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O contexto de produção da crônica: como se constitui a construção discursiva de

um autor?1

Michele Pereira Rodrigues 2


Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

Resumo

A crônica, gênero textual que tradicionalmente ocupa espaço nos jornais, tem como uma
de suas principais características ser formadora de opinião. Isso porque, embora o
jornalismo ainda carregue a pecha de se ancorar na objetividade, a crônica permite a
expressão da subjetividade de seu autor. Quando aborda temas sociais, a crônica pode
então, trazer à tona discussões importantes para a sociedade. O objetivo deste trabalho é
identificar o contexto de produção das crônicas de Luiz Ruffato no El País, autor que
frequentemente trata de temas sociais relevantes. Para isso, o corpus de análise será a
participação do autor na I Jornada de Mídia e Literatura, realizada em 8 de maio de 2017
na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde debateu com pesquisadores de sua obra.
Como material de apoio, as crônicas do autor darão suporte à análise.

Palavras-chave

Crônica; Luiz Ruffato; Engajamento social; Papel do intelectual.

Introdução

A crônica se desenvolveu no Brasil, diferente da maneira como ocorreu em outros


países, como um espaço que abarca diversos tipos de textos. Por vezes, pode carregar
características mais próximas à literatura e, em outras ocasiões, assemelhar-se com o texto
jornalístico. Essa fluidez também permitiu ao gênero adaptar-se a diversos meios de
comunicação, como o rádio, a TV e, mais recentemente, a internet.

1
Trabalho apresentado na Sessão Temática ST 1 - Comunicação e/ou Educação e Produção e Consumo
do II Congresso Internacional sobre Competência Midiática realizado na Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (FACOM/UFJF) entre os dias 23 a 25 de outubro de 2017.
2
Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:
michelepereiraa@gmail.com.
Embora não seja um ponto pacífico entre os diversos estudiosos do assunto, a
perspectiva de análise de Alceu Amoroso Lima (1990) parece interessante para superação
da dicotomia sobre o pertencimento da crônica aos campos do jornalismo e da literatura.
De acordo com o autor, o jornalismo constitui um gênero literário, situado como prosa de
apreciação de acontecimentos. Adotando esse viés, difere-se da novela, do romance, do
conto e do teatro, classificados pelo autor como literatura em prosa de ficção.

Sendo assim, acredita-se que umas das principais funções que a crônica tem na
atualidade é de ser formadora de opinião. Diferente do que aconteceu em um primeiro
momento, quando o gênero era entendido como menor e muitos escritores usavam
pseudônimos ao terem seus textos publicados em jornal, hoje ser cronista é sinal de
prestígio.

Nesse contexto, os jornais de maior circulação têm buscado manter um conjunto


de jornalistas, escritores, intelectuais e especialistas, escrevendo, na maioria das vezes,
em seus cadernos de Opinião, hoje como alternativa à crescente queda nas vendas dos
impressos. Como este pode ser considerado um dos poucos espaços nos jornais livres do
gatekeeper, dependendo do maior ou menor grau de liberdade concedido pelo veículo,
comumente projeta o nome do cronista como formador de opinião, em tempos que há
muita informação disponível, mas a profundidade da reflexão nem sempre está garantida.

Um dos autores que tem se destacado nesta seara é Luiz Ruffato. Cronista do
jornal El País desde o início dos trabalhos do jornal do país, Ruffato frequentemente adota
em seus textos uma postura combativa em relação a problemas sociais como racismo,
violência, educação, além de tratar frequentemente da crise política que o Brasil enfrenta3.
Deste modo, ao colocar-se como porta-voz de uma camada da população que rejeita
comportamentos que contribuem para a acentuação de um quadro de desrespeito ao ser
humano em suas mais diversas formas, o autor é visto como cronista engajado, para usar
as palavras de Antônio Candido (1992).

Por todas essas características, a crônica alça o nome de seu autor ao patamar de
formador de opinião. Aquilo que ele escreve, estando publicado num veículo de grande

3
Na literatura, onde conquistou diversos prêmios com seus romances, a abordagem é bem próxima.
circulação e alcance, dá a ele projeção, ao passo que também implica diversas
responsabilidades com os princípios éticos que determinam a função social do jornalismo.

O objetivo deste trabalho é identificar o contexto de produção das crônicas de Luiz


Ruffato no El País. Para isso, o corpus de análise será a participação do autor na I Jornada
de Mídia e Literatura, realizada em 8 de maio de 2017 na Universidade Federal de Juiz
de Fora, onde debateu com pesquisadores de sua obra. Como material de apoio, as
crônicas do autor darão suporte à análise.

