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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

IMPRENSA, PARTIDO DOS TRABALHADORES E


ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS (1989-2006)
Fernando Antônio Azevedo1

Resumo: O trabalho discute a posição e o comportamento da imprensa


escrita de circulação nacional (jornais e revistas) em relação às
candidaturas presidenciais do candidato petista Lula entre 1989 a 2006. O
texto revisa a literatura sobre o assunto, reconstitui a trajetória política e
eleitoral do PT e propõe uma classificação da imagem política do partido na
mídia e na opinião pública. Com base nessa classificação o trabalho tenta
construir uma explicação para o comportamento da imprensa diante das
seguidas candidaturas de Lula à presidência do país.

Palavras chaves: política, eleição e mídia

Como a chamada grande imprensa escrita brasileira, formada por jornais e


revistas de circulação nacional, cobriu e enquadrou o Partido dos Trabalhadores (PT) e
seu candidato (Lula) nos cinco episódios eleitorais em que o partido e Lula disputaram a
Presidência da república? A pergunta é pertinente e importante para avaliar o
comportamento do jornalismo político brasileiro considerando-se que, entre nós, o
modelo de jornalismo é inspirado pelo modelo comercial norte-americano. Neste
modelo os jornais se definem como órgãos independentes e desvinculados de partidos e
governos ao contrário da imprensa partidária em que os jornais são controlados por um
partido (caso dos extintos L’Humanite da França e do Rinascita da Itália ) ou têm forte
identificação com posições ideológicas ou interesses partidários (caso do El País e o
recente El Público na Espanha) ou a governos (como o nosso Ultima Hora nos anos 60
durante os governos Vargas e Goulart).

Como sabemos, a nossa grande imprensa atual está estruturada de forma


empresarial num mercado de informação bastante competitivo e sua fonte de
financiamento depende basicamente da circulação e dos anunciantes, ou seja, não
depende de partidos ou de subsídios governamentais. Baseadas nessa autonomia
econômica e na desvinculação partidária os principais jornais e revistas de circulação

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UFSCAR f a@uol.co m. br
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nacional se definem como veículos independentes e apartidários, embora, é claro, isso


não exclua preferências ideológicas, compartilhamento de valores políticos e até mesmo
apoios eleitorais circunstanciais. Quanto à televisão (bem como o rádio), esta é
fortemente regulada pela legislação eleitoral e no período eleitoral é obrigada a dar
tratamento equilibrado nas coberturas eleitorais aos partidos e candidatos. Contudo,
apesar da legislação eleitoral que regula os veículos eletrônicos e da autodeclaração de
independência e apartidarismo da imprensa escrita, e como já apontei noutro texto
(AZEVEDO, 2006) o nosso sistema de mídia é historicamente conservador do ponto de
vista político. Esta característica certamente está ligada em parte ao fato dos principais
meios de comunicação de massa estar concentrada nas mãos de poucas famílias (entre
as mais relevantes: Marinho, Mesquita, Civita e Frias) que detém a propriedade cruzada
dos principais veículos impressos (jornais e revistas), eletrônicos (rádio e televisão) e
digitais (portais e provedores) do país. Ao lado do conservadorismo, a concentração e a
propriedade cruzada dos meios de comunicação resultam também numa reduzida
pluralidade externa do nosso sistema de mídia, o que implica, por sua vez, numa
redução da diversidade e confronto de opiniões e no estreitamento do debate público.

Mas, a despeito dos limites do nosso pluralismo externo, não há dúvida de que a
grande imprensa brasileira (e a partir de agora nos referimos apenas e especificamente a
imprensa escrita), à medida que passou a se definir como independente e apartidária e
impulsionada, seja por constrangimentos deontológicos (decorrentes dos modelos ideais
da prática jornalística) ou por pressão da competição comercial e jornalística (que
transforma a informação com credibilidade na principal mercadoria jornalística),
incorporou desde a redemocratização políticas editoriais orientadas para o pluralismo
interno. Ao assim fazê-lo ampliou os limites democráticos ao avançar, ainda que com
resultados desiguais entre os veículos, na diversidade de informações e opiniões
disponíveis aos cidadãos. Basicamente, isso significou a prática de um jornalismo
informativo guiado pelas regras da “objetividade” e “imparcialidade” possíveis (porque,
é claro, não há objetividade nem neutralidade absoluta) e pela cobertura equilibrada
como recomendam os cânones normativos do jornalismo liberal e dos manuais de
redação da imprensa norte-americana.

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Porém, no Brasil, a incorporação de políticas de pluralidade interna se dá em


tensão permanente com a natureza historicamente conservadora da mídia brasileira que
se manifesta através de outra tradição enraizada em nosso campo jornalístico: o
jornalismo opinativo. Ao contrário do jornalismo norte-americano, predominantemente
informativo (o USA Today é o melhor exemplo, mas mesmo jornais mais opinativos
como o NYT e o Washington Post mantém as páginas informativas blindadas em relação
às páginas de opinião), o jornalismo brasileiro mantém uma forte ênfase na opinião
expressa através de editoriais, artigos e colunas assinadas. No caso brasileiro, há dois
problemas nessa ênfase no jornalismo opinativo. Primeiro, a clara hegemonia dos
jornalistas e articulistas que compartilham valores políticos de centro-direita e/ou a
agenda temática do que FRASER (1992) define como “público forte”, ou seja, dos
vários grupos que formam as elites do país. Em segundo lugar, nos momentos em que
há uma forte polarização eleitoral ou nos episódios de crise política e institucional se
torna evidente a tensão entre as páginas opinativas e informativas, potencializando o
risco das primeiras contaminarem as segundas e produzirem viés na cobertura e
reportagens.

