava me negando a escutar. Ela era sem dúvidas, a
minha pessoa.

Estava arrumando meu material de estudo, depois de ter


passado horas naquela biblioteca, estudando para a prova que faria
no dia seguinte. Estava tão dispersa, que não fui capaz de notar que
estava sendo observada ou que alguém se aproximava
silenciosamente por minhas costas, não até ser tarde demais.
— Olá, Seline! — Meu corpo, levemente curvado sobre a mesa,
se retesou, ao reconhecer aquela voz.
Virei-me, deparando-me com um sorriso amplo e quase sádico,
desenhando os lábios pintados de vermelho de Hilary. Um arrepio
subiu por minha espinha, o tipo de arrepio que vinha com um aviso.
Não havia ninguém ali, somente nós duas. Eu passara da hora,
totalmente afundada em meus estudos, alheia ao que aquela atitude
poderia me acarretar. Viktor não era a única ameaça naquela
universidade, mas eu me esquecera disso. Ele estar desaparecido,
após aquela confusão no corredor, me fez relaxar e abaixar minha
guarda. Sabia que esse dia chegaria, previ isso. O dia que Hilary
finalmente decidiria o que faria comigo em retaliação por roubar o
que ela achava ser dela. Mesmo assim, esqueci-me dela, quando
tudo o que recebi foi seu silêncio e sua indiferença depois de nosso
último embate.
— Hilary — saudei, negando-me dar a ela qualquer sinal de
medo.
Ergui meu queixo, deixando minha bolsa e a pilha de papéis
recheados de anotações, de lado.
— Você não parece surpresa ou com medo — ela observou,
inclinando levemente a cabeça para o lado, estudando-me como um
predador o faz com sua presa.
— O que você quer, Hilary? — questionei, indo diretamente ao
ponto, cruzando meus braços sobre o peito. Aguardando seu
próximo movimento.
— Soube que o William está fora, visitando o pai — comentou,
como quem não queria nada, mas eu sabia que ela só estava
tentando confirmar a veracidade da informação que reunira.
Como? Não fazia ideia. No entanto, não me surpreendia
também. Hilary parecia ser o tipo que possuía muitos recursos, a
abelha rainha que tinha pessoas para fazer e conseguir coisas para
ela em um estalar de dedos.
— O que você quer, Hilary? — insisti na minha pergunta
anterior, deixando bem claro que ela não conseguiria aquela
resposta de mim.
— Você é estupidamente corajosa, Seline — analisou, sorrindo
de maneira predatória. — Me pergunto se isso sempre foi um traço
suicida seu ou você acabou se tornando assim pelo excesso de
confiança que adquiriu ao ficar com William. Sabe, quando se é uma
humana e recebe esse tipo de regalia, tende a achar que está livre e
segura de qualquer coisa, já que tem um vampiro forte e
poderosamente influente para protegê-la — comentou, caminhando
até mim, mas desviando no último segundo, rodeando a mesa que,
naquele momento, se tornou um escudo entre nós.
Entendi rapidamente sua tática, a clássica intimidação. Seus
passos se tornaram torturantemente lentos para uma vampira, ela
não estava com pressa, queria que eu a observasse se mover,
caminhando ao redor da mesa, rondando-me como um animal que
brinca com a comida, antes de devorá-la.
— No fim de tudo, parece que o único capaz de te proteger, não
está aqui, não é mesmo? Te deixou para trás, sozinha, vulnerável e
desprotegida. — Uma falsa expressão de tristeza se retorceu em
seu semblante, acompanhado de um patético biquinho.
— Se pretende me machucar, sugiro que faça isso rápido.
Marquei de me encontrar com o Will... — ergui meu pulso esquerdo,
onde havia um relógio digital preso nele, fingindo checar as horas
—, há cinco minutos. Ele vai notar meu atraso e se já não tiver
tentado me ligar, não demorara para ele vir atrás de mim — blefei,
tentando soar o mais convicta possível, mesmo sabendo que era
impossível mentir para um vampiro.
— Então ele não está visitando o pai? — Sua pergunta não
soara interrogativa e sim mais como uma insinuação, coberta de
escárnio.
Ela não acreditava em mim, mesmo assim me forcei a manter
meu rosto neutro, mesmo quando meu coração começava a
acelerar, ao notar sua aproximação pelo meu lado, quando ela
dobrou a lateral da mesa.
— Você é realmente muito estúpida se pensa que pode blefar
comigo. — E então, num piscar de olhos, ela estava parada bem na
minha frente.
Neguei-me a fechar os olhos, me neguei a engolir em seco.
Sabia que ela já tinha provas o suficiente do pânico e do medo que
começava crescer em meu interior ao ouvir as batidas de meu
coração e sentir meu cheiro. Não daria nada mais que isso a ela.
— Eu pensei muito, muito em como ia fazer isso. Primeiro,
decidi que te daria um susto, algo que seria tão realista, a ponto de
te deixar tão aterrorizada que você correria para acabar tudo com o
William em um piscar de olhos. — Riu, uma risada que soou mais
sádica do que aquele sorriso que ela exibia quando entrou aqui. —
Mas logo descartei a alternativa, constatando que te machucar
fisicamente me traria mais paz de espírito. Foi então que me dei
conta do quanto esse plano era falho também, pois no final você
ainda sobreviveria e não teria apenas provas em seu corpo contra
mim, me fazendo correr o risco de ser punida por essas leis ridículas
que protegem humanos de nós, como também levaria William direto
à minha porta, determinado a se vingar por sua namoradinha
humana. Incitar a raiva dele, não me ajudaria a conquistá-lo no
futuro. Não... aquele definitivamente não era um bom plano —
acrescentou, arrastando suas palavras, conforme erguia sua mão e
tocava meu cabelo, enrolando uma mecha dele ao redor de um de
seus dedos.
Mantive-me parada, não ousei me mexer ou afastar seu toque.
Sua altura era paralela à minha, o que deixava seu rosto alinhado
com o meu. Seus lábios se aproximaram e ela os roçou em minha
bochecha direita, descendo o para meu pescoço, onde aspirou meu
cheiro profundamente.
— Eu consigo entender o fascínio, você cheira realmente bem,
Seline. Me pergunto se ele se alimenta de você às escondidas, não
consigo imaginar como ele consegue te beijar, tocar em você ou te
foder sem se sentir tentado por esse cheiro. — Meu estômago se
embrulhou com o uso de suas palavras.
Hilary não sabia que havia limites e restrições em nossa
relação, que existiam coisas entre mim e Will que não eram
permitidas, não até que eu fizesse uma escolha. Mesmo assim, isso
não a impedia de imaginar todos aqueles cenários e pensar nisso,
pensar que ela o fazia, me deixou instantaneamente doente.
Quão distorcida era sua mente?
— Sabe o que eu decidi no fim, Seline? Sobre o que fazer com
você? — inquiriu, agarrando meu pescoço com uma de suas mãos,
enquanto a outra que tinha aquela mecha enrolada em seu dedo,
puxava meu cabelo de forma dura e violenta para o lado.
Reprimi os lábios, contendo um gemido de dor. O aperto em
minha garganta era forte o bastante para machucar, mas não para
cortar meu ar, não ainda pelo menos.
— Eu não vou te machucar, Seline... — uma pausa —, eu vou
te matar e vou aproveitar muito enquanto faço isso lentamente,
drenando cada gota de seu sangue, antes de me livrar de seu corpo
para que nunca possa ser encontrado. — Meus olhos se
arregalaram e antes que pudesse gritar para ela não fazer isso,
antes que pudesse digerir totalmente sua sentença, Hilary usou sua
força para me virar e sua velocidade para me pôr de joelhos à sua
frente.
Uma brisa, um piscar de olhos e meus cabelos estavam sendo
agarrados e retirados do caminho. Meio segundo depois, seus
dentes estavam em mim, gravados tão fundo em minha carótida que
só fui capaz de gritar uma única vez, antes que uma de suas mãos
cobrisse minha boca, silenciando-me.
Uma mordaça, um encobrimento de seu crime.
Ela perfurou mais fundo e meu corpo contido e sobrepujado
pelo seu, que estava inclinado atrás de mim, chacoalhou-se,
tentando em vão se libertar. Hilary não sabia e eu mal tive tempo de
alertá-la. Ela poderia conseguir me matar, mas também morreria
naquela noite, junto comigo. Não saber que eu era uma destinada, a
fez assinar cegamente sua própria sentença de morte, quando meu
sangue entrou em contato com sua língua. Ela não sabia, mas eu
sim, meu sangue era venenoso para qualquer vampiro, que não
fosse meu prometido.
Hilary me drenava de forma tão furiosa – tornando a
experiência não só traumática, como dolorosa. Eu podia sentir o
gosto de sangue em minha boca, devido à forma como aquela
mordaça de ferro, feita por sua mão, pressionava com tamanha
força meus lábios, contendo meus gritos. Sua boca, assim como
suas presas faziam questão de estraçalhar minha pele, abrindo
caminho para que o fluxo fosse maior, para que ela pudesse tomar
mais e mais de mim. Ela não fazia isso de forma intencional e sim
porque estava presa naquele frenesi louco que todo vampiro – antes
de morrer –, entrava, ao provar o sangue de uma destinada.
Um minuto depois, meu corpo parou de lutar, dois minutos
depois, meus olhos começaram a pesar e foi quando os dois
segundos depois, tornaram-se quase três, que Hilary me soltou
bruscamente, cambaleando para trás, arfando e sufocando. Sem
suporte, eu fui ao chão. Meu rosto colidiu com o piso de forma
dolorosa, fazendo-me fechar os olhos por um momento. A fraqueza
tomou cada cavidade em mim, transformando meus membros em
gelatina. Meu raciocínio desacelerou, mas foram os sons
engasgados de Hilary atrás de mim, que me fizeram reunir o pouco
de força que ainda me restava para rolar meu corpo em sua direção.
— O que... o que voc... você... fe... fez... com... comigo? —
Sangue negro vazava de seus olhos, ouvidos, nariz e boca. Sangue
que a fazia engasgar violentamente. Sua pele começou a ficar ainda
mais pálida, mudando para um tom de cinza que tornou a imagem
ainda mais grotesca.
Aquela era cor que meu sangue adquiria, dentro do organismo
de um vampiro com quem eu não tinha uma ligação. Um efeito
adverso, que simbolizava o veneno poderoso e mortal que ele era
para qualquer um, menos para Will. Ninguém pensara sobre aquilo,
ninguém sequer cogitara, mas o sangue de uma destinada poderia
facilmente ser explorado e usado por pessoas que desejassem se
livrar dos vampiros. Era uma arma e por suas propriedades e efeitos
não serem muito do conhecimento público, seguia sendo ignorado.
Antes de começar a conversar com Megan – depois do jantar na
casa dos Vlad –, antes de começar a perguntar a ela sobre coisas
que não encontrei na internet, aquele fato seguiu sendo
desconhecido para mim. Eu nunca saberia ou desconfiaria que meu
sangue era venenoso para qualquer vampiro que não fosse meu
prometido. Pelo menos não se eu não tivesse a Megan para me
esclarecer tantas coisas. Aquela informação era dada pelo
conselho e provavelmente fora mais uma que meus pais decidiram
ocultar de mim.
Não consegui me mover, quem dirá chorar por presenciar uma
cena tão brutal como aquela, por assisti-la morrer bem diante de
meus olhos por causa do meu sangue venenoso. A tortura de
Hilary, felizmente, não durou muito. Aquelas palavras mal deixaram
seus lábios e no segundo seguinte, ela desabou contra o piso a
alguns metros de mim, em um baque surdo, surdo para meus
ouvidos que por um segundo perderam sua capacidade auditiva. A
dor me abraçou, à medida que via aqueles olhos abertos,
desfocados, encararem-me de volta, mas sem realmente me verem.
O sangue negro continuou a fluir de seu corpo morto, criando uma
poça embaixo dele, que começou a escorrer em minha direção,
devido à leve inclinação no piso.
Pisquei e pude notar um tremor quase imperceptível no chão –
onde estava deitada –, indicar o aproximar apressado de alguém.
Pisquei novamente e senti mãos me tocarem e me virar.
Pisquei uma última vez e pude ver o rosto de Jude, banhado
por lágrimas, entrar no meu campo de visão. Havia desespero em
seus olhos e ela parecia gritar algo para mim que eu não era capaz
de ouvir.
Então a escuridão me abraçou e a inconsciência me embalou,
guiando-me por um caminho que não sabia se faria novamente.
Despertei, sentindo que algo estava errado, pois não me
lembrava de ter ido dormir em primeiro lugar. Durante longos
minutos, conforme voltava a consciência, tive a sensação de ter
meus olhos costurados. Eles pesavam tanto, que por mais que eu
me esforçasse para abri-los, eles sequer se moviam. Levou mais
alguns segundos após eu, finalmente, conseguir fazê-lo para a
minha visão clarear. Os borrões que consumiram minha vista em
seguida, persistiram por algumas piscadas, até desaparecerem por
completo.
A primeira coisa que me dei conta, sobre o estado que me
encontrava, foi a letargia que tomava todo meu corpo e uma dor
incômoda em meu pescoço. Olhei ao redor, enquanto levava meus
dedos até o local que me incomodava, sentindo a espessura do que
seria um curativo, cobrindo a área.
— Hey, linda. — O tom caramelizado e tão familiar, me fez virar
o rosto para o lado oposto, encontrando Will acomodado em uma
cadeira, posicionada ao lado da minha cama.
Olhar para aqueles olhos azuis cobertos de um misto de
preocupação e alívio, me fez franzir o cenho por um segundo.
— O que...O que aconteceu? — perguntei, num sopro de voz,
conforme tentava me ajustar em minha cama.
Por algum motivo, que ainda não havia entendido direito, eu
estava em meu quarto, especificamente, deitada em minha cama e
Will estava ali, quando deveria estar com seu pai. Sua mão, que não
percebi que estava segurando a minha, a apertou levemente, em
sinal de conforto.
— Você não se lembra? — Havia cautela na forma como ele
falou e se moveu sobre a cadeira, inclinando-se em minha direção.
Encarei-o mais confusa, piscando mais do que o necessário.
Forcei-me a me lembrar do que não sabia ao certo que deveria e foi
naquele exato momento que as imagens explodiram de uma só vez,
deixando-me tonta por alguns segundos.
Hilary, eu, a mordida, o meu sangue venenoso, sua morte...
Arfei, levando minha mão livre até minha boca, sentindo meus
olhos queimarem devido às lágrimas que se acumularam ali. Com
as lembranças, também vieram as emoções.
— Eu... eu a matei. — Minha voz esganiçada, fez com que Will
se levantasse de seu lugar e se sentasse ao meu lado, puxando-me
para ele.
— Shiii, está tudo bem — murmurou, embalando-me em seus
braços fortes. — Você não a matou, Seline, você nunca seria capaz
de fazer isso conscientemente. Hilary assinou sua própria sentença
de morte quando te mordeu e se o seu sangue não tivesse feito
isso, eu mesmo a mataria por tentar te fazer mal.
— Ela não sabia... eu não... eu deveria ter tentado alertá-la. —
Mesmo me lembrando de que ela não me dera tempo o suficiente
para aquilo, ainda assim, eu era capaz de sentir o peso de sua
morte sobre meus ombros.
— E teria morrido se tivesse o feito. — Pisquei, sentindo as
lágrimas começarem a escorrer por minhas bochechas. — Hilary
teria usado outro método para te machucar e... te matar. — A última
palavra escapou com dificuldade de seus lábios, como se só pensar
naquela possibilidade não causava só uma dor física tremenda nele,
como alimentava uma fúria encoberta, que ele estava tentando
esconder de mim.
Solucei, lembrando-me claramente da imagem de Hilary se
engasgando e sufocando com seu próprio sangue, envenenado pelo
meu.
— Eu sinto muito, linda. Nunca vou me perdoar por não ter
estado aqui, por ter assegurado a você que Hilary não era uma
ameaça, quando claramente era. — Ergui meu rosto, encarando
seus olhos.
O que vi refletido naquele mar azul profundo, não era só raiva,
mas culpa também.
— Você não tinha como saber — tentei confortá-lo, mas ele
negou com a cabeça, como se não aceitasse que eu tirasse aquela
culpa dele.
— É meu dever cuidar de você, Seline — Will contrapôs,
cerrando seus molares.
Determinada a não permitir que ele continuasse se culpando,
ergui minha mão livre e toquei seu rosto, forçando-o a olhar em
meus olhos, algo que ele estava evitando desde que começou
aquele discurso, como se estivesse envergonhado por falhar
comigo.
— Não é, não ainda. Não se culpe por algo que estava além do
seu alcance impedir — proferi, sorrindo fracamente para ele.
Vi a sombra do que parecia ser tristeza passar rapidamente por
seus olhos. Will poderia pensar que como meu prometido, tinha o
dever de me proteger de tudo e de todos, mas não era verdade, não
até que eu o escolhesse e era isso que eu queria que ele
entendesse, independentemente de saber que ao dizer aquilo,
estaria lembrando a ele que eu ainda não era sua e que nossa
relação não servia como nenhuma garantia que, no final, eu o
escolheria.
— Assim como você não está se culpando pela morte dela? —
rebateu com ironia, forçando um sorriso.
— Touché.
Will riu, um riso sufocado e que não continha nenhum humor
nele.
— Como... como me encontraram?
— Jude, ela estava tentando te ligar e estranhou quando você
não atendeu — respondeu, erguendo sua mão e acariciando meus
cabelos, conforme me olhava daquele jeito intenso, como se eu
fosse a coisa mais linda e mais importante do mundo todo.
Jude, eu lembrava de ver seu rosto sobre mim antes de apagar.
— Então ela foi até a biblioteca, onde sabia que você estaria e
quando entrou... ela te viu no chão, perdendo muito sangue pela
mordida em seu pescoço, com a Hilary morta ao seu lado. — Fechei
os olhos por um segundo, tentando imaginar o desespero dela, ao
presenciar tal cena. — Ela acionou o alarme de emergência que
havia na biblioteca e trabalhou para estancar o sangramento com
seu próprio casaco. Quando os seguranças chegaram, ajudaram ela
a levá-la para enfermaria, onde cuidaram de você. O reitor foi
acionado e as imagens da câmera de segurança foram puxadas.
Quando perceberam que Hilary havia te atacado e morrido em
seguida, ligaram para meu pai. Eu... — Will fez uma pausa, sua
garganta oscilou e ao me mover, para checar melhor seu rosto, eu
pude ver, refletido em seus olhos, o quanto receber aquela notícia,
foi difícil para ele. — Eu nunca experimentei o medo de te perder
antes, não dessa forma, de forma tão visceral. Foi aterrorizante —
completou, usando a mesma mão que estava em meus cabelos,
para tocar meu rosto, como se estivesse se certificando de que eu
era real, que eu estava realmente ali, salva e bem. — Não fui capaz
de te sentir, sentir sua dor. Nossa ligação... ela... ela não é forte o
suficiente ainda. Pensei que seria capaz, como Lucius foi, mas não.
Cada vínculo se comporta de um jeito, cada ligação tem sua própria
intensidade — explicou, descendo seus dedos para minha boca,
contornando meus lábios, antes de subi-los de novo, para fazer o
mesmo com meus olhos. — Exigiu tudo de mim, não perder a
cabeça. Quando chegamos, meu pai explicou que você era uma
destinada, por isso Hilary morreu ao tomar de seu sangue. Deixei
que ele lidasse com tudo e fui direto até a enfermaria. Jude estava
em prantos quando entrei e ver seu sangue... nas mãos dela, nas
roupas... eu... — Toquei sua mão, trazendo-a de volta para meus
lábios, beijando-a como quem dissesse a ele que estava tudo bem,
que eu estava ali e que o pior já havia passado. — Ficamos ao seu
lado até você receber alta. Felizmente, apesar da mordida ter sido
profunda, fazendo você perder muito sangue e Hilary ter tentado
causar bastante estrago, Jude, ao ter pensado rápido e corrido para
estancar o sangramento, salvou sua vida. — Sorri para ele, beijando
sua mão de novo, à medida que entrelaçava nossos dedos e com o
polegar acariciei o dorso de sua mão.
Sentir meu toque e carinho, pareceu aliviar um pouco o peso
daqueles momentos ruins.
— Me lembre de agradecê-la — gracejei, arrancando uma
risada verdadeira dele, desta vez.
Pobre, Jude. Eu mal conseguia imaginar o trauma e o susto que
aquela situação poderia ter causado nela. Não era surpresa para
mim, que mesmo assustada e morrendo de medo, ela conseguiu
pensar rápido. Jude sempre foi a melhor de nós duas, quando se
tratava em pensar e agir sob pressão. Ela me salvara mais uma vez,
como fez por grande parte da minha vida, de inúmeras formas.
— E quanto a... a família da Hilary? — indaguei, pensando em
como a família dela estava lidando com aquela perda.
Diferente de mim, Hilary não teve ninguém lá para tentar salvá-
la, como se fosse possível, quando ela havia ingerido tanto do meu
sangue.
— Meu pai e o reitor cuidaram de tudo, você não precisa se
preocupar com isso — Will tratou de me tranquilizar, mas eu sabia
que ele escolhera suas palavras cuidadosamente para que não
tivesse que me dizer algo que me faria me culpar mais ainda.
Suspirei, apoiando minha mão sobre seu peito silencioso e
imóvel – devido à ausência de um batimento cardíaco e o mover
natural da respiração –, me acomodando melhor em seus braços,
desfrutando de seu toque tranquilizante e do seu cheiro, que tinha
um efeito calmante sobre mim. Foi ali que percebi que, apesar de
terem sido apenas dois dias, eu sentira muito sua falta, mais do que
deveria.
— A ideia de perder você, fez meu coração morto reviver por
um segundo, para parar logo em seguida — ele sibilou, com a voz
tão macia quanto cetim. — Eu te amo, Seline, te amo com tudo que
há em mim. Te amo com esse coração morto, que apesar de não
bater, é seu. — Ergui meu rosto de novo, que havia acomodado na
curva de seu pescoço alguns segundos atrás, para o encará-lo com
os olhos levemente arregalados.
Não esperava por aquelas palavras, por aquela declaração.
Sempre soube dos sentimentos de Will por mim e o quanto eram
fortes, ele nunca se deu o trabalho de escondê-los. Suas ações, a
forma como ele me olhava, estava tudo lá, implícito para eu ver e
tirar as minhas próprias conclusões, mas aquela verbalização tão
direta, tão intensa, eu não estava esperando por ela.
Encarei seu rosto, sendo absorvida por aquele olhar que
transbordava com aquele sentimento de maneira tão arrebatadora,
coberto com uma certeza de que fazia borboletas dançarem dentro
da minha barriga, rodopiando durante seu voo.
— E não importa se você não se sente da mesma forma, se
não é capaz de me oferecer alguma garantia de que pode
corresponder meu sentimento algum dia ou se vai me escolher
quando a hora chegar — prosseguiu, voltando-se completamente
para mim, à medida que tomava meu rosto em forma de concha, em
suas mãos, tornando-me ainda mais refém de seu olhar. — Eu ainda
direi, todos os dias, a partir de hoje, que te amo e eu sempre vou
fazer de minha missão, te manter segura e te fazer feliz, mesmo que
eu não seja o motivo ou esteja incluído nessa felicidade.
Pisquei, quando novas lágrimas começaram a brotar em meus
olhos. Em toda minha vida, eu nunca havia me sentido tão amada
por alguém, como naquele momento. Sim, eu sempre tive a Jude,
mas existiam inúmeras formas de amor e o jeito que Will me amava,
ultrapassava quaisquer descrições escritas em livros e poemas.
Aquele tipo de amor, não podia ser explicado, mas senti,
profundamente, em cada cavidade do nosso ser. Como o bater de
asas de um beija-flor, como a batida ritmada de um coração. Como
o piscar de olhos e como respirar. Era natural e involuntário, sublime
e genuíno, louco e arrebatador.
Eu sabia, lá no fundo, que estava me apaixonando por ele e se
tivesse forças o suficiente para respondê-lo, eu diria, sem titubear,
que a cada dia, eu estava mais certa de que o amava também. No
entanto, por mais que quisesse dizer aquilo, não fui capaz, então o
beijei, beijei com tudo que havia em mim, tentando passar para
aquele beijo – com gosto de minhas lágrimas de emoção –, todos os
sentimentos que sua declaração causou em meu interior.

