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1. Considerações iniciais
Não há como estudar o Direito Processual Civil (e, inclusive, o próprio Direito em si) a não ser pela
Constituição Federal. A CF deve ser levada em conta em qualquer reflexão jurídica, mesmo em
disciplinas com Código próprio (como o Processo Civil, que possui o Código de Processo Civil de 2015).
Nos termos do CPC/2015, essa suscitada afirmação é desde logo lembrada pelo art. 1°, senão veja-se:
Será que o processo civil se limita aos aspectos da tutela jurisdicional ou também alberga os meios
alternativos/adequados/não estatais/não jurisdicionais de solução de conflitos?
Mesmo que queiramos compreender como objeto do Direito Processual Civil todos e quaisquer meios
alternativos de solução de conflitos, a própria compreensão da tutela jurisdicional (isto é, o diálogo
intenso do processo com os meios alternativos, trazido pelo art. 3° do CPC) convida a ampliar os
horizontes do Direito Processual Civil. Sempre que se fala em termos de tutela jurisdicional, é preciso
falar de Direito Público e de função típica do Poder Judiciário. Ainda que levando em conta a
importância dos meios alternativos como forma também de obter a tutela, nós trabalhamos
fundamentalmente com uma das funções do Judiciário (o Poder Judiciário).
No âmbito do Direito Público, do Poder Judiciário e sua função típica, é necessário extrair da
Constituição Federal um modelo político de Estado em que o Poder Judiciário está incluído. A depender
da Constituição e do modelo político de Estado adotado, é possível ter um caminho ou outro a se traçar.
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O Direito Positivo, as escolhas políticas e ideológicas vigentes em um determinado momento
conformam o dever-ser do Poder Judiciário, Poder Executivo e Poder Legislativo.
2. Modelo constitucional: como estudar o Código de Processo Civil a partir da Constituição Federal
De forma metodológica, há cinco grupos do modelo constitucional do Processo Civil. Vejamos um a um.
O presente tópico versa sobre os princípios constitucionais (e não infraconstitucionais, como, por
exemplo, o princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias). Os princípios
constitucionais têm planos de investigações diferentes dos infraconstitucionais, uma vez que a
Constituição é mais difícil de ser alterada. Apesar da hierarquia, ambos contêm diretrizes fundamentais.
A união entre o processo e a Constituição não é moderna. Autores da década de 40 a 70, inclusive no
Brasil, já falavam sobre a importância de aproximação entre o processo e a Constituição, tais como
Eduardo Juan Couture, José Frederico Marques e Ada Pellegrini Grinover.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 ampliou o estudo de princípios constitucionais sob a ótica do
processo civil, uma vez que as Constituições anteriores (de 67 e 69) tinham diretrizes constitucionais,
em sua literalidade, adstritas ao processo penal.
A organização judiciária auxilia, em termos práticos, a redigir a primeira linha de uma petição, de modo
a se encontrar o juízo competente. A descoberta do juízo competente pressupõe uma leitura
constitucional.
A vocação institucional das chamadas funções essenciais à Administração da Justiça é fundamental, até
para que se faça a leitura conforme os seus Estatutos, leis, dispositivos do Código que dizem a respeito,
entre outros.
São os procedimentos especiais. Ainda que regulados de maneira insuficiente/rarefeita, eles derivam
diretamente da Constituição Federal.
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Podemos citar os seguintes: mandado de segurança, habeas corpus, ação popular, ação civil pública,
execução contra a Fazenda Pública, etc.
As normas de concretização do direito processual civil lidam com as seguintes indagações: como
podemos fazer leis de processo? Como se faz um Código de processo? Qual o papel da lei ordinária e de
uma medida provisória? Qual o papel do CNJ, dos Tribunais de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais
e Tribunais Superiores em criar normas de processo?
