Você está na página 1de 14

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

INSTITUTO DE CULTURA E ARTE


CURSO DE JORNALISMO
COMUNICAÇÃO E POLÍTICA
PROFESSORA ROSANE NUNES
ALESSANDRO LUCAS MONTEIRO FERNANDES

RELATÓRIO DE AULAS

FORTALEZA CE
2022
INTRODUÇÃO
O jornalismo político é hoje - e sempre foi - uma das áreas mais essenciais e basilares
para a própria existência dos meios de comunicação. Embora a economia, a cultura, o
cotidiano e a editoria de internacional sejam fundamentais, todas estão permeadas por
processos políticos e disputas por espaço, representatividade, direcionamento de recursos ou
os próprios rumos de uma questão global que afeta um conjunto de países.
No Brasil, desde o surgimento da imprensa - que só veio ocorrer em 1808 (três séculos
após o início da colonização) - o jornalismo político exerce um papel central, primeiro por
debater questões espinhosas para a Corte Portuguesa, como as críticas de Hipólito da Costa,
que produzia o jornal a partir de Londres, depois pelas disputadas de narrativas com a criação
da Gazeta do Rio de Janeiro, fundado por Dom João VI, com o intuito claro e óbvio de
atender aos interesses do Império e gerar um imaginário político e social que fosse de
encontro à conformação da dominação portuguesa no Brasil.
É claro que o jornalismo praticado no século XIX possuía características e orientações
deontológicas diferentes do que se é hoje, era mais opinativo, tinha uma pretensão de
convencimento muito maior e o apelo informativo que hoje ocupa a maior parte das folhas de
jornais era mínimo. O que não se altera, no entanto, é a predominância de seções, editorias ou
cadernos específicos para a cobertura política, porque interessa à sociedade, ao jornalismo e
às pessoas que compõem esse grupo, embora a presença das redes sociais tenha
potencializado uma perda de importância - ou, pelo menos, de relevância - dos jornais em
todo o mundo.
É neste sentido, portanto, que o jornalismo vai mantendo uma posição de destaque na
esfera pública e nas relações entre política e comunicação, como abordado por Wilson Gomes
em Comunicação e Democracia: Problemas & Perspectiva, ao afirmar que
“o seu efeito [da esfera pública] não é de mera visibilidade social, mas a
acessibilidade das posições expostas ao juízo público; o seu propósito não é
simplesmente a criação de sociabilidade, mas o convencimento demonstrativo
mediante disputa argumentativa conduzida com razoabilidade. (GOMES, 2008)

Assim, a comunicação política - e aqui o jornalismo - vai ganhando espaço na


sociedade -, o que exige não só questões relacionadas à habilidade e técnicas, como trazido
por Franklin Martins em Jornalismo Político, mas também as questões ideológicas e de
interesses corporativos, elucidados no livro Padrões de manipulação da grande imprensa, de
Perseu Abramo. E é nesse conjunto de ideias, técnicas, conhecimentos, disputas e mudanças
no fazer jornalístico que esse relatório apresenta a síntese das aulas com os convidados
Roberto Maciel, As Cunhãs e Benedito Teixeira.
ENCONTRO COM ROBERTO MACIEL - 07/10/2022

