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Mas, a despeito dos limites do nosso pluralismo externo, não há dúvida de que a
grande imprensa brasileira (e a partir de agora nos referimos apenas e especificamente a
imprensa escrita), à medida que passou a se definir como independente e apartidária e
impulsionada, seja por constrangimentos deontológicos (decorrentes dos modelos ideais
da prática jornalística) ou por pressão da competição comercial e jornalística (que
transforma a informação com credibilidade na principal mercadoria jornalística),
incorporou desde a redemocratização políticas editoriais orientadas para o pluralismo
interno. Ao assim fazê-lo ampliou os limites democráticos ao avançar, ainda que com
resultados desiguais entre os veículos, na diversidade de informações e opiniões
disponíveis aos cidadãos. Basicamente, isso significou a prática de um jornalismo
informativo guiado pelas regras da “objetividade” e “imparcialidade” possíveis (porque,
é claro, não há objetividade nem neutralidade absoluta) e pela cobertura equilibrada
como recomendam os cânones normativos do jornalismo liberal e dos manuais de
redação da imprensa norte-americana.
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socialdemocrata européia), criado de baixo para cima e vinculado a uma forte base
operária por relações políticas construídas com anterioridade nas lutas sindicais dos
anos 70/80. E, também pela primeira vez, a hegemonia no campo da esquerda brasileira
seria deslocada das agremiações comunistas (PCB e PCdoB) para o novo partido que
com forte entrada nos movimentos sociais iria assumiria em sua fase inicial as
características de um partido “anti-sistema” (anticapitalista) e “irresponsável” (no
sentido proposto por SARTORI , 1983, ou seja, de um partido que inflaciona as
promessas eleitorais por não ter possibilidade eleitoral de chegar ao poder a curto
prazo).
Para os propósitos deste trabalho esta trajetória de quase trinta anos pode ser
classificada, grosso modo, em duas fases distintas considerando-se os seguintes
critérios: orientação do partido (partido voltado para os movimentos sociais X partido
parlamentar e eleitoral); posição em relação às alianças eleitorais (orientadas para
esquerda/centro político) e posicionamento ideológico (socialista X socialdemocrata).
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O termo “socialdemocrata” é empregado aqui analogicamente tendo como referência a experiência
histórica européia para sintetizar a nova posição partidária em que a idéia de justiça social e a defesa de
políticas sociais substituem a idéia de ruptura com o capitalismo.
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A seguir, as duas fases são resumidas a partir dos critérios definidos alguns
parágrafos atrás.
A partir deste norte ideológico o PT, durante toda a década de 80 e parte dos 90,
atuaria articulado aos movimentos sociais e com um programa nacionalista e estatizante
no estreito campo político e eleitoral da esquerda, recusando qualquer aliança eleitoral
com as agremiações do centro político. Esta posição de pureza ideológica e política
associada à crítica moral à suposta corrupção do poder (como sabemos o PT teve um
papel central no impedimento do Collor) ensejou a construção de uma imagem
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Estas críticas foram ampliadas no início dos anos 90 com a onda conservadora
que se espalhou pelo mundo após a derrocada dos regimes socialistas do leste Europeu e
a ascensão do pensamento neoliberal e das políticas favoráveis à privatização, abertura e
desregulamentação do mercado e redução do Estado que eram vistas, pela maior parte
da nossa imprensa, como o único caminho para a modernização política, econômica e
gerencial do país
Em boa parte esta mudança de rumos foi estimulada pelo próprio crescimento
eleitoral do PT (ver tabela 1). O partido, que em 1982 elegeu apenas 8 deputados
federais, em 1992 fez uma bancada com 49 deputados. Em dez anos um crescimento de
512%. No plano municipal entre 1982 e 1996 o PT ampliou o número de prefeituras
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TABELA 1
Nº de cadeiras obtidas e posição entre as bancadas na Câmara Federal e nº de senadores e
Governadores eleitos pelo PT - (1982-2006)
Tabela 2
Votação (%) de Lula nas eleições presidenciais (1989-2006)
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3ª fase: 2005 até o momento. Esta fase tem início com a eclosão do “escândalo
do mensalão” em junho de 2005. As denúncias de Roberto Jefferson, a abertura da CPI
sobre o caso e o seu desdobramento ruidoso no Congresso e a renúncia do então
poderoso Ministro José Dirceu e outros membros do governo e dirigentes do PT tiveram
ampla atenção da opinião pública e da mídia que viveu um período febril de jornalismo
investigativo. O episódio trincou a imagem de partido ético e guardião da moral pública
do PT e, por extensão, atingiu frontalmente o governo Lula. O escândalo, explorado de
forma politicamente agressiva pelas oposições, teve seu epicentro entre junho e
dezembro de 2005 (quando José Dirceu foi cassado), mas se prolongou por todo o ano
eleitoral de 2006 e se tornou no principal tema de campanha dos adversários de Lula.
