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A COMUNICAÇÃO POLÍTICA E OS MEDIA:

PROFISSIONALIZAÇÃO E SPIN DOCTORING

I – Introdução
Aceitar um acontecimento que a imprensa nos informa como representativo do estado
subjacente dos acontecimentos é equivalente a pensar que um iceberg não tem mais massa do
que a que aparece à superfície.
(Roshco, 1975)

Tornou-se banal assistir à mediatização política aquando dos momentos eleitorais:


debates, comícios, propaganda há muito que são alvo de atenção por parte dos mais
variados media. Contudo, nos dias que correm, os meios de comunicação social não se
limitam a reportar tais momentos, tal como os estes já não se resumem aos de outrora.
Os media têm vindo a assumir o papel de verdadeiros agentes activos, alterando o modo
como a comunicação institucional é realizada. Por seu turno, a classe política foi-se
apercebendo da força mediática e, de forma progressiva, deu início a um processo de
aproveitamento dos próprios media em prol dos seus interesses (Rieffel, 2003:12;
Serrano, 2006b:33).
Antes de mais, convém delimitar o campo da comunicação política. Embora de difícil
enquadramento, dada a conjugação de duas realidades estudadas por variadas áreas
científicas, assim como diferentes visões consoante os autores analisados, poderemos
definir comunicação política como o espectro de acção dos três agentes do triângulo
infernal (políticos, jornalistas e cidadãos), onde diferentes comunicações e legitimidades
têm lugar (Wolton, 1997). Dito de outra forma, trata-se de um “processus de
transmissão pelo qual a informação política circula de um lado para o outro do sistema
político e entre este e o sistema social” (Schwartzenberg, 1979, p. 176).
De facto, os Estados sempre se socorreram de publicidade (Debray:1993). Mas a ideia
de marketing político e assessoria profissional apenas foram verdadeiramente
conhecidos aquando das eleições presidenciais de 1952 entre Eisenhower e Stevenson
(Figueiras, 2006:9). Muitas são as razões apontadas enquanto impulsionadoras desta
estreita relação entre os media e o mundo político e, consequentemente, da
profissionalização da comunicação política: privatização, desregulação e consequente
concorrência nos media; a ideia dos meios de comunicação social enquanto palco de
luta entre poderes assim como as lacunas deixadas por um novo sistema político.
De facto, com a liberalização dos media e a sua perspectiva do interesse público como
“aquilo em que o público está interessado”, a vida tornou-se, toda ela, mediatizável e
sensacionalizável (Croteau, 2005: 33 segs.). A política não fugiu a esta condição. Novas
tendências nas práticas jornalísticas exigiram da classe política uma necessária
adaptação, nomeadamente através da profissionalização da comunicação política – i.e.,
na integração de profissionais que a “auxiliem na melhor maneira de comunicarem com
o público” (Gonçalves, 2005:23).
Por outro lado, os media tornaram-se o palanque de contendas que se querem visíveis.
De facto, nos dias que correm, “os políticos dedicam mais tempo a dar visibilidade às
suas acções do que a reflectir e a decidir”, sobrepondo-se os imperativos da
mediatização aos da verdadeira governação (Serrano, 1999:3).
Por fim, há que não esquecer o importantíssimo papel que a crise política detém em
todo este processo. A “despolitização das sociedades” e o “declínio da política como
conflito ideológico” são visíveis a vários níveis: diminuição de militantes partidários,
oscilações na direcção de voto e mesmo abstenção nos vários momentos de participação
na democracia directa (Freire e Magalhães, 2004).
Por todas estas razões, quem actualmente orienta a comunicação política são os
assessores, as agências de comunicação e os profissionais de relações públicas
(Figueiras, 2006:10). De facto, as alterações já invocadas levam Gonçalves a acreditar
que “os políticos são objecto de escolha no mesmo campo e em resultado da aplicação
das mesmas técnicas de persuasão com que escolhemos, por exemplo, uma pasta de
dentes” (2005:85-86). Assim, profissionais de comunicação “construirão” líderes,
apostando na sua performance ante as câmaras: “na tentativa de captar a atenção de
eleitores desinteressados, a media-hype image torna-os cada vez mais parecidos com
as celebridades do mundo do espectáculo” (Figueiras, 2006:13).
Tal realidade faz com que se desenvolva uma “complexa rede de relações entre
políticos e jornalistas” (Serrano, 2006b:33/41), relação esta que Champagne apelida de
promíscua, onde ambos manipuladores e manipulados (1990a).
Não podemos deixar de parte algumas considerações relativamente ao impacto de todas
estas alterações na democracia e no direito do cidadão a ser informado. Como afirma
Serrano, “os jornalistas possuam uma especial responsabilidade na informação que
chega ao conhecimento do público, a qual é susceptível de influenciar a atitude dos
cidadãos à actividade política e ao funcionamento da democracia” (2006b: 36). Mas
não só: a classe política, ao encontrar-se cada vez mais afastada dos cidadãos, vivendo
para os media e segundo aquilo que lhes confere visibilidade, destitui-se do debate
político aberto que permita uma verdadeira e substancial informação, necessária para o
exercício dos direitos e deveres democráticos (Figueiras, 2006:9).
Perante o status quo, proponho-me neste trabalho a analisar não somente o estádio da
comunicação política e a sua relação com os media, como a explicar um pouco qual o
papel dos assessores de comunicação enquanto verdadeiros spin doctors da
comunicação. De forma breve, serão abordadas outras formas de condicionamento
comunicacional e de pressão sobre os media (e, através destes, sobre o cidadão),
mediante recursos como a opinião ou o lobbying. Por fim, far-se-á uma pequena
conclusão no que concerne à posição do cidadão em todo este contexto.

