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Partidos Políticos e Social-Democracia na América Latina

(1887-1990)
Jeferson Alexandre Miranda1

RESUMO:
O presente trabalho representa um recorte de uma pesquisa maior que estamos realizando
junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São
Carlos (PPGPOL/UFSCAR), e tem como o objetivo a investigação das adaptações teóricas da
social-democracia realizadas pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) em seus
documentos fundadores (1988-1994). O que hora apresentamos é um levantamento
bibliográfico que busca fazer um referenciamento dos partidos sociais-democratas
historicamente existentes na América Latina e como o PSDB se encaixa dentro deste
arcabouço histórico. Neste sentido, o PSDB se constitui como um rearranjo abrasileirado do
pensamento social-democrata do século XX, transpassado pelas necessidades de uma nova
Ordem Econômica Mundial. Naquele momento, em que se transitava de uma ordem bipolar
para uma ordem multipolar, um novo ambiente facilitava a expansão de capitais e de
comércio, criando embates entre os países que ocupavam o centro do capitalismo mundial.
Estas contradições formavam o contexto da criação do PSDB, que precisava dialogar
externamente com uma renovada divisão Norte-Sul e o reposicionamento dos países
desenvolvidos e os chamados em via de desenvolvimento.

PALAVRAS-CHAVE: Partidos Políticos, Social-Democracia, PSDB.

ABSTRACT:
The current work represents a part of a larger research that we are carrying out together with
the Graduate Program in Political Science at the Federal University of São Carlos
(PPGPOL/UFSCAR), aiming to investigate the theoretical adaptations of social democracy
carried out by the Brazilian Social Democratic Party (PSDB) in its founding documents
(1988-1994). What we present here is a bibliographical survey that seeks to reference to the
social democratic parties historically existing in Latin America and how the PSDB fits within
this historical framework. In this sense, the PSDB is constituted as a Brazilianized
rearrangement of the social-democratic thought of the 20th century, permeated by the needs
of a new World Economic Order. At that moment, in which there was a transition from a
bipolar order to a multipolar order, a new environment eased the expansion of capital and
trade, creating clashes between the countries that occupied the center of world capitalism.
These contradictions formed the context for the creation of the PSDB, which needed to
dialogue externally with a renewed North-South division and the repositioning of developed
countries and the so-called developing countries.

KEYWORDS:
Political Parties, Social Democracy, PSDB.

1
Jeferson Alexandre Miranda é mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos, pós-
graduado em História, Cultura e Poder pela Universidade do Sagrado Coração, pós-graduado em Ensino e
Metodologia de História e Geografia pela Universidade Internacional de Curitiba e graduado em História pelas
Faculdades Integradas de Jaú.
INTRODUÇÃO
O nome de nosso artigo envolve duas problemáticas espinhosas quando se trata de
uma análise da América Latina. A primeira se encontra nos debates acadêmicos travados
desde a segunda metade do século passado 2, e se relaciona a pergunta seguinte: é possível se
falar de uma social-democracia em terras latino-americanas? Responder a essa pergunta
encontra uma dificuldade preliminar se partimos da proposição de que em nosso continente
as condições de periferia capitalista não proporcionaram situações para que o capitalismo
desenvolvesse acumulação suficiente para uma distribuição de renda em favor das classes
mais vulneráveis, e não permitiu o estabelecimento de políticas públicas de bem-estar social
que garantissem uma desmercadorização 3 das relações sociais e econômicas em território
latino-americano.
A segunda questão envolve a distinção ideológica entre partidos políticos, e como esta
impacta em resultados de políticas públicas e na força desses, quando na posse do Estado, em
governos e nas suas relações e composições com o Legislativo. A diferenciação ideológica
entre partidos é uma celeuma acadêmica4 que atravessa a literatura sobre partidos e sistemas
partidários. Parte dela argumenta que partidos de esquerda, considerados pró-welfare, quando
em situações de governo, estão mais propensos a investir em políticas públicas de
desmercadorização e de ampliação do bem-estar (HICKS, SWANK, 1984). Isto poderia
sugerir que estudar partidos ideologicamente inclinados a social-democracia seria um
caminho para entendermos o desenvolvimento desta vertente em território latino-americano.
Em apoio ao argumento de que uma ideologia torna um partido mais inclinado a
certas políticas públicas, estudos sobre o sistema partidário estadunidense chegaram à
conclusão de que existem diferenças significativas entre os governos democratas e
republicanos, no que tange as políticas macroeconômicas e fiscais, e estas diferenças são