1 O papel da imprensa no contexto da cibercultura

A imprensa é a principal produtora de informações e representações sobre o


mundo e, desta forma, influencia os modos de viver e pensar das sociedades. Essa
capacidade tem se acentuado ainda mais nos últimos anos, quando cresce a mediação
entre o sujeito e os fatos, como aponta Henry Jenkins (2009).

Na incapacidade de presenciar tudo o que acontece, o homem delega aos meios


de comunicação a possibilidade de selecionar e sintetizar o que lhe é interessante,
tornando público “tudo que o público necessita saber” (PENA, 2015, p. 71). Rosembaum
defende que no contexto da cibercultura, a seleção do um fato que vai ser noticiado passa
por uma espécie de curadoria, que ocorre “[...] quando o homem agrega um valor
qualitativo àquele conjunto de informações que está sendo compilado e organizado[...]. ”
(2011, p. 395)

Nas palavras de Sodré, ao ler um jornal, o leitor pressupõe que aquele discurso
seja verdadeiro. Todavia, há de se considerar que onde há discurso, há disputa pela
produção de sentido. Observa-se que, em geral, valores como verdade, imparcialidade e
objetividade ainda são buscados pelos leitores, muitas vezes nutridos pela garantia que os
meios de comunicação dão acerca da possibilidade de se alcançar isso. A partir dessa
noção, observa-se que a imprensa trabalha com a ideia de promessa. O leitor tem uma
expectativa e acredita que ela será atendida. Muitas vezes, essa promessa é fomentada
pela própria mídia, ciente da impossibilidade de cumpri-la. (Jost, 2004)

Patrick Charaudeau comenta essa problemática em seu livro “O discurso nas


mídias”. Ali, o autor defende que as mídias estão pautadas por três lógicas: econômica,
tecnológica e simbólica. Esta última, explica o autor, ocorre porque a mídia explora a
imagem de ser um meio democrático e que tem a função social de ajudar a população. O
fator tecnológico influencia no alcance da informação. Mas, assim como os demais pontos
destacados por Charaudeau, não podemos buscar entender o modo de produção midiático
sem considerar que estamos tratando de empresas e, sendo assim, em algum momento os
interesses econômicos se farão presentes.

Não que isso implique em manipulação deliberada de informações, como aponta


Sodré (2009), mas, em última instância, deve se notar que o jornal está de algum modo
negociando e, portanto, atende aos dispositivos tradicionais de poder, como são, por
exemplo, as empresas que anunciam neste espaço e as audiências, como aponta Wilson
Gomes (2009).

Isso passar a ocorrer a partir do século XX, quando o jornalismo toma forma de
comunicação em massa e passa a adotar o modelo empresarial, tornando-se o que Genro
Filho (2012) chama de indústria da informação, cuja mercadoria principal é a notícia. Os
principais problemas desse modelo são apontados por Calado e Rocha:

Junto a essa forma de se “mostrar” para a sociedade vem uma


série de abusos e violências simbólicas: a não criticidade em
relação ao papel da mídia, o questionamento sobre a
subjetividade de quem narra os fatos, o silenciamento de questões
oriundas das demandas sociais, a construção social da realidade
e o juízo de valor atribuído a “heróis” e “vilões”. Todos esses
aspectos citados trazem grandes prejuízos à sociedade, por
ocultar e assim não permitir que mudanças significativas
aconteçam, contribuindo para a manutenção do status quo.
(CALADO, ROCHA, p. 13, 2017)

O ponto de vista dos autores é importante pois demonstra uma visão crítica cerca
do fato de uma das lógicas apontadas por Charaudeau prevalecer sobre as demais. Esse
autor aponta então que as mídias são construídas pelas sociedades do mesmo modo que
constrói essas sociedades, são, portanto “o espetáculo da democracia.”
(CHARAUDEAU, p. 2006). O grande obstáculo, de acordo com Calado e Rocha, é a
mídia não tratar de situações pertinentes à sociedade como um todo.

