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PROPÓSITO
Compreender os princípios éticos e teóricos da comunicação comunitária e sua importância
para o jornalismo, suas práticas, seus campos de ação e suas aplicações, com o intuito de
ampliar as possibilidades de atuação profissional e de intervenção da comunicação na
sociedade.
PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo, conheça os portais comunitários sugeridos e observe as
características comuns entre eles: sua linguagem, política editorial e pauta.
Nordeste eu sou
Nós do morro
O Cidadão
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
MÓDULO 3
MÓDULO 4
INTRODUÇÃO
Neste tema, apresentaremos os conceitos fundamentais da comunicação comunitária. Você
compreenderá como surgiram as preocupações com o bem comum, o coletivo e as formas de
comunicação daquilo que interessa a determinado grupo social. Quais as diferenças entre a
comunicação das comunidades e a comunicação do mercado? Quais princípios diferenciam
essas práticas? Como funciona um veículo comunitário?
Também estudaremos o papel do rádio, da TV e do jornal na formação da comunicação
comunitária. Quais as práticas que diferenciam e caracterizam esses veículos como
comunitários? Você entenderá ainda como a cultura digital interferiu não apenas no conceito de
comunitário, mas também nas práticas comunicacionais.
MÓDULO 1
PRINCÍPIOS DA COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA
Fonte: thimedes/Shutterstock
Nesse contexto, a comunicação comunitária é uma prática que vem atraindo atenção e
ganhando espaço no cenário sociopolítico do Brasil há pelo menos quatro décadas:
Fonte: cpers
DÉCADA DE 1970
Foi a partir dos anos 1970 que começaram a se configurar os principais paradigmas teóricos
que fundamentariam a área, especialmente ligados à teoria política inspirada em iniciativas dos
movimentos populares.
Fonte: Billion Photos/Shutterstock
DÉCADA DE 1980
DÉCADA DE 1990
A partir dos anos 1990, um conjunto de fatores marcou o surgimento de inúmeras iniciativas,
práticas e vários debates acerca do tema. Foram eles, principalmente, a globalização da
economia, com a consolidação de políticas chamadas neoliberais nos países em
desenvolvimento da América Latina, e a mundialização da cultura. Esses acontecimentos
colocaram no holofote temáticas antes consideradas obrigações do Estado ou bem comum,
como saúde, educação, saneamento, transporte, cultura e comunicações, agora incorporadas
ao rol dos serviços cambiáveis pelo comércio global.
ATENÇÃO
Foi nesse contexto que começaram a aparecer as rádios comunitárias, primeiro em sistema de
“boca de ferro”, depois em ondas AM, FM e, por fim, na web.
SISTEMA DE “BOCA DE FERRO”
O QUE É COMUNIDADE?
A designação comunidade é muito ampla. Com esse termo, denominamos grupos de pessoas
ligadas por território, gosto, fé e demais interesses comuns. Aliás, comum é o radical de onde
deriva a comunidade. Ou seja, aquilo que é de interesse coletivo.
Pierre Dardot e Christian Laval (2017) nos lembram da existência de pelo menos três grandes
atribuições do termo comunidade:
PRIMEIRA ATRIBUIÇÃO
A primeira diz respeito àquilo que é dever das instituições estatais ou religiosas, ou seja, uma
visão teológica do bem comum como norma superior, padronizada a todos os membros de uma
sociedade.
SEGUNDA ATRIBUIÇÃO
A segunda diz respeito aos bens coletivos, ou seja, uma visão jurídica dos bens como algo de
interesse comum a todos os seres humanos e, portanto, protegidos por um direito universal,
como o ar e a água.
TERCEIRA ATRIBUIÇÃO
A terceira diz respeito àquilo que há de comum a todos os seres humanos, ou seja, uma visão
filosófica que procura identificar tudo que interessa ao senso comum e certa disposição dos
homens e das mulheres para o bem comum.
Carregando conteúdo
O QUE A COMUNIDADE COMUNICA?
Para a comunicação comunitária, é possível encontrar um dos pilares do conceito de
comunidade nos textos do alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936), escritos no final do século
XIX. A distinção estabelecida por Tönnies entre comunidade (Gemeinschaft) e sociedade
(Gesellschaft) repousa na atribuição de relações mais orgânicas e reais à primeira, e
mecânicas e imaginárias (possíveis) à segunda, de maneira que a vida comunitária é entendida
pelo autor como:
(TÖNNIES, 1995)
Fonte: fizkes/Shutterstock
Fonte: Caftor/Shutterstock
A espiritual, atravessada pelos interesses, sentimentos e afetos em comum.
Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock
Ele não elegia dentre as três a mais comunitária, talvez por já acreditar que uma vivência
comunitária não pudesse prescindir de nenhum desses aspectos. De todo modo, o comunitário
seria entendido a partir daí como o compartilhamento de intenções, visões de mundo, desejos,
necessidades e afetos, em suma, o ser-em-comum, a experiência coletiva propriamente dita.
HEGEMONIA
A hegemonia, como conceito gramsciano, trata da dominação ideológica por meio de diferentes
mecanismos, entre eles o discurso. Mas em sentido amplo, o termo significa supremacia,
dominação de um grupo sobre outro.
