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Aula de sabado, dia 18.05.

2013,
sobre direitos reais menores

ATENÇÃO: não têm de saber tudo o que aqui está para o teste. Estes são apenas
apontamentos que vos poderão ajudar a estudar para o exame e a saber o essencial de
direitos reais menores no teste. Os direitos reais menores que poderão sair serão o usufruto
ou o direito real de uso ou o direito real de habitação. Contudo, não se devem preocupar
com aspectos de regime muito específicos. Como sempre, espero de vós que saibam o
essencial de cada tipo legal de direito real e que saibam identificá-los e saber quando é que
alguém age para lá do que lhe é facultado pelo direito real. Sairá o que tivermos dado nas
aulas práticas.

Ainda assim, solicito que aqueles que assistiram à aula digitalizem os seus apontamentos e
os facultem aos colegas.

Algumas notas sobre direito de superfície:


1525.º: pode incidir sobre o solo ou sobre o subsolo. Mas sempre sobre imóveis.
1526.º: direito de construir sobre prédio alheio. Chama-se a isto superfície de
sobreelevação. Isto não é tão pouco frequente quanto isso. Às vezes, quando se vêem
aquelas casas mais pequenas no topo dos prédios de apartamentos, é isto que está em
causa.
1529.º: constituição de servidões prediais. Imaginem que eu compro um pomar no meio do
terreno do fundeiro. Posso dirigir-me a tribunal e exigir a constituição de uma servidão de
passagem.

1531.º/1  remissão para o regime da enfiteuse. Arranjem os antigos artigos 1505.º e


1506.º.
As dívidas dos co-superficiários são solidárias!! (não parciárias, como é a regra geral do
direito civil quanto às obrigações plurais)  1506.º CC.
1535.º: direito real de aquisição – preferência real – é associado ao direito do fundeiro. os
direitos de preferência previstos na lei têm eficácia real; lembrem-se do 422.º CC

É importante saber como se extingue o direito de superfície e que implica sempre a


propriedade do superficiário sobre os implantes; mas não sobre o solo ou subsolo.

Discute-se se pode haver constituição de propriedade horizontal sobre os implantes; a


resposta é afirmativa. Imaginem que o superficiário constrói um prédio sobre terreno
alheio; os condóminos vão ser proprietários da sua fracção, comproprietários das partes
comuns E co-superficiários quanto ao solo propriamente dito.

ASPETO MUITO IMPORTANTE: 1536.º e)  1538.º: extinção pelo decurso do prazo


implica que a propriedade da obra ou das árvores reverte a favor do fundeiro.

USUFRUTO

Berto constitui, sobre a sua quinta destinada à produção de castanhas, um direito de


usufruto a favor de Canuto, por 35 anos.
a) Canuto celebra com Diana, vizinha com uma escola de equitação, um contrato em
que lhe permitia andar a cavalo pela quinta e alimentar os seus cavalos com a sua
erva até à sua morte.
Temos aqui uma servidão predial constituída pelo usufrutuário. Como sabem, são direitos
reais de conteúdo aberto – podem incluir poderes de gozo destinados ao aproveitamento
de quaisquer utilidades de uma coisa, desde que haja uma relação entre dois prédios, e um
deles beneficie de uma transferência de utilidades.
O usufrutuário PODE constituir servidões prediais sobre o prédio usufruído. Porém, essas
não podem exceder o tempo de duração do usufruto. É aqui o caso. O contrato é nulo
quanto a qualquer duração da servidão predial após os 35 anos. 1460.º CC.
Porque é que isso é assim? A ideia é a mesma subjacente à própria existência de limites de
“forma e substância” e “destino económico da coisa” (vide adiante)  a protecção do
proprietário. Notem que nos termos do 1483.º, após a extinção do direito de usufruto
(vejam MESMO o artigo 1476.º ss. Com atenção) o usufrutuário deve devolver a coisa ao
proprietário. Imaginem o que era o proprietário voltar ao gozo exclusivo da coisa que lhe
pertence e vê-la onerada com vínculos que lhe seriam oponíveis por terem eficácia real (por
exemplo, servidões prediais, direitos reais de habitação… etc) ou por resultarem de direitos
pessoais de gozo (por exemplo, o usufrutuário que arrendou o imóvel por um período que
excederá a duração do usufruto).
É certo que o artigo 1444.º/1 permite a oneração da coisa objecto do usufruto e a própria venda do direito
(ao contrário do objecto do direito real de habitação ou do direito real de uso  artigo 1488.º). Mas não
pode exceder a duração.

