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Sociologia da Comunicação - Parte I: Comunicação Pública – Públicos, Espaço Público

e Opinião Pública

Introdução
Os conceitos de espaço público, opinião pública e públicos estão todos relacionados com a
comunicação pública.
A comunicação pública é o tipo de comunicação que circula/tem origem no espaço público (não no
sentido físico do termo, mas sim como espaço comum, por exemplo os media são tão espaço público como a
praça), ou seja, ocorre no âmbito deste espaço e tem como objetivo formar opinião pública (opinião comum
que foi objeto de construção coletiva – o coletivo é uma condição da existência da comunicação pública -
sobre algum assunto de interesse público). Com que é que se constrói a opinião pública? Com a
comunicação pública. Os públicos são a base, é o que está na origem da comunicação pública, dos espaços
públicos e da opinião pública (historicamente a primeiro formaram-se os públicos que deram origem ao
resto; só existe espaço público existindo uma sociedade organizada por públicos). Portanto é uma
“comunicação constituída a nível do espaço público e veiculada pela (ou para a) opinião pública”. Este tipo
de comunicação aparece com as sociedades modernas.

1. Espiritualidade e Caracter Simbólico dos Públicos:


 Públicos como forma de sociabilidade
Os públicos são uma forma de sociabilidade, forma elementar das pessoas estabelecerem entre si
relações de interdependência criando condições para a existência de comunicação pública. A ligação entre as
pessoas é o fator fundamental de pensar a sociedade, o que nos permite compreender os três conceitos
principais e a própria comunicação pública. No ponto de vista histórico/sociológico, a origem dos públicos
antecede à instituição do espaço/opinião/comunicação pública.
A comunicação pública está intimamente associada à existência de públicos. Os públicos são
indispensáveis para a permanência da comunicação pública, são a base de sustentação para a regulação da
comunicação pública das sociedades.

Texto de Gabriel Tarde


O autor caracteriza os públicos como uma forma de sociabilidade (perspetiva fundamental do autor)
corrente dos tempos modernos opondo-os aos padrões de relacionamento das sociedades tradicionais.
O autor dá-nos uma perspetiva histórica. Hoje em dia estamos tão habituados à comunicação pública
que pensamos que foi intemporal, contudo até é recente. Assim entra a perspetiva histórica de Tarde,
mostrando que a comunicação pública é um fenómeno histórico. Do ponto de vista histórico os públicos
aparecem antes da comunicação pública, no entanto é necessário compreendê-los também através de uma
perspetiva contemporânea. Torna-se então uma questão que vai para além da História.
O texto capta o impacto de novidade da época (texto de especulação). Na época (com os jornais) os
públicos eram referidos numa escala nacional, hoje é mundial.
A multidão surge no texto como uma estratégia argumentativa que ajuda o autor na caracterização dos
públicos. Ele usa a comparação pois a multidão é também uma forma de sociabilidade. A multidão surge
como paradigma de forma de sociabilidade do passado (ou tradicional), o que não quer dizer que tenha
acabado, simplesmente antes era o padrão e hoje já não. Os públicos surgem como o paradigma de forma de
sociabilidade do futuro (ou moderno).
A multidão não é a única forma de sociabilidade do passado. Havia mais relações sociais, por exemplo a
religião e a família. Essas relações ainda hoje permanecem, mas de forma diferente (as afinidades tornam-se
muito importantes, até mesmo na família onde o sangue perde importância).
Às formas de sociabilidade tradicionais, marcadas profundamente em termos físicos e materiais, com
caracter obrigatório e predeterminadas, os públicos vieram opor uma nova forma de associação e de inter-
relacionamento dos indivíduos. Nos públicos, qualquer individuo pode participar e assumir-se como parte
integrante de diferentes públicos; as relações de pertença são abertas e revertíveis.
Além da imprensa, o autor refere outras novidades da época: o comboio e o telégrafo. O comboio
permite maior rapidez na distribuição dos jornais e o telégrafo uma maior circulação das notícias.
A origem dos públicos deve-se a estas mudanças (mas não só). Os meios tecnológicos são fundamentais
para o desenvolvimento dos públicos como hoje os conhecemos. Estas mudanças na comunicação não
deram diretamente origem ao público, mas sim à sua importância.
Os públicos nasceram no urbano (cidades), mas ultrapassaram essa barreira (com a ajuda do comboio).
Os públicos nascem como experiência burguesa, mas alargam-se a todos os grupos sociais ao longo do
tempo. Há uma popularização dos públicos graças aos meios de comunicação. A modernidade cria os
públicos e os públicos criam a modernidade.

 Traços de Originalidade dos Públicos


Gabriel Tarde apresenta dois traços fundamentais que demarcam os Públicos das demais formas de
sociabilidade:
- O primeiro prende-se com o facto dos Públicos serem uma forma de sociabilidade para a qual não é
necessária a presença física dos elementos envolvidos num determinado tempo e lugar. Ao contrário das
multidões, os Públicos não dependem dessas condições de ter todos os elementos presentes num
determinado momento. A imprensa despertou para esta conclusão, em especial os jornais. Não se
restringindo ao físico, o espaço público torna-se ilimitado.
- Os Públicos existem em função de uma determinada motivação simbólica. As pessoas só se ligam
entre si se reconhecerem uma atividade simbólica. Este elemento é que permite que as pessoas não estejam
presentes fisicamente. O que constitui os públicos não é mais do que uma afinidade comum (partilha). A
afinidade comum não é mais do que um interesse, problema, assunto, entre outros, que as pessoas partilhem
entre si – é o elemento simbólico. Só em função da visibilidade de um certo elemento simbólico é que os
indivíduos podem realizar a sua aproximação.
 Públicos e Modernidade
Há uma relação simbiótica entre públicos e modernidade: sem as sociedades modernas seria impensável
o desenvolvimento dos públicos; ao mesmo tempo o desenvolvimento dos públicos torna-os responsáveis
pelo desenvolvimento da modernidade.
As sociedades tradicionais têm um caracter obrigatório, enquanto que os públicos e as sociedades
modernas têm um caracter voluntário (parte da escolha pessoal).
Tarde apresenta os efeitos modernizadores dos públicos nas sociedades:
 Divisão simbólica das sociedades, por oposição a divisões tradicionais como divisões
geográficas. As outras formas de sociabilidade adquirem este carácter simbólico. Há uma
crescente espiritualização das formas de sociabilidade tradicionais graças aos públicos. As
sociedades organizam-se cada vez mais em torno de divisões simbólicas.
 Agonística social (conflitualidade e formas de resolução de tensões). Pode ser uma agonística
física ou simbólica. Relativamente a este último: as pessoas estabelecem focos de tensão entre si
devido a diferentes posições tomadas por exemplo através da linguagem – generalização para
outros domínios sociais e de existência. A generalização dos públicos traz uma agonística de
carácter essencialmente simbólico. Apenas em situações excecionais recorre-se à agonística
física. Esta mudança para a agonística simbólica, deve-se aos públicos, que constituem um fator
essencial que transfere a conflitualidade para um plano simbólico e não material/físico. Este
controlo da violência física é efeito dos públicos e último elemento da sua relação substancial
com a Modernidade, constituindo um traço fundamental das sociedades modernas. As
sociedades tradicionais eram muito mais violentas (era o poder principal)
 Mundialização dos interesses; formação de um Estado Mundial, falando-se assim de públicos a
uma escala global. Kant refere uma ideia de mundialização de interesses da qual resulta uma paz
perpétua.

 Performatividade dos Públicos


As pessoas constituem-se como público porque, em última análise, podem ser agentes de ação para
mudar algo no mundo. Cada público concreto (gostos, política, etc…) tem a possibilidade de a um dado
momento ganharem capacidade de intervir sobre um determinado assunto, pois alimentam a expectativa de
que agindo como público o grau de concretização do seu objetivo seja maior. Esta performatividade do
conjunto dos públicos traz efeitos à sociedade moderna, poder de ação de intervir sobre a realidade. Vai
além de uma forma se sociabilidade, entra no plano da ação social – os públicos são sempre uma forma de
sociabilidade e em determinadas circunstâncias atores sociais.
A Performatividade é a chave de ligação dos públicos ao espaço público – os públicos criam o espaço
público.
Existem dois planos de Performatividade:
 Diversidade/pluralidade dos públicos (traduz-se nas realizações que cada publico pode ter na sua
área de ação)
 Públicos enquanto conjunto (o espaço publico forma-se com todos os públicos e não com um
publico concreto)
Excitabilidade intelectual vs. Física (multidão): tem que ser atingida pelos públicos, para que estes
sejam atores sociais dotados de performatividade. A ação produzida pelos públicos em resultado dessa
excitabilidade intelectual é uma nova forma de ação distinta dos padrões tradicionais da ação das sociedades
tradicionais.
Como é que se distingue a ação dos públicos? É uma ação mais racional, pensada e refletida e os efeitos
das ações beneficiam dessa racionalidade. Adotam-se comportamentos que ponderam as consequências e
reflete-se a associação estreita entre públicos e Modernidade. A sociedade torna-se mais racional.
Abandona-se o lado impulsivo das sociedades tradicionais, sendo as sociedades modernas mais evoluídas. É
uma performatividade eminentemente moderna.
Associamos mais estreitamente este tipo de ações a formas filogeneticamente mais evoluídas da espécie
humana (atingimento de um determinado nível de evolução) que lhe dá capacidade para ter este tipo de
performatividade. Este tipo de ação ocorre mais na idade adulta do que na juventude, cuja ação é mais
impulsiva.
 O caráter comunicacional dos Públicos: três momentos da dinâmica dos processos de
opinião
Os públicos só se constituem em relações de comunicação. Esta está no âmago dos públicos enquanto
formas de sociabilidade. É a comunicação que produz relações sociais. Os públicos podem assumir eles
próprios uma forma de comunicação.
Existem pontos em que a comunicação é indispensável nos públicos. São três momentos em que o
colapso da comunicação pode pôr em causa a existência de um público:
1.Momento de constituição de qualquer público. Há uma publicidade de um elemento agregador. A
objetivação da simbologia constituinte de qualquer público faz-se em termos comunicacionais, através da
publicidade.
2.A vida normal dos públicos. O tipo de comunicação que assegura o normal funcionamento do
público não é o mesmo que esteve na sua origem. Funciona uma comunicação em fluxo de opiniões, ideias e
conhecimentos no tema que juntou as pessoas. Pressupõe um exercício crítico tanto na receção como na
transmissão de opiniões. Esta comunicação serve para manter o público.
3.Criação de um entendimento, que nem sempre é possível. O que importa é a motivação para a
criação de um entendimento. Permite um público. Permite um público continuar. A troca de opiniões sem
esta motivação não chega. Esta motivação é essencial para um entendimento colativo. Não há outra forma de
lá chegar que não seja através da comunicação.

 Significado e valor da "Opinião dos Públicos" – sobre o caráter vinculativo (na base
de universos comuns de discurso)
Cada público afirma-se em nome de uma opinião vinculativa. O entendimento que eles constituem é
colectivo e muitas vezes este pode não ser atingido - nesse caso, estabelecem-se compromissos
(entendimento temporário). Tudo isto é possível graças ao processo comunicacional, à troca de opiniões
com um sentido.
Um público atinge a tal excitabilidade quando atinge todos estes patamares até ao último (o do
entendimento) que lhe permitem passar para a acção social. Estão assim criadas as condições para a sua
afirmação enquanto actor social.
Para que os fluxos de opiniões alimentem esta motivação, têm de obedecer a regras, nomeadamente a
regras de agonística e argumentativas. É necessário arranjar uma forma de diminuir as diferenças, através da
argumentação. A comunicação de um público é uma comunicação de diferenças.
 Os Públicos e a Individualidade: o estatuto do sujeito no âmbito dos públicos na
condição de interlocutor comunicacional
O público assume sempre um caracter colectivo, o seu traço mais marcante. No entanto, aloja no seu
interior a individualidade própria de cada individuo.
O público reconhece um espaço de afirmação à individualidade própria de cada um dos seus membros
em oposição ao passado em que o elemento colectivo esmagava a impunha-se à individualidade. Público é
uma entidade colectiva que não apaga mas promove a individualidade. Os espaços sociais são
personalizados e abertos às afirmações individuais dos seus membros.
A dimensão da constituição dos públicos dá espaço para a individualidade dos membros, nascendo da
vontade própria do individuo daí a sua importância. Há um constante exercício/aprofundamento dessa
individualidade e incentivo à formação de opinião, critica e tomada de posição pessoal – vida interna do
público.
É necessária a troca de opiniões individuais para a constituição da opinião vinculativa de um
determinado público.
Há um equilíbrio: Os públicos no seu interior contrabalançam a dinâmica colectiva e individual.
Acaba por haver um jogo entre o público e o privado – tensão permanente que permite desenvolver as
sociedades modernas – onde o privado corresponde ao subjetivo (à individualidade) e o público ao coletivo
(os públicos).

