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Roberto Amaral
Sumário
Introdução. 1. Opinião pública: do iluminis-
mo ao autoritarismo. 1.1. A morte da opinião
pública. 2. Nossa sociedade autoritária. 3. A des-
politização da pólis e a atrofia da ágora. 4. Tec-
nologia e exclusão. 5. Novas tecnologias comu-
nicativas, velhos modelos de dominação. 6. Al-
tos investimentos e grande concentração na te-
levisão das elites. 7. Internet: a comunidade tec-
nológica dos iniciados. 8. Globalização: a uni-
versalização da propriedade em cruz.
Introdução
O tema, analisado do ponto de vista da
representação popular, requer desdobra-
mento metodológico, a saber: opinião pú-
blica, meios de comunicação de massas e
sufrágio, donde eleger-se como questão cen-
tral a identificação dos condicionantes da
representação popular legítima. Tem-se,
consensualmente, como pré-requisito da
democracia representativa, a existência de
uma opinião pública autônoma servida por
meios de comunicação de massas antes de
tudo livres, isentos, ou plurideológicos ou
não-uniformes, ou não-unilaterais. Admite-
se, finalmente, como pressupostos indispen-
Roberto Amaral é Advogado, jornalista e sáveis, o exercício do direito à informação
escritor, ensaísta e ficcionista, Professor da PUC concomitantemente ao usufruto da informa-
– Rio. ção livre, isto é, não-contaminada. Outra
Brasília a. 37 n. 148 out./dez. 2000 197
questão – igualmente estratégica mas alheia modernidade sem, todavia, apartar-se de
às presentes considerações – é a possibili- seus valores; daí uma sociedade industrial
dade, de logo posta em dúvida, de uma in- avançada, tecnologicamente, mas atrasada
formação livre na sociedade de massas, do ponto-de-vista social; concentracionista,
mercê do papel inafastável de mediação mas eletrônica, informatizada, apetrechada
exercido pelos meios de comunicação. para criar a opinião pública como uma ma-
O simples enunciado desses pressupos- nufatura (um automóvel, um quilo de pão,
tos declara a tese: as noções correntes de um sabonete, um refrigerante), transforman-
opinião pública e representação são incom- do-a em produto pronto para o consumo,
patíveis (i) com a convergência de um siste- cuja demanda, por sua vez, estimula. A opi-
ma de comunicação de massas unilateral, nião pública é manipulada de acordo com a
sob o prisma ideológico, e monopolizado, demanda estimulada, e essa opinião públi-
seja como propriedade, seja como emissor ca construída, operada, cinzelada, é servi-
de conteúdos, seja pela audiência que atin- da à sociedade, às instituições, ao sabor dos
ge; e (ii) com uma sociedade concentracio- interesses dominantes, no Estado, e nos
nista, fundada, por conseqüência, na exclu- anéis burocráticos2 que cercam o Estado, na
são econômica, na exclusão política, social sua acepção mais ampla, rompendo as bar-
e cultural. Isto é, em sociedade na qual a reiras dos limites políticos stricto sensu, com-
cidadania é exercida segundo os padrões preendendo coerção (ou monopólio da vio-
econômicos: assimetricamente. Uma vez lência) e hegemonia (de um grupo social
mais a vida imaterial é a produção e repro- sobre a sociedade nacional)3. Assim, a opi-
dução da vida material, implicando a pro- nião pública não é, seja espontânea, seja
dução e reprodução das relações econômi- racional (postulados do liberalismo), para
cas e sociais globais. ser artificial e irracional. E, acima de tudo,
A própria essência do sufrágio popular, produzível e manipulada.
e, dele derivada, da representação, e, por- Se os meios de comunicação de massas
tanto, da democracia representativa, entra não têm o monopólio da formulação ideoló-
em crise quando a imprensa – cuja função gica, têm a hegemonia de sua difusão.
cívica é orientar a opinião do cidadão – A consciência de que a opinião pública é
transforma-se em objeto de monopólio e de um produto manufaturado deve ser assu-
mercantilização. mida em todas as conseqüências, pois im-
Essas as questões que estudaremos, como plica a afirmação de que sua matéria-pri-
se segue. ma, a informação, também é produto de con-
sumo. Ou seja, a informação, ademais de
1. Opinião pública: do iluminismo ao mediatizada, é consumida segundo os pa-
autoritarismo drões da sociedade de classes que professa
a concentração de renda, isto é, que distri-
O binômio concentração-exclusão é ca- bui a riqueza desigualmente. Daí constituir-
racterística do autoritarismo brasileiro, as- se hipótese de difícil demonstração a possi-
sim percorrendo, entranhadamente, toda a bilidade de opinião pública em país no qual
história nacional, donde o agrafismo, a de- 50% dos mais pobres consomem 11,6% da
sorganização social e a desinformação, atin- renda nacional e os 20% mais ricos conso-
gindo as grandes massas, subalternizadas, mem cerca de 63,3%4. País em que a renda
dominadas, mantidas fora da cidadania 1. dos 10% mais ricos da população é sete ve-
O Estado moderno consolida os padrões da zes maior do que a renda dos 40% mais po-
sociedade colonial. bres5.
A civilização autoritária logrou construir Esta a primeira tese: se a informação é
uma sociedade de massas e ingressar na um bem de consumo (e, antes, uma manufa-
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tura), é também um produto consumido de- opiniões que vêm a público, isto é, que
sigualmente, como o sabonete, o pão, a casa querem se fazer ouvir, através de car-
própria, o emprego, o salário. Como a saú- tas aos jornais, passeatas, abaixo-as-
de, a educação, a cultura, a política. sinados, greves, pressões sobre parla-
Em outras palavras, estamos afirmando mentares”7.
