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REFLETINDO SOBRE A DEMOCRACIA - UMA

CONTRIBUIÇÃO DE RAFFAELE DE GIORGI E


NIKLAS LUHMANN

Thais D ai A nanias de C arvalho*

RESUMO

Este artigo procura levar em consideração o conceito de democracia


a partir das idéias de Rafaelle de Giorgi e de Niklas Luhmann. Trata das
polêmicas sentidas pelos respectivos sistemas e que decorrem de crises
existentes. A firm a que o próprio sistema provoca as mudanças em si
mesmo e não os interesses sociais ou a contestação à autoridade com
referência à legitimidade legal. Atribui a este conflito grande importância
para construção da ordem desejada.

ABSTRACT
|
This article tries to take into consideration the concept of democracy
from the ideas developed by Raffaele de Giorgi and Niklas Luhmann. It
deals with the polemics related to the respective systems and that develop
from existent crisis. It affirm s that the own system provokes the changes
in itself and not the social interests or the authority confrontation in
according to the legal legitimacy. It attributes to this conflict a great
importance to the construction of the desired order.

1. INTRODUÇÃO

“Com o poderia ser um G overno bem instituído com o dom ínio


de um só h o m e m , se ele p o d e fa z e r o que q u e r sem dar
satisfação a ninguém ? O m onarca tende a tornar-se tirano. Por
outro lado, o G overno do povo é com certeza o melhor, porque
nele to d o s são iguais, m as ta m b é m te n d e a d e g e n e ra r e a
to rn a r-s e d e se n fre a d a d em agogia. Por isso, a m elho r fo rm a
de G overno é uma boa m onarquia”.

H e ró d o to (III, 8 0 -8 2 )

* M estre em D ireito C o n stitu c io n al pela UFMG. D outoranda em D ireito C o n stitu cio n al pela UFMG. A dvogada
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de M inas Gerais

Teria H eródoto razão, já nos idos de 425 a.C. ? Será possível


afirm ar, nos dias atuais, que a sociedade v iv e em uma dem ocracia?
Ou será que a previsão de H erótodo concre tizo u -se e passam os a
v iv e r uma dem agogia? Desde a antigüidade discu te-se acerca da
m e lho r form a de governo a ser adotada por uma nação. P éricles,
estadista ateniense do ano 495 a.C., foi em grande parte responsável
pelo com pleto d e se n vo lvim e n to , no fin a l do S éculo V a.C., tanto da
dem ocracia com o do im p ério ateniense. Em discurso p rofe rido por
ocasião da m orte de vá rio s concidadãos atenienses que lutaram na
G uerra do Peloponeso, P éricles evoca a segu inte passagem : “...
Vivemos sob uma forma de governo que não se baseia nas instituições
de nossos vizinhos; ao co ntrário, servim os de m odelo a alguns, ao
invés de im ita r outros. Seu nome, como tudo depende não de poucos,
mas da m aioria, é dem ocracia"(F IG U E IR E D O , 2002:21).

O presente artigo tem por objetivo traçar algumas considerações


acerca da dem ocracia para, ao final, responder a uma pergunta: afinal,
qual o significa do do te rm o dem ocracia? Para tanto, interpretar-se-á
alguns conceitos apresentados por respeitados autores: R affaele De
G iorgi, estudioso ita lia n o que dedicou grande parte de seus estudos
à com preensão da Teoria da Sociedade, obra de Luhmann e à qual foi
co-autor.

A idéia principal é estim u la r a crítica construtiva e de se n vo lve r


o interesse pelo debate do tem a, provocando reações, pois não há
nada pio r do que uma m assa passiva e disposta a a c e ita r o pouco
que se lhes oferecem .

De G iorgi, ao passar a estudar a te oria luhm anniana, u tiliza


seus conceito s e faz uso de sua fo rm a abstrata de explanação. Por
conseguinte, m ostra-se de absoluta necessidade e la b ora r algum as
considerações específicas de N iklas Luhm ann, já que é o seu próprio
raciocínio que foi resgatado com o em pré stim o para a sustentação
teórica de De G iorgi.

O p ila r de su ste n ta çã o e de o rie n ta ç ã o a ser se guido é o


p e n sa m e n to lu h m a n n ia n o , fa to que c o n d u z a um a n e c e s s á ria
abordagem de alguns ele m ento s presentes na Teoria da Sociedade.
A s s im , em um p rim e iro m o m e n to é da d a ê n fa s e à fig u ra da

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autopoiesis, de im portância vital à estruturação do raciocínio circula r


de Luhmann. A autopoiesis, term o utilizado na Biologia, indica todo o
percurso da te oria Luhm anniana. É com base na acepção e nos
fu n d a m e n to s da a utop oiesis que o cita d o autor pôde e x p lic a r à
sociedade qual o seu ponto de vista, qual a sua maneira de enxergar,
o que ele denom ina de teoria da sociedade.

P o sterio rm ente, passa-se à análise do conceito adotado por


De Giorgi, fazendo referência à questão da com plexidade e dos riscos
causados por esta últim a.

Por fim , são traçadas as considerações pertinentes e analisados


os conceitos expostos no deco rre r desta exposição. P rocurar-se-á
d e fin ir o sentido dado à palavra dem ocracia hoje em dia.

2. AUTOPOIESIS: PALAVRA-CHAVE

A ntes m esm o de in icia r o debate acerca da dem ocracia, opta-


se por apresentar, desde já, um term o bastante utilizado por Luhmann
e que representa o fundam ento de toda a sua teoria.

