O processo de democratização e seus teóricos
Robert Bonifácio da Silva
O regime democrático é hoje o predominante na maioria dos países, apesar de ser possível
tecer diversas críticas referentes ao enraizamento de seus procedimentos nos governos e
adesão de seus valores nas sociedades. O artigo procura situar o debate acerca do processo de
democratização, enfatizando os aspectos mais relevantes entendidos por autores de distintas
vertentes teóricas para emersão e sustentação da democracia. Para isso, serão explorados
textos de referência de autores ligados a teoria da cultura política, teoria econômica da
democracia, teoria do capital social e teoria neo-institucionalista. Buscam-se entendimentos
de seus principais argumentos teóricos e contraposições.
Palavras-chave: Processo de Democratização - Democracia - Apoio Político -
Vertentes Teóricas.
O processo de democratização e seus teóricos
Robert Bonifácio da Silva
O regime democrático é hoje o predominante na maioria dos países, apesar de ser possível
tecer diversas críticas referentes ao enraizamento de seus procedimentos nos governos e
adesão de seus valores nas sociedades. O artigo procura situar o debate acerca do processo de
democratização, enfatizando os aspectos mais relevantes entendidos por autores de distintas
vertentes teóricas para emersão e sustentação da democracia. Para isso, serão explorados
textos de referência de autores ligados a teoria da cultura política, teoria econômica da
democracia, teoria do capital social e teoria neo-institucionalista. Buscam-se entendimentos
de seus principais argumentos teóricos e contraposições.
Palavras-chave: Processo de Democratização - Democracia - Apoio Político -
Vertentes Teóricas.
O processo de democratização e seus teóricos
Robert Bonifácio da Silva
O regime democrático é hoje o predominante na maioria dos países, apesar de ser possível
tecer diversas críticas referentes ao enraizamento de seus procedimentos nos governos e
adesão de seus valores nas sociedades. O artigo procura situar o debate acerca do processo de
democratização, enfatizando os aspectos mais relevantes entendidos por autores de distintas
vertentes teóricas para emersão e sustentação da democracia. Para isso, serão explorados
textos de referência de autores ligados a teoria da cultura política, teoria econômica da
democracia, teoria do capital social e teoria neo-institucionalista. Buscam-se entendimentos
de seus principais argumentos teóricos e contraposições.
Palavras-chave: Processo de Democratização - Democracia - Apoio Político -
Vertentes Teóricas.
RESUMO O regime democrtico hoje o predominante na maioria dos pases, apesar de ser possvel tecer diversas crticas referentes ao enraizamento de seus procedimentos nos governos e adeso de seus valores nas sociedades. O artigo procura situar o debate acerca do processo de democratizao, enfatizando os aspectos mais relevantes entendidos por autores de distintas vertentes tericas para emerso e sustentao da democracia. Para isso, sero explorados textos de referncia de autores ligados a teoria da cultura poltica, teoria econmica da democracia, teoria do capital social e teoria neo-institucionalista. Buscam-se entendimentos de seus principais argumentos tericos e contraposies. Palavras-chave: Processo de Democratizao - Democracia - Apoio Poltico - Vertentes Tericas.
1- Introduo Dentre todos os acontecimentos relevantes, guerras, revolues, ascenses e quedas de governos durante o sculo XX, h autores que sustentam que a grande personagem do sculo foi, na verdade, a democracia (MOISS, 1992). O autor sustenta que a democracia converteu- se na grande questo da poca contempornea, pois por toda parte verifica-se a defesa das idias de liberdade, de igualdade perante a lei, de direitos individuais e de legalidade institucional. Alguns autores parecem ter o mesmo diagnstico, como Huntignton (1994), que destaca a evoluo da adoo da democracia como sistema de governo pelos pases, processo denominado por ele de ondas de democratizao. Uma maneira de se mensurar esse movimento rumo democratizao consultando os dados da Freedom House 2 , que
1 Mestrando do programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da Unicamp
2 Para maiores informaes, acesse o stio da organizao: www.freedomhouse.org
167 considerava existir, em 2007, 123 democracias eleitorais - pases com patamares mnimos de liberdades civis e polticas, considerados pela organizao. Esse papel protagonista da democracia percebido pelos autores e organizao acima no deixa de influenciar na cincia poltica, o que se nota atravs do denso volume de publicaes que tm a democracia como foco, seja explorando aspectos puramente tericos, seja discutindo sua eficcia em materializar as benesses a ela atribudas, seja avaliando a relao dos cidados com o regime, etc. Um aspecto da democracia que se pode considerar de essencial relevncia se ter conhecimento o conjunto de fatores significantes para sua emerso e sustentao. Em que pases so mais provveis a democracia emergir? Quais fatores explicam a sua sustentao? Por que h rupturas no processo de democratizao em alguns pases, enquanto que em outros h longa experincia com o regime? Alguns estudos j procuraram dar respostas s indagaes acima e uma coletnea sobre o debate pode ser encontrado em Moiss (2005) e Norris (1999a). Os autores expem, de forma geral, argumentos-chave de algumas teorias que buscaram dar respostas ao processo de democratizao. Em parte, a isso que esse trabalho se prope, com o diferencial de adentrar um pouco mais nas obras clssicas ou de referncia de cada vertente terica que se disps tratar do assunto. Para tanto, exploraremos conceitos essenciais e obras de referncia da teoria da cultura poltica, dos tericos da crise, da teoria econmica da democracia, do capital social e do neo-institucionalismo, respectivamente. A ordem com que os argumentos de cada vertente terica aparecem no texto tem como base a seqncia cronolgica em que essas vertentes emergem com alguma relevncia no ambiente cientifico.