BLOCO II
Acesso à justiça (inciso XXXV do Artigo 5º): o acesso à justiça é fundamental na perspectiva
preventiva, repressiva, individual, coletiva, clássica e moderna. Em suma, as portas do Judiciário
estão abertas – o que não significa dizer que tudo deve ser levado ao Judiciário. Por isso a
importância do estudo dos meios não jurisdicionais de solução de conflito, os quais não maculam
o princípio do acesso à justiça, uma vez que retiram do Judiciário apenas questões passíveis de
serem excluídas.
Devido processo constitucional (inciso LIV do Artigo 5º): é um princípio guarda-chuva. Embora a
CF utiliza o termo “devido processo legal”, é papel dos intérpretes vislumbrar o termo “devido
processo constitucional”. O processo deve correr de acordo com a Constituição em primeiro
lugar, sob pena de conferir uma discricionariedade extrema às leis infraconstitucionais. Somente
após seguir nos ditames da CF, é que o processo pode ser regido pela lei infraconstitucional.
Efetividade (do direito material pelo) processo: a efetividade do processo não deve somente
significar a efetividade do processo em si ou apenas, mas também do direito material pelo
processo. O que justifica a ideia da tutela jurisdicional em contraposição à autotutela (justiça
pelas próprias mãos), é o fato de que, quando se entra na justiça, não se ingressa apenas para
reconhecer solenemente a titularidade do direito, mas sim para também satisfazê-lo. O art. 4° do
CPC/2015 coaduna com este pensamento ao versar sobre a razoável duração do processo - não é
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só do dizer o direito (da atividade cognitiva), mas também da satisfação do direito (fase
executiva).
Há um natural conflito entre os princípios. A título de ilustração, a ampla defesa conflita com a ideia de
eficiência (por exemplo, o credor não pode excluir os direitos do devedor para satisfazer a dívida em
nome da eficiência).
O próprio CPC/2015, em seus artigos 8° e 489, § 2º, leva em conta o conflito entre princípios:
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências
do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e
observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Art. 489. [...] § 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os
critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a
interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
Com base nos dispositivos, o juiz deve ter um referencial teórico no momento de analisar a colisão entre
princípios, bem como implementar uma solução.
Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em
valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da
decisão.
Medidas atípicas e concretização da tutela jurisdicional (art. 139, inciso IV, do CPC): a medida,
por ser atípica e, portanto, aberta, convida os intérpretes a apresentar soluções pelo modelo
constitucional, em análise ao natural conflito de princípios (eficiência versus devido processo e
ampla defesa). Indaga-se: seria possível o juiz proibir o acesso de um condômino inadimplente às
áreas não essenciais do condomínio (playground, academia, etc)? É possível que o magistrado
casse o passaporte ou CNH do devedor que não paga a dívida?
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Direito à prova, provas ilícitas e imparcialidade judicial: o direito à prova é inerente à ação, uma
vez que não é possível haver a completude do acesso à justiça sem a possibilidade de se produzir
prova correlata daquilo que se defende (ipso facto). Aliado a isso, no Brasil, somente são
admitidas provas lícitas e obtidas de forma lícita. O estudo da ilicitude traz questões
concernentes à imparcialidade judicial (vieses cognitivos do juiz), afinal, não basta somente a
obtenção da prova, mas também a sua avaliação. A título de ilustração, tem-se que uma
determinada prova foi entendida como ilícita em segundo grau – todavia, o juiz, na primeira
instância, havia analisado tal prova e a interpretado como lícita – teria ele imparcialidade para
julgar posteriormente?
A organização judiciária transcende a Constituição Federal, dado que as Constituições dos Estados são
fundamentais para a compreensão da organização judiciária de cada Estado. Ademais, por uma
peculiaridade da Constituição Federal, a organização judiciária do Distrito Federal pressupõe uma lei
federal (matéria privativa da União).
Além disso, há uma exceção: o art. 144, inciso IX, da CF permite que a lei amplie a competência do
Tribunal Superior do Trabalho. Não existe essa possibilidade no estudo de outros Tribunais Superiores.
