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ANÁLISE

Nº 13/2015

BRASIL Concentração dos meios de comunicação


de massa e o desafio da democratização
da mídia no Brasil

Bruno Marinoni
Intervozes
NOVEMBRO DE 2015

Embora os mecanismos de combate ao oligopólio midiático se deten-


ham praticamente sobre a propriedade direta dos meios, no cenário bra-
sileiro as principais formas de controle privado do setor de radiodifusão se
dão por meio da arregimentação de empresas afiliadas às redes, estruturas
essas que não são observadas pelos órgãos de regulação do Estado.

Apesar de ser um bem público, a natureza do espectro radioelétrico se


encontra subordinada à hipertrofia da lógica privada no setor de radiodi-
fusão. Isto se mostra evidente na prática da transferência do controle das
outorgas (seja por venda ou por herança), que são aceitas pelos governos
como fato consumado, assim como na venda de espaços da programação
a terceiros (arrendamentos).

A escolha das empresas que atuam no setor, feita por meio da política
de outorgas e de mecanismos indiretos de regulação do setor (emprésti-
mos, fiscalização, isenções etc.), imprimiu um perfil político conservador
à conformação da burguesia radiodifusora, não tendo esta, porém, sua
origem no seio dos “setores tradicionais” brasileiros.

É preciso desenvolver mecanismos efetivos para a estruturação dos sis-


temas público e estatal de comunicação brasileiros, de forma que possam
se consolidar e dar suporte ao exercício do direito à comunicação, com
maior diversidade e pluralidade de ideias. Boa parte dessa política deve se
assentar num esforço para a redistribuição da riqueza, pois, embora não
sejam comerciais, tais sistemas demandam condições para manutenção
de custos e investimentos.
Sumário

A multidimensionalidade da concentração 6
Concentração da propriedade eapropriação privada de um bem público 8
Concentração e domínio de mercado 11
Concentração e dominação político-ideológica 14

A opção político-econômica pela concentração 17

Conclusão 20

Bibliografia 23

Anexo I - Lista de sócios das entidades que receberam outorga


de TV Digital a partir da tabela do Ministério das Comunicações
(outubro de 2014 24

Anexo II - Marcas de rádio controladas pelos grupos que


controlam as redes nacionais de TV 27
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A comunicação é uma dimensão humana direito a apropriação privada característica do


fundamental, tendo a humanidade desenvol- capitalismo monopolista. Nessa oposição as-
vido, ao longo da sua história, os meios pelos simétrica, os indivíduos só podem ter (quan-
quais as sociedades se comunicam. A apro- do têm) acesso, de fato, ao campo aberto dos
priação desses meios, porém, se dá de modo debates públicos através da mediação de um
desigual e, atualmente, sociedades capitalis- pequeno grupo de empresas privadas, que
tas, como a brasileira, são caracterizadas por possuem a prerrogativa de selecionar, filtrar,
um alto grau de concentração da mídia, sob editar e obstruir a expressão que passa pelos
a forma da propriedade privada de emissoras “seus” canais. Mesmo no caso da Internet
de rádio e televisão. O Estado democrático de que, em princípio, proporciona menos inter-
direito prevê que para o exercício da demo- ferência das empresas provedoras no conte-
cracia, porém, os cidadãos e cidadãs precisam údo produzidos pelos usuários, ainda se en-
ter garantidas certas condições, que vão de frenta o desafio de garantir o acesso universal
encontro à forma oligopolista comercial que ao serviço, a neutralidade de rede e a proteção
tem dominado a comunicação brasileira. contra iniciativas arbitrárias de remoção de
conteúdos disponibilizados pelos cidadãos e
Algumas das condições mínimas para o exer- cidadãs em geral.
cício da democracia, apontadas ao longo da
constituição do direito moderno, são a liber- Em um contexto no qual a produção ideo-
dade de expressão, o direito à informação e a lógica da sociedade, embora não se encontre
participação nas decisões referentes às políti- restrita à indústria cultural, tem nela um lu-
cas públicas, incluída a política de comuni- gar privilegiado – especializado atualmente
cação. O direito à comunicação, entretanto, em equacionar desejos, representações e prá-
não se reduz à soma desses direitos. Ele, sim, ticas, com o objetivo de direcioná-los para o
configura um núcleo orientador e integrador consumo ou para algum subproduto da do-
daqueles, visando uma inserção positiva na minação capitalista –, a concentração privada
dinâmica social de produção, distribuição, da propriedade tem reduzido o papel da co-
circulação e consumo de informação e de municação humana em toda a sua potenciali-
cultura. Além disso, relaciona-se de forma in- dade. Faz isso na medida em que direciona as
terdependente com outros direitos, haja vista forças de produção ideológica para o processo
que a condição de poder reivindicá-los ex- autorreferente de acumulação mercantil, de
pressamente é fundamental para garanti-los. reafirmação do poder do capital monopolista1
e de reprodução das desigualdades existentes.
Porém, nem mesmo em suas acepções mais
estritas (como nas noções liberais de “liber- Combater esta lógica caberia ao Estado, for-
dade de comunicar ideias e opiniões”, previs- malmente o garantidor dos direitos de todos
tas no artigo 11º da Declaração de Direitos e todas, que deveria imprimir no setor uma
do Homem e do Cidadão, e de “liberdade dinâmica que favorecesse uma maior plurali-
de opinião e expressão”, mencionada no ar- dade e diversidade, por meio de seus disposi-
tigo 19 da Declaração Universal dos Direitos
1. A terminologia “capital monopolista” é corrente e de uso
Humanos), o direito à comunicação pode ser
genérico para se referir aos agentes do mercado representantes
considerado garantido diante do oligopólio das estruturas de hiperconcentração características da fase mo-
midiático brasileiro. Por aqui, a esfera pública nopolista do capitalismo. É utilizada mesmo em casos que não
tratam de forma estrita de um monopólio (um único agente
dos meios de comunicação de massa foi es- dominando o mercado), e sim de um oligopólio (poucos agen-
truturada de tal forma que contrapôs a esse tes dominando um mercado), como é o caso deste artigo.

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tivos reguladores, desconcentrando o poder, Os recuos históricos que efetuaremos no mo-


descentralizando o controle e favorecendo a mento da análise de dados se justificam pela
efetivação do direito à comunicação. Toda- vigência de um modelo de exploração da ra-
via, o que apresentamos neste artigo mostra diodifusão que se consolidou há cerca de 30
que, pelo menos no Brasil, não tem sido essa anos, envolvendo grupos que, inclusive, es-
a realidade. tão no setor desde os seus primórdios. Com
isso, acreditamos favorecer a compreensão do
Na próxima sessão, desenhamos um breve cenário em que vivemos hoje, ainda que, no
quadro de como tem sido tratado o tema da contexto de certa convergência, este se encon-
concentração das comunicações pelas pes- tre desafiado pela emergência de novos cam-
quisas do campo, assim como algumas das pos de batalha e competidores externos.
debilidades às quais estão relacionados esses
tratamentos. Em seguida, discutimos a pro- Cabe destacar que daremos maior centralida-
blemática da concentração, relacionando in- de ao meio televisão, pela sua premência no
formações levantadas a partir de fontes ofi- cenário da concentração, por seu papel como
ciais, como o Ministério das Comunicações principal fonte de receitas dos grupos de mí-
e a Anatel, e complementares, como estudos dia (que, em boa parte dos casos, controlam
elaborados pelas próprias empresas do setor. também emissoras de rádio) e por ser o veí-
Hoje, o Estado brasileiro não disponibiliza culo mais consumido no Brasil. A pesquisa
informações sistematizadas sobre a proprie- sobre hábitos publicada pela Secretaria da
dade dos meios de comunicação no Brasil Comunicação da Presidência da República -
que permitam, por exemplo, uma identifica- Secom, em 2015, revela que 95% da popula-
ção dos agentes sociais detentores do controle ção declaram ver TV, sendo 73% diariamen-
dos meios e seus vínculos socioeconômicos te, enquanto apenas 55% dizem ouvir rádio
(grupo de empresas, redes etc.) e políticos (30% diariamente).
(concessionários parlamentares). Tal desafio
chegou a ser enfrentado pelo projeto “Donos Por fim, para melhor compreender a pro-
da Mídia”. A plataforma se encontra, porém, blemática da concentração, diferenciaremos
desatualizada desde 2008. conceitos que, usualmente, têm sido utiliza-
dos sem rigor pelo mercado, por acadêmicos,
Apesar das limitações enfrentadas por esse por militantes e pelo público em geral. O ter-
tipo de pesquisa, acreditamos que levanta- mo “grupos” será usado neste trabalho para
mentos de dados, mapeamentos e outros tra- se referir ao controle direto da propriedade,
balhos com características proeminentemente casos em que empresas diferentes pertençam
descritivas consistem em um passo funda- a uma mesma pessoa, seja ela jurídica ou fí-
mental para a compreensão e interpretação sica, ou a um conjunto de pessoas relacio-
de fenômenos sociais como o da concentra- nadas economicamente (compartilham um
ção, ainda que sejam insuficientes, tomados mesmo capital social). Geralmente possuem
isoladamente. Neste sentido, além das fontes o mesmo nome fantasia. Em última instân-
sobre a propriedade, utilizaremos outros tipos cia, um “grupo de mídia” é um conjunto de
de informações fundamentais para enfrentar empresas pertencentes de forma direta a um
o desafio de dar conta do fenômeno da con- mesmo conjunto de pessoas e sob uma mes-
centração, como dados sobre o mercado e a ma direção político-administrativa. É no âm-
audiência dos veículos. bito da concepção de grupos de mídia, por