Porém, vale ressaltar o ponto de vista sobre a comunidade como fechamento e cerceamento
da liberdade. O assombro da Segunda Guerra Mundial e da propaganda nazista capitaneada
por Joseph Goebbels (1897-1945) deixou, na Europa da segunda metade do século XX, um
sentimento de receio em relação ao discurso comunitário quando pertinente ao delineamento
de grupos nacionais, étnicos e raciais.
SAIBA MAIS
Zygmunt Bauman (2001) salientou sobre as tensões entre a sensação de liberdade da vida
cosmopolita e a segurança aparente proposta pelo fechamento comunitário, o que demandaria
certo grau de adesão ideológica, para o autor, perigosa. De todo modo, para ele, a
comunidade, em seus moldes mais conservadores, seria improvável no cenário globalizado
contemporâneo devido à maleabilidade das fronteiras entre identidades e grupos sociais.
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA
EUROPA
Cidadãos protestam contra a invasão soviética em Praga, na então Tchecoslováquia. |
Fonte: Wikimedia
A partir de então, uma série de análises sociais embaladas pelo texto emblemático de Guy
Debord – A sociedade do espetáculo, de 1967 – culminaria, nos anos 1980, em um processo
paulatino de regulamentação e reconhecimento de determinadas atividades de difusão
comunitária.
No início do novo milênio, a Comunidade Europeia, por meio de seu Parlamento, lançou mão
de diretivas regulatórias favoráveis à difusão de veículos comunitários nos países membros,
considerando-os como maneiras de participação ativa na sociedade civil, com vias ao
“pluralismo de ideias” em oposição à concentração da propriedade sobre os meios de
comunicação (Relatório do Parlamento Europeu sobre os meios de comunicação comunitária
na Europa, 2008).
ATENÇÃO
Atualmente, a comunicação comunitária constitui-se, na Europa, como uma área propícia aos
estudos sociais voltados às questões migratórias, socioeconômicas e identitárias, além de
casos de associativismo diante das novas tecnologias digitais, tal como a TV comunitária
Amsterdam Open Channel, que conta com avançados recursos de programação digital
mesclados a linguagens televisivas livres e participativas, ou ainda o coletivo de veículos
comunitários franceses, La Maison des Médias Libres, que agrega e observa veículos
alternativos aos mass media.
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA
AMÉRICA LATINA
Horizontal, ou seja, aquela em que há um diálogo entre iguais e não uma verticalidade na
comunicação, de cima para baixo.
RESUMINDO
CASO BRASILEIRO
No Brasil, o estabelecimento da comunicação comunitária toma contornos eminentemente
políticos, especialmente a partir da série de ações envolvendo cursos de Comunicação Social
em todo o país, por meio da União Cristã Brasileira de Comunicação Social, a UCBC, no início
dos anos 1970, com a oferta de cursos acompanhada pela publicação de cartilhas voltadas ao
manejo crítico de veículos comunitários, como o rádio e o jornal.
A ideia de comunicação comunitária está ligada, portanto, às práticas coletivas com caráter
crítico ou contra-hegemônico e empenhadas na produção de uma fala alternativa.
CONCEITOS E PRÁTICAS DA
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA
Vejamos alguns conceitos que atualmente permeiam a prática da comunicação comunitária:
ADAPTAÇÃO DA LINGUAGEM
Que se preocupa em não cair na mera reprodução dos modelos e estereótipos da linguagem
midiática massiva.
CRIATIVIDADE VOLTADA À INDEPENDÊNCIA
Em relação aos aparatos técnicos dos veículos tradicionais de comunicação e convicta de que
a tecnologia deve servir como ferramenta de produção alternativa.
VINCULAÇÃO COMUNITÁRIA
Como dispositivo de identificação coletiva em torno de um valor comum, partilhado pelo grupo
em geral, e facilitador de um diálogo interno e externo, tendo como objetivo a expansão das
reivindicações locais por meio de veículos comunitários independentes.
Como vimos, a comunicação comunitária pode ser vista atualmente, seja no meio acadêmico
ou nos movimentos autônomos, como uma prática calcada na formulação de veículos
alternativos e independentes em relação à grande mídia.
Entre as principais vertentes que praticam e estudam essa teoria comunicacional, podemos
destacar:
1. COMUNICAÇÃO E MOVIMENTOS POPULARES,
AMBIENTALISTAS E CULTURAIS
As práticas comunicacionais empreendidas por populações indígenas, quilombolas, rurais,
movimentos sem-terra, associações culturais, artísticas e locais, e grupos de ação ambiental,
ligados ou não ao Terceiro Setor, são estudadas em seus contornos críticos, e nos possíveis
impactos práticos gerados em âmbito de políticas públicas e fomento institucional. Essas ações
estão especialmente localizadas nas regiões Amazônica, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.
Uma pauta importante da comunicação como formação cidadã é a leitura crítica dos meios de
comunicação. Nesse aspecto, o pensamento legado pela União Cristã Brasileira de
Comunicação Social (UCBC) nos anos 1970 e 1980 é determinante. O jeito como, atualmente,
analisamos de maneira crítica a produção da mídia também tem tomado por base e ponto de
partida o material produzido pela UCBC.
Ao mesmo tempo eram oferecidos, ainda pelo próprio programa LCC, cursos práticos de
produção em comunicação, especialmente na área do jornalismo, rádio e vídeo. Ainda na
década de 1980, tem início a publicação da coleção Para uma Leitura Crítica...; foram, então,
publicados alguns títulos que tinham como público-alvo os professores e agentes culturais.
