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TEORIAS DA

COMUNICAÇÃO

Marina Costa
Revisão técnica:

Deivison Moacir Cezar de Campos


Especialista em História contemporânea
Mestre em História Social
Doutor em Ciências da Comunicação

T314 Teorias da comunicação / Rafaela Queiroz Ferreira Cordeiro


[et al.] ; [revisão técnica: Deivison Moacir Cezar de
Campos]. – Porto Alegre : SAGAH, 2017.
295 p. il. ; 22,5 cm.

IISBN 978-85-9502-236-2

1. Comunicação - Teoria. I. Cordeiro, Rafaela Queiroz


Ferreira.

CDU 007

Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147

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Origens da cultura de massa
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar as origens da cultura de massa.


„„ Reconhecer as contribuições de Edgar Morin sobre o tema.
„„ Reconhecer as contribuições de Hannah Arendt sobre o tema.

Introdução
Neste texto, você vai conhecer as origens da cultura de massa, bem como
o contexto histórico e social em que ela surgiu. Também vai aprender
sobre as perspectivas de Edgar Morin e Hannah Arendt sobre o tema.

Sociedade e cultura de massa


Provavelmente você já ouviu a expressão “cultura de massa”. O assunto até
hoje é um dos favoritos de quem estuda comunicação ou ciências sociais.
Antes de se aprofundar no tema, reflita: o que você entende por cultura de
massa? Que elementos vem à sua mente ao pensar sobre o assunto? Depois
da leitura deste texto, você poderá analisar o quanto da sua ideia inicial está
presente de fato nos estudos sobre a temática.
Primeiramente, você sabe o que é cultura? O conceito de cultura é amplo e
ganha diferentes formas em diferentes contextos. É tema que está sob as lentes
de vários campos do saber: antropologia, sociologia, história, comunicação,
filosofia, psicologia. A palavra cultura surgiu da síntese entre a palavra germâ-
nica kultur, que faz referência às questões espirituais de uma comunidade, e a
palavra francesa civilization, que define as realizações materiais de um povo.
Edward Tyler (1832-1917) lançou a união dos termos formando, em inglês,
culture, para tratar de todo o complexo de conhecimentos, crenças, arte, moral,
leis, costumes ou qualquer outro hábito adquirido pelo ser humano na vida
em sociedade (LARAIA, 1986). Mais tarde, o termo cultura também adquiriu
sentidos de sistema simbólico, sistema estrutural, essência semiótica, etc.

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Já o termo massa surgiu após as grandes mudanças do século XIX, como


