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Nº 13/2015
Bruno Marinoni
Intervozes
NOVEMBRO DE 2015
A escolha das empresas que atuam no setor, feita por meio da política
de outorgas e de mecanismos indiretos de regulação do setor (emprésti-
mos, fiscalização, isenções etc.), imprimiu um perfil político conservador
à conformação da burguesia radiodifusora, não tendo esta, porém, sua
origem no seio dos “setores tradicionais” brasileiros.
A multidimensionalidade da concentração 6
Concentração da propriedade eapropriação privada de um bem público 8
Concentração e domínio de mercado 11
Concentração e dominação político-ideológica 14
Conclusão 20
Bibliografia 23
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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL
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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL
exemplo, que se manifesta o fenômeno da cha- Decreto-Lei nº. 236/67, que define o número
mada “propriedade cruzada” (cross ownership), máximo de outorgas por entidade e, assim,
em que um mesmo ente controla empresas de intenta limitar os processos de concentração
diferentes mercados de um mesmo setor (TV e centralização da propriedade. O mesmo
aberta, rádio, impresso, TV por assinatura etc.) artigo, em seu parágrafo 7º, prevê e deveria
(NOAM, 2009; LIMA, 2004, pp. 95-103). impedir (se cumprido) a perda de autonomia
das afiliadas, assegurando algum mecanismo
O nome “redes” reservamos na radiodifu- de proteção contra a pressão das cabeças-de-
são para nos referir à “verticalização da pro- -rede. Segundo sua redação, “as empresas
gramação”, ou seja, à reprodução, por dife- concessionárias ou permissionárias de serviço
rentes empresas, do conjunto de conteúdos de radiodifusão não poderão estar subordina-
estruturados em uma grade de horários por das a outras entidades que se constituem com
outra empresa. Embora a palavra rede tenha a finalidade de estabelecer direção ou orien-
uma dimensão ideológica que sugere ou dá tação única, através de cadeias ou associações
margem à possibilidade de se pensar em cir- de qualquer espécie”. A palavra “rede” sequer
culação de conteúdos entre agentes igualmen- é referida na legislação brasileira que trata
te dispostosem um conjunto, o que se tem do tema, embora seja corrente no mercado
observado na prática é basicamente um fluxo e na apresentação das empresas de radiodifu-
unidirecional, de um único centro produtor são ao público. Nesse contexto, os cadastros
para os demais pontos, com algumas poucas de radiodifusão disponibilizados pelo Mi-
“contribuições” atuando no contrafluxo. nistério das Comunicações não apresentam
dados sobre essas redes e se desconhece os
No interior das redes são distribuídos os laços termos nos quais são firmados os contratos
assimétricos de “vassalagem”, que diferen- entre cabeças-de-rede e afiliadas.
ciam as “cabeças-de-rede” (produtoras, distri-
buidoras e direções político-administrativas do A multidimensionalidade da
conjunto) e as “afiliadas” (distribuidoras). A concentração
essas últimas cabe, com frequência, uma par-
cela ínfima da produção, que pode servir para A “concentração” tem sido o foco mais co-
“vender” certa diversidade regional aos teles- mum da tradição de pesquisas de comuni-
pectadores, comumente estereotipada (tanto cação, já consolidadas, sobre “propriedade”
para atender a certa demanda do mercado por (media ownership) (DOWNING, 2011, p.
exotismos, quanto para se legitimar através de 141; RICE, 2008, p. 12). Esse debate se dá,
uma política que responde com migalhas à de- geralmente, na forma do que Downing cha-
manda existente no interior e no exterior das mou de hipóteses do “estrangulamento da de-
próprias redes por maior pluralidade). mocracia” (democracy-strangulation) e da “frus-
tração do consumidor” (consumer-frustration)
É possível inferir disto, de certa forma, que as (2011, p.141)2. Assumindo, já de partida,
redes são, grosso modo, uma extensão indi- como dada a concentração dos sistemas mi-
reta dos grupos, um “segundo grau” da con- diáticos, o foco de grande parte dos estudos
centração da propriedade, mediada por ou-
tras propriedades. Uma das justificativas para
que o fenômeno se dê de tal forma advém do 2. Rice trabalha com noções similares: “public sphere model” e
“market model” (2008, p. 16); e Mastrini também: “a perspec-
interesse da burguesia radiodifusora em bur- tiva política e a questão do pluralismo” e “a perspectiva econô-
lar as limitações impostas pelo artigo 12 do mica e a questão da eficiência” (2006, p. 4448).
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passa, então, para a análise e interpretação do RA, 2006; MASTRINI; BECERRA, 2009;
seu papel e seus efeitos para a dinâmica social, COMPAINE; GOMERY, 2000). Algumas
ora enfatizando sua dimensão político-cultu- vezes, são utilizadas diversas dessas aborda-
ral, ora econômica. Nesse contexto, em torno gens em conjunto.
dessa preocupação vão se reunir diversas áreas
de conhecimento, dentre as quais a economia Os resultados dos levantamentos são bastante
política, a sociologia e a ciência política. variados. Os níveis de concentração oscilam
de acordo com o que se decide que deva ou
Os argumentos que embasam as hipóteses não configurar um mercado e com os índi-
nomeadas por Downing giram basicamen- ces de mensuração utilizados. Resultam disto
te em torno da ideia de que “a razão mais discordâncias críticas entre autores quanto ao
fundamental para resistir à concentração da crescimento ou queda dos níveis de concen-
propriedade da mídia deriva diretamente das tração em determinados períodos. A esse tipo
visões dominantes de democracia” (BAKER, de estudos cabe a pergunta de Baker: “...o que
2007, p.5). A busca pela efetivação da demo- constitui o mercado relevante e que nível de
cracia, mesmo quando entendida em um sen- concentração é demasiado [?]. Fatos sozinhos
tido mais amplo e vulgarmente econômico de não respondem a nenhuma dessas questões.
uma “satisfação de consumidores” ou das “li- Ao contrário, as respostas dependem funda-
berdades de compra e venda”, impulsionaria, mentalmente do motivo das perguntas – o
de uma forma geral, uma resistência à con- motivo para uma preocupação com a con-
centração dos meios de comunicação, haja centração da propriedade de mídia” (2007,
vista que esta configuração estrangularia po- p.56).
liticamente a sociedade ou frustraria o atendi-
Além dos desafios teórico-metodológicos, a
mento das necessidades do consumidor.
investigação deste tipo sofre de problemas
práticos.