Listamos essas publicações a seguir:
Assim, o LCC passa a ser recomendado oficialmente pela CNBB. Outro marco ocorre em 1990,
quando o programa foi novamente objeto de estudo acadêmico em A Contribuição das
Ciências Sociais para a Avaliação dos Programas de Educação para a Comunicação – Tese de
Livre-Docência de Ismar de Oliveira Soares, na ECA/USP.
Além da UCBC e o seu LCC, outros projetos de educação para leitura das mídias surgiram na
América Latina com o mesmo propósito. São exemplos o Ceneca (Centro de Indagação,
Expressão Cultural e Artística), no Chile; o Cinep (Centro de Investigação e Educação
Popular), na Colômbia; entre outros.
Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
Além disso, a grande concentração de poder e a histórica monopolização das mídias no Brasil
e na América Latina são características que fizeram de nossa região um polo histórico das
rádios livres e comunitárias. Cenário muito comum no Brasil era a concentração de rádios
comerciais nos interiores, nas mãos de comerciantes, empresários, famílias de políticos ou
conglomerados de mídia.
Tendo surgido em 1923, no Rio de Janeiro, a radiodifusão profissionalizou-se nos anos 1930
com a introdução de anúncios pagos e programas patrocinados, chegando a concentrar 40%
da verba publicitária do mercado midiático em 1940. Os Códigos de Telecomunicações
sancionados no início dos anos 1960 inauguram um hiato até que, somente em 1998, a Lei de
Radiodifusão Comunitária fosse instituída.
No entanto, as rádios não comerciais, livres ou comunitárias têm seu nascimento em
movimentos ligados à Igreja Católica, missões evangelizadoras e educativas, no início dos
anos 1960, com as escolas radiofônicas da Igreja no Nordeste do país e a Rádio Educação
Rural de Tefé, Amazonas, ativa desde 1964.
No entanto, nem todos os casos refletem o ideal de rádio comunitária. A promulgação da Lei da
Radiodifusão, que só ocorreu em 1998, deveria legitimar o já alastrado movimento de
radiodifusão comunitária no Brasil, mas acabou instituindo uma série de limitações que não só
restringia a ação das rádios comunitárias, como também impunha severas sanções, cuja
vigilância caberia à Polícia Federal.
Segundo a Lei 9.612/98, a radiodifusão comunitária deve operar em baixa frequência e com
cobertura restrita, visando atender exclusivamente ao território comunitário, viabilizando difusão
de ideias, cultura, tradições e hábitos. Apenas associações ou fundações formalmente
constituídas e autorizadas pelo Ministério das Comunicações podem operar uma rádio
comunitária.
SAIBA MAIS
Atualmente, a ONG Criar Brasil contabiliza mais de 1.400 rádios homologadas no país, sendo
os estados que mais concentram esses números o Rio de Janeiro, seguido de São Paulo e
Paraná. Sabemos que essa quantidade pode ser bem maior se considerarmos as rádios à
espera de homologação e outras que atuam sem a outorga oficial.
A concentração de rádios nesses estados pode indicar, ainda, que o crescente número de
bairros e regiões periféricas nos grandes centros urbanos vem adotando o rádio como
ferramenta de mobilização popular e tem mais acesso aos mecanismos burocráticos de
homologação.
Na prática, a Lei 9.612/1998 apresenta sérios conflitos. Em primeiro lugar, a cobertura restrita
exigida pela Lei era de 1 quilômetro de raio, com 25 watts de potência, podendo a rádio ser
multada caso ultrapassasse esse limite. Em 2018, com a aprovação do Projeto de Lei
513/2017, a potência foi aumentada para até 150 watts.
Ainda assim, a relação necessária entre a comunidade e o território faz das rádios uma
ferramenta essencialmente local, com poder de alcance limitado diante do escopo das rádios
chamadas comerciais. Outro entrave é o caráter burocrático do processo de homologação de
uma rádio comunitária, que muitas vezes desestimula a adoção desse meio em comunidades
ou agrupamentos desprovidos de recursos.
COMENTÁRIO
A burocratização da comunicação comunitária é uma pauta importante, pois sabemos que, nos
princípios da comunicação comunitária, é indispensável o processo de interação dialógica entre
os emissores e receptores, o que se dá por meio dos equipamentos mediadores da sociedade,
ou seja, os acontecimentos do dia a dia, as dinâmicas da cultura cotidiana. Sabemos que o
universo das rádios comunitárias ou alternativas, ou ainda, não comerciais, abrange temáticas
que vão da vida no campo à ufologia, música, cultura periférica, juventude, política, ocupação
dos espaços etc.
MEDIAÇÃO SOCIOCULTURAL E
COMUNIDADE GERATIVA
O caso da rádio de Queimados, na Baixada Fluminense, por exemplo, é interessante por
revelar o quanto a realidade das rádios é variada. Ali, como em várias rádios comunitárias,
convivem pautas territoriais, culturais, políticas e religiosas, uma vez que a cultura daquela
localidade é igualmente diversa. Ao analisar esse caso, João Paulo Malerba (2008) afirma que
o cenário político e social da região é determinante na conformação do estilo da rádio.
COMENTÁRIO
Fonte: pxhere
Uma vez que a comunidade poderá atuar no controle criativo da mídia, representando de modo
mais real e verídico as práticas socioculturais da localidade no ambiente midiático (o rádio),
espera-se valorizar o senso crítico coletivo a partir da desmistificação da mídia como padrão
único da verdade social.
