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O PROCESSO CIVILIZADOR NA POLÍTICA CONTEMPORÂNEA:

CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA SOCIEDADE DA


INFORMAÇÃO

Reinaldo dos Santos 1


UFGD
reinaldo.prof@hotmail.com

Resumo: Este texto discute as mudanças nas formas de participação política


contemporânea, associadas às tecnologias da informação e comunicação, sobretudo a
natureza de abrandamento dos protestos políticos. Inicia uma reflexão sobre estas
mudanças como processo de civilização da política à luz de concepções de teóricos
políticos como Bernard Manin, Jurgen Habermas e dos conceitos de tecnização e
processo civilizador do sociólogo Norbert Elias.
Palavras-chaves: participação política; TICs; processo civilizador.

Abstract: This paper discusses the changes in the forms of contemporary political
participation, coupled with information and communication technology, especially the
nature of relaxation of political protests. Start a discussion about these changes as a
process of political civilization in the light of conceptions of political theorists such as
Bernard Manin, Jurgen Habermas and the concepts of technizacion and the civilizing
process of the sociologist Norbert Elias.
Key words: political participation; ICTs; civilizing process.

Este trabalho é parte de uma pesquisa no campo multidisciplinar da chamada


websociologia e aborda os impactos das tecnologias da informação e comunicação
(TICs) nas relações sociais contemporâneas, tratando especificamente da questão: Que
mudanças as Tecnologias da Informação e Comunicação provocam na cultura política e
nas formas de participação política do cidadão?
Neste sentido, buscou-se aprender os indicadores destas transformações políticas
e como uma das frentes de reflexão da investigação, iniciou-se uma visualização das
mudanças na cultura política, à luz de teorias políticas de Habermas e Manin, bem como,
dos conceitos de tecnização e de processo civilizador de Norbert Elias.