Acordei num sobressalto, gritando tão alto a ponto de meus


ouvidos reclamarem com o som de minha própria voz. Meu corpo
estava banhado de suor e eu senti um nó em minha garganta –
onde meu choro parecia contido –, quase me sufocar. Olhei ao
redor, vendo somente escuridão. Era madrugada e eu estava
sozinha em meu dormitório. Jude me visitara algumas horas mais
tarde, depois de minha conversa com Will. Ela prometeu a ele que
cuidaria de mim e que ele podia ir descansar, mesmo quando ele
não precisava. Jude me ajudou a tomar banho, trocar de roupa e
cuidou do meu curativo, removendo-o e o substituindo por um novo.
Levei alguns pontos na região, já que Hilary se empenhou em abrir
mais do que dois furos em minha jugular com suas presas, ela havia
criado quase um rombo, estraçalhando a pele ao redor de forma que
demoraria um pouco mais para sarar. Estava tendo que tomar
antibiótico para evitar infecção e anti-inflamatório para que a ferida
não inflamasse. Tudo isso devido ao tempo que ela ficou aberta e
eu fiquei sangrando naquele chão.
Antes de dormir, chorei horrores com Jude, que não conseguia
deixar de me abraçar. Vê-la desmontar daquela forma, enquanto
contava todo o acontecimento pelo seu ponto de vista, me destruiu.
Levou um tempo para a ficha dela cair de que o pior já havia
passado e que eu era real, que estava bem. Comemos nossas
porcarias favoritas, aquelas que ela foi perguntar pessoalmente à
médica da universidade que cuidou de mim, se eu poderia comer e
conversamos por horas, até o cansaço e o efeito do medicamento
que tomara, me abateram. Jude queria ficar, mas não permiti, tanto
ela quanto Will precisavam de algumas horas de sono – mesmo
quando sabia que Will não precisava, necessariamente dormir –, e
eu não estragaria aquilo, ainda mais quando sabia que o remédio
me apagaria por horas e me manteria dormindo até o dia seguinte.
Mero engano.
O pesadelo fora tão real e tão aterrorizante que conseguiu
vencer o efeito sedativo da medicação. Um remédio que a médica
me passara por fora, para me ajudar a dormir nos primeiros dias de
recuperação, sabendo que o trauma que vivenciei, poderia mexer
um pouco com a minha cabeça.
Suspirei, levando minha mão até minha testa, tentando enxugar
da minha pele a camada de suor que parecia ter se acumulado
naquela região. O sonho se iniciou inofensivo, eu estava dentro de
uma cabana, um lugar que desconhecia completamente. No sonho,
eu tinha dimensão disso, por isso estava vasculhando todo o
ambiente, à procura de alguém, que não sabia dizer quem era.
Caminhei até a porta da frente, sair para o lado de fora e lá pude ver
camadas e mais camadas de neve cobrindo o chão. Lembrava-me
de sentir frio, muito frio, pois estava com a mesma camisola que
usava naquele momento. Uma camisola fina, azul e de alças, que
terminava na metade de minhas coxas. Por algum motivo, no sonho,
eu decidi enfrentar aquela neve, mesmo quando estava descalça.
A experiência fora tão vívida que pude sentir quando a neve
tocou as pontas dos meus pés e cobriu metade das minhas pernas,
até o topo de minhas panturrilhas, quando afundei nela. Abracei
meu corpo e, mesmo com meus dentes batendo uns contra os
outros, iniciei uma caminhada suicida pela neve, até chegar à linha
das árvores que formava a entrada de uma floresta. Foi então que
um grande lobo negro surgiu de lá de dentro, encarando-me com
seus olhos vermelhos e sua boca entreaberta, mostrando suas
presas afiadas para mim. Não, não um lobo, aquele animal era duas
vezes maior que um lobo comum. Aquilo, com toda certeza, era um
lobisomem. Belo e assustador. Encarei-o por tempo demais e ele fez
o mesmo, até sentir uma presença atrás de mim e quando me virei,
Hilary estava lá, com todo aquele sangue negro escorrendo de seus
olhos, ouvidos, boca e nariz. Contudo, ela não sufocava, não gemia
ou se engasgava. Ela estava olhando para mim, com um sorriso
perverso em seus lábios, que mostrava todo o sangue negro que
sujava seus dentes, assim como suas presas.
“Ele nunca será seu”, foi o que ela me disse, antes de pular em
mim, cravando suas presas em meu pescoço novamente. E foi
justamente nessa hora que despertei.
Minha respiração ainda estava irregular e eu ainda sentia o
pânico – gerado pelo pesadelo –, me consumir, levando-me a um
princípio de uma crise de pânico. Não entendia ainda se o sonho era
uma visão, devido ao lobisomem que estava presente nele ou só
imagens desconexas, misturadas, devido à medicação ou minha
mente que ainda se recuperava do trauma de ter sido quase
drenada por uma vampira obcecada por meu prometido. De
qualquer forma, minha cabeça não parecia se importar. Apertei os
olhos, tentando contar minhas respirações, conforme puxava um
fôlego profundo, prendia-o por um tempo para depois soltá-lo
lentamente. Meu corpo começou a tremer, fazendo minhas mãos
mal conseguirem ficar paradas sobre as minhas coxas. Havia um
aperto em meu peito, que me dava a sensação de ter alguém
sentado sobre ele. Era horrível e assustador. Era como se eu
pudesse sentir minha morte chegando e não importava o quanto eu
lutasse com a minha mente, ela ainda insistia em ficar presa
naquele torpor.
De repente, algo mais se sobrepujou ao pânico, uma
necessidade deliberada por Will, como se só ele fosse capaz de me
tirar daquele estado. Quase sem forças e com a sensação de que
desmaiaria a qualquer momento, eu busquei dentro de mim aquela
linha que tinha somente sua ponta, ligada a outra no vazio. O
vínculo estava fraco demais ainda, ínfimo e mesmo sabendo disso,
me peguei esticando aquele fio, fino demais e o soltando, fazendo-o
tremeluzir, consequentemente, estimulando aquele outro fio – ligado
a ele por sua ponta –, a fazer o mesmo. Minha mente chamou pelo
Will naquele vazio, implorou que ele viesse até mim. Fiquei tão
presa naquele momento que, por longos minutos, esqueci da crise
de pânico, esqueci do pesadelo, tão entorpecida por aquela
necessidade, pela convocação do meu prometido, pela necessidade
de tê-lo ao meu lado.
— Seline. — Ouvi sua voz rouca e aveludada me chamar.
Ela reverberou em meus ouvidos, acordando cada partícula em
mim. Pensei que ela era apenas um fruto da minha imaginação, até
sentir suas mãos em meus ombros. Levantei meu rosto, percebi que
estava apoiado em meus joelhos e encontrei seus olhos azuis,
observando-me com preocupação. O toque despertou minha marca,
que queimou e coçou com tanta avidez, que me fez cerrar meus
molares.
— Você me convocou pelo vínculo? — Sua pergunta estava
coberta de incredulidade, como se ele não estivesse acreditando
que fui capaz de fazer aquilo, mesmo quando nossa ligação era tão
fraca ainda.
Não o respondi, não sabia se realmente o havia feito. Abaixei
minhas pernas, que estavam encolhidas contra meu peito, e fiquei
de joelhos sobre o colchão para que pudesse alcançá-lo, pois ele
estava em pé ao meu lado. Abracei seu pescoço e suspirei em seu
ouvido quando aquela queimação e coceira em minha marca se
intensificou, afundando meu rosto em seu pescoço. Solucei,
permitindo que tudo viesse à tona, tudo que não parecia ter saído
com Jude, tudo que fora engatilhado por aquele pesadelo.
— Shiii, está tudo bem — Will sussurrou para mim, apertando-
me em seus braços. — Eu estou aqui. — Agarrei sua camiseta entre
meus dedos, sentindo a necessidade de mais contato, de mais
toque.
— Eu preciso que você me toque, preciso que me faça
esquecer — implorei num fio de voz, erguendo meu rosto banhado
pelas lágrimas para encarar seus olhos azuis, que pareciam cintilar
como estrelas naquela escuridão. — Preciso que me faça sentir
qualquer outra coisa que não seja essa sensação sufocante de estar
me perdendo em minha própria mente. — Peguei uma de suas
mãos, que estava em minha cintura, e levei uma até minha nuca,
suplicando com o olhar que ele me livrasse daquela tortura,
enquanto a outra, pressionei contra meu peito, pois assim ele
poderia sentir meus batimentos cardíacos, ainda mais elevados em
sua presença, mesmo quando sabia que ele podia ouvi-los a
distância. Will não me respondeu, sequer afastou seu toque de mim,
mas também não se moveu para fazer nada além. Seus olhos me
contemplaram, como se pudessem enxergar dentro de mim, ver
minha alma. Não me movi ou falei mais nada e ficamos ali – naquela
posição –, por mais alguns minutos, até que Will finalmente tomasse
uma decisão.
Como se ele tivesse deixado ir o domínio que tinha sobre seu
autocontrole, o domínio que tinha sobre suas necessidades, Will
avançou em meus lábios com os seus, engolindo o gemido que
soltei assim que senti seu polegar acariciar minha marca, em um
movimento circular que fez meus olhos revirarem. A sensação de
ser sugada, feita e desfeita levou tudo de mim, assim como os
lábios possessivos de Will que pareciam me devorar como se eu
fosse sua refeição preferida. Sua mão em meu peito escorregou
para baixo, roçando em meu seio esquerdo, que só com a menção
da carícia proibida, me fez avançar, em busca de mais contato. Me
perdi nele, em seu toque que resvalava meu abdômen e alcançava
meu quadril, apertando firmemente minha carne dali, sobre a
camisola, que senti subir um pouco. Tudo perdeu o foco e só o que
conseguia sentir e respirar era ele e seu toque.
Em um movimento ágil, Will me deitou, sem desgrudar sua
boca da minha. Senti o peso de seu corpo sobre o meu, conforme
ele se posicionava entre as minhas pernas que se abriram para que
ele pudesse se acomodar ali. Arfei, inebriada pela sensação que a
parte inferior de seu corpo criou, ao se friccionar, deliciosamente,
contra aquela parte proibida entre as minhas coxas que, naquele
momento, pulsava por ele. Quando o ar me faltou, Will trilhou seus
beijos pecaminosos até meu pescoço, beijando meu ferimento sobre
o curativo, antes de descer para a minha clavícula, lambendo minha
pele abrasada por ele e indo em direção do decote de minha
camisola. Sua mão em meu quadril me apertou contra ele, fazendo
mais partes nossas se roçarem, arrancando um gemido profundo e
rouco de nós dois. Eu estava queimando, queimando tão
intensamente que podia notar aquele calor exalar de meu corpo,
chiando ao entrar em contato com o frio de sua pele. Como brasa
fervendo, quando colidia contra o gelo. Will ergueu seus lindos olhos
azuis para me observar – por entre seus cílios –, à medida que seus
lábios seguiam a linha que modelava as elevações de meus seios,
torturando-me com aquele toque tão suave, que mal podia senti-lo
totalmente. Sua mão que agarrava meu quadril desceu para a minha
coxa, puxando-a para o lado, forçando-me a dar mais espaço para
ele e seu corpo, que deslizou sobre o meu, descendo, junto com sua
boca – por cima da minha camisola –, para meu abdômen,
espalhando beijos por cima do tecido que vestia, até chegar à parte
onde ele estava erguido, expondo uma parte minha que nunca
nenhum homem viu.
Com seu dedo ainda aplicando aquela carícia em minha marca,
deixando-me impossibilitada de raciocinar direito, limitei-me em
apenas observá-lo. Alarmes soaram em minha mente, avisando-me
que estávamos seguindo por um caminho perigoso e proibido, mas
eu me recusei a escutá-los, tudo o que conseguia olhar era para
aqueles olhos, ao passo que me devoravam, brilhando naquela
escuridão, cobertos de luxúria e adoração. Seu olhar só me deixou
quando sua boca se abaixou para plantar um beijo na parte interna
de minha coxa nua. O vi fixar sua atenção predatória naquela parte
que minha calcinha mantinha oculta dele e ali ele a manteve,
enquanto lambia os próprios lábios e aspirava profundamente,
sedento para me provar, sentindo o cheiro de minha excitação que
naquele instante, já deveria ser capaz de ser farejado a distância.
Ergui meu quadril, sendo tomada por uma pressão desconhecida
que desceu em espiral por meu estômago, até meu ventre e esse
movimento não passou despercebido por Will, que sorriu
pecaminoso. Sua mão deixou minha nuca, descendo pelo vão de
meus seios e alcançando minha outra coxa, puxando-a, da mesma
maneira que fez com a outra, expondo-me mais para ele. Senti a
camisola subir mais ainda, embolando-se em meus quadris, e
esperei que a vergonha da situação me atingisse, quando me vi tão
vulnerável diante dele, mas ela não o fez. Sua mão esquerda subiu
pela minha coxa, em uma carícia que prometia algo mais e quando
seu polegar roçou naquele ápice, entre as minhas pernas, me vi
fechar os olhos e lançar minha cabeça para trás, gemendo, sem um
pingo de pudor e extasiada com a sensação de um simples roçar,
ter a capacidade de ativar cada nervo sensível do meu corpo.
— Você está tão molhada para mim, linda. — Céus, eu poderia
gozar naquele momento só ouvido o tom de barítono que ela
assumira, quando moveu o dedo de novo, fazendo minhas costas
arquearem contra o colchão. — Tão sensível, tão linda, tão minha.
— Não me preocupei em corrigi-lo, eu era dele, como nunca fui de
ninguém.
— Isso... Isso é permitido? — Ouvi-me ofegar, enquanto mordi
meu lábio inferior com força, lutando contra um novo gemido,
quando Will repetiu aquele movimento provocativo de novo e de
novo, aumentando a pressão gradativamente.
— Na verdade, é uma trapaça. Não posso estar dentro de você
sem iniciar a consumação, mas as regras não dizem nada sobre eu
te dar prazer de outras formas e é exatamente isso que vou fazer
hoje, Seline. Te dar prazer com meus dedos e boca. — Ergui-me
com dificuldade, sobre meus cotovelos, para olhá-lo e a visão que
tive, fez meu desejo, por ele, triplicar.
Nada era mais tentador e mais bonito que aquela imagem de
Will, entre as minhas coxas, sorrindo para mim como alguém que
estava prometendo me levar ao céu. Havia coisas explícitas e
implícitas naquele olhar, um olhar que ao deixar o meu, se focou
naquela parte minha, exposta para seu bel-prazer. Seus dedos
subiram, agarrando as laterais de minha calcinha e a puxando para
baixo, deixando-me completamente nua, da cintura para baixo. Um
rubor consumiu minhas bochechas quando ele ergueu minha
calcinha até seu nariz e aspirou meu cheiro profundamente, como
se fosse incapaz de resisti-lo, fixando seu olhar no meu enquanto o
fazia. Então ele a jogou sobre os ombros e desceu aquele olhar
para meu centro úmido, nu e pulsante.
— Não achei que seria tão forte, mas olhando para você agora,
sou capaz de suportar qualquer coisa, desde que tenha a chance de
te provar. — Ele não deveria ter falado daquela forma, não quando
me olhou daquele jeito, ávido, faminto e, principalmente, não
quando umedeceu aqueles lábios daquela maneira sensual, que me
fez me questionar como seria senti-los entre as minhas pernas.
Seu dedo me alcançou – desta vez, sem minha calcinha para
atrapalhar –, sem que eu pudesse registrar. Gemi, sentindo-o
circular meu monte de nervos e pressionar, fazendo cavidades em
mim começarem a se contorcerem e minha marca queimar como
brasa superaquecida, contra a pele.
— Algum prometido já fez isso? — indaguei entre um gemido e
outro. — Céus! — Arquejei, sentindo mais um dedo se juntarem
aquele, enterrando-se mais fundo em minhas dobras, fazendo-me
revirar os olhos.
Choques elétricos se espalharam pelo meu corpo, criando
espasmos involuntários em mim, que me contorcia sobre a cama,
implorando por mais contato e por libertação. Minha pergunta
pareceu arrancar um sorriso indecente de Will, que parou por um
segundo, fazendo-me soltar um muxoxo infeliz.
— Provavelmente — respondeu, ainda mais rouco do que
antes. — Você acreditaria se eu te contasse que Lucius nunca tocou
na Megan assim, antes da consumação? — Arfei, incapaz de
respondê-lo, ainda mais quando ele voltou a me estimular, lenta e
torturantemente. — Ele nunca teve um bom autocontrole quando se
tratava dela e sabia que não seria capaz de parar se atravessasse
essa linha, se a fizesse desmanchar em seus dedos ou em sua
boca antes de poder consumi-la totalmente.
— Você... Você tem controle o suficiente para isso? — Meu tom
soou falho, entrecortado, quando senti a ponta de um de seus dedos
roçar minha entrada, enquanto o outro se dividia entre se esfregar e
aplicar pressão em meu centro.
— Tive anos para praticar meu autocontrole, esperando por
você, linda, e mesmo assim, julguei que não seria capaz, mas
agora... agora tudo o que eu quero é te fazer gemer meu nome,
enquanto você goza em minha boca. — Engasguei-me,
silenciosamente, com a escolha de suas palavras tão explícitas e
quando seu olhar se voltou para mim, fui consumida por ele,
desnudada por ele, por aqueles olhos que me olhavam com tanta
ferocidade que pareciam me devorar e pelos seus dedos, que
estavam criando um caos dentro de mim.
Dito aquilo, ele ergueu minhas pernas, dobrando-as de forma
que pudesse afastar minhas coxas mais ainda, para que seus
ombros pudessem se estabelecer entre elas perfeitamente. Ofeguei,
quando seu olhar deslizou novamente no meu a fim de encarar,
fixamente, meu ponto de prazer, admirando-o com voracidade. Os
olhos azuis cintilaram na escuridão, como duas estrelas. Um calor
sufocante me consumiu, queimando ardentemente meu corpo,
levando calor extra para as minhas bochechas. Will espalmou suas
mãos nas partes internas de minhas coxas, certificando-se de que
elas e nem meus quadris se mexeriam, antes de se abaixar e
substituir seus dedos por sua boca, fazendo meu corpo inteiro
colapsar. Mordi meu lábio inferior com força, evitando que um grito
de prazer escapasse de mim. O tipo de grito que acordaria todos
naquele corredor.
Céus! O que ele estava fazendo comigo?
Aquela língua perversa e maliciosa ativou tudo em mim,
fazendo com que eu pudesse senti-la em tudo que era lugar. A
coceira e a queimação ressurgiram com força total, sentenciando-
me a viver dois extremos que, naquele momento, se fundiam. A
agonia sem-fim e o prazer enlouquecedor que estava me
empurrando cada vez mais até aquela borda jamais visitada, a
borda que me sentenciaria a uma queda avassaladora pelo
precipício do clímax.
Sons baixos e desconexos deixaram meus lábios, conforme
impulsionava meus quadris em sua direção, descendo minha mão e
agarrando seus cabelos, esfregando-me contra ele, contra aqueles
lábios, perseguindo aquele prazer que começava a florescer em
meu âmago e se espalhar por todo o meu ventre. Senti seus lábios
se estreitarem, enquanto ele me provava, sugando e lambendo cada
vez mais fundo, alimentando-se de minha umidade que aumentava
a cada investida de sua língua no meu centro pulsante e daquele
dedo, que provocava minha abertura, mas sem de fato se empurrar
completamente para dentro. A pressão se afunilou dentro de mim, a
ponto daquele frenesi me fazer esquecer por um segundo quem eu
era e onde estava. Lancei minha cabeça para trás, agarrando com a
mão livre o lençol entre meus dedos.
Era ele, sempre foi ele. Will era a aventura que quando criança
ansiei encontrar e me aventurar quando crescesse. A ânsia latente
de meu interior, que sempre esteve lá, desejando e esperando para
ser satisfeita. A tentação que sonhei que superaria qualquer razão,
a que torci para ser incapaz de resistir. O pecado que queria
cometer. Aquele responsável por me libertar das amarras que
permiti – por grande parte da minha vida –, me prenderem. Aquela
parte, para preencher o vazio em minha alma, aquela parte para me
completar e transbordar.
Como se soubesse que eu estava perto da libertação, Will
ergueu seus olhos uma última vez e me observou. Seu olhar estava
fixo em mim com um único motivo, para testemunhar meu estilhaçar.
Solucei de prazer, à medida que Will grunhia contra mim,
aumentando suas investidas, sem quebrar o contato que se
estabeleceu entre nós.
Aqueles olhos, eles eram a personificação perfeita do universo
naquela escuridão, vibrantes, vivos e vastos.
Sua cabeça balançou entre as minhas coxas trêmulas,
aplicando um chupão em torno naquela carne sobressalente,
criando um curto-circuito tão avassalador, que me fez despencar,
desmanchando-me em sua boca como algodão-doce. Minhas
paredes internas se contraíram, enquanto gozava com tanta força,
que fui capaz de sentir meus músculos internos pulsarem, em um
ritmo vertiginoso. Meu gemido final viajou para fora de meus lábios,
formando seu nome, cobrindo-o de êxtase, felizmente, não alto o
suficiente para ultrapassar a porta do meu dormitório.
Desabei rápido, sentindo meu corpo colidir completamente
contra o colchão, esparramando-me sobre ele, sentindo cada parte
em mim, formigar, queimar e coçar como nunca. Com meus olhos
pesados, vi Will fazer seu caminho sobre mim e tomar meus lábios
nos seus, fazendo-me provar meu próprio gosto, gemendo em
minha boca como quem aprovava aquela combinação. Mesmo
sentindo-me mole, abracei seu pescoço, permitindo que nosso beijo
se aprofundasse. Permitindo que ele tivesse o que restou de mim, o
que não foi resumido a poeira quando ele terminou comigo.
Eu pedi para ele me fazer esquecer, pedi para ele me fazer
sentir qualquer coisa que não fosse aqueles sentimentos ruins e ele
fez. Will criou um caos, o mais belo e mais delicioso caos dentro de
mim e mesmo naquele momento, quando senti que estava prestes a
ser resumida a nada, ele me beijou com adoração, com amor,
enquanto seus dedos tocaram minha marca, aliviando aquilo que
não passou quando a onda febril do orgasmo me varreu.

Despertei no dia seguinte, sentindo minhas forças renovadas.


Havia uma agitação extasiante, pulsando em meu peito e uma
felicidade vibrante, iluminando todo meu rosto e olhos. Algo que
pude comprovar no momento em que me olhei no espelho do
banheiro, após terminar minha higiene matinal. O ferimento em meu
pescoço ainda me incomodava um pouco, mas a letargia e o peso
em meus membros, junto daquela fraqueza, desapareceram
completamente.
Quando abri os olhos naquela manhã, encontrei um pequeno,
mas não tão modesto buquê de lírios azuis ao meu lado – no
mesmo lugar em que o corpo de Will estava deitado antes –,
acompanhado de um bilhete. Depois de me levar ao céu e me
mostrar as estrelas, Will me limpou, me ajudou a ajeitar a camisola
que se encontrava uma bagunça, me cobriu e me puxou para seu
peito, onde adormeci em seus braços de forma tranquila e serena,
até aquela hora da manhã. Devido ao que aconteceu, ganhei uma
prescrição da médica da universidade que me concedia alguns dias
livres das aulas para me recuperar.
Tive que assistir algumas aulas obrigatórias hoje e infelizmente
não pude estar aí para te dar um beijo de bom-dia. Jude e eu
deixamos uma bandeja de café para você. As flores são só
minhas, sua amiga estava muito impressionada por eu saber
que elas eram as suas favoritas e me fez a mesma pergunta que
aposto estar rondando sua cabecinha nesse momento. “Onde
as encontrei?” Já que são bem raras em nosso país. Bom,
minha linda, sinto te informar que como não contei para sua
amiga curiosa, terei que manter esse segredo de você também,
assim poderei sempre te surpreender. Afinal, um homem
precisa manter seus truques sob a manga de vez em quando.
Tenha um bom dia! Tome seu remédio e fique na cama.
Passarei para te ver assim que possível.
PS: Já estou com saudade. Sempre me considerei um viciado
em seu cheiro e sua presença, mas depois da noite de ontem,
após te provar, sinto que não há mais esperanças para mim.
Sou um caso perdido quando se trata de você, perdido demais
em seu cheiro, em sua voz, em seu corpo e nesses olhos
lindos, que tem o poder de me consumir e me fazer refém.
Com todo meu amor, de seu William V
Suas palavras, deixadas naquele bilhete ainda se encontravam
memorizadas em minha mente, fazendo aquele sorriso em meus
lábios crescer e aquelas borboletas rodopiarem livremente em meu
estômago.
Determinada a tomar um banho e ficar mais apresentável,
encaminhei-me até meu armário, buscando minha toalha e alguns
produtos que não estavam no banheiro. Estava pensando em que
roupa vestiria, que pudesse me deixar bonita e confortável quando
senti um abraço de aço me circular e um pano ser empurrado contra
meu nariz, pressionando de forma que eu não conseguisse respirar
nada além daquele odor forte, que o encharcava. Um grito ficou
preso em minha garganta, à medida que eu me debatia de maneira
desesperada. Levou alguns segundos, para aquele odor levar o
melhor sobre mim, intoxicando-me e sufocando a ponto de eu
perder os sentidos gradativamente, até que tudo ficasse escuro.
Eu estava brincando com fogo e tinha total convicção disso.
Tocar e provar a Seline daquela forma foi perigoso e uma atitude
inconsequente, o que não era natural de mim, o mais racional e
controlado entre os meus amigos prometidos. Apostava que eles me
diriam o mesmo se soubessem. Quando Lucius me contou sua
experiência com Megan, me surpreendi com o fato de ele, sendo o
mais impulsivo de nós e menos controlado, ter aguentado tão
firmemente aquela provação. Ele melhor do que ninguém sabia que
se ultrapassasse aquela linha, não conseguiria parar. Lucius, claro,
confidenciou-me aquilo de forma mais sucinta possível, preservando
sua destinada e os detalhes, depois de muita insistência minha. Eu
precisava saber onde estava pisando, o que teria que lidar e os
limites que não poderia ultrapassar, caso eu e Seline déssemos um
passo a mais em nossa relação – que foi o que aconteceu após
aquele final de semana –, e Lucius era o único de nós três que tinha
experiência no assunto, já que vivenciou tudo na pele. Eu não
pretendia, mas vê-la daquela forma, suplicando e com os olhos
cobertos de pânico, acompanhado de uma dor profunda,
simplesmente não consegui resistir àquele impulso de fazê-la se
sentir melhor e dar fim ao sofrimento. Aquela sensação foi tão forte
que logo percebi que não vinha só de mim, como do meu lado
prometido também. Hesitei, mas no fim aquele sentimento me
venceu. Abri mão de meu autocontrole e trabalhei para fazê-la se
sentir bem e foi a coisa mais louca, mais deliciosa e incrível que já
fiz em toda minha existência. Sentir seu gosto, ouvir seus gemidos
e, principalmente, admirá-la enquanto ela alcançava o clímax, tinha
se tornado minhas coisas preferidas, de todas as outras coisas que
poderiam existir naquele vasto mundo. Meu vício. Mesmo sabendo
que não deveria tentar aquilo de novo, encontrava-me desejando
entrar naquele quarto e prová-la outra vez, em tentar outros
métodos, dentro dos limites que poderia testar, para fazê-la gozar
com mais intensidade e com mais força, gemendo meu nome.
Seline acordara o monstro dentro de mim, um que mantive em
rédeas curtas por muito tempo, quieto, controlado, e que depois da
noite passada, quando o permiti sair, provar da liberdade e não
estava mais admitindo ficar preso, não estava mais conformado com
a prisão que o mantive sobrepujado por todos esses anos. A besta
que todo vampiro guardava dentro de si, mas ao contrário das
outras vezes, ele não queria sair para caçar e matar, ele a queria,
aquela que era parte nossa e que nasceu para nos pertencer.

Foram dias difíceis, depois do ataque de Hilary e a recuperação


de Seline, que ficou quase três dias apagada. Falei sério quando
disse a ela que nunca havia experimentado tamanho medo, ao
receber a notícia do que acontecera. Felizmente, tudo acabou bem
e eu tinha minha Seline viva, segura e faria o que fosse preciso para
mantê-la assim. Depois de assistir todas as minhas aulas
obrigatórias, caminhei rapidamente pelos corredores, determinado e
ir até ela. Precisava vê-la, precisava sentir seu cheiro. Fora uma
tortura deixá-la dormindo sozinha em sua cama mais cedo, mas eu
realmente precisava comparecer àquelas aulas, em especial depois
de perder inúmeras delas para ficar ao lado de Seline após o
ataque. Infelizmente, existia um limite e minha “influência” não me
ajudaria naquele caso.
Cheguei ao prédio dos dormitórios e usei minha velocidade de
vampiro para subir os lances de escada. Quando apareci em seu
corredor, de frente para sua porta, que esperava encontrar fechada,
paralisei. Gelo líquido consumiu cada um dos meus membros
quando olhei para dentro do quarto e tudo que pude ver, foi o caos.
Seu armário estava escancarado, de onde uma toalha prendia de
uma das separações, com sua extensão esticada, caindo para fora.
Havia produtos pessoais como cremes e frascos de óleos
derrubados no chão, próximo ao armário. Alguns quebrados e
outros abertos, por onde o conteúdo perfumado de dentro vazava,
sujando o chão. A luz do banheiro ainda estava ligada e a torneira
da pia aberta.
Não foi difícil deduzir o que aconteceu ali, mesmo quando o
perfume dos produtos pessoais de Seline espalhados pelo ar,
mascaravam o cheiro de quem se atreveu a invadir seu dormitório e
levá-la. Contudo, foi o bilhete em cima da cama dela, entre os
lençóis bagunçados – que ainda cheiravam a ela, como se ela
tivesse os deixado a pouco tempo –, que fez minha dedução ser
confirmada, que fez a fúria dentro de mim acordar, substituindo o
pânico gelado que me consumiu por alguns segundos, ao perceber
o que realmente havia acontecido ali.
Eu disse que sua hora chegaria, irmãozinho,
mas não se preocupe, vou cuidar bem de sua doce Seline.
Estamos em contagem regressiva agora.
Tic tac, Tic Tac.
O relógio está correndo,
fuja enquanto você ainda tem tempo.
Ele não se preocupou em assinar, sabia que eu saberia de
quem era aquele bilhete no momento que o lesse e reconhecesse a
caligrafia. Cerrei meus molares com força, enquanto amassava o
pequeno pedaço de papel entre meu punho. Ele pagaria por aquilo.
Dessa vez, Viktor havia ido longe demais. Mexer comigo era uma
coisa, mas com a Seline se tornava algo ainda mais pessoal. Ele
morreria, assim que eu colocasse minhas mãos nele e eu o iria fazê-
lo, muito em breve.
Com o meu monstro rosnando em meu interior, puxei meu
celular do bolso traseiro de minha calça jeans e liguei para meu pai.
— Acione todo mundo, coloque a equipe para trabalhar. Viktor
levou a Seline e deixou um bilhete para trás. Precisamos encontrá-
lo, agora — atirei as palavras para ele, assim que pude ouvir sua
voz soar do outro lado.
Meu tom saíra trovejante, entredentes, como um aviso, antes
do iniciar de uma tempestade violenta. Nele, havia promessas
implícitas, que prometiam derramamento de sangue, e nada me
pararia, nem mesmo o fato de que um dia, ele fora meu irmão.
Viktor pagaria por levá-la e, principalmente, por nos trair.

