Você está na página 1de 25

MÚLTIPLOS USOS DE ESPÉCIES VEGETAIS PELA

FARMACOLOGIA GUARANI ATRAVÉS DE


INFORMAÇÕES HISTÓRICAS*

Francisco Silva Noelli **

Resumo. A pesquisa histórica pode desempenhar um importante papel no


desenvolvimento de estudos de etnofarmacologia, ampliando a capacidade de
coleta de dados sobre as plantas empregadas como remédios, bem como os
métodos curativos e os seus significados. Também amplia a capacidade de
compreensão sincrônica e diacrônica dos contextos em que essas plantas eram
utilizadas, indo além das perspectivas atemporais da abordagem etnográfica.
Apresentamos neste trabalho o exemplo de uma pesquisa feita na imensa
documentação histórica sobre os guarani, apresentando informações sobre 151
espécies vegetais.
Palavras-chave. Etnofarmacologia; pesquisa histórica; guarani.

MULTIPLE USES OF VEGETAL SPECIES IN GUARANI


PHARMACOLOGY THROUGH HISTORICAL INFORMATION

ABSTRACT. Historical research can perform an important role in the


development of ethnopharmacological studies expanding the collecting capacity of
data about plants used as medicine, their treatment methods and meanings. It also
broadens the synchronic and diachronic comprehension capacity of the contexts in
which these plants are used, going beyond the atemporal perspectives of the
ethnographic approach. This work reports a research carried out with a bulky
historical documentation on the Guarani people offering information on 151
vegetal species.
Key words: ethnopharmacology, historical research, Guarani.

Why then should we not regard the still existent traditional medical
knowledge, rather than natural products in general, as the basis for drug
development ? The idea that the information resulting from centuries of
experience by peoples in various parts of the world might lead to
*
Trabalho apresentado no I Simpósio de Etnobiologia e Etnoecologia. Universidade
Estadual de Feira de Santana, Bahia. 1996
* *
DFE/UEM - Doutorando em Ciências Sociais/UNICAMP.
178 Francisco Silva Noelli

discoveries of new drugs can only be evaluated if properly tested. The


question is, therefore, what and how should it be tested" (Elisabetsky,
1990:113-4).

A etnofarmacologia de populações indígenas e caboclas do Brasil e


países vizinhos vem sendo significativamente desenvolvida nas últimas
duas décadas, revelando e difundindo os mais diversificados princípios
ativos extraídos da rica flora da América do Sul. Esta disciplina que alia
farmacologia, botânica, química, toxicologia e antropologia, entre outras,
vem evidenciando práticas curativas, bem como o uso de plantas
sistematicamente testadas ao longo dos tempos, que podem ser colocadas à
disposição da população mundial (Elisabetsky, 1987; 1990).
Um dos aspectos importantes da etnofarmacologia é revelar os
processos curativos práticos e simbólicos das diversas populações que estão
fora do meio e da linguagem científica das Instituições de Pesquisa. O
destaque dado aos diversificados métodos tradicionais de tratamento
preventivo e curativo dos povos indígenas e caboclos vem permitindo a
descoberta de novas substâncias desconhecidas pela farmacologia ocidental.
Este fato tem contribuído para o estabelecimento de tratamentos novos e/ou
alternativos para algumas doenças, embora vários pesquisadores
destacados, como Schultes & Hofmann (1993), considerem que ainda “há
muitíssimo” por fazer, destacando a coleta de informações básicas como o
centro das atenções para a continuidade das pesquisas.
Outro fator, que pode ser destacado, diz respeito à relação entre o
conhecimento botânico e os ambientes onde as populações tradicionais
residem, pois, além de limites sociais e econômicos, a maioria dos povos
indígenas e caboclos estabelecem uma série de limites mágico-religiosos
em seus territórios, envolvendo diretamente as plantas medicinais e os
processos curativos (Reichel-Dolmatoff, 1981). Indiretamente, na medida
em que se pode mapear os locais onde são coletadas e/ou manejadas as
plantas usadas na cura das moléstias, a etnofarmacologia é um poderoso
revelador do uso dos territórios e das delimitações de fronteiras, bem como
das noções materiais e simbólicas que os povos estudados possuem de seus
domínios. Isso poderá contribuir para avançar, como é comum na
atualidade, bem além dos limites da pesquisa científica, nas demandas de
demarcação de áreas indígenas e de outras minorias étnicas que vivem no
Brasil e outros países.
Em casos como este, a pesquisa histórica pode ser uma maneira de
se alcançar informações úteis à etnofarmacologia e às questões de saúde-