 Públicos e Massa – principais semelhanças e diferenças entre estas duas formas de


sociabilidade da época moderna
Quer como forma de sociabilidade, quer como ator social, o público está virado para a coletividade. Os
públicos são uma entidade que está acima de cada um que os constituem. As formas de sociabilidade que
não os públicos apagam a individualidade, como nas multidões, em que os participantes estão em
anonimato. Já nos públicos há uma preservação da individualidade de cada um dos elementos; não se trata
de condescendência, mas de uma questão de constituição.
A massa é outra forma de sociabilidade. Estas distinguem-se pelo lugar da individualidade: há uma
valorização da individualidade nos públicos, enquanto que nas massas não. Nas massas o individuo apenas
conta como um número – há um anonimato. O público tenta corrigir as desigualdades, e a massa não. A
massa partilha algumas características com os públicos, nomeadamente a dispersão física e a ausência de um
espaço propriamente dito.
Públicos e Massas são dois padrões distintos das pessoas se ligarem umas às outras – formas de
sociabilidade antagónicas (contudo estes dois processos cruzam-se de algum modo).

Carácter aleatório de como se constituem as massas.


Por exemplo, o consumo de massas é caracterizado por essa participação de carácter fortuito.
Comportamento pouco reflexivo, instintivo, guiado por mecanismos comunicacionais em oposição
ao comportamento dos públicos.
A capacidade de organização e de acção dos públicos difere da das massas (exemplo: os regimes
totalitaristas nazi e fascista).
No caso das massas, dificilmente se pode conceber uma organização interna, pode-se é falar de
condução/organização externa – trabalhar as massas, conduzir para um determinado tipo de comportamento.

Realidade simbólica das massas – frágil, vazia em termos simbólicos.


Lógica de consumo de massa – não há razão simbólica, age por sugestão, lado mais irracional dos
comportamentos. Esta lógica também se pode verificar nos fenómenos totalitários. Já os públicos,
contribuem para dar densidade simbólica e dimensão humana aos seus membros e à sua existência. Os
públicos podem transformar-se para massas.
A individualidade nas massas - falta de espaço para a individualidade, difícil presença do individuo,
processos de apagamento da individualidade de cada um, o individuo age como os outros – relações sociais
de assimilação e agregação dos seres genéricos (em oposição à singularidade conferida aos membros dos
públicos).
A massa também é uma forma de sociabilidade.
Públicos: utilidade para perceber a génese da comunicação pública.
Massa: como é que a comunicação pública moderna sofre com o decorrer do tempo uma deriva, abre
os horizontes para uma realidade mais contemporânea da comunicação pública.
- Esta conexão é um fenómeno muito marcante no presente – transformação estrutural do espaço
público contemporâneo – marca a realidade das sociedades ocidentais pós-guerra.

2. Público e Privado nas Sociedades Modernas


 Dos públicos ao espaço público
Os públicos crescem de tal modo na Modernidade que se tornam por excelência na forma de
sociabilidade destas sociedades. Dá-se assim uma generalização dos públicos, que leva à formação de
estruturas que se designam de espaço público; espaço esse onde se forma uma opinião pública, recorrendo à
comunicação pública. Da comunicação pública faz parte uma certa forma de organização da vida social,
uma divisão público-privada. Houve um conjunto de acontecimentos que levaram à passagem de um público
para a formação de um espaço público.
Os públicos deixam de ser apenas uma nova forma de sociabilidade quando deixam de ser exclusivos de
certos contextos sociais, passando assim a ser uma forma de sociabilidade de referência das sociedades
modernas. Daqui resulta a formação de um espaço público (realidade eminentemente simbólica, o conjunto
dos públicos, não é delimitado fisicamente. Quando os públicos deixam de ser um mundo fechado em si
mesmo mas passa a haver um público agregador de outros públicos -Exemplo: Os media são um espaço
simbólico), pressupondo uma comunicação pública à escala de um espaço alargado.
Passa a haver uma dinâmica que envolve todos os públicos, que abarca toda a sociedade. É um
problema de escala: de dimensão física (com um território mais abrangente, dado o alargamento de
pequenos públicos; já não é exclusivamente urbano); e uma dimensão social (começou por ser algo elitista,
uma experiência urbana e da burguesia, e estendeu-se a outras camadas sociais). Trata-se de uma
generalização social, com o envolvimento de vários grupos sociais. Além destas duas dimensões do espaço
público, construiu-se também uma certa porosidade entre os públicos. A motivação original dos públicos
dissipa-se. O impulso original dos públicos é de um certo fechamento. A formação do espaço público não
passa pela perda de identidade própria dos públicos, mas por uma permeabilidade entre os públicos.
Enquanto a comunicação permanecer estritamente fechada num público, esta não adquire o estatuto de
comunicação pública. Os públicos têm de comunicar entre si. Isto é o resultado da expansão dos públicos. À
medida que temos mais pessoas a participar em públicos, mais pontos de comunicação criam entre si. Os
indivíduos pertencem a cada vez mais públicos. Outro aspeto a considerar é a formação de um interesse
geral (só quando uma certa porosidade se associa a um interesse geral é que podemos falar de espaço
público); a possibilidade de antever matérias que não são específicas de cada público mas de interesse
universal (sentido de universalidade que os públicos não tinham – noção de colectividade dentro das
fronteiras do próprio público), mas à escala de uma sociedade, que engloba todos os indivíduos. Este é o
retrato das dinâmicas sociais das zonas mais desenvolvidas do século XVIII.
A afirmação do espaço público antecede o seu próprio conceito. Kant é um dos autores que pensou
nisto, mas sem recorrer a este conceito; o pensamento ainda não tinha conceptualizado esta realidade.
Os movimentos de generalização e porosidade dos públicos podem ser entendidos como resultado da
generalização de uma estrutura da experiência polarizada entre o público e o privado. Porém, estas
categorias não são originais. A História já os havia registado no passado. A originalidade vem no conteúdo
destes conceitos e na relação entre ambos. Nas sociedades modernas esta separação faz-se com uma
mediação dos dois domínios. Um exemplo de originalidade nos públicos é o facto destes conjugarem um
espaço fundamental para a individualidade dos seus indivíduos com o sentido de coletividade. Público e
privado distinguem-se, mas também se relacionam.
Passam a ter um carácter mais inclusivo – elites mais cultas, permeabilidade entre as diversas classes
sociais (ajuda a quebrar barreiras sociais), as classes populares vão adquirindo ascensão social.
Não há espaço público sem uma noção de interesse geral. Por exemplo, os media, por vezes são
sujeitos de critica. A opinião pública deve ser formada segundo esse tipo de matérias.
Esta passagem (dos públicos ao espaço público) traduz-se numa complexificação das sociedades
modernas de ordem superior.
Comunicação Pública é diferente de Comunicação dos Públicos: estão ligadas e existem características
semelhantes, contudo a segunda é específica do seu público enquanto que a primeira não se restringe (é
aberta ao conjunto da sociedade e comum a todos os públicos).
Há um sentido comum quando nos referimos a espaço público, opinião pública e comunicação pública.
 Mediação Publico/Privado
O próprio espaço público pressupõe a mediação entre o público e privado. Este privado torna-se visível
através da afirmação individual de cada um dos participantes. Havendo uma mediação entre o público e o
privado é possível enunciar uma prioridade. A experiência do desenvolvimento das sociedades modernas é
uma dinâmica impulsionada pelo privado. Habermas distingue entre o espaço público cultural e espaço
público político; duas formas distintas que assume o espaço público moderno, em que a segunda é a forma
mais madura da primeira. Neste novo espaço público há um robustecimento do privado que leva a um
robustecimento do público.
Este espaço público é também cada vez mais interplanetário, isto é, devido à emergência de questões e
políticas que extravasam as fronteiras nacionais, este espaço vê-se projetado a uma escala global. A
globalização económica é um dos fatores fundamentais que facultou essa projeção – também aqui se verifica
que uma certa dinâmica do público teve o seu impulso nas iniciativas do privado, que demonstra mais uma
vez uma mediação entre ambos os domínios. A mediação Publico/Privado pode ser vista em duplo sentido,
mas é plausível considerar que a formação do espaço público moderno surge como consequência de um
impulso primordial de âmbito Privado. Essa constituição representa para os indivíduos uma oportunidade de
afirmação individual: a possibilidade de conferir visibilidade à sua subjetividade própria e de desenvolver a
sua interioridade. A mediação entre público e privado é o elemento estrutural do espaço público.
O público e o privado distinguem-se mas também relacionam de uma certa maneira (diferenciação e
complementaridade).
As categorias de público e privado são anteriores à modernidade, mas ganham um novo sentido na
época moderna. O termo chave para entender como as sociedades modernas concebem o público e o privado
é mediação.
MEDIAÇÃO: o público medeia o privado e vice-versa.

 Modelos de referência (passado): Antiguidade Clássica; Sociedades Tradicionais


Não há nenhum autor ou intelectual que tenha criado os conceitos de espaço público, opinião pública e
comunicação pública. Os termos vêm da experiência coletiva, os autores apenas os interpretam após os
fenómenos existirem. Antes da sua existência como expressão, existiram como práticas sociais.
O sentido moderno de público e privado não pode deixar de ter em atenção o contexto cultural.

Antiguidade Clássica
A ideia de público e privado forma-se na Grécia Antiga, nestas sociedades a diferenciação entre os dois
é antagonista. Para estas sociedades helénicas, a sua organização tem como ideia principal a existência de
um “espaço público” no seu sentido literal. Nas cidades há um espaço físico que ganha esse estatuto, onde os
cidadãos se reúnem para decidir o futuro das suas cidades. Esse espaço é a Ágora, que no quadro da
estrutura destas sociedades se define como um espaço antagónico do oikos, da casa individual. Ambos os
espaços são importantes. Nestes dois espaços estão marcados os dois traços fundamentais destas sociedades:
na Ágora, a política, a discussão da vida coletiva, o homem como cidadão, a [lei da] democracia; em casa/no
oikos, a economia, a subsistência dos indivíduos, o espaço como ciclo da vida, o homem como chefe da casa
(oikos desputas), a [lei da] escravatura. As sociedades modernas olham para esta experiência com algum
interesse; como voltar a fazer valer a distinção entre o público e o privado. Apesar do homem estar presente
nos dois espaços, tem papéis muito diferentes. O seu papel no privado é dominante enquanto que no público
é igual aos outros. Dominação (privado) é diferente de poder (público).
O domínio do espaço público é o domínio da liberdade. O espaço da casa é o espaço da necessidade.
Na Antiguidade Clássica não há qualquer mediação entre Público e Privado, experiências com entidades
próprias completamente antagónicas: política/economia, poder/dominação, liberdade/necessidade.

Sociedades Tradicionais
A distinção entre público e privado desaparece na Idade Média, onde a esfera pública passa a ser do
domínio senhorial (exercício do poder). O espaço público perde o sentido universal e passa a ser
exclusivista, de domínio senhorial (um complemento ao exercício do poder), cumprindo funções de
representação teatral, espaço cerimonial de encenação, do poder da igreja e do poder laico (feudalismo) e
espaço público da corte, representação para o povo. Neste espaço público observamos a sacralização do
monarca. É o que Habermas chama ser um Espaço Público de Representação, que na verdade perde o
sentido público. Há um apagamento do espaço público e um apagamento do privado. As categorias servem o
poder, só os poderosos têm direito a uma afirmação individual. O público e o privado perdem a distinção
entre si.
Face a estas duas realidades, as sociedades modernas vão definir a sua própria matriz. Da Antiguidade
Clássica retira-se o conceito de diferenciação, isto é, é este conceito que passa para a modernidade: volta-se
a diferenciar. Das Sociedades Tradicionais o conceito que passa para a modernidade é o de
complementaridade.
O Público e o Privado voltam a ganhar força – há uma certa articulação entre estes dois domínios da
experiência, estabelecem entre si múltiplas mediações apesar de serem domínios distintos. A própria ideia de
mediação define a originalidade das sociedades modernas: separação dos domínios mas ao mesmo tempo
articulação mútua, um não pode viver sem o outro.

 Um novo conceito de liberdade


Liberdade – entendimento moderno deste conceito: conceito nuclear que diferencia a organização
Público/Privado; associação forte entre Modernidade/Liberdade;
As sociedades modernas trazem várias roturas relativamente às sociedades contíguas. Uma dessas
roturas é o conceito de Liberdade. A liberdade também remonta à Grécia Antiga. Era um conceito
fundamental para reger a Ágora.
O conceito liberdade ganha uma enorme projecção nas sociedades modernas por oposição às sociedades
tradicionais (actividades regulamentadas pela lógica do poder). As sociedades modernas pegam neste
conceito e atribuem uma dimensão individualista ao conceito. As sociedades modernas recuperam o
conceito de liberdade e concedem-lhe um sentido individualista, não perdendo porém o sentido público. É a
partir da liberdade individual que se consegue chegar à coletiva. Base do novo princípio de liberdade –
espaço público contra o poder, desafiante do poder, a liberdade individual como desafio ao poder
(pensamento, expressão, capacidade de trabalho).
Mais uma vez, público e privado distinguem-se, mas também se relacionam entre si. Este conceito já é
uma espécie de mediação entre o publico e o privado. A arrumação dos conceitos de privado e publico
replicam o novo conceito de liberdade.

 Espaço púbico moderno enquanto emancipação


Espaço Público de emancipação – espaço onde a liberdade individual pode ser exercida, contra o
condicionalismo exercido face à existência individual.
Nas sociedades tradicionais o que se impõe é a razão do Estado, o princípio é o princípio do segredo
do Estado, espaço de representação regido pelo segredo do Estado – “é a autoridade e não a verdade que faz
a lei”. Nas sociedades modernas o princípio da lei passa a ser o princípio da verdade, graças ao espaço
público de emancipação, em que a verdade é objecto de construção da própria liberdade individual.
A Emancipação caracteriza a mediação entre público e privado. Público e privado entrelaçam-se de tal
forma que um não é possível sem o outro.