A concentração da propriedade dos meios
de comunicação também tem sido abordada
“A pesquisa sobre a estrutura e a concentração
por alguns autores com o intuito de tentar
infocomunicacional na América Latina não só
mensurá-la. O sentido conferido ao conceito,
carece de estatísticas oficiais integrais, como
neste caso, pode abranger diversos tratamen- também encontra um obstáculo sério na opaci-
tos de dados, muitas vezes inter-relacionados, dade e na falta de colaboração para oferecer in-
mas, em geral, problemáticos. Oscila-se entre formação de acesso público por parte dos atores
a imprecisão, por generalidade, e a mutilação concentrados das indústrias da informação e da
da realidade, por recortes realizados no intui- comunicação. Obstáculo singular, tratando-se
to de se conferir “precisão operativa” ao con- de atores empresariais cujas atividades consistem
ceito, dificultado pelas transformações atuais em produzir, armazenar, editar e distribuir justa-
que tornam cada vez mais complexas as re- mente informação sobre diversos setores da so-
lações de comunicação, como a digitalização ciedade, da economia, da política e da cultura”.
(MASTRINI; BECERRA, 2006, p. 38-39). (MASTRINI, BECERRA, 2009b, p. 25)
As metodologias variam entre levantamentos
sobre número de veículos possuídos, domí- Os próprios representantes do mercado se la-
nio de fatias de mercado, níveis de audiência mentam da “ausência de informações sobre
ou de vendas e análise de estrutura de mer- radiodifusão obtidas por processos formais”,
cado (NOAM, 2009; MASTRINI; BECER- de que “não existem pesquisas sistematizadas
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sobre as receitas auferidas pelo rádio ou pela Isso porque, embora o levantamento de quem
televisão” e de que “atitudes isoladas, com sejam os “donos da mídia” seja importante
propósitos diversos, são apresentadas, mas para compreender o fenômeno da concen-
sem aderência contábil dos dados, fato que tração, ao analisar a estrutura de mercado,
dificulta a comparação entre eles e até mesmo elaborar “uma tipologia que se restrinja tão-
entre os meios” (ABERT, 2015). -somente ao número de empresas e à maior
ou menor homogeneidade do produto para
As informações coletadas nas páginas eletrô- caracterizar o mercado é no mínimo insufi-
nicas dos grupos tampouco são confiáveis, ciente, por estática e simplista, devendo fatal-
como exemplifica o caso do SBT no interior mente ser abandonada ou totalmente redefi-
de Minas Gerais, apontado na lista anexada a nida” (POSSAS, 1990, p.87). Não existe uma
este artigo, cuja empresa não consta na lista relação direta, por exemplo, entre o número
de filiais do grupo Sílvio Santos disponibili- de empresas que determinado grupo possui
zada no site de comemoração dos 50 anos do e seu poder econômico ou político. O grupo
grupo. Nesse sentido, qualquer levantamento Globo, primeiro no ranking da concentração,
sobre a concentração dos meios precisa, além possui menos empresas que seus concorrentes
das fontes oficiais do Estado, se valer de ou- mais próximos (SBT, Record e Bandeiran-
tros recursos e realizar o cruzamento de infor- tes). Da mesma forma, o número de sócios
mações, para dar conta do cenário de controle diz pouco sobre essa concentração, caso con-
da propriedade, mapeando os grupos de mí- trário, empresas como a TV Record de Salva-
dia e os vínculos de rede. dor, com seus 1.115 acionistas, e a TV Rádio
Clube de Teresina4, com seus 948 acionistas,
Na economia da radiodifusão, porém, não só se encontrariam em situações semelhantes no
a concentração da propriedade, mas também cenário de oligopólio.
a lógica discricionária que orienta a distribui-
ção das outorgas para exploração dos merca- Por isto, sem desconsiderar a propriedade di-
dos, o fluxo das receitas publicitárias e da au- reta das empresas, também destacamos neste
diência, a propriedade cruzada etc., tudo isso artigo a forma dinâmica de organização dos
contribui para reproduzir a posição dos agen- agentes entre si no mercado oligopolizado; as
tes consolidados dentro do campo (do oligo- estratégias de ação em um ambiente econô-
pólio). O quadro que apresentamos anexado mico integrado, caracterizado por barreiras
oligopolistas; e os mecanismos sociopolíticos
ao fim do artigo, busca listar os sócios mape-
históricos que atuaram para que o sistema
ados das empresas que controlam a televisão
brasileiro de comunicação se configurasse tal
no país e que concentram o principal poder
qual o conhecemos hoje.
na radiodifusão. É um passo importante para
a compreensão do fenômeno da concentra- Concentração da propriedade e
ção, porém, mais efetivo do ponto de vista da apropriação privada de um bem público
identificação dos envolvidos3 e dos vínculos
entre eles do que da mensuração dos níveis de A hipertrofia do setor comercial-privado, em
concentração em si. detrimento do equilíbrio entre privado, esta-
tal e público previsto na Constituição de 1988
3. Casos como o da TV Record em Santos (TV Mar Ltda.),
por exemplo, apresentam-se como verdadeiros desafios para a
identificação dos vínculos somente por meio dos nomes dos 4. Afiliada da Globo, não consta no quadro que disponibiliza-
acionistas. mos neste trabalho.
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é, provavelmente, o aspecto mais fundamen- próxima desse cenário com suas 108 emisso-
tal da concentração dos meios de comunica- ras, das quais 12 são próprias.