A A u to p o ie s is é um te rm o que fo i cunhado por H um berto


M aturana para ser usado na Biologia e com o ob je tivo de d e fin ir a
organização dos seres vivos. Um sistem a vivo seria aquele capaz de
p ro d u zir e re p ro d u z ir os próprios elem entos que o constituem . Ou
seja, cada célula representa o resultado de uma série de operações
internas, e fe tiv a d a s com a utilização de seus próprios elem entos,
sem a in terferência do am biente externo. A inda que uma célula faça
uso de m aterial existente no am biente externo, ela som ente pôde ser
form ada em razão das transform ações exclusivas que ocorrem dentro
de um organism o viv o . É im possível gerar uma célula fora de um
organismo vivo.
Da m e sm a fo rm a , L h u m a n n tra n s p o rto u o c o n c e ito de
autopoiesis da B iologia para o contexto de sua teoria da sociedade.
A ssim , a auto poiesis será usada em todos os casos em que se pode
in d iv id u a liz a r um m odo específico de operação. Para dar form a às
suas idéias, Luhm ann faz a d istin ção entre dois d ife re n te s tipos de
sistem as autopoiéticos: os sistem as sociais e os sistem as psíquicos.
A quele tem como unidade a com unicação. Esta irá se reproduzir com
base em outra com unicação, e assim por diante. Ressalta-se que ela

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ocorre som ente dentro do sistem a social, e não do lado exterior. Já


com relação aos sistem as psíquicos, a unidade que os com põem é o
pensam ento, que, da m esm a form a, som ente se m ostra no in te rio r
de uma consciência.

Há uma c a ra cte rística que pode ser encontrada em q u a lqu e r


sistem a autopoiético: todos eles atuam de form a opera cio nalm ente
fechada. Mas o quê se qu er d iz e r com isso? A clausura o peracional
indica que os elem entos novos produzidos dentro de um sistem a são
o resultado, ou dependem , dos ele m ento s a n te rio res já existen tes
dentro daquele m esm o sistem a, e que os elem entos futuros tam bém
estarão em relação de dependência com os elem entos anteriores tidos
co m o n o v o s . Ou m e lh o r, e s s e s e le m e n to s n o v o s tê m co m o
pressupostos os e le m e n to s a n te rio re s e, ao m esm o tem po , são
p re ssu p o sto s para a e x is tê n c ia dos e le m e n to s fu tu ro s . É esse
fecham ento operacional que possibilita a autonom ia de um sistem a,
diferenciando-o de seu am biente.

A com unicação só é p ossíve l em razão das co m un icaçõ es


u lte r io r e s . A u n id a d e de um s is te m a s o c ia l c o n s titu i- s e ,
exclu sivam en te, pela conexão recursiva das com unicações, o que
som ente pode ser fe ito na sociedade.

O fe c h a m e n to do s is te m a , fo r m a n d o um c ír c u lo , é a
conseqüência do fato de que o sistem a só pode o perar dentro dos
seus lim ite s. A pa rtir do m om ento em que o am biente externo passa
a in te rfe rir nas operações de um sistem a, este perde sua autonom ia
e tende a desaparecer.

O sistem a perm anece v iv o em razão de sua capacidade, seu


controle, de m anter um rela cio nam ento com o am biente. Não há
sistem a social p arcia lm ente auto p o ié tico ; ou ele é ou não.

No e n ta n to , d e n tro do s is te m a p o d e m e x is tir s is te m a s
autopoiéticos ulteriores, que funcionam utilizando códigos específicos,
mas sempre de forma a não se m isturar com o am biente. Na sociedade
contem porânea é possível v e rific a r esse fenôm eno. É o caso da
C iência, por exem plo, que opera segundo um código verdad eiro/nã o
verdadeiro.

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Tendo em vista a tese da clausura - que vem a ser o m eio que


possibilita um sistema a vive r (leia-se: manter-se na sociedade) - tem -
se que nenhum sistem a pode usar suas próprias operações para
in te ra g ir com o am biente externo, nem pode se adaptar a ele. Se um
s iste m a e x iste é porque ele e o a m b ie n te estão p e rfe ita m e n te
adaptados.

Ao a firm a r que o sistem a deve ser fechado, Luhmann não


desconsiderou ou relegou o am biente externo a um segundo plano.
Por mais paradoxal que possa parecer, o fecham ento do sistem a é a
condição sine qua non da sua abertura. É pelo fato do sistem a dispor
de mecanism os internos próprios, e que não se dissolvem com outros
elem entos externos, que o sistem a pode reelaborar esses elem entos
(internos), percebendo o am biente externo e reagindo às irritações
provenientes dele.

Ao se falar em fechamento ou clausura deve-se, inevitavelmente,


falar em acoplam ento estrutural, outro term o bastante mencionado por
Luhmann. Apesar de não existir interferência do ambiente externo dentro
das recursivas operações de um sistem a, para que a com unicação,
por exem plo, possa existir, ela deve se dar em um am biente físico
com patível com a sua existência. Essa relação, entre um sistem a e
os pressupostos do am biente que devem se apresentar para que a
autopoiesis se m antenha, se denom ina Acoplam ento Estrutural.

O sistem a realiza suas operações com total autonom ia, mas


ele está adaptado ao seu am biente externo. A autodeterm inação e o
acoplam ento estru tura l se pressupõem , mas não se determ inam .

A única form a do am biente a fe ta r o sistem a é a tra v é s de


irrita çõ e s que se reelaboram internam ente. Essas irrita ç õ e s são
construções internas que resultam da confrontação entre o am biente
e as estruturas do sistem a. Ou seja, a irritação é sempre um resultado
das operações do próprio sistema, ainda que tenha partido, ou surgido,
no am biente externo. É o sistema que se sensibiliza (ou não) reagindo
(ca so te n h a se s e n s ib iliz a d o ) e, com o causa de sua re a çã o ,
provocando mudanças no am biente externo.