Paiva ainda reforça que a comunidade gerativa deve ser implementada pela intervenção
comunitária no sistema midiático globalizado de maneira consciente para afirmação identitária
e cultural.
Em Os media alternativos como parte dos novos processos de mobilização popular no Brasil,
Paiva (2003b) acrescenta que essa intervenção comunitária no sistema midiático transcende a
simples aparição “flutuante” para chegar à real função contra-hegemônica de conscientização
coletiva e transformação da estrutura social vigente.
RESUMINDO
LINGUAGEM E PROGRAMAÇÃO
A linguagem das rádios comunitárias se fez, na prática, como uma apropriação da linguagem e
dos estilos da radiodifusão comercial. Quanto à programação, observa-se a abundância de
conteúdo musical, seguido de programas de notícias locais, religiosos e educativos, além de
coberturas especiais, como eleições, Carnaval, festividades locais etc.
Como vimos, a expectativa de uma rádio comunitária seria que priorizasse a temática contra-
hegemônica. Atualmente, discute-se muito a contra-hegemonia ou a qualidade política de uma
rádio, como aspectos ligados à sua força de mobilização social e agenciamento da visão
comunitária.
Fonte: A.PAES/Shutterstock
RESUMINDO
Trata-se de encontrar um meio termo entre a linguagem oral – característica marcante do rádio
– e a forma midiática desse veículo no seu formato comercial. Exemplo de adoção de uma
linguagem e programação que, na prática, situam-se nesse meio-termo é a tradicional Rádio
Heliópolis, de São Paulo.
Até 1997, a Heliópolis era uma “rádio corneta”, propagada por meio de “bocas de ferro” nos
postes do bairro. A partir daí, ela entrou em frequência modulada no 102,3 FM; e, em 1999,
mudou para a frequência 97,9 FM. Em 2006, oito anos depois da Lei de Radiodifusão
Comunitária, nº 9.612/1998, a rádio Heliópolis foi fechada pela Polícia Federal, após inúmeras
ameaças anônimas.
Gerô Barbosa, diretora da UNAS, lembra da época no site da União:
As instalações da rádio são, atualmente, bem simples, contando com uma mesa de controle
em uma pequena sala com isolamento acústico, alguns microfones ligados a um computador,
onde a programação é controlada, e, em outro espaço, um computador com microfone, mas
que não faz transmissão, apenas captação e edição de trilhas.
Como se observa na realidade das rádios comunitárias, os colaboradores, em sua maioria, não
fizeram cursos de comunicação para operar e apresentar os programas, mas todos foram
aprendendo os maneirismos da radiodifusão na prática, principalmente pelo hábito de audição
das rádios comerciais. Toda a programação da rádio é concebida por colaboradores da própria
comunidade, contando com uma grade muito diversificada, a fim de atender a todos os
públicos que moram na região.
Fonte: BigTunaOnline/Shutterstock
Por estar no ar há muitos anos, a rádio conseguiu criar um vínculo muito forte com a
comunidade, sendo o principal meio de comunicação local e criando um elo estreito entre os
moradores e o território.
É o caso também da Rádio Mega FM, de Juiz de Fora (MG), que se localizava no bairro Santa
Cândida, periferia da cidade. Segundo Claudia Lahni (2008), foi o caráter horizontal da
comunicação, com microfones abertos e sistema de autogestão, que conferiu à rádio um
aspecto mais genuinamente comunitário.
Assim como a Rádio Popular Heliópolis, a Rádio Mega também foi lacrada pela Anatel em
2003. É importante observar que, mesmo com uma gestão coletiva, a rádio mineira contava
com um cenário cultural igualmente diverso, incluindo programação de hip-hop, música cristã e
DJs. O slogan “A comunitária de verdade” marcou o auge do movimento.
Fonte: Ensuper/Shutterstock
O rádio é um dos instrumentos comunicacionais mais eficazes na cena comunitária. Seja por
sua estrutura mais enxuta, afinal, uma rádio comunitária pode funcionar com apenas um
transmissor, uma antena, um microfone, um amplificador e um computador; seja, ainda, pelo
rádio ser uma linguagem que penetrou tão profundamente na vida brasileira.
Basta saber que, em localidades onde não havia estrada nem telefonia e muito menos
imprensa e televisão, havia ondas AM. É o caso dos interiores da Amazônia e das fronteiras
latino-americanas do Brasil, onde as rádios AM da Guiana Francesa, da Bolívia e do Peru
trouxeram importante influência para a música e cultura popular de comunidades que viviam
naqueles territórios.
Quer saber mais sobre as rádios comunitárias? .
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 3
Fonte: gallofoto/Shutterstock
A televisão brasileira foi inaugurada, em 1950, com a TV Tupi, canal 4. Era uma empreitada do
industrial Assis Chateaubriand (1892-1968). Inicialmente, o modelo do rádio foi transportado
para o novo veículo, trazendo os programas patrocinados, como o Repórter Esso e as novelas,
também financiadas por anunciantes como a Colgate-Palmolive. Havia, ainda, os programas de
auditório, com Chacrinha (1917-1988) e Hebe Camargo (1929-2012).
Fonte: BonNontawat
Esses canais VHF eram considerados irregulares pelo antigo Departamento Nacional de
Telecomunicações (Dentel) e, portanto, pejorativamente classificados como “piratas”. Antes da
chegada da TV a cabo no Brasil, em 1989, as TVs livres, “piratas”, alternativas ou comunitárias
eram transmitidas também por UHF.
