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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

ROBERTA DIAS TARPINIAN DE CASTRO

A FUNÇÃO CAUTELAR DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA NA FASE DE CONHECIMENTO

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO
2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

ROBERTA DIAS TARPINIAN DE CASTRO

A FUNÇÃO CAUTELAR DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA NA FASE DE CONHECIMENTO

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca


Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Direito Processual Civil, sob a
orientação do Professora Doutora Arlete
Inês Aurelli.

SÃO PAULO
2018
BANCA EXAMINADORA
Ao meu marido Danilo, e aos nossos
filhos Gabriela e Enrico. Meus amores,
meu porto seguro, minha certeza de que
viver vale a pena.
AGRADECIMENTOS

Foram dois anos e meio de muito aprendizado, e mais uma vez pude
constatar que não existe conquista sozinha.
Agradeço aos meus pais, Roberto e Marilena, a quem devoto grande
admiração. Foi graças à ajuda deles que foi possível conciliar o sonho de cursar
mestrado com dois filhos pequenos. Por muitas vezes desempenharam o meu papel
de mãe com dedicação e amor. Todo meu amor e gratidão.
Ao Danilo, meu maior crítico e incentivador. A definição perfeita de parceria.
Agradeço aos amigos que o mestrado me deu, e que espero sejam para vida
toda. Felipe Moreira, Ana Maria Ferriani, Leticia Zuccolo, Arthur Arsuffi, Rodrigo
D´Orio, Igor Cabral, Victor Miranda, Ricardo Nacle, Ceres Linck Santos e Georgia
Maekava.
À minha companheira de assistência Sabrina Berardocco e ao trio: Bruna
Valentini Barbiero Rivaroli, Fernanda Machado Pillar e Verônica Estrella Holzmeinter,
por serem essenciais.
Não poderia deixar de mencionar aqueles que proporcionaram as melhores
manhãs de sexta-feira: Ronaldo Vieira Francisco, Raquel Coelho Dal Rio Silveira,
Luiz Augusto Sartori de Castro, Viviane Formigosa, em especial, Marcio Bellocchi
pelo auxilio na conclusão desse trabalho.
Ao amigo Rodrigo Dalla Pria, um apaixonado pelo Direito, que com grande
altruísmo cedeu por meses preciosas obras de sua biblioteca. Me faltam palavras
para agradecer, principalmente porque sei de seu apego por esses livros.
E durante esses anos na PUC/SP tive contato com grandes mestres. Inicio
agradecendo ao professor doutor William Santos Ferreira, que, mesmo pouco me
conhecendo, conferiu grande apoio ao meu ingresso no mestrado, posteriormente,
tive a satisfação de ser sua aluna em 3 créditos. Agradeço aos professores Anselmo
Pietro Alvarez, João Batista Lopes, Cassio Scarpinella Bueno pelos preciosos
ensinamentos durante as aulas. Não poderia deixar de mencionar os professores
que compuseram a minha banca de qualificação com pertinentes observações:
Arlete Inês Aurelli, Olavo Oliveira Neto e Sergio Seiji Shimura.
Reafirmo meus agradecimentos ao professor doutor Sergio Seiji Shimura pela
maneira instigante de incentivar o raciocínio, pela sempre disponibilidade, e pela
oportunidade de ser sua assistente. Minha eterna gratidão e admiração.
À professora doutora Teresa Arruda Alvim por ser uma inspiração. A
professora é demonstração de que os grandes são generosos.
E por fim, agradeço a minha orientadora professora doutora Arlete Inês
Aurelli, pelo incentivo e verdadeira orientação. Foi realmente um presente do
mestrado tê-la em meu caminho. Espero que assim permaneça.
RESUMO

O presente trabalho tem a finalidade de analisar as razões pelas quais o incidente


de desconsideração da personalidade jurídica instaurado na fase de conhecimento
tem função cautelar. Para chegar à almejada conclusão, o trabalho analisará a
desconsideração da personalidade jurídica pelo prisma material, estudando porque
um instituto de direito processual, que visa afastar a autonomia patrimonial existente
entre pessoa jurídica e seus integrantes, evitando que terceiros deixem de receber
créditos aos quais tem direito (prejuízo financeiro), pode ser instauração em um
momento processual em que ainda não há crédito (fase de conhecimento).

Palavra-chaves: Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Processo


de conhecimento. Autonomia patrimonial. Função cautelar.
ABSTRACT

The present paper has the purpose of analyzing the reasons why the incident of
disregard doctrine established in the cognizance phase has a preventive function. In
order to reach the aimed conclusion, the paper will analyze the disregard doctrine by
the material aspect, studying why an institute of procedural law, which seeks to
eliminate the autonomy of assets existing between a legal entity and its members,
preventing third parties from receiving credits for which they are entitled (financial
loss), can be set up at a procedural moment where there is still no credit (cognizance
phase).

Keywords: Incident of disregard doctrine. Cognizance procedure. Patrimonial


autonomy. Preventive function.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

CAPÍTULO 1 – A PESSOA JURÍDICA, DA CONSIDERAÇÃO À


DESCONSIDERAÇÃO ............................................................................................. 14
1.1 – Pessoa jurídica ................................................................................................. 17
1.1.1 – O nascimento da pessoa jurídica ........................................................... 21
1.1.2 – Características da personalidade da pessoa jurídica ............................. 26
1.1.3 – Classificação das pessoas jurídicas ....................................................... 30
1.1.3.1 – Sociedades de responsabilidade ilimitada ....................................... 36
1.1.3.2 – Sociedades de responsabilidade limitada ........................................ 38
1.2 – A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ................................... 43
1.2.1 – A terminologia empregada para designar a teoria ................................. 50
1.2.2 – O desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica no Brasil ................................................................................................. 56
1.2.2.1 – Teoria menor ................................................................................... 57
1.2.2.2 – Teoria maior..................................................................................... 63
1.3 – A crise da desconsideração da personalidade jurídica e a necessidade de se
criar um incidente ...................................................................................................... 67

CAPÍTULO 2 – A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL ....................................... 70


2.1 – Dívida (Schuld) e responsabilidade (Haftung) .................................................. 70
2.2 – O sócio como devedor...................................................................................... 75
2.2.1 – Atos distintos: o ato de prejuízo ao terceiro (negócio inadimplido) e o ato
que caracteriza o abuso da personalidade jurídica ............................................ 77
2.2.2 – Responsabilidade sem dívida e o direito de regresso ............................ 86
2.3 – Sócio como responsável secundário e sua inclusão no processo principal ..... 91

CAPÍTULO 3 – O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE


JURÍDICA ................................................................................................................. 96
3.1 – Anterior tentativa de sistematização ............................................................... 100
3.2 – Do anteprojeto do Código de Processo Civil ao texto aprovado .................... 101
3.3 – Texto Positivado e os principais pontos do novel mecanismo processual ..... 106
3.3.1 – Momentos de instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica ...................................................................................... 106
3.3.2 – Incidente processual ou processo incidental ........................................ 108
3.3.3 – Opção por qualificar como uma intervenção de terceiro ...................... 126

CAPÍTULO 4 – A NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE


DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA FASE DE
CONHECIMENTO ................................................................................................... 136
4.1 – Técnicas cautelares na fase de conhecimento com a finalidade de preservar
futuro direito creditório ............................................................................................. 139
4.1.1 – Tutela provisória cautelar (Arresto cautelar) ........................................ 140
4.1.2 – Hipoteca judiciária ................................................................................ 144
4.1.3 – Conclusão sobre as técnicas cautelares na fase de conhecimento ..... 149
4.2 – Fraudes do devedor ....................................................................................... 151
4.2.1 – Fraude contra credores ........................................................................ 155
4.3.2 – Fraude à execução............................................................................... 161
4.3.2.1 – A fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica166
4.3.2.1.1 – Citação no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica ...................................................................................................... 167
4.3.2.1.2 – Instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica ...................................................................................................... 169
4.3.2.1.3 – Citação da pessoa jurídica cuja personalidade irá se
desconsiderar ........................................................................................... 171

CAPÍTULO 5 – A INTERPOSIÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA NAS DIVERSAS ETAPAS DA FASE DE
CONHECIMENTO ................................................................................................... 198
5.1 – A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ... 179
5.2 – A suspensão ou não do processo principal .................................................... 183
5.3 – O pedido de desconsideração da personalidade jurídica realizado na petição
inicial ....................................................................................................................... 187
5.4 – A desconsideração da personalidade jurídica de maneira incidental ............. 193
5.5 – A decisão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ......... 198
5.6 – Tutela provisória ............................................................................................. 199
5.7 – A inclusão do sócio no polo passivo do processo principal ........................... 202

CAPÍTULO 6 – A CAUTELARIDADE COMO FUNÇÃO ........................................ 207


6.1 – Provisoriedade e Temporariedade ................................................................. 213
6.2 – Responsabilidade do autor do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica ..................................................................................................................... 216
6.2.1 – Responsabilidade objetiva ................................................................... 217
6.2.2 – Efetivação da “tutela provisória” ........................................................... 219

CONCLUSÕES ....................................................................................................... 225

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 232


11

INTRODUÇÃO

A desconsideração da personalidade jurídica, que visa, em linhas gerais,


afastar a autonomia patrimonial, embora já utilizada há um bom tempo no Brasil,
antes do Código de Processo Civil de 2015 não contava com estrutura processual
própria, o que acarretava em ofensa ao contraditório.
A Lei n. 13.105/15 (Código de Processo Civil) inseriu dentro do capítulo de
intervenções de terceiro (artigos 133 a 137) mecanismo para desconsiderar a
personalidade jurídica, tanto de maneira direta (quando se elimina a autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para alcançar o patrimônio dos sócios), como inversa,
art. 133, §2º (quando a finalidade é ingressar no patrimônio da pessoa jurídica da
qual o devedor faz parte). Aqui reside a primeira observação necessária.
Considerando que a qualificação da desconsideração da personalidade
jurídica como direta ou inversa não impacta no objeto do estudo, para não
mencionar de maneira repetitiva as duas possibilidades ao longo do trabalho, tratar-
se-á da desconsideração da personalidade jurídica direta, em que o que se almeja é
o patrimônio dos sócios.
Prevê ainda o Código de Processo Civil no art. 134, que a instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida tanto
nas fases do processo de conhecimento, como no cumprimento de sentença e no
processo de execução fundado em título executivo extrajudicial. Neste ponto se faz
o primeiro corte do trabalho, voltando-se o estudo exclusivamente ao incidente de
desconsideração da personalidade jurídica cuja instauração se requer durante a
fase de conhecimento.
Aproveita-se para justificar o título do trabalho, pois, embora o caput do art.
134 mencione “todas as fases do processo de conhecimento”, exclui-se a palavra
processo. Isso porque há redundância no caput do art. 134 na medida em que logo
após a menção de “em todas as fases do processo de conhecimento” consta a
possibilidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica no cumprimento de sentença, que também é uma fase do processo de
conhecimento (processo sincrético), e que não será objeto de estudo. Desta forma,
expressa com maior clareza a temática a ser desenvolvida, excluindo-se a palavra
processo, apenas usando a locução fase de conhecimento.
12

O capítulo 1 fará uma análise a respeito do direito material, estudando a


pessoa jurídica, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a razão
pela qual se fazia necessário criar um mecanismo processual.
O objetivo do capítulo inaugural não é estudar o direito material pelo prisma
da motivação do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas pela
vertente da finalidade. Analisar com profundidade as mais diversas situações que
autorizam a desconsideração da personalidade jurídica, presentes nos mais
diversos diplomas legais (ambiental, fiscal, consumidor, trabalhista, etc.), e se seria
realmente necessária a instauração do incidente, desvirtuaria o escopo do trabalho,
voltado ao estudo do desenvolvimento do instrumento e as consequências
processuais.
Assim, mantendo-se o caráter processual do trabalho, como reza o art. 133,
§1º do CPC, a natureza do débito que motiva a desconsideração da personalidade
jurídica, e a análise se o caso seria de desconsideração da personalidade jurídica ou
de responsabilidade pessoal dos sócios (prescindiria, ou não, a instauração do
incidente), não serão objeto de estudo, apenas se fazendo destaque quando
necessário. Partir-se-á do pressuposto que há motivação para instauração do
incidente.
Após concluir o capítulo 1, que a finalidade material da desconsideração da
personalidade jurídica é evitar que terceiros sejam prejudicados por uma falsa ideia
de independência da pessoa jurídica, chegar-se-á a primeira consequência da
desconsideração da personalidade jurídica: responsabilizar os sócios por dívidas da
sociedade.
O capítulo 2 enfrentará o tema da responsabilidade patrimonial, concluindo-se
que a pessoa atingida pela desconsideração da personalidade jurídica passa a ser
responsável patrimonial secundária e não devedora. A relevância de um capítulo
para tratar da responsabilidade patrimonial será mais adiante reafirmada (capítulo
5).
Concluindo-se que a finalidade processual da desconsideração da
personalidade jurídica é responsabilizar de maneira secundária quem não tem
ligação com o débito, e que responsabilidade somente surge a partir do
inadimplemento, revela-se a importância do estudo: analisar a razão pela qual um
instrumento (incidente de desconsideração da personalidade jurídica), que visa
13

garantir o recebimento de um crédito, conta no CPC/15 com a possibilidade de ser


requerido na fase cognitiva, momento em que inexiste condenação, portando não há
crédito, muito menos seus desdobramentos (inadimplemento apto a fazer surgir a
responsabilidade patrimonial).
O capítulo 3 analisará o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica demonstrando como se deu o processo legislativo de inserção da
possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica via incidente também na
fase de conhecimento, possibilidade que inexistia no anteprojeto.
Será demonstrado sucintamente como foram alguns debates ocorridos na
comissão de juristas para elaboração do anteprojeto do NCPC, e como foi colocada
a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica na fase de
conhecimento. Nos itens finais do capítulo 3 será abordada a forma como ficou
positivado o instituto processual, discorrendo-se sobre os momentos possíveis para
se requerer, e, sobre as opções legislativas de qualificar o instituto como um
incidente processual e intervenção de terceiros.
Sequencialmente, o capítulo 4 fará um breve estudo sobre técnicas
cautelares em fase de conhecimento e a relação com a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica. Em um segundo momento, serão
abordadas as fraudes do devedor e como estão intimamente ligadas com a
desconsideração da personalidade jurídica. O capitulo será finalizado expondo a
importância prática de se possibilitar a instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica durante a fase de conhecimento.
Após se definir a motivação processual de requerer a desconsideração da
personalidade jurídica em um momento que inexiste crédito, no capítulo 5 será feito
um estudo de como o incidente é instaurado nas mais diversas etapas da fase de
conhecimento, se deve acompanhar o processo principal ou não.
Por fim, com base nos capítulos desenvolvidos, considerando a origem
histórica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a sua finalidade
(responsabilidade secundária), o capítulo 6 tratará a razão pela qual o incidente na
fase de conhecimento tem função cautelar, discorrendo-se sobre o impacto dessa
classificação, principalmente no que diz respeito a responsabilidade objetiva em
caso de improcedência da ação principal.
14

CAPÍTULO 1 – A PESSOA JURÍDICA, DA CONSIDERAÇÃO À


DESCONSIDERAÇÃO

A necessidade de analisar questões processuais considerando nuances


materiais altera-se de acordo com o objeto de estudo. Há temas processuais que
tornam menos relevante, e até dispensam, o estudo do direito material (recursos, por
exemplo), mas há determinados assuntos que restam imperfeitos se não verificada a
questão material envolvida. É o caso do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica que traz em seu nomen iures1 o direito material que visa
tratar.
Reforça-se a necessidade de estudo do direito material diante da opção
legislativa de inserir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica no
capítulo de intervenções de terceiros que, por si só, é tema processual que requer
análise do direito material2.
Se não bastasse o fato de ser intervenção de terceiro, há ainda outras
particularidades que tornam primordial a análise material da desconsideração da
personalidade jurídica.
O direito material debatido no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica depende de outro direito material3 (não surgindo isoladamente4), e, talvez

1 Cassio Scarpinella Bueno critica o nome dado ao mecanismo processual. Para o autor, o objeto do
incidente vai além do que ficou consagrado pela doutrina e jurisprudência como sendo casos de
desconsideração da personalidade jurídica, sendo forma de permitir, em um ambiente de amplo
contraditório, o redirecionamento da execução a qualquer pessoa que a lei preveja (administradores,
por exemplo), não necessariamente os sócios. (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio
Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Parte Geral. Vol. 1. São Paulo:
Saraiva, 2017. p.573).
2 “É imperioso compreender direito processual civil levando em consideração também as vicissitudes

do direito material. Não por inexistir identidade cientifica entre um e outro ramo do direito, mas, bem
diferentemente, porque direito processual civil volta-se, em última análise, a disciplinar o mecanismo
pelo qual o Estado-juiz aplica o direito material controvertido para prestar tutela jurisdicional”
(BUENO, Cassio Scarpinella. Cursos Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 2 tomo I, 7. ed.
São Paulo: Saraiva, 2014. p. 434).
3 O simples fato de haver situações que demandariam a desconsideração da personalidade jurídica,

como desvio de finalidade e confusão patrimonial, não autorizam o pedido, pois é preciso que exista
um direito creditório.
“A desconsideração da personalidade jurídica somente tem lugar, se de atos praticados por uma ou
mais sociedades, resultarem prejuízos a terceiros.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aplicabilidade
da teoria da desconsideração da pessoa jurídica no processo falimentar in Revista de Processo, vol.
87. São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul.-Set. 1997. p. 211 – 220).
4 Flavio Luiz Yarshell defende a possibilidade de ser considerado um direito autônomo, no qual o

credor, independentemente de ter seu crédito frustrado, poderia buscar a declaração de


responsabilidade patrimonial secundária (YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo;
15

por isso a opção legislativa processual foi discutir a temática em um incidente


processual5, que somente nasce em decorrência de um outro processo. Esses
pormenores (direito material e processual dependentes de outros direitos de igual
classificação) reforçam a necessidade de analisar o que é materialmente a
desconsideração da personalidade jurídica.
André Pagani de Souza exacerba a importância de compreender o direito
material da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que o escopo seja
processual:

O processo é instrumento para realização do direito material. Sem


compreendermos bem o direito material, o processo não terá utilidade. Não
se pode realizar ou tornar concreto aquilo que não se conhece. O que se
quer dizer de modo bem direto, é o seguinte: sem compreender bem o
direito material, o processo não serve para nada. Essa postura diante do
direito processual e do direito material é irrecusável. [...] Apesar desse
enfoque eminentemente processual, levando em conta a postura que
pretendemos adotar, são importantes alguns esclarecimentos preliminares
sobre a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, pois,
como se verá no momento oportuno (capitulo 3 e seguintes), aspectos
materiais da referida teoria influem diretamente nos mecanismos utilizados
para efetivá-la.6

Veja-se que André Pagani de Souza destaca a necessidade de compreender


o direito material para definir quais seriam os mecanismos processuais adequados,
pois àquela época, não havia procedimento definido. Mesmo com a definição do
mecanismo para desconsideração da personalidade jurídica na Lei n. 13.105/15, o
estudo de direito material continua a ser importante, mas agora por razões diversas.
Se por um lado a Lei definiu qual o mecanismo adequado para requerer a
desconsideração da personalidade jurídica (via incidente), manteve, literalmente, a
necessidade de estudar o direito material nos artigos 133, §1º e art. 134, §4º, do
CPC. O art. 133, §1º, do CPC7 remete a lei material a apuração dos critérios

CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 232).
5 No capítulo 3 será analisada a natureza de processo incidental do mecanismo processual que busca

a desconsideração da personalidade jurídica.


6 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2011. p. 63.
7 “Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da

parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.


§ 1o O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em
lei.”
16

motivadores de desconsideração da personalidade jurídica, e o art. 134, §4º, do


CPC8 traz o reflexo processual dessa não atenção 9.
Manteve-se ainda a necessidade de estudar o direito material ao possibilitar a
sua instauração tanto na fase de conhecimento como na fase (ou processo) de
execução.
Como se verá ao longo do trabalho, apesar de ser um mesmo instrumento
processual, tratando de um mesmo direito material (desconsideração da
personalidade jurídica), a depender do momento de instauração, tem função diversa,
e, sem conhecer o direito material não seria possível esta análise.
Portanto, o estudo do direito material não serve somente para compreender a
razão de existir do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, mas
para defini-lo em suas diversas funções como instrumento. Trata-se de um direito
material que influencia na definição da função processual do incidente a depender
do momento da proposição.
Reitera-se os termos da introdução destacando-se que para atingir as
conclusões processuais almejadas, o estudo do direito material volta-se a análise da
finalidade da desconsideração da personalidade jurídica e, será abordado de
maneira superficial a respeito dos requisitos10, somente quando necessário.

No texto do Senado Federal (PLS n. 166/2010) no art. 77, par. único, inc. I constava a questão
material – “... Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica: I – pode ser
suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio.”
8 “Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de

conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.


(...)
§ 4o O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para
desconsideração da personalidade jurídica.”
9 “Incumbe ao autor da ação incidental demonstrar na petição inicial, o preenchimento dos

pressupostos legais previstos no direito material para a desconsideração (...) Não preenchendo tal
requisito, cabe ao juiz determinar a emenda da petição incial, indicando, precisamente, o que precisa
ser corrigido (art. 321). No caso de inércia, caberá ao juiz indeferir a petição incicial (art. 321,
parágrafo único).” (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER,
Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2015. p. 236).
10 O estudo dos requisitos é de suma importância quando se analisa com profundidade a

desconsideração da personalidade jurídica (material), no entanto, como o escopo do trabalho é


demonstrar a função cautelar do incidente quando requerido na fase de conhecimento, as razões que
levam a requerer não influenciam.
Alexandre Freitas Câmara elogia a opção legislativa de outorgar a lei material os requisitos para
desconsideração da personalidade jurídica: “Sendo o Código de Processo Civil o natural repositório
das normas gerais de direitos processual, andou bem o texto legal em evitar que para ele se
trouxesse disposições que, na verdade, dizem respeito a outras áreas de conhecimento jurídico.
(CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 454.
17

Demonstrado sucintamente a necessidade de dedicar capítulo para versar


sobre as questões materiais da desconsideração da personalidade jurídica, como o
que se busca materialmente no incidente descrito nos artigos 133 e seguintes do
CPC é a desconstrução de uma criação artificial, tratar-se-á por primeiro desta
construção, e por que algo que foi concebido inicialmente para ser completamente
independente (vida própria), posteriormente foi relativizado.

1.1 – Pessoa jurídica

Desde os primórdios, antes mesmo de pensar na finalidade comercial, o


homem via na associação com outros homens, e a junção de forças, uma maior
possibilidade de êxito nas atividades do dia a dia. Isto se observava nas relações
familiares nas quais em ocorrendo uma divisão de tarefas para cada membro da
família (um responsável pela caça, outro pelos cuidados com o lar, etc.), havia uma
melhor organização, e consequentemente incremento nos afazeres do cotidiano 11.
No âmbito comercial 12 o raciocínio é o mesmo. As atividades comerciais, que
de início eram exercidas predominantemente de maneira individual, foram
demandando associação de pessoas.
Com o passar do tempo viu-se que a união de esforços não bastava, sendo
preciso separação entre quem exercia as atividades (pessoas físicas 13) e em nome

11 ALMEIDA. Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.15.
12 A pessoa jurídica pode ser constituída com as mais variadas finalidades, sendo comercial apenas
uma delas. A expressão pessoa jurídica significa coletividade de pessoas para um fim em comum,
mas que aqui se coloca como comercial porque é essa finalidade que interessa à teoria da
desconsideração da personalidade jurídica.
13 Embora o Código Civil utilize a expressão pessoa natural (arts. 6º, 21, 70, 71, 72, 73, 801 e 980-A

§2º), e a maioria das menções no Código de Processo Civil em vigor também seja essa (arts. 98, 99,
§3º e 138), opta-se por utilizar durante este trabalho a expressão pessoa física por algumas razões
que se destaca: (i) é expressão mais empregada pela doutrina que pessoa natural quando se trata de
desconsideração da personalidade jurídica; e (ii) é a terminologia empregada pela legislação tributária
e a maioria dos julgados do Superior Tribunal de Justiça utilizam pessoa física, sendo que pesquisas
com a expressão pessoa natural são remetidas a julgados cujo o uso é da expressão sinônima que
ora se adota.
Utiliza-se também a expressão pessoa física a partir do conceito desenhado por Hans Kelsen, pois,
ao dizer natural volta-se a forma de surgimento, não apresentando a melhor contraposição ao termo
pessoa jurídica: “Ao mesmo tempo contrapõe-se a pessoa física, como pessoa ´natural´ à pessoa
jurídica, como pessoa “artificial”, quer dizer, como pessoa não “real”, mas construída pela ciência
jurídica.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Batista Machado. 8. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011. p. 191).
A pessoa física surge naturalmente, tal qual a pessoa jurídica surge artificialmente.
Vale dizer que até mesmo a expressão pessoa jurídica, embora pacificamente aceita, guarda críticas.
Neste sentido Orlando Gomes: “Não há denominação única para esses grupos: pessoas morais,
pessoas civis, pessoas sociais e pessoas jurídicas. Todas essas expressões não revelam com
18

de quem se exercia (da coletividade daquelas pessoas físicas), imperiosa tanto para
fins de responsabilidade, pois não parecia correto uma pessoa assumir sozinha a
responsabilidade por um ato que, embora feito por ela, geraria benefício a todos;
como para possibilitar a participação em atividades comerciais não necessariamente
de maneira pessoal, mas somente financeira. Ambas as situações estimulavam o
crescimento comercial.
E então, observando-se as características humanas, através de uma
abstração (do latim abstracione, que significa separação), criou-se a pessoa jurídica.
A abstração é um fenômeno com o qual se escolhe um objeto de percepção e
isola-se o que interessa para a construção de algo novo 14, é o que aconteceu com a
pessoa jurídica. Escolheu-se o ser humano como objeto de percepção e isolou-se o
que interessava, criando a pessoa jurídica.
A dificuldade que se impõe no caso da pessoa jurídica é que não há somente
as características do objeto percebido naquele criado (consequência natural do
fenômeno da abstração), estando o objeto de percepção contido na criação.
A pessoa humana serviu tanto para se construir a ideia de pessoa jurídica
(abstração), como para formar a pessoa jurídica, e em virtude de as pessoas físicas
sempre estarem envolvidas com os atos da pessoa jurídica, uma vez que a prática
de atos é exclusiva dos seres humanos15, muitas vezes há dificuldade em
compreender a pessoa jurídica como ente autônomo e distinto das pessoas físicas
que a compõe16.

propriedade o ente que designam. A mais difundida – pessoa jurídica - é ambígua, porque
propriamente falando, todas as pessoas são jurídicas, no sentido de que a personalidade é um
conceito jurídico e seus atributos se regulam pelo Direito. Mas apesar disso, incorporou-se
definitivamente ao nosso vocabulário jurídico” (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil.
Atualizada por Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.
144).
14 “É a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de percepção, atenção,

observação, consideração, pesquisa, estudo, etc. e isola de outras coisas como que está numa
relação qualquer. (...) Assim como podemos considerar a cor de um fruto prescindindo do fruto, sem
por isso afirmar que ela existe separadamente do fruto, também podemos conhecer as formas ou
espécies universais do homem...” (ABGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins
Fontes, 2007. p. 4).
15 “O que não é crível admitir-se, porque fantasioso e ilógico, é o fato de emprestar à pessoa jurídica

atributo exclusivamente humano – a psyche – encontrando-se num campo místico em que tudo seria
possível” (ALVES, Alexandre Ferreira de Assumpção. A Pessoa Jurídica e os Direitos da
Personalidade. Rio de Janeiro: Inovar, 1998. p. 38).
16 Em relação a independência da pessoa jurídica importante destacar o posicionamento de Hans

Kelsen, o qual faz uma divisão do comportamento em dois elementos: material e pessoal, sendo este
segundo exclusivamente ligado aos indivíduos. Para Kelsen, por não deterem o elemento pessoa, as
pessoas jurídicas seriam incompletas, portanto impossível se falar em uma absoluta independência.
O elemento material (ação ou omissão) é atribuído as pessoas jurídicas prevendo seus estatutos o
19

Surge então as mais diversas teorias a respeito do que seria a pessoa


jurídica, no entanto, parece ser mais um problema de uso das palavras que de
diferentes conceitos propriamente ditos.
Orlando Gomes, por exemplo, repele o caráter abstrato da pessoa jurídica17,
mas essa conclusão se dá porque o autor utiliza a palavra abstrata como antônimo
de realidade. A pessoa jurídica não seria abstrata porque é real.
Já Arnaldo Rizzardo18, compreende que por ser a pessoa jurídica uma criação
do ordenamento jurídico, seria uma ficção, mas logo em seguida o autor assevera
que é uma realidade abstrata.
Pela literalidade das menções dos autores, parece que há um conflito de
posicionamento, em que Arnaldo Rizzardo, ao contrário de Orlando Gomes,
considera que a pessoa jurídica existe abstratamente. No entanto, ao analisar com
cuidado os posicionamentos dos autores, sem se prender ao uso literal das palavras
utilizadas por cada um, não parece que pensam de maneira diversa, mormente
porque a conclusão é a mesma, que a pessoa jurídica é uma realidade. A diferença

elemento pessoal: “Quando a ordem jurídica estadual impõe deveres ou estabelece direitos que são
considerados como deveres e direitos de uma corporação, quando se fala de deveres e direitos de
uma corporação, apenas se pode tratar de deveres cujo cumprimento ou violação é operada através
da conduta de indivíduos, e de direitos cujo exercício se processa igualmente por meio da conduta de
indivíduos - indivíduos esses que pertencem à corporação. E, quando estes deveres e direitos são
atribuídos à corporação, têm esses indivíduos de cumprir ou violar os deveres ou exercer os direitos
em questão na sua qualidade de órgãos da corporação. Por isso, a ordem jurídica, quando - como se
diz - impõe deveres ou confere direitos a uma corporação, determina apenas o elemento material da
conduta que forma o conteúdo do dever ou do direito e deixa ao estatuto a determinação do elemento
pessoal. ” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Batista Machado. 8. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2011. p. 199).
17 “A personalização desses grupos é construção técnica destinada a possibilitar e favorecer- lhes a

atividade. O Direito toma-os da sociedade, onde se formam, e os disciplina à imagem e semelhança


das pessoas naturais, reconhecendo-os como pessoas, cuja existência autônoma submete a
requisitos necessários a que possam exercer direitos, dando-lhes regime compatível com a sua
natureza. (...) Dúvida não pode haver de que o agrupamento dos seres humanos para a realização de
um comum, reunindo esforços e capitais, é imperativo da própria organização social, como é o
contrato para a disciplina de certos interesses. Consequentemente, esse fato, não é uma abstração,
mas sim uma evidente realidade. ” (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Atualizada por
Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito.21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 145-146).
18 “Na verdade, não se pode olvidar que a pessoa jurídica é uma criação, uma ficção, existindo

abstratamente, pois se destaca de seus membros, constituindo um ser distinto. No entanto, não deixa
de ser uma realidade, criada pelo ordenamento jurídico, que a reconhece, lhe dando proteção e
assegurando o exercício de direitos e deveres. E quem a cria, lhe dá existência e a faz titular de
direito e obrigações, é o direito.
Efetivamente, o direito a reveste de personalidade, da mesma forma como atribui direitos e
obrigações ao ser humano” (RIZZARDO, Arnaldo. Parte Geral do Código Civil. 7. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2011. p. 247).
20

é que Arnaldo Rizzardo considera possível uma existência real e abstrata, ao passo
que Orlando Gomes trata como opostos os conceitos de realidade e abstrato 19.
O que ocorre é que as palavras mais comumente empregadas para descrever
pessoa jurídica (ficção, realidade, abstrato), são utilizadas com diferentes
significações, e assim, muitas vezes vale-se de palavras diversas, mas se transmite
uma mesma mensagem.
Destarte, como o conceito de pessoa jurídica não interfere na teoria da
desconsideração da personalidade jurídica20, não convém apresentar digressões
sobre a relevância21, ou não22, de definir o que seria a pessoa jurídica do ponto de
vista de sua criação, apenas traçar-se-á uma definição como partida do presente
estudo.
Assim, opta-se por definir pessoa jurídica com sinônimos e antônimos mais
comuns a cada palavra. Abstrato é antônimo de concreto, assim como ficção será
utilizado como antônimo de realidade23 e abstração um fenômeno e não um adjetivo.

19 Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier também tratam como sinônimos concreto e realidade:
“Mas a pessoa jurídica não é um ente concreto, real, como a pessoa natural. ” (TALAMINI, Eduardo;
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. 16. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.372).
20 “Não é nosso objetivo, nem comporta o âmbito resumido dêste estudo, digressões sôbre as

fatigantes polêmicas sôbre a teoria da pessoa jurídica, máxime quando elas, segundo o testemunho
de Cunha Gonçalves, ´longe de esclarecerem o problema, só têm servido para o tornarem mais
confuso. ´ Como ponto de partida para conceituar a doutrina do “disregard” ou da penetração, é
necessário convir que as pessoas jurídicas, sobretudo no que concerne ao direito brasileiro,
constituem uma criação da lei. Como criação da vontade da lei refletem uma realidade, uma realidade
do mundo jurídico, e o da vida sensível. ” (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da
Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo,1969).
21 “A questão da natureza das pessoas jurídicas é das mais controvertidas, havendo tantas teorias

quanto os autores que tratam da matéria. Se fazemos referência a esta polêmica é por ter ela as
maiores repercussões no campo prático, pois a necessidade ou não do Estado autorizar o
funcionamento das pessoas jurídicas é decorrência imediata da natureza que lhes atribuímos. ”
(WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil Brasileiro: Introdução e Parte Geral. 14. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 157).
“Tem, na verdade, profunda significação indagar como deve ser entendida a pessoa jurídica. Ao
espírito de investigação científica do jurista moderno não satisfaz encontra-la no exercício dos direitos
subjetivos e verificar que lhe permite a lei atuar como se fosse uma pessoa natural, adquirindo
direitos e contraindo obrigações. Daí aprofundar-se na pesquisa filosófica e precisar como se justifica
a sua existência.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Vol. I. 30. ed. revista e
atualizada por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 253).
22 “As especulações em torno do assunto pertencem antes ao campo da Filosofia do Direito, onde,

aliás, vão perdendo substância. ” (GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. Atualizada por
Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 186).
“É singular, porém, que, após laboriosas dissertações, quase todos esses escritores somente
chegassem a resultados tão contraditórios como inúteis para a vida prática, o que vamos demonstrar
pelo rápido exame de suas opiniões”. (GONÇALVES, Luiz da Cunha. Tratado de Direito Civil in
Comentário a Código Português, Vol. 1, Tomo II. São Paulo: Max Limonad, brasileira, 1956.p. 904).
23 Arnoldo Wald faz interessante distinção ao destacar que, a crítica a teoria de que a pessoa jurídica

seria uma ficção, asseverando que necessariamente o que é real é corpóreo (WALD, Arnoldo. Curso
21

Compreende-se assim que pessoa jurídica é abstrata (não palpável) e real,


pois, o fato de não surgir naturalmente não significa que seja uma ficção. Uma
realidade (o que existe efetivamente) pode surgir de maneira natural (provém da
natureza) ou artificial (com intervenção do homem na criação), sendo a pessoa
jurídica uma realidade artificial, e é exatamente por isso que cabe a ciência jurídica
estudar seu surgimento24.

1.1.1 – O nascimento da pessoa jurídica

Sendo a pessoa jurídica25 uma realidade que não surge naturalmente, seu
nascimento26 se dá através de procedimentos formais conforme estipulam os arts.
45 e 1.150 do Código Civil. Esse procedimento de nascimento da pessoa jurídica é o
que se denomina de personificação27, que é diferente de personalidade, embora
muitas vezes seja utilizado como palavras sinônimas.

de Direito Civil Brasileiro: Introdução e Parte Geral. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p.
15).
24 Diferentemente das pessoas humanas em que cabe a ciência biológica estudar o surgimento, as

pessoas jurídicas têm o nascimento analisado pela ciência jurídica. Destaca-se ainda que as pessoas
físicas (qualidade que se dá as pessoas humanas como detentoras de direitos e obrigações), também
são objeto da ciência jurídica.
À ciência biológica cumpre estudar o nascimento da pessoa humana, e à ciência jurídica o
nascimento da pessoa física.
25 As pessoas jurídicas nos termos do art. 40 do Código Civil podem ser de direito público ou privado,

e considerando o objeto de estudo, será tratado apenas do segundo grupo.


26 As pessoas humanas surgem naturalmente com o nascimento e assim adquirem personalidade

(art. 2º do CC), mas para praticarem alguns atos comuns da vida civil precisam existir juridicamente, e
essa existência jurídica se dá com a certidão de nascimento. Pontes de Miranda trata que o registro
das pessoas físicas serve tão somente para dar eficácia erga omnes (PONTES DE MIRANDA,
Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984. p.
281).
Uma pessoa humana que não tem certidão de nascimento não existe juridicamente e não pode
exercer diversos atos inerentes a personalidade, não chega a se tornar pessoa física.
Neste sentido coaduna-se com o posicionamento de Hans Kelsen, para quem a pessoa física, como
sujeito de deveres e obrigações (“define-se o conceito de pessoa como “portador” de direitos e
deveres jurídicos”), também é uma criação. Embora Kelsen não concorde com a existência real da
pessoa jurídica, diferentemente do que aqui se defende, concorda-se com parte de sua exposição de
que a pessoa física também é uma criação jurídica: “Na verdade, têm-se feito tentativas para
demonstrar que também a pessoa jurídica é uma pessoa “real”. Mas estas tentativas são tanto mais
baldadas quanto é certo que uma análise mais profunda revela que também a chamada pessoa física
é uma construção artificial da ciência jurídica, que também ela apenas é uma pessoa “jurídica”.
(KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução João Batista Machado. 8. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2011. p. 191).
27 No português personificação significa “ato de conferir características humanas aos objetos

inanimados ou ao que é abstrato” (https://www.significados.com.br/personificacao/ Acesso em


27/06/2017), desta forma, há coerência em dizer que quando uma coletividade de pessoas passa a
existir formalmente, nascendo a pessoa jurídica, ocorre a personificação.
22

As sociedades que não são formalmente constituídas são denominadas de


sociedades despersonificadas (art. 986 do CC), e não despersonalizadas, o que leva
a uma primeira conclusão de que personificar é realmente o ato formal de constituir
uma pessoa jurídica, e que é com este ato que são conferidas as características
humanas (personalidade).
No entanto, não se nota coerência no uso do vocábulo a todos os momentos
no diploma civil. O art. 985 do CC trata como sinônimos personificação e
personalidade ao dizer: “A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição,
no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”.
Em caso de seguir o conceito contido no art. 986 do CC, o melhor seria o art. 985
dizer que a sociedade adquire personificação com a inscrição, ou então o art. 986 do
CC falar em sociedade despersonalizada.
Fabio Ulhoa Coelho critica o conteúdo do art. 985, não pelo uso da
expressão, mas, por compreender que a personalidade jurídica existe antes mesmo
do registro:

Costuma-se dizer que o início da personalização da sociedade empresária


opera-se com o registro na Junta Comercial. Aliás a própria legislação civil
estabelece a formalidade como ato responsável pela constituição da pessoa
jurídica (CC, arts. 45 e 985). Em termos de segurança jurídica não há de se
negar que a sistemática é adequada, porque o registro torna pública a
formação do novo sujeito de direito, possibilitando o controle dos demais
agentes econômicos e do próprio estado quanto à existência e extensão
das obrigações que envolvem. Mas, deve-se registrar uma certa
impropriedade conceitual e lógica nessa sistemática. A rigor, desde o
momento em que os sócios passam a atuar em conjunto, na exploração de
uma atividade econômica, isto é, desde o contrato, ainda que verbal, de
formação da sociedade, já se pode considerar existente a pessoa jurídica. 28

De igual forma Silvio Salvo Venosa:

No direito privado, o fato que dá origem à pessoa jurídica é a vontade


humana, sem a princípio nenhuma interferência do Estado, exceto quando a
autorização estatal é necessária. Antes de qualquer ato de cunho estatal a
personalidade desses entes já existe, ainda que em estado potencial. Esses
entes podem ser tratados como sociedades irregulares, mas não se nega
que já tenham certos atributos da personalidade.29

O Código de Processo Civil, de certa forma, tem a mesma concepção que os


mencionados autores, tratando o art. 75, no inc. IX, que: “Serão representados em
28 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 34.
29 VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 227.
23

juízo, ativa e passivamente:(...) IX a sociedade e a associação irregulares e outros


entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a
administração de seus bens”, e também o §2º do mencionado artigo do CPC: “A
sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a
irregularidade de sua constituição quando demandada”.
O art. 75, no inc. IX e §2º, do CPC mostra coexistência de vocabulário com o
art. 985 do CC na medida em que liga personalidade ao ato de registro, mas traz
aporia autorizando-se a demandar e ser demandado em face de quem não tem
personalidade, de quem juridicamente não existe. Esta antinomia se dá porque o
Código de Processo Civil segue no mesmo sentido que dos autores Fabio Ulhoa
Coelho e Silvio Salvo Venosa, para os quais a personalidade existe independente de
personificação30.
Embora o art. 75 do CPC avente que são sociedades sem personalidade
jurídica, ao conceder capacidade processual ativa e passiva a essas sociedades
denota ao menos uma característica humana (ser parte em processo), portanto, não
são sociedades sem personalidade, mas sem personificação.
José Lamartine Correia de Oliveira em sua obra a Dupla Crise da Pessoa
Jurídica, questiona a capacidade processual das sociedades despersonificadas,
colocando-a como um dos elementos da crise da pessoa jurídica (crise do sistema):

A capacidade de ser parte em juízo é um dos ângulos através dos quais


facilmente é detectada a existência de crise no sistema de pessoas jurídicas
elaborado pelo Direito Positivo.
(...)
Os comentadores do Código de Processo Civil de 1973 reincidem, de modo
geral, em equívocos semelhantes aos já ocorridos na Alemanha, ao
tentarem resolver com elementos tirados tão somente do Direito Processual,
a aparente contradição entre capacidade de ser parte e ausência de
personalidade jurídica.
Sustentamos que essa contradição é insolúvel em termos de puro Direito
Processual, pela razão muito simples de que a capacidade de ser parte é,
em verdade, totalmente incompatível com a ausência de personalidade.31

José Manoel de Arruda Alvim 32 também critica os termos do então art. 12, VII
do CPC/73 (atual art. 75, IX, CPC/15) dizendo: “não nos parece que tenha sido esta

30 Além das sociedades irregulares o art. 75 do CPC trata da legitimidade ativa de outros entes
despersonificados, a massa falida (inc. V), a herança jacente ou vacante (inc. VI) e o espólio (inc.VII).
31 OLIVEIRA, José Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.

p. 201-203.
24

a melhor orientação da tradição brasileira nem que tenha sido feliz o legislador em
acolhendo”, asseverando que até poderia se aceitar a legitimidade passiva (como no
direito alemão), mas não a ativa.
Já para Galeno Lacerda o que acontece não é que existe personalidade nos
entes despersonificados, mas a lei supre esta falta de personalidade autorizando a
ser parte no processo:

Suponhamos que a ação seja proposta por uma sociedade irregular


(sociedade de fato). O réu pode alegar que ela não tem personalidade ativa
para ingressar em juízo. Portanto, a relação jurídica nesse caso é
absolutamente nula, porque lhe faltam os elementos fundamentais. Quase
se poderia dizer que ela é inexistente; contudo, o processo é, em si,
existente, visto que houve uma relação entre o juiz e o réu.
(...)
O suprimento da falta de personalidade se dá nos seguintes casos:
nascituro, falta de personalidade ativa das sociedades de fato,
patrimônios.33

Thereza Alvim34 esclarece que a capacidade civil e a capacidade processual


são distintas, e embora no direito positivo brasileiro haja coincidência na maioria das
vezes, há casos em que o legislador dá tratamentos diferentes. É o que ocorre com
a sociedade irregular que não tem capacidade civil, mas tem capacidade processual.
Mantendo-se coerência com o uso das palavras acredita-se que o que a Lei
faz ao atribuir capacidade processual a entes despersonificados é suprir 35 a falta de
personificação e, com essa supressão, acaba por considerar que existe um atributo
da personalidade independente de personificação. Tal compreensão é relevante
para romper com o paradigma de intima ligação (e até mesmo serem tratadas como

32 ALVIM, José Manoel de Arruda. Código de Processo Civil comentado. Vol. 2. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1975. p. 94.
33 LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 111.
34 ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p.

15.
35 “A finalidade não é a de suprir a capacidade daquele que é parte: é, apenas, tornar factível a

atuação no processo de pessoas jurídicas, de direito público ou privado, e de alguns entes que não
têm personalidade jurídica.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva;
MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros
comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 148).
Acredita-se que embora sejam todas situações presentes no artigo 75 do CPC, a situação das
pessoas jurídicas é diferente da dos entes despersonificados. Os entes personificados têm
capacidade postulatória, só precisam estar representados dado seu caráter abstrato, por isso,
realmente não se supri a capacidade, pois essa capacidade existe e a representação é que torna
factível a atuação no processo. Diferente é o que acontece com os entes despersonificados, porque
não existem, logo não teriam capacidade, e por isso não se trata de apenas tornar factível a atuação
no processo, mas de essencialmente suprir uma falta de existência formal.
25

sinônimos) entre personificação e personalidade, e, principalmente com a concepção


de que a segunda é um conceito único.
Há entes que não são personificados, mas tem personalidade, assim como há
sociedades que são personificadas, mas que não tem o atributo da personalidade
que pode ser desconsiderado. Essa última afirmação ficaria sem sentido se não
fosse o caráter coletivo de personalidade.
A sociedade não personificada tem a característica da personalidade de ser
parte em processo, já a sociedade personificada pode não ter a característica da
personalidade jurídica que se almeja extirpar com o incidente de desconsideração
da personalidade jurídica. Assim, é a partir do conceito de pessoa jurídica que vai
havendo uma restrição natural do cabimento do incidente objeto do estudo.
Se por um lado personalidade (um atributo ao menos) pode existir sem que
haja o registro da sociedade, pessoa jurídica36 é conceito que somente existe
quando ocorre a formalização, personificação (art. 45 do CC37), tanto que o art. 75,
inc. IX fala em sociedade e associação irregular e não pessoa jurídica irregular.
Assim, o nascimento da pessoa jurídica se dá com o ato formal pelo qual um
grupo passa a existir formalmente e independente das pessoas que o compõe (art.
45 e 1.150 do CC), e, personalidade pode ser um conceito paralelo, pois existem
sociedades que embora despersonificadas têm alguns atributos da personalidade
jurídica, como a capacidade de ser parte em um processo (art. 75, IX do CPC), mas
também pode ser decorrência da personificação.
Portanto, a pessoa jurídica nasce com o registro, e para fins do presente
estudo, a personalidade é consequência dessa personificação38, pois, as sociedades
que não existem formalmente não detêm o atributo da personalidade jurídica que se
atinge quando desconsiderada: autonomia patrimonial39.
Há ainda pessoas jurídicas, que mesmo formalmente constituídas, também
não precisam ter a personalidade jurídica desconsiderada para se atingir os bens

36 Mais adiante será visto os casos da micro empresas e firmas individuais, que embora tenham
registro, não são consideradas pessoas jurídica.
37 Art. 45 CC – “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição

do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação


do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.
38 “Uma vez personificado o ente passa a ter existência jurídica, adquire personalidade e atua no

mundo jurídico da mesma forma que as demais pessoas jurídicas.” (KOURY, Suzy Elizabeth
Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de
empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 8).
39 Este ponto será melhor abordado adiante, momento em que será demonstrado que sequer

separação patrimonial as sociedades despersonificadas detém.


26

dos sócios, isso em decorrência dos atributos inerentes a personalidade jurídica,


como será verificado nos próximos tópicos.
Conclui-se que para a pessoa jurídica existir não basta a reunião de pessoas
com finalidade em comum, é preciso que haja formalização nos termos dos arts. 45
e 1.150 do Código Civil, e como consequência surgirá a personalidade jurídica.

1.1.2 – Características da personalidade da pessoa jurídica

Como visto, personalidade jurídica não é sinônimo de pessoa jurídica, e


muitas vezes sequer é decorrência da personificação de uma sociedade, mas, a
mais importante conclusão alcançada no tópico anterior foi que personalidade
jurídica é um conjunto de atributos.
A maneira mais fácil de se conceber o caráter coletivo da personalidade
jurídica é observando como se manifesta a personalidade das pessoas físicas40, que
tem muito em comum com a personalidade das pessoas jurídicas, até mesmo
porque, a segunda é uma abstração que teve como objeto de percepção a primeira.
Essa similitude vai desde a forma com que surge a personalidade, passando pelos
componentes, até a maneira com que se extingue 41.
Assim como a personalidade da pessoa física surge com o nascimento, ainda
que se possa falar em estado em potencial no nascituro 42, com a pessoa jurídica é o

40 “Há duas espécies de pessoas: a física ou natural, o homem, e a pessoa jurídica ou grupo social,
ao qual a lei também atribui capacidade. O traço comum de ambas as entidades é a personalidade; a
pessoa jurídica na vida civil, age como qualquer pessoa natural, nos atos com que elas são
compatíveis. Os grupos, portanto, que se unem para realizar determinados fins, ganham
personalidade no direito moderno, tornando-se sujeitos de direitos e obrigações.” (VENOSA, Silvio
Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 219).
41 A pessoa física se extingue com a morte, assim como a pessoa jurídica se extingue com o

encerramento de suas atividades.


42 Art. 2o do CC “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a

salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”


“A Lei não lhe concede personalidade, a qual só lhe será conferida se nascer com vida. Mas como
provavelmente nascerá com vida, o ordenamento jurídico desde logo preserva seus interesses
futuros, tomando medidas para salvaguardar os direitos que, com muita propriedade, em breve serão
seus.” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Vol. 1 parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 36).
Washington de Barros menciona que o nascituro tem uma personalidade condicional pois somente
surge se ocorrer a condição suspensiva de nascer com vida (MONTEIRO. Washington de Barros.
Curso de Direito Civil. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 32. ed. 1994. p. 61).
Pontes de Mirada tratava que os direitos assegurados ao nascituro era uma antecipação da eficácia:
“a eficácia é que se antecipa: antes do suporte factio da pessoa se completar, atribuem-se efeitos ao
que é o suporte factio de agora, portanto incompleto para eficácia da personalização. Seria
desacertado só se reconhecerem todos os efeitos após o nascimento, como desacertado seria admiti-
los todos desde já. Procurou-se a melhor solução: ´resguardarem-se´ os interesses deste desde já”
27

mesmo, em que antes do nascimento (registro) tem personalidade latente, mas é


com o registro que realmente se adquire a personalidade jurídica.
Para Washington de Barros Monteiro a personalidade nada mais é que uma
criação do direito, e por isso pode ser concedido tanto as pessoas físicas como as
pessoas jurídicas:

Assim como a personalidade humana deriva do direito (tanto que este já


privou seres humanos de personalidade – os escravos), da mesma forma
pode ele concedê-la a outros entes, que não os homens, desde que
colimem a realização de interesses humanos. A personalidade jurídica não
é, pois, ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo, que o Estado
defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação. O Estado
não outorga tal predicado de maneira arbitrária e sim tendo em vista
determinada situação, que já encontra devidamente concretizada. A pessoa
jurídica tem assim realidade, não a realidade física (peculiar as ciências
naturais), mas a realidade jurídica, ideal, a realidade das instituições
jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas
do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas.43

Já Carlos Alberto Bittar, analisando os direitos inerentes a personalidade das


pessoas físicas, diz que se tratam de direitos inatos, e segue na mesma linha ao
tratar da personalidade das pessoas jurídicas:

São direitos que transcendem, pois, o ordenamento jurídico positivo, porque


ínsitos a natureza do homem, como ente dotado de personalidade.
(...)
São eles plenamente compatíveis com as pessoas jurídicas, pois, como
entes dotados de personalidade pelo ordenamento positivo (C. Civil, art.
1344, 1845 e 2046), fazem jus ao reconhecimento de atributos intrínsecos à
sua essencialidade, como por exemplo os direitos ao nome, à marca, a

(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo I. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984. p.267).
43 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 32. ed.

1994. p. 100.
44 Equivalente ao art. 40 do CC-02 - Art. 40. As pessoas jurídicas são de direito público, interno ou

externo, e de direito privado.


Equivalente ao art. 45 do CC-02 - Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito
privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de
autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que
passar o ato constitutivo.
45 Equivalente ao art. 45 do CC-02 - Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de

direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando
necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as
alterações por que passar o ato constitutivo.
46 Sem equivalente no CC-02, o art. 20 foi substituída pela ideia constante no art. 50 do CC-02 que

possibilitou a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica com menos


resistência.
28

símbolos e à honra. Nascem com o registro da pessoa jurídica, subsistem


enquanto estiverem em ação e terminam com a baixa do registro.47

Embora a maioria dos direitos da personalidade conste expressamente na Lei


Civil, nada impede que um novo direito surja, não somente por serem direitos inatos
como assevera Carlos Alberto Bittar, mas também por ser decorrência de princípios
constitucionais, cujo o caráter abstrato permite interpretação ampla.
O capítulo destinado a tratar das pessoas jurídicas no Código Civil não
descreve nenhum direito da personalidade, e ainda que o art. 52 do CC faça a
devida remição, não é da Lei n. 10.406/02 que se extrai o atributo da personalidade
jurídica que se discute nos casos de desconsideração, mas da própria razão de
existir da pessoa jurídica48.
Com o nascimento da pessoa jurídica surge a personalidade jurídica que
engloba os direitos comuns aos humanos: direito a imagem, ao nome, a integridade
moral, a propriedade, entre outros, tudo faz parte de um patrimônio próprio 49 e
independente das pessoas físicas que a compõem. A retirada, ou afastamento de
um desses direitos não significa o fim total da personalidade jurídica. Ousa-se dizer,
inclusive, que há direitos da personalidade jurídica que jamais poderão ser
afastados.
O direito ao nome empresarial, assim como o direito ao nome e prenome da
pessoa física (art. 16 do CC) é irrenunciável e há regras próprias quando há
transmissão do estabelecimento, não podendo, de forma alguma, ser objeto do
comércio (art. 1.164 do CC). Assim, embora o enunciado n. 236 da IV Jornadas de
Direito Civil mencione que “Os direitos da personalidade são direitos inerentes e
essenciais à pessoa humana, decorrentes de sua dignidade, não sendo as pessoas

47 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1998. p. 11-13.
48 No artigo 20 do Código Civil de 1916 constava que “As pessoas jurídicas têm existência distinta da

dos seus membros”, e se tem vida distinta da de seus membros, tem patrimônio distinto. Este artigo
não consta no Código Civil de 2002, mas nem por isso a independência da pessoa jurídica deixou de
existir, pois, como menciona Leonardo Netto Parentoni, o art. 20 do Código Civil de 1916 “era a
positivação do princípio maior segundo o qual a pessoa jurídica constitui centro autônomo de
decisões, único responsável pelos direitos e deveres que contrair (no brocardo latino societas distat
singulis)” e “justamente por constituir um princípio, o qual transcende o Direito positivado, é que a
revogação do art. 20 do Código Civil de 1916 – que não encontra correspondente no atual Código
Civil – por si só não suprime o sistema jurídico.” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração
contemporânea da personalidade jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira.
São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 50).
49 “Os bens corpóreos e incorpóreos integram o patrimônio da pessoa. Em sentido amplo o conjunto

de bens, de qualquer ordem, pertencentes a um titular, constitui o seu patrimônio.” (GONÇALVES,


Carlos Roberto. Direito Civil. Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 279).
29

jurídicas titulares de tais direitos”, que inclusive confronta com o teor do art. 52 do
CC, não há como negar que a pessoa jurídica tem alguns direitos personalíssimos50
que, tal qual ocorre com as pessoas físicas, são irrenunciáveis.
Faz-se essa ressalva para reafirmar a similitude da personalidade das
pessoas jurídicas com a das pessoas físicas, em que há direitos da personalidade
que em hipótese alguma podem ser desconsiderados, como o direito ao nome
empresarial.
No entanto, ao presente estudo a característica da personalidade jurídica que
importa é a independência de patrimônio ativo economicamente aferível 51. Esse
ponto é pacífico, e autores que estudam o tema, não costumam fazer referência aos
demais direitos também inerentes a personalidade da pessoa jurídica.
Fabio Ulhoa Coelho ao tratar sobre os efeitos da personalização52 coloca a
questão patrimonial 53 como a mais relevante:

Da definição da sociedade empresária como pessoa jurídica derivam


consequências precisas, relacionadas com a atribuição de direito e
obrigações ao sujeito de direito nela encerrado. (...) Três exemplos ilustram
as consequências da personalização da sociedade empresária: a
titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade
patrimonial.
(...)
Finalmente, a questão da responsabilidade patrimonial, de maior
importância que as duas anteriores (...), da personalização da sociedade
empresária segue-se a separação de patrimônios desta e de seus sócios.
Os bens integrantes do estabelecimento empresarial, e outros
eventualmente atribuídos à pessoa jurídica, são de propriedade dela, e não
dos seus membros. 54

50 “Por óbvio a pessoa jurídica somente poderia ser titular daqueles direitos compatíveis com sua
condição: portanto dos direitos patrimoniais, sendo inadmissível que fosse titular de direito
personalíssimos.” (BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7).
No entanto, o teor da súmula 227 do STJ “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral” demonstra que a
pessoa jurídica tem direitos além dos patrimoniais.
51 “Segundo a teoria clássica ou subjetiva, o patrimônio é uma universalidade de direito, unitário e

indivisível, que se apresenta como projeção e continuação da personalidade. Para teoria realista,
também denominada moderna ou da afetação, o patrimônio seria constituído apenas pelo ativo, e
também não seria unitário e indivisível, mas formado de vários núcleos separados, conjuntos de bens
destinados a fins específicos, como, por exemplo, o dote, os bens reservados, a massa falimentar, a
herança, etc.” (GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva. 2014. p.
280).
Quando se diz autonomia patrimonial se adota a concepção da teoria realista que considera o
patrimônio somente pelo ativo.
52 Essa foi a palavra utilizada pelo autor, no entanto, seguindo a coerência de vocabulário

anteriormente aventada, acredita-se que o melhor é dizer que são os efeitos da personificação.
53 O autor utiliza a locução responsabilidade patrimonial, mas faz no sentido material e não no sentido

processual como será visto em item próprio nesse trabalho.


54 COELHO. Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.p. 32.
30

Portanto, para Fabio Ulhoa Coelho, o traço marcante da personalidade que


surge com a criação da pessoa jurídica, refere-se ao patrimônio que deve ser
considerado separado, e que funciona como força motriz para o desenvolvimento
comercial.
Assim, embora a pessoa jurídica tenha direito a ter nome empresarial, a
marcas, a ser titular de direitos e obrigações, e também direito a um patrimônio
próprio e independente, isso tudo fazendo parte da personalidade jurídica, à teoria
da desconsideração da personalidade jurídica somente o último atributo descrito
interessa. Desta forma, não se aprofundará na análise dos demais atributos da
personalidade jurídica, mas é importante ter em mente que a personalidade é um
conjunto, conceito que influencia nas demais conclusões que serão emitidas ao
longo do trabalho.
Destarte tenha-se consignado que o objeto da desconsideração da
personalidade jurídica é a separação patrimonial existente entre pessoa jurídica e
seus membros, a separação patrimonial não se manifesta de maneira igual em todas
as pessoas jurídicas. Há pessoas jurídicas que detém baixo grau de separação
patrimonial e, que prescinde de desconsideração da personalidade jurídica para
alcance do patrimônio dos sócios.
Passa-se a analisar quais são as pessoas jurídicas que para ter o patrimônio
dos sócios respondendo por dívidas sociais, precisam da desconsideração da
personalidade jurídica.

1.1.3 – Classificação das pessoas jurídicas

O Livro II da parte especial Código Civil dedica-se ao direito da empresa, e


divide-se em 5 títulos 55. O título II, denominado ‘da sociedade’, tem por critério de
classificação o estudado anteriormente: a transformação de uma sociedade (reunião
de pessoas com objetivo comum) em pessoa jurídica. A sociedade personificada
(subtítulo II), que se transforma em pessoa jurídica, e a sociedade despersonificadas
(subtítulo I).

55Embora sejam 5 títulos a numeração se faz com 4, pois há o título I-A que foi acrescentado pela Lei
n.12.441/11.
31

O presente subitem irá analisar parte do conteúdo do subtítulo II do Título II


do Livro II do Código Civil, pois, as sociedades despersonificadas não tem o atributo
da personalidade jurídica que será analisado no presente trabalho (separação
patrimonial). Antes é preciso fazer referência ao Título II do Livro I da Parte Geral do
Código Civil, o qual descreve as pessoas jurídicas.
Como visto anteriormente, não basta a junção de diversas pessoas com uma
finalidade em comum para que seja considerado uma pessoa jurídica, é preciso que
ocorra a personificação, a qual se dá através do registro nos órgãos competentes
(art. 45 do CC). No entanto, há situações em que mesmo com o registro, e obtenção
inclusive de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), não se concede o status
de pessoa jurídica.
As pessoas jurídicas estão descritas no art. 44 do CC56 e no referido artigo
não consta formas bem comuns de exercer a atividade empresarial: o
Microempresário Individual (MEI – Lei complementar n. 128/2008) e a firma
individual (empresário individual).
Embora exerçam atividade empresarial, e tenham cadastro em órgão
competente, o microempresário individual e a firma individual não são pessoas
jurídicas nos termos do art. 44 do CC. O cadastro em órgão competente tem a
finalidade de conceder tratamento tributário diferenciado 57, mas não transforma
esses empresários individuais em pessoas jurídicas com patrimônio distinto.

56 As pessoas jurídicas estão descritas no art. 44 do Código Civil:


“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I - as associações;
II - as sociedades;
III - as fundações;
IV - as organizações religiosas;
V - os partidos políticos;
VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. ”
57 Em recente julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo o desembargador Edgard Rosa

esclareceu: “Em se tratando de empresário individual, não há duas personalidades: uma física e outra
jurídica; há apenas a pessoa física que exerce atividade econômica na forma do art. 966 do Código
Civil, sendo o cadastro no CNPJ mera formalidade imposta pela Administração Tributária, decorrente
da necessidade de tratamento fiscal diferenciado.
Sendo assim, é até mesmo desnecessária a desconsideração da personalidade jurídica determinada,
para a persecução dos bens vinculados ao CNPJ do empresário individual, uma vez que não há duas
personalidades jurídicas distintas, apenas diferenciação para fins tributários.” (TJSP - Agravo de
Instrumento 2138066-33.2017.8.26.0000; Relator (a): Edgard Rosa; Órgão Julgador: 25ª Câmara de
Direito Privado; Foro Regional III - Jabaquara - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 09/11/2017; Data
de Registro: 10/11/2017).
No mesmo sentido: STJ - AgRg nos EDcl no REsp 1280217/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira
Turma, julgado em 13/12/2011, DJe 01/02/2012.
32

Desta forma, a MEI e a firma individual (ME) são entes personificados, mas
não são pessoas jurídicas, “o empresário individual é a própria pessoa física ou
natural”58, de tal forma que nem ao menos subsidiariedade podem alegar59, muito
menos há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, pessoas jurídicas são os entes personificados descritos no art. 44 do
CC e, embora pareça forçoso iniciar o estudo analisando o mencionado artigo, o
critério de qualificação empregado pelo Código Civil no art. 44 não é de grande valia
para a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Não obstante existam
posicionamentos que repelem a desconsideração relacionada a algumas pessoas
jurídicas descritas no art. 44 do CC60, a maioria se mostra favorável61, desde que,

58 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007. p. 755, nota 3 ao art. 966.
59 “AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução Fiscal - Empresa individual Micro Empresa - Único

sócio - Decisão que indeferiu o pedido de penhora “on line” da pessoa física - Desnecessária a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa - Sendo o patrimônio do empresário individual
o mesmo da pessoa natural, não há que se falar em inclusão do sócio da empresa no polo passivo da
Execução, pois os patrimônios se confundem, de modo que, no caso, podem os atos executórios
recaírem sobre o patrimônio pessoal do proprietário da firma - Precedentes - Decisão reformada -
Recurso provido.” (TJSP - Agravo de Instrumento 2258803-36.2015.8.26.0000; Relator (a): Maria
Laura Tavares; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Público; Foro de Adamantina - 3ª Vara Cível;
Data do Julgamento: 29/03/2016; Data de Registro: 29/03/2016).
60 Julgados contrários a desconsideração da personalidade jurídica das associações (art. 44, I do

CC): TRT12 - AP: 0005554-06.2011.5.12.0022/SC Relator: Roberto Basilone Leite, Secretaria,


Segunda Turma, DJ: 10/09/2015; TRT5 – AP 84100-10.2006.5.05.0034/BA, Relatora Ivana Mercia
Nilo de Magaldi, Terceira Turma, DJ 13/05/2008.
61 Não há óbice legal para nenhuma das pessoas jurídicas do art. 44 do CC terem a personalidade

jurídica desconsiderada, e por essa razão, não irá pormenorizar no corpo do trabalho. Destarte,
destaca-se em nota de rodapé algumas decisões que se referem a alguns desses tipos de pessoas
jurídicas (exceto as sociedades, inc. II do art. 44 do CC e a empresas individuais de responsabilidade
limitada, inc. VI, que serão abordados durante o trabalho).
Art. 44, I – associações: “PLANO DE SAÚDE. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. ENTIDADE PATROCINADORA. CONFUSÃO PATRIMONIAL.
1. A desconsideração da personalidade jurídica é medida de caráter excepcional, cuja aplicação
somente é possível quando o desvio de finalidade, caracterizado pelo uso abusivo da autonomia
patrimonial da pessoa jurídica para fraudar terceiros, ou a confusão patrimonial, demonstrada pela
inexistência de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os dos seus integrantes. 2.
Havendo confusão patrimonial entre o plano de saúde e a associação patrocinadora, aplica-se a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica. 3. Deu-se provimento ao agravo de
instrumento.” (TJDF - Agravo de Instrumento AGI 20140020267004 relator Sergio Rocha, julgamento
17/12/2017, DJe 22/01/2015).
Art. 44, III – fundação: “REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. A inexistência de bens no patrimônio da executada para a satisfação
dos créditos e os indícios de abuso da personalidade jurídica autorizam o redirecionamento da
execução na pessoa do administrador da fundação. (TRT4 – AP 59920050064000 RS. Relatora
Vania Mattos, julgamento 21/05/2009).
Art. 44, IV – organizações religiosas: “AGRAVO DE PETIÇÃO DO EXEQUENTE. ORGANIZAÇÃO
RELIGIOSA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. TEORIA MENOR.
POSSIBILIDADE. As organizações religiosas, nos termos do inciso IV, do artigo 44, do Código Civil,
são pessoas jurídicas de direito privado. Por seu caráter de entidade sem fins lucrativos são
equiparadas ao empregador, ex vi do § 1º, do artigo 2º da CLT. Por tal razão, e por não haver
vedação expressa no ordenamento jurídico, aplicável a teoria menor da desconsideração da
33

obviamente, ocorram as situações descritas na lei como sendo de abuso da


personalidade jurídica62.
A pessoa jurídica pode ser classificada de acordo com os mais diversos
critérios63, sendo os mais comuns: (i) o que leva em consideração o grau de
dependência da sociedade em relação as qualidades subjetivas dos sócios
(sociedade de pessoas ou de capital64); (ii) de acordo com o regime de constituição
e dissolução (sociedades contratuais e institucionais); e (iii) o grau de
responsabilidade dos sócios por dívidas da sociedade (responsabilidade limitada,
ilimitada ou mista)65.

personalidade jurídica na execução, quando não encontrados bens suficientes à satisfação dos
créditos do ex-empregado, de propriedade da reclamada. O caráter de entidade sem fins lucrativos,
não constitui óbice à desconsideração de sua personalidade jurídica. Agravo de Petição do
exequente conhecido e provido. (TRT1 - AP: 00102436720135010204, Relator: Marcia Leite Nery,
Data de Julgamento: 27/09/2016, Quinta Turma, Data de Publicação: 17/10/2016).
62 Talvez o incidente de desconsideração da personalidade jurídica altere alguns posicionamentos,

pois, observa-se que em alguns casos a desconsideração da personalidade jurídica não ocorria não
porque se tratava de entidade sem fins lucrativos, mas em decorrência da falta de provas da prática
de abuso: TRT12 - AP: 0005554-06.2011.5.12.0022/SC, Relator: Roberto Basilone Leite, 2A TURMA,
Data de Publicação: 10/09/2015; e TRT17 - AP 0014700-59.2012.5.17.0002, Rel. Desembargador
Cláudio Armando Couce de Menezes, DEJT 09/12/2016.
63 Conforme anteriormente mencionado, para o presente estudo, a pessoa jurídica que interessa é

com finalidade comercial. No entanto, não se pode ignorar que as pessoas jurídicas não se resumem
a sociedades comerciais, e, portanto, há um outro critério de classificação, o qual tem por base a
natureza dos atos, podendo a pessoa jurídica ser classificada como sociedade civil ou comercial.
Rubens Requião ao comentar o projeto do Código Civil atinente ao Livro sobre empresa, critica essa
forma de classificação distinguindo sociedades comerciais de civis: “Para os seus autores a
expressão ‘comercial’ é tabu, diante da preocupação unificadora, como já tivemos oportunidade de
registrar. O fato, porém, é que teremos na linguagem comum do mercado o ‘empresário comercial’ e
o ‘empresário civil’. Empresário civil é precisamente aquele definido no art. 1.001, parágrafo único:
‘Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou
artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão
constituir elemento de empresa’ (...) Toda a organização que contar com uma quantidade de
colaboradores, deveria ser tratada como empresa. Nela haverá a organização do trabalho alheio.
Difícil é conceber-se uma organização, mesmo intelectual ou científica, que pelo menos não se
dedique à pesquisa, esta sempre de utilidade econômica.” (REQUIÃO. Rubens. Projeto de Código
Civil. Apreciação crítica sobre o Livro II. Revista dos Tribunais. Vol. 478. São Paulo: Revista dos
Tribunais, Ago.1975).
De fato, trata-se de forma de classificação, mas que, afora ter perdido um pouco o sentido ao longo
dos anos em virtude de inexistir impacto prático, não interfere no estudo, haja visto que tanto as
sociedades empresárias como as sociedades simples (nomenclatura adotada pelo Código Civil para
se referir a sociedades não empresárias), podem se formar sobre o regime de limitadas: “A sociedade
limitada constitui tipo societário a ser adotado tanto pela sociedade empresária, como pela sociedade
não-empresária, tal como antes havia a sociedade civil por quotas, de responsabilidade limitada,
como sociedade mercantil por quotas, de responsabilidade limitada. E, antes como hoje, o regime
jurídico é o mesmo para ambas.” (LUCENA. José Waldecy. Das Sociedades Limitadas. São Paulo:
Renovar, 2005. p. 50-51).
64 “A distinção entre sociedades de pessoas e de capitais, embora frequentemente eleita, tem sido

considerada incorreta, porque não há sociedade empresária de fim lucrativo em que não coexista o
duplo elemento capitalista e personalista.” (FAZZIO JUNIOR. Waldo. Sociedades limitadas. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2007. p. 17).
65 COELHO. Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 49
34

O critério que será analisado é o que classifica a pessoa jurídica de acordo


com a responsabilidade do sócio por dívidas da sociedade, e que tem por ponto de
partida o grau de separação patrimonial das pessoas jurídicas.
O direito a um patrimônio próprio e separado é consequência da simples
personificação da sociedade, no entanto, essa separação patrimonial não é igual em
todos os tipos societários. Fabio Konder Comparato esclarece:

Essa separação patrimonial comporta graus, ela não é idêntica e uniforme


em todos os casos. Mais acusada nas sociedades anônimas, em que os
acionistas não respondem pelos débitos sociais, apresenta-se ao contrário,
mais atenuada naqueles tipos societários em que uma categoria de sócios,
ou todos eles, respondem pelas dívidas da sociedade.66

São esses graus de separação patrimonial que servem para classificar uma
sociedade em responsabilidade limitada e ilimitada, e, por conseguinte, que
determinam se é preciso o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
para se atingir bens dos sócios ou não.
Toda pessoa jurídica formalmente constituída (personificada) tem separação
patrimonial, decorrência lógica da independência entre a pessoa jurídica e as
pessoas físicas que a compõe, no entanto, há diferentes graus dessa separação.
A separação patrimonial, ainda que em grau mínimo, é um dos atrativos para
estimular a formalização, pois as sociedades irregulares, embora tenham
capacidade processual (art. 75 CPC), não tem separação patrimonial, e sequer a
subsidiariedade podem alegar67. Fábio Ulhoa Coelho ilustra:

A relevância da discussão diz respeito a subsidiariedade da


responsabilidade dos sócios pela sociedade irregular. Lembre-se que uma
das sanções que o direito estabelece em razão da falta do registro na Junta
comercial é a responsabilidade ilimitada dos sócios, mas, assente isso, cabe
indagar sobre a forma de responsabilização, se subsidiária ou direta.
(...)
Ora, se a sociedade irregular é pessoa jurídica, a responsabilidade dos
sócios será ilimitada e subsidiária, se despersonalizada, ao contrário, será
ilimitada e direta. Como visto, em razão do direito vigente, a personalização
inaugura com o registro do ato constitutivo na Junta Comercial, e, portanto,
o sistema legal dá sustentação à segunda alternativa. Desse modo, os
sócios da sociedade empresária irregular podem ser responsabilizados
pelas obrigações sociais de forma direta, não se exigindo de credores

66 COMPARATO. Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1977. p. 271
67 Em sentido contrário: “Mesmo nas chamadas sociedades irregulares, a subsidiariedade é a regra,

ficando a responsabilidade pessoal direta por conta de quem celebrou o negócio em nome da
sociedade (FAZZIO JUNIOR. Waldo. Sociedades limitadas. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2007. p 18).
35

sociais o anterior exaurimento do patrimônio dela. Observe-se que, pelo


contrário, na sociedade registrada regularmente, a responsabilidade dos
sócios será sempre subsidiária, mesmo que ilimitada.68

Araken de Assis ao analisar questões atinentes a responsabilidade


patrimonial, também reconhece a inexistência de subsidiariedade dos bens da
sociedade irregular:

Em alguns casos, a lei torna o sócio responsável pela dívida social, nada
obstante a personalidade própria e inconfundível da sociedade, decorrente
de seu registro (art. 985 do CC-02). É o que o dispõe o art. 592, II,
ensejando algumas considerações
(...)
Nenhuma aplicação tem essa regra, todavia, quanto à sociedade não
personificada (art. 986 do CC-02), apesar de dotada de personalidade
processual (art. 75, IXI), pois, em tal hipótese, a ´transparência´ da
sociedade gera responsabilidade primária dos sócios69. Neste caso, os bens
e as dívidas sociais formam, segundo o art. 988 do CC-02, ´patrimônio
especial´, respondendo os sócios, ´solidária e ilimitadamente pelas
obrigações sociais´(art. 990 do CC 02).70

Se por um lado a separação patrimonial funciona como estímulo para


personificação, não serve de completo incentivo comercial, pois, em caso de
insuficiência de bens para garantir as dívidas da sociedade, os sócios passarão a
responder com seus respectivos patrimônios, ainda que de maneira subsidiária.
Portanto, as sociedades despersonificadas não tem separação patrimonial
nem em grau mínimo. Já as sociedades personificadas comportam diferentes graus
de separação patrimonial. O menor grau de separação patrimonial possibilita a
obediência a subsidiariedade e, o maior grau autoriza a completa independência do
patrimônio do sócio, que, para ter seu patrimônio atingido precisa de
desconsideração da personalidade jurídica.
Contextualizando com o objeto de estudo, importante analisar o que deve ser
entendido por pessoas jurídicas de responsabilidade ilimitada (grau mínimo de
separação patrimonial), de responsabilidade limitada (grau máximo de separação
patrimonial), e quais os tipos societários previstos na legislação brasileira que se
submetem a cada uma dessas classificações.

