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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

ALESSANDRO LUCAS MONTEIRO FERNANDES


INSTITUTO DE CULTURA E ARTE
CURSO DE JORNALISMO
COMUNICAÇÃO E POLÍTICA
PROFESSORA ROSANE NUNES

FICHAMENTO: COMUNICAÇÃO E DEMOCRACIA - PROBLEMAS &


PERSPECTIVAS

FORTALEZA
2022
● Capítulo 3 - Discussão à visibilidade

● 1 - Características da esfera pública


Wilson Gomes, em Comunicação e democracia: problemas & perspectivas, aborda
elementos basilares e fundamentais para a compreensão da relação entre o campo da
comunicação e o da política, que estão mais próximos do que imaginamos. Para o
pesquisador, há uma diferença na observação do fenômeno da esfera pública, já que primeiro
havia uma responsabilização da indústria de comunicação de massa por desviar essa esfera,
que hoje está assentada na plataforma de comunicação pública mediada pelos mesmos meios
de comunicação.
Habermas, um dos estudiosos da sociedade e pertencente à 3° Geração da Escola de
Frankfurt, é o objeto de estudo do livro, fundamental para compreender diversas questões
relacionadas às mídias de comunicação de massa e para o fortalecimento da democracia. Para
Wilson, na página 118, não há nenhum outro sistema que possibilite uma massificação e
disseminação de discursos, espaços de debate e visibilidade das informações do que às mídias
de comunicação, que ganharam um papel crucial e estratégico no capitalismo mundializado,
especialmente a partir do século XX.
Uma das grandes contribuições do autor nos estudos da filosofia e da comunicação é o
conceito de “esfera pública”, onde “os fluxos de comunicação provenientes dos contextos da
vida concreta dos atores sociais, individuais ou coletivos são condensados e filtrados como
questões, indagações e contribuições, firmando-se ao redor do centro do sistema político
como força tendente à influenciá-lo de modo favorável à esfera civil” (página 119). A esfera
pública é, portanto, um espaço simbólico de discussão, debate e elaboração de convenções
sociais que permitem a boa convivência e a harmonia entre os seres humanos na sociedade, o
que necessariamente está relacionada com a existência da democracia. Nas sociedades
burguesas, Habermas delimita que a esfera pública cumpre o papel de assegurar a autonomia
dos indivíduos contra Estados autoritários.
Dessa forma, Wilson Gomes esclarece que a esfera pública é uma “solução coletiva”
das sociedades liberais, necessária para as liberdades públicas e privadas dos indivíduos e da
humanidade, centrada no modelo republicano de participação civil nas decisões coletivas em
um movimento que une os interesses da sociedade civil com as pressões sobre o Estado
capitalista para o cumprimento das demandas apontadas pelo grupo.
É nesse contexto que o debate público assume um papel central nos interesses
coletivos da população por meio da argumentação. Ao contrário de uma mera exposição de
conversas, a argumentação é crucial durante esse diálogo, porque obriga o uso da razão na
formulação da defesa de um posicionamento e ainda busca obter um consenso entre as partes
envolvidas dentro da situação que está colocada. Além disso, os debates precisam ser abertos
a todos os cidadãos comuns, em um processo que dê visibilidade ou exposição,
disponibilidade ou acessibilidade, como o próprio Wilson Gomes comenta no texto.
Por outro lado, a influência dos meios de comunicação de massa sobre a esfera
pública é inegável e capaz de gerar mudanças e alterações nos debates e estudos sobre o
tema, que é justamente o que o autor busca comentar nos tópicos seguintes.