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 179

doença de povos indígenas e caboclos do Brasil, pois há um imenso


conjunto de fontes escritas acumuladas desde o século XVI. Essas fontes
tratam, muitas vezes, de povos já extintos pelo processo de colonização,
bem como de populações que vivem até o presente. Tanto o historiador
quanto o etnofarmacólogo devem estar atentos ao potencial da
documentação histórica sobre o que hoje se chama Brasil, que abriga um
rico acervo de inusitadas informações, como as que estão arroladas abaixo.
Embora o tema deste trabalho não trate de um objeto convencional no
Brasil, pode contribuir para o estudo de diversos problemas clássicos de
historiografia relacionados com a “história da cultura”, assim como com
problemas de farmacologia e medicina, constituindo o que Burke (1978)
chama de “forma oblíqua” de obter acesso à História das classes populares
e, no caso deste trabalho, de povos ágrafos.
Este trabalho procura contribuir para o esforço dos
etnofarmacologistas, apresentando, como parte de um conjunto maior de
informações históricas sistematicamente coletadas em extensa bibliografia
(Melià et al., 1987, 1995), uma lista de plantas medicinais e seus múltiplos
usos dos povos falantes da língua Guarani que ocuparam uma imensa
porção da Bacia Platina.
É um estudo que procura mostrar o potencial para a realização de
futuras pesquisas etnofarmacológicas, tanto para testar o que está sendo
apresentado como para obter outros dados etnográficos entre os Guarani
dispersos atualmente no Brasil e países vizinhos. Embora este trabalho não
tenha o perfil metodológico exigido pela pesquisa etnofarmacológica, pois
não apresenta todo o processo de coleta das plantas, exsicata, confecção e
aplicação dos remédios, pretende chamar a atenção para o conhecimento
botânico e farmacológico dos Guarani contido em fontes documentais.
Todavia, para alargar o leque de informações sobre drogas vegetais e
terapias, tanto no caso Guarani como no de outros povos, a pesquisa
histórica das fontes documentais publicadas ou depositadas em arquivos é
um meio tão eficiente quanto os empreendidos pelos etnofarmacólogos que
atuam entre os povos indígenas da Amazônia na atualidade. A análise
sistemática das fontes, como se poderá ver abaixo, revelou uma quantidade
significativa de drogas vegetais usadas na elaboração de remédios. Neste
caso, as informações históricas podem servir como ponto de partida para
estudos farmacológicos, já que resgatam valiosos dados compilados no
passado e que estariam fadados ao esquecimento, caso fosse desconsiderada
a pesquisa histórica.
As informações deste trabalho foram levantadas em diversas fontes
que, geralmente, descreveram as plantas e suas finalidades; no entanto, não

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


180 Francisco Silva Noelli

detalharam os processos de preparação e aplicação das drogas vegetais:


Bonpland ([1850] 1978), Köenigswald (1908), Fiebrig-Gertz (1923),
Strelnikov (1928), Schuster (1929), Bertoni (1927, 1940), Müller (1928,
1989), Storni (1944), Miraglia (1941, 1975), Cadogan (1943, 1955, 1973),
Crovetto (1968), Arenas & Moreno-Azorero (1976), Melià, Grünberg &
Grünberg (1976), Garcia (1979, 1985), Gatti ([1955] 1985), Perasso (1992).
Dentre estes autores, destacamos a obra de Gatti (1985), que além
de ser a mais extensa e completa contribuição, sintetiza elementos
botânicos, farmacológicos e medicinais encontrados nas publicações sobre
os Guarani, anteriores a 1954, sendo a referência principal deste trabalho
(cf. Noelli, 1998). Os autores do período posterior a 1954 não modificaram
ou ampliaram o que Gatti estabeleceu, mas introduziram estudos sobre os
aspectos simbólicos envolvidos. Dentre estes, destacam-se Arenas &
Moreno-Azorero (1976), que estudaram a eficácia de algumas drogas
abortivas, contraceptivas e fertilizantes, e Garcia (1979, 1985) que analisou
aspectos cognitivos da nomenclatura e do sistema classificatório de espécies
vegetais e da flora em geral.
As 151 espécies empregadas com fins terapêuticos, listadas abaixo,
são uma amostragem de um inventário de mais de 800, coletadas no
Paraguai, Mato Grosso do Sul, Argentina e Rio Grande do Sul. Essas
espécies pertencem a 69 famílias e 134 gêneros, sendo majoritárias as
nativas da América do Sul (há algumas originárias de outros continentes,
que foram introduzidas desde o início da colonização européia).

Resultados Obtidos

Esta amostragem evidenciou 37 finalidades terapêuticas (tabela 1) e


37 funções complementares (tabela 2), divididas entre as tradicionais e as
desenvolvidas especificamente a partir do impacto das doenças
disseminadas pelos europeus a partir do início do século XVI. A lista de
terapias, indiretamente, mostra que os Guarani tiveram que pesquisar para
criar novas fórmulas medicinais contra as moléstias introduzidas pelos
europeus, tal como as doenças venéreas, tuberculose, gripe, varíola,
sarampo, entre outras. Apesar de já existirem pesquisas sobre percepção,
conhecimento e terapias de alguns povos sul-americanos em relação às
"doenças de branco" (p. ex.: Gallois, 1991; Langdon, 1991, 1994; Conklin,
1994), ainda não sabemos especificamente como os guarani combatem e
representam as moléstias que evoluíram fora do continente americano, na
África, Ásia e Europa.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 181

Apenas 3 entre as 37 funções terapêuticas foram praticadas com


uma única planta, revelando que os Guarani, sempre que possível, somavam
várias plantas para combater as moléstias que lhes afligiam. Por outro lado,
algumas terapias podiam ser praticadas com até 37 plantas distintas,
isoladas ou conjuntamente, como as de função diurética. Outras funções
eram cumpridas por até 25 plantas (adstringentes), 23 (anti-reumáticas), 20
(antiinflamatórias), 19 (purgantes, tônicas), 17 (vermífugas), 16
(antidiarreicas), 14 (emolientes), 13 (emenagogas, estomáquicas), 12
(antitérmicas, expectorantes), 11 (cicatrizantes, diaforéticas). Encontramos
ainda 15 terapias feitas com 5 plantas; 12 terapias com 2 plantas; 8 terapias
com 6 plantas; 7 terapias com 4 plantas; 7 terapias com 3 plantas; 2 terapias
com 7 plantas; 1 terapia com 9 plantas e 1 terapia com 8 plantas.
É importante destacar que a maioria das plantas tinham mais de
uma função terapêutica. Entre as plantas amostradas, constatamos que entre
as 151 espécies, 30 possuíam 1 função terapêutica; 41 tinham 2 funções
terapêuticas; 32 tinham 3 funções terapêuticas; 15 tinham 4 funções
terapêuticas; 10 possuíam 5 funções terapêuticas; 12 tinham 6 funções
terapêuticas; 4 apresentavam 7 funções terapêuticas; 1 possuía 9 funções
terapêuticas; 4 tinham 10 funções terapêuticas; 1 apresentava 13 funções
terapêuticas; 1 possuía 15 funções terapêuticas.
Foram incluídos na lista de funções terapêuticas, 4 empregos não
relacionados com o tratamento de doenças (ictiotóxicas, inseticidas,
larvicidas, tóxicas), para dar alguns exemplos do conhecimento e de outros
usos dessas espécies. Além dessas 4 funções, existem outras que não serão
mencionadas em detalhe, embora comprovem os múltiplos usos que os
guarani destinavam às plantas que conheciam, tais como matéria-prima para
confeccionar diversos objetos de cultura material, lenha e alimentação.