b) 34 anos depois, Canuto vende a Diana as castanhas da produção da quinta que


ainda não tinham sido colhidas, imediatamente antes do usufruto se extinguir. A
quem pertencem as castanhas?
Como sabem, quem tem poder de fruição faz seus os frutos naturais percebidos (212.º-
213.º CC)
O contrato é válido – trata-se de uma compra e venda de coisa futura.
Neste caso, “a alienação subsiste” (1448.º); mas o preço que Canuto tiver recebido deverá
ser entregue ao proprietário Berto, dado que o usufruto caducou antes da colheita dos
frutos pendentes.

Recordem-se que nos termos do 1446.º e 1439.º, o poder de fruição do usufrutuário (o poder de fruição é
um dos poderes de gozo, isto é, de aproveitamento das utilidades da coisa) é pleno. Nisso difere do poder
de fruição do morador usuário ou do usuário, que é restrito ao limite das suas necessidades, fixadas de
acordo com a sua condição social (1484.º/1 e 1486.º CC)

c) Berto decide arrasar por completo o souto, e vender a madeira das castanheiras.
Quid iuris? (baseado no Ac. STJ 08-07-2003 (Afonso Correia) )

Temos aqui um problema atinente aos limites do usufruto. É uma questão difícil a de
articularmos o 1439.º e 1446.º CC, provavelmente o problema mais difícil do regime dos
direitos reais menores. Discute-se qual dos dois limites (“não alterar a forma ou substância”
e “respeito pelo destino económico da coisa”) é imperativo. Há quem diga que apenas a
parte final do 1439.º é injuntiva e o 1446.º é supletivo e portanto pode ser afastado por
negócio jurídico (Oliveira Ascensão; Menezes Leitão); há quem diga que apenas a parte
final do 1446.º é imperativa (Menezes Cordeiro) e que o 1439.º é supletivo; e há quem diga
que os dois são injuntivos (José Alberto Vieira). O que não se pode dizer é que são os dois
supletivos, sob pena de o tipo legal do direito de usufruto ser supérfluo perante o direito de
propriedade, do qual apenas se distingue, no essencial, por ter limitações, à partida, do
gozo.

A) Menezes Cordeiro: 1446.º, PARTE FINAL, é imperativa; 1439.º é supletivo na


parte em que se refere à forma e substância.
Posição seguida pelo TRpt 07-01-2003 (Emídio Costa): o Tribunal considerou admissível
que, pelo consenso do proprietário de raiz e do usufrutuário, fosse afastado o limite da
conservação da forma e substância da coisa.
Argumentos:
1. Porque 1439.º consagra definição legal que não vincula intérprete, que não está
obrigado a aceitar a Doutrina dos legisladores materiais.
 Crítica: temos de ter algumas reservas quanto a este argumento, pois é difícil de
compatibilizar com o princípio da tipicidade em Direitos Reais. As definições
legais têm de contar para alguma coisa num sistema de numerus clausus. E não
é apenas uma noção doutrinária – é aquela que o legislador escolheu. E no
Anteprojeto de Pires de Lima, era claramente assumido que tinha de ser feita
referência à “forma e substância” no usufruto como limite, sob pena de esse
direito ficar “desfigurado” (estou a citar).
2. Argumento comparatístico: a fórmula tradicional “salva rerum substantia”, que era
usada no Direito Romano, foi abandonada em Itália e na Alemanha, e substituída
por “destinação económica da coisa”. Em Itália, o Código Albertino (séc. XIX)
ainda falava de “forma e substância”. Mas isso gerava dificuldades enormes, grande
insegurança jurídica. Porque discutir o que é a “forma” e a “substância” pode
chegar a pontos metafísicos (quando é que sei que um químico se transformou
noutro?). A jurisprudência italiana no séc. XIX adotou a fórmula “destino
económico da coisa” precisamente para interpretar o que seria a forma e a
substância, como critério mais prático. E assim, o “destino económico da coisa”
terá sido acolhido, por importação dogmática da Alemanha e de Itália, como o
limite do usufruto relevante. O 1439.º seria, então, um resquício doutrinal romano,
uma derivação de “salva rerum substantia” (sem prejuízo da substância da coisa).
 Não concordo com o Prof. Menezes Cordeiro. Quanto à importação do critério
do BGB, porque logo no parágrafo seguinte ao que o Prof. Menezes Cordeiro
cita (e que fala sobre “respeito da destinação económica anterior”), o BGB diz
que o usufrutuário não pode “transformar” ou “modificar na sua essência” a
coisa… isso é reconhecido também como um elemento legal típico do direito
de usufruto, pelo que é inderrogável.
 Por outro lado, nada nos diz que a importação de uma noção legal estrangeira
também signifique a importação da sua injuntividade. Isto é, só por na
Alemanha ou em Itália o “destino económico da coisa” ser um elemento a
respeitar no usufruto, e inderrogável, isso não significa que tal seja assim em
Portugal.