Era o caso da TV Cubo, criada no bairro do Butantã, em São Paulo, no ano de 1986, e
transmitida clandestinamente pelo canal 3 VHF. Sua produção era gravada em fitas VHS e
transmitida em um equipamento de 150 watts de potência, cuja capacidade alcançava cerca de
1,5 quilômetro de raio.
VIDEOTEIPE
SAIBA MAIS
Transmissões clandestinas com conteúdo gravado em fitas VHS, ocorridas na mesma época,
são identificadas por Peruzzo (2004) na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, a exemplo da
antiga TV Lama. Em comum, essas primeiras experiências têm o fato de serem irregulares,
clandestinas e ainda muito experimentais. Não havia uma estrutura de programação clara, nem
uma periodicidade mais estável de emissão.
Fonte: r.classen/Shutterstock
CANAIS DE TV COMUNITÁRIOS
Atualmente, a ONG Criar Brasil contabiliza apenas doze TVs comunitárias ligadas à
organização, sendo cinco delas no estado de São Paulo. Por se tratar de uma estrutura muito
mais robusta de produção, esse tipo de veículo comunitário aparece como uma alternativa bem
menos presente do que o rádio e o impresso. Mas é importante perceber que grande parte dos
canais de TV comunitários de todo o Brasil tem atuado via sistema de streaming, transmitindo
sua programação por plataformas como o YouTube. Considerando esse montante, o número
de canais aumentaria muito.
Juridicamente, os canais de TV comunitários são organizações autônomas da sociedade civil
geridas coletivamente na forma de associação ou conselhos formados pelos participantes
locais. Assim como acontece com as rádios comunitárias, esses canais devem ser mantidos
financeiramente por doações dos próprios associados ou de entidades parceiras, sem venda
de publicidade comercial. Apenas a relação de “apoio cultural” é permitida na concessão de
espaço físico, equipamentos, estúdios, insumos etc.
Esse modelo acaba sendo um dos grandes empecilhos econômicos para a sobrevivência dos
veículos comunitários, seja no rádio ou na TV, pois a mídia eletrônica demanda constante
dispêndio de materiais, recursos tecnológicos e humanos, e os apoios culturais são quase
sempre insuficientes. O projeto de lei de 2017, que propunha o aumento do alcance das rádios
comunitárias, também propôs a regulamentação da publicidade em veículos comunitários, mas
o tema ainda não foi acordado nas instâncias governamentais.
Fonte: marchello74/Shutterstock
SAIBA MAIS
Em Dos Meios às Mediações, Jesús Martín-Barbero (2003) defende que, se não fosse a
monopolização das produções de conteúdo, a TV seria uma grande tecnologia de
representação cultural.
Atualmente, as TVs comunitárias em UHF têm que retransmitir parte da programação das TVs
Educativas e acabam funcionando mais como canais locais de retransmissão. Peruzzo (2007)
afirma que esse tipo de canal de TV é comumente utilizado para fins educativos, mas também
político-partidários e até comerciais, de acordo com o tipo de programação. Por isso, muitas
vezes, acaba perdendo seu caráter essencialmente comunitário, deixando de lado a
programação produzida pela comunidade local.
COMENTÁRIO
As TVs em VHF seguem clandestinas, pois não constam na regulamentação atual; por seu
curto alcance, atendem mais aos interesses da população local, ainda que com emissão mais
esporádica. As TVs de rua ou TVs Livres são as emissões de produção audiovisual comunitária
em eventos e espaços públicos; elas não realizam transmissão por frequência em nenhum
canal, e geralmente têm seu conteúdo exibido em suportes como VHS, DVD ou digital
projetados em telões.
Recentemente, ganham espaço as TVs por streaming, com características parecidas com as
TVs Livres, só que com o conteúdo transmitido em canais do YouTube e outras plataformas de
vídeo na internet.
INTEGRAÇÃO PRODUTOR-CONSUMIDOR
DE DISCURSOS
O caso do programa NoAr, realizado pela ONG Alpendre, de Fortaleza (CE), ilustra bem o
funcionamento orgânico de uma TV comunitária surgida como projeto de TV de rua e depois
migrada para a TV de frequência. Os programas realizados pelo projeto foram exibidos no
canal da TV Estadual do Ceará aos domingos.
O formato em quadros durava uma hora e incluía linguagens de humor, ficção, documentário e
videoclipe, tudo produzido e apresentado pelos jovens integrantes do projeto, num formato
denominado “programa-oficina”, já que cada edição do NoAr era resultado direto das oficinas e
experiências realizadas na etapa formativa do projeto.
COMENTÁRIO
FAKE NEWS
Notícias falsas são uma forma de imprensa marrom que consiste na distribuição deliberada de
desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas
mídias sociais.
LINGUAGEM E PROGRAMAÇÃO
Se a linguagem das rádios comunitárias se fez, na prática, como uma apropriação dos
maneirismos da radiodifusão comercial, a linguagem das várias formas de TV comunitária
também apropria aspectos do telejornalismo, da dramatização nas telenovelas, mas é
fortemente marcada pelo estilo local. Ou seja, a maneira de narrar, o vocabulário, os cenários,
as paisagens e trilhas sonoras provêm do território onde são produzidos os programas.
Nas TVs de rua, a programação já incorpora mais a linguagem documental, com reportagens
específicas, minidocumentários, além da linguagem artística com videoclipes e dramatizações.