Tabela 1 – Levantamento do número de espécies por função terapêutica

FUNÇÃO TERAPÊUTICA NÚMERO DE ESPÉCIES


01 ADSTRINGENTE 25
02 AFRODISÍACA 11
03 ANALGÉSICA 05
04 ANTIAPOPLÉTICA 01
05 ANTIANÊMICA 02
06 ANTIASMÁTICA 05
07 ANTICEFÁLICA 04
08 ANTICONCEPCIONAL 02

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


182 Francisco Silva Noelli

09 ANTICONVULSIVA 02
10 ANTIDIARREICA 16
11 ANTIDISENTÉRICA 06
12 ANTIDISPNÉICA 02
13 ANTIESCORBÚTICA 04
14 ANTIESPASMÓDICA 06
15 ANTIFURUNCULOSE 02
16 ANTI-HEMORROIDÁRIA 05
17 ANTI-HISTÉRICA 04
18 ANTIICTÉRICA 03
19 ANTIINFLAMATÓRIA 20
20 ANTIOFÍDICA 03
21 ANTILEUCORREICA 04
22 ANTIPALÚDICA 04
23 ANTIPEDICULOSE 05
23 ANTI-REUMÁTICA 23
24 ANTI-SÁRNICA 02
25 ANTI-SÉPTICA 05
26 ANTITÉRMICA 12
ANTIÚLCERA 05
27 BÉQUICA 03
28 CARDIOTÔNICA 02
29 CARMINATIVA 02
30 CICATRIZANTE 11
31 COLAGOGA 01
32 CONTRA ANGINAS 03
33 CONTRA INFLAMAÇÕES 02
UTERINAS
34 CONTRA EPISTASES 01
35 CONTRA HIDROPSIA 03
36 OFTÁLMICA 05
37 OTÁLGICA 05

Tabela 2. Levantamento de funções complementares:

01 ABORTIVA 08
02 ANTIOFÍDICA 03

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 183

03 AROMÁTICA 09
04 BALSÂMICA 05
05 CAPILAR 06
06 DEPURATIVA 05
07 DESCONGESTIONANTE 03
08 DIAFORÉTICA 11
09 DIURÉTICA 37
10 EDULCORANTE 02
12 EMENAGOGA 13
13 EMÉTICA 07
14 EMOLIENTE 14
15 ESTIMULANTE 05
16 ESTOMÁQUICA 13
17 EXCITANTE 04
18 EXPECTORANTE 12
19 GALACTAGOGA 01
20 GARGAREJO 07
21 HEMOSTÁTICA 09
22 HEPATOPROTETORA 01
23 INSETICIDA 05
24 LARVICIDA 01
25 LAXANTE 06
26 MUCILAGINOSA 05
27 NARCÓTICA 03
28 ODONTOLÓGICA 06
29 PURGANTE 19
30 REJUVENESCEDORA 01
31 RUBEFACIENTE 01
32 SEDATIVA 06
33 SIALAGOGA 01
34 TENÍFUGA 02
35 TÔNICA 19
36 TÓXICA 10
37 VERMÍFUGA 17

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


184 Francisco Silva Noelli

CÓDIGOS DE FUNÇÃO DAS DROGAS VEGETAIS

FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA


GUARANI
AMARANTHECEAE Alternanthera sp Ka'aponga Depurativa (raiz) diurética, emoliente,
estomáquica
Amaranthus sp Ka'aruru Cicatrizante, diurética, emoliente,
mucilaginosa
Celosia argentea Ka'aruru Antidiarreica (semente), antiescorbútica,
kariaco vermífuga
AMARYLLIDACEAE Bomarea edulis Karamboroty Diaforética (raiz), diurética
ANACARDIACEAE Astronium balansae Urunde'y para Adstringente (casca), expectorante
Schinus molle Aguara yva Otálgica (seiva), adstringente, antidiarreica,
antiinflamatória, anti-reumática, balsâmica,
cicatrizante, antiúlcera, emenagoga, tônica
Schinus terebinthi-folius Aguara yva Otálgica (seiva), adstringente, antidiarreica,
antiinflamatória, anti-reumática, balsâmica,
cicatrizante, antiúlcera, emenagoga, tônica
APOCYNACEAE Thevetia neriifolia Aguairo Antiinflamatória (casca), emética, purgante,
antiespasmódica
ANNONACEAE Annona cacans Aratiku Anti-reumática (folha), emoliente (fruto)

APOCYNACEAE Allamanda cattarctica Akapochi, Purgante (seiva), tóxica, antipediculose, anti-


Yvapo, sárnica
Yvapoca
AQUIFOLIACEAE Ilex dumosa Ka'achiri Purgante (folha)
Ilex paraguariensis Ka'a Estimulante (folha), estomáquica, tônica

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 185
Ilex theezans Ka'arã Estimulante (folha), estomáquica, tônica

FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA


GUARANI
ARACEAE Anthurium sp ? Tóxica
Philodendron Guembe'y Purgante (raiz), hemostática, vermífuga
bipinnatifidum
Pistia stratiotes
Ka'ape, Antiescorbútica (folha)
Guaimi rova
ARISTOLOCHIACEAE Aristolochia brasiliensis Ype aka Abortiva