Frente a esta configuração do campo jornalístico a entrada em cena no campo


político de um partido de esquerda e de massas como PT, que em poucos anos de vida
se tornou competitivo na arena eleitoral como nenhum outro partido de esquerda no
Brasil e polarizou o confronto eleitoral com as forças de centro-direita desde a primeira
eleição presidencial direta após a redemocratização do país, desafiou à retórica de
independência e apartidarismo da nossa mídia. Respeitando-se a legítima opção
democrática de cada veículo da imprensa optar por uma das candidaturas em
competição, a questão a ser respondida é se o PT e o seu candidato presidencial
desde 1989 (Lula) receberam um tratamento equilibrado e em pé de igualdade com
seus principais adversários políticos. De algum modo essa é a “prova do pudim” do
reivindicado espírito independente da nossa imprensa, pois essa suposta independência
só estará devidamente testada quando confrontada frente a situações de polarização
eleitorais entre a esquerda e a direita. Caso a resposta seja negativa, é necessário
produzir uma explicação consistente que vá além da teoria conspiratória das

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“classes dominantes” contra o PT ou da simples constatação de que o DNA da


mídia é conservadora e ponto final.

Partindo desta questão o trabalho revisa a literatura e os dados sobre a cobertura


da mídia e impressa das campanhas eleitorais presidenciais desde as eleições de 1989.
Os dados são restritos aos pleitos de 2002 e 2006 realizados pelo DOXA – laboratório
de pesquisa em comunicação política e opinião pública do IUPERJ e pelo Observatório
Brasileiro de Mídia, pois, infelizmente, não há uma série histórica sobre o
comportamento da mídia nos processos eleitorais desde 1989. Esta lacuna prejudica
uma comparação mais acurada entre os pleitos, mas os dados disponíveis sobre a
cobertura das duas últimas eleições presidenciais e os ensaios interpretativos sobre a
cobertura dos pleitos presidenciais de 1989, 1994 e 1998 permitem, ainda que com
alguma prudência e ressalvas, sustentar as conclusões apresentadas neste texto.

A estrutura do trabalho está dividida em duas partes: na primeira sintetiza a


trajetória política do PT e oferece uma classificação desse trajeto e da imagem pública
do partido na mídia e na terceira examina a cobertura da grande imprensa ao candidato
petista nas cinco eleições presidenciais travadas a partir de 1989 a partir da revisão da
literatura sobre o tema.

1. A trajetória política do PT e sua imagem na mídia

O Partido dos Trabalhadores foi fundado em 10 de fevereiro de 1980. Formado


ainda sob o regime autoritário a sua criação foi decorrente da reforma partidária
promovida um ano antes pelo governo militar como uma das etapas da
redemocratização do país. Ao contrário da tradição partidária brasileira o PT nasceu
fora do congresso a partir da iniciativa da liderança sindical do ABCD paulista que
tinha em Lula seu mais expressivo líder. O novo partido também aglutinou outros
grupos como militantes das pastorais católicas, dos chamados novos movimentos
sociais e segmentos importantes de intelectuais progressistas, bem como correntes
marxistas de inspiração trotskistas. Por todas essas características, a nova sigla
representou um experimento original em nosso sistema partidário. De fato, pela
primeira vez o Brasil tinha um partido efetivamente de massa (no sentido da tradição
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socialdemocrata européia), criado de baixo para cima e vinculado a uma forte base
operária por relações políticas construídas com anterioridade nas lutas sindicais dos
anos 70/80. E, também pela primeira vez, a hegemonia no campo da esquerda brasileira
seria deslocada das agremiações comunistas (PCB e PCdoB) para o novo partido que
com forte entrada nos movimentos sociais iria assumiria em sua fase inicial as
características de um partido “anti-sistema” (anticapitalista) e “irresponsável” (no
sentido proposto por SARTORI , 1983, ou seja, de um partido que inflaciona as
promessas eleitorais por não ter possibilidade eleitoral de chegar ao poder a curto
prazo).

Partido com dupla face, parlamentar-eleitoral de um lado e, de outro, inserido


nos movimentos sociais, o PT ao longo da sua existência se beneficiou desta dupla
inserção para acumular progressivamente capital eleitoral que o alavancou
primeiramente ao poder municipal e estadual (meados dos 80 e anos 90) para,
finalmente, em 2002, chegar à presidência da República. Mas, obviamente o PT que
ganhou a eleição presidencial de 2002 não era mais o PT dos movimentos sociais dos
primeiros anos, e sim um moderno partido eleitoral plenamente integrado ao sistema
político e econômico e responsivo em relação às promessas de campanha.