2- Teoria da cultura poltica A concepo de que a cultura poltica aspecto relevante para configurao dos sistemas polticos a base geral das argumentaes dessa vertente terica. Ganha expresso no ambiente acadmico na dcada de 60, aps a publicao de Almond e Verba (1963). Os autores rompem com abordagem predominante nos estudos da rea de cultura poltica da poca, que definiam certo carter nacional dos povos e a partir da faziam especulaes tericas para explicar diferentes configuraes dos sistemas polticos ao longo do planeta. Um dos pilares metodolgicos dos autores a mescla de teoria e utilizao de surveys (pesquisa de opinio com indivduos) para anlise emprica. Desse modo, colaboram para maior consistncia cientfica nos estudos de cultura poltica, ao renegarem fontes de anlises baseadas em esteretipos e preconceitos, como o carter nacional dos povos e passarem a
168 utilizar material emprico com validade cientfica, tendncia acompanhada pelos estudos da rea at dias atuais. A tese geral de Almond e Verba de que existem diferentes nveis de aceitao e sustentao democrtica nos pases devido s suas diferenas no que concerne cultura poltica. Para os autores, alguns pases teriam uma cultura poltica mais favorvel a emerso e sustentao democrtica, ou seja, uma cultura poltica pr-democrtica, que eles denominam cultura cvica. Esse tipo de cultura teria se desenvolvido com mais fora nos Estados Unidos e na Gr-Bretanha, o que a explicao geral para que, nesses pases, as orientaes e atitudes democrticas e o tempo de democracia existente nos pases sejam maiores que no Mxico, Alemanha e Itlia, o que comprovam com testes estatsticos dos dados resultantes dos surveys aplicados nos pases analisados. Suas argumentaes tericas serviam, na poca, como contraponto s vises de Lipset (1963) e Converse et al (1964) que sustentavam haver associao entre modernizao e existncia de democracia, ou seja, quanto mais modernizao, maior chance de se ter democracia. Para os autores, a realidade no corroborava com a teoria: em pases com alto nvel de escolaridade, renda e expectativa de vida, como Frana e Alemanha, consideravam haver democracias instveis. Destacam ainda que pases perifricos da Amrica do Sul, sia Oriental e Sul da Europa vivenciaram seus maiores perodos de crescimento econmico tendo como leme dos rumos do Estado governos ditatoriais. Inglehart (1990; 1993) segue o mesmo vis terico de Almond e Verba e adiciona elementos explicativos para um tratamento culturalista mais consistente para o fenmeno da democratizao. Dois aspectos so importantes para ele nesse processo: substituio gradual de valores materialistas por ps-materialistas e mobilizao cognitiva. Quanto ao primeiro aspecto, observa uma tendncia substituio gradual de valores materialistas (tipo de valor cuja nfase em segurana fsica e econmica) para valores ps- materialistas (tipo de valor cuja nfase na auto-expresso, como defesa de meio ambiente, homossexuais, maior participao e atitudes polticas no-convencionais, como protestos e greves), medida que as sociedades se industrializam e se modernizam. Constri testes estatsticos com dados de surveys aplicados em vrios pases e observa comportamento mais crtico, no entanto mais apoiador do sistema democrtico e suas instituies, por parte dos ps-materialistas. Em relao mobilizao cognitiva, afirma que maiores nveis de educao e de aglomerao de trabalhadores em setor tercirio induzem a uma maior participao na vida poltica, pois capacita e instiga os indivduos a participarem do processo decisrio.
169 Alfabetizao estaria ligada a altas taxas de votao e desejo de mudanas especificas na poltica e o trabalho em setor tercirio, onde a necessidade de inovao e autonomia de julgamento so condies necessrias, ajudaria nua maior inclinao a participar do processo decisrio da poltica. Inglehart acredita que ambos os processos tm transformado as bases de massa da poltica nas sociedades industriais ocidentais nas ltimas duas dcadas, pois os povos esto mais propensos a quererem instituies democrticas e mais articulados e preparados a pressionarem para obt-las. Mas mudanas nas capacidades e valores de massa no so os nicos fatores que importam, pois uma elite determinada pode reprimir demandas pblicas por democratizao por longo tempo. No entanto, medida que a sociedade industrial amadurece, os custos da represso aumentam, afirma. A associao entre modernizao e democracia tambm rechaada por Inglehart. De acordo com o autor, apesar de haver uma correlao entre desenvolvimento econmico e democracia estvel, o vnculo quase inteiramente devido ao fato de que desenvolvimento econmico leva ao surgimento de uma cultura poltica pr-democrtica. A utilizao do vis terico culturalista e o rechaamento da associao entre modernizao econmica e democracia, inicialmente explorado por Almond e Verba (1963) e utilizado por Inglehart (1990; 1993) so pontos em comum nas anlises dos autores. No entanto, nem s de convergncia a relao entre as obras dos cientistas envolvidos. Tambm h espao para contradies e uma significante se refere ao tipo ideal de cidado para existncia de uma democracia estvel. Almond e Verba consideram que uma democracia de sucesso e estvel ocorre quando se tm cidados ativos e envolvidos na poltica, informados sobre a mesma e que acreditam ter influncia nesse campo. Os estudos e dados disponveis aos autores revelavam, porm, um gap entre percepo de capacidade de ser ativo, conhecedor e entendedor da poltica e a projeo disso na prtica: mesmo na Gr-Bretanha e Estados Unidos, a maioria dos cidados se mostravam apticos com relao poltica, tendo pouco envolvimento e informaes precrias sobre a mesma. Esse cenrio, apesar de primeira vista parecer ser desolador, o ideal, pois prov s elites polticas o poder que ela necessita para tomar decises e, ao mesmo tempo, revela cidados com reserva de influncia na poltica, ou seja, dotados de capacidade de envolvimento e percepo de influncia na poltica, o que tpico da cultura cvica, destacam os autores. Inglehart (1999), por sua vez, destaca que cidados com atitudes polticas no- convencionais (aqueles favorveis e praticantes de greves, boicotes, protestos, etc.) apresentam comportamento mais crtico ao regime e instituies democrticas, mas so os