É comum, nesses casos, que as TVs Livres (de rua ou na internet) se dividam entre produções
idealizadas pela equipe integrante da TV e produções propostas ou idealizadas por moradores
locais.
EXEMPLO
É o caso da Bem TV, de Niterói, no Rio de Janeiro, que, atendendo a uma demanda da
Associação de Moradores da Rua Castro Alves, produziu um documentário sobre o time de
futebol local.
Em muitos casos, como no projeto Tela Firme, na periferia de Belém do Pará, os operadores de
câmera, editores e diretores são voluntários da comunidade, que oferecem seu tempo livre
para as produções audiovisuais do projeto. Além disso, as câmeras, os computadores e os
softwares de edição são emprestados por esses voluntários, de modo que o projeto Tela Firme
depende da disponibilidade das pessoas.
O que torna essas iniciativas filosoficamente comunitárias é, além de seu conteúdo territorial e
politizado, a sua força de mobilização social e promoção da visão comunitária. Assim como as
rádios, a força política desses veículos está, muitas vezes, na articulação da comunidade em
torno de seus valores e suas visões de mundo.
CHAMADA
Acredita-se que, por estarem tão naturalizadas no imaginário coletivo, utilizar essas técnicas
pode ser uma maneira de tornar as mensagens objetivas e claras para o espectador. No
entanto, o improviso nos comentários, o vocabulário, as gírias locais e os sotaques são um
recurso fundamental para dissociar a linguagem comunitária das mídias comerciais, que
prezam pela neutralização de sotaques regionais, utilizando até tratamentos fonoaudiológicos
para os apresentadores e jornalistas.
Outro exemplo importante da estética comunitária é o vídeo Poderia ter sido você, produzido
pelos jovens do projeto Tela Firme, no bairro da Terra Firme, periferia de Belém do Pará, com o
intuito de reportar o histórico de chacinas ocorridas naquela região. Motivados pelo assassinato
de onze moradores do bairro, em 4 e 5 de novembro de 2014, pela milícia local, e tendo em
vista a cobertura escassa e estereotipada da imprensa comercial, os jovens do Tela Firme
produziram um documentário de nove minutos, veiculado no YouTube, com a memória das
chacinas ocorridas nas periferias da cidade nos últimos vinte anos.
Vítimas fatais foram interpretadas no vídeo por jovens da periferia não só como uma estratégia
plástica de atualização dos fatos, mas também como um alerta, ao corporificar a vítima que
vivia no bairro, apontando a vulnerabilidade a que estão submetidos os jovens da periferia da
cidade.
O vídeo, publicado em 2015, acabou chamando a atenção da cidade como um todo e serviu
como mote para o debate do tema fora do estereótipo midiático. Produzido pelos próprios
moradores de Terra Firme, o documentário se apropria de uma linguagem híbrida entre a
reportagem, o documental e o cinema de suspense.
Conheça algumas iniciativas de TVs comunitárias brasileiras nas palavras do professor João
Paulo Malerba!
Jesús Martín-Barbero afirma que, como linguagem, a indústria cultural tem seus padrões e
seus limites, que são:
Ou seja:
TV comercial
Está em primeiro lugar o desejo de manifestar um discurso, seja ele político, cultural, social ou
artístico, mas realizado pela comunidade.
Apesar de possuir uma estrutura técnica bem mais robusta que o rádio, a TV comunitária
recupera uma possibilidade latente da mídia televisiva: o uso da imagem como dispositivo de
vínculo social, ou seja, usar a dramaticidade da imagem e a força da oralidade como maneiras
de reunir pessoas em torno de interesses coletivos e não apenas comerciais.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 4
No final do século XIX, o jornalismo comercial já estava consolidando seu modo de operação
que o tornou economicamente sustentável até o surgimento da internet: a publicidade paga.
Esse paradigma é importante porque caracteriza a imprensa comercial como espaço valorado
pela visibilidade massiva. Ou seja, quanto mais leitores, mais visibilidade um anúncio terá e
mais caro será o espaço destinado a ele no jornal.
Assim, a lógica da visibilidade vai aos poucos tomando conta da edição de um jornal e de sua
pauta. Além disso, os jornais são mantidos por empresas e corporações de mídia que têm seus
interesses comerciais e, muitas vezes, esses interesses acabam interferindo na seleção de
pautas e na escolha da linguagem da notícia. Os principais anunciantes também acabam tendo
um grau de interferência na construção da notícia.
Imagine um jornal, cuja maior anunciante seja uma empresa de combustível. Será que, ao
noticiar uma eventual fraude nos mecanismos internos dessa empresa, ele não estaria
colocando em risco sua fonte de renda mais determinante? Como agir nesses casos?
O jornal, impresso e distribuído dentro da própria comunidade, vinha construindo uma linha
editorial cada vez mais voltada a fazer oposição à versão criminalista sobre a favela carioca.
Percebendo que os principais jornais comerciais do Rio de Janeiro tratavam a favela sob o
estereótipo da criminalidade e do tráfico de drogas e que, principalmente, não davam a devida
gravidade à abordagem agressiva da polícia no bairro, essa edição trouxe uma fotografia do
veículo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro, o Bope, em plano
frontal, com a paisagem das ruas estreitas e marcadas por toldos e cabos da rede elétrica do
bairro, com a manchete: Quem vai levar a sua alma?.