● 2 - Possibilidades alternativas de uma nova esfera pública


Uma das citações mais presentes no texto é o livro Mudança Estrutural da Esfera
Pública, escrito por Habermas no ano de 1962, onde ele discute as dimensões que envolvem
a caracterização da esfera pública, a saber, a discutibilidade e a visibilidade, embora estes
conceitos não sejam tão amplamente abordados no livro Comunicação e Política: problemas
& perspectivas.
Em um primeiro momento, Habermas já aponta - ainda em 1962 - que é impossível
haver uma esfera pública autêntica quando há uma cena política “dominada e pré-estruturada
pelos meios de comunicação” (página 122). Isto é, as mídias passam a ter tanta influência e
poder de interferência na sociedade que ela precisa ser considerada e estudada quando o
assunto em discussão é o da esfera pública.
Nos dias de hoje, Wilson Gomes elenca que há três fenômenos importantes para
entender o panorama desse tema na sociedade: 1) legalização da esfera pública por meio da
consolidação do Estado de Direito; 2) a esfera pública perde o poder de produção de decisões
legítimas a partir da esfera pública midiática; 3) a esfera pública mantém a função de
legitimar as decisões. Hoje, os sistemas político e midiático são capazes de cooperarem e
fazerem com que decisões possam emergir na sociedade para buscar a validação e aprovação
do coletivo, um papel que anteriormente era dado apenas à esfera pública, sendo este um
exemplo claro das mudanças em curso.
Desse modo, Wilson Gomes destaca que a esfera pública midiática é “uma esfera de
representação pública de posições geradas de forma não-pública”, ou seja, uma ampliação de
debates e informações que não necessariamente estavam visíveis ou interessavam diretamente
à esfera pública, mas que foram potencializados pelo sistema midiático. Ainda assim, Wilson
Gomes considera que Habermas desconsiderou o potencial argumentativo da mídia de
comunicação de massa, tratando-a meramente como uma representante da opinião pública,
assim como houve uma rejeição de uma esfera pública argumentativa, por presumir uma
inconsistência teórica na elaboração de uma ideia de esfera argumentativa pública.
O autor é ainda enfático ao frisar que a esfera pública não é meramente uma
instituição da sociedade burguesa, mas uma realidade essencial da democracia moderna.
Assim, negá-la é - para o autor - desconsiderar diversos eventos da democracia liberal, como
as próprias eleições, por exemplo, que são importantes para determinar o nível de democracia
de um Estado ou nação.
Outra alternativa de caracterização da argumentação coletiva admite, sem ressalvas, a
existência de uma esfera pública midiática, embora a esfera pública definida por Habermas
considere as seguintes características: a) esfera de visibilidade e exposição; b) debate,
discussão e argumentação com propósito deliberativo, demonstrativo, conclusivo e c) a
conversa, o debate e a comunicação como formas de interação social (página 130).
Para além disso, Wilson Gomes questiona o fato de não ser considerada a esfera
pública contemporânea como midiática, justamente pela esfera da visibilidade estar situada
pelos meios de massa, embora a sociabilidade e a visibilidade não são tudo aquilo que
constitui a esfera pública. É por isso que o autor frisa que “a esfera pública é principalmente a
esfera do debate público; o seu efeito não é mera visibilidade social, mas a acessibilidade das
posições expostas ao juízo público.” No entanto, embora a esfera pública esteja midiatizada,
ela não perdeu o seu papel de formulação de opinião, ou seja, não há uma aparente extinção
da argumentação no processo midiático, mas isso não significa que os meios de comunicação
representem uma esfera pública em si, porque não há de modo algum uma transferência
midiática automática.
O próprio Habermas admite que há muito mais do que apenas argumentação na forma
que a esfera pública funciona, embora, é claro, ela esteja imersa em produtos informacionais
como notícias, reportagens, TikToks e programas televisionados.

● 3 - A publicidade social e os dois sentimentos da expressão “esfera pública”