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exemplo, que se manifesta o fenômeno da cha- Decreto-Lei nº. 236/67, que define o número
mada “propriedade cruzada” (cross ownership), máximo de outorgas por entidade e, assim,
em que um mesmo ente controla empresas de intenta limitar os processos de concentração
diferentes mercados de um mesmo setor (TV e centralização da propriedade. O mesmo
aberta, rádio, impresso, TV por assinatura etc.) artigo, em seu parágrafo 7º, prevê e deveria
(NOAM, 2009; LIMA, 2004, pp. 95-103). impedir (se cumprido) a perda de autonomia
das afiliadas, assegurando algum mecanismo
O nome “redes” reservamos na radiodifu- de proteção contra a pressão das cabeças-de-
são para nos referir à “verticalização da pro- -rede. Segundo sua redação, “as empresas
gramação”, ou seja, à reprodução, por dife- concessionárias ou permissionárias de serviço
rentes empresas, do conjunto de conteúdos de radiodifusão não poderão estar subordina-
estruturados em uma grade de horários por das a outras entidades que se constituem com
outra empresa. Embora a palavra rede tenha a finalidade de estabelecer direção ou orien-
uma dimensão ideológica que sugere ou dá tação única, através de cadeias ou associações
margem à possibilidade de se pensar em cir- de qualquer espécie”. A palavra “rede” sequer
culação de conteúdos entre agentes igualmen- é referida na legislação brasileira que trata
te dispostosem um conjunto, o que se tem do tema, embora seja corrente no mercado
observado na prática é basicamente um fluxo e na apresentação das empresas de radiodifu-
unidirecional, de um único centro produtor são ao público. Nesse contexto, os cadastros
para os demais pontos, com algumas poucas de radiodifusão disponibilizados pelo Mi-
“contribuições” atuando no contrafluxo. nistério das Comunicações não apresentam
dados sobre essas redes e se desconhece os
No interior das redes são distribuídos os laços termos nos quais são firmados os contratos
assimétricos de “vassalagem”, que diferen- entre cabeças-de-rede e afiliadas.
ciam as “cabeças-de-rede” (produtoras, distri-
buidoras e direções político-administrativas do A multidimensionalidade da
conjunto) e as “afiliadas” (distribuidoras). A concentração
essas últimas cabe, com frequência, uma par-
cela ínfima da produção, que pode servir para A “concentração” tem sido o foco mais co-
“vender” certa diversidade regional aos teles- mum da tradição de pesquisas de comuni-
pectadores, comumente estereotipada (tanto cação, já consolidadas, sobre “propriedade”
para atender a certa demanda do mercado por (media ownership) (DOWNING, 2011, p.
exotismos, quanto para se legitimar através de 141; RICE, 2008, p. 12). Esse debate se dá,
uma política que responde com migalhas à de- geralmente, na forma do que Downing cha-
manda existente no interior e no exterior das mou de hipóteses do “estrangulamento da de-
próprias redes por maior pluralidade). mocracia” (democracy-strangulation) e da “frus-
tração do consumidor” (consumer-frustration)
É possível inferir disto, de certa forma, que as (2011, p.141)2. Assumindo, já de partida,
redes são, grosso modo, uma extensão indi- como dada a concentração dos sistemas mi-
reta dos grupos, um “segundo grau” da con- diáticos, o foco de grande parte dos estudos
centração da propriedade, mediada por ou-
tras propriedades. Uma das justificativas para
que o fenômeno se dê de tal forma advém do 2. Rice trabalha com noções similares: “public sphere model” e
“market model” (2008, p. 16); e Mastrini também: “a perspec-
interesse da burguesia radiodifusora em bur- tiva política e a questão do pluralismo” e “a perspectiva econô-
lar as limitações impostas pelo artigo 12 do mica e a questão da eficiência” (2006, p. 4448).

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passa, então, para a análise e interpretação do RA, 2006; MASTRINI; BECERRA, 2009;
seu papel e seus efeitos para a dinâmica social, COMPAINE; GOMERY, 2000). Algumas
ora enfatizando sua dimensão político-cultu- vezes, são utilizadas diversas dessas aborda-
ral, ora econômica. Nesse contexto, em torno gens em conjunto.
dessa preocupação vão se reunir diversas áreas
de conhecimento, dentre as quais a economia Os resultados dos levantamentos são bastante
política, a sociologia e a ciência política. variados. Os níveis de concentração oscilam
de acordo com o que se decide que deva ou
Os argumentos que embasam as hipóteses não configurar um mercado e com os índi-
nomeadas por Downing giram basicamen- ces de mensuração utilizados. Resultam disto
te em torno da ideia de que “a razão mais discordâncias críticas entre autores quanto ao
fundamental para resistir à concentração da crescimento ou queda dos níveis de concen-
propriedade da mídia deriva diretamente das tração em determinados períodos. A esse tipo
visões dominantes de democracia” (BAKER, de estudos cabe a pergunta de Baker: “...o que
2007, p.5). A busca pela efetivação da demo- constitui o mercado relevante e que nível de
cracia, mesmo quando entendida em um sen- concentração é demasiado [?]. Fatos sozinhos
tido mais amplo e vulgarmente econômico de não respondem a nenhuma dessas questões.
uma “satisfação de consumidores” ou das “li- Ao contrário, as respostas dependem funda-
berdades de compra e venda”, impulsionaria, mentalmente do motivo das perguntas – o
de uma forma geral, uma resistência à con- motivo para uma preocupação com a con-
centração dos meios de comunicação, haja centração da propriedade de mídia” (2007,
vista que esta configuração estrangularia po- p.56).
liticamente a sociedade ou frustraria o atendi-
Além dos desafios teórico-metodológicos, a
mento das necessidades do consumidor.
investigação deste tipo sofre de problemas
práticos.
A concentração da propriedade dos meios
de comunicação também tem sido abordada
“A pesquisa sobre a estrutura e a concentração
por alguns autores com o intuito de tentar
infocomunicacional na América Latina não só
mensurá-la. O sentido conferido ao conceito,
carece de estatísticas oficiais integrais, como
neste caso, pode abranger diversos tratamen- também encontra um obstáculo sério na opaci-
tos de dados, muitas vezes inter-relacionados, dade e na falta de colaboração para oferecer in-
mas, em geral, problemáticos. Oscila-se entre formação de acesso público por parte dos atores
a imprecisão, por generalidade, e a mutilação concentrados das indústrias da informação e da
da realidade, por recortes realizados no intui- comunicação. Obstáculo singular, tratando-se
to de se conferir “precisão operativa” ao con- de atores empresariais cujas atividades consistem
ceito, dificultado pelas transformações atuais em produzir, armazenar, editar e distribuir justa-
que tornam cada vez mais complexas as re- mente informação sobre diversos setores da so-
lações de comunicação, como a digitalização ciedade, da economia, da política e da cultura”.
(MASTRINI; BECERRA, 2006, p. 38-39). (MASTRINI, BECERRA, 2009b, p. 25)
As metodologias variam entre levantamentos
sobre número de veículos possuídos, domí- Os próprios representantes do mercado se la-
nio de fatias de mercado, níveis de audiência mentam da “ausência de informações sobre
ou de vendas e análise de estrutura de mer- radiodifusão obtidas por processos formais”,
cado (NOAM, 2009; MASTRINI; BECER- de que “não existem pesquisas sistematizadas

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sobre as receitas auferidas pelo rádio ou pela Isso porque, embora o levantamento de quem
televisão” e de que “atitudes isoladas, com sejam os “donos da mídia” seja importante
propósitos diversos, são apresentadas, mas para compreender o fenômeno da concen-
sem aderência contábil dos dados, fato que tração, ao analisar a estrutura de mercado,
dificulta a comparação entre eles e até mesmo elaborar “uma tipologia que se restrinja tão-
entre os meios” (ABERT, 2015). -somente ao número de empresas e à maior
ou menor homogeneidade do produto para
As informações coletadas nas páginas eletrô- caracterizar o mercado é no mínimo insufi-
nicas dos grupos tampouco são confiáveis, ciente, por estática e simplista, devendo fatal-
como exemplifica o caso do SBT no interior mente ser abandonada ou totalmente redefi-
de Minas Gerais, apontado na lista anexada a nida” (POSSAS, 1990, p.87). Não existe uma
este artigo, cuja empresa não consta na lista relação direta, por exemplo, entre o número
de filiais do grupo Sílvio Santos disponibili- de empresas que determinado grupo possui
zada no site de comemoração dos 50 anos do e seu poder econômico ou político. O grupo
grupo. Nesse sentido, qualquer levantamento Globo, primeiro no ranking da concentração,
sobre a concentração dos meios precisa, além possui menos empresas que seus concorrentes
das fontes oficiais do Estado, se valer de ou- mais próximos (SBT, Record e Bandeiran-
tros recursos e realizar o cruzamento de infor- tes). Da mesma forma, o número de sócios
mações, para dar conta do cenário de controle diz pouco sobre essa concentração, caso con-
da propriedade, mapeando os grupos de mí- trário, empresas como a TV Record de Salva-
dia e os vínculos de rede. dor, com seus 1.115 acionistas, e a TV Rádio
Clube de Teresina4, com seus 948 acionistas,
Na economia da radiodifusão, porém, não só se encontrariam em situações semelhantes no
a concentração da propriedade, mas também cenário de oligopólio.
a lógica discricionária que orienta a distribui-
ção das outorgas para exploração dos merca- Por isto, sem desconsiderar a propriedade di-
dos, o fluxo das receitas publicitárias e da au- reta das empresas, também destacamos neste
diência, a propriedade cruzada etc., tudo isso artigo a forma dinâmica de organização dos
contribui para reproduzir a posição dos agen- agentes entre si no mercado oligopolizado; as
tes consolidados dentro do campo (do oligo- estratégias de ação em um ambiente econô-
pólio). O quadro que apresentamos anexado mico integrado, caracterizado por barreiras
oligopolistas; e os mecanismos sociopolíticos
ao fim do artigo, busca listar os sócios mape-
históricos que atuaram para que o sistema
ados das empresas que controlam a televisão
brasileiro de comunicação se configurasse tal
no país e que concentram o principal poder
qual o conhecemos hoje.
na radiodifusão. É um passo importante para
a compreensão do fenômeno da concentra- Concentração da propriedade e
ção, porém, mais efetivo do ponto de vista da apropriação privada de um bem público
identificação dos envolvidos3 e dos vínculos
entre eles do que da mensuração dos níveis de A hipertrofia do setor comercial-privado, em
concentração em si. detrimento do equilíbrio entre privado, esta-
tal e público previsto na Constituição de 1988
3. Casos como o da TV Record em Santos (TV Mar Ltda.),
por exemplo, apresentam-se como verdadeiros desafios para a
identificação dos vínculos somente por meio dos nomes dos 4. Afiliada da Globo, não consta no quadro que disponibiliza-
acionistas. mos neste trabalho.

