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Capítulo 1 - Convergência e narrativas transmídia

Para compreendermos como se dá a dinâmica transmídia do Masterchef Brasil,


devemos considerar três conceitos fundamentais, trabalhados por Henry Jenkins em A
Cultura da Convergência: convergência, narrativas transmídia e cultura da participação.
Nesta obra, o autor busca explicar como a sociedade se desenvolveu em torno das tecnologias
e como elas transformaram a forma de produzir conteúdos.
Jenkins (2006) primeiramente se preocupa em reiterar que sua proposta de Commented [U1]: Checar ano da edição

convergência não é tecnológica, ou seja, não se trata do uso de diversos meios ou de todos os
meios se transformando em um único. Ao contrário disso, a convergência tratada aqui pelo
autor tem um significado muito mais amplo:

[...] a era das convergências das mídias permite modos de audiência


comunitários, em vez de individualistas. Contudo, nem todo
consumidor de mídia interage no interior de uma comunidade virtual,
ainda; alguns apenas discutem o que veem com amigos, com a família
e com colega de trabalho. Mas poucos assistem à televisão em total
silêncio e isolamento. (JENKINS, 2006, pg 53.)

Sendo assim, o que o autor quer dizer é que a convergência se trata muito mais da nossa
relação com os meios de comunicação e como a comunidade reage às mudanças desses
meios.
Para exemplificar, Jenkins usa o exemplo do humorista J-Roen que, em 1998 criou
uma imagem do personagem da série de TV Vila Sésamo interagindo com Osama Bin Laden.
A campanha, chamada de Beto é do mal, foi publicada por Dennis Pozniak e gerou uma
enorme repercussão, sendo a imagem reproduzida em vários sites na internet, em camisetas,
pôsteres - que foram inclusive distribuídos por todo o Oriente Médio. Quando menos se
esperava, a CNN registrava um protesto com milhares de pessoas gritando slogans
antiamericanos, agitando cartazes que imprimiam a imagem de J-Roen.
Todo essa trajetória da imagem - desde a montagem no Photoshop, passando pelo universo
virtual e chegando até o público que acompanhou pela TV representa a forma como as
informações circulam e repercutem na era da convergência.
1.1 Narrativas transmídia

Para compreender como se dá a convergência nos meios digitais, Jenkins trata de um


processo adotado por diversos meios, chamado transmídia.
Segundo o autor, as dinâmicas transmídia são todas aquelas que se desdobram em diversas
plataformas de mídia e na qual cada novo texto ou produção contribui para a construção de
um universo.
Como é construída a narrativa transmídia do Masterchef Brasil e em que medida ela
contribuiu para o crescimento do programa são questões que apreenderemos quando melhor
for elucidado o que é, quais os fatores que a propiciam e como as audiências participam e
fazem parte da construção dos universos.
Inicialmente, vamos percorrer o conceito de transmídia mais a fundo.
De modo mais básico, Jenkins define como narrativas transmídia (NT’s) todas aquelas
histórias contadas através de múltiplas mídias. “Atualmente, as histórias mais significativas
tendem a fluir através de múltiplas plataformas de mídia” (Jenkins, Purushotma, Clinton,
Weigel & Robison, 2006: 46). Entretanto, não é somente a isso que consistem as NT’s. Ainda
segundo Jenkins, não basta somente contar a mesma história em diversos meios, mas sim
permitir que cada plataforma expanda a narrativa de maneira consistente, possibilitando o
acesso à história de forma autônoma. Sendo assim, diferentes histórias, contadas em
múltiplas plataformas é que constroem um único e coeso universo.

Na visão do autor, Matrix é um exemplo ideal de narrativa transmídia pelo fato de


estar em muitas plataformas e bastante diferentes umas das outras e por exigir o máximo de
participação de seus consumidores.
Em 1999 no pré lançamento do filme, os consumidores foram provocados com a pergunta “o
que é a Matrix?”, fazendo com que eles fossem buscar informações online.
Os fãs saiam do cinema intrigados diretamente para os fóruns de discussão na internet para
debater cada detalhe, cada teoria.
Após o lançamento do filme a trilogia não se manteve somente no cinema, expandindo-se
para a TV com um a série de desenhos animados, duas coleções de histórias em quadrinhos e
uma série de jogos de vídeo games. Cada uma dessas expansões conta uma história de modo
diferente ou seja, cada meio fazendo o que faz de melhor, mas ainda sim construindo um
universo único e coeso. Além disso, cada meio terá seu público específico e essa audiência
com sua expertise no assunto também corrobora para a construção do universo da narrativa.
Por isso que para o autor Matrix é o exemplo de narrativa transmídia ideal.
“[...] uma boa narrativa transmídia trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando um
pouco o tom do conteúdo de acordo com a mídia” (JENKINS, 2006. pg 142).
Já para Scolari (2013), narrativas transmídia não tratam somente da adaptação nas
histórias para os diferentes meios, mas sim da ressignificação delas, em virtude
principalmente das novas tecnologias:
“Em poucas palavras: as NT são uma forma particular que se
expandem através de diferentes sistemas de significação (verbal,
icônico, audiovisual, interativo, etc) e mídias (cinema, quadrinhos,
televisão, video games, teatro, etc). As NT não são simplesmente uma
adaptação de uma linguagem para outra: a história que se encontra no
quadrinho não é a mesma que aparece na tela de cinema e na
superfície do dispositivo móvel (SCOLARI, 2013, p. 24)”