Aristolochia triangularis Ysypo cati Antiofídica, anti-reumática, cardiotônica,


paye diurética, emenagoga, tóxica
ASCLEPIADACEAE Asclepias curassavica Ka'a marãta'y Adstringente (raiz), antiasmática, anti-
diarreica, anti-histérica
BASELLACEAE Boussingaultia Ka'a rurupi Adstringente (caule), contra inflamações
baseloides uterinas
BEGONIACEAE Begonia sp Ka'a ja'i Antiinflamatória, antitérmica, diurética

BIGNONIACEAE Anemopaegma sp Ava katu Afrodisíaca, antiinflamatória, estimulante,


tônica
Bignonia sp Mbarakaja Antidiarreica (casca), anti-reumática,
piape antitérmica
BORAGINACEAE Heliotropium indicum Aguara ponda Antifurunculose, anti-histérica, antiinfla-
matória, contra anginas, decongestionante,
odontológica
CACTACEAE Pereskia aculeata Mori Adstringente (casca)

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


186 Francisco Silva Noelli

Rhipsalis lumbricoides Ka'a Sedativa


amamba'e

FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA


GUARANI
CAESALPINIOIDEAE Bauhinia forficata Ysypo atã Curativa de úlceras
Cassia occidentalis Taperiva Antiespasmódica, vermífuga
Parkinsonia aculeata ? Antitérmica (casca, folha, seiva)
Peltophorum dubium Yvyra pytã Antiinflamatória (casca), contra anginas,
contra epistases
CARICACEAE Jacaratia dodecaphylla Jacarati'a Vermífuga (caule)
CANNACEAE Canna edulis Achirã Diaforética, diurética
Canna glauca Mbery sayju Diurétia (caule), gargarejo (seiva)
CAPPARIDACEAE Capparis sp Yvyra pororo Antiespasmódica, antiictérico, contra hidro-
pisia, emenagoga, rubefaciente
CELASTRACEAE Maytenus ilicifolia Aka Adstringente, analgésico, anti-séptica,
cicatrizante, curativa de úlceras, tônica
CHENOPODIACEAE Chenopodium Ka'aare Emenagoga, tônica, vermífuga
ambrosioides
COFFEOIDAE Chiococca brachiata Ysypo kurusu Antiasmática, diaforética, diurética, emena-
goga, purgante
COMPOSITAE Acanthospermum Tapekue Anti-séptica, aromática, antileucorréico,
australe diaforético, diurético, gargarejo
Achyrocline Jate'y ka'a Antiespasmódica (caule), antiinflamatória,
satureioides emenagoga

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 187
Acicarpha tribuloides ? Antidiarreica (raiz), expectorante, diaforética,
mucilaginosa, tônica

Anthemis sp Ñambi ka'a Anti-reumática, cicatrizante, inseticida


Baccharis sp Yaguarete Afrodisíaca, anticefalálgica, anti-térmica,
ka'a diurética, estomáquica, tônica
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
Bidens pilosus Ñuati unã Estimulante (raiz), mucilaginosa, odon-
tológica, vermífuga, antidisentérica, sialagoga
Eclypta sp Tangara ka'a Antiasmática, antiofídica, anti-reumática
Erechtites hieracifolia Ka'apeuguai Antipalúdica (raiz)
Erigeron sp Mbu'y Oftálmica (broto), cicatrizante
Grindelia Ka'ape ysy Emenagoga, estomáquica, excitante
scorzonerifolia
Hypochaeris sp Ka'a pe Antiescorbútica (folha), antipalúdica (raiz)
Matricaria chamomilla Ñambi ka'a Inseticida (flor), anti-reumática, cicatrizante
Mikania sp Ysypo kati Aromática (folha), tônica
Moquinia polymorpha Ka'a marã Antiasmática (folha), antiinflamatória,
guasu, expectorante
Pterocaulon sp ? Adstringente, anticefalálgica, béquica,
diurética, inseticida
Pulchea sp Yacare ka'a Antiictérico, carminativa
Solidago chilensis Mbu'y Oftálmica (broto), diurética (folha, flor),
cicatrizante
Solidago microglossa Ñuatipe, Estomáquica, laxante
Ka'aratipe

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


188 Francisco Silva Noelli

Stevia sp Ka'a je'e Edulcorante, estomáquica


Tagetes sp Suico Diurética, vermífuga
Tanasetum vulgare Ka'a jupe Aromática, tóxica
Xanthium cavanillesii ? Emoliente, purgante
CONVOLVULACEAE Ipomoea batatas Jety Emoliente (folha), gargarejo
Cuscuta sp Yguarã Adstringente, antidiarreica, antiinflamatória,
haimbe depurativa, diurética, emoliente, estomáquica,
expectorante, gargarejo, hepática
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
CRASSULACEAE ? (epífita) Jatevura Antidispnéica, expectorante
CRUCIFERAE Lepidium bonariense Ka'apetãi Antiescorbútica (folha), diurética,
expectorante, tônica
CUCURBITACEAE Cayaponia sp Kario Antiasmática, antidiarreica, antiinflamatória,
diurética, purgante, tônica
Cucurbita maxima Kurapepe Emoliente (folha), tenífuga (semente), vermí-
fuga, estomáquica (seiva), antiinflamatória,
antitérmica
Cucurbita moschata Andai Emoliente (folha, flor), antitérmica (raiz),
tenífuga (semente)
Lagenaria sp I'a, Jy'a Purgante (fruto), antifurunculose (folha),
antiinflamatória, diurética (seiva), anti-
séptica (casca)
Mormodica charantia Andaimi Anti-reumática (folha), antileucorreica,
purgante
CYPERACEAE Cyperus rotundus Kure piri'i Antidisentérica, balsâmica