II – A interdependência entre o mundo político e os media


“Para o espectáculo é preciso, sobretudo, amnésia”
(Debord, 1997)

Os políticos e os jornalistas convivem num mundo onde cada um tenta retirar aquilo que
mais lhe interessa. Os primeiros utilizam o espaço da comunicação como “púlpito”; os
segundos tentam obter matéria noticiável segundo o seu próprio ritmo e interesses de
edição (Gonçalves, 2005:63). Isto ante os olhares mais ou menos atentos dos cidadãos-
consumidores-eleitores, nem sempre conscientes da relação amor-ódio desenvolvida
entre os agentes.

1. A dependência do poder político


“O político tem de ocupar terreno, dia após dia, ou desaparece”
(Serrano, 1999:14)

Para existir, o político tem que se mostrar, tornar-se visível para os seus potenciais
eleitores. E, para tal, nada melhor que os media – em especial, a televisão, por ser o
único meio partilhado por todas as classes e faixas etárias (Wolton, 1997:97).
Despojada da ideia de legitimação do poder na razão ou na eficácia, a política parece,
agora, ascender (ou descender) ao mundo do espectáculo: “se as suas acções não
tiverem visibilidade no ambiente mediático é como se não existissem” (Gonçalves,
2005:62). O melhor campo de análise desta realidade tem lugar aquando das eleições:
criam-se ambientes, construções encenadas ao pormenor, determinadas pela conquista
de votos, por um lado, e das audiências, por outro. Como afirma Gerstlé, trata-se de
“uma sequência privilegiada de construção da realidade política para a qual
contribuem todos os actores conforme os respectivos recursos e os respectivos
interesses” (1992:68).
Pensando igualmente nos eleitores, os políticos vivem (e morrem) através das
sondagens, índices de popularidade e barómetros apresentados pela comunicação social
– tanto que, muitos autores chegam mesmo a acrescentar estes meios como o quarto
agente na relação normalmente descrita como envolvendo media, política e cidadãos
(Rieffel, 2003:18). É um facto que as sondagens são instrumentos utilizados pelos
media para obter reacções por parte de agentes políticos e, com eles, criar polémicas
noticiáveis. Mas não deixa de ser verdade que, actualmente, esses mesmos meios são já
usados pelos profissionais de comunicação, no sentido de obter um feedback
relativamente às opiniões e desejos dos eleitores. Assim, antes da tomada de qualquer
decisão, o político detém dados que o poderão auxiliar na construção de uma mensagem
cativante ou, mesmo, na alteração de intenções. Temos, então, um carácter reactivo por
parte do universo político, que utiliza as sondagens enquanto verdadeiros “balões de
ensaio” das suas decisões ou popularidade: como afirma Gonçalves, “estamos perante
uma inversão daquilo que parecia ser lógico: os partidos não fazem as suas propostas
e tomam decisões em função daquilo que consideram ser o melhor, pelo contrário,
reflectem as vontades reveladas nas sondagens” (2005:89-92).
Claro está que toda esta dependência do político ante os media resulta numa panóplia de
adaptações que, necessariamente, terão que ser tomadas por aquele. Rieffel aponta
quatro novas “técnicas de persuasão”, fruto da era da política mediatizada: “a
personalização das suas intervenções, a teatralização do seu comportamento, o recurso
a uma nova retórica e a interpretação de sondagens” (Rieffel, 2003:12-16). Vejamo-las
rapidamente:
a) Personalização - mais dependente da imagem, a política já não vive de ideologias,
mas de pessoas. Deste modo, muita da preocupação dos profissionais de comunicação
passará, exactamente, pela imagem que o político transmite, em especial, na televisão.
A este respeito, Gonçalves fala de hiper-personalização da vida política: segundo o
autor, constata-se que “em televisão as ideias são acontecimentos e os acontecimentos
são pessoas” (Gonçalves, 2005: 76-77).
b) Teatralização – É bem verdade que a política sempre dispôs de meios teatrais para se
fazer ouvir. Não obstante, como realça Rieffel, tornou-se imperativo o “media
trainning” enquanto formação de um político que se quer visível e apelativo. “Na
actualidade, argumenta-se muitas vezes que a imagem do líder conta mais que as
capacidades políticas e outras que, de facto, dispõe e a forma como se comunica a
mensagem mais do que o seu conteúdo”, nota Gonçalves (2005:71).
C)Retórica – também longe vão os dias em que os agentes políticos, normalmente
oriundos das humanidades clássicas, encantavam os seus eleitores com o seu fluente
discurso. Agora, pretendem-se “técnicos da palavra”, que sejam claros e acessíveis no
seu discurso, deixando para trás a análise e a reflexão e substituindo-as pela emoção
(Rieffel, 2003:12-16).
d) Sondagens – já foi feita menção à actual importância das sondagens no universo
político mediático. De facto, ante resultados negativos, o político terá que reagir,
procurar novas estratégias de comunicação, enfim, recuperar a sua imagem através de
um cuidado “media planning”: afinal, os telespectadores são eleitores que tem que
reconquistar (Rieffel, 2003:12-16). Não obstante, tal apenas acontecerá com as
individualidades e partidos que, recorrentemente, se encontrem no púlpito dos media –
uma vez que estes últimos não terão qualquer interesse em barómetros sobre “os
invisíveis”. Como bem aponta Champagne, “a mediatização da política conduz, de
certa forma, às sondagens, enquanto que a publicação das sondagens conduz, por seu
turno, à procura de novos meios para melhorar os resultados obtidos, especialmente
através de uma intervenção cada vez mais frequente nos media” (1990b).
Mas não é tudo: o próprio trabalho e recrutamento de líderes também já foi alvo de
transformações devido à cultura mediática que se impôs. De facto, a organização do
tempo de um gabinete ou partido já não é a mesma: o necessário espaço para uma
deliberação aprofundada foi substituída pela rapidez que os media se lhes exige – até
porque, quem primeiro “chegar” aos media, melhores hipóteses terá ante os seus
opositores e eleitores. Claro que, para tal, tornou-se necessária a criação de staffs de
comunicação, outrora impensáveis no meio político. Mas também a forma de ascensão a
líder se alterou radicalmente. Como bem afirma Rieffel, “tradicionalmente, para
aceder às mais altas responsabilidades no seio de um partido, era necessário o
reconhecimento dos militantes de base e a investidura só se obtinha depois de terem
sido transpostos os vários níveis de responsabilidade” (2003, p.26-29). Nada disto se
passa hoje em dia. O carácter mediático desta ou daquela individualidade poderá
catapultá-la para a liderança, sem um especial reconhecimento anterior relativamente ao
seu desempenho político (Rieffel, 2003, p.26-29).
Por todas estas razões, Debray fala de uma "classe político-mediática” em que os seus
elementos procuram tornar a sua acção um espectáculo constante, que alimente o
interesse jornalístico(Debray, 2003). Não obstante, tal também poderá acarretar
dissabores para os expostos: constantemente sob o escrutínio mediático, terão muitas
vezes dificuldade em explicar a separação entre a esfera pública e a esfera privada das
suas vidas (Figueiras, 2006:11).