2
Ver VITALE (1982, p.1).
3
Partindo do princípio marxista de que no capitalismo a força de trabalho foi transformada em uma mercadoria,
o Esping-Andersen (1991) identifica nas políticas públicas sociais formas eficientes de redistribuição do poder
econômico, o que culmina em uma desmercadorização da força de trabalho, e, por conseguinte, uma maior
liberdade às imposições do mercado de trabalho.
4
Segundo Downs (1957), partidos políticos buscam vencer eleições e, atuam politicamente para esse objetivo e
não para colocar em prática políticas públicas orientadas ideologicamente. Entretanto, faz-se necessário afirmar
também que nem os políticos ou as organizações partidárias focam como objetivo único a obtenção de votos,
isto porque um mesmo partido abriga pessoas com objetivos e interesses diferentes. Assim, angariar apoio
eleitoral com a pretensão de incrementar cotas de poder passa por necessariamente atrair pessoas que lhes
garantam votos, essa atração pode ocorrer por diversas formas, inclusive a proximidade ideológica. Decorrente
disso, não se pode excluir a existência partidos que tenham como meta construir políticas de acordo com uma
cosmovisão, ainda que na literatura tradicional sobre partidos políticos predomina o entendimento de que
partidos políticos são organizações que buscam principalmente essas cotas de poder, como se pode verificar em:
WEBER (1992), DUVERGER (1970), DOWNS (1957), SARTORI (1976), KIRCHKEIMER (1966), VON
BEYME (1986) e ALDRICH (1995).
pautadas pela orientação política suscitada por cada um destes dois partidos (ALESINA,
ROSENTHAL, 1995; TUFTE, 1978). Porém, outras pesquisas, dimensionam de forma
diferente a importância da ideologia para a constituição de políticas partidárias. Estas últimas
entendem que a ideologia faz diferença, mas sua dimensão prática é bastante moderada, ou
seja, um partido com determinada ideologia não necessariamente muda sua composição
partidária de governo, mediante mudanças radicais de suas orientações políticas (BLAIS,
BLAKE, DION, 1993).
A defesa da importância da natureza ideológica de um partido tornou-se ainda mais
polêmica a partir da década de 1960, com a crise dos partidos de massa 5 e, posteriormente, a
ascensão da globalização, a partir da década de 1990. O pós-Segunda Guerra Mundial foi um
momento crescente de internacionalização dos mercados e da produção, assim como de
ascendência das tendências de unificações monetárias, isto culminou no final do século XX, e
início do século XXI, em uma sensível perda da autonomia dos Estados-nacionais e,
paralelamente, da orientação programática dos partidos políticos. Segmentos importantes
acadêmicos buscaram analisar como os efeitos deletérios da internacionalização econômica
agiram sobre as políticas de bem-estar social, e registraram que estas sofreram embargos
causados pela abertura comercial e pressão pela livre-concorrência. A diminuição de
autonomia nacional enfraqueceu as políticas sociais advogadas principalmente pelos partidos
sociais-democratas clássicos, partidos alinhados à esquerda ou centro-esquerda tiveram seus
governos desorganizados economicamente, passando a conviver com maiores taxas de
inflação e desemprego (KITSCHELT, 1994; PIVEN, 1991; IVERSEN, 1996; SWENSON,
1991; SCHARPF, 1988).
Entretanto, outra vertente acadêmica discorda dessa visão pessimista apresentada
anteriormente e afirma que as políticas sociais e econômicas de bases sociais-democratas não
foram enfraquecidas pelo processo de internacionalização do capital, apesar de não negar as
mudanças profundas impostas por ele (GARRET, 1998; BOIX, 1997). A expansão do
capitalismo global, ao contrário, teria incentivado o aumento de políticas públicas de cunho
social, levando os partidos sociais-democratas a investirem esforços na garantia de justiça
social, distribuição de riqueza, pleno emprego e renda. Houve um reforço de ações de bem-