O silenciamento por parte da grande mídia traz prejuízos, pois


como discursos opostos aos interesses midiáticos não aparecem,
é como se eles não existissem para a maioria da população.
Observamos, desse modo, diferentes classes sociais dominadas
reproduzindo, de modo acrítico, discursos dominantes que
justificam a dominação e a opressão: mulheres reproduzindo o
machismo; trabalhadores defendendo menos direitos em seu
plano de carreira e aposentadorias, a favor da reforma da
previdência; etc. (CALADO, ROCHA, p. 18, 2017)

De fato, quando o autor imagina seu público alvo, isso influencia no seu discurso.
Alfredo Vizeu (2005) chama esse fenômeno de audiência presumida. Para ele,
atualmente, a criação e produção de bens culturais, como obras de arte e espetáculos, está
subordinada a uma audiência disposta a recebê-la, que pode ser medida através de
pesquisas de mercado. Desse modo, a viabilização desses produtos pode ocorrer com o
objetivo principal de atender aos anseios do público, situação problemática no sentido de
que pode contribuir para reverberar estigmas e preconceitos desse mesmo público. Além
disso, têm-se aqui um afastamento entre o texto e seu sentido, já que seu valor não se dá,
por exemplo, quando observadas as características estilísticas, mas a capacidade do autor
de conquistar o público receptor.

Patrick Charaudeau critica a fala comum de que o jornalismo seria o quarto poder.
Isso porque diferente dos outros três, não tem regras ou normas conhecidas por todos os
envolvidos. Também por esse motivo Motta (2017) defende que a comunicação só se
completa quando o destinatário reconhece as intenções do falante. De que modo, então,
poderíamos então trabalhar no sentido de um enfrentamento dos desafios da produção
cultural subordinada ao capital?

2 A literacia midiática e suas contribuições para a democracia

Para responder à pergunta que encerra a primeira seção deste trabalho, recorremos
ao conceito de literacia. Diversos estudiosos apontam no sentido de incentivar nos
sujeitos o desenvolvimento de habilidades de codificação e decodificação de mensagens.

No contexto da “Sociedade do Espetáculo”, Guy Debord propõe haver uma


subversão da oposição entre produção e consumo, na qual os sujeitos tradicionalmente
entendidos como consumidores passam a ter papel relevante na produção de novos
conteúdos, podendo assim expressar sua criatividade e agir com maior autonomia.
Tratando do advento da internet, Valderrama (2014) sustenta que a própria
configuração da rede permite o surgimento de novas formas de resistência, provenientes
da combinação de informação disponível. Para Ferrés (2014), no entanto, o surgimento
de novas tecnologias que possibilitam a participação em massa não implica,
necessariamente, no engajamento do cidadão. Sendo assim, é possível que o cidadão
esteja mais conectado, mas, segundo Valderrama (2014), a qualidade da interação nas
redes deveria ser o fator primordial a ser buscado.

O conceito de literacia, apropriado pelo campo da comunicação, tem em Henry


Jenkins (2009) um dos principais expoentes. Para o autor, a noção de cultura participativa
representa um contraste à passividade dos meios de comunicação mais tradicionais. O
exemplo elementar dessa lógica seria a TV, que, em sua gênese, permitia pouca interação
com os seus espectadores.

A literacia pode ser entendida como o conjunto das habilidades relacionadas ao


uso consciente da língua e dos aparatos instrumentais ligados a ela. A ideia é propor o
empoderamento dos sujeitos frente às mídias a ponto de serem capazes de realizar uma
leitura crítica tanto da produção, como de todo o processo para que um conteúdo seja
divulgado. Nesse sentido, o sujeito poderia compreender como as mídias filtram
percepções e crenças, formatam a cultura popular e influenciam as escolhas individuais e
coletivas.

A literacia baseia-se também no pressuposto de que o aprendizado do sujeito deve


partir de seu repertório pessoal. Pierre Levy (2003) defende a ideia de que há uma
inteligência coletiva que, se valorizada e coordenada, resultaria em desenvolvimento das
competências para serem usadas em prol da coletividade. De acordo com o autor, todos
os indivíduos podem oferecer conhecimento, basta descobrir em qual contexto cada saber
é considerado valioso.

Todavia, para que este processo se torne real, é necessário superar alguns entraves.
De acordo com um dos principais sociólogos da contemporaneidade, Zygmunt Bauman ,
há, atualmente, uma crise de representação principalmente no âmbito dos governantes
que tem como consequência o esmorecimento da confiança nas instituições.

