INSTITUTO DE CULTURA E ARTE CURSO DE JORNALISMO COMUNICAÇÃO E POLÍTICA PROFESSORA ROSANE NUNES
FICHAMENTO: COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA - PROBLEMAS &
PERSPECTIVAS
FORTALEZA 2022 ● Capítulo 3 - Discussão à visibilidade
● 1 - Características da esfera pública
Wilson Gomes, em Comunicação e democracia: problemas & perspectivas, aborda elementos basilares e fundamentais para a compreensão da relação entre o campo da comunicação e o da política, que estão mais próximos do que imaginamos. Para o pesquisador, há uma diferença na observação do fenômeno da esfera pública, já que primeiro havia uma responsabilização da indústria de comunicação de massa por desviar essa esfera, que hoje está assentada na plataforma de comunicação pública mediada pelos mesmos meios de comunicação. Habermas, um dos estudiosos da sociedade e pertencente à 3° Geração da Escola de Frankfurt, é o objeto de estudo do livro, fundamental para compreender diversas questões relacionadas às mídias de comunicação de massa e para o fortalecimento da democracia. Para Wilson, na página 118, não há nenhum outro sistema que possibilite uma massificação e disseminação de discursos, espaços de debate e visibilidade das informações do que às mídias de comunicação, que ganharam um papel crucial e estratégico no capitalismo mundializado, especialmente a partir do século XX. Uma das grandes contribuições do autor nos estudos da filosofia e da comunicação é o conceito de “esfera pública”, onde “os fluxos de comunicação provenientes dos contextos da vida concreta dos atores sociais, individuais ou coletivos são condensados e filtrados como questões, indagações e contribuições, firmando-se ao redor do centro do sistema político como força tendente à influenciá-lo de modo favorável à esfera civil” (página 119). A esfera pública é, portanto, um espaço simbólico de discussão, debate e elaboração de convenções sociais que permitem a boa convivência e a harmonia entre os seres humanos na sociedade, o que necessariamente está relacionada com a existência da democracia. Nas sociedades burguesas, Habermas delimita que a esfera pública cumpre o papel de assegurar a autonomia dos indivíduos contra Estados autoritários. Dessa forma, Wilson Gomes esclarece que a esfera pública é uma “solução coletiva” das sociedades liberais, necessária para as liberdades públicas e privadas dos indivíduos e da humanidade, centrada no modelo republicano de participação civil nas decisões coletivas em um movimento que une os interesses da sociedade civil com as pressões sobre o Estado capitalista para o cumprimento das demandas apontadas pelo grupo. É nesse contexto que o debate público assume um papel central nos interesses coletivos da população por meio da argumentação. Ao contrário de uma mera exposição de conversas, a argumentação é crucial durante esse diálogo, porque obriga o uso da razão na formulação da defesa de um posicionamento e ainda busca obter um consenso entre as partes envolvidas dentro da situação que está colocada. Além disso, os debates precisam ser abertos a todos os cidadãos comuns, em um processo que dê visibilidade ou exposição, disponibilidade ou acessibilidade, como o próprio Wilson Gomes comenta no texto. Por outro lado, a influência dos meios de comunicação de massa sobre a esfera pública é inegável e capaz de gerar mudanças e alterações nos debates e estudos sobre o tema, que é justamente o que o autor busca comentar nos tópicos seguintes.