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é, provavelmente, o aspecto mais fundamen- próxima desse cenário com suas 108 emisso-
tal da concentração dos meios de comunica- ras, das quais 12 são próprias.
ção no Brasil a se destacar, pois a esmagadora
hegemonia dos agentes do mercado define a Já a Rede Bandeirantes de Televisão possui
estrutura da comunicação que conhecemos 49 emissoras, 14 próprias, e cobre 3.572 mu-
hoje no país. A criação da Empresa Brasil de nicípios, atingindo 181 milhões de habitan-
Comunicação - EBC, em 2007, é uma ini- tes (89% da população), semelhante ao que
ciativa importante no sentido de favorecer é apresentado pela RedeTV!, 40 emissoras,
maior equilíbrio ao quadro, mas se encontra 5 próprias, e pela EBC – Empresa Brasil de
longe de garantir o cumprimento do previsto Comunicação5, que envolve 50 emissoras de
constitucionalmente, de fazer frente ao cená- TV, sendo 4 próprias.
rio comercial e de incorporar o conjunto de
demandas que os setores que pressionam pela As redes se revelam, assim, verdadeiras exten-
democratização da sociedade têm reivindica- sões do controle por parte das cabeças-de-re-
do ao menos desde o processo de abertura de- de, sem incorrerem na ilegalidade do excesso
mocrática nas décadas de 70 e 80. de propriedade direta, disfarçando o oligopó-
lio nacional por meio dos mediadores locais.
Neste cenário, a comparação dos números do
Atlas de Cobertura das empresas, do Anuário A formação de redes nacionais no rádio é um
de Mídia 2015 e do Donos da Mídia que dis- fenômeno menos significativo do que na te-
ponibilizamos anexada a este artigo nos pare- levisão, embora possa ser notado como nos
ce bastante reveladora de como a estruturação casos de emissoras como a Jovem Pan, a Tran-
das redes tem papel fundamental no sistema samérica ou a CBN. Os principais grupos de
de televisão e na concentração, em detrimen- mídia que possuem TV, no geral, controlam
to dos dados sobre propriedade direta. também alguma das principais rádios da cida-
de em que exploram a televisão, representan-
A Rede Globo engloba hoje 123 emisso- do o fenômeno da propriedade cruzada, no
ras, em 5.490 municípios (98,56%) e atin- qual a concentração envolve mercados dife-
ge 202.716.683 habitantes (99,51%). Des- rentes sob o domínio de mesmos grupos.
sas concessões, apenas cinco são próprias do
Grupo Globo, sendo que 118 são de outros Não é possível, porém, deduzir diretamente
grupos. Enquanto a rede representa 22,6% para o cenário do rádio o mesmo oligopólio
(praticamente 1/4) do total de 543 outorgas visto no caso das TV. Grupos que controlam
no Brasil, as 5 pertencentes ao Grupo Globo redes nacionais de televisão como o SBT e a
representam 0,009% (cerca de 1/100). Rede TV!, por exemplo, não possuem conces-
sões de veículos sonoros. Já os Marinho pos-
A rede SBT possui no total 114 emissoras de suem o Sistema Globo de Rádio, que abrange
televisão, 8 próprias (embora o nome da fa- cinco marcas diferentes (ver anexo II, ao final
mília Abravanel conste na lista de sócios de do artigo) e que declara em seu site comercial
9), cobre 97% do território, 190 milhões de possuir mais de 50 afiliadas, atingindo pelo
pessoas. Percebe-se como há pouca diferença menos oito milhões de pessoas.
entre esses números e os da rede líder, não
refletindo a assimetria de poder de mercado
5. Empresa pública de comunicação, criada pela Lei
existente. A Rede Record fica também muito 11.652/2008.

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A Igreja Universal, por outro lado, possui a dade da propriedade privada em sociedades ca-
Rede Aleluia, composta por mais de 64 emis- pitalistas, como a brasileira, para configurar as
soras (entre próprias e afiliadas), presentes em feições “familistas” da burguesia radiodifusora
todas as regiões do país, localizadas em 22 es- brasileira. Nesse caso, as gerações se sucedem e
tados, com uma área de abrangência que co- comprovam, pela transferência das concessões,
bre 75% do território nacional. Seu principal a apropriação privada do bem público, que é a
programa é a “Palavra amiga do Bispo Ma- outorga do espectro radioelétrico.
cedo”. Todavia, a Rede Record de televisão
não se apresenta como vinculada a essa rede O fato de ter sido vedada a participação de
de rádio, talvez para manter sua estratégia de pessoas jurídicas no capital social das empresas
disputar o público “laico”. de radiodifusão até 2002, com a justificativa
de que era necessário identificar com precisão
Além da formação das redes, outro artifício seus controladores, pode ter sido um fator que
utilizado para burlar os poucos limites impos- tenha incentivado de certa forma o desenvol-
tos aos grupos de mídia pela lei6, tem sido a vimento de empresas familiares, em detrimen-
participação dos chamados “laranjas” no ca- to de outras formas possíveis de propriedade
pital social das empresas, sejam eles membros como, por exemplo, as “sociedades anônimas”
da família ou não. Isto tem dificultado sobre- – as concessões acabaram promovendo o nome
maneira as tentativas de definir com maior dos concessionários (e de suas famílias) em vez
precisão os limites dos grupos de mídia, que de impessoalizar a outorga sob a figura da pes-
escondem, sem o registro formal, a proprie- soa jurídica. Todavia, empresas familiares não
dade “de fato” de determinados veículos por são exceções na economia industrial brasileira,
parte de uma mesma pessoa, fragilizando as- nem mesmo no cenário econômico mundial7,
sim a possibilidade de um mapeamento do em boa medida pelos motivos já apresentados
fenômeno da concentração e suas consequên- no parágrafo anterior.
cias. Esse recurso atende também ao interesse
de escamotear o vínculo entre parlamentares Essa relação mercantilizada com as outorgas,
e emissoras TV e rádio, seja por motivos elei- na qual se confunde a concessão do bem pú-
torais, seja para se precaver em relação a pos- blico com o pleno exercício do poder sobre a
síveis punições decorrentes da proibição ex- propriedade privada, pode ser observada ainda
pressa no artigo 54 da Constituição Federal. na prática da venda das concessões. Apesar de
ser “vedada a transferência direta ou indireta
A distribuição da propriedade entre familia- da concessão ou permissão, sem prévia auto-
res, estruturada por relações de solidariedade rização do Governo Federal”, de acordo com
e dominação no interior das famílias, além de o parágrafo 6º do artigo 12 do Decreto-Lei
cumprir o papel de escamoteadora do vínculo n.236/67, o que impera é a política do fato
proprietário entre chefes de família e seus veícu- consumado. O caso recente mais representati-
los de comunicação, soma-se com a hereditarie- vo dessa prática foi o do canal MTV Brasil (32
UHF de São Paulo), que pertencia ao grupo
Abril, vendido ao grupo Spring sem nenhuma
6. De acordo com o Decreto-Lei 236, de 28 de fevereiro de
1967, que complementa e modifica a Lei 4.117/62 (Código comunicação ao Ministério das Comunicações
Brasileiro de Telecomunicações), cada entidade só poderá ter
concessão ou permissão para executar serviço de radiodifusão
dentro do limite de 10 estações radiodifusoras de som e ima- 7. Como exemplo, são consideradas empresas familiares a Fiat
gem em todo território nacional, sendo no máximo 5 em VHF (dos Agnellis), a Ford, os Rockefellers, os Guggenheims, os
e 2 por Estado (Art.12, 2). Morgans no setor bancário etc.

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(MENDONÇA, 2014). Atualmente, o grupo forma essa investigação. Todavia, a busca por
arrenda sua programação para a TV Mundial meio dos nomes é insuficiente. Existe sempre
da Igreja Mundial do Poder de Deus. A TV a possibilidade de homônimos e nem sempre
Mundial não possui concessão, mas transmite são os nomes da família que compõem o qua-
sua programação através de oito emissoras de dro das filiais.
televisão aberta, representando outra face da
concentração. A lógica da apropriação privada da comuni-
cação, porém, que se impôs antes mesmo da
Cabe ressaltar que essa compreensão em re- chegada da TV ao Brasil na década de 50, mar-
lação à transferência de outorga não foi re- cou o tipo de concentração que conhecemos
cepcionada pela Constituição de 1988, que, no país e nos parece, como já dito, ser o seu
em seu art. 175, determina que a prestação traço mais relevante. E isto não se deu como
de serviços públicos mediante concessão ou única alternativa possível, pois nessa época, na
permissão será sempre precedida de licitação. Europa pré-neoliberal, imperava o monopólio
Assim, não se pode definir um prestador de estatal da radiodifusão, provando que não exis-
serviço público por meio de acordo particular tia um único caminho para o setor.
entre empresas.
Expressão máxima da concentração da pro-
Outro exemplo da lógica da “transferência” priedade no setor de radiodifusão, o patrimô-
das outorgas em foro privado, por meio da nio bilionário dos irmãos Marinho (Globo),
mudança do controle acionário, é a here- os três filhos de Roberto Marinho, figura com
ditariedade das concessões dada como fato destaque no ranking da revista Forbes 2015 de
consumado pelo Estado, apesar de se tratar de empresários brasileiros mais ricos. Somadas as
suas fortunas (R$ 23,8 bilhões cada), eles fi-
um bem público. Grupos como a RBS, por
cam atrás apenas dos donos da AB Inbev (R$
exemplo, já se encontram na terceira geração
83,7 bilhões), embora separados ocupem o 5º
de proprietários sem que, na história do país,
lugar. Edir Macedo (Record), segundo do se-
alguma vez tenha sido recolocada para debate
tor na lista, tem patrimônio estimado de R$
a transferência da outorga de um pai para os
3,02 bilhões, ocupando a 74ª posição; e Sil-
seus filhos ou demais parentes.
vio Santos (SBT), R$ 2,01 bilhões, na 100ª
posição. O setor de mídia brasileiro é, assim,
No quadro produzido, anexado ao final do
o 8º mais representativo em um ranking de
artigo, é possível observar a composição acio-
13 setores liderado por indústria, bancos e
nária dos grupos que são as cabeças-de-rede
alimentos8.
da televisão brasileira. O cadastro que o Esta-
do brasileiro disponibiliza não mostra, como Concentração e domínio de mercado
já dito, as conexões econômicas e políticas.
Mas é possível perceber, pela lista organiza- Parte desta fortuna e do faturamento do setor
da, a repetição de nomes e sobrenomes, o que de comunicação nas últimas décadas resulta
constitui indícios de vínculos diretos entre as do fato de a televisão ter se tornado a grande
empresas. O fato de boa parte dos principais vedete da indústria cultural brasileira, concen-
“donos da mídia” serem descendentes de es-
trangeiros e figuras públicas, assim como o 8. Não consideramos o grupo Abril e a família Civita, que fi-
da composição acionária ser majoritariamen- gura no 88º lugar do ranking com R$ 2,18 bilhões para cada
um dos três membros da família apontados no ranking, por nos
te composta por familiares, facilita de certa atermos ao setor de radiodifusão.