os movimentos migratórios, que você verá mais adiante. Esse termo também
apareceu no século XX, com a influência de jornais, filmes e rádios na vida das
pessoas. Massa se refere a um agrupamento espontâneo de gente de qualquer
categoria social. São indivíduos anônimos que não se conhecem entre si e
também não se organizam para atingir objetivos em comum (BLUMER, 1978).
As expressões “cultura de massa” e “comunicação de massa” são consequência
da reflexão sociológica do século XIX a respeito da sociedade moderna. Por
trás da origem desses termos, estava um trabalho de reflexão de décadas, e
não apenas uma série de elaborações recentes, expressas nos anos 1920 e 1930,
como declararam alguns teóricos (FERREIRA, 2013).
A emergência da temática da cultura de massa ocorre diante de uma reorga-
nização profunda do campo cultural. Antes do século XX, nenhuma sociedade
havia experimentado a organização da cultura separada da vida daqueles que
a utilizam. Foi a tecnologia quem permitiu que produtos elaborados industrial-
mente fossem difundidos em larga escala. A cultura de massa, então, funciona
como uma instituição social que compete com instituições mais antigas como
família, religião e partidos políticos (ORTIZ, 2002). Para compreender melhor
essa questão, a seguir você conhecerá sua contextualização histórica.
O século XIX trouxe uma série de transformações na Europa e nos Estados
Unidos. Isso desencadeou a chamada sociedade moderna. Essas transformações
foram objeto das ciências sociais e tema de estudo de figuras como Ferdinand
Tönnies, Max Weber, Karl Marx, Alex Tocqueville e Gustave Le Bon. Umas
das formas de refletir sobre esse assunto é a distinção entre “sociedade antiga”
e “sociedade moderna”. A primeira seria rural e de tipo comunitário; já a
segunda seria uma sociedade da cidade. A divisão é interessante se você levar
em conta o contexto de migração da época: grandes massas populacionais se
dirigiam para as cidades. Dessa forma, começou a haver uma concentração de
pessoas nos espaços de urbanização e industrialização. A partir daí, surgiram
as organizações de reivindicação coletiva, ditas de massa, como partidos,
associações e sindicatos; além de manifestações como o cinema e o futebol.
Em relação à transição da sociedade antiga para a sociedade moderna,
percebe-se que as análises são focadas em três questões: a divisão do trabalho,
a industrialização e a urbanização. Durkheim (1858-1917), por exemplo, em
Da divisão do trabalho social, explica como a especialização do trabalho
enfraquece a consciência coletiva. Assim, o indivíduo isolado não se reconhece
como parte de um todo e é levado para a anomia e, até mesmo, ao suicídio.
Mais tarde, Tönnies (1855-1936) faz a oposição entre sociedade antiga e so-
ciedade moderna. Para ele, a vida coletiva e o sentimento de pertencimento a

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um grupo são fortes elementos no âmbito da sociedade tradicional. Por outro


lado, a sociedade moderna é marcada pela presença de indivíduos atomizados
e que não são sensíveis às questões da coletividade.

Nas cidades, as pessoas deixaram de ser camponesas e assumiram novos trabalhos. Karl
Marx se debruçou sobre o tema dos novos modos de produção e das novas formas de
gerar riqueza, focado no proletariado urbano. O contexto é de uma sociedade indus-
trializada, que precisa de técnicas cada vez mais eficientes para a produção de grande
escala. Portanto, necessita de especialização de tarefas. A questão da especialização
não se limita à esfera do mundo do trabalho. Atinge várias áreas, como a música, que
poderia ser dividida entre a música dos mais jovens e a música das gerações anteriores,
por exemplo. Os papeis sociais também passam a ser especializados: uma mesma
pessoa pode ser considerada uma mãe dedicada, mas uma lavadeira de roupas de
má qualidade. Esse cenário é diferente do da sociedade tradicional, em que as tarefas
eram partilhadas e o acúmulo de funções fazia parte da norma vigente (FERREIRA, 2013).

Já Karl Marx (1818-1883) foca na questão econômica e destaca as contradi-


ções sociais e a luta de classes, pois essas teriam posições contrárias. Segundo
ele, a nova forma de gerar riqueza transforma não apenas a infraestrutura, mas
também a superestrutura (educação, leis, religião, etc). Max Weber (1864-1920)
trata dos conceitos de comunidade e sociedade, já abordados anteriormente
por Tönnies. Weber reflete sobre as questões econômicas e sobre as formas de
racionalidade. Ele aponta que cada sociedade tem uma forma de racionalidade,
seja ela mágica, religiosa, etc. No caso da sociedade moderna, o que há é uma
racionalidade burocrática – o Estado se expande demais e, como as demais
organizações de massa, provoca mudanças nos indivíduos.
O que se pode observar, diante das reflexões da sociologia do século XIX,
é que as consequências das desorganizações sociais originadas a partir das
revoluções Francesa e Industrial estimularam um medo da desintegração social.
Sendo assim, ao analisar a transição do antigo para o moderno, os sociólogos,
sob paradigmas diversos, defenderam a necessidade de uma organização social
perene. Justamente nesse contexto de crítica à desintegração social, surge a
expressão “sociedade de massa”.
Essa crítica à desintegração social gera outras críticas, tais como ao de-
clínio dos grupos primários (famílias, vizinhos, associações esportistas), à