2 – Os media e a sua dependência do universo político


“O jornalismo político é, pois, subtil e complexo”
(Serrano, 2006b:34)

Os media vivem, cada vez mais, do instantâneo, do momento, do directo, do já. O


sensacionalismo e os deadlines de uma comunicação que, em muitos casos, se quer de
24 horas, criaram uma nova realidade. A relevância do imediato, da notícia em primeira
mão, a necessidade de seguir as informações veiculadas pelos outros num sistema de
concorrência desenfreada e a ideia de um jornalista “multi-funções”, acarretam,
necessariamente, um trabalho jornalístico muitas vezes incipiente e sem qualquer
esforço de enquadramento, sequência ou mesmo investigação. De facto, “aceita-se
produzir informação de forma semelhante a uma linha de montagem: serializada,
padronizada, rotinizada, organizada e veloz, destinada a ser consumida de forma
rápida e não reflexiva” (Graça, 2007).
De modo a cumprirem as exigências de uma realidade profissional em transformação,
os media dependem, cada vez mais, da comunicação oriunda das classes políticas. Antes
de mais, porque a “secção política” continua a constituir uma das principais na
informação mediática. Media, publicitários e políticos sabem que a temática agrada aos
consumidores/eleitores: e quando interesses diferentes confluem para um só ponto,
encontra-se garantida a necessidade e perpetuação das práticas desenvolvidas. Isto não
obstante a existências de focos de tensão, como adiante se verá.
De facto, as fontes políticas constituem as mais citadas nos meios de comunicação
(Serrano, 1999:1), o que se deve a vários factores. Antes de mais, a falta de investigação
por parte dos jornalistas: nas redacções cada vez mais diminuídas em valor humano e
engrandecidas em tecnologias disponíveis, o jornalista não tem mãos a medir numa
profissão ditada pela concorrência e deadlines apertados (Serrano, 1999:9/10). Os
tempos de investigação são escassos, quando existem, o que faz com que,
frequentemente, o profissional se socorra apenas das comunicações institucionais que
lhe vão chegando e nas quais confia.
Esta dependência das fontes políticas tem, por seu turno, algumas consequências:
primeiro, a necessidade, por parte do jornalista, de cultivar as suas fontes. O que,
obviamente, gera uma relação de extrema proximidade, possivelmente perigosa para a
pretensa isenção e neutralidade jornalísticas. Como afirma Serrano, “as notícias
políticas resultam de um processo de negociação entre fontes e jornalistas baseado em
relações de confiança e, muitas vezes, de cumplicidades” (1999:9). Segundo, o
jornalista que não investigue tende a seguir a comunicação política que, obviamente, é
pensada com o propósito de apresentar a verdade de forma elogiosa à instituição que a
difunde. Afinal, é essa a missão dos profissionais que, cada vez mais, são responsáveis
pela produção de toda a informação política. Terceiro, o jornalista poderá tornar-se
refém da agenda setting criada pelo político – que, muitas vezes, quererá fugir de
determinados assuntos e apenas focar-se noutros. Mais ainda: se os media desejam, cada
vez mais, a polémica e o insólito, será exactamente esse o teor das comunicações
enviadas pelas suas fontes. Afinal, a intenção é aparecer, ser ouvido, não ser esquecido.
E este ciclo vicioso em torno do sensacionalismo curto, efémero, descontextualizado
acaba por inundar a informação mediática (Serrano, 2006b:94).

