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O ESPETÁCULO POLÍTICO -MIDIÁTICO E A PARTIÇ ÃO DE PODERES

Maria Helena Weber 1

RESUMO: O trabalho tem por objetivo desenvolver uma análise sobre a convergência e a disputa de p oderes
(institucionais, sociais e individuais) a partir da categoria espetáculo político–midiático. Pretende-se demonstrar
o processo constitutivo desse tipo de espetáculo que emerge na co ntemporaneidade, a partir das transformações e
das novas configurações dos poderes políticos, econômicos e midiáticos e as novas sociabilidades. Es sa
combinação ocorre em novos territórios e na apropriação de acontecimentos e comportamentos. Como tal, gera
produtos e processos que borram as fronteiras das esferas pública e privada, atribuindo novos sentidos aos
acontecimentos políticos. O espetáculo político-midiático é o lugar privilegiado de produção e consumo de
imagem institucional. Assim, tanto no processo de fabricação do espetáculo quando da partição dos resultados da
ocorrência desse espetáculo é possível identificar os p oderes institucionais (políticos, econômicos, jurídicos), os
poderes individuais e sociais e suas respectivas paixões, e ntendidas como o dispositivo de construção e
compreensão teórica do espetáculo e como as marcas imanentes do funcionamento da comunicação midi ática.
PALAVRAS-CHAVE: Espetáculo político-midiático, Midiatização, Comunicação Política

Não há dúvida que vivo numa idade escura !


Uma palavra sem malícia é um absurdo ...
(Mário Faustino)

Os movimentos da política na contemporaneidade disputam, cada vez mais


intensamente, espaços de visibilidade midiática usando complexas estratégias para viabilizar
relacionamentos e produzir informaç ões com potencialidade para repercutir. Nesse circuito é
formada a desejada imagem pública de instituições e sujeitos políticos, no limite entre
convergências e disputas de interesse. É sobre o aspecto mais complexo desse circuito que fala
esse trabalho, especificamente, a constituição do espetáculo político–midiático 2 a partir do
entrelaçamento de poderes da política, da mídia e da sociedade.
Não é a discussão sobre o espetáculo em si que pode interessar (exaustivamente
estudado e demonstrado) como reconhecido dispositivo de promoção do poder político e
midiático e, sim, o espetáculo construído nos limites dos campos políticos e mid iáticos cujos
dividendos simbólicos, econômicos e políticos misturam o público e o privado e convocam a
sociedade e o indivíduo.
A espetacularização da política, em toda a sua história, sempre precisou da
representação teatral, da "fabricação de reis" e h eróis. Nas ruas, nos palcos, nos templos,

1
Professora do Curso de Comunicação Social e PPGCOM/ UFRGS (maria.weber@ufrgs.br)
2
Categoria desenvolvida em: WEBER, Maria Helena. Consumo de Paixões e Poderes Nacionais : Permanência e hibridação em espetáculos
político-midiáticos. Rio de Janeiro: UFRJ/ CFCH/ Escola de Comunicação, 1999. 384 p. (tese de doutorado) sob orientação de Prof.Dr.
Antônio Fausto Neto.
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palácios, palanques e na televisão, as marcações teatrais, figurinos, textos de propaganda,


alegorias, cantos, rituais sempre foram destinados a produzir efeitos, a criar ilusões de ótica.
Das cerimônias de iniciação ao mundo adulto, aos casamentos e rituais da morte, o que
importa é como a contemporaneidade abriga as relações entre a sociedade, a mídia e a política,
de modo espetacular. Nes sa linha, mais do que rituais existe a idéia permanente da
dramatização de situações num jogo permanente entre conflitos e comem orações.
Historicamente, o poder de governar é mostrado de modo espetacular. Como cerimônias
repletas de símbolos, indumentárias, sons e movimentos, as religiões nos oferecem tantos
exemplos quanto as mo narquias e os governos fascistas e comunistas. Nas democracias
contemporâneas, o espetáculo ultrapassa os espaços do poder político e cria outros associados
aos meios de comunicação midiática.