5
Os Partidos de Massas são organizações que surgiram perto de 1880 e duraram até 1960 com algumas
modificações desde a sua criação. Para Duvergier (1970), a concepção de partido de massa está intimamente
ligada ao surgimento dos partidos socialistas e à substituição do voto censitário pelo universal: “o recrutamento
dos adeptos apresenta [...] um caráter fundamental do duplo ponto de vista político e financeiro” (DUVERGIER,
1970, p.99)
estar para trabalhadores e populações vulneráveis visando criar uma rede de proteção contra
os efeitos nocivos da competição agressiva de mercado.
A dificuldade que tange nossa seara, é que a grande maioria de trabalhos neste
sentindo estudam os impactos da internacionalização do capital sobre políticas públicas e
partidos políticos europeus ou estadunidense, pouco ou quase nada se dirige para a realidade
latino-americana. De uma maneira geral, os escassos trabalhos constatam que em países de
desenvolvimento capitalista tardio, a competição internacional agravou ou mesmo
obstaculizou a execução de políticas públicas e de investimentos na área social. Para além das
variáveis locais, como, por exemplo, o tipo de regime ou de ideologia de governo, esses
travamentos ocorrem independentemente dos efeitos da internacionalização do capital
(KAUFMAN, SEGURA-UBIERGO, 2001). Outros estudos, ao investigar de que forma a
integração econômica afetou as políticas de bem-estar e os partidos sociais-democratas nos
países latino-americanos, descobriram que diferentes aspectos da abertura comercial e do
desenvolvimento tardio levaram a resultados diferentes em cada local ou região, portanto, é
fundamental que, em caso de pesquisas comparadas, se dê atenção as distinções e
especificidades de cada país (AVELINO, BROWN, HUNTER, 2005).
O presente trabalho representa um recorte de uma pesquisa maior que estamos
realizando junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal
de São Carlos (PPGPOL/UFSCAR), e tem como objetivo a investigação das adaptações
teóricas da social-democracia realizadas pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB)
em seus documentos fundadores (1988-1994). O que hora apresento é um levantamento
bibliográfico que busca fazer um referenciamento dos partidos sociais-democratas
historicamente existentes na América Latina e como o PSDB se encaixa dentro deste
arcabouço histórico.
É importante pontuar que na América Latina não se reuniu as condições históricas nas
quais a social-democracia europeia se estabeleceu, lá os partidos políticos sociais-democratas
foram fundamentais para o desenvolvimento dessa vertente ideológica. Em território latino-
americano existem muitas lacunas que diferenciam a evolução dos sistemas partidários
europeus e suas contrapartes do “novo mundo”. Esta lacuna não se apresenta somente nos
aspectos político-institucionais, mas também nos aspectos econômicos e sociais, uma vez que
por aqui, problemas estruturais não solucionados ao longo de um processo histórico, foram os
responsáveis por criar essas descontinuidades entre a Europa e a América Latina.
Isto pode estar ligado ao tipo de capitalismo desenvolvido nessa parte do planeta, e
nas funções desempenhadas por ela na Divisão Internacional do Trabalho, que em certa
medida consolidaram uma sociedade capitalista desigual, concentradora de renda e com
classes dominantes equivalentes aos padrões de consumo dos países dominantes, enquanto a
maioria da população mais vulnerável vive a margem dos padrões mínimos de sobrevivência.
Por último, o processo de industrialização tardia deixou como legado um descompasso entre
a formação de um operariado moderno e imensas massas campesinas ligadas aos elementos
arcaicos e coloniais clássicos de nossa história.
Este trabalho está estruturado em três seções. Na primeira, subdividida em quatro
partes, estabeleceremos os recortes históricos e contextualizaremos os diferentes períodos em
que os partidos de tendências sociais-democráticas surgiram na América Latina. Na segunda
sessão encontra-se a elaboração das hipóteses do trabalho, os resultados obtidos e uma
apresentação da bibliografia utilizada para a interpretação do cenário latino-americano.
Finalmente, na última seção, passaremos a refletir as conclusões acerca do estudo realizado.

OS QUATRO PERÍODOS DO DESENVOLVIMENTO DE PARTIDOS SOCIAIS-


DEMOCRÁTICOS NA AMÉRICA LATINA.
Por todas as características elencadas anteriormente é impossível compreender o
histórico partidário social-democrata latino-americano tal e como o europeu. O caminho mais
utilizado tem sido relacionar o histórico dos partidos de esquerdas com a influência da
Internacional Socialista6. O estreitamento das ligações entre o órgão internacional e a
periferia mundial se deu ao longo do século XX conforme a relevância econômica e
geopolítica que estas áreas tiveram em diferentes momentos. Podemos apontar que entre o
final do século XIX até meados da década de 1920, momento em que a Segunda
Internacional vigorava, foi o período em que se formaram importantes partidos socialistas na
Argentina, no Uruguai, no Chile, em Cuba, na Bolívia, no México e no Brasil.7

a) 1º. Período (1887-1920): O despertar dos partidos operários latino-americanos.

6
A Internacional Socialista (IS) ou Segunda Internacional é uma organização formada incialmente em 1889 no
Congresso Internacional de Paris. Dissolvida em dois momentos no período Entreguerras, acabou se
diferenciando programaticamente da Internacional Comunista, principalmente a partir do estabelecimento da
União Soviética da formação do Komintern (III Internacional Comunista), em 1919 pelo líder bolchevique
Lenin.
7
Fundado em 1922 por ex-militantes anarquistas, e bastante influenciado no cenário internacional pela
Revolução Russa, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) viveu parte significativa de sua trajetória sob a
clandestinidade, isto porque por diferentes períodos sua existência ao longo do século XX foi na ilegalidade.
Ver RODRIGUES (2004).
Para Vitale (1982)8, apesar do primeiro partido socialista fundado em terras latino-
americanas ser o Partido Democrático do Chile, em 1887, relevante de fato é o surgimento do
partido socialista argentino, criado por José Ingenieros e Juan Justo, em 1895, devido a sua
ampla base operária. Em geral, os programas destes partidos foram se tornando mais
reformistas9 à medida que passaram a se alinhar com as correntes bernstenianas 10 da Segunda
Internacional. Seus manifestos requisitavam maiores liberdades democráticas, aumento de
salários, sindicalização e uma via eleitoral-parlamentar com o objetivo de garantir votos para
seus filiados. Pela estreita adesão ao órgão internacional socialista, tinham forte ênfase no
internacionalismo e um discurso marxista a partir de uma leitura mais atenta aos escritos de
Engels.
Os primeiros partidos socialistas não tiveram êxito em fincar raízes na América
Latina, desde sua origem não conseguiram crescer exponencialmente, isso porque disputavam
espaço com o movimento anarquista, o qual tinha grande influência sobre operários e
artesãos.11 O motivo disso pode estar relacionado com as especificidades culturais de nosso
continente, muitas vezes enraizadas em diversas etnias, religiões e na própria condição
campesina em que se encontrava socioeconomicamente grande parte da mão-de-obra na
América Latina (VITALE, 1982).