3. Tensões e Conflitos
Comunicar é escolher
(Rebelo,2002)

Não obstante a dependência mútua, as relações desenvolvidas entre a política e os media


também tem os seus focos de tensão.
Antes de mais, o constante escrutínio realizado pelos media às performances políticas.
Com razões mais ou menos nobres, afirmando-se informadores dos cidadãos ou apenas
procurando a novidade polémica, o “combate entre pessoas” ou a “fulanização da
política”, a verdade é que os meios de comunicação perseguem o universo político em
todos os seus actos (Serrano, 2006b:40-43). O que, obviamente, poderá constituir um
foco de conflito entre os agentes envolvidos.
Por outro lado, jornalistas e políticos tentam impor, respectivamente, as suas agendas –
que, obviamente, poderão não confluir. De facto, “o tempo dos media e o tempo da
política não são compatíveis” (Serrano, 1999). Os políticos tentam que as suas
mensagens de marketing, devidamente estudadas e preparadas, sejam alvo de atenção
dos jornalistas; estes, por seu turno, pressionam os políticos para respostas “a quente”
ante factos que até poderão desconhecer, sem a oportunidade da dita preparação.
Serrano aponta ainda o facto da legitimação de cada um dos actores enquanto origem de
distanciamento em muitas das suas intenções e actos. Segundo a autora, “enquanto os
políticos retiram a sua legitimidade do sufrágio universal, da autoridade das causas
que abraçam, do grau de consenso entre os interesses que articulam e da aceitação,
por parte do público, dos processos pelos quais foram escolhidos para representarem
esses interesses, os jornalistas (…) obtêm a sua legitimação, principalmente, da
fidelidade a códigos e a valores profissionais” (Serrano:2006a: 68/69). Ou seja,
enquanto que a comunidade política, aceite como tal através de um processo
democrático, será movida pela conquista de eleitores e aceitação das suas práticas, os
jornalistas justificarão a sua existência e as suas acções no direito a informar e a ser
informado. Serrano faz ainda notar a diferenciação na atribuição de erros e respectivas
responsabilidades: se o político é facilmente identificado e socialmente punido por uma
performance menos satisfatória, a responsabilização do jornalista é facilmente diluída e
inconsequente nos seus efeitos (Serrano:2006a: 68/69).
Coloca-se, então, a questão: nesta relação nem sempre clara ou isenta de segundos
significados, qual dos agentes terá predominância sobre o outro? Ainda que não existam
respostas certas, muitos autores são levados a apontar os media enquanto elemento forte
desta relação. E as razões são variadas. Se é verdade que, actualmente, os políticos
“correm dos estúdios de rádio para os plateaux de televisão” porque querem ser vistos,
numa ideia de campanha permanente, não é menos verdade que os media só aceitarão
participações se assim o entenderem, numa atitude de gatekeeping1 (Rieffel, 2003:18-
19). Para além de que, como é sublinhado por Wolton, são os profissionais da escrita
que detêm o poder da interpretação dos factos (1997:149. De facto, o poder de produção
da notícia está na mão do jornalista: “o facto de as organizações recorrerem a
publicidade paga e a existência de protestos por parte das fontes relativamente a
determinadas matérias publicadas, são a prova de que as fontes não controlam todo o
processo informativo” (Serrano, 1999:11). Por outro lado, e como veremos, o mundo
dos media abriu portas ao Comentário, campo que poderá influenciar a opinião pública
em detrimento de (algumas) vontades políticas (Rieffel, 2003:18-19). Champagne alerta
ainda para o poder das sondagens apresentadas pelos media e as dificuldades inerentes
de um político que se vê mal colocado nos resultados apresentados (Champagne,
1990b).
Apenas uma nota: ao afirmar que os media poderão encontrar-se dotados de uma
vontade própria, afastados do domínio do Estado ou dos partidos que outrora já os
dominaram e, como tal, livres de agir a contrario das intenções políticas, não queremos
com isto dizer que a mesma vontade será isenta de interesses. De facto, a concentração
da propriedade e a promiscuidade entre o poder político e o poder económico pesam,
inúmeras vezes, sobre os jornalistas, que se tornam meros “fazedores” de notícias
segundo ordens superiores. Como frisa Correia, “frequentemente os critérios
comerciais revelam-se contraditórios com os critérios jornalísticos, o que gera uma
conflitualidade latente e cria sérios constrangimentos à autonomia jornalística e ao
direito do público a informar-se e ser informado” (2006:17).

III – A profissionalização da comunicação política e a luta pelos interesses


“A arte de governar é a arte de fazer crer”
(Debray, 1993)

1. Conceitos de marketing, spin-doctoring e lobbying


“(…) Os políticos são vendidos ao público tal como os automóveis e os sabonetes”.
(Gonçalves, 2005:85)

1
Gatekeeper, noção apresentada por White em 1950, vê o jornalista não como mero intermediário entre a
realidade e a notícia, mas antes enquanto o “guarda do portão”: através da sua subjectividade (com base
nos seus critérios, vivências, valores, preferências, etc.), selecciona certas notícias em detrimento de
outras.
Antes de analisar os agentes envolvidos na profissionalização da comunicação política,
assim como algumas das práticas utilizadas, urge definir alguns conceitos.
Antes de algo mais, a ideia de “marketing político”. Segundo Newman, o conceito de
marketing pode ser definido enquanto “o processo pelo qual as empresas seleccionam
os consumidores e analisam as suas necessidades para depois desenvolverem produtos
inovadores, os publicitarem, definirem um preço e uma estratégia de distribuição com
base nessa informação” (1999:3). Ora, no contexto político, a atitude será exactamente
a mesma tomada aquando da utilização de recursos de marketing comercial, apenas com
duas excepções: o produto a vender será o político e não existirá qualquer preço, mas
um objectivo (Gonçalves, 2005: 85). E tudo em prol da chamada “mediatização da vida
política” (Serrano, 1999:2).
Amplamente relacionado com a temática em apreço temos também o conceito de spin
doctor. Nascido nos Estados Unidos em 1984, a noção foi utilizada pela primeira vez
aquando de um debate eleitoral, onde jornalistas foram interpelados por assessores que
pretendiam influenciar a sua análise e consequente cobertura mediática (Serrano,
2009:3). Assim, spin doctor será “someone, especially in politics, who tries to influence
public opinion by putting a favourable bias on information when it is presented to the
public or to the media” (Chamber’s 21th Century Dictionary). Como podemos já perceber,
toda a profissionalização do universo político passa pela acção do spin doctoring:
consultores, assessores, agências de comunicação e mesmo opinion makers serão os
exemplos mais marcantes da sua existência.
De um modo mais ou menos velado, quando falamos de comunicação política e
institucional também poderão estar em causa os chamados lobbies (cujos
representantes/membros actuam, muitas vezes, enquanto verdadeiros spin-doctors).
Segundo o Dicionário supra mencionado, lobbying significa “to try to influence (the
Government, politicians, legislators, etc) to favour a particular cause” (Chamber’s 21th
Century Dictionary). Um lobby será, deste modo, um grupo de pessoas que procura
influenciar a classe política (ou os media) no sentido de ver beneficiada uma determinada
causa. A questão que aqui se coloca, como adiante veremos, reside na ocultação ou
assunção dos lobbies enquanto tais.