● 2 - Possibilidades alternativas de uma nova esfera pública
Uma das citações mais presentes no texto é o livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, escrito por Habermas no ano de 1962, onde ele discute as dimensões que envolvem a caracterização da esfera pública, a saber, a discutibilidade e a visibilidade, embora estes conceitos não sejam tão amplamente abordados no livro Comunicação e Política: problemas & perspectivas. Em um primeiro momento, Habermas já aponta - ainda em 1962 - que é impossível haver uma esfera pública autêntica quando há uma cena política “dominada e pré-estruturada pelos meios de comunicação” (página 122). Isto é, as mídias passam a ter tanta influência e poder de interferência na sociedade que ela precisa ser considerada e estudada quando o assunto em discussão é o da esfera pública. Nos dias de hoje, Wilson Gomes elenca que há três fenômenos importantes para entender o panorama desse tema na sociedade: 1) legalização da esfera pública por meio da consolidação do Estado de Direito; 2) a esfera pública perde o poder de produção de decisões legítimas a partir da esfera pública midiática; 3) a esfera pública mantém a função de legitimar as decisões. Hoje, os sistemas político e midiático são capazes de cooperarem e fazerem com que decisões possam emergir na sociedade para buscar a validação e aprovação do coletivo, um papel que anteriormente era dado apenas à esfera pública, sendo este um exemplo claro das mudanças em curso. Desse modo, Wilson Gomes destaca que a esfera pública midiática é “uma esfera de representação pública de posições geradas de forma não-pública”, ou seja, uma ampliação de debates e informações que não necessariamente estavam visíveis ou interessavam diretamente à esfera pública, mas que foram potencializados pelo sistema midiático. Ainda assim, Wilson Gomes considera que Habermas desconsiderou o potencial argumentativo da mídia de comunicação de massa, tratando-a meramente como uma representante da opinião pública, assim como houve uma rejeição de uma esfera pública argumentativa, por presumir uma inconsistência teórica na elaboração de uma ideia de esfera argumentativa pública. O autor é ainda enfático ao frisar que a esfera pública não é meramente uma instituição da sociedade burguesa, mas uma realidade essencial da democracia moderna. Assim, negá-la é - para o autor - desconsiderar diversos eventos da democracia liberal, como as próprias eleições, por exemplo, que são importantes para determinar o nível de democracia de um Estado ou nação. Outra alternativa de caracterização da argumentação coletiva admite, sem ressalvas, a existência de uma esfera pública midiática, embora a esfera pública definida por Habermas considere as seguintes características: a) esfera de visibilidade e exposição; b) debate, discussão e argumentação com propósito deliberativo, demonstrativo, conclusivo e c) a conversa, o debate e a comunicação como formas de interação social (página 130). Para além disso, Wilson Gomes questiona o fato de não ser considerada a esfera pública contemporânea como midiática, justamente pela esfera da visibilidade estar situada pelos meios de massa, embora a sociabilidade e a visibilidade não são tudo aquilo que constitui a esfera pública. É por isso que o autor frisa que “a esfera pública é principalmente a esfera do debate público; o seu efeito não é mera visibilidade social, mas a acessibilidade das posições expostas ao juízo público.” No entanto, embora a esfera pública esteja midiatizada, ela não perdeu o seu papel de formulação de opinião, ou seja, não há uma aparente extinção da argumentação no processo midiático, mas isso não significa que os meios de comunicação representem uma esfera pública em si, porque não há de modo algum uma transferência midiática automática. O próprio Habermas admite que há muito mais do que apenas argumentação na forma que a esfera pública funciona, embora, é claro, ela esteja imersa em produtos informacionais como notícias, reportagens, TikToks e programas televisionados.