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 189
Cyperus sesquiflorus Kapi'ikati Analgésica (folha), carminativa (folha,
caule), antileucorréica, diaforética, excitante,
purgante, vermífuga
Aspidium sp Karagura Hemostática
moroti
DIOSCOREACEAE Dioscorea sp Karachiju, Abortiva, contra hidropsia, oftálmica,
Kara emenagoga
EQUISETACEAE Equisetum giganteum Aguaracha'i Abortiva, emenagoga
ruguai
ERYTHROXYLACEAE Erythroxylum sp Ypandu Purgante
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
EUPHORBIACEAE Euphorbia sp ? Purgante
Jatropha curcas Kuri Purgante (semente), depurativa (raiz),
jyva,Turuvi rejuvenescedora, aromática
Ricinus communis Mbay syvo Anti-histérica (folha), analgésica (seiva),
anticefálica
Sapium Kurupica'y Tóxica
haematospermum guasu
GENTIANACEAE Limnanthemum Aguaperã Antitérmica, estomáquica, tônica, vermífuga
humboldtianum
GRAMINEAE Andropogon sp Aguara ruguai Adstringente (raiz), antidiarreica,
antiinflamatória
Chusquea sp Takuarembo, Anticoncepcional (broto)

Cynodon sp Kapi'ipepo'i Diurética, laxante


Gynerium saggittatum Ju'yva Diurética (raiz), antialopética, edulcorante

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


190 Francisco Silva Noelli

Luziola sp Kapi'ipo'y Emoliente (seiva)


Panicum sp Kapi'ikyra Antiinflamatória (folha), inseticida,
anticonvulsivo, antidiarreica, antidisentérica,
diurética
FLACOURTIACEAE Casearia sylvestris Avati tymba- Anti-reumática, anti-sárnica, antitérmica,
vy, Guaimi re- cicatrizante
yepe'a
GUTTIFERAE Hypericum connatum Ka'avotory Abortiva (flor), analgésica, contra anginas
HALORRHAGACEAE Myriophyllum Ka'aruru juky Adstringente, contra resfriados, expectorante
brasiliense
LABIATAE Mentha piperita Ka'akati antiictérico (flor, folha), anti-reumática
Mentha pulegium Ka'akati antiictérico (flor, folha), anti-reumática
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
LAURACEAE Ocotea sp Aju'y Adstringente (casca), tônica (raiz)
LEGUMINOSAE Calopogonium sericeum Kumanda Vermífuga
guyra
Inga sp Inga analgésica, odontológica
Enterolobium Timbo Descongestionante, ictiotóxica, larvicida,
contortisiliquum vermífuga
Parapiptadenia rigida Kurupa'yrã Adstringente (casca), hemostática (folha),
expectorante (seiva), antidiarreica, antiséptica
LILIACENAE Aloe arborescens Karaguatane Abortiva (folha), purgante
Smilax sp Yvapeca Diurética
LONGANIACEAE Buddleia brasiliensis Yagua pety anti-histérica (folha, flor), béquica,
moroti diaforética, sedativa (flor), tóxica
Strychnos brasiliensis Ju'yrary Antitérmica (casca)

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 191
MALVACEAE Abutilon molle Ka'aruruti Antipediculose (folha), capilar
Abutilon pauciflorum Ka'aruruti Antipediculose (folha), capilar
Abutilon umbeliflorum Ka'aruruti Antipediculose (folha), capilar
Abutilon sp Ka'aruruti Antipediculose (folha), capilar
Gossypium sp Mandyju Emética (folha), abortiva (raiz), contra
inflamações, emenagoga
Sida rhombifolia Typychaju Béquica, descongestionante, emoliente,
expectorante, gargarejo, laxante,
mucilaginosa
MELIACEAE Cabralea cangerana Kayarana Abortiva (raiz), contra hidropsia, emética,
narcótica, purgante, tóxica, antitérmica
(folha)
Trichilia elegans Ka'avove'i Adstringente (casca), anti-reumática,
inseticida, purgante, tônica
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
MENISPERMACEAE Cissampelus sp Mbarakaja Antidiarreica, anti-reumática
ñambi
MORACEAE Cecropia catharinensis Amba'y Adstringente (folha, broto), antidiarreica,
antidisentérica, antidispnéica, cardiotônica
(folha), antileucorreica, diurética,
expectorante, hemostática
Chlorophora tinctoria Tatayiva Antiictérica (casca)
Dorstenia brasiliensis Ka'arapi'a anti-séptica (caule), diaforética, diurética,
emenagoga, emética, purgante, tônica
Tarope Antianêmica, antidiarreica, antidisentérica,
anti-reumática, estimulante, laxante
Ficus sp Guapo'y Antianêmica (seiva), antiictérica, vermífuga

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


192 Francisco Silva Noelli

MYRTACEAE Psidium guajava Mburucuya, Adstringente (folha), antidiarreica


Arasa
NYCTAGINACEAE Pisonia aculeata Jagua pinda Purgante (raiz), antiofídica (semente, folha)
OENOTHERACEAE Oenothera mollissima Yvoty ka'aru Adstringente, cicatrizante
PAPILIONACEAE Myrocarpus frondosus Angua'y Aromática (semente), excitante (semente,
kavure'y, folha), expectorante
Yvyra paye
PIPERACEAE Piper sp Tuja renipi'a Adstringente (folha, raiz), tônica, diurética
(fruto), odontológica, aromática
PHYTOLACACEAE Petiveria alliacea Mikure ka'a Diurética (raiz), anti-reumática, vermífuga
Phytolacca dioica Umbu Emética (casca, raiz), purgante
Seguieria sp Yvyra yvy diurética (folha)
PLANTAGINACEAE Plantago australis Ka'ajuky Diurética (folha, raiz), adstringente, gargarejo
Plantago tomentosa Ka'ajuky diurética (folha, raiz), adstringente, gargarejo
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
POLYPODINACEAE Polypodium Anguya Adstringente, antidiarreica, antidisentérica,
vaccinifolium ruguai antiinflamatória, aromática
PONTEDERIACEAE Eichhornia azurea Aguape Antiinflamatória (flor)
Eichhornia crassipes Aguape Antipalúdica, antitérmica, balsâmica,
puru'a estomáquica, expectorante, hemostática
PORTULACACEAE Portulaca oleracea Ka'aruru kyra Diurética (folha, caule), galactagoga,
mucilaginosa, vermífuga
POLYGONACEAE Muehlenbeckia sp Juapeka pytã Antiinflamatória, colagoga, diurética
RANUNCULACEAE Clematis dioica Tuja rendyva Otálgica (folha, raiz), adstringente, narcótica,
tóxica
ROSACEAE Rubus brasiliensis Ñambu'i Diurética (folha, raiz), laxante