Entende-se que a partir de acontecimentos de impacto desenc adeados por questões


institucionais, éticas ou por fatos extraordinários, imprevisíveis, a política se apresenta em
todas as suas dimensões simbólicas, ou seja, permite que as mídias, sujeitos e instituições,
sociedade e indivíduos se manifestem, vociferem , adulem, enquanto os meios de comunicação
midiática se transformam em arenas discursivas onde é possível identificar a construção, o
funcionamento e a partição do espetáculo político -midiático. Esse é o modo em que a paixão
torna-se a lógica orientadora e se sobrepõe à argumentação racional, deixando marcas tanto no
discurso jornalístico quanto no político. A paixão entendida como o dispositivo de construção
e compreensão teórica do espetáculo e , também, como a marca as imanente do funcionamento
da comunicação midiática, intervém como estratégia e como identidade de procedimentos.
Sob outra perspectiva, pode -se apontar o espetáculo configurado no plano social, com
autonomia sobre os meios de comunicação midiática e a política institucional como o Fórum
Social Mundial 3. O FSM tornou-se um incontestável espetáculo da sociedade com repercussão
no mundo inteiro e, desde janeiro de 2001 com a sua primeira edição em Porto Alegre (Brasil),
reúne anualmente , milhares de pessoas, credos, culturas e bandeiras num para debater e
defender o conceito transformado em slogan: um outro mundo é possível . Um mundo que
contraria a ordem econômica internacional, através das ações, discursos e debates políticos,
econômicos, sociais, culturais, ambientais. Questões, movimentos , etnias, injustiças têm
obtido visibilidade na mídia internacional, da mesma maneira que o funciona mento do FSM
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tem gerado espaços singulares de comunicação e mídias próprias. Apoiado mas longe de poder
ser transformado em bandeira governamental, a espeta cularidade e as dimensões universais do
FSM o colocam em oposição a importantes teorias que colocam o espetáculo como uma
alcunha que tira do campo social, a sua força, especialmente, Debord (A sociedade do
espetáculo), Debray (O estado sedutor) e Schwartzenberg (O estado espetáculo).
Ao esquematizar o espetáculo político-midiático, pretende-se ressaltar que a
transformação de fatos e acontecimentos políticos em espetáculos depende de interesses
recíprocos oriundos do campo da política e do campo midiátic o. Não apenas a reciprocidade
na confluência de interesses político -ideológicos, mas aquela reciprocidade que promove,
ocupa espaço, vende jornais e revistas, aumenta audiências, que contrapõe versões e acirra as
opiniões. A categoria espetáculo político -midiático pressupõe a participação das instituições e
sujeitos da política (partidos, Poderes Executivo e Legislativo), da mídia (jornalistas,
produtores de comunicação ), espaços nobres de circulação de informações e opiniões
(programas, colunas, púlpitos ) e, especialmente, a participação da sociedade, de modo
organizado ou espontâneo. Inúmeros são os exemplos do povo na rua associado a
organizações políticas e às mídias : Diretas Já, Impeachment de Collor, Morte de Ayrton
Senna, eleições, celebração na pos se de presidentes, mais recentemente, do presidente Lula e,
atualmente, a Crise Aérea Brasileira, dentre outros. A existência desse tipo de espetáculo é
sempre conveniente: de uma estrondosa Comissão Parlamentar de Inquérito (as CPIs) à s
tragédias como, recentemente, o acidente da empresa TAM, no Aeroporto de Congonhas, em
São Paulo, sempre há repercussão e divisão de lucros simbólicos, na disputa de versões.
Se a evolução do espetáculo político se dá pela absorção e utilização das linguagens da
propaganda e da expressão teatral, a Modernidade nos ofereceu o caminho para o
deslocamento do espetáculo da rua para os meios de comunicação midiática. O espetáculo
político-midiático é construído, portanto, a partir de qualquer acontecimento capaz de
estabelecer algum nível de convergência entre o campo da política, o sistema de comunicação
midiática e a sociedade. Cria-se assim uma interdependência e repercussões , simbolicamente
benéficas.