A partir dessa fase o PT perde a sua aura de partido ético, uma imagem que sem
dúvida constituía um grande capital político acumulado desde sua fundação e que era
capaz de atrair votos na classe média, sempre mais sensível às questões morais, e o
reconhecimento positivo por parte da grande imprensa. Assim, a partir deste momento,
o PT, então já transformado num partido responsável e integrado ao sistema político, se
torna também “igual” a todos os outros. Mas, agora, na grande imprensa a visão
negativa da primeira fase, de um partido “radical” com um programa político e
econômico “irresponsável”, é substituída pela imagem de um partido eticamente frágil e
com práticas políticas corruptas.
2. A cobertura da mídia
Apesar das eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998 terem sido travadas em
contextos políticos distintos e com agendas diferentes a revisão da literatura acadêmica
que analisou o comportamento da mídia mostra que a maioria dos autores considera que
a mídia, com raras exceções, beneficiou os adversários do PT (Collor em 1989 e FHC
em 1994 e 1998). Esta literatura (ver as revisões de RUBIN e AZEVEDO, 1997 e
COLLING, 2007) é praticamente toda constituída por ensaios e carecem de evidências e
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comprovação empírica, pois até o final dos anos 90 não tínhamos ainda os modelos de
acompanhamento do comportamento da mídia como os realizados pelo Doxa (IUPERJ)
e pelo Observatório Brasileiro de Mídia em anos mais recentes. Além do mais, entre a
maior parte dos trabalhos dedicados aos pleitos deste período apenas alguns tinham
como foco de análise específico a cobertura jornalística na mídia impressa ou televisiva.
Em síntese, a literatura acadêmica do período sobre o tema é reduzida, fragmentada do
ponto de vista teórico e metodológico e em geral impressionista (sobre o período ver
RUBIN e COLLING, 2004). A esta literatura se soma diversos relatos e depoimentos
de jornalistas que acompanharam o pleito e que também reforçam a narrativa
predominante na produção acadêmica de que a cobertura da mídia no período foi
amplamente favorável aos candidatos que polarizaram com o candidato petista.
(casos do O Globo, O Estado de S. Paulo, Veja) ou assumiram uma posição crítica (mas
sem apoiar explicitamente Collor) diante da candidatura Lula (caso da Folha de São
Paulo).
Em 1998 o pleito foi disputado com a nova regra da reeleição e uma nova
legislação eleitoral que reduziu o período de campanha e o tempo do HGPE. O PT,
embora com uma coalizão eleitoral limitada ainda ao campo da esquerda (mas já aberto
a ampliação dos seus limites), entra na disputa com um programa mais amplo voltado
para o centro político e com uma campanha orientada por pesquisa e marketing eleitoral
e produzida de forma profissional. Essas mudanças refletiam a nova fase do partido sob
o comando da nova direção partidária do Campo Majoritário. Contudo, esta foi uma
eleição “fria”, com baixa visibilidade na mídia, uma agenda morna (e em boa parte
ocupada pela crise financeira que eclodiu na Rússia e atingiu o Brasil), sem debates
entre os candidatos e uma cobertura jornalística praticamente invisível na televisão
(MIGUEL, 1999). A grande imprensa permanecia apoiando o Plano Real e a análise
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predominante nas páginas de opinião era que diante da crise financeira internacional
seria uma temeridade trocar o comando do país e eleger um novo governo.
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TABELA 3
Nº de prefeitos eleitos pelo PT - (1985-2004)
As eleições de 2002, ao contrário das de 1994 e 1998, foi uma eleição “quente”
(ALDÉ, 2004), marcada pelo desgaste do governo FHC, pela forte competição entre os
adversários de Lula e por uma ampla e antecipada cobertura eleitoral, inclusive na TV.
Neste contexto a campanha do PT representou uma completa ruptura com as campanhas
anteriores do partido. Ao contrário das primeiras três tentativas o PT foi capaz de
ampliar a coalizão eleitoral em direção ao centro político fechando uma aliança com o
PL que indicou um grande empresário (José Alencar) como candidato à vice-presidente.