As horas se arrastavam lentamente e a cada minuto, eu ficava


mais agitado, preocupado e enfurecido. Cada cavidade de
prometido em mim queria sair por aí, à procura de minha destinada.
Cada instinto me movia para isso, arranhava meu interior como um
animal preso, lutando para se libertar. A necessidade de encontrá-la,
de me certificar se ela estava segura e bem era quase sobrepujante,
a ponto de eu ter que me esforçar para reunir todas as forças que
havia dentro de mim, a fim de continuar onde eu estava, esperando
e acreditando que nossos homens fariam aquilo que os tornavam
tão bons.
Eu liguei para Lucius e Lucian no caminho para casa, contando
a eles o ocorrido. Ambos me ofereceram sua ajuda e seu apoio.
Lucian mexera alguns pauzinhos a fim de colocar pessoas do alto
escalão de segurança para rastrear Viktor, enquanto Lucius me
ofereceu seu melhor hacker para invadir a conta bancária dele, à
procura de qualquer pista de seu paradeiro e seu celular, que
descobrimos que ele, convenientemente, deixou para trás. Os
homens do meu pai estavam fazendo o mesmo, mas não me limitei
apenas a eles. Em momentos de desespero, não me importava de
pedir ou buscar toda a ajuda possível e que estivesse ao meu
alcance, só para encontrá-la. Nenhum preço seria alto o bastante
quando se tratava dela.
— William, eu preciso que você se mantenha calmo e use o
autocontrole e a racionalidade que eu sei e que te ensinei muito
bem a empunhar. — Era a quinta vez que meu pai me pedia para ter
calma e a quinta vez que eu me tornava mais consciente do quão
perto eu estava de explodir.
— Ele está com ela, sabe-se lá onde, fazendo sabe-se lá o quê,
pai. Não tem nenhuma possibilidade de eu ficar calmo — atirei para
ele, que suspirou. — Eu quero a CTF nas ruas, quero que
amplifiquem e intensifiquem as buscas em cada maldita cidade, em
cada mísero canto da Romênia.
Viktor não sairia do país, ele sabia que seria ainda mais fácil
encontrá-lo se o fizesse.
— Viktor está apaixonado pela Seline, William, e você sabe
muito bem disso, ele não vai machucá-la. Como você, ele teve muito
tempo para o fazê-lo, enquanto te seguia em segredo, nas suas
noites de vigilância. — Encarei-o, cerrando meus molares e meus
punhos ao lado do meu corpo, simultaneamente.
Eu sabia, sabia mais do que estava disposto a confessar em
voz alta. No início, ela foi um jogo para ele, algo que Viktor se
agarrou por tempo demais, tentando se convencer de que quando
me seguia naquelas noites era apenas para estudá-la, para
aprender mais sobre ela e encontrar os pontos fracos que pudesse
usar no futuro, no caso para me atingir. Mas ele também sabia, bem
lá no fundo, que como eu passei anos a observando de longe,
aprendendo mais coisas sobre ela, me apaixonando, ele também o
fez. Contudo, Viktor prosseguiu com seu plano, a manipulou e a
usou, impossibilitando o crescimento de qualquer sentimento bom
que Seline poderia chegar a nutrir por ele. Sua vingança, o custou
aquilo que mais desejava e acreditava fielmente que existia uma
parte dentro dele que o fazia odiar a si mesmo por isso.
Entendia a lógica do meu pai, mas não estava disposto a correr
o risco. O relógio corria e a cada minuto estava mais perto de
completar 24 horas que Seline tinha sido levada. Tempo demais
para mim, tempo de sobra para que algo ruim pudesse estar
acontecendo com ela. Desde que ela foi levada, estava me
perguntando se seria capaz de sentir – fisicamente –, qualquer dor
que fosse afligida nela. Da última vez não recebi nada do vínculo,
mas depois daquela noite, depois de ter fortificado um pouco mais
nosso laço, talvez eu conseguisse dessa vez. E não sabia dizer se
essa pequena probabilidade me confortava ou me deixava em
pânico. Sentir sua dor e não poder livrá-la daquilo seria pior do que
não sentir nada?
— Não estou dizendo que não vou fazer tudo o que estiver ao
meu alcance para encontrá-la, mas existe algo nesse bilhete que
temos que, seriamente, levar em consideração quando se trata de
gravidade e prioridade. Algo está chegando, William, algo grande e
precisamos nos preparar para ele. — Meu semblante se tornou
ainda mais sério, mais rígido, no momento em que suas palavras
chegaram até mim.
Eu queria gritar com ele por não achar que Seline estava no
topo de prioridade naquela situação toda, no entanto, foi o olhar e o
semblante que ele exibia, que me fez morder minha própria língua
por um segundo, antes que dissesse algo que me arrependeria.
De repente, tudo passou a fazer um maldito sentido...
— Você sabe... sabe o que ele estava tramando ou pelo menos
desconfia e isso não é de hoje. Me diga, pai, por que mesmo você
tendo ideia da ameaça que Viktor estava trazendo para nossa porta,
não o parou? — Queria estar errado, queria que o medo e culpa que
vi em seus olhos fossem por outra coisa.
— Porque ele também é meu filho e eu tinha esperanças. —
Sua confissão veio em forma de uma apunhalada em meu coração
morto.
Fechei os olhos, sentindo que se cerrasse ainda mais meu
maxilar, ele se quebraria. A traição tinha um gosto amargo e ácido
em minha língua.
— Do que realmente se trata tudo isso? — questionei, quase
entredentes, sentindo meu tom sair mais ríspido do que deveria,
quando abri meus olhos e os fixei nele, tendo total noção de que o
fuzilava naquele momento.
— A criança que eu e sua mãe acolhemos não era humana,
Will, era um lobisomem — revelou e suas palavras soaram como
vespas em minha mente, fazendo um horror absoluto me preencher.
O mundo desacelerou ao meu redor, à medida que meu cérebro
encontrava certa dificuldade ao processar o que ele tinha acabado
de dizer.
— Quando o transformei, apaguei seu DNA lupino, arranquei
dele sua herança e ele não tinha ideia do que eu estava fazendo, do
que eu fiz, até alguns anos atrás. Foi quando as coisas entre nós se
tornaram... difíceis. Não foi pelo título, foi pela minha omissão diante
de sua verdadeira natureza. — Eu mal conseguia olhar para ele
naquele momento.
Meu pai permitiu que eu me culpasse por anos, por aquela
questão titular, quando sabia o tempo todo qual era o verdadeiro
problema de Viktor e esse nunca foi o que eu tinha tomado dele ao
nascer. Não, eu me tornei o inimigo, assim como meu pai, quando
ele descobriu a verdade sobre seu passado. Julgava que Viktor
acreditava que eu sabia e que de alguma forma fui cúmplice de
nosso pai.
— De alguma forma, ele descobriu tudo sobre o que aconteceu,
sobre o que fizemos com sua raça, mesmo quando eu escondi dele
todos os dados — elucidou.
Completamente desnorteado, encaminhei-me até a poltrona
mais próxima e me sentei, apoiando meus cotovelos em minhas
coxas, conforme afundava meus dedos em meus cabelos,
mantendo-me inclinado daquela maneira, como se não pudesse
acreditar em tudo que estava ouvindo.
Um maldito segredo que eu não fazia ideia e que fora ocultado
de mim por todos aqueles anos.
— Acho que Viktor conseguiu encontrar a ilha, encontrando
consequentemente os lobisomens que restaram lá. Acho que ele
estava trabalhando todo esse tempo com eles, oferecendo recursos
e encobrindo suas presenças aqui. — Gelo puro, consumiu minhas
veias e quando, finalmente, ergui meu rosto para encarar meu pai,
me assustei com o que vi.
Medo encobria seus olhos claros. O grande conde Vladimir
Vlad, estava com medo, não, ele estava aterrorizado.
— Os lobisomens não estão extintos como achávamos, Will,
eles estão aqui, se armando contra nós e prontos para começar sua
vingança, prontos para nos dizimar, com a ajuda de seu irmão. — Lá
estava o motivo de sua culpa, lá estava o que meu pai descobriu
sobre a empreitada de meu irmão adotivo e, mesmo assim,
escondeu de mim, escondeu de seu rei, temendo pelo que
aconteceria a Viktor e a si mesmo, quando seu segredinho sujo
viesse à tona. — Viktor não levou a Seline para te provocar ou
ameaçar, ele levou para protegê-la do que está vindo direto para
nós — completou.
Eu deveria ficar aliviado por saber que mesmo quando Viktor
estava trazendo sua vingança até nós – sua família –, tivesse
resolvido poupar minha destinada, devido aos seus sentimentos por
ela, mas não estava, não quando sabia que os lobisomens não
fariam o mesmo quando soubesse quem ela era e o que
representava para mim. Seline era minha maior fraqueza e a arma
perfeita para ser usada contra mim. Se eles decidissem usá-la, não
haveria nada que o Viktor fizesse ou que os impediria. Meu irmão
adotivo era um peão, cego pela vingança, um que eles se
aproveitaram todo esse tempo.
Uma vez ele foi como eles, mas naquele momento, era como
nós e caso eles tivessem sucesso em acabar com todos os
vampiros da face da terra, ele seria o último a se juntar a pilha de
corpos, a se juntar a nós, quando não fosse mais necessário.
Naquele momento – mais do que em qualquer outro –, encontrar a
Seline era minha maior prioridade. Deixaria para questionar e
apontar as intenções e erros do meu pai quando minha destinada
estivesse segura. Até lá, ele teria que trabalhar ao meu lado para
evitar uma guerra e encontrar aquela que o destino me abençoou
desde o dia de seu nascimento.
Abri os olhos com dificuldade, sentindo o movimento causar
pontadas em minha cabeça. Pisquei algumas vezes, com intenção
de clarear minha visão – levemente borrada –, e olhei ao redor com
certa letargia. Meu corpo estava pesado e meus membros pareciam
não responder de imediato aos alertas que meu cérebro enviava,
mandando-os se mexerem. Demorei mais do que o normal para
conseguir me sentar. O sofá de couro embaixo de mim, forrado por
mantas de pele sintética, macias e felpudas, rangeu com meu
movimento, fazendo o som ecoar mais alto do que esperava,
reverberando pelo cômodo amplo e silencioso. A lareira acesa na
minha frente estralava, um som bastante comum que indicava que
as chamas que dançavam lá dentro, estavam devorando a pilha de
madeira que as mantinha acesa, alimentando o fogo que aquecia o
ambiente. O piso de madeira escuro combinava com as paredes e
todos os outros detalhes do que parecia ser uma sala. O cômodo
seguia todo um estilo colonial inglês, com uma atmosfera toda
rústica e aconchegante. E apesar de saber que eu nunca estivera ali
antes, pude sentir aquela sensação de familiaridade me preencher.
Ergui-me com dificuldade, empurrando minhas pernas para fora
do sofá e tentei me equilibrar nelas. A primeira tentativa fora um
fracasso, assim que me coloquei de pé, uma forte tontura me
atingiu, fazendo minha vista escurecer. Minhas pernas falharam e eu
me vi cair sentada no sofá mais uma vez, onde permaneci por
alguns minutos, controlando minha respiração e mantendo meus
olhos fechados por alguns segundos a mais, para que a tontura
passasse. Fosse lá o que usaram em mim, foi forte o suficiente para
me afetar a longo prazo. Tentei mais duas vezes, mas foi somente
na terceira tentativa que consegui ficar de pé e forçar alguns
passos. A atmosfera pesou ao meu redor e uma sensação de déjà
vu me consumiu. Olhei ao redor, sentindo aquele cômodo se inclinar
e começar a se fechar ao meu redor. Comecei a sufocar e
hiperventilar. Cambaleei até a porta de madeira e girei a maçaneta
com pressa, como se o que estivesse atrás dela, fosse me salvar
das paredes que continuavam encolhendo à minha volta. Um vento
frio me atingiu no rosto, no momento em que a paisagem branca do
lado de fora me recebeu. A brisa gélida do inverno cobriu meu corpo
como uma segunda camada de pele, enviando calafrios das pontas
dos meus pés descalços, até o topo de minha cabeça. Um tapete
branco cobria o chão, abaixo da pequena varanda elevada. Os
quatro degraus que levavam até o que parecia ser um enorme
jardim coberto de neve, estavam salpicados por ela. A camisola que
ainda usava da noite anterior pareceu desaparecer, seu material
fino, em contraste com aquele tempo, parecia ter se resumido a
nada, como se eu tivesse completamente nua ali, exposta àquela
baixa temperatura.
Estremeci, abraçando meu próprio corpo, enquanto dava alguns
passos à frente. O frio cortava minha pele de forma dolorosa,
fazendo meus dentes baterem uns contra os outros e minha
respiração se condensar no ar à minha frente. Os metros adiante,
forrados por camadas e mais camadas de neve, me dava a visão
das linhas das árvores congeladas, que formavam a entrada de uma
floresta, uma floresta que também me era muito familiar. Todo
aquele cenário parecia já ter sido visto por mim em algum momento,
mas não conseguia me lembrar onde.
Pisquei, tentando puxar na memória qualquer coisa a respeito
daquele lugar, falhando ao notar que minha mente parecia tão lenta,
quanto os passos que continuava a dar, como se estivesse no
automático, ou como se aquela floresta me puxasse. Meus pés
descalços afundaram na neve e mesmo após sentir as agulhadas
causadas pelo frio, em contato com minha pele nua, eu continuei
como se o que me puxava fosse tão forte e irresistível, que foi capaz
de desligar toda minha razão, toda a autonomia que eu pudesse ter
sobre meu próprio corpo. Só parei quando estava de frente para
aquela floresta. Se eu tivesse dado apenas mais alguns passos,
teria ultrapassado aqueles limites e entrado em seus domínios.
Contudo, não o dei, permaneci parada esperando, como se o que
tivesse além, fosse chegar até mim a qualquer momento. O frio me
abraçou, deixando-me dormente. Subindo por minhas pernas e
consumindo cada parte de mim, exterior e interiormente. De
repente, o bater de meus dentes uns contra os outros não puderam
mais ser percebidos por mim, e nem as ondas de arrepios
congelantes que me tomavam de minuto a minuto, fazendo-me
estremecer. Tudo estava em silêncio, com exceção do gorgolejar de
algum pássaro desconhecido, que se empoleirava em algum galho,
daquelas inúmeras árvores.
Minhas pálpebras tremeram e, de repente, cada cavidade em
mim entrou em alerta. Tornei-me consciente de que algo que estava
vindo direto para mim, sem ao menos vê-lo e quando um galho
rangeu, perto demais, reverberando dentro daquela floresta, eu
soube que uma visão estava prestes a ser engatilhada. Uma
pontada latente, enviou o primeiro vislumbre. A imagem chegou
borrada para mim, mas logo começou a clarear. Uma lembrança, a
lembrança de um sonho. Uma cabana no meio do nada, neve por
todo o lado e um lobo negro, solitário, dentro da floresta. Pisquei,
voltando à realidade como se uma lufada de ar fosse soprada para
dentro de minhas narinas. Engasguei-me, arfando, e senti o frio abrir
caminho pelas minhas vias respiratórias, queimando, enquanto me
invadia. Tornei-me consciente do frio que congelava minhas pernas
nuas, que estavam afundadas na neve até a altura de minhas
panturrilhas, tornei-me consciente de que estava congelando
devagar. Sem forças, desabei e foi naquele momento, que pude
senti-lo se aproximar.
A criatura negra, como a noite, rompeu os limites que
demarcavam a entrada daquela floresta e caminhou de forma
graciosa para fora dela, apoiado em suas quatro patas,
empertigado, mostrando-me toda sua magnitude e altura. Músculos
tomavam todas as partes certas do lobo, que passava longe de ser
um lobo comum. Não, ele era muito maior, talvez o dobro ou o triplo
do tamanho de um lobo normal. Como um predador, seus olhos
vermelhos me mediram, antes que sua boca franzisse levemente, a
ponto de seus caninos se tornarem evidentes. Um rosnado escapou
dele como uma ameaça, um aviso e desafio. Pisquei e foi naquele
exato momento que uma nova visão me atingiu. Uma visão familiar,
mas que antes estava incompleta. Uma peça, mais uma peça,
encaixada no quebra-cabeça. Um estalo ecoou dentro de minha
mente e eu ofeguei quando o soar de uma profecia antiga cantou
em meus ouvidos, um som sussurrado pelo vazio por uma voz
feminina e lírica. Um cantarolar que teve como base instrumental a
ventania congelante do inverno que nos varreu, nos rodeando em
um pequeno ciclone feito de flocos de neve e folhas, recém-
arrancadas das árvores próximas, as únicas que ainda decoravam
seus galhos.
No vazio, um cântico ressoou. As primeiras notas que
compuseram as primeiras linhas de uma canção que seguiria sendo
entoada, silenciosamente, para ouvidos que ainda não podiam ou
não deveriam escutar pelo espaço e tempo. A canção teceu dois
fios naquele mesmo vazio, finos demais para os olhos e fortes
demais ao toque. Linhas que ligaram duas vidas, ainda não
existentes. Um vínculo tão forte como uma rocha e inevitável como
a morte.
No vazio, a profecia foi lançada, flutuando pelo ar e se
enraizando profundamente na terra. O destino a abraçou, a acolheu.
Naquele mesmo vazio, a canção contou a história que seria
esquecida com o tempo, mas lembrada quando chegasse a hora de
seu renascimento. No vazio ela se solidificou. As estrelas se
alinharam e a canção finalmente pôde ser escutada. No vazio, ela
cantarolou, como uma canção antiga.
“Uma criança superdotada, nascerá ligada ao seu maior
inimigo. Entre o amor e ódio, um sentimento surgirá, pondo fim a
uma guerra antiga como o mundo. O equilíbrio será balançado, mas
somente a força desse amor será capaz de restabelecer a ordem
que foi profetizada um dia, naquele mesmo vazio.”
A imagem piscou mais nítida. Um lobo, não, um homem, de
mãos dadas com uma mulher. Cabelos dourados chicoteavam o ar e
olhos verdes me encaravam fixamente. Uma marca, fios verdes os
rodeando, ligando-os, fluindo de seus corpos e se encontrando no
caminho em um abraço que trazia o início e o fim de um novo ciclo,
de uma era. O lobo e o homem, que oscilava em suas duas formas,
se virou e quando seus olhos vermelhos me encararam, a visão se
desfez em uma cortina de fumaça. Pisquei mais uma vez e vi os
mesmos olhos me observando de forma profunda, no mundo real.
Tudo sumiu e o silêncio nos abraçou.
— É você — sussurrei, convicta, e isso fez o lobisomem na
minha frente semicerrar seus olhos lupinos, como se tentasse
entender o que eu dizia, o que aconteceu ali, se era que ele podia
ver o que eu vi. — Você está destinado a ela. — A confirmação se
estabeleceu dentro de mim com tamanha força, que não deixou
espaço para dúvidas.
O frio se tornou insuportável, congelando-me inteiramente por
dentro, deixando-me tão dormente que tudo que podia sentir eram
pequenos formigamentos. Meu peito se elevou e voltou a abaixar
em um ritmo mais lento do que o normal. Meus olhos pesaram. Sem
forças, caí de costas contra a neve fofa e o céu acinzentado me
saudou de cima. Antes de apagar, pude sentir o focinho tão frio
quanto a neve embaixo de mim cutucar a lateral do meu corpo,
balançando-me levemente, antes de pairar sobre meu rosto.
Aqueles olhos vermelhos me encararam com confusão e eu sorri,
sorri como um idiota.
— Um dia você terá que escolher, lutar pelo amor ou optar pela
vingança. — A sentença deixou meus lábios em um fio de voz,
antes que tudo voltasse a ficar escuro de novo.
— Você parece realmente ter um efeito sobre as pessoas,
Seline Constantin. — Aquela voz, ela era familiar demais para meu
gosto.
Movi-me, gemendo e abrindo os olhos. Eles estavam pesados,
assim como cada cavidade em mim parecia dura, rígida e dolorida.
Pisquei algumas vezes, até ser capaz de conseguir enxergar com
nitidez e quando o fiz, arrependi-me em seguida, pois de pé, diante
de mim, havia um rosto muito familiar também.
— Viktor. — Seu nome deixou meus lábios em um fio de voz,
causando um sorriso de lado nele.
— Eu saí por uma hora para comprar mantimentos e você
resolveu se aventurar na neve? — A pergunta fazia parte de uma
piada, dava para sentir o humor em seu tom, assim como ver a
máscara de divertimento que ele estampava. — Não foi muito
inteligente, não nesses trajes. — Seu olhar desceu pelo meu corpo,
parcialmente coberto, deitado no sofá onde eu acordei a primeira
vez. — Quando voltei, a encontrei quase hipotérmica, sendo
aquecida na varanda, por um lobo gigante. Nunca imaginaria que
ele se daria o trabalho de te salvar, mas estou vendo que me
enganei. Parece que você conseguiu causar um efeito nele. — O
lobo, a criatura de olhos vermelhos com qual tive um encontro
momentos atrás. A fera das minhas visões. — Mas não se
preocupe, trouxe roupas mais quentes para você. — Simples assim,
ele me arrancou de minhas lembranças e divagações, soltando
aquele comentário como se não fosse nada, como se eu tivesse
escolhido estar ali e pior ainda, como se eu fosse permanecer.
— Você me sequestrou. — A acusação saiu mais como uma
constatação, à medida que eu me ajeitava no sofá, colocando-me
em uma posição meio sentada e meio deitada.
— Não, eu te salvei, da sua própria teimosia — rebateu. — Eu
te disse para partir e não olhar para trás, mas você escolheu ficar,
pior, escolheu o William, assinando sua própria sentença. Eu não
podia permitir, não podia deixar você pagar pelos erros deles, não
quando era inocente. Pode não parecer, mas estou te protegendo,
porque me importo com você.
Franzi o cenho, sentindo um misto de sentimentos me
preencherem. Havia raiva, incredulidade e frustração. Mas o pior
deles, era aquele sentimento de que algo muito ruim estava prestes
a acontecer.
— O que você fez, Viktor? — questionei, sentindo meu tom soar
duro e exigente.
Algo sombrio passou pelos seus olhos e ele, rapidamente,
desviou o olhar, escondendo as respostas que poderia desvendar
neles. Foi quando tudo, de repente, pareceu se encaixar.
— O lobo na floresta, ele não é apenas um lobo, é um
lobisomem, um dos que foram banidos pelos vampiros — presumi,
finalmente vendo tudo com clareza.
Aquele lobo não estava ali por acaso e Viktor, todas as coisas
que ele disse, as sentenças de deu ao irmão e o pai. Aquilo tudo se
tratava de vingança, uma vingança pessoal e julgar pelo lobisomem
guardando os arredores daquela cabana, eu não precisava de muito
para deduzir que foi o próprio Viktor que traiu a própria espécie,
aquele que abriu caminho para os lobisomens voltarem e tomarem o
que eles achavam ser deles.
— Por quê? Por que trair sua família assim? Por que os deixar
para morrer? — A cólera amargou minha boca, conforme aquelas
palavras deixaram meus lábios.
Viktor me encarou e pude ver todo pesar e mágoa, misturados
àquela escuridão que ele carregava no olhar, me atingir.
— Porque eles não são minha família, porque Vladmir tomou
algo de mim, algo que era meu por direito. — Lá estava as palavras
ácidas, carregadas de raiva e ressentimento.
— Isso é sobre a merda de um título?
— Não tem nada a ver com o maldito título de William, tem a
ver com a minha verdadeira natureza, o meu passado. O que
Vladmir Vlad arrancou de mim e escondeu por tantos anos. O que
causou as pessoas que eram como eu. Eles precisam pagar —
vociferou, expondo suas presas para mim, fazendo-me me encolher
em meu lugar.
Engoli em seco, suas presas me lembravam as de Hilary, as
mesmas presas que ela enterrou em mim para drenar meu sangue.
Viktor pareceu ter visto o medo em meus olhos, pois rapidamente se
afastou alguns passos e tentou se recompor.
— Vladmir me encontrou durante a guerra, a guerra que mudou
tudo, que mudou o mundo. Eu era uma criança que se perdeu dos
pais, uma criança que ele poupou, mesmo quando sabia que eu não
era totalmente humano. Ele me deu de presente para sua esposa,
um band-aid para uma ferida antiga, um substituto para o filho de
sangue que eles ainda não tinham conseguido gerar. Contudo, a
natureza cobrou seu preço e apesar de saber desde o início que era
adotado, nunca soube sobre as minhas origens ou que estava
destinado a ser, até que a fera dentro de mim, despertou. —
Estremeci, mantendo meus olhos presos nele, que evitava meu
olhar.
Céus! Não podia ser... Um lobo, Viktor era um lobisomem.
— Não me lembro de nada daquela época porque Vladmir
mandou apagarem minhas memórias. Junto do rei, ele conseguiu a
permissão para me transformar, alegando que eu tinha uma doença
rara e que me mataria. Para o mundo, eu era um humano, mas eles
conheciam a verdade e me transformar era a única maneira de
matar o lobo dentro de mim.
Arquejei, o que Vladmir e o antigo rei fizeram, poderia
facilmente ser visto como traição. Os lobisomens foram derrotados e
banidos, assim como eram os inimigos número um dos vampiros,
mesmo Vladmir e Christopher sendo figuras poderosas, ainda
assim, cometeram um crime. Esconder um lobisomem entre eles,
mesmo sendo uma criança, poderia ser visto como a pior das
traições. Vladmir não só escondeu o Viktor, como fez dele seu filho
e logo depois o transformou, para matar o lobisomem que havia
dentro dele. Isso, para os lobisomens, no entanto, julgava ser um
ato de guerra. Mudar o corpo de uma criatura, que nasceu com uma
herança diferente, por outra, poderia ser visto como um tipo muito
ruim de heresia para determinadas espécies.
Viktor deve ter lido algo em meu rosto, algo que deixei
transparecer, porque pelo olhar que ele me enviou, a situação era
realmente tão ruim como imaginava.
— Eu já tinha 20 anos na época, que é normalmente a idade
onde os genes lupinos acordam. William já era nascido e éramos
próximos. Não me lembro com detalhes, porque acidentalmente eles
apagaram partes importantes, partes que, por um tempo, me
fizeram sentir um vazio enlouquecedor. Mas me lembro de que
éramos bons juntos, irmãos, até não sermos mais. O vazio me levou
a procurar respostas, me levou a começar a desconfiar de tudo e
todos, até que um dia, por acidente, ouvi a conversa do meu amado
pai com o antigo rei. — O escárnio que consumiu seu tom, quando
ele citou a palavra pai, provocou calafrios em minha espinha. — Ao
que parece o rei Christopher estava querendo saber como eu estava
e se a transformação havia aniquilado de vez a ameaça que meu
outro lado representava para eles. Foi quando tudo fez sentido. Foi
quando eu comecei a procurar e pesquisar tudo sobre a minha
espécie, a espécie que teve sua existência apagada do mapa e das
histórias.
Fechei os olhos por um momento, tentando organizar minha
mente. Viktor foi um filhote, perdido no meio de uma batalha
sangrenta que colocou os vampiros no comando do mundo. Seus
pais haviam sidos mortos ou de alguma forma conseguiram
escapar? Conseguiram sobreviver?
— Eu me senti traído, estava com raiva e... eu... eu li os
registros, li o que fizeram com minha espécie. Fiquei de luto por
uma parte de mim que foi arrancada sem meu consentimento, uma
que nunca poderia conhecer, uma que era tudo o que me restara do
meu passado, da minha verdadeira família. Foi quando percebi que
desde que fui resgatado e poupado, eles me converteram no que
eles queriam que eu fosse. Minha vida toda se mostrou uma
mentira, na verdade, eu era a mentira. O que eu era, o que conhecia
e sabia, foi criado e moldado por eles. Eu não era mais eu, era uma
criação deles, um bichinho em um teste de campo. Uma fera
domesticada. Foi por isso, Seline. Esse foi o motivo que me moveu
a procurar por anos a fio, a ilha para onde os lobisomens foram
banidos, mascarando minhas buscas com viagens estúpidas e
fúteis. Para o mundo, eu era só um filho adotivo mimado e ingrato
de uma das três famílias mais poderosas e influentes, mas o que
eles não sabiam, era que estava procurando a arma perfeita para
fazer os vampiros pagarem. Para fazer as três famílias supremas
pagarem. Eu iria destruir a tríplice que governava o novo mundo de
dentro para fora. — Um temor me consumiu, fazendo-me apertar o
estofado do sofá de couro entre meus dedos, quando não só notei a
ferocidade no tom de Viktor, como a sombra que consumiu seus
olhos.
Algo sombrio, algo letal.
Eu me compadecia da situação de Viktor, mas temia sua fúria,
aquela que o moveu todo esse tempo, cegando-o por completo, não
permitindo-o ver os outros lados daquela história. Vladmir havia
errado, mas pensava que o medo de perder o filho adotivo que
aprendeu amar e criou como seu, também o tivesse cegado. A
verdade era que o pouco que conheci do conde, me fez enxergar
naquele momento o porquê ele relevava as atitudes ruins de Viktor
e, então, julgava que era pelo mesmo motivo que o fez tomar a
decisão de transformá-lo. Porque o amava e porque queria protegê-
lo. Ele pôde ter feito péssimas escolhas, mas ainda achava que
havia uma intenção sublime nelas ou pelo menos era o que queria
acreditar. Contudo, Viktor não era capaz de ver daquela forma, tudo
o que existia dentro dele naquele momento era raiva. Ele se sentia
usado e traído. Aqueles eram sentimentos fortes, sentimentos que
poderiam levar alguém como ele a cometer erros também, os piores
tipos deles.
— Foi a minha raiva e sede de vingança que me fez odiar o
William por ter sido cúmplice e nunca ter me contado. Que me fez
encontrar os lobisomens e fazer um acordo com o Alfa Supremo.
Eles não estavam mortos como todos pensavam, tiveram muito
tempo para construírem um refúgio, uma fortaleza no meio do nada
e juntarem forças. Dei a eles os recursos que faltavam e seu Alfa
Supremo me deu uma de suas alcateias, com a liderança de um dos
alfas de sua total confiança para partir comigo. Eu os introduzi no
nosso meio secretamente e dei a eles um lugar seguro, enquanto
preparávamos tudo, enquanto estruturávamos o plano perfeito, o
golpe perfeito. — Engoli em seco, sentindo o horror me consumir.
Eles estiveram ali aquele tempo todo, bem embaixo dos nossos
narizes, não só dos vampiros, mas dos próprios humanos, que
também poderiam sofrer no meio daquela guerra, a nova guerra que
Viktor estava trazendo para a nossa porta. Seríamos um dano
colateral, algo pequeno diante do estrago que uma guerra entre
vampiros e lobisomens causaria no mundo.
— Todavia, havia algo que me impediu nesses últimos meses
de atacar, você. — De repente, o horror que estava sentindo se
esvaiu, trazendo uma descarga de choque e confusão, que me
consumiu inteiramente. — Eu a estudei durante anos, antes mesmo
de descobrir quem eu era e o que fizeram comigo. Como meu
irmão, aprendi tudo o que podia sobre você e sem que eu pudesse
me preparar ou me proteger, fui completamente envolvido e
encantado. Depois da descoberta, me vi tão irritado que algo em
mim mudou e passei a vê-la como uma ferramenta, mas depois que
a raiva se foi, pensar em usá-la para ferir o William, não se tornou
mais tão atrativo. Teci um plano infalível que a faria nunca escolher
meu irmão. Ele e meu pai, assim como todos os vampiros estavam
fadados à destruição, mas você... — Ele hesitou, encarando-me
como se pudesse me absorver, como se eu fosse... preciosa? —
Mesmo que eu não pudesse tê-la, ainda poderia salvá-la. Fortaleci o
preconceito de seus pais contra os vampiros por anos. Tentei
boicotar sua entrada na universidade, assim você nunca conheceria
o William, mas ele foi mais esperto que eu. Então tentei envenená-la
contra ele, mas também não funcionou, não por muito tempo pelo
menos. Eu sabia que se você o escolhesse, você voltaria a ser uma
arma em potencial, o alfa a usaria para chegar até o William, para
atingi-lo e, consequentemente, fazendo o mesmo com Vladmir. —
Balancei a cabeça em negativa, negando-me a continuar ouvindo
aquilo.
Sentei-me, apoiando meus cotovelos em minhas coxas e
segurando minha cabeça em minhas próprias mãos. De repente, o
ar não parecia ser mais respirável.
— O plano era destruir a pirâmide de poder de baixo para cima.
Os Vlad e os Queen’s sempre foram os alvos, mas você... eu não
podia, não podia deixar que se ferisse pelos erros deles. Tentei te
alertar, mas você não ouviu. Não me deu escolha, te sequestrar foi a
única alternativa que me restou. O alfa já estava impaciente, o
primeiro ataque já era para ter acontecido, mas eu... eu atrasei por
causa de você, Seline, para que pudesse ficar em segurança.
Não, ele havia manipulado minha vida como achava que sua
família havia feito com a dele. Viktor não fez nada diferente do que
acusou o William de ter feito. Ele era um hipócrita, um hipócrita
manipulador.
— Mas agora nada mais pode segurá-los. É por isso que está
aqui, para ficar segura. Tenho certeza de que se William soubesse,
se ele pudesse te salvar, te lançaria em meus braços e pediria que
eu a mantivesse segura, mesmo quando fui eu quem orquestrou sua
queda, mesmo quando fui eu quem os traiu — concluiu, fazendo a
raiva dentro de mim crescer tanto ao ponto de explodir.
— Não ouse falar por ele — bradei, erguendo minha cabeça e o
encarando, carregando meu olhar que, naquele momento, parecia
lançar farpas em sua direção.
Viktor abaixou seus olhos como se não fosse capaz de me
encarar mais. Como... como se estivesse envergonhado?
Arrependido?
— Você manipulou minha vida, Viktor, me manipulou. Fez
comigo exatamente o que acredita que o Vladmir fez com você. Que
William fez comigo. Demorei para perdoá-lo, mas o que me levou a
fazê-lo foi entender suas motivações e entender que elas eram de
alguma forma genuínas, movidas por amor, enquanto as suas... —
Fiz uma pausa, engolindo o gosto amargo de fel que parecia ter se
instalado em minha língua, recusando-se a sair. — As suas são
apenas movidas a vingança e ódio. Não importa quem você precise
machucar ou usar pelo caminho, não importa se você goste ou não
dessas pessoas, você vai fazer qualquer coisa para conseguir o que
deseja. Não engane a si mesmo, não está me protegendo, estou
aqui porque não sou mais útil, porque não conseguiu mais me
manipular. Contudo, mesmo assim, não deseja minha morte, então
me tirou do caminho. Sou seu descargo de consciência, nada além
disso. — Vi minha declaração o atingir como um soco, fazendo-o
dar alguns passos para trás, forçando-o a me encarar, com tamanha
dor que, por um momento, me compadeci dele, do que ele estava
alimentando dentro de si e carregando por todos aqueles anos.
Aquilo o destruiria se ele não visse a verdade a tempo, antes
que suas ações provocassem uma catástrofe.
— Você acha mesmo que serei poupada, acha que você será
poupado? Por favor, Viktor, você é mais inteligente que isso. Sou a
destinada do futuro conde, sou a isca perfeita, foi só por isso que
eles permitiram que você me trouxesse, que me mantivesse aqui.
Sou o plano B, sou a garantia deles — disparei, vendo-o negar com
a cabeça freneticamente. — Pare de pensar com seu coração
morto, cheio de desejo de vingança e use a cabeça. Não precisa ser
um gênio para ver isso e caso eles tenham sucesso, eles não vão
permitir que você sobreviva, pode ter sido um deles um dia, mas
não é mais. O vírus do vampirismo corre em suas veias e você é a
prova concreta de que lobisomens podem ser transformados. Vão
deixar você por último e vão te matar, assim como farão com
qualquer um que entrar no caminho deles. No passado, eles até
poderiam ter sido vítimas das escolhas errôneas dos vampiros ao
bani-los, mas agora não, agora eles estão tão cegos pela raiva e
vingança quanto você — completei, vendo-o me dar as costas,
como se não quisesse ouvir aquilo ou aceitar.
— Eles não farão isso, temos um acordo e você faz parte desse
acordo. Me certifiquei de que você seria poupada, assim como os
outros humanos, assim como eu — refutou, mas eu podia detectar
pelo seu tom que ele não estava apenas tentando me convencer
daquilo, como a si mesmo também.
No fundo, ele sabia.
— Como pode ter tanta certeza de que eles vão cumprir com o
acordo — quis saber.
— Porque... Porque um deles.... um dos lobos é meu irmão. —
A revelação me atingiu como um trem em alta velocidade, fazendo-
me entreabrir os lábios em choque.
Irmão... Viktor não havia apenas encontrado os lobisomens
como sua família também, a verdadeira.
— Ele é mais velho, bem mais velho, mesmo quando não
aparenta. Lobisomens também são imortais como os vampiros, para
o desprazer deles. Ele já era um guerreiro quando nasci, lutou na
guerra, liderou nossa alcateia, mas... — Havia dor em sua voz,
como se contar aquela história fosse difícil para ele, algo que julguei
que foi tão difícil como ouvi-la pela primeira vez. — Eles perderam,
todos perderam. Meus pais foram mortos e eu... eu me perdi. Ele
voltou por mim, tentou me encontrar, mas foi capturado, assim como
os outros. Logo depois, foram banidos. Ele foi obrigado a me deixar
para trás e viveu durante séculos, acreditando que eu havia morrido.
O encontrei quando encontrei os outros e... de alguma forma
bizarra, mesmo com meu cheiro infectado pelo vírus do vampirismo,
ele me reconheceu. — Senti meus olhos arderem, devido às
lágrimas que começavam a se acumular em meus olhos.
Eu não poderia imaginar o quão difícil foi para ele. Como ainda
era...
Viktor fora poupado e teve a chance de ter uma nova vida –,
uma chance que seu povo não teve –, mas também teve muitas
coisas tiradas dele e o tipo de dor que essa descoberta causava,
não poderia nunca ser diminuída. Independentemente das melhores
intenções de alguém.
— Mas nem sempre é suficiente, Seline, escolher um lado
dessa guerra nunca foi ou será o suficiente... Quem eu sou, quem
eu me tornei, sempre vai pesar. Me tornei a lembrança constante
para ele do que nós perdemos, do que ele perdeu. Ele viu seu
irmãozinho caçula se tornar aquilo que ele mais odeia. Somos
estranhos lutando lado a lado, mas apesar de tudo, ele me deu isso,
me deu esse acordo. É por isso que eu sei que eles vão cumprir
com ele. Porque ele é um alfa, aquele de maior confiança do Alfa
Supremo, o braço direito, o que foi enviado comigo para cumprir
essa missão, o mesmo que te protegeu do frio, te tirou da neve e te
aqueceu na varanda, impedindo-a de morrer. — E lá estava, a
descoberta que mudaria tudo, a última peça a se encaixar no
quebra-cabeça.
Duas peças principais, colocadas finalmente no tabuleiro da
vida. Um rei e uma rainha, em territórios diferentes, opostos,
inimigos naturais. Ambos teriam um papel a desempenhar e, ao
mesmo tempo, somente eles teriam o poder de causar ou evitar
essa guerra. O destino havia batido o martelo, a guerra era
iminente, mas ao contrário do que Viktor acreditava, ela não
aconteceria tão cedo, porque a rainha do outro lado, ainda não
estava pronta.
— Viktor, você não faz ideia do que desencadeou — disse,
sombriamente, encarando-o com um misto de assombro e de
reconhecimento.
Pelo olhar que ele me enviou, tive certeza de que ele estava
confuso com as minhas palavras, como se não conseguisse
entender o que estava querendo dizer com aquilo. Não o culpava
por isso, era mais fácil Viktor achar que estava me referindo às
consequências da guerra que ele trouxe para nossa porta, do que
entender que ele havia sido só mais uma peça usada nas mãos do
destino. Tudo isso estava previsto há muito tempo e Viktor fora só
um peão, sua jogada acabara de desencadear uma série de
eventos, que levaria a todos nós para o ponto inicial de uma outra
guerra, uma guerra muito maior que aquela. Uma guerra forjada de
uma profecia antiga e esquecida. Uma guerra que ligaria dois
inimigos naturais, como se fossem um só. Uma guerra, para vencer
outra.
E eu e meu dom, fomos escolhidos para passar aquele
presságio adiante, para contar a história que fora perdida no tempo.
Eu também era uma peça, um peão. Ser a destinada de William
nunca foi uma consequência do acaso ou da profecia, como os
outros predestinados normais. Estava escrito, interligado, assim
como a ligação com aquela pequena garotinha não era para ser
uma mera coincidência. Eu estava exatamente onde deveria estar e
tinha um papel a cumprir.