A midiatização ou tecnização da política

A política, enquanto interação ocorre em um campo, palco ou arena, onde as


opiniões são formadas, as propostas elaboradas, os debates travados, as negociações
estabelecidas, as decisões tomadas e as ações encaminhadas. Evidentemente, a política
não ocorre exclusivamente neles, mas são espaços nos quais ela ocorre de forma
1
Mestre em História da Cultura e Doutor em Sociologia Política é Professor Adjunto de Fundamentos da
Educação na Faculdade de Educação da UFGD, Dourados – Ms e membro do Grupos de Estudos sobre a
Obra de Norbert Elias.
privilegiada, mais freqüente, intensa e decisiva. Eles podem ser associados à ágora da
Grécia Antiga, às Cortes do Antigo Regime, aos Parlamentos e Gabinetes da Era
Moderna, aos templos religiosos, sindicatos, portas de fábrica, salões sociais, bares,
comícios, manchetes de revistas, páginas de jornais, ondas de rádio, telas de televisão,
sítios de internet etc. Estes espaços de “realização” da política são chamados de arenas
políticas, por parte dos cientistas políticos.
A natureza das arenas políticas passou por importantes mudanças, nos últimos
duzentos anos, uma delas, associada a uma acentuada midiatização da política. Antes, a
interação entre os sujeitos era predominantemente interpessoal direta e ocorria com a
presença física dos envolvidos em um ambiente também físico. No século XIX, com o
surgimento das primeiras repúblicas modernas, a ampliação do sufrágio, o crescimento
das cidades e o início da massificação da vida social, a interação começou a ser indireta e
em espaços não-físicos.
Os fundamentos da arena política foram alvo de uma proposição teórica mais
formulada na obra de Jürgen Habermas, Mudança Estrutural da Esfera Pública, publicada
em 1961. Ao lado de tradicionais campos da política, como a Corte, o Parlamento, o
Gabinete e os Partidos Políticos, Habermas identificou a gênese de uma esfera pública
burguesa, entendida como a esfera de pessoas privadas reunidas em um público, uma
ligação entre Estado e sociedade civil, onde se busca formar racionalmente uma opinião
pública, baseada no melhor argumento.
Esta nova face da arena política, identificada por Habermas, ancorou-se no
cotidiano europeu de uma burguesia emergente e foi caracterizada pelas interações
ocorridas nos salões, bares, cafés, clubes e paróquias, do século XIX. No entanto, no
mesmo século, este universo sofreu profundas transformações em função do
desenvolvimento da sociedade de massa e dos meios de comunicação.
Em A Democracia na América, escrito em 1835, Alexis de Tocqueville, referindo-
se aos jornais como espaço de interação política na democracia americana, destacou que:
Muitas vezes, ocorre, nos países democráticos, que grande número de
homens que têm o desejo ou a necessidade de se associarem não o
podem fazer porque, sendo todos muito pequenos e perdidos na
multidão, nunca se vêem e não sabem onde se encontrar. É quando
surge o jornal, para expor aos olhares o sentimento ou a idéia que se
apresentara simultaneamente, mas separadamente, a cada um deles.
(TOCQUEVILLE, 1987, p.395)
Esta ampliação e deslocamento da esfera pública dos espaços físicos e
interpessoais diretos para os não-físicos e indiretos foi discutida por Habermas, tanto em
Mudança Estrutural da Esfera Pública, quanto em textos mais recentes. Para o autor,
segundo a densidade da comunicação, a complexidade organizacional e o alcance das
organizações e associações, a esfera pública diferencia-se em três tipos (HABERMAS,
1997, p. 107):
 episódica: bares, cafés, salões, encontros nas ruas;
 de presença organizada: encontro de pais, público de teatro, concertos de
rock, reuniões de partidos, eventos de igrejas;
 abstrata: leitores, ouvintes e espectadores produzidos pela comunicação
de massa.
Uma das principais mudanças na esfera pública analisada por Habermas foi o
deslocamento, ocorrido a partir da segunda metade do século XIX e mais
acentuadamente após a Segunda Guerra Mundial, das interações políticas das esferas
episódicas e de presença organizada para a esfera abstrata, dominada pela mídia, como
destacou:
A propaganda é outra função que uma esfera pública dominada por
mídias assumiu. Os partidos e as suas organizações auxiliares vêem-se,
por isso, obrigados a influenciar as decisões eleitorais de modo
publicitário, de um modo bem análogo à pressão dos comerciais sobre
as decisões de compra: surge o marketing político. Os agitadores
partidários e os propagandistas ao velho estilo dão lugar a especialistas
em publicidade, neutros em matéria de política partidária e que são
contratados para vender política apoliticamente. (HABERMAS, 2003,
p.252)
O avanço neste processo de mudanças levou o filósofo alemão a reformular seu
conceito de esfera pública, descolando-o do contexto de emergência da burguesia e
associando ao de ascensão da mídia. A esfera pública passou a ser entendida como uma
rede adequada para a interação política, circulação de conteúdos, tomadas de posições e
opiniões, formada por espaços nos quais as pessoas discutem questões de interesse
comum, formam opiniões ou planejam a ação por meio do debate, fora das arenas
formais do sistema político (HABERMAS, 1997, p.92 e ss.).
Em praticamente todo o mundo ocidental e a partir da década de 1980, a maioria
das interações políticas passou a desenvolver-se ao redor da mídia. Neste sentido, vários
teóricos políticos elaboraram esquemas explicativos para a nova realidade política que se
delineou.
Giovanni Sartori associou o processo ao que chamou de videopolítica,
caracterizado pela introdução da cultura audiovisual nas relações sociais, sobretudo nas
de poder, e sua incidência nos processos políticos, com mudanças na maneira de “ser
políticos” e de “conduzir política” (2001, p. 50). Segundo o autor, a videopolítica
carateriza-se pela:
- personificação das eleições e declínio dos partidos políticos;
- emotivização da política;
- individualização das interações em oposição à idéia de coletividade (2001, p.
102).
Venício Lima (2001; 1994) elaborou uma hipótese de países mídia-cêntricos, na
qual o Cenário de Representações Políticas (uma face da esfera pública) é caracterizado
por:
1. sistemas nacionais de televisão comercial que funcionam como principal