Deste modo, elucidar o conceito de crossmedia totalmente associado ao conceito de


transmídia.
De acordo com Denis Renó (2013), a crossmedia é a reprodução da mesma narrativa em
diferentes mídias. Para o autor, a crossmedia surgiu quando a publicidade replicava seus
conteúdos em diversos meios, como forma de estratégia promocional:

Profissionais de marketing usam o termo promoção cross-mídia para


descrever qualquer campanha promocional que utiliza mais de um
meio. Não há nada de novo na promoção de marcas através de mais
de um meio. O termo promoção cross-mídia, no entanto, é usado por
marqueteiros para se referir a uma estratégia promocional planejada,
na qual múltiplas mídias são usadas para promover um produto ou
serviço (HARDY apud PASE; NUNES; FONTOURA, 2012, p. 60,
2010).
1.1.2 Novos conceitos

Nuno Bernardo lançou em 2011 livro The Producer’s Guide to Transmedia no qual
trabalha um conceito diverso de transmídia. Efetivamente, o conceito aborda mais as novas
produções e as experiências transmídias que elas trazem a audiência. Em sua produção Nuno
aborda a transmídia orgânica ou franquias transmídias originais, que são produções que sao
planejadas para um número restrito de plataformas - onlines ou não - e se desdobram gradual
e organicamente em outras mídias fortemente ligadas, transformando o processo de
construção das narrativas em algo mais fluido.
Para ilustrar esse conceito, o autor utilizou o case criado em sua própria empresa,
beActive1: O Diário de Sofia2, que começou como um blog pessoal da protagonista da Commented [2]: Adicionar descrições nas notas de rodapé

história. A plataforma foi usada para introduzir a personagem e o cenário da narrativa.


Quando Sofia foi presenteada com um celular, houve a possibilidade de expandir o universo,
assim, parcerias com operadoras de telefonia foram feitas e Sofia começou a interagir com a
audiência através de SMS.
Vendo o sucesso do Diário, Nuno decidiu transformar O Diário de Sofia em uma série de
livros que por fim, devido a grande adesão do público se tornou uma série de TV em dois
canais portugueses.
Para Nuno, essa interação gradativa e extensão não planejada são os verdadeiros
responsáveis pelo sucesso da narrativa.

“Variável interessante e menos híbrida no campo das narrativas


transmídia, os orgânicos, apesar de uma aposta que demanda o
esforço do crescimento paulatino, cria raízes fortes que sustentam a
história e criam um universo sólido e consistente podendo ser a chave
de sucesso para muitas produções que pretendem utilizar a estratégia
multiplataforma.” (ISHIDA, 2012)

Esse conceito pode ser relacionado com a narrativa transmídia do Masterchef visto
que mesmo que planejada para as multiplataformas, a interação foi mais além do que o
previsto e o seu aumento a cada temporada foi orgânico.

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1.2 Cultura da participação

A participação é um pilar indispensável para a construção das narrativas transmídia.


Sendo assim, o espectador ativo e sua adesão às plataformas digitais são características,
acordo com Jenkins, da cultura participação.
Para o autor, os consumidores de conteúdo deixam a posição de consumidor passivo e
passam a ser também produtores. Nasce aí um novo modelo de audiência: os
“prossumidores”.
Corroborando com a ideia de Jenkins, Pavlík (2006) define convergência com new
media, que é constituída pela confluência entre computadores, telecomunicações e os meios
tradicionais de comunicação, levando sempre em conta que a interação em rede transforma a
maneira de pensar os meios de comunicação em massa nos quais o público deixa de ser
apenas receptores de informação e passam a ser também emissores, que Jenkins denomina
como consumidores. Na era da convergência, eles deixam a condição de consumidores
somente passando a ser também produtores do conteúdo exibido.
Para apreender como se deu a transformação dos espectadores e como se comporta o
público do Masterchef Brasil, é necessário analisar as diferenças entre os tipos de
consumidores.
Ao estudar o reality show American Idol¹, Jenkins dividiu o público em três categorias: os Commented [3]: fazer referência correta

zapedores, casuais e fiéis.