C o m o e x e m p lo , os s is te m a s s o c ia is e s tã o a c o p la d o s
e s truturalm ente às consciências, pois não e x is tiria com unicação se

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não existissem consciências. A inda assim , não se pode d iz e r que o


conteúdo psíquico seja conteúdo com unicativo ou que os pensamentos
não são elem entos da com unicação. Eles não se m isturam ; nem tudo
a q u ilo que se pensa é p a s s ív e l de se r e xp re s s a d o a tra v é s da
com unicação. Em geral, os sistem as psíquicos que particip am da
com unicação processam m uito mais inform ações do que aquelas que
se encontram im ersas dentro da mesm a com unicação.

O acoplam ento estrutural entre dois sistem as não significa uma


fusão entre eles ou uma relação de coordenação estável das operações
respectivas. O acoplam ento estrutural se realiza em correspondência
com um evento, que desaparece no m om ento exato de sua aparição.
A coincidência é mom entânea e não im porta em uma fusão entre eles,
já que há uma im ediata separação depois de seu encontro.

Um pedido de esm ola ou de co n trib u içã o dentro de uma igreja


representa, ao m esm o tem po, uma operação do sistem a econôm ico
e do sistem a religioso, mas tem conseqüências difere ntes em am bos
os sistem as.

O acoplam ento estrutural, portanto, é perfeitam ente com patível


com a clausura do sistem a, já que intervém som ente ao nível das
estruturas, e não ao nível da autoreprodução.

2.1. Algum as p onderações in teressantes

A autopoiesis está evidenciada na relação observador/observado.


O que se pretende adu zir é que, a p a rtir do m om ento em que um
indivíduo se coloca na posição de o b se rva d o r de si m esm o, ele vai
u tiliz a r elem entos inerentes a ele m esm o, mas tam bém já estará
procedendo a uma m o d ifica çã o interna, pois o ato de o b se rva r já o
coloca em posição d is tin ta daquela que ocupa va a n te rio rm e n te .
M aturana refletiu sobre o assunto e assim se expressou: “Nós, seres
h u m a n o s , já n o s e n c o n tra m o s na s itu a ç ã o de o b s e rv a d o re s
observando quando com eçam os a observar nosso o b s e rv a rem nossa
te n ta tiva de d e s c re v e r e e x p lic a r o que fa z e m o s ”. (M ATU RANA,
2 0 0 1 :126)

Interessante o b se rva r que, ao p re te n d e r te c e r as presentes


considerações acerca da dem ocracia, ainda que restem dem onstrados
os pontos de vista de autores d ive rsos, está-se procedendo a uma

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in terpretação e observação próprias que, no entanto, podem não


tra d u z ir o exato sentido dos te xto s o rig inais. O sim ples estudo de
textos de origens distintas exem plifica a tese de Luhmann; ou m elhor
d iz e n d o , o fa to de se e s tu d a r e, p o r c o n s e g u in te e la b o r a r
in te rp re ta ç õ e s sobre uma m a té ria já d e b a tid a , está fa d a d o ao
insucesso. Não há porque exclam ar q ualquer surpresa quanto a essa
afirm ação, pois a probabilidade de alguém com preender os exatos
term os que foram pronunciados ou escritos por outrem é praticam ente
nula.

A com unicação - e aqui inclui-se a linguagem falada ou escrita


- está atrelada a trê s fases: a prim eira é o ato de se com unicar; o
segundo é a inform ação transm itida; e o terceiro é o ato de entender.
Ao passar por esse cam inho haverá, necessariam ente, distorção. O
que se pretende com unicar depende de um alter e um ego presentes,
a m b o s, em cada in d iv íd u o . Na in te n ç ã o de e s ta b e le c e r uma
com unicação, o indivíduo pensa em pronunciar aquelas palavras que
con sidera , em seu íntim o, que serão co m pree nd id a s pelo outro
in d iv íd u o e cujo se n tid o seja pró xim o ao que pretendeu dizer.
E ntretanto, esse outro indivíduo entenderá o que ouviu de uma form a
diferente, de acordo com suas com preensões pessoais, ou seja, seu
“back ground".

Jam ais será possível estabe lecer uma com unicação perfeita,
ou que não esteja sujeita a distorções. Justam ente em consonância
com esse tip o de pensam ento, e pelo sim ple s fato de tra z e r à baila
questões su je ita s à in te rp re ta çã o , é que o presente a rtig o poderá
ser contestado por todo aquele que o leia. Este artigo, assim com o
todo e q u alquer te xto ou fala, é um exem plo vivo de que a te o ria de
Luhm ann é uma rea lid a d e constante no c o tid ia no de cada cidadão.
Sem som bra de d ú vid a, De G iorgi ou C hantal M ouffe poderiam
q u e s tio n a r in úm eras passagens sob a alegação de que não houve
um a in te rp re ta ç ã o p e rfe ita s obre um ou o u tro p o n to . Um ta l
q u e s tio n a m e n to som ente re fo rça ria toda a tese de Luhm ann, pois
co lo ca ria em xeque a própria com unica ção , que não teria obtido
sucesso. O único sucesso v e rific á v e l de tudo isso é te r-se atingido
um alto nível de abstração que proporcionou a percepção do fadado
insucesso da c om unicação.

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A títu lo de conclusão dessas p rim e ira s ponderações, a rtic u la -


se o seguinte: o artig o tem com o tem a a d em ocracia , que será
analisada sob dife re n te s pontos de vista; mas, o cerne do problem a,
ainda que não se pretenda abordar diretam ente a Teoria da Sociedade,
está robustam ente presente. A lém de De G iorgi u tiliza r-se da lógica
luhm anniana em suas descrições, o próprio texto deste artigo enseja
uma possível im probabilidade do ato de se com unicar, pois é fruto de
uma interpretação de d c u trin a s e, tão som ente em razão desse fato,
estará sujeito a outras d ife re n te s in terpretações. A dem ais, m ostra-
se presente a figura da autopoiesis, já que serão utilizados elem entos
internos, que poderão ser in corp o ra d o s a ele m e n tos do a m biente a
p a rtir do m om ento em que houver uma irrita çã o que sen sib ilize o
sistem a prévio.