fonte de informação e entretenimento do cidadão;
2. pelo menos uma geração de eleitores criados na era da vídeopolítica, na
qual a televisão é a principal arena em que se realiza a política;
3. eleições presidenciais nas quais os candidatos concorrem em rede nacional
de televisão para passar a imagem de instrumentos do centro dinâmico da
ordem social.
No mesmo sentido, Bernard Manin construiu um modelo explicativo para a
midiatização das interações políticas, cunhando o conceito de democracia de público. Em
suas obras sobre o governo representativo (MANIN, 1995, 1997), este autor aponta três
tipos ideais de democracia:
 Democracia parlamentar: os representantes são “homens notáveis”
escolhidos por um eleitorado reduzido, com base em laços de confiança
pessoal, estabelecidos em círculos de relações de contato interpessoal
direto;
 Democracia de partidos: os representantes são “homens de partido”,
escolhidos por um eleitorado ampliado, com base em laços partidários,
estabelecidos pela mediação de uma estrutura partidária;
 Democracia de público: os representantes são “homens de comunicação”,
escolhidos por um eleitorado massificado, com base em laços interpessoais
estabelecidos pela mediação da mídia.
No tipo parlamentar, a arena política aproxima-se da esfera pública burguesa e
episódica descrita por Habermas e predominante no século XIX. Os templos religiosos,
os salões sociais, os clubes, os bares, as confeitarias, os cafés e as praças são o espaço no
qual, sobretudo, empresários, interagem com seus pares, parentes e outras pessoas
“públicas” para conseguir apoio e votos para sua eleição. Nele, o parlamento/gabinete
mantém uma considerável importância e independência, e os meios de comunicação e os
partidos desempenham um papel secundário.
O segundo tipo (de partidos) desenvolveu-se com o crescimento do eleitorado e
das clivagens sócio-classistas, representando um declínio do primeiro, a partir do início
do século XX. Passível de ser associado à esfera pública de presença organizada (na
terminologia de Habermas), nele, as reuniões partidárias, os comícios, as paradas
comemorativas, as manifestações públicas e a imprensa militante, são o lugar onde
ativistas, cabos eleitorais e líderes partidários disseminam opiniões e buscam conseguir a
adesão, o voto e a fidelidade dos eleitores para os representantes do partido.
Na democracia de partidos, o parlamento/gabinete perde importância (por estarem
vinculados às disposições dos partidos), a estrutura partidária é o elemento central e
decisivo, e os meios de comunicação (não-partidários), os círculos de influência social e
a notabilidade pessoal dos candidatos desempenham um papel secundário.
O terceiro tipo (democracia de público) estabelece-se, a partir dos anos 1970, com
a evolução tecnológica e a difusão maciça dos meios de comunicação de massa,
especialmente da televisão, sendo o predominante na maioria das democracias
contemporâneas. Próximo da idéia habermasiana de esfera pública abstrata, ele se
caracteriza pela concentração das interações políticas na grande imprensa, no rádio e na
televisão comerciais e não-militantes, por meio dos quais candidaturas de cunho pessoal,
buscam obter o voto do cidadão e o apoio da opinião pública.
Na democracia de público, os meios de comunicação são o elemento decisivo nas
interações políticas e as estruturas partidárias, e os círculos de influência social têm um
papel secundário, já que uma nova elite domina o lugar dos ativistas e líderes partidários,
sendo que, para Manin, “a democracia de público é o reinado do comunicador” (1995, p.
26).
Como destacou Chaia e outros, a difusão da mídia eletrônica de comunicação
massiva transformou profundamente a política:
A política ganhou um novo caráter com o surgimento da mídia, pois sua
visibilidade passou a ser mediada pelos meios de comunicação, fazendo
até com que os políticos passassem a depender dela para se manterem e
destacarem na vida pública. A mídia mudou também a relação entre os
candidatos e os eleitores, porque a relação que antes precisava da
presença física de ambos e permitia uma comunicação de mão dupla,
agora é intermediada pelos meios de mão única. (CHAIA et al, 2005)
Nas democracias de público
os candidatos se comunicam diretamente com seus eleitores através do
rádio e da televisão, dispensando a mediação de uma rede de relações
partidárias [...] a televisão realça e confere uma intensidade especial à
personalidade dos candidatos. (MANIN, 1995, p. 26)
Elas podem, portanto, ser caracterizadas pela:
 predominância do comunicador/homem de mídia, em relação ao quadro de
notabilidade pessoal ou ao ativista partidário;
 concentração das interações políticas na mídia, em relação aos círculos de
influência social ou estruturas partidárias;
 afirmação do acesso/controle da mídia como elemento decisivo nas
interações políticas, em relação à notabilidade política ou a liderança
partidária.
A partir dos preceitos teóricos de esfera pública de Habermas, de vídeopolítica de
Sartori, de mídiacentrismo de Lima e de democracia de público de Manin, delineamos o
conceito de Arena Política Midiatizada. Ela se caracteriza pela concentração das
interações políticas (formação de opinião pública, debate político-eleitoral e
encaminhamento das decisões políticas) na mídia (enquanto espaço, arena, esfera,
cenário, palco e campo) e, conseqüentemente, pelo grande poder de
influência/determinação no resultado das interações políticas, por parte de quem tem
acesso/controle dos meios de comunicação.
A Arena Política Midiatizada constitui um novo espaço de interações políticas,
com novas regras, formas de relação, recursos e sujeitos, bem como, uma nova cultura
política, ou, no mínimo, novas formas de participação política. Ela representa um ponto
significativo no processo, como movimento de deslocamento da política dos partidos,
ruas e locais de contato direto para os espaços massivos abstratos dos meios de
comunicação. Como parte deste mesmo processo ocorre também um segundo movimento
atinente às formas de participação política que se tornam mais impessoais, anônimas,
distantes, abstratas, ou seja, mais “frias”, de certo modo, ou mais civilizadas, em outra
perspectiva.

