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O DIREITO GUARANI PRÉ-COLONIAL E AS MISSÕES JESUÍTICAS: A QUESTÃO

DA INCAPACIDADE INDÍGENA E DA TUTELA RELIGIOSA

THAIS LUZIA COLAÇO

Tese apresentada ao Curso de Pós-Graduação em


Direito da Universidade Federal de Santa Catarina
como requisito à obtenção do título de Doutora em
Direito.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Wolkmer

Florianópolis

1998
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

A TES E
O DIREITO GUARANI PRE-COLONIAL E AS
MISSÕES JESUÍTICAS: A QUESTÃO DA
INCAPACIDADE INDÍGENA E DA TUTELA
RELIGIOSA

Elaborada por THAIS LUZIA COLAÇO


e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi julgada adequada
para a obtenção do título de DOUTORA EM DIREITO.

Florianópolis, 04 de agosto de 1998.

BANCA EXAMI

Prof. Dr.Tâtrítônio Carlos Wolkmer


- Orientador*

Profa. Dra

Prof. Dr. Ai
.\rtur
/Pm
Profa. Drfa Jlosiane Rose Petry Veronese
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as pessoas que direta ou indiretamente auxiliaram na


elaboração desta tese.

Em especial:

Ao Professor Doutor Antônio Carlos Wolkmer (UFSC), por ter aceito orientaf-
me neste trabalho interdisciplinar, pela sua indispensável contribuição teórico-
metodológica e pelas suas sugestões enriquecedoras.

À Professora Doutora Paula Caleffi Giorgis (UNISINOS), que na qualidade


de co-orientadora facilitou a minha pesquisa com suas valiosas sugestões e
indicações bibliográficas referentes às missões jesuíticas e ao índio Guarani, sem as
quais teria sido muito mais árduo e moroso meu trabalho.

Ao Paulo Colaço, meu marido, que soube entender o meu envolvimento com
a tese em detrimento do nosso convívio pessoal, e pela sua competente
colaboração na editoração do texto.
SUMÁRIO

RESUMO....................................................................................................... ........ VII

ABSTRACT................................................................................................... ......... IX
c

RESUMÉ.............................. .............................................. ...................................XI

INTRODUÇÃO.............................................................................................. .........1

I - Questões Preliminares.............................................................................. 1
II - Questões Metodológicas.......................................................................... B

CAPÍTULO 1
0 DIREITO GUARANI PRÉ-COLONIAL............................................................... 13

1.1 A Natureza do Direito dos Povos sem Escrita.............. ..........................18


1.2 As Relações Internas e Externas de Governo...................... ................. 30
1.2.1 Sistema de Liderança Política...................... .............................. 30
1.2.2 A Guerra.................................................... ........... ,39
1.2.3.1 0 Direito dos Prisioneiros de Guerra...................... ........ 45
1.3 0 Direito Penal....................................... ........................................ ........ 53
1.3.1 Direito Penal Público e Privado.......................................... ........ 54
1.3.2 O Direito Penal Privado............................................................... 55
1.3.3 Objetivo e Tipos de Penas...........................................................56
1.3.4 Responsabilidade Penal................................ ............................. 60
1.3.5 A Regulamentação da Caça........ ...............................................63
1.3.6 Os Crimes contra o Patrimônio........................................... ' 64
1.3.7 Os Crimes contra a Pessoa.........................................................66
1.3.8 Os Crimes contra os Costumes...................................................74
1.3.9 Os Crimes contra a Família......................................................... 75
1.3.10 0 Suicídio...................................................................................78
1.4 O Direito C ivil.................................................................................. .........78
1.4.1 A Família............................................................................. ......... 80
1.4.2 As Sucessões ...................................................................... .........92
1.4.3 A Propriedade.............................................................................. 94
1.4.4 As Relações de Trabalho.............................................................99

CAPÍTULO 2
O DISCURSO DA INCAPACIDADE INDÍGENA.................................................... 107

2.1 A Questão dos Justos Títulos..................................................................107


2.2 A Discussão da Natureza do índio.......................................................... 132
2.3 Os Primeiros Defensores dos índios....................................................... 142
2.4 A Incapacidade Tutelada.........................................................................152
2.5 A Legislação Protecionista...................................................................... 166

CAPÍTULO 3
O DIREITO MISSIONEIRO........................................................................... .........180

3.1 A Igreja Católica na América e a Fundação das Missões


Jesuíticas do Paraguai..........................................................................
3.1.1 A Companhia de Jesus...................................... .........................201
3.1.2 A Conversão................................................................................ 206
3.2 Organização Interna Político-Administrativo-Jurídico-Militar......... .........210
3.2.1 O Reducionismo...........................................................................210
3.2.2 A Organização do Cabildo........................................................... 214
3.2.3 O Sistema M ilitar.............. .................................................. .........221
3.3 O Direito C ivil.................................................................................. .........226
3.3.1 O Sistema de Propriedade...........................................................226
3.3.2 As Relações de Trabalho.............................................................237
3.3.3 A Família .......................................................................................246
3.4 O Direito Penal................................................................................ ........ 254
3.4.1 O Sistema de Vigilância...................................................... 254
3.4.2 A Idéia de Pecado............................................................... 258
3.4.3 A Liberdade Individual......................................................... 260
3.4.4 O Sistema de Puniçõès....................................................... 263
3.4.5 O Discurso Favorável ao Castigo........................................ 276

CAPÍTULO 4
O DIREITO GUARANI FRENTE AO DIREITO MISSIONEIRO E A
DEFESA DO DIREITO DE SER GUARANI......................... .................. 284

4.1 O Direito Guarani frente ao Direito Missioneiro .............................. 284


4.1.1 O Sistema de Liderança Política......................................... 284
4.1.2 A Guerra.............................................................................. 289
4.1.3 O Direito Civil ...................................................................... 292
4.1.4 O Direito Penal.................................................................... 304
4.1.5 A Transformação dos Princípios do Direito Guarani Pré-
318
Colonial..................... ....................................................................
4.2 A Defesa do Direito de Ser Guarani................................................ 321

CONCLUSÃO................................................................................................ 340

GLOSSÁRIO.............. ................................................................................... 349

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................. 358

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR................................ ............................. 372

ANEXOS......................................................................................................... 381
VII

RESUMO

A presente tese trata do direito Guarani pré-coionia l que fora


violado nas Missões Jes u lt ic a s do Paraguai pela in trodução do
direito missioneiro, com a in te rferên cia da tutela religiosa le giti m ada
pela teoria da in cap acida de indígena.

O prim eiro capítu lo refere-se à natureza do direito dos povos


sem escrita e dem on stra a existência do direito Guarani,
a p rese ntan do seus componentes: as relações in ternas e externas de
governo, o direito penal e o direito civil.

O segun do cap ítu lo con templa a questão dos ju sto s títu lo s de


posse e de dom ínio sobre a terra e os ha bita nte s da América, a
dis cussão da natureza dos índios, os prim eiros defensore s dos
índios, a idéia da in capacidade indígena e a necessid ade de tuto rá -
los e a le gisla çã o protecionista.

O te rc e ir o capítu lo faz uma breve análise da presença da


Igreja Cató lica na América e suas relações com a Coroa Espan hola
e da f u n da ç ão das missões je suític as platinas. Também apon ta a
tutela je s u í t ic a através da org an iz a ção p o lí t ic o - ju r í d ic o -
a d m in is t r a t iv o - m i lit a r das reduções, além da tutela sobre o direito
civil e sobre o direito penal.

O quarto capítulo expõe a diferença entre o dire ito


c o n s u e tu d in á r io Guarani e o direito m is sion eiro de origem c a n ôn ic a
e espanhola, e a conseqüente anulaçã o dos pri ncípios básicos que
regiam o antigo direito indígena, com p rova nd o-se a violê ncia que a
popu lação Guarani sofreu. Aborda ainda a reação à tutela r e lig io s a
VIII

pela defesa do direito de ser Guarani e pela busca da liberdad e e da


in d e pe nd ên c ia perdidas.

Em síntese, a tese objetiva, no final, estudando o passado,


com p rov a r que a tutela - que deveria ga ran tir e proteger os direito s
indígenas sem tolh er a sua li be rdade individual e in de pendência
cole tiv a - serviu a in teresses alheios, sendo utilizada como um
in stru m en to de coa ção e cerceam ento desses direitos.
IX

ABSTRACT

The present thesis deals with the pre colonial Guarani rights
which was violated on the Paraguayan Jesuit Missions by the
in tr o du ctio n of m issio nary right, with the in terf erence of the
legiti m ated religious protectio n by indigeno us in c ap acity theory.

The first chapter refers to the nature of peoples w ith ou t


w ritten rights and shows the existence of guarani right, presentin g
its com ponents; the internai and externai go vern m en t relations, the
penal law and the civil law.

The second chapter refers to the question of fair tities of


possession and domain of the land and inhabitants of America, the
d is c u s s io n of in dige no us nature, the first in dig enous defende rs, the
idea of the ir in cap acity and the necessity of pro tect them and
p r o t e c t io n is t legislation.

Thes third chapter makes a brief an alysis of Cath olic Church


presence in Am erica and its relatio ns with the Spanish Crown and
the fo u n d a tio n of Jesuit Missio ns in the Silver River Region. it aiso
points out the Jesu it protectio n through the p o liti c a l- j u r id ic a l-
a d m in is t r a t iv e - m ilit a r y o rg an iz a ti on of the reductions, besides the
p ro tec tio n over the in digeno us penal law and civil law.

The fourth chapter bares the diffe rence be twee n the Guarani
c o n s u e tu d in a ry right and the m issionary right of can on ic and spanish
origin, and the co nseq ue nt anulation of basic princip ie s that ruied
the an cie nt in dige no us right, con firming the v io le nce that the
Guarani po pula tio n has suffered. It aIso mentions the reaction to
relig io u s protection by the Guarani defense and by the search of
free do m and of the lost independence.

In synthesis, the thesis goal, at the end, studying the past, is


to prove that the tutelage - which should gu arantee and pro tec t the
in dige no us rights w ith ou t taking the ir individual freedo m and the
c olle c tiv e independence - served to other interests, being used as
an in strum ent of coation and restrictio n of such rights.
XI

RE S UME

Le sujet de cette thèse est le droit des Guaranis de Ia pé rio de


pré -c olon ia le qui a été violé dans les Missions J és u it iq ue s du
Paraguay dú à l’ introductio n du droit m is sionaire avec 1’in te rven tio n
de Ia tutelle rellg ie u s e légitimée pour Ia thé orie de 1’in c ap acité
indigène.

Le pre mier cha pitre rapporte sur 1’univers du droit des


peuples sans écritu re et démon tre q u ’ il ex ista it le droit Guarani
p résentant sa com positio n: les relations à 1’ inté rieur et à 1’exte rié u re
du go uvernem ent, le droit pénal et le droit civil.

Le deuxiè m e ch apitre aborde Ia questio n des légitim es titres


de po ssessio n et de domaine sur Ia terre et les habitants de
TAmérique, Ia d is cus sion de Ia nature des indiens, les prem ie rs
défenseurs des indiens. 1’ idée de 1’ incapacité indigène et le besoin
de les place r sous le régime de Ia tutelle et aussi Ia lé g is la tio n
protectio nnis te .

Le tr ois ièm e ch a pitre fait une brève analyse de 1’ existe nce de


1’ Eglise Cath olique en Amérique et ses rap po rts avec Ia C ouronne
Espag nole et de Ia fon da tion des Missions Jésuitiq ues dans Ia
région de Ia rivière de Ia Plata. Ce chapitre montre aussi, Ia tu te lle
jé s u itiq u e au travers de 1’org an is a tion p o litiq u e - ju r id iq u e -
a d m in s tr a tif- m ilit a ir e des réductio ns jé suitiqu es, en outre, de Ia
tutelle sur le droit civil e sur le droit pénal.

Le qu atriè m e chapitre mettre en évide nce Ia différence entre


le droit c o n s u é tu d in a ir e des Guaranis et le droit m iss io n a ir e
XII

d ’origine Cano niqu e et Espagnole et par conséquent, 1’anula tio n des


pré ceptes fon d a m e n ta le s qui régis saie nt r a n c ie n droit indigène, por
ju s t i f i e r Ia vio lence qui Ia population Guarani a soufert. A borde
aussi, Ia réslsta nce à Ia tutélle religieuse pour défendre le droit
d ’être Guarani et Ia recherc he de Ia liberté et de 1’ in dépendance
perdue.

En synthèse, 1’o b je c tif de cette thèse est, à Ia fin, en étudia nt


le passé montrer qui Ia tu telle - qui devrait ga ran tir et pro tég er les
droits indigè ne s sans gêner sa liberté à chacun et 1’ in dé pe nd an ce
c olectiv e - à été au service des intérèts d ’autrui, utilisée comrne
instu m ent de c ontrain te et rognure de ces droits.
1

INTRODUÇÃO

A tem áti ca a ser enfocada nesta tese, a respeito da prá tica


da tutela re lig io sa e da violação do direito Guarani pré-colonia l nas
missões je s u ític a s platinas, surgiu da preocupa ção de demon strar,
através de exemplo prático, que o direito originário dos povos
in díge na s não foi reconhecido pelos c o n qu is tad ore s que, am p arados
por teo ria s t e o ló g ic o - ju r íd ic a s , criaram o conceito de “ in cap acida de
i n d íg e n a ” e a figura da "tutela indígena" le gitim ando a in tervenção e
o etnocídio das po pula ções nativas americanas.

I - QUESTÕES PRELIMINARES

Com relação à delim ita ção do tema ( defin ição do assunto),


será d e s c rit o aqui o direito Guarani antes da che ga da dos europeus,
i
a p r e s e n ta n d o - s e a polêmica em torno do discurso da in capacidade
indígena e da sua necessária tutela. Também será ap resentada a
tutela r e lig io s a e o sistema ^normativo impla ntado nas Missões
/
Jesu íti cas do Paraguai, ambos fun da m e n ta d o s na teoria da
in c ap acida de indígena. E, através do c onhecim ento destes dois
sistem as ju ríd ic o s , o indígena e o europeu, será possível id e n tifica r
a d ife ren ç a entre ambos, como forma de elucidar a nega ção do
'direit o do o u t r o ' 1, através do d e s resp eito e da violação do direito
in dígena que ocorreu sob a tutela religiosa.

1 A problemática do "outro", surgida com o descobrimento da América, é muito bem tratada por
Enrique Dussel, quando afirma que: "A 'conquista' é um processo militar, prático, violento que inclui
dialeticamente o Outro como o 'si-mesmo'. O Outro, em sua distinção, é negado como Outro e é
sujeitado, subsumido, alienado a se incorporar à Totalidade dominadora como coisa, como
instrumento, como oprimido, como 'encomendado', como 'assalariado' (nas futuras fazendas), ou
2

A f o rm u la ç ã o do pro blem a está centrada na questão de que,


antes da chegada dos europeus à América, as populaçõe s
indíge na s tinham c ultu ra e história próprias, seg uind o seu ritmo
normal de d e s en volvim en to. Frente à situa ção colonial, tiveram de
re e la b o ra r o seu c otid ia no para manter alguns aspetos de sua
cultura.

A etnia Guarani era a mais nu mero sa que habitava o sul do


con tin e nte am ericano . O contato com o colo nizador, através das
diversas form as de exp lo raçã o da m ão-de-obra indígena e pelas
missões religiosas, causou impacto cultura l às popu laçõe s da
região. Como r e p re s e n ta n te s do Estado Espanhol e da Igreja
Católica, investid os do poder tutela r e imb uído s do es pírito da
c iv iliz a ç ã o cristã ocidental, na crença da sua s up eriorid ade étnica,
os je s u íta s imp useram a sua cultura aos Guarani. Para os
religioso s, assim como para os demais europeus, os in díge na s eram
seres in ferio res, in capazes e depe nd en tes, de s pro v id os de religião,
política e direito.

Desta forma, in troduziram ao cotid ia no da vida Guarani o


dire ito mission eiro, fu n d a m enta do no direito espanhol e no direito
canônico, nega nd o o 'direito do o u t r o ' 2, vio laram o direito Guarani
orig in ário , f u r t a n d o - lh e s a liberdade e a autonom ia an terio rm en te
de sfrutad a, t r a n s fo rm a n d o os seus tutelad os em eternos
depe nd en tes.

como africano escravo (nos engenhos de açúcar ou outros produtos tropicais)". (DUSSEL, Enrique.
1492. O encobrimento do outro. A origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993. p. 44)

? A negação do "direito do outro" significa o desrespeito ao direito indígena original e aos direitos
humanos dos índios.
3

No que tange à id e n tifica ção no tempo e no espaço, será


estudada a nação Guarani originária da Bacia Amazônica, que à
época da conquista no século XV já se encontrava no sul do
co n tin e n te s ul-am e ric an o ocupa nd o os vales dos rios Paraguai,
Paraná, Uruguai e Jacuí, até a costa atlântica. Parte dessa etnia, no
pe ríodo de 1609 a 1768, ficou sob a tutela relig iosa das Missões
J esu ític as do Paraguai, que se lo calizaram na região do Guairá no
Paraná, no sul do Mato Grosso do Sul, no nordeste da A rge ntin a e
Rio Grande do Sul e no Uruguai. As teoria s te o ló g ic o - ju r íd ic a s a
respeito da con dição do índio surgiram no século XVI, na Espanha e
na América, em d e corrê ncia das questões éticas que apareceram
no c on tato entre c o n q u is ta d o r e conqu istado, e continuaram
in flu e n c ia n d o os espanhóis dos séculos XVII e XVIII, o que pode
ser a v e rig u a d o na prá tica tu telar dos je s u íta s nas m is s õ e s .3

A im p ortân cia e a j u s t if i c a t i v a da escolha do tema é o de


d e m o n s tra r o impacto que as po pula ções nativas am eric anas
receberam no contato com os c o n qu is tad ore s e os mecanismos
t e ó ric o s e legais utilizados para ju s ti fi c a r a sua explo ra ção e a
usu rp a ç ã o de seus direitos.

A Am éric a era povoada por diversas etnias indígenas, que no


con tato com o europeu sofreram um choque d e m o g ráfic o -c ultu ral.
Dem ográ fico, em decorrê ncia da guerra da conquista, das do enças
tr a n s m itid a s pelos brancos e da intensiva explo raçã o da mão-de-
obra indígena, como a escravidão, a "encomienda" e o
"re pa rtim ie n to ". Cultural, como con seq üê ncia da incom preensão, do
de s re s p e ito e da de struiç ã o da sua cultura pela imposição da

3 A idéia da incapacidade indígena e o exercício do poder tutelar ainda vigoram neste século, no
Brasil e em muitos países da América Latina.
4

cultura o c i d e n t a l . 4 Desta forma, houve uma ruptura na histó ria dos


po vos, am e ric a no s que passam bruscam ente a fazer parte do
c o lo n ia lis m o europeu, perten cend o à c iv iliz a ç ão cris tã-o c id en ta l.
Inseridas em tal contexto, as po pula ções indígenas tentam
r ee la bo rar a sua cultura.

P a rtin do -se de uma visão etnocêntric a, desde a época do


d e s c o b rim e n to da América, existe consenso de que os indíge na s se
achavam de s p ro vid o s "de fé, de lei e de rei". Por essa concep ção,
não se adm itia qu alqu er m anifestação religiosa, regras de con vívio
social e lidera nça entre os índios americanos. A crença na
sup e rio rid a d e e na onip otência do modelo da sociedade c ris tã-
ocidental não perm itia aos eu ropeu s pe rceber outra verdade além da
sua.

As po pula ções indígenas possuíam as suas reg ras de


c onvívio social, o seu direito con sue tud in á rio , que lhes foi negado
por falta de co m p ree nsã o e respeito e também pelos in teresse s da
dom in açã o colonial.

Ao se de pa rarem com outra realidade sociojurí dic a na


Am érica, os esp an hó is chocaram -se e não entende ram as dife re n ças
entre o d ireito esp an ho l de trad iç ão rom anista e o direito
c o n s u e tu d in á r io das socie dades indígenas, fundam entado,
basicam en te, na r e s p o n s a b ilid a d e coletiva, no sistema da
re cip ro cid a d e e de solidariedade, prioriz a nd o os interesses coletiv o s
sob re, os in divid uais. Isto vai a p are cer como algo antagôn ico,
to ta lm e n te div erso da sociedad e burguesa in divid u alis ta ocidental.

4 Como o direito está inserido na cultura, pode-se afirmar que, em decorrência, haveria a destruição
do direito indígena pela imposição do direito ocidental.
5

À época da chega da dos europeus, a tradiç ão migratória entre


os povos T up i- G u ara ni estava em plena expan são. Os Guarani já
ocupavam áreas que atualm ente compreend em o Paraguai (sudeste
e leste), a Arge ntin a (norde ste) e o Brasil (nordeste, centro, sudeste
e leste do Rio Grande do Sul, oeste e leste de Santa Catarina e do
Paraná e o sul do Mato Grosso)

Estima-se que a população Guarani chegou ao século XVI


com a cifra de 1.500.000 a 2.000.0 00 habitantes, sendo a mais
numerosa etnia que habita va o sul do c o n t in e n t e . 5

Na Região Platina, pela premen te necessida de de mão-de-


obra da coroa espanho la, o grupo mais afe tado foi o Guarani.
S ubm etid o ao "repa rtimiento" e à "encomienda ", teve sensível
dim in uiç ã o p o p u la cio nal através da intensiva explo ração a que
esteve sujeito. Alg um as tribos resistiram e reb elaram -se d ific ulta nd o
a ação colon iz a do ra . Outro f a to r que ajudou a dizimar esta
pa rcia lid ad e étn ica foram os constantes ataques dos band eiran te s
paulistas para e s c r a v iz a r os índios.

Paralela e po s te rio rm e n te à 'e n c o m ie n d a ' , algumas facçõ es


Guarani e de outras etn ias indíge na s foram integradas à tutela das
missões je suítas, que repre sentavam para os indíge na s uma forma
de livr ar-se do ge no cídio, mas não do etnocídio.

Na América, os je s u íta s serviram aos in te re sses colo nia is da


M onarquia Espanhola, ocupa nd o o território, de fendendo as suas
fr on te ir as , e, através do poder tutelar, atuan do como e f ic ien te
v e í c u l o 1 de divu lg a çã o da cultura cris tã -o cid e n ta l européia,

5 MARTINS, Maria Cristina Bohn. Os Guarani e a economia da reciprocidade. São Leopoldo,


1991. Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-Americanos), Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, p. 176.
6

"pacificando" os indígenas, c r istia niz and o-o s e "c iviliz a nd o-o s",
in te gra nd o-o s aos marcos da sociedad e espan ho la da época.

Nas Missões J e s u í t i c a s ' d o Paraguai, criadas em 1609, por


inte rm édio de uma rede de relações de poder, foi implantad o um
sistema de n o rm aliz aç ã o que transform ou totalm en te as práticas
c otid ia na s dos Guarani.

A con stataçã o da dife rença entre o direito indígena


c o n s u e tu d in á rio e o sistem a de norm alização das reduções, v ia biliza
o e n t en dim e nto da am pli tu de do choque cultural pelo qual passou a
po pula ção G u a r a n i. 6

Assim como os demais colon izado res, os je s u íta s


necessita vam de em b as a m en to t e ó ric o -ju ríd ic o para le giti m ar as
suas ações no c o n tin e nte am ericano . Os relig io sos buscaram nas
d iscussõ es te o ló g ic o - ju r í d ic a s do século XVI, a respeito da condição
humana do índio, fu n d a m e n to s para sua prática m is sioneira e para
sua tutela religiosa.

Aos olhos dos europeus os indígenas eram seres in fe rio res e


in capazes de se auto g ove rn ar; assim, através do regime tu telar lhes
traria m a c iv iliz a ç ã o e a con se q ü e n te "hum anização ", le giti m and o a
tra n s m is s ã o e a in te rfe rê n c ia cultural, inserin do-os em nova ordem
s ociocu ltura l.

Em suma, através do estudo do direito Guarani pré-colon ial,


do direito m iss ion eir o e do fun da m ento da teoria ju ríd ic a da
in c a p a c id a d e in dígena e da prá tica da tutela religiosa, ter-se-á
m elh or com p re e nsã o da in te rferên cia au toritária do poder t u te la r
sobre as c om unidades in díge na s e as con seqüentes tra n s fo rm a ç õ e s
oco rridas no seu dire ito e na sua cultura, durante o processo de
colo nizaçã o, os quais ocorrem até hoje.

O objeto da pesqu isa visa, e sp ecifi cam e nte, a te nd er a


de term in açã o do Curso de Doutorado em Direito da Universidade
Federal de Santa Catarina, que exige a entrega e a defesa pública
de uma tese orig in al e inédita para con c ed er o título acadê mico de
Doutor em Direito, sendo a área de concentração em "F ilo sofia do
Direito e da Política".

O o b jetivo geral desta tese é comprovar, pela diferença


entre o direito Guarani pré-colo nial e o dire ito missioneiro, que a
prática t u te la r in te rferiu de forma autoritária e un ilateral na cultura
indígena, tr a n s fo r m a n d o o originário direito Guarani.

Os o b jetivo s es p ec ífico s são;

A p re s e n t a r a natureza do direito dos povos sem escrita,


expondo as várias opin iõ es de au tores sobre o tema, c om p rova nd o a
sua e x is tê n cia na s ociedade Guarani. Descreve r do direito Guarani
pré-colonia l as relações internas e externas de governo, o direito
penal e o seu direito civil.

C o n té x tu a liz a r as teo rias te o ló g ic o - ju r íd ic a s que surgiram


com o d e s c o b r im e n to da Am érica em relação à ocupa ção e à posse
da terra, à ex p lo raç ã o da mão-de-obra indígena e á condição
ju ríd ic a do índio. A p re s e n ta r os teóricos que pregavam e
ju s tific a v a m a e x p lo raçã o dos índios e os que defendiam os seus
direitos. Ressalta r a teo ria t e o ló g ic o - ju r íd ic a da in cap acida de
in dígena como base legal para as relações que se dariam entre

® Não se trata aqui de emitir um pré-julgamento, rotulando os europeus de maus e os indígenas de


bons, mas sim de demonstrar o contraste entre estas duas sociedades estruturalmente distintas.
8

c o n qu is tad or e c on quis tado. Expor e d is c u tir a le gislação


protecionista.

De m onstrar o regime tu telar que se introduziu no cotid ia no e


na a d m in is traç ã o interna das missões, através da organiz ação
p o lític o - a d m in is tr a tiv a , da justiça, do sistema militar, do direito
penal e do direito civil.

Colocar fr en te a frente o direito Guarani pré-colonia l com o


dire ito m iss ion eir o para destacar a d iv e rg ê n c ia entre ambos.
A p on ta r a in s a tis fa ç ã o de alguns indígenas que buscavam a
in de pendência da tutela m ission ária para resg ata r a sua antiga
liberdade, au to g e stã o e o direito de ser Guarani.

A hipótese central da tese é a de que, nas Missões


Je su íti cas do Paraguai, houve a violação do direito Guarani pré-
colon ial pela imposição de um direito alieníge na , o direito europeu
s o b r ep on do -s e ao dire ito indígena, legitim ado pela teo ria ju ríd ic a da
in cap acida de indíge na e a conseqüe nte prá tica do poder tutelar.

II - QUESTÕES METODOLÓGIC AS

Utiliza ram -se , nesta tese, os métodos de ab ord agem


indutivo e dedutivo, pois parte-se, ge nericamente, da natureza do
dire ito dos povos sem escrita (opiniões de div ersos au tores sobre o
assunto), para chegar aos casos concretos (o direito Guarani pré-
colon ial e de ou tras etn ias indígenas), como forma de com p rov a r a
existê nc ia de um direito nas sociedad es ágrafas. Utilizam -se as
discussõ es teóric as a respeito da condição ju ríd ic a do índio e da
le gisla çã o p ro te c io n is ta até chegar ao caso c oncreto da apli cação
da teoria da in cap acida de nas Missões Jes uíticas do Paraguai.
Parte-se tambérri da experiência histórica da tutela relig io sa
exercida nas Missões Jes uíticas do Paraguai, para chegar a uma
g e n e raliz aç ã o teóric a re ferente à v io la ção do direito dos índios
am ericanos du rante o processo de colon iz a ção européia, que tem
seus reflexo s até os dias de hoje.

A am p li tu de das questões aventada s e as diversas áreas do


c on he cim e nto que englobam esta pesqu isa necessitam de
p ro ce dim e nto metodoló gico que prioriza o enfoque
in t e rd is cip lin ar, ab rangendo as seguin tes disciplin as; o Direito, a
História, a A n tr o po lo g ia , a Etnologia, a A n tro p o lo g ia Jurídica, a
História do Direito e a F ilo sofia do Direito.

A in te r d is c ip lin a r id a d e , tão ap regoada atualm ente nos meios


acadê micos, auxilia a de m ocra ti z aç ã o do saber, dificu lta n d o o
monopólio do assunto a ser estuda do por uma única área do
c onhecim ento.

Por se estar estudando um grupo social ágrafo, que pertenceu


a período his tó rico remoto, não deixand o reg istro escr ito do seu
passado, u t il iz a ra m -s e in formações de com unid ades rem a ne s cen te s
que ainda conse rvam algum tipo de m emória (estudo s refere ntes a
alguns gru po s Guarani atuais); de tr ab alh os históricos,
a n tr o p o ló g ic o s e ju r íd ic o s refere ntes a grupos com p ará v eis (que
trazem in fo rm açõ es a respeito do direito c o n s u e tu d in á rio de outras
etnias am eric anas, realizados no passado e no presen te) e da
do c u m e n ta ç ã o refe re nte aos Guarani produ zida pelo mundo colonial.

Isto s ig nifi ca que toda fonte do cum ental que se possui sobre
o Guarani, ou mesmo sobre outras sociedad es ágrafas, foi
ela borada por ou tros povos, pe rten c ente s a diversos períod os
10

históricos, sofrendo a influê ncia da id eo logia do mundo no qual


estavam in seridos. ! Por isso é necessária a preocupação não
somente com a vera cid ad e das fontes obtidas, mas também com os
seus sig nific ados, com o conteúdo id eoló gico do seu discurso. Desta
forma, é im portante fr is a r que as info rm ações aqui contidas não são
verdad es a b s o l u t a s . 7

Quanto à teo ria do direito dos povos sem escrita em geral,


u til iz a ram -s e obras de A n tro po lo g ia J urídic a e História do Direito
que tratam de ou tros povos da Am érica e da África.

Na pesqu isa do discurso da in c a p a c id a d e indígena na


Am érica Espanhola, buscaram -s e obras de História da América, de
Filosofia do Direito e sobre a le gis lação c olonia l da Am érica
Espanhola.

Com relação ao direito m is sioneiro foram consulta dos livros


de História da Europa, História da Am érica Espanhola, História do
Brasil, de Direito Espanhol e da le gis lação colon ial na Am érica
Espanhola.

Por último, a p re s e n ta r-s e -á a estr u tura da tese (plano


adotado para o de se n v o lv im e n to do assunto ) que compreende
quatro capítulos.

O prim eiro cap ítu lo trata da natureza do direito dos povos


sem escrita, c o n te m p la n d o a opinião de d iverso s autores sobre o
assunto, de m o n s tra n d o a existê ncia de um direito na sociedade
Guarani. Refere-se às relações de governo interna e externamente,

7 Meliá afirma que "cada época descobre seus próprios Guarani", e classifica a relação histórica e
ideológica bibliográfica da etnologia Guarani da seguinte forma: a etnologia da conquista, a etnologia
missionária, a etnologia dos viajantes, a etnologia antropológica e a etnologia etno-histórica. (MELIÀ,
Bartomeu et al. O Guarani. Uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Centro de Cultura Missioneira,
1987. p. 20)
11

exa m in an do as form as de li de rança grupai, as relações gu erre ir as


com ou tros grupos, assim como o direito dos pris io neiros de guerra.
No direito penal são de m onstra dos a dife rença entre o direito penal
público e o direito penal privado, o objetivo e tipos de penas, a
re s p o n s a b ilid a d e penal, a reg ulam e ntaç ã o da caça, os crimes contra
o patrimôn io, os crimes contra a pessoa, os crimes contra os
costumes, os crimes contra a fa m ília e o suicídio. Aborda ainda a
questão do direito civil, ap res e ntan do o direito de família, das
sucessões, de pro prie dade e as rela çõ es de trabalho.

O seg undo cap ítu lo refe re -se ao discurso da in capacidade


indígena. Inicia com a qu estão dos ju sto s títulos que seriam a
pre o cu p a çã o étic o -le ga l de como c o n q u is ta d o re s e c on qu is tad os se
rela c io n a ria m em term os de domínio das terras e dos bens, a guerra
da con q u is ta e a exp lo raçã o da mão -de-obra indígena. Ap are ce
também a discussã o da natureza dos índios, se eram humanos ou
não, até chegar à co nclusã o de que eram homen s in feriores aos
europ eu s. Neste contexto se man ifestam os prim eiros de fen sores
dos índios. Também surge a idéia da incapacidade dos índios,
sendo ne c ess á rio que fossem tutelados, tanto pelo Estado, quanto
por p a r tic u la r e s e pela Igreja, c r ia nd o-se a le gis lação protecionista.

O terc e ir o ca p ítu lo contem pla a in te rferên c ia da Igreja


Cató lica na ocupa ção do te rr itó r io Am erican o por inte rm édio do Real
Patronato. Traz à dis cussão o mome nto his tó rico em que surgiu a
Com pa nh ia de Jesus, os seus ob je ti vos na A mérica e a cria ção das
M issõ es Jesuíticas. Demon stra as relações p o lí t ic o - a d m in is t r a t iv a s
das M issõ es Jesu íti cas do Paraguai com o Estado Espanhol e seus
r e p re s e n ta n te s no Novo Mundo, e também com os s uperiores da
Igreja Cató li ca e da Co mpa nh ia de Jesus, em Roma e na América.
Aponta a a d m in is traç ã o tu telar dos jesuítas, através da o rg a n iz a ç ã o
do cabildo , seus cargos eletiv o s e as formas como se processava a
12

justiça, a o r g an iz a ç ão militar, o seu direito penal e o seu direito


civil.

O quarto e último capítu lo procurou dem on stra r a dife ren ça


entre um e outro sistema ju ríd ic o, o direito Guarani frente ao direito
missio neiro, relativo à organiz ação p o lí t ic o - ju r í d ic o - a d m in is t r a t iv a , à
guerra, ao direito civil e ao direito penal, a tran s fo rm aç ã o oc orr id a
nos quatro princípios básicos que regiam o direito Guarani,
e v id e n c ia n d o -s e o d e s res p eito e a vio la ção à cultura Guarani. E
também apresenta uma reação contrária à tutela religiosa de alguns
índios reduzid os lutando pela defesa do dire ito de ser Guarani.
13

1 - O DIREITO G UARAN I P R É -C O L O N IA L

A tem ática a ser en foca da neste capítulo, a respeito do


d ireito Guarani pré-colo nial, surgiu da pre ocu pa ção de refo rç a r a
teo ria da ex is tê ncia de um direito nos povos sem escrita,1 e
c on se q u e n te m e n te nas po pula ções que habitavam o sul do
co n tin e nte am ericano à época da chegada dos europeus, e que tal
d ireito não foi d e v id am e nte respeitado , rece be nd o forte in te rfe rê n c ia
cultura l que causou a sua tran sfo rm aç ã o e até mesmo a sua
extinção.

Também cabe r e s s a lta r a im portância da d e s m it if ic a ç ã o do


direito ocidental como pa rad ig m a in contestáve l, assegurado por um
aparato estatal e a p r ese ntad o por uma cod if ic a ção escrita.

A questão da existê n c ia ou não de ord enam ento ju ríd ic o nos


chamad os povos ágrafos foi discu ssão que se estend eu a este
século. O direito era sempre associado à figura do Estado e da sua
c o d ific a ç ã o escrita. Era muito difícil, à maioria dos ju ris tas,
con c eb er outras form as de direito, que não aquela já con s ag rad a
pelo modelo ocide ntal.

O principal grupo indíge na que terá um sistema ju ríd ic o


estu dado será o grupo Guarani; porém, pela esca ss ez de dados,
e s p e c ific a m e n te em relação ao direito Guarani pré-c olo nial, também
serão colhida s in fo rm açõ es de outras soc ie dades in díge na s

Conforme se verá no decorrer deste capítulo, John Gilissen põe em dúvida a abrangência da expressão "direitos
primitivos", preferindo o termo "direitos dos povos sem escrita". Acatando a opinião do autor citado e ainda
respeitando as modernas concepções da antropologia, neste trabalho utilizar-se-ão sempre os termos "povos e/ou
sociedades sem escrita ou ágrafas", pois trata-se de sociedades "não letradas" (conforme os padrões ocidentais de
escrita). Mas é necessário deixar registrado que, além de transmitirem a sua cultura pela oralidade, tais
sociedades também utilizam o grafísmo para simbolizar a sua memória social. (VIDAL, Lux. (Org.) Grafismo
indígena. São Paulo: Nobel, 1992. p. 292-293)
14

(pertencentes, em sua grande maioria, ao grupo Tupi), que


en riq ue cerã o a pesqu isa e co n trib u ir ã o para preench er algu mas
lacunas. Todos estes dados serão tratad os por analogia, por
en ten de r-se que a socie dade Guarani pré-colonia l é uma s ociedade
ágrafa como outros grupos étnicos am ericanos pré -colon ia is. Para
evitar fu tu ro s mal-ente ndid os, é importante fris ar que se estará
tra tando do mesmo ob jeto de estudo quando refe ri r-s e às
socie dades sem escrita, às socied ad es in díge na s e à s ociedade
Guarani pré-colo nial. Falar-se-á, ge nericam ente, dos povos ágrafos,
traze nd o exemplo con creto do direito Guarani pré -colon ia l ou do
direito de outros povos in díge na s p ré -co lo n ia is que não utilizavam a
e s c r i ta . 2

A nação Guarani perten ce ao tron co Tup i- G u ara ni, o rig in á rio


da Bacia Am azônica. No início da Era Cristã houve uma separação
desse grande grupo em dec orrê nc ia da expan são de m ovim ento s
m ig ratório s em direção ao sul do continente. O grupo Guarani
seguiu a rota dos rios M a d e ir a-G ua po ré-P ara gu ai, e o grupo Tupi,
rumando para o leste, seguiu o rio Am azonas até o litoral, d irig in d o -
se, depois, para o s u l.3 A p a rtir daí f o rm a ra m -s e duas cultu ra s
distintas.

Vários foram os fatores que im pulsion aram tais ondas


migratórias: o aumen to po pula cional, o es gotam ento dos recurso s

Esta pesquisa utilizou-se de dados de uma determinada etnia, principalmente os Guarani e outros grupos
indígenas como os Tupi. Optou-se. neste trabalho., por respeitar a norma culta da "Convenção para a grafia dos
nomes tribais", estabelecida em 14 de novembro de 1553, pela Associação Brasileira de Antropologia - ABA, no
que se refere à utilização de letra maiúscula para os nomes tribais, mesmo quando a palavra tiver função de
adjetivo e sempre mantê-la no smgular.(RICARDO, Carlos Alberto. "Os índios" e a sociodiversidade nativa
contemporânea no Brasil. A temática indígena na escola. Novos subsídios para professores de lo. e 2o.
graus. Brasília: MEC, 1995. p. 34)
3
MARTINS,Maria Cristina Bohn. Os Guarani e a economia da reciprocidade. São Leopoldo. 1991.
Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-Americanos) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, p. 180.
15

naturais das áreas po voadas, as guerras e a con quista de outros


povos l i m ít r o f e s . 4

Em con seq üê nc ia dessà con stante m ov im en ta ç ão migratória,


os Guarani tiveram mais contato com outros povos, vindo a dom in á-
los, im pondo-lh es a sua cultura, pri nc ipalm en te através da língua,
reali zando o fe n ôm e no chamado de "g ua ran iz açã o". 5

Ap esa r de suas pe c ulia rida de s de s e n v o lv id a s no


d is ta nc iam e nto de dois milênios, os Tupi e os Guarani mantiveram
s em elh anças entre si que vão permitir, "quand o c on v en ie nte e
necessário, ap ro x im a çõ e s e an alog ias em relação aos Tupi, como
recurso an alític o para os G u a r a n i". 6

Mas é bom s a lie n ta r que se tem plena con sc iê nc ia da


div ers idad e das s o c ied ad es sem escrita e que ja m a is se conseguirá
en c on trar uma p a dro niz açã o dos seus sistemas ju ríd ic os, pois são
"inúm eras as tribo s de ou tras form ações étnicas e c la s s if ic a ç õ e s
lin güísticas, é óbvio que nunca pudesse haver un if o rm id a d e nos
elementos ju r íd ic o s e sua a p li c a ç ã o " . 7 Inclu sive essa d ivers idad e
foi e está presen te entre os diversos subgrupos Guarani, podend o-
se afirm ar a ex is tê n cia de várias culturas Guarani.

Sabe-se que a maioria dos dados dis p o n ív e is sobre a cultura


indígena, tanto no presente quanto no passado, trata de povos que
passaram por algum processo de acultura ção. O contato com

Id.. Ibid.. p. 182.

Id.. Ibid., p. 196.

Id., Ibid.. p. 181.

7
MICHAELE. Faris A. S. O direito entre os índios do Brasil. Cadernos Universitários. Ponta Grossa:
Universidade Estadual de Ponta Grossa, n. 18„ dez. 1978. p. 34.
16

com u nida de s indígenas "que ainda vivem no 'estado natural' é


quase impossível, tanto no sentido lin g ü ís tic o como cultural” ,
levando amiúd e “ a avaliações errône as e eq uívo cas." 8

Entre os Guarani atuais e os p r é -c o lo n ia is existem d ife ren ças


s ig n ific a tiv a s em decorrê ncia de largo proce ss o de in te rferên c ia s
externas, que ocorreram com a "m estiçagem , mas sobretudo pela
imposição do sistema da 'en com ie nda' e pela redução m issio neira
de fr a n c is c a n o s e je suítas, form as e co nô m ic a s e po líticas que
operam a mudança radical da s ociedade 'p rim iti va"' . 9

Segu ndo Egon Schaden, o grupo Guarani já se ap res e ntav a


na época da conquista, em d e corrê ncia do is olam ento físico,
div id id o em s ubgrupos regionais, com d e n o m in a ç õ e s difere ntes,
p ossuindo "a penas relativa un if orm ida de no tocante à língua, à
religião, à tra d iç ã o mítica e a outros setores da c ultu ra." E que, nos
últimos quatro séculos de ocupa ção européia, ap agara m -se a
maioria das dife ren ças originais, d e s in te g ra n d o -s e "as prim it iv as
c o n fig u ra ç õ e s com u nitá ria s, levando a rea gru p a m e n to s difere ntes,
que não podiam de ixar de con du z ir a eleva do grau de nivelam en to e
ho m o g e n e iz a ç ã o c u ltu rais." Contudo, ap esar da difi culda de de
estu da r a cultura Guarani como uma unidade, "acima dessas

FLEISCHAMANN, Ulrich et alii. Os Tupinambá: realidade e ficção nos relatos quinhentistas. Revista
Brasileira de História, São Paulo: ANPUH/, vol. 11, n. 21. set. 1990/fev. 1991. P. 130.

9
MELIA, Bartomeu et al. O Guarani. Uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Centro de Cultura
Missioneira. 1987. p. 19. I

Apesar de ainda empregar-se em diversas áreas do conhecimento o termo "primitivo" para determinada cultura,
homem, povo ou sociedade, evitar-se-á, neste trabalho, o seu uso. seguindo a opinião de Manuela Cunha: "Na
segunda metade do século XIX. essa época de triunfo do evolucionismo, prosperou a idéia de que certas
sociedades teriam ficado na estaca zero da evolução, e que eram, portanto, algo como fósseis vivos que
testemunhavam do passado das sociedades ocidentais. Foi quando as sociedades sem Estado se tomaram, na
teoria ocidental, sociedades 'primitivas', condenadas a uma eterna infância. E porque tinham assim parado no
tempo, não cabia procurar-lhes a história." (CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.) História dos índios do
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 11)
17

d ife re nças in discutív e is , há um fundo de elem entos idênticos ou


semelhan tes. " 10 '

Assim como não existem mais os "a utên ti cos" Guarani,


aqueles que não tiveram contato com o mundo ocidental, também
pode -se dizer a mesma coisa "dos d ireito s arcaicos" que "hoje
sofreram nu m erosas tran sfo rm açõ es pelo contato com os direitos
europeus. É, portanto, quase impossível e n c o n tra r ainda um direito
' p r i m i t i v o 1, no 'estado puro' " , 11

Ap esa r da divisão "a rtific ia l" do sistem a ju ríd ic o da sociedad e


Guarani p r é -colon ia l em relações internas e exte rnas de governo,
em dire ito penal e em direito civil, todos estão reg idos por um único
fio condutor, fo rm ad o por quatro princ ípios básicos: a valoração dos
in teresses co le tiv o s em de trim en to dos individuais, a
r e s p o n s a b ilid a d e coletiva, a solid a rie d a d e e a reciprocidade. Todos
estes princ ípios estão intimam ente ligados e norm alm ente se
confundem.

10 SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura guarani. São Paulo: DIFEL, 1962. p. 11, 1.

Diante de tanta complexidade, convém apresentar a classificação dos diversos grupos Guarani, considerados
históricos e modernos, elaborada por Meliá:
GUARANI HISTÓRICOS (séculos XVI-XVni)
ARECHANE; CARIJÓ: GUARANI "DE LAS. ISLAS" (Chandules ou Chandrís); CARIO; TOBATÍN;
GUARANBARÉ; ITATIM; GUAYRÁ; PARANAYGUÁ; URUGUAYGUÁ; TAPE; CAARÓ; TARUMÁ;
CHIRIGUANO (Chiriguano-Chané); KAYNGUÁ * (Caaguá, Caayguá, Cahyguá, Caigang, Cainguá, Canguá,
Montanés, Cayguá, Kaa-iwa, Kainguá. Kaiuá. Kayguá, Ka'ynguá, Monteses, Painguá)
GUARANI MODERNOS (séculos XIX-XX)
PAI-TAVYTERÃ (Abá, Avá, Caiuá, Cavoá, Càyowá, Cayuá, Guarani-Kayová, Kaiová, Kaiowá, Kaiwá,
Kavová, Kavowá, Kayuá, Pan, Terenohe, Teyi, Tey); AVA-KATU-ETÉ (Apapokuva, Avá-Chiripá, Avá-
Guarani, Ava-Katú, Ava-Kwé-Chiripá, Cheirú, Chiripá, Nhandeva, Nandeva, Oguauíva, Tanvguá); MBYÁ
(Apyteré, Ava-eté, Baticola, Caavguá-Byá, Jeguaká, Jeguakava, Tenondé, Mby'a, Mbia, Mbüa, Mbwiha,
Tembecuá, Tembekwá, Yeguaka-va. Tenondé); CHIRIGUANO (Ava, Isoso, Mbía)
* "Kaynguá (os do mato), com suas numerosas corrutelas fonéticas e variantes ortográficas, é uma denominação
genérica que se aplicou aos Guarani não reduzidos nas Missões nem integrados no sistema colonial de povoados.
No século XIX prevaleceu para designar os índios que ficaram livres no mato, conservando o modo de vida
tribal."
(MELIÀ, op. cit., p. 20)

11 GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1986, p. 32.
18

Não se pretende, neste estudo, f o rm u la r um modelo do direito


dos povos ágrafos ou mesmo do direito indíge na pré-colo nial, mas
através das várias info rm ações obtidas, le vando-s e em conta as
lim itações desta pesquisa, chègar o mais pró ximo possível do que
foi o direito Guarani an terio rm en te à inte rvenção cultural européia.

1.1 A NATUR EZA DO DIREITO DOS POVOS SEM ESCRITA

As s ociedades indígena s pré -colo niais , assim como as demais


s o c ied ad es humanas, são ho mogêneas, isto é, in div isíveis.
Q ualq uer separação do ju ríd ic o, do econômico, do religioso, do
polític o e do social é artificia l, pois existe uma rede de in te rligaçõ es
de todas as ativida de s humanas, não sendo possível, na prática,
isolá-las. Mas estes são artifíc io s utilizados pelos pe s q u is a d o re s
como forma de f a c ilit a r o estudo e a análise de de term in ad os
s etores da sociedade.

No caso das sociedades in díge na s pré-colo niais , que são


menos com ple xas que as s ociedades modernas, a d ific ulda de de
s ep ará -la s por categoria s sob re p u ja -s e "sob pena de m utilar-s e o
perfil desta s o c i e d a d e . " 12 Sepa rar o direito dos demais setores das
s o c ied ad es in díge na s torna-s e com plicado , porque o direito está
in trin s e c a m e n te ligado à religião, à moral e aos costumes, o que
Gilissen chama de "in d ife ren c ia ç ão ", ou seja, "as diversas funções

12
CALLEFI, Paula. O traçado das reduções jesuíticas e a transformação de conceitos culturais. Vcritas. Porto
Alegre: v. 37, n. 145, mar. 1992. p. 90.
19

que nós dis tin g u im o s nas socie dades evo lu íd as - religião, moral,
direito etc - estão ainda aí c o n f u n d id a s . " 13

É natural com bin ar "p rescriç õ es de ritual, moral, a g ric u lt ura e


medicina, que nós consid eram os como p re scriç õ es ju ríd ic a s", não
separand o a relig iã o da magia e a magia da m e d ic i n a . 14 Até mesmo
na antigü idad e, o direito se m esclava às prescrições civis,
relig io sas e m o r a is . 15

Segundo Malinowski, as regras sociais não são e s trit a m e nte


ju ríd ic a s , como as regras de boas maneiras, de jogos, de
div ertim ento, de moral, de religião, de produção artesanal. Portanto,
não há um d is c e rn im e n to do que é ju ríd ico, do que não é j u r í d i c o . 16

Por muito tempo não se aceitou a ex is tê n cia de um direito nas


s ociedades indígenas. Desde o de sc o b rim e n to da A m é r i c a ^ p a r t i n d o -
se de uma visão etnocêntrica, era consenso que os índios não
tinham "Fé, nem Lei, nem R e i" . 17

Essa idéia da ausência de um sistema ju ríd ic o nas


socie dades indígenas perdurou até recentemente, porque o direito
in dígena não estava de acordo com os padrões do direito eu ropeu,
por não possuir "in s t it u iç õ e s tais como são de finid as nos sistem as

13 GILISSEN. John. op. cit., p. 35.

14 MALINOWSKI, Bronislaw. Crimen y costumbre en la sociedad salvaje. Barcelona: Ariel, 1978. p. 66.

15 SUMNER MAINE. Henry. El derecho antiguo. Parte General. Madrid: Alfredo Alonso, 1983. p. 22.

16 MALINOWSKI, op. cit., p. 67-69.

17 O autor, por isso, justifica que o gentio vive sem justiça e desordenadamente. (GANDAVO, Pero de
Magalhães. Tratado da terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 1980. p. 52.) Claude d'Abbeville também
partilhou desta opinião quando disse que "sem fé, nem sombra de religião, jamais tiveram lei, nem policiamento
fora da lei natural." (DABBEVTLLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do
Maranhão e terras circunvizinhas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p. 255.)
20

rom anis ta s ou do comm on law, por exemplo: a noção de ju sti ç a, de


regra de dire ito {ruie o f law), de lei imperativa de r e s p o n s a b ilid a d e
in d i v i d u a l " . ’®

C hase-Sardi chama de "e tn o c e n tris m o ju ríd ic o " a posição de


vários autores, tanto de esquerda quanto de direita, como Marx,
Engels, Kelsen e R a dclif fe -Brown, que vinculam o direito ao Estado,
não a c e itan do a exi stê ncia de direito nas socie dades sem escrita
por não haver org an iz a ção estatal. Afirma, ainda, que é necessário
a tu a li za r-se com as mod ernas in vestig ações an trop oló gic as, que
chega ram à conclusã o de que não há sociedade humana sem
cultura, muito menos sem direito, ainda que não possua o cha mad o
"Estado". 0 direito tem por base a cultura, c o n s tit u íd a
f u n d a m e n ta lm e n te pelos cos tum es he rdados so cialm ente ’’®

Em sua obra in titu la da 0 d ire ito en tre os índ ios do Brasil,


Faris A. S. Michaele defende a ex is tê ncia de um direito indígena e
ap rove ita a op ortu nid ad e para c rit ic a r os autores que não partilh am
da idéia:

"Para a ma iori a dos t r a t a d i s t a s da v e lh a tr a d iç ã o , bem


como para o com um dos e s t u d io s o s e pe sso as de m ed ia na
cul tura, t a l v e z soe um ta nto e s tr a nh o s e m e lh a n t e tít u lo .
A c o s t u m a d o s a ap e na s v is l u m b r a r v a lo re s j u r í d i c o s onde se lhes
ap re s e n te m in s t i t u i ç õ e s c iv i li z a d a s , de c a r á t e r p e r m an en te , ou
normas e p r in c í p i o s d e v i d a m e n t e c o d i f i c a d o s para o uso das
s o c i e d a d e s po li c ia d a s , nem s equ er lhes oc or re possa o
fe nô m en o ju r í d ic o , c o n q u a n t o e n c o be r to pel as n a tu r ai s n u a nc es
da convivência psí qui ca dos povos s e lv a g e n s, ta mb ém
d e m o n s t r a r v ig ê n c i a plena e i n c o n t r o v e r t í v e l . ” ^°

>8 GILISSEN, op. cit., p. 36.

CHASE-SARDI, Miguel. El derecho consuetudinario indígena y su bibliografia antropológica en el


Paraguay. Asunción; Universidad Católica, 1990. p. 49, 17-18.

MICHAELE, Faris A. S. O direito entre os índios do Brasil. Cadernos Universitários. Ponta Grossa:
Universidade de Ponta Grossa, n. 8, 1979. p. 5.
21

Autores há, como João Bernardino Gonzaga, que não


con cordam na íntegra com a afirm ação an te rio rm e n te citada,
confirm ando apen as a existência de . "meros costumes, t r a d iç õ e s
oralm ente conservadas, em geral de na tureza mística; e simples
regras de convivência."^^

Embasado em pesqu isas de etnólo gos e sociólog os, adm it in do


que não há uma "noção universal e eterna de ju stiça", mas que ela
pode variar no tempo e no espaço, G ilissen confirm a a existê ncia de
costumes dos povos sem escrita que "têm um caráter ju r íd ic o
porque existem aí meios de con stra n g im e n to para a s s e gu rar o
respeito das regras de c o m p o r t a m e n t o . ” ^^

Susnik entende que, para manter a in te grida de e a ordem de


qu alqu er g r u pa m en to humano, é necessário e x is tir um "guia legal",
capaz de regular a con v iv ê ncia social, d e fin ind o as condutas
proib itivas, com força moral su fic iente para pre ven ir os atos
so cialm ente re prováveis . ^

Esta qu estão é muito bem elucid ada por Wolkmer:

“Toda cul tura tem um aspe cto n or m at iv o, c a b e n d o - lh e


d e l i m i t a r a e x i s t e n c ia l id a d e de padrões, regras e v a l o r e s que
in s t i t u c i o n a l i z a m modelos de con du ta . Cada s o c i e d a d e e s fo rç a-
se para assegurar uma d e te r m i n a d a ordem s oci al,
instrumentalizando nor ma s de regulamentação es s e n c ia i s ,
ca p a ze s de at uar como sis te m a e fi c az de co n tr o le s oci al.
C o n s ta ta - s e que, na ma iori a das s o c i e d a d e s re motas, a lei é
c o n s i d e r a d a como parte n u c l e a r de co n tr o le soci al, e le m e nt o
m a te ri a l para pr eve ni r, r e m e d ia r ou c a s t ig a r os d e s v i o s das
re gr as p r es cr ita s. A lei exp re s sa a pres en ça de um Di re it o

GONZAGA, João Bernardino. O direito penal indígena. À época do descobrimento do Brasil. São Paulo:
Ma.\ Limonad s/d. p. 2 1 .

22 GILISSEN, op. cit. p. 36.

23 SUSNIK, Branislava. Introducción a la antropologia social. (Ambito americano). Asunción: Museo


Etnográfico "Andres Barbero", 1988. p. 121-122.
22

or de n ad o na t ra d iç ã o e nas pr át ica s c o s t u m e i r a s que ma nt êm a


coesã o do grupo s o c i a l . ” ^'*

Diante do pensa m en to destes autores, pode -se c o n c lu ir que


os povos ág rafos realm ente possuem uma form a de ord enam ento
ju ríd ic o , t o ta lm e n te diverso do direito europeu. T alv ez por este
motivo não tenha sido com p ree nd id o s u fic ien te m en te , e tenha sido
colocada em dúvida a sua existê ncia por tanto tempo.

A este respeito, Gilissen afirma:

"O que choca o europ eu ou o am e r ic a n o são as


d i fe r e n ç a s f u n d a m e n t a i s entre os d i re i to s a r c a i c o s dos s is t e m a s
j u r í d i c o s dos povos eu ro p eu s e assim põem em e v id ê n c ia alguns
dos p r in c í p i o s c o n s i d e r a d o s f u n d a m e n t a i s dos d i r e i to s ar ca ico s:
s o l id a r i e d a d e f a m i l i a r ou clâ ni ca , au s ê n ci a de p r o p r ie d a d e
im o b i li á r ia e de r e s p o n s a b il id a d e in d iv i d u a l , e t c . ” ^^

Desde o século passado, etnólo gos in flue nc iad os pelas


teoria s p o s it iv is ta s e e v o lu c io n is ta s pro curaram e x p lic a r de maneira
muito singe la o ap a re c im e n to do direito nas soc ied ad es sem escrita.
Segu ndo eles, o seu su rg im e n to passaria, ob rig a to ria m e n te , por
vários está gio s de evolução, com eça ndo pelas uniões de grupos,
passan do suc e s siv a m e n te pelo matriarcado, pelo pa tria rc ado, pelo
clã e pela tribo. Atualm ente, dispo nd o das in fo rm açõ es concedid as
pela etnolo gia ju ríd ic a, o evo lu cio nis m o ju ríd ic o pode ser f a c ilm e n te
refutado, uma vez que nunca fora comprovado.

Summer Maine foi um dos fundadore s da an tro p o lo g ia ju ríd ic a


moderna, mas ainda se enquadra nâ teo ria d a rw inis ta quando
c la s s if ic a o dire ito antigo em três estágios; o d ireito divino, o dire ito

WOLKMER, Antonio Carlos. O direito nas sociedades primitivas. Fundamentos de história do direito. Belo
Horizonte: Del Rey, 1996. p. 17.

25 GILISSEN, op. cit„ p. 35.


23

c o n s u e tu d in á rio e o direito r e p rese ntad o pela lei. E seg undo


Wolkmer, tam bém possui uma postura etn oc ê ntric a;

“ Sua con ce pç ão s o c ie tá ri a parte de uma lenta ev ol uç ão ,


cujo pr oce sso perm iti u que o Dire it o t ra n s p u s e s s e o per ío do
an tigo do 's ta tu s ' para a fase mo der na do ‘c o n t r a t o ’ .
N a tu r a l m e n te t ra n s p a r e c e u , em sua clá ssica e er udi ta
i n v e s ti g a ç ã o , a s u p e r i o r id a d e da cul tu ra j u r í d ic a e u r op éi a
mo der na sobre a in g e n u id a d e e o p r im a r is m o no r m a ti vo das
s o c i e d a d e s a r c a i c a s . ” ^®

C o n trib u in d o para o estudo e para o con h e c im e n to do direito


dos povos ágrafos, John Gilissen expõe as suas c ara cterísticas:

a) são direitos não escritos, c o n s e q ü e n te m e n te com


limitações na ab straçã o das regras ju rídic as;

b) por se tratar de c o m u n id a d e s a u to - s u fic ie n te s


eco no m ic a m en te , com pouco contato entre si, a não ser em estado
de b e li ge râ nc ia, são numerosas devido à grande quan tid a de de
s ociedades sem escrita, e são div ers as pelas dife renças que
ap resentam entre si;

c) são ex tre m am ente in flue nc iad as pela religião, pois o


homem p r im it iv o vive eternamente ate m oriz a do pelos pode res
sob ren atura is , não c onseguin do d is tin g u ir uma regra ju ríd ic a de uma
regra religiosa ;

d) por não haver uma disti nção nítida entre o ju ríd ic o e o não-
ju ríd ico, são "d ir e ito s em nascimento".

T r atan do das fontes do seu direito, o autor citado, enumera


b a sic a m e n te quatro;

WOLKMER, op. cit., p. 19-20, 26.


24

a) o costume é a principal fonte, sendo sempre respeita do


pelo tem or aos pode res sobren aturais, assim como pelo medo da
op in iã o pública;

b) as ordens decla rad as verb alm en te pelas au torid ad es do


grupo, pela r e p etiç ã o periódica, tornam -se leis ines quecív eis;

c) o "p r ec e de nte ju dic iá rio", utilizado pelos chefes e anciões,


para d e c id ir sobre s it ua ç õe s sem elh ante s às a n te rio rm e n te julg adas;

d) os "p rov é rb io s e adágios", in te gra ntes da memória co le tiva


de uma sociedade.

Gilissen também põe em dúvida a ab ra n g ê n cia da expressão


"d ir e ito s primitivos", preferindo "d ireito s arcaicos", porque permite
ab ran ge r sistemas sociais ju ríd ic o s de níveis muito dife rentes na
evolu ção geral do direito; porém, ju lg a mais ap ro p ria d a a expre ssão
"d ire ito s dos povos sem escrita".^® Afirma que, às vezes, o direito de
al gu ns povos sem escrita pode ser mais de s e n v o lv id o do que o
da qu eles que já têm c on he cim e nto da escrita. E tra z o exemplo da
África negra, que teve, no passado, regime ju ríd ic o mais
de s e n v o lv id o do que hoje, quando já dominam a escrita; não existe,
portanto, um "direito arcaico", mas sim vários "d ir eito s a r c a i c o s " . ^

Chase-S ardi en fatiza a im portância do costu m e como fonte do


direito, prin c ip a lm e n te nas sociedad es in dígenas, chamando a

27 GILISSEN, op. cit. p. 35-38.

Como já foi mencionado anteriomiente, optou-se pela nomenclatura; "povos sem escrita".

"O estado de evolução dos direitos das etnias africanas, por e.\emplo, varia de uma etnia para outra. Certas
populações, nomeadamente na Nigéria, na região dos Grandes Lagos do centro da África (Buganda, por
exemplo), na Zâmbia (e.xemplo, os Lozi) conheceram uma organização política muito próxima da do Estado
centralizado governado por um Rei assistido por funcionários e governadores locais; noutros sítios, um sistema
de tipo feudal implantou-se e permaneceu durante muito tempo." (GILISSEN, op. c it., p.33-34.)
25

atenção para a forte tendê ncia do início do século de e x c lu ir o


costume do âmbito do ju rídico, con v erte ndo a "norma ju r íd ic a num
v e rd ad eiro fetiche, dotado de von tade e força pró prias." Mas afirma
que o pensa m en to ju ríd ic o atual já está mais flexível para res p e ita r
o "d ir eito dos grupos", que possuem normas com c ará ter
c o n s u e tu d in á r io dignas do amparo legal. Nesse caso, a sua
p r e oc u pa ç ão c entra -se no direito c o n s u e tu d in á rio dos grupos
indígenas que deve ser res p eita do como tal nas suas
e s p ecific id ad es . ^

Existem diversas opiniões em relação às causas que motivam


os povos sem escrita a ob ed ece rem à lei. M alinowski afirma que
eles são seus legítimos cum p rid ores e que raram ente a violam,
ob ed ec e nd o com mais f a c ilid a d e do que o homem moderno.
Contrári o à concepçã o de que obed ecem "a u to m a tic a m e n te e
r ig id am en te todos os costum es por pura inércia", faz nova
in te rp r e ta ç ã o da principal função do direito, que seria "conter certas
t e n d ê n c ia s naturais, ca n a liz a r e d ir ig ir os in stintos humanos e impor
uma c o n du ta ob rig atória não espontânea", assegurando, assim, "um
tipo de coo p e ra çã o baseada em con c ess õ es mútuas e em s a c rifíc io s
o rie n ta d o s para um fim comum.

Conform e a opinião de Susnik, o indivíduo não é


"e s c r a v iz a d o " pelas normas regulad oras, nem "am eaçado" pelas
sançõ es co erc itivas, mas é "s o c ia liz a d o " em de corrê ncia da sua
de pe n d ê n c ia do grupo, isto é, o indivíduo é induzido a um tácito
co nform ism o.

30 CHASE-SARDL op, cit., p. 16. 70.

MALINOWSKI, op. cit., p. 26-27, 78-79.


26

“ La e s tr u ct ur a social de cada co m u n id a d a c o n d ic i o n a por


su propio c a r á c t e r un d e te r m i n a d o c o m p o r t a m i e n t o soci al,
in te g ra nd o las normas reguladoras_ de co h e s ió n social,
c o o p e r a c ió n social y unidad s o c i o c e r e m o n ia l; es to s tre s
fa ct o re s actúan de una fuerza so c io m o ra l que in duce a los
in divíduos a un tá c it o c o n f o r m is m o , sie ndo, por lo g en er al ,
c e n su ra bl e una m a n if e s t a c i ó n de d i s c o n f o r m i d a d o de o p o s ic i ó n ;
va r io s m e c a n i s m o s soc ia le s, si bien no in s t i t u c i o n a l i z a d o s ,
permiten el de b id o con tr ol soci al que es parte de la v i v ê n c i a
s o c i o p o l í t i c a . ” 32

De acordo com as co n s id e ra ç õ e s de Clastres, a o b e d iê n c ia à


lei é um desejo soc iológ ic o que tem a sociedad e de pe rm a n e c e r
indivisa. Para ele, vio la r a lei seria alterar, mudar o corpo social,
in tr o du z ir a inovação e a mudança que ele mesmo repudia. A lei é
o r ig in á r ia de um tempo "m ítico" e "pré -hum ano", legado pelos
a n c estra is ou heróis culturais. Ela é que mantém a ordem social,
exigind o apenas o respeito à t r a d iç ã o . 33

O au tor acima citado ainda ressa lta que na ju v e n tu d e os


in divíd uos são s ubm etid os aòá chamad os "ritos de in iciação ".
Atravé s da dor física, pró pria dos rituais, "a socie dade dita a sua lei
aos seus membros, ela inscreve o texto da lei sobre a s up erfíc ie dos
corpos", que determ ina a cada um: "tu não vales menos do que
qu a lq u e r outro, não vales mais do que qu alqu er ou tro." A cic a tr iz
deixada no corpo é a testem u nh a de que o in divíduo aceitou
s ub m e te r-s e às regras que fun da m enta m toda a vida social do
grupo. Desta forma, não é perm itid o a ninguém esq ue c er a lei nem
v io lá - la . 34

32 SUSNIK, op. cit., p. 121.


Sabendo-se da existência da controvérsia entre a utilização da tradução em citações de língua estrangeira, devido
à semelhança do português com o espanhol e por tratar-se de assunto referente à América Espanhola, optou-se,
nesta tese, mantê-las no idioma original.

33 CLASTRES, Pierre. Investigaciones en antropologia política. Barcelona: GEDIA, 1981. p. 202,72.

34 CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 5 ed. Rio de Janeiro: ERCA, 1990. p. 180-182.
27

Durante o períod o da iniciação, o jovem recebe todos os


e n s in am e ntos que constitue m o ideal da con du ta comunitária. Após
o seu término, pode c o n s id e ra r-s e um homem, com plenos direito s e
obrig açõ es fren te à c o m u n id a d e . 35

Já para as mulhe res os ritos de in ic ia ção não são tão


rigorosos. Nas com u nida de s Chamacoco, as mulheres não têm
direito a uma inicia ção pública como os homens, mas recebem
en sin am e ntos tr a n s m itid o s por viúvas, sobre a trad iç ão e os direitos
ric :
fem ininos.

Gonzaga opina que dentre os costumes em geral estão os


regulam e ntos ju ríd ic o s, que não são en carados como norm ativos,
mas sim como algo es s e n c ia lm e n te vital, "s a c ros sa nto e d e fin itiv o ",
não podend o ser questio nados, muito menos in fr in g id o s . 37

Em suma, o Guarani pré-colon ia l respeita va a tradição,


ob ed ecendo às normas de convívio social in sti tu ídas pelo grupo,
porque as s ociedades indígena s são tão ho m ogêneas que as normas
ju ríd ic as, morais, relig iosas, de produ ção e outras se confundem.
Todas essas regras são vitais para sua s ob rev iv ên c ia ,
p r in c ip a lm e n te pelo meio natural em que vivem e pelo seu
c on he cim e nto tecnoló gic o. V io la r a lei seria sen ten cia r a própria
morte, pois o in divíduo teria poucas chances de s o b re v iv ê n c ia caso
fosse igno rado ou ab an donado pelo seu grupo. Além do que, existe
todo o en vo lvim e n to ps ic ológ ic o de sua mentalidade. Bu rlar os
costumes seria de sres p eita r os tabus, seria irar os deuses e a

35 CHASE-SARDI, op. cit., p. 185.

36 O autor não enumera quais são estes "direitos femininos", e o que se tem observado, é que nestas sociedades,
as mulheres tinham mais obrigações do que direitos. (Id., Ibid., p. 185).

37 GONZAGA, op. cit., p. 39.


28

natureza, trazendo c o n s eq üê nc ias c ata str ó fic as ao in div íd uo in fr a tor


e à c o m u nida de em geral, colocand o em risco a in te grida de do
grupo.

F ortale cendo a c on fir m aç ã o de que existe um direito entre os


povos ágrafos, foi trazido para esta dis cussão o exemplo dos
Guarani.

Mesmo não po ssuind o tribunais le galm ente c o n s tit u íd o s nem


leis escritas, possuíam o seu direito e a sua ju sti ça. 0 conceito de
lei existia na língua Guarani, representado pela pala vra TEKO, que
s ig nifica "ser, estado de vida, condição, estar, costum e, le i,
h á b i t o " . ^ As idéias de " l ei n a t u r a l", "c o n fo rm id a d e com os maiores",
ou " c o n form id ad e com o direito c o s t u m e ir o " eram re p re s e n ta d a s
pelas pa la vr as TEKO REKO, TEKO RAPE e TEKO MÉÊ. Tam bém
possuíam a noção de "co nduta boa", pela palavra TEKÓ PORÂ, e
"cond uta má" pela palavra TEKÓ V A Í . ^

Egon Schaden diz que os Guarani entendiam que as boas ou


más ações não eram d e li be ra da s por livre arbítrio, mas, que os
in div íd uos agiam por instinto, fican do isentos de qu a lq u e r
r e s p o n s a b ilid a d e moral sobre seus atos."*®

Chase-Sardi expõe alguns con ceito s Guarani refere ntes ao


direito, como se pode p e rc eb er pelo quadro aqui reproduzido:

MELIÁ, Bartomeu S. J. El "modo de ser" Guarani en la primera documentación jesuítica. 1594-1639. Revista
de Antropologia. São Paulo: v. 24, 1981. p. 7.

PERALTA, Anselmo & OSUMA, Tomas. Diccionario guarani-espanhol. Buenos Aires: Tupã, 1950. p. 142.

SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura guarani. São Paulo: DIFEL, 1962. p. 104-105.
29

NANDE-PAI-TAVYTERÂ NANDE RETA

Be rtoni afirma que a C o n s titu iç ã o dos G ua rani está con tid a


"nos c o n c e ito s morais, tr a n s m itid o s por tra d iç õ e s e poemas,
~sa n u u i i d d u a -p o la r o l i giã o e pela m it o l o g ia " . 42

Ap ós esta exp osição teóric a a re sp eito da natureza do direito


dos po vos sem escrita, serão a p r e s e n ta d o s al guns exe m plos
re fe re n te s às rela çõ es inte rnas e exte rna s de governo, o direito
penal e o dire ito civil, do d ireito Guarani pré -c olon ia l. Será
d e te c ta d a a presença dos quatro p r incípios básicos que norteiam o
direito p rim it iv o Guarani: a s up rem a cia dos in te resse s co le tiv o s
sobre os in divid u ais, a r e s p o n s a b ilid a d e coletiva , a s o lid a r ie d a d e e

41 CHASE-SARDL op. cit., p. 141


Teko Katu (Código oral. leis e normas), Tekó Porã (valores éticos, virtudes sociais/reciprocidade,
comportamentos individuais). Teko Marangatu (fé. ritos religiosos), Nande Reko (conjunto da cultura), Nande
Pai-Tavytera (nação). Nande Reta (território).

42 BERTONI. Moisés S. La civilizacion guarani: religión y moral. Asunción-Buenos Aires: Indoamericana,


1956. p. 211.
30

a recip ro cidade. A se g uir tratar-se -á, e s p ec ifi cam e nte, do sistema


de liderança política e da guerra.

1.2 RELAÇÕES INTERNAS E EXTERNAS DE GOVERNO

1.2.1 Sistema de Liderança Política

Como foi visto, rea lmente há um direito entre as soc ied ad es


indígenas p r é -c olon ia is , e esta afirm ativa será refo rça da no de co rre r
deste capítulo. Neste momento serão a p re s e n ta d a s as rela çõ es
internas de go vern o (o sistema de liderança po lí tic a) e relações
externas (a guerra e o direito dos p ris io n e iro s de guerra) por
en tender-se que tais questões também pertencem ao mundo
ju ríd ic o, uma vez que existem regras p r é - e s ta b e le c id a s que são
aceitas e devem ser res p eita da s por todos, para que se manten ha a
harmonia social.

Não há con sen so entre an tro p ó lo g o s e cie ntistas sociais,


quanto à e x is tê n c ia de poder político nas soc ied ad es indígenas. Uns
entendem que só existe poder quando há o uso "da força como
forma c oe rc it iv a de ga ra n tir con form id ad e social e o acesso a ele
está li m itado a apen as alguns indivíduos, como ocorre no Estado."
Outros co n sid era m que o poder sempre está presente, até mesmo
nas socied ad es "ig ua li tá ria s ", isto é, o poder "a p re s e n ta -se difuso e
espalha do pela cole tivid ade, na forma de grupos de pressão,
controle social, direito s e obrig açõ es pessoaiò", sendo
"i n c o m p a tív e is com a existê ncia de c e n tra liz a ç ã o es ta ta l. " 43

43 RAMOS, Alcida Rita. Sociedades indígenas. 2a. ed. São Paulo: Ática. 1988. p. 65.
31

0 pensam ento de Pierre Clastres está de acordo com a última


posição, su ste ntan do que^ s socied ad es indígenas são sociedade^s'
"sem Estado", não ha vendo um órgão de pode r po lítico porque o
poder não está separado da sociedade, porque é ela quem o detém
com totalidade, com vistas a manter seu ser indiviso. Acrescenta,
ainda, que são "s o c ie d a d e s sem classes - sem ricos que exploram
os pobres - , sociedades sem divisão em dom in ad ore s e
d o m in a d o s . " 44

Mas, como salienta Alcida Ramos, tais soc ie dades não são
ig ualitárias, havendo disti nção entre "in d iv íd u o s ou c a te go ria s de
indivíduo s".

"E xi ste se m pr e a d i fe r en ç a entre homen s e mulhe re s,


entre jo v e n s e velh os, entre adu lt os e c r ia n ç a s . So bre essas
d i fe r e n ç a s físico-sociais é po s s í v e l construir diferenças
s o c i o p o l í t ic a s , o que g e r a l m e n te ocorre: os ho m en s t e nd em a
e x e r c e r m a io r do m ín io sobre as m u lh e re s do que v ic e - v e r s a , e
os mais v e l h o s sobr e os mais novos. Há, t a m b é m , c o n s i d e r á v e i s
d i s t i n ç õ e s em p e r s o n a li d a d e s e h a b il id a d e s p es so ai s; há os
bons e os maus c a ç ad or es , os bons e os maus xamãs, os bons e
os maus or a d o re s. Essas d i f e r e n ç a s p s i c o s s o c i a is podem
tam bé m t o r n a r - s e a base para d i fe r e n c i a ç õ e s s o c i o p o l í t i c a s . ” 45

A p e sa r de haver d ife ren c ia ç ão entre as cate go ria s de


indivíduo s, nas socied ad es indígenas; o poder do líder era limitado,
o re sp eito dos membros da tribo fu n d a m e n ta v a - s e na pe rsuasão e
não na c o e r ç ã o . 46 "A regra, no entanto, foi a quase total falta de
efetiva a u t o r id a d e . " 47 Os chefes tinham mais obrig açõ es do que

44 CLASTRES. Pierre. Investigacciones en antropologia política, p. 114-115.

45 RAMOS. op. cit.. p. 66.

46 ld.. Ibid.. p. 67.

47 GONZAGA op. cit., p. 37.


32

privilégios; as suas de cisões estavam pautada s na cultura e não na


sua v o n t a d e . 48

A p a rtir do momento erri que o líder tr a n s fo rm a r o seu pode r


de persua são em poder de coerção, pe rderá todo seu pre s tíg io
perante a comunida de , podendo ser d e s t i t u í d o , 49 abandonado ou até
mesmo m o r to ,50 pois o "p od er do chefe depe nd e unicam ente do
muito bem querer do g ru p o . " 51

O que confere le gitim idade ao ex ercício do poder são os


atributos do chefe como: idade, experiê ncia, coragem,
generosidade , dotes oratório s, h a bilid ad e na guerra, na caça, na
pesca e na a g r ic u lt u r a . 52

D 'A b be v ille presta assim o seu depo im e nto sobre a chefia:

“ E, em geral, o mais v a le n t e cap itão, o mais


e xp e ri m e n ta d o , o que m a io r núm ero de pr oe z a s fez na g ue rr a, o
que m as s ac ro u ma ior número de in im ig o s , o que possu i m a io r
núme ro de m ulh er es , m ai or f a m í li a e m ai or número de e s c r a v o s
a d q u ir id o s gr aç as ao seu v a l o r próprio, é o chefe de t o do s , o
p r in c ip a l; não el eit o p u b li c a m e n te , mas em v ir t u d e da fa ma
c o n q u is t a d a e da c o n f ia n ç a que nele d e p o s i t a m . ”53

Todas estas qu alid ad es seriam utiliz a da s em prol da


com unid ade; portanto, o que le gitim ava o poder do chefe eram as

48 CHASE-SARDI, op. cit., p. 85.

49 RAMOS, op. cit., p. 67.

50 CLASTRES, Investigaciones en antropologia política, p. 116.

51 CLASTRES, A sociedade contra o Estado, p35.

52 RAMOS, op. cit., p. 67.

53 D'ABBEVILLE, Claude. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras
circunvizinhas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p. 255.
co n tra p re s ta çõ e s que a com unid ade recebia dele. Enfim, os líderes
tinham mais influência e prestíg io do que pro p ria m e n te poder.

Segundo Martins, as funções dos chefes eram várias:

“ C a b ia - l h e s d i r i g ir os e m p r e e n d im e n t o s c om un a is como a
ab ertura das c la r e i r a s na mata em que se f a ri a m as roças, bem
como as c a ç a d a s c o le ti v a s e a c o n s t r u ç ã o das malocas. (...)
re p a r ti r entre as f a m í li a s n u cl ea r es os lotes de t er r en o obt id os
atra vés da d e r r u b a d a da f lo re s ta , c o n d u z ir h a b il m e n te as
rela çõ es e x t e r n a s do grupo e m an t e r a paz e a ha rm on ia
• , ti 54
interna.

Além de tais incum bências, cabia ao caciqu e a obrig ação de


pre sen tear os membros do seu grupo, "de man eira a co n stru ir uma
reputação de g e n e ro s id a d e c a v a lh e ire s c a ." Promovia grand es
festas, in clusive com a pa rtic ip açã o das tr ib o s amigas. Também
recebia os v is ita ntes com muita co rdia lid ade, pre s enteando-o s. Era
uma espécie de r e c ip r o c id a d e acentuada, em que o chefe deveria
ser o mais ge neroso de t o d o s . 55

Para que os ca ciqu es Guarani pudessem ser ge nerosos na


prestação de serviços, prom oções de festas e dis trib u iç ã o de bens,
era ne cessá rio que usufruíssem de algu ns privilé g io s capazes de
lhes co n fe rir o prest ígio econôm ico para m anutenção de todas essas
atividade s. A "c orvéia", trabalh o gra tu it o nas plan ta çõe s e
con struçõ es do chefe, associa da à poligamia, que pro picia va a

54 MARTINS. Maria Cristina Bohn. Os Guarani e a economia da reciprocidade. São Leopoldo, 1991.
Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-Americanos), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. p. 205.

55 SAHLINS, Marshall. Sociedades tribais. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. p. 138.

Na reciprocidade estão embutidas três obrigações: a de dar, a de receber e a de retribuir. Este sistema de
prestações e contraprestações é uma forma de contrato em que não só o indivíduo mas todos se obrigam
mutuamente, caracterizando a responsabilidade coletiva. Também se classifica a reciprocidade em generalizada,
equilibrada e negativa. Na generalizada, "a expectativa de reciprocidade é indefinida a tal ponto que não pode ser
claramente visualizada". Na equilibrada, "feita imediatamente, a retribuição eqüivale em valor, aos bens
recebidos." Na negativa, "envolve a tentativa de obter algo sem dar nada em troca, buscando-se vantagens não
retribuídas." ( MARTINS, op. cit., p. 144-145, 156-157, 159.)
34

produ ção de bens gerados pelo tr ab alh o fem in in o das esp osas do
cacique, aumen tava a cap acida de da ge ne ros ida de do chefe, que
revertia em bene fício do grupo. Desta forma, haveria uma junção
entre o político e o eco nô mico, reforç ando a prática da
reciprocida de .

Com base em Martins, pode -se afirm ar a ex is tê ncia de dois


tipos de chefia entre os Guarani: a chefia por h e r e d ita r ie d a d e e a
chefia por poderes sob re n atura is . Os chefes h e red it ários pe rt enciam
a uma linhagem consid erada nobre, ad quirin do este direito por
nascença. Os c he fes-xa m ã s eram aq ue les que se s obressaia m por
d e m on s tra r qualidad es m á g ic o - r e li g io s a s . 56

Susnik também expõe algum as ca r a c te r ís tic a s dos che fes -


xamãs:

"El rol de los s h a m a n e s c u m pl ía con el m an ip ul e o


mágico de las f u e r z a s ad v e rs a s y p r o p i c ia t o r ia s ; su po d er se
basaba en el s e n t im ie n t o de la d e p e n d e n c ia de las f u e r z a s
's o b r e n a t u r a le s ' que el g e n ti o a b ie r ta m e n te m a n if e s t a b a y
lat e n te m e n te t e m i a . ” 57

Nem sempre o suce ss or do caciqu e seria seu filho


prim ogênito, às vezes poderia ser um parente próximo po rt ad or de
maior sim patia pelo grupo. Em caso de vacância do cargo, qu alqu er
um pode ria habilitar-se à chefia, desde que tivesse apoio de
t o d o s . 58

O poder do chefe d e p e nd ia do apoio dos xamãs, fir m a n d o - s e


v e r d ad eiras alianças, s ub m ete ndo o índio ao poder da “ p a la v r a ” e

56 Id., Ibid.. p. 306-307.

57 SUSNIK, Blanislava. Los aborígenes dei Paraguay. Etnohistoria de los guaraníes. Época colonial.
Asunción: Museo Etnográfico "Andres Barbero", 1979-1980. p. 21.

58 CHASE-SARDI, op. cit., p. 150.


35

ao poder da “ m a g ia ”^ Qua lquer membro do grupo poderia t o r n a r - s e


líder, in dependente da sua con dição de nascimento. A chefia_ não
era he reditária; o que se levava em c o n s id era ç ão eram as
qualidades, o carisma e o pre stíg io do chefe.

Segundo Soares, o prestíg io era uma fonte de tento ra de


poder impondo a liderança s ociop olític a e de term in an do as dem ais
atividade s da vida Guarani:

"O cargo do cac iqu e é dado pelo pr es tíg io , sem her an ça


de posto. É at ra v és do p r e s t íg i o que um pai de fa m íli a ext en sa
t o r n a - s e chefe de aldeia, e é a t ra v és do pr e s t íg i o que
c o n c e n t r a r á as pes soas em t orn o de si, seja nas a t iv i d a d e s
c o l e t i v a s a g r í c o la s ou g u e rr e i ra s . É pelo pr es tíg io que fa ze m
g u e rr a s e toma m cat ivos, e pelo mesmo f a t o r que t r a n s f o r m a m o
in im ig o em cu nh ad o. "

Mas, o que oco rria às vezes, era o fo rta le c im e n to do pode r da


chefia, com a un if ic a ção da li de rança po lí tic a com a liderança
religiosa, ca u san do a reclusão do ge ntio "a uma conduta pre c avida
e receosa ®’

Aliás, é o que ainda ocorre hoje nas c om unidades Guarani:


"segundo os padrões t ra d ic io n a is a che fia po lítica do grupo c o incide
com a liderança c a ris m átic a do sacerdote ou rezador". A noção de
au torid ade é t ra n s fo rm a d a à de um pai bondoso, nanderú, "d ir e to r
esp iritual que quer levar os 's úditos' ao Paraíso do herói
c iv i liz a d o r ” . Neste caso, parece que não há um ace ntu ad o

SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Etnohistoría de los guaraníes, p. 21.

SOARES, André Luís. Guarani. Organização social e arqueologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997. p. 215.

SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Etnohistoría de los guaraníes, p. 21..

62 SCHADEN, op. cit., p. 96,65.


36

fo rta le c im e n to do poder; a fig ura do che fe-xamã id e n tific a - s e mais


como a de um protetor do que propriam ente de um opressor.

Outra forma de poder éntre as c om unidades in dígenas eram


os ch am ados "C onselh os dos A n ciõ e s" ou "C onselh o dos Chefes de
Família -Grande", que, seg un do Schaden, refe rind o-se aos Guarani,
"formam uma espécie de sen ad o informal, de função c on s ulti v a e
d e li b e r a t iv a " , 63 de libera vam sobre assuntos relac iona do s a guerra,
migrações, problem as do cotid ia no e situaçõ es em ergenciais .

Defend en do outro en tendim ento, Gonzaga acha que "seria


en ga na do r encará-lo como algo eq uivalen te a um Poder le gis lativo,
executiv o ou j u d i c i á r i o " . 64

“ O mais que se pode ava nç ar , em ma téria j u d i c i á r i a ,


será a d m it ir que o ' c o n s e lh o dos a nc iõ es ' desse o r ie n t a ç ã o para
casos d u v i d o s o s , que não e n c o n tr a v a m imed iata e clara sol uç ão
pre m ol d ad a nos c o s tu m e s , assim como e l u c id a s s e a c o m u n i d a d e
sobre a a t it u d e a t o m a r di ante de al gu m as s i t u a ç õ e s . ” 65

Além da existê ncia dos con selhos, que diluíam a au torid ad e


dos caciques, ainda pode -se acrescentar, como fator de li m itação de
poder dos chefes, o fato de que os seus "s u b o rd in a d o s " não eram
dos mais d isc ip lin ad os e sub servie nte s. "Entre os Guarani, cuja
educação rep ressiva é quase inexistente, não se d e s en volve forte
senso de di scip lin a e de a u t o r id a d e . " 66 Uma c a r a c te r ís tic a da
p e rso n a lid a d e dos in díge na s é que "não há quem os ob rig ue a

63 Id., Ibid., p. 95.

64 GONZAGA, op. cit.. p. 31.

63 Id., Ibid., p. 32.

66 SCHADEN. op. cit., p. 65.


37

obedecer, os filh os dão obediê ncia aos pais quando lhes parece;
fin almente, cada um é rei em sua casa e vive como quer 67

Pode-se a fir m a r que a' org an iz a ção po lític a era, até certo
ponto, de m ocr ática. A au torid ade dò líder era extre m a m e n te frágil,
apenas respald ada pelo apoio popular, basea do nos in te resses da
coletivida de . Como diria Ch ase-Sardi, o chefe não po ssuía
"súditos", mas sim " p a r t id á r io s " . 68

A au torid ad e po lítica do chefe também acum ulava a


autoridad e ju d ic iá ria , não existindo órgão ju d ic iá r io esp ecífic o ,
composto de ju iz e s e tribuna is. Tal atrib uição fic ava a cargo dos
dirig entes aldeões, "que constitue m um corpo de li be ra tiv o,
normativo e ap elativo, podendo aplicar san ções em virtude de sua
força coercitiva, r eg ularid ad e rep rese ntativ a e au torid ad e social",
cabendo ainda o papel de '"m od era do r', e sta b e le c e n d o
com pensações e in de niz açõ es por agravos a fim de ev itar a
pert urb a do ra cadeia de vin ganças con tín uas e r e c íp ro c a s ." 69 A
função do ju lg a d o r consiste "em tenta r ob ter o acordo das pa rtes por
co nce ss ões r e c í p r o c a s " . 70

Clastres afirma que a palavra do chefe não tem força de lei,


ele apenas está munido da sua eloqüê ncia, que "tenta p e rs u a d ir as
pessoas da ne c ess ida de de se acalmarem, de renuncia rem às
injúrias, de imitarem os seus antep assa dos, que sempre viveram no
bom e n te n d im e n to ." 71

67 GONZAGA, op. cit., p. 30.

68 CHASE-SARDI, op. cit.. p. 151.

69 SUSNIK, Introducción a la antropologia social (Âmbito americano), p. 123.

70 GILISSEN, op. cit. p. 36.

71 CLASTRES, A sociedade contra o Estado, p. 200.


38

Gandavo também reforça esta idéia, quan do diz que o líder,


norm almente, não castiga seus s ub ord in ados pelos seus erros, "nem
manda sobre eles coisa alguma contra sua v o n t a d e . " 72

Em grupos maiores, o poder ju dic ia l só era con ferid o a uma


única pessoa, ao chefe do grupo, quando tra ta s s e de ações que
trousserem um "perig o público imediato", ou que pusessem em risco
a coesão social, como a prá tica da f e it iç a ria e in fr a ç õe s in div iduais .
No entanto, em se trata n d o de pe quenos gru po s sociais, sob os
con dic io na ntes das n e c es sida de s de subsistência , o que pre valecia
era a vontade de todos no ju lg a m e n to das ações so cialm ente
rep rováveis, que seria plen am ente acatada pelo chefe, como
"opin iã o p ú b l ic a " . 73 Além de au torid ade civil e ju d ic iá ria , o líde r
também era au torid ad e militar, auxiliado pelos con selho s gu erre ir os
form ados por anciões.

A única exceção em que o chefe exerc ia poder com


autorid ad e, u til iz a n d o -s e da força, era nos pe ríodos de guerras. Mas
a au torid ade fu n d a m e n ta v a - s e "na sua com p e tê n c ia técn ic a de
guerreiro". Após o térm in o da batalha, in de pe nd en te do resultad o, o
chefe voltava a ser um chefe sem p o d e r . 74

72 GANDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da terra do Brasil. História da Província Santa Cruz. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1980. p. 54.

73 SUSNIK, Introduccíon a la antropologia social. (Âmbito americano), p. 123-124.

74 CLASTRES, A sociedade contra o Estado, p. 102.


39

1.2.2 A Guerra

Os Guarani eram esse nc ialm e nte belicosos: a guerra fazia


parte do seu cotidiano . A ' própria palavra Guarani sig nifi ca
guerreiro. Gonzaga afirma que a guerra nas socie dades indígenas
era reg ulam e ntad a tanto no âmbito interno como e x t e r n a m e n t e . 75
Michaele en do ssa a idéia de ex isti r uma reg ulam e ntaçã o da guerra
no plano exte rno qu ando faz a seguinte afirmação:

"E n tre os gr upo s in d íg e n a s mais atra sa do s, a g u e rra ,


com as suas in v e s ti d a s de im pr ov is o, c o n s t it u í a s u r p r e s a e
o b r ig a v a a v io le n ta s re ações; já entre out ro s, d o t a d o s de
elementos c u l tu r a i s mais ev ol uí do s , havia verdadeiras
d e c l a r a ç õ e s de guerra e t r a t a d o s de paz, re v e s t id o s de
i n t e r e s s a n t e f o r m a l i s m o . ” 76

As datas que incidiam sobre as in cursões gu erre ir as eram


norm almente marcada s com relação a f en ôm e nos da natureza, como
por exemplo: no pe ríodo da desova de de term in ad a es p éc ie de
peixe, ou no a m a d u re c im e n to do fruto de algum tipo de planta.

As de cis ões refe re n te s à guerra eram tom adas pelo conselho


dos anciães; " e n v ia v a - s e um emissário, que dava ciência ao inim igo
do que se d e c id ir a ." Com o ritual de a rre m es sa r arco e setas sobre
o território do inimigo, in ic ia va-se a guerra. Para term in á-la e
r esta be le c e r a paz, era su ficie nte qu ebrar uma das flechas. Não
havia vio lação da trégua, traiçã o ou evasiva. Dizem que estes
últimos p r o c e d im e n to s foram absorvid os dos costumes dos
c o l o n iz a d o r e s . 77

75 GONZAGA, op. cit., p. 163.

76 MICHAELE, Faris A.S. O direito entre os índios do Brasil. Caderno Universitário. Ponta Grossa: n. 18,
1979. p. 27.

77 Id., Ibid., p. 27.


40

Até em relação às armas havia convenção tácita quanto ao


tipo cujo uso era pe rm itid o na guerra. Conforme Bertoni, as flech as
farpadas eram proibidas, sendo aceitas somente as "fle chas afiadas
(lisas), cuja ferid a podia-se curar com f a c ilid a d e . " Mas alerta que,
entre de term in ad as etnias, como os Guarani e os Tapuia, não
poderia haver qu alqu er espécie de con venção , nem tácita, nem
m a n if e s t a , 78 pro v ave lm e nte pelo crônico estado de b e li ge râ ncia em
que vivam.

A maioria dos homens sentia elevada honra de ser guerreiro,


de stem endo a m o r t e 79, o r g ulha nd o-se de c a p tu r a r e matar os
i n i m i g o s ^ 80 Tan to é que, no âmbito interno da tribo, era re c rim in a do
socialm ente o homem que fu g is s e da re s p o n s a b ilid a d e de ser bom
combatente. Ele "não só levaria uma vida miserável, com sérias
d ific u ld a d e s para obter companheira regular e merecer
c o n s id e ra çõ e s dos outros, mas ainda seria excluído da socie dade
so brenatural", pois acre dita va que seria cas tig ad o além -túm ulo.
Também era possível, em d e t erm in ad os casos, o indivíduo ser
con denado à morte. Quando capturado, era p re ferível pe rm an ece r
na aldeia do inimigo, mesmo sabendo que seria morto, do que
re to rn ar à tribo de origem, onde seria con sid era do covarde, sujeito
a uma série de humilhações, e, quiçá, até à m o rte .81

A h o s tilid a d e entre de term in ad as tribos c on tin u av a geração


após geração, trazendo "inim izad e constante e he re d it á ria ." Os
membros do grupo ja m ais esque ciam quais eram as suas tribos

78 BERTONI. op. cit.. p. 173.

79 GANDAVO. op. cit.. p. 54.

80 STADEN, op. cit.. p. 172.

81 GONZAGA, op. cit., p. 163-164.


41

in im ig a s .82 Desde a infância os meninos eram preparados para


serem gu err eiros, subm etidos "a intensa do utrin açã o no sentido de
can aliz a r e ex a urir todos os seus im pulsos ag ressivos fora do
bando, em di reção ao inimigo sempre presente e contra o qual se
vivia em pe rm an en te estado de g u e r r a ." 83 Os Guarani gu arn eciam
suas in cursões gu erre iras com trop as de jo v en s g u e rre ir o s
m il it arm en te e d u c a d o s . 84

As mulheres também de sem penhava m papel importante, uma


vez que em todas as socie dades gu erre iras elas eram as p rinc ipais
incitadoras da guerra. Entre os C h irig u a n o -G u a ra n i, en quanto os
homens gu erre ava m , as mulheres cantavam hinos bélicos, com o
intuito de atra ir a vitória e p ro p ric ia r a captura de muitos
p r i s io n e i r o s . 85

Conform e Susnik, a c onviv ência pacífi ca entre as tribos


de pe nd ia de de te rm in a d o s fatores:

"El estado de la c o n v i v ê n c i a p a cí fic a i n tr a t r i b a l o


i n te r t r i b a l i d e n t if íc a s e con la re c ip r o c id a d p o s i ti v a ,
c o p a r t ic i p a c i ó n en c e r e m o n i a le s r e li g io s o s o en un
e m p r e n d i m i e n t o de i n te r e s e s com un e s , v is i t a s in t e r g r u p a l e s
pa u ta d as , cierta ho m og e n e id a d p s i c o - m e n ta l , in d e p e n d ê n c ia dei
a m b ie n t e de re c ur s os n a t ur al es y la n o - in t e r v e n c ió n s h a m á n ic o -
m á g i c a . ” 86

Por outro lado, a mesma autora el enca assim os fatore s


causais da guerra:

82 Id., Ibid., p. 161.

83 Id., Ibid., p. 50.

84 SUSNIK, Introduccíon a Ia antropologia social. (Âmbito americano), p. 43.

85 Id., Ibid., p. 44

86 Id., Ibid.. p. 5
42

"P r in c ip i o de v e n g a n z a -una r e c ip r o c i d a d ne g a tiv a - ,


vi o lê n c ia in te r t ri b a l a gr es iv a, lucha por el e s pa c io s u b s i s t e n c ia l,
pu g na c id ad in s ti n ti v a categorizada, r it u a li z a c i ó n má gic o-
reli gi o sa de la an im o s id a d , e x p r e s ió n de una s u p e r i o r id a d
e tn o c é n tr ic a , v io lê n c ia a d q u is i ti v a , r e s is t e n c i a tri ba l d e f e n s i v a ,
discriminación étnica basada en preconceptos pa ut ad os,
d e s e q u i lí b ri o s o c i o - d e m o g r á f i c o , ex a lt a c ió n de la v ig o r o s id a d
m as c ul in a an ímic a, d e s a fi o como m a n if e s t a c i ó n de la ans ie da d
em oci on al , un a c en tu a do e x c l u s iv i s m o e t n o - c u l t u r a l . ” 87

Susnik também de fine em quatro pa la vr as o conceito de


guerra dos Guarani:

“ a) 'm a r a n d e k ó ', es un esta do de e x c it a c ió n gu e rr e r a y


anímica c o l e c ti v a , orie n ta da contra las t r i b u s que poseen t ie r ra s
fé rt il es ; b ) 'm a râ m o n a ' es la e x pr es ió n de una p r e p o te n c ia ta nto
contra la p e r if e r ia como e x pr es a da en las c o n t ie n d a s
s o c i o p o l í t i c a s in te r p a r c i a le s ; c) 'm ar ân á' , ex p r e s a el ethos
a n t r o p o d in á m ic o de d e s p l a z a m i e n t o s m ig r a t o ri o s , f o m e n ta d o s
por los sh a m a n e s s ie m pr e a s o c i a d o s con 'g u e r r e a r ' y con la
v ic t im a c i ó n per ió di c a de los ca ut iv o s ; d) 'm a r a m b o tá ', el
g u e r r e a r de b id o al dese o de v e n g a n z a , i n t e r t r i b a l o i n te r p a r c i a l,
p r e g o n á n d o s e la v ic t im a c i ó n dei ad v e rs a ri o como una o b l ig a c ió n
dei d e s q u it e s o c i a l . ” 88

A guerra dos Guarani era tanto de fen s iv a quanto ofensiva.


Quando derrotad os e sen tin d o-s e ameaçado s, defendiam suas
aldeia s com e s ta qu ea m e nto ao red or e poços com armadilhas. Essa
tática de defesa também foi usada contra os esp an hó is, no século
X V I . 89

Os gu erre iros Guarani não visavam ao exte rm ín io do inimigo,


mas, o controle sobre os a d vers á rio s e op onentes à sua expan são
através da conquista, da man ute nçã o dos espaço s con qu is tad os e
da crescente expansão de suas fronte iras. A guerra também
propicia va promoção na hie rarquia social, pois a liderança dos

87 Id., Ibid., p. 5.

88 Id., Ibid., p. 40-41

89 Id., Ibid., p. 41.


43

caciqu es era mais acentuad a em tempos de guerra, além de, so m ar-


lhes vários elem entos de pre s tíg io social, "como a valentia, a
cap acidade de reunir pessoas, a p o s s ib ilid a d e de ampliar a fa m ília
pelo rapto (...), a poligâmia, a reali zação dos co nvites
in te rcom u nitá rio s, os rituais de pa ssag em ." Outra hipótese, em bora
pouco provável, era a de que a guerra era usada para ob tenção de
seus d e s p o jo s . 90

A prese nça do branco trou xe grand es m odif ic ações à guerra


dos índios americano s. Vários foram os motivos que tornara m a
r esistê ncia indígena inefica z frente às in vestid as dos
c oloniz adore s: a in fe rio rid a de das armas, a falta de uma coesa
org an iz a ção s ó c io-p olí tic o tribal, a ag re s s iv id a d e e a m o b il id a d e
p ropicia da pelo uso do cavalo em com bate contra tropas andarilh as.

As co nstante s derrotas das in vestid as indígena s traziam


des c réd it o à força dos seus próprios xamãs. A solução era a fuga
para áreas ainda não ocupa da s pelo branco, causando, desta forma,
co n flitos in te rétn ic os com os gru po s que já habitavam aq uela s
91
areas.

Com o avanço da colo n iz a çã o e da m is sion ariz a ção ,


au men tou o con flito entre as trib o s in depend en tes, que res is tiram
bravam ente defe n de ndo as suas terras, e as tribos já pa c if ic a d a s e
cris tia nizada s , "d e s in teg rand o qu a lq u e r resistê ncia p sicos s o cia l
o r g a n iz a d a ." 92

90 SOARES, op. cit., p. 167-169.

91 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Ambito americano), p. 43..

92 Id., Ibid., p. 8.
44

A introdu ção de novos bens culturais, como a valorização ,


pelos colo nizadore s, da mão -de-obra escrava indígena, torn an do o
cativo de guerra um bem com erc ia liz á v el, motiva cada vez mais a
guerra entre tribos. Em vez de comerem os cativos de guerra, vão
tro cá-los como escravos. Assim sendo, a an tro p o fa g ia é aos poucos
ab an donada, o sig nifi cado da guerra é m odificado e a h o s tilida de
entre as tribos be lig e ra n te s é substit uída pelo inte ress e nos
de spojos de guerra.

A beli cosid ade de algu mas tribos é au m entada com a adoção


do cavalo para atacar as tribos vizin has "p edestres, vítimas fá c e is
do c a tiv e ir o ." Como con seqüência, as lutas in te rtriba is vão p ro v o ca r
exte rm ín io e d e s t r u iç ã o . 93

Na atualidade, a intensa ocupação, pelo branco, das áreas


antes não valorizada s econom ic am ente , e o a p ro v e it a m e n to
in dustria l dos recursos na turais vão causa r d e s e q u ilí b rio às
p o s sib ilid a d e s de s u b s is tê n c ia trad ic io na l dos indígenas. No início
eles conseguiram resistir, mas logo ad ap ta ra m -s e ao novo sistema,
"rom pendo com a trad iç ão das relações hostis e c om p etitiv a s
i n te r t r i b a is " . 94

Alcid a Ramos esc lare ce muito bem a questão da im p ortân cia


do te rr itó r io para as socied ad es indígenas, e as con s e q ü ê n c ia s
advinda s da perda do seu espaço físico original:

“ Por t o da s essas razões, fica claro por que o s ig n if ic a d o


de t e r r i t o r i a l i d a d e para as s o c i e d a d e s i n d íg e n a s não é o mesmo
que para as p o p u la ç õ e s n a c i o n a is que as rod ei am . Ex t ir p a d a de
seu t e r r it ó r io , uma so ci e d a d e in díg ena tem poucas c h a n c e s de
s o b r e v i v e r como grupo c ul tu ra l au tô no m o . No t e r r i t ó r i o estão

93 Id., Ibid., p. 8-9.

94 Id., Ibid., p. 9.
45

in s c rit as as mais bás ic as noções de a u t o d e t e r m in a ç ã o , de


a r ti c ul a ç ão s o c i o p o l í t ic a , de v i v ê n c ia e c r en ça s re li g io s a s , para
não f a la r na pró pr ia e x is tê n c ia fís ic a do g r up o . A r ed uç ã o dos
t e r r i t ó r i o s in d íg e n a s que tem sido uma c o n s t a n t e na hi s tó r ia do
cont ato entre índios e branco s, tem r e p r e s e n t a d o , em cada caso
e s p e c íf ic o , v i o lê n c ia s de v á r ia s ordens, com a p ri v aç ã o c u lt u r a l,
social, moral, ec o n ô m ic a e eco ló gi ca das sociedades
, 95
ind íg ena s. ’

O nome do grupo geralm ente se vin cula va às c a r a c te r ís tic a s


do t e r r itó r io que ocupava, que era de li m it ado por ac ide ntes na turais
como rios, montanhas e campos, dem arcando a ab ra n g ê n c ia do
cacicado. Os seus limites eram tão respeita dos pelas tribo s
vizinhas, que nele pene travam apenas quando eram convid adas;
caso contrário, eram c on s id era da s invasoras, pode nd o ge rar uma
g u e r r a .96

1.2.2.1. O Direito dos P ris ioneiros de Guerra

Dentro desse contexto da guerra, os cativos ob tidos em


decorrê ncia dela, enquanto pe rm anecia m vivos, adquiria m os
mesmos direito s "civis" de qu a lq u e r outro membro nato da
comunida de . Eram bem tratad os, ficavam em liberdad e, recebiam
boa alim e ntaçã o e podiam ob ter mulheres. Não havia tempo
d e t erm in ad o para serem m antidos vivos. Poderiam du rar meses e
até a n o s .J Segundo Montoya, o grande dia da exe cuçã o aco nte cia
quando con sid eravam o prisio neiro s u fic ie n te m e n te g o r d o 97,"às
vezes lhe colocavam no pe scoço um colar de contas, que eram
retiradas, uma a cada dia, até a data do s a c r i fí c io " . 98

95 RAMOS, op. cit., p. 18-19, 21.

96 CHASE-SARDI, op. cit., p. 167.

97 MONTOYA, Antonio Ruiz de S. J. Conquista espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas
Províncias de Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Porto Alegre: Martins Livreiro. 1985. p. 53.

98 GONZAGA, op. cit., p. 44.


46

Não era necessário vigiar os cativos, que embora ficassem


em liberdade, tendo chance de escapar, não o faziam. Se fug issem,
seriam c on s id era do s covardes e não aceitos pelo seu grupo
99 a
originário. A c o m o da v am -se à fata lid a d e do destino. Alg un s
autores, como Gonzaga, afirmam que o fato de terem sido
c apturados era sinal de que foram abando na do s pelos espíritos
1 no
protetores e entregues à vontade dos maus espíritos. Outros
autores in terpretam o de sin te ress e dos cativo s pela fuga ao orgulho
que sentiam pela forma como iriam morrer. 101

No dia esc o lh id o para a morte do guerreiro, fazia -s e grande


festa, para a qual eram con vid adas as ald eia s vizinh as amigas e os
demais membros da comunidade. Particip ava m todos numa grande
c ongregação entre amigos e parentes. Estas festas eram marca da s
“ pelo ritual antropofágico, no qual eram distribu íd as entre os
pre sentes as partes do corpo do inimigo morto, c o n s ag ran do o
princípio da r ec ipro cid a de que fu n da m enta as relaçõ es sociais entre
os G u a r a n i. " 102

Tais festas eram acom panhadas de muita "chicha", bebida


ferm en tad a de milho, batata, mel e mandioca. As borrach eria s, ou

99 D' ABBEVILLE, op. cit., p. 230-231.

100 GONZAGA, op. cit., p. 44.

101 METRAUX, Alfred. A religião dos Tupinambás. E suas relações com as demais tribos tupi-guarani. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1979. p. 144.

102 DECKMANN, Eliane Cristina. O imaginário dos séculos XVI e XVII, suas manifestações e alterações na
prática missionária jesuítica. São Leopoldo, 1991. Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-
Americanos), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. p. 295.
47

bebe de ira s, como eram chamadas pelos antigo s cron istas, faziam
parte do trad ic io na l modo de ser Guarani.

Sob a óptica dos observadores europeus, as festas in díge na s


representavam rituais de sobreco nsu m o e d is tr ib u iç ã o com u nitá ria
dos recursos, um v erd àdeiro sinal de imprevidência.^°^

Ainda há relatos de que "gritavam todo o dia, e noite; tudo


são brigas e de sa rra njo s". Gonzaga exp li ca esta visão
es tereotipada, dizen do que "o que às vezes as testem u nh as
supunham ser brigas nada mais pa ssa ria de jo g o s e danças
en trem ea do s de com bates sim ula dos simbólicos.

Como de m onstra Susnik, o ritual da a n tr o p o fa g ia era uma


forma de batismo, que propiciava a in ic ia ção dos jo ven s ao mundo
adulto e ao dos guerreiros:

“ El rito de v ic t im a c i ó n por su p r o c e d im ie n t o s i m i l a r al de
los T u p in a m b á e s ; el victimario se id e n t if ic a b a con 'Ia
p e r s o n a ii d a d ' de Ia vi c t im a , t o m a n d o su nomb re; segú n los
c r o n is t a s dei sigio XVi, los ninos de 6 o 7 ano s fu er on in c it a d o s
a dar g o lp e s a Ia cabe za de Ia v i c t i m a , m ie n t r a s los ad u lt o s los
a m o n e s ta b an de ser v a l i e n t e s - a n i m o s o s . ” ’°®

Muitos c ron is tas eu ro peus fizeram r e fe rê n c ia à prática da


a n trop ofag ia entre os Guarani; dentre eles, ainda que lo ngo,con vém

Além dos rituais antropofágicos, uma caçada exitosa, uma colheita abundante, também eram motivo para
promover uma festa. (SUSNIK, Branislava. Los aborígenes dei Paraguay. p. 133.) Ainda, "a semeadiu-a ou
outra operação comum da agricultxua, quando tinham que resolver em junta pública algum assunto de interesse
geral, ou declarar a guerra, em suma, as bebedeiras vinham a ser quase contínuas." (HERNANDEZ, Pablo P.
Organización social de Ias Doctrínas Guaraníes de Ia Compania de Jesús. Barcelona. Gustavo Gili. vol. I.
1911. p 73.)

MARTINS, op. cit., p. 290.

105 GONZAGA, op. cit., p. 110-111

106 SUSNIK, Introducción a la antropologia social.. (Âmbito americano), p. 42.


48

citar o relato da obra de Cabeza de Vaca, Naufrágio s e


Comen tário s, pela sua riqueza de detalhes;

“ Quando ca pt ur am um in imigo na g ue rr a, t r a z e m - n o para


0 seu povoado e faze m com ele g r a n d e s f e s ta s e r e g o z ij o s ,
dan ça nd o e cant and o, o que dura até que ele esteja gordo , no
ponto de ser abatido. Porém, en q ua nt o está cat ivo, dão a ele
tudo 0 que que r c om er e lhe e n t r e g a m suas p r ó p r ia s m u lh e r e s
ou f ilh a s para que faça com elas os seus pr aze re s. São estas
me smas m ul he re s que se en c a rr e g a m de t r a t á - lo e de
o r n a m e n t á - lo com m uitas pluma s e mu it os c o l a re s que faze m de
ossos e de pedras brancas. Quand o está gor do , as f e s t i v i d a d e s
são ainda maiores. Os índ ios se r eún em e ad e re ç am três
meninos de seis ou sete anos de idade e c o l o c a m - l h e s nas
mãos umas m ac h a d in h a s de cobre. Ch am a m então um índio que
é tido como o mais v al en te entre eles, c o l o c a m - l h e uma espa da
de ma dei ra nas mãos, que c ha m am de maca na , e o co n d u ze m
até uma praça onde o fa ze m d a n ç a r du ra n te uma hora.
T e r m in ad a a dança, d i r i g e - s e para o p r is i o n e i r o e co m eç a a
g o lp eá -l o pelos ombros, s e g u ra n d o o pau com as dua s mãos.
Depois bate-lhe pela es pi nha e em seg u id a dá seis g o lp e s na
cabeça, o que não é s u f ic i e n t e para d e r r u b á - lo , pois é
im p r e s s i o n a n t e a r e s is t ê n c i a que eles pos su em , e s p e c ia l m e n te
na cabeça. S om en te d e p o is de muito ba te re m com aquela
espada, que é feita de uma ma de ir a negra m uito r e s is t e n t e , é
que co ns e gu e d e r r u b a r o p r is i o n e i r o e in im ig o . Aí então c heg am
os me nin os com as m a c h a d in h a s e o m a io r deles, ou fi lh o do
pr incip al, é o pr imei ro a g o l p e á -l o com a m a c h a d in h a na cabeça
até f a z e r c o r r e r o san gue. Em s eg u id a , os ou tr os t a m b é m
com eçam a g o l p e a r e, e n q u a n t o estão bat en d o, os índio s que
estão em volta gritam e i n c e n t iv a m para que sejam v a le n t e s ,
para que te nh am ânimo para e n f r e n t a r as g u e r r a s e para m ata r
seus inim igo s; que se r ec or de m que aq u el e que ali está já
matou sua gente. Quando t e r m in a m de m at á -l o, aq u el e índio
que 0 matou toma o seu nome, pas sa nd o assim a ch a m a r -s e
como sinal de v a le n t ia . Em segu ida , as v e l h a s pegam o corpo
to mb ado , começ am a d e s p e d a ç á - l o e a c o z i n h á - lo em suas
panelas. Depois re pa rte m entre si, sendo c o n s i d e r a d o algo
muito bom de comer, e v o l ta m às suas da n ç as e c an to s por mais
al guns dias, como forma de re goz ij o.

Era muito im portante que todos partic ip assem , pois


a cre dita vam que através da ingestão de partes do corpo s ac rific ad o
da vítima, absorviam "as suas virtud es ou neutra liza vam o seu
poder". A deglutiç ã o se fazia de forma d iscretíssim a, pois as partes
do corpo do cad áver eram misturadas com outros alimentos.

Este trecho trata da descrição do ritual antropofágico dos Guarani, no Paraguai, nas proximidades de
Assunção, no ano de 1543. (CABEZA DE VACA. Naufrágios e comentários. Porto Alegre: L & PM. 1987. P.
146-147. )
49

Inclusive faz ia -s e uma papa ou um mingau, para alim e ntar as


crianças de colo , 108

As mulheres capturadas eram tratad as como os homens. Mas


poderiam ser con s erv a da s mais tempo vivas, pela im p ortân c ia que
assumia o elem e nto fem in in o na produção de bens materiais, numa
econo mia de s u b s is t ê n c ia . 109

Como relata Ulrico Schmidl, o s a c rifíc io era comum a homens,


mulheres, idosos e crianças:

“ Los car ios comen t a m b ié n car ne humana, si pueden


co n s e g u ir ia , lo que sucede cu an do en la gu er ra hacen
pr is io n e r o s , sean hombres o m uje re s, sean jó v e n e s o v ie jo s , y
los ceban como noso tros a los cer dos . Si la m u je r es jo v e n y
bonita, la ma nt ie n en du ra nt e un ano o más, y si en este tie m po
no les com pla cen , la matan y c e l e b r a n con gran fie st a y
ba n qu et e como en nu e s tra s bodas. Pero si llega a v ie ja , la
dejan v i v i r hasta que se muera de una m ue rte n a t u r a l . ” 110

Também há relatos, com refe rê ncia aos Tup inambá , de que se


as mulhe res da tribo que eram c o n c ed id as aos pris io neiros de
guerra, ou se as mulheres cativas engra v id as se m , "n as c id a a
criança, m atavam -na em seguida, ou an tes de fazê-lo, cuidavam
dela até fic a r grande, para só então d e v o rá -la ." E se a mulher cativa,
grávida fugisse, retorn ando a sua tribo, "estes também devoravam
de pois a c r i a n ç a . " 111 É provável que nas c om unidades Guarani
aco nte cesse o mesmo, mas caso as mulh eres p risio n e ira s fossem

108 MONTOYA, op. cit., p. 53.

109 GONZAGA op. cit., p. 109-110.

110 SCHMIDL, Ulrico. Relato de la conquista dei Rio de la Plata y Paraguay. (1534-1554). Madrid: Alianza
Editorial, 1986. p. 155.

111 GONZAGA, op. cit., p. 86.


Sobre este assunto, diversos observadores europeus dos séculos XVI e XVII, dão o mesmo depoimento:
D ’Abbeville, Staden, Gandavo e Léry.
50

in corp ora da s como esposas, elas eram mantidas vivas e os filhos de


tais uniões seriam con sid era do s le gítim os Guarani e não mestiços
ou bastardos.

Todas as de scrições ex is te nte s a re sp eito da an trop ofag ia


pa rtiram de observa do res europeus, que não en tendia m o seu
s ig nificado; aliás, era consid erada, dentre todos os costumes
in dígenas, o mais bárbaro. Deve-se ter certo cu id ado em relação ao
uso dessas informações, pois é corrente, entre h isto ria do res e
a n t rop ólo go s atuais, a preocupação de fazer uma releitu ra dos
relatos qu in he ntis tas em relação aos costum es indígenas,
p rin c ip a lm e n te quando tratam da antrop ofag ia , não n e c e ss a ria m e n te
qu erendo q u es tio na r seu teor de ve ra c id a d e ou ficção. A fir m a-se
que o “ c an ib alis m o é um tema que não pode ser tratado sem uma
certa pa rcia lid ad e na trad iç ão cultural ocide ntal, e a suspeita que se
levanta é de que esses au tores que nos relegam os únicos ‘d a d o s ’
113
d is p o n ív e is (...) tampouco estavam isentos dessa p a r c ia lid a d e . ”

Quanto as suas reais motivações, Deckm an n faz a seguinte


ob serva ção;

"Os t e rm o s e m p r e g a d o s para i d e n t i f i c a r os i n d íg e n a s e
d e s c r e v e r os rit ua is a n t r o p o f á g i c o s re v el a m um j u lg a m e n t o
de c o rr e n t e das c a t e g o r i a s do im a g i n á r io c r is t ã o oc i d e n t a l e a
pe rm an ên c ia de uma pe r c e p ç ã o e t n o c ê n t r ic a que imp ed ia uma
a v al ia ç ão q u a nt o às reais m o ti v a ç õ e s do c o s t u m e de co m er
carne humana.
Uma das vis õ es in ic i a is dos espanhóis sobre a
a n t r o p o f a g ia c o n s id er ou que os in d íg e n a s a pr a t ic a v a m 'por
gu la '( .. . ); foi lev an ta da , p o s t e r io r m e n t e , a p o s s i b i li d a d e de a
an t r o p o f a g ia ter d e c o rr id o de uma c rô nic a falta de p r o t e í n a . ” ^’"'

112 SOARES, op. cit., p. 164.

' FLEISCHMANN, URICH ET AL. Os Tupinambá: realidade e ficção nos relatos quinhetistas. América
Aniéricas. Revista Brasileira de História. São Paulo: v. 10, n. 21. set/fev. 91. P. 127-128.

D ECK M ANN, op. cit., p. 287-288.


51

Pablo Hernánd ez con sid era va que o Guarani "d evo rav a os
corpos dos in imigos para s a tis fa z er à paixão da v in g a n ç a . " 115 Ao
matarem o inimigo, "acredita va m estar vin ga nd o os seus mortos, e
as sum in do as qu alid ad es de força, va le n tia do guerreiro morto, bem
como um novo n o m e "116, e, ainda, n e u tr a liz a n d o o seu poder.

V iv e ir o s de Castro salienta a im p o rtâ n c ia da v in g a n ç a 117 na


sociedade T upin am bá e, c o n s eq üe ntem e nte , nas demais s o c ied ad es
indígenas, afirmand o: "A vin gança é a herança de ixada pelos
an tepassados, e por isso ab an do na r a vin ga nça é romper com o
passado; mas também é, sobretudo, não ter mais f u t u r o . " 118

Florestan Fernandes consid era que a perda de um elem ento


do grupo em combate era fator p e r t u rb a d o r do eq u ilí b rio social. A
culpa era atrib uída a toda a com u nida de à qual perten cia o au tor da
morte. A vin gança deveria pairar sobre o grupo resp onsável e sobre
outros gru po s solid ário s a ele. No momento do sacrifício, o ca taivo
não estava re p re se ntad o a si mesmo, mas sim a sua tribo. O ritual
an tro p o fá g ic o era a op ortu n id a d e de renovação dos laços
in tra gru pa is e inte rgru pais de re c ip r o c id a d e e solid arie da de ,
r e s ta b e le c e n d o a moral coletiv a "e a se gurança psíquica dos
in d iv íd u o s ." Era uma forma de punição coletiv a e de f o r t a le c im e n t o
da s o lid a r ie d a d e g r u p a i. 119

115 HERNÁNDEZ. Pablo P. Organización social de las doctrinas guaraníes de la Companía de Jesus.
Barcelona: Gustavo Gili, 1911. p. 71.

116 DECKMANN, op. cit., p. 294.

117 O sentimento da vingança motivava grande parte dos atos praticados pelos indígenas, não somente a nível
externo, com também a nível interno.

118 VIVEIROS DE CASTRO. Eduardo B. Vingança e temporalidade. Journal de la Societé des Américanistes.
Paris: t. LXXI, 1985. p. 198.

119 FERNANDES. Florestan. Organização social dos Tupinambá. 2a. ed. São Paio, 1963. p. 119-123.
52

Uma das causas que con tribuíra m para que muitas tribos
Guarani aceitasse m a vida nas reduções foi a "vio lê n c ia
ate m oriz a nte" que se alastrou entre as "p a r c ia lid a d e s Guayáes e
T a p e -G u a ra n is " em decorrê ncia de "um estado psico-e m oc in al
exaltad o pela presença dos brancos em sua periferia, pra tic an do
uma intensa vitim izaçã o en dotribal e e n d o p a r c ia l. " ^ ^

Assim sendo, "nos séculos XVI e XVII, os C hirig uanos


org anizavam grand es fes tiv a is antrop ofág ic os; era um fator
psicosso cia l de afirm ação de sua 's u p e rio rid a d e ' étnica"^^^

A a n trop ofag ia continu ou a ser pratic ada nas vitória s das


lutas em que os Guarani e os espanhóis eram aliados, contra outras
tribos que resistiram à s ub ordin ação aos colo nizadore s.

Como se pode ob servar aqui, a con cep ção de vida e o valor


atrib uíd o a ela, com relação ao e s tra ng eir o (o pris io neiro de
guerra), e até mesmo da vítima para si mesma, é muito dife rente da
c oncepção cristã ocidental.

A se g uir d e s e n v o lv e r-se -á o direito penal, no qual também


são d is c u tid a s a recipro cid a de negativa e as dife ren tes con cep çõe s
de vida e de tutela sobre à vida, e ainda ficará bem acentuada a
resp o n s a b ilid a d e coletiva, a im portância dos in te re sses c o le tiv o s e
a solidarie dade.

SUSNIK, Introducción a la antropologia sociaJ. (Ambito americano), p. 41.

SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 149.

122 DECKMANN, op. cit.,. p. 292.


53

1.3 DIREITO PENAL

A ace it açã o de um direito penal entre os povos sem escrita


já é pacífica por muitos autores. E foi a partir dessa hipóte se que se
in iciaram no século passado, os estudo s dos seus sistem as
ju ríd ic o s. No começo deste século, M alinowski faz uma análise das
socied ad es ágrafas, adm itin do a existê ncia, também, de um direito
civil . Até então, só era conce bid a a existê ncia de um direito penal.

Os prim eiro s sistemas penais da Hum anidade provêm da


tr a n s g re s s ã o aos tabus, que era con sid era da crime, em f u n ç ã o das
trá gic as c o n s e q ü ê n c ia s que pode ria tr az e r ao grupo como um todo,
porque "o homem prim itivo é env olvid o por uma cerrada rede de
tabus a prometerem sanções in exoráveis contra aque le que os
v i o l a r . " 123

Nas s ociedades in díge na s existem normas p r é - e s ta b e le c id a s


que definem os atos delituosos. O de sre s p e ito às normas causa
desordem social que deve ser rap id am ente restabele cida. Para isso,
é ne cessá rio que a au torid ad e tenha "p od er de coa ção física,
ob rig a to r ie d a d e imp ositiva e sanções penais vio lentas, re so lv e n d o -
se as pe rturba ç õe s surgidas por in frações ou transgressões
in divid u ais ou grupa is." Para manter um efetivo co n trole social, esta
mesma au torid ad e poderá in c orp ora r outras normas "re g u la d o r a s ou
com pulsivas, se assim o exigirem algu mas novas c irc u n s tâ n c ia s
v i v e n c i a i s " 124

123 GONZAGA, op. cit.: p. 25.

124 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Âmbito americano), p. 121-122.


54

São co n sid e ra d o s delitos aqueles que am eaçam a "coesão


social, contra sua ordem sociomoral vig ente desde a inicial
c om unid ade pri mog ên ita, contra a in te grida de s o c io re lig io s a ou
contra a unidad e s o c i o t e r r i t o r ia l " . 125

Os direito s da com unida de são mais re s p e ita d o s do que os


direitos in dividuais, result ando uma grande rig id ez na sanção a todo
c om p ortam e nto an ti-so cial. Ao mesmo tempo, existe intenção de
pro curar c o n c ilia r todo conflito in te r n o . 126

1.3.1 Direito Penal Público e Direito Penal Privado

Apesar de as socie dades in díge na s p r é -c o lo n ia is possuírem


um senso do co le tivo muito acurado, nas suas rela çõ es inte rnas há
distinçã o entre o direito penal público, que abrange ações que
merecem a cen sura de todo o grupo "porque não atingiam nenh uma
pessoa determinad a, mas un icamente os sen tim e n to s ou in te resses
gerais (v.g., cova rdia em combate, vio lação de certos tabus, incesto
etc.)", e o direito penal privado, que ab range agravos d irig id o s "a
pessoa determ in ad a (homicídio, adulté rio etc.), caso em que os
costumes estabele ciam o direito de vin ga nça em fa v o r da vítima e
de terc e ir os a esta ligados". Mas nos seus r e la c iona m en tos
in tergrupa is, prevalecia a solidarieda de . Quando um membro do
grupo era ho stilizad o ou morto por alguém do grupo adversário ,
"toda a com unid ade se sentia atingida, cab e n d o -lh e o dever de
vin ga nça ." A s olid arie da de grupai só existia dentro do círculo dos
aliados, ou seja, apenas entre os eleme ntos do mesmo g r u p o . 127

125 14, Ibid., p. 124.

126 GILISSEN, op. cit., p. 36.

127 GONZAGA, op. cit., p. 58, 61-62.


55

1.3.2 0 Direito Penai Privado

Quando se de fron tavam pessoas do mesmo grupo por motivo


de ordem individu al, o chefe poderia punir o culpado, mas na
maioria das vezes não interferia, deixand o que os env olv id os se
e n t e n d e s s em^ “ Não procuravam, os outros, s ep ará -lo s ou ap azigu á-
los; de ix a v a m -n o s até fura re m -se os olhos m utuam ente sem dar
p a la v r a . " 128 Era a chamada "vinga nça privad a", em que "os
c on ten do re s se esmurravam, sem que os c ir c u n s ta n te s tom assem
p a r t id o " . 129

Outra v arian te era quando a própria vítim a não tinha


c ondições de vin ga r-se pessoalmente, por estar enferm a ou morta;
e vita va-s e a re s p o n s a b ilid a d e coletiva, como forma de manter a
amizade entre as fam ílias envolvidas. A punição fic ava ao encargo
das fa m ília s da vítima e do c r im in o s o . 130 “ Cabia então aos pa rentes
do ofe nso r a in ic ia tiv a de puni-lo, ou de p ro v id e n c ia r a entreg a dele
ou de alguém em seu lugar, a fim de que os ofendid os pude ssem
exe rc er a vin gança c o m p e n s a t ó r ia . " 131

O delito cometido entre pa rentes próximos norm alm ente não


era reprim id o por outrem, porque o cr im in oso "c o ntrola sua

128 LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. 4. ed. São Paulo: Martins, 1967. p. 195.

129 GONZAGA, op. cit.. p. 37.

130 Esta prática de os parentes do agressor vingarem a vítima é uma forma de prestarem satisfação à família do
lesado, evitando assim ruptura na tribo, garantindo a amizade entre as famílias envolvidas. (GANDAVO, Pero de
Magalhães. Tratado da terra do Brasil. História da Província Santa Cruz. Belo Horizonte: Itatiaia. 1980. p.
124.)

131 GONZAGA, op. cit., p. 118-119.


56

in tim idade imediata e ninguém pode assu m ir o papel de v i n g a d o r . " 132


Susnik chama isto de "justiça pessoal", em que casos de vin gança
por "a gravo s in te rpe ssoa is ou in te r fa m ilia r e s " não podem ser
reprim id os pela au torid ade do g r u p o . 133

1.3.3 Objetivo e Tipos de Penas

Segundo Gonzaga, nas com unid ades in dígenas a fin a lid a d e


de ap en ar não é reg enerar o infrator mas d e s e n c o r a já - lo de vio la r
norm alm ente a lei, e também expõe outros motivos:

"A ju s ta re tri b ui ç ã o pelo fato r e p r o v á v e l , em ob e d iê n ci a


aos im p e r a t iv o s éticos que devem ser m a n t id o s e re fo rç a d o s na
c o n sc iê n c ia c o le ti v a ; a prev en çã o ge ra l, que visa, at ra v és da
comunicação e apl icação das s a n çõ es , atemorizar a
g e n e r a li d a d e dos me mbros do agr eg ad o, c o n v e n c e n d o - o s a se
ab st er em da prática de crimes ’ 134

Susnik tem a seguin te opinião sobre a apli c aç ã o da pena:

“ El simpl e control social, basado en las normas


j u r a l e s p r o t e c t i v a s , es e s e n c ia l m e n te un po d e r r e p r e n s i v o o
c o r re c ti v o , raras veces d i re c t a m e n t e r e p r e s iv o ; se re cu rre a
medio s e s t im u la t i v o s para i n d u c i r al c o n f o r m i s m o o a m e n a z a s
de s a n c i o n e s s o b r e n a tu ra l e s para d o m in a r las r e a c c io n e s
i n d iv i d u a l e s , a la crítica o r i d i c u la r i z a c ió n pú bl ic a para lo gr a r
una c o r re c ió n social, a la presión de la op in ió n pú bl ic a para
im po n er una acción c ol ec ti v a o s o f r e n a r la d i s c o n f o r m i d a d
135
ind iv id ua l o g r u p a i . ”

Alcid a Ramos dem on stra que a defin ição de in fração social


tem suas variantes, pois o homicídio, o ad ultério, o incesto, a

132 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p. 193.

133 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Âmbito americano), p. 124-125.

134 GONZAGA, op. cit., p. 121-122.

135 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Ambito americano), p. 124.


57

prá tica da fe itiç a ria , podem ser con sid era da s t r a n s g re s s õ e s mais ou
menos graves, de pe ndendo da sociedade. Cada grupo "tem seu
el enco de 'crim es' que são da alçada do grupo e não apen as
as suntos domésticos, e tem também um elenco de puniçõe s
c o rre s p o n d e n te s a esses c r im e s " 136

As soc ied ad es indígenas possuem dois tipos de coação que


auxiliam no controle social: "as medidas in ib id o ras e as medidas
punitiv as". As medidas inibidoras, que eram muito eficazes,
con s is tia m em pro ced im e ntos informais c a r a c te r iz a d o s por sit uações
que expunham ao ridículo, acusações de bruxaria e pelo fuxico.
Quando o ato criminoso se consumava, to m a vam -se medidas
punitivas, que variavam de inte nsid ade con form e a gra vid ade do
crime c o m e t id o . 137

A este respeito Gonzaga dá o seu de poimento:

“ Nos casos menos grav es, a reação c o n s i s ti r á em mera


sa nçã o moral, geran do di fu s a r e p r o v a ç ã o da c o l e t i v id a d e . Nos
mais sérios, poderá ha v e r uma s anç ão ri tu al , que to rn e o
in d iv í d u o impuro, com perigo para si pr óp ri o e para os que com
ele m ant enh am contato, o que gera às v e z e s o seu a p a r t a m e n t o
da c om unh ão social; ou se cheg ar á a v e r d a d e i r o s ca s ti go s , de
var ia d a qua li da de , como sanção r e ta li a tó ri a . Em se t ra t a n d o de
de li t o s privados, os povos mais a t ra s a d o s d e ix a m à d i s c r i ç ã o da
víti m a r es po n de r à ofensa, e até mesmo a c o m p e l e m a assim
proc ed er, sob pena de d e s o n r a . ” 138

Conform e o tipo de delito o in divíduo pode ria ser c on denado


ao ostracis m o, à expulsão, a castigos corporais ou à m o r t e .j O
isola m ento em ostracism o coletivo levava o indivíduo a uma vida de
humilhações, restrições e perm an en te censura, onde "todos se

136 RAMOS. op. cit., p. 61.

137 Id.. Ibid.. p. 64.

138 GONZAGA, op. cit., p. 57-58.


58

recusavam a falar, olhar ou ter algo com os infratores, como se eles


não e x i s t i s s e m " . 139

A des c riç ã o do tratam ento dis pe ns a do ao in divíduo que


deso b ed ece u ao chefe da tribo Coroado dá idéia das privações a
que ele foi su bm etid o ao ser conde na do ao isolamento:

“ Não é mais ad mitid o na c o m p a n h ia de nen hum e é


ob rig ad o, por ordem do cac iq ue pr in c ip a l, a v i v e r isolado, num
rancho fora do al oj a m en to (...) É fo rç a d o a procurar
p e s s o a lm e n t e as fru ta s e água n e c e s s á r ia s para o seu su s t e n t o
e re c o lh e r a lenha para fa ze r o fogo. (...) Só como p un iç ão a ela
se s u bm et em , porque tal s e r v iç o c o n s i d e r a m pró pr io de
m ul he re s - in dig no e d e g r a d a n t e para os homens. Este cas ti go
t o rn a -s e ainda hu m il ha n te porque, cada vez que o c a s t ig a d o o
exe cu ta e passa na presença dos out ro s, c a r re g a d o de fr u t a s e
lenhas, é ob je to de es cár ni o e de mofa, d i f i c í l im o de r es is ti r ,
dado o c a r á t e r org ul ho so de ss e s s e lv a g e n s. Daí se o r ig i n a m
a l te r c a ç õ e s e lutas em que sem pr e s u c um be o d e s o b e d i e n t e ,
que tem con tr a si to dos os in d iv í d u o s da tr ib o . Se o
d e s o b e d i e n t e possui mulher, é dada, pelo cac iq ue pr in c ip a l, a
outro homem da tribo, assim que se v e r if ic o u a d e s o b e d i ê n c i a e
an tes de o culpa do r et ir a r- s e para viver isolado. (...)
c o n s i d e r a m av il t a n t e e a ma ior p un iç ão entre eles, de modo que
p re fe re m quas e sempre a m o r t e . ” 140

Este tipo de sanção que c ondenava o in divíduo ao


ostracismo^ retir a n d o -lh e o "direito de recipro c id a de ", c orresponde
mais ou menos à perda de direitos c i v i s , 141 pois suprimiam dele o
dire ito à vida familiar, às relações de tr ab alh o e à pro pried ad e
coletiva. A expulsão do indivíduo da com u nida de corre spo nd ia a
ilipTJ-

uma pena de morte, pois era quase im possível s ob rev iv er sozinho


na selva.

139 RAMOS, op. cit., p. 64.

140 O autor foi capturado e mantido por dois anos. pelos índios Cainguangue no interior do Rio Grande do Sul,
no século passado.(MABILDE, Pierre F. A. Boot. Apontamentos sobre os indígenas selvagens da Nação
Coroados Matos da Província do Rio Grande do Sul. São Paulo: IBASA, 1983. p. 81)

141 ZARRATEA. Tadeo. El derecho consuetudinario de las etnias indígenas. Revista dei Centro de Estúdios
Antropológicos. Asunción: v. XXIV, n. 1, jun.1989. p. 228.
59

Em hipótese de covardia, o homem pode ria ser rep ud ia do


pela mulher, que adquiria o direito de retorn ar à sua fa m ília de
origem. Os castigos corporais predom in avam para os pre sos de
guerra, que eram es b ofete ados pelas mulheres e cria nças da
tribo.

De acordo com Gonzaga, nâo há informes r elativ o s à


e x is tê n c ia de tortura nas socied ad es indígenas, para obter
c o n f is s ã o ^ '^

Mas, pode-se averiguar que as formas como executavam as


pess oa s con denadas à morte poderiam variar desde em preg o do
tacape nos rituais de sac rifíc io dos inimigos, a apli c açã o de
venenos, enterro de pessoas vivas, afoga mento e en forcam ento,
este já sob a in fluê ncia dos costumes europeus.^''®

A privação da liberdad e só era em pregada em d e term in ad as


ocasiões, "para deter os inimigos seguida à captura ou nas horas
que precediam de imediato o seu sacrifício (...)Tra tava -s e , enfim, de
medida sem elh ante à 'prisão processu al' da atualidade".^"'®

No entanto, Moisés Bertoni confirm a a existê n c ia da


esc ra v id ão entre os Guarani. Porém, os escravos eram tratados com
dign idad e, estand o mais na condição de servos do que p ro priam en te

GONZAGA, op, cit., p. 127,

id . Ibid. p. 128-129.

Historicamente, o franco emprego da tortura, no âmbito judiciário, coincide com o aparecimento do chamado
"procedimento inquisitório", em que havia um juiz incumbido de pesquisar a verdade e julgar, depois, de acordo
com aquilo que pudera descobrir. (Id., Ibid .p. 128)

Id., Ibid, p. 127-128.

Id, Ibid., p. 128.


60

escravos. Não eram vendido s e trabalh avam ba sic a m en te na


a g r ic u lt u r a . 147

Susnik el enca algu mas tr an sgress õ es e delitos que co n s id e ra


mais fr eq üe ntes nas soc ie dades indígena s e que mereciam penas.
São elas:

"Ho m ic íd io - no sie ndo a c c i d e n t a l o ' f e s t i v a l '- , in ce st o -


c u l tu r a l m e n te d e f in id o -, la práct ica de m a g ia -n e g r a - p el ig ro
c o l e c ti v o - , d is c o n f o r m i d a d rebelde, rapto de esposa ajena,
re ve la ci ón dei secreto in ic iá ti co , in f r a c c io n e s s o c i o r r e l i g i o s a s , a
ve ces a d u lt ér io , dano s a la pr op ie da d pr iv ad a o c o m un a l,
in jur ia s a la clase liderai, el no c u m p li m ie n t o de las
' 1 4 8
o b l ig a c io n e s soc iale s, d e s o b e d i e n c i a p o l í t i c a . ”

1.3.4 Responsa bilid ad e Penal

O in dígena não procura en tender as causas dos


ac ontecim ento s, mas suas origens. Assim sendo, é imputado sempre
um resp on sáve l para todos os males que aco ntecem ao grupo ou ao
indivíduo, mesmo tr atan do -se de fe n ôm e nos da natureza. O
responsá ve l pode ser um homem do grupo, um homem de outra
tribo, um espírito, uma divindade, um animal, uma planta ou um
objeto inanimado. Até mesmo os pajés, quando não ob tinh am êxito
no tratam e nto de algum doente, atribuíam a culpa ao fe it iç o de

147 BERTONI, op. cit., p. 174.


Acredita-se que esta referência aos escravos estivesse relacionada aos prisioneiros de guerra, que permaneciam
certo tempo na comunidade participando de todas as suas atividades, até o dia em que seriam sacrificados.
Florencia Roulet também partilha dessa opinião: "Probablemente se tratara dei término tapii, con que eran
designados los cautivos de guerra que serían sacrificados, y que fue interpretado por los europeos, a falta de una
correspondência exata, como 'esclavos'." ( ROULET, Florencia. Fragmentacion política y conflictos interétnicos.
Las condiciones internas de la vulnerabilidad de los guaraníes la conquista en espanhola. Revista dei Centro de
Estúdios Antropológicos. Asúncion: v. XXVII, n. 1, jun. 1992. p. 172.)

148 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Ambito americano), p. 125.


61

algum inimigo do enfermo, que, às vezes, chegava a ser morto pelos


parentes do doente.^"®

Em regra geral, não há disti nção entre dolo e culpa, Na


infração le vam -se em consideração, as c onseqüências e não a
von tade do infrator. A ausên cia de intenção pode ser f a to r
agravante e não atenuante, pois se compre ende que o in divíd uo foi
movido por forç as ocultas maléficas, que devem ser rep rim id a s o
mais rápido possível.

Também não há a extin ção de punibilid ad e. Norm almente, a


em briagu ez, as alte rações emo cio na is, a coação não são
exc lu d e n te s de resp on sab ilida de . "Nem anom alias mentais que se
aprese ntam , para o homem primitivo, plenas de m is teriosa s
s ig nific açõ es . Sequer o sono importa, porque leva o in divíd uo a
en trar em contato com o mundo espiritual.

Existem relatos de que os indígenas bra sil eir o s usavam a


desculpa da em b ria gu ez para ju s ti fi c a r os maus tratos d is pe ns a do s
a suas mulheres, mas tal atitude, de acordo com a tr ad iç ão
indígena, não era consid erado delito, pe rm anecendo na esfera
privada do âmbito fam ilia r. Assim sendo, era pouco provável que
algum crime tiv esse a exclu dente de resp o n s a b ilid a d e por motivo de
em bria gu ez.

Nesse sentido, Gonzaga assim preleciona:

GONZAGA, op. cit., p. 99-108.

'50 Id, Ibid, p. 102.

‘51 Id ,lb id .p . 103-104.


62

“ Nosso gen tio não at en ta v a para a qu e s tã o da


im p u t a b il i d a d e . Nem, pelas me smas raz ões , lhe im p o r t a v a sa be r
se hou ver a ou não c u lp a b i li d a d e , - mesmo porque não v ig ia
se q u e r o pr in cí p io da p e r s o n a li d a d e da r e s p o n s a b i l i d a d e
__■ ■___i 11 152
crim in a l.

As mulheres e as crianças eram as mais apenadas. As


mulheres eram c on s id era da s perigosas, pela aura mística da
m atern id ade que paira sobre elas. As crianças por acharem "que
nelas podia estar en carn ad o algum adulto já f a l e c i d o . " 153

Baseado no prin cípio da "com pe nsação", o indíge na quer


sempre vin ga r-se daquele que considera o resp onsável pelo mal
causado, podendo ser homens, mulheres, crianças, animais e até
objetos inanimados.

A vin gança pode ria ser realizada a qu alqu er momento; a


pu n ib ilid a d e nunca se ext in gu ia "nem pelo decurso de tempo, nem
seq ue r pela morte do ' c o n d e n a d o '. " 154

Há que se levar em conta, ainda, a questão da


re s p o n s a b ilid a d e que, ao invés de ser individu al como no direito
ocidental, era coletiva, "em que se nivelam num mesmo t ra ta m e n to
culpado s e inocentes", fazendo "com que cada membro se confunda
com o grupo a que p e r t e n c e . " 155

A este respeito, Kelsen faz a seguinte afirmação:

"A culpa de um in div íd uo assume c a r á t e r c o l et iv o,


porque n e c e s s a r ia m e n t e se es te nde àq u el e s que v iv e m com o

152 Id., Ibid., p. 112-113

153 Id., Ibid., p. 104.

154 Id., Ibid., p. 132.

155 Id.. Ibid., p. 114.


63

cul pa do ou com ele ma ntêm es t re it o s v í n c u lo s soc ia is. (...) Um


homem p r im it iv o acha a b s o lu t a m e n t e óbvi o que a v in g a n ç a se
exer ça sobre todo o grupo, não ob s t a n t e o del it o te nh a sido
c o m e t id o por um só m embro, e c o n s i d e r a d o ju s t o que os f il h o s e
netos paguem o tr i b u t o pela culpa dos a s c e n d e n t e s . ” ^^®

O in verso também é verdad eiro. Quando um membro do grupo


sofre dano ou v io lê ncia de um elemento de outro grupo, a ofensa é
am pliada a todos os membros do grupo ofendido; "o c onceito de
agravo à c om unidade predo mina sobre a infração pessoal",
assu m in do "a re s p o n s a b ilid a d e co le tiva por seus membros frente a
outros grupos.