3. D E M O C R A C IA P A R A DE G IO R G I: UM P O N T O DE V IS T A
LUHMANIANO

Ao d ar ensejo à exposição de seus pensam entos, De G iorgi


inicia relatando um pouco da história dos atuais estados m odernos,
dem onstrando serem resultado do llum inism o. Procura dem onstrar,
mais a diante, o perigo da rigidez conceituai contraposto à realidade,
bastante mais aceitável, dos processos de estruturação da sociedade.
A atual sociedade moderna é a mesma de outrora, não havendo ruptura
entre uma e outra, mas apenas uma e volução natural, ocasionada
pela possibilidade de serem utilizados os próprios elem entos internos
fo rm adores da sociedade. Nesse ponto, já é p erce ptível a influência
de Luhm ann e da concepção á u to p o ié tica de M aturana. Em seguida,
o autor passa a expor a sua visão acerca do que viria a ser “dem ocracia”
e, por fim , os riscos que a am eaçam , apesar de serem gerados pelo
próprio processo que perm ite a e xistência da dem ocracia.

O a u to r a c re d ita que a única p e rs p e c tiv a da p o lític a é a


necessidade de com pensação; ou seja, com pensar os efeitos de suas
d e cisõ es e as irrita ç õ e s ca u sa d a s por o u tro s s is te m a s so c ia is .
R e c o n s titu iç ã o , re e s tru tu ra ç ã o , re o rg a n iz a ç ã o , re e q u ilíb rio e
contenção são term os usados por De G iorgi para descrever a política.
Na sociedade contem porânea a política não tem tem po para projetar
sua estabilidade.

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O sistem a da po lítica contem porânea opera em condições


diversas, dista n cian d o -se das condições em que fora prevista para
atuar nos m odernos Estados C onstituciona is. Ou seja, houve um
desvio de atuação.

Os E stados C o n stituciona is são oriundos do llu m in ism o . As


condições da m odernidade foram atingidas e, por isso, passam a
serem traçadas novas condições ev o lu tiv as . Assim , a sociedade
contem porânea representa o resultado de sua própria evolução,
possibilitado pelas operações ocorridas em seu próprio interior.

Evidencia-se claramente a utilização do conceito de autopoiesis,


já que há uma rem issão aos próprios elem entos co nstituinte s da
sociedade, que seriam os pressupostos causadores daquela evolução,
tam bém ocorrida no seio da sociedade, ou seja, dentro de um único
sistem a.

Portanto, chega-se à conclusão de que vivem os em uma mesma


sociedade, no presente.

De Giorgi adverte para o perigo das fórm ulas explicativas dessa


situação, lançadas pela im prensa, pois elas exprim em a d ificuldade
de se encontrarem conceitos, no passado, que nos ajudem a descrever
o presente.

Ou seja, são conceitos antigos ou tra d ic io n a is aos quais se


faz uma readaptação com o acréscimo de partículas como “pós”, “neo” ,
“eco”.

Dá o exemplo do conceito, obsoleto, de sociedade civil: universo


das n e c e s s id a d e s ; e de E sta do: s o c ie d a d e p o lític a , lu g a r da
c e n tra liza çã o das decisões.

Essa conceituação indicava a existência de um centro e uma


periferia, e a idéia de que a política, controlada pelo D ireito, alocava
recursos e garantia uma d istribuição justa . Essa era a estrutura em
que se encontrava o llum inism o, alicerce da sociedade moderna. Não
se pode d e ixa r de m encionar o ideal dem ocrático e a estrutura do
parlamentarismo que acompanhavam o lluminismo. A idéia que vigorava
era a do bem comum e a representatividade como meio de se alcançar
o interesse geral. Era a razão ocupando posição p rivilegiada, pondo

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um fim aos cham ados p riv ilé g io s d ivin o s ou naturais. A destruição


daquela sociedade não encontrou su b s titu to s fu n c io n a is . F altam
estratégias às alternativas do liberalism o e socialism o. De Giorgi lança
a pergunta: Qual o perfil desse futuro?

Ele afirm a que os conceitos geram insegurança e são fugazes.


Dá o exem plo dos term o s “ pós-m odernidade", hoje substituíd o por
“glob alização” . Essa é a grande questão debatida por Luhmann. Toda
a sua te oria está consubstanciada na m o vim e n ta ção dos conceitos.
O que significa isso? Luhmann não esgota uma definição term inológica
m aculando determ inado te rm o com um único e acabado conceito.
C ontrariam ente, u tiliza o ra ciocínio inverso, descrevendo os term os
como sendo a unidade de diferença entre dois sistem as, por exem plo.
É essa, ta m b é m , a id é ia de De G io rg i: não p re n d e r a p a la v ra
dem ocracia a um conceito fixo e im utável, mas sim relacioná-la a um
processo de form ação, envolvendo os indivíduos e, ao mesmo tem po,
sendo envolvido por eles.

Tecendo uma c rítica ao term o, afirm a que a g lobaliza çã o tra z


em sí conceitos perigosos, pois exalta o prote cionism o de bens e
pessoas, e d e svirtuad os, pois pretende cu n h a r ne g a tiva m e n te as
naturais determ inações estru tu ra is da sociedade contem porânea.

A pretensão de De G iorgi é se liv ra r dos conceito s rígidos e


passar a o b s e rv a r os p ro c e s s o s que e s tru tu ra m e re p ro d uz e m
continuam ente as condições da m odernidade em que vivem os.

Outra aproxim ação luhm anniana é quanto à questão do tem po.