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

trando a maior parte do bolo publicitário. De De acordo com o levantamento publicado


acordo com a pesquisa InterMeios, enquanto a no blog do jornalista Fernando Rodrigues,
TV brasileira concentrou 67,5% da verba de o governo federal gastou, em 2013, R$ 625
mídia e o rádio, 4%, em 2012, nos EUA esses milhões somente com publicidade veicu-
números foram respectivamente 38% e 10,6% lada pela Globo (39% do total gasto com
(ABERT, 2015). Tem crescido a concorrência TV), enquanto a Record recebeu R$ 243,5
da TV paga e da internet, mas a televisão con- milhões (15%) e o SBT, R$ 182,3 milhões
tinua com índices acentuados de crescimento (11%). Considerando que o lucro líquido
e lidera isolada o mercado, em comparação da Globo, em 2013, foi de R$ 2,5 bilhões
com outros veículos. Sua participação no to- (POSSEBON, 2015), o total do injetado
tal das verbas publicitárias avançou de 64,7% pelo governo apenas na TV equivale a 25%
em 2012 para 66,5% em 2013, atingindo R$ desse lucro.
21,4 bilhões, um valor 9,8% maior do que
no ano anterior. O meio rádio cresceu 10,4% Somente os governos petistas (2003-2014)
em 2013, tendo arrecadado R$ 1,31 bilhão9 e injetaram um total de R$ 6,24 bilhões na
mantido sua participação no share publicitário Globo, R$ 2 bilhões na Record e R$ 1,6 bi-
na casa dos 4%10. lhões no SBT. O montante do gasto com a
TV Globo quase dobrou em 2013 se com-
Em 2013, o bolo publicitário brasileiro in- parado com os últimos anos FHC, mas se
vestido em mídia, descontada a inflação de em 2002 a emissora abocanhou um total de
5,9% auferida pelo IPCA, cresceu 0,5%. 52% do que foi gasto com TV, no fim do
Desde 2003, porém, o mercado de publici- primeiro mandato Dilma (2014) esse total
dade cresceu 193%, o que, podemos deduzir, foi reduzido para 36%. O ponto máximo
fortaleceu o processo de concentração no se- dessa política concentradora se deu no pri-
tor, haja vista que a distribuição dessa verba é meiro ano do governo Lula, quando esse nú-
extremamente desigual. mero chegou a 59%.

Nos últimos anos, ao invés de aplicar os fun- Os principais agentes federais responsáveis
dos públicos em políticas que visem à distri- por essa política de fortalecimento do oligo-
buição equilibrada dos recursos e que promo- pólio via mercado têm sido as empresas esta-
vam a diversidade e pluralidade, os sucessivos tais, que possuem relativa autonomia frente
governos – responsáveis pela maior parte do ao poder exercido diretamente pelo Executi-
volume de anúncios em circulação – injetam vo. Em 2013, por exemplo, representou cerca
a maior parte da verba de publicidade ofi- de 77% do total da verba publicitária federal
cial nos veículos do oligopólio que domina investida em TV.
o mercado. Assim, o Estado alimenta, não
só politica, mas também economicamente a Esses valores explicitam uma faceta da relação
concentração. entre Estado e o oligopólio, que praticamen-
te faz sumirem as afiliadas e aquelas que não
9. A pesquisa considera apenas uma média de 150 rádios, em- participam de uma rede. Os cinco maiores
bora o número de emissoras comerciais exceda 4,5 mil. Estima-
se, porém, que esse pequeno número represente ao menos um grupos absorvem, em média, 82% da ver-
terço do bolo publicitário. ba oficial de publicidade de TV. A forma
10. Os números do Anuário de Mídia 2015 são aproximados de redistribuição do montante no interior
daqueles apresentados pela pesquisa InterMeios citada pela
ABERT. das redes (se existe) é feita de forma indireta,

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

sem transparência11. Os números são revela- Ainda de acordo com a pesquisa da ABERT,
dores do papel que os governos federais de- 15,9% das rádios declaram receber mensal-
sempenham na reprodução da concentração mente verba publicitária dos governos estadu-
e da disparidade entre o poder das cabeças- ais, 12,2% afirmam receber de 3 em 3 meses
-de-rede e das afiliadas, ainda que estas sejam e 59,7% dizem que raramente recebem. Em
parte fundamental da estratégia de mercado relação à verba federal, esses números são res-
daquelas. Revelam, também, que embora não pectivamente 3,6%, 9,6% e 73,6%. Embo-
exista um reconhecimento legal, jurídico ou ra a associação de empresários deduza desses
oficial da existência das redes, existe um re- números que o ramo do rádio se mostra in-
conhecimento prático por parte do Estado dependente da distribuição política do fundo
brasileiro, que negocia principalmente com público, pode-se inferir disso, em outra cha-
as cabeças-de-rede. ve de análise, que os governos e o oligopólio
das grandes rádios se beneficiam mutuamen-
Os governos estaduais também influem nes- te, em detrimento de critérios transparentes
se quadro. Embora os dados da distribuição e democráticos de distribuição. Mesmo que
por veículo não se encontrem sistematizados, não haja no rádio o grau de integração, cen-
o gasto geral nos dá alguma noção de como tralização e concentração observado na TV,
o setor é influenciado pelos governos locais, percebe-se no mercado uma política de favo-
principalmente em períodos de campanha recimento de características oligopolistas.
eleitoral. Somente o governo Geraldo Alck-
min, em São Paulo, por exemplo, reservou A pesquisa realizada pela ABERT revela tam-
um orçamento de R$ 226 milhões para gastos bém que as rádios, em média, dependem em
gerais com publicidade, em 2013. Seu ante- 81,17% das verbas locais, sendo que 62%
cessor, José Serra, gastou R$ 311,7 milhões nunca recebem nenhuma verba nacional. O
em 2009 (BOGHOSSIAN, 2013). rádio tem apenas 3,93% das verbas publicitá-
rias no Brasil, enquanto nos Estados Unidos,
Os números do setor rádio não são preci- por exemplo, chega a 10,6% (ABERT, 2015).
sos, mas a Associação Brasileira de Emissoras
de Rádio e Televisão - ABERT - estima que, Os índices de audiência também revelam a
“das 4.645 rádios comerciais existentes no assimetria da concentração no interior do oli-
Brasil em abril de 2013, ponderando dados gopólio de televisão. De acordo com os nú-
de uma pesquisa realizada pela Fundação Ge- meros do Anuário de Mídia 2015, enquanto
túlio Vargas em 2008, quase 76% tem fatu- a novela da Rede Globo com maior média
ramento menor que R$ 50 mil reais por mês, de audiência em 2013, “Amor à Vida”, atin-
sendo que 41% delas têm receita de até R$ giu 37,96% dos domicílios, os programas de
20 mil por mês”. Apenas 272 emissoras (6%) maior sucesso dos concorrentes atingiram uma
faturam acima de R$ 200 mil. Além disso, média de 11,47% (Record), 10,12% (SBT),
um terço do bolo publicitário estaria sob o 6,9% (Band) e 2,11% (Rede TV!). Parte des-
controle de apenas 150 emissoras. te resultado é fruto de um processo de longo
prazo, que ampliou, significativamente, as bar-
reiras à entrada de novos concorrentes no mer-
11. As emissoras que não são cabeça-de-rede também recebem
essa verba diretamente, o que faz com que o grau de concen- cado brasileiro de radiodifusão.
tração da rede seja provavelmente bem maior. Por exemplo,
somente a RBS, afiliada da Rede Globo no Rio Grande do Sul O que se convencionou chamar de “barreiras
e Santa Catarina, recebeu R$ 63,7 milhões em verba de publi-
cidade federal entre 2003 e 2014. à entrada” são características socioeconômicas

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

de “poder dissuasório das firmas estabeleci- soras de televisão fora do eixo São Paulo-Rio
das frente às entrantes potenciais” (POSSAS, de Janeiro disponibilizavam seus pequenos
1990, p. 97), que configuram um oligopólio. mercados de anunciantes e seus telespectado-
Em estudo clássico sobre o mercado de tele- res. Formava-se, assim, um mercado caracte-
visão aberta, César Bolaño definiu essas bar- rizado por uma alta concentração horizontal
reiras em termos de um “padrão tecnoestéti- (domínio por um agente) e pela integração
co”, conhecido popularmente como “Padrão vertical (controle dos diferentes momentos de
Globo de Qualidade”. uma mesma cadeia produtiva por um agente).

Enquanto na fase anterior da TV havia maior Desde então, para entrar neste mercado, uma
mobilidade no mercado, pois as barreiras à en- nova emissora tem que se integrar a uma ca-
trada “limitavam-se à possibilidade de se con- deia existente ou investir para atingir os níveis
seguir ou não uma concessão para a instalação tecnoestéticos exigidos pelo oligopólio (além
da emissora”, o quadro muda “no início da de enfrentar no plano sociopolítico os inte-
década de 1970 quando, já tendo o domínio resses de uma classe já organizada em associa-
inconteste do mercado, a Rede Globo passa a ção). Ambos caminhos exigem investimentos
moldar o padrão competitivo de acordo com vultosos, mas a opção de não partir para a
seus interesses de empresa líder, construindo competição aberta se mostra sedutoramente
fortes barreiras limitativas da concorrência in- menos dispendiosa.
terna e da concorrência potencial, consolidan-
do o seu poderio e ditando os termos da con- Tal cenário também viola o Artigo 221 da
corrência no setor” (BOLAÑO, 1988, p. 76). Constituição, que prevê a regionalização da
produção de conteúdos, resultando em outro
A constituição de uma configuração de rede aspecto da radiodifusão brasileira: a concen-
nacional a partir da infraestrutura erigida pela tração regional da produção audiovisual.
Ditadura, da racionalização administrativa da Enquanto a televisão faturou R$ 5,86 bilhões
emissora e da injeção do capital estrangeiro na Grande São Paulo e R$ 2,56 bilhões no
advindo da americana Time-Life privilegiou Rio de Janeiro, o Nordeste faturou R$ 2,9
o Grupo Globo e propiciou as condições em bilhões; o Sul, R$ 3,03 bilhões; o Centro-
que se estabeleceram as barreiras à entrada no -Oeste, R$ 1,78 bilhões e o Norte, R$ 850
setor de radiodifusão. O novo padrão, refe- milhões. O interior de São Paulo sozinho fa-
rência para as concorrentes que também con- turou R$ 2,53 bilhões e o Sudeste, sem Rio
seguiram se estabelecer, estava afinado com a de Janeiro e São Paulo, R$ 1,9 bilhões. Dian-
consolidação do capitalismo monopolista no te das disparidades entre mercados regionais,
Brasil, que integrou os mercados regionais as redes de televisão reafirmam a assimetria
sob o jugo do eixo São Paulo-Rio de Janeiro. da economia brasileira, concentrando-se o
financiamento das campanhas nacionais nas
Os parques produtivos locais foram reduzidos cabeças-de-rede.
nas décadas de 70 e 80, enxugando os cus-
tos das emissoras que se tornaram, a partir de Concentração e dominação político-
então, afiliadas, perdendo parte considerável ideológica
da sua autonomia, especialmente no que diz
respeito à definição dos conteúdos veicula- O padrão privado, comercial e oligopolista
dos. As cabeças-de-rede passaram a prover de radiodifusão se estabeleceu de forma inte-
praticamente toda a programação e as emis- grada ao capitalismo monopolista brasileiro,