— Você está quieta, muito quieta depois de tudo que te contei


— Viktor analisou, no dia seguinte.
Depois de ouvir todas aquelas confissões, depois das
descobertas que fiz, me vi apagar por exaustão mental, novamente.
Foi quando, semiconsciente, ouvi Viktor praguejar, medindo minha
temperatura – que estava bastante elevada –, e avaliando a ferida
feita por Hilary em meu pescoço. Ainda não estava cicatrizada e
rapidamente Viktor percebeu que estava infeccionada. Meus
apagões foram rapidamente identificados por ele, como um efeito
colateral da substância que ele usou para me apagar naquele pano.
Uma substância que gerou uma reação negativa em meu
organismo, que estava cheio de medicamentos para evitar
justamente a inflamação da ferida em meu pescoço. Uma cadeia de
efeitos negativos, que estava levando meu corpo a sofrer várias
reações adversas.
A febre se tornou persistente e a cada hora que passava, eu me
sentia pior, mais fraca e debilitada. Claro que recusar todas as
refeições que Viktor tentou empurrar para mim, estava piorando
meu quadro, mas não estava muito preocupada com isso naquele
momento. As dores em meus membros, na cabeça e os enjoos
contínuos me impediam de pensar em comida e qualquer outra
coisa. Estava claro que estava sofrendo de algum tipo de
intoxicação. Isso sem contar a quase hipotermia que meu corpo
sofreu no dia anterior. Era coisa demais, em um curto período, para
um corpo humano aguentar.
— Estou doente, Viktor. Digerir tudo isso, pensar e falar a
respeito está sendo quase impossível nesse momento — respondi,
fracamente.
Pude ver sua agitação, misturada a preocupação que estava
visível em seus olhos.
— Preciso ir para o hospital, preciso ser examinada por um
profissional. Se isso é uma intoxicação por mistura de substâncias,
somente alguém especializado vai saber lidar e reverter esse
quadro. — Pela segunda vez naquele dia, tentei convencê-lo a ver a
gravidade da situação.
Viktor poderia estar até preocupado com meu estado, mas ele
sabia que no momento que me levasse para um hospital, William
nos encontraria e isso atrapalharia seus planos, atrapalharia sua
vingança. William precisava ficar onde estava e era por isso que
estava tentando convencê-lo a me levar a um hospital. Se os lobos
atacassem a morada dos Vlad’s, eu precisava tirá-lo de lá ou dar um
jeito de alertá-lo do perigo.
— Você sabe que não posso fazer isso e mesmo que eu
tentasse, eles não permitiriam — Ele apontou para a janela, para
além dela, para a floresta onde eu sabia que aqueles lobos estavam
rondando. Fazendo nossa segurança.
— Ele pode ser seu irmão de sangue, Viktor, mas ele também é
um alfa em uma missão. Você não é mais o irmãozinho caçula que
ele foi obrigado a deixar para trás, é um vampiro e está guardando o
trunfo deles, achando que eles serão fiéis ao acordo. Não vão, estão
te usando e quando você não for mais necessário, irmão ou não, ele
vai te matar, acreditando que estará te libertando. Ele sempre vai
escolher o povo dele acima de você, então precisa entender isso
agora, antes que seja tarde demais. — Apesar de me sentir exausta
e doente, consegui empurrar aquele raciocínio para fora, lançando-o
para ele.
Minhas palavras eram cruéis, eu sabia disso e não me
orgulhava nem um pouco em ter que dizê-las para ele.
— Você pensa que eu não sei disso? — exasperou-se, seu tom
ao mesmo tempo em que era furioso, também era doloroso e ter
que enfiar o dedo na sua ferida, para fazê-lo enxergar com clareza,
me fazia me sentir a pior pessoa do mundo. — Eu não preciso de
você para me lembrar de algo que eu já sei, Seline. Sei
perfeitamente o valor que represento para meu irmão e o quanto ele
abomina o que me tornei. Sei que estão me usando, assim como eu
estou usando-os. Tive que escolher o mal menor e por mais difícil
que seja para você compreender isso agora, esse foi me aliar aos
lobos.
Fechei os olhos, permitindo duas lágrimas escorrerem por
minhas bochechas. Meu coração estava partido por ele, por pensar
o quão ruim era viver daquele jeito. Assombrado por fantasmas do
passado que ele mesmo alimentou e estar tão cego de raiva que era
incapaz de dar voz a razão, de perceber o quanto estava quebrado
e que precisava se curar e de ajuda.
— Você pensa mesmo que seu pai não sabia o que você estava
fazendo? Que conseguiu manter isso tudo em segredo? Não
conheço o Vladmir há tanto tempo como você, mas o pouco do que
vi dele até agora, desse mundo, consigo ter a plena certeza de que
algo assim, nunca passaria despercebido por ele — atestei,
pegando-o de surpresa.
— Se ele ao menos desconfiasse do que eu estava fazendo,
estaria morto há muito tempo — Viktor rebateu, recuperando-se
rapidamente do baque de minhas palavras.
— Você está tão cego de raiva que é incapaz de ver — bradei.
— Vladmir nunca te mataria, ele te ama como filho, você tendo o
sangue dele ou não. Essa sempre foi a razão de ele pegar leve com
você. William me contou algumas coisas e elas foram o suficiente
para eu entender que ele nunca te puniu pelas suas transgressões,
não como um pai deveria, não como Vladmir deveria, por ser quem
ele é e ocupar o cargo que ocupa — pontuei, ouvindo-o soltar um
bufo, com seu rosto retorcido em uma máscara de escárnio. — Você
entrou naquela sala de jantar, flertou com a mulher do rei e foi
atrevido em suas respostas e Lucius não moveu um músculo. Ele te
ameaçou, claro, mas eu não preciso frequentar a corte dos Black’s
para entender que outros foram mortos por muito pouco. Lucius não
usou o poder dele em você, em respeito ao seu pai, ele mesmo
citou isso. — Havia atingido um nervo, pude ver aquilo com clareza
quando sua expressão de zombaria desmoronou. — Não vê? Ele
não faria isso se você não fosse importante para o Vladmir e até
mesmo para o William, que você insiste em acusar de ser culpado
pelas escolhas erradas do seu pai, sem ao menos saber se ele
estava a par disso tudo.
— Ele estava, ele sempre esteve e como meu pai, escondeu
isso de mim — rosnou, completamente descontrolado.
Mas apesar do descontrole, a dor ainda estava lá, brilhando em
seus olhos e havia muito dela. Viktor estava se afundando naquela
dor, na ideia do que perdeu e no ódio que alimentou todos aqueles
anos. Estava quebrado e destruindo o que restou de si, pouco a
pouco.
—Você pode confirmar isso, Viktor? Pode confirmar que William
sabia? Perguntou isso a ele ou só o culpou e o odiou por todo esse
tempo sem ao menos saber se ele era culpado dos crimes que você
o acusa? — pressionei, sabendo que não estava sendo a melhor
pessoa naquele momento.
Contudo, eu também sabia que, às vezes, era necessário doer,
para curar. Alguns processos de cura eram dolorosos, mas, ao
mesmo tempo, libertadores. Algumas verdades sempre doíam, por
mais que tentássemos minimizá-las e enfeitá-las.
— Seu pai errou em não contar para você sobre o seu
passado? De esconder isso tudo de você e ter te transformado sem
sua autorização e ainda ter mexido na sua cabeça, apagando suas
memórias? Totalmente. Mas você nunca se perguntou por quê?
Nunca deu a ele o benefício da dúvida ou o deixou se explicar? Já
passou pela sua cabeça, que apesar de ele ter feito isso da forma
errada, ele só estava tentando te proteger? — perguntei, vendo a
raiva se esvair e dar lugar a uma expressão dolorosa, torturada.
— Pare! — ele ordenou, mas eu não podia, não ainda.
— Já pensou o que teriam feito com você se tivessem
descoberto o que você era? Teriam te matado, Viktor. Goste você ou
não, te transformar era o único jeito de te manter seguro.
— Eu mandei você parar. — Elevou o tom, mas sua agonia era
mais palpável e perceptível que sua raiva.
— Se você tivesse se transformado... Teriam tirado você dele e
teriam o matado. Vladmir só estava tentando proteger o filho,
mesmo quando fez isso da maneira errada.
— Por... favor, Seline — suplicou por fim, dando-me a visão das
primeiras lágrimas que escorreram livremente por suas bochechas.
— Talvez esse seja o verdadeiro motivo de ele não ter te
matado quando descobriu sua traição. Aposto que ele tinha
esperanças de que você se lembrasse de tudo o que ele fez de
bom, de quem ele foi para aquele garotinho perdido e todo amor que
deu a ele. De que você reconhecesse, de que faria a coisa certa,
antes que fosse tarde demais — concluí, em um tom falho e
claramente embargado.
Minhas palavras finais levaram Viktor de joelhos, que chorou e
gritou. Chorou como o garotinho que ele foi um dia e gritou como o
homem que estava preso em um grande dilema interno.
Razão ou emoção?
Perdão ou vingança?
Qual caminho escolher quando tudo o que você sentia era dor?
Certo ou errado?
Existiam realmente vilões e heróis? Ou éramos apenas pessoas
diferentes, lutando por aquilo que acreditávamos, aquilo que
achávamos certo?
Por um tempo, Viktor pensou que se vingar era o certo, por ele
e seu povo. Que Vladmir era o vilão de sua história e sem perceber,
se tornou o vilão da dele também. Às vezes a dor de cuidar de uma
ferida recente, era menos ruim, do que cuidar daquela que esteve
por muito tempo ali, sendo ignorada. Quando uma ferida chegava
àquele estado, provavelmente já estava tão inflamada que causava
o triplo da dor de quando ela foi causada. Viktor demorou muito
tempo para cuidar de suas feridas e escolheu ignorá-las, enquanto
arquitetava um plano para ferir aquele responsável por feri-lo.
Olhando para ele, afundado em seu sofrimento, percebi que as
suposições eram sempre piores que as dolorosas verdades. Se
Viktor tivesse enfrentado Vladmir, à procura de respostas, se ele
tivesse tentado escutá-lo, talvez o resultado teria sido diferente.
Talvez Viktor não teria sofrido por tanto tempo, afundado em sua
mágoa e raiva.
Mas não era para ser assim, porque cada escolha de Viktor,
nos levou até ali e aqueles acontecimentos marcariam o início de
algo que estava predestinado a acontecer há muito tempo.
Escolhas, selavam destinos e as de Viktor, selou os nossos.
O momento foi quebrado quando uivos ao longe puderam ser
ouvidos por nós. Virei o rosto, encarando a janela, esperando ver o
lobo negro atravessar as linhas das árvores e caminhar até a
cabana, mas não o vi, porque o movimento de Viktor que capturei
pelo canto do olho, me fez desviar a atenção daquele ponto
específico.
— Eles estão vindo — ele sussurrou, sombriamente, à medida
que se colocava de pé.
Percebi que rastros de lágrimas ainda molhavam seu rosto,
quando ele voltou seu olhar para mim.
— Você precisa levantar e se agasalhar o máximo que
conseguir. Está frio lá fora, mas não estamos muito longe do centro
da cidade — disse, movendo-se de forma agitada.
Sua agitação me preocupou e o que vi em seu rosto me fez
entender que a visita que estávamos prestes a receber, não era
esperada ou programada.
Os lobos estavam vindo por mim, vindo pegar seu trunfo.
— Viktor, o que você...
— Vou mantê-los distraídos o máximo que conseguir. Encontre
a trilha, siga por ela e só pare quando encontrar a estrada, ela vai te
levar até o coração da cidade, ache um telefone e ligue para o
William. Se mantenha escondida até ele te encontrar. — As
instruções eram claras, no entanto, meu cérebro se recusava a
aceitar o que elas significavam.
Viktor estava me libertando?
A ideia era tão absurda, ainda mais por ele achar que eu seria
capaz de aguentar tanto tempo lá fora, no estado que eu estava.
— Seline, você me ouviu? — Suas mãos seguraram meus
ombros, fazendo-me notar que ele estava ajoelhado em minha
frente, que estava sentada naquele mesmo bendito sofá de couro.
— Você acha que consegue? Que pode fazer isso? — Pisquei, mais
do que era necessário, finalmente tendo a certeza de que o que ele
falava era real.
A resposta era que eu não sabia, eu não tinha ideia se
conseguiria fazer aquilo, mas nada me impediria de tentar. Com isso
em mente, assenti, encarando-o firmemente.
Viktor me ajudou a ficar de pé e a vestir mais algumas camadas
de roupa. Quando os uivos estavam mais pertos, ele me levou pelo
corredor, até a cozinha, uma parte que não tinha explorado ainda da
casa e abriu as portas do fundo, indicando que era por ali, que eu
tinha que passar, quando ele desse o sinal.
— Corra o mais rápido que puder e não olhe para trás. — Foi o
que ele me disse para fazer, antes de me puxar para um abraço. —
Eu sinto muito e espero que você possa me perdoar um dia por tudo
que eu te causei — sussurrou perto do meu ouvido, apertando-me
em seus braços. Então ele se afastou e deixou um beijo em minha
testa, antes de se afastar, caminhando até a sala, especificamente
até a porta da frente, sem olhar para trás.
Fechei os olhos, sentindo um nó se formar em minha garganta.
Eu ainda estava com raiva de todas as coisas ruins que ele fez, de
todas as atitudes idiotas e egoístas, mas também compreendia o
motivo que o levou a fazê-las. Não havia o perdoado
completamente, mesmo quando ele, naquele momento, me
ofereceu a liberdade, me ofereceu a oportunidade para mudar
aquela situação, de fugir e tentar alertar Will do perigo que estava
prestes a bater à nossa porta, mesmo assim, eu sentia que com o
tempo, talvez, eu pudesse perdoá-lo verdadeiramente.
De onde eu estava, segurando a porta dos fundos abertas,
podia enxergar o corredor e sua figura, prestes a abrir a porta da
frente. O vi hesitar e mesmo de costas, eu podia imaginar que ele
estava de olhos fechados, juntando forças para fazer o que era certo
e apesar dos pesares, eu rogava para que ele sobrevivesse. Assim,
quem sabe, ele teria a chance de reverter tudo e talvez se conciliar
com Vladmir e seu irmão no futuro.
Com uma última olhada em minha direção – por cima do seu
ombro direito –, Viktor acenou. Aquele era o sinal, não sorri, mas o
encarei fixamente por alguns segundos, abrindo-me para ele,
deixando-o ver a gratidão em meu olhar e o desejo de que ele
ficasse bem. Virei o rosto no exato momento em que ele se moveu
para abrir a porta, foi quando eu corri, corri até a outra entrada da
floresta que circulava a cabana e desapareci entre as árvores,
sabendo que naquele momento, os lobos invadiam a clareira do
outro lado, aproximando-se da frente da cabana, alheios a minha
fuga por trás.
Corri como se minha vida dependesse disso e de fato,
dependia. Corri, ignorando cada parte de mim reclamar, ignorando a
sensação de que desmaiaria a qualquer momento. Corri tentando
não me tornar ciente do peso que parecia carregar em cada perna e
o frio que penetrava minha pele, ultrapassando as camadas de
roupas que vestia como se elas não fossem nada. Corri até ser
capaz de ver a estrada e continuei correndo até avistar a cidade.
Invadi o primeiro estabelecimento que apareceu à minha frente,
sentindo que desmaiaria a qualquer momento. Uma mulher, que era
provavelmente proprietária da loja me encarou com os olhos
arregalados, antes de correr até mim, que estava prestes a
desfalecer ali mesmo, bem no meio de sua loja.
— Telefone... eu preciso, preciso ligar. — Era doloroso falar,
assim como respirar.
— Céus! O que aconteceu com você? — Ela arfou,
preocupada, lutando para sustentar meu peso.
— Preciso... preciso fazer uma ligação. — Consegui empurrar
aquelas palavras para fora novamente, exigente e agitada.
A mulher me ajudou a sentar, encostando-me no balcão da loja
e se inclinou sobre ele, alcançando seu celular, empurrando-o em
minha direção em seguida. Lutei para digitar o número na tela, feliz
por tê-lo memorizado e mal sentindo meus dedos enquanto o fazia.
A desconhecida, notando minha luta, me ajudou, levando-o até meu
ouvido. Minhas mãos tremiam, meu corpo inteiro tremia. Então foi
quando a voz conhecida soou do outro lado, que eu me senti
prestes a desabar.
— Will — chamei por ele em um fio de voz.
— Seline? Seline é você? — A urgência e o desespero eram
nítidos em seu tom, o que me fez sorrir fracamente, entre as
lágrimas que escorriam pelo meu rosto com violência.
— S... sou eu. Preciso de você, preciso... — Minha voz foi
perdendo o pouco de potência que me restava e minha visão
começou a escurecer.
Eu apagaria de novo.
— Seline, Seline fale comigo, linda. — Não sabia se ele gritava
do outro lado ou era apenas meus ouvidos que se tornaram muito
sensíveis aos sons ao redor. — Onde você está? Me diga para que
possa chegar até você — suplicou, de forma que eu podia sentir sua
dor.
Solucei, sentindo meu peito doer, assim como cada parte em
mim. Não havia percebido, não até aquele momento, até ouvir sua
voz, o quanto tive medo de nunca mais ser capaz de ouvi-la. O
quanto tive medo de nunca mais vê-lo de novo. Eu o amava, o
amava intensa e incondicionalmente. Estava morrendo e nunca teria
a chance de dizer aquilo para ele.
Meu corpo despencou para o lado, mesmo quando a mulher
tentou me segurar, evitando minha queda. Eu podia ouvir os gritos
de William ao telefone, assim como fui capaz de ouvir a
desconhecida começar a falar com ele. Entretanto, não consegui
distinguir nenhuma de suas palavras, mas antes de apagar, pude
sentir uma certeza me preencher. Ele viria por mim, meu corpo não
seria descartado como uma desconhecida, William me encontraria e
me levaria para casa. Com essa certeza permiti que a escuridão me
envolvesse, me levando para outro lugar, um lugar bom, longe da
dor.
Três dias, três malditos dias sem ela, sem saber onde ela
estava e se estava bem. Uma tortura, a pior que já tinha
experimentado. Éramos poderosos, influentes e apesar de
possuímos inúmeros recursos, não fomos capazes de encontrá-la. A
CTF não foi capaz de encontrá-la em suas buscas. Lucian viajou até
a Romênia, para me ajudar pessoalmente e Lucius prometeu que o
faria assim que possível, trazendo uma equipe com ele. Lucian era
um ótimo rastreador, era uma de suas inúmeras habilidades, ele fez
de encontrar minha destinada, sua missão particular, contudo, Viktor
fora mais esperto que todos nós, limpando seus malditos rastros.
Não tínhamos nada e isso me deixou a ponto de ruptura, até aquela
ligação, a ligação que mudou tudo. Quando ouvi a voz dela, fraca e
dolorosa, senti o monstro em mim rosnar, implorando retaliação, ao
mesmo tempo em que um alívio descomunal me consumia.
Ela estava viva.
Assim que gritei seu nome, Lucian que estava ao meu lado
começou a se mover, arrancando um dos vampiros – de forma nem
um pouco delicada –, que trabalhava em um dos inúmeros
computadores que foram montados em nossa sala de estar, que
praticamente virou um centro de operação, e começou a tentar
rastrear a ligação. Tentei fazê-la falar, mas algo estava errado com
ela, muito errado e eu podia sentir aquilo em cada fibra de
prometido que havia em mim. Uma mulher desconhecida tomou o
celular, aliviando meu tormento ao passar sua localização, ela disse
que Seline havia desmaiado e que não parecia bem. Pedi que
ligasse para uma ambulância e a levasse até o hospital mais
próximo, o mais rápido possível, avisando que logo estaria lá.
Mandei uma força tarefa da CTF – que estava no local –, encontrá-
la e cuidar de sua segurança, enquanto eu me preparava para ir até
ela. Eu estava pouco me ferrando se o governador estava
incomodado com o fato de eu ter dado a ordem diretamente e não
ter passado a tarefa para ele, que ordenaria o regente da região
preparar a CTF. Eu era a porra de um Vlad, não precisava deles,
nenhum de nós precisamos. Eles só continuavam desempenhando
aquele papel porque deixávamos, porque era cômodo para nós eles
fazerem aquela parte fácil do trabalho, enquanto nós nos focávamos
no que realmente era importante, no trabalho duro.
Quando desliguei, a dor me atingiu. Grunhi, indo ao chão,
sentindo algo dentro de mim se agitar. Lucian me chamou em algum
lugar acima de mim, antes de se abaixar ao meu lado, sustentando
meu peso. Era como ácido, queimando-me por dentro. Meu peito
latejou, dolorosamente. De repente, eu não era mais capaz de falar,
a dor me sobrepujou e ela era algo que eu não conseguia sequer,
explicar. Era como se tivessem me arrancando algo, como se
estivessem arrancando uma parte vital de mim.
Levou cerca de quase uma hora até o meu tormento passar, até
eu ser capaz de ficar de pé e pensar com racionalidade. Não
demorei para ligar os pontos, a dor, ela vinha da ligação, o elo
sendo partido e sumindo, com a quase morte da minha destinada.
Acreditava que o tempo que a dor me manteve preso a uma agonia
sem-fim, foi o tempo em que Seline demorou para ser socorrida.
Meu pai me acompanhou até Buşteni, que era a cidade onde
Seline se encontrava, a cidade que julguei ser a que a Viktor havia a
levado. O território florestal daquela região era imenso, por isso a
CTF demorou para cobri-lo, já que foi uma das cidades que
mobilizei um dos esquadrões para fazer uma busca completa. Não
se tratava só do centro populoso que existia naquele lugar. Florestas
extensas e montanhas faziam parte dele também. Felizmente
havíamos a encontrado antes, caso contrário, poderia ter sido tarde
demais. Viktor realmente havia pensado em tudo e isso fazia o ódio
que crescia dentro de mim, por ele, só aumentar. Lucian ficou para
continuar tentando encontrar algum rastro de meu irmão adotivo, eu
não fazia ideia do que havia acontecido e como Seline conseguira
escapar, mas eu não abriria mão de encontrá-lo, não depois do que
ele fez.
Viktor e eu tínhamos contas para acertar e ele pagaria muito
caro pelo que tentou fazer.
Foram duas horas mais que tortuosas até eu chegar até ela.
Seu quadro estava estável, a infecção causada pela ferida no
pescoço e a intoxicação foram controladas, assim como o princípio
de hipotermia fora contido. Entrar naquele quarto e vê-la deitada
naquela cama, tão frágil e debilitada, fez uma cratera se abrir em
meu peito. Tomei posse da cadeira ao lado da sua cama e me
mantive ali, segurando sua mão até ela acordar. Tocá-la e sentir seu
cheiro era a prova que o vínculo precisava para se acalmar. A
coceira e a ardência em minha pele era uma dádiva, uma reação
mais que bem-vinda, pois me dava a certeza de que aquilo era real
e que ela estava ali, ao meu alcance, segura e bem protegida, e eu
faria o que fosse preciso para mantê-la assim.
Eu a amava, a amava mais que qualquer coisa, acima de
qualquer coisa. Meu coração morto batia somente por ela e sua
existência era o único ar que eu necessitava respirar. Seline era
meu mundo, todo ele e eu moveria montanhas, iniciaria guerras
para mantê-la saudável, bem e feliz. Não importava o preço.

