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Centro Universitário Maurício de Nassau-UNINASSAU

Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso

O PARADOXO ENTRE A REGULAMENTAÇÃO DA MÍDIA E


A LIBERDADE DE IMPRENSA

Caruaru-PE
2023
JONION MIGUEL DA SILVA
RUBENS ANTONIO DA SILVA

O Paradoxo entre a Regulamentação da Mídia


e a Liberdade de Imprensa

Artigo apresentado como requisito para


conclusão do curso de Direito do Centro
Universitário Maurício de Nassau –
UNINASSAU.

Orientador: Prof. Armando Morais Correia


de Melo Filho
Coorientadora: Profa. Samira Maria
Santana Silva

Caruaru-PE
2023
JONION MIGUEL DA SILVA
RUBENS ANTONIO DA SILVA

O Paradoxo entre a Regulamentação da Mídia


e a Liberdade de Imprensa

Artigo apresentado como requisito para


conclusão do curso de Direito do Centro
Universitário Maurício de Nassau –
UNINASSAU.

Caruaru-PE, _____ de ____________ de _______.

Banca Examinadora

Prof. Armando Morais Correia de Melo Filho


Orientador

Prof. Nome Completo Examinador


1

Prof. Nome Completo


Examinador 2
O Paradoxo entre a Regulação da Mídia
e a Liberdade de imprensa

Jonion Miguel da Silva


Rubens Antonio da Silva
Prof. Armando Morais Correia de Melo Filho

Resumo
Esta pesquisa busca entender como o Estado pode democratizar o acesso à informação, coibir
informações imprecisas e enfraquecer monopólios e oligopólios sem recorrer à censura involuntária.
Aborda-se a formação de conglomerados midiáticos no Brasil, a propriedade cruzada e seu vínculo
com a manipulação da opinião pública, além do funcionamento das concessões públicas,
identificando lacunas legislativas que afetam a eficácia da regulamentação. Ao analisar a regulação
da mídia em diferentes nações, destaca-se a necessidade de legislações mais específicas para
preservar a integridade do espaço midiático dentre experiencias que já deram certo em alguns
países. Além de um entendimento histórico da evolução das regulações da mídia no Brasil.

Palavras-chave: Paradoxo. Liberdade de Imprensa. Regulação da Mídia.

Abstract
This research seeks to understand how the State can democratize access to information, curb
inaccurate information and weaken monopolies and oligopolies without resorting to involuntary
censorship. It addresses the formation of media conglomerates in Brazil, cross-ownership, and its link
with the manipulation of public opinion, as well as the functioning of public concessions, identifying
legislative gaps that affect the effectiveness of regulation. By analyzing media regulation in different
nations, it highlights the need for more specific legislation to preserve the integrity of the media space
among experiences that have already worked in some countries. In addition, it provides a historical
understanding of the evolution of media regulations in Brazil.

Keywords: Paradox. Freedom of Press. Media Regulation.


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1. INTRODUÇÃO

O papel da mídia na sociedade moderna é inegável, e sua relevância tem se


intensificado ao longo do tempo, em meio a várias batalhas em prol da liberdade de
pensamento, de expressão e de imprensa. Desde os primórdios dos sistemas de
comunicação no século XV, questões perduram entre aqueles que dependem do
conteúdo desses sistemas para se informar: qual é o grau de confiabilidade das
informações veiculadas? Até que ponto tais informações ou opiniões podem ser
influenciadas por interesses de qualquer natureza? Essas perguntas, muito
pertinentes em épocas de monarcas absolutistas e tiranos despóticos, mantêm sua
relevância até os dias de hoje. Os sistemas econômicos e sociais mudaram, mas
novos dilemas continuam surgindo. Atualmente, a acumulação de capital se
confunde com a acumulação de interesses privados, criando anomalias que tendem
a suprimir a opinião pública genuína em favor dos interesses dos proprietários
desses meios de comunicação.
Neste estudo, serão examinados os limites da Liberdade de Imprensa na
contemporaneidade, bem como o papel do Estado e da sociedade como reguladores
da comunicação irrestrita, e até onde podem ir para impedir a disseminação de
informações imprecisas e a manipulação do público, sem recorrer à censura. Este
trabalho é uma contribuição científica, portanto, busca-se a maior proximidade da
realidade observada e dos dados disponíveis, mas não pretende ficar neutro,
defende, sim, a necessidade de regulamentação dos meios de comunicação como
forma de assegurar a Liberdade de Imprensa, promover a democratização dos meios
de comunicação, restringir informações imprecisas e enfraquecer monopólios e
oligopólios. Para atingir esse objetivo teórico, foram conduzidas análises criteriosas
de obras bibliográficas que abordam a evolução do tema e a legislação vigente,
desde suas origens até os dias atuais, com a influência da internet, tanto no Brasil
quanto em outros países.
O primeiro capítulo aborda, de forma mais geral, os conceitos relacionados à
Regulação da Mídia. O que é a Regulação e as razões que levaram ao surgimento
da necessidade de tal ação por parte dos setores responsáveis da sociedade; quais
são esses setores e como agem os órgãos reguladores estatais.
O segundo capítulo trata da Regulação de meios de comunicação no Brasil e
em alguns outros países, nos setores de radiodifusão, TV por assinatura, telefonia e
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internet. Destaca, de forma resumida, a evolução histórica da regulamentação,


desde investimentos estatais iniciais até a busca por diversidade, qualidade e acesso
em cada setor.
O terceiro capítulo aborda, de maneira concisa, a evolução da Liberdade de
Imprensa e de Expressão, enfocando como esses princípios foram estabelecidos em
nosso ordenamento jurídico, particularmente em nossa Constituição. É essencial
compreender o significado desses dispositivos, destacando a importância da
responsabilidade ao abranger liberdades, e refletir sobre a possibilidade de
retrocessos, mesmo diante de todo o avanço histórico na luta pela conquista desses
direitos.
Por fim, o último capítulo explora a Evolução da Regulação da mídia no Brasil.
Examina como os decretos influenciaram a produção de conteúdo e o setor das
comunicações ao longo dos anos. Analisa como períodos de democracia e
autoritarismo lidaram com a questão da regulação e da liberdade de imprensa no
país.