b) 2º. Período: Desenvolvimento fragmentado dos partidos socialistas democráticos latino-


americanos.
A segunda etapa da social-democracia latino-americana iniciou-se a partir de meados
da década de 1920 e se estendeu até a década de 1960, e sua característica mais despontante
foi a posição antissoviética, e mesmo até certo repúdio a Revolução Russa. Alinhando ao
pensamento manifestado por Karl Kautsky, este período foi marcado por uma profunda cisão
8
Os recortes históricos utilizados nesta sessão são baseados nos três períodos históricos elencados por Vitale
(1982): 1. La II Internacional na América Latina desde o fim do século XIX até 1920; 2. La Social-democracia
latino-americana desde 1920 até 1960; 3. La social-democracia desde a Revolução Cubana até 1976. Viera
(2008) ao se basear nestes recortes, e escrevendo posteriormente, acrescenta outros dois períodos: de 1976 a
1989; e de 1989 até a atualidade.
9
Para Carone (1994), no final do século XIX já se apresentavam duas tendências dentro do movimento operário:
os reformistas e os revolucionários. Os reformistas, também chamados de coletivistas, apesar de não declinar da
revolução social, não abriam mão da reforma, considerando que todo sucesso parcial favorecia a vitória final
dos trabalhadores.
10
Cabrera (1995) afirma que a figura de E. Bernstein não contribui para uma aproximação entre sociais-
democratas europeus e latinos, isto muito por causa da defesa de uma certa visão evolutiva da sociedade,
presente no pensador, que justificava a necessidade de uma política colonial socialista, em que caberia aos
socialistas um papel civilizador em relação as colônias e semicolônias africanas e asiáticas.
11
Vitale (1982) afirma que a FEORA (Federación Obrera Regional Argentina) chegou a contar com mais de
600 mil afiliados. De maneira geral, assim como no Brasil, no início do século XX, o anarquismo chegou a ser
hegemônico em vários países latino-americanos.
dentro da esquerda que colocou em lados opostos apoiadores e não apoiadores do
comunismo. Em comparação com o movimento da social-democracia europeia, os sociais-
democratas da América Latina, em sua maioria, aderiram à aceitação de certas regras do
capitalismo de mercado, buscando se aproximar das novas massas de operários que surgiam
com o início do processo de industrialização por substituição, consolidado a partir da década
de 1930. O período impôs uma transformação social muito grande: a migração campo-cidade.
Na América Latina, de modo geral, são originais os problemas campesinos porque para além
da questão da terra, também se envolvem graves questões étnicas e sociais. A social-
democracia precisou neste período disputar a aceitação pública enfrentando movimentos
nacionalistas como o cardenismo no México, o varguismo no Brasil e o peronismo na
Argentina, que ocuparam um terreno político fundamental.
Em 1951 a Segunda Internacional foi refundada sobre o nome de Internacional
Socialista (I.S.) na Conferência Mundial de Frankfurt. Esta instituição teve grande
ascendência sobre os sociais-democratas na América Latina. Desde o final da Segunda
Guerra Mundial a reorganização do movimento socialista já se dava a partir da formação do
Comitê das Conferências da Internacional Socialista (COMISCO) – um fórum de partidos
socialistas e sociais-democratas que se tornou o alicerce para a fundação da I.S - entretanto,
os interesses europeus continuaram sendo preponderantes, o que, na prática, colaborou para
que seus efeitos na América Latina fossem limitados. Apesar de em seus manifestos propor-
se a formulação de políticas próprias para os países em desenvolvimento, sua demarcação de
campo com os comunistas na Europa, o alinhamento com a O.T.A.N, e a necessidade de
priorizar esforços na reconstrução europeia, restringiu a ação de seu Secretariado Latino-
americano, formado em 1955, com sede no Uruguai. (VITALE, 1982; CABREIRA, 1995;
VIERA, 2018). O fim do Secretariado em 1961, é apontado por Willians (1984) como fruto
de uma contradição entre o posicionamento da Internacional Socialista acerca da O.T.A.N. e
a inclusão da América Latina nos organismos internacionais apadrinhados pelos Estados
Unidos, o que levou os partidos sociais-democratas e socialistas a posicionarem-se não
apenas frente ao reformismo, mas também diante do anti-imperialismo.