Tanto Luhmann quanto De G iorgi procuram afastar-se da idéia de um
passado, presente e fu tu ro c o m p le tam ente d istin to s. “A sociedade
atu al conhece a si p ró p ria atra vé s dos m eios de co m unicação de
m a ssa ”. A sociedade sem pre atua no presente. Ela se u tiliz a da
história, rem ete essa m em ória às operações que ocorrem dentro do
seu próprio sistem a e projeta p ossibilidades de escolhas m aiores do
que aquelas que, e fe tiva m e n te , podem ser realizadas. P ortanto, não
há passado nem futuro. O futuro se conjuga no passado e no presente,

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s im u lta n e a m e n te , p ois re p re s e n ta o c ic lo de o p e ra ç õ e s que


continuam ente se reativam utilizando os elem entos fabricados, ou
originados, da sua própria operação rotativa.

Esse processo som ente é possível em razão do sistem a ser


fechado em si mesmo. “Essa simultaneidade de operações constrange
os sistem as singulares a operar de m odo cego. Essa cegueira é a
única condição para a visão, ou seja, é a única condição de suas
operações”.

Ele continua se ju stific a n d o , entendendo que "Se houvesse


transparência, as operações seriam im possíveis, não haveria decisão
e o am biente interno da sociedade não seria d iferencia do”. (GIORGI,
1998:39)

Com isso, pretendeu dem onstrar que o sistem a só vai atuar


tom ando com o pressupostos os seus próprios elem entos, não sendo
in fluenciadó pelo am biente externo. O que ocorre é que o am biente
pode passar inform ações aos sistem as; por sua vez, o sistem a pode
se irrita r com essas inform ações e, devido à sua irritação interna,
pode d e cid ir reag ir a elas. Ou seja, não é o am biente que irrita o
s is te m a , m as ele m esm o se d e ix a ir r ita r p e la s in fo rm a ç õ e s
construídas dentro do próprio sistem a. Im portante perceber e fris a r
que essas irrita çõ e s não vêm do am biente externo, mas tão apenas
dele m esm o. Por conseguinte, o sistem a poderá, ou não, re a g ir às
irritações. M elhor dizendo, não há necessária reação, apenas se o
sistem a optar por reagir:

“Cada sistem a singular controla som ente a si m esm o e,


desse modo, pode reagir às irritações que provêm de seu
a m b ie n te . As ir r ita ç õ e s m a n ife s ta m - s e com o
info rm a çõ es: cada sistem a c o n stró i as inform a çõ es de
que n e c e s s ita , te n d o em vis ta que as irrita ç õ e s do
am biente devem ser elaboradas pelo sistema. Não existe
correspondência entre sistem a e ambiente. Cada sistema
é determ inado pela sua estrutura e só pode desem penhar

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operações com patíveis com a capacidade seletiva dessas


e s tru tu ra s . São c o n d iç õ e s e s tru tu ra is a tin g id a s pela
própria evolução da sociedade. Isso se traduz no fato de
que existe uma única sociedade m u ndial que, na form a
da re d u n d â n cia das inform ações, se irrita p o r si m esm a,
reage às próprias irritações e, paradoxalm ente, é obrigada
a produzir continuam ente o tempo que consome”.(GIORGI,
1998:39)

No caso do sistem a reagir, a nova medida adotada por ele irá


provocá-lo de form a a d e lin e a r novos d irecio n a m e n to s que, por sua
vez, integram o sistem a proporcionando novas diretrizes, e assim por
diante. Essa m ovim e ntação dem onstra que não se pode fa la r em
passado ou fu turo , pois está-se tratan do de uma m u ltip lic id a d e de
operações atuando no presente. Este nada m ais é do que a contínua
reproposição entre passado e futuro. Observam -se efeitos seqüenciais,
e não uma relação de causa e efeito .

3.1. A dem ocracia

Na sociedade moderna, nenhum sistem a é m ais representativo


que outro; nenhum sobrepõe-se aos dem ais.

A idéia de dem ocracia como organização política dos interesses,


conseguida m ediante p a rticip a ç ã o p o p u la r de toda a s ociedade ,
extinguiu privilégios e igualou os indivíduos. A soberania popular, então,
foi conseguida m ediante o sistem a da representação parlam entar. As
decisões tom adas pelo parlam ento exprim em decisões políticas, que
produzem consenso ou dissenso.

Essas decisões d im in u e m a co m p lexid a d e do am biente, mas


aum entam a com plexid a d e do sistem a. “O problem a do sistem a da
política, consequentem ente, co nsiste na co n tín u a tensão de m a n te r
uma alta com plexidade e produzir continuam ente novas possibilidades
de decisões. D essa persp ectiva , então, d e m ocrático é o sistem a da
p o lític a qu e m a n té m c o n s ta n te m e n te e le v a d a a
com plexidade’’(GIORGI, 1998:41). Q uer isso dizer, em outras palavras,
que o s iste m a d e m o c rá tic o contém e le m e n to s que p o s s ib ilita m
aum entar a com plexidade.

230
.T h ais D ai A n a n ia s de C arv a lh o

Na sociedade contem porânea, a dem ocracia é possível porque


há p re s s u p o s to s q u e p e rm ite m um a p rá tic a d e m o c r á tic a .
P ro sse g u in d o , in d ic a que esses p re ssu p o sto s c o rre sp o nd e m à
positivação do sistem a ju ríd ic o e à universalizaçã o dos m eios de
com unicação de massa.

Ou seja, o conceito de dem ocracia está ligado à pluralidade de


decisões, que se dão tendo em vista a d iferenciação que caracteriza
a sociedade m oderna. A sociedade se caracteriza pelas difere nça s
e x is te n te s . Q u a n d o um a d e c is ã o é to m a d a , to d a s e s s a s
d ife re n cia çõ e s são vislum bradas. Mas, essa decisão introduz no
sistem a características que irão aum entar sua com plexidade, apesar
de, no âm bito do am biente, reduzir essa com plexidade. E o conceito
de d e m o c ra c ia está ju s ta m e n te nessa d e s e n v o ltu ra to d a . É a
capacidade do sistem a se opor às te n ta tiv a s do am biente em acabar
com as diferenças. A figura do parlam ento funciona como form a de
acoplam ento e strutural entre direito e política.