ção no Brasil a se destacar, pois a esmagadora
hegemonia dos agentes do mercado define a Já a Rede Bandeirantes de Televisão possui
estrutura da comunicação que conhecemos 49 emissoras, 14 próprias, e cobre 3.572 mu-
hoje no país. A criação da Empresa Brasil de nicípios, atingindo 181 milhões de habitan-
Comunicação - EBC, em 2007, é uma ini- tes (89% da população), semelhante ao que
ciativa importante no sentido de favorecer é apresentado pela RedeTV!, 40 emissoras,
maior equilíbrio ao quadro, mas se encontra 5 próprias, e pela EBC – Empresa Brasil de
longe de garantir o cumprimento do previsto Comunicação5, que envolve 50 emissoras de
constitucionalmente, de fazer frente ao cená- TV, sendo 4 próprias.
rio comercial e de incorporar o conjunto de
demandas que os setores que pressionam pela As redes se revelam, assim, verdadeiras exten-
democratização da sociedade têm reivindica- sões do controle por parte das cabeças-de-re-
do ao menos desde o processo de abertura de- de, sem incorrerem na ilegalidade do excesso
mocrática nas décadas de 70 e 80. de propriedade direta, disfarçando o oligopó-
lio nacional por meio dos mediadores locais.
Neste cenário, a comparação dos números do
Atlas de Cobertura das empresas, do Anuário A formação de redes nacionais no rádio é um
de Mídia 2015 e do Donos da Mídia que dis- fenômeno menos significativo do que na te-
ponibilizamos anexada a este artigo nos pare- levisão, embora possa ser notado como nos
ce bastante reveladora de como a estruturação casos de emissoras como a Jovem Pan, a Tran-
das redes tem papel fundamental no sistema samérica ou a CBN. Os principais grupos de
de televisão e na concentração, em detrimen- mídia que possuem TV, no geral, controlam
to dos dados sobre propriedade direta. também alguma das principais rádios da cida-
de em que exploram a televisão, representan-
A Rede Globo engloba hoje 123 emisso- do o fenômeno da propriedade cruzada, no
ras, em 5.490 municípios (98,56%) e atin- qual a concentração envolve mercados dife-
ge 202.716.683 habitantes (99,51%). Des- rentes sob o domínio de mesmos grupos.
sas concessões, apenas cinco são próprias do
Grupo Globo, sendo que 118 são de outros Não é possível, porém, deduzir diretamente
grupos. Enquanto a rede representa 22,6% para o cenário do rádio o mesmo oligopólio
(praticamente 1/4) do total de 543 outorgas visto no caso das TV. Grupos que controlam
no Brasil, as 5 pertencentes ao Grupo Globo redes nacionais de televisão como o SBT e a
representam 0,009% (cerca de 1/100). Rede TV!, por exemplo, não possuem conces-
sões de veículos sonoros. Já os Marinho pos-
A rede SBT possui no total 114 emissoras de suem o Sistema Globo de Rádio, que abrange
televisão, 8 próprias (embora o nome da fa- cinco marcas diferentes (ver anexo II, ao final
mília Abravanel conste na lista de sócios de do artigo) e que declara em seu site comercial
9), cobre 97% do território, 190 milhões de possuir mais de 50 afiliadas, atingindo pelo
pessoas. Percebe-se como há pouca diferença menos oito milhões de pessoas.
entre esses números e os da rede líder, não
refletindo a assimetria de poder de mercado
5. Empresa pública de comunicação, criada pela Lei
existente. A Rede Record fica também muito 11.652/2008.
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A Igreja Universal, por outro lado, possui a dade da propriedade privada em sociedades ca-
Rede Aleluia, composta por mais de 64 emis- pitalistas, como a brasileira, para configurar as
soras (entre próprias e afiliadas), presentes em feições “familistas” da burguesia radiodifusora
todas as regiões do país, localizadas em 22 es- brasileira. Nesse caso, as gerações se sucedem e
tados, com uma área de abrangência que co- comprovam, pela transferência das concessões,
bre 75% do território nacional. Seu principal a apropriação privada do bem público, que é a
programa é a “Palavra amiga do Bispo Ma- outorga do espectro radioelétrico.
cedo”. Todavia, a Rede Record de televisão
não se apresenta como vinculada a essa rede O fato de ter sido vedada a participação de
de rádio, talvez para manter sua estratégia de pessoas jurídicas no capital social das empresas
disputar o público “laico”. de radiodifusão até 2002, com a justificativa
de que era necessário identificar com precisão
Além da formação das redes, outro artifício seus controladores, pode ter sido um fator que
utilizado para burlar os poucos limites impos- tenha incentivado de certa forma o desenvol-
tos aos grupos de mídia pela lei6, tem sido a vimento de empresas familiares, em detrimen-
participação dos chamados “laranjas” no ca- to de outras formas possíveis de propriedade
pital social das empresas, sejam eles membros como, por exemplo, as “sociedades anônimas”
da família ou não. Isto tem dificultado sobre- – as concessões acabaram promovendo o nome
maneira as tentativas de definir com maior dos concessionários (e de suas famílias) em vez
precisão os limites dos grupos de mídia, que de impessoalizar a outorga sob a figura da pes-
escondem, sem o registro formal, a proprie- soa jurídica. Todavia, empresas familiares não
dade “de fato” de determinados veículos por são exceções na economia industrial brasileira,
parte de uma mesma pessoa, fragilizando as- nem mesmo no cenário econômico mundial7,
sim a possibilidade de um mapeamento do em boa medida pelos motivos já apresentados
fenômeno da concentração e suas consequên- no parágrafo anterior.