2. O CONCEITO DE REGULAÇÃO DA MÍDIA

Até meados do século XX, mais precisamente até os anos 70, a comunicação
não era considerada um direito humano. No máximo, mencionava-se o "direito à
informação", "liberdade de expressão" ou "liberdade de imprensa". Foi somente em
1969, no contexto da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (UNESCO), que essa perspectiva surgiu (VANNUCHI, 2017). Até então, o
que se tentava abranger se restringia a campos bastante específicos, entre aqueles
que produziam e aqueles que consumiam. Com o avanço tecnológico, essa linha
divisória que mantinha os conceitos ligados a tais direitos foi se desfazendo,
ampliando cada vez mais o escopo a ser considerado pelos legisladores.
Então, se não há mais uma distinção clara entre aqueles que consomem e
aqueles que produzem informação, e novos conceitos relacionados aos direitos
sobre a produção e consumo continuam emergindo a todo momento, torna-se
igualmente importante a necessidade da regulação e delimitação de tais direitos.
Para regular qualquer setor da sociedade, a legalidade é sempre exigida e
com a Mídia não é diferente. Regular a mídia significa criar um conjunto de políticas
e normas que submetam a indústria da comunicação e suas operações a limites
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preestabelecidos. Isso é feito para assegurar um ambiente equitativo, responsável e


que atenda ao interesse da coletividade, acima de tudo. Essa regulação busca
equilibrar a liberdade de expressão, proteger a diversidade de vozes na mídia e
prevenir abusos de poder por parte de conglomerados com o domínio do capital e
influência.
É relevante destacar que essa regulação não é algo recente, pois em todo o
mundo existem regulações em algum nível. A produção e divulgação de conteúdo
impresso, analógico ou digital está sujeita a regras desde a criação das tecnologias
que permitiram sua existência. Um exemplo é a exploração das frequências de rádio
e TV; sem qualquer intervenção estatal ou um acordo prévio dentro do setor, dois
veículos poderiam tentar explorar a mesma frequência, resultando em interferências
(VALENTE, 2013).
Muitos acreditam que essa regulação deva ocorrer sem a interferência de
órgãos governamentais, defendem uma autorregulação, ou seja, que o próprio setor
crie suas próprias regras e submetam-se a elas:
Autorregulação é uma combinação de padrões e códigos de práticas
adequadas, que são necessários para apoiar a liberdade de expressão e
balizam o monitoramento, a análise criteriosa e a responsabilização dos
veículos de comunicação. Os benefícios da autorregulação são bem
conhecidos: ela preserva a independência da mídia e a protege contra a
interferência política de governos. Pode ser mais eficiente do que um
sistema de regulação governamental, já que a mídia entende seu ambiente
melhor do que o governo – mesmo que as empresas do setor utilizem este
conhecimento muito mais para atender a seus próprios interesses
comerciais do que ao interesse público (PUDDEPHATT, 2011, p. 12).

Contudo, a autorregulação representa um desafio, como apontado pelo


próprio autor ao defini-la: o setor, majoritariamente composto por empresas, nem
sempre está alinhado com o interesse público. Quando permitimos que grandes
empresas de comunicação estabeleçam suas próprias normas e as imponham,
podemos nos deparar com desigualdades significativas. Isso ocorre porque a criação
dessas normas não segue um processo similar ao da elaboração de uma nova lei.
Por exemplo, não existem comissões representando todos os setores afetados pela
sociedade.
Na autorregulação, aqueles que possuem maior poder financeiro e influência
tendem a buscar vantagens máximas ao estabelecer as normas, frequentemente em
detrimento daqueles que não têm voz nesse processo. Esse processo, normalmente,
se dá sem que haja — principalmente no caso das mídias — uma resistência por
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parte da população desfavorecida — os que vamos chamar aqui de sem vozes. Isso
porque os detentores do poder conseguem criar hegemonias capazes de manipular
a própria opinião pública, em última instância, influenciando até aqueles que
perderam com o processo.
A ação do Estado é necessária pois, sem ela, apenas os grupos com
condições econômicas poderão falar e se colocar na esfera pública. Em
uma praça lotada, por exemplo, teriam o poder de fala aqueles com
recursos para comprar equipamentos de som potentes. Já aqueles que
dependem apenas da própria voz, embora não sejam impedidos,
formalmente, de se expressar, na prática seriam apartados do direito de
influir nas decisões que lhes dizem respeito (VALENTE, 2013, p. 18).

Assim, torna-se claro que a abordagem liberal não é adequada para


enfrentar a regulação da mídia, pois isso pode resultar em novos problemas na
sociedade, como o que vemos em países com pouca interferência estatal,
principalmente em setores estratégicos. Nesse cenário, o papel do Estado se
destaca como fundamental para assegurar o direito à comunicação, à informação e à
livre expressão, elementos fundamentais para a democracia contemporânea.