c) 3º. Período: Entre a revolução e a reforma


O período seguinte transformou-se em um momento de reorganização da esquerda
latino-americana. Assim como a Revolução Russa de 1917 provocou um terremoto político
na Europa, a Revolução Cubana de 1956 teve o mesmo efeito no continente americano,
criando grande instabilidade para as instituições políticas tradicionais. Inicialmente a maioria
dos movimentos da esquerda aderiram ao apoio do Movimento de 26 de Julho, contra os
desmandos da ditadura de Fulgêncio Batista, mas conforme o levante foi se aprofundando e
com a adesão dos revolucionários ao eixo soviético, transformando-se em uma revolução
permanente e ininterrupta, os partidos de tendência reformista e até mesmo muitos partidos
socialistas foram se distanciando ou silenciando.12
Novos tipos de partidos, agora revolucionários, começaram a se formar, estimulados
pela Revolução Cubana, e passaram a disputar espaço dentro da esquerda, empurrando
muitos sociais-democratas para dentro da Democracia Cristã. Viera (2018) afirma que a
Democracia Cristã, pela forte presença do cristianismo no continente, sempre foi um
movimento que atraiu as massas populares, e se firmou como uma crítica aos problemas
sociais, manifestando tendências reformistas sociais. Até a década de 1970, quando passou a
ter posicionamentos mais a centro-direita, ela atraiu muitos sociais-democratas que viam no
viés revolucionário pós-Revolução Cubana um motivo para se afastar de posicionamentos
mais extremados. A “Aliança para o Progresso” 13 costurada pelo governo estadunidense de
J.F. Kennedy, colaborou para congestionar o centro político e radicalizar os movimentos
nacionalistas que se tornaram anticomunistas ferrenhos.

d) 4º. Período: Terceira Via – a social-democracia de centro-direita


O ponto de partida do quarto período da evolução da social-democracia latino-
americana tem como momento fundante a Conferência Mundial realizada em Caracas
(Venezuela) em 1976. Impulsionada pelo trabalho de Willy Brandt, presidente da
Internacional Socialista, dobraram-se os esforços para dar maior força aos partidos de
tendência social-democrata na América Latina. O resultado foi um aumento significativo de
filiações em partidos sociais-democratas ao longo da segunda metade da década de 1970 e da
primeira metade da década de 1980. A partir deste momento pôde-se verificar um
fortalecimento da social-democracia frente as correntes do leninismo-marxismo e da própria
Democracia Cristã. A crise do modelo de substituição de importações levou os países latino-
americanos a uma grande crise econômica, a alternativa da centro-esquerda foi seguir

12
Em países onde não houve embargo aos movimentos de esquerda, alguns partidos socialistas como o Partido
Socialista do Chile e o Partido Socialista Revolucionário Equatoriano, que não pertenciam a Internacional
Socialista, se radicalizaram. Ver: VITALE (1982, p.5); VIEIRA (2018, p. 192-193).
13
A preocupação com a Revolução Cubana e a ascensão soviética sobre o continente americano levou o
presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy a liderar um projeto político que ficou conhecido como
“Aliança para o Progresso”. Seu grande objetivo era integrar, nos aspectos políticos, econômicos, sociais e
culturais, os países latino-americanos impedindo que novas Cubas se repetissem. Ver: MATOS (2008, p.360)
caminhos parecidos com a Europa, ou seja, aproximar dos ideais da Terceira Via 14 que se
expandia ao redor do mundo e se apresentava como caminho intermediário em terras latinas.
(CABRERA, 1995; VIERA, 2018).
Viera (2018) aponta que, a partir de 1989, o Consenso de Washington se tornou
determinante para os rumos da América Latina, ao reunir em um fórum líderes de países
latino-americanos e de organismos internacionais, o crescimento e o desenvolvimento
econômico passaram a ter as diretrizes liberais como norteadoras. O resultado foi uma série
de prescrições a serem seguidas pelos Estados, sob o manto da contenção de gastos e do
enxugamento da máquina pública.
Estas medidas incluíam um sistema fiscal eficiente, a privatização de
serviços, a flexibilização de medidas comerciais, entre outras. A partir
dos anos noventa, emergia um sistema econômico que permitiu a
chegada de grandes projetos democráticos, depois de vários regimes
ditatoriais pela região durante o século XX. (VIERA, 2018, p. 194)

Esta guinada a direita realizada pelos movimentos sociais-democratas recebeu,


naquele momento, forte críticas de Perry Andersen (1990) que via neste movimento uma
necessidade do capitalismo europeu, permitindo a ascensão asiática, a presença excessiva dos
Estados Unidos e a crise fiscal que acabaram prejudicando a base da social-democracia dos
anos dourados. Entretanto, ainda que não se possa duvidar deste movimento do capitalismo
internacional, os anos 90 foi um momento auspiciosos para os projetos democráticos e
reformistas porque a superação de anos de autoritarismo abria novas oportunidades para a
social-democracia latino-americana.

RESULTADOS ENCONTRADOS A PARTIR DO LEVANTAMENTO


BIBLIOGRÁFICO
As leituras anteriores, que de certa forma respaldam a introdução deste comunicado,
nos alertaram que as condições periféricas-capitalistas da América Latina impuseram duras
restrições as possibilidades do desenvolvimento das condições objetivas para a existência de
partidos sociais-democratas tais como os existentes na Europa. Nem mesmo o
estabelecimento das características elementares, geralmente atribuídos a social-democracia,
como as políticas de bem-estar social, de distribuição de renda e de justiça social,
encontraram situações históricas que lhes proporcionassem uma evolução comparada a outras