 Quadro social de uma mudança cultural


A supremacia do privado sobre a dinâmica do público está presente em 3 aspetos:
1.Condições económicas. As sociedades onde estas mudanças mais rapidamente ocorreram definem
uma singularidade económica muito própria. São sociedades onde se vê um desenvolvimento da economia
mercantil. As sociedades substituem uma economia tradicional, rural, apoiada numa estrutura de
subsistência; dando lugar a uma nova economia onde as trocas comerciais desempenham um papel
importante. Esta nova economia não procura apenas responder a necessidades, mas também lucrar.
2.Estrutura social, marcada pela afirmação de uma nova classe social: a burguesia. Uma classe que é o
êmbolo do desenvolvimento da economia mercantil. Por este impulso cria condições para a sua afirmação.
No quadro do modo de vida burguês existe um mundo próprio. É neste quadro que os conceitos de privado e
público surgem. Esta nova estrutura do privado é muito burguesa, e é usado na diferenciação da burguesia
no contexto social.
3.Surge também um novo modelo familiar. O modelo da “família burguesa” afirma-se como o modelo
de família moderna, que se opõe à família aristocrática e à família alargada rural. É uma família restrita,
reduzida, com um “núcleo familiar” composto pelo casal e os seus filhos.

 A “família burguesa” e os processos de reprodução material e reprodução simbólica


O sítio onde nasce esta nova estrutura da experiência é no interior deste novo modelo familiar. A
autoridade neste núcleo é definida pelo “chefe de família”. Este paradigma familiar estende-se a toda a
sociedade por meio de dois planos de reprodução:
Reprodução material - meios materiais fundamentais para a sobrevivência das sociedades. Estas
questões estão patentes na economia; todas as sociedades têm a sua organização económica. As sociedades
diferenciam-se economicamente.
Reprodução simbólica - Há uma diferenciação das sociedades que não é apenas económica, mas
também cultural, ligada à reprodução de valores. Não há sociedades sem processos de sociabilização, que
podem ser mais ou menos informais. Mas são fundamentais para a reprodução dos valores para as novas
gerações. Este trabalho faz-se dentro das famílias.
As famílias burguesas impulsionaram vários processos de reprodução material, nomeadamente com o
desenvolvimento de um novo modelo económico. As sociedades mudaram de um paradigma de subsistência
para um paradigma de trocas. A família teve uma grande importância neste processo. Antes das empresas
eram as famílias que dinamizavam as atividades económicas, como que núcleos de atividade económica.
Esta estrutura familiar (mais pequena, nuclear) já é, só por si, uma estrutura mais racional, e a acumulação
de capital é resultado de uma acumulação racional que a família proporciona. Dá-se neste contexto uma
afirmação de mercados autónomos (sendo o primeiro o dos bens), sem intervenção do Estado. Por impulso
das trocas surgem também os mercados autónomos do trabalho e de capitais. Há então uma tendência para a
organização de mais mercados autónomos. Observamos portanto uma racionalização dos processos
económicos. O privado está aqui presente porque toda esta dinâmica de modernização da economia tem
origem numa dinâmica privada, pois é uma atividade exclusiva das famílias burguesas. O público está aqui
presente de duas formas: no sentido da própria atividade económica (há um benefício público com este novo
modelo económico) e na sociedade civil (consciência da afinidade entre as famílias burguesas o que permite
constituí-las como uma entidade que ganha uma voz própria afirmando-se socialmente, opondo-se o
Estado).
Em termos sociais, esta autonomia dos mercados traduz-se naquilo que Habermas chama de sociedade
civil (sujeitos individuais, membros da família burguesa, que se congregam tendo em vista a alteração do
domínio do Estado, contestação e alteração da estrutura da organização social). Trata-se de uma sociedade
que não precisa do estado para se organizar internamente. Esta sociedade é formada essencialmente por
famílias burguesas. Esta noção de sociedade civil foi posteriormente alargada. Impôs-se uma forma de
racionalidade teleológica (virada para um objetivo). Para que as trocas tenham como objetivo o lucro. A
atividade é pensada de acordo com um conjunto de fins.
A partir de um determinado momento, as sociedades europeias vêem-se dotadas de um conjunto de
estruturas sociais que apoiam o seu próprio desenvolvimento. São sociedades que têm condições sociais. O
desenvolvimento de estruturas de produção levou ao desenvolvimento de uma aprendizagem reflexiva,
direcionada para o aperfeiçoamento e a inovação tecnológica. A Revolução Industrial foi o impulso da
economia capitalista.
Este dinamismo da família burguesa nasce de uma vocação forte para a ideia de privado. Esta
proeminência do privado traduz-se na ideia de autonomia. A própria dinâmica da burguesia acaba por
conduzir a uma noção de público, por duas vias fundamentais:
1.Uma atividade que se organiza e se pensa como atividade privada, com o objetivo de chagar a um
objetivo próprio. Isto traduz-se num bem coletivo; há um interesse público no desenvolvimento de uma certa
atividade.
2.Este modelo só se consegue impor por meio de uma autonomia (agentes sociais que conseguem
resolver os seus problemas sem o Estado). Houve uma luta social para estas mudanças; na necessidade de
congregação de forças para chegar a esta autonomia. O privado não conseguia a sua afirmação económica
sem uma dimensão coletiva.
O que está em causa é uma cultura. Em termos culturais existe na família burguesa uma atividade
orientada opara cada um dos seus membros – a família como espaço de formação. A formação de cada sum
dos membros é prioritária. A formação autónoma de cada um dos membros da família enquanto pessoa
singular desempenha um papel fundamental na descoberta da individualidade de cada um. A este nível
também existe uma racionalização da existência que envolve a vida de cada um e que se destina a promover
a singularidade de cada um. A arquitetura da casa é um exemplo, com a inclusão do quarto individual. A
família burguesa é também um espaço cultural que oferece aos seus membros uma fruição e aprendizagem
artísticos - a arte como médium de descoberta do interior. O próprio romantismo é um estilo bibliográfico
virado para a interioridade e a intimidade. Os novos hábitos, como o culto dos objetos pessoais e a troca de
cartas são outros exemplos. No entanto não existe apenas a ideia de privado nas famílias burguesas. Todas
as atividades e hábitos destinavam-se a um aperfeiçoamento da individualidade, no sentido da preparação do
indivíduo em apresentação num contexto público. Por oposição ao quarto individual, as casas burguesas
também tinham salões, onde o núcleo familiar se apresentava à coletividade. Esta dualidade privado-público
passa pela relação que as famílias burguesas estabelecem com o seu exterior, na medida em que preparam os
seus membros, para que estes tenham uma presença pública em certos meios sociais. A forma de vida
burguesa prevê nos seus hábitos a preparação para a “vida de salão”.
A comunicação pública é o desidrato que resulta desta nova estrutura da experiência (que distingue o
público do privado); e é também o resultado do entrelaçamento entre público e privado.
3. Função Política e Divisão Ético-Moral do Espaço Público
 Breve Introdução (sobre a questão ético-moral)
O espaço público político só é plenamente alcançado depois de passada uma fase cultural - o espaço
público literário (espaço público de cultura, que se constitui muito em torno da literatura, filosofia, música e
das artes) - que serviu de aprendizagem de uma forma mais completa de espaço público, o espaço público
político.
Mas o que se entende por questões ético-morais? São questões que dizem respeito a normas e valores.
Espaço público, opinião pública, comunicação pública: dimensão ético-moral prioritária por terem
como base os públicos como forma de sociabilidade (caracterização das estruturas). Esta dimensão ético-
moral é atingida quando o espaço público atinge a função/estatuto político, o estado de maturidade (processo
que ocorre nas cidades europeias desenvolvidas) – aí dá-se o pleno desenvolvimento das sociedades
modernas.
Este processo é decisivo para a compreensão das sociedades modernas pois estas mudaram
significativamente em termos políticos devido ao espaço público.
O exercício publico e a opinião publica é conduzido em nome de princípios ético-morais, estes ditam
ainda a sua lei enquanto referências orientadoras para uma transformação possível das estruturas concretas
do espaço público e da opinião pública
 Função Política do Espaço Público (e relação com o Estado)
Há um envolvimento do espaço público com normas e valores sociais. A presença de uma dimensão
ético-moral no espaço público é algo que podemos transpor para opinião e comunicação públicas. Este
envolvimento pode ser equacionado em 2 dimensões:
 Dimensão interna. Tem a ver com a forma de funcionamento e organização do espaço público,
que são feitos em torno de determinados valores e regras. O reconhecimento do espaço público
é uma entidade à qual está atribuída uma fundamental função política performativa.
 Dimensão externa. Diz respeito à forma como o espaço público pretende influenciar a
sociedade.
Tarde tem uma visão assumidamente positiva dos públicos. Reconhece-lhes uma superioridade
relativamente às restantes formas de sociabilidade. Sendo assim, quando o espaço público se consegue
afirmar, é porque tem algo de superior. Neste sentido, o carácter ético-moral é o elemento nuclear, uma vez
que é aquele que confere a continuidade do espaço público ao longo do tempo. Este eixo ético-moral é o fio
condutor mais sólido. A Democracia é a tradução última desta preocupação ético-moral do espaço público; o
espaço público que condicionou as sociedades de forma a torna-las em sociedades modernas. Houve uma
série de acontecimentos que estiveram na origem da democracia nas sociedades modernas. Nas várias
discussões acerca do futuro da democracia surge o conceito de democracia liberativa, que equaciona um
olhar autorreflexivo da nossa democracia e propõe vias de desenvolvimento da própria democracia. No
centro desse debate encontra-se o espaço público, nomeadamente um regresso a esse espaço público como
fator de regeneração da nossa democracia.
A análise social é tendencialmente objetivista, no entanto a realidade social é também algo que vai
para além do objetivo. A realidade é constituída por uma dimensão fática e outra simbólica. Há sempre um
certo desfasamento entre estas duas dimensões. A realidade é um produto complexo que resulta destas duas
dimensões. Onde se encontra a dimensão ético-moral? Num plano objetivo (fático), em casos que mobilizem
debates a uma certa intensidade de discussão. Por exemplo, a discussão das praxes. No plano simbólico há
uma reação da sociedade a determinados acontecimentos que supostamente viola os princípios ético-morais.
Por exemplo, uma reação negativa e enviesada das praxes, a discussão da crise europeia, que conta com um
enorme peso das instituições, resultado de jogos de interesses políticos e económicos. Os valores ético-
morais tornam-se uma reserva crítica nestes últimos casos.
A função política do espaço público consagra a as funções ético morais… quando o espaço público
assume funções políticas. A forma básica destas funções tem a ver com a afirmação de uma sociedade civil e
a operacionalização dessa mesma sociedade civil nas sociedades modernas, na medida em que surge a ideia
de um autogoverno. Trata-se de um conjunto de famílias burguesas motivadas pela procura de uma auto-
organização no exercício de atividades económicas. A plena função política do espaço público é uma
extensão deste objetivo de autogoverno envolvendo o conjunto das atividades sociais. Como é que a função
política se associa às funções ético-morais? O que está subjacente ao autogoverno é um ordenamento de uma
vida social de acordo com regras sociais. Isto significou uma alternativa às formas autoritárias de poder. Os
valores e normas socais entram como princípio segundo o qual a sociedade civil se rege de um ponto de
vista organizacional. A sociedade civil pretende fazer valer uma organização social de acordo com valores e
regras sociais que a própria sociedade tem como referência. Essa é a função política do espaço público;
influenciar a organização social nestes termos.
Quando falamos de moral tende a valorizar-se o aspeto coletivo; a moral de uma sociedade só o é
enquanto tal quando fundada nos valores individuais definidos pelos membros dessas sociedades, valores
definidos como morais num ato de vontade. Isto operacionaliza-se politicamente pela atribuição de uma
função de legitimidade da vida política das sociedades ao espaço público, no sentido em que quando algo de
errado ocorre, encontra no espaço público uma reserva corretiva. O espaço público é o detentor da
legitimidade que controla a ação do governo. O que está em causa é uma relação entre o espaço público e o
Estado. Não se trata de uma substituição do Estado mas de uma substituição das suas funções. Quem toma
decisões é o Estado, mas quem controla é o espaço público, regido por normas ético-morais. A sociedade
civil impõe-se como uma instância de controlo do Estado que deixa de ser uma entidade política suprema
com total controlo sobre as funções políticas. O espaço público fez valer uma fundamentação da necessidade
de dominação. Deixa de ser legítimo um ato de governação sem justificação. O espaço público é um
depositário das características ético-morais. A opinião e a comunicação públicas surgem na lógica da
operacionalização: a opinião pública atua como voz do espaço público; é através da opinião pública que o
princípio da legitimidade é operacionalizado. Tudo isto se faz através da comunicação pública. A sociedade
civil fala em legitimidade em função de valores e normas sociais representativas dessa mesma sociedade.
Conformação por parte do Estado às exigências ético-morais dos cidadãos, política que se faz em nome dos
cidadãos, da sua vontade e não como imposição sobre as pessoas – movimento em nome da RAZÃO (Força
Impulsionadora desta transformação – discussão pública e política em torno de argumentos). Expressão da
racionalização da existência no que diz respeito à vida política/domínio político.
Função Política: definição dos critérios gerais das relações sociais, definição das melhores regras do
seu próprio funcionamento, definição do método da organização económica mais eficaz capaz de responder
às necessidades da sociedade produzindo mais riqueza. (Esta função política já existia mas era antes
exercida pelo Estado. Já não cabe ao Estado definir as regras gerais das relações sociais da sociedade).