2. O assessor político
“Informação é poder e o controlo da informação é o primeiro degrau na
propaganda” (Denton e Woodward:.1990)

a. O acessor político enquanto “spin-doctor por excelência”


Ao longo deste trabalho temos percebido como a cobertura mediática tem vindo a
incutir a necessidade de profissionalização da comunicação dos políticos, baseada na
sua proximidade com os jornalistas (Serrano, 2009:2). Ora, são necessárias
determinadas competências para afiançar uma perfeita comunicação institucional, assim
como funções vitais a assegurar. Para tal, surgem os assessores políticos. Spin doctors
por natureza, são a prova viva da chamada “cientifização” da comunicação política
(Figueiras, 2006:9).

Especialmente em momento eleitorais, o assessor torna-se fulcral para que a campanha


seja bem sucedida. Até porque, uma vez que o proliferar de comícios e declarações será
estonteante, os jornalistas dificilmente terão o tempo suficiente para procurarem, por si
só, as matérias mais relevantes e os factos que entendam mais facilmente “vendáveis”
aos seus consumidores. Este é o campo ideal para verificarmos das forças ou fraquezas
de uma estrutura de comunicação: uma vez que a cobertura jornalística é, normalmente,
“estruturada em pacotes de informação”, de onde constam conferências de imprensa,
discursos e reacções de candidatos, fait divers, etc., o assessor competente conseguirá
não somente que a informação disponível ao jornalista seja elogiosa, como também que
o candidato saiba como reagir e comportar-se ante os media, segundo os seus intuitos
(Serrano, 1999:12).
Mas não só: as campanhas permanentes, como veremos, são armas manejadas
exactamente por estes actores, na procura da constante visibilidade mediática do político
e da “venda” das suas ideias aos eleitores: conferências de imprensa, comunicados e
demais pseudo-eventos serão instrumentos correntes para a promoção política. Claro
está que, para tal, o assessor far-se-á acompanhar de todo um staff necessário ao
completo funcionamento e gestão de um sistema de controlo da informação. Falamos,
nomeadamente, da contratação de peritos em novas tecnologias da comunicação,
relações públicas, marketing, publicidade e sondagens (e não já, como anteriormente, o
recurso a pessoal não profissional recrutado no seio dos partidos)” (Estrela, 2009:2).
Em suma, não existem dúvidas que a actuação do assessor vai muito para lá da mera
transmissão de informação sobre actividades ou propostas de um dado partido político.
Como afirma Gonçalves, “o ponto de partida é a ideia de que a informação é uma área
política poderosa e a sua selecção, distribuição, restrição e ou distorção pelos
governos é um elemento fundamental na gestão da opinião pública” (2005:125). E,
perante esta ideia, o assessor será o spin doctor por excelência Claro está que estes
profissionais são muitas vezes olhados com cepticismo por parte dos jornalistas.
Contudo, estes não deixarão de recorrer às comunicações institucionais, uma vez que,
como vimos, constituem a sua principal fonte de informação (Estrela, 2009:5).