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burocratização crescente, à igualdade, à insegurança e, então, à questão do


homem-massa e da cultura que o influencia e também é influenciada por ele
– a cultura de massa. A respeito dessas críticas, é importante destacar a obra
de Gustave Le Bon (1841-1931). Ele é um dos primeiros a explorar o tema da
multidão, em A psicologia das multidões. Ele trata o poder das multidões como
uma característica universal e que marca as últimas etapas das civilizações
ocidentais. “A multidão é uma identidade onde os indivíduos estão subme-
tidos a uma alma coletiva, pois ela tem a sua própria natureza. A multidão é
feminina, impulsiva, móvel, dominada por uma mentalidade ‘mágica’. Ela é
influenciável, seduzida por sentimentos simples e exagerados, tem a moral
degradada e é intolerante e autoritária.”

Há diferenças entre os conceitos de multidão e massa


Apesar de os conceitos terem vários elementos em comum, também há diferenças.
Segundo Blumer (1978), em A massa, o público e a opinião pública, ambos se referem
a grupos coletivos elementares e espontâneos. Os membros da massa, porém, estão
fisicamente separados, são anônimos e não têm oportunidade de se misturar como
os participantes de uma multidão.
A massa é representada por aqueles que adotam um comportamento de massa. Ou
seja, aqueles que tomam uma posição diante de um grande dilema nacional, se interessam
pelo processo e pelo resultado de um julgamento de um crime divulgado na imprensa,
participam de um grande movimento migratório. Além disso, a massa é formada por gente
de qualquer profissão, status social, classe e vinculações culturais. Possui uma organização
frágil e, portanto, não consegue agir de forma unida e integrada (BLUMER, 1978).
Para Ortega y Gasset, o homem-massa é marcado pela postura violenta e por
promover o esgarçamento da sociedade. Além disso, os meios de comunicação e
suas técnicas fazem emergir a barbárie pela ação das massas. De acordo com essa
perspectiva, a massa seria formada por indivíduos atomizados e reclusos em seus
espaços, mas os meios de comunicação refazem a conexão dessas pessoas com a
sociedade (FERREIRA, 2013).
O modelo de “sociedade de massa”, usado para pensar os meios de comunicação,
dispõe de leituras sociológicas, psicológicas e psicanalíticas. Segundo esse paradigma, a
organização social está de um lado e os indivíduos modelados (como aquelas massinhas
de modelar de criança) por essa organização estão de outro. Assim, a subjetividade
do homem-massa é forjada pelas modalidades sociais mais recentes.
Essa problemática da cultura de massa foi fortemente debatida nos Estados Unidos
nos anos 1930 e 1940. O que se procurava entender era o impacto das mensagens junto
às audiências e ao público, pois os filmes de Hollywood, o star system, o rádio, a soap
opera e a publicidade eram alguns dos tópicos do debate intelectual (ORTIZ, 2002).

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Conheça, brevemente, os estudos realizados no século XX referentes aos mass media.