68 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 35
69 No próximo capitulo será analisado com profundidade as formas de classificação da
responsabilidade e as diferenças em relação ao débito.
70 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 308-

309
36

1.1.3.1 – Sociedades de responsabilidade ilimitada

Primeiramente destaca-se que o critério de classificação, embora se


denomine de sociedades de responsabilidade limitada, volta-se ao sócio. Portanto,
quando se diz responsabilidade limitada ou ilimitada de uma sociedade, em verdade
se refere a responsabilidade do sócio.
Toda e qualquer pessoa jurídica tem responsabilidade ilimitada71, o que pode
ser alterado é o grau de responsabilidade do sócio. Mais correto seria dizer
sociedade com sócios de responsabilidade limitada72 e sociedade com sócios de
responsabilidade ilimitada.
A ideia de limitação, por sua vez, liga-se ao capital investido pelos sócios na
formação da pessoa jurídica. Para nascer uma pessoa jurídica é preciso que os
sócios aportem certa quantia formando o capital social, este capital social poderá ser
totalmente integralizado no momento da criação da pessoa jurídica ou então
integralizado aos poucos.
Em uma sociedade de responsabilidade limitada o patrimônio dos sócios não
é atingido por dívidas sociais, a menos que não tenha ocorrido totalmente a
integralização do capital social. Assim a responsabilidade do sócio ficará limitada ao
capital social subscrito e não integralizado.
Já em uma sociedade de responsabilidade ilimitada, ainda que os sócios
tenham integralizado todo o capital subscrito, em caso de insuficiência de bens da
sociedade, os sócios responderão com patrimônio próprio. A responsabilidade do
sócio em uma sociedade de responsabilidade ilimitada não encontra limite na
ausência de integralização.
Assim, embora exista separação patrimonial nas sociedades de
responsabilidade ilimitada, e os sócios respondam com seu patrimônio pessoal de

71 “Devemos deixar claro que toda sociedade empresária responde ilimitadamente por suas dívidas,
não existindo nenhuma regra que permita que ela deixe de honrar seus compromissos se
ultrapassado algum limite.
Quando se fala em limitação da responsabilidade, faz-se referência à possibilidade ou não dos sócios
virem a responder com seus próprios bens pelas dívidas da sociedade.” (COELHO, Fabio Ulhoa. A
sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 190).
72 “É conveniente relevar que a responsabilidade limitada é dos sócios e não as sociedades, que

responde ilimitadamente pelas suas dívidas. Somos de parecer que o nome certo desse tipo de
sociedade deveria ser, no aspecto dogmático, sociedade de responsabilidade limitada dos sócios. No
direito italiano, francês, e alemão é chamada de responsabilidade limitada. A designação atual, que
lhe dá o Código Civil, é, porém, bastante simples, ficando a cargo da doutrina esclarecer o real
significado.” (ROQUE, Sebastião José. Da sociedade limitada. São Paulo: Ícone, 2011. p. 18).
37

maneira subsidiária73, é ilimitada porque não está restrita ao capital não


integralizado. Os sócios podem ter integralizado todo o capital subscrito e ainda
assim, caso os bens da sociedade não sejam suficientes, responderão com seus
próprios patrimônios pelas dívidas sociais, sem que signifique desconsideração da
personalidade jurídica.
Do gênero responsabilidade ilimitada deriva a sociedade em nome coletivo
(art. 1.039 do CC74).
Também há a sociedade em comandita simples (art.1.045 do CC 75) e
sociedade em comandita por ações (art. 1.091 do CC76) que são sociedade mistas,
em que há sócios de responsabilidade ilimitada (comanditados) e limitada
(comanditários).
Tanto a sociedade em nome coletivo, como as sociedades de comandita
simples e por ações são tipos societários pouco atrativos e atualmente em desuso.
O que importa é que nesses tipos societários o grau de separação patrimonial
é baixo e, em caso de insolvência da pessoa jurídica, os sócios podem ter seus
patrimônios atingidos, independentemente de terem agido de forma indevida.
Não fugindo ao pragmatismo, questiona-se, se as sociedades em nome
coletivo, comandita simples e comandita por ações estão em desuso, então se
poderia dizer que não há mais sociedades de responsabilidade ilimitada no Brasil?
De fato, sociedades, no sentido de coletividade, praticamente não há. Atualmente, o
que se verifica com responsabilidade ilimitada, em verdade não são pessoas

73 Amador Paes de Almeida assevera que há duas espécies de sócios, de responsabilidade limitada
e de responsabilidade solidária, e embora o autor utilize a palavra solidária, conclui que a
classificação como sócio de responsabilidade solidária significa que o sócio responde de maneira
subsidiária (“os sócios solidários, ao revés do que ocorre com os sócios de responsabilidade limitada,
respondem ainda que em caráter subsidiário, ilimitadamente pelas obrigações sociais.”). Assim, em
decorrência de comumente as palavras solidariedade e subsidiariedade serem utilizadas em
contraposição, prefere-se utilizar a denominação sócios de responsabilidade limitada e ilimitada.
(ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 58-
59).
74 “Art. 1.039. Somente pessoas físicas podem tomar parte na sociedade em nome coletivo,

respondendo todos os sócios, solidária e ilimitadamente, pelas obrigações sociais.”


75 “Art. 1.045. Na sociedade em comandita simples tomam parte sócios de duas categorias: os

comanditados, pessoas físicas, responsáveis solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais; e os


comanditários, obrigados somente pelo valor de sua quota.”
76 “Art. 1.091. Somente o acionista tem qualidade para administrar a sociedade e, como diretor,

responde subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.


§ 1o Se houver mais de um diretor, serão solidariamente responsáveis, depois de esgotados os bens
sociais.”
38

jurídicas como visto alhures, mas formas muito comuns de exercer a atividade
empresária, que são os micro empresários individuais77.

1.1.3.2 – Sociedades de responsabilidade limitada

Concebida para ser um ente autônomo, a pessoa jurídica somente atinge


esse objetivo na sua inteireza quando há grau máximo de separação patrimonial.
A responsabilidade limitada é traço tão forte nas pessoas jurídicas que Fabio
Ulhoa Coelho78 descreve essa situação do grau máximo de separação do patrimônio
como um princípio: princípio da autonomia patrimonial, demonstrando ser esse o
verdadeiro incentivo das atividades econômicas, e não a simples criação da pessoa
jurídica.
Utilizando a nomenclatura empregada por Fabio Ulhoa Coelho para descrever
o grau máximo de separação patrimonial: autonomia patrimonial (o patrimônio não é
só separado, mas autônomo e não pode ser atingido salvo exceções legais), pode-
se dizer que este é o atributo da personalidade jurídica mais atrativo, tanto que
durante muito tempo79 viu-se sociedades serem formadas como limitadas, em que
efetivamente somente existia um sócio detentor de 99% das cotas, tão somente com
a finalidade de limitar a responsabilidade patrimonial.
A autonomia patrimonial tem o designo de estimular as pessoas a investiram
em um negócio com a segurança de que se não der certo (insucesso que pode se
dar por diversas razões alheias a vontade dos sócios como crise econômica,

77 Apenas a título ilustrativo, em pesquisa realizada no ano de 2015 havia cerca de cinco milhões de
microempreendedores individuais.
https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2015/06/17/brasil-tem-5-milhoes-de-
microempreendedores-individuais-sp-e-rio-lideram.htm
78 “O princípio da autonomia patrimonial, alicerce do direito societário. Sua importância para o

desenvolvimento de atividades econômicas, da produção e circulação de bens e serviços é


fundamental, na medida em que limita a possibilidade de perdas nos investimentos mais arriscados. A
partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dividas da
sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas
de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos
na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios,
amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo gerações, e nesse quadro menos pessoas
se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais.” (COELHO. Fabio Ulhoa.
Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 34).
79 No ano de 2011 o Brasil editou a Lei nº 12.441/11 que trata sobre a Empresa Individual de

Responsabilidade Limitada (EIRELI), onde apenas um sócio se transforma em pessoa jurídica, sendo
a finalidade principal da novel estrutura societária a separação patrimonial, haja visto que já era
possível o empresário individual ser pessoa jurídica gozando de outros atributos da personalidade
jurídica.
39

instabilidade mercadológica, etc.) 80, somente o que foi investido (patrimônio


integralizado), e o que a sociedade construiu, é que responderá pelas dívidas.
A regra é que os sócios não respondem pelas dívidas sociais, a menos que o
capital social não tenha sido totalmente integralizado 81, sendo interessante notar
que a denominação desse tipo de responsabilidade não designa a regra, mas, a
exceção.
Waldo Fazzio Junior faz critica interessante ao uso da expressão
responsabilidade limitada, destacando que essa responsabilidade seria do sócio
com a sociedade 82:

É difícil falar em responsabilidade limitada quando resta claro que, uma vez
pago o capital social, pelos encargos sociais responde apenas a sociedade
com seu patrimônio. É evidente que os sócios não têm responsabilidade
perante terceiros, nem limitada, nem ilimitada. E de outro lado, não há como
referir-se à limitação da sociedade, se esta, com seu patrimônio, responde
ilimitadamente.
O sócio da limitada responde perante a sociedade, somente pelo débito da
quota subscrita, o que já exclui a ideia de limitação. Na verdade o sócio
nada deve a terceiro.83

80 “A regra limitativa existe, por outras palavras, para socializar, entre agentes econômicos, os riscos
de insucesso das empresas. Com efeito, qualquer negócio, por mais bem planejado e estruturado
que seja, pode não dar certo. O desenvolvimento da empresa é fato humano, depende de escolhas
de homens e mulheres, não inteiramente controlável de modo racional. Depende da conjuntura
econômica regional, nacional e planetária.” (COELHO, Fabio Ulhoa. A sociedade limitada no novo
Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 107).
81 “A responsabilidade do sócio pelo capital não integralizado tem impacto distinto na sociedade

anônima e na sociedade limitada, ambos tipos societários de responsabilidade limitada do sócio.


Nas sociedades anônimas, caso o capital social não tenha sido totalmente integralizado, cada sócio
será responsável pelo limite que deixou de integralizar de maneira independente. Já nas sociedades
limitadas, não importa qual sócio deixou de integralizar, os sócios responderão solidariamente, ou
seja, ainda que determinado sócio tenha colocado todo o valor que lhe cabia de acordo com as suas
cotas, se não houve a completa integralização, responderá no limite não integralizado.
Outra distinção refere-se à demonstração de não integralização. Nas sociedades anônimas todo
aporte deve ser realizado em banco e o comprovante de depósito exibido na Junta Comercial (LSA,
art. 95, III) ou no tabelião (LSA, art. 88, §2º), no entanto, nas sociedades limitadas não é preciso
comprovar a integralização do capital, basta constar no contrato social, e se não tiver observação de
subscrição, considera-se como se o valor exibido fosse totalmente integralizado.” (COELHO, Fabio
Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7).
82 Embora o autor mencione que a responsabilidade seria do sócio com a sociedade e não com

terceiros, em outra oportunidade, assevera que quando não há total integralização é possível a
penhora de bens do sócio, ou seja, na prática atende-se objetivo do credor (terceiro perante o sócio
pelo prisma material). Se é admissível que o credor da sociedade penhore bens do sócio porque o
capital não foi totalmente integralizado, isso significa que o sócio estará respondendo perante
terceiro: “Em outras palavras, não integralizado o capital social, é válida a penhora que recai sobre
bens dos sócios por dívida da sociedade por cotas de responsabilidade limitadas, se não houver bens
sociais que respondam pela obrigação.” (FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de direito comercial. 18.
ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 157).
83 FAZZIO JUNIOR, Waldo. Sociedades limitadas. 2. ed. São Paulo: Atlas. 2007. p. 20.
40

A sistemática da responsabilidade limitada tem coerência fácil de ser extraída.


Quando se negocia com uma pessoa jurídica, um dos pontos que norteia a
capacidade de solvência é o capital social da empresa, se o capital social não reflete
a realidade (não foi totalmente integralizado), nada mais coeso que buscar, de quem
deixou de completar (sócios).
Fabio Ulhoa Coelho descreve a responsabilidade limitada:

Desse modo, consultado o contrato social da limitada, se dele consta


encontra-se (sic) o capital totalmente integralizado, não há nenhuma
responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais de natureza negocial.
A falta de bens do patrimônio da sociedade, sobre os quais pudesse ser
efetivada a garantia de recuperação do crédito, significa perda do credor.
Se, contudo, a clausula do contrato social sobre o capital noticia a
subscrição a prazo é cabível a responsabilização dos sócios pelo montante
necessário à integralização.84

Há no Brasil três tipos societários que adotam a estrutura de responsabilidade


limitada: a sociedade anônima (Lei n. 6.704/76), a sociedade limitada (art. 1.052 do
CC85), e a EIRELI (art. 960-A do CC86), e em todos esses tipos societários o
atingimento do patrimônio dos sócios por dívidas da sociedade é exceção.
Vale dizer que, embora a explicação desse critério de classificação refira-se a
falta de integralização do capital, não é somente por essa razão que o sócio
responderá com seu patrimônio por dívidas da sociedade. Além da falta de
integralização ensejar responsabilidade patrimonial do sócio, há ainda outras
situações de responsabilidade pessoal87, presentes nos mais variados diplomas
legais, e ainda o tema do presente estudo: desconsideração da personalidade
jurídica.
O importante é compreender que nas sociedades de responsabilidade
limitada, a regra é que os sócios não respondem pelas dívidas sociais, e por ser a
responsabilização do sócio exceção, não se dá de maneira automática. Em qualquer

84 COELHO, Fabio Ulhoa. A sociedade limitada no novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 7.
85 “Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas
quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”
86 A EIRELI, introduzida no Código Civil de 2002 pela Lei n. 12.441/11, trouxe grande inovação ao

permitir que uma pessoa jurídica (consta no art. 44 do CC), que não é sociedade, pois formada por
uma única pessoa, pudesse ter responsabilidade limitada.
87 Ressalva se deve as situações de responsabilidade pessoal dos sócios, e que não será objeto de

estudo. Em casos de responsabilidade pessoal dos sócios não se faz necessária a desconsideração
da personalidade jurídica para atingir o patrimônio dos sócios.
41

que seja a situação, ainda que o caso seja de responsabilidade pessoal88 do sócio é
preciso haver, no mínimo, uma explicação, isto é, não se pode simplesmente
penhorar o bem do sócio, tal qual pode ocorrer nas sociedades de responsabilidade
ilimitada.
O conceito de sociedades de responsabilidade limitada surgiu para
contemplar uma única exceção, somente respondendo o patrimônio dos sócios em
caso de não integralização completa do capital social, limitado aquela quantia. No
entanto, a função de ser da autonomia patrimonial (limitar os riscos empresariais),
começou a se deturpar quando a independência da pessoa jurídica de seus sócios
passou a ser aparente, servindo muitas vezes para a prática de fraudes.
José Lamartine Corrêa de Oliveira trata da situação acima descrita como o
segundo aspecto da crise da pessoa jurídica89:

A pessoa jurídica é uma realidade que tem funções - função de tornar


possível a soma de esforços e recursos econômicos para realização de
atividades produtivas impossíveis com os meios isolados dos seres
humanos; função de limitação de riscos empresariais; função de
agrupamentos entre os homens para fins religiosos, políticos, educacionais;
função de vinculação de determinados bens ao serviço de determinadas
atividades socialmente relevante. À medida, porém, que as estruturas
sociais e econômicas evoluem, tipos legais previstos para determinadas
funções vão sendo utilizados para outras – não previstas pelo legislador –
funções.
Se tais funções novas entram em contraste com valores reitores da ordem
jurídica, há uma crise da função do instituto.90

As pessoas jurídicas foram criadas para estimular o crescimento comercial, e


para que fosse de maneira mais arrojada, possibilitou-se a completa independência
patrimonial com incomunicabilidade dos patrimônios mesmo em casos de
insolvência.

88 André Pagani de Souza pormenoriza as situações de responsabilidade pessoal que não devem ser
confundidas com situações de desconsideração da personalidade jurídica. No Código Civil há os
artigos 1.010, §3º e 1.013, §2º; na Lei das sociedades anônimas os artigos: 115, §§3º e 4º, 117, caput
e §2º, 155, §3º, 158, caput e incisos I e II, art. 158, §§ 1º, 2º, 3º 4º e 5º e no Código Tributário
Nacional nos artigos 134, caput, incisos III e VII e art. 135, caput e incisos I, II e III.
O mencionado autor também menciona o art.2º, §2º da CLT, no entanto, discorda-se que seria o caso
de responsabilidade pessoal, mais se assemelhando com a situação de desconsideração expansiva
da personalidade jurídica que visa atingir grupos econômicos, como será visto mais adiante. (SOUZA,
André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 79-
85).
89 O primeiro aspecto, crise do sistema, foi sucintamente tratado quando versado sobre a capacidade

processual das sociedades irregulares.


90 OLIVEIRA, José Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.

p. 608.
42

A medida em que se percebeu que o benefício dessa independência não


servia somente para estimular o crescimento empresarial, ao contrário, servia para
prática de fraudes, a função da pessoa jurídica entrou em crise, e diante dessa crise,
surgiu a teoria da desconsideração da personalidade.
Assim, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica tem como ponto
de partida a quebra da autonomia patrimonial e, por isso, somente existe em tipos
societários que gozam deste benefício.
As pessoas jurídicas que tem a personalidade jurídica desconsiderada são as
de responsabilidade limitada, pois as pessoas jurídicas de responsabilidade ilimitada
não têm autonomia patrimonial, de tal sorte que os sócios, já sabem, de antemão,
que em caso de insolvência da sociedade, ainda que não tenham praticado qualquer
ato fraudulento, terão o patrimônio atingido, ainda que de maneira subsidiária.
Vale dizer que até mesmo a EIRELI (empresa individual de responsabilidade
limitada), para que o sócio tenha o patrimônio atingido precisa ocorrer a
desconsideração da personalidade jurídica91-92, pois, embora não seja uma
sociedade (no sentido de coletividade), é considerada nos termos do art. 44 do CC
como pessoa jurídica e tem responsabilidade limitada93.

91 TRAVASSOS, Marcela Maffei. Empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI). Rio de


Janeiro: Renovar, 2015. p. 299.
“Execução de título extrajudicial. Reconhecimento da possibilidade de que a execução recaia sobre
agravante. Descabimento. Em consonância com o artigo 980-A, §6º, incluído no Código Civil pela Lei
nº 12.441/2011, aplicam-se à EIRELI, no que couber, as regras previstas para as sociedades
limitadas. Para que seja possível atingir os sócios em eventual execução, é necessária a prévia
desconsideração de sua personalidade jurídica. Recurso provido.” (TJSP - Agravo de Instrumento nº
2083021-44.2017.8.26.0000. 7ª Câmara de Direito Privado. Desembargador relator Luis Mario
Galbetti. DJe 25/0/2017).
92 A Lei n. 12.411/11 que introduziu a EIRELI no Código Civil sofreu veto presidencial ao § 4º do art.

980-A do CC art. 980-A, cuja redação original era a seguinte:"§ 4º Somente o patrimônio social da
empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se
confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, confirme
descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente". Poder-se-ia extrair
que a intenção foi não incluir a EIRELI na disregard doctrine, no entanto, soaria de maneira
contraditória com a própria finalidade de criação desse novo tipo societário.
Em verdade o veto baseou-se em parecer do Ministério do Trabalho que criticou a expressão
“qualquer situação”: "Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer
situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração
da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto
de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do
patrimônio."
93 Amador Paes de Almeida critica a existência de sociedades unipessoais denominando de “heresia

jurídica”, mas, assevera que com o tempo foi sendo aceita pelo ordenamento. O autor menciona
como exemplo as empresas públicas, as quais são formadas por um único sócio, e como ao tempo
de sua obra ainda não havia a EIRELI, o autor destaca que não se adotava o regime de
responsabilidade limitada aos empresários individuais, mas que poderia ser adotado, como já ocorria
43

1.2 – A teoria da desconsideração da personalidade jurídica

De origem nos países de common law, a teoria da desconsideração da


personalidade jurídica conta com dois posicionamentos a respeito do surgimento, o
primeiro, com menos adeptos, que considera leading case o caso Bank of United
States vs. Deveaux ocorrido nos Estados Unidos em 1809, e o segundo, ao qual a
maioria da doutrina se filia, que atribui o pioneirismo ao caso Salomon vs. Salomon
& Co ocorrido na Inglaterra em 1897.
O caso americano de 1809 não foi especificamente de desconsideração da
personalidade jurídica do ponto de vista do direito material como se conhece nos
dias de hoje, mas sim para definir a competência das Cortes Federais Americana.
De acordo com a Constituição Federal americana, no seu artigo 3º, seção 2ª,
na primeira parte94, as Cortes Federais somente têm competência para analisar
questões sobre cidadãos de diferentes estados, e naquele caso, almejava-se que
determinada questão envolvendo uma sociedade anônima fosse levada as Cortes
Federais. Assim, para permitir a análise do caso pelas Cortes Federais o juiz
Marshall deixou de enxergar a pessoa jurídica como ente autônomo (situada em
determinado estado), enxergando as pessoas físicas que a compunham, e que eram
de diferentes estados95.

na Alemanha e da França. E de fato aconteceu no ano seguinte ao da edição do autor. ALMEIDA,


Amador Paes de. Execução de bens dos sócios. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 39-40).
94 1: The judicial Power shall extend to all Cases, in Law and Equity, arising under this Constitution,

the Laws of the United States, and Treaties made, or which shall be made, under their Authority;—to
all Cases affecting Ambassadors, other public Ministers and Consuls;—to all Cases of admiralty and
maritime Jurisdiction;—to Controversies to which the United States shall be a Party;—to Controversies
between two or more States;—between a State and Citizens of another State;10 —between Citizens of
different States, —between Citizens of the same State claiming Lands under Grants of different
States, and between a State, or the Citizens thereof, and foreign States, Citizens or Subjects.
Tradução livre da autora: “A competência do Poder Judiciário se estenderá a todos os casos de
aplicação da Lei e da Equidade ocorridos sob a presente Constituição, as leis dos Estados Unidos, e
os tratados concluídos ou que se concluírem sob sua autoridade; a todos os casos que afetem os
embaixadores, outros ministros e cônsules; a todas as questões do almirantado e de jurisdição
marítima; às controvérsias em que os Estados Unidos sejam parte; as controvérsias entre dois ou
mais Estados, entre um Estado e cidadãos de outro Estado, entre cidadãos de diferentes Estados,
entre cidadãos do mesmo Estado reivindicando terras em virtude de concessões feitas por outros
Estados, enfim, entre um Estado, ou os seus cidadãos, e potências, cidadãos, ou súditos
estrangeiros.”
95 “O precedente judiciário mais antigo de que se tem notícia sobre o tema é a decisão do Juiz

Marshall, proferida em 1809, nos EUA, no caso Bank of United States v. Deveaux. A despeito de
a Constituição Federal americana limitar a jurisdição das cortes federais às controvérsias entre
cidadãos de diferentes Estados, o magistrado conheceu da causa, tomando em consideração a
pessoa dos sócios individuais e, portanto, desconsiderando a pessoa jurídica.” (LOPES, João Batista.
44

O mencionado caso foi descrito no ano de 1912 logo no início do artigo


Piercing the veil of corporate entity96 de autoria de Maurice Wormser, e, talvez seja
em virtude desse fato que outros autores consideram o caso Bank of United States
vs. Deveaux como precursor da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica. No entanto, o próprio autor americano, destacou que o referido caso do
início do século XIX teve a decisão repudiada, e, embora sem pormenorizar, sugeriu
que não seria propriamente um caso de desconsideração da personalidade jurídica:

Now, if a corporation is merely a legal entity, if it is clothed only with


invisibility and intangibility, it could not, of course, be a citizen of a state. The
federal constitution, however, in article three, section two, limits, inter alia,
the jurisdiction of the federal courts to controversies between citizens of
different states. In 1809, Chief Justice Marshall, therefore, in order to
preserve the jurisdiction of the federal courts over corporations, was
compelled to look beyond the entity to the character of the individuals who
compose a corporation. The court proclaimed that substantially and
essentially the parties to the suit are the stockholders, and that of their
several citizenships cognizance would the taken.
It is not within the scope of this article to discuss the development and
history of this now repudieated ruling.
(…)
It is simply necessary for present purposes to note that as early as I809, the
United States Supreme Court did not regard it as reasonable that the
operation of the concept should be permitted to oust the federal courts of
their important and far-reaching jurisdiction over corporations, a result which
any overzealous adherence to the theory of corporate entity would inevitably
en- tail. Already at that day, "courts have drawn aside the veil and looked at
the character of the individual corporators."10 The breach in the rampart had
been made. The mediaeval bul- wark had been stormed. Marshall's
decision, though later disre- garded and overruled-in fact, he himself is said
to have indicated his impatience with it1--had served to indicate that a
clearer per- spective often followed where the web (or as Mr. Taylor would
probably say, the cob-web) of corporate entity was fearlessly brushed
aside.97

A desconsideração da personalidade jurídica no novo Código Civil. Revista dos Tribunais. Vol. 818.
Dez. 2003. p. 37).
96 Tradução livre: “Retirada do véu da entidade corporativa”.
97 WORMSER, Maurice. Piercing the veil of the corporate entily. Columbia Law Review. Nova York:

Columbia University Press. n. 12, 1912. p. 497.


Tradução livre da autora: “Se uma companhia é pessoa jurídica, e se ela só está vestida com
invisibilidade e intangibilidade, esta não pode, é claro, ser um cidadão de um estado. A constituição
federal, entretanto, no artigo 3º, seção 2ª, limita, entre as partes, a jurisdição das cortes federais ‘para
controvérsias entre cidadãos de diferentes Estados’. Em 1809, o juiz Marshall, Chief Justice,
consequentemente, a fim de preservar a jurisdição dos tribunais federais sobre as sociedades
anônimas, foi compelido a olhar além da pessoa jurídica ‘para o caráter dos indivíduos que compõem
a sociedade anônima’. O tribunal proclamou que ‘substancialmente e essencialmente’ as partes do
processo são os acionistas, e que seus direitos e deveres como cidadãos reconhecidos podem ser
alcançados.
Não está no âmbito deste artigo discutir o desenvolvimento e o história desta decisão agora
repudiada.
(...)
45

Observa-se que no caso americano a desconsideração da personalidade


jurídica não teve a finalidade que é concebida nos dias de hoje, que é atingir o
patrimônio dos sócios. No caso do Bank of United State vs. Deveaux a decisão
desconsiderou a independência da pessoa jurídica para fixar a competência, sob o
argumento de que de alguma forma os acionistas seriam atingidos.
Trata-se da desconsideração de outro atributo da personalidade jurídica, e
que se considera ainda mais sério, pois ao visualizar os acionistas ignorou a
existência da pessoa jurídica como ente independente.
Considerando a concepção de desconsideração da personalidade jurídica que
se desenvolveu, conclui-se que o caso americano não é o leading case, sendo,
como Oscar Vieira Silva98 defende, apenas uma primeira manifestação da disregard
doctrine: “Nesse caso não considerou o foro da sede da empresa (corporation), e, ao
considerar que os seus sócios residiam em vários Estados, estimou tão somente as
pessoas dos sócios para definir a competência da Corte Federal.” Na mesma linha
Gilberto Gomes Bruschi99: “Foi a primeira vez que se analisou a pessoa jurídica,
considerando as características individuais de cada sócio, mas se discutiu apenas a
competência da justiça federal norte-americana, e não a responsabilidade dos
sócios por atos praticados pela empresa.”
O outro caso citado pela doutrina como precursor da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, é o caso inglês Salomon vs. Salomon &
Co ocorrido no final do século XIX. No mencionado caso, o comerciante Aaron
Salomon constituiu uma companhia (Salomon & Co) com outros 6 membros de sua
família e cedeu o seu fundo de comércio à sociedade, recebendo 20 mil ações
representativas de sua contribuição ao capital social e mais obrigações garantidas

É simplesmente necessário para o presente propósito notar que, em 1809, o Supremo Tribunal dos
Estados Unidos não considerou razoável que o conceito de pessoa jurídica pudesse permitir
desalojar os tribunais federais de sua importância e seu alcance jurisdicional sobre as sociedades
anônimas, um resultado que qualquer um mais zeloso e condizente com a teoria da pessoa jurídica
poderia inevitavelmente vincular. Já naqueles dias, ‘as cortes colocaram de lado a personalidade que
protege a sociedade anônima e olharam para as personalidades individuais dos membros que a
compõe
A quebra na muralha foi feita. O baluarte medieval tinha sido invadido. A decisão de Marshall, embora
mais tarde desconsiderada e superada - de fato, ele mesmo disse ter indicado sua impaciência com
ela - serviu para indicar que uma perspectiva mais clara frequentemente seguiu em que a rede (ou
como o Sr. Taylor seria provavelmente, a web de cob) da entidade corporativa foi sem medo
escovado de lado.”
98 SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002. p. 98.


99 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Aspectos processuais da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 14.


46

no valor de 10 mil libras. Os outros membros da sociedade receberam apenas uma


ação. A companhia então passou a atrasar os pagamentos e verificando-se que os
bens da pessoa jurídica (Salomon & Co) não eram suficientes, entrou em liquidação.
Foi então que se aventou que a pessoa jurídica nova (Salomon & Co) ainda era a
atividade do empresário individual (Aaron Salomon) e que somente havia sido criada
para limitar a responsabilidade da pessoa física, e, portanto, deveria ser
desconsiderada a personalidade jurídica.
Em primeira instância reconheceu-se que Salomon & Co não existia de
verdade como ente autônomo e independe de seus membros, e desconsiderou a
personalidade jurídica. No entanto, em instância superior a decisão acabou sendo
reformada. Rubens Requião descreve o caso inglês:

O magistrado que conheceu do caso em primeira instância, secundado


depois pela Corte de Apelação, acolheu essa solicitação, julgando que a
company era exatamente apenas uma fiduciária de Salomon, ou melhor, um
seu agent ou trustee, que permanecera na verdade o efetivo proprietário do
fundo de comércio. Nisso ficou a inauguração da doutrina do disregard, pois
a Casa dos Lordes acolheu o recurso de Salomon, para reformar aquele
entendimento das instâncias inferiores, na consideração de que a company
tinha sido validamente constituída, pois a lei simplesmente requeria a
participação de 7 pessoas, que no caso não haviam perseguido nenhum
intuito fraudulento. Esses acionistas, segundo os lords, haviam dado vida a
um sujeito diverso de si mesmo e em última análise não podia julgar-se que
a company fosse um agent de Salomon. Em consequência não existia
responsabilidade de Salomon para a company seus credores e era,
consequentemente, válido o seu crédito privilegiado. 100

Observa-se assim, que os casos mencionados pela doutrina como


precursores da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, não traduzem a
concepção atual, o americano, Bank of United States vs. Deveaux, porque a
finalidade era processual para fixação da competência, e o inglês, Salomon vs.
Salomon & Co, porque a decisão voltou-se a regra da pessoa jurídica de
responsabilidade limitada e não aplicou as possíveis exceções.
Obviamente que os mencionados casos ao menos começaram a delinear o
que seria a desconsideração da personalidade jurídica, no entanto, há outros casos
ocorridos em países de tradição common law que representam de maneira mais
perfeita a concepção de desconsideração da personalidade jurídica, mas que, no
entanto, não são considerados pela doutrina majoritária como leading cases.

100REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969. p.12-24.
47

Doutrinariamente, um dos primeiros autores a tratar sobre o tema, foi Maurice


Wormser, que no ano de 1912 criou a expressão Piercing the veil of corporate entity.
Em seu texto o autor americano traz diversos casos americanos onde efetivamente
aconteceu a desconsideração da personalidade jurídica, tanto de maneira direta
(caso Booth vs. Bunce101), como inversa (First Bank of Chicago vs. Trebein
Company102), no entanto, não são casos mencionados pela maior parte da doutrina
como precursores da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

101 “The decision of the New York Court of Appeals in Booth v. Bunce' is one of the earliest in point. In
that case the members of a financially em barrassed partnership united in forming a manufacturing
tion, under the general incorporation laws. They then transferred to it the property of the partnership. X
was a boina fide creditor of the partnership; Y, of the corporation. The issue was, in sub stance, a
contest between them to secure their respective claims out of certain personal property transferred by
the partnership to the corporation. The court held that the property transferred might be taken on
execution by X, since it appeared that the corporation was formed in bad faith and with the intent to
defraud creditors.” (WORMSER. Maurice. Piercing the veil of the corporate entily. Columbia Law
Review. Nova York: Columbia University Press. n. 12. 1912. p. 498-499).
Tradução livre: “A decisão da corte de apelação de Nova York no caso Booth vs. Bunce foi um dos
primeiros casos. Nesse caso, os membros de uma parceria financeira uniram-se para formar uma
pessoa jurídica segundo as leis gerais de incorporação. Cada empresa então transferiu para a nova
pessoa jurídica seu patrimônio. X era um credor de boa-fé de uma das empresas existente antes da
incorporação. Y era credor da nova pessoa jurídica. A questão, em resumo, foi uma disputa entre X e
Y, para garantir seus respectivos créditos de certos bens pessoais transferidos pela parceria para a
pessoa juridica. O tribunal considerou que a propriedade transferida poderia ser tomada em execução
por X, uma vez que pareceu que a pessoa juridica foi formada de má fé e com a intenção de
defraudar os credores "
Este caso de 1865 é um dos casos citados por Rubens Requião: “No caso “Booth vs. Bunce”, no qual
os sócios de uma sociedade de responsabilidade ilimitada fundaram uma “corporation”, para a qual
transferiram todo o patrimônio das duas primitivas sociedades. O credor da sociedade limitada se
confrontou com o credor da “corporation”. E no litígio judicial surgido entre ambos, se deixou claro,
antes de mais nada, que o primeiro podia dirigir sua ação contra o patrimônio da “corporation”,
embora na realidade êle fôsse credor da sociedade ilimitada.” (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e
Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969).
102 Neste caso ocorrido em 1898 nos Estados Unidos a pessoa física Trebein criou juntamente com

seus familiares uma pessoa jurídica para colocar o patrimônio, e então, desconsiderando-se
inversamente a personalidade jurídica atingiu-se o patrimônio da pessoa jurídica para pagar dívida da
pessoa física: “In First National Bank of Chicago v. Trebein Company, an insolvent individual, one F.
C. Trebein, together with his wife, his daughter, his son-in-law, and his brother-in-law, formed a
corporation and then conveyed to it every vestige of tangible property which he owned. His creditors
insisted and proved that the purpose in creating the corporation was to hinder and defraud them. The
court held that “the corporation was in substance another F. C. Trebein” and that “his identity as owner
of the property was no more changed by his conveyance to the company than it would have been by
taking off one coat and putting on another”. (…); that circumstance quite properly did not deter the
Supreme Court of Ohio from deciding that the corpotarion was “in substance another F. C. Trebein “In
First Bank of Chicago.”
Tradução: "No caso First National Bank of Chicago v. Trebein Company, um indivíduo insolvente, FC
Trebein, juntamente com sua esposa, sua filha, seu genro e seu cunhado, formaram uma pessoa
jurídica e então transferiu todos os bens tangíveis que possuía. Os credores do FC Trebein insistiram
e provaram que o propósito da criação da pessoa jurídica era prejudicá-los e defraudá-los. O tribunal
afirmou que "a pessoa jurídica era substancialmente outro F. C. Trebein" e que "a sua identidade
como dono da propriedade não mudou porque foi transferida para a pessoa jurídica, foi como se
tivesse tirado um casaco e colocado outro". (...). Essa circunstância corretamente não impediu o
Tribunal Supremo de Ohio de decidir que a pessoa jurídica era "substancialmente outro F. C. Trebein"
no First Bank of Chicago ".
48

Mais importante que definir um primeiro caso que desconsiderou a


personalidade jurídica é verificar que, há muito tempo, existe preocupação de como
deve ser interpretada a independência das pessoas jurídicas, e, apesar de críticas a
respeito do transporte de uma teoria que surgiu em país de common law103, a teoria
cresceu nos países de tradição civil law, onde em decorrência do sistema, foram
sendo delineados critérios para atingir o objetivo.
Assim, foi em meados da década de 50 que o alemão Rolf Serick104, em seu
trabalho Rechtsform und Realität Juristicher Personen apresentado na Universidade
de Tübingen, traçando um paralelo entre a jurisprudência americana e a
jurisprudência dos tribunais alemães da época, expôs ao mundo jurídico o problema
da desconsideração.
Posteriormente, na década de 60, o italiano Piero Verrucoli105 tratou sobre o
tema na obra Il Superamento della Personalità Giuridica delle Società di Capitali.
Dott. A. Giuffrè.
No Brasil, embora o Tribunal de Alçada Cível do estado de São Paulo já
tivesse enfrentado o tema no julgamento da apelação n. 9.247 no ano de 1955, onde

103 “Na common law, por exemplo, o direito é concebido essencialmente como jurisprudencial (case
law), de tal forma que suas regras são, fundamentalmente, as que se encontram na ratio decidendi
das deliberações tomadas pelos tribunais.
(...)
É fácil perceber, então, que a disregard é um procedimento normal na common law, onde é a análise
do problema concreto que conduz a um princípio especifico, sendo, ao contrário, de difícil aplicação
em sistemas jurídicos fechados, pertencentes à ´família´ romano-germânica, como o brasileiro, em
que se procura fixar um princípio de alcance geral que seja aplicável ao caso em exame. ” (KOURY,
Suzy Elisabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os
grupos de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 79-80).
“A jurisprudência, sobretudo norte-americana, vem aplicando tranquilamente há várias décadas, para
espanto e indignação da doutrina jurídica tradicional, em outros países. Ela tem se ressentido de um
grande causuísmo, verdadeiramente insatisfatório para um sistema jurídico do tipo romano-
germânico, sem dúvida porque se trata em sua maior parte, de uma criação jurisprudencial, na linha
de influência equity e com sua preocupação de justiça do caso concreto, tornando o juiz autentico
criador do direito. ” (COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 272).
Rubens Requião, entendia ser perfeitamente possível transportar uma teoria nascida em país de
tradição common law a sistemas que de civil law: “Conceituada assim a doutrina, vale perquirir se
pode ela adequar-se a qualquer sistema jurídico, ou é pertinente apenas às peculiaridades do direito
anglo-saxão.
O simples fato de estarmos versando tão interessante tema, numa conferência a que desejamos dar
um cunho prático, deixa transparecer desde já nossa convicção de que não é infenso ao nosso
direito. Aliás, essa mesma preocupação assaltou o Professor Serick, em relação ao direito germânico,
sem o que a tese se tornaria meramente especulativa, divorciada da realidade jurídica de seu país.”
(REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
Tribunais, nº 410, São Paulo, 1969).
104 SERICK, Rolf. Aparencia y realidad en las sociedades mercantiles. Barcelona: Ariel, 1958.
105 VERRUCOLI, Piero. II superamento della personalitá giuridica delle societá de capitali - nella

Comon law e nella Civil Law. Milano: Giuffrè, 1964.


49

o relator Des. Edgard de Moura Bittencourt106, desconsiderou a personalidade


jurídica; atribui-se a Rubens Requião107 a difusão da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.
Rubens Requião, em conferência na Faculdade de Direito da Universidade do
Paraná, em 1969, partindo das obras alemã e italiana108 discorreu sobre a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, e embora tenha sido alvo de críticas 109,
contou com o apoio da maioria110.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é possível não
somente porque da mesma forma que o direito concede personalidade pode
retirar111, mas porque a independência da pessoa jurídica é um princípio e não uma
regra112, tanto que mesmo não constando mais no Código Civil de 2002 os termos

106 “A assertiva de que a pessoa da sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um
princípio jurídico, mas não pode ser um tabu, a entravar a própria ação do Estado na realização de
perfeita e boa justiça, que outra não é a atitude do juiz procurando esclarecer os fatos para ajustá-los
ao Direito”. (Tribunal de Alçada Cível.- Ap. 9.247. 4ª Câm. Cível, rel. des. Edgard de Moura
Bittencourt, Revista dos Tribunais 238/393).
107 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos

Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969.


108 Rubens Requião destaca logo no início de seu texto a inexistência de obras nacionais nas quais

pudesse se pautar: “Não temos lembrança, em nossas constantes peregrinações pelas páginas do
direito comercial pátrio, de haver encontrado doutrina nacional ou estudos sôbre o uso abusivo ou
fraudulento da pessoa jurídica, o que nós daria, se correta nossa impressão, o júbilo de apresentá-la
pela primeira vez, em sua formulação sistemática, aos colegas e aos juristas nacionais, realçando, só
por isso, a nossa frágil e modesta participação nestas homenagens.”, mas não deixa de mencionar a
prévia existência de posicionamento jurisprudencial brasileiro a respeito do tema, mencionando não
só o caso relatado pelo Des. Edgard de Moura Bittencourt, mas também a apelação n. 105.835 (RT,
vol. 343/181.), no mesmo Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, onde, embora não tenha
ocorrido a desconsideração da personalidade jurídica, o desembargador Bandeira de Mello consignou
nuances da teoria, e o caso da apelação n. 164.678 (RT, vol. 387/138), no qual o autor considera que
houve uma equivocada desconsideração da personalidade jurídica (REQUIÃO, Rubens. Abuso de
Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo,
1969).
109 “O desprezo das formas de direito das pessoas jurídicas, o ‘Disregard of Legal Entity’, provém de

influências, conscientes e inconscientes, do capitalismo cego, que, chegando a negar, por vezes, a
‘pessoa’ jurídica privada prepara o caminho para negar a ‘pessoa’ do Estado. Tal internacionalismo
voraz e a metafísica da extrema esquerda empregam, de lados opostos, as mesmas picaretas”.
(PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo L. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1984.p.303)
110 COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1977. p. 272


111 “Se a personalidade jurídica constitui uma, criação da lei, como concessão do Estado objetivando,

como diz Cunha Gonçalves, ‘a realização de um fim’ nada mais procedente do que se reconhecer ao
Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo
adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito
relativo, permitindo ao juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a
fraude, através de seu uso.” (REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da
Personalidade Jurídica. In Revista dos Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969. p. 44).
112 “O ponto de partida da teoria de Dworkin é uma crítica ao positivismo jurídico (...) Segundo

Dworkin, o positivismo, ao entender o direito como um sistema composto exclusivamente de regras,


não consegue fundamentar as decisões de casos complexos, para as quais o juiz não consegue
50

do antigo art. 20 do CC de 1916113 mantém-se a autonomia da pessoa jurídica, e


mesmo antes de constar os termos do artigo 50 do Código Civil de 2002, já era
aplicada a desconsideração da personalidade jurídica.
Sem aprofundar nos matizes de cada um dos precursores da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, seja nos casos dos Estados Unidos e da
Inglaterra, seja nas raízes da teoria descrita por Rolf Serick ou por Piero Verrucoli, o
que há em comum é o fato de que a desconsideração não elimina a existência da
pessoa jurídica, e a finalidade é atingir o patrimônio dos sócios de maneira pontual e
episódica. Rubens Requião assim esclarece:

Com efeito, o que se pretende com a doutrina do “disregard” não é a


anulação da personalidade jurídica em tôda a sua extensão, mas apenas a
declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em caso concreto, em
virtude de o uso legítimo da personalidade ter sido desviado de sua legítima
finalidade (abuso de direito) ou para prejudicar credores ou violar a lei
(fraude).114

No entanto, como se viu anteriormente, personalidade jurídica é um conjunto


de atributos, e não sendo o objetivo da teoria eliminar por completo a personalidade
jurídica, nota-se que o nome dado à teoria não traduz puramente a que se refere.

1.2.1– A terminologia empregada para designar a teoria

identificar nenhuma regra jurídica aplicável, a não ser por meio do recurso à discricionariedade
judicial. O juiz, nesses casos, cria direito novo. Dworkin argumenta que, ao lado das regras jurídicas,
há também os princípios. Estes, ao contrário daquelas, que possuem apenas a dimensão da
validade, possuem também uma outra dimensão: o peso. Assim, as regras ou valem, e são, por isso,
aplicáveis em sua inteireza, ou não valem, e portanto, não são aplicáveis. No caso dos princípios,
essa indagação acerca da validade não faz sentido. No caso de colisão entre princípios, não há que
se indagar sobre problemas de validade, mas somente de peso. Tem prevalência aquele princípio
que for, para o caso concreto, mais importante, ou, em sentido figurado, aquele que tiver maior peso.
Importante é ter em mente que o princípio que não tiver prevalência não deixa de valer ou de
pertencer ao ordenamento jurídico. Ele apenas não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele
caso concreto.” (SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma
distinção In Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais, 2003. p. 610).
113 “Por se tratar de princípio, a revogação da regra que o explicitava não tem o condão de suprimi-lo

do sistema jurídico brasileiro.” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da


personalidade jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo:
Quartier Latin, 2014.p. 51).
114 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos

Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969.


51

Como demonstrado, as raízes da desconsideração da personalidade jurídica


estão nos países de língua inglesa (Estados Unidos e Inglaterra), encontrando
profundos estudos na Alemanha (Rolf Serick) e na Itália (Piero Verucolli), havendo
uma terminologia distinta em cada um desses lugares para designar um mesmo
fenômeno.
Na Inglaterra a expressão utilizada é disregard the corporate entity, nos
Estados Unidos, com o artigo de Maurice Wormser, surgiu a expressão piercing the
veil of corporate entity, na Alemanha Durchgriff bei juristichen Person, e na Itália de
superamento della personalità giuridica. No Brasil, mesmo sendo país de tradição
civil law, não se adotou a terminologia alemã (Durchgriff) que significa penetração,
nem a italiana (superamento), superação, optando-se pela expressão inglesa:
disregard.
Fabio Konder Comparato analisando as origens common law da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica critica as expressões dizendo que são
um conjunto de metáforas impróprias e que revelam o significado de pessoa
(personare do latim máscara):

Fala-se, assim, em levantar ou transpassar o véu da personalidade jurídica


(lifting ou piercing the corporate veil), ou ainda abrir a concha da pessoa
jurídica (cracking oper the corporate shell). Figuras de retórica, na verdade,
todas elas impróprias, como já se salientou, pois, se se quiser interpretar
figurativamente o fenômeno, bastará recorrer a própria etimologia.
A realidade da pessoa é sempre escondida pela máscara que o direito lhe
atribui, em razão do papel que representa na sociedade. Toda pessoa é
personagem.115

Já Rubens Requião compreende que não há problema no uso das


expressões para designar a teoria:

Conhecida pela designação “disregard of legal entity” ou também pela:


“lifiting the corporate veil”. Com permissão dos mais versados no idioma
inglês, acreditamos que não pecaríamos se traduzíssemos as expressões
referidas como “de consideração da personalidade jurídica”, ou ainda, como
“desestimação da personalidade de jurídica”, correspondente à versão
espanhola que Ihe deu o Prof. Polo Diez, ou seja “desestimación de la
personalidad jurídica”. O lifiting the corporate veil” seria o “levantamento” ou
“descerramento do véu corporativo”, ou da “personalidade jurídica”.
Segundo ainda o Prof. Polo Diez a expressão “disregard of legal entity” é o

115COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1977. p. 273.
52

equivalente mais próximo da “doutrina da penetração” da personalidade


jurídica, da moderna jurisprudência germânica.116

Notadamente é difícil sintetizar em apenas uma expressão uma teoria que


trata de exceção de uma construção que durante séculos foi intocável. Descrever um
fenômeno com uma frase, sem que haja ruídos na comunicação da mensagem, é
praticamente impossível, e a dificuldade vai aumentando na medida em que a teoria
vai ganhando diferentes roupagens, como se verá que ocorreu no Brasil com a
teoria maior e a teoria menor.
Roman Jakobson117, chama atenção para o fato de que pouco importa a
palavra que se utiliza para definir algo, desde que se explique o que é: “não nos
atormentemos com terminologia, se você tem um fraco por neologismos, empregue-
os. Você pode até chamar isso de Ivan Ivannovich, desde que todos saibamos o que
você quer dizer. ”
Obviamente que quando a expressão empregada corresponde a uma teoria,
que não pode ser explicada a todo momento, deve ser utilizada expressão que torne
possível identificar, com menos equivoco possível, o que preconiza.
Na expressão adotada nos dias de hoje “desconsideração da personalidade
jurídica”, o termo desconsiderar, em oposição a considerar, é adequado e traduz a
ideia do instituto.
Em um primeiro momento considera-se que a pessoa jurídica é totalmente
independente de seus sócios e os patrimônios são autônomos e não se comunicam
mesmo em caso de inadimplência. Em um segundo momento, em situações
pontuais, desconsidera-se a independência da pessoa jurídica.
Menos adequado é o complemento “personalidade jurídica”, mas, que, se
comparado a outras terminologias utilizadas na doutrina e na jurisprudência
(“despersonificação da pessoa jurídica”118, “desconsideração da pessoa jurídica”119),
é o que melhor se ajusta.

116 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos
Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969.
117JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. Tradução Izidoro Blinkstein e José Paulo Paes.

22. ed. São Paulo: Cultrix, 2010. p. 23.


118 Na doutrina o uso da expressão despersonificação da pessoa jurídica: PINTO. Ronaldo Nogueira

Martins. A despersonificação da sociedade comercial no direito brasileiro In Revista dos Tribunais.


Vol. 752. Jun. - 1998.
Na jurisprudência: TST - AIRR: 108419120075030069 10841-91.2007.5.03.0069, Relator: Pedro
Paulo Manus, Data de Julgamento: 09/11/2011, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/11/2011.
53

O instituto de desconsideração da personalidade jurídica (expressão utilizada


no art. 133 a 137 do CPC) limita um único direito inerente a personalidade de uma
pessoa jurídica, não faz com que a pessoa jurídica deixe de existir 120, por isso dizer
despersonificar121 (ato de desfazer a personificação) é equivocado.
A expressão “desconsideração da pessoa jurídica” também não é a forma
mais adequada de definir o instituto, pois traz amplitude de cognição. Obviamente
que quem utiliza a expressão “desconsideração da pessoa jurídica” sabe que a
pessoa jurídica não deixa de existir com a aplicação da teoria, desconsidera-se a
pessoa jurídica porque se passa a enxergar o patrimônio do sócio, mas, em virtude
da expressão não restringir apenas ao atributo da pessoa jurídica (personalidade

TJRS - AI: 70048146252 RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Data de Julgamento:
02/04/2012, Nona Câmara Cível, Diário da Justiça do dia 05/04/2001.
TRT1 - AP: 02286002519965010005 RJ, Relator: Jose da Fonseca Martins Junior, Data de
Julgamento: 23/06/2015, Nona Turma, Data de Publicação: 06/07/2015.
TJSP - Agravo de Instrumento 0479722-72.2010.8.26.0000; Relator (a): Jacob Valente; Órgão
Julgador: 12ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 29ª Vara Cível; Data do Julgamento:
19/01/2011; Data de Registro: 02/02/2011.
119 Na doutrina o uso da expressão desconsideração da pessoa jurídica:

ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da pessoa jurídica no Código de Consumidor –


Aspectos processuais. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 07, Jul.- Set. 1993. p. 7-29.
AMARO, Luciano. Desconsideração da pessoa jurídica no Código de Defesa do Consumidor In
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil. Vol. 03, Out. 2011. p. 1023-1037.
CASILLO, João. Desconsideração da pessoa jurídica In Doutrina Essenciais de Direito Civil. Vol. 03.
out. 2010. p. 925-951.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Da desconsideração da pessoa jurídica: aspectos de direito material e
processual.in GRINOVER. Ada Pellegrini (Coord.). O processo. Estudos e Pareceres. São Paulo:
Perfil, 2005. p. 1033-1054.
MARIANI, Irineu. Desconsideração da pessoa jurídica- contribuição para o seu estudo In Revista dos
Tribunais. Vol. 622, Ago. 1987. p. 51-54.
Na jurisprudência: STJ - AgRg nos EDiv em REsp 86.502 - j. 14/5/1997 - julgado por Carlos Alberto
Menezes Direito - DJU 30/6/1997.
TJSP - AgIn 2157244-02.2016.8.26.0000 - 15ª Câmara de Direito Público - j. 20/9/2016 - julgado por
Rodrigues de Aguiar.
TJRS - ApCiv 70065224107 - 12.ª Câmara Cível - j. 25/2/2016 - julgado por Guinther Spode.
120 Neste ponto reside uma das diferenças entre desconsideração da personalidade jurídica e pedido

de falência. Em ambas as situações o que o credor almeja é receber pelo seu crédito, mas no
primeiro quer que sejam mantidas as atividades da empresa e no segundo a pessoa jurídica será
extinta.
Calixto Salomão Filho trata em ambos os casos há insolvência e não mera impontualidade, mas que
“o real motivo que deve guiar a não vinculação da teoria da desconsideração à falência da sociedade
é teleológico. Desconsideração e falência são conceitos antinômicos. A desconsideração é, como se
verá, exatamente um método para permitir a continuação da atividade social.” (SALOMÃO FILHO,
Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 216).
121 No Superior Tribunal de Justiça a expressão aparece em 37 ocorrências em decisões

monocráticas -
http://www.stj.jus.br/SCON/decisoes/toc.jsp?livre=Despersonifica%E7%E3o&&tipo_visualizacao=RES
UMO&b=DTXT&thesaurus=JURIDICO&p=true. Acesso em 04/07/2017).
Como visto, personificação é o ato formal de criação da pessoa jurídica a qual somente deixa de
existir com a sua completa extinção, portanto, considera-se que a expressão despersonificação não
revela, minimamente, a finalidade do instituto.
54

para fins de autonomia patrimonial) que se desconsidera, pode levar a interpretação


de que com a desconsideração o sócio passa a ser mais que um responsável
patrimonial, ocupando o lugar da pessoa jurídica.
Uma pessoa jurídica que tem a personalidade desconsiderada não deixa de
poder firmar contratos em seu nome, de ter capacidade processual, de poder sofrer
danos materiais e morais, apenas deixa de ter independência patrimonial para
aquele determinado caso.
Também inadequada, no entanto mais aceitável, é a expressão
“despersonalização da pessoa jurídica”. Embora a mencionada expressão guarde
afinidade com a opção do Código de Processo Civil, “desconsideração da
personalidade jurídica” (ambas não refletindo puramente a finalidade do instituto,
pois, transmitem ideia de retirada completa da personalidade), em virtude da
segunda expressão ser mais vaga, autorizando interpretação por omissão legal a
respeito de que atributos inerentes à personalidade estariam sendo desconsiderados
(“desconsideração de parte da personalidade jurídica”), é a menos equivocada122.
Não se despersonaliza a pessoa jurídica, apenas retira da personalidade
jurídica a característica de autonomia patrimonial.
Fábio Konder Comparato faz comparação entre dizer despersonalizar e
desconsiderar a personalidade jurídica:

Importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e desconsideração


(relativa) da personalidade jurídica. Na primeira, a pessoa coletiva
desaparece como sujeito autônomo, em razão da falta original ou
superveniente das suas condições de existência, como por exemplo, a
invalidade do contrato social ou a dissolução da sociedade. Na segunda,
subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da
pessoa de seus sócios ou componentes; mas essa distinção é afastada,
provisoriamente e tão-só para o caso concreto.123

Para Leonardo Netto Parentoni é desnecessária esta diferenciação entre


despersonalização e desconsideração da personalidade jurídica porque impossível

122 “Na doutrina e na jurisprudência, encontramos variadas denominações do instituto como


superamento da personalidade jurídica, desestimação da personalidade jurídica, doutrina da
penetração, "despersonalização da pessoa jurídica" ( sic), desconsideração da personalidade jurídica
etc.
De todas elas a que melhor traduz a essência e finalidade do instituto é, inquestionavelmente, a
última, ou seja, desconsideração da personalidade jurídica.” (LOPES, João Batista. A
desconsideração da personalidade jurídica no novo Código Civil. In Revista dos Tribunais. Vol. 818.
São Paulo: Revista dos Tribunais, Dez. 2003. p. 36-46).
123 COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1977. p. 283.


55

uma extinção completa dos direitos da personalidade mantendo-se a pessoa


jurídica:

Tal distinção terminológica parece estar superada, ante a impossibilidade de


se aplicar ao exercício de uma atividade a disciplina específica para a
nulidade dos atos civis, concebida para incidir apenas sobre um ou alguns
atos isoladamente considerados. Em se tratando de atividade, como a
empresarial, não faria sentido falar-se em despersonalização.124

Compreende-se que não se trata de apego desnecessário ao nome125, mas


de uma melhor compreensão de qual a finalidade da desconsideração da
personalidade jurídica, e que, se trouxesse maiores detalhes em seu nome talvez
evitasse problemas de interpretação. Nas palavras de Flavio Luiz Yarshell126: “uma
lição correta quando disseminada pode ganhar vida própria, e a partir de
interpretações equivocadas ou simplesmente arbitrárias, ter traído seus limites
iniciais.” O que se desconsidera não é a pessoa jurídica, que continua a existir127,
nem tampouco toda a personalidade da pessoa jurídica. Afasta-se apenas um dos
atributos: autonomia patrimonial. O melhor seria que o instituto fosse denominado de
“incidente de desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica”, no
entanto, a ausência de pormenorização não traz grandes problemas, mormente
porque a lei material traz os requisitos e exacerba a que se refere a desconsideração
da personalidade jurídica128.

124 PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –


dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 58.
125 Referente a utilização de vocábulos inadequados, Christhian Garcia Vieira chama atenção para os

equívocos interpretativos que surgem na utilização de incidente de desconsideração da


personalidade jurídica que pode levar a um falso pensamento que se trata de um incidente
processual quando na verdade é um processo incidental. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração
da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 81).
126 YARSHELL, Flavio Luiz. O emprego “do contra” e “em face” na terminologia processual: distorção

a corrigir. In Carta Forense. Jan. 2012, p. A4.


127 “Além de não aplicar-se a atos de má gestão dos administradores e não procurar responsabilizar

sócios que exerçam suas atividades com excesso de poderes e infração à lei ou ao contrato social, a
´disregard doctrine´ não visa igualmente à desconstituição da pessoa jurídica.” (KOURY, Suzy
Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos
de empresas. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 88).
128 Ainda que não seja o escopo do presente trabalho, importante ressaltar que há autores que

consideram que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se refere somente a


casos de desconsideração focados na teoria nascida nos países de common law, mas a toda e
qualquer situação em que exista uma corresponsabilização.
“A propósito do §1º do art. 133, é correto entender que outras causas de corresponsabilização de
sócios que não guardam relação ou que não se confundam com a desconsideração da personalidade
jurídica – e por isso mesmo, que pretendam responsabilizar, até mesmo, administradores – também
possam ser discutida ao longo do processo no incidente cognitivo disciplinado pelos arts. 133 a 137.
56

1.2.2– O desenvolvimento da teoria da desconsideração da personalidade


jurídica no Brasil

Guardadas as críticas a respeito da nomenclatura “desconsideração da


personalidade jurídica”, tanto a jurisprudência, como a doutrina129, antes mesmo de
constar no direito positivo, já demonstravam a finalidade da exceção aplicada às
pessoas jurídicas de responsabilidade limitada: evitar que credores fossem
prejudicados por uma falsa ideia de independência da pessoa jurídica.
Não basta o mero prejuízo, é preciso que a pessoa jurídica paralelamente
tenha agido de maneira indevida (abuso da personalidade). Nota-se dois atos: (i) ato
de causar prejuízo (praticado pela pessoa jurídica) e (ii) ato fraudulento que autoriza
a desconsideração da personalidade jurídica.
No entanto, no decorrer da evolução legislativa surgiu o que ficou conhecida
como a teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, que em suma,
refere-se a situações em que a Lei torna prescindível a demonstração de atos
fraudulentos130.

O fundamental para tanto, é que a discussão observe o procedimento disciplinado pelos dispositivos
do incidente em exame, respeitando-se a ampla defesa e o contraditório.
Esse entendimento merece ser difundido e aplicado largamente, não cabendo ao intérprete deixar-se
levar pelo nome que o legislador acabou por dar ao instituto, limitando-o por força de sua enunciação
textual. Exigir o incidente para desconsideração da personalidade jurídica (art. 795, §4º) de forma a
sujeitar os bens do ´responsável´ a execução (art. 790, VII) não é excludente de querer sujeitar os
bens dos sócios nos termos da lei (art. 790, II), isto é, para além das hipóteses em que tal
responsabilização funda-se na desconsideração da personalidade jurídica. A exigência feita pelo §4º
do art. 795 apenas para o incidente aqui estudado merece ser interpretada de maneira ampla para
albergar outros casos de responsabilização que não sejam, não se limitem e não se confundam com
aquele instituto de direito material.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella
(Coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p.
573).
Vale dizer ainda, que, em uma primeira tentativa de sistematização do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, o PL n. 2.426/2003 de autoria do deputado federal Ricardo Fiuza (PP-PE),
continha do art. 1º a ideia apresentada por Cassio Scarpinella Bueno: “Art. 1º - A desconsideração da
personalidade jurídica, para fins de impugnar obrigação passiva da pessoa jurídica a seu membro,
instituidor, sócio ou administrador obedecerá aos preceitos desta lei. Parágrafo único. Aplica-se,
também, o disposto nesta lei às decisões da justiça comum, federal, estadual, e da justiça do trabalho
que implicarem na responsabilização direta, em caráter solidário ou subsidiário, do membro, do
instituidor, sócio ou administrador pelos débitos da pessoa jurídica.”
129 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. In Revista dos

Tribunais, n. 410, São Paulo, 1969.


OLIVEIRA, José Lamartine Correia de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1977.
130 “De outro lado, a teoria menos elaborada, que se refere a desconsideração em toda e qualquer

hipótese de execução do patrimônio de sócio por obrigação social, cuja a tendência é condicionar o
afastamento do princípio da autonomia a simples insatisfação de crédito perante a sociedade. Trata-
se da teoria menor, que se contenta com a demonstração pelo credor da inexistência de bens sociais
57

Assim, embora haja outras formas de classificação da teoria da


desconsideração da personalidade jurídica, como indireta e expansiva, a
classificação que tem por critério os requisitos autorizadores é a mais difundida. E,
mantendo-se o aspecto processual do presente trabalho, as outras formas não serão
pormenorizadas, no entanto, importante destacar a existência e principalmente a
submissão ao mecanismo processual131.

1.2.2.1 – Teoria menor

A teoria menor começou a se delinear com o Código de Defesa do


Consumidor132 com a redação do §5º do art. 28133. Posteriormente, na mesma linha,
a Lei n. 8.884/94 (infrações contra a ordem econômica) trouxe no art. 18134 a
prescindibilidade da demonstração de atos fraudulentos para responsabilizar sócios

e da solvência de qualquer sócio, para atribuir a obrigação da pessoa jurídica.” (SILVA, Osmar Vieira
da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de Janeiro: Renovar,
2002. p. 102).
131 Concebe-se também a classificação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica como

indireta e expansiva, que seriam situações para atingir sócios ocultos e grupos econômicos.
O que importa ao presente estudo, é que essas formas de classificação devem ser requeridas via
incidente. Nesse sentido o enunciado 11 da I Jornada de Direito Processual Civil organizada pelo
Conselho da Justiça Federal (CJF), sob a coordenação do Ministro do STJ Mauro Campbell
Marques: “Aplica-se o disposto nos arts. 133 a 137 do CPC às hipóteses de desconsideração indireta
e expansiva da personalidade jurídica.”
Ver o informativo 732/STF no qual consta a utilização da nomenclatura desconsideração expansiva
no julgamento do MS 32.494-MC/DF, relator Min. Celso de Mello, DJe de 13.11.2013.
132 Embora exista entendimento de que a Consolidação das Leis Trabalhistas exacerbaria a

desconsideração da personalidade jurídica pelo prisma da teoria menor, mormente porque muitas
vezes os Tribunais assim aplicam a disregard doctrine, ou seja, focados exclusivamente no
inadimplemento da pessoa jurídica, considera-se que não se trata expressamente da teoria menor.
Vale dizer que o art. 2º, §2º da CLT traz situação de desconsideração da personalidade jurídica em
decorrência da formação de grupos econômicos, que é diferente da aplicação da teoria menor, mais
se adequando a classificação de desconsideração expansiva.
133 “Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em

detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato
ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando
houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados
por má administração.”
“§ 5.º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de
alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.”
134 Art. 18: “a personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser

desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei,
fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será
efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa
jurídica provocados por má administração”.
58

por dívidas da sociedade, e no ano de 1998, a Lei n. 9.605/98 (lei de crimes


ambientais) também abordou a inovadora teoria menor no art. 4º135.
Curioso que todos os anteriormente mencionados diplomas legais surgiram
em um momento em que vigorava o artigo 20 do Código Civil de 1916 que tinha
redação extremamente rígida. Assim se seguiu de um extremo a outro. Da
dificuldade de se desconsiderar a personalidade jurídica em virtude do art. 20 do
CC/16, inclusive com resistência de renomados doutrinadores como Pontes de
Miranda136, a um completo afastamento da teoria da pessoa jurídica, pautando-se
em novos diplomas legais que levavam em consideração o pano de fundo material
(consumidor, ambiental e ordem econômica)137 para desconsiderar a personalidade
jurídica.
Fabio Ulhoa Coelho, o grande responsável pela qualificação como teoria
menor, por diversas vezes, mesmo aceitando os argumentos dos aplicadores da
teoria menor138, demonstrou incômodo com a criação brasileira de afastar a
autonomia patrimonial independentemente de qualquer ato indevido:

135 art. 4º: “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo
ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
136 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Tratado de Direito Privado. Tomo L. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1984. p.303.


137 Joseane Suzart Lopes da Silva assevera que o art. 28 do CDC surgiu diante da dificuldade do

consumidor, como hipossuficiente, conseguir demonstrar os requisitos do art. 50 do CC. Ocorre que o
teor do artigo 50 surgiu no Código Civil de 2002, 12 anos após o Código de Defesa do Consumidor.
De toda sorte, nunca é demais lembrar o longo período que o projeto de Código Civil permaneceu em
discussão, de maneira que, em 1990, como se verá mais adiante, já era possível saber as intenções
legislativas referente a desconsideração da personalidade jurídica. Destaca-se as palavras da autora
mencionada: “O legislador ordinário, ao elaborar o Código de Proteção e Defesa do Consumidor,
procurou estabelecer pressupostos que facilitassem a aplicação do instituto em benefício dos
vulneráveis. Isso porque os requisitos previstos no art. 50 do Código Civil pátrio suscitariam dos
consumidores diligências que se apresentam facilmente executáveis. Seria muito difícil para o
consumidor conseguir identificar a ocorrência de desvio de finalidade por parte da empresa, visto que
o público, em geral, não tem acesso aos atos constitutivos dos fornecedores sem maiores
dificuldades e obstáculos. Quanto à mescla indevida de bens dos sócios com os da empresa, ainda
mais difícil apresenta-se a possibilidade de o consumidor tomar conhecimento do fato e denunciá-lo
ao Poder Judiciário.” (SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC e a efetiva proteção dos consumidores In Revista de Direito do
Consumidor. Vol. 113, 2017. p. 213-248).
138 “Cabe, porém, falar em formulação menor, e não em desconhecimento dos exatos pressupostos

da teoria da desconsideração, por uma questão de método. Em outros termos, não seria propositado
apenas dizer que os juízes brasileiros, em momentos de descuido, não se dedicaram ao prévio e
suficiente estudo da matéria e passaram a fazer apressado e inadequado uso da expressão
‘desconsideração’.
(...)
A rigor, como a teoria maior nasce do esforço doutrinário, realizado a partir de decisões judiciais, o
mesmo método, adotado em vista da jurisprudência brasileira, conduziria ao resultado de uma
formulação diferente da teoria. Conforme já assinalado, o objetivo da investigação de Serick era a
identificação do critério a partir do qual os juízes norte-americanos consideravam-se autorizados a
ignorar a separação patrimonial entre sociedade e sócios. Assim, valendo-se do mesmo argumento, a
59

A teoria menor da desconsideração é, por evidente, bem menos elaborada


que a maior. Ela reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia
patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. O seu pressuposto
é simplesmente o desatendimento de crédito titularizado perante a
sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta.
De acordo com a teoria menor da desconsideração, se a sociedade não
possui patrimônio, mas o sócio é solvente, isso basta para responsabilizá-lo
por obrigações daquela. A formulação menor não se preocupa em distinguir
a utilização fraudulenta da regular do instituto, nem indaga se houve ou não
abuso de forma. Por outro lado, é-lhe de todo irrelevante a natureza
negocial do direito creditício oponível à sociedade. Equivale, em outros
termos, à simples eliminação do princípio da separação entre pessoa
jurídica e seus integrantes.
Se a formulação maior pode ser considerada um aprimoramento da pessoa
jurídica, a menor deve ser vista como o questionamento de sua pertinência,
enquanto instituto jurídico.139

André Pagani de Souza também critica a aplicação da teoria menor, dizendo


ser uma forma afobada de desconsiderar a personalidade jurídica:

No que diz respeito a teoria menor cumpre esclarecer que tal formulação
não guarda relação com as construções doutrinárias da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica feitas por Rolf Serick, Piero
Verrucoli, Rubens Requião, Fabio Konder Comparato e Fabio Ulhoa Coelho,
citadas anteriormente. A chamada ´teoria menor´ é resultado da decretação
afobada da desconsideração da personalidade jurídica, pelo simples fato de
o credor não ter logrado êxito em receber o que lhe é devido, sem haver
qualquer indagação sobre a ocorrência de fraude, abuso de direito ou
confusão patrimonial. Por isso mesmo, tal formulação receber o adjetivo,
certamente pejorativo, de ´menor´: ausência de fundamentos teóricos e
doutrinários minimamente elaborados para sua aplicação no caso
concreto.140

Realmente a teoria menor não reflete as origens dos países de common law,
nem tampouco tem por base a doutrina de Rolf Serick e Rubens Requião, visa, em
verdade, proteger o hipossuficiente (no caso do consumidor), e colocar situações
consideradas de maior relevância (ambiental e ordem econômica), acima da teoria
da pessoa jurídica.

doutrina brasileira, ao se debruçar sobre os julgados relativos ao assunto proferidos pela Justiça
nacional, deve concluir que alguns juízes brasileiros se entendem autorizados a desconsiderar o
princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica tendo por pressuposto unicamente a frustração
do credor da sociedade.” (COELHO, Fabio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da
desconsideração. In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 65, São Paulo:
Revista dos Tribunais, Jul. - Set. 2014. p. 21-30).
139 COELHO, Fabio Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. In Revista de Direito

Bancário e do Mercado de Capitais. Vol. 65, São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul.- Set. 2014. p. 21-
30.
140 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva,

2011. p. 71.
60

Ainda que seja uma criação nacional que se afasta das origens da disregard
doctrine, mais de 27 anos após a promulgação do Código de Defesa do
Consumidor, a aplicação da teoria menor é uma realidade141, tendo os Tribunais
pátrios adotado inclusive a denominação, como no célebre caso do Recurso
Especial n. 279.273/SP142 que analisou o caso da explosão de um shopping center
em Osasco.
No referido caso, o Ministério Público propôs ação em face da pessoa jurídica
causadora do dano e, também dos administradores, esses últimos ocupando o polo
passivo por ser, segundo o Código de Defesa do Consumidor, situação que
ensejaria a desconsideração da personalidade jurídica, pois, embora não existisse

141 É uma realidade que ganhou força não só na doutrina e na jurisprudência, fomentando a criação
de novas leis, como a a Lei n. 12.529/11 que no art. 34 também consagrou a teoria menor: “Art. 34. A
personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada
quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou
violação dos estatutos ou contrato social.
Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de
insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
142 “Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-

SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa.
Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos
sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos
causados aos consumidores. Art. 28, § 5º.
- Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao
Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses
individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum.
- A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada
com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas
obrigações.
Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria
subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da
desconsideração).
- A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no
Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa
jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de
finalidade ou de confusão patrimonial.
- Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado
pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta,
ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer
prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da
pessoa jurídica.
- A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese
autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à
demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a
mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.
- Recursos especiais não conhecidos.”
(STJ - REsp 279.273/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230).
61

os requisitos de abuso da personalidade jurídica, constatou-se a impossibilidade de


a pessoa jurídica arcar com o valor das indenizações.
No mencionado julgado, embora tenham ocorridos votos contrários143,
consagrando-se a validade do art. §5º do art. 28 do CDC e a inexistência de conflito
em relação ao caput do referido artigo. A maioria dos ministros acabaram acolhendo
a tese de que, por se tratar da defesa de consumidores, a insolvência da pessoa
jurídica era motivo para que patrimônio dos sócios respondesse por dívidas sociais.
Pertinente ao trabalho, surge a indagação se a obrigatoriedade de
instauração do incidente processual para atingir o patrimônio dos sócios, abarca
também as situações da teoria menor.
O questionamento mostra-se oportuno na medida em que, como se verá mais
detalhadamente no capítulo 3, a finalidade precípua da criação do incidente foi
garantir um contraditório prévio onde se constituam provas capazes de demonstrar
se existe ou não as situações excepcionais de responsabilidade dos sócios
(confusão patrimonial e desvio de finalidade), tudo de maneira mais organizada,
evitando-se misturar argumentos do processo principal com os argumentos da
desconsideração da personalidade jurídica, notadamente diversos.
No entanto, no caso da teoria menor, não há nenhum elemento que demande
produção robusta de provas como, por exemplo, nos casos de demonstração de

143 O ministro Ari Pargendler, relator do caso, asseverou que os administradores não poderiam ser
atingidos por desconsideração da personalidade jurídica, pois, embora o §5º do art. 28 do CDC
excluísse a necessidade de existência de abuso da personalidade jurídica, a interpretação deveria ser
em conjunto com o caput do art. 28 do CDC. Para dar respaldo ao seu posicionamento, o ministro
destacou as lições de Cândido Rangel Dinamarco, no sentido de que o caput do art. 28 do CDC não
traz situação diversa de desconsideração, mas na verdade de responsabilização direita dos sócios:
"Na realidade o caput do art. 28 está cuidando da responsabilidade direta dos sócios, em matéria que
conceitualmente não se integra no fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica. É regra
comum de direito societário a de que os sócios respondem em nome próprio (e não por
desconsideração) quando atuem com abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, violação
dos estatutos societários ou quando pratiquem, na qualidade de sócios, certos atos ilícitos. Tal
ilicitude é sempre de direito societário e, para ter a consequência descrita no art. 28, sequer seria
necessário este" (parecer – fl. 1.692/1.693, 9º vol.). E concluiu: "... quando a lei manda desconsiderar
a personalidade jurídica como meio de remover obstáculos ao ressarcimento (CDC, art. 28, § 5º) as
formas pelas quais se houverem criado tais obstáculos não podem ser os mesmos fatos dos quais
haja emergido a obrigação de indenizar. Interpretação contrária significaria – tanto quanto a que se
repudiou no tópico precedente – haver por derrogada a regra da autonomia das pessoas jurídicas em
face dos sócios (CC, art. 20) e a limitação da responsabilidade nas sociedades anônimas ou por
quotas" (parecer, fl. 1.694, 9º vol.).”
Acompanhou o voto do relator o ministro Carlos Alberto Menezes Direito para quem “a expressão ‘de
alguma forma’ deve ser interpretada na linha mestra da doutrina, ou seja, para evitar que o devedor,
por manobra ilícita, escape da obrigação de pagar o que é devido.”, portanto, o §5º do art. 28 do
CDC, para o ministro Carlos Alberto Menezes Direito não deveria ser interpretado como dispensando
por completo posturas ilícitas.
62

confusão patrimonial. Para os casos que podem se submeter a teoria menor, basta
provar a insolvência da pessoa jurídica, o que pode ser feito no bojo do processo
principal. Dessa forma, à primeira vista, parece desnecessária a instauração do
incidente144.
Embora não se mostre necessária do ponto de vista de organização e
produção de provas, se trata de situação excepcional onde um terceiro (sócio)
passará a responder com seu patrimônio por dívida alheia (da pessoa jurídica).
Destarte exista a divisão entre teoria menor e teoria maior, não há qualquer
dissenso de que ambas se referem a desconsideração da personalidade jurídica. A
qualificação como menor ou maior da teoria da desconsideração da personalidade
jurídica existe tão somente em relação aos requisitos necessários para atingir um
mesmo objetivo: alcançar patrimônio de sócio para responder por dívidas sociais.
Sendo uma mesma finalidade, seja a teoria menor ou a maior, deve haver
respeito ao mecanismo processual145, mormente por que há apenas alteração do

144 “Assim é que basta o estado de insolvência da pessoa jurídica para que o patrimônio pessoal dos
gestores responda pelas obrigações contraídas, despicienda a investigação do elemento subjetivo.
Vale dizer, a teoria objetiva da desconsideração da personalidade jurídica dispensa qualquer dilação
probatória, de modo que se assemelha a uma hipótese de responsabilidade secundária dos sócios,
aplicando-se, analogicamente, o procedimento disposto no art. 795 do CPC/2015.
De sorte que a instauração do incidente, nessas hipóteses, mostra-se desnecessária e inútil,
considerada a objetividade dos critérios adotados pela teoria objetiva.” (JORGE, Leonardo de Moura
Landulfo; JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a sua aplicabilidade no âmbito da processualística do trabalho: uma breve
incursão a respeito das teorias subjetiva e objetiva. In Revista de Direito do Trabalho Vol. 171, São
Paulo: Revista do Tribunais. Set-out. 2016. p. 35 – 56).
145 A jurisprudência segue nesse sentido: “AGRAVO DE INSTRUMENTO - Execução de Sentença -

Desconsideração da personalidade jurídica - Incidente processual - Teoria Menor - Aplicabilidade -


Inteligência do art. 28, caput, e § 5º, do CDC - Cuidando-se de relação de consumo, o mero estado
de insolvência e a ausência de bem penhorável da sociedade, já admite o processamento do
incidente da desconsideração da personalidade jurídica, com a citação dos sócios - Recurso provido.”
(TJSP - Agravo de Instrumento 2233854-11.2016.8.26.0000; Relator (a): Alcides Leopoldo e Silva
Júnior; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 12ª. Vara Cível; Data do
Julgamento: 06/09/2017; Data de Registro: 06/09/2017).
Também a legislação aponta nesse sentido, como a recente reforma trabalhista que inseriu o artigo
855-A na CLT que versa expressamente da submissão de questões trabalhistas que almejem ter
satisfação com patrimônio de sócios e não dos reais empregadores, deve antes, ocorrer a
instauração do incidente: “Artigo 855-A - Aplica-se ao processo do trabalho o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica previsto nos arts. 133 a 137 da Lei no 13.105, de 16 de
março de 2015 - Código de Processo Civil.(...) § 2º A instauração do incidente suspenderá o
processo, sem prejuízo de concessão da tutela de urgência de natureza cautelar de que trata o
art. 301 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil."
Há ainda posicionamentos que até mesmo em situações onde se discute se seria realmente
desconsideração da personalidade jurídica ou corresponsabilização, como nos casos de dívidas
tributárias, há posicionamento, ainda que minoritário, sobre a necessidade de instauração do
incidente: “DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DO FEITO AO SÓCIO DA PESSOA JURÍDICA.
63

diploma legal (e consequentemente dos requisitos), mas que pode ser modificado ao
longo do processo146, o que acarretaria em outros problemas.
Portanto, também para evitar eventuais problemas procedimentais contrários
a celeridade e economia processuais, em qualquer caso de desconsideração da
personalidade jurídica, ainda que a princípio submetidos a teoria menor, deve ser
instaurado o incidente.