cias. Esse recurso atende também ao interesse
de escamotear o vínculo entre parlamentares Essa relação mercantilizada com as outorgas,
e emissoras TV e rádio, seja por motivos elei- na qual se confunde a concessão do bem pú-
torais, seja para se precaver em relação a pos- blico com o pleno exercício do poder sobre a
síveis punições decorrentes da proibição ex- propriedade privada, pode ser observada ainda
pressa no artigo 54 da Constituição Federal. na prática da venda das concessões. Apesar de
ser “vedada a transferência direta ou indireta
A distribuição da propriedade entre familia- da concessão ou permissão, sem prévia auto-
res, estruturada por relações de solidariedade rização do Governo Federal”, de acordo com
e dominação no interior das famílias, além de o parágrafo 6º do artigo 12 do Decreto-Lei
cumprir o papel de escamoteadora do vínculo n.236/67, o que impera é a política do fato
proprietário entre chefes de família e seus veícu- consumado. O caso recente mais representati-
los de comunicação, soma-se com a hereditarie- vo dessa prática foi o do canal MTV Brasil (32
UHF de São Paulo), que pertencia ao grupo
Abril, vendido ao grupo Spring sem nenhuma
6. De acordo com o Decreto-Lei 236, de 28 de fevereiro de
1967, que complementa e modifica a Lei 4.117/62 (Código comunicação ao Ministério das Comunicações
Brasileiro de Telecomunicações), cada entidade só poderá ter
concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão
dentro do limite de 10 estações radiodifusoras de som e ima- 7. Como exemplo, são consideradas empresas familiares a Fiat
gem em todo território nacional, sendo no máximo 5 em VHF (dos Agnellis), a Ford, os Rockefellers, os Guggenheims, os
e 2 por Estado (Art.12, 2). Morgans no setor bancário etc.
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(MENDONÇA, 2014). Atualmente, o grupo forma essa investigação. Todavia, a busca por
arrenda sua programação para a TV Mundial meio dos nomes é insuficiente. Existe sempre
da Igreja Mundial do Poder de Deus. A TV a possibilidade de homônimos e nem sempre
Mundial não possui concessão, mas transmite são os nomes da família que compõem o qua-
sua programação através de oito emissoras de dro das filiais.
televisão aberta, representando outra face da
concentração. A lógica da apropriação privada da comuni-
cação, porém, que se impôs antes mesmo da
Cabe ressaltar que essa compreensão em re- chegada da TV ao Brasil na década de 50, mar-
lação à transferência de outorga não foi re- cou o tipo de concentração que conhecemos
cepcionada pela Constituição de 1988, que, no país e nos parece, como já dito, ser o seu
em seu art. 175, determina que a prestação traço mais relevante. E isto não se deu como
de serviços públicos mediante concessão ou única alternativa possível, pois nessa época, na
permissão será sempre precedida de licitação. Europa pré-neoliberal, imperava o monopólio
Assim, não se pode definir um prestador de estatal da radiodifusão, provando que não exis-
serviço público por meio de acordo particular tia um único caminho para o setor.
entre empresas.
Expressão máxima da concentração da pro-
Outro exemplo da lógica da “transferência” priedade no setor de radiodifusão, o patrimô-
das outorgas em foro privado, por meio da nio bilionário dos irmãos Marinho (Globo),
mudança do controle acionário, é a here- os três filhos de Roberto Marinho, figura com
ditariedade das concessões dada como fato destaque no ranking da revista Forbes 2015 de
consumado pelo Estado, apesar de se tratar de empresários brasileiros mais ricos. Somadas as
suas fortunas (R$ 23,8 bilhões cada), eles fi-
um bem público. Grupos como a RBS, por
cam atrás apenas dos donos da AB Inbev (R$
exemplo, já se encontram na terceira geração
83,7 bilhões), embora separados ocupem o 5º
de proprietários sem que, na história do país,
lugar. Edir Macedo (Record), segundo do se-
alguma vez tenha sido recolocada para debate
tor na lista, tem patrimônio estimado de R$
a transferência da outorga de um pai para os
3,02 bilhões, ocupando a 74ª posição; e Sil-
seus filhos ou demais parentes.
vio Santos (SBT), R$ 2,01 bilhões, na 100ª
posição. O setor de mídia brasileiro é, assim,
No quadro produzido, anexado ao final do
o 8º mais representativo em um ranking de
artigo, é possível observar a composição acio-
13 setores liderado por indústria, bancos e
nária dos grupos que são as cabeças-de-rede
alimentos8.
da televisão brasileira. O cadastro que o Esta-
do brasileiro disponibiliza não mostra, como Concentração e domínio de mercado
já dito, as conexões econômicas e políticas.
Mas é possível perceber, pela lista organiza- Parte desta fortuna e do faturamento do setor
da, a repetição de nomes e sobrenomes, o que de comunicação nas últimas décadas resulta
constitui indícios de vínculos diretos entre as do fato de a televisão ter se tornado a grande
empresas. O fato de boa parte dos principais vedete da indústria cultural brasileira, concen-
“donos da mídia” serem descendentes de es-
trangeiros e figuras públicas, assim como o 8. Não consideramos o grupo Abril e a família Civita, que fi-
da composição acionária ser majoritariamen- gura no 88º lugar do ranking com R$ 2,18 bilhões para cada
um dos três membros da família apontados no ranking, por nos
te composta por familiares, facilita de certa atermos ao setor de radiodifusão.
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Nos últimos anos, ao invés de aplicar os fun- Os principais agentes federais responsáveis
dos públicos em políticas que visem à distri- por essa política de fortalecimento do oligo-
buição equilibrada dos recursos e que promo- pólio via mercado têm sido as empresas esta-
vam a diversidade e pluralidade, os sucessivos tais, que possuem relativa autonomia frente
governos – responsáveis pela maior parte do ao poder exercido diretamente pelo Executi-
volume de anúncios em circulação – injetam vo. Em 2013, por exemplo, representou cerca
a maior parte da verba de publicidade ofi- de 77% do total da verba publicitária federal
cial nos veículos do oligopólio que domina investida em TV.