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 193
RUBIACEAE Borreria verticillata Ype ka'acoene Emética
Bulbostylis capillares ? Anti-reumática
Randia armata Ñuati kurusu Cicatrizante
RUTACEAE Esenbeckia grandiflora Apoytaguara Antitérmica
Fagara hiemalis Tembetary Excitante (casca), oftálmica (folha, raiz),
pytã otálgica, antipalúdica, diaforética
Ruta graveolens ? Abortiva, antiespasmódica, emenagoga,
emoliente, estomáquica, hemostática
SANTALACEA Jodina rhombifolia ? Contra resfriados, estomáquica
SAPINDACEAE Cardiospermum Ysypo Laxante (fruto), anti-reumática (raiz), capilar,
grandiflorum kamambu, diaforética, diurética, emética, emoliente,
Kamambu expectorante, depurativa (semente), sedativa,
antiinflamatória, antiictérica, estimulante,
narcótica, otálgica
Serjania sp Ysypo timbo Ictiotóxica, tóxica
FAMÍLIA ESPÉCIE NOME ATIVIDADE BIOLÓGICA
GUARANI
SCROPHULARICACE Scoparia dulcis Typycha Aromática, emoliente, tônica
AE kuratu
SOLANACEAE Cestrum sp Kokeri Anticefálica (folha, fruto), anti-inflamatória,
curativa de úlceras
Physalis alkekengi Kamambu Sedativa (semente), diurética, odontológica
Solanum fastigiatum Arachichu Adstringente folha), anticonvulsiva, anti-
reumática, emoliente, sedativa, tóxica
Solanum paniculatum Ju'i moneja Sedativa (fruto)
TILIACEAE Luehea divaricata Yvatinguy, Hemostática (casca)
Ka'a oveti

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


194 Francisco Silva Noelli

Triumfetta semitriloba Ju'achima Adstringente(folha, raiz), diurética


TURNERACEAE Turnera diffusa Ava katu ka'a Afrodisíaca
Turnera ulmiflora Ava katu ka'a Afrodisíaca
Turnera pumileoides Ava katu ka'a Afrodisíaca
Turnera weddeliana Ava katu ka'a Afrodisíaca
ULMACEAE Trema micrantha Inga moroti Odontológica (fruto)
Kurundi'y Adstringente (casca)
URTICACEAE Boehmeria sp Ka'aporopirã Anti-histérica (folha), aromática, oftálmica,
diurética (seiva), balsâmica (flor), depurativa
(raiz), hemostática
Parietaria debilis Ka'apiky Diurética

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 195

Conclusão

As informações e os resultados apresentados, apesar de serem


bibliográficos e não terem neste trabalho a sistemática das metodologias de
manipulação em voga, mostram que os guarani, podem oportunizar
importantes contribuições à etnofarmacologia e à farmacologia,
representando para a pesquisa histórica representa um importante meio de
acesso às informações dispersas em milhares de páginas de publicações e
documentos guardados em arquivos. Por outro lado, estes dados poderão
servir a análises comparativas com outros falantes das línguas da família
Tupi-guarani (TG) e do tronco Tupi que estão sendo estudados (Balée,
1994), bem como falantes de línguas não-Tupi, para verificar a difusão de
espécies vegetais e práticas curativas no leste da América do Sul.
A constatação de que a maioria das espécies tinham mais de uma
função é um fator relevante, a exemplo do que já é conhecido entre a
maioria dos povos estudados a partir da pesquisa etnobiologia, dando
mostra do conhecimento botânico e da farmacologia Guarani. Em outra
pesquisa (Noelli, 1993), foi possível constatar que muitas dessas espécies
tinham empregos dissociados de funções curativas, ampliando ainda mais o
caráter multifuncional de cada planta (drogas vegetais, matéria-prima para
elaboração de objetos variados, lenha, alimentação, enfeites). Considerando
a antigüidade da ocupação Guarani no sul do Brasil, que pode ultrapassar a
2.000 (Noelli, 1996), mais o período utilizado para a expansão territorial
desde sua região de origem no sudoeste da Amazônia meridional, é
provável que os guarani dominem parte considerável da sua
etnofarmacologia há mais de 3.000 anos. A chave para confirmar essa
hipótese está na pesquisa de lingüística comparada das relações entre as
línguas TG, destacando a necessidade de se estudar a sistemática botânica
das espécies vegetais e das drogas, relacionando-as às questões de saúde-
doença, bem como o estudo comparado de práticas curativas, rituais
xamanísticos e das cosmologias Tupi ligadas à essas questões.
O estudo da etnofarmacologia guarani tem uma relação
interdependente com o ambiente, especialmente se considerarmos que os
guarani ocuparam continuamente, durante 2000 anos, em algumas regiões,
um vasto espaço entre o norte de Corumbá e Buenos Aires (Brochado,
1984). Assim, diante das estratégias de manejo ambiental e da manutenção
in natura da sua farmácia, podemos considerar que os guarani transportaram
uma parte considerável de suas plantas, bem como deviam ir pesquisando