1.2.2.2 – Teoria maior

Se por um lado a teoria menor mostra-se como um desprestígio a autonomia


da pessoa jurídica e a idealização da responsabilidade limitada dos sócios, por outro
lado a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica é a autêntica teoria
introduzida doutrinariamente no sistema brasileiro por Rubens Requião, a qual visa,

INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE.


AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
- O CPC/15 disciplinou em seus artigos 133 a 137 o incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, o qual passou a ser necessário para análise de eventual pretensão de redirecionamento da
execução ao patrimônio dos sócios. A instauração do incidente exige a comprovação dos requisitos
legais específicos previstos pelo art. 50 do Código Civil de 2002.
- Esse incidente aplica-se, em toda sua extensão, à Fazenda Pública, por expressa disposição do
artigo 4º. § 2º, da Lei de Execuções Fiscais, que prevê que "à dívida ativa da Fazenda Pública, de
qualquer natureza, aplicam-se as normas relativas à responsabilidade prevista na legislação
tributária, civil e comercial".
- Registre-se que os atos direcionados à satisfação do crédito tributário foram estabelecidos entre a
União Federal e a devedora (titular da relação contributiva) e não podem ser opostas
indiscriminadamente aos sócios. Eventual modificação da situação econômico-patrimonial da
empresa executada já no curso do processo não é motivo bastante para o redirecionamento da
execução aos sócios; para se responsabilizar os sócios é necessário que se demonstre que os sócios
contribuíram ilegalmente para a constituição da dívida tributária.
- Agravo de instrumento a que se dá provimento.” (TRF3 - Agravo de instrumento n. 0022670-
51.2016.4.03.0000/SP. Relator Des. Wilson Zauhy. Julgamento 05/06/2017).
Favorável a aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em execuções
fiscais: BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código
de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 573; GENARO, Leandro Lopes. O
incidente de desconsideração da personalidade jurídica e as execuções fiscais in Revista dos
Tribunais. Vol. 978, São Paulo: Revista dos Tribunais. Abr. 2017. p.301-322.
Contrários a obrigatoriedade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica: AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 165.
146 Por exemplo, a parte requer a desconsideração da personalidade jurídica com base no Código de

Defesa do Consumidor, mas observa-se que a qualificação da relação como de consumo foi
equivocada, de forma que eventual pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve se
pautar no Código Civil. Se fosse dado tratamento processual diverso para aplicação da teoria maior e
da teoria menor, certamente a situação descrita traria problemas, não só de ordem processual
estrutural (necessidade de instaurar o incidente), mas com reflexos práticos (momento de se
considerar a instauração do incidente como dies quo para fraude à execução).
64

antes de mais nada, preservar a pessoa jurídica reafirmando a autonomia


patrimonial como regra147.
A regra nas sociedades com sócios de responsabilidade limitada é a
autonomia patrimonial, a menos que a pessoa jurídica seja utilizada para prática de
atos fraudulentos.
Delineada pela doutrina, e aplicada pelos Tribunais, a teoria maior foi
expressamente convencionada no art. 50 do Código Civil de 2002, que dada a rica
redação merece destaque:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo


desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a
requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de
obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou
sócios da pessoa jurídica.

O artigo 50 apresenta interessantes elementos que colaboram com a


conclusão que se chegará no capítulo 2 (o sócio se transforma em responsável
secundário com a decisão de desconsideração da personalidade jurídica), sendo
ainda possível extrair conclusões a partir da análise do processo legislativo do
Código Civil de 2002.
A redação original do art. 50 do Código Civil, proposta pelo então Procurador
Geral da República José Carlos Moreira Alves148, não refletia a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica, mas demonstrava a grande
preocupação que existia aquela época a respeito dos abusos da personalidade
jurídica e o problema de quebrar a autonomia patrimonial diante da rígida redação
do art. 20 do CC/16. Dizia o anteprojeto do Código Civil:

147 “A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à
personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário,
seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam.
A indisfarçável preocupação dos estudiosos do assunto diz respeito à reafirmação do princípio da
autonomia. Os pressupostos da desconsideração são a pertinência, a validade e a importância das
regras que limitam, ao montante investido, a responsabilidade dos sócios por eventuais perdas nos
insucessos da empresa, regras que, derivadas do princípio da autonomia patrimonial, servem de
estimuladoras da exploração de atividades econômicas, com o cálculo do risco.” (COELHO, Fabio
Ulhoa. A teoria maior e a teoria menor da desconsideração. In Revista de Direito Bancário e do
Mercado de Capitais. Vol. 65, São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul. - Set. 2014. p. 21-30).
148 José Carlos Moreira Alves foi nomeado no ano de 1972 como Procurador Geral da República, no

ano de 1975 tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal ocupando o cargo até o ano de 2003,
quando atingiu o limite máximo de idade.
65

A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato
constitutivo, para servir de instrumento ou a práticas de atos ilícitos, ou
abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos
sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável,
ou tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade.
Parágrafo único – Neste caso sem prejuízo de outras sanções cabíveis,
responderão conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais
do administrador ou representante que dela tiver se utilizado de maneira
fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a
responsabilidade solidárias de todos os membros da administração .

Talvez na ânsia de alcançar a efetividade e de evitar que pessoas jurídicas


fossem utilizadas para fins fraudulentos, o art. 50 do CC/02 tinha redação tão
austera e que poderia levar a interpretação indevida. Se diz interpretação indevida
por que de fato a redação no PL 634/75 da Câmara dos Deputados não refletia a
intenção legislativa, o que se verifica pela exposição de motivos de Miguel Reale no
anteprojeto do Código Civil:

Nosso Código Civil149 contém, por exemplo, preceitos muitos sucintos sobre
a vida das associações. É uma das partes mais frágeis da codificação atual.
Sentimos que era preciso dar a essa matéria uma disciplina mais chegada
as exigências da concreção jurídica que caracteriza nosso tempo. Não
abandonamos o princípio que estabelece a distinção entre a pessoa jurídica
e os seus membros componentes, mas também não convertemos esse
princípio em tabu, até o ponto de permitir sejam perpetrados abusos em
proveito ilícito dos sócios e em detrimento da comunidade.
A todo instante nos deparamos com essa triste realidade, um dos
subprodutos da economia de consumo. Indivíduos há que organizam
empresas comerciais, e, valendo-se de técnicas modernas de propaganda,
sob a proteção da personalidade jurídica distinta, realizam vultuosas
operações, cujos resultados são imediatamente postos em seus nomes
individuais: a empresa quebra, mas os sócios enriquecem às custas dos
incautos. Cumpre, pois, pôr um paradeiro nesse estado das coisas, fazendo
que que o patrimônio pessoal dos sócios, que agirem dolosamente,
respondam pelas dívidas sociais, ainda que a sociedade seja de
responsabilidade limitada.150

Nota-se nas palavras de Miguel Reale que a intenção era realmente que o
sócio passasse a responder com seu patrimônio, e não que fosse punido
pessoalmente, no entanto, a redação original passava mensagem de punição
societária (“decretar a exclusão do sócio responsável”). A redação constante no PL
634/75 não refletia a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O caput
falava em dissolução da entidade, que é exatamente o que não se busca na teoria

149 Referindo-se ao Código Civil de 1916.


150 REALE, Miguel. Anteprojeto do Código Civil. In Revista de Informação Legislativa, 1972. p. 10
66

da desconsideração da personalidade jurídica, e que não era o que almejava o


anteprojeto.
Quando o projeto do Código Civil chegou ao Senado Federal no ano de 1984,
pautando-se nas obras de Rubens Requião, José Lamatine Corrêa de Oliveira e
Fabio Konder Comparato, que como visto, são os grandes responsáveis pelo estudo
da teoria no Brasil, o senador Josaphat Marinho151 propôs alteração. Criou-se então

151 “O art. 50 do Projeto vai além da desconsideração da personalidade jurídica, pois admite, “tais
sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade”. Mas o art. 51 trata dos “casos de dissolução da
pessoa jurídica “ou da cassação da autorização para seu funcionamento.” Convém, portanto,
caracterizar a “desconsideração” em artigo substitutivo. A evolução do direito e a preocupação do
legislador de preservar critérios éticos no conjunto das associadas recomendam essa caracterização
num Código Civil novo.
Os doutrinadores que julgam essa providência admissível no direito brasileiro salientam, geralmente,
que ela não envolve “a anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas apenas, a
declaração de sua ineficácia para determinado efeito em caso concreto” (Rubens Requião, Abuso de
Direito e Fraude através da Personalidade Jurídica, in Rev. dos Tribunais, Vol. 410, dez. 1969, p. 12,
cit. p. 17). Vale dizer: cumpre distinguir entre despersonalização e desconsideração da personalidade
jurídica. Nesta, “subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de
seus sócios ou componentes, mas essa distinção é afastada, provisoriamente e tão-só para o caso
concreto” (Fábio Konder Comparato, O Poder de Controle na Sociedade Anônima, 3ª ed., Forense,
1983, p. 283). Demais, não basta que haja suspeita de desvio de função, para que se aplique o grave
princípio. Conforme advertiu professor Lamartine Corrêa de Oliveira, “não podem ser entendidos
como verdadeiros casos de desconsideração todos aqueles casos de mera imputação de ato”: é
necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência (A
Dupla Crise da Pessoa Jurídica, Saraiva, 1979, p.p. 610 e 613).
(...)
Consultamos um estudioso da matéria, com trabalho já publicado, professor Fábio Konder
Comparato, submetendo-lhe esboço do dispositivo. Assinalando, também, a necessidade de
diferençar despersonalização e desconsideração, o ilustre professor concorreu, valiosamente, para a
configuração tentada. Acentou, inclusive, que “a causa da desconsideração da personalidade jurídica
não é, apenas o desvio dos fins estabelecidos no contrato social ou nos atos constitutivos. O abuso
pode também consistir na confusão entre o patrimônio social e o dos sócios ou administradores ainda
que mantida a mesma atividade prevista, estatutária ou contratualmente. Justificou a menção, no
texto, ao Ministério Público, visto que “ele também pode intervir no processo sem ser parte”.
Buscando contornos claros, ressaltou: “É preciso deixar bem caracterizado o fato de que os efeitos da
desconsideração da personalidade jurídica são meramente patrimoniais e sempre relativos a
obrigações determinadas, pois a pessoa jurídica não entra em liquidação. A menção genérica a
“relações de obrigação justifica-se pelo fato de que o direito do demandante pode ser fundado em um
direito civil e não em contrato.” Em conclusão, observou: “Finalmente, a fórmula sugerida – extensão
dos efeitos obrigacionais aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica –
visa a superar a discussão sobre se esta resposta ou não, conjuntamente com os sócios ou
administradores. Na prática, como é obvio, recorre-se à superação da personalidade porque os bens
da pessoa jurídica não bastam para satisfazer a obrigação.” Daí o artigo substitutivo proposto
corresponder ao texto elaborado pelo douto professor, apenas empregado o vocábulo processo e não
“feito”, dada a proximidade da palavra “efeitos.” (LIMA, João Alberto de Oliveira; PASSOS Edilenice.
Memória Legislativa do Código Civil. Tramitação no Senado Federal, vol. 3. Brasília: Senado Federal,
2012. p. 247-248).
O deputado Ricardo Fiuza quando o projeto retornou a Câmara dos Deputados deu parecer
favorável: “Nessa linha de entendimento, a redação da emenda afigura-se mais consentânea à
construção da doutrina, melhor adequando a idéia do legislador ao normatizar a desconsideração da
pessoa jurídica. Demais disso, o texto proposto mais se coaduna com o alcance de permitir seja a
doutrina consolidada, em seus fins, pela prestação jurisdicional. Pela aprovação da emenda,
mediante subemenda de redação, deslocando-se a vírgula constante após a expressão “Ministério
Público” para sua colocação após o vocábulo “parte”, afastando a ambigüidade do texto, certo que a
67

a redação do artigo 50, que embora só tenha sido promulgada no ano de 2002,
desde 1984 já existia de forma latente.
O art. 50 do CC conseguiu refletir a teoria nascida nos países de common
law, primeiro pontuando de maneira objetiva o que seria abuso da personalidade
jurídica152 (desvio de finalidade153 e a confusão patrimonial154), e, segundo,
esclarecendo o fato de que o sócio responderá com seu patrimônio. Portanto, a
finalidade da desconsideração da personalidade jurídica é a quebra da autonomia
patrimonial, e não uma pura e simples punição do sócio que apresenta conduta
indevida.
Conclui-se que seja a teoria maior ou menor da desconsideração da
personalidade jurídica, a finalidade é a mesma, quebra da autonomia patrimonial,
apenas diferenciando-se em relação aos requisitos.
Infelizmente, o que deveria ser uma exceção, passou a ser a regra, e
observou-se de maneira crescente ao longo dos anos que o mero prejuízo, até
mesmo em casos que notadamente se submeteriam a teoria maior, já era suficiente
para invadir o patrimônio dos sócios. E isso, sem antes dar a oportunidade desses
sócios se defenderem. Penhorava-se bens e depois os sócios (e até ex-sócios)
ficavam a mercê de apresentarem embargos de terceiro ou embargos à execução
expondo as razões pelas quais não poderia sofrer o redirecionamento.
Havia uma verdadeira crise da desconsideração da personalidade jurídica.

1.3 – A crise da desconsideração da personalidade jurídica e a necessidade de


se criar um incidente

No anseio da efetividade processual, principalmente dos processos de


execução, foi-se de um extremo a outro. Da austeridade da independência da
pessoa jurídica em relação aos seus membros, para uma quase completa
inexistência de separação.

parte intervém no processo, pela sua qualidade no composto litigioso enquanto que o órgão
ministerial atua, como custos legis sempre nas hipóteses previstas em lei.” (LIMA, João Alberto de
Oliveira; PASSOS Edilenice. Memória Legislativa do Código Civil. Tramitação no Senado Federal, vol.
3. Brasília: Senado Federal, 2012. p. 297).
152 O enunciado 146 aprovado na III Jornadas de Direito Civil ocorrida em 2004 tratou: “Nas relações

civis, interpreta-se restritivamente os parâmetros de desconsideração da personalidade jurídica


previstos no art. 50 (desvio de finalidade social ou confusão patrimonial).”
153 Formulação subjetiva da teoria maior.
154 Formulação objetiva da teoria maior.
68

O prejuízo a terceiros, e situações que claramente são inerentes as atividades


empresariais como encerramento irregular155, passaram a ser interpretados como
atos de abuso da personalidade jurídica. E o que era para ser um procedimento de
exceção, passou a ser a regra156.
Conforme assevera Oscar Vieira da Silva157 “não se deve admitir que a
desconsideração da personalidade jurídica se torne instrumento nas mãos de
julgadores despreparados que, levados ao exagero, acabam por destruir o instituto
da pessoa jurídica”. Urgia a criação de um mecanismo processual a fim de garantir,
sem margem a dúvida, o direito ao contraditório prévio.
Observou-se o que Christian Garcia Vieira158 chama de movimento cíclico.
Em um primeiro momento (item 1.1) criou-se a pessoa jurídica para incremento do
comércio garantindo autonomia patrimonial; em um segundo momento (item 1.2)
observou-se que havia um abuso da personalidade jurídica não sendo respeitados
os preceitos da criação da pessoa jurídica, acontecendo o que José Larmartine
Correia de Oliveira denomina de crise de função, e, então, notou-se que era preciso

155 “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Pretensão à responsabilização dos


sócios da executada pela execução. Admissibilidade. Dificuldade na localização tanto da empresa
executada, quanto de bens de sua titularidade. Configurado o encerramento irregular da empresa,
visto que não mais é encontrada no local de suas atividades, sem a comunicação dos órgãos
competentes. Decisão reformada - Recurso provido.” (TJSP - Agravo de Instrumento 2158544-
67.2014.8.26.0000; Relator: Heraldo de Oliveira; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Privado;
Foro de Adamantina - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/10/2014; Data de Registro: 25/10/2014).
Enunciado 282 da IV Jornadas de Direito Civil: “O encerramento irregular das atividades da pessoa
jurídica, por si só, não basta para caracterizar abuso da personalidade jurídica.”
156 “A desconsideração da personalidade jurídica, conforme bem afirmam os textos de lei que cuidam

da matéria, a começar pelo Código Civil, é um procedimento de exceção e não uma regra geral.
Logo, só deve ser usada quando houver simulação, fraude, confusão patrimonial ou abuso da
personalidade jurídica.
Sua aplicação é mais do que válida para as pessoas jurídicas onde o patrimônio da empresa se
confunde com o patrimônio dos sócios.
(...)
Entretanto, tem havido um certo açodamento no uso da desconsideração da personalidade jurídica,
principalmente pela Justiça do Trabalho. A desconsideração muitas vezes tem sido decretada logo no
início da reclamação trabalhista.” (FERREIRA. Luiz Eduardo Martins. Desconsideração da
personalidade jurídica: uso e abuso. In Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. vol. 41.
Jul.-Set. 2008. p. 127 – 132).
157 SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002. p. 231.


158 “Parece ser um movimento cíclico. Concebeu-se a figura da pessoa jurídica como elemento de

limitação patrimonial e de responsabilidade, de forma a permitir que o insucesso da sociedade não


acometesse o patrimônio pessoal de seus sócios. Ato contínuo, detectou-se que a pessoa jurídica era
utilizada como anteparo para realização de atos fraudulentos, o que levou os tribunais a levantar a
personalidade jurídica (“piercing the corporate veil”), dando ensejo a criação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica (“disregard doctrine”). Em momento posterior, identificou-
se o uso abusivo dessa teoria.” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica
no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 31).
69

relativizar e nesses casos desconsiderar a personalidade como completamente


independente; já em um terceiro momento observou-se que qualquer caso de
insolvência da pessoa jurídica passou a ser motivador da desconsideração da
personalidade jurídica, ocorreu a crise da desconsideração da personalidade jurídica
e, então, era preciso voltar ao primeiro ponto.
Em suma, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica surgiu
com a finalidade de proporcionar uma segura apuração da responsabilidade
secundária dos sócios, para somente após, este sócio passar a ter seus bens
respondendo por dívida da pessoa jurídica.
Como se verá mais amiúde no próximo capítulo, a decisão no incidente de
desconsideração da personalidade jurídica cria uma nova situação de direito,
qualificando determinado sócio como responsável secundário, e que terá outras
consequências processuais.
70

CAPÍTULO 2 – A RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL

Concluiu-se no capítulo 1 que a teoria da desconsideração da personalidade


jurídica é medida necessária, mas que, até o Código de Processo Civil de 2015
faltavam regras que garantissem, em um típico modelo constitucional de processo, o
prévio contraditório e ampla defesa.
Com a desconsideração da personalidade jurídica, dado o caráter coletivo da
personalidade, o que se rompe é a autonomia patrimonial, e assim o sócio passa a
responder com seu patrimônio por dívidas da sociedade.
Por conta da consequência (atingir o patrimônio do sócio), há
posicionamentos diversos a respeito da posição jurídico processual que o sócio
ocupa em relação a cobrança.
Há duas vertentes, a primeira que considera que o sócio que tem o patrimônio
atingido com a desconsideração da personalidade jurídica torna-se devedor e, a
segunda, que pondera que o sócio será apenas responsável patrimonial secundário.
O estudo ganha relevância, quando mais adiante, no capítulo 4, se verificar
que situação que não deveria interferir (momento em que a decisão do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é cumprida) dará diversas qualificações
ao sócio atingido pela desconsideração.

2.1 – Dívida (Schuld) e responsabilidade (Haftung)

Quando se faz qualquer tipo de negociação o que se almeja é que haja


cumprimento espontâneo, e assim o negócio será tido por perfeito e acabado. No
entanto, nem sempre é o que acontece, e com o descumprimento do negócio
jurídico surge a dívida.
Diante da ausência de cumprimento voluntário da obrigação, o Estado precisa
garantir de alguma maneira que aquele direito violado do credor seja atendido,
passa a existir a responsabilidade patrimonial.
A responsabilidade patrimonial, portanto, é considerada um instituto de direito
processual159, uma vez que somente se pode falar em submissão do patrimônio de

159NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Método,
2012. p. 859.
SHIMURA, Sérgio. Título executivo. 2. ed. São Paulo: Método. 2005. p. 78.
71

alguém quando houver inadimplemento, antes o que há é um dever de honrar com a


obrigação.
O normal, e até mesmo moralmente compreensível, é que o patrimônio do
devedor responda pela dívida (art. 789 do CPC), no entanto não é somente assim
que ocorre160, e, há casos em que a responsabilidade será do patrimônio de um
terceiro que não tem ligação com o ato que originou o débito 161, e, portanto, não
tinha a obrigação de honrar com a dívida (art. 790 do CPC). Para se compreender
melhor essa situação, primordial analisar a divisão entre dívida (Schuld) e
responsabilidade (Haftung).
Foi no final do século XIX na Alemanha162 que surgiu o que ficou conhecida
como a teoria dualista, dividindo-se dívida e responsabilidade. A dívida é conceito

Contrário, considerando que se trata de instituto de direito material, Leonardo Greco: “O direito civil
distingue em toda obrigação dois elementos: o débito e a responsabilidade. O débito é o dever de
cumprir a obrigação. A responsabilidade a destinação dos bens a garantir a satisfação coativa do
direito do credor. Ambos os elementos integram o direito material. (...) A regra do art. 591 do CPC
[atual art. 789], é portanto, de direito material.” (GRECO, Leonardo. O processo de execução, vol. 2.
Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 7-8).
No mesmo sentido Marcelo Abelha: “A responsabilidade patrimonial, é, sem dúvida, ontologicamente,
um instituto de direito material, um direito potestativo do credor, instrumental e garantidor de dívidas
contra inadimplemento do devedor, e que nasce junto com a obrigação, mas somente incide quando
acontece o seguinte fato jurídico (inadimplemento).” (ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6.
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 79).
De fato, a responsabilidade patrimonial mostra-se como instituto processual, pois o sistema brasileiro
não contempla, via de regra, formas de expropriação extrajudicial. No entanto, interessante notar que
se trata dos dois lados de uma mesma moeda. A moeda é o negócio jurídico, quando há cumprimento
voluntário da obrigação não há consequência jurídica e quando não ocorre, surge dívida que enseja
responsabilidade patrimonial. A consequência jurídica de uma mesma situação (negócio jurídico) não
pode ter qualificações diferentes. Destarte, por essa dívida não poder ser satisfeita coercitivamente
sem um processo, a responsabilidade patrimonial acaba por ser considerada como instituto de direito
processual.
160 Rogerio Licastro Torres de Mello acentua que a responsabilidade sem dívida deve ser vista do

ponto de vista do credor, que não fica adstrito a satisfação através de uma única pessoa: “Essa
desvinculação entre os conceitos de dívida e responsabilidade antes inimaginável porque
naturalmente a responsabilidade pelo inadimplemento sempre foi vista como do devedor originário,
mostra-se muito mais compreensível se analisada pelo enfoque do credor, aquele que espera o
adimplemento da obrigação pelo devedor.” (MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade
executiva secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 77).
161 “O direito brasileiro é um dos poucos sistemas que não restringem a responsabilidade patrimonial

à pessoa do devedor. Por força do disposto no artigo 592 do Código de Processo Civil, ficam também
sujeitos à execução os bens, dentre outros, dos sócios, nos termos da lei, em diversas situações.”
(TUCCI, Rogerio Cruz e. Finalmente a definição da desconsideração da personalidade jurídica no
STJ. In Revista Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2015-fev-24/paradoxo-corte-definicao-
desconsideracao-personalidade-juridica-stj 24/02/2015. Acesso em 10/08/2017).
162 “O nascedouro da teoria da dissociação entre dívida e responsabilidade como elementos insertos

no conceito de obrigação assumiu contornos mais claros, como dito, nas últimas décadas do século
XIX e início do século XX, e seus primeiros traços se devem a Brinz (1874), tendo também sido
evidenciada essa distinção com Von Amira (1882) e Gerke (1910), os quais sustentaram que dívida e
responsabilidade constituem dois conceitos distintos, que podem se apresentar de maneira conjunta
(em que se confundem devedor e responsável), mas também podem aflorar divorciadamente, sendo
possível, por conseguinte, a existência de uma dívida sem responsabilidade ou com responsabilidade
72

ligado ao direito material do obrigado, e responsabilidade é a consequência163.


Esses dois elementos não necessariamente estarão unidos em uma mesma pessoa.
Sergio Shimura164, que adota a teoria dualista (divisão de débito e
responsabilidade), sintetiza o que é responsabilidade, destacando que por não ser
possível uma responsabilidade pessoal, a responsabilidade será sempre patrimonial,
as vezes coincidindo com o devedor, as vezes não. Assevera ainda que é possível
responsabilidade sem dívida (quando não há coincidência entre o responsável –
Haftung, e o devedor – Schuld), mas não dívida sem responsabilidade165.
Rogerio Licastro Torres de Mello166 chama atenção para o fato de que o
caráter patrimonial da responsabilidade é apenas uma opção legal, pois, mesmo

limitada, ou mesmo uma responsabilidade sem dívida.” (MELLO, Rogerio Licastro Torres de.
Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 73).
163 Esta divisão entre dívida e responsabilidade já se encontrava presente no Código de Processo

Civil de 1939. Alfredo de Araujo Lopes da Costa assim sintetizou: “Só os bens do devedor estão
sujeitos a execução. É a regra. Há porém, exceções. O patrimônio de terceiro é às vezes atingido
pela execução. A obrigação e a responsabilidade se distinguem.” (LOPES DA COSTA, Alfredo de
Araujo. Direito Processual Civil Brasileiro Vol. IV. Rio de Janeiro: Forense, 1959. p. 135).
164 “Como o devedor não pode ser física e corporalmente coagido a cumprir a obrigação, é o seu

patrimônio que responde, em última análise pela satisfação do débito. Nota-se então um
desdobramento da obrigação em dois elementos distintos: a) um de caráter pessoal que é a dívida
(schuld); b) outro de caráter patrimonial, que é a responsabilidade (haftung), e que traduz pela
sujeição do patrimônio a sofrer a sanção civil. Normalmente esses dois elementos reúnem-se em uma
só pessoa, o devedor, sendo certo que não pode existir dívida sem responsabilidade. Mas o reverso é
possível, ou seja, o patrimônio de uma pessoa pode responder pela obrigação sem ser o devedor,
nesse particular o que há é sujeição e não propriamente obrigação.” (SHIMURA, Sérgio. Título
executivo. São Paulo: Método, 2005. p. 78).
165 A respeito de dívida sem responsabilidade há a dívida prescrita, o débito não deixa de existir

porque a dívida prescreveu, no entanto não há mais responsabilidade patrimonial do devedor.


(PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –
dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014.p.56), ou
então dívida de jogo (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 4. ed.
São Paulo: Método, 2012. p. 860). Há também as situações em que há dívida, mas não há
responsabilidade patrimonial por opção legal, como no caso das dívidas das Fazendas Públicas.
(ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2016. p. 72).
Ponto interessante de se destacar é que a ausência de responsabilidade não se confunde com
ausência de patrimônio capaz de responder pela dívida: “Situação interessante é aquela em que,
depois de exercitada em juízo a responsabilidade patrimonial com sujeição do patrimônio do devedor
ao adimplemento da obrigação, descobre-se que nada há no patrimônio para ser executido. Nesse
caso não se pode falar em dívida sem responsabilidade, porque esta última existe. A falta de bens no
patrimônio do devedor é um problema prático, relacionado a efetividade da responsabilidade
patrimonial, que não se nega a existência, antes o contrário.” (ABELHA, Marcelo. Manual de
Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 73).
166 “De uma mesma situação originam-se duas relações jurídicas, uma de caráter imediato – a dívida,

o dever de realizar determinada prestação - e outra de caráter mediato, subjacente – a


responsabilidade patrimonial garantidora em caso de inadimplemento da prestação pactuada.
A conexão entre dívida e responsabilidade é fenômeno ancestral. Ainda que a concepção de
responsabilidade, em nossos dias, tenha colar patrimonial, outrora o inadimplemento respondia
pessoalmente, vale dizer, a sanção tinha por alvo o devedor fisicamente considerado, em pessoa, às
vezes retirando-lhe a própria vida, como visto supra. A responsabilidade, portanto, mantinha também
característica física, além da patrimonial, e estava vinculada à pessoa do devedor.” (MELLO, Rogerio
73

quando era permitida a responsabilidade pessoal (por exemplo, o devedor


respondendo por dívida com sua própria vida), não deixava de ser responsabilidade.
Portanto, no passado, Haftung poderia ter caráter pessoal, sem que com isso
deixasse de ser responsabilidade167. Responsabilidade é a consequência de uma
obrigação inadimplida, seja pessoal ou patrimonial.
Nos dias de hoje fica mais fácil explicar essa divisão, pois responsabilidade
nunca será pessoal168, o que existe é um dever pessoal de cumprir com a obrigação
(direito material), e a responsabilidade será sempre patrimonial169. A
responsabilidade, ainda que ligada a pessoa do devedor (Schuld e Haftung em uma
mesma pessoa) será patrimonial170.
Mais uma vez é importante notar a dificuldade na compreensão dos institutos
decorrente do uso das palavras. Responsabilidade é vocábulo amplamente utilizado
para atribuir determinada conduta ativa a alguém, mas juridicamente não é esta a
concepção. Quando se diz que a empresa é responsável pelo pagamento de seus

Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2015. p. 72).
167 Marcelo Abelha considera que a divisão entre dívida e responsabilidade somente surgiu quando

não mais era possível a responsabilidade pessoal: “A responsabilidade patrimonial é categoria


fundamental no estudo da tutela jurisdicional executiva. Trata-se de instituto intimamente ligado à
própria evolução dessa função jurisdicional, porque diretamente relacionado à substituição da
execução pessoal pela execução patrimonial.
(...) O direito evoluiu e substituiu a ideia de execução pessoal pela da execução patrimonial, fazendo
que o débito fosse satisfeito com bens do patrimônio do executado. Dessa mudança nasceu a
importantíssima distinção entre débito e responsabilidade patrimonial.” (ABELHA, Marcelo. Manual de
Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 71-72).
168 Marcelo Abelha chama atenção para o fato de que não há extinção do caráter pessoal na busca

pelo recebimento de dívida, tal como ocorre com as execuções indiretas, dando como exemplo a
situação de prisão do devedor de alimentos. (ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2016. p. 73).
Pode-se dizer que essa situação ganhou relevo com o Código de Processo Civil 2015 e as formas
atípicas de execução indireta (art. 139, IV). Não se trata propriamente de uma responsabilidade
pessoal, pois o débito não se esvai, no entanto, não deixa de ser uma maneira, talvez ainda mais
severa, uma vez o indivíduo além de ter privado direitos pessoais permanece com a dívida, em que
não há um caráter puramente patrimonial.
Ver: NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas executivas coercitivas atípicas na execução de
obrigação de pagar quantia certa – art. 139, IV, do Novo CPC. In Revista de Processo. Vol. 265, Mar.
2017. p. 107-150; BRAGA, Paula Sarno. CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR., Fredie.
OLIVEIRA. Rafael Alexandria. Diretrizes para a concretização das cláusulas gerais executivas dos
arts. 139, IV, 297, 536, §1º, CPC. In Revista de Processo. Vol. 267, Mai. 2017. p. 227-272.
169 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Método,

2012. p. 860.
170 “O art. 591 culmina notável evolução história. Rompendo com as tradições romano-germânicas,

que convergiam no sentido de imprimir responsabilidade pessoal ao obrigado, a regra dissociou


dívida e responsabilidade. Esta última se relaciona com inadimplemento, que é fato superveniente a
formação do vínculo obrigacional, pois apenas após descobrir o dever de prestar o obrigado sujeitará
seus bens à execução.” (ASSIS, Araken de. Manual da execução. 14. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2012. p. 226).
74

débitos, em verdade se está dizendo que é obrigada (Schuld) ao pagamento de


seus débitos, visto ser uma situação de direito material, sendo os bens responsáveis
(Haftung) em caso de inadimplemento.

José Maria Câmara Junior assim sintetiza:

Obrigação e responsabilidade representam realidades distintas. Se o


devedor cumpre espontaneamente a obrigação, o crédito existia e foi
satisfeito, independentemente de responsabilidade. Percebe-se, com isso,
que o crédito existe, mas não responsabilidade. Esta somente terá lugar se
estiver configurada a crise de adimplemento.171

Ser devedor é ter ligação com a relação de direito material que originou a
dívida, e o responsável não necessariamente terá essa ligação172.
Quando uma mesma pessoa for devedora (Schuld) e seus bens responsáveis
(Haftung) estar-se-á diante de uma responsabilidade patrimonial primária. Mas,
quando não houver essa identidade, e o patrimônio que responder for de pessoa
que não era obrigada, estar-se-á diante de uma responsabilidade secundária. Tal
regramento consta expressamente nos artigos 789 e 790 do CPC, respectivamente.
Sergio Shimura ao comentar o art. 790 esclarece:

O art. 789, ao preconizar que o ´devedor´ responde com seus bens, está
dispondo sobre a dívida, sobre a responsabilidade patrimonial executiva
´primária´ do próprio partícipe da relação de direito material. Porém ao lado
da responsabilidade do próprio devedor, é possível que bens de terceiro
venha a ser afetados na execução. É a chamada responsabilidade
patrimonial ´secundária´.173

De suma importância compreender os termos do art. 790 do CPC, pois a


responsabilidade patrimonial secundária é exceção aos limites objetivos da coisa
julgada. José Maria Câmara Junior assim explana:

171 CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR. Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1892.
172 “A responsabilidade patrimonial consiste na possibilidade dos bens de determinada pessoa serem

submetidos à expropriação executiva, pouco importando seja ela devedora, garante ou estranha ao
negócio substancial.” (CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER
JR. Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de
Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1894).
173 SHIMURA, Sergio. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 3. BUENO, Cassio Scarpinella

(Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017.p. 554.


75

Em regra, o título executivo aponta as pessoas legitimadas para integrar a


relação processual e se sujeitas aos atos da execução (...) A legitimidade
passiva “ad causam” considera duas realidades distintas, que se somam
para definir aquele que irá figurar na qualidade de executado.
(...)
Como se disse, o novo Código de Processo Civil, em seu art. 790, aponta
outras pessoas, além daquelas que figuram no título executivo, que poderão
se sujeitar à responsabilidade patrimonial.174

Por essas explicações, mormente diante do conceito de pessoa jurídica


(independente dos seus membros, realizando atos em nome próprio), parece ficar
evidente que a pessoa jurídica que contraiu a dívida é a devedora, e o sócio que
tiver o patrimônio atingido em virtude da desconsideração da personalidade jurídica
será apenas o responsável patrimonial secundário, no entanto, a resposta não é tão
simples, isto porque o sócio está contido na pessoa jurídica.
Quem abusa da personalidade jurídica é a pessoa física que faz parte da
pessoa jurídica, uma vez que se trata de ato volitivo exclusivo dos humanos 175, e por
isso que há autores que defendem que no caso da desconsideração da
personalidade jurídica não se aplica a teoria dualista176, pois, com o levantamento do
véu o sócio passaria a ser enxergado.

2.2 – O sócio como devedor

Há basicamente dois argumentos para os defensores de que com a


desconsideração da personalidade jurídica o sócio passa a ser devedor e não
responsável patrimonial secundário. O primeiro argumento é que o sócio, por
praticar ato indevido atrai para si a obrigação177. O segundo, baseia-se na

174 CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR. Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1894-1895.
175 “É evidente que o representante da pessoa jurídica não agiu nos limites dos poderes a ele

conferidos para praticar o ato ilícito, pois entre os poderes de representação, por óbvio, não figurava
aquele para agir com dolo ou culpa. Conclui que, analisando o problema sob esse enfoque que, seria
o representante, e não a pessoa jurídica, o responsável pelo ato ilícito praticado em nome desta.”
(BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009. p. 9).
176 PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –

dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014;
SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros. 2006; SOUZA, André
Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
177 “Com efeito, na desconsideração da personalidade jurídica o sujeito desconsiderado não é

simplesmente responsável, mas verdadeiro obligatio direto.


76

consequência de uma responsabilidade secundária. Falar em responsabilidade


secundária seria admitir a existência de responsabilidade sem dívida, autorizando
direito de regresso do sócio em face da sociedade, o que seria descabido 178 nas
situações de desconsideração da personalidade jurídica.
André Pagani de Souza, que considera que o sócio passará a ser devedor,
destaca os dois pontos acima mencionados:

Quando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica é aplicada, o


integrante da pessoa jurídica responde por dívida própria, essa
responsabilidade do integrante da pessoa jurídica decorre do fato de ele ter
se beneficiado de uma atividade abusiva e lesiva realizada por meio da
pessoa jurídica. Não se deve afirmar que a dívida é da pessoa jurídica e
que o responsável seria o seu integrante.
(...)
É possível perceber, portanto, que a responsabilidade decorrente da
aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pode
ser confundida com a responsabilidade civil decorrente da ´teoria dualista da
obrigação´, pois com ela se admite que o responsável exerça seu direito de
regresso em face do devedor, caso o primeiro pague a dívida do
segundo.179

Observa-se que as conclusões proferidas são alcançadas porque se


pressupõe que o sócio seria beneficiário do ato ilícito que deu ensejo a
desconsideração da personalidade jurídica, e por isso seria uma responsabilidade
societária. Estabelece-se também uma conclusão por exclusão, em que se fixa uma
dicotomia entre responsabilidade societária e responsabilidade civil, devendo o sócio
se enquadrar em uma dessas categorias. Assim, opta-se pela primeira

Isto porque o sócio que desrespeita a autonomia patrimonial como centro de decisões, agindo como
se fosse titular de poder direto de disposição sobre o patrimônio social (ao invés de exercer simples
direito creditório), atrai para sua esfera de responsabilidade pessoal as consequências desse tipo de
conduta.” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica
– dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 57).
178 “Quanto às questões de responsabilidade, (...) é possível e útil definir um método. Para precisá-lo,

é necessário fazer certas exclusões. A desconsideração entendida como método não pode ser
confundida com uma aplicação da teoria dualista da obrigação, ou seja, da imputação da
responsabilidade a pessoa diferente do devedor. (...) Característica fundamental da responsabilidade
sem dívida é a possibilidade de ressarcimento do sujeito obrigado a pagar perante o devedor. Nas
hipóteses de desconsideração aventadas, evidentemente não é possível imaginar a possibilidade de
ressarcimento do sócio perante a sociedade. Até mesmo do ponto de vista equitativo. Basta pensar
que, em se admitindo o regresso do sócio contra a sociedade, essa seria onerada por uma situação
que teve como beneficiário apenas o acionista controlador. Não é esse, portanto, o elemento
distintivo da desconsideração. Nela, o sujeito responde por dívida própria, decorrente não de um ato,
mas de uma atividade abusiva. Trata-se de uma responsabilidade societária, que não pode ser
confundida com a responsabilidade civil, nem tampouco com responsabilidade civil aplicada ao direito
societário.” (SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 201-
202).
179 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 87-88.


77

(responsabilidade societária), pois, seria inconcebível admitir um direito de regresso


do sócio em face da sociedade180.
Reitera-se o asseverado no início do item 1.2.2 onde se destacou que para
haver atingimento excepcional do patrimônio do sócio não basta inadimplência
(ressalva em relação a teoria menor), mas o efetivo abuso da personalidade jurídica,
e que nem sempre há coincidência entre o ato de abuso da personalidade jurídica e
o ato que fomentou a desconsideração da personalidade jurídica (negócio jurídico
inadimplido).
Passa-se a demonstrar porque este trabalho considera que com a
desconsideração da personalidade jurídica o sócio será responsável secundário181 e
não devedor.

2.2.1 – Atos distintos: o ato de prejuízo ao terceiro (negócio inadimplido) e o


ato que caracteriza o abuso da personalidade jurídica

De início observa-se que considerar o sócio como devedor despreza a teoria


menor. Os autores que defendem que o sócio passaria a ser devedor baseiam-se na
ocorrência de ato fraudulento, no entanto, para teoria menor não é preciso haver
abuso da personalidade jurídica para que o patrimônio do sócio responda pela
dívida.
Mas, o ponto principal que demonstra a fragilidade de considerar o sócio
como devedor, se encontra na premissa da qual partem: considerar que existe
coincidência de atos e de pessoas (sócios) que o praticam, constatando-se sempre
um benefício daquele que abusou da personalidade jurídica 182. Se na confusão

180 Mais adiante se verá que não se insere em nenhuma das categorias, não é responsabilidade civil,
nem responsabilidade societária, mas sim responsabilidade patrimonial (cunho processual e não
material).
181 Também consideram que a responsabilidade do sócio em caso de desconsideração da

personalidade jurídica é secundária: ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo:
Saraiva, 2017; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015; YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo;
CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense. 2015; VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016.
182 Andre Pagani de Souza, que considera que o sócio passa a ser devedor, traz em sua obra o

seguinte exemplo: uma pessoa jurídica, JM Ltda, formada por dois sócios, João e Maria, faz um
empréstimo, e com este empréstimo em vez de investir na empresa, o sócio João utiliza o dinheiro e
constrói uma casa para ele. Ao executar o empréstimo inadimplido verifica-se que a pessoa jurídica
não tinha bens, e por haver confusão patrimonial desconsidera-se a personalidade jurídica, e a casa
do João é utilizada para adimplir a dívida. Conclui o autor que: “Ao aplicar a teoria da
78

patrimonial pode ocorrer que o sócio seja beneficiado pelo ato caracterizador do
abuso da personalidade jurídica, no desvio de finalidade seu patrimônio pode ser
atingido ainda que não tenha qualquer benefício, ainda que seu patrimônio não
tenha sofrido qualquer enxerto indevido da pessoa jurídica183.
Embora possa haver coincidência entre o ato que fomentou o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica (negócio inadimplido) e o ato que
autoriza a desconsideração da personalidade jurídica (abuso da personalidade
jurídica), essa não é a regra, ao contrário, na prática é pouco verificável.
Por exemplo, uma pessoa jurídica faz uma compra de R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) e deixa de pagar, e, quando o credor vai cobrar a dívida constata
que não havia bens em nome da pessoa jurídica. Esse credor verifica que mesmo
sem patrimônio, a pessoa jurídica continua ativa no mercado, sem qualquer
evidência de crise, e, para completar, os sócios ostentavam alto padrão de vida. Há
nessa situação indício de confusão patrimonial que é requisito para desconsiderar a
personalidade jurídica.
Ainda com base na hipotética situação acima descrita, a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica não visa anular o ato de compra e venda,
nem tampouco considerar que foi a pessoa física do sócio a real realizadora do ato
em seu nome próprio, as razões são externas, provenientes de outro ato do devedor

desconsideração da personalidade jurídica, buscou-se considerar que a única pessoa envolvida no


problema era João, que fez mau uso da personalidade jurídica.” (SOUZA, André Pagani de.
Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
p.88).
Veja-se que na situação descrita há coincidência entre o ato que fomentou o pedido de
desconsideração da personalidade jurídica (empréstimo não pago pela pessoa jurídica) e o ato de
confusão patrimonial (o dinheiro do empréstimo foi investido indevidamente em benefício do sócio),
mas nem sempre haverá coincidência.
Essa situação de coincidência entre o ato que motivou o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica (negócio jurídico inadimplido) e o ato que demonstra que há confusão
patrimonial é de difícil ocorrência na prática, e, que inclusive, no exemplo dado pelo autor poderia
ensejar pedidos voltados a validade do negócio jurídico (erro substancial nos termos do art. 139, II do
CC), uma vez que o banco acreditava que estava realizando empréstimo para pessoa jurídica e não
para a pessoa física.
183 Ainda com base no exemplo de Andre Pagani de Souza, poderia a empresa JM Ltda ter investido

o dinheiro do empréstimo internamente, mas ficando inadimplente. No entanto, no momento de


executar o contrato percebe-se que a empresa, que no contrato social tem como objeto atividade de
revenda de material de construção, na verdade é uma imobiliária, um típico caso de desvio de
finalidade: “Haverá desvio de finalidade quando o objeto social é mera fachada para exploração de
atividade diversa”. (NEGRÃO, Ricardo. Direito empresarial: estudo unificado. 5. ed. rev. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 46).
Mesmo sem qualquer acréscimo no patrimônio dos sócios, poderá ocorrer a desconsideração da
personalidade jurídica. Ato que motivou o pedido de desconsideração: empréstimo não pago. Ato que
autorizou a desconsideração da personalidade jurídica: desvio de finalidade.
79

(confusão patrimonial). Pode inclusive serem sócios diversos, por exemplo, o sócio
“A” é responsável por fazer transações em nome da empresa e firmou o contrato de
compra e venda, e o sócio “B” responsável pelo financeiro e pratica atos de confusão
patrimonial.
Se pensar que com o levantamento do véu, a pessoa física passaria a ser
vista como a real realizadora do ato praticado pela pessoa jurídica e que causou
prejuízo, o sócio “A” é que teria o patrimônio invadido, no entanto não é desta
maneira que ocorre. Versa o enunciado 7 da I Jornadas de Direito Civil ocorrida em
2002 que: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver
a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela
hajam incorrido.” Ou seja, quem deve sofrer as consequências da desconsideração
da personalidade jurídica é quem efetivamente abusou da personalidade jurídica,
restando incólume as características do negócio jurídico inadimplido. No exemplo,
quem deverá sofrer invasão do patrimônio com a desconsideração da personalidade
jurídica é sócio “B” e não o sócio “A”.
O que motiva o pedido de desconsideração é um débito não honrado e o que
autoriza a personalidade jurídica ser desconsiderada é o abuso, verificável por
qualquer ato que seja.
Não basta existir um crédito não honrado para pedir a desconsideração da
personalidade jurídica, é preciso que, paralelamente ao não cumprimento da
obrigação por parte da pessoa jurídica, existam elementos que demonstrem abuso
da personalidade jurídica. Frise-se, paralelamente e não coincidentemente.
Mesmo que seja desconsiderada a personalidade jurídica, o sócio não
passará a ser quem realizou aquele contrato de compra, ele será apenas o
responsável patrimonial secundário. Somente uma característica da personalidade
da pessoa jurídica (autonomia patrimonial) será retirada, e não a característica da
personalidade jurídica que autoriza a firmar negócios. A pessoa jurídica continua a
ser um ente autônomo para a prática de negócios, inclusive com aquele mesmo
credor184 e será a responsável patrimonial primária.

184“Ter-se-á a ineficácia temporária da personalidade jurídica para determinados efeitos, afastando a


fraude perpetrada contra terceiro mediante a utilização da autonomia patrimonial da pessoa jurídica,
prosseguindo incólume para atender suas finalidades sociais.” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil
Anotado. 18. ed. São Paulo: Saraiva. 2017. p. 145).
80

Arruda Alvim ao discorrer sobre a desconsideração da personalidade jurídica


sintetiza:

São distintos, como se sabe, os patrimônios de uma pessoa jurídica e o de


seus sócios. Aquelas são dotadas de personalidade jurídica própria e assim,
podem ser titulares de direito e obrigações.
Por tal razão é que, em regra, os sócios não respondem com seu patrimônio
por dívidas contraídas pela pessoa jurídica, do mesmo modo que esta não
responde pelas obrigações daqueles.
Há situações, entretanto, em que a autonomia da pessoa jurídica é utilizada
de modo abusivo, por meio de atos fraudulentos, caracterizados, sobretudo,
pela confusão de seu patrimônio com os dos seus sócios, no intuito de
evitar que determinados bens possam ser objeto de um processo de
execução.
Para esses casos, então, desenvolveu-se a desconsideração da
personalidade jurídica (disregard doctrine), técnica que admite que,
presentes certos requisitos seja desconsiderada a autonomia patrimonial da
pessoa jurídica, permitindo que o patrimônio de seus sócios respondam por
suas dívidas.”185

Enfatiza-se na menção de Arruda Alvim, “titulares de direito e obrigações” e


“desconsiderada a autonomia patrimonial”. A pessoa jurídica, mesmo com a
desconsideração da personalidade jurídica não deixa de ser titular de direitos e
obrigações, é somente a autonomia patrimonial que é desconsiderada. E por
continuar a ser titular de direitos e obrigações é que o negócio inadimplido não sofre
modificação.
Defender o posicionamento de que o sócio é também devedor é aniquilar a
teoria não só da desconsideração da personalidade jurídica, mas da consideração
da pessoa jurídica como ente autônomo que pode praticar atos em seu nome
perfeitamente legítimos.
Até se poderia pensar que quando se sofre a frustração no recebimento de
um crédito, e observa-se que a pessoa jurídica não atende aos preceitos de sua
criação, há certo engodo, tendo havido contratação com uma “falsa” (no sentido de
ente autônomo) pessoa jurídica, mas não é o que preconiza a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração da personalidade
jurídica não ataca o negócio jurídico que teve o recebimento frustrado, apenas tenta,
por outras vias, fazer com que os credores não sejam prejudicados, isso através de
uma quebra da autonomia patrimonial.

185 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil no CPC/15. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2017. p. 109.
81

O crédito frustrado adveio de um negócio jurídico válido nos termos do art.


104 do CC186, e a própria cobrança desse negócio jurídico decorre logicamente da
sua validade. O que se almeja com a desconsideração da personalidade jurídica não
é excluir a pessoa jurídica do negócio, mas sim, em última análise, incluir o
patrimônio do sócio como responsável187. E não é de qualquer sócio, é do sócio que
praticou atos de abuso da personalidade jurídica.
Ao se atribuir ao sócio a característica de devedor retira-se o atributo da
personalidade jurídica referente a capacidade de a pessoa jurídica realizar atos em
nome próprio. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica
não busca considerar a pessoa física a verdadeira realizadora do ato que causou o
prejuízo, pois, isso seria interferir na realização de um ato jurídico perfeito
concretizado por pessoas capazes, e, ainda, sempre considerar que o ato que
autoriza a desconsideração da personalidade jurídica tem ligação direta com o ato
que causou prejuízo ao credor, o que não é verdade.
São situações paralelas: inadimplemento e abuso da personalidade jurídica,
que mesmo não tendo similitude fática, autoriza a invasão do patrimônio do sócio.
Realmente pode ocorrer identidade entre o ato que acarretou a inadimplência
e o ato considerado como fraudulento, mas a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica não se limita a isso.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não visa alterar a
titularidade do negócio jurídico, não tem a finalidade de analisar a capacidade civil
dos realizadores daquele negócio, não se opera no campo das obrigações. Para se
chegar à conclusão de que o sócio se transforma em devedor é preciso considerar a
personalidade jurídica como algo único e não um conjunto com diversos atributos
como tratado no item 1.1.2.
Reforça-se o conceito de que personalidade jurídica é um conjunto de
atributos, tanto que o sócio de uma sociedade de responsabilidade ilimitada pode ter
seu patrimônio respondendo por dívida da sociedade sem ter ligação com débito, ele

186 “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:


I - agente capaz;
II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III - forma prescrita ou não defesa em lei.”
187 Essa é a finalidade da responsabilidade patrimonial secundária, em que um número maior de

pessoas garante o recebimento de uma dívida, independentemente de terem participado da formação


do débito.
82

será parte da execução, não porque é devedor, mas porque é responsável


patrimonial188, e tal qual a situação de desconsideração da personalidade jurídica,
será qualificado como responsável secundário e não primário. Será o que Araken de
Assis189 define como sendo responsável patrimonial secundário direto.
Não se pode confundir os conceitos de sujeito passivo na relação obrigacional
(devedor) com sujeito passivo no processo executivo. É possível ser sujeito passivo
em uma execução sem que isso signifique ligação material com o débito, é
exatamente o conceito de responsabilidade patrimonial secundária190.
Se o sócio de responsabilidade ilimitada, mesmo sem ser devedor responde
com seu patrimônio, obedecendo a subsidiariedade como visto no 1.1.3.1, o mesmo
acontece com o sócio de uma sociedade de responsabilidade limitada, que poderá
ter seu patrimônio constrito em razão da aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica, sem que com isso precise se tornar devedor. Portanto,
aceitar que o sócio que tem o patrimônio atingido em virtude da desconsideração da
personalidade jurídica passa a ser devedor é também deixar de considerar os tipos
societários de responsabilidade ilimitada.
Viu-se no item 1.1, que a pessoa jurídica surgiu com o propósito de ter vida
independente de seus sócios, e, dentre tantos requisitos da personalidade está a
autonomia patrimonial, mas que não é o único traço da personalidade da pessoa
jurídica.

188 “A tutela jurisdicional executiva adota o método de sub-rogação preocupando-se apenas com o
patrimônio da pessoa que se submete aos atos de execução sendo irrelevante sua identificação
como participante da relação jurídica de direito material representada pelo título executivo.
(...)
Desse modo, no plano da tutela jurisdicional executiva, a relação jurídica processual considera que a
condição jurídica de parte pode ser assumida por quem não figura necessariamente na qualidade de
sujeito ativo ou passivo da relação obrigacional.” (CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves
Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
1894).
189 ASSIS, Araken de. Manual da execução. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 312.
190 Rogerio Licastro Torres de Melo faz estudo sobre a condição de responsável secundário e a

colocação no polo passivo de um processo executivo, dividindo em três correntes: (i) afirmativa, na
qual o responsável secundário seria legitimado executivo e poderia manejar embargos à execução;
(ii) corrente intermediária que nega a condição do responsável secundário como parte legítima no
processo executivo, mas autoriza, como terceiro, a defesa através de embargos à execução e (iii)
posição negativa, no sentido de que o responsável secundário não seria parte na execução e,
portanto, não poderia apresentar embargos à execução.
O mencionado autor ainda apresenta o posicionamento de Sergio Shimura destacado das três
correntes, pois, segundo o autor, não seria possível enquadrar em nenhuma dela, pois para esse
último autor, o responsável patrimonial não seria parte legítima em uma execução, apenas seus bens
respondem por aquela ação. (MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva
secundária. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 146-151).
83

Leonardo Netto Parentoni191, ao dizer que quando ocorre a desconsideração


da personalidade jurídica o sócio atrai para si a obrigação fala em desconsideração
não no sentido da autonomia patrimonial, mas no sentido pessoal. Deixa de
considerar que determinado negócio foi realizado por uma pessoa jurídica, olhando-
se para dentro dela, considerando que quem fez o negócio foi a pessoa física
integrante. O alcance do patrimônio do sócio aparece como um segundo passo
(considera-se que o sócio é quem realizou e negócio jurídico e por isso deve
responder com seu patrimônio), no entanto, estas etapas (o sócio é o real realizador
logo responderá com seu patrimônio), são desnecessárias em situações de
responsabilidade patrimonial secundária.
Não é preciso ultrapassar esse obstáculo, não se faz necessário ingressar no
campo das obrigações alterando o negócio jurídico para que o sócio seja
responsabilizado.
Analisando o posicionamento de Rogerio Licastro Torres De Mello (que
defende a responsabilidade secundária do sócio), André Pagani de Souza exacerba
o que este trabalho considera como sendo o propulsor do equívoco que leva a
conclusão de que o sócio passa a ser obrigado:

Com o devido respeito, não se pode concordar com essa argumentação


pois a personalidade jurídica é desconsiderada não haverá mais a tal
pessoa jurídica para se afirmar que ela é devedora. Haverá sim, uma única
pessoa para se atribuir a dívida e a responsabilidade: o integrante da
pessoa jurídica cuja personalidade foi desconsiderada. Pensar de maneira
diferente seria negar as próprias premissas da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica.192

O autor parte da premissa de que com a desconsideração da personalidade


jurídica a pessoa jurídica deixa de existir (“não haverá mais a tal pessoa jurídica para
se afirmar que ela é devedora”), mas isso seria negar as premissas da teoria. A
pessoa jurídica não deixará de existir, ao contrário, continuará ativa e, em tendo
patrimônio, responderá pela dívida193. Há no caso dupla responsabilidade

191 PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –


dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 57.
192 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.89.


193 Aqui se insere o conceito de bens futuros. Se durante o processo de execução a pessoa jurídica

adquirir algum bem que possa garantir a dívida responderá com esse bem e, portanto, aceitar o
posicionamento de que a pessoa jurídica deixa de existir para aquele momento é retirar uma
84

patrimonial: a responsabilidade primária da pessoa jurídica (art. 789 do CPC) e a


responsabilidade secundária dos sócios (art. 790 do CPC).
Pelo conjunto da obra, sabe-se que o referido autor compreende e analisa
com profundidade a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, afirmando
por diversas vezes que não se extingue a pessoa jurídica com a desconsideração, e
talvez, a conclusão contrária da qual aqui se imprime, se dê em razão da dificuldade
que se tem de enxergar a pessoa jurídica como ente autônomo e totalmente
destacado de seus sócios. Dificuldade imposta pela própria forma de nascimento da
pessoa jurídica que além de tomar o ser humano como objeto de percepção, contém
o ser humano na sua formação.
Os outros responsáveis patrimoniais secundários não estão contidos dentro
do obrigado, não há integração psíquica, por isso a dissociação é mais fácil.
A corrente que defende que o sócio se torna devedor restou ainda mais
enfraquecida com o Código de Processo Civil, ante os incisos do art. 790, pois
mesmo constando no inc. II a responsabilidade patrimonial dos sócios nos termos da
lei, consta no inciso VII194 a responsabilidade do sócio em casos de
desconsideração da personalidade jurídica.
Não há redundância ao se apresentar dois incisos no artigo 790 do CPC
tratando da responsabilidade secundária dos sócios195, e talvez tenha sido inserido
de maneira expressa o inciso VII do art. 790 para afastar alguns posicionamentos
firmados sob a égide do CPC/73 de que a responsabilidade secundária não se
aplicava nos casos de desconsideração da personalidade jurídica 196. Não resta
dúvida com o art. 790, inc. VII do CPC197 que o sócio é responsável secundário198 e
não devedor.

possibilidade a mais do credor conseguir receber seu crédito, que é através de bens futuros da
pessoa jurídica que continua a ser responsável patrimonial.
194 “São sujeitos à execução os bens: (...) VII do responsável, nos casos de desconsideração da

personalidade jurídica.”
195 Araken de Assis coloca o art. 790, II do CPC como sendo responsabilidade secundária direta do

sócio e o art. 790, IV do CPC como responsabilidade secundária indireta (ASSIS, Araken de. Manual
da execução. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 312).
196 “A hipótese do inciso II do art. 592 do CPC exige atenção redobrada para interpretá-la. Tal

dispositivo, que atribui responsabilidade patrimonial secundária ao sócio, não se refere à aplicação da
teoria da desconsideração da personalidade jurídica, mas sim a outras hipóteses de
responsabilização dos sócios por dividas da sociedade.” (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração
da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 115/116).
197 Christian Garcia Vieira embora assevere que a responsabilidade do sócio atingida pela

desconsideração da personalidade jurídica é secundária, compreende que está tipificada no inc. II do


art. 790 e não no inc. IV como ora aqui se defende: “O reconhecimento da desconsideração terá
85

Ainda há o art. 795 que ao estipular que “os bens particulares dos sócios não
respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei”, reforça a
autonomia da pessoa jurídica em relação às pessoas físicas que a compõe, e a
dúvida que poderia pairar se seria aplicável no caso da disregard doctrine, com o
teor do §4º199 do citado artigo, que fala expressamente na desconsideração da
personalidade jurídica, se esvai.
Outro ponto do Código de Processo Civil que reforça que o sócio é
responsável secundário foi a opção por requerer a desconsideração da
personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença e no processo de
execução. Flavio Luiz Yarshell, tratando sobre a diferença de débito e
responsabilidade assim sintetiza:

Se o demandante entende que determinada pessoa está obrigada (plano do


débito) a determinada prestação, ele tem o ônus de inserir o suposto
devedor no polo passivo da relação processual em sua fase cognitiva. Isso
porque uma coisa é desconsiderar personalidade para estender
responsabilidade patrimonial; outra - juridicamente inviável – é instaurar
execução ou cumprimento de sentença à míngua de título executivo. ” 200

Mais adiante continua o autor:

Não se trata de demanda que imponha dever de prestar ou, por outras
palavras, não se cuida de demanda condenatória. Ao acolher o pedido o
que o juiz faz é reconhecer a responsabilidade patrimonial, e, dessa forma,
liberar os meios executivos sobre patrimônio de pessoa que não figura
como devedor.201

apenas o resultado de atribuir aos sócios mera responsabilidade (Haftung) e não transferência da
obrigação (Schuld). Esse posicionamento foi acolhido pelo CPC/15, tanto que, para efeitos de
atribuição da responsabilidade patrimonial do sócio (ou sociedade) atingido pela desconsideração,
aplica-se o disposto nos arts. 790, II, e 796. Trata-se, portanto de responsabilidade executiva
secundária.” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 49).
198 Após explicar o inc. I do art. 790 do CPC, José Maria Câmara Junior assim trata: “Os demais

incisos tratam da denominada responsabilidade executiva secundária e excepcionam a regra geral de


que ninguém terá seu patrimônio afetado por dívida e obrigação de terceiro. O sistema alberga a
hipótese especial em que terceiros, ou seja, pessoas que não assumiram a obrigação, tampouco
sucederam o devedor, possam figurar na qualidade de parte, e, portanto, assumir a qualidade de
legitimados passivos na execução.” (CÂMARA JUNIOR, José Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao
Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1895).
199 Tanto o §4º como o caput do art. 795 utilizam o vocábulo “bens” o que reforça a conclusão de que

é tão somente o patrimônio do sócio que responderá excepcionalmente em caso de desconsideração


da personalidade jurídica, mas esse sócio não passará a ter ligação com o débito.
200 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários

ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 230.


201. YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.).

Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 231.
86

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica não visa punir o sócio,


nem tampouco deixar de considerar válidos os atos feitos pela pessoa jurídica
atribuindo a outrem a titularidade, mas apenas alcançar o patrimônio desse sócio.
Paulo Henrique Torres Bianchi, também adepto da responsabilidade
secundária do sócio atingido pela desconsideração da personalidade jurídica,
esclarece:

Não há criação de qualquer vínculo jurídico entre credor e sócio, já que este
jamais esteve adstrito a satisfazer uma prestação. Nem mesmo obrigação
de pagar, porque o devedor é a pessoa jurídica. A desconsideração nada
mais é que uma forma de instituição de responsabilidade patrimonial por
dívida de terceiro. Ou como diz a doutrina, responsabilidade executiva
secundária.202

A Lei material, também reforça o que ora se defende. O art. 50 do CC


menciona extensão dos efeitos de determinadas obrigações, e não imputação
dessas obrigações, e complementa que esses efeitos recaem sobre os bens dos
administradores e sócios e não sobre as pessoas dos administradores e sócios.
Tudo reforçando o caráter de responsabilidade patrimonial e não a característica de
devedor (obrigado).
Conclui-se que não é possível aceitar que o sócio passa a ser devedor sob o
argumento de que ele seria o beneficiário do ato fraudulento, e com isso atrairia para
si a obrigação. O sócio que tiver o patrimônio atingido pela desconsideração da
personalidade jurídica terá realizado o ato fraudulento que levou a desconsideração,
mas não necessariamente terá sido ele quem realizou o negócio jurídico que teve o
recebimento do crédito frustrado, por isso não é cabível dizer que se passa a
enxergar a pessoa física como a real realizadora do negócio jurídico inadimplido.
Outro ponto comum nos argumentos dos defensores de que o sócio passa a
ser devedor, baseia-se na teoria da responsabilidade civil e o direito de regresso.
Passa-se, então, a analisar porque no caso não há direito de regresso.

2.2.2 – Responsabilidade sem dívida e o direito de regresso

202BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica no processo civil.


São Paulo: Saraiva, 2011. p 168.
87

Os autores que, por exclusão, defendem que o sócio passará a ser devedor e
não responsável sem dívida, o fazem por considerar que em todos os casos de
responsabilidade sem dívida há direito de regresso. Assim, diante das razões que
autorizam a desconsideração da personalidade jurídica, seria descabido
proporcionar direito de regresso aquele que agiu de maneira indevida203.
Por isso faria mais sentido dizer que a responsabilidade é societária e o sócio,
com a desconsideração da personalidade jurídica, passará a ser devedor e não
mero responsável secundário. Sendo devedor, o sócio estará respondendo por
dívida própria com seu patrimônio, não havendo de se falar em direito de regresso.
Ocorre que essa conclusão é alcançada porque se analisa a responsabilidade
indireta (direito material) e transporta para o direito processual, sem verificar as
peculiaridades da situação do sócio, e de como tem o patrimônio atingido. A
situação não é de responsabilidade civil, nem de responsabilidade societária, ambas
situações de direito material, a responsabilidade do sócio insere-se na seara
processual.
Não se trata da concepção civil de responsabilidade sem dívida na qual
inexiste culpa. Responsabilidade indireta com consequente atingimento do
patrimônio de terceiro não se confunde com responsabilidade patrimonial
secundária.
Rogerio Licastro Torres Mello faz distinção entre responsabilidade patrimonial
como consequência da responsabilidade indireta (responsabilidade patrimonial por
fato de outrem) e responsabilidade patrimonial executiva (responsabilidade
patrimonial por débito de outrem):
Essa circunstância de responsabilidade patrimonial executiva por débito
alheio não se mescla com as hipóteses de responsabilidade patrimonial por
fato de outrem, no mais das vezes advinda de responsabilização solidária
de caráter civil.
O divisor de águas entre essas duas situações é a inexistência de débito
próprio na hipótese de responsabilidade executiva secundária, além de ser
esta materializável diretamente na seara executiva, ao passo que nos
cenários de responsabilidade patrimonial por fato de outrem, em geral há
estipulação legal responsabilizando alguém por agir alheio, geralmente em
caráter solidário, porém exigente de apuração judicial prévia com

203 “Também não faz sentido que o sócio após ter o seu patrimônio constrido e efetivamente alienado
e em decorrência da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, possa exercer
suposto direito de regresso em face da sociedade, exigindo ressarcimento daquilo que perdeu (...)
Ainda, outro desdobramento prático dos comentários feitos anteriormente traduz-se na imposição de
tratar-se o sócio – após a decretação da desconsideração da personalidade jurídica – como parte e
não como terceiro.” (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 91).
88

consequente condenação em processo cognitivo, vale dizer, o responsável


patrimonial por fato de outrem será responsável executivo primário, porque
necessariamente terá que ter tido contra si a prolação de sentença
condenatória prévia (será portanto devedor e responsável patrimonial). 204

Quando a responsabilidade patrimonial por ato alheio é consequência de uma


responsabilidade indireta, o responsável deve estar presente no processo de
conhecimento, pois a responsabilização está ligada a uma condição pessoal imposta
pela lei, devendo ser respeitado os limites subjetivos da coisa julgada. Assim, o
terceiro responderá por débito próprio ainda que tenha surgido de um ato alheio.
Mas, o que se considera a pedra de toque, e que realmente afasta o direito de
regresso, é que embora haja responsabilidade do sócio sem dívida, essa
responsabilidade não é sem culpa, diferente do que ocorre com outros responsáveis
secundários.
A responsabilidade patrimonial do cônjuge (art. 790, IV do CPC), por exemplo,
não está atrelada a nenhum ato ilícito praticado. O cônjuge responderá
independentemente de qualquer conduta culposa, não é o que acontece com o
sócio.
Antes de tratar especificamente sobre as questões processuais de
responsabilidade sem dívida, importante trazer alguns ensinamentos de direito civil
referente a existência de responsabilidade civil, sem que necessariamente exista
atuação de pretenso obrigado de maneira ativa para ocorrência do ato ilícito.
A ligação entre responsabilidade sem dívida e o direito de regresso encontra-
se presente no art. 934 do CC205 de maneira genérica, sendo verificada em muitas
outras passagens do Código Civil206. Em todas as situações o direito à ação

204 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p 213.
205 “Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago

daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou
relativamente incapaz.”
206 Direito de regresso do fiador – Art. 831 do CC: “O fiador que pagar integralmente a dívida fica sub-

rogado nos direitos do credor; mas só poderá demandar a cada um dos outros fiadores pela
respectiva quota.”
Direito de regresso do avalista – Art. 899 do CC: “O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar; na
falta de indicação, ao emitente ou devedor final.
§ 1° Pagando o título, tem o avalista ação de regresso contra o seu avalizado e demais coobrigados
anteriores.”
Direito de regresso do endossante - Art. 914 do CC: “Ressalvada cláusula expressa em contrário,
constante do endosso, não responde o endossante pelo cumprimento da prestação constante do
título (...) § 2o Pagando o título, tem o endossante ação de regresso contra os coobrigados
anteriores.”
89

regressiva surge porque a responsabilidade civil foi imputada independentemente de


culpa, com o fito exclusivo de evitar prejuízo de terceiros.
Silvio de Salvo Venosa explicando responsabilidade civil indireta
(denominação de direito civil para aquele que é compelido a indenizar
independentemente de ter agido de maneira indevida):

Cada vez mais, o direito positivo procura ampliar as possibilidades de


reparação de prejuízos causados ao patrimônio de alguém. Na introdução
dessa matéria apontamos a primeira ideia de responsabilidade que aflora,
dentro do conceito de equidade e justiça, é fazer com que o próprio
causador do dano responda pela reparação dos prejuízos (...) Trata-se de
responsabilidade direta do causador do dano o de responsabilidade por fato
próprio.
No entanto, se unicamente os causadores dos danos fossem responsáveis
pela indenização, muitas situações de prejuízo ficariam ‘irressarcidas’. Por
isso, de há muito, os ordenamentos admitem que, em situações descritas na
lei, terceiros sejam responsabilizados pelo pagamento do prejuízo, embora
não tenham concorrido diretamente pelo evento. 207

Transferindo os ensinamentos de Silvio de Salvo Venosa para o direito


processual, tem-se que, em um primeiro momento, o próprio causador (pessoa
jurídica) do dano (inadimplência) deve responder com seu patrimônio
(responsabilidade primária), no entanto, se somente fosse essa forma de
responsabilidade patrimonial prevista, em muitas situações haveria frustração, e
então, assim como a lei civil pontua situações de responsabilidade indireta
(responsabilidade civil sem a prática do ato ilícito), a lei processual traz situações de
responsabilidade patrimonial secundária (responsabilidade patrimonial sem dívida).
Civilmente aquele que é compelido a pagar indenização por ato que não
praticou (responsabilidade civil indireta), tem o direito de regresso garantido por
lei208, mas esse direito de regresso somente existe porque há desconexão do
responsabilizado com o ato. O terceiro responsabilizado em nada contribuiu para a
ocorrência do ato ilícito.

207VENOSA, Silvio Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 81.
208“O terceiro que suporta a indenização pode voltar-se contra o causador do dano para receber o
que pagou. Busca-se restabelecer o equilíbrio patrimonial. (...) Esse direito regressivo, estampado de
forma genérica pela actio in rem verso, é de justiça cristalina. Trata-se de regra genericamente aceita
pelas legislações.” (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil. 10. ed. São
Paulo: Atlas, 2010. p.117).
90

Tanto é desta forma que, caso o terceiro tenha contribuído minimante para a
ocorrência do ilícito209, descaberá falar em ação regressiva. Mais similitude com a
situação do sócio é notada em relação a ausência de direito de regresso dos pais
em face do filho menor, isso porque os pais têm um dever moral de responder por
atos de seus filhos, ou seja, mesmo que os pais sejam obrigados a pagar
indenização por um ato ilícito cometido por seu filho não caberá direito de regresso.
Nota-se que na doutrina civil de responsabilidade indireta há exceção ao
direito de regresso, em que mesmo o terceiro sendo responsabilizado por ato que
não praticou, não haverá direito de regresso.
Esse é o primeiro ponto que descabe falar em direito de regresso do sócio em
face da pessoa jurídica. Embora o sócio não tenha ligação com o ato ilícito de
inadimplemento (o negócio jurídico foi validade realizado pela pessoa jurídica), tem
completa ligação com o ato que levará a sua responsabilização de maneira
secundária (abuso da personalidade jurídica).
Se observa no raciocínio dos que defendem que o sócio que tem o patrimônio
atingido em virtude da desconsideração da personalidade jurídica passa a ser
devedor, que, se une em um único ato a inadimplência e os atos caracterizadores do
abuso da personalidade jurídica. São dois atos distintos: o primeiro que caracteriza a
inadimplência da pessoa jurídica (culpa da pessoa jurídica que não cumpriu com sua
obrigação), e o segundo que caracteriza o abuso da personalidade jurídica (culpa do
sócio que abusou da personalidade jurídica).
O sócio que tiver seu patrimônio invadido não será considerado um simples
responsável sem dívida, mas um responsável sem dívida que agiu com culpa, e por
isso passou a ser responsável secundário.
Não há de se falar em responsabilidade civil por ato alheio no caso da
decisão que desconsidera a personalidade jurídica porque, embora a inadimplência
seja de terceiro (pessoa jurídica), o abuso da personalidade jurídica é realizado pelo
sócio. O abuso é percebido pela pessoa jurídica, mas quem abusa é a pessoa física,
haja vista a impossibilidade de um ser abstrato praticar atos volitivos.