1.3.5 A R egula mentação da Caça

Cônsc io s da im portância da caça para sua so b revivên cia , os


Guarani re g u la m e n ta v a m -n a com uma série de normas. Era proib ido
ab ater anim ais no período da prenhez e da am am enta ção e também
c oletar os ovos das aves.^^ O excesso no abate de an imais era uma
vio la ção às regras tradicio nais, pois acreditavam que o agente
estava sob a in fluê ncia dos feitic e iro s, que podiam insti gar a cólera
dos espíritos.

A a tiv id a d e da caça envolvia também ob rig açõ es pe rtin e n te s


à vida f a m ilia r e com unitária : "quem na sua aldeia pode ou não

KELSEN, Haiis. Società e natura. Turim: 1953. p. 37-38.

SUSNIK, Introducción a Ia antropologia social. (Ambito americano), p. 123.

l58BERTONI,op. cit.,p. 175.

HAUBERT. Mâxime. A vida cotidiana. índios e jesuítas no tempo das missões. Sao Paulo: Cia das Letras,
1990. p. 29-30.
64

com er tal ou qual animal, quais as c o n s e q ü ê n c ia s de suas ações


rituais an terio res à caçada e uma série de ou tras c o n s id e r a ç õ e s ." 160

Entretanto, não é conhe cida a ab ran gê ncia destas proib ições


e nem o tipo de pena a que estavam su jeito s os in fr a t o r e s . 161

1.3.6 Os Crimes Contra o Patrimônio

Nos crimes con tra a propriedade, pode -se in clu ir o furto, mas
sempre com certo cuidado, pois a pro pried ad e pa rtic ular era
limitada. Quase tudo era de todos. Além disso, a facil id ad e de
c on se g u ir os ob je to s era tanta, que raram ente ocorriam furtos. A
não ser em casos específicos, como ob je to s que possuíam valor
moral, como um troféu de c a ç a . 162 Ademais, por tratar- se de
c om u nida de s pequenas, em que todos se conheciam, bem como os
pe rtences pe ssoais de cada um, qu alqu er d e s a p are cim e nto era de
fácil rec onhecim ento , podendo rap id am e nte id en ti fi car-s e o
in f r a t o r . 163

Existiam, ainda, outras form as de de tectar o ladrão.


A p arece nd o mais de um suspeito, o pajé tocava no peito de cada
um; aque le que fic asse com as marcas vermelhas dos seus dedos
era c on s id era do c u l p a d o . 164 A forma de c a s tig a r esses infratores era

160 RAMOS, op. cit., p. 24.

161 GONZAGA, op. cit.. p. 60.

162 DE CICCO. Cláudio. O direito entre os índios do Brasil segundo Von Martius. São Paulo: USP.1973 .
p.7.

163 GONZAGA, op. cit.. p. 51.

164 MÉTRAUX, Alfred. O índio guarani. Revista do Museu Júlio de Castilhos e Arquivo Histórico do Rio
Grande do Sul. Porto Alegre: ano VII, n. 9, 1958. p. 54.
65

decid id a pelo chefe ou pelos anciães, e podia variar da simples


dev oluç ã o da coisa roubada, expulsão do grupo, até a m o r t e . 165

A p e sa r de não se id en ti ficar a pro pried ad e privada com os


moldes da sociedad e ocidental, entre os Guarani se re sp eita a
"posse pe ssoal de objetos". A pessoa que detém a coisa não se
chama "seu proprie tário ", nem "seu dono" ou sequer "seu
po ssuidor"; só se chama "sua pessoa", ou seja, a pessoa que,
na qu ele momento, detém a c o i s a . 166

Bertoni explica por que havia quase total ausência de furto


entre os Guarani:

“ Nunca el Indio G u a r a n i sacará dei d ep ós it o común un


grano de maíz de lo que nec e s it e para la ne c e s id a d más
a p r e m ia n te dei dia. La acu sa ci ón o la. simpl e so s p e c h a de
q u e re r hacerse a l im e n t a r por los demás, de ser i n c a p a z de
c o s t e a r las ne c e s id a d e s de su fa m il ia , esto para un hom bre
digno es un c a s ti g o tan terrible que suf ri rá el indio
p a d e c im ie n to s antes de hacer uso de sus de r e c h o s , y nunca
tom ar á lo que en ju s t i c ia no parece c o r r e s p o n d e r l e . ” 16

M on toya também con firma que os Guarani não furtavam,


v iv e nd o em paz e sem litígio porque não praticavam o com ércio e,
sem in te resse algum, soco rriam uns aos outros em suas
ne cessidades. 168

Entretanto, na maioria das sociedad es indígenas, quando se


tratava de furto a inimigos e a estranhos, não era considerada uma

: 165 GONZAGA, op. cit., p. 144.

166 BERTONI. op. cit., p. 223-224.

167 Id., Ibid., p. 225.

168 MONTOYA. op. cit., p. 168-169.


66

ação so c ia lm e n te r e p u d ia d a . 169 Portanto, um ato ilícito só era assim


c o n s id era do qu ando praticado entre elem entos do mesmo grupo,
c a r a c te r iz a n d o a recipro cid a de negativa.

Sahlins exp lica bem esta questão:

“ No quadro t ri ba l um d e t e r m i n a d o ato é em si bom ou


mau, in d e p e n d e n te m e n t e de quem possa en v o lv e r ; vai d e p e n d e r
e x a t a m e n t e de quem é o e n v o lv i d o . Ro ub ar os bens ou a m u lh e r
de outro homem é crime de n tro da sua própria com un id ad e , mas
o mes mo ato perp e tra do cont ra um e s t ra n g e i ro pode ser um
mo ti vo de m é r i t o . ” 70

1.3.7 Os Crimes contra a Pessoa

No que tange aos crimes contra a pessoa, a diferença é bem


acentuada entre a con cepção cristã ocid ental e a concepção
indígena. De te rm in ad as situações, que no direito ocidental são
con s id e ra d a s crimes, nos costumes in díge na s não o são. O delito
contra a pessoa humana é en tendid o como crime, depe nd en do da
condição do agen te e da vítima.

Como se tratou an terio rm ente , existiam crimes que


pertenciam à esfera do direito penal privado: os praticados por
in divíd uos do mesmo grupo, os chamad os "agravos interpessoais ou
in te rfa m il ia re s ", cabendo a vinga nça pessoal ou "compe nsatória".

Mas, o hom ic ídio era c onsid era do gra víssim o crime perante o
Código M byá-Guarani, que merecia severas punições:

169 MICHAELE. op. cit., p. 33.

170 SAHLINS, op. cit., p. 35.


67

“ En c ua n to a este caso, el hom icí di o, sin em bar go, en


ninguna man era admite c o m po n en da s : se t ra ta dei crimen más
grave que co m e te m o s .
Por c o n s e g u i n te , el pu rg ar lo (con la vida) es la única
manera en que pue de hab er ju s ti c ia .
D ur an te largo rato pe rm ane ce in m ó v il el Cacique, con la
mirada fija en el cielo, sin p ro n u n c ia r pa la br a; luego pros igu e:
- P o rt á n d o s e como si no hubiera sido enviado por mí a
la tier ra , ha obr ad o e x c l u s iv a m e n te bajo los d e s i g n i o s dei Ser
Furioso. A causa de esto -d ice nue stro P r im e r Padre- no ha
amado s in c e r a m e n t e en su cor azón a sus bu e no s se m e ja n te s .
- Por c o n s e g u in te , no so tro s d e j a r e m o s de es t im a r ie ;
hemos de e n t r e g a r lo a a q u el lo s que han de d e s t r u ir su ser. Por
tanto , yo d e ja r é de i n s p ir a r le bellas pa la b r a s a t r a v é s de su
c or on il la por in te r m e d i o de mis hijos de c or a z ó n grande.
- ( ,. .) A c t o c on ti n uo , se pro ced e a e j e c u t a r en el reo la
pena de m uerte, rec ay en do g e n e r a lm e n t e el papel de v e r d u g o
en m u c h a c h o s p u b es c en te s , q ui en e s deben in fe r ir al reo las
mismas he ri d as r e c ib id as por la v í c t i m a . ” 171

Em caso de ho m icídio ou lesões corp orais graves, os


pa ren tes da vítima podiam vingá -la caso não recebe ssem
co m p e n s a ç ã o da fam ília do c r im in o s o . 172

As pequ en as ofensa s eram resolvidas im ediatam e nte com


d isc u s sã o ou aca ba vam em luta corporal. As rixas norm alm ente
com eçavam nas bebede iras, que instigavam os ânimos. Difi cilm ente
fa z ia m -s e queixas ao chefe, porque era v erg on ho s o não saber
d e fe n d e r a si m e s m o .173

Se, de uma briga, mesmo por motivo fútil, ocorr e a morte de


um dos ad versá rio s, não há nenhuma recrim inação, pois "é
c o n s id e ra d o muito louvável porque entendem que, com isso, provam
ter corage m e não tem er a m o r t e . " 174 Nas lides não há nenhuma

171 CHASE-SARDI, op. cit., p. 100.

172 METRAUX. op. cit., p. 54.

173 GONZAGA, op. cit., p. 126.

174 MABILDE. op. cit., p. 84.


68

in te rfe rê n c ia de um terc e ir o para ap arta r os litiga ntes, tom ar


posição ou p ro n u n c ia r alguma s e n t e n ç a . 175

O duelo era prática comum nas soc ie dades in dígenas.


G era lm ente ac ontecia em fes tiv id ad es , para que todos pudessem
vê-lo e o b je tiv a v a r e s ta b e le c e r o pre s tíg io social do indivíduo. Era
uma san ção com p etit iv a , ligada ao prin cípio de au tojustiça. 176

Norm alm e nte as causas de um duelo envolviam questões de


honra fem in in a, honra pessoal e honra fam ilia r. Os duelos, por sua
vez, também obedeciam regras. Os G ua ran i- M bih á de Mondáeh, por
exemplo, só podiam usar como armas o garrote, e, às vezes, uma
esp ad a de madeira muito dura com quatro arestas afiadas, mas
nunca o arco. E, também existiam ju iz e s:

“ Las re gias son las que la nobleza de c a r á c t e r y la


j u s t i c i a impo ne n. Hay ju e c e s pr e s e n te s que exi gen si pr eci sa su
a p li c a c ió n y ju z g a n como nu e st ro s padrinos. Si el d u e lo es de
uno contra v a r io s , aquél se bate s u c e s i v a m e n t e con cada uno
de éstos. Si uno que da de s a rm a d o por el otro, éste esp e ra a
que aquél se repon ga y recoja su arama. Los g o lp e s son
d i r i g id o s en ge ne ra l como para des m ay a r, no m a t a r . ” 177

Era imoral o uso de armas numa luta com diferente pode r de


de struição. Por exemplo: era c on s id era da desigual a luta em que um
indiv íd uo usava o chicote, e o outro, o f a c ã o . 178

Conform e já foi dito, a morte dos prisio neiros de guerra, que


fazia parte dos ritua is de antrop ofag ia , era considerada como algo
natural.

175 MALINOWSKI, op. cit., p. 75.

176 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Ambito social), p. 122.

177 BERTONI, op. cit., p. 176.

178 Id., Ibid., p. 173-174.


69

Era grande o número de pessoas da mesma com unid ade cuja


vida não merecia nenh um a tutela. No am bie nte fa m ilia r era
perm itid a a s upre ssão da vida de indivíduos, de acordo, com
su p erstiç õ es, n e c e s sid a d e s de s o b revivên c ia e questões
s entim entais. Na esfera fam ilia r, tanto o pai quanto a mãe tinham
direito de vida ou morte sobre seus de pe ndentes. Da união entre um
homem e uma m ulhe r nem sempre surgia a re s p o n s a b ilid a d e de
g a ra n tir a s o b re v iv ê n c ia 1dos de scendentes e a s c e n d e n t e s . 179

A s ociedade era in dife ren te às desavenças entre os cônjuges.


Muitas vezes, ocorria que um membro do casal pratica va
en v e n e n a m e n to contra o outro por motivos frív o lo s e ninguém da
com u nida de tomava c o n h e c im e n t o . 180

Não existia q u a lq u e r tipo de restrição à prá tica do aborto,


pois dependia un ic a m e n te da vontade da ge stante que, neste caso,
dispunha livrem ente de seu corpcTJNa maioria das vezes a intenção
da prá tica do aborto era apenas uma forma de controle de
natalidade , pois as fa m í lia s indígenas no rm alm ente são pouco
numerosas por ne ces s ida de de sob revivên cia.

Pela " lib e rd a d e " sexual que existia era normal a gravid ez de
mulheres solteiras, sendo freqüente o recurso do aborto para se
livrarem de uma g ra v id e z in d e s e j a d a . 181

An ti ga m e nte , além da ingestão de plantas abortivas, era


p re do m in an te "a prá tic a do aborto mecânico, re a li z a n d o -se

179 GONZAGA, op. cit.. p. 134, 136-137.

180 Id., Ibid., p. 135.

181 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 9.
70

m assa gens com golpes ou pressões sobre o abdomem por espaço


de uma a três s e m a n a s . " 182 Além do aborto, também era pra ticad o o
infa nticídio. Se gu ndo Bertoni, tal prá tica era comum entre os
G u a r a n i. 183

Mas, para d is c u tir este assunto, é ne cessá rio en tender as


duas c on c ep çõe s de vida das socie dades indígenas. Para os
in dígenas, as pessoa s possuíam duas vidas: a prim eira o in divíduo
adqu ire ao nascer; a segunda, chamada "força vital", que seria a
vida p r o p ria m e n te dita, apenas com eçaria na fase pré-pu be rda de ,
na qual os in divíd uo s pa rticip am dos ritos de iniciação que vão
in tro d u z i-lo s a um novo "r e na sc er sociob io ló g ic o ", a d q u ir in do pleno
d ireito à vida. Portanto, na primeira infância as crianças não
recebem a tutela integral do direito à v i d a . 184

O na sc im e nto das crianças envolvia uma série de preceitos


s u p e r s tic io s o s e de s o b rev iv ên cia do grupo, em que prevaleciam os
inte resses co le tiv o s sobre os individuais:

“ El n ac im ie nt o, la 'vida nueva', en su fase pre- y post-


natal, es ta m b ié n en las s o c i e d a d e s p r i m i t i v a s un a c o n te c e r
c rítico, cua nd o hay t e m o r a la in te r f e r e n c ia de las f u e r z a s
m ágicas, cu an do los padres siguen una serie de p r e s c r ip c i o n e s
t a b u i z a d a s para p r e v e n ir dano s o c a r a c t e r í s t i c a s p o te n c i a l m e n te
n e g a ti v a s para el fu turo recién nacido, y cu an do se r ea fi rm a la
s o b r e v i v e n c i a dei grupo s o c i o b i o ló g ic o . 85

Eram muitos os motivos que levavam ao infanticídio. Entre os


Lengua, o ideal era que os filhos nascessem com um inte rvalo de 7
a 8 anos, para ga ra n tir a vida das crianças até esta idade, quando

182 Id., Ibid., p. 9. .

183 BERTONI, op. cit.. p. 203.

184 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 7.

185 Id., Ibid., p. 7.


71

seriam mais re s is te n te s e in de pe nd en tes. Havia rígido co n tro le do


na sc im e nto das mulheres. Se no primeiro parto nascesse menina,
seria e s t r a n g u la d a im ediatam ente. E também eram mortas as
men inas n a s c itu r a s quando havia d e s iq u ilí b r io entre homens e
mulheres. 186

O na s cim e n to de gêmeos era c o n s id era do algo anormal por


a cre ditarem na in te rfe rê n c ia de espíritos maus. A segunda criança
que nascia era elim in ad a ou, quando do mesmo sexo, ambos eram
e stra ng ula do s. As crianças portad oras de anom alias ge néticas de
m á-form a ç ão também eram m o r t a s . 187

Ainda eram elim in adas as cria nças cham adas "órfãs sociais":
quando a mulh er pa rturiente ou lactante foss e abandonada pelo
marido, se ho uve sse suspeita de que fosse con ceb id a em adultério,
se a mãe p r is io n e ir a ou raptada e quando a mãe morria du rante o

40 0

parto, ou no pe ríod o da amamentaçao.

Os sonhos também de term in avam o destino do recém-


nascido. Q ua nd o a mulher sonhava durante a gravid ez com pa rentes
rec é m -fa le cid o s, prin c ip a lm e n te quando a morte era atrib uída à
feitiçaria , ju s ti fi c a v a - s e o i n fa n t ic í d io . 189

Os in te re s s e s na con tin u id ad e do casam ento eram motivo


para a prá tica do in fa nticídio. A mulher, qu an do desejava evitar a
a b s tin ê nc ia sexual em de corrência da am a m en ta ção prolong ad a. A

186 Id.. Ibid., p. 8.

187 Id., Ibid., p. 9.

188 Id.. Ibid., p. 8-9

189 Id., Ibid., p. 9.


72

sogra, quan do queria ev itar que o genro a b a n do na s se o grupo, em


1on
fu n ç ã o do nascim ento de muitos filhos.

Em ou tras situaçõe s, prevaleciam os in te resse s coletivos. Em


c alam idad es , epidem ias, necessid ade de rápidas e contín ua s
d is p e rs õ e s do grupo, m atavam -se as cria nças ainda la ctentes até os
5 anos de idade, para ga ra n tir a sobrev iv ên c ia dos d e m a i s . 191

Outro procedim ento, já sob a in fl uê ncia do contato com o


branco, era a venda de filh os e parentes próximos para serem
e s c r a v iz a d o s pelos c o l o n iz a d o r e s . 192 Os Gua rani também trocavam
seus filh o s por ob jetos "raros", trazid os pelos e u r o p e u s . 193

Segu ndo Gonzaga, os velhos inválidos, que não possuíam


mais nenh uma força de trab alho, tomando-se um fardo para a
c om unid ade, eram ab an do na do s ou mortos, às vezes chega nd o a
ser e n te r r a d o s vivos. Não raro, quando já a b o rre cid os da vida, os
idosos s olicitavam aos seus a antecip açã o da m o r t e . 194

190 Id., Ibid., p. 9-14.

191 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 9.

O infanticidio ainda hoje é prática comum por algumas comunidades indígenas no Brasil que permaneceram
livres da interferência estatal ou de missões religiosas'. Trata-se de meio de controle de natalidade que visa
primordialmente a sobrevivência do grupo. Apesar de o infanticídio ser considerado crime perante a legislação
brasileira, o Estatuto do índio, em seu art. 57 o tolera, de acordo com as instituições próprias, de sanções penais
ou disciplinares contra os seus membros, desde que não revistam caráter cruel ou infamante, proibida em
qualquer caso a pena de morte'. (LEITÃO, Ana Valéria Nascimento Araújo. Direitos culturais dos povos
indígenas - aspectos do seu reconhecimento. Os direitos indígenas e a Constituição. Porto Alegre: Fabris
Editor, 1993. p. 238.)

192 GONZAGA, op. cit., p. 85.

193 HAUBERT. op. cit., p. 302

194 G ONZAG A, op. cit., p. 134-135.


73

Para eluc ida r melhor esta situação, recorreu-s e ao autor


citado, pincelando-.se, dos seus escritos, o ce rim onia l de morte de
um an cião dos índios Goyaná:

“ Então os mais, d e p o is de o terem todo m uito bem


untado de re sin as das á rv or es , e bem e m pe n ad o por todo o
corpo de penas de aves de v á r ia s cores, com mu it as fe sta s, e
bailes, o metem den tro de uma tina de barro, que para isso tem
pr ep a ra d o e ac om od ad o em uma cova, que abrem na te rr a , e
lan ça nd o de n tro desta tina, ou ja rr a , o d e s g ra ç a d o ve lh o, que
ca m in h ou para ela mais ale gr e, e f e s ti v o , que se fora para
a l gu m as pr im e ir a s bodas, lhe põem logo em cima da boca da
tina um testo, ou c o b e rt u r a do mesmo barro, muito pesa do, e
l a n ç a n d o - l h e te rra, fica o pobre ainda em vivo duas v e z e s
s e p u l t a d o . ” 195

Quand o uma pessoa adoecia, criança, adulto ou velho,


im e d ia ta m e n te era chamado o pajé para, com seus pode res
s o b ren atura is , n e u tra liz a r o mal da doença. Caso não surtis se
efeito, esta pessoa era ab andonada, para que m orresse
n a t u r a lm e n t e . 196 Era praticad a uma es p écie de eu tanásia, nem
sempre só com a intenção de a liv ia r o s ofrim ento ou a n t e c ip a r a
morte que seria inevitável, mas também com o intuito de evita r o
ônus à c o m u n id a d e de cuida r de um doen te e alimentá-lo.

G andavo relata a prática da e u tan ásia e do can ib alis m o entre


os índios Tapuia, no século XVI:

“ E he que qua nd o algum chega a es ta r d o e n te de


ma neira que se de s c o n fi a de sua vida, seu pai, ou mãi, irmãos,
ou q u a e s q u e r out ro s p a r en te s mais c h e g a d o s o ac ab am de
m ata r com sua p ró pr ia s mãos (...) E o peor que he que d e p o is
disso o assam e cozem , e lhe comem toda a carne, e dizem que
nam hão de s of re r qus cousa tam baixa e v il como he a te rra
(...) que s ep u lt ur a mais honra da lhe podem dar do que m ete -l o
de n tro em si, e a g a z a lh a - l o para sem pr e em suas e n t r a n h a s ." 197

195 Id., Ibid., p. 135.

196 Id., Ibid., p. 89-90.

197 GANDAVO. op. cit., p. 141.


74

A fe it iç a r ia era o maior delito s ociocult ura l. Os bruxos ou


f e it ic e ir o s eram pessoas que usavam os seus pode res sob ren atura is
para pra tic a r o mal, ao co n trá rio dos xamãs, que os usavam para o
bem. Sempre que ac o nte c ia algum mal a alguém, e o xamã não
desse conta de reso lv e r o problema, era atrib uída a culpa a um
suposto feitic e iro . As provas não eram mensuradas, apen as
re c o rria -s e à a d iv i n h a ç ã o . 198

1.3.8 Os Crimes contra os Costumes

Homens e mulheres tinham vida sexual ativa antes do


casam ento. A v ir g in d a d e fem in in a não era valorizada como em
outras sociedad es, mas existiam d e term in ad os tabus em relação a
algum as práticas sexuais:

“À vista do que até agora c o n s ig n a m o s , t o r n a - s e


por ta nt o ób v io que se a p r e s e n ta v a m i n c e n s u r á v e i s ce rto s
p r o c e d im e n t o s que r e p u t a m o s o f e n s i v o s aos bons co st u m e s: a
sed uç ão, a c o r r u p ç ã o de m eno re s, a púb lica prática de atos
o bs ce no s . Em c o n t r a p a r t i d a , ou tr as aç õ e s eram re pr ov ad a s , por
re p r e s e n t a r e m vi o la çã o de t abu s, como v. q. a prá tica de
re la ç õ e s com me ni n as i m p ú b e r e s ou com m ul he re s du r a n te a
m e n s tr ua ç ão , o não uso de s í m b o lo s in d ic a t i v o s da co n d iç ã o
«199
sexu al da pessoa, etc.

O estupro com e tid o entre pessoas da mesma tribo era


c o n s id e ra d o ofensa grave mais à fam ília da vítima do que à própria
vítima, sendo s ev e ram e nte vingado. O Código M byá -Guarani, prevê
as s eg uintes sanções:

“Aquel que se haya a p o de r ad o v i o l e n t a m e n t e de una nina al


lado dei cam ino r eci bi rá nu m er os os azot es. En caso c o nt ra ri o,

198 CHASE-SARDI, op. cit., p. 190.

199 GONZAGA, op. cit., p. 151-152.


75

co m p e n s a rá a la víctima. Si su v í c ti m a m uri er a, es
in d is p e n s a b l e que su a g r e s o r m u e r a . ” 200

Entre indiv íd uos de tribo s diferentes, o rapto pode ria ser o


motivo de início de desavença t r i b a l . 201

O d e s r e s p e ito às ordens dos mestres durante o períod o de


iniciação, ou mesmo a reve la ç ão dos seus segredos aos não
inciados, eram con sid era do s crimes contra os costumes, suje itos a
c astig os que variavam da morte até a r id ic u la riz a ç ã o pública. 202

1.3.9 Os Crimes Contra a Família

A mulh er tinha plena "lib e r d a d e " sexual até o casamen to. A


partir desse momento devia f id e lid a d e ao seu marido. O côn ju ge
m asculino não sofria nenh uma re s triç ã o refe rente à infidelid ade.
Conforme o sistema po ligâmico, o homem pode ria ter qu antas
m ulhe res pu desse manter. Em algu mas tribo s Guarani, ex is tia certo
limite: os homen s só tinham o direito de obter nova mulher quan do a
an terio r e n v e l h e c ia . 203 Portanto, dentro de tal contexto, só existia
adulté rio feminino.

Nem sempre as relações sexuais da mulher casada com outro


homem que não o seu marido eram c ara c teriz a da s como adultério .

200 CHASE-SARDL, op. cit., p. 98.

201 GONZAGA, op. cit., p. 152.

202 CHASE-SARDI, op. cit., p. 186.

203 ZAVAL A, Silvio A. Orígenes de la colonización en el Rio de Ia Plata. México: Colégio Nacional, 1977. p.
129.
76

Quando as tribos Guarani recebiam visitantes, o chefe oferecia suas


mulhe res aos hóspedes, como sinal de cortesia. ^

Um fator que con trib u ía para a grande in cid ên cia do ad ulté rio
era a acentuada d ife ren ça de idade entre os cônjuges. Os
m atrim ô nios eram p r o m ov ido s entre meninas de 10 a 12 anos com
anciães s e x a g e n á r i o s . ^

Os M byá-Guarani eram mais tole ra n te s com o adultério ,


pode nd o re p ud ia r a mulh er ou dar-lhe nova chance, sob pena de
serem rech aça da s caso rein cid issem . Já entre os Toba, a mulh er
era entreg ue pelo marido a um grupo de jovens, para ser
ca s tig a d a .^

Conforme o co stum e dos Chamacoco, o adúltero só era


so cialm ente repro va do quan do o homem fosse de outro clã, ou se a
mulher abando na sse a sua c o m u n i d a d e ^ ^

Entre os C hané-A ra wak, o marido tinha o dire ito de matar o


homem e a mulher, ap an ha do s em fla g ra n te de adultério, ou pode ria
m altr a ta r apenas a mulher. Entretanto, se o homem matasse o
marido traído, o fato deixava de ser c on s id era do c r i m e . ^

O ad ulté rio também se resolvia com os duelos, que eram


celeb ra d os durante as festas com u nitá ria s em g e r a l . ^

204 Id.. Ibid, p. 129.

205 CHASE-SARDI, op. cit., p. 106.

206 Id. Ibid, p. 99, 195.

207 Id, Ibid, p. 195.

208 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estnictura social, p. 80.

209 CHASE-SARDl, op. cit., p. 196.


77

Para os C h ir ig u a n o - Guarani, "os ad últe ros perdem o direito


ao usufruto do lote c u l t i v á v e l. " 210 Os T u p in a m b á matavam a mulhe r
adúltera ou então v en diam -n a como e s c r a v a . 211

O incesto era tabu universal. Nas soc ie dades in díge na s


con s tit uía in fração muito grave, implicava sanção so b ren atura l para
todo o g r u p o . 212 Era delito contra a coesão social e contra a
garantia so b re n a tu ra l da s o b revivên c ia da c o m u n i d a d e . 213 A tra v é s da
deli m it aç ão do incesto é possível d e te c ta r toda uma c a te go ria de
pa rentes afins e con sa n g ü ín e o s de d e t erm in ad a sociedade. Ramos
dem on stra que a con cep ção do incesto é vari ável con form e o grupo
étnico:

“ Mas o âmbito dos p a r en te s pr o ib id o s por ele e a carga


ne g a ti v a do inc es to v a r ia m de uma so c ie d a d e para outra; em
m uit as são os p a r en te s pr im ár io s , im e di at os : pai, mãe, filh os ,
irmãos; em out ra s são to d a s a qu el a s p e ss o a s a quem são
a p l ic a d o s os t e rm o s de pa r e n te s c o , c o r r e s p o n d e n t e s a pai, mãe,
irm ãos e filh os ; em out ra s ainda são t o d a s as pe s s o as que
c r e s c e r a m ju n t a s e v iv e m na mesma casa; e há ainda aq u el e s
que in clu e m al gun s afins, como a s o g r a . ” 214

Para os Guarani, era con sid era da incesto qu alquer união


entre pa rentes do lado p a t e r n o . 215 O incesto praticado entre pai e
filha era castig a d o com a morte. Algum as pa rc ia lid ad es étnicas
repudiam q u a lq u e r tipo de enlace entre pa rentes até a quinta

210 SUSNIK. Introduccíon a la antropologia social. (Âmbito americano), p. 127.

211 D'ABBEVILLE, op. cit.. p. 255.

212 SUSNIK, Introduccíon a la antropologia social. (Ambito americano), p. 127.

213 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguav. Ciclo vital y social social, p. 8.

214 RAMOS, op. cit., p. 54.

2,5 HAUBERT, op. cit.. p. 271.


78

geração, e s p e c ia lm e n te con tra ído s com a sobrin ha , por acreditarem


que traria muitas de s g ra ç a s ao grupo.

1.3.10 O Suicídio

Tratando da sociedade melanésia, M alin owski diz que o


suicídio não é um meio de ad m in is tra r a ju s ti ça, mas uma forma de
a u to p e n a li z a ç ã o por falta cometida, é "meio de esca pa r a situações
sem saída, e a atitude mental que a aco m pa nh a é algo complexo,
ab arc a nd o o desejo do próprio castigo, a vin gança , a r e a bilitaçã o e
o agravo sentimental."-217

Ap esa r de não ter sido enc on trada nenh uma referê ncia à
prática do suic íd io nas soc ie dades in dígenas, e s p e c ific a m e n te na
Guarani, sab e-se que é utilizado nas s o c ied ad es in díge na s atuais, e
ac re dita -se não ser c o n s id era do crime, mas, um direito.

1.4 0 DIREITO CIVIL

O dire ito civil foi de ixado por último p r o po s it ad am e nte, para


en fatiz a r sua c o n s ta ta ç ã o neste capítulo, pois a concepção
tr ad ic io na l da A n tr o p o lo g ia Jurídica não admitia qu alquer
p o s s ib ilid a d e de existê ncia de um direito civil nas soc ie dades sem

216 CHASE-SARDI, op. cit., p. 149, 177.

217 MALINOWSKI, op. c it., p. 177, 114.


79

218
escrita. A p e s a r de p rio riz a r a lei c rim in a l em sua obra Crim en y
costu m bre en la s o cie d a d s a lv a je , M alin owski foi o primeiro au tor a
id e n tific a r a existê nc ia de um direito civil nas socied ad es ágrafas:

"Acaba t ra t a n d o , i g u a l m e n te , dos c o n f li to s entre


s is t e m a s ju r í d i c o s (penal e civ il ), do d i re i to m a tr im o n i a l , da vida
ec o n ô m ic a , dos c os tu m es re li g io s o s , do d e s e n v o l v i m e n t o do
c o m u n i s m o p r im it iv o e do p r in c í p i o da r e c ip r o c i d a d e como base
y 1Q
de toda a es t ru tu r a s o c i a l . ”

O próprio M alinowski afirma que as regras do direito civil são


res p eita da s não pela arb it ra rie d a d e do tem o r a uma represália , mas
sim por um "acordo da r e cip ro cid a d e " em que todos serão
b e n e f ic ia d o s . 220

Identifica, ainda, quais são estas normas:

"E xi ste una clase de r egi as o b l ig a t o r i a s que r eg ul an la


ma yoría de los as pe c to s entre p a r ie nt es , m em b ro s dei mismo
clan y de la mesma tribu, que f ija n las r e la c i o n e s e c o n ô m ic a s ,
el e j e r c i c io dei pod er y de la magia, el es ta do legal de ma rido y
m u je r de sus r e s p e c t iv a s f a m i l i a s . ” 221

Gilissen constatou que antes do a p a re c im e n to da escri ta os


povos já haviam "p erc o rrido uma longa evo lução ju ríd ic a ",
po ssu in do grand e parte das in s titu iç õ es civis hoje con he cidas: "o
casa men to, o poder paterno e ou materno sobre os filhos, a
pro pried ad e (pelo menos mobiliária), a sucessão, a doação,
diversos c o n tratos tais como o e m p r é s t im o . " 222

218 É importante deixar registrado que o direito civil das sociedades americanas pré-coloniais não é um direito
formal, não podendo, portanto, ser analisado conforme os padrões do direito ocidental.

219 WOLKMER, op. cit.. p. 23.

220 MALINOWSKI, op. cit., p. 61.

221 Id., Ibid., p. 82.

222 GILISSEN, op. cit., p. 31.


80

1.4.1 A Família

A f a m ília era a base das relações sociais dos povos


in dígenas, e da in s ti tu iç ã o do casam ento em ana va grande parte das
relações ju r íd ic a s entre os in d í g e n a s . 223

A partir do matrimônio, vão o r iginar-se os diversos graus de


p a ren tes c o que estão centrados na filiação, na c o n s a n gü in id a de e
na aliança, in d isp e n s á v e is para as "funções e c o nô m ic a s do auxílio
mútuo e da c om pensação de ne cessid ades, para o poder p o lí t ic o . " 224

Ain da pode -se a fir m a r que "o grau de pa rentesco é o


r es p on s áv e l por varia ções no nível de recipro cid a de , que pode
v a ria r de forma 'g e n e ra li za d a ' até a 'ne gati va', de stinada,
esp ec ialm e nte , aos n ã o - p a r e n t e s . " 225

O s ig nifi c ad o do casam ento nas sociedades indígena s


ultra p a s s a v a a mera união entre sexos opostos, alc an ç an do maior
im p ortân c ia na man ute nçã o da coesão do grupo, através de uma
série de normas e obrig ações de c onviv ência social que dele
advinham:

“ Los co ny u ge s deben a c a t a r no rm as de la c o r r e s id e n c ia
extensa, a c e p t a r la f il i a c i ó n social p r e e s t a b e le c i d a de su
d e s c e n d e n c ia y o b s e r v a r la con du cta pau tad a con sus pa r ie n t e s
c o n s a n g u í n e o s y afines, sie ndo las f a m i li a s al iad as de ambos
226
c o n t r a y e n t e s un f a c to r im p o r t a n t e para la m e m b re c i a g r u p a i . ”

223 DE CICCO, op. cit., p.6.

224 LUHMANN, op. cit., p. 184. .

225 MARTINS, op. cit., p. 366.

226 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 1 8.
81

A célula básica c om unitá ria dos Guarani era composta por um


grupo m ac r o fa m ilia r unido pelo pa rentesco, chamada teyy. Suas
relações co m u n itá ria s eram p r in c ip a lm e n te t r ê s :

’" T a m o i - t a m y ' ( a b u e l o s - n i e t o s ) , af ir m á n d o s e la uni dad


s o c i o b i o ló g ic a dei I i n aj e ; ' ç i - ç i T ( m a d re s - t ia s m a te rn a s ) ,
determinando la r e s id e n c ia ux o r il o c a l ; y 't o v a y á -
taich ó ’(cunados-suegros), estabeleciendo la m o v il id a d
in te q ra d o r a de los nue vos m ie m b r o s de la comunidad
227
socioresidencial.”

Estes gru po s com u nitá rio s residiam na casa comunal te yy-


ó g a , que c om p ortav a até 60 fam ília s e "era a expressão da unidad e
s o c ioe c on ôm ic a ". Sua e s t a bil id ad e de pe n d ia da quantid ade de
moças dis p o n íve is em idade de casamen to, mais e s p e c ific a m e n te de
sobrin has matern as acessíveis ao m a trim ô n io do tipo a v u n c u la r . 228

Quando um homem de terceira idade reu niss e um número de


pessoas s u fic ien te s para form ar um grupo eco nô mico, era possível a
fundação de nova casa c o m u n a l. 229

Na a s s o c ia ção de vários teyy fo r m a v a - s e um vínculo aldeão,


c ha m an do -se tekóa, trazendo maior coe são soc iop olític a ao grupo.

"El ciclo m a tr im o n i a l , el in te r c â m b i o de 'm u je re s y


c u n a d o s ' c o n s t it u í a um v í n c u lo de r e c ip r o c i d a d más e x t e n s i v o e
intercomunitariamente más s ó c i o - o r g á n ic o ; el m a tr im o n i o
p re f e re n c ia l entre los primos c ru z a d o s , c l a s i f i c a t o r i o s y no sólo
g e n e a l ó g ic o s , adq uir ia nu ev as d i m e n s i o n e s . ” 230

227 Id., Ibid., p. 18.

228 Id.. Ibid., p. 18.

229 Id., Ibid., p. 18.

230 Id.. Ibid., p. 19.


82

Segundo Susnik, para os Guarani a residência era


e s trit a m e n te matrilocal, isto é, após o casa m en to o homem mudava-
se para a casa dos sogros, em função da im p ortân cia do trab alh o
fem in in o. A única exce çã o em que se perm itia a p a trilo c a lid a d e era
quan do a noiva era órfã e educada por seu tio m a te rn o .231 No
entanto, a d e s c en dê nc ia era patrilinear, "o que ga ran tia a
rea fir m a çã o social do homem na c om unidade m a t r il o c a l. " 232

Soares afirma que a lo ca lid a de da r e sidê nc ia da fam ília


Guarani era indife rencia da, estand o vin culada ao pre stíg io
m as cu li no do sogro ou do noivo:

"Se o sogro tem mais pr e s t íg i o que o noivo, a re s id ê n c ia


é m a tr il oc al , na casa da noiva. Se o noiv o é chefe, e tem mais
pr e s tíg io que seu sogro, então a moça reside com o es po so, o
que a p a r e n te m e n te c a r a c t e r i z a a p a t r i l o c a l i d a d e . " 233

Inserido nesse contexto da o rg an iz a ç ão social baseada na


gra nd e família, o pátrio poder era ampliado, sig nifi c an do que os
filh o s não estavam sujeitos apenas à ob ed iê ncia aos pais, mas sim
a qu alqu er outro parente adulto, que tinha au toridade para pu ni-los
ou r e c o m p e n s á - lo s . 234

Os filh o s também po de ria m ficar muito tem po residindo em


outra casa que não a dos seus pais, sem s ig n ific a r de sv in c u la m e n to
da família. Eles tinham liberdade para reg res s a r a qu alqu er
momento, qu an do então os pais recu pe ravam o pátrio p o d e r . 235

231 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Ambito americano), p. 25.

232 DECKMANN, op. cit., p. 439.

233 SOARES, op. cit., p. 209.

234 SCHADEN, op. cit., p. 64.

235 ZARRATEA, op. cit., p. 229


83

As regras m atrim o niais p re fe r e n c ia is dos antigos Guarani


visavam, e s p ec ifi c am e nte, in te resse s eco nô m ic o s e sociais. O
casa m en to entre uma menina e um homem adulto c a ra c te riz a v a
aliança de prest ígio social. Uma das m od alid a de s desse tipo de
m atrim ô nio era a adoção de crianças por um homem ou por uma
mulher, fir m a n d o - s e o c asam ento tão logo a criança a tin g is s e a
a d o le s c ê n c i a . 236 Esta prática é chamada de "e scola matrimonial'', na
qual vai haver "a tran s m is s ão de certos valores culturais, através
dos velhos, para a geração mais nova". 237

A uniã o mais freq üe nte era entre primos cruzado s,


f o rta le c e n d o , assim, a aliança entre as linhagens. Tam bém era
comum o casam ento avuncular, ou seja, a união entre a s obrin ha e
o tio m a t e r n o . 238

Em caso de es cassez de jo v en s dis po nív eis para o


m atrimônio, reco rria -s e ao rapto de moças de ou tras tribos,
pra ticando, assim, a re cip ro cid a d e negativa.

També m era normal haver união entre parentes afins, o


levirato e o sororato. No primeiro, o cu nhado c asava-se com a viúva
do seu irmão, afirm a nd o-s e mais como ob rig ação do que
p r o p ria m e n te como um direito. No segundo, o viúvo casava-s e com
a irmã da sua e s p o s a . 239 Assim como não falta va m união com a mãe
e a filh a se o marido de uma delas m o r r e s s e " . 240

236 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital v estructura social, p. 84.

237 SOARES, op. cit., p. 1II.

238 Id., Ibid., p. 84.

239 SUSNIK, Introducción a la antropologia social. (Ambito social), p. 10-11.

240 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p . 84.
84

A form a preferid a de casam ento era entre os membros da


mesma aldeia, mas também pra tic a va -s e o m atrim ô nio extra trib al,
" re s u lt a n d o na form a ç ã o de üma rede de aldeia s aliadas que se
unem em caso de c o n flito com outras, ou pode ser apenas uma
liga ção entre fam ília s, sem maiores re p ercu ssõe s po lí tic o-
m i l it a r e s . " 241

A ce rim ôn ia do casa m ento era muito simples: após o


co n se n tim e n to da noiva, o pretendente con sulta seus pais e em
caso de aprovação, "leva consigo a noiva como legítim a mulher sem
que se lavre nenhum c o n t r a t o . " 242

A inicia ção sexual dos jo vens estava proibida, tanto para as


moças quanto para os moços, antes, durante e logo após os ritos
iniciáticos. 243

Era comum a promessa das men inas ainda crianças,


en tre g a n d o -a s na idade de c a s a r . 244 Mas quan do a mulher era
en tregue cria nça a seu futuro marido, era pro ib id a qu alqu er prática
sexual antes da pube rdade . Após os ritos de iniciação, as moças
estavam c ap acita da s para a prática sexual com qu alquer homem,
in de pe nd en te de ser ou não o futuro marido. A p a rtir do momento
que se casassem, deviam plena f id e li d a d e ao esposo. 245

241 RAMOS, op. cit., p 57.

242 LERY, op. cit., p. 189.

243 CHASE-SARDI, op. cit., p. 186.

244 DABBEVILLE. op. cit., p. 223.

245 GONZAGA, op. cit., p. 150.


85

No rm alm e nte os homens casavam mais tarde do que as


mulheres, após os 30 anos. Era difícil haver moças nubentes
d is po nív eis aos jo v en s varões, a maioria já estava c o m p ro m is s a d a
com os anciães. Mas a prática sexual dos rap azes in ic ia v a - s e
rela tiv a m e n te cedo, p r incipalm en te com a pa rtic ip açã o das m ulhere s
idosas "cujos maridos as haviam s ub stit uído por esposas mais
n o v a s . "246

Ain da ex is tia uma form a de "m a trim ô n io de e x p eriên c ia ", em


que o casal morava ju nto por certo tempo para testar a "r e c íp r o c a
c o m p a t ib ili d a d e " . 247 Até rec e nte m e nte esta prática era comum, como
se vê a seguir:

“ Entre os Mbüiá, a i n ic i a ti v a para a vid a am or os a é do


rapaz. Há uma esp é c ie de m a tr im ô n i o de prova, (...) D e p o is de
e n t e n d e r - s e com a m enina, o ra paz se di ri ge aos pais dela, não
p r e c is a n d o pe rm is sã o dos pr ó p r io s pais. Leva a c o m p a n h e i r a
para a casa pater na, onde v iv e com ela por algum t e m p o e onde
ela coz inh a j u n t o com a mãe do rapaz. Ha v e n d o f ilh o o r iu n do
das re la ç õ e s e se 'se a c e r t a r e m ', isto é, se h o u v e r aco rdo,
t ra ta m de casar. O rapaz a r m a -s e de co ra ge m e pede l i c e n ç a ao
pai da jo v e m , ao passo que ela s o li c it a à mãe do r a p a z . ” 248

De acordo com Bertoni, o genro tinha que d e m o n s tra r


destreza como caçador, p r e s en tean do seu fu turo sogro com uma
caça. Esse tipo de atitu de não s ig n ific a va o pagam en to de uma
dívida e nem o pa gam ento de d o t e . 249 Mas Haubert afirma que o
jovem p re ten den te só provava a sua capacid ade para casa r-s e após
ter matado ou a p ris io n a d o um inimigo. Até então não p o d e ria ter
nenhuma relação du ra doura com qu a lq u e r m u lh e r . 250

246 Id., Ibid., p. 151.

247 IcLIbicLp. 151.

248 SCHADEN. op. cit.. p. 67.

249 BERTONI, op. cit., p. 194.

250 HAUBERT, op. cit. p. 29.


86

Após o casam en to, no regime matrilocal, o homem con tin u a va


a ter, por certo pe ríod o de tempo, uma série de obrig açõ es para
com os sogros, caçando, pescando e cuidando da r o ç a .251 A noiva
também tinha que provar a sua ap tidão para o matrimônio, passando
por uma série de privações antes do casam en to, tais como: o
silêncio, a clausura, a obed iência, a pro ib iç ão de comer carne e
outras. 252

De acordo com o que de term in av a o código Mbyá, as moças


deviam total o b ed iê nc ia aos pais na escolha do n o iv o . 253 E, conform e
a trad iç ão Le ng ua -M asko y, a mãe da noiva era quem dava o
254
con se n tim e n to para o casamento.

A prá tica da po li g a m ia era comum entre os Guarani, mas a


poucos indivíduo s, n o r m alm ente só os chefes tinham tal direito,
pois "uma po li ge nia g e n e ra liz a d a é b io lo g ic a m e n te impossível: ela
é, portanto, c u ltu r a lm e n te li m it a d a . " 255 O relato de Montoya informa
que os ca ciq ues chegavam a manter de 15 a 30 esposas. No
entanto, Haubert afirma que não passavam de 3 a 4 esposas. 256

A f a m ília p o li gínica originava uma com ple xa rede de relaçõ es


entre seus membros:

251 RAMOS, op. cit., p. 57.

252 BERTONI, op. cit., p. 195.

253 CHASE-SARDI, op. cit., p. 102.

254 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 80.

255 CLASTRES, A sociedade contra o Estado, p. 31-32.

256 MONTOYA, op. cit., p. 52.


HAUBERT, op. cit., p. 29.
87

"Dos o más f a m i li a s n u c l e a r e s pa r t ic ip a n dei mismo


espo so y dei mismo padre; se es ta b le c e una ser ie de
i n t e r r e la c io n e s a c o n d ic i o n a d a s : c o p a r t ic i p a c i ó n s exu al ; r el ac ió n
entre co - e s p o s a s ; re lac ió n c o p a r t ic i p a d a de los d e s c e n d i e n t e s ;
relaci ón entre los m e d io - h e r m a n o s ; r ela ci ón de los hijos dei
hom bre con las m uje re s que no son sus ma dr es ; y, la re la c ió n
con la par en te la dei e s p o s o - p a d r e y de la e s p o s a - m a d r e . ” 257

Em fu n ç ão de toda esta com ple xidade, era ne ces s á rio o


cum p rim e nto de uma série de normas de conduta para g a r a n t ir a
ordem e o co n tro le social:

“Si es h ab it ua l la regia p a tr ilo c al , to d a s las m u je r e s


v iv e n g e n e r a lm e n t e en la misma res id e nc ia , s ie n d o c o m u n e s sus
o b l ig a c io n e s do m é s t ic a s , si bien puede ha b e r c h oz a s - 'h o g a r e s '
d i fe r e n te s para e v i ta r las f r e c u e n t e s t e n s io n e s entre las co-
es po sas . (...) Las c o - e s p o s a s que co n v iv e n , no si e m p r e t ie ne n
el mismo sta tus d o m és ti c o ; la primera m uj er t ie ne el rol de 'la
mayor', c o r r e s p o n d ie n d o a ella la d i s t r i b u c i ó n de las ta r e a s
do m é s t ic a s . Si las c o - e s p o s a s t ien en 'h o g a r e s ' s e p a r a d o s o
v iv e n en su grupo d o m é s t ic o natal, el esposo no m a n t ie n e una
c o h a b it a c i ó n r e s id e n c ia l c on ti nu a, sie ndo un 'v i s i t a n t e '
pe ri ó di c o y c o o p e r a d o r ec o n ô m ic o , pero s ie m pr e con el d e r e c h o
de padre sobre la p r o g e n ie . ( .. .) el espo so es o b l ig a d o (...)
s e g u i r el orden de ro ta c ió n de co h a b it a c i ó n s ex ua l, de
d i s tr ib u c ió n de bienes s u b s i s t e n c i a l e s y de p a r t ic ip a c ió n en los
be n ef íc io s de tru e qu e.
Hay cierta re lac ió n u n i fi c a t o r ia entre el padre y los hijos
descendientes; sur gen, empero, frecuentes tensiones de
r iv al id a d entre los m e d io - h e r m a n o s y t a m b ié n a lg u n a s
c o n d u c ta s no s ie m pr e s o c i a lm e n t e c o n t r o la d a s fr e n te a las
mu jer es que no s.on sus mad re s. (...) los h i jo s - d e s c e n d i e n t e s
t rat an de e s t a b l e c e r su propia re s id e n c ia n e o lo c a l y d i g r e g a r s e .
La pol ig in ia sororal,(...)disminuyen las tensiones y los
d e s a c u e r d o s entre las c o - e s p o s a s , las que no son he rm an as ,
a d a p tá n d o s e m ej or a las pau tas de la c o n d u c ta e xi gi d a; hay
más s o li d a ri d a d entre los m e d i o -h e rm a n o s , y en c ua n to las
m uj er es que no son sus madres, existe la r e la c ió n de tia
mate rna - sobr ino , sie ndo idê ntica ta m b ié n la p a r en te la
materna. La po l ig in i a s o r o r a l es a v e ce s s o l a m e n t e una
a n t ic i p a c i ó n dei le v i r a to o b l i g a t o r i o . ” 258

As mulheres desem penhavam as tarefas e s s e n c ia is na


produ ção doméstica , razão pela qual o aumento do nú mero de

257 SUSNIK. Introduccíon a la antropologia social. (Ambito americano), p. 28-29.

258 Id., Ibid., p. 29-30.


88

esposas in te n s ific a v a a produ ção de riquezas. Na mesma pro po rção


aum entava também o prestíg io e o poder do chefe, de acordo com o
número de filh as e s obrin has dis po níveis para o matrimônio, que
rep res e ntav a a adesão de maior nú mero de gu erre iros e
t r a b a lh a d o r e s : 259

“ La po li g am ia c a r a c t e ri z a b a a to d o s los je fe s al d e a n o s ;
su p r o y e c c i ó n soci al era im p or ta nt e: uma m u je r c o n s i g n i f i c a b a
'lote, fu ego , hamaca, prole'; por otra parte, los j e f e s podian
m a n t e n e r una sólida alianza con toda la p a r en te la de las
m uje re s, éstas qu e da nd o en sus 'teyy' o r i g i n á r i o s o ya v iv i e n d o
en el 'tekó a ' de sus m a r i d o s . ” 260

Além da questão do aumen to de poder e riqueza que a mulhe r


pro po rcio na va aos caciques, através do tra b a lh o e dos laços de
pare ntesco que se form ava m pelo matrimônio, no âmbito externo
também po s s ib ilita v a a artic u la ção de uma rede de com p rom iss os e
de al ianças po lític as com outras tribos:

“ Esse s laços, por sua vez, vêm a c o m p a n h a d o s de uma


série de o b r ig a ç õ e s mútuas que t r a n s c e n d e m a mera união
c o n j u g a l que lhes deu origem. V is it a s r e c íp ro c a s , p r e s t a ç ã o de
s e r v iç o s vá ri os , desde e c o n ô m ic o s e rituais, le vam as
c o m u n i d a d e s e n v o lv i d a s a se u t il iz a r do t e r r i t ó r i o comum que os
cont ém , t e r r i t ó r i o esse que to ma uma im p o r t â n c i a soci al
e x t r a o r d i n á r i a . ” 261

A p o li gin ia também é ju s tific a d a pelo fato de que, numa


sociedade de caç a do res e guerreiros, g e r alm en te existem mais
mulhe res do que homens, sendo ne cessá ria para que as mulhe res
não fiquem de sa m p a ra d a s ou s o l te ir a s . 262

259 HAUBERT. op. cit., p. 29.

260 SUSNIK. Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y e estructura social, p. 84.

261 RAMOS, op. cit., p. 18-19.

262 FLORES, Moacyr. Colonialismo e missões jesuíticas. Porto Alegre: EST/Instituto de Cultura Hispânica do
Rio Grande do Sul, 1983. p. 164.
89

Diante do exposto, fica evidente que o elem ento fe m in in o


trazia muitos be ne fíc ios à cole tivid ade, pois até mesmo o homem
comum que possuísse muitas mulheres em sua fam ília era
c o n sid era do poderoso, obtendo maior número de cunhados, que
ocupavam posiçã o de de staque entre os demais parentes.

Quando falt a va o elem ento fem in in o na fam ília, era pra tic ada
a adoção de meninas órfãs com a intençã o de, po sterio rm en te ,
"p r e s e n te á - la s a ou tros homens, que se tornaria m seus cunha do s,
com a ob rig a ç ã o de de fendê-lo na hora do perigo, re p artin do comida
e bebida. A mulhe r servia como um co n trato entre os dois." 263

Mas, seg un do Susnik, a prá tica da poli gam ia também poderia


vir a ser forte in strum ento de c o n trole social com o obje tivo de
d e b ilita r "s o c io b io lo g ic a m e n te " outras c om unidades, su b ju g a n d o -a s
e m a n ten do-a s in d iretam e nte de pendente s, quan do pratic ado o rapto
de moças de ou tras tribos:

"'La saca de mozas'; los 't u v ic h a ' se s e r ví a n de


p ol ig a m ia no sólo para e s t a b l e c e r sus r e la c i o n e s con los 'teyy'
ve ci no s , sino ta mb ién para in t e g r a r a m u je r e s a su propia casa
co mu na l, r e s e r v á n d o s e el d e r ec h o sobre la prole; ad em ás de
este tá ci t o d er ec h o de re s id e n c ia je fa l , las m ozas se 'sa c a b a n '
de sus 'teyy' o r ig i n á r io s para m a t r im o n i a r la s con los v a r o n e s
' t u v i c h a - ó g a ', tratándose en este caso de una v io le n ta
im po s ic ió n s o c i a l . ” 264

O c a s a m en to em geral era debilí ssim o, e x tin g u in d o -s e com


muita f a c il id a d e , prin c ip a lm e n te entre os jovens. Seguido do
divórcio, vinha a dissolução da fam ília nuclear e o rom pim ento das

263 Id.. Ibid., p. 164.

264 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguay. Ciclo vital y estructura social, p. 20.
90

alianças in te rfam il ia re s, causando de sajuste no grupo dom éstic o e


reo rd e na m en to das rela ções in te rpe s s oa is entre os parentes a f in s . 265

Várias eram as causas do div órcio : a esterilidade, a


incapacidade do homem de prover o s ustento da fam ília, o adultério ,
a in co m p a tib ilid a d e , a n ã o-a da ptaç ã o ao novo grupo do côn juge e
outros motivos. Em sociedades p a trilo c a is e patrilineares, pela
limitação dos dire itos sociais da mulher, cabia n o r m alm ente ao
homem a in ic ia tiv a do divórcio, caso c o n tr á r io a mulher seria
rejeita da e c astig ada por sua própria fam ília . 266

Para os L e ng ua -M aska ys o divórc io m a te ria liz a v a - s e com o


abandono, pelo homem, do grupo do m é s tic o da mulher. Era uma
prá tica so cia lm e n te reprovável, mas não levava a sanções
p o s t e r io r e s . 267 Entre os Tupinam bá a in ic ia t iv a do divórcio tanto
pode ria p a rtir do homem quanto da mulher, pode nd o ambos ca sa r-s e
e d iv o rc ia r-s e qu antas vezes desejassem. 268

Re fe rin do -se às socie dades in dígenas em geral, Alc ida


Ramos diz que a posse dos filh os pequenos no rm alm ente era da
m ã e .260 Mas em algu mas tribos indígenas parag ua ias, a partir do
momento em que a criança soube ss e falar, o pai fic ava encarre ga do
de ed ucá-la e se por algum motivo isto não fosse possível,
tr an sfe ria tal ob rig aç ã o a algum parente co nsan gü íneo . 270

265 SUSNIK, Introduccíon a la antropologia social. (Ambito americano), p. 19.

266 Id., Ibid., p. 19.

267 SUSNIK, Los aborígenes dei Paraguav. Ciclo vital y estructura social, p. 80.

268 D'ABBEVILLE, op. cit., p. 223.

269 RAMOS, op. cit., p. 58.

270 CHASE-SARDI, op. cit., p. 178..


91

Entre os Guarani, a fil ia ç ã o era in dife ren cia d a, isto é, os


filh o s das mulheres rap tadas e das filh as adotivas tinham o mesmo
status que os filhos legítimos, uma vez que a grande fa m ília
in c orp ora v a pa rentes adotivos, c on s a n g ü ín e o s e políticos. E
reconhecem a f ilia ç ã o tanto pelo pai quan to pela mãe.

Soares também afirma que o pre s tíg io teria uma forte


in fluê nc ia sobre a o rg an iz a ç ão fam il ia r:

"É 0 p r e s tíg io que de te r m in a a lo c a li d a d e e pelo


pr e s t íg i o que se c o n s id e r a o 'v a lo r ' de uma fa m í li a , é a t ra vé s do
pr e s t íg i o que se re c o n h e c e a f il ia ç ão , e por isso não há
lin e a ri d a d e . É p e r s e g u in d o o p r e s t íg i o que os c a s a m e n to s são
' e s c o lh i d o s ', e pela m an u t e n ç ã o do p r e s t íg i o que a p o l ig a m i a foi
um dos m ai or es o b s t á c u l o s à ação m is s io n á r ia . "

Tratan do dos Guarani con tem p orân eo s, Schaden confirm a a


fr a g ilid a d e do casamento, ju s tific a n d o - a com a in s ta b ilid a d e
em ocio nal e com a v o lu b ilid a d e do elem ento m ascu li no indígena, ao
a fir m a r que: ” Ele não con he ce o amor romântico, bo rbo le te ia nas
relações amorosa s e fa c il m en te desm ancha o casamento, deixando
o filh o com a mulher para unir-se a outra, fatos que, aliás, se
agravam com a de so rg a n iz a çã o social.

Quanto à divisão dos bens, foram e n c on trada s in fo rm açõ es de


que, ha bitu alm ente , a mulher fic ava com a casa e todos os seus
pertences.

Os tios paternos para os homens e as tias maternas para as


mulheres eram consid erados os sub stit utos na turais dos pais. As

SOARES, op. cit.. p. 214.

272 SCHADEN, op. cit., p. 64-65.

273 CHASE-SARDL op. cit., p. 178.


92

relações que se es tabelecia m entre eles eram "c o la b ora ção ,


com p ree nsã o e auxílio em todas as horas, seja nos ritua is de
passagem, na scim ento ou morte". 274

Outro costu m e indígena ligado à f a m ília era o do couvade, ou


seja, o resguardo paterno após o na s c im e nto da criança. T r a t a - s e ” ,
prim ord ia lm en te , de extensão, para o pai, de medidas de
precauções ne cessá ria s à segurança do r e c é m - n a s c id o . " 275

Para alguns grupos indígenas o cou vad e é uma form a de


" r e c o n h e c im e n to de paternidade ", mas para os Guarani rep res e nta
unicam ente "a sua segurança mágica e a saúde do filho (...), em vez
de co n d u z ir á p a tern id a de social, é, ao contrário, decorrê ncia dela ."
276

Durante os dias do c o u v a d e , que pe rdurava até a queda do


cordão um bil ic al da criança, o pai devia recolher-se, não pode nd o
tr a b a lh a r nem anda r pelo mato, a b ste n d o -s e de uma série de
alim entos proibidos, do rm in do pouco e pe rm an ece nd o em con stan te
vigília. 277

1.4.2 As Su cessões

Existiam vários costumes nas socie dades indígenas com


relação ao destino dos bens de ixados pelos mortos. Se gundo

274 SOARES, op. cit.,p. 88.

275 SCHADEN. op. cit., p. 81.

276 Id., Ibid.. p. 81-82.

277 Id.. Ibid., p. 83.


93

Gilissen, fale cid o chefe, norm alm ente os seus pe rtences eram
enterra d os com ele ou Incinerados. Mas os bens que podiam ser
úteis à com unid ade para sup rir suas neces sida de s eram
preserva do s, "faze nd o assim ap arecer as prim eiras f orm as de
sucessão de bens."^^®

Cláudio De Cicco afirma que os bens d e ix a do s pelo pai de


fam ília eram rep artid os entre os seus parentes, mas, a cabana seria
do filho que casasse primeiro.

Com relação aos índios Guaná, os bens do fa le cid o são


repartidos igua lmen te entre pa rentes e amigos, sem p r iv ile g ia r os
filhos.^®°

Entre os M byá -G u ara ni do Guairá, só era pe rm itid o tocar nos


objetos dos mortos após feita a sua c o n ferê nc ia pelo chefe.
Posteriorm ente, os bens eram colocados sobre a sepultura e
abandonados.^®^

T ratan do do Guarani parag ua io con tem porâneo, os únicos


herde iros do morto são seu cônju ge e seus filhos. Objetos de uso
pessoal como roupas, adornos, a rede e do c um entos são en te rra d o s
junto com ele. Os Guarani da região orien tal do Paraguai não
conhecem o direito de herança, pois os pe rt ences do defunto são
enterr ados com ele após serem tocados pelos seus parentes.

278 GILISSEN, op. cit., p. 44.

279 d e c ic c o , op. cit. p. 6.

280 CHASE-SARDI, op. cit., p. 86.

281 id , Ibid.,p. 101.

282 Id. Ibid. p. 144, 148.


94

Os Ava -K atu-E te cultivavam a institu iç ão do herm an azzo


ad op tivo, na qual é esta be le c ido estre ito vínculo entre os irmãos
ad otivos. Em caso de morte de um deles, desde que não tenha
c on stit uído família, todos os bens passam a perten c er ao irmão
' 983
adotivo, e não ao irmão con san gü in eo .

1.4.3 A Propriedade

As socie dades indígena s também possuíam um tipo de


propriedad e, tanto coletiva quan to in dividual. A pro pried ad e coletiv a
é a mais ab rangente e se inicia com a própria ocupação do
território. A terra, o ar e a água são bens c on sid era do s sagrados,
aos quais o homem tem acesso para uso c o m u m .284

Gilissen reforça esta idéia: “ O solo é sagrado, di vin iz ado; ele


é a sede de força s so b ren atura is . Um laço místico, por vezes
m a te ria liz a d o por um altar, existe entre os homens e os e s p írit o s da
terra, e também com os mortos, os an tep a s sa d o s en terrad os neste
. . I* jj 285
solo.

De acordo com as a tiv ida de s eco nô m ic a s d e s e n volv id as pelos


povos indígena s (a caça, a pesca, o extra tiv is m o e a a g ric u lt ura ), o
grupo ne cessita de grand es e x te ns õ es de terra, e seus limites
te r r it o r ia is devem ser rig o ro s a m e n te resp eita do s por outras tribos. O
te r r itó r io é c onsid era do pro pried ad e da com unidade como um todo e

283 Id.. Ibid., p. 93

284 Id.. Ibid.. p. 143.

285 GILISSEN. op. cit.. p. 45.


95

ja m ais poderá vir a ser a lie n a d o . 286 O che fe divide a terra em


parcelas que são d is tr ibu íd as às fam ília s apen as por um curto lapso
de tempo. "Não existe ap rop ria ç ão por p re s c riç ã o aq uisitiv a ;
qu alquer que seja a duraçã o da detenção de uma parcela ela deve
sempre retorn ar à c o m u n i d a d e ." 287 Enfim, a c om unidade é a
proprietária da terra, e as fam ílias detêm a posse. 288

Susnik elabora um co nce ito de terra culti v ad a por roçado:

"Son m ay or es los in te r e s e s p o s e s o r io s de las f a m i li a s


ex te n s a s y de los l inajes. La 't ie r r a ' es un v a l o r e c o n ô m ic o si
c u l ti v a b l e y c u lti v a d a ; los rumb os m ig r a t o r i o s de los
c u l ti v a d o r e s t ie ne n por su fi n a l id a d bási ca la po se sió n de las
tier ra s aptas; no u s á n do s e abono, la ti er ra se agota
r á p id a m e n t e , ex ig ie n d o una c o n t in u a y p e r ió d ic a a b e rt u r a de
nue vas rozas. Las uni da d es lo c a le s o cl á n ic a s t ien en el d e r e c h o
p o s e s or io de la tier ra , pero son los g ru po s f a m i l i a r e s los
di re c t o s u s u f r u tu a r i o s de la t ie r ra c u l ti v a d a , con d e r e c h o dei
r ecl am o a nu ev as 't ie r r a s ' b a l d i a s . El v a l o r e c o n ô m ic o de 'la
289
tie rra ', se asoc ia, por ende, con el tr a b a jo de r o z a d o . ”

Quando exce ssivos, os bens d e c o rre n te s da produ ção fa m il ia r


eram de stin a do s ao grupo, mas qu ando in sufic ien te s para a
dis trib u iç ã o coletiva, eram con sum id os apen as pelos membros da
família. Em mom entos de crise e de e sc a s se z a fam ília carente era
suprida por outras f a m í l i a s . 290

Dessa forma, a red is trib uiç ã o "generosa", fun d a m e n ta d a no


princípio da recip rocidade, de term in ava a produ ção de bens,

286 DE CICCO, op. cit.. p. 5.

287 GILISSEN, op. cit., p. 45.

288 CHASE-SARDI, op. cit., p. 144.

289 SUSNIK, Introduccíon a la antropologia social. (Ambito americano), p.86.

290 RAMOS, op. cit., p. 42.


96

t o m a n d o - s e garantia fa m il ia r contra a esca s s ez e também sin ôn im o


de pre s tíg io s o c ia l. 291

In tere ssan te é ver o relato de D'A b be ville a re sp eito da


r e c ip ro c id a d e e da h o s p ita li d a d e dos indígenas bra s il e ir o s no século
XVII:

“ Embora pos su am al gu ns ob je t o s e ro ças p a r t ic u l a r e s ,


não têm o e s pí ri to da p r o p r ie d a d e p a r t i c u l a r e q u a l q u e r um pode
a p r o v e it a r - s e de seus hav eres l i v r e m e n t e . D i s t r ib u e m entre si o
que pos su em e não com em nada sem o f e r e c e r a seus v iz i n h o s .
Qua ndo v o lt a m de suas p e s c a ri a s ou de suas caç ad as , com
algum bom peixe, algum vead o, corça, j a v a l i , paca ou outra
q u a lq u e r presa, tudo re par te m c u i d a d o s a m e n t e de modo a que
dê para todos.
São muito h o s p it a le ir o s entre si; onde q u e r que se
e nc o nt re m entre seus aliados, são sem pr e muito bem ac o lh id o s .
Não lhes falta então com ida e o mais n e c e s s á r io ao seu
d i v e r t i m e n t o . ” 292

Sendo assim, os indiv íd uos que não se en qu ad rasse m no


sistema da re c ip ro c id a d e eram s ocialm ente rech açado s:

“ Uma das açõ es mais fo r t e m e n t e c o n d e n a d a s com o a n t i ­


s oc ia is é a av ar ez a ; uma pessoa que tem, por exe m pl o, mais
faca s do que n e c e s s it a e se recusa a d i s t r i b u i r o e x c e d e n t e , é
ma lvis ta e d e s p r e s t i g ia d a ; um lí der de al de ia que,
s is t e m a t ic a m e n t e , se recusa a ser g e n e r o s o , isto é, a da r do
que é seu qua nd o lhe é pedido, acaba por p e r d e r sua
c r e d ib il id a d e como lí d e r e, e ve n tu a lm e n t e , a l i d e r a n ç a . ” 293

O espaço ha bita cio nal também era dis trib u íd o con form e os
laços de c o n s an gü in id a de e afin id ad es entre os seus
o c u p a n t e s . 294Todos os in te gra ntes eram donos da habita ção em

291 CHASE-SARDI, op. cit., p. 169.

292 D'ABBEVILLE, op. cit.. p. 227.

293 RAMOS, op. cit., p. 39.

294 Id., Ibid., p. 37.


97

geral, mas in te rn a m en te existia a d e lim ita ç ã o de esp aço in dividual


de cada um:

“ Quando v á r ia s f a m í li a s h a b it a v a m a mesma caba na,


per te nce a cada um o lu ga r onde armou a rede e onde ace nd e a
sua f o gu ei ra , lu ga r d e m a r c a d o por mourões, e onde t ra ta de
seus neg ócio s p a r t ic u l a r e s , sem que os ou t r o s t e n h a m parte
neles, onde guarda os seus obj et os.

Quanto à questão da pro p rie d a d e individual, as fontes


confirmam a sua existência. Basta a ve r ig u a r no direito das
sucessõe s que, quando alguém falece, n o r m alm ente são en te rra d o s
com o morto os seus objetos de uso pessoal. M ichaele afirma que a
proprie dade in dividual dos índios li m it a-se às armas, alguns
ornam entos e à rede. 0 restante, como a ha bitação , os u te ns ílio s
dom ésticos e de trabalho, assim como os alimentos, são bens de
família, p e rten c ente s ao c l ã . ^

Re fe rin do -se à falta de am bição dos in díge na s—de acu m ular


riquezas em metais preciosos, Hans Staden atesta: "Seu teso uro
são penas de pássaros. Quem as tem em grand e q u an tid a de é rico,
e quem tem cristais para os lábios e faces, é dos mais ricos."

Susnik argum enta que os bens ta n g ív e is são produtos


m anufatu rados, perten cend o de direito a quem os produziu, mas que
se trata de uma propriedad e lim itad a porque está sujeita,
f r eq üe ntem e nte, às regras de livre pre staçã o e do uso coletivo. São
eles: os adornos plumários, prin cip a lm e n te se asso ciados a alguma
exp eriên c ia visionária; as canoas produzid as c o o p e rativ a m en te ; as
canoas p e squ eiras que são de pro pried ad e da família; as can oa s

295 de CICCO, op. cit., p. 6.

296 m ic h a e l e , op. cit., p. 10.

297 STADEN, Hans. Duas viagens ao Brasil. Belo Horizonte; Itatiaia, 1974. p. 172.
98

g u erre ir as que pertecem aos guerreiros. Não existind o, portanto,


bens móveis excede ntes, pre do mina o u tilita r is m o im e d i a t o . 298

No entanto, segundo a mesma autora, os bens in ta ng ív eis ou


im ateria is são exclu sivos de seus po ssuidores:

"Los cant os r e v el a do s v i s i o n a r i a m e n t e o las f ó r m u l a s


m ágicas son s ie m pr e una pr op ie d a d i n d iv i d u a l , si bien pueden
ser t r a n s f e r i d o s en la vida dei p r o p i e t a r i o y por v o l u n t a d de
éste. Los clane s se c o n s id e r a n du e n o s de sus ca nt os
p a r t ic u l a r iz a n t e s , t r a n s m i t i d o s por los a n c e s tr o s ; los m iem br os
c lá n ic o s t ien en el der ech o al uso de 'c a n to s ' y 'm ar c as '; las
t ra d ic io n e s m it o ló g ic a s son una pr op ie d a d t r i b a l, a co n d ic i o n a d o
su c o n o c im ie n to con fre c u e n c ia m e d ia n t e el rito in ic iá ti c o ; las
a s o c i a c i o n e s c ú lt ic a s pueden t e n e r d e r e c h o p o se so r io de sus
câm ara s s e p u lc r a le s ; las le y e n d a s r e fe r e n te s a la vida de
peq ue no s g ru po s soc ia le s, sue le n c o n s t i t u i r una pr op ie d a d
fa m i li a r , t ra n s m i ti d a como una he re n c ia in m a t e r ia l; los
s ha m an es r e v a li z a n t e s entre si por el aco pi o de los m edi os
mágicos, considéranlos de su po s e si ó n e x c l u s iv a . Los
i n s tr u m e n t o s m usi cal es, considerados sagrados por su
as oc ia c ió n con los e s p í r it u s t u t e l a r e s , son la pr op ie da d
e x c l u s iv a de la so c ie da d secr et a de los ho m br es ; las m á s c a r a s
ritu ale s, r e p r e s e n t a n d o a los e s p í r i t u s a n c e s tr a l e s , a d q u ir id a s
por la m e m b re c ía de alguna a s o c i a c i ó n cú l ti c a , se v u e l v e n la
pr opi eda d in di v id ua l de su p o r t a d o r 299

Cabe lembrar que, apesar da e x is tê n c ia da pro pried ad e


in div idual dos bens tangíveis, na maioria das vezes eles não eram
obje to s raros. Pela abundâ ncia de m a té ria -p rim a e s im p licida de de
produção, eram de fácil acesso a todos. Além do que, a simples
m a n ifes ta ç ão do desejo de obter a coisa era s u fic ie n te para que a
rece besse como doação, firm an do um c o m p ro m iss o de r etrib uí-la em
outra op ortunid ade. 300

Moisés Bertoni ratifica a situa ção da r o ta ti v id a de da posse


dos bens, de m onstra ndo que não se rec onhece a propriedad e, mas

298 SUSNIK. Introduccíon a la antropologia social. (Ambito americano), p. 89.

299 Id.. Ibid., p. 90.

300 MARTINS, op. cit., p. 279.


99

se respeita a posse pessoal dos ob je to s num de term in ado momento,


pois "la persona, con relación a la cosa, no se llama 'su pro pietario'
, ni 'su duefio' , o 'su poseedor' siquiere; sólo se llama 'su person a',
i-ara (yara), es decir, la persona que m o m e ntan ea m en te o en la
actualidad detien e la c o s a ."301

1.4.4 As Relações de Trabalh o

A divis ão do trabalho nas soc ied ad es indíge na s era feita,


ba sicamen te, pelo sexo e pela idade; cada qual tinha uma par.cela
de cola b ora ção , sabendo, an tecip a d a m e n te , dos be ne fíc ios que
302
reverteria m para si e para o grupo. Toda produ ção tinha uma
m otivação fun d a m e n ta l que era "a p o s s ib ilid a d e da redis trib uiç ã o,
que envo lve um direito e um dever". 303

As principais atividade s f e m in in a s estavam ligadas aos


trab alh os doméstico s, como: cuidar dos filhos, c ozinhar e p ro du zir
a rte fa to s (fiação e olaria); trabalh os agrícola s: plantio e c olhe ita e
tr an spo rte da produção agrícola; da caça e da carga dos filh os nos
d e s lo c a m e n to s do grupo. As jo ven s s olte ir a s prepa ravam as bebidas
fe r m en tad as através da saliva. E as mulheres idosas tinham a tarefa
de, nos combates, recolher as fle ch a s para os guerreiros, e nos
rituais de a n trop ofag ia limpar e co zer a carne do inimigo
s a c r i fi c a d o . 304

301 BERTONI, op. cit., p. 223.

302 Conforme as características socioeconômicas das sociedades indígenas, as relações de trabalho foram
inseridas no contexto do direito civil, não cabendo mencioná-las no direito do trabalho.

303 MARTINS, op. cit., p. 148.

304 GANDAVO, op. cit., p. 54-55.


100

Co nforme Jean de Léry, as mulhe res T up in a m b á tra balh avam


mais do que os homens e até mesmo na ge staçã o não se furtavam
dos tra b a lh o s árduos do c o tid ia n o .305

Aos homens cabiam, ba sicamente, as ativ id a d e s guerreiras, a


caça e a pesca. Na lavoura também de rrub ava m e queimavam a
mata. Ainda con struíam as malocas e as canoas, fabricavam arcos,
fle ch as e adornos. Os mais velhos p a rtic ip ava m do esq ua rte ja m e n to
dos p r is io n e iro s de guerra. 306

Existiam também os trabalh os co m u nitá rio s, o chamad o


puxirão ou mutirão, que era reunião de esforços para re a li zar algum
serviço que poderia ser colheita, caça, pesca, con struçã o de casa
ou de canoa etc, distribu íd as conforme a fa ix a etária, form an do
grupo s de crianças, jovens, adultos e velhos, essas ativ ida de s
estre itav a m os vínculos de parentesco e amizade.

Outra p a rtic u la rid a d e em relação ao t ra b a lh o nas s ociedades


indígenas é que "não existe uma divisão social entre classe ociosa e
classe trabalh adora ; também não existe uma divisão temporal entre
tempo produ tivo (trabalho) e tempo rec re ativ o ( la z e r ) " . 307

No rm alm ente não há nenhuma r e p rova ç ão à ociosidade :


grande parte do tempo é utiliza da para o descan so e para as
festiv id a d e s , com uma con stan te alte rnâ nc ia entre os "m omentos de
labor com outros de dicad os à sociabili-dade, à re lig io sid a d e ou ao

305 LÉRY. op. cit.. p. 190.

306 MARTINS, op. cit.. p. 237.

307 RAMOS. op. cit., p. 25.


101

lazer.Claude D 'Abbeville rela ciona a alegria de viv er da


po pula ção in díge na com a sua "o c io sida de ", c onform e se constata
nos seus escritos:

“ É por isso que v iv e m ale gr es e s a t is f e it o s , sem p en s ar


em t ra b al h o. Quando não estão em gue rra passam boa parte da
vida no ócio, em pr e g a n d o o resto na dança, na ca u i n a g e m , na
caça e na pesca, mais para a l im e n t a r - s e e d i s t r a i r - s e do que
para j u n t a r rique zas.

Pode ser citada, ainda, a in d is cip lin a como c a r a c t e r í s tic a


marca nte nas relações de tra balh o que se mantem até os dias
atuais, isto é, o Guarani só trab alh a qu ando quer, não o b e d ec e nd o a
ninguém, a não ser a sua própria vontade.

Tam bém é importante fr is a r que muitos autores, como


Martins, consid eram in correta a q u a lif ic a ç ã o do trabalh o e da
e conom ia Guarani como "mera econom ia de s ub s is tên c ia ", pois,
apesar do pouco tempo dedicad o ao trab alho, a sua produção
u ltra pa ss ava o mínimo necessário para g a ra n tir a s o b re v iv ê n c ia do
grupo. É certo que não existia um excedente econôm ic o capaz de
acu m ular grandes riquezas, mas ex is tia um excedente que perm it ia
"a h o s p ita lid a d e generosa, a ajuda solid ária e a org a n iz a çã o de
gra nd es fe sta s ."^ ”

C o n s tato u-s e neste capítu lo a ex is tê ncia de um direito


c o n s u e tu d in á r io Guarani, através de dados refere ntes aos Guarani
e ou tras etnias, manifestado por um sistema de governo, por regras
de guerra, por um direito penal e por um direito civil. Tem -se
presente, de forma sistemática, a ex is tê nc ia dos quatro pri nc ípios

308 MARTINS, op. cit„ p. 243, 246.

309 D'ABBEVILLE, op. cit., p. 236,

310 SCHADEN. op. cit., p. 65.

3 " M ARTINS, op. cil., p. 246.


102

básicos que conduzem o direito Guarani pré-colonia l: a priorid ad e


dos in teresses coletiv os sobre os individuais, a re sp o n s a b ilid a d e
coletiva, a solid a rie d a d e e a reciprocida de .

A prior idade dos intere sses co letivos sobre os individuais

Ficou evidente que a autorid ad e do chefe é baseada nos


in te re sse s da c ole tivid ade. O líder só perm anece no poder enquanto
os seus sub ord in ad os se sentem beneficia dos. Em algu ns
ju lg a m e n t o s de atos ilícitos, a opinião pública pre valece sobre a
von tade do julgad or. Embora o ato seja assumido pelo chefe ou pelo
conselho guerreiro, a decisão de d e c reta r guerra no rm alm ente
representa a vontade da maioria.

Ficou claro que os direitos da com u nida de são mais


res p eita do s do que os direitos individuais. Eram co n s id e ra d o s
de li to s mais graves os que ameaçavam a coesão social e atin gia m
os s en tim en tos ou in te re sses gerais, merecendo, essas in fra ções,
maior atenção por parte dos líderes, na form a de punição,
c a ra c te riz a n d o o direito penal público. Os demais crimes en vo lv e n d o
pessoas in divid ualm ente , sem cau sar tran s to rno aos in te res s e s
gerais eram resolvid os no plano interpesso al ou in te rfam il ia r,
c a ra c te riz a n d o o direito penal privado. O infa nticídio, o aborto, a
morte ou o ab an do no dos idosos e a e u tan ás ia não eram
c on sid era do s crimes, uma vez que eram pra tic ad os por in te resse s
de sobrev ivên c ia de todo o grupo. O estupro era c o n s id era do uma
ofensa grave à fam ília da vítima e não à própria vítima.

Dem on strou-se que a maioria dos cas am entos rea li zado s não
estava fun d a m e n ta d a na vontade individual dos nubentes por
afetividade, mas sim nos interesses da tribo ou da fam ília em fo r m a r
redes de compromissos, através das al ianças po líticas in te r trib a is
103

ou mesmo in ternamen te, pelos laços fam il ia re s, na c o n tr a p re s ta ç ã o


de serviços entre os cunhados. Também ave rig u o u -s e que os bens
dos fa le cid os, úteis à comunidade, eram pre servados com o fim de
a tender às necessid ades de tòdos. A pro pri ed ad e coletiv a era bem
mais ab ran ge nte do que a pro pried ad e individual. A maioria dos
bens tan gív eis produ zidos in div id u a lm e n te perten cia ao grupo e não
ao seu criador; enfim, a produ ção de bens era de stinada a ate n d e r
as n e c ess ida de s de todos e não apenas de uma parcela da
comunidade.

A re sp o n s ab ilid a d e coletiva

Na guerra e no ritual da an tropofagia, o p ris io n e iro está


rep re se n ta n d o a sua tribo e não apenas a pessoa dele. Isto sig nific a
que quan do é ingerida parte de seu corpo, os in divíd uo s estão
v in ga nd o-se da aldeia rival como um todo, e vin ga nd o também os
c om p an he ir o s que morreram durante a batalha. A ofensa de um
in divíduo da tribo contrária é es tendida a todos os ele m e n to s da
tribo adversa, sendo motivo sufic ien te para de cla rar guerra, na qual
o conceito de resp o n sa b ilid a d e co le tiva é c oligado ao da
re c ip ro c id a d e negativa ou ag ressiva. Isto de m on stra que a
r e s p o n s a b ilid a d e criminal é coletiva, ou seja, a ofensa é am p li ada a
todos os in divíduo s do grupo do agressor, e cada membro se
confunde com o grupo ao qual pertence, tanto interna como
externamente.

No dire ito de fam ília, também ficou evidente que à fa m ília se


estend e a re s p o n s a b ilid a d e dos atos praticados por q u alqu er um de
seus membros. Tanto os de scen de ntes quanto os asce n d e n te s são
c o-re s po nsá v eis . Assim como os "bens de fa m ília " respon de m, em
forma de "indeniz ação", por danos causad os a outrem.
104

A s o lid a ried ad e

Foi esclarecid o que, para manter-se no poder, o chefe deve


ser solid ário aos in te resses e às ne cessida de s dos membros da
tribo. A pa rtic ip aç ã o de um indivíduo na guerra sig nifi ca
solid a rie d a d e aos seus ancestrais que lutaram e morreram em
defesa dos in te resses da sua tribo. A p a rtic ip a ç ã o no ritual
a n trop ofág ic o é uma maneira de ho menagear o colega morto em
com bate e vin ga r-se por ele. As festas prom ovidas na com u nida de
ensejam a renovação dos laços de solid arie da de entre os membros
do grupo e entre as tribos aliadas.

Afirm ou -s e que existe, no direito criminal, a s o lid a rie d a d e à


ofensa individual, isto é, quando um elem ento era hostilizado, toda
a com unid ade se sentia atingida, tanto na f a m ília quanto na tribo,
causando intrigas entre fam ílias e guerras in tertribais. Este
s entim ento solid ário também induzia a vin ga nça de um grupo contra
o outro.

Mostrou-se que, para ex is tir harmon ia entre os in te gra ntes da


grande família, é necessário haver solid a rie d a d e entre seus
membros, evitando-se, assim, a de sagregação social. A pro pried ad e
coletiv a e as rela çõ es de tra balh o estão fu n d a m e n ta d a s no p r inc ípio
da s o lid a r ie d a d e . 312

A re cip ro cidade

O sistema de liderança política está todo f u n d a m e n ta d o na


recip rocidade, pois o prestíg io do chefe é regulad o pela sua
capacida de de ser generoso, e para isso necessita da r e trib uiç ão da
105

c om unidade através do casamen to com várias mulheres (po li g a m ia )


e da p re s taç ã o de serviços ("c orvéia"), ambos p ro p o rcio n a n d o - lh e o
acúmulo de bens. Quanto mais rico fosse o chefe, mais co n diçõe s
teria de dar presen tes e prom over grand es festas para a
com u nida de e para as tribos amigas, aumentando, assim, o seu
prestígio. A paz e a guerra também estão relaciona da s com a
recipro cid a de : tempos de paz sig nificam equilíbrio na troca de
favores e ge ntil ez a s entre tribos; tempos de guerra rep rese ntam a
re cip ro cid a d e negativa, ou seja, apenas uma aldeia us urpando os
benefíc io s da outra, sem nenhuma retrib uiç ão. Durante as gra ndes
festas, pela dis trib u iç ã o c om unitá ria de alimentos e bebidas,
renovam -s e os laços de r ec ipro c id a de entre os elementos do grupo
e entre tribos, que com partilham ju ntos dos be ne fíc ios do seu
trab alh o individu al. 0 tratam e nto dado ao pris io neiro de guerra
também está inserido no prin cípio da reciprocid ade, pois
f o r n e c e n d o - lh e o necessário para o seu bem -es tar físico em vida,
quando consum irem seu corpo, receberão em troca os bene fíc ios
que lhe pro porc io nara m .

Dem on str o u-s e que a ag ressão ao direito de es tranho ou de


inimigo não é consid erado crime, c ara cteriz a nd o a re cip ro cid a d e
negativa. A perda do direito da r ec ipro c id a de por in divíduo do grupo
é san ção que c orresponde à perda dos direito s civis.

Foi elucidado que as normas do direito civil são re sp e ita d a s


por "acordo da r e c ipro c id a de " em que toda a com u nida de é
beneficia da. Os graus de parentesco vão determ in ar as f orm as de
recipro c id a de , da mais intensa até a mais tênue. O in te rc âm b io de
mulhe res f o rta le c e os vínculos de reciprocid ade entre os cunha do s,
internam ente, e entre as aldeias, externamente. 0 rapto de

A manifestação do princípio da solidariedade pode ser questionada em situações específicas em que


aparecem a prática do aborto, do infanticídio, da eutanásia, do abandono dos idosos e nas contendas interpessoais
106

m ulheres de ou tras tribos represe nta a r e c ip ro c id a d e negativa. Toda


a produção de bens é de stinada à re d is tr ib u iç ã o generosa. As
pe ssoa s av a rentas e egoístas são rechaçadas socialm ente porque
não se enquadram no princípio da rec iprocid ade. A simples
m a n ifes ta ç ão da von tade de obter um bem é sufic ien te para recebê-
lo, mas com o com p rom iss o de retrib ui-lo, existindo, assim,
r e c ip ro c id a d e na posse dos bens, através da r o ta tiv id a de da sua
posse.

Perante o homem branco, de modo geral, o índio foi


d e s p r e s tig ia d o como ser humano, e todos os aspectos da sua
c ultura foram de svaloriz a do s. Assim, o direito Guarani p ré -c olon ia l
descrito foi vio la do e m odificado sob a tutela religiosa.

No pró ximo c ap ítu lo será de m onstra da a pre ocu pa ção da


Coroa Espanhola em le gitim ar a ocupa ção e a posse das terras
am e ric a na s e as re lações sociais entre índios e espan hó is.
Chocados com a a p arê nc ia física e com os costumes indígenas, os
esp an hó is os con s id era ram animais. Após muita discussão con c lu iu -
se que eram homens, mas incapazes de se autog overnar. Nesse
mesmo período, ap arecem as primeiras pess oa s preocupadas com
os direito s in dígenas. Sob o pretexto de protegê-los, e n con trou-s e
na tutela a ju s ti fi c a ç ã o legal para d o m in á-lo s e ad m in is trá-lo s,
t r a n s fo rm a n d o a sua cultura sob a égide da civ iliz a ção ocidental.

em que os observadores não tornavam partido.


107

2 - O D I S C U R S O DA I N C A P A C I D A D E I N D Í G E N A

2.1 A QUESTÃO DOS JUSTOS TÍTULOS

A p a r tir do primeiro contato entre os eu ropeu s e os in díge na s


surge na Am érica a proble m ática ju ríd ic a da ocupa ção da terra e
das relaçõ es sociais entre con qu is tad ore s e conqu istados.

S egundo Rangel, o que dife rencio u a c olo nização esp anhola


no Novo Mundo de outros países eu ropeu s foi que, pela primeira vez
na h is tó ria da hu manidade, a questão do domínio sobre os povos
c o n q u is ta d o s foi posta em termos ju ríd ic o s, pois a c onquis ta da
Am érica Espanhola não se limitou apenas a uma conquista militar,
mas t r a v o u - s e verdadeira batalha teó rica patrocinad a pelo Estado,
em que se discutiam a ju s tiç a e as normas cristãs que de veriam
imp erar no pro cesso de domínio e ocupação do Novo Continente.
Sob a in flu ê n c ia dos princípios morais cristãos, os reis Isabel de
Caste la e F erna nd o de Aragão se preocuparam seria m ente com este
p r o b l e m a . ’’

Em 1492, ano de sua chegada à América, os espanhóis


também recupe raram, após sete séculos de batalha, o último
ba lu art e is lâ m ico na Península Ibérica. A reconquis ta teve c ará ter
de guerra religiosa como as cruzadas; pois além de ser c on s id era da
uma guerra santa, também oportu niz a va a seus com batentes
obterem pre s tíg io e riqueza por in term éd io dos despojos da guerra.

’ RANGEL, Jesús Aiitonio de Ia Torre. El uso alternativo dei derecho por Bartolomé de Ias Casas. Mé.xico:
Universidad Autônoma de Aguascalientes. 1991. p. 10.
108

A c o n q u is ta da América foi c o n s id e ra d a para muitos como a


co n tin u a ç ã o da reconq uista, ou seja, uma espécie de guerra
re lig io s a em que os seus p ro ta g o n is ta s tinham as mesmas
cara c te rís tic a s , sendo "a mbiciosos, de sp ie dosos, porém muito
religioso s".^

A re lig io s id a d e ace ntuad a fu n d a m e n ta d a nos prin cípio s do


c ris tia nis m o , acrescid a da tradição po lítica medieval, motivaram os
reis cató lic o s a pedir apoio ao Papa, a fim de le gitim ar o seu
dom ínio sobre a América. Desta forma, obtiveram div ersos
do c um e ntos que ju s ti fic av a m as suas ações no Novo Continente. A
co n cessã o a reis católicos de bulas papa is era uma trad iç ão
medieval. ^

A bula In te r Cetera foi o do cum e nto mais importante


c on c ed id o pelo Papa à Espanha, le gitim ando as suas ações no Novo
Continen te, sendo válida e atuan te du rante todo o períod o de
domínio esp an ho l na América.

A 3 de maio de 1493, foi prom ulg ada a bula In te r Cetera I,


também cham ada de bula de doação, a Igreja Católica doou a Isabel

2 Id, Ibid, p. 11.

^ Em 1016 e 1 0 4 9 os p i s a n o s a l eg a r a m a o b t e n ç ã o de b ul a s a p ó c r i f a s de d o m í n i o
s ob re a S ar d en ha ; no ano de 1 15 5 , Ad ri an o VI d o o u a I rl anda ao Rei da I n gl at err a.
H e n ri q ue II, d e s d e que c o n v e r t e s s e s eu s h a bi t a n t e s à fé c a t ó l i c a ; o Papa C l e m e n t e VI,
em 1 3 4 4 , c o n c e d e u o P r i n c i p a d o das Canári as a Lui s de Ia Cerda, c o n de de C l e r m o n t ,
f i l h o do Re i A f o n s o de Ca s t e l a , que fora e x p u l s o por S a n c h o IV; em 1 4 1 4 , por
i n t e r m é d i o da B u l a Dum Fre de i C o n s t a n t i a m , Ma r ti n V o u t o r g o u ao rei p o r t u g u ê s a
.'investidura d o s d e s c o b r i m e n t o s d e s d e o Cabo B o j a d o r até a í nd ia; em 1 4 3 7 , o Papa
E u g ê n i o IV, por o c a s i ã o da e. xpedição de A f o n s o V de P or t ug al contra os i n f i é i s do
T a n g e r , d e t e r m i n o u que "se os i n f i é i s o c u p a v a m t e r r i t ó r i o s d os c r i s t ã o s e h a v i a m
t r a n s f o r m a d o as i g r e j a s em m e s q u i t a s , ou h a v i a m f e i t o mal a o s c r i s t ã o s , ou eram
i d ó l at r as e p e c a v a m c on tr a a n atureza, l he s p o di a f a z e r guerra j u s ta , po ré m c om
p i e d a d e e d i s c r i ç ã o " ; a tr av és da bula A e t e r n i R e g i s , em 1 4 45 , N i c o l a s V p e r m i t i u ao
rei A f o n s o de P or t u g a l e s e u s s u c e s s o r e s atacar e s u b m e t e r à s e r v i d ã o os s a r r a c e n o s e
o u t ro s i n f i é i s d e s d e o Cabo B o j a d or até a G ui n é, p o d e n d o d e s p o j a r seus b en s. A l é m
das b ul a s c i t a d a s , h o u v e outras c o n s e n t i d a s a reis c a t ó l i c o s , tais co mo ; a de C a l i x t o
II em 1 4 5 6 , a de Pi o II em 14 59 e a de S i x t o IV em I 4 8 I . (ZAVALA, Silvio. Las
instituciones jurídicas en Ia conquista de América. México: Porrua, 1971. p. 31-32.)
109

e Ferna nd o, os te rrit ó rio s de scobertos e a serem de scobertos em


na veg açã o feita no Atlâ ntic o e que não tivessem sido concedidos a
neninum outro rei cristão, proibindo a outras nações a na vegaçã o
naqu ela região, ou torgando à coroa espanhola "soberania,
j u r is d iç ã o e domínio sobre o Novo M u n d o " / Mas, em troca, req ue ria
o envio de m is sion ário s para evang eliz a re m e levarem os bons
cos tu m es aos habita ntes das ilhas e terras de sc obert as e a
de scobrir, tra n sfe rin d o à Coroa a ob rig ação de proteger os
indígenas.

E, no dia 4 do mesmo mês e ano, foi prom ulg ada a bula In te r


C etera II, a chamada bula de pa rticip ação, que era muito
s e m e lh a n te à primeira, na qual o Papa também de monstra a sua
pre o cu p a çã o com a pro pagação da fé católica no Novo Co ntinen te e
dem arca as terras desde o Pólo Ártico até o Antártic o, a cem léguas
ao oeste dos Açores e Cabo Verde, d e s tin a nd o a parte orie nta l a
Portu ga l e a parte ocid ental à Espanha.^

Conforme Zavala, as bulas papais não c aracteriz avam uma


s en ten ça arb itrai entre dispu tas te r r ito r ia is de nações, como muitos
au tore s querem comprovar, pois no caso das bulas conced idas por
A le x a n d re VI foram expedid as sem o c on he cim e nto nem a citaçã o
dos p o rtug ues e s e não pôs termo às disputas entre Portugual e
Espanha, pe rm anecendo por muito tempo o litígio entre as duas
coroas. Segundo o mesmo autor, "as bulas eram in strumen tos
p ú blic o s tr a d ic io n a lm e n te aceitos com valor au tentica dor,
c o rre s p o n d e n d o ao papado a fun ção de r eg is trar os direitos dos
reis".®

4 RANGEL, op. cit-, p. 11-12.

5 Id., Ibid., p 118.


Ambas as bulas encontram-se anexas a este trabalho,

^ ZAVALA, op. cit.. p. 33-34.


110

A coroa espanhola ab sorveu em sua le gislação asp ecto s


fu n d a m e n t a is da bula In te r Cetera, a qual lhe garantia div ers os
direitos; e as Leis de índias também in corp oraram do testam e nto da
rainha Isabel de Castela a obrigação de e va ng eliz a r e não causa r
danos aos habita nte s naturais da América, con forme se pode
ave rig ua r:

“ Quando nos fu or en c o n c e d id a s por la Santa Sede


A p o s tó li c a Ias Islas, y Ti err a fi rm e de el Mar O c c ea no ,
d e s c u b ie rt a s , y por d e s c u b r ir , nuestra p r in c ip al in ten ció n fue al
tiennpo que Io s u p l ic a m o s al Papa A le x a n d ro Sexto de buena
m em ór ia , que nos hizo la dich a c on c e s ió n , de p r o c u r a r in du c ir ,
y t r a e r los pueb los del la s, y los c o n v e r t i r á nuestra Santa Fe
C a t ó l ic a ( . .. ) y no c o n s i e n t a n , ni dén lu ga r a que los Indios
ve zi no s , y m o ra do r es de Ias d i c h a s Islas y Tierra fir me, ga n a d o s
y por ganar, recivan a g r av io alg uno en sus perso na s, y bi enes;
mas mandem, que sean bien, y j u s t a m e n t e t ra ta do s , y si algún
a g r a v i o han rece bid o, Io re m e di e n, y pro vea n de manera, que no
se exceda cosa alguna Io que por Ias letras A p o s t ó l i c a s de la
dich a c o n c e s ió n nos es in y u n g i d o , y mandado.

Durante os três séculos de hegemon ia hi spânica na América,


a bula teve várias in te rpre ta çõe s "s egundo a ótica e os obje ti vos
po lític os do inté rprete, que será a própria coroa, seus c o n selhe ir os
e seus tratadistas".®

A prim eira discussão sobre as bases legais do domínio


espan ho l na Am érica aconteceu em 1503, da qual pa rticip aram os
membros do Conselho Real, letrados, teólogos e canonistas. Após
m in uciosa anális e da bula de A le x an dre VI e de outros do c um entos
legais, rea firm ara m o domínio espanhol sobre o Novo Contin ente e a
s ubm issão dos índios con form e o que de term in ava a lei humana e
divina.®

^ RANGEL, op. cit., p. 60-61.

8 Id., Ibid., p. 60-61.


^ HANKE, Lewis. La Jucha por ia justiciaen la conquista de América. Madrid.: Istmo, 1988. p. 40.
111

Tais c on c ess s õ es eram fu n d a m e n ta d a s na tese ju ríd ic a de


que o papado detinh a o do m in us o rb is da sociedade cristã, pode nd o
d-ispor de terras e bens dos infiéis e c on ced ê-los aos reis cris tão s
para fins de pro pa ga ção da fé católica, pois en tendia -se que os
cristãos podiam lic it am e nte ap od era r-se dos bens dos pagãos
porque tinham mais direito s do que eles.^°

Em fina is do século XV, o poder do Papa estava com eçando a


de cli na r e c o lo c a va -s e em dúvida a co m p etê ncia do papado para
o u to rg a r pode res à Coroa Espanhola, q u e stio na nd o-s e os ju sto s
títu lo s da conqu ista. Dis cutiu -se essa questão, haven do
b a s ic a m en te duas corre ntes de pensamen to: uma que apoiava os
ju s to s títulos, afirm ando que o Papa tinha poderes de dom inus orbi,
ju s t i f i c a n d o - s e a posse dos reis sobre as terras descob ertas, a
exp lo raç ã o da m ão -d e -ob ra indígena e a guerra ju sta contra os que
resis tissem; a outra corrente po stula va que as bulas podiam
au toriz a r e dar direitos à evangeliz ação, mas con testavam a
au torid ad e do Papa para c onceder aos reis cristãos as terr as e os
bens dos infiéis, que mesmo com a conquista não perdiam o domínio
sobre eles.^^

O que estava em jogo era a am pliação da ju ris d iç ã o e dos


valores ocide ntais, como a au torid ade tem poral do Papa e a
j u r is d iç ã o universal do imperador, a sujeição dos indígenas,
p a c if ic a m e n te ou não, aos e u r o p e u s . E n t ã o , eram ba sic a m en te

10 HERRERO , op. cit.. p. 112.

" Id . Ib id , p. 127.

•2Z A V A L A , p. 15.
112

três questões: "a relação com os infiéis, o poder do Papa e do rei e


a guerra ju sta contra os índios".

Estes três proble m as eram mais an tigos do que a con quista


da América, e haviam sido dis cutid os na baixa Idade Média por
Graciano, Bernardo de Clairvaux, São Tomás de Aquino, Enrique de
Susa, Guilherm e de Occam e outros. As idéias destes pensadores
foram retomadas pelos te ó lo g os e ju ris ta s espanhóis do século XVI
para le g itim a r e ju s ti fi c a r a c onquis ta es panhola na América. Era a
ch am ada es c o lá s tica tardia.As do utrin as destes teólo gos e
ca nonistas, fornecia m , a partir do século XIII, as idéias básicas
refe re nte s "ao direito dos infiéis e a po ssessão de bens e
prin cipados, sua sit uação ju ríd ic a ante a Santa Sé e as re s triç õ es
que esta possa im por-lh es, a índole tem poral ou espiritu al do poder
po n tif íc io e as dele ga ç õe s que outorga aos príncipes cristãos".

0 c anonis ta do século XIII Enrique de Susa, também


c o n he cid o por O stiense por ter sido c a rd e a l- a rc e b isp o de Ostia,
afirm ava que os povos ge ntios tinham ju r is d iç ã o e direito sobre seus
bens apenas até a vinda de Jesus Cristo, mas, após o seu
nascimento, todas as a u t orid ad es esp ir itu ais e tem pora is da terra
ficara m vin culadas a Cristo, e esta au toridade fora de le gada ao
Papa. Assim, os infiéis podiam ser privados de suas posses e de
seus direito s por a u to rid a d e apostólica, aos quais deveriam
o b ed ece r pa cificam ente .

BRUIT, Héctor Heman. Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos. Campinas: UNICAMP. 1995.
p. 89. ;

Id.. Ibid„ p. 90.

15 Z A V A LA , op. cit., p. 256-257.

Id., Ibid., p. 15.


113

Também no século XIII, W ic liffe explicou o direito de domínio


como um direito humano que existe em função de um direito divino e
que os infiéis, por serem pecadores, não são sujeitos desse
direito.

Ainda na Idade Média, existiam te ó lo g os que defendiam o


direito dos infiéis fr en te aos cristãos, que serviram de fu n da m ento
para outros pensa do re s modernos que de fendia m os direitos dos
índios. Inocêncio IV admitia que os infiéis podiam le gitim am ente
possuir bens, por serem racionais e por isso nem o Papa, nem
ninguém tinha o direito de despojá-los. Mas o Pontífice, investido de
sua autorid ade, tinha pode res para c a stig a r os pagãos e id ólatras
que pecassem contra as leis naturais.^®

O pe ns a do r medieval que mais in flue nciou os teóricos do


século XVI foi São Tom ás de Aquino, p r in c ip a lm e n te em questões
relativas ao direito natural, ao direito das gentes, às relações entre
19
0 poder tem p ora l e o espiritual. As orige ns do pensamen to de São
Tomás estavam na te o lo g ia cristã primitiva, inserida nas Sagradas
Escrituras e em Aris tóte le s , adeq ua nd o a sua f ilo s o fia à rea li dad e e
aos dogmas do cristia nism o. Então, A r is tó te le s e São Tomás
inspiraram muitos pensadores modernos em as suntos referentes à
escravidão, aos direito s dos infiéis, á guerra, á au torid ade do Papa
e á do imperador.

Para São Tomás, o natural signifi cava "a essência das coisas,
uma pro pri ed ad e unive rsal, única, imutável, que não se altera ao

>7HERRERO,op. cit., p. 128.

18 Id.. Ibid, p. 128.

BRUIT, op. cit.,, p. 90.


114

menos pelo pecado", sendo "comum a todos os homens", con ferin do


unidad e ao gê ne ro humano.

Las Casas util iz o u-se desta idéia para f u n d a m e n ta r "o


p rin c íp io da ig ua ldad e entre os homens, in d e p e nd en te m en te do grau
c iv iliz a tó r io ". Portanto, para ele "o pecado da idolatria, dos
s a c rifíc io s hu man os não tira nem altera a essência humana dos
nativos". 20

Tom ás de Aquino entendia que, pelo d e s en v olv im en to da


hum an idad e, o homem atinge o seu obje tivo que é a perfeição da
vida em socied ad e através da seguinte hiera rqu ia das leis:

“ Lei eterna, na qual atua o pró pr io Deus; lei div ina , que
Deus reve la aos homens m ed ia nt e as e s c r it u r a s e sobre a qual
se funda a Igreja; lei nat ural, que Deus im pl an ta nos hom ens
para que possam c o m p r e e n d e r seus d e s í g n i o s ; lei po s i ti v a , que
os hom ens ord en am e põem em v i g o r para g o v e r n a r - s e . A lei
na tural está c o ne c ta d a com a lei eter na e a di vin a por duas
r azões: pr imei ro, porque é e s s e n c ia l m e n te ju s ta e ra c io n al ;
se gu ndo , porque ex pr im e a v on t a d e de Deus. “ ^

Las Casas também ap roveitou este pensam ento para le gitim ar


a soc ied ad e política dos indígenas, uma vez que era algo natural e
um pro du to da vontade humana,

Outra questão muito de ba tida no século XVI, suscitada por


Tomás de Aquino, foi a relação entre o poder temporal e o
e c les iás tic o . Para ele não existia confronto entre o natural e o
sobren atura l, mas sim uma convivência que visava ao
a p erfe iç o a m e n to , pois o homem de veria a tin gir dois obje tivos
fin a lís tic o s ; "socialm ente , a ju stiça e a felicid ade; espiritu alm ente,

20 Id, Ibid, p. 91.

21 Id, Ibid, p. 91.

22 Id, Ibid, p. 91.


115

Deus. O fim terre n o está en ca m in hado a r ea li zar o fim espiritual".


Essa dupla f in a lid a d e se ap rese ntava em dois poderes
independente s: o civil e o religioso, mas ambos se originavam em
Deus. Em última instância, o poder esp ir itu al prevalecia sobre o
poder temporal.

Na Idade Média, ge ne ric a m en te era consid erado infiel


q u alqu er indiv íd uo que não professa sse a fé católica, mas Tomás de
Aquino, em sua Summa Theologica, c la s s ific o u os infiéis, tendo
como parâm e tr o de divisão a fé;

“A lg ué m pode ser in fi el por j a m a i s te r ouv id o algo sobre


a v e r d a d e cr istã, como aco n te c e com os pag ãos. Mas ta mb ém
po de ri a al gué m re pu d ia r a fé aceita, como suced e com os
ju d e u s que se t o rn a ra m in fi éi s à p r om es s a, ou com os hereges
que ch e g a r a m a ren eg ar a re a li z a ç ã o da promessa em Jesus
Cr isto. Essa di v is ão tr í p li c e , em pagãos, ju d e u s e hereges,
permanece atra v és dos s é c u lo s em quase to do s os
e s c o l á s t i c o s . ” ^'*

Existiam dois grand es grupos entre os pensadores medievais:


os cham ados te o c r á tic o s e os cha mad os ju sn a tu ra lis ta s. Os
pe nsadores t e o c r á tic o s defendiam a idéia de que o Papa detinha o
poder tem poral e o poder espiritual, e que podiam tra n sfe rir esses
pode res aos reis cató licos. "Segu indo o pe nsa m ento de Santo
Ag ostin ho, os reis e o Estado em geral eram in strum en to da Igreja
para r e a li z a r a salvaçã o das almas." 0 Papa era o senhor soberano
do orbe, p o s s u id o r de au torid ade sobre os cristãos e os infiéis e,
assim, "pod ia re c la m a r as proprie dades e domínio dos infiéis,
d e c la ra r-lh e s guerra, pois tudo o que possuíam o recebiam de Deus
e, não sendo cristão s, o domínio que exe rciam era injusto". Os

23 Id.. Ib id , p. 92.

2"* HÕFFNER, Joseph. Colonização e Evangelho. Ética da colonizaçao espanhola no século de ouro. Rio de
Janeiro; Presença. 1986. p. 4748.
116

p a rtid á rio s dessa do utrina foram Enrique de Susa, Egídio Romano,


Hugo de São V íc to r e Bernardo de Ciairvaux.^^

0 outro grupo, o de pensadores ju s n a tu ra iis ta s , aleg ava o


princípio da sep aração dos poderes fazendo clara distinção entre a
s o c ied ad e se cu la r e a eclesiástica , e que, para serem perfeitas,
cada uma deveria ser au tônoma e in depe nd en te. Os seus
r e p r e s e n ta n te s mais exp ressivos foram o teólogo francês Jean
Gerson, o inglês G uilherm e de Occam e o ju ris ta italiano Marcílio de
Padua.

Os pensa do res modernos f a v o rá v e is aos ju sto s título s da


con qu is ta da Am érica ba se avam -se na tese de Ostiense. A sua
teo ria fora resu m id a por Solórzano Pereira, ju ris ta da corte
esp an ho la do século XVII, da seguinte forma:

“ Los in fi e le s e id ó la tr a s, cuyas obras son en pecado,


aunque mir and o ei d er ec h o ant ig uo de Ias gen tes , pud iese n
a d q u ir ir y t e n e r t ie r ra s y se n o rí o s , éstos c esa ro n y se
t r a s p a s a r o n a los fieles, que se Io pud iesen quitar, d e s p ué s de
Ia ve ni da de Cristo al mundo, de qui en fué c o n s t it u í d o a bs o lu to
monarca y cuyo im pério, j u n t a m e n t e con su s a c e r d o c io ,
co m u n ic o a San P edro y a los demás P o n tí f ic e s que en su
cá te dr a s uc e d ie s e n . Tr a y e n d o para c o m p r o b a c i ó n de estas
d o c t r in a s muc hos luga re s y e j e m p lo s de Ia Sag ra da E s c ri tu ra ,
t e xt o s dei De rec ho C a nô ni c o y a u t o r id a d e s de s a n t o s . ” ^®

Pereira também sintetiz ou em suas obras a idéia dos diversos


autores que defendiam o domínio esp an ho l sobre os índios. Em
Vocação Divina, afirma que Deus é senho r de todos os impérios e
desejou que os índios fossem privad os de seus bens e sujeitos aos
e s p an hó is como conseqüência de seus pecados. Na an álise que fez
em 0 D e sco b rim e n to , conclui que as terras descob ertas, ha bitadas
ou não, pert encia m de direito a quem as descobriu, e caso seus

BRUIT, op. cit., p. 93.

Z A V A LA , op. cit., p. 15.


117

habita nte s não se suje itassem pa cif ic a m en te , deveriam ser


s ub m etid os à guerra justa. Em A B arbárie, co nsid era os índios
carentes de razão, infiéis e idólatras, e pela lei natural deviam
s u je ita r-s e aos esp an hó is, que lhes prom overiam uma vida racional
e civilizada.

Juan Lopez de Palacios Rubios foi du rante vinte anos


c o n s e lh e ir o da Coroa, pa rtic ip ou da e l a b o ra ç ã o das Le/s de Toro e
das L e is de Burgos. A pedido do monarca espanhol ap resentou, em
1513, uma teo ria sobre a servidão dos índios com o intuito de
ju s t i f i c a r a colo n iz a ç ã o e a evangeliz ação, re a firm an do o poder do
Papa e v a lorizand o as bulas de doação. Era um misto da do utrina
t e o c rá tic a e do direito natural, mas acima de tudo estava a serviço
do rei, e foi o que prevale ceu nas suas conclusõe s.

Toda a sua doutrin a ap res e nta-se na sua obra De Ias isla s


de i M ar Océano, que basic a m en te dizia o seguinte: o poder do Papa
é univers al, e as bulas de Ale xandre VI ju s tific a m o domínio da
Espanha sobre os índios; portanto, o único título válido para
j u s t i f i c a r a guerra contra os índios era a do nação papal; con form e o
direito de conquista, os caciques indígenas perderam para os
esp an hó is o dire ito de ju ris d iç ão sobre seus súditos; os índios
de veriam ser livres e tratados como os demais súditos, isto é,
pre stando serviç os ao rei, pagando imp ostos etc; a guerra contra os
índios só era ju sta se fosse decla ra da após a leitura do
R e qu erim e nto , que levava ao c on he c im e nto dos índios o poder
papal, a sua de le g a ç ã o ao rei da Espanha e a ob rig atoried ade de se
subm ete re m a ele pacificamente.^®

27 Id., Ibid, p. 28.

28 HERRERO, op. cit., p. 205-206,


118

Pedro Malferit, Cavalh eiro de Aragão, era favorável à


ex tensão da ju r is d iç ã o da Igreja a "judeus, sarracenos, gentios,
cis m á tic o s e outros qu ais qu er infiéis, de qu alqu er forma que se
con siderem ".^

Um outro grupo de pensa do res mod ernos revisou as teo rias


a n te r io r m e n te citadas e tiraram con clu sõe s con trárias. Não
con sid e ra va m lícito am p li ar as ju r is d iç õ e s eu ropéias além dos
lim ites oc id e n ta is e confirm avam a condição humana dos índios e
seus direitos. Questio navam o poder tem poral do Papa sobre os
infiéis e não aceitavam a ju ris d iç ã o universal do imperador. Fizeram
d is tin ç ã o entre os sarra cenos que eram con sid era do s inimigos por
terem in vadid o as terras cristãs e os indíge na s que não podiam ser
c o n s id e ra d o s inimigos porque nunca possuíram terras perten cente s
aos im périos cristão s. Funda m e nta dos no direito natural, pro tegiam
as pessoas e os bens in díge na s e afirm avam que a in fi de lid ad e não
era motivo sufic ien te para ju s ti fi c a r o despojo. E, ainda,
c on sid era v am ileg ítim o s quase todos os título s antes i n v o c a d o s . ^

O cardeal Tom ás Vío Cayetano, s up erior da Ordem


Dom in ic an a em Roma, no século XVI, em seus C om entários a Ia
Secunda Secundae de Santo Tomás, aplicou a velha teoria tom ista
ao caso dos habita ntes da América, fazendo com que muitos autores
es p a n h ó is seguissem o seu exemplo. Cayetano ressaltava "a
c a p a c id a d e dos infiéis para gozarem de seus direitos fren te aos
países cristãos,, e a diversa condição ju ríd ic a dos infiéis inimigos
como os sarracenos, e dos que, como os índios, não danific avam
aos cristãos".

29 ZAVALA, op. cit., p. 16.

50 Id, Ibid, p. 16-17.

I d j b id , p. 17.
119

Em 1510, John Maior afirmou que o reino de Cristo não era


deste mundo, con sid era nd o o Papa responsável apenas por
questõ es es piritu ais , assim como negava a au torid ad e do im p era do r
como senhor de todo o orbe. Apoia va o direito dos infiéis e
dife re n cia va os índios dos sarra cen os. Não era favorável à
expansã o da ju r is d iç ã o eu ropéia além das suas fron te iras, mas
aceitou a invasão eu ropéia na Am érica devido ao seu objetivo final:
a fé e a civilização.^^

Em 1539, em sua obra P rim era R e le c ció n de los índios,


Francisco de Vitória concluiu que os índios eram, antes da chega da
dos es panhóis, plenos senho res de suas coisas públicas e privadas;
que o im p era do r não era senhor de todo o mundo; que o Papa não
era senhor civil nem temporal do universo, e não possuía nenhum
poder tem pora l sobre os índios nem sobre os demais infiéis; que
não se podia pra tic a r a guerra nem tom ar os bens dos bárbaros que
se nega ss em a r eco nh ec e r o domínio do Papa e ace itar a fé, que os
reis cris tão s não podiam, nem por au to riz a ç ã o do Papa, r e p rim ir e
c as tig ar os bárbaros pela prática de pe cad os contra a lei n a t u r a l . ^

O frei Antô nio de Córdoba não admitia a guerra contra os


índios por causa da in fid e lid ad e e da barbárie, nem considerava o
Papa e o im pera dor sen ho res tem p orais do mundo e que a
e v a n g e liz a ç ã o deveria ser através de meios pacíficos, mas caso os
m is s io n á rio s fossem incom odados e impedidos de pra tic ar a
catequese, era lícito o uso da f o r ç a . ^

32 Id, Ibid, p. 17-18.

33 Id, Ibid, p. 19.

34 Id, Ibid., p. 20.


120

Fernando Vá zquez de Men cha ca afirm ava que, apesar de os


in dígenas não reconiiecerem o Papa e pecarem contra a natureza,
não era lícito d e stituí-lo s de seus bens e nem praticar guerra contra
eles.

Bartolom eu de Las Casas re conhecia o valor ju ríd ic o e a


c ap a cid a d e le giti m ado ra da bula In te r Cetera, assim como
a c re d ita v a no poder tem poral in direto do Papa e na sua au torid ad e
para con c e d e r as índias O cid entais aos reis cristãos para fins de
eva ng eliz a ç ão, mas era f a v o rá ve l somente à eva ng eliz a ção pacífica,
c on de na nd o qu alqu er meio vio le nto ou coercitivo;

“Tod os los reyes y s e no re s nat ura les , ciu da de s ,


c o m u n i d a d e s y pu e bl o s de a q u e ll a s índia s son o b l ig a d o s a
re c o n o c e r a los reyes de C a s ti li a por u n i v e r s a le s y s o b e r a n o s
se n o re s y e m p e r a d o r e s de Ia manera dicha, de sp ué s de ha b e r
recibi do de su propia y libre v o lu n t a d nue stra sancta fe y el
sacr o ba p tis mo , y si antes no Io reciban no Io liacen ni q ui er en
hacer, no pueden ser por algún ju e z o j u s t i c i a p u n i d o s . ” ^®

Las Casas recorreu a teses ju r íd ic o - p o lí ti c a s medievais para


h o m o lo g a r a bula In te r Cetera e ju s t i f i c a r o domínio espanhol na
América, mas a reve rte em fa v o r dos índios, definind o a razão de
ser do império, única e exc lu s iv a m e n te em be nefíc io dos indígenas,
en qu an to sujeitos da eva ng eliz a ção. "A p are ntem e nte utiliza
in s tr u m en to s ju ríd ic o s obsoletos, porém seus obje tivos são tão
novos, e ao mesmo tempo tão velhos, como a opção de Deus pelos
pobres."^

Francisco Suárez se opunha à idéia de que o Papa era


senhor po lítico do orbe e de que se de veria prim eiro con qu is tar para

35 RANGEL, op. cit., p. 40.

Id., Ibid., p. 83.


121

depois c ris tia nizar, e, por último, refutou o título fun d a m e n ta d o na


ba rbá rie dos ín d io s.37

Além da pre ocupação com a le g itim id a d e da conquista e do


domínio sobre os bens dos am ericanos, havia também a
p re ocu pa ção em ju s t i f i c a r a u til iz a ç ã o da mão -de-obra indígena.
Buscou-se, na f ilo s o fia aristo téli ca, a exp li c açã o para a es c ra vid ã o
indígena, utiliz a nd o também a doutrin a medieval para r e s p a ld a r a
guerra ju s ta contra os infiéis e a sua c on s eq üe nte escravização.

A r is tó te le s afirmava que, por sua própria natureza, alguns


homens são livres, outros são escravos; a estes, lhes convém a
escravidão , portanto, ela é justa. A ordem natural exige que o
im perf eito esteja sujeito ao perfeito como a fêmea ao macho, o filho
ao pai, o corpo ao espírito; assim, os homens civ iliza do s,
po rtadore s da razão, podem le g itim a m e n te dom in ar os bárbaros, que
não a têm. E, se os escravos por na tureza resistirem a servir aos
homens livres, poderão ser s ubm etid os pela f o r ç a . 38

A f ilo s o f ia a ris to té li c a também in fluenciou os pe ns a do res


m edie vais da alta escolá stica. Quando tratou da escravidão , Tomás
de Aquino util iz ou a f ilo sofia dos padres ecle siá sticos, a f ilo s o fia de
A ristótele s. Afirm ava que a esc ra v id ão era a causa do pecado e que
o homem em estado prim itivo não o conhecia. Mas, ao mesmo
tempo, por in fluência de A r is tó te le s na sua do utrina do direito
natural, argum enta que "a na tureza pro cura produzir só homen s de
v alor total, o que, contudo, nem sempre é co nseg uido (...) Esta a
razão por que existem homens de menos valor, para com os quais
se deve usar de coação e violência. São escravos natos". Para ele,

37 ZAVALA, op. cit., p. 21.

38 HERRERO, op. cit., p. 179.


122

geralm en te a in fe rio rid a d e estava presente nos povos prim itivos,


"aos quais falta tanto a Escritura, como o direito escrito. Por isso,
vivem ou vegetam e n treg ues à im b ec ilid ad e e a costumes
anim a le sco s". Estes são os esp íritos atra sados, po ssuido res de
organis m os robustos, que nasceram para servir, e necessitam da
in te li g ê n c ia dos espíritos sup eriore s para c o m a nd ar a sua v id a . 39

Juan Ginés de Sepúlveda, pe ns a do r moderno, também


ba seou-se na filo s o fia a ris to té lic a para j u s t i f i c a r a escravidão . A
h ie ra rq u ia era o esta do natural da s ociedade humana,
f u n d a m e n ta n d o - s e no pri ncípio do "dom ínio da perfeição sobre a
imperfeição , da força sobre a fraque za, da em inente virtud e sobre o
vício". Legitim a a guerra da conquista contra os índios da seguinte
forma:

“ Em pr ud ên cia como em h a b il id a d e , e em v ir t u d e como


em h u m a n id ad e, es ses b á rb a ro s são tão i n f e r io r e s aos
e s p a n h ó i s q u a n to as c r ia n ç a s aos ad u lt o s e as m u lh e re s aos
homens; entre eles e os es pa nh ói s, há ta nt a d i fe r e n ç a qu an to
entre gente f e r o z e cruel e gen te de u m a . e x t r e m a c le m ê n c ia ,
entre gente p r o d i g io s a m e n t e in te m p e r a n te e seres t e m p e r a n t e s
e co m e d id o s , e, ous ar ia dizer, ta n t a d i fe r e n ç a qua nt o entre os
mac aco s e os h o m e n s . ” 40

O li cen ciado G reg ório ap resentava opin iã o tão radical que


não foi aceita nem pela corte espanhola. Ele de fendia a apli cação
integral da filo s o fia a ris to té lic a com relação à servid ão por na tureza
dos índios que, por serem bárbaros, deveriam sub m ete r-se aos
espan hó is, que eram cristãos. E, ainda afirmava que o Papa tinha
pode res para c astig ar os pagãos não somente pela sua infidelid ade,
mas também pela prá tica de pe cados contra a natureza. A idolatria

39 De acordo com o conceito clássico do Jus Gentium, além do pecado e da inferioridade espiritual e étnica,
também se justificava a escravidão de prisioneiros de guerra; aliás, esse era o título mais utilizado. (HÔFFNER.
op. cit.. p. 77-79)

40 TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. A questão do outro. São Paulo: Martins Fontes. 1993. p.
150.
123

era co n sid e ra d a pecado contra a razão e contra a lei natural. Sendo


assim, o monarca espanhol tinha plen os pode res para impor
trab alhos f o r ç a d o s aos indígenas, ou seja, para e s c r a v iz á - lo s / ^

Johannes Duns Scotus achava que os príncipes poderiam


p e r feita m e nte “ red uz ir à escra vid ão homen s viciados, aos quais a
liberdad e só seria nociva", pois se gundo ele os índios eram "m uito
sujeitos aos vícios, cheios de maus costumes, um povo indolente,
sem propensão alguma para a virtude e para o bem"."^^

Bernardo de Mesa argum entou, em 1512, que, conform e


A ristótele s, os índios apresentavam d is po s iç ã o natural para serem
esc ravizados, estando habilitados para os serviços das
encomend as, pois não possuíam "in te lig ê n c ia e aptidão,
pers is tên cia na fé e nos bons costúmes.""*^

D. Juan Quevedo, bispo de Darien, em 1519 também afirm ava


que os índios eram escravos por natureza e esta era a única form a
como os e s p an hó is deveriam tratá-los. Mas para haver a servidão
natural eram in dis pe ns á v eis três requis itos: que o amo fosse
sup erior ao servo em in te li g ê n c ia e razão, que houvesse
r ecipro cid a de da utilid ade entre servos e senhores; o servo não era
obrig ad o a o b e d e c e r a qu alquer um, teria que ser o príncipe ou
outra pessoa com au toridade pública. No entanto, numa escra vid ão
só eram levad os em conta os in te resses do senho r e nunca os dos
escravos e nem sempre os seus s enhores tinham au torid ade real.

HÕFFNER, op. cit.. p. 217.

Id.Ibid, p. 217.

43 Id, Ibid, p. 218.


124

Por isso, os índios de veriam fic a r sujeitos a um regime in te rm ed iá ri o


entre a e s c ra vid ã o e a liberdade, a chamada na ba ría 44

Ba rtolomeu de Las Casas era con trário à idéia da servidão


natural, afirm ando que a doutrin a a ris to té li c a era incom patível com
a doutrin a cristã, pois para ele a religião c a tó lic a não pode ria
ja m a is tirar a li berdade nem c oloca r sob o jugo da serv id ão qu a lq u e r
outra nação. Conforme a sua concepção da cria ção divina do
mundo, a razão não pode falt a r aos homens, pois se a maioria dos
povos fosse de bárbaros, a obra de Deus seria “ um grande e r r o ” .
Sendo assim, ele "rejeita ou, pelo menos, reduz o alcan ce da teoria
aris to téli ca, em c on seq üe nc ia a guerra pela barbárie, a es cra v id ão
legal su b seq üe nte e também as form as tu te la re s de governo como a
' e n c o m ie n d a '" , baseado s na servidão natural. Defende "a li berdade
do índio e o dom ínio sobre os seus bens como condições para
r e a liz a r a missão e v a n g e l i z a d o r a . ' 45

A ju s ti fi c a t iv a da guerra foi uma pre ocu pa ção de vários povos


em todas as épocas. Os romanos haviam r itu a liz a d o as suas guerras
de tal forma que todas as suas ações bélica s eram por eles
c on sid era da s justas. Porém, grande parte da fonte de idéias que
in flue nciaram os esp an hó is com relação às teo ria s de ju s ti fi c a t iv a
da guerra vieram da Idade M é d ia .46

Hanke afirma que Santo A g os tin ho foi o primeiro filó s o fo


cristão que desen volveu idéias coeren tes sobre a guerra. Para ele,
a ju s tiç a deveria ser a base do Estado, portanto, a guerra de veria
ser ju sta e para tal, eram in dis pe ns á v eis três con dições: ser feita

44 HERRERO, op. cit.: p. 181-182.

45 PEGALDAY, José Ramón. Bartolomeu de Las Casas e o seu conceito de evangelização. História da
evangelização na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1988. p. 51-52.

46 HANKE, op. cit., p. 260.


125

por ordem de au torid ad e competente, o príncipe; faze r-s e por ju sta


razão, como, por exemplo, para r e c u p e ra r o que havia sido
usu rpado in ju s ta m e n te ou para c astig ar uma injúria; a sua intenção
devia ser ju sta, f a z e n d o - s e o bem e e v ita n d o - s e o m a l.47

O Papa Ino cên cio IV admitia que a guerra só era ju s tific á v e l


em caso de defesa, na recuperação de t e rritó rio s cristãos e na
aquisiç ão da Terra S a n ta .48

Os autores esc o lá s ti cos espanhóis do século XVI associa vam


guerra e c ris tia nism o . Segundo o Novo T estam ento, a guerra ju sta
era lícita. Havia consenso de que cada Estado era com petente para
de cla ra r e fa z e r a guerra, desde que com ju s ta motivação, como a
in justiça ou in júria com etida contra a l g u é m . 49

Alg uns con de na vam as guerras im p e r ia lis ta s de con qu ista


com ob je tiv o de au m entar o reino para glória do monarca e
elenca va m al guns motivos que não eram c onsid erados
s u fic ie n te m e n te ju sto s para de cla rar a guerra:

“ O não r e c o n h e c im e n t o da a u to r id a d e papal e im per ia l


pelos pag ãos (...). A in f i d e l id a d e pagã, os v íc ios , in c lu s i v e os
contra a nat ur eza , não a u t o r iz a m os c r is t ã o s a g u e rre ar . Mesmo
se os m is s io n á r io s t iv e r e m pr ega do por muito te mp o, sem
r e s u lt a r a c o n v e rs ã o dos pagãos, não se pode, por esse mo tivo,
d e c l a r a r - l h e s g u e r r a . ” 50

47 Id., Ibid., p. 260.

48 Id.. Ibid.. p. 260.

49 HÔFFNER, op. cit.,p. 319.

50 Id., Ibid., p. 320.


126

No entanto, eram ad m it id os certos títu lo s ju sto s de guerra


ap li cáve is , exclusivam en te, aos habita nte s do Novo Mundo. Vitória
fa zia a s eguinte refe rê nc ia ao assunto:

"Se os b á rb a ro s , c a c i q u e s ou massa, qu is e r e m im pe d ir
aos e s p a n h ó i s o livre an ún cio do E v a n g e l h o , aos e s p a n h ó i s
cabe, p r im e i r a m e n t e , ex p o r o m o ti v o do seu modo de agir e, a
seg uir, c o m e ç a r a prega ção , mesmo con tr a a v o n t a d e dos
pagãos, e n v id a n d o es f o r ç o s para c o n v e r t ê - l o s . Em caso de
ne ce s s id a d e , pod erã o in ic i a r as h o s t i l i d a d e s . " E, se a pr eg a ç ão
da fé assim o exi gir, estão a u t o r i z a d o s a o c u p a r ‘ as t e r r a s e
p r o v í n c i a s ’ dos pagãos, " n o m e a r novos ch e f e s , d e p o r os an ti g os
e t o m a r t o da s as me di d as p e r m it id a s pela lei de gu er ra , em
out ra s gu e rr a s j u s t a s . ” ®^

Palacius Rubios de fendia a idéia da rit u a li za ç ã o da guerra


como forma de le gitimá-la. Ele mesmo red igiu o cha mad o
R e q u e rim e n to , do cum ento que deveria ser lido aos in díge na s a
part ir do prim eiro con tato dos espanhóis com eles. Tal do cum ento
co n tava a his tó ria da criação do mundo até a in s ti tu iç ã o do papado
como sob era na a todos os homens, sendo pe rm itid o por Deus
g o v e rn a r a todos os povos, in de pe nd en te de raça ou religião. O
s uce s s or de São Pedro doou ao Rei da Espanha todas as terras e
ilhas da América, s o lic it a n d o a seus ha b ita n te s que o aceitassem
em nome do Papa, a quem permitiu le v ar-lh es a fé. E, no final, diz
que os índios que aceitassem pa c if ic a m en te a sub m is sã o ao rei
espanhol e a fé cató lica poderiam p e rm an ec e r em suas terras. Caso
contrário , os espanhóis poderiam lic itam e nte d e c la ra r-lh e s a
guerra, matando-os e usurpa nd o seus bens móveis e imóveis.

51 Id., íbid., p. 320,

SUESS, Paulo. (Org.) A conquista espiritual da América Espanhola. 200 documentos. Petrópolis: Vozes,
1993. P. 673-674.
O Requerimento encontra-se anexo nesta tese.
Em 1514, na e.xpedição de Pedrarias, foi lido pela primeira vez, resultando num ato ridículo, pois foi usado ante
um povoado vazio. Também foi utilizado por Alvarado, González Dávila, Alvar Nunez Cabeza de Vaca e outros
conquistadores espanhóis. Muitas vezes era lido ainda dentro dos navios antes de chegar em terra firme, ou para
as árvores, a distância das aldeias, não sendo possível os índios os ouvirem. E mesmo nos casos em que era lido
frente aos habitantes, geralmente não havia um intérpetre para que os índios pudessem entender o conteúdo do
documento. Ou, em raras ocasiões, em que era traduzido para a linguagem indígena, os capitães espanhóis não
esperavam o tempo suficiente para os indígenas pensarem e se manifestarem a respeito. Por essas incoerências o
127

Na re alidade, o R e q u e rim e n to era um s ub s titutiv o da antiga


de c la raç ã o de guerra e serviu mais para t r a n q ü iliz a r a c o n s c iê ncia
dos reis e dos con qu is tad ore s do que c ie n tif ic a r os índios da
p o s s ib ilid a d e de haver uma guerra de con q u is ta contra e l e s . ^

Domingo de Soto examinou a questão da servidão natural,


legal e por guerra apontando três motivos de guerra con form e a
cate go ria do infiel: aos que se e n con travam sob o domínio dos
príncip es cristãos era lícito usar a força con form e os direito s civis e
canôn icos; ainda cabia o uso da força contra os que ocu pa vam
te r r itó r io s que foram dos cristãos; fin a lm e nte, seria injusto p e rturba r
aq uele s que não eram súditos do rei nem de fato nem de direito, e,
dentre estes, os que não conheciam a palavra de C r i s t o . ^

Gre gório López sin tetizou em três casos o exercício lícito da


guerra contra os infiéis: a injúria con tra os pregadores e os
co m e rcia ntes; os im pedim entos postos aos c onvert id os para que
convivam p a c ific a m e n te com os pagãos, e a e x is tê n c ia de sa crifício s
hu manos por ser lícito salvar vítim as inocentes. Com relação à
pe netração espanhola na América, por con cessã o do Papa,
competiam aos reis espanhóis a con qu is ta e o domínio da América;
os prim eiro s contatos deveriam ser pacíficos, cheios de bons
exem plo s cris tãos e do con ven cim e nto do Evangelho; os in díge na s
recebe ssem a fé e prestassem v o lu n ta r ia m e n te obediê ncia ao Rei:
se resistissem à evangelização, matando ou ultraja ndo os
prega do res, pe rseguindo os já co nvertid os, seria ju sto f a z e r-lh e s a
guerra; de modo algum podiam pra tic ar a guerra contra eles pelo

Requerimento sofreu severas críticas de seus contemporâneos, como Bartolomeu de Las Casas, por exemplo, e
vem recebendo-as até recentemente. (HERRERO, op. cit., p. 215)

53 HERRERO, op. cit., p. 215-216.

54 ZAVALA. op. cit.,p. 20.


128

sim ple s fato de não aceitarem a fé, pois esta deveria ser a s s im ila d a
e não imposta; po dia-se prom over a guerra aos id óla tras que
a n te r io r m e n te fossem a d v ertid os e não cessassem as idolatrias; em
s it ua çõe s de sacrifíc io s humanos, para a defesa dos in ocentes; aos
infiéis que não deixassem os c o n vertid os viver em paz; e era
c o n tr á r io ao con fisco de bens e à de c la raçã o de guerra aos que
negass em a au torid ade do P a p a . ^

Sepú lved a utilizou vários argum entos para ju s t i f i c a r a guerra


contra os índios. Sob a in fluê ncia de Santo A gostinho, afirm ava que
a guerra não se explicava por si mesma, mas por um bem maior ou
por necessidade , cujo fim último seria a paz e que ela só deveria
ser d e c reta da depois de madura d e li b e ra ç ã o e por causas
ju s tís s im a s . Também acatava os princípios da teoria tom ista de que
a guerra, além de exigir a ju sta causa, tambéni exigia a au torid ad e
le gítim a para decretá-la. A guerra com o fim único de saque era
pecado. Enumerou as seguintes causas da guerra: legítima defesa;
reaver as coisas in ju sta m ente arrebata das; e xe cuta r a merecida
pena aos m alfe itores; s ub m ete r pelas armas aqueles que, por
con dição natural, devam s u je ita r-s e e se negassem a f a z ê - l o . ^

Juan Roa Dávila tratou dos princípios da guerra ju sta em sua


obra A p o lo g ia de iu rib u s p rin c ip a lib u s d e fe n d e n d is et m o d e ra n d is
iuste, pu blicada em 1591, d is ting uind o a guerra privada da guerra
pública. A guerra privada nada mais era do que a legítim a defesa, a
n e c es sida de natural de r ep elir uma agressão na esfera privada. A
gu erra pública teria de ser de cla rada por au torid ad e pública e com
ju s ta causa. "Por tal se entende o castigo de súditos deli nqüentes, a

De acordo com Zavala, Gregório López foi autor da primeira teoria avançada sobre a guerra. (Id., Ibid., p. 81)

Id. Ibid., p. 86-87.


129

defesa do povo contra ataqu es injustos, a recuperação da própria


s ob erania e a proteção da relig iã o e da f é . " 57

Las Casas definia a guerra de modo geral como "p raga


pestilenta, d e s truiç ã o e c alam idade lamen tável da linhagem
human a" e o bom cristão antes de de c retá -la de veria ter ab so lu ta
certeza da sua licitud e por culpa da outra parte, pois nenhum
cristão pode ria praticar a guerra contra nenhum infiel, nem m olestá-
lo sem estar com etendo pecado mortal, sendo obrig ad o a rep a ra r o
dano causado. Só admitia a guerra ju s ta em três situaçõe s: se
gu err eassem contra os cristãos; se pe rs eguissem , estorvassem ou
imp ed issem a pregação da fé e da relig iã o cristã matand o os
e v a n g e liz a d o r e s e seus seg uido res; se retivessem os reino s e os
bens dos cristão s. Mas, com relação às gu erras indianas, Las Casas
as condenou "p orq ue violavam os direito s naturais dos índios, os
quais, sem haver ofendido, eram ag ravados e reduzid os pela força",
e a e v a n g e liz a ç ã o de veria ser por meios pacíficos, não v io le n t o s . 58

Em sua obra Segunda R e le cció n de los ín d io s , Francisco de


Vitória r efe riu-se ao tema da guerra indian a e, segundo ele, se os
índios não violavam os direitos dos esp an hó is adquirid os pelos
le gítim os títulos, não haveria nenh uma injúria, portanto não era
lícita. A guerra só era ju sta nos seguintes termos: em caso de
ag ressão era pe rmitid o rechaçar a força com a força; se os bá rba ros
imped issem e estorva ssem a pregação, se tentassem im p ed ir a
prática do c r is tia nis m o aos já c o n v ertid os e se pra ticassem
sa crifício s humanos; no au xílio em lutas internas aos in dígenas

57 LUNO, Antonio Enrique Perez. La polêmica sobre el Nuevo Mundo. Madri: Trotta. 1992. p. 213.

58 Z AVAL A. op. cit., p. 83-84.


130

aliados, desde que a parte ofendida tiv esse o legítim o d ireito de


de cla ra r a guerra.®

A "defesa dos in oce ntes" também era con sid era da ju s to título
para pra tic ar a guerra. Vitó ria afirm ava que "se um povo for
do min ado por tiranos que violentam inocentes e promulga m leis
de sum ana s, é lícito Estados civ iliza do s in te rferire m pela força em
de fesa dos inoce ntes". Refe rin do -se ao caso da América, em que os
bárbaros "sacrif ic am ví tim as humanas in ocentes" com o fim de
"d e v o ra r-lh e s as carnes", autoriz ava os esp an hó is, sem ne c es sá ria
licença do Papa, a coibirem os in díge na s de "q u a lq u e r costu m e ou
rito perverso, porque se tem a ob rig ação de livrar os inocentes de
uma morte injusta", mesmo que as ví tim as sejam con iv e ntes com
tais rituais.

Grande parte dos je s u íta s teó lo g os a p re s e n ta v a m -s e


fav o ráve is à guerra em defesa dos inocentes. Luiz Molina con firm ou
que era um direito e x clusivo do rei, sem ne cessá rio c o n s e n tim e n to
prévio do Papa. "A defesa de in ocentes é um dever que flui da lei
natural, in clusive se os pe rs eg uido s se co nform arem com o destino
ou o povo pagão em peso aprovar os ritos cruéis", e conclui que "os
e spanhóis teriam direito de re tirar do país inimigo o c o r r e s p o n d e n te
aos ga stos m ilitares e ainda a uma 'justa recompe nsa' pelo es fo rç o
feito". Francisco Suárez dizia que "o direito de in te rv ir b a s e ia -s e no
ato de ninguém ser s enhor da própria vida".®^

Para os es c o lá s tic o s que c onsid eravam irra cion al qu a lq u e r


tipo de soberania ilimitada, esse dire ito in te rv e n c io n is ta

59 Id„ Ibid, p. 78-86.

60 HÔFFNER, op. cit., p, 321-322.

61 Id. Ibid, p. 325.


131

fu n d a m e n ta v a - s e na un idade moral, ou seja, na "p olí tic a fo rm ad a


pelo gêne ro humano". Banez dizia que as vítimas eram réus de "
'um assalto ao gênero humano' dos tir â n ic o s o p re s s o re s e
a ssa ssin os de seres hu man os inocentes". G reg ório de V a lê n c ia
cha mava de "c o rrupçã o da hum an id ad e" os sacrifíc io s human os e o
canibalismo®^

Mas nem todos es c o lá s tic o s con cord ava m ple n am e nte com o
dire ito de pro teg er a "in o c ê n cia p e r s eg uida " com o recu rso da
v io lência. Las Casas a r g um e ntav a que "se matamos m il hare s e
milhares, para pro teger inocentes, lesamos não só a caridade, como
tornam os o nome cris tão od ioso a tal ponto que p e rde rem o s
q u alquer cha nce de in flu e n c ia r f u tu ra m e n te os índios, como
e m issário s da fé".®^

Josê de Acosta afirm ava ser imoral a prá tica da "defesa ju sta
dos inoce ntes", pois na r e a li dad e esse direito era man ip ula do pelos
c o n q u is ta d o re s que trucid ava m "muito mais ví tim as do que q u a lq u e r
tir ania de bárbaros".®^

A lf o ns o Salmerón arg um e ntav a que os sacrifício s hu m anos


eram re a li zado s em poucos lugares, portanto, não se ju s ti fi c a v a a
guerra contra todos os in dígenas, e que os seus vícios só podiam
ser exp urg ad os através da eva ng eliz a ção. Tan to os sold ados que
praticavam a guerra quanto os m is sionários que a apoiava m
deveriam ser condenados.®^

Id. Ibid. p. 322.

Id, Ibid, p. 323-324.

Id, Ibid., p. 324.

65 Id , Ib id, p. 325-326.
132

Luiz Vives con s id era va todas as guerras ilegais, de sum anas e


a b s u r d a s . 66

A forma como se' re laciona ria m c o n qu is tad ore s e


c on qu is tad os em term os do domínio das terra s e dos bens
indígenas, da ex p lo ra ç ã o da mão -de-obra, da eva n g e liz a ç ã o e da
tutela, de pe ndia de como os eu ropeus pensavam ser a na tureza dos
índios.