14
Terceira Via é um arranjo ideológico que nasce mesclando tendências distributivistas, sociais-democratas e
sociais-liberais. Busca conciliar visões econômicas tradicionais associadas à direita e à esquerda, adotando
políticas econômicas de tendências liberais e políticas sociais progressistas. Ver: GIDDENS (2001).
partes do planeta. Desta forma partimos da hipótese de que na América Latina a estruturação
de partidos sociais-democratas não se concretizou plenamente até a década de 1990
(FREIDENBERG, 2016). Sem a existência clara destes partidos, as tendências sociais
democráticas acabaram se acomodando em nomenclaturas a esquerda ou a centro-esquerda
como os partidos socialistas, os partidos comunistas e os partidos democratas-cristãos. Assim,
pensar o desenvolvimento de partidos sociais-democratas espelhados na Europa é inviável e
envolve o próprio debate sobre o marxismo em terras latino-americanas.
Para Love:
O radicalismo, na maior parte da América Latina, como também
acontecia na Península Ibérica, tendia a girar mais em torno do
anarquismo que do socialismo, pelo menos até a década de 1920 e,
em muitos países, o Brasil inclusive, talvez até a década de 1930. [...]
Uma razão subjacente a lenta penetração do marxismo, e a uma certa
distorção positivista deste, na década de 1930, foi feita, no meio
intelectual brasileiro, de um embasamento hegeliano (LOVE, 1998, p.
407).

Ainda para Vitale (1982), as classes dominantes latino-americanas sempre dispuseram


de poderosos mecanismos de canalização do descontentamento popular, entre eles a Igreja
Católica até a década de 1980. Desta forma, não se pode compreender o papel e a qualidade
da social-democracia na América Latina sem analisar, simultaneamente, a práxis da
Democracia Cristã e dos reformistas internacionais que disputavam espaço político na centro-
esquerda. Mesmo que não coloquemos de lado o cenário internacional e as disputas teóricas
travadas diacronicamente ao longo do século XX, na América Latina, o universo partidário,
sempre seguiu pautas nacionais que complexificam a análise dos partidos segundo seus
critérios de fundação, tal qual comumente faz a literatura tradicional sobre partidos
(MAINWARING; SCULLY, 1995, SÁEZ; FREIDENBERG, 2002).15
Diante do exposto, este estudo buscou através do levantamento bibliográfico
estabelecer uma investigação que se pautou menos pelos indicadores clássicos da literatura
para a classificação e tipologia partidária, e mais para a gênese desses partidos em seus
contextos históricos. Por isso o caminho optado se pautou na trilha percorrida por outros
trabalhos, principalmente aqueles que buscaram investigar a relação entre os partidos de
esquerda latino-americanos e a Internacional Socialista. O resultado desta seleção se mostrou
bastante desafiante, uma vez que há uma rica dinâmica em níveis nacionais dos sistemas
15
Para Panebianco (2005), toda organização traz em sua constituição marcas de sua gênese, a sua modalidade de
formação e as decisões político-administrativas de seus fundadores modelam o partido. Desta forma, em sua
fase genética as metas ideológicas do futuro partido são capazes de selecionar a base social em que a
organização irá atuar.
partidários na América Latina, que não apenas a distância da Europa, como também a torna
original e muitas vezes exclusiva. Buscamos em nosso trabalho dar prioridade não apenas aos
partidos como organizações, mas também como agrupamento de pessoas com objetivos
próprios e pretensões díspares.
No quadro 2 fazemos a relação de todos os partidos de tendência de esquerda ou
centro-esquerda que do final do século XIX até o final do século XX abrigaram em suas
fileiras políticas, pensadores e intelectuais que nutriram ideais socialistas-democráticos,
sociais-democráticos e reformistas na América Latina.

QUADRO 2: Partidos Políticos que abrigaram sociais-democratas (1887 -1989)


1º. Período (1887 – 1920) 2º. Período (1920 – 1960) 3º/4º Período (1960 – 1989)

● Partido Revolucionário de ● Partido Comunista de Uruguay ● Movimiento Nacional


Chile (Chile/1863) Revolucionário
● Partido Comunista de la
● Partido Democrático de Chile Argentina (Argentina/1921) (El Salvador/1968)
(Chile/1887)
● Partido Comunista Brasileiro ● Partido Socialista Popular
● Partido Socialista (Brasil/1922) (Argentina/1972)
(Argentina/1896)
● Aliança Popular ● Partido Nueva Joya
● Partido Socialista Revolucionária Americana (Granada/1973)
(Uruguai/1910) (Peru/1924)
● Unión Democrática Popular
● Partido Obreiro Socialista ● Partido Socialista Cubano (Bolívia/1977)
(Chile/1912) (Cuba/1925)
● Izquierda Democrática
● Partido Comunista Mexicano ● Partido Socialista Ecuatoriano (Equador/1978)
(1917) (Equador/1926)
● Partido Socialista Democrático
● Partido Socialista Internacional ● Partido Socialista del Peru (Guatemala/1979)
(Argentina/1917) (Peru/1930)
● Convergência Democrática
● Partido Comunista del Ecuador (Uruguai/1980)
(Equador/1933)
● Partido Democrático Social
● Partido Socialista de Chile (Brasil/1980)
(Chile/1933)
● Partido dos Trabalhadores
● Partido Obreiro Revolucionário (Brasil/1980)
(Bolívia/1935)
● Partido da Social Democracia
● Acción Democrática Brasileiro (Brasil/1988)
(Venezuela/1941)