o mercado. Assim, o Estado alimenta, não
só politica, mas também economicamente a Esses valores explicitam uma faceta da relação
concentração. entre Estado e o oligopólio, que praticamen-
te faz sumirem as afiliadas e aquelas que não
9. A pesquisa considera apenas uma média de 150 rádios, em- participam de uma rede. Os cinco maiores
bora o número de emissoras comerciais exceda 4,5 mil. Estima-
se, porém, que esse pequeno número represente ao menos um grupos absorvem, em média, 82% da ver-
terço do bolo publicitário. ba oficial de publicidade de TV. A forma
10. Os números do Anuário de Mídia 2015 são aproximados de redistribuição do montante no interior
daqueles apresentados pela pesquisa InterMeios citada pela
ABERT. das redes (se existe) é feita de forma indireta,
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sem transparência11. Os números são revela- Ainda de acordo com a pesquisa da ABERT,
dores do papel que os governos federais de- 15,9% das rádios declaram receber mensal-
sempenham na reprodução da concentração mente verba publicitária dos governos estadu-
e da disparidade entre o poder das cabeças- ais, 12,2% afirmam receber de 3 em 3 meses
-de-rede e das afiliadas, ainda que estas sejam e 59,7% dizem que raramente recebem. Em
parte fundamental da estratégia de mercado relação à verba federal, esses números são res-
daquelas. Revelam, também, que embora não pectivamente 3,6%, 9,6% e 73,6%. Embo-
exista um reconhecimento legal, jurídico ou ra a associação de empresários deduza desses
oficial da existência das redes, existe um re- números que o ramo do rádio se mostra in-
conhecimento prático por parte do Estado dependente da distribuição política do fundo
brasileiro, que negocia principalmente com público, pode-se inferir disso, em outra cha-
as cabeças-de-rede. ve de análise, que os governos e o oligopólio
das grandes rádios se beneficiam mutuamen-
Os governos estaduais também influem nes- te, em detrimento de critérios transparentes
se quadro. Embora os dados da distribuição e democráticos de distribuição. Mesmo que
por veículo não se encontrem sistematizados, não haja no rádio o grau de integração, cen-
o gasto geral nos dá alguma noção de como tralização e concentração observado na TV,
o setor é influenciado pelos governos locais, percebe-se no mercado uma política de favo-
principalmente em períodos de campanha recimento de características oligopolistas.
eleitoral. Somente o governo Geraldo Alck-
min, em São Paulo, por exemplo, reservou A pesquisa realizada pela ABERT revela tam-
um orçamento de R$ 226 milhões para gastos bém que as rádios, em média, dependem em
gerais com publicidade, em 2013. Seu ante- 81,17% das verbas locais, sendo que 62%
cessor, José Serra, gastou R$ 311,7 milhões nunca recebem nenhuma verba nacional. O
em 2009 (BOGHOSSIAN, 2013). rádio tem apenas 3,93% das verbas publicitá-
rias no Brasil, enquanto nos Estados Unidos,
Os números do setor rádio não são preci- por exemplo, chega a 10,6% (ABERT, 2015).
sos, mas a Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e Televisão - ABERT - estima que, Os índices de audiência também revelam a
“das 4.645 rádios comerciais existentes no assimetria da concentração no interior do oli-
Brasil em abril de 2013, ponderando dados gopólio de televisão. De acordo com os nú-
de uma pesquisa realizada pela Fundação Ge- meros do Anuário de Mídia 2015, enquanto
túlio Vargas em 2008, quase 76% tem fatu- a novela da Rede Globo com maior média
ramento menor que R$ 50 mil reais por mês, de audiência em 2013, “Amor à Vida”, atin-
sendo que 41% delas têm receita de até R$ giu 37,96% dos domicílios, os programas de
20 mil por mês”. Apenas 272 emissoras (6%) maior sucesso dos concorrentes atingiram uma
faturam acima de R$ 200 mil. Além disso, média de 11,47% (Record), 10,12% (SBT),
um terço do bolo publicitário estaria sob o 6,9% (Band) e 2,11% (Rede TV!). Parte des-
controle de apenas 150 emissoras. te resultado é fruto de um processo de longo
prazo, que ampliou, significativamente, as bar-
reiras à entrada de novos concorrentes no mer-
11. As emissoras que não são cabeça-de-rede também recebem
essa verba diretamente, o que faz com que o grau de concen- cado brasileiro de radiodifusão.
tração da rede seja provavelmente bem maior. Por exemplo,
somente a RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul O que se convencionou chamar de “barreiras
e Santa Catarina, recebeu R$ 63,7 milhões em verba de publi-
cidade federal entre 2003 e 2014. à entrada” são características socioeconômicas
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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL
de “poder dissuasório das firmas estabeleci- soras de televisão fora do eixo São Paulo-Rio
das frente às entrantes potenciais” (POSSAS, de Janeiro disponibilizavam seus pequenos
1990, p. 97), que configuram um oligopólio. mercados de anunciantes e seus telespectado-
Em estudo clássico sobre o mercado de tele- res. Formava-se, assim, um mercado caracte-
visão aberta, César Bolaño definiu essas bar- rizado por uma alta concentração horizontal
reiras em termos de um “padrão tecnoestéti- (domínio por um agente) e pela integração
co”, conhecido popularmente como “Padrão vertical (controle dos diferentes momentos de
Globo de Qualidade”. uma mesma cadeia produtiva por um agente).
Enquanto na fase anterior da TV havia maior Desde então, para entrar neste mercado, uma
mobilidade no mercado, pois as barreiras à en- nova emissora tem que se integrar a uma ca-
trada “limitavam-se à possibilidade de se con- deia existente ou investir para atingir os níveis
seguir ou não uma concessão para a instalação tecnoestéticos exigidos pelo oligopólio (além
da emissora”, o quadro muda “no início da de enfrentar no plano sociopolítico os inte-
década de 1970 quando, já tendo o domínio resses de uma classe já organizada em associa-
inconteste do mercado, a Rede Globo passa a ção). Ambos caminhos exigem investimentos
moldar o padrão competitivo de acordo com vultosos, mas a opção de não partir para a
seus interesses de empresa líder, construindo competição aberta se mostra sedutoramente
fortes barreiras limitativas da concorrência in- menos dispendiosa.
terna e da concorrência potencial, consolidan-
do o seu poderio e ditando os termos da con- Tal cenário também viola o Artigo 221 da
corrência no setor” (BOLAÑO, 1988, p. 76). Constituição, que prevê a regionalização da
produção de conteúdos, resultando em outro
A constituição de uma configuração de rede aspecto da radiodifusão brasileira: a concen-
nacional a partir da infraestrutura erigida pela tração regional da produção audiovisual.
