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DESCRIÇÃO

Definição dos fundamentos da comunicação comunitária a partir das perspectivas sociológica e


filosófica. Definição dos conceitos e da trajetória da educação para a cidadania no caso
brasileiro. Construção histórica e definição conceitual das práticas comunitárias em rádio, TV e
jornal.

PROPÓSITO
Compreender os princípios éticos e teóricos da comunicação comunitária e sua importância
para o jornalismo, suas práticas, seus campos de ação e suas aplicações, com o intuito de
ampliar as possibilidades de atuação profissional e de intervenção da comunicação na
sociedade.

PREPARAÇÃO
Antes de iniciar o estudo, conheça os portais comunitários sugeridos e observe as
características comuns entre eles: sua linguagem, política editorial e pauta.

Portal Pau de Lima

Nordeste eu sou

Voz das comunidades

Nós do morro

O Cidadão
OBJETIVOS

MÓDULO 1

Reconhecer os princípios teóricos e históricos da comunicação comunitária e da educação


para a cidadania

MÓDULO 2

Identificar os principais conceitos e as práticas da radiodifusão comunitária

MÓDULO 3

Identificar os principais conceitos e as práticas da teledifusão comunitária

MÓDULO 4

Identificar os principais conceitos e as práticas do jornalismo comunitário

INTRODUÇÃO
Neste tema, apresentaremos os conceitos fundamentais da comunicação comunitária. Você
compreenderá como surgiram as preocupações com o bem comum, o coletivo e as formas de
comunicação daquilo que interessa a determinado grupo social. Quais as diferenças entre a
comunicação das comunidades e a comunicação do mercado? Quais princípios diferenciam
essas práticas? Como funciona um veículo comunitário?
Também estudaremos o papel do rádio, da TV e do jornal na formação da comunicação
comunitária. Quais as práticas que diferenciam e caracterizam esses veículos como
comunitários? Você entenderá ainda como a cultura digital interferiu não apenas no conceito de
comunitário, mas também nas práticas comunicacionais.

MÓDULO 1

 Reconhecer os princípios teóricos e históricos da comunicação comunitária e da


educação para a cidadania

PRINCÍPIOS DA COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA

 Fonte: thimedes/Shutterstock

Os princípios da comunicação comunitária ancoram-se na necessidade de democratizar a


produção, a circulação e o consumo da comunicação. No Brasil e na América Latina,
especialmente por conta do histórico comum de ditaduras militares e censura, a comunicação é
pensada como direito e instrumento de transformação social, geralmente ligada a movimentos
sociais no campo e na cidade.

Portanto, quando falamos em comunicação comunitária, popular ou cidadã, geralmente trata-se


da produção de informação e de conteúdos jornalísticos e culturais protagonizada por
grupos normalmente marginalizados na sociedade, como imigrantes, moradores de áreas
periféricas das grandes cidades, população rural, certas categorias trabalhistas, grupos de
representatividade racial, de gênero e cultural.

Nesse contexto, a comunicação comunitária é uma prática que vem atraindo atenção e
ganhando espaço no cenário sociopolítico do Brasil há pelo menos quatro décadas:

 Fonte: cpers

DÉCADA DE 1970

Foi a partir dos anos 1970 que começaram a se configurar os principais paradigmas teóricos
que fundamentariam a área, especialmente ligados à teoria política inspirada em iniciativas dos
movimentos populares.
 Fonte: Billion Photos/Shutterstock

DÉCADA DE 1980

No início da década de 1980, o conceito de comunicação comunitária já encontrava os


primeiros contornos teóricos na América Latina em publicações como as do mexicano Gilberto
Giménez – Notas para uma teoria da comunicação popular, de 1978 –, do argentino Mario
Kaplún – El comunicador popular, de 1985 – e dos brasileiros Regina Festa e Carlos Eduardo
Lins da Silva – Comunicação popular e alternativa no Brasil, de 1986.
 Fonte: Sittipong Phokawattana/Shutterstock

DÉCADA DE 1990

A partir dos anos 1990, um conjunto de fatores marcou o surgimento de inúmeras iniciativas,
práticas e vários debates acerca do tema. Foram eles, principalmente, a globalização da
economia, com a consolidação de políticas chamadas neoliberais nos países em
desenvolvimento da América Latina, e a mundialização da cultura. Esses acontecimentos
colocaram no holofote temáticas antes consideradas obrigações do Estado ou bem comum,
como saúde, educação, saneamento, transporte, cultura e comunicações, agora incorporadas
ao rol dos serviços cambiáveis pelo comércio global.

A educação, a cultura e os meios de comunicação passaram a integrar os debates da Unesco


a partir do final da Segunda Guerra Mundial. A doutrina norte-americana do free flow of
information se voltava à compreensão da cultura como indústria e entretenimento e da
comunicação como mecanismo de câmbio estratégico de informações.

Nesse contexto, segmentos da sociedade civil, movimentos populares e locais passaram a


atuar em âmbitos desfavorecidos pelas grandes políticas globais, o que se convencionou
classificar como Terceiro Setor, cujo auge, no Brasil, coincide com a onda de debates
ambientalistas por ocasião da Eco 92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente
e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro.

FREE FLOW OF INFORMATION

A Lei de Fluxo Livre de Informações é um projeto de lei destinado a fornecer a um repórter o


direito de se recusar a testemunhar sobre informações ou fontes de informações obtidas
durante o processo de coleta e divulgação de notícias.

 Fonte: Joao Zecchin/Shutterstock

A virada do milênio trouxe, porém, a necessidade de reestruturação do escopo teórico em torno


das práticas comunitárias. O advento acelerado das novas tecnologias de comunicação,
especialmente a internet, o crescimento das cidades e o surgimento de novos modelos de
sociabilidade nos fizeram perceber a grande variedade de formas de comunidades que surgiam
nas cidades: grupos de bairro, favelas, comunidades religiosas, coletivos culturais, todos
eles carentes de representatividade e ansiosos por modelos de comunicação mais
compreensivos e democráticos.

 ATENÇÃO

Foi nesse contexto que começaram a aparecer as rádios comunitárias, primeiro em sistema de
“boca de ferro”, depois em ondas AM, FM e, por fim, na web.
SISTEMA DE “BOCA DE FERRO”

Sistemas de alto-falantes, que veiculavam a programação sonora.

O QUE É COMUNIDADE?
A designação comunidade é muito ampla. Com esse termo, denominamos grupos de pessoas
ligadas por território, gosto, fé e demais interesses comuns. Aliás, comum é o radical de onde
deriva a comunidade. Ou seja, aquilo que é de interesse coletivo.

Pierre Dardot e Christian Laval (2017) nos lembram da existência de pelo menos três grandes
atribuições do termo comunidade:

PRIMEIRA ATRIBUIÇÃO

A primeira diz respeito àquilo que é dever das instituições estatais ou religiosas, ou seja, uma
visão teológica do bem comum como norma superior, padronizada a todos os membros de uma
sociedade.
SEGUNDA ATRIBUIÇÃO

A segunda diz respeito aos bens coletivos, ou seja, uma visão jurídica dos bens como algo de
interesse comum a todos os seres humanos e, portanto, protegidos por um direito universal,
como o ar e a água.
TERCEIRA ATRIBUIÇÃO

A terceira diz respeito àquilo que há de comum a todos os seres humanos, ou seja, uma visão
filosófica que procura identificar tudo que interessa ao senso comum e certa disposição dos
homens e das mulheres para o bem comum.

No contexto atual, comunidade se refere a um tipo de agrupamento coletivo motivado por um


interesse comum, seja ele político, religioso, filosófico ou cultural. O que importa é que
comunidade significa produção de vínculo, o que recentemente o professor Muniz Sodré (2014)
classificou como uma força intersubjetiva. Ou seja, uma comunidade resulta no agrupamento
de pessoas motivadas por interesses de valor afetivo, sejam eles de ordem política, territorial,
cultural, racial etc. Esses valores são vividos com intensidade afetiva. Por isso, entendemos
como comunidade um leque bem variado de grupos. Em comum, eles têm o desejo de estarem
reunidos em torno de uma pauta coletiva e a necessidade de se comunicar.

Vamos entender melhor a ideia de comunidade? A professora Raquel Paiva explica:

Carregando conteúdo
O QUE A COMUNIDADE COMUNICA?
Para a comunicação comunitária, é possível encontrar um dos pilares do conceito de
comunidade nos textos do alemão Ferdinand Tönnies (1855-1936), escritos no final do século
XIX. A distinção estabelecida por Tönnies entre comunidade (Gemeinschaft) e sociedade
(Gesellschaft) repousa na atribuição de relações mais orgânicas e reais à primeira, e
mecânicas e imaginárias (possíveis) à segunda, de maneira que a vida comunitária é entendida
pelo autor como:

[...] TUDO AQUILO QUE É PARTILHADO, ÍNTIMO,


VIVIDO EXCLUSIVAMENTE EM CONJUNTO.

(TÖNNIES, 1995)

A visão de Tönnies sobre as formas de convivialidade gerou a concepção – largamente citada


– de três possibilidades de vida comunitária:
A consanguínea, calcada em laços de parentesco.

 Fonte: fizkes/Shutterstock

A de proximidade, baseada nas relações de vizinhança.

 Fonte: Caftor/Shutterstock
A espiritual, atravessada pelos interesses, sentimentos e afetos em comum.

 Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock

Ele não elegia dentre as três a mais comunitária, talvez por já acreditar que uma vivência
comunitária não pudesse prescindir de nenhum desses aspectos. De todo modo, o comunitário
seria entendido a partir daí como o compartilhamento de intenções, visões de mundo, desejos,
necessidades e afetos, em suma, o ser-em-comum, a experiência coletiva propriamente dita.

Outro pilar na constituição do conceito de comunidade ligado à comunicação é o italiano


Antonio Gramsci (1891-1937), que, na década de 1930, instaurou o caráter formativo da cultura
naquilo que entendia como hegemonia, o que significa que a estrutura social assimétrica do
capitalismo tem justificativas não apenas nas questões políticas e econômicas, mas também no
direcionamento moral e ideológico da cultura, dos meios de comunicação, dos mecanismos de
relacionamento humano.