O fazer jornalístico não é simples, exige coragem, dedicação, responsabilidade,


conhecimento e partilha entre colegas de profissão e professores. Pelo menos são esses os
principais pontos apresentados por Roberto Maciel, que já foi repórter, editor, ombudsman,
colunista, além de assessor de imprensa e escritor, convidado para aula de Comunicação e
Política para debater as mudanças na profissão, os desafios de ser um jornalista na área de
política e as principais orientações para quem deseja seguir na área.
Roberto Maciel é um exemplo da dinamização do trabalho jornalístico, por ter atuado
em diferentes setores e com formatos distintos, seja como ombudsman no jornal O POVO,
assessor político, colunista do Diário do Nordeste e também da televisão no Sistema Verdes
Mares. Durante a conversa, Maciel comenta o início da carreira no Jornal da Tarde - já extinto
- e a falta de comprometimento das empresas com o aumento salarial das pessoas formadas
em Jornalismo, que são muitas vezes obrigadas a mudarem o cargo para conseguirem elevar
seus ganhos (sair da profissão de repórter para editor, por exemplo).
Profissionalmente, o jornalista também viveu diversas contradições durante sua vida,
como ter sido assessor de imprensa do sindicato dos bancários - considerado um sindicato de
esquerda - mas também de políticos da direita, como Juraci Magalhães, embora ele afirme que
tenha sido uma experiência profissional, apesar das divergências ideológicas entre ambos.
Como colunista, Maciel conta sempre ter tido o cuidado em produzir textos com
qualidade, boa apuração e informações novas, exclusivas, que de fato pudessem trazer
mudanças no jornalismo político cearense. Ainda assim, apesar da qualidade, o jornalista
buscava manter sua assinatura distante, colocando-a sempre ao fim do texto de forma discreta
e sem chamar muita atenção.

MUDANÇAS
Sobre a qualidade do trabalho jornalístico da mídia hegemônica no país, Roberto
Maciel lembra a negligência da imprensa em cobrir criticamente o governo Bolsonaro, com
discursos que se dizem imparciais e acabam por favorecer a direita brasileira. Como exemplo
mais simples, ele cita o editorial do jornal O Estado de S. Paulo nas eleições de 2018,
intitulado “Uma escolha muito difícil”, e defende que o jornalismo brasileiro possa fazer uma
autocrítica da cobertura política nos últimos anos, especialmente do segundo governo Dilma e
da Operação Lava Jato, ao mesmo tempo em que defende a importância do jornalismo
independente contra-hegemônico, embora lembre as dificuldades de sustentabilidade
financeira, já que muitos dependem de financiamento coletivo e editais.
Roberto Maciel também lembra o quão importante o trabalho de ombudsman foi para
a sua profissão em outros cargos na área de jornalismo, seja como colunista ou assessor de
imprensa. Para ele, nós ainda convivemos com um monstro que na década de 1960 - durante a
ditadura militar - empastelava jornais, invadia, batia em jornalistas, torturava e matava, como
aconteceu com o famoso caso do jornalista Vladimir Herzog.
Como atividade, o jornalismo político precisa cultivar fontes para desenvolver uma
narrativa e conteúdo com qualidade, mas acima disso, Maciel defende que os jornalistas
precisam buscar sempre a independência, a apuração de qualidade e saber identificar quando a
fonte tenta manipular ou transmitir informações inverídicas.
Embora o jornalismo e a política brasileira tenham se modificado nos últimos anos,
Roberto Maciel enfatiza sempre a busca pela qualidade, apuração, diversidade de fontes,
escrita qualificada e didática. Por outro lado, a rotina de produção jornalística impede que os
novos profissionais tenham o tempo necessário de apuração e maturação, como lembra a
professora Erilene Firmino - participante da conversa -, ao citar a perda de qualidade das
produções com o crescimento cada vez maior do hard news e dos “caça cliques” nas redações
brasileiras, além do fenômenos de jovens jornalistas assumirem muito cedo cargos de
liderança e chefia dentro dos jornais.

DESAFIOS
A audiência passa então a determinar cada vez mais o faturamento das empresas de
jornalismo, o que obriga os jornais a buscarem produzir os conteúdos mais buscados ou
aqueles que os leitores estão mais interessados, somado ainda a outras questões de
desvalorização da profissão, como a desobrigatoriedade do diploma para exercer o jornalismo
e a desvalorização dos salários, como a pejotização dos profissionais, o aumento da
carga-horária de trabalho e o ritmo industrial de produção que exige a escrita de matérias na
maior rapidez possível.
ENCONTRO COM AS CUNHÃS - 21/10/2022
Ouvir As Cunhãs - um podcast sobre política do Ceará formado por três jornalistas,
Kamila Fernandes, Inês Aparecida e Hébely Rebouças - uma semana antes do 2° turno sobre
jornalismo político, entrevista jornalística e o papel da mídia na democracia é sem dúvida uma
experiência formadora e elucidativa do cenário e contexto em que estamos vivendo.