– é a segunda tese – constituir mera fantasia A grande vítima das ‘sondagens’, porém,
liberal a existência de opinião pública em é a vida política. Elaboradas antes de de-
sociedade ágrafa, manipulada por um sis- sencadeados os processos político-eleitorais,
tema de comunicação de massas que transi- as pesquisas condicionam a escolha dos
ta do oligopólio para o monopólio, fazendo candidatos pelos partidos e a aceitação dos
com que interesses particulares e comuns a candidatos pelo eleitorado, transformando
uma só classe se imponham como o interes- o processo eleitoral, de processo político, em
se geral da sociedade. Caso brasileiro. processo que mede a aceitação ou a rejeição,
Finalmente: se, na sociedade moderna, induzida, dos candidatos pelo eleitorado.
mediática, o contato do cidadão com a reali- Com isso, a imprensa, que promove essas
dade depende dos meios de comunicação sondagens – e ela mesma possui institutos
de massas, são eles que constroem seus va- de pesquisa ou a eles se associa –, no que
lores e constroem antes de tudo a política, e alimenta e divulga essas pesquisas, afasta
o discurso político, modificando a política. do processo político as discussões em torno
de programas, de plataformas, de partidos
1.1. A morte da opinião pública ou mesmo em torno dos candidatos, pois a
A opinião pública não existe mais e não cobertura da imprensa se reduz à cobertura
pode mais existir. Não existe mais reduzida pura e simples do resultado das sondagens.
que foi a um agregado estatístico de opini- As sondagens também condicionam a co-
ões individuais privadas, dissimulada pelo bertura pela imprensa dos candidatos, que
tratamento jornalístico que insinua distan- têm suas campanhas ‘cobertas’ (tempo e
ciamento. espaço) segundo a colocação nas pesquisas
As sondagens, com seu aparato científi- de intenção de voto. Em todas as hipóteses,
co, são instrumento de contrafação, pois, a imprensa manipula a vontade eleitoral,
mais do que revelar uma opinião, constro- exagerando a importância dessas sonda-
em a opinião; mais do que dar sustentação gens como previsão do comportamento elei-
ao noticiário, são o noticiário. Luis Felipe toral8.
Miguel – apoiando-se em Bourdier6 – desta- Escolhido o candidato, sua preocupação
ca a abordagem marcadamente mercadoló- deixa de ser defender uma plataforma polí-
gica das sondagens, para observar que as tica, um programa de governo, as propostas
pesquisas partidárias, mas tão-só conhecer o que as
“promovem a adulteração do sentido sondagens dizem que é a opinião do eleito-
de ‘opinião pública’, transformada no rado, para veiculá-la, para expressá-la, para
simples somatório das opiniões par- reproduzi-la (na pretensão de bem situar-se
ticulares. Os pressupostos, de caráter nas pesquisas) e assim simplesmente re-
plebiscitário, são de que as questões nuncia ao seu papel de liderança e de pio-
colocadas pelos entrevistadores inte- neirismo, de modificação e transformação,
ressam igualmente a todos, que todos e de fato, sem talvez ter consciência desse
têm iguais condições de responder e suicídio, renuncia à política, enquanto o
que todas as opiniões têm o mesmo debate público, suprimido, é substituído
peso social. Nada disso efetivamente pela pasmaceira, a gelatina de programas
acontece. Por isso, o sentido original repetidos da direita à esquerda, porque a
de ‘opinião pública’ é o conjunto das fonte comum não é a diversidade progra-
200 RevistadeInformaçãoLegislativa
induzir a escolha. O telespectador escolhe o sencial do meio já não é mais transmitir in-
tema inevitável (ou pré-escolhido pela pro- formação, é formar opinião, não só opinião
dução) e o programa termina dizendo que pública mas opinião comercial: no altar do
ele (o público) escolheu a reportagem da meio de comunicação reina a Deusa audi-
próxima semana: “Você escolheu”. Essa ência-circulação, a que tudo o mais está sub-
mesma ‘interação’ é posta em prática para a metido. Carmen Gómez Mont, alimentando-
eleição dos filmes a serem exibidos no cor- se em Régis Debray14, assinala:
rer da semana. “El motor de la obediência parte
A questão, porém, se coloca para além de la opinión; el estatuto del indiví-
da manipulação, porque opinião apurada duo se torna un consumidor a sedu-
não significa, necessariamente, mesmo cir; el mito de la identificación parte
quando apurada corretamente, opinião pú- de la creación de estrellas; el dictado
blica. Lendo Bourdier, o professor Lima, da de autoridade de la televisión; el régi-
UnB, observa que men de autoridade simbólica no es
“(…) a opinião pública, ao contrário sino lo visible, es decir, el acontecimi-
de sua origem histórica, pode hoje re- ento o lo creíble, y la unidad de direc-
ferir-se a resposta dada a uma ques- ción social está constituída por lo uno
tão proposta ao público pelo pesqui- aritmético, es decir, el líder de todo este
sador mas que, de fato, não se refira a cuadro es el princípio estadístico, el
uma questão de interesse do público, sondeo y la audiencia. Es así como
mas apenas ao interesse do pesquisa- también se forman las nuevas corri-
dor. Na sua concepção inicial, a opi- entes de opinión, tendencias que a fi-
nião pública referia-se a questões do nal de cuentas llegan a influir en la
público, no público e a questões for- toma de decisiones”15.
muladas pelo próprio público, em si- Não mais existe opinião pública por to-
tuações também públicas”12. dos os motivos expostos por Bourdier e por
Isso não ocorre mais porque, como assi- todas as razões por ele não nomeadas, a
nala o pesquisador da École des Hautes Étu- saber, o caráter das sociedades de massas, o
des en Sciences Sociales, “o que existe é a esti- caráter e o papel desempenhado pelos mei-
mulação de respostas a perguntas que, não os de comunicação de massas que se trans-
necessariamente, brotaram do público, mas formam em agentes, atores, construtores e
foram formuladas por aqueles que estão in- manipuladores da realidade, cada vez mais
teressados em conhecer, para seus próprios ideológica.