170 mais ligados aos ideais democrticos. Desse modo, quanto mais cidados com tais tipos de atitudes, melhor para a democracia, conclui o autor. Essas consideraes vo de confronto s de Almond e Verba (1963) anteriormente explicitadas, pois atitude poltica no-convencional implica em ativismo e envolvimento com poltica, cenrio no propcio para se obter uma democracia de sucesso e estvel, de acordo com os autores. Desse modo, pode-se dizer que ativismo x passividade dos cidados em relao poltica e seus efeitos para o sucesso da democracia um ponto de tenso entre essas duas importantes referncias da vertente terica culturalista. Outro ponto de contradies tericas nos estudos culturalistas sobre democratizao se d entre Inglehart (1993) e Muller e Seligson (1994). Para o primeiro, como j destacado anteriormente, trs fatores esto associados existncia de democracia: cultura cvica; mobilizao cognitiva (medido em porcentagem de trabalhadores no setor tercirio) e modernizao econmica. O primeiro fator o estatisticamente mais forte ligado a anos de democracia contnua; mobilizao cognitiva tem efeito mais modesto e os efeitos da modernizao econmica totalmente mediado por cultura cvica. Desse modo, cultura cvica seria grande varivel explicativa para existncia de democracia. Para Muller e Seligson, h um erro de causalidade no modelo terico de Inglehart: no seria a cultura cvica geradora de democracia e sim o inverso, sendo cultura cvica efeito da existncia de democracia. Se o que Inglehart expe fosse correto, diferentes nveis de cultura cvica gerariam diferentes nveis de desenvolvimento de democracia, ou seja, alto ndice de cultura cvica levaria a alto desenvolvimento democrtico e vice-versa. Utilizando ndice de cultura cvica e de nvel de democracia elaborado pela Freedom House, observam que o primeiro fator no tem efeito significante sobre o segundo. Sendo assim, os autores criam um modelo alternativo para entender processo de democratizao, onde cabe especial destaque a igualdade de renda. Utilizando o nvel de democracia de pases elaborado pela Freedom House como varivel dependente, observam que desigualdade de renda dos pases fator estatisticamente forte: um aumento de dez pontos percentuais na desigualdade de renda provoca queda de dezesseis pontos no nvel de democracia. Desse modo, um elemento econmico surge como varivel explicativa para existncia de democracia e cultura cvica aparece mais como efeito que como causa no processo de democratizao. Em suma, e apesar de algumas divergncias internas, pode-se considerar que os estudos da vertente terica da cultura poltica se caracterizam por colocar as opinies, atitudes e comportamentos individuais como aspectos relevantes, e muitas vezes principais, para compreenso dos processos polticos em geral. Esse foco no indivduo levou a mais uma
171 caracterstica dessa vertente terica: a conciliao entre teoria e empiria, que se d atravs de realizao e utilizao de dados de survey, que so pesquisas de opinio aplicadas com indivduos, atravs de uma amostra probabilstica. A convergncia desses dois mtodos confere a essa vertente terica slida validade cientfica, pois, de certa maneira e com certas limitaes, o conflito terico gerador da investigao cientifica pode ser explorado empiricamente, possibilitando maior legitimidade aos resultados das investigaes cientficas.
3- Os tericos da crise A partir da dcada de 70, alguns cientistas que denominamos de tericos da crise observaram que teorias culturalistas e realidade no estavam compatveis: ao contrrio do que essas teorias afirmavam, a democracia no estaria bem, inclusive em pases com longa tradio democrtica e mais afeitos a uma democracia sustentvel. Tal pensamento tinha como base a grandes ondas de protestos e baixos ndices de aprovao de governos, servios e instituies democrticas em vrios pases, dentre eles os Estados Unidos. Tudo isso, para esses cientistas, significava um sintoma de que a democracia estava se quebrando em alguns pases, que o regime democrtico no era capaz de dar conta de novas demandas de sociedades complexas. Consideramos que os tericos da crise no constituam uma vertente terica, grupos de estudos, ou algo parecido. Nota-se isso facilmente, pois temos como expoentes J urgen Habermas e Samuel Huntignton, que utilizam em seus trabalhos bases tericas completamente distintas um do outro. No entanto, o motivo de agrup-los em nico movimento se d pela considerao de que suas argumentaes convergiam-se em um ponto central: as demandas vindas dos cidados vinham aumentando e a capacidade do governo de realizar seus objetivos vinha caindo, devido ao baixo crescimento econmico. Todo esse movimento culminaria em quebra das democracias. Durante aproximadamente um quarto de sculo aps Segunda Guerra Mundial, os pases da Europa Ocidental, Estados Unidos e J apo experimentaram virtuosos ciclos de crescimento econmico, expanso de melhorias sociais e exitosa resistncia s idias polticas da Unio Sovitica, sob comando de regimes democrticos, afirmam Crozier, Huntington e Watanuki (1975). Esses sucessos passados da democracia, afirmam os autores, seriam a causa de seu provvel fim durante a dcada de 70. Todo esse ciclo virtuoso possibilitado pelos governos democrticos gerou modificaes nas tendncias de comportamento dos cidados desses pases, o que causou sobrecarga de demandas em relao aos governos, impedindo seu bom
172 funcionamento. Para os autores, o fim desse processo levaria quebra da democracia, que seria substituda por governos provincianos, populistas e nacionalistas. Para Habermas (1973), a crise econmica vivida por alguns pases na dcada de 70 era resultado de contradies no processo de acumulao de capital, o que levaria a uma crise econmica. Para o autor, crises econmicas so preditoras de crises sociais porque desmascaram a oposio de classes e com isso contribuem para crtica da ideologia de mercado, ameaando integrao social existente. Todo esse movimento levaria a uma crise de legitimidade da democracia, o que corroboraria para seu fim. Os cientistas destacados construram as argumentaes tericas acima, como j destacadas, tendo como base observaes da realidade, que lhe indicavam haver sintomas de que as democracias estavam se desfacelando. No entanto, a mesma realidade que invocam para teorizarem a que desmorona a legitimidade de suas argumentaes: apesar de todas as turbulncias vividas pelos governos, a democracia se manteve intacta e at com maiores ndices de aprovao, como demonstra alguns estudos, como o de Inglehart (1999).