 Ambiguidade do Espaço Público Moderno


Habermas trata várias transformações das estruturas sociais ao longo do tempo, em especial das
transformações das estruturas sociais da contemporaneidade. A ambiguidade reside no facto de termos uma
afirmação do espaço público moderno com alguma pujança, uma consagração política do espaço público,
num processo de democratização das sociedades nos séculos XVII e XVIII. Dá-se uma separação entre o
Estado e a sociedade civil, reduzindo os poderes do Estado, colocando-o sob o escrutínio da sociedade civil.
O espaço público suplantou os seus objetivos, dada esta dinâmica. Começou mesmo a imiscuir-se na própria
governação. Torna-se assim difícil distinguir onde começa o Estado e onde começa o espaço público. Isto
corresponde ao pleno sucesso da afirmação da burguesia, que sustentou toda uma dinâmica de formação de
um Estado Burguês. A burguesia passa a ocupar o próprio Estado. O espaço público encontra-se fora e
dentro do Estado. As atuais sociedades ainda de debruçam sobre esta ambiguidade. Muitas vezes é também
o Estado que controla o espaço público.
Em suma, de um lado temos o espaço público como instância da sociedade civil, numa posição de
autonomia perante o poder; por outro lado temos o espaço público como uma espécie de órgão político mais
ou menos oficial.

 As questões do público no quadro da formação iluminista


Kant é fundamental num recorte ético-moral num espaço, opinião e comunicação públicos; uma vez que
se trata do primeiro filósofo a perceber a importância destas mudanças que estavam a ocorrer de forma subtil
e anónima em ternos sociais. Kant faz destas mudanças um motivo de reflexão filosófica. A sua corrente de
pensamento consiste numa filosofia moral, das normas e das questões politicas. O que define esta filosofia é
um pensamento estruturado sobre estas mudanças sociais que conduzirão a um novo modelo social- as
sociedades modernas. Se por um lado esta mudança anónima é a principal motivação de Kant, este devolve à
sociedade o primeiro pensamento sistemático e com ele vai influenciar algumas configurações das mudanças
sociais, nomeadamente na sua institucionalização.
O trabalho de Kant é uma referência na filosofia iluminista. De acordo com o mesmo, “no germe da
Iluminação, avivado por cada revolução, afirma-se um melhor Estado…”. O iluminismo é uma filosofia
muito dirigida para o futuro: oferece “uma espécie de fio condutor que serve para explicar o emaranhamento
das coisas humanas”. É uma metodologia intelectual que nos ajuda a compreender o mundo à nossa volta.
Há uma vertente epistemológica do Iluminismo que também passa por uma metodologia do conhecer. O
iluminismo ajuda a compreender a política e antecipa a possibilidade da realização humana. O Homem
detém um conjunto de capacidade que, fruto de determinadas situações, não as utiliza em pleno, ao serviço
da sua realização. É neste quadro que Kant se aproxima das questões do espaço público, tido como um
instrumento fundamental do Humanismo. O espaço público e a sua possibilidade de constituição de uma
opinião e comunicação públicas são um meio através do qual o Homem pode comprometer-se com um
projeto humanista. Na verdade, Kant ainda não dispunha destes conceitos de espaço, comunicação e opinião
públicos. Foi, porém, um pioneiro de um pensamento destas realidades.

 Uso púbico da Razão


Nunca antes a razão tinha sido pensada num uso público. A partir de agora considera-se que o poder
do uso da razão só é alcançado num uso público. Cada um por si não consegue tudo o que a razão humana
pode oferecer. O elemento fundamental de diferenciação do homem enquanto espécie é o uso público da
razão. Nessa medida é um atributo que pode oferecer ao Homem a possibilidade de emancipação. Kant
desloca a perspetiva tradicional da razão. “Todos nós nascemos racionais”, no entanto só seremos capazes
de potencializar essas capacidades natas através de um uso público da razão. O iluminismo alcança-se não
com o sujeito fechado em si mesmo, mas pelo uso coletivo da razão, numa abertura aos outros. Este atributo
da capacidade humana permite a emancipação do Homem e a valorização da razão humana. o ambiente
social que propicia um conjunto de indivíduos que se juntam para raciocinarem sobre um conjunto de
questões. Esta teoria do uso público da razão aplica-se às três esferas da filosofia do Humanismo.
Kant concebe o uso público da razão de forma aproximada à ideia de espaço público: espaço plural, de
diversidade onde racionalidade é um elemento axial, elemento central do espaço público para a constituição
e funcionamento e objectivos.
A função primordial do uso público: racionalização da política (da existência) cria condições para que
um domínio particular da experiência humana seja possível valer um certo ordenamento racional. A
expressão da racionalização da existência é a dimensão ético-moral (valores e normas sociais prioritárias
numa sociedade racionalmente melhor organizada).
Kant formula pela primeira vez esta equação através de 3 princípios:
1. Republicanismo: organização republicana;
2. Política anti-absolutista;
3. Pacifismo: paz perpétua, Estado Mundial, horizonte da emancipação humana;
A visão emancipatória de Kant do uso público da razão no campo político está na base do pacifismo e
do parlamentarismo. Tudo como resultado inevitável de uma mudança política.
 Sobre a vontade coletiva
A vontade coletiva é um outro conceito que proporciona a Kant uma aproximação muito incisiva às
questões do espaço, opinião e comunicação públicos. Define um pensamento sobre estas mudanças sociais.
Este conceito já foi pensado antes de Kant. Kant posiciona-se de uma forma singular. O que há de original
no pensamento iluminista quando pensa a vontade coletiva, tendo por base a conceção tradicional? A
conceção tradicional tem uma base teológica, inspirada numa entidade superior que define a vontade geral.
A filosofia iluminista vai deslocar esta perspetiva, retirando-lhe o carácter teológico; a vontade é geral
porque parte do conjunto das pessoas. Dá-se uma laicização do pensamento.
O que determina a singularidade de Kant, em grande oposição a Rousseau (que formulou a ideia de
contrato social da organização da vida coletiva)? Para Rousseau, a vontade é tão importante que a associa à
razão natural (subjetiva); é algo que se impõe ao Homem e que está para além do seu entendimento. Em
Rousseau está ausente qualquer esforço pessoal de construção de uma vontade coletiva. Para Rousseau a
vontade coletiva não necessita de comunicação. Pelo contrário, de acordo com Kant, a vontade coletiva é o
objetivo de uma construção. A definição de uma vontade coletiva não é dada espontaneamente; é o resultado
do uso público da razão, de uma relação comunicacional. Está ao alcance do Homem a construção da
vontade coletiva. Mas é necessário que demonstre disponibilidade para essa construção, envolvendo-se com
os outros homens nesta construção – perspetiva construtivista da razão. Esta ideia de vontade coletiva de
Kant está próxima do conceito de opinião pública. Na instância da expressão “opinião pública”, Kant
escreve a expressão “vontade coletiva”. Em Kant também temos uma perspetiva construtivista da ética e dos
valores. Exige um esforço do próprio Homem na sua construção para organizar a sua vontade coletiva.
Para Rousseau, quanto mais se aproxima da unanimidade, tanto mais a vontade geral é dominante.
Vontade geral e contrato social são a mesma coisa. Já os longos debates e o tumulto anunciam a supremacia
dos interesses particulares. Kant define uma alternativa numa perspetiva construtivista, que tem sob
condições os debates e dos dissensos. Não havendo em nenhum destes dois autores uma perspetiva
comunicacional, a perspetiva construtivista de Kant, oposta à perspetiva contratualista de Rousseau, abre
portas para o pensamento comunicacional, que ocorrerá no contexto do linguistic turn.
Rousseau: comunicação como obstáculo à vontade colectiva;
Kant: comunicação como condição ao uso público da razão;
Em conclusão, de acordo com a perspectiva kantiana esta dimensão ético-moral é um objecto de
construção e não um dado natural/adquirido do espaço público, exige sim um trabalho dos membros desse
espaço, envolvendo uma construção aberta para o maior número de pessoas para uma maior potencialidade
do uso da razão. É na base deste princípio, que todas as esferas da modernidade se organizaram: abertas à
participação de todos, “laicização da vida”, todas devem ter a possibilidade de dar o seu contributo
(liberdade de pensamento). As sociedades modernas acabam por se estruturar na base do uso público da
razão (qualquer um tem um lugar em nome da sua capacidade de pensar e se exprimir sobre uma
determinada matéria).

 Publicidade, Crítica e Debate


Como é que na prática se processa o uso público da razão? Através da publicidade, da crítica e do
debate; práticas que na altura não tinham uma perspetiva comunicacional. Kant tinha consciência da
comunicação, só não tinha ideia de que esta podia ser um objeto de estudo. Trata-se, no fundo, de práticas
regulares de comunicação pública; formas canónicas através das quais se apresenta a comunicação pública.
A publicidade tem um sentido primordial filosófico, que está distante da forma como usamos o termo.
Define “tornar público”. Kant olha para a publicidade com um cunho político. Em termos políticos é o termo
por excelência de mediação da moral política, porque é a publicidade que configura a política para a vontade
geral das pessoas, resistindo ao princípio autoritário. É através da capacidade que cada um tem de poder
publicitar as suas ideias, opiniões… que os valores se tornam operacionais. É o que permite a partilha de
valores (traduz-se numa questão de valores e não de força). O envolvimento político da publicidade é um
impulso ético, no sentido em que serve para proceder à veiculação dos valores individuais na vida política.
Publicitar ideias e opiniões de determinados assuntos é um exemplo. Neste sentido tem uma estrutura de
vinculação subjetiva- um ato de publicitar é um ato individual; uma exposição da interioridade de cada um.
A racionalidade inerente à publicidade, ao tornar público, pressupõe um esforço. Neste caso esse esforço
pode consistir em discursar. Nesta perspetiva, a publicidade apresenta-se-nos como um trabalho inacabado, e
pode ser motivo de aperfeiçoamento. A publicidade enquanto prática, a partir de determinado momento,
ganha uma maior projeção social. Torna-se um referencial para a organização política da vida das
sociedades, uma exigência para a governação. O princípio da publicidade também rege o princípio da
justiça. O princípio da publicidade transforma-se num principio fundamental para a organização politica das
sociedades modernas. A publicidade é uma certa forma de comunicação.
A crítica é outro instrumento do uso público da razão – instrumento axial. Sem um uso público da razão
numa dimensão crítica, a dimensão ético-moral não seria possível. Geralmente esta anda a par com a
publicidade. A crítica replica as características fundamentais da publicidade: a vinculação subjetiva (uma
tomada de posição individual, que é posteriormente partilhada), e uma vinculação racional. A crítica é uma
espécie de tribunal de ideias e está aberta a todos os sujeitos. Critica-se algo que já é do conhecimento
público. O que é que a crítica traz para o uso público da razão? A crítica confere um carácter fortemente
vinculativo aos resultados do uso público da razão. Além disso, contribui para a construção de uma vontade
coletiva; uma vontade coletiva que passa por um juízo crítico é mais consistente. Sendo processada por um
juízo racional, qualquer pode exercer o seu juízo crítico. Habermas fala de um controlo pragmático da
validade dos enunciados. As ideias sujeitas ao tribunal da razão permite distinguir entre as boas e as más
ideias. Nem tudo o que é objeto de publicitação é válido. Há um domínio da verdade onde a crítica tem o seu
lugar, que está muito para além das questões da verdade. Uma das funções da crítica, por exemplo, é
fornecer uma garantia moral, um consenso. A institucionalização da crítica é um processo de modernização
das sociedades modernas, nomeadamente uma institucionalização da crítica enquanto prática política, que
está associada a acontecimentos das sociedades modernas. São exemplos desses acontecimentos o fim da
censura, a limitação drástica das práticas de segredo de Estado e a organização da vida política em torno do
Parlamento. Tudo isto contribui para uma noção de cidadania. Só em nome da cidadania se acaba com a
censura, se reduz o segredo de Estado, e se pode pensar uma vida política centrada no Parlamento. Crítica
como garantia moral para que a vontade colectiva e opinião pública se possam afirmar como realidades
morais - passam por padrões da razão, revestidos de garantia moral.
O debate, enquanto prática social, é o que tem um carácter mais procedimental. É uma forma
operacional da publicidade e critica se ligarem. O debate garante a congregação da publicidade e da crítica.
O debate define a dinâmica da vida dos públicos/de um espaço público. O debate torna-se uma referência de
funcionamento das sociedades atuais, no seguimento da expansão do espaço público. O debate ganhou força
no espaço público e tornou-se uma referência de funcionamento do espaço público. Como é que o debate
cresce no espaço público? Isto acontece na rotinização dos debates no espaço público e no desenvolvimento
de vários espaços de discussão e sociedades literárias, científicas, salões, cafés, etc. O debate tornou-se
habitual – primeiro a partir de um contexto restrito (públicos mais elitistas) e depois foi-se alargando para
um maior número de públicos acabando por se estender a um espaço público global (espaço de debate) e
por fim à própria organização da sociedade (escala macro). A afirmação do debate também se deve à
imprensa, sobretudo aos jornais, que eram direcionados para a troca de ideias. A imprensa é um espaço
eminentemente simbólico e fundamental para o debate. A imprensa afirma-se como espaço de debate
(imprensa de opinião) e constrói-se à volta da ideia do debate – possibilidade de crítica.