3. COMO AS MÍDIAS SÃO REGULADAS?

3.1 A Radiodifusão

No Brasil, a primeira transmissão de rádio ocorreu em 1922, e no ano


seguinte foi criada a primeira emissora radiofônica. A Radiodifusão é um processo de
transmissão de informações por meio de ondas eletromagnéticas. Essas
informações são emitidas por fontes como estações de rádio e televisão,
retransmitidas por satélites e recebidas pela sociedade por meio de seus aparelhos
de rádio e televisores. Esse método de comunicação atinge um amplo público e é
vital para a divulgação de informações, entretenimento e cultura na sociedade. É a
mídia mais acessada pela população brasileira atualmente, portanto, foi crucial criar
formas de regulação desde o seu surgimento.
Na maioria dos países, as transmissões de rádio e TV surgiram a partir de
investimentos massivos do Estado. Era uma tecnologia e um bem novo, e o livre
mercado tinha dificuldades em participar. Era considerado um bem primordial,
assemelhando-se a serviços como água e luz. Dessa forma, o serviço praticamente
já nasceu regulado pelo Estado e, aos poucos, foi se abrindo para sua exploração
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pelo mercado, especialmente a partir da década de 70 (SILVEIRA, 2017). Em cada


país, agências governamentais designadas assumem a responsabilidade de atribuir
frequências específicas para cada estação de rádio e televisão. Essas agências
também supervisionam o conteúdo transmitido, estabelecendo regras sobre o que
pode ser transmitido, incluindo restrições à linguagem ofensiva, conteúdo violento ou
sexualmente explícito, dependendo do horário.
Outro aspecto crítico da regulação envolve a propriedade das estações. Em
vários países, existem regras que limitam o número de estações de rádio ou
televisão que uma única empresa pode possuir em uma área geográfica específica.
Isso é feito para assegurar a diversidade na mídia e impedir que um único
conglomerado domine o cenário. A qualidade técnica também é uma preocupação
das agências reguladoras. Elas estabelecem padrões técnicos para as transmissões,
garantindo a clareza do sinal e a capacidade dos equipamentos receptores de
interpretá-lo corretamente.
O Estado busca garantir que a radiodifusão atenda às necessidades e ao
interesse coletivo, estabelecendo finalidades, como as adotadas pelo Decreto Nº
52.795, de 31 de outubro de 1963, que aprovou o Regulamento dos Serviços de
Radiodifusão. Tais serviços têm — ou devem ter — um propósito educativo e
cultural, de interesse nacional. A exploração comercial desses serviços é permitida,
desde que não comprometa esse interesse e objetivo primordial (BRASIL, 1963).

3.2 A TV por assinatura

As regras aplicadas aos serviços de radiodifusão geralmente se estendem aos


serviços de assinatura. No entanto, uma das áreas com menos regulamentação nos
serviços de assinatura é o aspecto das propriedades cruzadas, uma vez que esses
serviços são on demand e não estão disponíveis para todos. Ao contrário da
televisão aberta, na qual os canais são transmitidos gratuitamente e financiados
principalmente por anúncios, a TV por assinatura oferece uma seleção mais ampla e
diversificada de canais e conteúdo.
Uma regra comum para serviços desse tipo é o must carry (deve conter, em
tradução do inglês). Essa regra estabelece que, para um determinado número de
pacotes oferecidos pelos provedores de TV a cabo, um tipo específico de conteúdo,
como conteúdo educacional ou governamental, seja incluído no pacote. No Brasil,
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essa regra é utilizada pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL). Em


um estudo comparativo sobre o uso da regra must carry conduzido pelos
pesquisadores Octavio Pieranti e Susana Festner, descobriu-se que, dos 20 países
analisados, 16 adotavam essa regra como parte de sua regulamentação de serviços
de televisão por assinatura. Segundo eles, essa prática visa promover a cultura, a
educação e o acesso à informação, entre outros princípios valorizados por cada país
(PIERANTI; FESTNER, 2008).

3.3 A Telefonia

Regular a telefonia não implica em regulamentar aspectos de conteúdo, ao


contrário do que ocorre com a radiodifusão e a TV por assinatura. A telefonia não
envolve a produção de mídia, mas sim o fornecimento de serviços de comunicação
direta. Por meio dela, as empresas oferecem serviços de transmissão de dados via
rádio, nos quais os consumidores compartilham informações, seja por meio de
chamadas telefônicas ou pela utilização da internet, que depende do tráfego de
dados.
Similar à radiodifusão, a telefonia surgiu e se expandiu em grande parte do
mundo por meio de investimentos estatais, devido à elevada necessidade de
infraestrutura para criar uma rede capaz de oferecer esses serviços. No Brasil, esse
processo seguiu uma trajetória semelhante, com a estatal Telebrás detendo o
monopólio do serviço. Posteriormente, a privatização da Telebrás ocorreu por meio
de um leilão em 1998, em consonância com as reformas neoliberais à época. Em
muitos outros países, esse mesmo processo de quebra do monopólio estatal
ocorreu. Na União Europeia, por exemplo, foi determinado que todos os países
membros eliminassem os monopólios dos sistemas de comunicação. Nos Estados
Unidos, onde o monopólio era privado, a AT&T perdeu sua hegemonia nos anos
seguintes (VALENTE, 2013).
Essa regulação da telefonia teve como foco principal a utilização das
infraestruturas já existentes, garantindo acesso democrático aos canais e serviços
de comunicação, além de assegurar tarifas justas e proporcionais às condições
sociais da população. Atualmente, a regulação concentra-se na concessão das
faixas de frequência de rádio a cada nova geração da tecnologia, como nos leilões
relacionados à tecnologia 5G. Vejamos o que a Lei Geral das comunicações,
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aprovada em 16 de julho de 1997, prescreve em relação às competências e deveres


do Poder Público em relação às telecomunicações em geral:
Art. 2° O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a
tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de
telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da
população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos
serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade
compatíveis com a exigência dos usuários; IV - fortalecer o papel regulador
do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento
tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico
com as metas de desenvolvimento social do País.
VII - criar condições para ampliação da conectividade e da inclusão
digital, priorizando a cobertura de estabelecimentos públicos de ensino
(BRASIL, 1997).