Os zapeadores são aqueles que assistem mais horas de televisão, contudo assistem
fragmentos de programas em vez de ter um envolvimento prolongado com um único show.
Os casuais assistem um programa do começo ao fim, mas só assistem quando se lembram
dele ou não tem mais nada para assistir. Além disso, não dão atenção total à programação o
que os torna os mais propensos a abandonar o programa ou executar alguma outra função ao
mesmo tempo em que assistem.
Já o público fiel assiste menos horas de televisão, escolhendo a dedo sua
programação. Elegem o que mais lhes interessam, envolvendo-se totalmente no programa.
Segundo o autor, o espectador de hoje precisa ser gratificado constantemente e caso não seja
entretido ou intrigado, mudará de canal.
“Haverá menos ocasiões em que as pessoas irão se sentar e assistir um
programa do começo ao fim, sem interrupções. As pessoas vão
começar a ver programas da mesma forma que leem livros: um pouco
de cada vez.” (JENKINS, 2006. pg 101.)

Podemos considerar a audiência do Masterchef, por se tratar de um reality show seriado²,


como audiência fiel. Normalmente se envolvem com a temporada desde o primeiro episódio e
vão até o fim. Para Jenkins essa serialização do programa contribui para que os espectadores
sejam fiéis, de forma a recompensá-los. O desdobramentos da trama a longo prazo se tornam
uma necessidade para o espectador e isso é o que o torna fiel.
Inserindo os espectadores do Masterchef Brasil no conceito de convergência podemos
afirmar que o programa possui duas audiências: a da emissora Bandeirantes, assiste somente
pela TV; e a do Twitter que acompanha e participa do episódio através da hashtag
MasterchefBR. As duas podem ser consideradas como audiências fiéis, pois ao conhecerem
os candidatos, a personalidade e história de cada participante se envolvem e esperam cada
novo episódio para acompanhar a trajetória deles - a recompensa nesse caso é assistir os
candidatos progredirem ou fracassarem.
Outro aspecto relevante abordado por Jenkins é a dinâmica na qual as interações
ocorrem e progressivamente estimulam a convergência.
Os realitys shows, para ele, se tornam assunto para se conversar com os amigos e essa troca
de experiências do programa ele denomina como fofoca, que foi resgatada para as novas
plataformas de mídia.
“À medida que o ciberespaço amplia a esferas das interações sociais, torna-se ainda mais
importante poder falar sobre as pessoas que conhecemos através da mídia, do que sobre as
pessoas de nossa comunidade local.” (JENKINS, 2006, p.118)
A teoria da fofoca3 é mais um conceito que reforça que a convergência de Jenkins não é um Commented [4]: Inserir na nota de rodapé o conceito da
teoria citado pelo autor
processo de transformação meramente tecnológico, mas sim uma transformação muito mais
complexa e que perpassa inclusive as interações sociais.
Ao discorrer sobre cultura da participação, prossumidores e interações sociais, temos
que ter em mente a distinção entre participação e interatividade.
No que diz respeito a interatividade, Jenkins refere-se como as novas tecnologias que são
planejadas para responder às reações do consumidores. Há vários níveis de interatividade,
que são notados nas diferentes mídias: desde a mudança de canal no controle remoto até os
vídeo games e transmissões multitela.

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As relações naturalmente são fixas e o ambiente interativo é previamente definido pelo
designer.
Já participação é estabelecida e moldada e estabelecida por convenções culturais e é
mais ilimitada, menos mediada pelos produtos de mídia, mas sim pelos consumidores:

A participação, por outro lado, é moldada pelos protocolos culturais e


sociais. Assim, por exemplo, o quanto se pode conversar num cinema
é determinado mais pela tolerância das plateias de diferentes
subculturas ou contextos nacionais do que por algum a propriedade
inerente ao cinema em si. (JENKINS, 2006. pg .)

Observando a audiência do Masterchef Brasil, podemos verificar os dois


comportamentos anteriormente citados, isto é, ao mesmo tempo que cria um cenário propício
à interação, a produção de conteúdo online não é controlada nem mediada. Commented [5]: surgiu uma dúvida: a hashtag seria uma
forma de mediar a participação online?

1.2.1 Participação e engajamento

Quando se fala em participação, está intrínseca a ideia de engajamento, muito


presente nas novas formas de comunicação.
Ambos estão relacionados ao consumo ativo de conteúdo e ao grau de envolvimento do
público com a produção. É a partir do momento em que o telespectador passa a se envolver
emocionalmente com a trama e a criar laços profundos com a ficção que ele se torna um
verdadeiro fã (Lopes, 2015).