Dois fatores aum entam a vulne rabilidade da política em face à


opinião pública: o parlam entarism o e o sufrágio universal. Por outro
lado, isso faz com que a política dim inua sua sensibilidade quanto às
irrita çõ e s do am biente, m antendo-a apenas com relação aos tem as
que entende serem m ais im portantes. P aradoxalm ente, portanto, a
po lítica é detentora de autonom ia e de dependência. A política está
a trelada, de certa form a, às irrita çõ e s do am biente e às mudanças
de opinião da opinião pública. Ela (p o lític a ) representa a diferença
entre governo e oposição. A passagem entre governo e oposição é
possível em razão da alta com plexidade produzida pelo sistem a. E
essa alta com plexidade é o pré-requisito da existência da democracia.
Q uando a p olítica é deflagrada por vio lê n cia e tensão, a dem ocracia
subjaz. Contra essas práticas, De G iorgi acrescenta ser im pertinente
m anter um poder através da força. Isso indica que não há poder, pois
ele só conseguiria se m anter utilizando o artifício da força. Contudo,
o uso da força dem onstra que o poder não resistiria às pressões do
am biente. “O bloqueio da com unicação p olítica é um freio a rtific ia l
da d iferenciação”. (G IO RG I, 1998:44)
V oltando à d em ocracia, pode-se d iz e r que ela se fra g iliz a na
medida em que pretende expandir o sistema da política, mas encontra

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Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de M inas Gerais

as pressões inib id oras do am biente. Com relação ao processo de


seleção feito pela política, do lado oposto está a seletividade do sistema
ju ríd ico . A m bos são irrita dos, um pelo outro, gerando uma perda de
sensibilidade entre eles, pois eles acabam se e stabilizand o dessa
forma.

É na s o c ie d a d e que se p ro d u ze m as c irc u n s tâ n c ia s que


possibilitam o a floram e nto da dem ocracia. É, contudo, tam bém na
sociedade que são vislu m b ra d o s os riscos à dem ocracia.

Foram considerados riscos à dem ocracia os seguintes fatores:

• O pinião Pública

• Inclusão universal no sistem a da política

O problema da opinião pública é a sua constante m utabilidade. É


uma estrutura frágil e em constante transform ação. O conceito de
comunicação é dado pela distinção entre informação e não -inform ação.
Um sistema político democrático é aquele que se constrói em consonância
com as emergências que vão surgindo. O grande problema ocasionado
pela opinião pública, tipicam ente instável, é transm itir inform ações ao
sistema que podem configurar uma auto-irritação constante. Ou seja, o
sistema político que pretende ser dem ocrático sensibiliza-se com os
elementos transm itidos, tom ando decisões e aumentando o grau de
complexidade. Entretanto, a partir do momento em que há constantes e
diferentes auto-irritações, provocadas por variáveis elementos da opinião
pública, o sistema político passa a gerar risco.

A inclusão universal é oriunda dos Direitos Fundamentais. A partir


do momento em que se incluem todos os indivíduos, aum enta-se a
exclusão, pois induz a um tratam ento exclusivo das diferenças através
da política. O risco gerado pela dem ocracia consiste no aumento da
desigualdade, ao pretender igualar a todos.

A pesar da d em ocracia m oderna estar repleta de prin cíp io s


frustrados, expectativas insatisfeitas e contratos não respeitados, a
democracia, hoje, existe e é m aior do que aquelas existentes em outras
s o cie d ad e s. P e rg u n ta -s e se uma m a io r d e m o c ra c ia s ig n ific a a
participação de todo o povo no sistema político ou o domínio do povo
sobre o povo.

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.T h ais D ai A n a n ia s de C arv a lh o

A proveita-se a oportunidade para abrir um pequeno parêntesis.


Ao m e n c io n a r a p a la v ra “ p o v o ” , n o v a m e n te e s tá -s e ante uma
indefinição term inológica. Afinal, quem é esse povo? Friedrich Müller,
em sua obra “Q uem é o povo?” , tece uma série de indagações sobre
o tem a, procurando id entificar aquele a quem estar-se-ia referindo ao
se pronunciar a expressão. A palavra “povo” tem íntima ligação com a
dem ocracia. Nossos legisladores utilizaram -se da expressão “todo o
poder em ana do p o v o ” , presente na C onstituição, art.1°, parágrafo
único, com o form a de le g itim a r seus atos, pois a tribui-se ao povo a
responsabilidade de elegerem seus representantes. Contudo, não foi
na Constituição brasileira que o povo apareceu pela primeira vez como
titu la r da soberania d em o crá tica, mas sim nos Estados Unidos, em
sua C o nstitu ição de 1787.

É interessante observar que, decotado de q ualquer significado


atribuído pela sociedade, todos os seres hum anos seriam “o p o v o ” .
Tanto aqueles que devem obedecer à lei, com o aqueles que fazem a
lei são, em um sentido lato da palavra, povo. As deturpações advém
da própria sociedade, de sua evolução e de sua transform ação. Assim
com o as co n s titu iç õ e s e scritas estão suje ita s às tra d iç õ e s e aos
hábitos de uma época, o sentido do term o “ povo” tam bém vai se
m odificando.