Eles demonstram o funcionamento do paradigma da sociedade de massa (FERREIRA,
2013):
1. Teoria Hipodérmica: também conhecida como Teoria da Seringa ou Teoria da
Bala. Os primeiros termos fazem alusão ao tecido do corpo humano, que, sendo
atingido por uma substância, pode espalhá-la pelo restante do corpo. No caso, a
comparação é com o público e com a forma como ele pode ser atingido fortemente
pela informação veiculada. Já a expressão “Teoria da Bala” reforça a ideia de atingir
um alvo, que, no caso, é o público. Para essa abordagem, o homem-massa perde
os seus vínculos com a sociedade devido à falência de instituições como igreja
e família; e os meios de comunicação têm a tarefa de reinseri-lo na sociedade.
Assim, os efeitos dos meios de comunicação não são objeto de estudo, pois são
dados como certos.
2. Teoria Crítica: segundo a Teoria Crítica da sociedade, a razão se transformou em
instrumento do “sistema”. A razão deixa de ser crítica e passa a ser uma técnica para
administrar o status quo. Dessa forma, a racionalidade, base da civilização industrial,
seria um alicerce podre. A indústria cultural, formada pelos mass media, faz parte
do desenvolvimento da razão degenerada e é um dos principais instrumentos
para fazer a sociedade funcionar. Segundo essa abordagem, há um processo de
massificação, e o indivíduo não consome cultura de forma crítica e contestatória.
3. Agenda-setting: de acordo com o agenda-setting, os temas midiáticos se tornam
o assunto do dia a dia do público. O foco não é a forma como os mass media fazem
as pessoas pensarem, mas sim no que eles fazem essas pessoas pensarem. Os
meios de comunicação de massa causam um agendamento. A visão de mundo
dos indivíduos provém da agenda estipulada pelos mass media.
4. Espiral do Silêncio: para a Teoria da Espiral do Silêncio, a imposição dos mass
media, nessa perspectiva de massificação, resulta no enclausuramento dos indiví-
duos no silêncio quando eles têm opiniões diferentes das divulgadas nos veículos
de comunicação. A ideia parte do princípio de que os indivíduos buscam evitar
o isolamento e se associam a opiniões dominantes. Contudo, se defendem um
ponto de vista minoritário, eles se recolhem no silêncio, pois o custo social de sua
posição é grande.
O que conduziu as primeiras pesquisas em comunicação nos Estados Unidos no
início do século XX foram as necessidades de um Estado em guerra. O objetivo dos
pesquisadores pioneiros era investigar a propaganda política e ideológica do país
na Grande Guerra. A indústria do rádio também começou a influenciar o direciona-
mento dessas pesquisas. Esses pioneiros trabalhavam para o exército americano ou
desenvolviam pesquisas de mercado nas universidades, pagas por anunciantes de
rádio (GUARALDO, 2007).

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Edgar Morin e a cultura de massa


Nos anos 1960, época marcada por uma transformação da configuração cul-
tural que afetou a cultura de massa, Edgar Morin – antropólogo, sociólogo e
filósofo francês judeu – escreveu L’espirit du temps. A obra foi traduzida para
o português como Cultura de massa no século XX – O espírito do tempo e
tem dois volumes: Neurose e Necrose.
Já no começo da obra, Morin (2002) traz novidades. Ele conta que, no contexto
do início do século XX, quando o poder industrial se estendeu por todo o mundo e
a colonização da África e da Ásia chegou ao apogeu, emergiu a segunda industria-
lização – aquela que se processa nas imagens e nos sonhos. Morin também trata da
segunda colonização – que penetra na alma humana. Para ele, o progresso contínuo
da técnica adentra o interior do ser humano e lá derrama mercadorias culturais.
Isso ocorre por meio da segunda industrialização mencionada, a industrialização
do espírito, e também da segunda colonização, a da alma.

Edgar Morin lembra que o livro e o jornal eram mercadorias, mas que a cultura e a vida
pessoal nunca haviam entrado tão intensamente no circuito industrial e mercadológico
como quando as técnicas permitiram levar músicas, palavras e filmes através de ondas para
as pessoas. As histórias do coração e da alma passaram então a ser vendidas no varejo.

Figura 1. Filme Um amor na tarde.


Fonte: Cooper (c2017).