A civilização da política

As formas de participação política contemporânea são muito diferentes das do


século XIX e mesmo das do recente século XX e podemos afirmar que elas estão se
tornando mais civilizadas.
O militante prototípico da segunda metade da década de 1980 pode ser associado
à figura do: jovem (16 a 24 anos), de partido de esquerda, paramentado com as cores
vermelhas do partido, equipado com panfleto, tinta e megafone, pronto a participar de
passeatas, piquetes, invasões e turbulentos protestos, com grande potencial de
enfrentamento com a polícia, para “forçar” rupturas na ordem social.
O ativista político do século XXI pode ser associado à figura: do adulto (24 a 32
anos), de ONG, paramentado com camisetas brancas com botons e fitinhas, equipado
com adesivos e gadgets, pronto para participar de uma campanha blogando, twittando ou
contribuindo para um protesto estético, de baixo impacto na dinâmica social, com pouco
risco de confronto com seguranças e buscando sensibilizar a população por uma causa
não diretamente relacionada a rupturas na ordem social.
Assim, uma das marcas da participação política contemporânea são mudanças no
sentido de abrandamento, limpeza, higienização, tecnização, considerado como
civilizador, pelos seus próprios sujeitos.

Protesto sem gente e com gente


Em um protesto estético, as areias de uma praia amanheceram com milhares de balões, sem
manifestantes e com a presença do artista plástico criador da instalação, do assessor de comunicação
e do coordenador da ONG organizadora. Em um protesto real, milhares de pessoas, portando faixas
de protesto e gritando palavras de ordem, saíram em passeata pelas principais ruas da cidade.

Protesto com risco e sem risco

Manifestante corre da repressão a um protesto e é alcançado, espancado e preso, após uma


manifestação. Instalação estética de protesto pela melhoria da educação, com centenas de velas e
bonecos de papel segurando faixas em uma praia brasileira, sem manifestantes, se polícia e sem risco.

Protesto sem verve e com verve

Manifestação na qual alguns “profissionais” rolam uma enorme bola, simbolizando o planeta pelas
ruas, acompanhado de jornalistas para fotografar e quase ignoradas pelos carros no trânsito. Protesto
no qual vários manifestantes tombam um carro estacionado na rua, tomados pela verve.