209 Por exemplo, o empregador é responsável civilmente por ato de seus empregados, de tal sorte
que é um responsável indireto, e que, portanto, poderia voltar-se contra o empregado. No entanto, a
jurisprudência consagrou que se a atuação culposa do empregado foi mínima, não caberá direito de
regresso do empregador.
91

O efeito da desconsideração da personalidade jurídica é responder por dívida


alheia, mas a decisão baseia-se em ato próprio do sócio. Veja-se que é diferente
dos outros casos de responsabilidade secundária em que não existe qualquer ato
diverso do que ensejou o inadimplemento, não existe apuração de qualquer situação
para que seja caracterizada a responsabilidade secundária, a qual é ligada a uma
condição pessoal (ser cônjuge, ser sucessor, etc.).
É bem verdade o que assevera Calixto Salomão Filho210 que “característica
fundamental da responsabilidade sem dívida é a possibilidade de ressarcimento do
sujeito obrigado a pagar perante o devedor”, no entanto, a responsabilidade sem
dívida do sócio decorre da verificação de atos culposos, que não acontece nos
demais responsáveis secundários. Afasta-se a lógica de direito de regresso de
responsabilidade sem culpa.
O direito de regresso ocorre quando há responsabilidade sem culpa, e no
caso da responsabilidade secundária do sócio não é o que acontece. Inclusive o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica assim reforça na medida em
que a culpa do sócio, e que enseja a responsabilidade secundária, estará
consubstanciada em um título judicial, portanto, que impede uma ação regressiva.
Reitera-se o enunciado 7 da I Jornadas de Direito Civil ocorrida em 2002
destacado no item anterior de que não é qualquer sócio que pode ser
responsabilizado por dívida da sociedade, o sócio que for considerado judicialmente
como um responsável secundário será porque agiu com culpa.
O sócio que tiver seu patrimônio atingido pela desconsideração da
personalidade jurídica não terá direito de regresso, pois, embora responda sem
dívida (Schuld), não é um responsável (Haftung) sem culpa.

2.3 – Sócio como responsável secundário e sua inclusão no processo principal

Conclui-se que com a desconsideração da personalidade jurídica o sócio


passa a ser responsável secundário e não devedor. No entanto, o problema que
surge, e que, vale dizer, foi motivador para criação do incidente processual, é saber
como o responsável secundário será incluído no processo.

210 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 236-237.
92

Reitera-se que, diferentemente de outros responsáveis secundários, a


responsabilidade do sócio não está ligada a uma condição pessoal de fácil
constatação211. Para ser alcançada a responsabilidade do sócio é preciso preencher
requisitos legais que demonstrem que houve abuso da personalidade jurídica 212.
Não é qualquer sócio em caso de inadimplemento que passa a ser responsável
secundário, mas aquele sócio que abusou da personalidade jurídica (enunciado 7 da
I Jornadas de Direito Civil), e este abuso precisa ser apurado através de provas.
Quando se fala em provas, automaticamente se liga a contraditório e que
antes da Lei n. 13.105/15, na ânsia de alcance da tão sonhada efetividade dos
processos, era praticamente ignorado. Notou-se ao longo dos anos um aumento
considerável dos casos de desconsideração da personalidade jurídica, em que a
simples existência do ato motivador do pedido de desconsideração (inadimplência),
sem se atentar de forma correta (obediência ao contraditório) ao ato autorizador
(confusão patrimonial e desvio de finalidade), já era suficiente para invadir o
patrimônio do sócio, muitas vezes de ofício. Acarretou em uma verdadeira crise da
desconsideração da personalidade.

211 O cônjuge, por exemplo (art. 790, IV), tem a responsabilidade secundária ligada a fato de fácil
constatação: o credor somente precisa provar que o devedor é casado ou vive em união estável, e,
ainda que possa demandar a produção de provas para demonstrar que a dívida feita não foi em
proveito do casal, essa é a exceção, pois nos termos da lei civil (art. 1.644 do CC - “As dívidas
contraídas para os fins do artigo antecedente obrigam solidariamente ambos os cônjuges”) as dívidas
adquiridas na constância no casamento se comunicam.
Nesse sentido destaca-se o posicionamento de Cassio Scarpinella Bueno: “Se presume que a dívida
contraída por um dos cônjuges beneficia o casal, os bens comuns respondem pela dívida. É ônus do
cônjuge não executado comprovar que não houve qualquer benefício.“ (BUENO, Cassio Scarpinella.
Curso Sistematizado de Direito Processual Civil - tutela jurisdicional executiva. vol. 3. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 265), de igual forma Maria Helena Diniz: “Os cônjuges que contraírem
dívidas para adquirir bens necessários a economia doméstica (CC, art. 1643, I e II), responderão por
elas solidariamente, podendo o credor acionar qualquer deles para obter o que lhe é devido (CC arts.
275 e 285). O patrimônio de ambos ficará obrigado, tendo em vista que aqueles atos foram praticados
no interesse da família.” (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 18. ed. São Paulo: Saraiva.
2017 p. 1286).
Assim sendo, é compreensível que o contraditório seja exercido via embargos de terceiro, pois a
regra da responsabilidade secundária nesse caso está ligada a simples condição do estado civil do
devedor.
212 “Mas as situações que legitimam passivamente o sujeito a execução forçada, seja em termos de

legitimidade de obrigados (art. 568) ou de meros responsáveis (art. 592) nem sempre são límpidas e
independentes de instrução probatória. É como acontece no caso examinado em que a credora
alegava ter havido fraude na retirada do sócio-gerente da sociedade devedora e subscrição de quotas
de uma outra sociedade. A fraude foi veementemente negada pela executada (a consulente) e sequer
foram alegados atos que realmente tivessem ocasionado alguma diminuição patrimonial lesiva a
credora. Em casos assim, não se mostrando clara a situação de fato perante o juiz do processo
executivo, não lhe será lícios aceitar prima facie a situação legitimadora a excussão de bens do
sucessor, ou do sócio, ou mesmo da sociedade por obrigações do sócio...” (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Desconsideração da personalidade jurídica, fraude e ônus da prova. In Fundamentos do
Processo Civil Moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros. p. 1197).
93

Diferentemente de outros responsáveis patrimoniais (que igualmente não tem


ligação material com o débito), o sócio, para ter o patrimônio atingido, precisa que
seja verificada situação de direito material estranha ao objeto da ação principal, que
em termos gerais é o abuso da personalidade jurídica constatado através de desvio
de finalidade e de confusão patrimonial.
O sucessor que tem seu patrimônio atingido em decorrência de uma
execução (inc. I do art. 790), a esposa que tem sua meação respondendo por dívida
de seu marido (inc. IV do art. 790), assim respondem por uma condição pessoal,
independentemente da análise de qualquer elemento estranho.
Já o sócio não passa a responder com seu patrimônio por ocupar essa
posição pessoal de integrante da sociedade, é preciso que além de ser sócio tenha
agido abusando da personalidade jurídica. Trata-se de uma responsabilidade
patrimonial secundária que somente existe se houver a confirmação da prática de
um ilícito.
Os legitimados a terem seus bens expropriados em responsabilidade primária
são as pessoas descritas no art. 779 do CPC, e ainda que seja possível atingir
patrimônio de quem não consta no rol do mencionado artigo 779 do CPC
(responsabilidade secundária do art. 790 do CPC) não se trata de legitimidade
ordinária213. Distinguindo legitimação ordinária da extraordinária, Humberto

213 A legitimidade ad causam divide-se em legitimação ordinária e extraordinária, e tem por critério a
ligação com o objeto litigioso. (DIDIER JR., Fredie. Fonte normativa da legitimação extraordinária no
Novo Código de Processo Civil: a legitimação extraordinária de origem negocial In
http://www.frediedidier.com.br/artigos/fonte-normativa-da-legitimacao-extraordinaria-no-novo-codigo-
de-processo-civil-a-legitimacao-extraordinaria-de-origem-negocial/. Acesso em 07/11/2017).
A pessoa jurídica tem legitimidade ordinária porque tem ligação com o débito que originou a
cobrança, e o sócio que vier a ser considerado como responsável secundário, após a
desconsideração da personalidade jurídica, terá legitimidade extraordinária.
Fabio Ulhoa Coelho, que como se verá no próximo capítulo, antes do Código de Processo Civil de
2015 e a criação do incidente, defendia a necessidade de um processo autônomo para apurar a
responsabilidade do sócio, reconhecendo assim a condição de terceiro desse sócio em relação ao
débito. No entanto, ao mencionar sobre a possibilidade de haver situação ensejadora de
desconsideração antes da propositura da ação de execução dizia que a pessoa jurídica passaria a
ser parte ilegítima: “Quando a fraude na manipulação da personalidade jurídica é anterior à
propositura da ação pelo lesionado, a demanda deve ser ajuizada contra o agente que a perpetrou,
sendo a sociedade a ser desconsiderada parte ilegítima.” (COELHO. Fabio Ulhoa. Curso de Direito
Comercial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016).
Ocorre que considerar a pessoa jurídica como parte ilegítima é negar a sua condição de ente
independente capaz de firmar negócios. A pessoa jurídica, ainda que já exista fraude quando for
proposta ação de execução sempre será a devedora (Schuld) e o sócio tão somente o responsável
(Halftung), haverá no caso um litisconsórcio. Vale dizer, que se seguir o posicionamento de Sergio
Shimura o sócio nunca será parte, apenas responsável patrimonial, a apresentação de ação somente
em face do sócio seria extinta sem julgamento do mérito por ilegitimidade de parte (SHIMURA,
Sérgio. Título executivo. 2. ed. São Paulo: Método. 2005. p. 81).
94

Theodoro Junior esclarece que não se deve confundir sujeito de direito material
como sujeito processual:

Do lado passivo, normalmente os dois elementos se reúnem numa só


pessoa, o devedor, sendo certo que não pode existir dívida sem
responsabilidade. Mas, o contrário é perfeitamente possível, pois uma
pessoa pode sujeitar seu patrimônio ao cumprimento de uma obrigação sem
ser o devedor. É o que se passa, por exemplo, com o fiador judicial, diante
da dívida do executado, ou com o sócio solidário frente à dívida da
sociedade
(...)
Tem-se, aí, a consagração legal evidente da dissociação dos elementos da
obrigação, ou seja, a dívida e a responsabilidade.
Há, portanto, profunda diferença de natureza jurídica entre a relação que
vincula o devedor ao credor - que é de direito material - e a relação que
sujeita o responsável ao juízo de execução - que é de direito processual.
Enquanto na primeira existe obrigação, na segunda há sujeição. Assim, os
bens do responsável (devedor ou não), sofrem os efeitos da execução em
virtude de sujeição inerente à relação de direito processual, que torna os
bens do mesmo responsável destinados à satisfação compulsória do direito
do credor.214

Os sócios são indiscutivelmente terceiros e que, embora não tenham relação


com o direito material discutido em Juízo, poderão ser sujeitos passivos na relação
processual. No entanto, como no caso dos sócios de sociedade de responsabilidade
limitada é preciso a demonstração de que houve abuso da personalidade jurídica e
quem efetivamente abusou (a desconsideração da personalidade jurídica não atinge
qualquer sócio), é primordial a dilação probatória. Humberto Theodoro Junior, 15
anos antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, já asseverava
dessa maneira:

De maneira geral, e não apenas na cobrança do crédito tributário, o sócio


pode ser executado por dívida da sociedade, "nos termos da lei", conforme
prevê o art. 592, II, do CPC215. Não são, porém, todos os sócios
responsáveis pelas dívidas da sociedade. Somente a lei define como e
quando essa responsabilidade ocorre, como se deduz dos termos do citado
art. 592, II, do CPC.
Trata-se de legitimidade extraordinária, porque o devedor originário não é o
sócio, mas a sociedade.
(...)
Somente depois de acertado em processo adequado o fato gerador da
responsabilidade pessoal do gerente se terá título capaz de transformá-lo
em sujeito passivo da respectiva execução forçada. 216

214 THEODORO JUNIOR, Humberto. Partes e Terceiros na execução – responsabilidade patrimonial


in Revista de Processo. Vol. 100, Out.- Dez. 2000. p. 139 – 165.
215 Atual art. 790, II, CPC.
216 THEODORO JUNIOR, Humberto. Partes e Terceiros na execução – responsabilidade patrimonial.

In Revista de Processo. Vol. 100, Out.- Dez. 2000. p. 139 – 165.


95

No entanto, sob a égide do Código de Processo Civil de 1973 não era


somente após a apuração da responsabilidade secundária que o sócio se
transformava em executado, muito menos essa apuração se dava em processo
adequado, o que acontecia com frequência é que o sócio somente vinha a saber da
responsabilização secundária após sofrer penhora de seus bens. Urgia a criação de
um mecanismo processual. Com a criação do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, somente após apurada a responsabilidade secundária do
sócio em um ambiente de pleno contraditório, é que este sócio estará apto a ser
parte no processo que cobra dívida da pessoa jurídica (art. 790, VII do CPC).
Responsabilidade patrimonial sem dívida.
Mas surge situação curiosa ao se autorizar a instauração durante a fase de
conhecimento, não só porque se apura a responsabilidade secundária antes de
existir a responsabilidade primária, mas porque há uma transmutação na condição
do sócio.
Quando se dá cumprimento a decisão interlocutória que desconsiderou a
personalidade jurídica ainda durante a fase de conhecimento do processo principal,
o sócio ingressará como parte no processo de conhecimento, e então, a sentença irá
lhe alcançar, não sendo mais uma exceção aos limites subjetivos da coisa julgada
como estipula do art. 790 do CPC. O sócio que ingressou no processo principal por
ser responsável secundário, com eventual sentença condenatória, passará a ser
obrigado. O sócio não será mais responsável sem dívida, constará expressamente
no título judicial. Transmuta-se o conceito de responsabilidade secundária do sócio
(responsabilidade patrimonial sem dívida), para responsabilidade indireta
(responsabilidade civil por ato de terceiro – pessoa jurídica). Esse ponto será melhor
examinado no capítulo 5.
Finaliza-se o presente capítulo consignando que o sócio atingido pela
desconsideração da personalidade jurídica é responsável patrimonial secundário, e
embora possa ser parte em processo movido em face da pessoa jurídica, nunca será
devedor.
96

CAPÍTULO 3 – O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE


JURIDICA

Diversos textos217 e até mesmo obras inteiras218 dedicaram-se ao estudo dos


aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica antes do
Código de Processo Civil de 2015. O que se via eram posicionamentos conflitantes,
tanto em relação ao momento processual de se requerer a desconsideração, como
referente a iniciativa da parte, e ao veículo processual.
Havia posicionamento de que o patrimônio do sócio somente poderia ser
atingido se o pedido de desconsideração da personalidade jurídica fosse no
processo de conhecimento219 (alegação de nulla executio sine titulo), e
posicionamento de que seria possível no processo de execução ou na fase de
cumprimento de sentença220.
Referente a iniciativa da parte, observava-se posicionamento favorável a
atuação de ofício221, e posicionamento defendendo o princípio do dispositivo222.

217 LIMBORÇO, Lauro. Disregard of Legal Entety. In Doutrinas Essenciais de Direito Civil. Vol. 3. São
Paulo: Revista dos Tribunais, Out. 2010; DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da
desconsideração da personalidade jurídica. In DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.).
Reflexos do novo Código Civil no direito processual. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2007; ARRUDA
ALVIM, Eduardo; GRANADO, Daniel Willian. Aspectos processuais da desconsideração da
personalidade jurídica. In Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense. Nov.- Dez. 2010. p. 63-84.
218 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2009; PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da
personalidade jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo:
Quartier Latin, 2014; SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da
personalidade jurídica: aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
219 Seguindo o raciocínio de que o sócio seria um responsável primário, Leonardo Netto Parentoni,

mesmo constatando em sua obra que na prática 94% dos casos ocorriam em execução, defendia que
era necessário o sócio estar presente na fase de conhecimento: “Com efeito, na desconsideração da
personalidade jurídica o sujeito desconsiderado não é simplesmente responsável, mas verdadeiro
obligatio direto (...) Portanto, não pode ser incluído no processo apenas na fase de execução (como
ocorreria se houvesse responsabilidade patrimonial subsidiária, que se manifesta justamente nessa
fase).” (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade jurídica –
dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014. p. 57).
220 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2009.


Fabio Ulhoa defendia que seria possível em processo de execução e em fase de cumprimento de
sentença, mas, diferente de Gilberto Gomes Bruschi, tratava que seria preciso um processo de
conhecimento para que fosse formado um título em nome do sócio e, só a partir de então, seria
incluído na execução. (COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 2014. p. 55).
221 SILVA, Osmar Vieira da. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. Rio de

Janeiro: Renovar, 2002. p.158.


“A permissão de desconsideração sem provocação está em conformidade com o sistema que admite
o reconhecimento ex officio da fraude à execução e da simulação (art. 168, par. Ún, CC-2002).”
(DIDIER JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In DIDIER
97

Relativo ao veículo também não havia harmonia. Alguns autores, como Fabio
Ulhoa Coelho223, Lauro Limorço224, Ada Pellegrini Grinover225, Sidnei Amendoeira
Junior226 e Fredie Didier Junior227, defendiam a necessidade de ação de
conhecimento autônoma para que fosse formado um título judicial capaz de tornar o
sócio parte, outros, como Gilberto Gomes Bruschi228, André Pagani de Souza229,

JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Reflexos do novo Código Civil no direito processual. 2. ed.
Salvador: Juspodivm, 2007. p. 159.
“Todavia, como as situações embasadoras da desconsideração podem emergir no decorrer da
instrução do processo, deve-se aceitar a possibilidade de o Juiz desconsiderar a pessoa jurídica
independentemente de postulação da parte autora. Tal postura não irá colidir com o princípio da
iniciativa da parte, pois essa se refere à propositura da demanda. Por outro lado, estará preservado o
princípio da congruência porque a tutela jurisdicional será prestada no âmbito do pedido.”
(ALBERTON, Genacéia da Silva. A desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa
do Consumidor: aspectos processuais. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 7, Jul. – Set. 1993.
p. 7 – 29).
222 Leonardo Netto Parentoni, em pesquisa, constatou que em 12% dos casos nos quais houve

desconsideração da personalidade jurídica havia ocorrido uma aplicação de ofício, repelindo este tipo
de postura. (PARENTONI, Leonardo Netto. Desconsideração contemporânea da personalidade
jurídica – dogmática e análise científica da jurisprudência brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2014.
p. 115).
De igual forma: SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos
processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p.187; BUENO. Cassio Scarpinella. Partes e Terceiros
no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 106-107.
223 “A desconsideração não pode ser decidida pelo juiz por simples despacho em processo de

execução: é indispensável a dilação probatória através do meio processual adequado.” (COELHO,


Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 55).
224 “No Brasil, inexistindo legislação a respeito da disregard doctrine, quem pretender atingir aquele

que se serve de uma empresa para negociação pessoal, com prejuízo para terceiros, terá de utilizar o
processo de cognição previsto nos arts. 282 e ss. do CPC, a fim de que, apurado o dolo, a simulação
ou a fraude, possa responsabilizar pessoalmente o fraudador. E, certamente, se não dispuser de
prova robusta, esbarrará na conservadora interpretação que tem sido dada ao caput do art. 20 do
CC.” (LIMBORÇO, Lauro. Disregard of Legal Entety. In Doutrinas Essenciais de Direito Civil. Vol. 3.
São Paulo: Revista dos Tribunais. Out. 2010. p. 1003-1009).
225 GRINOVER, Ada Pellegrini. Da desconsideração da pessoa jurídica: aspectos de direito material e

processual. In GRINOVER. Ada Pellegrini (Coord.). O processo. Estudos e Pareceres. São Paulo:
Perfil, 2005. p. 1033-1054.
226. “Fica também a ideia de que o uso da teoria da desconsideração da personalidade jurídica é

absolutamente excepcional e não pode ou deve ser banalizado. Ora, por mais que se pense em
efetividade e celeridade da execução e em uso dos poderes instrutórios e executivos do juiz, o limite
dos mesmos há de ser sempre o devido processo legal e a legalidade, sob pena de completo
desvirtuamento do sistema.” (AMENDOEIRA JUNIOR, Sidnei. Aspectos processuais da
responsabilidade patrimonial dos sócios e da desconsideração da personalidade jurídica. In
BRUSCHI, Gilberto Gomes; SHIMURA, Sérgio Shimura (Coord.). Execução civil e cumprimento de
sentença. Vol. 2. São Paulo: Método, 2007. p. 575).
227 “Não se pode, na ânsia por uma efetividade do processo, atropelar as garantias processuais

conquistadas após séculos de estudo e conquistas. Imaginar a aplicação de uma teoria


eminentemente excepcional, que inquina de fraudulenta a conduta deste ou daquele sócio, sem que
se lhe dê a oportunidade de defesa – ou somente se lhe permita o contraditório eventual dos
embargos de terceiro ou do recurso de terceiro – é afrontar princípios processuais básicos”. (DIDIER
JR., Fredie. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica. In DIDIER JR.,
Fredie; MAZZEI, Rodrigo (Coord.). Reflexos do novo Código Civil no direito processual. 2. ed.
Salvador: Juspodivm, 2007. p. 171).
228 “Não há porque ajuizar processo paralelo autônomo para, somente após o trânsito em julgado da

sentença deste, haver constrição dos bens de terceiros responsáveis pelos atos ilícitos.
98

Eduardo Arruda Alvim e Daniel Willian Granado230 que bastava pedido nos mesmos
autos. Também não havia consenso na jurisprudência231.
A maioria dessas divergências o Código de Processo Civil de 2015
solucionou, deixando sem margem a dúvida a necessidade de instauração do
incidente, sendo conforme assevera Arruda Alvim232, um “grande mérito” do novo
Código.
Pode-se resumir, mormente com base na vasta quantidade de estudos que
existiam antes do Código de Processo Civil de 2015 sobre os aspectos processuais
da desconsideração da personalidade jurídica, que o incidente foi criado não só para
explicitar e reforçar a necessidade de atenção ao contraditório e a ampla defesa,
que de alguma forma, ainda que mitigada (via embargos de terceiro) 233, acabava
acontecendo, mas principalmente para organizar, proporcionando um ambiente mais
limpo para produção probatória.

Não há de se falar em violação ao contraditório ao desconsiderar a personalidade jurídica por decisão


interlocutória, já que este será postergado para o momento em que terceiro se rebele contra tal
pronunciamento judicial.” (BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica:
aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87-88).
229 “Embora a nosso ver a disregard doctrine possa ser aplicada a qualquer momento no processo,

sem necessidade de instauração de outro processo para que se proceda à desconsideração da


personalidade jurídica.” (SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica:
aspectos processuais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 148).
230 ARRUDA ALVIM, Eduardo. GRANADO, Daniel Willian. Aspectos processuais da desconsideração

da personalidade jurídica. In Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense. Nov.- Dez. 2010. p. 75.
231 Dispensando o uso de ação autônoma: “O juiz pode determinar, de forma incidental, na execução

singular ou coletiva, a desconsideração da personalidade jurídica de sociedade. De fato, segundo a


jurisprudência do STJ, preenchidos os requisitos legais, não se exige, para a adoção da medida, a
propositura de ação autônoma”. Precedentes citados: REsp 1.096.604-DF, Quarta Turma, DJe
16/10/2012; e REsp 920.602-DF, Terceira Turma, DJe 23/6/2008. (STJ - REsp 1.326.201/RJ, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, julgado em 07/05/2013).
Considerando necessário um contraditório prévio (ainda que sem mencionar a obrigatoriedade de
ação autônoma): “Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica por presunção, sem
contraditório, sem ampla defesa e sem motivação concreta, caracterizando-se a violação ao
Princípio do Devido Processo Legal. A mitigação das garantias do contraditório e da ampla defesa
deve ser vista com extrema cautela, por maior que seja o grau de convencimento do julgador. A
celeridade processual não pode ser alcançada com o sacrifício dos consectários inerentes ao
processo justo. 4. Recurso especial parcialmente provido” (STJ - REsp 991.218/MS Rel. Min.
Antônio Carlos Ferreira, Rel. p/ Acórdão Ministro Raul Araújo, 4ª. Tur., j. 16/04/2015)
232 ARRUDA ALVIM. José Manoel de. Novo Contencioso Civil no CPC/15. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2017. p. 110.


233“O simples ouvir ou manifestar da parte não concretiza a aplicação do princípio do contraditório,
ainda que, como dito, isso seja feito em momento anterior à decisão. Falta, segundo o espírito do
CPC/15 e da doutrina mais moderna, o “poder de influência”. É dizer, não há contraditório efetivo,
sem que a parte seja ouvida, seus argumentos sejam considerados e, principalmente, lhe seja dada
oportunidade (real) para contribuir e influenciar na construção do convencimento que vai culminar na
prestação jurisdicional, ainda que desfavorável.” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 71).
99

Dentre tantas dúvidas que a nova estrutura processual trouxe, restou a


certeza de que assim que verificado abuso da personalidade jurídica capaz de
atingir direito creditório de alguém, não importa a fase que o processo se encontre,
será possível requerer a desconsideração da personalidade jurídica (proteção ao
direito do credor), e este pedido será via incidental e em uma atividade cognitiva
(proteção ao direito de defesa do terceiro).
Mas esta certeza de proteção do devedor e do credor em um típico modelo
constitucional de processo em que não se afasta do Judiciário a lesão e a ameaça
de lesão (Art. 5º, XXXV, CF), garantindo o contraditório e ampla defesa prévios, não
reflete as justificativas da anterior dualidade a respeito do momento processual de
instauração (correntes que eram antagônicas).
Ou era preciso que desde o processo de conhecimento o sócio fizesse parte e
pudesse participar da formação do título, respeitando-se assim os limites subjetivos
da coisa julgada, ou então era permitido na fase de cumprimento de sentença ou no
processo de execução uma vez que a responsabilidade do sócio é patrimonial e
secundária.
Ao se autorizar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em
“todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na
execução fundada em título executivo extrajudicial”, torna incabível a justificativa de
que seria preciso o sócio participar da formação do título para a sua cobrança.
Diante desse fato o estudo torna-se ainda mais instigante. Se a finalidade de
permitir a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na
fase de conhecimento não é para garantir a formação do título em face também do
sócio234, podendo o credor na fase de cumprimento de sentença, sem que o sócio
tenha interferido nas fases de conhecimento, alcançar o patrimônio do integrante da
pessoa jurídica (exceção aos limites subjetivo da coisa julgada), porque então é
interessante ao autor da demanda requerer a instauração do incidente durante a
fase de conhecimento?
Mais estimulante mostra-se o estudo quando se depara com o fato de que a
possibilidade de instauração do incidente na fase de conhecimento inexistia no
anteprojeto do novo Código de Processo Civil e em anteriores tentativas de
sistematização.

234O título que se formará em face do sócio refere-se a atribuição de responsabilidade secundária e
não ao direito material discutido na ação principal.
100

Passa-se a analisar quando foi inserida a possibilidade de instauração do


incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento e
a motivação.

3.1 – Anterior tentativa de sistematização

Cerca de 06 anos antes da apresentação do anteprojeto de Código de


Processo Civil, o deputado Ricardo Fiuza235, apresentou projeto de lei (PL n.
2.426/2003) que pretendia a sistematização processual da desconsideração da
personalidade jurídica. No projeto explicitava-se a necessidade de observação a um
contraditório prévio do sócio236 como forma de coibir as práticas executivas
abusivas, e que não refletiam a teoria da disregard doctrine237.
O mencionado PL n. 2.426/2003 chegou a ter parecer favorável, mas foi
arquivado em virtude do fim da legislatura no ano de 2007. André Pagani de
Souza238 destaca que a importância do PL n. 2.426/2003 foi ser a primeira tentativa
de sistematizar a desconsideração da personalidade jurídica por um incidente
cognitivo.
No ano seguinte ao arquivamento do PL n. 2.426/2003, o deputado Bruno
Araujo apresentou o PL n. 3.401/2008 com praticamente a mesma redação do PL n.
2.426/2003. O mencionado projeto de lei chegou a ser enviado ao Senado no ano de
2014 e lá permanece (e perdeu a razão de existir) até os dias de hoje.

235 Interessante notar que o deputado Ricardo Fiuza foi quem emitiu parecer favorável a alteração do
art. 50 do CC proposta pelo Senado Federal, e que ficou com a redação proposta pelo senador
Josaphat Marinho que interpretou perfeitamente a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica.
236 “Art. 3º. Antes de declarar que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos

aos bens dos administradores ou sócios da pessoa jurídica, o juiz lhes facultará o prévio exercício do
contraditório, concedendo-lhes o prazo de quinze dias para produção de suas defesas.”
237 Justificativa apresentada pelo deputado Ricardo Fiuza na apresentação do PL n. 2.426/2003:

“Embora só recentemente tenha sido introduzido na legislação brasileira, o instituto da


desconsideração da personalidade jurídica vem sendo utilizado com um certo açodamento e
desconhecimento das verdadeiras razões que autorizam um magistrado a declarar a
desconsideração da personalidade jurídica. Como é sabido e consabido o instituto em referência tem
por escopo impedir que os sócios e ou administradores de empresa que se utilizam abusivamente da
personalidade jurídica, mediante desvio de finalidade ou confusão patrimonial, prejudiquem os
terceiros que com ela contratam ou enriqueçam seus patrimônios indevidamente. A "disregard
doctrine" pressupõe sempre a utilização fraudulenta da companhia pelos seus controladores. ”
(FIUZA, Ricardo. Justificativa do PL n. 2.426/2003. In
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/178011.pdf. Acesso em 20/07/2017)
238 SOUZA, André Pagani de. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 192.


101

3.2 – Do anteprojeto do Código de Processo Civil ao texto aprovado

No ano de 2009, pelos atos do Presidente do Senado Federal n. 379 e 411,


foi instituída comissão de juristas para apresentação de um anteprojeto do Novo
Código de Processo Civil presidida pelo ministro Luiz Fux, tendo como relatora-geral
Teresa Arruda Alvim e como membros: Adroaldo Furtado Fabricio, Benedito Cerezzo
Pereira Filho, Bruno Dantas, Elpídio Donizetti Nunes, Humberto Theodoro Junior,
Jansen Fialho de Almeida, José Miguel Garcia Medina, José Roberto dos Santos
Bedaque, Marcus Vinicius Furtado Coelho e Paulo Cezar Pinheiro Carneiro .
Durante o primeiro semestre de 2010 foram realizadas 08 (oito) audiências
públicas239, e a necessidade de determinar um mecanismo para discutir uma
possível desconsideração da personalidade jurídica estava presente desde o
anteprojeto de Código de Processo Civil, constando na exposição de motivos:

Muitas regras foram concebidas, dando concreção a princípios


constitucionais, como, por exemplo, as que preveem um procedimento, com
contraditório e produção de provas, prévio à decisão que desconsidera da
pessoa jurídica, em sua versão tradicional, ou “às avessas.240

Em dezembro de 2009 durante a 2ª reunião da comissão de juristas, ao


iniciarem os debates a respeito do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, o ministro Luiz Fux lembrou as teorias maior e menor, explicadas no
capítulo 1 deste trabalho, e abordou a necessidade de não haver bens suficientes da
pessoa jurídica241.
Deixou-se claro durante os debates que a intenção não era ampliar as
situações de desconsideração da personalidade jurídica, mas sistematizar a forma
como seria aplicada a exceção da autonomia da pessoa jurídica242.

239 As audiências públicas ocorreram nas cidades de Belo Horizonte, em 26 de fevereiro; Fortaleza,
em 05 de março; Rio de Janeiro, em 11 de março; Brasília, em 18 de março; São Paulo, em 26 de
março; Manaus, em 09 de abril; Porto Alegre, em 15 de abril; e Curitiba, em 16 de abril.
240 Exposição de motivos do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.
241 “Então vamos .... Muito bem, vamos situar que nós vamos debater. Essa proposta de

desconsideração não estava na proposta do Prof. Humberto e do Prof. Medina. Então, basicamente a
desconsideração hoje passa por dois vetores: ou a teoria maior ou a teoria menor. Então a lei é clara,
quando os bens dos sócios não forem suficientes, da sociedade não forem suficientes, responderão
os bens dos sócios nas hipóteses previstas em lei: infração à lei, descumprimento do contrato, aquela
coisa...” (2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de Código
de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13
horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
242 “Min. Luiz Fux: Qual seria a ideia? Ampliar a desconsideração da pessoa jurídica?
102

O respeito ao contraditório, finalidade mais frequentemente invocada pela


doutrina para justificar a criação do incidente, foi obviamente argumento do debate,
mas destacou Elpidio Donizetti Nunes que o problema na desconsideração da
personalidade jurídica era procedimental243, pois de alguma forma o contraditório
acabava sendo respeitado, ainda que não da maneira ideal (invertendo-se a lógica e
fomentando apresentação de embargos de terceiro)244. Paulo Cesar Pinheiro
Carneiro245 então sugeriu que era preciso regulamentar “como ocorrem, em que
momento, em que tipo de processo ou não, quais são as garantias. ”
De início atingiu-se a conclusão de que para desconsiderar a personalidade
jurídica seria preciso que os sócios estivessem presentes no processo de
conhecimento 246, mas posteriormente analisou-se que os motivos para
desconsiderar a personalidade jurídica poderiam surgir na fase de cumprimento ou
ser um processo de execução, e embora alguns juristas tenham defendido que daí a

Sr. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: Não. Eu acho que nós deveríamos regular isso, porque na prática
da jurisprudência o que tem ocorrido são coisas terríveis.
Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Houve um certo abuso.
Sr. Paulo Cezar Pinheiro Carneiro: Tem Juízes que desconsideram na execução, sem dar o direito ao
contraditório. ” (2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de
Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de
2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
243 “Sr. Elpidio Donizetti Nunes: Eu tenho a impressão que é aspecto procedimental, não é? ” (2ª

reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo


Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45
minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
244 “Mas a questão do contraditório, eu quero crer até que não tem criado tanto problema na prática

do Fórum não. Sempre o Juízo houve, até não poderia ser diferente. Eu tenho a impressão quer a
questão é até mais grave. (...) É se deva inverter ou não na execução, o que tem feito é o
desconsidera a personalidade jurídica e deixo para que essa pessoa, que agora vai ser
responsabilizada na execução, que venha com embargo de terceiro, invertendo o ônus. Vai haver
contraditório sim. ” 2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de
Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de
2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 263)
245 CARNEIRO, Paulo Cesar Pinheiro. Debates durante a 2ª reunião da comissão de juristas,

responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379,
de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado
Federal. 10/03/2010. p. 263
246 “O ministro Luiz Fux: Está bem, veja uma coisa, por exemplo, eu particularmente entendo que isso

é uma questão de responsabilidade que é o sucedâneo do descumprimento da obrigação, é


expropriação, é ato de processo. Eu acho que a responsabilidade é um instituto de direito processual,
mas isso não tem problema. Eu acho que nós temos que votar, isso aqui é uma comissão, tem que
votar. Então a proposição ficou assim: a desconsideração da pessoa jurídica, ela tem ser levada a
efeito no processo de conhecimento para poder ser exigida na execução na forma da lei civil,
naqueles casos da lei civil. ” (2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do
anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de
dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010. p. 266)
103

questão se resolveria como fraude à execução, chegou-se à conclusão que embora


interligados os temas, não seria a mesma coisa247.
Elpídio Donizetti Nunes sugeriu fórmula parecida como a que ficou positivada,
dizendo que se os casos de abusos da personalidade jurídica surgissem no
cumprimento de sentença ou fosse um título extrajudicial, para atingir o patrimônio
do sócio seria preciso ação de conhecimento.
Humberto Theodoro Júnior reforçou que a finalidade seria sempre garantir um
prévio contraditório, e principalmente não mudar o conceito de direito material:

O ponto é um só que está preocupando nós que militamos na advocacia, é


só o contraditório, não é mudar nem direito material, nem execução e nem
conhecimento. É não permitir que se resolva esse problema unilateralmente,
autoritariamente, como tem sido resolvido.
(...)
Tem que abrir o incidente com o direito de defesa, não é obrigar como
atualmente chega a propor uma ação de embargos de terceiros, qualquer
uma ação ordinária para vir justificar que ele não é, que ele não praticou a
violação da posição dele, de sócio.
(...)
É. Incidentalmente. Não precisa haver ação para isso, mas há de dar uma
oportunidade para aquele que vai sofrer a agressão patrimonial de
defender-se. 248

Embora tenha se avançado muito nas discussões a respeito do incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, os artigos que foram sugeridos não
detalhavam como deveria ocorrer e em que momentos. Ainda que já sobre a alcunha
de incidente (art. 65 do anteprojeto do NCPC), parecia uma mera petição (incidental
no sentido de dentro de um processo, sem autonomia), e não um processo cognitivo,
tanto que se falava em intimação (e não citação) dos sócios.
Restou da seguinte maneira o anteprojeto:

Art. 62. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma


da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a
requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir
no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam

247 Por exemplo, uma pessoa jurídica que doa patrimônio ao sócio e se torna insolvente, este sócio
responderá com aquele patrimônio recebido em doação por ser terceiro de má-fé (art. 790, V CPC),
mas também poderá responder com outros bens que não aquele objeto da fraude, se houver
desconsideração da personalidade jurídica (art. 790, IV).
248 THEODORO JUNIOR, Humberto. 2ª reunião da comissão de juristas, responsável pela
elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada
no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado Federal. 10/03/2010.
p. 268.
104

estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da


pessoa jurídica.
Art. 63. A desconsideração da personalidade jurídica obedecerá ao
procedimento previsto nesta Seção.
Parágrafo único. O procedimento desta Seção é aplicável também nos
casos em que a desconsideração é requerida em virtude de abuso de direito
por parte do sócio.
Art. 64. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou
o terceiro e a pessoa jurídica serão intimados para, no prazo comum de
quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.
Art. 65. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por
decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento.

Em junho de 2010 o anteprojeto foi apresentado à presidência do Senado


Federal tendo início a tramitação como PL n. 166/2010. Foi criada uma comissão
temporária destinada a examinar o PL n. 166/2010, sendo eleitos como presidente o
senador Demostenes Torres (DEM/GO), vice-presidente o senador Antonio Carlos
Valadares (PSB/SE) e o senador Valter Pereira (PMDB/MS) para ser o relator geral.
Também foi constituída comissão técnica para auxiliar o senador Valter
Pereira formada por: Athos Gusmão Carneiro, Cassio Scarpinella Bueno, Dorival
Renato Pavan e Luiz Henrique Volpe Camargo, a qual realizou 09 audiências
públicas249 com a presença do público em geral, professores universitários,
representantes da magistratura, da advocacia e do Ministério Público.
Ainda dentro do capítulo que tratava a respeito das partes e procuradores, foi
durante as discussões ocorridas no Senado Federal que os artigos que tratam a
respeito da desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil
começaram a se desenhar da forma com que ficou positivado.
Assim, no projeto de Lei do Senado n. 166 de 2010, no art. 77, parágrafo
único, inc. II surgiu a redação a respeito de quando seria possível se requerer a
instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica: processo de
conhecimento ou de execução lato sensu250.

249 Brasília em 31 de agosto; Recife em 02 de setembro; Belo Horizonte em 03 de setembro; São


Paulo em 09 de setembro; Florianópolis em 10 de setembro; Rio de Janeiro em 13 de setembro;
Campo Grande em 20 de setembro e Goiânia em 21 de setembro.
250 “Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode,

em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público,


quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens
de empresa do mesmo grupo econômico. Parágrafo único. O incidente da desconsideração da
personalidade jurídica:
I – Pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;
II - É cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e
também na execução fundada em título executivo extrajudicial.
105

Em relação ao anteprojeto, pode-se dizer que PL n.166/2010 apresentou dois


pontos de destaque: (i) fixou os momentos em que seria possível pedir a
desconsideração da personalidade jurídica; e (ii) tratou de maneira mais profunda,
quase que sem deixar margem a dúvida, que o incidente era um processo cognitivo.
Na Câmara dos Deputados (substitutivo n. 8.046, de 2010), houve alteração
redacional, e, os três artigos destinados a tratar sobre o tema (arts. 77 a 79 do PL n.
166/2010) se transformaram em cinco artigos (arts. 134 a 137), sendo um dos
artigos destinado exclusivamente ao momento processual.
De mudança em relação ao texto do Senado Federal, no substitutivo n. 8.046,
de 2010 da Câmara dos Deputados, passou a constar a possibilidade de
desconsideração inversa que, embora não constasse no texto aprovado no Senado
já era tema recorrente, tanto no anteprojeto251, como durante a tramitação no
Senado Federal252. Também no substitutivo n. 8.046, de 2010 foi retirada a redação

Art.78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa


jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas
cabíveis.
Art. 79. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória
impugnável por agravo de instrumento. ”
251 Antes do anteprojeto ser enviado ao Senado Federal constatava-se a preocupação com a

necessidade de tratar desconsideração inversa da personalidade jurídica.


Destaca-se dois momentos: na audiência pública ocorrida em Manaus em 09 de abril de 2010, na
qual, Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa, assim se manifestou: “Outro ponto na parte geral é a
desconsideração da personalidade jurídica da empresa. Qual é o objetivo aqui? É você organizar. Por
quê? Com todo respeito às decisões judiciais, inclusive da Justiça do Trabalho, o que se tem feito
hoje é de certa forma violação de alguns princípios constitucionais. A desconsideração da
personalidade jurídica da empresa, ela tem que ser feita de modo a garantir ao sócio, garantir ao
membro societário, que ele possa se defender antes de ter seus bens [ininteligível]. E o problema, eu
acho que a comissão poderia ter andado mais e falar da desconsideração inversa. O sócio tem
dinheiro, mas a empresa não tem mais nada. Por que não fazer o inverso também? Porque não
penhorar também o sócio quando a empresa já não tem bens penhoráveis? É uma ideia que o
professor meu também, Manoel de Pereira Calças, desembargador em São Paulo, já tem colocado
em prática isso nos julgados. ” (BARBOSA. Rafael Vinheiro Monteiro. 4ª audiência pública ocorrida
em Manaus em 09/04/2010. In Diário do Senado Federal, 10/06/2010 p. 554); e na 8ª reunião de
juristas ocorrida em 12 de abril, na qual José Roberto dos Santos Bedaque levantou a temática,
ganhando apoio de outros juristas como Teresa Arruda Alvim, Elpidio Donizetti Nunes, Humberto
Theodoro Junior e Jansen Fialho de Almeida:
“Sr. Presidente Humberto Theodoro Júnior: Talvez a gente regulasse primeiro a do sócio e num
parágrafo ou no artigo subsequente diz: ‘Se aplicará o mesmo procedimento na desconsideração
inversa’. Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Muito legal. ” (8ª reunião da comissão de juristas,
responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379,
de 2009 realizada no realizada no dia 13 de abril de 2010, às 9 horas e 13 minutos. In Diário do
Senado Federal, 14/05/2010 p. 637).
252 Na 7ª reunião da Comissão Técnica realizada em 09 de setembro de 2010, Paulo Henrique Lucon

reforçou a possibilidade de desconsideração inversa: “Sugiro, também, a possibilidade da


desconsideração inversa. Temos aqui alguns casos, frequentes, em que a pessoa física não tem
patrimônio. No entanto, existem inúmeras pessoas jurídicas por trás dessa pessoa física. Então, se
estamos aqui a admitir a desconsideração da personalidade jurídica para atingir a pessoa física do
sócio, a ideia aqui é também permitir o contrário, da pessoa física atingir a pessoa jurídica. Então,
106

que se referia aos requisitos para o pedido de desconsideração da personalidade


jurídica, outro ponto que também havia sido debatido no Senado.
Outra mudança refere-se a topográfica, deixando de constar como um
capítulo dentro do título que tratava de partes, passando a figurar como uma
intervenção de terceiro.

3.3 – Texto positivado e os principais pontos do novel mecanismo processual

O texto aprovado manteve a redação da Câmara dos Deputados, e, embora


como qualquer novo mecanismo processual suscite indagações, há pontos
elogiáveis, como a vedação a atuação de ofício253, a redação com caráter
puramente processual254, a implícita finalidade de atenção ao contraditório e a
irrelevância de ser a desconsideração direta ou inversa.
O grande valor da criação de um mecanismo próprio para se desconsiderar a
personalidade jurídica foi chancelar o fato de que ser sócio de uma pessoa jurídica,
mesmo havendo responsabilidade secundária estabelecida em lei, não implica em
imediata invasão do patrimônio. Como já visto, a responsabilidade secundária do
sócio não está ligada a condição pessoal, mas a elementos que precisam ser
devidamente verificados em um ambiente de pleno contraditório.
Como principais pontos da positivação do mecanismo processual para tratar
da desconsideração da personalidade jurídica, destaca-se: (i) os momentos de
instauração; (ii) a natureza, se é um incidente processual ou um processo incidental
e (iii) porque se encontra como uma intervenção de terceiro.

3.3.1 – Momentos de instauração do incidente de desconsideração da


personalidade jurídica

essa é primeira proposição. ” (7ª reunião da comissão de juristas, responsável pela elaboração do
anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379, de 2009 realizada no realizada no
dia 09 de setembro de 2010, às 10 horas e 13 minutos, no auditório do Tribunal de Justiça de São
Paulo, na cidade de São Paulo. In Diário do Senado Federal, 02/12/2010. p. 415).
253 Permanece, contudo, alguns entendimentos de que é possível a instauração de ofício como se

verá no item 5.1.


254 O art. 133, §1º, transfere à lei material a apuração dos requisitos para atingir o patrimônio dos

sócios.
107

Ficou consignada no texto final do Senado Federal a possibilidade de


requerer a desconsideração da personalidade jurídica tanto no processo de
conhecimento, como no cumprimento de sentença e no processo de execução.
Reitera-se a existência de redundância na redação do art. 134, sendo certo
que o mais coerente seria dizer que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica cabe em todas as fases do processo de conhecimento (fase
de conhecimento e fase de cumprimento de sentença provisório e definitivo) e no
processo de execução, obedecendo-se assim a sistemática de divisão constante na
parte especial do CPC/15 como Livro I e II, respectivamente.
No entanto, como outrora asseverado, acredita-se que a redação do art. 134
não contém equivocadamente redundância, e consta dessa forma por priorizar as
funções da atuação jurisdicional de cognição e execução.
Ponto comum tanto na teoria maior como na teoria menor é a existência de
prejuízo, verificável com inadimplemento255, e como falar em inadimplemento antes
de surgir a obrigação da pessoa jurídica que se dará ao final do processo de
conhecimento? Como é possível falar em necessidade de apuração de
responsabilidade secundária quando sequer se estabeleceu uma obrigação com
consequente responsabilidade patrimonial primária?
Hélio Rubens Batista Ribeiro, na audiência pública realizada em São Paulo,
em setembro de 2010, mostrou ser desfavorável ao incidente de desconsideração
da personalidade jurídica no processo de conhecimento:

A desconsideração da personalidade jurídica, já tratada pelo Professor


Lucon e pelo próprio juiz diretor do Fórum Central de São Paulo, no sentido
de que essa desconsideração precisa dialogar com o direito material,
previsto no Código Civil, de Defesa do Consumidor, na Lei Antitruste e na
legislação ambiental. Nós estamos entendendo que a desconsideração só
possa ser na fase de cumprimento de sentença ou execução do julgado,
não antecipadamente, no sentido de o direito material não estabelecer
solidariedade entre empresa e sócio, ou, reciprocamente, sócio e empresa,
se às avessas considerada, e nos parece que já está contemplada a
possibilidade às avessas, como o Professor Lucon indagava outrora. Se nós
entendermos que é subsidiária, a responsabilidade, ela só pode ser
buscada depois que não se encontrem os bens da empresa, porque, em ela
tendo os bens e que sejam suficientes a responder pelo débito que seja

255 O Conselho da Justiça Federal na IV Jornada de Direito Civil, ocorrida em 2006, editou o
Enunciado n. 281 que diz: “A aplicação da teoria da desconsideração, descrita do art. 50 do Código
Civil, prescinde da demonstração de insolvência da pessoa jurídica. ”
108

incobro, esses bens garantirão a execução e saudarão o débito, sem


necessidade da desconsideração da personalidade jurídica. 256

Também Handel Martins Dias, em artigo publicado em 2013, pautado na


responsabilidade patrimonial do sócio mostrava-se avesso ao incidente de
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento:

Não se afigura adequado o parecer ao manter o cabimento do incidente de


desconsideração da personalidade jurídica no processo de conhecimento
(...). Considerando que o objetivo da desconsideração da personalidade
jurídica é estender os efeitos subjetivos do título executivo, o incidente
deveria ser cabível apenas durante o cumprimento de sentença ou do
processo de execução. Não há sentido em se incluir, já durante o processo
cognitivo, o desconsiderando se a decisão que acolhe o pedido pode
somente declarar a responsabilidade patrimonial do sócio ou administrador
requerido, e não condená-lo conjuntamente com a pessoa jurídica que teve
a sua personalidade desconsiderada.257

No capítulo 4, quando for estudado o incidente na fase de conhecimento, será


analisado porque há apenas uma aparente incongruência na autorização de
instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nesse
momento processual.
Por hora, limitando-se ao conteúdo do presente capítulo, conclui-se que ao
permitir a instauração em qualquer momento processual, exacerbou-se a
necessidade de preservar futuros direitos creditórios e, principalmente, a
independência da causa de pedir do processo principal e do incidente processual.
Ponderando sobre a opção legislativa, cumpre analisar a verdadeira natureza
jurídica do mecanismo processual escolhido para debater a desconsideração da
personalidade jurídica, e que trará importantes impactos a respeito da decisão que
desconsidera a personalidade jurídica.

3.3.2 – Incidente processual ou processo incidental

256 RIBEIRO, Helio Rubens Batista. In Ata da 7ª reunião da Comissão temporária destinada a
examinar projeto de Lei do Senado n. 166, de 2010, que reforma o Código de Processo Civil.
http://legis.senado.leg.br/diarios/BuscaPaginasDiario?codDiario=2971&seqPaginaInicial=1&seqPagin
aFinal=674. Acesso em 05/03/2017. p. 425.
257 DIAS, Handel Martins. Análise crítica do projeto de novo Código de Processo Civil com relação à

desconsideração da personalidade jurídica. In Revista Síntese de direito Empresarial. Vol. 32. Mai.-
Jun. 2013. p. 69.
109

Não resta dúvida que a finalidade do mecanismo processual foi possibilitar um


prévio contraditório, no entanto, mais uma vez se depara com problema de
nomenclatura. Incidente é palavra utilizada várias vezes no Código de Processo Civil
e nem sempre revela o mesmo sentido, e, para piorar, dentro no capítulo IV, da
seção III, do título III, há dois significados para incidente.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é definido tanto
pela sua formação destacada do processo (pelo continente), como pelo seu
conteúdo, havendo aporia no § 2o do art. 134 ao asseverar que “dispensa-se a
instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for
requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa
jurídica”. O §2º do art. 134 somente se refere ao incidente como continente e não
como conteúdo.
De toda sorte o incidente (pedido - conteúdo) de desconsideração da
personalidade jurídica pode ser tanto interno (quando requerido na petição inicial,
art. 134, §2º do CPC), como externo, quando requerido ao longo do processo. Em
qualquer uma das mencionadas situações o que ocorre é uma ampliação objetiva e
subjetiva, em que a finalidade é ampliar subjetivamente o processo principal.
Há autores, como Alexandre Freire e Leonardo Albuquerque258, que adotam a
literalidade do Código de Processo Civil e consideram o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica um incidente processual. No entanto,
pela forma com que se desenvolveram os debates na comissão de juristas para
elaboração do anteprojeto, e nas audiências públicas, em que em mais de uma
oportunidade, Elpídio Donizetti Nunes259 destacou a natureza de ação do veículo

258 “Inicialmente, podemos ver que o procedimento de desconsideração da personalidade jurídica é


um incidente processual, e não uma ação autônoma. Neste ponto, o CPC apenas traz para o plano
legislativo posicionamento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (vide jurisprudência abaixo).
Da mesma forma, o incidente pode se dar em qualquer fase processual (conhecimento ou
cumprimento de sentença).” (FREIRE, Alexandre; MARQUES, Leonardo Albuquerque. In STRECK,
Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo da (Org.); FREIRE, Alexandre (Coord. Exe.).
Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 211).
259 “Está certo, mas se tentar desconsiderar, precisa de um processo de conhecimento para poder

executar aquele título extrajudicial. ” (DONIZETTI NUNES, Elpídio. 2ª reunião da comissão de


juristas, responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato
nº 379, de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do
Senado Federal. 10/03/2010. p. 264.).
Destaca-se que o autor, em decorrência da localização do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, embora durante os debates na comissão de juristas para elaboração do Novo
Código de Processo Civil, tenha se posicionado pela necessidade de demanda para atingir o
patrimônio dos sócios, com a positivação, curvou-se ao entendimento de que se trata de incidente
processual: “Antes do novo CPC, parte da doutrina considerava indispensável a propositura de ação
110

que fosse tratar sobre a desconsideração da personalidade jurídica (ainda que sem
assim dispor expressamente), e de igual maneira reforçou Humberto Theodoro
Junior260, é possível concluir que na verdade se trata de um processo incidental.
Destarte, antes de se posicionar a respeito da natureza jurídica do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica, se seria um mero incidente
processual (como induz a literalidade do CPC), ou se tem natureza de ação,
necessário se faz analisar ensinamentos doutrinários sobre as duas situações
processuais.
Cândido Rangel Dinamarco define processo incidental:

Processo incidente é processo novo, outro processo, que tem vida em


função do primeiro, que produzirá sentença destinada a projetar efeitos
sobre ele, mas sempre será um processo em si mesmo. A mais relevante
consequência prática dessa distinção é que os incidentes do processo têm
fim mediante decisão interlocutória, sujeita a agravo, enquanto é sentença o
ato que põe fim ao processo incidente. 261

Pela definição do autor262, parece haver um encaixe perfeito com o meio


processual para a desconsideração da personalidade, se não fosse pela parte final.

própria para as responsabilidades da pessoa jurídica fossem atribuídas aos sócios. (...). Este autor,
conforme consta na 18ª edição do Curso Didático de Direito Processual Civil, também entendia que o
patrimônio dos sócios, por obrigação contraída pela pessoa jurídica, não poderia ser atingido sem
antes fosse proferida sentença em ação própria, sob pena de ofensa à coisa julgada. (...), Entretanto,
antes da publicação do novo diploma processual, a jurisprudência já admitia a desconsideração da
personalidade jurídica sem a necessidade de ação autônoma (...). O novo CPC, seguindo o
entendimento jurisprudencial, criou um capítulo especifico para tratar do “Incidente de
Desconsideração da Personalidade Jurídica” (Título III, Capítulo IV), elencando-o como uma nova
modalidade de intervenção de terceiro e pacificando a desnecessidade da propositura de ação
judicial própria para aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. (DONIZETTI,
Elpídio. Curso Didático de Direito Processual Civil. 20, ed. 2017. p. 303).
260 “Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: É o seguinte. Nós estamos colocando aqui que seja essa

desconsideração decretada ou a inversa, enfim, no processo de conhecimento, seja no processo de


execução, no processo de execução não precisaria dizer, mas no processo de conhecimento, sim,
tem que caber agravo.
Sr. Presidente Humberto Theodoro Júnior: Porque é um processo incidente. ” (5ª reunião da
Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de Código de Processo Civil,
instituída pelo Ato nº 379, de 2009, realizada em 18 de março de 2010, quinta-feira, às 14 horas e 47
minutos. In Diário do Senado Federal. 14/05/2010. p. 638).
261 DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1987. p. 172-173.


262 Em obra mais recente o autor reafirma que uma das características do processo incidental é ter

desfecho através de sentença, considerando o incidente de desconsideração da personalidade


jurídica como um incidente processual: “O provimento preparado nos processos incidentais será
sempre sentença, pois contém uma decisão sobre seu mérito (art. 203, §1º, c/c art. 487) e eles não
se confundem com o processo principal e dele não fazem parte. Esses processos são adjetivados de
incidentes (processos incidentes) justamente porque os efeitos do que neles se decidir incidirão sobre
o outro; mas são autênticos processos, com via e objetos próprios, sendo suscetível a obter coisa
julgada a sentença que lhes julgar o mérito.
111

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem vida em função


do processo principal pois, inexistindo crédito (ou pretenso crédito) em favor do
demandante com possibilidade de ser frustrado, inexiste interesse de agir para
pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Mas, mesmo com essa
relação de dependência, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
pode ser considerado um processo em si, uma vez que tem causa de pedir e
pedidos distintos do processo principal.
No entanto, o que Cândico Rangel Dinamarco descreve como sendo a mais
relevante das distinções entre o incidente processual e o processo incidental é a
forma de desfecho (decisão interlocutória e sentença), derrubando o raciocínio
anteriormente ventilado.
Se pelos debates durante a elaboração do NCPC parece realmente um
processo incidental, pela opção legislativa de desfecho por decisão interlocutória,
fica a dúvida, mormente por que embora o art. 136 mencione que o incidente será
resolvido por decisão interlocutória, existe a possibilidade de ser requerido na inicial,
podendo ser resolvido através de sentença263.
Olavo Oliveira Neto264 faz interessante distinção entre processo incidental e
incidente processual, partindo do conceito de que processo tem sempre um ponto de
partida (petição inicial) e um ponto final (sentença ou acórdão), mas que entre esses
dois pontos podem ocorrer diversos acontecimentos. Esses acontecimentos podem
ou não gerar uma nova relação jurídico-processual. Se demandarem dilação

(...)
“Os incidentes de procedimento diferente fundamentalmente das questões incidentes por não serem
questões, mas modos de resolvê-las. Também não se confunde com os processos incidentes, porque
estes têm autonomia como relação processual, e os meros incidentes não – os quais fazem parte do
processo em que são suscitados e o ato que os julga é decisão interlocutória e não sentença, porque
não põe fim a processo algum (CPC, art. 203, §§ 1º E 2º).
Os exemplos mais típicos no Código de Processo Civil são o incidente inicial de insanidade do réu
(art. 245), o de admissão de um assistente ao processo (art. 120, par.), o de desconsideração da
personalidade jurídica (arts. 133 ss.)...”(DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito
Processual Civil. Vol. II. 7. ed. São Paulo: Malheiros. 2017. p. 543-544)

263 BUENO, Cássio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 581.
“Ainda que a opção legislativa tenha sido de resolver a desconsideração da personalidade jurídica de
forma incidental, não há obstáculo para que a pretensão de desconsideração seja decidida na
sentença, juntamente com o objeto do processo. Isso não equiparará os conceitos de débito e
responsabilidade. ” (YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo
(Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 238).
264 OLIVEIRA NETO, Olavo. Condenação ao pagamento de honorários na nova execução civil. In

Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol.19, 2017. p. 230-246.


112

probatória, citação entre outros elementos comuns ao exercício de ação será um


processo incidental, do contrário será um mero incidente processual.
No entanto, assim como na menção de Cândido Rangel Dinamarco, esbarra-
se no desfecho do incidente de desconsideração da personalidade jurídica que não
é o típico de um processo incidental:

Quando se trata de meio com a natureza de processo, deve o interessado


exercitar seu direito de ação mediante o oferecimento de uma petição inicial
que preencha os requisitos dos arts. 282 e 283, do CPC265, além dos
requisitos específicos para o remédio jurídico (como o rol de testemunhas
para o rito sumário). Haverá procedimento previsto em lei, com citação e
constituição de uma nova relação jurídica, normalmente largo espaço para a
produção de provas e alegações, além de encerramento de processo ou de
fase mediante sentença, onde haverá a condenação ao pagamento de
custas, despesas processuais e de honorários advocatícios.
Por seu turno no incidente processual não há, normalmente, a formação de
nova relação jurídica processual, possibilidade de dilação probatória ou de
procedimento extenso, dando-se o encerramento por decisão
interlocutória.266

Se pela definição doutrinária de processo incidental não é possível encaixar


perfeitamente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, menos
adequação existe quando se estuda incidente processual.
Christian Garcia Vieira inicia seus estudos definindo a palavra incidente
genericamente, asseverando que o significado mais se assemelha a incidente
processual que a processo incidental:

Incidente corresponde à superveniência de fato ou questão acessória à


causa principal, como um obstáculo a ser superado antes da perseguição
do mérito, ou seja, algo que se insere no processo passível de interromper
seu regular andamento, mas a esse vinculado. É que, durante o trâmite do
processo podem aflorar questões que devem ser resolvidas para que se
possa atingir uma decisão de mérito. 267

Pelo começo da definição do autor é possível enquadrar o incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que pode ocorrer de durante a
marcha processual sobrevir o fato de inadimplência da pessoa jurídica, e até mesmo
as causas diretamente ligadas a desconsideração (abuso da personalidade jurídica),
mas logo na sequência começa-se a distanciar, pois a perseguição do mérito da

265 Correspondente aos arts. 319 e 320 do CPC/15.


266 OLIVEIRA NETO, Olavo. Condenação ao pagamento de honorários na nova execução civil. In
Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol.19, 2017. p. 230-246.
267 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:

Juspodivm, 2016. p.84.


113

ação principal não depende da definição se o sócio é ou não responsável


secundário.
No caso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica a não
instauração não impede a marcha do processo principal, pode torná-lo inefetivo do
ponto de vista prático, mas juridicamente terá um desfecho regular.
Comparativamente, um incidente de suspeição do magistrado (art. 146 do
CPC) não tem motivação de existir (inexiste causa de pedir) se não for o processo
principal268, daí denota-se uma relação de dependência que Christian Garcia
Vieira269 assevera que não existe no caso de desconsideração da personalidade
jurídica: “o ´incidente de desconsideração´ não tem dependência do processo
principal, mas sim mera relação de influência sobre ele ou seu objeto. ” Toda a
motivação do incidente de suspeição encontra-se dentro do processo principal, no
caso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica isso não acontece.
Também pela definição de Heitor Vitor Mendonça Sica do que seriam
questões incidentais, afasta-se a concepção de que o incidente de desconsideração
da personalidade jurídica seria um incidente processual:

As questões incidentais devem ser resolvidas como etapa antecedente ao


mérito, mas não necessariamente em provimento judicial apartado, de modo
que as sentenças, em geral, também serão portadoras de soluções a
questões incidentais.
Assim, do ponto de vista terminológico, de uma forma geral, parece-nos
suficiente, para nossos propósitos, a ideia de que todas as decisões
tomadas no curso do feito e também na sentença, como etapa prévia e
preparatória do julgamento do mérito da pretensão propriamente dito, são
incidentais.270

Desconsiderar ou não a personalidade jurídica não é etapa que antecede o


mérito de um processo de conhecimento, muito menos o cumprimento de sentença e
processo de execução que já terão como executado a pessoa jurídica. O incidente

268 “Ao contrário dos incidentes processuais que tiram sua causa de pedir de dentro da ação principal,
no incidente de desconsideração da personalidade jurídica a causa de pedir está presente na lei
material e é diversa. “O “incidente de desconsideração” é formado por uma nova causa de pedir, novo
pedido de tutela jurisdicional e, ainda, inclui novas partes mediante citação, logo se verá que ele não
se restringe à solução de mera questão incidente que adviria do tramite processual e precisaria
superada para alcançar uma decisão de mérito. “ (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 87).
269 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 87.


270 SICA, Heitor Mendonça. Preclusão processual civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 194.
114

de desconsideração da personalidade jurídica nasce porque existe outra relação


jurídico-processual, mas não tem dependência qualitativa.
Se por um lado em um caso de suspeição não há como haver o julgamento
do mérito do processo sem antes decidir se o magistrado deve ou não ser afastado
do caso (incidente processual), por outro lado, no caso da desconsideração da
personalidade jurídica é perfeitamente possível que se decida o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica antes do desfecho do processo principal
e vice-versa.
Flavio Luiz Yarshell apresenta posicionamento de que o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é um processo incidental e acessório,
que, inclusive, poderia ser requerido de maneira autônoma271:

Não se trata de ação executiva na tradicional dimensão em que, com base


em título, imputa-se ao demandado a qualidade de devedor, e, portanto,
responsável patrimonial. Contudo, ainda que a responsabilidade patrimonial
esteja excepcionalmente dissociada do débito, o que pretende o
demandante é que os meios executivos recaiam sobre o patrimônio de
determinada pessoa. Trata-se, portanto, de demanda (incidental) resultante
do exercício de direito de ação, proposta e decidida incidentalmente em
processo (cujo objeto, como se viu, é outro). Não se trata de demanda que
imponha dever de prestar ou, por outras palavras, não se cuida de demanda
condenatória. Ao acolher o pedido o que o juiz faz é reconhecer a
responsabilidade patrimonial, e, dessa forma, liberar os meios executivos
sobre patrimônio de pessoa que não figura como devedor.
A demanda veiculada não é apenas incidental (porque deduzida e julgada
em processo já instaurado), mas no contexto regulado pelo CPC, pode ser
tida também como acessória. O tema de responsabilidade patrimonial de
terceiro – via desconsideração - surge em função do objeto do processo
originário e do julgamento aí proferido (ou que se projete). Esse dado é
fundamental para que seja aferido a legitimidade e interesse processual
para o deferimento da medida. A constatação supra não é suficiente,
contudo, para descartar a eventual possibilidade de demanda autônoma
(isto é, não incidental) cujo objeto seria, então, o de declarar que o
patrimônio de determinada pessoa (que não é devedor) fica sujeito à
responsabilidade patrimonial, e, portanto, aos meios executivos. 272

Outro ponto que depõe contra a definição do incidente de desconsideração da


personalidade jurídica como um mero incidente processual, é que o objetivo do

271 Fabio Caldas de Araujo não chega a dizer que poderia ocorrer de maneira isolada, mas trata da
autonomia, no sentido de desvinculação com o processo principal, asseverando que não
necessariamente o processo ao qual o incidente de desconsideração da personalidade jurídica irá
aderir precisa estar ativo. Menciona o autor o caso da execução que está suspensa por não serem
encontrados bens, e mesmo nessa situação, nas qual o processo não está em trâmite efetivamente,
seria possível apresentar incidente de desconsideração da personalidade jurídica. (ARAUJO, Fabio
Caldas de. Curso de Processo Civil. Tomo I. Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 616).
272 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários

ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 231-232.


115

incidente é a ampliação subjetiva da demanda principal que, em decorrência do


princípio de estabilização da demanda, não pode acontecer a qualquer momento.
A alteração subjetiva para modificar o polo oposto sequer é permitida pelo
Código de Processo Civil. O autor, quando ingressa com ação escolhe em face de
quem quer litigar, e não há na legislação possibilidade de inserir novos réus. O que o
autor pode requerer é uma alteração objetiva, e ainda assim há limitação no
tempo273.
O que é possível, em decorrência das intervenções de terceiro é uma
ampliação subjetiva em que o provocador visa ampliar o seu polo, mas que também
não pode acontecer a qualquer momento.
No chamamento ao processo (art. 131 do CPC) e na denunciação da lide (art.
126 do CPC), que são intervenções de terceiro de igual classificação que o incidente
de desconsideração da personalidade jurídica (intervenção provocada), o momento
para se ampliar o polo passivo é a contestação ou a inicial no caso da denunciação
da lide feita pelo autor274, e em ambas as situações a provocação para integrar a lide
é para o polo que ocupa275 o provocador.

273 Nota-se que o CPC/15 não permite a ampliação subjetiva do polo contrário, apenas tratando de
maneira restrita a respeito da ampliação objetiva, a qual deve ocorrer até a citação independente de
consentimento do réu, ou então até o saneamento, mas nesse último caso desde que expressamente
autorizado pela parte contrária.
A modificação ou ampliação do polo passivo é permitida quando há provocação da parte contrária
nos termos do art. 338 do CPC: “Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o
responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da
petição inicial para substituição do réu. ” Veja-se que é o réu quem requer modificação do seu polo,
não é o autor, que teve a liberdade de escolher em face de quem iria litigar, que poderá, a qualquer
momento, realizar a modificação.
Veja-se que o art. 329 do CPC somente traz possibilidade de alteração objetiva: “O autor poderá: I -
até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento
do réu; II - até o saneamento do processo, aditar ou alterar o pedido e a causa de pedir, com
consentimento do réu, assegurado o contraditório mediante a possibilidade de manifestação deste no
prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultado o requerimento de prova suplementar. ”
274 Contrário, o STJ aceitou denunciação da lide efetuada de maneira intempestiva: STJ -.

REsp 1.637.108 / PR, relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira turma, data do julgamento 06/06/2017,
DJe 12/06/2017: “... 2. A denunciação da lide, em sua delimitação moderna, tem a função de
adicionar ao processo uma nova lide conexa e, assim, atender ao princípio da economia dos atos
processuais e evitar sentenças contraditórias. Consiste, por esse motivo, em mero ônus à parte que
não a promove, impossibilitando-a de discutir, num mesmo processo, a obrigação do denunciado de
ressarcimento dos prejuízos que venha a sofrer na hipótese de ser vencido na demanda principal.
3. A falta de denunciação da lide não acarreta a perda do direito de pleitear, em ação autônoma, o
direito de regresso.
4. Feita a denunciação pelo réu, o denunciado pode aceitar a denunciação e contestar o pedido do
autor, situação que o caracterizará como litisconsorte do denunciante, com a aplicação em dobro dos
prazos recursais, e que acarretará a resolução do mérito da controvérsia secundária e o resultado
prático de sujeitá-lo aos efeitos da sentença da causa principal.
5. O processo é instrumento para a realização do direito material, razão pela qual, se o denunciado
reconhece sua condição de garantidor do eventual prejuízo, não há razões práticas para que se exija
116

No incidente de desconsideração da personalidade jurídica é o integrante do


polo ativo que visa ampliar o polo passivo, ou seja, o que acontece não é uma
intervenção de terceiro provada como as já conhecidas, em que o provocador visa
trazer um terceiro para o seu polo276, mas uma intervenção diferente em que se

que, em virtude de defeitos meramente formais na articulação da denunciação da lide, o denunciante


se veja obrigado a ajuizar uma ação autônoma de regresso em desfavor do denunciado.
6. Na presente hipótese, embora a denunciação da lide tenha sido formulada intempestivamente, a
recorrida reconheceu, ainda que parcialmente, sua condição de garantidora. Portanto, ao
reconhecer esse vício do oferecimento da denunciação da lide e anular todos os atos processuais
praticados, o Tribunal de origem agiu em descompasso com os princípios da primazia do julgamento
de mérito e da instrumentalidade das formas.
7. Recurso especial provido.”
275 “Nesse particular, veja-se a disposição do artigo 126 do NCPC, relativamente à denunciação à

lide, bem como a do artigo 131, relativamente ao chamamento ao processo. Em ambos os casos,
condição sine qua non para a admissão da intervenção é que seja ela feita pelo autor, na petição
inicial, e pelo réu, na contestação, no que diz respeito à denunciação à lide, e também pelo réu, na
contestação, quando for o caso de chamamento ao processo.
Para essas duas hipóteses, pois, o terceiro quando ingressa no processo assume a condição de
parte, litisconsorte daquele que provocou o seu ingresso. ” (SAMPAIO, Marcus Vinicius de Abreu. O
incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a coisa julgada: quais os seus limites? In
DANTAS, Bruno; BUENO, Cassio Scarpinella; CAHALI, Claudia Elisabete Schwerz; NOLASCO, Rita
Dias (Coord.). Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de
uniformização de jurisprudência. Em homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2017. p. 322).
276 No Código de Processo Civil português quando o réu almeja fazer reconhecimento jurídico do

pedido, mas acredita que há incorreção do polo ativo pode requerer a inclusão de um autor (art. 347-
“oposição pode também ser provocada pelo réu da causa principal: quando esteja pronto a satisfazer
a prestação, mas tenha conhecimento de que um terceiro se arroga ou pode arrogar-se direito
incompatível com o do autor, pode o réu requerer, dentro do prazo fixado para a contestação, que o
terceiro seja citado para vir ao processo deduzir a sua pretensão”) e se o provocado ficar inerte
sofrerá os efeitos da coisa julgada (“art. 349 1 - Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, tendo sido
ou devendo considerar-se citado na sua própria pessoa e não se verificando nenhuma das exceções
ao efeito cominatório da revelia, é logo proferida sentença condenando o réu a satisfazer a prestação
ao autor. 2 - A sentença proferida tem, no caso previsto no número anterior, força de caso julgado
relativamente ao terceiro. 3 - Se o terceiro não deduzir a sua pretensão, sem que se verifiquem as
condições a que se refere o n.º 1, a ação prossegue os seus termos, para que se decida sobre a
titularidade do direito. 4 - No caso previsto no número anterior, a sentença proferida não obsta, nem a
que o terceiro exija do autor o que este haja recebido indevidamente, nem a que reclame do réu a
prestação devida, se mostrar que este omitiu, intencionalmente ou com culpa grave, factos essenciais
à boa decisão da causa”).
Lia Carolina Cintra Batista ao tratar sobre nomeação autoria (denominação presente no CPC/73),
assevera que o CPC/15 perdeu a oportunidade de também permitir a correção no polo ativo como em
Portugal. (CINTRA, Lia Carolina Batista. Analise crítica do vigente sistema brasileiro de intervenções
de terceiros. In Publicações da Escola AGU. Vol. 8 - n. 01. Brasília, Jan.- Mar. 2016.p 204).
Obviamente que a questão é polêmica porque interfere no direito constitucional da liberdade de litigar
em que ninguém pode ser obrigado a litigar se assim não almejar, tanto que há interessantes
discussões a respeito do litisconsórcio ativo necessário. De toda sorte, o referido artigo do Código de
Processo Civil português demonstra situação semelhante a desconsideração da personalidade
jurídica, em que o objetivo é ampliar o polo contrário, mas nota-se que até mesmo nessa situação há
um momento adequado para se requerer, e, portanto, há respeito ao princípio da estabilização da
demanda.
117

busca uma modificação do polo passivo pelo próprio autor, o qual, desde o início
tinha a oportunidade de colocar o sócio como réu277.
A questão da estabilização da demanda é tão séria que mesmo alterando-se
condições no plano material, mantém a estrutura processual intacta (art. 109
CPC278), e, no caso da desconsideração da personalidade jurídica, o que se busca
não é a substituição da pessoa jurídica pelo sócio279, mas a clara ampliação do polo
passivo em que ficarão figurando como parte pessoa jurídica e sócios280.
Destarte, embora não seja possível definir a natureza jurídica do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica sem ressalvas, a maneira que melhor se
enquadra é como processo incidental, pois, o único ponto que macularia essa
qualificação (desfecho por decisão interlocutória), com a sistemática do Novo Código
de Processo Civil que contempla as interlocutórias de mérito, fica amainado.
Não é de hoje que a definição do que é sentença e o que é decisão
interlocutória281 gera discussões, e ainda que com críticas, mormente diante da

277 Por essa razão Christian Garcia Vieira assevera que nesses casos não haveria de se falar em
princípio da estabilização da demanda. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade
jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 143).
278 “Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não

altera a legitimidade das partes.


