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08/11/23, 17:55 Artigo | Entenda por que a discussão sobre regulação da | Opinião

INÍCIO  OPINIÃO
DEMOCRATIZAÇÃO
Artigo | Entenda por que a discussão sobre
regulação da mídia sempre volta
A falta de regulação gera e perpetua a concentração dos meios de comunicação e
garantem a manutenção de monopólios
Mariana Martins*
Brasil de Fato | Brasília (DF) | 10 de Setembro de 2021 às 10:44

Lula na abertura da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, em 2009 - Foto: Arquivo Secom/CUT

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08/11/23, 17:55 Artigo | Entenda por que a discussão sobre regulação da | Opinião

Vira e mexe o ex-presidente Lula fala sobre regulação da mídia e o que a gente
consegue ver é uma repercussão imediata, geralmente negativa ou distorcida, deste
debate. Quem geralmente repercute isso de forma hegemônica é a imprensa comercial,
que é parte diretamente envolvida no debate e tem historicamente contribuído para que
ele se torne raso e tendencioso.

A realidade é que nem sempre as falas do ex-presidente Lula sobre o tema são
oportunas - muitas vezes vem perto de períodos eleitorais -, e isso dificulta o
aprofundamento do debate que, por sua vez, é objeto de seríssimos estudos no campo
das políticas de comunicação e da cultura.

:: TV digital não democratizou: 73% das autorizações no governo Bolsonaro vão para
canais cristãos ::

Existe uma vasta literatura internacional e nacional sobre o tema da regulação dos
meios de comunicação, bem como uma vasta experiência de países, normalmente
enquadrados como democráticos, com a regulação de suas mídias. Mas esse combo de
falta de oportunidade nas declarações do ex-presidente Lula com o oportunismo da
mídia tem dado trabalho para nós, do campo das políticas de comunicação, que sempre
precisamos retomar o lugar estrutural da regulação dos meios de comunicação para a
democracia, pisar em alguns calos e colocar dedos em algumas feridas.

O primeiro ponto que é importante de ser retomado, para que a gente não perca a
dimensão do problema que precisamos enfrentar é que: em 14 anos de governo do PT,
todas as propostas de um lei geral para regular a mídia, construídas inclusive com
participação social (como no caso da Conferência Nacional de Comunicação realizada
em 2009) ou com inspiração nas propostas resultantes da conferência, foram
solenemente engavetadas.

:: Artigo | O perigo por trás do banimento de Donald Trump das redes sociais ::

É importantíssimo esse debate ser retomado e receber o tratamento que ele merece
(antes tarde do que nunca), mas os elementos para o reconhecimento da importância
dele já estavam dados desde o primeiro do governo do PT, no início dos anos 2000. E,
na verdade, esse acúmulo é ainda mais antigo que isso, o próprio Partido dos
Trabalhadores teve um papel fundamental na articulação de movimentos, como o
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que historicamente

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formularam sobre a necessidade de regulação dos meios de comunicação. Este debate


foi fundamental para a elaboração do que hoje é uma das principais conquistas no
âmbito das políticas de comunicação no Brasil, que é o Capítulo V do Título VIII da
Constituição Federal.

Regulação da mídia no Brasil

Sim, existe regulação da mídia no Brasil e isso é tão antigo quanto o telégrafo, antes
mesmo do Brasil República. No Brasil imperial existiam Decretos que regulavam as
comunicações e já na década de 1930 tivemos as primeiras e principais regulações da
radiodifusão (rádio e televisão). E na década de 1960, o Código Brasileiro de
Telecomunicações, que apesar de anacrônico está em vigor até hoje, e ao longo das
décadas, dezenas de leis foram feitas e regularam a comunicação de forma
desordenada. Tivemos a Lei do Cabo, Lei das Rádios Comunitárias, a criação do
Conselho de Comunicação Social, a lei que disciplina a participação de capital
estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão, a lei que cria a Empresa Brasil
de Comunicação e institui os princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública.

:: Como o Brasil cria um "Big Brother" da vigilância e por que isso ameaça a
democracia ::

Há inclusive leis de regulam conteúdo, como no caso da lei que define punição
diferenciada para quando os crimes resultantes dos preconceitos de raça ou de cor
veiculados em meios de comunicação, ou a mais recente lei de tela que define cotas
para produções nacionais no audiovisual, a regulação da publicidade, inclusive, com a
proibição da publicidade infantil (que mudou substancialmente a programação das
televisões no Brasil).

Isso, contudo, não nos coloca no rol das nações que têm uma regulação da mídia nos
moldes democráticos porque uma regulação satisfatória dos meios de comunicação
exige muito mais do que leis (muitas delas a serviço dos interesses privados)
desconectadas. Uma lei geral das comunicações eletrônicas e de massa pressupõe que,
no mínimo, os artigos da Constituição Federal sejam regulamentados e que tecnologias
mais recentes, como a Internet, sejam também passíveis de regulação.

E por que então esse debate é sempre embargado pelos meios de


comunicação?

A resposta a esta pergunta é um exemplo do próprio tema. Sem uma esfera pública
regulada com princípios democráticos, apenas poucos têm acesso aos meios de
comunicação de massa e, portanto, o direito a expor seus argumentos.