Para os propósitos deste trabalho esta trajetória de quase trinta anos pode ser
classificada, grosso modo, em duas fases distintas considerando-se os seguintes
critérios: orientação do partido (partido voltado para os movimentos sociais X partido
parlamentar e eleitoral); posição em relação às alianças eleitorais (orientadas para
esquerda/centro político) e posicionamento ideológico (socialista X socialdemocrata).

Na primeira fase, apresentava um nítido perfil socialista e de uma agremiação


voltada prioritariamente para atuar entre movimentos sociais. Na segunda fase a
organização passa a atuar cada vez mais no campo institucional e ganha o perfil de um
partido eleitoral de corte socialdemocrata2. Entre uma fase e outra há um período de
transição marcado por disputas internas entre diversas tendências do partido e que

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O termo “socialdemocrata” é empregado aqui analogicamente tendo como referência a experiência
histórica européia para sintetizar a nova posição partidária em que a idéia de justiça social e a defesa de
políticas sociais substituem a idéia de ruptura com o capitalismo.
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resultaram na hegemonia do Campo Majoritário (formada pelas correntes Articulação e


Democracia Socialista) a partir de meados dos anos 90 que flexionou e reorientou a
estratégia partidária para privilegiar a política institucional, as disputas eleitorais e a
conquista do poder. Neste percurso, guardada as proporções e apesar da cautela que se
deve ter com as comparações históricas, pode-se dizer que o PT reproduziu o caminho
clássico da socialdemocracia européia, ou seja, uma trajetória que começa na sociedade
civil e na articulação das lutas sociais e termina, após acumular capital eleitoral, na
sociedade política, na valorização da ação política institucional, dos embates eleitorais e
da atuação parlamentar.

A seguir, as duas fases são resumidas a partir dos critérios definidos alguns
parágrafos atrás.

1ª fase: 1980-1994. Corresponde ao período inicial do partido na qual a


organização ainda não tinha capilaridade organizacional nem capital eleitoral suficiente
para disputar pleitos majoritários ou se apresentar de forma competitiva nas eleições
proporcionais. Neste contexto, o partido constrói sua identidade política nas idéias
socialista e numa prática política orientada para a organização, mobilização e
representação das demandas dos mais diversos movimentos sociais urbanos e rurais.
Este é um período heróico de construção da imagem política da sigla que
PANABIANCO (2005:91) chama de momento fundador da mitologia partidária. O
partido está impregnado de voluntarismo político, espírito revolucionário e uma vaga e
genérica ideologia socialista. O PT era, antes de qualquer outra coisa, um representante
e um porta-voz das demandas sindicais e dos grupos socialmente minoritários
(feministas, ecologistas, etc.) ou subalternos do ponto de vista político e social.

A partir deste norte ideológico o PT, durante toda a década de 80 e parte dos 90,
atuaria articulado aos movimentos sociais e com um programa nacionalista e estatizante
no estreito campo político e eleitoral da esquerda, recusando qualquer aliança eleitoral
com as agremiações do centro político. Esta posição de pureza ideológica e política
associada à crítica moral à suposta corrupção do poder (como sabemos o PT teve um
papel central no impedimento do Collor) ensejou a construção de uma imagem

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partidária positiva na mídia e, por extensão no público mais informado, de um partido


ideológico, programático, ético e moralmente puro e comprometido com os pobres e
excluídos. Mas, por outro lado, a mídia também construiu paralelamente uma imagem
negativa a partir da visão dos setores mais conservadores de que o PT era de um partido
de esquerda radical, dividido em facções marxistas que se digladiavam internamente
pelo controle político, inexperiente na gestão governamental, hostil à economia de
mercado e à democracia representativa.

Estas críticas foram ampliadas no início dos anos 90 com a onda conservadora
que se espalhou pelo mundo após a derrocada dos regimes socialistas do leste Europeu e
a ascensão do pensamento neoliberal e das políticas favoráveis à privatização, abertura e
desregulamentação do mercado e redução do Estado que eram vistas, pela maior parte
da nossa imprensa, como o único caminho para a modernização política, econômica e
gerencial do país

2ª fase: 1995-2005. A segunda fase do partido pode ser demarcada a partir da


eleição para a presidência do PT de José Dirceu com o apoio das correntes Articulação e
Democracia Radical que compunham o Campo Majoritário. Ao longo de três mandatos
(José Dirceu seria reeleito em 1997 e 1999), as correntes vencedoras reorientaram o
partido em três novas direções.

No que concerne à ação política a nova direção reduziu a importância da


articulação do partido com os movimentos sociais e passou a priorizar as atividades no
campo político-institucional, valorizando a participação nos pleitos eleitorais, a
conquista de mandatos e a ação parlamentar e governamental. Em outras palavras,
assumiu a lógica competitiva da disputa partidária das democracias representativas em
que o objetivo final, como é da natureza dos partidos, não é demandar o poder (como é
próprio dos movimentos sociais), mas a sua conquista e exercício.