Ditadura, da racionalização administrativa da Enquanto a televisão faturou R$ 5,86 bilhões
emissora e da injeção do capital estrangeiro na Grande São Paulo e R$ 2,56 bilhões no
advindo da americana Time-Life privilegiou Rio de Janeiro, o Nordeste faturou R$ 2,9
o Grupo Globo e propiciou as condições em bilhões; o Sul, R$ 3,03 bilhões; o Centro-
que se estabeleceram as barreiras à entrada no -Oeste, R$ 1,78 bilhões e o Norte, R$ 850
setor de radiodifusão. O novo padrão, refe- milhões. O interior de São Paulo sozinho fa-
rência para as concorrentes que também con- turou R$ 2,53 bilhões e o Sudeste, sem Rio
seguiram se estabelecer, estava afinado com a de Janeiro e São Paulo, R$ 1,9 bilhões. Dian-
consolidação do capitalismo monopolista no te das disparidades entre mercados regionais,
Brasil, que integrou os mercados regionais as redes de televisão reafirmam a assimetria
sob o jugo do eixo São Paulo-Rio de Janeiro. da economia brasileira, concentrando-se o
financiamento das campanhas nacionais nas
Os parques produtivos locais foram reduzidos cabeças-de-rede.
nas décadas de 70 e 80, enxugando os cus-
tos das emissoras que se tornaram, a partir de Concentração e dominação político-
então, afiliadas, perdendo parte considerável ideológica
da sua autonomia, especialmente no que diz
respeito à definição dos conteúdos veicula- O padrão privado, comercial e oligopolista
dos. As cabeças-de-rede passaram a prover de radiodifusão se estabeleceu de forma inte-
praticamente toda a programação e as emis- grada ao capitalismo monopolista brasileiro,
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consolidado pela Ditadura Civil-Militar, que rado em rede foi o Jornal Nacional, em 1969,
promoveu a indústria de bens de consumo quatro anos após a inauguração da TV Globo
duráveis e semiduráveis, mantendo um siste- e transmitido via Embratel.
ma político-econômico conservador e social-
mente excludente de amplos setores de baixa Embora a dominação esteja diretamente re-
renda. Estabeleceu-se, entre os anos 60 e 80, lacionada à concentração de recursos econô-
um tipo de dominação marcado pela estética micos – e, no caso do mercado de televisão,
da mercadoria, baseado na promoção do con- os altos investimentos exigidos reforcem essa
sumo concentrado nos estratos de renda mais relação –, ela não pode ser interpretada como
altos, na hipertrofia do espaço reservado ao seu mero reflexo. A seleção direta de um gru-
entretenimento, na reprodução dos discursos po restrito pelos sucessivos governos, por
oficiais e com pouco espaço para a expressão meio da política de outorgas e de mecanismos
da diversidade social e de pontos de vista. indiretos de regulação do setor (empréstimos,
fiscalização, isenções etc.), imprime um perfil
O projeto de modernização conservadora im- político discricionário à conformação do sis-
plementado pelas elites brasileiras operou um tema brasileiro de comunicação, jamais rom-
“filtro ideológico” (CAPPARELLI, 1982, pido ou contrariado, embora com frequência
p. 165), que selecionou os indivíduos e gru- venha a ser justificado a partir do discurso
pos mais afinados com o projeto desenvol- tecnocrático da adequação técnica eficiente.
vimentista autoritário e expeliu dissidentes,
como aconteceu, por exemplo, com o grupo Além da Globo, os poucos indivíduos e gru-
janguista da TV Excelsior, e agentes menos pos selecionados pela Ditadura, ou que já
confiáveis aos olhos da aliança de classes no existiam e passaram pelo filtro da ideologia
poder, como foi o caso do Condomínio As- da Segurança Nacional, conformaram basi-
sociado. Prova disto, a Ditadura favoreceu o camente a burguesia radiodifusora que do-
grupo Globo ao não puni-lo por ter contra- mina o setor até hoje. Esse grupo só vai se
riado a Constituição e se associado ao capital ver desafiado, recentemente, pela invasão do
estrangeiro do grupo Time-Life,12 enquanto capital estrangeiro no setor de TV paga e de
seus concorrentes menos alinhados se afunda- internet, dada a convergência dos mercados,
vam em dívidas. e pelo fortalecimento das igrejas cristãs na ra-
diodifusão.
As redes nacionais se mostraram adequadas
ao projeto de integração definido pela ide- Além do processo de distribuição de outorgas
ologia política de Segurança Nacional perpe- fundado em um projeto de desenvolvimento
trada pela Ditadura. Formaram-se, pratica- conservador, o sistema brasileiro é marcado
mente, na década de 70, com a construção também pelo patrimonialismo. José Sarney
da infraestrutura de telecomunicações pelo (MA), Antônio Carlos Magalhães (BA) e
governo brasileiro. O primeiro programa ge- Tasso Jereissati (CE) são considerados, com
frequência, exemplos extremos de como, em
12. Disposições sobre a proibição da propriedade estrangeira alguns casos, a posição no interior do Estado
em empresas jornalísticas e de radiodifusão constam nas Cons-
tituições Brasileiras de 1934 (artigo 131), 1946 (artigo 160),
(política) foi decisiva para a inserção no sis-
1967 (artigo 166), 1969 (artigo 174) e 1989 (artigo 222). Em tema nacional de comunicação. Posicionados
2002, a emenda constitucional nº. 36 alterou o artigo 222 da privilegiadamente, presidente, ministro e go-
Constituição de 1989 para permitir até 30% de capital estran-
geiro nessas empresas. (MIZUKAMI; REIA; VARON, 2014, vernador se valeram de seus cargos para dis-
p. 112). tribuir (e receber) outorgas entre correligio-
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gindo à cabeça-de-rede, assim como acontece lado pela rede e pelo seu “padrão de qualida-
com a definição das estratégias da rede. de”. Em contrapartida, garantem o acesso da
rede a um mercado determinado, ampliando
Obviamente, há rupturas muito pontuais na a cobertura e favorecendo o conjunto do ne-
composição dessas redes, quando emissoras gócio.
