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Rio de Janeiro, 31/05/2020

DEPARTAMENTO DE DIREITO
Contratos Empresarias – JUR1241/2HA
PROFESSOR: Paulo Penna
G1 2020.1

Questão 1: O Código Civil de 2002 unificou o Direito das Obrigações, revogando a


parte do Código Comercial que tratava dos contratos comerciais. Em vista dessa
mudança legislativa, analise se os contratos comerciais ou empresariais constituem
uma categoria autônoma de contratos distinta da categoria dos contratos civis. (2,0
pontos)

Resposta:
Observa-se que o direito empresarial possui princípios exclusivos, como por
exemplo: a livre iniciativa, a livre concorrência, a preservação da empresa e a função social
da empresa e dos contratos empresariais, consagrados como corolários da ordem
econômica na Constituição Federal (art.170, CF). Outrossim, é evidente a convivência de
diversos microsistemas na seara comercial, quais sejam o ramo da Propriedade Industrial
(Lei nº 9.279/96), o estatuto das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404), o regramento das
Falências e Recuperações Judiciais (Lei nº 1.105/01) entre outras normas esparsas
presentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Natalino Irti, Professor Doutor da Faculdade de Roma Sapienza, leciona sobre a
relevância dos códigos e diplomas normativos na era oitocentista, principalmente para o
desenvolvimento do liberalismo, cuja principal demanda era o estabelecimento de
previsibilidade das normas que disciplinavam o mercado e as trocas comerciais. Todavia, o
jurista assume que os Códigos representam nos dias atuais meros símbolos de valores
passados, sinalizando a primazia das normas especiais.
Nesta senda, os Contratos Comerciais se localizam neste emaranhado de
microsistemas, apresentando características próprias que se diferem frontalmente dos
contratos civis. Os contratos empresariais são celebrados entre empresários (possuem
partes próprias), escopo no lucro bilateral, elemento do risco, e maior apelo pelos costumes.
Ante o exposto, conclui-se que os contratos empresariais são uma categoria
autônoma, vez que a simples unificação em um Código Civil não alterou ou reduziu
significativamente as diferenças entre o direito civil comum e o empresarial.
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Questão 2: Qual o alcance do art. 421 do Código Civil (“A liberdade de contratar será
exercida nos limites da função social do contrato.”) em relação aos contratos
empresariais? Qual o propósito deste artigo e em que medida ele afeta a negociação
de contratos? (2,0 pontos)

Resposta:
A função social do contrato como principio modulador da autonomia privada,
apresenta uma limitação clara da liberdade ou autonomia contratual, tendo como propósito
privilegiar os Núcleos de Interesse que orbitam em torno da relação subjetiva firmada entre
as partes. Nesse sentido, cabe ressaltar o Enunciado 26 da Jornada de Direito Comercial,
pois a aplicação desse princípio aos contratos empresariais tem suas peculiaridades: “O
contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou
interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação
negocial.”
Nesse sentido, a função social norteia a interpretação dos contratos empresariais à
fim de as disposições contratuais possam ser revisadas e até mesmo anuladas, caso
onerem ou prejudiquem os direitos ou interesses de terceiros.

Questão 3: O inciso V do art. 4º da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19)


estabelece que a administração pública deve evitar o abuso do poder regulatório de
maneira a, indevidamente, aumentar os custos de transação sem demonstração de
benefícios. O que são os custos de transação e em que medida influem na
negociação e execução de um contrato empresarial? (2,0 pontos)

Resposta:
O termo “custos de transação” tem origem nas teorias econômicas da escola de
Chicago, mas precisamente nos trabalhos de Ronald Coase, The Nature of Firm, tendo
fundamentado várias abordagens na chamada análise econômica do direito. Representa,
em síntese, os custos pelos quais os agentes econômicos incorrem ao negociarem e
celebrarem contratos e operações em determinado no âmbito das relações negocias. Nesse
passo, os custos de transação implicam em dispêndios, nem sempre contabilizáveis, com o
processo de instrumentalização de uma operação: planejamento, obtenção de informações,
negociação com número maior ou menor de fornecedores, aspectos regulatórios e
coercibilidade dos termos acordados na fase pós contratual por exemplo
Com relação a um determinado contrato empresarial, os custos são referentes ao
acesso ao mercado no âmbito daquele contrato, inclusive o de obter as informações que
são pertinentes àquela negociação. Para celebrar um contrato, as partes devem estar
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seguras das consequências, portanto, buscam o acesso à maior quantidade de informações
possível, de acordo com seu orçamento, capacidade e tempo disponível.
Nesse contexto, os custos de transação englobam as despesas com profissionais,
auditorias, cartórios, além dos custos tributários e o próprio tempo despendido em si, de
certa forma. Quanto mais tempo, esforço e dinheiro as partes despendem com a transação
(seja pela complexidade da transação, pelo mercado específico ou por fatores Estatais,
como a burocracia e a carga tributária), naturalmente mais custosa ela se torna, podendo
inviabilizar diversos contratos e operações, e, ainda, tornar um mercado demasiadamente
ineficiente.