fins, a resposta do público sobre determina- E real não é o que ocorre: é o que é narra-
do assunto”13. No fundamental, a opinião do pelos meios de comunicação de massa, e
pública apurada é um reforço, pois simples- como é narrado16. A revelação é que torna o
mente apura a eficiência da manipulação fato real.
pelos meios de comunicação de massa. Não Desde o iluminismo, a opinião pública
há alternativa: opinião pública, na socieda- vinha ou vem sendo pensada como a “orga-
de moderna, é a opinião publicada, uma vez nização do público sobre algo ou sobre ques-
que a pesquisa tem por finalidade sancio- tões que são públicas”, ou seja, uma opi-
nar, com ritual científico, a opinião que o nião pública que é também uma opinião
meio vem veiculando, fazendo-a, assim, de política, ou uma opinião pública que trans-
tão reiterada, pública. cendeu ao privado, sem ser o somatório de
O círculo vicioso pesquisa-opinião é o cada uma e de todas, resultado do intercâm-
centro da política, que, ao tempo em que bio, do conflito, do diálogo, entre opiniões
persegue a ‘opinião pública’, forma a opi- diferentes. O que, para ser correto, requere-
nião e por ela é conduzida. Mas o objeto es- ria cidadania, ou seja, cidadãos aptos a ter
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visual é, por definição, por essência, por informam, formam opinião; não noticiam,
necessidade, uniforme. Uniformizada. Uni- opinam. São o novo espaço da pólis, com
lateral e, principalmente, fragmentada. E, pensamento próprio, com projeto próprio.
assim, não enseja, nem a reflexão, nem o ju- Em resumo, a comunicação de massas,
ízo crítico. Não possibilita a visão de con- como a política, é um bem de consumo, ma-
junto19, descontextualiza, desenraíza, desis- tizado pelo neoliberalismo, isto é, pela apro-
toriciza, autonomiza os fatos, rompe com o priação desigual dos bens de consumo, de
nexo causal, dilacera a realidade, destrói o bens materiais, de bens simbólicos e de ci-
pensamento político e a possibilidade de dadania.
opinião. A ideologia do consumo, a prima-dona,
Na era da televisão, a imagem – que es- rege a sociedade mediatizada, porque o con-
tava presa na imprensa gráfica e escondi- sumismo depende da sociedade da comu-
da, para ser imaginada, no rádio – passa a nicação. E desde que foi ensinado ao teles-
ser o fato, a notícia, o acontecimento, a reve- pectador que o mundo é consumível – e não
lação. A percepção da realidade é modifica- transformável – as grandes representações
da tanto pela quantidade de informação – que dele são oferecidas serão selecionadas,
uma sucessão de imagens-informação, uma condicionadas e dimensionadas como pro-
sequência de imagens-ícones-fotogramas- dutos, porque ‘a felicidade é uma soma de
frames-quadros-dados emitidos em grande felicidades, e essas pequenas felicidades
velocidade que o cidadão não consegue di- são, precisamente, as pequenas compras’20.
gerir – quanto pelo tratamento da imagem, Na nova era da comunicação, assinalada
pela trucagem, pelo movimento, pelo enqua- pela reunião contemporânea dos avanços
dramento, pelos métodos modernos e sofis- tecnológicos da informática e da comunica-
ticados de edição, pela apresentação e pela ção de massas com o desenvolvimento ca-
velocidade da seqüência. Por isso, o discur- pitalista, e a concentração-exclusão nos pa-
so ideal da televisão é o videoclip. A imagem íses periféricos, a informação se reduz a uma
não é mais, como no tempo da imprensa grá- simples mercadoria cujo valor varia de acor-
fica, uma coadjuvante da notícia, uma peça do com a relação do binômio oferta e procura.
de convencimento. É agora protagonista
absoluta. Em regra, mostrando, esconde. 3. A despolitização da pólis e a
O homo sapiens cede lugar aohomoocular. atrofia da ágora
Personagem inteiramente dependente das
imagens, e, portanto, com muito menos ca- Os meios de comunicação de massas re-
pacidade de crítica ou reflexão. Informação, produzem a sociedade em que atuam – e
assim, passa a ser o que é ou pode ser visí- que ajudaram a moldar – e, por isso, no Bra-
vel, ou seja, apenas aquilo que pode ser sil, caracterizam-se pela concentração de
mostrado rapidamente através de uma ima- veículos e pela exclusão das grandes mas-
gem, e, necessariamente, de forma fragmen- sas. A modernização aqui operada nas últi-
tada. mas décadas é servidora desse modelo con-
É a educação para a passividade, que centracionista: nela, as mudanças se fize-
desarma os indivíduos e compromete a ci- ram para que não ocorressem mudanças
dadania. políticas. Quando dizemos que reproduzem
Os meios de comunicação de massas não a sociedade, não estamos dizendo que atu-
procedem mais à intermediação entre a so- am passivamente, pois, entre nós, os meios
ciedade e o Estado. Entre a política e a cul- de comunicação de massa são agentes polí-
tura. Deixam de reportar, para interferir no ticos, interferem na ordem política, têm voz
fato e passam a ser o fato; não narram, inva- ativa no processo eleitoral, tomam partido e
dem o andamento do fato em narração; não são um partido. Servem à manutenção do
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Assim, a esses novos atores de uma globalizada, o que de resto importa o fim do
‘nova’ política (sem ‘politica’ e sem parti- interesse público, social e nacional. A audi-
dos) tem cabido a direção dos movimentos ência e, por seu intermédio, a receita publi-
populares, das mobilizações coletivas e de citária e o lucro são os deuses que reinam
massas, resguardando-se aos partidos po- no altar da nova religião comunicacional.
líticos ou o papel puramente referendador Mesmo quando o Estado nacional preserva
(ou de legitimação institucional) ou as fun- seu poder regulamentar, seus efeitos se re-
ções de retaguarda das ações. No mais das velam secundários, em face da mundializa-
vezes, é pedido aos partidos que se conser- ção da comunicação, via transmissão por
vem alheios, para ‘não estreitar’o movimen- satélite, via tevê por assinatura, via rede
to. Ora, o que se devia cobrar desses parti- mundial de computadores.