Um bom e x e m p lo são os e s ta d o s m a is a n tig o s , o u tro ra


d e nom inados de “ p o lis” , que se orgulhavam em possuir um sistem a
d em o crá tico em que os cidadãos podiam re iv in d ic a r interesses, em
reun iõe s p e rió d ic a s . A co ntra rie da d e p rese n cia va -se a p a rtir do
m om ento em que som ente os hom ens livre s poderiam p a rtic ip a r da
assem bléia dita “do povo” . Na ocasião, som ente os hom ens livre s
eram con sid erado s do “ p o v o ” , assim com o tam bém ocorreu nos
E stados U nidos, onde os integrantes da expressão “W e the p eop le”
não eram todos os hom ens, mas apenas os brancos e pro p rie tário s
de bens.
Em q u a lqu e r caso, a função do “ p ovo” será sem pre a m esm a:
legitim ar o Estado. Apesar de hoje, a Constituição ser expressa quanto
à intenção de se ig ualar a sociedade, ela som ente reforça a exclusão
social. A p a rtir do m om ento em que uma determ inada lei im põe o
mesmo tratam ento entre negros e brancos, ela está reforçando a idéia

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Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de M inas Gerais

daqueles serem um grupo minoritário e, ao mesmo tempo, apaziguando


os ânim os revolucionários deste grupo. Na realidade não há qualquer
m udança, mas a população negra passa a se s e n tir respeitada,
esquecendo as lutas sociais.

R etornando à questão da d em ocracia, De G iorgi a conceitua


com o sendo a d ife re n ç a e n tre n o rm a /re a lid a d e , id e a is /fa to s e
p ro g ra m a s /re a liz a ç õ e s co n c re ta s . E v id e n c ia d a a in flu ê n c ia de
Luhm ann, já que os con ceitos representam , na realidade, unidades
de diferença.

Ao procurar o fu tu ro da d em ocracia, vê-se o que a trad içã o


tra n sm itiu , ou seja, o passado, com a esperança de que os erros
com etidos sejam trocados por novos ideais. Aí está o problem a: ao
se verificar o passado para, então, prever o futuro, está-se esquecendo
do presente, que é o tem po da sim ulta n e id a d e e, portanto, o tem po
da decisão.

Há uma equiparação do sistem a da sociedade com o sistem a


da política, sendo am bos presentes sim ultâneos.

“ O sistema da política é o resultado de si mesmo, e a democracia


não é outra coisa senão im p ro v á v e l aquisição e volutiva do sistem a
da política. "(GIORGI, 1998:51)

O autor denom ina a dem ocracia com o sendo uma referência,


um ponto determ inado, para que a elaboração política do sistem a da
sociedade possa ser construído com a c o m plexid a d e necessária.

A partir desse m om ento percebe-se que a intenção de De Giorgi


é v e rific a r o potencial de aum ento de com plexid a d e do sistem a, e
não tentar estabelecer a diferença entre a dem ocracia atual e a antiga.

Em sua opinião, o objetivo da política é controlar a complexidade


que é produzida dentro do próprio sistem a da política. O problem a da
dem o cracia é o aum ento da co m p le xid a d e e a e s ta b iliz a ç ã o da
d ifere n cia ção em condições de alta in sta b ilid a d e estru tu ra l. Esse
aum ento da com plexidade sig n ifica o aum ento da possibilidade de
escolha; esse é o sentido de dem ocracia. Se, antes, o fu tu ro era
encontrado nas C o n stitu içõe s e/ou c o d ifica çõe s, e a sociedade se
caracterizava como a diferença entre classe superior e classe inferior,

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.T h ais D ai A n a n ia s de C arv a lh o

depois, a sociedade passou a se ca ra cte riza r no sistem a da política,


que era universal e observava a sociedade do seu lado de fora.

A dem ocracia foi se consolidando e, tam bém, foi se submetendo


às pressões socia is. A consolidação é o resultado da d ifere nciação
social.

Dentro desse contexto, o Estado representa a referência estável


no tem po e a necessária legitim ação do poder, resistindo às variações
dos tem as da política. O processo de descrição da política, realizada
por ela m esm a, através da fó rm u la do Estado, acaba por d im in u ir a
com plexidade do sistem a. A dem ocracia é justam ente esse processo
re fle xivo , em que todo poder está subm etido ao poder. Ou seja, o
poder p o lítico é controlado pelos m eios de controle previstos pelo
p ró p rio s is te m a p o lític o , ao qu a l De G io rg i d e n o m in a e stado
co n stitucio n a l.

Hoje, a dem ocracia orienta e norm atiza os processos com plexos


resulta n te s dos siste m a s sociais d ife re n cia d o s. Ela se denom ina
im p ro vá ve l, pois está sem pre subm etida aos riscos decorrentes do
tratam ento político da com plexidade. A dem ocratização do processo
po lítico é uma conseqüência de sua (processo p olítico) autonom ia e
das e xigência s que ele requer do próprio sistem a.

C ada v e z que o s is te m a e le g e um a o p ç ã o , ele p ro d u z


d iscrim inação e contingência.
D e m o cra cia , assim , s ig n ific a o o fe re c im e n to de in úm eras
possibilida des de decisões; é a preservação da com plexidade. Essa
co m ple xid a d e é aum entada quando se faz uma opção e essa opção
ativa inúm eras outras operações. Sem pre será possível re p ro d uzir
novos horizontes dentro do sistem a. E é ju sta m en te essa a garantia
tra zid a pela dem ocra cia . Em outros term os: é graças à dem ocracia
que o sistem a pode c o n s tru ir inúm eras alte rn a tiva s, direcionando
tom adas de decisões oportunísticas para os diversos problem as que
surgem.
C ontudo, essa im ensa v a ria b ilid a d e pode aca b a r gerando
instabilidade que pode desequilibrar o sistem a. E é para e vita r a ruína
do sistem a, que poderia v ir a ocorrer em razão das citadas norm as
de lim itação, que existem m atérias com o a econom ia e o direito.

235
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de M inas Gerais

A m b o s re d u ze m a c o m p le x id a d e , cu jo in c re m e n to h a v ia sido
proporcionado pela dem ocracia, frisa -se, na sua própria ta re fa de
proporcionar dem ocracia.