Questão 4: O revogado Código Comercial de 1850 tratava da lesão no seu art. 220,
com a seguinte redação: “Art. 220 - A rescisão por lesão não tem lugar nas compras e
vendas celebradas entre pessoas todas comerciantes; salvo provando-se erro, fraude
ou simulação.” A lesão está atualmente regulada pelo art. 157 do Código Civil.
Discorra sobre a interpretação/aplicação do art. 157 em relação aos contratos
empresariais. (2,0 pontos)

Resposta:
O instituto da lesão ocorre quando uma pessoa se obriga a uma prestação
desproporcional (incorrendo em prejuízos excessivos) em duas situações: sob premente
necessidade ou por inexperiência. A aplicação desse instituto aos contratos empresariais,
implica em restringir a sua interpretação, uma vez que nesse ramo do direito o polo
subjetivo da relação obrigacional (sujeitos de direito empresários) não é observado de
forma paternalista ou hipossuficiente, espera-se, portanto, que o agente contratante
apresente condutas coerentes com a categoria à qual pertence. Desse modo, é incoerente
e paradoxal um empresário alegar ser inexperiente, pois presume-se que se esforce para
conhecer as particularidades do mercado e riscos do seu mister.
Outrossim, a hipótese de premente necessidade designada pelo dispositivo, deve
ser interpretada de forma restritiva, no contexto dos contratos empresariais, justamente
para não se ferir a autonomia individual e a liberdade contratual. Tal fato decorre das
características que envolvem a atividade do empresário (vetor contratual do risco), ou seja
os elemento da necessidade determinam por vezes as negociações no âmbito comercial.
Nesse contexto, assim como consignado por Judith Martins Costa em relação à boa-
fé nos contratos empresariais, a lesão terá sua aplicação restrita entre contratantes
empresários, pois eventual revisão contratual baseada neste fundamento pode causar
distorções e insegurança jurídica. Por um lado, incentivaria as partes a contratarem sem os
devidos cuidados e, por outro lado, desestimula os esforços de obtenção de maior lucro
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pelas partes prejudicadas com a revisão, que o teriam auferido de forma lícita com a
contratação.

Questão 5: Caso uma parte de um contrato de médio ou longo prazo tenha sido
afetada pela pandemia do covid-19, esta parte tem direito de exigir a revisão do
contrato, de modo a alterar as suas obrigações contratuais enquanto durarem os
efeitos da pandemia nos seus negócios? (2,0 pontos)

Resposta:
O fundamento para alteração das condições originalmente pactuadas é orientado
pelo brocado rebus sic satantibus, ou seja, enquanto as bases objetivas que permeiam a
celebração do negócio permaneçam as mesmas, a sua execução será mantida. Deste
modo, possuímos na legislação civil institutos como a onerosidade excessiva (nos termos
dos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil), que pode ser usada como critério objetivo para
a revisão contratual.
Por exemplo, diversas lojas se veem impossibilitadas de funcionar mas continuam
obrigadas às prestações mensais do contrato de locação de seus estabelecimentos. Esse
entendimento já tem sido aplicado pelo Poder Judiciário, ao repartir o ônus excessivo entre
as partes contratantes. Portanto, é aplicável o art. 479, CC para que a parte onerada tenha
o direito de exigir a revisão do contrato.
Seja qual for a hipótese, ainda que haja a possibilidade legal de resolução contratual
nos termos do art. 478, CC, a melhor saída geralmente é a revisão contratual, tanto por
uma questão de segurança jurídica quanto por razões econômicas, evitando falências e o
agravamento ainda maior da situação financeira de empresas.

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