Esse texto apresenta um pouco da cartografia dessas quest ões ao apontar os modos de
apropriação de um acontecimento no âmbito dos poderes político e midiático desde que tenha

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Ver Weber, M.H. A Comunicação do Fórum Social Mundial .In: Revista Contemporânea
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potência para ser submetido aos processos de fabricação do espetáculo. Por último, o modo de
divisão de benefícios entendido como a partição das imagens físicas e conceituais entre
instituições e sujeitos do campo político e as organizações midiáticas que se empenharam na
produção e veiculação do espetáculo.

1. APROPRIAÇÃO DO ACONTE CIMENTO (a partir de sua estrutura vital determinada pela


sua qualidade e potencialidade passional necessárias à apropriação pelo sistema de
comunicação midiática e o campo político)

O espetáculo político-midiático é um fenômeno contemporâneo significativo porquanto


reúne o poder vital do fato político aos poderes dos me ios de comunicação midiática, em nível
empresarial e na sua configuração estética como espaços onde tudo pode ser maculado ou
promovido. Num processo de alternâncias entre compromisso e leviandades, as mídias
funcionam como suporte privilegiado da celebração da morte e da vida, de todos os poderes.
Para a compreensão teórica do espetáculo é preciso ingressar no campo das paixões, das
emoções como sendo o capital individual dos sujeitos, disputado pelo mercado e pela política.
Assim é possível formar o triâ ngulo dos poderes entendendo -os como sendo o (des)equilíbrio
de acordos e disputas entre a sociedade, a política e as mídias. Significa entender que o
espetáculo só existirá com essa combinação, significa dizer que não pode ser atribuído às
mídias o poder de controlar e determinar o movimento da política e da sociedade .
O espetáculo mais rentável será, evidentemente, gerado na esteira do escândalo ou da
disputa eleitoral, sempre há vencedores e derrotados, sempre há celebrações e mobilização de
paixões. O escândalo, como diz Thompson (2001) ocorre na transgressão de valores, normas
e códigos morais e envolve uma cadeia de delações, segredos, ataques e defesas a partir de um
fato que avalia a reputação. Quanto maior a representatividade política e visibilida de
midiática, maior o escândalo, maior o envolvimento. Há um lugar mais ético do que o outro
determinado pela representatividade e este é o espaço da política, da dignidade da política que
atribui, avalia e controla o uso desta ética em benefício do públ ico e do privado. Há muitas
transgressões, mas as que viabilizam o escândalo estão previamente determinadas. Mistura-se
neste tipo de espetáculo o que não é permitido: a lógica privada na esfera pública e as
fronteiras desaparecem na disputa entre poder simbólico e poder real.
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A hipótese associada ao espetáculo político -midiático é de que ele só acontecerá se puder


ser identificada uma estrutura vital no acontecimento original, determinada pela sua qualidade
e potencialidade passional necessárias à apropriação pelo sistema de comunicação midiática,
campo político e organizações privadas e, capazes de mobilizar sociedade e indivíduos. Ou
seja, o espetáculo não será constituído se apenas as mídias assim o desejarem, assim como não
o será somente a partir do interesse político. Essa estrutura vital contém os ingredientes
capazes de formar a imagem pública de todos os envolvidos pois o fator qualidade abrange o
sujeito e seus discursos capazes de mobilizar paixões na defesa de versões (escândalos), na
manifestação de alegria (posse, casamentos), na manifestação de dor (funerais). Essa estrutura
é tão forte que a confluência de interesses se estabelece no movimento do jornalismo , quando
o acontecimento é transformado em notícia; no movimento do marketing , da propaganda e
relações públicas, quando o acontecimento é rentável e gera publicidade e eventos e no
movimento da sociedade e suas manifestações de repúdio, tristeza.
A apropriação do acontecimento pelos poderes aciona paixões, sem as quais não exist irá o
espetáculo. Isso transparece no modo de contar e promover o acontecimento, através de
estratégias híbridas que marcam a diferença do modo de contar, de produzir, de veicular, de
comercializar e de repartir o espetáculo. N essas modalidades residem todas as com plexas e
sofisticadas redes de comunicação que tornam viáveis todas as linguagens, imagens e
deduções. Os espetáculos político-mediáticos não se parecem entre si na medida que a sua
singularidade é dada pelo acontecimento, da mesma maneira que a sua tradu ção pelas mídias
também será diferenciada. Os temas relacionados a cada espetáculo determin am se a
abordagem será de cunho publicitário ou mais jornalístico.
A fabricação e a grandiosidade do espetáculo depende m da participação e dos
investimentos passionais, comunicacionais e financeiros de todos aqueles que dele se
apropriaram: profissionais de comunicação, organizadores, espectadores, instituições
religiosas, instituições políticas, familiares, etc. A apropriação do acontecimento implica num
processo de sua transforma;ao esm espetáculo