4. Estrutura da Comunicação Pública


 A realidade comunicacional do Espaço Público (uma perspetiva transhistórica)
O elemento comunicação é um traço permanente do espaço público ao longo da História. Mas como é
que esta se apresenta na época moderna? A intensidade varia na medida da importância do espaço público
nas diferentes épocas.

 Comunicação e Espaço Público Moderno


Esta comunicação apresenta uma função cognitiva que se traduz pela ideia de contribuição para o
esclarecimento. O espaço público aparece como um espaço de construção para uma opinião pública
através de uma comunicação pública (sobre essas matérias poder produzir um conhecimento). A opinião
pública (do ponto de vista cognitivo) tem um estatuto superior em relação à opinião individual,
valorizando-se assim o que se faz dentro do espaço público.
Habermas descreve um espaço público como uma “rede para a comunicação de conteúdos e tomadas de
posição, isto é, de opiniões”, ao enfatizar esta “rede”, enfatiza também a dimensão cognitiva de todo o
processo de comunicação pública. Entende-se então que subjacente à dinâmica do espaço público encontra-
se um processo de esclarecimento em curso.
A Comunicação, ao partir do conhecimento, presta-nos uma visão mais esclarecida sobre as matérias
(iluminismo). A forma de desenvolvimento de comunicação pública superior é enquanto comunicação
pública política. As práticas comunicacionais (publicidade, critica e debate) ganham uma dimensão maior a
nível político que depois se generaliza a outras esferas da vida. Quer no domínio político como nos outros,
as práticas comunicacionais constituem a noção de cidadão.
Cidadão é um membro do espaço público , e consequentemente é interlocutor de comunicação
pública, tendo assim a possibilidade de se constituir como sujeito de comunicação, possibilidade de
publicitar, criticar e debater. Contudo, a comunicação pública moderna é mais que publicidade, crítica e
debate.

 Uma leitura comunicacional das ambivalências do Espaço Público Moderno (pensamento


cético de Hegel)
Construíam-se ambivalências comunicacionais em torno do espaço público, que rapidamente se situa
numa situação dentro e fora de Estado. É neste dualismo que vão manifestar-se os primeiros sinais de uma
complexidade comunicacional. Hegel revela um primeiro sinal de dobra do pensamento moderno: em vez de
pensar o futuro apenas com referência no passado, passa a pensar também no presente. Hegel é o primeiro
autor de uma tradição designada como auto-reflexão da modernidade – pensamento moderno que se coloca a
si mesmo como motivo de reflexão. Kant pensa de forma opositiva, contrapondo o passado com o futuro.
Hegel, tal como Kant, está antes do linguistic turn, mas revela uma certa insatisfação com as condições de
sucesso da comunicação pública do seu tempo. A publicidade, a crítica e o debate só por si não garantem a
eticidade da comunicação pública; daí afastar-se da comunicação pública.
Hegel apresenta um primeiro olhar para a contemporaneidade. Este olhar traduz algumas sombras nas
estruturas sociais. Hegel situa-se numa posição de pivô. Não tem um diagnóstico das mudanças sociais, mas
presente-as. As palavras de Hegel traduzem algum ceticismo em relação às três práticas referidas por Kant.
O que motivou a insatisfação de Hegel? Hegel e Kant apresentam visões diferentes sobre uma realidade
que entretanto mudou. Há diferenças nas sociedades de ambos que justificam as duas apreciações. Habermas
fala de um espaço público burguês, uma expressão que assume dois significados distintos: um significado
mais comum, em que designa algo constativo, traduz o papel que a burguesia teve na formação desta
estrutura no espaço, comunicação e opinião públicos.
A partir de determinado momento na sua investigação, Habermas, quando começa a olhar para a
contemporaneidade do espaço público, a expressão passa a designar um espaço de uma classe social (contra
outras classes sociais), numa noção um pouco mais exclusivista. Habermas até refere o conceito de espaço
público plebeu.
A insatisfação de Hegel é traduzida num espaço público que perdem a sua universidade. Vê o espaço
público como de uma classe social. É um espaço público que permite uma realização humana mas, uma vez
confiando a uma classe social, não consegue essa realização. Existe, portanto, uma interpretação negativa do
espaço público burguês.
Kant fala muito do espaço público no próprio sentido da palavra e para ele o espaço público burguês
constitui um exemplo, uma promessa que tem em vista a emancipação para a sociedade. Enquanto que
Hegel já fala de um espaço público subvertido aos interesses privados, pois começam-se a perceber os
primeiros sinais da afirmação da burguesia enquanto classe social. Apreende uma burguesia que já não é
essencialmente homogénea, em que os interesses de uma burguesia mais endinheirada em relação a uma
base mais comum já não está associada a uma economia de trocas mas que se constitui como base de uma
nova economia industrial (elite financeira industrial). A esperança de Kant quanto ao espaço público torna-
se instrumento daqueles que dominam esse espaço público. Hegel acaba por perceber que aquele espaço
público é dominador, foi apropriado por uma classe social, dominando as outras classes.
A comunicação pública (elaboração intelectual) é posterior a estes dois autores. Tanto Kant como Hegel
não têm uma abordagem comunicacional sobre estas matérias. A comunicação pública não é um tema de
reflexão mas uma realidade que pode aparecer subjacente nas suas ideias. Convocar estes dois autores para a
caracterização da estrutura comunicacional é um anacronismo (não faz sentido), anti linguistic-turm.
Kant - É a partir dele que traçamos caminho para a designação das práticas comunicacionais
(publicidade, critica e debate) – referências nos escritos. Não há elaboração sobre o seu significado
comunicacional.
Hegel - Ajuda a completar a estrutura da comunicação pública, juntando às práticas comunicacionais
aquilo a que se veio designar como os critérios formais da comunicação.

 Estrutura da Comunicação Pública: Práticas Comunicacionais e Critérios Formais


A estrutura da comunicação pública agora só é útil a nível instrumental/operacional. Existe vários
critérios que avaliam a ausência/presença e o equilíbrio/desequilíbrio das práticas comunicacionais.
O ceticismo de Hegel diz respeito à concatenação das três práticas comunicacionais. Essas práticas não
são por si suficientes para cumprir a promessa que a comunicação pública pretende construir – a
emancipação humana. É necessário pensar a comunicação de forma mais abrangente e complexa. Com esta
motivação de preencher esta lacuna, o linguistic turn transforma a comunicação num objeto de estudo.
Daqui resulta o elemento que falta para satisfazer a falta de Hegel.
A resposta do linguistic turn preenche a estrutura comunicacional com os princípios/critérios formais da
comunicação. Estes princípios funcionam como elementos incontornáveis da comunicação pública. Os
critérios formais são componentes da estrutura da comunicação pública que coexistem com as práticas
comunicacionais. Além das práticas, a comunicação pública deve ser ordenada por um conjunto de
princípios, fundados nos valores da Igualdade e da Liberdade.
1. Princípio da abertura da Comunicação Pública: A comunicação pública como potencialmente aberta
a todos, potencialmente universal. Trata-se de um princípio derivado do valor da liberdade. Apenas sendo
aberta é que a comunicação se torna verdadeiramente pública. (ceticismo de Hegel: o autor constata que na
sua época as práticas comunicacionais eram muito restritas)
2. Princípio da liberdade temática: A comunicação pública é uma forma de comunicação não restrita do
ponto de vista das matérias e assuntos em questão. Este traduz a soberania do público da definição dos
assuntos da sua própria comunicação. É um não fechamento temático, relativamente aos assuntos
assumidamente públicos. Dá-se um impacto na religião, política, ciência, etc. (cepticismo de Hegel: nota que
a comunicação pública afasta-se deste critério, observa condicionalismos sobre o que é discutido, os
resultados racionais e ético-morais revelam-se dececionantes).
3. Princípio da paridade argumentativa: comunicação pública como prática comunicacional de iguais
face a uma sociedade marcada pelas diferenças na dinâmica da vida social. Todos os sujeitos se apresentam
no espaço público como sujeitos de discurso. A comunicação pública é uma espécie de ficção, uma vez que
obriga a suspender as diferenças sociais. (cepticismo de Hegel: relação com os media é condicionada por
outros critérios que não somente a capacidade argumentativa).
Trata-se de princípios ideais, com dificuldade de operacionalização.
A definição da estrutura da Comunicação pública será uma resposta às perplexidades de Hegel. A partir
daqui poder-se-ia formar uma comunicação pública plenamente consistente.
A estrutura da comunicação pública é constituída pela relação conjunta entre práticas
comunicacionais e critérios formais da comunicação.

 Do ceticismo à crise do espaço público (e comunicação pública)


A afirmação do espaço público moderno pode ser visto como uma mudança estrutural face ao espaço
público tradicional (medieval). Na obra de Habermas há não uma, mas várias mudanças estruturais.
Habermas fala de uma mudança estrutural dentro do próprio espaço público moderno, que antevê a
contemporaneidade. Hegel foi o primeiro autor a perceber os sinais de mudança numa estrutura social.
Podemos percecionar duas dimensões que envolvem o espaço, a comunicação e a opinião públicos:
 O seu aspeto substancial, uma dimensão ideal;
 Os elementos constitutivos, a sua dimensão empírica (fática).
De acordo com as dinâmicas sociais, estas dimensões podem ficar mais próximas ou mais afastadas.
Esta é uma primeira forma de constatar a mudança estrutural. Hegel via um afastamento entre estas duas
dimensões, um afastamento do ideal do espaço público moderno. É desta constatação que nasce a deceção
de Hegel.
Quando deixamos de pensar o espaço público burguês e passamos a falar de uma classe social que usa
o espaço público como instrumento encontramos uma outra promoção de afastamento entre estas duas
dimensões. Habermas traduz esta ideia como uma mudança que se constrói na dissociação de dois projetos
(um ontológico – a humanidade enquanto tal; o espaço público assume o sentido universalista - e outro
ideológico – de classe, missão revolucionária da burguesia) que deixaram de coexistir pacificamente. Na
afirmação do espaço público burguês, estes dois projetos estiveram juntos. A partir de determinado
momento deixa de ser possível esta concatenação e o ideológico ganha supremacia. Com Hegel ainda temos
sinais muito imprecisos. Dos momentos mais “marcantes” para esta mudança está, a nível económico, a
passagem da economia mercantil (burguesa) à economia industrial (capitalista); a nível político, a
institucionalização da democracia representativa.
Isto avança para uma crise social, marcada por uma crispação dentro do espaço público. É um problema
que envolve conflitos entre grupos sociais. Vemos uma burguesia mais heterogénea, com a formação de
certas elites burguesas. Esta crise não é um mero problema da comunicação. A prometida legitimidade
emancipatória, em vez de dar liberdade, traz outra forma de coerção. A lei, como princípio da razão,
subverte numa lei cada vez mais utilizada como instrumento do poder. O consenso, a ideia que perpassa toda
esta mudança como ordenadora para fixar um entendimento coletivo, cada vez mais se impõe como uma
estimulação de interesses individuais que para mais facilmente se imporem, se apresentam como um
consenso do ponto de vista formal. Esta mudança estrutural do espaço público começa por ter a sua
definição no século XIX, no seguimento da industrialização; depois define linhas de força que se mantêm
ainda hoje.

 Aprofundamento das ambivalências comunicacionais do Espaço Público e Opinião Pública


(vs Espaço Público Plebeu) – os fatores estruturais de uma situação de crise endémica da
comunicação pública (no contexto da Mudança Estrutural)
Há uma crise do espaço público e da opinião pública - contestação de uma estrutura de classe. Há uma
apropriação da opinião pública: os seus interesses contra os interesses das outras classes.
O espaço público torna-se um palco destas mudanças de caracter mais global. O espaço público é
palco das conflitualidades sociais e deixa então de se assumir como um interlocutor do Estado – as
mudanças e diferenças dentro do espaço público originam conflitualidades de ideias, opiniões, interesses
dentro do próprio espaço (agonística no espaço público). Esta agonística tem várias dimensões: 1ª afirmação
do espaço público como voz contra o Estado (modernização política das sociedades modernas); 2ª o conflito
das opiniões no espaço público (meio para executar a 1ª, espaço público como uma voz perante o Estado).
Mudança - Agonística que tem conflitualidade no centro do espaço público inerente a uma sociedade
dividida e atravessada por conflitos sociais – dinâmica interna presa nessas conflitualidades.
Além de uma crise do espaço público dá-se igualmente uma crise da comunicação pública em virtude da
crescente incapacidade do espaço público em por qualquer coisa em comum. A crise da comunicação
pública tem como ponto fulcral o facto de o espaço público não conseguir organizar as práticas
comunicacionais de acordo com os critérios formais da comunicação pública.