Juntas, a equipe pôde falar sobre a atuação de cada uma na mídia hegemônica, os
desafios de fazer jornalismo político independente no Brasil e debater com a turma os
possíveis caminhos para o futuro do jornalismo e, claro, quais as críticas, elogios e embates
dentro do fazer jornalístico hoje.

JORNALISMO POLÍTICO NA PRÁTICA


Fazer jornalismo não é fácil, há suas particularidades, nuances, diferenças de escrita e
construções narrativas a depender da sua editoria ou caderno no jornal, é por isso que um
jornalista de cultura possui habilidades e técnicas diferentes de um jornalista econômico, por
exemplo, embora dividam juntos a mesma profissão e princípios deontológicos. No
jornalismo político, alguns critérios são essenciais para o exercício de um bom trabalho e
execução de uma pauta, como destaca o escritor e jornalista Franklin Martins no livro
Jornalismo Político (2005).
Para o autor, é essencial que um profissional desse ramo dialogue com muitas pessoas,
compare análises e pontos de vista, estabeleça boas relações com as fontes e tenha um olhar
apurado para identificar movimentos e tentativas de manipulação do que sairá no jornal.
Hébely Rebouças lembra que, independente do espectro político, todos os parlamentares têm
interesses e não querem ser prejudicados pelos jornais, por isso tentam - com estratégias
diferentes - evitar assuntos polêmicos ou investigações que venham a prejudicá-los, por isso
deve-se estabelecer uma relação cordial, com educação e respeito, mas nunca de submissão ou
completa concordância, já que é preciso, inevitavelmente, levantar dúvidas e comparações
com aquilo que está sendo dito em uma entrevista ou conversa de corredor.
Além disso, Martins lembra que o habitat natural do jornalista político é o Congresso
Nacional ou as Assembleias Legislativas de cada estado da federação, isso porque é lá onde
os deputados passam boa parte do tempo, se relacionam com seus assessores, debatem
projetos de lei e onde também ocorrem as famosas conversas de “bastidores”, aquilo que não
é dito oficialmente, mas que agrega um grande valor de importância no entendimento de uma
pauta. É claro que há outros lugares onde o jornalista pode percorrer, como os redutos
eleitorais de políticos, eventos, oficiais e não oficiais, entre outros. No entanto, com a
pandemia da Covid-19 e a digitalização das redações, esse critério se tornou mais volátil e boa
parte dos contatos é feita por e-mail, telefone, mensagens instantâneas ou chamadas de vídeo,
o que por um lado facilita as relações, embora se perca o contato físico e a aproximação com a
fonte.
Sobre esse último ponto, alguns jornalistas acabam por entrar em um terreno
movediço e desenvolvem relações com as fontes para além do esperado ou recomendado.
Franklin Martins sugere que essa questão seja tratada de forma com que o jornalista não fique
tão distante a ponto de perder a informação, nem próximo demais para que não se perca a
independência. É claro que algumas situações dependem da avaliação de cada jornalista,
como aceitar ou não um jantar na casa do governador ou um almoço com um parlamentar que
você acompanha mais de perto, já que podem ser usadas para te manipular ou, pelo contrário,
de lá podem sair informações muito ricas e uma confiança maior do político no profissional
do jornalismo.
Inês Aparecida lembra que uma boa relação com as fontes é essencial para o jornalista
político, como o próprio contato dela com muitos políticos do Ceará, que embora tenham uma
certa cordialidade e respeito entre si, a jornalista não deixa de fazer perguntas essenciais que
interessam à opinião pública e exigem respostas que sustentem um posicionamento. Como
Hébely Rebouças acrescentou, é saber manter o equilíbrio nessa “corda bamba”, já que, para
ela, os políticos não gostam do profissional que tece apenas elogios ou aquele que é sempre
duro demais, é preciso encontrar um ponto de manutenção dessas relações.
E embora a transparência no uso de fontes em uma notícia ou reportagem seja
essencial para o fazer jornalístico, por ser um princípio ético, o uso de fontes em off é muito
comum e muitas vezes necessário nas editorias de politica. Veja bem, muitos políticos não
dariam a maioria das declarações sobre escândalos de corrupção, desvio de verbas ou
tentativa de interferência na máquina pública se o jornalista não garantisse que aquela
informação seria dada em off, pelo menos naquele primeiro momento. É claro que isso é algo
a ser negociado entre o jornalista, a fonte e o editor, a depender do contexto e da situação, mas
o relevante, como destaca Franklin Martins, é a importância que essa ferramenta tem no
jornalismo político que não está presente em outras áreas, por isso é crucial reunir o maior
