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FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA

CAMPUS DE CACOAL
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE DIREITO

CLÁUSULAS ABUSIVAS E PRÁTICAS ABUSIVAS – RELAÇÃO DE CONSUMO


CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

Disciplina: Direito do Consumidor


Prof.: Jônathas Siviero
Alunos: Anderson Miranda Reis
Ronivaldo Pinheiro da Silva

Cacoal – RO, 28 abril de 2017.


1. Introdução

O presente trabalho tem como objetivo explorar o tema “práticas abusivas” e


“cláusulas abusivas” presentes no texto do Código de Proteção e Defesa do
Consumidor – CDC. Sendo assim, alguns conceitos se fazem necessários para a
compreensão do mesmo.
O comércio está presente na sociedade desde os primórdios, onde as
necessidades de se obter produtos ou serviços exigiu uma relação comercial. Na
sua gênese, a relação comercial se dava por meio de barganha, troca, de produtos
ou serviços e, desse modo surgia então a relação contratual, pois ao adquirir certo
produto surgia a obrigação de pagamento.
A humanidade evoluiu e com ela as suas estruturas de organização, o que
não poderia ser diferente em relação aos contratos. O contrato como se estabelece
hoje tem influência de várias épocas e culturas, dentre as quais podemos relatar as
teorias filosóficas da idade antiga – baseada na racionalidade dos atos, defendia a
concepção de que o nascimento das obrigações se encontrava na livre vontade dos
contratantes, e que o contrato tem força de lei entre as partes – e influência da
Igreja, já na idade média, que valorizavam a moral, onde a fé jurada era o respeito à
palavra dada, impondo obrigatoriedade do seu cumprimento.
Com o aumento populacional, e, após a Revolução Francesa, a escala de
produção e comércio ganhou outros níveis. A relação contratual deixou de ser
somente de cunho particular, em negócios isolados para uma relação macro, de
interesse coletivo. Nesse caso, surge a figura do comerciário industrial e com ele
nasce obrigações exclusivas.
A nova teoria contratual emerge com o crescimento exacerbado do consumo,
com a consolidação do mundo polarizado, alcançando no capitalismo o seu apogeu.
A relação comercial continua a ter duas partes interessadas, porém com direitos e
obrigações distintos. A paridade nas relações de consumo não pode ser mais
presumida, passando a requerer uma regulamentação específica. Com a finalidade
de assegurar eficácia a atividade contratual se insere o Estado, enquanto titular do
dever de assegurar a ordem jurídico-social.
2. O código de Proteção e defesa do Consumidor.
A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 veio para regular as relações entre
os consumidores e fornecedores, o chamado Código de Defesa do Consumidor, visa
a manutenção do equilíbrio das relações de consumo, seja reforçando a posição do
consumidor, seja proibindo ou limitando as práticas abusivas de mercado.
Com o CDC foram introduzidas normas que proíbem expressamente as
cláusulas abusivas nos contratos, garantindo, assim, uma maior proteção ao
consumidor, bem como o controle judicial das cláusulas contratuais.
No artigo 51, da Lei 8.078/90, temos uma lista exemplificava das chamadas
cláusulas abusivas, que são aquelas que causam, em detrimento do consumidor, um
desequilíbrio entre os direitos e obrigações das partes, encontramos no artigo 6º, da
mesma Lei, como direito do consumidor, a possibilidade de modificação de cláusulas
contratuais, sempre que for necessário o restabelecimento do equilíbrio das relações
entre os consumidores e os fornecedores.
Dessa forma, com fundamento na Lei 8.078/90, o consumidor poderá solicitar,
em Juízo, a alteração ou exclusão de uma cláusula considerada abusiva.

