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CONSUMIDOR
Princípios gerais
do Direito do
Consumidor
Camila Possan de Oliveira
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
A defesa do consumidor é um princípio constitucional. Atualmente, é possível
afirmar que todos que vivem em sociedade são consumidores de pelo menos um
produto ou serviço. Assim, a tutela desse tipo de relação é imprescindível, motivo
pelo qual ela foi prevista pela Constituição Federal (BRASIL, [2020]). A cada dia,
novos produtos e serviços são colocados no mercado e o consumo é massificado.
Por isso, o cuidado com os consumidores deve ser constante, a fim de evitar a
lesão à integridade física e moral do sujeito que consome.
Neste capítulo, você vai estudar a diferença entre os princípios e as regras.
Além disso, vai ver qual é a importância dessa diferenciação para o Direito do
Consumidor. Por fim, vai conhecer os princípios previstos no artigo 4º do Código
de Defesa do Consumidor (CDC) (BRASIL, 1990) e ver por que essa lei é considerada
principiológica.
2 Princípios gerais do Direito do Consumidor
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento
das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança,
a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida,
bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os
seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
a) por iniciativa direta;
b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;
c) pela presença do Estado no mercado de consumo;
d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade,
segurança, durabilidade e desempenho.
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvi-
mento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se
funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus
direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;
V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de quali-
dade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos
de solução de conflitos de consumo;
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado
de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos
Princípios gerais do Direito do Consumidor 5
Nunes (2019, p. 112) explica por que o CDC é considerado uma lei
principiológica:
Como lei principiológica entendese aquela que ingressa no sistema jurídico, fa-
zendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e
qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que
esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional.
Além disso, o CDC é a lei que se encarrega de efetivar, fora do plano consti-
tucional, o princípio da proteção dos consumidores, que se encontra previsto
na Constituição Federal no inciso V do artigo 170: “A ordem econômica, fundada
na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar
a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor” (BRASIL, [2020], documento
on-line). Assim, é possível notar que a Lei nº 8.078/90 nasce para concretizar
um princípio constitucional, o princípio de defesa do consumidor, que faz parte
dos princípios gerais da atividade econômica (BRASIL, 1990).
Por esse motivo, alguns autores, como Tartuce e Neves (2021), defendem
que o CDC tem eficácia supralegal, ou seja, está abaixo da Constituição Federal,
mas acima das leis ordinárias (Figura 1).
Assim, o que pertence aos serviços públicos vai continuar a ser tratado
pelas normas que regem essa seara jurídica, mas também será aplicado o
CDC quando se apresentar uma relação de consumo com o poder público.
Nas relações que envolvem direito bancário, igualmente vão continuar sendo
aplicadas as normas que regem o setor, mas elas devem obedecer à Lei nº
8.078/90 quando essa relação tiver a figura de um consumidor, ou seja, elas
vão obedecer aos princípios consumeristas (BRASIL, 1990). Nesse sentido,
Cavalieri Filho (2019, p. 15) destaca:
[...] sem retirar as relações de consumo do campo do Direito onde por natureza
se situam, sem afastá-las do seu natural habitat, o Código do Consumidor irradia
sobre elas a sua disciplina, colorindo-as com as suas tintas. Vale dizer, o CDC não
criou um sistema jurídico obrigacional e contratual próprio; todo o ordenamento
jurídico continua aplicável às relações de consumo, submetido, entretanto, aos
princípios nele (CDC) consagrados.
Portanto, o CDC, ainda que seja dono de uma lógica própria e tenha obje-
tivos únicos, não se isola de todo o sistema jurídico. Ele precisa da aplicação
do Código Civil, por exemplo, no que diz respeito à constituição, validade e
execução dos contratos. Isso porque, no caso dos contratos, ao analisar de-
talhadamente a Lei nº 8.078/90, vemos que não há qualquer disciplina típica
de qualquer tipo de contrato (BRASIL, 1990). Assim, é possível aplicar o CDC
a todos os contratos de consumo por causa de sua condição principiológica,
ou seja, que se estrutura em cláusulas gerais e princípios, e não em normas
tipificadoras de condutas (CAVALIERI FILHO, 2019).
Desse modo, o CDC é um sistema jurídico aberto que se vale de uma es-
trutura jurídica preexistente de outras áreas do Direito, mas que faz imperar
os seus princípios.
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Leituras recomendadas
ENTENDA: o que é obsolescência programada? [S. l.: s. n.], 2019. 1 vídeo (8 min). Publicado
pelo canal TecMundo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ix_nYVFlqWo.
Acesso em: 4 nov. 2021.
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