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

consolidado pela Ditadura Civil-Militar, que rado em rede foi o Jornal Nacional, em 1969,
promoveu a indústria de bens de consumo quatro anos após a inauguração da TV Globo
duráveis e semiduráveis, mantendo um siste- e transmitido via Embratel.
ma político-econômico conservador e social-
mente excludente de amplos setores de baixa Embora a dominação esteja diretamente re-
renda. Estabeleceu-se, entre os anos 60 e 80, lacionada à concentração de recursos econô-
um tipo de dominação marcado pela estética micos – e, no caso do mercado de televisão,
da mercadoria, baseado na promoção do con- os altos investimentos exigidos reforcem essa
sumo concentrado nos estratos de renda mais relação –, ela não pode ser interpretada como
altos, na hipertrofia do espaço reservado ao seu mero reflexo. A seleção direta de um gru-
entretenimento, na reprodução dos discursos po restrito pelos sucessivos governos, por
oficiais e com pouco espaço para a expressão meio da política de outorgas e de mecanismos
da diversidade social e de pontos de vista. indiretos de regulação do setor (empréstimos,
fiscalização, isenções etc.), imprime um perfil
O projeto de modernização conservadora im- político discricionário à conformação do sis-
plementado pelas elites brasileiras operou um tema brasileiro de comunicação, jamais rom-
“filtro ideológico” (CAPPARELLI, 1982, pido ou contrariado, embora com frequência
p. 165), que selecionou os indivíduos e gru- venha a ser justificado a partir do discurso
pos mais afinados com o projeto desenvol- tecnocrático da adequação técnica eficiente.
vimentista autoritário e expeliu dissidentes,
como aconteceu, por exemplo, com o grupo Além da Globo, os poucos indivíduos e gru-
janguista da TV Excelsior, e agentes menos pos selecionados pela Ditadura, ou que já
confiáveis aos olhos da aliança de classes no existiam e passaram pelo filtro da ideologia
poder, como foi o caso do Condomínio As- da Segurança Nacional, conformaram basi-
sociado. Prova disto, a Ditadura favoreceu o camente a burguesia radiodifusora que do-
grupo Globo ao não puni-lo por ter contra- mina o setor até hoje. Esse grupo só vai se
riado a Constituição e se associado ao capital ver desafiado, recentemente, pela invasão do
estrangeiro do grupo Time-Life,12 enquanto capital estrangeiro no setor de TV paga e de
seus concorrentes menos alinhados se afunda- internet, dada a convergência dos mercados,
vam em dívidas. e pelo fortalecimento das igrejas cristãs na ra-
diodifusão.
As redes nacionais se mostraram adequadas
ao projeto de integração definido pela ide- Além do processo de distribuição de outorgas
ologia política de Segurança Nacional perpe- fundado em um projeto de desenvolvimento
trada pela Ditadura. Formaram-se, pratica- conservador, o sistema brasileiro é marcado
mente, na década de 70, com a construção também pelo patrimonialismo. José Sarney
da infraestrutura de telecomunicações pelo (MA), Antônio Carlos Magalhães (BA) e
governo brasileiro. O primeiro programa ge- Tasso Jereissati (CE) são considerados, com
frequência, exemplos extremos de como, em
12. Disposições sobre a proibição da propriedade estrangeira alguns casos, a posição no interior do Estado
em empresas jornalísticas e de radiodifusão constam nas Cons-
tituições Brasileiras de 1934 (artigo 131), 1946 (artigo 160),
(política) foi decisiva para a inserção no sis-
1967 (artigo 166), 1969 (artigo 174) e 1989 (artigo 222). Em tema nacional de comunicação. Posicionados
2002, a emenda constitucional nº. 36 alterou o artigo 222 da privilegiadamente, presidente, ministro e go-
Constituição de 1989 para permitir até 30% de capital estran-
geiro nessas empresas. (MIZUKAMI; REIA; VARON, 2014, vernador se valeram de seus cargos para dis-
p. 112). tribuir (e receber) outorgas entre correligio-

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

nários e negociar acordos com os grupos de cional ou detentores de títulos nobiliárquicos.


comunicação mais poderosos do país, além São, em boa medida, a segunda ou terceira
deles mesmos receberem outorgas. Em 1991, geração de uma classe média brasileira emer-
a TV Mirante (MA) tomou da sua concorren- gente que viu no processo de industrialização
te, a TV Difusora, o lugar de afiliada à Rede do país, no século XX, e nas alianças políticas
Globo. O mesmo aconteceu, em 1987, com com setores tradicionais da elite uma opor-
a TV Bahia, para o desgosto dos proprietários tunidade de ascensão socioeconômica. Boa
da TV Aratu. Em 1991, foi inaugurada a TV parte deles é, inclusive, descendente direto de
Jangadeiro, afiliada ao SBT no Ceará. imigrantes dotados de pouco capital (Abra-
vanel, Saad, Bloch, Sirotsky, Daou, Zahran,
O vínculo entre a concentração do poder polí- Jereissati etc.).
tico direto e dos meios de produção ideológica
pelos mesmos indivíduos não é um fenômeno Além disso, as oligarquias locais se encontram
da história passada. Apesar da proibição ex- subordinadas ao modelo de negócio das redes
pressa no Artigo 54 da Constituição, 44 dos nacionais, que se estruturaram como sistemas
594 congressistas (senadores e deputados fede- de empresas integradas sob a direção de uma
rais) da atual legislatura possuem outorgas de cabeça-de-rede. Mesmo que se tenha valido
radiodifusão em seu nome. Esses são apenas de filtro ideológico e, em alguns casos, da
os documentados, não englobando os que se distribuição fisiológica de outorgas, o padrão
utilizam de laranjas. Esse número aumentaria de exploração de radiodifusão foi capaz de
bastante se o levantamento abrangesse tam- estabelecer uma configuração para o sistema
bém as casas legislativas estaduais e munici- nacional de comunicação, vigente até hoje,
pais, assim como os Poderes Executivos. afeita aos modernos padrões de racionaliza-
ção da gestão empresarial, em que o “capitão
A ideia de que o filtro ideológico favoreceu de indústria” foi substituído pelo “manager”
alianças nacionais com algumas oligarquias (CARDOSO, 1972). Fala-se, por exemplo,
locais é correta, mas se deve tomar cuidado de Roberto Marinho como um verdadeiro
com as conclusões a se inferir sobre a burgue- absenteísta na TV Globo (estava mais interes-
sia radiodifusora em geral com relação a este sado no impresso O Globo) e a emissora con-
fato13. Os concessionários de radiodifusão, no
seguiu se tornar uma das maiores do mundo
geral, ainda que alguns tenham se tornado
no setor de televisão aberta, exportando para
chefes políticos locais, não pertencem a famí-
quase todo o planeta a telenovela, seu princi-
lias tradicionais, barões do café, usineiros da
pal produto. O fato de o produto da indústria
cana-de-açúcar, ex-membros da Guarda Na-
cultural ser, de certa forma, a própria ideolo-
gia favorece, porém, que contratos comerciais
13. A chegada de alguns políticos aos governos foi inclusive
celebrada como uma vitória contra as oligarquias tradicionais,
e alianças político-ideológicas se confundam.
como no caso de José Sarney no Maranhão, em 1966 (represen-
tando a oposição ao chamado coronelismo de Vitorino Freire) Essa fração da burguesia nacional, que atua
e Tasso Jereissati no Ceará, em 1987 (representando a opo-
sição ao chamado coronelismo de Virgílio Távora, César Cals
diretamente no ramo da radiodifusão, já se
e Adauto Bezerra). Mesmo com a reacomodação de interesses reconhece como classe desde antes da con-
oligárquicos na trajetória desses indivíduos e o estabelecimento formação das atuais redes de televisão. A As-
de novos longos períodos de dominação política por parte de
seus grupos, não parece apropriado apontá-los como exempla- sociação Brasileira de Emissoras de Rádio e
res da perpetuação de famílias tradicionais ou de coronelismo, Televisão (ABERT) foi criada, em 1962, com
haja vista que não se encaixam adequadamente no conceito de
tradição.
o objetivo imediato de derrubar os 52 vetos

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do Presidente João Goulart ao Código Bra- gramas e gêneros de TV é de formatos im-