dos seria justamente resgatar o espaço da
política, sem o que não há nem democracia, 4. Tecnologia e exclusão
nem representação popular, nem politiza-
ção da sociedade. A primeira característica do sistema bra-
O papel essencial dos partidos é, dessa sileiro de comunicação de massa é a con-
forma, freqüentemente transferido para ou- centração, tanto de meios quanto de empre-
tras instituições, e a mobilização popular sas. No Brasil, o sistema de televisão aberta
passa a ser uma dependência do monopó- (UHF/VHF) é controlado (ideológica e eco-
lio da comunicação de massas, que passa a nomicamente) por três redes nacionais, uma
estabelecer, autonomamente, isto é, a partir das quais, o maior conglomerado de comu-
de seus próprios interesses, a pauta da soci- nicação do país e da América Latina, e um
edade. dos maiores do mundo, atua em todos os
Os meios de comunicação de massas, campos da indústria cultural. A mesma con-
escrevendo a pauta da política, não apenas centração no plano da televisão (tanto aber-
se revelam independentes das demandas e ta quanto por assinatura) se repete relativa-
necessidades da sociedade: no mais das mente às emissoras de rádio e à imprensa
vezes, ditam essas demandas e criam essas gráfica. A televisão por assinatura está con-
necessidades. Alimentado pelos efeitos com- trolada por duas grandes redes, NET e Di-
binados da desregulamentação e da priva- rectv-TVA, a primeira dasOrganizaçõesGlo-
tização com o desenvolvimento e prolifera- bo, e a segunda do Grupo Abril, maior con-
ção de novas tecnologias, foi acelerado em glomerado de imprensa gráfica do país, o
todo o mundo – principalmente a partir dos que se repete com a rede de computadores,
anos 80 – o processo de mundialização da no Brasil dominada pelos portais da Globo e
comunicação, que também é servidor do pela associaçãoAbril-FolhadeSãoPaulo-FSP
neoliberalismo e da globalização. E à medi- (UOL). A mesma FSP, que na Internet está
da que mais se transnacionalizam e se glo- associada ao Grupo Abril, lançou, em par-
balizam, mais se livram de qualquer contro- ceria com o grupo Globo, o jornal nacional
le das sociedades sobre as quais atuam e Valor Econômico. Esse sistema de exploração
livres se encontram diante da inexistência reflete o processo nacional de concentração
de uma regulamentação externa eficaz, pro- acentuado pelo neoliberalismo, a concentra-
duto da fragilidade do Estado-nação e da ção política (a concentração dos poderes na
decadência da soberania clássica, acentua- União em prejuízo dos Estados e Municípi-
das pela globalização neoliberal que mini- os; no Executivo em prejuízo dos demais
miza a capacidade regulatória dos Estados. poderes), a concentração econômica (regio-
Desregulamentação e privatização cami- nal e oligopolística, via conglomerados) e a
nham de mãos dadas, e juntas também sig- concentração de renda, per capita (a maior
nificam a vitória da comunicação comercial do mundo) e intraregional. É o que denomi-
206 RevistadeInformaçãoLegislativa
o nacional e o estrangeiro, ou transnacio- compressão das culturas nacionais — e co-
nal, ou internacional, cujo símbolo é indis- loca as redes de informação internacional
cutivelmente a CNN, a mais importante rede entre os vetores que traçam esse modelo para
mundial de televisão25. Os Estados periféri- conquistar o mundo 29. Nesse processo de
cos, ademais de abrirem suas fronteiras ao dominação, desempenha papel fundamen-
fluxo internacional de informação, alinham tal a ideologia de um mundo livre das sobe-
suas práticas internas ao modelo neolibe- ranias estatais, porque o que se convencio-
ral, vale dizer, transformam seus próprios nou chamar de ideologia do neoliberalismo
sistemas em aparelhos reprodutores do tem por principal adversário o Estado-na-
modelo central, norte-americano, cujos va- ção naquilo que ele pode representar
lores, padrões e interesses, os interesses tu- como espaço de resistência da cultura
telados pelo Departamento de Estado, pas- nacional30.
sam a reproduzir, sem consideração com os O modelo econômico – a concentração e
interesses culturais, éticos e políticos nacio- a exclusão como resultados da liberdade de
nais. Nossa visão de mundo, nossos valo- mercado e da globalização – transborda
res, os valores veiculados nos países perifé- para a comunicação e para a política, desde
ricos, passam a ser os valores dos canais- os meios clássicos – jornais gráficos e televi-
matriz. Assim, nos definimos sobre a paz e são aberta – aos meios ‘alternativos’ – a te-
a guerra, e assim nos definimos sobre nós levisão por assinatura, paga, por exemplo,
próprios. e as redes fechadas.
No Brasil, a presença da televisão mun- No Brasil, existem, hoje, 32 milhões de
dial, a CNN, opera (1) por meio do acesso residências com aparelhos de televisão 31, ou,
direto aos seus canais (cabo) em espanhol e noutros termos, 87% dos domicílios possu-
inglês; (2) pelo fornecimento de imagem aos em um ou mais aparelhos 32. A audiência
canais nacionais que, em decorrência, em nacional é estimada em 100 milhões de es-
seus noticiários internacionais, transfor- pectadores. São números da televisão ‘aber-
mam-se em meros repetidores do canal nor- ta’. Em contrapartida, apenas 3%, ou 2,7
te-americano; e (3) mediante a assimilação milhões33, têm tevê paga seja MMDS (10%),
de seus padrões de produção, formais, esté- seja satélite (32%), seja cabo (58%), que che-
ticos e ideológicos. ga a apenas 7% dos lares brasileiros34. Ora,
O fluxo informativo, dominante, Norte- isso não pode configurar surpresa, se con-
Sul, centro-periferia, não é, todavia, fenôme- siderarmos que a adesão ao sistema de tevê
no recente e vem sendo dissecado desde os por assinatura custa cerca de 94 dólares, e
estudos (anos 70) da Comissão MacBride sua mensalidade, 39 dólares, numa demo-
(UNESCO) e, deles resultante, pela luta dos cracia liberal cujo salário mínimo é de 84
países do Terceiro Mundo visando à cons- dólares, o menor do MERCOSUL, e um dos
trução de uma Nova Ordem Mundial da menores do mundo... Eis por que 97% dos
Informação (NOMIC), pois uma das formas usuários dessa televisão ‘alternativa’ estão
de controle da imprensa nacional é o con- entre os 1% mais ricos, 42% têm renda supe-
trole das fontes da informação, as agências rior a 5.600 dólares, isto é, quase 67 vezes o
noticiosas internacionais, com sede nos Es- salário mínimo35.