4- Teoria econmica da democracia Um dos primeiros tericos a destacar importncia de fatores econmicos para sustentao da democracia foi Lipset (1967). O autor considera que dois fatores so cruciais para conformao de um ambiente de democracia estvel: desenvolvimento econmico e legitimidade (valorizao das instituies, sendo consideradas certas e adequadas pelo pblico). No que concerne ao papel do desenvolvimento econmico, o autor entende que, quanto mais prspera for uma nao, maiores sero as possibilidades de que ela sustente uma democracia. Sociedades divididas entre grande massa pobre e pequena elite favoreceriam existncia de oligarquias (domnio ditatorial de pequeno estrato superior) ou tiranias (ditadura da base popular). Para testar empiricamente sua teoria, Lipset utiliza vrios ndices de desenvolvimento econmico (riqueza; industrializao; urbanizao e educao) e extrai mdias, comparando- as com status democrtico construdo por ele de uma gama de pases (democracias estveis; democracias instveis e ditadura; democracia e ditaduras instveis e ditaduras estveis). Em cada caso, a riqueza mdia, os graus de industrializao e urbanizao e nveis de educao apresentam-se mais elevados em pases classificados com maior status democrtico. [...] todos os vrios aspectos do desenvolvimento econmico - industrializao, urbanizao, riqueza e educao encontram-se to estreitamente inter-relacionados que formam um fator predominante na correlao da democracia (LIPSET, 1967: 57).
173 O desenvolvimento econmico, alm de influir na conformao geral do sistema poltico, tambm teria influncia em outros aspectos pertencentes esfera poltica. Um exemplo seria na configurao da luta de classes. Nveis satisfatrios de desenvolvimento econmico permitiriam aos componentes dos estratos inferiores que desenvolvessem perspectivas de luta em longo prazo e concepes mais complexas e gradualistas da poltica. Nesse cenrio o extremismo poltico no se desenvolveria como fora relevante. A utilizao de fatores econmicos como os significantes para sustentao de democracias foi retomado ao longo da dcada de 70, mas sob nova roupagem, sob distinto ponto de vista, pela teoria da escolha racional, que passava a se tornar predominante no campo acadmico (INGLEHART, 1993). A teoria da escolha racional, de acordo com Figueiredo (1991), entende que as escolhas coletivas ou os resultados destas tm que ser compreendidas a partir de escolhas individuais em determinado contexto institucional, com propsito de atingir os objetivos individuais. No se considera que o homem age o tempo todo racionalmente, mas que potencialmente capaz de assim agir, ou seja, se as condies permitirem, o homem deve, tanto no sentido normativo quanto prospectivo, agir racionalmente. Desse modo, o autor considera que racionalidade no atributo nem estado humano, algo que se exerce. Em relao ao social, a teoria da escolha racional entende que, ao agirem e interagirem, os indivduos tm planos coerentes e tentam maximizar a satisfao de preferncias, ao mesmo tempo em que tentam minimizar os custos envolvidos. Em suma, aes e comportamentos so influenciados por racionalidade e utilitarismo individual Em relao democratizao, em geral, os autores da escolha racional consideram que a cultura irrelevante para explicar existncia e sustentao das democracias. O fator-chave seria a adeso estratgica, ou seja, existiria a democracia por conta de conjuno de interesses prprios relacionados a isso (Przeworski, 1994; Cheibub, Limongi e Przeworski; 2003). A democracia, para Przeworski (1994), um sistema de resoluo de conflitos em que os resultados dependem do que os representantes fazem, mas nenhuma fora tem condies de controlar sozinha os acontecimentos. Os resultados so sempre incertos e essa incerteza que permite a ao instrumental: como os atores podem atribuir probabilidade s conseqncias de suas aes, eles desenvolvem expectativas e calculam o que melhor para se fazer. Desse modo, a incerteza que os atiram ao jogo democrtico. Em relao aos compromissos normativos ligados democracia, afirma que os mesmos so pouco freqentes e irrelevantes, no sendo necessrio explor-los para compreender seu funcionamento.
