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Resumo:
O texto se propõe a discutir o modelo brasileiro da mídia como um “Poder
Moderador” sob um prisma comparativo, tendo em vista os três sistemas
político/midiáticos propostos por Daniel Hallin e Paolo Mancini em seu livro
Comparing Media Systems: os modelos Liberal, Corporativista Democrático e
Pluralista Polarizado. Em particular, discute o conceito de paralelismo político e
sua aplicabilidade como instrumento para uma tal comparação.
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deste texto recairá com maior ênfase sobre uma das quatro dimensões de análise
comparativa propostas pelos autores: o conceito de paralelismo mídia/política.
O texto se divide em três partes. A primeira apresenta o esquema de três modelos de
sistemas político-midiáticos propostos por Hallin e Mancini, tendo em vista a sua
aplicabilidade ao caso brasileiro. A segunda tem por objeto o conceito de paralelismo
mídia/política. A terceira, enfim, considera o modelo brasileiro em que a mídia reivindica
um papel de “Poder Moderador” a partir de uma perspectiva comparativa com os três
modelos propostos por Hallin e Mancini.
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Naturalmente, não se pode esquecer do livro pioneiro Siebert, Peterson e Schramm, Four Theories
of the Press. Publicado pela primeira vez em 1956, o livro prometia correlacionar “as diferentes
formas que a imprensa assume em diferentes países” com “as estruturas sociais e políticas nas quais
ela funciona” (1963/56: 1). Contudo, não obstante seus objetivos declarados, o livro não se constitui
como exemplo efetivo de estudos comparativos. Ao invés de analisarem exemplos concretos de
formas de organização dos meios de comunicação, os autores identificaram genericamente quatro
grandes teorias acerca da imprensa: as teorias autoritárias, libertárias, da responsabilidade social e
comunista soviética. Além disso, o livro é marcado por um forte viés etnocêntrico em favor dos
Estados Unidos (“teoria da responsabilidade social”) e contra a União Soviética (“teoria comunista
soviética”). Isto se explica, em boa medida, pelo contexto ideológico fortemente carregado em que
o livro foi escrito, caracterizado pela Guerra Fria e tributário da Cruzada pela Imprensa Livre que
setores da imprensa e do governo dos Estados Unidos lideraram entre 1948 e 1952 (Blanchard,
1986). Assim, o livro se estrutura em torno de uma dicotomia básica entre meios de comunicação
privados e controlados pelo Estado. Para os autores do livro, é somente na ausência de controle pelo
Estado que os meios poderão ser livres para servir ao público; do contrário, eles serão usados para
manipulá-lo (Nerone, 1995: 25).
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A busca de uma resposta para esta questão motivou o seminário Comparing Media Systems
Beyond Western World, que ocorreu em Perugia em março de 2007 e contou com a presença de
Daniel Hallin, Paolo Mancini, Elena Vartanova (Moscow State University), Mine Gencel Bek
(Ankara University), Miklos Suksod (Central European University, Budapest), Sahar Khamis
(Qatar University, Doha), Boguslawa Dobek-Ostrowska (University of Wroclav), Yoram Peri (Tel
Aviv University), Myung-Jin Park (Seoul National University), Dennis Redmont (Center for the
United States and Europe at the Brookings Institution), além do autor deste artigo. Uma parcela
considerável dos presentes demonstrou dúvidas quanto à possibiilidade das categorias propostas por
Hallin e Mancini darem conta de aspectos importantes do sistema midiático dos seus países. Dentre
os que aplicaram as categorias de modo mais estrito, a maioria identificou traços semelhantes entre
os sistemas midiáticos dos países que analisavam e o modelo Pluralista Polarizado.
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sistemas midiáticos dos sete países. De fato, nos países latino-americanos os traços
clientelísticos assumiriam formas ainda mais extremas do que nos países da Europa
Meridional. Mais recentemente, Azevedo não hesitou em classificar o sistema político
midiático brasileiro como Mediterrâneo ou Pluralista Polarizado (2006: 89).