tados Unidos 26, na França27 e na Inglater- A informação gradualmente se transfere
ra28. É pelos olhos dessas agências que o dos canais abertos para os canais de televi-
noticiário de todo o mundo vê o mundo. são por assinatura, paga, oferecendo à mi-
A promoção do capitalismo financeiro é noria que a ela pode ter acesso a informação
o objetivo central do modelo anglo-america- abundante e refinada – negada ao telespec-
no de informação – baseado no ‘livre’-fluxo tador tradicional, que se conformará com a
da informação (matizado como vimos) e na ‘antiga’ televisão aberta –, que vai desde a
208 RevistadeInformaçãoLegislativa
do a possibilidade de troca de canais, não nos linhas telefônicas em toda a África ne-
cresce a possibilidade de acesso a conteú- gra que na cidade de Tóquio, e nos países
dos diferenciados. Mas fica o sonho de um africanos a conexão e o uso mensal custam
contato mais próximo com o resto do mun- em média 100 dólares norte-americanos, dez
do41. vezes mais do que nos Estados Unidos 44.
Não é distinto no plano da rede mundi- Depois da África, o continente menos servi-
al de computadores. do é a América Latina, e aqui a maioria das
Se um extraterrestre desembarcasse hoje conexões está na Argentina, Brasil e México.
em qualquer país da América Latina e fosse Estão nos Estados Unidos nada menos
conhecer esse país e o planeta pelas vias da que 50% das 70 mil redes que compõem a
Internet, teria diante de si um mundo angló- lnternet45, que não pode ser ‘navegada’ se o
fono, ocidentalizado, branco e consumista. usuário brasileiro não dispuser de um com-
Ora, a grande promessa de democratização putador, de uma placa modem, de softwares
da informação é hoje – e por quanto tempo adequados para ingressar na rede, de uma
ainda? – um instrumento de afirmação de boa linha telefônica, de acesso a um prove-
uma nação, de uma cultura, de uma língua, dor, de um certo padrão educacional, um
forâneas, agindo na direção centro-perife- certo adestramento para manipular o com-
ria, em que uma vez mais é veículo de elitiza- putador e conhecimentos razoáveis de in-
ção da cultura, da informação e da política. glês, que não é, apenas, o meio de interco-
O prometido mundo da liberdade – a rede municação da rede, mas, igualmente, uma
mundial de computadores – é, em nossos maneira de pensar. Na medida em que mais
dias, refém de uma empresa monopolística acumula informação, em que mais concen-
norte-americana, a poderosa Microsoft, fa- tra informação e oferece ao plugado um nú-
bricante dos programas DOS/Windows, mero elevado de portas de acesso a essas
que equipam algo como 90% dos computa- informações, via webs, a Rede condiciona o
dores domésticos e cerca de 85% dos com- acesso ao site ao domínio de uma senha que,
putadores corporativos de todo o mundo. à sua vez, depende de uma assinatura,
Atualmente está sendo processada pela jus- paga... E a que terá acesso? Nada menos de
tiça de seu país, acusada de dumping e mo- 93% da informação que circula nos sites da
nopólio, por tentar esmagar os concorren- Internet são escritos ou falados na língua
tes de seu Explorer, o programa de ligação inglesa, 4% em francês, 3% em todas as de-
com a Internet. mais línguas46. O internauta que não conhe-
A concentração é globalizada. cer inglês navegará muito pouco fora dos
Os países ricos — com apenas 15% da sites brasileiros47.
população mundial — concentram 80 % dos A promessa do novo sistema, de realizar
usuários da Internet. Na América do Norte, o ideal da democratização da informação,
com menos de 5% da população, encon- rompendo com as barreiras que afligem ain-
tram-se mais de 50% dos usuários mundi- da hoje os meios de comunicação de mas-
ais42. sas, a começar pela vigilância estatal, ainda
Dos 269 milhões de usuários da Internet está por objetivar-se. Antes, reconstruiu a
em todo o mundo, nada menos de 137 mi- nova Idade Média (que seja breve), transfor-
lhões estão nos Estados Unidos e 26 milhões mando a informação em mercadoria para
no Japão. Na Europa, são 82 milhões. Desse iniciados. Num mundo de pouco mais de 6
total, 56% residem no Reino Unido, Alema- bilhões de habitantes (algo como 9 bilhões
nha e Itália43. no ano 2030), apenas 200 milhões são usu-
A promessa de liberdade dos novos mei- ários de computadores pessoais, donde o
os guarda simetria com a desigualdade do público da Internet estar limitado a menos
desenvolvimento mundial. Assim, há me- de 4% da população do planeta48. Menos de
210 RevistadeInformaçãoLegislativa
nicação de massa a simplesmente um negó- matizada que isola o operário e tende a es-
cio lucrativo, apartado de qualquer princí- vaziar o proletariado, seu ser coletivo.