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A terceira cultura, abordada na obra, é aquela proveniente da imprensa, do


cinema, do rádio, da televisão e que se desenvolve ao lado das culturas clássicas
e nacionais. Durante a Segunda Guerra Mundial, a sociologia americana a
chamou de mass culture, ou seja, cultura de massa. Produzida segundo as
regras da fabricação industrial, é destinada a uma massa social, um aglomerado
gigantesco e não definido por classe, família, etc. Segundo Morin (2002), a
noção de massa é, a priori, muito limitada, e a de cultura, muito extensa.
Uma cultura orienta e desenvolve certas manifestações humanas, mas
inibe, ou proíbe, outras. Constitui um corpo complexo de normas, símbolos
e imagens que penetra o indivíduo e guia as suas emoções e instintos. Ela
fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, e pontos de apoio práticos
à vida imaginária. Dessa forma, ocorrem identificações com os símbolos, os
mitos, as personalidades míticas ou reais, tais como com ancestrais, heróis
ou deuses. A cultura nacional, por meio da escola, por exemplo, apresenta os
heróis da pátria. Já a cultura religiosa estimula uma identificação com um
deus que salva. E a cultura humanista se relaciona com o mundo do saber, das
obras literárias, nas quais os personagens representam os heróis das antigas
mitologias e os sábios de sociedades antigas.
A cultura de massa é uma cultura no sentido de que tem um corpo de
símbolos, mitos e imagens correspondentes à vida prática e à vida imaginária,
com um sistema de identificações específico. A cultura de massa se soma e
também concorre com as culturas nacional, humanista e religiosa. Ela se integra
a uma realidade policultural, típica das sociedades modernas. É controlada
pelo Estado e pela Igreja, mas também é a responsável pela desagregação de
outras culturas. Por fim, trata-se da primeira cultura universal da história
da humanidade, pois é cosmopolita e planetária. E embora não seja a única
cultura do século XX, é a nascida neste século.
Em relação à dinâmica da indústria cultural, Morin aponta para os reflexos
da intervenção estatal nos conteúdos gerados. De acordo com o autor, enquanto
o sistema privado seria vivo e divertido no processo de adaptar a sua cultura
ao público, o sistema estatal seria forçado por sempre tentar adaptar o público
à sua cultura. No entanto, mesmo no âmbito do não estatal, as estruturas de
produção também conformariam a cultura de massa. Ou seja, tais resultados
poderiam ser percebidos: a despersonalização da criação, a predominância
da organização racional da produção (técnica, comercial e política) sobre a
invenção, bem como a desintegração do poder cultural.
Edgar Morin foca seus estudos nos processos culturais que se desenvolvem
sob o impulso do capitalismo privado, fora da esfera da orientação estatal,
seja religiosa ou pedagógica. Nesse contexto do privado, grandes grupos de

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imprensa, rádio e televisão dominam a comunicação de massa. No quadro


público, o domínio é do Estado.
O autor também anuncia a contradição inerente da cultura de massa: inven-
ção-padronização. Esse é o mecanismo de adaptação do público à indústria
e vice-versa. Dessa forma, entende que é preciso criar algo novo para atrair
o público. Mas, ao mesmo tempo, é necessário tornar a novidade um padrão
que atinja toda a massa. O funcionamento da indústria cultural depende das
relações burocracia-invenção e padrão-individualidade.
A partir disso, o autor questiona se é possível uma organização burocrática-
-industrial da cultura, possibilidade que reside na estrutura do imaginário. O
imaginário estrutura-se de acordo com os arquétipos, com os modelos do espí-
rito humano assentados nos sonhos. As regras e os gêneros artísticos impõem
as estruturas exteriores à obra, enquanto as situações-tipo e personagens-tipo
apresentam as estruturas internas. A indústria cultural, então, padroniza temas
romanescos e transforma os arquétipos em estereótipos, clichês. Dessa forma,
a partir de modelos preestabelecidos, criam-se romances sentimentais em
cadeia, todos com a mesma fórmula.
Morin explica as técnicas-padrão de individualização. Elas modificam
o conjunto dos diferentes elementos, de modo que se possa obter os mais
variados objetos a partir de peças-padrão. E ressalta: quando não há mais
possibilidades de variação, a invenção torna-se necessária. É nesse momento
que a produção não consegue abafar a criação e então a burocracia é obrigada
a procurar a invenção. O criador da forma da obra é o artista do século XIX
que se afirmou no instante em que começou a era industrial. Assim, a criação
tende a se tornar produção.
Aquilo que é padrão é beneficiado com o sucesso obtido no passado, e
aquilo que é original tem as garantias do novo. O que é conhecido corre o
risco de esgotar e o que é novo corre o risco de não agradar. Por isso, busca-se
uma vedete. A união entre o arquétipo e o individual é o melhor antirrisco da
cultura de massa. É interessante observar também que, quanto mais aumenta
a individualidade da vedete, mais se diminui a do autor e vice-versa, princi-
palmente no cinema (MORIN, 2002).
Para Edgar Morin , a produção cultural, no âmbito da cultura de massa, é
um processo em que as exigências produtivas e as técnicas de estandardização
se confrontam com o caráter individualizado e inovador do consumo cultural.
Sendo assim, a criação não estaria suprimida. Entretanto, como a produção
cultural é voltada a atender e satisfazer o consumidor médio, provoca uma
homogeneização dos conteúdos, processo denominado por Morin como sin-
cretismo. O cinema, então, viveria de uma recuperação de antigos códigos,