número de informações, ter um grande aporte de dados e poder cruzar aquilo que você tem e
perceber se a narrativa se encaixa ou se há algo destoante. Observar contextos, gestos,
expressões e a própria postura dos políticos é algo que pode dizer muita coisa, mesmo que não
seja verbalizado.
Outro ponto destacado por Martins é a correlação entre informação factual e
background information, ou seja, é essencial saber combinar as informações que chegam em
tempo real com análises já existentes sobre o tema, assim não se produz um conteúdo raso.
No entanto, o investimento na rapidez e na pressa por publicar dos grandes jornais deu
impulsionamento ao que chamamos de jornalismo declaratório, quando não se contesta,
aprofunda ou desenvolve uma análise de uma fala do presidente, por exemplo, o que se torna
extremamente danoso a partir do momento em que o jornalismo passa a ser uma espécie de
papagaio que ajuda a circular o que um político afirmou, dando margem para criar
interpretações na sociedade que dão vazão às estratégias de um parlamentar, por exemplo. É
preciso, portanto, identificar o que há por trás de um discurso, saber analisá-lo e estabelecer
qual a melhor forma de comunicar isso para os leitores, ouvintes ou telespectadores.
Franklin Martins destaca ainda a importância de compreender a personalidade dos
políticos para um bom relacionamento, já que há aqueles que são mais extrovertidos e
simpáticos, outros mais desconfiados e introspectivos, alguns detestam jornalistas e outros
amam holofotes. Inês Aparecida lembra do temperamento do ex-prefeito de Fortaleza Juraci
Magalhães, já Hébely conta o quão agressivo e irritado é Ciro Gomes, então saber lidar com
diferentes perfis exige identificar como cada um se comporta socialmente e entender os
limites dentro desses diálogos, afinal, não podemos nos submeter a situações constrangedoras
ou que nos agrida verbalmente.
Há pontos muito semelhantes ao que foi abordado pelas Cunhãs e aquilo orientado por
Franklin Martins em Jornalismo Político, isto é, ambos defendem que se faça um trabalho em
equipe, com divisão de tarefas, ajuda mútua e busca de informações em diferentes frentes,
assim como é importante conversar com colegas de trabalho mais experientes, sejam do
próprio veículo de comunicação em que trabalha ou profissionais de outros lugares, por que
não? Além disso, é importante ler jornais e desenvolver uma opinião crítica própria. Kamila
Fernandes, que é natural de São Paulo e veio para o Ceará na adolescência, explica que pouco
sabia da política cearense e a conversa com colegas foi muito importante para compreender o
contexto local, assim como pesquisas e interesses em disciplinas voltadas à ciência política.
Por fim, Franklin Martins defende que é essencial saber contextualizar a notícia, saber
sempre as “regras do jogo”, isto é, como a política brasileira funciona, suas particularidades e
peculiaridades, além de ter conhecimentos teóricos sobre a história do país e da política
nacional, fundamentais para a existência do que o autor chamou de background information.
ENTREVISTA POLÍTICA
Helena Chagas, no capítulo “Decifra-me ou te devoro: a entrevista política”, apresenta
as principais regras, cuidados a serem tomados e estratégias de entrevista com políticos, algo
que exige muito jogo de cintura e capacidade analítica para identificar o dito e o não dito. A
autora sustenta que, embora a entrevista esteja mais associada àquele texto corrido, longo e
com aprofundamento de perguntas, a ferramenta é essencial no jornalismo político, não só
para dar embasamento ao que está escrita como também para responsabilizar uma
determinada fala, colocar as devidas aspas em quem está fornecendo uma determinada
informação.
Para Chagas, as regras principais são estabelecer a transparência e fidelidade daquilo
que está sendo dito, ou seja, um jornalista jamais poderá distorcer uma informação ou tirá-la
do seu contexto, além de prezar pela clareza e objetividade, prezar pelo planejamento e
preparação antes da entrevista, exercer o papel de jornalista buscando questionar o
entrevistado sem trazer diretamente uma opinião sua ou juízo de valor, evidenciar o contexto
em que determinada entrevista foi feita, ter cuidado com entrevistas em off, deixar o
entrevistado relaxado em entrevistas ao vivo, entre outras abordagens feitas pela autora ao
longo de sua escrita.
De forma resumida, as podcasters comentam que entrevistar um político exige muita
análise do contexto, dos gestos, da voz, de apreensões técnicas, embora muitas coisas surjam
mesmo apenas com a prática e evolução do trabalho. Um profissional que atua há mais de dez
anos no Congresso com certeza tem mais experiência e um olhar mais apurado do que alguém
que chegou há cinco meses para cobrir política em Brasília.