pio ou deontologia, reduzem a nada o pro- O uso intensivo das tecnologias comu-
metido papel de panacéia democrática, fa- nicativas transforma não só o consumo cul-
zendo ressaltar, ao contrário, sua função tural em um negócio, mas também o mundo
potencializadora das desigualdades e das da política. Os meios de comunicação de
distâncias sociais, entre os países, e de suas massa – um negócio – cumprem o papel de
populações no interior de cada um deles. ator político por excelência, influindo não
Ou seja, à alta inovação tecnológica neces- só na escolha dos candidatos, mas mesmo
sariamente não corresponde uma proporci- na condução de processos políticos notá-
onal inovação social. Apesar de suas po- veis. O narrador se transforma em constru-
tencialidades técnicas, notadamente intera- tor, criador da realidade, e assim os desti-
tivas e democratizantes, as novas tecnolo- nos da política – vale dizer, a condução his-
gias passam a ser vítimas das velhas regras tórica – têm seus contornos traçados pela
de mercado e das limitações políticas, no intensa cobertura (ou ausência de) dos mei-
caso, elitistas, das sociedades em que se ins- os de comunicação de massa, transforma-
talam. E essas políticas são i) aquelas con- dos em tribuna pública, embora concentra-
centracionistas e regulatórias da proprieda- da nas mãos de pouquíssimos e poderosos
de e do uso de tais canais, hoje conduzidas grupos privados, seus controladores54.
por Estados nacionais cuja opção preferen- Um dos novos papéis dos modernos
cial é pelo neoliberalismo e pelas regras do meios de comunicação de massa, uniforme-
mercado; e ii) aquelas derivadas de uma mente orientados ideologicamente, é pau-
política econômica concentradora de renda tar as ações do Estado.
e de uma política educacional incapaz de
oferecer habilitação e competência cultural 6. Altos investimentos e grande
necessárias aos potenciais usuários dessas concentração na televisão das elites
novas tecnologias, estabelecendo o círculo
vicioso: o pobre será cada vez menos infor- O modo como, no Brasil, foi implantada
mado e, porque desinformado, excluído das a televisão por assinatura e o uso ainda res-
novas relações de produção e trabalho e do trito da rede de computadores – a Internet –
consumo, de bens materiais e culturais e apontam para o crescente processo de redu-
políticos. A exclusão perfeita. ção das margens democráticas, mesmo for-
Com o uso intensivo das novas tecnolo- mais, e para o predomínio da cultura da
gias informatizadas, aos problemas de um excludência, como política. Não se trata mais
analfabetismo letrado aliam-se os do anal- de mera (se bem que relevante) conseqüên-
fabetismo tecnológico, num mundo no qual cia da disfunção econômica; é já um projeto
a importância do trabalho material cede político.
cada vez mais terreno ao trabalho imaterial A implantação da tevê por assinatura no
e gera uma divisão de trabalho sem prece- Brasil tem início oficial em 199155. Repre-
dentes ao impor a separação espacial dos senta já hoje um mercado em acelerada ex-
trabalhadores e inviabilizar a construção da pansão, cujo modelo de desenvolvimento
identidade no/pelo trabalho. Não mais a não difere da tradicional tendência nativa
fábrica, com sua linha de montagem locali- da manutenção dos monopólios dos meios
zada num mesmo espaço e organizando o de comunicação de massa que prevalece no
proletariado, mas uma rede bastante disper- sistema de televisão aberta, um mercado
sa e fragmentada de fornecedores de peças desigualmente partilhado por três redes.
desarticuladas de um produto que não está O crescimento da tevê por assinatura, por
à vista, coordenada pela inteligência infor- outro lado, afina-se com o modelo interna-
212 RevistadeInformaçãoLegislativa
da democratização... – como está dificultan- sível que a televisão paga, o acesso à rede de
do o acesso à tevê das multidões que não computadores, como vimos, requer mais re-
dispõem de renda suficiente para tornarem- cursos financeiros dos usuários, o que, pre-
se telespectadores desse sistema pago de sentemente, torna-a restrita a um número
televisão. Ao elitizar o mercado, cobrando relativamente reduzido de consumidores,
taxas de ingresso e mensalidades, as tevês tomada a população em termos absolutos60.
por assinatura vedam o acesso a grandes O ideal de exclusão não é atingido pela
parcelas da população que ficarão relega- televisão aberta, mas pela Internet, o novo
das ao consumo da programação das emis- altar do saber, do conhecimento e da infor-
soras abertas, nas quais os complexos em- mação. Para os seus eleitos.
presariais deverão investir cada vez menos, Um cultuado sentimento de aparente
posto que seus canais estarão dirigidos ao igualdade de que desfrutam os usuários da
público de menor renda, e, portanto, de me- rede, é real... se pensado nos limites da pró-
nor poder de compra, determinando, já no pria rede, ou seja, se desconsiderarmos to-
médio prazo, a migração da publicidade dos aqueles não-usuários, não-partícipes
para os canais segmentados da televisão por dessa comunidade tecnológica transnacio-
assinatura. nal elitizada.
Por outro lado, a expansão dessas tec- Contrapondo-se à possibilidade teórica
nologias televisivas não implica um ingres- de um fluxo livre e irrestrito de informações
so importante de recursos na produção de no interior das redes, a realidade objetiva
programas; há pouco jornalismo, em quais- aponta para seu crescente e amplo uso co-
quer de suas formas. No geral, trata-se de mercial. A Rede é, assim, mais um negócio
repetição ou mixagem dos programas do no grande mercado. A tendência a olhos vis-
canal líder da rede de tevê aberta a que per- tos é sua apropriação pelos mesmos con-
tence o canal por assinatura. Em outras pa- glomerados dos meios de comunicação de
lavras, é quase zero o estímulo econômico/ massa, notáveis tentáculos que sucessiva-
cultural à produção televisiva ou cinemato- mente passam a abarrotar a rede com uma
gráfica nacional. Os noticiários são essen- quantidade quase ilimitada de informações,
cialmente norte-americanos e europeus, e os noticiosas e outras, geradas em seus outros
filmes, em sua maioria esmagadora, norte- meios. Por esses fornecedores de informa-
americanos. ções 24 horas, a Rede será apropriada como
Na tevê por assinatura, a língua predo- mais um canal comunicativo e lucrativo. É
minante dos canais internacionais é o in- a conquista do ‘novo’ meio pelos ‘velhos’
glês e o padrão cultural, político e estético é meios... Em outras palavras, a nova tecnolo-
essencialmente norte-americano. Uma tele- gia é absorvida pela velha tecnologia, o con-
visão que conjuga outra língua, outra cultu- teúdo da nova tecnologia é partilhado com
ra e outra estética. O fato de ser uma televi- os conteúdos da antiga tecnologia e, final-
são por assinatura, paga, serve, assim, ao mente, a promessa de democratização é subs-
projeto segmentante/elitizante/excludente. tituída pelo aprofundamento da concentra-
ção e do monopólio.