Consequências da Crise da Comunicação Pública


 1ª Consequência: Comunicação pública cada vez mais confrontada com problemas de acessibilidade
de participação no debate público – quando mais pessoas têm expectativa de participação este sofre
mais restrições. Habermas dá o exemplo do espaço público plebeu. que nunca chegou a constituir-se
enquanto tal, mas revela o sintoma de uma crise profunda em que o espaço público burguês se
encontra envolvido. A abertura do espaço público é posta em causa: grupos sociais veem o seu
acesso à participação limitado, em virtude da gestão nos espaços públicos (salões burgueses,
sociedades literárias, imprensa burguesa…) espaços que não se abrem facilmente ao povo.
 2ª Consequência: Matérias do espaço público sofrem do mesmo tipo de condicionamento de caracter
ideológico na seleção de matérias que são objeto de comunicação pública – objeto de interesses
particulares.
 3ª Consequência: Não há paridade argumentativa. Torna-se evidente um espaço público
hierarquizado entre quem controla e quem é controlado.
As diferenças sociais refletem-se imediatamente no espaço público. O espaço público deixa de ser o
espaço de alienação das diferenças de estatuto.
Nota: As sociedades atuais apresentam uma estabilidade tensional, um equilíbrio atingindo em
condições instáveis, resultado do ordenamento político de caracter democrático, mas ao mesmo tempo de
uma organização económica capitalista. Esta tensão política/economia (democracia/capitalismo) assume um
sentido estrutural para a modernidade enquanto seu processo social global, definindo deste modo limites
muito precisos quanto a uma capacidade de resposta às situações de crise que se colocam no tempo presente.
5. Mass Media e Refuncionalização do Espaço Público
 A “mudança estrutural” uma perspetiva mais abrangente
Hegel levantou elementos importantes para a definição de uma estrutura da comunicação pública. Estes
elementos facilitaram uma viragem comunicacional nas ciências sociais, que simultaneamente possibilitam
uma certa leitura da comunicação dentro do espaço público. Por outro lado, esses elementos permitem
pensar numa alteração das condições de funcionamento do espaço público. Perante a evidência que ao nível
das práticas comuns de comunicação não há grandes mudanças. Há portanto um problema ao nível da
comunicação, nos critérios através dos quais as práticas podem tomar um sentido ou outro – numa estrutura
da comunicação pública. Hegel levanta problemas ao nível dos critérios. As práticas podem ser as mesmas
mas consoante a circunstância em que estes critérios são ou não vigiados, os resultados são diferentes. Estes
critérios têm tanta importância, na medida em que são capazes de condicionar o resultado. Pode levar a uma
deformação sistemática da comunicação.
Traça-se um quadro de mudança estrutural do espaço público. Trata-se de uma deformação sistemática
da comunicação na medida em que temos um conjunto de práticas comunicacionais que se continuam a
processar, mas em condições de acesso condicionado socialmente, ou na medida em que se regista uma
censura a nível temático. Essas práticas não produzem os resultados desejados. Esta mudança estrutural
envolve aspetos regressivos. Ainda assim, o vínculo à Modernidade mantém-se, isto é, permanecem
elementos de continuidade. Dá-se uma complexificação: de um espaço público que conserva a sua matriz de
modernidade, e que lhe junta aspetos de reversão dessa mesma matriz. A situação do espaço público hoje é a
de um espaço público que se define como sendo complexo e ambivalente, que contém elementos
contraditórios no seu interior. Estas mudanças estruturais encontram-se num quadro de mudanças que
surgem nas sociedades ocidentais em meados do século XIX/inícios do século XX. Estas alterações surgem
nos campos político, económico e comunicacional. É uma configuração específica de um feixe de mudanças
estruturais que envolvem as sociedades daquela época.
 Aspetos económicos. Vigora uma economia capitalista plenamente desenvolvida e um
desenvolvimento industrial que tem sido acompanhado por lutas sociais. Relação com o espaço
público: projeção das contradições que estão na génese deste sistema económico – a maior parte
das tensões e conflitos sociais tem como origem mais remota este sistema económico.
 Aspetos políticos. Desenvolvimento de uma democracia de massas, numa base muito abrangente
de cidadania. A partir de meados do século XIX desenvolve-se este modelo político que se
estabiliza num certo modelo democrático que ainda hoje é referência às nossas sociedades. Há
uma elevação extraordinária de expectativas a nível da participação a nível político: exprimir as
suas opiniões, reconhecimento de direitos políticos sem restringimentos, sufrágio universal…
 Aspetos comunicacionais. Crescente reticulação das sociedades. Desenvolvimento de estruturas
em rede. O próprio capitalismo é uma rede de produção, distribuição e consumo de bens.
Criam-se redes capazes de operar na representatividade da democracia. Estabelecem-se redes de
comunicação e há um entretecimento das relações sociais, dependentes destas redes; redes de comunicação
essas que se tornaram indispensáveis para todos os níveis da vida social. O suporte destas redes são os mass
media; nomeadamente a imprensa, uma imprensa verdadeiramente de massas (em termos de dimensão das
publicações e tiragem).
A mudança estrutural do espaço público vai desenvolver-se então nestes três aspetos, numa dinâmica
desigual, com desfasamentos temporais, no entanto com diferenças menores quando comparadas com as que
existiam no contexto de aparecimento do espaço público. Esta mudança do espaço público ocorre numa
maior homogeneização do mundo ocidental. O próprio mundo ocidental expandiu-se: o capitalismo, a
democracia de massas e o derrube de barreiras à cidadania (nomeadamente com o sufragismo) surgiram nos
EUA, no novo mundo, e só depois surgem na Europa.
Como é que este feixe de mudanças se vai repercutir no espaço público? Em meados do século XIX no
ocidente há vários conflitos sociais. A agudização destes conflitos é indissociável da mudança estrutural do
espaço público. Esta conduz à pulverização da ideia de espaço público como um espaço público unitário, um
espaço público plebeu, que já não é compatível com um espaço público burguês. De um lado encontravam-
se os interesses de uma grande burguesia industrial, que pouco tem a ver, por outro lado, com uma pequena
burguesia do pequeno comércio. Tudo isto se reflete no espaço público, com uma perda de homogeneidade
na sociedade civil. Deixa de haver burguesia enquanto tal pois esta também se fragmenta. O espaço público
é então apropriado por elites endinheiradas, elites burguesas ligadas à economia industrial.

O que acontece ao espaço público?


Num plano político, o espaço público, ao internacionalizar os conflitos sociais, torna-se por um espaço
público alargado – expansão do espaço público. A expansão do espaço público revela mais dificuldade em
se afirmar como uma força política autónoma, isto é, com dificuldade em garantir uma autonomia; essa força
passa a ser cada vez mais operacionalizada pelo Estado; é cada vez mais improvável que a opinião pública
se assuma como voz da vontade colectiva e da sociedade civil.
Observa-se uma refuncionalização: mantem-se uma função política mas já não é a mesma.
Refuncionalização em termos políticos do espaço público.
 Espaço público já não opera em nome de sociedade civil
 Perda da autonomia do espaço público resultado de uma internalização de mecanismos de
poder
 Estado recorre ao espaço público e ganha uma certa forma de controlo sobre ele.
 Espaço público deixa de estar foram do Estado para estar dentro dele

 Massa, uma nova forma de sociabilidade


Estas alterações que envolvem uma mudança no espaço público só foram possíveis na medida em que
as sociedades criaram condições para essas mudanças, nomeadamente com a alteração das formas de
sociabilidade. Se os públicos foram importantes para a formação de um espaço público moderno, continuam
a ser eles esta base da mudança? Não. É neste contexto que surge o conceito de massa como nova forma de
sociabilidade, que funciona como base das novas alterações.
O surgimento da massa corresponde à substituição dos públicos, no entanto, estes não desaparecem,
apenas perdem a relevância que tinham. Atualmente temos um espaço público onde a forma de sociabilidade
das massas coexiste com a forma de sociabilidade dos públicos. De onde vêm as massas? Nascem de
dinâmicas sociais; da grande concentração humana à volta das grandes cidades, das metrópoles. Associa-se à
grande concentração humana e ao desenraizamento físico e cultural dos indivíduos. De acordo com Mills, a
estrutura da comunicação pública é uma estrutura ideal, com uma realização empírica variável. Já a
comunicação de massas distingue-se nas formas de funcionamento, nos padrões, nos padrões de inter-
relações sociais, na forma de direção, na determinação dos centros onde se tomam decisões, no estatuto do
membro do público relativamente ao da massa, os processos de discussão, o tipo de discussão, e os critérios
de sucesso. Compreendemos a partir daqui como a massa esteve na base desta mudança estrutural do espaço
público. Tanto o público como a massa são formas de sociabilidade que se destacam das tradicionais, uma
vez que não precisam da presença física dos seus membros, operacionalizam-se na distância.
Uma diferença nuclear no espaço público é a questão da individualidade. Mills afirma que os públicos
alargam-se, recebem mais indivíduos, e a individualidade perde poder. Quer isto dizer que na massa
encontramos um apagamento da individualidade. O poder de captação da massa também é relevante, uma
vez que uma grande massa tem mais peso que uma massa mais pequena. O indivíduo na massa conta
estritamente enquanto um número, é utilizado para operações quantitativas. Impera na massa um espírito de
indiferença e amorfismo. Há um certo alheamento do homem aos problemas. O sujeito da massa é aquele
que não tem grande envolvimento nos processos políticos. Ninguém precisa de formar uma opinião. Aliás, é
inconveniente formar uma opinião. Dar o nome de “cidadão” a um membro de um espaço público é
aceitável. O mesmo acontece na massa, no entanto já não é a mesma cidadania participativa; rege-se por
padrões passivos, o que se traduz no padrão de consumo e de participação política.

 Massa e público: exemplo comparativo e diferenças mais relevantes


A Massa enquanto forma de sociabilidade associa-se a este espaço público estruturalmente
modificado. Ao nível das formas de sociabilidade o lugar a que pertencia o público foi sucessivamente
ocupado pela massa. Podemos falar numa massificação das sociedades ao nível da sua forma de
sociabilidade.
Aspectos sociais que distinguem a massa de um público enquanto forma de sociabilidade e como estes
contribuem para a mudança estrutural:
 1º Aspecto: a lógica da elitização associada ao fenómeno da massa (Mills) – sociedade
constituída na base de uma elite de poder.
Públicos: sociedade igualitária, relações de base essencialmente igualitárias, faz uma espécie de
suspensão das diferenças.
 2º Aspecto: Público – base de funcionamento descentralizada, não depende de um líder.
Massa: base de funcionamento que reclama por uma direcção, há centros de decisão,
pilotagem do comportamento de massa.
 3º Aspecto: grau de consciência interna.
Públicos: grau de consciência mais ou menos elevado sobre determinadas matérias/problemas.
Grau de consciência mais ou menos homogéneo.
Massa: o grau de consciência é baixo, comportamento de massa, arrastamento para um
determinado comportamento de forma inconsciente. Disparidades em relação à consciência dos
problemas.
 4º Aspecto: processos de discussão e comunicação pública.
Públicos: comunicação como elemento axial para os públicos, para a sua construção,
funcionamento e envolve a generalidade dos membros do público.
Massa: geradora de dinâmicas comunicacionais próprias – comunicação de massa,
comunicação extremamente verticularizada, o princípio não é a igualdade de estatutos mas a
especialização, elite que controla o processo e uma massa direccionada. Tende a separar
emissores e receptores, conferindo um lugar de poder aos emissores.
 5º Aspecto: o critério de sucesso.
Público: o sucesso de um público está estritamente dependente de uma força intrínseca, isto é,
as suas próprias capacidades (agregação, mobilização, opinião racionalmente formulada).
Massa: uma grande massa é socialmente mais relevante. Quem é capaz de mobilizar uma massa
maior é quem tem mais sucesso. O sucesso porém não se restringe a este aspecto, existem ainda
outros factores determinantes para o sucesso de uma massa: modo como se constroem as
ligações da massa com outras entidades (injunção de poder, relações externas de poder). Uma
grande massa que não tenha capacidade de estabelecer essas relações de poder é socialmente
insignificante.

Mudança estrutural que ocorre a nível básico da vida social


 A questão crítica da individualidade
Principal consequência do surgimento das massas: questão crítica da individualidade. O grande
problema é que a massa apaga a individualidade. Toda a mudança estrutural só é possível quando o sujeito é
neutralizado das suas capacidades subjetivas.
Público: forma de originalidade assente na valorização da individualidade. Depende e estimula essa
individualidade.
Massa: forma de sociabilidade assente em relações sociais distantes, superficiais e burocratizadas.
Indivíduos pouco relevantes enquanto seres singulares.
Observamos portanto um paradigma da acomodação do individuo em relação à massa, enquanto sujeito
social não tem lugar na massa – obliteração.
Exemplo: Nas sondagens os indivíduos são importantes enquanto número. Dispositivo da opinião
pública constituído na base do número.