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só que com novas roupagens. As histórias seriam as mesmas, porém com


alguns novos elementos. Segundo Morin, os verdadeiros autores são capazes
de introduzir o novo no ato criativo (SOUSA, 2006).

A cultura de massa tem a tendência ao “olimpianismo”. Você se lembra dos 12 deuses


do Monte Olimpo da Grécia Antiga? Pois é, o “olimpianismo” da cultura de massa é
um termo que faz essa referência histórica para abordar a promoção de indivíduos
a heróis, vedetes, uma verdadeira mistura entre ser humano e ser sobre-humano.
Sendo assim, a imprensa de massa investe os olimpianos de um papel mitológico,
mas também entra nas suas vidas privadas para extrair delas a substância humana
que permite a identificação (MORIN, 2002).

A cultura de massa contribui para enfraquecer a família, a escola e os


grupos sociais, reforçando a homogeneização social. Além disso, a linguagem
da comunicação social democratizaria e também vulgarizaria a cultura clássica
ou erudita, mas também não deixaria as críticas chegarem até ela (SOUSA,
2006). Os mass media não são nem democráticos nem condicionantes: são
democráticos e condicionantes, democráticos porque condicionantes. Esse
condicionamento assenta em quatro processos: simplificação, maniqueização,
atualização e modernização (MORIN, 2002).
Além disso, a cultura de massa se refere à cultura do homem médio contem-
porâneo com algumas tendências características. São elas: lazer (escapismo),
valorização da juventude, valores femininos, happy end, felicidade e amor.
Por fim, apesar das críticas à cultura de massa, Morin enxerga frestas ou
brechas nesse sistema. Pois haveria espaços que utilizam de forma crítica
as estratégias do ambiente cultural do mundo contemporâneo. Por exemplo,
os programas de televisão educativos, telejornais de tons mais críticos ou
circuitos de cineclubes.

Hannah Arendt e a cultura de massa


Na obra Entre o passado e o futuro, de 1972, Hannah Arendt dedica um capítulo
à crise da cultura. Nele, aborda a questão da cultura de massa. No início do
trabalho, a filósofa política alemã de origem judaica esclarece que por muito

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tempo a cultura de massa era tratada com desaprovação pelos intelectuais,