Protesto com poluição e protesto sem poluição


Protesto com pichação clandestina em muro, considerado ambientalmente incorreto pela poluição
estética. Protesto com out-door de designer profissional e divulgação legalmente contratada.

Um protesto de trinta anos atrás era caracterizado pelo barulho ensurdecedor,


fumaça, poeira, tiros, bombas, sangue, palavras de ordem com xingamentos, pela
multidão entusiasmada, pelo improviso, com tropa de choque, cavalaria, odores fortes,
pelo rastro de sujeira deixado após sua passagem. Um protesto contemporâneo é
caracterizado pelo silêncio, música de fundo ou jingles, pela coordenação com as
autoridades, pela pouca ou nenhuma presença de pessoas, pelo cuidado estético, pela
limpeza dos espaços e profissionalismo dos envolvidos.
Da mesma forma, podem ser percebidos os seguintes movimentos:
- Do real para virtual: mudança da passeata, invasão e embate real para as
mensagens em sites, twitters, blogs, comunidades virtuais e e-mails para autoridades;
- Das ruas para a mídia: passeatas, comícios e protestos, direcionados à
população, diminuem, e dão lugar a manifestações que buscam inserção na mídia e
destinadas ao tele-espectador;
- Do embate para sensibilização: o principal objetivo deixa de ser a pressão para
forçar a uma mudança política e passa a ser sensibilização, a economia da imagem e dos
índices de popularidade, aprovação e intenção eleitoral, como recurso de negociação;
- Do concreto para o simbólico: a concretude do discurso militante direto,
ostensivo e, por vezes, radical, dão espaço à estética de linguagens simbólicas, artísticas
e publicitárias;
Mas o principal movimento relaciona-se ao desenvolvimento nas novas gerações
de sentimentos de vergonha, medo, nojo e repulsa para com formas de participação
política de enfretamento direto, que passam a ser visualizadas numa perspectiva de
irracionalidade e violência que não tem lugar em um mundo político civilizado.