sileiro de Telecomunicações. Seu êxito nessa portados. A diversidade regional, apesar de
empreitada demonstrou a força desse setor, ser um princípio constitucional, não possui
que conseguiu, às vésperas da votação no mecanismos que a garantam16. Além disso, a
Congresso, reunir representantes de 213 em- manutenção da propriedade nas mãos de uma
presas de radiodifusão. Na virada do milênio, mesma fração de classe social restringe, em úl-
por divergências relacionadas à competição tima instância, a livre expressão aos interesses
oligopolista14, a representação se dividiu, com diretos e indiretos dessa mesma classe.
a criação da Associação Brasileira de Radiodi-
fusores (ABRA), em 2005, coordenada pelos A opção político-econômica pela
Saad, e da Associação Brasileira de Rádio e concentração
Televisão (ABRATEL), em 1999, comandada
pela Igreja Universal do Reino de Deus. A Retomando o que foi exposto, podemos in-
ABRA se unifica em 2015 com a ABERT, sob ferir que, na conformação do oligopólio, o
a presidência do diretor-geral do SBT, Daniel papel desempenhado pela configuração das
Pimentel Slaviero. redes se sobrepõe ao da posse direta de ou-
torgas. Obviamente que esta não deve ser
O problema da concentração em seu aspec- desconsiderada, pois trata-se de uma condi-
to político-ideológico ficaria mais evidente ção mínima para participação no mercado
se pudéssemos dar conta ainda do “discurso (exceção feita à prática do arrendamento17).
único” da mídia, um sistema de reprodução Todavia, a integração de diferentes grupos
de informações e pontos de vista que com- em uma “network” é mais fundamental para
partilha as mesmas fontes, agenda os mesmos o fortalecimento da empresa líder de merca-
temas e legitima os mesmos pontos de vista, do do que a administração direta. Representa
no geral, com informações e declarações he- um incremento na capacidade de circulação
gemonizadas pelas classes dominantes. Os dos seus produtos, uma ampliação da capa-
programas jornalísticos se alimentam de in- cidade de acesso a determinados mercados e
formações das agências de notícias que oligo- o exercício da direção político-ideológica do
polizam o mercado mundial15 e nacional, das conjunto de empresas que constituem a rede.
grandes empresas de assessoria de imprensa e
das assessorias do Estado. Boa parte dos pro- Sendo o conteúdo cultural a própria natureza
do produto dos meios de comunicação, a inte-
14. Alguns dos principais temas dessas divergências envolvem gração vertical da televisão faz com que as ca-
as discussões em torno de um possível financiamento do BN- beças-de-rede definam praticamente sozinhas
DES, entre 2002 e 2004, para o setor de comunicação em crise
(as perdas do setor em 2002 foram estimadas em R$ 7 bilhões, as ideias, representações, opiniões, ideologias e
enquanto o grupo Globo possuía uma dívida declarada de U$ perspectivas que serão veiculadas. O processo
1,7 bilhão) (MEMÓRIA GLOBO, 2015) e a autorização do
uso da multiprogramação na padronização da TV digital a par-
de seleção e de produção do que será “livre-
tir de 2006. mente expresso”, embora incorpore a partici-
15. O fluxo praticamente unidirecional e a concentração do pação dos grupos “afiliados”, acaba se restrin-
mercado por parte dessas agências são criticados pelo menos
desde a década de 1970, quando ganhou notoriedade o debate
internacional sobre uma Nova Ordem Mundial da Informação 16. O Projeto de Lei n. 256/91, de autoria da deputada Jandira
e da Comunicação (NOMIC). Pesquisas recentes apontam Feghali (PCdoB/RJ), tramita há 24 anos no Congresso e desde
que, mesmo com o advento da internet comercial, a concen- 2003 aguarda a votação dos senadores.
tração do mercado nas mãos de agência de alcance global, hoje, 17. A venda de horários na programação para terceiros apresen-
é maior do que quando foi denunciada nas décadas de 70 e 80 tarem programas e que, no geral, extrapola os limites reserva-
(AGUIAR, 2010). dos ao horário comercial.

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

gindo à cabeça-de-rede, assim como acontece lado pela rede e pelo seu “padrão de qualida-
com a definição das estratégias da rede. de”. Em contrapartida, garantem o acesso da
rede a um mercado determinado, ampliando
Obviamente, há rupturas muito pontuais na a cobertura e favorecendo o conjunto do ne-
composição dessas redes, quando emissoras gócio.
rompem com uma, geralmente, para se in-
corporar a outra. No entanto, isso não vai Como dito anteriormente, o ethos desses
além de uma reacomodação no campo, sem grupos consiste na redução da comunicação
impactos estruturais que comprometam o à dimensão comercial-privada, com destaque
modelo de negócio oligopolista. As barreiras para a hereditariedade das empresas (e das
à entrada se fazem sentir e, em certos casos, outorgas), a transferência da propriedade de
até mesmo a coerção das cabeças-de-rede às acordo com interesses particulares e o arren-
iniciativas dos grupos afiliados que possam se damento das outorgas por meio do loteamen-
chocar com interesses particulares18. Não é a to dos horários na grade de programação.
toa que, há cerca de quatro décadas, o Bra-
sil assiste apenas às mesmas poucas redes de As igrejas evangélicas se destacam no caso
televisão aberta, com algumas substituições dos arrendamentos, injetando recursos nas
– excetuando-se, talvez, pelo desempenho da empresas de televisão, que estas são incapa-
Rede Record a partir da virada do milênio. zes de garantir com produção própria. A TV
Mundial, por exemplo, vale-se dessa caracte-
Existem, porém, assimetrias no interior das rística mercantilizante hipertrofiada no setor,
redes que expressam outro aspecto importan- da apropriação privada do bem público e da
te da concentração. Os grupos de mídia se re- incapacidade de certos grupos de incremen-
lacionam com as barreiras à entrada estabele-
tarem os lucros com produção própria para
cidas no processo de consolidação do modelo
constituir outro tipo de “rede”, sem possuir,
de negócio. Alguns, privilegiados política e
todavia, nenhuma outorga – mas cumprindo
economicamente, posicionaram-se de modo
um papel representativo no quadro geral, in-
estratégico no mercado simultaneamente ao
clusive ocupando “transversalmente” espaços
desenvolvimento de um padrão tecnoestético
de redes concorrentes com menor poder den-
que definiu as “regras do jogo” para o setor.
tro do oligopólio nacional. Algumas emisso-
Aqueles localizados fora do centro ou entran-
ras de TV chegam a arrendar até 22 horas da
tes, a partir de então, foram empurrados para
sua programação, caso da Rede 21 (do gru-
a submissão no interior das redes, para ad-
quirir vantagens competitivas vitais no setor. po Bandeirantes), e no rádio, a programação
Como resultado prático, esses atores enxugam completa, caso da Rádio Vida FM, do inte-
seus custos (dispensam investimento em pro- rior de São Paulo.
dução), recebem suporte técnico (know-how) e
se beneficiam do “capital simbólico” acumu- As redes concentram praticamente toda a au-
diência de televisão do país e a Rede Globo
lidera em absoluto, com tendência monopo-
18. A TV Diário, emissora do grupo Edson Queiroz, desfez-se lista no interior do oligopólio. O Grupo Glo-
da rede de televisão aberta que vinha construindo após sofrer
pressão do Grupo Globo, permanecendo um canal “indepen- bo concentra também, com folga, as verbas
dente”. Os Queiroz detém a concessão da TV Verdes Mares, publicitárias, incluindo as provenientes da
afiliada à Rede Globo, e foram repreendidos por tentarem or- propaganda do Estado. A distribuição, em-
ganizar uma rede paralela que crescia principalmente no Norte-
Nordeste do país e por transmitir a TV Diário por satélite. bora relacionada com os índices de audiência

18
Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

da rede, um efeito do conjunto de emissoras consumo da população, não decorre daí que
que a compõem, depara-se com o filtro da o investimento por parte do Estado devesse
cabeça-de-rede na entrada das receitas, incre- ser concentrado nas cabeças-de-rede.
mentando assim o seu poder.
Salta aos olhos, portanto, o papel que o Es-
O crescimento observado no mercado de tado brasileiro desempenha no processo de
TV aberta e rádio, apesar do aumento da concentração na radiodifusão. Embora exis-
concorrência da internet e da TV paga, pode ta uma série de princípios constitucionais e
ser relacionado também com a ascensão eco- alguns mecanismos legais, que apontam para
nômica da classe C, seu público principal. a necessidade de impedir a formação de oli-
Hoje, a TV aberta tem seu maior grau de pe- gopólio e de favorecer a diversidade, os go-
netração (pessoas que consomem o veículo vernos se abstêm de cumprir o seu papel de
ao menos uma vez por semana) na classe C, reguladores e de garantidores dos direitos da
48%, enquanto os outros estratos são respon- população. Ao invés disto, as políticas de ra-
sáveis pelos seguintes percentuais: A – 6%, B diodifusão têm tido como foco a busca da
– 34%, D – 11% e E – 1%. Esses percentuais manutenção do poder, por meio da propa-
revelam que o setor da sociedade destacado ganda oficial, da cooptação da burguesia ra-
pela propaganda oficial do governo federal diodifusora oligopolista por meio da injeção
como maior beneficiado nesses 12 anos de de dinheiro público nas empresas cabeças-de-
gestões petistas19, por sua ascensão econômica -rede, da gestão da distribuição das outorgas
dada à política de formalização do emprego e e da negociação de cargos públicos nos órgãos
de renda mínima, é o principal público de ra- administrativos do setor.
diodifusão hoje, o que tem um impacto dire-
to nesse mercado. Isso pode ser observado nas Nem mesmo a digitalização da televisão
mudanças que vem ocorrendo na linguagem aberta resultou em uma ampliação e redistri-
estética dos programas e na construção das buição das outorgas do espectro radioelétrico.
grades de programação, que buscam atender O novo padrão tecnológico permite a melhor
a um consumidor com esse perfil socioeco- exploração do sinal, sem a necessidade de ma-
nômico. nutenção de canais vazios (o que acontecia
com a TV analógica), além de multiplicar o
O fortalecimento do poder de consumo des- número de faixas de programação no interior
se estrato social (em detrimento de políticas de um mesmo canal, o que se convencionou
sociais universalizantes) impacta diretamente chamar “multiprogramação”. No entanto,
o mercado publicitário, catalisador da aqui- sob pressão do empresariado, o governo Lula
sição de bens de consumo. Não à toa, este decretou, em junho de 2006, o Sistema Bra-
praticamente triplicou ao longo dos anos das sileiro de TV Digital Terrestre - SBTVD-T
gestões petistas. A esse crescimento, porém, (Decreto nº 5.820/2006), no qual optou por
não correspondeu uma possível desconcen- manter o espectro nas mãos dos mesmos con-
tração. O próprio Estado, como se viu, atuou cessionários anteriores à digitalização, perpe-
diretamente para o crescimento do setor e o tuando o padrão de concentração existente.
fortalecimento do oligopólio. Mesmo que
isso encontre uma justificativa nos hábitos de Experiências como a da Conferência Nacio-
nal de Comunicação - Confecom, realizada
19. Contra o mito da “nova classe média” ver a noção de “classe em 2009, comprovam como o Estado brasi-
trabalhadora expandida” tratada por Pochmann (2012). leiro não tem demonstrado nenhuma disposi-