por entenderem a sociedade de massa como uma depravação. Em seguida,
salienta que a cultura de massa deve permanecer por muito tempo e por isso
muitos entenderam que ela não poderia ser ignorada.
A sociedade de massa indica um novo estado de coisas: a massa da popu-
lação foi liberada do fardo do trabalho físico e intenso, pois passou a dispor
também de lazer para usufruir da “cultura” (ARENDT, 1972). Para consumir
a cultura de massa, era preciso algum tempo livre.
Arendt contrapõe os conceitos de sociedade e cultura aos de sociedade
de massa e cultura de massa. Ela questiona até que ponto as relações entre
cultura e sociedade anteriores se diferenciam das noções atuais de cultura de
massa e sociedade de massa. Lembra que a cultura moderna promove uma
ruptura entre o passado e o futuro, diferentemente da noção de continuidade
típica da cultura antiga.
A principal diferença entre a sociedade e a sociedade de massa é que a
primeira precisava de cultura. Ela dava valor e retirava valor dos objetos
culturais quando os transformava em mercadorias, mas não os “consumia”.
Os objetos continuavam sendo simples objetos, mas não desapareciam. Já no
caso da sociedade de massa, a cultura não é necessária; a diversão é que é
necessária. Nesse contexto, os produtos da indústria de diversões são consu-
midos como quaisquer outros bens de consumo.

Um aspecto importante, para Hannah Arendt (1972), é que a indústria do entreteni-


mento se defronta com uma grande demanda. Assim, seus produtos desaparecem
com o consumo e ela precisa sempre oferecer novas mercadorias. Diante disso, os
produtores de trabalhos para os meios de comunicação de massa buscam incessan-
temente elementos da cultura passada, e da presente, para serem aproveitados nas
suas produções. O material não vai ser fornecido de imediato; entretanto, precisa ser
modificado, atualizado, adaptado para o entretenimento e o consumo fácil.

A autora afirma que a existência da cultura de massa se dá no momento


em que a sociedade de massa se apodera dos objetos culturais, e o perigo é de
que o processo vital da sociedade venha literalmente a consumir os objetos
culturais, que os coma e os destrua (ARENDT, 1972). A filósofa destaca que a
referência não é à distribuição em massa, pois quando livros ou outros objetos

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Origens da cultura de massa 85

culturais são lançados no mercado com baixos preços e são muito vendidos,
isso não afeta a natureza deles. Porém, quando eles são modificados – rees-
critos, resumidos ou traduzidos – para a reprodução, a natureza passa a ser
afetada. Arendt comenta também sobre a questão da funcionalização. O que
acontece é que os objetos culturais, do presente ou do passado, são tratados
como meras funções para o processo vital da sociedade, como se tivessem a
função de satisfazer alguma necessidade.
Na perspectiva da durabilidade, as obras de arte são superiores a todas
as outras coisas, diz a autora. Elas perduram no mundo, no tempo, afetando
diversas gerações. Além do mais, elas não têm qualquer função no processo
vital da sociedade, não são feitas para os seres humanos, e sim para o mundo.
Também não servem como bens de consumo e não são gastas como objetos
de uso. Isso porque são removidas do processo de consumo e do processo de
uso e estão isoladas da esfera de necessidades da vida humana. Desse modo,
quando há essa remoção, a cultura está sendo feita, passa a existir.
O fenômeno da arte deveria então ser o ponto de partida para qualquer
discurso sobre cultura, já que apenas as obras de arte são feitas com o único
objetivo do aparecimento. Para Hannah Arendt (1972):

[...] o critério apropriado para julgar aparências é a beleza; se quiséssemos


julgar objetos, ainda que objetos de uso ordinário, unicamente por seu
valor de uso e não também por sua aparência — isto é, por serem belos,
feios ou algo de intermediário —, teríamos que arrancar fora nossos olhos.
Contudo, para nos tornarmos cônscios das aparências, cumpre primeiro
sermos livres para estabelecer certa distância entre nós mesmos e o
objeto, e quanto mais importante é a pura aparência de uma coisa, mais
distância ela exige para sua apreciação adequada.