§ 1o O adquirente ou cessionário não poderá ingressar em juízo, sucedendo o alienante ou cedente,
sem que o consinta a parte contrária.
§ 2o O adquirente ou cessionário poderá intervir no processo como assistente litisconsorcial do
alienante ou cedente.
§ 3o Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou
cessionário. ”
279 Este fato reforça o argumento de que o sócio é apenas responsável secundário e não se

transforma em devedor.
280 Christian Garcia Vieira coloca que: “Defender, portanto, a ideia de que o incidente de

desconsideração previsto pelo CPC/15 seria mero incidente no processo, implicaria ser necessário
admitir a possibilidade de a parte promover a inclusão de nova causa de pedir, novo pedido e, ao
mesmo tempo, ampliar subjetivamente a demanda. ” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 142). Embora concorde-se com o
autor que a incidente de desconsideração da personalidade jurídica não possa ser considerado como
um incidente processual, discorda-se de que o óbice seria porque há uma nova causa de pedir,
mormente porque há intervenção de terceiro que tem a característica de ampliação objetiva, como a
denunciação da lide, e se fosse realmente este o problema de se classificar o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica como um processo incidental, se esvairia essa
característica quando requerido na inicial.
281 Concebeu-se com o Código de Processo Civil de 1973 que a sentença era o ato que colocava fim

ao processo, e as decisões interlocutórias as demais manifestações judiciais ao longo do processo,


no entanto, tal definição, utilizada principalmente com o fito de definição recursal, encontrava críticas:
“Não é o colocar fim ao processo que caracteriza uma sentença, mas o seu conteúdo (...) por fim ao
processo não é senão um efeito da sentença. (...) é, portanto, o conteúdo do ato sentencial que o
distingue dos demais pronunciamentos judiciais e não o efeito que gera (...) os conteúdos das
sentenças (arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil) são, assim, o critério que as distingue das
decisões interlocutórias. ” (WAMBIER. Teresa Arruda Alvim. Os Agravos no CPC Brasileiro. 3. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 79).
118

definição do que é decisão interlocutória (art. 203, §2º do CPC282), a decisão


proferida ao final do incidente de desconsideração da personalidade jurídica analisa
o mérito (conteúdo de sentença), relembrando o fato de que o incidente também
pode ser resolvido por sentença (quando a instauração se dá na inicial).
Neste sentido Christian Garcia Vieira:

Tratando-se de um processo incidente autônomo, a decisão de mérito que é


proferida na demanda incidental de desconsideração se aproxima mais do
conceito de sentença estabelecido pelo CPC/15 (art. 203, §1º). Ela será um
pronunciamento que apreciará a matéria posta em julgamento com apoio
nos arts. 485 e 487, tanto na hipótese que acolher ou rejeitar no mérito o
pedido de desconsideração, como nas hipóteses em que reconhecer a
configuração das matérias tipificadas no art. 487. Para também colocá-la
mais próxima do conceito de sentença, topologicamente, a decisão da
demanda incidental colocará fim tanto à fase cognitiva como ao próprio
processo incidente.
Nada obstante, a decisão final da demanda incidental de desconsideração,
apesar de pôr termo a um procedimento cognitivo e resolver o pedido
(apreciando o mérito), é uma decisão interlocutória de mérito e, por esse
motivo, configura uma decisão interlocutória (de mérito).283

A natureza de ação do incidente de desconsideração da personalidade


jurídica é tão evidente que mesmo contendo expressamente no art. 136 do CPC que
a regra é o desfecho através de decisão interlocutória, Luiz Henrique Volpe
Camargo284 trata o ato judicial como sentença: “É a sentença da ação incidental que

“A redação original do art. 162, §§ 1º e 2º, do CPC de 1973 traçava os conceitos de sentença e
decisão interlocutória com base em critério meramente formal e topológico. A primeira era ato
decisório que punha fim ao processo (com ou sem julgamento do mérito), e a segunda era o
provimento proferido no curso do processo (com propósito primordial de resolver questão incidente).
Ninguém duvidava que esta classificação original do Código de 1973 apresentava enormes falhas.
(SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recorribilidade das Interlocutórias e Sistema de Preclusões no Novo
CPC- Primeiras Impressões. In Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Vol. 11. n. 65.
Porto Alegre. Mar.-Abr. 2015. p. 33).
282 “Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e

despachos.
§ 1o Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o
pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase
cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.
§ 2o Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre
no § 1o.”
283 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 179.


284 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.).

Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 235.
Complementa o autor que “Sem pronunciamento judicial em processo de cognição, não é legítimo
redirecionar a execução contra o sócio pela inexistência de título (nulla executio sine titulo). Quando o
sócio não participar da fase de conhecimento, a sentença que reconhecer a obrigação da pessoa
jurídica não é eficaz em relação a ele (art. 115, II) e a coisa julgada não lhe atinge (art. 506).”
(CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.).
Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 235).
119

tem o condão de estender ao sócio a responsabilidade pela obrigação da pessoa


jurídica.” Da mesma maneira Christian Vieira Garcia285 inicia tópico em sua obra
denominado de “aspectos práticos decorrentes da sentença que acolhe o pedido”
(de desconsideração).
Se sob a égide do CPC/73 já havia decisões interlocutórias com conteúdo de
sentença, essa situação ficou inquestionável com o Código de Processo Civil 2015
onde há decisões interlocutórias propriamente ditas e interlocutórias de mérito,
inclusive que possibilita o julgamento parcial286. O que importa não é o momento em
que ocorre a decisão, mas o conteúdo287.
Vale dizer que no caso da decisão no incidente de desconsideração tanto o
conteúdo (analisa o mérito), como o momento (põe fim a fase cognitiva do incidente)
são de sentença e, talvez a opção legislativa em considerar o pronunciamento
judicial como decisão interlocutória tenha se dado para reforçar o caráter acessório
do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
De qualquer forma, a opção legislativa para decidir o incidente de
desconsideração através de decisão interlocutória não é motivo para afastar a
qualificação como um processo incidental.

Embora coadune-se com a conclusão do autor (o incidente de desconsideração da personalidade


jurídica tem natureza de ação), discorda-se da premissa da qual parte.
O título que irá se formar no incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem outro objeto.
Ademais a característica essencial da responsabilidade secundária é justamente responder
patrimonialmente ainda que inexista título.
O título que surge declara uma nova situação: responsabilidade secundária, e que torna possível a
inclusão do sócio no polo passivo da ação principal como responsável secundário. No entanto não se
enquadra o brocardo nulla executio sine titulo porque continuará inexistindo título da cobrança em
face do sócio.
285 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 180.


286 Dentro do Capítulo X, do Título I, do Livro I, da Parte Especial, consta as seções II e III versando

respectivamente sobre julgamento antecipado do mérito e julgamento antecipado parcial do mérito.


Na primeira situação leva-se em consideração o momento processual (coloca fim a primeira instância)
para se qualificar o pronunciamento judicial: sentença (art. 355 do CPC), na segunda situação, por
não colocar fim a uma etapa processual, o pronunciamento judicial se dá através de decisão
interlocutória. De toda sorte, em ambas a situações o conteúdo é do que outrora se concebia como
sendo conteúdo de sentença, em que há análise do mérito.
No caso da decisão sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se trata de
uma parcial de mérito, mas completa de mérito.
287 “Sentença é, portanto, à luz do novo Código, ato do juiz que tem como conteúdo a matéria dos

arts. 485 e 487 e que, simultaneamente, põe fim a fase de conhecimento do pronunciamento comum
ou extinguem a execução (...) Também haverá decisões interlocutórias que, embora não sejam de
mérito, têm conteúdo de sentença, mas como tal não poderão ser classificadas, de acordo com a
terminologia empregada pelo NCPC, porque não põe fim a fase cognitiva do procedimento comum
nem extinguem a execução. ” (ALVIM. Teresa Arruda. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.).
Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 775).
120

Outro ponto que reforça a natureza de demanda do incidente de


desconsideração da personalidade jurídica é o fato de que são cabíveis intervenções
de terceiro, em uma situação de intervenção de terceiro em uma intervenção de
terceiro288.
Portanto, embora inserido em um Título que trata das intervenções de
terceiro, e denominado de incidente processual, a desconsideração da
personalidade jurídica tem natureza de ação (ainda que internamente289) e, por
conseguinte, deve seguir todos os ditames de uma ação, até mesmo nos pontos que
os artigos que tratam da desconsideração da personalidade jurídica não tocam.
Nos artigos da desconsideração da personalidade jurídica há algumas
determinações típicas de ação. A necessidade de citação, o prazo para
contestação290 de quem terá o patrimônio atingido (art. 135 do CPC), a exigência de
preencher os requisitos de lei material e assim demonstrar o interesse de agir (art.
134, §4º)291, e até mesmo a anotação no cartório distribuidor (art. 134, §1º). Mas há
omissões como em relação ao valor da causa e a condenação em honorários
advocatícios.

288 Christian Garcia Vieira destaca que no incidente de desconsideração da personalidade jurídica são
possíveis todas as intervenções de terceiro: assistência simples e litisconsorcial, denunciação da lide,
chamamento ao processo e amicus curiae. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da
personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 128-134).
Acrescenta-se que também é possível a correção do polo passivo, denominada de nomeação a
autoria no CPC/73, que para Fredie Didier Junior, embora retirada do capítulo de intervenção de
terceiros ainda mantém essa característica, e, em decorrência da não mais necessária concordância
do réu, diz o autor que se trata de nova forma de intervenção de terceiro: “A regra, que confere um
direito processual de alteração do polo passivo da demanda, é muito boa e simplificadora. Trata-se de
uma modalidade nova de intervenção de terceiro, que tem por consequência a sucessão processual,
que não depende da concordância do réu. ” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil.
Parte Geral e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 19. ed. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 647). Nesse
caso o sócio demandado no incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode alegar
ilegitimidade porque, por exemplo, não foi ele quem agiu com abuso de poder, indicando o sócio que
agiu indevidamente (arts. 338 e 339 do CPC).
289 Quando requerida na inicial o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não perde a

característica de ação de maneira destacada da principal, pois há novas partes (o réu será o sócio e
não a pessoa jurídica), nova causa de pedir e pedido. Comparativamente seria como uma
denunciação da lide.
290 Embora seja denominado de manifestação, formalmente é uma contestação devendo seguir as

regras do art. 335 a 342 do CPC.


291 “Por isso, o pedido de instauração do incidente deve demonstrar o preenchimento dos

pressupostos legais que autorizam a intervenção (art. 134, §4º, CPC), sob pena de inépcia (ausência
de causa de pedir, art. 330, §1º, I, CPC).
Não bastam, assim, afirmações genéricas de que a parte quer desconsiderar a personalidade jurídica
em razão do “princípio da efetividade” ou do “princípio da dignidade da pessoa humana”. Ao pedir a
desconsideração, a parte ajuíza uma demanda contra alguém; deve, pois, observar os pressupostos
do instrumento da demanda. ” (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Parte Geral e
Processo de Conhecimento. Vol. 1. 19. ed. Salvador: Juspodivm. 2017. p. 527).
121

Compreende-se que ao atribuir natureza de demanda ao incidente de


desconsideração da personalidade jurídica deve-se obedecer a todas as regras
inerentes a uma demanda. Portanto, ainda que silente o capítulo IV do Livro III, deve
ser atribuído valor à causa292, devendo haver recolhimento de custas processuais293,
com condenação em honorários e despesas processuais ao sucumbente294.
Por ser um instituto processual novo, ainda não há na jurisprudência
pacificação se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem
natureza de demanda ou não, e, em virtude do nome dado ao instituto (incidente

292 “Há, portanto, apenas a exclusão do inc. V do art. 320, uma vez que não há exigência em se
atribuir valor à causa. Para efeitos práticos, e tal como ocorre com os embargos do devedor, poderá
ser adotado como parâmetro o valor da demanda principal se e quando o critério se mostrar
necessário. ” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 149-150).
293 O recolhimento de custas deverá seguir a legislação adequada a depender da competência:

estadual ou federal.
Pode se afirmar com segurança que no âmbito federal deverá haver recolhimento de custas inicias
nos termos da Lei n. 9.289/96, no âmbito estadual irá depender da legislação de cada Estado, e, em
havendo determinação de recolhimento de custas iniciais, deverá ser recolhido também para o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Não pode a omissão contida nos arts. 133 a
137 do CPC ser interpretada como isenção do recolhimento de custas iniciais.
Eventual isenção deve ocorrer de maneira expressa, como ocorre, por exemplo, no caso da
reconvenção no âmbito federal, em que mesmo tendo inegável natureza de ação, a Lei Federal n.
9.289/96 no art. 7º isenta de recolhimento de custas.
Nesse particular convém destacar as lições de Cassio Scarpinella Bueno que, em situação
semelhante, ao analisar os artigos 295 e 303, §3º do CPC, ambos dentro do livro que trata de tutelas
provisórias, critica o fato de a lei ordinária federal (Código de Processo Civil) dar isenção de custas
que é atribuição tributária estadual: “Resta saber se a lei ordinária federal pode impor à Justiça dos
Estados a isenção de custas (que tem natureza tributária). É uma questão multidisciplinar
interessante e de efeitos práticos indesmentíveis a ser debatida entre processualistas e tributaristas.
Entendo que não. Os Estados não estão inibidos, destarte, de legislarem sobre custas judiciais
inclusive na hipótese aqui identificada. O art. 295 fica, destarte, restrito aos processos que correm
perante a Justiça Federal.” (BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil:
inteiramente estruturado à luz do novo CPC, de acordo com a Lei n. 13.256, de 4-2-2016. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016.p.253).
294 Tratando dos processos incidentais e não especificamente da desconsideração da personalidade

jurídica Olavo Oliveira Neto: “O entendimento até o momento predominante é no sentido de que deve
ocorrer a condenação ao pagamento de honorários quando a via utilizada apresentar a natureza de
processo; enquanto isso não deve acontecer quando se tratar de mero incidente processual, a não
ser em casos excepcionais, quando o incidente acaba por encerrar o feito ou fase processual.”,
destacando ainda o autor que o fato de se encerrar por decisão interlocutória não afasta a existência
de sucumbência: “pode ser considerada sentença aquela decisão (antes acoimada interlocutória) que
encerra uma fase processual (...) uma decisão que encerra fase processual pode ser considerada,
atualmente, como sentença, para os fins de estabelecer o regime jurídico de sua eficácia.” (OLIVEIRA
NETO, Olavo. Condenação ao pagamento de honorários na nova execução civil. In Revista do
Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol.19. 2017. p. 230-246).
Especificamente sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a condenação em
honorários: CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo
(Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 245);
TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica. Acesso em 03/09/2017; VIEIRA,
Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm,
2016. p. 182-183.
122

processual), bem como por estar inserido dentro do título que trata de intervenções
de terceiro, a conclusão aqui tomada (natureza de processo incidental) não é indene
de posicionamentos diversos. Mas, enquanto não se pacifica o entendimento a
respeito da natureza do incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
espera-se que haja, no mínimo, coerência entre as premissas e conclusões.
No julgamento do agravo de instrumento 2228856-97.2016.8.26.0000295 o
Tribunal de Justiça de São Paulo considerou que não deveria haver recolhimento de
custas no incidente de desconsideração da personalidade jurídica dada a
característica de incidente processual296, portanto a conclusão do julgado foi
coerente com a premissa da qual partiu. No entanto, em outra oportunidade, o
mesmo Tribunal fixou honorários sucumbenciais em incidente de desconsideração

295 Decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que não reconhece a natureza de ação do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica e, consequentemente, afasta a necessidade de
recolhimento de custas: “PROCESSO CIVIL. INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE CUSTAS INICIAIS.
EXAME DA LEI ESTADUAL 11.680/2003. DECISÃO REFORMADA. Extrai-se do exame dos autos
que, requerida a instauração do incidente da personalidade jurídica da empresa agravada, com fulcro
no artigo 133 do CPC, foi determinado o recolhimento das custas iniciais, sob pena de extinção.
Desconsideração que possui natureza de incidente processual e não de ação autônoma. Modalidade
forçada de intervenção de terceiros, que amplia subjetivamente a relação processual, sem alteração
do objeto litigioso. Inexistência de previsão de recolhimento de custas iniciais no atual Código de
Processo Civil e na Lei Estadual 11.680/03. Decisão reforma, nesse ponto. Questão relativa à
presença dos demais requisitos para instauração do incidente que não é objeto deste recurso. Agravo
provido para afastar a determinação de recolhimento de custas iniciais no incidente do art. 133 do
NCPC. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2228856-97.2016.8.26.0000; Relator (a): Luiz Arcuri; Órgão
Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 32ª Vara Cível; Data do Julgamento:
07/03/2017; Data de Registro: 07/03/2017).
296 No estado do Paraná, mesmo sendo considerada que a natureza é de incidente processual há

recolhimento de custas, isso porque naquele estado há determinação legal nesse sentido. Em
consulta realizada por advogado, o juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de
Justiça do Paraná TJ/PR, Marco Antonio Massaneiro sintetizou:
“O consulente apresentou os seguintes questionamentos: “1) incide ou não incide as custas
processuais quando instaurado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em MEIO
de processo? 2) caso esta colenda Corregedoria entenda pela incidência de tais custas, como e sob
qual código recolhê-la? (...) Nesse contexto, cotejando o instituto da desconsideração da
personalidade jurídica com o conceito doutrinário, é forçoso concluir que essa figura jurídica é espécie
do gênero incidente processual, uma vez que há fuga do desdobramento normal do processo sem
que, todavia, seja formada uma nova relação jurídica processual. O próprio Código de Processual,
confirmando essa conclusão, utilizou a expressão “Do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica” para nominar o instituto. Por ser incidente processual, a desconsideração da
personalidade jurídica é hipótese de incidência de custas processuais no Regime de Custas do
Estado do Paraná (“incidentes procedimentais” Tabela IX, anexa ao Regimento de Custas, inciso I),
cuja receita consta do Sistema Uniformizado de Recolhimento de Custas e Despesas Processuais.
(...) Finalizada essa digressão, cumpre reiterar que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é hipótese de incidência de custas processuais no Estado do Paraná,
devendo ser cobrado com base na receita “Incidentes procedimentais”. (MASSANEIRO,
Marco Antonio. Decisão sobre consulta a respeito do recolhimento de custas em incidente de
desconsideração da personalidade jurídica. In https://sei.tjpr.jus.br/validar informando o
código verificador 1374868 e o código CRC 2DF73FFB).
123

da personalidade jurídica297, mesmo tendo se manifestado, em outras ocasiões, no


sentido de que não cabe condenação em honorários advocatícios quando se tratar
de mero incidente processual298.
Embora, por não haver posicionamento firmado299, não haja a esperada
segurança, em virtude da necessidade de dar oportunidade de a parte corrigir
eventuais falhas presentes na inicial (art. 321 do CPC) antes de qualquer decisão
extinguindo o incidente, não há prejuízo a ser experimentado.
Reafirma-se a qualidade de demanda do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, e, por conseguinte a necessária submissão a todas as regras

297 “FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - Incidente de desconsideração da personalidade


jurídica - Indeferimento do pedido - Inconformismo do sócio - Acolhimento parcial - Ausência de
fixação de honorários advocatícios - Agravante que foi citado, constituiu advogado e apresentou
defesa nos autos do incidente - Verba honorária devida, mas não no porcentual pleiteado de 15% -
Incidente sem complexidade solucionado em apenas 4 meses, com a prática de poucos atos
processuais - Honorários fixados em 10% sobre o valor atualizado da fase de cumprimento de
sentença - Decisão reformada em parte - Recurso parcialmente provido.” (TJSP - Agravo de
Instrumento 2184603-87.2017.8.26.0000; Relator (a): J.L. Mônaco da Silva; Órgão Julgador: 5ª
Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento:
31/10/2017; Data de Registro: 31/10/2017)
298 TJSP - Apelação 0005698-87.2015.8.26.0704. Relator (a): Sá Duarte, Órgão Julgador: 33ª

Câmara de Direito Privado, Foro Regional XV - Butantã - 3ª Vara Cível, Data do Julgamento:
20/02/2017, Data de Registro: 21/02/2017); (TJSP. Apelação 0039025-26.2014.8.26.0100. Relator
(a): Gilberto dos Santos, Órgão Julgador: 11ª Câmara de Direito Privado, Foro Central Cível - 3ª Vara
Cível, Data do Julgamento: 27/08/2015, Data de Registro: 28/08/2015.
299 O Estado de São Paulo julgou desnecessário o recolhimento de custas no incidente de

desconsideração da personalidade jurídica, já o estado do Rio de Janeiro e o Distrito Federal


posicionaram-se em favor do recolhimento de custas:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
ALTERAÇÃO DO POLO PASSIVO A FIM DE POSSIBILITAR A CITAÇÃO DO SÓCIO.
DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão
proferida pelo Juízo da Primeira Vara Cível Regional da Barra da Tijuca que determinou a alteração
do polo passivo para que conste a sócia da sociedade empresarial e determinou a certificação quanto
o correto recolhimento das custas (...) 5. Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil,
a desconsideração da personalidade jurídica passou a ser consagrada como uma das modalidades
de intervenção de terceiros, a ser processada por intermédio de ação incidental, a qual observará
procedimento comum, conforme estabelece o artigo 133 e seguintes deste Diploma Legal. ” (TJRJ -
Agravo de Instrumento nº 0056782-66.2016.8.19.0000. rel. Monica Maria Costa. J. 04/05/2017).
“PERSONALIDADE JURÍDICA. INSTAURAÇÃO. NOVO CPC. PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS. RECOLHIMENTO DE CUSTAS. NECESSIDADE DE REGULAR PROCESSAMENTO.
RECURSO PROVIDO.
1. Na nova sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil de 2015, a desconsideração da
personalidade jurídica passou a figurar como uma das modalidades de intervenção de terceiro, com
regras e procedimento próprios, nos termos dos artigos 133 a 137 do CPC.
2. Frise-se que os artigos 135 e 136 do CPC autorizam expressamente a realização de instrução
probatória durante o processamento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Por
isso, basta a mera alegação quanto ao preenchimento dos requisitos da desconsideração para que
seja determinada a instauração do incidente requerido.
3. Diante da comprovação, nos autos do processo, do preenchimento dos seus requisitos, com o
devido recolhimento das custas, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve
seguir sua marcha processual até a decisão final pelo Juízo singular.
4. Recurso conhecido e provido. ” (TJDF - Agravo de instrumento n. 07054277220178070000. Relator
Des. Alvaro Ciarlini. 3ª turma. Data do julgamento 04/10/2017. DJe 11/10/2017).
124

inerentes as ações autônomas, que, afora as caraterísticas na formação, terá


reflexos no plano processual, como a existência de litispendência e coisa julgada.
A litispendência é ponto relevante na análise do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, mormente porque é muito comum verificar a existência de
devedores como executados em diversos processos movidos pelo mesmo credor.
Assevera Christian Garcia Vieira:

Tratando-se de diversos litígios entre as mesmas partes, não seria prático,


nem tampouco econômico, fazer com que elas atravessassem, em cada um
deles, o mesmo exercício cognitivo para verificar a ocorrência (ou não) dos
pressupostos ensejadores da desconsideração da personalidade jurídica.300

Não é coerente em um modelo constitucional de processo que prima pela


segurança jurídica, economia e celeridade processuais, permitir que uma mesma
parte intente com diversos processos incidentais de desconsideração da
personalidade jurídica301.
Se por um lado, ainda que sejam as mesmas partes, os títulos extrajudiciais e
judiciais têm características que impedem a cobrança de maneira conjunta (definição
da competência, momento da exigibilidade, entre outros), no caso do processo
incidental de desconsideração da personalidade jurídica há um único pedido,
responsabilizar de maneira secundária o sócio que abusou da personalidade
jurídica, e a causa de pedir, via de regra302, será a mesma.

300 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 156.
301 Alexandre Freire e Leonardo Albuquerque, por considerarem que o mecanismo processual

descrito no art. 133 e seguintes do CPC é um incidente processual, não concebem o efeito da
litispendência e assim assinalam: “Acolhido o pedido de desconsideração formulado por dado credor
em relação a certo caso, a declaração não projeta seus efeitos para futuros litígios entre o requerente
e o requerido. Para futuras contendas, o interessado deverá apresentar novos requerimentos, com
nova demonstração do preenchimento dos requisitos específicos para cada caso, não podendo se
valer da decisão “emprestada” anterior. Com efeito, não podemos deixar que o instituto da
desconsideração é uma exceção ao princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresaria
como tal deve ser tratado. O atendimento dos pressupostos da desconsideração é relacionar
incidindo apenas para dada relação jurídica delimitada singularmente no tempo e no espaço. Embora
nada impeça que a decisão beneficie mais de uma relação jurídica, eles devem estar devidamente
individualizados na petição inicial da demanda principal, no requerimento do incidente e na decisão
que o acolhe. É imprescindível, assim, a demonstração concreta que houve atendimentos aos
pressupostos, em caráter específico, no âmbito de dada relação jurídica, ainda que o credor e
devedor possuam outras relações em que tais papéis sociais se repitam. ” (FREIRE, Alexandre;
MARQUES, Leonardo Albuquerque. In STRECK, Lenio Luiz; NUNES, Dierle; CUNHA, Leonardo da
(Org.); FREIRE, Alexandre (Coord. Exe.). Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 214).
302 Pode ocorrer de no decorrer do incidente de desconsideração da personalidade jurídica ser

observada outra causa de pedir referente aquela mesma pessoa jurídica, o que afasta a tríplice
125

Observando-se a ocorrência da tríplice identidade (mesmas partes, mesma


causa de pedir e mesmo pedido – art. 337, §2º do CPC) haverá litispendência (art.
337, §3º do CPC), e o incidente no qual primeiro ocorreu a citação deverá prevalecer
(art. 240 do CPC)303. Com isso evitar-se-á que um mesmo credor consiga
responsabilizar de maneira secundária o sócio em um determinado caso e em outro
não.
Não resta dúvida de que a decisão interlocutória que põe fim ao incidente de
desconsideração da personalidade jurídica faz coisa julgada304, seja por seu
conteúdo de sentença, seja pela expressa previsão do art. 502 do CPC305. Assim,
por óbvio, tem como consequência processual o cumprimento de sentença, que, a
depender da procedência306, será observado de duas formas: no próprio incidente

identidade. Por exemplo, ingressa-se com incidente de desconsideração da personalidade jurídica


por haver indícios de confusão patrimonial, mas no decorrer observa-se que também existe desvio de
finalidade, portanto haveria no caso uma ampliação objetiva da demanda incidental, e que para ser
aceita deverá obedecer aos termos dos art. 329 do CPC. Vale dizer que a ampliação objetiva não é
obrigatória, de tal sorte que, havendo outra motivação, poderá ser intentado outro incidente de
desconsideração da personalidade jurídica sem que implique em litispendência.
303 “Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência,

torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos). ”


Observação importante se faz em relação a eventuais problemas práticos que poderão surgir em
virtude da cisão do art. 219 do CPC/73, separando-se os momentos de prevenção (a partir da citação
- art. 59 do CPC) e de indução a litispendência (art. 240 do CPC). Isso porque pode ocorrer do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica que foi primeiro distribuído não ser o primeiro
que teve citação válida, e assim o que induzirá a litispendência poderá ser incompetente em virtude
das regras de prevenção (art. 59 do CPC), o que embora não impeça a indução a litispendência pela
literalidade do caput do art. 240 do CPC, trará situação no mínimo curiosa, em que o incidente que
teve a citação em um primeiro momento será o que deverá sobreviver só que deverá ser remetido ao
Juízo prevento.
304 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero discorrendo que se trata de um

incidente, e não de uma ação autônoma, embora não mencionem que seria um processo incidental,
reconhecem a existência de formação de coisa julgada: “Segundo pensamos, a despeito de tramitar
incidentalmente, a questão será resolvida como principal, de mérito, e não incidental, incidindo no
caso, o disposto no art. 503, caput, do CPC. ” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz;
MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. atual e ampl. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2016. p. 246).
305 Coerentemente retirou-se a palavra sentença que continha no correspondente art. 467 do CPC/73.
306 No caso de improcedência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica não haverá

cumprimento de sentença externo, no entanto, não se afasta a ocorrência de coisa julgada.


Recentemente o Superior Tribunal de Justiça assim se posicionou, ao negar pedido de inclusão de
sócios em fase de cumprimento de sentença, por já ter se tentado incluí-los na fase de conhecimento,
momento em que foi indeferido o pedido por se compreender que não havia os requisitos ensejadores
da desconsideração: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE
REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA. SÓCIOS EXCLUÍDOS EXPRESSAMENTE DA LIDE, SEM APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR, NA FASE DE CONHECIMENTO. FASE DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA. NOVO PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO, PELA MESMA RAZÃO: ENCERRAMENTO
IRREGULAR DA PESSOA JURÍDICA. INVIABILIDADE. QUESTÃO ANTERIORMENTE DECIDIDA.
COISA JULGADA (CPC/73, ART. 467). RECURSO PROVIDO. 1. Na hipótese, decisão proferida na
fase de conhecimento, transitada em julgado, afastara a aplicação do Código de Defesa do
Consumidor e afirmara a inexistência de pressupostos processuais e materiais necessários a
126

de desconsideração da personalidade jurídica, buscando o recebimento da


condenação em custas e honorários sucumbenciais, e inserindo-se no processo
principal307 os sócios que tiverem a responsabilidade secundária a eles atribuída308.
É de suma importância ao desenvolvimento do presente trabalho a questão a
respeito do cumprimento de sentença, como se verá mais detalhadamente no
capítulo 5, mas por hora somente se destaca a existência de cumprimento de
sentença cindido em caso de procedência do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
Para não perder o foco do presente capítulo, encerra-se o item 3.3.2
concluindo que a natureza do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica é de ação, e parte-se para o inevitável questionamento, se o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é uma ação de conteúdo vinculado,
porque então não foi inserido em procedimentos especiais, mas sim como
intervenção de terceiros?

3.3.3 – Opção por qualificar como uma intervenção de terceiro

Notou-se, pela evolução no processo legislativo do Novo Código de Processo


Civil, que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica não foi desde o

aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com base no art. 50 do Código


Civil. 2. Nesse contexto, é inviável a modificação de tal entendimento, quando do cumprimento da
sentença, para se aplicar agora ao caso, com base na mesma razão já antes examinada, a Teoria
Menor da Desconsideração da Personalidade Jurídica e o CDC, afastados no título judicial, sob pena
de ofensa à coisa julgada. 3. Recurso especial provido. “ (STJ - Recurso Especial 1.473.782 – MG.
Relator Min. Raul Araujo. 4ª turma. Data do julgamento 15/08/2017. DJe 31/08/2017).
307 Como mencionado anteriormente, é possível que existam vários processos de onde nasça o

interesse em responsabilizar de maneira secundária os sócios, e nesses casos, considerando a


natureza de demanda do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como já defendido,
somente deverá haver um incidente de desconsideração da personalidade jurídica (litispendência).
Nessa situação, com a decisão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a decisão
interlocutória será cumprida em vários processos. O cumprimento de “sentença” será externo e em
vários processos.
308 “O quadro desenhado pela decisão final da demanda de desconsideração afasta dúvidas de que

ela é um pronunciamento de mérito, pois aprecia o pedido de desconsideração (à luz da norma de


direito material correspondente) e, uma vez acolhido, atribuirá ao autor o respectivo bem da vida
correspondente à inoponibilidade de determinada personalidade jurídica, cujo reconhecimento
permitirá estender a responsabilidade patrimonial do título exequendo, projetando, assim, efeitos no
mundo empírico. ” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo
CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 179).
127

início classificado como uma intervenção de terceiro309, somente assim sendo


qualificado no substitutivo da Câmara dos Deputados310.
Mas porque será que houve essa opção legislativa, uma vez que na prática,
com decisão de procedência no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, o sócio acaba por virar parte no sentido processual e era essa a posição no
texto do Senado Federal? Para se chegar a alguma conclusão, primeiro é preciso
estudar, ainda que sucintamente, o que é intervenção de terceiro, qual a finalidade
processual de permitir que quem não foi originalmente inserido na lide possa
ingressar no processo, para então, se concluir que o incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, dada sua característica de demanda, foge a clássica
definição do instituto.
Cândido Rangel Dinamarco311 inicia o estudo sobre intervenções de terceiro a
partir dos efeitos da coisa julgada, que via de regra só gera efeitos entre as partes
que participaram da demanda. Assim, quem deve sofrer com os efeitos da coisa
julgada é quem fez parte da relação jurídico processual (limite subjetivo da coisa
julgada), mas há casos em que quem não participou da demanda acaba sendo
atingido, é o que ficou conhecido como efeitos reflexos da sentença312, como é o
caso dos sucessores, dos devedores solidários e também dos sócios de uma pessoa
jurídica.
No mesmo sentido Eduardo J. Couture trata a intervenção de terceiros
dizendo ser impossível dissociar da coisa julgada, asseverando que se trata de uma
antecipação preventiva da coisa julgada adversa:

Basta examinar así la figura del terceiro coadyuvante para compreender que
a sua respecto se plantea, substancialmente, um problema de cosa
juzgada.

309 “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não se trata propriamente de uma


figura de intervenção de terceiros. ” (ARAUJO, Fabio Caldas de. Curso de Processo Civil. Tomo I.
Parte Geral. São Paulo: Malheiros, 2016. p. 616. p. 602).
310 No PL n. 166/2010 do Senado Federal o incidente de desconsideração da personalidade jurídica

constava no capítulo II, dentro do título IV, que tratava das partes e procuradores.
311 “O árduo problema dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada tem suas razões de ser nas

limitações de por imposição dos valores políticos representados pela garantia constitucional do
contraditório, impedem que a sentença projete eficácia direta ultra partes ou além do objeto do
processo. Repugnaria à ordem político-constitucional a imposição dessa eficácia direta a sujeitos que,
não tendo sido partes, não cooperaram no procedimento e não puderam exercer sua legítima
influência no espírito do juiz – daí a limitação subjetiva da coisa julgada material. ” (DINAMARCO,
Cândido Rangel. Intervenção de terceiros. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 13-14).
312 DINAMARCO, Candido Rangel. Intervenção de terceiros. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 15.
128

Si ele precepto res judicata tertio non nocet fuera absoluto, el terceiro nada
tendría a temer, por cuanto el día en que se fuera a ejecutar la sentencia, él
podría defender su interés al amparo del principio invocado y aduciendo la
existência de uns res inter alios judicata. Pero la experiência jurídica, mas
que iso textos expresos da ley, enseña que la máxima no es absoluta y que,
em numerosas circunstancias e hecho; terceiros resultan alcanzados por la
sentencia
(...)
La intervención del terceiro se liga inseparablemente ao lema de la cosa
juzgada, em razón de qye dicha intervencions, em si misma, no representa
sino uns antecipación preventiva a uma cosa juzgada adversa. ” 313 - 314

Portanto, dentre outras funções, o intento clássico315 da intervenção de


terceiros é possibilitar àquele que sofrerá os efeitos reflexos da coisa julgada316 de
participar da demanda.
Nessa toada o sócio realmente se mostra como terceiro na acepção
processual da palavra, pois, mesmo sem participar da demanda sofrerá efeitos da
coisa julgada317, o que é inerente a própria condição de pretenso responsável

313 COUTURE, Eduardo J. Estudios de derecho procesal civil tomo III. 3. ed. Buenos Aires:
LexisNexis, 2003. p. 150-151.
314 Tradução livre da autora: “Basta examinar, assim como a figura do terceiro coadjuvante para o

caso, para compreender que a seu respeito repousa, substancialmente, um problema de coisa
julgada.
Se o preceito da coisa julgada de terceiro não for absoluto, o terceiro nada terá a temer, porquanto no
dia em que for executar a sentença poderá defender seus interesses amparado polo princípio
invocado e aduzindo a existência de coisa, entre outros, julgada. Porém a experiência jurídica, mais
que textos expressos de lei, ensina que a máxima absoluta é que, em numerosas circunstâncias,
terceiros são alcançados pela sentença.
(...)
A intervenção do terceiro se liga inseparavelmente ao tema da coisa julgada, em razão de que ditas
intervenções, em si mesmas, representam uma antecipação preventiva da coisa julgada adversa.
315 O amicus curiae, também inserido como forma de intervenção de terceiro (art. 138 do CPC), tem

função completamente diversa sem qualquer relação com a coisa julgada, seu interesse é
institucional.
316 “Um dos grandes dilemas, pois, para se definir quais os verdadeiros limites, objetivos e subjetivos

da coisa julgada, decorre do fato de que, especialmente nos dias atuais, é cada vez mais comum que
processos não reflitam relacionamentos envolvendo apenas àqueles que têm ligação direta com o
direito material, ou seja, as próprias partes ou os legitimados ordinários.
Assim, a regra do art. 506 do NCPC é absolutamente ineficiente para resolver inúmeras questões
envolvendo os limites da coisa julgada, a exemplo do que abaixo passaremos a demonstrar,
relativamente ao terceiro que integra o processo, por meio do Incidente de Desconsideração da
Personalidade Jurídica. ” (SAMPAIO, Marcus Vinicius de Abreu. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a coisa julgada: quais os seus limites? In DANTAS, Bruno; BUENO, Cassio
Scarpinella; CAHALI, Claudia Elisabete Schwerz; NOLASCO, Rita Dias. Questões relevantes sobre
recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização de jurisprudência. Em homenagem
a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 317).
317 Marcus Vinicius de Abreu Sampaio assevera que dados os limites subjetivos da coisa julgada a

decisão proferida em processo no qual o sócio não participou não poderá lhe atingir, assim, quando o
sócio ingressar na ação principal após a desconsideração da personalidade jurídica no processo
incidental, poderá discutir a decisão de mérito, e no caso de processo de execução discutir em
embargos à execução. (SAMPAIO, Marcus Vinicius de Abreu. O incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a coisa julgada: quais os seus limites? In DANTAS, Bruno; BUENO, Cassio
Scarpinella; CAHALI, Claudia Elisabete Schwerz; NOLASCO, Rita Dias (Coord.). Questões relevantes
129

secundário. Isso faz com que, mesmo sem haver provocação da parte contrária o
sócio tenha interesse em ingressar na demanda (intervenção de terceiro voluntária).
O sócio que não foi parte na relação material poderá ser executado (processo
de execução) e poderá também sofrer redirecionamento de um cumprimento de
sentença, isso porque poderá ser considerado responsável secundário, e até mesmo
ser incluído no processo de conhecimento movido em face de uma pessoa jurídica
da qual integra. O sócio ostenta a desconfortável posição de incerteza se sofrerá ou
não o redirecionamento de uma execução lato sensu, ou se será incluído em um
processo de conhecimento já em trâmite. Assim, notadamente, o sócio tem interesse
jurídico em ingressar nas demandas em face da pessoa jurídica da qual faz parte.
A situação que se descreveu no parágrafo anterior trata-se da intervenção de
terceiro assistente, pois, conforme define Arlete Inês Aurelli318 a função do assistente
(sócio) é ajudar o assistido (pessoa jurídica) a obter sentença favorável, da qual
também se beneficiará. O sócio terá sempre interesse de intervir em um processo
movido em face da pessoa jurídica da qual faz parte (art. 119 a 124 do CPC)319, uma
vez que poderá ser responsabilizado de maneira secundária 320. É melhor o sócio

sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização de jurisprudência. Em


homenagem a professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 324).
No entanto, a responsabilidade patrimonial dos sócios é exceção aos limites subjetivos da coisa
julgada, em que mesmo o sócio sem ter participado da lide poderá ser responsabilizado.
Responsabilidade patrimonial secundária será sempre exceção aos limites subjetivos da coisa
julgada.
318 AURELLI, Arlete Inês. Assistência simples – mandado de segurança - não cabimento por ausência

de interesse jurídico. In Revista de Processo. Vol. 46, Abr. – Jun. 1987. p. 235 – 242.
319 TJSP - Agravo de Instrumento 2020793-67.2016.8.26.0000. Relator: Cesar Lacerda. 28ª Câmara

de Direito Privado. Data do Julgamento: 23/03/2016. Data de Registro: 23/03/2016: “Agravo de


Instrumento. Locação de imóvel comercial. Ação Renovatória. Interesse jurídico do sócio da empresa
proprietária do imóvel. Ocorrência. Ingresso no feito na qualidade de assistente simples ou adesivo.
Possibilidade. Recurso parcialmente provido. ”
320 Ilustrativamente, destaca-se dois posicionamentos do Tribunal de Justiça de São Paulo a respeito

da possibilidade de o sócio ser assistente, com o qual se concorda, considerando que a categoria
seria de assistente simples, e não litisconsorcial:
“...O sócio da empresa, proprietária do imóvel objeto do contrato de locação, mesmo que não possua
poder de administração, detém interesse jurídico para integrar a lide como assistente. No entanto,
essa intervenção deverá se dar de forma de assistência simples, podendo, nessas circunstâncias,
pleitear providências necessárias à conservação dos interesses da pessoa jurídica (...). O dever do
sócio é de auxílio a bem dos interesses da sociedade e da organização do processo, já que sua
personalidade não se confunde com a da pessoa jurídica. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2020793-
67.2016.8.26.0000; Relator (a): Cesar Lacerda; Órgão Julgador: 28ª Câmara de Direito Privado; Foro
de Guarulhos - 9ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 23/03/2016; Data de Registro: 23/03/2016).
“IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO DE ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL. Pedido de ingresso do sócio
falido nos autos, na qualidade de assistente litisconsorcial da massa falida corré. Assistência.
Cabimento, por haver interesse jurídico. Exegese do artigo 50 do Código de Processo Civil e do artigo
103 da Lei 11.101/05. Assistência que, no caso, é simples, e não litisconsorcial. Impugnação acolhida
para deferir o ingresso de Edemar Cid Ferreira na qualidade de assistente simples. ” (TJSP -
Impugnação ao Pedido de Assistência Litisconsorcial ou Simples 0038881-27.2015.8.26.0000;
130

cuidar para que a pessoa jurídica não seja condenada, e assim não nascerá a
obrigação, nem responsabilidade primária.
No entanto, embora o terceiro seja o mesmo (sócio), não é desse tipo de
intervenção do sócio que trata o capítulo IV do Título III da parte geral do Código de
Processo Civil de 2015, diferenciando-se a começar pela iniciativa.
Há as mais diversas formas de classificar as intervenções de terceiros,
destaca-se três: (i) de acordo com a iniciativa das partes que pode ser voluntária ou
provocada, essa última também denominada de coacta; (ii) considerando o objeto
que será tratado pelo interveniente, se ampliar o conteúdo do processo já existente
será ampliativa321 e (iii) de acordo com o interesse do terceiro322.
Quando o sócio intervém como assistente a intervenção é voluntária323, já
quando o sócio ingressa no processo através do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica a intervenção é provocada324. Também se diferencia a
atuação do sócio pelo critério do conteúdo, pois quando atua como assistente não
há ampliação do objeto, e quando há o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica sim.
Em verdade, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, como
já visto, é uma ação que visa, através de uma decisão interlocutória, definir se o
sócio será um terceiro, ou não, apto a intervir na demanda. Trata-se de uma ação

Relator (a): Jairo Oliveira Júnior; Órgão Julgador: 12ª Câmara Extraordinária de Direito Privado; Foro
Central Cível - 5ª VC; Data do Julgamento: 18/09/2015; Data de Registro: 19/09/2015).
321 Nesse sentido Lia Carolina Batista Cintra: “necessário ter em mente dois critérios tradicionalmente

adotados pela doutrina para classificar as intervenções de terceiros: (i) a depender de quem tomou a
iniciativa da intervenção, ela pode ser voluntária (iniciativa do próprio interveniente) ou costa
(iniciativa da parte ou do juiz); (ii) a depender de a intervenção veicular ou de uma nova pretensão,
deduzida pelo interveniente ou contra ele, ela pode ser objetivamente ampliativa ou não. ” (CINTRA,
Lia Carolina Batista. Analise crítica do vigente sistema brasileiro de intervenções de terceiros. In
Publicações da Escola AGU. Vol. 8 - n. 01. Brasília, Jan.- Mar. 2016. p. 187).
322 Esta última forma de classificação se faz necessária no CPC/15, pois até o CPC/73 havia a ideia

de que todo terceiro interveniente precisava ter interesse jurídico na demanda, no entanto, com a
inserção do amicus curiae no art. 138 do CPC, em que existe um interesse institucional e não jurídico,
a referida forma de classificação mostra-se necessária.
323 Via de regra a assistência é uma intervenção de terceiro voluntária, mas há posicionamento de

que poderia também ser provocada, como acontece na Lei de Locações a respeito dos sublocatários
que devem ser intimados da ação de despejo (art. 59, §2º Lei n. 8.245/91). Christian Garcia Vieira
também coloca que o INPI nas ações de nulidade, nos termos do art. 175 da Lei n. 9.279/96, também
seria um caso de assistência provocada, mas nesses casos embora o que se discuta seja a validade
de um ato administrativo, o que importaria em interesse jurídico do INPI, também há um interesse
institucional de forma a classificar o INPI como amicus curiae (BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus
Curiae no Processo Civil Brasileiro: Um Terceiro Enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 288-321).
324 TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica. Acesso em 03/09/2017.
131

denominada de intervenção de terceiro porque a finalidade é apurar se o sócio é, ou


não, terceiro capaz de virar parte no processo principal. No entanto, não é uma
intervenção de terceiro como as demais existente no Código de Processo Civil.
Há dois momentos na desconsideração da personalidade jurídica, o primeiro
quando o terceiro (sócio) é colocado no posso passivo do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, e o segundo que surge após a decisão
no incidente, que é quando o sócio efetivamente intervém na demanda principal.
Veja-se que não se trata de uma intervenção de terceiro clássica, nem
mesmo quando já inserido o sócio na inicial. Conforme assevera Christian Garcia
Vieira325 “é apenas com o reconhecimento judicial da desconsideração que ele 326
deve ser incluído como parte no processo principal”, ou seja, o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é uma intervenção de terceiro que
somente tem os efeitos práticos após decisão.
A opção legislativa mostra coerente na medida em que o sócio é um terceiro
em relação ao direito material discutido em Juízo em face da pessoa jurídica, mas
encontra defeitos de classificação que isola o incidente de desconsideração das
demais intervenções de terceiro. A intervenção propriamente dita (ingresso de um
terceiro em uma demanda já existente) se dá através da decisão proferida no
incidente de desconsideração da personalidade jurídica e não com a mera
instauração327. O resultado da demanda (incidente de desconsideração da
personalidade jurídica) define se há um terceiro apto a ingressar na demanda da
qual não faz parte, mas não é, por si só, uma forma de intervir no processo tal qual é
a denunciação da lide, assistência e chamamento ao processo.
O sócio é terceiro, mas somente será terceiro apto a ingressar na ação
principal (intervenção), após a decisão no incidente de desconsideração da

325 “O primeiro momento é aquele do ingresso do terceiro (sócio ou sociedade, conforme o caso) na
demanda incidental de desconsideração e apenas nessa.
O segundo momento corresponde ao da inserção, na demanda principal, da pessoa que figurou como
ré na demanda incidental, em decorrência do reconhecimento da desconsideração da personalidade
jurídica. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 125).
326 Sócio ou pessoa jurídica a depender se a desconsideração for direta ou inversa respectivamente.
327 Em sentido diverso Arruda Alvim: “É interessante notar que o incidente de desconsideração da

personalidade jurídica provoca verdadeira intervenção de terceiro no feito, já que, a partir do


momento em que for citado o sócio ou a pessoa jurídica passa a ser parte na relação processual
anteriormente instaurada, devendo, inclusive, ser realizada a devida anotação perante o distribuidor. ”
(ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil no CPC/15. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2017. p. 112).
132

personalidade jurídica. O incidente propriamente dito não é uma intervenção de


terceiro, o seu resultado sim, mas o procedimento não. A opção legislativa focou-se
na finalidade: decisão que declara que aquele sócio é responsável secundário e,
portanto, poderá ter a intervenção provocada.
Com a decisão no incidente de desconsideração da personalidade jurídica
determinando que o sócio poderá ingressar no processo principal surge a pergunta,
esse sócio passará a ser parte ou não?
Eduardo Talamini assevera que o sócio não será parte porque somente o seu
patrimônio responderá se ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica:

O terceiro não se torna parte na ação principal, originária. Se for rejeitada


a demanda de desconsideração, a ação principal simplesmente
prosseguirá sem atingir sua esfera jurídica. Se for julgada procedente a
ação principal, sua esfera jurídica será atingida como que se ele não
existisse; como que se seu patrimônio fosse o próprio patrimônio da parte
da ação principal. 328

Ocorre que o fato de ser responsável secundário e não ter ligação com o
débito (campo do direito material), não significa que o sócio não possa ser parte no
processo, e aqui encontra-se a diferença entre ser parte na relação de direito
material, que o sócio nunca será, e ser parte na relação de direito processual, que o
sócio poderá ser.
A importância de se conceituar quem é parte no processo se dá em virtude
das consequências jurídicas de ocupar essa posição329, que ganha relevo no tema
objeto de estudo. Pela definição de quem é parte no processo é possível estabelecer
se há litispendência, o alcance da coisa julgada e até mesmo as formas de
defesa330.

328 TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. In


http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica. Acesso em 03/09/2017.
329 “O conceito de parte é da maior importância para a solução de inúmeros problemas de natureza

processual. O Código de Processo Civil se vale inúmeras vezes desse conceito, por exemplo no art.
15 quando trata da incapacidade processual das partes; no art. 14, quando define os deveres
atribuídos as partes e a seus procuradores; no art. 125, para dispor que o juiz assegurará as partes
igualdade de tratamento; ou ainda quando no art. 104, declara que a identidade quanto as partes e à
causa de pedir determina a continência de causar, se o objeto de uma for mais amplo que da outra;
ou quando declara, no art. 472, que a sentença faz coisa julgada entre as partes perante as quais é
dada, não beneficiando nem prejudicando terceiros.” (SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio
Luiz. Teoria Geral do Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 137).
330 ALVIM. J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2004. p. 207.
133

A maioria dos autores331 que se dedica ao estudo de teoria geral do direito e


do conceito de parte no processo, baseia-se em Giuseppe Chiovenda332, de forma
que, partir-se-á na definição feita pelo autor italiano: “Parte é todo aquele que pede
ou contra quem é pedida a aplicação de um direito”.
Galeno Lacerda trata que a definição de Chiovenda é adequada porque ao
contrário da teoria civilista que liga o conceito de parte com o titular de direito e
obrigações, o mestre italiano traz uma definição processual:

Aqui não confundimos a parte com o titular do direito nem com o sujeito
passivo. O que é indispensável na caracterização da parte é que ela há de
agir em nome próprio, embora nem sempre defenda interesse próprio. O
direito de agir em nome próprio é o que a distingue do terceiro que ingressa
no processo não para defender interesses próprios nem em nome próprio,
mas para auxiliar uma das partes na defesa do interesse dessa mesma
parte. Enfim parte é todo aquele que postula em nome próprio.333

Analisando o conceito de parte mais comumente apresentado, Thereza


Alvim334 faz ressalvas de que nem sempre parte é quem pede ou contra quem se
pede, pois, existem os casos de legitimação extraordinária e integração, em que
quem pede ou contra quem se pede, não é o detentor do direito material, apenas
atuando em nome de outrem335. Ainda, mostra-se equivocada a expressão “contra
quem” na medida em que pressupõe a existência de contraditório, mas, nos casos

331 Não se diz todos diante da limitação de qualquer pesquisa, mas todos os autores consultados
utilizaram o conceito delineado por Giuseppe Chiovenda.
332 CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. v. 2. Tradução de Paolo Capitanio.

Campinas: Bookseller, 1998. p. 278.


333 LACERDA, Galeno. Teoria Geral do Processo. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 111.
334 Thereza Alvim ao analisar os institutos da legitimação extraordinária e integração primeiro aponta

a semelhança: “dizem respeito esses institutos ao agir processual; sempre em defesa (sentido lato)
de afirmação de direito de outrem; nunca os legitimados extraordinários ou representantes são
titulares da lide. ” Destacando ainda o fato de que quando se diz “não são titulares da lide” não se
está a dizer que não há interesse material na lide e não será aquele legitimado atingido pela coisa
julgada, dando a autora como exemplo o caso do condômino. Portanto, não pode ser considerada
como característica da legitimação extraordinária o fato de não ser beneficiado, sendo o ponto crucial
o fato de que, sem Lei que concedesse essa legitimação extraordinária, não seria possível ingressar
em juízo, o direito não é do legitimado ainda que ele seja atingido. (ALVIM, Thereza. O direito
processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p.91).
335 “Parte, comumente se afirma, é aquela que pede ou contra quem se pede a tutela jurisdicional.

Entretanto nem sempre pedida esta tutela contra o réu, como ocorre nas hipóteses de haver
legitimação extraordinária ou integração, em grau máximo, da capacidade daquele que deveria ser
réu, eis que deste, a despeito de ser parte nada deseja o autor.
O mesmo se pode dizer em relação àquela que pede, eis que nas mesmas hipóteses, nada pede ela
para si. Ou seja, há de se fazer distinção entre aquele que é titular da lide e o outro, que no seu lugar,
aciona a jurisdição, ou em última análise, quem integra (enquanto parte) a relação jurídico processual.
” (ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p.
9).
134

de jurisdição voluntária336 o pedido não é feito contra alguém, havendo


simplesmente um pedido com interesses diversos, assim há partes dada a
bilateralidade, mas uma parte não atua contra a outra337. Conclui a autora que “parte
é aquele (ou aqueles, como mais de espaço se verá) que se situa em um dos polos
da relação jurídica processual.”
Nota-se que diferente de Galeno Lacerda, para Thereza Alvim, falar em nome
alheio influencia a definição parte, isto porque aquele que não aparece é quem
realmente sofrerá os efeitos da coisa julgada material, e, aquele que foi considerado
parte (que é quem pede) somente terá formado contra si coisa julgada formal.
Isso dependerá se considera a legitimidade ad processum e a legitimidade ad
causam (titular do direito material) para se conceituar parte. Nem todo sujeito que
tem legitimidade ad processum tem legitimidade ad causam e vice-versa.
Para o presente estudo, a definição de Giuseppe Chiovenda se encaixa
perfeitamente, pois, o sócio, embora não tenha ligação com o direito material do
processo principal, em ocorrendo a desconsideração da personalidade jurídica,
ingressará na demanda original como responsável secundário (reitera-se que não
será devedor) e, portanto, estar-se-á pedindo algo em face dele.
Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real
Amadeo assim definem:

A responsabilidade secundária, como já dito, imputa no cumprimento da


obrigação alguém que não era, originariamente, obrigado pelo débito. Assim
sendo, os responsáveis secundários são considerados terceiros, posto que
respondem pelo débito alheio com seu patrimônio, embora não tenha
figurado originariamente no título executivo. 338

336 Ovidio A. Batista da Silva e Fabio Luz Gomes de igual forma tratam que o conceito de Chiovenda
deixa de lado a jurisdição voluntária: “Tendo-se o conceito de parte, no sentido mais restrito por nós
exposto, como sendo aquele que pede contra outrem uma determinada consequência legal, ficará ele
reduzido apenas ao processo contencioso, inexistindo, nesse sentido, partes verdadeiras na
chamada jurisdição voluntária. ” (SILVA, Ovídio A. Baptista da; GOMES, Fábio Luiz. Teoria Geral do
Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 143).
337 “Por outro lado, admitir-se que parte é aquele que pede contra quem se pede a tutela jurisdicional

(o que normalmente acontece), se estará admitindo como imprescindível, para caracterizar a parte, a
existência de contraditório (ou oportunidade deste), logo, na jurisdição voluntária só haveria
interessados. (...) Não há litigio, mas há diversidade de situações, de interesses, portanto, os
´interessados´, não se encontram em um só pólo da relação processual, mas em polos distintos, pelo
que incide, até mesmo na jurisdição voluntária, o princípio da bilateralidade das partes. ” (ALVIM,
Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. p. 11-12).
338 AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.

Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de


2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 55.
135

Se por um lado na fase de cumprimento de sentença e do processo de


execução o sócio ocupará a posição de parte por ser responsável secundário e não
resta dúvida dessa posição, mormente porque, na primeira situação, será atingido
pela coisa julgada da qual não participou da formação; no processo de
conhecimento se o ingresso do sócio na demanda principal for antes da formação da
coisa julgada ele terá participado da sua formação, então questiona-se: será que
nesses casos o sócio também poderá ser considerado apenas como um responsável
secundário, ou seja, no momento do cumprimento de sentença manterá a
qualificação que detinha quando do seu ingresso na ação principal?
Somente é possível imprimir conclusões mais apuradas após analisarmos
com cautela como se dá o desenvolvimento do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica em todas as etapas da fase de conhecimento.
Encerra-se o presente capítulo compreendendo as razões pelas quais o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi inserido como sendo uma
intervenção de terceiros, cabendo a ressalva de que se trata de uma ação, em que a
finalidade é incluir um terceiro em processo, não havendo legitimidade ad causam,
mas podendo haver (com a decisão do incidente) legitimidade ad processum.
136

CAPÍTULO 4 – A NECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE DE


DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURIDICA NA FASE DE
CONHECIMENTO

Consta expressamente no Código de Processo Civil a possibilidade de se


requerer a instauração do incidente de desconsideração da personalidade na fase
de conhecimento, momento em que inexiste crédito. Se pela finalidade do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica (responsabilizar de maneira
secundária o sócio) não é possível extrair a razão de se permitir a instauração
durante as fases de conhecimento, tampouco pelas discussões travadas durante o
trâmite da Lei n. 13.105/15 chega-se a alguma conclusão.
Se não existe condenação, não existe obrigação da pessoa jurídica, e
inexistindo obrigação não há como falar em inadimplemento apto a fazer surgir a
responsabilidade primária da pessoa jurídica. Então como falar em responsabilidade
secundária quando sequer existe responsabilidade primária? E se a pessoa jurídica,
ré no processo de conhecimento, se condenada, pagar espontaneamente o débito,
ou seja, sequer surgirá a responsabilidade patrimonial primária, como então falar em
responsabilidade secundária?
Ademais, convém relembrar a regra da subsidiariedade, em que até mesmo
nos casos em que não é preciso incidente de desconsideração da personalidade
jurídica para atingir o patrimônio dos sócios (sociedades de responsabilidade
ilimitada), primeiro deve se esgotar o patrimônio social, para somente então se
ingressar no patrimônio dos sócios, portanto é preciso existir, sem dúvida alguma, a
responsabilidade patrimonial primária.
Analisando o instituto processual da responsabilidade patrimonial, não se
consegue compreender a razão de permitir a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento, mas partindo
da intenção da existência de responsabilidade secundária começa-se a vislumbrar
coerência da permissão legislativa.
A falta de efetividade das decisões judiciais é um problema crônico
constatado há muito tempo, o que se depreende na exposição de motivos desde o
137

Código de Processo Civil de 1939339, também presente no Código de Processo Civil


de 1973340, repetida logo no início da exposição de motivos do Código de Processo
Civil de 2015341.
A responsabilidade patrimonial secundária, que segundo Rogério Cruz e
Tucci342 é uma sistemática adotada, quase que exclusivamente no Brasil, é uma
maneira de tentar diminuir a frustração dos credores343.
Se a intenção da responsabilidade secundária é ampliar as chances de o
credor receber seu crédito, de nada resolverá haver a responsabilização dos sócios,
se quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica não houver mais
bens em nome desses sócios. Em última análise, quando se requer a

339 Na exposição de motivos do CPC de 1939 já constava um critica a falta de efetividade de maneira
tão contundente que parece que estamos lendo a exposição de motivos do NCPC: “O processo era
mais uma congérie de regras, de formalidades e de minúcias rituais e técnicas a que não se imprimira
nenhum espírito de sistema e, pior, a que não mais animava o largo pensamento de tornar eficaz o
instrumento de efetivação do direito. Incapaz de colimar o seu objetivo técnico, que é o tornar precisa
em cada caso a vontade da lei, e de assim tutelar os direitos que os particulares deduzem em juízo, o
processo decaíra da sua dignidade de meio revelador do direito e tornara-se uma arma do litigante,
um meio de protelação das situações ilegítimas, e os seus benefícios eram maiores para quem lesa o
direito alheio do que para quem em defesa do próprio. ”
340 No Código de 1973, o objetivo de sanar o problema de falta de efetividade permanecia, havendo

expressa menção aos problemas das execuções: “A execução se presta, contudo, a manobras
protelatórias, que arrastam os processos por anos, sem que o Poder Judiciário possa adimplir a
prestação jurisdicional.
Para coibir abusos, considerou o projeto atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado: a) que
frauda a execução; b) que se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios
artificiosos; c) que resiste injustificadamente às ordens judiciais, ao ponto de o juiz precisar requisitar
a intervenção da força policial; d) que não indica ao juiz onde se encontram os bens sujeitos à
execução (artigo 612). Se o executado, advertido pelo juiz, persevera na prática de qualquer desses
atos, a sanção que o projeto lhe impõe é a de perder o direito de falar no processo. ” E o então
ministro da Justiça Alfredo Buzaid conclui finalidade do CPC/73: "Na reforma das leis processuais,
cujos projetos se encontram em vias de encaminhamento à consideração do Congresso Nacional,
cuida-se, por isso de modo todo especial, em conferir aos órgãos jurisdicionais os meios de que
necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação
do Direito. Cogita-se; pois, de racionalizar o procedimento, assim na ordem civil como na penal,
simplificando- lhe os termos de tal sorte que os trâmites processuais levem à prestação da sentença
com economia de tempo e despesas para os litigantes. Evitar-se-á, assim, o retardamento na decisão
das causas ou na execução dos direitos já reconhecidos em juízo. ”
341 “Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização

dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as
garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.
Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real
efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de
sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo. ”
342 TUCCI, Rogerio Cruz e. Finalmente a definição da desconsideração da personalidade jurídica no

STJ. In Revista Consultor Jurídico. https://www.conjur.com.br/2015-fev-24/paradoxo-corte-definicao-


desconsideracao-personalidade-juridica-stj 24/02/2015. Acesso em 10/08/2017.
343 Rogerio Licastro Torres de Mello coloca que a ratio essendi da responsabilidade patrimonial

executiva secundária tem fundamento nuclear na instrumentalidade do processo, destacando


justamente a posição do sócio, sendo “mecanismo de efetivação ou majoração da garantia por uma
dívida. ” (MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Responsabilidade executiva secundária. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 161-162).
138

desconsideração da personalidade jurídica é porque se almeja a satisfação da


dívida, com recebimento já frustrado, através de bens também dos sócios. Inefetivo,
portanto, se quando desconsiderada a personalidade jurídica não mais houver bens
passíveis de constrição em nome desses sócios.
Não é difícil imaginar a situação em que o sócio que pratica atos de abuso da
personalidade jurídica, ao ver a pessoa jurídica da qual faz parte sendo compelida a
determinado pagamento, esvair seu patrimônio. Assim quando for requerida a
desconsideração da personalidade jurídica não haverá qualquer resultado prático na
sua procedência.
Se a situação de alienar bens antes da existência de ação acontecesse com o
responsável primário (ligação com o direito material), seria possível alegar fraude
contra credores, mas no caso do responsável secundário essa alegação, embora
possível, fica deveras difícil de ter procedência344.
O Código de Processo Civil tentou proteger a situação acima descrita com o
art. 792, §3º, no entanto, o referido artigo tem diversas falhas graves e a sua
interpretação não deve se dar pela literalidade. Não é possível considerar como
terceiro de má-fé aquele que adquire bem de pessoa (sócio) que não tinha no
momento da alienação nenhum processo contra si, apenas contra a pessoa jurídica
da qual fazia parte. Este ponto será mais profundamente abordado no item 4.3.2.1.
Por hora, destaca-se a necessidade de garantir a efetividade da desconsideração da
personalidade jurídica.
Se entre a instauração do pedido de desconsideração da personalidade
jurídica e a decisão há mecanismo processual repressivo da frustração através da
alegação de fraude à execução, antes do pedido de desconsideração da
personalidade jurídica se o sócio alienar todo seu patrimônio o mecanismo
repressivo (fraude contra credores) encontra diversos entraves. O Direito precisava
garantir efetividade ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica, e,
considerando que um processo de conhecimento pode levar anos, e somente ao seu
final é que seria possível falar em responsabilidade primária e, consequentemente,
responsabilidade patrimonial secundária, surge o que este trabalho compreende
como a função cautelar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

344 No tópico que discorrerá sobre fraude contra credores este ponto será melhor examinado.
139

Se já durante um processo de conhecimento o pretenso credor observar que


o réu, pessoa jurídica, está agindo tendente a dilapidar seu patrimônio, pode intentar
com pedido de tutela provisória de arresto (art. 301 CPC), no entanto pode haver
outras motivações (confusão patrimonial ou desvio de finalidade) que autorizam um
pedido de desconsideração da personalidade jurídica. Um mesmo objetivo: proteger
futuro direito creditório, mas que pode ser feito por diferentes mecanismos, com
diferentes causas de pedir, tanto para garantir o recebimento através de do
patrimônio do obrigado como do patrimônio de terceiro (sócio).
As perguntas que vem à tona referem-se as medidas preventivas que podem
acontecer em um processo de conhecimento em face da pessoa jurídica, que é a
futura obrigada, e talvez (se não honrar com o pagamento), responsável primária: (i)
o arresto de bens da pessoa jurídica funciona como condição prévia para o pedido
de desconsideração da personalidade jurídica?; (ii) em caso de êxito no arresto de
bens da pessoa jurídica, afasta-se o interesse no pedido de desconsideração da
personalidade jurídica?; (iii) se já houver sentença condenatória, o que torna
possível a hipoteca judiciária (art. 495 do CPC), há influência no pedido de
desconsideração da personalidade jurídica?
Passa-se a tratar das questões expostas.

4.1 – Técnicas cautelares na ação de conhecimento para preservar futuro


direito creditório

Na linguagem popular ter cautela é ter cuidado, é agir de maneira a evitar


resultados indesejados. Transportada para o direito a palavra preserva este
conceito.
Quando se fala em técnicas cautelares, a finalidade precípua é garantir o
alcance do resultado prático da tutela almejada, e em uma ação que se busca
condenação pecuniária, acautelar é proteger para que este futuro crédito seja
adimplido.
Sem a pretensão de esgotar o tema de cautelares com a finalidade de
proteger crédito futuro que poderá advir no processo de conhecimento, destaca-se
uma medida cautelar propriamente dita, e uma técnica cautelar (hipoteca judiciária),
ambas dirigidas ao pretenso responsável patrimonial primário.
140

4.1.1 – Tutela provisória cautelar (arresto cautelar)

Uma das grandes inovações do Código de Processo Civil de 2015 refere-se


as cautelares lato sensu. As conhecidas cautelares e a antecipação da tutela do
CPC/73 foram unidas em um só Livro (o Livro V da parte geral), recebendo o nome
de tutelas provisórias. Outra novidade foi o desaparecimento das cautelares típicas.
O CPC/73 dividia as cautelares em nominadas e inominadas, inserindo-se o
arresto na primeira categoria (art. 812 a 821 do CPC/73). O CPC/15 extinguiu as
cautelares nominadas, afinal, o que importa não é o nome que se dá, mas a
finalidade a se atingir. No entanto, manteve no art. 301 a denominação arresto como
exemplo de uma tutela cautelar. A manutenção do termo arresto no art. 301 do CPC
tem fomentado algumas críticas, mormente porque no CPC/15 não existe os critérios
específicos para concessão de arresto como existia no CPC/73 (no art. 814), de tal
sorte que seria preciso socorrer-se do diploma revogado.
Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lucia Lins Conceição, Leonardo Ferres
da Silva e Rogerio Licastro Torres de Mello345 criticam a manutenção dos nomes de
cautelares típicas no art. 301, e o fato de não haver a explicação sobre o que seriam
os nomes utilizados no art. 301, advertindo que devem ser tomados como meros
exemplos, e, embora não se deva adotar para a concessão dessas cautelares os
requisitos exigidos pelo CPC/73, estes devem servir de parâmetro.

345 “O NCPC, ao mesmo tempo em que não prevê mais as cautelares típicas, cita-as, ao mencionar
que a tutela urgente de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro,
arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem. O rol é exemplificativo, mas traz
consigo uma dificuldade: o que seria, então, “arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de
protesto contra alienação de bem”? O NCPC não dá a resposta.
Para entender que medidas são essas, será preciso recorrer ao CPC/73. Convém advertir, no
entanto, que os requisitos específicos previstos naquele Código para a concessão de tais medidas
devem ser desconsiderados, porquanto o NCPC abre a via para essas cautelares mediante a
presença de fumus boni iuris e periculum in mora. De todo modo, o procedimento previsto para elas
no CPC/73 deve servir de parâmetro para os operadores do direito, mesmo sob a égide do NCPC,
sob pena de não se ter qualquer padrão ou forma para as medidas de “arresto”, “sequestro”,
“arrolamento de bens” ou “registro de protesto contra alienação de bem.” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO,
Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015. p. 502).
141

Daniel Mitidiero346 segue na mesma linha, dizendo que a exemplificação


contida no artigo 301 significa que o sistema concebe a definição dos termos, mas
sem ser preciso seguir os antigos requisitos.
A expressão mais correta para definir o que será abordado no presente item é
“tutela provisória de urgência cautelar”. Mas, utilizando-se do posicionamento de
Daniel Mitidiero de que o artigo 301 exacerba a incorporação da expressão
supramencionada, pode se dizer que com uma palavra (arresto347) se resume a
finalidade de determinada tutela provisória, o que de certa forma é louvável, até
mesmo porque é dessa maneira que aparece no art. 495, §1º, II do CPC 348. Bom
seria se com apenas uma palavra já fosse possível vislumbrar o que o requerente
almeja como o pedido de tutela provisória349, no caso do arresto, através da
apreensão de bens garantir o recebimento de crédito futuro.

346 “Toda e qualquer tutela idônea para conservação do direito pode ser requerida pela parte a título
de tutela cautelar (art. 301). Daí que a alusão ao arresto, sequestro, arrolamento de bens e ao
registro de protesto contra alienação de bens são apenas exemplos de providências que podem ser
obtidas pela parte (...) O fato de o legislador não ter repetido as hipóteses de cabimento do arresto,
do sequestro, do arrolamento de bens e do registro de protesto contra alienação significa que essas
medidas cautelares se submetem aos requisitos comuns a toda e qualquer medida cautelar:
probabilidade do direito (“fumus boni iuris”) e perigo na demora (“periculum in mora”). Significa ainda
que o Código vigente incorporou o significado desses termos – tal como eram compreendidos na
legislação anterior. Desse modo, arresto é uma medida cautelar que visa a resguardar de um perigo
de dano o direito à tutela ressarcitória. ” (MITIDIERO, Daniel. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim;
DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo
Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 829).
347 “O arresto é, pois, a medida cautelar de garantia da futura execução por quantia certa, através da

qual apreendem-se judicialmente bens indeterminados do devedor, a fim de eliminar o perigo de dano
jurídico capaz de pôr em risco a efetividade da execução. ” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos;
SILVA, Bruno Freire. Arresto cautelar: hipóteses exemplificativas. In Revista de Processo. vol. 159,
Mai. 2008. p. 345 – 354.
348 “Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente em dinheiro e a

que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em prestação
pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária.
§ 1o A decisão produz a hipoteca judiciária:
(...)
II - ainda que o credor possa promover o cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente
arresto sobre bem do devedor; ”
349 Os Tribunais têm seguido as observações acima transcritas, no sentido de que os requisitos a

serem seguidos para concessão das tutelas provisórias de urgência são os mesmos para todas
(probabilidade do direito e risco de dano ou ao resultado útil do processo), sem qualquer
especificidade para os exemplos apresentados no art. 301 do CPC, no entanto, mantém-se a
utilização da palavra arresto: “TUTELA DE URGÊNCIA. Ação de cobrança. Arresto. Hipótese em que
não estão reunidos os pressupostos autorizadores da concessão da tutela de urgência, na forma
pretendida. Pedido indeferido em primeiro grau. Decisão mantida. Recurso improvido. ” (TJSP -
Agravo de Instrumento 2138001-38.2017.8.26.0000; Relator (a): João Camillo de Almeida Prado
Costa; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 9ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 23/10/2017; Data de Registro: 27/10/2017).
142

De toda sorte, ao que parece o CPC/15 conseguiu extirpar o problema


existente no CPC/73 e que se referia a literalidade do art. 814 a respeito da
obrigatoriedade de prova literal, e principalmente os conceitos de dívida liquida e
certa para concessão do arresto.
Vale dizer que já àquela época existiam posicionamentos contrários a
aplicação rígida do art. 814 do CPC/73.
Sergio Seiji Shimura, logo no início de sua obra arresto cautelar, destaca a
importância de provimento cautelar nas ações de conhecimento para preservar um
direito futuro:

Por vezes a solução de um litígio ou a realização de um ato processual não


podem prolongar-se no tempo, sob pena de o provimento jurisdicional ter
apenas valor formal, abstrato, mas nenhuma eficácia prática ou utilidade
real.
(...)
E, felizmente, no nosso sistema processual, há mecanismos que previnem e
asseguram o bom resultado de um processo em que se discute a lide
principal, garantindo, destarte, a sua finalidade. 350

E mais a diante o mencionado autor rechaça a compreensão rígida de dívida


liquida e certa:

Desacertado o acórdão que, diante da inexistência de prova literal da dívida


liquida e certa, denegou pedido de arresto de veículo para assegurar o
pagamento de indenização decorrente de acidente automobilístico,
outorgando apenas a proibição de alienação do carro.
De feito, se existentes fumus boni iuris e o periculum in mora, ainda que não
haja liquidez, embora não haja sentença condenatória, mesmo assim nada
impede que o juiz conceda a medida cautelar adequada. 351

Humberto Theodor Junior, no mesmo sentido que Sergio Seiji Shimura


criticava o CPC/73 defendendo uma aplicação ampla ao arresto:

Não merece elogios o Código por ter voltado ao sistema casuístico do


Regulamento 737, que não coaduna com o moderno conceito da medida
cautelar como remédio amplo, genérico, inespecífico quanto possível, a fim
de amoldar-se à imprevisível variedade com que podem ocorrer as
situações de perigo de dano ao processo.
Melhor seria ter conservado a forma ampla do Código de 1939, que, em
espírito, abrange todas as hipóteses do novo Código e mais outras
análogas que acaso possam ter escapado à previsão legal.

350 SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. p. 135.
351 SHIMURA, Sérgio Seiji. Arresto Cautelar. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1997. P. 135.
143

Assim, e para assegurar a eficiência que se espera da medida, deve-se


entender que subsiste, tal como um princípio geral, a admissibilidade do
arresto sempre que, antes da decisão, for provável a ocorrência de atos
capazes de causar lesões, de difícil e incerta reparação, ao direito de uma
das partes (antigo art. 675, n. II). Para atender aos fins que são específicos
do arresto, o art. 813 do CPC, na prática, deverá ser interpretado mais como
portador de caráter exemplificativo do que taxativo.352

Nos dias de hoje, sob a vigência do CPC/15 e a inexistência de requisitos pré-


fixados para concessão de arresto cautelar, ainda que existam julgados que tenham
abarcado a ideia de critérios genéricos e concedam tutelas provisórias de arresto
com base nos requisitos de probabilidade do direito e risco de dano353, ainda há
julgados que se voltam aos termos do artigo 814, negando a concessão de tutelas
provisórias por inexistir título líquido e certo354.
Apenas a título argumentativo, para evitar confusões, o presente trabalho
desenvolve-se focado em ações em fase de conhecimento, de maneira que o arresto
aqui tratado, e que não existe mais com este nome como visto alhures, pauta-se nos
art. 300, e seguintes, do CPC (tutelas provisórias), sendo que o arresto que aparece

352 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 24. ed. São Paulo: Leud. 2008. p. 191.
353 “AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PEDIDO LIMINAR DE ARRESTO.
POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO. DEVEDORES COM
FALÊNCIA DECRETADAS. Não é necessária a existência de um processo de execução para
formulação de pedido de arresto, podendo este ser formulado também em processo comum,
conforme prescreve o próprio Código de Processo Civil, quando regula as tutelas de urgência, no art.
301. Arresto possível em ação de conhecimento, mormente diante da notícia de que os sócios das
devedoras tiveram suas falências decretadas, bem como a empresa que controla as requeridas
encontra-se em liquidação judicial. O débito perseguido, ademais, é considerável. RECURSO
PROVIDO EM PARTE, mantendo-se o arresto, mas vedando a alienação dos bens. ”
(TJSP - Agravo de Instrumento 2164409-66.2017.8.26.0000; Relator (a): Maria Lúcia Pizzotti; Órgão
Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 39ª Vara Cível; Data do Julgamento:
08/11/2017; Data de Registro: 09/11/2017).
Interessante mencionar julgado em que não foi concedida a tutela provisória de arresto, mas no
relatório exacerbou o relator a inexistência: “Insta anotar, desde logo, que a nova legislação
processual não contém capítulo relativo aos procedimentos cautelares específicos, sendo certo que
os artigos 813 e seguintes, do Código de Processo Civil de 1973, que disciplinavam o arresto de
bens, não foram contemplados no novo códex.
Assim, a medida postulada pelo autor deve ser analisada à luz do disposto nos artigos 300, caput, e
301, do Código de Processo Civil de 2015, valendo destacar que a tutela de urgência pode ser
concedida tão somente quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2138001-
38.2017.8.26.0000; Relator (a): João Camillo de Almeida Prado Costa; Órgão Julgador: 19ª Câmara
de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/10/2017; Data de
Registro: 27/10/2017).
354 “AGRAVO DE INSTRUMENTO. Tutela de urgência de natureza cautelar. Ação de cobrança.