2.2. A DISCUSSÃO DA NATUREZA DO ÍNDIO

Além da questão dos ju sto s títulos, as teo rias sobre a


natureza e a co n dição humana dos índios também in fluenciaram
muito a f o rm u la ç ã o de leis, o trata m e n to ad eq uado que iriam
de stin ar aos indíge na s, as medidas polític as e a forma como os
espanhóis iriam c o n d u z ir o seu governo na América:

Desde o início da conqu ista todos queriam em iti r a sua


opinião sobre a natureza dos índios, e estas eram as mais variadas,
prin cip a lm e n te sobre a sua c ap acidade de viver conforme os
padrões dos costum es e s p a n h ó is 67 e a cap ac ida de para receber a fé
cristã, como confirm a Hanke:

“ Todo m onarca espa nol , desd e Fe r n a n d o y Isabel hasta


Felipe II, todo miem bro dei C on sej o de Indias, todo g o b e r n a d o r
esp a no l en Am é r ic a , todo c lé ri go y todo f r a i le que t r a b a ja s e allí,
todo c o n q u i s t a d o r y todo col ono - t o d o s a b s o lu t a m e n t e , t en ía n

66 HANKE, op. cit., p. 263.

67 Segundo a opinião de Hanke, a capacidade de viver segundo os costumes espanhóis estava intimamente ligada
à capacidade racional, e os espanhóis se consideravam gente de razão perante os indígenas. (Id., Ibid., p. 101)
su op in ió n sobre este asun to tan d i s c u ti b l e , y para cada uno de
ellos era el núcleo de sus ideas y te ní a su ac tit ud de co n j u n t o
ante los p r ob le m as dei Nue vo M u n d o . ” 68

Havia, basicamen te, duas teoria s com relação à natureza


indígena: uma favo ráv e l ao índio, ressa lt a n d o as suas virtud es,
de fin in d o -o como "bom selvagem"; a outra, contrária, im putava -lh e
defeitos, c ha m an do -o de "cão im u n d o " . 69

Cristó vão Colombo foi o prim eiro espanhol a ter contato com
índios, a p re s tar in formações e a em itir opin iã o sobre eles. De
início, e m p olga do com a " g e n e r o s id a d e " e com a "p a c ific id a d e "
indígena, in tr o du ziu o mito do "bom selvag em ". O que prim e ir a m e n te
chamou a ate nçã o de Colombo foi a nudez dos índios, mas concluiu,
que ap esar de nus, pareciam mais s e m e lh an te s aos homens do que
aos animais. Também os destitui de qu alqu er elem ento cultural
a p re s e n ta n d o -o s como carentes de costumes, ritos e religião.
A firm ava que eram os melhores povos do mundo, e mais pacíficos,
res s a ltan do sempre a sua "g e n e ro s id a d e " nas trocas e fe tu ad as com
os es panhóis, diz endo que os in dígenas lhes en tregavam tudo de
valor que possuíam por qu alquer q u in q u ilh a r ia e não cobiçavam os
bens alheios. Às vezes tal " g e n e r o s id a d e " lhe pa recia burrice. Ainda
salie ntava a "c ovardia", di zendo que não tinham armas e eram tão

68 Id. Ibid., p. 96.

69Na Idade Moderna a Europa se abre para o Renascimento, aparecendo como uma das caracterísitcas a
exaltação da natureza e o interesse do europeu pelo conhecimento do homem e das condições naturais do Novo
Mundo. Buscando os temas clássicos, idealizam a pureza dos costumes dos primitivos, originando o mito do
"bom selvagem". "Então surge um movimento utópico que representa o estado da natureza como não degradado,
não corrompido pela civilização, com suas desigualdades, suas ambições, seus ódios." Os que vão louvar o índio
americano se baseiam principalmente na corrente anticolonialista, defendida por Las Casas. Paralela a esta
teoria, aparecem outros autores que depreciaram o índio americano encarando-o como "um bárbaro, uma semi-
besta sem ambições e, portanto, sem perspectivas de futuro, devido, sobretudo à 'infância' em que estão
afundados, a falta de sociedade e de educação"; além dos homens todas as espécies animais americanas também
eram consideradas inferiores. (HERRERO, op. cit., p.84-87)
134

m edrosos que ba staria um esp an ho l para faz e r fu g ir cem deles, e


com entava que até mesmo um cão eqüivalia a dez ín d io s . 70

A p re s e n ta - s e sim p atiz a nte dos índios com uma postura


as sim ila c io n is ta , de seja ndo vê-los ad ota nd o seus próprios
costumes, e tal as sim ila ç ão quase sempre se confunde com o
desejo de c o n v e rtê -lo s ao cristianism o, o que acredita va ser fácil,
por im a giná-los sem religião, e co n s e q ü e n te m e n te pré -d is p o s to s ao
cristia nism o. Mas, associa da à e v a n g e liz a ç ã o estava a conquista
material. A re lig iã o até podia ser fator de iguald ade entre in díge na s
e espanhóis, mas ex is tia uma condiç ão que era a subm issão
pacífica das popu la çõe s indígena s aos espan hó is. Caso se
negassem a e n treg ar suas rique zas e a serv ir de mão -de-obra,
deveriam ser sub m etid os a força e eram c o n s id e ra d o s desiguais. Tal
dife ren ça era defin ida em term os de s u p e rio r id a d e dos espanhóis e
in fe rio rid a d e dos i n d í g e n a s . 71

Após sua prim eira experiência de governo na Ilha de


Espanhola Colombo passara de d ivu lg a d o r do mito do "bom
selvag em " ao extrem o oposto, div ulg ando o mito do "cão imundo". A
partir daí se t o m a o principal in cen tiv ad or da escravidão , a p li c a d o r
de penas severas e cruéis aos in dígenas, por c on sid era -lo s
crim in osos e in disc ip lin ado s , e pro m ove do r de incursões gu erre ir as
contra tribos rebeldes, con sid erando os índios objetos vivos
de spro vid os de qu alqu er d i r e i t o . 72

70 COLOMBO. Cristovão. Diários da descoberta da América. As quatro viagens e o testamento. 5. ed. Porto
Alegre: L&PM, 1991.
Bartolomeu de Las Casas foi o mais ferrenho defensor da idéia do "bom selvagem". Em: sua obra A brevíssima
relação da destruição das índias, publicada em 1552. enaltece os indígenas tentando demonstrar a sua
racionalidade, o seu vigor físico, a sua docilidade, a sua ingenuidade e a sua pureza. Descreve as condições
físicas e geográficas do continente americano e a exuberância da fauna e da flora.

71 Id., Ibid.

72 Id., Ibid.
135

Para j u s t i f i c a r a escravidão , Co lombo estabele ceu disti nç ã o


entre os inocentes, cristãos em po tencial, e os idólatras, p r a t ic a n t e s
do can ib alis m o; ou índios pací ficos e índios belicosos, os últimos
mereciam por isso ser punidos, mas os n ã o - c r is tia n iz a d o s só
poderiam ser escravos, não havendo te rce ir a p o s s ib ili d a d e . 73

A L e i de B u rg o s , elab orada em 1512, no seu item 24 deixava


bem clara a form a como os esp an hó is tratava m e c on sid era v am os
índios: "O rde na m os que persona ni personas algu na s no sean
osada s de dar paio ni azote, ni lla m ar perro ni otro nombre a ningún
indio, sino el suyo propio que t i v i e r e . " 74

Gon zalo Fernández de Oviedo foi um dos nomes mais


d e stacados entre os de fensores da teoria do "cão imundo". Sua
opin iã o em relação aos indíge na s era a seguinte:

“ Porque su p r in c ip al inte n to era comer, y beber, y fo lg a r,


y lu xu ri ar , y id o la tr a r , y e x e r c e r ot ras m uc ha s s u c i e d a d e s
b e s t ia le s (...) el m a tr im o n io que usaban (...) que los c r is t ia n o s
t e n e m o s por s ac r a m e n t o , com o lo es, se puede d e c i r en est os
in dio s s a c r il é g i o (...) Ved qué a b o m i n a c i ó n inau dita (el peca do
n e fa nd o contra nat ur al), la cual no pudo a p r e n d e r sino de los
tale s an im a le s (...) Esta gen te de su nat ur al es ociosa y v is io s a ,
y de poco t ra b a jo , y m e la n c ó li c o s , y c ob a rd es , v il e s y mal
in c li na do s , m e n t ir o s o s y de poca me mó ria, y de ni nguna
c o n s t a n c i a . Muchos de ll o s , por su pa s a ti e m p o , se ma ta ro n con
ponz ona por no t ra b a ja r, y ot ros se ah o rc a ro n por sus manos
pró pr ia s. “ 75

Refo rç an do a sua visão x enófoba e racista, além de


c o n s id e r a r os índios animais, o mesmo autor também os com para a
ob jetos in an im ad os como os metais, quando refere combate fr en te a
frente, em que "é pre ciso ser muito prudente para não a tin g i-lo s na

73 Id.. Ibid.

74 Lei de Burgos em anexo, p. 397.

75 Id.. Ibid.. p. 98.


136

cabeça com a espada, pois vi muitas espadas serem qu eb rad as


desse modo. Seus cr ânio s são espessos e também muito fortes". E
ainda é fa vo ráve l ao e x te rm ín io total da po pula ção indígena como
se este foss e um de sejo divino, ao afirmar: "Satã agora foi expulso
dessa ilha (Hispanio la ); toda a sua in fluê nc ia de sap are ceu agora
que a maioria dos índios está morta. (...) Quem pode negar que usar
pó lvora contra os pagãos é ofe rece r incenso a Nosso Senhor?"^®

Em 1542, o do m in ic ano Tomás Ortiz rem eteu uma carta ao


Conselho das índias, na qual faz acusação mais séria contra os
índios, refe rin d o -s e aos Chiribichi, s ug erind o a nega ção de
liberdade àq ue les povos, intitu la da E stas son Ias p ro p ie d a d e s de los
in d io s p o r donde no m erecem lib e rta d e s . Dizia que os índios eram
os piores dos povos ca n ib ais e sodomitas; não possuíam ju stiça ,
não tinham pudor e andavam nus. Não c onhecia m o amor e eram
como asnos, broncos e estúpidos. Não se im portava m de matar
alguém ou a si mesmos. Só usavam a verdad e quando era em
proveito próprio. Eram in constantes, ingrato s e im pre vid entes.
E m briag ava m -s e c o n stan te m en te . Não r esp eita v am os mais velhos.
Eram in dis cip lin ado s , traidores, cruéis, vingativos, irrecon c iliáv e is ,
men tirosos, infiéis, ladrões e sem fé. Não existia f id e li d a d e
conjugal. Eram f e it ic e ir o s , covardes e sujos. Comiam insetos e
vermes crus. Não tinham nenhuma h a b ilid a d e para tr ab alh os
manuais. R e cusa vam -se a ap render o E vang elho e diziam que não
queriam mudar seus de uses e costumes. Eram im piedosos para com
os enferm os mesmo que fossem parentes ou idosos, aban do na nd o-
os e de ix a nd o-o s morrer. Quanto mais cresciam e envelheciam, mais
iam e m b ru te c e n d o -s e como animais. Deus nunca havia cria do um
povo tão cheio de vícios e be stialidades, sem nenh uma p e rspe ctiv a
de bondade, cultura e o r g an iz ã ç ão política.

■^6 TODOROV, op. cit., p. 148.

HANKE, op. cit., p.98-99.


137

0 je s u íta José de Acosta inseriu os in díge na s em sua


defin ição de bárbaro. Para ele, os bárbaros eram aque les que
rechaçavam a "reta razão", a prática c o tid ia na dos homens e se
c om portavam com rudeza e selv ag eris m o . Afirm ava também que os
bárbaf-os pouco se dife rencia vam das feras, como tigres e panteras,
andavam nus, eram ariscos e e n treg ues aos mais de gra da ntes
v ícios/®

Acosta fazia distinção entre às div ersas tribo s in dígenas,


c la s s ific a n d o - a s em três cate go rias c onform e o grau de c iv iliza ção .
Co ns ide ra v a os chine ses e ja p o n e s e s bárbaros das índias O rientais
que mereciam tratam e nto especial, s em e lh an te ao dos ap ós to lo s
que prega vam aos gregos e romanos. Abaixo deles vinham os
astecas e incas, que deviam prim eiro receber a fé para depo is
serem sub m etid os politicam ente. E, finalm ente, os demais indígenas
que não pertencia m às cu ltu ras urban as am e ric a na s que deveriam
ser s u b ju g a d o s pela força, para p o s terio rm en te serem
c r is tia nizado s , como se lè:

“ Nela ent ra m os s e l v a g e n s s e m e lh a n t e s às fe ra s (...) e


no Novo Mundo há dele s in fi n it a s ma na d as (...) se d i f e r e n c ia m
pouco dos an im a is (...) A to d o s estes que mal são homens, ou
são hom ens pela metade, c o nv é m e n s i n a r a ap r e n d e r e m a ser
hom ens e i n s tr u í - l o s como a c r ia n ç a s (...) É pr eci so c o n t ê - lo s
com a força (...) e mesmo contra sua v o n ta de , de ce rto modo,
f o rç á -l o s (Lucas 14,23) para que entrem no Reino dos c é u s . ” ^®

A de no m in aç ã o "ín d io s - fe r a s " era assim ju sti ficad a:

DECKMANN, Eliane Cristina O imaginário dos séculos XVI e XVII, suas manifestações e alterações na
prática missionária jesuítica. São Leopoldo, 1991. Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-
Americanos), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. p. 125.

DUSSEL, Emique. 1942. O encobrimento do outro. A origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes,
1993. p. 63.
138

“ Se matan unos a otros sin f o rm a c i ó n de causa, m ez c la n


sus b o r r a c h e r ia s e o r g ia s con s ang re , t ie ne n muchos por el
m ayo r de los p la c er es c om er car ne humana, in m o l a r nino s
in o c e n t e s a los ídolos, ce le b r a n Ias e x e q ui a s de los s úy os
v e r ti e n d o sang re ajena y casi t o d o s c o n s i d e r a n que Ia f ue rz a
sólo se ies ha dado para v e n g a r s e y ha c e r dano al igual que Ias
fieras s a l v a je s que toman por presa suya a los a n i m a le s
n a t u r a l m e n te más d é b il e s e in fe r io re s .

Mas, ap esar de ad m itir que os indígenas tinham pouco


d is c ern im en to e honra, eram in consta ntes, caprichosos, infiéis,
ingratos, de sp u d o ra d o s e pregu içosos, ele afirma que tais defeit os
não são "tanto c o n se q ü ê n cia da natureza, mas antes da educação e
do costume", pois norm alm ente "a ed uca ção exerce muito maior
influ ência sobre o c a rá te r humano do que o nascimento".®^

Garcia de Tole do c on s id era v a os indígenas humanos, porém


inferiores, in cap azes e não merecedore s das riquezas de metais
precio sos que possuíam em suas terras. A p re s en ta o P a re c e r de
Ycay em que faz uma pa rábola com p ara nd o os eu ropeus com os
indígenas, como se fossem duas irmãs: uma era branca, bela,
ed ucada e graciosa; a outra era escura, feia, tola e grosseira.
Mesmo sem dote, não seria difícil e n c o n tra r in teressados em ca sa r-
se com a prim eira filha, mas para casar a segunda, era ne c e ss á rio
da r-lhe um polpudo dote. E con clu iu dizendo que graças aos
teso uros e rique zas os cristãos foram atra íd os para o Novo Mundo
prom ovendo a salv ação dos indígenas; sem ouro não ha veria Deus
nas índias. "Logo, boas são as minas entre esses bárbaros, pois
Deus lhes deu para que lhes fossem levadas a fé e a c r is tan da de e
a c on serv a ção nela, e para sua salvação."®^

80 DECKMANN, op. cít.. p. 128.

*'HÕFFNER, op. cit.,p. 113.

GUTIERREZ, Gustavo. Deus ou o ouro nas índias. (Século XVI). São Paulo: Paulinas, 1993. p, 106-113.
139

A dis cussão da cap ac ida de do índio para recebe r a educação


também causou controv é rs ias . A prim eira ordem real sobre a
in strução dos índios feita em 1503 d e term in ava o en sino da
gram ática latina aos filhos dos caciques. Alg un s espanhóis achavam
que aos índios ba stava sab er poucas oraçõe s porque o
c on he cim e nto da escrita e da leitura podia to r n a r - s e - lh e s algo
perigoso. Com relação à ed uca ção dos índios para o sacerdócio, o
Frei Domingo de Betanzos m an if e sto u -s e c ontrário por a c re d ita r que
"os índios não devem estudar, porque nenhum fruto se espera de
seu estudo".®^

Embora tivesse cha mad o os in díge na s de bestas e incapazes,


retorn ando à Espanha após trin ta e cinco anos que perm aneceu nas
índias, desde 1514, Betanzos retrato u-se em seu leito de morte
deixand o a seguinte mensagem:

“ Po rta nt o, por esta carta as s in ad a com meu nome digo e


sup li c o ao dito C o n s e l h o Real das índias e rogo a t o d o s os que
a virem ou o u v i re m nas índ ias ou na Esp anha ou em q u a l q u e r
outra parte que não dêem nenhum cré di to a nada que eu
or al m en te ou por e s c r it o te nha f ala do e dito contra os índ ios em
seu p r e ju íz o ( . .. ) , e digo que go s ta r ia de te r saú d e e te nh o pe s a r
por não po d er f a z e r esta r e tr a t a ç ã o di ant e de to d o s os
Co nse lh os das índia s e di ante de todo mundo que foss e
ne c e s s ár io , e re vo go e d e c la r o nulas t o da s aq ue la s p r o p o s iç õ e s
que no pa r e c e r d ei x ei no Co ns el ho feito e a s s i n a d o com meu
nome em pod er do s e c r e t á r i o Sásamo, do C o ns el ho das índias,
muito errô ne as , e s c a n d a l o s a s , m a ls o a n t e s e tudo o que em
preju ízo dos di to s índios disse e af ir me i naq uele m e m o ri a l ou
fora dele contra a s al v aç ão da q u e la s almas e cor po s re vogo, e
porque é v e r d a d e assin o com meu n o m e . ” ®"*

0 frei dom inican o Juan Ferrer, um dos prim eiros estu d io s o s


da a r q u e olog ia mexicana, escreveu um tratado sobre a c iv iliz a ç ã o
dos índios pelo qual de sejava sanar todas as dúvidas sobre á

83 HANKE, op. cit.. p. 102-103.

BETANZOS, D om ingo de. R etratação. In: SUESS, op. cit., p. 538-539.


140

racion ali da de indígena. Outro do m in icano, chamado Domingo de


Santo Tomás, tentou d e m on s tra r a com p le xid a d e e a beleza da
cultura in dígena através da sua língua, na obra G ram ática ou arte
da língua geral dos índios dos reinos do Peru.®^

Quando promulgo u a bula In te r Cetera, em 1493, o Papa


A le xan dre VI já reco nh ecia a c ap acidade in díge na para a c e it a r a fé
e os en sin a m e n to s da Igreja Católica. Ap esa r disso, muitos
esp anhóis con tin u ava m a afirmar que os índios eram in capazes de
serem c r is tia n iz a d o s porque eram ir ra cio n a is e estavam abaixo da
escala humana para rebece r a fé.®®

D is cutiu -se na prim eira ju nta a p ostó lic a do México em 1524 a


questão da admissã o dos índios ao sacra m en to da eu caris tia. A
primeira decisão foi e xcluí-lo s por c o n s id e rá -lo s rudes e neófitos.®^
No ano de 1532 os principais fu n c io n ários , pre lado s e freis da Nova
Espanha de clararam que os índios poss uíam sufic ien te cap a c id a d e
para rece ber a fé.®®

Las Casas de fendia que, ap esa r de haver algumas d ife re n ç a s


in te le ctu ais entre os diversos povos e culturas, todos os homen s
eram cap azes de receber a fé e a religião cristã:

“ De nenhum modo é po s s ív el que toda uma raça ou


nação, ou que os hom ens de alguma região, p r ov ín c ia ou reino
sejam to ta lm e n t e e s t ú pi do s , im b e c is e idio ta s, que não t e n h a m
nen hum a c a p a c id a d e para r e c e b e r a d ou tri n a e v a n g é l ic a ;
embora é v er da d e que em t odo s os lug ar es os hom ens se

HANKE, op. dt.. p. 103-104.

id., Ibid. p 105.

Após mais de um século da decretação da bula Subliinis Deus, alguns religiosos se recusaram
terminaiitemente a ministrar a eucaristia aos índios, alegando a sua incapacidade. (Id., Ibid., p. 125)

** Id., Ibid., p. 106-107.


141

d i f e r e n c ia m uns dos out ro s pela m a io r ou m en or s u t il e z a e


* ** 89
en ge nho de sua in te l ig e n c ia e r a z a o . ”

O do m in ic an o Bernardin o de Minaya de ixou seus afazeres na


Am érica e foi até a Espanha de fender a cap ac ida de dos índios para
recebe r a fé. Não e n c on trand o resso nâ ncia, foi até Roma expor a
sua opin iã o ao Papa Paulo III, o mesmo que elaborou a bula
S u blim is Deus, em 1537, de cla ran do os índios livres e cap azes para
a fé cristã, proib in do a sua e s cra v iz a ç ã o e re ite ran do a sua
c onversão pacif ic am ente , através da pa lavra de Deus e do bom
exemplo. Com relação à admissã o ou não dos índios ao s a ce rd ó cio
também cr io u-s e uma con tro vérs ia. Domingo de Betanzos afirm ava
que os índios não eram s u fic ie n te m e n te in te li g e n te s para tal
p r o e z a . 90

Matías de Paz reconheceu entre os pagã os a existê ncia de


"certa s relações legais, por exemplo, o direito de pro pried ad e e os
d ireito s pa ternos na f a m ília " e que por um ju s to motivo, como o
progress o da fé, "a Igreja pode r e tir a r aos pagãos essa
c a p a c id a d e " . 91

Em sua obra Livro das cinco e x c e lê n c ia s do e sp a n h o l que


despovoam a Espanha para sua m a io r p o tê n c ia e am pliação, o frei
Benito de Penalosa y Mon dragó n opina sobre a hum anid ade e a
c ap acidade dos índios, co n s id e ra n d o -o s bá rbaros e incapazes:

“Tan s u m a m e n t e b á rb a ro s e in c a p a ce s, qua les nunca se


podrá im a g i n a r c au e r tal t o rp eç a en fi gu ra hum ana: ta nt o, que
los E s p a n o l e s que prim er o los d e s c u b r ie r o n , no podían
pe rs ua di rs e que t en ía n alma ra cio na l, sino qua ndo mucho, un
grado más que micos, o monas, y no fo rm a u a n al gu no s

89 PEGALDAY, op. cit., p: 47.

90 HANKE, op. cit., p. 107, 112.

91 HÕFFNER, op. cit., p. 203.


142

esc rú pu lo de ce ba r sus perr os con la carne dellos, t r a t á n d o l o s


como puros an im a le s . (...) E st and o tan e m b u e lt o s con tan
in c re y b le s vic io s , y t o rp e z a s , que casi de todo punto te ní an
muerta la luz de la razón na tu ra l; en v ie nd o c u a l q u i e r a Esp anol,
huyan como f i e r a s . ” 92

Ainda em fins do século XVIII a polêmica indiana en contra


ress onâ ncia, p a r tic ularm en te no Rio da Prata. Em E le m e n to s de
d ire ito n a tu ra l e de gentes, o padre je su íta Domingo Muriel diz que
os indígenas "formam uma classe de bípedes irracion ais, que só
con servam a razão o necessário para en ga na r os inocentes", que
com eles, bárbaros semibrutos, de ve-se ter uma con du ta distinta, na
qual os pregadores deverão atra í-lo s às p ro x im id a d e s cristãs ou de
ne ófitos e ali deverão ser alim entados, vestid os e con fia d o s aos
c iv iliz a d o s e f orçá -los a ad q u ir ir certo grau de civilização, através
da im p osição da fé pa c ific a m en te ou não, pela ex tin ção de seus
ritos e c o s t u m e s . 93

Mesmo pre dom in ando no prim eiro século da c onquis ta e


e n c o n tra n d o ress onância nos séculos v indouros o pensa m en to de
que os indígenas eram bárbaros, in capazes e inferiores, ju s tific a n d o
assim a in te rferên c ia e a c on s eq üe nte subm issão aos europeus,
exis tira m homens que de pronto de nu nciara m as in ju sti ças sofrid as
pelos índios e lutaram pela sua causa.

2.3. OS PRIMEIROS DEF ENSO RE S DOS ÍNDIOS

Como se pôde observar, desde os prim órdio s da ocupação da


Am érica pelos europeus, a maioria dos pe nsadores e c o lo n iz a d o re s

92 ZAVALA, op. cit. p. 280-281.

93 Id.. Ibid., p. 282-283.


143

espanhóis tinham péssimo conceito com relação à na tureza e a


con dição humana do índio, q u a lif ic a n d o - o de bruto, semibesta,
indolente, sujo, canibal, idólatra etc. Tudo leva a crer que essa era
uma forma de ju s tific a r e le gitim ar a ex p lo ra ç ã o à qual sub metiam
as popu la ç õe s am eríndias. Porém, nesse mesmo período já existiam
alguns e sp íritos conscie ntes que foram os pre c u rs o re s na denúncia
das inju stiças sociais e na defesa dos d ire ito s humanos indígenas.

A prim eira ordem m issio nária que chego u à Ilha Espanhola foi
a dos padres f ra n c is c a n o s em 1502, que se aco mod aram com a
situa ção de explo ração colonial das “ e n c o m i e n d a s ” , vivend o em
ha rmonia com os colonos e fu n c io n á r io s reais. Mais tarde, em 1510,
com a chegada de quinze m is s ion ário s d o m in ic an os a sit ua ção
alte rou-se. Como testem unhas ocula res das atrocid ades com etid as
pelos esp an hó is contra os índios, aq uele s padres se sen s ib iliz ara m
e come çaram a de n u n cia r e q u es tio na r tais in ju s ti ç a s . 94

A prim eira voz de protesto que ecoou na Espanha con tra a


exp lo ra çã o indígena na América foi a de um padre do m in ic an o
fala ndo em nome dele e de seus demais colegas. Depois de um ano
de prá tica m ission ária na ilha, os padres chega ram à conclu são de
que "o maior obstáculo para con versão e c atequese dos índios não
era sua idolatria, mas a injustiça pra tic ad a con tra eles". Em 1511,
c onvidaram para p a rtic ip a r da missa do quarto Domingo do Ad ve nto
o G ove rna dor Diego Colombo, os ofic iais do rei, os ju r is t a s e
le tr a d o s .95 Durante a missa o padre A n tô n io de Montesinos proferiu
um sermão denu ncian do as ativida de s dos "e nc o m e n d e iro s" e dos
c o lo n iz a d o re s em geral, declarando que eles viviam em pecado
mortal, "por causa da desumana op ressão exercid a sobre os índios"

94 HÕFFNER, op. cit., p.. 181.

95 SUESS, op. cit., p. 410.


144

e que os "e n c o m en deiros não teriam p e rsp e ctiv a maior da f e lic id a d e


eterna do que os mouros e os turcos".®®

Co nform e depoim ento de Bartolom eu de Las Casas que


pa rtic ip ou como ouvinte do referido culto, parte do conteúdo do
discurs o de Montesinos era o seguinte:

“T odos estais em pe ca do mortal e nele v iv e is e m or r ei s


por causa da cr u e l d a d e e t ir a n ia que usais com es ta s gen tes
inoc ente s. Dizei, com que d i r e i to e com que j u s ti ç a t e n d e s em
tão cruel e ho rr íve l s er v id ã o est es índio s? Com que a u t o r id a d e
t en d e s feito tão d e t e s t á v e i s g u e r r a s a estas ge n te s que e s ta v am
em suas t e rr a s ma nsa s e p a cí fic a s, onde tão in fi n it a s delas,
com mortes e es tra go s nunca o u v id os , t e n d e s c o n s u m i d o ? Como
os te n d e s tão o p r im i d o s e f a ti g a d o s , sem lhes dar de c om er nem
cu rá -lo s em suas e n f e r m i d a d e s em que in c o rr e m pelos
e x c e s s iv o s t r a b a lh o s que lhes d a is e morrem, d i z en do melhor,
os matais, para t i r a r e a d q u i r i r ouro cada dia ? E que c ui da do
te nd es de que al guém os do u tr in e , co nh eç am seu Deus e
cr iador, sejam ba ti z a do s, ouçam missa, gu a rd e m as fe s ta s e
do m in g o s? Eles não são h o m en s? Não têm almas r a c io n a is ?
Não sois ob r ig a d o s a a m á - lo s como a vós m es mo s? Não
e n te nd ei s isto? Não p e r c e b e is isto? Como e s t a is d o r m in d o sono
tão prof und o e tão l e tá r g i c o ? Te n de cer tez a que no est ado em
que est ais não vos pod eis s a l v a r mais do que os mou ro s ou
t ur co s que não têm e não qu e re m a fé de J e s u s C r i s t o . ”®^

A reação às palavras do frei dom in ic an o foi imediata. Na


própria missa já se percebeu o m al-e s ta r geral. Formou -se uma
c omissão que foi protestar ao g o v e r n a d o r exig in do uma explicação.
0 vig ári o frei Pedro de Córdoba ga rantiu a re trata ção de M ontesin os
no pró ximo domingo. E, na seguinte missa dominical, o frei ratificou
tudo o que havia dito, inclusive com mais ênfase, afirm a nd o que ele
e os demais irmãos da sua con gre ga ção se negavam a m in is tra r a
c on fis são aos explo radores de índios.®®

96HÔFFNER. op. cit.,p . 181,

LAS CASAS, Bartomé de. Sermão profético do dominicano Antônio de Montesinos em defesa dos índios.
In; SUESS, op. cit., p. 407-408.

^*Id. I b id .p . 410.
145

A rep ercu ssão da "irre v e rê n c ia " de M ontesin os chegou até a


Espanha. 0 rei Fernando ordenou, em 1512, a Diego Colombo, que
envia sse o dom in icano e seus irmãos à Espanha para serem
c astig ad os pelo seu superior, caso p e rsis tis se m com tais idéias
"s u b v e rs iv a s " na Ilha Espanhola. E, no mesmo ano, o sup erior dos
do m in ic an os na Espanha, frei Alo nso de Loaysa, rep reendeu
Montesin os e am eaçou-o de que se não parasse de pregar tal
doutrina escand alosa, não mandaria mais nenhum padre àquela
ilha®®

Os freis dom in icanos não se inti m id ara m e seguiram lu tand o e


divulga nd o as suas idéias. A questão era muito delicad a para ser
reso lv ida por corre s p o n d ê n c ia ao rei e d e c id iu -s e envia r e m is s á rio s
r e p res e ntan tes de cada facção para exporem ao rei os seus
argum entos. 0 rep res e ntan te dos co lo nos foi o frei f r a n c is c a n o
Alf onso de Espinal, e o r e p rese ntan te da causa indígena foi o
próprio Montesinos. 0 rei Fernando su rp r e e n d e u - s e com a fala de
Mon tesinos, que lhe apresentou uma série de injustiças que eram
com e tid a s contra os indígena s na América. Im edia tam ente o rei
convoco u uma ju nta de teólogos e ju r is t a s para que dis cutissem e
redigissem docum ento con clusivo sobre o assunto.

A ju nta reuniu-se na cidade de Burgos no ano de 1512, sendo


presid ida pelo bispo D. Juan Rodriguez da Fonseca e composta por
He rnand o de Ia Vega, li cen ciad o Gregório, S antiago Zapata, Juan
López de Palacios Rubios, Pedro de C o varru bia s, Matías Paz e
Tho mas Durán. Os três últimos eram dom in ic anos.

99 HANKE, op. cit., p. 34-35.

id . Ibid. p. 36.

HERRERO, op. cit., p. 203-204.


146

Entre os seus membros havia diverg ên cia de opinião; os


r e g alis tas defendiam os direito s da coroa, r e p rese ntad a por
Gregório; os de fensores dos índios, r ep rese ntad os por Matías de
Paz; e os in te rm ediá rios, en c abeçada por Palacios Rúbios, do
Conselh o R e a l . ’'°^

O licenciado Gregório era pa rtid á rio da teoria a ris to té lic a da


se rvidão por natureza dos índios. Matias de Paz afirm ava que os
índios eram infiéis mas viviam em paz e nunca haviam ag redid o os
c ristãos como os turco s e mouros, e por isso mereciam ser tr atad os
com respeito, sendo e va ng eliz a dos pacific am ente , e que a guerra só
pode ria ser usada como último recurso da e v a ng eliz a ç ão e não para
fins de enriq uecim ento. Palacius Rúbios le gitim ava as bulas pa pais
de do nação ao rei da Espanha, ju s tific a n d o o domínio espan ho l e a
guerra con tra os índios, negand o qu alqu er ju r is d iç ã o dos ca ciq ues
in dígenas sobre suas populações.

Após muita dis cussão e a ce leb raçã o de mais de vinte


sessões, chegaram à seguinte conclusão;

“ 1. Os índios são sú d i to s livre s do rei esp a nh ol e não


escr avo s. 2. Devem re c eb e r in s tr u ç ã o r el ig io sa "como o Papa o
ordena em sua bula". 3. Podem ser e m p r e g a d o s em t r a b a lh o s
úteis, sem prej uí zo para a c a t eq ue s e. 4. O t r a b a lh o seja
s u p o rt á v e l e i n te r r o m p id o por t em p o de d e s c a n s o , ta n t o d ur an te
0 dia, como no c or re r do ano. 5. Os índios de ve m po s s u ir casa
e bens pró pr ios . 6. Com v is t a s a uma c o n v e rs ã o rápida e
sincera, os nat ivos de ve m c o n v i v e r em e s tr e ita c o m un h ão com
os col ono s (s istema de c o m e n d a s !) . 7. Pelo tra b a lh o fe ito, os
índios devem re ceb er o c o r re s p o n d e n t e salário.

'02 id., Ibid, p. 204.

'03 Id., Ibid, p. 204-209.

>04h ÔFFNER, op. cit..p. 183.


147

Esse pa recer represe ntou o c o m p rom iss o do rei de c o n fir m a r


o sistema de "encom ie nda", e, ao mesmo tempo, de "d efen de r as
condições de vida e de trab alh o dos í n d io s ” . Am pa rad o pelo citad o
parecer, o rei F erna nd o mandou e lab ora r a sua lei c o rre s p o n d e n te
que fora prom ulgada em fe v e r e ir o de 1512.''°^

Basicamente, tal lei orden ava que os " e n c o m e n d e ro s "


fornecessem a lim e ntaçã o e moradia aos índios; cons truís s em
igrejas; ob s erv assem os en sin am e ntos da doutrina; que a cada
cinqüenta índios um ap rendesse a ler e a escrever; o b rig a v a -s e a
pro mover o en terro de índios mortos; as cria nças de veriam ser
batizadas até o oitavo dia de vida; os filh os dos caciques deviam
apre nder a g r a m átic a latina; proibia o uso da vio lê nc ia e a u til iz a ç ão
dos índios para t r a n s p o rta r cargas; exigia que os índios que
trabalh assem cinco meses nas minas tirassem quare nta dias de
descanso; proibia a poligamia, bebe de ira s e rituais indíge na s;
proibia o tr ab alh o de índias grávidas; exigia o reg is tro de
nascim entos e mortes da população; proib ia castigos fís ic o s e
en carc e ra m e n to privado; exigia a r ea li zaç ão de visitas de inspe ção
a n u a is . ’'°®

No ano da publicação da Lei de Burgos, o rei recebeu notíc ias


de s fav o ráveis com relação aos índios, tom ando medidas mais
enérgicas. Na in strução de 27 de de zem bro de 1512 de clarou que os
índios "por natureza, eram propensos à in dolê ncia e ao vício", e
ainda dizia o que segue;

“ Não sendo d e v i d a m e n t e d i s c ip l in a d o s , v o l ta r ia m se m pr e
a cair em seus ant ig os v í c io s e c o s t u m e s pagãos. Só se
a c o s t u m a r ia m a um tr a b a lh o or de ir o e se d i s p o r ia m a uma
c o nv e rs ã o rápida, se fic a s s e m na d e p e n d ê n c ia dos c o l o n o s

10-" Id., Ibid., p. 184.

'06 Lei Burgos em anexo, p. 392.


148

es pa nh ói s , sendo por eles i n s tr u í d o s na fé e i n t r o d u z id o s no


trab alh o.

Mesmo assim, os missio nários do m in ic an os não desistiram e


tornaram a im plorar ao rei medidas de proteção aos índios. Em
1513, Fernando convocou outra ju nta em V a ila d o lid que concedeu
alguns benefícios aos t ra b a lh a d o re s indígenas:

“ Que as índia s c a s a d a s não fo ss em c o m p e l id a s a


t r a b a l h a r com os m ari dos nas minas ou a l hu r es ; sua o b r ig a ç ã o é
f ic a r en t r e g u e s aos t r a b a lh o s c a s e i ro s de se us lares. E que
meninos e m en in as abaixo de 14 anos não se ja m o b r ig a d o s aos
t ra b a lh o s c o m p u l s ó r io s : e, f in a l m e n t e , que o t r a b a lh o nas
c om end as não pode d u r a r mais de 9 meses, para que os índ ios
ten ham te mp o de c u l t i v a r seus p r óp ri o s c a m p o s . ” ^®

Las Casas havia rece bido uma "e n c o m ie n da " por ter
gu err eado contra os índios Taino na Ilha Espanhola. Na condiç ão de
padre e "enc om endero ", escutou os dois sermões de M ontesinos e,
a partir daí, começou a se questiona r, mas não estava ainda
t o talm en te con vencid o. Durante dois anos, pa rt ic ip ou da c on qu is ta
de Cuba, rece be nd o terras e rep artim e ntos de índios como
recompe nsa. Somente em 1514 se redime e toma a decisão de
r e n un c ia r a todas as suas posses e dedic ar sua vida à defesa dos
índios.

Las Casas perceb eu cedo que era inútil de fe n d e r os índios na


Am érica e parte para a Espanha em 1515 para de n u n c ia r ao rei
Ferna nd o toda a exp lo raçã o indígena e diverg ên cia de opin iã o entre
os re lig io so s defensores dos índios e os colonos e fu n c io n á r io s
fa vo rá v e is à sua escravidão.

HÕFFNER, op, cit., p. 184.


A Lei de Burgos encontra-se anexa a esta tese.

Id„ Ibid., p. 184.

109 PEGALDAY, op. cit., p. 44.

>'Old., Ibid., p. 44.


149

Diante de tan tas denúncias, o Cardeal Cisne ros decid iu


envia r uma junta de padres je ròn im os para rea li zar um t ra b a lh o de
in vestig açã o minuciosa do problema indiano que servisse de
em b as a m en to para um plano de governo nas índias. Cisne ros
en tre g o u -lh e s docum entos sobre as div ersas opin iões em iti da s
sobre o assunto e passou -lh es algu mas in struções. Os padres
redigiram um qu e s tio n á rio sobre a cap a c id a d e dos índios que foi
d is tr ibu íd o a alguns colonos, relig io so s e fun c io n á rio s. "As
respostas foram pouco fav o ráv e is para os índios: se disse que
careciam de razão, que não cumpriam os costum es cristãos, que
não sabiam viver como livres, etc."^^^

Las Casas continuou lutando até a sua morte em 1566.


Durante todo esse período esteve sempre entre a Espanha e a
Am érica, divulga nd o e defende ndo suas idéias, ora ao Conselho das
índias, ora ao rei, ora em disputas com rivais teóricos. Escreveu
várias obras, entre elas.- 0 único modo de a tr a ir a todos os p o vo s a
verd ad eira relig ião , H istó ria das índias, B re vís sim a re la ç ã o da
d e s tru iç ã o das índias. Tratados, Trinta p ro p o s iç õ e s m uito ju r íd ic a s e
carta s ao C onselho das índias. Influen ciou na elaboração de leis de
proteção aos índios como as Leis Novas, por exemplo. E
"tr a n s fo r m o u - s e quase em c on s ulto r o b rig a tó rio de muitos
go vern an te s e missionários.

Em 1550 en frentou em Vallado lid , no períod o de agosto a


setembro, o do utor Juan Ginés de Sepúlveda, que havia escrito
D e m ocra te s Secundus ou Tratado sobre as Justas causas da guerra

1 ^Na época os jerònimos formaram alguns' pueblos "de índios nimi momento em que se alastrou uma epidemia
de varíola, sobrevivendo poucos indígenas, quase acabando com a populaçao da Ilha. (ZAVALA. op. cit., p. 46-
47)

" 2 PEGALDAY, op. cit., p, 45.


150

contra os índios. Como réplica, Las Casas escreveu A pologia. A


polêmica se travou em três pontos básicos:

Primeiro, Las Casas sé opõe à guerra e a qualifica como


infração ao direito natural, Sepúlveda é favo ráv e l a ela. Ba rto lomeu
afirma que a guerra pode ser injusta ou justa, mas, mesmo justa, ela
é sempre -má, podend o ser aceita para fins de fen s iv os e não
ofensivos, deven do ser declarada com certa a n tec e dê nc ia para que
o inim igo tenha tempo de se preparar. Sepúlveda também é a favor
do Requerimento, mas ja m ais para os índios, "p or sua in c ap ac ida de
racional quase própria de animais, somente não é necessá ria , além
de que é supérflua".

Segundo, Sepú lved a expõe quatro a rg um e ntos para ju s ti fi c a r


a guerra: 1- Baseia-se na teo ria de Aris tó te le s , afirm and o a
condição natural de in fe rio rid a de de algu ns povos que devem
su b m ete r-se aos povos sup eriores pa c ific a m en te ou pela força. Las
Casas acusa Sepú lved a de fa ls ific a r a teo ria a ris to té li ca ao
reco nh ece r uma única classe de bárbaros e nela e n q u ad rar os
índios. Bartolomeu diz que os índios "são dó ceis e capazes para as
artes, estand o em muitos aspectos mais a d ia ntad os do que os
cris tão s." 2- Sepúlved a faz referência á ju stiç a de uma guerra
de clarad a para castig ar os pecados dos bárbaros, sendo legítim a
para e r r a d ic a r a antro pofagia, a idolatria e os sacrifício s humanos.
Las Casas argum enta que os reis espan hó is não têm ju r is d iç ã o
sobre os índios americanos, portanto, não podem cas tig ar os índios
por algum crim e cometido. 3- Para Sepúlveda, a guerra se ju s tific a
"com o fim de salvar de graves perigos a muitos inocentes que estes
bá rbaros sacrifi cam a seus ídolos". Las Casas rebate, dizendo que
são atos isolados e pouco freqüe ntes, e para os índios os seus
ídolos são deuses e crêe m-no s como v erdadeira divin dade e é
151

melho r que continu em seg uind o sua religião de origem do que


sofram os métodos viole ntos do cristia nismo. 4- Sepú lved a afirma
que a guerra contra os infiéis pela razão abre e f a c ilit a a
pro pa ga ção da relig iã o cristã e as tare fa s dos m issio nário s. Las
Casas discorda, di zendo que ninguém deve ser força do a re c e b e r a
fé, p r in c ip a lm e n te aqueles que não con he ciam a pa lavra de Deus.

Terceiro, Sepúlveda cita várias au torid ad es para fu n d a m e n ta r


sua tese, e Las Casas co n tra -a rg u m e n ta a todas: Alberto Pio;
Príncipe de Carpi em sua polêmica con tra Erasmo; Tom ás Vío
Cayetano; John Maior; Francisco de Vitória; F erna nd ez de Oviedo e
a Bula de A le x an dre VI.

A c o n tro v é rs ia que se travou em V a lla d o lid teve alguns


r e s u ltad os práticos: a abolição do R equerim ento] a s u b stit uiç ã o do
termo "c o n q u is ta " por "p ac ific a ç ão " nas O rdenanças de F e lip e II de
1573; a extin ç ão da guerra como in strum ento de pe netra ção política
e r e lig io s a dos espanhóis na América; o re co n h e cim e n to da
libe rdad e pessoal dos índios, e tudo isto re co nh ecido
p o s te r io r m e n te na R ecom piíação das Leis de ín d ia s . N o entanto,
os índios co ntinuaram a ser con sid era do s incapaze s e d e pe nd en te s
da tutela do Estado e da Igreja.

' 13 HERRERO, op. cit., p. 229-233.

i ‘^Id.,Ibid.. p. 235.
152

2.4. A INCAPA CID ADE T UTELADA

Após as diversas opiniões e muitas discussões de


con q u is ta d o re s , teólo gos e ju ristas, ch egou-se à con clusão de que
os h a bita nte s do con tin e nte am ericano não eram nem animais, nem
algo in te rm ed iá rio entre feras e homens. Finalmente, os índios
passaram a ser con sid era do s seres humanos, porém in fe rio res e
d e pe nd en te s dos europeus.

Uma questão que intrigava muito o governo espanhol era se


os índios tinham realm ente capacidade para viver por conta própia
como vas salo s livres do rei, isto é, se tinham capacidade de
ass im ila r a cultu ra ocide ntal e viver como v e r d ad eiros espanhó is,
sob suas in s titu iç õ es políticas e religiosas, apre se ntan do "a m or pelo
ouro e por riq ue zas" materiais. Disto tudo iria de pender a execução
dos prim eiros e xp erim en to s soc io ló gicos na A m é r i c a . 115

A m a n ifes ta ç ão oficial desse problema apareceu in ic ia lm e n te


no item 16 das Leis de Burgos, pelo qual "se ordena que os índios
que tenham su fic iente discrição e c ap acidade para c o n tra ir
m atrim ô nio e go vern ar suas casas se unam de acordo com as leis
da Igreja". O item 4 da D ecla ração das O rdenanças sobre ín d io s de
1513 também aduz que alguns índios eram capazes de viver por si
s ó s . 116

A de c la raçã o favorável à liberdade dos índios feita pelos freis


Matías de Paz e Palacius Rubios in fluenciou a referida lei de 1513,
que concedeu a liberdad e aos índios que tivessem contato com os

115 HANKE, op. cit., p. 133.

116 Lei de Burgos em anexo, p. 396.


153

brancos e que apren de ssem o s u fic ien te para "serem capazes de


to rn a r e m - s e cristãos e o ba stante de s en volvid os p o li tic a m e n te para
governarem-se eles mesmos como fazem os espanhóis". Na
r e a li dad e nenhum indío foi c on s id era do totalm ente capaz para
receber tal benefício.

Esta questão da cap a cid a d e ou não de ds índios se


au tog ov e rn are m , conforme o est ilo de vida espanhol, sempre foi
posta em dúvida, tanto pelos colonos que não tinham nenhum
in te resse na libe ração da m ão -de -ob ra in dígena que lhes servia,
quanto dos missionários; con form e sua visão paternalista, temiam
as co n s e q ü ê n c ia s de um total "d e sa m pa ro " espiritu al e material das
p o p u la ç õe s indígenas.

P reocupado em sanar tais dúvidas, o Cardeal Cisne ros


decidiu fo r m a r uma junta de padres je rô n im o s que levassem a fundo
uma in v e s tig a çã o do "problem a indiano que servisse de base sólida
para toda a po lítica das índias". Muniu-os de cópias de inúm eras
op in iõ es em itid as sobre o assunto e de minuciosas in s t r u ç õ e s . ” ®

O último artigo das in struções de Cisneros solic it a va aos


je r ô n im o s que averigua ss em a p o s sib ilid a d e de "e ncontrarem alguns
índios capazes de viver por si mesmos, e que os colo casse m em
lib erd ade". Também se re co m en da va que tivessem respeito com os
in díge na s, que os caciqu es fossem co n sulta do s e que o te s te m u n h o
de um indígena valesse o mesmo que o de um e s p a n h o l. ” ®

"^HANKE, op. cit,.,p. 134.

Ibid. p. 135.

' Posteriormente, o Vice-Rei Francisco de Toledo decretou que seria necessário o depoimento testemunhai de
seis indígenas para fazer frente ao depoimento de apenas um colono espanhol. (Id., Ibid., p. 135-136)
154

Em abril de 1517 os padres je rò n im o s colheram in fo rm açõ es


públicas e sigilo sas de doze morado res mais antigos da Ilha
Espan hola e de alguns religiosos. O qu e stio n á rio era com posto de
sete perguntas, no entanto,' a te rce ir a questão era a que ia
direta m e n te ao problema da cap ac ida de indígena, como se pode
observar;

“ Si saben, creen, vie ro n e oyeron d ec ir que los t a le s


indios, en es pe cia l los desta isla Espafiola, ansí hem br as com o
var ones, son de tal sa be r e c ap a c id a d t o do s o al gun os de ll o s ,
que sean para p o n el lo s en lib er ta d entera, e que cada uno
del los podrá v i v i r p o l it ic a m e n t e , sab ie nd o a d q u ir ir por sus
manos de que [se] m an te nga , agora sac an do oro por su batea, o
f ac ie n do c o nu to s (?) e v e n d ie n d o el pan del lo s, o c o x i é n d o s e
por jo r n a l e s o de otra c u a l q u i e r manera, según acá los
c a s t e ll a n o s v iv e n; e que sepan g u a r d a r Io que asi a d q u i r i r por
sus manos de que [se] m an te ng a n, agora sacan do m ane ra que
Io haría un hombre la b r a d o r de r az ona ble saber, de los que en
CastilIa vive n.

As resp ostas dos en tre v is ta d o s refere ntes à cap ac ida de dos


índios de viver conforme os co stum es espanhóis podem ser
resum id as no seguinte:

Juan de Mosquera afirm ava que os índios estavam tão


s ubm ersos nos seus vícios que sequer queriam contato com os
espanhó is; quan do resgatados, fugiam em grande quantidade.

Jerônim o de Agüe ro se queixava de que os índios se negavam


a retir a r o ouro e a c ulti var o solo. Também dizia que não tinham
nenhuma idéia do valor dos bens materiais, pois en tre gavam os
seus por qu alquer coisa sem importância . Declarava-os mais rudes
e hum ildes que os lavra dores espanhóis.

Id, Ibid, p. 137.

121 Id, Ibid, p. 137.

i2 2 id ,Ib id , p. 137.
155

C o rro borando a pro diga lid ad e indiana, o licenciado Cristóba l


Serrano exp un ha que os índios não possuíam nenhuma forma de
cobiça nem desejo de riquezas, não ap resentavam nenhum es tím ulo
pelo trab alho, nem mesmo para a obtenção de bens materiais; caso
não foss em co n s ta n te m e n te vigiado s e con duzid os pelos espanhó is,
pe rm an ece riam carentes de bens in dis pe ns á v eis para viv er com
d i g n i d a d e 123

Juan de Ampiés argum entava que "era difícil in culcar- lh es


hábitos de ho nradez e so brie dade" pa cificam ente , por isso, os
e spanhóis castig avam os índios com aç oites e corte nas orelhas, se
necessário f o s s e . 124

Estribado na sua e x p eriên cia de quatorze anos de casam ento


com uma índia, Pedro Romero con cordou com a opinião dos demais;
porém, aduzia que se algum índio solic it a sse a libe rdade e
a p r es e ntas se "razões legítim as" essa de veria ser c o n c e d id a . 125

Miguel de Pasamonte, antigo te s o ure ir o real na Ilha


Espanhola, foi c ontrário à liberdade indíge na porque a con s id era va
pe rig osa devido à grande amizade dos índios com os negros
daquela il h a . 126

Gonzalo de Ocampo admitia que os indígena s tinham algum


tipo de cap acidade , pois antes de os espanhóis chegarem à Am érica

123 Id.. ibid., p. 137.

124 Id.. Ibid.. p. 138.

125 Id., Ibid., p. 138.

126 Id., Ibid., p. 138.


156

já cultiv avam a terra, construíam ed ific a çõe s e fabricavam roupas


sob a liderança dos caciques, que tinham habilidades s u fic ie n te s
para manter unida e pro teg er a sua população; entretan to, nos
demais as pectos da vida ' em sociedade, eles não eram
s u fic ie n te m e n te capazes de viver como os espanhóis.

Anto nio de Vil ia seca afirmou que nem os homens nem as


m ulheres in díge na s sabiam go vernar- se, seque r como os esp an hó is
mais toscos. Afirm ava ainda que se ficassem em liberdade voltaria m
a p ra tic ar seus an tigos costumes como a ociosidade, a nudez, a
em briagu ez, a gula, as festas, a feitiçaria . E tudo isto cau s aria a
ruína econôm ica da colônia.

Lucas Vázquez de Ayllón argum entava que era muito melho r


os índios co ntinuarem a ser homens servos do que voltarem a ser
bestas em liberdade.

Diego de Alvarado e Juan Mosquera haviam observa do a


e x p e riê n c ia do gov ern ad or Nicolás de Ovando, que tinha posto em
prática por conta pró pria um exp erim en to para com p rova r a
cap ac ida de dos in díge na s de viver con forme os espanhóis. Se gundo
eles, em 1508, o referido governad or, libertou dois caciques mais
c ap ac ita do s que encon trou, e entreg ou-lhe s outros índios para
t r a b a lh a r nas suas po ssessõ es. Os dois e m b r ia ga v am -se
h a bitu alm ente , comiam num dia todo o alimento da semana e não
-ap re se ntava m nenhum in te resse em extrair ouro, culti var a terra
nem ord en ar aos demais índios que o fizessem. Revelaram -se maus

'27 Id, Ibid, p. 138,

'28 ld„ Ibid, p. 139.

*29 id , Ibid, p. 139.


157

a d m in is tra d o re s e incapazes de se a lim e n ta r e se vestir com o


produto do seu trab alho, aca ba nd o na miséria e na desonra.

Marcos da A g u il a r admitiu que um contato mais pro lo ngado


entre os in dígenas e os espan hó is pode ria p o s s ib ilita r uma vida
mais in de pe nd en te aos índios.

Os dois re lig io so s que foram en tre vis ta d o s tiveram opiniões


um pouco d iversa s das dos colonos. O padre fr an c is c an o Pedro
Mexia referiu que existiam poucos índios capazes de se auto-
suste ntar e ob ter colheita. Também previu o declínio de m og ráfic o da
popu lação indígena, afirm ando que se o regime de "e nc o m ie n da "
sub sis tis se por vinte anos noventa por cento da população morreria,
caso ela fosse extinta, o número de índios quin tu plic a riam neste
•»

mesmo pe ríodo de tempo.

0 do m in ic an o Bernardo de Santo Domingo afirmou que os


índios eram capazes de viver em liberdade, id ealizando um povoado
no qual os índios ficariam livres e seriam "re gid os por seus próprios
fu n cio n ários ", porém deveriam ser assisti dos por espanhóis
"afetuosos".

Como se pode ob serva r nas refe rê nc ias acima, nenhum dos


en tre v is ta d o s con s id ero u os índios sufic ie n te m e n te capazes de viver
em liberd ade dentro dos costumes e das trad iç õe s espanholas.

:'30id.,Tbid, p. 139.

Id, Ibid. p. 137,

>32 id , Ibid, p. 138-139.

Id, Ibid, p. 139.


158

Entretanto, essa discussão não se encerrou com o


in te rro g a tó rio dos je rònim os; e s te nd eu -se durante o século XVI,
in fluin do in clu siv e na legislação indígena e na postura do Estado
Espanhol e da Igreja na América com relação ao t ra ta m e n to
dis pe ns a do aos índios.

Existiam os que consid eravam os indígena s seres


desprezíveis , bá rbaros e selvagens, pregavam a sujeição servil para
0 seu pró prio bem como forma de proteção aos "instin tos be s tia is e
se lváticos", frente a outros índios, evita nd o-s e con fro n to s bélicos
entre eles e " p r o ib in d o -s e suas práticas contra na tura m " como a
antrop ofag ia , por exemplo.

Juan Guinés de Sepú lved a foi o expoe nte máximo


rep re se n ta n te do paternalism o radical, que pro fessava a sub m is sã o
dos in díge na s através da servidão por con sid erá -los in capazes de
se regerem a si pró prios pelo seu estado de incultura e barbárie.

O Vic e-Rei e Ca pitão-Geral, Dom Francisco de Toledo,


também tinha forte convicçã o da in fe rio rid a de dos indígenas por
serem in capazes de receber o Evangelho sem a pe rm anente ajuda
material e esp ir itu al dos espanhóis. Deixou bem claro como
pensava ser a condição humana dos índios quando afirm ou que
"para a p re n d e r a ser cristãos, eles têm necessidade prim eira de
saber ser homens e que se introduza entre eles o governo e o modo
de viver po lítico racional".Inclusive fazia questão de fr iz a r a

PRATS, Jaime Brufau. La Escuela de Salamanca ante el descobrimento dei Nuevo Mundo. Salamanca:
SanEsteban, 1989. p. 142.

135 LUNO, op. cit., p. 80.

•36 Esta idéia de que era necessário primeiro transformar os índios em homens para depois tomá-los cristãos
apareceu em muitos te.xtos da época. Bartolomeu de Hemández sustentava que os índios "primeiramente devem
ser homens que vivam essa política; ao contrário, têm vivido como selvagens em terras asperissimas". José de
Acosta afirmava que "primeiro é necessário cuidar que os bárbaros aprendam a ser homens, e, depois, a ser
cristãos; (...) é tão capital que dele depende todo o negócio da salvação ou da perda certa das almas". Esta idéia
159

ingenu idade, a depe nd ên cia re lig io sa e p r incipalm en te a


depe nd ên cia econôm ic a dos índios, como se lê;

“ Pr ov a- s e que esses nat ur ai s são gente que tenn


n e c e s s id a d e de cu r a d o r para os ne g ó c io s gr av es que se lhes
ap r e s e n ta m , ta nto de suas almas como de suas fa z e n d a s ,
porque se não houv ess e quem os gu ia s s e e go v e rn a s s e neles,
p e r d e r - s e - ia m , e se não ho u ves se e s p a n h ó i s nesta te rra para
e n s i n a r - l h e s a fé em Jesus Cr isto, eles não a en te n d e r ia m e
seriam e n g a n a d o s em tudo, ta n t o em suas al mas como em suas
fa ze nd a s, porque não sabem o que lhes c on vé m s eq u er para a
a d m in is t r a ç ã o de suas fa z e n d a s e boa ordem e governo de suas
posses, send o por isso muitas v ez es eng an ad os .

0 mesmo autor ainda afirmava que os índios nem seque r


sabiam que eram seres humanos; portanto, era ne ce ssário que lhes
ditassem normas eu ropéias de conduta social e "qualq uer outra
forma de viv e r em so cied ad e" era "inferio r e in um a da ".^^

Francisco Suárez também era favo ráv e l à escravidão natural


indígena desde que fos s e com o obje ti vo de prom over "uma
educação humana e de regê-los com ju stiça".

Outros, como os mestres da Un iv e rs id a de de Salamanca,


tam pouco aceitavam a in fe rio ridade racial dos índios, encarando-os
como homens e sujeitos de todos os direito s que a condição humana
lhes conferia . No entanto, achavam que os espan hó is tinham o
dever de oc upar o te rrit ó rio americano para ajud ar os índios a
sup erar os "e stá gios s ociop olític o s ru d im e n ta re s " e f a c ilit a r para

perdurou até o século XVIIL encontrando ênfase no iluminismo. O cientista francês Lapérouse, quando visitou
em 1781 estabelecimentos franciscanos na Califórnia, reiterou a importância de converter inicialmente aqueles
povos em cidadãos. (GUTIERREZ, op. cit., p. 95-96)

Id., Ibid., p. 94-95.

Id. Ibid., p. 96.

>39h ÔFFNER. op. cit., p. 282.


160

que se torn as s e m rapid am ente a u to - s u fic ie n te s para "form ar suas


pró prias co m u n id a d e s políticas ple n am e nte soberanas".

Francis co de Vitória criou uma "espécie mais requin tada de


ideo logia colonia l", o chamado "p ro te to r a d o de caráter c iv iliz a d o r e
d e s in te re s s a d o ", o qual reconhecia "a li be rdade pessoal dos
nativos, a sua propriedade e seu sistema político, pode r-se-ia
p re te n d e r e x e r c e r sobre eles uma espécie de proteção colonial".
A ssu m ind o uma tarefa plen amente c iv iliz a d o r a e isenta de qu alqu er
in te resse material, os espanhóis iriam ap enas educar os "b árb aros "
e ja mais o p r im i- lo s nem e x p lo r á - lo s . ’"^^

R e p o rta n d o -se a A ris tóte le s qu anto à qu estão da servidão


natural, V itó ria reco nh ece a exi stê ncia "de seres humanos bárba ros
sem e lh a n te s a animais ou a homens imb ecis e in capazes de
a u to g o v e rn a r-s e "; porém, in ic ia lm ente acha que os índios não são
doen tes mentais, mas “ seres racionais, á sua maneira" pois
possuem cidad es, governo, leis, comércio, m atrimônio e uma
espécie de religião. A barbárie em que se encon travam era fruto da
sua ed uc ação. Afirmava que aqueles seres humanos deveriam fic a r
"na c o n dição de súditos, sob a au torid ad e de homens sábios, do
mesmo modo que a cria nça fica sob a tutela dos pais, ou a esposa,
sob a do marido".

Mais tarde. Vitó ria se c on trad iz con c lu in do que os indígenas


estavam muito próximos dos loucos, crianças e até mesmo dos
animais. Chegando a afirmar que, às vezes, tinham menos
in te li g ê n c ia do que as cria nças e demen tes de outros povos, não

140 p r a tS , op. cit.,p. 175.

HÔFFNER, op. cit., p. 279.

id , Ibid, p. 279-280.
161

estand o aptos a uma in strução ad eq uada e nem a go vernar um


Estado por si próprios. Segundo o que de ixou registrad o em 1539,
em suas R e le itu ra s sobre os títu lo s le g ítim o s p e lo s quais os índ ios
podiam s e r s u je ito s ao p o d e r dos espanhóis, sob uma proposta
" h u m a n it á ria e de s in te res sa da ", caberia ao rei org an iz a r e tutetar a
a d m in is tra ç ã o daqueles povos:

“ Esses bá rb ar os, como se dis se, embora não sejam


t o t a lm e n t e sem ju ízo , dis tam , con tu do , muito pouco dos
de m en te s , pelo que parece que não são aptos para f o r m a r ou
a d m in is t r a r uma rep úb lic a le gí ti m a den tro dos t er m os hu m an os
e civis. Pois não têm uma l e g is l a ç ã o c o n v e n ie n te , nem
m a g is t r a d o s , e nem s eq u er são s u f i c i e n t e m e n t e ca pa z es de
g o v e r n a r a f a m í li a . Por isso c ar ec em ta m b ém de c iê nc ia s e
artes, não só li be ra is , mas t a m b é m me cân ica , de cuid ada
ag r ic u lt u r a , de t r a b a l h a d o r e s e de ou tr as muitas cois as
pr o v e i to s a s e até n e c e s s á r ia s para os usos da vida humana.
Então se pod eria d i z e r que para u t il id a d e dele s os reis
da Esp an ha podem se e n c a r r e g a r da a d m in is t r a ç ã o d a q u e l e s
bá rb ar os, no m e a r p r ef ei to s e g o v e r n a d o r e s para suas cid a d e s e
até lhes dar t a m b é m novos p r ín c ip e s se c on s t a s s e que isto era
c o n v e n ie n te para eles.
Digo que isto pode ser le g ít im o porque se t o do s f os s em
d e m en te s , não há dúvi da que isto seria lícito e
c o n v e n i e n t í s s i m o e até es ta ri am o b r ig a d o s a isso os pr ín cip es ,
do mesmo modo que se se t r a t a s s e s im p l e s m e n t e de cri an ç a s .
Mas parece que há a mesma razão para esses b á rb a ro s que
para os de m e n te s , porque nada ou pouco mais valem para se
g o v e r n a r do que os s im pl es id iot as. Nem s e q u e r so b r e ss a e m
mais do que as pr ópr ia s fe ra s e bestas, pois não usam
a l im e n t o s mais e l a b o r a d o s nem quas e m e lh o re s do que elas.
Logo, da mesma ma neira podem ser en t r e g u e s ao gov e rn o dos
mais i n t e l i g e n t e s . ” ^'*^

Segu indo os e n sin am e ntos do mestre Vitória, Domingos de


Soto evid e nciou a im portância do caráter do desin te resse que
de veria ter o pro tetora do "para que não se tran sforme em
exp olia ção camuflada". Se gundo ele, a na tureza criou os homens
de s ig ua is "uns são ta le n to so s e dispõem de esp írito de lideranças",
outros po ssuido res de forte massa m uscular devem ser "d estin ad os
a serviços sub alte rnos", são os chamados "e scravos natos". Mas os

143 VITÓRIA, Francisco de. “Releituras"’ sobre os títulos legítimos pelos quais os índios podiam ser sujeitados
ao poder dos espanhóis. In;SUESS, op. cit., p. 509-510.
162

líderes in te le c tu a is e morais tèm a ob rig a çã o de "orientar" os menos


dotados in te le ctu alm en te , "vendo neles homens livres e em gozo
dos seus direitos, para o seu próprio bem e utilidade, ou seja,
e n s in á-lo s e o r ie n tá - lo s para os bons costumes".

Outro person ag em da mesma época, rep resentante de uma


facção da Igreja preocupada com os d ire ito s indígenas, consid erado
um dos mais in s tra n sig e n te s d e fen sores da liberdad e indígena como
c ondição in dis pe nsá v el para a r e a li z aç ão da missão evangeliza dora,
a única que ju s tific a v a a presença da Espanha na Am érica foi o frei
Bartolom eu de Las Casas. Ele era to ta lm e n te con trário à doutrin a
a risto téli ca, não con s id erando os indígenas bárbaros e irra c io n ais e
a c r e dita nd o na c ap acidade civ iliz a tó ria de todos os povos incultos.

Meses antes da sua morte, em ju lh o de 1566, Las Casas


remeteu ao Papa Pio V a sua última petição em defesa dos índios,
s o lic it a nd o que a capacidade dos índios no campo político e
r e lig io so fosse reconhecida, e que se obrig assem todos os bispos a
de fe n d e r a causa indígena:

“ Su plic o h u m il d e m e n t e a V.B. que faça um d ec r et o em


que dec la re ex c o m u n g a d o e a n a te m a t iz a d o q u a lq u e r um que
d i s s e r que é ju sta a g u e rra que se faz aos in fi éi s s om ent e por
causa de idola tri a, ou para que o Eva nge lho seja m e lh o r
prega do, e s p e c ia l m e n te àq u el e s g e n ti o s que em nenhum tempo
nos f iz e r a m nem fazem in júria . Ou a quem d i s s e r que os g e n ti o s
não são v e r d a d e ir o s s e n h o r e s do que possuem, ou a quem
a f i r m a r que os ge n ti os são in c a p a z e s do Ev a n g e lh o e da
s a l v a ç ã o eterna, por mais rudes e de tarda i n te l ig ê n c ia que
sejam, o que os índios c e r t a m e n t e não são, cuja causa, com
perigo para mim e en or m es tr a b a lh o s , até a morte def en d i, pela
honra de Deus e de sua Igreja;
(...) supl ico h u m il d e m e n t e a V.B. que, ao r e n o v a r estes
s ag r a d o s cânones, mande aos bispos das índ ias por santa
ob e d iê n c ia que t e nh am todo cuid ado da q u e le s nat ur ai s , os
qua is, o p r im id os com sum os t r a b a lh o s e t i r a n i a s (mais do que
se pode crer), levam sobre seus f rac os ombros, contra todo

144 h ÔFFNER, op. cit., p. 281.


163

di rei to d iv in o e nat ural, um p e s a d ís s i m o jug o e carga


i n c o m p o r t á v e l . ” ^'*®

Las Casas reje itava a tutela do Estado sobre os índios,


manifesta através da "encom ie nda", que na rea lidade en cobria a
v e rd a d e ira explo ração indígena. Mas, ao mesmo tempo, defendia um
outro tipo de tutela sobre os índios, a chamada tutela religiosa, que,
se gundo ele, "evit aria esses abusos e p e rm itir ia uma ev angeliz ação
'pa cífic a ' que ajudaria a s uperar os 'defe it os de organ ização ' dos
povos indígenas".^"®

Por in fluência de seus pe nsadores, a posição da Igreja fren te


ao problem a do índio foi sempre p a tern ali s ta e protecionista,
assu m in do uma postura de defesa e tutela da missão
e v a n g e liz a d o ra e civilizadora. Segundo Dussel, aceitava o índio
"como um homem, no sentido m eta físico e antrop oló gico pleno"; no
entanto, socialm ente con s id e ra v a -o in fe rio r aos europeus, in capazes
"de de fe n d e r-s e por seus próprio s meios, de poder alcançar por si
só os níveis mais altos da cultura, de e lab ora r por si mesmo a
e x p lo ra ç ã o econôm ic a da região".

0 trab alh o m is sion ário foi uma das prim eiras formas de tutela
indígena na América, que seg un do Souza Lima sublimou a "vio lê ncia
n e c e s s a ria m e n te de sem p en ha da pela org an iz a ção ad m in is trativ a

LAS CASAS, Bartomé de. Petição a Pio V. In; SUESS, op. cit, p. 280-281.

PEGALDAY,:op. cit., p. 52.


A tutela religiosa exigia que para efetiva e eficaz proteção dos índios era necessária uma "rigorosa separação dos
colonos espanhóis (cuja codícia convertia em prejudicial o contato com eles) e uma experiência própria nos
territórios autônomos das missões sob a soberania da Coroa". (SERRA, Antonio Truyol. Renovación escolástica
y humanismo. Vitoria. História de Ia Filosofia dei Derecho e dei Estado. Madrid; Castilla, vol. 12, 1975. p.
68.) As Missões Jesuíticas do Paraguai nos séculos XVII e XVIII são um bom e.xemplo deste paternalismo
missioneiro ou desta tutela religiosa.

RANGEL, Jesús Antonio de la Torre. Derechos de los pueblos indios: desde la Nueva Espana hasta la
modemidad. Revista de Investigaciones juídicas. n. 15, 1991. p. 123.
164

con qu is ta d o ra face aos povos nativos", tr a n s fo rm an do "a vio lê ncia


aberta (...) em v io lê ncia simbólica".^"®

A carta de Pedro Xuárez de Escoba r a Felipe II, escrita em


1579, por estar preocu pado com a pro vável redução das casas da
sua ordem na Nova Espanha, de m on stra claramente a po stura da
Igreja, c o n s id era nd o os indígena s frágeis, indefesos e imatu ros e,
por sua vez, os padres assu m in do a figura de seus pais, d e fen sores
e protetores, s up li c an do para que não ficasse m desamparados.^'®

Ap e sa r da d e m on s tra ção da "boa" intenção que ex is tia por


trás da tutela ou do protetorado , esta in s titu iç ã o cerceou a libe rdad e
indígena e nem sempre os seus "nob res" ob je tivos foram
alcan çados, e na maioria das vezes o pa tern ali sm o não rep re s e n to u
a von tade das popu la çõe se nativas. Além do que, a tutela in díge na
na Am érica foi de s c a ra c te riz a d a da o rig in á ria tutela da an tig ü id a d e
romana que era um in stru m en to de proteção individual su b s titu tiv o

LIMA, Antônio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz. Poder tutelar, indianidade e formaçao do Estado
do Brasil. Petrópolis; VOZES, 1995. p. 117.

“A terceira e de mais importância é o dano que deste golpe resulta para os miseros índios naturais. A maior
perseguição que depois que são cristãos lhes aconteceu foi tirar a autoridade dos religiosos seus ministros, que
como crianças de oito anos, pois não têm mais idade, não cresceram mais nem crescerão no entendimento (...) A
segunda perseguição e que os priva totalmente das vidas dos corpos e das almas é esta que agora vem tirá-los dos
peitos e calor de seus pais e mães, aios e muito piedosas amas, os quais com sua doutrina os alimentam e com
seus exemplo os sustentam. Estes índios são todos como passarinhos nos ninhos, cujas asas não cresceram nem
crescerão para saber voar sozinlios, mas sempre têm necessidade que seus pais cuidadosos os socorram com ceva
e alimento para os ninlios, para que não morram de fome e pereçam, e que jamais, enquanto viverem, careçam de
seu alimento e presença, favor e sustento, para que não se percam voando sem forças, e sem asas desfaleçam.
Saiba V.M. que somente os religiosos são seus pais e mães, seus letrados e procuradores, seus amparos e
defensores, seus escudos e protetores que por eles recebem os golpes de qualquer adversidade; seus médicos e
curadores tanto das chagas corporais e enfermidades como também dos pecados e culpas que cometem como
fracos e miseráveis; a eles acodem em suas dificuldades e perseguições, fomes e necessidades, e com eles
descansam chorando e se quei.xando como as crianças com suas mães.(...) dirija seus olhos de clemência sobre
estes míseros índios, para fazer-lhes tanto bem que não sejam desamparados nem privados dos religiosos seus
ministros, porque no dia em que lhes faltarem eles, sem dúvida se acabarão, porque não há ninguém para
ampará-los e todos para persegui-los.” (SCOBAR. Pedro Xuárez de. Carta a Filipe II. In:SUESS, Paulo, op. cit.,
p. 948-949)
165

do p á trio -p o d e r “ in cabível para uma c o le tiv id a d e e, muito menos,


para várias c o letiv ida de s cultu ral e etn ic am e nte d i f e r e n c iá v e is ” .^“

Tal instituto deveria ga ra n tir de term in ad os priv ilé gios aos


índios e não ser en cara do como sanção ou d i s c r i m i n a ç ã o , p o r é m
o que se ob servou na Am éric a Espanhola é que foi u til iz a do
c o n s ta n te m e n te como form a de coação e limitação dos direito s
indígenas. M anteve-s e c a rre ga do de precon ceito , re a firm an do uma
in fa n tilid a d e eterna e um d e s e n v o lv im e n to mental in com p le to ou
de fic ie nte dos índios.

A tutela laica ou re lig io sa f un da m ento u-s e no discurso da y-


necessida de de hu m an iz a r o índio para in te grá-lo à civilização,
de negando a sua a u to n o m ia política, inserin do-o na socie dade
c on qu is tad ora através de ação vio le nta e de poder “ sob a gestão
inte ncio nal de org a n iz a ç õ e s a d m in is tra tiv a s criadas ou c o n v ertid as
a esse fim", in icia ndo um processo de anulação cultural pela
tran s m iss ão de ou tros valores, torn an do-o cada vez mais
de pendente da nova ordem constituída .

Para prom over a tutela indígena foi necessária a cria ção de


uma le gislação com patível com as idéias que se formaram em torno
da questão.

SOUZA FILHO, Carlos Frederico Marés. Tutela aos índios: Proteção ou opressão? Os direitos indígenas e
a Constituição. Porto Alegre: Fabris, 1993. p. 302, 307.

’-* CUNHA, Manuela Carneiro da. Os direitos do índio. Ensaios e documentos. São Paulo: Brasiliense. 1987.
p. 29-30.

LIMA, op. cit., p. 45, 53.


166

2.5. A LE GISLA ÇAO PRO TE CION IS TA

Fun da m e nta do na idéia da in c ap acida de indígena, o Estado


Espanhol prom oveu a criação de um direito indígena extre m a m e n te
pro tec io nis ta , na ten ta tiva de e n fra q u e c e r a vio lê ncia e a ganância
dos c on qu is tad ore s , ba s eando-se no prin cípio de ju s tiç a que tratava
“ desigua l aos d e s ig u a is ” . 153

Além do bom trata m e n to dos índios, o Direito Espanhol na


Am érica atend eu a outros intereresses, como os p o lí tic os e
ec o nô m ic o s da Coroa e os ob je ti v os de lucro e rique za dos
c on qu is tad ore s . A teoria, a prá tica e a apli cação do Direito Indiano
refletem “ esse co m ple xo tecido histó ric o e” buscam o “ e q u ilíb r io
entre esses três fatores que marcam o domínio h is p â n ic o ” . 154

A no rm a tiz a çã o indiana no século XVI c a ra c te riz o u -s e por


uma f r e q ü e n t e m odific ação de normas de acordo com os in te resses
da Coroa na m an utenção da he gem onia po lítica no contin ente,
m a n ife s ta n d o - s e mais como "co nju nto de normas individ uais"
c o n trap os tas do que como "e stru tu ra s is tem á tic a de leis". 155

Esta c a ra c te rís tic a de m od if ic a r a legislação con form e


in te resses in divid u ais e de grupos sociais refletiu na le gis lação
in dígena que, apesar de ter sido pro tecio nista, ora atendia aos
in te resses dos c on quis tadore s, ora aos interesses da Coroa, ora aos
in te resses da Igreja. Os legis ladore s, às vezes, cediam às pressõe s
de al guns membros do clero pre ocu pa do s com a causa indígena , às

153 RANGEL. Derechos de los puebios indios: desde a Ia Nueva Spana hasta la Modernidad. p. 119.

154 Id.. Ibid., p. 118.

155 Id.. Iibid., p. 118-119.


167

vezes cediam às pressõe s dos colonos e con qu is tad ore s


in teressados nas riq ue zas das terras in dígenas e na explo ração da
sua mão-de obra.

Neste con texto, é necessário fris ar a forte in fluê ncia da Igreja


sobre a le gis lação p ro te c io n is ta indígena na Am érica Espanhola:

“ Una de Ias f u e nt es m a te r i a le s más i m p o r t a n t e s de Ia


f o rm a c i ó n dei Dere ch o espa nol a p l ic a d o en índias, Ia c o n s t it u y e
Ia po s ic ió n que guardó Ia Ig lesia en los p r im er os anos de Ia
c o n q u is t a , f u n d a m e n t a l m e n t e con sus c o n c i li o s y s í no do s
h i s p a n o a m e r i c a n o s , con los c o n c e p to s de sus t e ó lo g o s ju r i s t a s
como F r a n c i s c o de Vi to ri a y con Ias d e n u n c i a s de sus p r of et a s
como A n t o n io de Mo nt es in os , B a rt o lo m é de Ias Casas, A n to n io
de V a l d i v i e s o e Juan dei Valle. Y en form a muy es pe c ia l
c o n s t it u y e f ue nt e dei Dere ch o In di a no Ia ac ti tu d de Ia Iglesia,
en to do Io que r esp ect a a Ia r ela ci ón dei c o n q u i s t a d o r con los
indígenas.” ®

A in fl uê nc ia do direito canôn ico na le gis lação de índias


também se deveu ess e n c ia lm e n te à pa rtic ip a ç a o de teó lo g o s e
m oralistas ju n t a m e n t e com ju ris tas e homens de governo na sua
el aboração.

Para fins de evangeliz ação, entre os anos de 1551 a 1629,


reali zaram -s e div ersos c o n cil io s his pa no -am e ri can os . De suas
de cisões resultaram dis po s iç õ es ju ríd ic a s refere ntes à o r g an iz a ção
das relações entre os con qu is tad ore s e os con qu istados.

As c on c lu sõe s do prim eiro c o n c ilio do México, re a li zado em


1555, define bem a posição da Igreja de isolar e pro teg er as
po pula ções indígenas:

id , Ibid.,p. 121.

’ CAPDEQUI, José Ma. Otis. Historia dei derecho espanol en América y dei derecho indiano. Madrid:
Aguilar SA, 1968. p. 88.
168

“ Es n e c e s a r io que los in dio s estén c o n g r e g a d o s en el


pueblo re u n id o s y c o n f in a d o s , que no viv an d e r r a m a d o s y
d i s p e r s o s por Ias t ie r r a s y mo nt es y no sean p ri v ad os de todo
b e n ef íc io t e m p o ra l y e s p i r i tu a l; e s t a tu ím os y or d e n a m o s que los
d ic hos in d io s sean p e r s u a d id o s que se c o n g re g u e n en lug ar es
c o n v e n ie n te s y en p ue bl o s a co m o d a d o s y puedan ser s o c o r r id o s
en sus n e c e s s id a d e s y e n f e r m i d a d e s , en su buen gob ie rn o
e s p ir it u a l y t e m p o r a l . ” ^

As m an if estações dos Papas, através de suas bulas, breves


p a s to ra le s e outros docum entos, foram muito im portante s para
in duzir o Estado Espan iio l a pro du zir uma le gis lação indígena
pro tecio nis ta .

O breve p a s to ra le O fficium , do Papa Paulo III, redig ido em


1537 rec o nh ecia os índios como seres hu man os e a sua c ap acidade
para eva ng eliz a ç ão, assim como proibia a sua escravização:

“ Nós, po rt an to , leva ndo em conta que esses m esm os


índios, embora não v iv a m no seio da Igreja, não são nem deve m
ser pr iva d os de sua li b e r d a d e ou da p r o p r ie d a d e de seus bens;
e como são seres hum an os, e por ta nt o, ca p a z e s de fé e
sa lv aç ão , não de v e m ser d e s t r u íd o s pela e s c r a v iz a ç ã o mas sim
c o n v i d a d o s à v id a (cri stã ) pela pr eg a ç ã o e pelo s exe mp los .

Também elaborada no ano de 1537 pelo Papa Paulo III, a


Bula S u b lim is Deus, con sid era da a primeira encíclica social dirig ida
aos povos americano s, condenava os e s c ra v iz a do res de índios,
de cla rava os indígena s livres e capazes, de term in ava que a
conversão fosse feita através da palavra de Deus e do bom
exemplo.

RANGEL, Derechos de los pueblos indios: desde Ia Nueva Espana hasta Ia Modernidad, p. 22.

'59 Papa Paulo III. Breve Pastorale Officium. In: SUESS, op. cit., p. 269.
O hreve pastorale está anexo.

>60 Papa Paulo III. Bula Sublimis Deus: \n\ SUESS, Ibid., p. 273-274.
A referida bula também encontra-se anexa a esta tese.
169

A visão que se tinha do índio de ser uma criança ima tura e


indefesa fez com que o governo espanhol se colo casse no papel de
seu tutor e protetor. Alguns órgãos do Estado, como o Conselho das
índias, os V ic e - R e in a d o s e as Audiê ncia s, além de suas atr ib uiç õe s
normais também tinham como função a proteção e a ga rantia do
bom t ra ta m e n to dos índios.

Ainda foram criados outros órg ão s g o v e rn am e ntais com o


obje tivo e s p e c ífic o de pôr em prá tica a proteçã o dos índios; as
Casas de C o m unid ade que criavam e mantinham hospitais,
amparavam os órfãos e viúvas, ajudavam no pagam en to de tributos,
na criação de colég io s para os filh os dos caciq ues e prin cip ais das
missões; os advogados de ofício que repre sentavam os in díge na s
nas au diên cia s ; o protetor dos índios, que os visitava
perio dic a m en te, fis c a liz a n d o a e v a n g e liz a ç ã o e o tr ab alh o
indígena.

A le g isla çã o também previa as in s titu iç õ e s privadas como os


e n c o m e n d e iro s e os pro pri etário s de minas que tivessem índios a
seu serviço e obrig açõ es legais a cumprir, ga rantin do a
eva ng eliz a ção, a educação e o amparo de en ferm os e órfãos.

Em term os gerais, os índios t o rn a ra m -s e vassalos livres da


Coroa, mas foram “ eq uiparados ju r id ic a m e n t e aos rústicos ou
menores do velho Direito castelhano , ou seja, aquelas pessoas
n e c ess ita da s de tutela e proteção le g a l” como os pobres e
miseráveis, e isto valeu para todas as esferas do Direito Indiano.

'61 HERRERO. op. cit., p. 165-166.

Id, Ibid, p. 165.

Segundo o Direito de Castela então vigente na América, só gozavam de plena capacidade jurídica os maiores
de vinte e cinco anos. Passavam da tütela para a curatela os órfãos maiores de quatorze anos e as órfãs maiores
de doze anos. A curatela também abrangia os incapazes por enfermidade e os pródigos. A tutela afetava a guarda
170

Felipe II de cla rou na Cédula de Lisboa de 1582 que os índios


eram pessoas m iseráveis de fácil opressão e, por isso, deveriam ser
amp arada s, us ando-s e todos òs meios ne c ess á rio s para ev itar que
fossem hu m il hadas e molestadas. Igual posição foi assumida pelos
seus suce s s ore s e in c orp ora da ao Direito das í n d ia s . 164

Na condiç ão de menores de idade e tendo pouco


entendim ento, em qu a lq u e r transação com ercia l os índios deveriam
ser a s s is tid o s por um pro tetor geral, ou por um pro tetor particular,
de sig nado pela Audiência, ou na falta deste, pela ju stiç a comum, e,
sem tais req uisitos, o ato era c o n sid era do nulo. Caso algum índio se
sen tis se lesado por c o m p ra d o r ou nego ciante, pode ria reclam ar
pe ran te o juiz, ter o negó cio de sfeito e a coisa restituíd a em seu
estado o r i g i n a l . 165

Também não se podia ex igir-lhe s ju r a m e n to porque se


en tendia que pela falta de d is cern im en to não tinham noção do
perjúrio, nem que servissem de testem u nh a porque mentiam
fa c ilm e n te por in teresse pró prio ou a l h e i o . 166

Com relação à d e li m it a ç ã o de penas aos índios, a le gis lação


aco ns e lh av a maior po nd era ção por c o n s id era r que eles tinham
pouca malícia quando praticavam crimes, e na sua aplicação,

da pessoa e de seus bens. e a curatela afetava somente a guarda dos bens da pessoa. (CAPDEQUI. op. cit.. p. 48.
5 4 .2 0 6 .) ■

164 "Llámanse en el Derecho personas miserables los que por las misérias que padecen y por la imposibilidad de
remediarse ellos mismos o precaver sus danos, excitan naturalmente la compasión. Tales se juzgan los pobres,
que de todos se ven desatendidos, sin encontrar valimiento ni aun en prosecución de sus más legítimos
interesses. (HERNANDEZ, P. Pablo. Organización de las doctrinas guaraníes de la Companía de Jesús.,
Barcelona: Gustavo Gili, vol. I, 1911. p. 54-55.)

165 Id., Ibid., p. 55.

166 Id., Ibid., p. 56.


171

so lic it a va -s e que fossem r ea li z ada s mais como correção paterna do


que como castigo. Nos proce ssos em que estavam e n v olv id os os
indíge na s rec o m en da va-s e rito sumário. 167

As Leis de Burgos são exem plo de le gis lação pro te c io n ista


que visava à garantia da e v a n g e liz a ç ã o e do bom t ra ta m e n to
indígena, mas ao mesmo tem po procurava b e n e fic ia r os
c o lo n iz a d o re s aprovand o e le g iti m and o o sistema de " e n c o m ie n d a s " ,
ju s ti fi c a d a pela in clin ação dos índios à ociosida de e aos maus
vícios.

Essa le gisla çã o a p re s e n ta v a uma c on tradiç ão entre a


libe rdade e o trab alho fo rç a do indígena, de term in ava o bom
trata m e n to dos índios e se pre o c u p a v a com a educação,
eva ng eliz a ção, moradia, vestim enta, alim entação, trabalh o fem in in o
e com o de scanso in te rcalado nos tra b a lh o s nas minas, mas,
con com ita n te m e n te , au toriz a va o t r a n s p o rte dos índios de suas
ald eia s de origem para tra b a lh a re m nos povoado s esp an hó is e a
queima de suas casas para não retorn arem às suas an tiga s
a l d e ia s . 168

O s u p e rio r dos do m in icanos, Pedro de Córdoba, inte rpreto u


as Leis de Burgos como “a pe rdição dos índios", e sob sua
in te rv en ção foram redigidas quatro "modera ções" que foram
in corp ora da s às Leis de Burgos em ju lh o de 1513. Essas
m od erações tratavam, basicam en te, de medidas pro te c io n ista s
refe re nte s ao trabalho fem in in o e infantil, ao comércio com os índios
e a ob rig a çã o dos indígenas de t r a b a lh a r nove meses nas terras dos

167 Id., Ibid.. p. 56-57.

168 Lei de Burgos em anexo.


172

esp an hó is e o direito de t r a b a lh a r três meses nas suas própria s


t e r r a s . ”'®®

Por inte rmédio de dis po siç õ es legais, o Direito Indiano


protegia e, paralela m en te, submetia os índios à prestação de
s erviç os e ao pagam ento de tributos, c erc e an do a sua libe rdad e
através de in sti tu iç õ es reg ulad ora s de seu trabalho.

Os trib u tos deveriam ser pagos em produtos ou em dinheiro.


De sti na vam -se em bene fíc io do rei, nos povos de índios
in corp ora do s à Coroa, e em be nefíc io dos pa rtic u la re s
"e nco m en deiros", nos povos repartid os em "e ncom iendas". Os
tr ib u tos eram de c aráter pessoal, estand o suje itos a ele os índios
entre dezoito e cinqü en ta anos. Estavam isentas as mulheres índias
de maneira geral, os caciques, seus filh os e os índios alcaides das
reduções.

A prestação de serviço se fazia através da "enco mienda ", do


"r e pa rtim ien to " e da ' mita". A "encom ienda" era uma in sti tu iç ão de
origem caste lh a na que a d qu ir iu c a ra c te rís tic a s própria s na América.
Neste sistema era confia do aos espanhóis e n com e nd eiros um grupo
de fam ília s indígena s que pagavam o seu tr ib u to em forma de
pr estação de serviços pessoais, realizados sem remu ne ração. 0
en co m e n d e iro obrig av a -se ju r id ic a m e n te a pro teg er e prom over a
in stru ção religiosa dos índios que lhe estavam en c om e nd ad os e em
troca adqu iria o dire ito de bene fic ia r-se com a mão -de-obra

169 SUESS. op. cit., p. 672.

Inspirado na concepção clássica ocidental de que o trabalho humanizava e integrava o homem ao corpo da
república, Solorzano Pereira pregava que os índios, apesar de sua ociosidade natural, através do trabalho
obrigatório, sairiam da sua menoridade jurídica, integrando-se à civilização, e, para isso, teriam de, inicialmente,
ser inseridos nas instituições da ■encomienda", da "mita "e do ■repartimiento". (HERRERO, op. cit., p. 188)

CAPDEQUI. op. cit., p. 211.


173

i n d í g e n a . 172 Este sistema foi muito com b atid o por teó lo g o s e


m oralis tas rep e rc u tin d o na esfera legal a polêmica que o
acompa nh ou , pro m u lg a n d o -s e uma série de leis pro tetoras do
trabalh o indígena, ch e ga nd o-se a d e c reta r em 1542, pelas Leis
Novas, sua extinção. Mas, as L e is N ovas causaram p ro te s to s e
rebeliões san gre ntas provo ca ndo a sua revogação p a r c ia l. 173

No regime do 'repartim ie nto'' eram repart id os grupos de


índios para t r a b a lh a r na ag ricultura , na pecuária, nas minas, na
execução de obras públicas" e, em geral, para toda classe de
ativ ida de econô micas", em troca de as s is tê n c ia material e religiosa.
Porém, ocorreu de forma vio le nta e co n trá ria aos preceitos legais,
e x p an dind o-se e pre valecendo em todo o te rrit ó rio espan ho l na
A m é r i c a . 174

A "mita", de origem indígena, foi utilizada pelos espan hó is,


a p r e s e ntan do c a r a c te r ís tic a s diversas con form e o tipo de ativida de :
mineira, agrícola, pastorial, dom éstic a e outras. Os índígen as eram
sortead os ' p e r io d ic a m e n t e para tr a b a lh a r durante um tempo
de term in ad o ao serviço dos esp an hó is med iante o pa gam ento de um
salário adequado, con tro la do pelas a u t o r i d a d e s ' , 175 o que na
rea lidade não ocorreu.

A 'mita'' mineira foi um dos serviç os mais duros e no qual o


le gisla d or esp an ho l mais interferiu na te n ta ti va de pro te g e r o
t r a b a lh a d o r indígena. No entanto, as pressões econôm ic as não
permitiram a sua extin ção por completo:

172 Id.. Ibid.. p. 207.

173 A extinção total de "encomienda "somente foi decretada em 29 de novembro de 1718. (Id, Ibid., p. 208)

174 Id., Ibid., p. 206.

175 Id., Ibid., p. 209.


174

“Al propio tie m p o que se p r oc ur ab a re g u la r con un


sen ti do h u m a n it a ri o el tr a b a lh o dei indio mi tayo, se di c ta r o n
otras d i s p o s i c i o n e s de c a r á t e r t u t e l a r t a m b ié n , p r o h i b ie n d o
d e t e r m i n a d o s s e r v ic i o s p e r s o n a le s de los in dio s y fi ja n d o
normas para Ia r e gu la ci ó n de ot ros que, a p e s a r de su dureza,
no se c o n s id e r o o p o rtu no s u p r im i r. Tal o c ur ri ó con el tr a b a jo en
ta mbos, rec uas de t r a n s p o r te s , con Ias obras para Ia
c o n s t r u c c ió n de f o r t i f i c a c i o n e s m il i ta r e s y con el s e r v ic i o de los
re me ros de Ias naves d e d ic a d a s a Ia na v e g a c ió n f lu vi al .

Mas a le gislação in dígena ao longo do século XVI manteve a


postura de c on s id era r o índio incapaz e a c on s eq üe nte ob rig ação de
tutorá-lo. Um bom exemplo disto foi e R e al Cédula de 1536 dirig id a
aos alc aid es de Cubaia, "p roib in do a compra de terras dos índios
por causa de sua sup osta in capacidade para tais negócios:

“ Fomos i n fo r m a d o s que os h a b it a n t e s dessa ilha e da


M ar g ar it a co m pr am e co m p r a ra m dos índios n a tu r ai s d e ss a s
ilhas r e p a r t i m e n t o s de águas e t e rr a s sem lic enç a de j u iz nem
ju s ti ç a , do que os índios r e c eb e ra m agravo por serem
ig n o r a n t e s e t a n t o por isso como por não tet^em onde s em ea r
mandi oca nem milho, e os índio s vão de ss a s ilhas para ou tr as
partes b us c a r com ida , por cuja causa se d e s p o v o a r a m e porque,
como vedes, p e r m it in d o - s e isso (...) que nenh um a pessoa ouse
co m p r a r dos ín di o s águas nem t err as nem q u a lq u e r outra coisa,
a não ser pe ra n te nossa ju s ti ç a que está ou e s t i v e r na dita ilha
da M a rg a ri ta , sob as penas que vos parecer.

Ap esa r de toda a le gis lação pro tecio nista , as in ju stiças e a


ex p lo raç ã o indígena c o n t i n u a r a m . P o r volta de 1540 o de sastre
de m o g rá fic o das popu la ç õe s nativas era mais do que evidente.
Alguns religioso s de fen sore s dos índios, em pa rtic ular Ba rtolomeu
de Las Casas, denunciaram esse fato, re s p o n s a b iliz a n d o a
"encom ienda" como a sua causa principal. Estes relig io sos

Id., Ibid., p. 209-210.

In: SUESS, op. cit., p. 721.

Também são exemplo da legislação altamente protecionista que tentava íirear a intensa e.xploraçâo da mão-
de-obra indígena que não surtiu o efeito desejado: a Provisão de Granada que Visa o Bom Tratamento dos
índios e Regulamenta as Expedições, de 1526, e as Ordenanças ao Presidente e aos Ouvidores da Audiência de
M éxico sobre o Bom Tratamento dos índios na Nova Espanha, de 1528. Ambas estão ane.xas a esta tese.
175

conde na vam -n a a tal ponto que advertiram o rei de que a sua alma
poderia estar c on denada por perm itir que em seu nome se
cometessem tais abusos.

Diante de tal situação, o rei Carlos V de term in ou que se


con s tit uís s e uma ju nta sob o encargo do do uto r Juan de Figueiroa
para que estudassem o problema da "encom ienda". Dis cutir a m -se os
dire itos da conquista, a escravidão dos índios e, principalm ente , a
pro blem á ti ca da "encomienda".

Como re su ltad o de suas de libera ções, em 20 de novembro de


1542, foram pro m ulga da s em Barcelona as L e is Novas, com postas
in ic ia lm e nte de 35 leis e c om ple m enta das po sterio rm ente , com mais
6 leis, em 4 de ju nh o de 1545.

As leis de 1 a 9 refere m -se à r e o r ga niz açã o do Conselho das


índias para ob ten ção de melhor efic ácia e ho nradez de seus
membros, cuja obrig açã o era con s erva r e au m en tar os índios", o
ensino "nas coisas de nossa santa fé católica", o bom tratam e nto
"como pessoa s livres e vassalos" do rei e zelar pelo c um prim ento
das leis.

As leis de 10 a 19 tratam da re o rg a n iz a ç ã o a d m in is tra tiv a das


índias, cria n d o novas audiên cias no Peru, na G ua temala e na
Nicarágua, o u t o r g a n d o - lh e s atrib uições. Com relação aos índios,
esp ec ifi cam e nte, a lei 19 dispõe o seguinte:

“ Porque uma das coi sa s mais p r in c ip a is que nas


A u d iê n c ia s hão de s e r v ir -n o s é em te r c u id ad o muito es pe c ia l
do bom t r a t a m e n t o dos índio s e c o n s e r v a ç ã o deles, m an da mo s
que se in fo r m e m s empre dos e x c e s so s e maus tra t o s que lhes

'■^9 HERRERO, op. cit., p. 217.

'«0 Id. Ibid.,p. 217.


As Leis Novas estão contidas nos ane.xos deste trabalho.
176

são ou forem fe it os pelos governadores ou pe s s o as


p a r t i c u l a r e s ( . . . ) e que não pe rm it am que nos pl eitos entre índios
ou com eles se façam pr oc es s o s o r d in á r io s nem haja de m or a,
como co st um a a c o n t e c e r por causa da ma lí cia de alguns
a d v o ga do s e p r o c u r a d o re s , mas que s u m a r ia m e n t e sejam
d e t e r m i n a d o s , g u a rd an do seus usos e co s t u m e s , não sendo
cla ra m e n te in ju st os , e que te nh am as di ta s A u d i ê n c i a s cuida do
que assim seja gu a rd a d o pelos out ro s j u i z e s i n f e r i o r e s . ”

As leis de 20 a 25 consid era vam os índios vassa lo s livres do


rei, sendo proib idas qu a is q u e r form as de escravidão, de regime de
servidão, deven do ser evitados os trab alh os que cau savam mal à
saúde, como as pe scarias de pérolas e o serviç o de tra n s p o rte de
carga.

As leis de 26 a 32 regim entava m a "encomienda", e s tip ulan do


que os esp an hó is que possuíssem índios sem título de po ssessão
deveria m c edê-los à Coroa, mesmo que fossem os vice-reis,
g o v ern ad ore s e oficiais, e que eles de ve ria m fis c a l iz a r o
c um p rim e n to dos regula m entos, o bom tra ta m e n to dos índios e a
q u a n tid a de de índios rep artid os por "e nco m en deiros ".

As leis de 33 a 37 trazem d e te rm in a çõ e s sobre os


d e scob rim e ntos, ap are cen do a preocupação com a c ap acidade dos
indígenas de suport ar a prestaçã o de serviços e o paga men to dos
tributos.

A lei 39 dem onstra o interesse da Coroa em pro teg er a


popu lação das ilhas de San Juan, Cuba e Espanhola, isentando-a s
do paga m en to de trib u tos e serviços reais; evita ndo-se, assim,
maior declínio demog ráfico;

“ É nossa v on ta de e m an d a m o s que os índ ios que


at u a lm e n te v iv e m nas ilhas de São Juan, Cuba e H is pa n io la ,
agora e pelo temp o que fo r nossa vo nt ad e , não sejam
m o le s t a d o s com t r ib ut os nem outros s e r v iç o s reais nem
pe s s o ai s nem mistos, mais do que são os e s p a n h ó i s que nas
ditas ilhas re si de m , e os deixem fo lg a r para que m elh or possam
se m u l t i p l i c a r e serem in s tr u í d o s nas cois as de nossa santa fé
177

ca t ól ic a, para o que sejam dada s pe s so a s r e li g io s a s ap ta s para


este f i m . ” ^®^

Além da "p roteç ã o da vida dos índios" as Leis Novas visavam


"frea r o ímpeto dem olid o r e in d iv id u a lis ta dos c on quis tadores",
proib in do novas co nquistas e novas "e nco m iendas" e ainda
retiravam "as en c om iendas de e c le s iá s tic o s e funcionários".^®^

A reação dos encom e nd eiros às Leis Novas foi imediata.


Ocorreram revolta s em Granada, na G uatem ala, no Peru e na Nova
Espanha, os dois últimos resultando em rebeliões armadas.

Para te n ta r uma solução e um acordo com relação à apli c aç ã o


das Leis Novas, o v is ita do r Tello de Sa ndoval convocou a Junta
E cle s iá s tic a de 1544. 0 parecer final de todos, in clusive dos
fran cis c an os, foi favorá vel á man ute nçã o da "e ncomienda ";

“Todos ar gu m en ta n que Ia en c o m ie n d a en Mé xic o


s ig n if ic a Ia e s t a b i li z a c ió n dei col ono , ia d i s c ip l in a dei índio en
el tra b a jo , la manera de es ta r en c on t a c t o con los i n d íg e n a s , Ia
p o s ib il id a d de la e v a n g e l iz a c i ó n , la o rg a n iz a c i ó n de Ias
d o c t r in a s . Si Ias e n c o m i e n d a s d e s a p a r e c e n , los e s p a n o l e s
v o l v e rá n a Espana; y los in dio s a su es ta do de ba rb ar ie e t c . ” ^®^

Assim sendo, mais uma vez houve retroc e s so na te n ta ti va de


im pla ntar uma le gislação que realm ente protegesse o indío, e a
"e ncom ie nda" co ntinuou sendo a in s ti tu iç ã o regula dora das rela çõ es
de tr ab alh o mais importante do períod o colonial".

Leis e Ordenanças novamente feitas por S. M. para o governo das índias e o bom tratamento e a
conservação dos índios. (Leis Novas). In; SUESS, op. cti. p. 729-735.

‘«2 b RUIT, op. cit., p. 29.

RANGEL, El uso alternativo derecho por Bartolomé de Ias Casas, p. 147-148.

b RUIT, op. cit., p. 30.


178

Na R e co m p ila ção das Leis de índias, ela borada em 1680,


m a n tiv e ra m -se os mesmos preceitos de en qu ad rar os índios na
esfera das pessoa s que possuíam a sua cap ac ida de restrin gid a,
ne ce s s ita n d o de tutela legal pára pro teg ê-lo s em suas relações com
os espan hó is:

“ Que los índios puedan ii b r e m e n t e c o m e r c ia r sus fru t o s y


m an t e n im e n to s , se d is po ní a en t é r m in o s g e n e r a le s en Ia ley 12,
tít. 1, lib. 6, c o m p le t á n d o s e esta d e c l a r a c ió n con el c o n t e n id o
en Ias leyes s ig u in te s dei mismo t í t u lo y libro: que entre indios
y es p a n o le s haya c o m er c io libre a c on te nt o de Ias pa rt e s .. . , con
que los indios no sean in du c id os , a t e m o r i z a d o s ni a p r e m ia d o s . ..
y no se puedan r e s c a t a r ni dar a los in dio s armas o f e n s i v a s ni
d e f e n s i v a s ; que se pr ocu re que los indios sean ac o m o d a d o s en
los pr eci os de los b a s t im e n to s y cosas que c o m p r a re n . .. y que
los hallen más ba ra to s que Ia otra gente, en at enc ió n a su
pobreza y tra b a jo ; que los in dio s puedan hace r sus t i a n g u i s y
ve n d e r en ellos sus m e r c a d e r ía s y fru to s ; que no se pueda
v e n d e r vin o a los indios.

A p e sa r de toda essa osc ila ç ão da le gis lação protecio nista ,


ora favorecendo os índios, ora f o v o re c e n d o os con quis tadores,
mesmo nas épocas em que estava em vigor alguma le gisla çã o
pro tecio nista , esta não era ob edecida, pois foi uma prática comum
no sistem a colonial hisp ânico a fó rm u la ju r íd ic a “ obedeça, porém
não se cumpra” assim como a “" freq üe nte violação das leis,
d is po s iç õ es e mandatos ju ríd ic os, sobre tudo no que bene ficiam os
í n d io s ” .^®®

Conform e Toríbio Esquivei Obregón, o esp an ho l se tornou um


"deformador” de seu pró prio direito, porque a ânsia de
e n riq u e c im e n to rápido fê-lo agir fora dos : limites da lei
tr a n s fo r m a n d o - s e num grande op ress o r dos índios. Além disso, a
d is tâ nc ia das au torid ades com petentes de coitpir os seus atos

'85 CAPDEQUI, op. cit, p. 262-263.

RANGEL, El uso alternativo dei derecho por Bartolomé de Ias Casas, p. 30.
179

delitu osos pòs em dúvida a apli c aç ã o das penalidades às infrações


le g a is . 187 O bse rvou -s e que a apli c açã o da lei era muito mais
eficie nte qu an do vigiava do que quan do protegia os índios.^®®

A fa lta de sin cro nia entre a le gis lação e a rea lidade deixou os
indígenas to ta lm e n te indefesos, pois "viviam em climas e s p ir itu a is
muito d is tin to s os homens que redigiam as leis, as a u to r id a d e s
e n c a rre g a d a s de fazê-las cum prir e os c o lon iz a do re s que deviam
acatá-las."''®®

No próxim o cap ítu lo serão tratadas as Missões J esu ític as do


Paraguai que foram uma das form as de tutela relig iosa im p la ntad as
na Am érica do Sul, no período de 1609 a 1768, em que se in tr o du z iu
o direito m is sion eiro totalm ente oposto ao direito c o n s u e tu d in á rio
das p o p u la çõe s nativas daquela região.

Id., Ibid, p. 44-45.

GADELHA, Regina. As missões jesuíticas do Itatim. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. p. 262.

> CAPQUEDI, op. cit., p. 88-89.


180

3 - O DIREITO MIS SIONEIR O

Como foi v erificad o a n te r io r m e n te ,;a idéia da in cap acida de do


índio proveio de uma série de dúvidas que os eu ropeu s tinham em
relação a sua na ture za humana. I n ic ialm ente c on s id era do s animais,
chegou-se à con clu são de que eram homens, mas in feriores e
d e pe nd en te s dos eu ro p eu s por serem incap azes de viver por si
próprios segundo os costumes esp an hó is. A p a rtir daí, surgiu o
discurso da ne c es sida de de "p roteg ê-lo s" e tutorá-los.

Criou -se uma le gisla çã o p ro te c io n is ta que nem sem pre era


cumprida, tampou co atend ia aos in teresses indígenas; aliás, muitas
vezes era usada como mecanism o de coa ção e repressão.

O Estado tutelava o índio ela b ora nd o leis cujo c u m p rim e nto


era f is c a liz a d o por seus órgãos com pete ntes. A tutela do Estado
também podia ser de le ga da à Igreja e à pa rticula res, como os
encom edeiros, que t e o r ic a m e n te deveriam zelar pelo b e m -estar
indígena.

Com o principal obje tiv o da eva ng eliz a ção, a Igreja manteve


uma postura p a tern ali s ta e protecio nis ta , sendo a m is s ion ariz a ç ão
uma das prim eiras form as de tutela in dígena na América.

Como r e p re s e n ta n te s das au torid ad es civis e eclesiástic a s,


assim como de toda a c iv iliz a ç ã o ocidental, os m is sionário s estavam
convic tos de que, levando a palavra de Deus aos in dígenas,
p ro p o r c io n a v a m - lh e s a c iv iliza ç ã o e, c onseqüentem ente, to rn a v a m -
181

nos 'hum anos". ^ A e v a n g e liz a ç ã o estava impregnada do c ará ter


c iv iliz a tó rio , que s ig nifi cav a a "e uro pe iz aç ã o" e o a ju s ta m e n to dos
índios aos moldes da s o cied ad e moderna ocidental.

0 discurso da tutela le gitim ava as ações vio le n ta s e/ou


a u to rit á ria s de im posição e t r a n s fo r m a ç ã o cultural s ofrid as pelas
po pula ções in díge na s que fic ara m sob a a d m in is traçã o e a proteção
dos espan hó is. Embora tenha sido mais sutil e menos v io le n ta do
que as demais, a tutela r e lig io sa não perdeu seu caráter au to rit á rio ,
re a li zand o um trab alh o de tra n s m iss ã o de ou tros va lo re s na
ten ta tiva de anular a cultu ra autóctone.

No prim eiro capítu lo, d e m o n s tro u -s e a e xistê n c ia de um


direito c o n s u e tu d in á r io na socied ad e Guarani pré -colon ia l, através
da con sta ta çã o de um sistema de governo, de regras de guerra, de
um dire ito penal e de um direito civil. Todos eles eram
f un da m enta do s , basicamen te, na r e s p o n s a b ilid a d e coletiva , no
sistema de r e c ip ro c id a d e e de solidarie dade, p r io riz a n d o os
in teresses coletiv os sobre os in dividuais.

Com a cria ção das Missões J es u íti cas do Paraguai, foi


im pla ntado outro sistema ju ríd ic o , t o ta lm e n te diverso do anterior.
T ratav a -s e de um direito formal, esc rito e estatal. O direito
m is s ion èir o estava regido pelas normas do direito espanhol e do
dire ito canônico, pois as missões je s u ític a s estavam sob a
ju r is d iç ã o do Estado Espanhol e da Igreja Católica.

0 direito canôn ico surgiu com o fo r ta le c im e n to da Igreja


Católica, no século III, quan do passa a ser a religião oficia l do

' Segundo as próprias palavras dò Padre Cardiel, que fora missionário nas reduções, os jesuítas ' lograron
domesticar aquellas fieras, reduciéndolos primero á racionalidad en pueblos grandes, y después á vida cristiana
(CARDIEL. Breve relación de Ias Missiones dei Paraguay. In: HERNÁNDEZ, P. Pablo. Organización Social
de Ias Doctrinas Guaraníes de la Compania de Jesus. Barcelona: Gustavo Gili, 1911, vol. II. p. 518)
182

im pério Romano, re ce p c io n a n d o a o r g an iz a ção e os pri ncípios do


dire ito romano. Exerceu c on sid erável im p ortân c ia sobre o Ocidente
medieval por vários fatores; impunha-s e como religião única,
v erdadeira e univers al; possuía um c ará ter de unidad e e
uniformidade , pode nd o ser in te rpre ta da som ente pelo Papa; regia
certos dom ínios do direito privado, re so lv idos em sua maioria pelos
t ribunais e c les iás tic o s , prin c ipalm en te relativ o s ao casam ento e ao
divórcio; na maior parte da Idade Média foi o único direito escrito;
por ser escrito e erudito, foi o primeiro direito a c o n s titu ir tr ab alh os
doutrinais, exe rc e n d o forte influência sobre o direito laico.

A vo ntade de Deus revelada nos livros sagrados,


e s p ec ialm e nte na Sagrada Escritura (Antigo e Novo T estam ento), os
escritos dos ap ó s to lo s e dos do utores da Igreja ( no tad am en te Santo
Am brósio, Santo A g o s tin h o e São G reg ório de Nazianzo) são as
pri ncipais fonte s do direito canônico, seguid os de atos de c aráter
le gisla tiv o em anados de au torid ad es e cle s iá s tic a s (C o ncíli os e
Papas), dos c ostu m es e do direito romano (pa rte da teo ria das
ob rig açõ es e ele m e n to s do pro cesso civil).

A in fluê ncia do direito canôn ico sobre os direito s da Europa


Ocidental ju s t i f i c a - s e em parte pela extensão da com p etê ncia dos
trib u na is e c lesiás tic o s . Na época do apogeu do direito canônico, do
século X ao XIV, a sua com petência se estendeu êm ra tio n e
personae, para j u lg a r todos os eclesiástic o s, os cruzados, os
membros das u n iv e r s id a d e s e as pessoas mise ráveis. Em ratio ne
m ate riae ju lg ava m todas as pessoas; em matéria penal os casos de
infração contra a r e lig iã o (heresia, apostasia, simonia, sacrilégio,
feit iç a ria ), ad u lté rio e usura; em matéria civil ju lg av a m com relação
aos be ne fíc ios e c les iás tic o s , ao casa m ento e questões análogas
(esponsais, divórcio, separação, le gitim id a de dos filhos); aos
183

testam entos, ao n ã o -cu m prim e nto de promessa feita sob ju r a m e n to


solene a Deus.

A pa rtir do século XVI â Igreja se enfraq uece pela Reforma e


começa a de ca d ê n cia dos trib u na is eclesiástic o s. Mesmo nos países
que se mantêm cató licos, “ o Estado laiciza-se; rejeita a in te rven ç ão
da Igreja na org an iz a ção e no f u n c io n a m e n to dos seus órg ão s

políticos e j u d i c i á r i o s ” .2

A época do de sc o b rim e n to da América, era in c ip ie n te o


Estado Espanhol, for m ado pelo casam ento dos reis católicos Isabel
de Ca stela e Ferna nd o de Aragão. Nesse período se de staca o
n a c io na lis m o e c les iástic o e começa a d e cli n a r o poder do direito
canônico.

A p e s a r da união dos dois monarcas, cada um de seus reinos


continuou com sua própria pe rso n a lid a d e política e a d m in is trativ a .
As terras de Castela se mantiveram reg idas pelo direito castelhano ,
e as terras de Aragão, pelos direito s regio nais como o arago nê s, o
cata lão e o valen ciano . O t e r r itó r io das índias O c id e nta is ficou
s u b ord in ad o ao direito caste lh a no e não aos demais direito s
3
espanhóis , por ter sido a rainha Isabel quem patrocin ara as viagens
de Colombo. Porém, em d e c orrê ncia das exigências do novo
am biente social, ge og ráfic o e econômico, foi ne cessá ria a
e lab ora ç ão de normas ju r íd ic a s especiais, o chamado Direito
Indiano.

2 GILISSEN, John. O direito canônico. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian. 1986. P. 133-160.

3 Os povos que contribuíram com a formação do direito espanhol foram: os iberos, os romanos e os germânicos
(vândalos, alanos, suevos e visigodos).
184

Assim, a v ig ência das leis cas te lh a n a s nas índias alcançou


um c ará ter sup le tó rio , mas elas c ontin uaram a ser c on sulta da s
devido à pouca ou nenh uma existê ncia de f o n te s peculiare s do
Direito Indiano. Dentre todas as leis p ro m ulga da s em Castela, as
P a rtid a s alcançaram papel pre po nderante como código r eg ulad or
das in sti tu iç õ es do direito privado na A mérica. Aliás, as P a rtid a s
utilizaram fo n te s do direito canônico para sua co n stit uiç ã o, como os
D e cre ta le s dos P o n tífice s.

O dire ito ca ste lh a n o na Am érica teve menor ex p ressão na


esfera do direito público do que na do direito privado, mas as
in struções de go vern o e ad m in is traçã o tomaram como modelo os
pre cedente s pe nins u la re s, exigindo, no entanto, r e g u lam e ntaçã o
4
pe c ulia r ao seu fu n cio n am e nto.

Com a in tr o du ção desse novo direito, baseado no direito


can ôn ico e no espan ho l, as práticas c o tid ia n a s dos Guarani foram
tra n s fo rm a d a s c om ple ta m ente . Conforme Agne s Heller, a vida
cotid ia na é he terogênea, composta pela " o r g a n iz a ç ã o do trab alh o e
da vida privada, os lazeres e o de sc an so, a ativid ade social
sis tem atiz ada, o in te rc âm b io e a pu rif ic a ção ." A sua s ig n ific a ç ã o
não é apenas heterogênea , mas também hierá rquic a. Depend en do
das dife re n te s e s tru tu ra s e c o n ô m ic o -s o c ia is ela se modifica,
v a loriz and o de te rm in a d a s atividade s em de trim e n to de o u t r a s . 5

A s ociedade Guarani pré-colon ial prioriz a v a as ativida de s de


lazer, que eram a lte rna da s com ativid ades r e lig io s a s e produtivas. A
vida nas missões prioriz ava as ativida de s p r o du tiv as e relig iosas.
Essas ativ ida de s passam a ser sis tem atiz adas, : d isc ip lin ad as e

4 CAPDEQUl, José Ma. Otis. Historia dei derecho espanol en América e dei derecho indiano. Madrid:
Aguilar SA 1968. p. 27-43.

5 HELLER, Agnes. O cotidiano e a História. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 18.
185

no rm atiz a da s pelos je suítas, que se tornaram os re s p o n s á ve is


diretos pelos índios e pelas reduções como um todo.

A tutelag em je s u ític a ab rangia todos os níveis da vida nas


Missões. Passavam pela a d m in is tra ç ã o do cabildo, o sistema
ele itora l de cargos ad m in is trativ o s, a a d m in is tra çã o da ju s ti ça, a
o r g an iz a ç ão militar, as rela ções de produção, as ativ id a d e s
c omerciais, a d is trib u iç ã o de bens, a religião, o lazer, a vida f a m ilia r
6
e outros aspectos.

Na qu alid a d e de tutores, os m is s ion ário s assumiam o papel


de pais e pro tetore s dos índios; "é a c on s tan te apelação a fig ura s
do tipo pa i/ filh o (...) 0 sac erdote pai, ante a in cap acida de
manifesta de seus pu p ilo s /fil h o s se vê na obrigação de o rg a n iz a r a
vida da redução," asse gurando, assim, a ra cio n a li d a d e nas
"c o nc e pç õ es de deus. tempo, trab alh o e vida".^ Nessa relação
p r o te to r /p r o te g id o , valia-s e de ling ua ge m afetiva e carinhosa,
as socia da ao respeito e ao temor.® Pode-se afirm ar que era uma
relação de amor e repressão.

Alg un s je s u íta s consid eravam os índios crianças "pervers as",


in flue nc iad as pelo Satanás. Cheg ou -se ao extremo de d e te rm in a r a

^ Com relação a tutela jesuítica, o padre Cardiel, na sua Breve Relación de Ias Missiones dei Paraguay faz a
seguinte afirmação: "Quedan dos ó tres ninos huérfanos de padre hacendados: uno hombre de bien toma á su
cargo cuidar de sus liaciendas, ó por amistad que tuvo con sus padres, ó meramente por Dios, sin sueldo, ni
interés alguno. Gobiémalos en todo: ensénales la doctrina cristiana y buenas costumbres; castigales en sus
travesuras: se afana por conservarles su hacienda y aim aumentaria: laciendo esta obra de caridad para aumentar
mérito para el cielo. En Io demás este tutor sujeto y obediente con sus pupilos á sus superiores Reales y de
gobiemo espiritual y politico’'. (In: HERNANDEZ, op. cit., p. 583.)

^ GARAVAGLIA. Juan Carlos. Economia, Sociedad y Regiones. Buenos Aires Ediciones de la Flor, 1987. p.
148, 152.

* RODRIGUES, Luiz Fernando M. A pedagogia missionária dos jesuítas nas reduções guaranis. Anais do IV
Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Dom
Bosco, 1981. p. 175-176.
186

idade mental dos índios “ c i v i liz a d o s ” e “ n ã o - c i v ili z a d o s ” ,


com p a ra n d o -o s com as crianças eu ropéia s: os c ris tia n iz a d o s
atingiam a idade de seis a sete anos, en qu an to que os "selv agens"
não ultra pa s s ava m de quatro anos. 9

No presente c apítu lo se tratará do direito missioneiro, isto é,


do sistema de n o rm a tiz a çã o e a sua apli caç ã o na vida cotid iana das
reduções. Serão ap resentados, e s p e c ific a m e n te , os p r o c ed im e ntos
util iz a do s para a con v ersã o dos in dígenas; o que sig nificava o
reducionism o; a o r g an iz a ção das missões, através da a d m in is traç ã o
do cabildo, seus cargos eletivos e as form as como se processava a
ju s tiç a e a org a n iz a ç ã o militar; o direito civil, que está inserid o no
sistema de proprie dade, nas relações de tr ab alh o e da família; o
direito penal, que constitui o sistema de vig ilâ ncia, a in trodução da
idéia de pecado, a libe rdad e individual, o sistema de punições e o
discurs o favo ráv e l ao castigo.

Mas antes de e n trar diretam e nte ao assunto, impõe-se uma


exp la na ç ão a respeito da pa rtic ip açã o da Igreja Católica na
colo n iz a ç ã o da América, da fundação das Missões Jesuíticas do
Paraguai e da cria ção da Companh ia de Jesus.

9 HAUBERT, Máxime. A vida cotidiana. índios e jesuítas no tempo das missões. Sao Paulo: Cia das Letras.
1990. p. 42, 199.
187

3.1 A IGREJA CATÓLICA NA A M ÉR IC A E A FUNDAÇÃO DAS


MISSÕES JE SUÍT IC A S DO PARAGUAI

Com a descoberta da Am érica inicia a dispu ta entre


Portugal e Espanha pelo domínio das terras de scobertas e das não-
de sco bertas. Diante das d iv e rg ê n c ia s foi ne cessá ria a in te r fe r ê n c ia
do Pontífice Romano, como med ia dor nas disputas entre as duas
coroas católicas.

O Papa A le x an dre VI s ancio nou em 1493 a bula In te r Cetera,


favorável aos in teresses espanhóis, com a con dição de que eles
levassem m is sion ário s ao Novo Mundo, com o objetivo de d ifu n d ir a
fé católica aos seus habitantes.

A in fl uê ncia medieval das cruzadas, da reconquis ta e do ideal


do poder universal do Papa e do im p era do r fizeram com que a
conquista e a co lon iz a ção esp an ho la na Am érica se dessem sob a
fórm ula "a se rv iç o de Deus e de sua Majestade".

A p a rtir daí a presença dos re p re s e n ta n te s da Igreja Cató lica


seria cada vez mais ac entuada e o r g an iz a da na América. Com a
dupla missão de " c r is tia n iz a r e civilizar", vieram para cá div ersas
ordens religiosas. Inicialm ente, veio o clero secular, mas não obteve
êxito, sendo s ub s tit uído pelo clero regular. Os f ra n c is ca n o s foram
os prim eiros a chega r em 1500, de pois vieram os dominican os, os
agostin ia nos, os m erce dá rios e, fin a lm e nte, os j e s u í t a s . 10

A Igreja começa a perder força na América- Espanhola,


de pe nd en do política e e c o n o m ic a m e n te da Monarquia. Não es tando

10 FLORES, Moacvr. Colonialismo e missões jesuíticas. Porto Alegre: EST/ Instituto de Cultura Hispânica do
Rio Grande do Sul, 1983. p. 15-17.
188

habilitada para ate nd er às inúm eras nec ess ida de s da Am érica


re cé m -de scob erta, a Igreja conced e através do Real Patronato,
alguns priv ilé gios aos reis ibéricos, tais como: o "de sup rir os
Bispos para as sedes vacantes, ad m in is tra r a estrutu ra de taxação
da Igreja e mesmo servir de s u p e rv is o r do clero na cional". Em
con trap artid a , o monarca arcava com as "despesas de envio de
m is sion ário s pre ga do res para as Missões, sua m anutenção nas
terras descob ertas, bem como na c on struçã o das próprias igrejas.

Segundo Kern, o Real Patronato^^ s ig n ific a va a s ubm issão do


clero a uma c o n s tit u iç ã o civil, tr a n sfo rm an do a Igreja na Am éric a
Espan hola "quase numa verd ad eira igreja naciona l", m an tendo
pouco contato com Roma^^, depe nd en te quase que e x c lu s iv a m e n te
do Conselho das índias, passando a in te grar parte da buroc ra cia
ad m in is tra tiv a espanhola, a u x il ia n do a m onarquia no con trole
po lítico das terras c olon iz a da s, através da sua in fl uê ncia moral e
esp iritual.

Imbuídos do esp írito de propagadores da fé cristã além dos


limites europeus, os je s u í t a s dir ig em -s e para a América. Chegam ao

KERN, Amo Alvarez. Missões: uma utopia política. Porto Alegre; Mercado Aberto, 1982. p. 83.

A origem do modelo organizacional político-religioso da América estava na reconquista, quando os reis


católicos haviam definido a sua política em relação às questões eclesiásticas, só aceitando a nomeação dos bispos
com a sua conivência.O Real Patronato se solidificou com duas bulas papais; a do Papa Alexandre VI, de 1501,
em que os reis tinliam a obrigação de fundar e manter as igrejas das índias, mas em troca teriam o direito de
receber o pagamento do dízimo; e a bula do Papa Júlio II, de 1508, que garantia aos reis católicos representarem
todos os benefícios eclesiásticos da Igreja na América.(CAPDEQUI, José Ma. Historia dei derecho espanol en
América y dei derecho indiano. Madri; Aguilar SA, 1968. p. 175)

O Papa continuava sendo a autoridade má.\inia da Igreja, inclusive com certa ascendência sobre o Novo
Mundo, mas a sua jurisdição era limitada, pois as bulas papais só tinham força de lei se comunicadas pelo
Conselho das índias, que poderia vetar qualquer determinação do Pontífice.(KERN, op. cit., p. 84-83)

>4ld., Ibid.,p. 83.


Politicamente a Igreja serviu aos interesses da monarquia como forte instrumento de controle da população na
América; os espanlióis e os mestiços sujeitos à Inquisição, e os índios, às missões. A Inquisição foi implantada
em 1570 em Lima, e em 1571 no México, mas não tinha nenhuma atuação contra os indígenas que eram
considerados incapazes. (Id., Ibid., p. 88)
189

Brasil em 1549, a c o m p a nh an do o primeiro G ove rna dor-G era l, Tomé


de Sousa. ^

Somente em 1566 o Conselho das índias autoriza a vinda dos


membros da Co mpanhia de Jesus à Am éri ca Espanhola. Chegam a
Lima em 1568, de d ica n d o -s e quase que ex c lu s iv a m e n te ao ensino.

Em 1607 é criada a Província Jesuíti ca do Paraguai, que


seria ocupada pelos in te gra ntes da Co mpanhia de Jesus até 1768,
data da sua e x p uls ão da região platina. Entre 1609 a 1706 os
in acianos fundaram as cham adas "M is sõ es Jesu íti cas do P a ra guai"
ou os "Trin ta Povos das M i s s õ e s " , e s t e n d e n d o - s e do Guairá no
Paraná, sul do Mato Grosso do Sul, Paraguai, no rdeste da A r g e n tin a
e Rio Grande do Sul e Uruguai.

Na realidade, foram flmdadas mais de 30 reduções, mas muitas vezes eram destruídas, principalmente pelos
ataques dos bandeirantes paulistas, sendo fundadas novamente em outras localidades. Esse fato gerou algumas
contradições entre os diversos autores que tratam do assunto, em relação às datas de fundação e à quantidade de
reduções existentes. No entanto, foram 30 reduções aproximadamente, que subsistiram e prosperaram.

"A cellula mater da expansão missionária no Paraguai pode ser arrolada da seguinte maneira. Na região do
Guairá (bacia dos rios Paranapanema e Paraná até a Foz do Iguaçu): Loreto (1610); Santo Inácio Mini (1610);
São Xavier (1622); São José (1625); Encarnação (1625); São Paulo (1626); São Miguel (1626); São Pedro
(1627); Sete Arcanjos (1628); São Tomé (1628) e Jesus Maria (1628). Em seguida, jesuítas e guaranis reduzidos
avançam na direção sul ante as atrocidades dos bandeirantes, localizando-se no Itatim (500 km de Assunção do
Paraguai): Anjos (1631); São José (1631); São Benito (1632); Natividade (1632); Santos Apóstolos Pedro e
Paulo (1633) e Encarnação (1633). Na região do Paraná-Uruguai,á margem direita do rio Uruguai: Santo Inácio
Guaçu (1610); Itapuã (1615); Conceição (1619); Japeju (1627) e São Xavier (1627). Na margem esquerda do
mesmo rio, entre as bacias dos rios Ijuí, Ibicuí e Jacuí e no planalto central do atual Rio Grande do Sul: São
Nicolau (1626); Candelária (1627); Caaró (1628); Pirapó (1628); São Carlos (1631); Apóstolos (1631); São
Miguel (1632); São Tomé (1632); São Cosme e São Damião (1632); Santa Teresa (1632); São José (1633); Jesus
Maria (1633); Natividade (1633); São Joaquim (1633); Sant'Ana (1633) e São Cristóvão (1634).
(...) Na verdade, elas são autênticas reducciones de la frontera, mobilizadas militarmente para coibir o inimigo.
Na constelação dos inimigos encontravam-se desde o índio pagão, não catequizado, até o bandeirante escravista,
0 encomiendero e, a partir de 1680, o luso-brasileiro que avançava até o Rio da Prata. Por isso, sempre pairava a
preocupação com o tempo de guerra. -
No período compreendido entre 1680 e 1750, recrudescem os interesses ibéricos na área meridional sul-
americana. Os lusos fiindaram a Colônia do Santíssimo Sacramento, enquanto a Coroa de Espanlia ordenou aos
jesuítas que acentuassem a defensiva através de uma área-tampão circunscrita ao rio Uruguai. Dessa forma, tem-
se a fundação de mais sete povoados missioneiros que constituíram a totalidade dos Trinta Povos: São Boija
(1682); São Nicolau, São Miguel e São Luís Gonzaga (1687); São Lourenço (1691); São João (1697) e Santo
Ângelo (1706)."(QUEVEDO, Júlio. As missões: crises e redefinições. São Paulo: Ática, 1993. p. 8-9.)
Pelo Tratado de Madri em 1750, houve a troca entre as coroas ibéricas, do território dos Sete Povos das Missões
pela Colônia do Sacramento. Os índios rebelaram-se, e o e.xército português e o espanhol uniram-se para
combatê-los, desencadeando a Guerra Guaranítica. Em 1761 o Tratado de Madri foi anulado e somente em 1801,
pelo Tratado de Badajós, o território dos Sete Povos foi definitivamente anexado ao domínio português.
190

Na América, os je suítas, servem aos in te resse s colon ia is da


Mon arquia espan ho la, ocupa nd o o terr it ório, de fe n d e n d o as suas
fro nteiras, "p a c if ic a n d o " os indíge na s e, principalm ente , exe rc en do
o poder t u te la r e atuan do como efic ien te veículo de divulga ç ão da
cultura cristã ocidental.^jA fim de de sem p e n h a r com êxito a árdua
tarefa para a qual foram destinado s, faziam rigorosa seleção, com
indivíduo s "bem pre pa rad os e ad estrados, com vigor físico, moral e
espiritu al, d isc ip lin a d o s e o b e d ie n t e s . " 17

Conforme o que ditava o Real Patronato, os in acia nos


estavam sujeitos s im u lta n e a m e n te à Coroa E span hola e à Santa Sé,
e, con seq üe ntem e nte , aos seus quad ros ju r íd ic o - in s t it u c io n a is .

Com relação à au torid ad e do Papa, os je s u í t a s deviam


resp eito à hiera rqu ia da Igreja e da própria Companhia, na figura do
Padre-Geral e de seus pro vinciais. E n con tr a v am -s e ig ua lm en te
subm issos às a u torid ad es que representavam o Estado Espanhol na
América, pois as reduções estavam lo calizadas dentro do seu
espaço ju ris d ic io n a l, além de que, eram m antidas f in a n c e ir a e
milit arm ente por e l e . 18

O Rei de Espanha mantinha a sua au torid ade c e n tra li z a d o ra


na América através de in sti tu iç õ es p o lí t ic o - a d m in is t r a t iv a s
sem e lh an te s às espanhola s. O órgão mais im portante era o
Conselho das índias, que exe rcia funções le gis lativas,
ad m in is tra tiv a s e ju d ic iá r ia s . Fun cionava como a mais alta Corte de
Justiça, coordenava e ela b ora va as leis e ord en an ças r elativ a s à

(VERRI. Liane Maria. A história das missões do Rio Grande do Sul. Anais do curso de literatura e história do
Rio Grande do Sul. Santo Ângelo: FURI, 1990. p. 68-70.)

17 KERN, op. cit.. p. 71.

18 Id.. Ibid.. p. 261,90-91.


191

América Espan hola, dando forma legal às de cisões do monarca.


Tinha "plena ju r is d iç ã o sobre a o rg a n iz a çã o a d m in is tra tiv a c olo nia l
h is p a no -am e ric an a, e suas de cis õ es c o rr e s p o n d e n te s aos ne gócio s
de guerra e paz, civis e rhilitares, e c le s iá s tic o s ou c rim in a is "
im pun ha m-se aos demais org an is m o s ad m in is tra tiv o s . Su bo rd in ad o
diretam e nte a ele estava a Casa de Contratação, que c o n tro la v a o
comércio e a na vegação. As de cisões do Conselho das índias
interferiam d ire ta m e n te nas missões, "pois a ele cabia a su p e rvisã o
dos in te re sses dos indígenas, sua conversão e sua civ iliza ção ,
decid in do sobre as en com endas e a re p a rtiç ã o dos índios", mas as
Missões Je su ític a s do Paraguai, através de seus Proc uradores,
c onseg uiam fa z e r p re v alec e r os seus interesses ju n to á
a d m in is traç ã o espanho la, prin c ip a lm e n te ju n to ao Conselho das
í n d ia s . ’'®

Os r e p r e s e n ta n te s diretos da m onarquia na Am érica eram os


vice-reis. 0 Real Patrona to lhes co nferia serem "os V ic e - p a tr o n o s
das Igrejas do V ic e - r e in a d o e somavam assim fun ç õe s e c le s iá s tic a s
às demais fun ç õe s militares, fiscais, ju d ic ia is , e c o nô m ic a s e
legislativ as". Uma das suas pre o c u p a ç õ e s era o b e m -estar dos
índios, deven do ocupar parte de seu tem po com assuntos que lhes
dissessem respeito.

As mais altas cortes reais de apelo, nos d istrito s eram as


Audiê ncias Reais. Contra as suas de cis õ es cabia recurso ao
Conselho das índias. Na esfera ju r íd ic a a sua atuação se dava
através "da Visita, da Revista e da Su plica çã o". Quando em visita,
os ou vid ores das au diência s eram nom ea do s inspetores ou
delega do s esp eciais para in spe çõe s pe rió dicas, para averiguação; de

Id, Ibid, p. 20-22.


(
Id., Ibid,, p. 24.
192

denúncias de grave in ju sti ça e para r e g u la m e n ta ç ã o dos impostos.


Foi um organism o que se fo rtalece u, ch e ga nd o ao século XVII a
d iv id ir as funções de governo com os vic e-reis , assim como,
f is c a liz a r a eles e aos go v èrnadores. A Provín cia Jesuítica do
Paraguai estava sob a ju r is d iç ã o da A u diê ncia de Charcas, a qual
tinha muito mais liga çõe s po líticas do que com os próprios vice-

Os g o v ern ad ore s estavam sempre em contato com o


pro vin cia l ou com os sup eriore s das missões. Eram eles quem
de sig navam os curas de cada redução, nomea vam os cab il da ntes
das missões, faziam vis ita s perió dicas, con voca vam os índios para
trabalh os pú blicos e defesa m il it a r . 22

Ap e s a r de e x is tir uma certa in d e pe nd ên c ia ad m in is tra tiv a dos


Trinta Povos das Missões, eles perman eciam sub m is so s de fato e de
d ireito à Coroa, haja vista a sua prestação de serviço militar, e o
pagamen to de t r i b u t o s . 23

Todos os in dígenas que foram in corp ora do s à Coroa


espanhola eram con s id e ra d o s seus súditos, portanto, eram
obrig ados a lhe pagar tribu tos. O trib u to era de c aráter individual,
ab rangendo todos os índios entre 18 e 50 anos de idade, exceto ós
ca ciq ues e seus filh os mais velhos. As tribos que se submetessem
v olunta riam ente , fica ria m isentas de pagá-lo ao rei, durante os dez
primeiros anos de vassa lage m . Este era o caso dos índios Guarani
das Missões Je su íti cas do Paraguai. Em 1643, devido à lo calização
estraté gica das missões pla tinas frente ao avanço dos

21 Id., Ibid., p. 24-26.

22 Id., Ibid., p. 26-27.

23 Id., Ibid., p. 247.


193

ba nd eirantes, o monarca esp an ho l estendeu o prazo de isenção de


impostos de dez para vinte a n o s . 24

Os marcos ju ríd ic o s da a d m in is tra ç ã o hisp ânica colon ial eram


extre m a m en te autoritários. O monarca até delegava alguma
au torid ade aos je suítas, mas nunca o poder. Todos "e stava m
subm etid os aos rígidos controle s reais ou teóricos de um regime
político que se e stru tu ra va no Direito Divino dos mon arca s
m e t r o p o l it a n o s . " 25

As suas c a ra cte rís tic a s pe culiare s: obediência, h i e ra rq u ia e


legalismo faziam com que os je s u íta s aceit assem o estatuto legal do
Estado Espanhol, ac reditassem na m onarquia originária do dire ito
divino e cumprissem as suas normas ju r íd ic a s porque a c re dita vam
na "c o m p e tê n c ia destas regras e s ta b e le c id a s r a c i o n a lm e n t e ." 26 Mas,
ap esar de toda esta submissã o à m onarquia espan ho la, c o m p ara do s
a outras ordens religiosas, os je s u í t a s exerciam certa in fl uê ncia
sobre a a d m in is tra ç ã o bu roc rá tic a espanho la.

Vários métodos foram u til iz a do s para in fluir sobre as


a u t orid ad es hispâ nicas. Referente ao as pecto material, por meio de
em préstim os, financiavam muitas ativ ida de s de in teresse s privados.
Do ponto de vista espiritual, na qu a lid a d e de c on fesso res de
pessoas influentes, apelavam para o ferv o r religioso dessas
pessoas. Habilmen te ap ro ve it a ra m -se das riv alid ades ex is te nte s
entre os bispos e os go vernadores, que mantinham relações
am is to s as com os je suítas, para ob ter o seu apoio. Outro dado -

24 Id., Ibid., p. 31.

25 Id., Ibid.. p. 51.

26 Id., Ibid., p. 70.


194

favo ráve l era o pro fun do c on he c im e nto do f u n c io n a m e n to da


a d m in is tra ç ã o espanhola.

Desta forma, os je s u í t a s tornavam in op era nte ou atenuava m


"as medidas que co n traria vam seus in te resse s ou os obje tivos da
pró pria ação m ission ária", agindo sobre o Co nselh o das índias e as
Reais Audiências, e ex e rcen do in fluência sobre os v is ita d o re s e
governadores.^® A Co m panhia de Jesus também in te rferia na
elab ora ção de leis refere ntes aos seus in te resse s na América, pois
há registro de que seja a re sp on sáve l pela elab ora ção das
Ord enanças de A l f a r o . ^

Outro fator que f a c ilit a v a a asc e nd ên cia dos je s u íta s sobre a


lenta bu rocracia es panhola era a existê ncia do P rocu rad or da
Província do Paraguai para bu scar e de fe n d e r os in te resses da
Companhia. Normalmente eram nom ea do s para tal cargo homens
com muitos anos de e xp e riê n cia em postos superiores. At uava de
form a conjunta com o Padre-Geral da Co mpanhia de Jesus,
s u b ord in ad o direta m e n te ao Rei de Espanha e in dire tam e nte ao
Papa. A cada três anos eram en via dos á Europa dois pro cura do res
da Província: um d irig ia -se a Roma para levar as Cartas Ânuas dos
P r o v i n c i a i s ^ e o outro d irig ia -s e a Madri, form ando, assim, e s tre it o
vínculo entre a Província e o Real Patronato.

MÕRNER. Magnus. Atividades políticas y econômicas dos jesuítas en el Rio de Ia Plata. Buenos Aires:
Hyspanoamérica, 1985. p. 118-119.

KERN. op. cit.. p. 30.

29 MÕRNER, op. cit., p. 113.


As ordenanças de Francisco de Alfaro - Ouvidor da Audiência de Charcas (Anexa a esta tese), de 1611,
passaram a proibir as "encomendas de serviços personal", substituindo-as por pagamento de tributos. Mas,
normalmente, os índios não tinham condições de pagar os tributos, estabelecendo-se, assim, que apenas um
sexto dos índios de um "pueblo" trabalhariam para os encomendeiros sessenta dias do ano.

As Cartas Ânuas, ou Letterae Amiae, eram correspondências periódicas "que os Padres Provinciais enviavam
ao Padre-Geral da Companliia de Jesus em Roma." Baseavam-se nos relatórios anuais "que o Provincial recebia
dos superiores das Residências, Colégios, Universidades e das Missões junto aos índios. Continham uma
detalhada informação sobre as casas, suas obras, pessoas e atividades." Além do caráter de relatórios
195

Os procuradores envia do s à Espanha gara ntiam o


ab a s te c im e n to regula r de novos m is s io n á rio s eu ropeus de tal forma
que não precisavam reco rrer aos am e ric a no s como outras ord en s
procediam, pois os in díge na s eram consid erados in cap aze s de
su b m ete r-se à austerid ade da vida religiosa.

0 Padre Geral da Co m panhia de Jesus pe rm anecia em Roma,


s u b ord in ad o diretam ente ao Papa. Era ele quem escolhia o padre
provincial, que residia em Córdoba de Tucumán, distante ce n ten as
de q u il ô m e tro s dos Trinta Povos. O provin cial deveria v is ita r as
reduções "para in spe cio na r a ob s e rv â n c ia das regras do Instituto, as
contas, os rebanhos, os so ld ados da m ilíc ia guarani, a ju stiç a e t c . " ^

Em de c orr ência da distâ ncia entre Córdoba e as Missões,


assim como da ne ce ssid ade de maior ce ntralização, criou-se, em
1632, o cargo de Su perior das Missões, auxiliado por dois vice-
superiores, nomeados d ire ta m e n te pelo Pa dre-Geral em Roma,
e s ta b e le c e n d o -s e a sede dos T rin ta Povos na R e du ção -D ou trin a da
C andelária.^

A prim eira no rm atiz ação escrita relativa à fu n da ção e â


org an iz a ção interna das reduçõ es foram as duas in stru çõe s do

administrativos, também pertenciam ao "gênero das cartas edificantes, pois selecionavam fatos que possam ser
úteis como propaganda para que mais jesuítas europeus viessem a trabalhar na América e se conseguissem
recursos financeiros para dar continuidade às obras que a Provincia tinlia instalado. Visavam também
impressionar as autoridades civis e eclesiásticas com relação aos ê.xitos conseguidos."(ZEN, Idinei Augusto. As
missões populares na antiga Província Jesuítica do Paraguay. São Leopoldo, 1995. Dissertação (Mestrado
em História - Estudos Ibero-Americanos) Universidade do Vale do Rio dos Sinos, p.7,9)

31 KERN, op. cit., p. 93-94.

MÔR2SÍER, op. cit., p. 117.

” KERN, op. cil., p. 125.

Id., Ibid., p. 125.


196

Padre Diogo de Torres Bollo. Cham ada s por Rabuske de "C a rta -
Magna das Reduções do P araguai",^ a de 1609 destin a -se,
esp ecificam e nte, aos Padres José Cata ld in o e Simão Mazeta,
envia do s ao Guairá; a de 1610 refe re -se a todas as reduçõ es que
estavam sendo criadas, ga ran tin d o assim a unif orm ida de em todos
os pro ced im e ntos dos padres nas missões.

As in struções tratam dos métodos que deveriam ser util iz a do s


na funda ção das reduções, p re o cu p a n d o -se com o p r o c e d im e n to
uniforme na a d m in is traç ã o es p ir itu al e econô mica, costumes e estil o
de vida. Lembram a prátic a cotid ia na da oração, das ladainhas, dos
exercícios espirituais, do jejum, da vigília, da penitência, da leitura
de obras sacras, da o b s e rv â n c ia das regras e in struções e do
estudo da língua Guarani. Também re co m en da vam o cuidado com a
saúde do cura e do com panheiro, que as de cis õ es fossem tom adas
em conjunto, que os m is sion ário s não de ve riam sair a sós, que um
de veria ap oia r o outro em momentos de fra queza, e que um de veria
f is c a liz a r as faltas do outro.

Deviam ter pre caução na escolha do local da fu n da ç ão das


reduções, ob serv a r a e xistê n c ia de boas terras, água potável, bons
pastos, peixes em abun dâ ncia, a c o n s e lh a n d o -s e com os caciq ues
que melhor con heciam a região. Estava previsto como de veria ser o
traçado das ruas e ed ificações; a arq uite tura e a de coração interna
das igrejas deveriam ser pa droniz adas. Também aparece a
p re ocupação com a a u to - s u fic iê n c ia das reduções, para que não
faltassem alim entos e vestimenta; aco nse lh ava m o pla ntio de

o Padre Diogo de Torres Bollo (1550-1638) “foi um dos Superiores mais insignes que teve a Companhia de
Jesus na América do Sul: como Reitor de quase todos os Colégios do Peru de então, e como fundador e primeiro
provincial do Novo Reino de Granada e do Paraguai. (...) Revelou-se ele o grande defensor dos indios, máxinie
no Peru e Paraguai, contra os ‘encomendeiros’.“
RABUSKE, Arthur S. J. A Carta-Magna das Reduções do Paraguai. Anais do II Simpósio Nacional de Estudos
Missioneiros. Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros, 1977. p. 171-187.
As referidas instruções encontram-se ane.xas a este trabalho.
197

árvores fr utífe ras , legumes e algodão, assim como a cria ç ão de


animais e a co n struçã o de açudes, ga rantindo, ainda, a
sobrevivên c ia de velhos, doen tes e viúvas.

Os ca ciqu es deveriam ser cativ ados para de pois serem


cris tia nizado s . Observavam como de veria ser feita a c a t e q u iz a ç ã o
de crianças e adultos. Recomend avam a fu n da ção de escolas para
meninos, onde se ensinava o catecismo, a ler, a escrever, a can tar
e a tocar in strum ento s musicais. Os melho res alun os deviam ser
recom pe nsado s. Davam in struções sobre o batismo, o casam en to, a
e xtre m a -u n ç ã o e os enterros. Previam um sistema de f is c a liz a ç ã o da
po pula ção e form as e tipos de castigos. Revelam a p re oc u pa ção
com a erra dicaç ã o das bebe de ira s. Determinam o iso la m ento das
missões e o impedim ento do contato com os esp an hó is
(en com e nd eiro s). Introduzem as Cartas Ânuas, os livros de regis tro
de batismo, de casam ento e da po pula ção em geral
( na s cim e nto/ób it o). Zelam pela castid ade e pela p riva c id a d e dos
religioso s. Recomendam a nã o-co bra nça dos índios pelos se rviç os
religiosos.