O ressurgimento da literatura gramsciana no Brasil, ao longo das décadas de repressão militar,


trouxe à tona a associação direta entre as ações comunitárias e coletivas e a ideia de “contra-
hegemonia”. Ou seja:

HEGEMONIA
A hegemonia, como conceito gramsciano, trata da dominação ideológica por meio de diferentes
mecanismos, entre eles o discurso. Mas em sentido amplo, o termo significa supremacia,
dominação de um grupo sobre outro.

A COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA SERIA


RESPONSÁVEL POR PRODUZIR DISCURSOS E
INFORMAÇÕES ALTERNATIVOS ÀQUELES QUE
CIRCULAM NA GRANDE MÍDIA, COM O INTUITO DE
AUMENTAR A REPRESENTATIVIDADE SOCIAL,
CULTURAL E POLÍTICA DAS COMUNIDADES
MARGINALIZADAS PELO SISTEMA HEGEMÔNICO.

Porém, vale ressaltar o ponto de vista sobre a comunidade como fechamento e cerceamento
da liberdade. O assombro da Segunda Guerra Mundial e da propaganda nazista capitaneada
por Joseph Goebbels (1897-1945) deixou, na Europa da segunda metade do século XX, um
sentimento de receio em relação ao discurso comunitário quando pertinente ao delineamento
de grupos nacionais, étnicos e raciais.

 SAIBA MAIS

Zygmunt Bauman (2001) salientou sobre as tensões entre a sensação de liberdade da vida
cosmopolita e a segurança aparente proposta pelo fechamento comunitário, o que demandaria
certo grau de adesão ideológica, para o autor, perigosa. De todo modo, para ele, a
comunidade, em seus moldes mais conservadores, seria improvável no cenário globalizado
contemporâneo devido à maleabilidade das fronteiras entre identidades e grupos sociais.

COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA
EUROPA
 Cidadãos protestam contra a invasão soviética em Praga, na então Tchecoslováquia. |
Fonte: Wikimedia

Na Europa ocidental, os anos 1960 marcaram o surgimento significativo de veículos de


comunicação comunitária em meio às tensões entre movimentos estudantis, populares e
trabalhistas e os governos. A Rádio Estudantil Eslovena, criada em 1969, representa um marco
político e um dos pontos de partida para os primeiros estudos teóricos na área.

A partir de então, uma série de análises sociais embaladas pelo texto emblemático de Guy
Debord – A sociedade do espetáculo, de 1967 – culminaria, nos anos 1980, em um processo
paulatino de regulamentação e reconhecimento de determinadas atividades de difusão
comunitária.

No início do novo milênio, a Comunidade Europeia, por meio de seu Parlamento, lançou mão
de diretivas regulatórias favoráveis à difusão de veículos comunitários nos países membros,
considerando-os como maneiras de participação ativa na sociedade civil, com vias ao
“pluralismo de ideias” em oposição à concentração da propriedade sobre os meios de
comunicação (Relatório do Parlamento Europeu sobre os meios de comunicação comunitária
na Europa, 2008).

 ATENÇÃO
Atualmente, a comunicação comunitária constitui-se, na Europa, como uma área propícia aos
estudos sociais voltados às questões migratórias, socioeconômicas e identitárias, além de
casos de associativismo diante das novas tecnologias digitais, tal como a TV comunitária
Amsterdam Open Channel, que conta com avançados recursos de programação digital
mesclados a linguagens televisivas livres e participativas, ou ainda o coletivo de veículos
comunitários franceses, La Maison des Médias Libres, que agrega e observa veículos
alternativos aos mass media.

COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA NA
AMÉRICA LATINA

 Autor: Cobertura Colaborativa Fuera OMC | Fonte: Mídia Ninja

No Brasil e na América Latina, a comunicação comunitária ou popular esteve, quase sempre,


ligada à motivação política da chamada contra-hegemonia. Esse termo designa um tipo de
comunicação oposta àquela dos grandes conglomerados de mídia, ou seja, caracterizada não
pelos interesses mercadológicos da indústria cultural, mas pelas formas de comunicação mais
dialógicas e voltadas ao interesse da comunidade.

No Brasil, o enxugamento paulatino do Estado no período seguinte à ditadura militar abriu


espaço para a instauração de experiências de comunicação comunitária diversas, cujo objetivo
era pôr em prática o ideário agregador libertário e crítico da contra-hegemonia, ou ainda, dar
voz a grupos marginalizados da sociedade.
DIALÓGICO

Horizontal, ou seja, aquela em que há um diálogo entre iguais e não uma verticalidade na
comunicação, de cima para baixo.

 RESUMINDO

Portanto, no contexto latino-americano, a comunicação social, em seu modo alternativo, já se


opunha – ao menos em tese –, à mídia hegemônica comercial, cujas tendências conservadoras
forçaram o surgimento de veículos populares, num primeiro momento, voltados à utilização do
rádio e do impresso.

CASO BRASILEIRO
No Brasil, o estabelecimento da comunicação comunitária toma contornos eminentemente
políticos, especialmente a partir da série de ações envolvendo cursos de Comunicação Social
em todo o país, por meio da União Cristã Brasileira de Comunicação Social, a UCBC, no início
dos anos 1970, com a oferta de cursos acompanhada pela publicação de cartilhas voltadas ao
manejo crítico de veículos comunitários, como o rádio e o jornal.

No início da década seguinte, a Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação, a


NOMIC, pautou novas ações do grupo denominado Projeto de Leitura Crítica da Comunicação,
envolvendo professores como Paulo Freire (1921-1997), Marcelo Azevedo, Romeu Dale, José
Marques de Melo (1943-2018), Ismar de Oliveira Soares, Attílio Ignácio Hartmann, José Manoel
Moran, Joana Puntel, Reinaldo Brose, entre outros. O desenvolvimento do campo teórico foi,
então, inspirado marcadamente pela teoria crítica da Escola de Frankfurt, sendo
posteriormente tangenciado pelos Estudos Culturais Latino-Americanos.

O entendimento da mídia massiva brasileira como dispositivo articulador de discursos e da


chamada “moral mercadológica” – termo cunhado por Sodré em 2002 – nos primeiros anos do
século XXI faz ressurgir o interesse pela comunicação comunitária, agora como uma atividade
que extrapola o chamado Terceiro Setor e os modelos consagrados de veículos
comunicacionais para abraçar uma vasta gama de processos ligados a manifestações artístico-
culturais, envolvendo novas tecnologias, eventos de rua, festividades e o resgate de costumes
populares.

 Paulo Freire | Fonte: Wikimedia

A ideia de comunicação comunitária está ligada, portanto, às práticas coletivas com caráter
crítico ou contra-hegemônico e empenhadas na produção de uma fala alternativa.

CONCEITOS E PRÁTICAS DA
COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA
Vejamos alguns conceitos que atualmente permeiam a prática da comunicação comunitária:
ADAPTAÇÃO DA LINGUAGEM

Que se preocupa em não cair na mera reprodução dos modelos e estereótipos da linguagem
midiática massiva.
CRIATIVIDADE VOLTADA À INDEPENDÊNCIA

Em relação aos aparatos técnicos dos veículos tradicionais de comunicação e convicta de que
a tecnologia deve servir como ferramenta de produção alternativa.

VINCULAÇÃO COMUNITÁRIA

Como dispositivo de identificação coletiva em torno de um valor comum, partilhado pelo grupo
em geral, e facilitador de um diálogo interno e externo, tendo como objetivo a expansão das
reivindicações locais por meio de veículos comunitários independentes.

Como vimos, a comunicação comunitária pode ser vista atualmente, seja no meio acadêmico
ou nos movimentos autônomos, como uma prática calcada na formulação de veículos
alternativos e independentes em relação à grande mídia.

Entre as principais vertentes que praticam e estudam essa teoria comunicacional, podemos
destacar:
1. COMUNICAÇÃO E MOVIMENTOS POPULARES,
AMBIENTALISTAS E CULTURAIS
As práticas comunicacionais empreendidas por populações indígenas, quilombolas, rurais,
movimentos sem-terra, associações culturais, artísticas e locais, e grupos de ação ambiental,
ligados ou não ao Terceiro Setor, são estudadas em seus contornos críticos, e nos possíveis
impactos práticos gerados em âmbito de políticas públicas e fomento institucional. Essas ações
estão especialmente localizadas nas regiões Amazônica, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil.

2. COMUNICAÇÃO E CONFLITOS URBANOS


O papel formativo e articulador das ações de comunicação em ambientes comunitários
permeados por conflitos urbanos, sendo o mais exemplar as favelas das grandes capitais
brasileiras, é o tema de estudos interdisciplinares que, em muitos casos, envolvem
professores, alunos, profissionais livres, ativistas e artistas. Essas ações estão especialmente
localizadas na região Sudeste.

3. COMUNICAÇÃO E PROCESSOS IDENTITÁRIOS


As variadas formas de manifestação identitária relacionadas ao delineamento de contornos
culturais, étnicos, raciais, de gênero, hereditários ou territoriais são analisadas à luz das
diferentes ferramentas de comunicação disponíveis, desde rádios livres até redes sociais da
internet. A noção de comunidade ganha contornos mais maleáveis e afins a agrupamentos
coletivos mais fluidos. Essas ações estão especialmente localizadas na região Sul.

EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA


No Brasil e na América Latina, a comunicação comunitária vem sendo pensada como um
instrumento de conscientização cidadã. Uma vez que ela valoriza a produção e circulação de
conteúdos autônomos, territoriais e contra-hegemônicos, teríamos aí um potencial formativo,
sendo a comunicação uma ferramenta de educação para a cidadania, ou seja, uma maneira de
conscientizar as pessoas e comunidades sobre seus direitos, deveres, suas responsabilidades,
necessidades e reivindicações.

Uma pauta importante da comunicação como formação cidadã é a leitura crítica dos meios de
comunicação. Nesse aspecto, o pensamento legado pela União Cristã Brasileira de
Comunicação Social (UCBC) nos anos 1970 e 1980 é determinante. O jeito como, atualmente,
analisamos de maneira crítica a produção da mídia também tem tomado por base e ponto de
partida o material produzido pela UCBC.

