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um autor?1
Resumo
A crônica, gênero textual que tradicionalmente ocupa espaço nos jornais, tem como uma
de suas principais características ser formadora de opinião. Isso porque, embora o
jornalismo ainda carregue a pecha de se ancorar na objetividade, a crônica permite a
expressão da subjetividade de seu autor. Quando aborda temas sociais, a crônica pode
então, trazer à tona discussões importantes para a sociedade. O objetivo deste trabalho é
identificar o contexto de produção das crônicas de Luiz Ruffato no El País, autor que
frequentemente trata de temas sociais relevantes. Para isso, o corpus de análise será a
participação do autor na I Jornada de Mídia e Literatura, realizada em 8 de maio de 2017
na Universidade Federal de Juiz de Fora, onde debateu com pesquisadores de sua obra.
Como material de apoio, as crônicas do autor darão suporte à análise.
Palavras-chave
Introdução
1
Trabalho apresentado na Sessão Temática ST 1 - Comunicação e/ou Educação e Produção e Consumo
do II Congresso Internacional sobre Competência Midiática realizado na Faculdade de Comunicação da
Universidade Federal de Juiz de Fora (FACOM/UFJF) entre os dias 23 a 25 de outubro de 2017.
2
Mestranda em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail:
michelepereiraa@gmail.com.
Embora não seja um ponto pacífico entre os diversos estudiosos do assunto, a
perspectiva de análise de Alceu Amoroso Lima (1990) parece interessante para superação
da dicotomia sobre o pertencimento da crônica aos campos do jornalismo e da literatura.
De acordo com o autor, o jornalismo constitui um gênero literário, situado como prosa de
apreciação de acontecimentos. Adotando esse viés, difere-se da novela, do romance, do
conto e do teatro, classificados pelo autor como literatura em prosa de ficção.
Sendo assim, acredita-se que umas das principais funções que a crônica tem na
atualidade é de ser formadora de opinião. Diferente do que aconteceu em um primeiro
momento, quando o gênero era entendido como menor e muitos escritores usavam
pseudônimos ao terem seus textos publicados em jornal, hoje ser cronista é sinal de
prestígio.
Um dos autores que tem se destacado nesta seara é Luiz Ruffato. Cronista do
jornal El País desde o início dos trabalhos do jornal do país, Ruffato frequentemente adota
em seus textos uma postura combativa em relação a problemas sociais como racismo,
violência, educação, além de tratar frequentemente da crise política que o Brasil enfrenta3.
Deste modo, ao colocar-se como porta-voz de uma camada da população que rejeita
comportamentos que contribuem para a acentuação de um quadro de desrespeito ao ser
humano em suas mais diversas formas, o autor é visto como cronista engajado, para usar
as palavras de Antônio Candido (1992).
Por todas essas características, a crônica alça o nome de seu autor ao patamar de
formador de opinião. Aquilo que ele escreve, estando publicado num veículo de grande
3
Na literatura, onde conquistou diversos prêmios com seus romances, a abordagem é bem próxima.
circulação e alcance, dá a ele projeção, ao passo que também implica diversas
responsabilidades com os princípios éticos que determinam a função social do jornalismo.
Nas palavras de Sodré, ao ler um jornal, o leitor pressupõe que aquele discurso
seja verdadeiro. Todavia, há de se considerar que onde há discurso, há disputa pela
produção de sentido. Observa-se que, em geral, valores como verdade, imparcialidade e
objetividade ainda são buscados pelos leitores, muitas vezes nutridos pela garantia que os
meios de comunicação dão acerca da possibilidade de se alcançar isso. A partir dessa
noção, observa-se que a imprensa trabalha com a ideia de promessa. O leitor tem uma
expectativa e acredita que ela será atendida. Muitas vezes, essa promessa é fomentada
pela própria mídia, ciente da impossibilidade de cumpri-la. (Jost, 2004)
Isso passar a ocorrer a partir do século XX, quando o jornalismo toma forma de
comunicação em massa e passa a adotar o modelo empresarial, tornando-se o que Genro
Filho (2012) chama de indústria da informação, cuja mercadoria principal é a notícia. Os
principais problemas desse modelo são apontados por Calado e Rocha:
O ponto de vista dos autores é importante pois demonstra uma visão crítica cerca
do fato de uma das lógicas apontadas por Charaudeau prevalecer sobre as demais. Esse
autor aponta então que as mídias são construídas pelas sociedades do mesmo modo que
constrói essas sociedades, são, portanto “o espetáculo da democracia.”
(CHARAUDEAU, p. 2006). O grande obstáculo, de acordo com Calado e Rocha, é a
mídia não tratar de situações pertinentes à sociedade como um todo.
De fato, quando o autor imagina seu público alvo, isso influencia no seu discurso.