174 Para Cheibub, Limongi e Przeworski (2003), a democracia sobrevive porque mais vantajoso para as foras polticas relevantes, pautando suas aes por puro interesse prprio, obedecer ao veredicto das urnas que fazer qualquer outra coisa. Os perdedores podem ter incentivos em curto prazo para rebelar-se, no aceitando os resultados, mas se existir uma possibilidade de ganhar as eleies futuras e os benefcios dessa vitoria forem grandes o suficiente, perdedores preferiro aceitar o veredicto das urnas no futuro. Nesses termos, a democracia um equilbrio porque as diferentes foras polticas relevantes consideram que obedecer aos seus veredictos atende melhor seus interesses. A cultura de um povo algo importante, mas no para se entender o processo de democratizao, afirmam os autores destacados acima. Atravs de testes estatsticos utilizando, em grande parte, dados agregados, constatam empiricamente que traos culturais mais bvios, tais como religio dominante, tem pouca importncia para a emergncia e durabilidade das democracias. Disso decorre que, embora possa haver razes para esperar que culturas importem, o material emprico disponvel prev pouco apoio para a concepo de que democracia requer cultura democrtica. O que seria relevante para sustentao democrtica? Cheibub, Limongi e Przeworski (2003) respondem que esse movimento est ligado exclusivamente a riqueza das naes. Quanto mais rica a nao, maior a probabilidade da democracia persistir. Em pases pobres, o valor de tornar-se um ditador e o custo acumulado da destruio de estoques de capital mais baixo. Em naes ricas, o ganho de conseguir-se tudo ao invs de uma parte de renda total mais baixo e a recuperao da destruio mais lento. Como resultado, a luta pela ditadura e a rebelio mais atraente em naes pobres. Para eles, em pases pobres, a democracia ser subvertida tanto por funcionrios pblicos quanto por outros atores polticos relevantes; pases com nvel mdio de riqueza sero subvertidos por perdedores do sistema e no pelos ocupantes de seus cargos e, em naes ricas, a democracia era total apoio. Os autores fazem analises empricas em 135 pases, com dados de renda per capita e crescimento econmico relativos aos anos de 1950 a 1990 e observam que nunca a democracia foi subvertida em pases com renda per capita correspondente da Argentina em 1976. A exceo se d em pases muito pobres (renda per capita menor que U$1000), onde a elevao da renda dos cidados concede maiores chances da democracia sobreviver em pases um pouco menos pobres (renda per capita entre U$1000 e U$3000). Para testar a validade dessa argumentao, os autores predizem resultados de anos de durabilidade de democracias nos pases com base em suas riquezas. A correlao entre as propores de tempo preditas e observadas de 0,91.
175
Tabela 1- Riqueza e expectativa de durabilidade de democracias Riqueza Expectativa de durabilidade de democracias Menos de U$1000 Pouco superior a 8 anos De U$1000 a U$2000 Em torno de 18 anos Mais de U$6000 Possibilidade de durabilidade eterna Fonte: CHEIBUB, J os; LIMONI; Fernando; PRZEWORSKI, Adam. Democracia e cultura: uma viso no-culturalista. Lua Nova, 58, 2003.
Por fim, cabe destacar que a teoria da escolha racional, em geral, entende o comportamento humano tendo como base motivaes pessoais do individuo, visto como um sujeito que age racionalmente dado um contexto, procurando maximizar seus ganhos e minimizar seus riscos. O mtodo empregado tambm consiste na adio de teoria, com forte vis economicista, o que leva alguns autores a enxergar a invaso do homo economicus nas cincias sociais (BAERT, 1997), com empiria, se utilizando mais de dados agregados e relevando os surveys aplicados diretamente com cidados, ferramenta muito utilizada pelos culturalistas. No processo de democratizao, entendem que os fatores-chave so os benefcios e custos econmicos de se manter ou no a democracia, fatores que mediaro o calculo de comportamento das foras polticas relevantes. Por conta disso, classificamos os estudos aqui citados como pertencentes a uma teoria econmica de democracia.