Levou um dia para ela acordar, para aqueles lindos olhos se


abrirem e me encararem. Acompanhei inúmeros sentimentos
passarem por eles, mas o mais intenso deles foi aquele que a fez
me contemplar de uma forma avassaladora, algo que fez meu
coração morto quase começar a bater em meu peito.
— Ei — sussurrei, vendo as primeiras lágrimas surgirem no
canto dos seus olhos.
Inclinei-me sobre ela, tocando seu rosto com cuidado e
capturando cada uma daquelas lágrimas, enquanto depositava um
beijo em sua testa.
— Você está aqui... — balbuciou como se mal pudesse
acreditar naquilo e isso me fez pensar em todas as coisas ruins que
ela deve ter passado naqueles dias.
Rocei meu nariz em uma de suas bochechas, grudando nossas
testas. Aspirei seu cheiro profundamente, dizendo a mim mesmo
que não importava, que lidaríamos com aquilo depois e que naquele
momento tudo o que importava era ela. Ela estava bem, estava em
meus braços de novo, onde era seu lugar, o lugar que foi feito para
ela.
— Eu estou aqui — confirmei, sentindo uma de suas mãos
tocar em meu rosto, contornando meus traços como se estivesse
tirando a prova de que era eu mesmo, que aquilo era real.
Então ela me puxou para si, sem se importar com nada, tomada
pela urgência de me sentir e eu permiti que ela me tivesse do jeito
que precisasse. Seus lábios capturaram os meus em um beijo
intenso, coberto de saudade. Beijei-a do mesmo jeito, alimentando-
me daquele beijo, das sensações que ele me proporcionava e do
que ele significava para mim. Ela era minha de novo e estava bem
ali. Algo que continuava me lembrando sempre que minha mente
tentava me sabotar.
— Eu te amo — Seline sussurrou aquelas palavras contra a
minha boca, palavras que demorei para processar.
Afastei-me, encarando seus olhos, vendo ali a confirmação do
que ela havia verbalizado. Demorei para acreditar, para entender
que aquilo também era real, que o que ela disse era real.
Ela me amava... Ela disse que me amava...
— Eu te amo, William Vlad — ela repetiu, provando que eu não
havia entendido errado. — Te amo com tudo que há em mim e
nunca mais quero ficar longe de você de novo. Nunca mais quero
experimentar do medo de partir dessa terra, sem que você saiba o
que eu sinto por você. O que você cultivou dentro de mim. O amor
que plantou, cuidou e esperou pacientemente germinar, sem
cobranças, sem pedir nada em troca do que me ofereceu
livremente, sem medir ou hesitar. Eu te amo e escolho você, escolho
passar a minha vida ao seu lado, pela eternidade — declarou,
fazendo com que aquelas palavras finalmente a assentassem dentro
de mim.
Meus olhos queimaram e pude sentir uma felicidade
descomunal preencher meu peito. Lágrimas rolaram pelas minhas
bochechas, enquanto eu sorria, sorria largamente, agarrando seu
rosto entre as minhas mãos, contemplando-a. Contemplando a
mulher que o destino havia me reservado, a mesma mulher que vi
crescer, que me apaixonei pouco a pouco e que tive medo de perder
durante aqueles malditos dias. A mulher que pensei por um longo
tempo que nunca me amaria de volta, que nunca me escolheria,
mas que naquele momento, me provou que eu estava errado. Ela
me amava e havia me escolhido.
— Eu te amo, Seline Constantin, sempre amei e vou continuar
amando até o fim da minha existência e se bobear, até depois dela
também. Esses dias sem você, sem saber onde estava e,
principalmente, se estava bem, viva, foi como eu imagino ser para
um mortal viver na superfície, mas sem poder de fato respirar. Uma
tortura.
Uma morte agonizante e lenta. Afinal, para os humanos, morrer
asfixiado era uma das piores mortes e eu sabia que ao usar aquilo
como referência, a faria entender o quanto sua ausência foi
torturante para mim.
— Meu coração morto é seu, sou todo seu. Se existir uma alma
em mim, ela também é sua. Você é o motivo de minha existência,
linda. Você é tudo o que eu preciso para ser plenamente feliz, para
continuar existindo — completei, arrancando dela uma risada, que
mais parecia um soluço.
Seline sorriu, com lágrimas banhando suas bochechas e me
puxou de novo para ela, beijando-me mais uma vez. Um beijo que
selava aquele momento de uma forma completamente diferente dos
outros. Que selava sua escolha.
Não importava o que teríamos que enfrentar no futuro, nada
mais importava, desde que ela estivesse comigo.

— Eu nunca parei para pensar e refletir que estava tirando algo


dele, algo importante. Eu só queria protegê-lo. Sei que o que eu fiz
não foi certo e sei o peso que isso terá se todos descobrirem, mas
não me arrependo. Não me arrependo porque isso me proporcionou
continuar tendo-o ao meu lado. — As palavras do meu pai
emocionaram Seline tremendamente, eu podia ver isso em seus
olhos, enquanto ela lutava contra as próprias lágrimas.
Meu pai encontrou Viktor quando criança, durante a guerra das
espécies. Uma criança lobisomem que ele não conseguiu destruir.
Ele o trouxe para casa, para cuidar dele. O plano era entregá-lo ao
rei quando se estabelecesse, para que ele lidasse com a situação,
mas minha mãe se afeiçoou e, em seguida, ele também. Meu pai o
manteve como seu filho e guardou o segredo de sua real natureza,
mesmo sabendo que seu lobo despertaria um dia. E quando
aconteceu, aos 20 anos, Vladmir fez o seu melhor para escondê-lo e
controlá-lo até que conseguisse a autorização para transformá-lo.
Chris já estava no trono, assim como eu já havia nascido, eu tinha a
aparência de uma criança de oito anos na época e me lembrava
perfeitamente de Viktor não ser apenas meu irmão, como meu
melhor amigo. Chris se compadeceu do amor do meu pai pelo seu
filho adotado e o ajudou a manter a farsa, disponibilizando uma
aprovação para transformação, alegando que Viktor possuía uma
doença rara e que tinha pouco tempo de vida. Viktor foi
transformado e o veneno vampírico matou seu lado lobo. Eu nunca
soube, nunca soube de nada daquilo, até Seline ser sequestrada e
foi quando descobri, podendo compreender toda a raiva que Viktor
tinha de mim e, principalmente, do meu pai. O motivo de suas
rebeldias e o fato de ele agir nos últimos anos, como se desejasse
nossa morte.
Seline havia nos contado tudo o que aconteceu na cabana,
cada conversa trocada entre ela e Viktor, e que ele a deixou ir no
fim, se sacrificou para dar a ela a chance de correr e voltar para nós.
Eu não sabia se um dia poderia perdoá-lo pelas coisas que fez e
pelo caminho que tomou, mas libertá-la e me dar a chance de
recuperá-la, era o bastante para eu não o caçar e matá-lo por sua
traição.
Se é que ele havia sobrevivido aos lobos.
Infelizmente, a atitude do meu pai e de Christopher pesou entre
todos nós. Aquele segredo e o que eles fizeram poderia ter gerado
consequências catastróficas. Felizmente, Christopher não estava
mais no poder, o que facilitou as coisas. Lucius estava furioso com o
pai, mas eu sabia que quando a raiva passasse, ele entenderia que
Christopher não fez nada diferente do que nós faríamos um pelo
outro, o que um amigo faria pelo outro. O assunto foi mantido
somente entre nós, a tríplice. Não seria nada bom se aquele
assunto vazasse, se o mundo descobrisse, assim como os
governadores. Nós os mantínhamos sobre uma rédea bem curta,
mas não cometeríamos o erro de subestimá-lo. Eles eram
arrogantes, gananciosos e não hesitariam em tentar nos tirar do
poder, para que pudessem assumir. Não daríamos essa chance a
eles. Lorde Nicholas não ficou contente, apesar de ter sido o único
que tentou realmente enxergar o lado dos amigos. Lucian, como
sempre, foi o que se posicionou de maneira racional, apesar de
gostar do meu pai e respeitá-lo, ele ofereceu a solução para o
dilema que tínhamos em mãos. Um que não estava nem um pouco
preparado, mas que era do agrado do meu pai e dos outros.
Independentemente de nossas famílias serem unidas e
compartilharem um lado, a confiança entre nós foi abalada e isso
seria resolvido em uma mudança de poder, no passar de um título
com a minha ascensão.
Eu não fazia ideia se me sairia bem, assumindo o lugar do meu
pai mais cedo do que deveria, mas achava que no fim eu não teria
muita escolha. Era a decisão mais óbvia e a única que poderia
limpar o nome de minha família. Mesmo quando não foi intenção do
meu pai, manchá-lo. Ele fez por amor e eu sabia melhor que
ninguém que loucuras poderiam ser feitas em nome daquele
sentimento.
Olhando para Seline naquele momento, só me dei conta mais
uma vez de que também seria capaz das maiores loucuras para
protegê-la. Eu a amava, amava tudo nela, até mesmo seu jeito de
ver o mundo, sua fascinação pela lógica e conhecimento, sua
bondade e a habilidade que ela tinha de se colocar no lugar das
pessoas. Enquanto ela contava o que viveu naquela cabana, senti
que havia algo a mais, algo que aconteceu e que ela estava
mantendo para si. Apesar de preocupado, sabia que se realmente
fosse o caso, ela me contaria quando estivesse pronta. Também
sabia que ela, diferente de mim, perdoaria Viktor com mais
facilidade, mesmo quando ainda se ressentia de suas atitudes.
Seline era extremamente lógica, sua mente tinha mais facilidade de
trabalhar com fatos, do que com suposições. Isso dava a ela a
chance de sopesar tudo e chegar a uma conclusão. Ela também era
bastante observadora e tinha uma memória invejável, isso
proporcionou a ela, a facilidade para ler toda a situação e juntar
todas as peças, antes que Viktor pudesse explicar o que estava
acontecendo.
A volta de nossos inimigos e a possível batalha que poderíamos
estar prestes a enfrentar nos deixou atentos e vigilantes. Algo que
eu sabia que faria os lobisomens retrocederem, eles haviam perdido
o elemento surpresa e era muito mais sábio da parte deles – que
estavam em menor número –, dar um passo para trás e analisar sua
estratégia. Isso nos daria tempo, tempo de nós nos prepararmos, de
caçá-los e mandá-los de volta para o lugar de onde nunca deveriam
ter saído. Eles haviam declarado guerra contra nós no momento em
que se atreveram a entrar em nosso território, que pensaram em
usar minha destinada como um trunfo e isso, eu não esqueceria,
nem mesmo Lucius. Aqueles lobos aprenderiam da pior maneira
que quando se mexia com a destinada de um vampiro, mexia com
todas. Se eu era capaz de matar aqueles lobos, sem titubear, Lucius
seria capaz de transformar cada rua, em cada cidade e país, em um
mar de sangue. Todos poderiam pensar que Lucian era o mais
volátil de nós, mas não era. Para defender Megan e Lucy, Lucius
assumiria o papel de um carniceiro com prazer. Ele seria capaz de
aniquilar cada lobisomem existente, que pudesse representar um
risco a nossas mulheres e eu estaria bem ao seu lado, ajudando-o
no massacre.
Seline se virou para mim e sorriu. Um simples gesto que
poderia apartar qualquer tempestade do meu interior, quaisquer
pensamentos sombrios de minha mente. Fazia dois dias desde sua
alta e ela estava ficando conosco, no castelo de Bran, que seria sua
nova casa em breve. Os dois meses que tínhamos, já haviam se
passado e eu sabia que o conselho ainda não havia batido à nossa
porta porque sabiam, de algum jeito, que Seline fora sequestrada e
que precisava se recuperar, antes de tornarmos oficiais as coisas
entre nós. Logo, ela seria inteiramente minha e eu sabia que sua
escolha, cortaria de vez seus pais de sua vida. Meu pai e eu
estávamos prontos para isso, ela não ficaria sozinha ou
desamparada. Tudo que era meu, logo pertenceria a ela, incluindo
minha casa e todos os meus bens.
Seline além de minha destinada, seria minha condessa e a
futura mãe dos meus filhos, se por um acaso o destino resolvesse
nos presentear com mais de um.
No caso de uma destinada, ela só poderia conceber quando
humana, então para que eu e Seline tivéssemos a chance de ter
mais um filho, ela teria que ter gêmeos, como foi o caso de Susan,
pois assim que ela se tornasse vampira, ela não poderia mais gerar
uma nova vida. Destinadas foram feitas – exclusivamente –, para
dar luz a mestiços.
Em todo o caso, eu não me importava se fôssemos ter um ou
dois. O que o destino nos concedesse no futuro, eu aceitaria de bom
grado.
Um quinto de segundo.
Esse era o tempo que a ciência explicava que levava para
alguém se apaixonar.
Depois de analisar vários estudos sobre o comportamento
cerebral durante uma paixão, os pesquisadores mais célebres
chegaram à conclusão de que o cérebro precisava de apenas um
quinto de segundo para ativar 12 áreas diferentes e liberar
substâncias como dopamina, ocitocina, adrenalina e vasopressina.
Eles alegaram que depois dessa superatividade, era melhor
esquecer! Você já estaria apaixonado.
Estudos similares, que também tentaram compreender melhor
sobre o amor, chegaram à conclusão de que ele era como uma
droga e que viciava tanto quanto elas, já que ativava as mesmas
substâncias relacionadas ao prazer. Que era por isso que tínhamos
força para superar os desafios e obstáculos quando nos
apaixonamos – só para provar um pouquinho mais daquela
sensação boa. Os estudos também comprovaram que o amor
mudava alguns de nossos comportamentos. Entretanto, ainda ficava
a dúvida no ar se esse tal de amor era só uma química do cérebro
ou tinha algo a ver com o coração.
Minha opinião, contudo, se dividia bem entre ambos. Para mim
o amor era química, mas também era coração, era sentir quando o
explicável se chocava com o inexplicável, porque por mais que
pudéssemos nominar tudo o que ele nos causava fisicamente –
usando a ciência –, ainda haveria um punhado de sensações que
seriam impossíveis de se entender e explicar. Para pessoas como
eu, lógicas e que sempre usaram fatos para se basear e se
equilibrar, todas as explicações sobre o amor sempre foram uma
questão difícil, principalmente na época que eu nunca havia
experimentado de tal sentimento. Ler livros, assistir filmes e até
acompanhar as interações de casais na vida real, em lugares
públicos, faziam com que tudo que eu sabia ou conhecia a respeito
daquela emoção, se tornasse uma incógnita, independentemente de
minhas bases científicas. Nesse momento, no entanto, após
experimentar e vivenciar esse sentimento, eu diria que vinha do
cérebro, mas também do coração, pois o complexo conceito de
amar era formado por processos que se dividiam entre essas duas
forças. Ao mesmo tempo em que podemos compreendê-lo, nunca
saberíamos, de fato, mensurá-lo.
Se eu levei um quinto de segundo para me apaixonar pelo Will?
Eu não sabia dizer, mas tinha certeza de que – mesmo que não
compreendesse na época –, me apaixonei por ele no momento em
que meus olhos o viram pela primeira vez, em meus sonhos. E essa
certeza estava cada vez mais estabelecida dentro de mim, conforme
os dias ao seu lado se multiplicavam. Dias, que logo se
converteriam em anos, décadas e se o destino fosse generoso
conosco, até que se tornassem uma eternidade.