Tal sugestão não é isenta de problemas, contudo. Para começar, é preciso alguma
cautela com relação à generalização do conceito de “Pluralismo Polarizado”. Os autores
tomam o conceito emprestado do livro Parties and Party Systems, de Giovanni Sartori, e o
usam em contraposição a um outro conceito do mesmo autor “Pluralismo Moderado”.
Porém os dois conceitos estão longe de dar conta do quadro teórico proposto por Sartori,
entendido como um todo. De fato, a principal oposição apresentada por este autor se refere
aos sistemas partidários competitivos e não-competitivos. Sartori identifica três tipos de
sistemas partidários não competitivos – sistemas sem partido, sistemas unipartidários e
sistemas com um partido hegemônico – e quatro tipos de sistemas competitivos – sistemas
bipartidários, pluralistas moderados, pluralistas polarizados e atomizados. A ênfase na
oposição entre sistemas pluralistas moderados e pluralistas polarizados faz sentido em face
da natureza do corpus da investigação (embora países como o Reino Unido e
principalmente os Estados Unidos poderiam ser mais adequadamente descritos como
bipartiários do que como pluralistas). Além disso, Sartori reserva a categoria “Pluralismo
Polarizado” para dar conta de situações bastante específicas que tiveram lugar em um
conjunto bastante limitado de países (1976: 131-173), em contraste com a sugestão de
Hallin e Mancini que o “Modelo Pluralista Polarizado” teria aplicabilidade quase universal
como ferramenta analítica. É preciso cuidado para evitar uma definição meramente
negativa do Modelo Pluralista Polarizado em relação aos outros dois. De certa forma, isto
ocorre no artigo de Hallin e Papathanassopoulos mencionado acima. Com exceção de um
item – tradição de jornalismo de causas – todos os demais parecem definidos de modo
negativo em relação à realidade dos demais países da União Européia 3.
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Outro exemplo de categoria analítica definida em termos fundamentalmente negativos em relação
a uma “regra” é o conceito de “democracias da terceira onda”, criado por Samuel Huntington para
descrever as democracias criadas depois de 1978, as quais são, em última análise, descritas em
termos negativos – democracias menos institucionalizadas – em comparação com as democracias
anteriores. De acordo com Mainwaring e Zoco, por exemplo, a data da criação das democracias é
muito mais importante como fator de explicação da volatilidade eleitoral do que a sua idade: “a
maioria das democracias pós 1978 tem uma volatilidade eleitoral muito maior do que as
democracias dos países industriais avançados, e elas não estão se tornando mais estáveis com o
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passar do tempo”. (2007: 172). Comparações deste tipo tendem a patrocinar um forte viés
etnocêntrico, na medida em que naturalizam os sistemas ditos mais “avançados” e tratam os demais
como exemplos desviantes de uma norma fundamental.
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representantes por excelência dos anseios da população brasileira – antes que como porta-
vozes de um ponto de vista particular.
Com relação ao terceiro critério, o profissionalismo, as diferenças entre os sistemas
midiáticos dos países mediterrâneos e do Brasil são igualmente marcantes. Diferentemente
do que aconteceu naqueles países, o jornalismo brasileiro sofreu uma significativa
influência do modelo de jornalismo americano a partir dos anos 1950, e adotou uma
retórica que associava o profissionalismo à busca imparcial dos “fatos”. Isso não significa,
contudo, que o jornalismo brasileiro simplesmente “adotou” o modelo americano. Na
verdade, ele promoveu uma adaptação criativa de alguns aspectos deste, de modo a
concilia-los com a realidade do país (Albuquerque, 2005). Alguns aspectos deste processo
merecem ser destacados. Para começar, cabe destacar o papel importante que os jornalistas
comunistas desempenharam no processo de modernização do jornalismo brasileiro, entre as
décadas de 1950 e 1970, mesmo em jornais conservadores, arautos da bandeira do anti-
comunismo; e o mais surpreendente é que o fizeram com o conhecimento e a tolerância por
parte dos donos desses jornais. Ao que parece, teve lugar no período uma curiosa simbiose
de interesses entre agentes cujas posições políticas eram diametralmente opostas. O
profissionalismo pode ter funcionado assim, como linguagem de compromisso e
negociação entre agentes que, por razões táticas, tinham interesses comuns, não obstante
suas agendas inteiramente distintas (Albuquerque e Silva, 2007). A evolução do
profissionalismo no Brasil conheceu um novo capítulo a partir do decreto-lei 972 de 1969,
que estabeleceu a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional do jornalismo.