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A falta de regulação gera e perpetua a concentração dos meios de comunicação e garantem


a manutenção de monólogos onde só empresários podem ser ouvidos de forma ampla. E
não, a internet não mudou esse contexto e, nos últimos anos isso tem se tornado ainda
mais mais grave, voltando o poder às mãos de monopólio multinacionais (mas isso é
tema para outro artigo). Como os concessionários e proprietários de meios de
comunicação não têm interesse neste debate, ele é solenemente ignorado ou apenas
levantam a bola para demarcar os seus discursos taxando a regulação como censura.

Na realidade, quando a sociedade civil e a academia bradam por uma reforma, uma
atualização na regulação dos meios de comunicação no Brasil, isso envolve mexer nos
interesses dos principais veículos de comunicação porque propõe por exemplo, discutir
os critérios de monopólios e oligopólios dos meios de comunicação previsto no § 5o do
Art. 220 da CF que prevê que "Os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio". Sendo que até hoje não há uma
lei que determine o que é monopólio e oligopólio na lógica das comunicações.

A regulação da mídia pode e deve ser feita em diferentes camadas e todas elas são
importantes. Não dá para escolher se vamos fazer uma regulação econômica ou de
conteúdo. As duas formas de regular são importantes e fundamentais para que a mídia
funcione de forma ética e democrática.

Precisamos falar dos monopólios e oligopólios tanto quanto temos que falar da
classificação indicativa, que protege as crianças de conteúdos impróprios ou abusivos.
Temos que resolver a questão do conflito de interesse entre os parlamentares
concessionários de emissoras de rádio e/ou televisão ou propriedade de veículos de
mídia em geral, mas também temos que enfrentar a forma violenta e muitas vezes
racista e misógina que os programas, conhecidos como policialescos, interpelam a sua
audiência.

A violação de direitos humanos não pode e não deve ser aceita em nenhum veículo de
comunicação e isso também pode ser interpretado a partir do Art. 221 da Constituição e
de vários tratados que o Brasil é signatário.

E então, esta regulação se configura como censura? Respondo categoricamente que não.
E poderia usar os exemplos da Inglaterra, França, Alemanha, Noruega, Japão ou da
União Europeia para justificar que isso, na verdade, é uma pré-condição para uma
sociedade plural e democrática.

Mas quem embarga este debate nunca esteve e não está preocupado com a censura,
mas com a reserva de mercado, com o lucro e com o seu poder de pautar a sociedade
com a visão hegemônica dos valores de uma classe dominante. A censura existe no
cotidiano de milhares de redações no Brasil porque, na maioria das vezes, os veículos
de comunicação estão nas mãos de políticos e/ou reféns dos anunciantes. Isso parece

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não ser uma preocupação de quem taxa de censura a regulação. Isso parece não gerar
revolta e repulsa da população.

Uma regulação com critérios transparentes e amplamente debatidos pela sociedade não
se confunde com censura porque ela é um acordo anterior e que responde a princípios
socialmente validados, como em qualquer outro campo, não só da ordem econômica,
mas também da ordem social.

Vale ressaltar também que o debate de regulação passa pela garantia de um operador
de mídia público, como no caso da grande maioria dos países citados acima. Não faz
sentido regular a mídia e não enfrentar a questão do monopólio da mídia comercial,
por exemplo. Não faz sentido não ter uma regulação que busque fortalecer a
democracia ampliando a diversidade de vozes e os conteúdos, que não passe por uma
diversificação dos modelos de negócio das emissoras e que possam - nos casos onde
existe o oligopólio da mídia comercial - garantir a coexistência de mídias públicas (em
toda sua diversidade).

O artigo 223 da CF fala em complementaridade entre os serviços público, privado e


estatal de radiodifusão e até hoje também não há uma regulamentação completa deste
artigo. Tendo sido apenas parte dele regulado pela Lei 11.652 de 2008 que criou a EBC,
mas que hoje também passa por um processo de desmonte, apoiado pelos veículos da
mídia comercial.

Se o país conseguir sair da superficialidade do debate sobre regulação da mídia


entenderá que os princípios da pluralidade e da diversidade devem atravessar todas as
camadas da regulação, seja ela econômica ou de conteúdo. Seja ela de
telecomunicações, radiodifusão ou internet.

Debate precisa ser aprofundado

Não estamos em condições históricas de retomar esse debate na profundidade que ele
necessita. Um país que se aproxima muito mais de um medievalismo talibã do que de
uma democracia, não me parece estar no melhor momento para enfrentar pautas
“progressistas”. Infelizmente, esse debate não será travado de forma honesta na
imprensa e serão necessárias coragem e compreensão estratégica da pauta para
enfrentar a impopularidade que a medida ensejará em um primeiro momento.

Mas, assim como nas políticas de cotas, não vejo outro caminho que não o de enfrentar
todo o autoritarismo, feudalismo, patrimonialismo e quaisquer outra qualificação que
expresse o pensamento retrógrado das classes dominantes no Brasil para permitir
construir de forma sólida as bases para a democracia no país.

Não se constrói uma democracia sem enfrentar o passado anacrônico e minha sugestão
para o presidente Lula e toda sua equipe é que tenham muito cuidado sobre onde e
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