A questão é discutida por Carlos Eduardo Valderrama em “Cidadania e formação


cidadã na sociedade da informação” (2014). Para o autor, um dos fatores que
desencadearam esse processo foi o avanço neoliberal das empresas privadas. Nessa
dinâmica, temos como agravantes uma ineficiente formação cidadã, que se dá muitas
vezes no seio de instituições escolares pautadas pela dinâmica do capital e uma mídia
que, atendendo aos anseios do mercado, contribui na disseminação de informações com
um único viés.

É indispensável que o acesso à informação esteja disponível a um número cada


vez maior de pessoas. Contudo, Ferrés (2014) assinala a existência de níveis de
participação, onde há certo controle social em situações em que se observa uma sensação
de liberdade. Nos níveis aparentemente primários de participação, Ferrés aponta que a
participação emocional é ferramenta usada para a identificação e projeção de uma
determinada causa. Isso, de certa forma, ajuda a explicar o momento de polarização
política e social atual e o surgimento de soluções populistas e simplistas para os problemas
que enfrentamos na contemporaneidade.

3 Análise da entrevista

Para buscar entender o tipo de conteúdo presente na mídia, buscamos destacar a


obra de um dos autores que tem espaço semanal no El País, um dos jornais de maior
circulação no Brasil atualmente. Esse autor é Luiz Ruffato. Jornalista, mineiro, escritor
premiado, Ruffato tem como característica lançar luz sobre a história de vida de pessoas
comuns, abordando frequentemente questões sociais como violência, racismo, corrupção
e desenraizamento, no sentido de que as pessoas perderam suas referências espaciais na
atualidade.

Como corpus, analisaremos o debate realizado entre o autor e os pesquisadores de


sua obra, que ocorreu em maio de 2017 na Universidade Federal de Juiz de Fora, na I
Jornada de Mídia e Literatura.

Pelo tipo de temas que trata, o autor é comumente entendido como um emissor
autorizado de uma camada social pouco representada na literatura. Entretanto, ao refletir
sobre esse papel, o autor o nega, afirmando que “[...] quando um militante milita, ele sai
da massa, ele vira outra coisa: ele vira classe média média, intelectualizada.” (RUFFATO,
2017, s/p.).
A perspectiva do autor é interessante. De fato, ao negar o papel engajado da
literatura, afirmando que seu compromisso primeiro deve ser transcender o tempo e
espaço em que foi produzida, Ruffato acredita que justamente essa é a diferença da
literatura para o jornalismo. Para ele, o compromisso deste segundo é momentâneo,
embora destaque que isso não quer dizer que sua escrita é pouco profunda.

Já na crônica, que é um gênero que transita entre jornalismo e literatura e ao qual


o autor tem se dedicado nos últimos anos, sobre a questão de engajamento, o autor reflete:

A grande diferença entre escrever crônica política e literatura:


porque na crônica política eu posso dizer claramente. Você quer
saber o que eu penso? De uma maneira clara e óbvia eu penso
exatamente isso. Está lá no El País. Não escondo absolutamente
nada do meu pensamento. Pode concordar, discordar, achar
aquilo legal ou não achar legal, não tem problema. Mas está lá
claro. Agora, nos livros é o leitor que tem que construir.
(RUFFATO, 2017, s/p.)

Observando o trecho da entrevista exposto acima, é possível identificar que


Ruffato então divide sua produção em dois momentos, a saber, crônicas políticas e
crônicas literárias. Para ele, a crônica literária é aquela que narra uma situação e está mais
próxima à ficção. Já as crônicas políticas mencionam situações do noticiário, ancorando-
se por exemplo em figuras políticas e os desdobramentos de suas ações. Mas, de que
forma essa construção acontece? Como o autor faz a curadoria e decide os temas a serem
tratados? Respondendo a essas perguntas, Ruffato declara:

Eu tive então nessa reunião e eles me convidaram para escrever


uma crônica, na verdade eles falaram assim “Você vai ter um
espaço no jornal” e eles pagavam bem e eu falei “Eu não vou
fazer reportagem” e eles falaram “Você fez o que você quiser”. E
eu falei “Mas se eu quiser escrever crônica literária?” “Pode
escrever”. E eu comecei então fazendo crônica literária, só que
ninguém lia. Aí eu falei “Poxa vida, se eu continuar fazendo
crônica literária e ninguém lendo, esses caras não vão querer que
eu continue aqui. Aí eu falei “Deixa eu fazer uma experiência
aqui. ” Aí comecei a fazer experiências de fazer crônica política.
Todo mundo lia. Aí eu colocava crônica político literária e falei
“Quem sabe o público de crônica política, vai ler as crônicas
literárias.” Ninguém lia. Aí eu falei “Eu estou num impasse aqui,
eu vou deixar de fazer crônica literária. ” Com o passar do tempo,
eu fui só fazendo crônicas políticas e cada vez mais me afastando
das crônicas literárias. A crônica literária, de vez em quando eu
contrabandeava uma, aí desabava o número de eleitores. E a
crônica política, teve uma que deu 45 mil leitores diretos, fora os
compartilhamentos [...] (RUFFATO, 2017, s/p.)