5- Teorias neo-institucionalistas O neo-institucionalismo algo novo nas academias. Hall e Taylor (2003) destacam que tal modelo surge na dcada de 80, em contraposio a concepo behaviorista que foi predominante nas dcadas de 60 e 70. Com a emerso dessa vertente terica, pode-se dizer que o Estado e suas instituies passaram a ganhar importncia explicativa antes desprezada. Desse modo, nos anos 80, os cientistas polticos, nas palavras de Newton (1999), trouxeram o Estado de volta. Hall e Taylor (2003) no observam nos estudos neo-institucionalistas um mtodo e argumentos tericos unificados e uniformes, observando trs ramificaes dentre os estudos neo-institucionalistas: neo-institucionalismo da escolha racional, histrico e sociolgico. Desse modo, apesar de se distinguirem das demais vertentes tericas por considerarem que instituies so relevantes nos processos sociais e polticos, no se focam somente nessas para
176 explicar esses fenmenos. Pode-se considerar que, em geral, os estudos neo-institucionalistas utilizam gama variada de elementos explicativos em suas investigaes cientficas, como aspectos culturais, por exemplo. Os neo-institucionalistas no possuem a ambio de formular teorias gerais para explicar fenmeno da democratizao, se limitando a estudar o quanto existncia e funcionamento das instituies influenciam em aspectos importantes do sistema democrtico, como confiana social e institucional, satisfao com democracia, etc. O estudo de Norris (1999b) possui essa caracterstica exposta acima. A autora analisa efeitos de configuraes institucionais para nvel de confiana institucional e conclui que diferentes arranjos institucionais geram diferentes nveis de confiana e satisfao com democracia. Observa que os ganhadores (ou seja, os que so simpatizantes ou filiados a partidos polticos que esto no poder) possuem maior confiana institucional que os perdedores e que essas diferenas de confiana so mais acentuadas em pases onde um nico partido teve o poder por longo perodo de tempo, caso do J apo, Mxico e Itlia. Encontra associao estatstica significante tambm entre pases com mais de dois partidos relevantes e maior confiana institucional, quando comparado com pases com somente um partido relevante, indicando que configurao dos sistemas partidrios influencia nos nveis de confiana. Quanto ao nvel de direitos polticos e civis, os dados indicam que pases que possuem maiores ndices desses direitos possuem cidados mais satisfeitos com democracia existente. Por fim, seu estudo aponta que pases com organizao unitria e com sistemas eleitorais majoritrios possuem cidados com maior confiana institucional que pases com organizao federativa e sistemas eleitorais proporcionais. O que esse estudo de Norris consegue nos evidenciar que funcionamento, arranjos e existncia de determinadas instituies so relevantes para dois aspectos essenciais da democracia: confiana institucional e satisfao com democracia existente. No entanto, a autora no exclui fatores sociais da anlise e observa que tambm so relevantes: pessoas mais idosas, com maior nvel de escolaridade e do sexo feminino so os que possuem maiores nveis de confiana institucional. Seligson (2002) explora os efeitos de um aspecto do mau funcionamento das instituies na legitimidade do regime democrtico: a corrupo. O seu estudo uma tentativa de se entender as conseqncias da corrupo para alm dos aspectos j destacados por economistas, como diminuio de numero de negcios e investimentos, reduo do crescimento econmico, aumento dos custos e da qualidade dos servios prestados, etc. Vai contra a viso funcionalista do fenmeno, que considera a corrupo algo positivo em pases
177 perifricos autoritrios, pois funcionaria como oposio ao regime, como forma de coeso social entre corruptor e corruptvel e garantiria participao poltica dos indivduos no poder (HUNTINGTON, 1968). Seligson possui viso semelhante a estudos que considera a corrupo um pssimo elemento para a um regime poltico, pois contribui para problemas como clientelismo, nepotismo e desconfiana m relao ao regime e suas instituies. Mas o que se entende por legitimidade? Seligson baseia-se na tese de Norris (1999a; 2006), que considera ser essencial um regime possuir relevante apoio a cinco dimenses da esfera poltica para um regime ter sustentao, ou seja, legitimidade: apoio a comunidade poltica e a princpios bsicos do regime; moderada avaliao do desempenho do regime; de instituies do regime e de atores polticos. Essa tese um avano s idias iniciais de Easton (1965), que afirmava que, para um regime poltico ter legitimidade, era necessrio haver apoio difuso (adeso a valores democrticos) e apoio especfico (satisfao com democracia existente). Seligson (2002) pesquisa alguns pases da Amrica Latina (Nicargua, El Salvador, Paraguai e Bolvia) e cria um ndice de experincia com corrupo, relativo a contato dos cidados com prticas de corrupo e um ndice de legitimidade do regime, a partir de variveis que exploram as cinco dimenses relativas legitimidade do regime, explicitadas acima. Os testes mostram que maior experincia com corrupo do cidado est associada com menor legitimidade democrtica, sendo estatisticamente significante em todos os pases pesquisados. Tambm encontra associao entre maior experincia com corrupo e menores nveis de confiana social, em comparao com os que possuem menos experincia com corrupo, no sendo a associao estatisticamente significante apenas no Paraguai. Os resultados corroboram com a hiptese geral do autor, de que corrupo gera alto nus poltico aos regimes democrticos, alm dos j explicitados nus econmico. Os dados, portanto, indicam o quanto defeces das instituies, nesse caso de aspecto normativo (transgresso das normas, estabelecidas por aes desviantes, ou seja, corrupo), podem ser relevantes para processos polticos.
6- Teoria do Capital Social Os interesses nos estudos dos processos de democratizao passam a receber flego renovado nas ltimas dcadas devido emergncia de uma nova vertente terica que aborda aspectos do tema. Se na dcada de 80 os cientistas polticos trouxeram o Estado de volta, na dcada de 90 a fraternidade que posta em destaque (NEWTON, 1999). Fraternidade que
178 tambm entendida como capital social, sociabilidade e capacidade de cooperao e reciprocidade. O que se entende por capital social? De acordo com a literatura especializada, capital social estaria relacionado com interao social, com sociabilidade (participao em associaes, clubes, movimentos, etc.). Seria um bem pblico, um subproduto de atividades socas, o que o diferencia do capital convencionalmente estudado, o capital econmico. O interesse em se estudar o capital social reside na suposio de que uma maior ou menor intensidade do mesmo refletiria nos processos polticos e sociais, influindo na direo e caracterstica de seus resultados (FUKUYAMA, 1996; PUTNAM, 2000). Os autores ligados a essa vertente terica buscam investigar os efeitos do capital social em certos aspectos do regime democrtico e no explorar os determinantes para ascenso e queda e sustentao das democracias, ou seja, no se busca formulao de uma teoria geral da democratizao, como o caso da teoria da escolha racional e da cultura poltica, mas maiores entendimentos de aspectos inerentes a um regime democrtico, como avaliao de instituies, confiana social e institucional, dentre outros elementos. Isso a aproxima da teoria neo-institucionalista, que possui as mesmas caractersticas, como destacado acima. esse o caminho que segue Putnam (2000), que investiga as razes para diferenciao de avaliaes a respeito do desempenho institucional na Itlia. Busca primeiramente associao entre modernidade econmica e avaliao de desempenho institucional e encontra correlao de 0,77, o que pode ser considerado um bom patamar. No entanto, ao explorar com mais detalhe os dados, o autor observa diferenas acentuadas nas avaliaes do desempenho institucional em regies da Itlia com semelhante modernidade econmica. Por exemplo, dentre as regies consideradas ricas, algumas regies com maior nvel de riqueza que outras apresentavam pior avaliao de desempenho institucional. Essa observao o leva a adicionar um fator social, o nvel de capital social, como elemento explicativo. Desse modo, o autor indica que o capital social relevante para gerar determinados contextos polticos e sociais numa sociedade, descartando o argumento de que somente fatores econmicos ou desenvolvimento econmico relevante, como j indicavam os culturalistas. Explorando dados de survey aplicados entre conselheiros regionais, lderes comunitrios e eleitores dentre 1970 e 1989, Putnam observa associao entre maior nvel de capital social e comportamento poltico cvico e pr-democrtico, como maior nvel de participao eleitoral; maior intolerncia ao clientelismo; relao menos distante e elitista entre representantes e representados; sentimento de influncia no sistema poltico e maior satisfao com a vida.