A QUEM SERVE O JORNALISMO BRASILEIRO?


“O jornalismo poderá se libertar do seu pior inimigo: a imprensa tal como ela é hoje”,
é o que diz Perseu Abramo no livro Padrões de Manipulação na Grande Imprensa. É sabido
o quão concentrados são os meios de comunicação brasileiros, mais fortes no Sul e Sudeste e
pertencentes a grupos milionários de comunicação como Globo, SBT, Record e Band, para
citar os mais conhecidos. Fazer jornalismo em meio a essa pressão pelo lucro e para atender
aos interesses dos donos não é fácil, há muito estresse, angústia, medo e indignação com os
rumos da comunicação no país.
No posfácio do livro alguns truques de manipulação são abordados, como o lide às
avessas, manchetes encomendadas - a própria Inês conta que o jornal O Povo recebia quantias
em dinheiro de políticos para produzirem matérias favoráveis a eles -, cifras enganosas,
omissão aos fatos e exacerbação de alguns acontecimentos insignificantes, como o candidato
José Serra, que concorreu à presidência em 2010, e foi atingido por uma bolinha de papel em
um ato na rua, fato bobo, mas que foi tomado pela imprensa como um possível atentado,
rendendo até simulações em redes de televisão.
Esse assunto não é tão longo - embora renda muitas análises -, o importante aqui é
destacar a conjuntura atual dos meios de comunicação no Brasil que, como comenta Kamila
Fernandes, estão interessados em lucro, independente de quem venceu as eleições ou como
está a situação social do país, são grupos empresariais preocupados com números e não com
pessoas, embora existam profissionais muito capacitados e que fazem uma defesa ferrenha do
jornalismo nestes espaços. Por exemplo, a mídia teve um papel crucial para revelar escândalos
de corrupção no governo Bolsonaro, mais recentemente a relação entre pastores dentro do
Ministério da Educação em um esquema de propina para liberação de recursos em municípios
do país. É um papel ambíguo, que flutua entre o interesse público e empresarial, que ora
cumpre seu papel ora decepciona os princípios do jornalismo, e certamente é uma questão
muito importante para ser debatida nos próximos anos, afinal, a democratização do acesso à
informação e regulação dos meios de comunicação é uma pauta urgente para o Brasil há
décadas.
ENCONTRO COM BENEDITO TEIXEIRA - 21/10/2022

Benedito Teixeira é um dos diversos exemplos de como o profissional do jornalismo


se permuta, alterna entre as áreas de atuação e vive a precarização do trabalho na prática.
Formado em Jornalismo na Universidade Federal do Ceará (UFC), Benedito trabalhou na
sucursal da Gazeta Mercantil em Fortaleza, foi repórter de Economia do jornal O Povo,
assessor de imprensa em órgãos públicos municipais e privados, depois entrou no ramo da
assessoria parlamentar, primeiro na Câmara de Vereadores e posteriormente como assessor da
deputada federal Luizianne Lins (PT), no Congresso Nacional, desde o ano de 2019. Benedito
também possui mestrado e doutorado no departamento de Letras da UFC, além de ter livros
publicados na área de literatura.
Durante o encontro, o profissional pode conversar sobre as mudanças no jornalismo
brasileiro, as diferenças existentes a partir da inserção das redes sociais no trabalho em
comunicação, assim como o novo cenário do trabalho na imprensa, com redações cada vez
mais enxutas e um maior direcionamento dos profissionais para a dupla jornada ou segmentos
na área de assessoria e comunicação organizacional.