Assim, governabilidade democrática não irá significar um governo


com consenso popular, mas sim a capacidade que o próprio sistem a
da p o lítica tem , de u tiliz a r m ecanism o s pró p rio s para re d u z ir a
com plexidade, criada e provocada pelo próprio modelo dem ocrático,
e m anter a estrutura em e quilíbrio . “G overnabilidade dem ocrática
significa capacidade do sistem a de controlar sua própria instabilidade,
is to é, a c o n tin g ê n c ia de sua p ró p ria s e le tiv id a d e a tra v é s do
in cre m e n to sim u ltâ n e o de sua p ró p ria c o m p le x id a d e ”. (G IO R G I,
1998:59)

O problema posto não pode ser tratado por indivíduos, na medida


em que eles próprio s estabele cem re lações alta m e n te in stá v e is
m ediante a com unicação. A união entre as operações do sistem a e o
ambiente o torna vulnerável.

No decorrer de suas exposições, De G iorgi chega à conclusão


de que há vária s hipóteses que tornam p ro b le m á tica a constante
abertura do sistem a da p olítica à construção sistem á tica de novas
possibilida des de decisão. São elas:

• D iferença de inclusão e exclusão: A inserção de regras, no


sistema, que visem a inclusão, acaba por afirm ar a exclusão, acabando
por e la b ora r te m a s que podem ser p o litic a m e n te desastrosos e
antidem ocráticos. É exatam ente o que foi dito acerca dos negros mais
acima.

• Corrupção dos códigos: Haverá corrupção dos códigos quando


a re la ç ã o e n tre in c lu s ã o / e x c lu s ã o se e s ta b iliz a r, de fo rm a
antidem ocrática, com o e xercício de v io lê n c ia sobre as pessoas.

• A uto-crescim ento e a uto-in ibição : A união entre o sistem a


político e o sistem a do D ireito gera o de se nvolvim ento de elaboração
política das info rm açõ es e, por conseguinte, dos dois sistem as. A
p o lítica d e m o crá tica, ao se lim ita r, dá azo à co m p le x id a d e ; por
conseguinte, pode ocorre r do sistem a do D ireito assum ir funções da

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p o lítica . “O risco da irrita b ilid a d e entre os dois sistem as pode ser


c o n tro la d o com o ris c o de uma re la tiv a in d ife re n ç a ”. (G IO R G I,
1998:63)

• O pinião P ública: Ela fa c ilita o processo da política. Não


controla o poder nem ouve opiniões; apenas “reflete a capacidade de
elaboração seletiva dos term os p o r parte da p o lític a ”, (idem)

• Futuro: É caracterizado pela incerteza. O problem a é que


tem os que to m a r decisões, com relação ao futuro, no presente.

Ao tra ta r sobre o tem po, Luhmann utiliza-se da autopoiesis. O


tem po é d e fin id o com o a diferença entre passado e futuro. Cada
sis te m a e x is te no p re se n te e s im u lta n e a m e n te re la c io n a d o ao
ambiente. O passado e futuro são apenas horizontes de possibilidades,
e não pontos de partida e chegada.

O presente m ostra-se a pa rtir do m om ento em que o sistem a


se reproduz au topoieticam ente, através de sucessivas operações.

Para o observador, o tem po será dado pelo fato de que qualquer


distin çã o se v e rific a com o tendo dois lados e, para passar de um
lado para outro, é necessária uma operação e o próprio tem po.

O presente, no qual estão os horizontes tem porais não atuais


do passado e fu turo, é o que se m ove no tem po. Ou seja, apenas o
presente se m ovim en ta no tem po, e não passado ou futuro. Estes,
por sua vez, devem ser com preendidos como prestações seletivas do
s is te m a . A c o n s tru ç ã o da d im e n s ã o te m p o ra l se b a s e ia na
possibilidade de se observar, sim ultaneam ente, mutação e duração.

Os horizo ntes do passado e do fu tu ro são uma construção


de term inada, d ife re n cia n d o -se das estruturas do sistem a, e não se
relacionam com o am biente que os observa.

O s is te m a e seu a m b ie n te e x is te m no p re s e n te e
s im u lta n e a m e n te . G raças à projeção de ho rizon tes tem p ora is, o
siste m a pode o b s e rv a r as m utações do am b ien te com algum as
constantes te rm in o ló g ica s, sem a necessidade de m od ificação. O

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Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de M inas Gerais

tem po do sistem a não está sin cron iza d o com os a co n te cim e n to s de


seu am biente, pois isso e xig iria a dissolução dos lim ite s do sistem a.

O que im porta não é a coerência com que os e ve ntos são


descritos histo ricam e nte, mas sim a consciência do aparato te ó rico
que a teoria da sociedade é capaz de oferecer.

5. CONCLUSÃO

Luhm ann fa la nas irrita ç õ e s que podem se r se n tid a s pelos


sistem as. Essas irrita çõ e s provém de crises e x iste n te s no am biente
e que p assa m a s e r p e rc e b id a s p e lo s is te m a . E ste pode se
se nsibilizar, u tilizando seus próprios elem entos, e m o d ific a r algum a
estrutura interna, como por exem plo uma alteração legal. Resumindo,
é o próprio sistem a que provoca m udanças em si m esm o. Pois bem,
se não são os in te re s s e s s o c ia is nem a a p ro v a ç ã o s o c ia l que
provocam a mudança legal, mas tão som ente os elem entos do próprio
sistem a, qual a u tilid a d e , para Luhm ann, de uma té c n ic a com o a
m ajoritária?

A tão falada regra da maioria é, ao mesmo tem po, fato que incita
a contestação á autoridade e, tam bém , o que lhe dá legitim idade legal.
Esse c o n flito tem grande im p ortância para a construção da ordem
d e s e jad a : “A re g ra da m a io ria pod e ser, p o rta n to , a o rig e m da
contestação à autoridade ou a fonte da própria autoridade. Paradoxal?
C ontraditório? Nada disso. Como diria Lechner, o princípio da m aioria
é apenas p arte da c o n flitiva e nunca acabada con strução da ordem
desejada. É este tam bém o destino da dem ocracia” (CAM PILONOG O,
2000:125)

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