3. Pacta Sunt Servanda


No Estado Liberal prevalecia a autonomia da vontade, o acordo entre as
partes, se impunha e uma vez firmado o compromisso deveria ser integralmente
cumprido mesmo que resultasse em injustiça.
Os contratos existem para serem cumpridos. Este brocardo é a tradução do
latim Pacta sunt servanda, segundo o qual os contratos uma vez celebrados
livremente, incorporam-se ao ordenamento jurídico passando a vigorar como se
fossem verdadeiras normas jurídicas. É o Princípio da Força Obrigatória, segundo o
qual o contrato faz lei entre as partes.
Com o desenvolvimento e o avanço da sociedade, o negócio, antes particular,
passou a ter que atender aos interesses coletivos, a autonomia da vontade que até
então prevalecia intocável nos ordenamentos jurídicos começou a ser questionada e
limitada pela intervenção do Estado na vida econômica, reduzindo-se a figura do
chamado Estado Liberal.
Foi o abandono da concepção individualista e o reconhecimento da efetiva
transformação das sociedades, gerando a figura do coletivo.
A obrigatoriedade, que antes era absoluta, passou a submeter-se e a
respeitar a lei e outros princípios entre os quais destacamos: O Princípio da Boa Fé,
Princípio da Legalidade, Princípio da Igualdade.
Assim, podemos afirmar que na concepção moderna o Pacta sunt servanda
deve ser entendido como sendo “o principio pelo qual o contrato obriga as
partes, desde que seja respeitado os limites fixados pela lei”.
Nas palavras de Renata Mandelbaum opinando sobre o assunto.
"Como já visto, estamos diante da decadência do princípio da autonomia
da vontade em razão de ter escoado o momento político e econômico em
que fora possível, e até mesmo necessária, a sua formação. Estamos hoje
frente a uma nova realidade, que não admite a aplicação plena do ‘pacta
sunt servanda’. Para exprimir a transição dos contratos e da expressão da
vontade, observando que esta não tinha mais autonomia, imperando a
determinação do mais forte sobre o economicamente mais fraco, o que se
busca é impedir o ilimitado exercício dos direitos individuais" e que "Antes
mesmo de romper-se com a questão do dogma da autonomia da vontade,
falava-se em sua limitação, tendo cada ordenamento através de leis
específicas, para situações concretas, determinadas em razão da
necessidade do tráfico negocial, imposto limitações ao poder de contratar
das partes. Em resumo, observe-se que inicialmente a autonomia da
vontade era limitada pela impossibilidade de serem firmados pelos
particulares, negócios ilegais ou imorais, sendo que a ilegalidade era
observada não somente como fraude a lei, mas a toda a ordem pública".

4. Contratos de adesão
Os contratos de adesão são aqueles em que uma das partes previamente
estipula as cláusulas e a outra simplesmente as aceita, sem ter o direito de discuti-
las. Esta limitação fere o princípio da liberdade de contratar, pois a parte
economicamente mais forte dominando a relação, obriga o aderente a admitir
disposições prejudiciais, tendo em vista sua necessidade financeira.
Exemplo típico são os contratos bancários em que as instituições financeiras
são infinitamente superiores na relação com os consumidores. Além de dispor sobre
as cláusulas abusivas, o CDC no artigo 47 traz a orientação de que as cláusulas
contratuais devem ser interpretadas em benefício do consumidor, recaindo a dúvida
sobre a parte mais forte.

5. Revisão dos contratos


Os contratos devem ser vigiados pelos olhos da justiça, para que não se
afastem da legalidade. Esta proteção, que se dá pela interferência judicial, está
prevista no art. 6º, V, da lei 8.078/90.
Art. 6. São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam
prestações desproporcionais.

Código de Defesa do Consumidor reforçando a teoria da lesão, impede que


os abusos continuem sob o pretexto do Pacta Sun Servanda, havendo desequilíbrio
haverá a necessidade da revisão das cláusulas contratuais. A parte
economicamente mais forte impõe sua vontade, ferindo o Princípio da Igualdade, e
através da provocação, o Judiciário será chamado para restabelecer o equilíbrio
jurídico.
Em muitos casos o desequilíbrio já existe antes mesmos da celebração do
contrato, quando as partes se encontram nos extremos da relação econômica. O
exemplo dos bancos é dos mais comuns no dia a dia. A revisão dos contratos é uma
conseqüência da cláusula rebus sic standibus, pois configurando-se a aplicação da
teoria da imprevisão o ajuste será necessário.