Em 1970, a UCBC começou a oferecer cursos de comunicação de curta duração a agentes


pastorais, religiosos e estudantes secundaristas, voltados à crítica dos excessos cometidos
pela televisão. Somente em 1979, esses cursos passaram a refletir sobre os aspectos sócio-
político-ideológicos da mídia.

Em 1980, com influência do pensamento de Paulo Freire, o programa Leitura Crítica da


Comunicação (LCC) sofreu uma redefinição: o objetivo passou a ser o de que os próprios
participantes tomassem consciência da contradição entre seus valores e os propostos pela
classe dominante.

Ao mesmo tempo eram oferecidos, ainda pelo próprio programa LCC, cursos práticos de
produção em comunicação, especialmente na área do jornalismo, rádio e vídeo. Ainda na
década de 1980, tem início a publicação da coleção Para uma Leitura Crítica...; foram, então,
publicados alguns títulos que tinham como público-alvo os professores e agentes culturais.
Listamos essas publicações a seguir:

Para uma Leitura Crítica dos Jornais


Para uma Leitura Crítica da Televisão

Para uma Leitura Crítica da Publicidade


História em Quadrinhos: Leitura Crítica

Em 1988, os coordenadores e capacitadores de LCC colaboraram com a Conferência Nacional


dos Bispos do Brasil (CNBB) na preparação do texto da Campanha da Fraternidade sobre a
Comunicação, desenvolvida em nível nacional em 1989. O texto Comunicação para a Justiça e
a Paz, com 200 mil exemplares, foi utilizado em todo o país, trabalhando com muitos dos
pressupostos do Programa de LCC.

Assim, o LCC passa a ser recomendado oficialmente pela CNBB. Outro marco ocorre em 1990,
quando o programa foi novamente objeto de estudo acadêmico em A Contribuição das
Ciências Sociais para a Avaliação dos Programas de Educação para a Comunicação – Tese de
Livre-Docência de Ismar de Oliveira Soares, na ECA/USP.

Além da UCBC e o seu LCC, outros projetos de educação para leitura das mídias surgiram na
América Latina com o mesmo propósito. São exemplos o Ceneca (Centro de Indagação,
Expressão Cultural e Artística), no Chile; o Cinep (Centro de Investigação e Educação
Popular), na Colômbia; entre outros.

Destaca-se também a atuação do Ciespal (Centro Internacional  de Estudos Superiores de


Comunicação para América Latina), no Equador, e de diversos teóricos e comunicadores latino-
americanos, como Juan Diaz Bordenave, Mario Kaplún, Daniel Pietro, Antonio Cabezas, e
tantos outros, que produziram, no continente, um espaço em que a discussão centrada na
preocupação em analisar criticamente a produção midiática e, consequentemente, a
capacitação para a produção de mensagens para os diferentes meios de comunicação fossem
possíveis.

Em todos esses movimentos e projetos mencionados percebe-se o quanto o projeto


educacional também foi fortemente cotejado. Detecta-se sua presença basicamente a partir de
duas maneiras:

A primeira na disposição de criação de cursos centrados na preocupação do consumo da


produção midiática, com lentes mais críticas;

E na interseção entre as duas áreas de conhecimento, onde pudesse ser finalmente


conjugado o binômio educação-comunicação.

 Fonte: Rawpixel.com/Shutterstock

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

 Identificar os principais conceitos e as práticas da radiodifusão comunitária


O QUE É UMA RÁDIO COMUNITÁRIA?

 Fonte: kan na/Shutterstock

O rádio é um veículo de grande penetração no Brasil. As ondas AM foram responsáveis por


levar informação e cultura ao interior do país, em lugares onde a televisão não tinha estrutura
viável e onde a imprensa escrita não tinha público alfabetizado. Com 32,7 milhões de
analfabetos em 1980 (FERRARO, 2002), o Brasil tinha no rádio uma tecnologia de
comunicação poderosa.

Além disso, a grande concentração de poder e a histórica monopolização das mídias no Brasil
e na América Latina são características que fizeram de nossa região um polo histórico das
rádios livres e comunitárias. Cenário muito comum no Brasil era a concentração de rádios
comerciais nos interiores, nas mãos de comerciantes, empresários, famílias de políticos ou
conglomerados de mídia.

Tendo surgido em 1923, no Rio de Janeiro, a radiodifusão profissionalizou-se nos anos 1930
com a introdução de anúncios pagos e programas patrocinados, chegando a concentrar 40%
da verba publicitária do mercado midiático em 1940. Os Códigos de Telecomunicações
sancionados no início dos anos 1960 inauguram um hiato até que, somente em 1998, a Lei de
Radiodifusão Comunitária fosse instituída.
No entanto, as rádios não comerciais, livres ou comunitárias têm seu nascimento em
movimentos ligados à Igreja Católica, missões evangelizadoras e educativas, no início dos
anos 1960, com as escolas radiofônicas da Igreja no Nordeste do país e a Rádio Educação
Rural de Tefé, Amazonas, ativa desde 1964.

LEI DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA

A Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro de 1998, institui o Serviço de Radiodifusão Comunitária.

 Mixagem de som feita em igreja. | makeitahabit/Shutterstock

Posteriormente, os movimentos rurais e sindicais adotaram essa poderosa ferramenta de


mobilização comunitária (MALERBA, 2017). A criação da Associação Mundial de Rádios
Comunitárias (AMARC), em 1983, foi marcante para o impulsionamento das rádios
comunitárias mais independentes no Brasil e na América Latina.

A Rádio Novos Rumos, do município de Queimados (RJ), na Baixada Fluminense, fundada em


1991, foi uma das primeiras rádios a funcionar sob uma lógica de gestão participativa mais
ligada à maneira como se imagina ser uma rádio comunitária, dirigida por assembleias abertas
e inclusivas, reunindo pessoas de diferentes orientações políticas, religiosas e culturais. Os
associados pagavam mensalidades simbólicas em contribuição aos custos operacionais da
rádio, e os conselhos coletivos deliberavam sobre a programação.

No entanto, nem todos os casos refletem o ideal de rádio comunitária. A promulgação da Lei da
Radiodifusão, que só ocorreu em 1998, deveria legitimar o já alastrado movimento de
radiodifusão comunitária no Brasil, mas acabou instituindo uma série de limitações que não só
restringia a ação das rádios comunitárias, como também impunha severas sanções, cuja
vigilância caberia à Polícia Federal.

Segundo a Lei 9.612/98, a radiodifusão comunitária deve operar em baixa frequência e com
cobertura restrita, visando atender exclusivamente ao território comunitário, viabilizando difusão
de ideias, cultura, tradições e hábitos. Apenas associações ou fundações formalmente
constituídas e autorizadas pelo Ministério das Comunicações podem operar uma rádio
comunitária.

 SAIBA MAIS

Atualmente, a ONG Criar Brasil contabiliza mais de 1.400 rádios homologadas no país, sendo
os estados que mais concentram esses números o Rio de Janeiro, seguido de São Paulo e
Paraná. Sabemos que essa quantidade pode ser bem maior se considerarmos as rádios à
espera de homologação e outras que atuam sem a outorga oficial.

 Fonte: Shawn Eastman Photography/Shutterstock

A concentração de rádios nesses estados pode indicar, ainda, que o crescente número de
bairros e regiões periféricas nos grandes centros urbanos vem adotando o rádio como
ferramenta de mobilização popular e tem mais acesso aos mecanismos burocráticos de
homologação.

Na prática, a Lei 9.612/1998 apresenta sérios conflitos. Em primeiro lugar, a cobertura restrita
exigida pela Lei era de 1 quilômetro de raio, com 25 watts de potência, podendo a rádio ser
multada caso ultrapassasse esse limite. Em 2018, com a aprovação do Projeto de Lei
513/2017, a potência foi aumentada para até 150 watts.
Ainda assim, a relação necessária entre a comunidade e o território faz das rádios uma
ferramenta essencialmente local, com poder de alcance limitado diante do escopo das rádios
chamadas comerciais. Outro entrave é o caráter burocrático do processo de homologação de
uma rádio comunitária, que muitas vezes desestimula a adoção desse meio em comunidades
ou agrupamentos desprovidos de recursos.

 COMENTÁRIO

A burocratização da comunicação comunitária é uma pauta importante, pois sabemos que, nos
princípios da comunicação comunitária, é indispensável o processo de interação dialógica entre
os emissores e receptores, o que se dá por meio dos equipamentos mediadores da sociedade,
ou seja, os acontecimentos do dia a dia, as dinâmicas da cultura cotidiana. Sabemos que o
universo das rádios comunitárias ou alternativas, ou ainda, não comerciais, abrange temáticas
que vão da vida no campo à ufologia, música, cultura periférica, juventude, política, ocupação
dos espaços etc.

MEDIAÇÃO SOCIOCULTURAL E
COMUNIDADE GERATIVA
O caso da rádio de Queimados, na Baixada Fluminense, por exemplo, é interessante por
revelar o quanto a realidade das rádios é variada. Ali, como em várias rádios comunitárias,
convivem pautas territoriais, culturais, políticas e religiosas, uma vez que a cultura daquela
localidade é igualmente diversa. Ao analisar esse caso, João Paulo Malerba (2008) afirma que
o cenário político e social da região é determinante na conformação do estilo da rádio.

SERIA, ENTÃO, INGENUIDADE CRER QUE HAJA UM


PADRÃO DE RÁDIOS COMUNITÁRIAS EM SUA PAUTA,
TEMÁTICA OU ATÉ EM SEU MODELO DE GESTÃO.
O que caracteriza, no fim das contas, o aspecto comunitário das rádios é sua capacidade
política de mobilização social naquele grupo específico. Assim, a cultura, linguagem e os
gostos da população local deverão determinar o “estilo” da rádio. A isso chamamos mediação
sociocultural.