ASSESSORIA PARLAMENTAR HOJE


Para Benedito, a assessoria parlamentar funciona como o gerenciamento de uma
microempresa, com cada parlamentar limitado a contratar até 25 assessores, das mais
diferentes áreas, incluindo da comunicação. Por isso é importante destacar que são cargos de
confiança, que requerem conhecimento do parlamentar e afinidade ideológica, além, é claro,
de demonstrar habilidades técnicas, preparo acadêmico e bom relacionamento com o mundo
do jornalismo.
Nos dois encontros anteriores, pudemos aprender e conversar sobre a atuação do
jornalista na editoria de política, por isso tão importantes foram as leituras como as do
Franklin Martins - jornalista e escritor -, mas agora estamos do outro lado, de quem assessora
um parlamentar, se relaciona com a imprensa e com as mídias sociais a fim de buscar
notabilidade e reconhecimento da opinião pública. Mas se antes o papel principal do assessor
era incluir o político na imprensa, hoje isso se tornou um “brinde” (palavras de Benedito),
especialmente porque, segundo ele, 80% dos esforços e do trabalho com a Dep. Luizianne
Lins são destinados à divulgação do seu trabalho nas redes sociais e geração engajamento
digital, espaços muito mais valorizados hoje do que as capas de jornais ou entrevistas
exclusivas, embora elas não sejam de todo descartadas, já que o jornalismo ainda goza de um
certo prestígio e reconhecimento público. Exemplo dessas mudanças são a escrita de releases
cada vez mais curtos, com informações concisas e enviadas pelo WhatsApp, e o abandono do
mailing, uma mudança de paradigma quando comparamos com os releases de argumentação
mais longa e enviados por e-mail.
Essas mudanças são apresentadas por Benedito indicando haver uma certa
profundidade e alterações significativas ao longo do tempo. Sua última experiência em
assessoria parlamentar foi no ano de 2011, um período em que as redes sociais ainda não eram
preponderantes e nem exerciam uma influência tão grande na opinião pública, sendo então o
trabalho do assessor muito mais focado no contato com a imprensa e com jornalistas da
cidade. Hoje, boa parte dos conteúdos gerados nas redes sociais se transformam em notícias
ou notas na imprensa, como tweets e cortes de vídeos no Instagram, por exemplo.
Neste sentido, o assessor destaca que o jornalismo político hoje está muito mais
direcionado em fofocas, abordando intrigas e desavenças políticas, focando pouco nos debates
que interessam de fato a esfera pública definida por Habermas. Alguns dos exemplos são as
insistências de profissionais em questionarem Luizianne sobre a sua relação com o Capitão
Wagner, ex-candidato ao governo do Ceará e com Cid Gomes, senador do estado e irmão do
ex-candidato à Presidência Ciro Gomes.
Um dos pontos levantados no debate é o uso dessas estratégias do jornalismo como
forma de sobrevivência, obviamente por ter perdido espaço para as redes sociais. Ao gerar
polêmicas e declarações fortes, há uma certa abertura para que circulem cortes de vídeos,
áudio ou manchetes em destaque que impulsionam o número de curtidas, comentários e
acessos nas páginas de jornais, uma certa inversão da produção jornalística que não está bem
resolvida, embora hoje o jornalismo esteja de certa forma submisso à lógica industrial das
mídias sociais e não sabemos bem como resolver essa crise.
Em um desses momentos de buscar abordar polêmicas em torno da figura da deputada,
os jornais locais exploraram uma relação inexistente entre Capitão Wagner e Luizianne Lins,
que o definiu como não sendo um “bolsonarista clássico”, gerando uma crise interna dentro
do PT, da figura política da deputada e especialmente porque foi em um momento de
campanha política para a reeleição na Câmara Federal. Para reverter esse cenário e conter essa
crise de imagem, Luizianne decidiu que não concederia mais entrevistas para veículos de