Com o passar do tempo, "sempre a partir da e x p e r iê n c ia


concreta, surgiram outras in struções de Provinciais, c o n g re g a ç õ e s
ou Sínodos e de Gerais da O r d e m ."36 P o s te rio rm e n te foram
c od ific a da s outras reg ulam e ntaç õ es rela tivas à o r g an iz a ç ão interna
das reduções. Em 1637 foi ap rovada uma r e g u la m e n ta ç ã o pela
Cong reg açã o Provincial. Depois, em 1691, nova re g u la m e n ta çã o foi
a c r e s cen tada pelo Geral da Companhia, pe rm anecendo ambas em
vigor até a época da exp ulsão dos j e s u í t a s . 37

36 Id., Ibid., p. 187.

37 Regulamentos anexos a este trabalho.


Nesse mesmo período, de 1658 a 1661, o Padre Antonio Vieira elaborou os regulamentos das Missões Jesuíticas
do Brasil. ( KERN, op. cit., p. 127.)
198

Em funçã o da acentuad a diferença entre a a d m in is tra ç ã o das


reduções e a dos colé gio s e re sidê ncia s da Compa nh ia de Jesus,
sentiu-se a nece ssida de de sé criarem norm as es p ec ífic a s para as
reduções. A Quinta C ongregação Provincial, reunida em 1632,
aprovou tal propo sição. No ano de 1637, a Sexta C ongregação
Provincial nomeou os padres An tônio Ruiz de Montoya, Cláu dio
Ruyer, Miguel de Ampu ero e Francisco Díaz Tano para elaborarem o
regulam ento, sendo aprova do p o s terio rm en te pelo Padre-Geral. Nos
anos subseqüentes, foram acre s cen tada s no Livro das Ordens, além
do regula m ento de 1637, outras intruções, norm as e disposições.
Nos anos de 1664 a 1669, o v is ita do r e p r o v in c ia l Padre A ndrés de
Rada elaborou min ucio sas instruçõe s ao s u p e r io r das missões e aos
missionários, in tr o d u zin d o ainda os Usos y c o s tu m b re s com unes á
todas Ias D o ctrinas. Diante de tal quadro, o con ju nto de normas das
reduções estava todo de sorganizado, sendo ne ces sá rio re o rg a n iz á -
lo em novo regula mento. Em 1691 foi ap rova do pelo Padre-G era l o
regulam ento de 1 6 8 9 . ^

Nesses regulam e ntos ficou de s tac a da a s u b ord in açã o dos


m is sionário s ao s up erior das missões. Os superio res deveriam
v is ita r anua lm e nte as missões para s u p e r v is io n a r a a d m in is traç ã o
dos sacramen tos, o exe rcício dos m in is tério s, a d is tr ib u iç ã o do
tempo nas reduções e como se guardavam as regras e o Instituto,
mantendo a u n if orm ida de nas reduções. 0 sup erior teria quatro
m is sionário s como con sultores: no rio Paraná, um vice -sup erio r; no
rio Uruguai, também quatro consulto res. 0 s up erior e o vice teriam
um monitor para auxiliá-lo s. As reduções pa ssaria m a ter quatro
s u p e rin te n d e n te s -d e -g u e rra , loca liza dos um no alto Paraná e três
no rio Uruguai, tendo, cada um, dois con sulto res. O su p eri or tinha

38 Ib„ Ibid, p. 127


Este regulamento também está ane.xo.
199

poderes para t r a n s fe r ir os missio nário s de uma redução para outra,


desde que con s ulta s s e os seus au xil ia re s e avis asse o Provincial.
Ficou instituída' a o b rig atoried ade do Livro das O rdens nas missões.

Os reg ulam e ntos também contêm in fo rm açõ es a re sp eito da


org an iz a ção po lítica das missões. Ficou defin ida a subm issã o dos
in díge na s aos missionários, de m on s tra n d o -líie s "respeito, suje iç ão e
obed iência". Também ficou de finid a a au torid ad e do cura sobre o
com panheiro, e que as reduções nunca poderiam fic a r sem padre.
Com relação ao governo civil, o cabiido in díge na teria a mesma
estrutu ra que o cab iido espanhol. As armas de fogo de veriam
pe rm an ece r no depósito das armas das missões. Foi estip ulad a a
ju r is d iç ã o dos bispos com relação aos aspectos e c le s iá s tic o s da
missão, mas ficou claro que a au toridade ep isco pal não pode ria
in te rfe rir no governo temporal, por ser e x clus iv o da Companhia,
de term in ado por Cédula Real.

Tais regula m entos de monstra va m a função religiosa do cura


como re sp on sáve l pela moral, pelos s ac ra m en to s e pela
eva ng eliz a ção. Pr eocupava m -se com a e r r a dicaç ã o da poligamia.

Apare cem normas esp ecífic a s de conduta para os jesuítas.


De te rm in avam que a prática dos e x e rc íc io s e s p ir itu a is deveria
p re do m in ar sobre qu alq uer outra atividade de ordem material. A
pe rm an ên cia da clausura, a proib ição do contato com índias sem
presença de um terceiro, perm issão para sair ã noite só com
lanterna e acompa nh ad o. As cercas da casa dos padres deveriam
ser s u fic ie n te m e n te altas para m anter-lh es a privacidade.

Os reg ulam e ntos ainda referem-se; ao direito dos índios de


reco rrer ao superio r das decisões dos m issionários; aos bens de
cada redução e de cada índio em particular; á a d m in is tra çã o dos
200

recursos fin a n c e ir o s recebido s do rei; aos cuidados com a


segurança da igreja; ao controle do envio de balsas e canoas; à
re g ulam e ntaçã o das festas e danças; ao tr a ta m e n to dos enferm os; à
prá tica de de litos e à execução de castigos; à form a de pa gam ento
pelos serviços pre stados pelos índios; ao t ra b a lh o dos meninos; ao
local da residência das família e ao pátrio poder.

Em cada missão existiam apenas dois sacerdotes: o cura


doutrineiro, que era ge ralm ente um padre mais velho e experiente, e
um jovem m iss ion ário chamado de com p an he ir o , que lhe devia
obed iência. Havia co n stan te rodízio entre os m is sion ário s para
atender às ne cessida de s locais e para im p o s s ib ilit a r prováveis
e n r a iz a m e n t o s . 39

A au torid ade t u t e la r do cura no in te rio r das missões era muito


abrange nte, tanto a civil quanto a e c l e s i á s t ic a . ” 0 m is sionário reunia
nas suas mãos, por de le gação do Rei, uma a u to rid a d e que envolv ia
ao mesmo tempo elem entos ju dic iário s, le g is la tiv o s e de exe cutivo.
Ao mesmo tempo, por delega ção da Igreja, era o cura ou pároco e
tinha nas suas mãos ig ualmente a au torid ade r e l ig io s a ” .40

Kern afirma que as funções do cura conferiam certa


a m b ig üid ad e a sua ação política. Ora era agen te de execução das
decisões da M onarquia Espanhola e do Co nselh o das índias, ora
das de ciões da Igreja Católica ou da própria Co m panhia de Jesus.
Mas, ao mesmo tempo, repre sentava os in te res s e s indígena s diante
do s up erior das missões, dos bispos e dos go vernadores. No
entanto, essa liberd ade de defesa dos in te res s e s po líticos locais era
lim itada pelo c ontín uo contro le dos v is ita do res pro vinciais, bispos e

39 Ib., Ibid., p. 131.

40 Ib., Ibid., p. 132.


201

go vern ad ore s. Os je su íta s detinham apenas a au torid ade, porque o


poder pe rm an ec ia nas mãos do m o n a r c a /^

Para melhor se c o m p ree nd er a m entali dade e a atuação


de sses homen s nas missões relig io sa s am e ric a na s é ne c es sá rio
c o n he cer em que momento histórico e com quais ob je tiv os foi criada
a C om panhia de Jesus.

3.1.1 A Co mpanhia de Jesus

A Com panhia de Jesus surgiu num momento em que a Igreja


Cató lica se reestru tura va. Afetada por uma série de crises, próprias
do períod o da tran sição do Feuda lism o para a Idade Moderna, a
Igreja se vè ob rig ada a tom ar posição, prin c ip a lm e n te dian te da
Reforma Protestante, que na época era a sua maior am eaça por
s u b tr a ir - lh e sig n ifica tiv a pa rcela de fiéis. Através do m ovim ento da
Contra Reforma, tom ou-se uma série de prov id ên c ia s au stera s a fim
de m ora liza r e reo rga niz ar a d is c ip lin a clerical. Dentro desse
espírito, surgem novas ord en s r elig io s a s com o pro pó sit o de
responder aos anseios da s ociedade moderna que estava em
formação.

Diante desse quadro, o Papa Paulo II con stit uiu o C o n c ilio de


T rento em 1545, mantendo-o até 1563, com o objetivo de re d e fin ir
as po siç õ es católicas. Além de d is c u tir as questões do gm áticas,
elaborou uma sólida legislação d is c ip lin a n d o o clero;

“ Re af irm ou t odo s os do g m a s at a c a d o s pelos


p r ot es ta nt e s , de c la ro u que as boas obras eram tão n e c e s s á r ia s
para a sal va çã o qua nt o a fé, r e de fi n iu a força dos s a c r a m e n t o s ,
0 v a l o r da oração, o culto aos s an to s da Igreja; r e d ig iu - s e o

Id , Ib id, p. 134-136.
202

c a te c is m o romano; c o n f ir m o u - s e a presença de Cristo na


E uc ari sti a (dogma da t r a n s u b s t a n c i a ç â o ) ; r e s o lv e u - s e c o m b a t e r
a in d is ci p li n a cle ri c al , d e t e r m i n a n d o que f oss em f u n d a d a s
escol as e s p e c ia i s e s e m in á ri o s , d e s t in a d o s à o r ie n ta ç ã o e
f orm açã o dos s ac e r d o te s ; r e a f ir m o u - s e ainda a crença no
p ur ga tó ri o , o c e li ba to s a c e r d o ta l e a t r a d iç ã o dos e n s i n a m e n t o s
ap o s tó li c o s com a mesma a u to r id a d e que a Bíblia foi r e d e f in id a
como fonte de fé. Entre t a nt as d e l ib e r a ç õ e s , de s t a q u e de ve ser
dado à r e a f ir m a ç ã o da su p r e m a c ia do papa, como v ig á ri o de
Cristo e chefe de toda a Igreja Ca tól ica . As si m , est ava
re co n s t it u í d a a forma m o ná r qu ic a do g o v e rn o da I g r e j a . ” ''^

Nesse contexto, é fundada a Compa nh ia de Jesus por Inácio


de Loyola, sendo ap rovado seu Instituto pelo Papa Paulo III em
1540, através da bula R e g im in i M ilita n tis E cciesiae. A d e fin iç ão da
ordem estava na própria fórm ula do instituto, constante na bula de
aprovação:

“ Q u a lq u e r um que, na nossa Co m p a n h ia , que d e s e ja m o s


seja as s in a la d a com o nome de Jesus , q u i s e r m i l i t a r como
sold ad o de Deus, d e b a ix o da b a n de ir a da cru z e s e r v i r ao único
S e nh or e ao Romano P o nt íf ic e, Vi g á r io seu na terra, de p oi s de
fa z e r voto sol ene de c a s t id a d e pe rp ét ua , a s s e n te com ig o que é
membro de uma C o m pa nh ia , s o b r e t u d o f u n da d a para, de um
modo p r in c ip al , p r o c u r a r o p r o v e i to das almas, na vid a e
do ut ri na cris tã, p r o p a g a r a fé, pela pública pr eg a ç ã o e
mi ni s té ri o da pal avr a de Deus, pelos e x e r c í c io s e s p i r i t u a i s e
obras de c ar ida de, e, n o m e a d a m e n t e , e n s i n a r aos m en in os
rudes as v e r d a d e s do c r is t ia n i s m o , e c o n s o l a r e s p i r i t u a lm e n t e
os fiéis no t ri b u n a l da c on fi s s ã o; e t r a t a r de te r sem pr e d i an te
dos olhos pr imei ro a D e u s ” .'’^

Na Europa, os je s u íta s tinham a missão de im pedir a


pe netração protestante na Península Ibérica e de f o r ta le c e r o
cato lic is m o nos países que tivessem aderido à reforma protestante.

Também estavam disposto s a divulga r a doutrin a cristã para


outros contine ntes. Desta forma, prestaram grand es serviços aos
Estados Ibéricos na Modernidad e, pa rtic ip a n d o ativam ente do
pro cesso de ocupa ção da Ásia e colon iz a ç ão da América. E "p od e-

SEBE, José Carlos. Os jesuítas. São Paulo; Brasiliense, 1982. p. 25.

^3 Id, Ibid., p. 36-37.


203

se dizer que na transição do f e u d a lis m o para o c apitalis m o, em


termos religiosos, a Compa nh ia foi uma in s titu iç ã o f a c i l i t a d o r a . " 44

Outro aspecto que chama a atenção é o caráter le ga lista


extre m a m en te acentuad o da C om panhia de Jesus. O In s titu tu m
S o c ie ta tis lesu era o código que regia tanto a org an iz a ção como os
princípio s da Companhia, cujos elem entos principais são as
c onstit uiç ões, compiladas por Inácio de Loyola; da Co ng reg aç ã o
Geral, o mais alto corpo legislativo, em anavam os éditos que tinham
a mesma força legal que as c on s tit uiç õ es ; as in te r alia eram
instruçõe s práticas; as regulae, decretos e cartas do Geral, tam bém
in struçõe s sobre os cargos s uperiores da Ordem; um pro grama de
estudos e os E xe rcitia S p iritu a lia .45

As c a ra c te rís tic a s da le gisla çã o da Compa nh ia de Jesu s eram


ba sic am ente estas:

"A d ur aç ã o do no v ic ia do , numa fase de i n ic i a ç ã o por


dois anos; a in c o rp o r a ç ã o d e f i n i t i v a a par ti r do t e r c e ir o ano; no
qu a rto ano d e v e ri a ha v e r o voto de ob e d iê n c ia ao p o n tí fi c e
romano; os p r o v in c ia i s ou re it o r e s nomea dos por tr ê s anos;
reunião da cúpula da ordem por oca s iã o da morte do S u p e r io r
Geral ou em oca si õe s es p e c ia is ; di v is ão do espaço g e o g r á f i c o
por áreas ch a m a d a s A s s i s t ê n c i a i s . ” 46

Quanto à. escolha dos seus membros, havia um rígido


controle. Os candid ato s tinham de cum p rir todos os p r é - r e q u is ito s
exigidos e, po sterio rm ente, passar por uma série de
q u e s tio n a m e n to s e testes que provassem a sua capacidade. Existia
até mesmo a elab oração de um perfil ideal de homem que pode ria
in gress ar nos seus quadros. No rm alm ente eram filhos de fam ília s

44 Id., Ibid., p. 44.

45 MÕRNER, op. cit., p. 16.

46 SEBE, op. cit., p. 37.


204

nobres ou ilustres, com sólida form açã o cultural. Para fo r t a l e c e r -


lhes as qu alid ad es culturais, todos os seus membros passavam por
um programa de form a çã o que visava a atender a sua ca p a c ita ç ã o
inte lectual e moral. A c re s c e -lh e ainda a d is c ip lin a e a efic ien te
organ iza ção, garantindo, relativa sup e rio rid a d e dos je s u íta s em
relação às demais ordens religiosas.

Além de todos estes requisit os quanto às origens e aos


atrib utos in te le ctu ais dos candidatos, era muito im port ante a
de m on stra ção da sua vocação através da convicção de terem sido
cha mad os por Jesus para servi-lo.

Os seus in te gra ntes tinham de fazer voto de po bre za e


r ea li z ar grande parte de seus serviços gra tuit a m e nte . A b an don an do
a vida monástica, os membros da Co mpa nh ia de Jesus assu mem o
seu co m pro m isso com o mundo através de a tiv id a d e m is s ion ária
militan te e agressiva, capaz de atin gir tanto os nobres quan to as
camadas populares.

Outra c ara c te rís tic a marcante é a sua org an iz a ção de acordo


com a estrutu ra m ilitar hie rá rqu ic a e severa ob ediê ncia :

“ M uitas pesso as, in c lu s i v e j e s u í t a s da fase ini c ia l da


S o cie da de, usava m m e tá fo r a s m il i ta re s para d e s c r e v e r a
nat ureza e o método o p e ra c io na l que Inácio proje tou para a sua
So c ie d ad e. A cadeia de c om and o em form a de pi râm id e, a
di v is ão dos j e s u í t a s em c at e g o r ia s , a sua idéia da o b e d iê n c ia
je s u í t ic a são e l e m e nt os que, é certo, são r e p r o d u z i d o s em
gr upo s m ili ta re s . Mesmo o nome que Inácio usou para d e s i g n a r
0 seu grupo, C o m pa nh ia de Jesus, par eci a, a muita gente,
de r iv a d o da e s tru tu ra do e x é r c i t o . ” '*®

DECKMANN. Eliane Cristina. O imaginário dos séculos XVI e XVII, suas manifestações e alterações na
prática missionária jesuítica. São Leopoldo, 1991. Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-
Americanos), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. p.301- 307.

MARTIN, Malachi. Os jesuítas. A Companliia de Jesus e a traição à Igreja Católica. Rio de Janeiro: Record.
1987. p. 179.
205

A rig id ez d is c ip lin a r dos je s u íta s também se expli ca pelo


s e g u i n t e ; ” H o rroriz a do s com a fr ou x id ã o dos costumes, a d e va s s id ã o
e a cobiça dos padres seculares, os je s u íta s c on s tit uíram uma
org an iz a ção param ilitar, onde se exigia d is cip lin a e o b e d iê n c ia com
enorme rigor, resistê nc ia física e coragem acima de qu a isq u e r
lim it e s . ” "®

Durante o mandato de Cláudio A cquaviv a como Padre Geral,


que durou 37 anos, iniciando em 1581, foram c on s olid ad os os laços
de ob ed iê ncia e coesão interna da ordem. Foi in stitu íd a a
o b r ig a to r ie d a d e de relatórios perió dicos remetido s de todos os
s uperiores ao Geral, info rm an do sobre as rea li zaçõe s da C om panhia
e sobre cada membro indiv idualm ente . Uniform izou os curríc ulos
dos estudos e tre in a m e n to para os jesuítas, assim como das escolas
e facu ld a de s onde lecionavam. Foram ad ota dos Santo T om ás de
Aquino e A r is tó te le s como a principal fonte de estudo da te o lo g ia e
da filo sofia, o b je ti v an do dem on stra r que fé e ciê ncia poderiam
c on viv e r ha rm onio sam ente.

Assim sendo, "os je s u íta s foram cap azes de in c o rp o ra r a


razão in stru m en ta l do pe nsam ento utilitaris ta , mantendo a te o lo g ia
cristã como base da existê ncia hu mana," torn an do-s e "hom ens
práticos que ob je ti vavam a realiza çã o de um ideal quase burg uês de
pro spe rid ad e terrestre."®^

FAGUNDES, Antônio Augusto. Os jesuítas - Assunção e Guairá. Anais do III Simpósio Nacional de
Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros, 1979. p. 120.

50 MARTIN, op. cit., p. 182-183.


Encontram-se ane.xas a esta tese a Instrucción para Afer\’orizar en el Ministério de los índios e o Modo de
Establecer Residencias de Misiones, elaboradas em 1603 e 1604, pelo Padre Aquaviva.

SOUZA, José Catafesto de. Uma análise do discurso missionário: o caso da "indolência" e "imprevidência"
dos Guaranis. Anais do VII Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras Dom Bosco. 1989. p. 108.
206

Por todos estes fatores pode-se a f ir m a r que, na prática, o


modelo je s u ític o estava de acordo com o sistema colonial,
ju s tific a n d o - s e a sua con sid erá vel riqueza m aterial nas missões do
Paraguai:

"A la ef ica z a d m in is t ra c ió n de sus recu rso s, según lo


e s t a b l e c ía n los es ta t u to s de la Orde n. Tal vez par ezca una
r e d u n d a n c i a , pero no hay razón para d e j a r de s u b r a y a r que por
las c o n d i c i o n e s de su in c o r p o r a c ió n , por su in tensa e d u c a c ió n ,
por el e x c e p c io n a l sentid o r e li g io s o , a c t iv o y c o n c r e t o , que
in s p ir a b a a sus miem br os, por su c u i d a d o s a m e n t e c o n t r o la d a
d i s c i p l i n a , casí m ili ta r, por su o r g a n iz a c i ó n j e r á r q u i c a y
c e n t r a l i z a d a , los j e s u í t a s estaban d e s t i n a d o s -aun c o m p a r a d o s
con las ot ra s ór den es- a d e s e m p e n a r ese im p r e s i o n a n t e y único
papel h i s t ó r i c o . ” 52

Antes de se c om e ç ar a tratar da o rg a n iz a ç ã o interna das


missões, será ex posta a forma como eram fe ito s os prim eiros
contatos entre je s u í t a s e indígenas, e os pro c e d im e n to s utiliz a do s
para a sua conve rs ão. A partir daí, já dá para se ter uma idéia do
a u torita ris m o e da relação unilateral com que foram subm etid os os
indíge na s à fé cristã, ao império espanhol e à tutela r e l ig io s a . 53

3.1.2 A C onversão

Os pro ce d im e n to s utilizado s desde o início da c onquis ta na


con versão dos indígenas à fé cristã ba sea v am -se em dois sistemas
que eram usados alte rn a d a m e n te ou de forma conjunta, de pe nd en do
da situação. Uma das fórm ulas je s u ític a s de c o n v ers ã o era "ganhar

52 MÕRNER, op. cit., p. 120.

53 Os demais contatos entre os índios americanos e o colonizador europeu, na maioria das vezes deram-se de
modo muito mais violento e autoritário do que os contatos entre índios e missionários.
207

a guerra através da paz", tran s fo rm an do advers ários em aliados,


con q u is ta n d o assim, te rrit ó rio s para serem adm in istra dos. 54

O-cha mado "co nve ncim e nto" pacífico, f u n d a m e n ta d o no poder


de persua são do sacerdo te e na util iz a ção de diverso s recursos que
variavam desde a exibição da s u p eriorid ad e tecnoló gic a, a troca de
presentes, à celeb ração de um suntuoso cerim onial r e l ig io s o . 55
Também atraíam outros in díge na s através da música barroca
entoa da por meninos índios já c o n v e r t id o s . 56

A estra té g ia para a conversão dos índios já reduzid os era o


tr atam e nto dife ren cia do que os padres davam aos batiz ados e aos
nã o-batiz ados. Os índios não-b atiz a do s se sentiam discrim in ados.
Não po de ria m as sistir à missa in te gralm ente, após o sermão eram
postos para fora, e, assim sendo, procuravam a p ren de r ra p id am e nte
a doutrin a cristã para poderem pa rtic ip ar da missa toda e obter
outros privilé gio s. Os en fermos eram a te m oriz a do s com o perigo de'
morrerem antes do batismo e irem para o in fe r n o .57

Porém, quando a persua são não funcio nava, reco rriam ao uso
da vidên cia, principalm en te nas prim eira s funda ções, onde
contavam com o auxílio da força armada hispâ nica e p o s terio rm en te
com os in díge na s já reduzidos, que se encarregavam de con vert e r
os d e m a i s . 58 De modo geral, quando alguma tribo se negava a

54 LIMA. Antonio Carlos de Souza. Um grande cerco de paz. Poder tutelar, indianidade e formaçao do
Estado do Brasil. Petrópolis: VOZES, 1995. p. 124..

55 GARAVAGLIA. Juan Carlos. Economia, Sociedad v Regiones. Buenos Aires: Ediciones de la Flor. 1987. p.
147.

36 FLORES, Moacyr. A catequese dos guaranis e os conflitos com o colonialismo espanhol. Anais do VII
Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros. p. 81.

57 Id., Ibid., p. 82.

58 GARAVAGLIA, op. cit., p. 147.


208

s ubm eter-se de livre e espon tânea vontade ao Rei de Espanha, era


sub metida por meios violentos, f u n d a m e n ta d o s na chamada "guerra
ju s t a " . 59

O cacique Pedro Pucu não aceitou os presentes ofertados


pelo Padre Sepp e proibiu o seu povo de converter-se . Sepp o
c onsid erou "como um cacique de moral pagã e san gu in ário
assassin o de sua própria gente, ju s tific a n d o os ataques pu nitivos
dos cris tão s ," dizendo, após sua morte, que a fle ch a que o matou
fora obra de Nossa Senhora contra o d e m ô n io . 60

Também era empregad a a fraude. Prep arava-se uma


esplê ndid a cerimôn ia para atrair os líderes in dígenas e, no momento
certo, tom a vam -no s como prisio neiros du rante alguns meses até
c o n v e r t ê - l o s . 61 Foi o que aconteceu com o ca cique Moreira, que se'
negou a c o n verte r-s e e foi preso e acorrenta do, sendo solto
somente quando prometeu con verter-se à fé católica. Como forma
de cooptá-lo através dos bens materiais, o Padre Sepp nomeo u-o
c a c iq u e -m a io r da redução, presenteando-o com casa, fumo, erva-
mate, agulhas, a lfi ne te s e faca. "Sepp se ju s tific o u argum entando
que o índio devia ser primeiro conve rtid o com coisas terrestres,
para que ouvisse a palavra de D e u s ".62 Tais atitudes eram
assum id as não só pelos jesuítas, mas também por membros de
outras ordens religiosas.

59 "A companhia comporta também numerosos membros que pensam e escrevem que os nômades só podem ser
submetidos 'pelo ferro e pelo fogo'. (...) entre 1679 e 1688, os padres ecônomos Dombindas e Altamirano
propõem ao Conselho das índias unia guerra contra as nações do Chaco: é a única forma de pacificar e
convencer os filhos dos cativos a viver sob o cristianismo; a liberdade sem freio desses infiéis pode levar a
pensar que apenas os cristãos devem sofrer e trabalhar. (...) São opiniões puramente teóricas, e muitas vezes os
jesuítas participaram ativamente das 'guerras justas' contra os nômades." (HAUBERT, Máxime. A vida
cotidiana. Indios e jesuítas no tempo das missões. São Paulo: Cia das Letras, 1990.p. 78)

60 FLORES, A catequese dos guaranis e os conflitos com o colonialismo espanhol, p. 81.

61 GARAVAGLIA. op. cit., p. 147.

62 FLORES, A catequese dos guaranis e os conflitios com o colonialismo espanhol., p. 82.


209

Por muito tempo essa qu estão foi tema de d iscussõ es entre


teólo gos e ju ristas, e também era pre ocu pa ção c on s tan te dos
monarcas espanhóis. As Inst ruçõ es Reais norm alm ente ordenavam
que a fé cristã deveria ser tra n s m itid a p a c if ic a m e n te . 63 A le gis lação
também não permitia aos m is sion ário s qu alqu er ju r is d iç ã o ou poder
corre cio na l sobre os indígenas n ã o - r e d u z id o s . 64 Mas, como já foi
verificad o, nem sempre a legislaçã o de proteçã o aos índios era
cumprida, pre vale cendo f r e q ü e n te m e n te os in teresse s im e diatis tas
dos colo nizadore s.

Aos missio nário s só in teress avam os fins, e os meios


util iz ados eram ju s tific a d o s por "uma con cepção re lig io sa herdada
da r e c o n q u is ta " de que "a força é sempre um elem ento ne c es sá rio à
conversão dos in fié is ." 65

Pela conversão, diversas tribo s indígenas eram reunida s num


mesmo local, reduzidas em aldeias, subm etid as a outra relig iã o e a
outra forma de vida.

63 DECKMANN, op. cit.. p. 68.

64 FLORES, A catequese dos guaranis e os conflitos com o colonialismo espanhol, p. 82.

65 GARAVAGLIA op. cit., p. 147.


210

3.2 ORGAN IZAÇ ÃO INTERNA P O L ÍT IC O -A D M IN IS T R A T IV O -


JURÍDICO-MILITAR

3.2.1 O Reducio nism o

O r ed uc ion is m o 66 fazia parte da po lítica oficial da Coroa


desde o incío da ocu pa ção da A m é r i c a , 67 pois era um projeto p o lí tic o
de in tegração do índio ao sistema c o l o n ia l. 68 A intenção era
c on c en trar num mesmo local, alde ias in díge na s dispersas, com o
obje tivo de fa c il it ar, através da s ed en tariz a ç ão e do contato diá rio
com os m issionário s, a con versã o e a evangeliz ação. Era uma forma
de "civ iliz a r " o indígena, urbanizando-o, pela co n cen tração e pelo
iso la m ento em determ in ado espaço físico, favo rece ndo a tutela
através da o r g an iz a ç ão ad m in is tra tiv a missional.

A redução também era uma maneira de ga ran tir a s ub m is sã o


dos índios à Espanha através da org an iz a ção dessas comunid ades.
Sua eficácia, reque ria a exclusão do no m adism o para que rein assem
s om ente as leis espanholas, colo cando os índios sob a hie ra rq u ia
ad m in is tra tiv a imperial, s ub jugando-os duplam ente: ao Estado e à
I g r e ja . 69

66 Foram usadas diversas denominações para as reduções, conforme a região, o estágio e a sua finalidade, tais
como: doutrinas, conversões, aldeamentos, paróquias (DALCIN, Ignacio. Em busca da terra sem males. Porto
Alegre: EST, 1993. p.31.), povos, povoados e missões.

67 Esta determinação já era prevista nos Decretos de Alcalá de Henares (1503), nas Instruções de Valladolid
(1509), nas Leis de Burgos (1512), nas Instruções aos Jerônimos (1516), na Real Cédula (1551) e na
Recompilação de Leves de índias (1680). (RUSCHEL, Ruy Ruben. O sistema jurídico dos povos missioneiros.
Revista do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo: V. VII,
n. 20, 1977. p. 73-89. p. 108.) Mas, antes dos jesuítas, os franciscanos e dominicanos já haviam desenvolvido
esse sistema de reunir os indígenas em povoados até 1580. (NAGEL, op. cit.,p. 136.)

68 MELIÁ, Bartomeu. EI guarani conquistado e reduzido.Asunción: CEADUC, 1986. p. 175.

69 HAUBERT, op. cit., p. 76.


211

Beozzo ac rescenta uma ju s tific a t iv a além da religião para as


m issões religiosas afirm a nd o que “ por mais que se e n c u b ra ,(...) o
alde am e nto tinha, na realidade, uma dupla função: a de ald ear o
índio, li be rando a terra, e a dé 'in te grá-lo' social e c u ltu ra lm e n te no
mundo do colo nizador, através da catequese. (...) Quer dizer, o
processo de ald e am e nto é sempre um pro cesso que libera a terra
para o branco, sem b r ig a s ” .70

Nas Reduções Jes u íti c as do Paraguai eram reunidas de


qu arenta a cinqüenta pa rc ia lid ad es étnicas distintas, com seus
r esp ec tiv o s caciques. Form ava-se uma com unid ade de três mil
habitantes, podendo chegar a oito mil. Cada parcialidade-
d is tin g u id a com o nome de um santo, era com posta por cerca de
du zentas pessoas, c o n trola da s e chefiadas por seus caciques, que
eram os responsáveis pelo seu grupo de, apro x im ad am en te,
c in qü en ta pessoas que lhe tinham v in culação d i r e t a . 71 Dividem o
mesmo esp aço físico em conviv ência pacifica, esta "c o a b it a ç ã o
perm an en te é possível porque nas reduções os indígena s perdem os
motivos que tinham, em estado natural, para fazerem a guerra entre
as parcia lidades". Q uebra-s e a unidade das pa rc ia lid ad es étnicas
porque “ o poder não pe rtence mais a ela de uma forma ho mog ên ea ,
como unidade, mas sim a um órgão d i s t i n t o . " 72

"A fonte de tentora e emana do ra do poder em reduções é o


padre je suíta, o qual está devid am ente investid o deste, por duas
estruturas, a do Império Espanhol e a da Igreja C a t ó li c a . " 73 Os

70 BEOZZO. José Oscar. Brasil 500 anos de migrações. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. p. 18.

71 RUSCHEL, op. cit., p. 86-87.

72 CALEFFI, Paula. O traçado das reduções jesuíticas e a transformação de conceitos culturais. Veritas. Porto
Alegre: II parte. v. 37, n. 145. junho 1992. p. 271, 268.

73 Id., Ibid., p. 268.


212

je s u íta s ap rove itam e transform am a institu ição do ca cicad o


Guarani, reforç ando-a, porém, com outras cara c terís ti cas que não
as suas originais. A aliança entre os caciques e os m is sion ário s foi
uma troca de in teresse s de ambas as partes. Com a ajuda dos
caciques foi mais fácil a pene tração dos padres nas p o p u la çõe s
Guarani. E com a man ute nçã o das lid erança s Guarani, os chefes
mantiveram e ad quiriram algumas van tagens pessoais, d is ta n c ia n d o -
se cada vez mais do restante da população.

Os antigos caciques Guarani que aceitavam p re s tar


e s p o n tan eam e nte vassalage m ao monarca espanhol eram m antidos
no poder, in te gra nd o-s e "aos organ ism os de adm in istração co lo n ia is
e a esfera ju ríd ic a da socie dade global es panhola ." T o rn a v a m -s e
f u n c io n á rio s da ad m in is traç ã o colon ial hispânica, tra n s fo r m a n d o - s e
em uma pe quena nobreza reconhecida pela legislação colonial.

A Cédula Real de 12 de março de 1697 conferia aos chefes


indígena s as mesmas condiçõe s que as dos fid algos de Castela,
p e rm it in d o -lh e s aspirar a todos os cargos que lhes eram
pertinentes.^^ Os caciques passavam a gozar de privilégios, ficava m
dispe nsa do s dos tributos reais, possuíam terras e cons erv a v am
pa rcia lm en te a au torid ade sobre seus vassalos, pois estes
tra balh avam em suas terras e pa gavam -lh es tributos.^® Se
cometesse m algum crime, os caciques jamais seriam cas tig ad os
publicamente, e sim em s e g r e d o . I n i c i a l m e n t e os je suítas permitem

KERN, op. cit. p. 40-41,

HERNANDEZ, P. Pablo. Orgiuiizacion de Ias doctrínas guaraníes de la Compania de Jesús. Barcelona;


Gustavo Gili. 1911, vol. I. p. 115.

■76 HAUBERT, op. cit., p. 226,

FURLONG, S J. Misiones y sus pueblos de guaraníes. Buenos Aires: Imprenta Bolmes, 1962. p, 268,
213

apen as aos chefes Guarani a man utenção da poligamia, que vai


sendo abandonada pa ulatin am e nte, e s ubstituída pela monogamia.

O cargo de caciqu e torna-se vitalíc io e here d itário,


in d e p e n d e n te m e n te das qualidades de orador, guerreiro e carisma
pessoal. Isto sig nifica que não se exige mais a aprovação e o apoio
popular, mas apenas a aprova ção dos padres. O que vai le g itim a r "a
fig u ra do cacique em red uções é o padre je s u íta e a es tru tu ra
imperial e s p a n h o la " . 78 Portanto, a aliança informal entre caciq ue e
je s u íta de sc a ra c te riz o u pro g re s siv a m e n te a in sti tu iç ão do cacic ado
G u a r a n i. 79

A longo prazo, o poder dos caciques ten de a diminuir, sendo


reco m en da do aos curas, pelos seus superiores, de lembrarem
c o n s ta n te m e n te de honra r os seus p r i v ilé g i o s , 80 para não
d e s m o ra liz á -lo s pu blica mente. Na verdade, os caciques foram
"re d u z id o s a simples co m a nd ad os" sob a liderança j e s u í t i c a . 81

As reduções eram na realidade um município, com as mesmas


c a r a c te r ís tic a s o rg a n iz a c io n a is dos cabildos espanhóis. E através
da estru tu ra p o lí t ic o - a d m in is t r a t iv a do cabildo é que se vai f ir m a r a
aliança entre os ca ciq ues e os je suítas, fo rm an do -se uma casta de
"fu n c io n á r io s público s" s u p ervisio n ad os e sub alte rno s aos
m issio nário s.

78 CALEFFI, op. cit.. p. 268.

79 Ainda hoje é utilizada pela política indígena brasileira a antiga técnica jesuítica de implementar a
estratificaçao social interna nas unidades locais do aparelho do poder tutelar 'conseguindo aliados e delegando-
lhes poderes e privilégios, superpondo-se às estruturas de poder nativas". (LIMA. op. cit., p. 185)

80 HAUBERT, op. cit., p. 226.

81 GADELHA, Regina. A experiência missioneira: integração e desintegração de um povo. Anais do X


Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros, 1993. p. 32.
214

3.2.2 A Organizaçã o do Cabildo

O cabildo h is p a n o -a m e rica n o fora a cópia do antigo m unic ípio


castelh ano medieval.®^ As Ordena nças de Francisco de Alf a ro de
1611, c o n fir m ad as pelo Rei Felipe IV em 1618, determ in avam que
cada redução deveria ter um cabildo, con s tit u íd o in te gra lm e nte por
índios.®^ Cada redução passava a ser um cabildo, isto é, um
município, dotado de completa estrutu ra p o lí t ic o - a d m in is t r a t iv a e
ju ríd ic a . 0 ca b il do po ssuía diverso s membros, na sua maioria
caciqu es que desem p en ha vam funções específicas.

A au torid ad e s up erior do cabildo era o correge do r, uma


espécie de prefeito que exercia outras funçõ es além das
ad m in is trativ a s, como as de presid ente da câmara e do tribunal de
ju s tiç a e líder militar. 0 seu cargo não era eletivo. 0 c orre ge do r era
indicado pelo cura e nomeado pelo g o v ern ad or provincial. Na
verdade, ele exercia "i m p ortan te papel político na sua função de
'Caciqu e princip al', c ensor dos costumes, inspetor das a tiv ida de s
econôm ic as e da arm azenagem dos bens comuns da Missão, ju iz e
m an ten edo r da o r d e m " . O tenen te de c orre ge do r era o vice-
prefeito que, s u s b s t it u ir ia o corre ge do r em caso de ne cessidade.

Existiam quatro regedores. Eram os de legados de bairros,®^


v ere adores com diversas funções de natureza militar, ju dic ia l, do
cuidado com as ruas, praças e prédios públicos e do con trole do

«2 RERN, op. cit., p. 44.

83 FURLONG, op. cit., p. 366.

KERN, op. cit. p.46. 48-49.


RUSCHEL,. op. cit., p. 84.
BRUXEL, Amaldo. Os Trinta Povos Guaranis. 2a. ed. Porto Alegre; EST/ Nova Dimensão, 1987. p. 50.

85 íd., Ibid., p. 50.


215

abastecimento.®® Também ajudavam e cumpriam as tarefas que os


alcaide s determinassem.®^

Dois alc aid es p o s s u í a m 'j u r is d iç ã o dentro das reduções e nas


suas cercanias, d e n o m in ad os alcaides urbanos ou ordinários. Um
era o alcaide de 1° voto e o outro de 2° voto. Suas atr ib uiç õe s
eram de ad m in is traçã o, de polícia e de justiça. Eram ju iz e s de
p rim eira instância, nos foros civis e criminais. Tinham au toridade
para impor multas e castig os aos tran sgresso res. Nas red uções
mais dista ntes das a u to rid a d e s centrais, sua ju ris d iç ã o era maior e
menos lim itad a do que a das reduções próximas aos povoado s
espanhóis. E também existiam os alcaides da irmandade, ou os
alc aid es rurais. No campo e nas paragens dista ntes exerciam a
mesma au torid ade que os alc aid es ordinários; porém, para evita r
abusos, não podiam c astig ar os réus sem antes levá-los ao
povoado. Tinham a in cum b ên cia de vis ita r as plantações
pa rtic ulare s e p e rseg uir os indivíduo s que não trabalh assem direito,
f is c a liz a n d o os tr ab alh os nas sementeiras comuns.®® Há
info rm ações de que em 1747 foi ne cessá rio que o padre provincial
pro ib is se "que os réus fic assem en treg ues às mãos dos alcaides,
porque estes, muito impulsivos, usavam torturas para exto rq u ir
confissões, levando até in ocentes a c onfessar graves delitos."
Pretend iam ev itar "que se con denasse o inocente, ou se castig asse
o d e linq üe nte com exce ssiv o rigor."®®

RUSCHEL, op, cit., p. 84.

FURLONG, op. cit., p. 371.

** HERNÁNDEZ, op. cit., p. 34-35, 111.


FURLONG, op. cit., p. 371.

BRUXEL, op. cit., p. 52.


216

0 alfe re s-re a l era o chefe m il it ar com andante da milícia e


depo sitário do esta nd arte real.®° 0 alg uazil era policial e oficial de
justiça, exe cuta va as ordens do cabildo, cum prindo os mandados do
corregedor, dos alcaide s e de outras autoridad es. Era ele quem
levava a vara.®^ 0 escr ivão era o se cre tário que registrava tudo que
se decidia, redatando os acordos, au toriz ando os despachos. Era
ele o responsável pelo livro do cabildo.®^

O p r o c u ra d o r era uma espécie de promotor pú blico ou


de pu tado dos povos ju nto às au torid ad es a d m in is trativ a s e ju d ic ia is
de Buenos Aires, Assu nçã o e Espanha. Eram os r e p r ese ntan tes do
povo junto aos tr ib u na is cha mad os de A udiências, "para os quais
cabiam recursos em certos casos, das de cisões dos ca b il da ntes ou
do Cabildo, se gundo a organiz ação ju d ic iá r ia espanhola daqu ele
tempo".Mas o cargo de pro cura do r público não perten cia ao
cabildo, em bora estiv esse sub sua jurisdiç ão.

Além das au torid ad es do cabildo existiam outras au xiliare s,


que lhe eram sub ordin adas: o mordomo era o encarregado dos
depósitos, gu arda e fis c a liz a ç ã o dos bens de consumo; os oficiais
de guerra exerciam au torid ade sobre seu povo nas guerras colon ia is
em que eram c onvocados a in gre ssar nas tropas espan ho las; o
mestre de música, que tinha grande importância, uma vez que a
música pe rm eava o seu cotidiano; os alcaides de ofício, que
controla vam os diversos grêmios de associa ções profissiona is; os

90RUSCHEL, op. cit.,p. 84.


BRUXEL, op. cil., p. 50.

Id. Ibid. p. 50, 84.


HERNÁNDEZ, op. cit„ p. 111-112.

52 RUSCHEL, op. cit., p. 84,


HERNÁNDEZ, op. cit., p. 112.

^^RUSCH EU op. cit., p. 84


217

alcaides de mulheres e jo ven s eram os res p on sáv e is pelo tr ab alh o e


pela sua pro d u tiv id a d e dos jo vens e das mulhe res na fiaçã o e na
t ecela gem do algodão; e o sa cris tã o que era o responsável pelos
cuid ados com a igreja.®^

Os in te gra ntes do cabildo gozavam de certos privilé gios: eram


isentos de tributação; seus filh os tinham o direito de ir à escola;
possuíam lugar de destaque na igreja; recebiam boas vestim e nta s,
raçõ es de carne em dobro e demais suple men tos, além das
h o nra ria s c o rre s p o n d e n te s aos seus cargos.®^

A maioria dos cargos eram eletivos, à exceção do de


c o rre g e d o r e do de tenente de correge do r. 0 cura in dicava os
caciq ues para ocupar tais cargos, e o g o v e rn a d o r os nomeava,
assim como, também san cio na va os demais membros que eram
ele itos para o cabildo, sem con he cer pe s s oa lm e nte nenhum deles. A
pa rtic ip aç ã o das a u to rid a d e s esp an ho la s no processo eletivo e de
no meação dos cargos não pa ssava de mera form alid ade, mas
s ig nifi c ava "a man ute nção do controle da metrópole, através de seu
r e p rese ntan te local, sobre todos os segm entos da s ociedade
global".^

As eleiçõe s para outras funções do cab ildo eram idênticas às


dos demais m unicípios da m etróp ole e da colônia, ob serva ndo os
mesmos ritos e prazos legais. Tudo isto acontecia de form a
c o n serv a do ra e autoritária, de acordo com o regime político

94 íd , Ibid., p. 86.

95KERN, op. cit.,p. 49-50.

96 Id , Ibid. p 50-51.
218

ab s olutis ta da época, pois dela partic ip ava m apenas a minoria, ou


seja, os membros do próprio cabildo.®^

Mas o que se pode ap o n ta r como dife ren te das demais


eleiçõe s m un ic ipais era a pa rtic ip aç ã o dos curas, "cuja a s c e nd ên cia
morai e relig io s a influíram de maneira de cisiva no processo
e letivo."^

As eleiç ões eram anuais e as ativ idades a d m in is tr a tiv a s


iniciavam nos primeiros dias do ano. 0 cargo do c o rre g e d o r era
v italíc io ou em algumas oc asiõ es du rava cerca de 5 anos; os outros
cargos eram renovado s anualmente.®®

Em fin a is de dezembro, reuniam -se os membros do cabildo e


de li be ra vam quais deveriam ser os can dida to s capazes de exe rc er
as suas fun ç õe s para o ano seguinte, e, após o acordo,
a p rese ntava m a lista dos indicad os ao cura, que dava seu p a re c e r
final, ap rov a nd o in te gralm ente a lista dos ca ndid ato s ou f a ze nd o
m od if ic a ç õ e s caso consid erasse alguém indigno.

Ap e sa r do quase m onop ólio dos caciques, os a s p ir a ntes a


cargos pú blic o s não deviam ser n e c e s sa ria m e n te caciques, pois
também preva le ciam o tale nto e a cap a c id a d e individual, de acordo
com os padrões dos padres, isto é, uma vida cristã exemplar:

“ Os in d iv í d u o s as c e n d ia m por seu mérito e v a l o r e s


pes so ais, entre os qua is se d e s t a c a v a uma vida cristã ex em pl ar ,
pois 'era pre ciso est ar entre os mais d i gn os '. Este fatu c o l o c a v a

9'^ Id, Ibid.,p. 51.

Id, Ibid, p. 52.

99 HERNÁNDEZ. op. cit., p, 109,

100 FURLONG, op. cit., p. 367.


219

nas mãos do Cura e dos m em br os do Ca bi ld o uma a t iv i d a d e


pol íti ca i m p o r t a n t e , qual seja, a de j u l g a r c o n t in u a m e n t e o
c o m p o r t a m e n t o dos i n te g r a n te s da c o m u n i d a d e m is s io n á r ia e
s e l e c io n a r , de n tre os mais hábeis e praticantes" dos v a lo re s
c ris tã os , os que pod eriam ser s e l e c io n a d o s para uma as c en s ão
social.

No processo de esco lha de pessoas dign as para os cargos


públicos, as c on gre ga ç õe s exerciam papel muito importante, pois
estima-se que con centra ssem dez por cento dos fiéis e
'I

pro vave lm e nte estes seriam con s id era do s os mais dignos. A


c om posição das c on gre ga ç õe s era a seguinte:

“ Nelas eram ad m it id o s os i n d i v í d u o s dos dois sexos.


Ass im, na C o n g r e g a ç ã o de Maria p a r t ic ip a v a m os c a c i q u e s e
t oda s as pe s s o as mais c o n s i d e r a d a s e mais v i r t u o s a s da
Missão. A c o n g re g a ç ã o de São M iguel era para os jo v e n s de 12
até 30 anos. Foram cr iad as ainda as C o n f r a r ia s da Boa Morte e
do S a gr a do Co ra çã o de Jesus.

Os eleitos para o cabildo nomeavam os outros fu n c io n á r io s


das missões; o mordomo, os oficia is de guerrra, o mestre de
música, os alcaide s de ofícios, os alcaide s de mulheres e jo v en s e o
sacristão.

A solen id ad e de posse dos membros do cabildo era no dia


primeiro do ano. 0 local era em fren te da igreja, na praça central,
onde toda popu lação se reunia para a s s is tir ao evento. 0 cura
pre sidia a cerim ônia discursa nd o a respeito dos benefícios de um
bom governo. Em seguida chamava os novos dirigentes, cada qual
ajo e lh ava -s e na fronte do Santo Sacramento, recebia a sua
insígnia^°^ e sentava em lugar pre v ia m en te de stinado . Encerrava-se

'01 KERN, op. cit. p. 53.

102 id , Ibid, p. 53-54.

Id., Ibid., p. 52.

'O'* O corregedor recebia um bastão com punho de prata, os alcaides, as varas, o sacristão, as chaves da igreja, o
alferes, p estandarte e o escrivão, o liwo do cabildo.
220

o ato de posse com missa solen e e ba nq ue te oferecid o pelos


je s u íta s aos novos e m p o s s a d o s . 105

Mas ap esa r de ex is tir toda esta hie ra rqu ia po lí tic o -


ad m in is trativ a , c ontrola da pelos indíge na s, existia uma au torid ad e
s up erior a todos que era a do cura e a de seu com panheiro,
re p re se n ta n te s do governo espan ho l com au torid ad e conferid a pelo
Real Patronato. Todas as ativ ida de s das missões estavam sob a
su p ervisão do cura, a com e çar pela escolh a do c o rre g e d o r e a
ac eit ação da indicaçã o dos demais membros do cabildo, e todos
eles tr ab alh ava m sob supervisão, direção e controle do c u r a . 106

Oficialm ente, a a d m in is traçã o da ju stiça ficava ao encarg o do


c o rre g e d o r e dos alcaides, mas, na prática, a maioria dos processos
eram rev isad os pelo cura antes da sentença final. Em casos mais
complexos, o cura deveria con s ulta r o s up erior ou algum j u r i s t a . 107

Os curas eram ju iz e s de pleitos que s olu cio navam pequ en as


causas no in te rio r da missão. Porém, nos casos de ap elaçã o de
pleitos en volven do índios e o cura, ou entre reduções, havia ju iz e s
o f i c i a i s . 108 Além disso, os in díge na s po de ria m recorrer da sentença
dos padres, aos superio re s das missões que faziam visita s anuais, e
ao p r o v in c ia l que visita va as missões a cada três a n o s . 109

105 KERN, op. cit., p. 52-53.

106 FURLONG, op. cit. p. 268.


Como se observará no decorrer deste trabalho, era o padre "quem impunha o código penal castelhano (...);
instruía os turnos de trabalho (...); determinava os horários de culto e de lazer (...); as regras morãis (censura) e
de convivência (policiais); era ele quem decidia sobre a organização das milícias", etc. (BACK, Silvio.
Socialismo biônico dos Sete Povos das Missões. Anais da I Jornada Regional da Cultura Missioneira. Santo
Ângelo: Centro de Cultura Missioneira, 1985. p. 115.) ~

107 BRUXEL, op. cit., p. 52.

108 FURLONG, op. cit., p. 263.

109 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 121.


221

Toda le gis lação aplicada às reduções era regida pelas Leis


de índias, mas nem sempre eram s u fic ien te s e adeq ua da s para o
caso con creto das missões, e por solic it a ção papal, o Rei Felipe III
concedeu em 1620, aos je s u íta s da América, a autoriz a ç ão para
red igirem o seu esta tu to próprio de acordo com as suas
necessidade s, co n s titu in d o - s e o Livro das Ordens, que era o seu
corpo legislativo, do qual cada redução deveri a ter um e x e m plar
para ga ran tir a u n if orm ida de do proced imento.

Mas era apen as uma aparente au tonom ia le gisla tiv a e


ju dic iá ria, pois em nenhum outro local da Am érica Espan hola se
resp eitou tanto o "real direito e do m ínio " e se exerceu com mais
f id e li d a d e o "real patronato e a ju r is d iç ã o ec le s iá s tic a " do que nas
missões jesuíticas.^^^ Isto dem on stra bem o caráter legalista dos
jesuítas. Além da o r g an iz a ç ão p o lí t ic o - a d m in is t r a t iv a dos cab ildo s,
existia também uma og an iz a ç ão m il it ar nos Trinta Povos das
Missões.

3.2.3 O Sistema M ilitar

Para ex p li c ar a existê ncia de um exé rcito e de uma es tru tu ra


m il itar nas Missões Jesu íti cas do Paraguai, é im portante cit ar o
papel das reduções relig io sas es panhola s na ocupação e na defesa
das fro n te ir a s do império colonial espanhol. Durante o século XVII,
as reduções se fixaram nas regiões fr o n te ir iç a s do império: ao
norte, os f ra n c is c a n o s ocuparam a Alta Califórnia, o Texas, o Novo

HERRERO, Beatriz Femández. La utopia <le América: Teoria. Leves. Experimentos. Barcelona:
Antropos, 1992. p. 322.

Id , Ibid, p. 322.
222

México e a Flórida; os je s u íta s in sta la ram -s e do Arizona à Baixa


Califórnia; ao sul, fundaram reduções do Orenoco, Amazonas,
alti plan o bo livian o e bacia do Prata.

Após a de struiç ã o das prim eiras reduções do Paraguai


(Guairá, Itatim e Tape), a ausência de apoio m ilitar espan ho l e a
d ific u ld a d e de en via r trop as es panhola s até o local fizeram com que
a Co mpanhia de Jesus s o lic it a ss e à Coroa licença para obter armas
e form ar um e x é r c i t o , p a s s a n d o a a u x il ia r m il it arm en te o govern o
espanhol, como afirma Kern;

“Aos olho s das a u t o r id a d e s e sp a nh ol as , a v it ó r ia de


1641 provou 0 acer to da medida to ma da pelos j e s u í t a s . As
ações p o s t e r io r e s con tr a os índios nô m ad es (G u a ic u r u , Yaró,
iVlinuano, Ch ar ru a etc.), cont ra os po rt u g u e s e s da C o lô n ia de
S a c ra m en to , e mesmo contra os r e b e l d e s de A s s u n ç ã o ,
co n s o li d a r a m a d e c i s ã o to m a d a , e as tro p as g u a r a n is p as s a ra m
a ser r e g u l a r m e n te u t il iz a d a s como tr o p a s a u x i l i a r e s pelos
g o v e r n a d o r e s locais.

As au torid ad es locais passam a de pender do Exército Guarani


para d e fen de r-se dos índios não red uzidos e das incursões
portug uesa s, e para pro teg er Buenos Aires e a Co lô nia de
Sacramento.Sendo assim, em 1649 fo.i prom ulg ada a Provisão
Real que defendia os direito s e de veres das reduções ante a Coroa
Espanhola, is entando-as da "e nco m ie n da " e da "mita", red uzindo os
tributos, a apenas um peso e oito reais por ano. Em c on trap artid a ,
deveriam gu ardar a f ro n te ir a com o Brasil e estar sempre à
disposiç ão para qu alqu er necessida de militar das a u to rid a d e s
locais

KERN, op. cit., p. 150-151.

Ibid.,p. 150.

'i'* Id., Ibid., p. 151.

' ‘M d.,Ibid, p. 152.

Ibid., p. 153.
223

Houve muitos pro testos, p r in c ip a lm e n te peios e n c o m e n d e ir o s


locais contra o arm am ento dos índios reduzidos. 0 arg um e nto era "o
temor de uma s u b le vaç ã o local, perda da vantagem que os brancos
tinham sobre os na tivos com as armas de fogo, falta de c o n fia n ç a na
con versão e va ssala gem dos in díge na s das Missões". As tr op as
indíge na s possuíam cerca de o ito c en tas armas, o que e q ü iv a lia a
todas as gu arn iç õ es ju ntas de Buenos Aires, Assunção e Tucuman.
Porém, 0 f a to r d e c is iv o na man ute nção do Exército Guarani foi a
ne cessidade da Coroa de resg ua rda r as suas fro n te ir a s do avanço
português.

Mas existiam algum as lim it açõ es com relação ao porte de


arma de fogo, conform e o art. 57 do R e g u la m e n to G eral de
D o u trin a s do ano de 1689: “ No se permita que nu estros índios
tengan en su casa armas de fuego, ni usen de ellas como suyas, y
si alguno tuvie re alguna, recójase y pó ngase en Ia arm ería común. Y
cuando van a algún viaje, no Ias llevarán sin licencia dei Padre que
cuida de la Do ctrina o dei S u p e rio r . ” "®

No depósito de armas, também ficava a ba ndeira e o retrato


do Rei da Espanha, além de símbo los militares como: os tam b o re s e
as insígnias dos chefes militares índios, as band eiras e as insíg nias
da Redução e os un iform es de d e s f i l e . ” ®

A es trutu ra hie rá rqu ic a do exército das missões seguia a do


exército espanhol. A maioria dos oficia is era indígena" Em
dete rm in ad as ações m ilitares ju n ta v a m - s e a eles oficiais e s p an hó is

Ibid.,p. 183.

HERNÁNDEZ, op. cit., p. 598.

i'9K E R N ,op . cit.,p , 191.


224

desig nados pelos g o v ern ad ore s de província. Na sua falta,


ag regava-s e a eles algum je suíta que t iv ess e sido m ilitar na
Espanha. Ind e p e n d e n te m e n te disso, sempre havia um m ission ário
por perto. Os ofic iais in díge na s eram na sua maioria caciq ues e,
dentre eles, e s c o lh ia -s e um para ser o capitão. A partir de 1647,
eram nomea do s dois capitães, dois sargentos e dois capitães de
guerra.

Para form ar, in stru ir e trein ar o Exérc ito Guarani, vieram


alguns je s u íta s que já haviam sido m ilitares antes de ingressare m
na Co mpa nh ia de Jesus, des tac a nd o-se entre eles: Sebastian
Ramirez, José Guinet, José Fernández, Nicolás Lagua e,
princip alm ente . Domingo de Torres, que foi o in s tr u tor dos índios
no manejo das armas de fogo e também a s s is te nte técnico m ilitar na
form ação do Exé rcito Guarani.

O exérc ito c o n s titu i-s e por ca vala ria e infantaria, po ss uind o


as armas tra d ic io n a is in díge na s (arcos, flechas, fundas, bolas,
macanas e lanças), assim como as armas de fogo trazid as pelos
brancos. Após a org a n iz a ç ã o do Exército Guarani a partir de 1660,
foi nomeado um Capitan G en era l a G uerra y J u sticia Mayor, e
também foram dis trib u íd a s S u p e ri n te n d ê n cia s de Guerra regionais:

“ Dois S u p e r in t e n d e n t e s , e s t a b e l e c i d o s no alto Paraná e


no alto Uru gu ai de v ia m pr ec av e r as Miss ões de um po s s ív el
ataque dos pa u li s ta s . O S u p e r in t e n d e n t e do baixo Uruguai
(Yape yú) est ava e n c a rr eg a do da pr ot eçã o cont ra os at a q u e s dos
Charrua, Yaró, M bo ha ne e Gueno a. O S u p e r i n t e n d e n t e do
P a ra g u a i -P a ra n á ( P ue b lo s de abajo, ao sul de As s u n ç ã o ) ,
es tava e n c a r r e g a d o da v i g il â n c ia contra po s s í v e is a t a qu e s dos
A b ip o ne e G u a ic u ru . Tanto estes S u p e r i n t e n d e n t e s de Gu er ra,
como os dois C o n s u l to r e s de Gu er ra que a c o n s e lh a v a m a cada
um deles, eram ele m e nt os que c o n s t it u í a m uma Juntá ou

>20 id„ íbid, p. 186-187.

12>HERRER0, op. cit.,p. 330.


225

Con sel ho, a qual c o m p a r e c i a m os c a c iq u e s e p r in c i p a i s c he fe s


das M iss õe s locais.

Aos domingos, o c o r r re g e d o r passava tropa em revista e


eram rea li z ada s manobras m ilitares e sim ula ção de co m bate das
quais todos os homens eram obrig ados a p a r tic ip a r sob pena de
multa ou prisão. Uma vez por mês pra tic ava -s e tiro ao a lv o .^ ^ As
rondas no turnas também eram realizadas pelas milícias. Não havia
nenhum m ilitar profissio nal, pois em caso de guerra todos eram
con vocado s, portanto todos eram militares.

Quando o g o v ern ad or ne cessita va da colab ora ção do Exército


Guarani, solic it a va ao Provincial que se com u nicas s e com o s u p e rio r
das missões, o qual fazia diretam e nte a convoc a ç ão basea do no
censo anual dos povos, de term in an do quem deveria in c o rp o ra r-se
ao exé rcit o e as armas que de veriam utilizar.

Foram in troduzid os também, nas missões je s u í t ic a s um


direito civil, rep resentado por novo sistema de pro pried ad e (pública
e privada), uma org an iz a ção das ativid ades pro du tiv as e uma
m od if ic a ção na estrutura f a m ilia r Guarani.

>22 KERN, op. cit., p. 189.

>23 HERRERO, op. cit., p. 330.

•24 ld jb id ., p, 330.

'2 5 ld ,Ib id , p. 330-331.


226

3.3 0 DIREITO CIVIL

0 direito civil missio neiro possuía normas do direito can ôn ic o


e do direito cast elhano. Do direito can ôn ic o com relação ao direito
de fam ília e do direito c as te lh a no com relação ao sistem a de
proprie dade e nas rela çõ es de trabalho.

3.3.1 0 Sistema de Prop rieda de

Ao in ic ia r o assunto a respeito do regime de pro p rie d a d e


im plantad o nas Missões Jesu íti cas do Paraguai, convém r e p o rta r-s e
ao direito pú blico caste lh a no do século XVI.

A doutrin a da soberania real ap oiav a -se em dois princípios:


um de origem romana, o Im perium , le g iti m and o o poder real de
comand o sobre seus súditos; o outro de origem med ieval, o
Dom inium , ga ran tin d o ao rei o poder de posse sobre todo o t e r r it ó r io
do Estado. "Era a soberania a um só tempo ju s in pe rson am e ju s in
re." Tal con cep ção ga rantiu à Coroa am p li a r a proprie dade a todo
país que era submetido à soberania real, inclusive as terr as
con qu is tad as na América.

Então, os reis ibéricos c o n s id e ra v a m -s e "ca n d id a to s


preferen c ia is à posse de toda a terra am ericana ":

“ Com 0 dire it o de c o n q u is t a que j u lg a v a m ter, j u lg a v a m


ta mb ém ter o de d e s a p r o p r i a r os le g ít im o s p o s s u id o r e s
in d íg en as e c o n v e rt e r a te rra , p r im e ir o em re ale nga e logo mais
em p a r t ic u l a r dos c o n q u is t a d o r e s brancos. De modo que antes
das ex p e d iç õ e s d e s c o b r id o r a s e c o n q u is t a d o ra s , já os reis e

126 RUSCHEL, op. cit., p. 78.


227

seus encarregados se consideravam como c a n d id a to s à


127
po s se ss ão , e c a n d id a to s p r e f e r e n c i a i s . ”

Com 0 intuito de in c en ti v ar c o n q u is ta d o re s particulares, os


reis de Espaniia e Portugal, tr an s fe rir am aos " e m p re s á rio s " o seu
d ireito à conquista, "e também lhes davam a fa c u ld a d e para
ad ju dic ár-s e certa porção do c o n qu is tad o e dar o resto a seus
co m p an he iro s subordin ados, reservando certa po rc entagem ao
r e i . "^2®

Além de e x p lo ra r a terra à qual tinham direito de posse, os


c o n qu is tad ore s também explorava m a po pula ção nativa que já
habitava aquela região, através da m ão-de-o bra e do pagam en to de
impostos. Mas o rei perm an ecia sempre com o alto domínio sobre as
terras doadas, podendo disp or de sses bens, à medida em que o bem
pú blico o e x i g i s s e . 0 te rrit ó rio dos T rin ta Povos das Missões, não
havia sido ainda efe tiv a m e n te co nquistado, nem por meios
pacíficos, nem por meios militares, antes da chegada dos je suítas,
nem o rei, nem p a rtic ulare s tinham sua posse.

Inspirado na tese do ju ris ta Francisco de Vitória, que ga rantia


aos indíge na s o direito de pro pried ad e aos seus bens originários,
desde que se suje itasse m à Coroa p a c if ic a m e n te ,^ ^ no início da
prega ção dos je s u íta s na região platina, o rei de Espanha, por
inte rm édio de seus le gítimos rep rese ntan tes, os g o v ern ad ore s de
A ssu nçã o e Buenos Aires, cessou qu alquer doação a n te rio r que
pudesse existi r e confirm ou a posse do te rrit ó rio aos índios Guarani,

BRUXEL, Amaldo. O sistema de propriedade das reduções guaraníticas. Pesquisas. Porto Alegre: lAP, n. 3,
1959. p. 53.

Id., Ibid., p. 47-48.

'29 Id., Ibid., p. 46,

‘30 RUSCHEL, op. cit., p. 79.


228

desde que se c onvertessem tem poral e e s p ir itu a lm e n te pelos


membros da Companh ia de Jesus, sub m ete ndo -se pacífi ca e
v olu n ta ria m e n te ao rei da Espanha, adqu ir in do alguns dire ito s e
alguns deveres.''^^

Os direito s concedid os pelo rei de Espanha eram:

"O de f ic a r e m para sem pr e na posse de t oda s as t e rr a s ,


que tinha m herda do de seus a n te p a s s a d o s , de nunca te re m que
ir s e r v ir pe s s o a lm e n t e aos es pa nh ói s , como os ou tr os ín di o s
s u b m e t id o s à Coroa, de nunca serem d i r e t a m e n t e g o v e r n a d o s
por es pa nhó is , mas por c o r r e g e d o r e s e o f ic i a is de sua raça, sob
a dire ç ã o dos pad res da C o m pa nh ia .

Em contrapartida, os seus deveres para com a Coroa:

" A c e it a r o c r i s t i a n i s m o e a vida civil c o r re s p o n d e n t e ,


c on s e rv a nd o, é claro, tu do q u a nt o de sua vida ant iga pu d es se
ser c on s e rv a d o : pa g ar um peq ueno tr i b u t o não já aos
co br ad or e s in fe r io re s , mas d i r e t a m e n t e à Caixa Real, em
Buenos Aires, por meio dos padres da Co mp a nh ia ; dar a u x í li o
m il i ta r aos g o v e r n a d o r e s , qua nd o le g it im a m e n t e r e q u e r i d o s para
tal; não h o s t il iz a r os e s p a n h ó i s e d e f e n d e r a f ro n te i ra con tr a os
inim igo s do l e s t e . ”

Desta forma, o rei de Espanha "conse rvou ap enas a


sob era nia pessoal, o domínio im inente sobre os índios, g a r a n tin d o -
lhes in te ira m en te a pro pried ad e sobre os bens, móveis e im óveis."
Mas não abdicou do alto domínio sobre o território das m is s õ e s . ’^

*3* BRUXEL, O sistema de propriedade das reduções guaraníticas, p. 48-49.

Id. Ibid., p. 49.

1” Id. Ibid., p. 49-50.

'^'‘Baseado no princípio do alto domínio, o Estado Espanliol desapropriou parte do território das missões, mais
especifiamente os Sete Povos Orientais, no Tratado de 1750,:"se o bem público o exigia com bastante gravidade,
naturalmente com a obrigação de dar a conveniente indenização pelos bens imóveis que não poderiam
transportar, e de dar tempo e meios convenientes, não só para levar os bens móveis e semoventes, mas também
para preparar convenientemente as novas sedes dos povos na terra que o rei lhes desse em compensação das
antigas". (Ibid, p, 51.) Este foi o primeiro grande golpe ao direito de propriedade dos índios, pois teriam de
abandonar os seus bens imóveis, podendo levar consigo apenas os bens móveis e semoventes. Por este motivo
houve a revolta dos índios, resultando na Guerra Guaranítica, que perdurou durante os anos de 1753 a 1756.
229

Conforme Ruschel, o rei nunca foi p r o p rie tá rio dessa região, visto
135
que ela nunca foi c onquis tada de fato.

Outro fator que é im portante f r is a r em relação ao re gim e de


propriedad e das missões, segun do autores pe squisados, é que o
te rrit ó rio das Missões Je su íti cas do Paragu ai nunca p e rten c eu á
Companh ia de Jesus, apenas c o m p etia -lh e a d m in is tra r os seus
bens. Os je suítas eram somente p r o p rie tá rio s do m eio-sold o de
pároco que era pago pelo rei, da a lim e ntaç ã o que recebiam dos
indígenas e de al guns ob jetos de uso pessoal. Não eram donos nem
136
da casa em que moravam.

No início da form açã o das reduções, cada cacique indíge na


trazia, para ser anexada aos bens co m unitá rio s, a posse dos bens
de sua própria tribo, form ando-se, assim, a pro p rie d a d e co le tiv a das
missões. Os caciq ues conserv avam as suas antigas pro p rie d a d e s
territoriais, desde que estivessem próximas á redução. Qua nd o o
te rrit ó rio e a popu lação to rn av a m -s e muito grandes, nova redução
era funda da em outro local.

De acordo com Ruschel, "o índio era o legítimo dono, por


legitimação decorre nte da sua 'lo n g is sim i tem poris possessionis ',
por expresso r e c o nh ec im en to do rei de Castela", tra ta n d o -s e de
autêntico direito natural, "l egiti m ad o pela ordem ju ríd ic a positiva
cas te lh a n a ".''^

(RUSCHEL, O direito de propriedade dos índios missioneiros. Veritas. Porto Alegre: v. 39, n. 153, 1994. p.
116)

RUSCHEL, O sistema jurídico dos povos missioneiros, p. 79, 74.

BRUXEL, O sistema de propriedade das reduções guaraníticas, p. 52.

RUSCHEL, O direito de propriedade dos índios missioneiros, p. 111.

RUSCHEL, O sistem a ju ríd ico dos povos m ission eiros, p. 80.


230

Mas é bom de ixar reg is trad o que todas estas "f a c ilid a d e s " em
relação à con cessão do direito de pro pried ad e das terras aos
Guarani, e o apoio ao projeto dos je s u íta s de c a te q u iz a r os índios
da região platina a co nte ceram em fun ção dos in te resses p o lític os da
Coroa Espanhola na região, e não no sentido de g a ra n tir e pro teg er
os direitos dos índios.

O go v ernador do Paraguai sugeriu à Coroa a ação dos


je s u íta s na região, pela d ific u ld a d e de subm eter os 150.000 índios
do Guairá por força militar. Felipe III proibiu em 1608, por Cédula
Real, o uso da força na s ubm issão dos índios, passando esta
in cum bência aos je suítas.

Era de suma im portância para a Coroa espanhola in c o r p o r a r à


sua soberania te rrit ó rio s que ainda não tinham sido con q u is ta d o s e
que se localizavam em regiões limítrofes, como as po s s es s õ es
portug uesa s. A crise econôm ic a da metrópole d ific u lta v a uma ação
direta do governo espanhol para cum p rir essa tarefa, assim como o
pouco interesse dos colonos em povoa r a região devido à es cassez
de recurso s minerais e a proib ição da captura de indígenas.^"®

Bruxel cla ssificou a pro pried ad e ad otand o o critério do sujeito


que tem direito a ela, enum erado do mais alto deten to r de direitos,
re p rese ntad o pelo rei ou a nação, até o mais baixo d e te n to r de
direitos, cara c teriz a do pelo in divíduo ou cada índio particular.
Segundo ele, a proprie dade real engloba "os direitos que a lei
escrita e c o n s ue tud in á ria daqueles tempos concedia aos reis".

RUSCHEL, O direito de propriedade dos índios missioneiros, p. 109.

140 id , Ibid, p. 110.


231

referente ao te r r itó r io m etropolitano e às colônias, "antes e depois


da con qu ista".

0 direito do vice -rei ou au diência real eram os meios dos


quais dispu nh a para in te rfe rir em questões de propriedade,
norm alm ente c o inc ide ntes com os direitos reais, com algu mas
restrições impostas pelas Leis de índias. Os direitos in te r p r o v in c ia is
eram aque les que poderiam ter sido an exados ao te r r itó r io dos
Trinta Povos, isto é, às províncias contíg uas: a do Paraguai, a do
Rio da Prata e do Brasil.

A pro pried ad e provincial era "a posse que com petia ao


conjunto dos Trinta Povos (...) con sid era do s como um todo, como
uma pessoa ju ríd ica, por si, em questões de propriedade."^"®
Possuíam uma espécie de alto domínio desde que não feris s e o alto
domínio do rei e de seus rep rese ntan tes na América.

As vacarias eram comuns. A Va caria do Mar c om preendia o


sudeste do Rio Grande do Sul e quase todo o Uruguai, e a V a c aria
dos Pinhais, no planalto do no rdeste do Rio Grande do S u l. ’"'^

Os Ofícios das missões, lo calizados nos colég ios da


Companhia em Santa Fé e Buenos Aires, no qual cediam o terreno
ou vendiam ou cediam o usufruto do terreno. Pelos Ofícios
passavam todas as compras e vendas que os povos faziam para fora
ou entre si.

BRUXEL, O sistema de propriedade das reduções guaraníticas, p. 38-39.

Id., Ibid, p. 39.

Id., Ibid, p. 40.

Id., Ibid., p. 82.


232

Os elem entos que constituíam a sua p ro pried ad e eram:

"O terr en o , os e d i fí c io s de m or a d ia e a r m a z e n a g e m , os
s e r v e n t e s dos arm az éns , os o b j e t o s a r m a z e n a d o s , o d in ii e ir o
em ser e em contas a cobrar, o c r é d it o ou bom nome c o m e r c ia l
que ti nha o Ofí cio das Mi ssões, os pr od u to s que est ava m
v ia ja n do para os seus d e s ti n os , se iam por conta e risco de
Ofício, e não do c om pr ad or , os p r o d u to s d e p o s it a d o s em t oda s
as p r o v í n c ia s aquém e além dos A n d e s e que e s p e r a v a m a
venda, bem como os pr od u to s ou d i n h e i r o com que se pagara a
venda e ainda não ent rara na P r o c u r a d o ri a .

Também perten ciam à propriedade dos Ofícos das missões,


os escritó rio s e de pósit os onde perman eciam os exc e de nte s de
produ ção pro ven ie ntes das missões, até o momento de serem
comercializados.''''®

A pro prie dade in te r- red ucio na l c a r a c t e r iz a v a - s e pela posse


conjunta, ou por obra comum de duas ou mais reduções sem
perten cer aos Trinta Povos como um todo. Em nenhuma
docum e ntaçã o foi feita referência a tal tipo de propriedad e, mas
pro vave lm e nte deve "ter havido muitas de stas coisas e obras, como
pontes, estradas, exp lo raçõ es de ervais nativos, de matos de
madeiras esp eciais, pedreiras, oficinas, em barcações, estâncias".

A proprie dade municipal era aquela c o r r e s p o n d e n te a uma


única redução. Pertencia a todo o povo da redução. Era com posta
pelo "c onju nto dos territ órios que possuíam os caciqu es e seus
vassalos."^''®

Id„ Ibid.. p. 86.

RUSCHEL, O sistema jurídico dos povos missioneiros, p. 82.

BRUXEL, O sistem a de propriedade das reduções guaraníticas, p. 40, 98.

Id., Ibid., p. 40, 100.


233

Cada redução tinha os seus próprio s bens, que eram


in tr a ns fe rív e is , pois o R e gu la m e nto de D o u trin a s de 1637 proibia
que o s up erior geral tomasse os bens de uma redução para dar a
o u t r a . M e t a d e da terra cultivada p e rten cia à com unida de , chamada
de Tupambaé, ou coisas de Deus, onde todos deveriam tr a b a lh a r
gratuit am ente, pois a sua produ ção revertia em be nefíc io de todos:

"Eram a l im e n t a d o s e v e s t id o s os doe ntes, os ve lh os,


t oda s as cria nça s, até a idade de c as ar (15 anos para me ni n as
e 17 para ra pazes), to d a s as viú v as , out ra s m u lh e re s que
m ora vam no c ot igu açu (a silo), t o d o s os ho m en s que iam a uma
ex p e d iç ã o m il i ta r ou de t r a b a lh o . Além disso o T u p a m b a é
fo rn ec ia pro du to s para v e n d e r e t e r o d i n h e i r o para pa g ar t o d o s
os im pos to s, (um peso por v ar ão entre 18 e 60 anos,
e x c e t u a d o s os poucos que e s ta v am ise nto s), e s o b r e t u d o para
c o m p r a r cada ano por 6-7 mil pesos e, em al gun s anos muito
mais, para a igreja, para as of ic in as , e t c . ” ^^°

Além das áreas de stinadas à agric ult ura, também possuíam


as terras de extração de ervais e matas, as terras de moradia, as
terras de circu la ção e as terras baldias. Fazia parte do Tupam baé a
horta dos padres, que norm alm ente ficava atrás do colég io e da
igreja. Os seus produtos eram d is tr ib u íd o s da seguinte forma: "as
flores para a igreja, as frutas e hortali ç as para os padres, doen tes e
crianças.

Os ed ifício s públicos incluíam todos aq ue les que não eram


exclusivos das fam ílias e dos indivíduos: as igrejas, capelas,
ora tório s, cemitérios, colégios, oficinas, os ed ifícios para a
a d m in is traç ã o pública, hospitais, cárceres, cotiguaçu, a casa de
hóspede s etc. Os bens móveis eram todos os ob jetos que
perten ciam aos ed ifícios públicos, os meios de tran spo rte t e rre s tre e
fluvial, barcos, balsas e canoas.

HERNÁNDEZ, op. cit, p. 591.

BRUXEL, O sistema de propriedade das reduções guaraníticas, p. 104.

' =' Id, Ibid., p. 104, 112.


234

Os bens sem oventes eram os anim ais de corte, de tração, de


montar e que forneciam a lã.^^^Os an im a is de carga e de tra n sp o rte
eram em prestados das com unidades às fa m ília s e indivíduo s, mas
em relação aos an imais de montaria, os regula m entos faziam
1
restrições, auto riz a nd o apenas a posse de bois e asnos.

A proprie dade cacical, geralm en te um imóvel era "re s e rva d a


aos caciques e seus vassalos dentro de cada povo", a b ran ge nd o
casas, região de lavoura, em que o ca ciqu es “ e seus vas sa lo s
trabalh avam como em proprie dade do seu c a c ic a d o ". ^ ^ Após o
descan so do seu uso por anos consec u tiv os , essa pro pried ad e
revertia ao uso comum, podendo ser doada ao Tupambaé ou a
particulares.

0 cabildo determ in av a qual terra lavrável ficaria ao encargo


do cacique. Este, por sua vez, d is tr ibu ía cada pedaço de terra a
cada família; às vezes, as fam ília s escolh ia m a parte que lhe
interessava, desde que não houvesse conflito de interesses.
Durante anos a fam ília explorava essas terras até o seu
esgotamento. A partir daí ela retorn ava ao cacique e,
c onseqüentem ente, ao bem comum, r eto rn an do a outra família, após
sua recupe ração. A posse da casa também era obtida a título
transitório.^®®

>52 id., Ibid, p. 130.

HAUBERT, op. cit., p. 203.

BRUXEL, O sistema de propriedade das reduções guaraníticas, p. 41.

'5-Md, Ibid., p. 141.

156 id.^ Ibid., p. 142.


235

A propriedad e fam il ia l era a posse de d e te rm in a d o s ob jetos


de que o indivíduo só poderia dispor à medida que fosse a u toriz a do
pela f a m í l i a . S ã o eles: al guns anim ais de estim ação como
pa pagaios, pássaros de cantõ e de plumagem colorida, macacos,
c a x ing ue lê s , cachorros e gatos; os in stru m en to s agrícola s;
machados, sacos, cestas, redes de tran s po rte de colheita; com
exce ção das armas de fogo, as armas de caça e de pesca po de ria m
perten cer à fam ília ou ao indivíduo; as canoas e balsas que não
pe rtenciam ao uso comum, os in stru m en to s de trabalh o dom éstic o,
os móveis da família e as estátu as de barro e de madeira eram
pro pried ad e da família.

E, finalmente, a p ro pried ad e individual, que "se referia a


coisas de que o in div íd uo tinha pleno domínio, ju s u te n d i e
abutendi, de fazer com elas o que qu is e sse." Era a posse real do
indiv íd uo de algumas armas de caça e pesca, de ves tim e n ta s e de
adornos.

Existiam duas c a te go ria s de bens: o Tupambaé, coisas de


Deus, que consistia na pro p rie d a d e de uso coletivo, e o A bam baé,
coisas do homem, para usufru to fa m ilia r ou individual. Na
realidade, o Tupambaé con s tit uía um conjunto de bens e de
em presas gerido pela com unida de , mas ad m in is trad o d ire ta m e n te
pelos j e s u í t a s . ’'®^

>57 id jb id ., p. 41.

Id, Ibid, p. 41, 146, 149, 150-15 L 153, 157.

Id, Ibid, p. 41, 166-168.

RUSCHEL, O sistem a jurídico dos povos m ission eiros, p. 80.

161 HAUBERT, op. cit., p. 104.


236

Com relação ao Abam baé, os padres, na condição de tutores


dos índios, também a d m in is trav a m o trab alh o d e s en volvid o em seus
bens de fam ília e pa rticula res, assim como os bens d e c o rre n te s
deles, pois o efetivo direito de posse desses bens era relativo.
"Podia dispor à vontade, mas se o m alb ara tava fic a v a sujeito a
rep rim endas e castigos, não porque não se lhe re c o n h e c e s s e o
dire ito de dispor, mas porque era criança grande e era n e c e s s á rio
ed ucá-lo e acostum á-lo a agir de acordo com a responsabilidade."^®^

Kern afirma que o Tupam baé orig in ou-s e da fusão do


co m u nita ris m o je suític o com o c o m u n ita ris m o tribal dos Guarani.
Mas o que se constata é que, a n te rio rm e n te à cria ção das Missões
Jesuíticas do Paraguai, Felipe II, através das cédulas reais de 1565
e 1598, já determ in ara que nos povoado s de índios deveria e x is tir
uma pa rcela de bens de stin a do s ao comum e outra aos partic ulare s.
Poste riorm ente, essa decisã o foi integrada na R e co m p ila çâ o de Leis
de índias, e Felipe V veio co n fir m a r tal disposição na cham ada
Cédula Grande, em 1743.^®^

Embora a Espanha estiv e s se ingressando numa econom ia


mercantilista, própria da tra n s iç ã o da Idade Média para a Moderna,
ainda convivia com resquício s e in fl uê nc ias medievais, como a
proprie dade coletiva dos cabildos municipais. Portanto, pode -se
con c lu ir que o Abam baé, a pro pried ad e pa rtic ular das m issões -
teve sua influência nos preceitos do capitalismo, mas o Tupambaé,
a propriedade comunal - teve in fluência do sistema e c o nô m ic o
medieval europeu. A única inovação foi a su bstituição do nome

BRUXEL, O sistema de propriedade das reduções guaraníticas, p. 158.

•63 k e r n , op. cit., p. 72.

GIORGIS, Paula Caleffi. Propriedade e manutenção das reduções jesuíticas com os índios Chiquitos. Anais
do X Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros, 1993. p. 171.
237

europeu por uma palavra indígena para d e fin ir cada tipo de


propriedade.

Em função do novo sistema de propriedad e, pela cria ção de


novas necessidade s, é in trodu zida a s is te m a tiz a ç ã o e a o r g an iz a ç ão
das ativid ades pro du tivas, t ra n s fo rm a n d o as rela çõ es de tr ab alh o
Guarani.

3.3.2 As Re laçõe s de T raba lho

Dentro desse novo padrão soc io e c o n ô m ic o da seden tariz a ç ão ,


da c o n c en traç ão e da urbanização da po pula ção indígena reduzida,
aparece a org an iz a ção produtiva. A tutela relig io sa faz com que o
tra balh o organiz ado passe a ser uma ob rig aç ã o para homens,
mulheres e cr ianças, assumindo uma força m oralizado ra,
desconhecid a para as po pula ções indígenas. A idéia dom in ante de
que os índios eram um povo preguiçoso, incap az e órfão incentiv ou
a impla ntação de um sistema produ tivo nas reduções, sendo um dos
obje tivo s "h um a niz á -lo s" pelo trabalh o e in tr o du z i- lo s no mundo
civilizado.

Através do trabalho, com o aumento da produ ção em


qualidad e e quan tida de , os Guarani teriam acesso aos bens
in dispe ns á v eis à sua sub sis tên cia e também aos bens materiais
"s u pé rfluo s" que até então não conhe ciam e, portanto, deles não
necessitavam ^O s m is sionário s in centivaram a cobiça por bens
materiais e, c on seq üe ntem e nte , ampliaram as necessid ades dos
in d í g e n a s . ’ ®^ A pouca produção, "que na verdad e re spondia a um rol
de necessidades limitadas da eco no mia tribal, contrasta forte m e n te

SOUZA, op. d t„ p. 110.


238

com a nova rea lidade missioneira, que ap re se nta um quad ro de


pujança econô mica a s a tis fa z e r nec ess ida de s crescentes".''®®

Rompe-se o ritmo do trab alho indíge na que passou a ser


c on sid era do in suficiente, através da te n ta tiv a de elim in ar seus
"vício s" tais como: as inte rrupções do trabalh o in te rc alad as com
descanso, festas e jogosJ®^ Procurava-se ga ra n tir o a p ro v e it a m e n te
do tempo torn an do-o in te gra lm e nte útil, através do "c o ntrole
in in terrup to, pressão dos fiscais, anulaçã o de tudo o que possa
pe rturba r e d i s t r a ir " . ’®®

A vida indígena era de term in ada de acordo com os ciclos da


natureza;

“ Há 0 t em p o certo de caçar, pe sc a r ou pl antar,


d e t e r m i n a d o pelo nível das águas na es t a ç ã o ch uv o sa ou seca,
como há um t em po de d i m i n u i r as a t iv i d a d e s , f a z e r t r a b a lh o s
manuais em casa ou s im p l e s m e n t e não f a z e r nada. Um índio
não d e s r e s p e it a r ia ja m a i s o mo me nto para f a z e r algo, assim
como nunca faria mais do que o n e c e s s á r i o . ” ’®®

O princípio da nã o-o c io sid a de proibia perder tempo, que era


"contad o por Deus e pago pelos homens; o ho rário devia c o n ju ra r o
perigo de des pe rdiç ar tempo - erro moral e d e s o n e s tid a d e
econômica.

MARTINS, Maria Cristina Bolui. Os Guarani e a economia da reciprocidade. São Leopoldo, 1991.
Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-Americanos), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. p. 323.

MARTINS, op. cit. p. 329.

168 fOUCAULT. Michel. Vigiar e punir. História da violência nas prisões. 14. ed., Petrópolis: Vozes. 1996. p.
137.

GAMBINI, Roberto. O espelho índio. Os jesuítas e a destruição da alma indígena. Rio de Janeiro: Espaço e
Tempo, 1988. p. 193.

FOUCAULT. op. cit., p. 139-140.


239

Essa adaptaçã o dos Guarani aos padrões ec o nô m ic o s


modernos e a nova dim en são do trab alh o ju s ti fi c a v a - s e pela
"m e n ta lid a d e je s uític a que estava inserida no r a c io n a li s m o
econôm ico e técnico". Além dos obje ti vos re lig io so s e de p a c if ic a ç ão
dos índios, asse gu rando as fr o n te ira s esp an ho las, a
m is s io n a riz a ç ã o também tinha interesse em e xp lo rar o potencial
econôm ic o da região, aprove it an do seus recursos naturais e a mão-
de-obra indíge na indispe nsável ao progresso da região, inte grando
0 índio ao mundo colonial.

E assim os missio nário s foram c on vertendo le ntam ente o


índio em camponês, em peão, em tropeiro, inserin do-o fu tu r a m e n te
no mercado de trabalho, pois alguns índios fug it iv os não se
escondiam nas matas, contin uavam em outras pa ragens o mesmo
estilo de vida du ramente apre ndid o nas missões.Ocorre uma
m odific ação comportam ental e produtiva através da coação fís ica e
religiosa. A ociosidade passa a ser encarada como crime e
pecado.

Cria-se, assim, um novo sistema de produção, "hierá rquico,


au torit á ri o e coercitivo", totalm ente div erso do Guarani.Cada
indivíduo tem de finido o seu papel produ tivo, bem como a sua
parcela na d istr ibu iç ão dos bens p r o d u z i d o s . A q u e l e in divíduo que
não se en qu ad rasse no padrão de c o m p ortam e nto desejad o era
rechaçado, vindo a recebe r sanção moral e física.

DECKMANN, op. cit., p. 275, 323-324.

GARAVAGLIA, op. cit., p. 161.

As relações de trabalho estão classificadas como direito civil, porém existe uma gama de sanções penais
aplicadas à vadiagem e à indisciplina que também poderiam estar inseridas no direito penal.

MARTINS, op. cit., p. 323.

'^^D E C K M A N N .op. cit.,p . 275. '


240

Em toda a Am érica Espanhola o tr ab alh o indígena torn o u -s e


obrig ação legal; "a legislação colon ial esp an ho la (...) co nsid era
un iform e m en te os índios seres pre gu iç o sos por na tureza e sem
recurso: deve-se, portanto, obrig á-lo s a tr a b a lh a r de acordo com os
pre ceito s da lei humana e divina.

Nisso tudo estava inserida a m e n tali da de eu ropéia in iciada na


Alta Idade Média, de g lorifi caç ão do t ra b a lh o "como cam in ho de
s alvação espiritu al" , e refo rçada na Modernidad e, na qual
"d e s e n v o lv e u -se um verdadeiro culto ao trab alho e, em
c ontrapart id a, uma condena ção sis tem á tic a da preguiça e do ócio".
A obra m is sionária obje tivava tr a n s fo r m a r os Guarani conforme esta
nova dim en são do trabalho, m it ific ando "o labor produtivo de uma
auréola sagrada, u til iz a nd o-o como estra té g ia de m odificação da
cultura i n d í g e n a " . 0 trabalh o assu mia um papel tão importante
que, seg undo Rabuske, se "re c on he c ia no tr ab alh o um valor em si
mesmo".

Com o a p erfe iç om e nto do relógio, t o rn a n d o -s e a contagem do


tempo mais precisa, "form ou-se uma c o n s c iê n c ia em torno da
passagem do 'dia de trab alhô'", pois "a ob sessã o pela qu an tif ic aç ã o
exata do tempo está rela cio nada à exa lt a çã o ideológica do
t r a b a l h o " . ’ ^® 0 cotid ia no das missões passa a ser reg ulad o pelas
horas do relógio, pois cada redução tinha pelo menos um relógio ou

HAUBERT, op. cit., p, 103.

SOUZA. op. cit., p. 112-113.

RABUSKE, Arthiir. O modelo educacional das reduções jesuíticas guaranis. Anais do IV Simpósio
Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa: Centro de Estudos Missioneiros, 1981. p. 73.

'79 SOUZA. op. cit., p. 112.


241

quadrante solar, div id in d o-s e o dia em momentos de ativ ida de s


eco nô m ic a s e de culto religioso.

Ampa rados pela le gis lação e pelo disc urso da


sup e rv a lo riz a ç ã o do trab alh o s is te m a tiz a d o e da c on denação do
ócio, crio u-s e um sistema de produ ção em que cada qual tinha as
suas funções de finidas e tempo marcado, auxil ia do pelo relóg io e
pelo sino que dirigia todas as ocupações. E ao mesmo tempo
d e s en v olveu -s e um aparato de v ig ilâ n cia e coação a fim de
d e s e s tim u la r e repreender qu alqu er atitu de de "va dia ge m " ou
indisciplina.''®^ 0 trabalho d isc ip lin ad o passa a ser uma ob rig ação
legal, e a sua omissão, ou seja, o não-trabalh ar, ou o n ã o - tra b a lh a r
de acordo com os padrões es ta b e le c id o s de um trabalh o alta m ente
pro du tivo e disciplin ad o, passa a ser in fração penal.

A di scip lin a ajuda no aumen to das aptidõ es dos in divíd uos


torn a n d o -o s mais úteis ao processo produtivo e mais "d óceis " no
pro cesso de conversão:

“ O mo mento h is tó r ic o das d i s c ip l in a s é o m om en to em
que nasce uma arte do corpo humano, que visa não u n i c a m e n t e
0 aumen to de suas h a b il id a d e s , nem t a m p o u c o a p r o f u n d a r sua
sujeição, mas a fo rm a ç ã o de uma re la ç ã o que no mesmo
mec anismo o torna ta nt o mais ob e d ie n te qu an to é mais útil, e
in ver sa me nte . (...) A d i s c ip l in a aum enta as f o rç a s do corpo (em
te rm os e c o n ô m ic o s de ut il id a d e ) e d i m in ui essas m esmas f or ç a s
(em t erm os pol íti c o s de ob e d iê n c ia ) , (...) a c oer ção d i s c i p l i n a r

'80ld.Jbid.,p. 113.

Diferentemente do que acontecia nas missões jesuíticas, que enquadravam a infração disciplinar como crime,
na modernidade o castigo disciplinar normalmente funciona como "um pequeno mecanismo penal. É
beneficiado por uma espécie de privilégio de justiça, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas
formas particulares de sanção, suas instâncias de julgamento.(...); qualificam e reprimem um conjunto de
comportamentos que escapava aos grandes sistemas de castigo por sua relativa indiferença."
Mas, nas missões, como nos demais sistemas disciplinares, "funciona como repressora toda uma
micropenalidade do tempo (atrasos, ausências, interrupções das tarefas), da atividade (desatenção, negligência,
falta de zelo), da maneira de ser (grosseria, desobediência), dos discursos (tagarelice, insolência), da se.xualidade
(imodéstia, indecência)."(FOUCAULT, op. cit., p. 159)
242

es t a b e l e c e no corpo o elo c o e r c i t i v o entre uma a p t id ão


au me n ta d a e uma d o m in a ç ã o a c en tu a da .

Existiam regras para todas as horas. Ao nascer do dia, os


Guarani de spertavam à ba da lada dos sinos e ao rufo dos tam bores.
Depois do catecismo, as crianças iam a s s is tir à missa junto com os
demais adultos.Após o culto matinal, com eçava o tr ab alh o
relativo a seis horas diárias. Os homens de sem penhavam tra b a lh o s
agrícolas e/ou arte sanais nas oficinas. As mulhe res ocu p a va m -se
com afa zeres do m ésticos e com a tarefa de fia çã o de lã ou algodão.
As crianças maiores de sete anos des en volv ia m trab alh os para
comunida de . Os meninos, prin cip a lm e n te os filh os dos caciques, iam
à escola de prim eiras letras, outros às aulas de canto, música e
dança, ou às oficinas.

A d ole s cen te s e cria nças tra balh avam na roça do Tupam baé,
pois todas as cria nças se tornavam ag ric u lt o ra s a partir dos sete
anos de idade. Aos sábados e s e g u n d a s -fe ira s eram au x il ia d as
pelos pais. Os moços limpavam o mato e retiravam o inço dos
algodoais, carrega vam a lenha até as olarias e varriam as ruas. As
moças colhiam os flocos de al godão e as meninas espan tava m os
pássaros que atacavam as plantações.

Ao m eio-dia tocava o sino e todos inte rrom piam o tr ab alh o por


duas horas para almoçar. Depois retornavam ao trab alh o até
ap roxim ad am en te 17 ou 18 horas, de pe nd en do da estação do ano.

‘«2 id . Ibid. p. 127.

A preocupação com a perfeita utilização do tempo era tanta, que se chegou a escrever um 1í \ t o em Guarani
intitulado "Ara poríi aguiyey hába"(o uso perfeito do tempo) que ensinava aos indígenas o seguinte: "punto por
punto, cómo pasar el dia íntegro santa y dignamente, ya sea trabajando en casa, ya cultivando el campo, ora
camino a la iglesa o asistiendo a la Santa Misa, ora recitando el Santo Rosário o haciendo cualquier otra cosa."(
MELIÀ, S. J. Bartomeu. El guarani conquistado y reducido. Asunción: CEADUC, 1986, p. 214.)
243

Após um dia de trabalho, adultos e crianças recebiam a doutrin a


cristã.^®"

Em época de semeadurâ, os homens ad ultos tr ab alh av a m dois


dias no Tup am baé e três dias no Abam baé, isto é, na sua pa rcela de
terra.Mesmo no cultivo da roça pa rticula r, por in fluê ncia dos
costumes indígenas de tudo fazerem em comum, recorriam ao
sistema do mutirão, uniam-se "várias fam ília s, para fazere m
sucess iv a m en te todas as roças partic ulares do grupo.

Os artesõe s (tecelões, carpinteiro s, ferre iros, prateiros,


estatuários, dourado res, sap ateiros, pintores, fa b r ic a n te s de
instrum entos musicais e ou tros) trabalh avam in te rc a la d a m e n te uma
semana em suas oficinas {Abam baé) e outra semana para o
Tupambaé.^^^

Os oficia is só trabalh avam no seu ofício e na sua roça


particular, não trab a lh a n d o no Tupambaé, mas recebiam do comum
roupas, comida e outros benefíc io s como qu a lq u e r outra pessoa que
houvesse trabalh ado nele.

Nos meses de ju lh o a dezembro, época em que não se


trabalh ava na ag ricultura, as ocupaçõ es se dividiam em exp ed iç õ es
aos ervais, produção da erva nas estâ ncias de gado, viagens aos
ofícios para levar e traz e r as mercado rias ne cessá ria s e outros
trabalh os como a fa b ric aç ã o de barcos e canoas, c on s truç ã o de
pontes e estradas, abert ura de canais, construção e man ute nção de

RABUSKE, op. cit., p. 73-73.

GARAVAGLIA. op. cit., p. 159.

RABUSKE, O modelo educacional das reduções jesuíticas guaranis, p. 73.

GARAVAGLIA. op. cit., p. 160.


244

casas, igrejas, f a b ric a çã o de telhas, la drilho s e adobes. Os


se n ten cia d os também eram obrigad os a trab alhar.

Além dos afazeres domésticos com a casa e com os filhos, as


mulheres fab ric ava m adornos e potes de cerâmica . Também tinham
a tarefa de fia r lã e algodão. Aos sábados, recebiam
a p r o x im ad am en te duzen tos gramas de lã ou algodão, tendo de
devolvê-lo s na q u arta -fe ir a seguinte, ocasião em que recebiam igual
quantid ade para ser proce ssada até o sábado seguinte. Muitas
mulheres não con seg uiam term in ar em tempo e, para ev itar fraude s,
existia um sistema de f is c a liz a çã o dessa produção:

“ Os ec ôn om os v e r if ic a m em pr im ei ro lugar se o peso do
al god ão fiad o atinge pelo menos um te rç o do peso do al god ão
bruto. A s e g u ir prega -se uma plaque ta com o nome da índia no
novelo. Se o te c el ã o c on s t a t a um d e f e i to q u a l q u e r ou a
pres en ça de pe d re g u lh o s ou ped aço s de m ad ei ra d e s t i n a d o s a
t o r n a r o nov el o mais pesado, leva a p l a q u e ta da c u l p a d a ao
su pe rv is o r : como ele não sabe ler, às v ez es , ele trai a espo sa!
O cas ti go é a prisão, o chic ote ou a o b r ig a ç ã o de f i a r no adro
da i g r e j a . ” ^®®

A fiaçã o em dom ic íli o foi in trodu zida pelos en co m e n d e iro s no


Paraguai, desde o início da conquista.^®® Como se pode observar,
todas as tarefa s de sen volvid as nas reduções eram n o rm atiz a da s e
v igiada s por capataze s que garantiam a qu alidade e a c o n tin u id ad e
da produção. Até mesmo o ócio, que era condenado, recebia a sua
regulam entação. Domingo era o dia dedicado à ociosidade. Após a
missa, era pe rm itida a apre sentação de danças e peças tea tra is, em
sua maioria com motivos sacros; eram executados ex e rc ício s
militares e também realizados batizad os e casamentos.''®^

>88HAUBERT,op.cit.,p.215.

'*9ld.,Ibid, p. 238.
Segundo Garavaglia, a fiação foi a verdadeira maldição que se abateu sobre a mulher Guarani no dia seguinte ao
da chegada dos espanhóis. (GARAVAGLIA, op. cit. p. 160)

>90 HERRERO, op. cit., p. 361-362.


245

A sanção para os que neglig en cia s s e m o trabalh o era o


chicote, a prisão e a supressão da ração diária, de pe nd en do da
gravidad e do delito. Normalmente a a p li c açã o dos cas tig os
acontecia mais aos indivíduo s que não cumpria m o seu dever na
roça pa rticula r, pois os índios, por tradição , tinham mais motivação
no trab alh o coletiv o do que no individual.

0 Padre Sepp relata que, num domingo, "torn ou -se


a b s o lutam e nte ne cessá rio passar uma sova em alguns índios que
não haviam am anhado a terra e nem haviam procurado e n c o n tr a r o
a r a d o . P e l o afã de bens materiais, alguns padres se exce diam no
zelo pelo tr ab alh o no Tupambaé, que causava inju stiças e revoltas
sociais, como se vê a seguir:

" T a l v e z porque pr ocu re a gló ri a vã de t e r a r m a z é n s bem


ch ei os e uma igreja ornada com um luxo profa no, en q u a n to os
o p e rá rio s, so b r e c a rr e g a d o s de t r a b a lh o , não dis põ em da com ida
e das r oup as que pr od u z ir a m às c u s ta s de ta n t o suor'. Em
a l gu m as re duções, os índios já não têm t em p o s u f ic i e n t e para
c u l t i v a r seus campos, e a 'alma pad ece ta nt o qu an to o corpo,
pois é a penúria que pr ovo ca os ro ubos, as f uga s, as
d e s t r u iç õ e s , e outras d e s o rd e n s que não são raras nas
redu çõ es.

Esta citaçã o comprova que havia exp lo ra çã o da m ão-d e-obra


indígena nas missões e que nem sempre o resultado do trab alh o
indígena reve rti a em benefício próprio e melhoram ento do seu
padrão de vida, como muitos autores querem demon strar. A
exi stê ncia de "roubos, fugas e de s truiç õ es" também comprovam a
in satis fação popular.

BRUXEL, Os trinta povos guaranis, p. 178.

SEPP. S. J. Padre Antônio. Viagem às missões jesuíticas e trabalhos apostólicos. São Paulo: USP, 1980.
p. 146.

>93 HAUBERT, op. cit., p. 238.


246

Nas reduções, a estrutura fa m ilia r foi modificada, a poli gam ia


foi sub stit uída pela monogamia, e a grand e fam ília deu lugar a
fam ília nuclear.

3.3.3 A Família

Os je s u íta s introdu ziram nas missões nova estrutu ra social,


fu n d a m enta da na concep ção cristã de família. A fam ília nucle ar
substitui a grande família, e a mon ogam ia tenta s u b s t it u ir a
poligamia. Até mesmo as residência s f a m ilia re s foram proje ta das
para a b rig ar apenas a pequena fam ília nuclear. D e s aco ns e lh ava-s e
o co nvívio de mais de uma família sob o mesmo teto para evita r o
adultério . As casas ganhavam divisõ es internas, d e s e s tim u la n d o
assim as relações ou casamen tos c onsangüíneos.

Alguns c asam entos preferencia is dos Guarani foram abolidos,


c onsid era dos incestuosos, como o c asam ento entre tios e sob rin has
e entre primos. "A influência dos je s u í t a s pro ibindo estes
casamentos, alia da aos efeitos da redução demog ráfica , tiveram
como result ado a mudança term in o ló g ic a dos primos (...) que
passaram a ser chamad os de irmãos." Os je s u íta s se tornaram
profundos con he ced ore s da organ ização social Guarani, pois o seu
objetivo era tran sfo rm á -la e ad eq uá -la aos costumes e padrões
europeus.

Junto com a con denação do divórcio veio também a


s up erv a lo riz açã o da virgindade, da f id e li d a d e matrimonial, da

SOARES, André Luís R. Guarani. Organização social e arqueologia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997. p.
110. 207.
247

c astid ad e e do celibato, conceitos até então totalm en te estra nh os à


cultura Guarani.

Dentre todos os costumes Guarani, a poli gam ia foi o que mais


pre ocupou e deu trab alho aos missionários, pois foi o mais difícil de
erradicar. Nos primeiros anos da redução, os caciq ues relu tara m a
ab dic ar de suas várias mulheres para fic ar apenas com uma delas.
Além da questão amorosa ou sexual, os ca ciq ues se sentiam
am eaçados de perder a autoridad e, o prestígio, a riqueza e a
r e trib uição ge nerosa que o trabalh o das suas mulheres lhe
pro porc io navam .

Os xamãs e os caciques não queriam renuncia r a nenhum


costume, prin c ipalm en te a poliga mia e a antropofagia, que estavam
mais arraigad as, cau san do lutas, ass a s sin a to s e in cên dio de
igrejas.A persistência na prática da po ligamia também foi uma
de m o n stra çã o de repúdio aos m is sionário s e á opressão colonial.^®®

Alguns caciques negaram-se a receber o batismo e a ad m it ir


o casa m en to cristão. Quando não fugiam, escondiam suas mulheres
e filhos, não lhes perm itin do o batismo. Às vezes fugiam com a sua
com p a n h e ir a pre ferida repudia ndo a prim eira mulher, norm alm ente a
mais velha, resu ltan do em grande quantid ade de mulheres sozinhas
que eram de stinadas ao cotiguaçu.^^^

A conversã o ao cr is tia nism o não era uma garantia da


introdução do casamento monogãmico. Em decorrência de todos
esses fatores, inicialmente os padres fizeram "vistas grossas" á

'95 HAUBERT, op. cit., p. 16.

DECKMANN, op. cit., p. 399.

Id , Ib id, p. 399.
248

prática da poligamia pelos caciques. Sabiamen te, os je s u íta s das


prim eira s red uções perceberam a s olid ez da poli gam ia e
estra te g ic a m e n te decidiram não p r o b lem a tiz á-la de início. Caso
contrário, estariam pe rdendo aliados políticos e causando gra ves
problem as sociais. Os missio nário s de Loreto e Santo Inácio ja m ais
1Q8
citavam o sexto man dam ento nas missas de domingo.

Mas, pe ocupados em reso lver logo os problem as surgidos


com a condenação da poligamia, os m is sion ário s buscaram apoio na
observância da le gis la ç ã o que no rm atizava tais questões.

Existiam duas corre ntes t e ó ric o -te o ló g ic a s que serviram de


em basam ento para a solução de tal impasse. P roclam and o a teo ria
il um in ista de que o s acra m an eto não depend e da forma, e sim da
essência, alguns teólogos reconh eciam o matrimônio indígena,
devendo ser co n sid e ra d o legal, e, c onseqüentem ente, in dis solú vel,
tendo por fim a r eg ulariz a ç ão da forma dentro dos man dam entos da
Igreja.''®® No entanto, apenas o primeiro casam ento era co n s id e ra d o
o verdad eiro, e as demais esposas seriam somente concubinas.

Mas ex is tia outra corrente de pe nsa m ento segundo a qual o


casa men to indígena era mero con cubinato, por seu c ará ter
passageiro, contraído já com ânimo de repudia r a mulher qu ando lhe
convisse, como de fato f a z i a m . ^ Sendo assim, não existia víncu lo
m atrimonial do chefe com nenhuma de suas esposas, pode nd o ele

O se.xto mandamento trata da fomicação, mas também pode ser entendido, dentro do contexto, como a
prática da poligamia. (MELIÁ, Bartomeu. El "modo de ser" guaram' en la primera documentación jesuitica.
1594-1639. Revista de Antropologia. São Paulo: v. 24, 1981. p. 13-20)

BERTONl, Moisés. La civilización guarani: religión y moral. Asunción - Buenos Aires. Editorial
Indoamericana, 1956. p. 193.

“ 0 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 84-85.


249

optar por aquela que mais lhe ap rouvesse, desde que abdicasse das
demais.

Na bula A ltitu d o D iv in ii Consilii, em 1537, o Papa Paulo II, já


se preocupava com o problema de qual mulher do cacique seria sua
legítima esposa, e, também, com o grau de c o n s an gü in id a de em que
era pe rm itid o o casamento, para ev itar a prática do incesto:

“A re s pe it o de seus m at ri m ôn io s, d e c r e t a m o s que se
ob se rve o seg u in te : os que antes da c o n v e rs ã o t in i ia m ,
c on fo rm e seus c os tu m es, v á r ia s mu lheres, e não r e c or da m qual
to ma ram por pr im ei ra , uma vez co n v e rt id o s à fé, r e c eb a m uma
delas, a que qu is e r e m , e com ela co n t r a ia m m a tr im ô n i o , por
pala vr as de pr esente, como é cost ume. Os que re c o r d a m a
quem to ma ra m por pr imei ra, devem f ic a r com ela, a b a n d o n a n d o
as dem ais . C o n c e d e m o s - lh e s que as pessoas li ga d as até mesmo
em t er c e ir o grau de c o n s a n g ü i n id a d e ou de a f in i d a d e não sejam
impe did as de c o n t r a ir m a tri m ôn io enqua nto a esta Sa nta Sé não
pa re c e r deva d e t e r m i n a r - s e de outro modo sobre a m até ri a.

Mais flexível, o Breve P o n tífic is do Pio V, em 1571, dava ao


caciqu e a liberdade de ca sa r-se com a mulher que com ele se
batizasse. Porém,a no rm atiz açâo interna específica das missões, do
ano de 1616, a Instrução do P. Diogo de Torres Bollo, c o n tr a r ia a
norma anterior, determ in ando que; "de todos os adultos que se
batizarem e estiverem casado s ratifiq ue m o m atrim ônio com a
primeira mulher.

Diante de tanta controvérsia , não se estabeleceu uma norma


única, mas em função da exp eriên cia missionária, ave rig u o u -s e que
a maneira de obter bons resultados na eva n g e liz a çã o seria
perm it in do ao cacique a esco lha da mulher com a qual g o s taria de
casar-se, in depe nd en te de ser a primeira ou não. Aliás,
norm alm ente escolhiam as mais novas.

Papa Paulo II. Altitudo Divinii Consilii.. In: SUESS, Paulo. (Org.) A conquista espiritual da América
Espanhola: 200 documentos. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 271.

202 RABUSKE, A Carta-Magna das Reduções do Paraguai, p. 175.


250

Depois de esc o lh id a a mulher para esposa, a poligamia não


era mais permitida. Qua lquer relação ilícita ou ad últera era
am eaça da com punição divina e recebia o devido castigo terren o,
norm alm ente o açoite.

Finalmente, a Co mpa nh ia de Jesus con seg uira o b e n e p lá c ito


do Papa Urbano VII para que “ cada chefe de fam ília pu desse
esc o lh er entre as esposa s aquela que pre ten desse con s erva r a seu
lado no contexto do casamen to cristão, e não a prim eir a
c ron olog ic am e nte, como se desejou impor aos í n d i o s " . ^

Não se tolerava o concubinato. Os guardas públicos (d iu rnos


e p r inc ipalm en te os noturnos), os caciques, os pais de fa m ília e as
crianças eram v ig ila nte s e fis ca liz a d o re s da moral pública. Os
ap anhados em f la g ra n te eram pers eg uido s e c astig ad os
exe m pla rm ente, como observ a Montoya:

“ Se em alguém se d e sc o br iu abuso na c a s t id a d e , o
cuida do e zelo dos caci que s, pais de fa m í li a e a l g u a c í s
(gu ar da s púb li c os ) põe logo a isso um rem éd io e fi c az com
j u s ti ç a e x em pl ar . Rondam eles de noite o po v oa do, e se
ap an ham al guém susp eit o, c or ri ge m - no . O a m a n c e b a m e n t o não
se c o nh ec e nem por im agi naç ão , porque seria seu c a s t ig o o
de s te rro per pé tuo . P r oc ur a- s e que se casem a temp o, an te s de
s o b r e v i r - l h e s o p e c a d o . ”™

A cas tid ade e o celibato são valores introduzidos com muita


au s terid ad e entre as po pulações indígenas, como d e m on stra
Montoya:

203 HAUBERT, op. cit., p. 17.

MONTOYA, Antonio Ruiz de, S. J. Conquista espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus
nas Províncias de Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Porto Alegre; Martins Livreiro, 1985. p. 170.
251

“ Os já c r is tã os contud o têm re co n h e c id o a s u b l i m i d a d e
da v ir t u d e da ca s ti d a d e at ra v és de nossa pr ega ção , e de tal
modo, que os c asa do s acusam de terem tido re la ç õ e s com as
suas r e s p e c t iv a s m ul he re s um ou dois dias antes da C o m un hã o,
e mu it os s ol te ir o s pr et end em de d ic a r - s e ao c eliba to. Hou ve até
quem qu is e s s e c as t ra r- s e , por est ar en a m o ra d o de st a v ir t u d e da
c ast ida de.

A pre ocu pa ção era tanta em relação aos "pecado s carnais",


que, à exce ção do convívio familiar, prom ovia -se a sep ara ção dos
sexos em todas as atividade sociais. Na igreja havia lu gares
separado s para os homens, que pe rmaneciam no pátio e para as
mulheres, que ficavam no c e m i t é r i o . ^

Antes do casamen to o rapaz não podia fa la r com nenh um a


moça, mesmo sendo sua irmã, e, após o casamento, só podia f a la r
com mulhe r da sua família, caso contrário, seria c h ic o t e a d o . ^ ^ No
âmbito fam il ia r, as filh as do primeiro casamen to da mãe eram
retira das da casa do padrasto ao atin gir a puberdade e e n treg ues à
guarda da avó ou alguma tia. Igual proce dim ento era adotado com
as filh as púbe res de pais v i ú v o s . ^

Nos trabalh os com u nitá rio s e nos banhos de rio havia sempre
o cuida do de sep arar homens e mulheres que eram
pe rm an en te m en te vigiados, p r inc ipalm en te as mulheres:

“ Nas r ed uçõ es em que os ri achos ou fonte s c o m un s são


c er c ad o s de ma ta ga is ou bosques, d e i x a r - s e - ã o as á r v o r e s mais
altas para que a fonte, à sua sombra, con s e rv e sua pureza, mas
a r ra n c a r -s e -ã o t odo s os ga lh os baixos, os ar b u s t o s e urzes para
e v i ta r ao pud or q u a lq u e r op o rt u n id a d e de se e n c o n t r a r em
p e r i g o ’ . Junt o a cada riacho, há um ancião no m ea do pelos
j e s u í t a s para t o m a r conta das mulheres. Em t o do s os lu ga re s

205 id , íbid, p. 87.

206 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 97,

HAUBERT, op. cit., p. 251-252.

208 Id, Ibid, p. 251.


252

para onde vão, o que que r que faç am , há sempre um z e l a d o r


que cuida da pureza de seus c o s t u m e s e que c on ta r á aos
j e s u í t a s toda infração.

Na viuvez de um dos conjugues, se ainda jovem, "ou seja,


capaz de pecar, os je s u íta s se esforçam por casá-lo no vam ente o
mais de pressa p o s s í v e l. ” Nesse ínterim, as viúvas eram "c o n fia d a s
aos pais ou a uma parenta idosa e v irtuosa," o mesmo oco rren do
"em relação às órfãs ou às mulheres cujo marido, estivesse, au sente
da redução, ou fugido.

As mulheres e moças sozinhas eram enviada s ao c otig ua çu,


ju n ta m e n te com as mulheres que estavam cumprin do pena. Ali,
tinham ga ran tid a a sua subsistência, recebe nd o uma porção diária
de alim entos e vestimenta, mas retrib uin do à com unid ade em forma
de trabalho. Sempre eram dirigidas e vig ia das por uma mulher de
mais idade. Durante o dia tinham pe rm issão para v is ita r seus
parentes, mas à noite eram trancadas a chave. Q ualq uer indiv íd uo
que tenta sse penetrar no co tig u a çu para manter relações sexuais
com as reclusas ou para raptá-las era severam ente punido.^”

A idade c o n s id era da ideal para o casam ento era quinze anos


para a mulher e dezessete para o homem. T emen do a luxúria entre
os jovens, os p r o v in c ia is ordenavam aos curas que cassassem os
jo v en s ao a tin gir a idade estipulada, mesmo que tivessem de
pro curar o pa rceiro ou a parceira em outras reduções. Mas também
recom endava m que não se permitisse o casam ento antes da idade
determinad a, pelo perigo da in sta bilid ad e de um m atrim ônio
212
precoce.

209 id„ Ibid., p. 252.

210 Id, Ibid p. 252.

2" Id, Ibid, p. 151-153.

2> 2jd Ib id, p. 251-252.


253

Após co n su lta r os noivos, os pais se dirigiam ao padre para


p a rtic ip a r o casamento. 0 cura con feria a liberdad e de esc olh a de
ambos e ex p u n h a -lh e s os im pedim entos à legitim idade , ou validade
do matrimônio.

Nenhum padre poderia c eleb rar casamen to de índio que


estivesse reduzid o em outra missão, sem antes tomar as devidas
precau ções, avisando o cura da redução de onde veio, para ev ita r
casa m ento de índio já c a s a d o . P e l a s im p lic ida de de vida que
levavam, o dote da noiva se con stit uía apenas em ob je to s e
ute nsílio s de uso pessoal como: pratos, panelas, vasilhas, roupas
de algodão, rede e outras coisas do g ê n e r o . A s cerim ôn ia s de
casa m ento aconteciam da seguinte forma:

“ Tod os os c as a m e n to s r e a li z a v a m - s e aos d o m in g o s à
ta rde, e g e r a l m e n te com um bom número de pares, t a l v e z
al guma dezena. R e un ia m -s e t o do s eles no pór tico da ig reja,
donde eram c o nd uz id os até o altar ao som de cantos e m ús ica s.
A c om un id ad e pre pa ra v a o 'b a n q u e te ' nupcial, com ba s ta nt e
carne de rês assada ao espeto, en qu ant o c an to re s e d a n ç a r in o s
e a banda de música d i v e r t ia m os c o nv id ad os .

E a partir do casamento os nube ntes já tinham garantido


casa, v e stu á rio e alimentação, desde que trabalh assem para a
c omunida de . 0 dom icílio da fam ília era no local da residência do
marido, de vendo sempre que possível mulher e filhos a co m pa nh á-
lo.

213 HERNÁNDEZ. op. ci.. p. 98.


FURLONa op. cit., p. 289.

Regulamento de Doutrinas de 1637. (anexo)

215 FURLONG, op. cit., p. 289.

^i'’ RABUSKE, O modelo educacional das reduções jesuíticas guaranis, p. 71.

21^ Regulamento Geral de Doutrinas de 1689. (ane.xo)


254

Neste mesmo capítulo, também se apresentará o direito penal


im pla ntado nas missões, c ara cteriz a do pelo sistem a de vigilância,
pela introdução da idéia dê pecado, pela falta de libe rdade
in dividual, pelo sistem a de punições e pelo discurso favo ráv e l à
u til iz a ç ão dos castigos.

3.4 0 DIREITO PENAL

0 direito penal nas missões também recebeu influê ncia do


d ireito canôn ico nas questões relativa s à moral, e aos “ bons
c o s t u m e s ” e nos crimes praticados contra a fé e a religião (heresia,
fe it iç a ria , sacrilégio, ap ostasia e outros). Os demais atos im putad os
como crime, e o sistema de sanções in trodu zido nas reduções têm
sua origem no direito castelhano .

3.4.1 0 Sistema de Vig il ânc ia

Como os índios eram c onsid erados incapazes e


irresponsáveis, para manter a disciplina, a alta pro du tiv id ad e e o
respeito aos princípios morais cristãos, era ju s tific a d a a existê ncia
de um sistema de polícia e vig ilâ ncia nas missões fun cio n an do vinte
e quatro horas por dia. Como observa Foucault, "a vig ilâ ncia torna-
se um opera do r econôm ico decisivo, na medida em que é ao mesmo
tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma
engrena ge m específica do poder disciplinar".^^®

21S FOUCAULT, op. cit., p. 157,


255

0 sistema de v ig ilâ nc ia já estava previsto nas duas p rim eir a s


in stru çõe s das missões:

“ Tenham um fiscal ou dois, c onf or me o nú m er o das


pessoas, d a n d o - lh e s por ajuda al gun s ra paz es g r an d es , bem
como algum s a c r is tã o. (., .)D e trê s em três dias ou de qua nd o
em qua ndo os dois c o m p a n h e i r o s saiam ju n to s pelo po v oa do,
para que não haja b eb ed ei ra s . Delas e dos en fe r m o s a v i s a rã o
os fi s c a is e me nin os da escol a, to m a n d o - o s muito a peito e
d a n d o - s e prêmio a quem m el ho r o f i z e r ” .

Cada redução estava dividida em seis, oito ou mais qu artéis


ou bairros, de acordo com a área de circunscriç ão de cada
cacicado. Os repectivo s caciques eram responsáveis pelos seus
pares.

Cada grupo de ofício: os carpinteiros, os tecedo res, os


ferre iros, as mulheres, as crianças possuía um capataz que
c o n tro la v a o bom anda men to dos tr ab alh os e relatava ao cura,
sem analm ente, após a missa do domingo, o que sucedera du ran te a
s e m a n a . ^ Mas, cotid iana men te, após o u vir as confissões de seus
neófitos, os padres fis caliz a v am os trab alh os na a g ric u lt u ra e
também nas oficina s e escolas:

“ O m is s io ná r io f is c a l iz a v a o t ra b a lh o nas o f ic in as ,
en tr ava no colé gio onde os me nin os apr en di am a ler e a
es c re ve r. Dava os d e v e re s e to m a v a as l i ç õ e s . (...) D e p o is o
m is s io ná r io r e to rn a v a às ofic in as , fi s c a l iz a v a o t r a b a lh o no
forno da olaria, no moinho e na padaria. Re vis av a a fa ina do
fe rre iro , do m ar c e ne ir o, do c a r p in te ir o , dos es c u lt o re s , dos
pin to re s, dos t e c e lõ e s e dos a ç o u gu ei ro s .

Além desta fis caliz a ç ão diária das atividade s produtiva s das


reduções, o próprio cura ou seu com p an he iro fazia sua guarda duas

RABUSKE, A Carta-Magna das Reduções do Paraguai, p. 182.

220 FURLONG, op. cit., p. 372.

22' FLORES, A catequese e os conflitos com o colonialismo espanhol, p. 83.


256

a três vezes por semana, perc orrend o pessoalm ente toda a redução,
visitando as fam ílias, os enfermos, para a v e rig ua r se tudo estava
nos conformes.

Com a intenção de evitar desorden s, rebeld ia s e


im oralidade s, todos os dias, a uma certa hora da tarde, era dado o
toque de recolher, sendo proibido o trânsito de pessoas pelas ruas.
Os tra n s g re ss o re s eram de tido s e punidos.

Conforme costume romano e medieval, a noite era divid id a em


três vigílias: das 21 às 24 horas, das 24 às 3 horas e das 3 às 6
horas. Os guardas no turnos se revezavam, ao som de tam bores que
marcavam a mudança de turno. Além de ficarem atentos para
q u alqu er desordem interior, os vig ila nte s no turnos também tinham a
função de evitar possíveis ataques de estranhos.

As cria nças eram as grandes aliadas dos padres na busca de


info rm ações sobre os delinq üe ntes, desordeiros, pecadores e
imorais. Constituíam um pode roso au xílio no controle dos adultos.
Avisavam tudo que acontecia nas reduções; "chegada de infiéis,
do en ças e na scimentos, preparativ os de festas com bebida s e
outras infrações ao reg ulam e nto ou à moral pública e privada".

222 HERNÁNDEZ, op. cit, p. 116.


Essas visitas periódicas individuais à população foi uma prática que se instalou na Europa da Contra-Refomia,
com "objetivos religiosos (a conversão e a moralização), econômicos (o socorro e a incitação ao trabalho), ou
políticos (luta contra o descontentamento ou a agitação). (...) O território a cobrir está dividido em bairros e
cantões." Buscam obter informações sobre "estabilidade de habitação, conliecimento das orações, freqüência aos
sacramentos, conliecimento de um ofício, moralidade".(FOUCAULT, op. cit. p. 186-187)

223 HERNÁNDEZ, op. cit. p. 117.

224 FURLONG, op. cit., p. 372.

225 HAUBERT, op. cit., p. 181.


A utilização de crianças como informantes é influência da escola cristã moderna, cujo objetivo não era
"simplesmente formar crianças dóceis; deve também permitir vigiar os pais, informar-se de sua maneira de viver,
seus recursos, sua piedade, seus costumes. A escola tende a construir minúsculos observatórios sociais para
penetrar até nos adultos e exercer sobre eles um controle regular."(FOUCAULT, op. cit.,p. 186.)
257

Os padres encon travam ainda maior eficiê ncia e lealda de nas


cria nças e a d o le s c e n te s que perten ciam às Cong re gações Marianas,
as cham adas "J u ven tu de s Jesüíticas";

"Fazem as preces d i a r i a m e n t e no ros ário, f l a g e la m - s e e


usam 0 cil íc io toda semana, fa lam às m ul he re s de ol hos ba ix os
como os j e s u í t a s e se c o nf es s am com f r e q üê nc ia . São ta m b é m
os es p iõ e s mais d i li g e n t e s para os pecados dos out ros:
r e p r e e n d e m o culpado e faze m um r ela tó ri o aos m is s io n á r io s .
Em suma, 'são t e m id o s e od ia do s por to do s aq u el e s que não
v iv e m de forma cristã, pois estes sabem que não podem f e c h a r
as bocas. Até suas mães, qua ndo se lhes p e rg u nt a em c o n f is s ã o
se c o m e t e ra m algum pecado, só podem dizer: Não com et i,
senão meu filh o já te ri a me r e p r e e n d i d o . ” ^^®

0 con h e c im e n to dos fatos fa c ilita v a aos alcaide s e ca ciq ues


a verig uar a sua vera cid ad e e tom ar as devidas providências.

Este sistem a era muito eficiente, sendo quase im possível


alguém e s ca pa r da vigilância. A p anhados em flag rante, eram
s everam ente c astig ados e pe rse guid os pela comunidade. Conve rtida
a aldeia, “ d ific ilm e n te algum membro esca pa va da ob servâ ncia das
regras e da v ig ilâ n c ia dos padres. Os mais reca lc itr a ntes eram
mormente os velhos ou os joven s guerreiros, mas logo se viam
e s co rraça do s e pers eguidos pelo restante da tribo, e iam pedir
perdão aos p a d r e s ” .

Além da vig ilâ ncia externa, também foi usado outro


mecanismo capaz de con trola r não só atos e palavras, mas também
o pensam ento humano: a inserçã o da idéia de pecado na
m entali dade indígena.

226 HAUBERT. op. cit., p. 181-182.

227 FURLONG, op. cit., p. 372.

228 GADELHA, Regina. As missões jesüíticas do Itatim. Rio de Janeirio: Paz e Terra, 1980. p. 223.
258

3.4.2 A Idéia de Pecado

0 controle das pess oa s não se fazia apenas de forma


material, auxil ia do pelos caciques, alcaides, guardas e crianças,
além da ave rig ua ção pessoal do cura. Os padres utilizaram outra
estra té gia muito mais efic ien te no to lh im e nto dos im pulsos
de s via ntes de seus pupilos, que foi a introdução da idéia de culpa e
de pecado, até então inexiste nte no imagin ário Guarani. Como
afirma Schaden:

“A d o u tr in a cristã não é c o n c e b ív e l sem a noção de que,


no Al ém , a alma será ju lg a d a - e, por c o n s e g u i n te ,
recompensada ou c on de nad a - s eg u nd o a culp a ou o
m e r e c im en to , isto é, de acordo com o v a l o r moral dos atos
li v re m e n te p r a t ic a d o s nesta vida, a r eligiã o G u a r a n i não
re con he ce, a não ser e x c e p c io n a lm e n t e (...), li gaç ão entre livre
a r b ítr io e as c on d iç õ e s p o s t m o r t e m . ” ^^^

Segundo Deckmann, embora o in dígena não assim ile o


princípio da r e s p o n s a b ilid a d e moral e das im plicações co n seq üe ntes
de má conduta, ele associa o pecado com o avilt am ento dos tabus
grupais, perm itin do aos je suítas en fatiz a r c on s tan te m en te os
castig os divin os àqueles que de so bedece ssem às normas impostas,
assim como os pe rigos do inferno e do assédio do d i a b o . ^

A noção de pecado, de culpa, de castigo e de moral


in troduzid a na cultura in díge na pelos je suítas ex a cerb ara -se a tal
ponto que levou diversas aldeias "a uma tendê ncia à
s u p e rv a lo riz a ç ã o da culpa.

SCHADEN, Egon. Aspectos fundamentais da cultura guarani. São Paulo: DIFEL, 1962. p. 105.

230 DECKMANN, op. cit., p. 403.

231 Id. Ibid, p. 521.


259

Bruxel também refere-se a esta s u p e rv a lo riz a ç ã o da culpa e


do castigo qu ando faz a seguinte a f ir m a ç ã o ; ’’ Os conceitos de culpa
e castigo an da vam tão unidos e in sep aráveis, que da im punidade de
um ato fa c ilm e n te de d u z ia m ' sua licitude. Sentindo-se culpados,
qu eixava m -se ao padre, se não levavam o merecido castigo,
de sejo sos de rep ara r o mal praticado.

Uma vez ba tizado o indivíduo pa ssava a carrega r uma culpa


pe rman en te pode nd o qu alq uer ato ou pensa m en to ser con sid era do
“ e r r a d o ” e “ punível" pelos jesuítas, uma vez que a partir daí,
passava a re c o n h e c e r a autorid ad e deles "sobre a alma e o corpo do
c o n v e rtid o ".^ A liado à idéia de pecado, estava o sacramen to da
confissão. Mesmo com a promessa dos padres de que não haveria
nenhuma pu niç ão em função do que se ouvisse em confissão, ela
também se m an ifesta va como eficiente instrum ento de con trole
social, pois era uma forma de saber, além das ações dos indivíduo s,
o que se passava no seu pensamento.

No início os indíge na s não tinham a idéia de pecado, por isso


a confis são foi sendo intro du zida aos poucos: primeiro as crianças
que eram mais suscetíveis, depois os pais, que passavam a imitá-
las. P o s te rio rm e nte foram impondo algu mas restrições, como o
jejum e a a b s tin ê n cia durante a Q u a r e s m a . ^

Se gundo os missionários, a maioria dos indígena s


ap resentava boa disposição para a confissão, mas os pajés a
condenavam, alegando que “ não passava de um meio de saber das

BRUXEL, Os trínta povos guaranis, p. 51.

233 GAMBINI, op. cit., p. 201-202.

234 GADELHA, As missões jesuíticas do itatim, p. 223.


260

vid as alh e ia s e de con ii ece r os segredos de todo m u n d o " , ^ donde


se con clu iu que, de forma geral as libe rdad es in div iduais foram
m in im iz a da s nas reduções.

3.4.3. A Libe rdade Individual

Ain da inserida neste cp ntexto de v ig ilâ nc ia e co n tro le da


população, ficava a questão da liberdad e dos indivíduos. Por serem
c o n s id e ra d o s indefesos e imaturos, os índios reduzid os
pe rm an eciam isolados do mundo colonial, sendo cerceada a sua
liberdade de ir e vir, pois era proibida a sua saída da redução sem a
prévia a u toriz a ç ão do cura. Essa intenção já se en co ntrava na
in stru ção de 1609, do provin cial Diogo de Torres Bollo, na ocasião
da f u n da ção das reduções no Guairá:

“ Com toda ene rgia, pr udê ncia e d il ig ê n c ia p o s s í v e l se


impeça que os e s p a n h ó i s não entrem no povo ado e, en tr e ta n to ,
não façam agr avo s aos índios e em breve to rn em a sair. De
ma neira nenhuma os dei xem tirar índios ('p eç as ') para
es c ra vo s, de fe n d e n d o a estes em tudo como v e r d a d e ir o s pais e
p r ot et o re s .

C onform e o que se observa na Real Cédula de 1681, além da


questão da ga rantia da "lib e rda de " indígena, também se queria
evita r que os in díge na s adquirissem os vícios e "im o ralid a de s"
pró prio s dos homens "c iv ilizados", ev itando-se o contato dos índios
red uz ido s com outras parcelas da população colonial:

"Está pr ohi bid o que en Ias R e d u c c i o n e s y pu eb lo s de


Indios puedan v i v i r esp afiole s, mu latos e mes tiz os, porque se
ha ex p e ri m e n ta d o que al gun os es pa fi ole s que trat an, t ra ji n a n ,
vive n y andam entre los Indios, son hom br es inq ui et o s de mal
viv ir, ladrones, j u g a d o r e s , v ic i o s o s y gente perdida.

235 DECKMANN, op. cit, p. 400-404.

236 RABUSKE, Arthur. A Carta Magna das Reduções do Paraguai., p. 176.

237 FURLONG. op. cit., p. 293.


261

Segundo Ruschel, o isola cio nis m o foi uma tenta tiva de


abra n da r a intensiva exploração dos indíge na s pelos espanhóis,
dificu lta n d o o contato entre ambos, sendo uma garantia fundam ental
para a man ute nçã o de todo o sistem a ju ríd ic o montado pelos
j e s u í t a s . ^ Mas, ao mesmo tempo, cab eria aos je s uítas ate nd er aos
in teresse s in d is p e n s á v e is ao pro gress o dos espanhóis, as segurando
a m ão-de-obra, apazigu an do e reduzindo os í n d i o s . ^

Se, por um lado, a intenção de tutora r e isolar os índigena s


em alde ias era ga ra n tir a sua "lib e rda de " perante as demais form as
de opressão existe ntes no mundo colonial, isolá-los em reduções
também era uma forma de c ercear a sua liberdade, como fica
ex p lí cit o na Instrução do Padre Diogo Torres Bollo:

“A d m o e s t á - l o s - ã o para que não se aus en te m para longe


sem licença do padre Sup er ior. Saindo eles para alguma meta
dos po v o ad os es pa nh ói s ou para resgate, pr oc ur em que isto não
se dê nos c om eç os v o lt e m a seu temp o. Q ua ndo se d e m o r a r e m
vol tar , f aça m d il ig ê n c ia s . O m el ho r é que du ra nt e uns dois ou
trê s anos não saiam do povoado, ou seja, até que es te ja m
sa be ndo bem as coisas de sua salv açã o.

Outra forma de isolar os indígenas do mundo colonial era


pro ibir a ap rendizagem do idioma castelhano , mesmo c ontrariando a
le gis lação espanhola, pois a Real Cédula de 28 de dezembro de
1743 dispu nh a que todos os súditos da Coroa Espanhola deveriam
aprender o castelhano.Manter o idioma Guarani torn ava os
indígena s cada vez mais de pendentes dos seus sacerdotes. A
intenção não era a de preservar a cultura indígena, mas de isolar o

RUSCHEL, O direito de propriedade dos índios missioneiros, p. 108.


Id, O sistema jurídico dos povos missioneiros, p. 88.

GADELHA, As missões jesuíticas do Itatim, p. 196.

RABUSKE, A Carta-Magna das Reduções do Paraguai, p. 176.

241 HERRERO. op. cit., p. 335.


262

índio do meio, "c o lo n iz a n d o -o numa cultura pré-fa bricada fa la da em


sua própria língua.

Um outro limite à liberd ade do indígena reduzido era a


proib ição de andarem a cavalo, dificu lta n d o assim a sua m obilidade ,
im ped indo que se afa stassem das reduções, como dem onstra a
citação a seguir;

“ É v er da d e que, no que diz re s p e it o aos c av al os , os


re g u l a m e n t o s são mais e s tr it o s : não se deve dá- los de forma
alguma aos índios - ex c et o aos s o l da do s e ra pazes v a q u e i r o s -,
pois são i n c li n a d o s à v a d i a g e m e, se lhes desse v o n t a d e de
fu gir, seria di fíc el d e m a is c a p t u r á - lo s ; a u t o r iz a m - s e , pois
ape nas a posse de bois e a s n o s /

A tutela econôm ica que restrin gia a liberdade dos índios era a
mediação dos padres em qu a lq u e r ativid ade produ tiva e em
tra n sa ç õ e s comerciais, sempre ju s tific a d a como forma de ev itar que
eles fosse m enga na do s por c o m e rcia ntes in esc rupu losos. Mas, na
realidade, tal procedim ento impedia a sua au to-g estão econômica.

Para f o rta le c e r a v ig ilâ nc ia e o controle das populações,


indígenas, reduzindo ainda mais a sua liberdade, foi im pla ntado um
sistem a de sanções com o ob je ti vo de reprim ir e c astig ar a prá tica
de atos imputados como crime.

GARAVAGLIA, op. dt., p. 151.


E bom dei.\ar claro que o isolamento das missões era relativo; na realidade, quem se isolava do contato com os
brancos eram os índios, porque as reduções como um todo estavam plenamente inseridas no mundo colonial,
tanto no aspecto econômico, na comercialização de sua produção, quanto no aspecto institucional, estando
subordinadas à Igreja e à Coroa Espanhola.

243 HAUBERT, op. cit., p. 202-203.


263

3.4.4 0 Sistema de Punições

A tutela dos in dígenas, confiad a aos je s u íta s pelo rei e pelos


go vernadores, era sufic ien te para lhes con ferir au torid ade para fix a r
e exe c u ta r as penas, in d e p e n d e n te m e n te de possuírem au torid ad e
ju d ic ia l de ju ris d iç ã o criminal,como se confirma na seguinte
citação:

“ La r e pa r ac ió n dei orden social i n fr in g id o por ei del it o es


de Dere ch o Na tur al , por donde no pudiendo re pa ra rs e por Ias
via s o r d in a r ia s , c o r r e s p o n d ia hacerlo a qu ie ne s , por Ia v ol un ta d
dei mismo Rey, te ní an bajo tutela aqu el lo s pueb los de indios.
Esta c o n c e s ió n dei Rey, (...) Ilevaba im p l íc i ta , Ia d e l e g a c ió n de
su fa c u lt a d J u z g a d o r a . ” ^''^

A a d m in is tra çã o da ju stiça criminal era auxiliada pelo


c orre ge do r e pelos alcaides, mas sempre eram os padres que davam
a palavra final, "eram eles que con trolavam e assessoravam as
au torid ad es indígenas, e s clare c en do melhor os fatos, reduzindo ou
aum entando o castigo."^"'® Desde a in sta la ção das prim eiras missões
no Paraguai, os padres est a be le ce ram normas de conduta com todo
um sistem a de sanções aos in divíduo s de linqüentes, a fim de manter
247
a ordem por eles esta be le cida .

Partindo de uma postura etnocêntrica, Pablo Hernánd ez


ju s tific a da seguinte form a este procedimento:

244 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 127.

245 FURLONG, op. cit., p. 374.

246 id., Ibid., p. 373.

247 O que se poderia chamar de código penal das missões estava inserido no Livro das Ordens, no qual estavam
registradas todas as determinações das autoridades eclesiásticas e da administração espanhola. As cópias desses
manuais eram distribuídas a cada redução, para padronização do procedimento do direito criminal e de todas as
demais atividades nas reduções. (KERN, op. cit., p. 57.)
264

“ Porqu e si en toda socied ad humana son n e c e s a r ia s Ias


penas para r e fr e n a r con el t e m o r á los que de otro modo
t r a n s p a s a r í a n Ia ley, mucho más se hacía s e n t i r esta ne c e s id a d
en a q u e ll o s p ue bl o s s al v aj e s t o d a v i a , y que más se gu ia b a n por
Ias a p r e h e n s i o n e s de los s e n ti d os que por los d i c tá m e n e s de Ia
razón (...) Q uis o Dios sac ar lo s de tal p e r p l e ji d a d de Ia manera
que allí se dice, y con esto se adoptó el cas ti go que ya era
usual en to d a s par te s donde habia indios s u j e t o s . ” ^''®

Pode-se averig ua r, na citação abaixo, que já existiam normas


de direito penai nas duas primeiras instruções, do Padre Diogo para
as missões, da tad as de 1609 e 1610, pre oc u p a n d o -s e
pr inc ipalm en te em e r ra d ic a r o xamanismo:

“ Os seus pl eitos p a c i fi q u e m - n o s com todo o am or e


ca ri da de . Re pr e e n d a m nisso os cu lp ad o s e nos d em ai s v í c io s
p ú b li c o s c o r r i ja m - n o s e os c as ti gu em a seu te mp o com am or e
in te ir e z a , e s p e c ia l m e n te os fe it ic e i ro s , a p r op ó s it o dos qua is
pr oc ur em es ta r in fo r m a d o s . Não se em en d an do , d e s t e r r e m - n o s ,
do c en tr o da pop ul a ç ão , por serem muito p e rn ic io s o s .

Refe rin do -se à repressão do alc oolis m o as in struções ditavam


o seguinte:

“ Para r e m e d ia r as b o r r ac he ir a s , v í c io tão comu m entre


os índios, or den a o P. T or r es que os padres, de te m p o s em
te m p os , saiam pelo povoado, para a t a lh á - la s com a sua
au t or id ad e. Usem nisto de pru dê nc ia e t o le r â n c ia com os in fiéis,
mas não as sup or te m com os já ba ti za dos , pr o c u r a n d o
e n e r g ic a m e n t e sua emenda e c om eç an do por meio de
re p r e e n s õ e s , passa ndo a cas ti go s, se elas não bas tare m.

Segundo Haubert, a prática dos castigos pú blicos nas


missões iniciou com as crianças, "a fim de lhes ensin ar a reverência
e o tem or dos adultos. Mais tarde, os pais que não castigam os
filhos serão chic otea do s com eles!"^^^

248 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 122-123.

RABUSKE, A Carta^Magna das Reduções do Paraguai., p. 176.


Acredita-se que os feiticeiros referidos seriam os xamãs, ou seja, os líderes religiosos.

250 ld„ Ibid., p. 186,

251 HAUBERT, op. cit., p. 178.


265

Para pre ven ir possíveis revo ltas nos povoado s indígenas,


existiam normas estra té g ic a s que regulamentavam; a quem aplicar,
como a p li c a r e por quem aplicàr os castigos.

Nas red uções novas, em que havia poucos índios c o n v ertid os


ao cris tia nism o, era proib ida qu alquer espécie de castigo para não
am e d ro n ta r os nã o -c o n v e rtid o s e, nas em que havia muitos cristãos
r ec é m -con v ertid os , e vita v am -se os castigos, só usand o-os em casos
de extrema necessida de , mas com muita moderação. S u av iz a v a-se a
pena para ev itar que vo lta ssem para ju nto dos infiéis, tornando mais
difícil a con versão dos pagãos.

Nas antigas reduções de índios cristia niz ados, lo caliz ad as em


pr ovíncia de infiéis com intenção de convertê-los, os castig os
deviam ser s u p e rv is io n a d o s pelo cura das missões. A colocação do
pe lo urin ho nas missões precisava de au torização prévia do padre
provin cia l e era con c ed id a em nome dos caciques e alc aide s para
fic a r ca ra c te riz a d o para os índios que não eram os padres que os
castigavam, pois os padres ja m ais poderiam c astig ar os índios com
suas próprias mãos, eles de term in avam e os al caides executavam.

Os castig os apli c ad os em autoridades sofriam certas


restrições. Acata ndo o costume espanhol, os caciques não podiam
ser castig ados em pú blico para não des m ora liz a r a sua au torid ade.
Os corre ge do res e alcaide s só podiam ser castig ados e d e s tit uído s
de seus cargos com a licença do s u p e r i o r . J a m a i s poderiam ser

252 FURLONG. op. cit., p. 375.

253 Id., Ibid, p. 375.


266

aco rren ta do s ou alge mad os. As testem unhas eram sempre ouvidas e
acareadas. G era lm en te a pu nição era apenas uma reprim enda.

A esse respeito, o artigo n° 30 do R e gu la m e nto G eral de


D o utrin as do ano de 1689 determinava:

“A los c ac iq u e s pr in c i p a l e s no se c a st ig u e en público, y
pr ece da n al g u n a s am o n e s ta c io n e s : á los c ua le s se pr ocure
m o s tr a r es t im a c ió n , ho n rá n d o lo s con ofícios, y en el ves ti do con
alguna s in g u l a r i d a d más que sus v as a ll o s . Y á los C o r r e g i d o r e s
y Al c a ld e s , no se podrá c a s t ig a r sin li c en c ia dei Sup er ior. A los
c ua le s sin su ordem no se ha de d e s p o j a r de sus oficios:
p r a e c i p u e cu an do están c o n f ir m a d o s por los G o b e r n a d o r e s . ” ^^^

Os aç oites se realizavam quase sempre em praça pública,^®®


nas quais havia uma coluna de pedra com uma cruz , que se
chamava "rolo", sim b o liz a n d o a "in sígnia da ju ris d iç ão ", onde
amarravam as pessoas para serem expostas à vergonha pública.
Morado res do campo também tinham de ser trazid os à sede da
redução para serem c astig ados em praça pública. Para evitar
excesso na punição, os açoites eram s u p e rv is io n ad os e c ontrola dos
pelo p a d r e . A o s dom in gos e feria dos os d e linq üe ntes não podiam
ser c h i c o t e a d o s . ^

254 k e r n , op. cit, p. 58.