Considerações Finais

Uma das primeiras considerações deste paper diz respeito ao reconhecimento de


que as relações sociais contemporâneas são cada vez mais mediadas por tecnologias da
informação e comunicação, numa configuração que pode associada à idéia de
videopolítica, esfera pública abstrata ou arena política midiatizada. Neste contexto, a (re)
compreensão das relações sociais passa obrigatoriamente pelo entendimento do
funcionamento das mídias e tecnologias da informação e comunicação e pela análise das
“novas” relações que os sujeitos estabelecem, a partir das limitações e potenciais destas
mediações.
Outra importante consideração diz respeito ao entendimento destas mudanças
sociais como parte de um processo de civilização da vida social, que também atinge a
esfera de participação política e ocorre como parte de um processo civilizador, marcado
pela apreensão de normas e padrões de conduta, etiqueta, pudor, decoro, protocolo,
polidez, trato social, comportamento em público, controle de emoções e busca pela
abstenção de uso da violência como recurso em relações sociais (ELIAS, 1994). Estas
marcas de processo civilizador podem ser identificadas nas características das formas de
protesto político da atualidade.
Outro referencial de Elias na elaboração deste artigo, refere-se ao viés de
abordagem que foi o comparativo entre dois momentos sociais: o de uma cultura política
voltada para o protesto de embate e o de uma política de repúdio ao embate e valorização
da sensibilização. Como destacou Elias
O processo civilizador pode ser demonstrado inequivocamente, com a
ajuda de comparações sistemáticas, tanto entre estágios diferentes de uma
mesma sociedade quanto entre sociedades distintas. No entanto, concebida
como um estado, a civilização é, no máximo, um ideal. (ELIAS, 2006,
p.37)
As mudanças na cultura política, apontadas ao longo do paper, podem ser
associadas a três importantes disposições de Elias: de relação com a tecnização; de
irregularidade do processo; e de relativização do valor que a ele se atribui.
Em relação à tecnização, embora não se possa e nem deva colocar os avanços
técnicos no transporte, comunicação, na indústria, na urbanização etc., como causa ou
conseqüência destas mudanças, ela, certamente, é um fator relacionado, presente,
imbricado com as novas configurações de protesto político. As formas de participação
política mudaram e são diferentes do que eram quando lhes era atribuído um outro
sentido, em um mundo em embate, em guerra (mesmo que fria) e cumpriam um outro
papel em outras condições sociais não por causa ou conseqüência da tecnologia, mas
como parte de um processo no qual, elas e a própria tecnização fazem parte:
A tecnologia e a educação são facetas do mesmo desenvolvimento total.
Nas áreas por onde se expandiu o Ocidente, as funções sociais a que o
indivíduo deve submeter-se estão mudando cada vez mais, de maneira a
induzir os mesmos espírito de previsão e controle de emoções como no
próprio Ocidente. Nesse caso, também, a transformação da existência
social como um todo é a condição básica para civilizar-se a conduta. Por
esse motivo, encontramos nas relações do Ocidente com outras partes do
mundo, os primórdios da redução de contrastes que é peculiar a todas as
grandes ondas do movimento civilizador. (ELIAS, 1993, p.212)
Outra conclusão possível é a de que o processo de mudanças na participação
política não se deu e não se dá de forma regular, contínua e com um ritmo previsível. As
formas mais violentas de protesto convivem com formas mais brandas de manifestação,
muitas vezes, no mesmo tempo e no mesmo espaço. Assim como “modelos” de protestos
tradicionais se alternam com outros mais “inovadores”, no que Elias chamou de surtos
em direção a uma maior integração e diferenciação:
Processos sociais podem ter, em estágios anteriores ou posteriores, a
mesma direção. Dessa forma, surtos de distanciamento ou surtos na direção
de uma maior integração e diferenciação, podem ser observados tanto na
Idade da Pedra, quanto na Época Moderna. Processos sociais mais longos
permitem reconhecer freqüentemente e de modo bastante claro a ruptura de
um estágio do processo para outro mediante um decisivo deslocamento de
poder. (ELIAS, 2006, p.28)
Em relação ao sentido de valor atribuído às mudanças na participação política, a
conclusão deste texto é de que elas não são boas ou ruins, mas são parte e resultado do
processo histórico vivenciado pela população considerada.
O conceito de processo social refere-se às transformações amplas,
contínuas, de longa duração – ou seja, em geral não aquém de três gerações
– de figurações formadas por seres humanos, ou de seus aspectos, em uma
de duas direções opostas. Uma delas tem, geralmente, o caráter de uma
ascensão, a outra o caráter de um declínio. Em ambos o casos, os critérios
são puramente objetivos. Eles independem do fato de o respectivo
observador os considerar bons ou ruins. (ELIAS, 2006, p.27-8, grifo
nosso)
Não se trata de se considerar que os protestos de “antigamente” eram bons e
cumpriam seus papeis políticos e sociais e que as manifestações políticas “atuais” são
ruins, anormais e não conseguem cumprir seus objetivos. Trata de se considerar que as
duas práticas passaram (e estão passando) por mudanças sociais importantes e que suas
condições sociais não são mais as mesmas, são diferentes e trazem dificuldades para o
cumprimento de um papel na sociedade que já não é mais muito definido como
“antigamente”.
Elias associa este processo à idéia de:
Pares de conceitos opostos, que servem para a determinação da direção dos
processos sociais, não têm apenas esta função. Eles servem para a
determinação de oposições e tensões estruturais no interior de um
movimento processual em cada época considerada. Eles são
imprescindíveis para a determinação de fases ou estágios de um processo
social. Uma fase posterior é geralmente caracterizada pela imposição de
uma estrutura social modificada e, especialmente, por uma mudança
decisiva nas relações de poder, favorecendo determinadas posições sociais
e desfavorecendo outras. (ELIAS, 2006, p.29)
O objetivo deste texto foi o de pontuar elementos teóricos que levem ao
reconhecimento destas mudanças e diferenças e apresentar subsídios para o debate e a
reflexão sobre a compreensão do protesto político, em tempo de mudanças, pouco
percebidas e dificilmente assimiladas pelos sujeitos que as vivenciam.

Referências

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