 Instrumentalização da Opinião Pública


Em função das diferenças entre os públicos e as massas compreende-se a importância da
instrumentalização da opinião pública nesta mudança estrutural. A opinião pública, que resulta deste espaço
público que se formou nesta mudança é diferente da anterior, nomeadamente na sua instrumentalização (isto
porque, originalmente o espaço público foi construído com o objectivo de criar uma opinião pública).
O contexto social de uma intensificação de conflitos, em função de um modelo económico de
desenvolvimento, e a par com um alargamento do espaço público, dá-se uma usurpação dos públicos pela
massa. A própria mudança na dinâmica da sociedade civil faz com que haja esta instrumentalização. À
medida que o público se alarga e se torna num palco de conflitos sociais, a sua base de sustentação passa dos
públicos para uma massa de emergência. A opinião pública perde a sua anterior representatividade, da voz
de uma sociedade civil. Dá-se lugar a uma instrumentalização da opinião pública, em que qualquer um pode
fazer valer à luz dos seus interesses a utilização da opinião pública para fins particulares; nomeadamente
interesses particulares, como estratégia de resposta a um clima de maior conflitualidade social. 1A opinião
pública torna-se refém deste ambiente (possibilidade de ser apropriada pelos mais poderosos, todos
procuram chamá-la para os seus próprios interesses, todos olham-na de forma estratégica, todos procuram
instrumentalizá-la).
Há toda uma indústria associada à opinião pública. A opinião pública não impõe uma vontade, mas
pode contribuir para isso. A construção da opinião pública deixa de ser um trabalho coletivo e passa a ser
fabricada. Existe assim um novo plano de conflito social, uma luta simbólica pela legitimidade, usando a
opinião pública. O que importa é a eficácia, o convencimento que cada um consegue perante a sociedade.
Tal é conseguido através de processos manipulativos e dos mass media (instrumento por excelência).
Esta ilusão não seria tão facilmente criada se estivéssemos numa comunidade de públicos. Muitas vezes
não temos noção que participamos num espaço público. Os públicos subsistem, mas já não com a mesma
importância de outrora. Neste contexto do processo de massificação estes retraíram-se enquanto resistência
das dinâmicas de massificação. A mudança estrutural produz uma mistura complexa entre o que existia e o
que foi criado. Mills aponta para os aspetos comunicacionais.

 Comunicação de Massa: Refeudalização do Espaço Público e Publicidade Demonstrativa


Uma forma de distinguir os públicos das massas é falar de uma comunicação de públicos e uma
comunicação pública de massas. Mills convoca os mass media como peça fundamental nesta comunicação
pública de massas e na mudança estrutural do espaço público. Destacam a importância destes dispositivos e
a sua centralidade. Tudo se organiza em torno dos interesses dos media. Jornais e rádios privados surgem
para servir interesses próprios privados. As dinâmicas comunicacionais subordinam-se aos media. A partir
daqui identificamos um conjunto de outras diferenças no que diz respeito ao número de indivíduos que se
apresentam como transmissores e recetores das mensagens; enquanto que nos públicos temos um equilíbrio
entre aqueles que podem enviar e receber opiniões, nas massas temos uma elite que domina o processo de
formação de opinião e a grande massa apenas na qualidade de recetor. Outro aspeto tem a ver com a
facilidade de reação. Enquanto nos públicos a reação é imediata, nas massas é extremamente difícil essa
reação. A força performativa a estas formas de comunicação também é diferente: nos públicos é pragmática,
nas massas há uma performatividade de carácter estratégico. O efeito psicológico é mais eficaz nas massas.
O grau de penetração da autoridade é outro aspeto a considerar. A facilidade com que as autoridades
penetram na opinião pública de massas, que operacionalizam a opinião pública em primeiro lugar.
Surge neste contexto uma publicidade demonstrativa, que traz em si mesma uma verdade. Portanto o
seu exercício é o da inculcação de uma verdade ao maior número de sujeitos. A forma paradigmática desta
publicidade é um anúncio comercial. O desafio do discurso aqui não envolve uma construção de uma
verdade mas a inculcação de uma verdade. Publicidade de representação é a que está ligada às formas de
sociabilidade tradicionais, com a encenação de uma verdade, a criação de um aparato. A publicidade crítica
moderna estava ao serviço do conhecimento. E eis que surge esta publicidade demonstrativa, em que o valor
cognitivo é diminuído; opera à volta de uma ideia de verdade que lhe é exterior, inerente aos interesses dos
sujeitos que instrumentalizam a opinião pública.
Habermas refere uma refeudalização do espaço público. Esta metáfora traduz uma certa tendência de
desenvolvimento nas sociedades modernas, uma tendência um tanto regressiva, em que o espaço público
volta a ser um espaço de poder. O espaço público passa a ser permeável à ação do Estado. Volta a ter uma
grande semelhança com o espaço público de encenação das sociedades tradicionais; volta a ter inscrito no
seu programa o estar ao serviço do poder. Esta refeudalização aplica-se não só ao novo papel do Estado mas
também ao poder que determinados grupos da sociedade adquirem no espaço público, numa prevalência da
pluralização dos poderes. Isto está patente em vários campos. Por exemplo: grandes partidos têm mais peso
que os partidos mais pequenos. Cada um tende a assumir uma atitude senhorial perante o espaço público,
onde ostenta o seu poder. Há interesses particulares que pretendem captar o espaço público em seu
benefício. Nota-se uma menorização dos cidadãos em geral; usurpa-se a participação cívica do cidadão, que
passa a ser um mero destinatário de determinadas mensagens e que não têm capacidade de expressar uma
opinião, numa lógica de vassalagem. Não negando uma manipulação ideológica, essa não é a forma
prioritária desta refeudalização. A forma prioritária é a de uma despolitização da opinião pública.

Comunicação Pública de Públicos vs. Comunicação Pública de Massas (simplificado)


- Quais são os aspetos que afastam uma comunicação da outra?
1) O número daqueles que exprimem opiniões e daqueles que recebem opiniões: na Comunicação
de Massa há um número maior de pessoas que recebem opiniões, é uma comunicação de poucos
para muitos onde o envolvimento do maior número de pessoas fica condicionado a destinatários
2) Capacidade de Reação às opiniões emitidas: na Comunicação Pública de Públicos não havia
obstáculos às reações; a Massa cria barreiras à discussão das opiniões (por exemplo o dispositivo
televisivo), quer sejam barreiras técnicas ou burocráticas, isto protege a unidirecionalidade desta
comunicação
3) Dimensão performativa inerente a cada uma destas formas de comunicação: ambas têm em vista
intervir na realidade, só que a forma de realizar esta performatividade é diferente; nos públicos
resulta da força pragmática da linguagem (força do entendimento); na massa a estratégia é do
convencimento, o que está em causa não é a própria linguagem, mas a sua eficácia – persuasão.
4) A Comunicação Pública dos Públicos está muito ligada à força ilocutória da linguagem,
enquanto que a Comunicação Pública de Massas está muito ligada à força perlocutória da
linguagem (deriva das circunstâncias).
A Comunicação Pública de Massas é sempre comandada a partir do exterior, há sempre uma entidade
que a controla com o objetivo de se favorecer. Este tipo de comunicação dá a ilusão de que é de todos, mas
não o é. A comunicação deixa de ser um fim em si, mas passa a ser um meio para atingir os fins.

 O papel do Walfare State


O espaço público moderno começou por se autonomizar do Estado. A dado momento, o Estado perdeu
a exterioridade que tinha do espaço público. Daí surgem novos conceitos de Estado, nomeadamente o
Welfare State.
O Estado Liberal não consegue responder às exigências das dinâmicas sociais modernas: o colapso da
economia concorrencial e a afirmação do capitalismo, o que gerou uma sociedade desigual, para o qual já
não tem resposta. Outro problema são as crises cíclicas; a conflitualidade social traz a agudização das
desigualdades. Nesta situação, as sociedades quase que entram em colapso., em grande medida por estes
problemas e pela ausência de instrumentos políticos que respondam a esta situação. O Estado adquire novas
funções sociais: passa a intervir na sociedade. Quais as suas funções? A proteção dos cidadãos, a prestação
de serviços, a regulação e controlo económicos, um certo planeamento das mudanças sociais (Estado como
macro organismo que regula as expectativas sociais). Por causa destas funções, o Estado passa a ter
participação no espaço público. A condição de falência do Estado Liberal e a definição do perfil
intervencionista deste novo modelo de Estado foram duas condições necessárias à formação do Welfare
State. Deixamos de ter um Estado tímido no que toca à intervenção social. O Estado Social afirma-se como
um Estado Intervencionista, com participação regular e rigorosa na sociedade.
É em resultado destas condições que a relação do Estado com o espaço público vai mudar. A imagem
construída pelo Espaço público moderno de uma separação entre o Estado e a sociedade civil altera-se.
Passamos a ter a partir de agora um Estado que também joga na dinâmica do espaço público e na construção
da opinião pública. Tudo isto acontece na sequência da aquisição de novas funções por parte do Estado.
Trata-se de funções ao nível da proteção social, da prestação de serviços fundamentais, da intervenção
económica (quer como agente económico quer enquanto entidade regulamentadora), e de uma certa
monitorização das mudanças sociais. O conjunto destas novas funções traduz-se na prática em necessidades
acrescidas de legitimação por parte do Estado. Este só pode responder a estas necessidades se contar com
uma legitimidade acrescida. Tem de haver um contrato com a sociedade. O Estado como que “usurpa”
funções que lhe eram anteriormente vedadas.
O Estado Social é portanto um Estado de negociação; num contexto de eminência de rutura social.
Neste conjunto de novas funções do Estado, há uma que coloca necessidades especiais de intervenção no
espaço público – a de monitorizar as expetativas sociais, isto é, a manutenção de uma certa pacificação
social. Isto pressupõe um trabalho de ordem cultural. De que forma é que esta nova forma de Estado
repercute na transformação estrutural do espaço público? De um momento para o outro, o Estado passa para
dentro do espaço público. Em função das necessidades acrescidas de legitimidade, a proteção dos cidadãos é
tida através do pagamento de subsídios e da recolha de fundos dos impostos – é uma política de resolução do
Estado Social. Onde é que o Estado vai buscar esta legitimidade? No quadro das sociedades modernas, a
questão de legitimidade teria ficado facilmente resolvida. A legitimidade do Estado é uma competência do
espaço público e da opinião pública, que não governam mas emitem juízos acerca da governação do espaço
público. O Estado torna-se um interveniente regular do espaço público. Em termos globais, espaço, opinião
e comunicação públicos perdem a sua anterior base de sustentação, na dicotomia privado-público, O Estado
social, de acordo com Habermas, acolhe funções que pertenciam ao domínio privado. Por outro lado, temos
empresas que acumulam funções públicas. Habermas admite que deixa de haver a linha separadora entre
público e privado. O Estado tem de pactuar as suas atividades com certos grupos sociais.
 Hibridação da Opinião Pública – a ambivalência da sua forma contemporânea (entre
normatividade e facticidade)
Ideia de complexidade – Além da componente da inversão existem outras componentes que constituem
a mudança estrutural como por exemplo, a ambivalência.
Estrutura onde ocorrem mudanças de caracter regressivo mas onde tudo isso coexiste com a ideia
moderna de espaço público (esta não desaparece) – realidade complexa em virtude das mudanças
contraditórias entre si.
6. Estrutura da Comunicação de Massa: Tecnologia, Propriedade, Receção
 A intervenção do Estado a nível da opinião pública
A opinião pública não se faz numa base ideológica específica, em torno de um projeto político, mas
numa legitimidade que se operacionaliza na ausência dos cidadãos.
Em que medida estas alterações exigem da parte do Estado uma intervenção relativamente à
opinião pública? As exigências de legitimação do próprio Estado para as novas funções não são
compatíveis com a opinião pública exterior. O Estado passa a intervir com os interesses do espaço
público. A força de legitimidade tem que crescer à medida das novas funções que o Estado passa a exercer.
O Estado precisa de uma intervenção muito mais directa e activa na opinião pública de modo a
ganhar controlo e influência genérica como forma de legitimidade do intervencionismo estatal. Tem que
haver um controlo social que autorize este autoritarismo (exemplo: políticas fiscais). Todas estas medidas
exigem um reforço de legitimidade à qual a opinião pública seja favorável. O Estado não pode ser um mero
destinatário da opinião pública mas deve influenciá-la em função dos seus interesses.
As sociedades são marcadas por tensões sobre as quais o Estado exerce o seu controlo social:
pacificação através de um certo controlo cultural, das expectativas. Só se pode fazer através de um certo
controlo da opinião pública de forma a torna-la favorável a este controlo de expectativas. A necessidade
de uma intervenção directa do Estado sobre a opinião pública impõem-se.
Estas alterações levam a um Estado que se afirma estruturalmente como actor principal da opinião
pública – Mudança estrutural da opinião pública.
Antes a opinião pública servia os interesses dos poderosos de uma sociedade civil não homogénea.
Agora o Estado passa a intervir direta e indiretamente na opinião pública, em seu benefício. O Estado
condiciona politicamente a forma de pensar dos cidadãos. A intervenção que o Estado exerce promove uma
ideologia da social-democracia e não uma ideologia marxista mais ortodoxa.
A melhor forma de intervenção é a neutralização da sociedade civil – alienação da opinião pública
invés à mobilização da opinião pública em torno de uma ideia política. Esta alienação é orientada por uma
lógica comercial.
O espaço dos media esvaziou-se de política e encheu-se de diversão e entretenimento; que entra na
lógica de despolitização da opinião pública. O formato consumista da vida pública corresponde à
reformatação da opinião pública na lógica de uma refeudalização das instituições.