255 HERNÁNDEZ, op. cit, p. 595.

2^^ Foucault e.Kplica o porquê da publicidade dos castigos na Europa medieval e moderna e também fala dos
privilégios dos que eram supliciados às escondidas. Segundo ele, o povo "é chamado como espectador: é
convocado para assistir às e.xposições, às confissões públicas; os pelourinhos, as forcas e os cadafalsos são
erguidos nas praças públicas ou à beira dos caminhos; os cadáveres dos supliciados muitas vezes são colocados
bem em evidência perto do local de seus crimes. As pessoas não só têm que saber, mas também ver com seus
próprios olhos. Porque é necessário que tenham medo; mas também porque devem ser testemunhas e garantias
da punição, e porque até certo ponto devem tomar parte nela. Ser testemunha é imi direito que eles têm e
reivindicam; um suplício escondido é um suplício de privilegiado, e muitas vezes suspeita-se que não se realize
em toda a sua severidade. Todos protestam quando no último instante se retira a vítima aos olhares dos
espectadores. "(FOUCAULT, op. cit., p. 53)

257 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 124.

258 HAUBERT, op. cit.. 230.


267

Nas prim eiras reduções ocorreu muito abuso de au torid ade


pelos e n ca rre g a d o s de açoitar. Castigavam com muito rig or sem
q u alqu er motivo ju s tific á v e l, apenas para se vin gar de pessoas que
lhes eram hostis ou para obter vantagens pessoa is através do
con strangim ento.^® Em 1747, o Provincial proibiu que os réus
fic assem ao encargo dos alcaides, para ev itar que, pela tortura,
ob tivessem c onfis sões de crimes de pessoas inocentes.

Mas também houve casos em que je su íta s abusaram do


poder, ca s tig a n d o exc e ss iv a m e n te os índios com suas próprias
mãos. Tal atitude recebia reprimenda do P r o v i n c i a l , p o r haver
reco m e n d a ç õ e s expres sa s a este respeito: "não c astig are m os
ninguém com as no ssas mãos, nem mesmo daremos uma pa lmada
numa criança, pois, sem con tar que nossas regras proíbem, isso
traz muitos inconvenientes."^®^

Esse tipo de incid ente levou o Padre Geral Francisco Retz a


ap en ar os padres que fossem a rb it rá rio s na punição, rem ovendo-os
im e d iatam e nte das reduções.

Homens, mulheres e cria nças recebiam a pena do suplício,


isto é, castig os físicos, mas a quantid ade de chiba ta da s e a forma

259 id , Ibid., p. 229.

2^0 b RUXEL, Os trinta povos..., op. cit., p. 52,

261 FURLONG. op. cit., p. 271.

262 HAUBERT, op. cit., p. 122. ;

263 KERN, op. cit., p 59.

264 Michel Foucault descreve assim o suplício: "o suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é
só: esta produção é regulada. O suplício faz correlacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o
tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas. Há um
código juridico da dor; a pena, quando é supliciante, não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é
calculada de acordo com regras detalhadas: número de golpes de açoite, localização do ferrete em brasa, tempo
da agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez
de deixá-lo morrer, e ao fim de quanto tempo esse gesto de piedade deve intervir), tipo de mutilação a impor
268

como iriam ser cas tig a d o s dependiam do grau de gravidad e do crime


com etid o e da co n dição do agente infrator.

As mulhe res eram ch icotea da s nos ombros, recebe nd o no


máximo doze ciiibatadas. Normalmente, não eram castig adas em
público, mas na prisão feminina. 0 castigo era aplicado pelos pais
às moças solteira s; por mulher de mais idade às casadas, e se o
delito fosse muito grave, por um ancião, evita ndo-se assim, a
vio lê ncia nos g o l p e s . E m 1664, o p r o v in c ia l proibiu o ca stig o da
chibata às mulheres, solteiras ou não, "a le g an do que havia outros
castig os p ro p o rc io n a is a sua fra g ilid a d e e à decência."^®®

Mas, pelo visto, a ordem não durou por muito tempo, pois em
1682 no vam ente eram colo cadas lim itações aos castigos fem ininos,
porque vinham causando inúmeros abortos. A c o n s e lh a v a -se "não
punir nenh uma índia com chicote, sem antes saber se ela está
grávida ou não, na dú vida não será punida". Pedia-se também para
não raspar, não arrastar, nem chic otea r as mulheres em praça
pública, sem antes pedir perm issão ao superior. O problema moral
que ac a rretav a a prática da tosa de cab elos das mulheres já
preocupa va o Padre Gomez em 1675: "se são casadas, isso lhes
vale o ódio do marido e, se solteiras, não encontram mais
p a r t id o . "2®^

As cria nças também não escapavam do açoite, recebe nd o


quatro ou cinco chiba tada s, con form e a idade, executada s pelo seu

(mão decepada, lábio ou língua furados). Todos esses diversos elementos multiplicam as penas e se conbinam de
acordo com os tribunais e os crimes."(FOUCAULT, op. cit., p. 34)

265 HAUBERT, op. cit., p. 230.

266 id„ Ib id, p, 230.

267 id„ Ibid, p. 230.


269

responsável direto.^®® Já para os homens adultos, talvez pelo vigor


físico, as penas eram mais intensas. Recebiam c hicotadas nas
nádegas, mais ou menos vinte e cinco por dia,^® aplicad a pelo
alguacil em praça pública, am a rrad os no "rolo" por grilhões,
exp ostos para toda a aldeia. Conforme o delito, ou para torn ar a
pena exemplar, causan do ao réu maior constrangim ento, eram
expostos também no pe lo urin ho das reduções vizinhas.

Além do castigo do açoite, havia a pena de prisão perpétua,


prisão por tempo de term in ado, ba nimento, arra stam ento,
a co rr en ta m en to , tosa de cabelo e orações para pe nitencia r-s e.
Eram pro ib id o s e consid erados crime: a antrop ofag ia, o adultério , o
c oncub in ato, o incesto, a poligamia, a sodomia, a be stialidade, a
luxúria, as bebe de ira s, o escândalo, as festas pagãs, a vadiagem, a
in dis ciplina, a feitiçaria, a rixa, a lesão corporal, o aborto, o
homicídio, o en venenam ento, a deserçã o, o roubo e outros.

268 k ERN, op. cit, p. 58.

269 Há divergência entre as informações dos autores quanto ao limite máximo de chibatas permitidas nas
missões. Para Furlong, o número de açoites variava de dez a trinta, sendo o réu colocado no chão, de rosto para
baixo, ou atado ao "rolo", recebendo chibatadas da cintura para baixo. (FURLONG, op. cit., p. 375) Rucshel
infomia que para o homicídio eram aplicados oitenta ou mais açoites. (BRUXEL, Os trinta povos guaranis, p.
54)

2™ h AUBERT, op. cit., p. 230-231.

2'^! Nos séculos XVII e XVIII, na França, as penas prescritas eram a morte, as galeras, o açoite, a confissão
pública, 0 banimento e a muUa. As duas últimas eram as mais comuns. A pena de morte poderia ser pela forca,
pelo arrebentamento dos membros, pelo estrangulamento, pela queima na fogueira, pelo pu.xamento por quatro
cavalos, pela degola ou pela quebra da cabeça. No entanto, "entre esse arsenal de horror e a prática cotidiana da
penalidade, a margem era grande. Os suplícios não constituíam as penas mais freqüentes, longe disso.(...) Mas
não se deve esquecer que os tribunais encontravam muitos meios de abrandar os rigores da penalidade regular,
seja recusando-se a levar adiante processos quando as infrações eram exageradamente castigadas, seja
modificando a qualificação do crime; às vezés também o próprio poder real indicava não aplicar estritamente tal
ordenação particularmente severa.(...) Ora, grande parte dessas penas não corporais era acompanhada a título
acessório de penas que comportavam uma dimensão de suplício: exposição, roda, coleira de ferro, açoite,
marcação com ferrete; era a regra para todas as condenações às galeras ou ao equivalente para as mulheres - a
reclusão no hospital; o banimento era muitas vezes precedido pela exposição e pela marcação com ferrete; a
multa, às vezes, era acompanhada de açoite.(...) qualquer pena um pouco séria devia incluir alguma coisa do
suplício." (FOUCAULT, op. cit., p. 33-34.)
270

Para cada tipo de in fração existia a san ção correspondente ,


como se vê a seguir:

“ Para a s o do m ia e b e s t ia li d a d e : trê s meses de prisão,


a c or r en ta do , e qu a tro s es s õe s de f u s t i g a ç ã o no p e l ou r in ho .
Para o inc es to e abo rto p r o v oc a do s : doi s meses de prisão,
a c or r en ta do , e duas s es s õ e s de f u s t i g a ç ã o púb lica (para o
incesto de pai e filh a, o caso será r e s ol v id o pelo padre
s up e ri or ). Para o a d u lt é r io : qui nze dias de prisão, a c o r r e n t a d o ,
e vinte e cin co c h i c o ta d a s no pel ou ri n ho . Para o
en v e n e n a m e n to : se houve morte, o mes mo castigo p r e s c r it o
para o h o m ic íd io ; caso c o nt rá ri o, o mesmo cas ti go in d ic a do para
a sod o mi a. Para as p rá ti c as de f e it iç a r ia que pr ov oc a m morte:
um ano de prisão, a c o r r e n t a d o , e f u s t i g a ç õ e s púb lica s; em
seguida , o cul pa do é exp u ls o das r ed uç õ es e en c a m in h a d o ao
e s t a b e l e c i m e n t o e s pa nh ol mais pr óxi m o. Para roubos: pena de
prisão p r o p o rc i o n a l ao del it o e f u s t i g a ç ã o no p e l ou r in ho .
F i na lm en te para t o r n a r a pena mais e x em pl ar , os d e l i n q ü e n t e s
são às v ez es e x p o s to s no p el ou ri n ho das re du ç õ es v iz i n h a s . O
exí lio d e f i n i t i v o para outra redução sa nc io na tam bé m al guns
crimes p a r t ic u l a r m e n t e gra ves , e é v iv a m e n t e s en ti d o pelos
culpa do s.

Quando capturados, os de s ertore s eram ca stig ados com


chicote em praça pública na redução de origem e nas vizinhas.
Também eram ex ilados com suas mulheres e filh os pequenos, para
outras reduções. As mulhe res tinham seu cabelo cortado,
"a rra n c a n d o -lh e a c abele ira que a gente do sexo fe m in in o tanto
preza, por um lado, para que isso servisse de exemplo para outras
índias; por outro, para puni-la por sua fuga ig n o m in io s a ." ^ ^

0 citad o Regimento Geral de 1689, em seus artigos 38 e 39,


dispu nh a sobre os crimes pratic ados pelos membros da
Cong reg açã o de Nossa Senhora e Cantores e sobre a prá tica de
escândalo:

“ 38 Haya es pe c ia l v ig il a n c ia en que los C o n g r e g a n te s de


Nuestra Senora y Ca nt o re s, que más in m e d ia t a m e n t e sir ven ai
altar, v iv a n v ir t u o s a y ho n e s ta m e n te . Y si dieren es c â n d a lo , y

272H A U BERT, op. cit., p. 231.

Id., Ib id, p. 255.


271

c a s t ig a d o s y c o r re g id o s al g u n a s v e c e s no se e n m e n da r en , los
echa rán de Ia C o n g r e g a c i ó n ó Mú sica , sin que vu e lv a n á ella sin
orden dei Sup er ior, que con no ta bl e enm ie nd a. Ia podrá dar; y si
a c o n t e c i e r e que algún indio M a es tr o vaya á alguna R e d u c c i ó n
nueva, sea de co no c id a v ir t u d , á el ec c ió n dei mismo S u p e r io r ; y
si di er e mal ejemplo,, Io v o lv e rá á su pueblo (sin a g u a r d a r más)
el Padre que cuida de Ia R e du c c ió n.
39 Si algún indio die re e s c â n d a l o notable en otra
R e du c c ió n, el que Ia ti ene á su cargo, con p a r e c e r de su
com pa fi e ro , le puede c a s t ig a r c o n f o r m e al del it o, para q u i t a r el
e s c â n da lo . Pero no haga c a s t ig o gr ave , sin c o n v e n ir en él
ambos c om pa fi e ro s; y no co n v i n i e n d o , se recurrirá al
S u p e r io r . "

Até mesmo os enfermeiros, se não cum prisse m com em penho


as suas funções, não cham ando o padre para dar a extre m a -u n ç ã o
aos moribundos, também eram chicoteados.^^^

A in dis c ip lin a e a vad iage m também eram duram e nte


reprimidas: os que não queriam tr a b a lh a r e os que não executassem
com emp en ho a sua tarefa eram açoitad os. A embriaguez, costume
Guarani r e lac iona do às festas de rituais antrop ofág ic os e à época
do término do plantio e da colheita, foi duram ente combatida pelos
padres, não sendo fácil a sua erradicação.^^® Influ encia dos pelos
escritos de São Paulo e São João Crisóstomo, os je s u íta s
consid era vam a em b ria gu ez pro vocadora de "situações passio nais e
irracionais", porque viam na ingestão da chicha uma "s ervidão às
en tidades de m oníacas", cau sando dano "ao corpo, aos costum es e à
fé", originando "idola tria s, horrív e is incestos, mortes, e ou tros
danos ca usados por ela s ".^ ^

As form as en contradas para a n iq u ila r tal costume foram


desde o confisco da bebida, liberand o pequ en as porções diárias, à

274 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 596.

275 HAUBERT, op, cit., p. 257,

276 DECBCMANN, op, cit., p. 453,

277 Id., Ibid., p. 451-453.


272

s u b stit uiç ã o da chíchua pelo mate, que não ca usa va efeitos


cola terais, até a apli cação de castigos. Segu ndo Haubert, a
in tr o du ç ão do consumo da erva mate foi a responsável pelo
aban dono do alcoo lismo , e nãó a apli cação das sanções, pois, "num
plano e s trit a m e n te penal, muitas vezes os c astig os torn a va m -se
i n ú t e i s . P a r a o crime da em b ria gu ez a p li ca v a m -s e vinte e cinco
açoites, com in tervalo de alguns d ias.^ ^

Ac o m p an ha da s das bebedeiras sempre vinham as festas


profanas, que eram s eve ram e nte reprimidas, sendo p e rm itid as
apen as as festas r e lac iona da s às ce rim ôn ia s litúrgicas.^®° As festas
o fic ia is também eram regulam entadas. Era proibido co n v id a r
músicos de outras reduções. Caso na missão em que fosse
rea li zada a festa ho uve sse carência de cantores, era pe rm it id o o
convite de três bons c antores de outras reduções. A p enas as
a u t orid ad es e os m is sion ário s das reduções vizin has poderiam ser
con vidad os, mas os padres só podiam levar três índios de
acom panhante s. Só podia haver quatro tipos de dança, não podend o
pa r tic ip a r moças, mulhe res e homens vestid os de mulher.

As festas com bebida s alc oó lic a s eram con s id e ra d a s "a praga


mais comum das reduções". Nas noites resso avam “ cantos e gritos
de bêbados". Os ass a s s in a to s causad os por tanta euforia expunham
a redução em risco de cair no ciclo das vinga nças. Até mesmo as

278 h a u b e r t , op. cit., p. 178-179.

BRUXEL, Os trinta povos guaranis, p. 54.

2*0 HAUBERT, op. cit. p. 262.


"As Ordenações proibiam que se vendessem armas aos índios e também que eles as tivessem. Vedavam o
comércio de bebidas alcoólicas aos indígenas. Os bailes públicos de ameríndios só podiam se realizar com
licença do governador e teriam que ser com temperança e honestidade." (FLORES, A catequese dos guaranis e
os conflitos com o colonialismo espanhol, p. 78.)

2*1 Regulamento Geral de Doutrinas de 1689. (ane.xo)


273

mulheres ficavam exaltadas, prom ovendo uma espécie de jo go em


que se divid iam em campos opostos e se dila cerava m com maxilare s
de peixe que eram utilizados para tosar carneiros, Elas só se
acalmavam com a che ga da do padre armado com o chicote.

Como se pode observar, s e g uida m en te os índios retorn avam


aos seus an tigos hábitos e costumes, d e so b e d e ce n d o aos padrões
de c o m p o rta m e n to impostos pelos je suítas. Mas, seg un do
in formações da época, a em b ria gu ez foi banida nas reduções, assim
como ou tros delitos: o jogo, a blasfêmia, o ju r a m e n to em falso, o
canto de "r e fr õ es im próprio s" e desenho s de quad ros "lic e n cio so s ".
Perm ane ceram ainda a luxúria, o aborto, as vin ga nça s pessoais e o
roubo causad o pela glutonaria.^®^

Homens que invadissem a casa das reclusas (co tig u a çu ) com


fins lib id in osos, ou mesmo para raptá-la s com igual intento, eram
castig ados com vinte e cinco chicotadas no pe lo urin ho e expostos
ao desprezo em duas reduções mais próximas.

A po li ga m ia era reprim ida com a cap tura das mulheres e


crianças e com a d e s truiç ã o de suas ha bita çõe s pelo fogo.^®®

282 HAUBERT, op. cit. p. 120.

283 Id„ Ibid., p. 232.


Segundo depoimentos da época, a maior parte dos furtos praticados pelos indígenas relacionava-se a furtos de
alimentos ou de animais de corte, que eram imediatamente mortos e consumidos para satisfazer a gula
momentânea. Para elucidar melhor esta questão será transcrito o relato do Padre Sepp, na ocasião em que
captiu"aram um ladrão que havia roubado um boi de seu vizinho para comê-lo, e o padre lhe faz o seguinte
questionamento: "Como não te envergonhastes de causar tão grande dano a teu próximo, matando o animal dele?
Ao que responde: (...) Padre, o boi era muito gordo e eu estava com vontade de comê-lo, por isso o fiz". (SEPP,
op. cit., p. 205) Mas com relação a outros bens, o roubo ou o fiirto eram limitados devido à grande abrangência
da propriedade coletiva. (HERRERO, op. cit., p. 321)

28'* HAUBERT, op. cit., p. 253.

285id., Ibid., p. 135.


274

De acordo com as leis es panhola s da época, o crime de


hom ic ídio era punido com pena de morte, mas nas missões
je s u í t ic a s esta pena foi s ub s tit uída pela prisão pe rpétua. Segundo
alguns autores, como Bruxel, por exemplo, a pena de morte não foi
aplicada nas missões devido ao direito canôn ico , que "não podia
a c o n s e lh a r nem aprovar sen tença de pena c a p it a l” .^®

Já Pablo Hernánd ez afirma que os je s u íta s não c ondenavam a


pena de morte, por se acharem in co m p eten te s para decretá-la:

“ Con esto queda ex pl ic a do en qué co n s i s ti ó que en Ias


D o c tri na s fu es e abo lida de hecho Ia pena de m uer te, no porque
los J e s u í t a s negasen el p r in c ip io en que se fu nd a ó du d ase n de
él, ni menos porque se ar ro ga s en Ia a u to r id ad j u d i c i a l própria
dei S o be r an o, sino porque p r o c e d ie n d o con Ia r e fl e x ió n y
c o n s u lt a s que ins pira Ia pru dê nc ia , j u z g a r o n que m ie n tr a s el
monar ca no pus ier a allí j u e c e s s eg la re s, era pr eci so que ellos
a pl ic a s en Ias más fu e r te s penas que cabían en su potestad,
para at a ja r un dano que podia a r r u in a r a q u e ll o s pu eb lo s tan
bien f o r m ad o s , tan útile s á Ia nación y tan p r o v e c h o s o s para Ia
s a l v a c ió n de Ias almas: y á su c o n d ic ió n de tu to re s , de pad res y
de s ac e r d o te s , c o r r e s p o n d ía n los azotes y Ia cár cel, mas no Ia
pena de m uerte ni m u t i l a c i ó n . ”

Outro f a t o r que d ific u lta v a a decretação da pena de morte era


a ausência de ju iz e s seculares próximos às reduções. Seria
necessária a t r a n s fe rê n c ia do homicida para Buenos Aires, para ser
ju lg a d o pelo governad or. Pela distâ ncia e com o perig o dos ataques
dos índios Charrua era necessária uma escolta m ilitar de vinte a
trinta homens, e durante a longa viagem que durava meses,
no rm alm ente o réu conseguia eva dir-se. E se chega ss e ao destino,
"era solto pelo governad or, por não poder este s a tis fa z e r as
f o rm a lid a d e s legais, para a insta uração de processo regular,"^®®
to rn a n d o -s e uma viagem inviável e sem efeito.

BRUXEL, Os trinta povos guaranis, op. cit., 53.

HERNÁNDEZ. op. cit., p. 129.

BRUXEL, O s trin ta povos guaranis, p. 53.


275

0 c on de na do à prisão perpétua era c hic otea do uma vez por


mês no pelo urinho . Ficava a c o rren ta do e recebia pouca
alim entação. Assim como os demais condenados, era obrigado, ás
vezes, a pa ssar algu mas horas no local do sup líc io. Só podia sair da
cela para ir à missa aos domingos, mas algemado.^®® No entanto, a
prisão perpé tua não passava de dez anos, pois sempre era
en c on trado um motivo razoável para pe rd oar o réu, desde que ele
tiv esse um bom c o m p ortam e nto e c on v en c es se os padres de que
estava arre pe nd id o. Normalmente a visita do provin cial, do bispo ou
do g o v e rn a d o r era um bom motivo para a c on c es s ã o do perdão.

Entre os anos de 1741 e 1742, devido à oco rrên c ia de vários


a s sassin atos, c o g it ou -s e da im p la ntaçã o da pena capital, mas
che go u-se ao c on sen so de que os índios eram "m eno res de idade, e
se resolveu a p li ca r aos tais 80 açoites e pô-los no cepo, como se
fazia até então.

Embora algu ns autores, como Kern por exemplo, discordem,


tem-se c o n h e c im e n to de que existiam prisõe s masculinas nas
reduções em fins do século XVII, c onform e o Regu lamento de
Doutrinas. Eram lo caliz ad as "num canto da praça, ou no colégio dos
jesuítas, mas ao lado das oficinas.

A prisão fem in in a lo caliz ava-se no c o tig u a ç u (casa grande ou


casa das reclusas). Conviviam as mulheres d e linq üe ntes com outras
mulheres, cujo único crime era serem órfãs, viúvas ou aban do na da s.
É de se q u e s tio n a r até que ponto existia e q u ilí b io entre o tratam e nto

289 HAUBERT, op. cit., p. 231.

290 FURLONG. op. cit., p. 376.

29> HAUBERT, op. cit., p. 230.


276

"h um ano" dado às "cu lp a da s" e o trata m e n to "d esu m an o" dado às
inocentes, uma vez que ambas estavam em ig uald ade de condições,
vivendo en cla usura das. Era ga ran tid a às mulheres a sua
sub s is tên c ia , pois rece biam "d ia ria m e n te uma porção de carne,
roupas duas vezes por ano e algumas outras esmolas do cura".
Eram v ig ia da s e dirig id a s por uma mulhe r mais velha. Ao anoitecer,
as po rtas do co tig u a ç u eram tran c ad as com duas chaves, uma
interna e outra externa, a prim eira chave ficava com a matrona e a
s eg un da fic ava com o c ura .^^

Para le gitim ar o uso ou não dos castig os físicos, existia um


discurso de fe n d e n d o -o s ou pelo menos ju s tific a n d o -o s .

3.4.5. O Discurso Favorável ao Castigo

Diverso s au tores antigos e atuais apóiam, ju s tific a m ou


tentam am e n iza r a ap licaçã o de castig os nas popu lações indígena s
reduzidas.

O arg um ento mais usado é o de que os padres na condiç ão de


t utore s dos índios castig avam seus pupilos por amor a eles, assim
como um pai castiga um filho. 0 Padre S e p p , ^ con te m p o râ n e o
dessa época, ob via m ente dá o seu testem u nh o favorável à prá tica
dos ca stig o s corporais:

292 Id.^ Ibid, p. 253.

o Padre Antônio Sepp S. J., nasceu "a 22 de setembro de 1655, em Kaltem, (...) no Tirol. (...) Em 1674, aos
dezenove anos de idade, entra para a Companhia de Jesus (...) aos 36 anos partiu de Cádiz, com outros quarenta e
quatro missionários com destino ao Novo Mundo. Partiram reunidos por um alvo superior: levar o cristianismo
aos pagãos. Iniciando seu trabalho missionário na redução de Japevii, (...) ali se demorou (...) durante alguns
anos de proveitosa ação. Seguiu depois para São Miguel e nesse lugar prosseguiu sua incansável tarefa. "(SEPP,
op. cit., capa de I í v t o )
277

“ Se alguém per gu nta : de que ma nei ra c o s t u m a is c a s t i g a r


e ss es ín dios? re sp o n d o b r e v e m e n t e : Como um pai c a s t ig a aos
f ilh o s que ama, assim c a s t ig a m o s os que m e re c e m !
N a t u r a l m e n t e não é o Padre que pega do aço ite, mas o p r im ei ro
índio que e s t i v e r à mão - aqui não te m o s v ar as de bét ula ou
outr as s e m e lh a n t e s - e coça o d e l in q ü e n t e assim como na
Europa um pai surra o filh o ou o patrão o seu a p r en di z . A ss im
são c a s t ig a d o s g r a n d e s e pe q u e n a s e ta m b é m as m ul h e re s.
C a s ti g a r desta ma nei ra p a te r na l tem re s u lt a d o e x t r a o r d in á r i o ,
ta m b ém entre os b á rb a ro s mais s e l v a g e n s , de sorte que nos
amam em v e rd ad e, como os f ilh o s ao p a i . ” ^®"’

G uilherm o Furlong, nascido no final do século pa ssado e


também membro da Co mpa nh ia de Jesus, ratifica a posição do autor
anterior:

“ Si el padre t ie ne po d er para c a s t ig a r a sus hijos y el


ma est ro Io ti ene para c a s t ig a r a sus alu mn os, p ud ie n do hasta
e c ha rl e de Ia escue la, los M is s io n e r o s , pad res de esa f a m i li a .
Mamada R e du c c ió n, y m a es tro s de esa gran escue la de v ir tu d y
c iv i s m o ? por qué no hab rían de t e n e r aná lag a a u t o r i d a d ? ”

Luiz Rodrigues, em seu artigo "A peda go gia dos je s u í t a s nas


red uções guaranis", pu blicado em 1981, nos Anais do IV Simpósio
Nacional de Estudos M issio neiros, seg uind o a mesma linha de
pe nsa m en to dos au tores já citados, faz a seguinte afirmação:

“ Tod av ia , p a r ti nd o- s e do pr e s s u p o s to que os índio s


g u a r a n is não pa s s a v am de c r ia n ç a s adu ltas, duas c o is a s eram
fu n d a m e n ta i s : pr imei ro, era s is te m a p e d a g ó g ic o da época - 'de
senso c om um '- que q u a lq u e r pai ou me stre dev e ria a d o ta r para
com os f ilh o s ou al uno s d e s o b e d i e n t e s o açoi te ; e, s eg u nd o, os
c a st ig o s c o r p o r a i s - que é pr eci so que se diga c la ra m e n te ,
re al m en te ex is ti ra m - em nada c o n t r ib u ía m para d i m i n u i r o afeto
que os índios s en ti a m dos padres. Pelo c o nt rá ri o, m ui to s se
qu e ix a v a m de que os padres não os usassem pra a j u d á - lo s a
v o l t a r ao bom cam inho, este s não os q u e ria m bem. Aliás, o Pe.
Parras c ol oc av a que co n ce b ia m com tanta t e n a c i d a d e o c a s ti g o
como sinal de amor, que suc ed ia a cada in st an te os índio s os
pr o c u r a v a m para se f az er em c a s t i g a r . ” ^®®

294 id„ íbid., p. 149.

295 f u r l o n g , op. cit., p. 374.

296 RODRIGUEZ, Luiz M. A pedagogia missionária dos jesuitas nas reduções guaranis. Anais do IV Simpósio
Nacional de Estudos Missioneiros. Santa Rosa; Centro de Estudos Missioneieros, 198L p. 178.
278

Outros autores argum entam que a coe rção foi branda, pois
caso con trário apenas os dois padres que dirig iam as reduções não
teriam con diçõe s de rep rim ir possíveis sub le v aç õ es dos in dígenas
ca usadas por revo ltas aos maus tratos.

Ar nald o Bruxel, também padre jesuíta, em livro pu blicado em


1978, questio na "como dois homens es trangeiros, inermes e
pacatos, conseguia m 'dominar' 5 ou 6 mil selvag en s, sem neles
s u s c ita r ódio e revolta, antes, ao contrário, gra tid ã o e veneração".

Em obra pu blic ada em 1982, Arno Kern coloca que a "c o erç ã o
a plicada pelo código penal, era branda e in existia a p o s s ib ilid a d e de
dois m is sion ário s se imporem de maneira c o e rc it iv a sobre uma
popula ção de centenas ou mesmo milha res de i n d í g e n a s . " ^

0 mesmo au tor também expõe que o sistema penal nas


missões foi menos vio le nto do que o europeu da época, que a
d is c ip lin a "era mais rigorosa do ponto de vista coletivo, social, do
que in div id u alm en te , qu ando era pouco e x i g e n t e . " ^ E vai mais
além, quando analisa que as rela çõ es entre os padres e os índios
"eram antes de tudo de comando e obed iência, do que de
do m in açã o e submissão, pois as prim eiras se embasavam num
consen so de le gitimidade , en quanto que ás seg un da s exigem a
im p la ntaçã o de um pode rio c o e rc it iv o ;" que a coe rção existe nte era
moral e religiosa, e que a coe rção real era a do Estado Espanhol,

BRUXEL, Os trínta povos guaranis, p. 53.

298 k e r n , op. cit.,p. 141.

299 Id.. Ibid, p. 59.


279

que se manteve dista nte do territ ório das misssões, "mas ap oia va a
a u torid ade que havia sido de lega da aos m i s s i o n á r i o s . " ^

Kern afirma ainda qué o fu n c io n a m e n to legal do regime


ju ríd ic o nas missões je s u ític a s foi s im ilar ao da m etróp ole e da
colônia, mas que "a coe rção interna nunca chegou ao mesmo nível
dos exce ssos que se cometeram na época, pois a Inquisiç ão ja m ais
agiu no in te rio r das Missões indígenas.

Outro fa t o r que ajudou a ju s t i f i c a r a apli cação dos castig os


corporais foi, seg un do cron istas da época, o de que os indígenas
agra decia m f e r v o ro s a m e n te por serem cast ig ados, como relata o
Padre Sepp:

“ Não haverá no mundo todo um povo que ta nt o nos ame.


E q u a nd o se os açoita ou coça, não gr it a m , não pr ag u e ja m , e tu
não ou vi rá uma só palavra de má v o n t a d e , im p a c i ê n c i a ou raiva.
Se 0 c a s ti go fo r muito, in voc am os s a n t í s s im o s nomina J esu s
Maria, e re ceb em a surra com a m áx im a pac iê nc ia , sim, até
gr a t id ã o . De poi s de c a s t ig a d o s , vão logo t e r com o Padre,
b e i ja m - lh e a mão sa c e r d o ta l e ex te r n a m seu r e c o n h e c im e n t o
nas s e g u in t e s palavras: 'Meu Pai, mil e dez mil v ez es te
a g r a d e ç o que por teu cas ti go pat er na l me a b r is te o j u í z o e me
t o r n a s t e no homem que antes não fui'. Esta doçu ra e p ac iê nc ia
ne st es b ár ba ro s s el v a g e n s - ningué m as es ti m ar á de m ai s. E
quem, na Europa, que assim desta ma neira s u p o rt e uma surra
bem m e re c id a ? Quanta gr it ar ia , qu an ta praga! Coisa s e m e lh a n t e
nem eu nem os out ro s Padres o u v im o s há anos uma só vez que
foss e da boca de índios e índias.

O que se pode c o n statar com relação à d isc ip lin a e ao


sistema penal das reduções era que elas estavam de acordo com a
sua época, isto é, con form e o que se usava na Espanha e na
Am érica E span hola durante os séculos XVII e XVIII.

300id„Ibid, p. 141.

Id„ Ibid. p. 60.

302 SEPP, op. cit., p. 149-150.


280

T alv ez a forma de ap enar fosse mais branda nas missões do


que no restante da Am érica Espanhola, porque havia
re c o m e n d a çõ e s dos s uperiores de que os curas não se exce de ssem
na exe cuçã o dos castig os sòb pena de serem ab a n d o n a d o s ou
vin ga do s pelos neófitos.

A tutelagem dos padres sobre as po pula ções Guarani era uma


forma de le giti m ar perante a Coroa Espan hola e às demais
a u to rid a d e s da América a sua au torid ad e ecles iás tic a , civil, m il it ar e
ju ríd ic a . A p lic a v a m -s e normas penais ela boradas pelos membros da
C ompa nh ia de Jesus, que estavam in seridas nas In s tru ç õ e s e nos
Livro s das Ordens, sempre ju s tific a d a s pelo am or dos pais
(padres) aos seus filh os (índios).

U til iz ava -s e da coe rç ão morai e física. A coe rção moral


c a r a c te r iz a v a - s e pela in tr o du ç ão da idéia de pecado na m entali dade
indíge na e pela promessa de recom pensa numa vida além -túm u lo
pelas boas ações pra tic ad as aqui na terra, ou, ao contrário, o
castigo divino pelas más ações. A coerção fís ica fir m a v a - s e na
apli c açã o de castig os para atos praticad os contra as regras
es tip u la d a s pelos padres. A coe rção foi um m ecanis m o de c ontrole
social contra condu tas de s via ntes auxil ia n do na le g iti m ação da nova
ordem social.

A rein cid ê n c ia dos antigos costumes Guarani co n de na do s


pelos padres, com pro va "que a construção da base social da nova
so cied ad e m ission eir a não se completou. A ne c es s ida de de
le gitim açõe s foi con stante em toda a ex periê ncia m i s s i o n a l " , ^ para
le giti m ar o que não estava legitimado.

KLEINÜBING, João Karam. Religião e identidade guarani. Florianópolis^ 1994. Trabalho de Conclusão de
Curso (Curso de Graduação em História), Universidade Federal de SantaCatarina., p. 47.
281

A apare nte obediê ncia dos Gua rani apenas en cobria uma
sim ula ção de bom c o m p o r t a m e n t e . ^

Quanto a afir m a tiv a dos au tores an te rio rm e n te citados, de


que som ente dois padres conseg uiram com o "seu amor e sua
bond ad e" m an ter em paz e obediê ncia a po pula ção do in te rio r das
missões, não é tão verdad eira, pois os padres não estavam
sozinh os nesta tarefa, aliados a eles estavam os caciq ues e os
" fu n c io n á rio s " do cabildo, pois todos tinham o mesmo in teresse de
se m an ter no pode r para m an utenção de seu s ta tu s quo.

M on tou -s e uma estrutu ra interna de fis caliz ação, c o n trole e


d isc ip lin a das po pula ções indíge na s, chegando todas as
info rm ações do que acontecia nas missões ao cura. Mas, mesmo
assim, houve revoltas, fugas e crimes que eram pro nta m e nte
reprim id os pelos padres, auxiliados pelos membros do cabildo.

As revoltas, a resistê ncia índigena à im posição da c ultu ra


je s u ític a e as infrações penais dem onstra m que não houve tanta
"paz" e "h a rm o n ia " interna nas reduções como vários au tore s
querem comprova r.

Quanto aos relatos da época, de que os indígenas


agradeciam aos padres ou até mesmo pediam para serem
castigad os, se é que tais in form ações são verídicas, podem ser
ju s tific a d a s porque os índios, por in fluê ncia dos e n s in am e ntos
religioso s, acredita vam que o ca stig o era uma fõrma de se livrarem
do pecado, fic a n d o livres, portanto, do ju lg a m e n to além-túm uio.

GADELHA, A experiência missioneira, p. 34.


282

Com relação à Inquisição, realm ente esta ja m ais penetrou nas


reduções je s u ític a s , nem nas popu laçõe s in dígenas em geral, pois a
Le gisla ção de índias proibia a apli caç ã o da Inquisição às
popu la çõe s indígenas na Am érica Espanhola, por c on s id era r os
índios seres incapazes.

Diversos autores afirmam que os castig os in flig idos nas


red uçõ es eram mod erados e le víssimos se c o m p ara do s aos castigos
u til iz a do s na Europa, na mesma época. Quanto a esta questão, não
se pode du vid ar de que realm ente os castig os fís ic o s na Europa e
até mesmo no restante da Am érica E span hola eram mais severos do
que os das missões. Co meçand o pela pena de morte com as suas
diversas m odalid a de s (enforcam ento, e s tr a ng ula m en to , fo g ue ir a e
outros tantos), que não eram praticadas nas reduções pelos motivos
já citados an terio rm en te , e as diversas form as de suplício que
tinham uma escala hierá rqu ic a da mais tênue (chicotad as) até as
que cau savam a morte. A v io lê ncia fís ica também estava presente
na relação f a m ilia r entre pais e filhos, na pe dagogia e nas relações
de tr ab alh o eu ro péia s. Mas não se, pode o c u lta r que os je s u íta s
eram fruto de todo este sistema de di scip lina, v ig ilâ n c ia e coerção,
pois eram homens que perten ciam à socied ad e européia, portanto,
toda esta vio lê ncia in s ti tu c io n a liz a d a lhes era natural e fa z ia parte
do seu cotidiano.

E também é bom fris ar que estavam t ra ta n d o com outro tipo


de sociedade, que não conhecia tais pro ced im e ntos, muito menos o
que lhes era imputad o como crime e pecado, nem sempre na sua
cultura orig in al tinham tal significado. E em relação à dis parid ade
das duas cultu ra s (in dígena e européia),; foi muito maior a vio lê ncia
física e moral que as populações indígenas sofreram com a
im pla ntação deste novo padrão cultural de discip lin a, v ig ilâ n c ia e
coerção, causando um cerceam ento das libe rdad es in div iduais até
283

então gozadas, do que a vio lê n c ia in sti tu cio nal pra ticada pelo
europeu contra o próprio europeu, que já estava habituad o e
inserido naqu ele contexto.

Gad elha define muito bem a n a tura lid ad e com que os padres
c astig ava m os in díge na s quando não proced esse m de acordo com
os seus padrões de com portamento:

"Os padres c o n s i d e r a v a m tã o - s o m e n te a e x i s tê n c ia e a
verd ad e de sua própria vis ão de mundo. O que lhes pe r m it ia
cas ti ga r, sem r em or sos , a p r e t e x to de in s u b o r d i n a ç ã o , pregu iça
ou pouco e n t e n d im e n t o , q u a lq u e r d es vi o a p r e s e n ta d o pelos
índios, sempre s e v e r a m e n t e c a s t ig a d o s e punido s.

No c ap ítu lo seguinte, o direito Guarani pré-colo nial será


colocado frente ao direito missioneiro, m ostrando -s e a defesa do
direito de ser Guarani perante a imposição de um outro direito
diverso do seu original como forma de melho r eluc ida r a dife re nça
entre um e outro sistem a ju ríd ic o , e a violê ncia que sofreu essa
po pula ção ju s ta m e n te em função dessa diferen ça cultural.

305 i d , Ibid., p. 35.


284

4 - O DIREITO GUARANI FRENTE AO DIREITO


MISSIO NEIR O E A DEFESA DO DIREITO DE SER GUARANI

4.1 O DIREITO GUARANI FRENTE AO DIREITO


MISSIONE IRO

4.1.1 O Sistema de Liderança Política

Co nform e o que foi tratado an terio rm ente , o poder tu telar


exercid o pelos padres nas Missões J esu íti cas do Paraguai,
am parado pela teo ria da incapacid ade indígena, legitimou a
im pla ntação de um sistem a ju ríd ic o totalm en te diverso do direito
Gua rani pré-colonia l, causan do um choque cultu ral e certa reação
das po pula ções nativas, o que poderá ser verifi cado neste capítulo.

Houve uma mudança j


nc
)direito con su e tu d in á rio GuaranTjcom
relação ao sistema político, ao direito penal e ao direito civil, que
[[eram regidos pelos p r inc ípios da solidarieda de , da recip ro cidade,
dos in teresses e da re s p o n s a b ilid a d e c o le tiv a ^ Nas missões foram
in tr o du z id os o dire ito espanhol e o direito canônico, de origem
ocidental, com c aráter formal, escrito e estatal.

Os Guarani pré -co lo n ia is eram uma socie dade "sem Estado",


mas, mesmo assim, com um sistema de liderança política. O poder
não estava sep arado da sociedad e em órgão distinto, mas
e n c on trava-s e difuso na coletivida de , que o controlava através de
grupos de pressão, dire ito s e obrig ações pessoais.
285

Desta forma, o poder do líder político era lim it ado pela


vontade tribal, isto é, o chefe só se mantinha no poder enquanto
- Intere ss as se ao grupo. Perdendo o seu prestíg io pessoal, pode ria
ser destituído , abando na do Ou morto. Na verdade, o chefe tinha
mais obrig açõ es do que direitos, e esses direitos re p re se ntava m
mais in fluência e prestíg io do que poder. O que le gitim av a o
exe rcício do poder eram os atrib utos pessoais do cacique (idade,
experiê ncia, generosidade, oratória, xamanismo, h a b ilid a d e s na
guerra, na caça, na pesca e na agricultura), que iriam re v e rte r em
be ne fíc io da comunida de . O caciq ue deveria ser o mais ge neroso
de todos na prestaçã o de serviços, na promoção de festas e na
d is trib u iç ã o de bens. Para manter esse prestígio econô mico,
ne cessita va da c o n tra p re s ta ç ã o de serviços da c om unidade e do
trab alh o de suas esposas.

Alg uns chefes se s obre ssaíam ex clusivam en te pelas suas


qu alid ad es m ág ic o -reli gio s as . Os caciques que não tivessem
pode res so b re n a tu ra is depe nd iam também do apoio dos xamãs,
fir m a n d o - s e verd ad eiras alianças.

A h e re d it a rie d a d e ná che fia não era regra. Em caso de


va cância do cargo, qu alqu er um poderia torn ar-se líder,
in depe nd en te de sua condição de nascimento, desde que tivesse o
apoio popular. Além da von tade do povo, a autoridad e dos líderes
também era restrin gida pelos conselh os dos anciões. Os seus
"s ú dit o s" não eram dos mais d is cip lin ad os e subservientes, gozavam
de certa libe rdade e in de pe nd ên cia.

Em grupos maiores, o chefe acumulava as fu n ç õ e s de


au torid ade ju dic ial; nos grupos menores, a vontade de todos
preva le cia nos ju lg am en tos. A funçã o do ju lg ad or era obter o acordo
entre as partes para ev ita r a cadeia de vin ga nças con tín ua s e
286

recíprocas. Mas nem sempre o consenso era po ssível, por isso o


chefe usava sua Torça co erc itiv a para fazer valer uma decisão que
ga ran tis se a man ute nção da paz interna.

Nas missõe je s uític as, as atividade s ju d ic ia is ficavam sob a


in cum bência do corre g e d o r e dos alcaides, mas na prática, os
padres revisavam todos os processos ju d ic ia is in te rf erin do nas suas
decisões.

Em tem pos de guerra o chefe exercia o poder com au torid ade,


mas estrib ado nas suas habilid ad e bélicas. Após a guerra, o chefe
volta va a perder o poder, pois sempre a au torid ad e do líder era
frágil, legitim ada pelo seu prestíg io pessoal, respaldada pelo apoio
popular, baseado nos in te resse s da coletivida de .

No con tato dos Guarani com os padres je s u íta s nas reduções,


ocorreu uma tra n s fo rm a ç ã o na institu ição do cacicado. Com o intuito
de f a c ilit a r a con versão, os missio nário s firmaram uma aliança com
os caciques. Assim, os chefes indígena s garantiram para si a
man ute nção e aquisiç ão de algu mas v antagens pessoais, a fa sta nd o-
se cada vez mais do restante da população.

A única forma de os chefes se manterem no "p oder" era


ac eit ar pa cif ic a m en te a s uje iç ão ao império esp an ho l e à fé católica.
A partir desse momento, os caciques tornavam -se súditos do rei de
Espanha, pa ssando a in te gra r a estrutura p o lític o - a d m in is tr a tiv a
colon ial e obtendo o título de nobreza.

O líder Guarani ob tinha um cargo político, v it a líc io e


hereditário, não mais le giti m ado pela vontade com unitária , baseada
no seu prestíg io e em qu alid ad es pessoais, mas sim, legitimado pela
287

vontade do padre jesuíta, que era quem realm ente detinha o poder,
como re p r e s e n ta n te do Estado Espanhol e da Santa Sé.

Os c aciqu es Guarani abdicaram da liderança e do apoio dos


membros da tribo em troca de privilé gios: a isenção de im postos e
trab alhos pessoa is; o tratam ento dif e re n c ia d o em caso de
com e tim en to de crime; ga rantia de moradia, a lim e ntaç ã o e
vestuário; ho nra ria em s ole nid ades públicas e religiosas; cargo
vitalíc io e he reditário; estudo para seus filhos; e ainda possuíam
terras e con s erv a v am pa rcialm ente sua au torid ade sobre seus
vassalos que lhes prestavam serviços e pagavam tributos.

A g a ran tia desses priv ilé gio s aos an tigos caciques, simula a
man ute nção da liderança política Guarani. O poder torna-se um
órgão s eparado da sociedade, deixand o de p e rten c ê-lh e e passan do
a p r e valec e r apen as a von tade dos m issionários, torn a n d o -se os
tutores dos índios os novos chefes políticos, econôm ic os e
religiosos, com a nd an do toda a vida nas reduções. O povo foi o que
mais perdeu com a troca, pois antes, a sociedade era quem de tinha
o poder pela m a n if es ta ç ão da sua vontade, ap oiando ou rep ud ia nd o
o chefe de acordo com os seus interesses. Com o ad vento dos
religiosos, foram rebaix ados à condiç ão de incapazes,
t r a n s fo rm a n d o -s é em seus de pendentes.

Os xamãs, antigos líderes religiosos, foram destituído s, não


havendo por parte dos padres nenhum in teresse em preservá -los,
como foi o caso dos caciques. Pelo contrário, o obje ti vo era
de s m o ra liz á -lo s para ocupar o seu lugar. Aliás, foram os xamãs os
que mais resistiram e se rebelaram contra a conversão. Antes,
junto com os chefes, os conselhos delibera vam sobre guerra, litígio s
interpessoa is, migrações, situações em erge nc iais e problem as do
288

cotid iano . Cada qual sabia de suas obrig ações. A s ociedade era
menor e menos complexa, sem o r g an iz a ç ão adm in is trativ a .

Com a criação das reduções foi tr a n s po rt a da para a


soc ied ad e m iss ion eir a toda a estrutu ra o rg an iz a cio n al dos cabildos
espanhó is. Foram criados cargos pú blicos com funções
de term in ad as, ocupados, em sua maioria, pelos caciques. Estas
funções eram as seguintes: prefeito, delegado, juiz, policial,
zelador, oficial de ju stiça, escrivão, procurado r, alm oxarife, oficial
militar, músico, fiscal de ofício e sacristão.

Foi im plantad o o sistema de ele iç ões in diretas em que só os


próprios membros do cabildo dela participavam. Mas a von tade do
padre também pre do m in ava na esco lh a dos in te grantes do cabildo,
f a v o r a v e lm e n te aos in divíduo s que se destacavam numa vida cristã
exemplar, prom ove ndo con stan te ju lg a m e n to dos membros da
c om unid ade, se lecion an do os mais "ca pa c it ad os " para ascender
socialm ente . A von tade po pu la r deixa de existir. O povo, que com
seu ap oio escolhia os seus líderes, não mais participa do pro cesso
eleito ral e sequer toma con he cim e nto das eleiçõe s municipais.

A sociedade Guarani pré-c olon ia l não era to talm en te


ig ualitária, existiam dife ren ças entre indivíduos ou cate go ria s de
in divíduo s: homens e mulheres, jo vens e velhos, adultos e crianças,
p e rs o n a lid a d e s e habilid ad es pessoais. No entanto, essas
d ife ren ças não eram s u fic ien te s para c ara c teriz a r uma socie dade
hierarquizada.

A partir do momento em que se implantou uma es trutu ra


s ó c io - p o lític o - a d m in is tr a tiv a , hiera rqu iz ou -s e a socie dade Guarani,
O padre seria o principal na hie rarquia social, depois vinha o
c o rre g e d o r e os- demais membros do cabildo. Logo após, os
289

ca ciq ues e os p a rtic ip an te s das diversas congrega ções, e dentre


eles, os melhores seriam os que estavam mais próximos do ideal de
vida cristâ. Percebe-se, assim, que, além de h ie ra rqu iz ar a
sociedade, também os je s uítas a tra n s fo rm a ra m numa socie dade
co m petitiva, pois os seus membros dis puta vam entre si a sim patia
dos m is sion ário s para alc an ç ar a asce nsão social. 0 prestíg io
pessoal de alguém com a po pula ção deixa de ser valorizado,
valen do o prestíg io com os padres.

A im p le m e nta ç ão do modelo red ucional vai chocar-se com a


liberdade e com a au tonom ia individual dos índios, que não admitia
um sistema de governo repressivo, d i s c ip lin a d o e au toritá rio. 0
a u torita ris m o im pla ntado nas missões veio vio la r o "modo de ser
Guarani".^ De p a rtid á rio s e s o lid á rio s aos líderes políticos, os
Guarani passam a ser in d iretam e nte súditos do rei da Espanha e
s ubalte rn os diretos e tutelados dos padres jesuítas.

4.1.2 A Guerra

Os Guarani eram povos e s s e n c ia lm e n te guerreiros, e talv ez


por esse motivo o Exército Guarani das missões tinha obtido tanto
êxito.

A au torid ad e do cacique em períod os de guerra se fortale cia ,


mas, mesmo assim, a re s p o n s a b ilid a d e era di vid id a com o conselho
dos anciões, que tam,bém delibe ravam sobre assuntos bélicos. Para
o homem Guarani era uma honra lutar pela sua tribo, de stem endo a
morte. Caso fosse captura do pelos inimigos, não fugia e perm an ecia
convivendo com eles até o dia de ser sacrificado.

’ A repressão, a disciplina e o autoritarismo estavam presentes em todas as atividades nas reduções.


290

As cria nças do sexo masculino eram trein ad as para a guerra


desde pequ en as, chegando a f o rm a r tropas de jo v en s guerreiros. As
mulhe res eram as principais incitadoras da guerra.

A guerra Guarani não visava ao exterm ínio do inimigo. Os


principais motivos eram: a expan são territ orial, o sentim ento de
vin gança que pa ssava de geração a geração, a vit im ação de cativos,
a d is c r im in a ç ã o étnica, o rapto de mulhe res e o prestíg io pessoal.

A p a rtir do momento em que os indígena s foram in c orp ora do s


ao mundo colonial, passaram a ter outros inimigos além dos
tr ad ic io na is . Inicialm ente, todos os eu ropeu s que in te ncionassem
s ubju gá-los, e x p lo rar a sua m ão -de -ob ra e usurpar o seu território,
eram seus inimigos. Com o pa ssa r do tempo foram sendo fir m a d a s
alianças entre algumas etnias in díge na s e européias, torn a n d o -s e o
in dígena às vezes amigo do e x -inim igo e inimigo do ex-amigo. Com
a in c o rp o ra ç ã o dos Guarani ao imp ério espanhol e às missões
je s u ític a s , os seus inimigos seriam os pre da do res de índios; os
po rtugueses, inimigos dos espanhóis; e as tribos indígenas não
c ris tia nizada s .

Nas reduções coa bitaram pa cificam ente, no mesmo esp aço


territ orial, dife ren tes pa rc ia lid ad es étnicas que an terio rm en te eram
inimigas. No entanto, tribos que no passado haviam sido aliadas dos
Guarani reduzidos, passariam a ser con sid era da s inimigas porque
se ne gavam a ace itar pa cif ic a m en te o cristia nismo.

Os Guarani vão iservir aos in te resses da monarquia r e a li zand o


um va lioso trab alho de defesa das fron te ir as espan ho las no sul do
con tin e nte e defesa dos ataqu es dos índios não reduzidos,
291

ga ran tin d o a segurança aos colonos, protegendo Buenos Aires e a


Co lônia do Sacramento.

A guerra perdeu o sentido da vingança, da expan são


territ orial, da ob tenção de cativos, do rapto de mulheres e da
ob tenção do prestíg io pessoal.

Com o trein a m e n to realizado pelos je s u íta s que haviam sido


m ilitare s na Europa, os guerreiros Guarani adquirem outra
t e c n olo gia m il it ar e ap rendem dife rentes táticas e es tra té gias de
guerra, man usear armas de fogo e usar a cava laria, aum entando
e x tr a o r d in a r ia m e n te a sua capacid ade destrutiva. A guerra, que até
então não visava à de struiç ã o total, a partir daí passa a e x te rm in a r
outras pa rc ia lid ad es étnicas que ainda lutavam a pé, com arco e
flecha.

0 Exé rcito Guarani adqu ire a mesma es tru tu ra e hie ra rqu ia


m il itar do Exército Espanhol. Os postos dos ofic iais foram ocupa do s
pelos caciq ues que eram sub ordin ados a um mil^itar espan ho l ou a
um padre jesuíta.

Todos os homen s ad ultos eram con sid era do s guerr eiros em


potencial. A partir do momento da sua con vocação, eram ob rig ados
a prestar o serviço militar. Para manter a tropa treinada, aos
domingo s eram re a li zado s ex ercícios militares. Deixa de exis tir a
pa rtic ip aç ã o de crianças e mulheres.

A prática da an tro p o fa g ia foi totalm ente abolida por im posição


dos m is sionário s e não por con vicçã o dos indígenas. Junto da
pro ibição dos rituais a n trop ofág ic os ten tou-se erra dic ar as festas e
as bebedeiras.
292

No mundo colon ial ocorre uma t r a n s fo r m a ç ã o no direito dos


p ris io neiros de guerra. Mesmo nas po pula ções in díge na s não
reduzidas, não há mais in teresse em manter os cativos in te gra do s
na c o m u nida de até o dia do seu sacrifício, para, através do
consumo de sua carne, ad quirirem as suas virtudes e vingarem os
seus ante p assa dos. A utilização da m ão -de -ob ra in dígena pelos
colonos tra n sfo rm a o prisio neiro in dígena num bem perm utável. A
motivação da guerra passa a ser a ob tençã o de despojos e de
cativos para serem trocados como escravos. Aos pris io neiros era
mais honroso morrer sac rific ad o do que p e rm an ec e r vivo e
escravizado .

4.1.3 O Direito Civil

Os G ua rani pré -co lo n ia is também possuíam um tipo de


proprie dade coletiv a e individual. A proprie dade coletiva era a mais
imp ortante e a mais ab rangente, in ic ia nd o-s e com a ocupação do
território. A terra era c onsid erada um bem sagrado, in dis pe ns á v el
para a s o b r e v iv ê n c ia do grupo. Os limites de cada tribo deveriam
ser r ig o r o s a m e n te respeita dos por outras tribos. O te r r itó r io
pe rtencia a toda a com u nida de e ja m ais poderia ser alienado.

Com a che ga da dos eu ropeus na área o r iginalm en te ocupada


pelos Guarani (vale dos rios Paraguai, Paraná, Uruguai e Jacuí, até
a costa atlâ ntica), m odificou-se de fato e de direito a pro pried ad e de
terra Guarani. A soberania do Rei de Espanha, f u n d a m e n ta d a no
princípio do dom inium , ga rantia ao Rei a posse sobre todo t e r r itó r io
c on qu is tad o na América. No entanto, aquele território ainda não
havia sido e f e tiv am e nte conqu istad o.
293

0 monarca esp an ho l concedeu aos Gua rani o territ ório que,


na realidade, já lhes pe rtenciam. Garantiu aos indígenas o direito de
proprie dade de seus bens, mas impôs duas condições: a subm issão
ao imp ério espan ho l e a conversão à fé católica, acarretando uma
série de ob rig açõ es dos índios para com o monarca e para com os
padres je suítas.

Cada chefe in díge na levou consigo os bens próprios de sua


tribo para a n exa rem -s e à proprie dade cole tiv a das reduções,
incorpora ndo o te rr itó r io de cada tribo ao t e r ritó r io das missões.
D escara c te riz o u-se, assim, a antiga pro pried ad e territorial, que
passou a perten c er a uma nova instituição, à redução, e em última
análise, ao governo espanhol, s ujeita nd o-a ao alto domínio do Rei.

O tipo de a tiv ida de econôm ica praticada pelos indígenas (a


caça, a pesca, o e x tra tiv is m o e a a g ric u lt ura ) exigia grand es
extensões de terra. O valor econôm ico da terra estava relacionado a
sua fertilid a d e . O chefe div id ia a terra em parcelas que eram
dis trib u íd a s às fa m ília s por tempo determinad o, depois retornavam à
comunida de , donde se conclui que as fa m ília s apenas usufruíam
t e m p o ra ria m e n te da posse da terra, mas a com unidade é que era a
sua proprietária.

Nas reduções, util iz ou-se um sistema semelhante. O cabildo


determ in av a qual pedaço de terra lavrável fic aria ao encargo do
cacique, que d istr ibu ía um lote a cada família, para explo rar a terra
por anos c on sec u tiv os até o seu completo esg otamento. Retornava
ao cacique pelo tem po suficie nte à sua recupe ração, sendo cedida
novam ente a outra família.

Os bens de c orre ntes da produ ção fa m ilia r Guarani eram


d istr ibu íd os ao grupo quando excede ntes, e, em momentos de crise,
294

a fam ília c arente que antes houvess e doado seus bens era suprida
por outras fa m ília s que tivessem excesso de produção. O prin cípio
da r e c ip ro c id a d e era ativado com a r e d is tr ib u iç ã o gene rosa dos
bens. O in divíd uo avarento, que não se en qu ad rasse no sistema da
recip rocidade, ne gando-se a d is tr ib u ir o excedente, era rechaçado
socialmente.

Nas missões, foi acentuad a a noção de proprie dade privada.


Os bens con se q ü e n te s da produção fam ilia r, produzid os na
p roprie dade fam il ia r, perm an eciam com as fam ílias produ toras.
Havia, sim, a d is tr ibu iç ão da produção auferid a de terras da
comunida de , que revertiam em bene fíc io dos idosos, das crianças,
dos doentes, das viúvas e das mulh eres do cotiguaçu. Esses
produ tos tam bém eram c o m e rc ia liz a do s para a ob tenção de din heiro
para pa ga m en to dos impostos e para compra de equipa m en to s
de stin a do s a ofic ina s e igrejas.

A ha bita ção f a m il ia r in dígena pe rten cia aos membros da


grande família, agrup ad os por laços de con s an gü in id a de e
afinidade. Tod os eram pro prietário s da resid ência de um modo
geral, mas no seu in terior existia a dem arc a ção do espaço de cada
um dos seus ocupantes. As c on stru çõ es perten ciam à grande fam ília
até o momento em que eram abando na da s em co n seq üê ncia de
migração do grupo, ou pela sua su b s tit u iç ã o por outra casa devido
ao seu estado precário.

Nas reduções, a s . re sidê ncia s fa m il ia re s passaram a ser


menores para ab rigar apenas a fam ília nuclear. A posse da casa era
transitória , podendo ser dis tribu íd a pelo cacique a outras famílias.

Ap e s a r de tênue, existia na sociedad e Guarani a noção de


posse indiv idual. Os objetos de uso pessoal, como as armas, os
295

orn am e ntos e a rede eram de pro pried ad e individual. Os ute nsílio s


d o m és tic o s e de trabalh o e os alim entos eram bens de família,
pe rte n c e n te s ao clã. Pode-se a fir m a r ainda que os bens in ta ng ív eis
ou im a te ria is eram e x clus iv os de seus p o ssuido re s, mas os bens
ta n g ív e is tinham a pro pried ad e limitad a porque estavam sujeito s às
regras da livre prestação e do uso coletivo. Na maioria das vezes,
os bens tan gíveis não eram coisas raras, podendo ser doad os a
qu a lq u e r um que os desejasse , sob o com p rom is so de re trib u í-lo
quando necessá rio , c a ra c te riz a n d o a r o ta ti v id a de na posse dos
bens. Na verd ad e não se reconhecia a propriedad e, mas sim a
posse pessoal de bens num d e term in ad o momento.

A c re d it a -s e que nas missões a pro pried ad e individual tenha


sido incentivad a, mesmo ex is ti nd o uma gama de bens pú blicos e
c oletiv os. C riaram -se novas necessidade s, novos bens mais
e lab ora do s e sofistica dos, r e s trin gind o a posse m omentân ea e
rotativa dos bens. Mas o dom ínio da proprie dade in div idual era
relativo, sendo limitado pelas regras do b e m -dis po r dos objetos,
pois o padre, como tutor dos indígenas, repreendia e cas tig ava o
indiv íd uo ou a fam ília que d e s p e rd iç a s s e os seus bens.

Com a criação das Missões Jesuíticas do Paraguai, o


te r r itó rio das diversas tribos in díge na s da região passa a faze r parte
do dom ínio esp an ho l na América, sendo in corpora do à estrutu ra
org a n iz a cio n a l da p ro pried ad e missioneira, assim dividida: a
pro pried ad e provincial que - c o rrre spo nd ia ao conjunto dos Trinta
Povos; a pro pried ad e in te r-re d u c io n a l, c a ra c teriz a da pela posse
conju nta ou por obra comum de duas ou mais reduções; a
propried ad e municipal, q u e ; era de uma única redução, com posta
pelo te rrit ó rio das diversas tribos que lhe eram anexadas; a
pro pried ad e cacical, no rm alm ente um bem imóvel reservad o aos
caciques; a pro pried ad e fam ilia r, form ada por objetos de uso
296

ex clusivo da família; a pro prie dade in div idual co rre spo nd ia à posse
real do indiv íd uo de armas de caça e pesca, v estim e nta s e adornos.

Ba sicam ente existiram nas missões duas categorias de bens:


os bens de uso e x c lu s iv a m e n te coletivo, o T up am ba é ; e os bens de
uso f a m ilia r ou individual, o Abam baé. C o in cid entem ente, essa
divisão até se assem elhava à pro pried ad e coletiva, individual e
fa m ilia r dos Guarani, mas não eram id ênticas e nem foram
inspiradas no "c o m u n it a ris m o " tribal Guarani. A le gisla çã o
espanhola já previa, antes da fun d a ç ã o das missões jesuíticas, que
nas alde ias in díge na s deveria ser dest in a da uma parcela dos bens
para uso coletivo, e outra parcela para uso individual. A pro p rie d a d e
comunal m is sion eir a foi in fl ue nciad a pelo sistema e c o nô m ic o -
medieval europeu e a proprie dade in div idual teve inspiraçã o nos
preceitos do c a p it a lis m o m erca ntilista, em e rge nte na época.

Nas s ociedades indíge na s não havia distinção entre tempo


produ tivo e tempo recreativo, ex is tind o uma contín ua a lte rn â n c ia
entre as ativ id a d e s laborais e as ativ ida de s de dicadas ao de scan so,
ao lazer, à s o c ia b ilid a d e e à religião.

Influ en c ia d os pelo discurso da glo rific a c a çã o do tr ab alh o


como condiç ão para a salvaçã o espiritu al e da condenação da
preguiça e do ócio, os je s uítas implantaram nas missões nova
dim en são do trab alho, utilizada como es traté gia para a m odific ação
da cultura G u a r a n i. 2

O trab alh o indígena passou a ser c onsid erado in s u fic ie n te


para alc an ç ar a p ro d u tiv id a d e i desejad a. Retirou-se o costume de
a lte r n a r mom entos de labor com momentos de lazer e de descan so.

2 Em toda a América Espanhola o índio era considerado preguiçoso, tomando-se uma obrigação legal o trabalho
indígena.
297

P rocuro u-se torn ar o tempo in te gra lm e nte útil, sendo con trola do
i n in te r r u p ta m e n te por fiscais, an ulan do -se tudo que pu de sse
despe rdiç á-lo , distrain do o trabalhor.

Na s ociedade Guarani no rm alm ente não havia nenhuma


con de na ç ão ao ócio, pois grande parte do tempo era utiliz a do para
descanso e fe s tiv id a d e s . Nas reduções, a ociosida de era en carada
como crime, e o trabalh o org an iz a do passa a ser um dever social,
assu m in do uma força m ora liza do ra desconhecid a até então. Ocorre
uma m od if ic a ção c om p ortam e ntal e produ tiv a pela coação fís ica e
religiosa . O castigo aplicad o aos que neglig en cia sse m o tr ab alh o
era o chicote, a prisão e a dim in u iç ã o da ração diária, além da culpa
de haver pecado.

Existia o costume indíge na do mutirão, que era a r e a li z ação


de tra b a lh o s co letiv os em ativ ida de s como a pesca, a colheit a e a
c on struç ã o de casas, reforç ando os vínculos de am iz ade e de
pa rentesco.

Geralmen te, nas missões, o trabalh o em roças pa rtic u la re s


era ne g lig e n c ia d o e, por isso, mais fis c aliz a do pelos padres,
porque, pela sua tradição, os índios en contravam mais m otivação no
tra b alh o coletivo do que individual. Muitas vezes, para obter
sucesso na produ ção da pro pried ad e fam iliar, rec o rria -s e ao
mutirão. Os je s u íta s tentavam incutir nos in díge na s a
r e s p o n s a b ilid a d e individual no trabalh o e a v a loriz aç ão da
pro pried ad e individual, d e s tin a nd o três dias da semana para os
homens realizarem os trab alh os no Abam baé e dois dias para os
tra b alh os no Tupambaé.

Mesmo dedic an do -se pouco tempo, e não sendo s is tem a tiz ad o


e discip lin ad o, o trab alh o indígena resultava numa produção
298

s ufic iente para s a tis fa z e r às nec es sida de s do grupo, possib ili ta ndo,
ainda, a prom oção de grand es festas, a ajuda s olidária e a
ho s pita li da de generosa. A baixa p r o du tiv id ad e atendia às lim itadas
ne cessida de s da econom ia tribal.

Com ou tros ob je ti v os além da ev a ng eliz a ção, e pre tendendo


de s e n v o lv e r ec o n o m ic a m e n te a região, os je s u íta s introduziram nas
missões os padrões da sociedade moderna ocidental, criand o novas
ne cessida de s aos índios, in centivan do , assim, a ambição por bens
materiais. Para ter acesso a estes novos bens, era ne c es s á rio
au m entar a produção não só em q u an tid a de mas também em
qualidade.

A in tr o du ç ão da dis cip lin a nas missões, que tornou os índios


mais úteis no proce ss o de produ ção e mais "dóceis " no processo de
conversão, foi uma v io lê ncia contra o te m p eram e nto e o
com p ortam e nto Guarani, que sempre fazia p re valec e r a sua
vontade, não ob ed ece nd o a ninguém e só trab a lh a n d o quando
queria. A m otiv ação prim ord ial da produção Guarani era a
p o s s ib ilida de da redis trib uiç ão, e cada qual sabia que a sua pa rcela
de c on trib u iç ã o reverte ria em benefício próprio e para todo o grupo
de forma geral.

A libe rdad e de que o indígena gozava na sua vida tribal passa


a ser r eg ulariz a da pelo relógio, com regras para todas as horas. O
dia é divid id o em momentos de ativ idades econôm ic as e ativida de s
religiosas. Cada indiv íd uo tem .o seu papel produ tivo de finid o e
tempo marcado para ela b ora r essas atividade s. Por inte rm édio dos
fisca is de ofício, cria -se um efic ien te mecanismo de v ig ilâ n c ia e
coação para rep rim ir e repreender a vadiagem e a in disciplina,
con ceitos d e s co n h e cid o s da mentalidade Guarani.
299

0 tr ab alh o nas s ociedades in dígenas era dividido


ba sic a m en te pelo sexo e pela idade. O trab alh o fe m in in o era
in dispensável para a s o b revivên c ia do grupo. As mulhe res
de sen volvia m tr ab alh os do méstico s, artesanais (fiação e olaria),
ag rícola s e de tran spo rte de carga. Os homens praticavam a caça, a
pesca, a guerra e construíam casas, em b arca çõe s e armas.

O tr ab alh o nas missões também era distrib u íd o conform e o


sexo e a idade. Porém, as tare fa s de s en v olvid as eram n o rm atiz a da s
e vig ia das por capatazes que garantiam a qu alid ade e a
c o n tin u id a d e da produção. Depois da missa matinal, in ic ia v a-s e o
trabalh o re lativ o a seis horas diárias.

A p aren tem en te, foi reduzida a carga de trab alh o atrib uíd a à
mulher. As ativida de s a g ríc ola s e de tran spo rte deixam de ser uma
tarefa fem in in a e passa a ser mascu lina e de animais de carga. As
mulheres continuam res p on s áv e is pelos afaze res dom éstic os e
art e san ais (cerâ m ica e fiação). Contudo, a mudança brusca no
trab alh o fem in in o acontece na tarefa da fiaçã o de lã e algodão. A
pro dução passa a ser sistem atiz ada e em alta escala. Eram
de sig nadas tare fa s semanais, sendo levada a dom icílio uma certa
qu a n tid a de da matéria prima (lã ou al godão) duas vezes por semana
para ser fiada. As índias não estavam aco stum a das com este
sistem a de produ ção com metas e prazos a cumprir, e para ev itar
fraudes, ex is tia um rígido co ntrole e f is c a liz a ç ã o da produção. Na
s ociedade Guarani as mulheres eram a base da produção, inclusive
alguns autores afirmam que elas trabalhavam mais do que os
homens, mas ac re d ita -se que era um trab alh o alte rnado com
momentos de desc an so e lazer, não existindo nenhum tipo de
pressão com relação à q u an tid a de e à qualidad e da produção.
300

Os homens vão tr ab alh ar na a g r ic u ltu r a e apren de r outras


te cn olo gias d e s e n v o lv e n d o novos ofício s (tecelões, carpin te irio s,
ferreiros, prateiro s, estatuários, douradores, sapateiros, pintores,
f a b ric a n te s de in strum ento s musicais), além das ativid ade
b u r o c r á tic o - a d m in is t r a t iv a s e militares. A viv ê ncia nas missões
p o s s ib ilito u ao índio a es p ecializ ação da mão -de-obra, c on verte ndo -
o num t r a b a lh a d o r braçal especializ ad o, integra do ao sistema
pro du tivo colonial.

Não se en con trou nenhuma re fe rê n cia nas socie dades


indíge na s com rela ção ao trab alho in fantil,. É possível até que nem
tenha existido. Nas reduções, as cria nças to rn a v a m -s e a g ric u lt ora s
aos sete anos de idades. Os rapazes roçavam o mato e retiravam as
ervas daninhas das plantações, tra n s p o rta v a m a lenha para as
olarias e limpavam as vias públicas. As moças recolhiam os flo cos
de algodã o e as meninas espantavam os pássaros das plan taçõe s.
Crian ças e ad o le s c e n te s trabalhavam apen as para a com unid ade no
Tup am ba é , e os homens trabalhavam dois dias no Tupambaé e três
dias no Abam baé.

A f a m ília era a base das relações sociais para os Guarani. O


m atrim ônio man tinha a coesão social do grupo, firm ando
com p ro m issos de con v iv ê ncia social através dos diversos graus de
parentesco que dele se originava m. O casamen to visava,
princip alm ente , aos in teresse s eco nô m ic o s e sociais.

Pelo im portante papel que desem p en ha v a na produ ção


fa m il ia r como geradora de riquezas, a prese nça fem in in a na fam ília
era muito im portante. O homem que possuísse muitas mulheres em
sua fam ília era c onsid erado po deroso pelo grande número de
cunhados que teria. A poligamia só era perm itid a aos caciques,
p ro p o rc io n a n d o -lh e prest ígio pessoal, que rep rese ntava a adesão de
501

maior número de guerreiros e tr a b a lh a d o r e s na própria tribo e


po s s ib ilita v a uma rede de c o m p ro m is so s e de alianças po lí tic as
entre ou tras tribos.

Nas reduções haveria a ten ta tiv a de tra n s fo rm a r a


o r g an iz a ção social Guarani, a d e q ua nd o-a aos padrões da fam ília
cristã oc idental. A poliga mia foi um dos costum es mais difíc e is de
erradicar, sendo permitida, inicia lm ente, para pro picia r aos padres
um re la c io n a m e n to amistoso com os caciques. Mais tarde, quan do
foi abolida, havia a preocupação dos je s u íta s de saber qual era a
mulher legítim a do chefe, dentre as suas várias "concubinas".

Além da condena ção da poliga mia, também houve a pro ib iç ão


de algu ns tipos de casam entos p re fe r e n c ia is dos indígenas,
r otulados de incestuosos, como o casam ento entre primos e entre
sobrin ha e tio materno.

A cham ada "escola m atrim onia l", que era o casamen to entre
jo v e n s e velhos, po s sib ilita n d o a tra n s m iss ã o dos valores culturais-
das geraçõ es mais velhas para as mais novas, também foi banida
por ser c on sid era da imoral. Os padres es tip ula ram a idade ideal
para o casa men to; quinze anos para as moças e de zessete anos
para os rapazes, não sendo mais pe rmitid a grande diferen ça de
idade en tre os nubentes.

Na soc ied ad e Guarani, no rm alm ente os homens casavam mais


tarde do que as mulheres, após os trinta anos. Existia o matrim ônio
de ex p eriên c ia . Após os ritos in iciá ticos, os meninos e as meninas
estavam aptos para a vida sexual. Não existia nenhuma restriç ão ao
sexo antes do casamen to nem mesmo à troca de parceiros. A partir
do momento em que as moças casassem deviam plena fid e lid a d e
aos esposos.
302

Os padres je s u íta s ten taram mudar tal com p ortam e nto. A


"lib e rd a d e " sexual de que os indígenas gozavam foi rep rim ida,
sendo in troduzid os novos valores como a virgin dade, a fid e lid a d e
m atrim onial, a castidade, o celib ato e a ab s tin ê n c ia sexual. O sexo
só era pemitido na vig ên c ia do casa m ento e com fins e x c lus iv os
para reprodução; fora disso, era c on s id era do pecado e infração. 0
ad ulté rio era encarado como crime e pecado. Existia até certa
v ig ilâ n cia aos casados, que deviam co m p o rta r-s e de acordo com as
normas cristãs. Como os padres controlavam as práticas sexuais da
popula ção é difícil saber. T alv ez fosse pela con fis s ão e por
info rm ações prestad as pelas crianças com relação a sua vida
familiar.

A pre ocu pa ção e a censura eram tão grandes em relação aos


cos tum es sexuais indígenas, que se prom ovia a separação entre os
sexos durante as ativ ida de s religiosas, sociais, labo rais e, às vezes,
até no ceio da família. As mulheres sozinhas, viúvas, órfãs,
so lte ira s e ab an donadas eram as mais reprim id as e vigiadas.

A célula básica c o m u n itá ria dos Guarani era com posta pelo
feyy, um grupo m ac rofa m il ia r, unido pelo pa rentesco, que era
form ado por laços de con san gü in id a de , po líticos e adotivos. Esses
grupos residiam na casa comunal teyy-óga, que chega va a
c o m p ortar até sessenta famílias. 0 vínculo aldeão fo rm av a -s e na
as socia ção de vários teyy.

Nas missões, a grande fam ília foi sub stituída pela fam ília
nuclear, constit uída por mãe, pai e filhos. As c onstru ções das
residência s foram ad aptadas para ab rig ar apenas um pequen o grupo
familiar, com divisões internas para ev itar relações in cestuosas.
303

O casam ento in dígena não era sólido, podia ser fa c ilm e n te


dissolvido , desde que a p r es e ntas s e um motivo como a es te rilidad e,
a in capacidade do homem de su s te n ta r a família, o adultério , a
in c o m p a tib ilid a d e e a nã o-a d a p ta ç ã o ao novo grupo doméstico. Não
existia limite no divórcio, isto é, as pessoas podiam c a s a r-se e
div orc iar-s e quan tas vezes de seja ssem . A forma de divis ão dos
bens e a guarda dos filh os varia va em cada pa rcia lid ad e étnica.
Normalmente, en quanto as crianças eram pequenas, ficavam com a
mãe. Nas reduções, o casam ento to rn ou -se indissolúvel, e casa r-s e
novam ente só era possível após a viuvez.

Entre os Guarani, n o r m alm ente a residê ncia era m atrilocal,


mas o prestíg io do genro também era um fator p r e po nd era nte na
escolha da r es idê ncia da família. Nas missões, a mulher e os filh o s
sempre deviam morar com o marido.

No in te rio r da grande fa m ília Guarani, o pátrio pode r era


ampliado: os filh os também deviam obediê ncia a outros pa re ntes
adultos, além do pai e da mãe. As tias maternas para as mulheres, e
os tios pa ternos para os homens eram c on sid era do s s u b s titu to s
naturais dos pais. A adoção também era uma prática comum, e por
isso, d ific ilm e n te existiam órfãos. A f ilia çã o era in dife ren cia d a: os
filh os das mulheres e das mulhe res raptadas possuíam o mesmo
sta tu s dos filh os legítimos.

Nas reduções, não há refe rê ncia à con tin u id ad e da prática da


adoção. Aparen tem en te, a u m e n t o u o co n tin g en te de órfãos, pois
existia o co tig u a ç u para ab rig ar as meninas de sa m paradas,
retirando-as do seio de sua fam ília de origem. Quanto aos meninos,
não se tem nenhuma informação. Na condição de responsável por
toda a po pula ção missioneira, adulta ou não, o padre era
304

c o n s id era do o pai de todos, órfãos ou não. Mas, com certeza, não


s ub stit uiu in te gra lm e nte a fa m ília Guarani.

Com relação à prática do couvade nas missões, não se


en con trou nenhuma referência, mas a c re d ita -s e que tenha sido
abolida.

Quanto ao direito das sucessões, nas socied ad es in díge na s


os ob jetos de uso p a rtic u la r eram en terrados com os mortos, e os
demais objetos, que poderiam ser úteis, eram deixa do s à
com u nida de ou aos membros da fam ília do de cujo. Nas reduções,
não se tem in fo rm açõ es a este respeito, mas é poss ível que os bens
pa rt ic ulare s fossem distrib u íd o s entre os membros da fam ília; caso
não ho uvesse herdeiros eram de stin a do s ao Tupambaé.

4.1.4 O Direito Penal

Nas soc ie dades in dígenas, geralm ente eram c on s id era do s


de lito s a tr an sgres sã o aos tabus que ameaçavam a coe são social, a
in te grida de s o c io rre lig io sa e a unidade s o c io te rrito ria l. Os crimes
contra a com unid ade em geral eram c a r a c te r iz a d o s como
c o m p ortam e nto an ti-so cial, sendo s everam ente punidos, pois os
direitos da com unid ade eram mais respeitados do que os direitos
in dividuais. Procurava-s e c o n c il ia r os con flitos internos para
m anuter a paz e evita r o ciclo das vinganças.

Nas reduções, passou a ser consid erada crime a tran sg re s s ã o


às normas de conduta estip ulad as pelos jesuítas. Essas normas
estavam fun da m e n ta d a s nos costumes da sociedade cristã
ocidental, totalm ente de scon he cid os para os Guarani. Foram
305

impostos padrões de co m p ortam e nto cris tão sem haver uma


ace itaçã o con s cie n te desses novos valores.

Sob a in fl uê ncia da sociedad e in d iv id u a lis ta européia, os


direitos co le tiv o s deixam de ser p r io rit á rio s sobre os direito s
individuais. A so lu çã o dos con flitos internos se dava mais por meios
c oe rc it iv o s do que con ciliativos.

O dire ito penal privado na socie dade Guarani pré-c olon ia l era
aquele que se dirig ia contra uma pessoa de term in ad a ou entre
pessoas do mesmo grupo. Neste caso, não havia a in te rferên cia do
chefe para punir o culpado, a punição fic ava ao encargo da vítima
ou de sua fam ília. Era a chamada "justiça pessoal".

O direito penal privado deixa de e x is tir nas reduções, pois em


todas as ativ id a d e s públicas ou privadas havia a in te rferên cia da
au torid ade tutelar. A vida privada nas missões passa a ser
regulam e ntad a e c ontrola da pelos padres. Q ua lq u er atitu de que
de sag rad asse ou não estivesse de acordo com os padrões de
conduta de sejá vel, era consid erada crime e deveria ser punido pela
autorid ad e competente.

O direito penal público que an terio rm en te ab rangia apenas as


ações que mereciam a censura de todo o grupo porque atingiam os
s entim entos ou in te resses gerais vai a b ran ge r todo o universo das
normas penais estipulad as.

Deixa de e x is tir a solid arie dade grupai que se m anife stava


quando um elem ento do grupo era ho stilizado ou morto por in divíduo
do grupo a d v e rs á rio em que toda com unidade assumia a ofensa
como sua, c a b en do -lh e a vingança. A ofensa a um indivíduo ou a um
determ in ado grupo passa a ser a ofensa à moral, aos bons
306

costumes, às normas do bem viver cristão e às regras de um


trab alh o di scip lin ad o. Enfim, não era mais necessário haver a
s o lid a rie d a d e ao ofendido, porque os rep re s e n ta n te s da m onarquia
es p an ho la e da Igreja Católica se e n carre ga vam de punir os
responsáveis.

O obje ti vo da ap licaçã o de penas nas s ociedades in díge na s


era a r e trib u içã o do ato reprová vel, o reforço da con sc iê nc ia
coletiv a e a prevenção de crimes. Existiam dois tipos de coação: as
medidas in ib id oras e as medidas punitivas. As medidas inibidoras,
de c a rá te r pre ventivo, con sistia m em d e s e n v o lv e r nas pessoas o
tem or da san ção co letiv a sob ren atura l da exposição ao rid ículo e da
de s m o r a liz a ç ã o pública. As medidas punitivas se aplicavam qu an do
o ato crim in os o já havia sido consumado, v ariando a in te nsidade
c onform e a gra vid ade do delito.

As san ções eram utilizadas nas missões com o ob je ti vo de


c astig ar o faltoso e d e s e s tim u la r a delinqüência . Também existiam
as med idas inib idoras e punitivas. As medidas in ib id ora s se
m anifestavam pela diferença de trata m e n to que o padre dis pe ns a va
aos indivíd uos: quem pratic asse o ideal de vida cristã, era
reco m p e n s a d o e ascendia socialmente; quem não agisse bem de
acordo com as normas morais impostas, era menosprezado ,
rep ree nd id o e marginalizad o. A noção de pecado e de culpa e a
con fis são inibiam os impulsos para as ações desviantes, pelo tem or
de uma sanção sobrenatural, além-túm ulo. As medidas pu nitiv as
também eram utilizadas após o fato con sumado, mas o rigor na sua
ap li c aç ã o variava con form e a gravid ade do crime cometido e a
condição do agente.

Nas soc ie dades indígenas, norm alm ente não havia dife ren ça
entre dolo e culpa. O que se levava em cons id era ç ão eram as
307

c o n s e q ü ê n c ia s do delito e não a intenção do infrator. Baseado no


“ pri ncípio da com pensa çã o", o in dígena queria sempre vin ga r-s e
da quele que c onsid erava o re sp on sáve l pelo mal cometido.

Nas missões, não foi en con trada nenh um a referê ncia a tais
questões, pro vave lm e nte seguia o que rege o direito ocidental.
Devia e x is tir a diferen ça entre o dolo e a culpa, levando-se em
conta, na hora de e s tip ular a pena, a intenção do agente in fr a tor e
não apenas as c o n s eq üê ncias do ato.

A r e s p o n s a b ilid a d e criminal nas socied ad es indíge na s era


coletiva, sendo con s id era do s culpado s todos os membros do grupo
ao qual o in frator perten cia. O mesmo também servia para quando
um in divíduo do mesmo grupo era ofendido por elem ento de outro
grupo: a ofensa era este nd id a a todos os membros do grupo do
ofendido. Não havia a extin ção da punibilidade, nem pelo decurso
de tempo, nem pela morte do infrator. A vin ga nç a poderia ser
rea li zada a qu alqu er momento e também aos membros do grupo ou
da fam ília do criminoso.

Nas reduções, a r e s p o n s a b ilid a d e crim in al passou a ser


in dividual, pois cada um era responsável pelos seus atos, deixando
de e x is tir a r e s p o n s a b ilid a d e coletiva e a so lid arie da de grupai.
Cabia ao padre õ direito de punir o in frator e e s tip ular a recom pensa
devida à vítima, não caben do mais a v in gança pessoal ou grupai.

As penas e s tip ulad as pelos in díge na s aos crimes


c o n s id e ra d o s pú blicos eram: a expulsão, que corre spo nd ia à pena
de morte, pois difilc ilm e n te o in divíduo sob rev iv eria sozinho na
selva; o isolamenteo, perdend o os seus direito s civis; a cen sura
pública e a morte. Não havia a prá tica da tortura para ob ter a
confissão, e os ca stig os fís icos eram pouco empregados.
308

Alguns au tores fazem refe rê nc ia à existê ncia da es cra v id ã o


nas socied ad es indígenas, mas o que oco rr ia na realidade era a
c on v iv ê ncia "p a c ífic a " dos pris io neiros de guerra com a com u nida de
até o dia do seu sacrifício.

Os crimes de ordem privada eram resolvid os pela vinga nça,


tanto no âmbito interpesso al como no in te rfam iliar.

Desde a fundação das missões, os je s u íta s esta be le ce ra m um


sistem a de punições. Eram apli cados os castig os físicos, como o
açoite, o arra sta m e n to e o a co rren ta m en to ; os castigos de ordem
moral, como a tosa do cabelo, a censura e orações; a pena de
prisão perpétua, prisão por tempo d e term in ad o e o banimento.

Existiam normas que regulam entavam a quem, como e por


quem a p lic a r os castig os públicos. Inic iara m -s e contra as c ria nça s
para dar o exemplo aos mais velhos. Existiam form as d is tin ta s de
tra ta m e n to para ap licação de castig os aos membros das tribos não
co nvertid as, das r e c é m -c o n v e rtid a s e das mais antigas. A
q u an tid a de de açoites era dife rente para homens, m ulhere s e
crianças. Se gundo as leis espan ho las, os nobres tinham certos
p r iv ilé g io s na hora de serem apenad os, e estes privilé gios foram
t r a n s fe rid o s aos caciques. A pena dê morte não ex is tia nas
reduções, porque os padres se sentiam imped idos de decretá-la.

A a d m in is tra ç ã o da ju stiça era auxiliada pelo corre g e d o r e


pelos alcaides, mas sempre s u p e rvisio n a d a pelos padres. Era
proib ido aos padres castig ar os índios com as próprias mãos.

A pena de prisão não existia na socied ad e Guarani, pois não


fazia parte da sua tradição e n c la u s u ra r alguém em rec intos
309

fech ad os para pagar com a perda da li berdade um mal cometido.


Não havia con stru çã o de te rm in a d a para esse fim, como a prisão
m asculina e o c o tig u a ç u nas reduções. Até mesmo os cativo s de
guerra viviam em liberdade.

Também não existiam os castig os q u a n tific a d o s e


con tinuad os, como a apli caç ã o de açoites públicos, que eram
realizados várias vezes por semana. Na socied ad e m iss ion eir a o
castigo aparece em form a de sofrim ento físico e verg on ha pública. A
dor física também seria util iz ada como in stru m en to para sanar os
pecados, livrando os in fr a tores da justiça divina.

Para os indígenas, eram con sid era do s crimes a caça


preda tória , o furto, o homicídio, o estupro, o rapto, o adulté rio
feminino, o incesto, a fe it iç a ria , a reve la ção de um segredo
iniciático, as in frações religiosas, o nã o-c u m p rim e n to de ob rig ações.
Todo crime só era imputado como tal, quando pratic ad o contra os
membros da própria comunida de .

Quase não existi a furto e roubo entre os Guarani. Numa


so cie dade em que tudo era de todos, à exceção de ob jetos de uso
pessoal, não havia cobiça de coisas alheias. Mas caso ap are ces s e
algum ladrão, ele teria de en treg ar o objeto roubado ou era
castigado, ou exp ulso ou morto, depe nd en do da gravidade.

Ap esar de e x is tir certa “ li b e r d a d e ” sexual entre homens e


mulheres solteiras e não haver nenhum tabu com relação à
virg in dad e feminina, existiam de term in adas re s triç õ es a algu mas
práticas sexuais: com mulheres durante a m enstruação, com
meninas impúb eres e entre parentes do lado paterno. Essas prá ticas
eram c on sid era da s crimes públicos, reprova do s por todo o grupo. O
310

incesto era in fra ção muito grave porque estava vin c ulad o a uma
sanção sob ren atura l. ^

O estupro e o rapto de mulhe res da mesma tribo eram


vin ga do s pela fam ília da vítima. O ad ulté rio fem in in o era
c o n s id era do crime de ordem privada, cab endo ao marido traído
punir a mulhe r e o outro homem.

Nas s o c ied ad es indígenas, a condição do agente ou da vítima


definia a e x is tê n c ia ou não de delito contra a pessoa humana. De
qu alquer forma, o ho m icídio e a lesão corporal, mesmo quando
entendid os como crimes, perten ciam à esfera do direito penal
privado, cab endo a vinga nça pessoal ou com p en satória. Rixas e
duelos não rece biam in te rferên c ia do chefe da tribo nem de pessoa
alguma.

Mas existiam situações em que a vida humana não merecia


nenhuma tutela, sequer o direito à vingança. Na es fera fa m il ia r era
permitida a s upre ssão da vida de indivíduos. Os pais tinham plen oa
direito s sobre seus filh os e de pe ndentes. Os nascituros, as cria nças
pequenas, os idosos e os doen tes não tinham direito integral à vida,
o que p re v alecia era a vontade dos pais ou os in te resses da
cole tiv id ade.

As brigas conjugais, mesmo seguidas de lesões corp ora is ou


morte, o aborto, o in fanticíd io, a eutanásia e o ab an dono dos
idosos, qu ando ocorriam por ne ce ssid ade de sobrevivência ,
questões s e n tim en tais e superstição, não recebiam nenhum tipo de
reprovação do chefe, dos membros da com unid ade ou da fam ília
envolvida. No caso da sobrev iv ên cia do grupo, prevalecia m os
interesse s coletiv os sobre os direito s individuais.
311

Nas reduções, determ in ad as condu tas foram im putad as como


crime, deven do recebe r cada quai seu castigo c o r re spo nd en te . Nem
tudo que foi con sid era do ato ilícito era a n te rio rm e n te reconhecid o
como tal pelos Guarani. Foram proibidos: o ad ulté rio de ambos os
sexos, o concub in ato, o incesto, a poligamia, a sodomia, a
b e s tia lid ad e, a luxúria, as bebe de ira s, o escândalo, as festas pagãs,
a vad iage m, a in disciplina, a feitiçaria , a rixa, a lesão corporal, o
aborto, o homicídio, o en venenam ento, a deserção, o roubo e a
antropofagia.

O bse rva-se que d e term in ad as ações eram in te rp re ta d a s como


ato reprovável em ambas as sociedad es, se bem que com outras
c ara c te rís tic a s . Entre elas, pode -se destacar: o adulté rio feminino,
a lesão corporal, o ho m icídio e o roubo, que fic ava m no âm bito do
d ireito penal privado; o incesto e a fe itiç à r la perten ciam ao direito
penal público.

Nas missões, todos os atos im putad os como crime passam a


pe rten cer ao direito penal público, deixando de e x is tir a figura do
dire ito penal privado. Como re p re se n ta n te s do Estado Espanhol e da
Igreja, os padres seriam os enc arre ga do s de punir os resp onsáveis.

0 adultério, que antes só se ca ra c te riz a v a qu an do pra ticado


pela mulher, passa a ser igual para homens e mulheres. O incesto
assume maiores proporções, estend ido para os pa rentes maternos,
além dos paternos, atin gind o outras c ategorias de parentes, como
os primos, que costumavam casarem -se entre si.

Quanto â feitiçaria , ac re dita -se que nesta categoria estão


in cluídos os antigos xamãs, que se negavam a c o n v e rte r-se ao
catolic is m o, resistindo e co n tin u an do a pratic ar sua antiga religião.
312

e aos fe itic e iro s que praticavam a magia para fa z e r o mal. Estes


últimos também eram rechaçado s na s o c ied ad e Guarani.

Com relação aos crimés contra a pro pried ad e ou contra a


posse dos bens, a conotação era dife re n te entre a s ociedade
m is s ion eir a e a sociedad e Guarani, p r in c ip a lm e n te porque as
c a te go ria s de bens eram diferentes, havia outro en ten dim e nto entre
os bens in d iv id u a is e os bens coletiv os e não existia a n t erio rm en te
a idéia de proprie dade, existia apen as a noção de posse dos bens.

Quanto aos crimes contra a pessoa, no caso de lesões


corp ora is e de homicídio, a c oncepção cristã ocide ntal era bem
dife rente da indígena. Conforme o que rege o cristianism o, o ser
humano deve ter garantia de vida a partir do momento em que for
gerado, in d e p e n d e n te m e n te de ser perfeito fis ic a m en te ou não.
Tam bém era proib ido o con trole da natalidade , que antes era
pra tic ado pelas índias através de métodos a n tic o n ce p tiv o s e do
aborto.

Desta forma, o aborto foi proibido, assim como o infa ntic ídio ,
in d e p e n d e n te m e n te de seus motivos. A tutela da vida era ga ran tid a
a todos: crianças, adultos, idosos, pessoa s sau dá veis e doentes.
Segu indo esta mesma linha de pensamen to, também eram
con de na do s os sac rifíc io s humanos dos cativo s de guerra e,
c o n s eq üe ntem e nte , os rituais antrop ofág ic os. Comer carne humana
passou a ser crime e sacrilégio. A an tro p o fa g ia foi c on s id era da
pelos eu ropeus um dos piores crimes pra tic ad os pelos indígenas,
du ram e nte com batida, não sendo feita nenhuma esp écie de
co ncessão a sua prá tica nas missões.

Qua lq u er ag itação social, como rixas, duelos, brigas


co nju gais que pudessem causar lesões corporais, era rap id am e nte
313

rep rim id a pelos padres. Isto não ocorria na sociedade Guarani, na


qual ni nguém interferia nem tom ava partido.

Com a introdu ção do càsam ento m onogâm ico indis solú vel e
das norm as morais cristãs, a poliga mia, o concubin ato, o divórcio e
d e te rm in a d a s prátic as sexuais foram con sid era do s crime.

Outro costume f o rte m e n te arraig ado na cultura Guarani e que


com muito custo foi extirpad o, era a reali zação de festas para
c o m e m o ra r uma colhe ita abunda nte, uma caçada exitosa, a
d e c la raçã o de guerra, os ritos in ic iá tic os e os rituais an trop ofág ic os.
Tod as estas festas eram a c o m pa nh ad as de muita bebida alcoó lica.
As festas in díge na s e a em b ria g u e z foram de difícil err adicação.
Para ac abar com o alcoo lismo, os padres co nfisca ra m a bebida,
liberando pequ en as po rções diárias; s u b s tit u ir a m -n a pela erva mate
e aplicavam castigos aos que insistiam em d e s r e s p e ita r suas
normas.

As festas "pagãs" foram s ub s tit uída s por festas religiosas,


que eram re g ulam e ntad as e seguiam um ritual litúrgico, com
c a r a c te r ís tic a s totalm ente dife ren tes das festas indígenas.

O antigo sistema pro dutivo Guarani não ne cessita va de


muitas horas diárias dedic ad as ao trabalho, muito menos um
tra b alh o org aniz ado e di scip lin ad o. As ativ idades de labor se
altern ava m com o lazer e o descanso. A produ ção era sufic ien te
para atender às necessid ades de subsitên.cia, sob rando ainda um
excedente para a promoção de festas. A partir da im pla ntação das
missões, mudam as relações de produção, a “v a d ia g e m ” e a
in d is c ip lin a passam a ser rep rim idas. Os in divíd uo s que se
negassem a tra b a lh a r de form a organiz ada e d is c ip lin a d a eram
punidos.
314

A mudança na vida das po pula ções Guarani foi tão brusca,


nas missões, que muitos in divíduo s reagiram tenta ndo fug ir delas e
poder vo ltar para a mata, retorn ando ao seu antigo modo de ser.
Mas, para evita r a deserção dos neófitos, c au s an do o in sucesso ao
investim ento missioneiro, não foi dada a li berdade de escolha; uma
vez reduzid os e in c orp ora do s ao mundo colonial, os índios não
podiam mais voltar a ser o que eram. Q ua lq u e r ten ta tiv a de fuga ou
de retorno aos antigos costumes eram reprim id os. Os de s e rto re s
c apturados eram cas tig ad os em praça pública na redução à qual
perten ciam e nas reduções mais próximas; também era exilado com
sua fam ília para outra redução e as mulheres ainda tinham os seus
cabelos cortados.

Como se pode ob serva r até o momento, através da tutela


relig iosa os índios reduzid os foram e n qu ad rad os na c a te go ria de
incapazes e perderam toda a li be rdade de que gozavam
anterio rm ente . A vida em redução era d is c ip lin a d a e no rm atiz ada.
As missões eram para os índios uma espécie de prisão d o m ic ilia r
onde pe rm anecia m isolados. Só podiam afa s ta r-s e com prévia
autoriz a ção do padre. Era-ihes negado o dire ito de possuir animais
de mon taria para d ific u lta r a sua mobilidade. Não podiam a p re n d e r o
idioma esp an ho l in v ia b il iz a n d o a sua com u nicaç ã o com o mundo,
além das fro n te ir a s das missões. Qua lquer ativ ida de eco nô m ic a
tinha a superv is ão dos jesuítas. Assim, os Guarani reduzid os
torn ava m -s e " p r is io n e ir o s " das red uções e c o m p le ta m en te
d e pendente s dos m is sion ário s e subm issos a eles.^

^ A e.xplicação que alguns autores dão a este isolamento dos índios nas niissões é a de que os jesuítas
tencionavam proteger os índios dos perigos do mundo colonial, mas o que se verifica é que este excessivo
paternalismo, tomou os índios dependentes e impossibilitados de terem uma vida auto-suiciente.
315

0 sistem a de v ig ilâ n c ia que se implantou, através do toque de


recolher, das v ig ília s noturnas, da fis c a liz a ç ã o dos padres, dos
ca ciq ues e dos capatazes e da de la ção das crianças, veio a dim in uir
cada vez mais a antiga li be rdade Guarani. No público e no privad o
as ativ id a d e s das pessoas estavam sendo c o n t r o l a d a s /

Outro f a to r que ajudou muito o co ntrole dos padres sobre as


pessoas e o c erce am e nto das liberdades in divid u ais foi a in trodução
da idéia de culpa e de pecado. Para os Guarani as boas ou más
ações não depe nd iam do livre arbítrio, mas sim do instinto. Desta
forma, is e ntav a m -se de qu a lq u e r r e s p o n s a b ilid a d e moral em vida ou
p o st m ortem , sobre seus atos. A única as socia ção que os in dígenas
faziam com o pecado era com relação ao a v iltam e nto dos tabus
grupais, fac il it an do , assim, que os je s u íta s en fatizassem ,
freq ü e n te m e n te , os castigos divin os pela d e s o b e d iê n c ia das normas
impostas e à con stan te ameaça do assé dio do demônio. 0 tem or ao
j u lg a m e n t o a lé m -túm u lo fez com que houvesse a v a lo riz a ç ã o da
culpa e do castigo. E, ju ntam e nte, veio a con fissão , que se
a p r es e ntava como o perdão dos pecados, mas que também era uma
forma de os padres conhecere m as ações e os p e n s a m en to s de
todos.

A cate qu es e mod ifico u pro fun dam e nte a es tru tu ra mental


indígena, pois antes dela os Guarani não se sentiam resp on sáve is
nem sequer culpa do s pelos seus atos. Depois, passaram a a s s im ila r
a idéia de culpa e ainda teriam de c o m p a rtil h a r com o padre os seus
segredos e todo o seu sen timen to, para a obtenção do perdão divino
através da penitência. E havia ba stante p ré -d is p o s iç ã o da
popu lação em geral para a confissão, à exceção dos pajés, que a

crianças vigiavam os pais em suas residências.


Vai haver uma transformação na infância Guarani, que até então era livre de preocupações, preconceitos e
responsabilidades. Depois dos caciques, os primeiros e mais fiéis aliados dos jesuítas foram as crianças e
adolescentes, que assimilaram facilmente a doutrina cristã, as normas morais, a obediência e a disciplina.
316

con sid era vam um meio de saber da p r iv ac idad e e dos seg redos dos
outros.

Há relatos de que os indígenas supli cavam aos padres a


apli cação do castigo quando cometiam algu ma falta porque haviam
pa ssado a a c re d ita r que o sup lício era uma forma de livrá-lo s do
pecado e do ju lg a m e n to divino.

Os padres ju s tific a v a m a apli c açã o dos cas tig os aleg an do que


o faziam por amor aos seus tutelad os, como um pai castiga seus
filhos. Co nform e a pe dagogia eu ropéia da época, a relação filho pai,
aluno p ro fess o r era muito au torit á ri a e coatora. O sistema penal e
d is c ip lin a r europeu nos séculos XVII e XVIII era mais severo do que
o que foi aplicado nas missões. E os je s u íta s saídos da socie dade
européia de então não poderiam pe nsar nem agir de outra maneira.
Mas é import ante f r is a r que todo este sistem a foi tran s p la n ta d o à
revelia, contra uma sociedade diversa da européia, não sendo
repeita dos os seus costumes nem os o seus direitos.

A s ociedade Guarani era homogênea, e as normas ju ríd ic a s,


morais, relig io sas e de produ ção estavam mescladas e se
confundiam. Os Guarani respeitavam o seu direito c onsuetudin ário ,
obedece nd o às normas de convívio social in stitu ídas pelos seus
antepassados, porque todas aque las regras eram in dis pe nsá v eis
para sua s o b revivên c ia no meio am bie nte em que viviam e pela sua
te cn olo gia rudimentar. Vio la r as normas dava ao indivíduo poucas
chances de sobrev iv ên c ia caso fosse isolado ou expulso do grupo.
Burlar os costumes sig nifi cava o aviltam e nto dos tabus grupais,
causando a ira dos de uses e da natureza, pro vocando catástrofe s à
c om unidade como um todo, colocand o em risco a integridade do
grupo.
317

Na socied ad e missioneira, as normas ju ríd ic a s, morais e


r elig io s a s também se confundia m , pois o dire ito m iss ion eir o sofreu
forte in flu ê n cia do direito canônico, que prioriz ava a moral cristã e a
relig iã o católica, tendo como fonte prin cip al a von tade de Deus. As
normas pro du tiv as exp li c am -se pelo contexto da soc ied ad e
moderna, que su p e rv a lo riz a v a o t ra b a lh o o r g an iz a do e discip lin ado.
Mas não foi mantido nenhum as pecto do direito c o n s u e tu d in á r io
Guarani. Rompe u-se com o pa ssado indíge na e in s ti tu iu -s e uma
nova ordem.

A ob e d iê n cia ao direito im posto se deu mais pelo tem o r de


uma sanção moral ou física, do que pro p ria m e n te pelo re sp eito e
pelo en te n d im e n to daquelas novas regras de con v iv ê ncia social. A
vio lação da lei não colocava mais toda a c om unidade em perigo, que
assumia a re s p o n s a b ilid a d e solidária, mas apenas o indiv íd uo
infrator, pois a pu nição passava a ser in dividual e não mais coletiva.
O tem or ao castigo divino pela prática do crime e do pecado era
com relação à vida após a morte e não mais pela vio la ção dos tabus
grupais que trariam catá s tr o fe s na vida terrestre.

Se existia nas missões todo esse aparato de di scip lina,


co ntrole e re pressão da popu lação, é porque havia ten dê ncia de
retorno à prá tica de antigos costum es Guarani, que haviam sido
con de na do s. Isto sig nifica que não houve com ple ta as s im ila ção dos
padrões cu ltu rais da s ociedade cristã ocidental, e que,
c o n s tan te m en te , era necessá ria a ten ta ti va de le giti m ar a nova
ordem, através da coação lega lizada . As revoltas, a resistê ncia e a
infração penal demon stram que a socied ad e missio neira não foi tão
pacífica e harmônica, e que a ap arente obediê ncia dos Guarani
apenas sim ula va o com p ortam e nto que os m is sion ário s queriam
im pin gir-lh es.
318

4.1.5 A T r a n s fo r m a ç ã o dos Prin cípio s do Direito Guarani


Pré-C olonial

O direito Guarani p ré -c olon ia l po ssuía quatro p r inc ípios


básicos: priorid ad e dos in teresses coletiv o s sobre os in dividuais,
r e s p o n s a b ilid a d e coletiva, solid a rie d a d e e reci pro cid a de . Nas
missões je s u ític a s nem sempre esses princ ípios estavam presentes.

A priorid ad e dos in te re ss es coletivos sobre os ind ividu ais

A au torid ade do chefe não é mais baseada nos in te resses da


c oletiv ida de . A escolha dos in te gra ntes do cabildo passa a ser por
ele iç ão indireta, s o b res sa in do sempre a vontade e os in te resses do
cura. Nos ju lg a m e n to s de atos ilícitos, a op inião pública não mais
pre valece sobre a vontade do ju lgad or, o pro cesso cr im in al é
aco m pa nh ad o e de cid id o pelo padre e seus asse ssores, o
c o rre g e d o r e os alcaides. A decisã o de d e c re ta r guerra não
r ep resenta mais a von tade da maioria, pois a conv oca ção da guerra
passa a ser feita pelo g o v e rn a d o r ou pelo Rei da Espanha, e muitas
vezes os guerreiros não sabiam nem o motivo de estar guerrean do .

Aca ba m -s e os c asa m en tos realizados por interesse da tribo


ou da fam ília para f o rm a r as redes de com p rom is sos fir m ad os
através das alianças inter ou intratribais, pelos laços fam ilia re s, na
c o n tra p re s ta ç ã o de serviços entre os cunhado.s. Continua a e x is tir a
pro pried ad e coletiva, mas se in te nsifica a pro prie dade in dividu al.
Surgem dois tipos de produção: uma realizada no Tupambaé,
destin a da à cole tivid ade, outra no Abam baé, destinada a ate nd er as
neces sida de s fa m il ia re s e individuais. Sendo assim, nem todos os
319

bens ta n g íve is perten ciam ao grande grupo, mas ao in divíduo ou à


f a m ília de quem os produziu.

Com relação ao direito penal, os direito s in div iduais passam a


ser mais r e s p eita do s do que os direitos coletivos. Todos os crimes
são de ordem pública. O aborto, o in fanticíd io, a morte ou o
aban dono dos idosos e a eu tanásia passam a ser c on s id era do s
crimes, in d e p e n d e n te m e n te de serem com e tid o s por ne c ess ida de de
s o b revivên c ia do grupo.

A re sp o n s a b ilid a d e coletiva

Os rituais a n trop ofág ic os são proibidos, não existi ndo mais a


vin ga nça coletiv a da tribo ao ingerir o corpo da vítima. A ofe nsa de
um in divíduo não é mais motivo para a sua tribo en fre n ta r a guerra
da tribo ofendida, pois cessa a r e s p o n s a b ilid a d e coletiva.

A f a m ília deixa de ser responsável pelos atos pratic ados por


um de seus membros, não ex is tindo mais a c o -re s p o n s a b ilid a d e dos
de scen de ntes e dos asce nd en tes.

A re sp o n s a b ilid a d e criminal torn a-se individual, os in divíd uos


não mais se con funde m com o grupo ou fam ília à qual pertencem.

A so lid a rie d a d e

O chefe deixa de ser solid ário nos in teresse s e nas


necessidades com membros da tribo, vai ser s olid ário com o padre
nos in te resses da Igreja e da Coroa Espanhola. A pa rtic ip açã o na
guerra não sig nifica mais a solid a rie d a d e com os ancestrais que
morreram e lutaram em defesa dos in te resses da tribo, sig nifica o
c um prim ento de ordens das au torid ades espan ho las. As festas
520

pro m ovida s pela com unid ade e que op ortu niz a vam a ren ovação dos
laços de s o lid a r ie d a d e entre os membros do mesmo grupo e entre
as tribos aliada s seriam s u b s tit uída s pelas festas re lig io sa s
católicas, prom ovid as pelos m is sion ário s com fins e x c lusivos de
s e d im e ntar a fé cristã.

A d e s in te g r a ç ã o da grande fa m ília Guarani d e s a rm o n iz a a


s o lid a rie d a d e dos seus membros. A pro pri ed ad e coletiv a contin u ou
fu n d a m e n ta d a no prin cípio da solid a rie d a d e , mas as rela ções de
trab alh o passam a ser in div id u aliz ad as , pois cada in divíd uo tinha
est ip ulad a a sua tarefa individual.

Deixa de existir, no direito criminal, a s o lid a r ie d a d e numa


ofensa individu al, pois o padre je suíta se en carre ga de punir o
culpa do e in de niz ar a vítima, não existi ndo mais motivo para a
vin ga nça do grupo do atin gid o contra o grupo do infrator.

A re cip ro cida de

0 sistema de liderança po lítica não mais se fu n d a m e n ta na


recipro cid a de , não é mais necessário que o chefe seja gene roso,
pois quem pass aria a o rg a n iz a r e a d m in is tra r e c o n o m ic a m e n te a
vida nas reduçõ es era o padre, que arrecadava a pro dução para
distribu í-la, con form e seus critérios. A paz e ã guerra não teriam
mais nenh uma relação com a recipro c id a de positiva ou negativa.
Nas festas relig io sas deixa de e x is tir o sentido da ren ova ção dos
laços de r ec ipro cid a de entre os membros d o . g r u p o e de outras
tribos.

No direito civil, de sap are c e o "acordo da recip ro c id a d e ", por


não faze r mais sen tido na nova socied ad e que se in stalara. A
produ ção dos bens de f a m ília não mais se dest in a da à d is trib u iç ã o
321

generosa. Os bens to rn am -s e mais elaborado s, e não há mais tanta


ab un dâ nc ia como antes. 0 simples desejo de po s su ir a coisa não é
mais s u fic ien te para obtê-la, d e s ap are c en do a re cip ro cid a d e na
posse dos bens, através da rota ti v id a de da sua posse.

4.2 A DEFESA DO DIREITO DE SER GUARANI

Diante de tanta diverg ên cia entre o direito Guarani pré-


colon ial e o direito missioneiro, os in díge na s re agiram em defesa de
seus direito s e de seu an tigo modo de ser, isto é, em defesa do
dire ito de c ontin uarem vivend o nas suas terras e de serem o que
sempre foram de acordo com as leis de seus an tepassados. Enfim,
eles buscam a reco n q u is ta da in de pendência perdida pela cria ção
da idéia da suposta incapacidade fís ic o -m e n ta l in dígena e a
con seq üe nte im p la ntaçã o da tutela religiosa, responsável pela
m odific ação de seus costumes.

Para en te n d e r o pro cesso de defesa do direito Guarani frente


à imposição de um direito alie nígena nas missões je s uític as, é
ne cessá rio co m p re e n d e r a noção que os in díge na s tinham e a
im portância que davam ao seu antigo modo de ser. A expressão
nãnde reko s ig n ific a va o conjunto da cultura Guarani, ou seja, o
"nosso modo de ser" trad ic io na l.^ Manter o seu modo de ser
repre sentava a co n tin u id a d e da antiga e da boa vida de s frutad a em
liberdade, de acordo com a experiência coletiva anterior, de seus
antepassados.

^ MELIÀ, Bartomeu. El "modo de ser" guarani en la primera documentación jesuítica. 1594-1639. Revista de
Antropologia. São Paulo: v. 24, I98I, p. 5-6.
322

A tra d iç ã o era tão forte que ia muito além da r e p etiç ã o


rotin eira das ativ ida de s cotidiana s, a s su m in do c a rá te r norm ativo,
fu n d a m e n ta d o "na s acrali dade das e x p e riê n c ia s e das pa la vras
p rim it iv as e tam bém um cará ter p a ra d ig m á tic o que vem san c io n a d o
pelos exe m plos dos antepassados". O modo de ser, a tr ad iç ão e a
lei se confundem, pois todos estão r e p r e s e n ta d o s na pa lavra teko
que s ig in if ic a "ser, estado de vida, condição, estar, costume, lei,
h á b i to " . 6 Para os pa í-Tavyte rã , teko katu s ig nific a o seu código oral,
con s tit u íd o por "uma série de idéias, de ca tegorias, de leis e
normas, pa uta s de c om p ortam e nto e atitu des que são as que
definem o modo de ser p a í " . 7

A tr a d iç ã o sempre esteve pre sen te na cultura Guarani, antes,


durante e depo is do c olo nia lis m o. Mas, em mom entos de crise, em
que sentiam a sua identid ade ame açada , como, por exemplo, nos
m om entos em que iam ser reduzidos, os líderes G ua rani se
tornavam ir r e d u tív e is e reagiam refo rç a nd o o seu modo de ser, os
seus costu m es e o seu d ir e ito . 8

T em -se c onhecim ento de que antes de e s ta b e le c e r uma


missão, os próprios indígena s nego ciavam com os padres a
m anute nção de alguns dos seus c o s t u m e s , 9 mas sab e-se que
in icia lm e nte os m is sionários cediam aos pedidos dos in díge na s
apenas para cativ á-lo s; tão logo se sen tissem seguros, tratav a m de
p ro ib ir as an tig a s concessões.

6 No primeiro capítulo já foi feita referência ao conceito de lei que existia na língua Guarani segundo sua
tradição e costumes.

7 MELIÁ, op. cit.. p. 7-12.

8 Id., Ibid., p. 5-6.

9 HAUBERT, Máxime. A vida cotidiana. índios e jesuítas no tempo das missões. São Paulo: Cia das Letras.
1990. p. 122.
323

O modo de ser Guarani estava in ti m am ente ligado à forma de


como viviam no seu espaço físico. Para os Guarani
c o n tem p orân eo s , o tekoha representa o lugar onde vivem seg undo
os seus costumes. Desta forma, "a cate go ria de e s p a c ia lid a d e é
fu n d a m e n ta l para a cultura guarani, ela asse gura a liberd ade e a
p o s s ib ilid a d e de man ter a identidade étnica", e pode -se c o n clu ir que
"sem te k o ha não há teko", isto é, sem a g a ran tia do seu esp aço
físico ilim it ad o em que viviam em plena liberdad e, não era possível
a defesa dos seus costumes, das suas leis e do seu modo de ser,
pois era naquele espaço que todas essas q u es tõ es seriam postas
em prática.

Os líderes in dígenas, princ ipalm en te os xamãs, foram os mais


lúcidos para co m p re e n d e r a real t r a n s fo r m a ç ã o que sofreria a
cultu ra Guarani com a impla ntaçã o da nova r e a li dad e reducional.
Formou-se, assim, um conflito de interesses: de um lado, os padres
propunham a ruptura com o modo de ser t r a d ic io n a l Guarani; e do
outro lado, os xamãs lutavam e defendiam a m anutenção da cultura
Guarani, e, con seq üe ntem e nte , o seu direito.

Antes da chegada dos je s uítas à América, os xamãs já


c on testava m public a m e nte ou às es condid as os padres de outras
ordens religiosa s, tenta ndo d e s m ora liz a r o tr ab alh o missionário.
U t il iz an do -se de seu carisma pessoal e da oratória , pe rsuadia m os
demais indígenas a não seg uir a moral cristã e c o n tin u ar agindo
como dantes. Quando seus argum entos não funcionavam,
a m e a ça v am -n os com a ira dos deuses, an c es tra is e com seus

10 MELIÀ, op. cit., p. 8-10.


324

feitiç os. Desta forma, a oposição x am â nic a foi um grave em p ec ilh o à


ação missionária.^^

Desde a época da conqu ista, preocupada com a ação dos


xamãs, a Igreja Católica toma algum as p ro v id ê n c ia s a fim de frea r
tais m o v im en to s de resis tê ncia à fé cristã. Em 1551, o C o ncilio de
Lima aventa a po ss ib ilida de de pro c es s a r ju d ic ia lm e n te os
h e c h ic e ro s in díge na s r esp on s áve is pela m anutenção cla n d e stin a
dos cultos ancestrais. 0 c o n c ilio de 1567 estip ulou que fosse m
presos os h e c h ic e ro s para serem ju lg a d o s pelo bispo, de term in an do
in clu siv e que os indígenas d e m on s tra s sem a sua fé e a adoção da
r e lig iã o católica, pela revelação e pela destruiç ão de seus hu acas e
ídolos. O 1° C o ncilio do México, de 1555, também previu punições
aos h e c h ice ro s, que variavam da penitência pública até o
j u lg a m e n t o pelo Tribunal do Santo O fício na Espanha.

Na América, os padres acu sava m os xamãs de hereges,


ap ósta ta s e fe itic e iro s dia bólicos que vitim avam os índios, devendo
ser caç a do s e punidos conforme as regras da Santa Igreja.

Assim, ocorre no Novo e no Velho Mundo, no mesmo período


final do século XVI e primeira metade do século XVII - a caça às
bruxas - com os mesmos processos in q u is it o ria is e condenatórios.^"^

A pa rtir de 1571, os índios ficaram fora da ju ris d iç ã o da


Inq uisição , pa ssando a perten c er aos bispos ordin ário s de cada

DECíCMANN, Eliane Cristina. O imaginário dos séculos XVI e XVII, suas manifestações e alterações na
prática missionária jesuítica. São Leopoldo, 1991. Dissertação (Mestrado em História - Estudos Ibero-
Americanos), Universidade do Vale do Rio dos Sinos. p. 78-79.

‘2 Id.. Ibid., p. 79-80.

‘3 Id., Ibid, p. 80.

i'* Id., Ibid., p. 89.


325

diocese, mas isto não impediu que os in q u is id o re s contin uassem a


p e rs e g u ir os idólatras. 0 con flito de com p e tê n cia entre os
sacerdo tes, os in qu is id ore s e as a u to rid a d e s civis para rep rim ir e
punir a id olatria in dígena ajudaram a d ilu ir ou retard ar as
in v estig aç õ es e os ju lg a m e n to s

Mas, mesmo com toda essa pe rse g u iç ã o aos fe it ic e ir o s


indígenas inic iada no século XVI, não foi possível extirpar o seu
m ovim ento de r e s is tê nc ia por completo. Os xamãs rebelara m -s e de
várias form as contra a ação m is sion ária e, con s eq üe ntem e nte ,
contra a c onquis ta espanhola. 0 re su lt ad o de tal in qu ie ta ção
xam â nica levou a rebeliões, à morte de alguns m ission ários, à
d e s tru iç ã o de igrejas e objetos sacros, à in te nsific aç ã o da
an tro p o fa g ia como forma de in ti m id ar as po pula ções indígenas
c r is t ia n iz a d a s e ao de spo voa m en to de algu màs reduções. Enfim, os
fe itic e iro s traziam à tona a memória coletiv a do grupo e
procla m avam a man ute nçã o do seu an tigo modo de ser e de seu
dire ito con sue tud in á rio .

Na prega ção de caciques, prin c ip a lm e n te xamãs, perc eb e-s e


a sua in s atis faç ã o e a sua c o n tes taç ã o com relação à imposição
cultural às po pula ções indígenas. Eles pretendiam na realidade, a
defesa de seus in te resses e de seus direitos.

A te r r o riz a d o s com as ba rba rid ad es com etidas pelos


espanhóis as po pula ções indígenas, al guns caciques igualavam os
m is s ion ário s aos demais espanhóis, pois para eles os padres não
passavam de es tra ng eir o s ligados à ordem po lítica e cultural dos
invasores. Assim, suspeitavam dos reais propó sitos da
evang eliz a ção, apesar de todo o esforço dos missio nário s para

BRUIT, Héctor Heman. Bartolomé de Ias Casas e a simulação dos vencidos. Campinas: UNICAMP, 1995.
p. 175.
326

condiç ão de escravos, ao passo que o cristão europeu podia


pra tic a r as mais varia das d e li n q ü ê n c ia s impun emente.

Na redução de Santo Inácio, em 1613, o cacique principal


Miguel A tig ua ye não aceitou a imposição dos padres de ter apenas
uma mulher. Repudiou a sua esp osa legítima, c aso u-se com outra
mulhe r e mantinha várias concubin as. Também se fazia p a ss ar por
sacerdote. Nas assem blé ia s sempre se m anif estava co n trá rio à
o b r ig a to r ie d a d e de ter apenas uma mulhe r para pode r rece be r o
batismo. Chegou a o rg an iz a r uma expediç ão m il it ar para in vadir a
redução e matar os m issionário s. Mas não obteve êxito e rende u-
se, sim ula ndo ter-se c o n vertid o à fé c r i s t ã . 16

Nas suas m an if esta ções públicas, o cacique A tig uaye


questio na a boa intenção que dizem ter òs cham ados cristãos.
P e rg u n ta -lh e s com que au torid ad e cometem crimes im pun em e nte em
país alheio, e passam por cima das leis autóctones. Ten ta in v e rte r a
situação supondo que, se eles, os indígenas, tivessem in vadid o a
Europa da mesma forma como os eu ropeus invad iram a América,
como teriam sido recebid os? Ce rta mente seriam rec h aça do s por
gra nd es exércitos.

Diz terem sido in ju s tiç ad os com o tratam e nto dos europeus,


pois viviam t r a n q ü ila m e n te nas suas aldeias e nos seus campos,
quando vieram pe rturbar a sua paz, invadindo as suas aldeias,
de s povoando-as; le varam -nos a força para outras regiões,
s ep ara nd o as famílias, en ganando os crédulos, pe rs eg uind o e
matando aos que resistissem . Argumenta, ainda, que os cham ados
cristãos queriam an iq u ila r os costumes indígénas, ju lg a n d o -o s como
maus costumes, se m e lh an te s aos dos animais. Classif ic a os

16 MONTOYA, Antonio Ruiz de, S. J. Conquista espiritual feita pelos religiosos da Companhia de Jesus nas
Províncias de Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985. p. 57-61.
327

costu mes espanhóis como piores, mais cruéis e mais rudes do que
os costumes indígenas.

C onsidera toda a e v a ng eliz a ção uma farsa, chama os padres


de feras, loucos e malfe itores. Lembra aos demais indígena s que a
vida toda foram livres vivend o em paz na selva, sem nunca terem
ouvido a pa lavra de Deus. E o que lhes trouxera m os c ris tã o s ?
Acaba ram com a sua paz, praticando roubos, assaltos, frau de s,
enganos e crueld ades, tudo isso im p ulsio n ad o pela am bição e
alim e ntad a pela corrupção. E, finali zando, mais uma vez põe em
dúvida a a u te n tic id a d e dos chamados cristãos, c la s s ific a n d o - o s de
crim in oso s p e r v e r s o s . 17

Na "C onq uis ta e s p ititu a l" de Montoya é ap res e ntad o outro


discurso de Atig ua ye, cujo conteúdo é quase ò mesmo. Ele diz que
os padres são en via dos do demônio, mandados pelo rei espanhol
para a d e struiç ã o de seu povo e de sua cultura. Também afirma que
os es panhós acaba ram com a sua paz e querem ac abar com as suas
tradições, o b rig a n d o -o s a viver con form e o seu ruim modo de ser.
Revolta do com a nova condição, relembra que antes viviam em
lib erdade e tinham qu antas esposas quisessem, depois, c onform e a
imposição dos padres, só poderiam ter uma mulher. Relata que os
padres os trancam nas igrejas e os obrigam a esc u tar uma doutrin a
totalm en te con trária aos seus costumes. Proclama que é o momento
de honrar o modo de vida dos seus an tepassa dos, d e sterran do ou
matando os in v a s o r e s . 18

Em 1628, o caciqu e Potyravá, articula o as s a ss in ato de três


missionários, na região do Caaró, na redução de São Miguel,

17 QUINTA CARTA ÂNUA DO PE. DIEGO DE TORRES, de abril de 1614, in: MCA I, p. 310-312.

18 MONTOYA op. cit., p. 58, 60.


Os dois discursos do cacique Atiguaye estão nos anexos.
328

ten ta nd o c o n v e n c e r o cacique e xamã Nesú a ser seu aliado nesta


em preita da , o principal da lo calida de . Seus arg um e ntos dem onstra m
a sua in s a tis fa ç ã o com a m is s io n a riz a ç ã o qu an do expõe os
malefício s que aquele povo es tranho (os esp an hó is ) cau sou ao seu
antigo modo de ser. Para ele, a missão rep re se n ta v a uma prisão
c am ufla da que lhes roubou o seu esp aço fís ico e a sua li be rdad e.
Acusava de falsos os padres, que na prim eira o p o r tu n id a d e os
tornaria m escravos, e de am bic iosos os espan hó is, que en riq ue cia m
às custas da e x p lo raçã o e da m iséria dos índios. Diz que o ob je tiv o
dos padres qu an do proibem a po li ga m ia é para fic a r com todas as
mulhe res para si. Que a in trodução de uma lei e s tra ng eir a revogara
todo 0 d ireito c o n s u e tu d in á rio legado pelos seus an tep as sa dos . E
declara que a verd ad e de seus an te p a s sa d o s deve su p e r a r a
mentira adventíc ia, com a morte da qu eles impostores.^®

M on toya também apresenta em sua obra uma outra v ersão do


discurso de Potyravá, porém com a mesma mensagem. D em onstra
que perde ram a antiga li berdade usufruída no seu e x te ns o e
ilimitad o espaço físico, que foram aglo m erados nas reduções. Que o
caciqu e Nesú já está pe rdendo o seu poder e as suas mulhe res para
esses homens que vieram de fora e que se ele não tom ar nenh uma
pro vid ência, no caso: matar os padres, todo o seu povo fic a rá na
miséria e su bm isso aos e s t r a n g e i r o s . ^

0 c aciqu e Nesú havia in icia lm e nte recebido bem os padres e


até c o n struiu igreja e casa para eles. Mas, sob a in fluê nc ia do
cacique Potyravá, foi mudando a sua con cepção em relação aos
m issio nário s, passando a de sprezá-lo s; acatando totalm e n te a sua

SUESS, Paulo. (Org.) A conquista espiritual da América Espanhola: 200 documentos. Petrópolis; Vozes,
1992. p. 95-96.

20 MONTOYA, op. cit., p. 197-198.


Ambos os discursos do cacique Potyravá também estão aqui ane.xos.
329

sugestão, ordenou a morte dos padres Roque Gonzáles, João dei


Castillo e Afonso Rodríguez. Provid enciou o rápido r e s ta b e le c im e n to
de suas leis antigas, retiro u o nome c ris tão da província, mandou
um aviso a todos os caciques,' rep re e n d e n d o -o s pela fa cilid a d e com
que recebiam a doutrin a cristã, cha m an do -os de covardes, e
mandou matar todos os padres, queim ar todas as igrejas, d e s tr u ir as
cruzes e imagens sacras, "d es b atiz o u" os já ba tiz ad os através de
um ritual criado por ele próprio, abençou os que seguissem as suas
palavras e am a ld iç oo u e ameaçou com c a tá s tr o fe s aque les que
quisess em d e fe n d e r os padres. Nesú, "se mantém na mais pura
'ortod oxia' guarani, ao reco rrer aos temas das trevas, dos tigres
de voradores, à reversão da terra, do dilúvio e da asce nsão ao céu
do próprio Nesú, que vai aban do na r esta terra cheia de males
trazidos pelos in v a s o r e s " . 21

Os Guarani en tendia m a ação m is sion ária como po lítica e


r elig iosa ao mesmo tempo, pois a conexão d ialétic a entre relig iã o e
po lítica é uma categoria fu n da m enta l do seu modo de s e r . 22

Na Redução de São Francisco também há c on tes taç ã o à


imposição de novos costumes, com a intenção de voltar a viv e r o
seu antigo modo de ser, o que só seria po ssível através da morte
dos m ission ários:

“ Vi v a m o s ao modo dos a n t e p a s s a d o s ! Que razão têm os


pad res em ach ar em mal o t erm os m u lh e re s em a b u n d â n c ia ? ! É
de cer to loucura que, d e i x ad o s os c o s t u m e s e o bom modo de
vida de nossos maior es, nos s u j e it e m o s às n o v i d a d e s que estes
pa dr es qu er em in tr o d u z ir ! O m elh or rem éd io que d e s c u b r o para
esse mal, é t i r a r m o s a vida a este p a d r e . ” 23

21 MELIÀ, Bartomeu. El guarani conquistado y reducido. Asunción: CEADUC, 1986. p. 154- 155.

22 Id., Ibid., p. 154-155.

23 MONTOYA, op. cit.. p. 190.


330

Na prim eira tenta tiva da fun d a ç ã o de redução na região do


Itatim, um dos caciques principais, c o n s c ie n te da iminente ameaça
da perda de seu teko, ordena que os padres retornem à sua pátria,
pois não iriam aceit ar outra maneira de viver que não fosse igual
àquela que herdaram dos seus a v ó s . 24

Durante a con spira çã o do levan te dos Guarani G uayrenos


contra as reduções, o pajé Juan Cuara m an if es ta -s e da seguinte
forma: "Vivid según vuestras an tíg ua s costum bres, danzad y bebed.
Celebrad el culto de vuestros a n t e p a s a d o s " . 25

Até mesmo os índios já c o n ve rtid o s se revo ltavam e


retornavam aos seus antigos costum es como será d e m on s tra do no
f ragm ento de discurso de um ex -cristã o, "fug it iv o da op ressão
colonial", que ficou revoltad o e d e s il u d id o com a fé cristã e com os
esp anhóis em geral, dizendo que os conhece muito bem e que sabe
quais são as v e rd a d e ira s inte nções dos r elig io s o s espanhóis que os
fazem ab an d o n a r as suas terras e levam com eles os seus filh o s e
mulheres:

“ Estoy harto y c a ns a do de oir estas cosas que dices,


porque soy c r is ti an o de los de fray A lo ns o de B u e n a v e n tu ra , yo
era el que llevab a su habla a los in dio s y pr e d ic à b a las c os as
de los c r is t ia n o s .. . ya co no z c o a v o s o t r o s y a los e s p a n o l e s .. . :
los e s p a n o l e s envían a ésto s a e x p l o r a r nu e s tr a s t i e r r a s con
t í t u lo s de r e li g io s o s y luego tra s ellos e e c ha rn os de ellas y
ll e v a r nu e s tro s hijos y m u j e r e s . ” 26

Em um diálogo entre o caciqu e Mocobi chamado Cithaa lén e o


padre Paucke, é possível ve r ific a r a recusa do ca cique de

24 MELIÀ, El guarani conquistado y reducido, p. 182.

25 MELIÀ, El “ modo de ser" guarani, p. 14.

26 MELIÀ, El guarani conquistado y reducido, p. 152.


531

c r is tia n iz a r-s e , uma vez que lhe é imputad a pelo padre uma série de
crimes, deven do ab an donar seu modo de viver para poder ser
batizado. A conversa começa quan do Cith aalé n pergunta ao
m issio nário : " 0 que devo fa ze r para ir para o céu e en c on trar o
Deus cristão, e não para o inferno, para ju nto do Diabo?" 0 padre
Paucke lhe respon de que o céu estava re se rv ad o apen as para os
bons cristão s; “Ter várias mulhe res é seu costume; mentir e
enganar, seu hábito; roubar, pilh ar e matar, uma proeza heróica;
e m b ria g a r-s e até perder a razão, seu d iv e rtim e n to favo rito ; deve
evita r tudo isso a partir de agora para se torn ar apto a receber o
b a t is m o . ”

O ca cique arg um enta que os e s p an hó is têm defeito s piores do


que os seus, e, mesmo assim, são batizados. Um outro in dígena que
estava ao seu lado resp on de ao padre: " 'Quero viver e morrer como
um bom pampa (...) e não como um mau cris tão .' Além disso, os
índios só matam e roubam os seus inimigos, ja m ais os seus
próximos.

A cres ce nte c r is tia n iz a ç ã o provocou revolta entre os xamãs


U ruguaie nse e Tape causando uma luta fr a tic id a entre as
p a rc ia lid ad es Guarani. Os n ã o - c r is tia n iz a d o s consid eravam os
neófitos seus inimigos em potencial que deveriam ser c apturados e
s a c rifica d o s vingativamente.^®

A "g uerra dos messias" foi um outro tipo de m anifestação


c ontrária á c ris tia nização, que não levava pro pri am en te aó confronto
físico, mas provocava a evasão de alguns povoado s pelo tem or que
as professia s causavam á po pulação. Sob os efeitos de seus rituais

27 HAUBERT, op. cit., p. 72.

SUSNIK, Branislava. Introduccíon a la antropologia social (Âmbito americano), .^unción; Museu


Etnográfico "Andres Barbero", 1988. p. 42.
332

m ág ic o -reli gio s os, através do canto e da dança, os xamãs previam


c atá s tr o fe s aos povoado s cris tia nizado s :

“ D e s p a c h a ro n (los ‘ h e c h i c e r o s ’) a toda aquella t ie r ra


muchos d i s c í p u lo s suyos que ll am an j e r o k y h á r a ( d a n z a n te s ). ..
t ra y e n d o los que es ta ban en los pu eb lo s, con danz as, bai les y
cantos, d i c ie n d o en ellos cómo a q u e ll o s pu e bl o s se habían de
ac ab ar ... Con esto Ia gente co m ez ó a te m e r, y muc hos se iban
dei pueblo y de ja ba n p e r d e r sus casas , es t á n d o s e en sus
ch á c a ra s y p u e b l e c i l l o . ” ^

Esses "p rofetas " con sid eravam os co lo nos e os je s u í t a s


igualm ente in vasores, am a ld iç oa nd o da mesma forma as reduções
como 08 demais povoado s espanhóis ha bita dos por indígenas, isto
é, am eaçando a todos os que estiv essem inte grados ao mundo
colonial;

“ P r e g u n ta n d o un dia a los in dio s que dónde es t a b a n y


qué era Ia causa de p e r d e r sus casas , me dij er on que unos
j e r o k y h á r a (d a n z a n te s ) que an da ban por los te tâ m i n i ( ald ea s) ,
los en g a n a b a n d i c ie n d o que este pue blo se había de d e s t r u ir ,
(...) decí an que ellos eran d i oc es y criab an los m a iz a l e s y
comida y eran sefior es de los f a n t a s m a s de los mo ntes, de los
it a k y s e ja (du en os de Ias pie dr as - c u c h i ll o ) y de los y v y t y p o
(h a b i ta n te s de los ce rro s) y que los t ig r e s an da ban a su
v o l u n t a d y m ataban a los que ellos qu e rí a n , y que los p r im e r o s
que habían de pe r e c e r habían de ser los v a q u e r o s y los
y v y r a p o n d á r a (los c a r p in t e ir o s ) y los que se hacían c r is t ia n o s ,
y que los que t r a b a ja b a n en el pueblo se les había de p e rd e r Ias
com idas.”

Como se pode ob servar nos discurs os an terio rm en te citados,


algo que irritava co n s ta n te m e n te os ca ciqu es e xamãs era o fato de
os padres p ro ib ir e m -n o s de terem muitas mulheres. A m onog am ia
era c ontrária às normas do direito de fam ília Guarani, e a
res is tê ncia a ela foi tão intensa que segundo Furlong "mais de uma

MELIÀ, EI guarani conquistado y reducido, p. 184.

50 Id., Ibid., p. 184.


533

tez as mesmas reduções estiveram em perigo de d e s a p a r e c e r por


esta causa".

Alguns líderes m a n if e s ta va m -se con trários, mas aca ba vam


ace it an do os argum entos dos padres, ou fin g in do que aceitavam, e
pe rm an eciam vivend o nas missões de acordo com as reg ras cristãs
de m o ra lid ad e fam ilia r, isto é, passavam a ser monogâmicos.^^
Outros líde res rebelaram-se, o r g a n iz a n d o in cursõ es g u e rre ir a s para
ata car os padres e os índios reduzidos, assim como também passam
a d iv u lg a r às demais tribo s ainda nã o - c r is tia n iz a d a s a im p ortân cia
da n ã o - c r is tia n iz a ç ã o para a m anutenção dos seus an tigos
costumes, in clu sive manter a poliga mia.

Um grand e número de índios fugiu das red uções para não


ab an d o n a r as suas "concubin as" . O bvia m ente que levavam consig o
suas mulheres e filhos. Im ed ia ta m e nte os padres, au x il ia d os por
seus fiéis, pro vid en cia va m a c aptura dos fugitivos, mas nem sempre
as busc as eram bem -suce dida s.

Em Santa Maria do Iguaçu, lo calizaram as alde ias dos


deserto re s e, aprove itan do a au sên cia dos homens que tinham ido
caçar, c apturara m as mulheres e as cria nças e, po sterio rm ente ,
incedia ra m as suas h a b i t a ç õ e s . ^

O exce sso e a severid ade na ap lica çã o dos castigos também


induzia a muitas fugas nas r e d u ç õ e s . ^

FURLONG, S. J. M isiones y sus pueblos de guaraníes. Buenos Aires: Imprénta Bolnies, 1962. p. 287.

"A simulação foi uma prática da nobreza indígena, como um mecanismo {w a conservar certos privilégios";
alguns "caciques fizeram qualquer coisa para conservar a função, especialmente aparecer como bons cristãos".
(BRUIT, op. c it, p. 188)

” HAUBERT, op. cit., p. 135.

HERNANDEZ, P. Pablo. Organizacíon de Ias doctrínas guaraníes de la Compaüia de Jesús. Barcelona;


Gustavo Gili, 1911. vol. II. p. 43.
334

Segundo Haubert, a falta de con fiança dos neófitos em seus


líderes r elig io so s também causava as fugas nas reduções:

“ Se os j e s u í t a s traem essa c o n f ia n ç a , se c a l a m i d a d e s
d e s t r o e m a red uçã o (g eada, gra ni z o, g a f a n h o t o s , secas, c hei as,
fomes, e p id e m ia s ), se sua a u to r id a d e se t ra n s f o r m a em t ir a n ia
(ca st ig os , ge s tã o ec o n ô m ic a , f r e q ü ê n c i a das r e q u i s iç õ e s para
as a u t o r id a d e s c o l o n i a is etc.), é porque seu po d er s o b r e n a t u r a l
di m i n u i u ou porque não mais o u t il iz a m em f a v o r dos índ ios , que
então são t e n t a d o s a fu gir.

0 contato com o mundo e x te rio r trazia novos horiz ontes aos


indígenas, que aventavam a p o s s ib ilid a d e de gozar uma vida mais
livre e talv ez até mais protegida. Evitava-se nas reduçõ es a
c om unicação dos in díge na s com outras tribos c ircu n v iz in h a s não
co nve rtid as, para não re fre sc a r a memória de seus an tigos
costum es.^ Mas, após longos pe ríodos que os índios pa ssavam
fora das reduções, nas e xcu rsõe s guerreiras ou nas ed if ic a çõe s fora
de seus povoados, vários deles não conseguia m mais s u p o rta r a
ordem dos je s u íta s e fugiam.

O destino dos f u g it iv o s era bem variado; al guns r e fu g ia v a m -


se nos e s ta b e le c im e n to s espanhóis ju nto dos Guarani
cris tia nizado s; outros, procuravam abrigo com os seus in imigos
hereditá rios, os índios nô mades não con vertid os (Toba, Charrua
etc.) e até mesmo com os p o r t u g u e s e s . ^

Se as fugas nas reduções eram ex p re ss iv a s não é po ssível


de term in ar com exatidão. A única inform açã o que se tem é a versão

35 HAUBERT, op. cit., p. 254.

36 HERNÁNDEZ, op. cit.,. 42.

37 HAUBERT, op. cit., p. 255.

38 Id., Ibid, p. 255.


335

do padre Cardiel, afirm a nd o que as fugas não ultra passavam um por


cento dos índios reduzidos. A c re d ita -s e que tenha sido uma
porcen tage m maior, pois só numa redução, a de Nossa Senhora da
Fé, em 1733 fug iram quatro centa s fa m ília s Tobatine, somente
en con trada s dez anos d e p o i s . ^

A fuga das reduções era uma reação que im plicava a


reconquista da liberdade perdida, o poder volta r a ter o seu an tigo
modo de ser, o de ixar de estar regido por uma lei es tra n g e ir a e sob
a tutela missio nária , e poder seg uir o seu dire ito costumeiro.

Em d e c o rrê n cia do Tratado de Madri, de 1750, entre Espanha


e Portugal, os chamad os "Sete Povos das Missões" passaram a
pert encer ao dom ínio português, result ando que os índios teriam de
a b an do na r as suas reduções e migrar para o lado espanhol. Os
Guarani se rebela ram e se negaram a de ixar suas terras. Em
diversas petições ficou registrad a a sua revolta e a te n ta ti va de
defesa de seus d ireito s adquirid os sobre aquelas terras. Os seus
argum entos eram ba sica m ente o seguinte:

“ El mandato dei rey es absu rd o y i n c o m p r e n s ib l e porque


va contra los mism os in te r e s e s de Ia Corona Esp afi ol a. Es
ad e m á s in justo. Elios no fueron c o n q u is t a d o s por Ias armas; se
s o m e t ie r o n v o l u n t a r ia m e n t e . Sus s e r v i d o s en Ia de fe ns a de Ia
Co rona, e s p e c ia l m e n te contra Ias in v a s io n e s de los
p o r t u g u e s e s , no merecen este t ra to . Es j n s o p o r t a b l e t e n e r que
e n t r e g a r sus pueb los a sus en em ig os, e s p a n o l e s y p o r t u g u e s e s .
Por otra parte, dónde e n c o n t r a r t ie r r a s tan b u e n a s ? ” "°

Mesmo abando na do s pela maioria dos padres, seus líderes


religiosos, os Guarani não vêem outra saída a n l o ser a re s is tê n c ia
armada, e deixam isto bem claro numa carta na qual de m onstra m

39 Id , Ibid, p. 255-256.

MELIÀ, E l gu aran i con q uistad o y reducido, p. 185.


336

que não desejam a guerra, mas que não a temem, pois resisti riam
até o fim para g a ra n tir a posse sobre os seus bens imóveis:

“Au nqu e no q u e re m o s Ia gu er ra , mas por si Ia hu bi er e


sólo dé c im o s a los nue str os: P r e v é n g a n s e sóio para ella,
c o m p o n g a m o s bien Ias armas, b u s q u e m o s a nu e st ro s p a r ie nt es
que nos han de ayudar, y c o n f ia n d o en J e s u c r is t o nue stro
a y u d a d o r déci mo s: S a lv e m o s nu e s tr a s vid as, nue stra t ie r ra y
nu e st r o s bi enes to dos, porque no nos c o n v i e n e que con Ia
mu danza q u e d e m o s pob res y a f li g id o s d e b a ld e , ni que nos
pe r d a m o s en balde por esto s cam pos , por los ri os y agua, y por
esos montes. Y así sólo d é ci m o s que aqu i sól o q u e r e m o s m o ri r
t o do s si Dios nos q ui er e acabar, nu e s tr a s m uj er es y nu e s tr o s
hijos p eq ue no s ju n t a m e n t e . Esta es Ia t ie r ra don de na c im o s y
nos cr ia m os y nos ba u ti z a m o s , y así a qu i só lo g u s t a m o s de
morir, dicen los de San L u i s . ” "^

Segu ndo Meliá, o episódio da Guerra G u a ran ít ic a dem onstra


que "a r e s is tê ncia armada nunca de sap are ceu do horizonte dos
índios Guarani das reduções", haja vista a e fic iê n c ia do Exército
Guarani, que inúmeras vezes lutou em defesa dos in te resses
espanhóis.

Co nform e G aravag lia , o c o m p ortam e nto d e li tu oso de al guns


indígenas reduzid os era uma m an if esta ção de resistê ncia individual,
pois estavam in fring in d o as regras e s ta b e le c id a s pelos padres.
Se gundo ele, a resistê ncia individu al era a única possível, pois nas
reduçõ es (à exceção da Guerra G ua ranítica), não houve con diçõe s
para uma r e s is tê nc ia coletiva, po litic a m e n te organizada."®

Refe rindo-se à época da conquista, Bruit afirma que a


r esistê ncia indígena não foi no todo program ada e con sciente, mas
também m an if e s ta va -s e de forma in sti ntiv a e emotiva como

'‘1 Id., Ibid, p. 189-190.