A mediação abrange tanto os discursos contidos nas mensagens, personagens e linguagens,


para averiguar o tipo de organização social e o fluxo informacional na comunidade, quanto o
uso popular desses instrumentos; isso sem considerar os processos de decodificação da
mensagem a partir de referenciais coletivos de cada lugar cultural (HALL, 2003).

Quanto à operacionalização dessa mediação, com foco na proposta de Paulo Freire em


Educação como prática da liberdade (1983), a rádio comunitária apresenta-se como uma
ferramenta muito interessante, uma vez que possibilita, ao mesmo tempo, a circulação de
informações e o fortalecimento do efeito de significação da comunidade na mídia.

 COMENTÁRIO

Não se trata apenas de criar mais um veículo de comunicação, mas de promover a


desconstrução do mito em torno da mídia inatingível, tecnológica, complexa e detentora da
verdade social.

 Fonte: pxhere

Para tanto, as técnicas utilizadas para a mistificação do rádio, como a teatralização,


impostação vocal e construção de ambiência, por meio da sonoplastia e sonorização, por
exemplo, devem ser utilizadas para formação de um veículo baseado no conjunto de signos
locais, incluindo a linguagem, os sotaques e a “bagagem” histórico-cultural, entre outros, de
maneira coletiva e participativa.

Uma vez que a comunidade poderá atuar no controle criativo da mídia, representando de modo
mais real e verídico as práticas socioculturais da localidade no ambiente midiático (o rádio),
espera-se valorizar o senso crítico coletivo a partir da desmistificação da mídia como padrão
único da verdade social.

ESTAR POR DENTRO DA MÍDIA, RECONHECER-SE NO


RÁDIO, INTERAGIR COM ELE, E FAZER DELE UM
“ESPAÇO” DEMOCRÁTICO TANTO PARA PRESERVAR
(PAPEL HISTÓRICO) QUANTO PARA CRIAR (PAPEL
FILOSÓFICO) CULTURA SÃO OS IDEAIS QUE
SUSTENTARAM, AO LONGO DAS ÚLTIMAS DÉCADAS,
A RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA.

O conceito de comunidade gerativa (PAIVA, 2005) também é utilizado como base


fundamental da discussão. Ele parte da ideia de vinculação entre sujeitos cujo propósito
maior é efetivamente seu florescimento harmônico com o contexto histórico e social de
seu tempo, empreendendo ações norteadas pelo propósito do bem comum na busca de
alternativas para, mediante o senso crítico coletivo, construir uma política gerativa, isto é,
voltada a suprir as necessidades cotidianas locais, como educação, informação, saúde e
trabalho.

Paiva ainda reforça que a comunidade gerativa deve ser implementada pela intervenção
comunitária no sistema midiático globalizado de maneira consciente para afirmação identitária
e cultural.

Em Os media alternativos como parte dos novos processos de mobilização popular no Brasil,
Paiva (2003b) acrescenta que essa intervenção comunitária no sistema midiático transcende a
simples aparição “flutuante” para chegar à real função contra-hegemônica de conscientização
coletiva e transformação da estrutura social vigente.
 RESUMINDO

A escolha de veículos, estratégias ou linguagens de comunicação comunitária deve obedecer


ao objetivo de fortalecimento político e capacidade de diálogo da comunidade. Há, portanto,
outros caminhos para oferecer resultados mais interessantes que aqueles que monopolizam a
versão pública sobre os fatos e sobre a verdade (PAIVA, 2003a).

LINGUAGEM E PROGRAMAÇÃO
A linguagem das rádios comunitárias se fez, na prática, como uma apropriação da linguagem e
dos estilos da radiodifusão comercial. Quanto à programação, observa-se a abundância de
conteúdo musical, seguido de programas de notícias locais, religiosos e educativos, além de
coberturas especiais, como eleições, Carnaval, festividades locais etc.

Como vimos, a expectativa de uma rádio comunitária seria que priorizasse a temática contra-
hegemônica. Atualmente, discute-se muito a contra-hegemonia ou a qualidade política de uma
rádio, como aspectos ligados à sua força de mobilização social e agenciamento da visão
comunitária.

 Fonte: A.PAES/Shutterstock

Ainda que a rádio acabe dedicando muito espaço à programação de entretenimento e


cotidiano, sua força política pode estar na articulação da comunidade em torno de seus valores
e suas visões de mundo. É bem o caso das coberturas especiais que privilegiam a visão da
comunidade sobre as campanhas eleitorais, as festas e os acontecimentos da cidade. Assim,
vale mais o caráter processual e a motivação comunitarista, ou seja, as formas como essas
rádios, do seu jeito, tomam para si o poder de mobilização.

Quanto à linguagem radiofônica propriamente dita, observa-se a tentativa de impostação vocal


como código distintivo do radialista. A dita “voz de rádio” confere ao comunicador popular um
lugar especial de fala. Junto com essa técnica vocal – que consiste em utilizar a voz a partir da
respiração diafragmática e com uso marcado de uma dicção “afetada” –, somam-se o
improviso nos comentários, os avisos e cumprimentos.

Instintivamente, o comunicador popular também acabou reproduzindo técnicas do jornalismo


radiofônico, como a produção de leads, ou seja, notícias estruturadas segundo os parâmetros
de objetividade e clareza da informação jornalística.

 RESUMINDO

Trata-se de encontrar um meio termo entre a linguagem oral – característica marcante do rádio
– e a forma midiática desse veículo no seu formato comercial. Exemplo de adoção de uma
linguagem e programação que, na prática, situam-se nesse meio-termo é a tradicional Rádio
Heliópolis, de São Paulo.

OS CASOS DA RÁDIO POPULAR


HELIÓPOLIS E DA RÁDIO MEGA
A Rádio Popular Heliópolis nasceu em maio de 1992 pela União de Núcleos, Associações dos
Moradores de Heliópolis e Região (UNAS) com o objetivo de promover um melhor diálogo com
os moradores da favela de Heliópolis. A UNAS, por sua vez, foi fundada como associação de
moradores em 1978, no auge da caracterização da região como um bairro originário de
migração nordestina.

Até 1997, a Heliópolis era uma “rádio corneta”, propagada por meio de “bocas de ferro” nos
postes do bairro. A partir daí, ela entrou em frequência modulada no 102,3 FM; e, em 1999,
mudou para a frequência 97,9 FM. Em 2006, oito anos depois da Lei de Radiodifusão
Comunitária, nº 9.612/1998, a rádio Heliópolis foi fechada pela Polícia Federal, após inúmeras
ameaças anônimas.
Gerô Barbosa, diretora da UNAS, lembra da época no site da União:

 Rádio comunitária Heliópolis. | Fonte: Wikimedia.org | Autora: Clariane Santos

ENTÃO É QUANDO A GENTE RECEBE UMA LIGAÇÃO


ANÔNIMA, DIZENDO PARA A GENTE, ERA UMA
QUESTÃO DE HONRA PARA A ANATEL FECHAR ESSA
PETULANTE RÁDIO HELIÓPOLIS.

Somente em 2008, após muita insistência, a Rádio Heliópolis recebeu a outorga de


funcionamento das mãos do então presidente Lula, e atualmente é transmitida na frequência
87,5 FM.

As instalações da rádio são, atualmente, bem simples, contando com uma mesa de controle
em uma pequena sala com isolamento acústico, alguns microfones ligados a um computador,
onde a programação é controlada, e, em outro espaço, um computador com microfone, mas
que não faz transmissão, apenas captação e edição de trilhas.
Como se observa na realidade das rádios comunitárias, os colaboradores, em sua maioria, não
fizeram cursos de comunicação para operar e apresentar os programas, mas todos foram
aprendendo os maneirismos da radiodifusão na prática, principalmente pelo hábito de audição
das rádios comerciais. Toda a programação da rádio é concebida por colaboradores da própria
comunidade, contando com uma grade muito diversificada, a fim de atender a todos os
públicos que moram na região.

A programação é, em grande parte, executada e transmitida ao vivo. As pautas abordam temas


de interesse cotidiano e prático, como a declaração do imposto de renda, serviços públicos,
horários do comércio, trazendo, muitas vezes, convidados da própria comunidade. No entanto,
a programação musical é predominante, ocupando cerca de 60% da grade diária.

 Fonte: BigTunaOnline/Shutterstock

Na atualidade, o aplicativo WhatsApp é a principal ferramenta de contato direto com a


comunidade, pelo qual os ouvintes mandam perguntas e comentários para serem respondidos
ao vivo, além de uma transmissão ao vivo (live) através do Facebook.

Por estar no ar há muitos anos, a rádio conseguiu criar um vínculo muito forte com a
comunidade, sendo o principal meio de comunicação local e criando um elo estreito entre os
moradores e o território.

É o caso também da Rádio Mega FM, de Juiz de Fora (MG), que se localizava no bairro Santa
Cândida, periferia da cidade. Segundo Claudia Lahni (2008), foi o caráter horizontal da
comunicação, com microfones abertos e sistema de autogestão, que conferiu à rádio um
aspecto mais genuinamente comunitário.

Assim como a Rádio Popular Heliópolis, a Rádio Mega também foi lacrada pela Anatel em
2003. É importante observar que, mesmo com uma gestão coletiva, a rádio mineira contava
com um cenário cultural igualmente diverso, incluindo programação de hip-hop, música cristã e
DJs. O slogan “A comunitária de verdade” marcou o auge do movimento.

 Fonte: Ensuper/Shutterstock

O rádio é um dos instrumentos comunicacionais mais eficazes na cena comunitária. Seja por
sua estrutura mais enxuta, afinal, uma rádio comunitária pode funcionar com apenas um
transmissor, uma antena, um microfone, um amplificador e um computador; seja, ainda, pelo
rádio ser uma linguagem que penetrou tão profundamente na vida brasileira.

Basta saber que, em localidades onde não havia estrada nem telefonia e muito menos
imprensa e televisão, havia ondas AM. É o caso dos interiores da Amazônia e das fronteiras
latino-americanas do Brasil, onde as rádios AM da Guiana Francesa, da Bolívia e do Peru
trouxeram importante influência para a música e cultura popular de comunidades que viviam
naqueles territórios.
Quer saber mais sobre as rádios comunitárias? .