● Partido Social Democrático


(Brasil/1945)

● Partido Popular Socialista


(México/1948)

● Partido Liberación Nacional


(Costa Rica/1951)
● Partido Revolucionário

Febrerista (Paraguai/1951)

Fonte: autoria própria

O quadro apresenta três colunas que indicam os quatro recortes temporais


apresentados na primeira sessão deste trabalho. A opção em unir o terceiro e quarto período
em uma única coluna se dá porque, como afirmamos antes, o período que se segue pós-
Revolução Cubana tem uma energia de radicalização dos partidos de esquerda na América
Latina, o que obrigou muitos sociais-democratas, por opção política ou mesmo por
perseguição, a se alistar nas fileiras de partidos democratas-cristãos. Como se pode perceber,
as lutas por ideais sociais-democratas foram impulsionadas por um amplo espectro de atores
sociais, as siglas partidárias apresentadas no quadro 2 demonstram uma miríade de
movimentos operários e outros agentes populares, ainda que majoritariamente encabeçados
pelas classes médias, se envolveram na defesa de direitos humanos, igualdade, justiça social,
emprego e democracia.
Entretanto, as denominações assumidas pelos partidos fazem supor que, mesmo tendo
em suas fileiras indivíduos que pertencessem a tendências sociais-democratas, a direção
política desses partidos não resulta em um arranjo social-democrata consolidado como no
território europeu. Na América Latina, assim como no Brasil, não se estabeleceu uma
tradição social-democrática, no máximo podemos apontar uma relação particular com o
movimento e as teorias marxistas (VASCONI, 1990).
Assim, é uma difícil tarefa, nesta região, se estabelecer uma classificação completa e
exata daquilo que podemos chamar de organizações ou partidos sociais-democratas. Mesmo
que escolhamos algumas variáveis como a condicional de estudarmos somente aqueles
partidos que pertenciam a Internacional Socialista, escolheríamos um recorte que deixaria de
fora organizações que, sem pertencer à categoria mencionada, praticavam políticas sociais-
democráticas e chegaram até mesmo contar com o apoio da Internacional Socialista.16
Entre todos os partidos latino-americanos demonstrados no quadro, os brasileiros são
um caso exemplar. É o país que, entre os demais, mais apresenta partidos que contêm em seu
nome a palavra social-democracia. Cumpre lembrar que no caso brasileiro, o surgimento de
partidos de feição moderna se deu somente após o fim do Estado Novo, e segundo Kinzo
(1993) a arena política nacional comum somente foi efetivamente constituída após 1946,

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Como exemplo podemos citar: o Partido Socialista de Chile, algumas tendências dentro da União Cívica
Radical na Argentina ou o Partido dos Trabalhadores no Brasil.
quando a nova Constituição ampliou a cidadania política, assegurando a autonomia do eleitor.
Entre 1946 e 1964, o Partido Social Democrático (PSD), à revelia de seu nome, sempre agiu
em torno de seu “centro político”: o burocratismo getulista. Conclui-se que antes da
Redemocratização pós 1964 é inviável pensar a social-democracia pelo caminho do histórico
partidário, uma vez que há um cenário muito confuso e contraditório sobre a real presença do
modelo social-democrata.
Tomando a experiência recente (pós-democratização), observamos alguns exemplos
de novos partidos que buscaram incorporar em seus nomes os termos específicos, literais ou
próximos da ‘social-democracia’. É o caso do Partido Democrático Social (PDS), que existiu
de 1980 a 1993, e representou uma fração de grupos diretamente ligados ao antigo governo
militar, sendo o partido que abrigou a maioria dos quadros da ARENA17, pós-fim do
bipartidarismo do regime anterior, e que nunca manifestou um programa de viés social-
democrata. Por fim, o Partido Social Democrático (PSD), fundado em 1987 e findado em
2003, foi um partido que tentou ser uma continuidade do PSD de 1945, mas este nunca
conseguiu atrair antigos quadros pertencentes aquele partido. Sua postura programática
também não previa nenhum princípio social-democrata dentro dos termos aqui trabalhados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a análise bibliográfica aqui proposta, depreende-se de nosso levantamento que
até a década de 1990, não se reuniram condições objetivas para a existência de partidos
sociais-democratas na América Latina. Principalmente, se como ponto de partida para uma
comparação tenhamos os análogos partidos europeus, em território latino-americano as
condições subjetivas em que os diferentes atores nacionais se envolveram, criaram cenários
originais e muitas vezes exclusivos, fazendo que estes se abrigassem em partidos diversos
com tendências a esquerda ou a centro-esquerda.
Mediante a pulverização dos sociais-democratas em outros partidos, o período que se
seguiu a onda de governos autoritários a partir de 1990 se tornou alvissareiro para grandes
transformações. Como aponta Giacomo Sani (1992, p.307), “os problemas da transição de um
regime autoritário para um regime democrático podem ser vistos como problemas relativos à
reação, transformação e difusão de uma nova cultura política”. Desta forma se torna