b. As principais funções do assessor

A actuação do assessor será, então, “controlar, manipular ou influenciar as


organizações de comunicação social”, utilizando, para tal, inúmeras ferramentas
(Gonçalves, 2005:120-122). De facto, deveremos ter presente que, em matéria de
marketing, o spin doctor pretende que a “sua” individualidade seja “(…)aceite como
uma marca de um produto de uma empresa chamada partido político” (Newman,
1999:3). Desta forma, o assessor deverá conduzir algum do espectáculo mediático a que
o político estará sujeito, preparando-o para debates, definindo estratégias, modos de
actuação, etc., assim como proceder à divulgação de mensagens positivas - ocultando as
negativas, se possível, ou, pelo menos, justificando-as (Serrano, 2009:3).
E não falamos apenas de momentos eleitorais: como aponta Gonçalves, “alcançado o
poder, o partido necessita, para manter-se nele, de utilizar as mesmas técnicas de
comunicação e de criação de imagem que utilizou durante o período de confronto
eleitoral” (2005:110). Daí que muitos autores falem de “campanha permanente”.
Claro que tal apenas será possível se o assessor detiver um conhecimento desenvolvido
sobre múltiplos aspectos da vida política e dos media, para além de capacidades de lidar
e ensinar a lidar com o inesperado.
Antes de mais, a gestão da informação ou news management: o assessor deverá
assegurar a centralização e uniformização das mensagens difundidas, uma vez que a
contradição inter-partidária constitui um dos maiores focos de descredibilização de um
partido ou Governo. Como tal, haverá que centralizar a comunicação, exigindo uma
sintonia quanto a políticas e posições partidárias, actuando, sempre que possível, ao
nível da interpretação dos factos (Serrano, 2009:3/4). Por outro lado, é função do
assessor reagir com rapidez a comentários ou críticas de opositores, nunca os deixando
sem uma reacção da parte do criticado (Serrano, 2009:3/4). Claro que, de forma a
trabalhar com o menor número de falhas possível, o assessor deverá monitorizar toda a
informação difundida quotidianamente pelos media – pelo que, aqui, o arquivo de
informação será sempre uma mais valia no desempenho da sua profissão.
Como já abordámos, é também de extrema relevância a proximidade entre o universo
político (que, obviamente, inclui o assessor) e os jornalistas. Ainda que a ideia de spin
doctor seja muitas vezes associada a conspirador ou propagandista, a verdade é que os
media dependem dele enquanto fonte. (Serrano, 2009:3) E, aproveitando esta situação, o
assessor deve alimentar a avidez jornalística e esperar que as suas interpretações dos
factos e o marketing político utilizado sejam aceites e divulgados pelos meios de
comunicação social. Essencial para tal benefício parece ser o conhecimento acerca do
funcionamento dos media: caracterização de cada media, respectiva organização
interna, usos e gratificações dos profissionais, hierarquias, inclinações políticas e
concorrências internas dos jornalistas permitem que o assessor se aperceba dos
media/profissionais mais permeáveis às suas comunicações (Serrano, 2009:3-4). Por
essa mesma razão muitos dos assessores com funções de spin-doctoring são recrutados
do meio jornalístico: familiarizados com o funcionamento e interesse dos media e
dotados na arte de comunicar, detêm, ab initio, uma carteira de contacto que interessa
preservar (Serrano, 2009:4-5; Gonçalves, 2005:184)
Uma das formas de incentivar a proximidade reside no contacto directo aquando de
conferências de imprensa, briefings ou fenómenos afins. Denominada “cultura da sala
de imprensa”, pretende o convívio habitual entre spin doctors e jornalistas,
extremamente útil aquando da utilização de instrumentos como “fuga de informação”,
informação de “background”, etc. (Serrano, 1999:6). Aliás, a existência de informação
sem alusão a quaisquer fontes ou a fontes anónimas induz, para além de constituir uma
realidade cada vez mais recorrente no jornalismo português, induz,, como afirma
Serrano, à presença de spin doctors na origem da informação (Serrano, 2006b:121;
Serrano, 2009:8).
Aquando da concepção do material mediático, o assessor deverá ter sempre presente
aquilo que é preferido pelos media – a que Gonçalves apelida de “medialites” ou
“media-friendly events”, enquanto “eventos susceptíveis de cobertura pelos meios de
comunicação social, isto é, acontecimentos que, pela sua natureza os media “gostam”
de cobrir” (2005:120-122). De facto, o assessor tem que ser pródigo na construção de
tais acontecimentos, nomeadamente através da concepção de “pseudo-eventos”. De
acordo com Boorstin, tratam-se de instrumentos recorrentemente utilizados pelos
profissionais de comunicação, e cujas características se resumem à falta de
espontaneidade (são programados para o efeito), criação pensada para uma cobertura
mediática (pois o sucesso é medido em função dessa mesma cobertura), relação
ambígua relativamente à realidade e fim último de auto-promoção (1961:11-12). No
fundo, pretendendo-se “vender” uma ideia ou candidato, cria-se um evento que
despoletará, ele mesmo, um (ou mais) evento(s). São os exemplos típicos das
conferências de imprensa, comunicados, “fugas de informação”, instrumentos
normalmente utilizados pelos assessores, até porque muitos permitem,
concomitantemente, a liberdade de agenda setting (Gonçalves, 2005:122). Para além de
constituírem uma forma de aproximação aos jornalistas, gerando uma aparência de
confiança mútua, tornaram-se uma espécie de “balões de ensaio” que permitem um
feedback relativamente a possíveis actuações propagandeadas através destes mecanismos
(Serrano, 1999:6).
Poderemos questionar-nos se, “(…)ao serem coniventes com a situação, os jornalistas
não serão verdadeiros “aliados dos políticos” (Gonçalves, 2005:60). Contudo, como
afirma Serrano, não são apenas os profissionais de comunicação política a fazer uso dos
pseudo-eventos: os jornalistas também recorrem frequentemente a este meio - os
primeiros fazem-no “ (…) porque precisam de ser notícia, na medida em que é
essencialmente através dos media que transmitem aos cidadãos as suas propostas e as
suas ideias, e os segundos porque precisam de satisfazer as expectativas dos seus
públicos em matéria de informação” (Serrano, 2006b:169). A verdade é que nem
sempre existem factos para divulgar: contudo, o político não pode desaparecer do
espectro mediático e o jornalista tem que apresentar trabalho - daí a sua recorrente
utilização. Claro está que, perante estas realidades, poderemos afirmar, como Boorstin,
que “é possível construir uma carreira política inteiramente com pseudo-eventos”
(Serrano, 1999:5)