2. FABRICAÇÃO DO ESPETÁC ULO POLÍTICO -MIDIÁTICO (processo que abrange a


hibridação entre o público e o privado, entre a mídia e a política; a tradução do
acontecimento em informação jornalística, propaganda ou entreteniment o; a
transformação do acontecimento em cerimônias midiáticas e, sua comercialização e
respectivo consumo)
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As mídias fazem parte do espetáculo, como organizações indispensáveis às operações


políticas e mercadológicas e, para tanto, comprovam permanentemen te sua força como
entidades complementares ao poder, devido a sua lógica, linguagem e estética fundamentais à
captura do imaginário social, através da transmissão ininterrupta de bens simbólicos,
mercadológicos e políticos. Somente através das mídias é pos sível criar uma teia de
reconhecimento das ações, sujeitos e instituições políticas e reforçar idéias, temas e
movimentos a eles vinculados. Desse modo, os governantes, os políticos podem sustentar seus
discursos sobre projetos sociais, culturais, econômi cos e políticos, com o sendo de caráter
geral e universal. O lugar de onde os discursos informativos e persuasivos são produzidos é
ratificado pelo lugar da sua difusão - as mídias, condicionando o processo de apreensão de seu
conteúdo e a sua veracid ade.
As instituições têm sua comunicação restringida pela comun icação das mídias detentoras
do capital simbólico e das senhas para sua troca. A montagem e o sucesso dos peculiares
espetáculos políticos da contemporaneidade, onde pa ixões e poderes, contracenam c om a
ética, e a verdade dependem de meios, linguagens e do consumo articulados pelas mídias.
Assim, no rastro das paixões coletivas pode -se identificar mais facilmente os jogos dramáticos
de exercício dos poderes políticos (gove rno, instituições, partidos) em sintonia com os poderes
do capital (empresas, finanças), os poderes midiáticos (imprensa, rádio, televisão, propaganda)
em torno dos poderes do sujeito, exercitando seus papéis como espectador, consumidor,
eleitor, cidadão. Mesmo orientado pela ótica e conômica que globaliza um modo de fazer
política.

A capacidade de ressonância das informações e da propaganda junto aos indivíd uos e à


sociedade se estabelece a partir da proximidade possível, mesmo aparente, entre a sua vida e o
anúncio, o programa, as mí dias a capacidade de suscitar paixões, objetivo tão caro aos poderes
em cena, que lhe renderão apoio, votos, imagens. Assim os objetos a serem consumidos e o
próprio corpo fazem part e do mesmo mosaico.