7. Internet: a comunidade No caso brasileiro, por exemplo, em que
tecnológica dos iniciados o uso da Internet está mais avançado do que
nos demais países latino-americanos, pra-
A nova tecnologia da rede de computa- ticamente todos os jornais, não só os gran-
dores – Internet –, apesar de seu potencial des jornais nacionais mas também os jor-
ampliador do fluxo de informações, não nais de província, as revistas e os magazi-
pode ser referida como um meio de comuni- nes, todos os canais de televisão e mesmo
cação de massa. Ainda mais cara e inaces- canais de rádio, estão disponíveis na Inter-
214 RevistadeInformaçãoLegislativa
nessas realidades latino-americanas, inten- mitiu que os marxistas oficiais, ou positi-
sificam as relações históricas de subalterni- vistas, antevissem as possibilidades de em-
dade. prego desses recursos de dominação na Ale-
A informação irrelevante, a informação manha nazista e na União Soviética. E faz
fragmentada, a informação de terceiro ní- com que, hoje, uma sociologia ligeira se en-
vel, será oferecida à população brasileira, cante com os recursos da tecnotrônica, como
àquele brasileiro que puder ter o televisor entidade autônoma, e assim também sem
ligado à sua frente; mas a grande informa- olhos para ver seu papel real na sociedade
ção, instrumento de poder, será reduzida real dos homens.
àqueles que neste país puderem ter acesso Há uma tese final: o desenvolvimento
às redes de televisão por assinatura ou à tecnológico (que, aliás, sempre esteve liga-
Internet. do a estratégias políticas e militares) não é
Não sei se é possível neste país, com tais suficiente, em si, para garantir o uso dos
características, falar em opinião pública e meios em benefício do livre-fluxo da infor-
falar em democracia e democracia represen- mação, da liberdade e dos interesses das
tativa. grandes massas. Se a democratização dos
Satélites, informática, sistemas de comu- meios de comunicação é ponto de partida
nicação digitais, a promessa de interativi- para a democratização da sociedade brasi-
dade e a rede mundial de computadores e a leira (o que implica descentralização), é im-
interação Internet-televisão, a rede em tem- possível pensar em meios democráticos em
po real, mais do que a descentralização pro- sociedade autoritária. Não é a tecnologia que
metida e a interação, mais do que a liberta- define o uso, mas a política. Mas a mudan-
ção da informação dos limites dos meios, a ça no plano político depende do papel de-
realidade parece conduzir para o aprofun- sempenhado pelos meios de comunicação
damento da dominação e do controle, ali- que, no Brasil, têm locus próprio, no qual
mentando a ameaça do big-brother orwelia- desempenham papel próprio. Aqui são
no. Pois o que temos é uma comunicação agentes.
crescentemente concentradora e dirigida no
sentido Norte-Sul, centro-periferia, países
desenvolvidos-países em desenvolvimento Notas
– donde a inexistência de livre fluxo da in- 1
Tratamos da temática do autoritarismo em
formação internacional – crescentemente diversos ensaios, particularmente em Intervencio-
mundializada e antinacional, com a coarc- nismo e autoritarismo no Brasil. São Paulo : Difel,
tação do local aprofundada pelo caráter 1974, e nos artigos ‘Notas visando à fixação de um
antinacional do sistema brasileiro, depen- conceito de autoritarismo’. In: Comunicação&política,
vol. 1, n. 1, mar./mai. 1983. p. 43-52 e ‘O exílio do
dente em suas fontes ideológicas e depen- povo: alienação da história (segundas notas sobre
dente de tecnologias desenvolvidas no cen- o autoritarismo)’, ibidem, n. 8, p. 119-130.
tro do poder, reinando sobre sociedade de- 2
A noção de ‘anéis burocráticos’ está em CAR-
sigualmente desenvolvida e desigualmente DOSO, Fernando Henrique. In Autoritarismo e de-
conectada com os novos meios. mocratização. Rio : Paz e Terra, 1974, p. 208: “(…)
círculos de informação e pressão (portanto, de po-
Em mais uma experiência histórica, fica der) que se constituem como mecanismo para per-
evidente que a dominação é também um atri- mitir a articulação entre setores do Estado (inclusi-
buto da modernidade, tanto quanto o de- ve das forças armadas) e setores das classes soci-
senvolvimento tecnológico pode constituir- ais”.
se em mais um elemento de sotoposição da
3
Evidentemente, estamos citando Gramsci, para
quem a concepção de Estado comporta duas esfe-
subjetividade humana. A crença, quase reli- ras principais: “a sociedade política (que o autor
giosa, no absolutismo do potencial emanci- dos Quaderni também chama de ‘Estado em senti-
patório da ciência e da tecnologia não per- do estrito’ ou de ‘Estado-coerção’), que é formada
216 RevistadeInformaçãoLegislativa
33
Ibidem. cada – IPEA. O órgão governamental brasileiro con-
34
Cf. FSP, 15.10.2000, suplemento TVFolha, p. sidera pobres aqueles que possuem uma renda fa-
6. Segundo a mesma fonte, reportando-se a pes- miliar per capita inferior a meio salário mínimo. Em
quisa da empresa PTS – Pay-TV Survey, o Brasil 2000, esse salário mínimo correspondia a 83 dólares.
possuiria 3.164.853 assinantes. 53
Esses dados foram retirados do ‘Relatório
35
Cf. Grupo Abril inaugura TV digital. InJornal sobre Desenvolvimento Humano’, divulgado no
do Brasil. Ed. 21.06.96. p. 19 e Pesquisa traça perfil Brasil pela ONU e pelo Instituto de Pesquisa Eco-
de quem assiste à NET. O Globo. Idem, p. 25. nômica Aplicada – IPEA, do Governo Federal.