3. A Opinião e o spin-doctoring
“Um indivíduo pode até não saber o que uma palavra significa, ainda assim, ela tem a
capacidade de convencê-lo, de envolvê-lo, de encantá-lo”
Trein (s/d)
Outra forma de spin-doctoring encontra-se presente nos chamados Espaços de Opinião.
Através destes espaços mediáticos, figuras normalmente ligadas ao jornalismo ou à
política interpretam e/ou comentam eventos (ou pseudo-eventos) normalmente já
noticiados, na tentativa de moldar a opinião pública.
Por um lado, ex-ministros ou mesmo políticos em funções ocupam o lugar de
comentadores- i.e, «(…) individualidades que rapidamente passam de “Comentados”,
enquanto ocupam cargos públicos (nomeadamente políticos), a “Comentadores”»
(Figueiras, 2005:84). Por outro lado, jornalistas convidam-se entre si para a emissão de
opiniões, ”tornando-se, em muitos casos, comentadores residentes, ao lado de políticos
profissionais” (Serrano, 1999:7). Claro está que, se já era óbvia uma certa
promiscuidade entre o jornalismo e a política, este factor vem corroborá-la em absoluto
(Serrano, 1999:7).
É bem verdade que, ao comentar, nenhum indivíduo é isento: para além de transportar
consigo os quadros de vivências, habitus e memórias, trás também os seus interesses
políticos e até económicos (Teixeira, 2005:9-10). Contudo, uma vez que políticos-
comentadores e jornalistas-comentadores parecerem integrar a “classe jornalística”,
emitindo considerações nos media num papel aparentemente não comprometido, surge a
questão: conseguirá o cidadão diferenciar a peça jornalística do comentário? Claro está
que, quanto menos o cidadãos se aperceber que a isenção jornalística não é aqui
aplicável, mais facilmente o spin-doctor conseguirá cumprir a sua intenção,
massificando opiniões segundo os seus interesses (Serrano, 1999:7).
Outro problema prende-se com a rotatividade destes opinion makers: ainda que, nos
últimos anos, se tenham criados inúmeros espaços de opinião, tal não significa que
muitos não sejam ocupados pelas mesmas individualidades. Assim, teremos um círculo
fechado de “convidados permanentes que estão em todos os debates e que formam
grupos que depois se auto-mantêm e auto-reforçam, estabelecendo toda uma série de
ligações e compromissos suspeitos com os jornalistas” (Serrano, 1999:7). Ora, tal
realidade poderá, obviamente, alargar o espectro de influência de cada um dos spin
doctors aqui envolvidos, estreitando a realidade para o cidadão.
Correntes mais críticas apontam ainda mais um desconforto sentido na área da opinião:
a competência dos comentadores. Muitas vezes completamente desfasados
cientificamente das temáticas abordadas, podem, enquanto opinion makers2, gerar uma
certeza no público baseada num completo desconhecimento. De forma ilustrativa,
Bourdieu firma que «os jornalistas têm em agenda uma série de pensadores tipo "fast-
food"sempre prontos a avançar para comentar este ou aquele acontecimento, em vez de
irem buscar jovens investigadores com trabalho feito» (1996:29).
Mas a verdade é que o actual estado da arte interessa a ambas as partes: os
comentadores surgem como “vedetas possuidoras de um capital simbólico socialmente
reconhecido que ajudam na promoção dos meios de comunicação social onde
colaboram” e “(…)esses mesmos meios de comunicação promovem essas
individualidades, contribuindo para a permanência da sua imagem no circuito
mediático” (Figueiras, 2005:16).

4. O lobbying e a comunicação política


“O público, esse, ficará doravante subjugado a uma multiplicidade de mensagens e
encenações.” (Rieffel, 2003:18)

Não poderemos falar de pressões e manipulação da comunicação política sem abordar a


questão dos lobbies, realidade olhada sempre com desconfiança em contextos europeus.
Pretendendo, tal como o spin doctor, influenciar alguém em proveito dos seus
interesses, os lobbies actuam, muitas vezes, através dos media para atingir os seus fins.
Pereira aponta como exemplo o “caso ICN”, cuja pressão e comunicação mediática da
Quercus relativamente a uma intenção governamental conseguiu atingir os objectivos da
instituição: a defesa do ambiente (2006:127). Através deste exemplo conseguimos
perceber, antes de mais, que nem todos os lobbies detêm interesses ocultos e pouco
fidedignos ou mesmo legais: de facto, causas como o ambiente são promovidas através
de práticas de lobbying. Depois, que tal como no caso do spin doctoring efectuado pelo
assessor político, é importante a gestão da informação: ”a análise de conteúdo revelou
que, em mais de 75% das notícias, os enquadramentos dominantes foram inspirados na
posição da associação ambientalista” (Pereira, 2006:127). Por fim, que tal como
acontece quando falamos da eventual conivência entre o assessor de comunicação
política e os jornalistas, também no caso dos lobbies os media podem constituir-se
como parceiros, voluntários ou involuntários (Pereira, 2006:127).
De facto, o estereótipo existente em relação aos lobbies é algo marcadamente europeu:
como esclarece Figueiras, enquanto a tradição anglo-saxónica enquadra legalmente os
lobbies como uma espécie de parceiros sociais, legitimando a sua forma de intervir e
participar no mundo político, a Europa vê o lobbying como “como uma tentativa de
manipulação do poder, benéfica para o interesse privado do lobby, mas prejudicial
para o interesse público” (2006:12). Questionamo-nos se a posição de transparência e
recepção dos lobbies na sociedade política não permitiria uma maior percepção dos
interesses veiculados na informação mediática e, como tal, de uma mais eficaz
democracia plural e participativa.