 Democracias de baixo perfil cívico


Democracia de baixo perfil cívico - o perfil que corresponde a uma sociedade algo alheada das questões
políticas; há eleições, pluralismo partidário, em suma os registos fundamentais da democracia são cumpridos
mas a participação do cidadão é reduzida ao voto. Tudo o que o espaço público significa enquanto espaço de
valorização do individuo enquanto cidadão que pensa politicamente tende a desvanecer-se. O espaço público
que prossupõe um comportamento activo dos cidadãos na vida política é substituído por um espaço público
em que o individuo se restringe aos mecanismos formais.
Habermas chama atenção para dois aspetos: as eleições tal como se estabilizaram (o que valem? Para
que servem?), e os partidos políticos enquanto agentes das sociedades democratas. No que diz respeito às
eleições e aos partidos políticos há também uma evolução no sentido de dar força ao baixo perfil das
democracias, nomeadamente ao reduzir ao voto a participação política; como se a democracia ficasse
suspensa entre os atos eleitorais. Nas eleições já não se jogam em ideias, mas em jogos de poder. Os partidos
políticos nascem como organizações ideológicas expressando tendências de pensamento de uma sociedade.
Os partidos políticos vivem atualmente numa lógica organizacional, indiferenciados do ponto de vista
ideológico. O que os diferencia é a luta tremenda pelo poder. Por outro lado, os partidos políticos, que
tinham na sua génese a ligação fundamental dos cidadãos à vida política, criam agora um afastamento dos
cidadãos às elites políticas, tornando-se em organizações fechadas aos cidadãos.
A década de 60 foi uma década em que a mudança estrutural do espaço público foi contestada,
nomeadamente com revoltas estudantis, as lutas pelos direitos cívicos e as contraculturas. Houve todo um
feixe de fenómenos que comungam de um espírito de contestação da instrumentalização da sociedade.
Desde então que as nossas sociedades vivem um certo refluxo destas tendências que, no entanto, ainda não
conseguiram ser revertidas.

 Tecnicização da opinião pública


A tecnicização da opinião pública é a forma prática que consubstancia a instrumentalização da opinião
pública, enquanto traço marcante da mudança estrutural do espaço público. Esta tecnicização da opinião
pública só é possível devido ao esvaziamento da opinião pública. Esta instrumentalização permite-nos
chegar à publicidade demonstrativa, à refeudalização do espaço público e ao novo modelo prático. A opinião
pública toma uma forma tecnicizada.
Como era antes? Uma opinião pública ético-moral, correspondente ao espaço público moderno. Era
uma opinião pública construída na base de valores e regras socialmente reconhecidas, uma opinião pública
critica que conjugava a opinião e a crítica no sentido em que ela era trabalho de diversidade das opiniões
individuais através do juízo da crítica. É isto que muda: a opinião pública já não é construída assim, há um
divórcio entre a opinião e a crítica. O que define a validade da opinião agora é o peso da maioria e não a
razão. Atualmente é muito mais normal que a opinião pública nos surja associada ao dispositivo das
sondagens; uma opinião pública do domínio da fabricação. Há uma tecnicidade própria às sondagens e uma
tecnicização na forma de usar as informações das sondagens. Apenas sabemos aquilo em que há interesse de
ser divulgado.
A ideia de opinião pública resultante da comunicação pública é mudada. O que agora está em causa é
todo um aparato técnico que nem sequer tem a comunicação como referência. Nas sondagens aferem-se
reações, mais ou menos informadas, que dependem de cada um. Isto é consistente com uma ideia de
comunicação pública com comunicação de massa, muito elitista (de poucos para muitos), em que as técnicas
de propaganda e manipulação têm uma presença forte; que não procura uma verdade, mas sim veicular uma
verdade previamente instituída.
Do ponto de vista do cidadão observa-se uma transformação do cidadão produtor da opinião pública
ético moral para um consumidor da opinião pública (em virtude da tecnicização da opinião pública,
consumidor de mensagens que se apresentam como reflexo dessa opinião). Há uma mudança fundamental
do estatuto do sujeito, aquele a que a opinião pública se dirige – tecniciza-se para poder ser dirigida aos
cidadãos enquanto produto para ser consumido.
A tecnicização da opinião pública faz-se com o recurso a uma publicidade demonstrativa – quando a
publicidade é eficaz é possível a tecnicização. A comunicação passa a ser essencialmente mediática.
 Um paradoxo e a ambivalência da comunicação de massa
A comunicação de massa é um elemento nuclear neste processo de mudança estrutural do espaço
público. Esta mudança estrutural não consiste apenas numa inversão do espaço público. O que há de
relevante é a ideia de criação de um espaço público ambíguo, onde se encontram novas tendências, muitas
delas que assumem um carácter regressivo; mas isso não deixa de coexistir com aspetos que perduram. É
certo que a comunicação de massa depende de outros fatores que não os dispositivos dos media e dos mass
media, mas é verdade que lhes está intimamente associado. Seria impensável uma comunicação de massa de
uma forma não mediática.

O paradoxo na comunicação de massa tem a ver com os mass media. Há um desenvolvimento efusivo
da comunicação (meados dos séculos XIX e XX), uma extensão das redes comunicacionais,
desenvolvimento dos media no geral, algo que seria potencialmente positivo para o espaço público. Esta
comunicação é a forma que a comunicação pública assume num contexto de mudança estrutural do espaço
público. Nessa perspetiva, enquanto comunicação pública, é inevitável associar-lhe os tais traços
regressivos. A comunicação devia abrir-se aos critérios de abertura e participação, mas tal não se regista na
comunicação de massa, que na verdade inverte estes critérios. O que a comunicação de massa garante é uma
participação reduzida; ao acolher mais indivíduos, há cada vez mais restrições à participação. A
comunicação de massa tende a polarizar-se num determinado número de assuntos que servem determinados
interesses. O mesmo se pode dizer da igualdade; a comunicação de massa é altamente elitista, de poucos
para muitos. Há uma certa erosão da estrutura da comunicação pública, associada à comunicação de massa.
A comunicação de massa é também responsável pela expansão do espaço público. Há uma estrutura
meramente formal no que diz respeito aos fluxos de informação. É aqui que reside o paradoxo: enquanto
existe uma série de elementos que permitem uma intensificação da comunicação pública, é a
performatividade dos mass media que permite ao mesmo tempo uma erosão comunicacional. Uma
comunicação mais intensa e ao mesmo tempo e ao mesmo tempo mais fraca.

 A “Mudança Estrutural dos Media” – o caso exemplar da imprensa


Como chegamos até aqui? Através de uma mudança estrutural dentro da própria comunicação
pública, a par com a mudança estrutural do espaço público. Há uma componente desta mudança que diz
respeito à comunicação pública, mais especificamente à estrutura dos mass media. Entre o aparecimento dos
jornais e o aparecimento dos mass media, há todo um percurso. A grande mudança ocorreu na imprensa, que
posteriormente serviu de paradigma para os restantes media. O que está em causa é a mudança estrutural da
imprensa, que envolve a passagem de uma imprensa de opinião para uma imprensa de informação, uma
imprensa que, mais do que interessada em produzir opinião, interessa produzir informação; informação essa
que tem em vista a sua venda. Dá-se uma reorientação dos propósitos dos jornais, que agora dependem das
vendas e se orientam para o lucro. Deixamos de ter uma imprensa comprometida com a comunicação
pública, para uma imprensa comprometida com os interesses privados. Quando a TV e a rádio aparecem,
esta mudança já tinha ocorrido nos jornais, e estes media incorporam esta nova lógica.
Há várias dinâmicas que contribuíram para esta mudança; em especial a chegada da publicidade
comercial aos jornais. O fator decisivo é a perceção do espaço do jornal com o espaço para a publicidade
comercial. O aumento das tiragens e o aumento da literacia (que leva ao número de leitores), potenciam as
receitas das vendas e as receitas publicitárias. A potenciação das tiragens e do número de leitores não pode
ser feito numa corrente de imprensa de opinião, mas de uma imprensa que tem de se posicionar perante toda
a sociedade como um todo; tornando-se um bem de consumo de massa como qualquer outro. O bem da
informação responde mais satisfatoriamente a uma imprensa com interesses económicos. A própria
organização interna dos jornais também muda. A imagem anterior da imprensa não diferenciava muito
aqueles que nela participavam, e aqueles que a leem. A imprensa de massas torna-se bastante desigualitária
dentro das estruturas internas dos próprios jornais. Passa-se a diferenciar pela primeira vez a estrutura da
direção da publicação, passa a haver também uma relação hierárquica entre estas duas estruturas (na
imprensa de opinião tal não existia, as duas tendiam a fundir-se; há uma hierarquização do poder, o centro
do poder está na direção que se preocupa com a rentabilidade). A produção do jornal proletariza-se, num
regime de assalariado que cumpre determinados objetivos. Isso tem algumas consequências no que toca às
estruturas de poder.
Um terceiro aspeto associado a esta mudança tem a ver com o que Habermas afirma de “facilitação
psicológica” – a comunicação pública deixa de ser “horizontal” - em termos de conteúdos. Surge a notícia
enquanto produto jornalístico prioritário. Este género tem uma maior facilitação psicológica do que a
opinião. Habermas aponta para uma maior acomodação dos conteúdos de modo a assimilá-los melhor: uma
redução de assuntos complexos a formas simplistas, uma retórica da pessoalização à volta das notícias,
conjunto de técnicas discursivas que suscitam a adesão da maioria independentemente do conteúdo. Falamos
neste contexto da yellow press e da penny press, numa lógica de rentabilidade da atividade jornalística. A
simplificação fornecida pela notícia leva a um certo empobrecimento da comunicação pública. Isto traduz
um direcionamento do discurso público não para interesses específicos, mas para a atenção; ao ativar o
mecanismo da compra. Esta facilitação também leva a uma desqualificação dos destinatários. Estes são
também traços gerais que designam a formação dos mass media, que passaram a funcionar de acordo com
estes moldes. É na consciência das várias mudanças que se deram entre a génese dos media e a dos mass
media que estes se tomam uma função nuclear na mudança estrutural do espaço público. Há todo um
conjunto de processos técnicos que permitiram esta facilitação psicológica, no caso da TV, a simulação de
uma realidade, levando a uma subordinação das audiências.
A mudança fundamental é operada pelos media electrónicos – apogeu com a rádio e principalmente
a TV (mudança da Imprensa como paradigmática para o negócio da rádio e TV). O propósito comercial
mais simples em virtude de virtudes estéticas (som e imagem). A Imprensa torna-se como que um reduto
de resistência em que a pressão social não é tão forte e a opinião pública encontra-se mais liberta.

 A persistência da comunicação pública (defesa da comunicação de massa,


aprofundamento e extensões do espaço público)
Jean-Marc Ferry afirma que nestas condições ainda há lugar para uma comunicação pública
propriamente dita. As energias cívicas que podem alimentar uma comunicação pública ainda não se
esgotaram. Ferry vai dar a ver as ambiguidades que se conjugam no interior da comunicação pública dos
nossos dias. Em função de dois aspetos, este autor vai sustentar a ideia de que esta tendência regressiva,
embora seja maioritária, não é exclusiva da dinâmica do espaço público enquanto comunicação de massa.
Mesmo na prioridade da rentabilidade e do lucro, em que os conteúdos tendem a ser banalizados, Ferry
defende que mesmo assim há algumas características da comunicação pública enquanto comunicação de
massas que podem baralhar a situação. A primeira é a natureza estratégica (?). Mesmo que a informação seja
produzida nestas condições, é uma palavra que circula e é apropriada pelas pessoas, que fazem dela qualquer
coisa de sua. Por muito que seja uma comunicação de massa, quando entra em circulação não deixa de ser
comunicação pública.
Mesmo os formatos mais massificados podem apresentar-se como produtos interessantes. No
jornalismo, havendo o imperativo comercial, o jornalismo tem um certo espaço de manobra. Pode opera-se
uma inversão da lógica, enriquecedora da comunicação pública. Um segundo aspeto é a escala de circulação
da comunicação pública garantida pela comunicação de massas. A comunicação de massa recorre a formas
subtis de manipulação de propaganda; estas técnicas têm alguma eficácia, que tende a diminuir em função
da escala de difusão. A escala planetária acaba por se virar contra esta lógica de massificação porque
aumenta as probabilidades de resistência; dando aso ao surgimento de pontos de contestação. Em função
destes polos de indeterminação, Ferry conclui que há uma certa resistência a estas lógicas de massificação,
de uma replicação de um status quo. A comunicação pública pode desencadear formas de resistência social.
Ferry formula a tese de um duplo aprofundamento do espaço público que envolve a comunicação pública,
não obstante esta lógica da massificação. Apesar desta lógica dos mass media, estes podem ter um
contributo em momentos chave para um enriquecimento do espaço público. Trata-se de um aprofundamento
horizontal, de uma mundialização da comunicação, que inclui verdadeiramente o conjunto da população
enquanto Humanidade. Esta extensão horizontal é um bem em termos de comunicação pública. Há uma
consciência social de que há um conjunto de grandes problemas no mundo que já não se resolvem à escala
do Estado-Nação. Sem a comunicação de massas isto não seria possível. O aprofundamento vertical da
comunicação pública prende-se com o papel que os mass media têm tido, a par do seu aspeto alienante, para
dar uma consciência física mais profunda acerca de determinados temas, assuntos públicos. A ideia de
aprofundamento vertical tem a ver com a forma como se estruturam os assuntos públicos. Os media têm
dado uma maior profundidade a estes temas. Por exemplo, assuntos que não tinham um carácter público e
que o adquiriram com o trabalho dos mass media. As questões ecológicas são atualmente prioritárias do
ponto de vista público, no entanto, há 50 anos, não eram sequer tidos como problemas sociais. Os media
funcionam como sensores, que apreendem determinados temas que merecem a atenção de todos. O espetro
dos assuntos públicos fica assim mais rico. Havia também problemas sobre os quais havia uma consciência
equívoca, nomeadamente no que toca à administração pública. Há uma consciência própria da época que
distingue o que é público e o que é privado. Os media tiveram um papel importante na negociação destes
sentidos. Há atualmente uma série de matérias que identificamos como públicas e que no passado eram de
ordem privada. É o caso da violência doméstica.

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