Fonte: Prostock-studio/Shutterstock
REPRESENTATIVIDADE E
DESARTICULAÇÃO DE ESTEREÓTIPOS
Voltemos, agora, à função contra-hegemônica do veículo comunitário. Os estudos em
jornalismo comunitário apontam que essa linguagem deve, no mínimo, referir-se à realidade e
às visões de mundo de seu escopo local; mas, além disso, deve trazer a possibilidade de um
contradiscurso que possa ajudar a combater estereótipos, reducionismos, maniqueísmos e
outros vícios da linguagem midiática massiva.
Na história das mídias e da democracia, a disputa por hegemonia sempre se deu no âmbito de
poder da opinião, embora jamais excluindo inteiramente as emoções e as sensações.
A partir das duas grandes guerras mundiais do século XX, quando os estudos em comunicação
de massa, nos Estados Unidos e na Alemanha, apontaram como os grandes conflitos bélicos e
políticos podem ser sustentados pela opinião pública, e como a imprensa e a indústria cultural
conseguem produzir a sensação de verdade capaz de influenciar a opinião das pessoas,
percebemos a importância da notícia em seu caráter objetivo de representação, mas também
afetivo, psicológico e sensível.
Em sua regularidade institucional, nas redações dos grandes jornais, o texto jornalístico
articula-se em torno de argumentos e significados, apreendidos pelo leitor com uma variedade
de enunciados e com o pano de fundo de uma verdade justificada pelo senso comum.
Essa confiança vem da tradição que esses jornais construíram como detentores de saber sobre
os fatos e acontecimentos da sociedade, e também de técnicas e estratégias textuais
orientadas para o entendimento: narração, descrição, explanação, explicação. Supõe-se que a
transparência do mundo decorra de negociações discursivas, portanto, de uma lógica de
argumentos, no jogo democrático da esfera pública.
Mas se, por um lado, a supressão dessa pluralidade coincide com o totalitarismo ou com a
antidemocracia, por outro a multiplicação descontrolada ou apolítica das fontes pode não
conduzir a nada mais do que o corporativismo articulado com formas gerenciais do Estado e
do mercado. É o que se observa na proliferação de produtos impressos e audiovisuais por
parte das grandes organizações corporativas de mídia. Com o aporte tecnológico, o principal
objetivo da mídia comercial, sob o regime identificado com o capital, configura-se como a
apropriação do tempo do leitor.
Outro exemplo, ainda na Maré, foi o jornal dos angolanos que foram para o Rio de Janeiro por
causa dos conflitos provocados pela independência de Angola, em 1975, fundaram uma
comunidade e, desde então, vivem no bairro. O jornal Folha de Angola, lançado em 2006, veio
com a missão de combater as matérias recorrentes dos jornais comerciais da cidade que
insinuavam uma relação direta entre o tráfico ilegal de armas e a chegada dos angolanos à
Maré.
A Folha de Angola compilou reportagens de 2000 a 2008 com esse tipo de representação
generalista, que acabava reforçando o racismo e preconceito xenófobo. A ideia do
contradiscurso veio por meio de pautas que retratassem os angolanos imigrados para o Rio de
Janeiro fora do estereótipo, com matérias sobre a produção artística, intelectual e profissional
dos angolanos no Brasil, perfis e serviço sobre a burocracia de regularização e documentação
para permanência no país.
CORPORATIVISMO
Fonte: deepstock/Shutterstock
Atualmente, com a temática das fake news em alta, o jornalismo está ainda mais em evidência,
pois o volume de posicionamentos frente a um tema leva o público a desconfiar da dita
objetividade da notícia. É nesse cenário que as maneiras alternativas e contra-hegemônicas de
análise e produção de informação ganham mais evidência e importância frente às empresas
responsáveis por gerenciar as informações a que se pode e deve ter acesso.
É PRECISO COMEMORAR A PRESENÇA DA
MULTIPLICIDADE DE VOZES ALCANÇADA GRAÇAS
AO ADVENTO DA INTERNET. APENAS DESSA
MANEIRA CONSEGUIMOS, NO BRASIL, TER ACESSO A
ACONTECIMENTOS QUE AS EMPRESAS DE MÍDIA
NÃO NOTICIARAM.
A partir da ação comunicativa de coletivos, foi possível conhecer versões antes obscurecidas
ou pouco reveladas da realidade brasileira. A cobertura feita com equipamentos como
celulares, abrindo mão de padrões de qualidade visuais e sonoros, permitiu acompanhar
acontecimentos que as corporações jornalísticas persistentemente excluem do seu espectro
noticioso.
Efetivamente, a democracia e o jornalismo são forças que podem estar relacionadas na medida
em que sua população-alvo, seu conjunto de leitores, estejam capacitados para a
interpretação, análise e reivindicação de seus lugares na coletividade; e na medida em que sua
produção seja orientada para a promoção da cidadania, a inclusão e o debate social dos
interesses realmente comunitários.
LINGUAGEM E EDITORIA
A linguagem de um jornal comunitário deve ser composta de três pilares:
Fonte: nepool/Shutterstock
O jornal comunitário deve prezar por uma linguagem própria. Ainda que a técnica de produção
da notícia tenha se consolidado ao longo das décadas e possa servir de instrumento para a
prática comunitária, é necessário buscar uma linguagem o mais próximo possível do território.
O surgimento das redes sociais digitais, como o Facebook e o Instagram, potencializou a
instalação de maneiras alternativas de linguagem na comunicação mediada, no entretenimento
e no jornalismo.