42 Id., Ibid., p. 190.

GARAVAGLIA, Juan Carlos. Economia, Sociedad y Regiones. Buenos Aires: Ediciones de ia Flor, 1987. p.
151.
c o n s e q ü ê n c ia do trauma causad o pela de struiç ã o, a p re s e n ta n d o -s e
difusa através da sim ula ção de "obediê ncia , pass ivid ade, serv ilis m o
para salvar a pele, e especia lm ente, sua cultura". Praticava-s e um
co m p o rta m e n to de acordo com' os padrões da c iv iliz a ç ão espanhola,
mas mesmo assim os espanhóis não conseguiram torn ar os
indígenas v e rd a d e ir o s cristãos e v assalo s do rei. "A r es is tê ncia
difusa t ra d u z iu -s e numa espécie de recusa volun tá ria de viver a
histó ria do outro, de viver a sociedade dos conquistadores, mas
também a n e c ess ida de de vivê-la como sim u la ção."

O silêncio, a teimosia, a mentira, a bebe de ira , a preguiça, a


id olatria cam u fla d a e a m an utenção da língua indígena são
apontadas pelo mesmo autor como m eca nism os e es tra té gias de
r esistê ncia para man ter viva a cultura indígena.

Em d e te rm in a d a s ocasiões, qu an do os in díge na s do México


foram q u e s tio n a d o s pelos sacerd otes sobre o motivo de pratic arem
vícios como a mentira, o adultério , o perjú rio e a de linqüência ,
resp on diam que era "por causa das gu erras dos espanhóis que os
deixaram sem sua justiça, sem sua ordem, sem suas leis, sem sua
liberdade, sem a au torid ade para c astig ar os v í c i o s " . 44

A h istó ria indígena tem sido vista como uma histó ria de
reação ao homem branco, isto é, co m p re e n d e -se a história do índio
am ericano como uma história de re s is tê n c ia à cultura ocidental.
A tu a lm en te já se tem outro en ten dim e nto de que a man utenção dos
padrões c u ltu ra is do índio não foi uma forma de res is tê nc ia
"passiva", pois ele sim ple smente c on tin u ou fazend o o que fazia
an terio rm ente , in dependente de in te rferên c ia externa ou não.

44 BRUIT, op. cit., p. 14, 152-192.


338

Meliá in terpretou as c on s tan te s queixas dos padres contra a


pro g re ss iv a de sm otiv a ção dos indígenas para o trab alh o como "uma
forma de r es is tê nc ia passiva contra aque la v id a " . 45 Mas o mesmo
autor, em obra recente, retrata-se:

“ Las mi smas so c ie d a d e in d íg e n a s que viven en la


a c t u al id a d sólo son p e n s ad as en cuanto m a rg in a le s al sist em a
mundial, ya sea porque s o b r e v i v e n " t o d a v i a " f re n te a él, ya sea
incluso porque le re sis te n. Debo c o n f e s a r que yo mismo caí en
la tram pa de la red uc c ió n de la hi s to ri a g u a r a n i como his tor ia
de re si st e n ci a . Pero esto es neg ar la p o s i b i li d a d de otra
histor ia , que no es n e c e s a r ia m e n t e pe n sad a desd e las
c a t e g o r i a s de la hi s to ri a O c c id e n ta l . ” 46

Até os indígena s que não se rebela ram nem fugiram, mas


pe rm aneceram reduzidos, conseguiram , a duras penas, manter
alguns asp ecto s de seu antigo modo de ser, pois o retorno aos
an tigo s costumes, mesmo com toda a c on denação e todo o aparato
repressivo, foi uma con stante na vida reducional. Os relatos
je s u í t ic o s são repletos de reclam a çõe s contra as festas e
be bede ira s, contra a poligamia, a antrop ofag ia , os ritos ancestrais,
os c a s a m en tos antes da idade estipulad a, o couvade, a sau da ção
lacrim osa, o enterro com fo g ue ir as e comida, contra a nudez, a
pintura no corpo e os adornos nos lábios e orelhas, contra a
impre vid ência , a preguiça, a ave rsão ao trab alho, as an tigas
práticas sexuais e t c . 47 Isto sig nifica que os Guarani ja m ais
esqueceram a sua história, perm anecendo latente no seu
inconsciente.

A afir m a ti va de que a história Guarani ou a história do índio


am ericano como um todo é uma história de r e s is tê n c ia à dom in ação
do homem branco não pode ser feita de maneira ge neralizada, pois

45 MELIÀ, El guarani conquistado y reducido, p. 185.

46 MELIÀ, Bartomeu. El Paraguay inventado. Asunción: CEPAG. p. 33-34.

47 HERNÁNDEZ, op. cit., p. 33.


339

cada caso é um caso. Além do que pode -se também arg um e ntar que
ex istiram inúm eras c om unidades in díge na s que não man tiveram
contato com o homem branco até este século. Mas' não se deve
om itir o fato de que a colon iz a ção eu ropéia causou um im pacto
muito forte à maioria da população am erín dia , provocand o uma
ruptura no seu ritmo natural de d e s e n v o lv im e n to histórico e que os
indíge na s tiveram de se ad aptar àquela nova realidade,
re è la bo ran do a sua cultura.

Com relação aos Guarani, houve casos de resis tê ncia arm ada
através da oposiç ão dos xamãs e de revolta das tribo s não-
cristia nizada s. As profecia s e as pragas rogad as pelos f e it ic e ir o s
também eram uma d e m on stra ção de r e sistê ncia à cristia niz ação. As
fugas sig nifi cava m a de s esperada busca da reintegração ao seu
status quo. O com p o rta m e n to de li tu oso de al guns in díge na s
reduzidos não represe ntava , necessariam ente , uma re s is tê n c ia
individual, mas o retorno à prá tica dos antigos costumes.

Quanto aos demais índios cris tia n izá d o s que pe rm anece ram
nas missões, se houve ou não uma simulação de bom
c om p ortam e nto conform e os padrões de vida c ris tã -o c id e n ta l
estip ula dos pelos padres, é difícil de responder, mas ficou
comprovado, neste trabalho, que durante a experiê ncia missional,
c o n s tan te m en te os índios voltavam a praticar suas an tigas
tradições, tão con denadas pelos padres, re sistin do a todas as
pressões externas que tentaram desin tegrá-la . No entanto, não se
pode om itir que a tutela religiosa causou uma in te rferên cia no
c otidiano da vida Guarani, com o objetivo de d e struir totalm e n te a
sua cultura orig in ária , ou seja, a extinção do seu antigo modo de
ser.

48
HAUBERT, op. cit., p. 41, 181.
340

CONCLUSÃO

Nesta tese, d e m o n s tro u -s e a existê ncia de um direito


c o n s u e tu d in á r io na sociedade Guarani pré-colonia l form a d o por um
sistema de liderança política, normas de guerra, um dire ito penal e
um d ireito civil, regidos por quatro princípios: a priorid ad e dos
in te resses coletiv o s sobre os in dividuais, a re s p o n s a b ilid a d e
coletiva, a s o lid a rie d a d e e a recipro c id a de . Este direito fora vio la do
sob a tutela religiosa nas Missões Jes uíticas do Paraguai,
le gitim ado pelo discurso da in c a p a c id a d e indígena.

O direito m is s ion eir o que fora implantad o nas reduções,


fu n d a m e n ta d o no direito espanhol e no direito canônico, ignorou e
não ab sorve u o direito c o n s u e tu d in á r io Guarani, vindo desta forma a
de sres p eitá -lo . Alg un s aspectos do dire ito indígena foram utilizados,
mas, e s va z ia do s de seu con teú do orig in al e preench id os com ou tros
elem entos que servissem aos in teresses je s u ític o s , sendo
d is to rc id o s e utilizados em prol de seus em pree nd im en tos, como,
por exemplo, a aliança que foi firm ad a com os caciques, que
sim ula va m a man ute nção da li de rança política para g a ra n tir al guns
p r iv ilé g io s seus, en quanto os padres os manipulavam para c ontrola r
o restante da população.

A tra n s fo rm a ç ã o oc orr id a na vida dos Guarani no in te r io r das


missões, passando de s e m inò m ad es a seden tário s; a s upre ssão das
d ife re n te s pa rcia lid ad es étnicas; a mudança no sistema de liderança
341

política e no sen tido da guerra; a in tr o du ç ão de uma org an iz a ção


p o lític o -a d m in is tr a tiv a ; a modificaçã o do sistem a de pro pried ad e nas
relações de tr ab alh o e na estrutu ra fam il ia r; na im pla ntação de um
sistema de v ig ilâ n c ia perman en te; na in tro du ção da idéia de pecado;
no c erc e am e nto da liberd ade individual e na cria ção de um sistema
de punições foram ju s tific a d a s pelos seus tutores, por co n s id e rá -lo s
incapazes, como condição in dis pe ns á v el para "c iv iliz á -lo s " e
"hum aniz á-lo s", des res p eita nd o, dessa forma, as c a ra c te rístic a s
cultu rais dos Guarani.

Entre os Gua rani o poder estava difuso na c o letiv ida de e a


liderança p o lí tic a era limitada pela von tade popular, tendo o chefe
mais o b rig açõ es do que direitos. Nas missões os caciques se
sujeitam aos je suítas , com o intuito de se manter no poder e ob ter
outras van tag en s indiv iduais , ab dicando do carisma e da liderança.
0 poder t o rn a -s e um órgão separado da sociedad e, ap an ág io dos
padres que o têm como au torid ad e p o lí t ic o - e c o n ô m i c o - ju r íd ic o -
religiosa, d e v id a m e n te investidas pelo monarca espanhol e pelo
Papa.

A s o c ied ad e Guarani pré -colonia l não era complexa e nem


hi erarqu izad a, mas nas reduções passa a po ss u ir uma org an iz a ção
p o lí t ic o - a d m in is t r a t iv a e a hierarquizar-se, sendo o padre a figura
mais im p ort an te e poderosa, depois os in te gra ntes do cabildo, os
caciques e os m embros das c ongregações religiosas. T orna -se uma
sociedade c o m p etit iv a , em que os in divíd uo s não se- interessam
mais em ob te r o pre stíg io pessoal com a com unid ade e sim
procuram a g rad ar aos padres para ascender socialmente.

A guerra Guarani norm alm ente era motivada pela ne cessidade


de expan são t e rrit o ria l, pelo sentimen to de vingança, pela vit im ação
de cativos, pela d isc rim in aç ã o étnica, pelo rapto de mulheres e pelo
342

prest ígio pessoal. Nas missões foi o rg a n iz a d o o Exército Guarani,


com a mesma es tru tu ra hie rá rqu ic a m ilita r do Exército Espanhol; os
inimigos dos espanhóis passaram a ser os inimigos dos Güarani; as
tribos a n te r io r m e n te aliadas passaram a ser inimigas ou vice-versa,
e no próprio esp aço fís ico das reduçõ es pass aram a c on viv e r
■pacificamente" tribo s que no pa ssado foram rivais. A an tro p o fa g ia
foi abolida; no entanto, o in teresse em ob ter cativos de guerra
continuou nas tribos não reduzidas, visando obtê-los para ven dê -lo s
como escra vos.

Entre os Guarani a pro pried ad e co le tiva era a mais im portante


e ab rangente, sendo a terra um bem sagrado que pertencia a todos.
Com a ocu pa ção dos esp an hó is nas áreas ha bita das pelos Guarani,
as suas extensões te r r ito r ia is passaram a pe rten c er à redução, e,
em última instância, à Coroa Espanhola.

Os padres passam a c o n tro la r a produ ção e a d is tr ib u iç ã o dos


bens, sendo reduzid o o princípio da r e c ip ro c id a d e que propicia va a
r e d is trib u iç ã o gene rosa e a r o ta tiv id a de da posse dos bens,
in c e n tiv a n d o -s e a pro pried ad e privad a e a cria ção de novas
neces sida de s e de novos bens materiais mais ela b ora do s e mais
escassos.

Devido às lim itadas ne cessida de s da econom ia tribal, que


produziam o sufic ien te para a s o b rev iv ên cia do grupo, o tra balh o
indígena era alte rnado com o descanso, o lazer e a religião. Com o
obje tivo de d e s e n v o lv e r eco n o m ic a m e n te a região, c o n s id era nd o o
trabalh o como condiç ão para "h um anização" e salvaçã o esp iritu al, e
co ndenando a pregu iça e o ócio, os je s uítas reorganizara m o
trabalh o Guarani, e também procuraram torn ar o tempo
in te gra lm e nte útil, sendo r ig oro s am en te controlado , m od ific a nd o o
343

c o m p ortam e nto pro du tiv o pela coação fís ica e religiosa e pela
repressão à vadiage m e à in disciplina.

Nas reduções a grande fam ília foi s u b s tit u íd a pela f a m ília


nuclear. C o n d en ara m -se alguns casa m en tos pre feren cia is , como: a
poligamia, união entre primos e sob rin ha e tio materno, entre jo ve n s
e idosos. In c u ti u-s e a valo rizaç ão do celibato, da castidad e e da
virgindade. 0 a d u lté rio passou a ser c o n s id e r a d o crime e pecado, e
o divórcio foi extinto.

Os d ireito s in divid u ais passaram a ser priorit á rio s sobre os


coletivos, deixando de e x is tir a re s p o n s a b ilid a d e coletiva e a
solid a rie d a d e grupai. Os líderes po líticos vão re p re s e n ta r a von tade
do padre e não os in te resses coletivos. Os c a s a m en tos não seriam
mais re a li zado s para f ir m a r redes de c o m p ro m is s o s entre fa m ília s
ou entre tribos e passam a re p re s e n ta r a von tad e individu al dos
nubentes. A pro p rie d a d e individual vai ser mais v a loriz ada do que
an terio rm ente . 0 direito à vida in dividual vai ser mais im portante do
que os in te resse s de sobrev iv ên cia do grupo.

Os chefes deixam de ser solid ário s aos membros do grupo.


Ac a ba m -s e as festas intra e in te rtrib a is em que se renovavam os
laços de s o lid a r ie d a d e e de recipro cid a de . Com o d e s a p a re c im e n to
da grande fam ília não há mais s o lid a r ie d a d e entre os parentes. As
atividade s labo rais passam a ser in d iv id u aliz ad as, não havendo
mais a r e d is tr ib u iç ã o solidária da sua produção.

Os crimes vão ser uma tran sg re s sã o às normas imp ostas


pelos je s u í t a s conform e os padrões da socied ad e c ris tã -o c id é n ta l e
não mais ameaçam a coesão social. Fun da mentado na
re s p o n s a b ilid a d e in dividu al, competia ao m is s ion ário punir apen as o
344

infrator, não havendo mais razão de e x is tir a v in gança pessoal,


fa m ilia r ou grupai.

Nas socie dades indígenas não ex is tia a pena de prisão, nem


os cas tig os fís icos q u a n tific a d o s e c on tin uados. Nas reduções,
foram in tro du z id as a pena de prisão e o castigo, este em forma de
dor fís ica e vergon ha pública, também u til iz a do como in stru m en to de
expia ção dos pecados. Os padres ju s tific a v a m a prá tica dos
castig os pelo amor que de dicavam aos seus pupilos. A maioria das
ações que foram c on s id era da s crime pelos padres não o eram pelos
índios.

A través do sistema de discip lin a, coação, controle,


fis caliz a ç ão , c onfis sões para se livrarem do pecado, delações e do
c e rce am e nto da libe rdad e in dividual, pode -se ob se rva r que os
Guarani "obe de ceram " ao dire ito m is sioneiro mais pelo tem or de
uma sançã o moral ou física, do que pro p ria m e n te pelo en te n d im e n to
daqueles novos valores e ass im ila ç ã o conscie nte daquelas normas.

Havia simulação de bom com p o rta m e n to através da ap arente


aceit ação daqueles novos padrões de sociedad e, pois na sit ua ção
em que os índios reduzid os se en co ntravam era mais im portante a
m anutenção da in te grida de fís ica e moral, do que se expor, agindo
conform e seus costumes e sofrer as pena li da des a eles impostas.

Na realidade, o direito m ission eir o não teve le gitim id a d e


porque não houve ap ro vação med iante con senso do grupo, foi
imposto de forma coatora por um número reduzido de in divíd uos
oriu ndos de uma s ociedade alie níge na . Mas, bem antes da atuação
dos m ission ários, os Guarani já reagiram contra a ação dos
c o n q u is ta d o re s espanhóis, lu tando e defendendo o direito às suas
terras e de viver con form e os seus costumes.
345

0 modo de ser e a trad iç ão eram tão im portante s para os


Guarani que assumiam c ará ter no rm ativo, f u n d a m e n ta d o ' nas
experiên c ia s de seus antepassados. Então, o modo de ser, a
tra dição e a lei eram quase a mesma' coisa, ambos esta va m
rep resentados na pa lavra teko.-

Os líderes indígenas, p r in c ip a lm e n te os caciqu es -xa m ãs ,


avaliaram desde o início a brusca t r a n s fo r m a ç ã o que sofreria a sua
cultura com a colo n iz a ç ã o e a con v ers ã o ao cristia nismo. Em
momentos de crise, em que se sentiam ameaçado s, como na ép oca
da im pla ntação das missões, os chefes reagiam, re a firm an do o seu
modo de ser. Nesse períod o vai haver uma grande m anifestação dos
caciques atra vés de seus discursos, em que é de m onstra da a sua
capacid ade de e n t en dim e nto da trag éd ia que se abateria sob as
po pula ções in dígenas com a colon ização.

A fala do chefe in dígena re lembra a antiga liberdad e vivida no


ilimitado esp aço fís ico desfrutad o, a paz e a t ra n q ü ilid a d e de suas
aldeias, a ju s tiç a e a lei de seus an tepass ados, o antigo modo de
ser Guarani, a poli gam ia e seus costum es em geral. Ao mesmo
tempo, denuncia a de sg raça que se alastrou em suas vidas com a
m issio narização, c la s sif ic a n d o a vida em redução como esc ra v id ã o
disfarçada, rec lam a nd o da imposição de uma lei es trangeira,' dos
maus costumes e das cr ue ld ad es dos espan hó is, das in ju s tiça s
sofridas, do r e b aix am e nto da condição de hu manos para de anirnais,
da in trodu ção de outros costumes em de trim en to do seu an tigo
modo de ser e da o b r ig a to rie d a d e da monogamia. Enfim, eles
clamam por ju s tiç a e pela re integ ra çã o de seus direitos, isto é, o
direito à terra, à liberdad e e a viver con form e suas leis e sua
tradição, in de pe nd en te s da tutela religiosa.
346

Alguns xamãs org an iz a ram rebeliões armada s co ntra as


reduções, provoca nd o a morte de al guns m issio nário s, a d e stru iç ã o
de igrejas e a in te n s ific a ç ã o da an tropofagia. Outros não se
utilizaram da força fís ica mas da força da palavra: através de seus
poderes m ágic o -reli gio sos, pro fetiz a vam catá s tro fe s para as
po pula ções cristia nizada s, ca u san do pânico geral e evasão de
alguns povoados.

Muitos indígena s fugiam das reduções por vários motivos,


mas a mola propulsora da maio rias das fugas era a busca da
liberdad e perdida e a ânsia de viver conform e a sua tradição .

Os demais in dígenas que continu aram reduzidos, quan do


podiam, mesmo corrend o o risco de serem punidos, volta vam a
praticar alguns de seus an tigos costumes: seja de form a afrontosa,
de linq üindo , seja de forma natural, pratic ando aq uilo que a sua
memória nunca havia esque cido.

A reação Guarani em defesa de seus direitos e do seu antigo


modo de ser, não con seg uiu m an ter in te gra lm e nte seu direito de
c o n tin u ar a viver nas suas terras e a ser o que sempre foram de
acordo com as leis de seus an tepassados, mas a le m brança dos
bons tem pos do pa ssado p o s s ib ilito u - lh e s viver a duras penas,
pa rcialmen te, o seu antigo modo de ser, devido à pe rm a n ê n c ia de
alguns aspectos da sua cultura, mesmo com todas as te n ta tiv a s de
erradicá-los.

Co nstatou-se nesta tese que a sociedade Guarani que fora


reduzida pelos je su íta s na região platina sofreu a in te rfe rê n c ia ;da
tutela religiosa, coloca da de forma unilateral e autoritá ria, não
respeitando o antigo modo de ser Guarani, ou seja, o seu direito
consue tud in á rio , o direito de continuarem vivendo em lib e r d a d e e
347

in de pendência no seu esp aço fís ico con form e as leis e as


experiên c ia s de seus an tepassados. Asp ectos da sua cultura como o
sistema de li de rança política, a guerra, o direito civil e o direito
penal, regidos pela s olid arie dade, pela recip rocidade, pela
resp o n s a b ilid a d e coletiv a e pela priorid ad e dos in te resses co letiv o s,
foram de svaloriz ados.

Como os demais indígenas, os Guarani foram ro tu la d os de


infantis e incapazes de c o n d u z ir suas própria s vidas. Com o
pro pó sito de ■civilizá-los", "h um a niz á -lo s" e in te grá -lo s à s o c ie d a d e
moderna, os je su íta s t r a n s m itir a m - lh e s e im p use ram -lh es os valore s
da socie dade c ris tã -o c id e n ta i, tra n s fo r m a n d o o seu c o tid ia n o e
pro ib in d o-lhe s a prática do seu an tigo modo de ser, d e n e g a n d o -lh e s
o seu direito originário.

Diante do exposto, ficou evidente a vio lê ncia que essa


população sofreu pela f la g ra n te dife rença entre as duas s o c ie d a d e s
e os seus sistem as ju ríd ic os.

V e rific o u -se que a tutela, que deveria g a ra n tir e p r o te g e r os


direitos indígenas, mais serviu como in stru m en to de coa ção para
limitá-los, tr a n s fo r m a n d o - s e em forte mecanism o de d e p e n d ê n c ia e
anulação cultural, fu r ta n d o - lh e s a libe rdade individual e a
independência coletiva.

Espera-se que esta pesqu isa contrib ua para melh or se


conhece r a cultura indígena, respeitand o, c o n seq ue ntem e nte , o seu
direito, e que este seja aceito como o direito do outro, livre dos
precon ceito s seculares.

Por fim, deseja-se que esta tese torne possível, através do


con hecim ento das mazelas do passado, que a questã o da
348

in c ap acida de e da tutela indígena, ainda vig en te no Brasil e em


outros países da América, e o trab alh o das missões re lig io sa s em
aldeias in díge na s no in te rio r do país, sejam re d is c u tid a s e
reava liadas, instig ando novas pesquis as sobre o assunto, in clu sive
refere nte a períod os mais recentes, p o s s ib ilita n d o até sugestões à
le gis la ç ã o indígena atual.
349

G L O S S Á R IO

A cu lt uraçã o
“É uma p e rs pe c tiv a sobre a tra n s fo rm a ç ã o
cultural e seu método de análise. Ou seja: é o
fen ôm eno psic ossocia l em que duas ou mais cultu ras
exercem r e cipro c am en te uma ação que vai r e s u lta r a
tran s fo rm aç ã o de cada uma delas, por in te rp e n e tra ç ã o
de con teúdo s culturais e in ven ç ão - de s c o b e rta de
novos c o n te ú d o s .” ^

Cotidiano
Ações e práticas diá ria s in div iduais ou coletivas,
vividas no setor pú blico e privado, com p os ta s de
ativid ades laborais, de lazer, de de scan so, de
pu rificação e de re la cio n a m e n to social.^

Couvade
Resguardo paterno utiliz a do pelas socied ad es
indígenas, após o na sc im e nto do filho.

Cultura
O conceito de cultura de modo geral é muito
complexo. Atualm ente existem vários con ceito s;
contudo, a definiç ão mais utilizada, escr ita no século
passado por Sir Edward T ylo r em sua obra A O rigem
das C u ltu ra s diz o seguinte:. “ Cultura ou civ iliza ção , no
seu sentido e tn og ráfic o estrito, é este todo com plexo

' p o l is . Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado. Lisboa: Sociedade Científica da Universidade


Católica de Portugal, 1995.

- HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 3. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
350

que inclui conhecim ento, crença, arte, leis, moral,


costumes e qu a is q u e r ou tras c a p a c id a d e s e hábitos
adqu iridos pelo homem en qu an to membro da
s o c ie d a d e .” ^
Também en ten de -s e “ a cultura como um código
simbólico - cód igo que possui uma dinâm ica e uma
c oerên cia interna, é c o m p a r tilh a d o pelos membros de
uma dada sociedade ou grupo social, e que, med iante
um pro cedim ento antrop oló gic o, pode ser de cif rad o e
trad uzido para membros que não perten cem a este
grupo. É importante lem brar que este código sim b ólic o
não é algo dado como, por exemplo, o código genétic o
dos indivíduos. (...) A cultura se refere pois à
capacida de - e n e c ess ida de - que os seres hu manos
têm de a p r e n d e r .” "^
Muitos a r q ue ólog os enfatiz am a “ cultura como o
meio pelo qual as s ociedades hu man as adaptam -se ao
seu ambiente, em c o n tras te às ad ap taç õ es ge né tic as
(bio ló gicas) de outras form as de vida. Conforme esta
visão, cultura abrange os re cu rso s acu m ulativ o s das
sociedad es humanas, pe rpe tuad as pela linguagem, que
fornece meios prim ários para ad ap taç ã o não genétic a
ao ambiente. Este com p o rta m e n to é reg ulam e ntad o em
três níveis: o te c n oló gic o (relações com o ambiente), o
social (sistemas o rg a n iz a cio n a is ), e o id eaciona l
(sistema s de crenças).®

’ In: ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 30.

^ THOMAZ, Ornar Ribeiro. A antropologia e 0 mundo contemporâneo: cultura e diversidade. A temática


indígena na escola: novos subsidios para professores de 1°. e 2°. graus. Brasília: MEC, 1995. P.427-428.

- SHARER, Robert J. & ASHMORE, Wendy. Fundamentais of archaeology. Tlie Benjamin. Cummings
Publishing Company, 1979. p. 10.(Tradução: Dione da Rocha BANDEIRA)
351

Dever Jurídico
“ Depende ou não da von tade humana, e s ta b e le c e
sempre um vin cuium ju ris , de que se gera a
necessida de ju ríd ic a de ser cum prid o aq uilo a que se é
o b r ig a d o . ” ®
“ É a obrig ação que tèm todos de não v io la r por
ação ou omissão a norma ju r íd ic a ou os d ireito s de
ou tr e m .” ^

Dever Moral
“ C a racteriza-se em ser livrem ente e
v olun ta ria m en te assumido, não ha vendo imposição de
ordem legal que possa c o m p e lir a pessoa a c u m p r i- lo . ” ®

Direito C o ns uetudin ário


Conjunto de norm as legais trad ic io na is , não
escritas nem codific adas, baseada s nos cos tum es e
nas tradições, de co rre n te da prá tica reite rad a e
c onstante de certo ato, c o m p a rtil h a d o e ace ito por
de term inad a cole tivid ade.

Direito dos Grupos


A proteção legal às normas esp ecífic a s de
caráter con s u e tu d in á rio dos divers os gru po s sociais.

Direito do Outro
O reconhecim en to, o respeito e o amparo legal
das dife re nça s étnicas e cu ltu rais de outros povos.

6
SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

' SOIBELMAN, Leib. Enciclopédia do Advogado. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1978. p. 118.

* SILVA, op. cit.


352

Direito Guarani P ré-Colonial


0 direito c o n s u e tu d in á r io dos índios Guarani
antes do contato com os europeus.

Direito Missioneiro
Sistema de n o rm a tiz a çã o e regras de conduta
social que foram in tro d u zid a s pelos padres je s u íta s nas
missões platinas, reg idas pelos p r inc ípios do direito
espanhol e do direito canônico.

Direito Natural
Há várias escola s filo s ó fic a s que conceituam o
direito natural conform e os seus princípios, ” na
acepção do Direito Romano (...), e n t en dia -s e o Direito
Comum a todos os homens e a n im a is . (...) Para os
esco lá sticos é o que tem por f u n d a m e n to a razão divina
(...), podendo ser c om p le ta do pelos homens, por sua
le gislação e pelos costumes. (...) Nesta acepção,
compõe-se de regras de eq üidade que a razão natural
es tabe lece u entre todos os homens, a qual foi gravad a
por Deus em seus c o r a ç õ e s . ” Para os e n cic lo p e d is ta s
estava “fundada na concepção do con tra to social (...),
no princípio da li be rdade in d i v id u a l . ” No sen tido
moderno, de corre dos princípios que “ regulem e
assegurem os direito s individuais, tais como os da
vida, da liberdade, da honra e de todos os dire ito s
patrimon iais, que assegu ram a própria existê ncia do
ho m em .” ®

SILVA, op. cit.


353

Direito Positivo
“ Conjunto de regras ju ríd ic a s em vigor, que se
impõem às pessoas e às in stituições, sob a c oação ou
sanção da força ‘ pública, em q u a is q u e r dos as pectos
em que se manifeste. (...) o Direito tal como é, e não
como devia ser, conform e nossos sen tim e n to s íntimos
ou nossas ilusões de J u s t iç a . ”

D om inium
Poder real de posse sobre todo o t e r r it ó r io do
E s t a d o . 0 dire ito sobre a coisa corporal.

D om inus O rbis
Domínio sobre o orbe terráqueo.

Etnia
“ São c a te go ria s relacionadas entre gru po s
humanos, com postas antes de representações
recíprocas e de leald ades morais do que e s p e c ifid a d e s
culturais e raciais.

Etnocen trism o
“ É uma visão de mundo onde o nosso próprio
grupo é tomado como centro de tudo e todos os ou tros
são pensados e sentid os através dos no ssos valores,
nossos modelos, nossas definiç ões do que é

10
Id.. Ibid.

" RUSCHEL. Ruy Ruben. O direito de propriedade dos índios missioneiros. Veritas. Porto Alegre: v. 39, n. 153,
1994. p. 78.

RODRIGUES, Dirceu A Victor, Dicionário de brocardos jurídicos. São Paulo: Sugestões Literárias, 1976.
p. 83.

RIBEIRO, Darci. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. Antropologia do Brasil: mito, liistória, etnicidade. São
Paulo: Brasiliense, 1986. p. 446.
354

existência. No plano in tele ctual, pode ser visto como a


d ific ulda de de pensarm os a dife rença; no plano afetivo,
como sentim entos de estra nh eza, medo, ho stilidade,
et c. ” ^^

Hom og en eiz a ção cultural


A n ula ção das d ife ren ças cultu rais.

Im perium
Poder real de comando sobre súditos.^®

Inca pacidade
É a in ab ilida de ou a in aptidão “ para a prática de
todos ou certos atos ju ríd ic os, ou para exe rcício e gozo
de d i r e i t o s . ” ^® A in cap acida de ab solu ta imp ed e a
pessoa de praticar qu alquer ato ju ríd ic o , e deve ser
suprida por rep res e ntan te legal. A in c ap ac ida de
relativa não impede a prátic a de todos os atos
ju ríd ic os. Com relação aos índios na A m é ric a
Espanhola, sig nificava a in aptidão de viverem por conta
própria segun do os costumes espanhóis.

Indio
“ É todo indivíduo de origem e as c e nd ên cia pré-
colo m biana que se id enti fica e é id en ti fi cad o como
pe rtencente a um grupo étnico cujas c a r a c te r ís tic a s
culturais o distingue m da sociedade nacional.

14
ROCHA, op. cit., p. 7.

RUSCHEL. op. cit., p. 78.

SILVA, op. cit.

" Estatuto do índio - Lei n. 6001 de 19.12.1973.


355

Jus in P ersona
Direito sobre as pessoas.^®

Jus in Re
Direito sobre as coisas.^®

Legitimidade
“ Cond ição valora ti va de a c e it a ç ã o por parte da
Sociedade, ou de ap rovação med iante consen so do
grupo com unitário ou movim ento social, de práticas
cotidianas, de uma ação normativa , de um poder ou de
uma au torid ade em e x e r c í c io . ” ^

L o n g is s im i T em poris P o sse ssio n is


Detenção da posse por longo esp aço de tempo.

Memória Coletiva
As trad içõe s que consistem no saber que uma
sociedad e tem de si mesma e de seu passado mais ou
menos imediato.

Postura A ss im ila c io n is ta
Desejo de que os indígenas adotem os costumes
ocidentais.

RODRIGUES, op. cit., p. 171.

Id, Ibid, p. 171.

WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: o espaço de práticas sociais participativas. Florianópolis,
1992. Tese (Doutorado em Direito), Universidade Federal de Santa Catarina, p. x.xviii.
356

Povo Indígena
“ Toda c o le tiv id a d e que por suas cate go rias e
c ircuitos de in teração se d isti ng ue da s ociedade
nacional, e se reivin dic a como indígena, isto é, se
pensa como descen de nte de po pu la ç ão de origem pré-
colombiana."^^

Situação Colonial
“ 0 domínio imposto por uma minoria estrang eira,
racial (ou etn ic am e nte) e c u ltu r a lm e n te diferente, em
nome de uma sup e rio rid a d e racial (ou étnica) e cultu ral
afirmada de modo dogm ático, a uma maioria autócton e,
m aterialm ente in fe r io r . ” ^

So ciedades Ágrafas
Sociedades que não utilizam a escrita.

So ciedades Indígenas
“ Cole tivida de s que se disti ng ue m entre si e no
conjunto da sociedad e em v ir tud e de seus ví nculos
históricos com po pula ções de origem p r é - c o lo m b ia n a . ” ^

Sociedad e sem Estado


Sociedade que não possui órgão de poder
político centralizad o, porque o poder está difuso e

*' SILVA, Orlando Sampaio, et ai. A perícia antropológica em processos judiciais. Florianópolis; UFSC.
1994. P. 126.

BALANDIER, Georgs. Sociologie Actuelle de l’Afrique Noire: Dynamique des Changementes Sociaux en
Afrique Centrale. Paris: Presses Universitaires de Fraiice, 1955. P. 33.

Estatuto do índio.
357

pertence à c o le tiv id a d e que o detém em sua


totalidade.^"*

Tutela
Desde a an tig u id a d e ocide ntal a tutela é
enten dida como in stru m e n to ju r íd ic o de proteção
individual substitutiva do pátrio poder, aplicada às
pessoas c onsid era das incap azes. “A tutela é a
institu ição esta be le c ida por lei para a proteção dos
menores órfãos, ou sem pais, que não possam, por si
sós, d ir ig ir suas pessoa s e a d m in is t r a r seus bens, em
virtude do que se lhes dá um assistente, ou
represe ntan te legal, chamado, esp ec ifi c am e nte, de
tutor.

Tutela do Estado
Conforme o pe ríodo estu da do , ela é aplicad a a
determ in ada c o letiv ida de e não a pessoa s in dividu ais,
cujo tutor é 0 próprio Estado, re p rese ntad o por seus
órgãos públicos, pode nd o ser t r a n s fe r id a e dele gada a
institu ição pa rtic ular ou religiosa.

Tutela Indígena
É a tutela do Estado destin a da às p o pu la çõe s
indígenas, cujo obje tivo deveria ser a proteção de seus
direitos e a ga rantia de algu ns privilé gio s.

Tutela Religiosa
A tra n s fe rê n cia da tutela do Estado para
institu ição religiosa.

24
CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado. 5. ed., Rio de Janeiro: ERCA, 1990.

SILVA, op. cit.


;58

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ZWETSCH, Robe rto (Org.). 500 anos de invasão - 500 anos de


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381

ANEXOS

ANEXO 1: Bula Inter Cetera 1........................................................................ 383

ANEXO 2: Bula Inter Cetera II ..................................................................... 386

ANEXO 3; Requerimento.............................................................................. 388

ANEXO 4; Ordenanças para o Tratamento Legal dos índios Inclinados à


Ociosidade e aos Maus Vícios: Leis de Burgos (1512/1513)....................... 391

ANEXO 5; Breve Pastorais Offícium, de Paulo III (1537)............................. 400

ANEXO 6; Bula Sublimis Deus, de Paulo III (1537)..................................... 402

ANEXO 7: Provisão de Granada que Visa ao Bom Tratamento dos índios e


Regulamenta as Expedições (1526)............................................................. 404

ANEXO 8: Ordenanças ao Presidente e aos Ouvidores da Audiência de


México sobre o Bom Tratamento dos índios na Nova Espanha (1528)....... 410

ANEXO 9; Leis e Ordenanças Novamente Feitas por S. M. para o Governo


das índias e para o Bom Tratamento e a Conservação dos índios; Leis
Novas (1542)................................................................................................. 416

ANEXO 10: Ordenanças de Francisco de Alfaro (1611).............................. 425

ANEXO 11: Decisão Real no Conselho das índias, Aprovando as


Ordenanças de Alfaro, com as Modificações nelas Introduzidas (1618)..... 435

ANEXO 12: Primeira Instrução do Padre Torres para o Guairá (1609)....... 439
382

ANEXO 13: Segunda Instrução do Padre Torres para Todos os


Missioneiros do Guairá, Paraná e Guaicurus (1610)................................... 443

ANEXO 14: Regulamento de Doutrinas Feito pela 6“ Congregação


Provincial do Paraguai e Aprovado pelo Padre Geral Mudo Vitelleschi
(1637)..................... ....................................................................................... 447

ANEXO 15: Regulamento Geral de Doutrinas Enviado pelo Provincial


Padre Tomás Donvidas, e Aprovado pelo Geral Padre Tirso (1689)........... 451

ANEXO 16: Instrução para “Afervorizar” o Ministério dos índios, do Padre


Aquaviva (1603)......................... .................................................................. 455

ANEXO 17; Modo de Estabelecer Residências de Missões, do Padre


Aquaviva (1604)............................................................................................ 457

ANEXO 18; Discurso I do Cacique Atiguaye......................... ............................... 459

ANEXO 19: Discurso II do Cacique Atiguaye........................................................ 462

ANEXO 20: Discurso I do Cacique Patyravá.........................................................465

ANEXO 21: Discurso II do Cacique Patyravá............................................... ........467


ANEXO 1

Bula Inter Cetera I


384

[...] Hemos sabido ciertamente, como vosotros, que desde hace


tiempo os habíais propuesto buscar y descubrir algunas tierras e islas
remotas y desconocidas, no descubiertas hasta ahora por nadie, con el
fin de reducir sus habitantes y moradores al culto de nuestro Redentor
y a la profesión de la Fe Católica, ocupados hasta hoy en la Recon­
quista dei Reino de Granada, no pudísteis llevar al deseado fin, tan
santo y loable propósito vuestro. Mas, reconquistando por fin el predi-
cho Reino por voluntad divina, y quenendo poner en ejecución vues­
tro propósito designásteis al caro hijo Cristóbal Colón, no sin grandes
trabajos, peligros y gastos, para que con navios y hombres aptos y
preparados a tal empresa, buscasen las tierras remotas y desconoci­
das, por el mar donde hasta ahora no se había navegado: quienes con
el auxilio divino, navegando por las regiones occidentales dei Mar
Océano hacia los Indios, según se dice, han descubierto ciertas islas
remotísimas y además tierras firmes, jamás halladas hasta ahora por
nadie; en las cuales habitan muchas gentes, que pacificamente viven, v
que según se dice andan desnudos y no comen carne; y a lo que vues­
tros enviados antedichos pueden conjeturar, las tales gentes, habitan­
tes de las antedichas islas y tierras, creen en un Dios Creador que está
en los Cielos, y parecen bastante aptos para recibir la Fe Católica y
series ensenadas buenas costumbres, confiándose en que si se instru-
yeran, fácilmente se introduciría en dichas islas v tierras el nombre de
Nuestro Salvador y Senor Jesucristo; y el citado Cristóbal, hizo ya, en
una de las principales islas referidas construir y edificar una torre bien
fortificada en la que situó vários cristianos cie los que había llevado
consigo para su custodia, y para que desde ella buscasen otras tierras
remotas y desconocidas; en las cuales islas y tierras ya descubiertas se
han encontrado oro, especies y otras muchísimas cosas preciosas, de
distinto gênero y diversa calidad. Por donde, habiendo considerado
diligentemente todas las cosas y capitalmente la exaltación y propaga-
ción de la Fe Católica como corresponde a Reyes y Príncipes Católicos,
decidísteis según costumbre de vuestros progenitores, Reyes de ilustre
memória, someter a Nos las tierras e islas predichas v sus habitantes y
moradores, y convertirlos con el auxilio de Ia divina misericórdia a la
385
Fe Católica. Nos, alabando mucho en el Senor ese vuestro santo y
loable propósito, y deseando que sea llevado a su debida finalidad, de
que el nombre de nuestro Salvador sea introducido en aquellas regio-
nes, os rogamos insistentemente en el Senor y afectuosamente os re-
querimos, por el sacro Bautismo en que os obligásteis a los mandatos
apostólicos, y por las entranas de misericórdia de Nuestro Senor Jesu-
cristo, para que decidiéndoos a proseguir por completo semejante pre­
tendida empresa, con ánimo y ceio ferviente hacia la fe ortodoxa, que-
ráis y debáis conducir a los pueblos que viven en tales islas a recibir la
profesión católica, sin que nunca os intimiden peligros ni trabajos, te-
niendo gran esperanza y confianza de que Dios Omnipotente os auxi­
liará felizmente en vuestras empresas. Y para que más libre y valerosa-
mente aceptéis el encargo de tan fundamental empresa, concedido li­
beralmente por la Gracia Apostólica «motu proprio», y no a instancia
vuestra ni de otro que Nos lo haya sobre esto pedido por vosotros,
sino por nuestra mera liberalidad, de ciência cierta y con la plenitud
de nuestra potestad apostólica, por la autoridad de Dios Omnipotente
concedida a Nos en San Pedro, y dei Vicario de Jesucristo que repre­
sentamos en la tierra, a vosotros y a vuestros herederos y sucesores los
Reyes de Castilla y León, para siempre por autoridad apostólica según
el tenor de las presentes, donamos, concedemos y asignamos todas y
cada una de las tierras e islas supradichas, así las desconocidas como
las hasta aqui descubiertas por vuestros enviados v las que se han de
descubrir en lo futuro, que no se hallen sujetas al dominio actual de
algunos Senores cristianos, con todos los dominios de las mismas, con
ciudades, fortalezas, lugares y villas, derechos, jurisdicciones y todas
sus pertenencias. Y a vosotros y a vuestros dichos herederos y suceso­
res investimos de ellas y os hacemos, constituímos y deputamos seno­
res de ellas con plena y libre y omnímoda potestad, autoridad v juris-
dicción. Decretando no obstante que por semejante donación, conce-
sión, asignación e investidura nuestra, a ningun Príncipe Cristiano
pueda entenderse que se quita o se deba quitar el derecho adquirido.
Y además os mandamos, en virtud de santa obediencia, que así como
lo prometéis y no dudamos lo cumpliréis por vuestra gran devqción y
regia magnanimidad, habréis de destinar a las tierras e islas antedi-
chas varones probos y temerosos de Dios, doctos, instruídos y experi­
mentados para adoctrinar a los indígenas y habitantes dichos e la fe
católica e imponerlos en las buenas costumbres, poniendo toda la de­
bida diligencia en todo lo antedicho [...].
ANEXO 2

Bula Inter Cetera II


m

[...] Y a vosotros y a vuestros dichos herederos y sucesores os hace-


rnos, constituímos y deputamos senores de ellas con plena y libre y
omnímoda potestad, autoridad y jurisdicción. Decretando no obstante
que por semejante donación, concesión e asignación nuestra, a ningún
Príncipe Cristiano que actualmente poseyere dichas islas o tierra firme
antes dei dicho dia de la Natividad de Nuestro Senor Jesucristo pueda
entenderse que se quita o se deba quitar el derecho adquirido. Y ade-
más os mandamos, en virtud de santa obediencia, que así como lo
prometéis y no dudamos lo cumpliréis por vuestra gran devoción y
regia magnanimidad, habréis de destinar a las tierras firmes e islas
antedichas varones probos y temerosos de Dios, doctos, instruídos y
experimentados para adoctrinar a los indígenas y habitantes dichos en
la fe católica e imponerlos en las buenas costumbres, poniendo toda la
debida diligencia en todo lo antedicho. Y severamente prohibimos a
cualquiera personas, sean de cualquier dignidad inclusas la imperial y
la real, estado, grado, orden o condición, bajo pena de excomunión
«Iatae sententiae», en la cual íncurran por el mismo hecho si lo con­
trario hicieren, que no pretendan ir a las islas y tierras firmes, halladas
y que se hallaren, descubiertas y por descubrir, hacia el Occidente y
Mediodía, fabricando y construyendo una línea desde el Polo Ártico al
Antártico, ya sean tierras firmes e islas halladas y que se hubieren de
hallar hacia la India o hacia cualquiera otra parte, la cual línea diste
de cualquiera de las islas que vulgarmente llaman las Azores y Cabo
Verde cien leguas hacia el Occidente y Mediodía como queda dicho,
para grangear mercaderías o por cualquier otra causa, sin especial
licencia vuestra y de vuestros herederos y sucesores [...].
ANEXO 3

Requerimento
106. 3 89
O REQUERIMENTO: CATEQUESE RELÂMPAGO E ULTIMATO AOS fN®$OS
ANTES DE SUA CONQUISTA.

1513

Notificação e requerimento que se há de fazer aos moradores das ilhas e


Terra Firme do mar Oceano que ainda não estão sujeitos a Nosso Senhor.
Da parte do muito alto, muito poderoso e muito católico defensor da Igreja,
sempre vencedor e nunca vencido, o grande rei Dom Fernando V das Espanhas,
domador de povos bárbaros, e da muito alta e muito poderosa senhora, a rainha
Dona Joana, sua muito cara e muito amada filha, nossos senhores. Eu, Pedrarias
Dávila, seu criado, mensageiro e capitão, vos notifico e faço saber como melhor
posso que Deus Nosso Senhor, uno e etemo, criou o céu e a terra e um homem
e uma mulher, de quem nós e vós e todos os homens do mundo foram e são
descendentes e procriados, e todos os que depois de nós vierem; mas devido à
multidão da geração que seguiu-se destes desde mais de cinco mil anos que o
mundo foi criado, foi necessário que alguns homens fossem para uma parte e
outros para outra e se dividissem por muitos reinos e províncias, pois numa só
não poderiam se sustentar nem conservar.
De todas estas pessoas Nosso Senhor encarregou um, que foi chamado São
Pedro, para que de todos os homens do mundo fosse senhor e superior, a quem
todos obedecessem e fosse cabeça de toda a linhagem humana onde quer que
os homens vivessem e estivessem, e em qualquer lei, seita ou crença, e lhe deu
todo o mundo como seu reino, domínio e jurisdição.
E mandou-lhe que pusesse sua sede em Roma, como lugar mais apropriado
para reger o mundo, mas também lhe permitiu que pudesse estar e pôr sua sede
em qualquer outra parte do mundo, e julgar e governar todos os povos, cristãos,
mouros, judeus, gentios, e de qualquer outra seita ou crença que fossem.
A este chamaram Papa, que quer dizer admirável, maior, pai e guardador,
porque é Pai e governador de todos os homens.
Tomaram este São Pedro por senhor, rei e superior do universo os que
naquele tempo viviam, e do mesmo modo tiveram todos os outros que depois
deles foram eleitos ao pontificado; assim se continuou até agora e se continuará
até que o mundo se acabe.
Um dos Pontífices passados que sucedeu no lugar deste naquela sé e
dignidade de que falei, como senhor do mundo, fez doação destas Ilhas e Terra
Firme do m ar Oceano aos ditos Rei e Rainha e a seus sucessores nestes reinos,
nossos senhores, com tudo o que nelas há, segundo está contido em certas
escrituras que sobre isso passaram, segundo está dito, as quais podeis ver se
quiserdes; de modo que Suas Altezas são reis e senhores destas Ilhas e Terra
Firme por virtude da dita doação, e muitas ilhas e quase todas a quem isto foi
notificado receberam Suas Altezas como tais reis e senhores e lhes obedeceram,
serviram e servem como súditos devem fazer, e com boa vontade e sem
resistência, logo e sem demora, assim que foram informados do sobredito
390

obedeceram e receberam os religiosos que Suas Altezas lhes enviavam para que
lhes pregassem e ensinassem nossa santa fé, e todos eles de livre vontade, sem
nenhuma pressão ou condição, se tomaram cristãos, e são, e Suas Altezas os
receberam alegre e benignamente, e mandou tratá-los do modo como aos outros
seus súditos e vassalos, e vós sois tidos e obrigados a fazer o mesmo.
Portanto, como melhor posso vos rogo e requeiro que entendais bem isto
que vos disse, e para entender e deliberar sobre isso useis o tempo que for justo,
e reconheçais a Igreja como senhora e superiora do mundo universo e o Sumo
Pontífice chamado Papa, em seu nome, e o rei e a rainha nossos senhores, em
seu lugar, como superiores, senhores e reis dessas Ilhas e Terra Firme, por
virtude da dita doação, e consintais e permitais que estes padres religiosos vos
declarem e preguem o sobredito.
Se assim fizerdes, fareis bem, e aquilo a que sois tidos e obrigados, e Suas
Altezas, e eu em seu nome, vos receberão com todo amor e caridade, e vos
deixarão vossas mulheres, filhos e bens livres sem servidão, para que deles e de
vós façais livremente tudo o que quiserdes e considerardes bom e não vos
compelirão a vos tomardes cristãos, salvo se vós, informados da verdade, vos
quiserdes converter à nossa santa fé católica, como fizeram quase todos os
habitantes das outras ilhas e, além disto, Sua Alteza vos dará muitos privilégios
e isenções, e vos fará muitas mercês. Se não fizerdes isso, ou maliciosamente
vos demorardes, certifico-vos que com a ajuda de Deus eu entrarei com poder
contra vós e vos farei guerra por todas as partes e maneiras que eu puder, e vos
sujeitarei ao jugo e obediência da Igreja e de Suas Altezas, e tomarei vossas
pessoas e as de vossas mulheres e filhos e os farei escravos, e como tais os
venderei e disporei deles como Sua Alteza mandar, e tomarei vossos bens e vos
farei todos os males e danos que puder, como a vassalos que não obedecem nem
querem receber a seu senhor e a ele resistem e contradizem; e protesto que as
mortes e danos que resultarem disso sejam por culpa vossa e não de Sua Alteza,
nem minha, nem destes cavaleiros que comigo vieram, e de como digo e requeiro
peço ao escrivão presente que mo dê por testemunho e assinado, e aos presentes
rogo que disso sejam testemunhas.
Assinado pelo bispo de Palencia, pelo bispo frei Bernardo, pelos membros
do conselho e pelos frades dominicanos.
SERRANO Y SANZ, Orígenes, pág. 292-294. - LAS CASAS, Historia,
fonte impressa:
Iiv. 3, cap. 57, FCE, vol. 3, pág. 26s. - ZAVALA, Instituciones, pág. 215-217.
ANEXO 4

Ordenanças para o Tratamento Legal dos índios Inclinados


Ociosidade e aos Maus Vícios: Leis de Burgos (1512/1513)
ditos índios não podendo ser bem tratados, nem administrados, nem sustenta­
392 dos, nem industrializados nas coisas de nossa santa fé católica como se deveria,
e porque é nossa vontade, vendo os muitos trabalhos por que passaram os
habitantes e moradores que estiveram e estão nas ditas ilhas índias e a aventura
em que põem suas vidas na passagem, especialmente o trabalho dos primeiros
p^yoadores delas, que todos participem do bem e fruto que há, e para que as
vilas e aldeias que há agora e houver doravante sejam mais povoadas e
enobrecidas e as pessoas que para lá vão tenham mais vontade de ir e trabalhar,
visto e discutido com alguns do nosso Conselho, foi decidido que para remédio
disso se devia mandar dar esta minha carta pelo dito motivo e eu concordei, pela
qual ou por seu traslado assinado por escrivão público mando e proíbo finne-
mente que doravante nenhuma pessoa de qualquer estado, preeminência ou
dignidade que seja, embora sejam oficiais nossos que forem ou estiverem nas
ditas índias, ilhas e terra firme do mar Oceano ou que nelas tenham fazendas
ou mercês de índios, não possam ter nem tenham em cada uma das ditas ilhas
e terra firme número superior a trezentos índios por mercê nossa, nem por
repartimento, nem de outra qualquer maneira, e se no presente alguma pessoa
tem índios em quantidade maior do que os ditos trezentos índios, os deixe e lhe
sejam tirados, para serem repartidos pelos habitantes e moradores das ditas ilhas
conforme o que temos mandado, sem embargo de qualquer mercê ou manda­
mento nosso ou outra qualquer coisa em contrário, pois para isso eu ab-rogo,
derrogo e declaro nulo e sem efeito, contanto que no dito número dos ditos
trezentos índios não sejam contados os índios que tiverem sido trazidos ou se
trouxerem de fora, nem os escravos que trouxerem, e que assim se guarde e
cumpra sob pena de, se trinta dias depois que esta minha carta for lida e
publicada na Ilha Espanhola alguém tiver número maior do que os ditos
trezentos índios, perca todos os índios que tiver e daí em diante não se lhe possa
dar nenhum nem possa ter, e que a terça parte seja para a pessoa que fizer a
acusação e dos outros dois terços o juiz que der a sentença leve a quinta parte
e as outras quatro partes sejam repartidas entre os habitantes e moradores das
ditas ilhas e terra finne, e por esta minha carta ou pelo dito seu traslado assinado
por escrivão público mando a dom Diego Colombo, nosso Almirante, Vice-rei e
Governador da Ilha Espanhola e das outras ilhas que foram descobertas pelo
Almirante seu pai e por sua indústria, e aos nossos juizes de apelações dessas
terras e aos nossos oficiais que lá residem e a outras quaisquer justiças que estão
ou forem doravante das ditas ilhas que guardem e cumpram e façam guardar e
cumprir esta minha carta e todo o seu conteúdo, e para chegar ao conhecimento
de todos a façam apregoar e publicar pelas praças, mercados e outros lugares
freqüentados das ditas vilas e aldeias das ditas ilhas e terra firme, e doravante
tenham muito cuidado que, tanto no que toca a eles como no de outras quaisquer
pessoas que por mercê ou de outra qualquer maneira tenham número maior do
que os ditos trezentos índios, os deixem e façam deixar e não tenham nem
consintam em cada uma das ditas ilhas que uma pessoa tenha número maior
dos ditos trezentos índios, da maneira e segundo está dito, sob pena de qualquer
dos juizes e justiças que não os executarem percam os ofícios e fiquem
inabilitados para não poder usar nem ter nenhum ofício de justiça e, para esta
dita minha carta ser lida e notificada, mando a qualquer escrivão público que

656
para isto for chamado que dê ali ao que vo-la mostrar testemunho assinado com
sua assinatura para que eu saiba como se cumpre minha ordem.
fonte original: A.G.I. Indiferente 421, liv. 13, foi. 44v.
fonte impressa: C.D.I.Ultramar, vol. 9, pág. 300. - C.D.I. América, vol. 1, pág. 237;
vol. 10, pág. 545 e vol. 12, pág. 32. - KONETZKE, Coleccián, vol. 1, pág. 34-36.

105.
ORDENANÇAS PARA O TRATAMENTO LEGAI. DOS ÍNDIOS INCLINADOS À
OCIOSIDADE E AOS MAUS VÍCIOS: AS LEIS DE BURGOS.

Burgos, 2 7 .1 2 .1 5 1 2 /2 3 .1 .1 5 1 3

Dom Fernando, etc. Eu e a sereníssima Rainha dona Isabel, minha cara e


muito amada mulher, que a santa glória tenha, sempre tivemos muita vontade
que os caciques e índios da ilha de San Juan chegassem ao conhecimento de
nossa santa fé católica, e para isso mandamos fazer e foram feitas algumas
ordenanças tanto por nós como por nossa ordem pelo Comendador Bobadilla e
pelo Comendador maior de Alcântara, Governadores que foram da ilha de San
Juan, e depois dom Diego Colombo, nosso Almirante, Vice-rei e Governador da
ilha Espanhola e das outras ilhas que foram descobertas pelo Almirante seu pai
e por sua indústria, e nossos oficiais que residem na dita ilha, e segundo se viu
por longa experiência diz que tudo não basta para que os ditos caciques e índios
tenham o conhecimento de nossa fé que seria necessária para sua salvação
porque são naturalmente inclinados à ociosidade e maus vícios de que nosso
Senhor é desservido e não há nenhuma maneira de virtude nem doutrina, e o
principal empecilho que têm para não se emendarem de seus vícios e de não
lhes ser útil nem impressa neles a doutrina, nem aceitam, é terem seus povoados
e moradia tão longe como têm e afastados dos lugares onde vivem os espanhóis
que daqui foram e vão povoar a dita ilha, porque, posto que durante o tempo
que vêm para servir os doutrinem e lhes ensinem as coisas de nossa fé, depois
de terem servido voltam a seus povoados, devido ao fato de estarem afastados
e à má inclinação que têm, esquecem logo tudo o que lhes ensinaram e voltam
à sua costumeira ociosidade e vícios e, quando outra vez tomam a servir, são
tão novos na doutrina como da primeira vez porque, embora o espanhol que vai
com eles a seus povoados conforme está ordenado lhes recorde e repreenda,
como não têm temor dele, não é útil e respondem que os deixem folgar pois para
isso vão a suas casas, e todo seu fim e desejo é ter liberdade de fazerem o que
têm vontade, sem respeitar a nenhuma virtude, e vendo que isto é tão contrário
a nossa fé e quanto somos obrigados, por todos os modos e maneiras do mundo
possíveis, a que se busque algum remédio, tendo nós consultado alguns mem­
bros do nosso Conselho e pessoas de boa vida, letras e consciência, e obtida
informação de outros que tinham muita notícia e experiência das coisas da dita
ilha e da vida e maneira dos ditos índios, pareceu por muitas considerações que
o mais proveitoso que no momento se poderia prover seria mandar mudar a
moradia dos caciques e índios para perto dos vilarejos e povoados dos espanhóis,

657
tanto porque com o contato contínuo que com eles terão como pelo fato de ir
393 às igrejas nos dias de festa, ouvir missa e os ofícios divinos e ver como os
espanhóis o fazem e a disposição e cuidado que têm consigo, terão de lhes
ensinar e exercitar nas coisas de nossa santa fé católica, está claro que mais
depressa aprenderão e depois de aprendidas não as esquecerão como agora,' e
se algum índio adoecer, será brevemente socorrido e curado e se dará vida com
ajuda de nosso Senhor a muitos que por não saber deles e por não curá-los
morrem, e todos se livrarão do trabalho das idas e vindas que, por serem suas
casas longe dos povoados dos espanhóis, serão muito aliviados e não morrerão
os que morrem nos caminhos tanto por enfermidades como por falta de
mantimentos, e os tais não podem receber os sacramentos que como cristãos
são obrigados e lhes será dado se adoecerem nos ditos povoados, e as crianças
que nascerem serão logo batizadas e todos servirão com menos trabalho e para
maior proveito dos espanhóis por estarem mais continuamente em suas casas,
e os visitadores encarregados de visitá-los o farão melhor e mais freqüentemente
e os proverão de tudo o que lhes falta e não permitirão que tomem suas mulheres
e filhos como fazem estando em seus ditos povoados afastados e cessarão outros
muitos males e danos que aos ditos índios são feitos por estarem afastados que,
porque lá são notórios, aqui não são ditos, e lhes será muito útil tanto para a
salvação de suas almas como para o proveito e utilidade de suas pessoas e
conservação de suas vidas, por causa destas coisas e por outras muitas que
poderiam ser ditas a este respeito, foi decidido que para o bem e remédio de
todo o sobredito sejam logo trazidos os ditos caciques para perto dos povoados
dos ditos espanhóis que há na dita ilha e para que ali sejam tratados, instruídos
e olhados còmo se deve e sempre desejamos, mando que doravante se guarde e
cumpra o conteúdo que segue.

Lei primeira

Primeiramente ordenamos e mandamos que, porquanto é nossa determi­


nação mudar os ditos índios e fazer suas moradias junto com as dos espanhóis,
antes de tudo as pessoas a quem estão encomendados ou se encomendarem os
ditos índios para cada cinqüenta índios façam logo quatro cabanas, cada uma
de trinta pés de comprimento e quinze de largura e cinco mil covas, sendo três
mil de mandioca e duas mil de batata doce, duzentos e cinqüenta pés de
pimentão e cinqüenta pés de algodão e assim proporcionalmente, crescendo e
minguando segundo a quantidade dos índios que tiverem encomendados, e que
o sobredito seja posto perto das lavouras dos mesmos moradores a quem estão
encomendados ou se encomendarem os ditos índios e em bom lugar e terra e à
vista de vós, o dito nosso Almirante, e dos visitadores que forem encarregados
disso ou da pessoa que vós, o dito nosso Almirante, juizes e oficiais, enviardes
para o sobredito, o qual vos encaxrego e mando que seja tal que saiba muito
bem fazer isso e que a pessoa encarregada dos ditos índios no tempo certo os
faça semear meia fanega de milho e que a cada um dos ditos índios se dê uma
dúzia de galinhas e um galo para que os criem e gozem do fruto, tanto dos
frangos como dos ovos, e que ao trazer os ditos índios para as estâncias lhes seja
entregue todo o sobredito como coisa sua própria e que a pessoa que para isto

658
enviardes lhes diga que é para eles mesmos e lhes é dado em lugar daquilo que
deixam em suas terras para que gozem disso como coisa sua própria, e
mandamos que estes bens não lhes possam ser vendidos nem tirados por pessoa
alguma, nem pelas pessoas a quem foram encomendados nem por qualquer
outra pessoa, mas que fiquem com os ditos índios que lhe foram assinalados e
com os que deles vierem, mesmo que a tal pessoa venda a estância em que
estiveram ou se tirem dele os ditos índios, e a respeito dos bens que deixarem
os ditos índios quando já foram levados aos povoados declaramos e mandamos
que as tais pessoas a quem se encomendarem os ditos índios possam gozar e
gozem, cada um conforme aos índios que trouxerem, para que com eles os
sustentem e, depois que as tais pessoas tenham tirado o fruto disso, vos mando
que façais queimar as cabanas das ditas moradias, pois não hão mais de ser
úteis, para que os índios não tenham motivo de voltarem para o lugar de onde
foram trazidos.

Lei segunda

Feito o que está dito acima, ordenamos e mandamos que todos os caciques
e índios que agora há e houver doravante na dita ilha de San Juan sejam trazidos
de suas moradias para onde estão ou estiverem os povoados dos cidadãos que
agora há ou houver doravante na dita ilha, e para que sejam trazidos muito à
sua vontade e não sofrerem na mudança, pela presente mandamos a dom Diego
Colombo, nosso Almirante, Vice-rei e Governador da dita Ilha Espanhola e das
outras ilhas que foram descobertas pelo Almirante seu pai e por sua indústria,
e a nossos juizes e oficiais da dita ilha ide San Juan que os tragam segundo,
como, da forma e maneira que lhes parecer, com tanto menos pena e dano
possível para os ditos caciques e índios, animando-os e trazendo-os com agrados
para isso, aos quais encarregamos e mandamos quão encarecidamente podemos
que o façam com muito cuidado, fidelidade e diligência, visando mais ao bom
tratamento e conservação dos ditos índios do que a qualquer outra finalidade
ou interesse particular ou geral.

Lei terceira

Também ordenamos e mandamos que o cidadão a quem forem encomen­


dados os ditos índios seja obrigado a lhes construir uma casa para servir de igreja
juntamente com a dita fazenda que assim se lhes indicar na parte que a vós o
dito Almirante, juizes e oficiais parecer mais conveniente, e nesta igreja ponha
imagens de Nossa Senhora e um sino para os chamar a rezar, e a pessoa que os
tiver encomendados seja obrigado a fazê-los chamar ao anoitecer com o sino e
ir com eles à tal igreja e fazê-los se persignar e todos juntos dizer a ave-maria,
o pai-nosso, o credo e a salve-rainha, de maneira que todos eles ouçam a dita
pessoa e a tal pessoa os ouça, para saber quem faz certo ou errado, para emendar
o que errar, e porque o tempo que mandamos dar-lhes para folgar antes de
anoitecer é para estarem descansados na hora de serem chamados para rezar à
noite, se algum dos ditos índios deixar de vir à dita igreja no tempo que

659
.
394 mandamos, que no dia seguinte não o deixe folgar no tempo previsto e ainda
seja obrigado a ir rezar na noite seguinte, e também mandamos que cada manhã,
antes de ir ao trabalho, os façam ir à dita igreja para rezar como fazem à tarde,
não os fazendo madrugar por isto mais do que se costuma, isto é, sendo claro o
dia.

Lei quarta

Para se saber como cada um progride nas coisas da fé, mandamos que de
quinze em quinze dias a pessoa encarregada examine o que cada um sabe por
si particularmente e lhes ensine o que não souberem, e que também ensine os
dez mandamentos, os sete pecados mortais e os artigos da fé aos que a tal pessoa
achar que têm capacidade e habilidade para os aprender, mas isto seja com
muito amor e doçura e a tal pessoa que não cumprir isto incorra em pena de
seis pesos de ouro: dois para a nossa Câmara, dois para o que fizer a acusação
e os outros dois para o juiz que der a sentença e a executar, e mando que a dita
pena seja logo executada nas pessoas que nela incorrerem.

Lei quinta

Como tive informação de que nas estâncias os espanhóis e índios que nelas
residem estão há muito tempo sem ouvir missa e devem ouvi-la ao menos nos
domingos e festas, e que em cada estância não podia haver clérigos para dizer
missa, ordenamos e mandamos que onde houver quatro ou cinco instâncias, ou
mais ou menos, no raio de uma légua, que na estância mais central de todas se
faça uma igreja, na qual ponham imagens de Nossa Senhora, cruzes e um sino
para que ali venham todos os domingos e festas de guarda para rezar e ouvir
missa e também para receber alguns bons conselhos que os clérigos que disserem
missa lhes darão, e o clérigo que disser a missa lhes ensine os mandamentos e
os artigos da fé e as outras coisas da doutrina cristã, para que sejam treinados
e ensinados nas coisas da fé e se acostumem a rezar e ouvir missa, e para que
assim façam mandamos que os espanhóis que estiverem nas estâncias dos ditos
índios e os tiverem a seu encargo sejam obrigados a levá-los todos juntos bem
de manhã à igreja no dias sobreditos e fiquem com eles até ser dita a missa e
depois d »*. ouvida a dita missa os façam voltar às estâncias e terem suas cames
assadas de modo que naquele dia comam melhor do que em qualquer outro da
semana, e se algum dia não houver clérigo para dizer missa mesmo assim os
levem à igreja para rezarem e fazerem oração e se acostumarem bem, mas se as
outras estâncias estiverem à distância em que facilmente possam ir ouvir a dita
missa que nelas houver, que os tais espanhóis sejam obrigados a levá-los lá, sob
pena de que qualquer pessoa que estiver encarregada dos ditos índios os deixar
de levar caia em pena de dez pesos de ouro, seis dos quais do modo contido no
capítulo anterior a este e dos quatro restantes dois sejam para a obra da dita
igreja e dois para o clérigo que os ensinar.

660
Lei sexta

Sendo nossa vontade que para os ditos índios se procurem todos os meios
possíveis para convencê-los das coisas de nossa santa fé católica, e se tiverem
de ir mais de uma légua à missa nos domingos e festas acharão difícil, ordenamos
e mandamos que se além da sobredita légua onde mandamos fazer a dita igreja
houver outras estâncias, mesmo sendo num mesmo território onde as outras
estiverem, que se faça uma igreja da maneira dita acima.

Lei sétima

Outrossim ordenamos, encarregamos e mandamos aos prelados e clérigos


que doravante levarem os dízimos das tais estâncias onde estiverem os ditos
índios que dêem continuamente clérigos para que nas ditas igrejas de tais
estâncias digam missas aos domingos e festas de guarda, e que também os tais
clérigos se encarreguem de confessar aos que saibam se confessar e ensinem os
que não souberem, e assim Nosso Senhor será muito servido e do contrário foi
e será muito desservido.

Lei oitava

Ordenamos e mandamos também que nas minas onde houver bastante


gente se faça uma igreja em lugar conveniente que a vós, o dito Almirante, juizes
e oficiais ou à pessoa que por vós for nomeada parecer, de maneira que todos
os índios que estiverem nas ditas minas possam ouvir missa nas ditas festas, e
mandamos que todos os povoadores e moradores que trouxerem os índios para
tirar ouro sejam obrigados a ter com eles a mesma ordem que mandamos que
se tenha com os que estão nas estâncias como acima está contido, sob as mesmas
penas acima contidas, as quais aplicamos como acima está contido.

Lei nona

Ordenamos e mandamos também que cada um que tiver cinqüenta índios


ou mais encomendados sejam obrigados a fazer ensinar um moço, o que parecer
mais capaz, a ler e escrever as coisas de nossa fé para que ensinem depois aos
ditos índios, porque aceitarão melhor o que lhes disser aquele do que o que
disserem os outros moradores e povoadores, e se a tal pessoa tiver cem índios,
ou mais, que faça ensinar a dois moços, e se a tal pessoa que tiver os ditos índios
não os fizer ensinar como está dito, mandamos que o visitador que em nosso
nome estiver encarregado deles, os faça ensinar às suas custas, e porque eu e a
sereníssima Rainha, minha muito cara e muito amada filha, fomos informados
que algumas pessoas se servem de alguns moços índios como pajens, ordenamos
e mandamos que a tal pessoa que se serve de índio como pajem seja obrigada a
ensiná-lo a ler e escrever e todas as outras coisas que acima estão declaradas e,
se não o fizer, lhe sejam tirados e dados a outro, porque o principal desejo meu

661
395 e da dita sereníssima Rainha, minha muito cara e muito amada filha, é que nas
ditas partes e em cada uma delas seja plantada e enraizada nossa santa fé católica
muito inteiramente para que as almas dos ditos índios se salvem.

Lei décima

Ordenamos e mandamos também que sempre que algum índio adoecer em


lugar onde facilmente se pode ter clérigo, que seja obrigado a ir para que ele
diga o credo e as outras coisas úteis de nossa santa fé católica e, se o tal índio
souber se confessar, confesse-o sem com isso levar nada em troca, e como h á '
alguns índios que entendem as coisas de nossa santa fé, mandamos que os tais
clérigos sejam obrigados a fazê-los confessar uma vez por ano, e que também
vão com a cruz para os índios que morrerem para enterrá-los sem por isso nem
pelas ditas confissões levarem coisa alguma e, se os índios morrerem nas
estâncias, mandamos que os cristãos povoadores que ali estiverem os enterrem
na igreja da tal estância onde estiverem, e se morrerem em outras partes onde
não há igreja que os enterrem onde melhor lhes parecer, de maneira que não
fique nenhum por enterrar, sob pena de quem não o enterrar ou mandar
enterrar, sendo seu dever, pague quatro pesos de ouro, a serem aplicados e
repartidos da seguinte maneira: um para nossa câmara, outro para quem
denunciar, outro para o juiz que sentenciar e o outro para o clérigo que está
encarregado da estância ou lugar onde for enterrado.

Lei undéríma

Ordenamos e mandamos também que nenhuma pessoa que tenha índios


em encomenda, nem qualquer outra pessoa, imponha carga às costas dos índios,
mas os índios que estiverem nas minas, quando se mudarem de um lugar para
outro, que possam levar e levem sua roupa e mantimentos às costas, pois fomos
informados que ali não se podem ter animais nos quais se levar, o que se guarde
e cumpra assim, sob pena de que a pessoa que puser a carga ao tal índio contra
o teor e forma deste meu capítulo pague por cada vez dois pesos de ouro, o qual
seja para o hospital do lugar onde habitar o tal morador, e se a carga que assim
puser ao tal índio for de mantimentos, também o perca e seja para o dito hospital.

Lei doze

Ordenamos e mandamos também que todos os habitantes e moradores que


têm índios em encomenda sejam obrigados a fazer batizar todas as crianças que
nascerem dentro de oito dias depois do nascimento ou antes se a tal criança
tiver necessidade de ser batizada e, se não houver clérigo para fazê-lo, o
encarregado da tal estância seja obrigado a batizá-los conforme o que em
semelhantes necessidades se costuma fazer, sob pena de, quem não cumprir
assim, incorrer por cada vez em três pesos de ouro, os quais mandamos que
sejam para a igreja onde tal criança se batizar.

662
Lei treze

Ordenamos e mandamos também que todas as fundições que doravante se


fizerem na dita ilha, depois que os ditos índios tenham sido trazidos para as
ditas casas, sejam da maneira abaixo declarada, isto é, que retirem ouro com os
índios que as tais pessoas tiverem encomendados cinco meses do ano e que, após
estes cinco meses, folguem os ditos índios quarenta dias, e que no dia em que
houverem de deixar o trabalho de retirar ouro no fim dos cinco meses se registre
na cédula que for dada aos mineiros para irem às minas e que no mesmo dia
em que for registrado sejam liberados da atividade todos os índios da circuns-
crição onde se houver de fazer aquela fundição, de maneira que todos os índios
de cada circunscrição vão num mesmo dia a suas casas descansar os ditos
quarenta dias e que durante todos os ditos quarenta dias ninguém possa voltar
a retirar ouro com nenhum índio se não for escravo, sob pena de, por cada índio
que não for escravo que qualquer pessoa trouxer às minas dentro do dito prazo
dos ditos quarenta dias na dita cédula contidos, pague meio peso de ouro
aplicado da foram dita acima, e mandamos que nos ditos quarenta dias vós, os
ditos nossos oficiais, sejais obrigados a ter prontas as fundições e mandamos
que não se possa mandar aos tais índios que assim saírem das minas nem se
mande durante os ditos quarenta dias coisa alguma, salvo colher o que tiverem
neste tempo, e as tais pessoas que tiverem em encomenda os ditos índios sejam
obrigadas nestes quarenta dias que assim folgarem a doutriná-los nas coisas de
nossa fé mais do que nos outros dias, pois terão tempo para isso.

Lei quatorze

Outrossim, porque fomos informados que se forem tiradas dos ditos índios
suas danças e forem proibidos de não fazer como costumam se lhes faria muito
mal, ordenamos e mandamos que não lhes seja posto nem se consinta pôr
nenhum impedimento em fazer os ditos bailes aos domingos e festas como estão
acostumados e também nos dias de trabalho, não deixando por isso de trabalhar
o costumeiro.

Lei quinze

Dado que no sustentar os índios está a maior parte de seu bom tratamento
e aumento, ordenamos e mandamos que todas as pessoas que tiverem índios
sejam obrigadas a dar aos que estiverem nas estâncias e ter continuamente nelas
pão, batata e pimentão, e que ao menos aos domingos e festas lhes dêem suas
panelas de carne assada como está mandado no capítulo que fala que os que
forem à missa comam melhor que nos outros dias e que nos dias em que se
houver de dar carne aos das instâncias, se dê como se manda dar aos que estão
nas minas, e aos índios que estiverem nas minas se dê pão, pimentão e tudo o
que precisarem e lhes dêem uma libra de carne cada dia, e nos dias que não são
de came lhes dêem pescado, sardinhas ou outras coisas com que possam se
sustentar bem, e deixem os que estiverem nas estâncias vir às cabanas para

663
396 comer sob pena de a pessoa que tiver os ditos índios e não cumprir todo o
sobredito neste capítulo contido caia e incorra, por cada vez que não o cumprir,
em pena de dois pesos de ouro, que será para nossa Câmara, para o acusador e
para o juiz que sentenciar como acima está declarado (e se for punido três vezes
e não se emendar, que na quarta vez lhe sejam tirados os índios que tiver
encomendados e encomendá-los como se estivessem vacantes, até que Sua
Alteza mande o que fazer deles).

Lei dezesseis

Ordenamos e mandamos também que entre as outras coisas que devem ser
ensinadas de nossa fé aos índios é fazê-los entender que não devem ter mais de
uma mulher nem deixá-la, e que as pessoas que os tiverem em encomenda e
virem que alguns deles entendem isto como se deve entender ou virem que têm
discernimento e habilidade para serem casados e governarem sua casa procurem
que se casem segundo a lei e bênção como manda a santa madre Igreja com a
mulher que preferir, que especialmente aos caciques declarem que as mulheres
que tomarem não devem ser suas parentas, e que os visitadores estão incumbidos
a cuidar que se dê a entender bem isto e lhes seja dito muito freqüentemente e
que o mesmo diga a todos os que entenderem e que diga e faça dizer todas as
razões que há para que assim façam e que fazendo assim salvarão suas almas.

Lei dezessete

Ordenamos e mandamos também que todos o filhos dos caciques que há


na dita ilha e houver doravante com menos de treze anos sejam dados aos frades
da ordem de São Francisco, como mandei por uma cédula minha, para que os
ditos frades lhes ensinem a ler e escrever e todas as outras coisas da nossa santa
fé, os quais os tenham quatro anos ensinando e depois os devolvam às pessoas
que os deram e os tinham encomendado para que os tais filhos de caciques
ensinem os ditos índios, porque aceitarão muito melhor deles, e se o tal cacique
tiver dois filhos, dê um aos ditos frades e o outro seja o que mandamos que
ensine aos que tiverem índios.

Lei dezoito

Ordenamos e mandamos também que nenhuma mulher grávida, depois de


quatro meses de gravidez, seja enviada às minas nem às plantações, mas que as
tais pessoas que as têm em encomenda as tragam às moradias e se sirvam delas
nas coisas domésticas que são de pouco esforço, como fazer pão e cozinhar e
capinar, e depois de dar à luz criem seu filho até que tenha três anos sem que
neste tempo seja mandada ir às minas nem às plantações nem outra coisa que
prejudique a criança, sob pena de as pessoas que tiverem os índios em reparti­
mento e não cumprirem isso, pela primeira vez incorram em pena de seis pesos
de ouro, os quais serão divididos como acima está contido, e pela segunda vez
lhe seja tirada a mulher e seu marido e paguem os ditos seis pesos de ouro, e
pela terceira lhe sejam tirados a mulher e o marido e seis índios, dos quais nós
poderemos fazer mercê como de coisa vacante a quem nossa mercê e vontade
quiser.

Lei dezenove

Ordenamos e mandamos também que todos os que têm e tiverem doravante


na dita ilha índios de repartimentos sejam obrigados a dar a cada um dos que
assim tiverem uma rede em que durmam continuamente e não permitam que
durmam no chão como até aqui se fez, a qual rede sejam obrigados a lhes dar
dentro dos doze meses próximos seguintes depois de terem os ditos índios
assinalados por repartimento, e mandamos que nossos visitadores tenham muito
cuidado de olhar como se dão e se tem cada índio a dita rede e obriguem a tal
pessoa encarregada deles que, se não lha tiver dado, a dá-la dentro dos ditos
doze meses próximos seguintes, o que mandamos a vós, o dito Almirante e juizes,
que executeis em quem transgredir, e, quando se dá alguma coisa, os índios
procuram logo trocá-la por outra, mandamos que os tais índios sejam admoes­
tados pelos visitadores a não trocarem as ditas redes por outras coisas e, se as
trocarem, mandamos que os ditos visitadores castiguem os ditos índios que assim
as trocarem e tomem a desfazer a troca que delas tiverem feito.

Lei vinte

Ordenamos e mandamos também que, para que doravante os ditos índios


tenham com que melhor se possam vestir e ataviar, se dê a cada um deles pela
pessoa que os tiver em repartimento um peso de ouro por cada ano, o qual seja
obrigado de dar-lhes em coisas de vestir e na presença e com consentimento do
nosso visitador, e este peso de ouro deve ser entendido como além da dita rede
que acima mandamos que se dê a cada um, e porque os ditos caciques e suas
mulheres devem andar melhor tratados e vestidos do que os outros índios,
mandamos que deste peso de ouro que se há de dar a cada um dos seus se tire
um real de cada um e do dito real faça o dito visitador comprar roupa para o tal
cacique e sua mulher, do que mandamos que vós, o dito Almirante, juizes e
oficiais, tenham muito cuidado para que assim se faça, guarde e cumpra.

Lei vinte e um

Outrossim, para que cada um se sirva melhor dos índios que tiver encomen­
dados e ninguém se sirva de índios alheios, ordenamos e mandamos que
nenhuma pessoa ou pessoas se sirva de nenhum índio alheio nem o recebam
em sua casa, estância, mina nem em parte alguma, nem se sirva dele, mas se
algum índio estiver viajando de um lugar a outro, permitimos que possa tê-lo
uma noite em sua estância contanto que logo de manhã o envie de sua casa para
ir servir a seu amo, e a pessoa que não cumprir isso caia em pena de perda de
397 outro índio dos seus próprios que tiver em repartimento por cada um que assim
tiver alheio e dêem o tal índio ao que acusar e devolva a seu dono o índio que
assim for detido, e se a tal pessoa não tiver índios, caia em pena, pela primeira
vez, de seis castelhanos de ouro e pela segunda doze e pela terceira a pena lhe
seja triplicada, a qual seja repartida da maneira sobredita, e se não tiver índios
nem dinheiro lhe seja comutada em cem açoites.

Lei vinte e dois

Ordenamos e mandamos também, para que os ditos caciques tenham


melhor quem os sirva e faça as coisas de seu serviço que eles mandarem, que se
os índios que o tal cacique tiver tiverem que ser repartidos entre mais de uma
pessoa, se o dito cacique tiver quarenta pessoas, delas lhe sejam dadas duas
pessoas para que o sirvam e se forem setenta, lhe dêem três e se forem cem,
quatro e até cento e cinqüenta se dêem seis e dali em diante, mesmo que tenha
mais gente, não lhe seja dado mais, e os ditos índios que assim o hão de servir
sejam os que o dito cacique quiser tomar sendo homem, mulher e filho, e estas
pessoas que lhe são dadas vão com a pessoa que tiver encomendado o maior
número do dito cacique e que sejam muito bem tratados, não lhes mandando
trabalhar a não ser em coisas leves para que se ocupem, para não caírem em
ociosidade evitando os inconvenientes que poderiam decorrer da ociosidade, e
mandamos que os visitadores se empenhem muito em olhar pelos ditos caciques
e índios e que lhes dêem muito bem de comer e lhes ensinem as coisas de nossa
santa fé melhor do que aos outros, pois eles poderão doutrinar os outros índios
e aceitarão deles muito melhor.

Lei vinte e três

Ordenamos e mandamos também que todas as pessoas que tiverem índios


em encomenda, tanto dos da dita Ilha Espanhola como dos que forem trazidos
das ilhas vizinhas, sejam obrigados a prestar contas aos visitadores dentre de
dez dias a respeito dos que morrem e dos que nascem, e mandamos que os ditos
visitadores sejam obrigados a ter e tenham um livro onde devem registrar cada
pessoa que tiver índios de repartimento e declarem nele quais índios tem cada
um e como se chamam para que os nascidos sejam assentados no livro e os
mortos retirados, para que o visitador tenha continuamente relação completa
do crescimento ou diminuição dos ditos índios, sob pena de dois pesos de ouro
a cada um dos ditos povoadores que assim não o fizer por cada vez que não
cumprir isso, sendo a pena repartida entre a Câmara, o acusador e o juiz que
der e executar a sentença, e os visitadores sejam obrigados a trazer a cada
fundição e a nossos oficiais que nela residirem prestar conta de tudo o que está
dito acima para que eles saibam os índios que cresceram ou diminuíram entre
uma fundição e outra e no-lo informem quando nos enviarem o ouro que em tal
fundição nos couber.

666
Lei vinte e quatro

Ordenamos também que nenhuma pessoa nem pessoas ousem bater com
pau nem com açoite nem chamar de cachorro nem com outro nome a nenhum
índio mas com o seu próprio que tiver, e se o índio merecer ser castigado, a tal
pessoa encarregada deles os leve aos visitadores para os castigar, sob pena de a
pessoa que transgredir nisso pague cinco pesos de ouro, sendo a pena repartida
da maneira dita acima.

Lei vinte e cinco

Tendo sido informado que muitas pessoas das que têm índios em encomen­
da os ocupam em suas fazendas e granjarias sendo nós desservidos, ordenamos
e mandamos que cada um que tiver índios em encomenda seja obrigado a ter
um terço deles nas minas retirando ouro ou mais do que a terça parte, se quiser,
sob pena, se não cumprir isso, de três pesos de ouro por cada índio que faltar
da dita terceira parte, mas permitimos que os moradores da La Sabana e
Villanueva de Yáquimo não sejam obrigados a levar índios para as minas, porque
estão muito longe delas, mas mandamos que com os ditos índios façam redes e
camisas de algodão, criem porcos e se dediquem a outras granjarias que sejam
úteis para a comunidade, porque soube que alguns dos índios que se mudaram
para as estâncias dos povoadores devem ser logo ocupados em fazer as cabanas
e outras coisas de que precisam em suas estâncias assinaladas e por isso não
poderão começar imediatamente a levar a terça parte deles para as ditas minas,
mando a vós, o dito Almirante, juizes e oficiais que deis para o sobredito o prazo
que julgais que deve ser dado, o qual determinai e declarai sem tardança e seja
o mais breve possível.

Lei vinte e seis

Ordenamos e mandamos também que os que tiverem índios e tiverem suas


fazendas longe das minas e não puderem prover dos alimentos necessários os
ditos índios, que estes tais possam fazer companhia às pessoas que tiverem
fazenda perto para fornecer os ditos mantimentos aos ditos índios, e que um
ponha os mantimentos e o outro os índios, contanto que o dono dos índios ceda
o mineiro que há de andar com eles, porque este não permitirá que falte coisa
alguma do que precisarem e que o sobredito não seja feito através de arrenda­
mento nem de nenhuma maneira que seja, sob a pena acima declarada.

Lei vinte e sete

Dado que das ilhas vizinhas foram trazidos, se trazem e a cada dia trarão
muitos índios, ordenamos e mandamos que os tais índios sejam doutrinados e
ensinados nas coisas da fé segundo, como e da forma e maneira que temos
mandado que se dêem aos outros índios da dita ilha; a cada um deles também
00
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. POBREDELOSÍMS

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668
/ 694(708] I POBRE DE LOS INDIOS / DE SEIS ANIMALES QVE COM E que tememen fs/c/ los po b res
de los yndlos en esta rreyno / corregidor, cierpe / *Ama llapallayque llatanauaycho.' [’No me
despojen por amor de Dios; te voy a dar más."] / Por amor de Diosrayco / tigre, espanoles dei
tanbo [mesónj I león, comendero / zorra, padre de la dotrina I gato, escriuarto I rratón, cacique
prencipal / Estos dichos animales, que no temen a Dios, desuella a los pobres de los yndlos en
este rreyno y no ay nemedio. / pobre de Jesucristo /

se dêem redes e comida da forma sobredita, e mandamos que sejam visitados


pelos ditos visitadores, salvo se os tais índios forem escravos, porque cada um
que tiver estes tais pode tratá-los como quiser, mas mandamos que não seja com
aquele rigorismo e aspereza com que costumam tratar os outros escravos, mas
com muito amor e brandura para melhor atraí-los às coisas de nossa fé.

Lei vinte e oito

Ordenamos e mandamos também que sempre que uma pessoa deixar os


índios que tiver em encomendda por morte ou por outra causa pela qual mereça
deixá-los, que a pessoa a quem nós mandarmos dá-los ou encomendá-los seja
obrigada a comprar a tal estância que tinha o que deixou os ditos índios, ou de
seus herdeiros, a qual seja avaliada por duas pessoas sob juramento que
entendam disso, as quais nomeareis vós, o dito Almirante, juizes e oficiais, e pela
avaliação assim feita seja obrigado o dono a ficar com ela e aceitar, para que os
índios não fiquem mudando de povoado, pois as pessoas a quem forem enco­
mendados hão de ser moradores do povoado onde hão de ser repartidos os ditos
índios.

Lei vinte e nove

Ordenamos e mandamos também que em cada povoado da dita ilha haja


dois visitadores encarregados de visitar todo o povoado, mineiros, estâncias;
pastores e porqueiros dela e saiba como os índios são treinados nas coisas de
nossa santa fé, como são tratadas suas pessoas, como são sustentados e como
eles e os encarregados deles guardam e cumprem estas ordenanças e todas as
outras coisas que cada um deles é obrigado a guardar, do que lhes mandamos
que tenham muito cuidado e sobre isso lhes oneramos a consciência.

Lei trinta

Ordenamos e mandamos também que os visitadores sobreditos sejam


escolhidos e nomeados por vós, o dito nosso Almirante, juizes e oficiais, da forma
e maneira que melhor vos parecer, contanto que os tais escolhidos sejam dentre
os moradores mais antigos dos povoados onde hão de ser visitadores, aos quais
mandamos que lhes sejam dados e assinalados alguns índios de repartimento
além dos que lhes hão de ser dados pelo cargo e trabalho que hão de ter no uso
e exercício dos ditos ofícios, cujos índios sejam os que a vós, o dito Almirante,
juizes e oficiais, parecer; mas é nossa vontade que se os visitadores forem
399 negligentes em fazer guardar as ditas ordenanças ou souberem que alguém não
'cumpre o sobredito, especialmente quanto ao sustento e redes, que por isso lhe
sejam tirados seus próprios índios que tiver encomendados.

Lei trinta e um
tk
, Ordenamos e mandamos também que os ditos visitadores sejam obrigados
a visitar quaisquer lugares onde houver índios dos quais estão encarregados
duas vezes ao ano, uma vez no princípio do ano e outra vez no meio, e mandamos
que não possa um só visitar ambas as vezes, mas que cada um visite a sua, para
que um saiba o que faz o outro e o outro o que faz o outro, para que tudo seja
feito com a precaução e diligência que convém.

Lei trinta e dois

Ordenamos e mandamos também que os ditos visitadores não possam levar


nem levem para suas casas nem fazendas nenhum índio dos que eles encontra­
rem fugidos ou perdidos nas estâncias ou em outras partes, mas assim que os
acharem os coloquem sob o poder de uma pessoa honesta, a critério deles,
procurando primeiro saber quem é seu dono e, se o achar, lhe seja logo dado,
se não coloque-o como está dito até aparecer seu dono, sob pena de o visitador
em cujo poder for encontrado índio, por isso mesmo perca e tenha perdido outro
índio dos seus que tiver, o qual seja para quem o acusar e ainda seja devolvido
o tal índio que assim o visitador acolher a quem era seu dono.

Lei trinta e três

Ordenamos e mandamos também que os ditos visitadores sejam obrigados


a ter e tenham em seu poder uma cópia destas nossas ordenanças assinada pelo
dito Almirante, juizes e oficiais, com uma instrução que vós, o dito Almirante,
juizes e oficiais, mandamos que lhes deis pela qual saibam melhor o que hão de
fazer, cumprir e guardar, e ao visitador que não guardar isso, sejam executadas
nele as penas acima declaradas.

Lei trinta e quatro

Ordenamos e mandamos também que vós, o dito Almirante Juizes e oficiais,


mandeis uma vez em cada dois anos saber como os ditos visitadores usam de
seus ofícios e os façam prestar e prestem contas e saibam como fizeram guardar
e cumprir estas ditas ordenanças cada um que estiver sob sua responsabilidade,
e mandamos que os ditos visitadores sejam obrigados, ao prestarem as ditas
contas, a relatar a vós, o dito Almirante e juizes e oficiais, detalhadamente sobre
o número de todos os índios que houver na parte onde ele visita e quantos
nasceram e morreram naqueles dois anos, para que o Almirante, juizes e oficiais

670
nos enviem a relação de tudo isso, a qual venha assinada por vós e pelos
visitadores, para que eu seja bem informado de tudo.

Lei trinta e cinco

Ordenamos e mandamos também que nenhum habitante nem morador das


ditas vilas e aldeias da dita Ilha Espanhola possa ter nem tenha por repartimento
nem por mercê nem de outra maneira quantidade maior do que cento e
cinqüenta índios, nem menor de quarenta.
Mando a todos e a cada um de vós, os ditos Almirante e Governador, juizes
e oficiais que agora sois ou fordes doravante e a outras quaisquer pessoas a quem
tocar e pertencer o que acima está contido nestas ordenanças que vejais as ditas
ordenanças que acima estão incorporadas e se faz menção e as guardeis,
cumprais, executeis e façais guardar, cumprir e executar em tudo e por tudo do
modo que nelas e em cada uma delas está contido, e ao guardá-las e cumpri-las,
executeis e façais executar as penas nos que nelas caírem e incorrerem e deste
modo as guardeis e cumprais vós, segundo, da forma e maneira do conteúdo
das ditas ordenanças, além de cairdes e incorrerdes em perda dos índios que
tiverdes por repartimento e fiquem vagos para que nós os demos a quem nossa
mercê e vontade for, e contra o teor e forma delas não vades nem passeis nem
consintais ir nem passar em tempo algum nem de maneira alguma, e se para
assim fazer, cumprir e executar precisardes de favor e ajuda, mando a todos os
conselhos, etc. (justiças, regedores, cavaleiros, escudeiros, oficiais, homens bons
da dita ilha Espanhola que vo-la dêem e façam dar conforme lhes pedirdes e
demandardes, sob as penas que vós de nossa parte lhes impuserdes, as quais eu
pela presente lhes imponho e considero impostas e vos dou poder e faculdade
para as executar nos que assim não fizerem e cumprirem), e para que chegue
ao conhecimento de todos e ninguém possa pretender ignorância, mando que
esta minha carta e as ordenanças nela contidas sejam apregoadas publicamente
nas praças, mercados e outros lugares freqüentados dessa Ilha Espanhola por
pregoeiro e perante escrivão público, e nem uns nem outros, etc. (não façais
nem façam o contrário de maneira alguma, sob pena da minha mercê e de
cinqüenta mil maravedises para a minha Câmara a cada um que fizer o contrário,
e mando ainda ao homem que lhes mostrar esta minha carta que lhes dê prazo
para comparecerem perante mim na minha Corte onde quer que eu esteja do
dia que os intimar até cem dias próximos seguintes, sob a dita pena sob a qual
mando a qualquer escrivão público que para isto for chamado dê ali ao que lha
mostrar testemunho assinado com sua assinatura, para que eu saiba como se
cumpre meu mandato).
fonte original: A.G.1. Indiferente 419, lib. 4, foi 83. - A.G.I., sección Justicia, 299.
fonte impressa: K O N E T Z K E , Colección, vol. 1 , 3 8 - 5 7 . -Revista de Historia deAmérica,
4 (México, dic. 1 9 3 8 ) , pág. 2 2 - 4 5 [editado por Rafael Altamira].

671
ANEXO 5

Breve Pastorale Offícium, de Paulo III (1537)


O BREVE PASTORALE OFFICIUM, DE PAULO III (.1534-1549), DIRIGIDO A d 01
CARDEAL TAVERA, RECONHECE A LIBERDADE DOS ÍNDIOS QUE DEVEM
SER CONVERTIDOS CO(M PREGAÇÕES E EXEMPLOS, E EXCOMUNGA SEUS
ESCRAVIZADORES.

Roma, 29-5.1537

Paulo III, Papa, ao Cardeal de Toledo, etc.


Dileto filho Nosso, saúde e bênção apostólica.
Exercendo com atenção e zelo o ofício pastoral em favor das ovelhas que o
céu Nos confiou, do mesmo modo como Nos afligimos com suas perdas, assim
também Nos alegramos com seu incremento. Não só louvamos suas boas obras
como freqüentemente alternamos preocupações e tarefas apostólicas, para que
possam participar de eventos agradáveis.
Chegou ao Nosso conhecimento que o Nosso em Cristo caríssimo filho
Carlos sempre Augusto, Imperador dos Romanos, que é também Rei de Castela
e Leão, determinou por edicto público a todos os seus súditos, a fim de reprimir
os indivíduos que, por denjiasiada cobiça, se mostram desumanos com a hum a­
nidade, isto é, que ninguém se atreva a reduzir à escravidão os índios ocidentais
ou meridionais, ou privá-los de seus bens.
Nós, portanto, levando em conta que esses m esm os índios, embora não
vivam no seio da Igreja, não são nem devem ser privados de sua liberdade ou
da propriedade de seus bens; e como são seres humanos, e portanto capazes de
fé e salvação, não devem ser destruídos pela escravização mas sim convidados
à vida [cristã] pela pregação e pelos exemplos.
Desejando também reprimir a criminosa ousadia desses desalmados e
providenciar para que [as vítimas], exasperadas com tais injustiças e danos, não
se tom em cada vez mais endurecidas para abraçar a fé de Cristo, Nós, pela
presente [Carta], confiamos e ordenamos à tua prudência, de cuja retidão
pessoal, disposição, piedade e experiência nessas e noutras [questões], temos,
no Senhor, uma especial certeza, que, na medida em que socorres os ditos índios,
faças por coibir com rigor, pessoalmente ou por intermédio de outro ou de
outros, em todos os casos mencionados e com garantia de defesa eficaz, a todos
e a cada um desses indivíduos, estejam [ou não] colocados em qualquer
dignidade, condição, estado, grau e excelência, com a pena da excomunhão
la ta e sententiae’ (=passada em julgado) no caso de agirem em contrário, a
incorrer no próprio ato, da qual não poderão ser absolvidos senão por Nós ou
pelo Pontífice Romano que estiver reinando, à exceção dos que se acharem em
ponto de morte, e dispostos ao arrependimento, para que ninguém ouse de modo
algum reduzir à escravidão, como quer que seja, os sobreditos índios, ou
espoliá-los de seus bens.
Contra os desobedientes procederás em conseqüência à declaração de
incursos na dita excom unhão. Deves determinar, ordenar e dispor sobre outras
coisas contidas no acima dito e sobre outras matérias necessárias ou de algum
modo convenientes a esse escopo, conforme pareça oportuno à tua prudência,
probidade e senso religioso.
Pela presente, Nós te concedemos plena e livre faculdade sobre essa matéria,
sem que obste quem quer que faça o contrário.
Dada em Roma, junto a S. Pedro, sob o anel do Pescador, em 2 9 de maio
do ano de 1537, 3o do Nosso Pontificado.
fonte impressa: HERNÁEZ, Francisco Javier. Colección de bulas, vol. 1, pág. lO ls.
ANEXO 6

Bula Sublimis Deus, de Paulo III (1537)


40 .
ABULA SUBUMIS DEUS, DE PAULO III (1534-1549), DECLARA OS ÍNDIOS
LIVRES E CAPAZES PARA A FÉ CRISTÃ, PROÍBE SUA REDUÇÃO À 403
ESCRAVIDÃO E INSISTE EM SUA CONVERSÃO ATRAVÉS DA PALAVRA DE
DEUS E DO BOM EXEMPLO.

Roma, 2.6.1537

Paulo, Bispo, servo dos servos de Deus, a todos os fiéis cristãos que tomarem
ciência da presente Carta, saúde e bênção apostólica.
Deus altíssimo de tal modo amou o gênero humano que criou o homem não
só capaz de participar dos bens como as demais criaturas mas até mesmo de
alcançar o inacessível e invisível Sumo Bem e vê-lo face a face. Tendo sido criado,-
segundo o testemunho da Sagrada Escritura, para atingir a vida e felicidade
etema, e como ninguém pode chegar à vida e felicidade eterna senão pela fé em
Nosso Senhor Jesus Cristo, é forçoso admitir que faz parte da condição e natureza
humana poder receber a fé em Cristo, e que todo aquele que compartilha a
natureza de homem haverá de ser apto a receber a mesma [fé]. Não cremos haja
alguém tão insensato que julgue poder obter, ele mesmo, um fim quando não
pode de modo algum conseguir o meio sumamente necessário.
É neste sentido que entendemos ter, a própria Verdade, que não se engana
nem pode enganar, dito, ao destinar pregadores da fé para o exercício da
pregação: Ide, pois, ensinai todas as gentes'. Disse “todas”, sem nenhuma
restrição, já que todas possuem a capacidade de [aprender] a doutrina da fé.
O adversário do gênero humano, que tudo faz para arruinar os bons,
conhecendo e invejando [essa graça], imaginou um modo espantoso de impedir
a pregação da palavra de Deus para salvação dos povos. Incitou alguns sequazes
seus que, desejosos de satisfazer a própria cobiça, atrevem-se a afirmar por aí
que os índios ocidentais e meridionais (e outros povos cuja notícia presentemen­
te chegou ao Meu conhecimento), sob pretexto de que são incapazes de [receber]
a fé católica, devem ser assujeitados, como animais brutos, à nossa serventia, e
os reduzem à servidão, infligindo-lhes maus tratos que não fazem nem aos
demais brutos que os servem.
Nós, portanto, que, embora sem merecimento, fazemos na terra as vezes do
próprio Senhor Nosso, procurando com todo o empenho conduzir ao mesmo
aprisco as ovelhas do seu rebanho a Nós confiadas, que se acham fora do redil;
e querendo trazer o remédio adequado para essa situação, Nós, com autoridade
apostólica, pela presente Carta decretamos e declaramos: Os ditos índios e todos
os demais povos que no futuro vierem ao conhecimento dos cristãos, embora
vivam fora da fé de Cristo, não são nem deverão ser privados de liberdade e de
propriedade de bens. Pelo contrário, podem livre e licitamente usar, possuir, e
gozar de tal liberdade e propriedade, e não poderão ser reduzidos à escravidão;
e tudo que se vier a fazer de modo diferente há de considerar-se nulo, vão, de
nenhum valor ou importância; e que os ditos índios e os outros povos deverão
ser atraídos à fé de Cristo pela pregação da palavra de Deus e pelo exemplo de
uma vida correta.
Às cópias da presente Carta, assinadas por mão de um notário público, e
munidas do selo de uma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, se deverá
prestar a mesma fé que se prestaria ao original. Sem que obstem [determinações]
anteriores ou quaisquer outras em contrário.
Dada em Roma, junto a S. Pedro, em 2 de junho do ano de 1537 da
Encarnação do Senhor, 3o de Nosso Pontificado. (Selo) Papa Paulo III. B. Zis
otta escrevente.
fonte impressa: CUEVAS, Documentos inéditos, pág. 84-86 e 499s. [fac-simil do
original e transcrição paleográfica, e trad. esp.]. - LAS CASAS, Del único modo,
pág. 322-324 (cap. 5 , par. 34°) - LEVILLIER, Organización, vol. 2, pág. 55s.
[trad. esp.]. - REMESAL, Historia general, pág. 233-235 (liv. 3, cap. 16,4 e 17,1;
latim e espanhol).
ANEXO 7

Provisão de Granada que Visa ao Bom Tratamento dos


índios e Regulamenta as Expedições (1526)
405

113 .
PROVISÃO DE GRANADA QUE VISA O BOM TRATAMENTO DOS ÍNDIOS E
REGULAMENTA AS EXPEDIÇÕES.

G ranada, 1 7 .1 1 .1 5 2 6

Dom Carlos, etc. Nós fomos informados e é notório que pela cobiça
desordenada de alguns de nossos súditos que passaram para nossas índias, ilhas
e terra firme do mar Oceano, e pelo mau tratamento que fizeram aos índios
naturais das ditas ilhas e terra firme do mar Oceano, tanto nos grandes e
excessivos trabalhos que lhes impuseram mantendo-os nas minas para tirar
ouro, nas pescarias de pérolas, como em outros trabalhos e granjarias, fazendo-
os trabalhar excessiva e imoderadamente, não lhes dando roupa nem o manti­
mento necessário para o sustento de suas vidas, tratando-os com crueldade e
desamor muito pior do que se fossem escravos, tendo isso tudo sido e foi causzf
da morte de grande número dos ditos índios em tanta quantidade que muitas
das ilhas e parte da terra firme ficaram ermas e sem população alguma dos ditos
índios naturais delas e que outros fugissem e se ausentassem de suas próprias
terras e natureza e fossem para os montes e outros lugares para salvar suas vidas
e sair da dita sujeição e mau tratamento, o que foi também grande empecilho
para a conversão dos ditos índios à nossa santa fé católica e de não terem
chegado todos eles inteira e geralmente ao verdadeiro conhecimento dela, com
o que Deus nosso Senhor foi e é muito desservido, e também fomos informados
que os capitães e outras pessoas que por nosso mandato e com nossa licença
foram descobrir e povoar algumas das ditas ilhas e terra firme, sendo, como foi
e é, nosso principal intento e desejo trazer os ditos índios ao conhecimento
verdadeiro de Deus nosso Senhor e de sua santa fé pela pregação dela e exemplo
de pessoas doutas e bons religiosos, fazendo-lhes boas obras e bom tratamento
de próximos sem receberem em suas pessoas e bens violência nem pressão, dano
nem agravo algum, e tendo sido tudo isso assim por nós ordenado e mandado
que os ditos nossos capitães, os outros nossos oficiais e pessoas das tais armadas
levassem como mandamento e instrução particular, movidos pela dita cobiça,
esquecendo o serviço de nosso Senhor e o nosso feriram e mataram muitos dos
ditos índios nos descobrimentos e conquista e tomaram os bens deles sem que
os ditos índios tivessem dado causa justa para isso, nem resistência nem dano
algum para a pregação de nossa santa fé, o que além de ter sido grande ofensa
a Deus nosso Senhor também deu ocasião e foi causa para não apenas os ditos
índios que receberam as ditas violências, danos e agravos, mas também muitos
406
outros vizinhos que tiveram notícia e conhecimento disso, se levantassem e se
unissem com mão armada contra os cristãos, nossos súditos e matassem muitos
deles, inclusive religiosos e pessoas eclesiásticas que nenhuma culpa tiveram e
como mártires padeceram pregando a fé cristã, por causa disso tudo suspende­
mos por algum tempo e desistimos de dar as licenças para as ditas conquistas e
descobrimentos, querendo primeiro providenciar e discutir tanto sobre o castigo
do passado como sobre o remédio do futuro e evitar os ditos danos e inconve­
nientes e dar ordem que os descobrimentos e povoações que doravante tiverem
de se fazer, se façam sem ofensa a Deus e sem mortes nem roubo dos ditos índios
e sem cativá-los como escravos indevidamente, de maneira que o desejo que
tivemos e temos de ampliar nossa santa fé e que os ditos índios e infiéis cheguem
ao conhecimento dela se faça sem remorso de nossas consciências e se prossiga
nosso propósito e intenção e obra dos Reis Católicos, nossos avós e senhores,
em todas aquelas partes das ilhas e terra firme do mar Oceano que fazem parte
de nossa conquista ou estão por descobrir e povoar, tendo tudo isto sido muito
deliberado pelos membros do nosso Conselho das índias, e com nosso parecer,
foi decidido que devíamos mandar dar e demos esta nossa carta por esta razão,
pela qual mandamos que agora e doravante, tanto para remédio do passado
como nos descobrimentos e povoamentos que por nosso mandato e em nosso
nome forem feitos nas ditas ilhas e terra firme do mar Oceano descobertas e por
descobrir em nossos limites e demarcação, se guarde e cumpra o que abaixo
estará contido desta maneira.
Em primeiro lugar ordenamos e mandamos que imediatamente sejam dadas
nossas cartas e provisões para os ouvidores de nossa Audiência que residem na
cidade de São Domingos na Ilha Hispaniola e para os Governadores e outras
justiças que agora são ou forem da dita ilha e das outras ilhas de San Juan, Cuba
e Jamaica e para os Governadores, Alcaides maiores e outras justiças tanto da
terra firme como da Nova Espanha e das outras províncias de Pánuco, Higueras
e Flórida ou Terra Nova ou para as outras pessoas que for nossa vontade
encarregar e encomendar, para que logo com grande cuidado e diligência cada
um em seu lugar e jurisdição se informe quais dos nossos súditos e naturais,
tanto capitães como oficiais e outras quaisquer pessoas, fizeram as ditas mortes,
roubos e ferraram índios contra a razão e justiça e dos que acharem culpados
em sua jurisdição enviem a nós, no nosso Conselho das índias, a relação da culpa
com seu parecer sobre o castigo que deve ser aplicado nisso para que, examinado
pelos membros do nosso Conselho, proveja e mande fazer o que for para serviço
de Deus nosso Senhor e nosso e conveniente para a execução de nossa justiça.
Outrossim ordenamos e mandamos que se as ditas nossas justiças pela dita
informação ou informações verificarem que alguns de nossos súditos de qual­
quer qualidade ou condição que seja ou outros quaisquer que tiverem índios
como escravos tirados e trazidos de suas terras e natureza injusta e indevida­
mente, tirem-nos de seu poder e, querendo os tais índios, os façam voltar a suas
terras e natureza se facilmente e sem incômodo se puder fazer mas, se isso não
puder cômoda e facilmente ser feito, ponham-nos naquela liberdade ou enco­
menda de direito e justiça, segundo a qualidade, capacidade e habilidade de
suas pessoas, tendo sempre respeito e consideração ao bem e proveito dos ditos
índios, para que sejam tratados como livres e não como escravos e que sejam
407

sustentados e governados, que não lhes seja dado trabalho demasiado e não
sejam trazidos para as minas contra a vontade deles, o que hão de fazer com o
parecer do prelado ou de seu oficial se houver na localidade e, em sua ausência,
com acordo e parecer do cura ou seu tenente da igreja que ali houver, sobre o
que encarregamos muito a consciência de todos, e se os ditos índios forem
cristãos não devem voltar a suas terras, mesmo que eles queiram, se não
estiverem convertidos a nossa santa fé católica, pelo perigo que pode seguir-se
a suas almas.
Outrossim ordenamos e mandamos que agora e doravante quaisquer
capitães e oficiais e outros quaisquer súditos nossos e naturais ou de fora de
nossos Reinos que com nossa licença e mandato houverem de ir ou forem
descobrir ou povoar ou resgatar em alguma das ilhas ou terra firme do mar
Oceano em nossos limites e demarcação sejam obrigados, antes de saírem destes
nossos Reinos quando embarcarem para fazer uma viagem, a levar ao menos
dois religiosos ou clérigos de missa em sua companhia, cujos nomes sejam
apresentados ao nosso Conselho das índias e, tendo este obtido informação de
sua vida, doutrina e exemplo, sejam aprovados se forem aptos para o serviço de
Deus nosso Senhor e para a instrução e ensino dos ditos índios e pregação e
conversão deles conforme a bula da concessão das ditas índias para a Coroa real
destes reinos.
Outrossim, ordenamos e mandamos que os ditos religiosos ou clérigos
tenham cuidado e diligência muito grande em procurar que os ditos índios sejam
bem tratados como próximos, considerados e favorecidos e que nãão consintam
que lhes seja feito violência, nem roubo, danos, nem agravos, nem mau
tratamento algum, e se qualquer pessoa de qualquer qualidade ou condição que
seja fizer o contrário, tenham muito grande cuidado e solicitude de nos avisar
logo que possível particularmente isso, para que Nós ou os membros do nosso
Conselho mandemos providenciar e castigar com todo rigor.
Ordenamos e mandamos também que os ditos capitães e outras pessoas que
com nossa licença forem fazer descobrimentos, povoações ou resgatar, quando
tiverem que desembarcar em alguma ilha ou terra firme que acharem durante
a navegação e viagem em nossa demarcação ou nos limites que lhes foram
particularmente assinalados na dita licença, devam fazer e façam com acordo e
parecer de nossos oficiais que para isso forem por Nós nomeados e dos ditos
religiosos ou clérigos que forem com eles, e não de outra maneira, sob pena de
quem fizer o contrário perder a metade de seus bens para nossa Câmara e fisco.
Outrossim mandamos que a primeira e principal coisa que, depois de
estarem em terra os ditos capitães e nossos oficiais e quaisquer pessoas, deverão
fazer seja procurar através de intérpretes que entendem os índios e moradores
da tal terra ou ilha lhes digam e declarem como Nós os enviamos para
ensinar-lhes bons costumes e afastá-los de vícios e de comer carne humana e
para instruí-los em nossa santa fé e pregá-la a eles para que se salvem e para
atraí-los ao nosso serviço a fim de serem tratados muito melhor do que são,
favorecidos e muito considerados com os outros nossos súditos cristãos e lhes
digam todo o resto que foi ordenado pelos ditos Reis Católicos que lhes devia
ser dito, manifestado e requerido, e mandamos que se leve o dito requerimento
408
assinado por Francisco de los Cobos, nosso Secretário e do nosso Conselho, e
que sejam notificados e façam entender particularmente pelos ditos intérpretes
uma, duas e mais vezes, quantas parecer aos ditos religiosos e clérigos que
convém e for necessário para que entendam, de maneira que nossas consciências
fiquem aliviadas, sobre o que oneramos as consciências dos ditos religiosos ou
clérigos e dos descobridores ou povoadores.
Outrossim mandamos que depois de feita e dada a entender a dita admoes-
tação e requerimento aos ditos índios segundo e como está contido no capítulo
acima deste, se virdes que convém e é necessário para o serviço de Deus e nosso
e para a segurança vossa e dos que no futuro houverem de viver e morar nas
ditas ilhas ou terra for preciso fazer algumas fortalezas ou casas fortes ou simples
para vossas moradas, procurarão com muita diligência e cuidado fazê-las nas
partes e lugares onde estejam melhor e se possam conservar e perpetuar,
procurando fazer isso com o menor dano e prejuízo possível sem feri-los nem
matá-los por causa da construção delas, sem tomar à força os bens e fazenda
deles, antes mandamos que lhes seja dado bom tratamento, feito boas obras e
animem, convençam e tratem como a cristãos, de maneira que por isto e pelo
exemplo de suas vidas e dos ditos religiosos ou clérigos e por sua doutrina,
pregação e instrução cheguem ao conhecimento de nossa fé e ao mor e vontade
de serem nossos vassalos e de estar e perseverar em nosso serviço como os outros
nossos vassalos, súditos e naturais.
Outrossim mandamos que guardem e cumpram a mesma forma e ordem
nos resgates e em todos os negócios que tiverem de fazer e fizerem com os ditos
índios sem tomar nada deles à força nem contra sua vontade, nem lhes fazer
mal nem dano em suas pessoas, dando aos ditos índios pelo que tiverem, e os
espanhóis quiserem, satisfação ou equivalência de maneira que eles fiquem
contentes.
Outrossim mandamos que ninguém possa tomar nem tome por escravos a
nenhum dos ditos índios sob pena de perda de seus bens, ofícios, favores e as
pessoas que forem de nossa mercê, salvo no caso de estarem os ditos religiosos
ou clérigos entre eles ensinando e instruindo nos bons usos e costumes e
pregando-lhes a nossa santa fé católica, não quiserem dar-nos a obediência ou
não consentirem, resistindo ou impedindo com mão armada que não se procu­
rem minas nem se tire ouro delas ou os outros metais que forem encontrados,
nestes casos permitimos que por isso e em defesa de suas vidas e bens os ditos
povoadores possam, com acordo e parecer dos ditos religiosos ou clérigos,
estando de acordo e assinando seus nomes, fazer guerra e fazer nela aquilo que
os direitos e nossa santa fé e religião cristão permitem e mandam que se faça e
se possa fazer e não de outra maneira e em nenhum outro caso, sob a dita pena.
Outrossim mandamos que nem os ditos capitães nem outras pessoas possam
obrigar ou compelir os ditos índios a irem às ditas minas de ouro ou de outros
metais nem a pescarias de pérolas nem outras granjarias suas próprias, sob pena
de perda de seus ofícios e bens para a nossa Câmara; mas se os ditos índios
quiserem ir ou trabalhar de vontade própria, então permitimos que possam se
servir e aproveitar deles como de pessoas livres, tratando-os como tais, não lhes
dando trabalho demasiado, tendo cuidado especial de lhes ensinar bons usos e
a 09
costumes e de afastá-los dos vícios, de comer came humana, de adorar os ídolos
e do pecado e delito contra a natureza e de atraí-los para que se convertam à
nossa santa fé e vivam nela, procurando a vida e salvação dos ditos índios como
as suas próprias, dando-lhes e pagando-lhes por seu trabalho e serviço o que
merecerem e for razoável, considerada e qualidade de suas pessoas, a condição
da terra e o trabalho deles, seguindo acerca de tudo isto que está dito o parecer
dos ditos religiosos e clérigos, especialmente do bom tratamento dos ditos índios.
Outrossim mandamos que, vista a qualidade, condição ou habilidade dos
ditos índios, se parecer aos ditos religiosos ou clérigos que é para o serviço de
Deus e o bem dos ditos índios, para que se afastem de seus vícios, especialmente
do delito nefando e de comer came humana e para serem instruídos e ensinados
em bons usos e costumes e em nossa fé e doutrina cristã e para viverem
civilizadamente, convém e é necessário que sejam encomendados aos cristãos
para se servirem deles como de pessoas livres, que os ditos religiosos ou clérigos
os possam encomendar, estando ambos de acordo segundo e da maneira que
eles ordenarem, levando sempre em conta o serviço de Deus, o bem, a utilidade
e o bom tratamento dos ditos índios, e que em nada nossas consciências possam
ser oneradas a respeito do que fizerem e ordenarem, sobre o que oneramos as
suas e mandamos que ninguém vá nem passe contra o que for ordenado pelos
ditos religiosos ou clérigos em razão da dita encomenda, sob a dita pena, e que
com o primeiro navio que vier a estes nossos Reinos nos enviem os ditos
religiosos ou clérigos a informação verdadeira da qualidade e habilidade dos
ditos índios e relação do que acerca disso tiverem ordenado, para que nós a
mandemos examinar no nosso Conselho das índias, para que seja aprovado e
confirmado o que for justo e servir a Deus e o bem dos ditos índios e sem prejuízo
nem ônus de nossas consciências, e o que for assim seja emendado e se
providencie como convir ao serviço de Deus e nosso, sem dano para os ditos
índios, para sua liberdade e vidas, e se evitem os danos e inconvenientes
passados.
Item, ordenamos e mandamos que os povoadores e conquistadores que com
nossa licença agora e doravante forem resgatar, povoar e descobrir dentro dos
limites de nossa demarcação sejam tidos e obrigados a levar as pessoas que com
eles houverem de ir a qualquer das ditas coisas destes nossos Reinos de Castela
ou das outras partes que não forem expressamente proibidas, sem poderem levar
nem levem habitantes, moradores e residentes nas ilhas ou terra firme do dito
mar Oceano nem de algumas delas, a não ser uma ou duas pessoas e não mais
em cada descobrimento para intérpretes e outras coisas necessárias para as tais
viagens, sob pena de perda da metade dos seus bens para a nossa Câmara ao
povoador, conquistador ou mestre que os levar sem nossa licença expressa.
Guardando e cumprindo os ditos capitães e oficiais e outras pessoas que
agora ou doravante houverem de ir ou forem com nossa licença para os ditos
povoamentos, resgates e descobrimentos, tenham de levar e gozar e gozem e
levem os salários e ordenados, proveitos e graças, mercês que por Nós e em nosso
nome for com eles ajustado e capitulado, o que por esta nossa carta prometemos
garantir e cumprir, se eles guardarem e cumprirem o que por esta nossa carta
lhes foi encomendado e mandado e não guardando ou vindo ou passando contra
isso ou contra alguma parte disso, além de incorrer nas penas acima contidas,
declaramos e mandamos que tenham perdido e percam todos os ofícios e mercês
de que pelo dito ajuste e capitulações haviam de gozar.
A.G.I. Indiferente 421, Iib. 11, foi. 332. - Cedulario Índico, vol. 8, foi.
fonte original:
249v, n. 349.
C.D.I.Ultramar, vol. 9, pág. 268. - KONETZKE, Colección, vol. 1,
fonte impressa:
pág. 89-96. - MORALES PADRÓN, Teoria y leyes, pág. 374-379.
ANEXO 8

Ordenanças ao Presidente e aos Ouvidores da Audiência de


México sobre o Bom Tratamento dos índios na Nova
Espanha (1528)
116 .
ORDENANÇAS AO PRESIDENTE E AOS OUVIDORES DA AUDIÊNCIA DE
MÉXICO SOBRE O BOM TRATAMENTO DOS ÍNDIOS NA NOVA ESPANHA.

Toledo, 4 .1 2 .1 5 2 8

Dom Carlos, etc. A vós, o nosso presidente e ouvidores da nossa Audiência


e Chancelaria Real da Nova Espanha que reside na cidade do México, e a vós,
os reverendos em Cristo padre frei Julián Garcés, bispo de Taxcaltecle, e frei
Juan de Zumárraga, bispo eleito de México, e a vós os devotos padres prior e
guardião dos mosteiros de São Domingos e São Francisco da dita cidade de
México, saúde e graça.
Bem sabeis do que por nossas provisões estais encarregados acerca da
informação que deveis fazer dos índios naturais dessa terra, das pessoas que os
têm encomendados e outras coisas acerca de seu bom tratamento. Agora sabei

701
412 que fomos informados que das pessoas e quem estão encomendados e repartidos
os ditos índios e de outras muitas pessoas espanholas que residem nesta terra
receberam e a cada dia recebem muitos maus-tratos, especialmente nas coisas
que são abaixo declaradas, o que além de ser em tanto desserviço de Deus nosso
Senhor e tão oneroso para a nossa consciência Real e contrário à nossa religião
cristã, porque todo estorvo para a conversão dos ditos índios à nossa santa fé
católica, que é nosso principal desejo e intenção e o que todos somos obrigados
a procurar, vem disso muito inconveniente para o povoamento e perpetuidade
da dita terra, porque por causa dos excessivos trabalhos e vexações que lhes
fizeram e fazem morreram muitos, o que como vês é em tão grande dano e tanto
desserviço de nosso Senhor e dano de nossa coroa Real, e visto em nosso
Conselho das índias pela confiança que temos em vossas pessoas, foi decidido
que devíamos mandar-vos encarregar disso e fazer sobre isso as ordenanças que
seguem.
Primeiramente, porque fomos informados que muitos dos ditos espanhóis,
dizendo que faltam animais para levar seus mantimentos e provisões e outras
coisas para serviço de suas pessoas, casas, negócios e de outra maneira de uns
lugares para outros, tomam os ditos índios que acham e na maioria das vezes à
força e contra sua vontade, sem pagá-los, os carregam e fazem-nos levar às costas
tudo o que os ditos espanhóis querem, e também os espanhóis que têm índios
encomendados os fazem levar cargas de mantimentos para os escravos que
passam nas minas longas jornadas, e por causa disso e do muito trabalho que
têm os ditos índios morrem e outros fogem, vão embora e se ausentam deixando
suas casas e aldeias, por isso mandamos e proibimos firmemente que agora e
doravante nenhum espanhol de nenhuma qualidade e condição que seja ouse
carregar nem carregue índio algum para levar alguma coisa às costas de nenhum
povoado a outro nem por nenhum caminho nem de outra maneira pública nem
secretamente contra a vontade dos tais índios nem voluntariamente sem paga­
mento nem com ele, mas que levem em animais como quiserem, mas permitimos
que os índios que presentemente estão encomendados aos ditos espanhóis
possam levar às costas o tributo ou serviço que são obrigados a dar-lhes até o
lugar onde a pessoa residir, não passando de vinte léguas de seu povoado e se
lhes mandarem que os levem às minas e a outras partes onde não residir não se
faça sem a vontade dos índios e pagando-os antecipadamente, não ultrapassando
nisto as ditas vinte léguas, e porque nossa intenção é socorrer os ditos indios e
não dar-lhes novamente trabalhos e imposições e para este propósito se ordena
isto, vos mandamos que, se virdes que a previsão das ditas vinte léguas é
contradição e fora da razão, provereis e moderareis com justiça como virdes que
convém ao desencargo de nossas consciências, sob pena de que qualquer pessoa
que contra o teor desta dita ordenança for ou passar pela primeira vez pague
por cada índio que assim carregar cem pesos de ouro e, pela segunda, trezentos
e, pela terceira, tenha perdido e perca seus bens, de cujas penas seja aplicada a
terça parte para o juiz que o condenar, a outra terça parte para o acusador e a
outra terça parte para a nossa Câmara, e além disso lhe sejam tirados os índios
que tiver encomendados.
Outrossim, porque fomos informados que muitas das ditas pessoas têm
como negócio fazer abastecimentos nos povoados que assim têm encomendados

702
e levá-los para vender às minas e a outras partes, o qual os ditos índios levam
às costas, do que recebem muito trabalho; por isso mandamos e proibimos que
nenhuma pessoa possa levar nem leve com os ditos índios para as minas nem
para outra parte nenhum mantimento nem outras coisas para vender, sob pena
que qualquer pessoa que contra o teor desta dita ordenança for ou passar, pela
primeira vez pague por cada índio que assim carregar cem pesos de ouro e, pela
segunda vez, trezentos e, pela terceira, tenha perdido e perca seus bens, de cujas
penas sejam aplicados um terço para o juiz que o condenar, outro terço para o
acusador e o outro terço para a nossa Câmara, e além disso lhe sejam tirados os
índios que tiver encomendado.
Fomos informados também que muitas pessoas que têm povoados de índios
encomendados levam e têm em suas casas mulheres dos ditos povoados para
fazer o pão para os escravos que estão nas minas e para serviço de suas casas,
tratando-as como escravas e fazendo-as estar sem seus maridos e filhos fora dos
ditos povoados, do qual nenhuma pessoa possa ter nem tenha mulheres dos
ditos povoados que tiverem encomendados para fazer pão para os escravos que
tiverem nas minas nem para serviço de suas casas nem para nenhuma outra
coisa, mas que livremente as deixem estar e residir em suas casas com seus
maridos e filhos, mesmo que digam que as têm por vontade delas e lhes paguem,
sob pena de, por cada vez que se achar que têm qualquer ou quaisquer índias
em suas casas contra o teor desta ordenança, incorrer em pena de cem pesos de
ouro para a nossa Câmara e fisco por cada uma.
Outrossim, estamos informados que, embora os que têm os ditos índios
encomendados, por ser proibido não enviem às minas senão os que são seus
escravos, mas com os outros usam de austúcía e assim têm muito mais fadiga e
trabalho, pois os fazem ajudar os ditos escravos a cortar árvores, desviar leito
de rios e fazer outras construções, por isso ordenamos e mandamos que nenhum
índio que estiver encomendado a qualquer nem quaisquer pessoas possa ajudar
nem ajude aos escravos que estiverem nas minas a cortar árvores, nem desviar
rios nem arroios hem outra construção qualquer que tiver de ser feita nas minas
visando à retirada do ouro, mas que façam isto somente os ditos escravos que
estiverem nas minas, sob pena de cinqüenta pesos de ouro para a nossa Câmara
por cada vez que se provar que mandou e teve nas ditas minas qualquer índio
para trabalhar em qualquer das coisas ditas acima.
Fomos informados também que as pessoas que têm escravos e grupos nas
ditas minas não querem tirar delas os ditos escravos nem ocupá-los em outras
coisas e fazendas e obrigam os ditos índios que assim têm encomendados a
construir as casas em que moram e fiquem os ditos escravos e gente que estão
nos ditos grupos, o que exige dos índios muito trabalho e fadiga, por isso
ordenamos, mandamos e proibimos que nenhuma pessoa possa fazer nem faça
casas em que houverem de ficar e morar os ditos escravos e pessoas que
estiverem nas minas com os ditos índios que assim lhes estão encomendados, e
que, quando os grupos tiverem de ?e mudar de uma mina para outra, não possam
levar nem levem com os índios que assim tiverem encomendados as ferramentas
e batéias, mas que os índios escravos as levem, sob pena que por cada índio que
ocuparem em fazer as ditas coisas cair e incorrer em duzentos pesos de ouro,
repartidos e aplicados da forma sobredita.

703
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/ 645(659] / PADRES / FRAILE DOMINICO MVI colérico y soberbioso que ajunta solteras y biudas,
devendo que [ejstán am am ebadas I Ajunta en su casa yhaze hilar, texerrropa de cunbe [tejído
finoj, auasca [comente / en todo el rreyno en las dotrínas. / dotrina /

E porque fomos informados que muitas pessoas levam desde os portos do


mar à cidade de México e outras partes dessa Nova Espanha mantim entos e
outras coisas com os ditos índios com muito dano e agravo deles, mandamos
que pessoa alguma possa levar nem leve dos ditos povoados a nenhum povoado
de cristãos nem a nenhuma outra parte os ditos mantimentos nem outra carga
que devam trazer, mas permitimos que os índios que voluntariamente quiserem
se alugar nos ditos portos para som ente descarregar os navios e levar carga do
navio à terra contanto que não passe de meia légua, possa fazer, sob pena de
pagar por cada vez, quem fizer o contrário, cem pesos de ouro, repartidos da
maneira acima contida.
Outrossim mandamos que nenhuma pessoa que tiver índios encom endados
possa fazer nem faça com eles casas para vender, exceto aquelas em que
morarão, e se venderem aquelas, não possam fazer nem façam outras com os
ditos índios, mesmo as que quiserem para morar, sob pena de qualquer pessoa
que contra o teor desta ordenança fizer casas com os ditos índios que tiver
encomendados para viver ou vender perca as casas que fizer e sejam aplicadas
para a nossa Câmara e fisco, e incorra ainda em pena de cem pesos de ouro para
a dita nossa Câmara.
Também fomos informados que ao fazer guerra aos índios e ao tomá-los
como escravos na dita Nova Espanha se fazem muitos males e danos, porque
tomam como escravos os que não são, no que Deus nosso Senhor é m uito
desservido e a terra e naturais dela recebem muito dano, para remédio do que
mandamos despachar e foi dada uma provisão nossa feita em Toledo aos vinte
de novembro deste presente ano a qual vos mandamos enviar com estas nossas
ordenanças e vos encarregamos e mandamos que façais com que se guarde,
cumpra e execute sob as penas nela contidas.
Também fomos informados que ao ferrar os escravos que se tomam nas
guerras se causam muitos males, a respeito do que mandamos despachar outra
provisão nossa feita em Toledo no dito dia do dito ano [cf. Doc. 115], a qual
mandamos também enviar-vos com estas nossas ordenanças, por isso vos
mandamos que façais com que se guarde, cumpra e execute como nela está
contido sob as penas contidas.
Porque fomos informados que as pessoas que têm povoados de índios
encomendados pedem e pressionam os ditos índios a lhes darem tributo em
ouro, não sendo obrigados a isso, e por causa disso os prendem, torturam,
ameaçam e impõem outros temores até que lho dêem, do que vem muito dano
para a terra e é causa do despovoamento dos ditos povoados, porque os índios,
para terem o ouro que lhes pedem, vendem como escravos os filhos e parentes
para contentarem os que os têm encomendados, saem e fogem deles, por isso
mandamos e proibimos que, entretanto nisto e nas outras coisas referentes aos
ditos índios se dá ordem, nenhuma pessoa tome nem peça dos ditos índios que
tiverem encomendados nenhum ouro além do que eles voluntariamente, sem
pressão alguma, lhes quiserem dar nem nenhuma outra coisa exceto tão somente
aquelas que houver no lugar onde eles moram, e isto seja na quantidade em que
são obrigados e não mais, sob pena que, o que de outra maneira tomarem ou
pedirem, pagarão quatro vezes mais para a nossa Câmara, além de devolver aos
ditos índios o que deles receberem contra o teor desta ordenança.
414

E porque fomos informados que no tempo em que os ditos indios fazem


sementeiras e lavouras, os cristãos espanhóis os têm encomendados e em
administração e outras pessoas os ocupam e retardam em suas próprias fazendas
e granjarias, de modo que eles deixam de semear e de fazer as ditas suas lavouras
e sementeiras, do que vem muito dano aos ditos indios e espanhóis, porque
daquilo redunda que lhes faltam os mantimentos e provisões e vivam em muita
necessidade, por isso pela presente vos encarregamos e mandamos que provi­
dencieis como nos tempos da semeadura sejam mais aliviados e se lhes dê tempo
para que as façam como melhor se puder fazer.
Outrossim, porque fomos informados que as ditas pessoas que têm escravos
e índios nas minas, não visando ao serviço de Deus nosso Senhor nem à
conversão deles para a nossa santa fé católica, que é nosso principal desejo e
intenção, os deixam sem dar nem pôr pessoas nos tais povoados e estâncias para
lhes dizerem missa e instruírem e informarem nas coisas da fé e por falta disto
não chegam tão depressa ao conhecimento dela como conviria e chegariam se
com isso se tivesse o cuidado e a precaução necessários, e é grande encargo de
consciência das pessoas de quem são, por isso mandamos que agora e doravante
quaisquer pessoas que tiverem índios ou escravos nas minas sejam obrigados a
ter e tenham pessoas religiosas ou eclesiásticas de vida honesta e exemplar para
doutriná-los e ensiná-los. nas coisas de nossa santa fé católica e que ao menos
todos os domingos e festas principais os reúnam para isso e os façam ouvir missa
e quem assim não fizer o prelado ou protetor dos ditos indios à custa das tais
pessoas ponham quem o faça, sobre o que oneramos suas consciências.
E porque a intenção da maioria dos espanhóis que passaram e passam a
essa terra não é de se estabelecer e permanecer nela mas a desfrutar e roubar
dos naturais dela o que têm e, porque encontram entre eles comida, andam
vagabundos ociosamente de um povoado a outro tomando dos índios tudo o que
precisam e o que os índios têm para seu sustento e nisso lhes fazem muita
violência e agravos, e também fazem isso os outros espanhóis que vão e vêm às
minas e desde a cidade de México aos portos de Veracruz e Medellín pelos
povoados por onde passam, do que se seguem muitos males e inconvenientes
na terra e é causa do despovoamento dela, por isso por esta ordenança
mandamos e proibimos que não se permita que haja na dita terra os ditos
vagabundos e que expulsem dela os que não tiverem fazendas ou encomendas
de índios com que se sustentar e não estiverem com amos, sob pena de cem
açoites, e também proibimos que ninguém nem pessoa alguma pelos povoados
e instâncias por onde passarem, tanto indo da dita cidade do México aos ditos
portos como às minas ou de uns povoados a outros, de qualquer modo não peçam
nem exijam dos ditos índios nem de nenhum deles mantimentos, provisões, nem
nenhuma outra coisa que eles tiverem, a não ser se eles derem voluntariamente
e lhes for pago por isso o valor justo, sob pena que qualquer coisa que de outro
modo tomarem dos ditos índios seja paga em dobro e além disso do quádruplo

706
paguem a metade para a nossa Câmara e das outras duas partes uma para o
acusador que o acusar e a outra para o juiz que o sentenciar.
E porque fomos informados e por experiência pareceu que tirando os índios
de seus povoados, terras e meio-ambiente para outras ilhas e terras sob pretexto
de que são escravos e por outras causas e motivos que os cristãos espanhóis
buscam, a maioria deles morre e não só é prejudicada a terra com a saída deles
e morrerem por não estarem em seu ambiente, mas também se deixam morrer
e adquirem outros ressaibos maus, inimizade e desamor aos cristãos, porque
tiram da sua companhia e relacionamento suas mulheres, filhos, irmãos,
parentes e vizinhos e crêem que farão o mesmo com eles algum dia e é em
desserviço de Deus e dano da dita terra e índios dela e em sua diminuição, por
isso ordenamos e mandamos que agora e doravante nenhuma nem alguma
pessoa ouse tirar nem tire da dita Nova Espanha para estes nossos Reinos nem
para as ilhas nem terra firme nem outra parte nenhum índio natural dela não
obstante digam, aleguem e mostrem que são seus escravos, sob pena que por
cada índio que assim tirarem paguem para a nossa Câmara e fisco cinco pesos
de ouro e além disso seja obrigado a devolver à sua custa à dita terra e povoado
de onde assim ó tirar.
Porque poderia acontecer que algumas pessoas, não visando a nosso serviço
nem o bem e conservação dos ditos índios, desejando que não sejam guardadas
estas ordenanças por seus interesses particulares, apelassem deias ou de algu­
mas delas e por isto houvesse algum estorvo, dilação ou suspensão no cumpri­
mento e execução delas, mandamos que as guardeis, cumprais, executeis e façais
guardar, cumprir e executar em tudo e por tudo segundo nelas e em cada uma
delas está contido, sem embargo de qualquer apelação ou súplica que pela dita
terra ou moradores particulares dela for interposta.
Porque vos mandamos que vejais as ditas ordenanças que acima estão
contidas e as façais logo apregoar publicamente nas praças e mercados e outros
lugares costumeiros da dita cidade de Temistitán México de maneira que chegue
ao conhecimento de todos e nenhum deles possa pretender ignorância, e, se
depois de feito o dito pregão, alguma ou algumas pessoas forem ou passarem
contra o conteúdo das ditas ordenanças ou alguma coisa delas, executeis neles
e em seus bens as penas nelas contidas, não obstante qualquer apelação ou
súplica que a respeito disso for interposta, porque é nossa mercê e vontade que
se guardem e executem inviolavelmente, sobre o que encarregamos vossas
consciências e descarregamos convosco as nossas pela confiança que temos em
vossas pessoas.
fonte original: A .G .I. A u d i ê n c i a d e M é x i c o 1 0 8 8 . Liv . 1, fo i. 1 5 .

fonte impressa: C.D.I.Ultramar, vol. 9, pág. 386ss. - KONETZKE, Colecáón, vol. 1,


pág. 113-120.

707
presidida pelo cardeal Juan Tavera, arcebispo de Toledo. Tavera - e não o
presidente do Conselho de índias, o dominicano Garcia de Loaysa que foi o
uoo-autor político da R. Provisão que restabeleceu a legalidade da escravidão
^ 1 .5 .1 5 3 4 ) - seria mais tarde o destinatário do Breve Pastorale Officiuni, de
Paulo 111 (Doe. 38), logo revogado pelo próprio Paulo III (Doc. 41). A anulação
da Real Provisão antiescravagista de 2.8.1530 se deveu sobretudo à intervenção
do cardeal Garcia de Loaysa, presidente do Conselho das índias e ex-ministro
geral dos dominicanos. Aos que defenderam a capacidade indígena, como,seu
confrade Bemardino de Minaya, Loaysa respondeu que “os índios não eram mais
que papagaios” (cf. Beltrán de Heredia, Nuevos datos acerca dei P. Bemardino
Minaya y dei licenciado Calvo de Padilla, compafieros de Las Casas. In: Miscelâ­
nea Beltrán de Heredia, vol. 1, Biblioteca de Teólogos Espanoles, Salamanca,
1971).
ANEXO 9

Leis e Ordenanças Novamente Feitas por S.M. para o


Governo das índias e o Bom Tratamento e a para
Conservação dos índios: Leis Novas (1542)
129 .
LEIS E ORDENANÇAS NOVAMENTE FEITAS POR S.M. PARA O GOVERNO
DAS ÍNDIAS E O BOM TRATAMENTO E A CONSERVAÇÃO DOS ÍNDIOS..