rompem com uma, geralmente, para se in-
corporar a outra. No entanto, isso não vai Como dito anteriormente, o ethos desses
além de uma reacomodação no campo, sem grupos consiste na redução da comunicação
impactos estruturais que comprometam o à dimensão comercial-privada, com destaque
modelo de negócio oligopolista. As barreiras para a hereditariedade das empresas (e das
à entrada se fazem sentir e, em certos casos, outorgas), a transferência da propriedade de
até mesmo a coerção das cabeças-de-rede às acordo com interesses particulares e o arren-
iniciativas dos grupos afiliados que possam se damento das outorgas por meio do loteamen-
chocar com interesses particulares18. Não é a to dos horários na grade de programação.
toa que, há cerca de quatro décadas, o Bra-
sil assiste apenas às mesmas poucas redes de As igrejas evangélicas se destacam no caso
televisão aberta, com algumas substituições dos arrendamentos, injetando recursos nas
– excetuando-se, talvez, pelo desempenho da empresas de televisão, que estas são incapa-
Rede Record a partir da virada do milênio. zes de garantir com produção própria. A TV
Mundial, por exemplo, vale-se dessa caracte-
Existem, porém, assimetrias no interior das rística mercantilizante hipertrofiada no setor,
redes que expressam outro aspecto importan- da apropriação privada do bem público e da
te da concentração. Os grupos de mídia se re- incapacidade de certos grupos de incremen-
lacionam com as barreiras à entrada estabele-
tarem os lucros com produção própria para
cidas no processo de consolidação do modelo
constituir outro tipo de “rede”, sem possuir,
de negócio. Alguns, privilegiados política e
todavia, nenhuma outorga – mas cumprindo
economicamente, posicionaram-se de modo
um papel representativo no quadro geral, in-
estratégico no mercado simultaneamente ao
clusive ocupando “transversalmente” espaços
desenvolvimento de um padrão tecnoestético
de redes concorrentes com menor poder den-
que definiu as “regras do jogo” para o setor.
tro do oligopólio nacional. Algumas emisso-
Aqueles localizados fora do centro ou entran-
ras de TV chegam a arrendar até 22 horas da
tes, a partir de então, foram empurrados para
sua programação, caso da Rede 21 (do gru-
a submissão no interior das redes, para ad-
quirir vantagens competitivas vitais no setor. po Bandeirantes), e no rádio, a programação
Como resultado prático, esses atores enxugam completa, caso da Rádio Vida FM, do inte-
seus custos (dispensam investimento em pro- rior de São Paulo.
dução), recebem suporte técnico (know-how) e
se beneficiam do “capital simbólico” acumu- As redes concentram praticamente toda a au-
diência de televisão do país e a Rede Globo
lidera em absoluto, com tendência monopo-
18. A TV Diário, emissora do grupo Edson Queiroz, desfez-se lista no interior do oligopólio. O Grupo Glo-
da rede de televisão aberta que vinha construindo após sofrer
pressão do Grupo Globo, permanecendo um canal “indepen- bo concentra também, com folga, as verbas
dente”. Os Queiroz detém a concessão da TV Verdes Mares, publicitárias, incluindo as provenientes da
afiliada à Rede Globo, e foram repreendidos por tentarem or- propaganda do Estado. A distribuição, em-
ganizar uma rede paralela que crescia principalmente no Norte-
Nordeste do país e por transmitir a TV Diário por satélite. bora relacionada com os índices de audiência
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da rede, um efeito do conjunto de emissoras consumo da população, não decorre daí que
que a compõem, depara-se com o filtro da o investimento por parte do Estado devesse
cabeça-de-rede na entrada das receitas, incre- ser concentrado nas cabeças-de-rede.
mentando assim o seu poder.
Salta aos olhos, portanto, o papel que o Es-
O crescimento observado no mercado de tado brasileiro desempenha no processo de
TV aberta e rádio, apesar do aumento da concentração na radiodifusão. Embora exis-
concorrência da internet e da TV paga, pode ta uma série de princípios constitucionais e
ser relacionado também com a ascensão eco- alguns mecanismos legais, que apontam para
nômica da classe C, seu público principal. a necessidade de impedir a formação de oli-
Hoje, a TV aberta tem seu maior grau de pe- gopólio e de favorecer a diversidade, os go-
netração (pessoas que consomem o veículo vernos se abstêm de cumprir o seu papel de
ao menos uma vez por semana) na classe C, reguladores e de garantidores dos direitos da
48%, enquanto os outros estratos são respon- população. Ao invés disto, as políticas de ra-
sáveis pelos seguintes percentuais: A – 6%, B diodifusão têm tido como foco a busca da
– 34%, D – 11% e E – 1%. Esses percentuais manutenção do poder, por meio da propa-
revelam que o setor da sociedade destacado ganda oficial, da cooptação da burguesia ra-
pela propaganda oficial do governo federal diodifusora oligopolista por meio da injeção
como maior beneficiado nesses 12 anos de de dinheiro público nas empresas cabeças-de-
gestões petistas19, por sua ascensão econômica -rede, da gestão da distribuição das outorgas
dada à política de formalização do emprego e e da negociação de cargos públicos nos órgãos
de renda mínima, é o principal público de ra- administrativos do setor.
diodifusão hoje, o que tem um impacto dire-
to nesse mercado. Isso pode ser observado nas Nem mesmo a digitalização da televisão
mudanças que vem ocorrendo na linguagem aberta resultou em uma ampliação e redistri-
estética dos programas e na construção das buição das outorgas do espectro radioelétrico.
grades de programação, que buscam atender O novo padrão tecnológico permite a melhor
a um consumidor com esse perfil socioeco- exploração do sinal, sem a necessidade de ma-
nômico. nutenção de canais vazios (o que acontecia
com a TV analógica), além de multiplicar o
O fortalecimento do poder de consumo des- número de faixas de programação no interior
se estrato social (em detrimento de políticas de um mesmo canal, o que se convencionou
sociais universalizantes) impacta diretamente chamar “multiprogramação”. No entanto,
o mercado publicitário, catalisador da aqui- sob pressão do empresariado, o governo Lula
sição de bens de consumo. Não à toa, este decretou, em junho de 2006, o Sistema Bra-
praticamente triplicou ao longo dos anos das sileiro de TV Digital Terrestre - SBTVD-T
gestões petistas. A esse crescimento, porém, (Decreto nº 5.820/2006), no qual optou por
não correspondeu uma possível desconcen- manter o espectro nas mãos dos mesmos con-
tração. O próprio Estado, como se viu, atuou cessionários anteriores à digitalização, perpe-
diretamente para o crescimento do setor e o tuando o padrão de concentração existente.