Uma semana foi o prazo que o conselho nos deu, antes de


bater à nossa porta. Eles não fizeram perguntas, porque de algum
jeito bizarro sabiam todas as respostas para elas. As três figuras
imponentes e intimidantes me encararam e naqueles olhos cobertos
de segredos, eu vi que eles aguardavam por minha resposta, uma
que dei a eles em um único fôlego, sem hesitar.
A cerimônia do pacto aconteceu bem no salão de festas do
castelo de Bran. Eu trajei um vestido branco, acima dos joelhos,
justo na cintura e levemente rodado a partir dos quadris. Os
detalhes em renda traziam uma aura delicada e angelical, mas o
decote generoso que ele estampava, dava o toque ousado que
parecia faltar na peça. Era um vestido trazido por eles,
acompanhado da exigência de que eu deveria usá-lo. Will também
foi vestido pelos líderes para ocasião. Uma calça de tecido fino,
branca e uma blusa social da mesma cor, que ficou bastante justa
em seu corpo. Com as mangas dobradas em seu antebraço e
alguns botões abertos em seu peito, eu pude não só admirar seus
atributos físicos, ressaltados por ela, como tive o vislumbre de sua
marca – a nossa marca –, pela abertura de sua blusa, que dava
destaque ao topo do peitoral de Will, que ficava em evidência
sempre que ele se movia, fazendo o tecido escorregar sobre sua
pele, destacando cada um de seus músculos.
Marcellus, o vampiro de cabelos cumpridos e negros foi quem
iniciou a cerimônia, enquanto Nikolau, o loiro de cabelos curtos, lhe
oferecia uma adaga com o cabo enfeitado por uma única pedra de
rubi, grande o suficiente para chamar atenção, mas não tanto para
roubar a atenção dos outros detalhes cravejados nele, marcado por
insígnias em uma língua que não conhecia. Um corte foi feito em
nossas palmas e nossas mãos foram unidas, fundindo nossos
sangues, conforme uma fita vermelha era amarrada ao redor delas.
— Pelo sangue, nos unimos. Eu sou seu e você é minha — Will
proferiu, com seus olhos fixos em mim, repetindo as palavras que
Marcellus ordenara.
Uma das bruxas do conselho se aproximou, cobrindo nossas
mãos com as suas, começando a entoar um feitiço. Quanto mais o
cântico se estendia, mais eu conseguia detectar que algo estava
acontecendo dentro de mim, algo que estava mudando. Uma pulsão
elétrica atingiu minha nuca, fazendo-me fechar os olhos por um
segundo. A sensação cresceu, se ampliou e se tornou quase
insuportável. Um misto de queimação e coceira descomunal. Algo
mais forte do que estava acostumada a lidar quando Will me tocava.
— Hoje reivindico seu sangue, solidificando nossa ligação —
completou, invadindo meu espaço pessoal, olhando-me
intensamente, antes de tocar minha nuca com sua mão livre, à
medida que a bruxa se afastava, levando com ela a fita que
mantinha nossas palmas unidas.
Em seu olhar, encontrei tudo o que precisava, tudo para não
temer o que viria a seguir. Will me puxou ao encontro dele, ao
mesmo tempo em que puxava delicadamente minha cabeça para
trás, movendo-a para o lado, expondo minha jugular.
— Eu te amo — ele soprou contra minha pele, antes de cravar
suas presas profundamente em mim.
Um gemido deixou meus lábios, mas não era de dor e sim de
prazer, o prazer que se alastrou por cada cavidade existente em
mim, enchendo minhas veias de adrenalina e alimentando cada
mecanismo sensorial, hipersensível do meu cérebro e do meu corpo
humano. Sua mordida era como receber uma superdosagem de
endorfina, oxitocina, dopamina e serotonina de uma só vez. Cada
parte em mim, estava ciente dele, ciente do quanto o desejava, do
quanto o queria. Senti-lo tomar de mim, fazia a urgência de me
fundir a ele quase desesperadora. Uma ânsia que rapidamente pude
identificar fazer parte de um puro impulso carnal. A cada mover de
sua boca, a cada sugar, meu ventre se contraía. Minhas pernas
rapidamente viraram gelatinas e isso o levou a envolver meu quadril
com seu outro braço, empurrando-me contra ele, pressionando e me
deixando ver que ele parecia tão faminto e excitado como eu.
Quando chegou a hora dele me deixar ir, sofri com a ausência
de suas presas em mim e das sensações que aquilo me causava.
— Que a eternidade, juntos, seja a mais bela dádiva
proporcionada pelo destino. — Pude ouvir Alistair, com seus cabelos
cobres, encaracolados, declarar ao nosso lado.
— Que ela possa ser desfrutada com amor e respeito —
Nikolau prosseguiu.
— E que vocês sejam felizes, assim como a profecia resignou
— Marcellus acrescentou.
Will grudou nossas testas, segurando-me contra seu peito como
se não quisesse me deixar ir, como se eu fosse seu mundo inteiro.
Ele sorriu, lindamente para mim e mesmo ainda extasiada por sua
mordida, fui incapaz de não retornar a atitude.
— Eu te amo — sussurrei, finalmente, de volta para ele.
Estava feito, nosso vínculo que antes era representado por
suas linhas distintas, se fundira, tornando-se apenas uma. A etapa
do assentar do laço, estava concluída.
Não houve medo, receio ou dúvidas em mim, quando o
conselho bateu em nossa porta. Eu tomara minha decisão antes que
confessasse para William – naquele hospital –, que o amava. Antes
que contasse a ele que havia o escolhido. Eu quase morri e nos
poucos segundos que tive de consciência, antes de apagar no chão
daquela loja, roguei a qualquer força superior que pudesse existir no
universo, roguei ao destino, que me permitisse sobreviver, para que
eu pudesse ter a chance de escolhê-lo, de amá-lo e viver a
imortalidade ao seu lado. Que tivesse a chance de desempenhar o
papel para o qual fui criada.
Eu nasci para ser a destinada de William Vlad, nasci para
pertencer a ele, para amá-lo e principalmente ser amada por ele.
Seu amor me libertou, seu amor me fez conhecer partes em mim
que nunca conheci e encontrar uma força profunda, escondida e
reprimida por tantos anos. Encontrei minha coragem, encontrei-me.
Amá-lo, ascendeu-me.
Não havia volta depois daqui, todas as dúvidas e incertezas
ficaram para trás. Eu queria viver tudo ao lado dele e viveria, como
se o momento atual fosse tudo o que nos restava.
— Meu pai pediu para que eu me despedisse de você por ele e
desejou boa sorte na sua volta para a universidade na segunda —
Will informou, entrando em seu quarto, que passei a dormir desde
que fui trazida do hospital.
Dormir com ele não fora algo estranho, a noite que passamos
juntos – antes do meu sequestro –, fora essencial para quebrar as
barreiras que restavam entre nós. Will não voltou a me tocar
daquele jeito depois daquela noite, mas me manteve acomodada
em seu peito, dormindo abraçado a mim como se isso pudesse
impedir qualquer força sobrenatural de me levar para longe dele de
novo.
Com o fixar de nossa ligação, após o pacto, não havia mais
nada que pudesse impedi-lo de me ter completamente, não mais.
Sorri para ele, pelo espelho, enquanto terminava de pentear
meus cabelos molhados. Eu trajava um pijama confortável e tinha
saído há pouco do banho. Will havia descido para se despedir do
pai, que teve que viajar até a Ucrânia, para resolver alguns
problemas apresentados pelo governador de lá. Ele optou por viajar
à noite, já que pela tarde escolheu nos acompanhar durante todo o
ritual da cerimônia de escolha.
Depois que recebi alta do hospital e cheguei à morada dos
Vlad’s, fiz questão de ligar para Jude, que só pareceu se acalmar e
realmente acreditar que eu estava bem e viva quando ouviu minha
voz. Choramos por horas no telefone, ela estava chateada de não
ter conseguido vir até mim, mas prometeu que me esperaria
ansiosamente na universidade, assim que eu estivesse bem e
pronta para voltar. Estava contando as horas para ver minha melhor
amiga, sua falta se tornara quase esmagadora naqueles dias, que
passei me recuperando.
Era sábado e casa seria toda nossa até segunda, quando
teríamos que voltar para universidade. Will tentou me dissuadir a
não o fazê-lo tão brevemente e eu neguei, dizendo que voltar para
as aulas me ajudaria a seguir em frente. Eu amava minha rotina e
estava com saudade dela.
— Você está bem? — perguntou pela décima vez naquele dia,
envolvendo-me com seus braços, abraçando-me por trás.
— Estou ótima — respondi, sorrindo novamente para ele,
sentindo-o beijar meu ombro, empurrando meus cabelos
delicadamente para fora de seu caminho.
Na volta para a Romênia, meu caminho se cruzou rapidamente
com o outro amigo de Will e Lucius. Lucian fora cordial e simpático
comigo. E me deparar com sua figura pela primeira vez, ao vivo e
em cores, foi tão intimidante quanto assustador, como sempre
imaginei que seria. Ele costumava ter esse efeito sobre as pessoas,
um efeito que ele fez questão de mudar, sendo gentil comigo ou o
mais perto que ele conseguia ser e que sua personalidade –
naturalmente taciturna –, permitia. Estava agradecida por ele ter
largado todos seus compromissos, pegado um avião e vindo ajudar
Will a tentar me encontrar, assim como passar forças e apoio a ele.
Lucius não conseguiu fazê-lo antes que Will me achasse, mas tanto
ele e Megan me ligaram para dizer o quanto estavam felizes por eu
ter sido encontrada e, principalmente, por estar bem. Lucian
também parecia do mesmo jeito, mesmo quando não verbalizou
aquilo como o rei e a rainha. Ele era mais do tipo que demonstrava
do que falava. Sabia que eu e ele não havíamos tido a oportunidade
de nos conhecer antes, mas de alguma forma, eu parecia
importante para ele, por ser quem eu era para seu melhor amigo.
Infelizmente, não tive a chance de conhecê-lo melhor, já que logo
teve que partir. Ele não estava muito feliz com a decisão de Will de
parar de procurar o irmão adotivo. Para Lucian, Viktor era uma
ameaça e por ser um soldado, treinado na guarda real, Lucian só
conhecia um meio de lidar com as ameaças. Entretanto, pareceu
respeitar a escolha do amigo, mesmo quando não concordava com
ela. Ele me estimou melhoras antes de partir e prometeu que
voltaria quando possível para passar alguns dias.
Vi pelo espelho os olhos de Will se fixarem em minha nuca,
admirando minha marca que fatalmente ele expôs após empurrar
meus cabelos para o lado, a marca que antes era negra e que se
tornara prateada depois da cerimônia de mais cedo. Algo que com
muito custo consegui comprovar com meus próprios olhos – de
costas para o espelho do banheiro –, quando terminei meu banho. A
mordida em meu pescoço estava curada, graças às propriedades
curativas que a saliva de Will – como prometido –, possuía, contudo,
era como se eu ainda pudesse senti-la e aquela sensação fazia meu
âmago formigar, desejando poder desfrutar novamente das presas
dele enterradas em mim.
Com uma mão, ele segurou todo o meu cabelo molhado e o
ergueu, para que pudesse ter livre acesso à pele da minha nuca, a
minha marca. Senti sua respiração soprar contra a região, fazendo-
me estremecer, antes que seus lábios se pressionassem contra ela,
arrancando um gemido meu. Meus olhos reviraram e eu me
pressionei mais contra ele, sentindo sua outra mão se espalmar
contra meu abdômen. Fui tomada por todas aquelas sensações
extasiantes que somente seu toque era capaz de me proporcionar e
bebi de cada uma delas, como se tivesse uma sede de milênios. Eu
estava muito sensível a ele, responsiva a tudo o que ele fazia
comigo e estava culpando aos resquícios daquela magia usada na
cerimônia, para nos unir, culpando o assentar do laço, a nova etapa
de nossa ligação que estávamos prestes a viver.
Eu sabia que a partir dali cada fibra em nosso corpo ia implorar
para que consumássemos a ligação e eu não tinha intenção de
adiar aquilo, eu o queria, mesmo sabendo que com a consumação
vinha outras coisas, outras etapas. Não estava preocupada, não era
do meu desejo ser mãe tão cedo, mas se acontecesse, se o destino
assim quisesse, eu aceitaria a tarefa com todo o meu coração. A
ideia de ter um filho com o Will aflorou um lado maternal em mim
que nunca pensei existir, não depois de ter tido pais como os meus.
Pais que assim que descobriram que eu escolhi aceitar meu
prometido, excluíram-me definitivamente de sua vida. Doeu, pois
apesar de tudo, eles ainda eram meus pais e eu os amava, mas o
Will, seu amor e tudo o que ele representava, fazia aquela dor
diminuir mais a cada dia.
Ainda não havíamos conversado sobre o que viria a seguir, mas
eu sabia que não demoraria. Will aceitaria o que eu decidisse, mas
gostaria de ouvir o que ele queria também. Conhecia bem meu
prometido a ponto de saber que ele ignoraria tudo, para fazer a
minha vontade e me fazer feliz. Era algo natural dele, sempre
colocar meus desejos e minha felicidade acima da dele. Eu travaria
muitas guerras com sua teimosia, para fazê-lo entender que em
uma relação o que as duas partes queriam, era importante.
Podíamos chegar a um denominador comum facilmente se Will
aprendesse que o ouvir e saber sua opinião, assim como conhecer
suas vontades, era tão valioso para mim, como era para ele me ver
feliz. Afinal, era disso que se tratava uma relação. O amor não
funcionava sobre uma via de mão única. Dar e receber eram
essenciais, de ambas as partes.
— Eu quero você — disse, virando-me em seus braços,
forçando-o a ter que largar meu cabelo e parar de torturar minha
marca com seus beijos.
Ele amava adorá-la daquela forma, amava admirá-la, sabendo
que possuía uma idêntica em seu peito. Ela era o símbolo de nossa
ligação, marcada em nossas peles, a prova de que pertencíamos
um ao outro.
— Seline... — Ele tentou refutar, mas eu o ignorei, capturando
seu lábio inferior com meus dentes, enquanto trabalhava com a
minha mão para arrancar aquela camisa de seu torso, expondo sua
marca para mim.
Beijei-o, abrindo-me para ele, aprofundando nosso beijo, à
medida que tocava sua marca com meus dedos, arrancando um
gemido dele. Sorri contra sua boca, sabendo que nada levava mais
um prometido à loucura, do que o toque de sua destinada em sua
marca.
— Não precisamos fazer isso, não agora. — Ele lutou para se
afastar, segurando meu pulso, impedindo-me de continuar
acariciando-o. — Não é só porque o pacto foi selado que
precisamos consumar o vínculo em seguida, podemos esperar,
esperar até que você... — Calei-o com um novo beijo, usando minha
mão livre para enterrar meus dedos em seu couro cabeludo e o
puxar mais para mim.
— Eu quero — declarei, incisiva, contra sua boca, voltando a
beijá-lo com toda a fome que ele me despertara quando cravou
aquelas presas em mim mais cedo.
Um grunhido rouco rompeu do fundo da sua garganta, quando
me esfreguei contra ele, procurando alívio da agonia que só crescia
dentro de mim. William soltou meu pulso e finalmente colocou suas
mãos em mim como deveria. Sua boca tomou o controle e seus
lábios devoravam os meus como se eu fosse o alimento que ele
precisava e isso me fez perceber o quanto Will estava faminto de
mim.
Eu queria mais, mais dele. O queria desde que ele colocou sua
boca em mim, naquela noite e me levou ao ápice, causando um
delicioso caos no meu interior.
Sua mão deslizou por cima da minha blusa, alcançando um dos
meus seios. Seus dedos frios pressionaram minha carne já para lá
de quente, arrancando um gemido audível de mim, que escapou da
minha boca livremente – pressionada contra sua –, com o contato
íntimo. O som pareceu fazer com que a mente dele desanuviasse, o
que causou seu afastamento. Não consegui impedir meus lábios de
acompanhá-lo, mas ele permanecia fora do alcance do meu beijo.
Will abaixou a cabeça e deu um tórrido beijo no meu pescoço,
fazendo, definitivamente, meu cérebro passar a funcionar com sua
capacidade reduzida. Eu era só corpo naquele instante, totalmente
consciente dele e da umidade que estava crescendo entre as
minhas pernas. Era apenas a soma das minhas extremidades
nervosas, que estavam indo à loucura com o pouco que ele estava
me dando. Will exalou pesadamente contra a minha carne,
mordiscando-a em seguida, o que me deixou ainda mais abrasada.
— Última chance de mudar de ideia — sugeriu, com sua voz
mais rouca do que o normal.
— Não vou mudar, eu quero você e quero agora — minha
resposta não deixou margens para dúvidas, minha voz era firme e
exigente.
Will ergueu o rosto, encarando meus olhos como se buscasse a
confirmação ali, como sempre o fazia. Meu olhar também não deu a
ele motivo para se afastar ou parar.
Vi seus olhos escurecessem, sendo consumidos pelo desejo e
suas narinas inflarem. Aquele era o indicativo de que ele estava
aspirando meu cheiro, vendo se encontrava nele algum indício de
minha excitação e quando pareceu, finalmente, se dar conta do
nível em que ela estava, pude assistir as reservas que lhe restavam,
desmoronarem e sorri, sabendo que nada mais o impediria de me
levar para a sua cama e me fazer dele.
Completamente dessa vez.
Minhas costas encontraram a superfície macia do colchão
quando Will me inclinou – delicadamente –, sobre ele, ficando por
cima. Minhas pernas se abriram de forma automática, para que ele
pudesse se acomodar melhor entre elas. Sua atenção era predatória
sobre mim, o tipo de atenção que um predador dava a sua presa,
antes de devorá-la. Eu era capaz de ver a fome em seus olhos, à
medida que seu olhar resvalava cada canto do meu corpo,
esparramado sobre a sua cama. Era como se ele quisesse apreciar
– sem pressa –, aquela visão, como se a tivesse fantasiado por
muito tempo em sua mente e que, naquele momento, mal pudesse
acreditar que o que estava vendo era real.
Suas mãos subiram pela lateral de minhas coxas de forma lenta
quase torturante, como se estivesse tentando provocar em mim
aquela sensação agoniante de antecipação. Seus olhos seguiram
todo o trajeto com fascínio queimando em sua íris, como se ver suas
próprias mãos me tocando, o agradasse. Quando seus dedos se
enroscaram no cós do meu short de dormir, seus olhos azuis se
ergueram, encarando-me fixamente, buscando meu consentimento,
que dei com um aceno aquiescente. Em um movimento rápido
demais para os meus olhos humanos acompanharem, meu short,
acompanhado da minha calcinha, estava fora do meu corpo e logo
em seguida, a blusa do meu pijama também. Eu estava nua,
completamente nua para o seu bel-prazer.
Se antes ele me observava com fome, naquele momento, ele
passou a me devorar, sem de fato ainda o fazê-lo. As profundezas
oceânicas exploraram cada canto da minha pele nua, cada mísera
parte de mim de maneira aliciante, com chamas lambendo suas
pupilas. Ele já tinha visto partes de mim antes, mas quando o fez,
estava preso aos limites impostos pelas regras que não podíamos
quebrar. Ele não pôde ultrapassar, no entanto, se permitiu brincar
perto demais daquelas linhas que antes estavam ali para barrá-lo e
que naquele momento – após a cerimônia de escolha –, não
existiam mais.
— Dessa vez, você terá que se despir também. — Minha
exigência escapou de meus lábios de forma ousada, uma ousadia
que não sabia de fato de onde viera, mas que estava sendo movida
a necessidade vê-lo por inteiro também.
Will me encarou por entre seus cílios, lambendo os lábios como
se estivesse planejando se banquetear de mim. E eu sabia, sabia
que ele o faria logo e cada fibra do meu corpo queria aquilo, queria
sentir sua boca em mim novamente, mas só depois que sua calça e
boxer saísse, só depois que eu pudesse admirá-lo completamente
nu.
Encarando-o intensamente de volta, Will pareceu ler todos
aqueles desejos em meus olhos, porque rapidamente se afastou e,
em seguida, ficou de pé no final da cama, abriu sua calça jeans e a
puxou para baixo daquela forma vagarosa, como quem estava me
dando um show particular. Não prestei atenção em qual lugar ela
caiu, quando ele a arremessou longe, por cima dos ombros, pois
estava fixa no trabalho que suas mãos faziam, empurrando a boxer
preta para baixo, liberando sua ereção que pareceu saltar livre e
alegremente de sua prisão, batendo contra seu abdômen.
Lambi meus próprios lábios, estudando sua extensão e cada
detalhe que ela possuía. Longo e grosso na medida certa, com um
brilho perolado de desejo vazando de sua glande. Na minha área,
era impossível você passar pelas aulas de anatomia sem ter visto
pelo menos um pênis, contudo, todos que eu vi, não chegaram perto
daquilo e dele. Não só em quesito tamanho ou espessura, como em
beleza também. Lá no fundo, me irritava um pouco em como tudo
no Will era bonito e convidativo aos olhos. Eu sabia que,
biologicamente, iria caber, meu corpo se ajustaria a ele, mas
também sabia que seria doloroso enquanto o fizesse.
— Se você continuar me olhando desse jeito, vou perder
completamente o controle, linda. — Sua voz densa me alertou e ela
estava coberta de excitação.
Não o respondi, apenas desviei a atenção de seu membro,
completamente ereto, para seus olhos, mordendo meu lábio inferior,
impedindo que as palavras que vieram à minha mente saíssem. Eu
precisava dele, precisava que ele aliviasse a bagunça que estava se
formando entre as minhas coxas e aliviasse aquela pressão que só
parecia crescer mais e mais em meu ventre, mas não iria implorar,
não ainda. Queria aproveitar tudo, cada segundo, sem pressa.
Will se aproximou, subiu na cama e se acomodou entre as
minhas pernas novamente. Suas mãos subiram em uma carícia
insinuativa por minhas coxas, envolvendo a parte inferior delas,
projetando uma pressão ali que as forçou se abrir, expondo-me
ainda mais para ele, que se inclinou para me roubar um beijo
intenso, antes de escorregar seu corpo para baixo, pairando com
sua boca sobre o meu monte de vênus que pulsava, pedindo sua
atenção. Will se moveu, passando seus braços por baixo de minhas
coxas, mantendo-as abertas para ele, enquanto plantava um beijo
atrevido no interior de uma delas, antes de me lamber, de ponta a
ponta, afogando-me em uma torrente infinita de sensações
delirantes.
Sua boca e língua me puniram da melhor maneira possível,
arrancando de mim gemidos cada vez mais altos. Tudo se
intensificou quando um de seus dedos passou a brincar com a
minha abertura, enquanto sua boca se entreteve com aquele monte
de nervos. Will circulou minha entrada, antes de se impulsionar para
dentro, ditando um ritmo de entra e saí que, rapidamente, me faz
esquecer o breve desconforto da introdução. Logo, um segundo
dedo se juntou à equação e sua boca ditou o ritmo que ambos
deveriam seguir, aumentando-o gradativamente, fazendo um milhão
de terminações nervosas ganharem vida dentro de mim. Minha
cabeça se lançou para trás, conforme me rendia a todas aquelas
sensações, permitindo que elas me engolissem, levando tudo de
mim. Com um barulho apreciativo, que parecia refletir contra meu
centro, ele empurrou mais fundo seus dedos em mim. Meus
músculos internos tremulavam ao redor deles, engolindo-os sem
reclamar. A cada impulso me sentia mais molhada, a cada ataque
de sua língua sentia que fosse esmorecer. De forma automática,
imitei seu ritmo com meus quadris, montando em sua boca e dedos,
até que um bombardeio arrebatador me lançou ao céu.
Gritei, desfazendo-me em mil pedaços quando o clímax
irrompeu de mim.
Eu não caí, voei.
Ainda podia sentir os espasmos de prazer, quando Will
finalmente se moveu, escalando meu corpo e criando uma trilha
úmida com sua língua que escorregou por mim, subindo até meus
seios, que ele atacou sem misericórdia. Eu pedi, implorei por aquilo
e não demorei para perceber que ele não me concederia descanso.
Will me daria uma overdose de prazer naquela noite e a verdade era
que não estava nem um pouco preocupada com isso. Sua boca em
meus seios era gananciosa, exigente e parecia querer dar uma
atenção igual para ambos, dividindo-se entre eles, usando suas
mãos para fazer aquele trabalho de forma ainda melhor. A chama
dentro de mim que pensei que apagaria após o orgasmo, foi
alimentada, voltando a ganhar vida e crescer.
Contorci-me, gemendo, fazendo-o sorrir contra meu seio
esquerdo. Suas mãos os cobriram, assumindo a tarefa de sua boca,
enquanto sua boca se erguia e pairava sobre a minha. Seus olhos
azuis se encontravam com os meus, febris e anuviados de luxúria.
— Will... — meu tom estrangulado de prazer, rapidamente foi
engolido por seus lábios.
Minha boca se agarrou a dele e nossas línguas avançaram,
uma contra a outra, em solavancos desesperados. Will me devorou,
fazendo um choramingo escapar de minha garganta, ressoando
entre nós e incitando seus próprios gemidos, conforme sua boca
fazia com a minha a bagunça que fez entre as minhas pernas,
alguns minutos atrás. Ele me lambeu, chupou-me e me absorveu.
Minhas mãos se ergueram e agarraram seus cabelos, seu corpo se
grudou ao meu, criando uma fricção deliciosa, que fez com que eu
erguesse meus quadris para esfregar meu centro úmido – e
novamente necessitado –, contra seu membro duro e rígido. Abri
mais as pernas, tentando encontrar um ângulo perfeito para aliviar
aquela pressão e foi justamente naquele momento, com aquele
movimento, que consegui acomodá-lo entre as minhas dobras. A
ação arrancou um som gutural dele e um gemido lânguido de mim.
Will libertou minha boca por um segundo e apoiou suas mãos na
lateral de minha cabeça. Ele se moveu, fazendo seu membro
escorregar entre meus lábios maiores e isso me fez beijá-lo de
novo, com mais força, mais volúpia. Nossas bocas mudaram de
ângulo, transformando o beijo em ardente e mais exigente.
Nada parecia o suficiente, nada parecia ser o bastante.
Seus lábios se desgrudaram dos meus, dando-me chance de
respirar e atacaram meu pescoço, lambendo e mordiscando minha
pele que vibrou, exigindo que ele enterrasse suas presas ali. Um
zumbido começou a soar em meu ouvido e minha respiração se
tornou rapidamente ofegante. Eu o toquei, correndo minhas mãos
por seu corpo livremente, apertei-o, puxei-o e arranhei sua pele
como se aquele ato pudesse diminuir a necessidade sobrepujante
que me arrancava o fôlego, que me fazia arder por ele. Sua pele
fria, em contato com a minha que parecia suada e febril, era quase
um bálsamo.
Will continuou se movendo – torturantemente lento –, e eu o
acompanhei, em busca da construção do meu prazer, de uma nova
libertação. Uma de suas mãos segurou meu quadril, dando impulso
ao meu movimento, que seguia suas investidas, enquanto a outra se
embrenhava em meus cabelos, segurando grande parte dele – na
região da nuca –, ganhando o poder de direciona meu rosto à sua
vontade. Seu polegar raspou em minha marca, ampliando ainda
mais as sensações e isso me incitou a levar a minha própria mão
para seu peito, usando meus dedos para estimular a área erógena
que era aquela região quando se tratava do meu toque. Will gemeu
com o toque, sua boca se afastou da curvatura do meu pescoço e
roçou contra a minha. Sua mão em meus cabelos aplicou a pressão
certa e, então, ele puxou meu rosto para si, beijando-me
novamente, usando seu poder para posicionar minha cabeça em um
ângulo perfeito, para que ele pudesse aprofundar seu beijo,
tomando tudo de mim. Seu polegar em minha nuca desencadeou
calafrios em mim, que desceram por minha coluna e fizeram meus
pés se contraírem.
Estava pingando, pingando de excitação. Pude comprovar isso
quando ele passou a escorregar com mais facilidade entre as
minhas dobras. Will soltou um grunhido, que soou do fundo de sua
garganta, quando percebeu aquilo também. Ele angulou o quadril e
pressionou mais forte, voltando a escorregar de novo em seguida.
Eu mordi seu lábio inferior, lutando para não gritar de prazer em sua
boca. Sua mão pressionou meu quadril contra o seu, fazendo tudo
em mim, roçar cruamente contra ele, acelerando o ritmo. O prazer
crescia e se espalhava por meus membros, fazendo cada parte
erógena em mim, contrair em resposta. O beijo se tornou faminto,
devorador e incontrolável, até que não consegui mais identificar qual
respiração era a dele e qual era a minha. Ele não precisava respirar,
mesmo assim o fazia, enchendo-se do meu cheiro. Nossos
contornos se fundiram, pele, mãos e lábios. Afundei-me naquele
frenesi enlouquecedor e quando sua boca deixou a minha, me vi
querendo puxá-lo de volta, no entanto, imediatamente seus lábios
estavam se ocupando de deixar uma trilha quente e estarrecedora
de beijos por meu maxilar, minha bochecha esquerda, seguindo até
minha orelha, provocando arrepios que me percorreram como fogo,
descendo para minha clavícula e alcançando um de meus seios,
fazendo-me mudar de ideia.
— Seline — ele chamou por mim, sua conotação soou áspera,
devido ao seu próprio prazer, que como o meu, estava prestes a
explodir.
Meu nome ecoou como hino em seus lábios e ele pareceu tão
perfeito em sua voz. O soar do nome combinava, assim como as
mãos dele se encaixaram com a curva da minha cintura e a boca
também. Um encaixe perfeito. Um completar genuíno. E foi com
aquela constatação que senti um novo orgasmo me rasgar, fazendo-
me prender a cabeça para trás e morder meu próprio lábio, tentando
não gritar. Will alcançou sua libertação logo após, gozando entre as
minhas dobras e rosnando guturalmente, não apenas com a
sensação, como também com a visão. Ele se afastara o suficiente
para assistir, enquanto derramava em mim. Eu julgava que o
significado que aquilo tinha para ele não era só de apenas um
homem, marcando sua mulher como dele, algo animalesco e
territorial, que Will já me dissera uma vez fazer parte de seus
instintos de prometido e sim por fazê-lo após anos de espera.
Ele havia me revelado alguns dias atrás, que depois de eu
completar 16 anos, ele nunca mais foi capaz de olhar para nenhuma
outra mulher e nem se envolver com nenhuma delas, seja para
saciar suas necessidades ou por qualquer outro motivo. Ele esperou
por mim, por anos, privando-se do prazer. Isso me fez amá-lo ainda
mais, isso me fez me sentir importante.
Will olhou para mim e naquelas profundezas oceânicas, vi suas
pupilas eclipsarem com suas íris.
— Você é minha. — A reivindicação retumbante, ávida, que
deixou seus lábios fora o suficiente para eu entender que ele estava
longe de acabar comigo.
Meus membros trêmulos, minha respiração entrecortada e meu
peito subindo e descendo não passou despercebido por ele, e
apesar da preocupação está cintilando em seus olhos, havia
também aquele ar arrogante de sua parte de prometido que estava
muito feliz em saber que ele foi o causador daquela bagunça.
Will preparou meu corpo muito bem para recebê-lo e por mais
que parte de mim achasse que eu não seria capaz de aguentar
outro orgasmo intenso, existia também a outra que estava ansiando
para senti-lo de novo, dessa vez, dentro de mim.
A visão à minha frente fazia o bastardo territorialista e
orgulhoso que havia dentro de mim, sorrir presunçoso. Seline estava
completamente nua, corada, descabelada e ofegante embaixo de
mim. O cheiro do seu prazer, misturado ao de seu sangue doce –
que tive o prazer de experimentar mais cedo –, estavam me
empurrando cada vez mais, para borda do meu descontrole. Entre
as suas dobras, meu gozo brilhava e escorria, misturado ao seu e
isso não poderia me deixar mais satisfeito. Ela era minha e estava
pronta para me receber da maneira certa dessa vez, pronta para ser
marcada por mim de forma permanente.
Aquele era um momento que esperei por longos anos e,
finalmente, estava prestes a desfrutá-lo. Mesmo com as baixas
expectativas, mesmo quando tudo parecia estar dando errado, eu
sempre me agarrei a esperança de que um dia, ele chegaria e por
mais que parte de mim ainda estivesse incrédula de que aquilo era
real, havia uma outra que estava sorrindo e dizendo a mim mesmo
que valeu a pena. Tudo que fiz, os anos que esperei por ela e tudo
que suportei naqueles dois meses e meio, enquanto tentava
encontrar meu caminho até seu coração, valeu a pena.
Ela era minha e eu estava prestes a consumi-la de todas as
formas existentes naquela noite, nos ligando de forma eterna.
Não havia volta depois daqui e isso nos fez sorrir um para o
outro, conforme me posicionava melhor entre suas pernas.
— Eu te amo — ela sibilou, um sibilo que soou um pouco mais
que um sopro.
— Eu te amo mais — murmurei de volta, segurando meu
membro, que mesmo depois da libertação ainda se encontrava
dolorosamente rígido e o posicionando em sua abertura, antes de
começar a penetrar sem pressa.
Agarrei suas coxas, mantendo-as abertas para mim, conforme
deslizava para mais fundo nela. Meu olhar estava fixo naquela parte
onde nos fundíamos, mantendo-me hipnotizado pela forma como ela
me engolia pouco a pouco. Senti suas unhas se fincarem em
minhas costelas e pude ver, por entre meus cílios, seus olhos
fecharem e sua boca deliciosa se abrir em um perfeito O, à medida
que me sentia enchendo-a. Quando atravessei a barreira de sua
virgindade, seu prazer se mesclou a dor de ter aquele lacre rompido.
Forcei-me a ficar parado, deixando-a se acostumar, mas foi naquele
exato momento que, de repente, o paraíso se transformou em um
inferno. Inclinei-me sobre ela, agarrando os lençóis nas laterais de
seu corpo e apertando-os com força. Cerrei meus dentes juntos,
sentindo minhas presas rasgarem minhas gengivas enquanto uma
queimação descomunal se alastrava como fogo, dentro de mim. Um
rosnado ficou preso em minha garganta e eu me sentia muito perto
de perder o controle, de ceder minha natureza e libertar o monstro
dentro de mim.
Pelos ofegos de dor de Seline embaixo de mim e pela forma
como ela se contorcia, tive a certeza de que ela estava sentindo o
mesmo que eu. Minha visão escureceu e pude ver dentro da minha
alma – se era que eu possuía uma, se era que poderia caracterizar
aquilo como tal essência divina, uma essência normalmente
encontrada em humanos, em seres que possuíam vida –, o laço que
nos unia ser consumido pelas centelhas daquele fogo que o
moldava, tornando permanente o que a mordida converteu de dois
em um, para sempre. Guiado por um instinto quase primal, me movi,
enterrando-me até o talo em seu núcleo guloso e quente, que me
recebeu por completo, mesmo com uma leve resistência. Fechei os
olhos com força, sentindo suas pernas abraçarem meus quadris.
Seline gritou de dor, de prazer, pela invasão brusca e inesperada e
eu me forcei – novamente –, a ficar parado. Odiava ter que
machucá-la, odiava saber que era o causador de sua dor. Contudo,
não havia o que fazer, naquele momento, eu não estava mais no
controle de minhas ações, era a ligação, o laço, movendo-nos,
assumindo o controle. A imagem foi consumida pelas labaredas
daquele fogo ardente, fazendo-me abrir os olhos em um rompante,
deparando-me com a visão dela, da minha destinada, encarando-
me profundamente. Aquela mulher etérea, linda e com aqueles
lindos olhos castanho-chocolates anuviados de prazer. Seu corpo
relaxou debaixo de mim, mas não seu canal, que se contraía como
um punho de aço ao redor do meu membro. Isso foi o indicativo que
eu precisava para saber que sua dor se fora, mas não a
necessidade e que era hora de me mover.
Ondulei o quadril, recuando, sem sair totalmente dela, antes de
voltar. Cadenciei meus movimentos de forma que eles começassem
lentos e fossem ganhando velocidade gradativamente. Inclinei-me
sobre ela, beijando seu abdômen plano, subi para os seus seios,
seu pescoço, queixo, bochechas e, por fim, parando a sentimentos
de sua boca, entreaberta e ainda inchada dos meus últimos beijos.
Encarei-a como se a venerasse, como se ela fosse meu mundo – e
ela realmente era –, conforme deslizava para fora quase até a ponta
e voltava a mergulhar por completo.
— Eu nunca me senti tão em casa, estando tão perdido dentro
de você, linda — declarei em um tom exalado, inebriado pelo prazer
que começava a ser construído dentro de mim, pela sede dela, pelo
desespero e necessidade de alcançar a plenitude novamente, só
que, dessa vez, dentro da minha destinada.
Como deveria ser.
Capturei seus lábios para mim, beijando-a como alguém que
degustava de um bom vinho, lento e apreciativo. Sua boca e gosto,
era um catalisador para a minha luxúria. Seline retesou embaixo de
mim, dividindo-se entre agarrar meus cabelos, puxando-me mais
para ela e arranhar minhas costas. Não demorei para identificar que
aquela era sua forma de me dizer para ir mais rápido, de dar mais a
ela. Não titubeei, dei exatamente o que ela queria, acelerando meus
movimentos, tornando-os quase frenéticos. Recuei de forma rápida
e estoquei mais forte, deixando a sensação se ampliar um pouco,
antes de retroceder de novo. Seus gemidos começaram a serem
engolidos por mim, junto de seus lábios. Dei tudo de mim a ela de
bom grado, porque não havia nada que me fizesse mais feliz e me
excitasse tanto, como vê-la se contorcendo de prazer. Pedindo por
mais e gemendo em minha boca sem pudor algum. Completamente
entregue, inebriada pelo que eu estava causando nela.
— Will. — Seline choramingou meu nome de forma lânguida,
mas mal fui capaz de registrar seu apelo, porque rapidamente minha
atenção foi atraída pela queimação que consumiu meu peito,
especificamente minha marca, que acendeu como um farol e pelo
brilho que começava a refletir por trás de sua nuca, pude comprovar
que a dela também estava brilhando.
Movido pelo desejo de assistir sua marca brilhar, junto da
minha, troquei nossas posições, arrancando um ofego surpreso de
minha destinada. Deitei-a de lado, posicionando-me em suas
costas. Ergui sua perna de forma que pudesse ter livre acesso a seu
canal estreito e com a outra mão empurrei seus cabelos para o lado,
expondo a estrela de cinco pontas – brilhando tanto como a minha
–, para mim. Debrucei-me sobre ela, passando meu braço ao redor
de seu quadril e espalmando minha mão sobre seu abdômen,
puxando-a mais ao encontro do meu peito, nos grudando em todas
as partes possíveis. A estrela em meu peito brilhou de forma mais
viva, tendo o brilho daquela que ocupava sua nuca para alimentá-la
de perto. Observei o rosto lindo da minha destinada, à medida que
me afundava em seu calor úmido novamente. Suas bochechas
estavam coradas, e ela mordia o lábio inferior, desfrutando de cada
centímetro meu que ia se perdendo dentro dela. Sua bunda
arredondada se empinou para mim, vindo ao encontro da minha
primeira investida, naquela posição. Gemi, percebendo o quão
fundo estava nela naquele momento. Arremeti meus quadris,
cadenciando os movimentos com os dela, aumentando a
velocidade, até que voltássemos até o ponto de onde havíamos
parado.
O desejo deliberado me consumiu, fazendo-me rosnar contra
seu ouvido, sentindo sua pele incandescente se fundir ao gelado da
minha. Meu quadril ondulou, acessando partes internas dela que me
fizeram gemer mais alto e ela erguer o braço e agarrar minha nuca,
puxando-me para mais perto, como se fosse possível quando eu
estava praticamente fundindo a ela e tão enterrado em seu calor,
que era capaz de sentir os primeiros indícios do orgasmo
ameaçando me empurrar em uma queda livre e sem volta. Seu
núcleo ordenhou meu membro, contraindo tão fortemente ao meu
redor que quase me fez perder o controle sobre as minhas ações.
Tudo se intensificou a ponto de eu só ser capaz de ouvir o barulho
de nossas peles batendo uma contra a outra e nossos gemidos se
misturando. Mas, então, antes que pudéssemos alcançar o orgasmo
juntos, algo estarrecedor aconteceu.
Uma aura rubra explodiu ao nosso redor, fazendo fios e mais
fios irromperam de nós, como tentáculos, nos envolvendo e se
enroscando uns nos outros em uma necessidade latente de
permanecerem juntos. Seline ofegou, olhando ao redor e para nós
como se não acreditasse no que estava vendo. Demorou para que
ela entendesse e pude sentir de maneira tão visceral como a minha
destinada, quando percebeu que aqueles fios representavam nossa
ligação. O que vivia dentro de nós e que viera à tona, ganhando
forma e cor na realidade. Seus fios fluíam para dentro de mim,
enroscando-se com os meus no meio do caminho, que se atiravam
em sua direção também. Por onde eles se estendiam, o ambiente
ganhava cor, que se ampliava ao nosso redor, crescendo e
formando uma enorme aura vermelha. Vi as lágrimas cobertas de
emoção escorrerem por suas bochechas e sem parar de me mover,
virei seu rosto para mim, beijando-a profundamente, querendo
passar para aquele beijo todo amor que sentia por ela, todo o amor
que guardei durante anos.
Enquanto nos beijamos, os fios vermelhos iniciaram uma
canção que muito se assemelhava ao soar de guizos. Era como se
nossas almas compusessem e cantassem a mesma canção, em
completa harmonia, enquanto se fundiam por completo uma à outra.
Faíscas deslizaram por minha coluna, fazendo aquelas sensações
estarrecedoras gerarem um vórtice dentro de mim. Guiado
novamente por puro instinto primal, por aquela parte que me fazia
um prometido, afundei meu rosto em seu pescoço e perfurei sua
carne com minhas presas, sentindo o gosto doce de seu sangue
encher minha boca. Seline gritou, completamente enlouquecida pela
sensação que aquilo causou a ela – e nos causou –, ampliando
nosso prazer. Estávamos perto da borda, muito perto. Segurei-a
fortemente contra mim, segurando com uma mão sua perna erguida
e aberta, enquanto com meu outro braço, envolvia seus seios,
investindo nela com mais força, mais rápido, determinado a fazê-la
gozar de maneira mais intensa que da última vez.
Meus músculos abdominais se contraíram, fazendo um calor
incandescente se acumular no meu membro. Rosnei de maneira
quase animalesca, contra seu pescoço, enquanto um ápice
devastador me varria por inteiro, alcançando um ponto de prazer
inexplicável dentro de mim, o que ocasionou minha ruptura. As
paredes internas de Seline se contraíram ao meu redor, deixando
bem claro que ela estava tendo um orgasmo tão forte como eu. Movi
minha boca, afastando minhas presas dela, sem parar de bombear
dentro de seu núcleo, estendendo nosso prazer.
Seline gritou meu nome, agarrando meu cabelo entre seus
dedos e me deixando ainda mais louco. Lambi seu pescoço,
limpando sua pele do sangue que ainda escorria da ferida que abri
na região, soltando um som rouco e apreciativo quando pude
degustar de mais uma gota daquilo que seria meu único alimento
daquele dia em diante. Estava viciado naquele sabor, em todos os
sabores de Seline. A aura vermelha ao nosso redor se ampliou e
minha destinada começou a convulsionar, ainda de prazer em meus
braços. Não parei, não desacelerei. O consumar de nossa ligação
estava estendendo nosso orgasmo, tornando tudo mais arrebatador,
porque estava me negando a gozar, negando-me a ter que sair de
dentro dela. A ligação cobrava o preço e continuaria até eu ceder.
Aquilo era nada mais, nada menos do que uma pura exigência
primordial, ricocheteando em nosso vínculo e reverberando sem
cessar, ordenando que minha reivindicação fosse completa, que eu
a marcasse internamente com a minha semente, que poderia ou
não fecundar.
Isso, o destino ia determinar.
Quando não suportei mais segurar, quando percebi que Seline
não aguentaria mais por muito tempo aquela sessão de orgasmos
ininterruptos, derramei em seu interior, vendo seus pelos dos braços
eriçarem. Gemi contra seu ouvido, rouco e alucinado. Meu abdômen
se contraiu novamente e cada músculo do meu corpo estirou e
aqueceu. Ela desabou, afundando no colchão ainda trêmula, seu
corpo ainda apresentava alguns espasmos devido aos resquícios do
clímax que ainda corriam por suas veias, por cada terminação
nervosa. O cântico de guizos cessou e com eles, aqueles fios que
ainda chicoteavam o ar, recuaram, voltando para dentro de nós.
A sensação de plenitude me abraçou, fazendo-me identificar
rapidamente que não existia mais vazio para ser completado, não
existia mais eu e sim nós. Duas metades de um todo, duas metades
residindo em apenas uma.
Retirei-me dela com pesar, pois não havia lugar melhor para
estar. Seline ainda era humana e apesar de nossa primeira vez ter
sido guiada pela necessidade latente de nosso vínculo que exigiu
ser consumado, nas próximas eu teria que ser mais cuidadoso com
ela. Virei-a para mim, que sorriu lindamente, cansada, porém,
satisfeita. Dolorida, no entanto, plenamente feliz.
— Como um só — balbuciou, claramente tomada pela
exaustão.
Sorri, tirando os fios de cabelo que estavam grudados em seu
rosto.
— Como um só, para sempre — confirmei, beijando-a
levemente nos lábios.
Era isso que éramos. Um só.
Dois anos depois:
Destino, um laço que nos une com o futuro num nó apertado.
Eu engravidei um ano depois de me unir ao Will e foi bem na
noite de Natal que Logan nasceu, um menininho lindo, forte e
extremamente doce, que era uma combinação perfeita de mim e do
meu prometido. Quando ele nasceu, fiquei encantada com seu
rostinho perfeito e seus lindos olhos azuis, idênticos ao do pai, que
mal fui capaz de perceber a vida deixando meu corpo mortal. O
parto fora difícil e doloroso, no entanto, minha gestação havia sido
perfeita dentro dos parâmetros de uma gravidez de destinada.
Logan nasceu quatro meses após a descoberta de sua existência
crescente dentro do meu ventre, no tempo certo, determinado pela
profecia. Não tive complicações, o sangue de Will foi perfeitamente
administrado em mim e apesar de ele ter sofrido ao meu lado, vendo
minha dor e testemunhando minha morte, seguida do nascimento de
nosso filho – com ele ainda em seus braços –, Will sabia que eu
voltaria para ele. Não houve dúvidas. Ele me esperou, esperou pelo
despertar de uma nova eu e quando abri os olhos, seu rosto era
tudo o que podia ver, apesar da sede gritante que rasgava minha
garganta.
Minha adaptação como vampira não foi difícil, na verdade, foi
bem natural e tive pessoas incríveis que pude contar para isso além
de meu prometido, como Vladmir, Megan, Lucius, Lucian e Jude.
Tive muito medo de ver minha melhor amiga nos primeiros dias,
achando que não seria capaz de controlar minha sede, uma
preocupação que tive também com meu filho, mas que rapidamente
percebi ser infundada.
Destinadas tinham um ótimo autocontrole. Nós literalmente
nascemos para ser vampiras.
Após a transformação também descobri coisas importantes
sobre mim mesma, que antes não entendia, como as minhas visões.
Elas se tornaram ainda mais frequentes quando acordada, mas
vívidas, claras e fortes. Eu nunca havia contado a Will sobre os
sonhos e, principalmente, as visões que passei a ter desperta e
quando falei sobre elas, sem dar detalhes, Will ligou para Lucius que
rapidamente, por possuir uma habilidade especial, desvendou o
mistério. Era um dom, um dom que poucos vampiros costumavam
possuir, mas que se manifestou em mim quando ainda era humana.
Todavia, ele era limitado, como se existisse um lacre, que o impedia
de evoluir e que só o faria quando me tornasse vampira. Era por
esse motivo que ele havia despertado antes, porque já era parte do
meu destino ser uma e meu dom me deu apenas amostras do que
ele poderia ser, quando estivesse com sua força total. Na real, ele
poderia ser muito mais poderoso do que aquelas amostras. As
visões não só surgiam do nada, como eu podia provocá-las,
manipulando aquilo que queria ver. Bastava só eu me concentrar em
um indivíduo ou coisa, e eu poderia ter acesso a vários fragmentos
de seu futuro. Obviamente que minhas visões eram subjetivas,
baseadas nas escolhas das pessoas, o que tornava o futuro incerto,
já que a pessoa em específico poderia fazer escolhas diferentes,
que mudariam o curso de seu futuro.
Lucius causava dor, Lucy fazia coisas surpreendente com a
mente e com a mente das pessoas, já eu previa o futuro. Descobri
rapidamente que aquele dom, poderia também ser uma maldição,
principalmente quando constatei que apesar de minhas visões
serem subjetivas, existiam casos raros onde um futuro não poderia
ser mudado quando estava selado pelo destino e eram justamente
esses, que nem se eu interviesse, poderia revertê-lo.
Após a consumação, tanto eu, quanto Will tivemos uma longa
conversa sobre o futuro. Eu não queria ser mãe cedo e,
principalmente, não queria deixar a universidade, caso isso
acontecesse. Tivemos tempo para programar nosso futuro, dentro
do que nós desejávamos. Ele assumiu o lugar de seu pai antes que
eu engravidasse e com sua ascensão, Will me pediu para ser sua
condessa. Diferente de quando descobri que ele era meu prometido,
não levei muito tempo para aceitar. Não fazia sentido. Sua casa se
tornou a minha e já vivíamos como se estivéssemos casados.
Perdemos muito tempo, devido às minhas inseguranças idiotas, eu
não queria perder mais. Levou exatamente cinco segundos – após o
seu pedido –, para eu responder sim. Não tivemos um casamento
tradicional como de Lucius e Megan. Por incrível que parecesse,
aquilo não era um sonho meu. Assinamos papéis que provariam a
qualquer um, que éramos marido e mulher diante dos olhos de
todas as leis, tanto humanas, como vampíricas, e fizemos uma
pequena comemoração no castelo de Bran, só para os mais íntimos.
Com seu novo cargo, Will deixou a universidade, mas eu permaneci.
Tivemos que nos adaptar a uma nova rotina que nos manteve longe
durante toda semana. Will havia respeitado minha decisão e nunca
reclamou do pouco tempo que tínhamos juntos aos finais de
semana, que era quando eu voltava para casa. Estávamos presos a
uma lua de mel interminável e isso só fazia a distância ser ainda
mais esmagadora, já que sentíamos a necessidade um do outro de
forma visceral, felizmente, foi administrável. Sempre que podia ou
conseguia, Will quebrava nossa rotina, aparecendo na universidade
para me surpreender e matar a saudade.
Quando engravidei, foi a hora de fechar um novo acordo. Eu
prometi a Will que continuaria indo às aulas até que fosse possível e
depois trancaria minha matrícula, assim poderia me dedicar a minha
gravidez e ao nosso bebê. Quando Logan finalmente nasceu,
tivemos de entrar em um novo consenso. Mesmo sendo uma
vampira e condessa, eu ainda tinha um sonho e não queria abrir
mão dele. Will não me pediu que o fizesse, como sempre, ele
respeitou as minhas decisões, contudo, dessa vez não tínhamos
mais condições de ficarmos separados durante toda a semana.
Tanto eu, quanto ele, não suportaríamos, assim como eu não seria
capaz de ficar uma semana inteira longe do meu filho. Diante disso,
Will comprou uma casa em Bucareste, bem perto da universidade,
assim eu poderia ir e vir, sem precisar perder três horas de viagem.
Meu dormitório foi cedido para outro aluno e eu passei a dormir em
nossa nova casa todos os dias, junto de meu prometido e filho.
Continuamos voltando para o Castelo de Bran aos finais de semana,
assim Vladmir pôde continuar desfrutando de nossa presença e do
seu neto, que não fazia questão nenhuma de esconder que estava o
mimando demais, consequentemente, estragando-o no processo,
como todo bom avô apaixonado.
Faltavam mais alguns anos para eu me formar, mas já me
sentia a mulher mais realizada de todo o universo. Logan fora um
presente e apesar de eu ter achado que não estava pronta para ele,
quando chegou, abracei a maternidade e todas suas etapas de
corpo e alma, pois sabia que meu amor e o de Will não criaria
apenas alguém incrível, como nos faria ser melhor, todos os dias,
para ele. Logan crescia a cada dia mais, rodeado de amor. Não era
apenas Vladmir que o estragava, como seus tios postiços também.
Ele era o dengo de sua tia Jude, o príncipe da tia Megan e o garotão
de Lucius e Lucian. Ele estava feito com todo aquele amor e
superproteção.
Quanto a Lucy, Logan com pouca idade, já se demonstrava
completamente apaixonado por ela. Lucy continuava crescendo
ininterruptamente. Ela ficava mais linda a cada dia, uma moça,
muito perto de alcançar a maturidade como mestiça. Faltava um ano
para que ela o fizesse, já que os mestiços alcançavam a maturidade
em 5 anos. Lucy estava com a aparência de uma menina de 15
anos e era tão apaixonada por Logan, quanto ele por ela. Quando
vinha nos visitar com seus pais ou quando nós o fazíamos, indo até
Londres, ela passava horas com ele. Em pouco tempo e apesar das
diferenças de idades, eles construíram uma conexão muito bonita.
Foi com ela que ele arriscou as primeiras palavras e os primeiros
passos. Logan se agitava sempre que ouvia a voz dela e a seguia
por onde quer que fosse, como um cachorrinho. Nós, os pais,
tentávamos não rir da situação, mas era impossível. Apesar de
cômica, era extremamente fofo e doce a forma como eles
encontraram um no outro, uma companhia e, claro, semelhança.
Lucy não teve muitas crianças para brincar, ela iniciou seus estudos
em casa e eu sabia que ela sentia falta de ter companhia, de
conhecer outros como ela. Entretanto, o aumento de seus poderes e
a dificuldade que ela tinha de controlá-los, a tornou uma ameaça,
fazendo ser impossível sua integração em escolas, tanto humanas,
como vampíricas. Lucius e Mandy não tiveram a mesma dificuldade,
por isso que Lucius sentia um pesar absurdo por sua garotinha e
tentava dar a ela tudo que pudesse preencher aquele vazio. Megan
sentia a tristeza de sua filha de forma visceral, não só como a boa
mãe que era, mas também devido à conexão que possuía com ela,
uma conexão que passei a compreender melhor ainda quando
Logan nasceu. Não que Will e Lucius não compartilhassem daquilo
com seus filhos, não, mas Logan e Lucy cresceram dentro de mim e
Megan, aquela ligação estava em outro nível, um nível que somente
destinadas e suas proles compreendiam.
Quando estava grávida, pude ver nos olhos de Lucy a
esperança nascer e crescer, quando se deu conta de que logo teria
um amiguinho, igual a ela. A ligação deles surgiu quando Logan
ainda estava em minha barriga. Quando Lucy conversava com ele,
acariciando a protuberância inchada de meu abdômen e ele a
respondia com chutinhos, fortes e frenéticos, que me faziam respirar
fundo algumas vezes. Quando ele veio ao mundo e eles se viram
pela primeira vez, era como se Logan já soubesse quem ela era e aí
as coisas fluíram naturalmente entre eles depois disso.
Meus pais tentaram uma aproximação um ano depois que me
juntei a meu prometido, quando minha existência foi revelada pela
mídia, contando sobre a minha gravidez. Meus pais não sabiam
quem era meu prometido, nunca contei a eles e quando
descobriram por aquela matéria, tentaram a sorte de uma
aproximação. Não porque se importavam ou estavam arrependidos.
Não porque tiveram suas opiniões mudadas. Eles queriam minha
influência, a que adquirir, sendo esposa de um dos grandes.
Puxaram – sutilmente –, aquela coleira que ainda achavam que
estava em mim, aquela que eles usavam para me controlar quase a
vida toda e, em seguida, se frustraram quando perceberam que ela
não existia mais. Quando Logan nasceu, eles se sentiram confiantes
para tentar de novo, dessa vez, usando meu filho como uma
possível porta e eu os odiei por isso. Eles poderiam tentar fazer o
que quisessem comigo, mas nunca permitiria que tentassem
manipular meu bebê. Eles não tinham o direito sobre ele, deixaram
de ter no momento em que viraram as costas para mim. Logan não
era neto deles, assim como eu não era mais a filha. O cordão
umbilical fora cortado, assim como a presença deles na minha vida.
O poder e a influência de minha família, não seriam exploradas
por eles, não seria usada para limpar seus nomes e nem dar a eles
– por menor que fosse –, uma parcela de recursos e vantagens
perante outras pessoas. Não, eles teriam que assumir as
consequências de suas escolhas, eles teriam que fazer aquilo
sozinhos. Não seria usada e nem manipulada novamente. Eu era
uma Vlad e nós, da tríplice, nunca abaixávamos a cabeça para
ninguém. Nós éramos a ordem, nós éramos a lei.