B arcelona, 2 0 .1 1 .1 5 4 2

Valladolid, 4 .6 .1 5 4 3

I
Dom Carlos, pela divina demência Imperador sempre augusto, Rei da
Alemanha, dona Joana, sua mãe, e o mesmo dom Carlos, pela graça de Deus
reis de Castela, de Leão, de Aragão, das duas SicQias, de Jerusalém, de Navarra,
de Granada, de Toledo, de Valência, de Galícia, de Mallorcas, de Sevilha, de
Sardenha, de Córdoba, de Córcega, de Múrcia, de Jaén, dos Algarves, de Algezira,
de Gibraltar, das Ilhas Canárias, das índias, ilhas e terra firme do mar Oceano,
condes de Barcelona, senhores de Vizcaya e de Molina, duques de Atenas e de
Neopátria, condes de Ruysellón e de Sardenha, marqueses de Oristán e de
Gociano, arquiduques de Áustria, duques de Borgonha e de Bravantes, condes
de Flandres e de Tirol, etc. Ao ilustríssimo príncipe dom Felipe, nosso mui caro
e mui amado neto e filho, e aos infantes, nossos netos e filhos, e ao presidente
e membros do nosso Conselho das índias e aos nossos vice-reis, presidentes e
ouvidores das nossas Audiências e Chancelarias reais das ditas nossas Ilhas e
Terra Firme do mar Oceano, e nossos governadores, alcaides maiores e outras
nossas justiças delas, e a todos os conselhos, justiças, regedores, cavaleiros,
escudeiros, oficiais e homens bons de todas as cidades, vilas e aldeias das ditas
nossas índias, ilhas e terra firme do mar Oceano, descobertas ou por descobrir,
e a outras quaisquer pessoas, capitães, descobridores e povoadores, moradores
e habitantes estabelecidos e naturais delas, de qualquer estado, qualidade,
condição e preeminência que seja, tanto aos que agora sois como os que fordes
doravante, e a cada um e qualquer de vós em vossos lugares e jurisdições a quem
esta nossa carta for mostrada, ou sua cópia assinada por escrivão público, ou
parte dela souberdes e o seu conteúdo, ou qualquer coisa ou parte disso toca e
corresponde e corresponder pode de qualquer maneira, saúde e graça, sabei que
há muitos anos tivemos vontade e determinação de nos ocupar demoradamente
com as coisas das índias, devido a grande importância delas, tanto no tocante
ao serviço de Deus nosso Senhor e aumento de sua santa fé católica, como à
conservação dos naturais daquela parte e bom governo e conservação de suas
pessoas, mas mesmo tendo procurado nos desembaraçar para esta finalidade,
não foi possível devido aos muitos e contínuos negócios que ocorreram, dos
quais não nos pudemos excusar, e devido às ausências que destes reinos eu, o
Rei, fiz por causas tão necessárias, como é notório de todos, e dado que esta
freqüência de ocupações não cessou neste presente ano, mesmo assim manda­
mos se reunir pessoas de todos os estados, tanto prelados como cavaleiros,
religiosos e alguns do nosso Conselho, para conversar e tratar das coisas de
maior importância de que tivemos informação que se deviam mandar prover; o

727
que, maduramente altercado e conferido e na minha presença, o Rei, diversas
418 vezes conversado e discutido, e, finalmente, tendo eu consultado o parecer de
todos, resolvi mandar prover e ordenar as coisas que abaixo estão contidas, as
quais, além das outras ordenanças e provisões que em diversos tempos temos
mandado fazer, segundo aparecerá por elas, mandamos que sejam doravante
guardadas como leis inviolavelmente.
1. Primeiramente, ordenamos e mandamos que os membros do nosso
Conselho das (ndias que residem em nossa corte se reúnam três horas cada dia
pela manhã e além disso às tardes todas as vezes e pelo tempo que for necessário,
conforme a ocorrência dos negócios, e doravante o façam como e da maneira
que até aqui se tem feito.
2. E porque no dito nosso Conselho há vários juizes, ordenamos e mandamos
que o negócio que todos eles examinarem, sendo a causa de quinhentos pesos
de ouro, ou daí para cima, na resolução dela haja três votos iguais; mas se a
causa for de quantidade menor do que os ditos quinhentos pesos, mandamos
que havendo dois votos plenamente iguais, e sendo os outros votos diferentes
entre si, a possam decidir e decidam, e que até a dita quantidade de quinhentos
pesos, para resolução mais breve dos negócios, dois membros do dito nosso
Conselho possam apreciar e resolver, estando de acordo entre si.
3. Item, porque nós temos mandado de novo fazer certas ordenanças para
as nossas Audiências da Nova Espanha, Peru, Guatemala, Nicarágua e da Ilha
Hispaniola acerca da ordem e maneira que devem ter na apreciação e resolução
das causas que nelas se apresentarem e na provisão das outras coisas relativas
ao bom governo e conservação daquelas partes e naturais delas, e para que os
membros do dito nosso Conselho tenham mais presente o que está provido e
mandado às ditas Audiências, e não apreciem nem advoguem causas nem coisa
contrária delas, mandamos incorporá-las aqui, e mandamos que os ditos nosso
presidente e os membros do nosso Conselho das índias as guardem e cumpram
como nelas está contido, e contra o teor e forma delas não advoguem nem
julguem causa alguma.
4. Item, ordenamos e expressamente proibimos que nenhum criado, fami­
liar nem parente do presidente, dos membros do dito nosso Conselho, do
secretário, do fiscal, do relator, seja procurador nem solicitador em nenhum
negócio das índias, sob pena de desterro do reino durante dez anos, e o membro
do Conselho e pessoas acima citadas que souberem disso mandaremos punir e
remediar como coisa de que nos consideramos desservidos.
5. Item, ordenamos e mandamos que os do dito nosso Conselho das índias
sejam obrigados a quardar e guardem todas as leis e ordenanças destes nossos
reinos, especialmente as que forem feitas para os membros do nosso Conselho
real e para os ouvidores das nossas Audiências e outros juizes dos ditos reinos
acerca de não receberem nada dado nem oferecido nem emprestado pelos
litigantes e outros negociantes e pessoas que tenham ou se espera ter negócios
com eles, nem escrevam nenhuma carta de recomendação para as índias, sob
as penas contidas nas ditas leis e ordenanças.
6. Item, para que os ditos presidente e membros do nosso Conselho das
índias estejam mais desocupados para se dedicarem às coisas do governo

79R
daquelas partes, ordenamos e mandamos que se abstenham, em tudo o que for
possível, de se engajar em negócios particulares, porque para este fim temos
provido e mandado o que se refere às ditas Audiências e negócios que nelas se
hão de tratar, e apesar de o exame das prestações de contas ser coisa própria
que parece que se devia fazer no Conselho, mas, para que o assunto do governo
tenha melhor resultado e se dediquem a ele com mais cuidado e menos ocupação
de outros negócios, e pela grande distância que há vinda a estes reinos,
mandamos que apenas sejam trazidas ao dito nosso Conselho das índias as
prestações de contas e visitas que forem tomadas dos ouvidores e pessoas das
Audiências e as que se tomarem de nossos governadores de todas as índias e
províncias delas, e todas as demais permitimos e mandamos que se vejam e
provejam, sentenciem e determinem pelas ditas Audiências, cada uma em seu
distrito e jurisdição.
7. E porque nosso principal intento e vontade sempre foi e é a conservação
e aumento dos índios e que sejam instruídos e ensinados nas coisas de nossa
santa fé católica e bem tratados como pessoas livres e vassalos nossos, como
são, encarregamos e mandamos aos membros do dito nosso Conselho que
tenham sempre muito grande atenção e especial cuidado sobretudo da conser­
vação e bom governo e tratamento dos ditos índios, e de saber como se cumpre
e executa o que por nós está ordenado e se ordenar para o bom governo das
nossas índias e administração da justiça nelas, e de fazer com que se guarde,
cumpra e execute, sem que nisso haja remissão, falta nem descuido algum.
8. Item, encarregamos e mandamos aos membros do dito nosso Conselho
das índias que de vez em quando conversem e se ocupem em pensar e saber em
que coisas nós podemos com justiça ser servidos e ter proveito nas coisas das
índias.
9. Para que a guarda, cumprimento e observação do que está ordenado e
se ordenar para o bom govemo e conservação das índias é muito importante
para nosso serviço e para o desencargo de nossa consciência assim se faça,
mandamos ao nosso procurador fiscal que é ou for do dito nosso conselho tenha
sempre muito cuidado e vigilância em inquirir e saber como se guarda e cumpre
naquelas partes e dar aviso disso ao dito nosso Conselho e pedir a execução nos
que não cumprirem isso e a observação do que está ordenado, e de avisar-nos
quando não se fizer.
10. Item, ordenamos e mandamos que nas províncias ou reinos do Peru
resida um vice-rei e uma Audiência real com quatro ouvidores letrados, e o dito
vice-rei presida a dita Audiência, a qual residirá na Ciudad de los Reyes, por ser
local mais conveniente, porque doravante não haverá Audiência no Panamá.
11. Outrossim, mandamos que se ponha uma Audiência real no território
da Guatemala e Nicarágua, na qual haja quatro ouvidores letrados, e um deles
seja presidente, como por nós for ordenado, e no presente mandamos que presida
o licenciado Maldonado, que é ouvidor da Audiência que reside no México, e
que essa Audiência tenha a seu encargo o govemo das ditas províncias e as que
se limitam com elas, nas quais não haverá governadores, a não ser que por nós
for ordenado outra coisa; e tanto as ditas Audiências como a que reside em São
Domingos hão de guardar a ordem seguinte:

729
6lt7
12. Primeiramente, queremos, ordenamos e mandamos que de todas as
causas criminais que estão pendentes e que penderem e ocorrerem doravante
em qualquer das quatro Audiências reais das índias, de qualquer qualidade e
importância que sejam, sejam julgadas, sentenciadas e determinadas nas ditas
nossas Audiências em vista e em grau de revista, e que a sentença que assim se
der seja executada e levada a devido efeito sem que haja mais grau de apelação
nem suplicação nem outro recurso nem remédio algum, e para poder evitar a
demora que poderia haver e os grandes danos, custas e gastos que se seguiriam
para as partes, se tivessem de vir ao nosso Conselho das índias em prossegui­
mento de quaisquer pleitos e causas cíveis de que se apelasse das ditas nossas
Audiências, e para que com maior brevidade e menos dano consigam sua justiça,
ordenamos e mandamos que em todas as causas cíveis que estiverem movidas
ou se moverem e penderem nas ditas nossas Audiências, os ditos nossos
presidentes e ouvidores que delas são ou forem, julguem-nas, as sentenciem e
determinem em vista e em grau de revista, e que também a sentença que por
eles for dada em revista seja executada sem que delas haja mais grau de apelação
nem suplicação nem nenhum outro recurso, exceto quando a causa for de
qualidade e importância tal que o valor da propriedade dela for de dez mil pesos
de ouro e acima disso, que em tal caso queremos que se possa suplicar pela
segunda vez à nossa pessoa real, devendo a parte que interpuser a dita segunda
suplicação se apresentar e se apresente perante nós dentro de um ano depois
que a sentença de revista lhe for notificada ou a seu procurador, mas queremos
e mandamos que, não obstante a dita segunda suplicação, a sentença que os
ouvidores das ditas nossas Audiências tiverem dado em revista sejam executa­
das, dando a parte em cujo favor for dada primeiramente garantia suficiente e
abonada de que, se a dita sentença for revogada, restituirá e pagará tudo o que
por ela tiver-lhe sido e for adjudicado e entregue, conforme a sentença que for
dada pelas pessoas a quem por nós for encarregada, mas se a sentença de revista
que se der nas ditas nossas Audiências for sobre posse, declaramos e mandamos
que não tenha lugar a dita segunda suplicação, mas que a dita sentença de
revista, embora não seja igual à de vista, seja executada.
13. Item, ordenamos e mandamos que os juizes a quem nós confiarmos a
tal causa de segunda suplicação vejam e concluam a causa pelo mesmo processo
que tiver sido feito na dita nossa Audiência, sem admitir mais provas nem outras
alegações, de acordo com as leis de nossos reinos que falam da segunda
suplicação.
14. E para que as ditas nossas Audiências tenham a autoridade que convém
e se cumpra e obedeça melhor ao que nelas se prover e mandar, queremos e
mandamos que as cartas, provisões e outras coisas que nelas forem providas,
sejam despachadas e expedidas como documento nosso e com nosso selo real,
as quais sejam obedecidas e cumpridas como cartas e provisões nossas, assinadas
com o nosso nome real.
15. Item, porque em cada uma das ditas nossas Audiências deverá haver
quatro ouvidores, mandamos que o negócio que todos os quatro virem, sendo a
causa de quinhentos pesos de ouro e acima disto, na determinação dela haja
três votos iguais, mas se a causa for de quantidade menor do que quinhentos
pesos, mandamos que sejam dois votos plenamente iguais, sendo os outros dois

730
diferentes entre si, e que até a dita quantidade de quinhentos pesos, para
expedição mais rápida dos negócios, podem apreciar, ouvir e determinar dois
dos ditos nossos ouvidores, estando concordes.
16. Outrossim, mandamos que as apelações que forem interpostas pelos
governadores onde não há Audiência real vão para a Audiência daquele distrito
e jurisdição, e nestes casos mandamos que se guardem as leis destes reinos que
não permitem que haja segunda suplicação.
17. Item, mandamos que em tudo o que aqui não está declarado nem
determinado os ditos nossos presidentes e ouvidores das ditas nossas Audiências
sejam obrigados a guardar e guardem as ordenanças que por nós lhes foram
dadas e as ordenanças feitas para as nossas Audiências com sede na cidade de
Granada e vila de Valladolid, e os capítulos de corregedores e juizes de residência
e as leis destes nossos reinos e ordenanças reais.
18. Item, ordenamos e mandamos que os ditos nossos presidentes e
ouvidores podem enviar e enviem a tomar prestação de contas dos nossos
governadores sujeitos às ditas nossas Audiências e seus oficiais e das outras
nossas justiças ordinárias delas, sempre que lhes parecer conveniente, segundo
se apresentarem os casos, e para isso enviem pessoas de fidelidade e prudência
que as saibam tomar e fazer justiça aos queixosos deles que houver, de acordo
com as leis de nossos reinos e os capítulos de corregedores deles, e que as ditas
prestações de contas que se tomarem dos ditos nossos governadores de ilhas e
províncias sejam enviadas com toda brevidade ao dito nosso Conselho das índias,
para que nele sejam vistas e determinadas, mas todas as outras prestações de
contas que se tomarem das outras nossas justiças ordinárias queremos e
mandamos que sejam vistas e providas, sentenciadas e determinadas pelos ditos
nossos presidentes e ouvidores das ditas nossas Audiências, e que não sejam
trazidas nem enviadas ao dito nosso Conselho; e por isto não se entende que os
membros do nosso Conselho não possam enviar para tomar prestação de contas
dos ditos governadores, quando parecer que convém.
'■k'\ 19. Porque uma das coisas mais principais que nas Audiências hão de
servir-nos é em ter cuidado muito especial do bom tratamento dos indios e
conservação deles, mandamos que se informem sempre dos excessos e maus-
tratos que lhes são ou forem feitos pelos governadores ou pessoas particulares,
e como guardaram as ordenanças e instruções que lhes foram dadas e para o
bom tratamento deles estão feitas, e no que se tiver excedido ou exceder
doravante tenham cuidado de remediar, castigando os culpados com todo rigor,
conforme a justiça, e que não permitam que nos pleitos entre índios ou com eles
se façam processos ordinários nem haja demora, como costuma acontecer por
causa da malícia de alguns advogados e procuradores, mas que sumariamente
sejam determinados, guardando sues usos e costumes, não sendo claramente
injustos, e que tenham as ditas Audiências cuidado que assim seja guardado
pelos outros juizes inferiores.
20. Item, ordenamos e mandamos que doravante por nenhuma causa, nem
de guerra nem outra nenhuma, embora seja sob título de rebelião, nem por
resgate nem de outra maneira, se possa escravizar índio nenhum, e queremos
que sejam tratados como vassalos nossos da coroa de Castela, pois o são.
ozv 21. Nenhuma pessoa possa servir-se dos índios através de naboría nem tapia
nem outro modo algum, contra sua vontade.
22. Como temos mandado prover que doravante por maneira alguma os
índios sejam escravizados, também os que até agora foram escravizados contra
a razão e o direito e contra as provisões e instruções dadas, ordenamos e
mandamos que as Audiências, chamadas as partes, sem dúvida, sumária e
brevemente, sabida a verdade, os ponham em liberdade, se as pessoas que os
tiverem por escravos não mostrarem título de que os têm e possuem legitima­
mente, e para que por falta de pessoas que solicitem o sobredito os índios não
fiquem como escravos injustamente, mandamos que as Audiências ponham
pessoas que sigam esta causa pelos índios, e sejam pagas das penas de câmara
e sejam homens de confiança e diligência.
23. Item, mandamos que a respeito de impor cargas aos ditos índios as
Audiências tenham cuidado especial de não serem carregados, ou em caso de
isto não poder ser evitado em algumas partes, seja de tal maneira que da carga
imoderada não se siga perigo para a vida, saúde e conservação dos ditos índios,
e que contra a vontade deles e sem serem pagos, em nenhum caso se permita
que possam ser carregados, castigando muito gravemente quem fizer o contrá­
rio; e nisto não deve haver remissão por respeito de pessoa alguma.
24. Porque nos foi feito relação que a pescaria das pérolas tem sido feita
sem a boa ordem que convinha e seguiram-se mortes de muitos índios e negros,
mandamos que nenhum índio livre seja levado à dita pescaria contra sua
vontade, sob pena de morte, e que o bispo e o juiz que for à Venezuela ordenem
o que lhes parecer para que os escravos que estão na dita pescaria, tanto índios
como negros, se conservem, e cessem as ditas mortes, e se lhes parecer que não
se pode evitar o perigo de morte para os ditos indios e negros, cesse a pescaria
das ditas pérolas, porque temos em muito mais estima, como é razão, a
conservação de suas vidas do que o lucro que nos pode vir das pérolas.
25. Porque pelo fato de os vice-reis, governadores e seus tenentes, oficiais
nossos, prelados, mosteiros, hospitais e casas, tanto de religião como de casas
da moeda e tesouraria dela e ofícios de nossa fazenda e outras pessoas favore­
cidas por razão dos ofícios terem índios encomendados seguiram-se desordens
no tratamento dos ditos índios, é nossa vontade e mandamos que imediatamente
sejam reservados à nossa coroa real todos os índios que têm e possuem, por
qualquer título ou causa que seja, os que forem ou são vice-reis, governadores
ou seus lugares-tenentes ou quaisquer oficiais nossos, tanto de justiça como de
nossa fazenda, prelados, casas de religião ou de nossa fazenda, hospitais,
confrarias ou outras semelhantes, embora os índios não lhes tenham sido
encomendados por razão dos ofícios; e mesmo que os tais oficiais ou governa­
dores digam que querem deixar os ofícios ou governo e ficar com os índios, não
lhes valha nem por isso se deixe de cumprir o que mandamos.
26. Outrossim, mandamos a todas as pessoas que tiverem índios sem ter
título, mas que por sua autoridade se apoderaram deles, lhos sejam tirados e
reservados à nossa coroa real.
27. E porque fomos informados que outras pessoas, embora tenham título,
os repartimentos que lhes foram dados são em quantidade excessiva, mandamos

732
que as Audiências, cada qual em sua jurisdição, se informem muito bem disto e
com toda brevidade, e reduzam os tais repartimentos das pessoas ditas a uma
quantidade honesta e moderada, e os demais sejam logo reservados à nossa
coroa real, não obstante qualquer apelação ou suplicação que pelas tais pessoas
seja interposta, e do que assim fizerem as ditas Audiências nos enviem relação
com brevidade para que saibamos como se cumpre nosso mandato; e na Nova
Espanha se proveja especialmente nos índios que tem Juan Ynfante, Diego de
Ordás, o mestre Roa, Francisco Vázquez de Coronado, Francisco Maldonado,
Bemardino Vázquez de Tapia, Joan Xaramillo, Martin Vázquez, Gil Gonçález de
Benavides, Gil Gonçález de Ávila (estes dois Gil Gonçález são uma mesma
pessoa) e muitas outras pessoas, pois diz-se que o número de índios que têm é
em quantidade muito excessiva, segundo a informação que nos foi dada; e
porque estamos informados que há algumas pessoas na dita Nova Espanha que
são dos primeiros conquistadores e não têm repartimento nenhum de índios,
mandamos que o presidente e ouvidores da dita Nova Espanha se informem
sobre estas pessoas e lhes dêem nos tributos que tiverem de pagar os índios, que
tirem o que lhes parecer para o sustento moderado e honesto dos ditos primeiros
conquistadores que assim estão sem repartimentos.
28. as ditas Audiências se informem também como foram tratados os índios
pelas pessoas que os têm tido em encomenda, e se constar que de justiça devem
ser privados deles devido aos excessos e maus tratos que fizeram a eles,
mandamos que logo os privem, e reservem os tais índios a nossa coroa real; e
no Peru, além do sobredito, o vice-rei e Audiência se informem dos excessos
feitos nas coisas sucedidas entre os governadores Pizarro e Almagro, para nos
enviar relação disso, e às pessoas principais que claramente acharem culpadas
naquelas revoluções, lhes tirem logo os índios que tiverem e os reservem a nossa
coroa real.
29. Outrossim, ordenamos e mandamos que doravante nenhum vice-rei,
governador, Audiência, descobridor nem outra pessoa alguma possam encomen­
dar índio por nova provisão nem por renúncia nem doação, venda nem outra
qualquer forma, modo, nem por vocação nem herança, mas, morrendo a pessoa
que tiver os ditos índios, sejam reservados à coroa real, e as Audiências se
encarreguem de se informar logo particularmente da pessoa que morreu e do
estado dela, seus méritos e serviços, e de como tratou os ditos índios que tinha
e se deixou mulher e filhos ou outros herdeiros, e nos enviem a relação e da
qualidade dos índios e da terra, para que nós mandemos prover o que for nosso
serviço e fazer a mercê que nos parecer à mulher e aos filhos do defunto; e se
entretanto parecer à Audiência que há necessidade de prover à tal mulher e
filhos de algum sustento, possam fazê-lo dos tributos que pagarão os ditos índios,
dando-lhes alguma quantidade moderada, estando os índios reservados à nossa
coroa, como está dito.
30. Item, ordenamos e mandamos que os ditos nossos presidentes e
ouvidores tenham muito cuidado que os índios que em qualquer das maneiras
sobreditas forem tirados e os que vagarem sejam muito bem tratados e instruídos
nas coisas de nossa santa fé católica e como vassalos nossos livres, que há de
ser seu principal cuidado e do que principalmente havemos de exigir contas
deles e em que mais nos hão de servir, e provejam que sejam governados em

733
IIP justiça da maneira e ordem que são governados atualmente na Nova Espanha
os índios que estão reservados à nossa coroa real.
31. E porque éjusto que os que serviram nos descobrimentos das ditas índias
e também os que ajudam ao povoamento delas, que têm lá suas mulheres, sejam
preferidos nos aproveitamentos, mandamos que os nossos vice-reis, presidentes
e ouvidores das ditas nossas Audiências prefiram na provisão das corregedorias
e outros aproveitamentos quaisquer os primeiros conquistadores e depois deles
os outros povoadores casados, sendo pessoas hábeis para isso, e até que estes
sejam providos, como está dito, não se possa prover outra pessoa nenhuma.
32. Porque do fato de se ter aceito pleitos dos espanhóis contra índios
seguiram-se notáveis inconvenientes, é nossa vontade e mandamos que dora­
vante não se aceitem os tais pleitos nem nas índias nem no nosso Conselho delas,
quer sejam sobre índios que estão reservados à nossa coroa, quer sejam posse
de terceiro, mas qualquer coisa que sobre isso se pedir, seja remetido a nós para
que, obtida a informação conveniente, mandemos prover; e qualquer pleito
sobre isto atualmente pendente, tanto em nosso Conselho como nas índias ou
em outra qualquer parte, mandamos que seja suspenso e não seja mais ouvido,
remetendo a causa a nós.
33. Porque uma das coisas de que fomos informados em que houve
desordem e no futuro poderia haver é a maneira dos descobrimentos, ordenamos
e mandamos que neles se tenha a seguinte ordem: quem quiser descobrir algo
por mar peça licença à Audiência daquele distrito ou jurisdição e, tendo-a, possa
descobrir e resgatar, contanto que não traga das índias ou Terra firme que
descobrir índio algum, embora diga que lhe foram vendidos como escravos e for
assim, exceto até três ou quatro pessoas para intérpretes, mesmo se quiserem
vir voluntariamente, sob pena de morte, e que não possa tomar nem ter coisa
contra a vontade dos índios, a não ser por resgate e à vista da pessoa que a
Audiência nomear, e que guardem a ordem e instrução que a audiência der, sob
perda de todos os seus bens e da pessoa à nossa mercê, e que o tal descobridor
leve como instrução que em todas as partes que chegar tome posse em nosso
nome e tenha toda a autoridade.
34. Item, que o tal descobridor volte para prestar contas à Audiência do que
tiver feito e descoberto e, com relação completa que tomar disso, a Audiência
envie ao nosso Conselho das índias para que se proveja o que for conveniente
ao serviço de Deus e nosso, e o tal descobridor, ou seja encarregado da povoação
do que tiver descoberto, sendo pessoa hábil para isso, ou se lhe faça a gratificação
que formos servidos, conforme ao que houver trabalhado, merecido e gasto, e a
Audiência enviará com cada descobridor um ou dois religiosos, pessoas aprova­
das, e se os tais religiosos quiserem ficar na terra descoberta, possam fazê-lo.
35. Item, que nenhum vice-rei nem governador se dedique a descobrimentos
novos nem por mar nem por terra, pelos inconvenientes que se seguiram de ser
uma mesma pessoa governador e descobridor.
36. Item, porque foram tomados e feitos contratos e capitulações com
algumas pessoas que atualmente estão engajadas em descobrir, queremos e
mandamos que nos tais descobrimentos guardem o conteúdo destas ordenanças
e mais as instruções que as Audiências lhes derem, que não forem contrárias ao

7^4
por nós ordenado, não obstante quaisquer capitulações que com eles se tenham
feito, sabendo que se não as guardarem e em algo excederem, por isso mesmo,
ipso facto, sejam suspensos dos cargos e incorram em perda de todas as mercês
que de nós tiverem, e além disso as pessoas estejam à nossa mercê; e mandamos
às Audiências, e a cada uma delas em seu distrito e jurisdição, que dêem aos
ditos descobridores as instruções que julgarem convenientes, conforme ao que
poderão inferir de nossa intenção, segundo o que mandamos ordenar para que
de modo mais justo se façam os ditos descobrimentos, e para que os índios sejam
bem tratados, conservados e instruídos nas coisas de nossa santa fé, e que sempre
tenham especial cuidado de saber como se guarda isso e de fazer executar.
37. Além do sobredito mandamos às ditas pessoas, que por nosso mandato
estão descobrindo, que no território descoberto façam logo a taxação dos
tributos e serviços que os índios devem dar como vassalos nossos, e o tal tributo
seja moderado, de maneira que o possam suportar, prestanto atenção à conser­
vação dos ditos índios, e com o tal tributo se acuda ao encomendeiro, onde
houver, de maneira que os espanhóis não tenham familiaridade nem amizade
com os índios, nem poder nem mando algum, nem se sirvam deles através da
naboría nem de outra maneira, nem em pouca nem em muita quantidade, nem
devem mais usufruir de seu tributo, conforme à ordem que a Audiência ou
governador der para a cobrança dele, e isto entretanto que nós, informados da
qualidade da terra, mandemos prover o que for conveniente; e isto seja posto
entre as outras coisas na capitulação dos ditos descobridores.
38. Muitas vezes acontece que pessoas que residem nas índias vêm ou
enviam para nos suplicar que lhes façamos mercê de algumas coisas das de lá,
e por não ter aqui informação tanto do estado da pessoa que suplica, de seus
méritos e habilidade como da coisa que pede, não se pode prover com a satisfação
que seria conveniente, por isso mandamos que a tal pessoa manifeste na
Audiência de lá o que nos pretende suplicar para que a dita Audiência se informe
tanto da qualidade da pessoa como da coisa, e envie a tal informação fechada e
selada com seu parecer ao nosso Conselho das fndias, para que com isso se tenha
mais clareza para o que for conveniente a nosso serviço que se proveja.
39. É nossa vontade e mandamos que os índios que atualmente vivem nas
ilhas de San Juan, Cuba e Hispaniola, agora e pelo tempo que for nossa vontade,
não sejam molestados com tributos nem outros serviços reais nem pessoais nem
mistos, mais do que são os espanhóis que nas ditas ilhas residem, e os deixem
folgar para que melhor possam se multiplicar e serem instruídos nas coisas de
nossa santa fé católica, para o que sejam dadas pessoas religiosas aptas para
este fim.
As ditas ordenanças e as coisas conddas nesta carta e cada coisa e parte
dela mandamos a todos e a cada um de vós nos ditos vossos lugares e jurisdições,
segundo foi dito, que com grande diligência e especial cuidado as guardeis,
cumprais, executeis e façais guardar, cumprir e executar em tudo e por tudo,
como está contido nesta nossa carta, e contra seu teor e forma não vades nem
passeis nem consintais ir nem passar agora nem em tempo algum nem de
maneira alguma, sob as penas nela contidas. E para que todo o sobredito seja
mais conhecido, especialmente pelos naturais das ditas nossas índias, em cujo

735
benefício e proveito se ordena isto, mandamos que esta nossa carta seja impressa
e enviada a todas as nossas índias para os religiosos que nelas se dedicam à
instrução dos ditos índios, aos quais encarregamos que lá as façam traduzir para
a língua índia, para que melhor entendam e saibam o que foi provido. Nem uns
422
nem outros façais nem façam o contrário de maneira alguma sob pena da nossa
mercê e de mil castelhanos de ouro para a nossa câmara a cada um que fizer o
contrário; além disso mandamos a quem vos mostrar esta carta que vos dê prazo
para comparecerdes a esta nossa corte, onde quer que estejamos, dentro de um
ano a partir do dia em que vos intimar, sob a dita pena; sob a qual mandamos
a qualquer escrivão público que para isto for chamado que ao que vo-la mostrar
dê ali testemunho assinado com sua assinatura para que nós saibamos como se
cumpre nosso mandado. Dada na Cidade de Barcelona, aos vinte dias do mês
de novembro do ano do nascimento de Nosso Salvador Jesus Cristo de mil e
quinhentos e quarenta e dois.
Eu, el-Rei (rubrica).
Eu, Joan de Samano, secretário de suas cesárias e católicas majestades, a
fiz escrever por seu mandato (rubrica).
O que se ordena para o Conselho e Audiências das índias, govemo delas e
conservação dos índios.
Frater Garcia, cardinalis hispalensis (rubrica).
Doutor Guevara (rubrica).
Doutor Figueiroa (rubrica).
Registrada, Ocho a de Luyando (rubrica).
Selo real em cera vermelha (perdido).
Pelo Chanceler, Ochoa de Luyando (rubrica).

II

Dom Carlos, pela divina clemência Imperador sempre augusto, Rei de


Alemanha, dona Joana, sua mãe, e o mesmo dom Carlos pela graça de Deus Reis
de Castela, de Leão, de Aragão, das duas Sicílias, de Jerusalém, de Navarra, de
Granada, de Toledo, de Valência, de Galícia, de Mallorcas, de Sevilha, de
Sardenha, de Córdoba, de Córsega, de Múrcia, de Jaén, dos Algarves, de Algezira,
de Gibraltar, das Ilhas Canárias, das índias, ilhas e Terra firme do mar Oceano,
condes de Barcelona, senhores de Vizcaya e de Molina, duques de Atenas e de
Neopátria, condes de Ruysellón e da Sardenha, marqueses de Oristán e de
Gorciano, arquiduques de Áustria, duques de Borgonha e de Bravantes, condes
de Flandres, e Tirol, etc. Ao ilustríssimo príncipe dom Felipe, nosso mui caro e
muito amado neto e filho, e aos infantes, nossos netos e filhos, e ao presidente
e membros do nosso Conselho das índias e aos nossos vice-reis, presidentes e
ouvidores das nossas Audiências das ditas nossas índias, ilhas e Terra firme do
mar Oceano, e nossos governadores, alcaides maiores e outras nossas justiças
delas, e a todos os conselhos, justiças, regedores, cavaleiros, escudeiros, oficiais
e homens bons de todas as cidades, vilas e povoados das ditas nossas índias,

736
ilhas e Terra firme do mar Oceano, descobertas e por descobrir, e a outras
quaisquer pessoas, capitães, descobridores e povoadores, moradores e habitan­
tes estalececidos e naturais dela, de qualquer estado, qualidade, condição e
preeminência que seja, tanto aos que agora sois como os que forem doravante,
e a cada um e qualquer de vós, a quem esta nossa carta for mostrada ou sua
cópia assinada por escrivão público, ou dela souberdes de qualquer maneira,
saúde e graça. Bem sabeis ou deveis saber que nós, tendo sido informados da
necessidade que havia de prover e ordenar algumas coisas que eram convenien­
tes para o bom govemo das ditas índias e o bom tratamento dos naturais delas
e administração de nossa justiça, com muita deliberação e acordo mandamos
fazer sobre isso certas ordenanças, das quais na cidade de Barcelona aos vinte
e dois dias do mês de novembro do ano passado de mil e quinhentos e quarenta
e dois foi dada nossa carta e provisão real, assinada por mim, o Rei; e porque
depois aqui pareceu ser necessário e conveniente declarar e acrescentar algumas
coisas em algumas das ditas ordenanças e acrescentar outras, mandamos aos
membros do dito nosso Conselho das índias que tratassem e discutissem a
provisão e a ordem que nisso se deveria dar, os quais, tendo diversas vezes
tratado e conferido muito particularmente e comigo, o Rei, consultado, foi
resolvido que a respeito disso devíamos mandar prover e ordenar as coisas que
abaixo serão declaradas, as quais queremos e mandamos que sejam incorporadas
às ditas ordenanças de que acima se faz menção, e que doravante sejam
guardadas, cumpridas e executadas inviolavelmente como leis, com as declara­
ções e adições nesta nossa carta contidas.
40. Primeiramente, por um capítulo das ditas ordenanças está mandado
que, porque na Nova Espanha há algumas pessoas que são dos primeiros
conquistadores e não têm nenhum repartimento de índios, o presidente e
ouvidores da Audiência da dita Nova Espanha se informem das pessoas que estão
nesta condição e lhes dêem, tirando-se dos tributos que os índios tiverem de
pagar, conforme ao que está contido nas ditas ordenanças, o que julgarem
conveniente para o sustento e entretenimento honesto dos ditos primeiros
conquistadores que assim estão sem repartimento. E por outro capítulo das ditas
ordenanças mandamos que os nossos vice-reis, presidentes e ouvidores das ditas
nossas Audiências das ditas nossas índias, na provisão dos corregimentos e
outros postos quaisquer, prefiram os primeiros conquistadores e depois deles os
povoadores casados, sendo pessoas hábeis para isso, e que enquanto estes não
estiverem providos, como está dito, não se possa prover nenhuma outra pessoa;
e porque fomos informados que na dita Nova Espanha há alguns filhos dos
primeiros conquistadores que não somente não têm índios, mas ficaram pobres
e não têm com que se sustentar, e por causa disso mandamos pelas ditas
ordenanças que o dito sustento e honesto entretenimento sejam dados aos
primeiros conquistadores que estiverem sem repartimentos, e que prefiram estes
na provisão dos corregimentos e outros aproveitamentos quaisquer, os quais
estando mortos não se poderia executar nos ditos seus filhos a mercê que
mandamos fazer a seus pais, declaramos e mandamos que com os filhos dos
primeiros conquistadores da dita Nova Espanha que não tiverem repartimento
de índios e ficaram pobres, sendo nascidos de matrimônio legítimo, se realizem
neles os ditos capítulos, como se fizera a seus pais, se fossem vivos, e que a estes

7.1?
tais, tendo habilidade e idade, o nosso vice-rei que é ou for da dita Nova Espanha
lhes dê e proveja de corregimentos e outros aproveitamentos nela, e aos que
entre eles não tiverem idade para isso lhes dêem dos ditos tributos que os ditos
índios pagarão, do que para isso se tirará o que lhes parecer para se criarem e
sustentarem.
cn 41. Outrossim, porque fomos informados que os espanhóis que têm repar-
^ timentos de índios na Nova Espanha não residem nas províncias e partes onde
têm os índios, pois alguns que têm índios na província da Nova Galícia e na
província de Pánuco e em outras partes onde há governadores nossos vão viver
em México e em outros povoados das ditas províncias, ordenamos e mandamos
que doravante qualquer pessoa que tiver índios encomendados numa província
resida nela e que, se se ausentar sem licença expressa nossa ou de nossos vice-reis
e Audiências, lhes sejam tirados todos os índios que assim tiverem na província
de onde se ausentarem, e sejam reservados à nossa coroa real.
42. E porque nós, sendo informados que uma das coisas em que os índios
e naturais das ditas nossas índias recebem agravo das pessoas que os tiveram e
têm encomendados foi pedir-lhes e levar deles mais tributos do que eles podiam
facilmente pagar, por nossas provisões provemos e mandamos que antes de tudo
se fizesse a taxação do que os ditos índios daí em diante deviam pagar, tanto
pêlos que estão reservados a nós e à coroa real como pelos que estão encomen­
dados a outras pessoas particulares, e embora isto se tenha realizado na Nova
Espanha não temos relação de que tenha sido feito no Peru nem em outras
províncias, devido a impedimentos que surgiram, portanto encarregamos e
mandamos aos nossos presidentes e ouvidores das ditas quatro Audiências, cada
uma em seu distrito e jurisdição, que logo se informem do que os ditos índios
podem facilmente pagar de serviço ou tributo sem incômodo seu, tanto a nós
como às pessoas que os tiverem em encomenda e, atendendo a isto, lhes taxem
os ditos tributo e serviços, de maneira que sejam menos do que o que costuma­
vam pagar no tempo dos caciques e senhores que os tinham antes de vir à nossa
obediência, para que percebam a vontade que temos de lhes relevar e fazer mercê
e, assim declarado o que devem pagar, façam um livro dos povos, povoadores e
tributos que assim assinalarem para que os ditos índios e naturais saibam que
é aquilo que devem e hão de pagar a nossos oficiais e aos ditos encomendeiros,
e aos ditos nossos oficiais e pessoas que em nosso nome estiverem encarregados
da cobrança dos ditos tributos e às outras pessoas que os tiverem encomendados
e por eles tiverem de receber e cobrar mandamos que cobrem aquilo e não mais;
e para que nisto haja a razão e clareza que convém e não possa haver fraude no
sobredito, mandamos às ditas nossas Audiências que da taxação dos tributos
que assim fizerem deixem em cada povoado o que couber a ele, assinado com
seus nomes, em poder do cacique ou principal do tal povoado, avisando-o através
de intérprete do seu conteúdo, e outra cópia disso dêem à pessoa que tiver de
haver e cobrar os ditos tributos, e além disso façam um livro de toda a dita
taxação, o qual tenham na dita Audiência e enviem aos membros do nosso
Conselho das índias um traslado dele.
43. Item, considerando como consideramos os naturais das ditas nossas
índias, ilhas e Terra firme do mar Oceano nossos vassalos livres, como são os
destes nossos reinos, nos consideramos obrigados a mandar que sejam bem

738
tra ta d o s em su as pesso as e b e n s, e n o ssa in te n ç ã o e v o n ta d e é q u e assim se faça.
P o rta n to , o rd en am o s e m a n d a m o s q u e os d ito s ín d io s e n a tu ra is d a s d ita s n o ssas
ín d ias sejam m u ito b e m tra ta d o s co m o v assalo s n o sso s e p e sso as livres, com o
são, ta n to p elas n o ssas ju s tiç a s, p ro c u ra d o re s e oficiais q u e e m n o sso n o m e
co b ra re m os trib u to s d eles e o u tra s q u a is q u e r p esso a s q u e os tiv erem e n c o m e n ­
dad o s, com o p o r todo s os o u tro s n o sso s sú d ito s e n a tu r a is e p o v o ad o res q u e p a ra
as d ita s n o ssas ín d ia s fo ram o u fo rem , q u e n ã o lh e s façam m al n e m d a n o em
su as p esso as e b en s n e m to m e m c o n tra a v o n ta d e d eles coisa a lg u m a , exceto os
trib u to s q u e lh es estã o o u fo rem ta x a d o s de ac o rd o com n o ssa s p ro v isõ es e
o rd e n a n ç a s q u e sob re a d ita ta x a ç ã o e stã o d a d a s o u se d ere m , so b p e n a de
q u a lq u e r p essoa q u e m a ta r o u fe rir o u p u s e r as m ão s in ju rio sas em q u a lq u e r
índio o u to m a r su a m u lh e r o u filh a o u fizer o u tra v io lên cia o u ag rav o seja
c astig ad o con fo rm e as leis d este s re in o s e .a s p ro v isõ es e o rd e n a n ç a s p o r nós
feitas acerca d o so b red ito .
44. Item, que nenhum espanhol que tiver índios encomendados ouse levar
tributo algum deles sem que primeiro seja moderado e traxado por nossos
vice-reis e Audiências e outras pessoas que para isso por nós ou pelos ditos
vice-reis e Audiências forem delegados o que tiver de levar, e feita a taxação,
nenhum espanhol ouse, nem direta nem indiretamente, por si nem por outra
pessoa, por causa nem pretexto algum, mesmo que diga que os índios íhe foram
dados voluntariamente, nem por resgaste ou em recompensa de alguma coisa
que lhes foi dado, de levar coisa alguma além do que for taxado, sob pena que
por qualquer caso dos sobreditos, pelo mesmo fato seja privado dos ditos índios
e reservados à nossa coroa real, e no processo e execução do sobredito se proceda
assim que se souber da verdade, sem nenhuma apelação. Permitimos porém que
coisas de comer e beber e outros mantimentos necessários possam ser compra­
dos dos ditos índios, pagando-lhes o preço justo, como lho pagaria outro
espanhol estranho, e que o mesmo guardem os nossos oficiais nos tributos que
hão e cobrar dos índios que estão reservados à nossa coroa real, sob pena de
perda de seus ofícios, além de devolverem o quádruplo para nossa câmara.
45. E para que nós tenhamos notícia completa de nossa fazenda, mandamos
que os nossos oficiais de todas as nossas índias, ilhas e Terra firme do mar
Oceano nos enviem no fim de cada ano uma prestação de contas de seu cargo
de tudo o que tiverem recebido e cobrado aquele ano, tanto de nossos quintos
e rendas de almoxarifado como dos tributos que receberem dos índios que
estiverem a nós reservados, e das penas de câmara e outras quaisquer rendas e
direitos nossos, pondo muito clara e especificadamente o que de cada coisa há
e fica em nosso cofre das três chaves, e tenham cuidado especial que tudo o que
assim receberem e cobrarem ponham e tenham no dito cofre das três chaves, e
que nenhuma coisa disso esteja fora do dito cofre, e que de três em três anos
enviem à casa da Contratação de Sevilha a conta por inteiro e particular de tudo
o que estiver a seu encargo durante aqueles três anos, pondo neles o cargo, data
e resolução dela, porque do contrário nós nos consideramos desservidos e o
mandaremos castigar com todo rigor. E encarregamos e mandamos que os
nossos presidentes e ouvidores das ditas nossas Audiências tenham cuidado
muito particular que os ditos nossos oficiais que residem nas ilhas e províncias

739
^r
<N

de seus distritos façam e cumpram tudo o que acima está contido e de nos avisar
do que não fizerem.
Queremos e mandamos que as ditas declarações e ordenanças contidas
nesta nossa carta e cada coisa e parte disto sejam guardadas, cumpridas e
executadas inviolavelmente e que tenham vigor e força de leis, como se tivessem
sido feitas nas Cortes, e mandamos a todos e a cada um de vós nos ditos vossos
lugares e jurisdições, segundo está dito, que com muita diligência e especial
cuidado as guardeis, cumprais e executeis e façais guardar, cumprir e executar
em tudo e por tudo, como nelas e em cada uma delas está contido, e contra o
teor e forma de seu conteúdo não vades nem passeis nem consintais ir nem
passar agora nem em tempo algum nem de maneira alguma; e para que sejam
melhor guardadas e cumpridas e mais público e notório a todos mandamos que
esta dita nossa carta seja impressa após a dita nossa provisão e ordenanças, para
que ninguém possa pretender ignorância disso. E nem uns nem outros façais o
contrário de maneira alguma, sob pena da nossa mercê e de cem mil maravedis
para nossa câmara. Dada na vila de Valladolid, aos quatro de junho de mil e
quinhentos e quarenta e três.
O Príncipe (rubrica).
Eu, Joan de Samanó, secretário de suas cesárias e católicas majestades, a
fiz escrever por mandato de sua alteza (rubrica).
Registrada, Ochoa de Luyando (rubrica).
Pelo Chanceler, Ochoa de Luyando (rubrica).
Selo real em cera vermelha (perdido).
Frater Garcia cardinalis hispalensis (rubrica).
Episcopus Conchensis (rubrica).
O Doutor Bemal (rubrica).
O licenciado Gutierre Velázquez (rubrica).
O licenciado Salmerón (rubrica).
Declaração de algumas das ordenanças que foram feitas para o bom governo
das índias e o bom tratamento dos naturais delas.
fonte original: A.G.I. Patronato, leg. 170, ramo 47. - A.G.I. Indiferente General, leg.
423, lib. 20, foi. 106-115.
fonte impressa: Anuário de Estúdios Americanos, vol. 2 (Sevilla, 1945), pág. 811-835
(editado por Antônio Muro Orejón). - GARCÍAICAZBALCETA, Colección, vol. 2,
pág. 204-227. - MORALES PADRON, Teoria y leyes, pág. 428-446.
ANEXO 10

Ordenanças de Francisco de Alfaro (1611)


CN
Núm. 56.

1611.—O f d e n a n z a s d e A l faro

«El Licenciado D. Francisco de Alfaro, Oidor de S. M. en la Real


Audiência de la Plata, Visitador de estas províncias y Gobernación dei
Paraguay y Rio de la Plata, y de la dei Tucumán por el Rey nuestro
Seôor:
«Por caanto S. M. por particular Cédula ha mandado se baga esta
Visita, por mucbas causas precisas que para ello ha habido: y el principal
efecto que qniere que tengj es para que se quite el semeio personal que
en estas províncias se ba usado: y los índios que en ella hay sean tasados,
para que paguen la tasa justa v moderada que pareciere convenir, como
se usa y acostumbra en los Reinos y províncias dei Pirú; como todo consta ■
v parece por la Real Cédula firmada de su Real mano y reírendada de
Gabriel de Hoa su Secret j.-io, su fedia en M;:driii, á veinte v siete de
Marzo de mil y seiscientos y seis anos, cuyo tenor es el siguienie:
(Aqui el núm. 55 con el núm. 54 en él inserio).
«Y p o r H a b e r s e e x c u s a d o el sefior Licenciado Alonso Maldocado de
ffS n é s de hacer la Visita, me no.ubrú para hacerla el senor D. Diego de
p j r tu g a l , Presidente de la Real Audiência, en diez de Setiernbre dei ano
p s a J o de seiscientos y diez, ante Juan Bautista de la Gasca, Escribano de
C icsara, y me fueron entregadas algunas Cédulas Reales y otras Provi-
427 siones de la dicha Real Audiência en la dicha razún. Porque la Real Cé-
J-jla no decide cosa de nuevo en cuanto á declarar no hafcerse podido
llevar el servicio personal; ames ejecuta el derecho antiguo fundado en
derecho canônico y natural y en Cédulas y Provisiones de M. Respecto
de lo cual, y de los grandes inconvenientes de que he tenido noticia £n esta
Visita, que han resultado dei mal uso que ha h a b id o de parte de los Gober-
nadores en el modo de las encomiendas que han hecho merced: y de parte
de los vecinos en el exceder en usar dei servicio de los dichos indios, con
violência algunas veces, en más de lo que han podido y debido llevar: sir-
viéndose d e algunas tnujeres y mucbachos y viejos, demás dei servicio de
los varones de trabajo; trayéndolos muy lejos de sus naturales á que les
hiciesen mita; trasladando á otros en sus chácaras, quitándoles la liberíad
de los matrimonios, especial á los que tienen en sus casas y chácaras; no
diaioles doctrina suficiente: que hay indios de diez anos y más encomen­
dados que sirven, que muchos no son cristianos, ni aun están mediana­
mente instruídos en nuestra santa fe Católica: De donde ha venido á estar
este nombre de cristiano no en buena opinión entre los bárbaros: que alíru-
nos no lo han querido recibir: y otros se han huído diferentes veces, y ídose
á ladroneras, por excusarse de la opresión en que ven que los demás están
y ellos mismos han estado: y con este color han sido maloqueados v debe
lados contra las expresas Cédulas de S. M.: por lo cual han venido en nota-
ble disrainución.—Y aunque yo pudiera y debiera proceder en las dichas
causas con fodo rigor, y hacer satisíacer á los indios en lo que injusta­
mente se les ha llevado, ó parte dello: porque aun para hacer moderada
satisfacciún no hay hacienda en poder de los herederos interesados común-
mente, por la pobreza de la tierra: dejo esto para que S. E. dei senor Virrey
6 sn Real Audiência mande lo que más convenga en cuanto á lo pasado.
*Pero para que en cuanto á lo porvenir cesen los inconvenientes y se
cumpla lo que S. M. manda, y los Gobemadores sepan Io que pueden y en
la form\ que ha de encomendar: v los dichos lleven con alguna moderación
los tributos, ordeno v mando que en lo susodicho y en lo demás tocante á
esto y al tratamiento, se guarde y tenga el orden siguiente:
«1. P r i .m e r a m e í j t e , declaro no poderse ni deberse hacer encomiendas
de indios de servicio personal, ahora se dén á- tíiulo de yanaconas, como
hasta ahora los han encomendado algunos Gobernadores, ó en otra cual-
quier manera ni forma: por cuanto S. M. ast lo tiene mandado. V si algiin
Gobernador hiciere encomienda de servicio personal, desde agora la
declaro por ningruna, y al Gobernador por suspenso dei oficio, y perdi-
miento dei salario que de allí adelante le corriere: y al vecino que usare
de tal servicio personal, en privación de la encomienda. La cual desde
luego declaro y pongo en cabeza de S. M. Y esto de no poderse usar el
dicho strvicio porsoaal. entiéndose no siMo de las encomiendas que de aqui
adelante se hicieren; sino en las hechas hasta aqui. Pcro permito que las
tales encomiendas antes de agora hechas se entiendan ser de indios tribu­
tários como los demás lo son. -
<2. I t e m , p o r c u a n t o S . M . t i c n e p r o l ü b i d o h a c e r ín dio s escU-o:>, d e ­
c l a r o lo ru esm o . V q u e si d e h e c i i o h .iy a l g u n o s in d io s q u e se h a v a n •\yi-
d id o p o r los G u a y c u r ú s . «5 p o r o t r o s i n d i o s q u e h a n e s t a d o ú e s t á n d e g u e ­
r ra ; ô otros indios q u e se h a n t r a i d o de m alocas, ú trocados ú com prados
e n t r e e s p n n o l e s , <5 d e o t r a m a n e r a : q u e t o d o s los su s o d ic h o s s o a l i b r e s : y
se d e b e e n t e n d e r c o n e l l o s lo q u e e n e s t a s O r d e n a n z a s se d i s p o n e c o n los
i n d io s d e i r e p a r t i n i i e n t o . p o r q u e n u ha d e h a b e r d i l e r e n c i a de u n o s á o t r o s .
Y la s p e n a s p u e s : a s c o m r a io s q u e m a l t r a t a n á los ia d i o s , ú u s a n m a l d e
ellos, se e n t i e n d e n a s í m i s r o o c o n l o s d i c h o s ind ios v e n d i d o s , ó t r a í d o s d e
m alocas. 6 a d q u irid o s e n c u a l q u i e r a o tr a m a n e ra .
«3. I t e m , p o r q u e l o s i n d i o s G u a y c u r ú s h a n a c o s t u m b r a d o ã v e n d e r
a l g u n o s i n d i o s , v c o n l a c o d i c i a d e lo q u e l e s d a n h a n ido á h a c e r g u e r r a s
y m u c r t o m u c h a g e n t e : y lo m i s m o h a n h e c h o y p o d r í a n h a c e r o t r a s n a c i o -
n e s : y a u n e s p a í i o l e s p e r d i d o s a c o s t u m b r a n s a c a r y h u r t a r i n dio s, y t r a e l l o s
d e u n a s p a r t e s á o t r a s , y v e n d e l l o s c o n l a m i s m a co lor: c o n lo c u a l , d e m á s
de la g r a v e d a d dei d e l i t o q u e h a c e n , d e s t r u v e n la tie rra : P ro h ib o la s ta le s
v e n t a s : y m a n d o q u e e n n í n g u n a m a n e r a n i c o n n i n g ú n c o l o r se c o m p r e n
los d i c h o s i n d i o s , q u e h a s t a a g o r a h a n l l a m a d o k e s c a t e : so p c n .i q u e el q u e
t a l c o m p r e , p i e r d a l a p l a : a ó m o n e d a q u e dió, y á m á s c i e n p e s o s, p o r te r -
c e r a s p a r t e s a p l i c a d o s á Ia C â m a r a d e S . M ., j u e z v d e n u n c i a d o r : y q u e n o
p u e d a s e r v i r s e d e i t a l í n d i o , n i t e c e r l e e n su cas a, c h á c a r a , e s t a n c i a n i
p u e b l o , a u n q u e e l i n d i o q u i e r a . Y c u a l q u i e r a es p a iio l, m e s :i z o , n e g r o ò
m u la to q u e los in d io s v e n d i e r e n , ó j u g a r e n ó tr o c a re n , ò c a m b ia r e n , s e a
c o n d e n a d o , si f u e r e p e r s o n a d e b a j o e s t a d o , e n se is a n o s d e g a l e r a s , y si
í u e r e d e m á s c o n s i d e r a c i ó n j q u e s i r v a e l d ic h o t í e m p o e n el R e i n o de
C hile.

«Título de reducciones

« Item , p o r c u r . n t o l a b u e n a d o c t r i n a y p u l e c í a d e los in d io s, y p o d e r
ello s a c u d i r c o n c o m o d i d a d á s u s o b l i g a c i o n e s , y p a r a q u e n o s e a n a g r a -
v iad os, d e p e n d e d e q u e e s t é n r« :d u c íd o s e n p u e b l o s y t i e r r a s d o n d e c o n
co m o d i d a d p u e d a n s u s t e n t a r s e , r e s p e c t o d e lo c u a l y o h e d a d o o r d e n c o n
a l g u n o s C á b i l d o s y J u s t i c i a s : y p a r a q u e c o n s t e á tu dos, m a n d o s e p r o c u -
r e n y h a g a n las d ic h a s r e d u c c i o n ; s e n la form a siguiente:
«4. E n e l P u e r t o d e B u e n o s A i r e s , los indios d e l a s islas s e p r o c u r e n
r e d u c i r e n l a s q u e c o n c o m o d i d a d p u d i e r e n : y los d e la P a m p a , e n l a q u e
t i e n e n c o m e n z a d a á h a c e r y v a h a c i e n d o d e M b a g u a l e n e l rio d e L u j á n , ó
d o n d e se h i c i e r e , c o n f o r m e t r a t ó c o n m i g o e n e l P u e r t o d e B u e n o s A i r e s .
E n l a c i u d a d d e S . a F e , r e s p e c t o d e s e r p o co s los in d io s q u e h a n q u e d a d o ,
se v a y a á h a c e r r e d u c c i ó n c e r c a , ó e n l a s m i s m a s t i e r r a s q u e h o y e s t á n . Y
p o r q u e p o r f u e r z a b a n d e s e r r e d u c c i o n e s d e m u v poco s i n d i o s , h e d a d o
o r d e n q u e c o m o p a r e c i e s e a l P e r l a d o , y G o b e r n a d o r , se h a g a n c u a t r o p a -
r r o q u i a s , e n p a r t e s c ô m o d a s , p a r a q u e d e a l l í a c u d a n de l a s t a l e s r e d u c c i o ­
n e s á s e r d o c t r i n a d o s . E n l a c i u d a d d e V e r a , a s i m ism o se p r o c u r e n p o n e r
!os in d i o s c n l a i n i s m a f o r m a c o n p a r r o q u i a s , e n p a r a j e cô m o d o , d e d o n d e
p u e d a n s e r d o c t r i n a d o s l o s i n c i o s . E n l a c i u d a d d t i.i A s u u c : ó n c s i á n
h e c h a s r e d u c c i o n e s , y o t r a s s e v a n h a c i e n d o : y lo m e s m o e n l a s c i u d a d e s
428
pp de a r r i b a . E n l a c i u d a d d e l a C o n c e p c i ó n d e i r i o D e r ^ i r j ^ ,
d k b a s r e d u c c i o a e s , m a n d o q u e e n c a d a p u e b l o de e s p a n o l e s s e h a g a u a a
r e j a c c i ó í i A u n l a d o d e l a c i u d a d : p a r a q u e e n e lla e s t é n l o s i n d i o s q u e h e
p e r m i t i d o p o r m i V i s i t a q u e a s i s t a n e n (as ( a l e s c i u d a d e s , p o r s e r d e t i e r r a s
m u y l e j o s , y h a b e r m u c h o t i e m p o q u e e s i á n e n la s t a l e s c i u d a d e s . ó p o r n o
l e a e r s e n o t i c i a d e s u s n a t u r a l e s . Y á e s t o s m isiu o s s e l e s s e n a l e n t i e r r a s
p a ra e llo s y s u s J e s c e i i d i e n t e s , p a r a q u e p u e d a n c o n t i n u a r la ia! n s i s i e n -
cia e n l a s c i u d a d e s , n p r e n d i e n d o oficios. y s i r v i e n d o á lo s e s p a n o l e s e n s u s
c a s a s <5 h a c i e n d a s . «
«D. I t e m , p o r c u a m o e n e s l a c i u d a d d e la A s u n c i ú n l u s m á s d e l o s
in d io s q u e s i r v e n e n c a s a s y c h á c a r a s d e los e s p a n o l e s , m e h a n p e d i d o q u e
q u i e r e n c o n t i n u a r e l s e r v i r l e s , y v o lo h e p e r m i t i d o p o r l a c o m o d i d a d d e
las c h á c a r a s : O r d e n o y m a n d o q u e los indios que q u is ie r e n p u e d a n p e r s e -
v e r a r e n l a s c h á c a r a s y e s t a n c i a s . A u n q u e si d e n t r o d e d o s a n o s q u i s i e r e n
i r s e á l a s r e d u c c i o n e s b e c b a s , d e d o n d e so n o r i g i n á r i o s , ó á l a d e l a c i u ­
dad, p u e d a n h a c e r l o . Y p a s a d o el té r m in o de dos anos, q u e d e n r e d u c i d o s ,
y t e n g a n p o r r e d u c c i ô n I a ( a l í i a c i e a d a d o n d e hoy e s t u v i e r e a . Y p a r a e l l o
d e s d e l u e i j o s e r e c o j a n e n l o s c o n f i n e s de l a s c h á c a r a s y l u g a r c ô m o d o , p a r a
q u e lo s in d io s d e d i l e r e n i e s c h á c a r a s v e n g a n á e sta r ju n to s: p o r q u e a q u é l l o
h a d e q u e d a r p o r r e d u c c i ó n . P e r o n o p o r e s t o se h a d e e n t e n d e r q u e q u e -
d a n p o r y a n a c ò n a s d e l a s c h á c a r a s , c o m o e n el P i r ú s e h a n d i c h o y a n a c o -
nas; a n t e s d e s d e lu e g o d e c la r o q u e las tales reducciones ó j u n t a s se h a n d e
t e n e r p o r p u e b l o y r e d u c c i ó n : y e n t e n d e r s e con lo s i n d i o s q u e e n e l l a s -
e s t u v i e r e n lo q u e c o n la s d e m á s re d u c c io n e s . L o c u a l h a g o â i n s t a n c i a d e
los m i s m o s i n t e r e s a d o s e n esto: y p o rq u e m e h an d icho q u e le s q u i e r e n d a r
t i e r r a s e n s u s c h á c a r a s ; y a s t s e n a l o to do e l a n o d e d o c e y t r e c e p a r a q u e
d e e l l a s lo s in d io s q u e q u i s i e r e n v a v a n á otras red u c c io n e s , y los q u e tu v ie -
r e n d e r e c h o á l a s c h á c a r a s .l o s p u e d a n e c h a r : p o r q u e si s e q u e d a r e n , b a n
d e t e n e r t i e r r a s s u f i c i e n t e s p e r p e t u a s p a r a sí e n l a s d i c h a s t i e r r a s j u n t o á
su s b u h i o s , y s i g u i e n d o de a lií todo io q u e p u d ie r e n s e r a b r a r e n t r e a n o .
«6. I í e m , p o r c u a n t o d e b a b e r s e m u d a d o los i n d i o s d e d o n d e e s t a b a n
p o r o r d e n d e su s e n c o m e n d e r o s , y m uchas v ec e s p o r m a n d a d o d e lo s
G o b e r n a d o r e s , s o c o l o r d e q u e Io p e d í a n los in d io s, ó q u e s e h a c r a p o r su
c o m o d i d a d , s i e n d o e n r e a l i d a d d e v e r d a d l a d ■ los e n c o m e n d e r o s , l a c u a l
se p r o c u r a b a y c o n s e g u i a la s m á s v e c e s á costa d e la s a l u d y v i d a d e lo s
in dios; o r d e n o y m a n d o q u e d e aq u i a d e la n te , n i n g u n a J u s t i c i a d e e s ta
G o b e r n a c i ó n , auD que s e a e l G o b e r n a d o r q u e p o r t i e m p o í u e r e , n o p u e d a
a l t e r a r l a s r e d u c c i o n e s <5 p u e b l o s q u e p o r la ~ d i c h a o r d e n q u e d e j o s e h i c i e -
r e n d e n u e v o , n i l a s q u e d e lo s a n t i g u o s d e j o c o n c e r t a d a s , n i l a s q u e n u e -
v a m e n t e r e d u c i d a s se v a n b a c ie n d o v hicieren p o r la f o r m a d e O r d e n a n z a
q u e d e s to d isp o n e . Y Ias d ic h a s red u ccio n es q u e d e n , s i a q u e s e p u e d a n
m u d a r , n i m u d e n sin o rd e n e x p re sa que el senor V is o r r e y 6 R e a l A u d i ê n ­
c ia d e s p a c h a r e . L o c u a l e je c u te n , sin e m b a rg o q u e los e n c o m e n d e r o s , doc-
. t r i n a n t e s ó in d io s p i d a n la (al m u d a n z a , y q u i e r a n d a r ó d e n r e l a c i ó n d e
u t i l i d a t j . Y c u a n d o l a m u d a n z a se h u b i e r e d e h a c e r , s e d é r a z ó n d e e s t a
O r d e n a n z a : y l a P r o v i s i ó n q u e s i n e s t o se s a c a r e , s e e n t i e n d a s e r s u b r e p -
■ t i c i a . P o r q u e l a s m á s v e c e s l o s t a l e s p e d i;! :e n to s s o n p r o c u r a d o s p o r i n t e -
r e s e s p a r t i c u l a r e s , y n o d e l o s in d i o s . S o p e n a d e m il p e s o s a l j u e z ó e n c o -
. m e n d e ro q u e c o n tra v in ie re á esta O rdenanza.
d e n t r o d e se i s m e s e s s e h a v a d e h a c e r y h.n j d ' _sglc>ía, d o m i b ~ J o c e r i c i á "
s e p u e d a d e c i r .Misa, y q u e t e n g a p u e r t a co n l l n v e . L o c u a l sen ''-.isa-
m e n t e , s i n e m b a r c o d e q u e l a t a l r e d u c c i ú n se;i s u j e t a A p a r r o q u i a , v :o
e s t é a p a r t a d a d e e l l a ; p o r q u e s i n e m b a r g o d e e s to . e n c a d a r e d u c c i ú n
de h a b e r ig lesia. •
«S. I t e m , p a r a q u e l o s i n d i o s v a v a n e n t r a n d o e n p o lic ia , m a n j o q u e e n
c a d a p u e b l o l i a y a u n a l c a l d e q u e s e a i n d i o d e la m i s m a r e d u c c i o n . V si
p a s a r e d e o c h e n í a c r .s a s , l i a b r á d o s .i l c a l d e s , y d o s r e g i d o r e s . V a u n q u e
s e a e l p u e b l o m á s g r a n d e , n o lia d e p u d e r h a b e r nuis de d o s a l c a i d e s y c u a -
t r o r e g i d o r e s . Y si el p u e b l o f u e r e d e m e n o s de o c h e n t a in d i o s , q u e l l e g a n
á c u a r e n t a , no h a d e h a b e r n \á s de u n a lc a ld e , y un r e g id o r . L os c u a le s
h a n d e e l e g i r p o r a ò o n u e v o á o t r o s , c o m o se u sa e n lo s p u e b i o s J e c s p a -
n o l e s y e n los d e i n d i o s d e i P i r ú .
•9. I t e m , d e c l a r o q u e s e l e s h a d e d a r á e n t e n d e r á los in d i o s q u e los
t a l e s a l c a l d e s d e l o s r a l e s p u e b i o s d e in d i o s súlo t i e n e n j u r i s c L c i ú r . p a r a
p r e n d e r d e l i n c u e n t c - s y b u s c a r l o s q u e lo f u e r e n , y t r a e l l o s á la c á r c e l d e i
pueblo de e s p a n o le s e n c u v a ju r is d ic c iú n cay e rc n . P e r o p u e J e n c a s tig a r
con un dia de p r i s i í n y se is ú o c b o a z o te s al indio q u e f a lta r e á M isa en dia
d e fiesta, ó se e r o b o r r a c h a r e . ó b i c i e r e o t r a c o s a s e m e j a n t e . P o r q u e si í u e r e
b o r r a c h e r a d e m u c l i o s , s e h a d e c a s t i g a r co n m a y o r r i g o r .
«10. I t e m , c o n f o r m e á C é d u l a s R e a l e s , o r d e n o y m a n d o c u e e n p u e ­
b i o s d e i n d i o s n o e s . é n ni s e r e c i b a n n i n g ú n e s p a ü o l , ni m e s ti z o , n e g r o ni
m u l a t o . Y e s p e c i a l m e n t e s e e n t i e n d e e s t o c o n la s m u j c r e s : y ruí.s p r e c i s a ­
m e n t e c o n los p a d r e s y . m a d r e s , m u j e r e s y hijos, d e u d o s y g ü é s p e d e s y
c riad o s d e e n c o m e n d e r o s ó d o c t r i n a n u s . S o p e n a de v ein te pesos c a d a v ez
q u e c o n t r a v i n i e r e n , l a r a i t a d p a r a el j u e z q u e lo s e n t e n c i r . r e . y la o t r a
m i t a d p a r a l a i g l e s i a d e i t a l p u e b l o : y si f u e r e p e r s o n a b a i a , c í n c u e n t a
azotes.
«11. I t e m , o r d e n o y m a n d o q u e lo s e n c o m e n d e r o s q u e h j y son , y a d e -
l a n t e f u e r e n , n o p u e d a n b a c e r n i t e n e r e n el p u e b l o q u e t u v i e s e n i n d i o s
c a s a n i b u h i o , a u n q u e d i g a n n o s o n p a r a su v i v i e n d a , s i n o p a r a b o d e g a <5
g r a n j e r i a , y q u e l a d a r á n . d e s p u é s d e s u s d ias ti d e s d e l u e g o á los i n d i o s ,
s o p e n a d e p e r d i d a l a t a l c a s a ó b o d e g a y a p l i c a d a i los in d io s. y o ; r o t a n t o
k l a C â m a r a d e S . M . Y a s i m i s m o s e p r o v e e q u e los t a l e s e n c o m e n d e r o s
no p u e d e n d o r m ir e n el p u e b l o m á s de u n a noche, so p e n a de veinte p es o s
p o r c a d a v e z q u e c o n t r a v i n i e r e n , o a:;a l a C â m a r a d e S . M ., j u e z y d e n u n -
ciador.
«12. I t e m , p o r c u a n t o h a n r e s u l t a d o m a y o r e s i n c o n v e n i e n t e s d e e n t r a r
m u j e r e s y h i j o s d e e n c o m e n d e r o s e n l o s t a l e s p u e b i o s , y S . M. lo t i e n e p r o -
h i b id o : o r d e n o y m a n d o q u e n i n g u n é . m u j e r ni hijo p u e d a e n t r a r e n e l p u e ­
b l o q u e t i e n e i n d i o s d e e n c o m i e n d a su m a r i d o 6 p a d r e ; a u n q u e d i g a n q u e
v a n p o r u t i l i d a d d e l o s i n d i o s , à c u r a r l o s ó c u r a r s e , y q u e no k a y o t r o tero-
p l e d o n d e p u e d a n a c u d i r á s u s a l u d . P o r q u e s in e m b a r g o d e to do, s e h a d e
g u a r d a r p r e c is a m e n te e s ta O r d e n a n z a ; sopena de cin cu en ta pesos a p lic a ­
d o s e n la f o r m a s u s o d i c h a . •
«13. I t e m ; q u e a u n q u e d e lo d i c h o e s t á b i e n c l a r o q u e n o h a d e h a b e r
p o b l e r o s d e los i n d i o s , y a s í l o t i e r . e m a n d a d o S . M. p o r m u c h a s C é d u l a s
R e a le s: con todo, á m a y o r a b u n d a n ite n io , de n u ev o u t J e n o y nincdo q u e
S f h a . v a e n l o s d i c b o s p u e b l o s d e l o ; in d io s p o b l e r o s , c o n el d i c h o t í t u l o de
- ^ b l c r o , J e m n y o r d o m o , a d m i n i s t r a d o r , ni c u a l e s q u i c r t í t u l o s q u e s e a n ,
co pen a d e d o s c i e n t o s a z o i e s y c u a t r o a n o s d e g a l e r a s a l r e m o á q u i e n l a l
cccio a c e p t n r e . p a r a e l l o c u a l q u i e r J u s t i c i a lo p r e n d a y l o e n v i e á la
^ r c e l d e l a R e a l A u d i ê n c i a . Y el e n c o m c n d e r o q u e t a l n o m b r a r e , i n c u r r a
en p e r á i n i i e n t o d e lal e n c o m i e n d a . q u e d e s d e l u e g o l a p o n g o e n c a b e z a
j e S- M . : y a l v e c i n o d e c l a r o p o r i n c a p a z d e t e n e r i n d i o s p o r d i e z a n o s .
<1-1. I t e m , d e c l a r o q u e to d o s los d a õ o s q u e h i c i e r e n á l o s i n l i o s c u a l e s -
quier híjos, d e u d o s , g ü é s p e d e s , c r ia io s , esclav o s de lo s e n c o m e r i e r o s , se a n
á c a r g o d e los t a l e s e n c o m e n d e r o s , y b a y a n d e p a g a r e l i n t e r é s a l i n d i o : v
c u a l q u i e r a c o n d e n a c i ó a q u e p o r e s t a c a u s a se h a g a , a u n q u e l a c o n d e n a -
cíón n o s e a í t : t e r é s s i n o p e n a .
■ lõ. I t e m , m a n d o q u e e n c o n t o r z o d ei p u e b l o d e i n d i o s , n i d e c h á c a r a s
stivas, n o p u e d a n h a b e r c b á e a r a s de e s p a n o l e s e n d i s t a n c i a d e m e d i a l e g u a .
L o c u a l s e e n t i e n d a d e la s q u e ya e s : á n p o b l a d a s . Y e n c u a n t o í l a s r e d u c -
c i o D e s q u e a d e l a n t e s e h i c i e r e n , b a d e s e r el t é r m i n o u n a l e g u a . Y d e c l a r o
q u e se t e n g a n p o r p u e b l o s y r e d u c : : o n e s n u e v a s t o d a s l a s q u e s e h i c i e r e n
e n e s t a c i u d a d , e x c e p t o l a d e Itá y Y a g u a r ó n , l o s A l t o s y T o b a t í . P o r q u e
a u n q u e la s o t r a s se v a u haciendo. no tie n e n e s p a n o l e s c e r c a n o s p o b la d o s ,
v p a r e c e q u e c o n v i e n e e s t é n e n la i i c h a d i s t a n c i a d e u n a l e g u a I a s c h á c a ­
r a s d e e s p a n o l e s , si a l g u n o s se v i - i e r e n á p o b l a r f u e r a d e l o s p a g o s q u e
h a v e n e s t a c i u d a d d e l a A s u n c i ó c : y e n la s d e m á s c i u d a d e s s e t e n g a n p o r
r e d u c c i o n e s n u e v a s Ias q u e se h i c i e r e n d e s p u é s d e e s t a O r d e n a n z a .
«16. I t e m , m a n d o q u e la s e s t a - c i a s d e g a n a d o m a y o r n o p u e d a n e s t a r
ni e s t é n l e g u a y m e d i a d e l a s d ic h a s r e d u c c i o n e s a n t i g u a s ; y l a s d e g a n a d o
m e n o r , m e d i a l e g u a . Y e n l a s r e d u c c i o n e s n u e v a s q u e d i g o e n la O r d e ­
n a n z a p a s a d a , b a y a d e s e r el t i r m i n o do s t a n t o s . S o p e n a d e p e r d i d a l a
e s t â n c i a y la m i t a d d e l g a n a d o c i e en e lla se m e t i e r e . Y to d o s los q u e
e n v i a r e n g a n a d o s , los te n g a n c o ; b u e n a g u a r d a , s o p e n a d e p a g a r el d a n o
q u e h i c i e r e n : y d e q u e e l q u e e n t r a r e e n t i e r r a d e l o s i n d i o s lo p u e d a n
r o a ta r sin p e n a a lg u n a .
«17. I t e m , m a n d o q u e á l a s r t i u c c i o n e s d e l o s i n d i o s s e l e s s e n a l e u n
e g i d o j u n t o á s u p u e b l o , q u e : e n g a d e l a r g o u n a le g " u a : d o n d e p u e d a n
t e n e r s u s g a n a d o s s in q u e se les r i v u e l v a n c o n o t r o s d e l o s e s p a n o l e s ,
*!S. I t e m , p o r c u a n t o el m a ~ o r d a ô o d e l a s r e d u c c i o n e s p r o c e d e d e
s a c a r i n d i o s d e s u s p u e b l o s á tinilo de t r a j i n e s , <5 p o r s e r v i r á lo s c a m i n a n -
t e s , m a n d o q u e e n n i n g u n a m a n s r a , p e r s o n a d e c u a l q u i e r e s t a d o y c o n d i-
c i ó n q u e s e a , n o p u e d a n s a c a r =i s a q u e n i n d i a n i n g u n a , si n o f u e r e q u e
v a v a c o n s u m a r i d o ; ni n i n g ú n L z ü o s a l g a d e e s t a g o b e r n a c i ó n p o r n i n g u n a
c a u s a , si n o f u e r e lo s de) R i o B i r t n e j o h a s t a l o s p u e b l o s d e S a n t i a g o : y lo s
de S a n t a F e b a s ta B u e o o s A ires - basta C ó rd o b a e n la m is m a g o b e rn a c ió n
p u e d a n p a s a r m á s de h a s ta la r r i m e r a p o b la c ió n d e e s p a n o l e s . D e s u e r te
q u e lo s in d io s de la V illa r ric a zo p ase n d e G u a y r á : y lo s d e G u a y r á ó
J e r e z n o p a s e n d e l a A s u n c i ó " . Xi l o s d e l a A s u n c i ó n p a s e n d e l a s C o -
r r i e n t e s : n i los d e i a s C o r r i e m e í p u e d a n i r p o r t i e r r a m á s d e h a s t a e l R i o
B e i m e j o , ó b a s t a S a n t a F e por e' n:>: y los d e S a n t a F e h a s t a B u e n o s A i r e s i
ó h a s t a C ó r d o b a <5 S a n t i a g o lie .'x G o b e r n a c i ó n d e T u c u n i á n . Y lo m i s i n o se
e n t i e n d a el rio a r r i b a . P o r q u e se h a n d e s a c a r d e n i n g u n a p a r t e i n d i o s
m a s q u e h a s t a e l p r i m e r p u n t o i í e s p a n o l e s , y se l e s b a d e p a g a r e n p r o p i a
m a n o : y r e g i s l r a r l o s a m e U s j u s t i c i a s . V 'i i e - a d o i , com o se l v d ic h o , se
< l e s h a d e d a r a v i o p a r a v o l v e t i e s i n q u e l e i dv>lcvA,;nn. V por ciianVj V. p r e -
;■ s e n t e h a y i n u y p o c o s i n á i o s e n la c i u d a d d e Ias C o r r i e n t e s , s e r á p ó f í n l e
q u e , H e g a n d o al l i c a n t i d a d d e b a U a s . n o h a l l e n a v i o d e ín d io s; se p e r m i t e
q u e c o n v o l u n t a d d e l o s i a d i o s p u f d a n p a s a r d e alli al p u e b l o r c á s c e r c a n o .
Y f u e r a d e e s t e c a s o , s e j u a r d e e n to d o l a d i c h a O r d e n a n z a , p e n a d e cin-
i '.- .
c u e n t a p e s o s á q u i e n l a c u e b r a n i a r e . p o r t e r c i a s p a r t e s : y al in dio q u e l a
q u e b r a n ta r e , vcinte azo ;es.
«19. I t e m , p a r a q u e l o s e s p a n o l e s l e n g a n ni;is se r v j c i o . y a v í t n s u s
h a c i e n d a s , se p e r m i t e q u e l o s í n d i o s q u e q u i s i e r c n , p u e d a n a l q u i l a r s e co n
e s p a n o l e s p o r d i a s ó p o r u n aiio: c o n q u e s i e n d o p o r u n a n o . no p u e d a
Li- . b a j a r el c o n c ie r to de v e i n t e pesos.
' «ÍO. I t e m , p o r c u .a n i o c o n v i e n e q u e los í n d i o s d e e s t a t i e r r a se ê c s e n e a
l[: á a l q u i l a r s e , se p r o c u r a r . ã q u e d é n l a m i t a s i q u i e r a la d u o á c c i m a p a r t e ,
ij: P e r o e n e s t o n o h a d e h a b e r c o m p u l s í ó n . p o r lo q u e s ; d i r á e n el t í t u l o d e
_ I a s t a s a s . Y a n s i s o n m e n e s t e r m e d i o s d e m u c h a s u a v i d a d h.ista q u e el
t i e m p o q u e I c s e n s e n e . A s i m i s a i o l o s q u e v í n í e r e n se h a n d e p o d e r c o n ­
c e r t a r c o n q u i e n q u i s i e r e n . s in q u e Ias j u s t i c i a s los r e p a r : a n c o n t r a su
voluntad.
ÍÊ «21. I t e m , sc m a n d ; i q u e n i n j ú n í n d io p u e d a s e m b r a r p a r a si f u e r a d e
I '’ s u r e d u c c i ó n , a u n q u e s ; a e n c h á c a r a d e e s p a ò o l e s ; si no los q u e p o r e s t a
5; V i s i t a e s p e r m i t i d o p u e d a n e s l a r e n e l l a s . L o c u a l se n i a u d a p r e c i s a m e n t e ,
a u n q u e e l i n d i o a l e g u e q u e ie e s t á m e j o r , y q u e p o r su coraoáid.-ii h a c e lo
susodícho.
«22. I t e m , p o r e l d n õ o q u e l a e i p e r i e r . c i a b a m o s t r a d o q i:e r e s u l t a d e
a d m i t i r p r o b a n z a s e n m . i t e r i a d e B l i a c i o n e s d e ín d i o s , y p o r s e r a s i d e d e r e -
c h o , d e c l a r o q u e l o s h i j o s q u e í u e r e n de i n d i a s c a s a d a s se t c n r n n p o r d e i
^ ■ m a r i d o ; si n q u e s e p u e d . i a d m i t i r p r o b a n z a e n c o n t r a r i o . com o hijo d e
íf-. - . t a l i n d i o , h a y a d e s e ç u i r e l p u e b l o d e i p a d r e , y t r a i g a b á b i t o de i n d i o ; a u n ­
q u e se d ig a s e r hijo d e espariol.
«23. I t e m , l o s h i j o s d e I a s i n d i a s s.olleras, h a y a n d e s e g u i r y sig-aa e l
■ p u e b l o d e Ia m a d r e .
«24. I i e m , s e d e c l a r a y m a n d a q u e la i o d i a c a s a d a v a y a nl p u e b l o d e
■-L. s u m a r i d o y r e s i d a e n e l , a u n q u e e l m a r i d o s e d i g a a n d a htiído. S i e n d o
:í . m u e r t o e l d i c l i o s u m a r i d o , p o d r á la i n d i a v i u d a q u e d a r en el n-.israo p u e b l o
í; V
- d e su m a r id o ó v o l v e r á s u n a t u r a l , c u a l inás q u isie re : con q u e , r j l v i e n d o
á su n a t u r a l , h a y a d e d e j a r los hijos e n p u e b l o d e su m a r i d o . P o r q u e e l
m o d o d e p o b l a c i o n e s h a s t a a g o r a d e l a n a c i ó n g u a r a n i , es q u e c a d a c a c i ­
q u e e s t é c o n s u s s u b j e t o s e n u n g a i p ó n { .r a n d e , se m a n d a q u e e n c a s o q u e
e l i n d i o y l a i n d i a s e a n d e u n a r e d u c c i ó n , p e r o d e d i f e r e n t e s c a c i q u e s , la
m a d r e p u e d a t e n e r c o n s i g o l o s h i j o s h a s t a q u e se c a s e n .
*25. I t e m , p o r i m p e d i r l o s i n c o n v e n i í n l e s q u e h a n r e s u l t a d o d e a m a n -
c e b a m i e n t o s d e í n d i a s , s e m a n d a q u e Ias q u e h u b i e r e s o s p e c h a , I a s j u s t i ­
cias Ia s c o m p e la n à q u e v a y a n à sus pueblos, ó Ias co m p elan á s e r v i r ,
se ftalán d o les su s a la rio .
«26. I t e m , s e m a n d a q u e e n n i n g ú n p u e b l o h a y a ín d io s de o lr o , s o - p e n a
.•\l i n d i o q u e f a l t a r e d e s u r e d u c c íi.'u d e v e i n t e a z o t e s ; y al c a c i q u e , d e c u a -
t r o p e s o s p a r a l;i i y l t s i a cad.-i v e z q u e Io condii-.Viere.
li
— Ó6S ~

« T itu lo dei s e r v ic io p e r s o n a l y jo r n a l d e l o s i n d i o s

. V p o r q u e p a r a el b u e n g o b i e r n o d e I a s r e p ú b l i c a s y b e n e C c i o de
b s t i e r r a s , c o n v ien e q u e h a y a indios de m ita q iie Ia s Ja bre.» y beneficien,
a o n q u e q u is ie r a d a r m ita c o m p e te n te , p ero p o r Ia s c a u s a s q u í d ir é c u a n d o
t r a i e d e Ias tasas, por agora s e n a l o q u e s e dé d e c a d a d o c e , d e m i t a u n o ;
a u n q u e l a m i t a s e e n t i e n d a s e r d e l o s i n d i o s d e t a s a . q u e s o n d e s d e l o s diez
V o c h o h a s t a c i n c u e n t a an o s ; p o r q u e n o se b a d e d a r d e v i e j o s n i m u c h a -
cbos ni m u je re s; y a g o ra no b a de b a b a r co m p u lsió n h a s t a q u e la ta sa s í
p a g u e e n e s p e c i e s , q u e e n t o n c e s s e d a r á d e s e i s i n d i o s u n o d e m i t a . y si;
p o d r à p o n e r a l y i i n r i g o r e n q u e se c u r a p l a .
« I t e m , s e f i a l o á los i n d io s q u e s i r v i e r e n d e m i t a 6 p o r j o r n a l , r e a l y
m e d i o p o r c a d a u n di'a, d e m o n e d a d e l a t i e r r a ; y á l o s q u e s i r r i e r e n ó
b o g a r e n p o r e l rio b a j a n d o e n b a l s a s , s e l e s h a d e d a r d e s d e l a c i u d a d d e l a
A s u n c i ú n á Ias C o r r ie n te s c u a tr o pesos en c u a t r o v a r a s d e s a y a l ó lienzo;
y d e s i e I a s C o r r i e n t e s á S a n t a F e , se is; y o t r o t a n t o d e S a n t a F e á B u e n o s
A ire s: y otro tanto desde la A s u n tió n á G u a y r á .
«23. I t e m , p o r q u e n o h a y a d i f i c u l t a d e n I a s m o n e d a s d e l a t i e r r a p o r
c u a n to e n e lla s se h a de h a c e r la p a g a de ta s a s y t r ib u t o s c o n te n id o s en
e s ta s O r d e n a n z a s , d e c la ro q u e Ias m o n e d a s d e l a t i e r r a h a n de s e r de
e s p e c i e s , q u e l o q u e se t a s a p o r u n p e s o v a y a á j u s t a y c o m ú n e s t i m a c i ó n
de seis r e a le s de m oneda de C aslilla.
«'29. I t e m , p a r a c u a n d o l a m i t a s i r v a , se h a d e a d v e r t i r q u e n o h a n d e
p o d e r v e n i r indios m ás de tr e in ia le g u a s , y sin r o u d a r t e m p le , ni p a s a r
r io s q u e te n g a n riesgo.
«30. L o s i n d i o s q u e se d i e r e a d e m i t a só l o h a n d e p o d e r s e r c c u p a d o s
e n c h á c a r a s , e s t a n c i a s , e d if ic io s y t r a e r a g u a y l e n a .
c3 l. L o s i n d i o s de s u v o l u n t a d p u e d e n c o o c e r t a r s e p a r a o t r o s s e r v t -
cios. e s p e c i a l p a r a b o g a r Ia s b als as: p e ro e n n i n g u n a m a n e r a se le s p e r ­
m i t e q u e , a u n q u e s e a su v o l u n t a d , p u e d a el i n d i o i r á M a r a c a y ú á s a c a r
y e r b a , p o r Ias m u c h a s m u e r t e s y d a n o s q u e d e llo se s í g n e n : s o p e n a d e cien
a z o t e s a l i n d i o q u e f u e r e ; y e l e s p a n o l d e c i e n p e s o s : y l a j u s t i c i a q u e lo
c o n s i n t i e r e , p r i v a c i ó n d e oficio.
«32. I t e m , p o r c u a n t o c o n v i e n e q u e e n e s t a c i u d a d h a y a a t a b o n a s 6
m o l i n o s p a r a m o l e r el t r i g o ó m a i z , y a u n q u e h a t a n t o s a n o s q u e s e h a
p o b l a d o l a c iu d a d de la A s u n c ió n , h a s ta a g o r a n o lo s h a y e n e lla , ni tam -
p o c o a t a b o n a s ; y es o m i s m o f a l t a n e n o t r a s a l g u n a s : s é m a n d a q u e d e n t r o
d e s e i s m e s e s s e a c a b e n I a s as í c o m e n z a d a s , <5 h a g a n o t r a s d o n d e c o n v e n g a :
c o n a p e r c i b i m i e n t o q u e , p a s a d o el d i c h o t é r m i n o d e s e i s m e s e s , h e c h a s ó
n o h e c h a s I a s a t a b o n a s ó lo s m o l i n o s , d e s d e i u e g o s e m a n d a n q u i t a r los
m o l i n i l l o s d e m a n o , y q u e l o s i n d i o s n o lo s t r a i g a n . Y l o m i s m o s e e n t i e n d a
d e I-js p ü o n e s q u e e s t á n e n los p u e b l o s d e l o s i n d i o s c o n q u e m u e l e n )a
m a n d i o c a , q u e é s t o s se p e r m i t e n q u e d a r . Y a u n q u e d e s u v o l u i i l ú d s.- çic-
m ite q u e los indios p u e d a n c o n c e rta rse p a r a b o g a r b a l s a s ; e n n in g u n a
m a n e r a b a n d e se r com pelidos á esto, s o p e n a d e c i e n p e s o s a l ju e z p o r ca d a '
i n d i o q u e c o m p e l i e s e y a l e s p a õ o l q u e le I l e v a r e , o t r o t a n t o .
«33. I t e m , p o r c u a n t o S . M . t i e n e p r o h i b i d o q u e s e c a r g u e n l o s i n d i o s ,
5ÍV-1.. ^ '

i-/,' ■
jí-.' ■ , d e n u e v o s e i r . ; r . d a q u e no p u e d a n s e r c . i r g a d o s ni se c o n s i e n l a n c a r g a r ,
a u n q u e s e a p a r a t r a e r l e n a p a r a c a s a d e su a m o ; p o r q u e p a r a e l e f e c l o h a n
d e l e n e r c a b a l l o s ó c a r r e i a : p e n a d e s e i s p e s o s p o r c a d a v e z q u e l o s c o n s in -
; ■ t i e r e n c a r g a r . V e s t o se e n ú e n d a c o n nir.s r i g o r e n J e r e z y G u a v r á . p a r a
; s a c a r Ia v e r b a , p a r a 1') c u a l n ü h a n d e p o J e r s e r c a r g a d o s , p e n a d e cin-
c u e n ta pesos al e n c o m e n d e r o , r a e r c a d e r ú p asajero que sea q ue tal consin-
" ' t i e r e ; y l o s q u e c a r g a r e n l o s d i c b o s i n d i o s p .tr a s a c a r l a y e r b a d e M a r a -
. c a y ü , á c i e n p e s o s p o r c a d a v e z . L o s c u a l e s se r e p a r i a n p a r a la C â m a r a
i??.' ; d e S . M , j u e z y d e n u n c i a d o r . p o r t e r c i a s p a r t e s . P e r o b i e n se p e r m i t e q u e ,
' por e s t a r l o s p u e b l o s d e e s t a g o b e r n a c i ú n s o b r e el rio, p u e d a n c a r s r a r a g u a
■ p a r a e l s e r r i c i o d e la c a s a .
'‘34. I t e m . p o r l o s g r a n d e s d a n o s q u e h a n r e s u l a d o d e s .- c a r í n d i a s d e
l o s p u e b l o s p a r a q u e s e a n a r n a s , s e m a n d a q u e n i n g j n a i n d i a q u e t e n g a su
h i j o t Í v o p u e d a v e n i r á c r i a r h i j o d e e s p a ò o l , espe c i a l m e n i e de su e n c o -
li-
l ’:'' m e n d e r o , c o n p e n a cie p e r d i m i e n t o d e l.i e n c o m i e n d a a l q u e t a l h i c i e r e . y
’í}. q u i n i e n t o s p e s o s á l a j u s t i c i a q u e lo m a n d a r e . P e r o b i e n se p e r m i t e q u e ,
h a b i é n d o s e l e n i u e r t o á la i a i i a s u ç r i a t t i r a , p u e d a c r i a r l a d e i e s p a n o l .
•33 . N i n g u n a i n d i a c a s a d a p u e d a c o o c e r t a r s e p a r a s e r v i r c n c a s a d e i
e s p a n o l , a u n q u e s e a c '^ m p e i i d a á e l l o , si n o ( u e r e s i r v i e n d o e n l a t a l c a s a
s u m a r i d o n i I a s s o l i e r a s s e r c o m p e l i d a s , q u e r i é n d o í e e s t a r en su s p u e b l o s :
y q u e n i n g u n a q u e t o n ^ a p a d r e ó m a d r e v ivo s, p u e d a n c c n c e r l a r s e s i n
t v o lu n ta d de su padre.
• 36. ‘ L o s i n d i o s y i n d i a s q u e s e c o n c e r í a r e n p a r a s e r v i r , n o p u e d e n
h a c e r c o n c i e r t o p o r m á s d e u n a n o . P e r o p e r m í t e s e p o r esi.~ p r i m e r a v e z
■ q u e p u e d a n c o n c e r t a r s e p o r lo q u e r e s t a d e i a n o y p o r t o d o e! d e d o c e .
I ; «37. E l i n d i o q u e t r a b a j a r e e n su c a s a , s e a p o r m i : a . ú c o n c i e r t o d e

i d i a s , m e s e s ó aflo, d e i t á s d e l o s j o r n a l e : ; ó p a g a i , les h a n d e d a r d o c t r i n a .
iji. i , . y d e c o m e r y c e n a r , y c u r a r l o s e n sus- e n f e r r a e d a d e s , y e n t e r r a r i o s si m u -
f ■ r i e r e n ; y á lo s q u e f u e r e n b o g a n d o , se I j s h a d e d a r c o m i d a p .i ra l a v u e l t a .
. : '3S- S i e l i n d i o q u e s i r v i e r e c a , v e r e e n f e r m o y q u i s t e r e i r i e á c u r a r
5 f u e r a d e d o n d e e s t á s u a m o . lo p o d r á h a c e r , d e j á n d o l o l i b r e : y s u a m o s e a
c o m p e l i d o á e l l o , y á q u e l e d é y p a g u e lo q u e l e d e b i e r e , si n q u e s e a c o m ­
1; pelido á c u m p lir d e s p u é s d e sa n o el concierto.
«39. N i n g ú n i n d i o s e l e p u e d a c o n o e r i a r o i p a g a r s u tr.'\bajo e n v i n o ,
c h i c h a , m i e i ni y e r b a : y t o d o lo q u e e n e s t e g ê n e r o se p a g a r e , s e a p e r d i d o ,
s i n q u e e l i n d i o l o d e b a r e c i b i r e n c u e n t a : y al e s p a n o l q u e lo p r e t e n d i e r e
d a r p o r p a g a , á v e i n t e p e s o s d e p e n a p o r c a d a v ez.
(1-10. L a s m i t a s , c u a n d o I a s h a y a , ne l e n d r â c u i d a d o d e q u e se a c o m o -
d e n )as r e lig io n e s . S i e n a l g t i n tietnpo h u b ie r e re p a r tic ió n d e n iita de
in d io s , se d a r á á c a d a c o n v e n t o q u e tu v ie r e dos relig io so s ta n to s m ita y o s
c u a n t o s r e l i g i o s o s t u v i e r e , c o n t a l q u e n o p a s e a d e ocho.

« T ítu lo de D ocirinas

«41. P o r c u a n t o lo p r i n c i p a l q u e S . M . m a n d a e s l a d o c t r i n a d e l o s
i n d i o s , y p a r a q u e e s t a s e h a g a c o n c o m o d i d a d , m a n d o q u e n i n g ^ i n a do c-
t a i n a p u e d a t e n e r n i t e n g a m á s d e c u a l r o c i e n t o s in d i o s , s a l v o si b u b í e s e á
la d o c trin a dos re lig io so s, q u e e n to n c e s podrá b ab er m ás ntim ero.
-670 -

, 4•_>. T o J o s los m u c h a c h o s y m u c h a c h a s , d e c i n c o h a s t a o n c e a n o s . acu-


{ todos los d i a s , m e d i a h o r a d e s p u é s d e s a l i d o e l s o l , y m e d i a a n t e s de
^3- e rs e . v r e c e n la d o c t r i n a c a d a v e z m e d i a h o r a ; y lo d e m á s d e i diclio
I j a p o l° 5 C u r a s lo s d e j e n s e r v i r á s u s p a d r e s .
■ 43. L o s G o b e r n a d o r e s n o p r e s e u l e n n i n g ú n s a c e r d o t e p a r a c u r a , s
.,0 r j i i e r e a p r o b a o i ú n d e l a l e n g u a e n q u e h u b i e r e d e d o c t r i n a ; - .
«31

«44. A c a d a C u r a s e le d a r á u n m u c h a c h o ó d o s d e siet>- á c a t o r c e
jjo s que s i r v a n : v u n i n d i o m i t a y o , y u n a v i e j a p a r a l a c o c i n a : á los c u a-
]ej ha de d a r d e c o m e r y v e s t i r : y n o h a d e p o d e r s a c a r i n d i o d e u n p u e b l o
i j:ro : ni c o m p e l e r p a r a n a d a á l o s in d i o s : v c u a l q u i e r a o t r a c p s a q u e les
^ a u J a r e , los h a d e p a g a r c o m o o t r o p a r t i c u l a r .
.45. A los C u r a s s e l e s p a g a r á d e e s t i p e n d i o p o r c a d a u n i n d i o d e t a i a
d o c t r i n a u n p eso , c o m o h a s t a a q u i se l e s h a p a g a d o : m i e n t r a s la t i e r r a
j a l u j a r á q u e se l e s s a l i s f a g a m e j o r ; q u e p o r a g o r a n o s e l e s h a c e n o v e -
j a d en su p a g a .
<46. E n c u a l q u i e r p u e b l o q u e h a y a , a n t i g u o ó n u e v o , e n c ú a l q u i e r
r ed u ccio n , p o r p e q u e n a q u e s e a , h a d e h a b e r p a r t i c u l a r c u i d a d o q u è h a y a
cu ien e n s e i i e la d o c t r i n a .
■<47. E n c a d a p u e b l o d e h a s t a c i e n i n d i o s , h a y a u n f isc a l q u e j u n t e á la
d o c tr in a . Y si p a s a r e d e c i e n in d i o s , h a y a d o s f i s c a l e s . Y p o r m u c h o s i n d i o s
que t e n g a el p u e b l o , n o h a d e h a b e r m á s d e d o s f i s c a l e s : y é s t o s h a n d e s e r
áe c i n c u e n t a á s e s e n t a a n o s d e e d a d : y l o s c u r a s n o h a n d e p o d e r o c u p a r -
los f u e r a d e su oficio, si n o es p a g á n d o s e l o .
«4S. E n c a d a p u e b l o q u e p a s a r e d e c i e n i n d i o s , h a d e h a b e r c u a t r o
c a n t o r e s . Y si l l e g a r e á d o s c i e n t o s i n d i o s , c i n c o c a n t o r e s . Y e n c a d a
reducción por p e q u e n a q u e sea, h a de h a b e r u n s a c r i s t á n q u e te n g a c u i­
da do d e g u a r d a r el o r n a m e n t o y b a r r e r l a i g l e s i a . T o d o s h a n d e s e r l i b r e s
de t a s a s y t r i b u t o s p e r s o n a l e s .
•49. C u a l q u i e r a p e r s o n a q u e t e n g a e n s u c a s a y s e r v i c i o s i n d i o s iníie-
les p o r j o r n a l e s ó p o r a n o s , l e s e n v i a r á n t o d a s l a s m a n a n a s e n t o c ã n d o s e
las c a m p a n a s e n la C o m p a n í a d e f e s ü s ó e n o t r a i g l e s i a d o n d e e s t o se
h i c i e r e ; p a r a q u e alli e s t é n u n a h o r a r e z a n d o : s o p e n a d e q u e q u i e n a q u e s t o
n o lo c u m p l i e r e , se l e q u i t e e l s e r v i c i o d e i t a l i n d i o : y n o s e l e s p e r m i t a
servir, a u n q u e sea con p a g a m uv a v e n ta ja d a , y d e m á s de eso p a g u e cuatro
p e s o s d e p e n a c a d a d i a q u e n o lo c u m p l i e r e : l a m i t a d p a r a l a c o f r a d í a d e
los in d i o s , y l a o t r a m i t a d p a r a el j u e z q u e lo s e n t e n c i a r e .

«T ítu lo dei g o b i e r n o

' <50. E l g o b i e r n o d e l o s p u e b i o s d e l o s i n d i o s e s t á á c a r g o d e l o s A l c a l -
d e s y R e g i d o r e s d e i n d i o s e n c u a n t o à lo u n i v e r s a l , d e j a n d o á - l c s c a c i q u e s
el r e p a r t i m i e n t o d e I a s m i t a s .
« }l. L a e j e c ;.;cit'n d e m i t a s y c o b r a n z a d e l a s t a s a s e s u n c a r g o ciei
J u s t i c i a m a y o r <5 A l c a l d e o r d i n á r i o d e c a d a p u e b l o d e e s p a n o i e s : p o r q u e
e n c a s o q u e la J u s t i c i a m a y o r n o v a y a á e s t o , h a d e e n v i a r p r e c i s a m e n t e
u n A lc a ld e o r d in á r io , y no o tr a p e r s o n a . Y el ir á c o b r a r ia , h a de ser al
l i e m p o q u e se h a y a d e c o b r a r l a t a s a ó m i t a , c u a n d o l o s i n d i o s q u i s i e r e n
q u e se e n l a b l e el d iclio m o d o d e g o b i e r n o . Y e n t o n c e s s e p a g a r á á la J u s -
— ó71 —

t i c i a M a y o r d o s r e a l e s p o r l a c o b r a n z a d e t a s a : v e c n i n g u n a m a n e r a se
h a n d e n o m b r a r C o r r e g i d o r e s d e l o s p u e b l o s d e l ó s i n d io s, p o r los i n c o n ­
v e n i e n t e s q u e d e e l l o s l i a n r e s u l t a d o e n el P e r ú : y l a J u s t i c i a q u e as í
c o b r a r e la t a s a , h a d e t e n e r c a r g o d e p a g a r al s a c e r d o t e v al e n c o ­
m e n d e i o.
«5'-\ El A l c a l d e ui A l c a l d e s dc la H e r m a n d a d 110 p u e d e co r.o cer ni
eono2C an d e p l e i t o s d e in d i o s ; p e r o p u e d e h a c e r la c a u s a v r e n i i i i r l a á l a
o r d i n a r i a , s a l v o e n h u r t o s d e g a n a d o s : q u e e n tal c a s o , p r o c e d e r á com o los
o rdinários.
«53. L a J u s t i c i a m a y o r y o r d i n a r i a p u e d a n p r o c e d e r en c a u s a s de
i n d i o s : v e l l o s y l o s d e la H e r m a n d a d e n c a s o p r o c s d e m e no p u e d e n s e n ­
t e n c i a r á n i n g ú n i n d i o í i n t r a e r l o á Ia c á r c e l d e Ia c i u d a d . y a lli s u s ; a n c i a r
I a c a u s a , lo c u a l se m a r . d a p o r los g r a n d e s a g r a v i o s q u e á t í i u l j J e lu sti-
c i a s se h a n h e c h o á l o s i n d io s.
«54. . Y in g ú n i n d i o se p u e d a s e n t e n c i a r e n d e s t i e . ’r o q u e p as e d ei d i s ­
t r i t o d e l a c i u d a d á q u e su p u e b l o f u e r e s u j e t o . V si f u e r e e:i a l g i i n s e r v i ­
c i o . n o p u e d a s e r s i n o c e c o n v e n t o ó de la r e p ú b l i c a . P e r o p o r e s t o no se
p r o h ib e d a r al indio p e n a de m u e r t e m e r e c ié n d o la .
«55. L a s e l e c c i o n - r s d e c a b i l d o s d e i n d i o s s e h a g a n p o r los d e i c a b i l d o
q u e sa lie re, en p resen c ia dei C u ra.
•5 6. E l a n o q u e e l i n d i o f u e r e A l c a l d e , n o d e b e t a s a ni s e r v i c i o p e r ­
so n a l e n caso que se r e p a r ta .

« T itu lo de (asa

«57. L a p r i n c i p a l c a u s a p o r q u e S . ..VI. m a n d ó h a c e r e s t a V i s i t a , fué


p a r a q u e l o s i n d i o s f u e s e n t a s a d o í : y c o n e s t o , c e s a n d o el s e r v i c i o p e r s o n a l ,
c e s a s e n a s í to d o s l o s a g r a v i o s á lo s i n d io s: c o m o e s fácil c o n o c e r el q u e
m e d i a n a m e n t e d i s c u r r e p o r lo s a g r a v i o s q u e á lo s i n d i o s se h a o h e c h o , q u e
s o n m u c h o s p o r el p o c o o r d e n q u e e n es ta G o b e r n a c i ó n ha h a b i d o . A u n q u e
l a m a t é r i a e s t á t a n i n d i g e s t a , q u e c o n m v c h a d i f i c u l t a d se p u e d e e n t a b l a r
l o s u s o d i c h o . P o r q u e l o s m á s d e los in d i o s , e n l a V i s i t a q u e h e h e c h o , e s p e ­
c i a l m e n t e e n e s t a c i u d a d d e l a A s u n c i ó n , d i c e n q u e no q u i s i e r a n t a s a ;
u n o s , ó lo s m á s , p o r q u e n o s a b e n l o q u e es , a u n q u e se l e s b a p r o c u r a d o
d a r á e n t e n d e r : o tr o s , p o r q u e son p o b res; o tro s, p o r q u e dicen q u e ellos
s i r v e n c u a n d o q u i e r e n y c o m o q u i e r e n , y l e s d a n a l g u n a g r a t i f i c a c i ó n los
e s p a f t o l e s : o t r o s , q u e v i e n e n á a y u d a r á los e s p a n o l e s n o á t i t u l o d e t a s a y
s e r v i c i o , s i n o c o m o á p a r i e n t e s . Y e s t o ú l t i m o t a m b i é n se m e a l e g ú p o r el
P r o c u r a d o r g e n e r a l de esta c iu d ad por u n a petición. Y a u n q u e las dichas
e i c u s a s so n d e t a n p o c o f u n d a m e n t o , c o m o p a r e c e : y e n t i e n d o q u e Ias m á s
h a n p r o c e d i d o d e i n d u c c i o n e s v e n g a n o s q u e á lo s i n d i o s se h a n h e c h o ;
t o d a v i a o b l i g a á u s a r d e t r a z a e n l a s e j e c u c i o n e s d e Ja t a s a q u e S . M . m a n d a
se p o n g a : q u e así p o r esto, co m o p a ra a s e g u r n r la s c o n cien cias, p a re c e
pi eci.-o p o n e r l a . R i s p o c í o J e !o c u a l . a n l e i o d a s c o s a s , d e r . l a ro qu-i la ta s a
l a d e b e n p a g a r l o s v a r o n e s d e s d e d i e z y oclio a tio s d e e d a d h a s t a q u e len -
g a n c i n c u e n t a . A u n q u e si a l g u n o s t u v i e r e n lo s i m p e d i m e n t o s q u e n o p u e ­
d a n p a g a r t a s a p o r e n f e r m e d a d q u e t e n g a n , la J u s t i c i a lo d e c l a r e a s í p a r a
q u e n o Ia p a g u e n .
«f>3. L a s m u j e r e s , de n i n g u n a e d a d q u e s e a n , n o d e b e n p a g a r ta s a : v
así se d e c l a r a .
õ 9 . A u n q u e e n el P i r ú l o s i n d i o s c a s a d o s a n t e s d e d i e z y o c h o a n o s
p a g a n la t a s a , e s t o p a r e c e t i e n e a l g u n a d i f i c u l t a d e s p e c i a l e n e s t a pr o v in -
cia, d o n d e t a n t o d e s o r d e n b a h a b i d o e n i m p e d i r l o s m a t r i m o n i o s d e los
i a J io s . V asi se d e c i a r a q u e , a u n q u e e l i n d i o s e a c a s a d o , n o d e b e t a s a liasta
la d i c h a e d a d d e los d i e z v o c h o a ü o s .
• 60. A u n q u e y o q u i s i e r a h a c e r t a s a s p a r a c a d a p u e b l o e n p i r t i c u l a r ,
no he po d id o h a s t a el p r e s e n t e p o r l a s r a z o n e s r e i e r i d a s : p o r q u e e n c a d a
p u e b l o h a y in d i o s d e d i f e r e n t e s e n c o m e n d e r o s : q u e l o s m á s l i e n e n tan
re q u e n o n ú m e ro , q u e no son de c e n s id e r a c iú n . P o r q u e a u n e n é s ta ciudad
de la A s u n c i ó n , c a b e z a d e l a G o b e r n a c i ó n , h a y m u c h o s q u e n o t i e n e n á
diez in d io s d e r e d u c c i ú n . V h e v i s i t a d o p u e b l o q u e , a u n q u e e r a b a s t a n t e
2

p a r a d o c t r i n a n t e , h a l l é i n d i o s d e c i n c u e n t a e n c o m e n d e r o s . R e s p e c t o d e lo
c u a l, p a r e c e m á s c o n v e n i e n t e q u e l a s t a s a s s e a n e n g e n e r a l . V a s í la s o los
45

in dio s d e e s t a G o b e r n a c i ú n (á los q u e s o n d e t a s a , c o n f o r m e á lo d i c h o e n
es te t í t u l o ' q u e c a d a u n o p a g u e á s u e n c o m e n d e r o c i n c o p e s o s c o r r i e n t e s
en c a d a a n o e n m o n e d a d e l a t i e r r a : y q u e l a s d i c h a s m o n e d a s , c o m o e s t á
c i c h o , se h a y a n d e r e d u c i r y r e d u z c a n á c o s a s q u e si s e h u b i e r a n d e v e n d e r
á r e a l d e p l a t a , v a l i e s e n s e i s r e a l e s d e p l a t a lo q u e e n m o n e d a d e l a t i e r r a
es u n p e s o . Y a s í e l i n d i o h a d e s e r o b l i g a d o á p a g a r e n c a d a u n a n o cin co
p eso s de t a s a e n m o n e d a d e l a t i e r r a , ó e n s e i s r e a l e s d e p l a t a p o r c a d a
p eso , ó e n e s p e c i e d e m a í z ó t r i g o , ó a l g o d ó n h i l a d o ó t o r c i d o , ó m a d r e s d e
m e c h a . Y p o r q u e n o h a y a d i f ic u lt a d e n l a s d i c h a s e s p e c i e s , d e c l a r o l a s
d i c h a s e s p e c i e s . U n a í a n e g a d e m a í z , u n p e s o . U n a g a l l i n a , d o s r e a l e s . L-na
m a d r e de m e c h a q u e t e n g a diez y se is p alm o s, u n p e s o . T r e s lib ra s de
g a r a b a t á , un p e s o . L 'n a a r r o b a de a l g o d ó n , s i n s a c a r l a p e p i t a , d e s t a t i e r r a ,
c u a t r o pesos: y d e i R io B e r m e j o ó d e T u c u m á n , c i n c o p e s o s . U n a v a r a d e
l i e n z o d e a l g o d ó n , u n p e s o . U n a f a n e g a d e f r i s o l e s , t r e s p e s o s . E n l a s cu a-
les d i c h a s e s p e c i e s p u e d a n p a g a r y p a g u e n l o s i n d i o s l a t a s a , a u n q u e e n el
a n o n o t e n g a o b l i g a c i ó n el e n c o m e n d e r o d e r e c i b i r m á s d e u n a f a n e g a d e
m a í z v d o s g a l l i n a s , e n lo s p r e c i o s q u e v a n p u e s t o s : y l a d e m á s t a s a ' h a y a
d e s e r e n l a s d e m á s e s p e c i e s ó m o n e d a s d e C a s t i l l a ó d e l a t i e r r a . c o m o va
d e c l a r a d o . L a c u a l d i c h a t a s a s e h a d e p a g a r la m i t a d c o g i d a s l a s c o s e c h a s
p or N a v id a d , v la o tr a m ita d p o r S a n J u a n . ~
«61. P o r c u a n t o , c o m o e s t á d i c h o , p o r a g o r a l o s i n d i o s r e h u s a n de
p a g a r l a t a s a , l e s m a n d o q u e l o s q u e n o l a q u i e r a n p a g a r s i r v a n , com o
ellos han dicho, á sus e n c o m e n d e r o s , com o h a s ta a q u i . Y el e n c o m e n d e r o
e n tie n d a q u e en l u g a r de ta s a , p u ed e ll e v a r t r e i n ta d ia s d e t r ib u to e n cada
u n a n o : y q u e los d e m á s q u e l i i b a j a r e c o n é l e l i n d i o , q u e e s lo m á s o r d i ­
n á r io , en esp e c ia l e n los p u e b io s d e la A s u n c ió n , q u e h a sid o l a p rin c ip a l
p a r t e d e i a n o , ha d e g r a t i f i c a r a l i n d i o , c o m o e s t á d i c h o , á r e a l y m e d i o d e
j o r n a l e n m o n e d a d e l a t i e r r a ó c o s a s q u e lo v a l g a n . Y l o m e s m o h a d e s e r
si d e su v o l u n l a d l e s i r v i e r e a l g ú n i n d i o q u e p o r s u e d a d n o d e b a t a s a .
• 62. C a d a a n o la J u s t i c i a M a y o r ó A l c a l d e q u e n o m b r a r e , v a y a A v i s i t a r
los i n d i o s l i e s p u é s d e c o g i d a s la s c o s e c h a s , p a i a p r o v c e r e l n ú m e r o d e t « ; a ,
los q u e l l e g a r e n á d i e z y o c h o a n o s , y s a c a r lo s q u e l l e g a r e n ã c i n c u e n t a .
«63. P o r e s t o s p a d r o n e s , e n q u e s e h a n d e p o n e r t a m b i é n l o s h ijo s, es
fá c i l a v e r i g u a r l a s e d a d e s y o b l i g a c i ó n d e t a s a . Y e n e s t o h a v a m u y b u e n a
- 673 —

c u e n t a d e e x c u s a r s e d e los p a d r o n e s d e los C u r a s : p o r q u e no e n ú t u i a u e n
n i n g u n a m a n e r a los b á r b a r o s q u e l o s p a d r o n e s q u e l o s e c le s i á s t i c o s h a c e n
s o n e n o r d e n á i n t e r é s d e los e s p a n o l e s , y ( o r n i e n c o n c e p t o d i f e r e n t e de lo
q u e e s y I i a c e n l a I g l e s i a y sus' m i n i s t r o s .
«64. A u n q u e el i n d i o ç u i e r a p a g a r l a t a s a e n s e r v i c i o p e r s o n a l como
e s t á d i c h o , n o se- l e s ha J e i m p e d i r q u e el d c . n á s t i e m p o dei a n o p u e d a n
c o n c e r t a r s c c o n el e s p a n o l q u e q u i s i c r c a pr.ra g i m a r jo r n a l 6 salário.
«65. L o s i n d i o s q u e d e s d e l u e g o q u i e r e n p a g a r la ta s a , la p a g u e n : y
c o n e s t o s i r v a n ó t r a b a j e n c o n q u i e n q u i s i e r e n : y n o s e a n c o m p e l i d o s á m ita,'
p o r q u e e n t a n p o c o n ú m e r o c o m o h a s t a a g o r a h a y , n o se p u e d e e n l a b l a r la
m i t a : h a s t a q u e c o n o z c a n los i n d i o s q u e l e s e s t á b i e u p a g a r la la s a : y
e n to n c e s se e n ta b le n com o es razón.

« T í t u l o d e l o s i n f i el e s

<66. P o r C é d u l a d e S. M. e s t á p r o h i b i d o q u e l o s G o b e r n a d o r e s h a g a n
n u e v a s e n t r a d a s e n p u e b l c s v t i e r r a s d e i n d i o s , a u n q u e s e a p o r via de D o c-
t r in a s , y m e n o s p o r via de c o n q u is ta no p u e d a n h a c e r las dichas e n tr a d a s ,
p o r q u e lo s u s o d i c h o e s t á r i s e r v a d o á l a p e r s o n a d e i s e ü o r V i r r e y : d eclá-
r o l o a s í : y m a n d o q u e d e a q u i a d e l a n t e el G o b e r n a d o r ni o t r a J u s t i c i a n o
l a s h a g a n , s o p e n a d e p r i v a ; i ó n d e oficio, y m á s d o s m i l p e s o s p a r a la C â ­
m a ra de S. M.
«67. N i n g ú n T e n i e n t e n i A l c a l d e p u e d a ; n \ i a r ni e n v i e g e n t e a r m a d a
á lo s i n d i o s , á t í t u l o d e q u e lo s r e d u z e a n ó v e n g a n á h a c e r m i t a , ni eii o t r a
m a n e r a , so l a m i s m a p e n a . P e r o b i e n se p e r m i t e q u e si a l g u n o s in d io s
h ic i e r e n d a n o a l p u e b lo ó á indios d e p az en sus p e r s o n a s ú h a c ie n d a s , p u e ­
d a n l u e g o h a s t a t r e s m e s e s , e n v i a r p e r s o n a s q u e lo s c a s t i g u e n co n a r m a s
6 t r a i g a n p r e s o s ; c o n q u e l o s q u e s e p r e n d i e r e n n o se e j e c u t e p e n a c o n t r a
e l l o s e n e l c a m p o , si n o e s q u e l a d i l a c i ó n t r a i g a d a n o i r r e p a r a b l e : y en
n i n g u n a m a n e r a se p u e d a n r e p a r t i r l a s d i c h a s p i e z a s d e los in d i o s c om o
h a s t a a g o r a s e h a h e c h o , s o p e n a d e m il p esos e l q u e lo c o n t r a r i o h i c i e r e .
«63. E n c a s o s q u e l o s e x c e s o s d e lo s t a l e s i n d i o s o b l i g u e n á d e m o s t r a -
c i ó n , y p a s e n l o s t r e s m e s e s d e l a O r d e n a n z a s e s e n t a y s i e t e , p o d r á el G o ­
b e r n a d o r s o l o y n o o t r a J u s t i c i a , d e t e r m i n a r c e r c a d e i d i e b o c a s t i g o : co n
q u e e n lo d e m á s se g u a r d e l a O r d e n a n z a p r e c e d e n t e .
«69. P o r C é d u l a d e S . M . e s t á m a n d a d o q u e l o s i n f i e l e s q u e se r e d u -
j e r e n é h i c i e r e n c r i s t i a n o s n o p u e d a n s e r e n c o m e n d a d o s ni p a g u e n t a s a los
in fie le s p o r diez a n o s. Y p a sa d o el d icho té r:n in o , no se in n o v e sin o rd e n
e x p r e s a d e i s e n o r V i r r e y 6 A u d i ê n c i a . D e c l á r o l o así: v m an d o q u e d u r a n t e
e l d i c h o t é r m i n o d e l o s d i e z a n o s , n o p u e d a n s e r c o m p e l i d o s á s e r v i c i o nin-
g u n o . P e r o b ie n p o d r á n d e su v o lu n ta d c o n c e r t a r s e p a r a se rv ir: y las Jus-
tic ia s t e n d r á n c u id ad o de q u e no se les h a g a n a g ra v io s.
«70. E l C u r a d e i n d i o s , e n e s p e c i a l d e n u e y a m e n t e r e d u c i d o s , n o
p u e d a s a c a r n i s a q u e n i n g u n a i n d i a c a s a d a ni s o l l e r a , a u n q u e s e a d e p o c a
e d a d . ni H a l l a á q u e v ay .i á s e r v i r í u c r a : v e! q u e t a l h i c i e r e . no p ' . e J a s e r
p r e s e n ta d o á o tro beneficio. .
«71. L a j u s t i c i a y d o c t r i n a n t e t e n g a n p a r t i c u l a r c u i d a d o d e q u e se
e n c a m i n e n lo s i n d i o s á l a b r a r l a s t i e r r a s y t e n e r b u e y e s p a r a ello: y h a g a n
43 O rc a n u a c ió .n S o cial de la s D o c t r i n a s G u a r a n í e s . — t o m o u.
!£■ t~2. T o d a s l a s r e d u c c i o n e s q u e se h i c i e r e n d e i n d i o s , s e a n e n s u s p r c
t i e r r a s y t e m p l e s . y e n la s p a r t e s d e l l a s á s u c o m o d i d a d , v d o n d e
JeíJia le a e r y t e o g a n a g u a , Icna, p escado; y d o a d e p u e d a n t e n e r côm odo
Qrt s e " e n t e r a s : }' no s úlo r e s p e c t o d e i e s t a d o p r e s e n t e , p e r o d e i a u m e n t o
H j 5e p u e d e e s p e r a r , t e n i e n d o a t e n c i ú n a l b i e n d e l o s i n d i o s y q u e -se:i c o n
p g usto . p a r a q u e c o n é! a c u d a n á l a d o c t r i n a : y si lo s p u e b i o s <5 r r duc-
.cones f u e r e n t a n p e q u e í i a s , q u e no p u e d a e s l a r d o c t r i n a n t e e n s o l o u n o ,
j t p r e c a r n r i p o n e r e n d i s t a n c i a c o n v e n i b l e el d i c h o t r a b a j o , p a r a q a e e n
o t J i o e í i é la p a r r o q u i a , d e d o n d e se l e s p u e d a a c u d i r à t o d o s y q u e c c n
f j a o j i - s d se a n d o c tr in a d o s por las re d u c c io n e s . Y a u n q u e e s té n d iv id id o s,
r oo sie n d o d e s u n a t u r a l , n o se p r o c u r e n j u n t a r e n n i n g ú n p u e b l o s i e n d o
bucHos: p o r q u e s e e .x c u s e n l a s d i s c ó r d i a s q u e e n t r e e l l o s p u e d a n h a b e r ,
tspecia! l a s e n v i d i a s y d i f e r e n c i a s d e t i e r r a s : v e n t o d o se l e s q u i t e n l a s
ccasiones d e d i s c ó r d i a s , h a s t a q u e el t r a t o y lo s c a s a m i e n t o s y e s p e c i a l
conoci=iento de D io s le s h a g a fáciles e s ta s co sas.
«73. L o s i n d i o s q u e s e h a n c o n v e r t i d o , a u n q u e n o h a n d e s e r c o m p e ­
lidos á m i t a s y t a s a s p o r el t i e m p o q u e e s t á d i c h o ; e s b i e n q u e d e s d e los
cinco a n o s v a v n n e n t e n d i e n d o lo s u s o d i c h o p o r m o d o s s u a v e s , a f i c i o n á n d o s e
i g a n a r j o r n a l e s y t r a b a j a r p a r a e s to .
«74. A s i m i s m o e s b i e n q u e los r e c i é n c o n v e r t i d o s v a y a n c o n o c i e n d o e l
modo d e g o b i e r n o p o l í t i c o d e l o s in d i o s , d á n d o l e s a l c a l d e s y fiscr»! y o t r o s
o Bcia le s.
«75. P o r c u a n t o e s m u y n e c e s a r i o p a r a l a c o n v e r s i ó n d e l o s í n d i o s v
c r é d ito d e i E v a n g e l i o p a r a c o n l o s b á r b a r o s q u e n o e n t i e n d a n q u e p o r
i n t e r é s s e l e s p r e d i c a y a d m i n i s t r a n los s a c r a m e n t o s , e s b i e n q u e c o s e l e s
pida á l o s i n d i o s c o s a n i n g u n a p o r p e q u e n a q u e s e a : y d e e s t o s e a n a d v e r ­
tidos lo s C u r a s e n p a r t i c u l a r .

« Ti t ul o de Ias e n c o i n i e n d a s »

«7ó. U n a d e l a s c a u s a s m á s p r i n c i p a l e s q u e h a h a b i d o p a r a l a d i m i n u -
ción d e e s t o s i n d i o s d e e s t a G o b e r n a c i ó n y l a d e T a c u m á n , h a s i d o l a s
m uchas div isio n es de encoraiendas, p artién d o las y h acién d o las a lg u n a s de
tr e in ta in d io s y d e v ein te, v m enos, de qu e se h a n s e g u id o g ra n d ísim o s
i n c o n v e n i e n t e s , q u e a l g u n o s se h a n r e p r e s e n t a d o á S . M . v d e s p a c h a d o
C é d u l a s R e a l e s s o b r e e s t o : Y as í o r d e n o y m a n d o q u e d e a q u i a d e l a n t e n o
se d i v i d a n n i p a r t a n l a s e n c o m i e n d a s d e i n u m e r o q u e h o y t i e n e n e n e s t a
G o b e rn a c ió n p o r v a c a c ió n ni d ejación p a ra q u e te n g a n e fec to ca sa m ie n -
tos, n i e n n i n g u n a o t r a m a n e r a , a u n q u e se d i g a n o s e d i v i d e n f a m í l i a s n i
hábitos: p o r q u e g e n e r a l m e n t e se m a n d a q u e e n n i n g u n a m a n e r a ni p o r
n i n g u n a c a u s a se h a g a d iv isió n n i n g u n a ni p a r t i c í ó n d e lo s q u e h o y e s t á n
t u u n a e n c o itn c m la e n p o d e r de u n e n c o m c n d c r o : s o p e n a d e m il p es o s al-
G o b e r n a d o r q u e c o n t r a v i n i e r e , y l a d i v i s i ó n s e a e n sí u i n g u n r » . y !a e n o o -
m i e n d a d e s d e l u e g o se p o n e e n c a b e z a d e S . M .
«77. A s i m i s m o o r d e n o y m a n d o , c o m o S . M . t i e n e m a n d a d o v p r o v e í d o ,
q u e lo s i n d i o s q u e e s t u v i e r e n d i v i d i d o s p a d r e s d e h i j o s , s e r e d u z c a n y j u n -
len p a r a Ias c iu d a d e s q u e no he visitado, que sob la s dc 1:\ Asunc'u‘.n
-p a ra a r r i b a : p o r q u e e n las d e m á s he pro veído i s a i i s f a - d ó n dc los natu-
r a le s .
«/S. I l e i n , m a n J o q u e c o m o ( u e r e n v a c a n d o l a s e n c o m i e n d a s dc u n a
p a r c i a l i d a d y n a i u r a l <5 p u e b l o , se v i v . i n j u n t a s J o . d e s u e r t e q u e e n l a
c i u d a d d e l a A s u n c i ó n y e n l a s d e a r r i b a l a s e n c o m i e n d a s se r e d u z e a n e n
n u m e r o d e o c h e n t a i n d i o s , d i e z m i s ó m er.o s: e n la c i u d a d d e S a n t a l e , d e
t r e i n l a y c i n c o m á s ó m e n o s : la c i u d a d c e l R i o Ü e r m e j o , ,il i n i s m o res-
pecto: y la d e las C o r r ie n te s , y E u e n o s A ir e s , á doce poco m á s ú m enos: y
q u e e n e s t e n ú m e r o s e v a y n n r e d u c i e n d o , a g r e g á n d o s e u n a s á o t r n s sin
q u e a l q u e a s í s e le a n e x a r e s e l e a u m e n t e v i d a n i n g u n a , sin o q u e g o c e lo
n u e v a m e n t e a d q u i r i d o c o m o lo q u e a n t e s p o s e í a . V d e s d e q u e u n a v e z se
a n e x ó , s e q u e d a r á s i n d i v i d i r . L o c u a l se e n t i e n d a e n e n c o m i e n d a s p e q u e ­
n a s . P o r q u e e n l a s e n c o m i e n d a s m a y o r e s d ei d i c h o n u m e r o r.o se h a n de
b a j a r a l m e n o r ; a n i e s h a n d e i r c o n su a u m e n t o : p u e s es j u s t j q u e b a y a
e n c o m ie n d a s g r a n d e s p a r a p e r s o n a s de m a y o r m érito .
«79. Y p o r c u a n t o e n e s a c i u d a d h a y v e c i n o s q u e t i e u e n e n c o m i e n d a s
p e q u e n a s y d iv id id a s y e n d i f e r e n t e s pueblos: o r d e n o y m a n d o q u e en tal
c a s o , v a c a n d o l a t a l e n c o m i e n d a , s e a n e x e c a d a p a r t e e n su p u e b l o , de
s u e r t e q u e l a s e n c o m i e n d a s e s t é n j u m a s y n o d i v i J i d a s . Y si el e n c o m e n -
d e r o q u e m u e r e t i e n e i n d i o s e n d o s p u e b l o s y se d e b e n a n e x a r , lo s d e un
p u e b l o s e a n e x e n e n u n o d e l o s e n c o m e n d e r o s d e a l l á , y el o t r o e n el e a c o -
m e n d e r o d ei otro.
«SO. A s í c o m o c o n v i e n e p a r a el b u e n g o b i e r n o q u e l a s e n c o m i e n d a s r.o
s e a n m u y p e q u e n a s : a s í t a m b i é n c o n v i e n e q u e 110 s e d e n á u n o m u c h a s
e n c o m i e n d a s . P o r lo c u a l y p o r s e r c o n f o r m e á d e r e c h o , o r d e n o v m a n d o
q u e q u i e n t u v i e r e e n c o m i e n d a d e m a y o r c a n t i d a d J e Ia r e f e r i d a ó de m e n o r
e n d i f e r e n t e s p u e b lo s , de s u e r t e q u e n o se p u e d a n n p e x a r com o es tá dicho,
n o s e p u e d a r e f e r i r , ni s e l e e n c o m i e n d e o t r a e n c o m i e n d a sin h a c e r d e j a c i ó n
d e l a p r i m e r a . Y c a s o q u e l o h a g a só lo p a r a a c e p t a r la s e g u n d a , d o y ia
p r i m e r a p o r v a c a , y la p o n g o e n c a b e z a d e S. M.
<81. C o m o e s t á d i c h o e n l a s O r d e n a n z a s a n t e s d e s t a , l a i n d i a q u e se
c a s a r e c o n i n d i o d e o t r o s r e p a r t i m i e n t o s , b a d e s e g u i r á su m a r i d o - Y p o r ­
q u e n o c a u s e in c o n v e n ie n te u n a O r d e n a n z a que se su e le e n te n d e r m al en
e l P i r ú , d e c l a r o q u e l a í n d i a s i g a á s u m a r i d o , o r a se c a s e p e r s u a d i d a ó
i n d u c i d a p o r el i n d i o ó n o . D e s u e r t e q u e e s tí. O r d e n a n z a se g u a r d e sin
e x c e p c i ó n n i n g u n a : p a r a q u e t o d o s los estorfcos d e los c a s a m i e n t o s se
q u i t e n j q u e d e n c o n l a l i b e r t a d q u e e s ju s t o . Y c u a l q u i e r e n c o m e n d e r o
q u e i m p i d i e r e m a t r i m o n i o d e i n d i o d e su e n c o m i e n d a ó s e r v i c i o , i n c u r r a
e n p e r d im ie n to y p riv a c ió n d e la enco m ien d a: la c u a l desde lu eg o se p onga
e n c a b e z a d e S. M.: y p r o s i g a á c a s t i g a r e s t e d e l i t o c u a l q u i e r j u e z s e g l a r .
D e m á s d e lo c u a l, s e a b a s t a n t e re c a u d o p a r a la ejec u c iò n d e e s ta O r d e ­
n a n z a c u a l q u i e r p e n a q u e e l j u e z e c l e s i á s t i c o p u s i e r e a l ta l e n c o m e n d e r o
p o r b a b e r i m p e d i d o e l m a t r i m o n i o . Y e n c á r g a s e á lo s C u r a s q u e n o c a s e n
i n d i o ó i n d i .i d e u n a m i s t n a c a s a , c u a n d o e l d u e n o d e e l l a se l a I l e v a r e ,
p o r q u e u n s í v a n a t e m o r i z a d o s , ó á lo m e n o s no c o n p l e n a l i b e r t a d .
«S2. Y p o r q u e a l g u n a s v e c e s lo s e u c o i n c i u i e r o s 1k . c c :'. la? o o n i n d i c -
c i o n e s à l o s c a s a m i e n t o s d e s u s í n d i a s , y lo m i s m o l i a c e n l o s q u e l a s t i e n e n
e n c a s a , c o n co lo r de q u e Ias d e fie n d e n : y a n s i h a c e n q u e a l g u n o s ju e c e s
-676 —

( c l c s i i s tí c o s , q u e n o s i e m p r e son l e t r a d o s e n l a s í n d i a s , l o s n o m b r e n p o r
434
J e í e n s o r e s , o r d e n o y m a n d o q u e U p e n a d e l a O r d e n a n z a p r e c e d e n l e se
£3ti e n d a a s i m i s m o e n e s t e c a s o : p o r q u e e n n i n g u n a v i a , d i r e c t a ni i n d i ­
recta, es b i e n el e n c o m e n d e r o <5 p e r s o n a q u e t u v i c r e i n d i a e n c a s a t e n g a
a j n o ni l i a b l e e n i m p e d i r m a t r i m o n i o s d e l a s i n d i a s , ni a u n e n c a s a r i a s :
porqae e n lo s m e s m o s m a t r i m o n i o s q u e p r e t e n d e n h a c e r s e d a i n c l u s o
im pedim ento de m a trim o n io .
«S3. V p o r q u e m u j e r e s s u e l e n e x c e d e r m u c h o e n lo s u s o d i c h o , m a n d o
que las O r d e n a n z a s p r e c e d e n t e s se e n t i e n d a n c o n l a s m u j e r e s q u e t u v i e r e n
e a c o m i e n d a s : y si n o Ias t u v i e r e n , i n c u r r a n e n c i e n p e s o s d e p l a t a , e n q u e
no se les p e r m i t a j a m á s s e r v i r s e d e i n d i a n i n g u n a ; a u n q u e l a s i n d i a s q u i e -
ran- E sto m i s m o s e g u a r d e c o n los b o m b r e s n o e n c o m e n d e r o s . V e n e s t o s
casos de i m p e d i m e n t o s d e m a t r i m o n i o , q u i s i e r a p o n e r j u e c e s m u y r i g o r o s o s
para e j e c u t a r l o s , p o r q u e h e h a l l a d o g r a v í s i m o s e i c e s o s , y m u y g r a n d e s e n
particu lar.
«S-l. E n j o r n a l e s d e m u j e r e s n o h e p u e s t o p r e c i o n i n g u n o , p o r q u e l e
reservo á la v o lu n ta d d e las p a rte s.
«3ô. A u n q u e h e r e m i t i d o a l s e n o r V i r r e y y á l a A u d i ê n c i a e l c a s t i g o
de lo s e x c e s o s p a s a d o s ; e s t o se e n t i e n d e e n e l f u e r o e x t e r i o r . Y a s í a d r i e r t o
d los c o n f e s o r e s y á l a s p e r s o n a s q u e h a n t e n i d o y t i e n e n i n d i o s , q u e v a y a n
com poniendo sus conciencias con m uch o c u id ad o : q u e todo s e r á m enester:
y p leza á D ios q u e a c ie rte n .
*S. M . y e l s e n o r V i r r e y v la R e a l A u d i ê n c i a p r o v e e r & n a c e r c a d e n o
l l e v a r d e r e c h o s á lo s i n d i o s q u e se q u i e r e n c a s a r . E n t r e t a n t o , p i d o co n
m u ch o e n c a r e c i m i e n t o ’ q u e e n e s t o s e h a y a e l r e c a t o q u e e s r a z ó n . P u e s
d e m á s d e q u e l o s i n d i o s no d e b e n d e r e c h o s , e s t a n s a b i d o l o s e s t o r b o s q u e
los i n d i o s t i e n e n p a r a l o s m a t r i m o n i o s c u a n d o t i e n e n q u e p a g a r d e r e c h o s :
y c u á a p e r j u d i c i a l e s c u a l q u i e r a d i l a c i ó n e n esto'. •
cL a s c u a l e s d i c h a s o r d e n a n z a s he hecho com o e n tie n d o conviene,

r e s p e c t o d e lo q u e m e h a c o n s t a d o p o r l a s V i s i t a s , y m u c h o m á s p o r r e l a ­
ciones p a r t i c u l a r e s : p o r q u e e n e s ta t i e r r a to d o s q u i e r e n q u e s e e n t e n d a é
in fo rm e lo q u e le s c o n v ie n e : q u e á t a n t o h a l l e g a d o l a d e s o r d e n de esta
tie r ra . E n p a r t i c u l a r , h e c o m u n ic a d o e s t a s O r d e n a n z a s c o n los G o b e r n a -
d ores p r e s e n t e y p a sad o : v con todos lo s re lig io s o s d e e s t a c iu d a d , y con
c as i t o d o s l o s d e l a G o b e r n a c i ó n : y c o n o t r o s m u c h o s p a r t i c u l a r e s d e e l l a s ,
en e s p e c i a l c o n l o s d i p u t a d o s q u e h a n n o m b r a d o l a s c i u d a d e s d e e s t a G o b e r ­
n a c ió n , y e n p a r t i c u l a r los de la c iu d a d d e la A s u n c i ó n . Y a firm o q u e
c u a n to m e h a n q u e r id o h a b la r en e s ta m a t é r i a h e oído. Y a u n q u e estas
O rd e n a n z a s se h a n de lle v a r al C onsejo R e a l de las I n d ia s , p a r a que S u
M a je s ta d l a s m a n d e v e r , y e n t r e t a n t o s e h a d e e s t a r p o r lo q u e m a n d a r e
el s e n o r V i r r e y ó R e a l A u d i ê n c i a d e l a P l a t a ; p e r o m i e n t r a s S . E . Real
A u d i ê n c i a o t r a c o sa no ra a n d a r e n , m a n d o q u e to d a s la s J u s t i c i a s y vecinos,
e s ta n te s v - h a b ita n te s e n e s ta G o b e r n a c ió n y s u s t é r m in o s y jurisd icció n , v
los q u e a d e l . m t c e s t u v i e r e n , I;is g u a r d e n y c u m p l a n t o d a s , e n to d o y p o r
to do, s e g ú n q u e e n e l l a s se c o n t i e n e : so l a s p e n a s e n e l l a s c o n t e n i d a s , y
m i s q u in ie n to s pesos p a ra la C â m a r a d e S . M . e n q u e d e s d e lu e g o doy p or
c o n d e n a d o l o c o n t r a r i o h a c i e n d o . E n q u e l a s j u s t i c i a s p r o c e d e r á n c o n el
m a y ò r r i g o r c o n t r a lo s r e b e l d e s é i n o b e d i e n t e s .
«Fué d a d a e n l a A s u n c i ó n , c a b e z a d e l a G o b e r n a c i ó n d e i P a r a g u a y y
• - 677 -

R i o d e l a P l a t a , e n d o c e d i a s d e i m e s d e O c l u b r e d e m il se i s c i e n t o s y
o n cean o s.»
«El licenciado D o .\ F raxcisco de A lfaro .»

«■Por m a n d a d o d e i s e n o r O i d o r Y i ã i t a d o r . — A l o a s o X a v a r r o , S e c r e i a r i o
d e la V isita.»
( S k v i l l a : A r c h . d e l a d . 74• 4-4.>
ANEXO 11

Decisão Real no Conselho das índias, Aprovando as


Ordenanças de Alfaro, com as Modificações nelas
Introduzidas (1618)
i
436
Núm. 57.

1 6 1 8 - D E C 1SIÓ N R E A L EN EL C O N S E J O DE IN D IA S, A P IÍO B A T O -
RIA D E L A S O R D E N A N Z A S D E A L F A R O , C O N L A S M O D IFIC A -
C IO N E S" EN E L L A S IN T R O D U C ID A S .

[ I n s é r l a n s e l a s O r d e n a n z a s c o n l a s C é d u l a s : y a l li n a l d e tod o , se dice:]
« Y h a b i é n d o s e r e q u e r i d o e j e c u t a r l a s d i c h a s O r d e n a n z a s p o r el d ic h o
D . F r a n c i s c o d e A l f a r o , lo s v e c i n o s d e l a s d i c h a s p r o v i n c i a s d e i P a r a g u a y
y R io de la P la ta h iciero n a lg u n a s c o n lra d ic c io n e s á ella s, p reten d ien d o
n o s e h a b í a d e i n n o v a r e n n a d a d e l.i c o s t u m b r e q u e se h a b í a l e n i d o p o r lo
p a s a d o , s i n o q u e se h a b i a n d e g o b e r n a r d e l a m i s m a m a n e r a q u e a n t e s q u e
s e I l ic ie s e n . S o b r e lo c u a l p o r su p a r t e s e a c u d i ó á m i C o n s e j o d e l a s í n d i a s
c o n la d ic h a p re te n s ió n , s u p lic á n d o m e así lo m a n d a s e p r o v e e r y o r d e n a r , ó
q u e e n c a s o q u e sin e m b a r g o d e e l l o s s e h u b i e s e n d e m a n d a r g u a r d a r l a s
d ic h a s O r d e n a n z a s , se m o d e r a s e n y r e v o c a s e n a l g u n a s d ella s, conform e á
las ad v erten cias que presen taro n :
« Y h a b i é n d o s e v i s r o lo u n o y l o otro" p o r l o s c e l d i c h o m i C o n s e j o : y
l a s i n f o r m a c i o n e s , c e r l i f i c a c i o n e s y o t r o s r e c a u d o ü p o r su p a r t e p r e s e n -
t a d o s , v lo q u e el L i c e n c i a d o B e r n a r d i n o O r t i z d e F i g u e r o a , m i F i s c a l e n
e l d icho C o n s e jo , dijo v a le g ó e n la d ic h a r a z ú n : y oído so b re ello p a r t i c u ­
l a r m e n t e á M a n u e l d e F r i a s , P r o c u r a d o r g e n e r a l de d ic h a s provincias:
« H e t e .n i d o p o r b i e n d e o k d e x a R y m a n d a r , c o m o p o r la p r e s e n t e
o r d e n o y m a n d o , q u e l a s d i c h a s O r d e n a n z a s q u e a q u i v a n i n c o r p o r a d a s se
g u a r d e n y o b s e r v e n e n l a s d i c h a s p r o v i n c i a s d e i P a r a g u a v y R i o d e la
P l a t a , las c a to rc e d e lla s s e g ú n se a d v i e r t e y d ice en la s d e c la ra c io n e s que
v a n p u e s t a s al pie de c a d a u n a : y t o d a s la s d e m á s d e la m is m a s u e rte q u e
e n e lla s s e c o n t i e n e : y q u e c o n t r a s u t e n o r n o se v a y a ni p ase en m a n e r a
a l g u n a : y m a n d o á los m is G o b e r n a d o r e s y o tr o s ju e c e s v justicias de las
d ic h a s p ro v in c ia s las g u a r d e n , h a g a n g u a r d a r , c u m p lir y eje c u ta r, según
y c o m o e n e lla s y c a d a u n a d e lla s se d e c l a r a , so las p e n a s en e llas conteni-
d a s , e n q u e d e s d e lu e g o d o y p o r c o n d e n a d o s á los tr a n s g r e s o r e s . Q u e a s í
e s m i v o lu n ta d . Y q u e se p r e g o n e n p u b lic a m e n te en las d ich as provincias,
p a r a q u e v en ija A n oticia de todos, y n o se p u e d a p r e t e n d e r ig n o rn r.c ia .—
F e c h a e n .M adrid, à d i e z d e O c t u b r e d e m il y s j i s c i e a t o s y «iiez y ocho
anos.»
« Y o EL R e y » « P o r m a n d a d o d e i R e y n u e s t r o S e n o r : P e d r o d e L e -
d esm a.»
D e c l a r a c i ó n d e la O r d e n a n z a 13

437
« V p o r q u e los i n d i o s n o p u e d e n v i v i r c r i s t i a n a y p o l i t i c a m e n t e s i n t e n e r
q u i e n los a d m i n i s t r e y g o b i e r n e , y e n c a m i n e l a s c o s a s d e p o l i c i a , y j u s t a
ocupación y tra b a jo , q u e d e b e n t e n e r p a r a p o d e r s e s u s t e n t a r v p a g a r sus
; a s a s , y a c u d i r á o t r a s o b l i g a c i o n e s , lo s G o b e r n a d o r e s n o m b r a r á n p e r s i n a s
de t o d a s a t i s f a c c i ó n y c o n f i a n z a y d e s i n t e r e s a d a s , q u e c o n t í t u l o d e a '.mi-
nistra d o re s ó m a y o rd o m o s t e n g a n c u id a d o d e q u e los in d io s a c u d a n á la s
c o s as s o b r e d i c h a s : v l e s e n a l a r á n u n m o d e r a d o s a l á r i o á c o s t a d e l o s e n c o -
raenderos, á q u ie n toca la m a y o r p a r t e d e la u tilid a d y beneficio q u e desto
ba d è r e s u l t a r : y l e s d a r á n l a s i n s t r u c c i o n e s n e c e s a r i a s , v s e n a l a r á n e l
distrito y n ú m e r o de los p u e b i o s de in d io s q u e c a d a u n o b a de t e n e r á c a r g o
y c ó m o d a m e n te p u e d a a d m i n i s t r a r : y p r o c u r a r á n con todo c u id a d o q u e la s
personas q u e así se e l i g i e r e n y n o r a b ra re n s e a n tales c u a le s c o n v ie n e , y
q u e h a g a n el d e b e r , t r a t e n b i e n á l o s i n d i o s y l e s d e n b u e n e j e m p l o , y n o
te n g a n con ellos e n su s p u e b io s tr a to s ni c o n tr a to s a lg u n o s ó g r a n j e r í a s :
i n f o r m á n d o s e c on t o d a d i l i g e n c i a d e c ó m o p r o c e d e n , p a r a c a s t i g a r c o n
r i g o r la s v e c e s q u e h i c i e r e n , y r e m o v e r l o s d e l a a d m i n i s t r a c i ó n y o ficio y
e le g ir otros q u e c u m p la n co n sus o b lig a cio n es.

• » D e c l a r a c i ó n d e l a O r d e n a n z a 18

« C u a n d o á los v e c in o s , m e r c a d e r e s ú o t r a s p e r s o n a s q u e t u v i e r e n t r a t o
y com ercio en las d ic h a s p ro v ín c ia s se le s o fre c íe re ir de u n a s p a r te s á
otras d en tro d ellas, y t u v i e r e n n e c e s id a d d e a lg u n o s ind io s p a r a el v iaje,
□ o los p u e d a n s a c a r n i l l e v a r e n p o c a n i e n m u c h a c a n t i d a d , a u n q u e s e a d e
su v o l u n t a d , si n q u e p r e c e d a l i c e n c i a e x p r e s a d e i G o b e r n a d o r p o r e s c r i t o :
el c u a l , h a b i e n d o v i s t o v e s a m i n a d o e l e f e c t o p a r a q u e s e p i d e , l a p o d r á
c o n c e d e r : y c o n f o r m e á e l l o , s e n a l a r á l o s i n d i o s q u e l e p a r e c i e r e , 3’ e l
t i e m p o q u e se h a n d e o c u p a r , y j o r n a l e s q u e l e s h a n d e p a g a r , y t o m a r á
Êanzas y s e g u r id a d de la p a r t e , q u e los v o l v e r á n á su s p u e b io s a l p la z o q u e
s e n a l a r e , so Ias p e n a s q u e l e p a r e c i e r e : y q u e c o n t o d a p u n t u a l i d a d l e s
p a g a r á n en sus m a n o s lo s j o r n a l e s d e todos los dias q u e se o c u p a r e n e n la
ida, es ta d a y v u e l t a á s u s p u e b io s .
— *

« D e c l a r a c i ó n d e. Ia O r d e n a n z a 20

*Q ue la d u o d é c im a p a r t e q u e h a n d e d a r los p u e b io s d e indios p a r a raita


d e lo s v e c i n o s q u e n o t i e n e n i n d i o s d e e n c o m i e n d a y e s n e c e s a r i o s e l e s d e n
a l g u n o s p a r a q u e h a g a n r a i t a e n m i n i s t é r i o s m a n u a l e s ide s u s c a s a s , p o r
t i e m p o y. j o r n a l s e õ a l a d o , e s t á b i e n , y a s í s e c u m p l a y e j e c u t e : c o n t a n t o
q u e e s l o se e n t i V n d a h a b i e n d o c u m p l i d o l o s i n d i o s l a s o b l i g a c i o n e s y t a s a s
de s u s e n c o m e n d e r o s , y s u y n s , y d e i t i e m p o q u e d e s t o !es s o b r a r e : y n o d e
o t r a m a n e r a . Y lo s q u e a s í v i n i e r e n y s e h u b i e r e n d e d a r p a r a l a d i c h a r aita
y m i n i s t é r i o s , l a s j u s t i c i a s lo s r e p a r t a n c o n t o d a j u s t i f i c a c i ó n y á p e r s o n a s
mAs n e c e s i t a d . i s : p r o c u r a n d o se l e s h a g a lo d o b u s n •1í i a m i í n t o v p a g a : v
q u e , h a b i e n d o c u m p l i d o c o n s ú n í i t a , n o l o s d e t e n g a c por ■::vn g ú n caso , y se
v u e l v a n á s u s r e d u c c i o n e s : v q u e l a s j u s t i c i a s y a l c a l d e s te r ^ ja n p a r t i c u l a r
c u i d a d o d e i n f o r r o a r s e d e l o s d i c h o s i n d i o s , a p a r t e y s e c r e t a m e n t e , como
mAs c o n v e n g a , d e l a f o r m a y. c o s a s e n q u e h a c o nsistid o l a p a g a : y si
h a l l a r e n e n e l l o a l g ú n a g r a i n i o , lo r e f o r m e n e n f a v o r dei indio: y de lo q u e
p r o v e y e r e n , n o h a y a l u g a r á a p e l a c i ó n n i s u p l i c a c i ú n , ni so bre ello se
e s c r ib a , p o r e s c u s a r dilaciones.»

t « D e c l a r a c i ó n d e l a O r d e n a n z a 2S

• E l j o r n a l d e r e a l y m e d i o s e n a l a d o p o r e l V i s i i a d o r se p a g u e p o r a h o r a .
c o m o l o m a n d a e s t a O r d e n a n z a , a t e n t o á q u e p o r p a r t e de la p r o v í n c i a se
a l e g a q u e Ia t a s a c i ó n d e e s t o s j . i r n a l e s e s c r e c i d a 6 d e m u c 'i o g r a v a r o e n
p a r a los v e c i n o s y h a b i t a d o r e s J e l a t i e r r a , r e s p e c t o d e i poco t r a b a j o d e los
i n d i o s y )a p o b r e z a g e n e r a l d e l a t i e r r a , y o t r a s c a u s a s q u e r e p r e s e r . t a a
p a r a q u e e s t o s j o r n a l e s s e m o d c r e n , se m a n d a q u e el A u d i ê n c i a de l a P l a t a
a v e r i g ü e c o n p a r t i c u l a r c u i d a d o y d i l i g e n c i a l a justificació n q u e esto t i e n e :
y e s t a n d o b i e a i n f o r m a d a d e l a v e r d a d d e lo q u e c o n t i e n e , t a s e y m o d e r e
l o q u e p a r e c i e r e s e r j u s t o , y e s o s e c u m p l a y e j e o u t e ; y de lo q u e s o b r e ello
h u o i e r e , r a e dé c u e n t a e n e l d i c h o m i C o n s e j o : a d r i r t i e n d o q u e e n l a t a s i
d e l o s d i c h o s j o r n a l e s , se h a d e t e n e r c o n s i d e r a c i i n los dias q u e los indios
h a n d e o c u p a r e n l a v e n i d a y r u e l t a á s u s p u e b i o s , á l a c o s ta q u e h a n c e
h a c e r ; c o n f o r m e á l a d i s t a n c i a d e d o n d e v i n i e r e n , y e n los de ida y vuelis.
el j o r n a l h a d e s e r la m i t a d q u e s e t a s a r e e n d i a s d e serv icio .