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


196 Francisco Silva Noelli

as existentes nos novos territórios que foram sendo ocupados ao sul da


Amazônia. Este processo paulatino de manejo deve ter contribuído para a
dispersão e aquisição de muitas espécies, enriquecendo a biodiversidade das
regiões ocupadas. Com o genocídio pós-contato e com o abandono das
áreas manejadas no meio da floresta, é possível que parte dessas plantas
medicinais tenham-se mantido sem o cuidado humano e que parte tenha
desaparecido na sucessão vegetacional ou no desmatamento causado pelos
europeus e seus descendentes colonizadores do que hoje chamamos Brasil,
Paraguai, Argentina.
Por outro lado, a existência de diversas plantas com funções
terapêuticas contra doenças, introduzidas pelos europeus na América do Sul
após 1500 (p. ex.: gripe, varíola, sarampo, malária, tifo, febre amarela,
doenças venéreas, tuberculose, cf. Cook, 1998; Cook & Lovell, 1992),
comprova que os guarani possuíam um corpus estruturado e dinâmico de
procedimentos sistemáticos para estudar a eficácia de cada planta. Em parte
significativa dos casos, eles não conseguiram remédios que eliminassem
definitivamente as novas enfermidades, apenas minoravam o seu efeito.
Temos, como exemplo, as plantas usadas para reduzir os efeitos da malária,
outra doença introduzida na América pelos europeus, da família
Compositae (Erechtite hieracifolia e Hypochaeris sp.). Se considerarmos
que o esforço de séculos da ciência ocidental para eliminar parte dessas
mesmas doenças só começou a ter resultados significativos nos últimos
150-100 anos (Sournia & Ruffie, 1986, Kiple ed., 1995), os Guarani não
ficaram em desvantagem "científica", pois pesquisaram por muito menos
tempo. É importante lembrar que os Guarani tiveram que desenvolver essas
drogas medicinais sob uma pressão incomensurável, devido à continuidade
de guerras, epidemias, perseguições, desterritorialização e destruição
ambiental.

Agradecimentos: Este trabalho, em boa parte, é devido à


organização inicial feita pela Profa. Beatriz Landa sobre as incontáveis
informações (obtidas entre 1987 e 1992). As informações botânicas foram
definidas e atualizadas com apoio dos Profs. Bruno Irgang, do
Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e
Rodrigo Garcia. Seu formato é devido à Iriana Tanaka, que contribuiu para
que o texto ficasse mais fácil de ser lido. Por fim, vários aspectos do
conteúdo foram melhorados e corrigidos com a leitura crítica do Prof. Dr.
João Carlos Palazzo Mello, do Departamento de Farmácia da Universidade
Estadual de Maringá.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 197

Bibliografia

ARENAS, Pastor & MORENO-AZORERO, R. Plantas utilizadas como


abortivas, contraceptivas, esterilizantes y fecundizantes por los
indígenas del Paraguay. Revista de la Sociedad Cientifica del
Paraguay, n. 16, v. 1-2:3-19. Asunción. 1976.
BALÉE, William. Footprints in the forest. New York: Columbia University
Press. 1994.
BERTONI, Moisés. Diccionário Botánico Latino-Guaraní y Guaraní-
Latino. Asunción: Editorial Guaraní. 1940.
BERTONI, Moisés. La civilización Guarani. Parte III: Etnografia.
Conocimientos. La higiene Guarani y su importancia científica y
práctica. La medicina Guarani. Puerto Bertoni: Ex Sylvis. 1927.
BONPLAND, Aimé. Journal voyage de Sn. Borja a la Cierra y a Porto
Alegre. Porto Alegre/Paris: Instituto de Biociências-UFRGS/CNRS.
1978.
BROCHADO, José P. An ecological model of the spread of pottery and
agriculture into Eastern South America. Urbana-Champaign, Univ.
of Illinois. (PhD Thesis). 1984.
BURKE, Peter. Popular culture in early Modern Europe. Cambridge:
Cambridge University Press. 1978.
CADOGAN, León. Breve contribuición al estudio de la nomenclatura
Guarani en botánica. Asunción: Ministério de Agricultura y
Ganadería/Servício Técnico Interamericano de Cooperación
Agrícola. 1955
CADOGAN, León. Cuadro estadígrafo de las maderas utiles del Paraguay.
Revista de la Sociedad Científica del Paraguay, Asunción: n. 6, v. 2,
1947.
CADOGAN, León. Ta-ngy puku. Aportes a la etnobotánica Guarani de
algunas espécies arbóreas del Paraguay oriental. Suplemento
Antropológico de la Revista del Ateneo Paraguayo, Asunción: n. 7,
v. 1-2:7-59, 1973.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


198 Francisco Silva Noelli

CONKLIN, Beth A. O sistema médico Wari (Pakaanóva). In: Ricardo V.