Não se pode deixar de mencionar o Grupo Mídia Ninja pela sua capacidade de, utilizando
poucos recursos financeiros e tecnológicos, conseguir demonstrar, no Brasil, em meio a crises
conceituais e éticas no jornalismo comercial e na regulação da mídia, a insuficiência da mídia
hegemônica, produzindo matérias e coberturas que em nenhum momento estiveram presentes
na grande imprensa.
NOVAS PROPOSTAS
Historicamente, os projetos políticos mais interessantes, com proposta de fazer frente à
produção midiática, surgiram e continuam surgindo na América Latina. Entretanto, é preciso
iluminar um dos formatos mais criativos nos últimos anos. Surgidos entre intelectuais e ativistas
dos Estados Unidos e da Europa, o Constructive e o Solution Journalism são correntes que
vêm repensar a prática da produção da notícia no mundo atual e que trazem muito do
fundamento ético do jornalismo comunitário.
Constructive Journalism
Os dois grupos pretendem ser distintos, apesar da mesma proposição e de serem baseados no
princípio de que a produção de notícias, atualmente, encontrou um ponto distante dos
fundamentos do fazer jornalístico, preocupado em zelar pelo ideário da ética, liberdade e
democracia, além do compromisso fundador com a verdade.
A primeira defesa que ambos fazem é de que não se trata de um “jogo do contente” ou de
atitude “Pollyanna”, numa referência ao famoso romance infantojuvenil da escritora americana
Eleanor Porter. Ou seja, não se trata de fingir que um fato ruim não ocorreu. Trata-se,
basicamente, de entender que um acontecimento pode ter várias possibilidades de olhares e
que, usualmente, o formato de exercício do jornalismo comercial só consegue dar conta de um.
Mais uma vez, o exemplo da Folha de Angola nos ajuda a entender que o jornal comunitário
deve ser também propositivo ou, como já mencionamos, gerativo, isto é, capaz de gerar
crítica, mas também vínculo, mobilização e resistência. É preciso que o jornalismo comunitário
conte com um jornalista aberto a uma linguagem mais inclusiva, representativa e gerativa.
É preciso fazer com que o jornalista ouça e reconheça a opinião geral dos leitores na
atualidade, que se dizem exaustos e deprimidos por apenas lerem e verem o mundo ao seu
redor em completo caos e sem perspectivas de mudança de cenário.
Algumas deram certo, em especial nos países onde os debates e questionamentos sobre o seu
exercício são permanentes. Com frequência, observa-se que a importação de modelos
oriundos de realidades diferentes e de vivência cívica acentuada nem sempre permanecem
fiéis quando levados para países de frágil democracia e de estrutura de veículos tão
concentrada nas mãos de poucos representantes das classes ricas, como o Brasil, por
exemplo.
COMENTÁRIO
Não basta adotar um modelo ou outro, mas pensar no fazer da notícia, na pauta, na edição, na
fotografia e na imagem como recursos comunitários, ou seja, comprometidos com os
interesses do coletivo e do território cultural em questão. E nada disso seria possível sem a
formação de profissionais de comunicação e jornalismo alinhados com a ética comunitária.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comunicação comunitária, apesar de ser exequível e ter sido implementada com razoável
sucesso ao longo de décadas, não apenas no Brasil, mas também na América Latina,
configura-se como uma temática utópica, nos moldes que nos ensinou o educador Paulo
Freire.
A utopia freireana não é marcada pelo entendimento de um sonho, mas sim de uma realidade
ideal que se pretende concretizável. Por isso, quando dizemos que a comunicação comunitária
é uma comunicação utópica, queremos dizer que, nessa ideia de comunicação, estão
necessariamente presentes o entendimento de que a desigualdade entre os seres humanos
deve ser superada, que todos os seres humanos possuem os mesmos direitos e deveres em
uma sociedade, e que a comunicação deve estar voltada para a construção desse horizonte de
bem comum.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BARBALHO, A. A Criação está NoAr: juventude, mídia e cidadania. In: FUSER, B. (org.)
Comunicação para a cidadania: caminhos e impasses. Rio de Janeiro: E-papers, 2008.
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar,
2001.
DARDOT, P.; LAVAL, C. Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI. São Paulo:
Boitempo, 2017.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
LAHNI, C. Mega FM: uma rádio comunitária autêntica. In: Revista Lumina, v. 2, n. 1. Juiz de
Fora, UFJF, jul. 2008.
MALERBA, J. P. Por uma genealogia das rádios comunitárias brasileiras. In: Revista
Logos, v. 24, n. 1. Rio de Janeiro: UERJ, 2017.
PAIVA, R. O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003a.
PAIVA, R. Mídia e política de minorias. In: PAIVA, R.; BARBALHO, A. (orgs.) Comunicação e
cultura das minorias. São Paulo: Paulus, 2005.
EXPLORE+
Para conhecer mais sobre o projeto Leitura Crítica da Comunicação, mencionado neste tema,
leia o artigo: Leitura Crítica e Cidadania: novas perspectivas.
Para conhecer mais sobre a dinâmica de uma rádio comunitária, assista ao filme Uma Onda no
Ar (2002), de Helvécio Ratton, disponível no YouTube.
CONTEUDISTAS
Raquel Paiva
CURRÍCULO LATTES
Marcello Gabbay
CURRÍCULO LATTES