19
Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

ção para implementar uma política de comu- Conclusão


nicação que vá além do dito anteriormente.
Das 672 propostas aprovadas, caminhos di- A estrutura de oligopólio na televisão brasileira
ferentes para a implementação das políticas consolidou-se nos anos 80 e pouco variou até
de comunicação, praticamente nenhuma foi os dias de hoje, sendo marcada basicamente
adotada. Representantes dos primeiros esca- pelo estabelecimento de um sistema central
lões do Ministério das Comunicações decla- (GÖRGEN, 2009) de poucas redes nacionais
ram publicamente, como aconteceu em uma privadas (Globo, SBT, Bandeirantes e Man-
audiência na Câmara de Vereadores do Rio de chete, depois substituída pela RedeTV!) e ten-
Janeiro em 2015, que desconhecem o cader- do tido apenas a chegada da Record e da EBC
no de resoluções da Confecom. como mudança representativa. Tal estrutura
incorporou os grupos regionais, que até então
As igrejas cristãs trazem certa novidade para tinham produção própria, embora veiculassem
o quadro de oligopólio, ao crescerem em par- programas também de outras praças (com des-
ticipação nos últimos anos, mas, no geral, taque para as emissoras ligadas aos Diários e
reproduzem o padrão tecnoestético (Rede Emissoras Associados), centralizando a produ-
Record) ou configuram o crescimento do ção e a programação da televisão brasileira, o
tele-evangelismo, de caráter proselitista-con- que redundou inclusive em demissões e redu-
servador, “deslaicizando” o bem público que ção do número de postos de trabalho.
é o espectro radioelétrico. Não modificam a
estrutura e, no geral, praticam arrendamento Deste cenário de concentração apresentado,
ou a concentração direta da propriedade. podemos concluir que um passo fundamen-
tal para a democratização da comunicação
A TV Brasil, gerida pela EBC, embora repre- seria dado caso o Estado assumisse seu papel
sente uma iniciativa importante, é insignifi- de regulador e garantidor de direitos. Existem
cante se comparada ao poder do oligopólio. leis e propostas que apontam no sentido da
Além disso, tem enfrentado, nem sempre desconcentração, como a da regionalização da
com sucesso, o duplo desafio de encontrar produção e do funcionamento efetivo de um
um caminho diferenciado da lógica comercial Conselho Nacional de Comunicação, como
e manter sua autonomia diante dos interesses lócus privilegiado de diálogo com os diferen-
diretos do governo federal. A emissora dificil- tes grupos sociais. Tais medidas, entretanto,
mente atinge um ponto na aferição de audi- não têm sido colocadas em prática. Pelo con-
ência e a lógica de distribuição de cargos de trário, em alguns casos, observa-se a obstru-
chefia ao gosto do governo se impõe em detri- ção da regulamentação de mecanismos que
mento de mecanismos impessoais de ascensão garantiriam sua efetividade.
na carreira ou de eleição democrática para as
posições de direção. As leis que se opõem ao oligopólio da radio-
difusão, em grande medida, não vão além das
A política oficial tem favorecido, assim, o de- cartas de intenção, como é o caso do Artigo
senvolvimento e a manutenção de um modelo 220 da Constituição. Além disso, quando
econômico oligopolista, controlado por uma possuem alguma efetividade, o empresariado
classe que ascendeu pactuando com os setores tem logrado contorná-las, como no caso da
tradicionais e com uma ideologia conservado- estruturação das redes e da distribuição da
ra de integração autoritária baseada na Segu- participação acionária entre familiares e pes-
rança Nacional e na promoção do consumo. soas de confiança.

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

Acreditamos que, se o Estado apenas obser- po que conta com a participação da sociedade
vasse o marco legal em vigor, já seria o su- civil organizada e de instituições de pesquisa
ficiente para termos um cenário mais demo- acadêmica, sob coordenação do Ministério
crático do que o existente e diferenciado do Público Federal, podem ser interessantes para
oligopólio que conhecemos hoje. Todavia, cobrar do Estado o cumprimento das leis,
é preciso frisar que, com exceção de alguns além de servir como espaço de debate e apro-
princípios constitucionais relacionados à co- fundamento de alguns temas.
municação social, a legislação aplicável ao
setor nunca teve entre suas maiores preocupa- À sociedade civil, por fim, cabe não apenas
ções a promoção da pluralidade e da diversi- pressionar o Estado no sentido da sua demo-
dade no rádio e na televisão. Para completar, cratização, mas também, o desenvolvimento
a base do marco legal da radiodifusão, o Có- de meios próprios de expressão, capazes de,
digo Brasileiro de Telecomunicações - CBT, entre outras coisas, fazer o debate público
já tem mais de 50 anos (anterior ao uso do sobre a própria natureza do Estado e a ob-
satélite por redes de televisão). servância dos direitos.

Tais aspectos alertam para a necessidade de O que foi exposto nesse trabalho permite-
atualização dessa legislação, o que vem sendo -nos afirmar que é imprescindível para a
apontado pelo movimento pela democrati- democratização dos meios de comunicação
zação da comunicação há alguns anos e que uma política pública que reconheça oficial-
culminou no Projeto de Lei de Iniciativa Po- mente a existência e a natureza das redes de
pular da Mídia Democrática20, capitaneado radiodifusão, buscando regular a sua dinâ-
pelo Fórum Nacional pela Democratização mica e organizar as informações do setor.
da Comunicação - FNDC. Compreender que a circulação dos produtos
do audiovisual pode ser algo positivo para
A nova lei, entretanto, será estéril se não for o sistema de comunicação do país não sig-
possível conquistar também uma mudança nifica se abster de regular a concentração
na postura do Estado em prol da garantia de poder representada pelos contratos entre
do que está legislado. Para isso, a sociedade empresas do setor. É preciso legislar sobre li-
precisa pressioná-lo, exigir sua refundação em mites nesse âmbito, assim como já existem
novas bases, somada ao controle social parti- os números máximos de concessões, permis-
cipativo. Ironicamente, sem uma diversidade sões e autorizações. Não é admissível que,
de meios suficiente para garantir a expressão após outorgado, o espectro radioelétrico seja
dos setores que reivindicam a democratização tratado como uma questão circunscrita à es-
do Estado, a tarefa torna-se enormemente
fera privada e comercial.
mais difícil. O direito à comunicação mostra,
assim, uma face dialética: a que reivindica do Cabe ao Estado, em diálogo com a sociedade
Estado a sua garantia e, na medida em que é civil (e não só com o empresariado), estabe-
efetivado, transforma esse mesmo Estado na
lecer projetos de democratização para o setor
direção de sua democratização.
de comunicação, orientando os radiodifuso-
res no sentido de sua adequação, legislando
Iniciativas como a do Fórum Interinstitucio-
sobre a regulação das redes, definindo indi-
nal pelo Direito à Comunicação - Findac, gru-
cadores precisos de limites à concentração
20. Para conhecer a íntegra do projeto: http://www.paraexpres- econômica, resguardando os veículos contra
saraliberdade.org.br os usos de natureza proselitista e incidindo

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

no setor por meios diretos e indiretos, como a tização, da redistribuição ou mesmo da mera
fiscalização, a verba publicitária oficial, o orça- regulação no setor de radiodifusão enfrentará
mento das empresas públicas e a elaboração de muita resistência. Ao longo de sua história,
planos estratégicos para o médio e longo prazo. a burguesia radiodifusora deixou claro que
é conservadora e tem bastante poder para
A tarefa exige transparência em tudo o que incidir no plano político institucional, no
diz respeito às empresas de radiodifusão. É ideológico, além de representar um setor eco-
imprescindível que sejam prestadas contas nomicamente significativo. O desafio não é
à sociedade por parte do empresariado. Os pequeno, mas sem enfrentamento nunca se-
contratos entre os integrantes das redes e ba- rão superadas as condições que obstruem o
lanços financeiros são elementares para qual- pleno gozo da liberdade de expressão e do di-
quer avaliação séria do setor, assim como um reito à comunicação no Brasil. E um passo
mapeamento exaustivo das relações entre gru- importante para o cumprimento dessa tarefa é
pos de mídia. conhecer bem o sistema de comunicação que
temos, os agentes que o controlam e de quais
Os arrendamentos precisam ser combatidos, estratégias têm se utilizado para controlá-lo.
limitando a comercialização às cotas de tem-
po para anúncios comerciais. As transferên-
cias de outorga precisam ser objeto de debates
públicos, assim como a sua hereditariedade,
garantindo o caráter de bem público do es-
pectro radioelétrico.

É preciso desenvolver, também, mecanismos


efetivos para a estruturação dos sistemas pú-
blico e estatal de comunicação, de forma que
possam se consolidar e dar suporte ao exer-
cício do direito à comunicação, com maior
diversidade e pluralidade de ideias. Boa parte
dessa política se assenta na redistribuição da
riqueza, pois, embora não sejam comerciais,
tais sistemas demandam condições para ma-
nutenção de custos e investimentos. Cotas e
fundos públicos que os têm como objeto, em-
bora tímidos, já existem, mas são implemen-
tados de forma insuficiente pelos governos.

É preciso regulamentar os dispositivos cons-


titucionais, como aqueles que preveem a pro-
dução regional, e incorporar nesse propósito
debates contemporâneos sobre a representação
de gênero, racial, étnica e de orientação sexual.

Sabemos que qualquer projeto de mudança


no sentido da desconcentração, da democra-

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

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Bruno Marinoni | CONCENTRAÇÃO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E O DESAFIO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL

Anexo I – Lista de sócios das Jose Roberto dos Santos Maciel


entidades que receberam outorga Luiz Sebastião Sandoval
de TV Digital a partir da tabela Nilson de Andrade
do Ministério das Comunicações Roberto Dias Lima Franco
(outubro de 2014)21 Brasília (TV Studios de Brasília Ltda)
Senor Abravanel (Sílvio Santos)
Globo Guilherme Stoliar
Luiz Sebastião Sandoval
Belo Horizonte (Globo Comunicação e SBC – Sistema Brasileiro de Comunicação
Participações S. A. - Globopar) Ltda
Organizações Globo Participações S.A. Rio de Janeiro (TVSBT Canal 11 do Rio
Brasília (Globo Comunicação e de Janeiro Ltda)
Participações S. A. - Globopar) Senor Abravanel (Sílvio Santos)
Organizações Globo Participações S.A. Guilherme Stoliar
Recife (Globo Comunicação e Henrique Abravanel
Participações S. A. - Globopar) Jose Roberto dos Santos Maciel
Organizações Globo Participações S.A. Luiz Sebastião Sandoval
Rio de Janeiro (Globo Comunicação e Roberto Dias Lima Franco
Participações S. A. - Globopar) Rodrigo Navarro Marti
Organizações Globo Participações S.A. Sara Benvinda Soares
João Roberto Marinho Jaú – SP (TV Studios de Jaú S/A)
José Roberto Marinho Carmen Torres Abravanel
Roberto Irineu Marinho Cicero Legname Marques
Erlemilson Silva Miguel* Cintia Abravanel
São Paulo (Globo Comunicação e Henrique Casciato
Participações S. A. - Globopar) Joao Pedro Fassina
Organizações Globo Participações S.A. Leon Abravanel Junior
*Consta no cadastro do governo, mas deve estar Ricardo Tadeu Kaviski
errado Sandra Regina Medeiros Braga
Vilmar Bernardes da Costa
SBT Nova Friburgo – RJ (TVSBT Canal 3
de Nova Friburgo Ltda)
Belém (TVSBT Canal 5 de Belem S/A) Carmen Torres Abravanel
Carmen Torres Abravanel Cintia Abravanel
Cintia Abravanel Henrique Abravanel
Guilherme Stoliar Joao Pedro Fassina
Henrique Abravanel Leon Abravanel Junior
Roberto Dias Lima Franco
Sandra Regina Medeiros Braga
21. A tabela do Ministério das Comunicações não identifica
o grupo econômico ao qual as empresas pertencem. O agru- Sara Benvinda Soares
pamento foi feito pelo autor. Esse trabalho parte primeira- Porto Alegre (TVSBT Canal 5 de Porto
mente dos 4.166 acionistas de TV digital listados e cresce para
Alegre S/A)
135.095 quando passa a envolver também os sócios das rádios,
das TV analógicas (que são, em sua quase totalidade, a duplici- Carmen Torres Abravanel
dade dos que estão agora na TV digital) e das retransmissoras. Cintia Abravanel
Representam um total de 543 TVs geradoras e 5.130 emissoras
de rádios (sem contar as 4.641 comunitárias).
Guilherme Stoliar