Um termo ao qual a autora recorre em diversos momentos do seu trabalho


é “filisteísmo” – é marcado pela preocupação interessada da burguesia com
a cultura. Antes, o burguês era filisteu por não se interessar por cultura, pela
falta de valor dela. Depois, passa a se interessar por cultura, mas continua
filisteu (prático, utilitarista), pois se interessa apenas pelo grande valor
dado à cultura na sua sociedade. Ele não se desvincula da vida para se
entregar ao mundo, não se aproxima de verdade da obra artística. Apenas
canaliza o mundo em função do jogo da ascensão social. A cultura acaba
sendo deformada, transformada em valor de troca. Dessa forma, o caráter
evasivo da arte no século XIX é sinal da desintegração da cultura para
Arendt (SILVA, 2009).

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1. Para Blumer (1978), quem seria da comunicação social.


a massa? Para ele:
a) A massa seria um grupo de a) a cultura de massa destrói
pessoas de mesma classe social a cultura nacional, a cultura
e com objetivos em comum. humanista e a cultura religiosa.
b) A massa seria formada por b) a cultura de massa se soma
indivíduos de mesma classe à cultura nacional, à cultura
social, porém de profissões humanista e à cultura religiosa.
com status diversos. Mas também compete com elas.
c) A massa seria formada por c) a cultura de massa exalta
indivíduos de diversas classes a cultura nacional, mas
sociais, porém organizados ignora a cultura humanista
para atingirem determinados e a cultura religiosa.
objetivos políticos. d) a cultura de massa engrandece
d) A massa seria formada por a cultura nacional, bem
indivíduos anônimos que como a cultura humanista
não se conhecem entre si e e a cultura religiosa.
também não se organizam para e) a cultura de massa deturpa
atingirem objetivos em comum. a identidade nacional, a
e) A massa seria um grupo de regional e a pessoal.
pessoas anônimas, mas que 4. Em relação à dinâmica da indústria
conseguem se organizar e cultural, Morin (2002) aponta para os
reivindicar os seus direitos. reflexos da intervenção estatal nos
2. Complete: na sociedade de conteúdos gerados. Segundo o autor:
massa... a) o sistema privado é vivo
a) a organização social está e sustentável, e o estatal
de um lado e os indivíduos praticamente nem existe.
modelados, manipulados, por b) tanto o sistema público quanto o
essa organização estão de outro. privado são igualmente forçados
b) os indivíduos estão integrados por sempre tentarem adaptar
à organização social, com o público às suas culturas.
funções sociais bem definidas. c) tanto o sistema público quanto
c) a organização social dá o privado são vivos e divertidos
suporte aos indivíduos. no processo de adaptar as
d) os indivíduos são críticos e lutam suas culturas ao público.
contra as estruturas impostas d) enquanto o sistema estatal seria
pela organização social. vivo e divertido no processo
e) os indivíduos ganham poder de adaptar a sua cultura ao
de barganha diante do Estado. público, o sistema privado seria
3. O francês Edgar Morin (2002) faz forçado por sempre tentar
uma abordagem culturológica adaptar o público à sua cultura.

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e) enquanto o sistema privado seria c) O fenômeno da arte deveria


vivo e divertido no processo ser o ponto de partida para
de adaptar a sua cultura ao qualquer discurso sobre cultura,
público, o sistema estatal seria já que apenas as obras de
forçado por sempre tentar arte são feitas com o único
adaptar o público à sua cultura. objetivo do aparecimento.
5. De acordo com a filósofa política d) Não faz mais sentido se
alemã Hannah Arendt (1972): discutir sobre cultura, pois o
a) A imprensa deveria ser o ponto conceito ganhou tamanha
de partida para qualquer amplitude que os estudiosos
discurso sobre cultura, pois não se entendem mais
nos jornais estão expressos sobre o tema.
os hábitos de um povo. e) As declarações oficiais dos
b) As interações face a face órgãos do Estado deveriam
deveriam ser o ponto de ser o ponto de partida para
partida para qualquer qualquer discurso sobre
discurso sobre cultura, pois a cultura, pois o Estado é que
verdadeira cultura se dá nessa define como ocorrerão as
forma de comunicação. manifestações culturais.

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esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual
da Instituição, você encontra a obra na íntegra.
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