6. Cláusulas abusivas
Cláusulas abusivas são aquelas que colocam o consumidor em desvantagem
nos contratos de consumo. O consumidor que se deparar com uma cláusula abusiva
poderá recorrer à Justiça para pleitear sua nulidade, e, consequentemente, livrar-se
da obrigação nela prevista. São abusivas não só as cláusulas contratuais a que se
refere o Código do Consumidor, como também aquelas previstas nas Portarias do
Ministério da Justiça.
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula que:
- impossibilita, exonera ou atenua a responsabilização do fornecedor por vícios dos
produtos e serviços;
- implica renúncia de direito do consumidor;
- subtrai ao consumidor o direito de reembolso da quantia paga, nas hipóteses
revistas no CDC;
- transfere responsabilidades do fornecedor para terceiros;
- estabelece a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor e contra o
disposto no art. 6º, VIII;
- determina a utilização obrigatória de arbitragem;
- impõe representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo
consumidor (cláusula mandato);
- deixa ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o
consumidor;
- permite ao fornecedor, direta ou indiretamente, variar o preço de maneira unilateral;
- autoriza o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito
seja conferido ao consumidor;
- obriga o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que
igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
- autoriza o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do
contrato após sua celebração;
- infringe ou possibilite a violação de normas ambientais;
- está em desacordo com o sistema de proteção do consumidor;
- possibilita a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias;
- regra geral: estabelece obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloque o
consumidor em desvantagem exagerada, ou que seja incompatível com a boa-fé ou
a equidade.
Diz-se que uma vantagem é exagerada quando: (I) ofende os princípios
fundamentais do sistema jurídico a que pertence; (II) restringe direitos ou obrigações
fundamentais inerentes à natureza do contrato de modo a ameaçar seu objeto ou o
equilíbrio contratual; (III) mostra-se excessivamente onerosa para o consumidor,
considerando-se a natureza e o conteúdo do contrato, o interesse das partes e
outras circunstâncias peculiares ao caso.

7. Prática abusiva
É a conduta, a ação, a postura, normalmente na fase pré-contratual, que
agride o direito do consumidor; é o desrespeito a direito do consumidor que a torna
abusiva.
As práticas abusivas não são apenas as descritas no artigo 39 do CDC, pois o
rol ali é meramente exemplificativo, não é taxativo; ou seja, podem existir outras
práticas abusivas além das elencadas no artigo 39. Faz parte da principiologia de
todo o direito do consumidor a proteção genérica contra todas as formas de práticas
comerciais abusivas, o que é destacado como direito “básico” do consumidor no art.
6º, IV, do CDC, in verbis:
“IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais
coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas
no fornecimento de produtos e serviços;”
Os doze incisos do art. 39 arrolam exemplificativamente uma série de
hipóteses em que há práticas comerciais abusivas, as quais foram antecipadamente
cogitadas de forma abstrata pelo positivador da lei, o que não poupa, e nem impede,
o trabalho de análise pormenorizada nos mais diversos casos concretos que se
apresentam da existência de práticas abusivas que lesionem ou ameacem de lesão
os consumidores.
A prática abusiva não existe por si mesma, é uma consequência da
desobediência a um direito do consumidor. Para identificar se sua prática comercial
é ou não é abusiva em relação ao consumidor, basta que se pergunte “há algum
direito do consumidor desrespeitado?”. Existindo o desrespeito, há prática abusiva.
Como leciona Antônio Carlos Efing, são “comportamentos, tanto na esfera
contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de
inferioridade econômica ou técnica do consumidor. ‘É a desconformidade com os
padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor’[6], conforme o
apontamento de Antônio Herman V. e Benjamin”, e mais adiante, “Assim, as práticas
abusivas representam antes de mais nada a tentativa do fornecedor agravar o
desequilíbrio (i.e., vulnerabilidade) da relação jurídica com o consumidor, impondo
sua superioridade e vontade, sendo que na maior parte das vezes isto se traduz na
supressão [ou redução] do direito de livre escolha do consumidor”.
Vale ressaltar que as hipóteses consideradas práticas comerciais abusivas
são proibidas independentemente da ocorrência de dano para o consumidor, sendo
norma de ordem pública a regular as relações de consumo em benefício da
sociedade. Vejamos algumas práticas previstas no CDC:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre
outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao
fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa
causa, a limites quantitativos;
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na
exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de
conformidade com os usos e costumes;
III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia,
qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;
“I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de
outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;” O
consumidor deve ter ampla liberdade de escolha quanto ao que deseja consumir,
razão pela qual não pode o fornecedor impor ao consumidor a aquisição de produtos
ou serviços, nem mesmo quando este esteja a adquirir outros produtos ou serviços
do mesmo fornecedor. Estabelece o CDC, aqui, a proibição da chamada “venda
casada”.
A imposição de venda casada, além de ser prática comercial abusiva, é
também tipificada como crime contra a ordem econômica, previsto no art. 5º, II,
da Lei 8.137/90, in verbis:
II – subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à
aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço;