Embora a Lei Geral das Telecomunicações, trate dos deveres do poder


público em relação aos serviços de comunicação, não houve uma implementação
prática significativa até os dias atuais, visando alcançar uma maior democratização
dos meios de comunicação. Apesar de se tornarem mais populares com o tempo, os
serviços ainda são considerados dispendiosos, o que resulta em dificuldades de
acesso para parcelas da população mais marginalizadas.

3.4 A Internet

Quando se aborda a regulação da internet, mais uma vez, nesse caso, o foco
não está diretamente ligado ao conteúdo na World Wide Web (Rede Mundial de
Computadores). A regulação se assemelha àquela aplicada nas redes de telefonia,
concentrando-se nos meios pelos quais os conteúdos são acessados. Essa prática
pode ser comparada aos leilões das faixas de frequência do 5G, nos quais foi
adotada uma abordagem semelhante ao must carry na distribuição a cabo. Para que
uma empresa obtivesse o direito de oferecer serviços em uma região
economicamente lucrativa, ela também deveria disponibilizar o mesmo serviço em
áreas menos densamente povoadas.
Outro método de regular a internet é estabelecendo parâmetros mínimos para
a prestação de serviços, prática adotada em muitos países europeus desenvolvidos.
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Para que uma empresa forneça o serviço, ela deve atender a requisitos predefinidos,
como velocidade de internet e latência, entre outros.

Com a popularização da fibra ótica, o mercado de provedores de internet


cresceu e se difundiu, resultando na flexibilização das normas regulatórias em todo o
mundo. Isso se deu devido à independência dessa tecnologia em relação às antigas
infraestruturas ligadas aos antigos monopólios de serviços de comunicação.
Quando falamos em regulação do conteúdo na rede, ainda não existe um
controle estatal prévio, pois essa discussão é muito complexa e demanda muita
conversa com as empresas e com a população. O que existe é um tipo de
autorregulação prévia de conteúdos nas redes sociais feitas pelas próprias
empresas, esse controle se dá, na maioria das vezes, por mecanismos de
inteligência artificial que identifica possíveis crimes ou violações das regras da
própria rede no conteúdo postado pelos seus usuários. Isso levanta muitos
questionamentos sobre a forma como o conteúdo é retirado do ar, sem que, em
grande parte dos casos, essa análise passe pelo crivo humano, acarretando, por um
lado, em injustiças, pois o algoritmo ainda não é capaz de identificar com precisão
aquilo que deve ou não continuar na rede; por outro lado, aqueles que têm interesse
de cometer ilicitudes dentro das redes conseguem rapidamente burlar as regras,
aprendendo como funcionam os algoritmos e modificando sua mensagem para que a
inteligência artificial não consiga identificar. Porém, o que podemos afirmar é que
toda a regra que é válida para o mundo físico, se estende ao mundo digital, pois um
crime cometido em quaisquer desses ambientes não se torna lícito no outro.
Há ainda a discussão sobre o que deve ou não permanecer nas redes, pois
muitas vezes as empresas identificam como falso aquilo que não é, para favorecer
seus interesses, como o caso recente do Telegram, que divulgou massivamente
conteúdo contra o Projeto de Lei 2630/2020. O Brasil tem se mostrado um país
atrasado nesse sentido, permitindo que as Big Techs hajam como bem entendem.
O Marco Civil da internet, lei aprovada em 23 de abril de 2014 tenta criar
parâmetros mínimos para o setor. Essa lei representa inovações e eficácia quando
delineia princípios fundamentais, garantias e responsabilidades, tanto dos usuários
quanto dos provedores de internet no país. O Marco Civil destaca-se por defender
valores essenciais, como a neutralidade da rede, a liberdade de expressão, a
privacidade e a proteção de dados pessoais. No entanto, apesar de seus avanços
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significativos, a legislação enfrenta desafios consideráveis, especialmente quando se


trata da regulação efetiva das redes sociais.
A complexidade emerge na dificuldade de definir e abordar de maneira eficaz
conteúdos considerados ilícitos, ofensivos ou prejudiciais, sem infringir os direitos à
liberdade de expressão e à diversidade de opiniões. Desafios adicionais incluem a
falta de transparência das empresas de mídias sociais em relação aos critérios
utilizados para recomendar, impulsionar ou restringir conteúdos, bem como a
ausência de mecanismos adequados para fiscalização e sanção quando as
plataformas descumprem as normas estabelecidas. Diante desses obstáculos, ainda
existe inúmeras discussões sobre a atualização dessa lei e a criação de
instrumentos de visão micro para, de fato, impor limites e sanções claras,
especialmente em relação ao novo fenômeno das redes sociais.