Em boa parte esta mudança de rumos foi estimulada pelo próprio crescimento
eleitoral do PT (ver tabela 1). O partido, que em 1982 elegeu apenas 8 deputados
federais, em 1992 fez uma bancada com 49 deputados. Em dez anos um crescimento de
512%. No plano municipal entre 1982 e 1996 o PT ampliou o número de prefeituras
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controladas de 2 para 110 (crescimento de 5.400%), entre as quais 2 em capitais de


Estado (em 1992 controlava 4 capitais). Esse crescimento expressivo, além da
experiência acumulada na gestão municipal, tornou o PT num partido competitivo no
plano federal e o levou a uma encruzilhada estratégica: manter como prioridade política
a articulação com os movimentos sociais ou investir no fortalecimento do partido no
plano institucional?

TABELA 1
Nº de cadeiras obtidas e posição entre as bancadas na Câmara Federal e nº de senadores e
Governadores eleitos pelo PT - (1982-2006)

Anos 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006


Deputados 8 (5º) 16 (6º) 35 (8º) 49 (5º) 58 (5º) 91(1º ) 83 (2º)
Senadores 0 0 1 (3,2%) 4 (7,4%) 3 (11,1%) 10(18,5%) 2 (7,4%)
Governadores 0 0 0 2 (7,4%) 3 (11,1%) 3 (11,1%) 5 18,5%)
Fonte: Jairo Nicolau – Banco de Dados Eleitorais (IUPERJ).

A ênfase na disputa eleitoral e na atividade parlamentar foi seguida também de


redefinição da política de alianças e sua ampliação até o centro do espectro partidário.
Em 1997, durante o 11º Encontro Nacional do PT, a Carta do Rio de Janeiro lançada ao
final do encontro recomendava o abandono da estratégia da frente de esquerda, até então
dominante, por uma concepção mais ampla de alianças eleitorais. Esta mudança foi
basicamente decorrente da constatação de que Lula só se tornaria competitivo na disputa
presidencial caso alargasse a sua base eleitoral para além do campo da esquerda e
adotasse uma plataforma eleitoral com uma agenda moderada e orientada para um
governo de coalizão pelo centro como efetivamente o fez na disputa vitoriosa de 2002
(ver tabela 2).

Tabela 2
Votação (%) de Lula nas eleições presidenciais (1989-2006)

Anos 1º turno 2º turno


1989 17,2 47,0
1994 27,0 -
1998 31,7 -
2002 46,4 61,3
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2006 48,6 60,8


Fonte: Jairo Nicolau – Banco de Dados Eleitorais (IUPERJ).

Finalmente, a terceira reorientação se deu no campo das campanhas eleitorais.


Até então praticamente conduzida de forma amadora as campanhas do partido foram
modernizadas e passaram a ser conduzidas por profissionais e orientadas por pesquisas
eleitorais e pelo marketing político.

Este conjunto de mudanças expressou uma inflexão e um deslocamento


ideológico do PT em direção ao centro político, ainda que permaneça à esquerda deste
centro. Embora o partido se declare formalmente como uma organização socialista
(princípio inclusive reafirmado no III Congresso Nacional, 2007), na verdade a sua ação
política assemelha-se a uma prática socialdemocrata. Ainda em 1991, durante o seu I
Congresso Nacional, o PT reconheceu como legítima a economia de mercado e as
instituições da democracia representativa, inclusive o pluralismo partidário. E, em
junho de 2002, na “Carta aos brasileiros”, em plena campanha eleitoral que levaria Lula
ao poder, o PT e o candidato presidencial se comprometeram em manter as bases da
política monetária e fiscal do governo anterior negociadas com o FMI e o Banco
Mundial, abandonando, desta forma, as políticas heterodoxas defendidas em campanhas
anteriores.

Em síntese, o partido assumiu nesta fase um perfil moderado e se transformou


num partido “responsável” e integrado ao sistema político. Mas, a percepção da mídia
sobre a mudança do PT se deu de forma lenta e gradativa. Sem dúvida, o divisor de
águas foi a Carta aos brasileiros. É a partir deste documento que a mídia incorpora o
PT como um partido responsável e integrado ao sistema político, embora as
desconfianças persistam até o governo petista se instalar e lançar suas primeiras
medidas no plano econômico. Esta mudança de percepção e avaliação da mídia sobre o
PT está bem documentada nos dados da tabela 4 que mostram uma forte inflexão da
imprensa em relação ao PT e seu candidato a partir de maio de 2002, ou seja, após o
lançamento da Carta aos brasileiros.

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3ª fase: 2005 até o momento. Esta fase tem início com a eclosão do “escândalo
do mensalão” em junho de 2005. As denúncias de Roberto Jefferson, a abertura da CPI
sobre o caso e o seu desdobramento ruidoso no Congresso e a renúncia do então
poderoso Ministro José Dirceu e outros membros do governo e dirigentes do PT tiveram
ampla atenção da opinião pública e da mídia que viveu um período febril de jornalismo
investigativo. O episódio trincou a imagem de partido ético e guardião da moral pública
do PT e, por extensão, atingiu frontalmente o governo Lula. O escândalo, explorado de
forma politicamente agressiva pelas oposições, teve seu epicentro entre junho e
dezembro de 2005 (quando José Dirceu foi cassado), mas se prolongou por todo o ano
eleitoral de 2006 e se tornou no principal tema de campanha dos adversários de Lula.