Pena – detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.


...
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua
obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo
critério.

Não pode o consumidor aceitar, expressa ou tacitamente, tornar-se “refém” do


fornecedor, permitindo que este determine ao seu livre alvedrio a data de
adimplemento de sua obrigação. Qualquer cláusula neste sentido será nula de pleno
direito.

8. Diferença entre prática e cláusula abusiva


A cláusula abusiva é o abuso, a ação contrária ao direito do consumidor no
contrato; já a prática abusiva é antes ou depois do contrato. A cláusula é nula e a
prática, vedada/proibida. São quase irmãs gêmeas, pois pela rapidez do contrato de
consumo, muitas vezes rapidamente uma prática vira cláusula, até mesmo porque
pelo artigo 30 do CDC - Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor toda
informação suficientemente precisa integra o contrato.
Se os direitos dos consumidores forem respeitados não há que se falar nem em
práticas nem em cláusulas abusivas.

9. Conclusão
O Código de Defesa do Consumidor rompeu com a velha tradição do Direito
Civil, pois as regras fundadas no dogma liberal não mais atendem às necessidades
dos negócios jurídicos modernos principalmente quando se trata dos contratos de
adesão.
A proteção contra cláusulas abusivas passou a ser um dos mais importantes
instrumentos de defesa do consumidor, sem esquecer que o princípio maior da
interpretação dos contratos de consumo está insculpido no artigo 47 do CDC, onde
está claro que todo e qualquer contrato de consumo será interpretado de modo mais
favorável ao consumidor e não só as cláusulas dúbias dos contratos de adesão.
Como o advento do CDC o "PACTA SUN SERVAND”, cedeu às exigências da
ordem pública, ficando a autonomia da vontade, limitada diante do interesse geral da
coletividade.

Referências Bibliográficas
http://www20.opovo.com.br/app/colunas/ameliarocha/2015/11/16/noticiasameliaroch
a3534570/pratica-abusiva.shtml acesso em 26 de abril de 2017.
http://www.idec.org.br/consultas/dicas-e-direitos/o-que-sao-clausulas-abusivas
acesso em 26 de abril de 2017.
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo
_id=4473 , acesso em 26 de abril de 2017.
http://gilbertomelo.com.br/praticas-comerciais-abusivas-e-sociedade-de-consumo/ acesso
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http://periodicos.ufpb.br/index.php/primafacie/article/viewFile/4424/3335 acesso em 27 de
abril de 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm acesso em 27 de abril de 2017.
http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10574 acesso em
27 de abril de 2017.

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