A seu turno, a competência da Justiça Federal é extraída do art. 109 da CF. O rol trazido pelo referido
dispositivo não é taxativo, uma vez que a jurisprudência clássica admite que, havendo litigância em face
de agência reguladora, a competência seja da Justiça Federal, ainda que o ente não esteja expresso no
art. 109 da CF.
Por fim, o que não é dos Tribunais Superiores, nem da Justiça Federal, é necessariamente da Justiça
Estadual.
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4.1. Novidades
EC 103/2019, a qual deu uma nova redação ao art. 109, § 3º e a violação ao "acesso à justiça":
inicialmente, cumpre registrar o dispositivo com a nova dicção:
Art. 109 [...] § 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal em
que forem parte instituição de previdência social e segurado possam ser processadas e
julgadas na justiça estadual quando a comarca do domicílio do segurado não for sede de
vara federal.
A EC 103/2019 impôs que a inovação só é aplicável (i) às questões previdenciárias; (ii) quando a
Comarca de domicílio do segurado estiver localizada a mais de 70 km (setenta quilômetros) do
Município sede de Vara Federal (conforme art. 15, inciso III, da Lei 13.876/2019). Com tais requisitos,
violou-se frontalmente o acesso à justiça.
O papel institucional auxilia na leitura das diversas leis (federais e estaduais) que regram as funções.
Magistratura
Ministério Público
Defensoria Pública – a mais nova das instituições, com pouca maturação intelectual,
jurisprudencial e doutrinária
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Defensores Públicos e sua relação com a advocacia: o Defensor Público não deve pagar anuidade
à OAB, uma vez que sua atuação muito mais se aproxima com a do Ministério Público do que
propriamente com a da advocacia pública. Enquanto o Ministério Público é custos legis (fiscal da
ordem jurídica), a Defensoria Pública possui a função de custos vulnerabilis (guardiã/fiscal dos
vulneráveis).
Honorários da Defensoria em face de seu ente criador: a Defensoria pode receber honorários do
ente que a criou (e.g. Defensoria Estadual de SP em relação ao Estado de SP), não havendo
confusão orçamentária. Afinal, a Defensoria Pública configura-se como órgão autônomo, com
autonomia funcional, administrativa e de orçamento próprio, não se confundindo com a figura
do Estado.
BLOCO III
Execução contra a Fazenda Pública (art. 100, da Constituição Federal1): O Código de Processo
Civil regula (em seu arts. 534, 535 e 910) o procedimento do cumprimento ou da execução. No
entanto, a forma macroscópica de como se tira o dinheiro da Fazenda é descrito pela própria CF
(por meio de precatório ou, se dispensado, através de requisições de pequeno valor - RPV).
Mandado de segurança
Controle de constitucionalidade
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Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude
de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta
dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim.
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Processo coletivo: Embora a Constituição Federal não admita pré-exclusões, o art. 1°, parágrafo
único, da Lei de Ação Civil Pública (7.347/85) dispõe que “Não será cabível ação civil pública para
veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários
podem ser individualmente determinados”, tornando defesa a ação civil pública tributária (e
contrariando a CF).
No tocante das súmulas vinculantes, há uma discussão sobre a necessidade de um processo para criação
dos “indexadores jurisprudenciais” (também chamados de súmulas/precedentes), de modo a
transformá-los de persuasivos a vinculantes.
Art. 103-A, da CF. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação,
mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre
matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial,
terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem
como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
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Passemos à análise de determinadas inconstitucionalidades formais:
Por que uma lei ordinária federal pode cuidar do processo? Do ponto de vista da Constituição de
1988, há a nítida distinção entre a competência privativa da União em legislar sobre normas de
processo (art. 22, inciso I), a competência concorrente entre a União, os Estados e DF para
legislar sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, inciso XI); e, enfim, a competência
da União e competência suplementar dos Estados em legislar sobre normas gerais (art. 24, § 2º).