4. A LIBERDADE DE IMPRENSA COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL E


SEUS LIMITES

Liberdade é uma palavra que poucos conseguem definir. Ela carrega consigo
um enorme peso histórico para aqueles que ousam tentar extrair contornos
inteligíveis para seus interlocutores. Isso ocorre porque a história humana é marcada
por tempos de liberdade irrestrita e tempos de cerceamento abusivo das liberdades,
sejam elas de qualquer natureza. No contexto da liberdade de imprensa, isso não
seria diferente.
Garantir a liberdade de imprensa tem sido um desafio constante para os
líderes de todas as nações, desde o seu surgimento no século XV até os dias atuais.
E compreender o porquê dessa luta é simples. A imprensa frequentemente foi usada
— como em muitos casos — contra o próprio povo, mas da mesma maneira, a
imprensa também foi utilizada contra os seus líderes. Portanto, garantir a liberdade
de um setor tão volátil sempre será uma tarefa de extrema complexidade, porque
trata-se de um setor que sofre pela desconfiança, tanto diante da própria sociedade,
quanto diante dos líderes e do próprio Estado, principalmente nos tempos
contemporâneos.
A liberdade de imprensa deve sempre estar acompanhada de muita
responsabilidade, e em situações de desrespeito às normas vigentes, é crucial impor
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punições e buscar reparação aos responsáveis pelo exercício dessas liberdades


(BLANCO, 2021).
É fundamental recordar que a Liberdade de Imprensa foi inicialmente
consagrada no direito à Comunicação, encontrando sua primeira positivação na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França, em 1789. Em um
contexto pós-Segunda Guerra, em 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas
aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmando, entre outros
direitos, a liberdade do homem em manifestar sua opinião (MEIRELLES, 2021).
No Brasil, a Constituição Federal de 1989, em seu quinto artigo, estabeleceu
princípios norteadores do direito à Comunicação e à Liberdade de Imprensa, como
garantias fundamentais.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é
assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da
fonte, quando necessário ao exercício profissional (BRASIL, 1988).

Além disso, no Capítulo V do título VIII, a partir do seu Art. 220, a Constituição
trata diretamente sobre a Comunicação Social.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação
social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística. (BRASIL, 1988).

Da leitura desses dois dispositivos, podemos perceber como o legislador


considera o direito à Comunicação como um ativo de grande importância para a
sociedade. No segundo parágrafo, há uma vedação explícita que, para além de toda
a sua importância geral, possui um caráter histórico no país, que passou por
períodos difíceis de censura e restrição de direitos fundamentais, especialmente
aqueles relacionados à capacidade de informar, ser informado, expressar opiniões e
defender ideias.
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Fica evidente que ao longo do tempo, normas que ampliam o direito à


Comunicação e, consequentemente, a Liberdade de Imprensa, foram continuamente
criadas e reafirmadas, sem enfraquecer outros princípios e normas, como se
observa nos dispositivos constitucionais, e que em períodos de enfraquecimento da
democracia, como em regimes ditatoriais, por exemplo, o que nós podemos observar
é que sempre há um paralelo entre a questão da regulamentação das mídias e a
qualidade da democracia, houve uma diminuição de regras regulamentadoras para o
setor nesses períodos, acarretando em um fortalecimento dos monopólios e
oligopólios e a diminuição da participação popular.
Ao proibir o anonimato e assegurar indenização por quaisquer violações a
esses limites, o legislador reconhece a responsabilidade civil e criminal dos agentes,
deixando claro que a liberdade deve sempre estar acompanhada da
responsabilidade, não apenas em nosso ordenamento, mas também em todos os
outros países que adotaram tais princípios.
O direito à informação é um direito fundamental que permite aos cidadãos o
acesso à informação pública, à informação pessoal e à informação de interesse
coletivo. Esse direito está relacionado ao princípio da solidariedade ou fraternidade,
direito esse, portanto, um direito de terceira dimensão, pois envolve a participação, a
transparência, a fiscalização e a responsabilidade dos poderes públicos e dos
agentes privados que afetam a vida em sociedade. O direito à informação também
contribui para o exercício dos demais direitos fundamentais, como a liberdade de
expressão, a educação, a saúde e a dignidade humana. Pois sem informação, nem
mesmo ciência de tais direitos teriam aqueles que deles necessitam.