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Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi um partido político brasileiro criado em 1965 com a finalidade
de dar sustentação política aos grupos militares que havia se apoderado do poder no ano anterior. Era um partido
eminentemente conservador, ao se colocar contrários a ação de minorias, chamados por ele, de radicais. Sua
gênese está diretamente ligada ao Ato Institucional n° 2, responsável por abolir o multipartidarismo no Brasil e
estabelecer o bipartidarismo no seu lugar. Ver: Napolitano (2014).
fundamental um olhar mais cuidadoso para este recorte, uma vez que as redemocratizações
trouxeram novas esperanças de progresso, principalmente no terreno da justiça social. Pode-
se observar claramente, agora, grandes variações institucionais, novas classes sociais,
diferenciação de elites e massas que sob diferentes recortes étnicos, religiosos, sociais,
econômicos e políticos estabeleceram disputas de espaços políticos, econômicos e sociais.
Neste novo cenário, a social-democracia ressurgiu como uma nova alternativa mais ao
centro em vários países latino-americanos. Ao longo dos anos 1980 a Internacional Socialista
ganhou força e se aproximou do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),
principalmente dos atores ligados a Fernando Henrique Cardoso, de setores do Radicalismo e
do peronismo argentino, de algumas alas do Partido Liberal colombiano, naquele momento
dirigido por López Michelsen, e por fim, de frações do Partido Socialista Chileno lideradas
por Aniceto Rodriguez.
Neste espaço de tempo, em que vários atores sociais e partidos políticos buscaram
posições relevantes no cenário político de seus próprios países, as discussões sobre bem-estar
social, justiça social e democracia se interligaram para a formação de novos pactos que
culminaram em um cenário renovado e de grande efervescência política. No Brasil em
específico, novos partidos e o novo sistema partidário, se consolidaram na Assembleia
Constituinte de 1988, ano em que se assistiu ao surgimento de um novo partido: o Partido da
Social Democracia Brasileira (PSDB).
A sigla requisitou para si um espaço no campo político e se propôs a construir uma
proposta de social-democracia, e ainda que sua formação tenha se dado exclusivamente de
forma parlamentar, sem vínculos com as organizações e movimentos das classes
trabalhadoras, O PSDB se constituiu um partido de quadros muito diferente dos partidos
sociais-democratas europeus que surgiram próximos aos movimentos sindicais e com forte
conotação social e princípios socialistas. (GENAIO, 2003).
Para Celso Roma (2002), a escolha da nomenclatura do partido foi um argumento
utilizado para ocupar um “vazio político” na centro-esquerda brasileira. Isto ofereceria uma
retórica mais palatável aos que desejavam mudanças políticas e alimentavam interesse em
uma via alternativa entre o movimentalismo social protagonizado pelo PT e o nacional-
desenvolvimentismo das velhas camadas burocráticas encasteladas no poder. Seu argumento
constrói a defesa de que a opção pela social-democracia, no nome do partido, seria uma
decisão pragmática eleitoral que permitiu o PSDB, oferecer-se como uma opção mais
moderada e democrática-liberal.
Não entendendo o novo partido apenas como um calouro no cenário político do final
da década de 1980, e não desprezando o contexto histórico em que esta gênese acontece, é
importante também não renunciar à hipótese de que a proposta de social-democracia do
PSDB é um rearranjo abrasileirado do pensamento social-democrata do século XX, na
América Latina e no mundo, transpassado pelas necessidades de uma nova Ordem
Econômica Mundial. Naquele momento, em que se transitava de uma ordem bipolar para
uma ordem multipolar, um novo ambiente facilitava a expansão de capitais e de comércio,
criando embates entre os países que ocupavam o centro do capitalismo mundial. Estas
contradições formavam o contexto da criação do PSDB, que precisava dialogar externamente
com uma renovada divisão Norte-Sul e o reposicionamento dos países desenvolvidos e os
chamados em via de desenvolvimento.
Esse rearranjo abrasileirado não se furtou a costurar diferentes modelos de social-
democracia ou sociedade de bem-estar social, desenvolvidos ou não, em territórios brasileiro,
latino-americano ou mundial. Desta forma, é de grande necessidade entendermos os
elementos teóricos-políticos que constituíram o PSDB, formando sua visão de mundo, uma
vez que suas “crenças gerais” organizaram e estruturaram as ações decisivas ou estratégicas
dos seus correligionários ou mesmo de seus principais “atores políticos”. Corroborando este
argumento, Daniel Pécaut (1990) afirma que tais visões de mundo, concorrendo entre si,
podem forjar, com o tempo, culturas políticas hegemônicas, o que, em si, colaboraria para a
compreensão das ações e decisões políticas do partido quando este alcança o poder.
O PSDB acabou se conformando como um dos principais atores políticos da cena
republicana pós-1988. Sua ascensão ao poder sob os dois governos de Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002) e a polarização das disputas eleitorais para a presidência da República
com o Partido dos Trabalhadores (PT) durante os anos de 2003 e 2014 foram catalisadoras de
uma imensa energia política que muitas vezes se traduziu em atitudes e ações que moldam os
ideários políticos do momento presente. Compreender a social-democracia proposta pelo
PSDB é um passo importante na compreensão da sociedade, da economia e do Estado
brasileiro.

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