A partir dessa fase o PT perde a sua aura de partido ético, uma imagem que sem
dúvida constituía um grande capital político acumulado desde sua fundação e que era
capaz de atrair votos na classe média, sempre mais sensível às questões morais, e o
reconhecimento positivo por parte da grande imprensa. Assim, a partir deste momento,
o PT, então já transformado num partido responsável e integrado ao sistema político, se
torna também “igual” a todos os outros. Mas, agora, na grande imprensa a visão
negativa da primeira fase, de um partido “radical” com um programa político e
econômico “irresponsável”, é substituída pela imagem de um partido eticamente frágil e
com práticas políticas corruptas.

2. A cobertura da mídia

a) as coberturas anteriores às eleições presidenciais de 2002

Apesar das eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998 terem sido travadas em
contextos políticos distintos e com agendas diferentes a revisão da literatura acadêmica
que analisou o comportamento da mídia mostra que a maioria dos autores considera que
a mídia, com raras exceções, beneficiou os adversários do PT (Collor em 1989 e FHC
em 1994 e 1998). Esta literatura (ver as revisões de RUBIN e AZEVEDO, 1997 e
COLLING, 2007) é praticamente toda constituída por ensaios e carecem de evidências e
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comprovação empírica, pois até o final dos anos 90 não tínhamos ainda os modelos de
acompanhamento do comportamento da mídia como os realizados pelo Doxa (IUPERJ)
e pelo Observatório Brasileiro de Mídia em anos mais recentes. Além do mais, entre a
maior parte dos trabalhos dedicados aos pleitos deste período apenas alguns tinham
como foco de análise específico a cobertura jornalística na mídia impressa ou televisiva.
Em síntese, a literatura acadêmica do período sobre o tema é reduzida, fragmentada do
ponto de vista teórico e metodológico e em geral impressionista (sobre o período ver
RUBIN e COLLING, 2004). A esta literatura se soma diversos relatos e depoimentos
de jornalistas que acompanharam o pleito e que também reforçam a narrativa
predominante na produção acadêmica de que a cobertura da mídia no período foi
amplamente favorável aos candidatos que polarizaram com o candidato petista.

A eleição “solteira” de 1989 marcou o retorno da eleição presidencial direta e a


primeira centrada na televisão (HGPE) com as principais campanhas usando
intensamente a mídia eletrônica. O pleito foi bastante competitivo com a esquerda
(Lula pelo PT e Brizola pelo PDT) disputando acirradamente um lugar na rodada final
com o candidato (Collor) que reuniu as preferências dos eleitores de centro-direita em
detrimento dos dois concorrentes (Ulisses Guimarães do PMDB e Aureliano Chaves do
PFL) filiados aos dois principais partidos do país. No plano internacional o socialismo
real estava em crise terminal, a queda do muro de Berlim tinha ocorrido há pouco tempo
e as idéias neoliberais começavam a ganhar o mundo ocidental. Tendo por fundo um
ambiente econômico marcado por um forte processo inflacionário a agenda política da
campanha foi dominada basicamente pela disputa entre as posições
desenvolvimentistas, nacionalistas e estatizantes da esquerda (além da ênfase nas
questões sociais) e os discursos da modernização (via abertura da economia e reforma
do Estado) e do combate a corrupção e aos “marajás” do serviço público feito por
Collor. O grande momento da campanha foi o debate entre Lula e Collor, às vésperas
do 2º turno, em que a TV Globo foi acusada de editar os melhores momentos com
passagens que beneficiavam Collor. Sem dúvida esta foi a eleição presidencial mais
polarizada do ponto de vista ideológico do atual ciclo democrático do país e, segundo
JOSÉ (1996) os grandes jornais tomaram abertamente partido da candidatura Collor
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(casos do O Globo, O Estado de S. Paulo, Veja) ou assumiram uma posição crítica (mas
sem apoiar explicitamente Collor) diante da candidatura Lula (caso da Folha de São
Paulo).

Em 1994 o contexto da disputa foi totalmente diferente. Em primeiro lugar, e ao


contrário de 1989, a televisão e o rádio foram submetidos a forte e restritiva
regulamentação eleitoral visando assegurar aos candidatos tratamento igualitário
durante a campanha. Em segundo lugar, o pleito foi disputado num ambiente político
emoldurado pelo sucesso do Plano Real no controle da inflação. O PT entra nas eleições
denunciando o caráter eleitoreiro do plano (comprado ao Plano Cruzado) e apostando
no seu fracasso. Do ponto de vista programático os petistas reeditam com poucas
mudanças o discurso desenvolvimentista, nacionalista e estatizante de 1989 e a ênfase
nas questões sociais. Mas, diferentemente de 1989, quando a disputa foi polarizada e
bastante acirrada, em 1994 as pesquisas de opinião mostraram com antecedência um
amplo apoio eleitoral a FHC e à sua retórica centrada na estabilidade monetária e nas
reformas do Estado. Naquele momento, com a inflação próxima de zero e o real mais
valorizado do que o dólar, toda a grande imprensa apoiava praticamente sem restrições
o Plano Real e, assim, favorecia indiretamente o candidato tucano na medida em que ele
representava a continuidade da estabilidade monetária.