Pedido de bloqueio de valores com fim de garantir futura execução. Pretensão cautelar de arresto.
Ausência de título certo e líquido. Inadmissibilidade da pretensão. Ação de cobrança proposta
justamente para constituir o título por meio de processo de conhecimento. Ausentes os requisitos dos
artigos 300 e 301 do Código de Processo Civil. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2107692-
34.2017.8.26.0000. Relator: Sá Moreira de Oliveira. 33ª Câmara de Direito Privado. Data do
Julgamento: 03/07/2017. Data de Registro: 03/07/2017).
144

no art. 830 do CPC, volta-se exclusivamente aos processos de execução, e,


portanto, não se aproveita ao momento processual objeto de estudo355.
Ao presente trabalho, importa demonstra que ainda que não exista título
executivo judicial, mesmo nos primeiros momentos do processo de conhecimento, é
possível requerer tutela provisória para preservar um futuro cumprimento de
sentença.
Assim, se autor observa que o réu, pessoa jurídica, está dilapidando seu
patrimônio, pode requerer como tutela provisória de urgência cautelar a apreensão
de bens para garantir o futuro cumprimento de sentença condenatória, e assim,
evitar que a eventual responsável primária, torne-se insolvente.

4.1.2 – Hipoteca judiciária

Além do autor poder requerer tutela provisória para preservar satisfação de


crédito futuro, há ainda técnica cautelar que pode ser utilizada, a hipoteca judiciária.
Um dos pontos que causou bastante crítica no NCPC foi em relação a
manutenção do efeito suspensivo da apelação como regra 356, tratando-se de um
desprestigio a decisão de primeira instância, colocando quem tem razão (no caso de
o autor ter procedência) em situação desfavorável, tendo que aguardar até o

355 “A doutrina discute se o arresto em questão goza ou não da mesma natureza do arresto previsto
como medida cautelar. Observe-se, nesse passo, que, embora o novo CPC não mais tipifique as
medidas cautelares, faz referência ao fato de que a tutela cautelar pode ser efetivada mediante
arresto (art. 301), o que coloca a questão ora discutida em termos semelhantes. Particularmente,
entendemos, na linha da doutrina majoritária, que o arresto aqui previsto não é cautelar tendo em
vista, principalmente, que não depende de ordem judicial e não está sujeito aos requisitos cautelares
(no CPC de 1973, há requisitos específicos para os arrestos cautelares; no CPC de 2015, a
providência cautelar que se concretize em arresto de bens está sujeita aos requisitos genéricos do
art. 300). ” (ASSIS, Carlos Augusto. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie;
TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2007).
No entanto, muitas vezes há confusão como no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2155584-
36.2017.8.26.0000, no qual em seu voto o relator asseverou que: “O arresto, previsto no art. 301, do
CPC, só é admissível em relação a quem figura como parte na execução ou fase de cumprimento de
sentença. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 2155584-36.2017.8.26.0000; Relator (a): Paulo Roberto
de Santana; Órgão Julgador: 23ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 36ª Vara Cível; Data
do Julgamento: 25/10/2017; Data de Registro: 30/10/2017).
356 MELLO, Rogerio Licastro Torres de. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie;

TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo
Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 2342-2343.
PEREIRA FILHO, Benedito Cerezzo. O novo código de processo civil brasileiro e a velha opção pelo
efeito "suspensivo" no recurso de apelação. In Revista Iberoamericana De Derecho Procesal | Vol. 2.
Jul. – Dez. 2015. p. 17 – 36.
145

julgamento de recurso de apelação para intentar, até mesmo, com cumprimento


provisório de sentença e receber o bem da vida que o Poder Judiciário já concedeu.
Diante da sistemática do CPC/73, mantida no CPC/15, a eficácia imediata da
sentença somente será possível através da concessão de tutela provisória. No
entanto, há no sistema jurídico processual brasileiro a hipoteca judiciária357, fazendo
com que, embora não se possa dar cumprimento provisório de sentença quando há
recurso de apelação recebido no efeito suspensivo (na sua maioria ope legis), é
possível preservar a efetividade da futura execução.
Se a finalidade é preservar uma futura execução, há um caráter
eminentemente cautelar na hipoteca judiciária. Nesse sentido Cassio Scarpinella
Bueno:

Não há como negar, nesse contexto, que a ratio do instituto é de acautelar e


assegurar a plena efetividade da execução contra o devedor, ao mesmo
tempo em que resguarda e previne o credor de eventuais fraudes que
poderiam ser facilmente praticadas pelo devedor durante o (tão demorado)
segmento recursal, dispensando-o de provar qualquer forma de conluio ou
de má-fé entre adquirente e alienante, nem sempre fáceis de demonstração
em juízo.358

357 A hipoteca judiciária é prevista desde o Código de Processo Civil de 1939: “Art. 284. Quando, em
virtude de sentença, recair sobre os bens do condenado hipoteca judiciária, a respectiva inscrição
será ordenada pelo juiz, mediante mandado, na forma da lei civil. ”
O Código de Processo Civil de 1973 tratou com mais detalhes no art. 466 do CPC/73: “Art. 466. A
sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa,
valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma
prescrita na Lei de Registros Públicos. Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca
judiciária: I - embora a condenação seja genérica; II - pendente arresto de bens do devedor; III - ainda
quando o credor possa promover a execução provisória da sentença”, e, mais pormenorizado ainda
ficou no CPC/15: “Art. 495. A decisão que condenar o réu ao pagamento de prestação consistente
em dinheiro e a que determinar a conversão de prestação de fazer, de não fazer ou de dar coisa em
prestação pecuniária valerão como título constitutivo de hipoteca judiciária. § 1 o A decisão produz a
hipoteca judiciária: I - embora a condenação seja genérica; II - ainda que o credor possa promover o
cumprimento provisório da sentença ou esteja pendente arresto sobre bem do devedor; III - mesmo
que impugnada por recurso dotado de efeito suspensivo. § 2o A hipoteca judiciária poderá ser
realizada mediante apresentação de cópia da sentença perante o cartório de registro imobiliário,
independentemente de ordem judicial, de declaração expressa do juiz ou de demonstração de
urgência. § 3o No prazo de até 15 (quinze) dias da data de realização da hipoteca, a parte informá-la-
á ao juízo da causa, que determinará a intimação da outra parte para que tome ciência do ato. § 4 o A
hipoteca judiciária, uma vez constituída, implicará, para o credor hipotecário, o direito de preferência,
quanto ao pagamento, em relação a outros credores, observada a prioridade no registro. §
5o Sobrevindo a reforma ou a invalidação da decisão que impôs o pagamento de quantia, a parte
responderá, independentemente de culpa, pelos danos que a outra parte tiver sofrido em razão da
constituição da garantia, devendo o valor da indenização ser liquidado e executado nos próprios
autos. ”
358 BUENO, Cassio Scarpinella. In MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de Processo Civil

Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 1513.


146

Se por um lado o arresto (tutela provisória de urgência cautelar) durante o


processo de conhecimento para ocorrer precisa de um pronunciamento judicial, a
hipoteca judiciária é direito potestativo359 disposto no art. 495 do CPC e tem
natureza assecuratória, e surge com a prolação de decisão360 condenatória361.
Marçal Justen Filho, Eduardo Talamini e Egon Bockmann Moreira:

Ressaltado o caráter de efeito anexo - e, portanto, automático - da hipoteca


judiciária, fica obviamente excluída a ideia de que o instituto constitua forma
de "tutela de urgência". Não se trata de providência a ser deferida para,

359 Já no CPC/73, ainda que com a menção de necessidade de ordem do juiz, a hipoteca era um
direito potestativo que independe de pedido das partes para ser concedido, não havendo
discricionariedade, bastando a mera existência de sentença condenatória.
“Dentre os denominados efeitos secundários ou acessórios da sentença, assim entendido os que, em
virtude da expressa previsão legal, decorrem do fato da sentença, isto é, pelo simples fato de sua
prolação e que, por isso mesmo, independem de pedido da parte, destaca-se a ´hipoteca judicial´ ou
´hipoteca judiciaria´. ” (BUENO, Cassio Scarpinella. In MARCATO, Antonio Carlos (Coord). Código de
Processo Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 1512).
Egas Dirceu Moniz de Aragão, analisando a hipoteca judiciária quando ainda vigorava o Código Civil
de 1916 também tratou que bastava a existência de sentença condenatória: “Apesar de o Código Civil
dispor que ela "depende de inscrição e especialização", nenhuma exigência formal se contém na lei
processual para assegurar a obtenção da hipoteca judiciária, senão a própria sentença condenatória.
Por se tratar de hipoteca "legal", ela decorre automaticamente da sentença, independente de a parte
tê-la pedido e de o juiz tê-la concedido (este, ainda que a repute incabível, não poderá negá-la;
concedendo-a explicitamente seu pronunciamento será inócuo).
Apresentando-se a situação típica pois, basta que o interessado requeira e o juiz terá de ordenar a
expedição de mandado para sua inscrição "na forma prescrita na Lei de Registros Públicos", que, no
entanto, é omissa a respeito. ” (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Hipoteca Judiciária. In Revista de
Processo. vol. 51, Jul.-Set. 1988. p. 10 – 22).
Há, no entanto, posicionamento de que, mesmo sendo um direito potestativo do vencedor (futuro
credor), deve haver atenção ao contraditório, mormente em virtude do art. 805 do CPC (menor
onerosidade), neste sentido José Rogério Cruz e Tucci (TUCCI, José Rogerio Cruz e. Hipoteca
Judiciária e devido processo legal. In Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Vol. 7, Jan.-
Jun. 2001. p.70-75) e o Superior Tribunal de Justiça apresenta posicionamento de que é preciso que
se estabeleça o contraditório antes de se realizar a hipoteca judiciária: “PROCESSO CIVIL.
HIPOTECA JUDICIÁRIA. EXIGÊNCIA DO CONTRADITÓRIO. Não obstante seja um efeito da
sentença condenatória, a hipoteca judiciária não pode ser constituída unilateralmente; o devedor deve
ser ouvido previamente a respeito do pedido. Recurso especial conhecido e provido. ” (STJ,
REsp 439648 /PR. Relator min. Ari Pargendler. Terceira Turma. Data do julgamento 16/11/2006. DJ
04/12/2006).
360 Coerentemente o CPC/15 substituiu a expressão sentença condenatória presente no art. 466 do

CPC/73 por decisão que condenar.


361 O conceito de decisão condenatória deve ser visto de maneira ampla abrangendo também as

sentenças arbitrais e estrangeiras. ” (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Hipoteca Judiciária. In Revista de
Processo. Vol. 51, Jul.-Set. 1988. p. 10 – 22).
Da mesma forma “réu” constante no art. 466 do CPC/73 e mantido no art. 495 do CPC/15 (acredita-se
que indevidamente) deve ser interpretado de maneira elástica, como diz Egas Dirceu Moniz Aragão,
podendo também o réu que obteve alguma condenação em seu favor, como por exemplo litigância de
má-fé, fazer; ou então o advogado do réu vencedor que terá direito a honorários sucumbências
fazerem uso da hipoteca judiciária. (ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz. Hipoteca Judiciária. In Revista de
Processo. Vol. 51, Jul.-Set. 1988. p. 10 – 22).
No mesmo sentido (primeiros comentários): BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves
Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.
1319-1320.
147

apreciadas as circunstâncias concretas, afastar perigo de dano irreparável


ou de difícil reparação. Não se submete a requisitos tais como periculum in
mora, "receio de ineficácia de provimento final" e outros tantos que se
estabelecem como indispensáveis para a concessão das medidas
jurisdicionais de urgência.
Por isso e a despeito de sua eficácia assecuratória (inerente a todo direito
de garantia), a hipoteca judiciária não tem natureza cautelar.362

Acredita-se que o que acontece não é que a hipoteca judiciária não tenha
função cautelar, pois soa contraditório dizer que é assecuratória e não acautela, o
que ocorre é que não é uma medida cautelar, a qual necessita de decisão judicial
para ser concedida363, e embora seja um efeito anexo da sentença condenatória, não
deixa de ser uma técnica cautelar ope legis.
De toda sorte, não se trata, ao menos não era sob a égide do CPC/73, de
instituto muito usado364, e talvez com a nova redação no CPC/15, principalmente
tratando expressamente do direito de preferência do credor com hipoteca judiciária,
essa realidade se altere.
Para Adriano Ferriani365 a hipoteca judiciária não tinha grande utilização
antes do Código Civil de 2002, pois o revogado Código Civil de 1916 no art. 824 366
tratava expressamente que a hipoteca judiciária não dava direito de preferência, e
assim, o credor hipotecário judicial conservava apenas o direito de sequela. Sem
correspondente no CC/02, que não traz a hipoteca judicial especificamente, o direito
de preferência do credor com hipoteca judicial passou a ser interpretação
doutrinária367 e jurisprudencial368, e com o §4º do art. 495 do CPC/15 pacificou-se.

362 JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Ego Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a Hipoteca
Judiciária. In Revista de Processo. Vol. 85, Jan.- Mar. 1997. p. 121-127.
363 Por esta razão não deve se submeter as consequências de um cautelar como a responsabilidade

objetiva em caso de reversão da decisão de primeira instância. (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA,
Ego Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a Hipoteca Judiciária. In Revista de Processo. Vol. 85,
Jan.- Mar. 1997. p. 121-127).
364 “Instituto pouco utilizado e menos ainda conhecido, a hipoteca judiciária é meio hábil para

assegurar futura execução de sentença condenatória. Através da hipoteca judiciária, é gravado bem
imóvel (ou outro dos arrolados no art. 810 do CC/1916 de propriedade da parte condenada ao
pagamento de dinheiro ou entrega de coisa, estabelecendo-se em prol do Juízo e do vencedor um
instrumento que ajuda a tornar eficaz a sentença.” (JUSTEN FILHO, Marçal; MOREIRA, Ego
Bockmann; TALAMINI, Eduardo. Sobre a Hipoteca Judiciária. In Revista de Processo. Vol. 85, Jan-
mar. 1997. p. 121-127).
365 FERRIANI, Adriano. A hipoteca judiciária morreu? Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/Civilizalhas/94,MI148646,61044-A+hipoteca+judiciaria+morreu Acesso
em 11/09/2017.
366 “Art. 824. Compete ao exequente o direito de prosseguir na execução da sentença contra os

adquirentes dos bens do condenado; mas, para ser oposto a terceiros, conforme valer, e sem
importar preferência, depende de inscrição e especialização."
367 “O CC em vigor não faz referência à hipoteca judiciária. Não há um equivalente ao art. 824 do CC

de 1916. Este dispositivo dizia respeito à hipoteca judiciária e estabelecia a regra de que esta
148

Neste sentido Paula Sarno Braga, Fredie Didier Junior e Rafael Alexandre de
Oliveira:

A hipoteca judiciária confere direito real de sequela e direito de preferência


(art. 495, § 4º, CPC). O CPC disciplina expressamente o assunto,
resolvendo omissão legislativa do CPC-1973. Foi uma homenagem à
coerência do sistema, pois o art. 1.422 do Código Civil já determinava que
o “credor hipotecário e o pignoratício têm direito de excutir a coisa
hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores,
observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.369

De igual maneira Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lucia Lins Conceição,
Leonardo Ferres da Silva e Rogerio Licastro Torres de Mello:

Aliás, se a hipoteca convencional gera preferência, porque a legal não


geraria, se não há lei que o diga? (...) O direito de preferência quanto ao
pagamento é efeito desta hipoteca, devendo ser observado o princípio do
prior in tempore. ”.370

hipoteca não importava preferência. ” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres
da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros
comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 887).
Para Charle Edouard Khouri, a inexistência de dispositivo correspondente no CC/02 significa que a
hipoteca judiciária segue os ditames das demais hipotecas, havendo direito de preferência (KHOURI,
Charles Edouard. Da hipoteca judiciária. Disponível em:
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI30930,61044-Da+Hipoteca+Judiciaria. 04/10/2006. Acesso
em 10/11/2017.
368 Contrário ao direito de preferência - “HIPOTECA JUDICIÁRIA. Efeito secundário e imediato da

sentença cível condenatória, que não se sujeita ao efeito suspensivo do recurso de apelação.
Precedentes do C. STJ. Pedido que pode ser formulado pelo credor tanto em Primeira Instância,
antes ou depois do recebimento do recurso de apelação, ou mesmo em Segunda Instância,
diretamente ao Relator. Como a hipoteca judiciária é dotada de sequela, mas não de preferência,
perderia o instituto a sua função caso devesse aguardar o trânsito em julgado da sentença, momento
em que o credor já pode penhorar bens do devedor. Instituição independente da vontade do vencido
na demanda ordinária, bastando a existência de sentença condenatória, que vale como título
constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição é ordenada pelo juiz. Ausência de violação ao
princípio do contraditório. Excesso de garantia que não comporta acolhimento nesta fase processual.
Decisão que converteu o bloqueio em hipoteca judicial, incidente sobre os mesmos bens imóveis já
constritos. Recurso não provido. ” (TJSP - Agravo de Instrumento 0254633-60.2012.8.26.0000.
Relator: Francisco Loureiro. 6ª Câmara de Direito Privado. Data do Julgamento: 07/02/2013. Data de
Registro 07/02/2013).
Em julgamento de recurso especial, após a entrada em vigo do CC/02, a ministra Nancy Andrighi
tratou da hipoteca judiciária como efeito secundário da sentença, destacando a inexistência de direito
de preferência: “A hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, constitui um efeito secundário da
sentença condenatória e tem por finalidade assegurar a efetividade do processo, impondo-se perante
terceiros a garantia do crédito por meio do direito de sequela (vale observar que a hipoteca judiciária
não enseja direito de preferência), servindo como forma de evitar fraude contra a execução.” (STJ -
REsp 715.451/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 06/04/2006, DJ
02/05/2006)
369 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de Direito

Processual Civil. Teoria Geral da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e
Tutela Provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 435.
370 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia

Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 887.
149

4.1.3 – Conclusão sobre as técnicas cautelares na fase de conhecimento

O sistema brasileiro prevê a possibilidade de acautelar direito creditório futuro


em nome do responsável primário, seja através de tutela provisória, seja através do
efeito anexo de sentença condenatória, que sequer precisa de determinação judicial
para ser concedida. Diante desse cenário, seria possível dizer que em sendo
exitosas as medidas em face do responsável primário, estaria obstada a instauração
de incidente de desconsideração da personalidade jurídica?
Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real
Amadeo, logo após fazerem crítica a possibilidade de desconsideração da
personalidade jurídica no processo de conhecimento, destacam que a opção do
legislador levou em conta o direito de ação do autor e que poderá ser exercido,
desde que demonstrado o interesse de agir, interesse esse consubstanciado na
demonstração de insuficiência de bens no patrimônio social:

Desde o processo legislativo, já houve quem criticasse a opção feita pelo


legislador dado que, na fase de conhecimento, sequer teria sido apurada a
existência do crédito alegado contra a sociedade e a inexistência de bens
no patrimônio desta para satisfazer esse crédito caso seja necessário o
ajuizamento de execução.
A crítica tem fundamento, mas a opção do legislador deve ser
compreendida dentro da interpretação sistemática do instituto. Tendo em
vista que o pedido de desconsideração da personalidade jurídica configura
exercício de direito de ação, conforme visto acima, estará ele condicionado
à existência de interesse de agir. E, no caso, o interesse de agir só estará
presente se os bens existentes no patrimônio da sociedade forem
insuficientes para responder pelo crédito objeto do processo.
Dessa forma, é de se esperar que os casos em que se pleiteie a
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento sejam
a minoria, uma vez que estarão restritos às hipóteses em que o requerente
demonstre – além dos requisitos previstos na legislação material – a
insuficiência do patrimônio da sociedade para satisfazer o crédito em caso
da execução forçada.371

Ainda que sem tratar de maneira expressa, os autores parecem compreender


que somente seria possível a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica diante da inexistência de bens sociais e assim, caso
houvesse tutela provisória de arresto ou hipoteca judiciária frutíferas, não haveria
interesse de agir para pleitear a desconsideração da personalidade jurídica.

371AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 165. p. 163-154.
150

Ocorre que a simples existência de tutela provisória de urgência cautelar que


visa preservar futuro direito creditório (arresto), e de hipoteca judiciária ou qualquer
outra técnica cautelar a garantir a satisfação de um débito futuro da pessoa jurídica
ré, não é, por si só, garantia de recebimento, mormente porque há possibilidade de
um concurso de credores (art. 797 CPC)372 e demais discussões que poderão, ao
final, tornar inócua as técnicas cautelares em face exclusivamente da pessoa
jurídica. Esses pormenores, em sua maioria, somente serão percebidos na fase de
cumprimento de sentença373, de tal sorte que é impossível, com exatidão, se captar
o interesse de agir do autor, focado no critério de inexistência de bens em nome da
pessoa jurídica.
O interesse de agir não pode estar ligado a condição impossível de ser
apurada, de forma que se compreende que para fins do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento, o interesse de
agir deve centralizar nas condições materiais de abuso da personalidade jurídica, e
tão somente eventual pedido de tutela provisória deverá considerar elementos
externos presentes na ação principal, como se verá de forma mais detalhada no item
5.6.

372 O art. 797 menciona direito de preferência tratando de penhora, no entanto, há entendimento
doutrinário e jurisprudencial no sentido de que o arresto também está compreendido nos termos do
art. 797 do CPC e deve obedecer a anterioridade, ou seja, tem preferência no produto tanto quem
primeiro penhorou como quem arrestou, abrangendo o arresto cautelar e o arresto executivo (STJ -
AgRg no AgRg no AgRg no REsp 1.190.055 / MG. Agravo Regimental no Agravo Regimental no
Agravo Regimental no Recurso Especial 2010/0069277-4, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti,
quarta Turma, data do julgamento 11/10/2016, DJe 21/10/2016), mas desde que o arresto tenha sido
convertido em penhora, retroagindo-se a data do arresto para considerar a anterioridade, e aqui está
o primeiro problema, pois pode acontecer de haver liquidação do bem antes que seja possível a
conversão do arresto em penhora que, no caso do cautelar, poderá demandar um longo tempo.
Há ainda outro problema, qual seja, que ainda que o arresto se convertido em penhora seja marco de
preferência em um concurso de credores, o concurso se estabelece entre crédito de mesma natureza,
portanto, a anterioridade é relevante somente na mesma categoria, de tal sorte que poderá ocorrer de
um arresto acontecer anos antes, ser convertido em penhora, mas um processo novo com penhora
daquele mesmo bem ter preferência em virtude da natureza do crédito: “RECURSO ORDINÁRIO EM
MANDADO DE SEGURANÇA - DIREITO DE PREFERÊNCIA - PRODUTO DE ARREMATAÇÃO DE
BEM - ARRESTO EFETUADO POR CREDOR QUIROGRAFÁRIO - PENHORA POSTERIOR
EFETUADA EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA PROFERIDA EM AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS
CONDOMINIAIS - PREFERÊNCIA DO CRÉDITO CONDOMINIAL. I - O arresto, incidental ou
executivo, deve ser equiparado à penhora para fins de preferência em concurso de credores. II - O
crédito relativo a cotas condominiais constitui um ônus relativo ao próprio bem, assim, por tratar-se de
obrigação propter rem, prefere ao crédito quirografário anteriormente garantido por arresto. Recurso
improvido. ” (STJ - RMS 23822 / RJ recurso ordinário em mandado de segurança 2007/0061920-9,
relator Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, data do julgamento, DJe 15/04/2008).
373 Pode também ocorrer modificação antes do cumprimento da sentença do processo em que foi

autorizado o arresto de bens do sócio em virtude da desconsideração da personalidade jurídica. Por


exemplo, antes mesmo de se encerrar a fase de conhecimento, e com isso autorizar a conversão do
arresto em penhora, em outro processo aquele mesmo bem arrestado ser penhorado e adjudicado ou
arrematado. Ou seja, antes mesmo de se estabelecer um concurso de credores, a garantia se esvai.
151

Conclui-se que, por terem diferentes causas de pedir, a tutela provisória de


urgência cautelar que visa preservar crédito futuro através da apreensão de bens
(arresto) ainda que exitosa, assim como a hipoteca judiciária, não impedem o pedido
de desconsideração da personalidade jurídica.
Define-se o primeiro ponto de importância da desconsideração da
personalidade jurídica na fase de conhecimento que, em linhas gerais, tal qual o
arresto cautelar, é garantir o êxito na satisfação de um futuro crédito. No entanto, a
menos que exista a concessão de uma tutela provisória, a simples instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica não gera garantia, mas
preserva a possibilidade de medidas repressivas conforme tratado no início desse
capítulo. Conquanto, passa-se a analisar as fraudes do devedor.

4.2 – Fraudes do devedor

Intimamente ligada com a desconsideração da personalidade jurídica estão as


fraudes do devedor. Em ambas as situações visa-se preservar o direito do credor
que acabou sendo prejudicado em decorrência de atos indevidos do devedor.
Indevido porque houve abuso da personalidade jurídica desviando a finalidade para
a qual foi criada a pessoa jurídica, ou então não mantendo verdadeiramente a
separação patrimonial (desconsideração da personalidade jurídica); indevido porque
alienou bem e com essa alienação deixou de poder honrar a dívida que tinha com o
credor (venda capaz de levar o devedor a insolvência – fraudes do devedor).
Assim, uma pessoa jurídica pode tanto praticar ato que seja considerado
como fraude contra credores e fraude à execução, como praticar atos que ensejem a
desconsideração da personalidade jurídica. Diante da premissa de que é preciso
haver inadimplência para gerar a desconsideração da personalidade jurídica, a
ligação com as fraudes do devedor é até mesmo teleológica: a pessoa jurídica
somente não tem bens suficientes porque houve alienação em fraudes do devedor.
Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real
Amadeo dão interessante exemplo no qual, o terceiro prejudicado por uma alegação
de fraude à execução, teria interesse de instaurar incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, uma vez que a pessoa jurídica embora tenha se tornado
insolvente com aquela alienação tinha indícios de abuso da personalidade jurídica:
152

Imagine-se, por exemplo, a hipótese em que o terceiro adquirente de um


bem da sociedade tem esse bem penhorado sob a alegação de ocorrência
de fraude à execução, dada insuficiência do patrimônio da sociedade para
satisfazer o crédito exequendo. O terceiro embargante poderia, por
exemplo, utilizar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
para comprovar ocorrência de confusão patrimonial entre a sociedade e o
sócio e demonstrar que não existiria a insolvência, o patrimônio comum de
ambos seria suficiente para responder pela obrigação, afastando, portanto,
o requisito ensejador da fraude à execução e liberando seu bem.374

Veja-se que são situações paralelas. Há elementos que demonstram que há


fraude à execução (terceiro prejudicado) e há elementos para pedir a
desconsideração da personalidade jurídica, e o interesse de agir não se limita ao
credor.
A ligação entre a desconsideração da personalidade jurídica e, especialmente
uma das espécies de fraudes de devedor, a fraude à execução, pode causar até
confusão. Durante os debates travados pela comissão de juristas para elaboração
do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, chegou-se a falar que não havia
necessidade de inserir a desconsideração da personalidade jurídica no processo de
execução, e no cumprimento de sentença, porque a questão se resolveria com o
instituto da fraude à execução375.

374 AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 161.
375 2ª reunião da comissão de juristas para elaboração do Novo Código de Processo Civil: “Sr.

Ministro Luiz Fux: Está bem, veja uma coisa, por exemplo, eu particularmente entendo que isso é
uma questão de responsabilidade que é o sucedâneo do descumprimento da obrigação, é
expropriação, é ato de processo.
Eu acho que a responsabilidade é um instituto de direito processual, mas isso não tem problema. Eu
acho que nós temos que votar, isso aqui é uma comissão, tem que votar.
Então a proposição ficou assim: a desconsideração da pessoa jurídica, ela tem de ser levada a efeito
no processo de conhecimento para poder ser exigida na execução na forma da lei civil, naqueles
casos da lei civil.
(...)
Sr. Adroaldo Furtado Fabrício: Até porque para os outros casos o conceito de fraude é suficiente, em
regra.
Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Como é que é?
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: Mas se esse problema surge na execução?
Orador não identificado [00:48:13]: Aí é fraude à execução.
Sra. Teresa Arruda Alvim Wambier: Atitudes na execução, tem que haver um incidente de
conhecimento dentro da execução.
Sr. Ministro Luiz Fux: Pedir a execução extra.
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: Não, na execução, seja extra, seja--
Sr. Ministro Luiz Fux: Eu acho que se surge posteriormente ao processo de conhecimento--
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: O problema surge quando vai--
Sr. Ministro Luiz Fux: Houve alguma fraude aí é caso de execução--
Sr. José Roberto dos Santos Bedaque: --Penhorar o bem daquele que fora condenado ou do devedor
em título executivo e não encontra bens dele.
153

Inegavelmente pode até ocorrer a coincidência em alguns casos e com alguns


bens que denotam a possibilidade de alegação tanto de fraudes do devedor como
desconsideração da personalidade jurídica, mas não é regra.
Por exemplo uma a pessoa jurídica não consegue honrar com suas dívidas
porque vendeu seu imóvel mais valioso ao sócio, mas manteve sede nesse imóvel
sem a devida contraprestação. Haverá fraude do devedor (fraude à execução se já
existisse ação em face da pessoa jurídica; ou fraude contra credores376, na
inexistência de ação) em que o sócio seria terceiro de má-fé, e também confusão
patrimonial. A diferença estará nos efeitos. Na desconsideração da personalidade
jurídica o credor poderá buscar qualquer bem desse sócio, na alegação de fraude à
execução somente o referido imóvel irá garantir a dívida, e na alegação de fraude
contra credores este bem retornaria a pessoa jurídica (um dos posicionamentos) e o
credor então poderia dele se utilizar para garantir sua dívida.
Mas, veja-se, é situação especifica de mera coincidência, e ainda que em
ambas situações exista uma responsabilidade secundária do sócio (como terceiro
adquirente de má-fé ou atingido pela desconsideração), os institutos não se
confundem.
De maneira semelhante é o mesmo que acontece quando se tenta dar caráter
de devedor ao sócio conforme analisado no capítulo 2. Um mesmo ato pode ser
fomentador de alegação de fraudes do devedor e de desconsideração da
personalidade jurídica, mas é mera coincidência.
A ligação entre as fraudes de devedores e a desconsideração da
personalidade jurídica para o presente estudo é pragmática, afinal de nada adianta
desconsiderar a personalidade jurídica para atingir bens do sócio se esse sócio não

Sr. Ministro Luiz Fux: Não, mas aí é fraude à execução. ” (2ª reunião da comissão de juristas,
responsável pela elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil, instituída pelo ato nº 379,
de 2009 realizada no dia 14 de dezembro de 2009, às 13 horas e 45 minutos. In Diário do Senado
Federal. 10/03/2010. p. 266).
376 Exemplificando, no julgamento do recurso de apelação n. 2014.092264-4 determinada pessoa

jurídica emitiu 34 cheques, e quando emitiu esses cheques verificou-se que a empresa teria
conduções de solvê-los, pois era proprietária de 16 veículos e de mais 3 imóveis. No entanto,
verificou-se que um dos imóveis da pessoa jurídica teria sido utilizado para quitar dívida do sócio
majoritário da empresa oriunda de empréstimo, portanto nítida confusão patrimonial, motivação para
desconsideração da personalidade jurídica, mas a ação era de fraude contra credores em que se
buscou o desfazimento daquela transação, e isto ocorreu via ação pauliana porque não se poderia
dizer que a transação fraudulenta realizada pela pessoa jurídica foi em fraude à execução, pois, ao
que tudo indica, inexistia cobrança judicial dos cheques. (TJSC - Apelação Cível n. 2014.092264-4,
de Braço do Norte, rel. Des. Guilherme Nunes Born, Quinta Câmara de Direito Comercial, j. 16-07-
2015).
154

tiver mais bens. As fraudes do devedor garantem a efetividade da desconsideração


da personalidade jurídica e é sobre este enfoque que o estudo se debruçará.
Primeiramente é preciso verificar quando o credor que conseguiu
desconsiderar a personalidade jurídica de um devedor, poderá alegar cada uma das
fraudes do devedor, a fraude contra credores ou a fraude à execução.
O ponto de partida de qualquer uma das fraudes são as atitudes do devedor
tendentes a frustrar o recebimento pelo credor. Quando estas atitudes são
percebidas no campo material377, exclusivamente (inexiste processo), há uma fraude
contra credores (art. 158 e seguintes do CC). Na pendência de processo, porém,
significam atos de fraude à execução.
Em comum, tanto a fraude contra credores como a fraude à execução têm a
finalidade de preservar o terceiro adquirente, pois o devedor sempre terá
consciência da dívida que tem. É o terceiro que poderá alegar que desconhecia que
com seu ato de compra causaria lesão ao credor do alienante.
A diferença então refere-se ao terceiro. Como se verá mais detalhadamente
nos próximos tópicos, na fraude contra credores o terceiro adquirente tem mais
argumentos em seu favor, podendo alegar que desconhecia (via de regra inexiste
publicidade da existência de dívida do alienante) que com aquela alienação o credor
iria causar lesão a alguém. Por isso, a rigidez para acolhimento de alegação de
fraude contra credores é maior, em que o elemento subjetivo (consilium fraudis) é
primordial.
Já na fraude à execução, como o pressuposto é a existência de dívida (ou
pretensa no caso de ação de conhecimento) cobrada judicialmente, há publicidade,
e a alegação do terceiro adquirente que desconhecia que com aquele ato pudesse

377Prefere-se utilizar a nomenclatura “campo material” a utilizar a diferença empregada por parte da
doutrina que diz que a fraude contra credores seria um instituto de direito privado e a fraude à
execução de direito público. Neste ponto concordamos com as lições: “...a natureza, de direito público
ou privado, é equivocada, pois tanto a fraude contra credores quanto a fraude de execução
pertencem ao campo do direito público, uma vez que disciplinam hipóteses de extensão da
responsabilidade executória, matéria que – como já muito demonstrou Carnelutti, em evolução a
teoria de Schuld und Haftung de Avoys Von Brinz – encontra-se exclusivamente no campo do direito
processual. ” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de Execução. São Paulo: Atlas, 2012.
p.15-16).
De maneira um pouco distinta assevera “A fraude contra credores é instituo de Direito Material,
regrado pelo Código Civil, que revela grande interesse para o Direito Processual; diz respeito à
responsabilidade patrimonial e pode repercutir na execução. ” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual civil. Execução. Vol. 5. 5. ed. Salvador; Juspodivm, 2013. p. 309).
155

levar o alienante a insolvência, não deveria ser levada em consideração378, mas


como se verá adiante, não é desta forma que se construiu a jurisprudência nos
últimos anos.
Passa-se a analisar as duas espécies de fraudes do devedor: fraude contra
credores e fraude à execução, ambas com estudo voltado à aplicação como
consequência da desconsideração da personalidade jurídica.

4.2.1 – Fraude contra credores

A previsão legal da fraude contra credores encontra-se nos art. 158 a 165 do
CC e, em suma, é verificável quando um devedor torna-se insolvente em
decorrência da alienação de determinado bem. Nessa situação (devedor insolvente),
o credor prejudicado poderá alegar a existência de fraude naquele negócio jurídico
que inviabilizou o recebimento do seu crédito, devendo demonstrar o consilium
fraudis entre o alienante e o terceiro adquirente, dispensando-se essa prova se o
negócio jurídico for gratuito (doação por exemplo) ou tiver ocorrido remissão de
dívidas.
Diferentemente da fraude à execução, a fraude contra credores não é
incidental e para ser alegada precisa de uma ação própria, a qual ficou conhecida
como ação pauliana ou revocatória. Outra diferença em relação a fraude à execução
é que a sentença da ação que discute fraude contra credores gera anulação do
negócio jurídico tido por fraudulento, ao passo que no caso da fraude à execução o
negócio jurídico é tido como ineficaz.
Foi apegando-se ao termo “anulados” contido no art. 158 que a doutrina
civilista entende que com a sentença de procedência na ação pauliana, os bens
alienados em fraude contra credores retornam ao patrimônio do devedor, todavia, há
um bom tempo existem controversas sobre o tema, como no julgamento do Recurso
Especial n. 5.307/RS379 de 1992.

378 “Para a configuração da fraude à execução é irrelevante o elemento subjetivo (consilium fraudis),
pois na sistemática processual brasileira basta a caracterização das hipóteses previstas no art. 593
do CPC.” (FERREIRA, William Santos. O ônus da prova na fraude à execução: a boa-fé objetiva e as
premissas de uma sociedade justa e solidária. In MOREIRA, Alberto Camiña; ALVAREZ, Anselmo
Prieto; BRUSCHI, Gilberto Gomes (Coord.). Panorama Atual das Tutelas Individual e Coletiva:
Estudos em Homenagem ao Professor Sérgio Shimura. São Paulo: Saraiva, 2010. p.759).
379 STJ - Recurso Especial n. 5307/RS, Relator ministro Athos Carneiro. Quarta Turma. Data do

julgamento 16/06/1992. DJ 08/03/1993.


156

No mencionado recurso, Athos Gusmão Carneiro ao analisar a possibilidade


de se alegar como matéria de defesa em embargos de terceiro a existência de
fraude contra credores380, tratou sobre a necessidade de um processo mais célere, e
que, a sentença não iria anular a alienação, apenas seria ineficaz em relação ao
credor: “mas simplesmente, como nos casos de fraude à execução, conduzirá à
ineficácia do ato fraudatório perante o credor embargado”. Naquela ocasião o
acompanhou o ministro Salvio de Figueiredo dizendo que seria possível alegar
fraude contra credores em embargos de terceiro porque “melhor se aperfeiçoa à
efetividade do processo, à natureza instrumental”, reconhecendo também que a
decisão a respeito de fraude contra credores geraria ineficácia.
Esse posicionamento pouco tempo depois, em 1996, foi afastado através da
súmula 195 do Superior Tribunal de Justiça: “Em embargos de terceiro não se anula
ato jurídico, por fraude contra credores.”
Leonardo Greco381 embora curve-se à corrente que fala sobre a anulabilidade
pela expressa disposição legal do art. 158, assevera que se trata de uma
impropriedade da lei dizer anulação quando deveria dizer ineficácia, e que isso
significa um benefício ao devedor que prejudicou credor e terá de volta, em seu
patrimônio, o bem alienado em fraude contra credores. Em contrapartida, o terceiro
poderá ter um prejuízo acima do direito do credor382.
Nelson Nery Junior383 e Gilberto Gomes Bruschi384 também defendem que
seja considerada a anulabilidade do ato sob pena de insegurança jurídica, pois, o
Código Civil aborda expressamente sobre o referido efeito. Carlos Roberto

380 Exemplificando para melhor visualização, determinado bem de terceiro é penhorado e então este
terceiro ingressa com embargos de terceiro alegando que havia adquirido validamente aquele bem do
devedor. O credor então, como matéria de defesa em embargos de terceiro alega que aquele bem foi
alienado em fraude contra credores, e por isso, deve responder à execução.
381 “Sou capaz de aceitar que o nosso legislador civil, por mera impropriedade terminológica, tenha se

referido a anulação quando deveria ter tratado de ineficácia. Compreendo também que a ação
pauliana não deveria ter como consequência qualquer benefício ao devedor, nem acarretar para o
adquirente prejuízo maior do que o necessário para assegurar o pagamento do credor. ” (GRECO,
Leonardo. O processo de execução, Vol. 2. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 32).
382 Por exemplo, “C”, terceiro, adquire um imóvel de R$ 1.000.000,00 de “A”, e “A” torna-se insolvente

deixando de honrar com dívidas que tinha com “B”, de R$ 500.000,00. “B”, então, intenta com ação
alegando que o negócio jurídico entre “A” e “C” foi fraudulento, havendo consilium fraudis. Sobrevém
sentença de procedência e o imóvel retorna ao patrimônio de “A”, podendo “B” penhorá-lo em
eventual execução para satisfazer sua dívida de R$ 500.000,00. No entanto, o valor da dívida de “A”
com “B” era menor que o negócio firmado entre “A” e “C”, ou seja, “C” teve prejuízo de R$
500.000,00.
383 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 12. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 233.


384 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.

ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 41.


157

Gonçalves385 apresenta informação interessante, asseverando que durante a


tramitação do Código Civil de 2002 foi apresentada uma emenda para que a fraude
contra credores acarretasse em ineficácia e não anulabilidade, essa emenda foi
indeferida, portanto, ao que parece a vontade do legislador era realmente dar caráter
de anulabilidade ao ato de transferência de bem em fraude contra credores.
Não existe atualmente um posicionamento pacífico a respeito da matéria,
havendo decisões de que a fraude contra credores acarreta em ineficácia386, mas,
em linhas gerais, predomina o posicionamento de que a sentença de fraude contra
credores gera anulabilidade.
Mais polêmica que a problemática a respeito do efeito da sentença da ação
revocatória é a discussão com relação ao próprio direito material, isto é, quando
pode ser considerado que as atitudes do devedor seriam reprováveis porque tendem
a frustrar direto de alguém.

385 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil. Parte Geral. São Paulo: Saraiva 2014. p. 433.
386 "A fraude contra credores não gera a anulabilidade do negócio - já que o retorno, puro e simples,
ao status 'quo' ante poderia inclusive beneficiar credores supervenientes a alienação, que não vítimas
de fraude alguma, e que não poderiam alimentar expectativa legítima de se satisfazerem â custa do
bem alienado ou onerado", de modo que a procedência da ação pauliana 'não conduz a uma
sentença anulatória do negócio, mas sim à retirada parcial de sua eficácia, em relação a
determinados credores, permitindo-lhes excutir os bens que foram maliciosamente alienados,
restabelecendo sobre eles, não a propriedade do alienante, mas a responsabilidade por suas
dívidas". (STJ - REsp 506.312/MS, 1ª Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 31.8.2006).
No julgamento do Recurso Especial n. 971.884/PR os ministros Sidnei Beneti e Nancy Andrighi
consideraram que a sentença proferida em ação pauliana gera ineficácia em relação ao autor da
ação. Destaca-se os votos:
Min. Sidnei Beneti: “Pelo exposto, pelo meu voto dá-se provimento em parte ao Recurso Especial,
mantendo o reconhecimento da fraude contra credores e declarando a ineficácia relativa das doações
tão somente quanto à Caixa Econômica Federal e no limite do débito de Jayme Navarro. ”
Min. Nancy Andrighi: “Nesse aspecto, há de se considerar que, mesmo sendo o ato fraudulento, ele
se reveste de existência e validade. Tanto é assim que, não obstante o art. 167 do CC/02 determine
ser nulo o negócio jurídico simulado, ressalva que “subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma”. A fraude não constitui vício apto a afetar a substância do ato jurídico,
tornando-o anulável. O ato jurídico praticado pelo devedor em fraude dos credores, válido em si
mesmo, não se esvai do mundo jurídico, embora sofra os efeitos da ação revocatória.
Diante disso, conclui-se que a sentença pauliana sujeitará à excussão judicial o bem
fraudulentamente transferido, mas apenas em benefício do crédito fraudado e na exata medida deste.
Naquilo em que não interferir no direito do credor, o ato permanece hígido, como autêntica
manifestação das partes contratantes. Até porque, a desconstituição do ato implicaria retorno ao
status quo ante, situação que, a rigor, viria em prol do próprio fraudador, ensejando-lhe novamente a
titularidade da coisa ou direito de que se despojara espontaneamente.
Em suma, a sentença revocatória conduz à ineficácia do ato apenas frente aos credores fraudados e
nos limites do seu crédito. Havendo, por exemplo, a remição da dívida pelo devedor, o ato de
alienação subsistirá, não havendo como sustentar a sua anulabilidade. Da mesma forma, a ineficácia
do ato somente alcançará os bens necessários à satisfação do débito, sem qualquer reflexo nos
demais. ”
Min. Massame Yueda: “A solução encontrada, preconizada, pela Sra. Ministra Nancy Andrighi me
parece ser a medida mais adequada. A declaração de nulidade das doações efetuadas pelo devedor
não será declarada ineficaz, a não ser em relação ao credor. Então, preserva-se o direito do credor e,
quanto ao mais, eventuais interessados é que se movimentam. ”
158

Nota-se que o artigo 158 do Código Civil utiliza as palavras credor e devedor
e, para existir estas figuras, é necessário que exista uma dívida vencida e não paga.
A corrente majoritária, até mesmo pela literalidade do §2° do art. 158 do
Código Civil, defende que para se ingressar com pedido de fraude contra credores
(art. 161 do CC) é necessário que a dívida seja exigível, caso contrário não haveria
interesse de agir387, bem como que a alienação seja recente388. Há, no entanto,
posicionamento de que a dívida não precisa estar vencida e pode ser considerada
fraude contra credores a alienação anterior ao vencimento389, já tendo dessa forma
se posicionado o Superior Tribunal de Justiça390.
De maneira intermediária, Candido Rangel Dinamarco391 apresenta
posicionamento no sentido de que somente o credor (dívida vencida) teria interesse

387 “A ação pauliana (Código Civil, art. 161) caracteriza-se por: (...) e) segundo os tribunais, reclamar
que o credor seja titular de crédito exigível, pois só assim terá interesse-necessidade. Antes da
exigibilidade da obrigação não haveria interesse na ação pauliana” (DIDIER JR., Fredie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito
Processual civil. Execução. Vol. 5. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. p.385-386).
388 “Só têm legitimação ativa nesta demanda os credores quirografários que já o eram ao tempo que

os atos malsinados se celebraram. Os credores posteriores a tais atos já encontraram o patrimônio do


devedor desfalcado, não podendo, por conseguinte, reclamar contra uma situação já conhecida, ou
que só desconheciam dada sua própria negligência. A fraude, se fraude houve, não só prejudicou,
não tendo, portanto, interesse de alega-la. ” (RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. Vol.1. 28.
ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 236).
Concorda-se, em termos, com a posição de Silvio Rodrigues, haja visto que pode ocorrer de a
alienação acontecer no interim do compromisso financeiro firmado com o alienante e o vencimento da
dívida. Nessa situação, o pretenso credor não se mostra negligente.
Pode-se imaginar a seguinte situação: “A” faz uma negociação para pagamento a prazo com “B”,
antes de nascer o direito de “B” cobrar pela dívida, percebe que “A” está dilapidando o patrimônio.
Rigidamente as vendas feitas por “A” não fraudou credores, porque “B” ainda não era credor.
389 "É certo que a jurisprudência de nossos tribunais vinha se orientando pelo princípio da

anterioridade do crédito, como condição da ação pauliana, no pressuposto de que somente em


relação aos credores que já o eram ao tempo dos atos lesivos semelhantes atos diminuiriam a
garantia. A jurisprudência mais atualizada, contudo, em antecipação meritória, vem reconhecendo
que, embora a anterioridade do crédito, relativamente ao ato de alienação impugnado como
fraudulento, seja, em regra, pressuposto de procedência da ação pauliana, 'esse pressuposto, no
entanto, é afastável quando ocorrer a fraude predeterminada para atingir credores futuros. Na
realidade, mesmo entre nós já se reclama a revisão de conceitos, no sentido de conceder ação
pauliana a credores posteriores, ainda que em circunstâncias excepcionais” (CAHALI, Yussef Said.
Fraudes Contra Credores. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 106).
390 “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.

GARANTIA HIPOTECÁRIA DE DÍVIDA PESSOAL. INADIMPLEMENTO. PERDA DO IMÓVEL.


FRAUDE CONTRA CREDORES. (...) ANTERIORIDADE DO CRÉDITO. RELATIVIZAÇÃO.
CREDORES FUTUROS. (...)
2. A ação pauliana tem natureza pessoal, razão pela qual é desnecessário citar o cônjuge do devedor
doador e do donatário.
(...) 5. “É possível a relativização da anterioridade do crédito, requisito para o reconhecimento da
fraude contra credores, quando configurada a fraude predeterminada em detrimento de futuros
credores...” (STJ, Recurso Especial 1.324.308/PR, relator ministro João Otávio de Noronha, DJe
08/09/2014).
391 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual. São Paulo: Malheiros, 2001. p.

389.
159

de agir, mas defende que, caso a dívida venha a vencer no curso da ação pauliana
(antes de proferida sentença), com base no art. 493 do CPC, haveria fato
superveniente fazendo surgir interesse de agir392.
Assim, se alguém tem uma expectativa de receber determinado crédito e não
consegue (ou verifica que não conseguirá – débito não vencido - posição minoritária)
porque o devedor tornou-se insolvente, o ato de alienação que assim tornou o
devedor, poderá ser desfeito através da ação pauliana nos termos do art. 161 do
CC.
Normalmente observa-se a fraude contra credores como um momento
anterior a possibilidade de alegar fraude à execução, principalmente quando o
motivo é a insolvência do devedor393. O credor que ainda não intentou com ação tem
seu crédito frustrado por causa de alguma alienação do devedor, ou então o credor
que já tem ação, mas, observa que a alienação do bem que levou o devedor a
insolvência é anterior a ação, só lhe resta alegar fraude contra credores.
Importante tecer observação em relação ao termo credor, dado o seu uso
comum em contraposição a devedor. Embora o sócio nunca se transforme em
devedor (mesmo com a procedência do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica), o credor da pessoa jurídica, na medida em que poderá
garantir o recebimento da sua dívida com patrimônio de terceiros (responsáveis
secundários) também será credor do responsável secundário. O credor da pessoa

392 Portanto, para Cândido Rangel Dinamarco não é preciso que a alienação seja posterior ao
vencimento da dívida, mas é preciso que a dívida esteja vencida para ter interesse de agir na ação
pauliana. A alienação até pode ocorrer antes de vencida a dívida, mas a alegação de fraude contra
credores não.
393 Fala-se que a fraude contra credores é considerada um momento anterior a possível alegação de

fraude à execução, considerando-se os termos do inc. IV do art. 792 do CPC, mas a alegação de
fraude à execução não se limita a insolvência do devedor, podendo estar ligada ao próprio bem,
como é o caso do inc. I do art. 792 do CPC. Esclarece Marcelo Abelha: “É importante que fique bem
claro que a fraude à execução não possui uma simetria em relação à fraude contra credores, ou seja,
como se esta fosse aquela só que antes de instaurado o processo. Essa simetria não existe, porque
na fraude à execução, ao contrário da fraude contra credores, não se tutela apenas a
responsabilidade patrimonial, mas todo e qualquer bem sujeito à execução que dela venha a ser
retirado pelo devedor/responsável. É que a fraude à execução se presta: a) para situações em que a
execução é para a entrega de coisa; ou seja, sendo a coisa o fim a ser perseguido na execução e o
executado aliena ou onera o referido bem; b) para situações, bem mais comuns, em que o
reconhecimento da fraude tutela o direito à responsabilidade patrimonial deduzido em juízo, no qual a
coisa é mero instrumento para obter o dinheiro que servirá para garantir o adimplemento. ” (ABELHA,
Marcelo. Manual de execução civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.107).
160

jurídica mantém essa essência em relação ao responsável patrimonial secundário,


pois dele pretende receber394.
O sócio, ainda que não se transforme devedor, se realizar alienações em
prejuízo ao credor da pessoa jurídica, poderá ter contra si ação pauliana 395. No
entanto, se em casos regulares de direito material (credor e devedor) é difícil a
demonstração do consilium fraudis entre o devedor e o terceiro adquirente, em
casos em que a situação de credor é excepcional (desconsideração da
personalidade jurídica) a dificuldade é ainda maior, mormente porque se enfrenta a
questão do marco para configuração de fraude contra credores.
Talvez, para tentar proteger este espaço entre a existência de ação em face
da pessoa jurídica e o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, o art.
792, §3º do CPC tenha redação um tanto quanto questionável e conflitante com
outros termos do CPC.

394 “Entende-se por responsabilidade patrimonial a situação jurídica subjetiva, da qual resulta a
sujeição de bens do responsável, com relevância econômica, a serem destinados a satisfazer o
credor que não recebeu a prestação devida, por meio do processo de execução forçada. ” (GUERRA
FILHO, Willis Santiago. Responsabilidade patrimonial e fraude à execução. In Revista de Processo.
Vol. 65, 1992. p. 174 – 181).
395 “Antes da citação, o devedor ou responsável não fica imune às consequências da fraude, mas se

sujeita ao regime da fraude contra credores e não da fraude à execução. Há, não obstante,
mecanismos de proteção cautelar que preservam o credor dos riscos de desvio de bens e de
insolvência do devedor que podem ser utilizados, em qualquer caso, antes mesmo da citação
executiva (arts. 300 e 301). ” (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.
Vol. 1. 56. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 410-411).
“AÇÃO PAULIANA. FRAUDE CONTRA CREDORES. Ilegitimidade passiva não verificada. Réus são
os contratantes dos negócios que se pretende anular. Dívida oriunda de empresa da qual os
alienantes eram sócios. Impossibilidade de se afirmar pela falta do requisito objetivo da fraude contra
credores (eventus damni) baseado no simples fato de que as decisões de desconsideração da
personalidade jurídica em ações movidas contra a empresa são posteriores ao negócio dito
fraudulento. É suficiente que os requisitos para a desconsideração estivessem reunidos quando do
negócio. Natureza declaratória do decreto de desconsideração da personalidade jurídica. O instituto
da fraude contra credores é remédio que deve independer totalmente de ação ajuizada, tendo em
vista que os atos de fraude podem ser arquitetados antes da judicialização do problema. O que torna
o sócio devedor é a prática de atos autorizadores de desconsideração da personalidade jurídica e
não o decreto judicial que declara a ineficácia da personalidade jurídica. Necessidade de
demonstração do requisito objetivo da fraude (consilium fraudis) que envolve comprovar a intenção
dos contratantes de prejudicar os credores da pessoa jurídica, resguardando o sócio em futura
desconsideração da personalidade jurídica. Sentença anulada. Impossibilidade de julgamento
imediato. Prosseguimento do feito para dilação probatória. Recurso parcialmente provido. ”
(TJSP - Apelação 9091094-61.2009.8.26.0000; Relator (a): Mary Grün; Órgão Julgador: 7ª Câmara
de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 2. VARA CIVEL; Data do Julgamento:
08/11/2017; Data de Registro: 14/11/2017).
Em seu voto a relatora destaca: “Seria absurdo pensar que, sem qualquer risco de responsabilização,
um sócio poderia praticar atos que dilapidariam seu patrimônio com a interposição de sua empresa. A
lei certamente não é conivente com tal postura, de modo que o instituto da fraude contra credores é
remédio que deve independer de ação ajuizada, tendo em vista que os atos de fraude podem ser
arquitetados antes da judicialização do problema; do contrário, estar-se-ia deixando os credores
desamparados. ”
161

Ir-se-á analisar a questão do dies quo para alegar fraude à execução em


relação ao sócio alienante no próximo tópico, consignando-se no presente tópico
que o instituto de fraude contra credores, embora possa ter aplicabilidade em face
do sócio atingido pela desconsideração da personalidade jurídica, diante da
peculiaridade de que a condição de pretenso responsável secundário surge somente
com a existência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, aliada
a comum dificuldade de demonstrar o consilium fraudis, o uso desse mecanismo
repressivo não tem grande efetividade nos casos de desconsideração da
personalidade jurídica.

4.3.2 - Fraude à execução

A fraude à execução, instituto de direito processual, encontra-se positivada no


art. 792 do CPC, e conta com as mais diversas situações, sofrendo ampliação em
relação ao correspondente art. 593 do CPC/73. Ao presente estudo, a espécie de
fraude à execução que interessa está disposta no art. 792, IV do CPC, razão pela
qual ater-se-á a ela.
Versa o art. 792, inciso IV, que: “A alienação ou a oneração de bem é
considerada fraude à execução: (...) IV - quando, ao tempo da alienação ou da
oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.”
Verifica-se, assim, a primeira diferença em relação a fraude contra credores.
Na fraude à execução o ato indevido do devedor é percebido quando já existe
uma ação em face desse devedor, por isso é considerado como ato mais grave,
pois, além de lesar credores ainda atenta contra o Poder Judiciário, na medida em
que pode levar a uma falta de efetividade da tutela jurisdicional, sendo considerado
ato atentatório a Dignidade da Justiça (art. 774 do CPC).
O ponto que talvez seja pacífico na fraude à execução é em relação aos
efeitos da decisão. A procedência da alegação de fraude à execução gera ineficácia
em relação ao credor, e o CPC/15 trouxe expressamente esse efeito no art. 792,
§1º, reiterando ao tratar do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
no art. 137. Assim, se o credor verificar que houve algum negócio jurídico em fraude
à execução e obtiver decisão favorável, aquele negócio jurídico não será desfeito, o
162

bem veículo da fraude não retornará ao devedor396, tão somente aquele bem de
terceiro responderá pela dívida. Trata-se de mais uma situação de responsabilidade
sem dívida.
Se em relação aos efeitos da decisão de fraude à execução não há
polêmicas, em relação ao marco para sua alegação há bastante discussão. Com o
Código de Processo Civil 2015 os debates ficaram ainda mais interessantes, uma
vez que o art. 792, §3º, traz regra totalmente na contramão.
A possibilidade de alegação de fraude à execução nos termos do art. 792, inc.
IV, do CPC, tem como marco a existência de ação, e, o complemento a palavra
fraude não se refere ao momento em que ocorre ato fraudulento (durante a fase de
execução), mas o momento em que se experimenta o resultado do ato fraudulento.
Como bem coloca Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa
Manso Real Amadeo397 a denominação refere-se ao tempo em que pode ser
declarada a fraude: “O instituto recebeu a denominação de fraude à execução em
razão de somente poder ser declarado no momento da tentativa infrutífera de se
encontrar bens passíveis de constrição do executado. ”
No entanto, o que poderia ser um marco fácil para separar a possibilidade de
alegação de fraude contra credores e fraude à execução (antes da existência de
ação o ato de alienação significa fraude contra credores, após a existência de ação
contra aquele devedor, significa fraude à execução), não é. Isso porque o art. 593, II,
do CPC/73 mencionava “corria contra”, e o correspondente artigo do CPC/15, art.
792, IV, tampouco traz expressão mais esclarecedora, substituindo por “tramitava”.
As discussões giram em torno de compreender o que é “correr contra”, agora
substituído por “tramitar ação”. Uma ação é considerada em trâmite desde a sua
distribuição, a partir do despacho que determina a citação, ou seria preciso citação
válida? Infelizmente, encontra-se posicionamento nos três sentidos.

396 Rogério Cruz e Tucci, embora considere que o ato em fraude à execução gera ineficácia, assevera
que o bem retorna ao patrimônio do devedor: “A consequência da configuração da fraude à
execução, portanto, é a ineficácia do negócio jurídico maculado pela fraude executiva, de modo que
os bens alienados ou gravados continuam a responder pela dívida contraída pelo transmitente, não
obstante já estarem registrados em nome de terceiro. Isto quer dizer que o ato de alienação ou
oneração é contaminado, retornando o bem ao patrimônio do devedor, como se de lá nunca tivesse
saído. ” (TUCCI, Rogerio Cruz e. Incomunicabilidade De Bem Imóvel. Alienação Em Fraude À
Execução. Ineficácia perante O Arrematante (Parecer). In Revista de Direito Contemporâneo. Vol. 10.
Jan – mar. 2017. p. 283-304).
397 AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. BRUSCHI, Gilberto Gomes. NOLASCO, Rita Dias.

Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de


2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 90.
163

Nancy Fátima Andrigh e Daniel Bittencourt Guariento398, analisando o art. 593


do CPC/73, criticam os termos utilizados pelo Código revogado e a dificuldade de se
vislumbrar claramente um marco inicial. De fato, a maior parte da doutrina e da
jurisprudência entende que as expressões mencionadas pressupõem a formação
válida do processo, o que ocorre somente com a citação do réu, havendo, no
entanto, entendimento diverso.
Quem defende a necessidade de citação válida como marco divisório entre o
pedido de fraude contra credores e fraude à execução se baseia na segunda parte
do artigo 312 do CPC, que menciona que a ação somente produz efeitos com
relação ao réu após a citação, e que o art. 240 (equivalente ao art. 219, §1º CPC/73)
só se refere a retroação para efeitos de prescrição399.
Em contrapartida a corrente contrária se baseia na primeira parte do art. 312
do CPC e no art. 829 do CPC (no caso das execuções)400.

398 “A dificuldade de se delimitar o exato momento em que a alienação do bem pelo devedor pode ser
considerada em frade de execução decorre da redação imprecisa do at. 593 do CPC, que utiliza
expressões ‘pender ação’ e ‘correr demanda’, dando margem a interpretações distintas para fixação
do die a quo: data da distribuição da ação ou da citação válida do réu.” (ANDRIGH, Fatima Nancy;
GUARIENTO, Daniel Bittencourt. Fraude de execução: o Enunciado 375 da Súmula/STJ e o projeto
do novo Código de Processo Civil. In ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM, Eduardo; BRUSCHI,
Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Monita Bonetti. Execução Civil e Temas Afins do
CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao professor Araken de Assis. São Paulo:
Revista dos Tribunais. p. 355).
399 Marcelo Abelha defende a citação válida como marco para configurar a fraude à execução: “A

citação é o ato pelo qual o réu ou interessado ou o executado são convocados a integrar a relação
jurídico processual (art. 238). Desde que tenha sido validamente citado o réu, já existe demanda
pendente, e como tal já está presente o primeiro requisito.” (ABELHA, Marcelo. Manual de execução
civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 107).
Araken de Assis, embora se curve ao entendimento do STJ de que seria preciso a citação, reconhece
a plausibilidade da simples distribuição da ação, pois nesse momento já existe uma relação entre
autor e Estado: “Inaugura-se a litispendência segundo os arts. 263, 2ª parte [312 do CPC] e 219 do
CPC [art. 240 CPC], mediante citação válida. Este efeito, que se destina a produzir a pendência da
lide perante o réu, não se relaciona, absolutamente, com a constituição da relação processual que já
existe, mas entre autor e o Estado, desde a distribuição (art. 263, 1ª parte). Mas o art. 593, II [ art.
792, IV do CPC], não alude a litispendência, empregando uma fórmula ambígua: ´quando ao tempo
da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda´. Por isso a interpretação de que basta o
ajuizamento, pois não interessa ao terceiro se ocorreu a citação, exibe seus méritos. Acontece que
uniformizando a interpretação do dispositivo, a jurisprudência do STJ estima imprescindível a citação.
Por conseguinte, da fraude contra a execução somente se congitará a partir da data da citação. Neste
sentido proclamou a 4ª Turma do STJ: ‘Para que se configure a fraude de execução, não basta
ajuizamento da demanda, mas a citação válida.’
Ademais, o art. 219, §1°, prevê a retroação ficta ao momento do ajuizamento somente do efeito
interruptivo da prescrição, não dá litispendência...” (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 14. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 300).
400 “O próprio art. 263 do CPC considera proposta ação a partir do momento em que ‘a petição inicial

seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, não havendo motivo plausível a justificar
interpretação diversa na hipótese de fraude de execução.
(...)
164

A expressão “tramitava ação” (art. 792, inc. IV, CPC), assim como a revogada
expressão “corria demanda” (art. 593, inc. II do CPC/73), está somente empregada
no artigo que trata sobre fraude à execução, o que causa divergência interpretativa,
uma vez que o artigo 312 do CPC fala em ação proposta (assim considerada no
momento da distribuição) e o art. 240 do CPC atribui ao ato da citação à litigiosidade
da coisa e a indução a litispendência, mas não a existência da ação.
Não há, assim, uma harmonia nos vocábulos, gerando dúvida com relação ao
que quis dizer o legislador com tramitava ação. Seria a mera propositura da ação,
que já gera efeitos, inclusive nos termos do art. 59 do CPC torna prevento o Juízo,
ou se seria necessário considerar os efeitos com relação ao réu, que somente se dá
com a citação válida?
Embora a corrente majoritária conte com fortes argumentos para ser
considerada pendência de ação somente após a citação válida, não se pode ignorar
a prática forense e muitas vezes a dificuldade imposta pelo réu ou executado para
efetivação da citação, e até mesmo, procedimentos internos dos cartórios que
tornam o ato moroso. Ademais, não se ignora a prática comercial de que o
adquirente quando compra determinados bens extrai certidões em nome do
alienante e pode verificar a existência de ação antes mesmo da formação triangular
do processo401.
Obviamente que existem formas de punir quem se oculta de maneira
proposital e inviabiliza a citação402, mas isto não garante o objetivo do inc. IV do art.
792 do CPC que é a efetividade da tutela jurisdicional. Existem processos que

Outrossim não se pode ignorar que a exigência de citação contrária a própria finalidade da fraude de
execução, de modo que privilegie o adquirente disidioso em detrimento do credor e do Estado.”
(ANDRIGH, Fatima Nancy; GUARIENTO, Daniel Bittencourt. Fraude de execução: o Enunciado 375
da Súmula/STJ e o projeto do novo Código de Processo Civil. In ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM,
Eduardo; BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Monita Bonetti (Coord.).
Execução Civil e Temas Afins do CPC/1973 ao Novo CPC – Estudos em homenagem ao professor
Araken de Assis.São Paulo: Revista dos Tribunais. p. 359).
401 José Maria Câmara Junior chama atenção para o fato de que considerar a citação válida como

marco da fraude à execução protege o devedor que realmente pode desconhecer a existência de
ação contra si, mas deixa de considerar a posição do adquirente que pode perfeitamente pedir
certidões e verificar a existência de ação em nome do alienante. Acrescenta o autor, como se
defende nesse trabalho, que a interpretação jurisprudencial atual de que seria preciso a citação válida
ainda pode prestigiar o devedor que propositadamente furta-se da citação. (CÂMARA JUNIOR, José
Maria. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno
(Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016. p. 1902).
402 “O réu que dificulta a citação opõe resistência injustificada ao desenvolvimento da relação

processual.” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código
de Processo Civil Interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas. 2008. p. 61).
165

demoram meses e as vezes anos para ocorrer uma citação, demora que pode
ocorrer tanto por conduta indevida do réu ou executado, como em decorrência de
procedimento internos de cada cartório, principalmente quando o caso depende de
citação através de oficial de justiça, ambos fatores que fogem a atitudes do
autor/exequente.
Tratar de maneira contundente que para se considerar fraude à execução é
necessário que haja uma citação válida, é em muitos casos, tornar ineficaz os
termos do inc. IV do art. 792 do CPC, obrigando assim o autor, com ação distribuída
e que constatou a insolvência do executado ou réu, a ingressar com ação autônoma
(contrário a economia e celeridade processuais) em vez de alegar incidentalmente.
Trata-se da mesma teleológica do art. 59 do CPC. No CPC/73 o que tornava
o Juízo prevento era a citação válida, então, muitas vezes uma ação distribuída
antes acabava sendo extinta porque outra igual e posterior tinha a citação primeiro.
Aquele que antes agiu se prejudicava. Sem se aprofundar nos problemas que a
separação do art. 219 do CPC/73 nos arts. 240 e 59 do CPC pode trazer na prática,
o fato é que o art. 59 prestigia aquele autor que age primeiro ao distribuir a ação,
independentemente da citação.
Vale ainda mencionar a regra esculpida no art. 185 do Código Tributário
Nacional403, que é acompanhada pela jurisprudência404, assevera que para ser
considerado que a alienação se deu em fraude à execução basta haver inscrição em
dívida ativa, ou seja, sequer ação distribuída é necessário.

403 “Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo,
por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito
como dívida ativa.”
404 STJ - EDcl no AREsp 497776 / RS, relator Humberto Martins, DJe 12/06/2014 - “A Primeira

Seção, no julgamento do REsp 1.141.990/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, submetido ao rito dos
recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), sedimentou o entendimento de que gera presunção absoluta
(jure et de jure) de fraude à execução a simples alienação ou oneração de bens ou rendas pelo
sujeito passivo por quantia inscrita em dívida ativa, sem a reserva de meios para quitação do débito,
destacando-se, no julgado que "a alienação efetivada antes da entrada em vigor da LC n. 118/2005
(09.06.2005) presumia-se em fraude à execução se o negócio jurídico sucedesse a citação válida do
devedor; posteriormente à 09.06.2005, consideram-se fraudulentas as alienações efetuadas pelo
devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa".
3. Assentou-se ainda que a lei especial, qual seja, o Código Tributário Nacional, se sobrepõe ao
regime do direito processual civil, não se aplicando às execuções fiscais o tratamento dispensado
à fraude civil, diante da supremacia do interesse público, já que o recolhimento dos tributos serve à
satisfação das necessidades coletivas.
4. Assim, no que se refere à fraude à execução fiscal, deve ser observado o disposto no art. 185 do
CTN. Antes da alteração da Lei Complementar n. 118/2005, pressupõe-se fraude à execução a
alienação de bens do devedor já citado em execução fiscal. Com a vigência do normativo
complementar, em 8.5.2005, a presunção de fraude ocorre quando já existente a inscrição do débito
em dívida ativa.”
166

De um lado temos que a simples existência de título extrajudicial (CDA) já é


motivo suficiente para a constatação de fraude à execução no campo fiscal 405, e de
outro (casos cíveis) uma rigidez de que não basta a distribuição da ação, mesmo
quando executivas, é necessária a citação válida.
Não existe razão para um tratamento tão diferente para demandas tributárias
e cíveis, e ainda que inexista expressamente esta previsão no Código de Processo
Civil, a interpretação do CPC pode levar a conclusão de que, em alguns casos,
mesmo sem a existência de citação válida é possível considerar a alienação ou
oneração de bem em fraude à execução.
Mas, o mais interessante, é se notar que essa lógica de necessária citação
válida para poder arguir fraude à execução restou completamente invertida no art.
792, §3º, do CPC.

4.3.2.1 - A fraude à execução e a desconsideração da personalidade jurídica

Toda a digressão a respeito das controversas sobre o momento em que a


alienação feita pelo devedor passa a ser considerada como fraude à execução,
predominando ainda nos dias de hoje a citação válida do executado/réu406 como
marco para o conceito de “tramitava ação”, é incompatível com a literalidade do art.
792, §3º, do CPC.
Versa o art. 792, §3o, que “Nos casos de desconsideração da personalidade
jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja
personalidade se pretende desconsiderar.” O referido parágrafo, na sua literalidade,
traz a ideia de que a citação da pessoa jurídica seria o marco para configuração de
fraude à execução praticada por pessoa (sócio) até então estranha ao processo.
Há basicamente 03 interpretações: (i) somente com a citação do sócio no
incidente de desconsideração da personalidade jurídica seria possível dizer que

405 “A fraude à execução fiscal é a mesma fraude de execução do direito processual, revestida de
algumas peculiaridades que visam atender e resguardar os interesses do Fisco.
Essas peculiaridades, do ponto que nos interessa, dizem respeito: a) ao sujeito ativo do ato
fraudulento, pois que, na execução fiscal, a penhora pode incidir sobre bens pertencentes aos sócios;
b) à inscrição do débito, como sendo momento a partir do qual o contribuinte se sujeita a uma relativa
redução na capacidade de disposição de seu patrimônio.” (CAHALI, Yussef Said. Fraudes contra
Credores. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 639).
406 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia

Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1264
167

houve fraude à execução; (ii) a distribuição do incidente de desconsideração da


personalidade jurídica seria o marco; (iii) a citação da pessoa jurídica (literalidade do
art. 792, §3º, do CPC) no processo principal é o marco para configurar a fraude à
execução por ato de alienação do sócio.

4.3.2.1.1 – Citação no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

A interpretação de que somente a partir da citação, no incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, é que seria possível falar em fraude à
execução é a que melhor se adéqua ao que ficou consignado pela jurisprudência.
Coadunando com este posicionamento Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria
Lucia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro, Rogerio Licastro Torres
Mello407, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero408 e
Alexandre Freitas Câmara409.
Alexandre Freitas Câmara destaca que a fraude à execução nada mais é que
o segundo efeito da desconsideração da personalidade jurídica 410 (o primeiro é
atingir o patrimônio dos sócios, o segundo, possibilitar a alegação de fraude à
execução):

Fica claro, assim, que, com a decisão que desconsidera a personalidade


jurídica, haverá uma extensão da responsabilidade patrimonial aos demais
responsáveis pelo cumprimento da obrigação, cujos patrimônios poderão
ser alvo da execução.

407 “O NCPC nada trouxe que tenha o condão de modificar tal entendimento. Pelo contrário, o
disposto no § 3º o reforça, porquanto, pela sua dicção, na hipótese de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução somente se consuma após (sic) a partir da citação da
parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO,
Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro
Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 1265)
Embora os autores repitam a literalidade do §3º do art. 792, CPC, ao dizerem que se segue o que
ficou consignado pela jurisprudência, não se prendem a expressão “cuja a personalidade se pretende
desconsiderar”, interpretando como sendo a citação do sócio.
408 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo

Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 248.
409 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,

Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 436.
410 “O reconhecimento da fraude à execução, mesmo diante do art. 137, não pode ser entendido

como ‘efeito anexo’ da decisão que reconhece a desconsideração.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In
Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.).
São Paulo: Saraiva, 2017. p. 586).
168

Há, porém, um segundo efeito dessa decisão. É que, desconsiderada a


personalidade jurídica, ter-se-ão por ineficazes os atos de alienação ou
oneração de bens praticados pelo sócio (ou pela sociedade, nos casos de
desconsideração inversa) após sua citação para participar do incidente. É o
que estabelece o art. 137, o qual deve ser interpretado de forma harmônica
com o art. 792, § 3.º, segundo o qual “[n]os casos de desconsideração da
personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da
parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. Assim, o momento a
partir do qual se considerará em fraude de execução a alienação ou
oneração de bens pelo sócio (ou pela sociedade, no caso de
desconsideração inversa) não é propriamente o momento da instauração do
incidente (que é, como visto anteriormente, o momento em que proferida a
decisão que o admite), mas o momento da citação do responsável. A partir
daí qualquer ato de alienação ou oneração de seus bens será tida como
fraude à execução se estiverem presentes os requisitos estabelecidos pelo
art. 792 do CPC.411

Marcelo Abelha interpreta a expressão contida ao final do §3º do art. 792 no


mesmo sentido, considerando que é a citação ocorrida no incidente412 que deve ser
considerada como marco, e por isso qualifica a opção do legislador como ingênua:

Com isso se quer dizer, se o exequente não encontrar bens no patrimônio


do executado e requerer a instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica nos termos dos arts. 133 e ss. do CPC, segundo o §
3º supra, a fraude à execução se verificará a partir da citação da pessoa
jurídica nesse incidente.413

Para chegarem a conclusão de que o marco para configuração de fraude à


execução é a citação no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, os
mencionados autores não consideraram a expressão “da parte cuja personalidade
se pretende desconsiderar”, que é o que tem gerado mais polêmica. Isso porque
quem pode ter a personalidade jurídica desconsiderada são somente as pessoas
jurídicas, e por isso há interpretação (item 4.3.2.1.3), de que seria a citação no
processo principal.
Tentando dar coesão ao art. 792, §3º, do CPC, Eduardo Talamini assevera
que a expressão que liga à pessoa jurídica somente se aproveita aos casos de
desconsideração inversa da personalidade jurídica:

411 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 436.
412 Marcelo Abelha considera o marco a citação no incidente, mas ao descrever que a citação seria da

pessoa jurídica apenas traz a situação da desconsideração inversa, pois, no caso da


desconsideração direta citação é dos sócios (art. 135).
413 ABELHA, Marcelo. Manual de Execução Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.111.
169

A disposição do art. 792, § 3º, em sua literalidade, é adequada para o


caso em que a desconsideração é “invertida” – isso é, quando, mediante
a desconsideração da personalidade, se penetra na esfera jurídica d e
uma sociedade para responsabilizá-la por atos de seu sócio (parte
originária do processo). Para esse caso, mesmo se interpretado
literalmente, o dispositivo é razoável: poderão ser considerados em
fraude à execução os atos alienados pela sociedade a partir do momento
em que ela foi citada quanto ao pedido de desconsideração. 414

O critério adotado pelos autores supramencionados é o que melhor mostra


equilíbrio com a atual construção jurisprudencial, no entanto destoa do que esse
trabalho defendeu anteriormente.