5. A EVOLUÇÃO DA REGULAÇÃO E A LEGISLAÇÃO ATUAL

Inicialmente, é crucial ressaltar que a questão da Regulação da Mídia não se


resume ao dilema entre "sim, deve haver regulação" e "não, não deve haver", visto
que, como já mencionado anteriormente, já existe uma regulação em vigor que
sempre foi orientada por princípios valorizados pelos verdadeiros liberais, como
também citado neste artigo. A questão em foco é de outra natureza: que tipo de
regulação é necessário para estabelecer regras que promovam a diversidade de
vozes, descentralização, quebra de monopólios, redução da propriedade cruzada,
facilitação do acesso aos novos meios de comunicação e enfrentamento das
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chamadas Fake News, tudo isso sem recorrer à censura ou criar brechas que
possam ser interpretadas como tal?
Vamos tentar entender o processo histórico, desde o telégrafo até à tecnologia
5G atualmente. Dessa forma poderemos conjecturar e propor novas formas de
regulação da Mídia no país.
O telégrafo foi uma das invenções mais importantes da história da
comunicação, pois permitiu a transmissão de mensagens a longas distâncias em um
curto espaço de tempo. No Brasil, o telégrafo, inventado por Samuel Morse em 1837,
foi introduzido por D. Pedro II em 1852. Ficou claro o interesse do imperador pela
ciência e pela modernização do país. A primeira linha telegráfica, estendendose por
cerca de 50 quilômetros, conectava o Palácio Imperial em Petrópolis ao Quartel do
Campo, no Rio de Janeiro. Essa inovação possibilitou uma comunicação mais ágil
entre o governo, as forças armadas e outras nações. Isso foi fundamental para a
gestão política, militar e diplomática do império, especialmente em um contexto de
conflitos internos e externos, como a Guerra do Paraguai. Em 1874, o país se
integrou à rede global de telégrafos por meio de um cabo submarino até Lisboa,
expandindo-se posteriormente por todo o território nacional. Esse processo de
integração foi um marco para a inserção do Brasil no cenário mundial, facilitando o
intercâmbio de informações, ideias e culturas. No entanto, também revelou as
desigualdades sociais e regionais do país, pois o acesso ao telégrafo era restrito a
uma elite econômica e política, enquanto a maioria da população permanecia
excluída dos benefícios da tecnologia.
Em 1860, o Decreto Imperial nº 2.624 regulamentou o telégrafo,
estabelecendo objetivos, serviços e tarifas. Já em 1864, o Decreto nº 3.288
introduziu pequenas modificações e determinou que o telégrafo atendesse às
necessidades do governo, comércio e cidadãos. No ano de 1870, o Decreto Imperial
nº 4.653 devolveu os serviços de telégrafo ao controle estatal e iniciou a elaboração
de um plano nacional para esse serviço (REBOLÇAS; MARTINS, 2007).
Quando o país ainda era chamado Estados Unidos do Brazil, no ano de 1917,
a primeira legislação referente à concessão do uso de infraestrutura estatal para
comunicação a terceiros foi promulgada por meio do Decreto nº 3.296. Nesse
decreto, ficava estabelecido que os serviços radiotelegráficos e radiotelefônicos em
território brasileiro eram de competência exclusiva do Governo Federal (BRASIL,
1917). Anteriormente, após a Proclamação da República em 1889, a regulamentação
17

dos serviços radiotelegráficos e radiotelefônicos era de responsabilidade dos


estados.
Não ocorreram alterações significativas até a revolução dos anos 30, quando
mais dois decretos foram promulgados durante o governo de Vargas, ainda no
governo provisório. O primeiro ocorreu em 1931, seguido pelo segundo em 1932.
Esses decretos estabeleceram que o monopólio estatal regularia as concessões
públicas para a exploração dos canais de rádio - somente para rádio, já que a
tecnologia da TV ainda não havia chegado ao país - de forma exclusivamente
comercial, sendo permitida somente por concessões concedidas pelo Estado.
Antes do término do período democrático, Vargas reconheceu o valor da mídia
e começou a investir consideravelmente em infraestrutura para a propagação de
conteúdo. Em 1935, ele estabeleceu o Programa Nacional, um programa de rádio
obrigatório para todas as estações, originalmente conhecido como A Hora do Brasil,
que ainda continua até os dias atuais, agora chamado de A Voz do Brasil. Com o
Golpe de 1937 e a ascensão do Estado Novo, o Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP) rapidamente se firmou como um dos principais suportes para
Vargas, tornando-se essencial para o sucesso da nova ditadura. No início de 1938,
houve uma reestruturação do então Departamento de Propaganda e Difusão Cultural
(DPDC), transformando-o no Departamento Nacional de Propaganda (DNP). Mais
tarde, no final de 1939, essa entidade evoluiu para se tornar o DIP, desempenhando
um papel crucial no âmbito federal tanto na transmissão de mensagens quanto no
controle social (JUNGBLUT; MAGALHÃES, 2021).
Durante o governo ditatorial de Vargas, diversas rádios foram apropriadas e
usadas como ferramentas para propagar conteúdo favorável ao governo. Essa
intervenção cessou em 1945 com a redemocratização e o decreto nº 8.356/45.
Vargas liderou o Brasil em dois períodos distintos: o primeiro, de 1930 a 1945,
e o segundo, de 1951 a 1954. Durante ambas as administrações, ele desempenhou
um papel crucial na regulamentação dos meios de comunicação, com foco especial
no rádio e, posteriormente, já no final de seu governo e vida, na televisão. Ao
reassumir o poder em 1951, Vargas encontrou um cenário recém-inaugurado para a
televisão no Brasil, representado pelo Canal Tupi em São Paulo. Esse evento
marcou uma revolução nas esferas cultural e política do país, pois a televisão
emergiu como um veículo de informação, entretenimento e propaganda novo, capaz
de alcançar massivamente o público. Mediante o decreto nº 29.783/51, instituiu uma
18