fortalecimento do oligopólio. Mesmo que
isso encontre uma justificativa nos hábitos de Experiências como a da Conferência Nacio-
nal de Comunicação - Confecom, realizada
19. Contra o mito da “nova classe média” ver a noção de “classe em 2009, comprovam como o Estado brasi-
trabalhadora expandida” tratada por Pochmann (2012). leiro não tem demonstrado nenhuma disposi-
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Acreditamos que, se o Estado apenas obser- po que conta com a participação da sociedade
vasse o marco legal em vigor, já seria o su- civil organizada e de instituições de pesquisa
ficiente para termos um cenário mais demo- acadêmica, sob coordenação do Ministério
crático do que o existente e diferenciado do Público Federal, podem ser interessantes para
oligopólio que conhecemos hoje. Todavia, cobrar do Estado o cumprimento das leis,
é preciso frisar que, com exceção de alguns além de servir como espaço de debate e apro-
princípios constitucionais relacionados à co- fundamento de alguns temas.
municação social, a legislação aplicável ao
setor nunca teve entre suas maiores preocupa- À sociedade civil, por fim, cabe não apenas
ções a promoção da pluralidade e da diversi- pressionar o Estado no sentido da sua demo-
dade no rádio e na televisão. Para completar, cratização, mas também, o desenvolvimento
a base do marco legal da radiodifusão, o Có- de meios próprios de expressão, capazes de,
digo Brasileiro de Telecomunicações - CBT, entre outras coisas, fazer o debate público
já tem mais de 50 anos (anterior ao uso do sobre a própria natureza do Estado e a ob-
satélite por redes de televisão). servância dos direitos.
Tais aspectos alertam para a necessidade de O que foi exposto nesse trabalho permite-
atualização dessa legislação, o que vem sendo -nos afirmar que é imprescindível para a
apontado pelo movimento pela democrati- democratização dos meios de comunicação
zação da comunicação há alguns anos e que uma política pública que reconheça oficial-
culminou no Projeto de Lei de Iniciativa Po- mente a existência e a natureza das redes de
pular da Mídia Democrática20, capitaneado radiodifusão, buscando regular a sua dinâ-
pelo Fórum Nacional pela Democratização mica e organizar as informações do setor.
da Comunicação - FNDC. Compreender que a circulação dos produtos
do audiovisual pode ser algo positivo para
A nova lei, entretanto, será estéril se não for o sistema de comunicação do país não sig-
possível conquistar também uma mudança nifica se abster de regular a concentração
na postura do Estado em prol da garantia de poder representada pelos contratos entre
do que está legislado. Para isso, a sociedade empresas do setor. É preciso legislar sobre li-
precisa pressioná-lo, exigir sua refundação em mites nesse âmbito, assim como já existem
novas bases, somada ao controle social parti- os números máximos de concessões, permis-
cipativo. Ironicamente, sem uma diversidade sões e autorizações. Não é admissível que,
de meios suficiente para garantir a expressão após outorgado, o espectro radioelétrico seja
dos setores que reivindicam a democratização tratado como uma questão circunscrita à es-
do Estado, a tarefa torna-se enormemente
fera privada e comercial.
mais difícil. O direito à comunicação mostra,
assim, uma face dialética: a que reivindica do Cabe ao Estado, em diálogo com a sociedade
Estado a sua garantia e, na medida em que é civil (e não só com o empresariado), estabe-
efetivado, transforma esse mesmo Estado na
lecer projetos de democratização para o setor
direção de sua democratização.
de comunicação, orientando os radiodifuso-
res no sentido de sua adequação, legislando
Iniciativas como a do Fórum Interinstitucio-
sobre a regulação das redes, definindo indi-
nal pelo Direito à Comunicação - Findac, gru-
cadores precisos de limites à concentração
20. Para conhecer a íntegra do projeto: http://www.paraexpres- econômica, resguardando os veículos contra
saraliberdade.org.br os usos de natureza proselitista e incidindo
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no setor por meios diretos e indiretos, como a tização, da redistribuição ou mesmo da mera
fiscalização, a verba publicitária oficial, o orça- regulação no setor de radiodifusão enfrentará
mento das empresas públicas e a elaboração de muita resistência. Ao longo de sua história,
planos estratégicos para o médio e longo prazo. a burguesia radiodifusora deixou claro que
é conservadora e tem bastante poder para
A tarefa exige transparência em tudo o que incidir no plano político institucional, no
diz respeito às empresas de radiodifusão. É ideológico, além de representar um setor eco-
imprescindível que sejam prestadas contas nomicamente significativo. O desafio não é
à sociedade por parte do empresariado. Os pequeno, mas sem enfrentamento nunca se-
contratos entre os integrantes das redes e ba- rão superadas as condições que obstruem o
lanços financeiros são elementares para qual- pleno gozo da liberdade de expressão e do di-
quer avaliação séria do setor, assim como um reito à comunicação no Brasil. E um passo
mapeamento exaustivo das relações entre gru- importante para o cumprimento dessa tarefa é
pos de mídia. conhecer bem o sistema de comunicação que
temos, os agentes que o controlam e de quais
Os arrendamentos precisam ser combatidos, estratégias têm se utilizado para controlá-lo.
limitando a comercialização às cotas de tem-
po para anúncios comerciais. As transferên-
cias de outorga precisam ser objeto de debates
públicos, assim como a sua hereditariedade,
garantindo o caráter de bem público do es-
pectro radioelétrico.
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Autor Responsável
Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva
o nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está
comprometida com o ideário da Democracia Social. Realiza atividades na Alemanha e no exte-
rior, através de programas de formação política e de cooperação internacional. A FES conta com
18 escritórios na América Latina e organiza atividades em Cuba, Haiti e Paraguai, implementa-
das pelos escritórios dos países vizinhos.