Veja os comentários do professor Marcello Gabbay:

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

 Identificar os principais conceitos e as práticas da teledifusão comunitária


O QUE É UMA TV COMUNITÁRIA?

 Fonte: gallofoto/Shutterstock

A televisão brasileira foi inaugurada, em 1950, com a TV Tupi, canal 4. Era uma empreitada do
industrial Assis Chateaubriand (1892-1968). Inicialmente, o modelo do rádio foi transportado
para o novo veículo, trazendo os programas patrocinados, como o Repórter Esso e as novelas,
também financiadas por anunciantes como a Colgate-Palmolive. Havia, ainda, os programas de
auditório, com Chacrinha (1917-1988) e Hebe Camargo (1929-2012).

Em 1962, é promulgado o Código Brasileiro de Telecomunicações, com tendência ao controle


estatal e às concessões a empreendedores privados. Esse é o marco histórico do sistema de
concentração da mídia televisiva em corporações privadas, que diferencia o Brasil, por
exemplo, do Reino Unido, onde as principais emissoras são controladas pelo Estado.

 Fonte: BonNontawat

Nos anos 1960, a popularização do videoteipe reconfigurou a TV e a publicidade audiovisual,


facilitando a gravação, edição e distribuição de conteúdo. A televisão deixava de ser
eminentemente ao vivo, relegando essa técnica para o telejornal e os programas de
entretenimento em auditório. Nos anos 1970, a TV em cores chegou ao Brasil; e, em 1982,
iniciou-se a transmissão via satélite, consolidando de vez o boom dessa mídia na sociedade.

As TVs comunitárias surgiram, no Brasil, exatamente na década de 1980. As primeiras


inciativas eram conhecidas como TVs Livres ou TVs de Rua, pois tratava-se de eventos de
exibição de vídeos com conteúdo educativo e cultural em bairros e associações. Cicilia
Peruzzo (2007), em seu livro Televisão Comunitária, observa, no mesmo período, experiências
de transmissão de canais de TV alternativos por VHF em ondas de baixa potência.

Esses canais VHF eram considerados irregulares pelo antigo Departamento Nacional de
Telecomunicações (Dentel) e, portanto, pejorativamente classificados como “piratas”. Antes da
chegada da TV a cabo no Brasil, em 1989, as TVs livres, “piratas”, alternativas ou comunitárias
eram transmitidas também por UHF.

Era o caso da TV Cubo, criada no bairro do Butantã, em São Paulo, no ano de 1986, e
transmitida clandestinamente pelo canal 3 VHF. Sua produção era gravada em fitas VHS e
transmitida em um equipamento de 150 watts de potência, cuja capacidade alcançava cerca de
1,5 quilômetro de raio.

VIDEOTEIPE

Sistema de gravação em fita magnética.

 SAIBA MAIS

Transmissões clandestinas com conteúdo gravado em fitas VHS, ocorridas na mesma época,
são identificadas por Peruzzo (2004) na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro, a exemplo da
antiga TV Lama. Em comum, essas primeiras experiências têm o fato de serem irregulares,
clandestinas e ainda muito experimentais. Não havia uma estrutura de programação clara, nem
uma periodicidade mais estável de emissão.
 Fonte: r.classen/Shutterstock

A regulamentação da TV comunitária ocorreu somente com o Decreto-Lei n. 2.206/1997,


atualizado posteriormente por outro decreto, de maio de 2002. A partir daí, as empresas que
ganham concessão do Governo Federal para operar os canais de TV a cabo são obrigadas a
destinar oito canais em sua área de cobertura para entidades sem fins lucrativos. Desses,
apenas um é destinado a TVs comunitárias, os outros ficam para as TVs da Câmara, Senado,
Judiciário, Educativo e Assembleias Legislativas.

CANAIS DE TV COMUNITÁRIOS
Atualmente, a ONG Criar Brasil contabiliza apenas doze TVs comunitárias ligadas à
organização, sendo cinco delas no estado de São Paulo. Por se tratar de uma estrutura muito
mais robusta de produção, esse tipo de veículo comunitário aparece como uma alternativa bem
menos presente do que o rádio e o impresso. Mas é importante perceber que grande parte dos
canais de TV comunitários de todo o Brasil tem atuado via sistema de streaming, transmitindo
sua programação por plataformas como o YouTube. Considerando esse montante, o número
de canais aumentaria muito.
Juridicamente, os canais de TV comunitários são organizações autônomas da sociedade civil
geridas coletivamente na forma de associação ou conselhos formados pelos participantes
locais. Assim como acontece com as rádios comunitárias, esses canais devem ser mantidos
financeiramente por doações dos próprios associados ou de entidades parceiras, sem venda
de publicidade comercial. Apenas a relação de “apoio cultural” é permitida na concessão de
espaço físico, equipamentos, estúdios, insumos etc.

Esse modelo acaba sendo um dos grandes empecilhos econômicos para a sobrevivência dos
veículos comunitários, seja no rádio ou na TV, pois a mídia eletrônica demanda constante
dispêndio de materiais, recursos tecnológicos e humanos, e os apoios culturais são quase
sempre insuficientes. O projeto de lei de 2017, que propunha o aumento do alcance das rádios
comunitárias, também propôs a regulamentação da publicidade em veículos comunitários, mas
o tema ainda não foi acordado nas instâncias governamentais.

Além da burocratização, a TV comunitária sofre com o elevado custo de produção. Enquanto


muitos jornais comunitários utilizam equipamentos de cópia emprestados ou de fácil acesso,
como o mimeógrafo ou a fotocópia, e as rádios conseguiram montar sua estrutura com pouco
mais que uma mesa de som, um amplificador, um computador e um transmissor, as TVs
precisam de estrutura de produção, captação de imagem, edição de imagem e som etc. Os
equipamentos são caros e a mão de obra também.

No entanto, como vimos, a TV possui a facilidade cultural de trazer uma linguagem


característica da vida brasileira: a imagem em movimento. Em se tratando de mediação
sociocultural, a TV é uma poderosa tecnologia de comunicação, pois reproduz a estética da
vida real e do cotidiano.

 Fonte: marchello74/Shutterstock

 SAIBA MAIS

Em Dos Meios às Mediações, Jesús Martín-Barbero (2003) defende que, se não fosse a
monopolização das produções de conteúdo, a TV seria uma grande tecnologia de
representação cultural.

Atualmente, as TVs comunitárias em UHF têm que retransmitir parte da programação das TVs
Educativas e acabam funcionando mais como canais locais de retransmissão. Peruzzo (2007)
afirma que esse tipo de canal de TV é comumente utilizado para fins educativos, mas também
político-partidários e até comerciais, de acordo com o tipo de programação. Por isso, muitas
vezes, acaba perdendo seu caráter essencialmente comunitário, deixando de lado a
programação produzida pela comunidade local.

 COMENTÁRIO

As TVs em VHF seguem clandestinas, pois não constam na regulamentação atual; por seu
curto alcance, atendem mais aos interesses da população local, ainda que com emissão mais
esporádica. As TVs de rua ou TVs Livres são as emissões de produção audiovisual comunitária
em eventos e espaços públicos; elas não realizam transmissão por frequência em nenhum
canal, e geralmente têm seu conteúdo exibido em suportes como VHS, DVD ou digital
projetados em telões.

 Fonte: Proxima Studio/Shutterstock

Recentemente, ganham espaço as TVs por streaming, com características parecidas com as
TVs Livres, só que com o conteúdo transmitido em canais do YouTube e outras plataformas de
vídeo na internet.

INTEGRAÇÃO PRODUTOR-CONSUMIDOR
DE DISCURSOS
O caso do programa NoAr, realizado pela ONG Alpendre, de Fortaleza (CE), ilustra bem o
funcionamento orgânico de uma TV comunitária surgida como projeto de TV de rua e depois
migrada para a TV de frequência. Os programas realizados pelo projeto foram exibidos no
canal da TV Estadual do Ceará aos domingos.

O formato em quadros durava uma hora e incluía linguagens de humor, ficção, documentário e
videoclipe, tudo produzido e apresentado pelos jovens integrantes do projeto, num formato
denominado “programa-oficina”, já que cada edição do NoAr era resultado direto das oficinas e
experiências realizadas na etapa formativa do projeto.

A DINÂMICA DE PRODUÇÃO DE DISCURSOS QUE


PUDESSEM COMBATER O ESTEREÓTIPO DO “JOVEM
PERIFÉRICO MARGINAL” FOI A TÔNICA PRINCIPAL
DO PROGRAMA NOAR.

Como observa Alexandre Barbalho (2008), o importante é criar maneiras próprias de


expressão e comunicação, subvertendo as gramáticas audiovisuais ditadas pela
televisão comercial. Ou seja, para o projeto, era tão importante realizar bons programas
quanto criar novas formas de linguagem e produção audiovisual que atendessem às
necessidades e aos valores estéticos da própria comunidade.

Na perspectiva da TV como tecnologia de mediação, deveríamos pensar em seu conteúdo


como um mecanismo de integração constante entre quem produz e quem assiste. Os aspectos
do cotidiano, como as crenças, os costumes, gostos, sonhos e desejos coletivos são o tempero
que torna a televisão tão atraente ao representá-los de modo realista e verossímil em imagem
e som.

Os Estudos de Recepção da TV falam de uma ressacralização da mídia no jeito como a


consumimos. Isso porque a TV passa a fazer parte dos rituais cotidianos. Assistimos à TV para
comer, para dormir, para nos socializarmos etc. Um estudo de recepção, realizado por Ondina
Fachel Leal (1986) nos anos 1980, sobre como as pessoas assistiam à telenovela da Rede
Globo no Rio Grande Sul, apontou que, nas classes populares, a televisão regulava as práticas
cotidianas, pautando as conversas, possibilitando a incorporação de palavras e expressões ao
vocabulário das pessoas, ao passo que, nas classes dominantes, a recepção ocorria de modo
menos envolvente. A telenovela não era assistida todos os dias, principalmente porque a
televisão não é a única forma de lazer.