comissão para desenvolver o Código Brasileiro de Radiodifusão e


Telecomunicações, visando organizar e supervisionar um setor em rápido
crescimento e diversificação.
Em 1961, foi criado o CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações),
responsável pela elaboração do Código Brasileiro de Telecomunicações (CTB), em
vigor até hoje, embora tenha sido oficialmente criado somente em 1962, após o
suicídio de Vargas ter atrasado o processo. O CTB regulamentou concessões,
obrigações e penalidades para serviços de telecomunicações, incluindo radiodifusão
sonora e de sons e imagens, e definiu princípios e objetivos da política nacional de
telecomunicações, como soberania nacional, integração, defesa, desenvolvimento
econômico e social, educação e cultura. Contudo, durante o regime militar instaurado
em 1964, Novas leis foram utilizadas como instrumento de censura e repressão aos
meios de comunicação, resultando no fechamento, perseguição e cooptação de
diversos veículos.
Princípios começaram a ser adotados pela legislação da época, incluindo a
proibição de órgãos de comunicação terem proprietários, como as empresas, e a
restrição quanto à concessão para estrangeiros. Esses princípios tornaram-se
fundamentais na doutrina brasileira. A Lei nº 2.083/53, que preservou as restrições
para estrangeiros, foi mantida com ajustes na Lei nº 5.250/67, conhecida como Lei
de Imprensa (atualmente suspensa) (LINS, 2013).
Em 1964, com o início de mais uma ditadura no Brasil, a regulação da mídia
perdeu sua orientação e começou a retroceder. Naquele momento, as emissoras de
rádio e televisão já eram uma parte considerável do setor, com grandes
investimentos privados.
Até a implementação do AI-5, houve poucas mudanças significativas na
regulação da mídia no Brasil. Entretanto, em 1967 — um ano antes do AI-5 —, o
Ministério das Comunicações foi criado, unindo vários órgãos já existentes. Apesar
da forte censura característica da época, a iniciativa privada foi a que mais cresceu
durante a ditadura militar, com a Rede Globo tornando-se a líder absoluta em
quantidade de filiadas e diversos outros canais de produção de mídia, contrariando
as normas que proibiam a propriedade cruzada.
Em 1988, com a promulgação da Constituição, a regulação da mídia no Brasil
passou por uma significativa transformação. Foi neste período que novas regras
para a concessão de rádios e TVs foram estabelecidas. Durante a formação da
19

comissão constitucional, houve um intenso debate envolvendo diversos setores da


sociedade, o que tornou a elaboração do Capítulo Constitucional um processo
complexo. A comissão encarregada de desenvolver essa proposta foi a única que
não concluiu o relatório devido à falta de consenso entre os setores representados e
seus interesses divergentes. A Constituição transferiu do presidente para o
Congresso Nacional o poder final de decisão sobre concessões, o que representou
uma mudança substancial no processo de aprovação (JUNGBLUT; MAGALHÃES,
2021).
Na década de 1990, o processo neoliberal ganhou força, evidenciado por
mudanças significativas no cenário das comunicações. Durante o governo Collor, o
Ministério das Comunicações foi extinto, e nos anos seguintes, houve a abertura do
mercado de TV a cabo para empresas estrangeiras, representando uma
transformação radical no setor. Historicamente, o investimento estatal foi o principal
impulsionador das estruturas de comunicação no Brasil e no mundo, tornando essa
abertura um marco inédito.
O crescente processo de privatizações demandou a criação de novos órgãos
para adequar o setor à nova realidade do século XXI. Com a privatização da
Telebrás, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) teve que ser criada no
governo FHC, em 1997.
Durante o primeiro mandato do Presidente Lula, o processo de abertura foi
ainda mais acentuado. A Emenda Constitucional 36 modificou o Artigo 222 da
Constituição Federal de 2002, alterando as regras de propriedade das empresas
jornalísticas e de radiodifusão. A emenda permitiu a participação de pessoas
jurídicas com sede no Brasil, desde que a maioria do capital e da gestão fosse de
brasileiros natos ou naturalizados. Além disso, reafirmou a responsabilidade editorial
para brasileiros e estabeleceu princípios a serem seguidos pelas emissoras. Apesar
de visar a modernização do setor de comunicação, a emenda gerou debates sobre a
soberania nacional e a diversidade cultural, já que era considerada excessivamente
liberal, mesmo para os padrões de países historicamente abertos aos setores
privados.
Já em 2009, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
nº. 130 foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), abordando a
discordância entre a Lei de Imprensa e a recém-promulgada ordem constitucional
estabelecida pela Constituição de 1988.
20

Durante o período do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) entre 2003 e


2016, grupos ligados à esquerda manifestaram uma forte demanda por redes de
comunicação estatais para contrabalançar a influência dos veículos de comunicação
privados no Brasil. Isso foi motivado por experiências bem-sucedidas de emissoras
públicas em outros países, como a BBC do Reino Unido, a PBS dos Estados Unidos,
a DW da Alemanha e a NHK do Japão, conhecidas pela qualidade, credibilidade e
diversidade de conteúdo. No entanto, tanto o presidente Lula da Silva quanto a
presidente Dilma Rousseff não deram a devida atenção a essa demanda, reforçando
laços com grandes conglomerados de comunicação através de investimentos
estatais em publicidade, como ocorreu durante o período militar. A falta de
atendimento a essa demanda por uma rede estatal independente de comunicação
teria, anos mais tarde, impacto nos processos que culminaram no impeachment da
Presidente Dilma, e na prisão do Presidente Lula, em uma cobertura midiática por
parte de alguns canais de televisão, em especial a Rede Globo de Televisão, que
dedicava grande parte do seu noticiário a verdadeiras peças de propaganda em
favor do golpe parlamentar e da prisão ilegal do Presidente.
Atualmente, um dos órgãos importantes nessa área é o Conselho de
Comunicação Social, parte do Congresso Nacional e estabelecido pela Constituição
de 1988, regulamentado em 1991. Seu papel é a elaboração de estudos, pareceres
e recomendações sobre questões de comunicação no Brasil. Composto por
membros da sociedade civil e representantes do setor da comunicação, o conselho
enfrentou descontinuidades em sua atuação ao longo dos anos. Entre 2002 e 2019,
foram nomeados cinco grupos para mandatos de dois anos, mas houve períodos de
inatividade. A transparência também se mostrou um desafio, evidenciada pela falta
de atualização das atas de reuniões no site do Senado, sendo as últimas disponíveis
datadas de 2014 (TORQUATO, 2022).
Apesar dos princípios constitucionais que sustentam a democracia e a
liberdade de expressão no Brasil, as normas referentes à mídia permanecem
fragmentadas, desatualizadas e inadequadas — quando não revogadas — para uma
regulação efetiva do setor. A maior parte das normas que regem a mídia no país
remonta a antes da Constituição de 1988, como o Código Brasileiro de
Telecomunicações de 1962, a Lei de Imprensa de 1967 (revogada) e o Código de
21