Produto da Junta Militar que governou o Brasil durante dois meses naquele ano, e
formulado nos termos do Ato Institucional no 5, o decreto provavelmente tinha como
objetivo diminuir a influência dos comunistas nos jornais, incentivando a formação de
profissionais mais “técnicos” e menos “políticos”. Novamente, uma curiosa simbiose teve
lugar. Independentemente das intenções dos seus formuladores, os sindicatos de jornalistas
do país prontamente apoiaram a legislação, motivados por interesses corporativistas.
Valendo-se de uma retórica esquerdista, eles reivindicaram lutar pela dignidade da
profissão e alegaram que o fim da obrigação interessava apenas aos patrões, na medida em
que permitiria a eles contratar jornalistas menos qualificados e pagar menos a eles (Silva,
2007). Nas condições em que se deu, a associação da identidade de jornalista à posse do
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Systems. Como lidar com estas características e, ainda assim, preservar um prisma
comparativo com os modelos apresentados por Hallin e Mancini? Acredito que a crítica do
conceito de “paralelismo político” tal como adotado pelos autores pode apresentar um
caminho interessante para lidar com esta questão.
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estabelecem uns com os outros. Para ele, os meios de comunicação não são apenas uma
instituição política, mas uma instituição do governo, visto que eles permitem aos três
poderes se comunicarem uns com os outros e com o público. Porém, o exercício deste
poder não deve ser confundido com tomar partido em favor deste ou daquele agente (ou
poder). Ao contrário, é na medida em que negam exercer este poder, e reivindicam apenas
prover informação objetiva para o público que eles são percebidos como uma instituição
central para a democracia. No Brasil, ao fim do regime militar, os meios de comunicação
também passaram a cobrar para si um papel como mediadores da relação que os três
poderes estabelecem entre si, mas o fizeram de modo muito mais ativo do que seus
congêneres americanos. Mais do que simplesmente servir como canal de comunicação entre
os poderes (e destes com os cidadãos), eles reivindicaram o papel de árbitros dos conflitos
que se estabelecem entre as instituições políticas e de intérpretes privilegiados do interesse
nacional. Dito de outro modo, os meios de comunicação brasileiros patrocinaram uma
leitura muito particular da retórica americana do “Quarto Poder”, baseada na tradição do
“Poder Moderador” (Albuquerque 2005). Este ponto será aprofundado adiante.
Em linhas gerais, pode-se dizer que o conceito de “paralelismo político”, tal como
definido por Hallin e Mancini parece pouco adequado para servir de a um esforço
comparativo mais abrangente acerca das relações que se estabelecem entre os sistemas
político e midiático, visto que ele se concentra exclusivamente nas características deste
último e tem pouco a dizer sobre o modo como a conformação das instituições políticas
afeta o processo. Em particular, ele acrescenta pouco ao entendimento das características de
um sistema político-midiático como o brasileiro, no qual os meios de comunicação
reivindicam exercer ativamente um papel político, mas não o faz como porta-voz de
perspectivas políticas particulares; ao contrário, eles adotam uma estratégia catch-all e
reivindicam representar os interesses da nação como um todo. Para fazê-lo, é necessário um
novo quadro conceitual, que articule características do sistema político e do sistema
midiático. Os rudimentos de um tal quadro conceitual serão apresentados a seguir.
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modelos apresentados por Hallin e Mancini, nem como um mero resultado de uma
combinação entre eles; 2) a formulação do conceito de “paralelismo político” de que se
valem os autores não é ampla o suficiente para dar conta das diferentes maneiras pelas
quais as instituições políticas se organizam nos diversos países e no modo como elas afetam
o governo e o papel que os partidos políticos desempenham nele. Nesta parte, apresento o
esboço de um modelo comparativo capaz de relacionar o sistema midiático brasileiro aos
três modelos propostos pelos autores.