● 3 - A publicidade social e os dois sentimentos da expressão “esfera pública”
Para Wilson Gomes, a esfera da visibilidade é fundamental para responder às demandas de sociabilidade e comunicação, o que, segundo o autor, ganha um papel importante para a vida democrática nas sociedades liberais. Por isso, a burguesia sempre esteve interessada em manter sob controle essa esfera da visibilidade pública, justamente para se proteger de qualquer ameaça de redução ou extinção, já que a cena política faz parte desta. A esfera da visibilidade pública é importante e aliada da esfera pública deliberativa (Congresso, Assembleia, espaços de decisão), porque torna esses processos visíveis e abertos à toda a população para que haja não só conhecimento do tema, mas debates e deliberações importantes que podem ser elaboradas pela sociedade. Isto é, a visibilidade precisa tornar a disponibilidade e a acessibilidade possíveis ao público que precisa ser atingido por uma determinada discussão. Apesar disso, é essencial diferenciar a cena pública de debate público, um erro cometido por muitas pessoas que passam a tentar compreender o tema. Para Wilson Gomes, o debate sobre isso começou a partir do livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, quando Habermas trata esse fenômeno ora usando descrições da cena pública, ora apropriados à discussão pública, o que acaba por confundir as interpretações geradas a partir disso, o que Gomes chama de “complicada operação conceitual” (página 136). Outro ponto abordado por Gomes é algo que foi desconsiderado por Habermas ao estudar a publicidade social enquanto esfera de visibilidade pública. Isso porque ela jamais produziu exclusivamente debates, mas também representações, entretenimento, propaganda, entre outras funções. Por outro lado, o filósofo foi muito perspicaz ao compreender que a intransparência e a invisibilidade esforçam-se para obter o controle operacional da esfera da visibilidade pública, um avanço importante nesses estudos. Habermas ainda lembra que a esfera da visibilidade pública tenta produzir legitimidade apenas pela exposição e amplificação de ideias, sem haver necessariamente um debate antecedendo essa discussão. Ainda assim, essa esfera pode ter a capacidade de debate, reflexão e decisão crítica das problemáticas sociais.
● 4 - Esfera do debate público e comunicação de massa
Wilson Gomes destaca, na página 141, que a elaboração do conceito de esfera pública produziu “a criação de espaços legais e cerimoniais da realização da fala pública ou parlamentos, congressos, assembléias nacionais”, embora outras práticas possam ser hoje identificadas de forma mais flexível do que naquela época. Hoje, estamos propensos a pensar a esfera pública de forma institucional, com os espaços físicos e formais, embora possa acontecer de forma mais circunstancial, com debates públicos e organizações coletivas. Para destacar a complexidade da esfera de visibilidade pública, Wilson Gomes mostra, na página 145, que ela “é um universo sem fronteiras precisas, sem quantum preciso de matéria, em que conteúdos de diferente valor cognitivo convivem geralmente em lapsos muito curtos. A esfera de visibilidade pública é como um mar de sargaços, com fragmentos de discursos de todos os tamanhos, às vezes com peças inteiras, que não compõem nenhum quadro ordenado, mas que o acaso fez conviver e, eventualmente, atritar os caprichos da corrente marinha.” Ou seja, é um espaço dinâmico, vivo, múltiplo e com muitas variações que precisam ser cuidadosamente estudadas, analisadas e refletidas. Ademais, Wilson Gomes destaca que ela não é uma massa modelo para todos os cidadãos, já que cada pessoa recebe e interpreta as informações com base nos seus conhecimentos, crenças e visões de mundo, o que torna esse processo também particular, apesar de ter um forte caráter coletivo. Em outro ponto, há a diferenciação entre esfera pública e cena pública, já que para que exista uma esfera pública independente, não há necessariamente a existência de uma mídia impulsionando ou potencializando aquela ideia, como uma reunião de bairro, um clube de mães ou uma assembleia de estudantes. Por outro lado, uma Conferência Mundial da ONU ou o Fórum Econômico Mundial ganham uma dimensão de cena pública pela importância coletiva que esses eventos carregam. Por fim, é importante ressaltar e identificar a relação que há entre a cena pública e a esfera pública, porque uma se relaciona e traz importantes acréscimos à outra. Por exemplo, a cena pública, trazendo os jornais e a mídia de massa, podem ter um papel importante de investigação, descoberta de documentos, desdobramentos de um caso e aprofundamento de um debate que surgiu a partir da esfera pública, assim como uma iniciativa partida da cena pública pode gerar uma discussão na esfera pública em uma espécie de simbiose onde esses dois conceitos diferentes se cruzam no tecido social.