Além disso, o horário da telenovela se constitui em algo individualizado. Em geral, as crianças


não assistem ao programa. E, nos momentos em que a família se reúne para assistir à
telenovela, a exibição não é um momento “sagrado” em que o silêncio é exigido, mas há a
intervenção intensa das pessoas por meio de comentários críticos. Isso nos ajuda a perceber
que a TV como mediação tem uma forte penetração na vida popular e sua linguagem deve,
tanto quanto possível, incorporar discursos, personagens e aspectos da comunidade.
 Fonte: Dragon Images/Shutterstock

A televisão é uma tecnologia potente de aglutinação cultural. O audiovisual recupera aspectos


importantes da comunicação humana, como a oralidade, a imagem, a espontaneidade e o
cotidiano. O papel da TV comunitária é promover a democratização dessa ferramenta,
apresentando alternativas ao uso estritamente comercial da TV.

FAZ PARTE DA CIDADANIA NÃO SÓ O DIREITO À


COMUNICAÇÃO, MAS TAMBÉM O DIREITO AO USO
DAS TECNOLOGIAS E DOS MEIOS DISPONÍVEIS PARA
A TROCA COMUNICACIONAL.

 COMENTÁRIO

Sabendo que tecnologias como a televisão e a internet apresentam um enorme potencial de


vinculação, difusão e disseminação de valores, é justo que as iniciativas comunitárias, locais ou
periféricas também possam se valer desses meios para produzir seu discurso e suas formas de
representação social.

Os debates em torno das fake news e a propagação de informação falsa, inverídica ou


caluniosa sobre fatos e pessoas apontam para a importância que a comunicação midiática, ou
seja, aquela mediada por uma tecnologia, tem na sociedade. Numa época em que conteúdos
são considerados verdadeiros pelo fato de serem transmitidos através da tela de um aparelho,
a produção de discurso comunitário televisivo, audiovisual e digital torna-se ainda mais
premente.

FAKE NEWS

Notícias falsas são uma forma de imprensa marrom que consiste na distribuição deliberada de
desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas
mídias sociais.

LINGUAGEM E PROGRAMAÇÃO
Se a linguagem das rádios comunitárias se fez, na prática, como uma apropriação dos
maneirismos da radiodifusão comercial, a linguagem das várias formas de TV comunitária
também apropria aspectos do telejornalismo, da dramatização nas telenovelas, mas é
fortemente marcada pelo estilo local. Ou seja, a maneira de narrar, o vocabulário, os cenários,
as paisagens e trilhas sonoras provêm do território onde são produzidos os programas.

Quanto à programação, dependendo do tipo de TV (por frequência, de rua ou por streaming),


pode-se observar uma significativa variação de conteúdo. Nas TVs transmitidas por frequência,
por exemplo, percebe-se a ocorrência de programas de notícias e de entretenimento, como
cobertura de eventos locais e festas, além de programas educativos.

Nas TVs de rua, a programação já incorpora mais a linguagem documental, com reportagens
específicas, minidocumentários, além da linguagem artística com videoclipes e dramatizações.
É comum, nesses casos, que as TVs Livres (de rua ou na internet) se dividam entre produções
idealizadas pela equipe integrante da TV e produções propostas ou idealizadas por moradores
locais.

 EXEMPLO

É o caso da Bem TV, de Niterói, no Rio de Janeiro, que, atendendo a uma demanda da
Associação de Moradores da Rua Castro Alves, produziu um documentário sobre o time de
futebol local.

Como vimos também no caso das rádios comunitárias, a expectativa de um veículo


essencialmente comunitário, que pautasse regularmente questões de caráter contra-
hegemônico, equilibra-se com a necessidade real de manutenção e sobrevivência financeira e,
no caso da TV, com as barreiras tecnológicas e carência de mão de obra.

Em muitos casos, como no projeto Tela Firme, na periferia de Belém do Pará, os operadores de
câmera, editores e diretores são voluntários da comunidade, que oferecem seu tempo livre
para as produções audiovisuais do projeto. Além disso, as câmeras, os computadores e os
softwares de edição são emprestados por esses voluntários, de modo que o projeto Tela Firme
depende da disponibilidade das pessoas.

O que torna essas iniciativas filosoficamente comunitárias é, além de seu conteúdo territorial e
politizado, a sua força de mobilização social e promoção da visão comunitária. Assim como as
rádios, a força política desses veículos está, muitas vezes, na articulação da comunidade em
torno de seus valores e suas visões de mundo.

Quanto à linguagem, muitos aspectos da TV comercial são apropriados na produção


comunitária. Do telejornalismo, temos a estrutura do texto, com os leads, as chamadas e a
forma da pirâmide invertida. No audiovisual jornalístico, de maneira geral, as passagens,
entrevistas e coberturas de eventos.
LIDE (LEAD)

Estrutura de abertura das notícias, principalmente no jornalismo impresso, respondendo às


perguntas: Quem? O quê? Quando? Como? Onde? Por quê?

CHAMADA

Recurso do telejornalismo em que o apresentador introduz, “chama” uma matéria importante


que será veiculada logo a seguir.
PIRÂMIDE INVERTIDA

A pirâmide invertida é uma estruturação do texto jornalístico em que as informações menos


importantes aparecem no meio ou no fim da reportagem.
PASSAGENS

Passagem é um recurso do telejornalismo em que o repórter fala diretamente para a


câmera/telespectador.

Acredita-se que, por estarem tão naturalizadas no imaginário coletivo, utilizar essas técnicas
pode ser uma maneira de tornar as mensagens objetivas e claras para o espectador. No
entanto, o improviso nos comentários, o vocabulário, as gírias locais e os sotaques são um
recurso fundamental para dissociar a linguagem comunitária das mídias comerciais, que
prezam pela neutralização de sotaques regionais, utilizando até tratamentos fonoaudiológicos
para os apresentadores e jornalistas.

Nos conteúdos documentais, é comum vermos a apropriação de técnicas de edição do cinema


– com transições de cena, filtros de cor e planos de câmera mais artísticos – se comparados à
frieza com que o telejornalismo comercial costuma tratar a cena.

COMO A PRODUÇÃO É GERALMENTE COLETIVA E


ABRAÇADA PELA JUVENTUDE LOCAL, A
REFERÊNCIA CINEMATOGRÁFICA APARECE COMO
UMA CARACTERÍSTICA ESTÉTICA MAIS
CONTEMPORÂNEA, LÚDICA, DIFERENCIAL E
CATIVANTE, ESPECIALMENTE NO AMBIENTE DIGITAL,
ONDE ESSA LINGUAGEM É MAIS DOMINANTE.
 Fonte: Pxfuel

Um exemplo de linguagem diferenciada é o da TV Viva, de Recife (PE), uma inciativa itinerante


de rua que, entre 1984 e 1995, produziu conteúdo televisivo em linguagem não convencional,
subvertendo a formalidade cronológica do vídeo. Nas produções da TV Viva, os temas eram
apresentados em uma sequência alternativa dos fatos, adotando também figurinos e
vocabulário diferentes daqueles usados em televisão comercial. A ideia era criar uma
linguagem que refletisse o estilo de rua recifense e estabelecesse uma contralinguagem
inspirada no cotidiano e na cultura popular.

Outro exemplo importante da estética comunitária é o vídeo Poderia ter sido você, produzido
pelos jovens do projeto Tela Firme, no bairro da Terra Firme, periferia de Belém do Pará, com o
intuito de reportar o histórico de chacinas ocorridas naquela região. Motivados pelo assassinato
de onze moradores do bairro, em 4 e 5 de novembro de 2014, pela milícia local, e tendo em
vista a cobertura escassa e estereotipada da imprensa comercial, os jovens do Tela Firme
produziram um documentário de nove minutos, veiculado no YouTube, com a memória das
chacinas ocorridas nas periferias da cidade nos últimos vinte anos.

Vítimas fatais foram interpretadas no vídeo por jovens da periferia não só como uma estratégia
plástica de atualização dos fatos, mas também como um alerta, ao corporificar a vítima que
vivia no bairro, apontando a vulnerabilidade a que estão submetidos os jovens da periferia da
cidade.

O vídeo, publicado em 2015, acabou chamando a atenção da cidade como um todo e serviu
como mote para o debate do tema fora do estereótipo midiático. Produzido pelos próprios
moradores de Terra Firme, o documentário se apropria de uma linguagem híbrida entre a
reportagem, o documental e o cinema de suspense.
Conheça algumas iniciativas de TVs comunitárias brasileiras nas palavras do professor João
Paulo Malerba!

Jesús Martín-Barbero afirma que, como linguagem, a indústria cultural tem seus padrões e
seus limites, que são:

O uso de uma linguagem sintética, mediana e rápida;

O apelo comercial como prioridade da estética e do discurso televisivos;

O uso dos estereótipos como estratégia discursiva de massificação do conteúdo


televisivo.

Ou seja:

TV comercial

Quanto mais genéricos o discurso e as formas de representação, mais audiência é captada,


mais anunciantes são contratados e mais retorno financeiro é obtido.

TV comunitária

Está em primeiro lugar o desejo de manifestar um discurso, seja ele político, cultural, social ou
artístico, mas realizado pela comunidade.

Apesar de possuir uma estrutura técnica bem mais robusta que o rádio, a TV comunitária
recupera uma possibilidade latente da mídia televisiva: o uso da imagem como dispositivo de
vínculo social, ou seja, usar a dramaticidade da imagem e a força da oralidade como maneiras
de reunir pessoas em torno de interesses coletivos e não apenas comerciais.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 4

 Identificar os principais conceitos e as práticas do jornalismo comunitário

O QUE É UM JORNAL COMUNITÁRIO?


O jornal tem como marco histórico no Brasil a chegada da família real portuguesa em 1808.
Nesse ano, Dom João VI instituiu a Imprensa Régia e a Gazeta do Rio. No mesmo ano, o
primeiro anúncio foi veiculado na Gazeta, no mês de janeiro, oferecendo uma casa. Em 1821,
foi lançado o jornal de anúncios O Diário do Rio de Janeiro; os primeiros anúncios ilustrados
saem em 1875 e os primeiros anúncios em duas cores em 1896.
 Reprodução da primeira página do primeiro jornal publicado no Brasil. | Fonte: Wikimedia

No final do século XIX, o jornalismo comercial já estava consolidando seu modo de operação
que o tornou economicamente sustentável até o surgimento da internet: a publicidade paga.
Esse paradigma é importante porque caracteriza a imprensa comercial como espaço valorado
pela visibilidade massiva. Ou seja, quanto mais leitores, mais visibilidade um anúncio terá e
mais caro será o espaço destinado a ele no jornal.