O processo de identificação da potencialidade do acont ecimento é também o processo de


fabricação do espetáculo que aciona todas as competências e mecanismos éticos, estéticos,
legais, tecnológicos e profissionais dos campos da mídia e da política . E realizada a sua
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manutenção e a ampliação de tod os os ângulos que atendam interesses políticos,


mercadológicos e midiáticos.
Na primeira etapa ocorre a hibridação entre as fronteiras dos campos da política e da
comunicação e no modo de publicizar a informação sobre o acontecimento. A seguir , o
acontecimento é retrabalhado, apropriado em partes e nos modos de tradução do sistema
midiático parece como informação, propaganda e entretenimento . Hibridizado e traduzido, ele
será na etapa seguinte, adaptado aos protocolos das cerimônias midiáticas, as quase como
afirmam Dayan e Katz (1993) escrevem uma “história indireta” através de uma nova
percepção do tempo e do espaço, através de “molduras” constru ídas pelas mídias.
A penúltima etapa dessa fabricação aponta para a sua comercialização e respectivo
consumo, quando simbolicamente, os espectadores, consumidores, leitores pegam, tomam as
informações, acompanham a propaganda e perseguem espaços ocupados pelo debate em torno
das temáticas que sustentam o espetáculo político -midiático. Por último, a partição das
imagens, quando as instituições e sujeitos que se apropriaram do acontecimento e o
fortaleceram, podem usufruir dos resultados da sua veiculação e manutenção.
Para que um espetáculo funcione são colocadas em cena as g randes estruturas, agências e
profissionais de marketing, relações públicas e assessorias de comunicação integrada estão
envolvidos em projetos de c omunicação estratégica em busca de aprovação de consumidores
ou votos de eleitores. A marca de uma organização, de um partido é dada pela sua história,
pelo seu investimento social, pela sua capacidade de ser promovida. A sofisticação deste
processo extrapola o funcionamento das históricas assessorias de imprensa, dos cerimoniais e
das campanhas de propaganda. Não basta informar é preciso provocar reação na opinião, fazer
com que a notícia se multiplique. É preciso construir o consenso social, através de ações
combinadas de comunicação, no plano do discursos e das relações com as mídias. Deste modo
se pode falar em redes, em teias, em jogos estratégicos de comunicação, através dos quais as
empresas e regimes políticos procuram criar as bases de sua legitimidade e promoção. Esta
busca saiu do espaço local e regional para fazer a sua disputa em âmbito internacional. Do
conceito sobre um Estado, sobre a nação, sobre o país, ou um determ inado dirigente político
depende a concessão de empréstimos, de aceitação no mercado de ações internacionais, de
apoio à próxima eleição.
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Os espaços mediáticos, ocupados pela informação jornalística, são indicadores té cnicos e


ideológicos do modo de traduzir o acontecimento versão, através da classificação valorativa e
hierárquica atribuída ao acontecimento, transformando -o em espetáculo, para ocupar espaços
gráficos, eletrônicos e digitais. Para além de mediar o acontecimento, a s mídias o
reconstituem e promovem ao reunir as peças, detalhes e opiniões efetuando uma montagem
própria à personalidade e interesses de cada veículo. A cumplicidade e dependência entre as
organizações mediáticas e o mercado permite que acontecimentos se jam criados a partir de
informações mínimas ou inexistentes.
A produção de noticias vinculadas a um espetáculo permite avaliar a veracidade deste
espetáculo porque o jornalismo é a instância privilegiada de apreensão e tradução da realidade.
As configurações estético-estratégicas que as mídias atribuem aos acontecimentos são
ordenadas a partir da sua capacidade e “liberdade” de produzir verdades editadas a partir das
agendas políticas e de mercado. A premissa do jornalismo é da ordem da ética e da estética e
abrange o acontecimento da sua versão até o leitor.
A promoção e venda do acontecimento são as ações desencadeadas através do marketing,
da propaganda e de relações públicas. A produção de publicidade entra na produção do
espetáculo como oposição à inf ormação jornalística, e decorrente da ação de todos os poderes
direta e indiretamente relacionados ao espetáculo. Quanto mais integrado for este processo,
melhores serão os resultados de visibilidade, promoção e co nsumo do espetáculo. Estas ações,
de caráter comercial ou institucional atendem à equ ação que permite associar mensagens,
eventos, promoções das organizações ao sujeito ou ao fato principal do acontecimento pois no
momento que ele é transformado em espet áculo o sucesso está garantido a quem dele
participar.
O resultado final dos rituais do marketing e da propaganda são expressos em anúncios,
vídeos, assinaturas, peças visuais, com a densidade simbólica permitida pela potência do
acontecimento e no sentido de aproveitar a oportunidade e usufruir do espetáculo. Sempre são
levados em conta, a aproximação dos públicos prioritários e o retorno comercial ou
institucional, como suporte qualificado para discursos, serviços, produtos e projetos e Suporte
à valorização, promoção e projeção da instituição. Ma rcando a diferença num cenário
incomum.
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Através de atividades de relações públicas, as organizações direta e indiretamente