IV – Conclusões: o cidadão, a responsabilidade dos media e a função da política


“A desproporção entre o que os cidadãos necessitam de saber e o que podem saber é cada vez
maior” (Serrano, 1999:5)

2
Segundo António Teixeira Pinto, “os dicionários identificam os opinion-makers com políticos e
jornalistas, aqueles que têm influência no modo de pensar das outras pessoas” (2005:9-10)
Em geral, tenho vindo a apresentar o intrincado mundo do ser: relações, amores e ódios,
técnicas profissionais, constrangimentos e mudanças. Universos paralelos de política e
jornalismo tocam-se e afastam-se, reclamando autonomia e vivendo de mãos dadas,
tentando retirar o maior proveito da situação. A imagem sobrepõe-se à substância, a
informação é telegráfica e sem substrato, o rumor e os pseudo-eventos marcam agendas
e geram comentários infindáveis que, por seu turno, criam novos eventos. Tudo tendo
em vista interesses de grupo ou mesmo individuais. Ora, algumas linhas terão que ser
escritas no tocante ao mundo do dever ser. Serão as realidades até agora analisadas o
melhor caminho para a construção de uma democracia plural, para um jornalismo com
responsabilidades sociais e para um cidadão que se quer informado?
Como variados estudos têm demonstrado, os media constituem a primeira fonte de
informação política da maioria dos cidadãos (Gonçalves, 2005:61). Uma vez que a
participação democrática destes últimos irá fundar-se, em grande parte, no mundo
construído pelos media, poderemos questionar-nos, após todas as abordagens realizadas
relativamente a spin doctoring ou lobbying, onde poderá o cidadão aceder a notícias não
fabricadas em prol de interesses institucionais.
É bem verdade que os organismos políticos devem incentivar uma verdadeira
democracia, fornecendo aos seus eleitores/público alvo uma informação clara sobre os
seus programas, deveres, acções e intenções. Mas, se como se constatou, os media
parecem deter alguma força acrescida na relação com a realidade política, dada o seu
poder de ultimar o que é ou não divulgado, pergunto-me se não deverão deter uma
maior responsabilização no que toca ao dever de informar o cidadão de
forma“equilibrada e justa (imparcial), descrevendo as perspectivas alternativas de
maneira não sensacionalista nem tendenciosa” (Macquail, 2003: 117).
De todo o modo, é indiscutível que os meios de comunicação deverão manter os
cidadãos informados relativamente aos assuntos públicos, de forma que aqueles se
encontrem devidamente integrados num processo democrático de decisão, servindo, de
igual modo, enquanto plataforma de debate aberto que facilite a formação da opinião
pública (Curran, 2005; Serrano, 2006b: 36). Para muitos autores, a defesa do interesse
público constitui ainda o princípio enformador de toda a actuação mediática: “media in
a democratic society are expected to serve the public interest” (Croteau, 2005: 33).
Contudo, não é a isso que assistimos actualmente. Em especial, se atentarmos à
constante criação de pseudo-eventos por parte de profissionais políticos, lobbies,
comentadores ou jornalistas, percebemos que a informação passará, inúmeras vezes, por
simples criações intencionais que visam propósitos de promoção, num rodopio
infindável de “resposta à resposta”. Uma vez que todos esses eventos são apresentados
através dos media, torna-se difícil para os cidadãos “(…) perceberem o que é, de facto,
a realidade quando os próprios protagonistas também não sabem” (Serrano, 1999:5).
Se é bem verdade que muitas das tensões e conflitos entre os jornalistas e a classe
política se devem, como vimos, ao escrutínio mediático constante, não deixa de ser uma
realidade que a proximidade entre aqueles agentes, assim como a escolha de fontes
políticas como as privilegiadas, poderão constituir verdadeiros óbices à concretização
dos deveres dos media.
Por outro lado, a prática de um jornalismo descontextualizado, pouco exacto e sem
memória, embora muitas vezes sirva ao assessor político e aos media, nunca servirá ao
cidadão. Segundo Macquail, relativamente aos principais requisitos de uma informação
de “qualidade”, “os media (especialmente a imprensa e o audiovisual) devem
providenciar um manancial compreensível de notícias relevantes de informação
contextualizada sobre acontecimentos na sociedade e no mundo” (2003: 117).
Como é óbvio, não existem respostas simplificadas para a solução de todos estes
problemas. Poderemos afirmar que, não sendo possível a isenção total de interesses em
toda a informação a que o cidadão aceda, talvez a via preferível será a existência de um
pluralismo de spin doctors. Ainda que cada partido ou lobby pretenda a promoção da
sua instituição, a verdade é que, quantas mais e diferentes participações detivermos,
maior será a probabilidade de nos apercebermos das diferentes facetas de um “facto”.
Contudo, como bem sabemos, os media dão atenção a quem já é mediático, esquecendo
todos os demais agentes numa espiral interminável de gatekeeping.
Teremos outra e concomitante possibilidade na tão almejada literacia para os media.
Enquanto “capacidade de aceder aos media, de compreender e avaliar de modo crítico
os diferentes aspectos dos media e dos seus conteúdos e de criar comunicações em
diversos contextos, tendo em conta todos os meios de comunicação social”3, a literacia
mediática permitirá ao cidadão, por exemplo, separar o jornalismo do comentário,
perceber até que ponto a comunicação política se encontra profissionalizada em função
dos seus interesses ou quais as estratégias jornalísticas para a criação de celeumas
através de pseudo-eventos. A educação para os media mostra-se, igualmente, de enorme
utilidade aquando dos momentos eleitorais. Como afirma Rieffel, “é, sem dúvida,
errado afirmar que a televisão faz uma eleição, mas não deixa de ser verdade que, por
vezes, contribui para o resultado final” (2003:29-32).

3
Recomendação da Comissão, de 20.8.2009, parágrafos 11 e 13.
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