Assim, a lógica da visibilidade vai aos poucos tomando conta da edição de um jornal e de sua
pauta. Além disso, os jornais são mantidos por empresas e corporações de mídia que têm seus
interesses comerciais e, muitas vezes, esses interesses acabam interferindo na seleção de
pautas e na escolha da linguagem da notícia. Os principais anunciantes também acabam tendo
um grau de interferência na construção da notícia.

Imagine um jornal, cuja maior anunciante seja uma empresa de combustível. Será que, ao
noticiar uma eventual fraude nos mecanismos internos dessa empresa, ele não estaria
colocando em risco sua fonte de renda mais determinante? Como agir nesses casos?

Outro paradigma é a objetividade da notícia. O jornalismo brasileiro se firmou na tradição norte-


americana, que acredita na possibilidade de produção de um discurso politicamente neutro.
São várias as técnicas de neutralização da notícia que, na década de 1970, Gaye Tuchman e
Herbert Gans denominaram newsmaking. Mas essas técnicas sempre engendram
posicionamentos subliminares, seja na seleção das pautas, na quantidade de caracteres que a
notícia terá, na sua posição na página e nos cadernos de um jornal, se terá ilustração ou foto, o
tipo de foto, sua mensagem iconográfica etc.
O JORNALISMO POPULAR OU COMUNITÁRIO SURGE
EXATAMENTE COMO UM ANTAGONISTA DESTA
GRANDE ESTRUTURA QUE É O JORNALISMO
COMERCIAL.

Com base na necessidade de autorrepresentação e do escalonamento de pautas que atendam


mais diretamente aos interesses locais de determinada comunidade, surge o jornalismo de
bairro. Assim, o paradigma basilar do jornal comunitário é que ele atenda aos interesses locais.
A partir daí, várias outras características surgirão, como a necessidade de uma linguagem
construída a partir da comunidade, a escolha de fotos, personagens, depoimentos e temas
pertinentes à realidade e à visão de mundo da comunidade.

Um exemplo bastante ilustrativo desse problema é a edição de fevereiro/março/abril de 2006


do jornal O Cidadão, do bairro da Maré, no Rio de Janeiro:

O jornal, impresso e distribuído dentro da própria comunidade, vinha construindo uma linha
editorial cada vez mais voltada a fazer oposição à versão criminalista sobre a favela carioca.

Percebendo que os principais jornais comerciais do Rio de Janeiro tratavam a favela sob o
estereótipo da criminalidade e do tráfico de drogas e que, principalmente, não davam a devida
gravidade à abordagem agressiva da polícia no bairro, essa edição trouxe uma fotografia do
veículo do Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro, o Bope, em plano
frontal, com a paisagem das ruas estreitas e marcadas por toldos e cabos da rede elétrica do
bairro, com a manchete: Quem vai levar a sua alma?.

Além do texto, a escolha da foto é estratégica para a representação comunitária, pois


apresenta um contraste entre magnitude do “caveirão” (foto) – como são conhecidos os
veículos blindados usados pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro – e as ruas do
bairro, reproduzindo a sensação de encurralamento e aperto dos moradores que vivem no
local, com as recorrentes ofensivas do Batalhão.
O texto do editorial ajuda a interpretar a imagem da capa ao abordar a sensação de
insegurança que assola o bairro sob a ótica do morador. Os medos, as inquietações e a forma
como quem vive na Maré percebe a presença do “caveirão”. A edição se tornou memorável
para a história do jornal O Cidadão, pois acabou extrapolando os limites da Maré e se tornou
conhecida até mesmo entre os leitores rotineiros dos jornais comerciais.

ESSA CAPACIDADE DE, AO MESMO TEMPO,


REPRODUZIR E REPRESENTAR A REALIDADE LOCAL
E DIFUNDI-LA PARA O GRANDE PÚBLICO É UMA DAS
MAIS COMPLEXAS PRETENSÕES SOCIOCULTURAIS
DO JORNALISMO COMUNITÁRIO.

 Fonte: Prostock-studio/Shutterstock
REPRESENTATIVIDADE E
DESARTICULAÇÃO DE ESTEREÓTIPOS
Voltemos, agora, à função contra-hegemônica do veículo comunitário. Os estudos em
jornalismo comunitário apontam que essa linguagem deve, no mínimo, referir-se à realidade e
às visões de mundo de seu escopo local; mas, além disso, deve trazer a possibilidade de um
contradiscurso que possa ajudar a combater estereótipos, reducionismos, maniqueísmos e
outros vícios da linguagem midiática massiva.

Na história das mídias e da democracia, a disputa por hegemonia sempre se deu no âmbito de
poder da opinião, embora jamais excluindo inteiramente as emoções e as sensações. 

A partir das duas grandes guerras mundiais do século XX, quando os estudos em comunicação
de massa, nos Estados Unidos e na Alemanha, apontaram como os grandes conflitos bélicos e
políticos podem ser sustentados pela opinião pública, e como a imprensa e a indústria cultural
conseguem produzir a sensação de verdade capaz de influenciar a opinião das pessoas,
percebemos a importância da notícia em seu caráter objetivo de representação, mas também
afetivo, psicológico e sensível.

Em sua regularidade institucional, nas redações dos grandes jornais, o  texto jornalístico
articula-se em torno de argumentos e significados, apreendidos pelo leitor com uma variedade
de enunciados e com o pano de fundo de uma verdade justificada pelo senso comum.

OU SEJA, EM GERAL, O LEITOR MÉDIO TENDE A


DEPOSITAR UMA CONFIANÇA NA NOTÍCIA DOS
JORNAIS.
 Fonte: Pressmaster/Shutterstock

Essa confiança vem da tradição que esses jornais construíram como detentores de saber sobre
os fatos e acontecimentos da sociedade, e também de técnicas e estratégias textuais
orientadas para o entendimento: narração, descrição, explanação, explicação. Supõe-se que a
transparência do mundo decorra de negociações discursivas, portanto, de uma lógica de
argumentos, no jogo democrático da esfera pública.

A defesa liberal sobre a pluralidade das fontes de informação assenta-se no pressuposto de


que o pluralismo das vozes gera uma diversidade argumentativa capaz de incrementar a
potência democrática do consenso.

Mas se, por um lado, a supressão dessa pluralidade coincide com o totalitarismo ou com a
antidemocracia, por outro a multiplicação descontrolada ou apolítica das fontes pode não
conduzir a nada mais do que o corporativismo articulado com formas gerenciais do Estado e
do mercado. É o que se observa na proliferação de produtos impressos e audiovisuais por
parte das grandes organizações corporativas de mídia. Com o aporte tecnológico, o principal
objetivo da mídia comercial, sob o regime identificado com o capital, configura-se como a
apropriação do tempo do leitor.

A informação, se desligada do contexto sociopolítico, pode ser apenas o incremento do senso


comum ou da hegemonia, contribuindo para a proliferação de estereótipos e preconceitos,
sejam de ordem social, racial, de gênero, territorial etc. Parte daí a caracterização da imprensa
como um intelectual das classes dirigentes. Mas, a partir dos anos 1970, buscou-se pensar a
construção de um veículo porta-voz da comunidade, representante de sua visão.

Outro exemplo, ainda na Maré, foi o jornal dos angolanos que foram para o Rio de Janeiro por
causa dos conflitos provocados pela independência de Angola, em 1975, fundaram uma
comunidade e, desde então, vivem no bairro. O jornal Folha de Angola, lançado em 2006, veio
com a missão de combater as matérias recorrentes dos jornais comerciais da cidade que
insinuavam uma relação direta entre o tráfico ilegal de armas e a chegada dos angolanos à
Maré.

A Folha de Angola compilou reportagens de 2000 a 2008 com esse tipo de representação
generalista, que acabava reforçando o racismo e preconceito xenófobo. A ideia do
contradiscurso veio por meio de pautas que retratassem os angolanos imigrados para o Rio de
Janeiro fora do estereótipo, com matérias sobre a produção artística, intelectual e profissional
dos angolanos no Brasil, perfis e serviço sobre a burocracia de regularização e documentação
para permanência no país.

CORPORATIVISMO

Defesa de interesses de grupos específicos. Refere-se, muitas vezes, a grupos profissionais,


mas, em sentido amplo, pode se referir a outros grupos.

 Fonte: deepstock/Shutterstock

Atualmente, com a temática das fake news em alta, o jornalismo está ainda mais em evidência,
pois o volume de posicionamentos frente a um tema leva o público a desconfiar da dita
objetividade da notícia. É nesse cenário que as maneiras alternativas e contra-hegemônicas de
análise e produção de informação ganham mais evidência e importância frente às empresas
responsáveis por gerenciar as informações a que se pode e deve ter acesso.
É PRECISO COMEMORAR A PRESENÇA DA
MULTIPLICIDADE DE VOZES ALCANÇADA GRAÇAS
AO ADVENTO DA INTERNET. APENAS DESSA
MANEIRA CONSEGUIMOS, NO BRASIL, TER ACESSO A
ACONTECIMENTOS QUE AS EMPRESAS DE MÍDIA
NÃO NOTICIARAM.

A partir da ação comunicativa de coletivos, foi possível conhecer versões antes obscurecidas
ou pouco reveladas da realidade brasileira. A cobertura feita com equipamentos como
celulares, abrindo mão de padrões de qualidade visuais e sonoros, permitiu acompanhar
acontecimentos que as corporações jornalísticas persistentemente excluem do seu espectro
noticioso.

Efetivamente, a democracia e o jornalismo são forças que podem estar relacionadas na medida
em que sua população-alvo, seu conjunto de leitores, estejam capacitados para a
interpretação, análise e reivindicação de seus lugares na coletividade; e na medida em que sua
produção seja orientada para a promoção da cidadania, a inclusão e o debate social dos
interesses realmente comunitários.