4.3.2.1.2 – Instauração do incidente de desconsideração da personalidade


jurídica

Embora não seja este o entendimento dominante, acredita-se que o mais


correto é compreender como marco para configuração de fraude à execução a
simples distribuição da ação, mormente porque nos dias de hoje é cada vez mais
fácil fazer pesquisas (ainda que informais) a respeito da existência de ações em
nome de pretensos alienantes.
O sócio terá processo tramitando contra si (regra geral da fraude à execução
nos termos do art. 792, IV CPC) a partir da distribuição (art. 134, §1º) ou do pedido
dentro do processo principal, e a partir desse momento, qualquer alienação que
venha a fazer e que seja capaz de torná-lo insolvente, deverá ser considerada em
fraude à execução.
Nesse sentido Gilberto Gomes Bruschi:

A interpretação correta, portanto, não deve ser, como pretende o art. 792,
§3º, ou seja, da citação para ação principal, nem da citação daquele que se
pretende responsabilizar para participar do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, e muito menos do acolhimento do incidente como
define equivocadamente, o art. 137,
(...)
Assim, a alienação ou oneração de bens do sócio ocorrer após esse marco
inicial (admissibilidade do incidente e anotação no distribuidor) e dele
resultar frustração da atividade executiva, a fraude à execução estará

414 TALAMINI, Eduardo. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Disponível em:


http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI234997,11049-
Incidente+de+desconsideracao+de+personalidade+juridica. Acesso em 03/09/2017.
170

configurada e o ato será considerado ineficaz em relação ao requerente do


incidente.415

Este posicionamento, embora não seja o majoritário, tem sido aceito pela
jurisprudência, como no caso do julgamento do AgInt no REsp 887139, em que foi
considerada fraude à execução antes da ocorrência de citação válida:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO.


DEVEDORA QUE DOOU TODO O PATRIMÔNIO AO FILHO QUANDO JÁ
AJUIZADA A DEMANDA JUDICIAL CAPAZ DE REDUZI-LA À
INSOLVÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO DE CONSILIUM FRAUDIS.
REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MANTIDA.
RECURSO DESPROVIDO.
1. Não obstante o entendimento de que a alienação ou desfazimento de
bem deva ocorrer após a citação válida do devedor para estar caracterizada
a fraude à execução, no caso concreto o acórdão recorrido considerou que
o só ajuizamento da ação era suficiente para configurar o consilium fraudis.
2. O Tribunal de origem destacou peculiaridades fáticas que permitiram
concluir pela configuração da fraude à execução cometida pela devedora,
tendo em visa a ocorrência de consilium fraudis, bem como o intuito desta
em desfazer-se de todo o patrimônio com nítido propósito de fugir de
cobrança que já era esperada. Independentemente da data da citação,
a devedora, na qualidade de advogada antiga e militante na comarca, tinha
plenas condições de ter conhecimento da demanda, mesmo porque já tinha
ciência da insatisfação dos clientes.
3. A reforma do acórdão recorrido, a fim de modificar a conclusão de que a
devedora doou intencionalmente e de má-fé todo o seu patrimônio quando
já tinha ciência da demanda que ensejaria futura cobrança, exigiria,
necessariamente, o revolvimento do suporte fático-probatório dos autos,
providência vedada em sede de recurso especial, a teor do disposto na
Súmula 7 do STJ.
4. A exegese do artigo 593, II, do CPC/73 de se fixar a citação, como
momento a partir do qual estaria configurada a fraude de execução,
exsurgiu com o nítido objetivo de proteger terceiros adquirentes. No
caso, não há terceiro de boa-fé a ser protegido, havendo elementos nos
autos a indicar que a devedora doou intencionalmente e de má-fé todo o
patrimônio ao próprio filho, quando já tinha ciência da demanda capaz de
reduzi-la à insolvência. 5. Agravo interno não provido. 416

Defende-se, assim, que o marco para configuração da fraude à execução


deve ser a existência de ação distribuída em face do alienante, sendo este critério
aplicado a responsáveis primários (no caso pessoa jurídica) e secundários (sócios).
Espera-se que o posicionamento dos Tribunais seja alterado, mormente diante de
uma realidade de fácil acesso a informações e que não comporta mais a alegação
de que o devedor somente consegue tomar conhecimento que está sendo
demandado após a citação válida.
415 BRUSCHI, Gilberto Gomes. Desconsideração da personalidade jurídica: aspectos processuais. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 178-179.
416 STJ - AgInt no REsp 887139 / RS agravo interno no recurso especial 2006/0203432-6, relator Min.

Raul Araujo, Quarta Turma, data do julgamento 13/06/2017, DJe 27/06/2017.


171

Se por um lado o posicionamento dominante é que é preciso citação válida


do devedor, tem se aceitado a configuração de fraude à execução em relação ao
sócio alienante em um momento em que sequer havia ação distribuída em seu
nome, interpretando-se de maneira rígida o art. 792, §3º do CPC.

4.3.2.1.3 – Citação da pessoa jurídica cuja personalidade irá se desconsiderar

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados sintetizou


no enunciado ENFAM 52 que: “a citação a que se refere o art. 792, §3º, do
CPC/2015 (fraude à execução) é a do executado originário, e não aquela prevista no
incidente de desconsideração da personalidade jurídica.”, havendo respeitáveis
posicionamentos doutrinários coadunando417.
Destaca-se o posicionamento de Sergio Shimura:

Se o juiz acolher o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, a


transferência ou oneração de bens constitui fraude à execução (art. 137).
Quando da citação da executada (pessoa jurídica, cuja personalidade se
pretende desconsiderar) é bem possível que o sócio já tenha plena ciência
da demanda.
Em razão disso, o CPC/2015 estabelece que a fraude à execução se
verifica a partir da citação da “devedora” (pessoa jurídica executada), e não
da citação do sócio no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica. Aqui os efeitos do reconhecimento da fraude à execução retroagem
à data da citação ocorrida nos autos principais (e não na citação do
incidente procedimental).
A lei presume que, quando da primeira citação, o sócio já está ciente da
ação, passando, então, a alterar e dissipar seu patrimônio pessoal. 418

417 “Parece-nos que o legislador estabeleceu que tal marco seria a citação ´da parte cuja a
personalidade se pretende desconsiderar´ é a pessoa jurídica na desconsideração ´usual´ e o sócio
na desconsideração inversa. Veja, embora tal previsão seja passível de críticas e possa ser taxada de
‘enérgica’, é a pessoa jurídica na desconsideração usual, que terá a sua ´personalidade
desconsiderada´ e não o contrário.” (PEREZ, Marcela Melo. Incidente de desconsideração da
personalidade jurídica e a fraude a execução no NCPC. In http://mulheresnoprocessocivil.com.br/o-
incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-a-fraude-a-execucao-no-ncpc.html. Acesso
em 10/11/2017.
Cassio Scarpinella Bueno, embora considere que o marco seria a citação no processo principal,
acrescenta que seria preciso verificar caso a caso a existência de terceiros de boa-fé. (BUENO,
Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de Processo
Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 586.
SHIMURA, Sergio. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord). Comentários ao Código de Processo Civil.
Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 563.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil
Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 280.
418 SHIMURA, Sergio. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord). Comentários ao Código de Processo

Civil. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 563.


172

Flavio Luiz Yarshell analisa as razões pelas quais deve ter sido criada a
redação do art. 792, §3º, dizendo que faz sentido, no entanto, crítica a escolha
legislativa:

A solução adotada pode até ser coerente quando considera o fenômeno


interno da desconsideração. Contudo, ela foi infeliz porque não levou em
conta a repercussão que isso pode ter perante terceiros e, portanto, para a
segurança das relações negociais. É que, tendo em vista que a
desconsideração pode ser requerida em diferentes momentos do processo,
parece ser temerário dizer que, desde a citação da sociedade, as
alienações de bens pelos sócios estariam sujeitas à fraude de execução.419

Avaliando a pragmática, é coesa a redação do art. 792, §3º, do CPC, na


medida em que poderá acontecer de o sócio que vislumbrar a possibilidade de ser
responsabilizado de maneira secundária alienar seu patrimônio antes da instauração
do incidente de desconsideração da personalidade jurídica. No entanto, a
interpretação de que desde a citação da pessoa jurídica no processo principal, as
alienações feitas pelos sócios já podem ser consideradas como em fraude à
execução, é diversa da construção a respeito do instituto processual de repressão e
a finalidade precípua de proteger terceiros.
Arlete Inês Aurelli420, criticando a oscilação do posicionamento dos Tribunais
a respeito da fraude à execução, assevera que essa instabilidade cria um caos
jurídico em “uma verdadeira manifestação de ´dois pesos e duas medidas´”. É o que
se pode dizer que acontece com o dies quo da fraude à execução. Para ser
considerado fraude à execução em situações regulares é preciso a citação válida do
devedor alienante, mas quando se trata de desconsideração da personalidade
jurídica, mesmo sem existir processo contra o sócio, a venda que vier a fazer poderá
ser considerada em fraude à execução. Há nessa situação dois pesos e duas
medidas.
Esse posicionamento também se mostra contrário à ideia de responsabilidade
secundária (o sócio nunca será devedor), e principalmente o atributo da
personalidade jurídica que se retira, exclusivamente, a autonomia patrimonial.

419 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (coord.). Comentários
ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 249.
420 AURELLI, Arlete Inês. A evolução da fraude à execução na jurisprudência do STJ. In. GALLOTTI,

Isabel; DANTAS, Bruno; FREIRE, Alexandre; GAJARDONI, Fernando da Fonseca; MEDINA, José
Miguel Garcia Medina (Coord.). O papel da jurisprudência no STJ. São Paulo: Revista dos Tribunais.
2014. p. 872.
173

Considerar que o sócio será alcançado pela citação da pessoa jurídica é ir de


encontro com o que se defende nesse trabalho que é a autonomia da pessoa
jurídica.
Com a desconsideração da personalidade jurídica os sócios não devem ser
vistos como os reais realizadores dos atos da pessoa jurídica, sendo apenas
responsáveis secundários. Dessa forma, não se pode aceitar que a citação em nome
da pessoa jurídica foi, na realidade, feita em nome dos sócios, justificativa legal para
aceitar o marco da fraude à execução contido na literalidade do art. 792, §3º, do
CPC.
O processo principal não tem o sócio como réu, por isso os efeitos que
produz, como alegação de fraude à execução (conceito de “tramitava ação”), não
podem se estender ao sócio. Esses efeitos somente se estenderão ao sócio a partir
do momento em que passar a ser réu em outra demanda421, que inclusive não
precisa ser exatamente o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Mesmo com todas as justificativas práticas que possam existir para estender
os efeitos da citação da pessoa jurídica aos sócios que tiverem pedido de
desconsideração da personalidade jurídica, não deve prevalecer a interpretação
estritamente literal do art. 792, §3º.
Conforme Geraldo Ataliba422 interpretação literal não é interpretação, e no
entendimento de Maria Helena Diniz423 a interpretação deve repousar sobre todo
ordenamento jurídico.

421 Frisa-se que não é ser réu em qualquer demanda, mas demanda capaz de torná-lo insolvente (art.
792, IV CPC).
Por exemplo, no Recurso Especial 1.015.459/SP foi desconsiderado como marco para fraude à
execução existência de ação de interdição em face do alienante: “A pendência de processo de
interdição ajuizado contra o alienante é fato que, por si só, não induz à existência de fraude de
execução, pois não se busca, com tal medida judicial, a satisfação de crédito, mas, sim, a alteração
da capacidade do interditando. Recurso Especial improvido.” (STJ - REsp 1015459/SP, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/05/2009, DJe 29/05/2009).
422 "A chamada interpretação literal não é interpretação. É pressuposto da interpretação, pois é lendo

que o intérprete se aproxima do texto, para - desenvolvendo acurada atividade científica - desvendar
o conteúdo, sentido e alcance das normas contidas nos textos" (ATALIBA, Geraldo. Instituições de
direito público e república. São Paulo, 1984. p. 142).
423 “Na interpretação, em busca do real significado da norma a ser aplicada a um dado caso concreto,

será preciso repensá-la na perspectiva de uma noção integral do ordenamento jurídico. A correlação
fato, valor e norma é da própria essência do direito, para que, a tarefa interpretativa, se possa revelar
o real conteúdo da norma, tornando efetiva a intentio legis. Não se poderá desconhecer as relações
do texto legal com o seu contexto. Há parâmetros de razoabilidade tanto na leitura da disposição
normativa como na de seu contexto, traçando limites do plausível. Tais limites serão impostos pelos
princípios constitucionais, normas de valor genérico, que têm função argumentativa, pois permitirão
revelar o ratio da norma e buscar a justiça, abandonando a velha e retrógrada parêmia dura lex sede
lex. Isto é assim, por serem tais princípios guias seguros da atividade de aplicação jurídica e ideias
174

Analisando o ordenamento jurídico, a concepção de pessoa jurídica, o que é


responsabilidade secundária e quando um processo é considerado como existente,
não há como estender os efeitos da citação da pessoa jurídica as pessoas que
forem atingidas pela desconsideração da personalidade jurídica.
De toda sorte, não se ignora o problema prático, em que o sócio que
vislumbrar ser responsabilizado de maneira secundária, poderá dilapidar seu
patrimônio, sendo o mecanismo repressivo (fraude contra credores) de intrincada
efetividade. Veja-se, se em casos regulares de possível alegação de fraude contra
credores há dificuldades na demonstração do elemento subjetivo (consilium fraudis)
e há discussão a respeito do marco para possível alegação, em situação
excepcional (a regra é de independência da pessoa jurídica em relação aos sócios)
a dificuldade é ainda maior424. Eis a necessidade de se permitir a instauração do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica em um momento que
inexiste crédito (fase de conhecimento).
Se somente houvesse autorização legal para instaurar o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica na fase de cumprimento de sentença,
que é o que realmente faz sentido dada a característica de responsabilidade
secundária dos sócios, o marco para configuração da fraude à execução ficaria
complicado.
Isso porque entre a instauração do processo de conhecimento e o início da
fase de cumprimento pode levar anos, e durante esses anos o sócio não seria
devedor, nem tampouco parte em processo (impossível alegação de fraude à
execução).
No entanto, ao se possibilitar a instauração do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica a qualquer tempo, inclusive em inicial de processo de
conhecimento, possibilita-se desde o começo da ação em face da pessoa jurídica

basilares da lei a ser aplicada além de esclarecerem o sentido e conteúdo da norma em sintonia com
os valores vigentes na sociedade.” (DINIZ, Maria Helena. A complexidade do autêntico ato
interpretativo. In GONZAGA, Álvaro Azevedo; GONÇALVES, Antonio Baptista (Coord.). (Re)
Pensando o Direito - Estudos em homenagem ao Prof. Claudio de Cicco. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2010. p. 229-230).
424 Há inclusive dificuldade de um encaixe perfeito na descrição do que seria fraude contra credores.

Versa o art. 158, § 2º, do CC, que: "Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem
pleitear a anulação deles", e, como visto nesse trabalho, somente se pode dizer que o credor da
pessoa jurídica passa a ser “credor” do sócio após a desconsideração da personalidade jurídica
que é exceção a autonomia patrimonial.
175

que o sócio venha a ser parte em um processo (o incidente de desconsideração da


personalidade jurídica), e torna possível a alegação de fraude à execução.
Nota-se, assim, que a Lei não deixou o credor desamparado de possível
alegação de fraude à execução em relação ao sócio, que poderá vir a ser parte em
processo antes mesmo de nascer a responsabilidade primária.
Relegar ao campo das provas425 a apuração se o terceiro que adquire bem de
sócio de pessoa jurídica que tiver a personalidade jurídica desconsiderada é de boa-
fé ou não, considerando a construção jurisprudencial (súmula 375 do STJ), levará o
instituto a inocuidade. Para ser considerado terceiro adquirente de má-fé é preciso
que se demonstre que não foram tomados os cuidados necessários nos momentos
da aquisição dos bens, que, em suma, é extrair certidões nos cartórios (no local do
bem e no local de residência do alienante426). Inexistindo incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, aquele sócio não terá demanda contra
si, e, portanto, não haverá certidões em seu nome. Outrossim, não se mostra
razoável obrigar o terceiro a extrair certidões não só do alienante, mas de todas as
pessoas jurídicas da qual faz parte.
Portanto, acabarão os adquirentes, em sua maioria, sempre sendo
considerados terceiros de boa-fé. Nenhuma finalidade prática há, portanto, em
considerar como marco para alegação de fraude à execução a citação da empresa
no processo principal.
Mas, considerando que a fraude à execução somente poderá ser alegada
quando existir ação em face do responsável secundário capaz de levá-lo a

425 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 586.
426 “(...) 5. Destaca-se que a presunção de fraude à execução quando a alienação do bem do

devedor ocorre após a citação é relativa, ou seja, admite prova em contrário, sendo invertida pelo
adquirente que comprova que agiu com boa-fé na aquisição do bem, mediante a apresentação
de certidões pertinentes ao local onde se situa o imóvel, além de demonstrar desconhecer a
existência da Execução Fiscal ou da inscrição em dívida ativa em desfavor do alienante. Cabe, nestas
hipóteses, ao credor demonstrar o consilium fraudis, a culpa ou a má-fé por ocasião da alienação do
bem.” (STJ - EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1225829/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 22/02/2017).
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. ACÓRDÃO
RECORRIDO QUE SE AFINA À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. FRAUDE À
EXECUÇÃO. S. 375/STJ. BOA-FÉ DO ADQUIRENTE DEMONSTRADA COM A APRESENTAÇÃO
DE CERTIDÕES DE DISTRIBUIÇÃO OBTIDAS NO DOMICÍLIO DA ALIENANTE E NO LOCAL DO
IMÓVEL. (...) - Está demonstrada a boa-fé do terceiro adquirente quando este junta aos autos
certidões de distribuição cível e de protestos obtidas no domicílio da alienante e no local do imóvel.
Não se pode exigir que o adquirente tenha conhecimento de ações ajuizadas em outras comarcas.”
(STJ - REsp 1015459/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/05/2009, DJe
29/05/2009).
176

insolvência, quanto antes o credor (ou autor no caso da ação em fase de


conhecimento) tomar providências, mais assegurado estará de que receberá seu
crédito.
Nasce, indubitavelmente, o interesse de agir em obter decisão que
responsabiliza o sócio de maneira secundária quando ainda não existe a
responsabilidade primária. Se o autor deixar somente para a fase de cumprimento
de sentença a tentativa de responsabilização secundária do sócio, terá deixado em
aberto um espaço em que não será possível alegar fraude à execução.
Portanto, assim que forem verificados atos de abuso da personalidade jurídica
deve o autor tomar providências, pois ainda que não seja sequer responsável
primário, deve garantir a efetividade de medida repressiva (fraude à execução) em
caso de desconsideração da personalidade jurídica.
A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na
fase de conhecimento é mais que uma opção, é medida necessária para possibilitar
futura alegação de fraude à execução.
177

CAPÍTULO 5 – A INTERPOSIÇÃO DO INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA NAS DIVERSAS ETAPAS DA FASE DE
CONHECIMENTO

Consagrando-se a necessidade de instauração do incidente de


desconsideração da personalidade jurídica em momento que inexiste crédito, passa-
se a tratar como deve se desenvolver este incidente.
A ideia de criar um processo incidental para discutir a desconsideração da
personalidade jurídica não é somente para garantir o contraditório, afinal, é possível
essa garantia no bojo dos autos principais427, mas também para possibilitar uma
maior organização428, evitando-se misturar os argumentos e provas do processo
principal com do processo incidental de desconsideração, notadamente diversos.
No entanto, o Código de Processo Civil não trouxe dessa forma e é possível
tanto tratar da desconsideração da personalidade jurídica de maneira interna, como
externa, o que, além de questão de organização e impropriedade de nomenclatura,
ainda traz problemas práticos na medida em que o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, assim compreendido como externo, suspende o andamento
do processo principal e, o pedido de desconsideração da personalidade jurídico
realizado na inicial (interno) não (art. 134, §3º).
Outro ponto refere-se ao § 2o do art. 134 do CPC que menciona “petição
inicial” dando um tratamento distinto entre a execução de título extrajudicial429, que
se inaugura com uma petição inicial, e a execução de título judicial que é a

427 “De fato a formação de processo autônomo não é requisito para o exercício de direito de ação. Há
casos frequentes no processo civil brasileiro de formação de incidentes processuais que veiculem
direito de ação, como a reconvenção, a ação declaratória incidental, a denunciação da lide e o
incidente de arguição de falsidade documental.” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real;
BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO. Rita Dias. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da
personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
p. 159).
428 Cassio Scarpinella Bueno classifica como curiosa a opção legislativa de mitigar a instauração do

incidente quando o pedido for feito na petição inicial. (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio
Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo:
Saraiva, 2017. p. 576).
429 Luiz Henrique Volpe Camargo interpreta petição inicial como sendo exclusivamente o pedido no

processo de conhecimento: “Há duas forma de buscar a desconsideração da personalidade jurídica:


primeira, por meio de cumulação de tal pedido com o pedido principal já na petição inicial na fase de
conhecimento (art. 134, §2º), segunda, por meio de ação incidental em qualquer momento da fase de
conhecimento ou fase de cumprimento de sentença, ou, também durante a execução fundada em
título extrajudicial (art. 134, caput).” (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo;
CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 235).
178

continuidade de um processo já iniciado, em que já existiu uma petição inicial. De


toda sorte, ainda que instigante a temática, foge ao objeto de estudo o qual, ao
menos nesse ponto comporta menos polêmica, pois no processo de conhecimento,
assim compreendido como a fase de cognição, a petição inicial é o ato que inaugura
o processo (art. 312 CPC).
Portanto, quando na petição inicial já constar o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica será dispensada a instauração de um processo incidental.
Se por um lado não há grandes discussões acerca da formação do incidente,
que somente será dispensada se o pedido de desconsideração da personalidade
jurídica vier na petição inicial430, a amplitude com que o Código de Processo Civil
trata dessa possibilidade no processo de conhecimento, “qualquer fase” requer mais
atenção, como já fora tratado em outros momentos nesse trabalho.
Reitera-se o foco no presente trabalho que exclui o momento de execução
(em sentido lato), adotando-se posicionamento de que o que quis dizer o legislador
com “todas as fases do processo de conhecimento” foi abarcar da inicial ao trânsito
em julgado. Veja-se que a fase de conhecimento é extremamente ampla, passando
pela primeira e segunda instâncias, podendo chegar aos Tribunais Superiores.
Não há qualquer pormenor, no capítulo IV do título que trata das intervenções
de terceiro, de como será o desenvolvimento deste processo incidental durante toda
a fase de conhecimento. Não se especifica se acompanhará o processo principal ou
não.
Mais adiante, na parte especial do Código de Processo Civil consta o art. 932,
VI, do CPC, que atribui incumbência ao relator no caso de instauração do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica diretamente no Tribunal (art. 932, VI,
do CPC), mas o que poderia ser uma solução a omissão contida nos arts. 133 e
seguintes, não é, isso porque nada se menciona a respeito da fase de conhecimento
em que o processo poderá estar em grau de recursos destinados aos Tribunais
Superiores.

430Reforça-se que, como exposto anteriormente, acredita-se que por uma questão de organização
essa não é a melhor forma de desenvolver o contraditório a respeito da desconsideração da
personalidade jurídica, no entanto é desta maneira que consta na Lei.
179

Passa-se a analisar os diversos momentos em que o incidente de


desconsideração da personalidade jurídica poderá ser requerido durante fase de
conhecimento.

5.1 – A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Como outrora mencionado, o incidente de desconsideração da personalidade


jurídica não pode ser instaurado de ofício, sendo primordial provocação da parte ou
do Ministério Público.
Vale dizer que, em que pese constar expressamente no caput do art. 133 da
necessidade de iniciativa da parte, há posicionamentos de que poderá haver
atuação de ofício, como de Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talami 431 e Luiz
Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero432. Joseane Suzart
Lopes da Silva433 defende a possibilidade instauração de oficio especificamente nos
casos de consumidor.
No entanto, predomina-se o posicionamento de que é preciso haver
provocação das partes434, até mesmo em situações que envolvem interesses de
hipossuficientes435.

431 Os autores, mesmo reconhecendo a natureza de ação do incidente, asseveram que seria exceção
ao princípio do dispositivo e da limitação de cognição do juiz aos termos do pedido da parte: “O
incidente de desconsideração pode ser requerido pela parte interessada pelo Ministério Público, (nos
processos em que ele participa) ou determinado de ofício pelo juiz. Quando pleiteada pelo Ministério
Público, deve-se antes ouvir a parte que em tese teria interesse na desconsideração (normalmente o
autor da ação principal).
(...)
Trata-se de uma ação incidental (...) pela qual se pretende a desconstituição da eficácia da
personalidade de uma pessoa jurídica , para o fim de atingir o patrimônio dela (...) Mesmo quando
instaurado de ofício pelo juiz, é também esse o objeto do incidente – de modo que se tem na
hipótese, uma exceção ao princípio de que uma tutela jurisdicional não será outorgada senão
mediante pedido das partes legitimadas (art. 2º e 492 do CPC/2015).” (TALAMINI, Eduardo;
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. 16. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 374).
432 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo

Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 269.
433 SILVA, Joseane Suzart Lopes da. O Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica no

Novo CPC e a Efetiva Proteção dos Consumidores. In Revista de Direito do Consumidor. Vol. 113.
Set-out. 2017. p. 213-248.
434 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil no CPC/15. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2017. p. 112.


435 Os juízes do trabalho Fernanda Antunes Marques e Leonardo de Moura Landulfo Jorge, mesmo

reconhecendo que o processo do trabalho as vezes se mitiga o princípio do dispositivo, no caso do


incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser respeitado: “Acrescente-se ainda o
fato de que o processo civil é regido pelo princípio do dispositivo, ao passo que, no âmbito do
processo laboral, essa mesma proposição revela-se por deveras mitigada, tanto que a execução pode
ser promovida de ofício, sem necessidade de requerimento prévio da parte (...) Isso significa que a
180

Assim, uma vez a parte desejando desconsiderar a personalidade jurídica, irá


intentar com o incidente, que, como todo e qualquer direito de ação pode ser extinto
sem julgamento do mérito se verificado que inexistem requisitos mínimos que
demonstrem o interesse de agir436.
Não se trata de negativa de instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, mas de extinção sem julgamento do mérito nos termos do art.
485, VI do CPC, cabendo dessa decisão recurso de agravo de instrumento (art.
1.015, IV do CPC). Dizer que seria possível negar a instauração é o mesmo que
negar o direito de ação.
Conclusão diversa implicaria em desequilíbrio nos tratamentos de um mesmo
instituto através de critério alienígena, em que se leva em consideração a
localização do pedido (interno ou externo). No pedido de desconsideração da
personalidade jurídica realizado na petição inicial, dispensa-se a formação de
incidente (assim considerando o continente – art. 134, §2º), e o que acontece é que
no ato da distribuição no processo principal os sócios constarão no distribuidor como
litisconsortes da pessoa jurídica. Portanto, antes mesmo de qualquer decisão
aceitando ou não a instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica437 os sócios constarão como partes. Publicamente o incidente estará
instaurado.
Vale dizer que a situação acima descrita não é a mais técnica e o ideal seria
que no momento da distribuição constasse partes na ação principal e partes no
processo incidental438. O autor que insere o sócio no polo passivo sabe que aquela

instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser requerida pela parte,
em petição fundamentada, ou pelo Ministério Público do Trabalho, nas hipóteses que justificam sua
intervenção.” (JORGE, Leonardo de Moura Landulfo; JUNQUEIRA, Fernanda Antunes Marques. O
incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a sua aplicabilidade no âmbito da
processualística do trabalho: uma breve incursão a respeito das teorias subjetiva e objetiva. In
Revista de Direito do Trabalho Vol. 171. São Paulo: Revista do Tribunais. Set-out. 2016. p. 35 – 56).
436 “DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INCIDENTE. PROCESSAMENTO. 1. O

juízo não é obrigado a processar incidente de desconsideração da personalidade jurídica se não


existirem indícios mínimos da utilização da personalidade de forma abusiva ou fraudulenta. 2. A mera
oposição do incidente não obriga seu processamento e citação do sócio da empresa devedora. 3. O
contraditório só é necessário se houver indícios mínimos de abuso. No caso, a parte sequer rebateu
os fundamentos da extinção do incidente. Além disso, deixou de descrever qualquer conduta capaz
de esclarecer as razões pelas quais exigiria a abertura desse pedido. 4. Recurso não provido.” (TJSP
- Agravo de Instrumento 2022677-97.2017.8.26.0000; Relator (a): Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª
Câmara de Direito Privado; Foro de Santos - 3ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 29/03/2017; Data de
Registro: 29/03/2017).
437 Melhor dizendo extinguindo ou não o incidente através de decisão parcial de mérito.
438 Essa situação é verificável em qualquer caso de litisconsórcio simples. Distribuída ação com

cumulação de pedidos e de partes, constará como sendo pertencentes ao polo passivo todos réus,
181

posição se dá em relação ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica,


e se não houver qualquer ressalva sobre o pedido de desconsideração o processo
deverá ser extinto sem julgamento do mérito em relação aos sócios por ilegitimidade
(art. 485, VI do CPC).
Em contrapartida, o § 1º do art. 134 fala em comunicação ao cartório
distribuidor da instauração, e que pode ser interpretado como o efetivo
prosseguimento do incidente. Nesse sentido Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria
Lucia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva e Rogerio Licastro Torres de Mello:

O parágrafo primeiro estabelece a necessidade de que a instauração do


incidente seja comunicada ao distribuidor. Aqui, o que se quer dizer é que
deve ser anotado no distribuidor o incidente efetivamente instaurado e não
aquele cuja instauração foi simplesmente pleiteada. Isto porque ao juiz cabe
verificar se estão presentes os pressupostos de instauração, o que envolve,
no nosso entender, a convicção não exauriente no sentido da plausibilidade
das alegações de quem o suscita. Neste caso, admitido o incidente – ou
seja, efetivamente instaurado, é que se deve comunicar ao distribuidor, com
todos os dados do processo em que foi suscitado. 439

E igual forma Alexandre Freitas Câmara:

Impende determinar, em primeiro lugar, qual o momento em que se deve


considerar instaurado o incidente. É que poderia parecer, numa
interpretação apressada, que bastaria a parte (ou o Ministério Público)
peticionar requerendo a instauração do incidente que já se poderia
considerar o mesmo instaurado. Assim não é, porém. Como se verá no
comentário ao § 4.º deste artigo, a petição pela qual se requer a instauração
do incidente precisará necessariamente preencher alguns requisitos. Assim,
vindo a petição a juízo, deverá ser realizado um juízo de sua admissibilidade
e, caso seja o mesmo negativo, não se instaurará o incidente.
Assim, deve-se considerar instaurado o incidente apenas a partir do
momento em que se profira decisão admitindo-o. Neste pronunciamento,
então, incumbirá ao juiz determinar a expedição de ofício dirigido ao
distribuidor, para que ali promova as necessárias anotações. 440

No entanto, ligar a situação do art. 134, §1º, a necessária manifestação do


juiz, além de causar desequilíbrio em relação a situação do art. 134, §2º, também vai

sem pormenorizar o que é requerido de cada um, havendo um valor da causa global. Por exemplo, se
em um determinado processo há a cobrança total de R$ 100.000,00 (cem mil reais), mas há 2 réus, e
de um deles somente está sendo cobrado R$ 10.000,00 (dez mil reais), publicamente constará como
tramitando ação de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para ambos.
439 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia

Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 256-287.
440 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,

Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 457.
182

de encontro com a natureza de demanda do incidente. A simples distribuição de


uma ação, independentemente de qualquer recebimento, por mais absurda que seja,
constará como distribuída (art. 59 do CPC). O mesmo ocorre com todas as outras
situações de intervenção de terceiros, as quais provocam imediata comunicação ao
distribuidor (art. 286, parágrafo único441).
Assim, se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem
natureza de ação, e está posicionado como uma intervenção de terceiro, não há
como condicionar a anotação no distribuidor a efetiva instauração.
Vale dizer que a palavra instauração está mal colocada, o melhor seria dizer a
distribuição ou apresentação do incidente. No entanto, em que pese a imprecisão
terminológica, não deve haver interpretação como se houvesse necessidade de uma
prévia manifestação do juiz aceitando ou não dar prosseguimento ao incidente, pois
além das razões acima imprimidas, há impacto prático em relação ao marco para
configurar fraude à execução.
Imagine-se a situação em que o autor requer a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica e lhe é negado, o autor então recorre
(art. 1.015, IV do CPC) e tem seu recurso provido. Pode acontecer de nesse interim
(entre o ingresso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica e a
decisão do Tribunal) o sócio dilapidar seu patrimônio, e então o autor ficará relegado
a via da fraude contra credores, que dificilmente encontra-se êxito em razão dos
rígidos requisitos. O autor não poderá alegar fraude à execução, pois não constava
no distribuidor a existência de ação em face daquele sócio.
Para Cassio Scarpinella Bueno o simples pedido do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica já gera anotação no distribuidor:

É correto interpretar o dispositivo no sentido de que as anotações devidas,


seguidas da imediata comunicação ao distribuidor, não dependem do
recebimento do incidente, é dizer, do proferimento do juízo positivo de
admissibilidade relativo ao seu processamento, mas menos que isso, de tão
só formulação de pedido de que ele seja instaurado. Basta o pedido.
(...)
Se, a despeito do pedido, o incidente não for admitido, ainda que
liminarmente, ou se admitido, acabar sendo rejeitado após regular instrução,
se haverá interposição de recurso numa ou noutra hipótese, tudo isso não
deve interferir na comunicação ao distribuidor e, tampouco, na realização
das respectivas anotações. É o que ocorre também com a distribuição de

441“Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:


Parágrafo único. Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação
objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.”
183

qualquer petição inicial, não se podendo confundir eventual litigância de má-


fé (mesmo que por parte de algum sedizente credor) com os cuidados que
devem permear todo o ato processual inclusive para preservar interesses e
direitos de boa-fé. Máxime diante da regra do art. 137 conjugada com a do
§3º do art. 792.442

Desta forma, quando houver pedido de desconsideração da personalidade


jurídica deve haver imediata comunicação ao distribuidor, independentemente de ser
dado prosseguimento ou não ao incidente.
Aceita a instauração do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, ou seja, sem a ocorrência de extinção sem julgamento do mérito, ocorrerá o
que acontece em todo e qualquer processo: despacho determinando a citação dos
sócios. A partir de então o incidente de desconsideração da personalidade jurídica
se desenvolverá com instrução probatória, possibilidade de intervenção de terceiros,
até que seja decidido.
Mas, antes de se tratar como se desenvolve esse incidente nas mais diversas
etapas da fase de conhecimento, é preciso analisar a disposição contida no art. 134,
§3º, do CPC que versa sobre a suspensão do processo.

5.2 – A suspensão ou não do processo principal

Versa o §3º do art. 134 que “a instauração do incidente suspenderá o


processo, salvo na hipótese do § 2o”, ou seja, somente no caso de o pedido ser
externo é que o processo ficaria suspenso.
Não parece haver lógica em suspender o processo principal se o pedido for
incidental (externo) e não suspender se for interina. Não há qualquer critério que
autorize tratamentos distintos para situações idênticas (pedidos de desconsideração
da personalidade jurídica). O objeto material é o mesmo, os requisitos são os
mesmos (presente em lei material), apenas se alterando a localização: interno ou
externo.
Elpídio Donizetti defende que a suspensão somente se aplica aos casos da
instauração externa, porque, se requerido na inicial, o sócio já estaria presente
desde o início não sendo prejudicado pela formação da coisa julgada:

442BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de


Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017.p. 576.
184

A instauração de desconsideração implica suspensão do processo, salvo


quando requerida na petição inicial, hipótese em que o sócio ou a sociedade
serão citados para responder ao incidente no prazo para defesa. Suspenso
o processo, fica resguardada ao juiz a prerrogativa de determinar atos
urgentes (art. 314). Frise-se, ainda, que, independentemente de suspensão,
o incidente deve ser decidido antes do mérito, uma vez que o seu resultado
pode inserir novos réus no processo, os quais terão suas garantias
processuais violadas se contra eles incidir decisão prolatada
anteriormente.443

Ocorre que a desconsideração da personalidade jurídica visa responsabilizar


patrimonialmente o sócio de maneira secundária, tanto que é permitida em
momentos processuais (processo de execução e cumprimento de sentença) em que
já existe um título formado. Desta forma, não comporta a escusa de que seria
preciso suspender o processo para evitar que atos sejam realizados sem a presença
de um pretenso réu, pois, a responsabilidade patrimonial é exatamente exceção aos
limites subjetivos da coisa julgada.
Muito menos lógica tem em suspender todo um processo de conhecimento
para se apurar fato que não tem relação com a cognição principal444, decorrência da
própria característica de processo incidental445. A causa de pedir do processo
principal é uma, e do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ainda
que com ligação, é outra e sem relação de prejudicialidade446.
Cassio Scarpinella Bueno mostra-se contrário a completa suspensão do
processo principal:

443 DONIZETTI, Elpídio. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017. p.
119.
444 “Na hipótese de a demanda incidental ser proposta no curso do processo de conhecimento (como

faculta do art. 134, caput), não há nenhum sentido em suspender a instrução da demanda principal
para que se promova a do “incidente”. Por vezes, inclusive, o trabalho pode ser realizado
conjuntamente (identificação contábil do valor devido e análise de contas não contabilizadas).”
(VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 166).
445 Percebe-se que nas situações de suspensão do art. 313 do CPC há relação de dependência. Por

exemplo, quando há alegação de suspeição (art. 313, III, do CPC), que como visto anteriormente é
incidente processual e não processo incidental, não é possível decidir o processo antes de resolvido
o incidente, por isso suspende-se. Igualmente ocorre nas situações de prejudicialidade externa, art.
313, V, do CPC.
446 “A acessoriedade da demanda incidental em relação à principal, como exposto, somente terá

efeitos práticos depois de reconhecida a desconsideração e da consequente inclusão do demandado


como litisconsorte no processo principal. Vale dizer, até seu desfecho final, a demanda incidental terá
trâmite descolado da principal, instrução independente, a demonstrar autonomia procedimental” e
completa o autor: “No caso da demanda incidental de desconsideração, não há uma relação lógica.
Discutem-se autonomamente os critérios de desconsideração que podem levar à extensão
patrimonial. O objeto da lei, ao que parece e salvo melhor juízo, é deixar o réu da demanda incidental
indene de atos executivos e potencialmente prejudiciais à sua esfera patrimonial, até que haja
(eventual) eventual atribuição de responsabilidade patrimonial.” (VIEIRA, Christian Garcia.
Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 160 e 167).
185

A regra do §3º do art. 134, embora seja harmônica com a genérica previsão
do art. 313, VIII, deve ser interpretada de maneira a não comprometer o
andamento do processo em face da parte original e, se for o caso, da
prática de atos executivo contra o seu patrimônio sem prejuízo da
instauração e desenvolvimento do incidente. Também não há como
entender que a suspensão do processo determinada pelo dispositivo em
referência inviabiliza o regular desenvolvimento do próprio incidente. 447

Já Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier consideram que o processo


principal deverá ser suspenso enquanto não decidido o incidente:

Instaura-se o incidente específico, que suspende o resto do processo até


ser decidido, no qual a pessoa jurídica que será afetada pela
desconsideração será citada448, para poder defender-se. Julgada
procedente a demanda da desconsideração objeto do incidente, a ação
principal será retomada e poderá atingir a esfera jurídica da pessoa atingida
pela desconsideração (como se fosse a própria esfera jurídica da parte
original). Se a demanda da desconsideração for rejeitada a ação principal
prosseguirá podendo apenas atingir e vincular diretamente esfera jurídica
das pessoas originárias.449

De igual maneira Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Junior pela
suspensão do processo principal:

Também em atenção à boa lógica, não se pode fazer com que o processo
siga enquanto o incidente está sendo instaurado. Isso porque o polo passivo
da relação jurídica será modificado para dele fazer constar os sócios e
administradores. E, evidentemente é desnecessário cogitar de suspensão
do processo se o pedido é feito já na petição inicial. 450:

O que de fato deve acontecer, e talvez tenha sido essa a intenção do


legislador, é que durante o trâmite do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, aquele que terá o patrimônio invadido em caso de
procedência do processo incidental, não deve ser considerado parte no processo
original. O processo principal ficará suspenso em relação ao sócio451.

447 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 577.
448 Os autores descrevem a situação da desconsideração inversa, pois no caso da desconsideração

da personalidade jurídica direta, quem é citado são os sócios.


449 TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Teoria Geral

do Processo. 16. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p.373-374.
450 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado.

13. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016. p. 626.


451 “Não nos parece acertado suspender-se todo o processo, em razão da instauração do incidente.

Mais adequado cingir-se eventual suspensão à questão da desconsideração - nada impedindo a


prática de outros atos executivos.” (MEDINA, José Miguel. Novo Código de Processo Civil
comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 5. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2015. p. 227).
186

Ainda que sem a melhor técnica no uso do vocabulário, uma vez que como
assevera José Carlos Barbosa Moreira452 quando trata sobre o efeito suspensivo, é
indevido dizer que se suspende algo que sequer gerou efeitos 453, compreende-se o
significado empregado. “Suspender” o processo em relação ao sócio faz sentido
porque somente passará a responder com o patrimônio quando houver a
procedência do incidente de desconsideração da personalidade jurídica 454. Então o
processo principal fica “suspenso” tão somente em relação a quem se busca a
responsabilização secundária.
Em verdade, como mencionado, nada se suspende, porque aquele processo
principal ainda não existe em relação ao sócio.
O mesmo raciocínio deverá ser impresso em relação ao pedido realizado na
inicial. Embora o art. 134, §2º, assevere que não suspende o processo, essa não
suspensão não deve implicar em atos expropriatórios do patrimônio do sócio. A não
suspensão do art. 134, §2º, do CPC deve ser interpretada como a possibilidade de o
sócio apresentar sua defesa de maneira concentrada (como se verá no próximo
tópico – item 5.3), que o processo continuará a tramitar, mas não como forma de já
invadir o seu patrimônio.
Vale dizer que a situação supra descrita (a não suspensão pode ser
indevidamente interpretada como pronta invasão do patrimônio do sócio) é
verificável nos casos de inicial de processo de execução e de cumprimento de
sentença455 em que a não suspensão tem efeitos práticos imediatos (penhora), o
que não ocorre no processo de conhecimento.
A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
durante as fases de conhecimento, se externo (art. 134, §3º) significa que o sócio
não precisará apresentar defesa no processo principal.

452 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2005. p. 258.
453 Como visto, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica presta-se a responsabilizar

de maneira secundária o sócio, de tal sorte que, até a decisão no incidente o sócio não será parte no
processo principal. Assim sendo, soa ilógico dizer que se suspende, palavra que traz a ideia de deixar
algo que já existe pendente, quando aquele processo principal inexiste em face daquele sócio. O que
ocorre na verdade é que o processo principal não gera efeitos em relação aquele sócio, já que
perante ele ainda não se iniciou, não havendo, portanto, como suspender algo que sequer nasceu.
454 Ressalva se deve em relação a possibilidade de tutela provisória.
455 Não se trata propriamente de uma petição inicial com os requisitos técnicos descritos no art. 319

do CPC, mas como versa o art. 513, §1º do CPC de um requerimento do exequente, e nesse
requerimento poderá constar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
187

5.3 – O pedido de desconsideração da personalidade jurídica realizado na


petição inicial

No pedido de desconsideração da personalidade jurídica feito na inicial 456 o


sócio é colocado como réu, mas em verdade ainda não é réu no processo principal,
mas apenas no incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de
uma típica situação de litisconsórcio.
Francisco Wildo Lacerda Dantas457 traz definição de litisconsórcio de grande
valia a situação do incidente de desconsideração, asseverando que é uma
cumulação de partes “correspondente a uma verdadeira cumulação de ações”. Em
um litisconsórcio passivo unitário não se constata com veemência a cumulação de
ações, mas no caso do litisconsórcio passivo simples (art. 117, CPC) fica clara a
descrita situação. Há duas ações, a primeira com o réu pessoa jurídica, e a segunda
(incidente de desconsideração da personalidade jurídica) com o sócio como réu.
No entanto, no caso de ação principal cumulada com incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, não se revela as formas mais
corriqueiras de classificar458 o litisconsórcio459, voltadas ao momento de formação
(inicial e ulterior), de acordo com a posição dos litisconsortes (ativo, passivo ou

456 Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo
desaconselham a apresentar o pedido de desconsideração da personalidade jurídica na inicial,
asseverando que seria menos efetivo, demandando mais tempo na medida em que poderá ser
decidido por sentença da qual cabe apelação, recurso mais moroso que o agravo de instrumento.
(AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias.
Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de
2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 174).
457 DANTAS, Francisco Wildo Lacerda. Teoria Geral do Processo. 2. ed. São Paulo: Método. 2007. p.

476.
458 “São diversas as classificações que a doutrina dá a litisconsórcio. O que é importante frisar desde

pronto é que elas nada mais são do que critérios para melhor compreender o instituto; distintas
propostas para melhor aproximar, para conhecer, analisar e sistematizar o tema em análise. (BUENO,
Cassio Scarpinella. Cursos Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 2 tomo I, 2. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. P. 448).
459 Sobre o polo passivo em casos de desconsideração da personalidade jurídica Silas Silva Santos

em trabalho monográfico destaca a dificuldade de definição: “Mesmo que se admita, embora com
reservas, a desconsideração da personaldiade jurídica no âmbito da própria execução (processo
executivo ou fase executiva), não se afasta a possibilidade de já na fase de conhecimento v ia à tona
o debate sobre a incidencia da disregard theory, caso em que a situação fático-jurídica pertinente a
um determinado sujeito (pessoa jurídica, p. ex) terá o condão de implicar consequencias na esfera de
outro sujeito (pessoa física, o. ex). Nessa perspectiva, irrompe a dúvida quanto à configuração do
polo passivo da demanda condenatória a ser proposta.” (SANTOS, Silas Silva. Listisconsórcio
eventual, alternativo e sucesso no processo civil brasileiro. 2012. Dissertação (Mestrado em Direito
Processual) – Faculdade de Direito, Universaidade de São Paulo. São Paulo. doi:
10.22.0/D.2.2012.tde-29102012-140406. Acesso em 20/11/2017. p. 189).
188

misto), a obrigatoriedade (facultativo e necessário) e o alcance da decisão aos


integrantes da ação (simples e unitário). Trata-se de litisconsórcio eventual460.
Eventualmente, se houver procedência da ação de conhecimento que discute
a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio será considerado responsável
secundário e se transformará em parte na ação principal. Por essa razão
(eventualidade) que se considera que, ainda que seja incluído na inicial, o sócio
mantém sua condição de terceiro461.
O primeiro ponto de ordem prática foi tratado no item 5.1 e diz respeito à
informação constante no distribuidor. Diferentemente do que ocorre quando o pedido
de desconsideração é posterior ao ingresso da ação principal, quando o pedido vem
com a inicial, o que constará no distribuidor será a existência de uma demanda, da
qual o sócio ainda não foi considerado como responsável secundário e sem ressalva
para o pedido que lá foi feito.
O resultado prático da decisão de desconsideração da personalidade jurídica
é tornar o sócio parte na demanda principal (responsável secundário), mas no caso
do incidente requerido na inicial, publicamente este sócio já será parte462, é como se
houvesse um cumprimento de sentença antes de haver a decisão. Essa situação irá
gerar outros problemas como será abordado no capítulo 6.
O melhor seria, como já mencionado no item 5.1, que constasse no momento
da distribuição da ação principal a existência do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, e não como litisconsórcio passivo463. Trata-se de questão

460 “Não há destarte, nenhuma discussão ´incidental´ nos moldes disciplinados pelos arts. 133 a 137
mas, diferentemente, cumulação de pedidos e/ou causas de pedir que justificam, como já sustentava
mesmo antes do CPC DE 2015, a formação de litisconsórcio passivo, ainda que eventual ou
subsidiário.” (BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao
Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 576-577).
“Não se descarta, contudo, que mesmo na hipótese de desconsideração da personalidade jurídica
possa encartar-se o litisconsórcio alternativo ou mesmo sucessivo.” (SANTOS, Silvas Silva.
Listisconsórcio eventual, alternativo e sucesso no processo civil brasileiro. 2012. Dissertação
(Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito, Universaidade de São Paulo. São Paulo.
doi: 10.22.0/D.2.2012.tde-29102012-140406. Acesso em 20/11/2017. p. 249).
461 Arruda Alvim considera que nessas situações não há de se falar em intervenção de terceiro,

havendo um litisconsórcio passivo inicial. (ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Novo Contencioso Civil
no CPC/15. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017. p.113).
462 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de

Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 577.
463 “Neste caso, de o requerimento ser formulado no próprio ajuizamento da petição inicial, não

haveria, tecnicamente falando, uma intervenção de terceiro, porque tal sujeito a ser atingido pela
desconsideração será citado na demanda como litisconsorte eventual, isto é, será litisconsorte do réu
cuja personalidade se pretende desconsiderar caso seja deferida a desconsideração.” (ABELHA,
Marcelo. Manual de Direito Processual. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 281.
189

procedimental e, acredita-se, fácil de ser resolvida em tempos de processo


eletrônico.
No entanto, enquanto não se resolve a questão procedimental, para todos os
efeitos o sócio será litisconsorte da pessoa jurídica, ocorrendo o que Cassio
Scarpinella Bueno464 aponta como sendo cumulação de pedidos e de causa de
pedir.
Outro ponto é em relação ao conteúdo da defesa do sócio, se deve ou não
ocorrer a concentração da defesa. Dificuldade que se nota em todo e qualquer
litisconsórcio eventual465.
Quando o sócio é citado e o pedido foi feito na inicial466, sua defesa será feita
através de contestação, e que, conforme a regra do art. 336 do CPC467, ainda que
seja parte ilegítima, deve rebater todos os argumentos constantes na inicial
(princípio da concentração da defesa também denominado de princípio da
eventualidade), ainda que exista uma aparente incompatibilidade.
Esse posicionamento foi sintetizado pelo Fórum Permanente de
Processualista Civis no IV encontro através do enunciado 248: “quando a
desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, incumbe
ao sócio ou a pessoa jurídica468, na contestação; impugnar não somente a própria
desconsideração, mas também os demais pontos da causa. ”

464 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de
Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 576.
465 “Um problema que se coloca à admissão do cúmulo subjetivo nas modalidades agora em estudo é

o seguinte: numa hipótese ou noutra de formulação de pretensão subjetivamente complexa (do


litisconsórcio alternativo ou do subsidiário), a parte admite implicitamente, e desde o nascedouro da
demanda, que pelo menos com relação a um dos litisconsortes há a ausência de condição da ação.”
(DUARTE, Ronnie Preus. Litisconsórcio alternativo e subsidiário no processo civil brasileiro. Revista
de processo. Vol. 174, Mai. 2007. p. 27-49).
466 Apenas a título argumentativo, essa situação causa mais problemas no caso do processo de

execução. Quando o executado é citado em processo de execução, é citado para pagar, e não há
como estender essa situação ao réu no incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Assim, deverá vir aos autos para se manifestar a respeito do incidente, não havendo prejuízo em
relação ao prazo para apresentação de embargos à execução, o qual só poderá começar a fluir a
partir do momento em que o réu (sócio) passar a ser parte no processo de execução.
467 “Art. 336. Incumbe ao réu alegar, na contestação, toda a matéria de defesa, expondo as razões

de fato e de direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende
produzir.”
468 Casos de desconsideração inversa.
190

Na mesma linha Humberto Theodor Junior469, Cassio Scarpinella Bueno470,


Luiz Henrique Volpe Camargo471. Em sentido contrário Christhian Garcia Vieira472,
Eduardo Talamini e Luiz Rodrigues Wambier473.
Compreende-se que, ainda que em harmonia com o art. 336 do CPC, a
concentração de defesa do réu traz novamente um tratamento desigual. Se externo
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o sócio apresentará
exclusivamente sua defesa em relação ao mérito do incidente, e somente se a
personalidade for efetivamente desconsiderada é que passará a ser parte no
processo principal, e discutirá a respeito daquele mérito.
O autor quando insere determinada pessoa no polo passivo é porque a
considera como parte legítima, mas, no caso de desconsideração da personalidade
jurídica, o próprio autor tem consciência de que o sócio é uma parte potencialmente
legítima em relação ao processo principal, mas que para assim ser considerado
deve haver procedência do pedido de desconsideração da personalidade jurídica.
Não se trata de um réu como é a pessoa jurídica, é um potencial réu (litisconsórcio
eventual).
Em contrapartida, como visto no item 5.2, o processo principal não deve
parar, e, portanto, se o sócio primeiro apresentar defesa em relação ao incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, a depender do momento em que o
processo se encontre quando ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica
(que inclusive poderá ser em sentença), terá deixado de apresentar defesa quanto
ao mérito do pleito principal. Em uma análise mais técnica é o que deveria
acontecer, isto é, o sócio limitar-se a contestar o pedido de desconsideração da
personalidade jurídica.

469 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 56. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 399.
470 BUENO, Cassio Scarpinella. In BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). Comentários ao Código de

Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 577.
471 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Coord.).

Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 240.
472 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:

Juspodivm, 2016. p. 127.


473 “Não havendo rejeição liminar do pedido de instauração do incidente, o juiz mandará citar o sócio

ou a sociedade que seria atingido pela desconsideração, para que ele apresente sua contestação à
demanda incidental em quinze dias (...) No mérito, a defesa do sócio ou sociedade apenas poderá
versar sobre a (não) configuração dos pressupostos justificadores da desconsideração. Pelas razões
já expostas, não lhe é dado discutir o mérito da ação principal – que ou não lhe diz respeito (se não
couber desconsideração) ou o atingirá como se ele não tivesse personalidade jurídica própria (se
couber a desconsideração).” (TALAMINI, Eduardo; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de
Processo Civil. Teoria Geral do Processo. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 376).
191

O sócio nunca terá ligação com o direito material, será sempre responsável
secundário, e, embora possa ser parte no processo principal, essa condição
somente surge após a procedência do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
Alexandre Freitas Câmara demonstra com clareza essa situação ao acentuar
a necessidade de haver decisão:

Caso o incidente se instaure no curso de um processo cognitivo (ou na fase


de conhecimento de um processo “sincrético”), e vindo a ser proferida
decisão que desconsidere a personalidade jurídica, o sócio (ou a sociedade,
no caso de desconsideração inversa) passará a integrar o processo como
demandado.474

Nota-se que o autor liga a possibilidade de o sócio integrar o polo passivo do


processo principal a existência de decisão proferida no incidente de
desconsideração da personalidade jurídica.
A concentração da defesa nesses casos permite que parte ilegítima (assim
considerado o sócio até a decisão de procedência de desconsideração) atue no
processo. Destarte seja característica de um litisconsórcio eventual, a situação no
incidente de desconsideração da personalidade jurídica diferencia-se diante da
ausência de prejuízo ao processo.
A plausibilidade de um litisconsórcio eventual é primar pela economia
processual, assim, mesmo sabendo que determinado réu não é parte legítima, como
a sua legitimidade pode ser apurada ao longo da demanda, é possível fazê-lo
constar desde o início. Assim, na potencialidade de tornar-se legítimo já apresenta
defesa sobre o mérito da ação principal, afinal há os limites da coisa julgada que
precisam ser respeitados. No entanto, o sócio pode ser atingido em qualquer
momento processual, sua característica é de responsável secundário, e que, mesmo
sem participar da lide principal sofrerá os efeitos da coisa julgada.
Ainda que obviamente a concentração da defesa seja sempre opcional, há
impactos processuais, mas no caso do réu da desconsideração da personalidade
jurídica não haverá. A ausência de contestação sobre os elementos do processo
principal não tornará o réu do incidente revel em relação a demanda principal. O

474
CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (Coords.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais. 2016 p. 456.
192

único problema é que o processo não para, e desta forma, perderá a oportunidade
de realizar alguns atos processuais, em compensação, se não houver a
desconsideração da personalidade jurídica, não terá realizado atos inúteis.
O ponto que mais depõe contrariamente à concentração da defesa é a
incongruência com a natureza de demanda do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica.
Christhian Garcia Vieira, defende a possibilidade de não somente nos casos
do art. 134, §2º, mas também do art. 134, §3º, ser possível a ampla arguição do réu,
não se limitando aos pontos referentes ao incidente da desconsideração da
personalidade jurídica:

Há argumentos sólidos na doutrina para defender o entendimento de que,


dentre os direitos do réu, em sua defesa, está a possibilidade de se
manifestar, de forma ampla e sob adequada instrução, tanto sobre os
requisitos da lei material que ensejaria a desconsideração (responsabilidade
patrimonial), como sobre os aspectos que culminaram na construção do
título executivo que lhe poderá ser oponível (limites dessa
responsabilidade).475

No entanto, como visto no item 3.3.2, decorrência lógica da natureza de


demanda que se atribui ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
poderá ocorrer na prática diversas ações principais e apenas um incidente de
desconsideração da personalidade jurídica. Não há como administrar este tipo de
situação se permitida a concentração da defesa. Notadamente a ideia de organizar a
discussão para desconsideração da personalidade jurídica se esvai.
A solução poderia ser permitir a concentração da defesa somente a respeito
dos aspectos do processo principal ao qual o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica adere, mas ainda assim não parece ser o mais adequado,
causando além de desorganização situação anti-isonômica em relação aos outros
processos476.

475 VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:
Juspodivm, 2016. p. 170.
476 Suponha-se que existam várias ações de conhecimento em face do mesmo réu, mas somente em

uma delas será apresentado o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Por


conseguinte, permitindo-se a concentração da defesa, somente em uma das ações é que o réu
poderá defender-se sobre os termos do processo principal.
193

Christian Garcia Vieira477 analisa o incidente nos casos de execução, e a


solução apresentada pelo autor, tenta amenizar os impactos da coisa julgada além
dos limites subjetivos. Ainda que com o problema narrado acima (existência de
vários processos “principais” e apenas um incidente de desconsideração), dado o
momento processual analisado pelo autor, há plausibilidade, mormente em relação
ao cumprimento de sentença (limite argumentativo em impugnação).
Diferente é a situação nos processos em fase de conhecimento.
A desconsideração da personalidade jurídica é exceção aos limites subjetivos
da coisa julgada aos sócios que agem abusando da personalidade jurídica, tanto
que há permissão expressa para responsabilização secundária nos processos de
execução e na fase de cumprimento de sentença. Desta forma a finalidade da
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento não é permitir a
formação de um título judicial em face do sócio, e como consequência poder
também ser compelido a pagar, a finalidade, como outrora analisado, é outra.
Nada obsta que o réu no incidente conteste os termos da ação principal, mas
não estará agindo como réu do processo principal, mas como assistente simples
(art. 121 do CPC).

5.4 – A desconsideração da personalidade jurídica de maneira incidental

A melhor maneira de se discutir a desconsideração da personalidade jurídica,


como mencionado em outros momentos nesse trabalho, é através do incidente de
maneira destacada do processo principal.
Há situações em que é possível verificar os requisitos que ensejam a
desconsideração da personalidade jurídica desde o início de um processo de
conhecimento, no entanto, há determinados casos que somente no decorrer do
processo surgirão situações que fomentam a formação do processo incidental.
Se o processo estiver em primeira instância não há grandes problemas e o
processo incidental será instaurado de maneira acessória ao principal, devendo

477 “Uma forma de evitar essa situação, seria reconsiderar a amplitude da demanda de
desconsideração e restringir a discussão aos requisitos da desconsideração. Situação remota se
admitidos os preceitos legais e doutrinários expostos anteriormente (limites subjetivos, art. 506). Na
hipótese de título executivo judicial, pela amplitude dos embargos do devedor, a solução poderia até
se adequar. Por outro lado, tratando-se de título judicial, a taxatividade da lei e a limitação das
matérias que podem ser deduzidas na impugnação ao cumprimento de sentença tornam essa
alternativa inviável.” (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo
CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 173).
194

ocorrer a citação dos sócios para que se defendam a respeito dos termos do
incidente exclusivamente (art. 135 do CPC), e a menos que ocorra um pedido de
tutela provisória para inclusão prematura dos sócios no processo principal, os sócios
somente terão que se manifestar nos autos principais após a decisão de
procedência de desconsideração da personalidade jurídica.
A questão não fica tão simples se o processo já estiver em fase de recurso.
Isso porque embora os artigos constantes no capítulo do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica não mencionem explicitamente que o
pedido de desconsideração da personalidade jurídica deve acompanhar o processo
principal, há dois artigos que podem levar a essa interpretação: o parágrafo único do
art. 136, do CPC478 que versa sobre a possiblidade da decisão ser proferida pelo
relator, e o art. 932, VI479.
A redação dos mencionados artigos possibilita interpretação em dois
sentidos: (i) o incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser
apresentado na fase recursal; e (ii) os referidos artigos tratam de casos de
competência originária dos tribunais.
Considerando que o art. 136, parágrafo único e o art. 932, VI, ambos do CPC,
referem-se à possibilidade de instauração do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica em fase recursal, Humberto Theodoro Junior480, Gilberto
Gomes Bruschi, Rita Nolasco Dias, Rodolfo Manso da Costa Amadeo481, Maria Lucia
Lins Conceição, Teresa Arruda Alvim Wambier, Leonardo Ferres da Silva, Rogerio
Licastro Torres de Mello482, Luiz Gilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart, Daniel

478 “Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão
interlocutória.”
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
479 “Art. 932. Incumbe ao relator:

(...)
VI - decidir o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando este for instaurado
originariamente perante o tribunal;”
480 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. 56. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2015. p. 400.


481 “Se o incidente for instaurado em grau recursal e for decidido pelo relator (cf. art. 932, IV, do

CPC/2015), o recurso cabível será o agravo interno ao órgão colegiado a que pertencer o relator (art.
136 do CPC/2015).” (AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes;
NOLASCO, Rita Dias. Fraudes patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código
de Processo Civil de 2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 175).
482 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia

Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de
Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 286.
195

Mitidiero483 e Alexandre Freitas Câmara484. Destaca-se o posicionamento desse


último autor:

É possível, inclusive, que o incidente se instaure perante os tribunais, seja


nos processos de competência originária, seja em grau de recurso, como se
extrai do disposto no parágrafo único do art. 136, que prevê a possibilidade
de decisão do incidente por relator.485

Abordando que os artigos 136, parágrafo único e o art. 932, VI, ambos do
CPC, referem-se aos casos de competência originária do Tribunal, Luiz Henrique
Volpe Camargo486, Christian Garcia Vieira487 e Flavio Luiz Yarshell488. Justifica esse
último autor:

Ao falar em decisão ´pelo relator´, a lei poderia indicar – em uma leitura


apressada – que seria viável instaurar o incidente diretamente no tribunal
em qualquer caso. Contudo, interpretação fundada em método teleológico e
sistemático indica que a alusão a lei (parágrafo único do art. 136) considera
apenas os casos de competência originário dos tribunais; isto é, não
abrange os casos de competência recursal. 489

Curva-se ao posicionamento de que o art. 932, VI, refere-se as situações de


competência originária, mormente porque a fase de conhecimento não se esgota na
segunda instância, podendo ainda haver grau recursal nos Tribunais Superiores.
Nos casos de existência de recursos destinados ao STF e STJ, não há como dizer
que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica poderia ser instaurado

483 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo
Civil Comentado. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.p. 379.
484 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,

Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 462.
485 CÂMARA, Alexandre Freitas. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI,

Eduardo; DANTAS, Bruno (Coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 462.
486 “Nas causas de competência originária de tribunal, a ação incidental pode ser proposta

diretamente na respectiva corte (art. 61), para decisão unipessoal do relator (art. 932, VI), contra a
qual caberá agravo interno (art. 136, parágrafo único c/c art. 1.021, caput)” (CAMARGO, Luiz
Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo
Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p.24).
487 “A razão pela qual os dispositivos (arts. 134 e 136) fazem referência à possibilidade de a demanda

de desconsideração tramitar e ser julgada em segundo grau decorre justamente da eventual


necessidade de que ela seja apresentada em situações que se adequem aos limites da competência
originária definida.” (v.g., busca de crédito decorrente de sucumbência gerada em demanda
rescisória)” VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC.
Salvador: Juspodivm, 2016. p. 165-166).
488 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários

ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 247.


489 YARSHELL, Flavio Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo, CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários

ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 247.


196

diretamente nas Cortes Superiores, nem tampouco negar a possibilidade de


instauração.
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal também são
órgãos de grau recursal, mas a sua atividade cognitiva490 não abarca análise fática,
muito menos de um processo novo como o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, somente sendo permitida atividade cognitiva em casos de
competência originária491.
A ideia de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve
estar sempre junto com o processo principal nasce com a concepção de incidental,
no entanto é preciso se ater ao conceito de processo. Diferentemente de um
incidente processual, o processo incidental tem o trâmite autônomo e por isso não
precisa estar sempre acompanhado do processo principal, vale dizer que sequer
precisa seguir a sorte do qual adere. E, como mencionado, se a situação for de
processo em fase de conhecimento em grau de recurso destinado aos Tribunais
Superiores, o acompanhamento do processo principal mostra-se inviável492.
Não há razão para se conceder tratamentos distintos (acompanhando ou não
o processo principal), quando a situação é a mesma (processos em grau recursal).
Assim, se o processo principal estiver em grau recursal deverá ser distribuído
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica respeitando-se as regras
de prevenção493.

490 Sobre as funções dos Tribunais de Cúpula ver: ALVIM, Teresa Arruda; DANTAS, Bruno. Recurso
Especial, Recurso extraordinário e a nova função dos Tribunais Superiores no Direito Brasileiro. 4. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais. 2017. p. 308-318.
491 Atualmente tem se discutido até mesmo a atuação de ampla cognição dos Tribunais Superiores

em casos de competência originária. Na AP 937/RJ em trâmite do Supremo Tribunal Federal, o


relator, ministro Luis Roberto Barroso, em fevereiro de 2017 proferiu despacho: “O sistema é feito
para não funcionar (...) De outro lado, a movimentação da máquina do STF para julgar o varejo dos
casos concretos em matéria penal apenas contribui para o congestionamento do tribunal, em prejuízo
de suas principais atribuições constitucionais (...) Cortes Constitucionais, como o STF, não foram
concebidas para funcionarem como juízos criminais de 1º grau, nem têm estrutura para isso.” (STF.
AP 937/RJ. Relator ministro Luis Roberto Barroso. DJe 20/02/2017).
492 Teresa Arruda Alvim Wambier, Leonardo Ferres Ribeiro, Maria Lucia Lins Conceição de Medeiros

e Rogerio Licastro Torres de Mello, embora considerem a possibilidade de instauração do incidente


de desconsideração da personalidade jurídica quando o processo estiver em fase recursal, destacam
a possibilidade disso acontecer quando a fase recursal for nos Tribunais Superiores (W AMBIER,
Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição
de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 286)
493 “O pleito de desconsideração e a ´defesa´ ofertada pelo terceiro envolvem o exercício do direito de

ação. Portanto, tais demandas devem ser apresentadas ao juízo originariamente competente, ainda
que a causa esteja em fase recursal, e, portanto, a tramitar perante tribunal.” (YARSHELL, Flavio
Luiz. In CABRAL, Antonio do Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de
Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense. 2015. p. 247).
197

Outrossim, ainda que inexista qualquer regramento sobre a necessidade de


juntar cópia do processo principal494 considera-se primordial, não bastando a simples
menção da existência de processo principal com indicação do número e localização
para verificar a prevenção. Isso porque, embora o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, como visto no item 3.3.2, seja uma demanda (causa de pedir,
partes e pedido próprios e diversos da ação principal), não deixa de ser um processo
incidental.
Conclui-se que quando for necessária a formação do incidente sempre
ocorrerá em primeira instância, ainda que o processo principal esteja em grau
recursal, ressalvadas as situações de competência originária do Tribunal.
O incidente de desconsideração da personalidade jurídica seguirá o curso
comum de todo e qualquer processo, com citação dos réus (art. 135 do CPC),
possibilidade de intervenção de terceiros, instrução probatória495 e decisão final, no
caso interlocutória, julgando procedente ou improcedente a desconsideração da
personalidade jurídica. Dessa decisão caberá recurso de agravo de instrumento (art.
1.015, IV do CPC496).

VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador:


Juspodivm, 2016. p 150-151.
494 Se existirem diversos processos em face daquele mesmo réu, o autor poderá escolher em qual irá

apresentar o incidente de desconsideração da personalidade jurídica e seguir as regras da


prevenção. Não obstante, poderá além de cópia do processo principal ao qual o incidente irá aderir
(ainda que não fisicamente), fazer menção aos demais processos em que o resultado do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica poderá ser utilizado, e, se julgar necessário, também
juntar cópias.
495 A novel possibilidade de distribuição dinâmica do ônus da prova (art. 373, §1º do CPC) é de

grande valia nos incidentes de desconsideração da personalidade jurídica: “INCIDENTE DE


DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. FRAUDE. USO DA PERSONALIDADE
JURÍDICA COMO ESCUDO. PROVA. TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA. 1. Aberto o
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, há ampla possibilidade de realização de
prova, por ambas as partes. 2. Os sócios da empresa devedora não podem se manter inertes,
esperando que o credor faça prova da existência de fraude ou dolo, até em razão da natureza dessa
conduta, sempre simulada. Pela teoria da carga dinâmica da prova, a demonstração do fato compete
a quem tem melhores condições de fazê-lo. Assim, incumbia aos sócios a prova de que o
encerramento irregular da empresa não se deveu à gestão fraudulenta ou abusiva, nem que existiu
intenção de utilizar a personalidade jurídica da empresa para prejudicar terceiros. 3. Embora o sócio
alegue que a empresa está ativa, nada trouxe aos autos para demonstrar o fato. Não informa onde
localizar bens passíveis de penhora, indicando que busca protelar o pagamento ao máximo,
utilizando-se da personalidade da empresa para tanto. 4. A postura do devedor justifica a
desconsideração determinada pelo juízo “a quo”. 5. Recurso não provido. (TJSP - Agravo de
Instrumento 2174350-40.2017.8.26.0000; Relator (a): Melo Colombi; Órgão Julgador: 14ª Câmara de
Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/10/2017;
Data de Registro: 30/10/2017).
496 A situação interlocutória que decide o incidente de desconsideração da personalidade jurídica

também se enquadra nos incisos II (decisão de mérito) e IX (intervenção de terceiros).


As demais decisões ocorridas no trâmite do incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
a menos que se insiram nas hipóteses do art. 1.015 do CPC, não são imediatamente recorríveis. O
198

Os efeitos da decisão que resolve o incidente de desconsideração da


personalidade jurídica (decisão interlocutória no caso do art. 134, §3º, podendo ser
por sentença no caso do art. 134, §2º do CPC) serão analisados a seguir.

5.5 – A decisão do incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Desnecessário repetir todas as observações traçadas no item 3.3.2, onde


estabeleceu-se como consequência da natureza de demanda do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica que, a decisão que o decide faz coisa
julgada. Seja essa decisão de improcedência, seja pela procedência.
A decisão de improcedência terá cumprimento de sentença apenas interno
referente aos honorários e despesas processuais, e a sentença de procedência terá
cumprimento cindido: honorários e despesas processuais no próprio incidente
(processo sincrético) e a de forma externa.
A procedência da desconsideração da personalidade jurídica declara uma
nova situação jurídica. O sócio passa a ser responsável secundário, em todo e
qualquer processo em que o autor do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica for exequente ou autor.
Por esta razão a inclusão do sócio como novo réu ou novo executado, em
uma situação extraordinária de ampliação subjetiva da demanda principal, não
necessariamente ocorrerá de maneira automática, uma vez que pode acontecer de
existirem vários processos entre aquelas partes, mas apenas um incidente de
desconsideração da personalidade jurídica e, que, por conseguinte, irá gerar
reflexos em todos os processos.

que se quer dizer é que o fato de constar no inciso IV que a decisão a respeito do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é agravável, não deve se compreender como toda e
qualquer decisão ocorrida durante o andamento do incidente.
Nesse sentido: “É que, na verdade, esta interlocutória é a “sentença” do incidente. Tanto é assim que
as demais interlocutórias proferidas no curso deste incidente não são objeto de recurso autônomo:
serão impugnadas, se for o caso, no agravo de instrumento interponível da decisão “final” (de mérito)
do incidente.” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS,
Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo
Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 289).
Assim também decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “É agravável a decisão de mérito proferida
no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, sendo certo que outras decisões
interlocutórias proferidas no curso do procedimento são irrecorríveis, só podendo ser impugnadas
juntamente com a decisão final, aplicando-se, por analogia, o disposto nos §§ 1º E 2º, do art. 1.009
do CPC”. (TJSP - Agravo de Instrumento 2154427-28.2017.8.26.0000; Relator (a): Renato Sartorelli;
Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de Nova Odessa - 1ª Vara Judicial; Data do
Julgamento: 19/10/2017; Data de Registro: 20/10/2017).
199

Nada obsta, sobretudo no processo que deu origem ao incidente, de o juiz


determinar a inclusão do sócio no polo passivo do processo principal sem a
provocação da parte497, mas pode existir situações em que seja necessária a
provocação do autor498.
Frise-se não se trata de nova citação, nem tampouco de intimação, mas
apenas de dar cumprimento a sentença incluindo o sócio no polo passivo da
demanda principal. Não há qualquer pedido a ser analisado nessa petição que
requer a inclusão do sócio no polo passivo da demanda principal, mas pode
acontecer, principalmente nos casos em que o pedido de desconsideração ocorre na
fase de conhecimento, do autor não almejar a imediata inclusão (após a decisão no
incidente de desconsideração) no processo principal, conforme se detalhará no
próximo capítulo.
Em suma, a decisão no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica constitui determinado sócio como responsável secundário, e, por
consequência poderá responder por dívida adquirida pela pessoa jurídica.
A finalidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é
declarar a condição de responsável secundário de determinado sócio. A
consequência primeira dessa declaração é incluir o sócio na demanda, ou
demandas, movidas em face da pessoa jurídica, e a segunda consequência é a
apreensão de bens desse sócio.
No entanto, como em todo e qualquer processo é possível que haja pedido de
tutela provisória, e, assim, perceber-se os efeitos almejados ao final do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica antes de finalizado.

5.6– Tutela provisória

Com a finalidade de eliminar o processo cautelar como um terceiro gênero de


ação499, inseriu-se no NCPC o Livro V na Parte Geral que versa sobre a

497 No caso do processo em fase de conhecimento, pelas razões que se detalhará no próximo
capitulo, não deve haver a inclusão automática do sócio, dependendo de pedido da parte.
498 Imagine-se a situação em que um mesmo autor ou credor tem dezenas de ações e face daquele

réu, em diferentes comarcas do país.