36
Fonte: Direct TV. 54
Um estudo sobre o papel da televisão mol-
37
Cf. Guia de Programação Net. Ano 7. n. 8, out. dando o fato político: GUIMARÃES, Roberto;
2000. AMARAL, Roberto. ‘La televisión brasileña: una
38
A Globosat anunciou a compra de 25% do rápida conversión al nuevo orden’. In FOX, Elizabe-
Canal ESPN Brasil de que resultou a criação do th. Medios de comunicación y política en América Lati-
canal de esportes ESPN Fox Sports, numa parceria na. Ediciones C. Gili. S.A.: México, 1989. É vasta a
com a ESPN e a Fox. Cf. FSP, 19.10.2000, p. E10. literatura nesse sentido. Ver, entre outros muitos,
39
Cf. TVA. 2000/Ano 9, n. 107 e www.tva.com.br BOURDIER, Pierre. Sobre la televisión e Contrafuegos
40
Cf. Guia de Programação Net. Ano 7. n. 80, out. (edis. cits), RAMONET, Ignacio. La Tyrannie de la
2000. communication (cit), PAOLOZZI, Vitor. Murro na cara-
41
LANDO, Vivien. Regalos da tevê a cabo. Ga- o jeito americano de vencer eleições. Ed. Objetiva. S.
zeta Mercantil. 1º.10.2000, p. 17. Paulo.1996, AMARAL, Roberto (Coord). FHC: os
42
Fonte: Almanaque Abril, op. cit. paulistas no poder. Casa Jorge Editora. Rio. 1995,
43
Fonte: Nielsen/NetRatings. In: Gazeta Mer- MIGUEL, Luis Felipe. Mito e discurso político. Edito-
cantil. Ed. do Rio, 18.9.2000, p. 6. ra da Unicamp. Campinas. 2000.
44
Fonte: Almanaque Abril, op. cit. 55
O Brasil foi um dos últimos países da Améri-
45
Cf. CHARLAB, Sérgio. Entidade infalível e ca Latina a instalar serviços de tevê por assinatura,
indomável. In: Jornal do Brasil. Ed. 12.05.96. p. 18. após a Argentina, a Colômbia, a Bolívia e a Vene-
46
Cf. ZAPPA, Regina. A vez da inteligência na zuela.
Internet. In: Jornal do Brasil, 15.5.96, p. 18. 56
In Relatório, op. cit.
47
A Media Metrix, empresa norte-americana es- 57
A associação da Globo (54%) com a News
pecializada em medição de audiência na Internet, Corporation, de Murdoch (36%), e a PCI, maior em-
divulgou a lista dos 25 domínios mais visitados no presa de tevê a cabo paga dos EUA (10%), visa a
Brasil: quinze são norte-americanos, seis brasileiros controlar o mercado latino-americano, estimado em
(entre eles o Ministério da Fazenda), dois espanhóis 30 milhões de usuários.
e dois portugueses. Cf. Gazeta Mercantil. Op. cit. 58
As autoridades do Ministério das Comunica-
Apenas um terço dos internautas brasileiros que ções, no entanto, reconhecem que a principal difi-
têm acesso à Internet em suas residências visitam a culdade do governo está em analisar e identificar a
Web. Cf. FSP, 19.10.2000, p. B4. composição acionária de cada empresa: ‘São gru-
48
Cf. RAMONET, Ignacio. La Tyrannie de la com- pos empresariais que formam estruturas muito
munication. Paris : Galilée, 1999. p. 109. complexas’.
49
Fonte: Morgan Santley & Co. In Jornal do Bra- 59
Tramita no Congresso Nacional projeto de
sil. 12. 05.96. p. 18. emenda constitucional permissiva da presença de
50
O Censo Demográfico de 2000, ainda não capital estrangeiro no controle acionário de empre-
divulgado oficialmente, estima a população brasi- sas nacionais de comunicação, vedada pela Cons-
leira em 167 milhões de habitantes. tituição de 1988.
51
Relatório de Desenvolvimento da Humanidade. 60
A própria rede encarrega-se de interrogar-se
ONU. 1999 (Fonte: O Globo, 11.7.1999). Há diver- sobre o perfil de seus usuários por meio de formu-
gências quanto a esse número. Segundo o IBOPE lários eletrônicos na WWW. Há duas pesquisas di-
(Fonte: www.ibope.com.br/digital/produtos/internet), vulgadas no site da Survey Net, cujos resultados
os usuários brasileiros somariam, em outubro de foram obtidos a partir da resposta a 5.098 questio-
2000, 4,8 milhões, a saber, pouco mais de 3% da nários respondidos através da própria rede, e uma
população. Ou seja: ainda um quase nada. Segun- outra do Instituto de Pesquisa Nielsen, que entre-
do Rafael Tonelli, da Apek Telecom, “cerca de 58% vistou mil usuários nos Estados Unidos e no Cana-
das pessoas que acessam a Internet ainda não pos- dá. Embora as pesquisas possuam diferenças de
suem computador em casa. E as que possuem re- abrangência e rigor, permitem traçar um perfil do
presentam a ínfima porcentagem de 3% da popu- usuário dominante da Internet: possui de 26 a 30
lação brasileira” (Cf. ‘Orelhão.com’, Ícaro Brasil, n. anos; pertence ao sexo masculino; tem formação
194, out. 2000, p. 22). superior e trabalha; utiliza em primeiro lugar o
52
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Apli- WWW e em segundo o e-mail; utiliza a Internet
218 RevistadeInformaçãoLegislativa