Santos & Carlos E. A. Coimbra Jr. (Orgs.). Saúde e povos indígenas.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994.
COOK, Noble D. & LOVELL, W. George. Unraveling the web of disease.
In: COOK, Noble D. & LOVELL, W. George (Eds.). “Secret
judgments of God”. Old World disease in colonial spanish America.
Norman, University of Oklahoma Press. 1992..
COOK, Noble D. Born to die. Cambridge: Cambridge University Press.
1998.
CROVETTO, Raul. Introducción a la etnobotánica aborigen del nordeste
argentino. Etnobiológica, n. 11:1-10. 1968.
ELISABETSKY, Elaine. Ethnopharcology: a technological development
strategy. In: Darrell A. Posey & Willian L. Overal (orgs.).
Ethnobiology: implications and aplications, vol. 2. Belém:
SCT/CNPq/Museu Paraense Emílio Goeldi.
ELISABETSKY, Elaine. Etnofarmacologia de algumas tribos brasileiras.
In: Darcy Ribeiro (Ed.). Suma etnológica brasileira, n. 1:135-148.
Petrópolis, Vozes. 1987.
FRIEBRIG-GERTZ, C. Guarany names of paraguayan plants and animals.
Revista del Jardín Botánico y Museo de História Natural del
Paraguay, n. 2:99-149. Asunción. 1923.
GALLOIS, Dominique. A categoria "doença de branco": ruptura ou
adaptação de um modelo etiológico indígena. In: Dominique
Buchillet (Org.). Medicinas tradicionais e medicina ocidental na
Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi/CNPq/CEJUP/
UEP. 1991.
GARCIA, Wilson G. Introdução ao universo botânico dos Kayová de
Amambai. Descrição e análise de um sistema classificatório. São
Paulo, 1985. (Tese de Doutorado defendida na Universidade de São
Paulo).
GARCIA, Wilson G. O domínio das plantas medicinais entre os Kayová de
Amambai: Problemática das relações entre nomenclatura e
classificação. São Paulo, 1979. (Dissertação de Mestrado defendida
na Universidade de São Paulo)

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


Múltiplos usos de espécies vegetais pela farmacologia Guarani através de informações históricas 199

GATTI, Carlos. Enciclopédia Guarani-Castellano de ciencias naturales y


conocimientos Paraguayos. Asunción: Arte Nuevo, 1985.
KIPLE, Kenneth F. (Ed.). The Cambridge World History of Human
Disease. New York: Cambridge University Press. 1995.
KÖENIGSWALD, Gustav von. Die Cayuás. Globus, Braunschweig, n.
93:376-381. 1908.
LANGDON, Esther J. Percepção e utilização da medicina ocidental entre os
índios Sibundoy e Siona no sul da Colômbia. In: Dominique
Buchillet (Org.). Medicinas tradicionais e medicina ocidental na
Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi/
CNPq/CEJUP/UEP. 1991.
LANGDON, Esther J. Representações de doença e itinerário terapêutico
dos Siona da Amazônia colombiana. In: Ricardo V. Santos & Carlos
E. A. Coimbra Jr. (Orgs.). Saúde e povos indígenas. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 1994.
MELIÀ, Bartomeu & NAGEL, Liane Maria. Guaraníes y Jesuítas en
tiempo de misiones: una bibliografía didáctica. Asunción: Cepag/Uri.
1995.
MELIÀ, Bartomeu, GRÜNBERG, Georg & GRÜNBERG, Friedl. Los Pai-
Tavyterã: etnografía Guaraní del Paraguay contemporáneo.
Asunción: Separata del Suplemento Antropológico de la Revista del
Ateneo Paraguayo, 1976.
MELIÀ, Bartomeu, SAUL, Marcos V. A & MURARO, Valmir F. O
Guarani: uma bibliografia etnológica. Santo Ângelo: Fundação
Nacional pró-Memória/ Fundames, 1987.
MIRAGLIA, Luigi. Caza, recolección y agricultura entre los indígenas del
Paraguay. Suplemento Antropologico, Asunción: n. 10, v.1-2:9-91.
1975.
MIRAGLIA, Luigi. Gli Avá, i Guayakí ed i Tobas (indigeni dei Paraguay e
regioni limitrofe). Annali Lateranensi, Vaticano, n. 5:253-378. 1941.
MÜLLER, Franz. Drogen und Medikamente der Guarani - (Mbyá, Pai und
Chiripá) Indianer im östlichen Waldgebiete von Paraguay.
Festschrift P. W. Schmidt. Wien, s.e. 1928.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.


200 Francisco Silva Noelli

MÜLLER, Franz. Etnografia de los Guarani del Alto Paraná. Rosario:


Societatis Verbi Divini, 1989.
NOELLI, Francisco S. A contribuição de Carlos Gatti à etnobiologia e
etnoecologia Guarani. Universidade e Sociedade, Maringá, n. 17:73-
16, 1998.
NOELLI, Francisco S. As hipóteses sobre o centro de origem e rotas de
expansão dos Tupi. Revista de Antropologia, São Paulo, n. 39, v.2:7-
54, 1996.
NOELLI, Francisco S. Sem Tekohá não há Tekó (Em busca de um modelo
etnoarqueológico da aldeia e da subsistância Guarani e sua aplicação
a uma área de domínio no delta do Jacuí-RS), Porto Alegre, 1993.
(Dissertação de mestrado defendida na Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do sul).
PERASSO, Jose A. Ayvukue rape. El Camino de las almas. San Lorenzo:
Museo "Guido Boggiani". 1992.
REICHEL-DOLMATOFF, Gerardo. Algunos conceptos de geografía
chamanística de los índios Desana de Colômbia. In: Tekla Hartmann
& Vera Penteado Coelho (Orgs.). Contribuições à Antropologia em
homenagem ao Professor Egon Schaden. São Paulo: Coleção Museu
Paulista-USP. 1981.
SCHULTES, Richard E. & HOFFMANN, Albert. Plantas de los Dioses.
Orígenes del uso de los alucinógenos. México : Fondo de Cultura
Económica, 1993.
SCHUSTER, Adolf. Paraguay. Land, Volk, Geschichte, Wirtschaftsleben
und Kolonisation. Sttugart: Strecker und Schroder Verlag, 1929.
SOURNIA, Jean-Charles & RUFFIE, Jacques. As epidemias na história do
homem. Porto: 70, 1986.
STORNI, Julio. Hortus Guaraniensis: Flora. Tucumán: Universidad del
Tucumán. 1944.
STRELNIKOV, I. D. Les Kaa-iwuá du Paraguay. Atti del XXII Congresso
Internazionale degli Americanisti, vol. 2:333-336. 1928.

Diálogos, DHI/UEM, 02: 177-199, 1998.

Você também pode gostar