Ética dos Jornalistas de 1987. Essas normas, originadas durante o período da


ditadura militar, não se alinham com as atuais demandas da sociedade,
caracterizada por sua diversidade, participação e convergência de mídias.
A legislação brasileira sobre a mídia também apresenta lacunas e omissões
que permitem a violação dos princípios constitucionais. Por exemplo, não há uma lei
que estabeleça limites para a propriedade cruzada dos meios de comunicação —
como já se pensava desde a Era Vargas—, permitindo que uma única empresa ou
grupo econômico controle diversos veículos, como jornais, revistas, rádios, TVs e
portais de internet. Hoje, aproximadamente 50% da mídia brasileira é controlada por
apenas cinco famílias, apontou a organização Intervozes (Coletivo Brasil de
Comunicação) em 2017.
Outras lacunas importantes incluem a ausência de uma lei que regulamente o
direito de resposta, garantindo que indivíduos ou entidades ofendidos por matérias
jornalísticas possam exercer seu contraditório no mesmo espaço e destaque.
Hoje, após muitos anos de retrocessos quando falamos de Imprensa livre e
regulações que mais acentuaram os problemas que foram colocados nesse estudo,
pouco se aprendeu com os erros e com as experiências positivas do exterior.
Continua sendo um assunto tabu para uma parte da população brasileira que, cada
dia mais atomizada com os novos meios de comunicação imediata e descartável,
tende a não participação em debates que possam instigar o poder legislativo e
executivo a tomarem iniciativas para a regulamentação das mídias brasileiras.
Quanto aos apelos pela autorregulação, o que se percebe é o alto
investimento em redes sociais que desencorajam o pensamento crítico, e a reflexão
mais aprofundada em relação a qualquer que seja o tema. Pelo contrário, as redes
estão se transformando em ferramentas de produção e consumo de conteúdo de
massa sem limites, onde os símbolos emergem sem necessária significação
adequada. Sem qualquer coesão de pensamento coletivo ou fortalecimento de uma
ideia de nação, essa nova geração de redes sociais, em sua maioria, apenas se
preocupa com o lucro, e o lucro na sociedade capitalista sempre está associado à
produção de massa, nesse caso, até mesmo do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
22

Embora o Brasil tenha passado por inúmeras legislações visando abranger a


regulação da mídia, ainda há muito a aprender com outros países. Seguimos certos
modelos, como a concessão dos canais de rádio e TV, o protecionismo dos
detentores dos meios de comunicação em relação à aquisição por estrangeiros, a
abertura dos setores privados das infraestruturas (em sua maioria, monopólios
estatais) e a regulamentação de Telefonia, Radiodifusão, Internet e TV por
assinatura.
No entanto, é evidente que existem várias lacunas legislativas em relação à
regulamentação de dispositivos já em vigor, desconexão com as novas plataformas e
mudanças na forma de comunicação global. Além disso, há má vontade e lobby por
parte de setores da sociedade que se beneficiam dos oligopólios e monopólios dos
meios de comunicação, e ingenuidade por parte de governantes que veem a Mídia
como extensão de seu governo, como ocorria em períodos não democráticos.
O Brasil está consideravelmente atrasado em relação a outras nações no que
diz respeito à garantia da diversidade de vozes, promoção de conteúdos educativos
e controle de qualidade, entre outros aspectos.
As chamadas big Techs estão dominando o mundo sem que esse fenômeno
seja acompanhado pelo mundo do direito de forma efetiva. Novos meios de
comunicar, produzir e consumir conteúdos surgem a todo momento, muitos deles
com um potencial danoso alto ao futuro de uma nação que se prese a denominar-se
como tal.
O mercado vai sempre tentar criar narrativas para limitar o poder do Estado e
da sociedade não detentora de poderio econômico ou influência intelectual a
determinar aquilo que deve ou não ser permitido, o que é ou não bom para o
conjunto da sociedade e não aquilo que favorece uma pequena parcela.
A regulação da mídia é crucial para garantir a qualidade da democracia, e
para assegurar um processo justo, a participação popular é fundamental. Sem isso,
os setores que historicamente se beneficiaram da proximidade com o poder farão de
tudo para protegerem seus interesses.
Por fim, é importante lembrar que a liberdade de imprensa tem sido ameaçada
no país, mas isso não pode justificar a criação de uma "terra sem lei", especialmente
com a ascensão da internet e das redes sociais. As empresas de comunicação
devem ser tratadas como tal, não apenas como "ferramentas" de comunicação,
evitando se eximir de suas responsabilidades civis e criminais.
23

REFERÊNCIAS

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Liberdade de imprensa. São Paulo: Instituto Palavra Aberta, 2020.
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Dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e
funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos
24

da Emenda Constitucional nº 8, de 1995. Brasília, DF: Diário Oficial da União: seção


2, Brasília, DF, 16 jun. 1997. Disponível em:
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