A aliança pelo centro resultou também numa plataforma eleitoral moderada e
tipicamente de coalizão que foi reafirmada na “Carta aos brasileiros” em que Lula se
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TABELA 4
Valência3 (%) de Lula nos 3 principais jornais do país
Eleições presidenciais de 2002 e 2006 – 1º turno
2006
(Opinião)
Lula Presidente 12 39 49 Negativo 10 42 49 Negativo 8 45 47 Negativo
Lula Candidato 23 47 30 Negativo 16 24 60 Negativo 9 38 53 Negativo
Fonte: dados de 2002: recompilados pelo autor a partir de tabelas do Doxa-IUPERJ
dados de 2006: Aldé, Mendes e Figueiredo (2007)
Obs: saldo é a diferença entre a valência positiva e negativa.
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VALÊNCIA: + (Positivo) : matéria sobre ou com o candidato reproduzindo programa de governo; promessas;
autodeclaração ou declarações do autor da matéria ou de terceiros (pessoas ou entidades) favoráveis (contendo
avaliação de ordem moral, política ou pessoal) ao candidato; reprodução de ataques do candidato à concorrentes,
pesquisas favoráveis. - (Negativo): matéria reproduzindo ressalvas, críticas ou ataques (contendo avaliação de
ordem moral, política ou pessoal) do autor da matéria, de candidatos concorrentes ou de terceiros a algum candidato,
pesquisas desfavoráveis. N (Neutro): agenda do candidato, citação sem avaliação moral, política ou pessoal do
candidato.
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O modo como a candidatura Lula foi tratada pela mídia no pleito de 2002 (ver
tabela 4 e 5) mostra uma significativa mudança em relação à cobertura da mídia no
período 1989-1998. Esta variação certamente demanda explicações que levem em conta
todas variáveis político-eleitorais associadas à disputa daquele ano e as mudanças no
campo jornalístico. Mas, sem dúvida, uma das variáveis de peso a ser considerada é a
transformação da imagem do PT e do próprio Lula e o seu reflexo na mídia e no
eleitorado. Ambos, ao se deslocarem em direção ao centro, se transformam em atores
políticos moderados, com perfil socialdemocrata e jogando de acordo com as regras do
capitalismo e da democracia representativa. Ganharam, deste modo, legitimidade
suficiente para disputar e eventualmente conquistar e assumir a presidência entre os
segmentos da elite mais resistentes (que diziam, em 1989, que sairiam do país caso Lula
ganhasse) e os órgãos mais conservadores da imprensa. Nesse sentido, a campanha e a
vitória de Lula em 2002 representaram o triunfo da estratégia iniciada em 1995 de
transformar a prática política e a imagem do PT num partido confiável e responsável,
plenamente integrado no sistema político e econômico.
Tabela 5
Valência(%) de Lula nas principais revistas do país
Eleições presidenciais de 2002 e 2006 – 1º turno
2006
Lula 0 0 100 Negativo 0 0 100 Negativo 0 0 100 Negativo 50 50 0 Positivo
Presidente
Lula 0 0 100 Negativo 0 50 50 Negativo 0 0 100 Negativo 0 50 0 Neutro
Candidato
Fonte: Ano de 2002 (1º turno: 6 edições (de 20/08/ a 06/10/2002): AZEVEDO(2002)
Ano de 2006 ( 1º turno: semana de 25 a 27/09) Observatório Brasileiro de Mídia.
Conclusões
TABELA 6
Eleições presidenciais, posição predominante da imprensa em relação ao candidato do PT e imagem
predominante do partido na mídia
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neutra
2006 Desfavorável Socialdemocrata, integrado ao sistema, mas clientelista e
corrupto
Como se pode ver, das cinco eleições o PT e seu candidato só obtiveram uma
posição favorável na mídia nacional (em 2002). As explicações correntes na literatura
especializada para essa relação adversa assumem diversos argumentos, entre os quais a
de que a mídia brasileira é constitutivamente conservadora e, numa variante
conspiratória, que há uma aliança histórica entre as elites e os donos dos meios de
comunicação. Há, ainda, outra subvariante que argumenta que os interesses econômicos
e financeiros (como financiamento e refinanciamento de dívidas e a dependência dos
grandes anunciantes) dos proprietários dos grupos de mídia os deixam de “rabo preso”
com os interesses políticos mais conservadores.
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