Alfredo Vizeu (2005) chama esse fenômeno de audiência presumida. Para ele,
atualmente, a criação e produção de bens culturais, como obras de arte e espetáculos, está
subordinada a uma audiência disposta a recebê-la, que pode ser medida através de
pesquisas de mercado. Desse modo, a viabilização desses produtos pode ocorrer com o
objetivo principal de atender aos anseios do público, situação problemática no sentido de
que pode contribuir para reverberar estigmas e preconceitos desse mesmo público. Além
disso, têm-se aqui um afastamento entre o texto e seu sentido, já que seu valor não se dá,
por exemplo, quando observadas as características estilísticas, mas a capacidade do autor
de conquistar o público receptor.
Patrick Charaudeau critica a fala comum de que o jornalismo seria o quarto poder.
Isso porque diferente dos outros três, não tem regras ou normas conhecidas por todos os
envolvidos. Também por esse motivo Motta (2017) defende que a comunicação só se
completa quando o destinatário reconhece as intenções do falante. De que modo, então,
poderíamos então trabalhar no sentido de um enfrentamento dos desafios da produção
cultural subordinada ao capital?
Para responder à pergunta que encerra a primeira seção deste trabalho, recorremos
ao conceito de literacia. Diversos estudiosos apontam no sentido de incentivar nos
sujeitos o desenvolvimento de habilidades de codificação e decodificação de mensagens.
Todavia, para que este processo se torne real, é necessário superar alguns entraves.
De acordo com um dos principais sociólogos da contemporaneidade, Zygmunt Bauman ,
há, atualmente, uma crise de representação principalmente no âmbito dos governantes
que tem como consequência o esmorecimento da confiança nas instituições.
3 Análise da entrevista
Pelo tipo de temas que trata, o autor é comumente entendido como um emissor
autorizado de uma camada social pouco representada na literatura. Entretanto, ao refletir
sobre esse papel, o autor o nega, afirmando que “[...] quando um militante milita, ele sai
da massa, ele vira outra coisa: ele vira classe média média, intelectualizada.” (RUFFATO,
2017, s/p.).
A perspectiva do autor é interessante. De fato, ao negar o papel engajado da
literatura, afirmando que seu compromisso primeiro deve ser transcender o tempo e
espaço em que foi produzida, Ruffato acredita que justamente essa é a diferença da
literatura para o jornalismo. Para ele, o compromisso deste segundo é momentâneo,
embora destaque que isso não quer dizer que sua escrita é pouco profunda.
Sendo assim, percebemos na fala do autor uma inclinação para atender à audiência
do veículo para qual escreve, o que, como vimos, modifica seu texto antes mesmo da
escrita. O problema disso, segundo Calado e Rocha é quando a mídia tem como
pressuposto atender à demanda de um público específico deixando de tratar de temas
sociais relevantes. Mas Ruffato se resguarda dessa queixa ao refletir sobre os personagens
e temas que aborda.
[...] não é que escrever sobre classe média baixa seja um recorte
mais interessante que escrever sobre classe média alta, não é isso.
O que eu insisto é, como não há literatura sobre isso e eu acho
importante que alguém tenha uma representação da sociedade
como um todo, eu escolhi esse caminho. E, veja bem, quando eu
escolhi esse caminho, eu não escolhi esse caminho do ponto de
vista populista, tanto que os meus livros não são fáceis de ler.
(RUFFATO, 2017, s/p.)
Por fim, ao ser questionado acerca da situação de demanda que os leitores têm,
Ruffato aponta que ele não pode se pautar nisso, já que cada leitor de seus textos tem
expectativas e repertório distintos para lê-los.
Considerações finais
Entendemos que ser jornalista é travar batalhas diárias entre preservar a notícia
enquanto bem púbico e atender às demandas de mercado. Para o cronista o desafio é
semelhante. A crônica tem se caracterizado como um gênero que no decorrer dos anos
tem se adaptado a diversos suportes. Com o advento da internet, período conhecido como
era da informação, demonstra mais uma vez sua versatilidade, mas também tem
contribuído como um meio de formação de opinião de sua audiência.
O conteúdo que está na mídia por vezes não é selecionado de forma a promover
representatividade, mas atendendo ao que o mercado exige. Embora não seja novidade
que a audiência é importante para a produção e circulação de conteúdo, hoje o movimento
de distribuição e circulação de conteúdo vai em direção a um modelo mais participativo,
em que vozes até então silenciadas também tem possibilidade de produção. É o caso da
postura adotada pelo autor estudado, Luiz Ruffato.
Referências
CALADO, ROCHA. Narrativas jornalísticas sob a luz da pragmática: uma análise
das implicações ideológicas a partir da perspectiva de Motta e Habermas. In:
SOSTER, D. de A. PICCININ, F. Q. Narrativas midiáticas contemporâneas:
perspectivas epistemológicas. Santa Cruz do Sul: Catarse, 2017.
CANDIDO, A. A vida ao rés-do-chão. In: A crônica: o gênero, sua fixação e suas
transformações no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992.
CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. São Paulo: Contexto, 2006.
FERRÉS, J. Educomunicação e cultura participativa. In: APARICI, R. (Org.)
Educomunicação: para além do 2.0. Tradução de Luciano Menezes Reis. São Paulo:
Paulinas, 2014.