Em 1998 o pleito foi disputado com a nova regra da reeleição e uma nova
legislação eleitoral que reduziu o período de campanha e o tempo do HGPE. O PT,
embora com uma coalizão eleitoral limitada ainda ao campo da esquerda (mas já aberto
a ampliação dos seus limites), entra na disputa com um programa mais amplo voltado
para o centro político e com uma campanha orientada por pesquisa e marketing eleitoral
e produzida de forma profissional. Essas mudanças refletiam a nova fase do partido sob
o comando da nova direção partidária do Campo Majoritário. Contudo, esta foi uma
eleição “fria”, com baixa visibilidade na mídia, uma agenda morna (e em boa parte
ocupada pela crise financeira que eclodiu na Rússia e atingiu o Brasil), sem debates
entre os candidatos e uma cobertura jornalística praticamente invisível na televisão
(MIGUEL, 1999). A grande imprensa permanecia apoiando o Plano Real e a análise
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predominante nas páginas de opinião era que diante da crise financeira internacional
seria uma temeridade trocar o comando do país e eleger um novo governo.

Um balanço do período mostra que a relação entre a imprensa escrita e o PT e


seu candidato oscilou entre a crítica da candidatura petista ou o apoio explícito aos seus
adversários mais competitivos (Collor e FHC) dados pelos veículos mais conservadores
como a revista Veja ou diários como O Globo e O Estado de S. Paulo. Os apoios
eleitorais eram em geral expressos nas páginas de opinião (editoriais, artigos e colunas)
e assim absolutamente legítimos do ponto de vista da ética jornalística. Mas é inegável
que refletem um viés conservador da grande imprensa e é bem provável que um
levantamento acurado das primeiras páginas e das páginas dedicadas às reportagens no
período mostre desequilíbrio na cobertura eleitoral e um tratamento favorável aos
candidatos antipetistas favoritos. No caso da televisão, a literatura é consensual ao
apontar o apoio da TV Globo a Collor em 1989. Mas, a partir de 1994, esta situação
muda com a nova legislação eleitoral que regulamentou a atividade dos veículos
eletrônicos durante o período eleitoral e proibiu expressamente qualquer favorecimento
aos candidatos ou partidos.

Mas, independentemente do conservadorismo da mídia é possível afirmar que a


imagem que a imprensa veicula do PT é também em grande medida reflexo da imagem
que o próprio PT emite em sua primeira fase (1980-1994). Ou seja, a de um partido de
esquerda com várias correntes revolucionárias (como as tendências comunistas e as alas
trotskistas que então abrigava) que se digladiam entre si, anti-sistema (ou seja,
anticapitalista) e politicamente “irresponsável” (inflacionando demandas e propostas
sem levar em conta as condições reais de efetividade). Ou, ainda, de um partido ético,
puro, utópico, voltado para os movimentos sociais (ou para a agitação pela ótica
conservadora), mas inexperiente e despreparado para assumir e conduzir com
competência técnica o país. A imagem partidária negativa – gerada em parte pela
própria prática do PT, mas difundida e dramatizada pela direita e freqüentemente
reproduzida e enfatizada pela mídia – se tornava mais nítida e estridente nos períodos

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eleitorais e alimentava e reiterava os temores dos eleitores posicionados no centro


político (especialmente a classe média).

Esta imagem só começaria a ser revertida ao longo da segunda fase do PT


(1995-2005), ou seja, quando sua direção passa a priorizar o campo político-
institucional e as atividades eleitorais e parlamentares e se deslocar em direção ao
centro político. Nesse momento, o partido já estava governando com relativo êxito
administrativo centenas de prefeituras municipais e alguns governos de Estado,
demonstrando, assim, que o partido tinha quadros técnicos capazes de gerenciar a
máquina pública e administrar o poder com responsabilidade (tabela 3). Mas, como
veremos a seguir, a nova face partidária só se tornaria completamente visível para a
mídia e os eleitores durante a disputa eleitoral de 2002.

TABELA 3
Nº de prefeitos eleitos pelo PT - (1985-2004)

Anos 1982 1985 1988 1992 1996 2000 2004


Brasil 2 (0,1%) 1 (0,5%) 38(0,9%) 54 (1,1%) 110(2,0%) 187(3,4%) 400(7,9%)
Capitais - 1 (4,0%) 3 (12,0%) 4 (15,4%) 2 (7,7%) 6 (23,1%) 9 (34,6%)
Fonte: Jairo Nicolau – Banco de Dados Eleitorais (IUPERJ).

b) as coberturas das eleições presidenciais de 2002 e 2006

As eleições de 2002, ao contrário das de 1994 e 1998, foi uma eleição “quente”
(ALDÉ, 2004), marcada pelo desgaste do governo FHC, pela forte competição entre os
adversários de Lula e por uma ampla e antecipada cobertura eleitoral, inclusive na TV.
Neste contexto a campanha do PT representou uma completa ruptura com as campanhas
anteriores do partido. Ao contrário das primeiras três tentativas o PT foi capaz de
ampliar a coalizão eleitoral em direção ao centro político fechando uma aliança com o
PL que indicou um grande empresário (José Alencar) como candidato à vice-presidente.
A aliança pelo centro resultou também numa plataforma eleitoral moderada e
tipicamente de coalizão que foi reafirmada na “Carta aos brasileiros” em que Lula se
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comprometia com a política de estabilidade monetária e fiscal vigentes durante o


governo FHC. Por fim, a campanha foi estruturada por um dos “magos” do marketing
político e desenvolvida num tom moderado e publicitariamente agradável, evitando
propostas e temas polêmicos e ataques e respostas aos adversários (“Lulinha Paz e
Amor”).