179 Aquelas regies onde o nvel de capital social apresentava-se maior eram as que apresentavam com maior intensidade essas caractersticas. Em muitas regies da Itlia existem muitas orfenicas, clubes de futebol, clubes de ornitfilos e Rotary Clubes. A maioria dos cidados dessas regies acompanha atentamente os assuntos comunitrios nos jornais dirios. Eles se envolvem em negcios pblicos, mas no devido poltica personalista ou clientelista. Confiam em que todos procedam corretamente e obedeam as leis. Nessas regies os lideres so razoavelmente honestos. Acreditam no governo popular e dispe-se a entrar em acordo com seus adversrios polticos. Tanto os cidados quanto os lideres entendem que a igualdade congenial. As redes sociais e polticas se organizam horizontalmente e no hierarquicamente. A comunidade valoriza a solidariedade, o engajamento cvico, a cooperao e a honestidade. O governo funciona. No admira que nessas regies o povo seja contente! (PUTNAM, 2000: 128).
Putnam (2000) considera tambm que o capital social importante gerador de confiana social, por acreditar que as bases desse tipo de confiana se encontram em reciprocidade e participao cvica, elementos ligados a capital social. Quanto reciprocidade, acredita que um pas ou regio que apresenta elevado intercmbio social, de forma horizontal (congregando agentes que possuem mesmo status e poder) ou vertical (congregando agentes desiguais em relaes de hierarquia e dependncia) torna possvel a expanso de informaes a respeito do outro, gerando ento mais confiana social. Em relao participao cvica, acredita que quanto mais se participe de associaes, movimentos, clubes, dentre outros aspectos, mais fcil ser a cooperao em beneficio mtuo. Rose e Weller (2001) investigam a relao entre capital social e adeso a valores democrticos. Para mensurar a importncia desse aspecto para a adeso a valores democrticos, os autores incluem outros fatores entendidos pela literatura especializada como relevantes para testar a fora relativa do capital social, sendo eles capital humano, recursos econmicos e atitudes cvicas. Os resultados dos testes indicam que capital social o elemento menos relevante nessa relao, mas, porm, estatisticamente significante. Baquero e Santos (2007) corroboram com a idia de que confiana social e participao cvica so elementos geradores de maior nvel de capital social. Analisando
180 dados de surveys aplicados a trs importantes cidades da America Latina, Porto Alegre (Brasil), Santiago (Chile) e Montevidu (Uruguai), observam que existe uma associao entre elementos do capital social e adeso a aspectos democrticos: h associao entre alto ndice de confiana social e satisfao com democracia; confiana no presidente e crena de que o melhor para se resolver os problemas do pas maior participao popular nas decises polticas. Desse modo, afirmam que o trabalho mais uma evidncia de que a tese de Putnam (2000), que afirma existir forte relao entre capital social e democracia. Assim como a teoria da cultura poltica, a teoria do capital social tem nos indivduos sua base de anlise e os entende ser o elemento capaz de promover diferenciaes e modificaes nos processos sociais e polticos. Alm disso, possuem o mesmo elemento emprico de anlise, que a utilizao de dados de survey. No entanto, algumas diferenciaes so visveis. Primeiramente, a ambio dos estudos culturalistas so maiores, pois (1) procuram dar explicaes para o processo de democratizao, dar respostas a causas de emerso e sustentao de democracias, alm de (2) explicar diferentes nveis de avaliao, confiana e satisfao entre pases, estratos sociais e tipos sociais distintos. J os estudos de capital social s se focam no segundo elemento. Outra distino se d no foco da anlise: enquanto os culturalistas focam-se em diferenciaes sociais e de comportamento poltico, ou seja, observam as caracterstica individuais, os estudos de capital social tm como foco a interao social, os indivduos em intercmbio, em contato, em ao. Ou seja, focam-se acreditam que a interao humana (ou a falta dela) explica diferenciaes comportamento dos atores e nos processos sociais e polticos.