mídia do Ceará, abrindo algumas exceções para a imprensa de outros estados e da mídia
independente, o que de fato funcionou e ajudou a dissipar o clima que se criou em torno da
figura política da deputada.
Em outro sentido, apesar da organização hierarquizada entre os assessores, o trabalho
é flexível, de certa forma horizontalizado e baseado em muita confiança, embora isso não seja
uma característica de todos os gabinetes parlamentares, já que políticas de direita e
extrema-direita tendem a adotar uma forma de organização do trabalho muito mais vertical.
Por fim, Benedito destaca que a presença das redes sociais também implicaram em mudanças
no trabalho do assessor, mesmo que exista uma legislação de trabalho que determine uma
carga horária limite, o ritmo e a exigência de uma disponibilidade full time é necessária na
assessoria parlamentar. A qualquer momento pode existir um assunto quente na Web que
precise de um impulsionamento nas redes, uma crise que aparece em um domingo ou uma
ligação de madrugada, é óbvio que isso são coisas comuns que surgem em uma assessoria
independentemente da época, mas é inegável que estão mais intensas e presentes nos dias de
hoje.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora o jornalismo político seja apenas uma das editorias dos jornais, exerce uma
influência, importância e relevância pública nas sociedades democráticas, além de ter uma
tarefa fundamental de constituir um espaço público dentro dos limites da democracia e que
proporcione contextos cada vez mais inclusivos e fundamentados no respeito. As coberturas
sobre violência política de gênero, a revelação de escândalos no poder Legislativo e esquemas
de corrupção no Executivo só foram possíveis pela presença de profissionais que se dedicam a
essas pautas.
Circula nas redes sociais nas últimas semanas que os quatro anos de governo
Bolsonaro deram grandes lições para o jornalismo, especialmente o político, embora acredite
que os meios de comunicação não precisam passar por processos tão violentos e ameaçadores
para aprenderem com seus próprios erros.
E mesmo que nem todos os estudantes de jornalismo sigam para essa área, o que é um
pouco óbvio, já que o mercado precisa de profissionais em outros campos, a formação política
é um processo fundamental independente da atuação profissional de cada novo jornalista
formado no país, por isso a importância de disciplinas como Comunicação e Política ou outras
relacionadas ao tema que façam parte das matrizes curriculares das graduações no Ceará e em
outros estados da federação.
Constituir uma visão crítica e bem fundamentada nos dá suporte e autonomia para
expandir nosso horizonte jornalístico, a maneira como se lê a pauta e como as coberturas são
feitas. A leitura de autores é essencial nesse processo, seja com intelectuais do campo
comunicacional, da Sociologia, Antropologia ou Ciência Política, já que uma formação
interdisciplinar não está descartada e pode enriquecer ainda mais o repertório de um
profissional do jornalismo.
Por último, a prática e a troca de saberes entre colegas de profissão - ou estudantes e
professores - é não só importante como também fortalecedor. Poder ouvir diferentes vozes do
jornalismo cearense com uma ampla cobertura na área de política sem dúvidas foi um
diferencial na disciplina e trouxe não só motivação para seguir esse percurso, mas um contato
com quem vive o jornalismo político na prática, seja como colunista, na cobertura em podcast
ou na assessoria parlamentar.
REFERÊNCIAS

ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. 2° edição. São Paulo:


Fundação Perseu Abramo, 2016

GOMES, Wilson. Comunicação e democracia: problemas & perspectiva. 1° edição. São


Paulo: Editora Paulus, 2008.

MARTINS, Franklin. Jornalismo Político. 1° edição. São Paulo: Editora Contexto, 2005.

SEABRA, Roberto. Jornalismo Político. 1° edição. São Paulo: Editora Record, 2006.

Você também pode gostar