— Linda, meu pai e a Jude estão esperando a gente para


comer e... — Will exalou ruidosamente quando eu, sorrindo, o levei
inteiro na boca. — Merda! Foda-se... — gemeu, agarrando meus
cabelos e lançando a cabeça para trás, fechando aqueles lindos
olhos azuis, completamente inebriados pelas sensações que minha
boca estava causando nele.
Havíamos chegado há pouco tempo no castelo, para passar
mais um final de semana e Jude viera conosco. Vladmir mandara
preparar um almoço para nós, na verdade, mais para Jude e Logan,
já que na maioria das vezes não nos forçávamos a comer, apesar
de termos iniciado uma tradição de nos reunirmos sempre à mesa a
fim de fazermos companhia a Logan, à medida que degustávamos
de nossa própria refeição. Deixamos nosso garotinho com o avô e
levamos Jude até o quarto de hóspedes que ela sempre ficava
quando vinha conosco para casa, antes de seguimos para o nosso
próprio quarto, com intenção de deixarmos nossas coisas aqui,
antes de descermos. Todavia, eu estava determinada a começar
uma espécie de vingança contra o meu prometido, que havia me
acordado pela manhã com um delicioso sexo oral e quanto estava
quase chegando lá, seu bendito telefone tocou. Pior? Ele me deixou
para atendê-lo, alegando ser importante. No fundo, eu sabia que me
privar do prazer era mais doloroso para ele, do que para mim, um
prometido continha impulsos que eram difíceis de se controlar
quando se tratava de sua destinada. Eles tinham como missão
serem portadores, de servirem e nos proporcionarem tudo que
pudesse nos fazer feliz. Eu vivia brigando com Will a respeito
daquilo, dizendo que não o queria como servo e sim como parceiro,
de igual para igual, mas sabia que controlar aqueles impulsos, às
vezes, estava muito além dele. Apesar de saber que ele se sentiu
péssimo por ter me deixado na mão e, principalmente, ter certeza de
que ele não o faria se não fosse de fato importante, eu estava me
sentindo um pouquinho vingativa.
Quando entramos no quarto e notei sua pressa em descer e
buscar alguns conselhos do pai, eu o ataquei, beijando-o e usando
minha força sobre-humana para impedi-lo de se soltar de mim. Will
por ser um vampiro puro e mais velho, era bem mais forte que eu,
no entanto, eu sabia que ele não iria contra mim, por medo de me
machucar, mesmo quando sabia que não era mais nem um pouco
frágil. Ainda me lembrava de que depois da nossa primeira vez, ele
fez de uma tarefa ser cuidadoso comigo, enquanto fazíamos amor.
Não importava o quanto pedisse para ele ir mais rápido e com mais
força, ele se empenhava em aplacava minhas necessidades de
outro jeito, transando comigo com calma, mas, ao mesmo tempo,
com paixão e intensidade.
Will sempre fora um cavaleiro, fora e dentro do quarto. Quando
finalmente me transformei, fiz questão de mostrar para ele que
amava fazer amor com ele, mas também amava foder como os
animais que éramos. Pouco a pouco, as reservas dele se foram e
Will me mostrou tudo o que poderia ser e o quanto estava se
segurando antes. Ele também não era muito de xingar, mas em
momentos como aquele, quando rompia as reservas de seu
autocontrole, levando-o ao limite, ele simplesmente não conseguia
evitar.
Passei a língua por sua extensão, da base até a ponta,
provocando-o, antes de sugá-lo com força, arrancando novos
xingamentos dele, que me fizeram sorrir mais ainda. Minha boca o
levou ao limite e fui implacável quando o fiz. Castigando-o e o
perdoando-o, pegando o que eu queria e retribuindo. A cada
movimento, a cada investida minha, Will empurrou seus quadris
contra a minha boca, seguindo o ritmo que eu ditara. Fiz o trabalho
completo, do jeito que ele gostava, do jeito que me ensinara e que
eu só o melhorei com o passar do tempo. Assediei-o com a
cadência e a profundidade que o levava, vendo Will lutar para conter
seus gemidos, sabendo que lá embaixo, seu pai, com certeza, nos
ouviria. Eu o empurrei cada vez mais para borda, determinada a vê-
lo perder o controle por completo. Seus arquejos se solidificam e ele
começou a perder a batalha, começou a perder o controle sobre os
sons que escaparam de sua garganta, enquanto agarrava com mais
força meus cabelos, começando a investir contra mim, ao invés de
seguir o meu ritmo.
Muito perto, ele estava tão perto.
Suas pernas ficaram tensas sob minhas mãos e senti seu
abdômen começar a contrair, assim como ele passou a engrossar
mais e mais dentro de minha boca. Deixei-o achar por um tempo
que estava conseguindo tomar o controle e quando ele estava
prestes a gozar, o soltei em um estalo úmido, esticando-me o
suficiente para ver o desespero e a frustração consumirem seus
olhos. Sorri para ele, limpando o canto da minha boca, suja do seu
pré-sêmen e ergui uma sobrancelha para ele. Demorou para ele
entender o que eu fiz e quando o fez, soltou um riso anasalado,
encostando-se contra a parede que eu havia o encurralado minutos
atrás, quando comecei com aquele joguinho.
— Eu nunca pensei que você era do tipo vingativa, esposa —
murmurou, arrastando as palavras daquela forma rouca que ele
sempre fazia, para me provocar.
— Eu gosto de te surpreender, marido — atirei de volta, ainda
de joelhos diante dele, vendo seu membro dar pequenos pinotes,
tão frustrado quanto meu prometido por ter seu prazer negado.
Ele estava tão perto, que somente com um mísero toque meu
ele explodiria.
Will ainda estava vestido, não me preocupei em despi-lo para
fazer aquilo, apenas abaixei o suficiente de sua calça para que
pudesse libertar a parte dele que era do meu interesse. Mesmo
daquele jeito, quase todo vestido, ele era uma visão e tanto, vista de
onde eu estava. Estava exigindo tudo de mim seguir com minha
vingança e não o fazer gozar. Estava pingando por ele, tão excitada
por vê-lo daquele jeito que estava quase abrindo mão daquela
vingança e jogando-o no chão, para tê-lo enterrado dentro de mim,
dessa vez.
— Você sabe que...
— Eu sei, mas não resisti fazer uma pequena travessura.
Will sorriu mais largamente, um sorriso pecaminoso, que me
mostrou suas presas.
— Acho que é do meu direito querer uma revanche — alegou,
descendo seu olhar do meu rosto, para meu corpo, de forma lasciva.
Um olhar que fez cada cavidade de destinada em mim, que
precisava ser reivindicada, se contorcer.
— Eu pensei que havia pessoas esperando por nós — rebati,
provocativa.
— Vamos ser rápidos e, claro, silenciosos — garantiu, mas nós
dois sabíamos que eu não era do tipo silenciosa e fazia de tudo para
fazê-lo ser tão barulhento quanto eu.
Não neguei, não tentei fugir. Eu iniciara aquele jogo e iria
terminá-lo porque cada fibra existente em mim, o queria. E elas
seguiriam assim por toda nossa existência.
Em um piscar de olhos, ele estava nu e no outro, eu. Em uma
fração de segundos após me despi, ele me dominou, na outra, ele
estava tão enterrado dentro de mim que, por um momento, esqueci-
me qual era meu nome. Fizemos amor e fodemos, usando nossa
força e velocidade, lutando para quem ficaria no controle, quem
ficaria por cima e quando um orgasmo intenso nos varreu, era como
se todo o mundo tivesse também se abalado pela força dele.
— Eu te amo — sussurrei, acomodando-me sobre seu peito,
buscando sua boca.
— Eu te amo mais — disse, beijando-me com todo amor que
ele era capaz de transferir por aquele ato.