499 “Extinguiram-se também as ações cautelares nominadas. Adotou-se a regra no sentido de que

basta à parte a demonstração do fumus boni iuris e do perigo de ineficácia da prestação jurisdicional
para que a providência pleiteada deva ser deferida. Disciplina-se também a tutela sumária que visa a
proteger o direito evidente, independentemente de periculum in mora.
200

possibilidade de requerer tutelas provisórias de maneira interina. Acabou-se com


colocação dos provimentos cautelares de maneira autônoma ao lado do processo de
conhecimento e do processo de execução.
Se no CPC/73 a instrumentalidade dos provimentos cautelares (assim
entendido as cautelares e a antecipação da tutela) já era inquestionável, com a
alteração estrutural no CPC/15 ficou ainda mais claro o caráter acessório, estando
topograficamente bem situado no Novo Código de Processo Civil dentro da parte
geral, que remete a ideia de aplicação aos processos de conhecimento e de
execução, situados na parte especial e respectivamente nos Livros I e II.
Sendo o incidente de desconsideração da personalidade jurídica uma ação de
conhecimento (estruturalmente como se verá de forma mais detalhada no capítulo
6), é totalmente viável a concessão de tutela provisória 500. Essa conclusão decorre
logicamente da qualificação do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica como demanda.
Nesse sentido já se manifestaram diversos autores, e na I Jornada de Direito
Processual Civil ocorrida em Brasília em 24 e 25 de agosto de 2017 coordenada
pelo Ministro Mauro Campbell Marques, foi editado o enunciado 42: “É cabível a
concessão de tutela provisória de urgência em incidente de desconsideração da
personalidade jurídica. ”
Os requisitos para a concessão de uma tutela provisória no incidente de
desconsideração da personalidade jurídica são os mesmos que para qualquer
demanda: probabilidade do direito somada ao perigo de dano ou risco ao resultado

O Novo CPC agora deixa clara a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à
evidência. Considerou-se conveniente esclarecer de forma expressa que a resposta do Poder
Judiciário deve ser rápida não só em situações em que a urgência decorre do risco de eficácia do
processo e do eventual perecimento do próprio direito. Também em hipóteses em que as alegações
da parte se revelam de juridicidade ostensiva deve a tutela ser antecipadamente (total ou
parcialmente) concedida, independentemente de periculum in mora, por não haver razão relevante
para a espera, até porque, via de regra, a demora do processo gera agravamento do dano.”
(exposição de motivos do CPC/15).
500 “Essas situações foram vertidas, em linhas gerais, mediante um amplo conceito de “tutelas

provisórias” (sumárias) no âmbito do CPC/15, sob o “Livro V - Da Tutela Provisória”, especialmente o


art. 301. Por isso, inexiste a necessidade de o capítulo destinado ao “incidente de desconsideração”
contemplar, especificamente, hipóteses de tutela de urgência. Essa situação, contudo, não afasta o
cabimento de medidas dessa natureza em seu âmbito. (VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração
da personalidade jurídica no novo CPC. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 152)
“Embora não esteja expressamente previsto no capítulo dedicado ao incidente de desconsideração
da personalidade jurídica, é ainda possível o requerente pleitear a concessão de tutela de urgência,
com bloqueio e apreensão de vens do sócio na forma dos arts. 300 e 302 do CPC/2015. (AMADEO,
Rodolfo da Costa Manso Real; BRUSCHI, Gilberto Gomes; NOLASCO, Rita Dias. Fraudes
patrimoniais e a desconsideração da personalidade jurídica no Código de Processo Civil de 2015.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 175).
201

útil do processo (art. 300 do CPC) 501, no entanto a profundidade desses requisitos
irá variar a depender do momento da instauração.
Quando um incidente de desconsideração da personalidade jurídico é
instaurado em fase de execução, já existe um crédito com recebimento frustrado, de
forma que a probabilidade do direito se volta exclusivamente para a demanda
incidental: verificar se existem elementos de que houve abuso da personalidade
jurídica.
Se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica for requerido em
fase de processo de conhecimento, a probabilidade do direito não estará ligada
somente aos elementos da ação incidental, mas também a probabilidade de
procedência da ação principal (que fará nascer o direito creditório) e mais elementos
que demonstrem a probabilidade de frustração no recebimento do futuro crédito.
A inexistência de crédito não obsta a apresentação do incidente como
expressamente prevê o art. 134 do CPC, nem tampouco uma tutela provisória
concedida na ação principal (arresto de bens da pessoa jurídica, por exemplo)
impede a instauração do incidente como visto no item 4.1, no entanto são elementos
norteadores da concessão da tutela provisória no incidente.
Importante analisar qual seria a espécie de tutela provisória possível no
incidente de desconsideração da personalidade jurídica instaurado em fase de
conhecimento.
Suponha-se que o autor durante o trâmite do incidente de desconsideração
da personalidade jurídica verifica que o réu está dilapidando o patrimônio e, embora
seja possível a alegação de fraude à execução, melhor que se utilizar futuramente
de mecanismo repressivo, é evitar que os prejuízos sejam percebidos.
Embora se diga que a finalidade do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é atingir os bens do sócio, em verdade essa é a consequência
prática da declaração da condição de responsável secundário do sócio.
A tutela almejada no incidente de desconsideração da personalidade jurídica
é declarar a condição de responsável secundário tornando possível a inclusão no

501Luiz Volpe Camargo defende a possibilidade de concessão de tutela da evidência em incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, situação que prescinde de comprovação de perigo de
dano ou ao resultado útil do processo. (CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. In CABRAL, Antonio do
Passo; CRAMER, Ronaldo (Coord.). Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro:
Forense, 2015. p. 240-241).
202

processo que tramita em face da pessoa jurídica. Assim um pedido de tutela


provisória de urgência antecipada seria para incluir este sócio no polo passivo da
demanda principal. No entanto, nenhum efeito prático há em incluir o sócio de
maneira antecipada.
Como visto, uma tutela provisória antecipada mostra-se pouco eficaz, e,
portanto, seria o caso de uma tutela provisória cautelar de arresto de bens desse
sócio. Mas que dadas as características da responsabilidade secundária, voltadas a
invasão patrimonial, depara-se com um típico caso em que há dificuldade em definir
a natureza da tutela provisória de acordo com o critério funcional502.
Com a decisão de procedência no incidente de desconsideração da
personalidade jurídica o que acontecerá é que o sócio passará a responder com seu
patrimônio pela dívida, ou seja, não deixa de ser uma tutela provisória antecipada.
Considerando o momento (fase de conhecimento)503, assim como a
apreensão de bens da pessoa jurídica é considerada como uma tutela provisória
cautelar, deve ser considerada a tutela provisória de arresto dos bens do sócio.

5.7 – A inclusão do sócio no polo passivo do processo principal

Vislumbrada a possibilidade de concessão de tutela provisória no incidente de


desconsideração da personalidade jurídica, mesmo sendo em fase de
conhecimento, é preciso analisar o que ocorrerá com a cognição exauriente no
incidente.
Quando o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é requerido
em fase ou processo de execução, em que já existe a responsabilidade primária da
pessoa jurídica, com a decisão interlocutória nos termos do art. 136 o sócio na
demanda principal conserva exatamente a qualidade que lhe foi atribuída no

502 Este nome ao critério é dado por Leonardo Greco (GRECO, Leonardo. A Tutela da Urgência e a
Tutela da Evidência no Código de Processo Civil de 2015. In: DIDIER JR., Fredie (Org.).
Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 202).
Heitor Vitor Mendonça Sica assevera, sem utilizar a palavra critério, que a classificação em cautelar e
antecipada estaria levando em conta a aptidão da tutela provisória em permitir ao beneficiário fluir o
bem da vida objeto do litigio ou não. (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Doze Problemas e Onze Soluções
quanto à Chamada “estabilização da Tutela Antecipada”. In DIDIER JR., Fredie Didier (Org.).
Procedimentos Especiais, Tutela Provisória e Direito Transitório. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 181).
503 Se a situação fosse de processo de execução, a apreensão dos bens do sócio mais se

assemelharia com uma tutela antecipada.


203

processo incidental: responsável secundário. O mesmo não acontece quando o


incidente for instaurado na fase de conhecimento, ao menos não teoricamente.
Retoma-se aqui o que fora tratado ao final do capítulo 2.
Com o ingresso do sócio como parte antes de encerrada a fase de
conhecimento, a decisão que lá for proferida o atingirá, não como responsável
secundário, mas como parte (art. 506 do CPC). Nesse contexto, ao ser dado
cumprimento a sentença proferida no processo de conhecimento, o sócio será
obrigado pois constará no título judicial.
Reafirma-se a diferença de obrigado e responsável. Sergio Shimura
demonstra que quem consta no título (extrajudicial ou judicial) qualifica-se como
devedor (obrigado):

Quanto ao devedor constante no título, se este for extrajudicial, sua


inserção se dá por vontade própria ou por força de lei (ex: art. 4º, II, LEF).
Já no título judicial, o devedor é o que suportou o estigma da derrota
marcada pela sentença condenatória.504

Nessa toada o sócio incluído no processo na fase de conhecimento passará a


ser devedor, e, por conseguinte se interfere na gênese da desconsideração da
personalidade jurídica.
Por esta razão que Handel Martins Dias repele o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento. Para o autor a
declaração de responsabilidade patrimonial somente tem sentido na fase executiva,
sendo que se ocorrida na fase de conhecimento implicaria em um desvirtuamento do
instituto:

O comando declaratório tem lugar apenas durante a execução, em caso de


procedência da demanda condenatória ajuizada contra a pessoa jurídica e,
salvo nas hipóteses em que se adota a teoria menor, de restar comprovada
a insuficiência de seus bens para satisfazer o crédito. Se assim não for,
estar-se-á desvirtuando o instituto para tornar obrigado o membro ou o
administrador, e não mais responsável patrimonial. Como já salientado,
somente a pessoa jurídica tem legitimidade passiva ad causam para
responder eventual ação em processo cognitivo, na medida em que foi ela
quem assumiu a obrigação perante o credor, não o membro ou o
administrador. Vale consignar que o próprio parecer prevê que “ficam
sujeitos à execução os bens do responsável, nos casos de desconsideração
da personalidade jurídica” (art. 816, VII)
(...)
Ao que parece, além do absoluto desvirtuamento do instituto (tornar
obrigado quem não é), os riscos de se praticar inútil atividade jurisdicional, a

504 SHIMURA, Sergio. Titulo Executivo. São Paulo: Método. 2005. p. 54.
204

evidente possibilidade de se ampliar indevidamente o tempo do processo e


se tumultuar em vão a marcha processual não justificam o incidente durante
o processo de conhecimento.505

Reitera-se o posicionamento de Rogério Licastro Torres de Mello506


destacado no item 2.2.2 em que aponta como sendo o “divisor de águas” entre a
responsabilidade patrimonial secundária e a responsabilização patrimonial por fato
de outrem, o fato de a primeira se materializar na seara executiva, e a segunda
sempre em fase de cognição em que haverá uma sentença condenatória lhe
atingindo, fazendo surgir responsabilidade primária.
Nessa linha, com o ingresso do sócio ainda na fase de conhecimento cria-se
uma nova figura de responsabilidade civil indireta, e não de responsabilidade
patrimonial secundária.
O sócio, ao constar no título judicial estará sendo condenado por fato de
terceiro (pessoa jurídica). O sócio com a decisão proferida no incidente de
desconsideração da personalidade jurídica ingressa no processo principal como
responsável secundário, mas se transforma em obrigado por fato de outrem (pessoa
jurídica).
No entanto, conforme Humberto Theodoro Junior, Juliana Cordeiro de Faria e
Lívia Gonçalves Pinho Piana de Faria507 apregoam, as situações de
responsabilidade indireta são pontuais, sendo o rol do art. 932 do Código Civil
taxativo, então, como equacionar essa situação?
Acredita-se que, assim como o fato da decisão que decide o incidente ser
decisão interlocutória não desnatura seu conteúdo de sentença, o fato de o sócio
ingressar no polo passivo durante a fase de conhecimento não desnatura sua
qualidade de responsável secundário e que nunca terá relação com o direito material
que ensejou aquela demanda. O sócio apenas consta no polo passivo do processo

505 DIAS, Handel Martins. Análise crítica do projeto de novo Código de Processo Civil com relação à
desconsideração da personalidade jurídica. In Revista Síntese de direito Empresarial. Vol. 32, Mai.-
Jun. 2013. p. 69-70.
506 MELLO, Rogério Licastro Torres de. O responsável executivo secundário. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2. ed. 2015. p 213 -214.


507 “Tratando-se de hipóteses excepcionais que derrogam a regra geral da reparação direta (ou

responsabilidade por fato próprio), a responsabilidade indireta ou por fato de outrem é limitada
expressamente às hipóteses taxativas previstas no art. 932 do CC/02 (correspondente ao
art. 1.521 do CC/1916, e prescinde da apuração da culpa do terceiro.” (FARIA, Juliana Cordeiro de;
FARIA, Lívia Gonçalves Pinho Piana de; THEODORO JUNIOR, Humberto. Contrato de concessão
comercial de bebidas. Responsabilidade civil do fabricante por ato ilícito praticado por preposto da
concessionária. Acidente de trânsito. In Revista dos Tribunais. Vol. 892. Fev. 2010. p. 9-36).
205

de conhecimento para garantir que, caso aquela condenação não seja adimplida,
responderá com seu patrimônio.
Como visto no capítulo 2, a responsabilidade é situação que advém com o
inadimplemento, portanto a mera existência de uma sentença condenatória não faz
surgir a responsabilidade patrimonial. A pessoa jurídica poderá, logo após a
condenação, pagar, e assim não nascerá sequer a sua responsabilidade patrimonial
primária.
Pior, pode acontecer de o sócio ingressar no polo passivo da demanda
principal e ao final a ação ser julgada improcedente. Nessa situação, não chegará
nem a nascer a obrigação (com o título judicial de procedência).
Para manter os termos do Código de Processo Civil em que o sócio é
responsável secundário (art. 790, IV, do CPC), a condenação no processo principal
deve consagrar essa posição. Assim, quem deve pagar pela dívida é a pessoa
jurídica, e somente havendo inadimplemento é que o sócio passará a responder com
seu patrimônio de maneira subsidiária (art. 793, CPC).
Vale dizer que, ainda que o fito do presente estudo seja acadêmico, não se
ignora a realidade dos processos que envolvem a temática. Em grande parte dos
casos, quando se chega a necessidade de desconsideração da personalidade
jurídica é porque a pessoa jurídica não tem como responder pela dívida, de tal sorte
muito provavelmente não haverá cumprimento espontâneo da obrigação por parte
da pessoa jurídica, e assim surgirá a responsabilidade patrimonial.
No entanto, é preciso destacar tal fato, pois, o processo não pode servir como
meio de obter vantagens indevidas. A teoria da desconsideração da personalidade
jurídica não é situação de responsabilidade societária em que o sócio é punido
(relação entre a pessoa jurídica e o sócio), e não pode assim se transformar.
Considerar o sócio obrigado em solidariedade com a pessoa jurídica poderá
acarretar em comodismo da pessoa jurídica que deixará de cumprir com sua
obrigação, mesmo tendo meios para tanto.
O que se articula é que somente em caso de não cumprimento da obrigação
estipulada em sentença é que surge a figura do sócio como responsável secundário.
Quem deve cumprir espontaneamente com a condenação é a pessoa jurídica, e, em
não o fazendo o sócio responderá com seu patrimônio. Desta maneira estar-se-á se
equilibrando a excêntrica autorização de ingresso do sócio em fase de
206

conhecimento, que nos termos do art. 790, IV, do CPC é responsável secundário,
mas transforma-se em obrigado, o que significa uma ampliação do art. 932 do
Código Civil, notadamente indevida.
Em que pese haver razão nas palavras de Handel Martins Dias, acima
destacadas, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de
conhecimento, como visto no capítulo 4, é medida necessária, principalmente para
viabilizar alegação de fraude à execução, desta forma, o problema se insere no
cumprimento de decisão de desconsideração da personalidade jurídica em fase de
conhecimento.
207

CAPÍTULO 6 – A CAUTELARIDADE COMO FUNÇÃO

Demonstrada a necessidade de requerer a desconsideração da personalidade


jurídica quando o processo ainda está em fase de conhecimento, as dificuldades a
serem enfrentada na interpretação do Código de Processo Civil referente a
instauração, e, o resultado prático da decisão que desconsidera a personalidade
jurídica, passa-se a analisar que quando o incidente de desconsideração da
personalidade jurídica é requerido na fase de conhecimento a função é diferente do
que quando é requerido em fase de execução (processo de execução e
cumprimento de sentença).
A estrutura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica
sempre será de atividade cognitiva, mas a função que esse incidente exerce irá
variar de acordo com o momento em que for instaurado.
Elogiável a modificação legislativa de tratar sobre a tutela provisória como
sendo um pedido possível tanto em processo de conhecimento como em processo
de execução, no entanto, afora tantos problemas que permeiam o Livro V do
CPC/2015, o que interessa ao presente estudo é que o fato de existir a possiblidade
de se pleitear tutela provisória de maneira genérica interinamente, não elimina a
existência de ações que, inteiras, têm função predominantemente cautelar.
José de Albuquerque Rocha, analisando a sistemática do Código de Processo
Civil de 1973, assevera que embora existissem muitos critérios para se classificar as
ações508, no direito moderno prevalecia a classificação de acordo com a função do
provimento jurisdicional, classificando as ações em conhecimento, execução e
cautelar. No entanto, mesmo diante da expressa existência dos três tipos de ação no
CPC/73 de maneira estruturalmente destacadas (processo de conhecimento,
processo de execução e processo cautelar), o mencionado autor coloca a cautelar
como sendo efetivamente uma função vinculada ao processo de conhecimento ou
de execução, tratando que a independência seria apenas estrutural:

508Francisco Wildo Lacerda Dantas assevera que as ações podem ser classificadas quanto ao grau
de cognição e ao momento de cognição. Quando ao grau de cognição divide em intensidade vertical
(exauriente, sumária e superficial), e, intensidade horizontal (plena e parcial); e quanto ao momento
de cognição em repressiva e preventiva. (DANTAS, Francisco Wildo Larcerda. Teoria Geral do
Processo. 2. ed. São Paulo: Método, 2007. p. 59)
208

Ações cautelares. São destinadas a assegurar e garantir o eficaz


desenvolvimento e profícuo resultado das ações de conhecimento e
executivas. São, pois, dirigidas a evitar que o direito posto em juízo, e para
o qual se pede medida cautelar, seja, de qualquer modo, prejudicado.
Os autores, em geral, costumam dizer que as cautelares são autônomas em
relação às ações de conhecimento e executivas. Não explicam, porém, em
que consistiria essa autonomia, como se se tratasse de algo evidente, o que
não ocorre. Em verdade as cautelares são autônomas do ponto de vista
estrutural, vez que possuem elementos próprios, inclusive um tipo próprio
de tutela jurisdicional. No entanto do ponto de vista funcional, são
acessórias e subsidiárias da ação cujo objetivo visam assegurar. 509

Assim sendo, mesmo com a estrutura destacada no CPC/73, no qual havia


um processo denominado de cautelar, cautelar não deixava de ser meramente uma
função do provimento jurisdicional, mormente por seu caráter acessório ao processo
principal.
Para Enrico Tullio Liebman510 a ação cautelar é auxiliar e subsidiária das
ações de conhecimento e de execução, e no mesmo sentido, de que a função
cautelar é auxiliar das outras duas atividades jurisdicionais Antonio Carlos de Araujo
Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco 511.
De fato, uma tutela jurisdicional de qualidade, atingindo a mais correta
aplicação do Direito, demanda tempo, uma vez que tal qual nos acontecimentos da
vida, decisões tomadas de maneira rápida e impetuosa estão mais sujeitas a erros,
arrependimentos e necessidade de reparo. No entanto, muitas vezes não há tempo
hábil para uma análise profunda, detalhada e que afaste com mais segurança
eventuais injustiças, e o Direito precisa prever mecanismos que equilibrem essa
situação pendular: qualidade da decisão e inefetividade da decisão causada pelo
decurso do tempo. Essa é uma das necessidades da cautelaridade512.
Contemporaneamente concede-se ao jurista alemão Adolf Wach os créditos
de ter tratado de maneira mais específica a respeito das cautelares, sendo a

509 ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p.
210.
510 “À cognição e à execução, com que a jurisdição realiza todo o ciclo de suas principais funções,

acrescenta-se uma terceira atividade, que tem um objetivo auxiliar e subsidiário, e que é atividade
cautelar. Ela se destina a assegurar, a garantir o curso eficaz e o resultado útil das outras duas,
concorrendo assim, indiretamente para a consecução dos objetivos gerais da jurisdição.” (LIEBMAN,
Enrico Tullio. Processo de execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 277).
511 “Por essa razão, acrescenta-se ao conhecimento e à execução – pelos quais a jurisdição cumpre o

ciclo de suas funções principais – uma terceira atividade, auxiliar e subsidiária, que visa assegurar o
êxito das duas primeiras: trata-se de atividade cautelar, desenvolvida através do processo que toma o
mesmo nome. Seu resultado específico é um provimento acautelatório.” (CINTRA, Antônio Carlos de
Araújo. DINAMARCO, Cândido Rangel. GRINOVER, Ada Pallegrini. Teoria Geral do Processo. 19.
ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2002. p. 317).
512 Há ainda a cautelaridade que visa distribuir de maneira mais correta o ônus do tempo no processo.
209

doutrina italiana, com Giusepe Chiovenda, Francesco Carnelutti e especialmente


Piero Calamandrei513, que enfrentou o tema com mais profundidade514.
No direito brasileiro conforme assevera José Manoel de Arruda Alvim515 essa
tendência evolutiva iniciada na Europa em 1868 com Adolf Wach foi implementada
com o Código de Processo Civil de 1939516, sendo no Código de Processo Civil de
1973517 que se percebeu uma maior preocupação com a cautelaridade.
O jurista italiano Piero Calamandrei, já 1936 na sua obra Introduzione Allo
Studio Sistemático Provvedimenti Cautelare, mencionava que o critério que serve
para distinguir os provimentos de conhecimento daqueles de execução é diferente
daquele que serve para distinguir os provimentos cautelares, os quais podem ser de
conhecimento ou execução, e, somente se coloca lado a lado por uma questão de

513 CALAMANDREI, Piero. Introduzione Allo Studio Sistemático Provvedimenti Cautelare. Padova:
Cedam, 1936. p. 8-9.
514 Daniel Mitidiero chama atenção para o fato de que “muitos outros importantes processualistas

concorreram para formação do processo civil na primeira metade do século XX na Itália. Francesco
Carnelutti, Enrico Allorio, Enrico Redenti, Salvatore Satta e Gian Antonio Micheli estão
indubitavelmente entre eles. O inventário da herança conceitual da doutrina italiana dessa época e
sua influência nos estudos processuais, inclusive no Brasil, ainda está por ser realizado. O destaque
dado a Chiovenda, Calamandrei e Liebman, todavia, deve-se ao fato da enorme influência de suas
ideias na construção dos conceitos básicos do processo civil e, especificamente, pelo fato de suas
obras terem fundamentado diretamente a estrutura do Código Buzaid, notoriamente separado, em
termos de esquema padrão para tutela dos direitos, em processo de conhecimento, processo de
execução e processo cautelar.” (MITIDIERO, Daniel. O processualismo e a formação do código
Buzaid. In Revista de Processo. Vol. 183. Maio.2010).
515 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas

pelo processo hidierdo entre nós. Evolução da cautelaridade e suas reais dimensões em face do
instituto da antecipaão de tutela. As obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominante na
evolução dos nossos dias. In Revista de Processo. Vol. 97. 2000. p. 51-106.
516 No código de processo civil de 1939, o Livro V tratava dos processos acessórios trazendo

medidas acautelatórias de maneira geral no art. 675 (Art. 675. “Além dos casos em que a lei
expressamente o autoriza, o juiz poderá determinar providências para acautelar o interesse das
partes: I – quando do estado de fato da lide surgirem fundados receios de rixa ou violência entre os
litigantes; II – quando, antes da decisão, fôr provável a ocorrência de atas capazes de causar lesões,
de difícil e incerta reparação, no direito de uma das partes; III – quando, no processo, a uma das
partes fôr impossível produzir prova, por não se achar na posse de determinada coisa”), e
especificamente no art. 676, fazendo surgir, aquela época discussões se o art. 675 seria um poder
geral de cautela e o art. 676 apenas exemplificativo.
517 Exposição de motivos do CPC/73: “O processo cautelar foi regulado no Livro III, porque é um

tertium genus, que contém a um tempo as funções do processo de conhecimento e de execução. O


seu elemento específico é a prevenção.(…)
Ainda quanto à linguagem, cabe-nos explicar a denominação do Livro III. Empregamos aí a
expressão processo cautelar. Cautelar não figura, nos nossos dicionários, como adjetivo, mas tão-só
como verbo, já em desuso. O projeto o adotou, porém, como adjetivo, a fim de qualificar um tipo de
processo autônomo. Na tradição de nosso Direito Processual era a função cautelar distribuída por
três espécies de processos, designados por “preparatórios, preventivos e incidente” o projeto,
reconhecendo-lhe caráter autônomo, reuniu os vários procedimentos preparatórios, preventivos e
incidentes sob fórmula geral, não tendo encontrado melhor vocábulo que o adjetivo cautelar para
designar a função que exercem. A expressão processo cautelar tem a virtude de abranger todas as
medidas preventivas, conservatórias e incidentes que o projeto ordena no Livro III, e, pelo vigor e
amplitude do seu significado, traduz melhor que qualquer outra palavra a tutela legal.”
210

divisão de funções (conhecimento é cognição, cautelar conserva e execução


executa):

Per uscire da questo vicolo cieco, bisogna cominciare dall’intendere nel


giusto senso l’insegnamento secondo il quale – l’attuazione della legge nel
processo può assumere tre for – me: cognizione, conservazione, esecuzione
– (1). In questa tripartizione, che esattamente mette in luce la esistenza di
una funzione cautelare (conservazione) come forma autonoma di tutela, non
è detto però che il criterio in base al quale i provvedimenti cautelari si
differenziano da tutti gli altri provvedimenti sia omogeneo con quello per il
quale i provvendimenti di cognizione si differenziano da quelli di esecuzione;
mentre al contrario i provvedimenti cautelari possono avere, secondo i casi,
effetti dichiarativi o esecutivi (e rientrare per questo in uno degli altri due
gruppi della tripartizione), o viceversa certi provvedimenti di cognizione o di
esecuzione possono, quando si considerino sotto l’angolo visuale del loro
scopo, esser compresi nel grupo dei provvedimenti cautelari.
La verità, notata molti anni fa da Alfredo Rocco (2) e recentemente
approfondita dal Carnelutti (3), è questa: che il criterio che serve a
distinguere i provvedimenti di cognizione da quelli di esecuzione è diverso
da quello che serve a distinguere i provvedimenti cautelari (di cognizione o
di esecuzione) da tutti quegli altri provvedimenti (di cognizione o di
esecuzione)
(...)
Dire su due diverse dimensioni, possono tra loro intersecarsi e combinarsi,
ma non fondersi in una classificazione unica: il gruppo dei provvendimenti
cautelari può distinguersi nei due sottogruppi dei provvendimenti cautelari di
cognizione (per es. il decreto che concede il sequestro conservativo, o la
sentenza che lo convalida) e dei provvedimenti cautelari di esecuzione (per
es. la esecuzione del sequestro conservativo: art. 930 Cod. Proc. Civ.). 518

518 CALAMANDREI, Piero, Introduzione Allo Studio Sistemático Provvedimenti Cautelare. Padova:
Cedam, 1936. p. 8-9.
Tradução livre: “Para sair desse beco sem saída, é necessário começar por compreender no sentido
justo o ensino segundo o qual “a atuação da lei no processo pode assumir três formas: conhecimento,
conservação, execução”. Nessa tripartição, que enfoca justamente a existência de uma função
cautelar (“conservação”) como forma autônoma de tutela, (isto) não quer dizer porém, que o critério
com base no qual os procedimentos cautelares se diferenciam de todos os outros procedimentos seja
homogêneo daquele pelo qual os procedimentos de cognição se diferenciam dos de execução;
enquanto, ao contrário, os provimentos cautelares podem ter, conforme os casos, efeitos declarativos
ou executivos (e entrar novamente por isso em um dos outros dois grupos da tripartição), ou vice-
versa, certos provimentos de conhecimento ou de execução podem, quando se considerem sob o
ponto de vista da sua finalidade, estar compreendidos no grupo dos provimentos cautelares. A
verdade, observada muitos anos atrás por Alfredo Rocco recentemente aprofundada por Carnelutti, é
esta: o critério que serve para distinguir os provimentos de conhecimento daqueles de execução é
diferente daquele que serve para distinguir os provimentos cautelares (de conhecimento ou de
execução) de todos aqueles outros provimentos (de cognição e de execução) (...) Esses dois critérios
de classificação, que são situados por assim dizer sobre duas diferentes dimensões, podem entre
eles intersecionar e combinar-se, mas não fundir-se em uma classificação única: o grupo dos
provimentos cautelares pode se distinguir nos dois subgrupos dos provimentos cautelares de
conhecimento (por exemplo, o decreto que concede o sequestro conservativo ou a sentença que o
convalida) e dos provimentos cautelares de execução (por exemplo, a execução do sequestro
conservativo: art. 930, Cód. Proc. Civ.).
211

Ainda que sob a alcunha de processo, cautelar nunca foi autônoma, sempre
existiu em função de outro processo sendo muito criticada a concepção de cautelar
satisfativa519.
José Manoel de Arruda Alvim sobre os termos do art. 273 e 461 do CPC/73
destaca o que denomina de “rigidez da divisão e mistura de funções num mesmo
segmento processual”:

Afirma-se que, no estágio atual do direito processual, o processo cautelar


acaba ou acabou assumindo funções que seriam próprias do processo de
conhecimento, e - acrescente-se - mesmo próprias da execução. É curial
que esta promiscuidade de funções acabe por comprometer, na medida em
que possa ser constatada essa mistura, a própria rigidez da divisão histórica
das funções do processo, que se estabeleceu, principalmente no século
passado, à qual se aliava a impossibilidade da prática de ato de realização
do direito, dentro do segmento do processo ordinário ou de conhecimento.
Com a antecipação de tutela essa simultaneidade de função
declaratória lato sensu própria do processo de conhecimento
com execução resta assumida, inequivocamente, pelo direito positivo. 520

Não resta dúvida de que pode haver situações que ensejam cautelaridade
dentro de um processo de conhecimento, assim como em um processo de
execução, da mesma forma que há em um processo de execução atividade
cognitiva. Há uma nítida mistura de funções em um mesmo segmento processual.
A atividade intelectual do magistrado será sempre de conhecimento (analisar
determinada questão). A atividade jurisdicional521 poderá ser puramente chegar a
uma solução (conhecimento), efetivar a solução alcançada pelo Poder Judiciário
(cumprimento de sentença), ou efetivar situação vinda “pronta” ao Judiciário
(processo de execução), e também proteger para que as duas anteriores atividades

519 “De consignar-se que, em rigor técnico, não se pode falar em cautelar satisfativa, uma vez que a
cautelaridade se caracteriza pela não satisfatividade, isto é, quem acautela não satisfaz. Diante
disso, falar em cautelar satisfativa é apagar as fronteiras que separam o processo cautelar do
processo de conhecimento, o que não pode ser admitido pela melhor técnica processual.” (LOPES,
João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 102).
520 ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas

pelo processo hidierdo entre nós. Evolução da cautelaridade e suas reais dimensões em face do
instituto da antecipaão de tutela. As obrigações de fazer e de não fazer. Valores dominante na
evolução dos nossos dias. Revista de Processo. Vol. 97. 2000. p. 51-106.
521 “Posto que utilizadas frequentemente como sinônimos, entende-se por prestação jurisdicional,

mais propriamente, o serviço judiciário, ou seja, a atividade exercida pelos juízes e seus auxiliares. A
tutela jurisdicional tem relação com a qualidade jurisdicional e com o fim do processo.” (LOPES, João
Batista. A natureza jurídica do processo e o conceito de tutela jurisdicional. In YARSHELL, Flávio
Luiz; ZUFELATO, Camilo; (org.). Teoria Geral do Processo no Brasil – passado, presente e futuro.
São Paulo: Malheiros, 2013. p. 508).
212

jurisdicionais tenham efetividade (cautelar). Mas, função522 cautelar não


necessariamente está presente em atividade jurisdicional (a hipoteca judiciária é um
efeito anexo da sentença, mas que não deixa de ter função cautelar), e pode estar
presente em procedimentos que não vislumbram essa característica
ostensivamente.
A função cautelar pode estar presente nos mais diversos provimentos
jurisdicionais, Enrico Tullio Liebman considerava, por exemplo, que a penhora, ato
inegavelmente de execução forçada, tinha função conservativa:

A penhora tem finalidade dupla: 1 – visa individualizar e apreender


efetivamente os bens que se destinam aos fins da execução, preparando
assim o ato futuro de desapropriação; 2 – visa também conservar os bens
assim individualizados na situação em que se encontram, evitando-se que
sejam escondidos, deteriorados ou alienados em prejuízo da execução em
curso.
(...)
A penhora tem, como se vê, em parte, função conservativa. 523

Conforme assevera Teresa Arruda Alvim Wambier “parece que a tônica da


preocupação dos processualistas, no lugar de tentar responder em que medida se
aplica o processo de conhecimento ao processo de execução, é desmistificar a
separação absoluta entre os processos de conhecimento e de execução, que, em
estado puro, só existe no plano das ideias."524 De fato, não é possível separar de
maneira completa as funções que um provimento judicial exerce.
Não resta dúvida de que a estrutura do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, mormente em decorrência das conclusões que se chegou no
item 3.3.2 de que se trata de um verdadeiro processo incidental, que tem estrutura
de processo de conhecimento em que, em um ambiente de contraditório, apurar-se-
á se o sócio é ou não responsável secundário, no entanto, a função poderá varia, e
quando na fase de conhecimento terá função cautelar.
Responsabilizar o sócio de maneira secundária se não nascer a
responsabilidade primária é inócuo. A decisão do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica não tem um fim em si mesma, uma vez que o sistema

522 “Função em direito é sempre uma atividade desenvolvida para atender às necessidades de
outrem.” (ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros.
2002. p. 85).
523 LIEBMAN, Enrico Tullio. Processo de execução. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1980. p. 123.
524 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo de execução e assuntos afins. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1998. p. 9.
213

brasileiro não comporta a punição pura e simples dos abusos da personalidade


jurídica.
Se há abuso da personalidade jurídica, mas não há prejuízos a terceiros, não
há motivação para requerer a desconsideração. A função do incidente na fase de
conhecimento é garantir que, surgindo um direito creditório, não só a pessoa jurídica
seja compelida a pagar, mas também seus sócios (através de responsabilidade
patrimonial), e isto porque praticaram atos fraudulentos e não devem se beneficiar
da autonomia patrimonial.
A função do incidente de desconsideração da personalidade jurídica durante a
fase de conhecimento é proteger um futuro direito creditório que pode ser frustrado
em decorrência de inadimplemento da pessoa jurídica. Há dupla pontencialidade: da
existência futura de um crédito e da frustração no recebimento desse crédito.
Portanto, a decisão de desconsideração da personalidade jurídica tem função de
preservação de um direito futuro.
Se o crédito nunca vier a nascer (improcedência da ação principal) não
haverá obrigado, não haverá responsável primário, muito menos responsável
secundário.
Se já existe um responsável primário (processo de execução e cumprimento
de sentença), a função do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é
efetivar a responsabilidade secundária de maneira imediata, é invadir o patrimônio
do sócio prontamente.
Se durante o processo de conhecimento, para garantir o recebimento do
crédito futuro em face do réu pessoa jurídica, é preciso obter medida cautelar
(arresto), não há como assegurar esta mesma garantia de recebimento futuro,
dirigida a quem sequer é parte na relação jurídica de direito material, ser
considerada de maneira diversa.
Ainda que a estrutura de cautelar tenha sido modificada no NCPC, a função
cautelar ainda existe, e não somente quando se requer Tutela Provisória nos termos
do art. 300 e seguintes do CPC.

6.1 – Provisoriedade e Temporariedade


214

Um ponto importante de se destacar é a diferença entre provisoriedade e


temporariedade e, que influencia no raciocínio ora explanado, mormente porque o
nome dado ao Livro V do CPC/15 leva a equivocada conclusão.
O inevitável questionamento é como pode ser considerada provisória uma
decisão interlocutória que transita em julgado? Será que a decisão que desconsidera
a personalidade jurídica pode ser considerada como uma tutela provisória?
Primeiramente, destaca-se que o nome dado ao Livro V do CPC/15 não é o
mais adequado525, pois as tutelas que visam proteger (considerando a cautelar como
função), podem ser provisórias e definitivas526. A função cautelar do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, embora não se perfaça através de uma
tutela provisória tal qual hoje é concebida no Código de Processo Civil de 2015, é
verificável na concepção de processo cautelar presente no Código de Processo Civil
de 1973.
As cautelares, diferentemente das tutelas provisórias satisfativas (antecipação
da tutela), ambas com função cautelar (de proteção), são temporárias, mas não são
provisórias.
Para Paula Sarno Braga, Rafael Oliveira e Fredie Didier provisórias somente
são as tutelas antecipadas:

A tutela antecipada, ao final do processo, necessariamente será substituída


por outro pronunciamento, “A tutela provisória é aquela que dá eficácia
imediata à tutela definitiva (satisfativa ou cautelar), permitindo sua pronta
fruição (...) A tutela provisória, por excelência, é a tutela antecipada. É

525 O nome dado ao Livro V do CPC/15 não é o mais adequado. Indubitavelmente não é fácil
encontrar uma palavra que defina, sem margem à crítica, a que assunto o Livro V se refere e esta
falta de consenso é observada desde o processo legislativo. No projeto do Senado Federal (PL n.
166/2010) denominava-se de Tutela de Urgência e Evidência, no substitutivo da Câmara dos
Deputados (n. 8.046/2010) o nome dado era “Da Tutela Antecipada”, e o texto aprovado restou como
Tutela Provisória.
O Livro V trata na realidade de tutelas não padrão. O padrão é que as tutelas sejam concedidas em
cognição exauriente e não sumária. Assim compreende-se que uma tutela não padrão é aquela que
não obedece ao transcurso regular e pode ser tanto definitiva como provisória.
526 Dividindo-se a tutela jurisdicional em definitiva e a provisória, tem-se que as tutelas definitivas

podem ser divididas em satisfativas (a tutela padrão) e não satisfativas (cautelares). A tutela
jurisdicional definitiva não satisfativa, embora não satisfaça o direito se distinguem das tutelas
definitivas padrão (de cunho satisfativo) pela instrumentalidade (é um instrumento, não o fim em si) e
temporariedade. (DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso
de Direito Processual Civil. Teoria Geral da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa
Julgada e Tutela Provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 466).
O que importa é ter em mente que embora o nome do Livro V seja Tutelas Provisórias, este conceito
de efemeridade e transitoriedade não é absoluto, como acontece no caso das cautelares.
215

aquela que antecipa os efeitos da tutela definitiva, isto é, a satisfação ou a


cautela do direito afirmado.527

Sobre a definitividade da cautelar, Daniel Francisco Mitidiero:

A tutela cautelar é tão definitiva quanto a tutela satisfativa. Nas duas formas
de tutela jurisdicional, as decisões finais estão submetidas à cláusula rebus
sic standibus – que marca os limites temporais de atuação e autoridade dos
respectivos provimentos. Mesmo quando à tutela cautelar não se segue a
tutela satisfativa e aquela perde a sua eficácia não se pode falar em
temporariedade, já que a não propositura da demanda para realização do
direito acautelado constitui condição resolutiva que, não concretizada,
apaga ex tunc a eficácia da tutela cautelar. 528

Coaduna-se com o posicionamento de Daniel Francisco Mitidiero, apenas


ressalvando-se que temporariedade não é sinônimo de provisoriedade. Tudo que é
provisório é temporário, mas nem tudo que é temporário é provisório. A tutela
cautelar é temporária porque tem a finalidade de durar um tempo, enquanto se
justifica proteger o direito, depois se esvai529 sem ser substituída.
A tutela cautelar visa garantir “futura satisfação do direito material”530 que no
caso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é o eventual direito
creditório em face da pessoa jurídica. Se não surge o direito creditório perde a razão
de ser da responsabilidade secundária.
Sem a pretensão de aprofundar em tema tão rico, o presente tópico tem o
designo de pontuar que o fato de a decisão do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica não poder mais ser revogada, de não apresentar a
característica de provisoriedade, não retira a sua função cautelar quando o processo
principal se encontra na fase de conhecimento.

527 DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandre de. Curso de Direito
Processual Civil. Teoria Geral da Prova, Direito Probatório, Decisão, Precedente, Coisa Julgada e
Tutela Provisória. Vol. 2. 10. ed. Salvador: Ed. Juspodivm, 2015. p. 466.
528 MITIDIERO, Daniel Francisco. Antecipação da tutela: da tutela cautelar à técnica antecipatória. 3.

ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 34.


529 Andre Luiz Bäuml Tesser destaca o posicionamento do italiano Carlo Calvosa: “Os argumentos de

Calvosa são expostos no sentido de que a tutela cautelar deve, efetivamente, perder seus efeitos
quando da extinção do juízo de mérito, da rejeição da demanda ou mesmo de seu acolhimento,
porque, em verdade, em todos estes casos houve atuação concreta da tutela normativa.”
O mesmo autor destaca também a diferença entre temporariedade e provisoriedade: “a tutela
cautelar, igualmente, deve ter como elemento característico não a provisoriedade, mas sim a
temporariedade.” (TESSER, Andre Luiz Bäuml. Tutela cautela e antecipação da tutela. Perigo de
dano e perigo de demora. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 139).
530 TESSER, Andre Luiz Bäuml. Tutela cautela e antecipação da tutela. Perigo de dano e perigo de

demora. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 99.


216

O que se defende é que a função cautelar não deve ser analisada como um
fenômeno endoprocessual, nem a partir de um inflexível caráter acessório limitado
no tempo, em que a sua não efetivação geraria extinção.
Restou demonstrado no presente trabalho que há interesse de agir na
instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na fase de
conhecimento, principalmente para possibilitar futura alegação de fraude à
execução. A finalidade cautelar é externa (preservar o futuro direito creditório no
processo principal), e ainda que não seja imediatamente efetivada, se, em algum
momento da fase de conhecimento, der cumprimento a decisão interlocutória
inserindo o sócio no polo passivo, não perde a função cautelar531.

6.2 - Responsabilidade do autor do incidente de desconsideração da


personalidade jurídica

Se em um processo em que é concedida a tutela provisória de urgência para


garantir direito creditório futuro (arresto) vier a ser proferida sentença de
improcedência, surge a responsabilidade objetiva do autor (art. 302 do CPC), não há
como dar tratamento distinto em situação, que, vale dizer, é muito mais grave:
incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
Se o réu (pessoa jurídica), que não chegou a ser responsável primário pode
requerer a responsabilização do autor, mais sentido há em o sócio (réu no incidente
de desconsideração da personalidade jurídica) requerer a submissão aos termos do
art. 302 do CPC.
O art. 302 do CPC versa que “independentemente da reparação por dano
processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência
causar à parte adversa”, tratando os incisos de 4 hipóteses, interessando ao
presente estudo a hipótese do inc. I: a sentença desfavorável.
A sentença desfavorável no processo de conhecimento automaticamente
torna sem qualquer finalidade a responsabilidade secundária atribuída aos sócios.
Nota-se que mesmo com motivação interna para os sócios serem qualificados como

531A este respeito interessante ver sobre a instrumentalidade atenuada: TESSER, Andre Luiz Bäuml.
Tutela cautela e antecipação da tutela. Perigo de dano e perigo de demora. São Paulo: Revista dos
Tribunais. 2014. p. 149-157; TORRALBA, Alberto José Lafuente. La evolucion de la tutela cautelar
desde uma perspectiva internacional: hacia de la autonomia de las medidas antecipatórias. In Revista
de Processo. Vol. 156. 2008, p. 77-103.
217

responsáveis secundários (fundamentos da desconsideração da personalidade


jurídica), não havia a motivação externa (débito da pessoa jurídica inadimplido).
Parece que a situação do sócio se insere perfeitamente nos termos do art.
302, I do CPC, mas antes é preciso analisar com mais profundidade: (i) porque a
responsabilidade seria objetiva e, (ii) o que deve ser entendido por efetivação da
tutela de urgência.

6.2.1 – Responsabilidade objetiva

A preocupação com a execução de tutelas provisórias ocorre há muito tempo,


e embora no Código de Processo Civil de 1939 (medidas preventivas - denominação
da época) somente nos casos em que se constatasse dolo é que haveria
responsabilidade de maneira objetiva, Alfredo de Araujo Lopes da Costa já se
posicionava por uma aplicação mais ampla:

A responsabilidade do autor na ação preventiva.


O exequente da medida preventiva deveria sempre ser responsável pelos
danos que a execução causasse ao executado:
a) Realizada a providencia, dentro no prazo que a lei fixasse, não
ajuizasse a ação principal;
b) O tribunal desse provimento ao recurso contra a decisão que
houvesse decretado a providencia;
c) Quando a sentença na ação principal fosse desfavorável ao autor.
Assim é no direito alemão.
(...)
Nosso legislador, porém, trancou a questão, eis que no art. 688, parág.
único, restringiu a responsabilidade objetiva ao caso de dolo ou erro
grosseiro do autor.532

Atribui-se assim a Alfredo de Araujo Lopes da Costa a idealização da


responsabilidade objetiva de maneira mais ampla, constando expressamente essa
possibilidade no art. 811 Código de Processo Civil de 1973.
Assim, os termos do art. 302 do CPC não são uma novidade, apenas
ocorrendo extensão para as situações de antecipação da tutela.
Compreende-se pela redação do revogado art. 811 do CPC/73, igualmente
repetido no art. 302 do CPC, que diante da separação explícita de dano processual

532LOPES DA COSTA, Alfredo de Araujo. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Forense. 2. ed. 1959. P. 152.
218

e dano com a efetivação da medida cautelar que a responsabilidade está ligada ao


objeto, independendo de qualquer conduta culposa da parte.

Neste sentido Donaldo Armelin:

O vigente CPC [1973] diferentemente de outros códigos (v.g. o italiano)


disciplinou especificamente a responsabilidade pela execução da medida
cautelar a latere da responsabilidade pela litigância de má fé. Isto leva à
conclusão que a responsabilidade pela reparação dos prejuízos decorrentes
da execução dessa medida não emerge do ato ilícito stricto sensu, ou seja,
daquela ação ou omissão coloridas de dolo ou culpa. Pura e simplesmente
tem a sua gênese na cominação implícita constante da sentença ou decisão
que concede a execução da medida, no sentido de que, se ocorrer qualquer
das hipóteses do art. 811, do CPC [1973], exsurge a obrigação de compor
perdas e danos. A despeito de inexistir, in casu, o ilícito stricto sensu, nem
por isso a obrigação de reparar há de se cingir a parâmetros determinados,
devendo, ao revés, acompanhar a regra básica da reparação, ou seja, deve
ser hábil por si só para recompor a situação jurídica anterior à medida, ou,
quando mais não seja, assegurar uma situação jurídica substitutiva da
primeira, mas com a plenitude de utilidade daquela cuja repristinação se
mostrou impossível por circunstâncias fáticas ou quejandos. 533

Igualmente Humberto Theodoro Junior:

Para fixação da responsabilidade civil proveniente da medida cautelar, não


importa saber se agiu ele com fraude, malícia, dolo ou culpa stricto sensu.
A tutela cautelar por sua excepcionalidade e pela sumariedade com que é
concedida, exige que seu exercício se dê “de regra, a risco e perigo do
autor.
Não há de se falar em presunção de culpa para justificar esse dever de
indenizar. O que se dá é, puramente, um caso de responsabilidade objetiva,
à qual o elemento culpa é de todo estranho ou dispensável. ”
Nenhum ato ilícito pratica o autor da ação cautelar, mas improcedente a
ação principal, ou extinta a eficácia da medida por alguma das outras razões
arroladas pelo art. 811, injusta se tornou a consequência da tutela cautelar
para a parte contrária.
Em suma, a responsabilidade civil em matéria de medidas cautelar rege-se,
simplesmente, pelo “princípio da sucumbência”.534

No entanto, embora seja posicionamento abarcado por grande parte da


doutrina535, com o qual este trabalho concorda, há posicionamentos divergentes.

533 ARMELIN, Donaldo. Perdas e danos – responsabilidade objetiva pelo ajuizamento de cautelar
inominada e por litigância de má-fé – forma mais adequada de liquidação – indenização fixada pelos
índices ORTN. Revista de Processo. Vol 39. Jul.-Set. 1985. p.222-237.
534 THEODORO JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 25. ed. São Paulo: Leud. p.173-174
535ABELHA, Marcelo. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2016. p. 398;

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. In BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao
Código de Processo Civil. Vol. 1. Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2017.p. 939; WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de;
MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São
219

Daniel Francisco Mitidiero536 divide os incisos do art. 302, atribuindo a


responsabilidade objetiva aos incisos II e III, asseverando que referente ao inciso I e
IV a responsabilidade seria subjetiva. Argumenta o autor que atribuir
responsabilidade objetiva seria como negar a existência anterior de uma decisão
válida, dizendo que “o juízo exauriente substitui o juízo sumário, mas não apaga a
sua existência”. Por isso, nesses casos, seria necessário demonstrar que aquele que
obteve a decisão sumária tenha agido de maneira indevida.
Realmente de início soa com estranheza os termos do art. 302 do CPC, afinal
quem concede a tutela provisória é o Estado, e se assim fez é porque compreendeu
que estavam presentes os requisitos necessários. Então, como responsabilizar o
requerente que apenas valeu-se do seu direito de ação e obteve a chancela do
Poder Judiciário? Surge, assim, a importância da palavra efetivação, que será
abordado no próximo tópico.
De toda sorte, ao que parece, tanto os entendimentos doutrinários como a
jurisprudência apontam para a objetividade da responsabilidade presente no art. 302
do CPC, destacando-se o recente julgamento do Recurso Especial 1.637.747/SP,
que assim ficou ementado: “O art. 811 do CPC/1973537 trata da responsabilidade
objetiva do requerente de medida antecipatória, posteriormente revogada por
sentença, cuja execução tenha causado prejuízos à parte contrária. ”538

6.2.2 – Efetivação da “tutela provisória”

O que gera direito a indenização no caso de sobrevir sentença desfavorável


não é a obtenção de tutela provisória de urgência, mas a sua efetivação539.

Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 555 ; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Tutela Provisória.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 209.
536 MITIDIERO. Daniel. In WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR, Fredie; TALAMINI, Eduardo;

DANTAS, Bruno (coord.). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2016. p. 830.
537 Correspondente ao art. 302 do CPC/2015.
538 STJ - REsp 1.637.747/SP. Relator Min Nancy Andrighi. Terceira Turma. Data do julgamento

16/03/2017. DJ2 22/03/2017.


539 “O dispositivo legal traz as hipóteses em que, por imposição legal, o requerente da tutela de

urgência terá o dever de indenizar o requerido. Antes de mais nada, convém registrar que o prejuízo
só se consumará com a efetivação da tutela de urgência concedida, e não com a sua simples
concessão. É preciso, pois, que a medida concedida seja executada.” (WAMBIER, Teresa Arruda
Alvim; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MEDEIROS, Maria Lúcia Lins Conceição de; MELLO,
Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2015, p.555).
220

Em que pese aprouver ilógico obter uma tutela de urgência e não efetivá-la
imediatamente (como falar em urgência?), trata-se de um sopesar de riscos. Nas
palavras de Galeno Lacerda:

Quem tem interesse, para sua conveniência (cômodo), em executar


a cautelar ou a sentença provisória, suporta a inconveniência (incômodo) de
indenizar o prejuízo causado, se decair da medida ou for vencido na ação.
Nada mais certo e justo. Tudo não passa de responsabilidade objetiva,
decorrente de livre avaliação de risco540

William Santos Ferreira segue no mesmo sentido:

A responsabilidade objetiva no plano processual decorre de uma livre


assunção de riscos. O autor pleiteia tutela cautelar, obtendo-a inicialmente,
mas se ao final não for o vencedor, suportará os riscos, não apenas nos
casos de culpa, dolo ou má-fé, mas porque, especialmente com a adoção
de 'técnicas de aceleração da tutela jurisdicional de natureza provisória',
o fator risco é elemento integrante do tipo, motivo pelo qual
a alguém caberá suportar eventuais danos. Por isto, como já constatou Fritz
Baur, o Estado transfere os danos da tolerância do ato estatal ao
beneficiário da ordem.541

Mas referente ao incidente de desconsideração da personalidade jurídica o


que é efetivação? E neste ponto retoma-se o iniciado nos itens 3.3.2 e 5.5 referentes
ao cumprimento de sentença cindido.
A parte do cumprimento de sentença que interessa ao presente tópico é o
cumprimento externo, referente ao momento de inserir o sócio no polo passivo da
demanda principal. Como visto, a finalidade precípua de desconsiderar a
personalidade jurídica em fase de conhecimento é garantir o dies quo para eventual
alegação de fraude à execução, mormente porque este trabalho repele a
interpretação literal do art. 792, § 3º, do CPC.
Desde o momento da distribuição do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica, como descrito no item 5.1 já há proteção do autor para poder
alegar fraude à execução voltada ao patrimônio do sócio. Assim sendo, inserir ou

“O dano que se há de indenizar é o resultante da execução da medida cautelar (art. 811, caput), isto
é, aqueles prejuízos diretamente ‘produzidos’ ‘pelo cumprimento do mandato’.” (THEODORO
JUNIOR, Humberto. Processo Cautelar. 25. ed. São Paulo: Leud.. p. 175).
540 LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1992, vol.

8, tomo I, p. 244.
541 FERREIRA, William Santos. Responsabilidade objetiva do autor e do réu nas tutelas cautelares e

antecipadas: esboço da teoria da participação responsável. In Revista de Processo. Vol. 188. Out.
2010. p. 9-51.
221

não o sócio no polo passivo da demanda principal (e assim dar cumprimento de


sentença) não tem grandes reflexos práticos ao autor que sustente o risco de uma
efetivação da tutela provisória (função cautelar do incidente de desconsideração da
personalidade jurídica).
A única justificativa ao autor para inserir imediatamente o sócio no polo
passivo da demanda principal é tentar obter uma tutela provisória de urgência
cautelar de arresto de bens do sócio. Essa situação, como descrito no item 5.6 já
poderá ter ocorrido dentro do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica, no entanto, a probabilidade do direito para concessão de tutela provisória de
urgência de arresto com a decisão de procedência no incidente será outra, mais
forte vale dizer.
Fora dessa situação (obtenção de cautelar de arresto de bens do sócio no
processo principal), não há finalidade prática para inserir o sócio, como responsável
secundário ainda na fase de conhecimento.
Mas, e o sócio, como fica o direito de apresentar defesa no processo de
conhecimento? O sócio já terá sido considerado como responsável secundário
(procedência no incidente de desconsideração da personalidade jurídica), seria
coerente dizer que não poderá agir no processo principal enquanto lá não for
inserido pelo autor?
Em verdade este sócio, sempre pôde participar do processo principal como
assistente simples, e poderá continuar a participar. Considera-se que ingressar no
processo principal como parte, independentemente da provocação do autor
(efetivando a “tutela provisória”), como um cumprimento de sentença espontâneo,
elimina a possibilidade de alegar futuramente responsabilidade objetiva nos termos
do art. 302 do CPC542.

542 Pedro Henrique Torres Bianchi defende que o réu atingido pela desconsideração da personalidade
jurídica somente é responsável pelo valor da dívida, e não pelos custos que o processo gerou até o
seu ingresso: “Todas essas obrigações pelo custo do processo e outras, cujos fatos constitutivos
nascem no decorrer do processo, só são de responsabilidade do sócio que sofre a desconsideração
quando sua incidência se dá após sua integração ao pólo passivo da demanda. Ou seja, todas as
obrigações criadas dentro do processo antes de seu comparecimento não são de sua
responsabilidade, porque se imporia a alguém que não participou do contraditório o custo por algo
que não deu causa. O fato de o sócio ser responsável pela dívida material executada não implica sua
responsabilidade por obrigações geradas dentro do processo. São fatos geradores totalmente
distintos e divisíveis.” (BIANCHI, Pedro Henrique Torres. Desconsideração da personalidade jurídica
no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 174).
Este raciocínio não se aplica aos casos de processo de conhecimento.
O sócio é responsável secundário pela dívida, e diferentemente do que acontece nos casos de
cumprimento de sentença e processo de execução em que a dívida já existe, e, portanto, o
222

A parte autora poderá aguardar o nascimento do título judicial que fará nascer
a dívida em face da pessoa jurídica (responsável primária), para somente então dar
cumprimento à decisão interlocutória que, ao desconsiderar a personalidade jurídica
tornou o sócio responsável secundário com legitimidade. Com isso afastará a
incidência do art. 302 em caso de improcedência da ação principal.
Com a decisão no incidente há três opções: (i) o autor insere o sócio no polo
passivo do processo principal e assume o risco de eventual responsabilidade
objetiva; (ii) o sócio ingressa no processo principal na condição de parte
(responsável secundário) e exerce seu direito defesa, afastando com isso a
possibilidade de alegação de responsabilidade objetiva, afinal foi ele quem efetivou a
“tutela provisória” e (iii) o autor aguarda o transito em julgado da decisão no
processo principal e então insere o sócio como responsável secundário, não
havendo impedimento da participação do sócio como assistente simples no processo
principal.
Cumpre relembrar a tormentosa situação de quando o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica é requerido na petição inicial. Nesses
casos, o sócio constará como litisconsorte passivo da pessoa jurídica, de maneira
que haverá publicamente uma situação de cumprimento de decisão que ainda não
existe. Este problema surge mais por uma questão de organização procedimental de
dados constantes do distribuidor que por questões legais.
Reafirma-se que o ideal seria, mesmo nos casos de incidente de
desconsideração da personalidade jurídica realizado internamente, que se
constasse partes na ação principal (autor e pessoa jurídica), e partes na ação
incidental (autor e sócios), e o problema estaria resolvido. E somente após a decisão
(interlocutória ou sentença – possível nesses casos) é que o sócio poderia (ficando a
critério do autor) constar como parte na ação principal.
No entanto, no cenário atual, a improcedência da demanda principal quando o
pedido de incidente de desconsideração da personalidade jurídica foi requerido na
inicial sempre gerará submissão aos termos do art. 302 do CPC.
Com a decisão que desconsidera a personalidade jurídica o autor poderá dar
imediato cumprimento a sentença inserindo o sócio no polo passivo da ação

responsável secundário pode ter a oportunidade de solvê-la quando dela for responsabilizado sem os
ônus do processo, a dívida no processo de conhecimento ainda não existe, e em caso de
procedência todo o título judicial representará uma única dívida.
223

principal e com isso poderá, por exemplo, requerer outra tutela provisória, agora de
arresto nos autos principais. No entanto trata-se da assumpção de um risco de que,
em caso de improcedência, responderá de maneira objetiva ao sócio.
Destarte, embora até o momento tenha se pautado na improcedência da ação
principal, portanto não nascimento da obrigação, a responsabilidade objetiva
também poderá estar presente em caso de procedência com imediato cumprimento
da obrigada pela pessoa jurídica. Não se ignora, que essa situação, na prática, é
pouco provável, mas segue a tônica do raciocínio.
Com a sentença condenatória surge a obrigação, que é da pessoa jurídica 543,
se esta obrigação é cumprida não nasce a responsabilidade patrimonial primária do
sócio, de tal sorte que não há de se falar em responsabilidade patrimonial
secundária. Conquanto plausível a descrita situação, pouco verificável será na
prática, mas importante destacar porque poderia servir de estratégia544 para o sócio
dar cumprimento de sentença espontâneo, mais um motivo para, conforme
asseverado alhures, repelir nesses casos a responsabilidade objetiva.
Destarte nunca é demais reafirmar, dada a natureza de demanda do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica, que pode ocorrer da decisão
interlocutória ser aplicada em outros processos e não somente ao que originalmente
aderiu (desde que se mantendo a tríplice identidade). Pode, por exemplo, acontecer
do processo de conhecimento ser julgado improcedente, e se tiver sido dado
cumprimento a sentença nos termos acima tratado, haverá responsabilidade
objetiva, no entanto, pode acontecer que surja um processo de execução e poderá,
sem problema algum haver o cumprimento de sentença, sem que signifique
responsabilidade objetiva.
A natureza de ação do incidente de desconsideração da personalidade
jurídica comporta cumprimento de sentença em diversos processos “principais”, e
somente o cumprimento de sentença em um processo que esteja em fase de
conhecimento é que poderá gerar responsabilidade objetiva.

543 Conforme destacou-se no item 5.3, embora a sentença proferida na fase de conhecimento, caso o
sócio esteja no polo passivo, irá em face dele se formar, então teoricamente o sócio seria responsável
primário. Todavia, para equacionar com as situações do art. 932 do CC que tem rol taxativo, é preciso
manter a condição de responsável secundário.
544 Por exemplo, a pessoa jurídica tem patrimônio suficiente caso venha a ser condenada, então o

sócio, sem provocação do autor, ingressa propositadamente no processo principal, pois sobrevindo a
condenação e havendo cumprimento espontâneo da pessoa jurídica não surgirá a responsabilidade
primária, muito menos a responsabilidade secundária, e então o sócio poderia alegar a
responsabilidade objetiva.
224

Portanto, mesmo diante da situação supra descrita (outras ações movidas


pelo mesmo autor em face desse mesmo réu no incidente de desconsideração da
personalidade jurídica), não se elimina a função cautelar enquanto inexiste crédito.
O que irá nortear os reflexos da função cautelar será o cumprimento da decisão do
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, se na fase de
conhecimento, poderá gerar responsabilidade objetiva.
Por fim, a responsabilidade objetiva apenas afasta um dos elementos da
responsabilidade civil, a culpa, mas o dano necessariamente precisará ser
comprovado. Notadamente que se houver diversos processos em face daquele
mesmo réu (pessoa jurídica) em fase de cumprimento de sentença ou até mesmo
processos de execução em que seja possível a inserção do sócio como responsável
secundário sem que signifique responsabilidade objetiva, haverá uma maior
dificuldade em demonstrar que com a inserção em fase de conhecimento gerou-se
danos.
O importante é consignar que a inclusão de um sócio como responsável
secundário em um momento que não existe crédito, no risco de não surgir a situação
processual de responsabilidade patrimonial (seja por improcedência da ação
principal, seja por cumprimento espontâneo pelo obrigado pessoa jurídica), dada a
função cautelar, submete-se aos termos do art. 302 do CPC.
225

CONCLUSÕES

O presente trabalho foi concebido com a intenção de demonstrar que o


incidente de desconsideração da personalidade jurídica, quando instaurado na fase
de conhecimento, tem função cautelar. Mas para se chegar a essa conclusão, ao
longo do texto outras conclusões foram necessárias. Passa-se a detalhar.
1. A pessoa jurídica, embora abstrata, é uma realidade criada
artificialmente para ter vida própria e independente dos membros que a compõe. O
nascimento da pessoa jurídica se dá através do ato formal de personificação,
adquirindo conseguintemente personalidade jurídica.
2. A personalidade jurídica é um conjunto de atributos, sendo a separação
patrimonial apenas um desses atributos. A depender do tipo societário, a separação
patrimonial terá diferentes graus. O grau mínimo de separação patrimonial admite a
alegação de subsidiariedade (primeiro devem se esgotar os bens sociais, somente
depois passa a responder pelas dívidas da sociedade o patrimônio dos sócios). O
grau máximo de separação patrimonial permite a autonomia completa, em que
mesmo em caso de insuficiência de bens sociais para responder por dívidas da
sociedade, o patrimônio dos sócios permanece incólume. O grau máximo de
separação patrimonial é verificável nas sociedades de responsabilidade limitada.
3. No decorrer da história, observou-se que o atributo de grau máximo da
separação patrimonial servia para prática de fraudes, ocorrendo o que ficou
consignado como abuso da personalidade jurídica. No século XIX, nos países de
tradição common law, surgiu a teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
4. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica preconiza que a
independência da pessoa jurídica não pode servir de escudo para a prática de atos
indevidos causando prejuízos a terceiros. Assim, sempre que constatado que houve
prejuízos e os sócios abusaram na personalidade jurídica, deve-se, episodicamente,
desconsiderar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.
5. A desconsideração da personalidade jurídica pode ser direta ou
inversa. Quem pratica atos de abuso, dado o caráter volitivo, serão sempre os seres
humanos, portanto o que norteia a classificação como direta ou inversa é a relação
de direito material. Quando a relação de direito material é entre o credor e o
integrante da sociedade a desconsideração da personalidade jurídica será inversa,
226

em que se objetiva buscar patrimônio do sócio que indevidamente encontra-se como


sendo da pessoa jurídica. Se a relação de direito material é com a pessoa jurídica, a
desconsideração da personalidade jurídica será direta.
6. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica cresceu nos
países de tradição common law, sendo transportada a países de tradição civil law na
segunda metade do século XX. Os trabalhos apontados como pioneiros são os do
jurista alemão Rolf Serick e do italiano Piero Verrocoli. No Brasil a teoria da
desconsideração da personalidade jurídica foi primeiramente sintetizada por Rubens
Requião, encontrando importantes estudos nas obras de Fabio Konder Comparato e
José Lamartine Corrêa de Oliveira.
7. Em decorrência dos termos do artigo 20 do Código Civil de 1916, a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica encontrava certa resistência
para ser aplicada no Brasil, mas com o tempo foi ganhando espaço, havendo um
aumento das decisões judiciais e o surgimento de diplomas legais tratando do tema.
8. A respeito dos diplomas legais, no ano de 1990 foi promulgada a Lei n.
8.078 (Código de Defesa do Consumidor) que, em virtude do art. 28, §5º, fez surgir o
que foi descrito por Fabio Ulhoa Coelho como sendo a teoria menor da
desconsideração da personalidade jurídica. Posteriormente, na mesma toada,
vieram as Leis n. 8.884/94 e 9.605/98. Em contraposição também há a teoria maior
concebida pelo art. 50 do Código Civil de 2002.
9. A divisão em teoria maior e menor da desconsideração da
personalidade jurídica tem por critério de classificação os requisitos para atingir o
patrimônio dos sócios. Na teoria maior é preciso que além do prejuízo a terceiros
exista abuso da personalidade jurídica verificável através de confusão patrimonial e
desvio de finalidade. Na teoria menor é prescindível a constatação do abuso da
personalidade jurídica, sendo considerada por alguns autores como um
desvirtuamento da teoria original da desconsideração da personalidade jurídica.
10. Seja na teoria maior, ou na teoria menor, a finalidade da
desconsideração da personalidade jurídica é a mesma: responsabilizar
patrimonialmente o sócio. Com a desconsideração o que se busca não é atribuir ao
sócio a autoria de ato que gerou inadimplência, desconsiderando-se assim a
independência da pessoa jurídica de firmar negócios em nome próprio; mas tão
somente tornar o sócio responsável patrimonial secundário. A desconsideração da
227

personalidade jurídica atinge apenas um dos atributos da personalidade jurídica:


autonomia patrimonial.
11. Com um negócio jurídico advém a obrigação, a qual, uma vez
descumprida faz surgir a dívida. Com a dívida nasce responsabilidade, que é
somente patrimonial. Dívida (Schuld) não se confunde com responsabilidade
(Haftung), sendo possível coincidência em uma mesma pessoa ou não. Quando a
obrigação pelo adimplemento da dívida e a responsabilidade patrimonial
concentram-se em uma mesma pessoa há responsabilidade patrimonial primária. No
entanto, quando o responsável patrimonial não era obrigado ao pagamento,
havendo assim dissociação entre dívida e responsabilidade, há responsabilidade
patrimonial secundária.
12. A responsabilidade patrimonial pertence ao campo de direto
processual, e quando secundária, encontra similitude com a responsabilidade
indireta, pertencente a área de direito civil. No entanto, a responsabilidade
patrimonial secundária não se confunde com a responsabilidade indireta
(responsabilidade por fato de outrem). Em ambas situações existe responsabilidade
sem haver ligação com a situação de direito material que enseja a cobrança, mas no
caso da responsabilidade indireta, o terceiro somente será compelido a cumprir com
o dever que seria de outrem, se for parte em processo cognitivo.
13. A responsabilidade patrimonial (caráter processual) que nasce da
responsabilidade indireta (caráter material) é primária. Não há responsabilidade sem
dívida, ainda que seja uma responsabilidade sem culpa. Por ser uma
responsabilidade sem culpa, comporta direito de regresso, e ainda assim, há
algumas exceções.
14. A responsabilidade patrimonial secundária é verificável na fase
executiva. Trata-se de responsabilidade sem dívida, mas não necessariamente sem
culpa.
15. A responsabilidade patrimonial do sócio por dívida da sociedade é uma
responsabilidade sem dívida, mas não sem culpa. Essa situação ficou exacerbada
com o Novo Código de Processo Civil em que, antes de haver o redirecionamento ao
sócio, é preciso em um processo cognitivo (incidente de desconsideração da
personalidade jurídica) apurar se o sócio abusou da personalidade jurídica.
228

16. Antes do Código de Processo Civil de 2015 muito se discutiu sobre a


posição do sócio atingido pela desconsideração da personalidade jurídica, se
passaria a ser devedor ou mero responsável patrimonial secundário. Os autores que
defendiam que o sócio se tornava devedor alegavam que o art. 592, II, do CPC/73
referia-se a situações de aplicação da responsabilidade pessoal do sócio, e não a
teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Para não deixar dúvidas, o
CPC/15 incluiu um novo inciso no artigo que versa sobre a responsabilidade
patrimonial secundária, mencionando no inc. VII do art. 792, a específica situação da
desconsideração da personalidade jurídica.
17. Da dificuldade inicial em se relativizar a independência da pessoa
jurídica em relação aos seus membros, passou-se a um uso exagerado da teoria
desconsideração da personalidade jurídica. A simples inadimplência da pessoa
jurídica já era motivo para invadir o patrimônio dos sócios. Se não bastasse a falta
de atenção aos requisitos legais, tudo ocorria sem contraditório prévio. Era preciso
organizar. Assim nasceu a ideia de criar um mecanismo processual próprio.
18. Apesar de tentativas legislativas anteriores, foi somente com o Código
de Processo Civil de 2015 (Lei n.13.105/15) que esse mecanismo processual para
discutir a desconsideração da personalidade jurídica abrolhou. Denominado de
incidente de desconsideração da personalidade jurídica, a novel estrutura
processual foi posicionada como sendo uma intervenção de terceiro. A opção como
sendo uma intervenção de terceiro se dá em virtude de o sócio ser terceiro em
relação a dívida da sociedade. Apesar do Código de Processo Civil descrever como
um incidente processual é na verdade um processo incidental.
19. O incidente de desconsideração é um processo incidental, pois, a
matéria versada não influencia no deslinde da ação principal, tem causa de pedir
diversa e tem necessidade de produção probatória. Por ser um processo incidental
deve seguir todas as diretrizes de todo e qualquer processo, devendo haver
condenação em honorários advocatícios, formando-se coisa julgada.
20. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser
instaurado em qualquer fase do processo de conhecimento e nas fases executivas
(processo de execução e cumprimento de sentença). Embora soe contraditório
permitir a apuração de responsabilidade patrimonial secundária conquanto inexiste
dívida e responsabilidade patrimonial primária, a autorização legislativa de
229

instauração em fase de conhecimento é necessária para garantir a efetividade do


pronunciamento judicial.
21. O sócio nunca terá ligação com o direito material que enseja a
cobrança contra a sociedade, de tal sorte que nunca será devedor. Embora nunca
possa ser considerado devedor, poderá sofrer alegação de fraude contra credores,
no entanto, na prática será pouco efetivo. A constatação de alienação em fraude
contra credores em situações regulares (alienante é devedor) não é de fácil aferição,
dada a necessidade de demonstrar o elemento subjetivo. No caso da
desconsideração da personalidade jurídica, é ainda mais difícil a demonstração do
elemento subjetivo entre o responsável secundário e o adquirente, pois a submissão
do patrimônio do sócio para satisfazer o credor da pessoa jurídica é excepcional.
22. As alienações realizadas pelo sócio somente poderão ser consideradas
em fraude à execução em relação ao credor da sociedade, se, ao tempo da
alienação tramitava ação em face desse sócio. O art. 792, §3º, do CPC deve ser
compreendido em harmonia com a interpretação concedida aos casos genéricos do
art. 792, IV, CPC, que atualmente tem como marco a citação válida do alienante.
23. Em que pese o entendimento atual, concluiu-se que a melhor
interpretação para a locução “tramitava ação” é a existência de ação distribuída, não
sendo necessária a existência de citação válida. Assim, o marco para ser
considerado que determinada alienação do sócio foi em fraude à execução, deve ser
a existência de ação em face deste sócio capaz de torná-lo insolvente, podendo ser
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, ou qualquer outra ação.
24. A importância de permitir a instauração do incidente de
desconsideração da personalidade jurídica ainda em fase de conhecimento é
possibilitar a alegação futura de fraude à execução.
25. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica pode ser
requerido junto a inicial da ação de conhecimento (art. 134, §2º, do CPC), ou após o
seu início. Se requerido na petição inicial não será formado um processo destacado,
havendo um litisconsórcio passivo facultativo eventual. Em atenção a isonomia, e
visando preservar o marco para configuração de fraude à execução, em ambas as
situações (incidente de desconsideração da personalidade jurídica interno ou
externo), deve haver imediata comunicação ao distribuidor.
230

26. Sendo o incidente de desconsideração um processo incidental o seu


não prosseguimento (mencionado por alguns como não instauração) significa
extinção sem julgamento do mérito. Interpretar de maneira diversa conflitaria com a
natureza de demanda do incidente de desconsideração da personalidade jurídica,
negando-se o direito de ação.
27. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica deve ser
sempre instaurado em primeira instância, ainda que o processo principal esteja em
fase recursal. O art. 932, VI, do CPC refere-se aos casos de competência originária
dos Tribunais.
28. A suspensão do processo principal referenciada no art. 134, §3º, do
CPC, volta-se ao sócio. O processo continuará a tramitar, podendo o sócio se
almejar, ingressar como assistente simples da sociedade.
29. A decisão proferida no incidente de desconsideração da personalidade
jurídica faz coisa julgada. Se a decisão for de procedência, determinando assim a
responsabilidade secundária do sócio, haverá cumprimento de sentença cindido. O
cumprimento de sentença sincrético e interno será em relação aos honorários
advocatícios e despesas processuais. O cumprimento de sentença externo será a
inclusão do sócio como parte da ação principal.
30. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica desempenha
diferentes funções a depender do momento da sua instauração. No cumprimento de
sentença e nos processos de execução, em que já há responsabilidade primária da
sociedade, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica tem função
executiva. Nas fases de conhecimento a função é cautelar, pois, visa garantir a
cobrança de um crédito futuro.
31. Por ter função cautelar, a decisão proferida no incidente de
desconsideração da personalidade jurídica na fase de conhecimento sujeita-se aos
ditames do art. 302 do CPC (responsabilidade objetiva). Entende-se por efetivação
da decisão, a inclusão do sócio como parte no processo principal antes de nascer a
obrigação em face da sociedade (sentença transitada em julgado). Duas são as
situações que podem fomentar pedido de responsabilidade objetiva: (i) quando for
improcedente a ação principal e o sócio tiver participado da demanda; e (ii) quando,
havendo procedência da ação principal, antes de nascer a responsabilidade
primária, a pessoa jurídica cumpre com a obrigação. Em qualquer uma das
231

situações é preciso demonstrar a existência de dano para haver responsabilidade


objetiva.
32. Para evitar futura alegação de responsabilidade objetiva o autor que
obtiver decisão favorável de desconsideração da personalidade jurídica poderá
aguardar até o trânsito em julgado da sentença proferida no processo principal, e
então incluir o sócio como responsável secundário, já na fase de cumprimento
daquela sentença.
33. Não obstante, a decisão de desconsideração da personalidade jurídica,
dado caráter de ação, ainda que o incidente tenha se aderido a um processo em
fase de conhecimento, poderá ser utilizada pelo mesmo autor em outro processo
que contenda com aquele mesmo réu, e se for em cumprimento de sentença ou
processo de execução, não ensejará responsabilidade objetiva.
34. Quando o sócio é inserido no processo principal antes de haver
sentença transitada em julgado, será parte na formação da coisa julgada, havendo
uma transmutação da sua qualidade de responsável secundário para responsável
primário. Considerando que a descrita situação seria uma responsabilidade indireta,
e o art. 932 do Código Civil é taxativo, a sentença deve estabelecer a
subsidiariedade do sócio em relação àquela dívida.
Encerra-se o presente trabalho enaltecendo a escolha legislativa de conceder
à tema de direito material de rica importância, um mecanismo processual exclusivo,
mas que como todo e qualquer direito de ação deve ser exercido com
responsabilidade. Ainda que a ameaça de lesão tenha guarida constitucional (art. 5º,
XXXV), a não concretização da lesão deve ser reparada, mormente porque uma
demanda judicial pode causar prejuízos a outra parte.
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