Para Wilson Gomes, a esfera da visibilidade é fundamental para responder às
demandas de sociabilidade e comunicação, o que, segundo o autor, ganha um papel
importante para a vida democrática nas sociedades liberais. Por isso, a burguesia sempre
esteve interessada em manter sob controle essa esfera da visibilidade pública, justamente para
se proteger de qualquer ameaça de redução ou extinção, já que a cena política faz parte desta.
A esfera da visibilidade pública é importante e aliada da esfera pública deliberativa
(Congresso, Assembleia, espaços de decisão), porque torna esses processos visíveis e abertos
à toda a população para que haja não só conhecimento do tema, mas debates e deliberações
importantes que podem ser elaboradas pela sociedade. Isto é, a visibilidade precisa tornar a
disponibilidade e a acessibilidade possíveis ao público que precisa ser atingido por uma
determinada discussão.
Apesar disso, é essencial diferenciar a cena pública de debate público, um erro
cometido por muitas pessoas que passam a tentar compreender o tema. Para Wilson Gomes, o
debate sobre isso começou a partir do livro Mudança Estrutural da Esfera Pública, quando
Habermas trata esse fenômeno ora usando descrições da cena pública, ora apropriados à
discussão pública, o que acaba por confundir as interpretações geradas a partir disso, o que
Gomes chama de “complicada operação conceitual” (página 136).
Outro ponto abordado por Gomes é algo que foi desconsiderado por Habermas ao
estudar a publicidade social enquanto esfera de visibilidade pública. Isso porque ela jamais
produziu exclusivamente debates, mas também representações, entretenimento, propaganda,
entre outras funções. Por outro lado, o filósofo foi muito perspicaz ao compreender que a
intransparência e a invisibilidade esforçam-se para obter o controle operacional da esfera da
visibilidade pública, um avanço importante nesses estudos.
Habermas ainda lembra que a esfera da visibilidade pública tenta produzir
legitimidade apenas pela exposição e amplificação de ideias, sem haver necessariamente um
debate antecedendo essa discussão. Ainda assim, essa esfera pode ter a capacidade de debate,
reflexão e decisão crítica das problemáticas sociais.

● 4 - Esfera do debate público e comunicação de massa


Wilson Gomes destaca, na página 141, que a elaboração do conceito de esfera pública
produziu “a criação de espaços legais e cerimoniais da realização da fala pública ou
parlamentos, congressos, assembléias nacionais”, embora outras práticas possam ser hoje
identificadas de forma mais flexível do que naquela época. Hoje, estamos propensos a pensar
a esfera pública de forma institucional, com os espaços físicos e formais, embora possa
acontecer de forma mais circunstancial, com debates públicos e organizações coletivas.
Para destacar a complexidade da esfera de visibilidade pública, Wilson Gomes
mostra, na página 145, que ela “é um universo sem fronteiras precisas, sem quantum preciso
de matéria, em que conteúdos de diferente valor cognitivo convivem geralmente em lapsos
muito curtos. A esfera de visibilidade pública é como um mar de sargaços, com fragmentos
de discursos de todos os tamanhos, às vezes com peças inteiras, que não compõem nenhum
quadro ordenado, mas que o acaso fez conviver e, eventualmente, atritar os caprichos da
corrente marinha.” Ou seja, é um espaço dinâmico, vivo, múltiplo e com muitas variações
que precisam ser cuidadosamente estudadas, analisadas e refletidas. Ademais, Wilson Gomes
destaca que ela não é uma massa modelo para todos os cidadãos, já que cada pessoa recebe e
interpreta as informações com base nos seus conhecimentos, crenças e visões de mundo, o
que torna esse processo também particular, apesar de ter um forte caráter coletivo.
Em outro ponto, há a diferenciação entre esfera pública e cena pública, já que para
que exista uma esfera pública independente, não há necessariamente a existência de uma
mídia impulsionando ou potencializando aquela ideia, como uma reunião de bairro, um clube
de mães ou uma assembleia de estudantes. Por outro lado, uma Conferência Mundial da ONU
ou o Fórum Econômico Mundial ganham uma dimensão de cena pública pela importância
coletiva que esses eventos carregam.
Por fim, é importante ressaltar e identificar a relação que há entre a cena pública e a
esfera pública, porque uma se relaciona e traz importantes acréscimos à outra. Por exemplo, a
cena pública, trazendo os jornais e a mídia de massa, podem ter um papel importante de
investigação, descoberta de documentos, desdobramentos de um caso e aprofundamento de
um debate que surgiu a partir da esfera pública, assim como uma iniciativa partida da cena
pública pode gerar uma discussão na esfera pública em uma espécie de simbiose onde esses
dois conceitos diferentes se cruzam no tecido social.

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