LINGUAGEM E EDITORIA
A linguagem de um jornal comunitário deve ser composta de três pilares:

A representação da comunidade, evitando estereótipos e generalizações

A abordagem de temas ligados ao espaço da comunidade

A promoção de valores cidadãos e inclusivos

Na reinterpretação social do conceito de cidadania, operada pelo educomunicador argentino


Mario Kaplún, bastante influenciada pelo pensamento educacional de Paulo Freire, a ideia de
comunidade ganha um primeiro plano, já que se trata de conhecer a comunidade para a qual
se trabalha, sua cultura, seus códigos, seus costumes e seus gestos (KAPLÚN, 1998).
Assim, como o processo educacional concebido por Freire preconizava um trabalho ideológico
sobre a consciência do educando, na metodologia desenvolvida por Kaplún era vital tornar o
receptor mais ativo e crítico.

 Fonte: nepool/Shutterstock

A ideia de educação como um processo de diálogo é o que norteia os projetos centrados na


disposição em romper a apatia do mero consumo informacional. A certeza de que a
consolidação de uma cidadania plena só pode ser centrada e construída em projetos voltados
para a compreensão desse ambiente de forte densidade midiática é certamente a continuação
e o resgate dos pressupostos trazidos por toda essa corrente de pensadores latino-
americanos.

O jornal comunitário deve prezar por uma linguagem própria. Ainda que a técnica de produção
da notícia tenha se consolidado ao longo das décadas e possa servir de instrumento para a
prática comunitária, é necessário buscar uma linguagem o mais próximo possível do território.
O surgimento das redes sociais digitais, como o Facebook e o Instagram, potencializou a
instalação de maneiras alternativas de linguagem na comunicação mediada, no entretenimento
e no jornalismo.

São inúmeros e frutíferos os coletivos de jovens, notadamente moradores das favelas


brasileiras que, usando as redes sociais, têm impactado com novas linguagens e coberturas
sobre os seus lugares.
 Foto: Mídia Ninja

Não se pode deixar de mencionar o Grupo Mídia Ninja pela sua capacidade de, utilizando
poucos recursos financeiros e tecnológicos, conseguir demonstrar, no Brasil, em meio a crises
conceituais e éticas no jornalismo comercial e na regulação da mídia, a insuficiência da mídia
hegemônica, produzindo matérias e coberturas que em nenhum momento estiveram presentes
na grande imprensa.

ARRISCARÍAMOS DIZER QUE O CASO DA SELEÇÃO


TEMÁTICA, OU SEJA, DO QUE É CONSIDERADO
NOTICIÁVEL, É A DIFERENÇA BÁSICA ENTRE UM
JORNAL COMUNITÁRIO E UM VEÍCULO DA GRANDE
MÍDIA.

O jornalismo comercial está preocupado em enfocar assuntos do macroambiente, deixando de


lado os assuntos das microrregiões, dos microambientes, e o jornal comunitário só alcança o
lugar de pauta da grande mídia se for marcado pelo aspecto da espetacularização, como foi o
caso das coberturas sobre a imigração angolana no Rio de Janeiro.

Sob o argumento da extraordinariedade da notícia, o jornalismo comercial tende a buscar


formas espetaculares dos acontecimentos, muitas vezes levianas ou pouco fundamentadas. Há
uma corrida pelo clique na internet. Todo o sistema algorítmico das redes sociais incentiva os
editores de portais e sites de notícias a reproduzirem assuntos de apelo popular em detrimento
de pautas menos evidentes, mas não por isso menos importantes.
Conheça outras iniciativas e implicações do jornalismo comunitário:

NOVAS PROPOSTAS
Historicamente, os projetos políticos mais interessantes, com proposta de fazer frente à
produção midiática, surgiram e continuam surgindo na América Latina. Entretanto, é preciso
iluminar um dos formatos mais criativos nos últimos anos. Surgidos entre intelectuais e ativistas
dos Estados Unidos e da Europa, o Constructive e o Solution Journalism são correntes que
vêm repensar a prática da produção da notícia no mundo atual e que trazem muito do
fundamento ético do jornalismo comunitário.

Constructive Journalism

Domínio emergente que envolve o campo da comunicação e reporta notícias focadas em


soluções, em vez de girar apenas em torno de histórias negativas e baseadas em conflito.
Solution Journalism

O jornalismo de soluções é uma perspectiva de reportagem que enfoca as respostas às


questões sociais, bem como os próprios problemas.

Os dois grupos pretendem ser distintos, apesar da mesma proposição e de serem baseados no
princípio de que a produção de notícias, atualmente, encontrou um ponto distante dos
fundamentos do fazer jornalístico, preocupado em zelar pelo ideário da ética, liberdade e
democracia, além do compromisso fundador com a verdade.

O reconhecimento de que a produção jornalística sofreu uma mutação substancial, a partir da


midiatização e da frenética circulação de informações, produziu uma busca por refletir a prática
jornalística e, consequentemente, apresentar novas possibilidades de olhar um fato.

A primeira defesa que ambos fazem é de que não se trata de um “jogo do contente” ou de
atitude “Pollyanna”, numa referência ao famoso romance infantojuvenil da escritora americana
Eleanor Porter. Ou seja, não se trata de fingir que um fato ruim não ocorreu. Trata-se,
basicamente, de entender que um acontecimento pode ter várias possibilidades de olhares e
que, usualmente, o formato de exercício do jornalismo comercial só consegue dar conta de um.

A proposição de ambos se concentra, exatamente, no que sugerem suas nominações: buscar e


demonstrar soluções possíveis para cada situação, por piores que pareçam, e finalmente tentar
construir novas maneiras de olhar um acontecimento, demonstrando como pessoas, governos,
instituições, entre outros, tentaram.

SEJA CONSTRUCTIVE OU SOLUTION, O


FUNDAMENTO BÁSICO DESSA NOVA PERSPECTIVA É
QUE O FORMATO DE PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS
EXISTENTE NA ATUALIDADE TEM PRODUZIDO MENOS
CAPACIDADE DE INTERVENÇÃO NA REALIDADE, TEM
PROVOCADO APATIA E, FINALMENTE, AFUGENTADO
O LEITOR, O RECEPTOR, A AUDIÊNCIA.

Mais uma vez, o exemplo da Folha de Angola nos ajuda a entender que o jornal comunitário
deve ser também propositivo ou, como já mencionamos, gerativo, isto é, capaz de gerar
crítica, mas também vínculo, mobilização e resistência. É preciso que o jornalismo comunitário
conte com um jornalista aberto a uma linguagem mais inclusiva, representativa e gerativa.

É preciso fazer com que o jornalista ouça e reconheça a opinião geral dos leitores na
atualidade, que se dizem exaustos e deprimidos por apenas lerem e verem o mundo ao seu
redor em completo caos e sem perspectivas de mudança de cenário.

 Fonte: Photo Kozyr/Shutterstock

É IMPORTANTE FRISAR QUE, AO LONGO DE SUA


HISTÓRIA, O JORNALISMO TEM ENFRENTADO
DISPOSIÇÕES DE MUDANÇA.

Algumas deram certo, em especial nos países onde os debates e questionamentos sobre o seu
exercício são permanentes. Com frequência, observa-se que a importação de modelos
oriundos de realidades diferentes e de vivência cívica acentuada nem sempre permanecem
fiéis quando levados para países de frágil democracia e de estrutura de veículos tão
concentrada nas mãos de poucos representantes das classes ricas, como o Brasil, por
exemplo.

 COMENTÁRIO

Não basta adotar um modelo ou outro, mas pensar no fazer da notícia, na pauta, na edição, na
fotografia e na imagem como recursos comunitários, ou seja, comprometidos com os
interesses do coletivo e do território cultural em questão. E nada disso seria possível sem a
formação de profissionais de comunicação e jornalismo alinhados com a ética comunitária.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comunicação comunitária, apesar de ser exequível e ter sido implementada com razoável
sucesso ao longo de décadas, não apenas no Brasil, mas também na América Latina,
configura-se como uma temática utópica, nos moldes que nos ensinou o educador Paulo
Freire.

A utopia freireana não é marcada pelo entendimento de um sonho, mas sim de uma realidade
ideal que se pretende concretizável. Por isso, quando dizemos que a comunicação comunitária
é uma comunicação utópica, queremos dizer que, nessa ideia de comunicação, estão
necessariamente presentes o entendimento de que a desigualdade entre os seres humanos
deve ser superada, que todos os seres humanos possuem os mesmos direitos e deveres em
uma sociedade, e que a comunicação deve estar voltada para a construção desse horizonte de
bem comum.

Ainda que você esteja empregado em um veículo de comunicação da grande mídia, é


importante ter em mente esse horizonte a fim de produzir coberturas jornalísticas a partir
desses pressupostos. Ao longo dos anos, diante das inúmeras dificuldades na comunicação e
nos veículos tradicionais, como as fake news, várias proposições têm surgido, sob as mais
diversas nomenclaturas e, de certo modo, todas estão marcadas por um dos pressupostos
básicos da comunicação comunitária: a de que as mensagens façam sentido para o cotidiano
das pessoas, e que estas possam produzir suas mensagens, sempre com o propósito do bem
comum e da superação das desigualdades.
 PODCAST

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
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Töennies. São Paulo: Edusp, 1995.

EXPLORE+
Para conhecer mais sobre o projeto Leitura Crítica da Comunicação, mencionado neste tema,
leia o artigo: Leitura Crítica e Cidadania: novas perspectivas.

Saiba mais sobre a história da TV Comunitária no Brasil no artigo Televisão comunitária:


mobilização social para democratizar a comunicação no Brasil.

Para conhecer mais sobre a dinâmica de uma rádio comunitária, assista ao filme Uma Onda no
Ar (2002), de Helvécio Ratton, disponível no YouTube.

CONTEUDISTAS
Raquel Paiva

 CURRÍCULO LATTES
Marcello Gabbay

 CURRÍCULO LATTES

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