envolvidas com o acontecimento planejam ações de visitação, cerimônias de suporte a
atendimento diversos, protocolos promovend o relacionamentos e investindo na imagem das
organizações. Independentemente da natureza do acontecimento, entre a vida e a morte, ele
será pauta e ocupará espaços de entretenimento seja em programas de humor, de aud itório,
shows, programas infantis, ou n ovelas.
Comercialização é a parte da constituição mediática do espetáculo que o torna rentável
tanto do ponto de vista mercadológico quanto instituci onal. A circulação da marca das
organizações e sujeitos envolvidos no espetáculo político -mediático, seja este sobre a morte ou
sobre a vida, permite ampliar de modo consider ável as vendas. Aqui reside uma lógica
singular que mantém as mídias em circulação e ao mesmo tempo orienta os sujeitos na sua
relação com a contemporaneidade. Colada à noção de pós -modernidade está a de produto e,
decorrente da globalização está o mercado e o fascinante jogo de consumo. O consumo
funciona como uma sedução contínua da vida.

3. A PARTIÇÃO DO ESPETÁC ULO POLÍTICO -MIDIÁTICO (processo de apropriação e uso da


visibilidade e dos bens simbólicos obtidos pela participação no processo de fabricação
e manutenção do espetáculo

Todos que promovem, mantém e participam do espetáculo político -midiático têm


possibilidades de usufruir, de repartir tributos e benefícios vinculados aos f atos e cerimônias.
Completa-se assim o circuito com repercussão na imagem pública de todos os envolvidos do
campo da política, da comunicação midiática e da sociedade. Quanto maior o investimento,
maior a vinculação ao espetáculo e maior os ganhos simbólic os, financeiros ou políticos
relacionados à imagem pública.
A necessidade de criar, produzir e veicular imagens públicas (visuais e sociais) imagens
privadas (visuais, sociais e institucionais) inclui a idéia de formação da opinião pública,
teoricamente, como uma instância reguladora da política e da sociedade e, tecn icamente, como
espaço de legitimação das imagens emitidas. Esta instância, no entanto, é preparada para
emitir um juízo, uma opinião, através de todo o processo de fabricação das imagens. Inqu irida,
o resultado de sua opinião é transformado em números, percentuais e cruzamento de variáveis
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que serão utilizados pelas empresas de pesquisas de op inião, pelas mídias e pelos sujeitos
candidatos à imagem.
.Equilibrando o medo e a esperança, os suje itos apaixonados participam , como entende
Sennet (1989, p.61) do "teatro do mundo” onde "circulam os retratos das pessoas em sua vida
quotidiana” e o "homem como criatura de máscaras ". São estes papéis públicos que ao serem
"investidos de sentimento" adquirem poder. A crença na persona do ator e nas convenções é
transformada num expressivo instrumento da vida pública, onde o cidadão pode expor suas
paixões e compartilhá-las com os poderes constituídos. Na esfera pública, como no teatro a
temática e os rituais de encenação estabelecem a divisão das platéias devido aos códigos de
representação,