O divisor de águas no que diz respeito à mudança de percepção da imagem


política da candidatura Lula por parte da mídia certamente foi “Carta aos brasileiros”,
lançada em junho de 2002. Até então, a maior parte da grande imprensa nacional
olhava com desconfiança o candidato petista pelo seu passado de dirigente sindical e
pelas suas propostas econômicas heterodoxas. Esta percepção era compartilhada com
efeitos negativos (o chamado “risco Lula”) no mercado financeiro pelos investidores
que temiam uma vitória de Lula, líder desde o início do ano em todas as pesquisas de
opinião de voto. E, obviamente, o “risco Lula retroalimentava a mídia e a pauta negativa
do candidato petista. Com o lançamento da “Carta aos brasileiros” Lula neutraliza as
principais restrições e críticas à sua candidatura e passa a ser pautado de forma mais
positiva ou neutra na maioria dos grandes veículos da imprensa nacional. Em
contraponto, seus principais adversários (Serra, Ciro e Garotinho) tiveram, em
momentos distintos da competição, percalços que propiciaram danos às candidaturas e
uma forte cobertura negativa, beneficiando, assim, de forma indireta, à candidatura Lula
que a partir de junho de 2002 esteve praticamente imune a qualquer ataque.

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TABELA 4
Valência3 (%) de Lula nos 3 principais jornais do país
Eleições presidenciais de 2002 e 2006 – 1º turno

Jornais FSP OESP O Globo


Ano/Valência + N - Saldo + N - Saldo + N - Saldo
2002
(informação)
Lula 18 60 22 Negativo 41 30 29 Positivo 36 45 19 Positivo
2006
(informação)
Lula Presidente 25 40 35 Negativo 12 41 47 Negativo 11 46 43 Negativo
Lula Candidato 33 30 37 Negativo 24 26 43 Negativo 19 46 41 Negativo

2006
(Opinião)
Lula Presidente 12 39 49 Negativo 10 42 49 Negativo 8 45 47 Negativo
Lula Candidato 23 47 30 Negativo 16 24 60 Negativo 9 38 53 Negativo
Fonte: dados de 2002: recompilados pelo autor a partir de tabelas do Doxa-IUPERJ
dados de 2006: Aldé, Mendes e Figueiredo (2007)
Obs: saldo é a diferença entre a valência positiva e negativa.

3
VALÊNCIA: + (Positivo) : matéria sobre ou com o candidato reproduzindo programa de governo; promessas;
autodeclaração ou declarações do autor da matéria ou de terceiros (pessoas ou entidades) favoráveis (contendo
avaliação de ordem moral, política ou pessoal) ao candidato; reprodução de ataques do candidato à concorrentes,
pesquisas favoráveis. - (Negativo): matéria reproduzindo ressalvas, críticas ou ataques (contendo avaliação de
ordem moral, política ou pessoal) do autor da matéria, de candidatos concorrentes ou de terceiros a algum candidato,
pesquisas desfavoráveis. N (Neutro): agenda do candidato, citação sem avaliação moral, política ou pessoal do
candidato.
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O modo como a candidatura Lula foi tratada pela mídia no pleito de 2002 (ver
tabela 4 e 5) mostra uma significativa mudança em relação à cobertura da mídia no
período 1989-1998. Esta variação certamente demanda explicações que levem em conta
todas variáveis político-eleitorais associadas à disputa daquele ano e as mudanças no
campo jornalístico. Mas, sem dúvida, uma das variáveis de peso a ser considerada é a
transformação da imagem do PT e do próprio Lula e o seu reflexo na mídia e no
eleitorado. Ambos, ao se deslocarem em direção ao centro, se transformam em atores
políticos moderados, com perfil socialdemocrata e jogando de acordo com as regras do
capitalismo e da democracia representativa. Ganharam, deste modo, legitimidade
suficiente para disputar e eventualmente conquistar e assumir a presidência entre os
segmentos da elite mais resistentes (que diziam, em 1989, que sairiam do país caso Lula
ganhasse) e os órgãos mais conservadores da imprensa. Nesse sentido, a campanha e a
vitória de Lula em 2002 representaram o triunfo da estratégia iniciada em 1995 de
transformar a prática política e a imagem do PT num partido confiável e responsável,
plenamente integrado no sistema político e econômico.