Sendo assim, percebemos na fala do autor uma inclinação para atender à audiência
do veículo para qual escreve, o que, como vimos, modifica seu texto antes mesmo da
escrita. O problema disso, segundo Calado e Rocha é quando a mídia tem como
pressuposto atender à demanda de um público específico deixando de tratar de temas
sociais relevantes. Mas Ruffato se resguarda dessa queixa ao refletir sobre os personagens
e temas que aborda.

[...] não é que escrever sobre classe média baixa seja um recorte
mais interessante que escrever sobre classe média alta, não é isso.
O que eu insisto é, como não há literatura sobre isso e eu acho
importante que alguém tenha uma representação da sociedade
como um todo, eu escolhi esse caminho. E, veja bem, quando eu
escolhi esse caminho, eu não escolhi esse caminho do ponto de
vista populista, tanto que os meus livros não são fáceis de ler.
(RUFFATO, 2017, s/p.)

Todavia, quando questionado sobre a influência do veículo para o qual escreve, o


autor pondera: “Quando o El País me convidou para ser cronista, [...] eu fiz duas
exigências apenas. Uma era que eu pudesse escrever o que me desse na telha. E segundo,
que não houvesse comentário na página. ” (RUFFATO, 2017, s/p.). Sendo assim, na visão
do autor, ele se pouparia de críticas em decorrência de seu então recente discurso na Feira
de Frankfurt, no qual havia sido alvo.

Por fim, ao ser questionado acerca da situação de demanda que os leitores têm,
Ruffato aponta que ele não pode se pautar nisso, já que cada leitor de seus textos tem
expectativas e repertório distintos para lê-los.

Mas, veja bem: nem na literatura, nem nessas crônicas, não me


interessa, não posso me pautar no meu leitor porque ele tem
interesses específicos. Então, o que eu tento fazer? Como na
literatura eu faço isso com mais segurança, é tentar compreender
o que a memória coletiva está discutindo naquele momento.
(RUFFATO, 2017, s/p.)

Nesse sentido, acreditamos que o autor trabalhe em prol de uma co-participação


do leitor na produção de sentido de seus textos, que é, de certo modo, um dos preceitos
da literacia. Obviamente, ele ocupa um espaço privilegiado de fala, mas frequentemente
reitera o caminho percorrido até ali, o que de certa forma, pode contribuir para a
percepção de que outros indivíduos podem buscar seu espaço na produção de conteúdo,
observando o potencial da crônica em ser formadora de opinião. Sua postura em relação
a seu modo de produção, ao mercado editorial e ao público com o qual interage ao menos
não é de negar as posturas econômicas.

Considerações finais

Entendemos que ser jornalista é travar batalhas diárias entre preservar a notícia
enquanto bem púbico e atender às demandas de mercado. Para o cronista o desafio é
semelhante. A crônica tem se caracterizado como um gênero que no decorrer dos anos
tem se adaptado a diversos suportes. Com o advento da internet, período conhecido como
era da informação, demonstra mais uma vez sua versatilidade, mas também tem
contribuído como um meio de formação de opinião de sua audiência.

O conteúdo que está na mídia por vezes não é selecionado de forma a promover
representatividade, mas atendendo ao que o mercado exige. Embora não seja novidade
que a audiência é importante para a produção e circulação de conteúdo, hoje o movimento
de distribuição e circulação de conteúdo vai em direção a um modelo mais participativo,
em que vozes até então silenciadas também tem possibilidade de produção. É o caso da
postura adotada pelo autor estudado, Luiz Ruffato.

Diante disso, a literacia midiática aparece como alternativa para fortalecer o


empoderamento de populações que ainda hoje, não percebem o potencial que tem para
produzir conteúdo midiático. O primeiro passo que é buscar ciência sobre o que está na
mídia tem, aos poucos, avançado. Depois disso, o que se deve buscar são as competências
para intervenção nesse meio.

Referências
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