B) Oliveira Ascensão/Menezes Leitão: o 1439.º é injuntivo, o 1446.º não.

1. Argumento sistemático: 1445.º dá a entender que o título constitutivo do usufruto


pode modificar o requisito do respeito pelo destino económico.
2. Finalidade dos limites do poder de gozo do usufrutuário: proteger o proprietário.
Se eu usar um apartamento usufruído só para estudar lá e puser lá todos os meus
livros (o que contraria o destino económico da coisa), quando o proprietário o
usava para habitação, não estou a prejudicar o seu direito se lhe puder restituir o
apartamento como estava antes, como manda o 1483.º.

Trata-se de distinguir entre as qualidades de uma coisa (o que permite dizer que uma cadeira é uma
cadeira, uma pousada é uma pousada, um estábulo é um estábulo), quanto à “forma e substância” e
quanto aos termos em que o proprietário usava a coisa (destino económico da coisa).
É consentâneo que se deve aferir o destino económico da coisa em termos subjectivos. O que interessa é o que
o proprietário fazia com a coisa; não aquilo que em abstracto se pode fazer com ela.

C) José Alberto Vieira: o direito português acolheu os dois limites ao direito tipificado
do usufrutuário. O primeiro é de origem romana (forma e substância), o segundo é
italiano e alemão (1446.º in fine). Logo, o 1439.º, parte final, e o 1446.º, parte final,
são imperativos.
JAV: “forma” no 1439.º, deve ser interpretado como “destino económico da coisa”. À
formula latina “salva rerum substantia” não pertencia a “forma”, pelo que se trata de um
acrescento italiano. Trata-se do destino económico.

 Critica… só pelo facto de o destino económico da coisa no Direito italiano ser


um limite injuntivo ao gozo do usufrutuário, isso não significa que nós, para
além da própria ideia, importemos também a injuntividade.
 Outra dificuldade desta teoria: 1450.º/1 tornar-se-ia redundante, dado que o
respeito pela forma e substância e pelo destino económico da coisa aparecem
lado a lado na limitação do poder de realizar benfeitorias na coisa usufruída. Se,
como entende o Prof. José Alberto Vieira, “forma” e “destino económico da
coisa” se identificam, teríamos de ler o 1450.º/1 CC como “o usufrutuário tem
a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que
bem lhe parecer, contanto que não altere o seu destino económico ou
substância, nem o seu destino económico”.

O QUE ACONTECE SE O USUFRUTUÁRIO


VIOLAR ESSES LIMITES?
 RC aquiliana (483.º CC)
 Inversão do título da posse!! (1265.º) o que era
possuidor em termos de usufruto e detentor em
termos de propriedade passa a possuir em
termos de propriedade, por actuar fora dos
limites do seu direito. Portanto o nu-proprietário
deverá acautelar-se, pois o usufrutuário poderá a
partir daqui usucapir a coisa como proprietário;
poderá defender-se por meio do 1482.º,
conjugado com acções possessórias e de
reivindicação.
“o usufrutuário, no exercício do seu direito, não
pode alterar a forma e substância da coisa, sob
pena de estar a exercer sobre ela um poder de
que apenas goza o proprietário: o de disposição”
(RPt 05-12-2005 (Abílio Costa))
Usufrutuário deve prestar caução, salvo em caso de venda ou doação com reserva de
usufruto ou dispensa no título constitutivo – 1468.º e 1469.º CC.

1475.º - usufrutuário responde pelos danos que advierem à coisa se não informar o
proprietário que eles ameaçam a integridade da coisa usufruída.

Vejam com atenção as causas de extinção do usufruto. Reparem como se extingue pela
morte do usufrutuário. O mesmo se poderá dizer dos direitos de uso e habitação. Contudo,
recordem-se do 1477.º e do 1441.