Tabela 5
Valência(%) de Lula nas principais revistas do país
Eleições presidenciais de 2002 e 2006 – 1º turno

Revistas Veja Época Isto É C. Capital


Ano/Valência + N - Saldo + N - Saldo + N - Saldo + N - Saldo
2002
Lula 8 75 17 Negativo 27 64 9 Positivo 31 46 23 Positivo 75 25 0 Positivo

2006
Lula 0 0 100 Negativo 0 0 100 Negativo 0 0 100 Negativo 50 50 0 Positivo
Presidente
Lula 0 0 100 Negativo 0 50 50 Negativo 0 0 100 Negativo 0 50 0 Neutro
Candidato
Fonte: Ano de 2002 (1º turno: 6 edições (de 20/08/ a 06/10/2002): AZEVEDO(2002)
Ano de 2006 ( 1º turno: semana de 25 a 27/09) Observatório Brasileiro de Mídia.

Em 2005, com o escândalo político do mensalão, a imagem do PT e do governo


Lula sofreu profundo desgaste na mídia. Com uma cobertura equivalente à concedida
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pela imprensa ao Collorgate, em 1991, o escândalo transbordou o ano de 2005 e se


prolongou por todo o ano eleitoral de 2006 (sobre a cobertura eleitoral, ver ALDÉ,
MENDES E FIGUEIREDO, 2007 e LIMA, 2007). Como todos se recordam, a
oposição transformou o escândalo no principal tema de campanha e, num processo de
retroalimentação entre o campo político e o campo jornalístico, terminou pautando com
sucesso a cobertura da campanha presidencial. Lula e o PT, acossados pelas denúncias,
desenvolveram uma agenda de campanha centrada basicamente no desempenho
econômico e social do governo e evitaram a disputa retórica em torno do escândalo.
Como sabemos, a estratégia petista resultou em sucesso eleitoral. Mas, no que tange a
imagem do partido e do candidato na imprensa, os estragos foram enormes e infligiram
um retrocesso em relação à imagem positiva consolidada em 2002. A partir do
escândalo o PT ingressou numa nova fase na qual sua imagem passou a ser associada
com clientelismo e corrupção política, destruindo, assim, a imagem original cultivada
ao longo de duas décadas de um partido puro, ético, moral e incorruptível.

Conclusões

O próximo quadro resume a relação da mídia com o PT tomando por base a


posição predominante da imprensa contraposta à imagem predominante do partido na
mídia de acordo com a classificação proposta neste trabalho.

TABELA 6
Eleições presidenciais, posição predominante da imprensa em relação ao candidato do PT e imagem
predominante do partido na mídia

Ano Posição Imagem predominante do PT na mídia


predominante da
imprensa
1989 Desfavorável Socialista e radical: antisistema e “irresponsável”.
1994 Desfavorável Idem
1998 Desfavorável Em transição, mas com passado radical que inspira
desconfiança
2002 Favorável ou Socialdemocrata, integrado ao sistema e responsável

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neutra
2006 Desfavorável Socialdemocrata, integrado ao sistema, mas clientelista e
corrupto

Como se pode ver, das cinco eleições o PT e seu candidato só obtiveram uma
posição favorável na mídia nacional (em 2002). As explicações correntes na literatura
especializada para essa relação adversa assumem diversos argumentos, entre os quais a
de que a mídia brasileira é constitutivamente conservadora e, numa variante
conspiratória, que há uma aliança histórica entre as elites e os donos dos meios de
comunicação. Há, ainda, outra subvariante que argumenta que os interesses econômicos
e financeiros (como financiamento e refinanciamento de dívidas e a dependência dos
grandes anunciantes) dos proprietários dos grupos de mídia os deixam de “rabo preso”
com os interesses políticos mais conservadores.

Estas explicações partem de uma premissa correta que é definir a nossa


imprensa como conservadora. Como chamamos a atenção no início do trabalho o nosso
sistema de mídia é controlado por grupos familiares, apresenta um alto nível de
concentração e propriedade cruzada dos meios de comunicação e exibe uma baixa
pluralidade externa que não permite a visibilidade plena de atores políticos e sociais
relevantes da sociedade civil. Nesse sentido, pode-se dizer que o nosso sistema de
mídia apresenta um relativo déficit democrático que limita os temas da agenda pública
(quase sempre pautados pelo “público forte”), o confronto de opiniões e a própria
fronteira do debate público.

As teorias conspiratórias, contudo, imaginam que o conservadorismo da


imprensa produz automaticamente alinhamentos partidários. Este alinhamento poderá
ou não se realizar, dependendo de conjunturas específicas (como em 1989), mas o que
sugerimos aqui é que, independente de eventual militância antipetista de um ou outro
veículo da grande imprensa, havia uma forte tensão entre valores ideológicos
constitutivamente antagônicos entre o conjunto da grande imprensa (adepta, em
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variados graus e convicções, da economia de mercado e da democracia representativa) e


o PT (anti-sistema, anticapitalista, com grupos revolucionários, etc.). Este campo
tensionado só sofreu mudanças no momento em que o PT se deslocou para o centro-
político e se transformou num partido da “ordem”, para usar uma expressão gramsciana,
se redefinindo como um partido socialdemocrata e integrado ao sistema político e
econômico. Neste momento, em 2002, e apesar das diferenças do passado e das teorias
conspiratórias, a imprensa e o PT se reconciliam com a primeira reconhecendo a
legitimidade política do segundo. Em 2006 se afastam novamente, mas agora por
conflitos de outra ordem e natureza pelos quais o argumento do conservadorismo já não
pode ser mais invocado.

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