Espetáculo é o movimento e a ocupação do espaço de modo a mostrar algo não usual,


algo não cotidiano pois como afirma Bettetini (1986) "a espetacularidade global do co tidiano é
muda" e seus interlocutores são as mídias que lhes dão o lugar da fala e ind icação para seu
nível de mediação. Da mesma maneira, a cumplicidade crescente entre a economia de
mercado e o estado, transformou os espetáculos em produto como fontes in esgotáveis de
serviços e produtos e lucros, é o caso dos carnavais e das copas. Por último, na falta de uma
provocação utópica legítima e política e a fragilização das instituições, faz com que a política
se alie às mídias e a qualquer acontecimento no mo strando a sua participação nos pr oblemas,
como um espaço legítimo de estruturação das relações sociais .
O elemento permanente neste processo é a visibilidade e a credibilidade na política,
através da esperança e do medo, simultâneos ou alternados porque a dramatização sempre foi
um dos exercícios dos poderes, conforme Balandier ( 1982: p.7) o “poder não consegue
manter-se nem pelo domínio brutal nem pela justificação racional. Ele só se realiza pela
transposição, pela produção de imagens , pela manipulação de símbolos e sua organização em
um quadro cerimonial. Estas operações se efetuam de modos variáveis, combináveis de
apresentação da sociedade e de legitimação das posições do governo".
As sociedades sempre se organizaram em torno de alegorias e manifest ações sobre o poder
constituído, da carnavalização (crítica) à participação em cerimônias oficiais (apoio).
A palavra imagem é uma categoria utilizada por vários campos de conhecimento, mas
sempre relacionada ao olhar, ao reconhecimento, à visualização, à comunicação. É de fácil
compreensão quando vinculada à dimensão figurativa da comunicação (vídeo, fotografia,
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embalagem, cinema, moda) e mais complexa quando decorrente da dimensão conceitual


apropriada pelo marketing, relações públicas e, mais recentemen te os produtores de imagem -
image makers . A imagem é em si um texto aberto a múltiplas conot ações, deduções e
entendimentos. É o resultado, primeiro individual e depois coletivo, da recepção e da
apreensão de informações visuais, auditivas, sensitivas, em ocionais, intelectuais que serão
lidas a partir da memória individual e coletiva, da história , da cultura e do contexto no qual o
sujeito ou a instituição estão sendo veiculados. Neste sentido as sensações e percepções
provocadas encontrarão ressonância o u rejeição por parte dos indivíduos a partir da
combinação de outras imagens e símbolos e da natureza da im agem proposta. Assim, a
estruturação de uma imagem pública sobre um sujeito ou uma instituição é formulada a partir
da combinação das várias, apropr iações, interpretações e conceituações individuais privadas.
As imagens são estudadas pela filosofia, pela psicanálise, pela arte no plano do imaginário e a
complexidade dos elementos co nceituais e simbólicos que formam as imagens distanciam o
objeto imaginado do objeto real sendo a imagem do objeto compreendida e defe ndida como
real.
Finalizando cabe dizer que no meio desta complexa construção de espetáculos residem as
armadilhas da ética, da desconstrução da comunicação, das relações sociais. O espetácu lo é,
simbolicamente, o modo de aparecer no mundo, de ser votado, consumido, de obter apoio.
Os valores nem sempre estão presentes mas a visibilidade sim. Nesse sentido pode ser
identificada a armadilha do poder na qual a ética é esquecida em nome de um a novidade, de
uma descoberta tecnológica, de um salário maior.
Toda a tecnologia e os profissionais da imagem poderão ser, portanto, driblados por
qualquer tipo de escapes das imagens, possíveis, à medida que nenhuma pesquisa, nenhuma
validação de comportamento consegue obter tantas informações possíveis quantas as
informações geradas pela imagem pessoal ou publicitária mas o fascínio da imagem é a
concepção de que "o representável apresenta -se como irrecusável". O poder da imagem é o
poder dos sujeitos também e Debray (Op.cit., p.358), salienta que esta civilização é a primeira
"que pode julgar-se autorizada por seus aparelhos a acreditar em seus olhos. A primeira a ter
colocado um sinal de igualdade entre visibilidade, realidade e verdade"
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