O modelo articula duas variáveis: a primeira diz respeito ao grau de estruturação do
sistema partidário, tendo em vista o grau de influência que as clivagens partidárias exercem
junto ao governo e à vida política como um todo; a segunda se refere ao grau de
intervenção dos meios de comunicação nos assuntos políticos. Da combinação entre eles
resultam quatro situações típicas (ver figura 1):
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Katz e Mair se valem do conceito de “partido-cartel” para descrever a situação na qual a política se
torna cada vez mais uma atividade auto-referenciada, uma profissão em si mesma, e os partidos
políticos se percebem antes como agentes do Estado antes que como representantes da sociedade
civil. Segundo eles, “na medida em que os políticos buscam carreiras de longo prazo, eles tendem a
considerar seus oponentes políticos como colegas profissionais, que são motivados pelo mesmo
desejo de estabilidade no emprego, que enfrentam os mesmos tipos de pressões que eles próprios, e
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com quem eles terão que negociar por muito tempo. A estabilidade se torna mais importante do que
o triunfo; a política se torna antes um emprego do que uma vocação” (1995: 23).
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imperativo agir para modificá-las ou, pelo menos, corrigir o seu funcionamento. Dado que
os partidos são pouco enraizados na sociedade, outros agentes tendem a reivindicar este
papel. Uma solução clássica aponta para o fortalecimento do poder executivo, seja por uma
via carismática – a aposta na personalidade extraordinária do líder como solução para
superar os impasses das instituições políticas – ou institucional – através da criação de
mecanismos que, em nome da governabilidade, permitam a ele atuar com a maior
autonomia possível em relação aos demais poderes. Outra via de solução aponta para o
ideal de um agente especializado na tarefa de vigiar e corrigir as ações dos demais. No
Brasil, este ideal freqüentemente se estruturou em torno de um formato muito particular de
“Quarto Poder”, cujo modelo primordial foi o “Poder Moderador” do período imperial. É
neste contexto que se pode entender o caráter politicamente ativo da mídia: desde o final do
regime militar, os meios de comunicação têm chamado para si a responsabilidade de
desempenhar este papel. Tal como ocorre no modelo do Pluralismo Polarizado, a mídia
percebe o seu papel político como sendo eminentemente ativo; diferentemente dele, porém,
ela exerce este papel de maneira autônoma em relação aos partidos políticos.
- Ativos + Ativos
+ Claras Corporativismo Pluralismo
Clivagens Democrático Polarizado
“Poder
Partidárias
Liberal Moderador”
- Claras
Nunca é demais insistir sobre os limites deste esquema. Trata-se antes de mais nada
de um rascunho, cujo objetivo fundamental é inserir o sistema político-midiático brasileiro
aos três modelos desenvolvidos por Hallin e Mancini em Comparing Media Systems.
Evidentemente, o esquema não tem aplicabilidade universal. Ele se refere apenas a países
que possuem sistemas políticos competitivos e um ambiente favorável ao desenvolvimento
de considerável um grau de liberdade de expressão por parte dos meios de comunicação.
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Do mesmo modo, é recomendável uma boa dose de cautela no uso do termo “Poder
Moderador” para designar este modelo, dado que se trata de um termo profundamente
vinculado à história brasileira e, como tal, potencialmente problemático no que se refere a
uma aplicação mais abrangente. O uso deste termo é, portanto, provisório e poderá ser
proveitosamente substituído por um equivalente que venha a se comprovar como tendo
aplicabilidade mais ampla. O ponto importante a se destacar é aquilo que o termo designa:
uma situação na qual os meios de comunicação reivindicam um papel político ativo que,
contudo, não se confunde com as posições expressas pelos partidos ou forças
representativas da vida política mas, ao contrário, reivindica um lugar transcendental, de
representante do interesse nacional como um todo, e árbitro maior das disputas que se
estabelecem entre as instituições e os agentes políticos.
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