Em determinado momento, o fã poderá tornar-se, ele mesmo, um


produtor ao perceber que os sentidos oferecidos pelos recursos
ficcionais da trama podem ser ampliados, seja a partir de suas
experiências pessoais, seja a partir de experiências compartilhadas em
comunidades de fãs ou redes sociais (LOPES, 2015, p. 18).

Para melhor entender o grau de envolvimento do público, Lopes elaborou uma


pirâmide para classificar o público em curadores, que moderam as discussões, criam perfis de
personagens e canais de exibição de capítulos no YouTube; comentadores que, como o
próprio nome já diz, comentam sobre o todo o episódio e também sobre a plataforma
utilizada; produtores que interagem com outros usuários e produzem conteúdo - memes por
exemplo; e por fim os compartilhadores que são todos aqueles que replicam comentários e
conteúdos sobre o episódio em geral.
Normalmente os compartilhadores ocupam a base da pirâmide, por ser a maior parte da
audiência, tendo em vista que replicar conteúdos é mais prático quando se assiste a um
programa e utiliza um dispositivo. Logo em seguida temos os produtores, que ocupam
também uma boa parcela da pirâmide mostrando o gosto do público pela interação
proporcionada pelo programa.
Acima dos produtores encontram-se os comentadores que são os responsáveis pelas
críticas à programação e aos participantes ou personagens dos programas. Eles aparecem em
menor quantidade, pois a participação deles é possivelmente moderada pelos curadores, por
isso a impressão de que a interação entre eles é maior.
Finalmente, no topo da pirâmide encontram-se os curadores. Responsáveis por moderar as
interações, são eles que incentivam a participação do público, interagindo com a audiência ou
com os patrocinadores.
Analisando novamente a audiência do Masterchef Brasil, podemos enquadrá-la na Commented [U6]: Acrescentar prints de comentários com a
hashtag que ilustrem cada público da pirâmide.
pirâmide proposta por Lopes (2015) de forma que os curadores são, além do perfil do próprio
programa, – que cria memes, interage com a audiência e com as marcas patrocinadoras, mas
que fomenta as discussões e interações e também as media – os participantes da temporada e
ex-participantes de temporadas passadas que comentam o episódio exibido no dia e também
interagem com o público e com o perfil do programa.
A emissora e o próprio programa são os curadores principais pois, além de promover a
interação nas redes sociais, publica os episódios nos canais do Youtube.
A apresentadora do programa Ana Paula Padrão também pode ser incluída no grupo dos
curadores, pois durante a exibição do programa cita diversas vezes a hashtag, incentivando o Commented [U7]: Incluir print de algum ep final no
momento da citação da hashtag
uso no Twitter.
Além disso, personalidades famosas e digital influencers, quando comentam o programa e
têm seus comentários na tela durante o episódio também são classificados como curadores,
tendo em vista que o público se sente mais próximos desses atores quando também comentam
o que se passa no programa.
É importante salientar que um mesmo indivíduo podem se enquadrar em todas as
classificações uma vez que na maioria das vezes, o espectador exerce mais de uma função.
Sendo assim, os curadores também se enquadram na camada dos produtores.
A linha tênue entre produtores e comentadores aparece entre o público em geral. Em
um mesmo tweet, um espectador pode comentar um fato do episódio com um meme, por
exemplo. Dessa forma, o espectador é produtor e comentador ao mesmo tempo, ocupando os Commented [U8]: Ilustrar com print

dois lugares na pirâmide.


A diferença está na interação. O produtor não necessariamente precisa estar
interagindo com alguém. – mesmo que esteja utilizando a hashtag #MasterchefBR, que é uma
forma de interação – O conteúdo ali produzido pode ser ou não compartilhado. O que importa
aqui é somente o engajamento.
Já para os comentadores, as discussões são mais importantes. Os comentários acerca dos
participantes, jurados e sobre o episódio em si geram discussões maiores e que vão além do
momento da transmissão. Commented [U9]: Ilustrar (discussões com Paola Carosella
podem ser interessantes)
Por fim, temos os compartilhadores onde está a maior parcela da audiência. Além dos
produtores e comentadores que também replicam conteúdos de outros usuários, existem
aqueles que somente compartilham, ou no caso do Twitter, retuítam comentários de outros
espectadores.

Depois de expostos os conceitos base para compreendermos o surgimento das


narrativas transmídia, fica mais claro analisarmos como se dá sua construção que será vista
no capítulo a seguir.

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