As disposições sobre constituição do direito de usufruto são importantes. Saliento três


aspectos.
1. O 1440.º, quando fala de “disposição legal”, deve considerar-se caduco.
Antigamente, havia disposições legais que conferiam automaticamente o usufruto a
dadas pessoas (por exemplo, os progenitores que exercessem poder paternal tinham
direito de usufruto sobre os bens dos filhos; hoje em dia são administradores. Por
outro lado, na redacção original do CC, o cônjuge sobrevivo não tinha a posição de
herdeiro legitimário, pelo que, na continuidade com o Direito Romano, era
compensado com um usufruto).
Notem que hoje em dia, com a Lei 6/2001 e 7/2001 (União de facto e economia em comum),
não é assim com o direito real de habitação, que é concedido, por via de regra, ao membro sobrevivo
da união de facto sobre a casa de morada de família que fosse propriedade do outro membro. É
curioso notar que o direito real de habitação, próximo em termos substanciais do usufruto até por
causa do 1490.º CC, ganha a mesma função de protecção no âmbito do Direito da Família e das
Sucessões que antes cabia, no Direito Romano, ao usufruto quanto à viúva.
2. Pode constituir-se por usucapião (1440.º), o que não sucede com o direito real de habitação
ou com o direito real de uso (artigo 1293.º b) CC)
3. O usufruto é um direito temporariamente limitado. Sempre. (1443.º).

DIREITO REAL DE USO E DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

Questões terminológicas:
Não existe um “direito real de uso e habitação”. Existem DOIS direitos diferentes no
1484.º ss.: direito real de habitação e direito real de uso.
Titulares: morador usuário (direito real de habitação); usuário (direito real de uso)

Não saber a diferença importa a


Poder de uso vs. Direito real de uso:
reprovação imediata dos meus alunos. O poder de uso é um poder
englobado no gozo da coisa. Significa servir-se da coisa e surge em todos os direitos reais,
de um modo ou de outro e com diferentes amplitudes. O direito real de uso é um direito
real. Aliás, o direito real de uso é um direito real que, tal como a propriedade, o usufruto, a
servidão, inclui o poder de uso.

“Limite das necessidades” – 1484.º: fixado segundo a condição social do usuário ou do


morador usuário (1486.º) e da sua família (1487.º)
O Prof. José Alberto Vieira entende que este é um limite ao poder de fruição. O Prof.
Menezes Leitão parece entender que também limita o poder de uso do morador usuário ou
do usuário. O 1484.º/1 é ambíguo aqui.

Trata-se de um limite que não existe no usufruto. Mas a circunstância de se fazer uma referência no
1484.º/1 CC é lida pela Doutrina como uma posição do CC no sentido de apenas poder haver direito real
de habitação e direito real de uso na esfera jurídica de pessoas singulares. Essa exclusividade não se dá no
usufruto, como se depreende do 1443.º, parte final – até a FDL pode ser usufrutuária!)

Heitor e Inês, parceiros, vivem há cerca de 7 anos juntos, partilhando igualmente


mesa e leito, no apartamento que pertence ao primeiro, em Lisboa. Certo dia,
Heitor morre sufocado com um rebuçado. Os filhos deste, que concorrem à
herança, fartos da parceira do pai, querem vê-la finalmente fora daquela casa. Inês,
por sua vez, quer arrendar o apartamento e voltar a mudar-se para a sua casa em
Cascais.

Leiam o artigo 5.º da Lei n.º 6/2001 e 7/2001, que consagram atribuições de direitos reais
de habitação.
Para o arrendamento: seria nulo, por violar o artigo 1488.º CC.

Sub-hipótese 1) E se Inês quiser transformar o apartamento num local de culto?


Pode?

1446.º CC ex vi 1490.º CC. O Prof. José Alberto Vieira explica que os limites do usufruto
do 1439.º, parte final e 1446.º, parte final, são também limites implícitos dos direitos reais
de uso e de habitação.
Sub-hipótese 2) Inês, logo depois da morte de Heitor, muda-se para a casa de
Cascais, e desinteressa-se por inteiro das infiltrações da antiga casa do casal. Em
breve, o soalho estala e o apartamento tem enormes manchas de bolor. O que
podem os filhos de Heitor fazer?
(1482.º e 1472.º/1, ex vi 1490.º : reparações ordinárias cabem ao usufrutuário – a Inês só
podia escapar a essas despesas renunciando ao direito. Isto é uma OBRIGAÇÃO
PROPTER REM!)

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