7- Consideraes finais A leitura dos pressupostos tericos bsicos das principais obras de referncia de cada vertente terica elencada nos leva a observao de que o estudo do processo de democratizao, ao contrrio do que ocorre com muitos outros objetos de estudo das cincias sociais, se d de forma a explorar bastante o aspecto emprico, atravs de surveys ou analise de dados agregados, aliado ao trabalho terico. A exceo cabe aos tericos da crise, que se caracterizam por terem obras fortemente tericas, com base e observaes da realidade de forma bastante subjetiva. Mas nem tudo converge entre as teorias abordadas, sendo alguns pressupostos tericos inconciliveis. o que ocorre entre a teoria da escolha racional e da cultura poltica. A primeira considera que os processos polticos e sociais tm como origem e fora geradora os interesses e vontades humanas, advindas da anlise racional de ganho. No caso da
181 democratizao, o fator levado em conta racionalmente pelos indivduos seria o desenvolvimento econmico, mais especificamente a riqueza. Em pases pobres, o que se teria a perder no seria muito, sendo ento mais propicio a emerso e queda contnuas de democracia ou de existncia de regime autoritrio. Em pases ricos, como se tem muito a perder com queda de regime, seriam os lugares com menos propenso a queda de democracias e existncia de democracia estvel. J a os tericos da cultura poltica observam que o que explica existncia ou no de democracia em pases so as caracterizaes da cultura poltica dos mesmos. Fatores externos aos indivduos seriam os relevantes, como anos de vivencia sob certo regime, nveis de escolaridade, de renda, tipos de atitudes polticas, etc. Nesse caso, as explicaes para o processo de democratizao residem nas configuraes sociais e culturais dos povos e no no agir racional maximizador de ganhos dos indivduos. A busca por uma explicao parcimoniosa, de um modelo de explicao simples contendo poucos elementos explicativos, deve ser sempre um objeto de busca dos cientistas sociais para explicao de algum fenmeno investigado (BABBIE, 1999). isso que procuram fazer os tericos da escolha racional mencionados no trabalho, apontando a riqueza das naes como primordial elemento explicativo do processo de democratizao (CHEIBUB, LIMONGI, PRZEWORSKI, 2003). No entanto, essa busca pela parcimnia atinge propores extremas nesse caso, pois parece ser evidente que a realidade no corrobora com a teoria. Os argumentos tericos dos tericos da escolha racional explicam vrios casos no mundo, mas no d conta de exemplos prticos clssicos, destacados por Gunther e Montero (2003): como explicar que a Argentina manteve-se num regime democrtico, mesmo sofrendo grandes perdas econmicas no comeo do sculo, durante o governo de Fernando de La Ra e alguns subseqentes? Como explicar consolidao da democracia na Espanha sob forte crise econmica e poltica, ao longo da dcada de 80? Como explicar que a China ainda uma ditadura, mesmo com fortes avanos no setor econmico e no aumento de riqueza do pas nas ltimas dcadas? No entanto, no somente a teoria da escolha racional que sofre com posies extremas que atrapalham a explicao do fenmeno em destaque. Apesar de no se considerar que os argumentos tericos dos culturalistas algo elitizado, como apontou seus crticos (INGLEHART, 1993), acredita-se que pode possuir um tom um pouco radical, quando alguns autores indicam que somente cultura poltica capaz de explicar diferenciaes de regime entre pases, caso de Almond e Verba (1963). As teorias capazes de elaborarem uma explicao geral para o processo de democratizao so somente a da cultura poltica e teoria econmica da democracia, as demais procuram
182 explicar somente alguns aspectos importantes do processo e regime democrtico, mas no possuem a pretenso de explicar o processo geral de democratizao. No caso das teorias de capital social, seus tericos demonstram que diferentes nveis de associativismo geram diferentes nveis de confiana social ou interpessoal e satisfao com a vida. No entanto, uma limitao deve ser destacada: necessrio ressaltar que seus efeitos sobre confiana poltica devem ser vistos com cautela. A literatura especializada no v consenso nesse aspecto, tendo os cticos dessa relao (NEWTON, 1999) e os que acreditam nessa associao entre capital social e confiana poltica (BAQUERO; SANTOS, 2007). Desse modo, pode ser que capital social seja relevante, mas somente para os aspectos e processos sociais e no para os polticos. Em relao as teoria neo-institucionalista, cabe destacar que de extrema relevncia para o estudo de aspectos essenciais do regime democrtico, uma vez que focaliza a idia de que funcionamento e existncia de instituies importam para o comportamento poltico dos cidados. Os dados contidos nesses estudos corroboram com a idia hipottica de que caractersticas das instituies importam, afinal de contas em relao a ela que os indivduos baseiam grande parte de seus interesses, aes e atitudes, pois somente elas podero lhe dar outputs almejados e esperados sob um regime democrtico. Por fim, cabe destacar que todas as vertentes tericas apresentam contribuies relevantes para a compreenso do processo de democratizao. No entanto, acredita-se que os argumentos dos culturalistas, que destacam a importncia dos valores e cultura poltica para conformao de certo tipo de regime, somado s consideraes dos neo-institucionalistas, de que funcionamento das instituies elemento importante, parecem fornecer explicaes mais robustas para o fenmeno em destaque, pois encontram mais evidencias na realidade. Desse modo, se considera que o caminho inicialmente traado por Easton (1965), de considerar argumentos culturalistas somados a neo-institucionalistas, o mais adequado para o estudo da democratizao.
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Uso e abuso de álcool e outras drogas à luz da saúde pública / Organizado por Artur Zimerman — Santo André, SP: Universidade Federal do ABC, 2017. 117 p. - (Desigualdade regional e as políticas públicas; v. 10)