• D e c l a r a c i ó n d e l a O r d e n a n z a 31

« E l n o i r los i n d i o s á s a c a r e s t a y e r b a , a u n q u e s e a d e su v o l u n t a d , Sr
e n t i e n d a e n lo s t i e m p o s d e i a n o q u e f u e r e n a.\n o s o s y c o n t r á r i o s de s;
s a l u d . P o r q u e e n lo s q u e n o l o f u e r e n , lo p o d r á u h a c e r . L o c u a l el G o b e r
n a d o r p r o v e e r á y m i r a r á c o n e l c u i d a d o q u e c o n v i e n e al b ien y c o n s e r v a
c i ó n d e lo s i n d i o s y su s a l u d .

« D e c l a r a c i ó n d e l a O r d e n m z a 33

« C o m o q u i e r a q u e e s t a O r d e n a n z a s e c o n â m a s e , e n c a r g o al G o b e r n ^
d o r q u e , a t e n t o á lo q u e s e a l e g a p o r l a s c i u d a d e s , e a la ejecución d e es:
O r d e n a n z a , p r o v e a y o r d e n e c ó m o l o s i n d i o s a c u d a n com o d e r a z ó n á 1:
cosas q u e p re c isa m e n te f u e r e n n e c e s a r ia s é ineicu sab les, p a n ic u la r m e n
e n l a c i u d a d d e J e r e z , C i u d a d - R e a l y V i l l a R i c a : de m a n e r a q u e se c o n s i i
el beneficio de la c a u s a p ú b lic a , y la c o n s e rv a c ió n dei trato, tra jín ,
c o m e r c i o d e lo s c a r o i n o s , y q u e n o s e a n los in d io s v e j a d o s n i c a r g a d c
y c u r . n d o Io h u b i e r e n d e s e r , c o m o e n c a s o n e c o s a r i o y forzoso, se h a g a c <
t a l m o d e r a c i ó n , q u e p u e d a n t o l e i a r i o s;u jÍclí.-i y í c c o n s i g a el b i e n públ:-.
s o b r e lo q u e s e l e c a r g a l a c o n c i e n c i a .
« D e c l a r a c i ó n d e la O r d e n a n z a 37

• En c u a n t o á q u e t e n g a o b l i g a c i O n á c u r a r los i n d i o s q u e e n f e r m a r e n y
c t e r r s r los q u e s e m u r i e r e n , s e c u m p l a n y e j e c u t e n e n t r e t a n t o q u e l a s
áicbas c i u d a d e s no d i e r e n o r d e n d e q u e se f u n d e y h a g a h o s p i t a l d o n d e los
i s iio s se c u r e n y t e n g a n l a h o s p i t a l i d a d q u e c o n v i e n e , lo c u a l s e e n c a r g a
J G o b ern ad o r y O b isp o , p a r a q u e con todo c u id a d o p r o c u re n y d e n o rd ? n
como co n b r e v e d a d s e h a g a n v t e n g a n e f e c t o : y e l G o b e r n a d o r h a r á o a r
para e s ta o b r a los i n d i o s n e c e s a r i o s d e l o s p u e b l o s d e i n d i o s d e i d i s t r i t o d e
U tal c i u d a d , p a g á n d o l e s s u s j o r n a l e s .

< D e c l a r a c i ó n d e l a O r d e n a n z a 43

-il£n c a d a p u e b l o q u e p a s a r e d e c i e n i n d i o s , h a d e h a b e r c u a t r o c a n t o ­
res: y si l l e g a r e á d o s c i e n t o s i n d i o s , c i n c o c a n t o r e s : c o n f i r m a s e e s t a O r d e ­
n a n z a c o n q u e los c a n t o r e s s e a n d o s ó t r e s y n o m á s .

• D e c l a r a c i ó n d e l a O r d e n a n z a 51

• E n c u a n t o á e s t a O r d e n a n z a , s e m a n d e s e g u a r d e lo q u e e s t á p r o v e í d o
en la O r d e n a n z a 13.

« D e c l a r a c i ó n d e la O r d e n a n z a 54

' « C o n f i r m a s e , c o n q u e e n c u a n t o d i s p o n e q u e el d e s t i e r r o d e l o s i n d i o s
no p u e d a s e r p a r a f u e r a d e i d i s t r i t o d e l a c i u d a d d o n d e s e h i c i e r e e l des-
ú e r r o , se e n t i e n d a q u e p u e d e h a c e r s e p a r a f u e r a d e i , c o n f o r m e e l G o b e r ­
n ad o r y justicias j u z g a r e n q u e c o n v ie n e , s e g ú n la g r a v e d a d y c a lid a d de
los d e l i t o s , y p a r a s u c a s t i g o y e j e m p l o . -

« D e c l a r a c i ó n d e l a s O r d e n a n z a s 60 y 61

«D e la p l a t a y t r i b u t o q u e los in d io s h a n de p a g a r e n c a d a u n a n o á sus
e n c o m e n d e r o s . s e m a n d a q u e s e g u a r d e y e j e c u t e Io q u e p o r e l l a s e o r d e n a ,
c o n q u e lo s c i n c o p e s o s q u e s e t a s n n q u e p a g u e c a d a i n d i o d e t a s a e n f r u ­
to s d e Ia t i e r r a , s e a n s e i s p e s o s e n l o s r a i s m o s f r u t o s , q u e c o m p u t a d o c a d a
peso en el v a lo r d e los d ic h o s f r u to s p o r ocho r e a le s , m o o t a n c u a r e n t a y
ocho re a le s. Y h a b ié n d o lo s d e p a g a r e n tn o n e d a d e C a s tilla , p a g u e n p o r
c a d a uno d e los d i c h o s s e is p e s o s s e is r e a l e s , q u e b a c e n t r e i n t a y se is r e a -
Ics: y cori q u e los t r e i n t a d i a s q u e s e n a l a p a r a q u e e n c a d a u n a n o l o s
indios p u e J a u s e r v i r ú s u s e u c o / n e u J c r o s en l u g a r y p o r p n g a d e i trib u to
de u n a n o , en c a s o q u e a s í lo e lija n , s e a n s e s e n t a d ia s : y e n e s t a m a n e r a :
q u e la s e i t a p a r te d e los in d io s de c a d a e n c o m ie n d a s i r v a al e n c o m e n d e r o
p o r su t u r n o los d i c h o s s e s e n t a d i a s ; y e i t o s q u e -^-3 i i ü i c s p or los ü ie z
m e s e s r e s t a n t e s p a r a a c u d i r á s u s l a b o r e s y s c m e n -.c r a s y ^ r a a j e r i a s q u e
t u v i e r e n . L o c u a l p a r e c e q u e s e a j u s t a y a c o m o d a con !o qu-íViS bien b a g a n
l o s i n d i o s d e s u p a n e , y c o a I a s o b l i g a c i o n e s 6 c a r g a s q u e los e n c o m e n d e -
r o s t i e n e n d e d o c t r i n a r , g o b e r n a r y s u s t e n t a r la t i e r r a p u b l a d a y c u l t i v a d a
e n p a z , y d e f e n d e r i a d e los e n e m i g o s p a r a b i e n v co r .se r v a c ió n d e todos.
L o c u a l así s e g u a r d e y c u n i p l a p o r a h o r a , y e n t r e t a n t o q u e la A u d i ê n c i a
d e la P l a t a , ã q u i e n s e s o i n e t e , i n f o r m e c o n su p a r e c e r m u y p a r t i c u l a r ­
m e n t e a c e r c a d e Io c o n t e n i d o e n e s t a s d o s O r d e n a n z a s . y lo q u e s o b r e e l l a s
s e a l e g a y p i d e p o r p a r t e d e l a s d i c h a s p r o v i u c i a s . V se o r d e n a a s i m i s m o
q u e e n c a s o q u e l o s i n d i o s e l i j a n p a g a r l a d i c h a ta s a e a f ru t o s de la t i e r r a
ó e n r e a l e s , c o m o e s i á d i c h o , p o r q u e e l e n c o m e n d e r o no q u e d e sin a l g ú n
s e r v i c i o p a r a lo s m i n i s t é r i o s d e l a c a s a , e l G o b e r n a d o r p r o v é a l e de a l g u -
n o s i n d i o s d e r a i t a d e l a d i c h a s u e n c o m i e n d a , a t e n J f e n d o á ía c a l t d a J y
n ú m e r o d e e l l a , q u e lo a c u d a p o r e l t i e m p o y d e la f o r m a q u e p o r e s t a s
O r d e n a n z a s se m a n d a n , y p a g á n d o l e s s u s j o r n a l e s com o qu ed :tn s e r t a l a à o s
á r e a l y m e d i o e n c a d a u n d í a d e t r a b a j o , e n f r u t o s uc- la t i e r r a .

« D e c l a r a c i ó n d e la O r d e n a n z a 65

« Q u e s e g u a r á e lo p r e v e n i d a e n l a O r d e n a n z a JO. •
( S e v i l l a : A r c h . de í ndi a s, 74. 4. 4.)
ANEXO 12

Primeira Instrução do Padre Torres para o Guairá (1609)


440

Núm. 40.

I '>!)!) — P r i m e r a i i i s t r u c c i ó n d e i P . T o r r e s . P a r a el G u a v r á

( P a r a los P a J r e ; J o s é C a ta ld i n o y S im ó n M a z c t.v ]
« I. C o n f o r m e á la p r i m e r a r e j j l a d e M i s i o n e s , p r o c u r e n W . R R . a l c a n -
z a r d e X u e s t r o S e n o r u n a g r a n d e e s t i m a d e Ia g l o r i o s a e m p r e s a q u e le s
h a e n c o m e n J a d o , v h n cerse aptos in s tr u m e n to s s u y o s p a ra la co n v ersid n
d e t a n t o s i n l i e l e s . P a r a lo c u a l a y u d a r á l a e x a c t a o b s e r v â n c i a d e l a
r e g l a -ti y d e l a s M i s i o n e s , n o s ó l o t e n i e n d o l a o r a c i ú n , lecci-Sn, e i á m e -
n e s , l e t a n i a s y d e m í s ejercicio s e s p ir itu a le s o r d i n á r i o s nu estr.?s; sin o a n a -
d i e t v J o lo q u e b u e n a m e n t e p u d i e r e n , a s í c a d a d i a , c o m o t o m a n d o a l g u n o d e
c u a n d o e n c u a n d o ( á lo m e n o s c a d a m e s y c a d a a n o e j e r c i c i o s , c o n f o r m e a l
o r d e n d e N". P . G e n e r a l ) p a r a g a s t a r l e t o d o ó la m a y o r p a r t e e n l a M i s a
y o r a c ió n , y a lg u n a s o tra s cosas e s p iritu a le s , liasta a lc a n z a r la fa m ilia rid a d
y c o m u n i c a c i ó n c o n D i o s n u e s t r o S e r i o r , t a n e n c o m e n d a d a d e X . B. P . I g n a -
cio, y ta n n e c e s a r ia p a r a se m e ja n te s M isio n e s. L a m a t e r i a d e la o ració n
-581 -

m á s f r e c u e n t e s e a d e e s t o s p u n t o s : 1.".Q u i e n m e e n v i a , q u e e s J e s u c r i s t o ,
S e i i o r n u e s t r o : E c c e e c o .m i t t o v o s : s i c u t m i s i t si e v i v e .n s p a t e r , e t
ECO m i t t o vos: s i e n d o l a c o m p o s i c i ó n de l u g a r c o n s i d e r a r m e d e l a n t '2 d e i
m i s m o S e f i o r q u e d e s d e l a C r u z m e d ic e e s t o y e n i e n a c ó m o lo t e n g o d e
o b r a r . 2 . “ Q u i é n e s e l e n v i a d o ; q u e sov yo, t a n p e c a d o r , t a n i n d i g n o , e t c .
3 . “ A q u é m e e n v i a : a l oficio m á s a l t o , e t c . A q u i é n e s : a d g e n t e m
c o n v u l s a ai e t d i l a c e r a t a m , e t c . : la m á s p o b r e , d e s e c h a d a y b i e n dis-
p u e s t a . 4 . ° C ó m o o b r ó l a s a l u d y r e m e d i o v r e d e n c i ó n d e los h o m b r e s
C r is to n u e s t r o R e d e n t o r . 5 .ü L o q u e hace por ellos y cóm o los a m a ta V i r -
g e n n u e s t r a S e A o r a . 6 .° M i r a r e n e s t o los á n g e l e » d e su g u a r d a , c u v o ofi­
c i o h a g o y o . 7 . " C ó m o S a n P a b l o y el P . J a v i e r , y c ó m o lo s d e b o i m : t a r .
L a l e c c i ó n o r d i n a r i a , d e s u V i d a y o t r o s s a n t o s , y el P . L u c a s P i n e l o « D e
la p e r íe c c ió n r e lig io s a » , y c a d a m es las re g ia s y e sta in slru c ció n . E l í x a -
m e n p a r t i c u l a r s e r á d e n o p e r d e r p u n t o e n a p r e n d e r y e s t u d i a r la l e n g u a
G u a r a n i , v e j e r c i t a r l a c o n lo s i n d i o s í u e r a d e i l ie n ip o d e o r a c i ó n y e j c r c i -
cio s e s p i r i t u a l e s , e n to d o s lo s c u a le s , y p rin c ip a lm e n te e n la M isa, los
e n c o m e n d a r á n á D i o s X u e s t r o S e n o r , Ia C o m p a r . i a , e s i a p r o v i n c i a y n e c e -
s i d a d e s d e l a S a n t a I g l e s i a , y á m i, q u e y o h a r é lo m i s m o p o r V V . R R .
>2. M i r a r á n \ ’ V . R R . p o r su. s a l u d , y c a d a . u n o p o r l a d e su c o n i p a -
f t e ro ; y g u a r d e n l a d e b i d a p r u d ê n c i a e n los a y u n o s . r i g i l i a s y p e n i t e n c i a s ,
y e n a b r a z a r y a c o m e t e r lo s p e l i g r o s , si n f a l t a r e m p e r o e a lo n e c e s a r i o á l a
c o n fia n z a q u e d e b e n t e n e r en la d iv in a B ondad y p a te r n a l P ro v id e n c ia
y e n l a i n t e r c e s i ó n d e l a s o b e r a n a V i r g e . n , y d e los A n g e l e s d e g u a r d a :
y d e i B . P . I g n a c i o d e A c e v e d o , v s u s co m p a p .e r o s , á los c u a l e s v a e n c o ­
m e n d a d a e n p a r t i c u l a r e s ta m isión.
»3. E n t o d a s l a s i g l e s i a s q u e e d i f i c a r c n . p r o c u r e :) h a c e r c a p i l l a d e N a e s -
t r a S e n o r a d e L o r e t o , d e c u a r e n t a pies de la rg o , v e in te de a n c h o , y v e i n t e •
y c i n c o d e a l t o : c o n e l a l t a r y l o d e m á s cor,-.o e n e l ! a e s t á : y p o n g a n u n a
r e l i q u ia c o n Ia m e j o r d e c e n c i a q u e p u d ie re n : y q u e J e alli p a r a l l e v a r á los
e n f e r m o s . V e n el a l t a r p r i n c i p a l p o n g a n im á g e n e s de a u e s tr o s B B . P a d r e s
I g n a c i o y J a v i e r , a u n q u e s e a n d e e s t a m p a s : y t e n g a n a l g u n a p a r a los e n f e r ­
mos'. y t o m a n d o p o r p a t r o n e s v t e s t i g o s á lo s d o s s a n t o s , r e n u e v e n c a d a
d i a e n l a o r a c i ó n y M i s a l o s v o t o s y e l p r o p ó s i t o d e g a s t a r l.\ v i d a e n t r e l o s
in d io s, n o lo e s t o r b a n d o la s a n t a o b e d ie n c ia .
»4. T e n g a n c u e n t a d e i r a p u n t a n d o t o d a s la s c o s a s d e c d i í i c a c i ó n q u e
l e s s u c e d i e r e n , p a r a e s c r i b i r l a s a l S u p e r i o r d e l a A s u n c i ó n , y á mi: lo c u a l
h a r á n e n t o d a s o c a s i o n e s a v i s a n d o d e to do: y d e l a s c o s a s n e c e s a r i a s : y a l
P a d r e S u p e r i o r d e S a n P a b l o , e s c r i b a el P . J o s e f c u a n d o s e o f r e c i e r e
c o m o d i d a d ; y a l g u n a s v e c e s a l P . P r o v i n c i a l d e i B r a s i l : c o n lo s c u a l e s
h a y a to d a b u e n a c o r re s p o n d e n c ia .
»5. S i a c e r t a s e n á e n t r a r p o r a h i los P a d r e s dei B r a s i l , q u e h a o f r e -
c i d o N. P . G e n e r a l e n v i a r á e s t a p r o v i n c i a : lo 1.° V V . R R . l o s r e g a l e n d e
s u p o b r e z a c o n t o d a c a r i d a d y a m o r : y a y u d e n á su m e j o r a v i a m i e n t o h a s t a
l a A s u n c i ú n . L o 2 . ° , si a l P a d r e q u e v i n i e r e p o r S u p e r i o r , h a b i é n d o l o c o n ­
su lta d o con su s c o m p a iie r o s , y co n V V . R R ., p areciese c o n v e n ir d e ja r ahi
u n P a d r e , ó á l o s u m o d o s , q u e d e el u n o c o n el P a d r e J o s e f , y el o t r o c o n
e l P . S i m ú n , c o m o S u p e r i o r ; y a s í s e r á tal q u e le p u e d a e n c o m e n d a r o t r a
m i s i ó n : a u n q u e y o m á s m e i n c l i n o á q u e b a j e n tod os i fa A s u n c i O n : y s i
q u e d a r e a liru n o , s e a u n o o u e está con W R /? n m . m » .-nn « i » « í í » ! "
-5S2-

u n o a c u d ir á a lg u n a s necesidades con otro, v así sie m p re e s té n dos ju n to s,


y se p u e d a l l e v a r el tra b ajo c o n m á s aliv io .
441 »6 . E n l o s p u e b i o s d e C i u d a d R e a l d e i G u a y r á y V i l l a r r i c a d e i E sp í-,
r i t u S a n t o , p u b l i c a r á n el j u b i l e o g r a n d e , p o r e l o r d e n y t r a z a q u e p a r e ­
c ie r e al lic e n c ia d o R odrigo O rtiz de M e lg a re jo : y a c a b a d a s las dos s e m a ­
n a s , s e a s i e n t e l a c o f r a d i a , c o n el p a r e c e r d e i d i c h o l i c e n c i a d o , e l c u a l s e
t o m e y p r o c u r e s e g u i r e n to d o c o n m u c h o a m o r y e s t i m a c i ò n : y h a y a c o n
é l t o d a u n i ó n , y s e le d é t o J o el g u s t o p o s i b l e , c o m o p o r t a n t a s o b l i g a c i o -
n es es justo.
»7. H a b i é n d o s e i n f o r m a d o e n lo s d o s p u e b i o s d e p e r s o n a s d e s a p a s i o -
n a d a s y d e b u e n e je m p lo a d ó n d e les p a r e c e q u e p o d r á n h a c e r su a s ie n to
y l a p r i n c i p a l r e d u c c i ú n e n l a T i b a j i b a , U e g a r á n a l l á y d a r á a v u e l t a á la
t i e r r a , y e s c o g e r á n el p u e s t o q u e t u v i e r e m a y o r y m e j o r c o m a r c a v d e
m e j o r e s c a c i q u e s : y e n el sit i o m á s a p r o p ó s i t o h a g a n l a r e d u c c i ó n y p o b l a -
c ió n , c o m o p o r v e n t u r a s e r á e n la b o c a de la T ib a ji v a , 6 c e r c a : a d v ir -
tien d o p rim e ro q u e ten g a a g u a , p esq u eria, b u e n a s tie rra s , y q u e no sean
t o d a s a n e g a d i z a s , n i d e m u c h o c a l o r , s i n o b u e n t e m p l e , y s i n m o s q u i t o s ni
o t r a s in c o m o d id a d e s , en d onde p u e d a n m a n t e n e r s e y s e m b r a r h a s t a ocho-
c i e n t o s ó m i l i n d i o s , e n lo c u a l e l l o s m i s m o s d a r á n e l m e j o r p a r e c e r :
y s i g u i e n d o e l d e i l i c e n c i a d o M e l g a r e j o , e s p e r o se a c e r t a r á e n e s t o , c o m o
e n t o d o lo d e r a á j . L'n c a c i q u e l l a m a d o H e m a n J o e s t á a l l á c o m o c u a t r o
ó c i n c o l e g u a s , q u e d i c e n es el m á s c a p a z y el m á s t e m i d o d e a q u e l l a t i e ­
r r a , y q u e a y u d a r á m u c h o á l a R e d u c c i ó n y á to do : s e r á n e c e s a r i o g a n a r l e
y e n s e r i a r l e b ie n p a r a a y u d a rs e m u c h o de él.
»8 . • E l p u e b l o se t r a c e a l m o d o d e los d e i P e r ú , ó c o m o m á s g u s t a r e n
lo s i n J i o s y p a r e c i e r e a l l i c e n c i a d o M e l g a r e j o , c o n s u s c a l l e s y c u a d r a s ,
d a n d o u n a c u a d r a á c a d a c u a tr o indios, u n s o l a r á c a d a u n o , y q u e c a d a
c a s a t e n g a s u h u e r t e z u e l a ; y Ia I g l e s i a y c a s a d e Y Y . R R . e n l a p l a z a ,
d a n d o á la i g l e s i a y c a s a el sitio n e c e s a r i o p a r a c e m e n t e r i o : y l a c a s a
p e g a d a á la i g l e s i a . d e m a n e r a q u e p o r e l l a s e p a s e á l a i g l e s i a : h a c i e n d o
e s t o p o c o á p o c o y á g u s t o d e los i n d i o s , h a b i e n d o e l l o s h e c h o p r i m e r o
sus casas v u n a p eq u en a para Y Y . R R ., y u n a en ra m a d a que sirv a para
d e c i r M isa: e s o t r a se h a g a c u a n d o digo.
» °. E n lo q u e t o c a á d o c t r i n a r lo s i n d i o s , q u ú a r t e s l o s p e c a d o s p ú b l i ­
co s y p o n e r l o s e n policia, v a y a n m uy poco á poco h a s ta te n e llo s m u y g a n a -
d o s . \ ni e n e s t u ni en el s u s t e n t o d e Y V . R K . le s s o a n p e s a d o s n i c a r g o -
so s . P e r o , e n e n t r a n d o , b a u t i c e n l a s c r i a t u r a s e n f e r m a s , y c a t e q u i c e n los
a d u l t o s e n f e r m o s , d e m a n e r a q u e g r a n d e n i c h i c o se i t u t e r a s i n b a u t i s m o ,
no só lo e n su p o b la c ió n , sino e n to d a la r e d o n d a , te n ie n d o e n c o m e n d a d o
á lo s i n d i o s d e la c o m a r c a le a v i s e n c u a n d o e l l o s , ó s u s h i j o s ó p a r i e n t e s
e s t u v i e r e n e n f e r m o s ; y el e s p a i i o l q u e v a c o n V V . R R . los c u r e á t o d o ; ,
s a n g r e y p u r g u e , y h a g a d a r a v u d a s , y l e s d ó los p o c o s r e g a l o s q u e
i i u b i e r e , y v a v a e n s e n a n d o a l g ú n i n d i o p a r a Io m i s m o .
»10. C u a n t o m á s p r e s t o s e p u d i e r e h a c e r , c o n s ú a v i d a d y g u s t o d e los
i n d i o s , s e r e c o j a n c a d a m a n a n a s u s h i j o s á a p r e n d e r Ia D o c t r i n a : v d e e l l o s
se e s c o j a n a l g u n o s p a r a q u e d e p r e n d a n á c a n t a r , y l e e r . Y si e l l i c e n c i a d o
M e l g a r e jo h a l l a r e c ó n w le s h a c e r f l a u t a s p a r a q u e d e p r e n d a n á t a n e r , s e
h a g a : p r o c u r a n d o e n s e n a r bien á a lg u n o , q u e se a ya h o m b re , p a r a q u e se a
m a e s t r o . \ t o d a s i a s f ie sta s , y d o s >1 t r e s d i a s á l a s e m a n a , s e j u n t e n los
— 5S3 —

d e m á s á o ir la D o c t r i n a v C a te c ism o : y d e p ré n d a n la de m e m ó r ia lo s q u e
n o f u e r e n m u y v i e j o s , c o n t e n t á n d o s e d e é s to s q u e p e r c i b a n y e n t i e n d a n
b i e n l o s p r i n c i p a l e s m i s t é r i o s d e n u e s t r a s a n t a le. V á' t o d o s l o s a d u l t o s
q u e s e b a u t i z a r e n . y e s t u v i e r e n c a s a d o s , r a t i f i q u e n el m a t r i m o n i o c o n l a
p r im e ra m u je r , g u a r d a n d o las am onestaciooes y d em ás cerem o n ias sa n ta s
d e l a i g l e s i a : y d i s p e n s a n d o e n los i m p e d i m e n t o s q u e h u b i e r e s e c r e t o s
y p ú b l i c o s : d i s p e n s a r á n c o n f o r m e á lo s p r i v i l é g i o s , y á los i n d i o s y a c r i s -
tia n o s, d a r ã n l a E x t r e m a u n c i ó n á s u tiem po, h a b ié n d o le s d e c l a r a d o la v ir-
t u d d e e s t e S a c r a m e n t o , a d m i n i s t r á n d o l e , y los d e m á s , i i e m p r e CDn t o d a
d e c e n c i a v s o l e m n i d a d : y e n p a r t i c u l a r los B a u t i s m o s , y e s p e c i a l m e n t e lo s
p r i m e r o s , j u n t a n d o l a m á s g e n t e a d u l t a y b i e n c a t e q u i z a d a : y lo m i s m o
h a g a n e n los e n t i e r r o s ; y á la s c r i a t u r a s lle v a rá n con g u ir n a ld a s . Y p r o ­
c u r e n t e n g a n to d a r e v e r e n c i a á Ias cosas s a g ra d a s , y al a g u a b e n d i t a ,
a p l i c á n d o l a á l o s e n f e r m o s , y d a n d o o r d e n Ia t e n g a n c o n d e c e n c i a e a s u s
c a s a s , v c o n e l l a c r u c e s e n t o d a s , e s p e c i a l m e n t e e n l a s d e lo s c r i s t i a n o s ,
d e l a n t e d e l o s c t i a l e s s o l o d i g a n l a M i s a . no c o n s i n t i e n d o se h a l l e n á e l l a s
lo s i n l i e l e s s i n c a u s a g r a v e .
»ll. P ó n g a s e g r a n c u i d a d o e u el C a t e c i s m o , p r o c u r a n d o q u e t o d o s
v a y a n e n t e n d i e n d o y p e r c i b i e n d o t o d o s los m i s t é r i o s d e n u e s t r a s a n t a f e ,
c o n f o r m e á s u c a p a c i d a d : y s i e m p r e s e a n los s e r m o n e s d e c l a r á n d o l e s a l g ú n
m i s t é r i o , a r t í c u l o ó m a n d a m i e n t o , r e p i t i é n J olo m u c h a s v e c e s y u s a n d o d e
c o m p a r a c i o n e s y e j e m p l o s . V d e n o r d e n como en sus c a s a s r e p i t a n y con-
l i e r a n u n o s c o n o t r o s l a D o c t r i n a , y la e n s e à e n , e s p e c i a l m e n t e lo s n i n o s
d e l a e s c u e l a : y q u e c a n t e n p o r I a s c a l l e s los c a n t a r c i c o s s a n t o s q u e le s
e n s e n a r e n : y q u e to d o s se s a l u d e n diciendo: L o ad o sea J e s l c k i s t o n u c s tro
S e n o r v la S a n t í s i m a Y i r g e n M a r i a su M adre. Y hasta q u e se p an r e z a r
el R o s á r io s u y o , e n s e n á n d o l e s á r e z a r le , re p itie n d o e s ta s dos p rd a b ra s:
O J e s ú s M a r í a : y q u e l a s d i g a n e n t o d a s su s n e c e s i d a d e s , y t r a i g a n lo s
{ í o s a r i o s a l c u e l l o , õ á Io m e n o s c r u c e s q u e s i r v a n d e i u s i g n i a á t o d o s lo s
cristia n o s : y p r o c u r e n h a g a n R o s á r io s de las c u e n ta s q u e en to d a s p a r t e s
n a c e n , a g u j e r e á n d o l a s c u a n d o e s t á n v e r d e s : y pon j a n c r u c e s e n s u s c h a -
cras, v en las e n tr a d a s d e i pueblo.
»r_\ T e n g a n m u c h o d e l e c t o e n d a r Ias co s as q u e l l e v a n y se l e s e n v i a -
r ã n : d e m a n e r a q u e s ó l o s i r v a n d e p r ê m i o á los q u e ir .e ie r d e p r e n d i e r e n
y á los q u e m e j o r a y u J a r e n , y á l o s c a c i q u e s : i n t r o d u c i e n d o á su t i e m p o l a
l i m o s n a e n t r e e l l o s : y q u e á t o d o s lo s p o b r e s i m p e d i d o s q u e no p u e d a n t r . v
b a ja r, les h a g a n s t t s c h a c r a s : y s i e m p r e les a y u d c n con toda c a r id a d .
• 13. S e n a l e n á s u t i e m p o s a c r i s t ã o y f iscales, e n s e n á n d o l e s l a s o b li-
g a c i o n e s d e s u s o f í c i o s : y q u e e l F i s c a l h a g a el s u v o c o n p r u d ê n c i a , e n t e -
re z a y s u a v id a d : y á los in d io s el re s p e to v obediencia que h a n de t e n e r
ã lo s P a d r e s S a c e r d o t e s , y â l o s s u v o s n a t u r a l e s , v á lo s c a c i q u e s y f i s c a ­
les , á los c u a l e s s e n a l a r á n a l g u a c i l e j o s , q u e les a v u d e n á j u n t a r l a g e n t e
á la D o c t r i n a y s a b e r d e lo s e n f e r m o ^ , r e p a r t i é n d o l o s p o r s u s p a r c i a l i -
dades.
»14. l e n g a n l i b r o s d e i B a u t i s m o y C a s a m i e n t o s : v á su t i e m p o s i c n t e n
to d o s l o s d e c o n f e s ú i n a p a r t e , y h a g a n s u s e n a l c a d a a n o q u e se c o n f i e s a n :
y e n el m i s m o l i b r o p u e d e n h a c e r c a t á l o g o g e n e r a l d e t o d j Ia g e n t e p o r
s u s p a r c i a l i d a d e s . c a c i q u e s , m a r i d o , m u j e r é hijos: todo lo c u a l d i r á el
l i c e n c i a d o . M e l g a r e j o c i m o s e h a c e : y b o r r a r á n s i e m p r e los q u e m u r i e r e n :
— SS4 —

y h a r á a u a a s e ã a l e n lo s a u s e n te s : y a m o n e s t a r á n l o s q u e no se a u s e n t e n
442
l e j o s s i n l i c e n c i a d e i P a d r e q u e e s S u p e r i o r : y si s a l i c r e n á a l g u n a m i t a
d e los p u e b l o s d e e s p a n o l e s , ó á r e s c a t a r , p r o c u r e n n o s e a á lo s p r i n c í p i o s ,
y q u e v u e l v a n á s u t i e m p o : y c u a n d o t a r d a r e n , h a g a n d i l i g e n c i a : y lo
raejor es q u e p o r dos ó tr e s an o s no sa lg an , h a s ta s a b e r b ien las co sas de
su s a l v a c i ó n .
• 15. C o n t o d o e l v a l o r , p r u d ê n c i a v c u i d a d o p o s i b l e se p r o c u r e q u e lo s
e s p a n o l e s n o e n t r e n e n e l p u e b l o : v si e n t r a r e n , q u e n o h a g a n a g r a v i o s
á los i n d i o s , v s a l g a n c o n b r e v e d a d ; y e n n i n g u n a m a n e r a l e s d e j e n s a c a r
piezas: y e n to d o los d e fie n d a n , com o v e r d a d e r o s P a d r e s y p r o te c to r e s :
y s é a n l o d e t o d a l a c o m a r c a : y d e m a n e r a q u e t o d o s los i n d i o s lo e n t i e n -
d a n , y d e d o n d e q u i e r a a c u d a n á s o c o rre rlo s en sus n e c e s i d a d e s co m o v e r ­
d a d e r o s p a d r e s : y l o s p l e i t o s d e e n t r e sí p a c i t í q u e n l o s c o n t o d o a m o r y c a r i -
d a d : y r e p r e n d a n á l o s c u l p a d o s e n e s t o v e n lo s d i m á s p e c a d o s p ú b l i c o s
c on a m o r y e n t e r e z a , y á s u t i e m p o los c o r r i j a n y c a s t i g a o n . e s p e c i a l m e n t e
á los h e c h i c e r o s , d e l o s c u a l e s p r o c u r e n t e n e r n o t i c i a s : y n o s e e n m e n -
d .t n d o . l o s d e s t i e r r e n d e i p u e b l o , p o r q u e so n m u y p e r j u d i c i a l e s .
» ló . S i v i n i e r e n l o s c a c i q u e s d e o t r a s p a r t e s á o í r l a s c o s a s d e D i o s
y t r a t a r d e s e r c r is tia n o s , p e rsu á d a n lo s se r e d u z c a n c e r c a d e la p r i m e r a
r e d u c c i ó n y p u e b l o : y a s í v u e l v o á e n c a r g a r m u c h o e l delec-.o y a c i e r t o e n
el sitio : p o r q u e e s d e s u m a i m p o r t a n c i a , s u p o u i e n d o q u e h a d e v e n i r á s e r
l a c a s a v D o c t r i n a fija d e l a C o m p a n i a . á d o n d e h a b r á n d e h a b i t a r c o n e l
tie m p o c in c o ó s e is d e los N u e s tro s : y así, c u a n t o m a y o r f u e re , s e r á m á s
á p r o p ó s ito , a u n q u e s e a d c m il y q u in ie n to s in d io s: p o r q u e de alii se a c u ­
d irá á las d e m á s p a r te s .
■>17. E s m e n e s t e r á s u t i e m p o d a r t r a z a c o m o s e a p l i q u e n á h a c e r s u s
c h a c r a s , á t e j e r , s e m b r a r a lg o d o n a le s , f n n a l e s v to d a s le g u m b re s'. p a r a
q u e no le s f a l t e n e l s u s t e n t o y vestido: á q u e c r i e n p u e r c o s , g a l l i n a s v
palom as: á q u e h a g a n l a g u n a s de p escado y se a p liq u e n á g r a n j e r i a s , res-
c a te s y p o lic ia : p a s a n d o a l g ú n tie m p o v g u s t a n d o d e ello los in d io s,
h a g a a V V . R R . p a r a si a l g u n a c h a c r a y h u e r t a d e c u a n t a s l e g u m b r e s
p u d i e r e n , v c r i e n g a l l i n a s y p u e r c o s , as i p a r a su s u s t e n t o , c o m o p a r a l o s
q u e les s i r v i e r e n . y d a r á los p o b res y p a s a je ro s . C u a u d o te n g a n con q u é.
h a g a n c a d a d i a u n a b u e n a o l l a d e m o t e y l e g u m b r e s ó lo q u e p u d i e r e n ,
p a r a d a r c a d a d i a á l o s p o b r e s d e la p u e r t a .
*18. E n l a c a s i t a d e Y W R R . n o e n t r e n m u j e r e s p o r n i n g u n r e s p e t o ,
y n o r e c i b a n e n e l l a h u e s p e d e s , si n o f u e s e a l g ú n r e l i g i o s o ó c l é r i g o s : p e r o
d a r á n á t o d o s d e lo q u e t u v i e r e n : g u a r d a n d o d e s d e l u e g o t o d a c l a u s u r a e n
c a s a , y h a c i e n d o s e n a l c o n l a c a m p a n i l l a á l e v a n t a r , oracic/n , e x á m e n e s ,
c o m e r , c e n a r y a c o s t a r : y a d e l a n t e , c u a n d o h a y a p u e r t a s , s e p o n d r á su
c a m p a n i l l a p o r q u e a y u d e e s t a o r d e n , n o sõ l o p a r a n u e s t r o b i e n , s i n o á l a
e d i G o a e i i m d e l o s i n i s m o s i n d i o s . L o d e m á s e n s e r . a r á el S e i i o r v l a eip e-
r ie n c ia , y se a v i s a r á c o n la n o ticia q u e V V . R R . n o s d i e r e n . E l les dé su
copiosa b e n d i c i ó n . S i a l g u n o de V V \ R R . in u r ie re , q u e d e s e con <51 e l
l i c e n c i a d o M e l g a r e j o : y si é s t e s e h u b i e r e v e n i d o , q u e d e s e c o n <51 el espa-
nol, v e s c r i b a n l u e g o e t c . — D i e g o d e T o r k k s .» ■-
( L o / a n o , H i s t . d e l a C o m p . t o m . 2. p á g . 1 37.j
ANEXO 13

Segunda Instrução do Padre Torres para Todos


Missioneiros do Guairá, Paraná e Guaicurús (1610)
—5^ —

)
Núm. 41.

1610—S e g u n d a i n s t m c c i ó n d e i P. T o r r e s —P a r a t o do s los m i s i o n e r o s ,
de G u a y r á , Paraná vGuaycuriis

»1. E n p r i r a e r l u g a r , d e b e m o s p r e t e n d e r á n u e s t r o a p r o v e c h a m i e n t o ,
p e r s u a d i é n d o n o s a q u e l l a v e r d a d t a n c i e r t a : qui.i proJest homini e t c . Y q u e
c u a n t o m á s c u id a r e m o s d e n u e s t r a p e rfe c c ió n , ta n to nos h a rem o s m ás aptos
i n s t r u m e n t o s d e a l c a n z a r l a d e n u e s t r o s p r ú j i m o s , su s a l v a c i ó n , v c o t i v e r -
sió n de los in d io s, la c u a l p r i n c i p a l m e n t e h a b e m o s de n e g o c ia r con o r a d o -
n e s c o n t i n u a s , s a c r i f í c i o s , y p e n i t e n c i a s , y e j e m p l o d e v ida: Sic hic;<;t lux
vestra e t c . A e s t a c a u s a s e r e m o s m u y o b s e r v a n t e s d e n u e s t r a s r e g i a s y d e
n o f a l t a r p u n to e n l a o r a c i ó n , p r e p a r a c i ó n d e l a M isa, g r a d a s de raed ia
h o r a , ó p o r lo m e n o s u n c u a r t o , e x á m e n e s , l e c c i ó n e s p i r i t u a l , la c u a l s e r i a
b i e n t e n e r ju n to s d e r e g i a s , I n s t r u c c i o n e s , cosas d e la C o m p a n ia , v id a s de
n u e s t r o s sa n to s P a d r e s I g n a c i o y J a v i e r : y libros dei P . A lo n so R o d rí-
g u e z , l e y é n d o l o s d e s d e e l p r i n c i p i o t o d o s p o r su o r d e n : e n t e n e r c a d a a n o
los E je rc ic io s e s p i r i t u a l e s p o r d ie z dias, y to m an d o cad a q u in c e dias u n a
m a n a n a e n t e r a p a r a M i s a y o r a c i ó n , y d a n d o á e s t a to d o e l t i e m p o q u e l a s
o c u p a c io n e s fo rzo sas d i e r e n l u g a r , y el s a b e r la len g u a.
>2. A é s t a s e a t i e n d a c o n s u m o c u i d a d o s i e m p r e , n o se c o n t e n t a n d o
con s a b e ria com o q u i e r a , sin o c o n e m in e n c ia : persuadiéndose q u e d e p e n d e
e n s e g u n d o l u g a r d e e l l o l a c o n v e r s i ó n d e los i n d i o s y a g r a d e c i m i e . i t o a l
S e n o r : a l c u a l e n e s t o o f r e c e r e m o s u n sa c r i f í c i o d e s u m o c o n t e n t o ; y a s i es
m u y b u e n e je m p lo p a r a l a s q u i e t e s y e n t r e dia t r a t a r de la le n g u a y h a b l a r
s i e m p r e e n e l l a , c o n q u e t a m b i é n g a n a r á n los in d io s m á s q u e c o n o t r o
m a e s tro a lg u n o , d e s p u é s d e i b u e n e je m p lo y oración.
»3. P r o c u r e n , c u a n t o f u e r e p o s i b l e , n o s e a p a r t a r los c o m p a n e r o s , ni
s a l i r u n o so l o , p o r q u e d e m á s d e q u e e l S e n o r n o s e n s e n ó o sto e n s u s A p ó s -
t o l e s y D i s c í p u l o s : mitlens illos b i n n s —i t rae soli, quia ciun ceciderit non habel
sublevantem —e t f r a t i r q u i z d i u v a t u r J f r a t r e , qitjsi turris fortíssima: h á n o s l o
m a n d a d o el m ism o S e n o r á n o s o t r o s p o r X. P. G e n e r a l en d iv e rsa s orde-
naçiones.
»4. P o r e s t e r e s p e t o y o t r o s m u c h o s , e n n i n g u n a m a n e r a se a d m i t a
D o c t r i n a q u e t e n g a a n e j o s , s i n o d e u n p u e b l o solo, a l c u a l r e d u z c a n to d o s
l o s i n d i o s q u e b u e n a m e n t e p u d i e r e n : y a s í se h a g a d e p r e s e n t e e n las D o c -
t r i n a s q u e t e n e m o s , p r o c u r a n d o suaviter el f o r l it c r q u e se r e d u z c a n los
p u e b io s à u n o : á c u y a c a u s a , c u a n d o n o f u e r e posible eje c u ta r esto. e n tie n -
d a n q u e mi in te n c ió n e s q u e s ó lo s e a m o s C u r a s dei pueblo prin cip al: y q u e
á é s t e s e a t i e n d a d e o b l i g a c i ó n d e j u s t i c i a , v á los d e m á s d e c a r i d a d ,
c u a n d o b u e n a m e n t e s e p u d i e s e , y e n c a s o s f o rz o s o s; p r o c u r a n d o c o n tos
P r e l a d o s l e s p r o v e a n C u r a s : q u e e n t i e n d a n n o lo so m o s n o s o t r o s : y si c o n -
v i n i e s e q u e la C o m p a n i a s e e n c a r g a s e d e i t a l p u e b l o , a v i s e n y d e n c u e n t a
de ello al P . P ro v in c ia l.
— ,'i8 h —

445 »5. P o r e s t a r a z ó n y o t r a s r a u c h a s , m o d e r e n e l f e r v o r y c e i o d e h a c e r
m u c b a s r e d u c c i o n e s : p r o c u r a n d o e n l a q u e t u v i e r e n á c a r g o a s e n t a r el
p ie y c u l t i v a r i a m u y d e s p a c i o , c o m o si e n e l l a t u v i e s e n q u e m o r i r : c o m o
q u i e n h a d e d a r c u e n t a d e a q u e l l a s a l m a s q u e e l S e f . o r le h a e n c o m e n d a d o :
y ten ien d o p o r c ie r to q u e con eso a y u d a r á n m ucho á las d em ás n acion es
y g e n t e , q u e c o n e l b u ç n o l o r q u e d a r á la q u e t u v i e r e n b i e n c u l t i v a d a se
c o n v e r t i r á n , y p r o c u r a r á n P a d r e s , y g o z a r d ei bien de sus v ecinos. N o se
q u i t a p o r e s o el e n v i a r s u s m e n s a j e r o s v d á d i v a s á los C a c i q u e s , y p r o c u ­
r a r v e n g a n á o i r l a s c o s a s d e D i o s , y q u e e n v í e n s u s h í j o s ã q u e s e lo s
c r i e n , y si s e q u i s i e r e n r e d u c i r a l p r o p i o p u e b l o , a c o m o d a d o s d e c h a c r a s :
y si á o t r o s i t i o , a c u d i e n d o l o s d o s ó a l g u n o p o r poco t i e m p o , y c o n b u e n
c o m p a n e ro , á e n d e r e z a r l e s en la re d u c c ió n , y a l g u n a vez en m isió n ó caso
f o rzo so : y a v i s a r á n , c o m o e s t á d i c h o , al S u p e r i o r .
» E s LA CUl . T UR. I , TRATO Y AVUOA DE LOS I.VOlOs SE C ü A R D A R Á LÓ
s i g u i e .n t e :

»1. .A n t e s d e f u n d a r e l p u e b l o , se c o n s i d e r e m u c i i o el a s i e n t o J e é l q u e
se a c a p a z p a r a n in c h o s in d io s, d e b u e n te m p le . b u t u a s a g u a s , a p r o p ó s ito
p a r a t e n e r s u s t e n t o , c o n c h a c r a s . p e s c a s y c n z a s : e n lo c u a l se d e b e n i n f o r ­
m a r m u y d e s p a c i o d e los m ism o s in d io s, p r i n c i p a l m e n t e de los c a c iq u e s ,
te n ie n d o a t e n c i ó n de q u e e s té n a p a r t a d o s d e o tr o s . con q u ie n t r a i g a n
g uerras.
»2. F u n d e n e l p u e b l o c o n t r a z a y o r d e n d c c a l l e s , y d e j a n d o á c a d a
in d io el sít i o b a s t a n t e p a r a s u h u e r t e z u e l a .
»3. P o n i e n d o n u e s t r a c a s a y l a i g l e s i a e n m e d i o , y l a s J e l o s c a c i q u e s
cerc a : la ig le s ia c a p a z co n b u e n o s fu n d a m e n to s y cim ien to s: y p e g a d a con
n u e s t r a casa : la c u a l se ha de c e r c a r c u a n to m á s p re sto f u e re posible,
y b a c e rle p u e r t a c o n c a m p a n illa : v á la ig le s ia ta m b ié n , p o r i a g u a r d a
v d e c e n c i a : y p a r a q u e e n e l l a s e p o n g a el S a n t i s i m o S a c r a m e n t o á su
tiem po.
»-l. A y u d a r á n l o s y e n d e r e z a r á n l o s á q u e h a g a i : c h a c r a s d e m a í z , m a n ­
d i o c a , b a t a t a s y o t r a s c o m i d a s : y a l g o d o n a l e s p a r a v e s t i r s e : p a r a lo c u a l
procuren b ueyes.
*5. \ e n t o d o l e s a y u d e n c o m o p a d r e s y p a s t o r e s : v l e s c u r e n e n l a s
e n f e r m e d a d e s , co n todo cu id a d o y a m o r.
»ó. V d e n l i m o s n a á l o s p o b r e s d e n u e s t r a p o b r e z a : y e x h o r t e n á los
q u e m á s t i e n e n á h a c e r lo m i s m o .
*7. E n lo e s p i r i t u a l , p o n g a n l u e g o l a e s c u e l a d e n in o s: e n la c u a l u n o
J e los c o m p a n e r o s l e s e n s e n a r á l a D o c t r i n a , l a c u a l d i r á n al e n t r a r y s a l i r
d e l a e s c u e l a m a i i a n a y t a r d e . h a s t a s a b e r i a m u y b i e n : d e i p u é s b a s t a r á al
s a l i r . L a c u a l y a l g u n o s c a n t a r c i c o s , e n s e n a r á n á s u í p a J r e s y p a r t e d e su
c a s a , s e n a l a n d o p r ê m i o a l q u e m e j o r lo h i c i e r e , y c o r r i g i e n d o al q u e f a l ­
i a r e : y t a m b i é n d i r á n , c u a n d o e n t r a n . e n la e s c u e l a ó e n su c a s a , ò t o f in
a l g u n o : L oaJo s.m J E S C S . T a m b i é n l e s e n s e n a r á n á l e e r y e s c r i b i r , c a n t . i r
y t a n e r , h a b i e m l o c o m o d i d a d : y o i r á n l a p r i m e r a M i s a . y to d o s d e p r e n d a n
a y u d a r l a : y á l a n o c h e c a n t e n l a s l e t a n i a s d e N u e s t r a S e n o r a ó los
sábados.
»S. A c a b a d a Ia p r i m e r a M i s a , s e j u n t e n t o d o s los m u c h a c h o s , y los
in d io s g r a n d e c i l l o s q u e no son d e e s c u e l a , á d e p r e n d e r la D o c tr in a , a p a r ­
t a d a s la s m u c h a c h a s : y la e n s e n a r á n lo s q u e m e jo r la s u p ie s e n : y \o m ism o
á los m u c h a c h o s y o tro s, lo m i s m o se h a g a á la s ta rd e s m ed ia h o r a a n te s
d e la oración.
»9. T o d o s lo s i n d i o s é i n d i a s q u e c o n m á s f e r v o r p i d e n s e r b a u t i z a d o s ,
a c u d a n to d a s las ro a fia n a s á d e p r e n d e r la D o c tr in a , las m u j e r e s con las
m u c h a c h a s y lo s i n d i o s c o n l o s m u c h a c h o s ; á lo c u a l a s i s t a e l S u p e r i o r .
Y t o d o s l o s d o m i n g o s y f i e s t a s s e e n s e n e á to d os a n t e s d e M i s a ; y á la
t a r d e s e h a g a p o r e l p u e b l o l a p r o c e s i ú n : y e n l a i g l e s i a ó c e m e n t e r i o se
p r e d i q u e a l g ú n a r t í c u l o ó m a n d a m i e n t o b i e n r e p e t i d o : y los d o m i n g o s e n
l a i g l e s i a : y c u a n d o e s t é n b i e n i n s t r u í d o s , s e p r e d i c a r á d e c l a r a n d o el
E v a s g c l i o . M u c h o a y u d a d e c i r l e s a l g ú n e j e m p l o d e la m a t é r i a q u e si: ' r a t a :
y e n l a c u a r e s m a e s b i e n u n d i a ó d o s e n l a s e m a n a d e c i r s e l e p o r l;x t a r d e
y e x h o r t a r l o s ã l a d i s c i p l i n a c u a n d o s e h a l l a r e e n ello s c a p a c i d a d y q u e
la h ag an : pero nunca de s a n g r e e n m a n e ra alguna.
» 10. B a u t i c e n l o s a d u l t o s c o n m u c h a p r u d ê n c i a y r e c a t o , e s t a m l o b i e n
c a t e q u i z a d o s é i n s t r u í d o s , y t e n i e n d o p r e n d a s d e q u e p e r s e v e r a r á n e n la
R e d u c c i ú n : y á lo s p r i n c í p i o s s e a c o n s o l e m n i d a d , j u n t á n d o s e a l g u n o s q u e
h a y a n d e s e r b a u t i z a d o s . C o u f i é s e n s e c a d a a n o : y e n la m u e r t e s e l e s d é la
E i t r e m a u n c i õ n , y á lo s m á s p r o v e c t o s e l S : \ n i i s i m o S a c r a m e n t o , t e n i e n d o
c o m o Io l l e v a r c o n d e c e n c i a . A l o s n i n o s b a u t i c e e l u n o de los c o m p a n e -
r o s , m i e n t r a s e l o t r o a s i s t e e n la D o c t r i n a los d o m i n g o s . V c u a n d o se
s u p i e r e q u e a l g ú n i n f ie l e s t á e n f e r m o , a c ú d a s e c on tod o c u i d a d o á c a t e -
q u iz a c le y r e g a l a r le : y a los q u e m u r i e r e n cristianos, e n t i e r r e n c o n la
s o l e m n i d a d q u e f u e r e p o s i b l e , n o c o n s i n t i e n d o e n e l l o ni e n o t r a c o s a
s u p e rs tic ió n a l g u n a , d e s t e r r á n d o l n s to d a s con g r a n ceio y p r u d ê n c ia .
*11. T r e s veces al d i a se tafta á la o ra c ió n : v de noche á las á n im a s :
y s a l g a n d o s m u c h a c h o s á e x h o r t a r l a s e n c o m i e n d e n á D i o s , p o r el p u e b l o :
y te n g a n un F iscal dos, c o n f o r m e a l n ú m e r o de gen te; y d e n le s a lg u n o s
m u c h a c h o s g r a n d e s q u e l o s a y u d e n , y a l g ú n o t r o al s a c r í s t á n : v s e à a l e n
se i s ú o c h o c a n t o r e s c o n q u e s e s o l e m n i c e a l a s fiestas y M i s a s , v S a l v e s d e
s á b a d o y f i e s t a s p r i n c i p a l e s , T i n i e b l a s y lo d e m á s q u e se a c o s t u m b r a .
• 1 - . T e n g a n c u i d a d o d e s a l i r lo s d o s c o m p a n e r o s j u n t o s c a d a t e r c e r
d ia p o r el p u e b lo , 6 de c u a n d o e n c u a n d o , p a r a q u e no h a y a b o r r a c h e r a s :
y l o s F i s c a l e s y n ii i o s d e e s c u e l a a v u a r à n d e e l l a s y d e l o s e n f e r m o s ,
t e n i é n d o l o m u y e n c a r g a d o , y d a n d o p r e m i o al q u e m e j o r lo h i c i e r e . Y
a u n q u e c o n l o s i n f ie lc s s e d e b e i r e n e l r e m e d i o de ias b o r r a c h e r a s v d e m á s
p ecad o s con tien to : e u los c r i s t i a n o s e s n e ç e s n r ia en te re z a : p r e c e d ie n d o
l o s m e d i o s s u a v e s d e a m o n e s t a c i ó n y r e p r e n s i d n . P e r u á los c a c i q u e s n o
c o n v ie n e c a s tig a r lo s : y e s p e c i a l m e n t e e n público; y de n u e s tr a m a n o , á
nad ie: ni a u n d a n d o á u n m u c h a c h o u n bofetón: que a J e m á s d e se r re g ia ,
tien e varios in co n v en ien tes.
»13. C o n s u m o c u i d a d o s e p r o c u r e n o s e r c a r g o s o s ni m o l e s t o s á los
i n d i o s , e s p e c i a l m e n t e c o n n u e s t r a s c o s a s : v no se le s p id a c o s a s i n o es
n e c e sa ria , y"ésa, p a g á n d o s e la ; y p o r s a c ra m e n to s y em ierros, en n in g u n a
m a n e r a p o r a g o r a : y c u a n d o e n a d e l a n t e p arec iese convenir, s e i ponién-
dolo e n d e s p e n s a a p a r t e p a r a lo s p o b r e s , ó rep artié n d o s e lo lu e g o . Y m e n o s
s e r e c i b a p o r M i s a s , a n t e s d i g a c a d a s e m a n a c a d a P a d r e u n a p o r los
indios: y c u a n d o a l g u n o m u r i e r e , le d i r á n o tr a .
» U . A n u e s t r o s u s t e n t o y v e s t u á r i o s e a c u d i r á lo p r i m e r o c o n lo q u e
d é S . M ., e n c u y a c a b e z a s e h a n d e i r p o n i e n d o los i n d io s q u e se c o n v i e r -
— 58S-

t e n y r e d u c e a . Y p r i m e r o , e l S u p e r i o r t e n g a c u i d a d o d e a v i s a r co n t i e m p o
446 al P r o c u r a d o r g e n e r a l de B u e n o s A i r e s , e n q u é se e m p l e a r á la diclia
l i m o s n a . —2. P r o c u r e n h a c e r c h a c r a d e m a í z y l e g u m b r e s , p a g a n d o m u y
b i e n á los in d ios y p r o c u r a n d o s e a s i n p e s a d u m b r e s u y a ; y p a r a m á s f a c i ­
l i t a r esto, p r o c u r e n t e n e r b u e y e s y a r a d o s : y iia b ie n d o l u g a r , h a g a n
c h a c r a s de a lg o d ó n p a r a v e s tir los ia d io s , q u e s e r ã n los m e n o s q u e f u e re
p o s i b l e : y p a r a l a i g l e s i a , y v e s t i r s e lo s m i s m o s P a d r e s . 3 . —T e n g a n h u e r t a
y hortelan o , ã q u ien p a g u e n bien. P ro c u re n c r i a r a lg ú n gan ad o m a y o r y
m e n o r , si f u e r e f á c i l : q u e a y u d a r á p a r a t e n e r c o n q u é f a v o r e c e r y r e g a l a r
á todos los p o b r e s y e n f e r m o s , y á los e s p a n o l e s p o b r e s q u e a c u d ie r e n .
»I5. C o n los e s p a n o l e s s e p r o c e d a c o n t o d a p r u d ê n c i a , p r o c u r á n d o l o s .
g a n a r á to d o s, a s í p o r e l b i e n d e s u s a l m a s , c o m o p o r q u e no nos i m p i d a n y
h a g a n d a n o á lo s i n d i o s : y lo s a g r a v i o s s e a n m e n o s ; p e r o e n t i e n d a n t a m ­
b i é n q u e no los c o n s e n t i r e m o s , y q u e a v i s a r e m o s p o r lo m i s m o á q u i e n lo
r e m e d ie . C u a n d o v in i e r e n á n u e s tr a s R e d u c c io n e s , r e c ib a n le s con a m o r,
y c o n v id en les cu an d o p a re z c a ; p e ro no c o n sie n ta n se d e te n g a n m uchos
d i a s , ni h a g a n a g r a v i o s n i v i v a n m a l ; y e n n i n g u n a m a n e r a c o o p e r e n
l o s NN: . á q u e s e s a q u e n i n d i o s ; a n t e s , c u a n d o lo s s a c a r e n , p i d a n l e s e l
o r d e n d e l a j u s t i c i a : y n o l e t r a y e n d o , ó d e t e n i e n d o m u c h o á los i n d i o s , e s c r i -
b a n al P . R e cto r de e s ta ca s a , p a r a q u e dé aviso al T e n ie n te g e n e r a l v
p r o c u r e el r e m e d i o . Y c u a n d o se a s i e n t e la t a s a , p r o c u r e n p o n e r m é d i o s v
d a r i n d u s t r i a á los i n d i o s c ó m o p a g u e n l á t a s a s i n s a l i r d e s u s p u e b l o s : y
s a l i e n d o p o r é s e ú o t r o s r e s p e t o s , p r o c u r e n q u e lo s q u e q u e d a n l e s h a g a n
s u c h a c r a : v lo m i s m o á l a s v i n d a s , e n f e r m o s y v i e j o s , p r e s t a n d o p a r a e l l o
lo s b u e y e s y a r a d o : y q u e s e a p o r m e d i o d e l o s c a c i q u e s .
»16. E n lo q u e t o c a á c o n f e s a r e s p a n o l e s , q u e p o d r .i n a c u d i r á n u e s t r a s
R e d u c c i o n e s , <5 c u a n d o s e f u e r e á s u s p u e b l o s , s e a c o n m u c h o t i e n t o : y
e s p e c i a l m e n t e si s o n v e c i n o s e n c o m e n d e r o s ó m a l o q u e r o s , ó q u e h a n
l l e v a d o i n d i o s á l a v e r b a , ò la t o m a n , ò el p e t é r . , p r o c u r a n d o q u e h a g a n
s a t i s í a c c i o n d e b i d a l o s q u e la t i e n e n y p u e d e n h a c e r : y p r o p o n i e n d o l a
e n m i e n d a con v e ras.
>17. C u a n d o a l g u n o d e lo s c o m p a n e r o s f a l l a r e e n a l g u n a c o s a s u s t a n -
c i a l ó g r a v e , el o t r o s e lo a v i s e c o n t o d o a m o r y c a r i d a d a l g u n a s v e c e s : y
n o b a s t a n d o , y s a b i é n d o l o f u e r a d e c o n i e s i ó n , a v i s e c o n g r a n r e c a t o al
S u p e r i o r d e la A s u n c i ó n : y si e n c o n f e s i ó n , h a g a su oficio, c o m o e n s e n a l a
T e o l o g i a : b i e n q u e e s p e r o n o s e r á m e n e s t e r , s i n o q u e el S e n o r los t e r n á
d e s u m a n o , q u e los l l a m ó á t a n g l o r i o s a s e m p r e s a s .
» 1S. C o n t o d a s o c a s i o n e s e s c r i b a n a l S u p e r i o r d e la A s u n c i ò u y a l
P r o v i n c i a l , a l c u a l e n v i a r á n e l a n u a c a d a a n o d e lo q u e e l S e i i o r se
h u b ie re dig n ad o o b ra r, y noticias q u e ten g an .
»1'>. P a r a el ú l t i m o a v i s o d e e s t a i n s t r u c c i ó n h e g u a r d a d o lo q u e X u e s -
t r o R e d e n t o r d e j ó c o m o p o r t e s t a m e n t o á s u s A p ó s t o l e s e n el r e m a t e d : s u
v i d a s a n t i s i m a : H je c nuinJo vobis , iit J iligatis invicsni sicu! liilt-.xi vos. Y e u el
m i s m o t i e m p o p id ió é s t o a l P a d r e : L’l s i m tiimnt sicut et nos i m u m su m u s .
N‘o p a r e c e q u e p u d o e n c a r e c e r m á s e l S e i i o r l o q u e i m p o r t a e l a m o r y
u o i ó n d e los A p ó s t o l e s y d e lo s q u e l e s s u c e d e n e n el oficio, q u e f u é t a l ,
q u e a u n d e los p r i m e r o s c r i s t i a n o s s e d i c e : erJt c o r uiiinii et aniimi u n a .
A y u d a r á e l t e n e r o r a c i ó n a l g ú n d i a d e l a s e m a n a d e e s t o s t r e s p u n t o s : y el
c u a r t o p u e d e s e r d e i e n c a r e c i m i e n t o c o n q u e l a e n c o m e n d ó N\ S . P . L o
— 5S9-

s e g u n d o p e d i r l o a l S e n o r . L o 3 .° c o n s i d e r a r l e i E l e n e l c o m p a n c r o c o m o
d i c e l a r e g i a . L o 4 . ° c o n f e s a r s e ad invicsm c a d a d i a , ó à lo m e n o s e l te r -
' c e r o . 5.° M i r a r c a d a u n o m u c h o p o r l a s a l u d d e i o t r o . 6.° Q u e e l S u p e r i o r
n o h a g a c o s a d e i m p o r t a n c i a s i n p a r e c e r d e i c o m p a f t e r o y s u g u s t o . 7.° Q u e
c a d a u n o r e n u n c i e y m o r t i f i q u e e l p r o p i o g u s t o p o r d a r l o al S e n o r e n el
. c o m p a f l e r o . E s l e e s e l h á b i t o é i n s í g n i a s d e los A p ó s t o l e s y h o m b r e s a p o s ­
tólicos.»
«D iego de T orres .
(L oza Xo : H i s t . d e l a C o m p . t o m o 2. p á g . 24S ]

Núm. 42.
ANEXO 14

Regulamento de Doutrinas Feito pela 6a Congregação


Provincial do Paraguai e Aprovada pelo Padre Geral Mucio
Vitelleschi (1637)
00
1637—R e g l a m e n t o d e D o c t r i n a s l i e c h o p o r l a 6.3 C o n ° T e ; a c i ó n
p r o v i n c i a l d e i P a r a g a a y y a p r o b a d o p o r el P . G e n e r a l M u c i o V i r e l l e s c h i

<J h s .
«A d m a io re m D ei g l o r ia m e iu s q u e G e n itric is M ariae»
• Ó r d e .n e s q u e h i z o l a d e p u t a c i õ x q c e s e s e S a l ó p o r o r d e a d e n u e s ­
t r o P . G e n e r a l p a r a el g o b i e r n o d e l a s R e d u c c i o n e s d e i P a r a g u a v , a p r o -
b a d a s d e la C o n g r e g a c ió n P r o v i n c i a l .
»E n un M e m o ria l q u e llev ó el P . J u a n B a u tisia F erru fin o , P ro c u ra d o r
g e n e r a l d e e s t a P r o v í n c i a , s e p r o p u s o á n u e s ; r o P a d r e lo s i g u i e n t e :
• Q u e s i e n d o e l g o b i e r n o d e l a s R e J u c c i o n e s d i f e r e n t i s i m o q u e el d e los
c o l é g i o s y d e m á s c a s a s d e l a C o m p a n i a . se h a g a n r e g i a s é i n s t r u c c í o n e s
c o m u n e s q u e t ó d o s h a v a n d e g u a r d a r . A lo c u a l r e s p o n d i ó X u e s t r o P ; i d r e
a s í : E n l a p r i m e r a C o n g r e g a c i ó n p r o v i n c i a l se n o m b r e n d o s >5 t r e s P a d r e s
d e p u ta d o s d e los m á s e x p e r i m e n t a d o s e n la s M isio n es d e las R e d u c c io n e s ,
v q u e j u n t a m e n t e s e a n p e r s o n a s d e c a u d a l , p r u d ê n c i a y ce i o : v ã e l l o s se
les e n c o m ie n d e q u e d i s p o n g a n Ias o r d e n e s q u e ju z g a r e n por co n v en ien te s,
p a r a q u e s e g u a r d e n e n I a s d i c h a s R e d u c c i o n e s . E sto:; s e v e a n e n l a d i c h a
C o n g r e g a c i ú n : y t r á t e s e si s e r á b i e n q u e s e e n t a b l e n V e n a p r o b á n d o l o s
a l l á , s e n o s r e m i t a n : q u e y o v e r é si e s b i e n c o n f i r m a d o s . E n e l i n t e r í n s e
o b s e r v e n l o s q u e lo s P a d r e s P r o v i n c i a l e s h a n d e j a d o e n las V i s i t a s . Y
h a b i é n d o s e n o m b r a d o p o r d e p u t a d o s e n l a C o n g r e g a c i ó n q u e se c o m e n z ú
e s t e a f t o 'd e 1637 e n I S d e J u l i o á l o s P a d r e s A n t o n i o R u i z , C l á u d i o R u y e r ,
M i g u e l d e A m p u e r o v F r a n c i s c o D í a z T a n o , les parecici h a c e r los ó r d e n e s
siguientes:
» l , A u n q u e el oficio d e i S u p e r i o r d e t o d a s Ias R e d u c c i o n e s y s u m o d o
d e g o b ie r n o e s d if e r e n t i s i m o d e i d e los c o lég io s; c o n todo eso, n u e s tro P a d r e
G e n e r a l en u n a d e 30 d e N o v i e m b r c , d ic e a s i al P. P ro v in c ia l: Y u e s t r a R .
p u b liq u e q u e el S u p e r i o r d e la s R e d u c c io n e s, a u n q u e no te n g a p a te n te
m i a d e s u oficio, p e r o q u e p a r a c o n s u s s ú b d i t o s t i e n e p l e n a y e n t e r a
p o t e s t a d i n t e r i o r y e x t e r i o r , c o m o l a g o z a n l o s R c c t c r e s c o n lo s s u v o s .
*'2. P o r q u e e l S u p e r i o r d e l a s R e d u c c i o n e s p u e d a a c u d i r á t o d a s l a s
- 590 -

O R e d u c c i o n e s , a s í d e la S i e r r a , c o m o d e i P a r a n á , v r e s p o n d e r f a c i l m e n t e á
Ç f l o s S u p e r i o r e s i n n i e d i a t o s , y P a d r e s d e l a s .M isiones: a s i s t a d e o r d i n á r i o
e n la R e d u c c ió n dei C a ró ó C a n d e l a r i a : d o n d e p u e d e c o n facilid ad t e n e r '
a v i s o d e t o d a s p a r t e s 'y o r d e n a r lo q u e c o n v i n i e r e a l b u e n g o b i e m o d e
las M i s i o n e s .
»3. E l S u p e r i o r d e d a s M i s i o n e s v i s i t a r á t o d a s l a s R e d u c c i o n e s u n a .
v e z a l a n o : si n o es q u e o c u r r a a l g ú n c a s o u r g e n t e : y é s t a b a s t a n o m á s .
»-l. E n l a s V i s i t a s q u e e l S u p e r i o r h i c i e r e d e l a s R e d u c c i o n e s , c o n ­
v i e n e q u e n o s e a de p a s o , s i n o q u e v a y a d e p r o p ó s i t o y e s t é e n c a d a u n a
de las R e d u c c io n e s el tie m p o q u e f u e r e n e c e s a r io p a r a v e r cóm o sé ejerc i-
tan n u e s tr o s m in is té r io s y a d m i n i s t r a n lo s s a n to s S a c r a m e n t o s : y v e a por
ojos la d is tr ib u c ió n de tie m p o d e c a d a R e d u c c i ó n , y cóm o se g u a r d a n las
r e g i a s v I n s t i t u t o : y q u e si h u b i e r e a l g u n a f a l t a l a r e m e d i e .
»3. E n t a b l e e l d i c h o S u p e r i o r d e l a s R e d u c c i o n e s l a u n i f o r m i d a d e n
to d o e n t o d a s las R e d u c c i o n e s , a s i e n l a a d r r . i n i s t r a c i ó n d e los S a c r a m e n ­
tos, c o i i i j e n c e l e b r a r l a s l i e s t a s : y p a r a e s t a u n i f o r m i d a d , d i s p o n g a e l
P a d r e P r o v in c ia l un m odo u n i f o r m e e n to d as las R e d u c c io n e s , el c u a l
m o d o p r o c u r a r á el P . S u p e r i o r d e l a s R e d u c c i o n e s se e n t a b l e e n e l l a s .
»ó. E n to J a s las R e d u c c i o n e s s e s e n a l e n c u a t r o p e r s o n a s d e e s p í r i t u ,
c e i o y p r u d ê n c i a , los c u a l e s s e a n C o n s u l t o r e s d e i d i c h o P . S u p e r i o r d e l a s
M i s i o n e s : y e s t o s m i s m o s s e r á n P a d r e s e s p i r i t u a l e s d e t o d o s: á los c u a l e s
p o d rã n e s c rib ir c a r ta s t o c a n te s á su c o n s u e l o e s p iritu a l sin ser r e g is tr a d a s ,
l l e v a n d o e n el s o b r e s c r i t o d o s C C p o r s e n a l . V los d i c h o s P a d r e s e s p i r i ­
t u a l e s , c u a n d o se j u n t a n e n l a s f i e s t a s d e a l g u n a R e d u c c i ó n , p u e d e n a c u d i r
p e r s o n a l m e n t e a l c o n s u e l o d e lo s P a d r e s .
>7. El S u p e r i o r d e t o d a s 'l a s R e d u c c i o n e s r.o p o i r á m u d a r á n i n g ú n
S u p e r i o r i n m e d i a t o d e lo s q u e f u e r e n s e í i a l a d o s p o r e l P r o v i n c i a l , s i n c o n ­
s u l t a d o c o n los C o n s u l t o r e s d e i d i s t r i t o d o n d e e s t u v i e r e l a R e d u c c i ó n , y
a v i s a r p r i m e r o al P . P r o v i n c ia l d e l a c a u s a de la m u d a n z a , e s p e r a n d o
la r e s p u e s i a : si n o f u e r e e u c a s o t a n u r g e n t e , q u e no se p u e d a e s p e r a r ,
a v isa n d o lu e g o dello al P. P r o v i n c ia l.
»S. El S u p e r i o r d e l a s R e d u c c i o n e s m i r a r á p o r l a a u t o r i d a d d e c a d a
u n o d e l o s S u p e r i o r e s i n m e d i a t o s , p a r a q u e lus i n d i o s d e c a d a R e d u c c i ó n
te n g a n al S u p e r i o r in m e d ia to d e l i a el r e s p e t o , su je ció n y o b e d ie n c ia qu e
c o n v i e n e . V a s í , lo q u e e l S u p e r i o r d e l a s R e d u c c i o n e s l i u b i e r e d e h a c e r
ó m u d a r e n ca d a R e d u c c ió n , s e r á p o r m ed io dei S u p e r io r in m ed iato de
la m is m a R e d u c c ió n . y de m o J o q u e e n l i e n d a n los indios h an d e t e n e r
r e c u r s o al S u p e r i o r d e t o d a s I a s R e d u c c i o n e s .
»9. L o s S u p e r i o r e s i n m e d i a t o s d e l a s R e d u c c i o n e s p r o c u r e n c o n s u a -
v i d a d c a d a u n o e n su R e d u c c i ó n e n t a b l a r a l g u n a c o s a d e c o m u n i d a d , e n la
c u a l los i n d i o s t e n g a n a l g u n a c o s a p r o p i a s u y a , c o n q u e p u e d a n a c u d i r
á las n e c e s i d a d e s c o m u n e s d e s u p u e b l o , y t e n g a n c o n q u e c o m p r a ' m i e i ,
<al, l a n a , a l g o d ó u , y c o s a s c o n q u e v e s t i r s e . y a c u d i r á los e n f e r m o s
y p o bres, y e n te r a r sus tasas: y con q u e p u e d a n c o m p r a r a lg u n a s cosas
p a r a s u s i g l e s i a s , c o m o s e u s a e n e l P e r ú . V' p o r q u e n o e n t o d a s l a s R e d u c -
c io u e s h ay u n a m ism a cosa e n q u e se p u ed a e n t a b l a r esta co m u n id ad ,
v e a n l a q u e c o n v i e n e , a v i s a n d o a l P . P r o v i n c i a l p a r a q u e Io c o n f i r m e
ó m o d e r e : v lo q u e s e j u n t a r e , s e p o n g a a p a r t e , c o n c u e n t a y r a z ó n d e
e n t r a d a y sa lid a , p a ra q u e e n todo tie m p o co n ste.
»
— 591 -

»10. E l S u p e r i o r d e t o d a s l a s R e d u c c i o n e s n o p o d r á s a c a r lo q u e es
p r o p i o d e u n a R e d u c c i ó n p a r a d a r á o t r a , ni lo q u e lo s i n d i o s c o m p r a n c o n
c o s a s p r o p i a s , ó o f r e c e n d e l i m o s n a . c o m o N'. P . lo o r d e n a e n u n a d e 30 d e
E n e r o d e Ó33; s i n o q u e e l S u p e r i o r i n m e d i a t o d e l a R e d u c c i ó n lo d i s t r i -
b u y a c o n los p o b r e s y . . . [ i l e g i b l e ] d e s u R e d u c c i ó n .
» l l . P a r a q u e se e v i t e n los i n c o n v e n i e n t e s q u e s u e le n r e s u l t a r de
c a s a r s e e n u n a s R e d u c c i o n e s lo s i n d i o s q u e se h a n r e d u c i d o á o t r a s , y se
a c l a r e n las d u d a s q u e su e le h a b e r e n m a té r ia de m atrim o n io s y otros
S a c r a m e n t o s , n i n g ú n P a d r e , a u n q u e s e a S u p e r i o r i n m e d i a t o , c a s a r á i n d io
ó i n d i a q u e h a y a e s t a d o e n o t r a R e d u c c i ó n , a u n q u e s e a in fiel, s i n a v i s a r
p r i m e r o a l S u p e r i o r i n m e d i a t o d e l a R e d u c c i ó n d o n d e p r i m e r o e s t a b a . Y si
h u b i e r e a l g u n a d u d a , a n t e s d e c a s a r lo s d i c h o s i n d i o s , s e a v i s e al S u p e r i o r
d e to d as las R e d u c c io n e s , el cu a l, c o n s u lta n d o A sus C o nsultores.*y á otras
p e r s o n a s d e c i c n c i a y p r u d ê n c i a q u e j u z g a r e , o r d e n e lo q u e c o n v i n i e r e :
y é s t o s e e j e c u t e . Y lo m i s m o se h a g a e n o t r a s d u d a s t o c a n t e s al b u e n
g o b i e r n o y a d m i n i s t r a c i ó n d e t o d o s los S a c r a m e n t o s .
» I 2 . P a r a q u e s e g u a r d e lo q u e X u e s t r o P a d r e m a n d a e n u n a de S de
A g o s t o d e 634 a c e r c a d e l a l i m o s n a q u e d a S . M . á l o s P a d r e s M i s i o n e r o s ,
e n la c u a l d i c e a s í : L a a d m i n i s t r a c i ó n d e la l i m o s n a q u e d a el R e y à la s
M i s i o n e s , y d e l a h a c i e n d a q u e e s t á a p l i c a d a á e l l a s . t e n g a á su c a r g o el
S u p e r i o r d e l a s d i c h a s R e d u c c i o n e s : y é l s e e n t i e n d a c o n los P r o c u r a d o r e s
d e l a P r o v i n c i a y o t r o s c o l é g i o s p a r a q u e le r e m i t a lo n e c e s a r i o p a r a s u s
sú b d ito s , sin q u e p a r a e llo h a y a m e n e s t e r a g u a r d a r o r d e n dei P ro v in c ia l,
c o m o h a c e c u a l q u i e r R e c t o r e n su c o l é g i o , q u e sin d e p e n d e n c i a d e i d i c h o
P r o v i n c i a l t i e n e c u i d a d o d e p r o v e e r su c a s a d e lo q u e n e c e s i t a , y es a d m i ­
n i s t r a d o r d e lo s b i e n e s d e su c o l é g i o : e l S u p e r i o r d e t o d a s l a s R e d u c c i o n e s
e n v i e o r d e n y m e m ó r i a á los P r o c u r a d o r e s d e lo q u e le h a n d ; c o m p r a r
p a r a l a s R e d u c c i o n e s , y t o m e c u e n t a s c a d a a n o d e lo q u e se lia c o b r a d o
y g a s t a d o : y los P r o c u r a d o r e s se las d e n .
» I3 . P a r a q u e c o n t i e m p o se a v i s e a l P r o c u r a d o r q u e e s t á e n B u e n o s
A i r e s d e lo q u e h a d e c o m p r a r p a r a l o s P a d r e s , el S u p e r i o r d e l a s R e d u c ­
c i o n e s , c u a n d o l a s v i s i t a r e , v e a lo q u e l o s P a d r e s h a n m e n e s t e r , ó l e s a v i s e
p o r e s c r i t o si f u e s e n e c e s a r i o a n t e s , le d e n p o r e s c r i l o d e lo q u e c a d a S u p e ­
r i o r i n m e d i a t o t i e n e n e c e s i d a d p a r a su R e d u c c i ó n : p a r a q u e v i s t a s t o d a s
l a s m e m ó r i a s p a r t i c u l a r e s , h a g a u n a m e m ó r i a q u e e n v i e al P r o c u r a d o r :
e l q u e n o c o m p r a r á c o s a a l g u n a q u e no f u e r e e n l a m e m ó r i a d e i S u p e r i o r
v c o n o r d e n s u y a . Y p r o c ú r e s e q u e e s t a m e m ó r i a s e e n v í e c o n t i e m p o al
P r o c u r a d o r a l P u e r t o , a n t e s q u e e n t r e n l o s n a v i o s , p a r a q u e no se p i e r d a
ocasión.
» I 4 . Y, p o r c u a n t o X . P . o r d e n a p o r u n a d e 30 d e E n e r o d e 1633, q u e
d e s t a l i m o s n a q u e d a S . M . (y lo m i s m o s e h a d e e n t e n d e r d e o t r a c u a l ­
q u i e r a q u e s e d é á I a s R e d u c c i o n e s , se a c u d a á t o d o s los P a d r e s , as í d e las
R e d u c c i o n e s q u e t i e n e n s e n a l a d a l i m o s n a p o r S . M ., c o m o de l a s q u e no
l a t i e n e n : y e n e l m o d o q u e h a s t a a g o r a h a h a b i d o e n la J i s t r i b u c i ó n d e l i a ,
d a n d o á lo s P a d r e s lo q u e h a b í a n m e n e s t e r c u a n d o e l l o s lo p e d i a n s o l a
m e n t e , s e h a n e x p e r i m e n t a d o m u y g r a n d e s i n c o n v e n i e n t e s , y p a d e c i d o los
P a d r e s g r a n d e s n e c e s i d a d e s : e l q u e se j u z g a s e r m á s a c e r t a d o , y la e i p e -
r i e n c i a lo h a e n s e f i a d o , e s q u e e n l l e g a n d o la l i m o s n a e m p l e a J a e n e s p e ­
c i e s c o n f o r m e l a s m e m ó r i a s , el S u p e r i o r d e t o d a s l a s R e d u c c i o n e s s a q u e
o
- 592 —

d e i m o n l ó n lo q u e e s n e c e s a r i o p r e c i s a m e n t e p a r a c o m p r a r v i n o , s a l , m i e i ,
a z ú c a r y a l g u n o s d u l c e s p a r a l a s R e d u c c i o n e s : y lo d e m á s lo r e p a r t a e n t r e
to d a s l a s R e d u c c io n e s , así n u e v a s c o m o a n t i g u a s , r a t a p o r c a n t i d a d lo q u e
á c a d a u n a a lc a n z a re , entrando el S u p e r io r d e to d as en esta d istrib u c ió n
c o m o u n a R e d u c c i ó n p a r a los g a s t o s c o m u n e s y e n s u s c a m i n o s , e t c . : c o a
e s t a a d v e r t e n c i a , q u e t o m o le c o n s t a p o r l a s m e m ó r i a s p a r t i c u l a r e s q u e l e
h a n d a d o l o s S u p e r i o r e s i n m e d i a t o s d e c a d a R e d u c c i ó n lo q u e h a n t n e n e s -
te r c a d a u n a, v m uchas veces unos h a b r á n m e n e s te r u n a cosa y otros o tra ,
q u e l a c a n t i d a d q u e se le h a d e d a r á c a d a u n o s e a e n a q u é l l o q u e h a
m e n e s t e r . P a r a lo c u a l a y u d a r á m u c h o q u e e l P . P r o c u r a d o r , t o d a s l a s
v e c e s q u e e n v i a r e r o p a , y Ias d e m á s c o s a s q u e h a c o m p r a d o , e n v i e m e m ó ­
r i a c o n lo s p r e c i o s á q u e se p a j ó c a d a c o s a .
»15. C o n e s t o n o s e q u i t a q u e si a l g ú n S u p e r i o r i n m e d i a t o a l g u n a v e z
p i d i e r e , y j u z g a r e q u e lo q u e l e c a b e a q u e ! a n o , ó p a r t e d e l l o , s e le l i b r e e n
p l a t a , p a r a c o m p r a r a l g u n a c o s a p a r a Ia i g l e s i a , y c u l t o d i v i n o , c o n s t a n d o
q u e t i e n e e n su R e d u c c i ó n Io n e c e s a r i o p a r a a q u e l a n o p a r a sí y s u C o m -
p a n e r o , el S u p e r i o r de las R e d u c c io n e s le d é l i b r a n z a p a r a el P. P r o c u r a ­
d o r , p a r a q u e le c o m p r e lo q u e l e j u z g a r e c o n v e n i r p a r a s u R e d u c c i ó n ,
e n v i a n d o l a m e m ó r i a d e lo q u e p i d e , l a c u a l v a y a r e g i s t r a d a p o r e l S u p e ­
r i o r d e todas las R e d u c c io n e s y f irm a d a d e su n o m b r e .
»lo. Y p o r q u e a l g u n o s a n o s s u c e d e q u e n o se c o b r a la lim o s n a e n te -
r a m e n t e , sino p a r t e d e lia , y á v ec e s e n c a n t i d a d q u e no se p u e d e c o m p r a r
lo q u e h a n m e n e s t e r t o d a s la s r e d u c c i o n e s , y se p i d e e n la m e m ó r i a ; s e
a d v i e r t a al P . P r o c u r a d o r q u e no p i e r d a o c a s i ó n d e i r l l e n a n d o l a m e m ó ­
r i a e n lo q u e p u d i e r e : d e s p u é s d e l l e n a , h a b i e n d o c o b r a d o lo d e m á s , s e
r e m i : a t o d o p a r a q u e se r e p t f r t a e n t r e t o d o s c o n f o r m e á l a n e c e s i d a d
q u e hay.
« Lí URE. í . vo S o b r i .v o , S e c r e t a r i o . »
ANEXO 15

Regulamento Geral de Doutrinas Enviado pelo Provincial


Padre Tomás Donvidas, e Aprovado pelo Geral Padre Tirso
(1689)
(N
Tf

Núm. 43.

I 6SD—R e g l a m e n t o g e n e r a l d e D o c f r i n a s e n v i a d o o o r el P r o v i n c i a l
P . T o m á s D o n v i d a s , y a p r o b a d o p o r el G e n e r a l P . T i r s o

«ORDENES PARA TOD.AS LAS R e DCCCIOXKS , APSOBADOS POR Nf . P.


G e n e r a l .’
» l. A u n q u e se a dia d e co n fe sio n e s ó reeo n cili.icio n es. no se a b r i r á la
p u e r t a d e l a i g l e s i a h a s t a q u e c o n l a l u z d e i d i a se p u e d a n c o m c e r l a s p e r ­
s o n a s . Y Ias lla v e s d e la ig le s ia v p o r t e r i a , to d o el tie m p o q u e lian de e s t a r
c e r r a d a s la s p u e r ta s , h a n de e s ta r e n el a p o s e n t o d e t P a d r e q u e c u id a d e la
D o c t r i n a : a l cual to ca v isita r to d a s Ia s n o c h e s d ic h a s p u e rta s . Y dispón-
g a s e q u e d e s d e l a i g l e s i a ó c a l l e n o s e v e a n n u e s t r o s a p o s e n t o s n i olici-
n a s . p o n ie n d o siq u ie r a u n ca n c e l q u e i m p id a ta v ista.
»'2 . L a c e r c a d e l a c a s a y h u e r i a h a d e s e r p o r lo m e n o s d e t r e s v a r a s
e n alio.
- 593 —

»3. N u n c a s e h a b l e á m u j e r a l g u n a s i n q u e e s t é d e l a n t e a l g u n o d e los
N u e s tro s , ó d os in d io s de to d a satisfacción.
»4. N i n g u n o s a l d r á d e n o c h e s i n l i n t e r n a e n c e n d i d a , v a c o m p a n a d o d e
a l g ú n e n f e r m e ir o , y o tr o s d o s indios d e s a tis f a c c ió n . Y d e dia lle v a r á n el
m is m o a c o m p a ã a m i e n t o . Y á los in d io s, i n d ú s t r i e s e le s q u e e s té n s ie m p r e
á l a v i s t a d e i P a d r e : y si e l r a n c h o e s t u v i e r e o s c u r o , s e e n c e n d e r á l a c a n ­
d e i a q u e p a r a e s te efecto se l l e v a r à s ie m p r e p r e p a r a d a .
»5. C a d a q u i n c e d i a s , si no h u b i e r e p l à t i c a , h a b r á u n a c o n f e r e n c i a ,
ú le c c ió n d e a l g ú n lib ro ap ro p ó sito , com o el P . A lo n s o R o d r ig u e z , etc.
Y l a s e m a n a q u e n o h a y e s t a p l á t i c a ó c o n f e r e n c i a , s e l e e r á a l g o d e i I p sti-
tuto, ó d e lo s Ó r d e n e s , e tc. L a c o n fe re n c ia de c a s o s s e r á c a d a ocho d ias,
ó en su l u g a r se le e r á a lg ú n lib ro de M o ra l q u e el S u p e r io r se n a la re , p a ra
lo c u a l s e t o c a r á l a c a m p a n a á e l l a .
»6 . N o s e p e r m i t a n c u e l g a s , e t c . : ni q u e l o s P a d r e s t ; n g a n c a b a l l o s ,
n i s i l l a s , n i m u l a s , c o m o c o s a p r o p i a , n i l a s U e v e n c o n s i g o c u a n d o se
m udan.
»7. C u a n d o h i c i e r e a u s ê n c i a e l C u r a , l e d e j a r á a l C o m p a n e r o l a 11ave
d e s u a p o s e n t o , v d e l a s o f i c i n a s . Y si ío h i c i e r e e l C o m p a n e r o , le d e j a r á l a
d e s u a p o s e n t o . Y n i n g u n o i n n o v e e n lo q u e h a l l a r e e n t a t l a d o , as í e n lo
e s p i r i t u a l c o m o en lo t e m p o r a l, de la D o c t r i n a , e s p e c i a l m e n t e en m a t é r i a
d e e s t a n c i a , c h á c a r a ó h u e r t a ; ni i n i r o d u c i r á u s o s n u evo :i, n i h a r á o b r a
a l g u n a s i n l i c e n c i a d e i S u p e r i o r , t u e r a d e los r e p a r o s n e c e s a r i o s , c o m o
v e le ja r, etc.
v »8 . L o s P a d r e s q u e c u i d a n d e l a D o c t r i n a t i e n e n f a c u l t a d p a r a c o n t r a ­
t o s q u e n o e x c e d a n e l v a l o r d e '20 a r r o b a s d e y e r b a , y p a r a d a r á o t r a s D o c -
t r i n a s lo q u e n o e x c e d i e r e d e i v a lo r de se is pesos. L o c u a l n o h a de s e r ni
t a n t a s v e c e s , n i d e lo s g ê n e r o s q u e se s i g a d a n o c o n s i d e r a b l e á l a D o c ­
t r i n a , n i d é q u é n o t a r á los indios.
»9. E l P . S u p e r i o r t e n d r á c u a t r o C o n s u l t o r e s e n e l P a r a n á : v o t r o s
c u a tr o el P . V ic e s u p e r io r en el L ru g u a y : y asim ism o un A d m o n ito r cad a
u n o d e l o s S u p e r i o r e s . Y c u a n d o c o m o á t a l e s se l e s e s c r i b i e r e a l g u n a c o s a
t o c a n t e á s u oficio, s e p o n d r á al pie d e i s o b r e s c rito d e la c a r t a ó b ille te
u n a A m a y ú s c u l a : y el S u p e r i o r 6 V i c e s u p e r io r n o las p o d rá n leer.
»10. P a r á l o s c a s o s u r g e n t e s d e g u e r r a h í . b r á c u a t r o S u p e r i n t e n d e n ­
te s s e n a l a d o s p o r e l P . P r o v in c ia l: u n o e n el U .r u g u a y h a c ia a r r ib a : otro
e n e l m ism o rio h a c ia ab a jo : o tro d e la o t r a b a n d a d e i L r u g u a y : y otro por
el P a r a n á a r r i b a . Y c a d a u n o d e ellos t e n d r á dos C o n s u lto r e s p a r á las
cosas de g u e rra .
* 1 1 . N o s e d e s p a c h e b a l s a n i c a n o a a l g u n a s i n l i c e n c i a cfel S u p e r i o r :
y los P a d r e s q u e c u id a n d e Ias D o c tr in a s d e I ta p ú a y Y a p e v ú v isita rá n
t o d a s l a s b a l s a s y c a n o a s : y si h a l l a r e r i c a r t a s e n c u b i e r t a s q u e n o e s t é n
s c l la d a s c o n e l s e llo d ei P . S u p e r i o r , las e m b a r g a r á n y r e m itir á n al S u p e ­
r io r . \ la s c a r t a s q u e á d ich o s P a d r e s se r e m i ti e r e n a b i e r t a s , las r e g i s t r a -
r á n , y n o h a l l a n d o in c o n v e n i e n t e , las c e r r a r á n y d e ja r á n p a sa r.
»12. A s i e l C u r a c o m o e l C o m p a n e r o t i e n e n l i c e n c i a d e i r d e u n a D o c ­
t r in a á o t r a , v p o d r á n d o r m ir u n a noche e n ella . M a s n u n c a se h a de d e ja r
la D o c t r i n a s in P a d r e q u e p u e d a s a tis f a c e r á los m in is té r io s .
»13. N o s e c o n v i d e P a d r e d e o t r a D o c t r i n a a n t e s d e t e n e r p a r a e l l o
licen cia dei S u p e rio r.
ío n .
»U. E n e l c e l e b r a r l a s f ie sta s , l a s D o c t r i n a s d e L o r e t o , C o r p u s . y S a n
I g n a c i o s e c o r r e s p o n d e r á n e n t r e sí y n o c o n o t r a s . L a s d e S a n t a A n a , C a n -
d e l a r i a é I t a p ú a se c o r r e s p o n d e r á n e n t r e sí y n o c o n o t r a s . L a s de S a n
J a v i e r , lo s M á r t i r e s y S a n t a M a r i a se c o m u n i c a r á n e n t r e si y no con o tra s.
L o s A p ó s to l e s se c o r r e s p o n d e r á con la C o n c e p c ió n y n o c o n o tra s . S a n
N i c o l á s , S a n L u i s v S a n M i g u e l se c o r r e s p o n d e r á n e n t r e s í y n o c o n o t r a s .
co A s i m i s m o S a n t o T o i n é y - S a n B o r j a se c o r r e s p o n d e r á n e n t r e sí y n o c o n
! £ o t r a s : y lo m is m o L a C r u z y Y a p e y ú .
» l õ . N o s e c o n v i d e n p a r a l a s f ie sta s lo s a c ó l i t o s n i l o s m ú s i c o s d e o t r a s
D o c t r i n a s , s i n o s o l a s d os ó t r e s v o c e s b u e n a s , si l a D o c t r i n a e n q u e s e c e l e ­
b r a l a f i e s t a c a r e c e d e e l l a s . L o s C o r r e g i d o r e s y g e n t e p r i n c i p a l d e la s
D o c t r i n a s q u e se c o r r e s p o n d e n se p o d r á u c o n v i d a r ; p e r o n o s e p e r m i t a que.
a l g u n o d e e l l o s se a s i e n t e e n e! p r e s b i t e r i o , n i e n s i l l a , y m e n o s q u e s e le
d é l a p a z . \ ' i al A l f é r e z : al c u a l se l e p o d r á d a r s i l l a í u e r a d e i p r e s b i t e r i o .
N i s e p e r i n i t a n e n t r e m e s e s ni c o m é d i a s e n e s p e c i a l d e n o c h e , f u e r a d e c a s a ,
d o n d e c o n c u r r a n i n d i a s . T a m p o c o se p e r m i t i r á q u e d e c a d a D o c t r i n a U e v e
e l P a d r e m á s q u e t r e s i n d i o s d e r a z ó n q u e le a c o m p a n e n . Y n i e n e s t a s
o c a s i o n e s n i e a t r e a n o , d u e r t n a n lo s i n d i o s g r a n d e s c o n l o s m u c h a c h o s , ni
e s t í ;n d e s p a c i o e n n u e s t r o s a p o s e n t o s ; e n q u e s e e x c u s a r á n h u r t i l l o s , e tc .
i V u c s t r a c o m i d a , e n e s t a v o t r a s s e m e j a n t e s l i e s t a s , n o e x c e d e r á á lo q u e
se s u e l e d a r e n los dias de P a s c u a en n u e s t r o s r e í e c i o r i o s .
»ló. E n l a a d m i n i s t r a c i ó n d e lo s S a c r a m e n t o s , s e o b s e r v a r á el R i t u a l
r o m a n o , c o m o lo i n a n d a la 9 . a C o n g r e g a c i ó n g e n e r a l , d e c r e t o 19, C a n on 2!í.
>17. X i n g u n o c a s e á p e r s o n a d e o t r a D o c t r i n a s i n t e n e r t e s t i m o n i o in
s c r i p t i s d e i C u r a d e e 1Ia.
» IS. L o s b a u t i z a d o s p o r a l g ú n i n d i o ó i n d i a , s e h a n d e r e b a u t i z a r s u b
c o n d :tio n e . Y h aya sie m p re en c a J a p ueblo dos ó tr e s viejos se n alad o s para
q u e e l l o s s o l o s s e a n p a d r i n o s e n los B a u t i s m o s .
«19. E n l a s C u a r e s m a s , s e t r o c a r á n los P a d r e s d e l a s D o c t r i n a s , p o r ­
q u e s u s f e l i g r e s e s se p u e d a n c o n f e s a r c o n m á s l i b e r t a d .
» J0. L o s c a s a m i e n t o s d e los i n d i o s , c o n i ú n m e n t e h a b l a n d o , n o se í i a r á n
h a s t a q u e lo s v a r o n e s t e n g a n d i e z y s i e t e a n o s y I a s h e m b r a s q u i n c e , si n o
h u b i o / e c o s a q u e o b lig u e á a n t i c i p a r el c a s a m i e r u o i juicio dei S u p e r io r .
» 2 l . H a y a a p a r te c e m e n te r io c e r c a d o y c e r r a d o , p a r a q u e se c o n s e rv e
l a i g l e s i a c o n la d e b i d a d e c e n c i a .
L o s c a n t o r e s en n i n g u n a D o c t r i n a p a s a r á n de c u a r e n t a ; y procú-
r e s e m i n o r a r este n ú m e ro , e s p e c ia lm e n te e n lo s p u e b io s p e q u e n o s. L o s
m o n a g u i l l o s no p a s a r á n de seis, de d ie z á q u i n c e a á o s ; y s e a n v irtu o s o s. ^
p a r a las fiestas, e tia m n iayores, b a s ta n estos se is. y no m á s .
T a i n b i é n s e r á n se i s y n o m á s l o s m u c h a c h o s q u e s i r v a n e n c a s a .
L o s c u a l e s t e n d r á n a p a r t e su d o r m i t o r i o ; y f u e r a d e é l n o d o r m i r á a l g u n o
d e l l o s . T e n d r á t a m b i é n c a d a u n o su h a m a c a d e p o r s i . Y t e n d r á n t o d a s l a s
n o c h e s v e la e n c e n d id a q u e p u e d a d u r a r h a s ta la m a n a n a . \ v isiteseles
a l g u n a s v e c e s d e s p u é s de a c o s t a d o s , s i n t e n o r d i a n i h o r a lijí , p o r q u e no
s e a s t g u r e n . Y p r o c ú r e s e q u e s i e m p r e t e n g a n q u e i i a c e r , c o m o t a m b i é n los
o l i c i a l e s d e c a s a ; y n o sc t e n g a e n e l l a i n d i o q u e n o s e a d e b u e n a s c o s t u m -
bres.
»2 1 . L o s q u e e s t á n e n l a s e s t â n c i a s v c h á c a r a s , a u n q u e e s t é n l e j o s ,
a c u d i r á n á o i r M i s a á su D o c t r i n a ò á l a m á s c e r c a r i a d e l a e s t a n c i a ; r e p a r -
t i é n d o s e d e m a n e r a , q u e a c u d a n u n o s d i a s los u n o s , y o l r o s d i a s los o t r o s .
»2 5. N o s e o b l i g u e á t r a b a j a r á lo s indios, a u n q u e s e a n d e p o ca e d a d ,
e n lo s d i a s q u e s o n d e liesta p a r a los espanoles. .
»26. L a s d a n z a s e n n i n g u n a l ie sta p a s a r á n d e c u a t r o ; v n o e n t r a r á n e n
e l l a s m u j e r e s , n i i n u c l i a c l i a s , ni v a r o n c s e n t r a j e d e m u j e r e s .
»27. L o s e n f e r m o s q u e h u b i e r e d e p e l i g r o se h a n d e v i s i t a r to d o s l o s
d i a s p o r a l g u n o d e los P a d r e s . V e n c a s a to dos los d i a s s e h a r á u n a b u e n a
o lla p a r a r e p a r t i r á los e n f e r m o s co n u n bu en pedazo da pan.
»2S. N o s e h a g a n p r e s e n t e s á p e r s o n a s d e f u e r a , c o m o p a r i e n t e s , a m i ­
g o s , e t c . , d e l o s g ê n e r o s q u e a ü q u i e r e n ó liacen los i n d i o s p a i a sí ú p a r a e l
c o m ú n d e s u s p u e b l o s . V ni e l S u p e r i o r ni el P r o v i n c i a l p e r m i l i r á n s e m e -
j a n t e s d á d i v a s , q u e p u e d e n o c a s i o n a r n u i r m u r a c i ó n <5 d e sei é d i t o de n u f s t r a s
D o ctrin as.
•29. L o s e n t i e r r o s d e lo s i a d i o s se h a g a n con s o l e m n i d n d , y e n d o p o r el
d if u n to á su c a s a , ó á a l g ú n sitio de la p laza a p a r e ja d o p a r a ello, po n ien d o
c u a t r o v e l a s e n c e u d i d a s a l r e d e d o r d e i í é r e t r o ; y d e n i n g u n a m a n e r a se
t r a i g a n á la p u e r t a de la ig le s ia . sino en caso de n e c e s i l a d , etc.
»o0. A l o s c a c i q u e s p r i n c i p a l e s n o se c a s t i g u e e n p ú b l i c o , y p r e c e d a n
a l g u n a s a m o n e s t a c i o n e s : á los c u a l e s se p r o c u r e m o s t r a r e s t i m a c i ó n , ho n-
r á n d o l o s c o n o n c io s , y e n el v estid o con a l g u n a s i n g u l a r i c a d m á s q u e sus
v a s a l l o s . \ á lo s C o r r . e g i d o r e s y A l c a l d e s , no se p o d r á c a s t i g a r sin l i c e n ­
c i a d e i S u p e r i o r . A los c u a l e s s in su o r d e n no se h a d e d e s p o j a r d e s u s of í­
c i o s : p r a e c i p u í c u a n d o e s l á n c o n r i r m a d o s p o r los G o b e r i a d o r e s .
»31. T e n g a c a d a R e d u c c i ó n u n l i b r o d o n d e se e s c r i b a n l o s O r d e n e s
g e n e r a l e s y p a r t i c u l a r e s ; y o t r o d o n d e se e s c r i b a n l a s a l h a j a s d e l a s s a c r i s -
t i a y c a s a ; y o t r o e n l a i g l e s i a d o n d e se a s t e n i e n c o n d i s t i n c i ó n lo s B a u t i s -
m o s . c a s a m i e n t o s v el c a t á l o g o d e los d i f u n to s .
»32. L a V i s i t a d e los O b i s p o s v V i s i t a d o r e s e n lo t o c a n t e á S a c r a m e n ­
to s , p i l a , c o í r a d í a s y c o s a s t o c a n t e s a l oficio d e C u r a s , n a d i e s e l a s p u e d e
q u i t a r , p o r s e r d e d e r e c h o - P e r o si q u i s i e r e n v i s i t a m o s J e v i u et m o n b u s , no
s e h a d e p e r m i t i r , s i n o e s t o r b a r l o c o n to do s los r e q u i r i m i e n i o s p o s i b l e s e n
v i r t u d d e n u e s t r o s p r i v i l é g i o s y C é d u l a d e S . M. P e r o si p e r s i s t i e s e n e n
p u b l i c a r e l a u t o c o n d i c h a s c i r c u n s t a n c i a s , Jc morifciis e; v i u . se a c o n s e j a r á
á n u e s t r o s i n d i o s q u e d e n i n g u n a m a n e r a le s d e n a v i o n i n g u n o p a r a p a s a r
a d e la n te en la V isita de n u e s tra s D octrinas
»33. A c e r c a d e l a p a g a d e lo s in d i o s , se o b s e r v e lo s i g u i e n t e : P o r la
i g l e s i a , p o r s u m p t u o s a q u e s e a . n o se d e b e p a g a r , p o r q u e s e d e b e h a c e r á
c o s t a s u y a , v n o d e i C u r a . T a m p o c o s e d e b e d e la c a s a d e i s a c e r d o t e ; p o r
g e n e r a l c o s t u m b r e de las ín d ia s p o r o r d e n a c ió n R e a l; y así no se p a g a r á .
C o m o n i t a m p o c o d c lo s v i a j e s q u e h a c e n los in d io s en p r o d e l a R e d u c c i ó n ,
p o r q u e t o d o lo m a n d a e l P a d r e h a c í e o d o la s v e c e s d e i C o r r e g i d o r y j u s t i -
c i a , q u e h a b í a d e m a n d a r a q u e l l o p a r a el b i e n c o m ú n . A u n q u e p a r a m a y o r
e d i l i c a c i ú n e s j u s t o q u e en, l a s t a l e s o b r a s se les d e a l g o Con q u e t e r i e r l o s
c o n te n to s ; y p r o c u r e n los P a d r e s no a c o s tu m b ra rlo s á p a g a r de a n le in a n o ,
n i h a c e r l o s t a n i n t e r e s a d o s q u e no se m e n e e n sin p a g a ; p o r q u e e s b i e n c r i a r -
l o s m á s p o l i t i c a m e n t e ; p u e s t o d o Io q u e t e n e m o s v t r a b a j a m o s e s p a r a e l l o s .
»34. C a d a s a c e r d o t e d i r á u n a M i s a c a d a m e s p o r e l R e y n u e s t r o S e i i o r .
c o m o ta n g r a n b e n e f a c to r d e n u e s tra s R educciones.
»3õ. N o s e p i d a l i m o s n a á lo s indios, c u a n d o v a n p o r v e r b a , p a r a o b r a
— 596 —

p ú b l i c a , a u n q u e s e a p a r a i g l e s i a , sin l i c e n c i a d e i S u p e r i o r , c o n q u i e n c o m u -
. — n i c a r á . . . e l C u r a l o q u e h a d e h a c e r . \ Ti l a r a p o c o s e p e d i r á c o s a á p e r s o n a
^ / d e f u e r a , n i á l o s P r o c u r a d o r e s y R e c t o r e s d e l o s c o l é g i o s ; n i se i n s i n u e
V* q u e h a y n e c e s id a d , sin e x p r e s a lic e n c ia d e i S u p e r i o r y c o a su firm a.
»36. L o s e j e r c i c i o s e s p i r i t u a l e s t e n g a n e l p r i m e r l u g a r , y s e a n t e p o n -
g a n â c u a lq u ie r a o tra ocupación tem poral. V p a ra q u e la lección e s p iritu a l
y e l R o s á r i o t e n g a n su l u g a r , no s e a b r a l a p u e r t a d e s p u é s d e r a e d i o d í a
h a s t a l a s d o s . Y p a r a q u e h a y a c o n c i e r t o e n l a d i s t r i b u c i ó n , el q u e c u i d a
de la D o c t r i n a to c a r á á l e v a n t a r v aco sta r, v el C o m p a n e r o á e n t r a r y s a l ir
d e o r a c i ó n , v e l e c o n t r a . Y los E j e r c i c i o s a n u a l e s s e t e n g a n d e R e s u r r e c -
ción á S e t i e m b r e ; p o r p a r e c e r este tiem po m á s a c o m o d a J o . L o s c u a le s E j e r ­
c ic io s se t e n d r á n e n la p ro p ia D o c trin a , ó c o n lic e n c ia d e i S u p e r i o r d o n d e
m ejor p a re c ie re .
»37. C ú i d e s e m u c h o d e la c l a u s u r a e n n u e s t r a s c a s a s , d e s u e r t e q u e s e
e c h e d e v e r q u e Io so n d e l a C o m p a n i a ; y n o é n t r e m u j e r n i n g u n a d e l a
. p u e r t a a d e n t r o ; ni se l e s d é á b e s a r l a m a n o ; ni n a d i e c a s t i g u e p o r s u p r o ­
p ia m a n o . n i a s i s t a o c u la r m e n te á c a s tig o de m u je r , ni e n el l u g a r d o n d e
se h a c e el c a s t i g o , p o r la in d e c e n c ia ; d á n d o s e á v e n e r a r y r e s p e t a r co m o
d i c e s u r e g i a : ’0>nnis se inte g riu tis et g r j v i t j t i s ex-jmplum pr.tebeJt.
>'33. H a y a e s p e c i a l v i g i l â n c i a e n q u e l o s C o n g r e g a n t e s d e N u e s t r a
■Seiiora y C a n t o r e s , q u e m á s i n m e J i a t a m e n t e s i r v e n a l a l t a r , v i v a n v i r ­
t u o s a y h o n e s t a m e n t e . Y si d i e r e n e s c â n d a l o , v c a s t i g a d o s y c o r r e g i d o s
a l g u n a s v e c e s n o s e e n m e n d a r e n , los e c h a r á n d e l a C o n g r e g a c i ó n ó M ú s i c a ;
sin q u e v u e l v a n á e lla sin o rd e n d ei S u p e r io r, q u e c o n n o ta b le e n m i e n d a ,
l a p o d r á d a r ; y si a c o n t e c i e r e q u e a l g ú n i n J i o M a e s t r o v a y a á a l g u n a
R e d u c c ió n n u e v a , sea d e conocida v irtu d , á e le cc ió n dei m ism o S u p e r i o r ;
y si d i e r e m a l e j e m p l o , lo v o l v e r á á su p u e b l o s i n a g u a r d a r m á s ) e l P a d r e
q u e c u id a d e la R e d u cció n .
Si a l g ú n in d io d ie r e e s c â n d a lo a o ta b ie en o tr a R e d u c c ió n , el q u e
l a t i e n e á s u c a r g o , c o n p a r e c e r d e su c o m p a ü e r o , l e p u e d e c a s t i g a r c o n -
f " rr.ie al d e lito , p a r a q u i t a r el e s c â n d a lo . P e r o no h a g a c a s tig o g r a v e , sin
c o n v e n i r e n é l a m b o s c o m p a í i e r o s ; y n o c o n v i n i c n d o . se r e c u r r i r á a l S u p e ­
rio r.
>40. N o h a y a m á s v a r a s d e J u s t i c i a q u e l a s q u e t i e n e n lo s C a b i l d o s
e s p a n o l e s ; y n o s e a n m u c h a c h o s los q u e se e l i i r e n ; v m u c h o m e n o s l o s fis­
ca le s de las m u jeres.
->41. A l o s n i n o s d e l a D o c t r i n a se l e s d é c j n í a c i l i d a d l i c e n c i a p a r a i r
co n su s p a d r e s á la s c h á c a ra s , en tie m p o de o .r p i c i ó n y d e la c o s e c h a de
mai.«. Y c u a n d o l l e g a r e n á e d a d d e d i e z y s e i s a n o s , y s a b c n l a D o c t r i n a ,
n o se l e s o b l i g a r á á q u e e n t r e n á e l l a m á s q u e s á b a d o y d o m i n g o . P e r o si
n o l a s a b e n , s e l e s o b l i g a r á á q u e e n t r e n t o d o s lo s d i a s .
»4'2. P o d r á h a b e r c u a t r o a s u e t o s e n e l a n o . d e t r e s á t r e ; m e s e s ; e n e l
c u a l p u c d e n l o s P a d r e s d e l a s D o c t r i n a s iná< i n m e d i a t a s s e i i . i l a r p u e s t o e n
el c a m i n o , ó j u n t a r s e en a lg u n a de la s c o r e a n a s ; p r e v in ie n d o s ie m p r e
c u a lq u ie r p e lig ro que pu ed a haber.
*>13. A l g u n a d i f e r e n c i a s u e l e h a b e r e n t r e l o s P a d r e s p o r c a u s a d e los
in d io s q u e h a b i t a n e n o tr a R e d u cció n , d e ja n d o la su y a . Y asi, p a r a q u e
h a y a t o d a c o n f o r m i d a d , se o b s e r v e lo s i g u i e n i e : S i e l m a r i d o v i v e e n u n a
p a r t e >: l a m u j e r e n o t r a ( p o r q u e s u e l e n d i v i d i r s e : , l a m u j e r d e b e i r d o n d e
— 597 —

e l m a r i d o t í e n e s u p r o p i a h a b i t a c i ó a , v los hijo s q u e t o d a v i a e s t á n d e b a j »
d e l a t u t e l a d e ^ s u s p a d r e s , h a n d e i r c o n ello s; y as í a q u e l l u g a r e s s u d o m i ­
c i l i o . M a s á l o s g e n t i l e s , s e l e s h a d e d e j a r i r á la R e d u c c i ó n q u e g u s t a r e n ,
a u n q u e l o s t r a i g a n l o s P a d r e s . P e r o á lo s i n d i o s a s e n t a d o s y a e n u n a p a r t e ,
h a b i e n d o t e n i d o u n a n o d e h a b i t a c i ó a e n e l l a , se p r o c u r e n c o n s e r v a r a l l i . V
c u a n d o se v a n á o t r a s R e d u c c io n e s ó pueblos, c o o p e r a r ã o los P a d r e s á q u e
v u elv an . . . .
»44. S i à n u e s t r a s R e d u c c i o n e s v i n i e r e n i n d i o s ó í n d i a s d e o t r a s ó d e
lo s p u e b l o s d e l o s e s p a n o l e s , se l e s p e r s u a d a q u e s e v u e l v a n á s u s t i e r r a s .
Y e n caso q u e se tju e d e a lg u n o ó a lg u n a , m u e s tre n lss P a d r e s g u sto q u e
lo s l l e v e n s u s D o c t r i n e r o s <5 e n c o m e n d e r o s .
*45. N i n g u n o e s c r i b a a l R e y ó C o n s e j o s c o n t r a O b i s p o s ó G o b e r n a d o -
r e s , n i c o n t r a a l g u n a o t r a p e r s o r a , sin e n v i a r l a s c a r : a s a l P r o v i n c i a l .
»46. E n l a s R e d u c c i o n e s n u e v a s d o n d e n o h a y c r i s t i a n o s , ó d o n d e h a y
pocos, n o b a y a c a s t i g o d e n i n g ú n g ê n e r o ; y disim uleii con p a c iê n c ia , por
n o h a c e r o d i o s a l a f e á e s t o s io f íe le s . Y e n las R e c u c c i o n e s a n t i g u a s , si
e s t ã n e n p r o v i n c i a d e i n f i e l e s , d o n d e s e e s p e r a su c o c v e r s i ó n , n o l i a v a c a s ­
t i g o s s i n d i r e c c i ó n d e i S u p e r i o r d e l a s R e d u c c i o n e s . V p r o c u r e n lo s X u e s -
tro s c u a n d o lo s h a y a , g a n a r n o m b re de p a d re s am orosos, te m p la n d o la j u s ­
ticia con l a m i s e r i c ó r d i a e n los ca s tig o s ordinários.
»47. L o s P a d r e s C o m p a n e r o s e s t á n y d e b e n e s t a : á la o b c d i e n c i a d e
los q u e c u i d a n p o r C u r a s de las D o c tr in a s , y tie n e n o b lig a c ió n d e o b e d e -
c e r l e s , sin h a b e r e n e s to i g u a ld a d , p ero no m a a d a r á a cosa con p r e c e p to .
M a s si e l C o m p a n e r o d i j e r e a l C u r a la p a l a b r a no quie-o, e s t á d e c l a r a d o
p o r c a s o r e s e r v a d o : p o r q u e X . P . G e n e r a l le s d a á los C u r a s lo m i s m o q u e
t i e n e n los M i n i s t r o s e n e s t e p a r t i c u l a r .
»4S. E l b e n e f i c i o d e l a y e r b a se a c a b a r á p o r to do el m e s d e A b r i l , p o r
l o s d a n o s q u e o c a s i o n a n los f r i o s á los in d io s. '
»49. G u á r d e s e e l C a t e c i s m o L i m e n s e a p r o b a d o p o r el S í n o d o d e i P a r a -
guay.
*50. X o v a y a n l o s i n d i o s á h a c e r c o n t r a t o s c o n los i n l i e l e s s i n e x p r í s a
lic e n c ia d e i P . S u p e r i o r .
» 5 l . E l p r e c i o d e l o s c a b a l l o s q u e se c o m p r a r , á lo s i n f i e l e s s e r á á
peso por c a b e z a , d e s p u é s d e in v ern ad o s.
*52. E l p r e c i o d g l e g u m b r e s s e a : M a i z , t r e s p eso s f a n e g a : y to do
g ê n e r o d e C u m a n d á s , á c u a t r o p e s o s . D e i r i g o , se p o d r á n s o c o r r e r a.{ invi-
cem d a n d o v e i n t e h a n e g a s d e l i m o s n a . Y si p a s a r e J e i h i l a n e c e s i d a J , s e
c o n c e r t a r ã n e n la p a g a , á juicio dei S u p e rio r.
»53. L o s c a s t i g o s d e l o s i n d i o s se a s i g n e n d e i m odo s i g u i e n t e . P o r el
n e f a n d o y b e s t i a l i d a d , s i e n d o b i e n p r o b a d o el d e lito , t r e s m e s e s d e e n c e -
r r a m i e a t o , s i n s a l i r m á s q u e á M i s a ; y e n dicho s t r e s m e s e s s e l e s d e n
c u a t r o v u e l t a s d e a z o t e s d e á v e i n t e y c i n c o p o r c a d a vez: y e s t a r á to d o
e s t e t i e m p o c o n g r i l l o s . E l q u e d i e r e y e r b a s v e n e n o s a s y p o l v o s , si a l
p a c i e n t e s e l e s i g u i e s e l a m u e r t e , s e r á p u e s t o e n c.ircel p e r p e t u a c o m o el
q u e c o m e t i ó h o m i c í d i o . P e r o si n o se le s i g u i e r e la m t i í r t e , I l e v a r á la p e n a
a r r i b a d i c h a . E n l o s d e m á s d e l i t o s d e i n c e s t o s , as í d e c o n s a n g u i n i d a d , y d e
e n te n a d o s c o n m a d r a s t r a s y su e g ra s , etc., y aborto procu ra d o , se les e n c e ­
r r a r á p o r t i e m p o d e d o s m e s e s, en grillo s , y en este tie m p o se les d a i án
t r e s v u e l t a s d e a z o t e s . Y n u n c a se p a s a r á d e c s i e nvip.’. e r o . \ á l o s q u e
ANEXO 16

Instrução para “Afervorizar” o Ministério dos índios - do


Padre Aquaviva (1603)
ItlQ:!— P . A q u a v i v a — l n s l r i i c c i ò n p a r a a f e r v o r i z a r e n el m i n i s t é r i o
(le l o s i n d i o s ^
456

«In s t r c c c ió n pa r a quk se a tie n d a CON M.\3 calor a l M '. \ I S TE R IO d e


I.OS I.VOIOS-»
« S u p u e s t o q u e e l lin p r i n c i p a l cie Ia m i s i ó n á e s a s p a r t e s es p a r a el
e m p l e o d e l o s i n d io s, v q u e la n e c e s i d a d g r a n d e d e s e r a y u d a d o s d e los
N u e s t r o s e s m a y o r c a d a d i a , n o s lia p a r e c i d o q u e d e b e m o s d e n u e v o a c o r ­
d a r v e n c a r g a r s e r i a m e n t e lo q u e d i v e r s a s v e c e s h e m o s o r d e n a d o .
» 1 . P r i m e r a m e n t e , e n c o m e n d a m o s m u c h o á l^ s S u p e r i o r e s q u e a l i e n -
t e n y f a v o r e z c a n e s t e m i n i s t é r i o , j u n t á n d o s e a l g u n a s v e c e s a l a n o , as: el
P r o v i n c i a l c o n s u s C o n s u l t o r e s , c o m o lo s R e c t o r e s c o n lo s s u y o s , p a r a c o n ­
f e r i r c ò m o s e a v i v a r á m á s e l t r a t o d e los i n d i o s , v d e los m é d i o s p a r a a y u -
d a r l e s e n I a s c o s a s e s p i r i t u a l e s , y ã q u é p a r t e s se p o d r á n h a c e r M i s i o n e s ,
s e n a l a n d o p e r s o n a s d e m u c h a s a t i s f a c c i ó n , y q u e a t i e n d a n A la e d i l i c a c i ó n
y p o b r e z a q u e se d e b e e j e r c i t a r e n e l l a s , c u a n t o la s a l u d d i e r e l u g a r .
37. — O b c a . y i i a c i ò » so :i» i. dk l a s d o ciü i.sm j

»'£. P r o c u r e n los S u p e r i o r e s l l e v a r a d e l a n t e el s o c o r r e r á los indios e n


s u s n e c e s i d a d e s , h a c i é n d o l e s d a r y d á n d o l e s l i m o s n a c a d a d i a á lo s q u e l u e -
r e n p o b r e s , c o n f o r m e á la p osibilidad de l a R e s i d e n c i a ó c o lé g io ; y c u a n d o
el q u e e s t u v ie r e e n f e r m o e n v ia r e á p e d ir c o n f e s o r ( u ltr a de q u e e n a c u d irle
l u e g o p a r a e s t o n u n c a se h a de f a l t a r ) s e r á b i e n a v i s a r a l S u p e r i o r si el
t a l e n f e r m o t u v i e r e f te c e sid a d : y j u n t a m e n t e d e c i r a l e n f e r m o q u e e n v i e a l
c o l é g i o <5 r e s i d e n c i a q u i é n le U e v e a l g u n a l i m o s n a ó r e g a l o .
«3. A d v i e r t a n a s i m i s m o q u e c u a n d o l o s N u e s t r o s r e s p o n d i e r e n á c a s o s
d e c o n c i e n c i a , v a y a n c o n el r e s g u a r d o q u e n o r e s u l t e p e r j u i c i o d e i b i e n
e s p i r i t u a l ó t e m p o r a l d e los in d i o s c u a n t o f u e r e p o s i b l e . V l o s p r e d i c a d o -
r e s d e los e s p a ú o l e s ( q u e n o d e b r í a n s e r m á s d e u n o e n c a d a c o l é g i o ,
e i c e p t o el d e L i m a , c o m o t e n e m o s o r d e n a d o ) d e c u a n d o e n c u a n d o e n los
s e r m o n e s l e s d e n a l g ú n r e c u e r d o , c o n p r u d ê n c i a , si>bre l o s m a i o s t r a t a ­
r a . e n t o s y a g r a v i o s q u e se h a c e n á los i n d i o s , p a r a e v i t a d o s y r e m e d i a d o s .
» l . T e n e m o s d i v e r s a s v e c e s o r d e n a d o q u e n i n g u n o d e lo s X X . se
o r d e n e d e s a c e r d o te sin q u e p r im e ro s e p a b i e n Ia l e n g u a : y p a r a f a c ilita r
e s t o , q u e e n t i e m p o d e la t e r c e r a p r o b a c i ó n t e n g a n t i e m p o s e n a l a d o p a r a
e l l o : y q u e si a c a s o p o r no p e r d e r i a o c a s i ó n d e o r d e n a r s e , f u e r a n e c e s a r i o
s e o r d e n e n a n t e s d e s a b e r i a , q u e n o se o c u p e n e n m i n i s t é r i o s h a s t a s a b e r i a
b i e n . V o l v i e n d o á e n c a r g a r d e n u e v o e s t o á V . R . p a r a q u e s e e j e c u t e co n
t o d a e x a c c i ú n , a f i a d o q u e los q u e e s t u v i e r e n e n 3 a p r o b a c i ó n , y t a m b i é n
los e s t u d i a n t e s e n el tiem po de sus estú d io s, p a r a q u e no o lv id e n la l e n g u a
l o s q u e l a s u p i e r e n , p r e d i q u e n e n e l l a e n el r e l i t o r i o .
»5. H a b i e n d o t a m b i é n o r d e n a d o q u e t o d o s l o s X X . , ei: l u g a r d e lo s t r e s
a n o s q u e l e e n l a t i u e n E u r o p a a n t e s J e o c u p a r s e e n o t r o s m i n i s t é r i o s , se
e j e r c i t e n e n e s t e d e los in d io s, y q u e a s i m i s m o e m p l c í n e n e l l o s á to d o s
le s X X . q u e v a n d e E u r o p a , q u e c o n el f e r v o r d e l a v o c a c i ó n q u e d e s t o l l e v a n
s e a p l i q u e n c o n m;ls f a c i l i d a d : a n a d o a h o r a , p a r a q u e e s t o s e o b s e r v e ,
q u e si e n a l g ú n c a s o r a r o e l P r o v i n c i a l j u z g a r e s e r n e c e s a r i u d i s p e n s a r e n
este o r d e n . nos avise lu eg o d e l a p erso n a co n q u ie n d ispenso. y por qué
c a u s a ; y u l t r a d esto. de aqui a d e la n te . c u a n d o se n o s p r o p u s ie r e a lg u n o
p a r a la p r o f c s i i m ó g r a d o f irm e, n o se n o s p r o p o n g a a c t e s d e s a b e r l a len -
g u a , ó s e n o s a d v i e r t a d e la c a u s a p o r q u e n'> l a a p r e n d i ' } , p a r a q u e d e a c á
s<: o r d e n e , c o m o lo l i a r e m o s , q u e n o se e j e c u t e s u p r o m o c i ó n h a s '.a h a b e l l a
a p r e n d i d o b i e n , d e m a n e r a q u e n o sólo p u e d a n c o n t e s a r . s i n o c a t e q u i z a r .
»ó. P o r q u e e l e j e m p l o d e los S u p e r i o r e s a n i m e á l o s d e m á s á a p l i ­
c a r s e á u n m i n i s t é r i o t a n i m p o r t a n t e c o m o e s t e : p r o c u r e n r.o s ó l o n o n e r la
d i l i g e n c i a q u e p u d ie r e n en q ue se p an la l e n g u a lo s d e ;n á s q u e e s tá n
á su c a r g o , m a s ta m b ié n ellos a p r e n d a n a l g u n a , p :ira p o d e r i a e j e r c i t a r
a l g u n a v e z , c u a n d o las o c u p a c io n e s ío r z o s a s d e su olieio le s d i e r e n lu g a r ,
h a b l a n d o t a m b i é n e s : o co n el P r o v i n c i a l y s u c o m p a n e r o , e n c u a n t o le s
f u e r e p o s ib le ; a d v irtié n d o le .s q u e s e r á b ie n q u e p o r lo m e n o s la m ita d de
l o s C o n s u l t o r e s d e i P r o v i n c i a l y R e c t o r e s , s e a n o b r e r o s a n t i g u o s d e los
i n d i o s . V c u a n d o e l P r o c u r a d o r q u e f u e r e e l e g i d o p a r a R o m a n o r u e r e de
l o s o b r e r o s d e i n d i o s , el c o m p a n e r o q u e t r a j e m e s b i e n q u e lo s e a . p a r a
q u e a s í n o s d é p l e r . a n o t i c i a d e lo q u e c u é s t r . p a r t e d e m i n i s t é r i o s de
i n d i o s s e e j e c u t a : y p a r a q u e p o r t o d a s v i a s le a l e n t e m o s y f a v o r e z e a m o s :
p u e s co n él se s ir v e ta n to á D ios n u e s tro S e iio r . V p o r s e r n e g o c io d e tan ta
i m p o r t a n c i a , q u e t a n t a s v e c e s le h e m o s e n c o m e n d a d o , e n c a r g o c o n to d a s
v e r a s á l o s C o n s u l t o r e s , a s i d e i P r o v i n c i a l , c o m o d e los S u p e r i o r e s l o c a l e s ,
q u e h a g a n e n e s t o s u oficio, a c o r d á n d o s e l o m u c h a s v e c e s , y a v i s á n d o n o s
s i e m p r e c ó m o e s t o s e h a c e , c o n q u é e i a c c i o n se o b s e r v a , y si h a y f a l t a
ó d escu id o .» t
ANEXO 17

Modo de Estabelecer Residências em Missões - do Padre


Aquaviva (1604)
1604—P. A q u a v i v a —M o d o de e s t a b l e c e r r e s i d e n c i a s d e M i s i o n e s

[ P a r a el B rasil: com unicado en esta c o p i a á F i l i p i n a s : y l u e g o 1 .1


Paraguay].
.«1. B i e n d e b e V'. R . J e e n t e n d e r c u á n s o líc ito s n os t e n d r á n l a s c o s a s
458
d e e s a V i c e p r o v i n c i a , e n q u e X u e s t r o S e n o r se s i r v e t a n t o c o n t a n p o ca
c o n s o la c ió n h u m a n a , y con ta n ta s u e rte d e peligros, v c u á n d eseo so s e s ta ­
r e m o s d e p o n e r s u s c o s a s e n e s t a d o q u e lo s h ijos d e l a C o m p a n i a q u e
a t i e n d e n a l p r ó j i m o lo h a g a n c o n m a y o r f r u t o y c o c s u e l o , p u e s c o n t a n t o
f e r v o r d e e s p í r i t u s e p r i v a r o n d e lo q u e s a n t a m e n t e e n o t r a s p a r t e s p u d i e -
r a n t e n e r ' p a r a q u e la C o m p a n ia , c o n s e rv a n d o siem pre su b u e n no m b re,
c r e z c a e n m e r e c i m i e n t o s p a r a con D io s y su Iglesia, á cu y o s e rv ic io está
consagrada.
y2. P o r lo q u e o t r a s v e c e s o r d e n a m o s e n e s a V i c e p r o v i n c i a l o q u e e i
l a s d e m á s t r a n s m a r i n a s , q u e se p u s i e s e n , e n l a s r e s i d e n c i a s y a l d e a s e n q u e
n o p ú d i é s e m o s d e j a r d e e s t a r , los m á s q u e s e p u d i e s e d e l o s NN’ .: y q u e
e s t o s s e r e t i r a s e n d e t i e m p o e n t i e m p o á los c o l é g i o s , p a r a r e s t a u r o y c o n -
suelo dei e s p íritu ,
»3. A l p r e s e n t e d e l i b e r a n d o c o n o t r a s o c a s i o r . e s s o b r e e s t a m a t é r i a ,
y e n c o m e n d á n d o l o m u c h o á D i o s n u e s t r o S e n o r e n t i e m p o q u e c o n lo s
P a d r e s A s i s t e n t e s n o s r e t i r a m o s d o s m e s e s á c o n s id e r a r m á s d e e s p a c io las
c o s a s d e la C o m p a n i a , m e p a r c c i ó e n e l S e n o r o r J e n . i r d e n u e v o lo q u e
d ir é , p a r a q u e d e n u e s t r a p a r te no f a lte m o s á cosa q u e p u ed a s e r d e a lg ú n
s e r v i c i o d e n u e s t r a m í n i m a C o m p a n i a , c o n s e rv a c ió n y c o n s u e lo d e sus
h i j o s . Y á V . R . t o c a r á c o n e f e c t o , y l u e g o , e j e c u t a r l o , c o m o le e n c a r g a -
m o s q u e lo h a g a , a v i s á n d o n o s c o n e l p r i m e r o [ c o rr e o ] m e n u d a m e n t e d e
c u a n t o e n e s t a p a r t e h a b r á h e c h o , e n t e n d i e n d o qu-e n os s e r á d e g r a n c o n ­
s o la c ió n s a b e r q u e h a v e n c id o la s d i ü c u l t a d e s , q u e no d u d a m o s se o f re c e -
r á n , y e s p e ra m o s en la d iv in a B o n d a d q u e el fru:o c o m p e n s a rá al tra b a jo .
»4. E n c a d a a l d e a y r e s i d e n c i a h a y a u n S u p e r i o r d e lo s N’ N.: y é s t e
no s c a el q u e e i p r o f e s o a t i e n d a á los in d io s, s in o otro q u e m ire p o r la d is c i­
p l i n a r e lig io s a , y c ú m o so n a y u d a d o s los c ristia n o s .
>5. U l t r a d e l o s S u p e r i o r e s d e c a d a a l d e a y r e s i d e n c i a . p o n g a V . R . u n
S u p e r i n t e n d e n t e , q u e no h a g a o tr a cosa q u e v isitar de co n tin u o y d i l i g e n ­
te m e n t e las a l d e a s y re s id e n c ia s m ás d i s t a n t e s de donde e s tu v ie re el V icc-
provincial.
»6 . E l o f ic io d e i d i c h o S u p e r i n t e n d e n t e s e r á , c o m o d i c h o e s , a n d a r e n
p e r p e t u a v i s i t a y i n s p e c c i ú n d e l a s a l d e a s , a s i e n lo q u e t o c a á lo s X X . , c o m o
-580-

e n l a c o n v e r s i ó n y c o n s e r v a c i ó n d e lo s i n d i o s y a c o n v e r t i d o s , m i r a n d o c ó m o
s e g u a r d a n Ias ó r d e n e s , r e g ia s y d is c ip lin a r e l i g i o s a : y q u e no s e a n o f e n ­
d id a s a q u e l l a s p la n ta s n u ev as, c u a n to f u e re p o s ib le , c o n ta n c o n tin u a s injus-
t i c i a s : p r e v i n i e n d o los m a l e s y t r a b a j o s c o n o r a c i ó n , v i g i l a n c i a v p r u d ê n ­
c ia r e l i g io s a , s i e n J o ellos la r e g i a v iv a de la r e l i g i ó n q u e los X X . h a n d e
o b s e r v a r , f u e ra de la c la u s u ra y o r d e n de los c o l é g i o s y c a s a s.
»7. L o s S u p e r i o r e s d e l a s a l d e a s y r e s i d e n c i a s s e r á n e n t o d o s u j e t o s
á e s te S u p e r i n te n d e n t e como á su in m e d ia to S u p e r i o r ; no los p o d r á p e r o
m u d a r , ni p o n e r el S u p e r i n t e n d e n t e s i n o r d e n d e i Y i c e p r o v i n c i a l , s a l v o e n
c a s o u r g e n t e , y e n tiem po q u e no se p u d ies e r e c u r r i r al Y i c e p r o v i n c i a l :
y e n t o n e e s con c o n s u lta dei R e c to r dei c o lé g io y sus C o n s u l t o r e s . P e r o
los d e m á s s ú b d ito s e s p a rc id o s p o r sus r e s i d e n c i a s , los p o d r á m u d a r d e u n a
á o t r a , y a u n e n v ia r lo s al co lég io y p e d ir o tr o s e n su l u g a r .
»S. E s c r i b i r á e l S u p e r i n t e n d e n t e a l Y i c e p r o v i n c i a l c o m o e s c r i b e n lo s
R e c t o r e s d e los c o l é g i o s : y t a n t o m á s m e n u d a m e n t e , c u a n t o m á s a p a r t a d a s
e s té n las r e sid e n c ia s , y con m ás n e c e s i d a d y tr a b a jo se g o b ie r n e n , y c u a n to
m e n o s v e c e s p o d rá r i s i t a r la s y c o n s o l a r el P . Y i c e p r o v i n c i a l , los q u e e n
e l l a s v i v i e r e n : y e l d i c h o S u p e r i n t e n d e n t e , c u a n d o e l Y i c e p r o v i n c i a l Ue-
g a r e a l c o l é g i o , le v e n d r á á d a r c u e n t a d e s u s c o s a s y d e los d e m á s n e g o -
c io s y p e r s o n a s q u e e n ellas hay.
»9. P a r a e s t o s ofícios, q u e n o t e n e m o s p o r d e m e n o r , a n t e s d e m á s
i m p o r í a n c i a q u e e l g o b i e r n o d e los c o l é g i o s , s e r á n a p r o p ó s i t o c o m ú n m e n t e
los q u e a c a b a n o tr o s g o b ie r n o s de R e c t o r e s ó Y i c e p r o v i n c i a l a s , á los c u a le s
V . R . y s u s s u c e s o r e s d a r á lo s d e m á s a v i s o s y ó r d e n e s q u e p a r a b i e n d e
l a s a l m a s j u z g a r e s e r n e c e s a r i o s , i n f o r m á n d o l o s m u y b i e n d e lo q u e l e s
c o n v i n i e r e , p á r a h a c e r oficio d e t a n t a i m p o r t a n c i a . ’
ANEXO 18

Discurso I do Cacique Atiguaye


460

DIS C U R S O DO C A C I Q U E A T IG U A Y E

Verdaderamente, quién no comprende que esta barbaridad es


indigna de un cristiano? Será tal vez una gran honra, poder robar
impunemente, y un abominable crimen esta ley que profesamos? Os
aseguro si yo hubiera estado presente, cuando os apresaron
vuestros cuerpos hechos pedazos colgarían en los vecinos árboles
(como bien merecido castigo por vuestro atrevimiento, para no
decir: por vuestra impiedad) para terrible escarmiento de otros. Con
qué autoridad y poder osáis cometer en país ajeno semejantes
crímenes, inauditos entre nosotros los cristianos? En nuestro país,
entre nuestros limites y casas será permitido esto a vosotros?
Supongamos, si tal cosa se hiciera por nosotros en Europa contra
los vuestros, cómo pudieráis soportar esto? qué pensarías, que
diríais, que pestes echaríais? qué preparativos bélicos no harías,
qué expediciones militares contra nosotros?

Seguramente, no hemos merecido tal tratamiento, viviendo


como vivimos tranqu ila men te en nuestros ranchos, y en paz en
nuestros campos para que podáis perturbar esta paz e invadir como
ladrones nuestras pacíficas aldeas y despoblar toda esta región,
llevando por fuerza a todos, separando al padre de sus hijos,
cruelmente, embaucando a los ingênuos, vejando, maltratando y
matando á los que resisten. Sois devastadores y no soldados. Os
llamáis sin razón con el glorioso nombre de cristiano manchándolo
indecorosamente con vuestros crímenes. Vosotros, los famosos
seguidores de Cristo queréis echarnos en cara nuestras malas
costumbres ( taKvez menos malas que las vuestras), diciendo que
no somos cristianos, que no creemos en Dios, que no sabemos nada
de Él, que somos semejantes a los brutos, y qué más, y por qué y
para qué? Tal vez por los crímenes y por las malas costumbres?
Supongamos que sea así. Pero, y vosotros? Sois vosotros tal
vez verdaderos cristianos, creéis vosotros realmente en Cristo? No
lo creo. Es una farsa llamaros con un nombre tan grande, fieras
sois, y más que fieras, locos rematados, malhechores consumados.
Esto es lo que pienso yo y debo pensar de vosotros y así tengo que
denominaros públicamente. Hay que fijarse sólo un poco vuestro
modo de vivir; tenéis que examinar sólo un poco vuestra conciencia,
y comprenderéis que tengo razón. Toda la vida andáis por las selvas
como fieras, vagáis por los campos semejantes a ellas, sin
sacerdote, viviendo no como cristianos sino como salvajes, no
oyendo nunca la palabra de Dios. Y vuestras obras? Estas consisten
en robos, asaltos, fraudes, enganos, crueldades; y no se hasta con
esto, sino venís por acá para perturbar nuestra paz, y mientras que
nosotros por nuestros sacerdotes disfrutamos de bienestar, de que
carecéis vosotros por vuestra detestable corrupción y codicia,
mientras oímos docilmente la palabra de Dios y nos acostumbramos
a vivir cristianamente, vosotros venís llenos de crímenes a vejarnos
y pe rturbamos. Nó, de ninguna manera, no sois cristianos, ni creéis
en Dios, sino sois unos perversos criminales, indignos de llevar su
ilustre y glorioso nombre. 1

1 Q U I N T A C A R T A Â N U A D O P E . D I E G O D E T O R R E S . D E A B R I L D E 1 6 1 4 , in : M C A 1 , p . 3 1 0 - 3 1 2 .
ANEXO 19

Discurso II do Cacique Atiguaye


463
DIS C URSO DO C A C I Q U E A T IG U A Y E

Foram os demônios que nos trouxeram estes homens, pois


querem, com novas doutrinas, privar-nos do que é antigo e do bom
modo de viver de nossos antepassados. Tiveram estes muitas
mulheres, muitas criadas e liberdade em escolhê-las a seu bel-
prazer, sendo que agora pretendem que nos liguemos a uma só
mulher. Não é justo que isso continue assim, mas impõe-se que os
desterremos de nossas terras ou que lhes tiremos as vid as.(...)

Vós não sois sacerdotes enviados de Deus para nosso


remédio (e bem)! Sois, pelo contrário, demônios do inferno,
mandados de seu príncipe para a nossa perdição! Que espécie de
doutrina é esta que nos trouxestes? Qual o descanso (a paz) e o
contentamento? Nossos maiores viveram com liberdade, tendo para
seu bem as mulheres que queriam, sem que ninguém nisso
estorvasse, com as quais viveram e passaram os seus dias com
alegria. Vós, no entanto, quereis destruir as suas tradições e impor-
nos uma carga tão pesada, como é a de atar-nos com uma
mulher.(...)
J

Já não se pode agüentar a liberdade dos que, em nossas


próprias terras, querem levar-nos a viver segundo sua ruim maneira
de vida!(...)

Irmãos e filhos meus, já não mais é tempo de sofrermos


tantos males e calamidades, como nos vêm através dos que
chamamos padres. Encerram-nos eles numa casa - dir-se-ia igreja -
e ali nos falam e dizem o contrário do que fizeram e nos ensinaram
os nossos antepassados. Tiveram eles muitas mulheres, sendo que
estes (padres) nô-las tiram e querem que apenas nos contentemos
com uma. Isto não nos fica bem. Busquemos pois o remédio de tais
males!(...)

Não é tempo de cartas, (...) mas de que honremos o modo de


vida dos nossos antepassados e de que acabemos já com estes
padres, e gozemos de nossas mulheres e de nossa libe rdad e.2

2 MONTOYA, op. cit., p. 58,60.


ANEXO 20

Discurso I do Cacique Patyravá


15.
DISCURSO DE POTYRAVÁ, CACIQUE PRINCIPAL, ARTICULANDO O 466
ASSASSINATO DE ROQUE GONZÁLEZ E COMPANHEIROS.

1628

Já não sinto minha ofensa nem a tua; sinto somente a que esta gente
adventícia faz a nosso ser antigo e aos costumes que herdamos de nossos pais.
Porventura foi outro o patrimônio que nos deixaram senão nossa liberdade? A
mesma natureza que nos eximiu da imposição de servidão alheia não nos tom ou
livres ainda de viver ligados a um local por mais que o eleja nossa escolha
voluntária? Não têm sido até agora comum habitação nossa tudo o que rodeiam
esses montes, sem que adquirisse posse em nós mais o vale que a selva?
Portanto, por que consentes que nosso exemplo sujeite nossos índios e, o
que é pior, nossos sucessores, a este dissimulado cativeiro de reduções de que
nos desobrigou a natureza? Não temes que estes que se chamam Faares
dissimulem com esse título sua ambição e façam logo escravos vis aos que
chamam agora de filhos queridos? Porventura faltam exemplos no Paraguai de
quem são os espanhóis, dos estragos que fizeram em nós, cevados mais neles do
que em sua utilidade? Pois nossa humildade não corrigiu sua soberba, nem nossa
obediência a sua ambição: porque esta nação procura igualmente sua riqueza e
as misérias alheias.
Quem duvida de que os que nos introduzem agora deidades não conhecidas,
amanhã, com o secreto império que dá o magistério dos homens, não introduzam
novas leis ou nos vendam infamemente, onde um intolerável cativeiro será o
castigo de nossa incredulidade? Estes que agora com tanta ânsia procuram
despojar-te das mulheres de que gozas, por qual outro lucro tentariam tão
desavergonhada presunção, senão pelo desejo da presa que farão ao mesmo
tempo em que te tiram? O que querem eles, se não as quiseram para seu capricho,
em te impedir de sustentares tão numerosa família?
E principalmente, não sentes o ultraje de tua deidade e que com uma lei
estrangeira e horrível derroguem as que recebemos de nossos antepassados; e
que pelos vãos ritos cristãos se deixem os de nossos oráculos divinos e pela
adoração de um madeiro as de nossas verdadeiras deidades? O que é isso? A
nossa paterna verdade há de vencer assim uma mentira estrangeira? Este agravo
a todos nos toca; mas em ti será o golpe mais severo: e se não o desvias agora
com a morte destes aleivosos tiranos, foijarás as prisões de ferro de tua própria
tolerância.
fonte impressa: BLANCO, Historia documentada, pág. 525s.
ANEXO 21

Discurso II do Cacique Patyravá


DIS CURS O DO C A C I Q U E P O T Y R A V Á

Vejo que se vai perdendo a liberdade antiga de se andar por


vales e selvas! É porque 'estes sacerdotes estrangeiros nos
amontoam em povoados. Isto não se faz em nosso bem, mas para
que ouçamos uma doutrina tão oposta aos ritos e costumes de
nossos antepassados. E tu, Neçú, se abres os olhos, hás de notar
que começas já a perder a reverência devida a teu nome! Porque,
se os tigres e as feras desses bosques te estão sujeitos, fazendo
coisas incríveis em tua defesa, amanhã te verás sujeito - como já o
vês em outros - à voz daqueles homens adventícios. As mulheres de
que gozas à nossa usança e que te amam, amanhã vê-las-ás que te
aborrecem, sendo feitas mulheres de teus próprios escravos. Diante
disso, que ânimo poderá haver tão forte, que sofra tal afronta?

Volve os olhos por todos esses povos, em que o pouco juízo


de seus moradores fez fincarem o pé esses pobres homens, e verás
diminuído seu poder! Já deixaram de ser homens e agora são
mulheres à vontade estrangeira. Se esta mal não se atalha aqui e tu
te rendes, então verás toda essa gente que mora neste lugar até o
oceano, a despeito teu e por tua desonra, sujeita a eles. E tu, que
és o verdadeiro deus dos ventos, te verás miserável e abatido. Tem
tudo isso um remédio fácil, se aplicares teu poder em tirar a vida a
esses po bretões.3

3 MONTOYA, op. cit., p. 197-198.

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