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Henrique Abravanel Belo Horizonte (Televisão Sociedade


Joao Roberto Brito Limitada)
Jose Roberto dos Santos Maciel Radio e Televisao Record S.A.
Luiz Sebastião Sandoval Alexandre Faria Raposo
Roberto Dias Lima Franco Delmar Andrade de Macedo
Rodrigo Navarro Marti Marcus Vinicius da Silva Vieira
Ribeirão Preto – SP (TV Studios de Reinaldo Gille Costa da Silva
Ribeirão Preto Ltda) Franca – SP (TV Record de Franca S/A)
SBC – Sistema Brasileiro de Comunicação Clodomir dos Santos Matos
Ltda Darlan de Avila Lima
Henrique Abravanel Delmar Andrade de Macedo
Jose Roberto dos Santos Maciel Radio 98,1 Fm Ltda
Leon Abravanel Junior Goiânia (Televisão Goya Ltda)
São Paulo (TVSBT Canal 4 de São Paulo Clodomir dos Santos Matos
S/A) Darlan de Avila Lima
Senor Abravanel (Sílvio Santos) Domingos Barbosa de Siqueira
Guilherme Stoliar Wagner Negrao Garcia
Henrique Abravanel Itabuna – BA (Televisão Cabrália Ltda)
Joao Pedro Fassina Alexandre Faria Raposo
Jose Roberto Dos Santos Maciel Joao Luis Dutra Leite
Luiz Sebastião Sandoval Jose Celio Lopes
Roberto Dias Lima Franco Julio Cesar Lima De Freitas
SBC – Sistema Brasileiro de Comunicação Osvaldo Roberto Ceola
Ltda Paulo Eneas Martho Droppa
Munhuaçu MG (TV Studios de Teófilo Renato Costa Cardoso
Otoni S/C Ltda)** Porto Alegre (Televisao Guaíba Ltda)
Daniela Abravanel Beyrute TV Record de Bauru Ltda
Edward da Silva Televisao Itapoan Sociedade Anônima
Silvio Vartan Kouyomdjian Aluizio Merlin Ribeiro
**Não consta na lista de empresas do Renato Bastos Ribeiro
Grupo Sílvio Santos disponível no site de Rogerio Merlin Ribeiro
comemoração dos 50 anos do grupo. Rio de Janeiro (Televisao Record do Rio
de Janeiro Ltda)
Record Radio e Televisão Record S.A.
Honorilton Goncalves da Costa
Bauru – SP (TV Record de Bauru Ltda) Salvador (Televisão Itapoan Sociedade
Clodomir dos Santos Matos Anônima) – 1.115 sócios
Jadson Santos Edington TV Record de Bauru Ltda
Jose Roberto Mauzer Deraldo Motta
Marcelo da Silva Gileno Amado
Wagner Negrão Garcia Odorico M. T. Da Silva
Belém (Rádio e Televisão Marajoara Ltda) Virginia L C Fonseca
Gerson da Silva Cardozo Abdon Silveira Dorea
Paulo Roberto Vieira Guimarães Abel Mendes Da Silva
Sidnei Marques Abelardo Medeiros Carneiro

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Abelin Maria Cunha João Jorge Saad


Abilio Marques Da Silva João Carlos Saad
Acioli Vieira De Andrade Campinas – SP (Rádio e TV Bandeirantes
Adacilio Coelho Nogueira de Campinas Ltda)
Adail Oliveira Silva Pinto João Carlos Saad
(... e mais) Rodrigo Valentim Plese de Oliveira Neves
Santos (TV Mar Ltda) Curitiba (Televisão Bandeirantes do
Darlan de Avila Lima Paraná Ltda)
Ediminas S/A Editora Grafica de Minas João Carlos Saad
Gerais Joel Malucelli
Marcelo da Silva Manaus (Rádio e Televisão Rio Negro
Mauricio Albuquerque E Silva Ltda)
Rede Mulher de Televisao Ltda Francisco Garcia Rodrigues
São José do Rio Preto – SP (TV Record de Francisco Garcia Rodrigues Filho
Rio Preto S/A) Marisa de Barros Saad
Rádio e Televisão Record S.A. Natal (Televisão Novos Tempos Ltda)
Adilson Higino Da Silva Ranylson da Fonseca Machado
Edir Macedo Bezerra Gustavo Camara Ferreira De Melo
Emerson Carlos De Oliveira Pedro Ferreira de Melo Neto
Ester Eunice Rangel Bezerra Presidente Prudente – SP (Televisão
São Paulo (Rádio e Televisão Record S.A.) Bandeirantes de Presidente Prudente Ltda)
Alexandre Faria Raposo Maria Leonor Barros Saad
Delmar Andrade de Macedo Paulo Saad Jafet
Dermeval Gonçalves Rio de Janeiro (Rádio e Televisão
Douglas Tavolaro de Oliveira Bandeirantes do Rio de Janeiro Ltda)
Edir Macedo Bezerra Maria Helena Mendes De Barros Saad
Ester Eunice Rangel Bezerra João Jorge Saad
Fabiano Rogerio De Freitas João Carlos Saad
Honorilton Goncalves Da Costa Porto Alegre (Rádio e TV Portovisão Ltda)
Mafran Silva Dutra Jose Carlos Anguita
Leonardo Meneghetti Pinto da Silva
Bandeirantes Ricardo de Barros Saad
Salvador (Rádio e Televisão Bandeirantes
Barra Mansa – RJ (Sociedade de Televisao da Bahia Ltda)
Sul Fluminense Ltda) João Jorge Saad
Carlos Domingo Alzugaray Maria Leonor Barros Saad
Domingo Cecílio Alzugaray Maria Helena Mendes De Barros Saad
Belo Horizonte (Rádio e Televisão Renato Vas Reboucas
Bandeirantes de Minas Gerais Ltda) São Paulo (Rádio e Televisão Bandeirantes
Maria Helena Mendes de Barros Saad Ltda)
João Jorge Saad Maria Helena Mendes de Barros Saad
Maria Leonor Barros Saad João Jorge Saad
Brasília (Rádio e Televisão Bandeirantes João Carlos Saad
Ltda) Taubaté – SP (Rádio e Televisão Taubate
Maria Helena Mendes de Barros Saad Ltda)

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Marcia de Barros Saad Anexo II


Ricardo de Barros Saad Marcas de rádio controladas pelos
Uberaba – MG (Regional Centro Sul de grupos que controlam as redes
Comunicações S/A) nacionais de TV
Alvaro Barra Pontes
Geraldo Barbosa Dos Santos Globo (Sistema Globo de Rádio SGR)
Joao Laterza Rádio Globo
Jose Thomaz Da Silva Sobrinho CBN
Luiz Gonzaga De Oliveira RADIOBEAT,
Ney Martins Junqueira Sound!
Ranulfo Borges Do Nascimento BHFM
Adelmar Silveira Sabino Bandeirantes
Band FM
Rede TV! Band Vale
Bradesco Esportes FM
Belo Horizonte (TV Omega Ltda) BandNews FM
Amilcare Dallevo Junior Educadora FM
Marcelo de Carvalho Fragali Ipanema FM
Fortaleza (TV Omega Ltda) MPB Brasil
Amilcare Dallevo Junior Nativa
Marcelo de Carvalho Fragali Rádio Bandeirantes
Recife (TV Omega Ltda) SulAmerica Trânsito
Amilcare Dallevo Junior StereoVale
Marcelo de Carvalho Fragali Rede Aleluia
Rio de Janeiro (TV Omega Ltda) Rede com 64 emissoras ligadas à Igreja
Amilcare Dallevo Junior Universal, mas que não aparece na
Marcelo de Carvalho Fragali apresentação da TV Record como parte de
São Paulo (TV Omega Ltda) um mesmo grupo de mídia.
Amilcare Dallevo Junior * SBT e Rede TV! não possuem emissoras de
Marcelo de Carvalho Fragali rádio.

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Autor Responsável

Bruno Marinoni é doutor em Sociologia e mestre Friedrich-Ebert-Stiftung (FES) Brasil


em Comunicação pela Universidade Federal de Per- Av. Paulista, 2001 - 13° andar, conj. 1313
nambuco, integrante do Intervozes – Coletivo Brasil 01311-931  I  São Paulo  I  SP  I  Brasil
de Comunicação Social. www.fes.org.br

Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação So-


cial é uma organização que trabalha pela efetivação
do direito humano à comunicação no Brasil. Para o
Intervozes, o direito à comunicação é indissociável
do pleno exercício da cidadania e da democracia:
uma sociedade só pode ser chamada de democráti-
ca quando as diversas vozes, opiniões, culturas e et-
nias que a compõem têm espaço para se manifestar.
O coletivo foi criado em 2003 e é formado por ativis-
tas e profissionais distribuídos em 15 estados bra-
sileiros, com ações voltadas à democratização dos
meios de comunicação, universalização do acesso à
Internet e proteção dos direitos humanos nas diferen-
tes tecnologias de informação e comunicação. Saiba
mais em: http://intervozes.org.br/

Friedrich-Ebert-Stiftung (FES)
A Fundação Friedrich Ebert é uma instituição alemã sem fins lucrativos, fundada em 1925. Leva
o nome de Friedrich Ebert, primeiro presidente democraticamente eleito da Alemanha, e está
comprometida com o ideário da Democracia Social. Realiza atividades na Alemanha e no exte-
rior, através de programas de formação política e de cooperação internacional. A FES conta com
18 escritórios na América Latina e organiza atividades em Cuba, Haiti e Paraguai, implementa-
das pelos escritórios dos países vizinhos.

As opiniões expressas nesta publicação


não necessariamente refletem as da
Friedrich-Ebert-Stiftung.

O uso comercial de material publicado


pela Friedrich-Ebert-Stiftung não é per-
mitido sem a autorização por escrito.

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