Instaura-se, então, a necessidade de se distinguir sobre essas três classes: processo, norma geral
de procedimento e procedimento. Independentemente da suscitada discussão, o CPC de 2015 é
totalizante e engloba todas essas classes (note que o Código inclusive cuida de procedimentos
especiais, ao expressar, por exemplo, o negócio jurídico processual). Além disso, há
procedimentos substancialmente diferentes entre os Estados do Brasil.
Processo legislativo (art. 65, parágrafo único, da CF2): afinal, medida provisória pode regrar
processo? A Constituição veda essa possibilidade em seu art. 62, § 1º, inciso I, alínea "b". No
entanto, na prática, veja que a Medida Provisória 143/90 ampliou a hipótese de
impenhorabilidade. O STF, a seu turno, já expressou entendimento de que medida provisória
convertida em lei não convalida necessariamente o vício de origem de processo legislativo.
Vícios de iniciativa: o advogado público ganha verba de sucumbência, conforme art. 85, § 19, do
CPC/2015. No entanto, esse dispositivo é inconstitucional, pois a disposição da remuneração do
servidor público deve ser de iniciativa do Chefe do Executivo correspondente.
Regimentos Internos e Resoluções do CNJ podem criar normas de processo? Ambos não
possuem competência legislativa conferida pela Constituição, porém, na prática, findam por
legislar normas de processo. O próprio CPC/2015 delega ao CNJ competências legislativas de
jurisdição (e não administrativas), como, por exemplo, a competência do CNJ no cálculo de
liquidação. Além desse exemplo, tem-se o processo eletrônico, o qual é uma realidade mais
tributada ao CNJ do que à própria Lei 11.419/2016.
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Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação,
e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar. Parágrafo único.
Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.
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Passemos à análise de determinadas inconstitucionalidades substanciais:
Efeitos “vinculantes” das decisões (arts. 927 e 947, §3, do CPC): as decisões paradigmáticas
(precedentes do STF e demais Tribunais, expostos nos artigos reproduzidos a seguir) podem
mesmo ter efeito vinculante ou, para tanto, precisam de uma emenda à constituição?
Art. 1.059. À tutela provisória requerida contra a Fazenda Pública aplica-se o disposto nos
arts. 1º a 4º da Lei nº 8.437, de 30 de junho de 1992 , e no art. 7º, § 2º, da Lei nº 12.016,
de 7 de agosto de 2009 .
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Interpretação (art. 8°, do CPC3) e correlata motivação (art. 489, do CPC4): não há como dissociar
a necessidade da interpretação com a correlata motivação, inclusive no que diz respeito à lei
estar em consonância com a Constituição (ou, ao não estar, deve ser apresentada uma
interpretação conforme para que fique em conformidade).
O papel (crescente) do amicus curiae: em virtude das interpretações terem que levar em conta
os valores constitucionais (art. 1° do CPC), o amicus curiae deve ser ouvido, seja no controle de
constitucionalidade (em que geralmente atua bastante), seja nas Varas de 1ª Instância e no dia-
a-dia forense.
“A partir da nova perspectiva pós-constitucional, o problema do processo não se limita apenas ao seu
‘ser’, é dizer à sua concreta organização de acordo com as leis processuais, mas também o seu ‘dever-
ser’, ou seja, à conformidade de sua disciplina positiva com as previsões constitucionais” (Andolina e
Vignera).
9. Questionamentos da aula
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questão é que há discussão sobre o papel da jurisdição ser cláusula pétrea – portanto, não
haveria como ter essa alteração.
LEITURAS RECOMENDADAS
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 10ª ed. 2021. Saraiva
JUR.
Conjur. Maioria do STF entende que defensores públicos não precisam de inscrição na OAB.
Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-out-11/alexandre-defensores-publicos-nao-
inscricao-oab>.
Notícias do STF. ADI questiona dispositivos do novo Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=313873>.
JURISPRUDÊNCIAS
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ADIs 5492, 5534, 5737, 5941, 5953, 6053, 6324: São ADIs propostas após o advento do Código de
Processo Civil de 2015, lidando com assuntos do CPC do ponto de vista formal e substancial. Vale
a pena a leitura.
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