— É bom te ver assim, feliz, confiante. Às vezes olho para você


e mal consigo me lembrar da pessoa que você costumava ser e isso
é bom. Muito bom — Jude comentou horas mais tarde, sentada ao
meu lado no jardim.
Will brincava com Logan a alguns metros à frente. Meu menino
estava com a aparência de uma criança de quase cinco anos e eu
começava a tentar trabalhar dentro de mim a aceitação de que logo
ele não caberia mais em meus braços. Sua roupa era idêntica à do
pai, seus cabelos castanhos, lisos e cheios, com uma franjinha que
caía quase acima dos seus olhinhos azuis, pareciam mais claros
sobre a luz do entardecer. Eles eram de um tom chocolate, um
pouco mais escuro do que o do pai, que era de um loiro-escuro. O
sorrisinho infantil que ele endereçava ao Will naquele momento,
estava destacando aquelas bochechinhas gordinhas que, às vezes,
me perdia mordendo, assim como as covinhas que eu também tanto
amava. Eu me distraía facilmente vendo a interação deles e me
emocionava todas as vezes.
Olhei para minha melhor amiga, vendo em seus olhos o quanto
a minha felicidade a alegrava. Jude viu muitas partes de mim, assim
como acompanhou de perto todas as minhas fases e podia dizer,
sem dúvidas, que aquela, a que estava vivendo, se tornou a sua
preferida. Sorri para ela, deixando claro que concordava com suas
palavras.
— Ele mudou tudo — declarei.
Vi minha amiga sorrir e desviar o olhar para Will, que erguia
nosso garotinho no colo e enchia seu rostinho de beijos, arrancando
aquelas risadinhas gostosas e infantis dele.
— Ele estava em seu destino, sempre esteve — minha melhor
amiga atestou, passando um de seus braços pelos meus ombros e
encostando sua cabeça na minha.
— Sim, assim como o destino determinou — disse, com meus
olhos fixos nos dois seres que eram o centro de todo meu mundo.
Não havia nada que eu não faria por eles, por Logan e foi com
essa constatação, que percebi que nunca seria como os meus pais,
porque a felicidade do meu filho estaria sempre acima de qualquer
outra coisa para mim.
Como se sentisse meu olhar, Will me encarou, sorrindo de
maneira sublime para mim, com nosso filho ainda em seus braços, o
fruto de nosso amor e que seria eterno, até que um de nós deixasse
esse mundo, consequentemente levando o outro consigo. Era assim
que funcionava, casais predestinados, consumados, eram ligados
em níveis profundos. Quando um morria, o outro o acompanhava.
Will se abaixou, colocando Logan no chão, que correu para mim e
se lançou em meus braços. Ri, conforme o enchia também de
beijos, aspirando seu cheirinho profundamente. Nada me deixava
mais calma, do que tê-lo ali. Will se aproximou de nós e se sentou
ao meu outro lado, sorrindo para Jude e nosso filho, à medida que
depositava um beijo suave em meus lábios.
Aprendi que não existia momento certo para amar e mesmo
que não existisse uma profecia unindo pessoas distintas, a algo ou
alguém, cada indivíduo nascia destinado a uma pessoa, destinado a
um propósito.
Não me arrependia das escolhas que fiz, porque a melhor delas
foi me unir ao Will de todas as formas. Essa união gerou um fruto,
um presente imensurável, Logan. Nosso destino havia sido escrito,
mas foi nossos corações que escolheram um ao outro. Eu amaria
William Vlad para sempre e se a morte, algum dia, batesse à nossa
porta, dando cabo a nossa existência, eu o seguiria amando, para
onde quer que fôssemos, havendo ou não algo depois disso.
Afinal, eu era sua prometida e nosso amor estava selado com
sangue.
Seis anos depois:
— Mãe, é só um verão — Logan resmungou do outro lado da
linha, tentando me convencer, pela décima vez, a deixá-lo ir passar
o verão na Inglaterra, com Lucy.
Will já havia dado sua permissão e Lucius ligou pessoalmente
para me tranquilizar, afirmando que ele ficaria no castelo com eles e
que sua presença não era incômodo algum. Eles estavam felizes
por recebê-lo e Lucy estava radiante por ter seu amigo por dois
meses inteiros.
Sim, não era só um verão, eles estavam estendendo o máximo
que podiam sua estadia por lá.
Não era como se eu não confiasse em Megan e Lucius, pelo
contrário. Logan também não era mais um garotinho – para meu
pesar –, ele havia atingido sua maturidade total como mestiço um
ano atrás e já era um homem tão lindo quanto o pai, que estava
arrasando corações na mídia e por toda Romênia. Contudo, para
mim, ele sempre seria meu menininho e passar dois meses longe
dele, quando nunca o fizera, me dava um aperto no peito.
— Por favor, mãe. Não posso ir sem sua permissão, você sabe
que não conseguiria ficar tranquilo lá, sabendo que a senhora
estaria aqui triste e chateada comigo. — Lá estava, meu doce e
gentil menino.
Logan não lembrava apenas seu pai em alguns traços de sua
aparência, como em sua personalidade também. Quando ele
nasceu, Will brincou que havia ganhado um adversário à altura para
brigar por meu amor e minha atenção, e que nosso filho seria o
único que ele permitiria ganhar todas as batalhas. Logan cresceu
como o perfeito menino dos olhos da mãe. Ele amava o pai com
fervor, mas como Lucy era a princesinha dos olhos de Lucius, Logan
era completamente apaixonado por mim e não fazia questão
nenhuma de esconder isso.
Suspirei, eu sem dúvidas, era uma mãe babona que não
conseguia ficar um dia sem seu bebê que, infelizmente, não era
mais um bebê. Não fazia ideia como conseguiria lidar com a
ausência dele por tanto tempo e a saudade, mas estava convencida
de que deixar Logan crescer e fazer novas descobertas, como
aprender a lutar as suas próprias batalhas, também fazia parte do
meu papel como mãe. Felizmente, ter pais como eu tive, me
mostrou, assim como continua me mostrando – principalmente em
momentos como aquele –, o tipo de mãe que não queria ser. A
superproteção e controle que meus pais estabeleceram sobre mim
por anos não era saudável e apesar de sentir aquele ímpeto de
proteger e cuidar do meu garotinho, eu também sabia que existia
um limite onde poderia levar aqueles sentimentos adiante. Um limite
onde a superproteção em demasiado, se tornava uma prisão e eu
não queria ir lá. Meu filho nasceu livre e se manteria assim, até
porque, um dia, ele encontraria um amor e eu sonhava que ele
pudesse viver aquilo intensamente, assim como construir sua
própria família. Infelizmente, Logan ainda acreditava que viveria
aquilo com Lucy. Seu amor por ela evoluiu muito ao longo dos anos,
conforme ele crescia, indo de uma amizade para algo mais. Seria
um sonho se Lucy pudesse correspondê-lo, nada faria nossas
famílias mais felizes do que aquela união, no entanto, além de Lucy
não sentir o mesmo por meu filho e estar completamente alheia aos
seus sentimentos, ela já possuía alguém destinado a ela, ela já
possuía um futuro determinado e, tristemente, Logan não fazia parte
dele, não no papel que ele queria.
Em parte, minha preocupação e hesitação em deixá-lo ir para
Inglaterra por dois meses tinha a ver com isso. Em nesse tempo, ele
finalmente se dar conta de que seus sentimentos nunca seriam
correspondidos, que ele sofresse. Todavia, se tinha uma coisa que
aprendi com os anos, era que o sofrimento era inevitável e que, às
vezes, a dor ensinava, assim como a verdade nos libertava. Muitas
pessoas não sabiam ou entendiam, mas era possível encontrar um
tesouro na dor.
— Tudo bem, meu amor, você pode ir — cedi, sorrindo para o
nada, enquanto me levantava para guardar a ficha de um paciente
que estava analisando antes que ele me ligasse.
Logan já tinha a permissão de seu pai, mas, mesmo assim, ele
quis a minha, para só assim, se sentir livre para ir.
— Obrigado, mãe, você é a melhor! Vou ligar para Lucy e
confirmar as coisas com ela. Eu te amo. — A felicidade estava
evidente em seu tom e isso fez com que quaisquer resquícios de
preocupação que ainda me incomodava, esvaíssem de vez.
Vê-lo feliz fazia tudo valer a pena.
Encerrei a ligação dizendo que o amava também e que logo
estaria em casa. Desliguei meu computador de última geração,
arrumei minha mesa e saí da minha sala, da clínica onde não só
trabalhava, como administrava. Tranquei-a e andei pelos corredores
apagando todas as luzes e me preparando para trancar tudo, antes
de ir para casa.
Formei-me em medicina dois anos após o nascimento de Logan
e foi graças a sua existência que finalmente descobri a área que
gostaria de me especializar. Pediatria. Uma criança mestiça
demorava a ter seu lado vampiro desenvolvido totalmente, isso
acontecia quando ela começava a ter a necessidade de ingerir
sangue, que ocorria na adolescência. Entretanto, enquanto isso não
acontecia, ela era mais humana que vampira – claro, se não formos
levar em conta aquela parte que ao nascerem matavam a própria
mãe e seu crescimento acelerado –, e estava suscetível a
resfriados, machucados e etc. Mesmo quando não se perpetuavam
por muito tempo. Logan teve muitos desses pequenos
inconvenientes e apesar de eu saber que eles nunca iriam evoluir
para algo grave, a preocupação e a minha superproteção não me
permitiam abaixar a guarda. Foi aí que percebi que amaria trabalhar
com outras crianças, cuidar delas. A especialização levou mais dois
anos de minha vida, mas o que era dois anos quando se vivia para
sempre? Quando se era imortal?
Como sempre, Will me apoiou fervorosamente. Ele havia me
esperado por anos, esperado eu crescer, esperado nossos
caminhos se cruzarem e, por fim, esperado seu amor, que havia
plantado em mim, germinar e dar frutos. Will adquiriu muita
paciência, ele me tinha por inteiro e como ele mesmo deixou bem
claro na época. Não seria as poucas horas que os estudos me
tirariam do lado dele, que o faria enlouquecer depois de tudo que
teve que passar para me ter. Não só como sua condessa, como
destinada e esposa.
Quando me formei, fui presenteada por meu prometido e
marido com uma clínica só minha. Ela não era tão grande como um
hospital, mas grande o suficiente a ponto de eu ter que empregar
mais profissionais e uma equipe gigantesca para me ajudar a
administrar aquele lugar. Uma equipe, também de segurança, foi
montada para mim por meu marido e aprovada por Lucian, que
como Lucius se tornou uma espécie de irmão mais velho e
superprotetor. Eu me divertia com o fato de eles ainda tratarem tanto
eu quanto Megan como se ainda fôssemos humanas. Assim como
tratavam Logan e Lucy como se ainda fossem crianças, o que
claramente eles deixaram de ser quando atingiram a maturidade. Eu
trabalhava cinco vezes na semana e folgava dois dias, fora os finais
de semana. Possuía uma equipe de profissionais tão competente,
que me sentia realizada em fazer o que amava e, também, me
ausentar do trabalho com tranquilidade para me dedicar às minhas
responsabilidades em casa, como condessa e como esposa. Em
todos aqueles anos, vivendo meu sonho, eu nunca negligenciei meu
casamento, meu prometido, meu título e, principalmente, meu papel
como mãe. Consegui me dividir muito bem entre aquelas áreas, o
que me fazia me sentir realizada em todos os sentidos.
— Boa noite, condessa! — Meu segurança particular, Cezar, me
cumprimentou, já parado em frente ao carro, com a porta aberta
para que eu entrasse.
Sua presença, seguindo-me para todos os cantos era de fato
desnecessária, principalmente por eu não ser mais uma humana
indefesa que precisava ser protegida, contudo, Will havia insistido,
então fizemos um novo acordo. Eu permitiria que ele me arrumasse
uma sombra e ele se certificaria de que seria apenas uma. Cezar
era discreto, amigável e muito bom no que fazia. Ele me dava
espaço, que era exatamente o que queria para conseguir trabalhar
em uma clínica voltada para crianças, fosse vampiras ou humanas,
sem ter um armário ambulante me seguindo por todo lugar,
intimidando meus pacientes.
— Cezar, já conversamos sobre isso, apenas Seline. — Me vi o
censurando mais uma vez, ele estava há muito tempo ao meu lado,
formalidades não cabiam mais entre nós, principalmente quando ele
se tornara um amigo.
O vi sorrir.
— Perdão senho... Seline, força do hábito — justificou-se,
afastando-se para que eu pudesse entrar no carro.
Havíamos voltado a morar no Castelo e a casa em Bucareste
ficara fechada, para ser usada por Logan no futuro, quando
decidisse o que cursaria na faculdade, na U.E.M.R. Assim ele não
precisaria ficar no dormitório durante a semana. Ficaria nela e
passaria os finais de semana conosco, em casa.
Eu estava terminando de amarrar meu sobretudo e naquela
hora, havia pouco movimento na rua principal, fazendo o eco do
meu salto, contra a calçada, soar mais alto do que deveria. Foi
então que antes que eu pudesse entrar no carro e seguir para casa,
um ofego deixou meus lábios, à medida que uma visão me engolia.
Pude sentir as mãos de Cezar me ampararem e sua voz me
chamar distante, ele já estava acostumado com os meus episódios,
contudo, acreditava que também era uma força de hábito seu se
preocupar.
A visão começou borrada e foi ganhando nitidez aos poucos.
Um corredor, muito familiar apareceu, escuro e coberto de sombras.
A única claridade presente nele, vinha de um pequeno feixe de luz,
centralizado, bem no meio do corredor, que rapidamente foi
consumido por uma figura – também bastante familiar –, que saía
das sombras e se posicionava bem no centro dele, olhando para
mim.
Como um empurrão, eu fui trazida para a realidade, arquejando.
Virei-me, ignorando as perguntas de Cezar e encarei a clínica atrás
de mim.
— Preciso resolver uma coisa, me espere aqui e não deixe
ninguém entrar — ordenei a ele, que rapidamente percebeu que o
assunto inesperado tinha a ver com a minha visão, por isso, não
questionou, apenas acenou e permitiu que eu seguisse para dentro
de novo, para resolver o que quer que fosse.
Como ele, todos à minha volta, que faziam parte da minha vida,
sabiam que não deveriam questionar qualquer atitude minha, após
uma visão.
Voltei para dentro, caminhando até o corredor que vi em minha
visão, um corredor que dava para as salas de exame. Acendi a luz
dele com pressa, mesmo sabendo que conseguiria enxergar muito
bem no escuro e pude vê-lo bem ali, de pé, de costas para mim,
como quem estivesse me esperando, como quem sabia que eu viria.
Um fantasma ou eu julguei que era por um tempo, quando
passei a ter visões dele, visões que me disseram que aquele
encontro, aconteceria em um futuro próximo.
— Olá, Seline ou eu devo te chamar de condessa? — Viktor me
saudou, ainda de costas e pelo seu tom, eu sabia que ele estava
sorrindo.
— Eu pensei que estivesse morto — atirei, cruzando meus
braços, conforme o via se virar completamente para mim.
O sorriso estava lá, assim como uma cicatriz, em forma de
garras em sua garganta. Vampiros se curavam de quase todos os
ferimentos, menos aqueles causados por fogo e ao observar aquela
marca, não demorei para constatar que ela não fora forjada por
aquele elemento e sim por garras, extremamente afiadas. Garras de
lobo.
— Por um segundo, há muito tempo, julguei que estivesse
também — ele respondeu, erguendo o rosto para que eu pudesse
ver melhor a cicatriz, que já estava encarando sem nem sequer
disfarçar.
Dava para se notar que ela fora profunda e que apesar da pele
ter se fechado e se tornado rosada – o que acabava fazendo ela se
ressaltar na pele pálida de Viktor –, os relevos, mesmo que sutis,
foram deixados para trás, não só como prova, mas para contar uma
história.
— Ele não me matou por minha traição, mas meu irmão fez
questão de me marcar como punição. Ao que parece, marcas feitas
por fogo não é a única coisa que não podemos nos curar totalmente,
ferimentos causados por lobisomens também — revelou, atraindo
meu olhar de volta para seu rosto, que estava contorcido em uma
expressão zombeteira.
Apesar de Viktor parecer fazer uma piada de sua situação, eu
podia ver em seus olhos que a mágoa estava lá, enraizada bem no
fundo de seu ser. Seu irmão não fora capaz de matá-lo por ter me
ajudado a escapar – e assim, consequentemente fazendo com que
os vampiros soubessem de sua presença entre nós, assim como
seus planos, destruindo suas chances –, mas o marcou, como um
aviso, como punição.
— Você não veio até mim para contar que está vivo e me
mostrar sua cicatriz superlegal, não é mesmo? Não depois de todos
esses anos — supus, caminhando até ele, que ficou incomumente
sério desta vez.
— Você está ótima, Seline — elogiou, suavizando sua
expressão e me encarando com carinho. — Tenho acompanhado
vocês de longe e apesar de ter desejado voltar para casa todos
esses anos, me desculpar com meu pai, William e ter a chance de
conhecer meu sobrinho, eu não podia, não sem ter a certeza de que
eles partiriam e nunca mais voltariam — acrescentou, hesitando,
antes de continuar.
Algo dentro de mim se agitou e uma visão antiga se espelhou
em meu subconsciente, com uma nova.
Um lobo negro, um homem e uma mulher loira, travando uma
queda de braço em um campo de batalha. A visão ondulou e
mudou. Eles estavam de novo, frente a frente, mas dessa vez, com
seus lábios separados por centímetros de distância. No peito direito
da garota uma marca brilhava, a mesma marca do homem, que
ainda oscilava entre sua forma humana e de lobo, continha, bem na
lateral de seu bíceps. Fios, verde-esmeralda os envolviam, deixando
claro de que estavam ligados de uma maneira nada natural.
Pisquei, encarando Viktor de forma sombria.
— Eles partiram, mas não para sempre — sibilei, ainda
sentindo aquela dormência quase debilitante que tinha após uma
visão intensa, me sobrepujar.
Viktor não respondeu, apenas acenou.
— Eles estão de volta e, desta vez, não vão começar por baixo,
vão atacar o topo da pirâmide, como tinham planejado há muito
tempo. Era um plano B, caso algo desse errado e ao que parece,
eles pretendem segui-lo à risca. Vão atacar onde mais dói, a maior
fraqueza dos Black’s. — Com suas palavras, pude sentir a primeira
jogada, naquele tabuleiro de xadrez que ficou parado no tempo,
acontecer. A primeira jogada do rei de preto.
Lucy, ela era o coração daquela família.
Do outro lado, as peças brancas começaram a ser movidas,
sendo preparadas para sua jogada rebate. No fim da linha, a rainha,
que estava finalmente pronta, cintilou, sobre um foco de luz. A
atmosfera mudou ao nosso redor, fazendo tanto eu, quanto Viktor
notarmos, na forma de um calafrio em nossa espinha, que uma nova
era começara.
O tempo havia chegado, a guerra estava prestes a começar.
Fechei os olhos, sentindo por aquela que uma vez foi apenas
uma garotinha e que com a maturidade, ganhara uma
responsabilidade tamanha. Lucy seria a chave para o fim de uma
guerra.
William e os vampiros que sabiam a respeito da profecia
lançada para acabar com a rixa entre lobisomens e vampiros não
faziam ideia. A profecia não fora quebrada, ela apenas esperara, no
casulo do tempo, a criança certa nascer e ela era a Lucy. Após o
que tinha previsto sobre ela – anos atrás –, percebi que nosso
encontro não fora uma coincidência e sim algo premeditado. Eu
estava ligada a ela, pois sabia algo sobre seu futuro que ninguém
sequer poderia imaginar. Tudo em seu nascimento não fora
convencional, assim como tudo nela não era, como seus dons, por
exemplo. Para os olhos cegos, aquilo não era nada, mas para uma
profecia, a peculiaridade era, na maioria das vezes, portadoras de
coisas intrínsecas.
O destino havia batido o martelo e apesar de eu querer correr
para contar a ela e a todos o que estava por vir, não podia, não
ainda. Nosso futuro e destino estava nas mãos de Lucy e cada
escolha que ela fizesse a partir daquele dia, selaria ele,
independentemente se isso fosse bom ou ruim.
Profecias não morriam, a magia não envelhecia ou se perdia no
tempo. O equilíbrio estava exigindo seu preço e todos nós
aprenderíamos a não subestimar o destino e seus planos.
Tambores soaram, preenchendo o ar com uma canção
selvagem, com uma canção de guerra. Uivos se fundiram a gritos e
sentado no trono feito de ossos, o Alfa Supremo sorriu,
predatoriamente.
— É chegado o tempo, o tempo da guerra. Seis anos atrás
nossos planos foram arruinados, um custo que pagamos por confiar
em quem não deveríamos — O grande alfa olhou para o alfa a sua
direita, que abaixou os olhos por um segundo, claramente sendo
ainda devorado pela culpa, pelo arrependimento — Mas
aprendemos a lição e não cometeremos o mesmo erro novamente
— Determinou, vendo o alfa erguer seu queixo e acenar,
resignadamente — Esperamos por esse momento por muito tempo
e desta vez, não seremos misericordiosos. Atacaremos onde mais
dói, iremos para aqueles que detém o maior poder. Vamos direto
para cabeça da serpente ou melhor, do leão. Os dias dos Black’s
estão contados e nós os atingiremos em sua maior fraqueza, o
faremos pagar com sangue nosso exilo e a morte de todos os
nossos irmãos no passado.
A sentença proferida com imperiosidade e raiva, causou uma
comoção. Mais gritos, mais uivos. Os lobisomens estavam sedentos
por vingança.
— Você terá a chance de reparar seu erro, sobrinho. Leve sua
matilha, mate a mestiça e abra caminho para nós — O Alfa
Supremo ordenou, tocando o ombro do alfa ao seu lado, seu braço
direito e aquele de sua maior confiança, sangue do seu sangue —
Logo, isso chegará ao fim e poderemos enfim tomar posse do que
nos foi tirado — Concluiu, soltando-o e voltando a se recostar em
seu trono.
Na sua frente, seu povo festejava, comendo e dançando.
Naquela noite, eles comemorariam e fariam oferendas aos seus
deuses, aos seus antepassados. Mas assim que o sol nascesse, um
dos melhores guerreiros do Alfa Supremo partiria para sua missão.
A breve aliança com o vampiro traidor só havia sido vantajosa para
eles por um motivo, recursos. Os recursos que Viktor dera para eles
e que ele pensou — quando os traiu — que perderiam, os ajudaria
naquela empreitada.
Por enquanto, eles tinham apenas um barco, que seria usado
pelo alfa de confiança do Alfa Supremo, para levá-los até seu
destino, logo, eles teriam mais, assim todos poderiam ir à guerra,
quando a hora chegasse.
O alfa deixou sua posição ao lado do grande Alfa Supremo e
ajoelhou a sua frente, em um ato de respeito e lealdade.
— Considere feito, meu tio — Com o punho fechado sobre o
peito esquerdo, ele fez um voto, uma promessa.
Em seu trono, o Alfa Supremo sorriu largamente, satisfeito por
tal devoção e principalmente, pela futura conquista que acreditava,
fielmente, que logo alcançaria.
Reescrever esse livro foi, literalmente, uma viagem. Há aqueles
que vão dizer que a história de Will e Seline foi arrastada, focada
nas inseguranças dela, que para nós, leitores — e me incluo nisso
por também ser uma em minhas horas vagas — poderiam soar
supérfluas, mas que foram extremamente necessárias para seu
crescimento pessoal... E há quem diga que foi rápida demais, por
não ter mostrado todas as etapas que já tivemos o prazer de
acompanhar nos primeiros volumes, passo a passo. Minha intenção
era não tornar nada nesse livro repetitivo, principalmente porque
não tivemos só a história incrível de Will e Seline para mostrar,
como também tivemos a introdução do livro de uma personagem
superespecial, que terá sua história contada no próximo volume.
Estou ansiosa para dar vida a cada detalhe do livro de Lucy e
espero que vocês também estejam depois desse final. Já quero
ouvir os palpites de vocês, então podem me chamar lá no direct do
Instagram @AutoraKamilaPaesLeme e surtar junto comigo.
Como em cada livro, gostaria de deixar aqui meus mais
profundos agradecimentos pelo carinho de todos vocês, para
comigo e com essa saga. Vejo ela crescer cada dia mais aqui e
tenho tido a chance de conhecer leitores incríveis através dela. Isso
tudo é para vocês e gosto de frisar também que isso, tudo isso, não
seria possível sem vocês. Peço que continuem me ajudando a levar
essa saga para outras pessoas, para que elas tenham a chance de
conhecer não mais apenas Lucius e Megan, como Will e Seline.
Agradeço a Deus, que sempre está à frente de cada passo
meu, me dando forças e sabedoria. A minha família e amigos, que
seguem me incentivando a continuar lutando pelo meu sonho. Os
meus leitores e minha equipe maravilhosa que nunca me deixa e
torna cada um desses processos mais fácil.
Stephanie Santos, Patrícia Suellen e Mary Barcelos, eu
nunca vou cansar de exaltar vocês e dizer o quão incríveis vocês
são. Obrigada por tudo.
Sumário
AVISO
DEDICATÓRIA
A SAGA
NOTAS DA AUTORA
EPÍGRAFE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO BÔNUS
EPÍLOGO
O QUE VEM POR AÍ
AGRADECIMENTOS

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